Você está na página 1de 115

'

-
\
••

Isabel Meyrelles

POESIA
·•·
ANTOLOGIAS ÜRGANIZADAS:
ÍNDICE
Anthologie de la Poésie Portugaise, Paris: Gallimard, 1971 (org. e tradução)
O sexo na moderna ficção científica, Lisboa: Afrodite, 1976.
I "Isabel Meyrelles ou a razã g dos sonhos", Perfecto E. Cuadrado:

TRADUÇÕES:
EM VOZ BAIXA
13 Como sempre
Jorge Amado: Os subterrâneos da liberdade, Ed. Messidor, 1982 (2 vols.)
14 1." Madrigal
Jorge Amado: Terras do Sem Fim, Ed. Messidor, 1985 15 Hoje
Jorge Amado: São Jorge dos Ilhéus, Ed. Messidor, 1986 16 A maneira de ...
Jorge Amado: ABC de Castro Alves, Ed. Messidor, 1988 17 Tinha chovido, havia estrelas
0

Jorge Amado: Bahia de Todos os Santos. Ed. Messidor, 1989 18 2. Madrigal


19 Eu morrerei
Herberto Sales: Cascalho, Ed. Messidor, 1991
20 Amor, que fizeste da minha cidade?
Gabriela Llansol: Contos do mal errante, Ed. Anne-Marie Métailié, 1991 21 Gritei o teu nome
Alexandre Pinheiro Torres: O movimento neo-realista em Portugal na sua pri- 22 Os meus olhos
meira fase, Bruxelles: Ed . Sagres-Europa, 1991 23 Nas claras tardes de verão
Mário Cesariny: Labyrinthye du chant, Bordeaux: L'Escampette, 1994 24 3." Madrigal
25 Fragmentos
José Régio: Le Fertile désespoir, Bordeaux: L'Escampette, 1995 (Prémio de tra-
26 Dias há
dução de poesia portuguesa Calouste Gulbenkian 1996)
27 4. 0 Madrigal
Adriane Galisteu: Minha Vida com Ayrton, Paris: Lafon, 1995
28 Há o teu rosto lá fora
Anthologie bilingüe de la Poésie Brés.ilenne, Org. de Renata Pallottini. Paris: Ed . 29 Jardin du Luxembourg
Michel Chandeigne, 1998 30 Voltei-me para ti
Vitorino Nemésio: La Voyelle Promise et autres poemes, Bordeaux: Ed. 31 Apenas te posso dizer
L'Escampette/Direcção Regional da Cultura dos Açores, 2000 32 5. 0 Madrigal. ..
18+ 1 poetes contemporaines de langue portugaise, Paris: Instituto Camões/
Chandeigne, 2000 PALAVRAS NOCTURNAS
37 Palavras nocturnas
38 Angústia clara
EDIÇÕES: 39 Em águas profundas
40 Se alguém hoje te beijar
Cruzeiro Seixas: Poesia Completa, Vol. L Famalicão: Quasi Edições, 2002. 41 Encontros que não marcaste
Cruzeiro Seixas: Poesia Completa, V oi. 11. Famalicão: Quasi Edições, 2003. 42 Eu hei-de ser um dia
Cruzeiro Seixas: Poesia Completa. Voi. III. Famalicão: Quasi Edições, (no prelo) 43 Mais uma vez
44 Esquecer
·•
104 Un autre voyage d'Alice de l'autre côte du miroir
45 Eu serei água
106 Pauvre poete, tu chasses les mots I Pobre poeta, andas à caça das palavras
46 Café du Départ- I
108 De /'autre côté du rêve I Do outro lado do sonho
47 Café du Départ -li
110 ]'ai lâché mes démons I Libertei os demónios
48 Presença afogada
112 ]'aime voir mes mains I c:Josto de ver as minhas mãos
49 Há um pedaço de mim
114 I/ y a des poetes vessies I Há poetas bexigas
50 Arvores de outono
116 Genese XXII, 9-18 I Génese XXII, 9-18
51 Café du Départ- III
52 Sou um grito de pássaro 120 Que suis-je pour toi? I O que sou para ti?
122 L'amour est entré en moi I O amor entrou dentro de mim
53 Deixaste que as gaivotas
54 Ile St. Louis
124 I/ était une (ois un tigre I Era uma vez um tigre
128 Cbanson d'ami I Cantiga de amigo
130 Lettre aux grands galactiques I Carta aos mestres da galáxia
O ROSTO DESERTO
132 Aujourd'hui, pour me changer I Hoje, para mudar
56 Tous les poetes font des vers I Todos os poetas fazem versos 134 Eros 2000 I Eros 2000
58 Devinette I Adivinha 138 Le complexe du placard I O complexo do armário
60 ]e voudrais porter ma sensibilité I Gostava de levar 142 Le silence est pavé de murs I O silêncio está pavimentado de muros
62 Entre la licorne et toi I Entre o unicórnio e tu 144 Que/que part dans la vil/e I Em algum lugar da cidade
64 Entre naus I Entre nós 146 Sauve-toi sauve-toi I Foge foge
68 Vaus prenez un corps de trente six ans I Toma-se um corpo de 36 anos 148 Entrez, Messieurs Dames, entrez! I É entrar, Senhoras e Senhores, é entrar!
70 Un convoi de mots I Comboios de palavras 150 Messieurs /es voyageurs en voiture I Senhores passageiros tomem os
72 Portrait du matelot I O retrato do marinheiro vossos lugares
74 Le matelot voyage I O marinheiro viaja 154 ]e n'existe I Só existo
76 Le matelot au repos I O marinheiro descansa 156 «Que muera conmigo el misterio ... I «Que muera conmigo el misterio ...
78 Le matelot en bordée I O marinheiro em terra ... Que esta escrito en los tigres» I ... Que esta escrito en los tigres>>
158
80 Le matelot ne sait pas I O mtirinheiro não sabe 162 Connaissez-vous la peau d'indifférence? I Conhece a pele de indiferença?
82 Le matelot est parti I O marinheiro partiu
164 Prenez une grande feui/le I Tome uma grande folha
84 X. est un poete I X. é um poeta A force de me cogner I À força de bater com a cabeça
166
86 Subitement /e carreau de la passion I ubitamente a frecha da paixão
168 Post bane diem I Post hanc diem
88 I/ est dangereux de se pencher I É perigoso debruçar-se
90 Tu m'as accrochée dans l'armoire aux restes I Tu já me arrumaste no
O MENSAGEIRO DOS SONHOS
armário dos restos
92 Non, mon ami, la réalité I Não meu amigo, a realidade 174 La bibliotheque I A biblioteca
176 Dans les terres truquées I Nas terras fraudulentas

LE LIVRE DU TIGRE
178 Préparez-vous, mes sceurs I Preparai-vos, minhas irmãs
180 Vaus vous asseyez tranqui!lement I Sentai-vos tranquilarnente
98 Tigre tigre I Tigre tigre Est-ce la paix, est-ce la guerre? I Será a paz, será a guerra?
182
100 I/ y a Lisbonne I Existe em Lisboa Le poeme est-il une enzyme I É o poema uma enzima
184
102 ]e te dirai pendant la pmmenade à Fomalhaut I Dir-te-ei durante o pas-
186 Bereshith I Bereshith
seio a Fomalhaut
188 Requiem pour João Carlos Sobral Meireles I Requiem para João Ca rlos
Sobral Meireles
190 Le messager des rêves I o mensageiro dos sonhos
1'0\:Sli\
192 Variations Goldberg I Variações Goldberg
l >A illl M!CYI<J:III'S
194 Tous les jours naus vivons I Todo s os dias vivemos
I
196 Ou sont maintenant I Onde estão agora 1311~110 I LC A "i\ P.OCA QlJF O I!!,\ "

198 Requiem pour Madame Yvonne Paoli I Requi em para Madame Yvonne
Co i'\ RIGII T Qu.,\1 En tçO t~l
Paoli Ar., tHDO 562, 4764 -90 1 V11 A NovA D~e FA .\ IAllCÃO
200 A ma sreur, qui voit l'invisible I A minha irmã, que vê o invisível I' l SAIJF I M t:Y iliLL ES (2004 I

202 H ommage à Victor Hugo I H omenagem a Victor Hugo


1,' Entç,\o, NovF~tnRO nt: 2004
1

204 Mes pas d'en(ant ne laissaient pas de tra ces I Os m eus passos de criança
Du•óS II O LECA I 2lg862/04
não deixavam pegadas JSfiN 989-552-073-5
206 La voix I A voz
hti'H.ESSO N,-\ PAl' EL\tUN DF- SM G, LLM
208 Le lieu qui n'est plus I O lugar que já não é
A CAR:\i\ lFN IO N,\ ) N FOR~ElE - AG, LD A
212 In memoriam I In memeoriam VI LA NOV r\ IW FA.\IALIC\0

214 Paris en 1950 I Paris em 1950


CA PA

217 Referências bibliográficas M'""'"' Mlll II MH>I A LDA.

quas i@doimpe nsa vel .pt


www .d oi 111 pensavcl. pt/q uas i
Te\. 252 371 724
Fax 252 375 164

A selecção dos textos pa ra a fliblioteca 'A boca que o lha'


é da responsabilidade de Pcr fcc ro Cua dra do c da Q uasi Edições

Esta edição con ta com o apoio do


Centro d e Es tud os do Surrealismo I Fundaçi\o Cupertino de Mit-.ln da
ISABEL MEYRELLES OU A RAZÃO DOS SONHOS

Entre os "caprichos" dé Goya há aquele intitulado "El suefío


de la razón produce monstruos" que permite sem dúvida as mais
diversas interpretações e, entre elas, uma que para mim resulta par-
ticularmente "moderna" e que fala da grandeza trágica do pintor
espanhol "estrangeirado" (ou, como se dizia em Espanha, "afrance-
sado"): a desconfiança no sentido absolutamente positivo e universal-
mente abrangente da (na época, e ainda hoje ... ) toda-poderosa deusa
Razão, que tinha vindo a substituir os velhos deuses como alicerce
sustentador da cidadela de que o homem precisou sempre para se
defender daquele Medo ~ssencial que, como no conhecido poema
de Alexandre O'Neill, ameaçava e sempre ameaçou com "ter tudo".
Talvez o já romântico Francisco de Goya y Lucientes adivinhava (ou
porventura sabia) que existiam outras razões que não as da razão,
e é justamente a defesa da razão dessas razões e da sua necessidade
urgente o que viria a constituir a preocupação maior daqueles artistas
a que Rimbaud chamaria de "absolutamente modernos", os "filhos
da lama" de que falava Octavio Paz, os herdeiros da tradição fáustica
que a dada altura do século XX decidiram adaptar o qualificativo
de "surrealistas" não para nos orientar para um além da realidade
mas sim para nos mostrar que esse além existia na própria realidade
e que só exigia de nós, para se manifestar, uma profunda mudança
no nosso ser e nosso olhar, uma renascida inocência, um procurado
encontro com o "olho selvagem" do miúdo, do louco, do forasteiro,
do namorado, do poeta.
Entre os herdeiros dessa tradição, Isabel Meyrelles (e por isso a
paráfrase goyesca do título desta breve apresentação cordial que as-
sim duplica a homenagem) de quem pouco ou nada dizem os roteiros
da arte e da literatura portuguesa e de quem sabemos que nasceu em
Matosinhos e em 1929 (o ano da viragem no interior do movimento
surrealista francês), que é poeta, tradutora, escultora e criadora de
·•·
objectos surrealistas, que reside em Paris desde 1950 e que ali conti- de língua sem mudar o destino maior de qualquer língua: a poesia,
nuou os seus estudos superiores na Université René Descartes - Paris ou seja, a língua na sua genesíaca função de inventar realidade ("no
V- Sorbonne, ao tempo que completava os de escultura na École Na- círculo da sua acção, todo o verbo cria o que afirma", lembrava Ce-
tionale Supérieure des Beaux-Arts de Paris. A Paris foi "à procura dum sariny).
ar" que lhe faltava "para respirar" em Portugal, mas não sem deixar Na entrevista acima referida, Isabel Meyrelles (sempre fe-
um rasto de divertido escândalo nos ambientes literários e artísticos rozmente auto-crítica) parece colocar a poesia num lugar muito
da Lisboa-os-Sustos (Cesariny dixit) capital do Reino da Dinamarca abaixo dos seus trabalhos escultóricos: «Mas os meus poemas são
dum Alexandre O'Neill que também tentaria, inutilmente, a fuga. de circunstância. A escultora não é nada de circunstância. A poeta é.
Nesse rasto podemos encontrar Isabel Meyrelles- naquela altura, e Aparece a determinadas épocas, por um determinado tempo, mas
para os amigos, Fritzi- a fumar cachimbo nos cafés, na companhia depois desaparece outra vez, durante muitos anos>>. Ora bem, a
dos surrealistas dos dois grupos - António Pedro, O'Neill, Cesa- intermitência (real, se reparamos nas datas de publicação dos seus
riny, Cruzeiro Seixas - mas também dum Eugénio de Andrade ou livros) não necessariamente deve implicar menor significado nem o
de Natália Correia, com quem havia de dirigir nos anos do regresso autoconfessado carácter "circunstancial" pode ser confundido com
- 1971/1977 - o famoso restaurante "O Botequim", e podemos desprezo ou pouca consideração quanto a importância e a altura da
ainda imaginar cenas desse convívio nas areias de Caparica como a própria obra poética. De facto, alguma vez a autora tem falado da
do exército de furiosos pirilampos perseguindo surrealistas pela praia sua poesia como eficaz remédio para os momentos mais disfóricos ou
fora (confissão da autora num vídeo sobre Mário Cesariny produzido
• claramente depressivos, como uma necessidade sentida, pois, como
pela Fábrica de Imagens) ou a dum concerto ao luar oferecido pelo diz Maria Fernanda Pinto, <<nela a necessidade de escrever é um acto
flautista da' Orquestra Sinfónica Nacional, o Luis Bulton (testemunha doloroso, corresponde aos momentos de crise, e constitui uma espé-
do Cruzeiro Seixas). cie de contraveneno contra a depressão>>, caracterizando depois essa
A viagem (fuga, exílio) a Paris coincidiu com um momento de poesia nos seguintes termos: <<Isabel Meyrelles escreve uma poesia
agitação e de renovação no devir da aventura surrealista iniciado por sensível, um pouco cáustica onde o amor e a irrisão estão sempre
André Breton ao seu regresso das américas, e no calor dessa fogueira presentes. Poemas curtos, talvez de influência oriental, num estilo que
mais uma vez acesa apareceram novos amigos como Tristan Tzara, ela classifica de irónico e por vezes feroz>> (Encontro, 15 de Maio de
Philippe Soupault ou Henri Michaux. De facto, Isabel Meyrelles tinha 2004, p.14). Num exemplar de Le Livre du Tigre que Mário Cesa-
passado dum a outro país sem deixar nunca de habitar o país de que riny me ofereceu "em segunda via", o poeta de Pena Capital tinha
sempre se reconheceu cidadã natural, o Surrealismo: «Considero-me escrito o seguinte envio para o seu primeiro destinatário: «Atenção
surrealista, quer dizer, aprecio o surrealismo como um país liberta- a esta "jovem"! Vive em Paris desde os anos 50, é também escultora
dor. É uma coisa tão grande que é um país. É uma espécie de buraco com várias exposições e aqui os surreal-cronistas, aliás poucos e ne-
no espaço em que se passa para outro espaço e acontecem outras nhuns, não lhe ligam nenhuma. Melhor para ela- e tristes de nós!>>
coisas. É isso o surrealismo- a possibilidade de fazer outra coisa, de E Alfredo Margarido, num texto para a exposição de escultura de
abrir portas à imaginação. Sem peias » (entrevista de Susana Moreira Isabel Meyrelles na Caixa Geral de Depósitos (Paris, 1988), afirmava:
Marques para o "Mil Folhas" do Público, 29 de Maio de 2004). E, <<Toute la création d'Isabel Meyrelles cherche avant tout subvertir les
se mudou de geografia sem mudar de país essencial, mudou também modéles, grâce à un double défi: celui de l'élargissement constant du

