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OBRA POE.TICA
Publicado por
Assírio & Alvim
www.assirio.pt
A 1.ª edição de Obra Poética foi publicada em 2010 em Lisboa, Editorial Caminho
A presente, 3.ª edição, é a primeira pela Assírio & Alvim
ISBN 978-972-37-1863-8
PREFÁCIO
CONTRIBUTO PARA
UMA BIOGRAFIA POÉTICA
1.
Talvez pela importância desta edição, iniciarei este texto retomando algumas
informações já anteriormente fornecidas e que têm que ver com o espólio
literário deixado, com descobertas e surpresas. Tentarei também estabelecer
algumas ligações entre obra literária e diversas situações biográficas que têm que
ver com pessoas1, nomeadamente outros escritores, espaços, períodos de vida.
Havia na casa da Travessa das Mónicas uma arca de cânfora que não estava
em nenhum dos escritórios da minha mãe mas sim, mais ou menos abandonada,
numa pequena sala de passagem. Não tinha chave, a tampa encaixava mal e, no
entanto, sem que ninguém o soubesse, escondia uma parte muito importante do
seu espólio literário. Foi por mero acaso que um dia, remexendo no conteúdo da
arca, dei pela existência de uma espécie de fundo falso. Debaixo de muitas
camadas de fotografias e de vários andares de tabuleiros estavam escondidos
vários cadernos, os mais antigos cadernos de poemas seus.
Vários destes cadernos contêm escritos datados entre 1933 e 1935/6; outros
contêm poemas que vão de 1936 a 1939 ou 1941. Alguns não têm capa, os
poemas são escritos a lápis ou a tinta permanente; há passagens quase ilegíveis.
Faz parte do conjunto «os mais antigos cadernos» um subconjunto que
podemos designar por «cadernos rasgados», por assim serem referenciados na
própria obra poética da Autora. Em O Nome das Coisas (1977) há dois poemas
intitulados «Caderno I» e «Caderno II», que contam a mesma história. Que um
dia, muito antes da publicação do primeiro livro, num ataque de descrença,
rasgou em mil pedaços os cadernos de poemas, e que um amigo os colou
pacientemente2. Eis parte do poema «Caderno II»:
[…]
Destes cadernos apenas havia notícia nos poemas publicados. São de facto de
capa preta de oleado e todas as folhas foram rasgadas em vários pedaços,
verticalmente e, por vezes, horizontalmente.
Podemos considerar que o primeiro destes cadernos é aquele em que a
própria autora escreveu, mais tarde, na folha de guarda, a seguinte indicação:
«Este caderno foi rasgado em 1938». Este é o mais minuciosamente rasgado.
Começa por várias folhas incompletas (nove), de que só ficou a metade
esquerda, pelo que apenas se pode ler, em cada uma, meio verso de um poema,
em que não são reconhecíveis partes de versos de qualquer um dos publicados.
São, portanto, poemas que se perderam. Alguns pedaços de folhas, não colados,
estão soltos no interior do caderno. A seguir vem um poema inédito, datado de
1936 e, datada de 4 de Outubro, provavelmente do mesmo ano, uma primeira
versão do poema «Mar Sonoro». Seguem-se vários poemas inéditos, não
datados, e várias versões de poemas éditos.
Encontram-se pois nos mais antigos cadernos os primeiros esboços de poesia
que remontam aos 12, 13 anos. Também é possível identificar as primeiras
grandes influências; e identificar várias versões de poemas futuramente
publicados, e verificar de que modo poemas ou fragmentos de poemas, ali
ensaiados, foram sendo utilizados em publicações muito posteriores, mesmo em
fases mais tardias.
Também aqui reconhecemos o modo como se vai criando uma linguagem
singular; encontramos as hesitações, as escolhas, enfim, a formação de um
vocabulário e formulação próprios. Por exemplo, o primeiro verso do poema que
inicia Dia do Mar (1947), «As ondas quebravam uma a uma», apresenta uma
diferença relativamente à versão manuscrita, na qual se lê «As ondas desabavam
uma a uma».
Se, mais tarde, a solaridade do Sul lhe vai aparecer como metáfora de uma
clareza fundacional, é porque se inscreve nesse impulso que sempre a levou a
limpar várias formas de excesso no uso das palavras. Isso se nota desde o início
e muito salientemente nas correcções que vai imprimindo aos rascunhos. Há, por
exemplo, um poema publicado em Dia do Mar sob o título «As Rosas», em que
é significativa a alteração do segundo verso da versão manuscrita para a versão
publicada: onde no caderno se lia: «todo o luar das noites vaporosas», passou a
ler-se, na versão publicada: «todo o luar das noites transparentes». O adjectivo
«vaporosas», de natureza mais simbolista, desaparecerá totalmente da sua
poesia, enquanto «transparente», menos sugestivo e brumoso, talvez mais
abstracto, ganha um lugar definitivo. Num dos cadernos rasgados, o datado de
1939, encontramos um longo poema escrito a lápis que foi deixado inédito, à
excepção de dois versos que mais tarde constituiriam o dístico publicado em O
Nome das Coisas. O poema intitula-se «Soror Mariana — Beja»:
ANJO
[…]
E o jardim evadido dos seus traços
Sobe cambaleando nos espaços
Mas também o mar, o mar das praias do Norte, é lugar inicial da poesia e da
formulação de um desejo de partir:
Para além das várias versões por que passaram alguns poemas ou outro tipo
de texto — com emendas, cortes, hesitações, até chegar à sua forma impressa —
encontramos, em esboço, curiosas resoluções sobre o que é publicado e o que
fica inédito. Aqui se vão desenhando as específicas características prosódicas,
assim como os motivos, os temas — noite, mar, jardim, praia, natureza, deuses,
amor, alegria, êxtase, morte —, e sobretudo o carácter intensamente visual que,
passando por várias fases, marcará sempre as recorrências temáticas e prosódicas
dominantes.
Eis um fragmento de um poema inédito de 1938, intitulado «Os Animais»,
onde a visualidade se tece de um carácter fantástico e algo surrealizante:
Comecei a escrever numa noite de Primavera, uma incrível noite de vento leste e Junho. Nela o
fervor do universo transbordava e eu não podia reter, cercar, conter — nem podia desfazer-me em noite,
fundir-me na noite.
No gume da perfeição, no imenso halo de luz azul e transparente, no rouco da treva, na quasi3
palavra de murmúrio da brisa entre as folhas, no íman da lua, no insondável perfume das rosas, havia
algo de pungente, algo de alarme.
Como sempre a noite de vento leste misturava êxtasi e pânico…
Para além de referir, como lugares de onde parte o primeiro impulso poético,
o jardim, a noite, o emergir da Primavera, esta espécie de depoimento coloca-nos
face a um dos traços mais fortes desta poesia e que constitui o coração do seu
excesso: o misto de assombro e pânico em que nela se profere o
deslumbramento. Esta é a polaridade que a acompanhará sempre, entre um lado
sombrio do mundo, a presença da degradação e da morte, e a luminosidade que
acompanha as coisas, apesar, ou devido, ao seu carácter mortal. Como se a luz
de assombro, por vezes doce, por vezes de faca, se precipitasse no abismo ou o
resgatasse, rodeando-o de um halo alucinado.
Recentemente encontrei, no espólio, um texto que presumo ser da década de
70, em que uma oposição entre solaridade e noite é também abordada:
Num dos textos mais curiosos entre os deixados inéditos, num dos cadernos
do espólio, é descrito um violento contraste entre uma claridade e serenidade
pré-natais e a irrupção dos perfumes da terra, do ardor e da inquietação:
A coisa mais antiga de que me lembro é uma tarde de Primavera em que eu talvez ainda não tivesse
nascido. Pelo menos não me lembro de estar ali — só me lembro da claridade difusa daquele quarto em
que a Primavera entrava. Uma calma infinita poisava sobre as coisas — como se fosse o princípio do
mundo e tudo estivesse ainda intocado.
E eu vi uma mulher alta e branca atravessar o quarto e abrir a janela. Um cheiro de terra e de rosas e
de tílias subia do jardim. Com certeza tinha chovido. Contra a luz os cabelos da mulher ficaram loiros e
eram como um halo de nevoeiro doirado. Mas havia nesse doirado um tal ardor, um fogo tão intenso e
tão secreto que toda a minha paz foi subitamente destruída4.
ou:
Outra das afinidades de juventude, e que deixa ecos na própria obra, é Ruy
Cinatti, poeta em quem Sophia reconhece aquela espécie de peregrinação
espiritual, neste caso expressamente cristã, que faz dele um grande poeta da
errância, geográfica e poética, um poeta de exaltação inquieta, no rasto de
Rimbaud. É sobretudo em Coral (1950) que, não só esta influência mais se faz
sentir, como a figura do poeta é convocada em imagens dispersas. Coral é um
dos livros mais enigmaticamente depressivos de toda a obra poética. Não penso
que tenha que ver com a actualidade biográfica, visto que muitos destes poemas
provêm de cadernos anteriores no tempo. Seja como for, domina-o, através de
vários motivos e modos, uma espécie de ansiedade de exílio relativa a um lugar
absoluto que parece sempre entrevisto na beleza das manhãs de mar, nos jardins
nocturnos, momentos fugazes e poderosos de que se alimenta um obstinado
desejo de partida e de recuperação. E é sobre esse desejo que o eco do poeta
emerge e que o carácter simbólico da figura de Ruy Cinatti, como poeta
peregrino, se desenha:
[…]
Partimos à aventura através de vozes e de gestos
Pressentimos paixões como paisagens
E cada corpo era um caminho.
Mas um se ergueu tomando tudo
E escorreram asas dos seus braços.
[…]
Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o Teu reino antes do tempo venha
E se derrame sobre a terra
Em Primavera feroz precipitado.
Num outro exemplar dessa primeira edição, o nome «Ruy Cinnati» (mesmo
com o erro ortográfico) aparece manuscrito, como título do poema.
Mais tarde, em Ilhas (1989), o poema «Ilha do Príncipe» traz em epígrafe
dois versos de um poema de Cinatti sobre essa mesma ilha «Suave, doce,
lânguida ilha», nomeando-o no incipit «A ilha do príncipe que o Ruy Cinatti
amou…»
Ainda sobre a relação poética com Ruy Cinatti há uma importante questão
relacionada com o poema «O Vidente», publicado em Poesia (1944). No
manuscrito, encontrado entre os primeiros cadernos e junto a vários que
constituiriam os poemas constantes de Coral, surge a indicação «A Ruy Cinatti».
Claro que esta indicação não significa necessariamente que o poema seja sobre
ele, mas estabelece um elo de ligação entre o poema e a pessoa. De resto, nesta
poesia, há muito poucas Dedicatórias explícitas, e quando existem relacionam-se
directamente com o conteúdo poético. Por outro lado, o poema foi inicialmente
publicado na revista Aventura, n.º 1, Abril de 1942, que Ruy Cinatti dirigiu. Não
é impossível, no entanto, admitir que o poema se presta a várias interpretações,
tanto mais que recentemente foi integrado numa antologia, organizada por José
Tolentino de Mendonça e Pedro Mexia7. Aí ele é entendido como um poema
sobre Deus. Embora compreendendo esta interpretação, não me inclino para ela.
Em todos os poemas de Sophia em que há um «Ele» ou um «Tu», referindo-se a
Deus, estes pronomes são grafados com maiúscula, o que não acontece aqui. Em
segundo lugar, não me parece muito provável que Sophia usasse o termo
«vidente» referindo-se a Deus, mesmo que na figura de Cristo, sendo, no
entanto, recorrente o seu uso referindo-se a poetas ou pintores, como o faz, de
modo sobejamente conhecido, sobre Maria Helena Vieira da Silva. E este modo
de designar a criação artística é consonante com a sua visão da poesia, sobretudo
nesse início dos anos quarenta, altura em que foi escrito o poema. A poesia era,
de facto, vivida por Sophia como «o Verbo», o sinal vivo de uma pátria
anunciada. O poeta seria o mensageiro, o formulador da boa nova, do «Autêntico
real Absoluto» de Kleist, e nisso havia algo de sacral. O dom visionário que
atribui aos artistas, aos criadores, pode ser identificado em passagens do poema
que se referem ao olhar da figura central de «O Vidente»:
[…]
Vimo-lo voltar das multidões
Com o olhar azulado de visões
[…]
(Poesia)
Devo referir que mais de uma vez a ouvi dizer: «O Ruy Cinatti é a própria
poesia». Por isso, valerá a pena ir um pouco além, ao seu entendimento da arte
poética. Esta ideia do poeta inspirado, o «habitado» por uma voz intemporal e
que o transcende, uma voz ela mesma visionária, coincide com a força
protagonizada pela voz poética evocada em «Epidauro 62»8 (Ilhas): «Oiço a voz
subir os últimos degraus / Oiço a palavra alada impessoal / Que reconheço por
não ser já minha». É seguindo este fio que é possível encontrar em «O Vidente»
a imagem do poeta, mesmo que a dimensão sacrificial que aí aparece o aproxime
de uma configuração crística. Aliás, quem conheceu Cinatti conheceu esse perfil
de poeta peregrino e também profundamente mendicante e profundamente
dorido. E quem conhece a força da inspiração religiosa da arte poética de Cinatti
compreende quanto «O Vidente» alude a uma figura algo messiânica, que
anuncia uma boa-nova que é simultaneamente cristã e poética. De resto, no
espólio há uma versão manuscrita de um poema inacabado sobre Cinatti,
cronologicamente coincidente com a sua morte, que começa:
… é a casa que surge no poema «Casa branca em frente ao mar enorme», no conto «A Casa» e em A
Menina do Mar9.
