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A Liga Literária

Prólogo

Cidade de Pilarium, Bahia, Brasil.

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30 de outubro de 2072.

“As cartas estão na mesa. Eles estão chegando, preparados para


compreender o que vai além de qualquer compreensão. É o ápice, o

começo da revelação. A espera está chegando ao fim.”

O centro da cidade estava um caos. Polícia, Força Nacional, Polícia


Federal, todos eles cercando o maior prédio da cidade. A população assistia
espantada o aparato da lei tentando invadir o pomposo prédio de 67 andares
que despontava acima da cidade, atualmente o terceiro maior prédio do país.
No alto, helicópteros circulavam o bairro sem poder se aproximar do prédio e
no topo do arranha-céu azul um homem observava do parapeito a toda a

movimentação. Ele vislumbrava a tudo lá de cima, mãos firmes na barra do


parapeito, roupas negras, um terno esportivo. Havia sangue, muito sangue em
sua vestimenta e por vezes se ouvia o som de algo metálico caindo ao chão,
balas que estavam sendo ejetadas de seus ferimentos.
O homem saiu da sacada e voltou para dentro de sua sala. Não tinha
muito luxo, mas o pouco que havia era caro e antigo, muito antigo. Havia
peças romanas, egípcias, espartanas, incas, um museu cobiçado por muita

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gente. O apartamento ocupava toda a cobertura do edifício.


Ele foi até a biblioteca e de lá acessou as escadas de uma sala secreta

escondida atrás de uma parede de livros. A sala interna era enorme e luxuosa,
ocupava todo o andar inferior à cobertura, uma parede inteira do chão ao teto
com uma estante repleta de livros, todos antigos e bem cuidados, vários com
capas de couro legítimo, enfileirados em ordem alfabética e por temática.

A parede de frente à porta oculta era adornada por pesadas cortinas de


veludo vermelho-escuro a frente da qual estava um verdadeiro salão de
armas, de todos os tipos e eras, espadas, sabres, pistolas todos protegidos por
uma parede de vidro. Uma mesa de carvalho com vinte cadeiras de encosto
trabalhado presidia o centro do salão. O tapete grosso sobre o chão brilhante
de tábuas corridas abafava o som dos passos. Lustres belíssimos conferiam
uma claridade dourada ao ambiente ostentoso e sofisticado. Sofás, poltronas e
cadeiras revestidos de veludo negro com frisos dourados espalhavam-se no

centro, formando uma pequena ilha em volta do tapete.


Ele foi até uma das poltronas e sentou-se. O homem pegou um
pequeno controle remoto em seu bolso e ativou uma tela que desceu do teto,
nela sua própria imagem apareceu e quando ele apertou outro botão a palavra
"gravando" surgiu.
– Que bela confusão – disse ele – Dessa vez meus ferimentos são
mais graves do que posso me curar, acho que exagerei. Mas é minha culpa.

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Não, culpa não, foi preciso, isso é apenas um preço justo para cumprir minha
missão e eu a cumpri. Ele está morto. Hhuuuuummmmm... – Ele gemeu ao

puxar uma bala de suas costelas – Caramba isso dói demais! O fato é que
estou morrendo e mesmo que não esteja vou estar morto em alguns minutos.
A polícia está lá fora, mas nunca vão chegar até mim, há salva guardas no
prédio e eles não tem como passar do quadragésimo andar, após ele o fosso

do elevador é bloqueado por barras de aço em cada andar e as escadas são


bloqueadas por portas de segurança a prova de invasão, pelos meus cálculos
eles devem chegar onde eu estou em um ou dois meses. Os helicópteros
apesar de tentarem não se atrevem a chegar perto, o sistema de segurança
emite um pulso eletromagnético caso eles cheguem a menos de duzentos
metros daqui e fatalmente irão cair. Isso é ótimo, mas a Liga logo irá me
alcançar, ela, a morena, sabe como chegar até aqui passando pelas
salvaguardas. Quando a Liga chegar até mim será matar ou morrer, e caso eu

ainda esteja vivo até eles chegarem, bom, não vou deixar que me matem,
então, imaginem o resultado. Bem, imaginar para que, se estiverem vendo
essa gravação é porque já sabem o que aconteceu. E como você acabou desse
jeito, Armand? O fato é que quatro meses atrás...

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Livro 1

Cidade de Pilarium

20 de junho de 2072

“O encontro foi marcado...Cada um deles virá com


seu poder e seu passado.
E então suas vidas se ligarão...
Para sempre.”

Capítulo 1- A Biblioteca e o Livro

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Damon Luca

O seu carro luxuoso, negro, com tração nas quatro rodas e vidro fumê
percorria lentamente aquela rua vazia, abandonada. Há muitos anos ele não

vinha ali, mas nunca esquecera aquele lugar. O lugar infernal que mudara sua
vida.
Damon Luca vagueava os olhos pelas calçadas escuras e sujas, pois
alguns lugares tinham restos de luz, mas outros estavam mergulhados na mais
completa escuridão. Os faróis clareavam o caminho, que depois mergulhava
novamente em sombras depois que ele passava.
Seus dedos estavam brancos pela força com que ele agarrava o
volante. Sua respiração era curta, pesada. Em seu peito o aperto que o

acompanhava há sete anos se expandiu até se tornar quase insuportável,


ameaçando descontrolá-lo de vez. Mas ele se mantinha no controle, uma
tênue linha entre o desespero e o desejo de vingança deixando-o no limite.
Lembrou de outra época, quando ainda um rapaz ingênuo e
esperançoso de 18 anos percorreu aquela rua. Sete anos, mas parecia que tudo
ocorrera apenas no dia anterior. Medo, angústia, esperança, determinação o
levaram até ali. Mas o rapaz que deixara o lugar saiu muito diferente, um

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adulto desesperado, sofrido, no fundo do precipício, aprendendo da forma


mais dura possível a se tornar um homem, entendendo pela primeira vez o

que era dor e perda.


Não bastasse tudo isso, naquele dia ele não perdera tudo. Em algum
momento de toda aquela tragédia ele ganhou um poder além de qualquer
imaginação, um poder que o acompanhava todo aquele tempo e que agora ele

controlava.
Damon passou com o carro em frente a biblioteca velha e
abandonada, seu olhar duro recordando suas paredes esfacelando-se, a sujeira
cobrindo-a. Não parou. Seguiu mais a frente e só então estacionou o carro na
parte mais escura da rua. Chegara ao seu destino.
Passado e presente teimavam em se mesclar em sua mente, mas ele
tentou se controlar. Precisava de sua força e frieza para entender o que era
tudo aquilo, se mais uma armadilha ou uma revelação. A que ele esperava e

lutava para encontrar há sete anos.


Lembrou-se do bilhete estranho que encontrara no meio de sua
correspondência. Uma carta sem remetente, com letra bonita, que o deixara
quase que paralisado:

“Ao cair da noite, esteja na velha biblioteca da rua Quinta com a


Santra. Seu passado pode ser esclarecido. Estarei a sua espera.

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Ass.: P.L.”

O mesmo local em que fora mandado no passado, orientado a abrir o


livro e ler um bilhete. Onde deixara a bolsa com dinheiro em troca do seu
bem mais precioso, que lhe fora tirado de forma violenta e bruta. Outro
encontro lá, marcado misteriosamente.

Damon saiu do carro, constatando que sua automática estava bem


firme sob o paletó e sua pistola encaixada sob o cós de sua calça. A diferença
era que agora ele estava preparado.
Andou pela sombra até a entrada da biblioteca, atento, em guarda.
Mantinha suas emoções firmemente presas, pois precisava de autocontrole
naquele momento. Seu semblante estava tão carregado e concentrado que
talvez nem suas fãs mais fanáticas pudessem reconhecê-lo naquele momento.
Apesar do local abandonado, lá dentro havia luz. Lâmpadas nuas e

penduradas iluminavam o saguão e o corredor, como se o convidassem a ir


por ali. O resto do prédio estava mergulhado na escuridão.
Tenso, Damon segurou sua pistola dentro do paletó e seguiu o
corredor em silêncio. Apenas uma sala estava iluminada. Ele parou em sua
entrada e olhou em cada canto, antes de ter certeza que estava vazia. Só então
entrou naquela sala que estava exatamente como há sete anos, como se cada
buraco, sujeira e páginas pelo chão tivessem sido congelados no tempo.

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Cerrou o maxilar, nervoso, sentindo a adrenalina se espalhar em seu


sangue, seu coração disparar. Fitou a mesa a um canto, vazia. Lembrou-se do

livro antigo ali, esperando por ele. Era o único ponto discordante de toda a
cena.
Por fim, percebeu que quem quer que marcara com ele ainda não
tinha chegado. Sem perder a atenção, afastou algumas garrafas do seu

caminho e viu uma de vodca no chão, intacta. Se não precisasse tanto de


todos os seus sentidos e reflexos perfeitos, um trago cairia bem. De qualquer
forma pegou-a, rolou-a entre os dedos e se recostou na ponta da mesa. Tinha
muito o que pensar até a pessoa que marcara aquele encontro chegar.

Ciana

Aquilo um dia foi uma cidade. Cheia de luz, calor, gente andando,

rindo, se divertindo, brigando, vivendo. Todos os dramas se desenrolando


com vida própria. Agora restavam sombras, pedaços de tijolos, restos de um
caos. No lugar de pessoas, silêncio. Em vez de vida, ruas vazias com
escombros de um passado.
Ciana andava em meio ao deserto da cidade velha, mas não sentia
medo. Desde que saiu do orfanato em que viveu quase sua vida inteira, há um
ano, ela conhecia aquele caminho como a palma de sua mão. Ali se escondeu,

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dormiu, caçou e sobreviveu, sempre sozinha. Mas principalmente foi ali que
ela fez o que mais gostava na vida e encontrou seus mais fiéis companheiros:

o bravo cachorrinho que apelidou de Gibran e os livros.


Aos dezessete anos aquele se tornou seu lar. Ali sua vida praticamente
começou e ela foi livre pela primeira vez. Sozinha e faminta, acostumada ao
silêncio e ao trabalho, fugiu da barulhenta cidade de Pilarium e preferiu

perambular por ali, sem testemunhas de sua própria solidão. Solidão essa que
não durou muito ao encontrar uma alma tão faminta e carente como a dela.
Um filhote de vira-latas marrom que parecia sempre feliz, que caminhou ao
seu lado, que a olhou com olhos pidões e que a fez dividir a pouca carne que
tinha. Agora, maior e mais forte, ele caminhava ao seu lado, seu fiel amigo
Gibran.
Há um ano a sua vida mudou drasticamente, não por ter saído do
orfanato ou por ter encontrado seu querido Gibran. Mas por um livro entre

tantos, meio perdido no meio de uma biblioteca abandonada, sua capa de


couro puída, suas páginas roídas. Gibran o encontrou quase que reluzente no
meio da sala escura repleta de poeira e ela o pegou, curiosa por seu peso e
aparência realmente antiga. Mal dava para ler o título: ProdigiorumLibellus,
de Júlio Obesequens. Mas algo nele atraía como se fosse de ouro.
Depois que o abriu, ela correu os olhos por suas páginas ilegíveis em
latim, sentindo como se uma corrente de energia percorresse seus dedos,

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entrasse em sua corrente sanguínea e a fizesse ficar tonta. Por um momento,


pensou que fosse desmaiar com a vertigem que pareceu dominá-la, tirá-la do

ar por alguns momentos. Quando voltou, tudo parecia normal.


Largou o livro lá, pois não sabia ler latim e sinceramente se assustou
com as sensações que ele despertou nela. Procurou por outros e seguiu o seu
caminho. Quando coisas estranhas começaram a acontecer, poderes

desconhecidos surgindo subitamente em momentos mais absurdos, Ciana


pensou se aquele livro não poderia ser a chave. Mas nunca teve certeza.
Agora recebia aquela carta em papel caro, fino, com um holograma
complicado e letras belíssimas. O conteúdo era um convite para ela, um
convite sem remetente, para o final daquele dia, na parte velha da cidade.
Duas coisas deixaram-na surpreendida e muito desconfiada. Primeiro
era o fato daquela carta ter aparecido na velha residência abandonada onde
ela praticamente se escondia. Nunca tinha visto alma viva por perto e nem

notara ser seguida. Gibran ajudava a averiguar isso. Como alguém a achara
ali e mais, como deixara o convite sobre o catre em que dormia sem ela e
Gibran perceberem?
A segunda coisa era o próprio conteúdo do convite:

“Ao cair da noite, esteja na velha biblioteca da rua Quinta com a


Santra. Assunto de seu interesse. Outros são como você.

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Estarei a sua espera.


Ass.: P.L.”

“Outros são como você”. A frase martelou na mente de Ciana o resto


do dia. O que aquilo significava? Outros órfãos solitários, sem casa e nem
dinheiro, se escondendo e dormindo pelos becos da parte velha de Pilarium,

como ratos? Ou ainda mais provável, alguém com poderes, como ela tinha há
um ano?
Apesar da desconfiança e do fato de estar acostumada a evitar
pessoas, aquele bilhete perturbou-a. Ela não era covarde. Assim, caminhou
em direção ao local do encontro, como sempre atenta à sua volta, preferindo
as sombras e com seus passos leves que pareciam de bailarina mal fazendo
barulho.
Gibran corria na frente todo alegre, sem saber que o silêncio dela

estava repleto de expectativa e apreensão. A Biblioteca com parte de seu


muro caído, seus livros espalhados pelo chão com poeira, muitos rasgados e
queimados, era o local de encontro. O mesmo local onde encontrara aquele
livro em latim que mexeu tanto com ela e que nunca conseguiu esquecer.
Ciana ajeitou sua machadinha, que usava para matar suas caças, sob a
capa, presa em sua cintura, pensando se estaria caindo em alguma armadilha.
Levava presa à coxa uma pequena faca.

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Ao subir os degraus imundos do prédio que uma vez fora belo e


imponente, ela se tornou bem alerta, cautelosa. Sobreviveu sozinha contando

com seus instintos e era neles que se garantia agora. Percorreu


silenciosamente os corredores na penumbra, seus olhos correndo a sua volta,
seu coração mais acelerado do que gostaria. A sala onde achara o livro estava
perto. Em segundos Ciana chegou sob a soleira da porta aberta e olhou para

dentro. Lá havia somente uma pessoa.


Como a luz era pouca, no início ela apenas vislumbrou uma figura
alta, recostada contra uma mesa, sua silhueta desenhada contra a janela
imensa com várias vidraças quebradas. Ela ficou imóvel, alerta, esperando
uma reação. Seus olhos se acostumaram com a pouca luminosidade de uma
única lâmpada e ela percebeu novos detalhes. Era um homem bem vestido,
cabelos negros banhados pelos raios do luar que vinham da janela, levemente
despenteados, roçando a gola de sua camisa cara e fina. E segurava uma

garrafa de bebida, em uma pose displicente. Mas o que a imobilizou foram


seus olhos, fixos nela. Até Gibran pareceu se impressionar, pois ficou quieto.
Um arrepio percorreu a espinha de Ciana e ela mal percebeu que por
um momento sua respiração falhou. Aqueles olhos lindos, azuis, brilhando no
escuro como dois cristais reluzentes deixaram-na completamente hipnotizada.
Seu coração deu um salto absurdo e então disparou loucamente, espalhando
adrenalina em seu sangue, deixando-a completamente abalada.

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Tudo o que via era ele, o homem mais belo e impressionante que
pusera os olhos na vida. Esqueceu de todos os cuidados para não encarar as

pessoas, passar despercebida, estar alerta. O único pensamento racional que


teve foi que ele não era estranho, ela já o vira em algum lugar.
Sem pensar que poderia estar caindo em uma armadilha ou correndo
riscos, Ciana simplesmente entrou na enorme sala e caminhou na direção

dele. Parecia querer comprovar que ele era real. Ou simplesmente vê-lo mais
de perto.

Valentin

Há dois anos ele procurava respostas e perambulava por ali, pelos


lugares mais distantes e esquecidos de Pilarium, pelo local onde se
encontrava aquela biblioteca velha. Foi ali que sua vida deixou de existir, que
se tornou um homem sem alma, que vagou pelo mundo como um fantasma.
Só voltaria a respirar, a ser de novo completo quando sua esposa e filho
fossem encontrados.

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Morava em um barraco. Vivia de bicos. E buscava incansavelmente


respostas. Sua alegria, sua dança, seu sorriso estavam mortos. E a sensação

de acordar todo dia e saber de suas perdas era pior do que qualquer coisa.
Trocara, sem que pudesse escolher, seus amores por poderes que nunca
pediu. Que nunca entendeu.
Era um cigano, de uma linhagem antiga. Depois de muitas guerras, de

viver sem pátria, de ser um nômade, veio parar no Brasil. Em Pilarium,


trabalhou com Luna, sua companheira de toda uma vida, sua primeira e única
namorada, num circo da cidade, onde fazia truques de ilusionismo e tocava
músicas em um antigo bandolim.
Foram até felizes lá, apesar de viverem precariamente com o circo de
um lado para outro. Em uma pátria em que havia muitos analfabetos,
espetáculos fáceis de entender eram bem vistos, mas também mal pagos. E
quando Luna ficou grávida, resolveram se mudar para fora de Pilarium, onde

viviam outros familiares. Foi quando sua esposa sumiu.


Tinham sido atraídos até aquela biblioteca velha por um homem idoso
que os abordou e disse ter uma proposta irrecusável para ele. Segundo o
homem, era muito rico e queria reerguer a biblioteca abandonada, incentivar
a leitura na população. E precisava de um homem letrado e culto para ajudá-
lo.
Embora seu povo não tivesse escrita e o saber fosse passado de forma

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oral, Valentin era estudado. Sua maior paixão, além de Luna e seu povo, era
ler. Aprendeu praticamente sozinho e se tornou um viciado. Passou a escrever

contos, poesias, histórias maiores, que ficavam guardadas, apenas para a


apreciação da esposa, a quem ensinou a ler.
Tinha um talento grande para a escrita. E paciência para recuperar
livros antigos. Por isso o convite, apesar de estranho, o atraiu. Foi ao

encontro com Luna, pois ela participava de todas as decisões de sua vida. Ela
achou melhor saírem de Pilarium, por dois motivos: um, queria ter nosso
filho no meio da nossa família; dois, era muito intuitiva e desde o início
sentiu algo estranho com aquele homem. E que aquele trabalho traria
problemas e tragédias.
Devíamos ter respeitado mais aquela intuição. Pois o velho que nos
esperava na Biblioteca entregou-me um livro muito antigo, que fez uma
espécie de luz irradiar para dentro de mim e me deixar tonto, até desmaiar.

Quando acordei, Luna com meu filho na barriga, o livro e o velho tinham
sumido.
Nunca fiquei tão desesperado na vida. Vaguei procurando por eles,
tentei tudo que foi possível. E descobri que aquele livro maldito, além de me
tirar os meus amores, me deu outras coisas em troca, sem perguntar o que eu
queria.
E agora chegava aquele bilhete para mim. Do nada:

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“Ao cair da noite, esteja na velha biblioteca da rua Quinta com a


Santra. Assunto de seu interesse.

O meu único interesse era encontrar Luna e nosso filho, que já tinha
nascido. Nunca perdi as esperanças de vê-los novamente, estar com eles,
saber o que aconteceu. E corri para a maldita biblioteca, armado com dois
punhais na cintura, pronto para qualquer coisa.

Entrei cauteloso, esperançoso.


Mas em vez de me deparar com minha esposa, vi uma jovem bonita
de cabelos claros e um homem alto cujo rosto era muito conhecido em
Pilarium e no Brasil todo, um ator.
Eles me fitaram tão desconfiados quanto eu com eles. Entrei, em
busca de respostas. Disposto a tudo.

Alyha

Uma figura masculina estava escrevendo ao quadro enquanto os


discentes anotavam tudo em seus cadernos. Ele era alto, tinha cabelos que
iam até o pescoço e um olhar muito concentrado. Era jovem e belo. Houve
um rápido burburinho aos fundos da sala de aula, seguidos pelo
questionamento de uma de suas alunas favoritas:
– Então, a proposta de Parmênides, diferente da de Heráclito, é

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que o tempo não muda? - ela era baixinha e de cabelos encaracolados. Suas
feições eram bem leves e seus olhos muito viajados.

– Parmênides, na verdade, questiona a própria noção de tempo


e o nega. Para ele, o ser não muda, não passa por transformações. O ser não
pode ser e não ser. O ser é. E nunca deixará de ser. Logo, é do princípio das
coisas ser diversas coisas. Por exemplo, perceba um bebê. Ele nasce,

crescerá, se tonará uma criança, um adolescente, um adulto e um idoso,


certo?
Os discentes acompanharam com muita atenção. Aquela era a terceira
vez que o professor explicava e isso estava se tornando incômodo por não
entenderem.
– Certo. - disseram muitos dos anos.
– Para Parmênides, não é o bebê quem cresceu ou mudou. A
mudança não existe. O “ser” conhecimento como “humano” tem em sua

própria essência essas configurações. Logo, ser criança, ser adolescente, ser
adulto, idoso, não impedem o ser que é o humano, ou seja, são características
do ser e não ele próprio. Assim, não é o tempo que modifica o ser. O ser se
mostra, quando for necessário, suas características.
Todos entreabriram a boca e ficaram em assombro. O sinal tocou e
todos saíram muito rapidamente daquela aula de filosofia.
A faculdade de Ciências Olavo Bilac tinha outros cursos de humanas,

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além de filosofia. E alunos de diversos cursos pegavam disciplinas


envolvendo a filosofia, por isso tinham alguma dificuldade em compreender

as teorias. Isso não incomodava o professor.


Ao que todos saíram da sala de aula, antes de apagar as luzes e fechar
a porta, ele puxou um grosso livro que abordava o nascimento da filosofia, o
sofismo e os pré-socráticos e encontrou um bilhete. Um curioso bilhete

endereçado a ele. Leu com atenção e arqueou a sobrancelha com leveza e um


ar de curiosidade sobre o conteúdo.
Então, pegou suas coisas e dirigiu-se até a porta. Fechou-a e saiu
andando pelos corredores, até deparar-se com um longo quadro feito de vidro
que em suas bordas era feito de espelho. Asseou bem os cabelos longos
avermelhados e ajeitou seu batom. Arrumou bem seu vestido curto e voltou a
descer as escadas com muita tranquilidade.
Alyha era extremamente hábil em manipulação mental.

Valaistu

Ó divina luz, ilumine minhas trevas! Ó sol inacessível aqueça


minh’alma que jaz nas sombras da morte! Ó suprema divindade que eu possa
contemplar-te facea face e diluir-me em ti! Em ti... em ti... em ti...

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Esta súplica tão simples e profunda não nascia nos lugares mais
agradáveis de Pilarium: nas vastas avenidas, ou na região das praias, nem

mesmo nas partes mais simples, como os guetos, mas em um lugar que
poucos conheciam, um lugar no qual poucos pensavam que pudesse viver
gente por lá. Esta prece tão límpida, destituída de mancha nasceu nas
entranhas daquela cidade, no seu subsolo, no seu interior onde correm

dejetos, ratos, baratas e uma comunidade de miseráveis que, longe da luz do


sol, de odores agradáveis luta, com a força que tem, para sobreviver. Esta
prece nasceu dos lábios de um jovem, venerado como se fosse um santo por
aquela gente. Seu nome é Valaistu: o iluminado.
Todos os dias, a comunidade que vivia sob a cidade de Pilarium
acorria a Valaistu para pedir algum conselho ou simplesmente para vê-lo em
profunda meditação. Ele os atendia sempre com um sorriso pacífico nos
olhos e nos lábios, muitas vezes contava alguma história que tinha lido nos

livros que havia encontrado nas galerias daquele lugar ou recitava algum
poema que compusera, durante algum transe noturno. Valaistu era para
aquele povo uma espécie de líder e conselheiro espiritual.
Às vezes, porém, esta serenidade era abalada, durante a noite, quando
ele mergulhava em profunda meditação. Em uma dessas noites quando teve
visões estranhas, que o arrepiaram de uma forma jamais imaginada alguns
questionamentos nasceram e perturbaram seu espírito. Ele refletia consigo

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sobre a profundidade da existência. O que era viver naquele mundo, no qual


tudo o que parecia seguro, certo, racionalmente aceitável encontrava-se em

ruína, mesmo após o surgimento de Pilarium, a suntuosa. Não foram apenas


estruturas físicas que ruíram, com a Terceira Guerra Mundial, mas toda uma
compreensão de mundo estava irrevogavelmente destroçada. A vida era
outra. Outros modelos deveriam surgir a partir dos escombros daquela

civilização. Bem ou mal não parecia ser mais esta a questão ou a opção. Tudo
estava tão confuso em sua mente que Valaistu, por um instante, pensou em se
desesperar, mas se conteve, ao repetir incessantemente o seu mantra matinal,
agora na noite escura. Nada, ninguém, nem mesmo seu ego inflado o
impediria de encontrar a paz, a luz divina em meio ao caos, pensava cheio de
convicção quando...
- Senhor Valaistu, senhor Valaistu! – uma voz angustiada feriu os
ouvidos de Valaistu, retirando-o bruscamente de sua meditação.

- O que deseja José? – perguntou, sem demonstrar irritação pela


interrupção.
- Desculpe-me, senhor Valaistu, interromper a sua meditação. É que...
meu Deus... é que houve uma fuga!
- Sim... Foi sua filha que fugiu, não é?- ao afirmar isso Valaistu
fincou seus olhos nos olhos de um trêmulo José.
- Ehh... sim... como o senhor ficou sabendo?

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- Isso não vem ao caso.


- Será que ela foi lá para cima?

- Não se preocupe José, se ela fugiu, ela não irá muito longe.
- De onde vem a sua certeza, senhor Valaistu?
- Você está duvidando de mim, José? – mais uma vez Valaistu pôs o
seu olhar nos olhos do frágil José.

- Não! Jamais, senhor Valaistu.


- Muito bem. Você conhece uma planta chamada mimosa?
- Senhor Valaistu, nesse lugar o que menos tem é planta. Nem sei
mais o que é o verde de uma planta. O único verde que conheço é o do mofo
ou de coisa apodrecida.
Valaistu sentiu compaixão da triste constatação de José. Aquela gente
miserável já nem sabia mais distinguir as cores, já nem sabia o que
significava o calor e a luz intensa do sol. Os habitantes de Pilarium - pensava

com certo rancor - deveriam pagar pelos pecados cometidos contra essa
gente. Mas voltando a si e continuando a conversa com José, ele prosseguiu:
- As mimosas são plantas sensíveis a qualquer tipo de movimento.
Quando alguém ou algo as tocam elas se encolhem todas. Por isso lhe digo
José, as mimosas vão me trazer sua filha, sã e salva. Isso é questão de
segundos, pois sua filha já foi encontrada por elas.
- Sério?- perguntou assombrado aquele homem.

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- Sério. Ei-la. – ao dizer isso, Valaistu abriu um dos braços como se


estivesse apresentando algum cantor num show televisivo.

Subitamente apareceu diante dos dois uma enorme planta, que trazia
enrolada em si uma criança. José ficou atemorizado, ao perceber que Valaistu
estava manipulando aquela planta monstruosa com uma das mãos.
- O que é isso, meu Deus! Senhor Valaistu, o que é isso?

- Tenha calma, José. A sua filha está aqui, sã e salva como lhe
prometi.
- Mmmas... mmas... – o pobre homem já não sabia articular uma
palavra sequer.
A criança parecia estar em estado de choque. Os olhos estavam
arregalados. A menina não parava de repetir:
- Entregar ao senhor Valaistu antes da meia-noite... entregar ao senhor
Valaistu antes da meia-noite...

Valaistu percebeu que a criança tinha sido hipnotizada e que trazia em


uma de suas mãos um pequeno papel, delicadamente dobrado. Com certo
esforço ele retirou o papel das mãos da menina e ela instantaneamente
recobrou a consciência.
- Papai, papai, onde estou?
- Você está em casa, minha filha. – sorria um José, ainda atemorizado
com o que havia acontecido diante de seus olhos.

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Nesse instante, Valaistu se levantou e dirigiu-se a José. Enfiou as


mãos dentro de um de seus bolsos, fazendo com que José tremesse por

dentro, temendo pelo pior.


- Não tenha medo, José. – ao falar isso sacou do bolso uma linda rosa.
- Uma rosa!- gritou a menina.
- Sim, uma rosa, minha menina. E esta é de verdade. Não é um

desenho. – Valaistu olhava com ternura para a menina e depois voltando seus
olhos para José, ele continuou – Sinta o aroma desta rosa, José. Inspire forte.
Vamos.
- Mas... eu não quero, senhor Valaistu.
Um leve lampejo de cólera passou pelos olhos de Valaistu, mas a
doce voz da menina não deixou que tal cólera se exteriorizasse:
- Papai cheira logo, vai!
- Não vai ouvir sua princesa? – concordava Valaistu.

- Tudo bem.
José inalou o perfume da rosa. A essência daquela flor invadiu
diretamente o seu cérebro, cancelando a memória recente dos fatos que lhe
sucederam.
- Está tudo bem com sua filha, José. Era só uma dor de barriga, que
logo passará. – disse Valaistu.
- Obrigado, senhor Valaistu.

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Logo que os dois saíram daquele recinto, Valaistu abriu o bilhete e se


defrontou com a seguinte escrita:

"Esteja ao anoitecer na velha biblioteca da Quinta com a Santra.


Assunto de seu estreito interesse. O passado às vezes bate a porta, meu
caro."

Ass.: P.L

Sem demonstrar muito embaraço com o que estava escrito, Valaistu


desenhou um leve sorriso nos lábios e serenamente disse para si mesmo:
- Parece que depois de muito tempo vou ter que encarar você
novamente, Pilarium: a suntuosa.
Faltando poucos minutos para a noite completa, Valaistu chegou ao
lugar indicado. Antes de entrar no recinto conseguiu perceber um vulto se

escondendo pelo lado de trás da construção. Ele sorriu tranquilamente e


pensou consigo: “Ela é bem ágil, mas esse delicioso perfume me faria
encontrá-la a quilômetros”.
- Muito bem... acho que o show vai começar.
Ao dizer isso, Valaistu entrou e deixou a porta fechar atrás de si.

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Aracaê Mirim

- Mas que raio de lugar é esse, oxê! Ando que ando e nada que
Chego! - Foi a primeira coisa que o pequeno Aracaê desandou a falar
enquanto perambulava nas nebulosas ruas de Pilarium, até chegar até o tal

endereço que pedira uma dama muito bela e de poucos amores para ler dias
antes, o curioso é que a tal mulher por alguma razão ficou em sua mente e a
cena que os apresentou.
Ela comia algo que semelhava uma maçã numa madrugada num beco
sem saída quando ele não perdeu a oportunidade:
- Fruta do pecado, hum... Imagina que você seja tudo, de menos santa
não é minha flor?
A moça se elevou no alto de 1.75 cm, mais 12 cm das botas salto

agulha debaixo do vestido cigano onde Aracaê só conseguiu bater quase em


sua cintura.
- Pequeno você, não é? - replicou a mulher de intensos olhos verdes.
- Oh filha, eu dou duas viagens "facinho, facinho"! Sem contar que
Deus é pai e não padrasto, na horizontal é todo mundo igual e compatível!-
com aquele ar sedutor como um pavão adulando a fêmea.- Sabia que você
bater eu quico!- salivando, quando ela o empurrou contra parede já pendendo

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o punhal no pescoço dele e sagaz rebateu:


- Disso tenho certeza. Eu "quico". "Quico" tenho a ver com isso!

- Oh! Oh! Pega leve bonitona! Está muito cedo para eu ir falar com o
Homem lá em cima!- replicou.
Ela o soltou e foi enfática:
- Rompe!

Vendo que era causa perdida Aracaê decidiu arriscar.


- Aí meu doce de jerimum, se vossa graça pudesse pelo menos me dar
uma dica de como acho esse diacho desse lugar aqui ó, posso arranjar um
"faz me rir", que tal?
Ela volveu o corpo, agachou-se rente e disparou:
- Quanto?
- De perto assim, tu leva até minha cueca como garantia... Mas como
tu é gostosa!-ameaçando de novo com o punhal. - Passou, passou! Já está na

esquina!
A meretriz apanhou o pedaço de papel e leu:

"Esteja à meia-noite na velha biblioteca da quinta com a Santra. Assunto


de seu estreito interesse. Talvez tenha chegado a hora que tanto apeteceu
meu caro e pequeno rapaz."
Ass.: P.L

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- Oxê, que aperreio é esse?- ele coçou a cabeça.


E quando volveu a onde jazia a silhueta da mulher esta havia
esvanecido e só o papel restara no chão.
- Mas? Para onde? Cadê essa rapariga da peste?

E novamente perdido retornou pelo beco até que avistou alguém que
julgava conhecer de outra época e seguindo seu instinto resolveu segui-lo.
Lá dentro outros se encontravam. Aracaê já chegou mostrando a que
veio:
- É daqui que Chamaram um cabra arretado, mas gostoso que
rapadura e adora uma bela dona para "quicar"?
Uma mocinha com um cachorro o fitou chocada e soltou:
- Afê! De onde saiu isso, gente?

- Dos seus mais íntimos sonhos meu anjo!- logo espantado pelo
cãozinho ciumento.
E fazendo uma careta se afastou do bichano, e relembrou da
conjuntura que recebera o tal bilhete. Numa antiga bandeja de chope no
tempo que era um mero e estimado garçom que além do papel uma quantia
de dinheiro para chegar até ali.

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Madame Zintrah

Era impossível sobreviver em Pilarium naqueles tempos.


Carcaças invadidas e dominadas por um Governo tirano fazia com aqueles
pobres fossem escravizados em sua configuração máxima em seus prodígios

mentais, uma vez que dominavam, após longos anos de experimentos,


suplantar toda capacidade do cérebro humano, tornando Einstein e sua
habilidade de ter usado somente dez por cento do cérebro em um mito.
Agora, usavam até noventa por cento, entretanto, revertidos para bestialidade
intelectual. E transformara os poucos seres pensantes em seus inimigos
públicos.
Zintrah estranhou o fato de encontrar dentro de velho manuscrito algo
que se assemelhava a um bilhete. Mas um bilhete? Naquela circunstância?

Haja vista que o papel em si tornara-se artigo raro e um dos elementos


terminantemente proibidos pelo Comando déspota para impedir toda e
qualquer forma de expressão do que restara de toda humanidade e
principalmente dos "Opressores de Letras" também um dia intitulados com
Escritores.
Ao abrir o pedaço de folha, a mensagem era clara:

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"Esteja antes da meia-noite na velha biblioteca da Quinta com a


Santra. Assunto de seu estrito interesse. O passado às vezes bate a porta,

minha cara."
Ass.: P.L

O olhar dela retorceu imediatamente para o lado. Pela posição da Lua

calculou que faltaria pouco para dada hora. Apanhou seu crucifixo, que na
verdade não evidenciava sua religiosidade e sim sua agilidade em manejar
um punhal oculto na parte de baixo do objeto. Elevou uma das sobrancelhas,
intensificando a tonalidade de seus belos olhos verdes para o único caco de
espelho que possuía e manifestou-se:
- Quer brincar? Pois eu topo.
Durante o trajeto Madame Zintrah pressentiu ser seguida. Astuta
esquivou-se daqueles que poderiam estar em seu encalço, todavia logo

percebeu que outros poucos, assim como ela escapavam e adentraram


sorrateiramente no antigo acervo literário. Passou por detrás do recinto,
entrando pelo telhado e escutara sussurros.
- Quem é você?
- Não, eu que os pergunto quem são vocês? – Trovejou uma voz
grossa e mal humorada de homem.
Curiosa e cansada de ser mera expectadora, Zintrah desceu, e

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infiltrou-se no meio da discussão.


- Não sei vocês, mas sou Madame Zintrah.

Uma bela moça de porte delicado reagiu a imponente figura da


mulher e fitando-a de cima abaixo, descreveu:
- Sou Ciana.
Uma voz firme e séria anunciou:

- Valentin.
A figura enigmática de um homem de semblante forte disse entre os
dentes:
- Armand.
Zintrah torceu o pescoço e meio que apreciando o outro sujeito, o
impeliu num gesto a se despontar:
- Valaistu.
Os olhos verdes dela fixaram-se num tipo baixinho e careca, ainda

recente em suas lembranças, fazendo-a sorrir.


- E você, grandão?
Ele parecia a ponto de fazer um monte de perguntas, mas a encarou e
disse com orgulho:
- Aracaê Mirim.
Ela sorriu e foi então que viu a linda e exuberante ruiva, que se
mantivera em silêncio todo o tempo. Mas era impossível não percebê-la, com

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aqueles longos cabelos que pareciam chamas e seu um metro e oitenta de


altura. Elas se avaliaram com o olhar, desconfiadas. A ruiva disse baixo, com

voz suave e levemente rouca:


- Alyha.
Recostado a uma mesa afastada do centro, ergueu-se um rosto que
enfim chamara atenção da meretriz e a questionou:

- Sabe quem nos trouxe aqui, Madame Zintrah?


- E você meu jovem, quem é? - replicou.
Ciana lançou um olhar nada amigável ao ar esnobe de Zintrah. O
homem aproximou-se e a encarando, se apresentou:
- Damon Luca, madame. Agora pode responder a minha indagação? -
ressaltando os olhos no decote não poupado por ela.
Armand os fitou e foi talhante:
- Recebi um bilhete.

Todos se entreolharam, enfim estava aclarado o pretexto. Valaistu


ponderou e disparou:
- Mas quem de nós tem iniciais P.L?
Não havia respostas. Mas elas não tardaram a chegar.

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Capítulo 2 – A Liga Literária

O silêncio caiu sobre o ambiente soturno. De fora também não vinha

barulho, pois era um lugar abandonado por Deus, esquecido no tempo, junto
com seus objetos e construções obsoletas. Cada um dos oito ali presentes
tentava entender o que tudo aquilo significava, seus olhos avaliando um ao
outro, buscando respostas que pareciam impossíveis.
Até Gibran se recolheu a um canto e deitou sobre as patas, perto dos
pés de Ciana, seus doces olhos castanhos acompanhando aqueles estranhos
como se ele também não entendesse nada.
E então, quando menos esperavam, ouviram os passos. Eram

regulares, calmos, de alguém que se aproximava pelo corredor sem pressa e


sem intenção de passar despercebido. Todos, sem exceção, fixaram os olhos
na entrada da sala. E logo uma figura surgiu, parou e olhou calmamente para
eles, seu olhar estranho percorrendo um de cada vez.
- Felizmente vocês vieram. – Sua voz tranquila e serena ressoou no
ambiente taciturno.
- Oxe... Não sei se notaram, mas tem um velho espiando a gente bem

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ali. – Disse Aracaê Mirim, nada sutil.


Valaistu, que estava encostado na parede, não demonstrou muita

surpresa com a aparição daquele homem. Apenas acompanhava com o olhar


a sua entrada lenta na sala.
Damon olhou aquele velho de cima abaixo se aproximar, sentindo
uma estranheza ao encarar seu olhar enigmático. Todo aquele lugar, aquelas

pessoas e agora aquele senhor lhe causavam mal estar. Ele odiava ter
dúvidas, viver em busca de respostas. Impaciente, queria saber logo o que
tudo aquilo significava.
Apesar de sua idade parecer indefinida, seus cabelos grisalhos eram
ralos e a calvície bem acentuada. As rugas profundas em seu rosto indicavam
uma pessoa cujos anos começavam a pesar. Era gordinho, baixo e usava um
paletó bem talhado, um pouco maior que seu corpo franzino.
Valaistu continuava a contemplar os gestos daquele homem. A

curiosidade começava a tomar conta dele e a sensação de que algo muito


importante estava para ser desvelado e que mudaria a vida de todos que
estavam ali tomou conta de seus pensamentos.
Alyha surgiu de um canto escuro. Seu corpo, metade despido de
roupa, apareceu no centro da sala. Ela era alta e por isso exorbitante, tinha ar
de imperatriz. Caminhou lentamente perto deles e em seu olhar, no lugar da
frieza esperada, houve apenas um ar cintilante e de afeto. Sorriu e se sentou

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em qualquer lugar.
- Vocês são assim sempre? – Ela questionou um tanto deslocada em

meio à conversação.
- Não, senhora. – respondeu Aracaê, recostando-se à poltrona onde
estava para apreciar as belas pernas da mulher que acabara de adentrar a sala.
Alyha replicou a ele com um sorriso e voltou seu olhar para os

demais. Subiu as mãos e puxou todo seu cabelo e o asseou para o lado
esquerdo. Assim, encarou aquele homem idoso que por um instante deu um
leve pulo de susto. Encarou-o com alguma concentração, como se
examinasse o espírito dele. Depois, voltou-se para os demais e murmurou em
tom de deboche:
- Que cara esquisito! Só deve ser treta! – Disse num linguajar mais
despojado e voltou a sorrir como outrora.
Gibran ergueu-se, empinando as orelhas. A seu lado, Ciana acariciou

de leve sua cabeça, entendendo sua agitação. O local estava rodeado de


pessoas estranhas, que nunca tinham se visto, e ela sentia que algo não ia
bem. Teve vontade de sair dali, por algum motivo uma sensação ruim
apertava seu peito e ela não sabia de onde vinha a energia pesada, negativa.
Mas estava presente.
Quieto, Valentin olhava aparentemente calmo aqueles estranhos ali
presentes, sem se manifestar. Geralmente evitava gostava de multidões e ser

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o centro das atenções. Por isso tinha trabalhado tanto tempo em circos. Mas
agora preferia observar primeiro, tirar suas conclusões e somente então se

pronunciar.
Depois de tossir, mais para chamar a atenção para si, que por
necessidade, Valaistu sugeriu:
- Que tal deixarmos ele se apresentar? Creio que tem muito a nos

dizer.
O senhor concordou com a cabeça, sem encarar ninguém de frente.
Sua fala era serena, cordial, mas não parecia haver vida nas palavras que
proferiu:
- Meu nome é Victor Obsequens. Eu enviei os bilhetes para que
viessem aqui.
Alyha arqueou a sobrancelha quando ouviu sobre os bilhetes. Retirou
o seu do bolso, colocou sobre a mesa e cruzou as pernas. Pousou ambas as

mãos sobre elas e desceu o pescoço para um lado e para o outro, o estalando.
- E como o senhor sabe sobre nós? Que espécie de... – e ao dizer isso,
ela desapareceu da cadeira e apareceu atrás dele, seus olhos vigiando o corpo
dele - ...magia você julga ter?
Ela o encarou de forma extremamente séria. Uma outra Alyha surgiu
sentada na cadeira e ambas cruzaram os braços encarando o homem.
Ciana se sobressaltou com o que viu. De imediato percebeu que ela

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não era a única com poderes, estava diante de uma duplicata da Alyha. Seus
olhos arregalados se estenderam ao resto dos presentes e ela finalmente

entendeu o que poderia ter em comum com aquelas pessoas.


Victor sorriu jocoso, semelhava enfim ter alcançado seu intento, fazer
com que tais indivíduos percebessem o que os ligara. Firme pronunciou:
- Damas e cavalheiros, como podem notar há um propósito maior que

os conduziu até aqui. Atrevo-me a mencionar que um número seja de certa


relevância para cada um aqui presente. Sendo mais incisivo, o número oito.
Melhor! – indicando um dos dedos para cima. – Às oito horas! – Todos se
entreolharam um pouco intimidados. – E por que não citar a marca de
nascença, o símbolo do infinito? - gracejando.
Valentin não tirava os olhos do velho, sem entender como ele sabia de
sua marca de nascença. Indagou secamente:
- Como o senhor sabe desse fato?

Era o que Victor precisava para erguer uma sobrancelha e ir ao ponto:


- Vocês têm?
Um alarido de especulações rondou pela sala.
Armand permanecia somente como um mero expectador em toda
cena.
- Senhoritas, senhores... – rogou Victor com a máxima finesse. – Por
que não se abancam todos enquanto elucido o real motivo que os trouxe até

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este andamento? Julgo ser mais prudente, ou será equívoco de minha parte,
afinal sou tão só um velho cheio de caraminholas e utopias para um mundo

melhor, não é mesmo?


- Explique-se, senhor. – disse Ciana franzindo o cenho, cada vez mais
confusa.
- A Cidade de Pilarium foi tomada pela bestialidade do intelecto

humano. Dentre os poucos, ouso citar raros cidadãos, vocês são a última
esperança de meu antecedente, Julius Obsequens.
- Outro doido! – Alyha se manifestou.
O consorte ignorou a colocação e prosseguiu:
- O que restou da raça humana está entregue em suas mãos. Pessoas
que acaso do destino ou de um plano maior foram escolhidas, homens e
mulheres que guardam cada um ao seu modo o amor incondicional a leitura,
sendo ávidos leitores ou brilhantes escritores e por isso tão bem selecionados

quando entraram em contato com o Prodigiorum Libellus. Sim, meus


estimados convidados, foi naquele instante que a LIGA foi formada por cada
um que aqui está.
- LIGA?! – A voz de Aracaê bradou. – Que LIGA?
O senhor ergueu-se os contemplando face a face e abrindo os braços,
narrou:
- A última chance da humanidade! A LIGA LITERÁRIA!

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Por um momento, todos ficaram mudos, seus olhares fixos naquela


figura que era um misto de senhor bonzinho, idoso misterioso e completo

louco, sem saber a qual personalidade ele se enquadrava. Por fim, Alyha
exclamou:
- De que planeta o senhor veio, porque da Terra definitivamente não
foi!

Aquele foi o ponto de partida para a enxurrada de perguntas:


-Que Liga Literária? – Indagou Valentin. – O senhor está falando de
que, afinal?
- O senhor poderia explicar melhor tudo isso? – Ciana perguntou,
bastante confusa.
- E quem é o tal P.L. do bilhete?- Questionou Aracaê Mirim.
- Eu parei minha nobre existência para escutar esse velho gagá
falando uma dúzia de bobagens? – Zintrah ergueu uma sobrancelha,

impaciente.
- Boa pergunta do bonitão ali, que porcaria de P.L. é esse? – Alyha
retrucou.
- Acho que estamos aqui perdendo tempo! – Reclamou Damon, já
pensando em sair dali.
- Me desculpe, mas meu tino para Homem de Ferro é zero! – Disse
Armand.

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- O senhor não vai falar nada? – Valaistu fitou o senhor.


- Senhoras e senhores, fiquem atentos. – Victor caminhou de vagar,

mas com passos firmes – Dentro de muito pouco tempo estaremos novamente
aqui. Foi um prazer conhecê-los enfim.E ao chegar perto da porta,
simplesmente saiu do recinto.

Capítulo 3 – O retorno de cada um

Movida pela inquietude de sua desconfiança proeminente de sua


personalidade, Zintrah ao tirar as botas e jogar no que parecia um caixote no
barraco que chamava de lar, sucinta disse a si mesma:
- Vamos ver até onde pode jogar, senhor Obsequens. Vamos ver! -

apanhando debaixo do acanhado travesseiro um pequena garrafa de uísque e


dando uma talagada limpando os lábios com o dorso da mão enquanto
rememorava o que a levou até aquele andamento.
O passado de Zintrah era nebuloso e marcado por muito sangue
inocente. Por muitos anos devido o Transtorno Dissociativo de Identidade, se
passou por várias pessoas sempre que marcava suas mãos com sangue de
clientes em sua profissão como prostituta. Por ter sido violentada em sua

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infância pelos inúmeros amantes de sua mãe que a abandonou num orfanato
aos doze anos depois de ter constatado que ela estaria grávida e a obrigado

fazer um aborto e devido às complicações do mesmo, para que a filha não


fenecesse em suas mãos e fosse presa por isso, a deixou no relento na frente
do velho orfanato quase morta e envolta por lenços de sangue.
E foi dali por diante que o destino de Zintrah sucumbiu ao da então

"Madame Zintrah", que atendia seus clientes nas esquinas mais afastadas
ininterruptamente com o claro intuito de deduzir deles o seu advindo de dor.
No entanto, houve um dia que alguém a denunciou sob circunstâncias
misteriosas e depois ser presa e julgada, foi lhe imputado a obrigação de
cumprir sua pena num Hospital Psiquiátrico, uma vez que era claro que era
uma psicopata de nível máximo. Contudo, o Diretor do Hospital, o doutor e
psiquiatra renomado Prado Antunes, que sustinha por Zintrah um tipo de
obsessão dada pela sua beleza díspar e pela sua periculosidade. Porém, ela

jamais deu importância aos seus cortejos e mais uma vez sofreu não somente
dele, mas pelo seu consentimento outras violências de quase toda equipe do
Sanatório. E em algumas vezes, no ápice de sua agonia, ela conseguiu vingar-
se de algum deles. Zintrah aprendera nas ruas, a utilizaçãoe a manipulação do
veneno do baiacu. O peixe produz neurotoxinas que levam a vítima a uma
morte rápida, mas que está muito longe de ser indolor. E na ponta de seu
crucifixo que abrigava na verdade seu talhante punhal chegou a assassinar

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quatros funcionários do manicômio.


A jovem foi mantida por anos na solitária. Ali se nutria da comida

azeda, da pouca água, no cômodo que não permitia nem levantar-se ou deitar-
se por completo. E em seus rompantes de fúria, a detinham no mesmo lugar
fétido numa camisa de força, o que aumentava em doses cavalares o ódio
dentro dela. E quando tudo pareceu não piorar, um homem atravessou o seu

caminho.
Num dia sem aviso prévio a retiraram colocando-a numa sala com
luzes fortes e despida. Tinha certeza, que do outro lado do espelho alguém a
observava. Logo depois, um homem bonito, alto, com uma sagacidade nos
olhos que chamou atenção da astuta meretriz abriu a porta com tranquilidade,
ensaiou um riso e complementou:
- Como vai, Zintrah?
Ela calou-se virando o rosto para o lado numa breve reação. Ele

puxou a outra cadeira num canto sentou-se a sua frente e foi sucinto:
- Imagino que esta marca de nascimento que tem logo acima do
quadril em suas costas não seja de nascença, não?
Por alguma razão volveu o olhar desafiador a ele.
- O que quer?
O homem levantou-se com um sutil riso no canto da boca e rebateu:
- Você, Madame Zintrah. Você!

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E com o tempo ele a ensinou muitas coisas assim como ensaiou cair
seus sortilégios voltando o feitiço contra o feiticeiro, porque Zintrah se

apaixonara por ele realmente. Eram confidentes, amantes e ele a ensinou a


manipular os poderes que até então ela não sabia como usar ao seu favor.
Mas houve um dia em especial, que enfim aquele homem mostrou a
que veio, e numa emboscada muito bem arquitetada, surgiu morto, e a

principal suspeita passou a ser ela, e esse foi um dos agentes que a fez se
ocultar das autoridades, e se refugiar nos seus livros e manuscritos, nos
sótãos e porões até que o grande dia chegasse, porque Zintrah sabia em si que
ele não havia morrido e sim movido uma peça de seu tabuleiro, sacrificando
um peão: Ela!

Ciana esperou a maioria dos oito ir embora e só então saiu da

biblioteca. Um dos últimos foi Damon Luca, que ela acabou reconhecendo
como um famoso ator de Pilarium, embora não visse televisão. Mas o rosto
dele vivia espalhado pela cidade em campanhas e propagandas.
Viu-o entrar em seu potente carro negro, parecendo furioso, e arrancar
como se mil demônios o perseguissem. Só então chamou Gibran e seguiu em
frente, sem se importar com as sombras e partes sem luz na rua. A lua estava
cheia e orientava seu caminho, um caminho que ela conhecia bem.

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Gibran andava a seu lado, suas patinhas fazendo barulho na calçada,


possivelmente tão cansado quanto ela. Já passava bem da meia-noite e aquele

tinha sido um dia cansativo.


- Chegaremos logo, Gibran.
O cachorro balançou o rabo e lançou um olhar a ela, como se sorrisse.
Ciana sorriu pra ele de volta, mas logo mergulhava de novo em seus

pensamentos.
Tudo que acontecera naquela noite inusitada passou em alvoroço por
sua mente. Era difícil acreditar que cada uma daquelas pessoas tinha um tipo
de poder e que todos pareciam tão confusos quanto ela. Pudera visualizar a
ruiva linda e alta se auto clonando na sua frente. Impressionante! E quais
seriam os poderes dos outros? Que mistérios fariam parte da vida deles?
Sem querer a imagem de Damon Luca veio de novo vívida, como se
ele estivesse a sua frente. Nunca vira homem mais lindo e impressionante.

Por toda noite seu olhar buscara por ele, como se uma força incontrolável a
atraísse. Qual seria o poder dele? Por que ficara com a impressão de que ele
estava a ponto de explodir?
Ficou imersa em tantas dúvidas, nas perguntas sobre o que realmente
Victor Obsequens queria com eles, em todo aquele mistério. Quase não
percebeu quando a rua de barro que deveria seguir surgiu ao seu lado. Gibran
já corria na frente, ansioso para chegar em casa.

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Desde que saíra do orfanato, Ciana se acomodara em diferentes


lugares, todos o mais longe possível de Pilarium. Quando alguém se

aproximava muito, geralmente um tão miserável quanto ela procurando


abrigo, ela pegava suas poucas coisas e procurava outro lugar.
O que estava agora já durava quase dois meses. Era afastado,
encoberto pelas árvores e perto da lagoa. A cabana velha e abandonada caía

aos pedaços, mas servia bem pra ela. As janelas e portas de madeira verde
descascada estavam ainda funcionando bem, quase intactas. Por fora era
horrível, com limo nas paredes brancas e sujas, trepadeiras tomando conta de
uma parede, varanda caindo aos pedaços e degraus quebrados. Tudo fazia
barulho e anunciava algum visitante.
Por dentro as paredes eram descascadas, manchadas, mas limpas. O
chão era de ladrilho xadrez azul e branco, alguns faltando. Havia um quarto,
um banheiro, cozinha e sala, além do pequeno porão. Ela se livrara de tudo

com mofo. No quarto só um caixote com algumas coisas e um colchão no


chão.
Ficava de frente para a lagoa e tinha um deque de madeira caindo aos
pedaços, cheio de buracos. Ela pescava ali e jogava rede. Aprendeu a nadar
sozinha e se divertia naquelas águas calmas com Gibran. Na mata atrás
caçava e colhia frutas e raízes. Pela primeira vez na vida ela sentia que tinha
um lar, capenga e pobre, mas onde vivia em paz. Só aparecia em Pilarium

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quando era extremamente necessário, para vender os objetos antigos que


garimpava no Mercado Arcaico e comprar o necessário. Seus novos poderes

muitas vezes ajudavam.


No entanto, aquela paz estava por um fio agora. Quando recebera o
bilhete, falando de seu passado, pensara que teria as respostas que procurava
há muito tempo e nunca conseguira encontrar: quem matara seus pais e

porquê. Victor Obsequens só os enrolara e não dissera nada.


Mas Ciana tinha certeza que havia mais coisas ali. Muito mais. E ela
não sossegaria até descobrir o que era.

Damon Luca jogou as chaves do carro e de casa sobre o aparador


assim que entrou na cobertura de seu luxuoso apartamento, que ficava na área
mais nobre do centro de Pilarium. Sem notar a decoração faustosa, os objetos

de arte espalhados ou os tapetes caríssimos no chão, ele foi direto em direção


ao terraço, recebendo o golpe de ar frio no rosto e apoiando as mãos sobre as
barras de ferro da sacada.
Olhou sem ver os imensos prédios de aço e vidro, as multicoloridas
luzes da vida noturna e agitada de Pilarium, os carros circulando na
madrugada movimentada. Sua mente estava apenas ocupada dos
acontecimentos daquela noite naquela velha biblioteca abandonada. Voltava

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de lá sem as respostas tão almejadas, apenas com novas perguntas.


Sim, agora tinha certeza de que o maldito livro despertara seu poder,

assim como fizera com as sete pessoas que foram convocadas como ele para
a confusa reunião. E que alguém há muito tempo quisera levá-lo ao livro,
armara várias maneiras para que isso ocorresse e, quando falhara em todas
usara uma isca: a sua irmã de onze anos.