II III

/
•·
champ des mots, rendu possible par le travail poétique, et le boulever- singulares e de ampla tradição literária como a do Marinheiro pro-
sement des formes plastiques, en arrachant à l'argile la souplesse qui tagonista duma história de amor em seis instantâneas líricas em que
est la sienne, ce qui pennet à la céramique de repeupler le monde avec a voz poética vai-se implicando progressivamente. Já em Le Livre
des hybrides de toute nature >> . Enfim, e tentando resumir há tempos du Tigre (1977) podemos encontrar de maneira evidente e reiterada
o percurso poético de Isabel Meyrelles, dizia eu: «Su obra poética, aquela variante cáustica de que falava Maria Fernando Pinto (com
comenzada en portugués y rematada en francés, bebe en las fuentes alvos definidos como Lisboa ou os irmãos poetas) ao lado do que
de la aventura surrealista, y, como sus esculturas y objetos, oscila seriam as constantes maiores da sua poesia quanto ao tom (de con-
entre el doble estremedmiento de la experiencia dei amour fou y de fissão ou confidência com ou sem distinatário) e aos temas (o amor
la sorpresa producida por la transmutación de la realidad cotidiana sempre presente), incorporando ao seu bestiário pessoal a figura
en realidad maravillosa o poética en virtud de un estado de espíritu soberba do Tigre ("ágil", "esbelto", "sinuoso", "sedutor", "secre-
inocente, desnudo y expectante que por serlo no le permite tampoco tamente satânico", "solitário senhor de sombria beleza"), e usando
ignorar la trágica crueldad de la vida abandonada a la refinada bruta- formalmente com frequência do paralelismo (da anáfora ou o simples
lidad de aquellos a quienes a veces gratuita o abusivamente llamamos uso do refrão até à recuperação da estrutura completa do cantiga de
nuestros semejantes>>. amigo medieval). Os mesmos temas, o tom cada vez mais elegíaco, a
As duas primeiras obras poéticas publicadas por Isabel Meyrelles quase ausência do registo sarcástico, junto com as homenagens e as
(Em Voz Baixa e Palavras Nocturnas, respectivamente de 1951 e lembranças (Borges, Robert Desnos, Victor Hugo, Madame Yvonne
1954 e as duas em português), têm características comuns como' são Paoli, Inês Guerreiro, a irmã, o irmão João), encontramos no seu úl-
o tema do amor (mais diurno no primeiro livro, mais nocturno e já timo livro (inédito, com poemas datados entre 1982 e 1998) de título
quase elegíaco no segundo), a brevidade dos poemas (por vezes, sim- bem significativo- Le Messager des Rêves- quanto à identificação
ples fragmentos, rápidas rajadas de emoção, marcas na pele duma da sua poesia e do sentido dado ao trabalho do poeta e que liga bem
impressão que se destaca), ou o tom de tímida confissão, de segredo com o título desta minha homenagem simpática que agora acaba para
"em voz baixa", às vezes de monólogo sussurrado à mesa do café ou deixar ao leitor na melhor companhia, a dos sonhos e as palavras de
no leito subitamente despovoado. Com O Rosto Deserto (1966) a Isabel Meyrelles, lembrando a frase de homenagem e de convite à lei-
poeta passa a usar o francês como língua poética e com ele começa tura do amigo comum Artur do Cruzeiro Seixas: «Sei que o tesouro
também, segundo a própria autora, uma fase duma maior "madurez" que as pessoas procuram está quase sempre ao seu lado >> .
superadora dos primeiros poemas "juvenis", uma fase onde ela con-
fessa reconhecer-se melhor e onde junto ao tema central do amor e Perfecto E. Cuadrado

ao tom confidencial que parecem prolongar os seus primeiros livros,


aparecem poemas de reflexão sobre o ofício da escritura e o estatuto
do poeta ou o angustioso problema do poder e dos limites da palavra
(sem chegar nunca a uma poesia nitidamente metapoética) e poemas
de carácter mais narrativo ou descritivo, com personagens tirados
do fundo da mitologia clássica (que remetem para o território das
suas esculturas) como o Unicórnio ou o Minotauro, ou personagens

IV v
EM WOZ BAIXA
1951
••


à N,lfália
•·

«® que só com as mãos pode ser soletrado


só nos teus olhos nos teus olhos escrito >>
Mário Cesariny de Vasconcelos
•·
1

Como semprt!,
passas inexorável e distante
em me veres.
Como sempre,
olho aquele ponto vago
acima do teu rosto
e, como sempre,
penso: amanhã ... talvez amanhã ...
e olho as tuas costas que se afastam
como sempre.

13
2 3

1. o MADRIGAL


Tenho chorado por ti Hoje,
As lágrimas deslizam senti que estava diferente
e eu, como um ladrão, e fui olhar-me no lago.
bebo-as sequiosamente Um cisne passou,
porque elas são tuas, uma folha voou,
meu amor. só tu ficaste, amor,
no meu rosto curvado sobre a água.

14 15
·•·
4 5

À MANEIRA DE ...

A tua boca tem a frescura Tinh3 chovid'o , havia estrelas


das coisas desconhecidas. brilhando pelas calçadas.
Quando me beijas, Eu olhava o teu rosto, os teus olhos,
não sei se sou sombra, flor e mudamente te perguntava ...
ou a manhã que rompeu ... Depois, a paz estilhaçou-se
em movimento,
e·eu tudo esqueci.
Então o silêncio voltou.

16 17
••
6 7

2." MADRIGAL

Quis dar em versos Eu morrer~ i.


a dor da tua ausência; E nos outros serei a recordação
mas depois vi que vivias dentro de mim dum grande pássaro selvagem
eu é que tinha partido. que bateu as asas
longamente .. .
longamente .. .
Enquanto se ouvir
o eco das minhas asas,
terei a vida das aves.

18 19
8 9

Amor, que fizeste da minha cidade? Gritei o t~u nome


Das casas no alto do monte,
já não resta pedra sobre pedra, gritei-o, gritei-o
pelas ruas crescem as ortigas para o horizonte.
e os corvos,
esses, planam sobre o areal Gritei o teu nome
donde o mar se retirou, nas asas do vento
onde os peixes morrem, e ele vibrou, vibrou
espaçadamente. como um acalento.

Gritei o teu nome


e como as gaivotas,
ele partiu, partiu
p'ra terras remotas.

Gritei o teu nome


gritei-o a chorar
e ele desfez-se, desfez-se
nas ondas do mar.

Gritei o teu nome,


gritei-o por fim
até encontrá-lo, encontrá-lo
bem dentro de mim.

-
20 21
10 11

Os meus olhos Nas claras tardes de vêrão


olham os meus olhos. em que as árvores têm uma nitidez de desenho à pena,
Para lá da janela há um silêncio de expectativa,
há sombras como se uma pedra tivesse parado no ar
susp1ros ou uma fonte deixasse de correr,
árvores e rosas. nas claras tardes de verão.
Dentro da janela,
só os meus olhos Apenas as rosas vermelhas
olhando outros olhos encobertos continuam sendo
umas simples rosas vermelhas.
O silêncio pesa.

,
22 23
•·
12 13

3. 0 MADRIGAL FRAGMENTOS

Só porque tu adormeceste, meu amor, I


o dia, de tristeza, anoiteceu ...
Os nossos corpos,
curvas brancas lutando contra o vento ...

II

Só tu conheces
o sorriso molhado dos meus olhos,
dos meus olhos onde há perguntas mudas
boiando como folhas
eternamente esperando.

III
Ainda e sempre eu canto a alegria
de partir da tua boca
para o fundo do mar ...

IV

E tu que vens,
linha de sombra no tronco das estátuas,
imagem vista à transparência
dos cristais facetados
dos olhos que te esperam.

v
Como se eu fosse só este corpo vazio
deitado na praia deserta
e desesperada.

,
24 25
14 15

4." MADRIGAL

Dias há, Possa eu dizer-te i!<-Meu Amor>>


em que o teu sorriso sem que o teu rosto
é uma ilha perdida dentro de mim cante selvaticamente dentro de mim,
e o teu nome Posso eu dizer-te «Meu Amor>>
o vento que muda as estrelas sem que o teu nome saia da minha boca
para o dorso das andorinhas. como um grito de morte,
Dias há, Possa eu dizer-te «Meu Amor>>
em que procuro os teus olhos e não acreditar que o infinito
e silenciosamente te digo <<meu amor», está do outro lado da curva dos teus olhos .
como se eles fossem peixes
e as palavras animais estranhos
c a pazes de turvar a paz
das grandes profundidades.

26 27
·•·
16 17

JARDIN DU LUXEMBOURG

Há o teu rosto lá fora As crianças et!a:m apenas


batendo loucamente contra o vidro, máquinas de gritar
há uma mão no bolso quando escrevi o teu nome no chão
apertando sempre e sempre o teu retrato e me vim embora.
e há a noite
a noite que amanheceu
à tua espera.

28 29
•·
18 19

Voltei-me para ti Apenas te posso Giizer


como os cegos se voltam para o sol. que sou aquela que te perdeu e te encontrou
E nem ao menos as tuas mãos no fundo do mar
me responderam ... no fundo do mar
onde repousa
o contorno exacto do teu rosto,
entre algas e as minhas mãos.

30 31
20

5. 0 MADRIGAL. ..

Os longos dias e as longas noites PALAVRAS NOCTURNAS


em que só tu existes 1954
OBSESSIVAMENTE ...

32
•·

« ... me font rire pleurer rire


parler sans avoir rien a dire>>
Paul Eluard
•·
1

Palavras nocturnas
murmuradas
palavras como borboletas
ofuscadas
palavras de amor
afogadas
na madrugada nascente

37
•·
2 3

Angústia clara Em águas profundas


de cinzas dispersas o silêncio do teu rosto
esta mesa taça copos afunda palavras
e o teu rosto do outro lado flores perdidas
longe longe na calma parada
Docemente o sol
As tuas mãos nasce nas minhas mãos
pe1xes opacos
perdidos no fumo do cigarro
do outro lado

longe longe

do outro lado

38 39
•·
4 5

Se alguém hoje te beijar Encontrost que não marcaste


esse alguém tem a minha boca em ruas que desconheces
eu serei todos os rostos eu esperarei
de olhos ávidos até que as noites deslizem
serei a própria noite sobre mim
que te apertará a garganta e eu fique transformada
co1no mn assassmo em árvore
até que a manhã te leve e te adormeça
longe de mim

40 41
••
6 7

Eu hei-de ser um dia Mais mma vez


para ti o tempo estilhaça-se
espuma e vento nas minhas mãos
e talvez uns olhos fechados n1a1s uma vez
Mais tarde tu serás o silêncio
a penas uma curva indecisa à minha volta
na noite

42 43
8 9

Esquecer Eu sel-ei água


o rumor de pinheiro água verde
do teu cabelo parada
e os teus olhos opaca
de pedras negras e estagnada
Esquecer Eu serei água
estes dias petrificados onde só tu poderás
longe de ti reflectir-te
mais nada

44 45
••
10 11
CAFÉ DU DÉPART CAFÉ DU DÉPART

1 I I1

Minutos Eis que chegaste


nítidos e redondos E cada coisa
como gotas de água recomeçou
Minutos. o gesto interrompido
Quando chegares
as palavras
estarão vazias de sentido

46 47
12 13

Presença afogada H<1 um ped'a ço de mim


entre pinheiros d'areia que te adivinha
e espuma nocturna em todas as ruas
presença afogada O teu nome substitui
na praia deserta a rosa dos ventos
do fundo do mar em cada encruzilhada
Todo o meu sangue
quer encontrar o teu caminho
Procuro-te
e espádua contra espádua
nunca nos encontraremos

48 49
14 15

CAFÉ DU DÉPART

Árvores de outono I III


fechadas sobre mim
folhas de outono Espero-te
enterradas nos meus olhos e todos os espelhos
terra de outono se quebram
donde tu surgirás vazios de ti
como um jovem pássaro
livremente

50 51
16 17

Sou um grito de pássaro Deixastefque as gaivotas


morto nas tuas mãos me mostrassem
as luzes afogadas da cidade
e o secreto jardim
Agora posso partir

52 53
·•·
18

ILE ST. LOUIS

Farei do silêncio O ROSifO DESERTO


uma proa de barco 1966
da tua ausência um rio
d'árvores afogadas
Traduzido para português por Natália Correia

54
••

Tous Ies poetes font des vers. Todos os poetars fazem versos.
Moi, pas. Não eu.
Ma machine à fabriquer des mots A minha máquina de fabricar palavras
n'utilise qu'un alphabet protoplasmique utiliza um alfabeto protoplásmico
qui reproduit inlassablement que reproduz a tua imagem
ton image. incansavelmente
Ainsi je te dis: assim eu digo
il est temps que tu t'en ailles é tempo que tu partas
et que tu me laisses faire e me deixes fazer poemas
des poemes, como toda gente.
comme tout !e monde.

56 57
•·
DEVINETTE ADIVINHA

Mon premier est une table, É Utna mesaznegra e vazia


noire et vide; uma cadeira corcel expectante
mon deuxieme est une chaise, é o tempo com passos de mosca
ce coursier en attente; és tu meu círculo perfeito.
mon troisieme c'est le temps
qui glisse à petits pas de mouche;
mon tout
c'est toi,
le cercle parfait.

58 59
·•·

Je voudrais porter ma sensibilité Gostava de le\óà r


en bandouliere, a sensibilidade a tiracolo,
cet appareil photo des poetes jaloux, esta máquina fotográfica
pouvoir faire le portrait do poeta com ciúmes,
d'une écorchée vive retratar a esfolada viva
saignant de préférence en vers, sangrando de preferência em versos
couronnée en minotaure. coroada em Minotauro

60 61
·•·

Entre la licorne et toi Entre o"unicórnio e tu


l'espace d'un cri, o espaço de um grito
l'aveugle recherche cega procura
de ton corps do teu corpo
à l'intérieur de toi, no interior de ti
to i, mon amonr, tu meu amor
!'espace espaço entre unicórnio
entre la licorne e eu
et moi.

62 63
I 1

Entre nous Entre nós


les jours, os dias
ces taches d 'encre manchas de tinta
sur !'espace d'une rose no espaço de uma rosa
le temps d'une vague no tempo de uma vaga
nos peaux séparées. nas nossas peles
En nous separadas
l'amour, em nós
fleuve ennemi. amor
rio adverso.
II
II
Il me suffit de partir
pour que tu soies Basta que eu parta
1na route, para que sejas
que tu soies o caminho
la boussole a bússola
qui m'attire hors du temps, que me atrai fora do tempo,
que tu soies o íman,
l'aimant espada inevitável,
épée inévitable que me entrega a ti
qui me donne à toi, chave do mar.
la clé de la me r.
III
III
Não serei mais que a sombra
Je ne suis que l'ombre o pássaro
l'oiseau na areta vaz1a
posé sur le sable vide a flecha
la fleche que dá a volta ao mundo
qui fait le tour du monde para cair de novo a teus pés.
pour tomber de nouveau à tes pieds.