Mas sobre essa casa na duna dirá algo de mais central para a definição do
que liga esta vida e esta poesia:
Há na casa algo de rude e elementar que nenhuma riqueza mundana pode corromper, e, apesar do
seu halo de solidão e do seu isolamento na duna, a casa não é margem mas antes convergência,
encontro, centro.
Certamente a casa pensava, mas o seu pensamento era um pensamento branco e surpreso que só
muito lentamente se desligava da pedra, da madeira e da cal.
Algumas coisas são por natureza tão fluidas que são como o ar que não se vê, não se ouve e não se
toca. Assim o silêncio era o pensamento da casa, não um silêncio de vazio e de ausência, mas um
silêncio de atenção imóvel e de presença, afloração vagarosa. O mistério da casa.
Mas talvez que o poema «Casas» de Ilhas seja a melhor e a mais genérica
síntese desse modo poético de habitar:
CASAS
à Luísa Neto Jorge
AS CASAS
Dai-me a casa vazia e simples onde a luz é preciosa. Dai-me a beleza intensa e nua do que é frugal.
[…] Dai-me a claridade daquilo que é exactamente necessário. Que a vida seja limpa de todo o luxo e de
todo o lixo.
Esta casa foi o lugar onde o Verão algarvio começou a invadir a sua poesia.
Sobre ela é parte do Livro Sexto e os grandes poemas em prosa «Caminho da
Manhã» e «As Grutas». E sobre esta casa escreveu o poema «Manhã», publicado
em Geografia:
II
III
IV
Mas, sobretudo, amou a casa da Meia Praia, comprada pelo meu pai em 1980
à família Vaz Pinto, e onde a minha mãe passou os últimos catorze Verões da
sua vida. Esta foi a casa dos Verões com os netos, a quem ela pertence
actualmente. Lembro-me de como se ocupou dessa casa enorme, tentando
marcá-la com a sua própria simplicidade. Embora algumas características
iniciais não lhe agradassem — o mármore, de cor creme e baça, das casas de
banho e das salas, de uns azulejos azuis, etc. — gostava do chão dos quartos e
corredor, em tijolo cru e poeirento, e amou apaixonadamente os vários terraços
em tijolo claro, sobretudo o redondo, em forma de uma antiga eira e rodeado por
um muro caiado que o contorna semicircularmente, e a sua grande frescura
matinal. Muitas noites estive ali com ela a olhar as estrelas. E sobre essas noites
e essa contemplação escreveu um belo poema, já a dois anos de morrer, quando
a poesia se havia transformado numa exclamação, num murmúrio, numa
oração12. Neste terraço criou o seu canto, junto a um muro de hera, para onde
todas as manhãs trazia o chá porque adorava a enorme frescura que havia por ali
àquela hora.
OS AMIGOS
* * *
Ela pensou que a casa devia ser silenciosa, cheia de paz e branca, […] Ali parariam. Ali haveria
tempo para poisar os olhos nas coisas. […] Ali tudo seria demora e presença.
Tentou ver através da escuridão. Mas só se via escuridão. Ela, porém, pensou:
— Do outro lado do abismo está com certeza alguém.
E começou a chamar.
Isto passava-se num tempo em que a vida dos meus pais não era fácil e em
que a desilusão e a perda imperavam, a par de momentos de pura alegria que
sempre, apesar de todas as dificuldades, atravessou a vida deles. Momentos
retratados neste homem e nesta mulher do conto, tão atentos à vida, apesar de
perdidos:
— Ah! — disse ela —, mesmo perdida, vejo como tudo é perfumado e belo. Mesmo sem saber se
jamais chegarei, apetece-me rir e cantar em honra da beleza das coisas. Mesmo neste caminho que eu
não sei onde leva, as árvores são verdes e frescas como se as alimentasse uma certeza profunda. Mesmo
aqui a luz poisa leve nos nossos rostos como se nos reconhecesse. Estou cheia de medo e estou alegre.
… o canto
Que me corta a garganta;
(Livro Sexto)
Para além de um grande encontro poético, João Cabral foi um grande amigo
de toda a vida. Continuaram a encontrar-se em Lisboa, e no Porto, quando ele aí
viveu como Cônsul do Brasil. Não sei se João Cabral se encontrava no Brasil por
altura da primeira e exaltada viagem de Sophia àquele país, entre Maio e Junho
de 1966, onde também conheceu Manuel Bandeira, Carlos Drummond de
Andrade, Scliar, Dante Milano, Walmir Ayala, Vinicius de Morais, e
reencontrou José Paulo Moreira da Fonseca, Murilo Mendes16, e tantos outros,
nomeadamente descendentes de familiares, como conta em carta à mãe, escrita
por essa altura. Uma grande amizade feita no Brasil, nessa primeira viagem, foi
Helena Lanari, que haveria de reencontrar no ano seguinte em Lisboa e com
quem manteve correspondência durante algum tempo.
Muito embora Sophia tenha admirado no amigo João Cabral a grande mestria
no fazer o ritmo áspero, a sugestão de «coisa», a procura de Sophia de uma
palavra cada vez mais colada ao visível reforçará sempre e cada vez mais a sua
visualidade alucinada, como se pode ler em «Espera», poema de Geografia:
Deito-me tarde
Espero por uma espécie de silêncio
Que nunca chega cedo
Espero a atenção a concentração da hora tardia
[…]
É então que os espelhos acendem o seu segundo brilho
É então que se vê o desenho do vazio
É então que se vê subitamente
A nossa própria mão poisada sobre a mesa
[…]
Mas a sua arte não é só
Olhar certo e oficina
E nele como em Cesário
Algo às vezes se alucina
Também João Cabral de Melo Neto não fica imune ao contacto com a força
poética de Sophia. Para além do poema «Elogio de Usina e de Sofia de Melo
Breiner Andresen», publicado em A Educação pela Pedra, há uma passagem do
livro-poema Auto do Frade em que Sophia é referida, a propósito do «sol
inabitável», numa homenagem que surge num campo de vocabulário
deliberadamente sophiano:
ou:
NO DESERTO
Ambos os poetas centram obsessivamente a sua poesia na luz, uma luz «de
faca», uma luz que recorta minuciosamente as coisas, como se através delas
olhassem um fundo de enigma, como João Cabral o diz em «Diálogo»:
Referi Teixeira de Pascoaes, Ruy Cinatti e João Cabral de Melo Neto como
poetas que marcaram indelevelmente esta poesia. No entanto, com outros
grandes poetas manteve sempre um diálogo poético e de amizade. Referirei
apenas aqueles cuja obra a designa expressamente ou sobre os quais ela própria
escreveu.
Em primeiro lugar está Jorge de Sena, enorme amigo e confidente que, em
poema, perguntou: «Versos e filhos como os dás ao mundo?» A
interessantíssima correspondência entre ambos está, como se sabe, publicada.
Sobre ele Sophia escreveu o poema «Carta(s) a Jorge de Sena» (Ilhas), ao tomar
conhecimento da sua morte em Junho de 1978, que assim acaba:
[…]
Foi nesse tempo o tempo:
Longas tardes conversas demoradas
No extático fervor adolescente
Das grandes descobertas deslumbradas
Versos dança música pintura
Um mundo vivo em canto e em figura
Que a vida inteira ficará comigo
Agradecendo a graça do ter sido
[…]
NO MEU PAÍS
[…]
A casa enorme vermelha e desmedida
Com seus átrios de pasmo e ressonância
O mundo dos adultos nos cercava
E dos jardins subia a transbordância
De redodendros dálias e camélias
De frutos roseirais musgos e tílias
[…]
Havia o vaguear tardes inteiras
E a mão roçando pelas folhas de heras
Havia o ar brilhante e perfumado
Saturado de apelos e de esperas
O cardo floresce na claridade do dia. Na doçura do dia se abre o figo. Eis o país do exterior onde
cada coisa é:
trazida à luz
trazida à liberdade da luz
trazida ao espanto da luz
Isto nos tornou atentos a todas as formas que a luz do sol conhece
E também à treva interior por que somos habitados
E dentro da qual navega indicível o brilho
Sobre «a treva interior» que, não designada assim, tanto encontramos na sua
poesia inicial, falam, sobretudo a partir de Dual, os vários poemas sobre o
Minotauro, esse símbolo de um poder devorador que cada vez mais convoca a
presença da «fúria»:
[…] Gritei para destruir a sombra azul do Minotauro. Porque ele é insaciável. Ele come dia após dia
os anos da nossa vida. Bebe o sacrifício sangrento dos nossos dias. Come o sabor do nosso pão a nossa
alegria do mar.
(«Epidauro», Geografia)
[…]
Devastada era eu própria como a cidade em ruína
Que ninguém reconstruiu
Mas no sol dos meus pátios vazios
A fúria reina intacta
E penetra comigo no interior do mar
Porque pertenço à raça daqueles que mergulham de olhos abertos
[…]
(«O Minotauro», Dual)
Surgem, então, como protagonistas desta batalha, e da exaltação que lhe está
na origem, figuras terrestres ou subterrâneas que combinam solaridade e força: o
Python, o Minotauro, o touro, o cavalo. Há poemas que proclamam que o
Minotauro foi vencido ou o touro debelado, há poemas que constatam a vitória
do Python, a derrota da luz. Mas é sobretudo curiosa a referência às figuras do
touro e do cavalo, não apenas símbolos de força, mas também algo como o
«correlativo objectivo» de um erotismo poderoso ou, ainda e também, símiles de
uma obstinação quase ritualisticamente em luta «pessoal» contra o poder do
apodrecimento. Daqui se depreende que o encontro com lugares, figuras,
estátuas da Grécia é um encontro com o penedo de Eros, com essa face, com a
sua alegria e com as terríveis trevas aí vislumbradas. Mas é o Antinoos,
sobretudo o representado na estátua de Delfos, que se torna o mais poderoso
símbolo desse complexo de luz e sombra, de desejo e risco, em que se destacam
os já assinalados atributos do touro, do cavalo e também da vinha, recorrente e
antigo símbolo erótico. Eis alguns exemplos:
Noite diurna
Até à mais funda limpidez do instinto
Sob os teus cabelos em anel sombria vinha
[…]
[…]
Alheio o passo em tão perdida estrada
Vive, sem seres ele, o teu destino.
Inflexível assiste
À tua própria ausência.
(«Homenagem a Ricardo Reis V», Dual)
[…]
Quando o barco rolar na escuridão fechada
Estarás perdida no interior da noite no respirar do mar
Porque esta é a vigília de um segundo nascimento
[…]
Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio
Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente
(Livro Sexto)
O azul recorta os promontórios aureolados de glória matinal. Tudo está vestido de solenidade e de
nudez. Ali eu quereria chorar de gratidão com a cara encostada contra as pedras.
Muitos são os poemas que dão conta da ligação entre o fervor da vida e o
sentimento de revolta que tanta vez a tomou. O mais belo talvez seja «Esta
Gente», publicado em Geografia, e sobre o qual Frederico Lourenço escreveu
uma importante reflexão. Não vou por isso agora ater-me aos poemas de
temática política e social. Limitar-me-ei a lembrar duas coisas. A primeira é que,
na última entrevista que concedeu, falando sobre o que, na vida, lamentava não
ter feito ou experimentado, ela respondeu: «Gostaria de ter visto diminuir a
distância entre os ricos e os pobres. O resto é-me indiferente.» Gosto muito deste
«indiferente».
A segunda coisa é de cariz mais biográfico e tem que ver com a vontade de
lembrar as pessoas, em primeiro lugar o meu pai24, ao lado de quem viveu dias
de luta contra a injustiça e de esperança de um mundo mais justo: Nuno
Teotónio Pereira, Maria Natália Teotónio Pereira, Maria Eugénia Varela Gomes,
Mário Soares, Maria Barroso, Salgado Zenha, Jorge de Sena, José Escada, Luís
Moita, Manuel Serra, Frei Bento Domingues, João B. da Costa, Ana Maria B. da
Costa, Maria V. da Costa, Alberto Vaz da Silva, Pedro Tamen, Ruy Belo e
tantos outros.
Notas Finais
Para a minha filha Maria, este livro, que já lhe li todo em numerosas consultas…
1 Alguns poemas dedicados a pessoas ou sobre pessoas próximas foram identificados pela minha mãe
na obra publicada, ou em indicações manuscritas em exemplares dos livros ou em cadernos. Há casos de
poemas que identificou como referentes a alguém concreto e há casos em que essa identificação se torna
possível pelo conhecimento de percursos biográficos. Esclarecerei o que entender possível e pertinente. Há
poemas sobre os filhos (éditos e inéditos), sobre a mãe, sobre o pai, sobre irmãos, sobre amigos.
2 Trata-se de António Cálem, um dos grandes amigos do tempo de juventude na Granja. Outros amigos
deste tempo, os quais recordava com muita frequência, foram José Ribeira Grande, José Arrochela, os
irmãos Eduardo Oliveira e Ernesto Veiga de Oliveira. Este último viria a ser director do Museu de
Etnologia. Grande amizade foi também Miguel Torga, que teve grande influência na decisão de editar o
primeiro livro de poesia. A ele (existem cartas de conselho sobre os poemas a integrar), a Fernando Valle e
a António Calém se deve a publicação, com todas as tarefas implicadas — escolha de uma tipografia de
Coimbra, organização do livro, escolhas tipográficas, revisões.