Damon largou a sacada e passou os dedos trêmulos entre os cabelos


negros, sentindo que estava à beira do descontrole. Foram sete anos agindo
de todas as maneiras possíveis para descobrir o que ocorrera naquela noite,
por que o homem misterioso de chapéu contratara um homem para sequestrar
a irmã e agora entendia parte daquela armação: ele queria atraí-lo ao livro,
para que conseguisse seu poder. Por que nascera às oito horas e tinha a marca
de nascença do oito invertido no baixo ventre. A pergunta era: para quê tudo
isso? Era o que ele faria de tudo para descobrir.

Sabendo que precisava acalmar a ira que o dominava e consumia


como uma doença, Damon retornou à sala e foi direto a uma parede onde
ficava sua coleção de cd’s e mp3s raros, coisas que não se usavam mais
naquela época, mas das quais ele era colecionador assíduo. Aparelhos antigos
e muito bem cuidados ocupavam aquela parede que ele cuidava como se
fosse feita de ouro.
As músicas em Pilarium eram rápidas, agitadas, feitas para

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acompanhar o ritmo acelerado e pouco profundo de vida das pessoas, que


andavam de lá para cá como baratas tontas e não tinham tempo para apreciar

o que realmente era arte de qualidade. Isso ficava para uns poucos ricos e
privilegiados, ou para alguns que ainda pensavam por si mesmos e não
seguiam modismos.
Pôs para tocar uma música de Taiguara, Hoje, que mesmo na época

em que ele viveu, há mais de um século, não foi apreciada como devia.
Atualmente então, era um nome completamente esquecido. Mas não por
Damon.
Serviu-se de uma dose de uísque e sentou-se no sofá branco, ainda a
ferver por dentro. Pelo menos aquele velho tivera razão em uma coisa: a
bestialidade reinava em Pilarium. Mas isso Damon já sabia.

O Cigano Valentin não teve nenhuma resposta. Conheceu um bando


de estranhos, ouviu aquela baboseira de Liga Literária, viu um velho gagá
que, por um minuto, pensou ser o mesmo do seu passado. O que o
apresentara ao livro e roubara sua família. Mas não era.
Deitou-se na sua cama em um barraco no pior lado de Pilarium, onde
só pobres e esquecidos viviam como ratos. Apesar da miséria e da casa feia
por fora, dentro era outra coisa.

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Tudo era limpo e organizado, inclusiva as fileiras de livros que


formavam colunas encostadas nas paredes. Até sua cama era feita de livros,

baixa, com um colchonete por cima. Eram seus únicos companheiros naquela
vida em busca de respostas.
Ouviu uma briga de vizinhos do lado de fora. Lá dentro o calor era
terrível. Queria dormir, descansar, pensar em tudo aquilo. Mas tanto o

barulho da briga logo embaixo de sua janela e o abafamento não permitiam.


Ergueu-se irritado, angustiado e abriu a janela. O casal berrava lá
embaixo. Valentin concentrou-se e o vento veio de repente, forte, feroz,
fazendo papéis e lixo voarem descontroladamente e indo bater direto contra o
homem e a mulher. Eles se assustaram e correram para fugir da ventania que
enchia seus olhos de poeira, felizmente calando-se.
Voltei à minha cama, deitei e senti o vento gostoso, agora mais
tranquilo, penetrar o quarto, refrescar o ambiente. Eu era o senhor dos

elementos. Água, vento e fogo me obedeciam há dois anos, desde que peguei
naquele livro.
Aprendi a usá-los. E agora eles eram facilmente manipuláveis. Estava
pronto para a briga com os inimigos, que não sabia quem era, mas que
tiraram minha família.
Se aqueles estranhos da Biblioteca me levassem ao maldito velho, eu
já estaria feliz.

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Valaistu tinha reagido com tranquilidade quando havia recebido o

bilhete, pelas mãos de uma das crianças que ele protege no subsolo da cidade
de Pilarium. Porém, o retorno àquela biblioteca, de alguma forma, mexeu
profundamente com ele. Por mais que tentasse manter-se em equilíbrio, a
verdade é que o fato de ter ido àquele lugar, sentir o cheiro dos livros

mofados, o ranger das escadas fizeram-lhe contemplar, ainda que de modo


disforme e sem nexo um momento difícil em sua vida. Momento que nem as
palavras dor, medo, pavor poderiam sintetizar.
Além do retorno àquele lugar, também o encontro com aquelas
pessoas e, principalmente, com Victor o perturbara. O que afinal aquele
homem queria com ele e com aquelas pessoas? O que viria a ser a Liga
Literária? Valaistu saiu daquela biblioteca com mais perguntas e poucas
respostas. Só intuitivamente sabia que, mais uma vez, aquele lugar

determinaria outra virada copernicana em sua vida.


Naquela noite, já no subsolo da cidade, em seu lar, enquanto tentava
entrar em meditação, Valaistu começou a rir de si mesmo. Ria porque estava
percebendo que o título que lhe dão – imperturbável – era destituído de
veracidade. Dentro dele, o que mais havia era perturbação, dúvida, medo. A
máscara do homem pacífico e integrado muito lhe agradava, pois
escamoteava o vulcão adormecido dentro dele. Ele temia que tudo o que tinha

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acontecido naquela biblioteca levasse à erupção de lembranças e sentimentos


atrozes que o seu inconsciente tinha tentado evitar, de todos os modos

possíveis. E, paradoxalmente, ao mesmo tempo em que temia, ele também


ansiava por esta erupção. Mais uma vez nascia dentro dele outra pergunta: o
que sobraria depois de tal erupção? Que Valaistu surgiria das cinzas desta
combustão?

As perguntas se multiplicavam ao infinito, na cabeça daquela jovem


homem, que tinha prazer em aparentar sabedoria e idade avançada. A única
certeza que ele tinha, naquela noite, é que um novo encontro aconteceria e
que muitas de suas dúvidas seriam sanadas. Além disso, ele percebeu que
aquela paz que ele usava como escudo para esconder algo de inconstante
dentro de si estava prestes a ser desintegrada totalmente.
Valaistu estava ciente que deveria preparar-se para uma batalha que
travaria com dois inimigos. Um inimigo que Pilarium, a suntuosa, escondia

dentro de seu seio pútrido e que, cedo ou tarde, revelar-se-ia e mostraria as


suas reais intenções. Tal inimigo, no entanto, ele poderia enfrentar com
serenidade e, quem sabe, vencê-lo ao usar o seu poder, no mais alto nível.
Entretanto, diante do segundo inimigo, seu eu profundo, nenhum poder
externo, seja ele humano ou sobre-humano poderia enfrentar e sair vitorioso.
A maior batalha de Valaistu começava dentro dele mesmo: a sós, com ele só.
Nu, desprovido de armas, poderes e defesas. Certezas de vitória não havia. E

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se houvesse vitória, certamente, não seria incólume.

Assim que deixou o prédio, o pequeno notável Aracaê Mirim decidiu


seguir a única pessoa que havia tido algo semelhante a um contato, ou seja,
Madame Zintrah. No entanto, quando despareceu na esquina adiantou seus

passos para acompanhá-la na virada, tudo que encontrou foi um homem


recostado num paredão, cabeça baixa, acedendo algo que parecia um
charuto.Estranhando o fato, intentou indagá-lo:
- Aí do chapéu, viu aquela gostosona querompeu poraqui agorinha?
O sujeito nem ergueu o rosto, voltado para o chão replicou:
- Vi.
Aracaê franziu a testa e cutucou um pouco mais.
- Poderia me dizer para onde foi?

O homem mexeu o chapéu e rebateu:


- O que quer com ela?
Já esquentado, redarguiu:
- Aí cabra, não te devo explicações não. Basta dar o serviço que já é o
suficiente!- pondo uma das mãos sorrateiramente por dentro da parte
dianteira da calça onde ocultava sua faca.
O indivíduo ergueu o corpo e deu-lhe as costas, o deixando

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sumariamente irritado com o pouco caso.


- Vai se arrepender!- gritou num tom intimidante, e logousando toda

ginga capoeirista e rapidez de seus movimentos rompendo a frente do homem


já com a faca em punho: - Ninguém fala com Aracaê Miri assim não, sujeito!
E então o sujeito tirou de dentro do paletó também uma arma branca e
zombou:

- Gente do seu tamanho não devia usar esse tipo de arma, menino. A
mamãe não o ensinou isto não?- partiu o homem com tamanha ferocidade
para cima do acanhado guerreiro.
Um duelo principiou naquela viela.
Aracaê dispersou várias vezes dos golpes certeiros do indivíduo
vendo que este detinha tanto quanto ele tamanha destreza em manipular o
objeto talhante, mais ligeirotentou passar pela terceira vez por trás do
troglodita quando este acertou um soco inesperado no olho esquerdo, o que o

deixou confuso e no que fraquejou com a vista turva já se refazendo,


escutou o barulho da faca de seu oponente caindo e uma voz peculiar.
- Até que você não é tão ruim quanto pensei.
Ao bater os olhos viu aquele homem se desfazer em segundos e a
nebulosa Madame Zintrah brotar diante dos seus olhos.
- Oxê, que feitiço é esse?
- Suponho que deve ter me seguido uma vez que não tem onde

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repousar essa cabeçorra do Ceará. Errei?- curvando-se na direção dele.


- Não conheço ninguém por aqui.

- Me siga. Vou te deixar num lugar.


Durante o percurso o módico pássaro guerreiro não deixou de pensar
um só instante no que seus olhos viram a meretriz fazer. Notando a
contemplação dele, se fez explicar.

- Não se faça de rogado, meu pequeno pintor de rodapé, todos que ali
estavam certamente são tão bizarros quanto nós, ou não sacou isto?- parando
o fitando de lado.
- O que sabe sobre esse diacho de LIGA?- disparou.
- Tudo quando você, ou seja, NADA!- sorriu burlesca. -Mas de uma
coisa tenho plena convicção.
- Oxê, o quê?
- Cada um ali possui uma... Especialidade vamos assim colocar.

Como viu, já sabe a minha. Qual é a sua?


- Sou sujeito homem, não basta não?- revidou sem querer entrar na
questão.
Zintrah riu de canto de boca entendendo o recuo de Aracaê. Volveu a
caminhar até levá-lo a uma antiga hospedariadesativada caindo aos
pedaços.O local era praticamente inabitado, somente viajantes desolados e
deslocados da sociedade passavam por ali.

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- Não é um luxo, mas é o que tem para hoje pequeno.-pondo uma das
mãos no quadril.

- Pois para mim é um oásis em pleno sertão nordestino!- já


derrubando um pedaço de tábua e fazendo reconhecimento do ambiente
grotesco.
- Ótimo! Pequeno mas sem arrogâncias dos tais, enfim uma

qualidade!- Desaparecendo subitamente diante dos olhos dele e dando um


lugar a uma pequena e inofensiva menina de olhos lacrimantes eem seguida
esvaneceu-se.
Coçando a cabeça Aracaê arrematou:
- Gostosa louca e macumbeira! Onde é que fui amarrar meu jegue,
gente?
Abiscoitando um canto num dos que foi um quarto, Miri pensou em
tudo quevia e lhe advirá naquele dia tão singular.Foi impossível não lembrar

do que creu ter esquecido.O dia em que adentrou naquela biblioteca com
seus pais para encontrar o tal homem e numa fração de segundo de descuido
dos pais se deparou com o livro que mudou todo seu destino.Contudo, quem
maissaberia de tal segredo? Haja vista que naquele dia somente seus pais, ele
e o tal indivíduo estavam na biblioteca? Como o levaram precisamente ao
mesmo local depois de vinte anos? Quem jazia por trás de tamanha
conjuntura?

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E tirando do bolso uma foto antiga de seus pais, com olhos marejados
ele fitou o fio de claridade e decidiu que fosse o que fosse o que estava por

vir,desejavair até o fim para desvendar aquele mistério tão sombrio quanto
doloroso em sua trajetória.E deitou-se para dormir.

Na rua, uma mulher andava ao lado da outra. Era Alyha e Alyha.


Gostava, particularmente de se clonar. A perfeição devia vir em dobro, é
claro.
Mulher corajosa, andou muito lentamente pelas ruas de Pilarium sem
temer nenhum mal. Com as mãos nos bolsos e os olhos afiados como garras
de leão sempre em frente, ela vagou silenciosamente, apenas o majestoso e
febril som do coturno batendo contra o chão, dando a honra de sua presença.
- Você sabe que estamos só. - um clone disse.

Uma pessoa comum acharia estranho uma pessoa se clonar para


conversar com seu clone. Mas, se reparassem que os humanos possuíam há
muito tempo essas necessidades inconscientes absurdamente estranhas como
conversar consigo diante do espelho ou enquanto limpa a casa ou faz comida,
compreenderiam perfeitamente bem.
- Estamos? - a outra de si respondeu, estava indiferente.
- Todos morreram. Ficamos sós. Somos só você e eu, ou seja, somos

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apenas um no meio de uma praia cheia de areia. Somos um grão. - a outra


replicou prontamente.

A Alyha do lado esquerdo ergueu a mão, como se pedisse para que a


outra continuasse a falar, mas, com a mão.
- Precisamos oxigenar nossa vida. Oxigenar nossos laços. Há quanto
tempo não temos amigos? Há quanto tempo não fazemos algo de produtivo?

A universidade, por exemplo, já não conduz ao conhecimento. Só ao


adestramento e adestramento. Somos quase robôs!
- Somos uma ova.
- Eles são. - a outra Alyha proferiu apontando com a cabeça um grupo
de marmanjos calibrados em álcool, com várias garrafas em mãos, usavam
roupas folgadas e bonés virados para trás.
- Dupla delícia, hein! Gostosas! - soltou um dos moleques.
Ambas as Alyha reviraram os olhos de tanto tédio e encararam a lua.

A bela lua. Se estivessem na lua, poderiam encarar a terra. Podia ser até bela,
mas, as feras que ali existiam. Os estúpidos... Pareciam querer desmoronar a
beleza do planeta.
- Precisamos colocar os culpados em seu devido lugar. E começar
uma revolução intelectual. Talvez o grupo nos ajude.
- Mas! - a outra interrompeu. - Não se esqueça de que precisamos
matar o Reitor. Ele foi o responsável por essa passividade intelectual. -

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cuspiu ao chão de forma bem masculina como só ela sabia fazer. - Tudo pela
ciência, cara Alyha.-sorriu.

- Tudo pela ciência. - objetou a outra. - Talvez o grupo seja mesmo de


alguma ajuda...
Os moleques, do outro lado da rua, continuavam a perturbar:
- Qual é, boneca, vem aqui e me diz seu preço!

O rapaz aproveitou e riu e voltou-se para seus colegas para zombar da


figura de Alyha, que andava da forma mais sensual que podia na rua com
pouca roupa.
Ao virar o rosto, a surpresa foi muito grande ao ver vários clones da
ruiva à sua frente. Arregalou os olhos e se afastou um pouco.
- Nossa, eu nem bebi tanto... - acenando para ver se os clones
acenariam de volta.
Os clones apenas o fitaram. Com muita seriedade. O garoto então se

voltou para resenhar com a turma essa aparição muito louca daquelas figuras.
Em resposta, um dos clones, feito é claro por Alyha, tomou sua
garrafa e a estourou na nuca do rapaz. Que caiu ao chão como uma bomba
lançada de um avião. Seus bons amigos correram o mais distante que
puderam e se esconderam de medo.
- Boneca é sua mãe, seu merdinha. – disseram os clones, que
lentamente foram se juntando. No fim, havia três Alyhas caminhando de

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volta para casa.

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Capítulo 4 - Novo encontro, uma batalha.

Dias seguiram, até que outra vez, todos que ali estiveram presentes
receberam de um enviado, aos cuidados de Victor Obsequens, cada um de um
modo singular e ao mesmo tempo um tanto quanto inquisidor uma nova

mensagem marcando um novo encontro na velha biblioteca. A Madame


Zintrah foi agraciada com um buquê de rosas vermelhas, entretanto murchas
e fétidas como tirada de um túmulo, não houve como rememorar algo de seu
sombrio passado.
Valentin acordou com um bilhete onde se lia uma citação e ao lado
um cacho de cabelo negro de Luna, o que fez seu coração disparar
loucamente e suas esperanças se renovarem. Ela devia estar viva! Levantou-
se de um pulo, disposto a comparecer ao encontro, a reencontrar seu amor.

Damon saía da academia, cansado após várias aulas de boxe, quando


um moleque às pressas largou em sua mão uma pulseira de hospital que a
irmã usava e a tal citação. Valaistu refletia sobre o último acontecimento e a
tal LIGA quando notou um pequeno espinho que manipulou em seu passado
e turbou-se logo em seguida lendo o recado. A instável Alyha espantou-se
com a carcaça de um violão sem cordas com uma seta no meio onde jazia o
pedaço de papel. Gibran surgiu com um naco de partitura que deixou Ciana

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com um quê de sobressalto e curiosidade. E por fim, Armand, um livro antigo


com páginas rasgadas, outras rabiscadas e numa dela a tal citação comum a

todos:

" Houve o começo e um fim, antes mesmo de tudo. Agora é hora de


desvendar o meio de suas histórias."

Passava das onze da noite, hora marcada, quando um a um adentrou o


espaço ao seu modo. Victor os aguardava sentado em sua cadeira tomando
uma bela taça de vinho, como quem sabia que tal encontro fora assinalado há
anos. Entretanto, o olhar do consorte semelhava vagar um pouco
demasiadamente para o dito comum.
Enfim os oito jaziam. Eram onze e cinquenta e um quando a jovem
Ciana foi quem atentou para um detalhe:

- Parece que a tal Madame ainda não deu as caras.- Lançando um


olhar reprovador para os demais.
- Paciência é uma virtude que só se adquire com o tempo, minha
jovem. - proferiu Obsequies na intenção de contê-la.- Zintrah logo estará em
nosso meio.
Não tardou a conclusão de tais palavras, e Zintrah adentrou o
ambiente chistosa e os admirando com certo desdém, quando Obsequens

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emendou:
- No livro de Julius, meu ancestral, um portal para uma nova

dimensão seria aberto quando oito personalidades o tocassem e se reunissem


e assim mudariam o destino de toda humanidade. Eles seriam oito, cada um
com um número de personalidade marcante. Seguindo o que descobriu, a
pessoa que nascesse sob a influência do número 1 teria uma personalidade

independente, com grande necessidade de autonomia e liberdade para agir.


Não gosta de ser mandado, preferindo "Ser o cabeça" e liderar; só aceitará
bem um chefe, se este o deixar trabalhar com independência. Não gosta de
pedir: ele faz primeiro, e depois comunica. Não gosta de rotina, e de apenas
continuar aquilo que foi construído pelos outros. Se você o chamar para criar
uma nova empresa ou frente de trabalho no interior da Floresta Amazônica,
em condições difíceis, mas onde ele tenha que mostrar o seu espírito
empreendedor, ele irá com entusiasmo. No entanto, quando a empresa já

estiver implantada e funcionando normalmente, sem apresentar grandes


novidades, ele ficará inquieto, sentindo necessidade de novos desafios. Quem
sabe, irá desta vez, até o Chuí?
Tem ideias próprias, e gosta mesmo é de criar e inovar, colocando no
mundo os "seus" projetos, e deixando a sua marca. Centraliza muitas vezes as
ações, uma vez que prefere fazer as coisas ele mesmo, e à sua maneira. Tem
iniciativa e vai atrás do que quer, abrindo novos caminhos e criando as suas

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próprias oportunidades. Age rapidamente, e por impulso, ao colocar os seus


projetos em ação. É muitas vezes um pioneiro em seu campo de atividades.

Gosta de seguir "a sua própria cabeça" , podendo às vezes ser visto como
"egoísta", já que é bastante autocentrado ( o "eu" é mais forte do que "os
outros"); mas, na verdade, sente que é importante "ser ele mesmo" e
autêntico. Uma das frases típicas do um é: "EU SOU EU, E QUEM

GOSTAR DE MIM, VAI TER QUE GOSTAR DE MIM DESSE JEITO".


- Acaba de me definir, estimado senhor. - Disparou Zintrah cruzando
as pernas deixando com certa insinuação para os homens presentes que
admiravam.
- Assim como, - prosseguiu o homem. - a segunda pessoa, uma
personalidade tímida, mas que gosta de fazer amigos, uma pessoa sensível,
esta é a primeira impressão que o Número 2 nos causa. Gentil, com grande
senso de família e amizade, daqueles que se pode contar em todas as horas.

São extremamente fiéis e companheiros. Muitas vezes tem uma elegância


atraente, "Sente" os outros, e se coloca no lugar deles, percebendo como eles
compreendem as pessoas e situações. Sua capacidade de empatia cria
cumplicidade e a torna um amigo valoroso – desses que nos entendem "por
dentro". E que diz as coisas "com jeito", com cuidado para não nos ferir. É
conciliador e diplomático, pois fica aflito quando surgem conflitos entre as
pessoas e está sempre pronto a intermediar uma solução pacífica e benéfica

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para todos. Mas essa mesma sensibilidade ao outro pode lhe trazer
dificuldades de brigar por si mesmo quando isto significa entrar em

confronto. Fica dividido – como lutar pelas suas posições se consegue


entender e "ver o lado do outro" também, tanto quanto o seu? E se não quer
magoá-lo, sabendo ele mesmo como dói? Sua sensibilidade refinada, faz com
que dê atenção a pequenos detalhes.

Victor sorriu serenamente, fitando Valentin, a quem se referia. Então


continuou:
- A pessoa que nascesse sob a influência do número 3 seria dona de
um temperamento observador, sarcástico, protetor e com um passado de
muitas tormentas. Como também, detentor do número 3 é um homem cheio
de conceitos. Sua mente é fértil, e ele está sempre conversando consigo
mesmo, processando os dados. Sua inteligência rápida lhe permite examinar e
analisar os fatos com objetividade. Tem múltiplos interesses, e se está sempre

buscando informações sobre vários campos de conhecimento. Vê a vida


como um espaço de muitas possibilidades, onde pode realizar as suas ideias.
Diferentemente do Número 1, que busca a sua própria identidade, e do
Número 2, que se completa no outro, o Número 3 se realiza através da
comunicação. Ele é o intermediário, aquele que transforma ideias em
palavras, e palavras em ação. Tem grande necessidade de se exprimir, o que
lhe faz gostar muito de falar, mas também de ouvir. "Trocar ideias" é o seu

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maior prazer. Sua vontade de dialogar e de se relacionar faz com que goste
muito do contato com as pessoas, e o faz um bom negociador, lhe dando uma

grande capacidade de buscar acordos e promover o entendimento com as


pessoas. É simpático e extrovertido, e gosta da vida social. Tem geralmente
senso de humor, e cativa às pessoas com os seus sorrisos e palavras. A sua
necessidade de expressão das suas ideias e sentimentos pode também fazê-lo

buscar outros canais, que não se restrinjam apenas à fala: desta forma, ele
muitas vezes se interessa pela pintura, pelo teatro, pela literatura, pelo canto e
as outras artes.
Para ele é fundamental ter um espaço criativo, onde possa realizar os
seus potenciais. Está geralmente ligado à profissões que utilizam a sua
capacidade de comunicação, gosta de desafios, jornalista, investigador,ator
talvez? - lançando o olhar penetrante ao belo Damon Luca, que somente
acenou a cabeça.

Cruzando a sala para completar a taça meio vazia, após um gole ,


volveu ao centro do recinto quem sabe a espera de indagações, mas essas
foram abafadas pelos olhares intrigados de todos que ali se
encontravam.Respirou fundo passando a mão direita sobre o paletó ajeitando
um botão qualquer e seguiu:
- O quarto elemento nobre, possui uma identidadeantiquada.Um
homem sereno, de poucas palavras. Consegue manter-se equilibrado nas

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situações mais complexas."MINHA CASA É MEU CASTELO" – essa frase


poderia ser dita por um típico Número 4. Se o 3 é dinâmico e está ligado ao

plano das ideias e à comunicação, o 4 gosta de ter os pés firmemente


plantados no chão. Seu reino é o da matéria, e sua principal necessidade é a
de fixar raízes, construindo uma base sólida para a sua vida. Ter a sua casa é,
portanto, fundamental, e, se puder, o Número 4 vai sempre investir em bens

duráveis, como imóveis e terras, porque isto lhe traz segurança e a certeza de
que estabeleceu alicerces firmes no mundo. Da mesma forma, é importante
para ele construir uma família, um "núcleo" seu, que lhe dá o sentido de
pertencimento; mantém contato estreito também com os pais, avôs e parentes,
que sente como a "sua raiz". Ele é uma pessoa "pé no chão", e não gosta de
arriscar. Só dá um passo quando sente que os resultados são garantidos ( "não
dá o passo maior que a perna" ). Se isto é positivo, por um lado, porque
garante uma estabilidade que lhe é preciosa, pode também deixá-lo limitado

ao "seu território de segurança", mantendo-o muitas vezes preso à uma rotina


ou a condições mais restritas do que poderia alcançar ( afinal, lançar-se em
coisas novas é sempre um risco ). Não espere que ele compreenda grandes
valores subjetivos; ele é materialista, e se preocupa, antes de tudo, com a
sobrevivência e as questões práticas da vida – isto é o que ele considera como
"o mundo real". Pessoas muito idealistas sempre lhe parecem meio lunáticas,
e ele vai procurar "trazê-las de volta à terra" e mostrar-lhes "como é a

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realidade" .
Por outro lado, os idealistas podem chamá-lo de "quadrado", pois vive

"dentro dos padrões" e não se permite voar muito ao plano dos sonhos e do
imaginário. Mas o julgamento dos outros não vai lhe afetar muito, pois o
Número 4 é muito arraigado aos seus valores, defendendo-os firmemente -
quando instado a mudar, insiste, teima, e só aceita quando for convencido de

maneira muito sólida de que está errado.É capaz de trabalho duro e


persistente, e geralmente está ligado à profissões em que lida com a matéria,
seja diretamente - como o agricultor, que trabalha com a terra ou o
marceneiro e pedreiro, que manipulam a madeira, o barro e o tijolo – ou
indiretamente, como fazendeiro, dono de loja de materiais de construção,
engenheiro e construtor de casas. Tem habilidade não apenas de construir
estruturas, mas também em gerenciá-las, o que pode levá-lo muitas vezes a
ser contador, administrador ou economista. O Número 4 tem geralmente uma

aparência sólida, trazida por um corpo de formato mais largo e quadrado, no


estilo de Lula ( que, aliás, tem um 4 como síntese do Número de
Personalidade e Imagem junto aos outros). De todo o Panteão dos Números, é
esse nosso Construtor - que sente prazer em dar forma, em modelar, em
materializar os seus projetos – que tem a função de criar e manter o mundo
concreto: aquele que chamamos de "Realidade".
O centrado Valaistu o fitou e serenamente admitiu.

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- É verdade que não me identifico com algumas partes de sua


exposição, no entanto vejo que o senhor realmente fez o dever de casa.

- Admirável seu poder de sensatez Valaistu, admirável! A quinta


pessoa,se você encontrar um grupo de pessoas conversando animadamente,
num boteco ou numa festa, chegue mais perto, e com certeza verá um cinco
no meio, rodeado de amigos ( mesmo que ele tenha acabado de os conhecer

agora ). O Número 5 gosta de gente - não apenas dos que tenham uma visão
ou forma de vida semelhante à sua – mas de todo tipo de gente, e cria
"pontes" e vínculos afetivos com pessoas de todas as idades, gostos, hábitos e
profissões. É expansivo, jovial e simpático, e quando entra numa empresa,
conversa com o boy, a "tia" do cafezinho, o gerente e o presidente da
companhia da mesma forma, adaptando a sua linguagem e os assuntos à cada
um. Quando passa na rua, vive acenando para todos os lados, pois sempre
conhece o "seu Manoel" da padaria, o Francisco da banca de jornal, a

atendente da farmácia, os vizinhos de prédio e, é claro, muitas pessoas que


passam.
Sua habilidade em transitar por vários ambientes sociais faz com que
suas festas sejam muitas vezes como uma colcha de retalhos: vários grupos
diferentes no mesmo espaço, olhando uns para os outros e pensando: "mas
quem é aquela gente ali"? E ele, circulando em meio à diversidade,
cumprimentando a todos, feliz da vida. Ele é muito versátil e se adapta

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facilmente às novas situações; gosta de novidades, e logo encontra uma


maneira de lidar com os desafios.

Geralmente não planeja as soluções: prefere seguir o fluxo dos


acontecimentos e "ver na hora" quais são as melhores saídas. Ele muda
muitas vezes as suas decisões, de acordo com as circunstâncias; um perfeito
exemplo é o relato de um cliente, fazendeiro com o Perfil Número 5, que foi

à uma Exposição Rural para comprar bois: após conversar com um amigo
leiloeiro, acabou saindo com vários cavalos de raça, determinado a montar
um haras. Sua grande curiosidade e a necessidade de aprender sempre coisas
novas torna vasto o seu campo de interesses e o leva aos assuntos mais
diversos. Assim, sabe um pouco de tudo – mas nada muito profundamente,
pois está sempre mobilizado por mais um tema novo.Se você perguntar à uma
pessoa com o perfil Número 5 o que ela gosta de ler, dirá algo como: "estou
lendo um livro de história, uma autobiografia de uma personalidade famosa e

também aquele romance novo que saiu - além, é claro, dos jornais diários e
várias revistas –gosto de ler um pouco de tudo, leio até bula de remédios".
Muitas vezes faz o mesmo com os cursos: durante um período aprende inglês,
depois já está entusiasmado com as aulas de natação, para em seguida se
apaixonar pela computação – até, é claro, surgir o novo curso de dança (
aliás, a dança é uma das suas paixões ). Já ficou claro que a objetividade e a
ação direcionada não são o seu forte, mas se por um lado ele pode ser

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considerado um tanto dispersivo, ele tem também, por outro lado, um


maravilhoso "jogo de cintura" para lidar com várias situações ao mesmo

tempo: o 5 é capaz de almoçar, ver TV, ler o jornal e atender ao telefone –


tudo ao mesmo tempo.
Além disso, ele vive correndo de um lado para o outro, sempre
envolvido com muitas atividades. E se você pensa isto o sacrifica, esqueça:

ele ficaria entediado com uma rotina muito pacata e organizada – ele gosta
mesmo é de "agito" e de um dia-a-dia bem movimentado e sempre diferente.
Gosta dos prazeres da vida: comer e beber bem, roupas bonitas ( e geralmente
alegres e coloridas ), bons perfumes. Não espere que ele seja econômico: o
cinco acha que o importante é "viver a vida". Assim, ele gosta de sair,
passear, ir a festas, jantares e teatros. E viajar muito, pois as viagens lhe dão
um grande senso de liberdade. Suas habilidades no contato com as pessoas e
a flexibilidade para remanejar frente às novas situações lhe dão um talento

natural para o campo das vendas e para toda profissão que lide com pessoas,
desde o atendente de lojas até o promotor de eventos. Você pode encontrá-lo
também no campo da moda, dos restaurantes e da beleza. É mais feliz em
trabalhos onde possa estar sempre em movimento ( não o coloque num local
fechado, a não ser que ele esteja em contato com muitas pessoas ), e com um
cotidiano cheio de novidades.
- Presente, aqui estou eu, tio!- esbanjou Alyha como quem agradecia a

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nobre apresentação.
- E o que falar da sexta identidade?- gracejou Victor.-"O amor é um

estado de alma. Onde nasce, tudo fica mais bonito. Amor é cumplicidade, é
você saber que, por mais terrível que seja o dilema, por mais solitária que seja
a situação, só de ouvir aquela voz já dá aquele conforto". Tendo a família
como um dos seus pilares fundamentais, o 6 não gosta de ficar sozinho e

desde cedo busca a "outra metade da laranja", já que quer dividir o seu
espaço e compartilhar a sua vida. Em meio a uma sociedade que idealiza as
"grandes paixões", ele busca o casamento, pois prefere viver a dois e fazer as
coisas junto.
Honestidade e justiça são qualidades que fazem parte da sua
personalidade. Tem dificuldade em pôr seus ideais em prática e aceitar a si
mesmo ou aos outros, pois idealiza demais, espera demais. Sem família, sem
amor, torna-se quieto, triste, com sensação de fracasso. Julga os outros por

padrões inatingíveis e depois a si mesmos por ter julgado os outros. Sempre


acha que ainda não está pronto, tem medo da rejeição ao se mostrar demais e
se esconde na timidez. Lealdade e responsabilidade são características do 6,
alguém compreensivo, prendado, que procura segurança e afetuosidade. Os
números 6 são de tendências artísticas, portanto desfrutam da música, da
poesia e da literatura. Tem a vibração positiva de equilíbrio, de bom senso, de
amar o lar - a família, os amigos, a sociedade, os animais. Em sua vibração

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negativa, torna-se cínico, ansioso, ciumento, intrometido. É normalmente


dócil, educado, evita confrontos, possui delicadeza, o que o liga a animais e

crianças. Por outro lado é demasiado sentimental e vulnerável. Precisa de


uma família para se tranquilizar, caso contrário se retrai, se esconde.
No amor é extremamente carinhosa, doce, devotada, calorosa,
aconchegante, incansável com o ser amado, geralmente fiel ao casamento e

quer uma relação que dure para sempre, pois a família é primordial em sua
vida. O número 6 tem influência do planeta Vênus que rege o amor a beleza
e a harmonia. As dificuldades e limitações a serem vencidas são: teimosia,
rigidez em opiniões e ideias, o mau hábito de discutir veementemente,
hábitos conservadores e a excessiva preocupação com as pessoas que ama. O
6 se identifica muito mais com o "nós" do que o ‘eu", e a sua preocupação
com o bem estar das pessoas lhe traz a necessidade de ser útil. Ela também
pode ser considerada uma "pessoa certinha", Por isto prefere não dar saltos,

mas crescer gradativamente, tendo controle de todas as etapas. Tem um senso


estético apurado e sente necessidade de harmonia e beleza. Num nível mais
amplo, isto faz com que ela se cerque de belos quadros, objetos e flores.
Ciana passou a mão sobre a cabeça de seu amigo inseparável sendo
sua única referência familiar e assentiu:
- Sempre fui assim.
- E o introspectivo e enigmático número sete."Não sou nada, sou

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apenas um instrumento, um pequeno lápis nas mãos do Senhor, com o qual


Ele escreve aquilo que deseja. Por mais imperfeitos que sejamos, Ele escreve

magnificamente". Tudo isso para proteger a sua imensa sensibilidade. Que


lhe dá a habilidade de sentir as pessoas, e percebê-las em seu interior. O seu
senso natural de psicologia é ampliado pela sua capacidade de observação;
enquanto as pessoas falam, o sete muitas vezes fica quietinho, só observando

e analisando - para compreender com elas funcionam. E como as coisas são.


Sua alma de pesquisador adora desvendar o desconhecido. Ele não tira
conclusões precipitadas: paciente, sabe esperar para chegar às suas verdades.
Ele pega um ponto, levanta hipóteses, e vai desfiando a trama, esmiuçando,
refletindo, depurando, até chegar ao cerne da questão. Seu pensamento se alia
à sensibilidade e à intuição, numa forma toda própria de fazer as suas
descobertas. Por isso mesmo, não consegue funcionar bem sob pressão das
pessoas ou do tempo. Prefere fazer as coisas com calma, para conseguir

exatamente o que quer. Detalhista, ele precisa de tempo para pensar, pois
gosta de planejar as suas estratégias. Sabe esperar a hora certa, e se prepara
para a ação. Como o arqueiro, que estica a corda com cuidado, para lançar a
flecha no alvo exato.
Gosta de arte, e além da música, muitas vezes se liga à dança, pintura
e ao desenho. O seu trabalho será sempre minucioso, como só um
perfeccionista voltado a detalhes pode fazer. Introvertido, prefere conversar

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individualmente ou num pequeno grupo de amigos. Veste-se discretamente e


com cores neutras, pois não gosta de chamar a atenção. É delicado no trato,

mas reservado sobre a sua vida pessoal, e confia apenas nos mais próximos.
Tem necessidade de ajudar as pessoas, e muitas vezes toma as suas dores e
sofre com elas. Isto pode lhe desequilibrar, uma vez que a sua sensibilidade
pode às vezes funcionar como uma antena para-raios, catalisando para si

mesmo as energias negativas dos outros. É importante que ele aprenda a


ajudar sem se envolver tanto nos problemas alheios. E utilize a sua antena
como um sensor, que lhe informe sobre a energia das pessoas e ambientes, e
lhe mostre até onde pode ir, sem perder a harmonia. Rezar, orar, meditar,
fazer yoga - tudo isto faz parte do seu universo. O universo das coisas do
Espírito. Do sonhar com as respostas. Das Revelações trazidas pela intuição.
Armand sem mudar de expressão indagou:
- Onde deseja chegar com essa explanação, velho?

Victor elevou a taça às narinas e semelhou satisfazer por um segundo


pelo cheiro da bebida e terminou.
- O perfil do número 8 na numerologia: o prático. Ele é um feito para
o trabalho, ágil, hábil. O número 8 representa o que permanece em equilíbrio:
A Justiça! Na mitologia egípcia, Anúbis é a representação máxima do
número 8. Anúbis (saturno) faz o julgamento dos mortos através de uma
enorme balança, onde, num dos pratos, é colocado o coração do iniciado, do

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outro, encontra-se uma pena. Este simbolismo indica, para o bom iniciado,
que o coração não pode pesar mais que uma pena, daí a importância da

pureza em nossa evolução.As habilidades "comuns" do número 8 são:


Administração, Organização, Finanças e Justiça. Meios de realização:
Associação do esforço, Cooperação da técnica e Repartição da Justiça. Para
dispor desses meios, deve subordinar toda a sua vida à PRUDÊNCIA, saber

aplicar a sua mente ao trabalho organizado, renovar e expandir, pela ciência,


as facilidades materiais da vida, etc.Quem está na oitava casa numérica
também gosta da sensação de conquista, principalmente se o alvo for difícil.
Esse desejo de poder se manifesta na dinâmica da relação. Um Dom Juan me
atreveria defini-lo!-o que bastou para irritar com certa intensidade um
pequeno ser.
- Oxê, quem deu ordem para o senhor me cuspir assim na frente dos
outros?

- Ele fez isso com todos – Valentin deu de ombros. – Por que a
surpresa?
- Também não entendi. - considerou Ciana.
- Está na cara que não nasceu pelas vias de fato, a julgar por esse
tamanho, foi cuspido! – Riu-se Zintrah.
- Literalmente! - finalizou Alyha com cara de poucocaso.
- Senhoritas, por favor, vamos nos ater ao assunto. - pediu o educado

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senhor Obsequens.
Aracaê sentiu-se no direito de findar com seu estilo peculiar a

questão:
- Só vou deixar passar porque são quatro calcinhas, se fossem cuecas
a coisa ia ficar diferente!
Na mesma hora, Alyha rapidamente duplicou-se para rente a ele

dando um tabefe no topo da cabeça e segredou:


- Cala a boca, seu abestado!
O acanhado sujeito revolveu o local do cascudo, mas emudeceu.
- Bem... - prosseguiu o senhor. - Segundo o livro de Julius Obsequens,
daria poderes às determinadas pessoas que entrassem em contato com ele,
tornando-as suas escolhidas, dantes nomeadas pela marca de nascença, os
oito invertidos que cada um, exceto eu logicamente, possui dentro deste
recinto. Do mesmo modo, liberaria a esses oito indivíduos poderes especiais

sobre os demais seres da raça humana. Na verdade, os poderes seriam


aprofundados dentro de um já existente gama de habilidade ou deformidade
que cada um desenvolvesse.
- Explique melhor!- impetrou Zintrah.
- No seu caso, minha cara madame, ao entrar em contato com o
Prodigiorum Libellus só fez acentuar abissalmente as transformações que já
existiam em sua mente em várias personalidades pelo TDI (Transtorno

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Dissociativo de Identidade) em pessoas de verdade.


Todos se entreolharam, Zintrah o encarou.

- Sim, Madame Zintrah tem o poder de se tornar em qualquer pessoa a


qualquer momento em um segundo.
Aracaê ao lado de Alyha chegou a sua conclusão:
- Isso explica a macumba.

Alyha só o fitou outra vez com cara de poucos amigos.


O senhor Obsequens permeou calmamente pelo ambiente e foi
elaborando um a um.
- Da mesma maneira que Alyha foi afortunada com o poder de clonar-
se a supremacia da hipnose. Ainda há em nosso meio, poderes incríveis como
as personalidades que os dominam:
- Valaistu:o domínio de manipular plantas como armas e o da cura.
Valaistu apenas disse um desconfortável “sim”. Continuou de braços

cruzados olhando Obsequens, que parecia sentir prazer em revelar aspectos


das personalidades e os poderes que cada um ali reunido possuía. Valaistu
sempre buscou ocultar este dom diante de todos. Agora, naquele momento, a
exposição de sua figura e de seu poder, de certa forma o incomodava. No
entanto, o anseio de saber até onde todo aquele teatro chegaria o deixava
excitado e ansioso, embora fizesse de tudo para não demonstrar.
- A Jovem e apaixonada Ciana o dom de manipular objetos, pessoas e

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ilusões, caso haja contato físico.


Ciana não encarou as outras pessoas. Tinha seu poder há menos de

um ano e não sabia ao certo ainda como controlá-lo ou despertá-lo.


Descobriu-o ao acaso, em abraços e lambidas de Gibran, e mais tarde quando
dois homens tentaram agarrá-la em um beco escuro. Depois os testou e tinha
certa vergonha em reconhecer, até para si mesma, que às vezes usava aquele

poder em proveito próprio.


Vendo que a moça não diria nada, Victor continuou:
- O cigano Valentin, cujo sangue e tradição valorizam tanto a
natureza, tem o dom de mover terras, ar, vento, água e fogo. Basta estar perto
deles.
Valentin estava aparentemente imperturbável, mas por dentro ouvia
tudo com atenção e tentava entender aonde aquele homem queria chegar.
- O emudecido Armand tem o poder de envelhecer seres humanos

com um simples toque assim como da regeneração. O século XX teria


enlouquecido com ele, afinal onde estariam o lendário tempo das cirurgias
plásticas não é verdade?- gracejou enquanto Armand só o fitou.
- E o jovem e belo Damon? Pode parar o tempo ou fazê-lo andar em
câmera lenta, típico e apropriado para um ator tão bem requisitado em sua
comunidade de Estrelas do mundo Business.
- Eu já era ator antes de conseguir o poder. – Damon olhou para a bela

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morena de olhos verdes, que balançava uma das pernas cruzadas. – Talvez
como Zintrah, eu já tivesse as características necessárias.

Victor concordou com a cabeça e prosseguiu:


- E que mencionar ao distinto Pequeno Pássaro Briguento?- olhando
por cima dos olhos para o baixinho.
- Quem?- indagou Valaistu.

- Deve ser o de menor ali!- soltou Armand.


- Aí, lava a boca para falar de mim viu? Tenho medo de cueca não,
sou cabra arretado!- manifestou-se Aracaê.
- Se tiver sem emprego, estão precisando de anões nos próximos
filmes do Tim Burton, te arrumo uma vaga. Vai? Mas esqueci que ele foi
dessa para melhor. Foi mal, pequeno. – Divertiu-se Damon.
- Não subestime suas mentes pelos seus olhos, senhores. - Proferiu
Victor.- Aracaê Miri talvez seja o único de vocês que possua dois dons, um

natural e outro através do livro.


- Por quê?- Indagou a jovem Ciana.
- Porque ele é mestre na capoeira, ligeiro e hábil com uma faca na
mão.
- Isto tenho que admitir!- gritou Zintrah com um dedo para cima. - Ele
é muito bom e rápido com a faca!
- Estou louco para esquartejar você, minha gostosa, mas com ...

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A meretriz o interpelou:
- Mas... E só com isso, para deixar bem claro. - voltando o olhar para

Victor.
- Aracaê Miri recebeu em contato com o livro um poder um tanto
quanto inusitado. Um pequeno que se transforma num gigante.
- Só falta o senhor falar que ele fica verde para virar primo do Huck!-

disparou Alyha e em seguida todos gargalharam.


Aracaê trombou a cara cruzando os braços.
- Digamos que ele só assume essa forma em uma situação muito,
muito constrangedora.
Ciana olhou para o baixinho e não conseguiu conter a curiosidade,
pois ela própria tinha certos limites constrangedores para seus poderes se
manifestarem:
- Que situação?

- Talvez o módico feto de homines sapiens guarde segredinhos


revelados somente entre quatro paredes. – Zombou Zintrah, passando a mão
no queixo de Aracaê. Depois remeteu um olhar burlesco a Ciana e
acrescentou: - Ou quem sabe a ninfeta recalcada tenha outras teses mais
elaboradas a nos acrescentar.
Ciana olhou friamente para aquela morena que tinha pinta de mulher
da vida e queria ser o centro das atenções. Irritou-se com sua provocação e

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seu lado mais agressivo, que por vezes ameaçava vir à tona, quase apareceu.
Mas estava acostumada demais a se controlar, por isso apenas encarou-a com

frieza.
- Bom, se é algo constrangedor não parece ser este o momento para
expor Aracaê diante de gente que ele nem bem conhece. Acredito que o
senhor Obsequens não tem esse direito. – Ponderou Valaistu, ao mirar o olhar

de condenação para Victor.


- Pois acho bom é mudar o rumo dessa prosa! – Definiu Aracaê
irritadiço. Victor deixou-os a vontade para prováveis especulações. – E o
outro cabeludo de brinquinho ali, não se manifesta não?
Valentin o fitou, pois era o único que tinha cabelos cacheados e que
batiam no pescoço em uma massa viva e castanha, com uma argola de ouro
em cada orelha. Fixou os olhos negros no pequeno e este fez cara feia, mas
isso já era natural nele. Era feio de nascença, não dava para piorar.

Damon se sentia como se fossem garotos de escola, tendo suas


travessuras expostas e ridicularizadas pelos adultos. Virou-se para Victor e
indagou um tanto irritado:
- Por que o senhor não conta logo o real motivo de estarmos aqui?
Qual é o seu interesse com essas reuniões?
- Concordo. Vamos logo ao que interessa. – Disse Valentin.
- Isso mesmo! – Valaistu concordou com Damon e o cigano – O

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momento de mistério, com doses de suspense e de revelações interessantes já


passou. Agora, acredito que chegou a hora do senhor ser direto e objetivo. O

que quer de nós, Victor Obsequens?


Alyha estava até então sentada. Aproveitou para se levantar e quase
imediatamente um clone seu apareceu por detrás de Victor, como da vez
anterior, estava virando costume. Um outro apareceu em cima da mesa,

cruzou as pernas lentamente e derrubou a papelada, deitando-se sobre a mesa


com alguma preguiça.
- Você tem algum fetiche, é isso? Está nos provocando para não ficar
só e gagá ou quer algo e está tímido de pedir?
Victor não se abalou. Com a calma que lhe parecia peculiar,
continuou:
- Pois bem, meus caros. A razão, o pretexto que lhe trazem aqui é o
mesmo. A humanidade chegou num instante crucial. Pilarium tornou-se o

centro das atenções no mundo. O governo déspota facilitou a bestialidade


total contra a raça humana, e somente oito indivíduos podem mudar o rumo
dessa história, o contexto atual. Vocês, todos, um por um, ou seja: A Liga
Literária.
- O senhor já falou nessa Liga. Mas o que é isso? – Perguntou Ciana.
- Veja lá fora, minha jovem, você realmente acha que está tudo em
seu devido lugar? Sou o único que pode dar a cada um de vocês condições

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necessárias para virar a mesa e as regras desse jogo. Cada um dos que aqui
estão tem o poder de fazer com que a humanidade conheça o que o livro P.L.,

Prodigiorum Libellus, decidiu desde o princípio. Foram ligados pelo livro.


Alyha pareceu desapontada. Soltou um sonoro “tsc” e rolou da mesa,
caindo em direção ao chão. Quando o corpo chegou rente a ele, se esfacelou
em milhares de partículas, como o pó que é soprado pelo vento e a Alyha

verdadeira, que estava sentada sobre a cadeira, pareceu ganhar mais fôlego de
vida e respirar muito pesadamente. A mulher virou o rosto com alguma
desatenção às palavras de Victor.
- Você quer que salvemos essa sociedade entregue ao abismo? Essa
sociedade que merece lamber o pó que pisa?
- É isso que esse livro decidiu? Que seremos heróis? – Damon
perguntou, cínico, aparentemente confortável e elegante mesmo naquela
cadeira velha.

- Quando penso que descobri uma macumba me surge outra inda pior!
– Rezingou Miri, referindo-se ao que Alyha fizera.
Victor fitou a todos e proferiu sem reservas:
- E por que não? São os únicos donos de conhecimento, fora os
abastados de poder e dinheiro que dominam Pilarium. Vocês são a esperança
de um povo abandonado por uma profecia! – Contemplando o rosto de Ciana
o senhor prosseguiu: - O Livro diz que quando essas oito pessoas distintas

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entre si, mas que completam um corpo astral e projetam um poder de impacto
em todo universo, se unirem, então o poder em suas mãos além de imortal

será letal. Não serão heróis tampouco sobreviventes, são guerreiros


capacitados para uma batalha crucial de vida ou morte!
- Certo. – Damon se levantou, tenso, passando os dedos entre os
cabelos escuros. Olhava diretamente para os olhos de Victor, que se

desviaram um pouco. – O senhor nos dará fantasias de super-heróis também?


Quero a minha com capa.
Valentin sorriu, ele próprio tendo pensado o mesmo. Só faltava essa!
Toda aquela história de livro mágico, misturada com profecia ao
mesmo tempo em que deixava Valaistu incomodado, pois parecia algo tão
descabido, também o atraía e fascinava. Querendo ou não algo de verdadeiro
era proferido pelos lábios finos daquele velho.
- Fantasias? – Alyha encarou Damon com algum interesse. – Você

disse fantasias? – Havia sim algum cunho sexual em seu tom, mas ela
permitiu apenas um sorriso lascivo enquanto retornava o olhar para Victor. –
Esse deve ser o fetiche dele, vestir estranhos com fantasias de super-heróis, é
claro!
Disse como se tivesse acertado a charada, na verdade, estava só
importunando o velho.
Se Damon não estivesse tão irritado, teria rido daquilo.

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- O senhor definitivamente precisa de uma mulher e para ontem! –


Disparou Zintrah.

- Oxê, que se esse for comunitário tem vez pra mim? – Perguntou
Miri.
- Não posso fazer com que acreditem, mas posso provar o que disse.
Ciana, que por quase todo o tempo observava Damon, como se uma

força além da sua tornasse-a cativa de sua beleza e presença impressionantes,


sentia a impaciência dele. Mas as últimas palavras de Victor atraíram sua
atenção e a dos demais na sala. Ela perguntou baixo:
- Que provas, senhor?
O homem caminhou até uma velha cômoda e encostou sua bengala ao
lado. Com certa dificuldade arrastou o móvel, de onde brotou um cofre
obscuro na parede. Depois de uma antiga combinação, retirou com cuidado
algo de dentro dele e trouxe ao centro do recinto.

E ao repousá-lo sobre a mesa e abri-lo com extremo zelo, estava ali


então o livro que um dia pertenceu ao passado de cada um que ali estava. Ao
soltar a antiga mordaça, uma luz abrangente surgiu de dentro do exemplar,
que ofuscou a todos os presentes na sala e ao mesmo instante todos os outros
caíram sucumbidos ao chão e a marca do oito invertido em seus corpos
avermelhou-se como brasa.
Gibran deu um ganido alto e correu a se esconder a um canto

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apavorado, com o rabo entre as pernas.


- Pelo amor de Deus, feche isso! – Gritou Zintrah.

- Que merda é essa? – esbravejou Damon, esfregando a ardência no


baixo ventre, onde ficava seu sinal de nascença.
Ciana caiu de joelhos com uma dor ardida sobre o seio esquerdo, justo
onde ficava sua marca de nascença sobre o coração.

- Feche essa merda, cabra doido! – Bradou Aracaê desnorteado.


- Quê isso! Essa luz... meu Deus! – Valaistu foi lançado contra a
parede e respirava ofegante. Aquela luz branca aturdia sua mente, e ao
mesmo tempo fazia ir e vir em sua mente algumas imagens desconexas de
sua infância. Dentre as quais uma em que ele se via envolto em uma luz
semelhante.
Alyha quase trombou para trás com a cadeira. Caiu ao chão e segurou
bem sua marca, encarando Victor com algum furor. Várias Alyhas surgiram

como hologramas, ficaram falhando e piscando e logo depois se restauraram


na única Alyha.
- Você enlouqueceu de vez? Pronto já acreditamos! – Disse aos
berros.
Victor ao perceber que conseguira convencê-los do que falara, cerrou
o livro e esperou que se recompusessem.
- O que foi isso? – Perguntou Valentin, um tanto confuso, ajudando

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Ciana a se levantar. Os dois se fitaram e ela agradeceu num sussurro.


- Alguém deseja arguir mais alguma coisa? – Proferiu o senhor

Obsequens, orgulhoso do feito.


Ciana se virou na direção de Victor, indagando:
- O que acontece se tocarmos o livro de novo?
- A morte os visitará. – Ele respondeu de imediato.

- A morte? – Ciana empalideceu, lembrando do assassinato de seus


pais.
A mesma palavra desencadeou o olhar de Madame Zintrah, uma vez
que ela era a única que duvidava da morte da “Entidade”.
Aracaê e os outros se fitaram, todos vítimas daquela palavra maldita.
Num rompante Zintrah tirou o punhal envenenado de seu crucifixo no
pescoço e partiu para cima de Victor, furiosa:
- Quem você pensa que é, seu velho de quinta?

Mas Damon a segurou pelo pulso de modo forte e contundente,


dizendo duramente ao fitá-la dentro de seus felinos olhos verdes:
- Morto ele não adiantará de nada.
Por algum motivo a meretriz escutou o ator e retrocedeu.
Valentin observava a cena, a palavra morte congelando-o no lugar,
trazendo-lhe angústia e medo pelos que perdera.
Valaistu, tentando se recompor do efeito avassalador em suas

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lembranças, depois da abertura do livro, apenas conseguia contemplar as


reações exaltadas dos outros ali presente.

Damon virou para Victor Obsequens, lembrando da morte da irmã,


ligada aquele maldito lugar e livro. Uma morte que quase o destruíra e que
nunca deixou de corroê-lo por dentro. Disse gelidamente:
- A morte já me visitou, senhor Obsequens.

- Pelo visto ela é uma velha conhecida de todos vocês, não é mesmo?
- Arguiu Victor.
Damon percebia que aquele velho parecia orgulhoso do suspense que
fazia. Um sentimento muito próximo à cólera dominou-o como uma
chibatada e ele caminhou até Victor e apontou o livro:
- Quero ver o que ele diz pra mim!
Ciana também queria respostas. Sua vida girava em busca daquilo,
assim também se aproximou do livro.

Lentamente Victor os redarguiu e pegou o livro.


- Daqui a dois dias, em minha residência ao norte, propriedade de
minha família da qual informarei a cada um como chegar, que guardei
especialmente para esta ocasião, nos encontraremos. Somente lá poderei dar
as respostas que procuram, senhoras e senhores.
- O senhor acha que vamos ficar para lá e para cá como cegos
enquanto se diverte às nossas custas? – Damon estava furioso. Sabia que

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muito facilmente tomaria o livro dele e estava a ponto disso. Não suportava
mais os mistérios e jogos de palavras daquele velho.

- Você esperou tanto tempo sem esperanças, Damon. O que são dois
dias para as respostas que tanto procura? – Replicou o consorte, tentando
amenizá-lo.
Zintrah olhou para ele e se posicionou:

- Não sei vocês, mas eu tenho meus motivos para continuar. Eu vou.
Percebendo que muitos estavam em dúvidas, Victor criou mais
alvoroço ao soltar uma frase:
- Todos vocês são vítimas de um só nome!
- Quem? – Ciana arfou, sentindo o coração disparar, aguardando o
nome que há catorze anos queria ouvir: o do assassino de seus pais.
- Vítimas de um só nome? Seja claro, senhor Obsequens. - Insistiu
Valaistu.