64 65
IV IV

Cachée dans ma peau, Escondida em minha pele


je te regarde aller venir vejo-te ir e voltar
l.
et tournoyer, redopiando,
ce que tu appelles vivre. o que chamas viver.
Cachée dans ma peau, Escondida em minha pele
je me regarde flamber vejo-me arder
sans aucune pitié, impediosamente,
je regarde cette mort vejo esta morte
que je porte en moi, que em mim trago
et j'attends. e espero.

v v
J'effacerai Apagarei
en mm tua memória,
ta mémoire. com os pincéis do vazio
Avec les pinceaux linha a linha
duvide, apagarei o meu amor,
j'effacerai com os outros
trait par trait todos os outros
mon amour, levantarei
avec les autres, uma muralha
tous les autres, de esquecimento.
je me ferai un rempart Só então te inventarei
d'oubli. peça a peça.
C'est alors
que je te recréerai
de toute piece.

66 67
Vous prenez un corps de trente six ans, Toma-se um cor,po de 36 anos
deux yeux couleur de granit dois olhos cor de granito
quelques moments de bonheur alguns momentos de prazer
et vous laissez mijoter tout doucement e aquece-se a fogo brando na cabeça;
dans votre tête. junta-se em seguida uma onça de angústia
Vous ajoutez une once d'angoisse, uma casca de insónia
un zeste d'insomnie, dois bons quilos de desperdícios
deux bons kilos de gâchis, e um poeta amoroso.
et un poête amoureux. Mata-se, salga-se, apimenta-se,
Tuez, salez, poivrez, e serve-se guarnecido de eternas saudades.
et servez garni de regrets éternels.

68 69
·•·

Un convoi de mots Comboios de palavras


sur les routes incertaines nos caminhos incertos
d'un poeme do poema
des mots rouge sang palavras vermelho sangue
des mots de velours palavras seda
des mots transparents palavras transparentes
des mots de pierre palavras pedras
des mots palavras
des mots palavras
des mots palavras
aUSSI assun
naus ne dirons plus rien. não mais diremos.

70 71
•·
PORTRAIT DU MATELOT O RETRATO DO MARINHEIRO

Lcs yeux sont gris Os olhos §ão cinzentos,


pailletés de noir. palhetados de negro,
Jaloux, o ciúme os pinta
ses yeux deviennent de um verde azul boreal
d'un vert bleu boréal. o nariz é curto
Les nez est com·t as maçãs eslavas
les pommettes slaves os lábios cheios.
les levres pleines. Nos dias em que mais seduz
Les jours de grand charme ri muito e forma
i! ri t en faisan t três rugas no canto da boca.
trais plis au coin de la bouche.

72 73
LE MATELOT VOYAGE O MARINHEIRO VIAJA

11 11

Son regard passe tres vite. O olhar é ráp) do.


Ses doigts sont longs et bronzés Os dedos longos bronzeados,
avec les ncruds un peu saillants; os nós um pouco salientes,
ils saisissent ou repoussent agarram ou recusam
mais ne touchent pas. mas não tocam.
Quand il arrive quelque part Quando ele chega
il boit du café et fume des cigarettes; bebe café
pour se prouver qu'il a vraiment le temps fuma cigarros
il se lave les cheveux. e para se mostrar senhor do tempo
lava os cabelos.

74 75

LE MATELOT AU REPOS O MARINHEIRO DESCANSA

III III

Vous lui mettez un maillot de bain Vistam-lhe um ffltO de banho,


vous l'étendez sur une plage au solei! estendam-no na praia
vous lui allumez une cigarette acendam-lhe um cigarro
et vous racontez des histoires. e contem-lhe uma história:
Alors, Depois sentem-se a seu lado
asseyez-vous à côté de lui e olhem-no longamente:
et regardez bien: o marinheiro descansa.
le matelot se repose.

76 77
LE MATELOT EN BORDÉE O MARINHEIRO EM TERRA

IV IV

Le Havre était tout bleu de soleil. O Havre era a ~ ül de sol.


(Du gris il n'y avait que dans tes yeux (Cinzento só havia nos teus olhos
et sur la tour radar). e na torre radar).
De gros bateaux quittaient Grandes barcos
tranquillement le port deixavam tranquilamente
et ils allaient tons au Brésil. o porto,
Sur la plage il y avait iam todos para o Brasil.
de gros galets inconfortables Na praia, seixos desconfortáveis
et ton visage immobile e o teu corpo imóvel
à côté du mien; junto do meu;
derriere leurs gosses ocultos pelas crianças
et leurs transistors, e pelos transístores
les autres. os outros.
(Ton corps avait un goüt salé O teu corpo tinha um gosto salgado
les !armes rentées, de lágrimas recolhidas
un goüt de souvenir. um paladar de saudade
Le sable crissait entre mes dents). a areia rangia entre os meus dentes.
Le soir, nous sommes allés ai cinéma; À noite fomos ao cinema.
en haut de l'avenue, Na avenida ao alto
les arbres étaient enfermés à clé as árvores estavam fechadas à chave
comme des assassins como os assassinos
et les matelots désobéissants. e os marinheiros rebeldes.
En bas de l'avenue Em baixo
la digne du port encerclait o molhe cercava cegamente o mar.
aveuglément la mer. Toda a noite
. .
Toute la nuit ouvimos as sereias.
nous avons écouté les sirenes.

78 79
LE MATELOT NE SAIT PAS O MARINHEIRO NÃO SABE

v v

Tous les jours Todos os clias


tu pars un peu partes um pouco,
(dans tes yeux souffle toujours (sempre em teus olhos sopra
le vent du large) o vento do brgo)
sans te retourner sem te voltares
sur ces rivages para estas margens
de goudron et de pierre, de pedra e alcatrão,
sur ce quai sans océan este cais sem oceano
d'ou je te prie: onde te peço:
reviens vi te matelot ... volta depressa marinheiro.

80 81
LE MATELOT EST PARTI O MARINHEIRO PARTIU

VI VI

Te voilà parti, Partiste


le poignard a quitté o punhal deixou
sa blessure, a sua ferida
maintenant agora
vide VaZIO

grisaille CU1Za
absence ausência
sables mouvants, areias movediças
maintenant agora
piege d'ombre armadilha de sombra
souvenir d'ombre, recordação de sombra
maintenant agora
épée espada de sombra
épée d'ombre espada
à tout jamais para sempre
enfoncée. enterrada.

82 83
•·

X. est un poete X. é um poeta


qui a peur des mots com medo das palavras
ils se cachent dans les recoins sombres que se escondem nos cantos mais
de sa tête, escuros da cabeça,
les mots au ventre d'abeille medo de palavras
à la bouche si délicieusement avide com seu ventre de abelha
les mots qui chuchotent dans le noir sua boca deliciosamente ávida
to i to i to i to i to i ... que murmura no escuro
Les mots sont en train de dévorer tu tu tu tu tu ...
X. le poete. palavras que devoram
X. o poeta.

84 85
•·

Subitement le carreau de la passion Subitamente a frecha da paixão


s'enfonce dans votre poitrine. enterra-se em seu peito.
Si vous voulez vous en débarrasser Se quiser ver-se livre dela, atenção!
prenez garde, alors! Entorne um tudo nada de gente
Dans votre gorge nouée na garganta apertada,
versez un peu de gens, para o contraído estômago
dans votre estomac rétreci atire pratadas de seios
jetez des assiettées sexos pernas e ventres,
de sein de jambes se o coração bate ao ritmo morte-vida
de sexes de ventres, faça-lhe dizer por exemplo: belo dia!
si votre cceur bat au rythme mort vie Se os seus pulmões estão viciados pelas noites brancas
changez changez tout cela dê-lhes o vento fresco das noites escuras.
faites-le dire par exemple il fait beau! Na chaga aberta pela frecha da paixão
si vos poumons sont viciés par les nuits blanches flutua a angústia com suas longas asas cinzentas,
donnez-leur le vent frais des nuits noires. faça uma bola e escarre-a
Dans la plaie du carreau de la passion naquele que a ama sem esperança.
flotte l'angoisse aux longues ailes grises Mas se não se quiser curar
faites-en une boule et crachez-la não faça absolutamente nada:
sur celui qui vous aime sans espoir. asseguro-lhe
Mais si vous ne voulez pas guérir que emagrecerá rapidamente.
surtout ne faites rien:
je puis vous assurer
que vous maigrirez tres rapidement.

86 87
11 est dangereux de se pencher É perigoso dcb;:·uc;ar-se
à la fenêtre des fantômes na janela dos fantasmas!
tu peux rencontrer la bête mahousse Podes encontrar o lobisomem
ou Erzsébet la sanglante ou Erzsébet a sangrenta
tu peux aussi me rencontrer podes também encontrar-me
et mon somptueux cm·tege de caresses e o meu sumptuoso cortejo de carícias
je peux aussi te rencontrer ou posso eu encontrar-te
(tu seras alors d'ambre et de brouillard) (serás então de âmbar e nevoeiro).
et qui alors de toi ou de moi Qual de nós
saura reconnaítre saberá então
les fantômes? reconhecer os fantasmas?

88 89
•·

Tu m'as accrochée dans l'armoire aux restes Tu já me arrumaste no armário dos restos
je t'ai rangê dans le tiroir des corps perdus eu já te guardei na gaveta dos corpos perdidos
et de nos mémoires nous commençâmes a balayer e das nossas memórias começámos a varrer
les petites gouttes de bonheur as pequenas gotas de felicidade
que nos fômes. que já fomos.
Mais dans le temp subjectif Mas no tempo subjectivo,
tu es encore mon horloge de vent tu és ainda o meu relógio de vento,
ma machine accélératrice de sang a minha máquina aceleradora de sangue,
et pour combien de temps encore e por quanto tempo ainda
mes mains seront pour toi as minhas mãos serão para ti
la nocturne promenade du chat sur le toit? o nocturno passeio do gato no telhado?

90 91
A Mário Cesariny de Vasconcelos A M á rio Cesariny de Vasconcelos

Non, mon ami, la réalité Não meu amig o, a realidade


a cassé son remontoir partiu a corda,
elle ne naus remercie point e de forma alguma agradece
d'être notre épée quotidienne ser a nossa espada quotidiana
le steak bien saignant o bife mal passado
sur la bombe aux champignons sobre a bomba aux champignons .
elle est fatiguée fatiguée Fatigada fatigada
si fatiguée de naus tous! tão fatigada de nós todos!
Même toi, mon amour, Mesmo tu meu amor,
toi la roue de l'univers a roda do universo,
toi que j'ai créé de plumes et de silence tu que eu fiz de plumas e silêncio,
toi, ma nuit étincelante, tu minha noite cintilante,
la réalité est fatiguée de toi. a realidade fatigou-se de ti.

Paris, 1966

92 93
LE LIVRE DU TIGRE

O LIVRO DO TIGRE
1976

Traduzido pa ra português por Isabe l Meyrelles


•·

<<Tyger, tyger, burnigng bright


in the forest of th night,
wbat immorta l hand or eye
could frame thy fea r fui symmetry? >>

Witliam Blakc
I I

TIGRE TIGRE TIGRE TlGRE ...

... Souple Ágil, t .


svelte esbelto,
smeux sinuoso,
sybaritique sibarítico
sultan des apres-midi sultão das tardes
soyeux, sedosas, de
sonda in súbito
séditieux sedicioso
séducteur sedutor
secretement secretamente
satanique, satânico,
som ptueux sumptuoso
souroer feiticeiro afundando
sabordant subtilmcnte
subtilcment mes as minhas fontes,
sources, selvagem rei açafroado
sauvage roi estriado de negro,
safrané saboreio o teu
strié de noir, je soberbo rugido,
savoure ton supremo devastador do
superbe feulement silêncio e
souveram submeto-me
saccageur du serenamente
silence, et je à tua lei, ó
subis solitário
sereinement ta loi, ô senhor de
solitaire sombria beleza.
scigneur à la
sombre beauté

98 99
•·
II li

11 y a Lisbonne Existe en~ Lisboa


une machine cruelle uma máquina cruel
qui sans cesse aiguise que permanentemente aguça
sa dent virtuelle os dentes virtuais
sur l'âme indécise na alma indecisa
des pa uvre mortels. dos pobres mortais.
Cette machine hors ligne Esta m áq uina excepcional
broie tritura
éc rase esmaga
trépigne sacode
roule revolve
moule molda
annule anula
et rejette e expulsa
quoi? o quê?
Des carpettes. Capachos.

100 101
111 111

Je te dirai pendant la promenade à Fomalhaut Dir-te-ei durante o pal:~seio a Fomalhaut


je te dirai rouge sm: gl,"Ís dir-te-ei vermelho sobre cinzento
je te dirai avec eles fleurs (pourquoi pas?) dir-te-ei na linguagem das flores (porque não?)
je te dirai ici on ailleurs dir-te-ei que aqui ou noutro sítio
je te dirai qu'ailleurs ou ici ... dir-te-ei que noutro sítio ou aqui ...
je te dirai que la clef veut rentrer chez elle dir-te-ei que a chave quer voltar para casa
je te dirai que le présent est cousu de fil blanc dir-te-ei que o presente é por demais evidente
je te dirai qu'il y a d'autres chats à fouetter dir-te-ei que há coisas mais importantes
je te dirai que je n'aime pas le téléphone dir-te-ei que não gosto do telefone
je te dirai que ... ouais ... l'oubli aux petits oignons ... dir-te-ei que pois pois ... um perfeito esquecimento ...
je te dirai que je ne veux plus d'angoise apres 18 heures dir-te-ei que não quero mais angústia depois das 6
je te dirai que jamais personne autant dir-te-ei que nunca ninguém tanto
je te dirai que ce n'est pas la mer à boire dir-te-ei que não é assim tão difícil
je te dirai que non aigle pense à toi dir-te-ei que a minha águia pensa em ti
je te dirai ma mort ne se sent plus si seulette dir-te-ei que a minha morte já não se sente tão sozinha
je te dirai: ne dis pas à oreille ce que la main connait dir-te-ei: não digas à orelha o que a mão conhece
je me dú:ai aux !armes, citoyenne! dir-me-ei: às lágrimas, cidadã!
Et que !e temps impur abreuve nos sillons! e que o tempo impuro dessedente os abertos sulcos!

102 103
IV

UN AUT RE VOYAGE D'ALlCE


DE L'AUTRE CÔTE DU MIROIR
A autora constdcra o poema íntraduzível

<< Bewarc the Jabbcrwock, my sem !


The jaws that byte, thc claws that catch !
Beware the Jubjub bird, and shun
The frumious Bandersna tch! >>

Lewis Carroll

Alice recontre le .J a bernichon


qui lui dit: prends garde an Bandern nit!
Prend s garde à ses mains slictneuses,
à sa langue vriblante!
11 veut te bournifler, te gridoter ta trilite,
te fair e bourbiouter à gouille et à gnouille
et po uvo ir enfin se barigo ulcr à son aise!
Mais le Bandernuit, le frumieux Bandernuit,
timidifié, n'a pas osé s'arraper
et ruginiflant de suffêc hes pensécs,
reste seul au coeur de la nuit,
seul avcc sa faim inassouvie.