3 A grafia terminando em i de algumas palavras é recorrente nestes manuscritos e em alguma poesia
publicada.
4 A fotografia deste manuscrito e a sua transcrição foram publicados no Catálogo da Exposição «Sophia
de Mello Breyner Andresen, Uma Vida de Poeta» (BNP e Caminho, 2011), retirado de circulação por
conter algumas incorrecções, nomeadamente na transcrição de manuscritos.
5 Sobre a combinação entre luminosidade e sombra no olhar de Sophia sobre as coisas, vd. o importante
ensaio de Manuel Gusmão em Actas do Colóquio Internacional Sophia de Mello Breyner Andresen, Porto
Editora, 2013 (org. Maria Andresen e Centro Nacional de Cultura).
6 «Sophia de Mello Breyner Andresen no seu Tempo, Momentos e Documentos».
7 Verbo — Deus como Interrogação na Poesia Portuguesa (Assírio & Alvim, 2014).
8 O poema «Epidauro 62» dá conta de um episódio de grande relevância no percurso biográfico-literário
da poeta. Na sua primeira viagem à Grécia, Sophia visitou o teatro de Epidauro. Aí ocorreu o momento de
exaltação revelado no poema (e retomado na «Arte Poética V», também em Ilhas). No título, Sophia
inscreveu o ano de 1962. Percebe-se que a distância temporal (Ilhas foi publicado em 1989) face ao
momento vivenciado em Epidauro tenha produzido o lapso, no recurso à memória, quando da titulação do
poema. Com efeito, esta viagem à Grécia ocorreu em Setembro de 1963, como se comprova em vários
escritos como o Diário de viagem ou a correspondência enviada por Sophia a amigos e familiares.
9 A «casa branca» é uma referência à casa nas dunas da Praia da Granja, onde a família passava os
Verões. A história contada em A Menina do Mar centra-se nessa praia e nessa casa. Também o poema
«Jardim do Mar» (Dia do Mar, p. 28) é sobre o jardim desta casa; em Histórias da Terra e do Mar, o conto
«A Casa do Mar» é uma longa e minuciosa descrição desta casa; a história de «Era uma Vez uma Praia
Atlântica», conto publicado em 1998 e depois recolhido em Quatro Contos Dispersos (2007), é, em grande
parte, constituído por memórias da infância nesta praia.
10 As duas filhas da tia direita, irmã da mãe, Teresa Mello Breyner Pinto da Cunha.
11 Pertence, actualmente, à minha prima Maria da Luz Andresen.
12 Vd. site da BNP.
13 Em homenagem a esse encontro e à promessa que ele representou, a minha mãe escreveu dois belos
poemas, publicados em O Nome das Coisas e intitulados «Lagos I» e «Lagos II».
14 Sobre a presença autobiográfica e poética da dança em Sophia, leiam-se os importantes estudos de
Carlos Mendes de Sousa «Sophia e a Dança do Ser» (in Actas do Colóquio Internacional Sophia de Mello
Breyner Andresen; org. Maria Andresen e Centro Nacional de Cultura, Porto Editora, 2013) e «Sophia:
Tudo me é Dança», conferência realizada no Teatro Camões em 25 de Janeiro de 2014, no âmbito do
Programa «Sophia e a Dança», realizado ao longo de 2014 pela Companhia Nacional de Bailado.
15 A 5.ª edição de O Cristo Cigano (Assírio & Alvim, 2014) traz um importante prefácio de Rosa Maria
Martelo.
16 Há o testemunho destes encontros no Brasil, numa espécie de caderno de viajante, gráfico e poético,
que contém dedicatórias, poemas manuscritos (alguns inéditos), e desenhos de vários artistas.
17 Sobre este poema e o lugar do silêncio e da solidão, nesta poesia, reflectiu Frederico Lourenço no
importantíssimo Prefácio que fez para a 5.ª edição de Geografia (Assírio & Alvim, Setembro de 2014). Este
texto é, na minha opinião, um dos mais lúcidos já escritos sobre um livro de Sophia.
18 Sobre referências a estes espaços autobiográficos na obra de ambos os autores, vd. Paula Morão,
«Nunca nada é inventado: Ruben A. e Sophia de Mello Breyner Andresen», in Actas do Colóquio…
19 Poemas éditos e inéditos no site da BNP.
20 Idem.
21 Em viagem com Agustina Bessa-Luís e Alberto Luís.
22 Sobre Sophia e Reis, vd. Gustavo Rubim, «O Recorte do Corpo: Sophia — Ricardo Reis — e a
forma humana», in Actas do Colóquio… pp. 232-239.
23 Entre a primeira edição de Geografia (1967) e a edição de Dual, foi publicada essa plaquete,
constituída por onze inéditos, e que, com o seu ar provisório e efémero, de «arte pobre», se coloca em peso
entre Geografia e Dual, dando a lume alguns dos poemas do luto. Geografia foi publicado na Primavera de
1967. A minha avó morreria em Novembro desse ano. Dual seria publicado em 1972. A colectânea em
causa é constituída por poemas até então inéditos, intensamente visuais e até visionários no modo de se
focarem no vazio, na ausência, na perda, ou em espaços que, sendo de arte, são descritos como povoados de
destroços («Atelier do Escultor do meu Tempo»), e de vazio e frio («Maria Helena Vieira da Silva ou o
Itinerário Inelutável»). Apenas três poemas no conjunto convocam um breve regresso à alegria. São os que
se iniciam: «Há muito que deixei aquela praia», «Ali então em pleno mundo antigo» e «Um brilho de
azulejo e de folhagem».
24 Há dois poemas explicitamente dirigidos ao meu pai, que lembram este lado da sua relação. O
primeiro destes poemas, sobejamente conhecido, musicado e cantado por Francisco Fanhais, é «Porque os
outros se mascaram mas tu não…», foi publicado em Mar Novo e encontra-se, como dedicatória
manuscrita, dirigida ao meu pai, na folha de rosto de Contos Exemplares (1962); do segundo, «Porque nos
outros há sempre qualquer nojo», há um manuscrito em folha solta, com a dedicatória referida e, por
vontade da autora, acrescentada na 3.ª edição de Mar Novo (2003).
Também constituem acervo do Espólio três textos de F.S.T. sobre a obra de Sophia. São de destacar o
primeiro — «A Poesia de Sofia de Melo Breyner Andresen» [sic] (Acção, n.º 189, 30 Nov. 1944), que é
simultaneamente a primeira recensão à obra da autora, vinda a lume quatro meses depois da publicação do
livro Poesia; e o terceiro — a última crónica que Francisco de Sousa Tavares escreveu, um mês e meio
antes de morrer — «Ideia Tumultuosa e Doce» (Diário de Notícias, 11 Abr. 1993).
NOTA DE EDIÇÃO
Quinze anos após a sua estreia literária com Poesia (1944), e depois de ter
publicado mais quatro livros, Sophia de Mello Breyner Andresen iniciou um
importante caminho de revisão da sua obra, dando conta, na «Nota da 2.ª
Edição» desse seu primeiro livro, de alterações, supressões e acrescentos de
poemas. Este tipo de indicação é em alguns casos explicitamente referido nos
próprios livros, como ocorre aqui, ou como ocorre na segunda edição conjunta
de No Tempo Dividido e Mar Novo, em 1985, outra data assinalável no plano das
revisões feitas pela autora. Mas também deparamos com importantes
intervenções na obra, sem que sejam apresentadas notas explicativas; refira-se,
neste sentido, o marco que constituiu a edição da obra poética em três volumes
na Editorial Caminho (1990-1991), momento significativo do ponto de vista de
uma revisão que implicou a exclusão de um considerável número de poemas.
Nas edições autónomas, publicadas a partir de 2003, também na Caminho,
impôs-se um forte propósito inclusivo que decorreu de um trabalho conjunto da
autora com Maria Andresen Sousa Tavares, iniciado em 1999, a pedido de
Sophia. Nesta última revisão, muitos dos poemas anteriormente excluídos foram
parcial ou integralmente reintegrados na obra.
O presente volume da reunião da Obra Poética de Sophia de Mello Breyner
Andresen adopta os critérios de fixação de texto da edição publicada em 2010,
na Caminho (com 2.ª ed. revista em 2011), que seguiu e actualizou a lição das
edições em volumes autónomos, publicadas a partir de 2003 na mesma editora,
organizadas por Maria Andresen Sousa Tavares e por Luis Manuel Gaspar.
Procedeu-se a um ajustamento relativamente à colocação e à numeração das
«Artes Poéticas» que foram publicadas nas edições autónomas, a fechar as
seguintes obras: Livro Sexto («Posfácio»); Geografia («Arte Poética I» e «Arte
Poética II»); Dual («Arte Poética IV») e Ilhas («Arte Poética V»). À semelhança
do que ocorreu com a arrumação destes textos na Antologia (1.ª edição,
Portugália, 1968), as «Artes Poéticas» figuram aqui no final do livro. Verifica-se
a existência de um hiato nestas numerações. A «Arte Poética III» apenas é
designada deste modo na referida Antologia da autora (e em todas as suas
reedições). Trata-se do texto lido por Sophia, em Julho de 1964, na entrega do
Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores, e publicado
pela primeira vez como «Posfácio» à 2.ª edição de Livro Sexto, tendo recebido a
mesma denominação nas subsequentes edições autónomas deste livro. O
problema de como designar e onde colocar esta arte poética é reconhecidamente
complexo e, porventura, não se prestará nunca a uma solução definitiva. Na
edição da poesia reunida em três volumes, o texto figura como introdução, no
primeiro tomo, sem apresentar nenhum título. Existe, no espólio de Sophia de
Mello Breyner Andresen, um texto incompleto a que a autora deu justamente o
nome «Arte Poética III» e que é diferente daquele que foi divulgado em Livro
Sexto. Como não se concretizou a publicação desta «poética» inacabada, optou-
se, no presente volume, por atribuir a designação de «Arte Poética III» às
palavras de agradecimento do Grande Prémio de Poesia da Sociedade
Portuguesa de Escritores, de acordo com a decisão da autora na sua Antologia.
Tal como na edição de 2010, publica-se aqui também um conjunto de
poemas que se encontravam dispersos em revistas, em livros colectivos, em
jornais e num cartaz, desde textos que remontam à primeira fase da produção de
Sophia, dos anos 1940, até aos últimos poemas escritos em 2001, e que não
foram reunidos em livro pela autora.
Na presente edição dão-se ainda a conhecer alguns poemas inéditos que
integram o espólio de Sophia de Mello Breyner Andresen (doado à Biblioteca
Nacional de Portugal, em 2010). Refira-se a importância nuclear deste acervo
para um aprofundamento da obra da autora. No prefácio a este volume, Maria
Andresen Sousa Tavares apresenta alguns textos inéditos, devidamente
enquadrados em função do percurso evolutivo da obra poética de Sophia. São
poemas diferentes daqueles que surgem editados no final deste livro.
Para além das notas de edição da autora acima referidas, importa ainda
destacar o facto de Sophia ter apresentado uma diversa sinalização explicitadora
relativa a movimentações na obra, assinaladas nas próprias secções dos livros.
Trata-se de um aspecto que tem grande relevância para a leitura dos inéditos.
Reporto-me ao reenvio para os célebres «cadernos», onde Sophia escrevia e
copiava os poemas. Encontramos nomes de partes de livros que espelham esse
trânsito de repescagem: «Poemas de um livro destruído», No Tempo Dividido (a
partir da edição de 1985); «Poemas reencontrados», primeira secção do livro
Ilhas (1989). Esses «cadernos» a que Sophia voltou com alguma regularidade
são extremamente reveladores dos procedimentos composicionais da autora. Um
dos exemplos mais eloquentes é o conhecido poema «Soror Mariana — Beja»,
publicado em O Nome das Coisas (1977). Como Maria Andresen revela no
prefácio à presente edição, este belíssimo dístico constituía o início de um
poema longo da primeira fase (datado de 1939).
Se, por um lado, a leitura dos poemas inéditos pressupõe uma perspectivação
contextualizadora que os situa numa dimensão suplementar à obra édita, por
outro lado essa leitura não deixa de cumprir uma importante função reveladora.
O ideal de harmonia perseguido na obra de Sophia sempre implicou avanços,
recuos, oscilações de diversa ordem que dão conta do próprio caminho que visa
a estabilização. A consciência da incompletude, o tacteio, a sombra precedem a
nitidez, a transparência, o equilíbrio. A busca da palavra exacta pressupõe um
vaivém que tem uma exteriorização visível nas referidas revisões da obra (com
exclusões e reintegrações de poemas). Nesse sentido, os inéditos integrantes do
espólio oferecem uma fascinante imagem dessa própria busca do ideal de
claridade, parcimónia e nudez essenciais.
Queria endereçar uma palavra de gratidão a Richard Zenith pelas
informações relativas às emendas manuscritas da autora, constantes dos seus
exemplares da Obra Poética reunida em três volumes (Caminho, 1990-1991),
que permitiram introduzir novas correcções na presente edição. A Rita Patrício
agradeço o debate sobre a edição de texto e o inestimável apoio na decifração de
algumas palavras de mais difícil leitura nos manuscritos de Sophia de Mello
Breyner Andresen. Agradeço a Frederico Lourenço as conversas continuadas
sobre a obra andreseniana e sobre os inéditos por mim seleccionados para esta
edição. A Maria Andresen Sousa Tavares agradeço o profícuo diálogo sobre a
problemática da edição da obra poética de Sophia e a sua permanente
disponibilidade para acolher as minhas propostas desde que comecei a trabalhar
neste projecto editorial.