Damon também esperou, tenso, seus punhos cerrados. Por fim exigiu,
quase perdendo o controle:
- O nome dele!
- Algo me diz que não é rapadura! – resmungou o pequeno pássaro
Miri.
Zintrah não pensou em mais ninguém, seu instinto tinha lhe tragado
ao local certo. Obsequens foi enfático: um homem cujo a sombra esteve no

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passado de cada um, que premeditou tudo, porque intentava algo maior!
Ainda com o livro fechado sobre o peito, Victor precisou:

- Não tenho o nome. Mas o que ele deseja é sugar um por um para um
ato maior. O Livro diz que em determinada data um portal se abrirá e se
vocês estiverem reunidos, ELE poderá derrotá-los. É isso que desejam? Ou o
pulso da vingança ainda jaz dentro de vocês, meus caros?

- Não entendo mais nada! – Ciana olhou confusa de Victor para


Damon ao seu lado e depois de volta a Victor. – Que portal?
Zintrah lançou um olhar a Valentin, alto e pálido ao seu lado, e
dividiu:
- Sabe de alguma coisa, profeta?
-Não sei nada, estou completamente perdido aqui! Mas quero saber!
Damon não tirava os olhos de Victor, impaciente, quase que o
obrigando com o olhar a falar. Com certo ar jocoso, o senhor continuou:

- Há uma data que meu ancestral, Julius Obsequens, previu com


exatidão, quando se abrirá um portal e um poder soberano dessa dimensão
para outra surgirá se os oito estiverem reunidos. O homem que procuram
poderá se beneficiar disso, por um simples fato, foi ele quem tocou primeiro
no livro e desencadeou cada processo. E desde então enredou todas as
desgraças oriundas em suas vidas, minhas doces crianças.
- Estou disposto a qualquer coisa para descobrir a verdade... Seja ela

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qual for. – Disse Valentin.


Victor concordou com a cabeça. E completou, caminhando de vagar

pela sala:
- Não cometam o erro de acreditarem que sozinhos conseguirão detê-
lo, ele é deveras mais poderoso que todos, provou isso nesses anos. Somente
unidos a Liga pode derrubar seus planos e exterminá-lo. Portanto, caros

senhores e senhoritas, recomendo alta consideração ao meu pedido no


castelo. Não se preocupem, os acharei. - E retirou-se.
Damon avançou na direção dele, pronto a impedi-lo. Mas Ciana
segurou seu braço e falou:
- Não vai adiantar. Ele só falará quando quiser.
Damon fitou a moça com um ódio que não era direcionado a ela.
Lembrou-o muito sua irmã, não pela aparência física, mas pela idade e
doçura. E então ela o amoleceu. Procurou se controlar e voltou-se para os

outros.
Zintrah fitou a saída de Victor certa de que o veria outra vez, porém
não deixou de comentar:
- Esses nanicos!
O que logo ofendeu Aracaê:
- O dona madame, “guenta” o tranco aí, que sou pequeno mas sou
“opinoso”, não sou como esse cara aí não, linguarudo dos infernos! – E

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vendo o olhar de Damon para Ciana, tentou se aproximar: - O seu “Demo”, o


que tu achou desse fuzuê todo aí? – Esticando a testa avantajada.

- Se quiser te mostro quem é o Demo, garoto! – Damon fitou-o com


irritação, respirando fundo para se controlar. Encarou o pequeno feioso e
respondeu: - Quem garante que tudo isso não é armação de Victor
Obsequens? Alguém está atrás de tudo isso, talvez ele mesmo.

Ao lado de Damon, Ciana indagou:


- Mas quem faria isso? E por quê?
Todos se fitaram um tanto desconfiados.
- Vixe, que esse povo daqui é muito mal educado! De onde venho as
coisas se resolvem na ponta da peixeira e na bexiga de um cabra, sabia o seu
Demo?
Zintrah empurrou Miri para o lado, advertindo-o:
- Fecha essa matraca que de onde você vem está bem claro que

criança não mexe com faca! – sentando-se para ouvir o ator. – Armação, caro
púbere? Pois eu não, para mim ele fala algo bem consistente e merece minha
atenção.
Ela cingiu as sobrancelhas tão envolventes.
- Tudo isso é muito confuso. Mas talvez devamos ouvi-lo. – Disse
Valentin, fitando-os.
Damon continuava extremamente desconfiado. Fitou a bela Zintrah,

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cuja sensualidade e algo mais que ele não compreendia, mexia com ele. Mas
não quis se distrair com aquilo. Encarou o cigano e retrucou:

- Como vocês podem saber? Até agora não temos certeza de nada. Ele
nos reuniu duas vezes e ronda o mesmo assunto com charadas.
- A única palavra que pode resumir tudo isso aqui é somente uma:
LOUCURA. – Disse Valaistu.

O silêncio foi sua resposta, mas não durou muito. De repente, cinco
das oito vidraças foram estilhaçadas por brutamontes devidamente aramados
até os dentes, deixando-os petrificados por um momento. Aracaê gritou,
despertando-os:
- Acho que agora é que o negócio esquenta!
Os homens armados se espalharam pela sala e atacaram
conjuntamente. Um deles partiu decididamente pra cima de Ciana, que
arregalou os olhos.

Gibran, que até então ficara sentado com as orelhas em pé,


desconfiado de toda a conversa tensa na sala, agora latia freneticamente,
correndo como uma bala para o musculoso homem careca que avançava para
Ciana.
Durante uma fração de segundos, ela ficou sem ação. Não tinha tido
nenhum contato físico anterior para despertar seu poder. Mas quando Gibran
abocanhou o tornozelo do brutamontes, distraindo-o por um momento, ele se

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jogou abaixada sobre as pernas dele, que pareciam duas toras, mal tirando-o
do lugar, mas conseguindo o atrito do qual necessitava enquanto abraçava

suas pernas.
Sentiu a energia pura como um choque elétrico, estalando por seu
corpo e automaticamente seus pensamentos se tornaram em ação. Quando ele
se preparou para esfaqueá-la, Ciana direcionou mentalmente a mão dele para

a própria barriga e saiu de perto, escorregando para o chão e pulando para


longe. Ele arregalou os olhos, chocado, sem compreender o que fizera e
olhou para o sangue que saía de sua barriga e pingava de sua mão, que ainda
segurava o cabo da faca. Caiu no chão e Gibran continuou a se sacudir e
morder a perna dele, como uma grande fera.
- Vem, Gibran! – Nervosa, ela se abaixou para abraçar o cachorrinho,
murmurando: - Obrigada, querido...
No meio da confusão que se armou na sala, um dos gorilas avançou

para Valentin, que ali dentro, longe dos elementos, se via privado. Mas
resolveu rapidamente o problema, pois nunca andava sem fósforos. Primeiro
deu um murro bem dado no grandalhão e girou sua pequena adaga entre os
dedos, cravando-o num golpe duro na garganta dele, que desabou na hora.
Então ateou fogo em umas folhas espalhadas, com raiva de si mesmo ao fazer
aquilo. Amava os livros. Mas amava mais sua vida. Não podia morrer antes
de saber o que aconteceu com Luna e salvá-la.

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A pequena fogueira não seria nada sozinha. Mas dela ele criou
labaredas e as mandou em direção a dois brutamontes mais perto,

incendiando-os. Gritaram e correram em chamas, enquanto o cigano girava


de novo duas adagas nas mãos e erguia a cabeça, batendo o pé no chão,
chamando mais inimigos.
Zintrah já com o punhal em mãos, partiu para a briga. Encarando pau

a pau um dos trogloditas, a meretriz lutava como poucas mulheres, a maestria


era oriunda dos tempos de rua e do que precisou fazer em seu passado para
sobreviver. Astuta, numa voadeira que jogou o sujeito a ermo tocou nele
fazendo igual e quando este ergueu dando de cara “consigo meu”, sorriu
cínica e cravou o punhal em seu pescoço num golpe cruel e certeiro, torceu o
pescoço para a esquerda vendo esvanecer e proferiu sarcasticamente:
- Homens!
Um começou a trocar socos e pontapés com Damon, que estava

acostumado com boxe e luta de rua e que então uniu isso ao seu poder e
imediatamente utilizou-o, fazendo o tempo congelar para o capanga que
avançava para ele, tornando-o praticamente uma estátua. Assim foi muito
fácil para ele socar aquele monte de carne parada, cujo nem olhar se movia.
Depois de usá-lo para desforrar uns tantos socos, chutes e cotoveladas,
arrancando alguns dentes, quebrando um nariz e um estalar de osso, ele parou
seu poder e o homem caiu inconsciente no chão, como um boneco

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ensanguentado. Na mesma hora Damon arrependeu-se de ter usado seu


poder, pois foi muito fácil.

Sorriu furiosamente, excitado com a luta muito mais do que ficava em


seus treinos na academia ou durante as filmagens de algum filme. Com os
nós dos dedos dormentes e ansiosos para descarregar a adrenalina que corria
loucamente em seu sangue, um dos trogloditas entrou em seu caminho e ele

não esperou. Atacou-o puramente com sua força física, com um soco bem
acertado ao pé da orelha, deixando-o zonzo. E os dois caíram na luta.
O maior deles olhou o pequeno Aracaê com desdém e sorriu. O
pequeno pássaro lutava com excelente destreza nos golpes certos contra o
troglodita.
Ciana havia se levantado e esbarrado em Zintrah, livrando-a de ser
atingida, que rebateu:
- Bate direito, Ninfeta recalcada!

Ciana foi jocosa:


- Ok, da próxima vez deixo você perder a cabeça, madame
vagabunda! - Disse furiosa, deixando-a sozinha e correndo para outro, seu
coração disparando pela adrenalina, a emoção intensa tornando-a altiva e
corajosa, toda sua timidez esquecida. Mentalmente criou a ilusão de um
monte de cobras venenosas atacando o gigante, que como um louco começou
a gritar sozinho e esfaquear as cobras imaginárias, parecendo um maluco

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dançarino flamenco. Ciana acabou soltando uma grande gargalhada, feliz de


verdade pela primeira vez em muito tempo.

Aquela saída de Victor, com toda a história de mais uma reunião tinha
incomodado bastante Valaistu, pois parecia que eles estavam andando em
círculos. Porém, toda essa preocupação se desvaneceu, com a entrada
repentina daqueles meliantes no saguão da Biblioteca. Um dos brutamontes

partiu para cima de Valaistu, como um touro feroz. O jovem, simplesmente


esquivou-se, mantendo os braços cruzados nas costas. O brutamontes irritou-
se ainda mais e partiu novamente para cima de Valaistu, que mais uma vez
esquivou-se deixando que ele passasse. E dessa vez, antes que o homem
terminasse o seu percurso, Valaistu lhe deu um tapa na nuca. O homem
explodiu de ódio e disparou pela terceira vez em direção daquela jovem, que
não demonstrava qualquer tipo de incômodo com aquela luta. Ele parecia até
se divertir.

Armand simplesmente desapareceu.


Ao ver a enorme Alyha se duplicando, outros dois ficaram tontos,
enquanto a verdadeira havia se transformando em um deles e a outra
permanecia com seu lindo ar natural esbanjando ao ar. Ela puxou uma lixa de
unha do bolso e a apertou com força. Uma espada em miniatura surgiu. E
logo depois, com o poder do pensamento, fez a espada lentamente crescer e a
segurou bem firme.

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- Encosta, ô bicho do mato, que eu vou fazer presunto dessa sua cara!
- ela avisou.

O brutamontes avançou da mesma forma sem se intimidar. Um ficou


seguro pelo clone brutamontes que Alyha havia criado. O outro avançou
contra a mulher que cortou o ar em forma de “x” e depois num corte reto para
afastá-lo.

- De onde venho, mulher não tem medo nem de assombração, meu


bem. Imagine de um peido que é você.
O homem irritado voou contra Alyha jogando todo seu corpo contra o
dela. Ela em resposta jogou também o seu. Seu pequeno corpo comparado ao
daquele homem. A bela colisão remeteu a estrelas se chocando.
O homem tremeu na base e sentiu todo seu corpo doer, enquanto
Alyha sequer piscou. Cambaleou para os lados e tonto fechou os punhos e
começou a acertar o ar com a intensidade dos golpes.

Alyha nada preocupada, girou com a espada e cortou a mão esquerda


do homem que berrou com fúria. Tentou avançar contra ela, mas, ela girou
novamente, dando-lhe um verdadeiro drible e então cortou a perna direita do
homem.
O fio da espada estava tão afiado que apenas ao encostar ao corpo do
homem já havia feito um estrago. Ela parecia cortar como se a lâmina fosse
uma devoradora viva.

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O brutamontes choramingou e se afastou.


- Não era homem até agora pouco? - ela pousou a mão sob sua própria

cintura e avançou, precisou de três golpes, onde a espada girou e a defendeu


de um lance que o outro fez, jogando a cadeira contra seu corpo, até
conseguir cortar a outra perna do homem.
Ele pediu piedade.

- Piedade? Desculpe-me a ignorância, mas, não existe em meu


dicionário. Dê significado, sinônimo, antônimo e empregue em sete frases,
por favor. - pediu em desdém. Ao ver que o homem apenas fechou os olhos
para rezar, empunhou a espada mais uma vez. - Foi o que pensei.
E cortou a outra mão dele, deixando-o completamente caído ao chão.
Ela então aproveitou para chamar a atenção do anão e insinuar com os olhos
e as mãos que aquilo aconteceria com ele se ficasse de graça com sua pessoa.
Zintrah não podia ocultar o sabor de fincar e virar aquele punhal outra

vez num inimigo seja de onde viesse. O sangue sempre foi um elemento que
a enfeitiçava. Ao ver o homem agonizando pela mãe, ela tocou nele se
transformando na mesma e irônica comentou:
- Mamãe avisou...Não brinque com estranhos!- lambeu o punhal e
voltou para os demais.
O homem preparava um soco em direção do rosto de Valaistu. Toda a
força que aquela montanha de músculos possuía foi empregada no golpe. O

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jovem, no último instante, abaixou-se. Seu olhar preciso mirava o corpo do


invasor se contorcendo, devido o golpe não atingido. A guarda do infeliz

estava toda aberta. Valaistu, mantendo um dos punhos cerrados, na cintura,


estendeu a outra mão, com os dedos rentes -somente o dedão dobrado- mirou
num dos pontos vitais daquele homem e o atingiu com precisão. O homem
recebeu o golpe, sem qualquer possibilidade de defesa. Logo em seguida caiu

desacordado no chão. Valaistu se levantou e disse serenamente:


- Só a força não é capaz de levar a vitória para um guerreiro, meu
caro.
No chão jaziam os corpos e pequeno pássaro lutava incansavelmente
com dois grandalhões, quando Zintrah gritou para Ciana:
- Diz que topa sair com ele!
A jovem se sentiu ultrajada com o tom imperativo e retrucou:
- O quê???

- Fala que aceita sair com ele e espera a resposta, porcaria!


Mesmo sem entender Ciana berrou:
- Miri, eu topo sair com contigo! - Levando um bofetão que o
arremeçou longe pela distração, que o jogou na parede, ligeiro olhou para
mocinha e salivante redarguiu:
-Vai mesmo?
Ela olhou para Zintrah que sorrindo impetrou:

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-Nega!
Ciana ficou meio confusa:

- O quê?
Zintrah insistiu:
- Diz bem alto que não!
Ciana retorceu os olhos e soou:

- Nãoooooooooooooooooooooooo!
Aracaê deu um brado que parou todos na sala. E de repente seu corpo
foi entrando numa mutação abissal e gigantesca, os pequenos pés e as mãos
eram cavalares, e o seu tronco foi cada vez se alongando e ele quase bateu no
teto. Enfim sabiam o poder oculto do pequeno. Ele era um gigante, mas
somente quando um não feminino lhe soava os ouvidos depois de uma
mórbida esperança.
Zintrah olhou tudo e maliciosa não deixou passar:

- GIGANTE!!!!!
Ciana ficou de queixo caído. Não conseguia tirar os olhos do
gigantesco Miri. Murmurou para Zintrah:
- Como você sabia?
- Herança da profissão mais velha do mundo, ninfeta!
A jovem Ciana retrucou chocada:
- Prostituta?

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Zintrah a fitou de cima abaixo e replicou:


- Seu pai me chama de querida!

Deixando a moça ainda mais furiosa com o comportamento da


meretriz. Enquanto isso a Madame sorriu vendo Aracaê derrubar o homem
rápido como Valentin incendiando os inimigos.
Valaistu olhou surpreso a manifestação do poder de Aracaê. Ao ver

aquele gigante acabando com os invasores, ele não resistiu e disse, ao se


lembrar de um velho ditado:
- Nos pequenos frascos é que estão os melhores perfumes, né. - Sorriu
consigo mesmo da piada feita.
Damon sorriu para Miri e comentou, ainda agitado pela briga,
mexendo seus punhos doloridos:
-Você pode ter crescido, mas ficou ainda mais feio!
Aracaê apenas respondeu com voz grave:

- Vai para merda, "Demo”!


Damon soltou uma sonora gargalhada.
Zintrah gracejou subindo na cadeira:
- Enfim, terei um time de futebol, e de uma só vez!
O cigano passou os olhos em volta, desconfiado, perguntando:
- Será que isso foi coisa de Victor Obsequens?
Valaistu, olhando para Valentin emendou:

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- Armação ou não, uma coisa é certa: este lugar não é mais seguro.
Ciana fitou o cigano, Valaistu e depois o homem ensanguentado e

morto no chão, onde Gibran montava guarda, arfante depois de toda briga.
Seu sorriso sumiu e ela afirmou:
- Se foi armação, esse sangue é bem real. - Sentia-se culpada, era a
primeira vez que matava uma pessoa.

Percebendo a palidez da moça, Damon se aproximou e apoiou a mão


com suavidade em seu ombro.
- Era você ou ele. Apenas se defendeu
- Pois se preparem!- explanou Zintrah. -Isso é só o começo. E aquele
velho babão não está de brincadeira. O bagulho é irado! Se formos o que ele
nos descreveu, nossas vidas são alvos e nós presas para o predador.
-É melhor sairmos daqui. - Murmurou Ciana, chamando Gibran para
perto e acariciando com carinho suas orelhas.

- É melhor mesmo. – Completou Valentin, bem sério.


Ainda na metamorfose, Aracaê soltou:
- Alguém aí pode quebrar as telhas desse raio de teto para mim?
- Sim. E esperarmos pelo próximo contato do senhor Obsequens. –
Concordou Valaistu.
- Ei! - gritou Miri - Vocês vão me largar aqui?
- O que é preciso para voltar ao seu tamanho de moleque, Miri? -

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indagou Damon, divertindo-se.


- Eu vou te mostrar como faço para você ir parar numa quente cama

de hospital, quer ver? - Aracaê queria se mexer, no entanto carecia de espaço.


Damon riu ainda mais. Zintrah caminhou até o ator e sussurrou em seu
ouvido o que fazer. Na verdade sugeria que ele ensaiasse um interesse por
Ciana, isso revolveria o poder do pequeno pássaro.

Damon escutou a morena e balançou a cabeça de leve. Fitou os


grandes olhos cor de mel da moça pequena e delicada, ainda abalada pela
luta. Sua mão subiu de seu ombro pelo longo cabelo dela, embora se sentisse
como a corromper uma mocinha. Disse baixo:
- Vamos deixar esse gigante feioso aí. Quer ir para casa comigo, doce
Ciana? – Seus olhos azuis brilhavam. Estava ainda mais bonito que nas telas
de cinema, com os cabelos negros caindo despenteados sobre a testa.
A moça ficou imobilizada. Arregalou imensamente os olhos e arfou,

com o coração a disparar. Não podia acreditar. Ficou até sem fala.
E foi o bastante para que Miri fosse murchando até chegar na
acanhada estatura de sempre.
Ciana percebeu que tudo não passara de um truque. Olhou
desapontada e magoada para Damon, que acariciou seu rosto carinhosamente
e sorriu suavemente para ela:
- Desculpe a brincadeira, Ciana. Era para ajudar o garoto.

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Zintrah, independente como de costume olhou todos e se transformou


num dos sujeitos no chão. Todos se entreolharam. Damon a indagou:

- Por quê?
Ela já transformada rebateu:
- Querem ou não saber de onde saiu esse povo? Daqui a dois dias lhes
digo o que descobri. - E saiu pela porta da frente.

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CAPÍTULO 5 : O Anel e o Passado

Do outro lado da porta estava Armand, de costas para a parede, um


dos pés apoiado à mesma e de braços cruzados, notadamente atento a
movimentação interna. Quando Zintrah saiu, ele disse:

- Por um instante pensei que seria preciso que eu interviesse num


combate deste nível. Vocês precisam treinar juntos.
Dizendo isso caminhou virando a esquina a poucos metros de onde
estavam e adentrando a escuridão desapareceu sem ao menos esperar Zintrah
proferir algo, entretanto a meretriz se revoou a segredar:
- Esse aí vai para minha lista de prioridades com certeza!- passando
os dedos nos cantos dos lábios.
Prosseguiu contornando a quina e pondo a mão num bolsos do

homem que assumira a identidade, Zintrah sentiu o tremeluzir do que parecia


um comunicador. Ardilosa, prontamente atendeu-o:
- Na escuta chefe.
Do outro lado uma voz questionou:
- Como foi a operação?
Arguciosa rebateu:
- Sobrou esse que vos fala.

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- Pegaram o Victor pelo menos?


- Não chefe, o velhote já havia dado com os pés no vento quando

invadimos.
- Imbecis!- bradou a voz com considerável impaciência. - Venha para
cais onde combinamos, estou no veículo parado ao lado da casa do píer
conforme o combinado. Lembre-se, aguarde o piscar dos faróis por três vezes

e só então entre.
- O senhor manda chefe. - E desligou.
Por um segundo a prostituta parou para ponderar os fatos. Parecia ter
ficado claro que a missão dos trogloditas não fora arquitetada por Obsequens,
haja vista que a pergunta cabal era saber se este jazia lá para quem sabe ser
emboscado, o que o tornara vítima e não algoz de toda conjuntura. A
princípio aquilo já responderia satisfatoriamente parte de onde tais elementos
surgiram e na verdade o que buscavam, entretanto, o que Madame Zintrah

não havia revelado era que seu interesse ao se passar por um deles era em
prol de benefício favorável, afinal, agia por si e para si, estar ou aceitar fazer
parte da LIGA só lhe interessou porque intuiu que se houvesse demais
pessoas com poderes como ela, provavelmente poderia a conduzir ao seu
maior intento: Encontrar a Entidade, uma vez que não cria que ele jazia entre
os mortos.
O local era a ermo, escuro e completamente desabitado uma vez que

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há anos o interesse marítimo comercial em Pilarium tinha sido totalmente


descartado pelo Governo déspota que a dominava.

Ao lado da tal casa, Zintrah avistou o automóvel preto e obscuro


como a noite que conhecia tão bem. Parou e esperou.
Uma.
Duas.

Três piscadas dos faróis.


Destemida, caminhou até o mesmo onde diante de seus olhos uma
porta se abriu e imediatamente sentou-se a espera de prováveis
questionamentos.
Porém, de imediato ao abancar-se no estofamento luxuoso do carro
bateu o olhar num brilho que tão bem conhecia, apesar do tal homem estar de
luvas e sobretudo longo esplêndido e na escuridão com um chapéu que a
impedia de ver seu rosto, a vivacidade fulgente da joia lhe foi o bastante.

- Como podem ser tão estúpidos?- disparou o homem.- Pegar aquele


idiota era a coisa mais fácil do mundo, e um bando de retardados não
conseguiu? Explique isso,Troll!- objetou com precisão e tomado pela ira.
Zintrah pensou no que mencionar, e optou pela sua intuição.
- Havia oito pessoas na biblioteca, o velhote não se encontrava lá
sozinho, como o senhor nos dissera.
- Oito? Que oito pessoas eram essas?- o homem desacelerou a voz.

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- Nem sei se devo chamar de gente, chefe. Tinham poderes. Uma se


multiplicava em várias, o outro parava o tempo, uma garota amarrou o

Chicão pelos braços usando uma boneca como se amarrasse a alma dele lá
dentro, outra garota manipulava a gente como marionete, e tem que de tão
sereno e ágil jogou meu irmão no chão, sem contar num nanico que bate na
minha cintura mas luta feito um cão com a faca na mão!

E então uma pergunta incendiou a meretriz:


- E a mulher de quem lhes falei? A morena alta e de intensos olhos
verdes, não estava lá?
- Mulher?- Zintrah rebateu,rebulindo por dentro.
- Sim, Madame Zintrah? Lembra Imbecil? A que foi incriminada pela
morte você sabe de quem, cansei de explicar em detalhe!
A meretriz se calou e enfim soube de quem se tratava e que descobrira
a direção certa para suas dúvidas.

- Eu não a vi.- redarguiu fitando o anel.


- Desgraçada! Do jeito que é astuta, deve ter percebido tudo e se
mandou. Aquilo é escorregadia que só!- Ele definitivamente não irritou-se, o
que a fez confabular sobre o que até ali já raciocinara em sua mente.
O sujeito insatisfeito com o resultado da operação mandou o
subalterno descer e o veículo deu partida desaparecendo no bruno da
madrugada. Certificada da ida ela se desfez do troglodita, ajeitou o decote

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avantajado na altura dos seios e falou consigo mesma:


- Doutor Prado Antunes. Foi um prazer revê-lo, acho até que merece

um visitinha pelos velhos tempos.


E esvaneceu dando forma a uma adolescente com um capuz
Nunca esteve nos planos da nebulosa meretriz, volver aquele
sanatório. No entanto, também compreendia que não podia deixar que aquele

ameaçador chamado nas entrelinhas do Doutor Prado Antunes passasse ao


relento. Tinha plena convicção que isto desembocaria numa caçada mais
aterrorizante da que já vivia devido o assassinato da Entidade.
Sim, Antunes era um grande prenúncio à Madame Zintrah.
Todavia o encontro teria que se dar às nove da noite, horário que
Antunes jazia no antigo nosocômio e sair fora da calada da madrugada,
quando seus poderes adquiriam potencialidade máxima, porque fora daquele
período compreendido entre meia-noite e quatro horas da manhã, caso os

usasse, uma grande fraqueza a invadia de tal modo que após o instante até se
locomover era um ato dificultoso. Porém, Zintrah compreendia que não havia
subterfúgios, teria que ir.
Como o antigo sanatório ficava numa área afastada da cidade.
Esquivou-se como pode até chegar a seu destino.
Ao pôr os pés no território uma onda de emoções truanescas e
vulcânicas a absorveu. Sua raiva e ira ganharam requintes da selvageria que a

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dominou no período que estivera ali. Por garantia a meretriz decidiu passar-se
por um típico faxineiro. Seguiu para as passagens obscuras do recinto onde

tempos atrás pacientes como ela eram levados às escondidas para ser servidos
como banquete para abusos e torturas. O que dava justamente na parede atrás
da sala do Doutor Prado Antunes. Astuta, revolveu a acanhada manivela e a
velha instante da sala abriu-se por onde entrou.

Lá estava ele. Um pouco mais velho, acabado, contudo, com o ar de


superioridade que tanto a incomodava e o anel que elareconheceu no carro.
Antunes olhou o tal faxineiro e jocoso sorriu entre o canto da boca,
proferindo:
- Zintrah.
A figura do faxineiro o fitou e passando rapidamente por trás de um
biombo renasceu a bela morena de olhos envolventes e cabelos longos que
Antunes ininterruptamente foi fascinado.

Ela caminhou até o centro do recinto analisando-o por completo, e por


fim repousou sobre ele sem mencionar um ruído.
- Não quer sentar?- indicou com uma das mãos a antiga poltrona onde
incontáveis vezes a estuprou, usando a mesma frase. - Se está aqui,
compreendo que a conversa será longa. - finalizou.
A mulher permaneceu imóvel.
- O que isso Zintrah, somos no mínimo velhos amigos!- gracejou

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abrindo os braços.
Num célere movimento ela voou em cima da mesa o agarrando pela

gola camisa já como punhal em seu pescoço, confinando-ocontra a parede, e


sussurrou:
- Hoje você é meu!
Embora ofegante pelo golpe sofrido, Doutor Prado Antunes objetou:

- Eis uma frase que sempre quis ouvir de sua doce e sedutora voz.
Ela o empurrou jogando-opor cima da mesa, o que fez bater no chão
enquanto ela o rodeava com seu olhar altivo e malevolente tão peculiar.
- O quer vagabunda?-Antunes indagou limpando a boca de sangue,
tentando se refazer, levantando quando a meretriz o chutou com toda força
em suas partes, passou por cima dele ajeitando-se em suas costas, agarrou
pelos cabelos erguendo seu pescoço como de um frango para o abate,
deslizando lentamente o punhal já batizado com o veneno e segredou:

- Por que mandou aqueles seus capangas imundos atrás do velhote e


de mim na biblioteca?
O homem mal podia responder, e com mais força ela puxou seu
pescoço com tamanha truculência e selvageria para trás, agora afincando o
punhal contra sua pele.
- Vamos, fale! Quero o serviço completo, seu sádico de merda! Anda!
- Não sei do que está falando!- berrou numa força descomunal.

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- Quer que eu te degole feito uma galinha para despacho para ver se
você recordar, bicha enrustida? - ela era cada vez mais violenta.

- Eu juro! Eu juro! - o Doutor bradava com as últimas seivas.- Não sei


de nada, tudo que sei é que hoje recebi um garrafa daquele vinho que gosto
de umamigo sem identificação, e depois só recordo de acordar com muita dor
de cabeça e confuso, parece até que fui hipnotizado!

Foi então que ela o largou para respirar.


O sujeito tentou se erguer, ela disparou uma cotovelada bem no
maxilar.
- FALA!- berrou.
- Zintrah... - abaixou os braços como quem pedia calma. - Sei que
minha palavra não tem muito valor para você, mas...
Ela o golpeou outra vez pelas costas o deixando de joelhos e retrucou:
- Muito? Não tem valor algum, seu porco imundo!Ou fala ou vou te

picar todinho, e advinha por onde irei começar?- empunhando o punhal nas
partes do indivíduo como se fora invadida por uma força abissal e com um
olhar de pura fúria.
- Desta vez, talvez pela primeira vez, estou falando a verdade!- ele
rogou. - Não sei sobre o que está falando!
Foi quando o raciocínio a deteve e a paralisou,permitindo que
Antunes se ergue ainda com dificuldade e sentasse à sua mesa, onde trêmulo

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abriu a gaveta onde guardava seus medicamentos pessoais uma vez que era
cardíaco e assim que engoliu uma cápsula diretamente voltada para aquela

ocasião foi fitando Zintrah ao mesmo tempo que pôs a mão sobre o pescoço.
Rápida notou que algo estava errado, afinal, já tinha visto tomar aquelas
mesmas cápsulas incontáveis vezes. No entanto, quando bateu os olhos nas
mesmas , ligeira abriu o conteúdo dando uma leve pitada na boca e cuspindo

em seguida balbuciando:
- Tetrodo toxina!
Tratava-se da mesma substância que Madame Zintrah usava em seu
punhal para atacar suas vítimas e seus algozes do passado. De cara soube,
alguém teria criado uma armadilha para ela. E foi compreendendo que a tal
emboscada se dera desde de o instante que decidira sair da biblioteca.
Alguém que conhecia seu passado tão bem quanto ela, que teria razões para
incriminá-la e a colocou justamenteali de cara com seu passado e um de seus

piores inimigos.
Zintrah se afastou do Doutor Prado Antunes enquanto este agonizava
por algum gesto de clemência de sua parte. Gesto este que jamais viria. A
meretriz era justa em seus princípios, ela não ia mover uma palha para aliviar
Antunes de sua última e derradeira cena. Quando percebeu que ele
estremeceu enquanto toda uma gosma sangrenta saía entre seus dentes
trincados pelo veneno, aproximou-se dele friamente e disse:

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- Sempreavisei que em nossa última cena, nós dois estaríamos em


seus devidos lugares. Eu como sua rainha, e você aos meus pés! Manda um

recado para o capeta, diz a ele que eu ainda vou levar mais um tempo por
aqui. Seu otário!
Mas foi neste segundo que a porta se abriu inesperadamente, eram
agentes policiais que ao se depararem com a cena e a procurada pela justiça

foragida ,além da denúncia anônima de que justamente ela estaria lá para se


vingar do renomado Doutor Prado Antunes, o chefe do comando gritou:
- Peguem-na!
Ligeira,Zintrah se desvencilhou de dois homens e saltou pela janela
rolando sobre uma antiga varanda, e ao chegar ao solo, só lhe restou tornar-se
mais um dos policias e tentar evadir do local o quanto pôde. Todavia, a fuga a
fez parar nas margens da rodovia, onde quase sem poder caminhar pediu
ajuda a um viajante em seu modesto veículo que não ousou negar socorro a

um homem da lei e se direcionou para hospedaria onde sabia que encontraria


o pequeno Aracaê Miri.

Zintrah abeirou-se pelos fundos da hospedaria até chegar no moquifo


que Aracaê improvisara como sua alcova. Ofegante e desgastada por usar
seus poderes fora da hora morta, somente conseguiu balbuciar ao pequeno
pássaro quando chegou de um bico que desenrolara para conseguir comida e

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o que parecia o antigo CD player.


- A...ju... da!

Célere e angustiado ao contemplá-la daquele forma tão inusitada para


ele quanto para qualquer um que a vira antes: Desprotegida.
_Oxê, minha Dona, mas que bodega é essa? O que lhe sucedeu, nega?
- Abandonando o pequeno embrulho e objeto e na mesma hora tentando

arrastá-la para dentro do recinto.


- Me tire daqui. Leve-me para cima, por favor!- agonizava a madame.
Enfim o ponto fraco da suntuosa e extravagante meretriz surgira na
conjuntura. Miri simplesmente coçou a cabeça, respirou profundamente e
soltou:
- Eita, que "bilora" da peste!- Uma vez que Zintrah perdera os
sentidos.
Ainda que de acanhada estatura, ele a arrastou para seu canto, apesar

de ser uma mulher alta e robusta. Cuidadosamente a acomodou. Na mente da


prostituta flashes da cena que vivera na sala do Doutor iam e vinham, e com
o passar de algumas horas enfim ela começou a se restabelecer e voltar a ser
quem de fato era: Madame Zintrah.
- Mas que arerê foi este que fizeram contigo, nega? - Jogou-se Miri
nuns caixotes, balançando as pernas tão curtas.- Até agora estou aluado com
essa moda!

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Ajeitando os cabelos e erguendo suntuosa como por hábito,


respondeu:

- Fui vítima de uma emboscada, Miri.- confessou com semblante


duro.
- Emboscada? Para tu?- estranhou.- E quem foi o doido que inventou
esse bolodório?- o baixinho cruzou os braços.

Zintrah então elucidou o que havia sucedido ao pequeno, que pondo a


mão no queixo soltou:
- Eita, que agora eu fui quem fiquei aluado das ideias!
- Você fala umas coisas...Aff!- retorcendo o nariz.
- Olhe, serene aqui, que vou pôr um música porreta para te dar
"sustância" na alma.- agitando-se com o tal objeto.
- Agradeço, mas não se preocupe com minha alma, que essa já tem
dono!- apontando o dedo para baixo.

- Oxe, me deixe cuidar de você, dona, que música nessa vida alivia os
"nevros" que é uma beleza!
- "Nevros"?- rebateu Zintrah não crendo. O pequeno ajeitou o CD
player raridade na época, e veio pipocando com as perninhas como quem
estivesse possuído.
A meretriz contestou:
- Nanico, enlouqueceu?

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- Eita, dona, que ainda tá "aluada" é? Essa música é uma das minhas
favoritas de "Veveta dos coxão"!

Zintrah contestou abismada:


_"Veveta dos coxão"? -e prestando mais atenção, redarguiu: - Por
acaso essa música não era de IVETE SANGALO?
Ele parou irritado e explicou:

- Pois então! Na Bahia ninguém chamava de Ivete, era "Veveta", e "os


coxão" fica por minha conta, porque ela tinha cada coxa ... Eu no meio
daquilo me perdia ali e nunca mais me achava! - e lascou-se a pipocar o
saudoso hit "Poeira" outra vez.
A mulher o fitou não crendo nos abalos de seus braços de um lado
para outro e só resmungou:
- Livrai-me do mal, amém!- benzendo-se em seguida.

Aracaê e Zintrah decidiram que esperariam o cair da madrugada e


partiriam para o Castelo de Obsequens. Agora mais que nunca ela necessitava
de um lugar seguro para ficar. Diante dos olhos de Miri, transformou-se num
enorme homem forte e com cara de poucos amigos, temia por alguma outra
inesperada emboscada.
Ao chegarem ao castelo vitoriano com requintes de maisnobre
aristocracia por todos os cantos e detalhes, a meretriz anunciou-se ainda

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sobre aquela forma humana aos seguranças que imediatamente consentiram


com a ordem dada de Victor a entrada dos dois.

Lá dentro o hall do ambiente deslumbrou Miri, que jamais pensara em


estar num local como aquele algum dia de sua vida. Victor já os esperava
apoiado em sua bengala e com um sorriso cativante.
- Sois bem vindo, meus ilustres amigos!- abrindo um das mãos.

Zintrah o fitou sem grande cortejo, assim como Aracaê, que


resmungou entre os dentes:
- Não se bande para meu lado, linguarudo dos infernos!- Sendo outra
vez alvejado com um tabefe na cabeçorra pela forma de Zintrah que quase o
fez voar e ele esbravejou:
_Oxê, que isso agora está virando moda é? Isso é "bulingo", sabia?
Desfazendo-se de nenhum pudor, a meretriz sacudiu o pequeno pela
orelha:

- Cale a boca, estafermo!


O consorte soltou uma grandiosa gargalhada e cruzou todo ambiente
pronto para servir aos convidados uma taça de 1787, pertencente à adega
particular do presidente Thomas Jefferson (um grande amante de vinhos de
Bordeaux).
- Uma bela escadaria, senhor Obsequens.- ressaltou Zintrah.- Diria
que uma réplica fiel ao filme épico "E O Ventou Levou".

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Miri mais uma vez replicou:


- Que vento foi esse, nega? Oxê, que não vi nada!- a Madame só o

olhou e imediatamente ele cruzou os pequenos braços indo se recostar


rezingando: - Mulheres!
- Bons tempos creio que foram aqueles...Clark Gable e Vivian Leigh -
servindo com delicadeza a moça que sem finesse alguma mandou numa

talagada só, afinal queria algo para lhe acalmar os ânimos desde o
acontecido. Victor não deixou de comentar: - Imaginei que você fosse o
último elemento da Liga a querer juntar-se comigo neste castelo, Madame
Zintrah, para ser sincero, por um instante cheguei a duvidar que viesse.
Limpando os lábios com o dorso das mãos, Zintrah,arremessando a
taça de cristal russo ao chão que causou verdadeiro assombro em Aracaê , ela
encarou o senhor mostrando toda sua sagacidade:
_Que curioso,senhor Obsequens. Pois raciocinando por este prisma,

poderia jurar que por tal razão eu seria a primeira a ser atraída para esta
ratoeira, o que justificaria o entrevero que me adveio neste dia.
Obsequens não compreendendo foi além:
- E o que lhe sobreveio, minha cara e bela meretriz?- levando a boca
um gole de seu vinho.
Zintrah o olhou de maneira que só ela sabia fazer quando decidia
entrar num jogo, e aceitara adentrar naquele. Por isso colocou as mãos sobre

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os ombros do senil forçando-o se sentar numa luxuosa cadeira que ali jazia,
rodou por trás dele e fitando Miri que jácompreendia parte de suas atitudes e

falou consigo mesmo:


- Danou-se!
A mulher foi reconhecendo canto por canto do recinto como se
desejasse descobrir a história de tudo aquilo enquanto narrava o que lhe

aconteceu, sempre observando as nuances das expressões de Victor ao


descrever as cenas de sua história. No fim, ela reclinou o pescoço para
esquerda e golpeou:
- O que me diz, senhor Victor Obsequens?
Ele somente sorriu, levantou-se e replicou:
- Daremos uma festa!
Aracaê saltou do canto com as suas:
- Adoro festas! Bebidas a vontade, mulherada toda no"xique-xique", e

eu só no cangote das negas...


A meretriz esboçou coçar a garganta para que o acanhado alcançasse
volvendo ao canto de sua insignificância.
- Lá vou eu para solitária de novo!
- Eu o narro uma cena de assassinato com gigantesca relevância dado
o meu passado e o senhor quer dar uma festa?- objetou a mulher.
- Ora Zintrah, vamos, vamos! É para alegrar um dia tão inoportuno,

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celebrar sua vida e a chegada de seus companheiros que se dará a finalidade


desta celebração, confie em mim, será memorável, digna de você!- tentando

amenizar o olhar tenebroso dela. Porém, a prostituta não cortou suas


expectativas, mas que ninguém queria desvendar o restante da ponta daquele
iceberg.
- E como se dará tal comemoração?

Obsequens caminhou até a majestosa escadaria e a respondeu sereno:


- Pedi que pessoas de minha completa confiança, evidentemente, que
entregassem aos seus amigos... - ela o repeliu de pronto:
- Eles não são meus amigos!
O Velho esboçou um riso para acalmar a tempestade Zintrah.
- Modo de falar, minha cara, somente. Cada um de vocês receberia
uma citação que considero muito relevante para que estejam aqui e
compreendam melhor e de uma vez por todas qual o verdadeiro propósito de

tudo isto.- mostrando todo o hall a sua volta.- No seu caso e no de seu
pequeno Miri...- Mais uma vez interrompido, desta vez por Aracaê:
- Pequeno Miri. - imitando uma voz fanha como protesto. - Falou o
gigante!
- Prossiga.- Rogou a Madame.
- Este seria o seu convite. - retirando de um de seus bolsos internos do
paletó de trato italiano.

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Célere, a moça o apanhou e abrindo seus grandes e intensos olhos


verdes foram intrigados pela citação que proferiu em voz alta:

"Todos precisamos passar por nossas crucificações. Quem sabe


esteja chegando a hora de sacrificarmos você, Santa Vadia!"
- Eita, lascou a bodega toda agora!- manifestou-se Miri. - Que diacho
é isto?

Zintrah dobrou o papel cuidadosamente entre os fatos seios e objetou:


- "A Outra Face De Nora Deiel"
Aracaê continuou com a face de quem nada compreendia, então a
meretriz elucidou:
- Uma das frases do meu livro predileto.
Victor sorriu satisfeito sabendo que ela alcançara o intento do convite.
Na verdade, o senhor Obsequens fez o mesmo com cada componente. Uma
vez que todos eram intelectuais ou escritores, sabia que somente uma simples

explicação não ia satisfazer os pensamentos tão densos de cada um deles, e


então contra golpeou, como duvidar da profundez de um homem que estudou
tanto a vida de cada um deles ao ponto de conhecer gosto tão íntimo como
um livro preferido? O que ele queria era provar a cada um e todos de uma vez
por todas o quanto podia ser útil contra aquele que, em dado momento da
trajetória de cada elemento da Liga, marcou de modo intenso e mudou a vida
de todos eles. Obsequens permanecia disposto a tudo para persuadir os tais

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heróis da Liga Literária.


- Parece que o senhor fez bem a lição de casa. - disparou Zintrah.

- Tenho certeza que teremos uma noite inesquecível, minha doce


meretriz. - Pronto para subir os degraus, quando recordou. - Pedirei a uma de
minhas criadas que os guie aos seus aposentos, espero que seja de acordo
com o gosto de vocês.

- Não sendo um caixote, para mim está perfeito. - disparou Miri. -


Estou com o rego que não aguento, nega!- apreciando Zintrah, que não tirou
nenhum segundo o olhar enquanto seguia Victor desaparecer para a esquerda
do alto da escadaria indo em direção à ala leste.
Após alguns instantes, ela o arrastou para um canto:
- O que achou, nanico?
- Da festa? Rapadura pura, nega! Até que enfim esse abestado
linguarudo largou alguma coisa daquela boca de jegue para algo que preste! -

já ensaiando dois para lá e para cá e balbuciando:


- "Ela só quer, só pensa em namorar!"Etcha!
Zintrah levou a mão à testa e desolada confessou:
- Esta praga só pode ser despacho mal feito, gente!
Em seguida, uma doce senhora surgiu pedindo que os acompanhasse
até os devidos dormitórios onde se despediram, aliás a meretriz. O pequeno
pássaro já adentrou em seu aposento com um das mãos na barriga e outra

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agachada como se desenhasse acompanhado de uma dama.


Mas o doutor nem examina,

Chamando o pai de lado


Lhe diz logo em surdina,
Que o mal é da idade,
E que pra tal menina,

Não há um só remédio
Em toda medicina...
Ela só quer...
Só pensa em namorar!
Ela só quer...
Só pensa em namorar...

- Debiloide!- resmungou a meretriz, batendo a porta de seu quarto.

Pela manhã, a mesma senhora veio chamá-los, mas Zintrah já se


encontrava no quarto de Miri, tentava conversar com ele, no entanto...
Logo que soube da festa oferecida por Victor a todos os
componentes da Liga, Aracaê entrou numa espécie de transe festeiro, dentro
de seu refinado aposento onde a meretriz jazia reclinada agora sendo servida
por uma das criadas de Obsequens. O pequeno pássaro briguento disparou a

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velha canção dos anos 80 ao som de Ultraje a Rigor, num som que estremecia
as vidraças, e pulava como um macaco na cama king completamente

aloprado:

"Inútil, a gente somos inútil!

O que fez a empregada ficar severamente assustada e se benzer três


vezes seguidamente, indagando de canto de boca a Zintrah:
- Jesus, ele está possuído é?
Repousando a xícara sobre o pires na badeja, a moça tratou de
acalmar a consorte:
- Não ligue, senhora, ele fica assim todas as vezes que entra em surto
devido à síndrome. - alteando uma das sobrancelhas e cruzando os braços.
- Que surto? Que síndrome? - questionou a mulher com os olhos

esbugalhados.
- "Síndrome Dos Anões Despirocados da Silva"!-Obrigando-a a partir
para cima dele na cama o tomar pelas calças enquanto berrava destinado:
-"A gente escreve livro e não consegue publicar! Inútil a gente somos
inútil!"
Sem a menor piedade, a meretriz pediu que a agregada abrisse a
janela do recinto que era no térreo e arremessou como um saco de batatas

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dentro do chafariz de fadas feito em mármore, avisando-o:


- Vai esfriar essa cabeça! - Bateu as mãos uma na outra como quem

dera o serviço controlado e sorriu apaziguando a criada atônita com toda


cena.- Surto controlado! Com licença, senhora.
Ainda que num chafariz, Aracaê ergueu-se com uma vitória régia
sobre sua abastada cabeçorra e após soltar litros de água:

- Isso me ama que só!


Enfim a noite caiu no castelo, apesar de Zintrah ter especulado e
descoberto algumas coisas que não soube de pronto desvencilhar sendo uma
arma ao seu favor ou não, resolveu resguardar para si.

CAPÍTULO 6 - CONTAGEM REGRESSIVA

Valaistu tinha reunido três homens da comunidade na qual residia

para, juntos, usurparem alguns alimentos. Essa era a única forma de manter
aquela gente: Tirando um pouco dos abastados de Pilarium. A intenção era
parar um carregamento de víveres que tinha como destino um supermercado
da cidade. Enquanto estava na saída da galeria do subsolo da cidade, eis que
lhe aparece um enorme homem. De súbito Valaistu o reconheceu. Era
Higron, um dos encarregados de Victor:
— O que você faz aqui? — perguntou secamente Valaistu.

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— Alguém, que o senhor sabe muito bem quem é, mandou-me aqui


para entregar-lhe este convite. — Logo ao entregar o convite Higron deu de

costas e se foi.
Os homens que acompanhavam Valaistu nada compreendiam. Apenas
se entreolhavam tentando ver alguma explicação naquilo tudo. Já Valaistu
mirava aquele convite com certa raiva e também bastante interesse. Pensava

consigo: “Mais um convite. Mais rodeios intermináveis. Mais lembranças


revisitadas. Mais mistérios. Mais perguntas e menos respostas”. Valaistu
permanecia com o olhar perdido, como se estivesse longe. Então, um dos
homens o interrompeu:
— Senhor Valaistu, não vai abrir o convite?
Valaistu voltou a si e executou a sugestão daquele homem. Qual não
foi sua surpresa, quando abriu o convite, e com letras enormes pôde ler,
enquanto seu coração disparava e um frio tomava-lhe o estômago:

“Não se deixe enganar pela superfície – nas profundidades, tudo se


torna lei”.
— Como aquele velho sabe disso? — inquieto se perguntou Valaistu.
— Sabe do quê? O que está escrito, senhor Valaistu? — um dos
homens inquiriu.
Novamente, com o olhar meio perdido, Valaistu continuou a se
perguntar como Victor sabia tanto de sua vida, a ponto de enviar no convite

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a uma festa em sua residência uma de suas citações prediletas do livro Cartas
A Um Jovem Poeta. Seria o Prodigiorum Libellus que teria revelado esses

detalhes de sua vida? Até onde ele poderia chegar, com estas investidas?
Insistentemente o jovem formulava essas e outras questões.
— Senhor, Valaistu. Tudo bem? — um dos homens se aproximou e
tocou no ombro de Valaistu, enquanto lhe dirigiu a pergunta.

Voltando a si ele respondeu:


- Está tudo bem, Hamilton. Bem... Houve uma pequena mudança de
planos. Teremos que fazer a nossa incursão num outro dia.
Ciana brincava com Gibran perto do lago quando um carro parou ao
lado da casa em que vivia e um homem educado desceu, apresentando-se
como empregado de Victor e entregou-lhe o convite para uma festa. Disse
que viriam buscá-la no horário que estava no convite. Surpresa e ao mesmo
tempo desconfiada, a jovem e seu fiel escudeiro observaram o homem se

afastar.
Só então ela sentou-se no degrau da varanda, abriu o lindo convite
retangular e leu a seguinte frase:
"Se você viver até os 100 anos, espero viver 100 anos menos um dia,
para que eu nunca precise viver sem você".
Ciana recordou-se imediatamente daquela fala do personagem
Heathcliff, de seu livro predileto, O Morro dos Ventos Uivantes. Curiosa,

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pensou como Victor pudera saber daquilo. E o que estaria planejando com
tudo aquilo.

Valentim recebeu um envelope, onde estava escrito:


Quando você quer alguma coisa, todo o universo conspira para que
você realize o seu desejo.
- Paulo Coelho, O Alquimista?

Era na verdade um de seus livros favoritos. A frase também, sempre o


emocionava e lhe dava esperanças para lutar. Mas porque ali naquele
momento? Não importava, sabia que as questões haviam acabado de
começar. E com esse pensamento, preparou-se para mais uma incumbência.
Armand estranhou a natureza inesperada da visita em seu prédio de
um homem mal encarado que cordialmente o entregou o convite com a
menção:
"Ouça! As crianças da noite, que bela melodia elas fazem... Não

acha?"
Damon estava dando uma entrevista sobre seu mais recente filme,
quando um rapaz veio avisá-lo que havia uma visita para o ator no camarim
do estúdio, em nome de Victor Obsequens. Quando chegou lá, o homem
distinto explicou sobre a festa e entregou-lhe um convite. Depois que ele
saiu, Damon franziu o cenho e abriu o convite, dando com a seguinte frase do
livro Ilíada, de Homero, quando Aquiles conversa com seus cavalos e um

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deles, Xanto, de fúlgidos pés, negro e alto, responde influenciado pela deusa
Hera:

"Certo é que ainda hoje te salvaremos, esmagador Aquiles. Mas


próximo está o dia de tua perda; e não seremos nós os responsáveis, senão
um grande deus e o rude Destino."
Damon ficou segurando o objeto, tentando entender como Victor

descobrira que aquele era seu livro predileto.


Alyha recebeu o convite com a seguinte frase de seu livro preferido,
O Príncipe, de Nicolau Maquiavel:
"Todos veem o que pareces, poucos percebem o que és."
O primeiro chegar foi Valentim. Estava usando uma calça preta com
uma camiseta branca solta e um colete colorido e bordado por cima, com
botas. Seus cabelos escuros e barba cerrada davam austeridade a seu rosto
preocupado.

Logo em seguida chegou Armand em uma carruagem romena, velha,


totalmente negra e com um cocheiro fantasmagórico também de preto, sem
rosto visível, suas portas abrem sozinhas e de dentro surge Armand, não veio
fantasiado, mas trajava um fino terno preto e portava uma bela bengala
encimado com uma cabeça de dragão entalhada.
Ele observa o balão que se afasta e entra no castelo atento a tudo a sua
volta.

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Ciana veio logo depois em uma carruagem inglesa de meados do


século XIX, marrom com frisos dourados, puxada por dois cavalos cor de

bronze e conduzida por um silencioso cocheiro de libré. Tinha ficado


surpreendida ao se deparar com tal meio de transporte, uma relíquia nos dias
atuais.
Saltou e chamou Gibran, que latiu animado ao pular no chão. Por um

momento observou a outra carruagem negra, que chegara um pouco antes


dela. Indecisa, olhou para seu vestido rosa abaixo dos joelhos, um dos poucos
que tinha, com decote comportado, e suas sapatilhas de tecido acetinado,
pensando se estaria mal vestida para uma festa daquele porte. Seus longos
cabelos castanho-claros caíam soltos até quase a cintura. De maquiagem,
apenas um batom rosado. Sentia-se um tanto deslocada ali, mas entrou para
ver no que ia dar tudo aquilo.
Damon já tinha feito vários filmes de ação montado em cavalos,

então se sentia muito cômodo no lombo de um. Porém não acreditou quando
um empregado de Victor chegou em frente a seu luxuoso prédio em um
pequeno caminhão, trazendo a reboque um enorme puro sangue negro que
parecia com o cavalo Xanto, descrito na Ilíada. O empregado insistiu para
que Damon fosse à festa montado nele, mas Damon estava cansado daquelas
ideias malucas de Victor Obsequens.
Se não estivesse curioso sobre aquela festa e o fato de Victor

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conhecer tão bem seu livro predileto, teria resolvido ficar em casa lendo e
ignorar tudo aquilo.Irritado, simplesmente deu às costas ao atônito

empregado, pegou seu carro negro e foi para o castelo dirigindo-o, seguindo
o endereço do envelope. A caminhonete com o cavalo o seguiu de perto.
Deixou o carro em frente à entrada do castelo e saiu, balançando a
cabeça ao ver uma carruagem que se afastava.

Aquele velho estava indo longe demais com aquelas maluquices. Só


faltava ter exigido que fosse fantasiado como Aquiles, em vez da calça escura
e o blazer negro com camisa azul-escuro por dentro. Estava sentindo como
se fosse encenar mais um papel de seus filmes e foi assim que encarou a coisa
ao entrar no castelo.
Valaistu dirigiu-se para o local da festa, com certo desconforto. A
sua vida era de muita simplicidade, até mesmo precariedade. Deixar a sua
gente para se esbaldar em uma festa, muito o incomodava.

Na verdade, o jovem não se sentia à vontade. Pensou até mesmo em


não comparecer a esta festa, já que tinha outros trabalhos a desempenhar em
sua comunidade. Além disso, a percepção de que Victor estava quase que
jogando com ele não lhe era muito agradável. No entanto, a citação de um
dos seus livros prediletos fez com que o desconforto fosse colocado em
segundo plano.
Ele queria saber até onde aquele homem poderia chegar. Valaistu foi a

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pé para a festa, com os trajes que normalmente usava. Uma espécie de


vestimenta semelhante aos monges shaolin, só que com cores mais discretas.

Para o apontamento com Victor e os outros membros da Liga, ele foi


trajado com uma roupa toda branca, com uma faixa azul escuro na altura da
cintura.
Alyha chegou ao Castelo na sua motocicleta Dodge Tomahawk,

preta e com acessórios cromados, uma antiguidade para época. Retirou o


capacete, jogou literalmente para um dos seguranças e acenou com os dois
dedos sobre seus olhos diretos para os deles. Uma maneira de díspar de
avisar:
— Cuida ou te pego na saída!
Bem recebidos pelo seu anfitrião, todos se sentiam excelentemente
recepcionados e inquietos de até onde poderia ir à capacidade daquele
aparente velho e bom senhor.