104 105
v v

Pauvre poete, tu chasses les mots Pobre poeta, andas à caça das palavras
et ils te tirent dessus e são elas que te caçam a ti,
tu as beau tendre des pieges bem podes armar-lhes ciladas,
c'est toi qui y laisses des plumcs és sempre tu que cais na armadilha ,
ton fusil a le mauvais cri! a tua caçadeira tem mau olhado,
ton fusil tire dans les coins a tua caçadeira atira para os cantos,
ton fusil tire !e vers blanc a tua caçadeira atira no verso branco,
ton fnsil tire l'acrostichc a tua caçadeira a tira nos acrósticos
et tue le calligramme e ma ta os caligra mas,
rentre ton artillerie guarda a tua armadilha,
ton gibier te et·ache dans l' cri! a tua caça cospe-te no olho,
va plutôt braconner vai antes caçar furtivamente
chez ton heureux voisin nas propriedades do teu feliz vizinho,
le pocte sachant chasser o poeta que sabe caçar
l'oiscau blcu. o pássaro azul.

l06 107
VI VI

De l'autre côté du rêve Do outro lado dor.sonho


la mémoire a des yeux à faccttes a memória tem olhos facetados
(mille images de toi à la secondc) (mil imagens ele ti por segundo)
et la racine carrée du cceur e a raiz quadrada do coração
n'est pas cclle que tu crois. não é aquela que julgas.
De l'autrc côté du rêve Do outro lado do sonho
les vérités portent de drôles as verdades levam uns chapeuzinhos verdes
de petits chapeaux verts muito engraçados e baloiçam-se
et font de la balançoire nas agulhas do relógio de Deus.
sur les aiguilles de l'horloge de Dieu. Do outro lado do sonho
De l'autre côté du rêve o tempo é uma centopeia sem cabeça
le temps est un mille-pattes sans tête que caminha sobre um espelho invertido
qui marche sur un miroir inversé e a morte uma figurinha em maçapão
et la mort, un bonhomme en pain d'épice vestida com um poncho peruano.
habillé d'un poncho péruvien. Do lado de cá do sonho
De ce côté-ci du rêve, a Fénix alisa as penas
Ie phénix lisse ses plu mes e ri estupidamente.
et ricane bêtement.

108 109
VII VII

J'ai lâché mes clémons, Libertei os dem®nios,


ils ont beau se cacher é inútil que se escondam
clerriere la fontaine rose atrás da fonte cor-de-rosa
du Jardin des Délices do Jardim das Delícias,
je sais qu'ils sont là, sei que estão lá,
il ne sert à rien de traverser de nada serve atravessar
cette mer crêtée de chcvaux sauvages este mar encristado de cavalos selvagens,
le rivage aura des dents a praia terá dentes
et eles doigts de souffre et de sel, e dedos de enxofre e de sal,
les pieges-à-rêves dressent déjà as armadilhas-para-sonhos já levantam
leurs têtes a ux arêtes pétrifiées as cabeças de arestas petrificadas
et le temps, le temps, lui, e o tempo, o tempo, esse,
peigne ses cheveux de sable noir penteia os seus cabelos de areia negra
ct se nonrrit de mon désir de toi. e alimenta-se do meu desejo de ti.

110 111
•·
VIII VIII

J' a i me vo ir mes mains Gosto de Vé;ll: as minhas mãos


rêver de toi, sonhar contigo,
rêver les méandres sonhar os meandros
les plns secrets mais secretos
de ton corps, do teu corpo
forêt et piege, floresta e armadilha,
source et hurlement fonte c bramido

J'aime voir mes mains Gosto de ver as minhas mãos


rêver de toi, sonhar contigo,
entrelacées, endormies, entrelaçadas, adormecidas,
recréant ta poitrine, recriando o peito,
tes épaules, ton ventre, as espáduas, o ventre,
tes cuisses, ton sexe, as coxas, o sexo,
amazonie dn dedans amazónia interior

J'aime voir mes mains Gosto de ver as minhas mãos


rêver de toi. sonha r contigo,
Parfois un seu! doigt se tend por vezes um único dedo
dessinant en l'air desenha no ar
tes yeux, ta bouche, tes cheveux, os olhos, a boca, o cabelo,
étoile noire estrela negra
que je suis seule à connaltre que só eu conheço

]'aime voir mes mains Gosto de ver as minhas n1ãos


rêver de toi, sonhar contigo,
rêver cette traversée du miroir sonhar esta travessia do espelho
a ux reflets i n.finis de reflexos infindos
qui est mon souvenir de toi. que é a minha recordação de ti.
D'ailleurs, que peuvent-elles Aliás, que outra coisa
faire d'autre? podem elas fazer?

112 113
IX IX

Il y a des poetes vessies Há poetas bexigas


des poetes lanternes poetas lanternas
des poetes monuments historiques poetas monumentos históricos
des poetes fossoyeurs poetas coveiros
des poetes malabaristes poetas malabaristas
des poetes voleurs à la tire poetas carteiristas
des poetes amants de belles-lettres poetas amantes das letras
des poetes brocanteurs poetas antiquários
des poetes abat-jour poetas abajur
des poetes feu de cheminée poetas fogo de lenha
des poetes intraduisibles poetas intraduzíveis
des poetes lagopedes poetas lagópodes
des poetes harponneurs poetas arpoadores
des poetes arcs-en-ciel poetas arco-íris
des poetes clopin-clopant poetas coxos
des poetes à tiroirs poetas rodriguinhos
des poetes baratineurs poetas bufa rinhei ros
il y a aussi de merveilleux poêtes. e há também poetas maravilhosos.
Moi, je suis un poête tricheur: Eu sou um poeta trapaceiro:
partout j'écris je t'aime em toda a parte escrevo - adoro-te -
et puis j'ajoute des poudres de perlimpinpin depois junto alguns pós de perlimpimpim
et la magie aidant, vous lisez quelque chose e um pouco de magia e o que se lê
de tout à fait différent. é totalmente diferente.
N'est-ce pas? Não é assim?
N'est-ce pas? Não é assim?
N'est-ce pas? Não é assim?

114 115

X X

GENESE XXII, 9-18 GÉNESE XXII, 9-18

Il advint qu' Iahvé Sucedeu que Jeová 1


voulut éprouver le poete. quis experimentar o poeta.
Illui dit: «Prends un poeme Chamou-o e disse-lhe:
en vers blanc sans tache «Pega num poema
âge d'un an au plus em verso branco sem mácula
ton seu!, ton unique, com um ano de idade no máximo,
celui que tu gardes, inconnu de tons, o teu único, o teu preferido,
dans le secret de ton c rem, aquele que tu guardas, desconhecido de todos
et offre-le en holoca uste no segredo do teu coração,
sur le cendrier que je te dirai». e oferece-o em holocausto
Le poête se leva de bon matin no cinzeiro que eu te direi >> .
et chercha le cendrier propitiatoire. O poeta levantou-se de madrugada
Au troisieme jour i! leva les yeux e procurou o cinzeiro propiciatório.
et vit lc cendrier du sacrifice. Ao terceiro dia levantou os olhos
11 déplia le poeme et prépara les allumettes e viu o cinzeiro do sacrifício.
pour offrir un holocauste par le feu, Desdobrou o poema e preparou os fósforos
odeur apaisante pour Iahvé. para oferecer um holocausto pelo fogo,
Mais Iahvé lui dit: perfume agradável a Jeová.
«Poete, poete, pourquoi as-tu voulu Mas Jeová disse-lhe:
me cacher la vérité? «Poeta, poeta, porque me mentiste?
Quelqu'un d'autre connait ce poeme >> . Há alguém mais que conhece esse poema ».
- << Seigneur Iahvé, je ne t'ai pas menti, - «Senhor Deus Jeová não te menti,
il n'y a que ma bien-aimée qui l'a lu a única pessoa que o leu foi a minha amada
et nous sommes comme les deux moitiés e nós somos como as duas metades da laranja,
d'une orange, nous ne faisons qu'un>>. fazemos um só corpo. ,,
Alors Iahvé appela le poete pour la troisieme fois Então Jeov<Í chamou o poeta pela terceira vez
et dit: «Par moi-même j'ai juré- oracle d'Iahvé- e disse: «Por mim próprio jurei- oráculo de Jeová-
que, puisque tu ne m'as pas refusé que já que não me recusaste
ton poeme, ton unique, o teu poema, o teu preferido,
je bénirai et je multiplierai eu abençoarei e multiplicarei

116 117
•·
le signifiant et le signifié de tes poemes o significante c o significado dos teus poemas
comme les étoiles eles cieu.x como as estrelas do céu
ct com me le sable sur le .r ivage de la nter». e as a rcias do rnar>>.
Et le poete loua le Seigneur E o po,;·t:a lonvclll o Senhor
et reprit en paix son stylo à bille. e rctomon em pa,.'Z a esferográfica.

118 119
XI XI

Que suis-je pour toi? O que so 1 para ti?


Un coin à muguet? Um cantinho de muguet?
La Tour Eiffel? A Ton;e Eiffel?
Un oiseau sur la branche? Um pássaro em ramo verde?
Ou un fantôme distingué? Ou um fantasma elegante?

120 121
XII XII

L'amour est entré en moi O amor entrou dentro de mim


par effraction, contre mon gré. por arrombamento, contra a minha vontade.
J'en suis envahie, débordée, noyée. Sinto-me invadida, devassada, afogada!
Ce petit blanc-bec se croit tout permis Este fedelho julga que pode fazer o quiser
mais il se fourre le doigt dans l' ceil, mas está completamente enganado,
je trouverai bien une maniere de me débarrasser hei-de arranjar maneira de me livrar
de cette espece d'angelot à la manque, desta espécie de anjinho vira-lata,
je vais !ui tcndre des pieges labyrinthiques vou armar especialmente para ele
à mémoire circulaire, ratoeiras labirintiformes
le fa ire bouffer par le Mino ta ure, com memória circular,
implorer l'aide des martiens verts, vou fazê-lo devorar pelo Minotauro,
me faire cxorciser par l'abbé du coin pedir ajuda aos marcianos verdes,
ou demander une conjnration à la sorciere de service, fazer-me exorcizar pelo abade da esquina
enfin, n'importe quoi, mais je veux ou pedir um conjuro à feiticeira de serviço,
qu'il soit écrasé, écorché, écharpé, enfim, qualquer coisa, o que quero sobretudo
écartelé, empalé, lapidé, supplicié, é que ele seja esmagado, esfolado, dilacerado,
transformé en pâte à crêpes, esquartejado, empalado, apedrejado, supliciado,
je. veux snrtout que ce chérubin dépenaillé reduzido a pó,
sorte completement de ma vie et me foute la paix. quero que este andrajoso quernbim
Je ne me méfierai jamais assez de l'amour. saia completamente da minha vida e me deixe em paz.
Que! beau salaud! Nunca desconfiarei suficientemente do amor.
Que filho da mãe!

122 123
•·
XIII XIII

11 était une fois un tigre Era um:1 vez um tigre


roulé en boule todo enroscado
sur un grand lit défait, em cima duma cama desfeita
i! feulait si fort e que rugia tanto
que les rideaux claquaient que os cortinados esvoaçavam
comme des voiles de bateau como velas de barcos
et trois mouches qui vaquaient e que três moscas
à leurs petites affaires que andavam por ali
sont mortes d'un arrêt de creur. a tratar da vida
Une fée qui passait par là, morreram com um ataque cardíaco.
émue par la sombre bcauté Uma fada que passou na altura
du terrible seigneur, lui dit: comovida pela sombria beleza
«Pais trais souhaits do terrível senhor, disse-lhe:
«Pede-me três coisas
et ils s'accompliront tous,
e eu dar-te-ei satisfação,
mais d'abord allonge-toi
mas primeiro estende-te ao comprido
pour que je puisse m'assurer
para que eu possa assegurar-me
que tu n'es pas en tigre en papier>>.
que tu não és um tigre de papel>>.
- « En vérité, je te le dis
- «Em verdade te digo
que tout le monde est fou
que anda tudo maluco
et toi plus que les autres>>
e tu mais que todos os outros >>
répondit le tigre
respondeu o tigre
en s'étirant paresseusement.
estirando-se preguiçosamente.
«Mais si tu insistes,
«Mas já que insistes,
voilà mes deux souhaits: eis os meus dois primeiros desejos:
qu'on ne m'embrasse plus les oreilles que não me beijem as orelhas
et qu'on ne me gratte plus !e dos. nem que me acariciem as costas.
Mon troisieme souhait, Quanto ao meu terceiro desejo,
c'est que je voudrais savoir é que eu gostaria de saber
quel goüt peut bien avoir une fée >> , que sabor tem uma fada >> .
Et illa mangea. E comeu-a.

124 125
Moralité: mieux vaut un tigre au lit Moralidade: mais vale um tigre na cama
qu ' une (bonne) fée (un peu)follette . que uma (boa) fada (um tanto) cloida .

126 127
••
XIV XIV

CHANSON D'AMI CANTIGA DE AMIGO

Ah Dieu, si mon seigneur tigre savait Ai Deus, se o meu sen hor tigre soubesse
comme le temps est long sans lui, como o tempo longe dele passa devagar,
viendrait-il? viria ele?

Ah Dieu, s'il savait que mes yeux sont tristes Ai Deus, se soubesse que os meus olhos estão tristes
parce qu'il est parti loin de moi, porque partiu para longe de mim,
viendrait-il? viria ele?

Ah Dieu, s'il savait que j'ai le ca:ur blessé Ai Deus, se soubesse que tenho o coração ferido
parce que je ne le vois pas arriver, porque o não vejo chegar,
viendrait-il? viria ele?

Ah Dieu, si mon aimé savait que je ne vis Ai Deus, se o meu amado soubesse que só vivo
que pour attendre son retour para esperar o seu regresso,
viendrait-il? viria ele?

Ah Dieu, s'il savait que j'ai perdu l'espoir Ai Deus, se soubesse que já perdi a esperança
de tant l'appeler en vain, de tanto o chamar em vão,
viendrait-il? viria ele?

Ah Dieu, si mon seigneur savait combien je l'aime Ai Deus, se o meu senhor soubesse como o adoro
et que je me meurs de son absence, e que a sua ausência me vai aos poucos matando,
viendrait-il? viria ele?

128 129
XV XV

LETTRE AUX GRANDS GALACTlQUES CART'A AOS MESTRES DA GALÁXIA

Dans un petit coin clu cosmos Num cantinho perd'ido do Cosmos


(secteur Sirius) (no sector de Sírio)
il y a une planete assez quelconque existe um planeta insignificante
qui tourne sans histoire que gira sem problemas
depuis quelques milliards d'années. há alguns milhões ele anos.
Cette planete, Este planeta,
je vous le clit tout ele suite, digo-vos desde já,
c'est moi. sou eu.
Je tournais clone, Eu girava, portanto,
quancl un beau jour quando um belo dia
je reçois la visite, assez inattenclue, recebo a visita, bastante inesperada,
cl'un astronef ele la planete Tigris dum astronauta do planeta Tigris
et je vois en sortir e VeJo aparecer
«souple «ágil,
svelte esbelto,
sinueux, sinuoso,
solitaire solitário
seigncur à la senhor ele
somb.re beauté » sombria beleza »
(je cite de mémoire un poete qui habite (cito ele memória um poeta que vive
clu côté du secteur Alpha du Centaure) para os lados do sector Alfa elo Centauro)
!e plus beau astronaute du monde. o mais belo astronauta do mundo.
Pour tout vous dire et malgré ce que cela me co(l.te, Para vos dizer tudo e por muito que isso me custe,
je suis tombée follement amoureuse de lui. apaixonei-me doidamente por ele.
]e sais que ça n'arrive pas souvent aux planetes Sei que isso não acontece facilmente aos planetas
(je pense surtout que j'ai cléjà passé l'âge (penso sobretudo que já não tenho idade
ele ces folies) et c'est pour cela para estas loucuras) e é por isso
que je vous écris, pour vous demander conseil, que vos escrevo, pedindo-vos conselho,
à vous, qui êtes eles Sages: a vós que sois os Mestres da Sabedoria:
que dois-je faire? O que devo fazer?