Mar,
Metade da minha alma é feita de maresia.
MAR
II
Sonho e presença
De uma vida florindo
Possuída e suspensa.
Alguém diz:
«Aqui antigamente houve roseiras» —
Então as horas
Afastam-se estrangeiras,
Como se o tempo fosse feito de demoras.
NO ALTO MAR
No alto mar
A luz escorre
Lisa sobre a água.
Planície infinita
Que ninguém habita.
(adaptado de Ovídio)
II
III
E o jardim tremeu,
Pálido de esperança.
Jardim verde e em flor, jardim de buxo
Onde o poente interminável arde
Enquanto bailam lentas as horas da tarde.
Os narcisos ondulam e o repuxo,
Voz onde o silêncio se embala,
Canta, murmura e fala
Dos paraísos desejados,
Cuja lembrança enche de bailados
A clara solidão das tuas ruas.
PROMESSA
O olhar procura
O mais profundo fundo
O mais longínquo além.
O nariz sente e respira
Cada exalação da vida
E a boca renuncia.
O ANJO
II
III
Um infinito ardor
Quase triste os veste,
Semelhante ao sabor
Que tem à noite o vento leste.
II
(adaptado de Ovídio)
Eu em tudo Te vi amanhecer
Mas nenhuma presença Te cumpriu,
Só me ficou o gesto que subiu
Às mais longínquas fontes do meu ser.
HORIZONTE VAZIO
A um canto cismo
Suspensa entre as horas e um abismo.
Confundindo os seus cabelos com os cabelos do vento, têm o corpo feliz de ser
tão seu e tão denso em plena liberdade.
Lançam os braços pela praia fora e a brancura dos seus pulsos penetra nas
espumas.
Passam aves de asas agudas e a curva dos seus olhos prolonga o interminável
rastro no céu branco.
O extremo dos seus dedos toca o cimo de delícia e vertigem onde o ar acaba e
começa.
E aos seus ombros cola-se uma alga, feliz de ser tão verde.
Numa disciplina constante procuro a lei da liberdade medindo o equilíbrio dos
meus passos.
II
III
IV
Na planície imensa
Na planície absorta
Na planície que está morta,
(Rodin)
Ia e vinha
E a cada coisa perguntava
Que nome tinha.
ASSASSINATO DE SIMONETTA VESPUCCI
Homens
No perfil agudo dos quartos
Nos ângulos mortais da sombra com a luz.
Perdida, baloiçar
No ritmo das águas cheias
Nardo
Pesado e denso,
Opaco e branco,
Feito
De obscura respiração
E de nocturno embalo.
Luminosos os dias abolidos
Quando o meio-dia inclinava a sombra das colunas
E o azul do céu tomava em si a terra
Apaziguada no murmúrio
Das folhagens e dos deuses.
IFIGÉNIA
Morta,
Como és clara,
Que frescura ficou entre os teus dedos…
És uma fonte,
Com pedras brancas no fundo,
És uma fonte que de noite canta
E silenciosamente
Vêm peixes de prata à tona de água.
És a brisa
Que num gesto de adeus passa nas folhas,
És a brisa que leva os perfumes e os entorna,
És os passos leves da brisa
Quando nas ruas não passa mais ninguém!
És a meia-noite da noite,
És a varanda voltada para o vento,
És uma pena solitária e lisa.
Como tu és fresca!
Passas e dos teus dedos correm fontes.
Como tu és leve,
Mais leve que uma dança!
Mas espera-me:
Pois por mais longos que sejam os caminhos
Eu regresso.
A raiz da paisagem foi cortada.
Tudo flutua ausente e dividido,
Tudo flutua sem nome e sem ruído.
Ó Poesia — quanto te pedi!
Terra de ninguém é onde eu vivo
E não sei quem sou — eu que não morri
Quando o rei foi morto e o reino dividido.
Naquelas noites,
Enquanto o suor das árvores escorria,
A face dos anjos tornara-se evidente,
Como se a terra tivesse entrado em agonia.
Cada dia é mais evidente que partimos,
Sem nenhum possível regresso no que fomos,
Cada dia as horas se despem mais do alimento:
Não há saudade nem terror que baste.
PENÉLOPE
Côncavas de ter
Longas de desejo
Frescas de abandono
Consumidas de espanto
Inquietas de tocar e não prender.
ÁRVORES
Rosto desfeito,
Rosto sem recusa onde nada se defende,
Rosto que se dá na angústia do pedido,
Rosto que as vozes atravessam.
Rosto perdido
Que amargos ventos de secura em si sepultam
E que as ondas do mar puríssimas lamentam.
A NINFA
Branca.
Branca era a ninfa,
Branca e prisioneira
E impaciente.
DANÇA
Como és belo
Cercado de sete anéis como Saturno
Fechado no teu fogo mais secreto.
Como és belo
No coração do silêncio ilimitado,
Imutável e perfeito
De pura escuridão aureolado.
II
Desejo de conhecimento
As tempestades deram-nos passagem.
Exacta é a recusa
E puro é o nojo.
É o teu rosto ainda que eu procuro
Através do terror e da distância
Para a reconstrução de um mundo puro.
Senhor se da tua pura justiça
Nascem os monstros que em minha roda eu vejo
É porque alguém te venceu ou desviou
Em não sei que penumbra os teus caminhos
E ao Norte e ao Sul
E ao Leste e ao Poente
Os quatro cavalos do vento
Sacodem as suas crinas
Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.
Intacto rosto
Mas tão perdido agora
Na infinita noite
Do tempo que pára.
Esperança e demora
Entre duas luas
Caminhei suspensa.
Que ao longe
Na mais longínqua praia
Onde só haja espuma sal e vento
Ele se perca tendo-se cumprido
Segundo a lei do seu próprio pensamento.
Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura
II
REGRESSO
Noite
Bagdad debruçada no teu rio
País dos brilhos e do esquecimento
Com teu rumor de cedros e teu lento
Círculo azul do tempo.
NOITE
No oceano infinito
Estão detidos num barco
E o barco tem um destino
Que os astros altos indicam.
PASSAGEM
A palavra faca
De uso universal
A tornou tão aguda
O poeta João Cabral
Que agora ela aparece
Azul e afiada
No gume do poema
Atravessando a história
Por João Cabral contada.
I
O ESCULTOR E A TARDE
No meio da tarde
Um homem caminha:
Tudo em suas mãos
Se multiplica e brilha.
No meio da tarde
O escultor caminha:
Por trás de uma porta
Que se abre sozinha
O destino espera.
E depois a porta
Se fecha gemendo
Sobre a Primavera.
II
O DESTINO
O destino eram
Os homens escuros
Que assim lhe disseram:
A ti me enviaram
És tu meu destino
Mas diante da vida
Eu não te imagino
A ti me enviaram
E sei que me esperas
Mas só oiço a verde
Voz das Primaveras
E como te amarei
Tanto que em meus dedos
Tua imagem floresça
E entre as minhas mãos
O teu rosto apareça?»
IV
O ENCONTRO
Sozinho o cigano
Sozinho na tarde
Na margem do rio
Semelhante à lua
E semelhante ao brilho
De uma faca nua.
Eu te procuro.
VII
TREVAS
Sevilha/Lisboa, 1959
LIVRO SEXTO
I
AS COISAS
ALGARVE
Porém Cacela
Foi desejada só pela beleza
MUSA
Ou tornada parede
Da casa primitiva
Ou tornada o murmúrio
Do mar que a cercava
Da janela quadrada
E do quarto branco
Assim é a manhã
Dentro da qual eu entro
PÁTIOS
Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As
cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado
que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e
enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em
frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por
uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão
em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e
brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara
que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que
fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o
largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o
branco da cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não
encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do
mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares
em frente da terceira banca de pedra compra peixes. Os peixes são azuis e
brilhantes e escuros com malhas pretas. E o homem há-de pedir-te que vejas
como as suas guelras são encarnadas e que vejas bem como o seu azul é
profundo e como eles cheiram realmente, realmente a mar. Depois verás peixes
pretos e vermelhos e cor-de-rosa e cor de prata. E verás os polvos cor de pedra e
as conchas, os búzios e as espadas do mar. E a luz se tornará líquida e o próprio
ar salgado e um caranguejo irá correndo sobre uma mesa de pedra. À tua direita
então verás uma escada: sobe depressa mas sem tocar no velho cego que desce
devagar. E ao cimo da escada está uma mulher de meia idade com rugas finas e
leves na cara. E tem ao pescoço uma medalha de ouro com o retrato do filho que
morreu. Pede-lhe que te dê um ramo de louro, um ramo de orégãos, um ramo de
salsa e um ramo de hortelã. Mais adiante compra figos pretos: mas os figos não
são pretos mas azuis e dentro são cor-de-rosa e de todos eles corre uma lágrima
de mel. Depois vai de vendedor em vendedor e enche os teus cestos de frutos,
hortaliças, ervas, orvalhos e limões. Depois desce a escada, sai do mercado e
caminha para o centro da cidade. Agora aí verás que ao longo das paredes
nasceu uma serpente de sombra azul, estreita e comprida. Caminha rente às
casas. Num dos teus ombros pousará a mão da sombra, no outro a mão do Sol.
Caminha até encontrares uma igreja alta e quadrada.
Lá dentro ficarás ajoelhada na penumbra olhando o branco das paredes e o
brilho azul dos azulejos. Aí escutarás o silêncio. Aí se levantará como um canto
o teu amor pelas coisas visíveis que é a tua oração em frente do grande Deus
invisível.
AS GRUTAS
Eu caminhei na noite
Entre silêncio e frio
Só uma estrela secreta me guiava
Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face
Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente
DESPEDIDA
As lágrimas
O fogo da minha alma as queima antes que brotem
MEIO DA VIDA
O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento
(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)
Tempo
Tempo sem amor e sem demora
Que de mim me despe pelos caminhos fora
CAMPO
Deixai-me limpo
O ar dos quartos
E liso
O branco das paredes
E eu caminhei no hospital
Onde o branco é desolado e sujo
Onde o branco é a cor que fica onde não há cor
E onde a luz é cinza
(poema escrito na noite de 17-12-1961, e interrompido pela notícia da entrada dos soldados indianos em
Goa)
Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem
O SUPER-HOMEM
E as portas estavam
Sobre o grito fechadas
BABILÓNIA
*
O promontório sagra a claridade
A luz deserta e limpa me reúne
DE PEDRA E CAL
Um xadrez só de torres
E cavalos-marinhos
Que sacodem as crinas
Sob os olhos das moiras
Caminha devagar
Porque o chão é caiado
MUNDO NOMEADO
OU DESCOBERTA DAS ILHAS
Há um murmúrio de combinações
Uma telegrafia
Sem gestos sem sinais sem fios
A música do ser
Povoa este deserto
Com sua guitarra
Ou com harpas de areia
Palavras silabadas
Vêm uma a uma
Na voz da guitarra
A música do ser
Interior ao silêncio
Cria seu próprio tempo
Que me dá morada
Palavras silabadas
Unidas uma a uma
Às paredes da casa
E no silêncio ouvinte
O canto me reúne
De muito longe venho
Pelo canto chamada
E agora de mim
Não me separa nada
Quando oiço cantar
A música do ser
Nostalgia ordenada
Num silêncio de areia
Que não foi pisada
VELA
Em redor da luz
A casa sai da sombra
Intensamente atenta
Levemente espantada
Em redor da luz
A casa se concentra
Numa espera densa
E quase silabada
Em redor da chama
Que a menor brisa doma
E que um suspiro apaga
A casa fica muda
Em redor da luz
Com sombras e brancos
A casa se procura
Deito-me tarde
Espero por uma espécie de silêncio
Que nunca chega cedo
Espero a atenção a concentração da hora tardia
Ardente e nua
É então que os espelhos acendem o seu segundo brilho
É então que se vê o desenho do vazio
É então que se vê subitamente
A nossa própria mão poisada sobre a mesa
Assim o amor
Espantando meu olhar com teus cabelos
Espantando meu olhar com teus cavalos
E grandes praias fluidas avenidas
Tardes que oscilavam demoradas
E um confuso rumor de obscuras vidas
E o tempo sentado no limiar dos campos
Com seu fuso sua faca e seus novelos
Eu sabia
Que alguém
Antes do próximo oásis morreria
JANELA
Reter o brilho
Da Cassiopeia em frente da janela
Reter a queda
Das ondas sobre a areia
E habitar para sempre o teu espelho
II
III
IV
Palmeiras geometria
São meu alimento
Secura silêncio
São minha bebida
E a infinita ausência
É a minha vida
A funda a secreta
Com sabor a pedra
E perfume de vento
ATELIER DO ESCULTOR
DO MEU TEMPO
No Golfo de Corinto
A respiração dos deuses é visível:
É um arco um halo uma nuvem
Em redor das montanhas e das ilhas
Como um céu mais intenso e deslumbrado
a Aspassia Papathanassiou
O rumor do estio atormenta a solidão de Electra
O sol espetou a sua lança nas planícies sem água
Ela solta os seus cabelos como um pranto
E o seu grito ecoa nos pátios sucessivos
Onde em colunas verticais o calor treme
O seu grito atravessa o canto das cigarras
E perturba no céu o silêncio de bronze
Das águias que devagar cruzam seu voo
O seu grito persegue a matilha das fúrias
Que em vão tentam adormecer no fundo dos sepulcros
Ou nos cantos esquecidos do palácio
trazida à luz
trazida à liberdade da luz
trazida ao espanto da luz
Só poderás ser liberta aqui na manhã d’Epidauro. Onde o ar toca o teu rosto
para te reconhecer e a doçura da luz te parece imortal. A tua voz subirá sozinha
as escadas de pedra pálida. E ao teu encontro regressará a teoria ordenada das
sílabas — portadoras limpas da serenidade.