Zintrah já se encontrava vestida a caráter como a psicopata que


tanto admirava Nora Deiel. Não se aproximou de nenhuma das moças, não
era seu intento ou vontade. Ao centro, totalmente possuído jazia Aracaê
balançando todo seu corpinho nada sedutor de um lado para outro ao som da
sua envolvente "Veveta do Coxão" o seu ritmo elegido que causou um
instante de muito frenesi e descontração entre os demais.
— Está fazendo o que, Miri? — perguntou Damon alto, na intenção

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de ser ouvido e não perder a gozação. O baixinho veio contornando o amplo


salão com tudo e na batida baiana só gritava:

—Tô na pipoca, seu "Demo", Tô na pipoca! — continuando a quicar


como um burro xucro.
— Por que ele é assim? — indagou Ciana como quem pensava alto.
— Assim como? Doido? — replicou Zintrah. — Esta peste é

resultado de macumba feita por 1,99, isso sim! — finalizou a meretriz


retirando-se da conversa.
Victor após o primeiro instante da chegada de cada convocado, uma
vez que cada um fora conduzido pelo transporte que aludia ao seu livro
preferido, assim como no convite a frase preferida do exemplar citado,
ausentou-se para seus aposentos sem despertar a curiosidade de nenhum dos
convidados que jaziam entretidos entre si conhecendo uns aos outros e
melhor.

Miri tentou puxar papo com Valentin:


— Aí, moreno galante? — referindo-se ao Cigano, que apenas o
encarou com gelidez.
—Falou comigo? – Indagou mal humorado.
— Oxê! Calma, cabra...
O rapaz deixou-o sozinho e saiu, indo para o outro lado do salão.
Então Miri resolveu soltar seu charme para as mulheres.

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Confiante, ele estufou o peito como um galo garnisé e abancou-se de


Alyha, contemplando-a do alto de seus 1.80 cm.

—Que foi estafermo? Perdeu o que aqui? —rebateu a moça com a


voz altiva pronta para causar.
—Vixe, nem abri a boca, já está me descomugando é? —reclamou o
pobre Miri. Por último avistou Ciana, que não tirava os doces olhos do

elegante e charmoso Damon, que acabara de segredar algo no ouvido de


Zintrah que sorriu deslocando-se, indo apanhar uma taça de vinho.
— Ô minha bela donzela do totó! — abrindo os bracinhos cheios de
amor para dar. Ciana o olhou de susto, uma vez que estava com os olhos e o
pensamento em outra situação; - Miri?
—Sei não, mas caso não tenha notado, também sei mexer o rabinho
como seu cachorrinho e faço "au-au" que é uma beleza! —sorrindo crente
que se daria bem.

—Talvez na próxima encarnação, porque nessa não vai rolar,


definitivamente! — saindo com certa irritação e com seu fiel amigo de quatro
patas a seguindo.
Madame Zintrah, vendo a desolação nos balanços desregrados de
Aracaê no suntuoso canapê o procurou.
—O que foi nanico? Que cara é essa?
Ele revidou:

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—Eita que nessa vida eu também preciso de um chamego de mulher,


nega! Sou nordestino, preciso de um rala-coxa, mas essas "muié" daqui são

tudo cheia do "xique-xique"! — improvisando pose de metido, com os


bracinhos arqueados no ar. A meretriz teve uma ideia:
— Pois danço o rala coxa contigo, agora do meu jeito, topa?
—E como seria isso? —interessado.

—Pegar ou largar, encurtado? —Zintrah arqueou uma das


sobrancelhas.
—Oxê, que dou jeito que estou, ralo coxa até com a vassoura!
- Borá lá! — minutos depois, ao som de "Esperando na Janela" a
cena que todos pararam e riram abastadamente foi Zintrah pondo Aracaê na
cintura e com mãos dadas iam ao ritmo da canção.
— Ai, tá vendo? Esse povo tá mangando de mim! — protestou o
baixinho.

—Cala a boca e aproveita! — Objetou a Meretriz que mal conseguia


concentrar-se na dança dada a graça das circunstâncias.
—Até que não tá tão ruim, ainda tem esses seus "peitão" para me
deixar "maldano" tudo! —e imediatamente Zintrah o jogou no chão e
contestou:
—Agora assim, vá para procurar a vassoura!
A cena hilária permitiu que Damon por curiosidade acendesse ainda

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mais o fervor com uma indagação:


—Aí, pequeno, e qual é o teu livro preferido?

Cheio de marra, Miri objetou com a voz grossa:


—O Menino Maluquinho, por quê?
Damon para não perder a piada:
—Só podia, o problema vai ser arrumar uma panela que caiba nesta

cabeça!
Zintrah com uma taça de vinho passando um dedo molhado entre os
lábios vagarosamente, contragolpeou:
—Neste caso teremos que visitar Monteiro e Sítio do Pica-Pau
Amarelo e roubar o tacho da Cuca!
A gargalhada e o ar descontraído foram cruciais para envolvê-los no
que seria uma verdadeira LIGA.
Cigano se sentia um tanto quanto incomodado naquele lugar e andava

entre os outros, observando-os. Ao passar pela jovem Ciana, percebeu que ela
não percebia nada em volta, seus olhos fixos e atentos em Damon. Ele acabou
se aproximando dela e alertando-a:
—A festa não é só naquela direção. — Ao ouvir, Ciana foi pega em
flagrante e se assustou um pouco.
—Como assim? —Ciana fitou Valentin, tendo uma sensação boa ao
fitá-lo. Desde que o tinha visto na Biblioteca, percebeu que Cigano emanava

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força e confiança. Talvez estivesse enganada, pois eram praticamente


estranhos.

—Não queria parecer intrometido, mas às vezes nem nos damos conta
de uma coisa. E você não consegue disfarçar seu olhar para o ator. Ciana
ficou vermelha, tomou um gole do vinho que não costumava beber e tentou
mudar de assunto:

—Impressão sua. O que está achando disso tudo?


—Confuso, curioso.
Ciana fitou-o com mais atenção. Era a primeira vez que tinham uma
oportunidade de conversar.
—Também acho. Ainda não entendi bem esse Victor. Por que tanto
mistério? Agora mesmo ele sumiu. Como sabe tanto sobre a gente? Será que
o livro conta tudo pra ele?
—O livro ou algo mais. Não sei. – Cigano passou o olhar em volta,

incomodado. Pressentia algo ruim, mas era como se algo o bloqueasse


naquele ambiente. Talvez uma aura mais poderosa ou um clima forjado, não
sabia bem. Ciana concordou com a cabeça, buscando Gibran com o olhar. Ele
dormia quietinho em um canto do tapete. Logo depois, sem querer, seu olhar
buscou novamente a Damon. Ele estava com Zintrah, ambos entretidos em
uma conversa baixa, cheios de segredos. Com um aperto terrível no peito,
voltou-se novamente para Valentin e buscou algo que a distraísse daquele

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sentimento incômodo. Antes que dissesse algo, ele completou:


—Parece que você já tem problemas demais, jovem Ciana. Não

procure mais um.


—Por que diz isso?
—O amor pode ser traiçoeiro. Mantenha o foco, menina. Estamos
cercados de estranhos. E alguém aqui não exala o que diz ser. Não é

confiável.
—A quem se refere?
—Não sei. Pode ser qualquer um. —Eles se olharam —Até eu ou
você. Observe. Não se distraia.
Ela franziu o cenho. Viu Armand a um canto e murmurou:
—Sabe o que me dei conta? De que Armand sumiu quando fomos
atacados na Biblioteca pelos brutamontes.
—É o que eu disse. Alguém, qualquer um, pode ser um perigo. Não

confie em ninguém. É só um conselho. –Cigano falou sério, compenetrado.


Damon estava extremamente excitado com Zintrah, que não
disfarçava ao roçar o corpo curvilíneo no seu. Uma de suas fraquezas eram as
mulheres bonitas, principalmente as morenas sensuais como ela. Mas aquela
tinha algo a mais que o fascinava desde o início. Apesar da atitude jocosa de
meretriz, seus olhos verdes de gata o encantavam com um quê de fragilidade,
que talvez nem ela notasse. Entretanto ele sim notara. No entanto, era

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experiente e entendia quando uma mulher provocava e jogava com ele.


Enquanto se oferecia, velava o olhar e o direcionava também ao homem

calado no canto do salão, que observava em volta como um falcão. Isso o


irritou profundamente.
Damon não gostava de ser usado nem se contentava em ser o segundo
de ninguém. Assim, afastou-se de seus avanços e disse de maneira bem

direta:
—Acho que estamos perdendo tempo aqui, Zintrah. O que quer com
esse joguinho? Provocar ciúmes em seu namorado?
Ela gargalhou ao mesmo tempo em que jogou um das pernas com as
botas até a coxa em seu quadril. Encarando-o de frente e jocosa segredou:
—E isso te deixa irritadinho, é? —passando a língua pelo lábio
inferior.
O olhar dele seguiu o movimento daquela língua e escureceu na hora.

Instintivamente sua mão estava naquela coxa firme, na parte da pele nua, e na
mesma hora seu corpo reagiu, endurecendo. Mas sua irritação não passou
com a excitação. Pelo contrário, deixou-o mais alerta.
—Sim, estou irritado. Não gosto de joguinhos.
—Hum... — Ela abeirou-se inda mais do corpo dele. — O que espera
de mim, Damon? Que prometa amor eterno , case , tenhamos filhos e faremos
amor para resto da vida, infelizes para sempre? Se for isto... — sussurrou em

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seu ouvido, deixando-o mais louco.


—Acho que errou endereço, a donzela aqui está em outra direção! —

e quando arrumou o corpo novamente, roçando os seios no peito másculo


dele, ironizou:
— Cada um ao seu tempo amor... Mas se quiser brincar, eu adoro um
ménage! -soprando bem no céu da sua boca com hálito quente e com cheiro

do vinho que bebia.Damon aproximou ainda mais o rosto do dela e disse bem
sério:
— Pois o que é meu não divido, nem compartilho. Saboreio sozinho
onde quiser quantas vezes eu desejar. Se for um ménage ou uma sacanagem
que quer essa noite, fique à vontade. Como você disse, as donzelas são mais
interessantes. - E sem preâmbulos largou sua coxa e se afastou. Zintrah ficou
admirando-o com certo ar de satisfação. Ela sabia que ele estava nas mãos
dela, era somente uma questão de oportunidade.

Damon caminhou em direção a Ciana e Valentin, entretidos em uma


conversa que parecia séria, e aproximou-se deles, precisando afastar os
pensamentos da morena maldita.
—O que está deixando os dois com esse ar preocupado? —Perguntou
o ator.
Ciana olhou-o de imediato, mal podendo disfarçar a alegria de vê-lo
ali. Contudo a expressão dele não era muito amigável.

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—Falávamos de confiança. Como é difícil de ser conseguida nesse


lugar, no meio dessa loucura. Concorda comigo? — Cigano encarou-o.

— Usou a palavra certa, loucura. —Concordou Damon. Olhou em


volta. — Para que esse convite com nossos livros preferidos e essa festa sem
nexo?
—Victor vai fazer seu suspense antes de nos elucidar o fato. – Cigano

suspirou. — Qual foi o livro de vocês?


—Victor queria que eu viesse montado em um cavalo negro, idêntico
ao Xanto do herói grego Aquiles. Isso dá uma dica do meu livro? —Damon
acabou sorrindo.
Ciana olhou-o com água na boca. Nunca havia se sentido tão abalada
por um homem e a beleza e masculinidade dele deixavam-na tonta. Lembrou-
se do herói grego que admirava em alguns livros que leu cujo ponto fraco era
o calcanhar, e murmurou:

—É Ilíada, de Homero? —Ele concordou divertido.


—E o seu, Ciana? – quis saber Valentim. Damon fixou os olhos azuis
em Ciana. Pensou um momento e opinou quase com certeza:
— Aposto que é um livro romântico. A Moreninha? Ceci e Peri? A
Paixão de Jane Eyre?
—Morro dos Ventos Uivantes. —Corrigiu-o Ciana.
— Ah, sim. Livro de 1847. —Ele concordou. Encarou o homem alto

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como ele: —E o seu, Cigano?


— Um livro sobre uma busca, uma magia, um conhecimento de si

mesmo. – Deu de ombros. – O Alquimista.


Zintrah já havia traçado um plano para aquela noite, pelo menos em
relação a Armand. Seu ar misterioso despertava um interesse grande na
meretriz, que sabendo que era de poucas palavras, abeirou-se dele passando

as mãos nos ombros e segredou:

— Quer?
Armand olha de rabo de olhos, concentrado a tudo em seu redor e diz
ao perceber a chegada de Zintrah:
—Quero muita coisa, moça.
—Hum... - ela sussurra. —E em qual delas posso me encaixar? —
erguendo uma das sobrancelhas com o olhar jocoso que tanto sabia usar em

seus sortilégios femininos, enquanto ensaiava erguer uma das botas para
evidenciar ainda mais suas coxas para o emblemático Armand. Ele se volta
para a mulher e colocando os braços em seus ombros fala perto de seu ouvido
fingindo um beijo ao pé de sua orelha.
—Não sei qual é o seu jogo, mas posso imaginar. Há algo errado
nisso tudo aqui garota, ou só eu que notei? —A meretriz consentindo o
questionamento que lhe pareceu um tanto preocupante, dispara:

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— Por isso mesmo... Não seria a hora perfeita para relaxar... —


dedilhando as mãos sobre o pescoço dele.

—Sim, seria perfeito. Mas me diga, pretende fazer ciúmes a quem? —


Indaga curioso enquanto move os olhos para a parte superior da casa e para
os seus colegas observando-os.
Zintrah rebate gostando da indagação:

—Observador... adoroooo! Meu amado Armand, a questão entre nós é


bem simples. Eu quero você sabe o que, e como, basta que me diga onde! E
os outros, serão somente o que são, os outros, mais nada. O que acha?
Armand sorriu, devia ser a primeira vez que alguém o via fazendo
isso nesse grupo, bom, devia ser a primeira vez que ele fazia isso em meses.
Zintrah percebia que ele era mais tenso.
—Gostei de você guria, não é muito discreta, mas tem seu charme.
Mas vamos deixar isso para outra hora, mas vem comigo, não vamos

fazer agora, vamos deixar os outros acharem que fizemos. Se eu estiver certo,
não teríamos tempo para isso de forma alguma nesse lugar.
—Um homem inteligente. Muito bom. Eu topo!
Zintrah passou por Damon, Ciana e Cigano como se quisesse chamar
a atenção e conseguiu, atraindo os três olhares. Ao tratar com Armand de
encontrá-lo num dos saguões do castelo, a meretriz o deixou ir,indo ao toalete
inesperadamente, e quando passou por Damon com uma cara burlesca,

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colocou algo em suas mãos, seria um bilhete de desculpas?


Na verdade ao abrir sua mão, viu que era sua calcinha rendada da cor

de sangue e ao olhar enfurecido para ela, o respondeu:


—Para você ir se acostumando com o cheiro do que é bom, amor. —E
sumiu da sala, seguindo pelo mesmo caminho que Armand. Damon tinha
ficado um segundo sem ação, uma fúria desconhecida lambendo-o como

fogo. Mas reagiu logo e, sem ter muito o que fazer, enfiou a calcinha no
bolso e olhou desconcertado para Ciana e Valentin. Ciana ficou muda,
desconfortável, e um clima tenso se estendeu entre eles. Cigano murmurou
alguma coisa e se afastou. Ele a olhou, tentando fingir que nada de anormal
tinha acontecido, mas com uma vontade imensa de xingar um palavrão.

A calcinha parecia queimar em seu bolso. Mas antes que pudesse


puxar qualquer assunto que distraísse a atenção de ambos, a jovem o

surpreendeu ao encará-lo bem nos olhos e indagar:


—É isso o que os homens procuram em uma mulher? Uma que se
oferece a todos e anda sem calcinha por aí?
Damon ficou chocado. Não esperava que ela fosse tão direta.
-—Acho que você é muito jovem para entender certas coisas, Ciana.
—Tenho dezoito anos. —Retrucou, um tanto irritada. – Entendo
muitas coisas, mas isso realmente não.

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—Ela só quis me provocar.


— E conseguiu.

—Deixa esse assunto pra lá. Quer dar uma volta, beber alguma coisa?
– Ele passou
O dedo entre os cabelos, desconfortável.
Por fim Ciana percebeu que aquilo não era da sua conta. Mas o ciúme

a corroia por dentro. Teve vontade de se afastar dele, se libertar dos


sentimentos conflituosos que a atacavam, mas ao mesmo tempo sentia quase
que uma compulsão em ficar parto dele.
Assim simplesmente concordou com a cabeça e o acompanhou até o
bar. Depois de algum tempo, em que circulavam e conversavam, as coisas se
acalmaram um pouco na sala cheia de sentimentos e personalidades
contraditórias.
Valaistu, mesmo se perguntando por que estava naquele baile surreal,

com um bando de gente, que ele nem sequer sabia da existência há alguns
dias, conseguia rir dos trejeitos únicos de Aracaê. Cada piadinha, cada fora
dado era, para ele, não obstante toda a loucura que era aquilo ali, motivo de
uma gostosa descontração. Até mesmo a lembrança dos assombrosos
pesadelos que se intensificaram depois do último encontro perdeu prioridade
em sua mente.
Zintrah retornou e achou que depois do trato com Armand e a

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pequena troca de farpas com Damon,chegara a hora de conhecer melhor o


tímido Valaistu. Ela caminhou lentamente e segredou no seu ouvido:

—Você não vai me perguntar qual é a minha fantasia não?


Valaistu se arrepiou ao sentir o hálito de Zintrah e um tanto
desajeitado perguntou:
—Eh... Então do que você está fantasiada, madame?

Ela contornou todo corpo dele insinuando-se burlescamente e


redarguiu:
— Botas altas, shorts de couro, top laranja com luvas e esse perfume
de homem... —esfregando-se ainda mais nele. — Sente? A Outra Face de
Nora Deiel. —bebericando mais um gole do vinho na taça que estava em
uma das mãos.
Valaistu mantinha os olhos fixos naquela mulher. Ele sabia que ela
estava se insinuando para ele, como também já havia feito com Armand e

Damon. Logo que Madame terminou o seu giro ele interviu, para desarmar
todo o cortejo armado por ela:
— Hum... Então você é uma mulher de muitas faces. —Notando a
tentativa de sair pela tangente com a elegância que era peculiar do rapaz,
Zintrah o encarou como quem o colocasse contra parede.
— Mil... Um milhão... Nasci para ser muitas, posso ser todas, a
pergunta é: Qual delas você prefere, hein? — gracejando atraente.Valaistu,

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mais uma vez, tentando se desvencilhar dos tentáculos daquela mulher


ardilosa, desconversou:

— Bem, eu não vim com nada que possa recordar o meu livro
favorito, mas você quer arriscar algum livro?
A Senhora das muitas faces deu um passo atrás e deixou que ele
notasse que o ia detalhando minuciosamente cada adereço de sua vestimenta,

e por fim se manifestou:


—Eu diria que um misto de mago com um poeta...Me faz lembrar um
grande escritor da Terra anterior, Jonathan Gonçalves, e seu notório
Fragmentos de Adeus. Estou muito longe da verdade?
O jovem, com ar quase professoral esclareceu:
— Meu livro é “Cartas a um jovem poeta”, de Rainer Maria Rilke,
do início do século XX. É uma coletânea de cartas, na qual se pode ver a
beleza da alma daquele autor.

— Beleza da alma...Adoro um homem que prefere beleza interior...


—rindo jocosa como sempre. Como se não tivesse ouvido a última
insinuação da Madame, ele prosseguiu, meio filosófico:
—Bem... Já em relação à verdade... A pergunta que me fez é
interessante e profunda. Quem é que de fato está perto dela?
Cigano percebia como Valaistu parecia incomodado com as
provocações de Zintrah e se aproximou deles, indagando com voz baixa:

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—Outro para sua coleção, Madame?


Valaistu, percebendo a solidariedade de Valentim conseguiu ironizar:

— Ufa... Salvo pelo gongo!


A Meretriz lançou um olhar sarcástico e disparou:
— Começo compreender porque você não me atraiu Cigano.
Intrometido!—Cigano não pareceu intimidado com a colocação de Zintrah.

Fez uma cara feia em direção a ela, e voltou-se a Valaistu: — Não sei o que
vocês veem nela. Ela não faz o meu tipo... Que bom que eu também não faço
o tipo dela.
Valaistu, enquanto olhava a saída de Zintrah, segredou a Valentin:
— Ela é uma mulher linda, porém o excesso de vulgaridade a
atrapalha muito... Mas no fundo, bem lá no fundo, isso tudo é uma defesa que
ela utiliza para esconder a sua dor.
Cigano teve que concordar com ele, embora elucidasse:

—Ela mostra sua dor de maneira bem diferente dos demais. Mas cada
um sabe de si.
—Verdade. Não somos nenhum exemplo de superação para julgar
aquela mulher, nem ninguém. —asseverou Valaistu. - Com licença, cigano,
vou tomar um ar puro ali fora.
Logo que a meretriz afastou-se de Cigano, decidiu sentar-se perto da
orquestra que tocava temas trovadorescos que tanto agradavam o Anfitrião

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Obsequens. Foi quando, a silhueta de Alyha, vestida com sua calça jeans
surrada, coturno, camiseta preta, ou seja, como sempre, abaixou flexionando-

se a frente da prostituta:
—Parece que enquanto todos aguardam pelo jantar, você me parece
empanturrada, não é Madame Zintrah, a julgar pela cara do metido a macho
do Armand. — Num tom bem cínico.

Zintrah ergueu-se na mesma hora e Alyha rente a ela. Era talvez o


primeiro duelo que se travaria naquela noite. As duas entre si eram mais que
um incômodo, desconforto ou desavença. Era um embate de personalidades
extremamente fortes e obcecadas pelo egoísmo de lutarem exclusivamente
pelo que desejavam: Sempre pôr-se em primeiro lugar.
— E isso é problema seu por que... Ah! Lembrei, vejam só... —
revidou a madame devolvendo o desaforo. —Não é problema seu vaca ruiva!
—Sei bem qual é o seu lance "vagaba" de quinta. — respingou Alyha

que parecia de algum jeito impacientar-se com o comportamento da


prostituta.
—E eu o teu! —as duas se encararam belicamente. —Agora circula
vaca ruiva, que a noite está quente e eu ainda preciso fechar a conta, se é que
me entende! — ironizando a questão.
—Pessoas como você não precisa existir Zintrah, e nós duas sabemos
disto. — Alyha queria provocá-la.

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—Ah, sabe? —gargalhou, e em seguida disparando: —Foi o teu pai


quem falou te contou, foi? — cutucando-a contra o peito.

— A minha hora vai chegar sua P...


A madame a conteve:
—Pense bem antes de completar a frase, porque de onde eu vim a sua
mãe já passeava há anos! —Alyha se conteve como quem soubesse o que

almejava.
—A minha hora vai chegar...Preciosa Madame Zintrah. —gracejou.
—E nesta hora saberá quem foi que me contou.
—Está me ameaçando, Alyha? —rebateu a provocação.
—Ameaça é para quem tem medo, então a pergunta é: Eu te assusto
Zintrah?
O que fez com que a meretriz esquecesse todo tom de classe que não
era muito ativo e partisse para cima de Alyha, quando Damon a deteve

segurando fortemente seu punho.


—Não precisamos disto, Zintrah! Não aqui, não hoje, não agora!
Alguma razão ainda que fosse de cunho carnal perpetrava com que a
meretriz acatasse algumas das sugestões do ator, e daquela vez não foi
diferente. Ela soltou o braço do dele com força, fitou Alyha debaixo acima
com sangue nos olhos e recompondo-se, antes de dar-lhe as costas pôs o dedo
na cara da sua maior e declarada oponente e desfechou:

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— Anotado vaca ruiva, anotado! —E retirou-se.


Foi o exato momento do retorno de Victor à sala que guardava as

primeiras impressões, atrações, disputas e emoções entre os oito componentes


ali presentes.
— Damas e cavalheiros, queiram me acompanhar ao salão das almas.
- Os oito se entreolharam, mas uma vez ali decidiram segui-lo.

Ao abrir as enormes portas de madeiras, Obsequens disse aos seus


criados Higron e Teles:
—Deixe-nos!
Cada um adentrou contemplando mais uma vez o requinte de todo
lugar, no entanto, no meio só do enorme salão oval, estava uma mesa de
vidro transparente onde no centro talhava o brasão da família Obsequens em
madeira. E nas extremidades da mesa redonda o livro preferido de cada um
dos integrantes. Victor estendeu um das mãos e gracejou:

— Podem brincar minhas crianças! — e seguindo a numerologia,


cada um achando que por intuição aproximou-se de seu livro. Victor se
aproximou da mesa também e pediu para cada um ler o seu trecho preferido.
Armand observava o brasão da família de Victor e o tocou, logo após
sentou-se a frente da edição de Drácula de Bram Stoker. Quando Armand
tocou o livro, viu a luz e um leve sorriso foi percebido em seu rosto. O que
eles não sabiam, era que Victor colocara o livro Prodigiorum Libellus

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naquele pequeno calabouço no centro da mesa, e quando cada um tocasse seu


livro preferido em volta do calabouço, provocariam a abertura instantânea do

livro no centro, além de quê os oito enfim abriram o portal de contagem


regressiva para a tal data prometida, da qual Victor falara em uma ocasião
anterior.
Ciana não acreditou ao ver uma edição de mais de cem anos atrás de

O Morro dos Ventos Uivantes sobre a mesa de Victor. Pegou o livro e o


admirou solenemente, murmurando para Damon a seu lado:
—Está aberto na minha frase preferida:" Se você viver até os 100
anos, espero viver 100 anos menos um dia, para que eu nunca precise viver
sem você”.
Zintrah ao ouvir a citação da jovem para Damon discorreu em tom
imperativo para que a percebesse:“ Todos precisamos passar por nossas
crucificações. Talvez esteja na hora de sacrificar você, Santa Vadia” —E

lançou um olhar maléfico para a Donzela.


Ciana estava tão ligada na leitura do livro, que nem percebeu a farpa.
A cena só foi interrompida porque Aracaê puxou a meretriz pela bota,
que irritada abaixou já pronta para rebatê-lo:
—O que você quer, tampa de pequena mandinga?
Ele confessou:
—Eita, que este povo está todo se pirulitando com esses livros, eu

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não consigo alcançar o meu. —Zintrah pegou o livro do Menino Maluquinho


e antes de entregá-lo, leu por conta própria: "E foi aí que todo mundo

descobriu que ele não tinha sido um menino maluquinho. Ele tinha sido um
menino feliz." —E por um fração de segundo esboçou um riso sincero
entregando o exemplar a quem de fato era seu dono.
Damon observou enquanto os outros pegavam seus livros. Ele

fitou o seu e por um momento pensou em não tocá-lo. A mesma sensação


ruim que sentira na velha biblioteca, sete anos atrás, ao tocar o livro que
despertou seus poderes, estava de volta agora. Ao mesmo tempo, algo o atraía
terrivelmente.
Por fim não resistiu e segurou Ilíada e Odisseia, de Homero. Tantos e
tantos séculos passados e aquelas frases eram ainda as suas preferidas. Leu
em voz alta, mas nem precisaria ler; conhecia de cor:
"Certo é que ainda hoje te salvaremos, esmagador Aquiles. Mas

próximo está o dia de tua perda; e não seremos nós os responsáveis, senão
um grande deus e o rude Destino."
A palavra DESTINO martelou na mente dele.
Cigano olhou fixamente para o livro O Alquimista aberto exatamente
na página onde podia ler a frase que mais gostava:“ Quando você quer
alguma coisa, todo o universo conspira para que você realize o seu desejo.”.
—Pegou-o com cuidado, emocionado como sempre ficava com aquela

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verdade.
Alyha abriu seu livro, O Príncipe, de Maquiavel, e leu alto: —"Todos

veem o que pareces, poucos percebem o que és.".


Como que pressentindo a página onde encontraria o seu livro aberto,
Valaistu, um pouco indeciso, um tanto comovido, mais interiormente que
exteriormente, se aproximou daquela mesa. Ao chegar à mesa, algo estranho

lhe aconteceu, enquanto lia para a si o trecho do livro. Veio-lhe uma forte
sensação de que aquelas palavras foram escritas diretamente para ele. Como
se Rainer Maria Rilke, estivesse ali, ao seu lado, com aqueles olhos cheios de
luzes e tristezas, proferindo lentamente cada palavra.
“Não busque por enquanto respostas que não lhe podem ser dadas,
porque não as poderia viver. Pois trata-se precisamente de viver tudo. Viva
por enquanto as perguntas. Talvez depois, aos poucos, sem que o perceba,
num dia longínquo, consiga viver a resposta. Quiçá carregue em si a

possibilidade de criar e moldar – como uma maneira de ser particularmente


feliz e pura. Eduque-se para isto, mas aceite o que vier com toda a
confiança”.
Enquanto lia cada palavra, o jovem, que lutava para parecer sereno e
calmo diante dos outros, dessa vez não conseguiu.
Ele deixou a máscara cair e se entregou, mesmo que discretamente, ao
pranto. Aquele momento tão surreal naquela festa, com todos a sua volta, não

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foram empecilho para que ele exteriorizasse aquilo que gritava e gemia
dentro dele. Um mundo de perguntas o assolava nas últimas semanas e ele

ansiava o quanto antes encontrar respostas. Estava esquecendo-se de viver as


perguntas.
Quando o último dos oito acabou de ler, Victor retirou um livro com
capa de couro de dentro do alçapão sob o emblema de sua família no centro

da mesa e sob os olhares espantados de todos com o livro que mudara suas
vidas, contrapôs:
—Meu livro preferido. Minha vez. — E ao abrir o Prodigiorum
Libellus, desencadeou o processo. Uma luz muito forte afetou a todos
passando por entre eles.
Uma energia pura, vibrante e luminosa envolveu cada um deles como
uma aura, deixando-os imóveis, assombrados, cada um relembrando o
primeiro contato com o livro. Mas daquela vez a energia era muito mais

intensa e potente, talvez fortalecida pela presença dos oito ali, unidos. Cada
um foi afetado de uma maneira, com lembranças, sensações e emoções
descontroladas, que penetravam neles como farpas, suscitando sentimentos
antigos e guardados.
Valentin teve vontade de chorar ao quase sentir a esposa em seus
braços. Precisava dela de volta em sua vida, com seu filho. Mas então o medo
foi maior que tudo, pois pela primeira vez conseguiu aceitar que talvez nunca

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mais os visse, que estavam mortos.


Naquele momento tomou uma decisão. Não sairia mais do castelo.

Passaria a viver ali, onde buscaria todas as respostas possíveis com Victor
Obsequens. Não havia mais sentido em se manter longe. Agora aquele era
seu lar e seu quartel general. Lutaria até o fim por uma resposta e uma
vingança.

Ciana sentiu um baque dentro de si e vertiginosamente várias imagens


relâmpago espocaram na sua mente, sem controle, rodando e rodando. Os
pais, a casa em que vivia com eles, a alegria e o amor. E ouviu mais do que
sentiu a música, aquela música que ouviu nos seus quatro anos de vida, uma
melodia linda só no piano e no violoncelo, criada por seus pais, uma
verdadeira obra de arte que eles tocariam pela primeira vez no concerto da
Alemanha, quando se mudassem. Há anos não a ouvia, mas nunca a
esqueceu. Assim como nunca esqueceu os pais.

E depois, quando a energia como por encanto pareceu ser sugada para
dentro do livro, a música linda e triste parou. Só restou, então, o silêncio.

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CAPÍTULO 7 - A MÚSICA
Ciana fitou com orgulho os seus tesouros. Na varanda caindo aos
pedaços, escorada com duas toras de madeira para não desabar de vez, o chão
velho e esburacado estava extremamente limpo. E sobre o mesmo uma bolsa
grande e uma cesta guardavam o material que a moça conseguira encontrar

pelos lugares onde andara naqueles últimos dias.


Deitado quietinho sobre o único degrau inteiro entre os quatro que
levavam da varanda ao pátio em frente, o cachorro pequeno e marrom
cochilava. Gibran estava sempre perto dela e Ciana não queria levá-lo ao
Mercado Arcaico naquele dia, pois achava que ia chover. No entanto, ele
odiava quando ela o prendia dentro da casa abandonada, mesmo com comida
e água à vontade. Como a jovem, odiava a solidão. Ambos tinham sido
obrigados a mesma desde pequenos, mas desde que haviam se encontrado

sentiam necessidade um do outro.


— Vamos lá, Gibran. Hoje voltaremos para casa mais ricos. – Ela
sorriu, inclinando-se para pegar a cesta e a bolsa. Na mesma hora o cão
levantou com as orelhas de pé e o rabo balançando.
Ela pulou os dois degraus quebrados e depois no chão de terra batida
do pátio em frente. Em volta havia mato, mas ali ela tomara o cuidado de
capinar. Caminhou até o deque de madeira apodrecida que entrava em boa

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parte da lagoa, evitando os buracos que já conhecia e indo calmamente até o


pequeno barco ancorado ali. Tudo era velho, abandonado, fora de uso. E em

tudo dera um jeito, fizera remendos e agora utilizava como seus. Gibran a
seguia todo animado, já esperando o momento de pular no barco.
— Calmo aí, garoto. — Ela gostava muito daquela alegria dele.
Desde que o encontrara, se pegava sorrindo e se divertindo muito

mais do que nos 14 anos anteriores. Depositou a bolsa e a cesta no barco que
encontrara todo lascado, mas acabara se mostrando em melhor estado do que
imaginara. Com uns acertos aqui e ali, tornara-se o melhor meio para chegar
a Pilarium. — Vai lá, Gibran!
Ele latiu e pulou no barco, que balançou de leve. Mas estava
acostumado e nem ligou. Foi sentar-se na ponta, com a língua para o lado de
fora, os doces olhos castanhos brilhando de expectativa. Ciana soltou a corda
que amarrava o barco no píer e entrou nele com cuidado.

Depois de se acomodar, demorou vários minutos até fazer o motor


funcionar. No fundo do barco sempre levava um par de remos, pois era
temperamental e às vezes precisava remar de volta.Lentamente o pôs em
movimento, deslizando pelo lago de águas limpas naquela parte, onde quase
não morava mais ninguém. A brisa suave que balançou sua franja clara e
espirrou gotículas em seu rosto a refrescou um pouco, já que o dia estava
muito quente e abafado. A moça ajeitou o chapéu na cabeça e aproveitou o

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passeio que durava uns vinte minutos.


Sempre deixava o barco numa prainha solitária e dali caminhava

pouco até o Mercado Arcaico.Durante a viagem, mergulhou em seus próprios


pensamentos e recordou tudo o que havia acontecido no castelo de Victor
Obsequens alguns dias atrás. Aquela festa ficara quase que esquecida perante
o que ocorreu depois que tocaram o livro juntos. Aquelas visões, as sensações

enlouquecedoras e a música.
Ciana não conseguia esquecer aquela música de fundo, a música de
seus pais. O piano e o violoncelo juntos naquela melodia única, mágica,
triste. Era o que mais se lembrava dos pais, quando tocavam em casa aquela
melodia que estreariam na Alemanha. Coisa que nunca aconteceu.
Aquela música só podia significar uma coisa: O assassinato dos seus
pais tinha a ver com a profecia ou com seus poderes, com o fato de ser um
dos oito escolhidos. Pois se não, por que teria sido tocada quando eles

abriram o livro? Angustiada, não conseguia parar de pensar naquilo. Será que
teria finalmente as respostas que procurava? Por que seus pais foram
brutalmente assassinados em casa e o caso foi tratado como violência urbana
e sumiu dos jornais?
Ciana tentou esquecer tudo aquilo um pouco, pois nem estava
dormindo direito. Assim, procurou desviar o pensamento para os livros que
encontrara no dia anterior, em algumas casas abandonadas a leste dali.

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Ficara ansiosa para ler tudo de uma vez, viciada como era.
Infelizmente era dia do Mercado e precisava negociar algumas coisas e

comprar alguns itens de higiene e alimentos. Mas quando voltasse, devoraria


um dos livros até se fartar. Uma das coisas que mais a agradava na casa em
que estava era o fato de ter luz. O último morador tinha feito “gatos” puxando
luz da rua principal e dois cômodos eram iluminados. Assim, podia ler à

noite, ouvir música no velho aparelho que encontrara e não precisava viver
como um morcego no escuro, como já acontecera antes.
Seguiram calmamente pelo lago, como sempre sem encontrar outros
barcos pelo caminho. Quando chegaram ao lugar de sempre, Ciana pulou na
beira da água, molhando os sapatos e as barras da velha calça até os
tornozelos enquanto puxava o barco para a beira e o amarrava no tronco
tradicional. Gibran já corria na frente, todo animado, latindo. Ela ajeitou a
bolsa de lona no ombro e carregou a cesta com a outra mão. Não estavam

pesadas, eram apenas desconfortáveis.

Subiu um pequeno barranco e seguiu pelo caminho de terra e mato até


a estrada próxima, seus pés chapinhando dentro do calçado preto. Jogou a
longa trança para trás do ombro e afastou o suor da testa, tendo certeza que
aquele abafamento significava chuva. Tinha que se apressar para voltar para
casa.

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Evitava de propósito as ruas mais movimentadas. Felizmente o


Mercado Arcaico ficava quase no final da cidade de Pilarium, longe das

câmeras que flagravam tudo que acontecia no centro urbano. Os comerciantes


daquela grande feira onde objetos velhos, obsoletos ou somente em desuso
eram vendidos e comprados, muitas vezes envolviam contrabando de
algumas peças no meio e, portanto, agradeciam as câmeras longa dali. E

Ciana também. Lembrou-se que foi ali que finalmente percebeu que tinha
poderes diferentes, há quase um ano. Estava feliz por ter conseguido vender
alguns objetos que encontrara em suas andanças e queria logo ir embora, por
isso se abaixou e abraçou Gibran na feira. Antes, tinha se aborrecido com o
comprador pão-duro que quis pagar uma ninharia por seus objetos e
discutiram. Ela pensou: um dia vou encontrar um objeto tão valioso que esse
cara vai se ajoelhar e implorar para que eu venda para ele. Vai me oferecer
todo o dinheiro que tem e ainda mais. E eu vou desprezá-lo.

E isso acabou acontecendo de repente. O homem saiu de sua barraca


imediatamente na direção dela, implorando ajoelhado, chamando a atenção
dos outros, querendo os poucos objetos que lhe restaram e ninguém queria
comprar. Ela ficara aturdida, acabara fechando negócio e se afastara logo,
deixando o homem satisfeito com os objetos sem valor, enquanto ela estava
bem mais rica. Não acreditou, estranhou, mas comemorou com Gibran.
Coisas semelhantes começam a ocorrer, até a moça perceber que podia

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manipular algumas coisas, criando situações ou ilusões. Tentou sozinha e


depois achou que só conseguia com Gibran. Passou a usar isso a seu favor,

como um teste. Procurou lugares onde não tinham câmeras, como em feiras e
mercados quase na fronteira da cidade.
Manipulou uma vez um comerciante a oferecer-lhe maçãs de graça.
Ele fez isso. Ela pôs na bolsa e se afastou logo, pois percebeu que a espécie

de encantamento durava pouco. Assim passou a viver, mas não abusava da


sorte. Tinha medo de ser pega e presa e voltar a ficar em um lugar frio e
morto como o orfanato. E também se lembrava dos poucos ensinamentos dos
pais, de respeitar e ser honesta. Tentava abrigar isso ao menos um pouco.
Assim, em geral se virava sozinha sem usar seus poderes. Mas de vez em
quando, ou quando a coisa apertava, não resistia.

Ciana só alcançou que seu poder não dependia de Gibran, mas sim de

contato físico e que, quanto maior o contato, maior a sua manipulação,


quando uma vez foi encurralada sozinha com Gibran em uma estrada deserta
ao voltar para casa, por dois homens mal-encarados, sujos e fedendo a
bebida. Tentou correr, mas eles a agarraram desprevenida. Um ficou
impedindo Gibran, batendo nele com um chicote e o outro a abraçou beijou e
acariciou a força. Ciana gritou, sentiu nojo, cuspiu e lutou. Contudo ele era
forte, suas mãos estavam em todo lugar, sua boca com dentes estragados

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tentando beijá-la. De repente conseguiu se deslocar de onde estava para uns


sete metros de distância. O cara achou que era a bebedeira. Ela percebeu logo

mais uma nuance do poder e furiosa, usou-o. Manipulou para um bater no


outro, até deixar os dois espancados. Eles pararam por conta própria, quando
seu poder acabou repentinamente. Ciana fugiu com Gibran e deixou os dois
machucados para trás, sem entender o que havia acontecido. Por isso

conhecia um pouco melhor a si mesma e ao poder de manipulação que tinha.


Como era muito solitária e não se aproximava muito de outras pessoas, não
sabia ao certo tudo que poderia fazer. Por exemplo, já imaginara inúmeras
vezes até onde iria se um homem a beijasse na boca ou fizesse amor com ela,
duas coisas nas quais ainda era inteiramente virgem. O que isso faria com seu
poder?
Também aprendera a estar sempre alerta e preparada. Andava com
sua pequena machadinha presa à coxa, sob a roupa. E uma faquinha sempre

ao alcance da mão. Nunca ferira um ser humano com essas armas, usava-as
apenas para abater suas caças, já que carne era um produto caríssimo
naqueles tempos e ela aprendera a cortar e limpar galinhas que eram criadas
no aviário do orfanato. Mas de qualquer forma as armas serviam de garantia
para se defender, caso houvesse necessidade.
Chegou à feira barulhenta que só acontecia uma vez por semana e
nessa data ficava geralmente cheia de compradores, negociantes e curiosos.

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Gibran já estava acostumado e caminhava calmamente ao seu lado. Ciana ia


diretamente aos comerciantes que já conhecia e para quem revendia seus

produtos.
A primeira barraca em que parou foi da Mama. A mulher
grandalhona, com cabelos brancos ressecados e longos como de uma bruxa,
rosto entrecortado de rugas que pareciam fincadas à faca e que se orgulhava

de ter 72 anos de idade, era sempre a que Ciana negociava primeiro. Ela era
justa em suas ofertas, gostava de conversar e continuamente tinha algo a falar
de como era o Brasil antes da Terceira Guerra Mundial. Tinha sido carioca,
mas o Rio de Janeiro agora estava boa parte submerso e o que sobrara fora
um amontoado de pedras.
Tinha perdido toda sua família, perambulado pelos estados que
permaneceram e acabou indo parar em Pilarium ao se casar. Agora era viúva
e levava adiante os negócios do marido.

— Menina, estava esperando você! — Mama trovejou com sua voz


que parecia de homem e rouca, pois adorava fumar. Dizia que não se faziam
mais cigarros como antigamente e pagava fortunas para quem conseguisse
cigarros do passado para ela, com nicotina, ou charutos, mesmo que já
estivessem se desfazendo ou mofados. — O que trouxe hoje para mim?
— Algumas novidades. Quer ver? — Ciana gostava de estar ali com
ela e, à vontade, pôs a cesta e a bolsa aos seus pés no chão e começou a tirar

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de lá os objetos e espalhá-los sobre o tablado de metal ao lado da barraca.


— E aí, Gibran? Quer um naco de linguiça? – Animada, Mama tirou

uma linguiça mordida do bolso de seu avental. Ela mesma fazia e se


orgulhava. Era muito engordurada e ela comia crua. Ciana às vezes
comprava, mas fritava e, ao escorrer a gordura, quase não sobrava nada.
Gibran adorava e começou logo a pular e latir. Rindo, Mama arrancou um

pedaço, jogou para ele e mordiscou uma para si própria. Mastigando com a
boca aberta, ofereceu a Ciana: — Quer um pouco, moleca? Precisa de carne
nesses ossos!
— Não, obrigada. – Ciana sorriu. Observou Gibran, que se deliciava
com a linguiça. Terminou de espalhar os objetos e deixou Mama examiná-
los.
— Hum, barbeador. – Ela pegou o objeto antigo em ótimo estado,
ainda na embalagem, suas lâminas intactas. Havia três deles. – Sabe que

tenho um comprador que adora esses! Hoje em dia ninguém mais usa isso,
com esses cremes que passam e o pelo fica sem nascer um mês! Mas ele
odeia o cheiro do creme! Quanto custa?
Elas negociaram até chegar a um valor favorável a ambas. Depois
Mama passou a olhar as outras coisas, separando o que queria e negociando
mais. Havia ali relógios, sapatos de couro que mesmo que faltasse um dos
pés, eram caros pelo material, brinquedos, canetas, um celular, dois livros de

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escola que Ciana já tinha lido, e vários outros objetos. Como sempre, Mama
pegava alguns e tecia comentários recordando-se de outros tempos. Mesmo

com pressa naquele dia, com medo de pegar um temporal quando voltasse
para casa de barco, Ciana se recostou na lateral da barraca e ouviu-a com
atenção:
— Isso aqui e isso eu usava na escola! – Ela balançou a caneta e

apontou para os livros. — Hoje em dia para quê caneta, lápis e papel? Só
digitam por isso todo mundo já está nascendo com dedos mais compridos!
Reparou isso, menina? É a evolução da espécie! O corpo está se adaptando,
mas a mente! – Fazendo cara de nojo e cuspiu no chão.
Atrás de Ciana as pessoas passavam, algumas paravam para observar
os objetos que Mama vendia ou somente escutava com curiosidade seus
brados revoltados.
Ciana sorria curiosa e na expectativa.

— Só tem gente burra hoje! Passam por você e nem te olham! Todo
mundo igual, ligados naqueles aparelhos, que nunca leram um livro na vida!
Olha isso aqui! Livro de matemática, livro de História! Quem sabe o que é
isso hoje, menina? Quem foi Napoleão? Quem foi Getúlio Vargas? Eles
estudam isso na escola? Não, senhora! Estudam porcarias naqueles
computadores! Na minha época eu sabia tudo! De que me adianta esta merda
agora?

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— A senhora sabe fazer contas e negociar. A matemática foi


importante. — Falou um homem alto, que parou ao lado de Ciana sem que

ela se desse conta.


Ciana virou-se para olhá-lo, assim como a Mama. Usava jeans
surrado, blusa preta com estampa de uma banda de rock que há anos não
existia mais, os Titãs, boné, óculos escuros e uma barba negra e cerrada que

escondia metade do seu rosto. Não olhava para nenhuma das duas, mas para
os objetos de Ciana espalhados pela bancada. Ciana sentiu uma pontada de
reconhecimento. Os ombros largos, os braços musculosos, o nariz afilado.
E aquela voz, grossa, rouca e naturalmente sensual, que ouvira há
apenas alguns dias. Não podia ser ele! Mesmo assim ficou com olhos fixos
em seu rosto, meio que na dúvida. Seu coração acelerado alertou-a de que era
ele sim, disfarçado. Damon Luca. Não era possível!
— Você tem razão, rapaz! – Berrou Mama, como se brigasse com

alguém, mas era seu jeito. – Aqui ninguém me enrola nas contas! Tinha uma
professora de matemática em 2013 que era uma fera, a Adélia! Ai de mim se
eu errasse um número!
O homem sorriu para si mesmo e uma parte de seus dentes brancos foi
visto entre a barba. Ciana respirou fundo. Era ele!
Ainda se lembrava claramente do último encontro com ele na festa,
quando sentira-se muito atraída e com ciúmes dele com Zintrah. Aliás, ele

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não saía de seus pensamentos desde que o conhecera.


— O que faz aqui? — Ciana perguntou baixo.

Ele virou o rosto em sua direção. Os óculos escuros não deixavam ver
seus olhos, mas ela sentia seu olhar no mais íntimo de si e estremeceu.
— Sabe quem sou?
— Sei.

Ele sorriu de novo. Mama os fitava curiosa, fingindo examinar os


objetos e de olho neles.
— Continue seu negócio. Depois a gente conversa.
Ciana concordou, mas sabia que agora não podia se concentrar em
mais nada. Até Mama estranhou seu ar distraído, porém ficou com pena de se
aproveitar e levar vantagem na negociação. Ficou com quase tudo que Ciana
trouxe, deixando para ela os poucos objetos da cesta.
— O que você tem aí? — Damon apontou para a cesta.

— Alguns discos e CDs. Infelizmente uns estão arranhados.


— Posso ver?
— Claro.
— Vamos a um lugar mais tranquilo. — Ela concordou e acenou para
Mama, guardando seu lucro no bolso:
— Se tiver novidades, volto na semana que vem.
— Cuide-se, menina. E cuidado com esse aí! Tem pinta de garanhão!

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– Mama piscou para Damon, que se divertia.


— Tchau, Mama. Vem, Gibran. — O cachorrinho acompanhou-a

enquanto Ciana caminhou pela rua do mercado ao lado de Damon. Ele


segurou sua cesta.
— Deixa que levo para você.
— O que faz aqui? – Ela perguntou de novo.

— Sempre venho no Mercado Arcaico. Coleciono livros e música.


Ouvi você falar no Mercado lá na festa e tinha quase certeza que a
encontraria hoje aqui. Pensei que não me reconheceria. Nunca ninguém
reconheceu. — O ator sorriu-lhe de leve.
— Já pensou o que fariam se soubessem quem está sob essa barba?
Principalmente suas fãs?
— Nem quero imaginar! Venha, meu carro está em uma rua
transversal. Ou prefere parar no bar ali e tomar um suco?

— Sou maior de idade, posso tomar uma cerveja se eu quiser.


— Não comigo.
Ciana se irritou, mas ignorou-o. Parou na calçada quase no final da
rua e disse secamente:
— Vamos negociar aqui mesmo. Está armando um temporal e não
posso demorar. Quer mesmo ver os CDs?
— Claro que quero. De quem são?

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— Vários misturados. Alguns guardo para mim, mas esses estão


repetidos. Como conseguiu essa blusa? — Ciana fitou os Titãs. Damon

passou a mão sobre a imagem.


— Mandei fazer. Gosto das músicas deles. Já ouviu?
— Sim. Eu gosto também. Os cegos do Castelo e Marvin são minhas
preferidas. — Damon encarou-a, surpreso. Por um momento ficaram a se

olhar, mas era ruim encarar uma lente. Queria muito ver os olhos dele.
— Você é surpreendente, Ciana. Que artistas do passado você gosta?
— Vários. Muitos. Não gosto das músicas atuais. Adoro também
música clássica.
— Já foi a um concerto?
— Não. Isso é para os ricos.
— Quer ir comigo? — Ciana ficou sem fala. Pensou que ele estivesse
brincando.

Damon continuou:
— Estou com dois convites para a estreia de Luciano de Angelis no
teatro de Pilarium, na próxima sexta. Quando vi que a música clássica é
importante para você, achei que gostaria de ir comigo.
— Você fala sério?
— Muito sério.
Naquele momento pingos grossos de chuva começaram a cair e ela

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tomou um susto. Olhou para o céu cinzento e fez menção de pegar a cesta
que ele segurava.

— Preciso correr! Depois te mostro os discos! Estou de barco e...


— Barco? – Damon segurou a cesta com firmeza, ficando sério. —
Vai sair de barco com esse tempo?
— Eu preciso! Olha, Damon... Hei! O que está fazendo?

O ator havia segurado o braço dela e andava rapidamente para longe


do mercado. A chuva começava a apertar e trovões explodiam no céu. Ao
mesmo tempo a energia já sua conhecida percorria lentamente seu corpo, só
pelo toque dele em sua pele. Tinha certeza de que, se quisesse, poderia usar
seu poder naquele momento.
— Damon, me larga! Para onde está me levando? — Já viravam em
uma rua transversal e domiciliar, onde estava o carro preto e lindo dele.
— Vou te levar para casa.

— Não! – a moça tentou parar e quase pisou em Gibran, que vinha


atrás e ganiu assustado. A chuva começava a apertar. Damon não a soltou e
com a mão livre tirou os óculos escuros. Seus olhos azuis soltavam chispas.
— Entre no carro, Ciana!
— Não! Não vou! Meu barco...
— Você está louca? Quer se matar e matar seu cachorro? — Ele
estava irritado.

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— Mas eu... — Ela se calou, quando ele a puxou na direção do carro,


abriu a porta e pôs a cesta lá dentro. Não adiantava discutir com ele. Ciana

ficou imóvel e se concentrou para manipulá-lo. Nada aconteceu. Tentou de


novo. Nada. Quando Damon a olhou, percebeu a surpresa no rosto dela.
— O que foi? Ciana? — A chuva despencou de vez. Sem cerimônia
ele a empurrou para o banco de passageiros, abriu a porta detrás e incentivou

o cachorro:
— Vamos lá, Gibran, pule aí!
O cachorro não se fez de rogado. Rapidamente entrou no carro e se
acomodou animado no banco de trás. Enquanto Damon corria e entrava pelo
lado do motorista, Ciana fechou os olhos por um momento e respirou fundo.
Gibran ia enlamear todo o carro! E ela não queria que Damon visse o barraco
abandonado em que vivia. Mas o que podia fazer? O barco não serviria de
nada para ela agora. Teria que dar um jeito de chegar em casa, o que já era

um caminho longo em dias de sol. Damon bateu a porta e olhou-a, já ligando


o carro:
— Não se preocupe, vou dar um jeito de levar o barco para sua casa,
Ciana. Vamos, não fique assim. Só quero ajudar.
— Não pedi ajuda. — Resmungou, virando-se e olhando pela janela.
O temporal havia caído de vez. Gibran latiu e Damon completou:
— Ao menos alguém parece feliz com a carona.

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Saíram do Mercado Arcaico e ele arrancou a barba postiça


resmungando. Quando pegaram a estrada principal, Damon indagou:

— Em que direção devo seguir?


— Fica perto da Biblioteca velha. Um pouco antes. – Disse baixo,
sem olhá-lo. O moço ignorou seu mau humor e seguiu em frente.
O silêncio dentro do carro era carregado. Até que uma música linda,

clássica e suave encheu o ambiente e tocou-a. Era um som maravilhoso de


piano e outros instrumentos, entretanto, o que se destacava mesmo era o
violino, espetacular, cristalino. Ciana não aguentou e olhou para Damon. Ele
dirigia com os cantos dos lábios levantados num meio sorriso, como se
soubesse que a música mexeria com ela.
— Que música é essa?
— Air, de Johann Sebastian Bach, tocada ao violino por David
Garrett. — explicou. — Uma raridade. Linda, não é?

— Maravilhosa! – Ciana murmurou. Não pôde deixar de notar como


Damon estava lindo, de volta a sua aparência normal. Deu-se conta que era
rico, famoso, o galã de mulheres mundo afora. E estava ali lhe dando uma
carona até o buraco em que vivia. Ficou vermelha e envergonhada, mas não
havia mais nada que pudesse fazer.
— Fico com os discos da cesta.
— Mas você nem sabe quais são, se estão funcionando ou quanto

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valem.
— Fico com eles. — Repetiu. — Diga quanto custam.

Ficou sem saber. Pensou num valor que cobraria a Mama e disse a
metade do preço a Damon, afinal ele estava lhe dando aquela carona.
— Valem mais do que isso. Quero que cobre o de sempre, Ciana.
Estou acostumado a comprar músicas no mercado.

— Só que compra o que gosta! E nem viu o que tem na cesta!


— Então diga pra mim.
Ela pensou e tentou se lembrar. Sem conseguir, virou-se para trás,
sorriu ao ver Gibran cochilando enrodilhado no banco e pegou com cuidado a
cesta. Ajeitou-a aos seus pés no chão e começou a pegar seu conteúdo.
Encontrara aqueles CDs e discos em um baú debaixo da cama de uma casa.
Estavam em ótimas condições para o tempo que tinham, alguns inclusive
guardados em sacos. Enquanto ajeitava no colo, começou a falar o nome dos

artistas:
— Slipkinot, Michel Teló, Zezé di Camargo e Luciano, Charles
Azavour...
— Quero todos. Alguns eu não conheço, mas de outros sou fã.
— Tem também Chico Buarque, Dominguinhos, Zizi Possi,
Deeppurple... — E ela foi falando a lista toda até o fim. Depois completou:
— A maioria eu gosto, mas já tenho.