130 131
XVI XVI

Aujourd'hui, pour me changer Hoje, par:1 mudafJ·


de mes petites pensées grises as minhas ideias sombrias
j'ai décidé de mettre mon nez patricien, decidi meter o meu nariz patrício,
mon nez síno-judéo-chrétien o meu nariz sino-judaico-cristão
dans les affaires d'un autre que moi na vida de outra pessoa que eu
et j'ai choisi pour victime e escolhi para vítima
un prisonnier que j'ai dans la tête um prisioneiro que tenho na cabeça
enfermé à double rour, fechado a sete chaves,
menottes aux mains bem algemado
ct bâillonné par dessus le marché. e ainda por cima amordaçado.
Imagincz-vous que ce jeunc écervelé Imaginem que este jovem doidivanas
voulait écrire des poemes à ma place queria escrever poemas em meu lugar
ou il ne parlait que de !armes et de soupirs, onde não falava senão de lágrimas e suspiros,
d'amours malheureuses, de amores infelizes,
de ,, Poete, prcnds ton luth >> ,,. , etc. de «Poete, prends ton luth >> ,,. , etc.
Ces cris déchirants três fleur bleue Estes gritos dilacerantes, bastante piegas,
d'une âmc mise à nu de uma alma posta a nu
étaient on ne peut plus ridicules não podiam ser mais ridículos
et c'est pour ça que j'ai été obligée e foi por isso que me vi obrigada
de l'attacher et dele bâillonner a prendê-lo e amordaçá-lo
pour l'empêcher de répandre para o impedir de espalhar
ses tri pes sur le pa pier. as trip as sobre o papel.
Ce genre de balivernes Este gênero de asneiras
peut fair e beaucoup de tort pode causar problemas
à un poete sérieux comme moi, e um poeta sério como eu,
fier de son bon droit orgulhoso dos seus direitos
et de sa ligne dure. e da sua linha dura.

" De Alfred de Musset ' De Alfred de Musset

132 133
•·
XVII XVII

EROS 2000 EROS 2000

Je suis un cyborg, Sou um cyborg, t


un produit fini um produto acabado
de la société de consommation, da sociedade de consumo,
mon corps en solitudium o meu corpo em solidarium
résiste à tous les assa uts, e à prova de tudo,
o meu cérebro positrónico
mon cerveau positronique
possui bancos de memória
possede des banques de mémoire
que utilizam fitas de supressão incorporadas
avec des bandes d'effacement incorporées
e outros dispositivos extremamente selectivos,
et des relais extrêmement sélectifs,
os poucos órgãos de carne
les quelques organes de chair
que ainda tenho foram reforçados
qui me restent ont été renforcés
com indiferencium,
avec de l'indifférentium,
as minhas mãos podem agarrar o inatingível
mes mains peuvent saisir l'insaisissable
e os meus pés andar sobre as nuvens,
et mes pieds marcher sur des nuages,
mas aq neles que me criaram
mais ceux qui m'ont façonné
não me disseram como me proteger
ne m'ont pas dit comment me protéger
de um ser estranho que encontrei
d'un être étrange que j'ai rencontré (onde? quando? como?)
(ou? quand? comment?) um adolescente nu, alado,
un adolescent m1 avec des ailes trazendo um arco e flechas
portant un are et des fleches e que sem prevemr
et qui m'en a décoché une sans crier gare, me acertou com uma,
me blessant en plein creur. ferindo-se no coração.
Comment ça ce fait qu'une fleche Como é possível que uma flecha
puisse traverser une peau en solitudium, atravesse uma pele em solidarium,
une peau faite pour résister uma pele capaz de resistir
aux tremblements de terre aos tremores de terra
et aux mauvaises rencontres? e aos maus encontros?
D'ailleurs je trouve qu'une fleche Aliás acho que uma flecha
ça fait post-atomique, tem qualquer coisa de pós-atômico,
si au moins c'était un laser ou une kalachnikov! se ao menos fosse um laser ou uma Kalachnikov!

134 135
•·
Et clepuis lors E desde então
une malaclie bizarre uma doença esquisita
m'a empoisonné le sang, envenenou-se o sangu e,
mon cerveau bat la campagne o rneu cérebro delira
et fait eles poemes sans queue ni tête, e faz 1 oemas svm pés nem cabeça,
mes mains et mcs piecls as minhas mãos c os meus pés
sont aussi morts estão tão mortos
que les rêves anciens como os sonhos ancestrais
et mon c~ur est clevenu e o meu coração tornou-se
un pays inquiétant et secret um país inquietante e secreto
hanté par les fantômes. habitado por fantasmas.
Maintenant je suis un cyborg Agora sou um cyborg
cléréglé, détraqué, à la dérive, des conjuntado, transtornado à deriva
' '
maintenant je suis vraiment agora posso dizer que sou
un produit tout à fait fini um produto completamente acabado
de la société de consommation. da sociedade de consumo.

136 137
XVIII XVIII

LE COMPLEXE DU PLACARD O COMPLEXO DO ARMÁRIO

Si vous êtes malheureux, Se <~ infeliz,


insomniaque, angoissé, insone, angustiado,
cardiaquc, dipsomane, cardíaco, dipsomaníaco,
cafardcux melancólico
ou hypocondriaque, ou hipocondríaco,
si vous êtes déprimé se anda deprimido
par la rnortc-sa ison des rêves pelo tempo morto dos sonhos
et si vous croyez e se acredita
que deux sous la main que um na mão
valent mieux vale mais
qu'un tu ]'auras, que dois a voar,
faites comme moi: faça como cu:
trouvez-vous un placard. arranje um armário.
Le micn cst antibrouillard, O meu tem protecção
anti mire, contra o nevoeiro, as traças,
antérograde, a amnésia,
possede le tout-est-dégoút, possui o tudo-é-d'esgo(s)to,
l'air conditionnel ar condicional
et des parais matelassées e muros acolchoados
pour têtes sensibles. para cabeças sensíveis.
J'ai prévu aussi Previ também
des crochets a u plafond uns ganchos no tecto
pour le trop-plein de me poches: para o excedente dos bolsos:
lunettes, amours mortes, óculos, amores mortos,
vieilles chaussures, sapatos velhos,
maison eles ancêtres casa dos antepassados
et plusieurs autre choses c várias outras coisas
dont je rairai le nom. ele que não direi o nome.
Côté loisirs, j'ai choisi Para as horas de ócio,
un coin de mer, escolhi um pedaço de mar,

138 139
•·
la bibliotheque de Ba bel, a bibliotr:ca de Ba bel,
la place Sainr-Ger11.1ain des Prés a pra<,:a St. Germa in eles Prés
à 5 heures clu matin às 5 cLJ m:m lüi
et une forêt d u pliocene e urna floresta do PlistocciJo
avec pléthore de mammouths int)meros ··namutes
COlll
et de machairodus, e macairódus,
sans oublier !e fond sonore ad hoc, sem esq uecer o fund o sonoro ad hoc,
rugissements, feulements, rugidos, uivos
barrissements tres co uleur locale . e barridos extremamente típicos.
Extr êmement reposant. M u ito r epousante.
Essayez t:ouj o urs, Experimente
vaus m'en direz des nouvelles. e depois diga se gostou .

J40 141
XIX XIX

Le silence est pavé de murs O silêncio está pâvimentado de mmos


les murs sont peuplés de fourmis os muros estão cheios de formigas
les fourmis ont dcux metres de long as formi gas têm dois metros de co mprido
mais personne ne !e voit. mas nin guém vê nada.
Et alors? E depois?

Le murs som couleur de silence Os muros são cor de silêncio


les fourmis portent eles masques noirs as formi gas trazem máscaras negras
et de solid es borres à crarnpons e sólidas bota s ferradas
mais personne nc le voit. mas ninguém vê nada .
Et alors? E depo is?

Le silence est fait de fourmis O silêncio é feito de formigas


les murs ont des mains rétractiles os muros têm mãos rcrrácteis
les crampons sont fait de guimauve as brochas são de chewing-gum
mais personne ne le voit. ma s ninguém vê nada.
Et alors? E depo is?

Les murs sont pavés de silence Os muros estão pavimentados el e silêncio


les mains ont dcs gants de silence as mãos têm luvas de silêncio
les fourmis so nt avalées en silence as formi2:as
c" são devoradas em silêncio
mais personne ne le voit. Et alors? ma s ninguém vê nada.
E depo is?

142
143
•·
XX XX

Quelque part dans la ville, Em a lgntn lugâr da cidade,


to i. tu.
Ailleurs, Algures
le silence entouré de murs o silêncio rodeado de muros
outrageusement blancs. afrontosa mente brancos.
Ailleurs , Algures
crcvasses, précipices, falaises gretas, precipícios, falésias
débouchant sur les places carrées, desembocando em praças quadradas,
monochromcs, vides. monocrómicas, vazias.
Ailleurs, Algures
grisaille, culs -dc-sac, venelles, monotonia, becos sem saída, vielas,
dédales, la byrinthes. dédalos, labirintos.
Ailleurs, Algures
un tigre assoiffé um tigre sedento
assis sur un tabouret de bar sentado no banco de um bar
regardant les éléphants sauvages olhando os elefantes selvagens
cueillir dcs pâquerettes. apanharem malmequeres.
Ailleurs, Algures
les piranhas tournent en rond, piranhas rodopiando,
grignotant lentement le néant. roendo lentamente o nada.
Quelque part dans la ville, Em algum lugar da cidade,
mot. eu.
Ou (qui) es-tu? Onde estás?
(Quem és?)

l44 145

XXI XXI

Sauve-toi sauvc-toi Foge foge 1


tout ce qui porte tudo o que tem
pattes ct griffes patas e garras
crocs et pinces colmilhos e mandíbulas
est à tes trousses está no teu encalço
fluide fluide fluido fluido
le vent te trouvera o vento encontrar-te-á
la mer te trouvera o mar encontrar-te-á
les ténebres te trouveront as trevas encontrar-re-ão
nulle part nulle part em parte alguma
un toit un refuge um tecto um refúgio
partout pieges collets por toda a parte
cha usse-tra ppes armadilhas laços ciladas
cette ville est en trompe-l'reil esta cidade é em trompe-l'reil
tu peux traverser les murs podes atravessar os muros
tu peux t'enfoncer sons terre podes meter-te debaixo da terra
ils te trouveront toujours eles sempre te encontrarão
leurs yeux te suivront pas à pas os seus olhos seguir-re-ão passo a passo
mot à mot !arme à !arme palavra por palavra lágrima por lágrima
nulle part nulle part em parte alguma
la paix le silence l'oubli, a paz o silêncio o esquecimento,
surtout l'oubli. sobretudo o esquecimento.
Tigre, tigre, je t'en prie, Tigre, tigre, por favor,
donne-moi l'oubli, dá-me o esquecimento,
par tous les démons de la terre, por todos os demónios da terra,
donne-moi l'oubli. dá-me o esquecimento.

146 147
XXII XXII

Entrez, Messieurs Dames, entrez! É entr<1r, Senhora e Senhores, é entrar!


Visitez la maison de l'horreur! Visitem a casa do terror!
Entrée gratuite! Entrada gratuita!
Une charmante âme damnée Uma encantadora alma penada
vous servira de guide! servir-vos-á de guia!
Des cadavres dans tous les placards! Cadáveres em todos os armários!
Des amours mortes à chaque rournant! Amores mortos a todos os cantos!
Les squelettes de vos chers défunts Esqueletos dos queridos defuntos
pendus à chaque poutre! dependurados a cada trave!
Des apparitions maléfiques Aparições maléficas
à tous les étages! em todos os andares!
Visitez la chambre hantée de votre ego! Visitem o quarto assombrado do vosso ego!
La tour de vos draculas secrets! A torre dos vossos dráculas secretos!
La serre chaude de vos désirs omnivores! A estufa dos vossos desejos omnívoros!
Tout les amis que vous ont Todos os amigos que vos
trompé bafoué menti enganaram achincalharam mentiram
blousé couillonné leurré ludibriaram atraiçoaram iludiram
mystifié a busé cocufié mistificaram ultrajaram cornearam
filouté trahi carotté intrujaram traíram vigarizaram
persécuté entôlé déçu perseguiram roubaram desiludiram
grugé roulé berné exploraram burlaram ridiculariza r a m
vous attendent joyeusement esperam por vós cheios de alegria
pour vous embrasser sur les deux joues para vos beijarem nas duas faces
et vous offrir votre dernier amour e vos oferecerem o vosso último amor
en méchoui, bien rôti, doré à point. em "méchoui", esplendidamente assado.
Au bar, vous pouvez, au choix, No bar, podem, à escolha,
vous fa ire dévorer par un tigre, fazerem-se devorar por um tigre,
boire une coupe de cigue, du whisky, beber cicuta, whisky,
ou une tasse de thé avec un nuage de lait. ou uma chávena de chá com uma gota de leite.
En sortant, n'oubliez pas les prieres Quando saírem não se esqueçam das orações
pour !e repos de l'âme de votre guide. pelo repouso da alma do vosso guia.

148 149
XXIII XXIII

Messieurs les voyagenrs en voitnrc Senhores passagei r@s tomem os vossos lugares,
départ sur la voie O partida da via O,
n'oubliez pas sur le quai vos chagrins não esqueçam no cais as vossas tristezas
ou votre buffet Régen ce nem o vosso armário Renascença.
vous êtes priés de tenir Agradece-se aos senhores passageiros
vos bouteilles de whisky en laisse que mantenham as garrafas de whisky pela trela,
nous arriverons dans 51 jours et 3 minutes chegaremos dentro ele 51 dias e 3 minutos
heure locale hora local.
messieurs les voyageurs en voiture Senhores passageiros tomem os vossos lugares,
dans ce train tout les corps neste comboio todos os corpos
sont interchangeables são permutáveis
il vous est donc permis sendo-vos portanto permitido
d'arracher !'cri! de votre voisinc arrancar um olho à vizinha
et de conper la tête de votre vis-à-vis e cortar a cabeça ao vosso vis-à -vis
si ellc ne vous revient pas se ela não vos agradar.
nc quittez pas votre placc Não deixem os vossos lugares
sauf motif ele force majeurc salvo em caso de força maior,
Ahasvérus ou l'archevêqu e de Canterbury Ahasvérus ou o arcebispo de Canterbury
pourraient vous la pendre poderiatn ocupá-los
et vous seriez définitivement gommé du train e seríeis definitivamente riscados do comboio .
si vous avez la place !1. 0 46 Quem tiver o lugar 46
vous pouvez l'échanger pode trocá-lo pelo 64,
contre la place n. o 64 ningu ém verá absolutamente nada
pcrsonne n'y verra que du feu e os cornudos ficarão contentes.
et les cocus seront contents É proibido debruçar-se,
i! est interdit de se pencher au dehors os vizinhos poderão empurrar-vos
vos voisins pourraient vous pousser julgando-vos uns pássaros de arribação,
croyant que vous êtes un drôle d'oiscau mas é- vos permitido
mais il vous et permis contar os postes telegráficos
de compter les poteaux télégraphiques até mil ou mais,

150 151
jusqu' a mille ou plus actualmente há mais postes
actucllement il y a plus de poteaux que carneiros
que de moutons e s;}o muito lllais fáceis de distinguir.
et ils sont plus faciles à distinguer O comboio entra na estação,
messienrs les voyagems os seultores passageiros
le train entre en gare deixaram de ser uns mal-partidos
vaus n'êtes plus eles pis-aller para serem uns mal-chegados,
mais eles pis-venus antes de descerem verifiquem
avant de descendre vérifiez se é bem a vossa cabeça
si c' est bien votre tête que têm sobre os ombros,
que vous avez sur vos épaules um erro depressa se comete.
une erreur est si vite arrivée Atenção ao degrau,
attention à la marche um bom passageiro
un bon voyageur é um passageiro morto.
est un voyageur mort.
Obrigado pela vossa atenção.
Merci de votre attention.