TOLON
«Ide dizer ao rei que o belo palácio jaz por terra quebrado
Phebo já não tem cabana nem loureiro profético nem fonte melodiosa
A água que fala calou-se»*
* Resposta do Oráculo de Delphos a Oríbase, médico de Juliano, o Apóstata (Cedrenus, Resumo da
História).
TERMOLI
Um poeta clássico
Fará da ausência uma parte do seu jogo:
Prumo esteio coluna
Combate esculpido nas métopas do templo
Una e múltipla
Cada encontro a recomeça:
Agudo gume quando a música ressoa
Venenosa rosa do Junho mais antigo
Um poeta clássico
Fará da ausência uma parte do seu jogo
Nem integrada nem assumida
Apenas companheira
Segunda mão poisada sobre a mesa
Mão esquerda
Companheira serena
Das coisas serenas:
Parede livro fruto
E fogosa condutora dos desastres
Que nos esperam em seus pátios lisos
VI
BRASIL OU DO OUTRO
LADO DO MAR
DESCOBRIMENTO
Relembrando
O antigo jovem tempo tempo quando
Pelos sombrios corredores da casa antiga
Nas solenes penumbras do silêncio
Eu recitava
«As três mulheres do sabonete Araxá»
E minha avó se espantava
Brasília
Desenhada por Lúcio Costa Niemeyer e Pitágoras
Lógica e lírica
Grega e brasileira
Ecuménica
Propondo aos homens de todas as raças
A essência universal das formas justas
II
Pinças assépticas
Colocam a palavra-coisa
Na linha do papel
Na prateleira das bibliotecas
III
IV
De certa forma
Fico alheia
DA TRANSPARÊNCIA
Noite diurna
Até à mais funda limpidez do instinto
Sob os teus cabelos em anel sombria vinha
Odysseus — Persona
Nas ruínas de Epheso na avenida que desce até onde esteve o mar
Ele estava à esquerda entre colunas imperiais quebradas
Disse-me que tinha conhecido todos os deuses
E que tinha corrido as sete partidas
O seu rosto era belo e gasto como o rosto de uma estátua roída pelo mar
Odysseus
Em Creta
Onde o Minotauro reina
Banhei-me no mar
De Creta
Enfeitei-me de flores e mastiguei o amargo vivo das ervas
Para inteiramente acordada comungar a terra
De Creta
Beijei o chão como Ulisses
Caminhei na luz nua
Em Creta
Os muros de tijolo da cidade minóica
São feitos de barro amassado com algas
E quando me virei para trás da minha sombra
Vi que era azul o sol que tocava o meu ombro
Outubro de 1970
O POETA TRÁGICO
Não escreverei mais o meu nome em letras gregas sobre a cera das tabuinhas
Porque estás morto
E contigo morreu o meu projecto de viver a condição divina
OS GREGOS
Fevereiro de 1968
A PAZ SEM VENCEDOR
E SEM VENCIDOS
Viveste no avesso
Viajante incessante do inverso
Isento de ti próprio
Viúvo de ti próprio
Em Lisboa cenário da vida
E eras o inquilino de um quarto alugado por cima de uma leitaria
O empregado competente de uma casa comercial
O frequentador irónico delicado e cortês dos cafés da Baixa
O visionário discreto dos cafés virados para o Tejo
Nasceste depois
E alguém gastara em si toda a verdade
O caminho da Índia já fora descoberto
Dos deuses só restava
O incerto perpassar
No murmúrio e no cheiro das paisagens
E tinhas muitos rostos
Para que não sendo ninguém dissesses tudo
Viajavas no avesso no inverso no adverso
Porém
Em frente do teu rosto
Medita o adolescente à noite no seu quarto
Quando procura emergir de um mundo que apodrece
Lisboa, 1972
GUERRA OU LISBOA 72
Lisboa, 1972
O PALÁCIO
Em Lagos
Virada para o mar como a outra Lagos
Muitas vezes penso em Leopoldo Sedar Senghor:
A precisa limpidez de Lagos onde a limpeza
É uma arte poética e uma forma de honestidade
Acorda em mim a nostalgia de um projecto
Racional limpo e poético
Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação
27 de Abril de 1974
NESTA HORA
20 de Maio de 1974
COM FÚRIA E RAIVA
Junho de 1974
PROJECTO I
II
II
III
Junho de 1974
BREVE ENCONTRO
O poema é
A liberdade
Que a arte não se torne para ti a compensação daquilo que não soubeste ser
Que não seja transferência nem refúgio
Nem deixes que o poema te adie ou divida: mas que seja
A verdade do teu inteiro estar terrestre
II
III
Lagos lição de lucidez e liso
Onde estar vivo se torna mais completo
— Como pode meu ser ser distraído
De sua luz de prumo e de projecto?
IV
1975
OS ERROS
1975
CADERNO I
Penetraremos no palmar
A água será clara o leite doce
O calor será leve o linho branco e fresco
O silêncio estará nu — o canto
Da flauta será nítido no liso
Da penumbra
Porém restam
Do quebrado projecto de sua empresa em ruína
Canto e pranto clamor palavras harpas
Que de geração em geração ecoam
Em contínua memória de um projecto
Que sem cessar de novo tentaremos
CARTA DE NATAL A MURILO MENDES
II
III
Junho de 1976
AÇORES
Há um intenso orgulho
Na palavra Açor
E em redor das ilhas
O mar é maior
É terra lavrada
Por navegadores
E os que no mar pescam
São agricultores
Aqui o antigo
Tem o limpo do novo —
É o mar que traz
Do largo o renovo
É convés lavrado
Em plena amplidão
É o mar que traz
As ilhas na mão
Buscámos no mundo
Mar e maravilhas
Deslumbradamente
Surgiram nove ilhas
E foi na Terceira
Com o mar à proa
Que nasceu a mãe
Do poeta Pessoa
Em cujo poema
Respiro amplidão
E me cerca a luz
Da navegação
Em cujo poema
Como num convés
A limpeza extrema
Luz de lés a lés
Um povo amanhece
1976
O OPACO
Julho de 1976
ESTAÇÕES DO ANO
Bailarina fui
Mas nunca dancei
Em frente das grades
Só três passos dei
Dançarina fui
Mas nunca bailei
Deixei-me ficar
Na prisão do rei
Bailarina fui
Mas nunca bailei
Minha vida toda
Como cega errei
Minha vida atada
Nunca a desatei
Como Rimbaud disse
Também eu direi:
«Juventude ociosa
Por tudo iludida
Por delicadeza
Perdi minha vida»
POEMA
Cantaremos o desencontro:
O limiar e o linear perdidos
Cantaremos o desencontro:
A vida errada num país errado
Novos ratos mostram a avidez antiga
NAVEGAÇÕES
LISBOA
Digo:
«Lisboa»
Quando atravesso — vinda do sul — o rio
E a cidade a que chego abre-se como se do seu nome nascesse
Abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna
Em seu longo luzir de azul e rio
Em seu corpo amontoado de colinas —
Vejo-a melhor porque a digo
Tudo se mostra melhor porque digo
Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência
Porque digo
Lisboa com seu nome de ser e de não-ser
Com seus meandros de espanto insónia e lata
E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro
Seu conivente sorrir de intriga e máscara
Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata
Lisboa oscilando como uma grande barca
Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência
Digo o nome da cidade
— Digo para ver
1977
AS ILHAS
I
1977
II
Navegação abstracta
Fito como um peixe o voo segue a rota
Vista de cima tornou-se a terra um mapa
Porém subitamente
Atravessámos do Oriente a grande porta
De safiras azuis no mar luzente
1977
III
1977
IV
1977
V
1977
VI
1979
VII
1979
DERIVA
I
1982
II
1982
III
1982
IV
1982
V
1982
VI
1982
VII
1982
VIII
1982
IX
Cidades e ciladas
Mas também
O pasmo de tão grande arquitectura
As sedas os perfumes a doçura
Das vozes e dos gestos
1982
X
Sombrios deuses
Senhores do medo antigo
O sopro como estátuas suspendendo
Na movediça luz das lamparinas
1982
XI
1982
XIII
1982
XIV
1982
XV
Inversa navegação
Tédio já sem Tejo
Cinzento hostil dos quartos
Ruas desoladas
Verso a verso
Lisboa anti-pátria da vida
1978
XVI
Há no rei de Chipre
Um certo mistério
Não só o ser grego
Sendo tão assírio
Mas certo sossego
E certo recuo
Entre duas guerras —
Seu corpo de espiga
Coluna de tréguas
Mora em certa pausa
Que nunca encontrei
— Clareza das ilhas
Que tanto busquei
1982
XVII
Estilo manuelino:
Não a nave românica onde a regra
Da semente sobe da terra
Nem o fuste de espiga
Da coluna grega
Mas a flor dos encontros que a errância
Em sua deriva agrega
1982
NOTAS
AS ILHAS
1. Os poemas I e III são invocações da voz de Camões.
2. O poema VII é um poema sobre Dom Sebastião.
DERIVA
3. O poema IV é uma invocação de Bartolomeu Dias, o maior de todos os
navegadores.
4. O poema V é uma glosa livre da Carta de Pêro Vaz de Caminha.
5. O poema XIII é uma invocação de Pessoa, que disse pertencer ao número
daqueles portugueses que depois da descoberta da Índia ficaram sem emprego.
6. O poema XIV é uma invocação de Jorge de Sena.
7. O poema XV é um poema sobre as diversas Reboleiras de Lisboa, atro-zes e
sem Tejo.
Escrevi as Navegações exactamente porque o Conselho da Revolução, em
1977, me convidou a ir a Macau para tomar parte na celebração do Dia de
Camões. Foi o meu primeiro encontro com o Oriente.
Na longa viagem, à ida, de madrugada, quando as cortinas ainda estavam
corridas, e a cabine estava ainda na penumbra, ouvi o microfone dizer a meia
voz:
— Estamos a sobrevoar a costa do Vietname.
II
III
1959
GLOSA
Dá a surpresa de ser
É alto de um loiro escuro
Faz bem só pensar em ver
Seu gesto firme e seguro
1968 (?)
FRAGMENTO DE «OS GRACOS»
«………………………………………………»
«………………………………………………»
No lago viu-se
Ela mesma era
Flexível e brilhante como seda
Fresca e macia como jade
Colorida e preciosa como estampa
Serena como seda dormiu nessa noite sobre esteiras
As vozes dizem:
Ergue-te sozinha
Não és ídolo não és divina
Nenhuma coisa é divina
A vida encontrei-a
Tão desencontrada
Embora a lua cheia
E a noite extasiada
A vida mostrou-se
Caminho de nada
Embora brilhasse
Lua sobre a estrada
Como se a beleza
Da lua ou do mar
Nada mais quisesse
Que o próprio brilhar
II
III
IV
1987
OS BIOMBOS NAMBAM
Alvoroço de quem vê
O tão longe tão ao pé
Laca e leque
Kimono camélia
Perfeição esmero
E o sabor do tempero
Cerimónias mesuras
Nipónicas finuras
Malícia perante
Narigudas figuras
Inchados calções
Enquanto no alto
Das mastreações
Fazem pinos dão saltos
Os ágeis acrobatas
Das navegações
Dançam de alegria
Porque o mundo encontrado
É muito mais belo
Do que o imaginado
1987
ESTELAS FUNERÁRIAS
Antes do museu
Em sua frente
Oscilavam sombras e luzes enquanto deslizava
O rio das preces
1987
DEDICATÓRIA DA SEGUNDA EdIÇÃO
DO «CRISTO CIGANO»
A JOÃO CABRAL DE MELO NETO
II
1987
LANDGRAVE OU MARIA HELENA
VIEIRA DA SILVA
Dezembro de 1989
ROMA
1988
TÃO GRANDE DOR
Timor
Dever que não foi cumprido e que por isso dói
1992
SOBRE UM DESENHO DE GRAÇA MORAIS
Orpheu
seu canto alto e grave
O canto de oiro o êxtase da lira
Orpheu
A palidez sagrada de seu rosto
Que de clarões e sombras se ilumina
A musa a sereia
Seu canto alto e puro
ORPHEU E EURYDICE
II
III
IV
1993
CÂNON
1993
PONTE DE SPOLETO
Maio de 1994
CÁ FORA
Junho de 1994
VIEIRA DA SILVA
Atenta antena
Athena
De olhos de coruja
Na obscura noite lúcida
1994
ELEGIA
Aprende
A não esperar por ti pois não te encontrarás
1994
TEJO
Julho de 1994
À MANEIRA DE HORÁCIO
1994
MANHÃ DE JULHO
Julho de 1994
FERNANDO PESSOA
Julho de 1994
O BÚZIO DE CÓS
E OUTROS POEMAS
GOA
Junho de 1995
FOI NO MAR QUE APRENDI
Parecem acabrunhados
Estarrecidos lêem na parede o número dos séculos
O seu olhar fica baço
Com as estátuas — como por engano —
Às vezes se cruzam
Maio de 1997
BEIRA-MAR
Outubro de 1997
ALCÁCER DO SAL
Cidade é de mercadores
E também de apaixonados
Sempre perdidos de amores
E cada dia ali chegam
Persas judeus e romanos
Franceses e florentinos
Artistas e bailarinos
E ladrões e cavaleiros
Em Lagos em Agosto o sol cai a direito e há sítios onde até o chão é caiado.