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— Demais, Ciana! Você é uma grande fonte! Minha coleção estaria


muito mais completa se tivesse negociado com você antes.

Por fim o clima entre eles desanuviou e começaram a falar de músicas


e livros, duas paixões que tinham em comum. Somente quando o carro se
aproximou da rua em que morava Ciana começou a se sentir mal novamente.
— Pare o carro aqui, Damon.

— Mas onde? Não vejo nenhuma casa.


— Moro aqui perto.
— Deixo você na porta, ainda está chovendo.
— Você é muito teimoso! – Reclamou.
— Ciana, vou acabar passando! Viro aqui?
— É, vire aí! – Irritada, colocou os discos todos de volta na cesta.
Damon dirigiu pela difícil rua de barro, de cenho franzido. Passaram
por poucas casas abandonadas, mas como a jovem não disse nada seguiu em

frente. Até a última, que mesmo para ela que estava acostumada parecia
horrível, cheia de limo, quebrada, caindo aos pedaços.
— É aqui. – falou entre dentes. Mal o carro parou, ela fez menção de
descer, mas ele a segurou firme pelo pulso. Virou-se e encarou-o. — O que é
agora?
— Você mora aqui? Sozinha?
— Com Gibran. — Seus olhos foram para a casa e depois para ela,

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como se não pudessem acreditar.


— Você é uma garota! Sozinha! É perigoso viver aí nesse barraco!

Vou te levar para outro lugar.


— Não vai, não!
— Mas...
— Tenho dezoito anos e sempre me virei sozinha! Agora me larga!

Mas Damon não a largou. Como se falasse com uma criança, fitou-a
com paciência e explicou:
— Sei que não nos conhecemos direito. Mas temos algumas coisas
em comum, como nossos poderes e a tal da Liga Literária que Victor tanto
fala. Possivelmente vamos estar juntos mais vezes. Já até lutamos juntos
contra inimigos! Em nome de tudo isso, me escute: Eu tinha uma irmã que, se
estivesse viva, teria sua idade. Eu nunca a deixaria correr riscos
desnecessários e viver sozinha num lugar desses. Aceite minha oferta,

prometo que não tenho segundas intenções. Pode se hospedar em um hotel ou


em uma das minhas casas. Pelo tempo que precisar.
Ela fixou os olhos castanho-claros nos dele e disse no mesmo tom:
— Agradeço sua oferta e sua preocupação, mas não sou sua irmã. Sei
muito bem me cuidar, é o que faço há anos!
A casa é feia e velha? Sim, no entanto é onde quero ficar. Agora você
pode me largar?

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Damon respirou fundo, imensamente irritado. Mas como ela bem


dissera, não eram parentes. Não podia se meter na vida dela. Contra a

vontade, soltou seu pulso. Ciana já ia se virar, quando a impediu, metendo a


mão no bolso:
— Espere! O pagamento pelos discos. É o dobro do que você falou. E
isso aqui é um intercomunicador. Não reclame! Tenho dezenas desses! É só

apertar essa tecla e entrará em contato com meu número particular. Não
hesite em chamar se precisar de ajuda.
Ciana olhou para o dinheiro e o aparelho ultramoderno que ele lhe
estendia. Sabia que se recusasse ele não a deixaria em paz. Pegou tudo e
olhou-o com firmeza.
— Obrigada. — Antes que ela saísse, acrescentou sério:
— E o concerto? Passo aqui sexta-feira, às sete da noite. Você vai
comigo?

— Vou. – Ciana respondeu, pois era um sonho seu e sentia que o


convite era sincero. – Estarei pronta.
— Cuide-se, Ciana.
— Pode deixar. – saiu do carro antes que ele resolvesse acompanhá-la
ou oferecer mais alguma coisa. Chamou Gibran, que a seguiu correndo pela
chuva. Entraram rapidamente na casa e só então o carro de Damon se afastou.
O teatro era o único ainda de pé na cidade de Pilarium. Geralmente as

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pessoas não tinham tempo ou interesse para ficarem alguns momentos


sentados, observando uma peça, ouvindo um concerto ou assistindo um

musical. Suas vidas eram atribuladas, as redes sociais possibilitavam um


mundo inimaginável e, mesmo que quisessem ver uma ópera, por exemplo,
era só pôr na televisão ou no computador e assistir em sua casa. Todavia com
os ricos era diferente. Quem tinha muito dinheiro podia se dar ao luxo de

perder tempo com aquelas artes.

E assim, aos poucos, ir ao teatro assistir um concerto ou uma ópera foi


se tornando mais restrito e caro, apenas para quem podia se dar aqueles luxos.
E queria.
Em dias que o teatro tinha apresentação, carros luxuosos, seguranças
armados, mulheres em vestidos caríssimos e joias, homens bem vestidos,
eram os únicos vistos por ali. Alguns curiosos até paravam à distância

permitida, admirando aquele desfile de modas e de penteados e os carros


mais modernos e velozes da história da cidade.
Ciana desceu do carro de Damon, quando ele abriu a porta para ela.
Não estava acostumada com o longo vestido verde com fios de prata, nem as
finas sandálias prateadas de salto. Por isso seus movimentos eram contidos e
vagarosos. Não queria dar um vexame caindo de cara no tapete vermelho que
se estendia da calçada até os degraus do teatro. Tinha gastado parte de seu pé

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de meia naquelas roupas de segunda mão, mas que estavam em ótimo estado.
E se sentia feliz com o resultado.

Damon estendeu-lhe a mão e ela aceitou, sorrindo ao parar de pé ao


lado dele. Não conseguia acreditar que estava ali com ele, sentindo-se como
uma princesa pela primeira vez na vida. Estava bem vestida e maquiada,
usando um par de belos brincos que ele lhe dera de presente ao buscá-la e que

ela só aceitara depois de uma discussão entre eles, mas agora se sentia feliz
por ter capitulado. E melhor que tudo, estava na companhia dele.
— Pronta para seu primeiro concerto? – Damon sorriu alto e elegante
em seu fraque negro, seus cabelos pretos domados naquela noite.
— Sim.
Enquanto dava o braço a ele e caminhavam pelo tapete vermelho,
Ciana pensou nos pais. Suas lembranças eram fracas, nebulosas, mergulhadas
em fantasias de uma criança de quatro anos. Mas quase podia jurar que ouvia

a voz da mãe prometendo que quando fosse maior poderia assistir a um


concerto deles. E agora ela estava ali, com Damon, e eles não. Ela nunca
veria um concerto dos pais.
Tentou afastar a tristeza para bem dentro de si, escondendo-a o
máximo naquele momento. Estava ali realizando um sonho, acompanhada do
único homem que desejava no mundo, prestes a mergulhar na música, que
sempre fez parte da sua vida. Não queria desperdiçar nem um segundo

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daquela oportunidade ímpar. Por isso respirou fundo e tentou absorver o


máximo daquela experiência.

Reparou em cada detalhe. No prédio antigo e imenso do teatro, como


se fosse um pedaço do passado belo, arquitetonicamente perfeito, surgido
como mágica no centro de Pilarium. Como as pessoas podiam desprezar
aquilo para ficarem em frente a uma televisão vivendo de ilusão? Por que

aquele prazer se tornara tão seletivo? Se Damon não a convidasse, nunca


poderia entrar em um lugar daquele.
As pessoas que entravam no teatro se cumprimentavam
elegantemente, falavam baixo, eram educadas e comedidas. Não havia a
gritaria do Mercado Arcaico nem a agitação das pessoas no centro de
Pilarium, andando para lá e para cá com suas roupas esquisitas e sintéticas.
Tudo ali era caro, de bom gosto, só para quem podia se dar ao luxo.
Ao adentrarem o saguão do teatro, Ciana arregalou os olhos,

maravilhada. O chão era coberto do mais caro mármore, refletindo a luz


dourada que era projetada por dois grandes lustres de cristais. Colunas
romanas, mosaicos nas paredes e um teto alto e abobadado feito por vitrais
importados retratavam parte da antiga mitologia grega, que como todo o resto
ficavam remetidos a um passado esquecido pela maioria da população, mas
certamente não pelas pessoas que frequentavam aquele lugar.
Ela não sabia o que admirar primeiro, os cristais, as molduras

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douradas, o bronze presente nos bustos, medalhões e nos outros elementos


decorativos, ou ficar olhando os vitrais e mosaicos perfeitamente trabalhados.

Damon sorriu, percebendo o encantamento dela. Seus grandes olhos


cor de mel pareciam maiores, absorvendo tudo, ansiosos por mais. Deixou-a
se embargar na beleza e história do teatro, ele próprio percebendo o quanto
tudo aquilo deixara de tocá-lo desde que se tornara algo rotineiro, comum.

Mas agora quase podia sentir como fora as primeiras vezes em que ele
estivera ali e a emoção que o envolvera, veemente, única.
Pela primeira vez olhou para Ciana não como se fosse uma mocinha,
quase uma irmã. Mas como uma mulher, linda, formada, sensual naquele
vestido que caía até seus pés denunciando suas curvas femininas e as linhas
esguias e suaves do seu corpo. Os cabelos longos, castanho-claros, recebiam
reflexos dourados da iluminação acima dela e caíam em cachos arrumados
sobre seus ombros e costas. Ela estava linda, atraente, exalando feminilidade.

E ele se sentiu chocado ao perceber que estava atraído por ela.


— Algum problema, Damon?
Ciana fitou-o, percebendo-o sério, olhando-a com o cenho franzido,
parecendo aborrecido com alguma coisa.
— Não. Venha, vamos entrar. O concerto já vai começar.
Ela deixou que a guiasse para as escadas duplas de mármore, que
levavam ao andar superior, onde outras pessoas também se encaminhavam. A

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arquitetura e a decoração eram maravilhosas, o salão principal enorme tinha


uma cúpula barroca, dourada, repleta de pinturas e desenhos renascentistas.

As poltronas eram de veludo vinho, o palco gigantesco estava ainda vazio,


mas com todos os instrumentos em seus lugares, preparados.
Ciana se deixou levar para um camarote privativo, onde teriam uma
visão privilegiada do palco. Sentia como se flutuasse, como se entrasse num

mundo de sonhos, jamais sequer imaginado de tão maravilhoso que era.


Damon esperou que sentasse na macia poltrona e ele próprio se acomodou a
seu lado, muito calado.
Ela fixou o olhar no palco, procurando automaticamente o longo e
negro piano que ocupava uma posição de destaque. E depois os violoncelos
encostados nas cadeiras onde seus donos se sentariam. Uma violenta emoção
dominou-a, resquício de um passado onde ela ouvia música em casa e corria
para se sentar no colo do pai ao piano, vendo seus dedos longos deslizando

nas teclas pretas e brancas, fazendo milagres. Ou ao lado da mãe, enquanto


ela sorria e apoiava o violoncelo no chão por meio de um espigão na sua
extremidade, encostava-o entre os joelhos, apoiava-o no ombro e testava a
afinação de suas cordas, criando um som melodioso como se anjos tocassem,
fazendo-a ficar quietinha encantada pela música.
Ciana sentiu vontade de chorar, mas se controlou, mal ousando se
mexer ou respirar. Damon não puxou assunto ou distraiu-a. Ele próprio

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parecia mergulhado em pensamentos, sério e compenetrado como ela. E


assim ficaram até o teatro ficar basicamente em silêncio. Somente então um

homem alto, magro e de meia idade, com cabelos grisalhos até os ombros
apareceu no centro do palco. Ele fez uma ligeira reverência ao público, que
na mesma hora explodiu em aplausos.
— Luciano de Angelis. – Explicou Damon, referindo-se ao principal

concertista daquela noite.


Ciana concordou, sem tirar os olhos do senhor de fraque. Ele
caminhou até o piano, sentou-se, arrumou as partituras. O silêncio voltou
sepulcral. Ela imaginou o pai ali, como se lembrava dele, sempre sorrindo,
belo, com seus cabelos loiros e olhos castanhos.
E aí as mãos de Luciano de Angelis corriam pelo piano e espalhavam
no ar uma melodia linda, maravilhosa, cristalina. O único som que se ouvia,
como se o mundo inteiro se calasse para ouvir música de verdade, criada por

um talento divino, espetacular.


— Esse primeiro ato será só com composições dele. – Explicou
Damon.
Ciana ouviu, mas não teve coragem nem de se mexer. Estava
encantada, presa na cadeira, todos os seus sentidos voltados para o milagre
que acontecia no palco. Seus olhos encheram-se de lágrimas, seu coração
pareceu falhar por um segundo e então, quando ela pensou que explodiria em

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lágrimas, a música acabou.


A plateia aplaudiu efusivamente e ela bateu palmas com força. Olhou

feliz para Damon, que a observava quieto. Sorriu para ele, sentindo-se tão
bem e flutuante como nunca se sentira desde a morte de seus pais. Então ele
sorriu de volta, como se a compreendesse. E uma emoção pura fluiu entre
eles, quase como uma força viva.

Quando os aplausos pararam, uma mulher linda e morena, com longos


cabelos negros e um vestido vermelho escuro até o chão entrou no palco.
Novos aplausos vieram e ela agradeceu. Sentou-se e pegou um dos
violoncelos, apoiando-o entre as pernas. Quando ficou quieta, preparada,
Luciano de Angelis voltou a tocar no piano, agora uma melodia mais lenta,
quase um sonho. E então a mulher o acompanhou, ambos criando magia no
palco.
Damon não conseguia tirar os olhos de Ciana. Ela parecia reluzir,

como se uma aura de imensa luminosidade e felicidade a envolvessem. Podia


quase tocar a emoção dela e sua beleza etérea o encantava. Ao mesmo tempo,
percebia as lágrimas enchendo seus olhos, a respiração entrecortada, sua
extrema concentração. Nunca vira alguém ser tão tocada assim pela música, o
que o deixava impressionado, sem poder parar fitá-la.
A dupla continuou sua apresentação impecável, de uma música
emendando em outra, parando apenas ocasionalmente para mais aplausos.

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Todo tempo Ciana ficou magnetizada por eles, mal notando que as lágrimas
desciam por seu rosto, que sentimentos complexos e puros se imortalizavam

dentro dela.
Eles pararam um pouco. Ela só saiu do encantamento quando Damon
pôs sua mão grande sobre a dela, quase a assustando. Foi então que o olhou
surpresa e viu-o sorrir.

— A música dominou você, Ciana.


— Sim. – Ela molhou os lábios, sentindo-os secos. Sorriu sem graça,
mas ele a interrompeu:
— Não se desculpe por isso.
Sorriram um para o outro e ela saboreou o contato de sua mão sobre a
dela e de seus olhos azuis tão lindos fixos nos seus.
— Por mais que eu viva cem anos, nunca vou esquecer essa noite,
Damon. – disse baixinho. — Obrigada.

Ele sentiu vontade de acariciar seu rosto. Mas retrucou apenas:


— Olha, eles vão tocar mais uma e se retirar. Depois retornam com a
orquestra.
Ciana fitou o palco com atenção. Juntos, Luciano de Angelis e a bela
morena começaram uma música que encheu o ar em uma melodia única,
angelical.
Ela sentiu como se levasse um soco no estômago. Arregalou os olhos

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e praticamente ficou sem ar, muito pálida. Aquela música... Aquela música!
Como era possível...

Inclinou-se para frente e agarrou a sacada de madeira, como se


sentisse dor, arfando, buscando ar. Damon se assustou e apoiou a mão em
suas costas, afastando o cabelo de seu rosto.
— Ciana, o que houve?

Ela não conseguia respirar. A música invadia seu corpo, sua alma, sua
vida. A música do seu passado, que ouvira tantas vezes e que de tudo que se
relacionava a seus pais era a que ela lembrava sem erros, perfeitamente, como
se eles tivessem tocado há pouco tempo. Depois de 14 anos só a ouvira de
novo naquele castelo, quando tocara o livro com Damon e os outros. Como se
mostrasse a ela o futuro, talvez as respostas que tanto procurava. E que agora
Luciano de Angelis tocava no palco.
— Não é possível... — Murmurou.

— Ciana, você precisa me dizer o que está acontecendo! Está


passando mal? — Damon segurava-a preocupado.
Ela balançou a cabeça, confusa, perturbada.
— Era dos meus pais... Eles nunca tiveram tempo de mostrá-la. Como
ele... Como...
Ciana se calou no exato momento em que a música acabava. Pálida,
viu o concertista e a morena deixarem o palco sob aplausos e então soube o

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que o livro revelara ao mostrar aquela música. Se Luciano de Angelis a tinha


em seu poder, ele a pegara em algum lugar. Em sua casa. Seria ele o homem

misterioso conversando com seus pais antes deles serem assassinados?


Poderia ele ter algo a ver com aquele crime?
Ela se levantou de supetão, angustiada. Damon levantou também e
segurou-a firmemente pelos braços, olhando-a profundamente.

— Diga o que aconteceu.


— Preciso... Deixe-me sair...
— Está passando mal? Venha, vamos...
— Não! — Ela se afastou bruscamente, quase como se não pudesse
vê-lo. Parecia fora de si. – Eu já volto, eu...
E saiu correndo do camarote.
— Ciana! – Damon foi atrás, mas várias pessoas saiam dos
camarotes vizinhos para o intervalo e ele perdeu-a de vista entre elas. —

Merda!
Pediu licença aos outros, mas sem saber ao certo que direção ela
tomara.
Ciana mal via quem surgia a sua frente. Desviava, empurrava, seguia
em direção aos fundos, onde deveria ficar os camarins atrás do palco. Tinha
que obter respostas. Aquela era a sua chance de enfim saber o que acontecera
com seus pais, por que aquele homem misterioso os matara, o que aquela

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música tinha a ver com tudo. Desesperada não parou, nem estranhou quando
encontrou o corredor dos fundos vazios. Foi rápido por ele, lendo os nomes

nas portas, até chegar à última onde uma plaqueta indicava: LUCIANO DE
ANGELIS.
Ela não parou para pensar ou se controlar. Os anos de sofrimento e
solidão naquele orfanato, a saudade dolorosa que a acompanhou todo aquele

tempo, a busca incansável por respostas deixou-a cega, nervosa,


descontrolada. Abriu a porta com um safanão e entrou no camarim sem se
anunciar, pronta para arrancar a verdade daquele homem.
Uma poltrona estava de frente para a janela, com as cortinas
levemente abertas. Dava para ver o topo da cabeça grisalha de Luciano de
Angelis acima do encosto. Ciana largou a porta e foi até ele, exigindo num
tom furioso:
— Onde você conseguiu a música dos meus pais? Você a roubou?

Ele não se mexeu, não reagiu. Ciana parou, engolindo a bile que subiu
do seu estômago. Deu-se conta do silêncio e mesmo em meio ao descontrole
emocional, lembrou-se das acusações de assassinato de Madame Zintrah,
encontrada na cena do crime. Contudo já era tarde demais para recuar.
Segurou à poltrona e girou-a de frente para ela.
Luciano de Angelis estava com os olhos arregalados, enquanto de sua
garganta cortada o sangue borbulhava e escorria vermelho, denso, por seu

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peito. Ciana tomou um baque, lembrou-se da mesma cena 14 anos atrás, seus
pais caídos na sala com as gargantas cortadas, o sangue por todo lado, ela

descendo descalça as escadas e escorregando naquele sangue, e gritando,


gritando, gritando...
Pensou que fosse desmaiar, mas então percebeu um movimento e ele
piscou quase como se pedisse ajuda com o olhar. E foi quando ela se deu

conta que Luciano de Angelis ainda estava vivo.


— Oh, meu Deus!
Desesperada Ciana olhou a sua volta e pegou uma toalha. Correu até
ele e pressionou a toalha em sua garganta, tentando estancar o sangue,
sentindo o líquido quente esguichar entre seus dedos, lutando como uma
louca para evitar que ele morresse como seus pais. Inclinada sobre ele, sujou-
se de seu sangue e viu o exato momento em que a vida deixou seu olhar e seu
corpo relaxou na poltrona.

— Não! Por favor! — Continuou a tentar, secando o sangue que não


parava de sair, chorando sem perceber.
Foi assim, debruçada sobre ele, que o segurança negro e grandalhão
que parou na porta a encontrou. Ele olhou horrorizado para o famoso
concertista morto e para ela, cheia de sangue na frente do vestido e nas mãos.
Ciana ficou imóvel, ainda segurando a toalha ensopada no pescoço dele.
— Fique onde está! – Ordenou o segurança, tirando uma pistola da

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cintura e apontando para ela. Ao mesmo tempo, com a outra mão falava em
um aparelho preso a seu pulso: — Emergência! Camarim de Luciano de

Angelis! Urgente!
— Não, eu... — Ciana balbuciou, largando a toalha e erguendo as
mãos. — O senhor não entende, eu...
— Cale a boca! Mantenha as mãos ao alto! Agora! — Ele gritou.

Ciana lembrou-se de Madame Zintrah dizendo que uma armadilha


havia sido armada para incriminá-la e agora acontecia com ela. Alguém
realmente os queria fora de jogada. Alguém que a conhecia o bastante para
saber daquela música e de que ela faria de tudo para desvendar a morte dos
pais.
Ficou imóvel sob o cano daquela arma, sabendo que não poderia
deixar que a pegassem. Mais tarde poderia analisar tudo aquilo com calma.
Agora precisava fugir.

Seu olhar encontrou o do grandalhão e ela sentiu a adrenalina correr


solta em seu organismo. Um impulso cego de sobrevivência dominou-a e ela
juntou todas as suas forças para conseguir seu poder de manipulação.
Mentalizou a arma caindo das mãos dele, mas nada aconteceu. Ela sabia que
não aconteceria. Parte de seu poder ainda era um mistério e ela não sabia usá-
lo direito. O que sabia era que das vezes em que conseguira o poder, antes ela
tivera um contato físico. Seja de amor ou luta. Precisava daquilo para poder

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escapar.
Mas como? Se ela se aproximasse demais receberia um tiro. Assim,

permaneceu quieta, nervosa, arfante, esperando apenas uma oportunidade.


Enquanto isso, falou o mais calmamente possível:
— Eu o encontrei com a garganta cortada. Estava tentando estancar
o sangue com a toalha.

— Fique quieta! — gritou o segurança, sem tirar os olhos e a arma


de cima dela.
Naquele momento mais dois seguranças surgiram na porta, ambos
musculosos e armados. Um deles exclamou ao ver a cena lá dentro:
— Puta merda!
— Chamaram a polícia? – O negro perguntou.
— Vou fazer isso agora. – Um deles, moreno, careca, tão grande
como os companheiros, afastou-se, falando no aparelho em seu pulso.

Ciana começou a se desesperar. Pensou em Damon lá fora. Como


falaria com ele? Como sairia dali? Suas pernas tremiam, o nervosismo era
tanto que ela tinha medo de desmaiar. Não conseguia raciocinar direito.
— Prenda-a. — O negro disse ao terceiro segurança, de cabelos
claros espetados e frios olhos azuis.
— Pode deixar. Não se mexa, mocinha.
Ciana ficou olhando dentro dos olhos dele, tensa, agitada, embora

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permanecesse imóvel. Sabia que poderia levar um tiro a qualquer momento,


mas era a hora de tentar. O da porta a tinha sob a mira. O louro chegou perto

e, quando foi segurar seu pulso, ela se abaixou e investiu com tudo contra a
cintura dele, como um touro atacando o toureiro. É claro que ele mal se
moveu, era bem maior e mais pesado que ela.
Entretanto Ciana conseguiu duas coisas: Ele ficou como uma barreira

entre ela e a arma do outro e a agarrou com força. Ela esperneou e lutou, mas
não o soltou. Sentiu a energia forte e densa se concentrando dentro dela,
como se uma música estrondosa, um rock pesado no amplificador, explodisse
em seus ouvidos, E aí agiu.
Visualizou a arma do negro voando de suas mãos para bem longe. Ele
correndo na direção deles, ao mesmo tempo em que o loiro a soltava e se
virava para o negro. Ela viu-se livre de repente e manipulou os dois
mentalmente para que se agarrassem em um abraço de urso e assim ficassem.

Enquanto corria velozmente em direção à porta, sabendo que seu


poder nunca tinha tempo certo de duração, viu os dois abraçados como um
casalzinho de namorados, embora seus rostos demonstrassem o choque com
aquele fato.
Os saltos altos de suas sandálias atrapalhavam a corrida, mas ela não
parou para tirá-las. Concentrou-se em fugir o mais rápido possível. No
corredor, deu com o outro segurança, que já metia a mão na calça para puxar

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a arma. Imaginou-o abraçando a si mesmo e sendo jogado para trás contra a


parede, onde bateu a cabeça e caiu no chão tonto.

Cruzou o corredor dos camarins e chegou ao longo corredor principal,


ainda com várias pessoas que agora retornavam a seus camarotes. Bateu em
uma senhora sem querer e quase que ambas foram ao chão. Ciana se
equilibrou no último momento e voltou a correr, desviando de outras pessoas

que a olhavam assustadas, horrorizadas com o sangue que a cobria, muitas


saindo de seu caminho no último momento.
Ela procurava Damon desesperadamente e o viu a alguns metros,
parecendo buscá-la com os olhos.
— Damon! — Gritou estridente.
De imediato ele olhou em sua direção e ficou chocado, imóvel por um
momento. Foi quando mais seguranças surgiram e partiram para cima dela.
Ciana se desviou do ataque, ao mesmo tempo em que fazia dois homens de

fraque se meterem na frente dos seguranças e tentarem segurá-los. Um outro,


fez escorregar enquanto se metia em seu caminho. Caiu e ela pulou sobre ele,
por pouco não torcendo o pé. Deu de cara com um brutamonte e já sentia
parte de seu poder desvanecer. Quando ele esticou os braços para agarrá-la,
Ciana se preparou para juntar o resto de sua manipulação, mas então tudo
pareceu parar.
O segurança se tornou subitamente uma estátua, suas mãos a poucos

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centímetros de seu pescoço, seu rosto imobilizado num esgar de fúria. E ela
percebeu que todas as pessoas a sua volta estavam congeladas no tempo, só

ela se movia. Ela e Damon, que tinha o poder de tornar o tempo imobilizado
ou fazê-lo andar em câmera lenta.
Ele surgiu à sua frente, já agarrando sua mão e puxando-a em direção
à saída.

— Vamos sair daqui antes que a polícia chegue. Em que merda você
se meteu?
Ela não tinha condições de falar. Desceram rapidamente os degraus
do teatro, enquanto Damon fazia o tempo parar ali também para quem
circulava. Era como andar no meio de bonecos e ela ficou impressionada com
a facilidade dele em dominar seu poder. Deixou-se levar para fora, até o
estacionamento iluminado.
Damon ligou seu carro com um aperto em seu relógio e eles o

divisaram entre vários outros, seus faróis acesos. Em segundos ele a


empurrava para o banco de passageiros e saía arrancando pela rua em frente
ao teatro, metendo-se no meio do trânsito. Cruzaram com dois carros da
polícia que iam em direção ao teatro e seguiram em frente.
Exausta, arfante e muito nervosa, Ciana fechou os olhos, sem
acreditar que tudo aquilo realmente acontecera.
— Agora você pode me dizer que loucura foi essa? Por que está cheia

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de sangue?
Ela abriu os olhos e respirou fundo, ainda em choque.

— Armaram para mim. Como fizeram com Zintrah.


Damon continuou concentrado no trânsito, muito sério.
— Vou te levar para minha casa.
— Não. Todo mundo me viu chegar com você. O primeiro lugar

aonde vão me buscar será lá. Preciso passar em casa, pegar Gibran e minhas
coisas. Sabe que só posso ir a um lugar. – Olhou-o, já lamentando tê-lo
metido naquela enrascada.
— O castelo de Victor. – Damon afirmou.
Ciana apenas se recostou no banco. E então começou a chorar. Ia ser a
nova companhia de Miri, Zintrah e Valentin.
No dia seguinte, Damon meio que já esperava a visita da polícia no
seu apartamento. Abriu a pesada porta de madeira e recebeu dois policiais,

um homem alto, ligeiramente gordo e com ar de cansado, e uma mulher


atraente, esguia e negra.
Enquanto ele parecia amarrotado e suado, ela estava impecável, com
cabelo preso e a roupa sem rugas.
— Entrem. — Ele escancarou a porta. — Sei por que estão aqui.
— Então pode nos dizer onde está a sua acompanhante de ontem à
noite. – Retrucou a mulher ao passar por ele e, já dentro do apartamento, lhe

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estender a mão: — Luísa Castro. E esse é meu parceiro, detetive Octávio


Lira.

— Acho que não preciso me apresentar. — Damon sorriu sem


vontade e indicou-lhes o sofá da elegante e luxuosa sala.
Depois que todos se acomodaram, a detetive pousou os olhos escuros
e diretos nele e disse sem preâmbulos, ligando um pequeno tablete:

— Qual o nome da sua acompanhante de ontem, senhor Luca?


— Não sei. – Ele deu de ombros e se recostou calmamente.
— Não sabe? – Octavio Lira franziu o cenho. – Como não sabe?
— Era uma fã. Às vezes me acompanham, pois ganham em algum
concurso ou algo do tipo. Não recordo o nome dela.
— Deve saber ao menos que concurso ela ganhou.
— Não me prendo a esses detalhes, detetive Castro. Ontem eu a
acompanhei, ela sumiu em determinado momento e não voltou mais. Vim

para casa, sozinho. Todos devem comprovar que cheguei com ela, mas não
saí de lá com ela.
— Algumas pessoas relataram que a viram correndo pelo corredor,
ensanguentada, depois não se recordam de mais nada. Quando ela sumiu, o
senhor não foi mais visto.
— Saí antes do concerto terminar. Sei que houve o assassinato de
Luciano de Angelis, vi hoje nos noticiários, todavia não posso ajudar vocês.

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Como falei, a moça é uma estranha.


Os detetives trocaram um olhar nada amigável. Quando Octávio

Castro voltou-se para Damon com ar ameaçador, Damon disse de uma vez:
— Tenho um compromisso inadiável agora e infelizmente preciso
sair. Já informei tudo que sabia. Se precisarem de mim, sabem onde me
encontrar.

— Não é tão simples assim, senhor Luca. – Luísa Castro parecia


irritada. — O senhor terá que nos acompanhar à delegacia para responder a
algumas perguntas. Ainda não acabamos.
— Por enquanto terminaram, sim. Se for o caso, me intimem.
Comparecerei então.
— Com seus advogados. — Octávio Lira torceu a boca.
Damon sorriu com ironia.
— É para isso que eles ganham. Infelizmente, não posso dispor de

mais tempo no momento. — Levantou-se. — Se me permitem...


— O senhor entende que não responder a nossas perguntas aqui e
agora pode ser uma confissão de culpa? — A bela mulher se levantou
também, acompanhada de seu colega.
— Entendo como falta de tempo. Aguardo a intimação de vocês. –
Caminhou decidido até a porta. — Tenham um bom dia.
Sabendo que não poderiam forçá-lo a nada, eles saíram de cara

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amarrada. Mas Luísa Castro ainda avisou:


— É melhor o senhor não sair da cidade. Entraremos em contato

logo.
— Aguardarei ansioso.
Depois que eles saíram, Damon bateu a porta e passou as mãos entre
o cabelo. O cerco estava se fechando sobre eles. Teria que ficar bem alerta.

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CAPÍTULO 8 – O SEQUESTRO E O LIVRO.

Era ainda muito cedo, mas Damon não conseguira dormir direito
aquela noite. Depois de todo estresse pelo qual passara acompanhando Ciana
até o castelo, voltou para o apartamento e ficou na sala tomando uma dose de

uísque. Estava tenso, sabendo que era questão de tempo até que um novo
assassinato envolvesse um deles. Depois, ainda naquela manhã, recebeu a
visita da polícia.
O dia fora longo. Terminara seu último filme há algumas semanas e
estava em época de lançamentos. Tinha passado o dia inteiro dando
entrevistas sobre o filme e fugindo de perguntas inconvenientes sobre o
assassinato de Luciano de Angelis no teatro, quando a suspeita era a
misteriosa fã que o acompanhava. A mídia só queria saber daquele fato,

ansiosos com uma nova fofoca. Por fim viera para casa exausto e após um
banho quente, caiu no sofá com vontade de morrer para o mundo.
A enorme tevê estava ligada, porém ele nem prestava atenção.
Pensava no homem que estava por trás de tudo aquilo e foi impossível não
relembrar do passado, de como sua vida mudara de rumo desde que aquele
homem entrara nela. Aquele desconhecido que Damon queria pegar a
qualquer custo.

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Tinha doze anos quando se tornou ator e o sucesso foi instantâneo.


Não era bem o que queria, mas o sonho de Zara Luca, sua mãe. Ela era a

típica cidadã de Pilarium, viciada em tevê, cinema e mídias interativas. Via


no filho um futuro galã e o arrastava para testes como ator de um lado para
outro, confiando em sua beleza e seu encanto natural sobre as pessoas. Até o
nome dele ela havia escolhido baseado em um ator de quem era fã. Pelo pai,

ele se chamaria João.


O pai, Patrício Luca, era o oposto dela. Médico e culto, tinha como
principal distração ler e ouvir músicas. Desde cedo incutiu nos filhos o amor
pelos livros cada vez mais raros e passava horas conversando com Damon
sobre literatura. Até o ponto em que Damon começou a escrever, sonhando
em ele próprio se tornar um escritor.
Mesmo tão diferentes, opostos mesmo, Zara e Patrício se amavam. Se
havia algo que os fazia discutir, era o futuro de Damon. A mãe achava um

absurdo o marido incentivar nele uma profissão quase extinta, que o faria
morrer de fome. E o pai achava o mesmo dela, arrastando-o para gravações
bestas e fúteis. E ele ficava dividido, tentando agradar a ambos. Ainda mais
tendo uma irmãzinha doente, que nunca poderia trabalhar ou seguir o sonho
de um deles.
Quando se tornou ator, o destino decidiu por ele. Ganhou tanto
dinheiro, que poderia pagar os tratamentos caros e exclusivos da irmã Sílvia,

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dando a ela o melhor na medicina, que só os ricos poderiam ter.


Nem seu pai, um médico de classe média, poderia conseguir aquilo.

Assim, Damon investiu na carreira para deleite da mãe, mas nunca deixou de
ler e discutir literatura com seu pai.
Quando fez dezoito anos, já era um sucesso estrondoso em Pilarium.
Sílvia piorou, mesmo com os tratamentos caros, muitas vezes ficava

internada. Não podia andar e tinha várias complicações respiratórias. Mas era
sempre doce, não reclamava de nada e aos onze anos era o amor da vida de
Damon, que fazia o impossível por ela.
Damon recostou-se no sofá, fechando os olhos por um momento. As
recordações o bombardearam.
Ficou claro naquele ano que várias coincidências aconteceram e só
mais tarde ele percebeu. Várias pessoas cruzaram seu caminho falando da
velha biblioteca em Pilarium, muitas tentando convencê-lo a ir lá à procura

de livros raros. Por algum motivo que ele não entendia, ele não queria ir.
Outras pessoas foram lá em busca dos tais livros, amigos, empregados, até o
pai. Mas ele nunca. E mais pessoas apareciam tentando convencê-lo, por isso
mesmo tornando-o mais desconfiado e determinado a não ir. Até aquele dia,
há sete anos.
Sílvia estava internada, mas tinha tido uma grande melhora. Damon
estava com ela quando o médico anunciou que ela teria alta no dia seguinte.

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Eles ficaram felizes da vida e, depois que o médico saíra do quarto, Damon
sentara na beirada da cama dela e segurara sua mão fina e magra, olhando-a

com carinho. Ela reconheceu aquele olhar cúmplice e sorriu, indagando:


— Você trouxe?
— Papai e mamãe vão me matar se souberem. — Ele abriu um
pequeno pacote e ficou exultante ao ver os bombons de puro cacau, que mais

amava. — Só um, porque vai ter alta!


— Eu te amo, Damon! Hum... Quero agora!
Damon estendeu-lhe um bombom e pegou outro para si. Sorriram de
novo, como sempre faziam quando ele realizava aquele seu desejo em
segredo. Muitos alimentos eram proibidos para a menina, mas ele não resistia
a, uma vez ou outra, deixá-la comer um bombom. Juntos, cada um mordeu o
seu. Ela suspirou, revirando os olhos castanhos em júbilo, aproveitando
aquele único como se fosse o último de sua vida. Eles não sabiam que

realmente o era.
Ficaram juntos conversando, rindo, brincando. De vez em quando ela
precisava de oxigênio, pois se cansava rápido. Mas depois ficava bem de
novo.
Damon prometeu vir buscá-la com os pais no dia seguinte. Beijou-a,
acariciou seus macios e lisos cabelos escuros, animado por que a teria
novamente em casa. Era pequenina, magrinha, frágil, todavia era a sua rocha,

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o seu porto seguro.


Quando chegou ao hospital acompanhado dos pais, uma surpresa

amarga os aguardava. A enfermeira, chocada, deu-se conta de que Sílvia já


tinha saído de alta. Estava assinada por Damon Luca. Mas nenhum
funcionário do hospital se recordava de tê-lo visto ali mais cedo. E a
assinatura era falsificada.

O desespero tomou conta dele e dos pais. O hospital virou um


pandemônio. A polícia foi chamada às pressas. Gravações foram vistas e por
fim mostraram Sílvia em uma cadeira de rodas sendo empurrada por dois
homens no corredor, em direção à saída. Um era calvo e levemente
barrigudo. O outro usava chapéu e seu rosto não podia ser visto pela câmera,
só um leve perfil. Era alto, de ombros largos, o corpo até parecido ao de
Damon, mas de resto não se via muito. E Sílvia sorria, quietinha na cadeira,
sem dar sinais de que estava sendo sequestrada.

Damon não entendeu nada. O pavor o dominava e ele quase quebrou


todo o hospital. Exigiu as gravações das câmeras do estacionamento,
enquanto a mãe chorava copiosamente e o pai ficava chocado, sem ação. Foi
naquele momento que seu aparelho comunicador tocou. Nem ia atender, tão
louco de ira estava, mas aí pensou que podia ser alguma informação de Sílvia
e o atendeu, indo para um canto da sala.
— Ela está comigo. Se a quer de volta, não diga nada. Quero você

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sozinho na esquina da Quinta com a Santra, na parte velha da cidade. Hoje, às


seis da tarde. Entre na velha biblioteca e procure o livro na última sala do

corredor à esquerda, sobre a mesa. Abra-o, leia as instruções lá e deposite o


pacote com o valor estabelecido dentro do livro. Ali saberá onde pegar sua
irmã. Se envolver a polícia ou não for sozinho, ela morre. A quantia é de um
milhão de Donares. – A voz masculina, baixa e fria deu o recado e acabou

com a ligação.
Damon sentiu o pavor congelá-lo. Fitou o aparelho e viu que o
número de quem ligara não aparecia. E as palavras dele fizeram sentido em
sua mente abalada. Era um sequestro. Tentou disfarçar, com medo que
alguém percebesse o fato e isso acabasse por influenciar os bandidos a fazer
mal a sua irmã.
O valor pedido era uma fortuna e ele teria que correr contra o tempo
para juntar o estipulado, já que possuía muito dinheiro investido.

E foi o que ele fez. Deixou os pais no hospital para receber a polícia e
disse que correria atrás de ajuda. Saiu logo, um tanto perdido, um jovem de
dezoito anos tendo que resolver a maior tragédia da sua vida.
Ele conseguiu. Às seis da tarde entrava sozinho naquela biblioteca
abandonada e suja, com muito medo. De que fosse uma armadilha, de que
tivesse caído ao não falar com os pais ou com a polícia. De que algo
acontecesse com Sílvia, que era a sua maior preocupação. Não ligava para o

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dinheiro. Daria tudo o que tinha por ela.


Esperou um ataque, que não veio. O local parecia silencioso e vazio,

na penumbra. Caminhou até a sala e viu o livro com pesada capa de couro
sobre uma mesa velha. Vidraças quebradas deixavam a claridade de fora
incidir diretamente sobre ele. Damon se aproximou tremendo, uma sensação
ruim percorrendo seu corpo, seus olhos sem conseguir desviar do livro.

Sentia uma premonição, o prenúncio de que algo maligno o aguardava ali,


mas não via nada além daquele livro.
Depositou o pesado pacote de dinheiro sobre a mesa, ao lado do livro.
Um arrepio desceu por sua nuca. Ao mesmo tempo em que o repelia, aquele
livro antigo o atraía. Sem suportar mais a tensão, abriu-o em uma página
qualquer. Uma energia pura, vibrante e luminosa atingiu-o em cheio, vindo
diretamente do livro aberto. As palavras em latim fizeram um estranho
sentido para ele, quase como se seu inconsciente soubesse do que se tratava

tudo aquilo, mas conscientemente a única coisa que sabia era que aquela luz
lhe dava algo novo, o transformava de alguma maneira.
Reagiu assustado, fechando o livro com um baque surdo. A luz
sumiu, mas a energia parecia percorrer ainda todo seu corpo, espalhando-se
rapidamente, envolvendo-o sem que ele pudesse impedir. Somente quando
voltou ao normal, Damon deu-se conta do motivo de estar ali. Lembrou-se do
telefonema e buscou no livro as tais instruções.

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O papel estava sob o livro. Era raro, fino, branco. Apenas uma frase
curta se destacava em preto, com letras garrafais:

DEIXE O DINHEIRO SOBRE A MESA E VÁ PEGAR SUA IRMÃ A


DUAS QUADRAS DAQUI, SEGUINDO PELA SANTRA, NO VELHO
TEATRO.
Damon não esperou mais. Deixou lá o envelope com a quantia

exigida, junto ao misterioso livro com o qual não tinha tempo de se preocupar
naquele momento. E saiu correndo da biblioteca, seus passos fazendo um eco
surdo no silêncio sepulcral.
Começava a escurecer. As ruas vazias e cheias de escombros
pareciam fantasmagóricas. Ele escorregou em algumas pedras, mas conseguiu
se equilibrar e seguiu em frente, só pensando em Sílvia ali o dia todo, com
pessoas estranhas. E se ela tivesse passado mal? E se tivesse precisado de
oxigênio?

Seu coração disparava, ele tremia, mas correu o mais rápido que
conseguiu, buscando freneticamente com o olhar o local do velho teatro.
Finalmente avistou o prédio grande, com metade do teto e das paredes
desabadas, praticamente um amontoado de pedras. Não se preocupou consigo
mesmo ou se haveria alguém prestes a atacá-lo. Subiu os degraus sujos de
poeira e folhas mortas pulando alguns, velozmente, desesperadamente.
— Sílvia! — Gritou, passando pela entrada ainda de pé. Como a

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metade esquerda tinha desabado, só lhe restou seguir pela direita,


percorrendo o salão na penumbra, olhando em volta com pressa, buscando-a

enlouquecidamente. Entrou em um corredor, chamando-a, afastando uma


porta pendurada do caminho, seu ser em suspenso.
E então a viu na primeira sala, deitada no chão de lado, de costas para
ele, seu corpinho pequeno e magro a um canto empoeirado. Correu para ela

se ajoelhando ao seu lado, sem se importar com as pedrinhas que feriram seu
joelho, já a virando suavemente pelo ombro.
— Sílvia, estou aqui, cheguei, meu bem...
Seu dedo resvalou do vestido amarelo claro para a pele de seu braço,
gelada, estranhamente endurecida. Seu coração falhou uma batida. Ele fitou
seus grandes olhos castanhos abertos, sem vida, sem brilho, imobilizados no
tempo, perdidos para sempre.
— Não... Sílvia... Sílvia!

Damon gritou, puxando-a para seus braços. Seu corpo estava rígido,
muito frio, morto. Mas ele não podia aceitar aquilo. Caiu sentado no chão e a
pôs no colo, abraçando-a com força, tentando reanimá-la.
— Não faz isso comigo, por favor...
Ele a embalava, chorava desesperadamente com aquela dor lancinante
parecendo rasgá-lo por dentro. Suas lágrimas pingavam no rostinho dela, ele
soluçava como um bebê, sabendo que não poderia suportar aquilo.

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Chegara tarde demais. Ela ficara muito tempo longe dos


medicamentos, do hospital. Aqueles malditos mataram sua irmã!

Damon ficou lá com a irmã morta até escurecer completamente e ele


se sentir morto também, vazio, sem forças para mais nada. Por fim alguma
razão retornou. Sem soltá-la, pegou seu aparelho e apertou uma tecla que o
direcionava direto ao pai. Quando ele atendeu, querendo saber

desesperadamente onde o filho estava, Damon só conseguiu murmurar:


— Estou na Rua Santra, dentro do teatro abandonado.
— Mas o que faz aí? Sílvia?
— Ela está comigo.
— Oh, graças a Deus! – Patrício Luca começou a chorar. — Meu
filho, já estamos indo pra aí!
Damon não teve forças de falar mais nada. Largou o aparelho e
continuou com sua garotinha firmemente presa entre os braços. Foi assim que

os pais, a polícia e os paramédicos o encontraram, quando entraram na sala


iluminando-a. Os pais correram para ele, mas vira a menina imóvel, o rosto
dele transtornado, e entenderam tudo. A mãe se ajoelhou gritando. O pai
amparou-a, uma parte dele se acabando para sempre ali. Assim como aquela
família.
Foi difícil tirarem Sílvia dos braços de Damon. Ele lutou e vociferou.
Foram preciso três policiais para contê-lo e um paramédico dar-lhe uma

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injeção calmante para que ele apagasse e pudesse ser tirado dali.
Nunca o dinheiro foi achado, nem o livro. Muito menos os bandidos

que fizeram o sequestro. Damon fez de tudo para encontrá-los, dedicou sua
vida a isso, alimentando o desejo de vingança e de justiça. Sua vida nunca
mais foi à mesma e só piorou.
Ao mesmo tempo, descobriu que naquele dia fatídico ganhou um

estranho dom, que é o de tornar lento ou parar o tempo a sua volta. Pensou na
sensação que teve ao tocar o livro e não soube ao certo se foi ele ou a morte
da irmã que desencadeou o processo. Aprendeu a dominar esse dom e a usá-
lo nas investigações, mas nunca conseguiu descobrir grande coisa.
Sua mãe não aguentou o sofrimento e morreu um ano depois de
câncer. Seu pai desanimou, começou a beber demais, largou a profissão e
perdeu o interesse em seus amados livros. Morreu pouco tempo depois, de
um ataque cardíaco. Damon ficou sozinho. Sua família foi esfacelada num

piscar de olhos. Ele guardou o ódio e o desejo de vingança no interior,


disfarçando com sorrisos e sedução enquanto trabalhava e em sua vida.
Mas nunca esqueceu ou desistiu de encontrar os dois bandidos. Até
que um dia teve sorte.
Três anos atrás um deles foi preso, o calvo que aparecia nas gravações
do hospital, por assalto e sequestro de uma senhora e a polícia o chamou pelo
retrato que Damon fez das gravações e que fazia questão de que a polícia

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nunca esquecesse, pagando para que estivesse sempre visível nos arquivos,
na mídia e nos computadores.

Assistiu ao interrogatório, mas todo o tempo o homem negou


participação no sequestro de sua irmã. Dizia não se lembrar de nenhum
hospital, que nunca tinha pisado naquele lugar.
Pareceu confuso ao ver as gravações dele no corredor do hospital,

mas continuou negando. Irado, vendo que esperar a polícia não adiantaria
nada, Damon parou o tempo na delegacia e entrou na sala de interrogatório.
Ele podia selecionar tranquilamente quem ficava ou não congelado no
tempo. O policial que fazia o interrogatório estava como uma estátua,
segurando o copo de café que levaria até a boca, imobilizado naquela ação.
Sentado à sua frente, o homem calvo e pançudo olhava embasbacado para o
policial, sem compreender o que acontecia com ele. Voltou os olhos
pequenos e muito juntos para Damon, quando entrou na sala e murmurou:

— Ei, cara, acho que ele não está bem...


O primeiro soco fez a cadeira do calvo virar para trás e ele caiu junto
com um grito. Virou para o lado, suas mãos algemadas contra sua barriga,
tentando se levantar e meio tonto.
— Cara, você quebrou meu nariz! — Ele berrou fazendo barulho de
ronco, com sangue descendo pelo rosto.
Damon pegou-o pela frente da blusa e o ergueu, deitando-o sobre a

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mesa de madeira. O homem olhou-o amedrontado, reconhecendo


imediatamente a fúria em sua expressão, sem um pingo sequer de piedade.

— Comece a falar agora!


— O quê? Eu não sei o que...
— Quatro anos atrás, sequestro da menina no hospital. A biblioteca
velha, o livro, seu comparsa que parecia comigo. — Damon disse friamente.

— Já disse que não fui eu! Ah! – Ele berrou ao ver o punho armado.
Direto no queixo. Sua cabeça estalou sobre a mesa e ele começou a chorar,
implorando: — Juro por Deus, cara! Não fui eu!
— Vai morrer de tanto apanhar! Só saio daqui quando souber de
tudo.
— Polícia! Esse louco vai me matar!
Damon socou-o novamente, agora no maxilar, que chegou a fazer um
barulho de osso rachando. Puxou-o, levantou-o e o próximo foi no estômago.

O calvo se dobrou e caiu para frente, vomitando sangue e parte de seu café.
Damon largou-o e ele caiu de joelhos no chão, escorregando em seus próprios
líquidos. Olhou-o com desprezo, sentindo uma vontade imensa de matá-lo de
tanta porrada. Contudo, só depois que soubesse de tudo.
Quando o ergueu de novo, o homem se encolheu chorando,
implorando, todo arrebentado. Damon levantou a cadeira e o empurrou
sentado. Do outro lado da mesa o policial continuava congelado no tempo,

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seu café intocado, seus olhos imobilizados.


— Diga. – Damon ordenou, afastando o cabelo que caía em sua testa

suada. Sua ira fria é que causava mais terror no homem. Olhou-o no fundo
dos olhos e por fim algo pareceu fazer sentido. Recordou-se de alguém, de
um passado não muito distante. Palavras soltas murmuradas por uma voz
masculina e sedutora: “muito dinheiro”, “biblioteca”, “leve-o até o livro”,

“hospital”. E imagens como flashes em sua mente, do ladrilho branco e


estéril do hospital, aquela menina pequena, as paredes verde claras.
Viu que o conhecido homem de olhos azuis se preparava para mais
uma agressão e falou rapidamente, engolindo sangue que descia do nariz para
sua garganta:
— Espere! A garotinha... Ele disse que era fácil...
Damon fitou-o fixamente, aguardando. Sentia o coração parar.
— Não lembro direito, cara! – Gritou confuso, tentando se recordar.

– Me procurou, disse que ia valer muito, só pegar a menina no hospital. Tinha


algo na biblioteca. Levar alguém até um livro! Não me lembro direito! Ele
falava e eu esquecia tudo! Cara tinha algo com a voz dele! E com o olhar!
Não parecia de gente!
— O homem do chapéu com você no hospital. – Damon insistiu. –
Quem era?
— Não sei, estou tentando lembrar! Ele apareceu isso mesmo, tinha

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um chapéu! Porra, que merda ele falou? — O calvo forçou a mente, confuso.
— Parecia que ele tinha me dominado! Aquele olhar, meu Deus! Só fui pela

grana, eu nem queria por que fiquei com medo dele! Mas não deu pra
escapar! Só agora lembro, eu... Levei a garotinha pra lá! Aquele lugar velho...
Era só deixar a menina lá e ficar de olho até me mandar sair...
Damon respirava irregularmente, muito nervoso. O homem continuou

atropeladamente, como se as imagens viessem à sua mente só naquele


momento:
— Ela estava quietinha... Estranha, sempre com aquele sorriso bobo
no rosto. Não reclamou nem chorou. Nem estranhou nada. Quase como uma
boneca. Foi ele, tinha algo com ele, que fazia a gente obedecer! E depois, me
mandou ir embora e ficou lá com ela no lugar velho. Não lembro como saí!
Nem lembrava mais disso! O dinheiro, nem vi! Que merda, cara, o que ele
fez comigo?

— Quem era esse cara? Quero o nome dele!


— Porra, eu não sei! – Começou a chorar de novo, babando sangue,
seu rosto já ficando todo inchado. Via o olhar assassino de Damon e
implorou: — Juro que não sei! Ele fez alguma coisa com meus miolos!
Damon sentiu a raiva beirando a loucura. Teve vontade de acabar de
uma vez com aquele homem, mas algo no olhar dele o impediu. Parecia
realmente confuso, sincero em seu desespero. Seria possível ter realmente

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esquecido? Ter sido usado? Alguém teria o poder de mexer com a mente dele
e de Sílvia? Por isso ela saiu do hospital com eles sorrindo, sem reclamar?

Alguém mais teria um poder sobrenatural, como ele tinha?


Perguntas giravam em sua mente, mas Damon sentiu-se subitamente
cansado. Sabia que não adiantaria mais nada, poderia matar aquele bandido e
ele não diria mais nada de útil. E de que lhe valeria? Pelo jeito ele fora só

uma marionete. Alguém o manipulara e o usara, como usara Sílvia, apenas


para levá-lo aquele livro. Mas por quê?
Damon deixou o calvo todo arrebentado, choramingando e
implorando. Saiu da sala e bateu a porta. Voltou para seu lugar fora da sala de
interrogatório, ajeitou o cabelo que teimava em cair em sua testa e fez o
tempo voltar ao normal para todos que estavam ali. Seu poder só funcionava
no ambiente em que estava. Se alguém tivesse vindo de fora e entrasse ali,
não teria sido congelado no tempo.

Tudo voltou ao normal, mas ninguém entendeu como o bandido


apareceu todo arrebentado num piscar de olhos. Ele chorava e dizia que um
louco o tinha espancado. Foi levado para a enfermaria, para se recuperar, e a
polícia disse a Damon que o interrogatório continuaria quando ele
melhorasse. Damon foi embora e no dia seguinte recebeu a notícia de que o
calvo amanheceu morto. Soube que sua surra não foi o bastante para matá-lo
e o médico disse que parecia sufocamento. Ninguém descobriu como, o que o

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fez ter certeza de que alguém o apagou. O mesmo homem de chapéu que
contratou para sequestrar sua irmã. E que ele faria de tudo para encontrar.

Agora, sete anos depois, Damon entendia tudo melhor. Aquele


homem afetara não apenas sua vida, mas também das sete pessoas que como
ele ganharam o poder através do livro. Quando recebera o bilhete para ir à
biblioteca, achou que era algo relacionado à sua irmã. Agora sabia que era

muito mais que isso.


Cansado, resolveu ir para o quarto tentar dormir um pouco. Estava de
pé, já a caminho do corredor, quando o interfone tocou. Damon o atendeu e
ouviu o porteiro:
— Senhor Luca, os dois policiais que vieram pela manhã estão de
volta e querem falar com o senhor.
— Deixe-os subir. — Falou, sabendo que não tinha alternativa e o
que aquilo significava. Eles estavam com um mandado, ou para depor na

delegacia ou de prisão.
Damon ficou totalmente alerta. Estava claro que algo voltara a
acontecer e que sua vida viraria de pernas para o ar. A polícia e a mídia não o
deixariam em paz até tentar arrancar algo sobre Ciana. Sabia o que deveria
fazer, na atual conjuntura. Calçou um par de sapatos, pôs uma camisa,
separou tudo que mais prezava em uma mochila, desde algumas roupas a
fotos, documentos e dois livros, um conjunto de músicas e voltou à sala no

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exato instante em que a campainha tocava. Deixou a mochila em um canto.