1.52 153
XXIV XXIV

Je n'existe Só existo 1
que quelques secondes par mois durante alguns segundos por mês
quand mon seigneur tigre quando o meu senhor tigre
trouve le temps de penser à moi encontra tempo para pensar em mim
(mon seigneur tigre est si distrair!) (o meu senhor tigre é tão distraído!)
le reste du temps o resto do tempo
je suis une sorte de mécanique sou uma espécie de máquina
bourrée de drogues, cnfrascada em drogas,
pas tres bien huilée, mallubrificada,
un peu grinçante, um pouco enferrujada,
assez grincheuse, bastante rabujenta,
beaucoup trop grognon, demasiado resmungona,
qui fait semblant d'existcr que finge existir
les yeux vides et l'âme absente de olhos vazios e alma ausente
derriere le masque bronzé por detrás da máscara bronzeada
de quelqu'un qui va souvent à la plage, de alguém que vai freq ucntemente à praia,
un masque qui a l'air si vrai uma máscara que tem um ar tão verdadeiro
que tout !e monde s'y trompe, que toda a gente se engana,
une mécanique qui fait ses courses uma máquina que vai às compras
tout lcs matins, tod:1s as manhãs
(combien le kilo de regrets?) (quanto custa o quilo de mágoas?)
qui conduit sa voiture que conduz o carro
sans écraser ni chiens ni chats, sem atropelar cães e gatos,
qui prend une poignée d'air que apanha uma mão cheia de ar
en forme de téléphone em forma de telefone
et parle pendant des heures, e fala horas esquecidas,
qui écrit des lettt·es d'eau que escreve cartas de água
avec un stylet de chair com um estilete de carne
et qui attend, attend, attend, e que espera, espera, espera,
mon dieu pour combien de temps encare? meu deus por quanto tempo ainda?

154 155
·•·
XXV XXV

<< QUE MUERA CONMIGO EL MISTERIO .. . <<QUE MUERA CONMIGO EL MISTERIO ...

Aujourd'hui Hoje
nous sommes le 21 Janvier 1976 estamos a 21 de Janeiro de 1976
il est trois heures du matin são três horas da manhã
et je suis peut être en traiu d'écrire e estou talvez a escrever
mon dernier poeme. o meu último do poema.
]'ai ouvert les portes de la cage Abri as portas da gaiola
ou je renais les mots prisonniers onde tinha as palavras prisioneiras
et je les ai laissé partir, e deixei-as partir,
enfin libres. enfim livres.
Si parfois dans le silence de la nuit Se por acaso no silêncio da noite
tu entends d'étranges chuchotements, ouvires estranhos sussurros,
des mots tendres et irisés palavras ternas e irisadas
comme des ailes de papillon, como asas de borboleta
sache que ce sont les miens, fica sabendo que são as minhas,
que ce sont mes alcyons que são os meus alciões
qui ont su te retrouver. que souberam encontrar-te.
Maintenant Agora
je me sens comme un port abandonné sinto-me como um porto abandonado
(brume, sables mouvants, mouettes trop hautes) (bruma, areias movediças
ou nul bateau n'abordera plus. gaivotas voando muito alto)
Aujourd'hui onde nenhum barco acostará jamais.
nous sommes le 21 Janvier 1976, Hoje
il est trois heures du matin estamos a 21 de Janeiro de 1976
et je viens peut-être d'écrire são três horas da manhã
mon dernier poeme. e acabo talvez de escrever
o meu último poema.

156 l57
XXVI ... XXVI

... QUE ESTA ESCRITO EN LOS TIGRES» ... QUE l~STÁ ESCRITO EN LOS TIGRES»
Jorge Luis Borges
Jorge Luis Borges

Les alcyons racontent: Os alciões contam:


il y avait une chambre havia um quarto
et dans la chambre une maison
e no quarto uma casa
et dans la maison une ville
e na casa uma cidade
et dans la ville une j ungle
e na cidade uma selva
et dans la jungle
e na selva
tm tigre rugissant
um tigre rugiente
au regard flamboyant
de olhos chamejantes
qui naus a dit:
que nos disse:
rentrez chez vaus
voltem para casa
et dites à celui
e digam a quem vos enviou
qui vous envoie
que não acredito em nada
que je ne crois à rien
e muitos menos em vós,
et surtout pas à vaus
fogos-fátuos,
fcux follets
arcs-en-ciel de la nuit arco-íris da noite,
mcssagers aux langues fourchues. mensageiros de línguas viperinas.
Moi, le Seigneur Tigre, Eu, o Senhor Tigre,
grand chasseur devant l'Eternel grande caçador diante do Eterno,
je vaus dis: que vous soyez digo-vos: que vós sejais
des papillons borboletas,
des mots tendres palavras ternas
ou des alcyons ou alciões,
je vaus tuerai tous, matar-vos-ei a todos
tant que vous êtes, sem excepção
et je vaus mangerai e comer-vos-e1,
arrosé d'une bonne regados com um bom
bouteille de Bordeaux. vinho de Bordcaux.
Et voilà comment ma tête Eis a razão
est à nouveau hantée porque a minha cabeça

158 159
••
par ce al. cyons fous de peur, esr<'i ck novo <Jssombrad:.l
1 ris nniers d'tme cage ouvertc, pdos ;-dçiôc;s r~n lo u qu.ec i dos
d'un port ensablé et brumeux p ,-i siuncim!; de u1 ·w g::tiob ab "rt:l,
d'un ciel de mouettes trop haute d e u rn pon:o <lssorc;'ldo e bru rnoso,
de t.llll d u d e~ gaivotas m.uito :1itas.

!60 '16J
•·
XXVII XXVII

Connaissez-vous L.1 peau d'indifférence? Conltccc a pde de indiferença?


C'est une peau magnifique, É uma pele magnífica,
lisse, veloutée, soyeuse, lis<t, aveludada, sedosa,
chatoyante et diaprée, irisacla e hialina,
douce au toucher, agraclável ao tacto,
souple comme la main, flexível como uma mão
'
imperméable aux coups impermeável às pancadas
et aux caresses, e às carícias,
à la pluie ct au beau temps, ao sol c à chuva,
aux [armes et aux poetes. às lágrimas e aos poetas.
En plus, extrêrncment solide, Além clisso, extremamente resistente,
impossible de l'arracher impossível da arrancar
ou de la déchirer, ou de a rasgar,
de la manger de a comer
ou d'en faire un abat-jour. ou de fazer com ela um abajur.
Tenez-la à bonne distance Mantenha-a a uma prudente dist<1ncia
si elles vaus est offertc se ela lhe é oferecida
par quelqu'un que vous aimez pela pessoa amada,
car, si vous vaus laissez attraper, pois se se deixar apanhar
vous deviendrez vite une loque será rapidamente transformado
vagissante et pleurnich~ude. num trapo gemebundo e choramingas.
Le seul remede c'est de vous fabriquer O único remédio é o de façonner
une peau en vitesse uma pele o mais depressa que puder
(si vous en êtes incapable (se não for capaz,
une bonne imitation uma boa imitação também serve)
ferait aussi bien l'affaire) e de a enviar ao seu amor
et de l'envoyer à votre amour se possível na volta do correio.
si possible par retour du courrier.

162 163
••
XXVIII XXVIII

Prencz une grande feuille Tome uma gr~ nde folha


de papier blanc et dessinez de papel branco e desenhe
soigneusement un labyrinthe. cuidadosa mente um labirinto .
Avant d'y pénétrer Antes de lá entra r
munissez-vous d'un thermos, aprovisione-se com uns termos,
de quelques sandwichs, algumas sanduíches
'
d'un tube d'aspirine, um tubo de aspirina,
de cigarettes, d'une bible, etc .... cigarros, uma bíblia etc
' '
pois é o seu Minotauro
car c'est votre Minotam:e
et votre labyrinthe e o seu labirinto
que vous a llez affronter. que vai ter de enfrentar.
Moi, mon Minotaure à moi O meu Minotauro
était un Minotigris tres beau era um Minotigris belíssimo
qui m'a regardé d'un ceil que me lançou um olhar
à vous glacer le sang dans les veines. de gelar o sangue nas veias.
Devant le danger Sentindo-me em perigo
je me suis souvenue de Korzybski lembrei-me de Korzybski
et je lui ai dit: e disse-lhe:
je n'ai pas peur de toi, não tenho medo de ti ,
la carte n'est pas le territoire, o mapa não é o território,
une hirondelle n'est pas le printemps uma andorinha não é a primavera
et les rayures ne sont pas le tigre. e as raias não são o tigre.
En entendant cela il a filé Ao ouvir isto o Minotigris partiu
comme un dard, laissant tomber como um raio sem dizer água vai,
derriere lui ses zébmre deixando as raias caídas no chão
comme i ell s étaient un nid de erpents. como se fos sem um ninho de cobras.
Et maintenant c'e t moi qui suis le nouveau E agora sou eu o novo Minotauro
MinotaUt·e de mon propre labyrinthe. do meu próprio labirinto.
Qui viendra me libérer? Quem virá libertar-me?

164 165
•·
XXIX XXIX

A force ele me cogner A força de bater com a cabeça


na s tlJ;I s paredes
contre tes murs
je me sens devcnir sinto qu e estou a transformar-m e
un g ros éléphant gris num grand e elefante cinzento
barrindo tristem ente
barrissant tristement
no teu salão,
dans ton salon,
cass ant par inadvertancc quebrando por inadvertência
les W edgwood de l' o nele Pierre, as Weclgwood do tio Pedro
la soupierc K'a ng-bi de gran d-m erc a terrin;-1 K' ang-hi d a ;1vó '
et tout le service de la Comp<1 gnie des lnde s c todo o serviço da Companhia elas Índias
do primo Antônio.
du cousin Antoine.
C'cst ça le dramc, quant on est É esse o drama quando se é
un gros éléph a nt gris um g rande elefa nte cin zento
solitário e desajeitado:
esseulé et maladroit:
le proprc poids de l' inertie o próprio peso da inércia
pcut casser bi en des choses , pod e quebrar muitas coisas,
!c désir, l' incliffércnce, o desejo, a indiferença,
3 S porcelanas, o silêncio,
lc s p o rce lain es, le sil encc,
a ausência, tu cu
l'absencc , toi , mo i, ' '
mais pa s tcs murs. ma s não as t ua s paredes .
Ma grosse tête éléph a ntine A minha g rand e ca beça elefantóide
continuera in la ssablement, stupidcment continua r<Í in fatiga vel mente, esru pida men te
a b:ner ne las
à cogncr clcssus
acl nauseam.
ad nauscam.

166
.167
XXX XXX

POST HANC DIEM PO ST HANC DfEM

Rien dans lcs mains De m:1os vaziás


rien dans les poches sem nada na s algibeiras
pas de tigre dans le chape<1ll sem ti gre no chapéu
pas de colornbes dans la manche se m pombas na rnanga
le pocte traverse la scenc o poeta atravessa o p:dco
sur la co rd e raidc eles mots so bre a corda bamba das palavra s
rien dans lcs rnains de mã os vazias
rien dans les poches se m nada nas algibeiras
pa s de tigre dans la manche sem tigre na man ga
pas de colombcs dans lc chapcau sem pombas no chapéu
la salle est vide a sala está às escuras
lcs lun:lieres sont éteintes as cadeiras vazias
les musiciens partis os mú sicos partiram
le pocte est senl sur la corde raide o poeta está só so bre a corda bamba
et les mots s'e n vont, comme toujours. e as palavras fo ram -se como sempre.
Le spectacie cs t terminé . O espectáculo terminou.
Rideau. Cai o pano .

L6 8 169

LE MESSAGER DES R~VES

O MENSAGEIRO DOS SONHOS


lnécli1o

Traduzido para português por Yíror Castro


I.
a Emil ienne

..
\
·•·
LA BIBLIOTHEQUE A BIBLIOTECA

A J.l. Borges
A J. L Bo rges

Le granel Absent , Die u O g rand e Ausente, D e us


(ou cc qui en tient licu ) (ou <lqllilo que aí tem lngar)
m'a dit : dis se-me :
tes lannes se ront de pierre as tua s lágrimas serão de pedra
et tes doigts , d es allumettes de cenclre e os te us d edos, fósforos de cinza
qui n' a llurneJ:ont aucun feu. que n ã o acenderã o nenhum fo go.
Ta tête sera une ruche vid e A tua cabeça será uma colmei a vazia
et ton corps une épavc éventrée E o teu corpo um destroço aberto
abandonnée au gré eles flots. Abandonado ao sabor d<t s vagas ..
Tu accouchera s dans la douleur D<trás à luz na dor
de minusculcs signe s typographiqne s minúsculos sinais tipográficos
qui iro nt bien vite rejoindre gue rapidamente irão juntar·-se
leurs in n mbr<tblcs millions ele fr eres aos seus itmmcr<1veis milhoes de irmãos
à la Bibliotheqnc . na Biblioteca.
«éclairé e, so litaire, infinie, "iluminada , so litária ' infinita ,
parfaitement immobile, perfeitamente im óve l,
armée d e volumes précieux, munid a ele volumes preciosos,
inutile, incorruptible, secretC>> inútil, incorruptível , sec rct<t "
ou nul humain ne viendra ja mais. ond e n enhum humano jamais vir<Í.
C'est à cela que je te co ndamne, É a isso que eu te condeno,
toi, qui ne crois pa s en MOI. tu , que não crês em MIM .
Ou tu croya is M ' échapper ? Ou acredita v as escapa r- ME?

Paris, 'l98 2.
Pari s, 1982

l 74 175
•·

Dans les tcrres truquées , Na s terr;ts fraudu.lenta s,


le poete fou o poeta louco
es t un témoin irremplaça ble é uma t estenmnha insub stituível
ces tcmps~ci , selon une mode destes tempos, segundo um costume
qui n 'est pas fortuite . que n ã o é fortuito.
Ce proces dure encot:c Este processo dura ainda
car l'e xpérience rcnd m yope porque a experiência torna míope
et les coyorcs joucnt un petit rôl e e os coiotes desempenham lllT\ p equeno papel
aux sources de la m agie. nos primórdios da magia .
Seu !e ce1;titu de: A única certeza:
le po e u~ ainsi défini devient o poeta assim definido torna-se
la grande cymbale abrupte et barba re o grande címbalo abrupto e bárbaro
dans la ma chineric eles choses, na maquinaria da s co isas,
c' cst·-à-dire isto é
clans les probl emes de communication. nos problemas de comunicação .