O sol é pesado e a luz leve. Caminho no passeio rente ao muro mas não caibo na
sombra. A sombra é uma fita estreita. Mergulho a mão na sombra como se a
mergulhasse na água.
A loja dos barros fica numa pequena rua do outro lado da praça. Fica depois
da taberna fresca e da oficina escura do ferreiro.
Entro na loja dos barros. A mulher que os vende é pequena e velha, vestida
de preto. Está em frente de mim rodeada de ânforas. À direita e à esquerda o
chão e as prateleiras estão cobertos de louças alinhadas, empilhadas e
amontoadas: pratos, bilhas, tigelas, ânforas. Há duas espécies de barro: barro
cor-de-rosa pálido e barro vermelho-escuro. Barro que desde tempos imemoriais
os homens aprenderam a modelar numa medida humana. Formas que através dos
séculos vêm de mão em mão. A loja onde estou é como uma loja de Creta. Olho
as ânforas de barro pálido poisadas em minha frente no chão. Talvez a arte deste
tempo em que vivo me tenha ensinado a olhá-las melhor. Talvez a arte deste
tempo tenha sido uma arte de ascese que serviu para limpar o olhar.
A beleza da ânfora de barro pálido é tão evidente, tão certa que não pode ser
descrita. Mas eu sei que a palavra beleza não é nada, sei que a beleza não existe
em si mas é apenas o rosto, a forma, o sinal de uma verdade da qual ela não pode
ser separada. Não falo de uma beleza estética mas sim de uma beleza poética.
Olho para a ânfora: quando a encher de água ela me dará de beber. Mas já
agora ela me dá de beber. Paz e alegria, deslumbramento de estar no mundo,
religação.
Olho para a ânfora na pequena loja dos barros. Aqui paira uma doce
penumbra. Lá fora está o sol. A ânfora estabelece uma aliança entre mim e o sol.
Olho para a ânfora igual a todas as outras ânforas, a ânfora inumeravelmente
repetida mas que nenhuma repetição pode aviltar porque nela existe um
princípio incorruptível.
Porém, lá fora na rua, sob o peso do mesmo sol, outras coisas me são
oferecidas. Coisas diferentes. Não têm nada de comum nem comigo nem com o
sol. Vêm de um mundo onde a aliança foi quebrada. Mundo que não está
religado nem ao sol nem à lua, nem a Ísis, nem a Deméter, nem aos astros, nem
ao eterno. Mundo que pode ser um habitat mas não é um reino.
O reino agora é só aquele que cada um por si mesmo encontra e conquista, a
aliança que cada um tece.
Este é o reino que buscamos nas praias de mar verde, no azul suspenso da
noite, na pureza da cal, na pequena pedra polida, no perfume do orégão.
Semelhante ao corpo de Orpheu dilacerado pelas fúrias este reino está dividido.
Nós procuramos reuni-lo, procuramos a sua unidade, vamos de coisa em coisa.
É por isso que eu levo a ânfora de barro pálido e ela é para mim preciosa.
Ponho-a sobre o muro em frente do mar. Ela é ali a nova imagem da minha
aliança com as coisas. Aliança ameaçada. Reino que com paixão encontro,
reúno, edifico. Reino vulnerável. Companheiro mortal da eternidade.
ARTE POÉTICA II
A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é uma
arte do ser. Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede. Nem me
pede uma ciência nem uma estética nem uma teoria. Pede-me antes a inteireza
do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma
fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar. Pede-me uma
intransigência sem lacuna. Pede-me que arranque da minha vida que se quebra,
gasta, corrompe e dilui uma túnica sem costura. Pede-me que viva atenta como
uma antena, pede-me que viva sempre, que nunca me esqueça. Pede-me uma
obstinação sem tréguas, densa e compacta.
Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com
as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as
imagens. Por isso o poema não fala de uma vida ideal mas sim de uma vida
concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos,
sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas,
respiração da noite, perfume da tília e do orégão.
É esta relação com o universo que define o poema como poema, como obra
de criação poética. Quando há apenas relação com uma matéria há apenas
artesanato.
É o artesanato que pede especialização, ciência, trabalho, tempo e uma
estética. Todo o poeta, todo o artista é artesão de uma linguagem. Mas o
artesanato das artes poéticas não nasce de si mesmo, isto é, da relação com uma
matéria, como nas artes artesanais. O artesanato das artes poéticas nasce da
própria poesia à qual está consubstancialmente unido. Se um poeta diz
«obscuro», «amplo», «barco», «pedra» é porque estas palavras nomeiam a sua
visão do mundo, a sua ligação com as coisas. Não foram palavras escolhidas
esteticamente pela sua beleza, foram escolhidas pela sua realidade, pela sua
necessidade, pelo seu poder poético de estabelecer uma aliança. E é da
obstinação sem tréguas que a poesia exige que nasce o «obstinado rigor» do
poema. O verso é denso, tenso como um arco, exactamente dito, porque os dias
foram densos, tensos como arcos, exactamente vividos. O equilíbrio das palavras
entre si é o equilíbrio dos momentos entre si.
E no quadro sensível do poema vejo para onde vou, reconheço o meu
caminho, o meu reino, a minha vida.
ARTE POÉTICA III
A coisa mais antiga de que me lembro é dum quarto em frente do mar dentro
do qual estava, poisada em cima duma mesa, uma maçã enorme e vermelha. Do
brilho do mar e do vermelho da maçã erguia-se uma felicidade irrecusável, nua e
inteira. Não era nada de fantástico, não era nada de imaginário: era a própria
presença do real que eu descobria. Mais tarde a obra de outros artistas veio
confirmar a objectividade do meu próprio olhar. Em Homero reconheci essa
felicidade nua e inteira, esse esplendor da presença das coisas. E também a
reconheci, intensa, atenta e acesa na pintura de Amadeo de Souza-Cardoso.
Dizer que a obra de arte faz parte da cultura é uma coisa um pouco escolar e
artificial. A obra de arte faz parte do real e é destino, realização, salvação e vida.
Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi
sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real
fica preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do mar e da luz, evoluiu,
evoluiu sempre dentro dessa busca atenta. Quem procura uma relação justa com
a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito de
verdade que o anima, a procurar uma relação justa com o homem. Aquele que vê
o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso
sofrimento do mundo. Aquele que vê o fenómeno quer ver todo o fenómeno. É
apenas uma questão de atenção, de sequência e de rigor.
E é por isso que a poesia é uma moral. E é por isso que o poeta é levado a
buscar a justiça pela própria natureza da sua poesia. E a busca da justiça é desde
sempre uma coordenada fundamental de toda a obra poética. Vemos que no
teatro grego o tema da justiça é a própria respiração das palavras. Diz o coro de
Ésquilo: «Nenhuma muralha defenderá aquele que, embriagado com a sua
riqueza, derruba o altar sagrado da justiça.» Pois a justiça se confunde com
aquele equilíbrio das coisas, com aquela ordem do mundo onde o poeta quer
integrar o seu canto. Confunde-se com aquele amor que, segundo Dante, move o
Sol e os outros astros. Confunde-se com a nossa confiança na evolução do
homem, confunde-se com a nossa fé no universo. Se em frente do esplendor do
mundo nos alegramos com paixão, também em frente do sofrimento do mundo
nos revoltamos com paixão. Esta lógica é íntima, interior, consequente consigo
própria, necessária, fiel a si mesma. O facto de sermos feitos de louvor e protesto
testemunha a unidade da nossa consciência.
A moral do poema não depende de nenhum código, de nenhuma lei, de
nenhum programa que lhe seja exterior, mas, porque é uma realidade vivida,
integra-se no tempo vivido. E o tempo em que vivemos é o tempo duma
profunda tomada de consciência. Depois de tantos séculos de pecado burguês a
nossa época rejeita a herança do pecado organizado. Não aceitamos a fatalidade
do mal. Como Antígona a poesia do nosso tempo diz: «Eu sou aquela que não
aprendeu a ceder aos desastres.» Há um desejo de rigor e de verdade que é
intrínseco à íntima estrutura do poema e que não pode aceitar uma ordem falsa.
O artista não é, e nunca foi, um homem isolado que vive no alto duma torre
de marfim. O artista, mesmo aquele que mais se coloca à margem da
convivência, influenciará necessariamente, através da sua obra, a vida e o
destino dos outros. Mesmo que o artista escolha o isolamento como melhor
condição de trabalho e criação, pelo simples facto de fazer uma obra de rigor, de
verdade e de consciência ele irá contribuir para a formação duma consciência
comum. Mesmo que fale somente de pedras ou de brisas a obra do artista vem
sempre dizer-nos isto: Que não somos apenas animais acossados na luta pela
sobrevivência mas que somos, por direito natural, herdeiros da liberdade e da
dignidade do ser.
Eis-nos aqui reunidos, nós escritores portugueses, reunidos por uma língua
comum. Mas acima de tudo estamos reunidos por aquilo a que o padre Teilhard
de Chardin chamou a nossa confiança no progresso das coisas.
E tendo começado por saudar os amigos presentes quero, ao terminar, saudar
os meus amigos ausentes: porque não há nada que possa separar aqueles que
estão unidos por uma fé e por uma esperança.
(Palavras ditas em 11 de Julho de 1964 no almoço promovido pela Sociedade Portuguesa de Escritores
por ocasião da entrega do Grande Prémio de Poesia atribuído a Livro Sexto.)
ARTE POÉTICA IV
Outra ainda é a maneira que surgiu quando escrevi O Cristo Cigano: havia
uma história, um tema, anterior ao poema. Sobre esse tema escrevi vários
poemas soltos que depois organizei num só poema longo.
E por três vezes me aconteceu uma outra maneira de escrever: de textos que
eu escrevera em prosa surgiram poemas. Assim o poema «Fernando Pessoa»
apareceu repentinamente depois de eu ter acabado de escrever uma conferência
sobre Fernando Pessoa. E o poema «Maria Helena Vieira da Silva ou O
Itinerário Inelutável» emergiu de um artigo sobre a obra desta pintora. E
enquanto escrevi este texto para a Crítica apareceu um poema que cito por ser a
forma mais concreta de dar a resposta que me é pedida:
Na minha infância, antes de saber ler, ouvi recitar e aprendi de cor um antigo
poema tradicional português, chamado Nau Catrineta. Tive assim a sorte de
começar pela tradição oral, a sorte de conhecer o poema antes de conhecer a
literatura.
Eu era de facto tão nova que nem sabia que os poemas eram escritos por
pessoas, mas julgava que eram consubstanciais ao universo, que eram a
respiração das coisas, o nome deste mundo dito por ele próprio.
Pensava também que, se conseguisse ficar completamente imóvel e muda em
certos lugares mágicos do jardim, eu conseguiria ouvir um desses poemas que o
próprio ar continha em si.
No fundo, toda a minha vida tentei escrever esse poema imanente. E aqueles
momentos de silêncio no fundo do jardim ensinaram-me, muito tempo mais
tarde, que não há poesia sem silêncio, sem que se tenha criado o vazio e a
despersonalização.
Um dia em Epidauro — aproveitando o sossego deixado pelo horário do
almoço dos turistas — coloquei-me no centro do teatro e disse em voz alta o
princípio de um poema. E ouvi, no instante seguinte, lá no alto, a minha própria
voz, livre, desligada de mim.
Tempos depois, escrevi estes três versos:
(Lido na Sorbonne, em Paris, em Dezembro de 1988, por ocasião do encontro intitulado Les Belles
Étrangères.)
POEMAS DISPERSOS
Anjos sem asas meus anjos pesados
De boca sem voz
As fadas que disseram os maus fados
Falavam de vós
1940
LÁ
1940
INOCÊNCIA E POSSIBILIDADE
29 de Novembro de 1949
És como a Terra-Mãe que nos devora
Prendendo a nossa vida no seu peso.
De ti nos veio a morte, e trazemos
A tristeza e a sombra dos teus membros
Colada ao nosso sonho e o teu amor
Rói-nos na raiz. Larga os nossos braços.
Deixa crescer os gestos que nos brotam.
Nós temos outro corpo pra formar,
Não o corpo pesado que nos deste
Mas um outro que está no horizonte.
Deixa-nos crescer, deixa-nos nascer
E que a nossa raiz de ti se arranque.
NOITE
1951
A VIAGEM
Lá no socalco da serra
Anda a cavar teu irmão
Debruçado sobre a terra
P’ra que tenhas vinho e pão
1977
MAR
Poeta do Redentor
Poeta do Criador
Procuraste
A inocência primeira que a Redenção reergue
1987
Cada manhã o alvoroço da luz
Me acorda: a luz atravessa a paisagem e a casa
— A dormir tinha esquecido não as coisas
Mas sua meticulosa beleza
Múltipla
1987
CANÇÃO DO AMOR PRIMEIRO
O loiro do rosto
A dança do cabelo
Doirado sobre a testa
Sob o choupo escondidos
Como sob floresta
E o loiro do cabelo
A voar na testa
E o linho do rosto
Entre os brilhos da festa
Páscoa de 1990
Aqui as sombras se misturam com as luzes
Cavas roucas recônditas as vozes
Do interior do tempo os rostos surgem
1 Dezembro 1991
D. ANTÓNIO FERREIRA GOMES
BISPO DO PORTO
1998
NAQUELE TEMPO
Lá no alto as abelhas
Doiradas e pequenas
Não se ocupavam de mim
Iam de flor em flor
E cá em baixo eu
Sentada no banco de azulejos
Entre penumbra e luz
Flor e perfume
Tão ávida como as abelhas
Abril de 98
ELSINORE
No entanto
Numa das salas do castelo
Um quadro do século dezoito mostrava
Uma rainha bela imperiosa arrogante
E no seu rosto a sombra de outro se espelhava
E também as muralhas vermelhas de tijolo
Sobre as águas obscuras do fosso projectavam
Uma sombra muito antiga e cor de sangue
Inverno de 1999
AVIÕES
Maio de 2000
PERCA
Setembro de 2001
Quem me roubou o tempo que era um
quem me roubou o tempo que era meu
o tempo todo inteiro que sorria
onde o meu Eu foi mais limpo e verdadeiro
e onde por si mesmo o poema se escrevia
Setembro de 2001
PROVENIÊNCIA DOS POEMAS DISPERSOS
[Anjos sem asas meus anjos pesados], in Távola Redonda — Folhas de Poesia, 8, Novembro de 1950.