Abriu a porta serenamente, dando com os detetives Octávio Lira e

Luísa Castro.
— Entrem, por favor.
— Senhor Luca, não demoraremos. – Disse Luísa, parando no hall e
lhe estendendo um papel. O mal-humorado detetive ficou ao lado dela, com

um sorrisinho debochado. — Um mandado. Deve comparecer conosco


imediatamente à delegacia.
Damon olhou para o papel, mas não o pegou. Fitou-os com calma.
— Estou sendo preso?
— Ainda não. — Octávio Lira fez questão de frisar.
Damon suspirou. Com um dar de ombros, congelou o tempo para
eles. O homem continuou com o sorriso que parecia dizer “Pegamos você!”
congelado no rosto. Damon examinou-os, guardou suas armas no bolso e

pegou as algemas. Algemou-os juntos. Depois, sem ter mais o que fazer,
pegou sua mochila e saiu, trancando a porta por fora. Saindo do ambiente,
seu poder acabava. Pôde ouvi-los gritando confusos lá dentro e sabia que era
questão de segundos até se comunicarem com outros policiais. Logo a polícia
de toda cidade estaria atrás dele.
Desceu rapidamente de elevador e no estacionamento do subsolo,
jogou a mochila no banco e saiu dirigindo em disparada seu grande e potente

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carro preto. Em questão de segundos estavam na rua, dirigindo-se ao norte.


Damon falou para si mesmo:

— O cerco está se fechando. Zintrah, Ciana e agora eu. Parece que


estamos sendo caçados.
Estava na estrada principal de Pilarium, a caminho do castelo de
Victor, sabendo que era questão de tempo até toda polícia estar atrás dele,

quando, após uma curva, justamente quando devia pegar a ponte que cortava
o rio principal da cidade, começava um grande engarrafamento. Damon parou
o carro e na mesma hora outros vieram atrás dele e pararam, deixando-o
encurralado ali. Não tinha como sair e procurar outro caminho. Tinha duas
opções: sair a pé ou enfrentar o engarrafamento. Mas precisava atravessar a
ponte para ir ao castelo. Assim resolveu enfrentar.
O tráfego estava lento. Só quando virou uma curva, notou o que já
esperava. Havia dois carros de polícia na entrada da ponte. No meio deles o

espaço para passar só um carro de cada vez. E a todos a polícia fazia parar e
examinava. Era uma blitz. A procura dele. O carro se aproximava lento do
local. Ele estava sem opções. Se saísse do carro, chamaria atenção da polícia.
Se ficasse, poderia ser pego. O jeito era arriscar mesmo e usar seu
poder na hora certa para escapar.
Quando chegou a vez do carro dele, dois policiais sinalizaram para ele
parar. Damon obedeceu, até calmo demais.

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Dois policiais ficaram na frente, armados, aguardando. Outros dois se


aproximaram pelas laterais do carro. Damon baixou os vidros até a metade.

Calmamente se voltou para o que parou ao seu lado.


— Sim, policial?
O homem fitou-o atentamente. Reconheceu-o de imediato.
Era um grande fã de seus filmes de ação. Mas toda a polícia da cidade

sabia que ele tinha estado com a assassina de Luciano De Angelis e que
prendera dois policiais em seu apartamento. O policial automaticamente
sacou sua arma e apontou para a cabeça de Damon, avisando ao
companheiro:
— É ele!
O que estava ao lado de Damon rapidamente puxou a arma para ele,
um tanto nervoso.
— Não se mexa senhor Luca!

Damon realmente não se mexeu. Friamente congelou tudo a sua volta.


Observou os dois policiais imobilizados mais a frente. Viu que dava para
passar com o carro entre eles e foi o que fez.
Depois que passou do cerco, afastou-se pela ponte. Atrás deles tudo
continuava parado. À frente seguia-se o espaço vazio, a ponte quase nova
iluminada, esperando por ele. Damon sabia que seu poder só duraria naquele
ambiente. Tão logo saíssem da ponte e virassem na curva, os policiais se

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recuperariam e poderiam vir atrás dele. Assim, quando virou, acelerou o carro
e disse a si mesmo:

— Agora o bicho vai pegar!


Na estrada o carro deslizou velozmente. Do lado direito havia um
paredão de pedra cercando a estrada, do lado esquerdo descia um pequeno
declive com algumas árvores esparsas. Damon percebeu que os carros de

polícia vinham atrás no exato momento em que outro apareceu de repente


mais a frente dele, vindo de outra curva. Foi tudo rápido demais. Os policiais
da frente atiraram em uma rajada contra o carro, que por sorte era blindado.
Mesmo assim, o para-brisa trincou e os pneus da frente estouraram.
Damon lutou para segurar o volante, concentrando todas as suas forças em
impedir que ele rodasse, mas não foi o suficiente.
— Porra!
O carro grande e negro de Damon capotou pela estrada, girando três

vezes sobre si mesmo antes de acertar o carro da polícia que vinha na frente.
Fez com que esse rodasse ainda em movimento e, bem menor, fosse
arremessado pelo declive ao lado da estrada, batendo em cheio no tronco de
uma árvore. Um dos policiais foi arremessado para fora e caiu como um
boneco no barranco, rolando já com o pescoço quebrado e parando no meio
do mato. O outro ficou momentaneamente desacordado.
Por fim o carro parou sobre as quatro rodas, as duas da frente

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totalmente destruídas.
Balançou um pouco e se estabilizou, com o teto e as laterais

amassadas, o para-brisa trincado, mas surpreendentemente ainda no lugar. Só


se ouvia as sirenes do carro de polícia atrás, que freavam de repente.
Damon havia sido protegido pelo cinto e a segurança dentro do carro
luxuoso. Soltou o cinto e de imediato pulou do carro com a arma que tirara

dos policiais na mão, mas nem precisou usar. Simplesmente congelou tudo e
olhou à sua volta, pensando o que fazer. Seu carro estava destruído. Então
apontou para os pneus dos carros dos policias e atirou neles, menos em um.
No que ficou intacto, ele entrou e destruiu o rastreador com uma coronhada.
— Vou dar o fora dessa merda! — Exclamou e acelerou, deixando
toda a confusão para trás. A estrada era longa e ele se afastou muito,
mantendo tudo atrás de si congelado. Os carros que vinham na direção
contrária dele seguiam em frente e paravam ao se deparar com a cena de

policias imobilizados e carros da polícia no caminho, causando um grande


congestionamento.
Para evitar se encontrar com a polícia mais à frente, Damon buscou
ruas secundárias, evitando grandes estradas e percorrendo um caminho bem
mais longo. Mas por fim chegou ao castelo de Victor.
Damon sabia que também seria caçado dali para frente e só lhe
restava ficar no castelo. Já até podia ver o que a mídia faria com o nome dele

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no dia seguinte, mas não podia resolver aquele problema até pegar o maldito
que estava acabando com a vida deles.

Pensou em Zintrah e Ciana no castelo. Motivos tinha de sobra para


ficar por lá.

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CAPÍTULO 9 - PILARIUM – 2051

Uma chuva torrencial castigava a cidade de Pilarium, criando nas


autoridades e na população da cidade um sentimento não muito agradável de
reminiscência, pois há cinco anos uma inundação assolou toda a cidade, não

poupando nenhuma região, tanto as mais abastadas, como também as mais


humildes. O rio que corta a cidade estava quase transbordando; na avenida
litorânea, as ondas já haviam coberto parte do suntuoso calçadão, que nos
dias agradáveis, era invadido pelas pessoas abastadas da cidade, para
correrem, conversarem, se divertirem.
Depois da última guerra, era notável que a própria natureza havia
perdido seu equilíbrio. Em pleno mês de agosto, época de secura e poucas
chuvas, tempestades enormes se formavam. Às vezes, o contrário também

ocorria. No verão, época de temperaturas elevadas, a cidade de Pilarium, que


fica no nordeste do país, famoso por ter quase o ano inteiro um clima
tropical, era assolada por temperaturas baixas, para aquela região.
— Oficial Casadei! Oficial Casadei! — uma voz estridente ecoava
no cérebro daquele homem, que repousava em sua casa, depois de um dia de
trabalho intenso.
Aquele chamado parecia ter vindo do CMP (Central de

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Monitoramento de Pilarium), órgão da polícia da cidade responsável por


monitorar qualquer tipo de acontecimento anômalo. Quando algo de estranho

acontecia um policial, que estava necessariamente conectado a esta rede, era


acionado. Em Pilarium e na maioria das metrópoles do país, todas as
comunicações aconteciam através de um chip, inserido nos cérebros das
pessoas.

Ao despertar naquela hora com tal chamado, o oficial Casadei se


levantou rapidamente e logo se colocou em prontidão:
— O que está acontecendo? Espero que seja algo bem importante
para eu ser acordado às duas da manhã. — enquanto falava,
contemporaneamente, o oficial se vestia. — Faça-me um relatório sintético da
situação, Central.
— Moradores da Rua Sete, do bairro da Alvorada estão enviando
mensagens para a nossa central relatando que há uma movimentação suspeita

em uma das casas da vizinhança.


— “Movimentação suspeita em uma das casas da vizinhança”? Não
estou acreditando que fui acordado por causa disso. Não tem nada de mais
claro, não? — o oficial já tinha se vestido e começava a descer as escadas.
— Não. Por enquanto é só isso que temos. – respondeu secamente a
voz da Central.
Ao se aproximar da janela de sua sala, que tinha uma visão

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privilegiada da cidade, aquele homem disparou, sem qualquer pudor:


— Que porra é essa? O céu está desabando lá fora e a Central quer

que eu vá em missão para monitorar briguinhas de vizinhos!


— Contenha-se, oficial Casadei. Tal vocabulário não é adequado
para um policial.
Se for do seu interesse saiba que a proporção do número de

reclamações, juntamente com o conteúdo das mesmas que eram


convergentes, além do fato de que aquela região da cidade não possui um
histórico de comunicações erradas ou mentirosas, levou a central à
constatação de que algo de grave pode ocorrer ali. Além de tudo, você é o
que mora mais próximo daquela rua. – mecanicamente ponderou a voz.
— Tudo bem. Já vou sair. Em quinze minutos estarei lá. Mantenha-
me informado.
— Se possuirmos dados atualizados entraremos em contato

imediatamente.
Enquanto isso, no interior da casa denunciada, um drama que adquiria
proporções assombrosas se desenrolava.
— Cadê a criança? — perguntou com impaciência um homem, que
trajava os distintivos da polícia local, a uma mulher e seu esposo, que
estavam amarrados, cada um em uma cadeira, na sala daquela casa.
— Policial, o senhor invadiu nossa casa, apontou uma arma para nós e

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nos amarrou. Que absurdo é esse? Nós somos cidadãos de bem. Temos os
nossos direitos. Isso é um abuso de poder inaceitável. – redarguia o homem,

sem muito sucesso.


— E o que o senhor quer com o nosso filho? — emendou a mulher,
visivelmente nervosa, embora tentasse de todas as formas manter o controle.
— Quem faz as perguntas sou eu! — rebateu o policial, com os

dentes cerrados.
— Não precisa gritar. Não somos surdos. — ironizava o homem.
— Cala a sua boca! – gritou o policial, ao mesmo tempo em que
desferia um soco naquele homem, totalmente indefeso.
No mesmo instante, a mulher soltou um grito e uma súplica, mais
para si do que para os céus:
— Oh, meu Deus! — chorando e com a voz embargada de espanto
continuou – O que nós fizemos de errado? Por favor, nos deixe em paz!

— Logo eu deixarei vocês em paz. – depois de falar isso, como se


estivesse conversando consigo mesmo ele prosseguiu, com um olhar perdido
— Droga! Um policial foi contatado. Bem... Vejo que terei de usar de uma
metodologia mais cruenta, mas provavelmente essa dor vai me servir mais
adiante. — Ao terminar de formular a frase, um ruído que vinha do interior
da casa, mais especificamente de um dos quartos de hóspedes, fez com que o
policial esmiuçasse um sorriso malicioso e soltasse a estranha frase:

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— Agora pude te rastrear, minha criança. É só liberar este infeliz e me


apoderar de você. Você tem um potencial incrível. Então terei que ferrar com

sua vida, para limitá-lo. — Ao concluir a frase, o policial soltou uma


gargalhada escandalosa.
Atônitos, os pais da criança procurada olhavam o diálogo solitário do
policial. Parecia que ele estava fora de si. Logo após aquele diálogo sinistro,

o policial começou a gritar:


— Ai, minha cabeça! Ai! Que dor é essa? — a dor era tremenda, que
não resistindo a ela, o policial caiu de joelhos no chão e se encolhia todo.
Fincadas atrozes assolavam a sua cabeça. Tamanha era a pressão.
Aos poucos, ao passar o agudo da dor, o policial conseguiu abrir
lentamente os olhos e enfim, pôde perceber onde estava. Sem saber tudo o
que havia acontecido naquele recinto até então, o policial dirigiu-se àqueles
dois seres aterrorizados:

— O que está acontecendo aqui? Onde estou? Quem são vocês?


O casal olhava aquela cena e já não conseguia entender mais nada.
Eles se perguntavam se aquilo estava mesmo acontecendo. Parecia tudo tão
surreal, tão absurdo que faltavam as palavras mais exatas para exteriorizar o
horror sentido.
— Por que vocês estão amarrados? — continuou a perguntar o
policial, sem, no entanto, obter resposta. Depois de um momento de silêncio

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ele suplicou — Falem alguma coisa, pelo amor de Deus!


Neste instante o homem vociferou:

— Você nos amarrou, seu idiota! Você me deu um soco, seu


imbecil! Invadiu a nossa casa em busca de nosso filho, seu lunático! Você
está louco? Está drogado?
— O quê? Eu não... Eu não me lembro... Eu não fiz isso! – espantado,

o policial tentava se justificar.


— Meu Deus, eu não consigo acreditar nisso. É algum novo episódio
daquele reality show maluco? Tem alguma câmera escondida ali na parede?
— chorosa, a mulher formulava tais questionamentos. A necessidade de
exprimir alguma coisa, mesmo que sem sentido fazia-se necessário para ela.
— Eu vou desamarrar vocês.
Ao dizer isso o policial foi em direção da mulher e começou a
desfazer os nós. Enquanto tentava fazê-lo repetia, quase que mecanicamente:

— Eu vou desamarrar vocês...


A chuva ainda castigava Pilarium. Os rios tinham transbordado. As
ruas, por mais modernas e bem projetadas, não comportaram o volume
intenso de água que desabava.
— Central... Essa merda de chuva vai me atrasar um pouco. Não tem
outra rota que me faça fugir dessa área alagada, onde me encontro? —
impaciente, o policial questionava.

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— Contenha-se, oficial Casadei. Tal vocabulário não é adequado


para um policial.

— Tá... E a rota?
— O sistema ficou um pouco mais lento, por causa da intempérie,
oficial, mas em alguns segundos o seu cérebro verá a nova rota. —
Justificava-se a CMP.

— Ok.
Ele tinha conseguido desamarrar um dos três nós, que mantinham a
mãe da criança, firmemente atada à cadeira. Agora já estava no segundo.
Porém, antes de conseguir desatar o segundo nó, uma fisgada aguda atingiu a
parte interna de sua coxa direita. No mesmo instante o homem urrou de dor,
misturada com desespero, pois ao se virar ele viu uma criança, com olhos
perdidos e sorriso macabro empunhando uma faca ensanguentada. O
desespero apoderou-se completamente dele quando ele viu o seu sangue

jorrando e banhando seu uniforme e o piso daquela sala.


— Meu Deus! Meu Deus! Menino olha o que você me fez. — ao
tentar se locomover o homem caiu por terra, pois o corte tinha sido profundo.
Ao ver aquela cena, os pais se desesperaram. O pesadelo era preferível àquela
realidade atroz e pavorosa. O homem ensanguentado tentava se comunicar:
— Emergência! Ajude-me! Sou o policial Antônio do Carmo de
Sousa. Estou gravemente ferido. Oh, meu Deus, não para de sangrar!

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Uma voz respondeu prontamente:


— Temos os seus dados policial e já detectamos a sua localização.

Uma unidade de emergência chegará o quanto antes.


O policial urrava, aos prantos:
— Eu não quero morrer! Eu não quero morrer assim... Sangrando...
Sangrando...

— Como um porco. — completou a criança, com uma voz levemente


jocosa.

— Menino, me ajuda, por favor – o policial, inutilmente suplicava.


— Valaistu, desamarra a mamãe. Não podemos deixar esse homem
morrer assim. Vem. Desamarra a mamãe.
Valaistu olhava a mãe suplicando e não reagia. Então o pai interviu:
— Filhão, vem logo. Desamarra a mamãe para que ela consiga salvar

a vida deste homem.


Algumas quadras antes de chegar ao seu destino, o oficial Casadei
recebeu uma nova mensagem da CMP:
— Temos um policial ferido gravemente, na casa denunciada.
— O quê? Tem um policial lá!
— Pelo o que consta no nosso sistema, ele não recebeu uma
autorização para se dirigir para aquele bairro.

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— E como ele foi parar lá?


— Não tenho dados que comprovem alguma motivação para ele se

dirigir àquele local. – respondeu de imediato a central.


— Se não fosse essa chuva do caralho... Eu já teria chegado.
— Contenha-se, oficial Casadei. Tal vocabulário não...
— “não é adequado para um policial”... Tô cansado de ouvir essa

ladainha. – retrucava o policial, ao acelerar o carro.


Mesmo com a insistência dos pais o menino parecia não reagir. Ele
olhava com frieza aquele homem se debatendo. Depois de certo tempo em
silêncio, recusando-se a reagir às súplicas dos pais, o menino, como que por
encanto, voltou a adquirir um brilho nos olhos. Então ele proferiu:
— Mamãe, papai... O que... Tô com medo. – imediatamente o
menino começou a chorar, ao ver o policial se debatendo e os seus pais
amarrados, tomados de espanto.

— Vem cá, meu filho... Desamarra a mamãe. Vem.


— Rápido Valaistu. Esse homem não tem muito tempo. – completou
o pai da criança.
A criança tentou se movimentar, mas não conseguia. Parecia que uma
força maior o impedia de se locomover.
— Eu não consigo... Eu não consigo. – lamentava-se o garoto.
— Socorro... Ah... Me... – o policial já tinha perdido muito sangue.

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Um frio aterrorizante começava tomar conta de seu corpo. Era o sinal de que
ele tinha poucos minutos de vida.

Nesse instante uma voz macabra, novamente se apoderou da criança e


falou para ela mesma:
— Veja criança. Veja! Olhe os olhos dele, o empalidecimento
acelerado. A morte chega sorrateiramente, Valaistu. Quem fez isso?

Foi você, minha criança. — a mão que não segurava a faca, como se
fosse à mão de outra pessoa, acariciava o rosto de Valaistu- Você matou
aquele homem. E não só. Você vai matar o papai e a mamãe, também.
Os pais de Valaistu já não sabiam o que pensar, o que conjecturar. O
pavor era maior que qualquer tipo de raciocínio lógico. Lógica, clareza eram
palavras vazias naquele instante e até mesmo aquelas que poderiam ser
usadas para tentar descrever o que ocorria não seriam suficientes. Absurdo,
loucura, monstruoso, diabólico, aterrorizante... O que ocorria e estava para

ocorrer era tudo isso e muito mais.


Uma mente perversa estava dominando a fala e os movimentos
daquele menino, deixando, porém, desperta a sua consciência e seus olhos,
para que pudessem ver e memorizar no mais profundo de si o trauma que lhe
seria imposto para o resto da vida.
— Rápido, minha criança, pois o outro policial já está chegando. Não
temos muito tempo. Como a mamãe se comportou bem, seremos bem rápidos

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tá?! — o menino falava, os seus olhos brilhavam de estupor, a própria mente


fervilhava e uma força incontrolável o fazia andar em direção da mãe. Diante

da mãe, ele parou e novamente um sorriso macabro desenhou-se em seu


rosto.
— Filhinho... O que tá acontecendo? – a mãe chorava copiosamente.
— Filho. Por favor, não faça isso. Valaistu! PARA! Eu tô

mandando. – o pai de Valaistu gritava, tentando, em meio ao desespero que


tomava conta dele, chamar a atenção para si, para proteger a esposa.
Valaistu simplesmente virou para o pai, os olhos inundados de
lágrimas suplicavam socorro, mas a boca, dominada por outrem o impeliu a
dizer:
— Calma, a sua hora vai chegar.
Logo depois de dizer isso ele voltou o rosto para a mãe. A mãe da
criança somente conseguia dizer, sem parar, "por favor, não”. Nada mais do

que isso a sua mente assolada pelo terror conseguia formular. Já a mente da
criança lutava inutilmente contra aquela força dominadora, mas não
conseguia. Só lhe restava pedir perdão, com os olhos marejados. A força que
dominava a criança a fez erguer o braço que empunhava a faca e, com
destreza quase cirúrgica, fez com que a criança cortasse profundamente a
jugular da própria mãe. Enquanto a criança se banhava com os esguichos do
sangue morno da mãe — que se debatia — o pai urrava desesperado. Com

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todas as forças ele tentou se desvencilhar das amarras, porém os nós estavam
muito bem ligados.

O máximo que a pobre vítima conseguiu foi fraturar os pulsos e cair


amarrado à cadeira no pavimento da sala.
— NÃO! – uivava o pai da criança.
Já na Rua Sete, o oficial Casadei havia deixado o carro estacionado e

começara a correr rumo à casa de onde vinha aquele grito aterrador:


— Central... Alguma notícia? Sabe informar quem mora naquela
casa?
— Um homem, nome: Adriano Sakamoto, filhos de japoneses.
É um engenheiro. Segundo nossos dados não tem antecedentes, nem
um nível de periculosidade preocupante. Uma mulher: Sônia Virtanen, de
origem finlandesa. É uma médica. Também seus níveis de periculosidades
são mínimos e não apresenta qualquer antecedente criminal. Também se

encontra na casa o filho dos dois: Valaistu Virtanen Sakamoto, de apenas seis
anos.
— E o policial?
— Perdemos os sinais vitais dele...
— Merda!
A criança, banhada de sangue se aproximou do pai, enquanto dizia:
— A sua hora chegou. Se você tivesse colaborado... Se não tivesse

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complicado, as coisas não teriam sido tão terríveis.


— Não... Minha Virtanen, não... Meu pequeno rio... — aos prantos

murmurava o pai de Valaistu.


— Adeus, otário. Estive ao seu lado este tempo todo e não percebeu
nada. Fui sua sombra. Esperei a hora de seu filho e ela chegou. Adeus,
“japinha caolho”.

— É você... - aquela ofensa lhe era muito familiar, mas antes de


conseguir pronunciar algum nome, Valaistu perfurou a traqueia do próprio
pai. Com o dedo indicador nos lábios, pedindo silêncio ele retirou a faca. O
sangue jorrava pelo pescoço do pai de Valaistu. O pai mantinha um olhar
petrificado, como se conseguisse ver a face de uma pessoa, que de alguma
forma manipulava o seu filho. Era aquela pessoa, humilhada por ele antes da
demissão. Aquele xingamento depois de ser mandado embora... a cena, o
rosto, a raiva desenhava-se de vermelho em sua mente, afetada pela dor.

Depois a criança desferiu umas três facadas na barriga do pai e mais


duas na femoral. Ele contemplou o pai se debater.
Os olhos de Valaistu ardiam de tanto chorar. A sua pobre mente
estava sangrando, como os corpos inertes daquela sala assombrosa. A dor que
ele sentia não tinha como mensurar. Mesmo assim ele foi induzido a dizer:
— Veja o fim, minha criança. A mamãe e o papai já eram. Agora
vamos sair daqui, antes que o outro policial encontre você.

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Enquanto Valaistu saía para a rua, pela janela de seu quarto, o oficial
Casadei arrombava a porta da frente da casa de seus pais. A cena com que o

oficial Casadei se defrontou o deixou perplexo. Três corpos ensanguentados.


O policial estendido pelo chão e a mulher e o marido, ainda minando sangue,
amarrados à cadeira.
— Central! Central! Uma tragédia aconteceu aqui. O policial e dois

civis estão mortos. A mulher foi degolada, o policial teve a femoral talhada e
o homem teve a traqueia perfurada, três perfurações no abdômen e a veia
femoral cortada profundamente. Meu Deus, quem poderia fazer uma coisa
dessas.
— Tem certeza de que estão mortos?
— Tem um mar de sangue nessa sala, porra! E eu sei reconhecer um
cadáver, muito bem. E sem essa de correções vocabulares, pois estou puto
com isso aqui. Quem fez isso não tem coração. Deixou sangrarem até morrer.

E... Eu tô meio tonto aqui.


— Oficial Casadei, controle-se.
— Hã?
— Seus batimentos cardíacos estão acelerados... Seu estômago está
se contraindo... Você vai...
— Argh! Até meu vômito essa merda de máquina prevê! —
ironizava.

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— Oficial Casadei. Onde se encontra a criança?


— Ah, meu Deus, tem a criança! Vou procurá-la.

Com todo o cuidado, o oficial foi adentrando pelo resto da sala em


direção à cozinha para ver se encontrava o corpo da criança, mas ali não tinha
sinal algum. Depois ele foi em direção aos quartos.
— Já encontrou? – perguntava a central.

— Não. Dá para me deixar trabalhar em paz?


Colocando em ordem os seus sentidos e usando de seus instintos
investigativos o oficial conseguiu perceber algumas marcas se sangue pelo
chão do corredor. Aquelas marcas o conduziam para o quarto da criança. A
porta do quarto estava entreaberta e o vento que vinha da chuva de fora, fazia
com que a porta batesse, sem conseguir, porém, fechar por completo.
Casadei se aproximou devagar. Logo ele percebeu que o assassino
tinha fugido pela janela da criança.

— O assassino fugiu. Provavelmente levou consigo a criança. A


julgar pelas manchas de sangue, parece que a criança também está ferida.
Vou segui-lo.
— O carro de um policial da elite, juntamente com uma ambulância
está chegando.
— Sempre assim, né.
— Sempre assim o quê, oficial?

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— Depois que toda a merda acontece chegam os tiras e os médicos.


— depois da ironia feita ele sorriu. O riso era mais para aliviar a tensão, que

para outra coisa.


— Não se assuste com os métodos nada ortodoxos de seu
companheiro desta noite. — aconselhava a voz da central.
— Acho que pouca coisa vai me assustar nesta noite de merda,

depois do que eu vi. — asseverava o oficial, enquanto se retirava da


residência.
Na rua, enquanto a perícia, juntamente com os paramédicos, entrava
na casa, o oficial Casadei se dirigia em direção do carro, onde estava o
policial misterioso que o ajudaria na perseguição. O policial o esperava na
chuva, recostado no carro.
— Eu sou o oficial Casadei. E você? – o oficial estendeu as mãos
logo após se apresentar, sem, no entanto, receber o retorno daquele homem,

de cabelos lisos e olhar severo, que não trajava o uniforme da polícia de


Pilarium.
— Não percamos tempo com formalidades. Temos que ir à caça o
quanto antes – o homem começara a andar, deixando para trás o oficial
Casadei, que o olhava desconcertado com tamanha falta de cortesia.
— Não vamos de carro? – perguntou o oficial.
— Com esta chuva? As ruas mais espaçosas estão quase

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intransitáveis e pelo que percebo a nossa caça foi em direção das ruelas e
becos fétidos da Pilarium velha. Vamos logo que não tô com vontade de

pegar um resfriado.
Os dois começaram a correr. O oficial Casadei o olhava com o canto
dos olhos e se perguntava de onde teria surgido este homem. Perguntava-se
porque a Central enviaria um homem daquele tipo, sem modos e,

aparentemente despreparado para uma missão de tamanha magnitude.


Embora, também o inquietasse o fato de ele, quase que instintivamente, saber
qual era a rota da fuga do assassino.
— Cara, se continuar me olhando assim eu arranco os seus olhos. -
ameaçou sem demonstrar qualquer tipo de sentimento o policial.
O oficial Casadei parou a corrida:
— Tá maluco?
— Pare de me olhar como se estivesse me condenando. Não me

julgue porque não tenho modos ou não visto este uniforme medíocre.
— Desculpe-me... É que... — o olhar penetrante daquele homem o
estarrecia.
— Vamos logo, antes que eu perca o rastro da caça. Ela não deve
estar tão longe.
— Ok.
Os dois continuaram a correr.

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Mais a frente a força que dominava o corpo daquela criança tentava


fazê-la correr ainda mais, porém ela já tinha passado de seus limites. A

criança já tinha adentrado nos domínios de Pilarium antiga. As casas eram


simples ou meras ruínas que indicavam um esplendor, encardido pela
inexorável força do tempo.
Alguns metros atrás, o policial que acompanhava o oficial Casadei

comentou:
— Rápido! Ele foi por aqui. Ele não pode escapar.
— Estamos perto do assassino? – perguntou Casadei.
— Acredito que sim, porém temo perder o seu rastro.
Enquanto eles corriam, em busca da criança, a chuva que era intensa,
começava a diminuir. Já era quase uma garoa. O policial, que estava com o
oficial Casadei, de repente parou. Automaticamente, Casadei também se
deteve.

— O que houve? — perguntava Casadei.


— Ainda bem que está quase parando de chover. Assim meu
trabalho será facilitado. - O policial retirou uma das luvas que estava
calçando, olhou para frente, como se buscasse uma direção para se orientar e,
com calma, abaixou-se e colocou as mãos no chão. E disse:
—Vamos, cara. Vamos. Mova-se. Respire descontroladamente, por
causa do cansaço da corrida. Emita qualquer gemido e o papai vai te

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encontrar.
Casadei não entendia nada;

— Cara, você me assusta.


— Shhhhh! Fique quieto, cara. Estou quase lá.
— Foi mal- sussurrou Casadei.
— Só mais um pouco e... Achei!- ele se levantou, tentou ajeitar os

cabelos lisos que escorriam por entre os olhos, por causa da chuva e
prosseguiu — não estamos perseguindo um homem, mas uma criança. A
coitada acabou de enfiar o pé em uns espinhos, quando atravessou os jardins
de uma praça logo à frente. Será uma presa fácil, agora.
O oficial Casadei, com as duas mãos na cintura olhava aquele policial
com estranheza e admiração. Inquieto com o que acabara de ver, logo
perguntou:
— Como sabe disso tudo, cara? Aliás, não vai mesmo me dizer o seu

nome? Que truques são esses ô mutante de revista de quadrinhos do século


passado? — Casadei o provocava de maneira quase infantil.
— Fui treinado para rastrear... Além de tudo, meus genes... Bem...
Deixa para lá. Vamos logo capturar esta criança. Ela está bem perto.
Duas quadras a frente, a criança tentava caminhar rapidamente, mas
quando tentava colocar o pé esquerdo no chão, sentia a fincada do espinho se
adentrando ainda mais na carne. O menino já não sabia se chorava por causa

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do que tinha acontecido em sua casa, por causa da corrida por ruas ermas e
escuras, ou por causa do espinho. Era uma mistura de dor e desespero que

assolava o coração daquele pequeno ser, que ele não encontrava outra forma
de exteriorizar tudo aquilo senão pelo choro, quase sem fôlego.
Depois de contornar mais uma rua deserta, cheia de casa
abandonadas, o menino se defrontou com um grande edifício. Era uma antiga

biblioteca, que parecia abandonada. Diante da biblioteca, pela última vez,


uma voz macabra se vez ouvir pelos lábios de Valaistu:
— Muito bem. Agora o destino se encarrega do resto. Vou me retirar
com cortesia... Não sentirá tanta dor.
Uns 50 metros atrás, os dois homens avistaram a criança. Casadei
gritou:
— Menino, parado aí!
O menino virou-se e viu o vulto de dois homens, atrás dele. Mesmo

com a dor nos pés e na cabeça ele conseguiu forças para correr rumo à
Biblioteca.
— Cara, para de mirar na criança. — o policial ao dizer isso
lentamente abaixou o braço de Casadei.- Ela está encurralada. E acho que é
melhor ela viva, que morta.
— Você tem razão. Vamos lá acabar logo com isso – Casadei tomou
a frente, rumando à Biblioteca. O outro policial o seguia, primeiramente com

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os olhos e depois com os passos.


Dentro da biblioteca, o menino tentava se acostumar com a escuridão

do local. Ele foi se arrastando para o lance de escadas, em busca de um


esconderijo. Logo em seguida os homens entraram e viram o pobre garoto lá
em cima, tentando se esconder. Os dois homens foram subindo, degrau por
degrau. Os degraus rangiam a cada passo dado.

O menino tentava se encolher num canto, entre duas prateleiras de


livro, mas sua tentativa era inútil, pois apesar de não conseguirem verem
direito, o policial que acompanhava Casadei sabia exatamente onde a criança
estava. Não tinha como escapar. Com a cabeça, o policial indicou onde a
criança se encontrava. Casadei se aproximou. Viu um dos pés da criança e a
pegou.
— Te peguei monstrinho. – Casadei a mantinha no ar, segurando
Valaistu por um dos pés. Aquele que estava ferido.

— Me solta... Me solta – Valaistu gritava e chorava ao mesmo


tempo.
— Vou te ajudar, garoto. — logo depois de ter dito isso, o oficial
retirou o espinho dos pés do garoto. — Pronto. Era isso que te afligia? –
Casadei colocou o menino no chão, que logo se recostou à prateleira, atrás
dele. Depois jogou em sua direção o espinho. – Diga o que houve lá na sua
casa, garoto! Quem matou os seus pais e aquele policial? Foi você? Foi outra

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pessoa? Vamos. Desembucha! – o garoto se encolhia todo, como que


quisesse sumir por entre os livros.

O outro policial tentava acalmar o oficial Casadei:


— Cara, aqui não é lugar para interrogar ninguém. Vamos leva-lo
daqui.
O oficial parecia não escutar e insistia, ao chacoalhar os ombros da

criança:
— Diga logo quem foi, porra! Foi você? Você matou os seus pais?
Você é um assassino?
— Casadei, controle-se!
Casadei gritou um sonoro não em direção daquele homem e depois
virou-se e continuou:
— Fala logo pirralho, maldito!- a última chacoalhada, fez com que
uns livros caíssem por sobre os dois, criança e oficial.

— Ai! Livro de merda- um dos livros tinha caído na cabeça do


oficial. Ele se afastou um pouco.
Depois que ele se recompôs ele viu algo estranho. O garoto estava
como que hipnotizado por um livro. Ele contemplava a sua bela capa de
couro. Em seguida a criança o abriu, começou a soletrar o que estava escrito
ali em latim e subitamente uma luz intensa tomou conta do ambiente.
Segundos depois a luz se dissipou e tudo voltara ao normal. Novamente os

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dois homens tentavam se acostumar com a penumbra que dominava aquele


recinto.

— Tome cuidado, Casadei.


O oficial não se importou e deu um passo em direção do garoto.
— Desembucha pirralho. Você que degolou a sua mãe e esfaqueou o
seu pai?

Valaistu se encolheu todo e começou a gritar:


— Para...
— Eu não vou parar até você me dizer quem foi!- rebateu o oficial.
O policial tentava chama-lo à razão:
— Você esqueceu seus treinamentos? Isso não é a conduta de um
profissional. Que absurdo! Pare com isso.
— Esqueci tudo, depois do que eu vi. Eu quero a verdade e é agora.
Fala logo sua peste!

A criança se levantou com um semblante transtornado. Uma força


avassaladora parecia invadir cada célula do seu corpo. Aquela raiva...
Aqueles gritos pareciam despertar nele um poder milenar. Dominado por este
poder que se espalhava pelo seu corpo, fazendo-o quase perder a consciência,
o garoto vociferou:
— Fui eu, desgraçado. Fui eu. Mas não QUERIA!
Depois de dizer isso, o pavimento daquele lugar, começou a

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estremecer. Parecia um terremoto. No entanto, era a força que emanava


daquela criança que fazia tudo perder o equilíbrio. A criança, parecia se

dissolver num imensidão de poder, que a própria consciência de tudo o que


havia acontecido estava se dissolvendo. Uma luz branca começou a encobri a
criança, como se fosse uma aura. Valaistu, agora com o semblante tomado de
mansidão, apontou suas mãos para o chão, depois a ergueu lentamente.

Gravitava sobre a sua mão o pequeno espinho, que o oficial havia arrancado.
— Afaste-se agora Casadei! — gritou o policial, pressentindo que
algo terrível estava para acontecer.
Mas Casadei parecia estar em estado de choque. Ele via aquela luz
intensa que envolvia a criança e não conseguia se mover. A criança olhava
para aqueles dois homens com desdém. Ele fez um gesto como se estivesse
usando um arco. Enquanto esticava o braço como se puxasse o arco, o
espinho que ele estava manipulando aumentava e se duplicava.

— Saia logo daí, cara! – mais uma vez gritou o policial, sem
qualquer reação de Casadei.
Valaistu já tinha esticado os braços no limite. Os espinhos tinham se
multiplicado exponencialmente. Ele tinha sobre a sua mira um Casadei
totalmente indefeso. Antes de lançar os espinhos, que a esta altura pareciam
verdadeiro dardos, o garoto pronunciou, sem demonstrar qualquer tipo de
sentimento:

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— Desapareça!
Logo em seguida atirou. Antes de ver os dardos perfurarem a sua

vítima, o garoto perdeu a consciência e todo o poder que fluía de dentro dele
o tele transportou para um lugar distante dali. A criança, então, não pôde ver
as dezenas de dardos perfurarem não Casadei, mas sim o outro homem, que
instintivamente havia se atirado para proteger o inerte oficial.

O sangue daquele policial espalhou-se rapidamente naquele local.


Parte do sangue foi esguichado no rosto de Casadei. Aquele sangue que
escorria no seu rosto, morno no início e que depois esfriava, fez com que
Casadei voltasse a si.
— Ah... O que foi isso? — perguntou espantado, ao segurar o pobre
homem todo perfurado.
— Aquela criança... Aquela criança...
— Não fala nada, cara. Eu vou tirar você daqui.

Retomando o raciocínio, o homem prosseguiu:


— A criança é tão vítima como os pais, o policial Antônio, eu... Você.
Acredite em mim...
Casadei ouvia tudo aquilo e não conseguia assimilar. O choro foi
inevitável.
— Cara, não fala nada... Você vai ficar bem. —insistia o oficial,
mesmo sabendo que os ferimentos eram letais.

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— Prometa para mim... Prometa... Que você vai solucionar este


crime... Todos nós somos vítimas. – o homem mirava firmemente o olhar nos

olhos marejados do oficial.


— Eu prometo.
— Bem... É Ângelo Gabriel... — falava quase sem ar, o policial.
— O quê?

— Meu nome... Ângelo Gabriel. — Ao dizer isso, Ângelo expirou


nos braços de Casadei.
Distante dali, numa sarjeta de uma rua sem saída, sem qualquer tipo
de movimentação, quase que recostado num enorme cesto de lixo,
permanecia desacordada a criança que tinha sido perseguida, naquela noite. O
rosto, tão sereno, contradizia todo o terror vivido. Se a mãe de Valaistu
pudesse ver aquele rosto, diria, sem titubear, que o filho dormia como um
anjo.

Pilarium 2051
Um dia depois do assassinato

— Então, você recebeu o chamado da Central e logo em seguida foi


em direção da casa denunciada, no bairro da Alvorada. Chegando lá você se

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deparou com os corpos de um nosso policial, junto com os do senhor e


senhora Sakamoto. É isso? — indagou o inspetor geral da polícia de

Pilarium, em seu gabinete, que tinha diante de si um jovem policial ainda


aturdido por tudo o que havia passado.
— Sim, senhor. — respondeu o jovem policial de nome Carlos, com
os olhos meio perdidos, como se buscasse algum objeto para fixar nele seu

olhar e, de alguma forma, contemplar na aparente nulidade das coisas o vazio


que estava dentro dele.
O inspetor prosseguiu:
— Então, logo depois de entrar na sala daquela casa você se deu
conta que faltava o corpo da criança...
— Isso, senhor.
— Depois disso você buscou pelo corpo da criança e percebeu que ela
tinha saído da casa pela janela de seu quarto... – o inspetor interrompeu a

fala, simplesmente esperando a confirmação do jovem policial, que logo


assentiu:
— Sim, senhor.
— Fora da casa, você se encontrou com nosso agente especial,
Ângelo Gabriel, e juntos vocês seguiram a criança, até chegarem a uma
biblioteca abandonada, na parte velha da cidade. – Mais uma vez o inspetor
fez uma pausa, esperando por alguma reação do jovem. No entanto, Carlos

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não se manifestou. Continuava a olhar, com o canto dos olhos, um pequeno


vaso de cristal, numa das prateleiras do gabinete. Dessa vez o inspetor

continuou, com voz impaciente e cheia de ironia:


— Dentro da biblioteca, vocês encontraram a criança. Lá você
percebeu que foi ela que assassinou os pais e o policial. Aí então vocês
encurralaram a criança, num andar superior e depois de um leve

interrogatório, que você reconhece que foi totalmente desnecessário, devido


aos fatos ocorridos... Aconteceu que um livro caiu sobre a criança, ela o abriu
e uma luz repentina tomou conta daquele lugar e... — alterando a voz, com
um tom ainda mais sarcástico – aquela criança, com a consciência totalmente
alterada e tomada de poderes mágicos transformou o espinho que você tinha
abstraído dos pés dela em uma espécie de dardos ou flechas. Por fim, ela
atirou aquelas flechas, feitas com o minúsculo espinho, em sua direção, que
estava em estado de choque. Logo em seguida, novamente uma intensa luz

tomou conta do local e quando você se apercebeu a criança tinha


desaparecido, magicamente, e diante de você estava o nosso agente,
perfurado por uma dezena de flechas. É isso, oficial Casadei? É isso mesmo?
— perguntava impacientemente o inspetor.
— Sim, senhor. Foi exatamente isso que aconteceu ontem.
— Carlos, vou ser sincero com você. Nunca ouvi história mais
maluca, que essa, nos meus quase 30 anos de trabalho. – O inspetor se

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levantou e se dirigiu em direção da vasta janela, de seu gabinete e virando-se


continuou, ao apontar para a cidade, que recebia os primeiros raios de sol –

Oficial Casadei, Pilarium é uma das cidades mais bem equipadas, quando o
quesito é segurança. A nossa corporação tem trabalhado com eficiência todos
esses anos, logo após a reconstrução. Sua postura, durante a operação foi, ao
menos, questionável. E essa história... – o inspetor se aproximou de Carlos e

colocou uma das mãos no ombro inerte do jovem – essa história não tem
cabimento. E o pior, sabemos que você não ingeriu qualquer tipo de droga,
nos dias que precederam a operação. Então, que conclusões eu posso tirar de
tudo isso?
— Senhor, eu... — o jovem Carlos, não sabia o que dizer.
O inspetor se afastou e, novamente voltando para a janela, disse,
fitando a cidade:
— Que conclusões posso tirar, Carlos? Que tudo é verdade? É

complicado, você não acha? — o inspetor estava tão perdido, quanto o


jovem oficial, pois sabia que algo estranho tinha ocorrido na operação, a
começar pela presença de um policial sem a devida convocação, passando
por toda a operação que se seguiu. No entanto, a história que Carlos contava,
em sua cabeça, era descabida de sentido.

— Mas é verdade, senhor. – insistiu o jovem oficial.

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O inspetor mais uma vez virou-se e concluiu:


— Não fale mais nada, Carlos. Deixe aqui seu distintivo e tire uns

dias de férias. Estaremos monitorando seus movimentos. Quando achar


necessário entrarei em contato com você.
— Mas, senhor.
— Carlos Casadei, já terminei com você. Descanse um pouco. Você

precisa. Tenha um bom dia.


O jovem, logo que ouviu as palavras do inspetor, levantou-se e, como
de praxe, disse “Senhor... com licença”, e retirou-se do recinto.
Logo após a saída de Casadei, o inspetor, colocou dois dedos em sua
fronte e disse, ainda contemplando a cidade:
— Bom dia!
— Bom dia! – Respondeu prontamente uma voz masculina. — O
que o senhor deseja?

— Doutor Antunes, sou Mateus de Castro e Silva, inspetor da polícia


de Pilarium.
— A que devo tanta honra? – ironizava Antunes.
— Quero internar, por tempo indeterminado, no hospital
psiquiátrico, um ex-oficial de nossa corporação. Sentenciou o inspetor,
enquanto caminhava em direção à sua cadeira.
— E qual é o distúrbio deste oficial, senhor inspetor? – inquiriu o

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doutor Antunes.
— Sem hipocrisias comigo, doutor Antunes. Nós bem sabemos que

os internos de seu sanatório, ao entrarem, eram todos tidos como normais.


— Vejo que o senhor é bem objetivo.
— Sim.
— Então, quando devemos realizar a internação?

— Hoje! – rispidamente respondeu o inspetor, enquanto manuseava


o distintivo do oficial Casadei.
— Será feito. – emendou o doutor, com uma tonalidade quase de
prazer.
Pilarium 2067
Carlos Casadei ficou internado no Hospital por 15 anos, até que
surgiu a possibilidade da fuga.
A vida passada ali foi verdadeiramente um inferno. Torturas físicas e

principalmente psicológicas era o principal medicamento que ele e os outros


internos recebiam diariamente. Entretanto, apesar de estar naquele lugar, no
qual coisas assombrosas aconteciam, sem qualquer tipo de vigilância externa;
no qual dignidade era palavra de luxo, Carlos permaneceu são. Ele conseguiu
manter a lucidez, apesar de tudo, pois estava obstinado a cumprir o que havia
prometido, anos atrás, a Ângelo Gabriel. Carlos sabia ou, ao menos pressentia
que um dia teria a oportunidade de se ver livre daquele inferno. E quando este

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dia chegasse ele não perderia a oportunidade de forma alguma.


Exatamente quinze anos após a sua internação no sanatório, surgiu a

tão sonhada oportunidade, quando uma mulher sanguinária liderou um motim


naquele lugar. Enquanto vários guardas tentavam imobilizar aquela mulher
que vociferava contra todos o seu ódio incontrolável, Carlos aproveitou do
momento e escapou.

Algo, porém, tinha chamado a atenção do ex-oficial naquela jovem,


com um estranho ar de superioridade e perversão. Carlos conseguiu ver que a
moça, no momento de sua fuga, tinha utilizado de um subterfúgio
extraordinário, ou melhor, ela tinha usado uma técnica sobrenatural, que
subitamente o fez recordar da noite do assassinato e, especialmente, da
criança monstro: Valaistu. A moça tinha se transformado, diante de seus
olhos, em um dos enfermeiros que ela tinha acabado de envenenar. Carlos,
como da outra vez, ficou atônito. A moça, percebendo o espanto de Carlos,

aproximou-se lentamente, com um leve sorriso malicioso no canto dos lábios


e, já nos pés do ouvido daquele homem, sentenciou com uma voz jocosa:
— Você não viu nada bonitão. – A moça então se virou e antes de
transmutar-se novamente no enfermeiro provocou- Você vai ficar aí parado?
Esta é a sua chance. - Já transformada no enfermeiro, enquanto caminhava
ironizou – E não precisa agradecer tá.
Saindo do choque, depois da provocação, Carlos conseguiu

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entreprender a sua fuga, com certa facilidade. Quilômetros do local de seu


cativeiro, com a adrenalina controlada o ex-oficial não parava de pensar se

haveria alguma conexão entre aquela criança, que agora deveria ser um
jovem, e aquela jovem mulher.

Pilarium

Dias atuais

Nos anos que se seguiram, Carlos viveu clandestinamente, morando


em diversas casas para não ser monitorado e correr o perigo de voltar para
aquele inferno. No entanto, o medo de ser privado mais uma vez de sua
liberdade não era maior que sua obsessão: desvendar o mistério que envolvia
o crime que desgraçou a sua vida e, também, se havia alguma relação
possível entre aquela jovem assassina e Valaistu.

Casadei, na verdade, ficou completamente fissurado para desvendar


os mistérios que sondavam aquele crime grotesco. E, durante os cinco anos
que sucederam após a sua fuga, ele conseguiu fazer algumas conexões
importantes, apesar de muitas complicações e limitações, já que ele tinha que
realizar todas as suas atividades em sigilo total, pois poderia ser preso por ter
fugido de seu “tratamento”.
Com perícia e obsessão ele descobriu a história da profecia contida no

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livro Prodigiorum Libellus. Chegou a conjecturar que foi tal livro que a
pequena criança, que fugia de sua perseguição naquela noite, havia tocado. E

chegou a conjecturar que também aquela jovem poderia ter tido contato com
o livro. Somente isto explicaria os poderes daqueles dois. Tais investigações
o levaram ao nome de Victor Obsequens.
Duas vezes ele tentou marcar um encontro com Victor, em sua

mansão, mas sempre fora repelido. Então, numa medida audaciosa, ele
deixou a seguinte mensagem para Victor:
“Sei do livro. Sei da profecia, nele contida. Sei que você também sabe
de tudo isso. E também sei que você sabe onde está a “criança monstro”:
Valaistu. Dê-me o paradeiro deste homem. Ou então...".
Ao ler a mensagem enviada, um frio percorreu a espinha de Victor.
Entretanto, o que mais lhe tinha incomodado foi aquele “ou então” no final
que lhe soara como uma ameaça. Ele se sentiu um pouco acuado e isso muito

o incomodava.
Os fatos que estavam sucedendo naquelas semanas criavam dentro da
mente de Valaistu muita perplexidade. A sua meditação já não fluía bem, os
conselhos que dava para sua gente, nos subterrâneos de Pilarium, pareciam-
lhe tão mecânicos e, por isso, destituídos de vida, que ele se sentia cada vez
mais irrequieto. A busca pela paz profunda tornava-se cada vez mais uma
tarefa impossível.

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Além disso, cada vez mais ele se preocupava com o destino desta
Liga Literária, que Victor Obsequens havia criado. A inconstância dos

membros, as personalidades quase maníacas de alguns e, além de tudo, o fato


de que alguns destes tiveram que se refugiar e viver na clandestinidade por
causa de alguns assassinatos que, no seu entender, foram armados por alguém
para incriminar os membros da Liga, levava-o à constatação que algo poderia

ser armado contra ele.


Zintrah teve que se refugiar no castelo, juntamente com Ciana,
Cigano e Damon. O cerco estava se fechando e ele temia seriamente que o
próximo fosse ele. Ao chegar ao castelo, Zintrah o saudou:
— O que faz perdido aqui, bonitão?
— Recebi novamente um convite do Victor.
— Mais um convite? Esse homem não se cansa, não? — retrucou
Zintrah.

Logo em seguida, Cigano e Ciana entraram no salão principal do


castelo, conversando como grandes amigos. Ao ver Valaistu no local, Ciana
indagou:
— Alguma reunião foi marcada?
— Acredito que sim. – respondeu Valaistu.
— Estranho, pois agora a pouco eu falei com o Damon e ele não
comentou nada comigo sobre uma reunião para hoje. – redarguiu a jovem.

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Cigano, mais sério, emendou:


— Isso é muito estranho, mesmo. Nós já estamos aqui e por isso o

bilhete é desnecessário, porém os outros ainda não deram as caras.


— Será que houve algum engano? – indagou Valaistu.
Zintrah, nesse instante interrompeu:
— Engano ou não, todo o cuidado é pouco, Valaistu. Já armaram

contra nós e o próximo pode ser você.


Ciana concordou, ao afirmar:
— É verdade, Valaistu. Este lugar tornou-se o nosso refúgio, depois
dos assassinatos.
Finalmente Cigano concluiu com serenidade e preocupação:
— Valaistu, tome cuidado. Nós estamos confinadas aqui. Também
Aracaê se encontra aqui, como Damon. O Armand, sempre misterioso, mais
não está do que está conosco. Enfim, sobrou você e Alyha.

Um pouco irritada com aquela conversa, Zintrah levantou-se e com


ódio latente em seus olhos decretou, enquanto segurava com uma das mãos o
seu crucifixo:
— O que me deixou ferrada foi a armadilha na qual me fizeram cair.
O desgraçado mexeu em meu passado. Mexeu em meu ponto fraco e ele
pagará por tudo isso. E com requintes de crueldade.
Um lampejo de desespero passou subitamente pela mente de Valaistu,

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quando Zintrah tinha apenas terminado de proferir o seu discurso carregado


de ressentimento e desejo de vingança. Como se estivesse vendo um

fantasma, o jovem proferiu, com assombro:


— Meu ponto fraco... Meu Deus! Não posso deixar isso acontecer.
Isso aqui é uma armadilha!
Apenas terminado de dizer isso, Valaistu começou a correr em

direção da saída do castelo. Um péssimo pressentimento tinha lhe ocorrido.


— Valaistu, o que está acontecendo? Tudo bem com você? –
inquiriu Ciana.
— Você precisa de nossa ajuda? – completou Cigano.
— Não... Não... Obrigado.
Enquanto saía pela porta, Valaistu trombou-se com Aracaê, que
adentrava no castelo. O minúsculo homem, irritadiço como de costume,
provocou, sem qualquer reação de Valaistu:

— Olhe por onde anda, cabra sorumbático! Até parece que tá com a
mãe na forca. — vendo que Valaistu nem dera ouvido a ele, Aracaê terminou
de entrar no castelo e, jocoso, provocou as duas mulheres ali reunidas —
Cheguei, meu amores. Quem vai vir me dar um chêro primeiro?
Com o coração querendo saltar pela boca, Valaistu corria
desesperadamente rumo ao esconderijo, nos subterrâneos de Pilarium, no
qual ele e sua gente habitavam. Ainda lembrando-se das últimas palavras de

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Zintrah, ele conjecturava que a única forma de ser atingido era através
daquele povo simples, frágil, abandonado pelo governo da cidade. A pessoa

que estava arquitetando estes crimes, de alguma forma inexplicável, conhecia


as fraquezas e forças de cada membro da Liga.
Enquanto rumava ao seu esconderijo uma raiva atroz o invadia, pois
percebia que tudo não tinha passado de um subterfúgio. Alguém o queria o

mais distante de sua casa. E o truque do bilhete foi uma forma ardilosa de
triá-lo de lá. A pessoa que está incriminando os membros da Liga sabia de
muitas coisas, inclusive da existência de Victor, de seu costume de
comunicar-se de maneira arcaica e de sua residência secreta. Seja quem for
que tenha feito isso, certamente, não tinha boas intenções. Era essa certeza
que assolava o coração daquele jovem, pois ele temia pela pequena
comunidade, guiada por ele, nas galerias dos esgotos de Pilarium.
Valaistu, ao chegar ao local onde morava e ao ver a carnificina diante

de seus olhos, só teve tempo de encolerizar-se profundamente e urrar com


ferocidade, com todas as forças:
— NÃOOO!
Todos os membros que viviam com Valaistu, naquele lugar, por volta
de 30 pessoas, foram cruelmente assassinados. Nem as crianças foram
poupadas. E o mais tenebroso foi perceber que o assassino deixou
propositalmente a sua assinatura nas paredes daquele local. Com pedaços dos

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corpos tinha escrito o seu nome de forma bem legível e com o sangue havia
deixado um endereço que lhe era bem familiar:

C. Casadei – Rua Sete, Alvorada.


Os olhos de Valaistu estavam marejados. Um forte tremor interior o
convulsionava. Aquele nome, aquele endereço, aquela dor... Subitamente
voltaram-lhe todas as lembranças daquela noite, quando ele tinha apenas seis

anos.
— Por que você fez isso com estes inocentes? Por quê? – sem impor
qualquer tipo de barreira ou máscara consciente e inconsciente, Valaistu
deixou-se levar pelo ódio e pela dor ao berrar desmedidamente –
DESGRAÇADO! FILHO DA PUTA! Eu... Mesmo que custe a minha vida
eu vou fazer você pagar por isso.
Cego de tanto furor e usando de forma exponencial o seu poder,
Valaistu, começou a fazer brotar sob o pavimento daquele local, grossíssimas

raízes. As raízes foram tomando conta de todo o local e foram crescendo de


modo vertiginoso. As raízes foram perfurando tudo o que impediam o seu
dilatamento. Segundos depois tais raízes perfuraram uma das avenidas
principais de Pilarium, causando tremores, como se fosse um terremoto.
Vários carros se chocaram, devido ao tremor, gerado pelas raízes, que aos
poucos, se aglomeravam, dando forma, no meio daquela avenida, a um
imponente tronco de uma árvore. Por fim, a árvore formada, com o poder de

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Valaistu, deu floradas e assim foi possível perceber que era um pé gigantesco
de Ypê Amarelo. A população da cidade, que contemplava aquela árvore não

sabia o que pensar. Menos ainda, quando do alto de sua copa, tinha aparecido
aquele jovem, tomado pelo furor, que urrava aos quatro ventos:
— Pilarium, a suntuosa, hoje, um canalha acabou com vidas
inocentes que você fez questão de recusar. Porque eram pobres, doentes,

deficientes. Cidade de merda. Você não merece a minha compaixão, as


minhas orações. Você merece o meu asco e o meu rancor. Pilarium, você tem
um câncer. Este câncer maligno ferrou com a minha vida duas vezes, mas
hoje... Ah... Hoje eu vou extirpá-lo do teu seio pútrido por todo o sempre! EU
VOU DESTRUIR VOCÊ, CARLOS CASADEI!
Ao terminar de proferir o seu discurso, Valaistu saltou da copa da
árvore e, para não chamar mais a atenção, principalmente dos policiais da
cidade sumiu em meio ao caos gerado pelas raízes que ele tinha manipulado.