Février, '198 3 Feve1·e iro, J.983

J 76 177
•·

Pré pa rez··vo us, mes s a~ ur s Prc pa r;Ji -vos, mi'I1has irm ils
les temps sont venu s, os tempo s vicran1,
aig uisez vo o ngles rou ges a fi ai a s voss a s unha s vermelb,l s
sur lc vi age innoce nt d e vos enfants, sobre o rosto inocent-e da s vo ss,ls cr ia nç,ls,
a llef.. en ch a n ta nt c ueill ir lc gui ide ca uran d o colher o visco
au ja rdin d11 Luxembo urg no jardim do Lrl xembm!c!o ,
ou danscr vo s rond es éch evelécs ou dan çar as voss as r(m d as dese nfread as
a u ela ir d e proj ccteur à lu z d o proj ector
Placc d e la Concorde Pb ce de Ia Concord e
les temp s sont venus os tempos vieram
ô mes sa:urs oh minha s irmã s
laissez tombcr vos ma sques deixa i cair as vo ssas mâs,;<Has
et vo s défroqu es d e femmes amoureu ses e os vossos tra jes de mulheres ap aix ona d as
le grand sol ei! de ruon o g rande so l d a mo rte
va vou s donner b vie , va i vos dar a vid<1,
les ternps sont enfin venus! os temp os viera m e11 fim!
Ave V énu s! Ave Véu us!
Les m eres a to miques As m ã es ató mica s
de l' hUI.ll a nité futu re ela h u m anidad e futura
te sa lu en t ! saúdJm · te.

Fév ri cr .1 984 Fc ve rcim, I 98 4

'178 179
Vous vous asseyez tranquil\ement Sentai-vos tranqui lamente
à votrc ta ble de travail à vossa mesa de trabalho
et vous vou s mettez à aligner eles mots e começ ais a alinhar as palavra s
la t ête aussi pleinc a cabeça tão cheia
qu'un tessaract. como um poliedro
Soudain à peine avez-vous écrit De repente, mal tínheis escrito
la queuc du dernier paraphe a ca ud a da última rubrica
que la premicre letrre dresse quando 8 primeira letra ergue
sa tête n ire de serpent à plume a sua cabeça negra de serpente emplurnada
et vous mord sauvagernent les cloigts. e vos morde selvatica mente os dedos.
Alors n' hésitcz. plus Então não hes iteis mais
jetez tout de sui te votre feuill e deitai logo a vossa folha
dans le viva rium avec les autrcs no viveiro com as outras
et donncz~le s à vot re éditcur, e dai ~a s ao vosso editor,
à vos lecteurs de se tirer d'affai re cabe aos vossos leitores li vrarem ~sc de apuros
co mme ils ponrront como puderem
à moins, déli catesse oblige, a meno s, delicadeza a isso o briga
que vous ne leur conseillez pas que vós n ií o os aconse lh eis
de prendre du séru rn antipoétique. a toma r som an tipoético.

Février , "19!\4
Fevereiro, 1984

180 181
Est-cc la pai x, cst-ce la guerr '·;) Será ,., l"l ,11.., se ,·;{ ;~ Pt t( 1'~"-t '
• ,, ,... J · '· •

Cha cu.n sa it de quel enfer i! vient, C ·l(l.l um s:1be de qu e inf:emo vcrn,


frais édos le matin saído cb c 1sc1 de mnnh ii
entre deux brasicrs rnor te ls entre clois braseicos nwnais
la n'::gle du je u est de marc h e r le s mains vides a ncgr<1 do jogo é ctminhac de m fíos va7. ias
b morr dcs cygncs cst unc aventure sans lcndcrnain <l rnortc do s '; isncs é uma avcntur;-t selll :1 nta nh il

iJ l'ornbrc dcs p:111piercs du d{·sen ;\ sonth r: t d;Js p :í lpcbras do dcsu:to


les t:ournt:sol s rn ' ont: tourn é le dos os g ira ~; s ói s victrarn-me as costas
héni.ss ant d' une tcrreur poudreu sc relilJ(..: bando de um terro r empoeirado
ce qui sifftc à mes o rc ille~; n' a pas de uorn Ctq uilo que assobi;t aos meus ouvido s n.üo tc~ m nome
rmtis je la reconnai s pour ce qu 'clk cst m as eu t'<;'çonheço ·o pelo que ele 0
b:tnqui sc ele sa ng ic cbc~:gnc de s:w~ue

hurlant à la !un e. uivando à lu a.

)li lho, I )llh

'18 7.

Le poeme est-il une enzyme É o poema uma 'e nzima


produite p ar l'insomnie ? produ zida pela insônia ?
La main qui écrit, A m ão qu e escreve,
iss ue d' une rnystéricuse porte, saída de uma misteriosa porta,
prémices primícias
de l'a ube à venir? da alvorada qu e vi rá?
Un pa pillon déj à épinglé ? Uma borboleta já presa com alfinetes?
Un virus? Um vírus ?
Le miroir m agique d 'ou s'envolent O esp elho mágico de onde levanta m voo
des oisillons mala droits ? os passarinhos desaj eitados?
T on corps allon gé pres du mien O teu corpo estendido ao pé do meu
y est-il pour quelque chosc serve ele para a lguma coisa
dans cette inexplicable a lchimic? n es ta inexplicável alquimia ?
L'arbre nocturne paré A árv ore n octurna enfeitada
de sa lumiere intéricure el a sua luz inter ior
y est-il ponr que!que cho se? serve ela p ara alguma coi sa ?
Que se passe+il entre Que se pa ssa entre
la trame de papier et celle du destin? a trama do papel e aquela elo destino ?
D ' ou vient-il? O i:l va+il ? De o nd e vem ? Para ond e vai ?
Feuille morte ou viva nte, Fo lha morta ou viv a,
ange trompe ur, anjo mentiroso,
!une de sei, lu a de sal,
la nuit l' emporte a noite leva -o
et c'est fini. c acabou.

Avril 1988 Abril , 1988

'184 18.5
BERESHITH BERESHITH

«Au commencement << No começo 1


Elohim créa les cieux et la terrc. Elohim criou os céus e a terra.
La terre était déserte et vide. A terra era deserta e vazia.
Il y avait dcs ténebrcs au-dessus de l' Abime Por cima do abismo havia trevas
et l'esprit d'Elohim planait snr les eaux. e o espírito de Elohim pairava sobre as águas.
Elohim dit: Qu'il y ait de la lumierc! '' Elohim disse: Que haja luz!,,
et il y eut de la lumiere. e houve luz.
Elohim appela la lumiere Jonr Elohim chamou à luz Dia
ct les ténebres Nuit. e às trevas Noite.
Il y eut un soir, il y eut un matin: E houve uma noite, e houve uma manhã:
premicr jour. >> primeiro dia.»
Pendant six autres jours Durante seis dias
il s'amusa à crécr ele divertiu-se a criar
dcs tas de trucs marrants um grande número de coisas engraçadas
et d'autres qui l'étaient moins. e outras que o eram menos.
Elohim acheva, le septieme jour, Elohim concluiu, ao sétimo dia,
l'ocuvre qu ' il avait faite, a obra que tinha feito,
mais il ne se reposa pas, mas ele não repousou,
comme il a été dit et redit. como foi dito e redito.
Au contraíre, Pelo contrario,
il contempla, insatisfait et déçu, ele contemplou, insatisfeito e desiludido
a sua criação.
'
sa création.
Alors il réfléchit Então durante alguns milhões de anos
pendant quelques milliards d'années ele reflectiu
ct puis il te créa , e depois criou-te,
to i. a ti.

Avril, 1986 Abril, 1986

186 187
REQUIEM POUR JOAO CARLOS SOBRAL MEIRELES REQUIEM PARA JOÃO CARLOS SOBRAL MEIRELES

Tu n'as pas connu Tu não conheceste


la lente 111ort de la vie, sauf à la fin, a lenta morte da vida, a não ser no fim,
111011 fá:re, meu irmão,
tu l'as vécue pleine111ent tu viveste-a plenamente
comme une orange ronde et juteuse como uma laranja redonda e sumarenta
111011 frere, meu irmão,
maintenant tu es assis entre Zeus agora tu estás sentado entre Zeus
et Jeovah dans la gloire des cieux, e Jeová na glória dos céus,
mon frere, meu irmão,
plutôt d'ailleurs du côté de Zeus, aliás, mais do lado de Zeus,
roi qui aimais le côté solaire de la vie, tu que amavas o lado solar da vida,
111on frere, meu irmão,
ton sourire était celui d' Apollon o teu sorriso era o de Apolo
et non celui triste et résigné du Christ e não aquele triste e resignado de Cristo
mon frere, meu irmão,
là ou tu es maintenant lá onde estás agora
veille sur moi mon frere, vela por mim
car je ne connais meu irmão,
que la mort lente de la vie porque eu não conheço
mon frere, senão a morte lenta da vida
je ne suis qu'une 111oitié d'orange meu irmão,
et mon destin est déjà tracé dans les étoiles, eu sou apenas uma metade de laranja
111on frere. e o meu destino já está escrito nas estrelas,
meu irmão.
Paris, 1991

Paris, 1991

188 189
LE MESSAGER DES RÊVES O MENSAGEIRO DOS SONHOS

Le signe cygne O signo cisne 1


est 1m cheval au galop é um ca valo a ga lope
monté par un minuscule cavalier en flammes montado por um minú sculo cavaleiro em cham as
né du rêve fiévreux du phénix. nascido do sonho febril da féni x.
Le cygne signe O cisne signo
révele au poete revela ao poeta
que lc rideau opaque qu e o véu opaco
des transparences verbalcs das transparências verbais
ne sont g ue des signes são apenas sinai s
cléfigurés par les révélations de sfigmados pelas revelações
dcs cygnes lorsqu ' ils prennent leur envol. dos cisnes quando leva ntam voo.
Quand ils reviennent du pays Quando eles regressam do pais
au-clelà eles nuages, alors, oui, para lá das nuvens, então, sim,
i ls sont lcs mcssagers eles são os mensageiros
du pli secret da missiva secreta
d u minuscule ca valier en fla mmes. do minúsculo cavaleiro em chamas.

Paris, O cto brc 1.994 P:uis, Ourubro, 1994

190 191
VARIATIONS GOLDBERG VARIAÇÕES GOLDBERG

Une seule note Uma só tfora


ec l'arbre brille e a árvore brilha
des miJle cou lcurs de la nuit. com as mil cores da noite.

Scptcmbrc, 1994 Setembro, J994

L92
Tous lçs jours nous vivon s Todus os rJi,Js vivemos
nos petit(~s apocalyps~ s o s nossos p c~ cllte nos apoca li pses
corr1 n1c si ricn n 'était, com o se n;-Hh fo sse,
nous portons sur nons ca rr~g~1mo s
.l'indifférence c::omrne un foulard a indifcren<;a como um lenço de seda
aui"Our du cou , à voltJ do pescoc,:o,
bmort nou s fait signe a morte faz -nos sin:d
clan s chaqu e feuille printani ere em C.l da folha prirnaveril
de l' arbre-n uit, da <1 rvorc··noite,
cdlc qui nous appelle <lqu ela qu e nos chama
avec eles hurlem ents de loup corn uivos de lobo
qua.nd nous la regarclon s, qu ando a olhamos,
b:~ rricad és derriere nos fe nêtn~s barr icadas atd s cLts nossas jan elas
d' ass ignés à résidcm,:e ele presos <1 resid ência
sur cetle pJanete coulam sob re este planeta qu e corre
dan s la noire cau cosrniqne. na nqo;ra ág ua cós mica .

19 9.') 1995

194 1.95
Ou sont maintcnant Onde cst·?ío ;q; ora
les pct:its noirs à l' àme blanchc os pequenos negro s de alma branc1
de mon enfance? da minha infància ?
Il s sont devenus Tornararn -se
les petits blancs à l'àme noire O s pequenos brancos de alma n egra da minha velhice.
de ma vieillesse. Sob a ponte Mirabe:1u
Sous le pont Mirabeau corre o Aqueronte
coule I' Achéron qu e os leva a todos,
qui lcs emporte tous, oh meus irmãos de almas virtuai s
ô m es frere s a ux âmes virtue lles em tecn icolor.
en technicolor. A grande mão de sombra
La grande main d'ombre elo tempo que passa
du temps qui passe entreabre a t·apeçaria
entrou vre 1a draperie sobre o mítico futuro onde todos seremos
sur le mythique avenir Oll nous serons tous pequenos ga tinhos perdidos.
co mme des petits chatons p erdus. E tu, lá no alto, tern cuidado Conligo!
Et Toi , b-haut, prends gard e à Toi! No dia do Apocalipse
On te demandcra des compres pedir··te-ão contas
le jour de l' Apocalypse nesse dia ... sim,
et ce jour-là ... oui, tem cuidado Contigo!
prends garde à Toi!
2 de Julho, 1995
Lc 2 juillet 1995

196 197
REQUIEM POUR MADAME YVONNE PAOLI REQUIEM PARAMAD.AME YVONNE P.AOU

Ange noir de la mort, Anjo negro ela rflorte ,


pourquoi est-tu venu à l'aube Porque vieste de madrugada
arrêter de tes mains immatérielles pmar com as tuas mãos imateriais
son pauvrc coeur aimant? o seu pobre coração apaixonado?
Maintenant te voilà piégé sur sa tombe, Agora eis--te preso ao seu túmulo,
tes immenses ailes noires as tuas imensas asas negras
blanchies par les frimas de décembre, caiadas pela geada ele Dezembro,
tes pieds scellés sur la picrrc os teu s pés firmados sobre a pedra
recouverts de fleurs fanées, recobertos de flores mmchas,
ange de douleur, ange immanent, anjo de dor, anjo imanente,
ange présent pour tous ceux anjo presente para todos aqueles
qui aiment celle qui n 'est plus, que amam a que não mais existe,
statue à jamais figée estátua para sempre imobilizada
que les larmes rendent visible que as lágrimas tornam visível
à ceux qui sauront voir a quem souber ver para L1 elas apmências.
au-delà des apparences.
1996
1996

198 199

A MA SCEUR, QUI VOlT L'INVISIBLE A MINHA IRMÃ, QUE VÊ O INVISÍVEL

Nulmieux que naus, humains, Ning·uém mclhoF que nós, humanos


connaissons l'impalpable frôlement glacé conhece o impalpável toque gelado
des ailes des auges. das asas dos anjos.
Les chats les regardent évoluer, Os gatos vêem-nos evoluir,
leurs pupilles mi-closes as suas pupilas semi-cerradas
allumées par je ne sais quelle connaissance iluminadas por não sei que conhecimento
venue du fond des âges, vindo do fundo das idades,
leurs étincelantes ailes déployées as suas resplandecentes asas desfraldadas
dans le grand vent du sair, no grande vento da noite,
naus caressant, transparentes, hyalines, acariciando-nos, transparentes, hialinas,
devantnosyeuxsouil~s face aos nossos olhos maculados
qui naus rendent aveuglcs à leur présence. que nos tornam cegos na sua presença.
Notre mort naus permet d'entrevoir A nossa morte permite-nos perceber
leur beauté indiscible, a sua beleza inefável,
trop tard pour nous rendre dignes demasiado tarde para nos tornar dignos
de comprendre leur inhumaine essence. de compreender a sua inumana essência.