«Lá», Jornal de Letras, 16 de Fevereiro de 1982.
«Inocência e possibilidade», in Público, 23 de Junho de 2009.
«Narciso», in Távola Redonda — Folhas de Poesia, 7, Julho de 1950; publicado pela primeira vez em livro
na 5.ª ed. de Mar, antologia organizada por Maria Andresen Sousa Tavares.
[És como a Terra-Mãe que nos devora], in Távola Redonda — Folhas de Poesia, 7, Julho de 1950.
«Noite», in A Teixeira de Pascoaes — Homenagem da Academia de Coimbra pela voz de escritores
portugueses e brasileiros. Coimbra, Academia de Coimbra, 1951.
[No ângulo das coisas visíveis], in Árvore — folhas de poesia, 2, Inverno de 1951-1952; publicado pela
primeira vez em livro na 5.ª ed. de Mar, org. MAST.
«A viagem», in Cidade Nova, 1, série VI, 1959, com a indicação «Fragmento do poema “Naufrágio”»;
publicado pela primeira vez em livro na 5.ª ed. de Mar, org. MAST.
«Náufrago acordando», in Colóquio — Revista de Artes e Letras, 2, Março de 1959; publicado pela
primeira vez em livro na 5.ª ed. de Mar, org. MAST.
«O branco», in 11 Poemas, Lisboa, Movimento, 1971, republicado na 5.ª ed. de Mar, org. MAST.
[Tu sentado à tua mesa], Cartaz (Sophia de Mello Breyner Andresen / José Escada, 1975).
«Brasil 77», in Loreto 13, n.º 8, Março de 1982.
«Mar», in Poemas Escolhidos, Lisboa, Círculo de Leitores, 1981.
«São Francisco de Assis», in Francisco de Assis 1182-1982, Testemunhos Contemporâneos das Letras
Portuguesas. Org. de Adelino Pereira, Lisboa, INCM, 1982.
«Navegações descobrimento-encobrimento», in Afecto às Letras. Homenagem da Literatura Portuguesa
Contemporânea a Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, INCM, 1984.
[Oblíquo Setembro de equinócio tarde], in Portugal Socialista, n.º 182, Janeiro de 1984; republicado em
Mealibra, n.º 12, Verão de 2003; publicado pela primeira vez em livro na 5.ª ed. de Mar, org. MAST.
«Navegadores», in Salem, n.º 2, Revista da Associação de Estudantes da Faculdade de Teologia,
Novembro de 1987 (republicado em Mealibra, n.º 12, série 3, Verão de 2003); publicado pela primeira
vez em livro na 5.ª ed. de Mar, org. MAST.
[Cada manhã o alvoroço da luz], in Mealibra, n.º 12, série 3, Verão de 2003.
«Canção do amor primeiro», in Sete Poemas para Júlio, Lisboa, 1988.
[Como esquecida voz de um amor muito antigo], in As Escadas não têm degraus, n.º 3, Março de 1990.
«A casa de Deus» in Igreja de Santa Maria — Marco de Canaveses, Álvaro Siza Vieira, fotografia de José
Manuel Rodrigues e desenho de José Manuel Soares dos Reis, Marco de Canaveses, Paróquia de Santa
Marinha de Fornos e Francisco Guedes, 1998.
[Aqui as sombras se misturam com as luzes], in Graça Morais, Lisboa, Soctip, 1992.
«D. António Ferreira Gomes Bispo do Porto», in Jornal de Letras, 16 de Junho de 1999.
«Naquele tempo», in Jornal de Letras, 16 de Junho de 1999.
«Elsinore», in Memória de Afectos — Homenagem da Cultura Portuguesa ao Prof. Giuseppe Tavani,
Lisboa, Edições Colibri, 2001, pp. 11-12. Publicado pela primeira vez em livro na antologia Mar, 5.ª
edição, org. MAST.
«Inverno», in Relâmpago, n.º 6, Abril de 2000.
«Aviões», in Relâmpago, n.º 6, Abril de 2000.
[A manhã estática parada], in Relâmpago, n.º 6, Abril de 2000.
«Perca», in Relâmpago, n.º 9, Outubro de 2001.
[Quem me roubou o tempo que era um], in Relâmpago, n.º 9, Outubro de 2001.
INÉDITOS
Beijei a terra com os meus olhos, a minha boca e os meus dedos
Enrolei-a a mim em círculos inumeráveis
E em contemplações intermináveis
Dissolvi-me nos seus segredos
Como todo o amor humano
Eras impuro, falso e vil,
Mas eu ergui a perfeição do teu perfil
Na manhã d’hoje em frente do Oceano.
Enigmáticos, desertos e suspensos
Os espaços vermelhos do poente,
Países de completa maravilha,
Cobrem o campo morto dos destroços
Em vão me engano
Verdadeiramente sou quem fui
Atravessando quartos forrados de espelhos ardentes
E diluída no fulgor da Primavera antiga
POESIA, 1.ª ed., 1944, Coimbra, Edição da Autora; 2.ª ed., 1959, Lisboa, Edições Ática; 3.ª ed., Poesia I,
1975, Lisboa, Edições Ática; 4.ª ed., revista, 2003, Lisboa, Editorial Caminho; 5.ª ed., revista, 2005,
Lisboa, Editorial Caminho; 6.ª ed., 2007, Lisboa, Editorial Caminho. 1.ª edição na Assírio & Alvim (7.ª
ed.), Lisboa, 2013, prefácio de Pedro Eiras.
DIA DO MAR, 1.ª ed., 1947, Lisboa, Edições Ática; 2.ª ed., 1961, Lisboa, Edições Ática; 3.ª ed., 1974,
Lisboa, Edições Ática; 4.ª ed., revista, 2003, Lisboa, Editorial Caminho; 5.ª ed., revista, 2005, Lisboa,
Editorial Caminho; 6.ª ed., 2010, Alfragide, Editorial Caminho. 1.ª edição na Assírio & Alvim (7.ª ed.),
Lisboa, 2014, prefácio de Gastão Cruz.
CORAL, 1.ª ed., 1950, Porto, Livraria Simões Lopes; 2.ª ed., s/d [c. 1979], Lisboa, Portugália Editora; 3.ª
ed., s/d [c. 1980], Lisboa, Portugália Editora, ilustrações de José Escada; 4.ª ed., revista, 2003, Lisboa,
Editorial Caminho; 5.ª ed., revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho. 1.ª edição na Assírio & Alvim (6.ª
ed.), Lisboa, 2013, prefácio de Manuel Gusmão.
NO TEMPO DIVIDIDO, 1.ª ed., 1954, Lisboa, Guimarães Editores; 2.ª ed., 1985, in No Tempo Dividido e
Mar Novo, Lisboa, Edições Salamandra, ilustração de Arpad Szenes; 3.ª ed., revista, 2003, Lisboa,
Editorial Caminho; 4.ª ed., revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho. 1.ª edição na Assírio & Alvim (5.ª
ed.), Lisboa, 2013, prefácio de Federico Bertolazzi.
MAR NOVO, 1.ª ed., 1958, Lisboa, Guimarães Editores; 2.ª ed., 1985, in No Tempo Dividido e Mar Novo,
Lisboa, Edições Salamandra, ilustração de Arpad Szenes; 3.ª ed., revista, 2003, Lisboa, Editorial
Caminho; 4.ª ed., revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho. 1.ª edição na Assírio & Alvim (5.ª ed.),
Lisboa, 2013, prefácio de Fernando J.B. Martinho.
O CRISTO CIGANO, 1.ª ed., O Cristo Cigano ou A Lenda do Cristo Cachorro, 1961, Lisboa, Minotauro,
ilustrações de Júlio Pomar; 2.ª ed., 1978, Lisboa, Moraes Editores, ilustração de José Escada; 3.ª ed.,
revista, 2003, Lisboa, Editorial Caminho; 4.ª ed., revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho. 1.ª edição na
Assírio & Alvim (5.ª ed.), Lisboa, 2014, prefácio de Rosa Maria Martelo.
LIVRO SEXTO, 1.ª ed., 1962, Lisboa, Livraria Morais Editora; 2.ª ed., 1964, Lisboa, Livraria Morais
Editora; 3.ª ed., 1966, Lisboa, Livraria Morais Editora; 4.ª ed., 1972, Lisboa, Livraria Morais Editora;
5.ª ed., 1976, Lisboa, Moraes Editores; 6.ª ed., 1985, Lisboa, Edições Salamandra; 7.ª ed., revista, 2003,
Lisboa, Editorial Caminho; 8.ª ed., revista, 2006, Lisboa, Editorial Caminho. 1.ª edição na Assírio &
Alvim (9.ª ed.), Lisboa, 2014, prefácio de Gustavo Rubim.
GEOGRAFIA, 1.ª ed., 1967, Lisboa, Edições Ática; 2.ª ed., 1972, Lisboa, Edições Ática; 3.ª ed., 1990,
Lisboa, Edições Salamandra, ilustração de Xavier Sousa Tavares; 4.ª ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial
Caminho. 1.ª edição na Assírio & Alvim (5.ª ed.), Lisboa, 2014, prefácio de Frederico Lourenço.
ANTOLOGIA, 1.ª ed., 1968, Lisboa, Portugália Editora; 2.ª ed., 1970, Lisboa, Moraes Editores; 3.ª ed.,
1975, Lisboa, Moraes Editores; 4.ª ed., 1978, Lisboa, Moraes Editores, prefácio de Eduardo Lourenço;
5.ª ed., 1985, Porto, Figueirinhas.
GRADES [Antologia de Poemas de Resistência], 1970, Lisboa, Publicações Dom Quixote.
11 POEMAS, 1971, Lisboa, Movimento.
«POEMAS DE UM LIVRO DESTRUÍDO», 1972, in Fevereiro — Textos de Poesia, Lisboa. (Incluído em
No Tempo Dividido, a partir da 2.ª ed.).
DUAL, 1.ª ed., 1972, Lisboa, Moraes Editores; 2.ª ed., 1977, Lisboa, Moraes Editores; 3.ª ed., 1986, Lisboa,
Edições Salamandra; 4.ª ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial Caminho. 1.ª edição na Assírio & Alvim
(5.ª ed.), Lisboa, 2014, prefácio de Eduardo Lourenço.
O NOME DAS COISAS, 1.ª ed., 1977, Lisboa, Moraes Editores; 2.ª ed., 1986, Lisboa, Edições
Salamandra; 3.ª ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial Caminho; 4.ª ed., revista, 2006, Lisboa, Editorial
Caminho.
Poemas Escolhidos, 1981, Lisboa, Círculo de Leitores.
Navegações, 1.ª ed., 1983, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda; 2.ª ed., 1996, Lisboa, Editorial
Caminho; 3.ª ed., 1996, Lisboa, Editorial Caminho; 4.ª ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial Caminho.
O SOL O MURO O MAR, 1984, Lisboa. Portfólio com seis fotografias de Eduardo Gageiro. (Incluído em
Ilhas.)
ILHAS, 1.ª ed., 1989, Lisboa, Texto Editora, ilustração de Xavier Sousa Tavares; 2.ª ed., 1990, Lisboa,
Texto Editora; 3.ª ed., 1992, Lisboa, Texto Editora; 4.ª ed., 2001, Lisboa, Texto Editora; 5.ª ed., revista,
2004, Lisboa, Editorial Caminho.
OBRA POÉTICA I, 1.ª ed., 1990, Lisboa, Editorial Caminho; 2.ª ed., 1991, Lisboa, Editorial Cami-nho; 3.ª
ed., 1995, Lisboa, Editorial Caminho; 4.ª ed., 1998, Lisboa, Editorial Caminho; 5.ª ed., 1999, Lisboa,
Editorial Caminho; 6.ª ed., 2001, Lisboa, Editorial Caminho.
OBRA POÉTICA II, 1.ª ed., 1991, Lisboa, Editorial Caminho; 2.ª ed., 1995, Lisboa, Editorial Caminho; 3.ª
ed., 1998, Lisboa, Editorial Caminho; 4.ª ed., 1999, Lisboa, Editorial Caminho.
OBRA POÉTICA III, 1.ª ed., 1991, Lisboa, Editorial Caminho; 2.ª ed., 1996, Lisboa, Editorial Caminho; 3.ª
ed., 1999, Lisboa, Editorial Caminho; 4.ª ed., 2001, Lisboa, Editorial Caminho.