Quando Valaistu adentrou na Rua Sete, do bairro da Alvorada, mais e


mais lembranças se multiplicavam em sua mente: ele andando de bicicleta,
com o auxílio do pai ou ajeitando o jardim da entrada casa, com a presença
da mãe.
Ele teve parte de sua infância feliz e cheia de amor, até que tudo
mudou. Diante da casa, uma mistura de tristeza, estranheza e uma leve ânsia
perturbavam o corpo de Valaistu. A casa, apesar do evidente abandono, ainda

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sustentava um ar de esplendor e beleza. Com os punhos cerrados, ele


sentenciou:

— Parece que aqui tudo começou e também aqui tudo acabará.


Sem muitos rodeios, mais uma vez fazendo uso de seu poder, Valaistu
fez com que grossas raízes cobrissem um de seus braços. Com este braço, ele
golpeou com toda a força a porta da casa, que logo se partiu ao meio.

— Cadê você, desgraçado? Cadê você?


Mais uma vez um mundo de recordações inundou a mente de
Valaistu, quando ele entrou na casa. Aquele cheiro de aconchego, a mobília,
tudo era motivo de lembranças há muito esquecidas, que, por um instante,
fizeram com que a ideia da vingança fosse acantonada. Ele quase que
conseguia ouvir a sua mãe cantarolando, na língua de sua terra natal,
enquanto cozinhava. Enquanto caminhava em direção da sala, ele se
recordava das brincadeiras com o pai, de quando ele se escondia e o pai o

devia procurar.
Mas toda essa alegria, essa paz verdadeira... Tudo isso lhe foi
usurpado com uma brutalidade sem igual.
O canalha que acabou com sua vida duas vezes deveria pagar. E mais
uma vez o desejo de se vingar aflorou dentro de Valaistu. No entanto, qual
não foi a sua surpresa quando ele chegou à sala, o local da execução macabra
de seus pais. Ali, diante de seus olhos jazia inerte o corpo de um homem. Ele

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estava sentado e tinha o corpo perfurado por dardos... Dardos semelhantes ao


que ele tinha manipulado anos atrás. Andando sem rumo certo na sala, diante

do corpo de Casadei, ele se perguntava quem poderia ter arquitetado tudo


aquilo e por que tanta maldade? Já que, para ele, era bem claro que aquele
homem ali não tinha cometido suicídio. O desejo de esfolar aquele infeliz que
jazia diante dele simplesmente tinha desaparecido por completo.

Alguém tinha matado aquele homem, em sua antiga casa. Tudo isso
para incriminá-lo, de uma forma pavorosa. Enquanto ele se atormentava com
estes pensamentos, Casadei moveu-se lentamente:
— Va... Laiustu... Eu... Eu...
Assustado, Valaistu dirigiu-se ao moribundo e começou a perguntar
freneticamente:
— Quem fez isso com você? Quem matou os meus pais? Quem
matou a minha segunda família, no subsolo de Pilarium? O que essa pessoa

quer? Que plano tem? Desembucha, infeliz!


— Eu... Perdoe-me... Eu não quis...
— Não quis o quê?
— Fui... Mani... Pulado.
— Por quem? Responda!
— De um úni... co nome... Somos víti... Mas.
— Quem? – insistia inutilmente Valaistu.

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Nesse instante um pequeno feixe de luz tinha deixado por descuido a


nuca de Valaistu e passado pelos olhos de Casadei, que subitamente entendeu

o que estava para acontecer e sentindo o que devia fazer, sussurrou para
Valaistu:
— Fuja!
Após dizer isso, o pobre homem ainda encontrou forças para empurrar

para o lado Valaistu e gritar, enquanto recebia uma série de disparos:


— VAI!
O autor dos disparos era um policial de Pilarium. Que estava ali para
prender o autor de todo o caos na cidade. Ele queria atingir Valaistu, mas
Carlos Casadei o havia impedido ao colocar-se na frente. Mais uma vez ele
tentou atingir Valaistu, mas o jovem, usando de suas técnicas, fez com que
uma nuvem de polens tomasse conta do lugar, possibilitando assim a sua
fuga. Depois que o efeito dos polens passou, o policial entrou em contato

com a central:
— Central, o homem que causou o caos na cidade e atingiu
mortalmente o ex-oficial Casadei se chama Valaistu.
— Onde ele está? — perguntou a voz do outro lado?
— Ele desapareceu, de forma bem estranha. Aconteceu tipo...
A voz do outro lado cortou a descrição do policial ao dizer, com uma
voz fria e sombria:

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— Não importa muito a descrição dos fatos nesse instante, oficial. O


importante é que temos um nome: Valaistu. E também um objetivo: a cabeça

deste homem, o quanto antes.

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Capítulo 10
A Morte da criada Margaret e do Reitor.

Foi no caminho de volta para reitoria onde, mais uma vez, o


Professor e Reitor Moura Santini chamou Alyha para conversar sobre seu

comportamento nada complacente dentro do campus, que o evento se deu.


Ao abrir a porta, com irritação, deparou-se com a tímida e reticente
Margaret, uma senhora que limpava há anos o escritório do reitor e era de sua
total confiança. O porém, era que Margaret evitava o quanto podia olhar,
falar ou encontrar-se com Alyha. Um agente que jamais foi elucidado entre as
duas, até porque a moça parecia descobrir caso este existisse.
- Onde está seu senhorio, Margaret? - indagou Alyha, que se deleitava
com o pânico que via nos olhos da senil.

- Não sei dizer. - Retrucou indo para o canto da sala, evitando


qualquer outro tipo de questionamento por parte da imponente Alyha.
- Como não sabe? Ele para a minha vida, me faz voltar a esta merda
de moquifo e Puf! Desaparece?- Caminhando em direção da mulher, que se
atrapalhava toda com o espanador nas mãos.
- Magy...- Alyha mudou o tom para o desespero da criada.- Às vezes,
essa sua atitude me faz ter certos pensamentos, que julgaria como nada

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producentes em relação a sua vida, sabia?


- Não compreendo aonde quer chegar, senhorita Alyha!- Margaret

ficou tão aflita que deixou a vassoura despencar de uma das mãos, e antes
que esta chegasse ao chão, um clone de Alyha a pegou fazendo com que a
mulher entrasse em um tipo de surto, logo controlado pela hipnose da jovem.
- Calma. Vamos ter muita calma, minha querida Margaret. - tateando

as mãos sobre a testa da face agoniada da senhora. - Acha que viu uma coisa
foi?
- A...Você... - o terror estava em seu semblante.
- Eu? Eu o que anjo?- Gracejou a fria Alyha, que até então achava
tudo aquilo divertido. Até que...
- Você sempre me deu muito medo. Desde criança com essa maldade
desentendida, mas que na verdade sabia e muito bem o que fazia!
O semblante da jovem transformou-se imediatamente.

- Do que está falando? Quem é você?- E quando preparada para


aprofundar o transe da hipnose com a estrita finalidade de fazer com que
Margaret narrasse de fato o que e o quanto conhecia dela e de sua história, no
meio da tumultuada ação a mulher esbarrou no armário onde o Reitor
guardava suas particularidades, inclusive provas sobre um desvio que
acusava Alyha como a principal envolvida em desviar milhões para um
projeto secreto sobre a devastação da mente humana - o "Projeto Devas" -

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que o assombro tomou conta de ambas. Devido o forte atrito, as portas do


nível abriram-se e o corpo do Reitor Moura e Santini caiu no chão do belo e

bem tratado assoalho como agradecesse por ter sido libertado.


- Santo Deus!- Berrou Margaret.
Atracado junto ao corpo de Moura as pastas que continham os
documentos que incriminavam Alyha.

Rapidamente ela colocou a senhora em profundo transe, e em seguida


quintuplicou-se em busca de desfazer possíveis elementos que a
incriminassem de ter estado ali. Aos clones a ordem foi clara:
- Livrem-se de todos os resquícios de minha presença!
E quando agachou para enfim apanhar as pastas, dado a rigidez e
roxidão do cadáver, ela compreendeu que o homicídio tinha se dado há mais
de oito horas. Sim era um assassinato, afinal na altura do pescoço do homem
um furo preciso na traqueia demonstrava que tinha se esvaído em sangue, no

entanto o mesmo não jazia ali ou dentro do armário, foi quando dois
seguranças do Campus, que levavam naquela hora todos os dias o café
descafeinado e bem quente do exigente Moura Santini romperam como de
costume a porta e se depararam com a cena: O corpo do professor ao chão,
Alyha sobre ele tentando arrancar as pastas e Margaret imóvel e com os olhos
esbugalhados, nitidamente com ausência de qualquer resquício de
consciência.

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- Mas o que é isso? - Um deles berrou, apanhando ligeiro a pistola,


que trazia na cintura.

- Parada aí moça!- O outro deu cobertura.


No segundo antes, Alyha tinha recolhido quatro dos seus cinco
clones. Um ficou oculto atrás da porta, e foi ele quem ligeiramente agarrou o
segurança pelo pescoço, que apontava a arma para a moça e ordenou:

- Você quietinho!
No rompante, o outro conseguiu desvencilhar-se da cena correndo
pelos corredores, passando mensagem pelo pulso, alertando toda segurança
da emergência do episódio. O que fez com que Alyha se concentrasse e, em
alguns segundos, conseguiu emanar mais de vinte clones dela, espalhando-os
por todos os cantos do Campus.
Ao olhar para Margaret, algo como sangue gotejava do canto da boca,
estava claro que agora eram dois homicídios. Quando a pessoa é posta sobre

intenso nível de hipnose e a falta de controle do hipnotizador, que foi o que


ali transcorrera, fatalmente um enfarto fulminante ou AVC (acidente vascular
cerebral) pode levar o indivíduo a óbito. A questão era que os dois cairiam
sobre as costas da Doutora Alyha. No entanto, somente o de Margaret
realmente lhe cabia responder. Todavia, dada à conjuntura e a frieza da
jovem, ela não entendeu como sendo um mau negócio todo o ocorrido.
Ao passar pelo seu clone, que dominara o segurança e agora estava

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com a pistola na cabeça do mesmo foi questionada:


- E com ele, o que faço?- o clone perguntou aguardando ordens.

Ela se aproximou em meio ao frenesi, gracejando com os olhos


apavorados do moço que via a morte diante de seus olhos, e segredou,
tocando sobre sua mão e liberando a hipnose:
- Tudo que você sabe é que não sabe de nada. Não viu nada. Entendeu

meu jovem?
Objetando um sim submisso e completamente entorpecido deu a
segunda ordem ao clone:
- Solte-o e vá para o fundo do Campus!
Imediatamente olhou pela fresta de uma das vidraças e viu que a
movimentação a sua procura era grande, pensou alto:
- Inferno, chamaram a cavalaria!-Ao cruzar a porta ponderou arrancar
as provas das mãos nem que tivesse que arrancar as mesmas do corpo,

entretanto, notou que dentro de dois homicídios onde um fora arquitetado


para incriminá-la, creu que deixar os documentos ou levá-los não faria mais a
menor diferença e retirou-se.
Na corrida frenética entre as longas passagens, vez por outra via um
de seus clones trocarem socos e pontapés com alguns seguranças. Sagaz,
raciocinou acelerada qual seria o lugar menos esperado para uma fuga, e logo
que soube sorriu jocosa:

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- Por que não?


O frenesi era grande. As pessoas cruzavam entre si desesperadas sem

ao menos entender o verdadeiro por que. Alyha agachou rente ao guichê dos
portões da Universidade ainda abertos graças a imbecilidade da guarda de
segurança que cria que violência se resolvia com testes psicotécnicos e jogos
de xadrez, todos devidamente simulados na mais alta ponta de tecnologia da

atualidade.
- Bando de babacas!-resmungou.
E logo que viu um jovem pronto para apanhar sua caminhonete de
alto luxo, correu até ele passando uma das mãos em seu pescoço e
impetrando:
- Você me dará as chaves porque se lembrou que veio para
Universidade de carona com seu melhor amigo e deixou seu veículo em casa.
Ele sacolejou a cabeça como se tivesse sido tomado por uma força

maior e prontamente abriu as mãos. Alyha passou para frente dele, ficando
face a face, e com um aceno de mãos, sem tocá-lo, fez com que o moço
cerrasse os olhos e despencasse. Ela segurou seu corpo desfalecido, abriu a
porta e o jogou no banco do carona, sem perder de vista todo o caos que se
instalara ao seu redor. Atrás de si viam gritos histéricos:
- Peguem-na!
- Andem, homens, não a deixem fugir!

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Adentrou no carro, dando subitamente a partida e com tranquilidade


saiu pela porta da frente, sem encontrar diante de si qualquer impedimento.

Sarcástica, logo que fez a curva certificou-se, olhando pelo retrovisor, se


estava sendo seguida. Em seguida, ela se duplicou. O clone assentado no
banco de trás, com os pés apoiados no banco da frente, asseverou:
- Parece que as coisas não mudaram muito por aqui.

Ambas gargalharam sem parar.

Livro 2

Capítulo 11 – Uma convivência forçada

Em questão de poucos dias todos os oito estavam juntos no castelo de


Victor Obsequens. Era agora o refúgio deles, o local onde se sentiam
protegidos e onde esperavam encontrar as respostas que desejavam.

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Isolado ao norte de Pilarium, cercado de uma vegetação fechada e


exuberante, a construção de arquitetura mais gótica do que barroca, o castelo

ficava no alto de um penhasco, seu muro de pedra cercando-o e protegendo-o


de um precipício abrupto, onde o mar explodia com violência em baixo. Do
outro lado ficava a mata, rodeando-o como um escudo, escondendo-o de
quem passasse na estrada. Suas pedras eram cinzentas, era pequeno, mas

mesmo assim possuía quatro torres e três andares, que se elevavam numa
planta quadrada. O seu piso térreo apresentava duas entradas em pedra
natural, um grande portão arcado, que podia ser bloqueado do interior com
barrotes transversais de madeira e nos dois cantos exteriores duas torres
hexagonais com telhados cônicos se erguiam imponentes. Os seus pisos
superiores eram de tijolo, com brilhante enquadramento em alvenaria.
Havia um pátio interno com jardim e quatro pilares góticos, com
arcos que levavam ao salão principal. Dali se espalhavam cômodos e mais

cômodos em salas de bilhar, de estar, de jantar, de música, uma bela


biblioteca e mais ao sul a cozinha. Os banheiros eram grandes, bem
decorados, em estilos misturados, mas com sanitários e chuveiros
ultramodernos.
No segundo andar os quartos se espalhavam em duas alas e Victor
tinha selecionado uma para as mulheres e outra para os homens. O terceiro
andar possuía mais cômodos, inclusive os aposentos de Victor e algumas

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salas trancadas, que ele disse estarem em desuso por enquanto. Pelo lado de
fora era possível ir até as torres em uma escada circundante e de lá a visão da

mata de um lado e do mar bravio de outro era estimulante e linda.


Entretanto, depois de alguns dias ali, longe de suas vidas, sendo
obrigados a conviver com estranhos e sabendo que estavam sendo caçados
pela polícia, os humores deles não estavam dos melhores. Nem a bela

paisagem, ou os muitos cômodos com distrações eram capazes de afastar a


ansiedade e a impaciência. Isso sem falar no desejo de cada um em desvendar
todo aquele mistério, já que até agora quase não tinham encontrado Victor ali.
Aquela era uma quente noite de julho e os oito se encontraram todos
juntos no jantar, coisa que até então não acontecera, pois tinham horários e
interesses diversos ali. Victor não estava presente, mas sempre
disponibilizava a eles o que havia de mais luxuoso, confortável e de
qualidade. Todos tinham roupas, calçados do seu gosto e tamanho, além de

qualquer desejo satisfeito pelos inúmeros empregados.


A impressionante sala de jantar, com cortinas pesadas, quadros
suntuosos na parede e uma imensa mesa de madeira para vinte e dois lugares
estava com seus lustres iluminando o ambiente, mesa farta com vinho e
comidas deliciosas, empregados que acabavam de se retirar após servi-los.
Na parede, discordando da aparente antiguidade de tudo, um enorme telão
estava ligado passando o noticiário ao vivo.

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Damon mal tocara na comida. Tomava seu vinho em silêncio, seu


olhar percorrendo aquelas pessoas, a impaciência devorando-o por dentro.

Estava no seu limite. Esperava respostas e Victor parecia se esconder deles,


evitar dá-las. Por quanto tempo ficariam ali como hóspedes ilustres, fingindo
que suas vidas não estavam de pernas para o ar? Que não havia um assassino
solto lá fora que acabara com a vida deles, que matara a sua irmã?

Sua vontade era a de socar alguém, esbravejar, sair daquela prisão e


caçar ele próprio o maldito. Não poderia perder mais tempo, continuar
naquela ignorância enquanto o tempo passava e nada mudava. Seu olhar
feroz encontrou o malicioso de Zintrah, sentada exatamente à sua frente, que
saboreava seu vinho como se soubesse o que se passava dentro dele. Ela
sorriu provocante e algo ainda mais animalesco percorreu seu sangue e
mesclou luxúria ao desespero que ameaçava engolfá-lo.
Era a primeira vez que estavam realmente juntos num mesmo

ambiente, sem apenas se esbarrarem. Ele havia passado parte do tempo


percorrendo o castelo, conhecendo-o, buscando algo que pudesse esclarecer
suas dúvidas ou dar-lhe uma pista. Tudo em vão.
Ciana, calada, sentada ao lado de Damon, quase podia sentir a energia
bruta e agressiva que vinha dele, a impaciência de seus gestos, seu olhar de
raiva. Assim como o charme de Zintrah, que não escondia o desejo de fazer
muito mais do que só olhar para ele. E Damon não ficava atrás, quando ele e

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a meretriz se encaravam, o que era basicamente o tempo todo, faíscas


pareciam saltar entre eles. Algo carnal, voluptuoso, percorria o ambiente,

pesava, esquentava. E apertava o coração dela, que lutava em vão para não
notar nem se importar. Mas talvez já fosse tarde demais. De uma maneira que
nem ela soube explicar, Damon já tomara uma parte dela para si e já ocupava
seu ser, seu pensamento, seu amor.

A comida não tinha gosto de nada, pois o ciúme a amargava.


Procurou se distrair, relanceou o olhar entre os outros e acabou encontrando
os olhos pretos e sem vida de Armand, que raramente sorria e se mantinha em
silêncio entre eles. Ciana desviou os seus, incomodada. Soubera como os
outros foram parar ali, mas aquele homem parecia ter surgido do nada. Tinha
vontade de perguntar, mas algo nele, talvez seu jeito sempre calado e
misterioso, lhe dava medo. Assim, buscou Gibran, que já alimentado dormia
ao lado da porta, sobre o tapete.

Ao lado de Ciana, Valentin pensava nas circunstâncias de sua vinda


para o castelo. Sentia saudade de seu canto, sua esposa, sua vida livre e feliz.
Mas sabia que nem tão cedo teria como voltar a eles. Não até encontrar Luna
novamente. Isso até fazia com que perdesse a fome. Os problemas se
acumulavam junto com as perguntas.
Alyha não escondia certa tensão em seu olhar, ao observar
atentamente cada um que ali estava. Embora a comida e o vinho fossem

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impecáveis lhe revolvia a cabeça o fato de que a criada Margaret deixara


fulgente que a conhecia da infância e que a distinguia nos seus predicados ao

citar: "... essa sua maldade desentendida, mas que na verdade sabia e muito
bem o que fazia!". A pergunta era: Como? De onde? Talvez isto fosse algo
com que devia se ocupar em desvendar antes de qualquer um daqueles que
agora seriam seus "melhores amigos", afinal, “nunca acredite em nada ou

ninguém que não possa controlar”, fora ininterruptamente sua frase de ordem
e de sobrevivência até aquela presente ocasião.
Aracaê não via tanta comida assim desde os tempos que trabalhava de
garçom nas pizzarias da cidade onde crescera. E não fez questão de guardar
os bons modos quando seus olhos se viram diante de tanta comida:
- Eita, que hoje eu vou tirar a pança da miséria! O meu "padinho"
Padre Cícero! - imediatamente apanhando o que seria um refinado
guardanapo de seda bordado ao meio com o brasão da família Obsequens,

colocando no pescoço, o que semelhou um babador no minúsculo ser, que de


pé, ia fazendo um verdadeiro monte Everest em seu prato até desaparecer por
trás dele.
- Você não vai morrer daqui a cinco minutos sabia, nanico? -
segredou Zintrah no ouvido de Miri, tentando frear o exagero.
- Nunca se sabe, minha nega! Nunca se sabe! - A meretriz o fitava
com desdém e embora optasse apenas pelo bife malpassado que tanto amava,

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o gosto do vinho que bebericava juntava num engodo de emoções entre


desvendar quem estava por trás de tudo aquilo, quem a incriminara e o sabor

da boca de Damon, o último a invadia na carne tomando-a pelas medulas.


Enquanto se preparava para atacar o prato, Aracaê virou-se para o
sigiloso Armand e pela primeira vez ameaçou dizer algo sensato:
- Ô seu Armandinho, que mal lhe pergunte, mas a vossa pessoa

poderia esclarecer para nós aqui como foi que o senhor veio parar na tal casa?
Todos os olhares se fixaram em Armand, pois a dúvida não era só de
Miri. E aguardaram sua resposta.
Armand apenas observava o grupo como sempre fazia, sempre no
mundo dele, sempre isolado mesmo estando em um grupo tão distinto.
Inúmeras coisas passavam pela cabeça dele, as atitudes de Zintrah, a fúria de
Damon, a irreverência de Miri que ele sabia bem que era só teatro. Quando
ouviu a pergunta dirigida a si ele pensou “Interessante”, e respondeu:

- Negócios, por assim dizer, de família, senhor Aracaê. E Victor sabe


ser bem persuasivo com relação a essa tal “Liga” que ele criou, então resolvi
ajudar quando eu for necessário. Ademais, Santini era meu amigo, e alguém
vai perder a cabeça pelo que fez, seja quem for.
Valaistu olhava aqueles sete ali, diante dele, e, ao mesmo tempo,
parecia nada ver. Os últimos dias foram, para ele, demasiadamente intensos.
Muita dor revisitada, muitas feridas foram abertas e a morte macabra de todos

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de sua comunidade ainda espezinhava a sua mente. Além de tudo, as últimas


palavras de Carlos Casadei deixaram-lhe muito perturbado. Evidentemente

alguma mente maligna estava tramando contra ele, desde criança, e contra os
convivas daquela mesa. Esse turbilhão de pensamentos e sentimentos o
impedia até mesmo de se concentrar na conversação dos outros ali reunidos.
A vontade de comer não vinha. Toda aquela fartura só o fazia relembrar da

miséria que era a sua vida e a de sua gente e novamente revivia tudo o que
havia acontecido. Era um círculo vicioso que o afligia constantemente. Estava
a ponto de explodir.
Na tela, o noticiário mostrou a bela apresentadora, com o cabelo
branco que era moda, e um costume azul metálico, falando de casos
misteriosos tinham ocorrido na semana anterior e ainda demoravam a ser
solucionados. Quando as palavras “assassinatos” e “poder” foram proferidas,
todos na sala passaram a prestar atenção ao que ela dizia:

- “Em poucos dias, a cidade virou um caos. Pessoas ilustres, de boa


reputação, foram assassinadas de modo frio e violento, com requintes de
crueldade. A começar pelo Diretor do Hospital Psiquiátrico, Doutor Prado
Antunes. Depois foi a vez do maior concertista da cidade, Luciano de
Angelis, seguido pelo detetive Carlos Casadei e por fim o reitor da
Universidade Moura Santini, seguido de sua empregada, a senhora
Margareth. O que todos os crimes têm em comum? Testemunhas afirmam

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que além da violência, contaram com fatos estranhos, nunca antes relatados
na cidade. Vamos agora com uma reportagem especial sobre esse caso

misterioso, que envolve inclusive o famoso ator Damon Luca, foragido há


alguns dias. Rachel, é com você!”
A câmera mostrou uma mulher mais jovem, de seus vinte e poucos
anos, que entrevistava alguns funcionários do Hospital Psiquiátrico. Um

enfermeiro, levemente acima do peso, com bolsas de cansaço abaixo dos


olhos, foi veemente:
- “Ela sempre foi louca, dona, daquelas que nenhum tratamento dá
jeito! O Doutor Prado Antunes fez tudo por ela, sempre se dedicou a ela, e
olha o que teve em troca? Veio pra cá assassina e saiu daqui ainda pior e
quem pagou foi o coitado do doutor!
- E é verdade que algumas pessoas relataram a meretriz se transformar
em outras pessoas diante de seus olhos? – Indagou a repórter.

O homem balançou a cabeça e se benzeu, afirmando com certeza:


- E não foi a primeira vez! Essa aí tem pacto com o coisa ruim, pode
anotar!”
Enquanto o enfermeiro dava entrevistas, outra parte da reportagem
mostrava o Doutor Prado Antunes no hospital, ainda vivo, cuidando de seus
pacientes, recebendo prêmios, e logo depois a cena do crime no escritório,
com o sangue dele ainda no tapete.

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Depois entrou outra cena, agora do imponente teatro no centro de


Pilarium, alguns dias antes. Pessoas ricas e bem vestidas saíam de lá

nervosas, confusas, falando ao mesmo tempo. A polícia entrava correndo.


Cenas do interior do teatro. Uma senhora com um maravilhoso colar de
diamantes, chorava e dizia ao repórter:
- “Eu era fã dele! Meu Deus, que horrível!”

- Sim, é realmente uma perda para os fãs de concertos e...


A senhora interrompeu o repórter:
- “Não, meu filho, falo do ator, Damon Luca! Sou fã dele! Se eu não o
tivesse visto entrar aqui com aquela assassina, juro que não acreditaria que
ele está envolvido nesse assassinato medonho!”
Depois de mais flashes dentro do teatro, foi mostrada uma gravação
interna de Ciana cheia de sangue e desesperada correndo pelo corredor do
teatro, empurrando as pessoas, até que a cena se congelava de repente e

acabava. E então os seguranças, um deles, um tanto confuso:


“– Ela não era normal! Os olhos arregalaram, pareciam ter luz e aí
olhou pra gente e foi como se nos manipulasse! Eu não tive controle de mim
mesmo! Tinha uma coisa naquele olho! Nunca vou esquecer!”
A reportagem voltava à apresentadora de cabelos brancos, que
esclareceu:
- “O ator Damon Luca estava acompanhando a jovem loira misteriosa

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do teatro na noite da morte do concertista e saiu de lá com ela. Disse a polícia


não saber de nada, mas quando recebeu intimação para depor no dia seguinte,

trancou dois detetives em seu apartamento e fugiu. Dessa vez não houve
como negar e ele empreendeu uma fuga cinematográfica na ponte, com
perseguição policial e capotamento do carro do ator. Os policiais contam que
não sabem como fugiu. Em um momento estavam sob a mira de suas armas,

depois sumiu como por mágica!


Como se não bastasse tudo isso, quase dois dias depois a cidade de
Pilarium parou. Uma verdadeira chacina ocorreu entre os miseráveis que
ocupavam os subterrâneos de Pilarium e o único sobrevivente foi uma
espécie de líder espiritual deles. Contam os transeuntes que ele fez uma
árvore romper no meio da autoestrada do subsolo, de uma única e abrupta
vez. Depois o tal messias irrompeu furioso, gritando ameaças à cidade e às
pessoas, parecendo transtornado e louco. Dali fugiu e ainda matou o ex-

detetive Carlos Casadei, escapando como por encanto do cerco policial, como
informamos aqui há alguns dias. No apartamento do ex- detetive foi
encontrado um relatório completo sobre o assassino, parece que há anos ele é
suspeito pela morte dos pais e de dois policiais, quando ainda era um garoto.
Seu nome é Valaistu e a polícia retomou as investigações sobre o caso.
E por último foi o assassinato do Reitor da Universidade, o Doutor e
Ph.D. Moura Santini e sua empregada Margareth. A professora Alyha Silva

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estava sendo investigada por desvio de milhões para um projeto e talvez


tenha sido o que a fez acabar com a vida do Reitor. Sabe-se que ela tentava

esconder seu corpo no armário, quando talvez tenha sido surpreendida pela
faxineira Margareth. A senhora também acabou morta. Ambos de maneira
estranha e inusitada. O sangue do reitor parecia ter sido drenado por um
ferimento em sua traqueia, enquanto da senhora ainda não se sabe a causa.

Ela teve hemorragia interna. Não há ferimentos externos. Ainda mais suspeito
foi a fuga de Alyha Silva sobre o campus da Universidade. Testemunhas
contam que havia vários clones dela e a polícia ficou dividida, sem saber a
quem perseguir”.
A repórter voltou-se para outra câmera, muito séria.
- “Várias teorias foram formuladas para esses estranhos casos em uma
semana difícil para nossa cidade, mas até agora nada foi explicado e as
investigações continuam. Se vocês virem qualquer um desses suspeitos,

informem ao número de telefone abaixo na tela. Lembrem-se, eles são


extremamente perigosos!”
E as imagens de Zintrah, Ciana, Damon, Valaistu e Alyha surgiram na
tela. Dos oito ali na sala, somente Miri, Valentin e Armand estavam fora de
suspeitas.
– E o espetáculo está cada vez mais interessante – disse Armand.
A reportagem mudou para outro assunto. No castelo, em volta da

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mesa imensa, eles se entreolharam.


- Alguém sabe dizer se falou se vai chover amanhã? - soltou das suas

Aracaê. - É que eu tô com um coceira na entrada do rêgo, e toda vez que essa
coceira aparece é chuva de certo e...
- Cala boca, praga! – Zintrah jogando a taça de vinho na cara do
pequeno num supetão para ver se ele dava conta do verdadeiro clima que

pesava ali.
Damon falou para os outros, furioso:
- Mais uma vez esse desgraçado misterioso acabou com nossas vidas!
E onde está Victor? O que ele fez até agora para nos dar pistas desse
assassino?
Valaistu olhou aquela cena, que parecia um desabafo de Damon,
depois recordou do noticiário e de sua face estampada para toda a cidade de
Pilarium. Algo nele estremeceu. Ele queria desabafar de alguma forma, como

o fez o ator, mas não lhe vinha alguma ideia para exteriorizar o caos que se
fazia dentro dele. Com os olhos meio que perdidos, ele se levantou e disse
aos outros:
- Com licença. Tenho que me retirar, pois esse noticiário azedou ainda
mais este jantar.
Depois de dizer isso, Valaistu se retirou da sala de jantar. O coração
batia acelerado. Uma vontade louca de gritar e de chorar tomava o seus

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pensamentos, mas ele se conteve. Ele seguiu pelos corredores do lugar e


subiu uma das torres para ali tentar respirar e encontrar paz de espírito, com a

leve brisa que vinha do mar.


Após várias discussões, o clima ficou ainda mais pesado. Eles se
dispersaram incomodados, pensando em tudo que havia sido dito.
Ciana viu Damon sair da sala de jantar transtornado e correu atrás

dele, seguida de perto de Gibran, que se levantou de imediato. No corredor, o


alcançou e chamou. Ele se voltou com olhos flamejantes, arfando como um
animal enjaulado, a ponto de atacar alguém. Sua expressão serenou um pouco
ao dar com ela:
- O que foi, Ciana?
- Eu só quero saber se posso fazer alguma coisa por você.
- Não, Ciana. Ninguém pode. – Ele amansou o tom e sentiu parte de
sua angústia diminuir um pouco. Ela tinha algo que fazia um imenso bem a

ele. Naqueles dias ela fizera a diferença e tornara seus dias melhores, mais
suportáveis. Talvez por ser tão doce e serena, ou por ter a idade que Sílvia
teria, ele se sentia muito ligado a ela, com um sentimento de proteção que só
aumentava com o tempo. Não quis pensar na atração que ela despertara nele
naqueles momentos no teatro e que ele tentara não pensar naqueles dias. –
Vou para meu quarto, Ciana. Depois a gente se fala.
- Tudo bem, Damon.

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Ele não resistiu e acariciou de leve seu rosto. Depois se virou e se


afastou pelo longo corredor. Ciana apenas o olhou, com desejo e

preocupação. Depois virou-se para Gibran:


- Vem, meu amiguinho, vamos subir.
O cachorrinho começou a latir com as orelhas em pé. Parecia ter sido
alertado por algo. Costumava ficar assim quando algum pequeno animal

aparecia no casebre onde moravam e aí saía correndo para caçá-lo. Na mesma


hora ficou com o olhar fixo no corredor atrás dela, como se visse algo na
penumbra.
- O que foi, Gibran?
Ele latiu de novo e disparou pelo corredor, no lado oposto ao que
Damon fora. Ciana o chamou, mas ele seguiu em frente numa carreira só.
- Hei! – Ela o seguiu rapidamente, sem entender. Encontrou-o parado
em frente à porta do escritório de Victor, que estava fechada. Cheirava

embaixo dela, agitado, sacudindo o rabo, orelhas em pé. Ela pensou que
talvez tivesse ali algum gato ou outro bicho. – O que há com você, garoto?
Ele realmente se agitava latindo, pronto para entrar. Ficou sobre as
patas traseiras, apoiou as dianteiras na porta e começou a arranhá-la, ganindo
e rosnando.
- Gibran, o que é isso? – Ciana estranhava o jeito dele. Só por
curiosidade testou a porta, que estava trancada. Daquele lado do corredor, na

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penumbra, só eles dois. Falou com mais firmeza: - Vamos, pare com isso!
Gibran! Pro quarto! Agora!

Ele a fitou agoniado, abaixando as patinhas. Parecia indeciso, olhando


da porta para ela. Ciana foi enfática:
- Vamos! Vem, vem... – E saiu andando rapidamente, chamando-o.
Por fim ele a seguiu em silêncio. E ela o carregou para seu quarto, sem

entender por que ele quisera tanto entrar no escritório.


Zintrah o observou sedenta durante todo o jantar, os olhos da meretriz
não saíam de dentro dos dele. Foi logo após o jantar, quando Damon acabou
de falar com Ciana e ponderou voltar ao seu quarto, que ela surgiu como um
dos guardiões do Castelo de Obsequens ao pé da escada e voltando à sua
forma original na frente dele, apenas o contemplou. O ator entendeu de
imediato porque também este era o desejo dele.
- Quando? - sussurrou contemplando o decote dela.

Zintrah passeou no seu rosto e como se fosse mordê-lo segredou:


- Hoje...
- Onde?- Revidou tentando se conter. A fúria que o consumia
alimentou ainda mais a luxúria.
Ela o admirou como quem se punha numa fina taça de champanhe e
respondeu:
- No hall de entrada, perto do relógio.

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- Quer deixar marcada a hora deste momento. - ele gracejou.


- Pelo contrário... - rebateu sedutora. - O relógio é para esquecer o

tempo, porque o que não tem hora e data, jamais fica no passado. - gracejou
com um olhar quase maligno.
- Hora?- Damon semelhava um lobo ardente.
- Uma da madrugada...

- Na sua hora sacra, é?- ironizou.


Atraente, sorrindo, replicou:
- Se viver, verá meu caro púbere. - e se ausentou.
Passava de uma da manhã quando o ator abancou-se próximo ao
suntuoso relógio, e depois de olhar infinitas vezes para o tal marca-tempo,
vendo que já era algo de uma e quinze, tomado por um misto de angústia e
desejo falou lá aos seus botões:
- Ela não virá. Deve estar me fazendo de palhaço como tanto gosta.

Onde estava com a cabeça?- esfregando as mãos uma na outra. Damon não
sabia elucidar em pormenores nem para si mesmo a razão pela qual Madame
Zintrah lhe invadia tanto a alma. Mas era fato, ela o enfeitiçara.
De repente, ao fundo, no hall gigantesco do luxuoso castelo, uma
canção num tom quase inaudível principiou a tocar num raro CD player. Ele
franziu as sobrancelhas e afiou os ouvidos para decifrar que melodia era
aquela e ergueu o corpo caminhando até onde jazia o instrumento musical, e

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na sua letra encontrou:

"Venho madrugada perturbar teu sono


Como um cão sem dono
Me ponho a ladrar...

Atravesso o travesseiro,
Te reviro pelo avesso!
Tua cabeça enlouqueço!
Faço ela rodar!"

Foi neste preciso segundo que sentiu algo intenso o jogar contra a
parede com os braços para cima. Erguidos como se estivesse pronto para ser
crucificado, no entanto, era ela com seus envolventes olhos verdes,

exclusivamente vestida com as luvas que usava para ocultar a inúmeras vezes
que tentara tirar a vida no sanatório, véu negro rendado envolto no rosto, suas
botas de couro altas que navegavam nos adágios do moço e mais nada.
Imponente sussurrou com uma voz doce e macia como até então Damon não
ouvira:
- Suas últimas palavras...
O ator num ato de completa insanidade a agarrou pelos longos cabelos

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jogando desta vez o corpo dela pela parede e mordendo a sua nuca revidou:
- Cala a merda da boca, você é minha!

Em segundos ele a virava firmemente entre os braços e estava com a


boca pressionada contra a dela, saboreando seus lábios macios, sentindo pela
primeira vez seu gosto inebriante de vinho e algo só dela, íntimo, vibrante. O
sangue correu rápido pelo corpo dele, tornando-o insano em um só golpe.

Damon imobilizou-a entre a parede e seu corpo, tomando dela tudo que tanto
tinha desejado.
Eles se beijaram com volúpia e luxúria. E se agarraram dominados
pelo desejo, as mãos dela despindo-o, as dele percorrendo a pele nua e macia.
Em segundos estavam nus e arfantes, e ele a segurava sob as coxas,
exatamente no ponto onde suas botas terminavam e começavam aquela pele
suave. Logo eram um só, arfando e gemendo contra os lábios um do outro.
Foi mais forte do que imaginavam, muito mais intenso. Ali mesmo,

sob o relógio, eles se devoraram com se o tempo fosse deles, dominados pelo
desejo alucinante, esquecidos por um momento de quem eram e de onde
estavam. Moviam-se como numa dança secreta, mais antiga do que eles, até
que juntos como estavam chegaram a um lugar que parecia só deles, fazendo-
os esquecer de tudo.

Victor pareceu emblemático ao adentrar o recinto de seu escritório e

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sentar-se no sofá de veludo negro. As janelas trancadas permitiam que aquele


cheiro de tabaco anunciasse que uma presença já se fazia ali presente.

Somente o candeeiro ao lado do senil emanava uma tímida luz quando uma
silhueta masculina esboçou breve movimentação.
- As cartas. - a voz grave resvalou em tom mandatório.
Victor levantou-se e entregou nas mãos grandes, com um anel

prodigioso que ofuscava o olhar do mandrião, os papéis.


Minutos passaram.
- Mande a menina dos cabelos dourados e ela. - ordenou a voz.
- Ela, senhor? - sem deixar claro se estava indeciso em saber quem era
"Ela" ou se fora boa escolha do homem misterioso.
-Sim. Está claro que os opostos citados se referem a jovem Ciana e a
Zintrah. -erguendo-se da cadeira claramente aborrecido com as cartas e com a
presença dela.- Mande-as, e veremos quem acha que pode ousar brincar

comigo. Siga minhas determinações.


- Eu seguirei suas determinações. - Victor redarguiu.
- Diga a eles que talvez haja um traidor entre nós. Siga o que digo.
- Sim, sigo o que dizes.
- Obsequens, e cuide para que cada um volte intacto. Não quero
surpresas desta vez, entendeu? Entenda que daqui para frente erros não
poderão ser mais cometidos e muito menos tolerados. Faça o que mando.

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- Sim senhor, será feito.


E antes de tocar na porta da entrada secreta, aquela silhueta olhou

para Victor e resmungou:


- Imbecil!
E retirou-se.

A madrugada estava silenciosa no castelo. Até a música baixinha


tinha parado de tocar. Damon e Zintrah continuaram a se beijar e acariciar,
até que se separaram, sabendo que era hora de retornarem a seus quartos.
Damon observava o belo corpo nu dela com desejo, enquanto lhe emprestava
sua camisa para vestir e abotoava sua calça. O desejo ainda pulsava quente e
denso dentro dele, como se não tivesse sido satisfeito ainda há pouco. Zintrah
nem tinha fechado ainda todos os botões da blusa que chegava ao meio de
suas coxas, quando ele segurou-a pelo braço e disse rouco, com olhar

escurecido:
- Vamos terminar isso no quarto.
Zintrah o segurou pelo queixo e sorrindo segredou:
- Miau!
Damon sorriu devagar, segurou a mão dela e juntos percorreram um
dos corredores do térreo, ela somente com a camisa dele, Damon sem camisa,
de calça e sapatos macios de couro, silenciosos. O tapete abafava seus passos.

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Foi quando viram Gibran, o cachorro marrom de Ciana, deitado no chão em


frente a uma das portas que davam para o corredor, seu focinho grudado na

pequena abertura entre ela e o carpete. Naquele momento Victor Obsequens,


que não os tinha notado e nem a Gibran, abriu a porta e tropeçou no cachorro,
quase caindo no corredor. O senhor tomou um grande susto, largou um papel
que segurava e foi amparado antes de ir ao chão por Damon. Gibran começou

a latir e quis entrar no escritório de onde ele saíra, mas pálido Victor
conseguiu fechar a porta rapidamente.
- Calma, somos nós. Está tudo bem. – Disse Damon, com medo de
que ele tivesse um enfarte bem ali, pois o senhor levava a mão ao coração.
Zintrah já se abaixava e pegava o papel. Seus olhos sempre atentos
bateram no conteúdo um tanto misterioso e algo chamou sua atenção. Victor
recuperou-se e tentou pegar o papel, um tanto ansioso:
- Dê-me isso!

Ela, mais alta e curiosa, afastou a carta dele, leu de novo e então,
encarou-o.
- O que é isso? Uma charada?
Gibran continuava a latir, agitado, arranhando a porta, cheirando
embaixo dela.
Damon estendeu a mão e ela entregou a ele, ainda fitando Victor, que
apenas suspirou, parecendo cansado. Damon leu e franziu o cenho.

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Murmurou:
- É a frase do livro Dona Flor e seus dois maridos. Do que se trata

isso, Victor?
- Eu vou falar. Ia contar a vocês. Mas preciso de todos juntos.
Venham, vou pedir para os empregados acordá-los. E tragam esse cachorro.
Estou velho demais para tropeçar e cair por aí.

Damon chamou Gibran. Mas o cachorro nem lhe deu atenção, latindo
para a porta fechada. Por fim, pareceu desistir e saiu correndo na frente deles
em direção ao salão. Só então se dirigiram para lá.
Ao começarem a caminhar para o salão, Zintrah deu uma última
olhada para trás e observou o vulto negro de Armand esgueirando-se da
mesma sala em que Victor acabara de sair. Ele a observou, fez sinal para que
ela ficasse em silêncio e desapareceu na escuridão do corredor.
Valentin desceu e viu Zintrah e Damon ao lado de Victor. A cena era

estranha, o casal parecendo ter acabado de sair da cama e aquele velhinho


todo empertigado. Franziu o cenho e manteve-se em silêncio.
Alyha desceu logo depois, um tanto mal humorada por ter sido
acordada uma hora daquelas. Assim que seus olhos azulados bateram em
Victor e depois no casal seminu, ela respirou, cruzando os braços:
- Porque será que isto não me surpreende?
Ciana, ainda sonolenta, desceu sem entender nada. Fechava o robe,

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quando parou abruptamente no último degrau ao ver a cena. Damon e Zintrah


seminus, ela com a camisa dele. Foi como tomar um soco. A dor que a

engolfou foi até pior, pior do que pudera sequer imaginar. Seu olhar ficou em
Damon e ela, ao entender tudo, teve vontade de sair dali correndo, pois sentia
uma quase que incontrolável vontade de chorar.
Aracaê cruzou correndo todo hall, ajeitando a calça cedida por Victor

como pijamas, mas acabou rolando parte da escadaria e já chegou indagando


com os olhos esbugalhados e com a faca na mão:
- Onde que entro, gente! Onde que está o cabra para estrebuchar?
Armand adentrou o recinto e começou a analisar toda a situação.
Valaistu, que não tinha ido dormir e do alto da torre tinha conseguido
ouvir a música que soara uma hora atrás e também os gemidos lascivos de
Zintrah e Damon, achegou-se ao lugar, com um semblante cansado e sem
muitas expectativas. Chegando, lançou um olhar de condenação para os

amantes, mas eles nem notaram.


A meretriz, que entendia tão bem das coisas da alma como do
coração, fez questão de se aproximar da escada onde estava Ciana e
mencionou:
- Quando crescer, espero que goste!
Os olhos de Ciana voaram de imediato à prostituta. A dor que a
revolvia foi substituída por um ódio que só sentira uma vez na vida em tal

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intensidade, contra o assassino de seus pais. Daquela vez não ficou quieta.
Retrucou com uma frieza que desmentia o que sentia:

- Eu já estou crescida o bastante para saber o que um homem faz com


uma puta! Usa! Paga. E depois larga!
Damon ficou chocado com as palavras de Ciana. E depois com o
olhar de desprezo que ela direcionou a ele, ao dizer:

-É pra isso que nos chamaram aqui?


Valaistu pensou em se retirar, mas depois se conteve e recostou-se na
parede, cruzou os braços e assistiu aos diálogos quase infantis, cheios de
rancores e ironias que se seguiram, sem se manifestar.
Madame Zintrah fitou Ciana de cima a baixo e replicou:
- Pena que nem para feto de puta tu serve né, guria?
- Com certeza não. Ser usada nunca foi coisa para mim. Nem quando
feto, nem como mulher, madame.

Zintrah gargalhou e replicou:


- É por isso que a dona dele sou eu! - Indo para o outro lado onde
deixou que todos os demais olhassem suas curvas e Miri soltasse:
- Ai meu Deus...só faltava mais quinze centímetros e eu tinha
condição!
Em um instante, toda a atenção estava nas duas. Damon estava sem
palavras. Por fim, começou:

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- Ciana, o que deu em você?


- Só estou respondendo às provocações da sua "DONA"! A Ciana que

fica calada quando ela fala o que quer, não está mais aqui!
- Esse é problema dela, MEU AMOR... nunca deu, não é ? O nome já
diz...Está no cio... CIANA!
- Prefiro escolher e não distribuir como cachorra no cio! Quando eu

der, vai ser por que quero! E garanto que não será para qualquer um! -
Olhando com nojo dela para Damon.
Valentin tentou conter as duas:
- Moças, acho que essa deveria ser uma discussão particular, não?
-Ela é que toda hora joga piadinha pra mim, Valentim. Chega!
Zintrah sabia que tinha tocado no calcanhar de Aquiles da jovem e,
provocante desceu o tom e replicou:
- Cachorra não, fofa, gata, que arranha, faz ele gemer e no fim fala

MIAUUUUUU!!!
Valentim fitou as duas e depois Victor:
- Nos chamaram aqui para isso?
- Vocês duas estão loucas? - Damon despenteado, sem camisa,
começava a se enfurecer com aquilo. - Valentim está certo! - Ele apontou
para Victor. - Temos algo importante para discutir aqui. Vamos, Victor, fala
logo essa merda!

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Aracaê disparou:
- Não foi para ver a nega pelada com o seu "Demo" não?

O senhor Obsequens limpou o falso pigarro da garganta e num tom


educado disse:
- Não seria melhor irmos todos para o salão principal e devidamente
vestidos?- olhando para Zintrah e Damon.

- Vão indo. Já encontro vocês! - Damon passou por Ciana e parou de


leve, sem saber por que a opinião dela lhe importava tanto. Mas a moça virou
o rosto para outro lado e desceu, seguindo os outros. Ele terminou de subir os
degraus rapidamente, de dois em dois.
Depois de pedir a Aracaê que buscasse suas roupas no quarto, Zintrah
vestiu o seu provocante vestido satisfeita, mais uma vez ela sabia que tinha
conseguido fazer o que mais lhe agradava: Tirar uma mulher do sério. E ao
notar o olhar da jovem, sorriu e jogou um beijo com uma das mãos abertas e

depois soprou.
Ciana lançou um olhar de morte a Zintrah ao passar por ela, quase um
desafio. E seguiu para o salão com Valentim. Ódio, mágoa e ciúme estavam a
ponto de sufocá-la. Procurou Gibran com o olhar e não o viu em lugar
nenhum.
Quando Damon e Zintrah se reuniram aos demais, que já haviam se
acomodado em sofás e poltronas do salão, Victor tomou a palavra:

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- Bem, eu recebi uma carta de certa forma bem inusitada, e sim quero
falar do conteúdo dela com todos aqui presentes.

Zintrah levantou-se e leu o conteúdo da carta um tanto disposta:

“Estava sambando, numa animação retada, e sem avisar nada a


ninguém, caiu de lado já todo cheio da morte”

A morte pode ser evitada, se for alcançada antes de se efetivar. Ela


visitará a rua dos botecos do samba, lugar boêmio e esquecido das elites,
nesta noite. Procure o Vadinho de baiana. Ele terá as respostas para as
duas opostas entre si.

- Vadinho? Do Jorge Amado? Li esse livro há pouco tempo. - Disse


Ciana.
Zintrah estranhou o fato e respondeu desta vez sem provocação:

- Eu também reli esse livro.


- Creio que chegou a hora de irmos para o campo de batalha!- disse o
senhor.
Alyha levantou-se, cruzou o salão e arqueando os braços ao lado de
Valentim, rebateu:
- Charadas? Sério?
- Mais uma do Victor. – Valentim falou, cansado.

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Valaistu concordou, ao se lamentar:


- Limites... faz tempo que já foram passados. Estamos com a cabeça a

prêmio e agora aparece essa carta...


Aracaê resmungou:
- Lascou, vai vir o segundo" pega pá capar”!
- Calma, calma. - Pediu Victor, sempre se mostrando no controle da

situação.- É lógico que tudo indica que essa menção nos guiará a um nome,
certo? Ninguém pensou nisto?
- De onde veio essa carta? De quem? - Indagou Damon, não gostando
nada daquilo.
Obsequens foi preciso:
- Alguém que está disposto a pôr todo plano, toda a importância e
supremacia da LIGA LITERÁRIA em xeque!
– Supremacia? – Indagou Armand com ar de deboche.

- Parece que o único que vê como indispensável essa Liga é somente


o senhor, Obsequens. – Resmungou Valaistu, ao concordar, dessa vez, com o
sombrio Armand.
- Procurar o Vadinho de baiana nos botecos do Samba. - Murmurou
Ciana. - Escutei falar desse lugar.
- Além de ninfeta é surda também?- Revidou Zintrah.
- Não sou surda, você que não sabe ler direito! Deve ser a idade,

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prejudica a visão! - Ciana se levantou, já no seu limite. - Diga logo o que


quer, senhor Obsequens!

A meretriz ignorou a menina e, atrás de Damon, começou a


massagear os seus ombros.
- Pare de provocar, Zintrah. - Advertiu-a Damon, baixo e sério.
- Eu não provoco, sou a própria provocação, e você sabe disto, não é?

- Sorrindo em sussurros.
Foi quando Victor foi talhante:
- Os opostos se atraem, e se completam.
O que fez Alyha e Valaistu se olharem e todos, um por um, foram
voltando o olhar para as duas moças. A meretriz e a jovem Ciana.
- Ah, não! - Ciana sentou de novo, horrorizada.
- Merda! - Damon murmurou.
- Mas que marmota é essa? - rezingou Miri. - Agora até você,

mocinha do totó, me chamando de ANÃO? – Ele entendera a reação da moça


de modo equivocado.
- Ai, Miri... - Ciana suspirou, sem ânimo para explicar. - Só pode ser
brincadeira!
Zintrah afastou-se do ator e veio prestar ajuda ao parceiro, dando-lhe
outro tapa Na cabeça:
- Estafermo, a ninfeta não falou de você, é uma expressão!

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Ele, chateado, cruzou os braços e replicou:


- "Bulingo", isso é "bulingo", nega!

- Por que essa charada sem mais nem menos, ainda mais direcionada a
Zintrah e Ciana? – Valentim encarou Victor.
- Meu caro jovem, - respondeu Obsequens. - como não sabemos quem
está nos enviando, está claro que o autor preza pela natureza de cada um de

vocês. Por isso nesta missão quem deverá ir será Madame Zintrah- esticando
o braço esquerdo e com o braço direito: - e a jovem Ciana.
- Eu vou junto. - Damon disse de imediato.
- Sinto muito, meu caro jovem,- redarguiu o senhor- mas Zintrah e
Ciana são as pessoas adequadas para esta missão. É o que o bilhete
especifica.
- Eu vou e acabou. - Damon foi sistemático.
- Faça melhor, Damon! Vá com ela! Eu estou fora! - Ciana, corada,

encarou Victor.
Madame Zintrah cruzou a sala e fitando Damon com controle,
prometeu:
- Eu cuido dela. Tem minha palavra. – E voltou para o lado de Ciana,
disparando: - Ok, por mim o lobo mau está pronto para comer a chapeuzinho!
- Vá se f... - Ciana calou-se a tempo. Ergueu-se, bem de frente para
ela, tremendo.

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Jocosa a meretriz mandou:


- Já fui a noite toda, e advinha com quem?

- Não preciso de ninguém para cuidar de mim. – Ciana ignorou o


comentário que doeu fundo. - Ou esqueceu quem te salvou de uma facada na
luta na biblioteca? Ah, memória fraca! Idade!
Ciana virou-se para sair da sala. Adiantando-se, Damon segurou o

pulso dela:
- Espere, Ciana. Essa missão pode levar ao maldito que queremos
encontrar.
- Ninfeta, seja racional, esqueça o seu problema comigo, que tem
exatamente 1.80 m, cabelos e olhos lindos e muito gostoso...- limpando os
lábios.- E vamos de boa, guria, estamos todos no mesmo barco!
Ela puxou o pulso e respirou fundo. Alguma consciência retornou.
Olhou com desprezo para a meretriz. Depois para Damon.

- Tudo bem. Mas você fica longe!


Damon concordou com um aceno de cabeça, embora a preocupação
com as duas fosse enorme.
- Estou farto disso tudo. Dessa casa, desses mistérios... - Desabafou
totalmente insatisfeito o jovem Valaistu. Logo ao dizer isso, ele se retirou do
recinto com a firme ideia de sumir daquele lugar e dos olhos daquela gente o
quanto antes.

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- Quando? - Ciana encarou Victor.


- Devem partir o quanto antes. Hoje o boteco do Samba ferve até de

manhã! - Pondo as mãos para trás num tom imperativo. - O que as moças
dizem?
Zintrah suspirou e deu sua resposta:
- Por mim, tô dentro, agora se ela levar aquele saco de pulga, vou

levar o meu também. - Puxando Miri pela orelha, que olhou para cima na
direção dela e os bracinhos:
- Agora vou ser totó também, é? "Chacoalhar " o rabinho?
- O Gibran fica. – Ciana disse cansada.
- E se tudo isso for uma armadilha? – Preocupou-se Valentin.
Victor o encarou:
- Este é um risco que teremos que correr, caro Valentin, mas por outro
lado, quem melhor que as duas para suportá-lo?

Valentin trocou um olhar com Damon, ambos sabendo o que poderia


ser tudo aquilo, mas estavam de mãos atadas. Se interviessem, poderiam pôr
a chance delas descobrirem algo sobre seu passado a perder. Por fim,
Valentim disse a Ciana que ficaria de olho em Gibran, no que ela agradeceu.
Ainda continuava sem saber onde ele se enfiara.
Aracaê falou:
- O quê? Quando tô prestes a me dar bem, esse pulguento fica de

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fora? Eita, que isso é zica da mãe Dolores, só pode! As duas sabem quando
vou ter uma chance de pegar duas "muiés" de uma só vez? - Levando outro

tabefe, agora de Alyha que se irritou com suas patetices.