1996 1996

200 201
••
HOMMAGE À VICTOR HUGO HOMENAGEM A VICTOR HUGO

Descendu du septieme ciel Descido do sétimo cGu


sur les ailes d'un doux zéphyr sobre as asas de um doce zéfiro
apparalt soudain l' hémistiche, aparece de repente o hcmistíquio,
la césure qui permet au pcre Hugo a cesura que permite ao pai Hugo
de danser la gigue dançar a jiga
et pas d'hélas qui tienne! e não há lugar para o lamento!
L'alexandrin déploye ses pompes et ses fastcs , O alexandrino ostenta as suas pompas e faustos,
scintillements, incandescences, cintilaçôes, incandescências,
chatoyantes cascades reluzentes cascatas
étourdissantes de beauté, atorcloantes de beleza,
co ulant comme du miei sous notre correndo como mel sob o nosso
regarei affamé d'enjambements olhar sedento de andamentos
qui nous menent à d'autres vers oú chante la rime que nos levam a outros versos onde canta a rima
co mme un ro ssignol de légende. como um rouxinol encantado.
Laissez-vous charmer, Deixai-vos seduzir,
ilne manque que 350 pages faltam apenas 350 páginas
pour terminer la Légende eles Siecles. para termina r a "Légende des Siecles".

1997 1997

202 203
·•·

Mes pas d'cnfant ne laissaient pas de traces, Os meus p;t~;sos ele Qr ians;a não deixavam pega das,
ta main de sabJe et d 'écurne a tua m iio de areia e d e espurna
m 'atlit:ait cbns ton scin atraía-me para o teu seio
et je m 'e n aliais d ' une ln·a sse confiante e eu partia num3 bra~:acla confiante
ve~;s le bleu eles cris eles mouettes, em direcção ao azul dos gritos das gaivota s,
ce bleu miroitant au ra s des yeux esse azul reluzente ao nível dos ol!10s
qui m'Jppelait toujours plus loin que rne ch <nnava sernpre mais lon[!;e
en guête ele la vague qui serait enfin mienne. em bu sca ela vaga que ser ia enfim minha.
Aujourd 'h ui je te regarde, mer , Hoje olho-te, mar,
et je m e souviens eles la.rmes versées, e lembro··me elas lágrimas vertid~1 s,
el u sel a me r d u retour, do sa l amargo do regress o,
de ta couleur changcante da tua cor cambiante
qui m ' appoJ;te l' oubli que me traz o esq uecimento
et je reste là, apa iséc et heureu se, c eu permaneço lá, apaziguada e feliz ,
à rcgareler la marée du présent a olhar a maré elo presente
qui n 'est plus pour moi l' appcl que já não é para mim o chamamento
de ta mortelle imrnensité. ela tua mortal imensidão .

M.ai 1997
Ivbio, 199 7

204 205
•·
LA VOIX AVOZ

Ce n'est p<;ls ma faute, Niio ú iTlinh ;a/ cu.lpa,


j'ai poignardé l'ocme aptllthalei o olmo
et il a pleu1·é de l;,1 seve et eles frelo ns, e e le chor ou seiva e vespôes,
j 'ai abauul'amer derrubei o ponto ele referencia
et les n av ircs n 'ont pas coulé, e os navios naufragaranJ,
j'a i assasssin é les nua ges assassinei as nuvens
et la te n;e s'est couvene ele ce n.dres , e <1 terra cobriu-se ele cin/.as,
j' ai détntitla fJ ]aise destr ui a falésia
et lcs noyés prirent sa place, e os afogados tornaram o seu lu ga r,
j'ai détruit la rn er destrui o ma r
et lc sa bl e ét;.l it noir de sang, e a :1reia ficou negra ele san gue,
j 'ai foud royé la ter r e fulmin ei a tnra
et les {lcurs s'épano uirent. e as ().ores desabroch aram .
Alors j'a i Jrraché leu r çoeur Então arra nquei o seu coração
et l'homrne vit toujours . e o home m ai nda vive.
Dois-je détnüre l' univers Devo eu destruir o univecso
pmu: Llll\'? poignée ele ver misseau x? por um punhado ele vermes?

Royan, juillc t 1.997 Roya11 , Julho, 199'7

20 6 2.07
•·
LE LIEU QUI N'EST PLUS O LUGAR QUE JÁ NÃO É

Pinede, ou est la vieille clame Pinhal, onde está a velhalsenhora


qui racontait à sa petite fille que contava à neta
des histoires de fantômes? histórias de fantasmas?
(Le diable était caché dans les combles (O diabo estava escondido nas águas furtadas
. . .
et gémissait: je tombe ... je tombe ... e gemta: eu calO ... eu caw ...
et il tombait une jambe.) e caía uma perna.)
Ou est la douce créature aux cheveux gris Onde está a doce criatura de cabelos grisalhos
qui savait si bien traire les chevres? que sabia tão bem cuidar das cabras?
(Ah! le verre de lait tiede tout droit (Ah! o copo de leite directamente
sorti du pis, auréolé d'écume!) saído da teta, a ureolaclo ele espuma!)
Ou est le vieux fou qui creusait partout Onde está o velho louco que escavava
des puits à la recherche de l'eau de ses rêves? poços por todo o lado à procura da água dos seus sonhos?
Ou est l'homme clébonnaire Onde está o homem bondoso
qui prenait son petit déjeuner en souriant que tomava o seu pequeno-almoço sorrindo
pour faire croire à sa femme que son café para que a mulher acreditasse que o seu café
était la merveille des merveilles? era a maravilha das maravilhas?
Pinede, tu est toujours là, bruissante Pinhal, tu permaneces ai, murmurando
ele genêts, ele thym et de romarin, giestas, tomilho e alecrim,
ele grillons et de cigales, grilos e cigarras,
tes seves résineuses embaument, as tuas seivas resinosas perfumam,
rochers majestueux, vous êtes toujours !à, rochedos majestosos, ainda ai permanecem,
attendant d'être escaladés esperando ser escalados
par les petites jambes brunes de l'enfant pelas pequenas pernas escuras da criança
qui s'asseyait tout en haut que se sentava lá no alto
sur la pierre qui avait la forme d'un piano sobre a pedra que tinha a forma de um piano
pour regarder le soir tomber, para ver a tarde cair,
malacle de beauté, sans mots pour l'exprimer. doente de beleza, sem palavras para o exprimir.
(Le sait-elle aujourd'hui?) (Consegui-lo-ia ela hoje?)
Maison, tu es toujours là, Casa, tu permaneces ai,
avec tes murs chaulés et ton toit rouge com os teus muros caiados e o teu tecto vermelho

208 209
•·
;wcc sz1 clrôle d e ch eminée, com a St:l<:t chamin0 c~ ngr :-1 ç ach.,
!c; !,.niç de pie1;re m:1 l'on nc t:l';:,it p i1.1S les chi;;vrc:; , o b:HJCo de pedra o nd e já nJ o se ordc n h :·1rn as c:-1hL1~; -,
la pori:e tll.li a changé de p lacc, a porra qu e mud o u de lug:Jr,
la fenêtre qu ·i n 'es í· p lus a u lllêmc c~ndroit a j:mch q uc já não es i·:'t no mesmo :;írio
t:t cet ::~ i r d ' être c t de nc p lw; être la m ême e este ar dl! :;er ç de 1{1 o se r j:5 a rnes111n
qnc \;:1 mémo i n~ rduse. qu l:~ :~ rnernór i,, n;cusa .
M.a iso n , q t l '~ts- tu C1ií" de tcs anc ic~ ns hab ií·<mts :) C asa, q u e fize ste t· u do s t·eus an í:i.gos h a_ hii·:H"ltl~ s?
Ma ison, qu ' as-1"1.1 fait de to n 5mc? C~S;;t, que fi :.:.cstc ÍTI d~l rtt ::t aJ m ;:~?

1997 1997

2. 10 211
•·
INMEMORIAM INMEMORIAM

A Inês Guerreiro A In ês Guerreiro

Peut-on décrire avec des mots


les mille bruissements de l'âme Como é possível descrever com palavras
quand nos morts naus visitent, os mil murmúrios da alma
leur essence subtile quando os mortos nos visitam,
constellée de tant de souvenirs a sua essência subtil
que notre coeur devient constelada de tantas recordações
une vaste mer ensorcelée? que o nosso coração se t01:na
Aujourd'hui c'est toi, Inês, um vasto mar enfeitiçado?
qui es venue, avec ta voix Hoje foste tu, Inês,
d'écume et d'hirondelle que vieste, com a tua voz
me parler de décors de pieces de espuma e de andorinha
impossibles, de masques et de plumes, falar-me de décors de teatro
comme si tout le monde pouvait comprendre impossíveis, de máscaras e de plumas,
la sagesse de ton univers como se toda a gente pudesse compreender
de vieux chêne rêve ur. a sabedoria do teu universo
Ah! Quelle saudade, Inês ! de velho carvalho sonhador.
Ah! Que saudade, Inês!
Juillet 1998
Julho, 1998

212 213
·•·
PARIS EN 1950 PARIS EM 1950

( par:~ Robert Desnos)


(à Robert Desnos)

Petit petit petit Pequeno pequeno pequeno


ronronnait la fourmi de dix-huit metres ronrona va a formiga de dezoito metros
en s'approchant sonrnoisement du Lion de Belfort aproximando-se dissimuladamente do Leão de Belfort
mais celui-ci fit la sourde oreille, mas este fez orelhas moucas,
il était non seu lement en bronze ele era não apenas de bronze
mais aussi cartésien mas também cartesiano
et il se disait qu'une fourmi de dix-huit metres e dizia para consigo que uma formiga de dezoito metros
ça n'existe pas não existe
ça n'existe pas ... não existe ...
En quoi il se trompait lourdement No que ele se enganava redondamente
le poete l'a créée, o poeta a criou,
clone elle existe. Q.E.D. logo ela existe. Q .E.D .

Avez-vous été dernierement Place Denfer-Rochereau? Esteve ultimamente na Praça Denfer-Rochereau?

Juin 1998 Junho, 1998

214 215

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ÜfiRA POÉTICA:

Em Voz Baixa, S.l.: s.e., 1951 [Impresso na Tipografia S. José, de Lisboa; com
um desenho de Artm do C ruzeiro Seixas, uma dedicatória "A N atália", e, a
abrir o livro, os versos de Mário Cesariny: «Ü que só com as mãos pode ser
soletrado/só nos teus olhos nos teus olhos escrito» J
Pala vras Nocturnas, S.l. : s.e., 1954 [Impresso no Porto, nas oficinas da Impren-
sa Portuguesa; com do is versos ele Pa ul Éluard logo a seguir ao frontispício:
« ... me font rire pleurer rire/par! e r sans avo ir rien a dir e>> ]
O Rosto Deserto , S.l.: s.e., 1966 [Impresso na Socied ade Gráfica Batalha, de
Lisboa; no frontispício, o título completo: O ROSTO DESERTO/de isa-
bel meyrellesltraduzido para português/por natá/ia correia e uma/ODE A
OUTROS/E A MARIA H ELENA /VIEIR A DA SILVA/de mário cesarinylde
vasconcelos traduzida/para francês por isabellmeyrelles com um desenho/de
artur do cruzeiro seixas; a seguir, o verso ele Passages ele H enri Michaux
«L'amour, c'es t une occupation de ]'espace>>, uma dedicatória "À Natália/ao
Mário/ao Artur/e a meu irmão" e o desenho de Cruzeiro Seixas, do que depois
se reproduzem dois fragmentos separados e que aparece na capa dalguns exem-
plares enquanto noutros aparece directamente o suprac itado frontispício]
Le Livre du Tigre, Dessins de Cruzeiro Seixas. S.l.: Édition de l'Auteur, 1977
[Impresso na Tip. H enrique Torres, ele Lisboa; a seguir ao frontispício, estes
versos de William Blake : «Tyger, tyge r, burning brightlin tl1e forests of the
night,lwhat immortal hand or eye/could frame thy fcarful symmetry?»] Reed.
em Paris: Genévieve Pastre, 2000.
Poema «Est-ce la paix, es t-ce la guerre?», Montréal : Ed. Lumiere Noire, 1997
L e messager des rêves, [inédito até esta edição]

Ül3RA TRADU Z IDA:

"Poemas", Trad. de Ana Forcada. Cuenca: MENÚ, 2000


Palavras Nocturnas, Ed. bilíngüe. Trad. ele Perfecto E. Cuadrado. Separata de
ESPACJOIESPA ÇO ESCRITO, nú m. 17/18, Badajoz, 2001
ANTOLOGIAS ÜRGANIZADAS:
ÍNDICE
Anthologie de la Poésie Portugaise, Paris: Gallimard, 1971 (org. e tradução)
O sexo na moderna ficção científica, Lisboa: Afrodite, 1976.
"Isabel Meyrelles ou a razão dos sonhos", Perfecto E. Cuadrado:
l

TRADUÇÕES:
EM VOZ BAIXA
13 Como sempre
Jorge Amado: Os subterrâneos da liberdade, Ed. Messidor, 1982 (2 vols.) 0
14 1. Madrigal
Jorge Amado: Terras do Sem Fim, Ed. Messidor, 1985 Hoje
15
Jorge Amado : São Jorge dos Ilhéus, Ed. Messidor, 1986 16 À maneira de ...
Jorge Amado: ABC de Castro Alves, Ed. Messidor, 1988 17 Tinha chovido, havia estrelas
Jorge Amado: Bahia de Todos os Santos. Ed. Messidor, 1989 18 2. Madrigal
0

19 Eu morrerei
Herberto Sales: Cascalho, Ed. Messidor, 1991
20 Amor, que fizeste da minha cidade?
Gabriela Llansol: Contos do mal errante, Ed. Anne-Marie Métailié, 1991 21 Gritei o teu nome
Alexandre Pinheiro Torres: O movimento neo-realista em Portugal na sua pri- 22 Os meus olhos
meira fase, Bruxelles: Ed. Sagres-Europa, 1991 23 Nas c/m·as tardes de verão
Mário Cesariny: Labyrinthye du chant, Bordeaux: L'Escampette, 1994 24 3. Madrigal
0

25 Fragmentos
José Régio: Le Fertile désespoir, Bordeaux: L'Escampette, 1995 (Prêmio de tra-
26 Dias há
dução de poesia portuguesa Calouste Gulbenkian 1996)
27 4. Madrigal
0

Adriane Galisteu: Minha Vida com Ayrton, Paris: Lafon, 1995


28 Há o teu rosto lá fora
Anthologie bilíngüe de la Poésie Brésilemze, Org. de Renata Pallottini. Paris: Ed. 29 Jardin du Luxembourg
Michel Chandeigne, 1998 30 Voltei-m e para ti
Vitorino Nemésio: La Voyelle Promise et autres poemes, Bordeaux: Ed. 31 Apenas te posso dizer
L'Escampette/Direcção Regional da Cultura dos Açores, 2000 32 5. Madrigal. ..
0

18+1 poetes contemporaines de langue portugaise, Paris: Instituto Camões/


Chandeigne, 2000 PALAVRASNOCTURNAS
37 Palavras nocturnas
38 Angústia clara
EDIÇÕES: 39 Em águas profundas
40 Se alguém hoje te beijar
Cruzeiro Seixas: Poesia Completa, Voi. I. Famalicão: Quasi Edições, 2002. 41 Encontros que não marcaste
Cruzeiro Seixas: Poesia Completa, Vol. Il. Famalicão: Quasi Edições, 2003. 42 Eu hei-de ser um dia
Cruzeiro Seixas: Poesia Completa. Vol. IlJ. Famalicão: Quasi Edições, (no prelo) 43 Mais uma vez
44 Esquecer

Você também pode gostar