SINGRADURAS, 1991, Lisboa, Galeria 111, com seis gravuras de David de Almeida. (Poema VI de «As
Ilhas», incluído em Navegações.)
OBRA POÉTICA I e OBRA POÉTICA II, 1992, Lisboa, Círculo de Leitores.
MUSA, 1.ª ed., 1994, Lisboa, Editorial Caminho; 2.ª ed., 1995, Lisboa, Editorial Caminho; 3.ª ed., 1997,
Lisboa, Editorial Caminho; 4.ª ed., 2001, Lisboa, Editorial Caminho; 5.ª ed., revista, 2004, Lisboa,
Editorial Caminho.
SIGNO (ESCOLHA DE POEMAS), 1.ª ed., 1994, Lisboa, Editorial Presença/Casa Fernando Pessoa (inclui
um CD com poemas ditos por Luis Miguel Cintra).
ILHAS — POEMAS ESCOLHIDOS/ISLANDS — SELECTED POEMS, 1995, Lisboa, Texto
Editora/Expo’98, versão inglesa de Richard Zenith, fotografias de Daniel Blaufuks.
O BÚZIO DE CÓS E OUTROS POEMAS, 1.ª ed., 1997, Lisboa, Editorial Caminho; 2.ª ed., 1998, Lisboa,
Editorial Caminho; 3.ª ed., 1999, Lisboa, Editorial Caminho; 4.ª ed., 2002, Lisboa, Editorial Caminho;
5.ª ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial Caminho.
MAR [Antologia organizada por Maria Andresen de Sousa Tavares], 1.ª ed., 2001, Lisboa, Editorial
Caminho; 2.ª ed., 2001, Lisboa, Editorial Caminho; 3.ª ed., 2001, Lisboa, Editorial Caminho; 4.ª ed.,
2002, Lisboa, Editorial Caminho; 5.ª ed., revista e aumentada, 2004, Lisboa, Editorial Caminho; 6.ª ed.,
2006, Lisboa, Editorial Caminho; 7.ª ed., 2009, Alfragide, Editorial Caminho.
ORPHEU E EURYDICE, 2001, Lisboa, Galeria 111, ilustrações de Graça Morais.
CEM POEMAS DE SOPHIA, 1.ª ed., 2004, Lisboa, Visão/JL — Jornal de Letras, Artes e Ideias, selecção e
introdução de José Carlos de Vasconcelos.
OBRA POÉTICA (edição de Carlos Mendes de Sousa), 1.ª ed., 2010, Alfragide, Editorial Caminho; 2.ª ed.,
2011, Alfragide, Editorial Caminho. 1.ª edição na Assírio & Alvim (3.ª ed.), Lisboa, 2015, prefácio de
Maria Andresen Sousa Tavares.
OS POEMAS SOBRE PESSOA [Antologia organizada por Maria Andresen Sousa Tavares], 1.ª ed., 2012,
Alfragide, Editorial Caminho.
PROSA
CONTOS EXEMPLARES, 1.ª ed., 1962, Lisboa, Livraria Morais Editora; 2.ª ed., 1966, Lisboa, Portugália
Editora; 3.ª ed., 1970, Lisboa, Portugália Editora, prefácio de D. António Ferreira Gomes; 13.ª ed.,
1983, Porto, Figueirinhas; 37.ª ed., 2010, Porto, Figueirinhas. 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2013,
ilustrações de João Catarino. 1.ª edição na Assírio & Alvim (39.ª ed.), Lisboa, 2014, prefácio de
Federico Bertolazzi.
OS TRÊS REIS DO ORIENTE, 1.ª ed., 1965, Lisboa, Estúdios Cor, ilustrações de Manuel Lapa; 2.ª ed., s/d
[1980], Lisboa, Galeria S. Mamede/Portugália Editora, ilustrações de Francisco Relógio; 3.ª ed., s/d
[2004], Porto, Figueirinhas, ilustrações de Fedra Santos. (Incluído em Contos Exemplares, a partir da 3.ª
ed.). 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2013, ilustrações de Fátima Afonso.
A CASA DO MAR, 1979, Lisboa, Galeria S. Mamede, ilustrações de Maria Helena Vieira da Silva.
(Incluído em Histórias da Terra e do Mar.)
HISTÓRIAS DA TERRA E DO MAR, 1.ª ed., 1984, Lisboa, Edições Salamandra; 2.ª ed., 1984, Lisboa,
Edições Salamandra; 3.ª ed., 1989, Lisboa, Texto Editora; 21.ª ed., 2002, Lisboa, Texto Editora. 1.ª
edição na Porto Editora, Porto, 2013, ilustrações de Jorge Nesbitt. 1.ª edição na Assírio & Alvim (23.ª
ed.), Lisboa, 2013, prefácio de Gustavo Rubim.
«O CARRASCO», As Escadas não Têm Degraus, n.º 5, 1991, Lisboa, Edições Cotovia.
ERA UMA VEZ UMA PRAIA ATLÂNTICA, 1997, Lisboa, Expo’98.
«LEITURA NO COMBOIO» e «O CEGO», Colóquio/Letras, n.º 159-160, Janeiro-Junho de 2002,
ilustrações de Tiago Manuel.
O ANJO DE TIMOR, 2003, Marco de Canaveses, Cenateca, Associação Teatro e Cultura, ilustrações de
Graça Morais.
QUATRO CONTOS DISPERSOS, 2008, Porto, Figueirinhas, ilustração de Diogo Vaz. 1.ª edição na Porto
Editora, Porto, 2012, ilustrações de João Caetano.
A MENINA DO MAR, 1.ª ed., 1958, Lisboa, Edições Ática, ilustrações de Sarah Affonso; 2.ª ed., 1961,
Lisboa, Editorial Aster, ilustrações de Fernando de Azevedo; 3.ª ed., 1972, Porto, Figueirinhas,
ilustrações de Armando Alves; 7.ª ed., 1977, Porto, Figueirinhas, ilustrações de Luís Noronha da Costa;
41.ª ed., 2002, Porto, Figueirinhas. 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2012, ilustrações de Fernanda
Fragateiro.
A FADA ORIANA, 1.ª ed., 1958, Lisboa, Edições Ática, ilustrações de Bió, capa de Quito sobre quadro de
Nuno Siqueira; 2.ª ed., 1964, Lisboa, Edições Ática; 3.ª ed., s/d [c. 1972], Lisboa, Edições Ática,
ilustrações de Luís Noronha da Costa; 7.ª ed., 1982, Porto, Figueirinhas, ilustrações de Natividade
Corrêa; 34.ª ed., 2002, Porto, Figueirinhas. 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2012, ilustrações de
Teresa Calem.
A NOITE DE NATAL, 1.ª ed., 1959, Lisboa, Edições Ática, ilustrações de Maria Keil; 2.ª ed., s/d [1972],
Lisboa, Edições Ática, ilustrações de José Escada; 3.ª ed., 1983, Lisboa, Edições «O Jornal», ilustrações
de José Escada; 4.ª ed., 1989, Porto, Figueirinhas, ilustrações de Júlio Resende; 1.ª edição na Porto
Editora, Porto, 2013, ilustrações de Jorge Nesbitt.
O CAVALEIRO DA DINAMARCA, 1.ª ed., 1964, Porto, Figueirinhas, ilustrações de Armando Alves; 56.ª
ed., 2001, Porto, Figueirinhas; 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2014, ilustrações de Henrique Cayatte.
O RAPAZ DE BRONZE, 1.ª ed., 1965, Lisboa, Minotauro, ilustrações de Fernando de Azevedo; 2.ª ed.,
1972, Lisboa, Moraes Editores; edição e oferta da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia
de Portugal e Camões e das Comunidades Portuguesas, 1977 (Moraes Editores), ilustrações da colecção
particular da Autora; 5.ª ed., 1978, Lisboa, Moraes Editores, ilustrações de Natividade Corrêa; 6.ª ed.,
1979, Lisboa, Moraes Editores; 7.ª ed., 1983, Lisboa, Moraes Editores, ilustração da capa de Vitorino
Martins; 9.ª ed., 1990, Lisboa, Edições Salamandra, ilustrações de Júlio Resende; 19.ª ed., 1994, Lisboa,
Edições Salamandra. 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2013, ilustrações de Inês do Carmo.
A FLORESTA, 1.ª ed., 1968, Porto, Figueirinhas, ilustrações de Armando Alves; 23.ª ed., 1995, Porto,
Figueirinhas, ilustrações de Teresa Olazabal Cabral; 35.ª ed., Porto, Figueirinhas. 1.ª edição na Porto
Editora, Porto, 2013, ilustrações de Sofia Arez.
A ÁRVORE, 1.ª ed., 1985, Porto, Figueirinhas; 13.ª ed., 2002, Porto, Figueirinhas. 1.ª edição na Porto
Editora, Porto, 2013, ilustrações de Teresa Lima.
«A CEBOLA DA VELHA AVARENTA», in A Antologia Diferente — De Que São Feitos os Sonhos,
organização de Luísa Ducla Soares, 1986, Porto, Areal Editores, ilustração de Vítor Simões.
OS CIGANOS [edição especial], Sophia de Mello Breyner Andresen, Pedro Sousa Tavares, 1.ª edição,
2012, Porto, Porto Editora, ilustrações de Danuta Wojciechowska.
OS CIGANOS, Sophia de Mello Breyner Andresen, Pedro Sousa Tavares, 1.ª edição, 2012, Porto, Porto
Editora, ilustrações de Danuta Wojciechowska.
POESIA SEMPRE I (em colaboração com Alberto de Lacerda), s/d [1964], Lisboa, Livraria Sampedro
Editora.
POESIA SEMPRE II, s/d [1964] ], Lisboa, Livraria Sampedro Editora.
PRIMEIRO LIVRO DE POESIA, 1.ª ed., 1991, Lisboa, Editorial Caminho, ilustrações de Júlio Resende;
11.ª ed., 2008, Lisboa, Editorial Caminho.
TEATRO
O BOJADOR, 1.ª ed., s/d [1961], Lisboa, separata da Escola Portuguesa, Direcção-Geral do Ensino
Primário; 2.ª ed., 2000, Lisboa, Editorial Caminho, ilustrações de Henrique Cayatte; 3.ª ed., 2006,
Lisboa, Editorial Caminho; 4.ª ed., 2007, Lisboa, Editorial Caminho; 5.ª ed., 2009, Lisboa, Editorial
Caminho; 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2014, ilustrações de João Catarino.
O COLAR, 1.ª ed., 2001, Lisboa, Editorial Caminho; 2.ª ed., revista, 2002, Lisboa, Editorial Caminho; 3.ª
ed., 2005, Lisboa, Editorial Caminho; 4.ª ed., 2006, Lisboa, Editorial Caminho; 5.ª ed., 2008, Lisboa,
Editorial Caminho; 6.ª ed., 2009, Lisboa, Editorial Caminho; 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2012,
ilustrações de Daniel Silvestre da Silva; 2.ª edição, 2013, Porto, Porto Editora, ilustrações de João
Catarino. 1.ª edição na Assírio & Alvim (9.ª ed.), Lisboa, 2013, prefácio de Luis Miguel Cintra.
ENSAIO (selecção)
«A POESIA DE CECÍLIA MEIRELES», Cidade Nova — Revista de Cultura, IV Série, n.º 6, 1956.
«POESIA E REALIDADE», Colóquio — Revista de Artes e Letras, n.º 8, 1960.
«CAMINHOS DA DIVINA COMÉDIA», Diário de Lisboa, 13 de Maio e 1 de Julho de 1965; republicado
em Ler — Livros & Leitores, n.º 58, Primavera de 2003, ilustrações de Tiago Manuel.
O NU NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA, 1.ª ed., 1975, in O Nu e a Arte, Lisboa, Estúdios Cor; 2.ª ed., s/d
[c. 1979], Lisboa, Portugália Editora; 3.ª ed., 1992, Lisboa, Editorial Caminho.
TRADUÇÕES
A VIDA QUOTIDIANA NO TEMPO DE HOMERO (Émile Mireaux), 1.ª ed., s/d [c. 1957], Lisboa, Livros
do Brasil; 3.ª ed., s/d [1979], Lisboa, Livros do Brasil.
A ANUNCIAÇÃO A MARIA (Paul Claudel), s/d [1960], Lisboa, Editorial Aster.
O PURGATÓRIO (Dante), 1.ª ed., 1962, Lisboa, Minotauro; 2.ª ed., 1981, Lisboa, Círculo de Leitores.
MUITO BARULHO POR NADA (William Shakespeare), 1964 (inédito).
HAMLET (William Shakespeare) [1965]; 1.ª ed., 1987, Porto, Lello & Irmão Editores.
QUATRE POÈTES PORTUGAIS — CAMÕES, CESÁRIO VERDE, MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO,
FERNANDO PESSOA, 1.ª ed., 1970, Paris, Presses Universitaires de France e Fundação Calouste
Gulbenkian — Centre Culturel Portugais; 2.ª ed., 1979, Paris, Presses Universitaires de France e
Fundação Calouste Gulbenkian — Centre Culturel Portugais.
SER FELIZ (Leif Kristiansson), 1.ª ed., 1973, Lisboa, Editorial Presença; 6.ª ed., 1997, Lisboa, Editorial
Presença.
UM AMIGO (Leif Kristiansson), 1.ª ed., 1973, Lisboa, Editorial Presença; 11.ª ed., 2001, Lisboa, Editorial
Presença.
MEDEIA (Eurípides), 1.ª ed., 2006, Lisboa, Editorial Caminho, prefácio de Frederico Lourenço.