Damon puxou Zintrah pelo braço e disse perto do seu ouvido:
- Eu posso ir sem ninguém saber.
- Se prefere minha sinceridade, creio que seja prudente que fique.

Confie em mim, ninguém conhece aquele canto melhor que eu. E se quem
mandou a charada souber, pode se afastar e não saberemos o que queria.
Cuido dela, mesmo a contragosto.
- Não a provoque, Zintrah. - O olhar dele era sério. - Não tire os olhos
dela.
Eles começaram a se dispersar e Ciana subiu para se trocar e conferir
se Gibran estava no quarto. Damon esperou até ficar sozinho com Victor
Obsequens. Então se aproximou muito sério e encarou o homem

ameaçadoramente. Sua voz foi fria ao avisar duramente:


- Se alguma coisa acontecer as duas, eu esqueço essa merda de Liga e
estouro a sua cara! Guarde bem isso, senhor Obsequens.
Quando Damon saiu pela porta, lá estava Armand feito um fantasma
do outro lado encostado na parede.
– Ameaçar um velho é fácil, vejamos se toda essa valentia é real
quando a hora chegar – dizendo isso ele se retirou, deixando Damon ainda

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mais furioso ao ser deixado no vazio sem dar sequer uma resposta ao
enigmático sujeito.

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Capítulo 12 – Os opostos se completam?

O motorista de Victor Obsequens levou-as em seu carro, um modelo

antigo e bem cuidado de uma Bentley impecável. No banco de trás, Zintrah e


Ciana mantinham-se em silêncio, enquanto o carro solitário percorria a
estrada naquela madrugada, pouco mais de duas horas da manhã.
Ciana olhava pela janela, mas não via nada. Seu pensamento estava
nos acontecimentos daquela noite e no que ainda as aguardaria naquele local
boêmio. Uma missão cheia de suspense, perigo de serem reconhecidas ou de
que fosse uma armadilha. Mas não restava a elas nada mais do que arriscar,
afinal ambas queriam respostas desesperadamente.

Em meio ao risco que corriam, a mulher ao seu lado a perturbava


sobremaneira. Se tivesse ido com qualquer outra pessoa, estaria mais
tranquila. Mas aquela meretriz abusada, debochada, deixava-a descontrolada.
Principalmente porque não conseguia esquecer que ela estivera com Damon
naquela noite, fazendo amor com ele, beijando-o. O único homem que mexeu
com ela, por quem Ciana se apaixonou e que se tornava a cada dia mais
importante em sua vida. Presenciar os dois seminus, saber o que tinham feito

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juntos, deixava-a quase prostrada de uma maneira que não conseguia reagir,
que a desconcertava e desestabilizava. Sabia que precisava se equilibrar, que

a missão envolvia riscos, mas estava temerosa de não se concentrar como


deveria.
Para a meretriz, a presença da jovem Ciana não chegava a ser de todo
um incômodo. Deixando as provocações que tanto se deleitava, no fundo,

entendia a situação entre ela e a moça de modo bem particular. Pensara lá


com seus botões, na verdade Ciana era aquilo que a vida jamais lhe permitira
ser. Uma jovem apaixonada, que optava em dar-se ao homem que amava,
somente uma menina que Zintrah jamais seria. Também refletira, que talvez o
que incomodasse em Ciana na sua presença era saber que soltar sua
feminilidade pelos poros e agir tão deliberadamente fosse algo insaciável. Na
verdade, para Madame Zintrah, ela e Ciana eram pólvora porque de algum
modo uma queria ser o que a outra detinha e não percebia.

Faltava cerca de cinco quadras até o endereço, quando a meretriz


pediu que o motorista encostasse o carro na próxima esquina.
Ciana se virou e indagou:
- Por que isso?
Zintrah a fitou e foi enfática:
- Daqui para frente ou confiamos uma na outra ou morremos ao pisar
na calçada, fofa. O que me diz?

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- Nunca vou confiar em você. - Retrucou Ciana com frieza. - Mas


estamos aqui, não é?

Zintrah ensaiou um riso, mas lembrou-se de que Damon a pediu para


que não provocasse a jovem e só replicou:
- Vou tomar isso como um sim. Para ali, por favor, motorista, e não
nos espere!

Assim que desceram na penumbra do lugar, Zintrah avisou a moça:


-Sempre atrás de mim. Sobrevivência, certo?
- Tudo bem.
Ciana respondeu de má vontade. Não conhecia nada por ali e tinha
que confiar mesmo na meretriz.
As duas entremearam-se entre ruelas, e desembocavam com carcaças
de bêbados, um resto do que tinha sido parte de Pilarium, até que Zintrah
parou no que parecia um antigo depósito.

- Me ajude a retirar as tábuas.


Sem entender nada, Ciana começou a ajudá-la a arrancar as tábuas da
entrada, indagando:
- Que lugar é esse?
- Não acha mesmo que vai poder chegar naquele recinto vestida de
Miss Simpatia, não é? Estamos numa velha fábrica de roupas e fantasias,
ninfeta.

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- Entendo. Pensei nisso, em sermos reconhecidas, quando estava no


carro.

Ao adentrarem no suntuoso recinto, embora esquecido pelo passado, a


meretriz ergueu os braços e disse a menina:
- Divirta-se!
Ciana olhou em volta, para o amontoado de manequins e roupas na

penumbra e andou por ali olhando os tecidos brilhantes e purpurinados.


Zintrah sentou-se num balcão cruzando as pernas, enquanto tirou o
punhal que vivia no crucifixo e lixava as grandes unhas lembrando o motivo
pelo qual algumas delas estavam farpadas, devido à noite com o ator, e sorriu
para si.
Ciana por fim notou que a loja só podia ser de fantasias sexuais, pois
tudo o que tocava era brilhante, curto, indecente, decotado. Olhou um pouco
assustada para Zintrah e falou:

- Não posso me vestir assim!


A prostituta sorriu, desceu do balcão, tirou uma roupa do velho
manequim e jogou em cima da jovem, jocosa:
- Vai por mim, depois dos primeiros quinze minutos, você relaxa!
Sem alternativas, teve que pôr uma saia vermelha curta, que deixava
boa parte de suas coxas de fora, um corpete vermelho apertado que fez seus
seios quase pularem para fora e uma máscara vermelha e preta que cobria

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metade do seu rosto, feita de penas. Envergonhada, pôs baixas sapatilhas de


veludo pretas e encarou a madame totalmente desconfortável, vermelha como

um pimentão.
- Droga! - murmurou, pensando no que os outros diriam se a vissem
assim. Tinha certeza que Zintrah faria o favor de contar. - Não tinha outra
droga de loja, não?

Zintrah não conseguiu evitar a cara de deboche e suspirando, rebateu:


- Olha que se fosse macho até que te pegava, sabia?
Ignorando o comentário jocoso, Ciana soltou:
- Vamos logo?
- Calma. - rebateu Zintrah, agora falta a minha fantasia.
Ela se posicionou na frente de Ciana e num riso burlesco foi se
transformando vagarosamente, assumindo a forma de Damon:
- Precisamos de um homem forte e muito gostoso para nos proteger,

certo? - O que fez com que a menina reagisse imediatamente.


Ciana arregalou os olhos. A raiva subiu como bile e ela empurrou a
madame pelo peito, furiosa.
- Sua vagabunda! Quer me provocar? Já não basta por hoje?
A imagem do falso Damon lembrava de tudo que ela queria e não
tinha, de tudo que a fazia sofrer. Teve vontade de bater muito naquela
mulher, arrancar seus olhos! E avançou em sua direção.

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Zintrah deixou que a pequena colocasse toda ira para fora e foi
esquivando dela. Não satisfeita, fez cara de surpresa quando passou a mão no

bolso da calça e disse:


- Vejam só, achei minha calcinha!- Rodopiando a mesma na ponta
dos dedos.
- Ahhhhhhhh... - Furiosa, Ciana avançou nela sem perceber que as

lágrimas desciam em jorros dos seus olhos. Agarrou a camisa do falso


Damon e com ódio puxou seu cabelo, erguendo o joelho para acertá-lo entre
as pernas. - Desgraçada! Eu te odeio! Você vai me pagar!
Foi quando a meretriz ardilosamente também assumiu os trejeitos da
personalidade do ator e com o tom de voz dele rogou:
- Ciana, o que é isso? Por favor!
Ciana acertou-lhe em cheio com o joelho entre as pernas, batendo
onde alcançava, muito além de qualquer controle ou razão.

- Eu vou te matar, sua maldita!


E gritava, descontrolada, furiosa, entre ofegos e soluços ruidosos.
Zintrah foi ao chão, mas logo se refez gargalhando insanamente como
só ela sabia fazer. Levantou-se, abriu a calça conferindo o membro e
contrapôs:
- Ok, meu playground está devidamente resguardado! Aí ninfeta, a
brincadeira está boa, mas tá na hora de ir para batalha, né colega? - Piscando

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do jeito que Damon fazia e que Ciana amava.


Ciana parou, mal conseguindo respirar. Percebeu seu estado, o

descontrole que aquela mulher lhe causava e ainda ria, debochando,


divertindo-se. Ao mesmo tempo, ver Damon a sua frente, mesmo sabendo
que não era real, trouxe um sofrimento com o qual não sabia lidar. Seus olhos
encheram-se de lágrimas e ela deu as costas a madame, enfiando o rosto entre

as mãos e se entregando a dor pura que a consumia desde que os vira juntos.
Zintrah passou a frente dela e repetiu o aviso:
- Sempre atrás de mim, apesar de saber que desta forma você queria e
muito estar na frente. - E ignorou a moça pondo-se a caminhar entre as
estreitas ruas.
Ciana não saiu. Sua vontade era sumir. Chorou até ficar com os olhos
inchados, até parecer não sobrar nada dentro dela. E só então, sabendo que
não tinha como fugir dali, pois seu objetivo era pegar o assassino de seus

pais, ela seguiu a meretriz.


Ao aproximarem do Bar, Zintrah certificou-se que Ciana estava atrás
dela e explicou como funcionava a boemia e a prostituição naquele lugar.
Para não comprometer Damon, que era uma figura pública e estava sendo
procurado pela polícia, e o intuito fora somente provocar a moça, ela
transformou-se numa mulher loira, uma velha conhecida de guerra, e
fantasiada de fada. E brincou:

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- Que ironia, não?


Ciana não respondeu. Se era para fazer a maldita missão com ela,

faria. Mas não trocaria palavras vazias.


O bar era festa pura, cores, cheiros, e homens e mulheres que se
atracavam em todos os cantos e lugares. O som do batuque do Samba era
ensurdecedor. Zintrah num campo completamente natural para ela passou o

dedo no queixo de um negro alto e sisudo, indagando:


- Vadia procurando Vadinho, sabe onde o encontro?
Ciana nunca havia estado num lugar como aquele. O batuque animado
ela conhecia, gostava de ouvir samba. Mas aquela gente se esfregando,
seminua e suada, cheirando a perfume barato, bebida, cigarro e algo mais
picante, deixou-a tonta. Ao mesmo tempo, algo era extremamente atraente
naquela loucura, quase que contagiante.
As pessoas se encostavam, se roçavam, pareciam realmente felizes,

como há muito Ciana não via. Até esqueceu sua roupa curta e decotada, seus
olhos curiosos não perdendo detalhes.
Zintrah logo que viu o moço que deduziu ser Vadinho, a partir das
características que o homem lhe dera, puxou Ciana para um canto:
- Agora faça justiça à profissão mais antiga do mundo. Sua vez!
Arrume um jeito de levá-lo para os fundos por onde passamos. E lá daremos
um jeito nele.

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- Eu?! - Ciana olhou-a horrorizada. - Você está mais acostumada!


A meretriz sorriu:

- Posso e sou, mas a vadia aqui hoje... - apontando para roupa da


moça. - É você! Vai, gostosa. - Pondo um dos dedos na boca.
Ciana respirou fundo e afastou-a da sua frente com brusquidão.
Meteu-se no meio das ciganas, homens vestidos de piranhas, piratas, índios,

mascarados, seu olhar fixando-se no homem alto e loiro vestido de baiana


que se acabava de pular no meio dos amigos.
Nervosa, criou toda coragem que tinha e parou na frente dele, sem
saber ao certo como agir. Ele entornava cerveja goela abaixo, largava o copo
de plástico e já ia pular novamente quando a viu.
- Oi, gatinha! Procurando por mim?
- Sim. - Ciana forçou os lábios a sorrir. Algumas pessoas a
empurraram e ela foi parar no peito dele, que a abraçou na mesma hora,

colando-a em seu corpo, murmurando com cheiro de álcool:


- Pois estou aqui! Que loirinha gostosa! - As mãos dele estavam em
todo lugar, subindo por suas pernas nuas, enquanto sua língua já percorria seu
pescoço.
Ciana encheu-se de uma mescla de repulsa e excitação. Talvez fosse
aquele batuque sensual, o nervosismo ou o simples fato dele ser atraente. Não
estava acostumada com aquelas sensações e por um momento, uma fração de

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segundos, deixou.
Ao mesmo tempo, a energia pura de seu poder percorreu-a mais

intensa do que qualquer das outras vezes. Por fim reagiu, tentou se afastar e
murmurou:
- Venha comigo, Vadinho.
- Carlinhos, meu bem. Mas vamos! Me leve ao paraíso!

Ela conseguiu pular para trás e agarrou a mão dele, puxando-o atrás
de si. Os colegas dele riram, gritaram obscenidades e assobiaram. Ciana saía
o mais rápido possível dali.
Zintrah acompanhava tudo a distância e a espreita.
Quando a multidão começava a dispersar, ele a puxou, encostando-a
nele por trás, suas mão subindo perigosamente por sua barriga, sua boca
mordendo-a no ombro. Um arrepio a percorreu e Ciana arfou, tentou fugir, se
debateu com o coração acelerado. Por fim, conseguiu sorrir forçado,

anunciando:
- Aqui não. Tenho um lugar melhor.
E puxou-o de novo, quase correndo para os fundos, em uma viela
onde Zintrah os aguardava. O rapaz arregalou os olhos ao ver a loira de fada
e exclamou:
- Deus me ama!
A meretriz retirou lentamente o crucifixo do pescoço, pôs bem a

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frente dele rente ao corpo e indagou:


- Sabe rezar, gostoso?

Ele arregalou os olhos ainda mais. Ciana usou seu poder de


manipulação, jogando-o contra a parede com os braços abertos, imóvel. Disse
a Zintrah:
- É todo seu.

Zintrah sorriu para jovem e pela primeira vez de modo sincero. Veloz
moldou o crucifixo em punhal e deslizando em sua garganta ofegante,
disparou:
- Quero a carta que você recebeu...E quero agora! - Com uma voz
extremamente sedutora.
- Do que está falando? - Gaguejou o sujeito que gotejava em suores.
-Não me faça perder a paciência. Acredite...- sussurrou em seu
ouvido.- Não vai gostar de me ver impaciente. Onde?

Ele foi sucinto:


- Na minha cueca, achei que ninguém ia pegar hoje, então...
- Cala a boca!- A Meretriz desceu sem nenhum respeito a vestimenta
do homem e retirou envolto numa camisinha as tais folhas. E para não perder
a viagem olhou para Ciana que observava atônita e concentrada: - Isso aqui
só serve para brincar de pastel de vento. Não enche nada! - Gargalhando e
afastando-se dele.

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-E agora? - Indagou Ciana, vermelha. Foi quando algo lhe ocorreu.


Encarou o homem assustado, ainda com as calças abertas e indagou: - Quem

te deu essas folhas?


Ele pareceu ainda mais confuso. Murmurou:
- Não sei! Só sei que tinha que ficar com elas hoje! Alguém mandou.
- Quem? – Ela insistiu.

- Não sei, dona. – Ele foi bem sincero, um tanto apavorado com tudo
aquilo. Indagava-se se não seria a bebedeira.
Ciana nem teve tempo de insistir, quando uma barulheira veio da
frente dentro do Bar e dos botecos da viela do Samba. Era a Polícia. Sagaz, a
meretriz disse a jovem:
- Se livra dele! Acho que está na hora de cantar para subir!
- Me livrar dele? Como? - Ao mesmo tempo que dizia isso, ela gritou
para Vadinho. - Vai, corre, some daqui!

O rapaz, sem entender nada, correu para obedecer, embora aquela


fosse sua real vontade. Mas suas pernas pareciam ter vida própria.
- Tá louca, ninfeta? - Zintrah imediatamente o alcançou, agarrando-o
por trás da nuca e esfregou parte de um veneno que jazia na ponta do
crucifixo na boca do pobre. Imediatamente ele sucumbiu ao chão e
apavorada, Ciana a retalhou:
- Você o matou?

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- Não, em doses pequenas o veneno só o imobiliza por dias, ele não


poderá falar nada. Sem pontas soltas, guria! Acho que a cavalaria veio nos

fazer uma visitinha inesperada! - Olhando para frente e vendo os homens


armados vindo ao seu encontro, Zintrah puxou Ciana e disse:
- Tá na hora de mostrar a que veio, gracinha!
Ciana olhou para a entrada e saída do beco, dos dois lados os policiais

vinham correndo e armados, cercando-as. Seu coração disparou. Quase que


automaticamente, uma deu às costas a outra e se preparou para receber a
tropa.
Ciana avançou para o grupo que vinha dos fundos, encorajada pelo
poder que o contato físico com Vadinho lhe dera. Nem ela soube o que
aconteceu, mas em questão de segundos ela os fazia escorregar, como se
patinassem, o primeiro caindo e os outros de trás indo por cima, como um
dominó. Mentalizou os cinco ali, embolados, imobilizados, embora tentassem

alcançar as armas. Atrás de si ouvia a luta, mas não teve tempo de olhar.
Ordenou:
- Algemem-se uns aos outros de costas! Rápido! Agora!
- Mas que merda... O que é isso, sargento? – Gritou um deles, quando
todos começaram a obedecer, mesmo suas mentes gritando pelo contrário. No
final, havia um círculo deles de costas um para outro, um pulso algemado ao
do colega ao lado. Olharam horrorizados para ela, como se fosse uma bruxa.

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Eles gritavam, esbravejavam e lhe davam ordens de prisão. Ela os


ignorou e disse baixo:

- Não vou machucar ninguém! É só ficarem quietinhos!


Zintrah de pronto deu uma voadeira num dos grandalhões, enquanto
fincava o crucifixo com gosto no peito do outro. Rapidamente ela viu altura
suficiente para que pudessem por um breve momento sair daquele beco sem

saída. Deixou Ciana dizendo:


- Minuto para xixi , cinderela cocota! - Na verdade ela cruzou para o
outro lado e quando viu condições deparou-se com a moça que deixara os
soldados presos e imobilizados e nem os tocara. Pondo a mão na cintura disse
consigo: - Não é que funcionou?
E ao ver que estava livre, assoviou para a "parceira" que veio ao seu
encontro ainda que assustada com a circunstância. A meretriz se posicionou
com as mãos sobrepostas.

- Sobe você primeiro!


Ciana olhou as mãos da madame. Mas nem teve tempo de pensar.
Ouvia-se mais gritaria da polícia se aproximando. Apoiou o pé em suas mãos.
Zintrah a impulsionou, lançando-a para cima sem esperar se afirmar e gritou:
- Anda, Ninfeta!
Ciana agarrou as telhas do telhado e conseguiu subir nele. Na mesma
hora virou-se, segurou-se firmemente em uma coluna com uma das mãos e

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estendeu a outra a Zintrah, gritando:


- Vem, eu te puxo!

Ela agarrou-se a mão da garota, firmou os pés e subiu. Quando se


aprumou, ajeitando decote, a olhou e disse:
-Valeu!
Zintrah sabia que poucos metros dali algo que um dia fora um posto

de combustível tinha algumas carcaças de carros, que podiam lhes valer e


gritou isso para Ciana. Elas se ergueram e correram pelo telhado, quando
policiais surgiram na rua paralela, gritando e apontando as armas para elas.
Quando Ciana viu que iam atirar, fez as telhas das pontas voarem em cima
deles, derrubando-os como uma chuva, enquanto elas corriam e pulavam para
o telhado seguinte.
Desceram pelo outro lado do telhado, e correram lado a lado pelas
ruas com as sirenes ligadas e seus rostos em todos os outdoors eletrônicos da

cidade.
Ao chegarem ao posto, a meretriz expôs:
- Procure algum que funcione!
- Mas como?
- Ligação direta, honey! - Redarguiu a madame.
- Posso manipular o carro, mas apenas até meu poder durar.
Zintrah pensou e emitiu com a mão no queixo:

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- Hum!
Ciana viu alguns carros parados e tentou ligar o primeiro, um amarelo

canário feio, baixo, conversível. O motor funcionou na hora.


- Vamos nesse! - Gritou, já correndo para ele.
- Vamos nessa, ninfeta! - Zintrah pulou num jeito só.
Ciana abriu a porta, entrou no atropelo e segurou o volante.

Mentalizou-o seguindo em frente e apenas manteve o controle para


virá-lo de um lado para outro na estrada. Gritou:
- Nunca dirigi na minha vida! - O vento balançava o cabelo das duas.
Ciana arrancou a máscara e jogou-a longe na estrada, acabando por sorrir, um
tanto excitada com tudo aquilo.
Dois soldados viram as duas dispararem com o carro enquanto
Zintrah não perdeu a oportunidade de jogar arfantes beijinhos.
A meretriz conhecia e bem todo aquele ambiente, e só gritava:

- Vira a esquerda! Agora na segunda com a 105! Eu disse 105, merda!


Tá fazendo o quê?
- Como vou saber qual é a 105, droga?
- Só me faltava essa, não sabe contar não? Anta!
Ciana, nervosa, virou o volante em uma curva e gritou:
- Se não fosse eu, você estaria a pé! Anta!
Apertou sem querer o painel e os faróis tornaram-se mais fortes, um

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rock pauleira berrou no rádio assustando-as e o para-brisa ligou.


- Merda! - Ciana gritou, sem saber se controlava o carro para andar ou

tentava desligar tudo.


Era o velho som de Kiss “Detroit Rock City", o que agradou a
Madame.
- Enfim música para meus ouvidos! - Estendendo os braços com o

vento na face, o que lhe dava o que mais amava, liberdade de ser ela.
- Se parar essa joça te porro a cara, ninfeta! - disparou.
- Vou te jogar é pra fora, se não calar essa boca! - Ciana jogou as
palavras, sem se importar com mais nada. A corrida, a fuga, aquele rock
louco, deixavam-na nervosa, ao mesmo tempo um pouco enlouquecida
também.
Atrás seis viaturas se cruzaram formando um verdadeiro comboio
seguindo as duas. Louca a prostituta berrava, abrindo a blusa e mostrando os

seios:
- Podem vir quente que eu estou fervendooooo!!!!!
Uhuuuuuuuuuuu!!!!!!
- Sua maluca! - Ciana gritou, fazendo o carro correr o máximo
possível.
Um auto da polícia disparou pelo lado esquerdo alcançando e
emparelhando com o delas.

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- Pra onde, Zintrah? - Gritou Ciana.


- Joga o carro contra ele! - Gritou sem titubear.

- Ai! Porra! - Gritou um palavrão, ao mesmo tempo que girava o


volante violentamente e um barulho ensurdecedor de metal contra metal
estourava na madrugada. A batida fez o carro delas perder um pouco o
controle e ziguezaguear, mas o carro da polícia foi jogado para fora da

estrada e desceu o pequeno declive daquele lado, sumindo de vista.


- Meu Deus do Céu! - Ciana tentou a todo custo manter o carro na
estrada, desesperada.
Zintrah gargalhou:
- A ninfeta sabe xingar, gente! Que tudo! Agora segue reto, temos que
cruzar a floresta, aí sim poderemos respirar melhor.
- Eles estão se aproximando! - Ciana olhou pelo retrovisor as outras
cinco viaturas. - E o carro não corre mais do que isso!

Quando uma das viaturas se aproximou na frente das outras, quase


chegando à traseira delas, Ciana mentalizou as rodas estourando.
O carro na hora capotou, chegando a bater de leve no para-choque
delas, fazendo as duas gritarem. Mas por fim rodou e parou emborcado na
calçada, com fumaça subindo. Os outros desviaram e continuaram a
perseguição, mas elas tinham se distanciado bem mais.
Ciana riu para Zintrah.

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- Hora da distração, boneca. - Na luta no beco a prostituta afanara


uma das armas colocando rente a sua bota. - Me cobre! Joga essa merda para

esquerda! - Pulando para o banco de trás, inclinando o corpo para fora mirava
insistentemente nos pneus dos veículos policiais, atirando sem parar, até que
um capotou ultrapassando por cima do auto onde as duas estavam e explodiu
mais à frente, o que obrigou a jovem conter o corpo e gritar:

- Que merda! – E segurou o volante violentamente, desviando do


veículo em chamas e contornando-o pela beirada até o carro se firmar de
novo na estrada. Ciana estava com os olhos arregalados. O carro que passara
por cima delas não as pegara por um triz!
Eram três agora atrás delas. Viraram em uma curva em alta
velocidade.
Quando o carro parecia dar o melhor de si, a velocidade começou a
diminuir vertiginosamente.

Ciana olhou horrorizada para Zintrah:


- Meu poder está acabando!
- Ah, tá de zoação, né?
- Tô falando sério!
Os três carros da polícia vinham a toda depois da curva. Quando o
carro delas diminuía mais a velocidade, um deles bateu violentamente por
trás, fazendo-as se segurar onde puderam, pois o carrinho amarelo rodou e foi

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jogado no barranco inclinado à esquerda da estrada. Na descida, ele ganhou


uma velocidade impressionante. Lá embaixo, um aglomerado de árvores as

aguardava.
- Merda! Zintrah!
- Abandonar o Navio!
- Ai, meu Deus! - Ciana fechou os olhos e se jogou para fora do carro.

Rodou pelo mato, achando que ia morrer, protegendo-se o quanto podia.


Bateu com força, ralou-se e nem acreditou quando parou, deitada de bruços,
ainda viva.
No meio do matagal, no escuro, Ciana se ergueu, percebendo que não
quebrara nada, apenas se arranhara. Gritou:
- Zintrah!
Zintrah arrastou-se pela relva até a moça:
- Aí, tá viva, ninfeta?

- Sim.
Elas mal podiam respirar. Não podiam descer ou cairiam lá embaixo,
onde o carro já batia violentamente contra as árvores.
Policiais com seus capacetes infravermelhos se aproximaram de onde
estavam.
- Olha isso! - Ciana apontou. - Vamos dar o fora logo! Estou sem
poder quase nenhum!

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Zintrah pediu que se escondesse e só reagisse quando ela gritasse algo


que não citou o que era. Correram abaixadas pelo mato, no terreno inclinado,

até umas árvores ali ao lado. Ciana murmurou:


- Temos que subir e pegar um carro!
- Aí, já volto e subimos! Quando eu gritar, suba correndo! –
A meretriz concentrou-se passando a forma de um deles, quando a

abordaram foi assente:


- Por ali, foram por ali, chefe!
Esperou eles se afastarem pelo lado oposto. Foi quando berrou para
Ciana provocativamente:
- EU COMI O DAMON!
Ciana murmurou um palavrão para si mesma, xingando aquela
mulher. Estava se acostumando com aquilo. Influência daquela debochada!
Furiosa, correu pelo mato para cima. Zintrah riu e correu ao lado dela. Mal

chegaram lá, arfantes e arranhadas, deram com seis policiais armados e que
as tinham sob a mira.
Elas se olharam, Madame Zintrah suspirou e dessa vez beijou o
inseparável crucifixo:
- Nunca achei que diria isto, mas seja o que Deus quiser! Carne mal
passada ou frangos? - Indicando os homens.
Ciana ficou muda. Concentrou-se, buscou um resquício de poder

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dentro de si e se esforçou para conseguir fazer as armas de fogo voarem das


mãos deles para o mato atrás. Então o poder se foi de vez.

- Agora sim, seja o que Deus quiser, madame!


Por um momento eles ficaram chocados, sem saber como as armas
saíram de suas mãos de uma hora para outra. Mas Zintrah já partia para o
meio de três e eles reagiram.

Ciana correu para eles, sabendo que não tinha jeito. Só lhe restava
buscar mais contato físico, saber se podia conseguir seu poder de volta em
pouco tempo, pois não sabia lutar direito e nem tinha estado numa situação
daquelas. O que tinha era só a coragem.
A meretriz lutava como poucas mulheres e muitos homens. Fora o
que a vida lhe dera. O primeiro e o segundo vieram com tudo e, sacana,
soltou das suas:
- Adoro brincar a três! - desfechando um golpe certeiro na glote de

um e soco nas partes do outro que caiu ajoelhado ao seu lado, embora a tenha
puxado pelo cabelo, o que a fez ser mais irônica: - Agarrando pelo cabelo...
Assim eu gozo!
Mesmo assim, sem piedade ela se desvencilhou das mãos de seu algoz
e ao jogá-lo no chão, esfregou a bota na cara dele e sem pena cravou o punhal
nas suas partes, fazendo-o berrar.
- Odeio gozar com pressa! Babaca! – E já partia contra o terceiro.

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A reação dos policiais veio mais rápido do que Ciana pensava. Três a
cercaram e o medo ameaçou paralisá-la, mas sem ter tempo para pensar, ela

reagiu, só pensando em buscar um contato com eles que pudesse despertar


seus poderes. Avançou e encontrou um deles no meio do caminho, mas antes
que pudesse abraçá-lo, recebeu um tapa com as costas da mão na cara com
tanta força que virou sua cabeça para a esquerda e espirrou sangue de sua

boca no chão atrás dela.


Tonta, Ciana rodou e caiu no chão, só tendo o reflexo de apoiar as
duas mãos sobre o asfalto antes que desabasse de vez. De uma só vez os três
estavam ali e ela mal teve tempo de ver o chute, só sentiu o vento e como
reflexo desviou a cabeça no último segundo, mas a bota dele acertou em
cheio seu ombro, fazendo-a explodir em dor e ser arremessada para trás.
Cuspiu o próprio sangue, mas sabia que não tinha tempo para
lamentações ou para sentir dor. Eles a tornariam uma massa sanguinolenta se

não reagisse rápido. Mal conseguia respirar e procurou desesperadamente um


meio de escapar, tremendo.
Ciana mal teve tempo de se ajoelhar rapidamente, ignorando a dor
lancinante no ombro esquerdo, só pensando em sobreviver. Um dos policiais
estava perto, plantado de pernas abertas a sua frente, dizendo:
- E agora, bandida? Cadê seus truques?
Foi nesse momento que vendo a jovem, Zintrah acabou de derrubar o

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policial e partiu para o trio que cercava Ciana e a ameaçava, parando o


cotovelo na garganta do sujeito que jogara a corajosa Ciana no chão e gritou

com os grandes olhos abertos:


- Nela não! – Jogando-o para trás.
Ele acertou um murro no queixo que a fez torcer o pescoço e que a
deixou mais possessa.

- Quer brincar de tirar sangue, é?


Zintrah o golpeou sem dó cada vez mais célere, ainda que os gritos do
mesmo fosse o puro horror. E ela não conseguia parar.
Ciana viu Zintrah investir contra o homem a sua frente, mas logo dois
estavam sobre ela. Sabia que não conseguiria lutar contra eles, seu ombro
doendo demais, um tanto tonta. Levantou aos tropeções, desviou-se de um
soco e tentou correr, mas um deles agarrou violentamente seu cabelo por trás
e puxou-a.

Ciana virou-se, mesmo com o rosto e o ombro latejando, tirando


forças não sabia de onde. Deu um soco na boca dele, que mal virou seu rosto.
Furioso, ele reagiu rápido mandando um soco bem dado em seu estômago, o
que a fez se dobrar em duas de tanta dor. Ficou sem ar e quase vomitou, mas
ele já agarrava ferozmente seu cabelo longo e erguia sua cabeça, berrando:
- Puta desgraçada! Vai morrer gritando, cadela!
Assim que viu o sangue do homem espirrar em seu rosto, Zintrah

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passou o dedo e provando em seus lábios, disse:


- Ainda doce sabia?

Zintrah virou-se para o outro policial e o golpeou pelas costas. O


homem esbugalhou os olhos e ela veio para sua frente, exalando possessão:
- Desculpe, não atendo ao ar livre! - E desferiu como recebeu golpes.
No entanto, cada soco que levava lhe tirava da consciência e a levava ainda

mais fundo na insanidade interna onde jaz uma psicopata que a habitara sem
precedentes.
- Você está presa, Madame Zintrah! - Ele gritou com soma das forças.
Ela o olhou com frieza e despeito e redarguiu:
- Que pena...Você está morto! - e cravou o punhal ferino, que vazou
do outro lado do pescoço do sujeito.
Ciana viu o ódio no olhar do policial e sua mão, com o que parecia
uma espécie de arma de choque. Estava acabada e teve certeza de que iria

morrer.
Na raça, ainda que também bem machucada, Zintrah, que sempre deu
valor à sua palavra, recordou-se do que prometera a Damon.. E foi num chute
inesperado na mão do homem da lei que ela jogou a arma próxima a Ciana,
segurou o cara e disse:
- Manda ver, é todo seu!
Ciana pegou a arma sem vacilar, tropeçando. Nem parou. Na hora

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mirou nele e atirou. Não era o bastante para matar, mas a dor era terrível,
percorria todos os músculos do corpo e paralisava momentaneamente os

nervos. Ele caiu no chão estrebuchando e depois desmaiou. Ciana largou a


arma e murmurou para Zintrah:
- Obrigada.
A meretriz esboçou um riso e ofereceu a mão. Tentou ajudar a jovem

a levantar-se apesar da dificuldade ser para ambas.


Ciana segurava o estômago, cuja pancada ainda lhe dava dores e
convulsões. Aceitou a ajuda, meio dobrada, mas foi seguindo para o mato da
estrada, murmurando:
- Temos que procurar armas de fogo e atirar nos pneus! Deixe só um
carro, pra gente fugir, antes que os outros voltem. Me ajude a procurar!
Zintrah viu que a menina fora muito judiada e concordou. Foi naquele
momento que os policiais com capacetes infravermelhos retornaram do

barranco e eram muitos.


- Mãos ao alto! Estão presas!
Elas se entreolharam, acabadas. Estavam as duas sem poderes e
machucadas. Cercadas por muitos policiais. Não viam meio de escapar
naquela hora. Mas nem tiveram tempo de reagir. De repente, todas as luzes
da rua se apagaram e a escuridão as engolfou. Permaneceram imóveis, uma
ao lado da outra, sem saber o que estava acontecendo. E então, pouco depois,

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as luzes retornaram. Todos os policiais estavam no chão, desacordados.


Ciana murmurou:

- O que foi isso?


- Nem imagino! Mas vamos cair logo fora daqui!
Assim, juntas, foram para uma das viaturas e entraram.
Zintrah assumiu a direção do veículo e olhou o tanque, havia

combustível suficiente, antes, porém, procurou algo pesado e destruiu o radar


de localização da viatura. Coisa dos velhos tempos. E agora, porque não
queria que alguém sonhasse que estavam ali.
Logo os primeiros raios de sol ensaiaram, e na estrada erma as duas
voltaram para o castelo.

No castelo, Damon não tinha conseguido dormir. Ficou o tempo todo

nervoso, ansioso, preocupado. Andava de um lado para outro, correndo os


dedos incansavelmente pelos cabelos, rezando para que as horas passassem
logo e elas voltassem. A manhã já nascia, quando outros começaram a
aparecer.
Victor sentou-se calado em uma poltrona do grande salão, parecendo
um tanto deslocado. Valaistu e Valentim conversavam baixo. Alyha se serviu
de uísque e engoliu de um só gole. Armand, como sempre, mantinha-se

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distante e calado. Somente Aracaê continuava agitado, se distraindo com


Gibran.

Quando ouviu o barulho de carro estacionar no pátio do castelo,


Damon saiu correndo, abrindo a porta com violência. Já descia a escadaria
como um louco, seu coração disparando, quando os outros surgiram atrás
dele.

Da viatura da polícia saíram Ciana e Zintrah. Ele parou no último


degrau, aliviado por vê-las, mas chocado. Estavam acabadas. Zintrah se
encostou na porta do motorista fechada e cruzou os braços. Estava com o
queixo machucado e um lado do rosto começando a inchar. Ciana parecia
pior. Como se já não bastasse a roupa vermelha, curta e decotada que vestia,
ela estava descabelada, meio inclinada segurando o estômago com uma das
mãos e o ombro com a outra. Sua boca estava machucada e com sangue seco.
Ele a olhou, estupefato. Parecia outra pessoa, seu corpo esguio e bem

feito exposto, um ar de decadência aliado ao seu aspecto de quem acabara de


passar por maus momentos. Ela contornou o carro e se aproximou. Damon
terminou de descer o último degrau e foi rápido até ela, dizendo um tanto
ansioso:
- Ciana... Deixa eu te ajudar...
Os grandes olhos cor de mel dela fixaram-se nele em um misto de dor
e frieza. Suas palavras o detiveram na hora:

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- Não toque em mim. Cuide dela. – lançou um olhar para a mulher


recostada no carro. Damon sentiu-se mal, desprezado, dividido.

- Ciana...
Ela o ignorou. Parecia infinitamente cansada e magoada. Ele não
sabia tudo que ela tinha passado naquela noite, as muitas provas que fora
obrigada a enfrentar, a começar por ele. Vacilou um pouco ao subir o

primeiro degrau. A dor e o cansaço pareciam a ponto de sobrepujá-la.


Imediatamente Damon estendeu as mãos para ampará-la, mas ela se desviou
dele e seguiu em frente.
- Deixa que eu te ajudo. – Valentim correu e segurou-a pelo cotovelo.
Valaistu aproximou-se e ajudou-a do outro lado. Ela agradeceu baixinho e
seguiu com eles.
Damon observou-a, sentindo-se muito mal, magoado. Cerrou os
punhos, sabendo que boa parte daquela culpa era sua. Mas nunca foi de

propósito. Gostava demais dela. Nunca quisera fazer com que ela sofresse.
Voltou-se e encarou Zintrah. Ela apenas observava com seu ar decadente,
jocoso.
Ele terminou de se aproximar dela e indagou, passando um olhar por
todo seu corpo, preocupado, atraído como sempre:
- Você está...
Zintrah não o deixou terminar. Segurou o queixo dele com força e

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simplesmente deu-lhe um beijo quente, apaixonado, daqueles! Seus lábios e


línguas misturaram-se com volúpia e um vulcão parecer explodir entre eles,

independente de tudo que tinha acontecido.


Ciana pareceu sentir. Já ia entrar no castelo, mas voltou a cabeça para
trás e viu os dois se beijando. Foi o pior desfecho para aquela noite maldita.
Seus olhos encheram-se de lágrimas, mas ela respirou fundo e engoliu-as

junto com a dor. Decidiu naquele momento que era a última vez que chorava
por ele. Olhou de novo para frente e entrou com Valaistu e Valentim,
sentindo o corpo todo doer. E a alma mais ainda.
Zintrah, quando o beijo acabou, fitou Damon dentro de seus olhos
azuis escurecidos pelo desejo e disse:
- Promessa cumprida!
Sem mais nem menos se afastou dele e entrou no castelo.
Damon ficou lá fora naquela manhã fria e nublada sozinho, tenso,

preocupado, culpado, com raiva de Victor ao ver as duas detonadas, a Ciana


arrebentada, e com raiva dele mesmo. Tudo se complicava cada vez mais,
como um emaranhado, uma charada. Até os sentimentos dele.

Assim que chegou ao seu quarto Zintrah pensou somente num banho.
Ela tirava a roupa e via os cortes resultantes daquela missão, quando viu uma

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sombra entrar no recinto e um perfume que tão bem conhecia. Era Damon.
Damon fechou a porta atrás de si e seu olhar percorreu o corpo dela,

totalmente nu. Mesmo arranhada, com sujeira de terra e sangue, ela era linda,
um mulherão. O fogo percorreu o corpo dele na hora e ele se aproximou
devagar, sem conseguir tirar os olhos dos dela.
- Precisamos conversar, Zintrah. - Embora fosse difícil se concentrar

nas palavras quando o corpo assumia a razão.


Pela primeira vez ela engoliu seco o que talvez devesse ter dito
naquele momento. Mas onde fica o ímpeto de uma mulher voraz como ela?
Ela caminhou até ele lentamente.
- Quer?
- Não. Quero conversar, saber como você está, o que aconteceu. -
Parou na frente dela e suas mãos já se enterravam em seus cabelos compridos
e escuros. - Mas maldito que sou, só consigo pensar em te beijar.

O olhar dela foi capcioso, pegou as mãos dele e roçou de leve num
dos de seus seios, o esquerdo, com a outra mão passou o dedo num dos
muitos machucados, envolveu com uma gota do seu sangue e passou nos
lábios dele, indagando:
- Onde será que você quer estar, Damon?
Ela se referia ao corpo dela, por isso o toque dos seios ou no coração,
e por isso no sangue.

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- Em todo lugar. Aqui dentro. - Sua mão se fechou sobre a carne


macia. A outra escorregou em locais mais íntimos. - E aqui. O tempo todo.

Zintrah sorriu. Roçou provocante os lábios no dele, deixou que ele a


conduzisse sem dó nem piedade.
Ele não aguentou mais a tensão, o desejo que o deixava excitado,
ardendo. Segurou-a com força e beijou-a sem se importar com mais nada. Em

segundos a pegava no colo e caía sobre ela na cama, segurando seus pulsos
com uma só mão, enquanto a outra passeava em sua pele. Tomou o que quis,
com a boca e o corpo, com algo dentro dele que o impulsionava e dominava.
- O que você fez comigo, sua feiticeira? - Murmurou rouco, afastando
o rosto para olhá-la quase com raiva.
- Nada que você não desejasse. - Segredando em seu ouvido. - Ser
meu!
E eles se entregaram entre os lençóis, iluminados pelo sol da manhã

que incidia no quarto, até ficarem satisfeitos, suados.


Zintrah levantou-se sem ruídos, tomou o banho e, ao voltar, ainda que
visse aquele corpo que tanto fora seu e se dera ao mesmo, deixou que a sua
natureza falasse alto mais uma vez. Afinal, isto também era ela.
- Levante-se, Damon! Hora de ir!
- Não. - Ele recostou-se nos travesseiros, sério. - Vim aqui falar com
você. O que aconteceu lá?

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- O que te prometi? - Ela rebateu com as mãos na cintura. Seu


semblante era frio.

- Eu sei o que prometeu, Zintrah. Mas vocês chegaram arrebentadas!


A Ciana de prostituta! Estou nervoso e preocupado, merda!
Jogou as pernas para fora da cama e se levantou, vestindo as calças.
- Era um armadilha?

- Sim, não, talvez. Mas o que fomos buscar está aqui. – Ela caminhou
até a cômoda e mostrou as páginas envoltas numa camisinha, o que fez com
que ele se surpreendesse.
- Conseguiram isso com o Vadinho de baiana? - Fitou-a, desconfiado.
- Como?
Ela suspirou irritada e respondeu:
- Sim, abaixei as calças dele, e tirei da sua cueca esse recadinho. Quer
detalhes de como fiz? - Ela queria provocá-lo.

Damon já ia explodir, seu gênio esquentando, mas por fim engoliu a


raiva e abriu as folhas com irritação. Não entendeu a pista, ainda mais raivoso
como estava. Devolveu a ela.
- Vai me contar tudo? Não desse cara. O que aconteceu lá.
Ela lhe deu as costas, e contra golpeou:
- Que bom, sou uma profissional, não sou do tipo que fala de trabalho.
Fomos recebidas por policiais, belos por sinal. Protegi sua princesinha,

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fugimos de carro, levamos muita porrada, mas como pôde ver, ela está a
salvo. - Cruzando os braços.

- Minha princesinha? Está com ciúmes? - Ele provocou também, mas


caiu em si sobre a seriedade da situação e correu as mãos pelo cabelo. -
Como a polícia foi parar lá? Pelo que vi, Ciana estava disfarçada. Você pode
tomar a forma que quiser.

- Primeiro me fiz de você para ela. - Num tom de escracho ela queria
causar a intenção da discussão. - Depois dei a ela a única chance que havia,
de se vestir de prostituta, julguei que não seria má ideia, já que aprecia tanto a
profissão.
Ele franziu o cenho, irritado.
- O que você quer, Zintrah? Por que não para de provocar Ciana? E de
tentar me irritar?
A meretriz o fitou altiva e redarguiu:

- E o que sei fazer de melhor, do seu ponto de vista que isto, Damon?
Ele se aproximou e segurou o braço dela, sem tirar os olhos dos seus:
- Quer que eu diga o quê? Que é só na cama que você presta? Qual foi
a primeira coisa que me disse ao chegar? Promessa cumprida! Todo o tempo
você cuidou dela! Então não se diminua nem queira me provocar!
Zintrah caminhou para a porta e disse serenamente:
- Fora!

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Damon encarou-a, possesso. Estava cansado daquele jogo todo. A


mesma maneira que ela tinha de pôr fogo nele pelo desejo, tinha de tirá-lo do

sério pela raiva.


- Se é isso que quer, já estou lá. - E abriu a porta furioso.
Antes que ele cruzasse a porta ela esticou a mão e foi talhante:
- Pagamento senhor, eu não faço fiado! - E ali ficou aguardando.

A ira o consumiu. Bateu a porta com força, jogou-a contra ela e sem
cuidado devorou sua boca em um beijo violento, bruto, que a castigava.
Então a largou com desprezo.
- Não queira brincar comigo, Zintrah. - E saiu fervendo de ódio.

Ciana tinha recebido ajuda de Valentim, mas agora depois de tomar


banho e um remédio para dor, sentia-se melhor em seu quarto. Gibran estava
deitado a seus pés enquanto ela se vestia, pensando nos acontecimentos

daquela madrugada. Nem em seus sonhos mais loucos poderia imaginar que
passaria tanta coisa, desde a montanha-russa que se tornaram seus
sentimentos aos momentos de luta, fuga alucinada, perseguição da polícia.
Era surreal.
Ao ficar sozinha, tinha abraçado muito Gibran, que era seu querido
amigo, o único companheiro que tivera desde que saíra do orfanato, aquele
em quem ela primeiro aprendeu a amar e era seu porto seguro. Ele a lambeu e

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recebeu animadamente, choramingando como se quisesse confortá-la e


soubesse como se sentia cansada, confusa, magoada, à prova. Ficara lá com

ele sentada no tapete, cheia de dor no estômago, mas felizmente mais forte.
Desde que seus pais morreram, ela era sozinha. O orfanato frio e
imenso, apesar de cheio de crianças, era um lugar impessoal, onde eles
viviam trabalhando para pagar a própria comida, não conversavam, não se

relacionavam. Eram tristes e solitários. Lembrava-se que logo no início tinha


feito amizade com uma menina um pouco mais velha, mas não recordava
dela direito. Lembrava-se sim que ela a ajudava, conversava, tirava um pouco
o peso da tristeza. Mas depois foi adotada e Ciana se conformou em
perambular por lá, trabalhar, viver mecanicamente como se fosse mais um
objeto daquele lugar. Até sair e encontrar Gibran.
Agora estava ali, no meio de estranhos, amando e odiando, entrando
em conflito, conhecendo-se como nunca imaginou ser capaz. Sentia-se

testada, como se tivesse despertado para a vida. Não conhecia seus limites
nem a si mesma. Mas a convivência com aquelas pessoas, a busca pelo
assassino dos seus pais, tudo que colocava sua vida de pernas para o ar era
também o que a fazia crescer agora.
Vestiu-se, mas ainda sentia toda a região do estômago infinitamente
dolorida, assim como o ombro. Qualquer movimento espalhava agulhadas de
dor por todo seu braço, por isso o movia o mínimo possível. Queria deitar-se

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e dormir, mas sabia que Victor os aguardava para a reunião sobre os papéis
que tinham trazido.

- Vem, Gibran, vamos acabar logo com isso.


Abriu a porta e o cachorrinho saiu todo animado pelo corredor. Já a
fechava quando Damon saiu do quarto de Zintrah, que ficava duas portas
depois da sua. Ele estava com o semblante carregado, despenteado, os

primeiros botões da blusa abertos mostrando parte do peito musculoso. Era


óbvio o que estivera fazendo por lá.
Uma onda de amor e dor, um sofrimento tão desconhecido como
agonizante, deixou-a pálida e imóvel. Foi quando Damon a viu e parou
bruscamente, arregalando um pouco os olhos azuis. Ele pareceu
desconfortável, tenso, sem saber como agir. Mas terminou de se aproximar e
parou a sua frente.
- Como você está, Ciana?

- Bem. – Ela engoliu os próprios sentimentos. Tinha decidido lutar


contra o que sentia por ele, já que obviamente não era correspondida. Nem
queria mais fazer papel de boba e tola ciumenta perante ele e os outros.
- Está pálida e machucada. – A preocupação era óbvia no semblante
dele, na maneira como a observava.
- Vai passar. Tomei um remédio, só preciso descansar um pouco.
Acho melhor descermos e...

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- Espere. – Ele suspirou, um pouco nervoso. – Quero que saiba que


você é a pessoa que mais gosto nessa casa. Me preocupo com você, como

se...
- Se eu fosse sua irmã. Já entendi, Damon. – Disse, como se não se
importasse.
- Não queria que se magoasse. Que pensasse que entre nós...

Ciana o interrompeu de novo:


- Já passou. Esqueça tudo isso. Prometo que cenas como dessa
madrugada não vão voltar a acontecer.
- Jura que não está com raiva de mim?
- Não tenho por que ter raiva. – Ciana terminou de fechar a porta,
poupando-se de movimentos bruscos. Já foi caminhando em direção à escada
e ele foi ao seu lado. – Está tudo bem, Damon.
Ela sabia que nada estava bem. Sentia-se arrasada. Mas forçou-se a

sorrir.

No grande salão todos aguardavam que a meretriz entregasse ao


senhor Obsequens o que tinham ido buscar. Assim que ele colocou os olhos
sobre o papel, o silêncio tomou conta de todo ambiente.
Minutos seguiram.

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Victor emudeceu.
Um alarido começou por Alyha:

- Afinal de contas, que merda tem nisso?


Victor decidiu ler todo o conteúdo da página 3 do livro Dona Flor e
seu dois maridos:

“(...) houvesse levado consigo para o outro mundo seus derradeiros


acordes. Veio gente correndo de todos os lados, logo a notícia circulou pelas
imediações, chegou a São Pedro, à Avenida Sete, ao Campo Grande,
arrebanhando curiosos. Em tôrno ao cadáver reunia-se uma pequena
multidão a acotovelar-se em comentários(...) ‘Estava sambando,numa
animação retada, e sem avisar nada a ninguém, caiu de lado já todo cheio
da morte’ - explicou um dos quatro amigos, curado por completo da
cachaça, de súbito sóbrio e comovido, (...)Apetitosa, como costumava

classificá-la o próprio Vadinho em seus dias de(...)”.


3

Depois Victor começou a ler a outra página toda:

“(...) porém, avalizavam duas e três vezes, como se fosse Vadinho o

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pagador mais correto, o de melhor cadastro bancário. (...)Tinha horror a


todo e a qualquer compromisso social, sobretudo a cerimônias fúnebres,

velórios, cemitérios, missas de sétimo dia, o que levava (...)”.


9

- Peraí...mas aí não tem nada além da própria narração de Jorge

Amado? - Intrigou-se Zintrah.


Aracaê limitou-se a coçar a careca:
- Mas que lenha, nega, fazer "ocê" e a mocinha do totó passar por esse
aperreio todo só por duas páginas, por quanto vai sair esse livro todo?
Damon se levantou e olhou para as páginas, franzindo o cenho e
dizendo atento:
-Tem uma coisa.
Alyha deu atenção ao ator:

- Diga, Damon.
- A página 3 tem a frase sublinhada, sobre a morte de Vadinho. A
página 9 não tem nada sublinhado. – Ele completou.
- Se a 9 não é importante, por que estava junto com a outra? -
Perguntou Ciana.
- Porque somos um bando de idiotas e eu, em particular, uma babá! –
Zintrah disse, sentando-se furiosa com as informações.

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- Babá? - Ciana semicerrou os olhos. - Esqueceu quem estava ao seu


lado? Quem fez o carro andar e tudo mais?

- E quem te livrou dos caras, ninfeta? Depois quem sofre com a idade
sou eu. - cruzando as pernas e virando-se para o outro lado.
Ciana a encarou irritada, mas respirou fundo e resolveu não rebater.
Victor pediu a palavra e deu algo novo para reflexão.

- É muito cedo para fazermos qualquer tipo de conjectura. Deixe-me


examinar com a devida e total atenção, assim poderemos entender melhor o
que se trata.
- Tudo isso e nada esclarecido. - Damon se levantou. - Uma coisa eu
quero saber. Como a polícia foi parar lá?
- Polícia? - berrou Miri. - Os "Homi" foram parar lá? Ai que isso tá
virando uma marmota só! Ô seu Victor, faça o favor de se explicar! - O
pequeno estava motivado. - Olha o estado das moças? A nega parece até que

um "Tsuriname" daqueles do início do século passou por ela, olha como tá a


bichinha ali!
- Quem avisou a polícia? - Alyha demonstrou extremo desconforto.
Victor pediu calma mais uma vez.
- Ela estava como uma loira de fada e eu mascarada. Não tinha como
reconhecerem a gente. Mas a polícia estava lá, na nossa cola. - Afirmou
Ciana, incomodada. - Talvez a mesma pessoa que mandou a charada.

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- E outra coisa estranha aconteceu. – Os olhos de Ciana encontraram


os de Zintrah. – No final, quando pensamos que íamos fugir, um grupo de

policiais nos cercou. Não tínhamos mais poder nem condições de lutar. Então
tudo ficou escuro e quando a luz voltou, eles estavam desacordados no chão.
- Mas como? – Valaistu perguntou.
- Não sei. – Disse Ciana.

Zintrah se omitiu de qualquer explicação. Levantou-se e saiu do


recinto. Parecia não dar importância a tudo aquilo.
Damon observou a saída de Zintrah em silêncio.
- Isso virou um jogo de gato e rato é? - Alyha soltou o ar, quando
Víctor disse:
- Preciso examinar, fazer uns telefonemas agora. Mais do que nunca
ficar no castelo tornou-se uma prioridade para cada um de vocês. No entanto,
tenho que adverti-los, a segunda carta já está em minhas mãos.

Ciana foi dormir cedo naquele dia e só acordou de madrugada, com o


coração disparado, suada. Tinha tido um pesadelo horrível, em que Gibran
fugia, saía do castelo e acabava caindo no penhasco lá embaixo, onde o mar
explodia nas pedras. Acendeu o abajur e automaticamente procurou por ele
no quarto, no lugar, no cantinho do carpete em que ele costumava se

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enrodilhar e dormir. E então lembrou que ele tinha ficado impaciente dentro
do quarto, arranhando a porta querendo sair. Às vezes queria dar umas voltas,

correr atrás de ratos, ou simplesmente perambular. Nessas ocasiões ela o


deixava sair, pois era esperto e ficava dentro do castelo.
Ela jogou as cobertas longe e se levantou, vestindo o robe branco
sobre a camisola e procurando seus chinelos. Chamou por ele e, como

esperava não teve resposta. Ainda assustada pelo pesadelo, saiu ao corredor
silencioso do andar superior, procurando-o na penumbra. Sem fazer barulho,
desceu a enorme escadaria, seu olhar percorrendo cada canto do salão.
- Gibran! – Chamou baixo. E seguiu em direção aos fundos. Ele
gostava de ficar na cozinha, onde os empregados sempre o agradavam com
pedaços de carne e osso. Andou tudo, cozinha, sala de jantar, de estar, nada
dele. Tudo vazio e silencioso.
Seu coração estava apertado e a ansiedade a corroía. Preocupada,

correu de volta ao salão, chamando por ele, buscando-o cada vez com mais
nervosismo. E então ouviu algo. Um ganir abafado, um lamento de dor que
vinha de longe, quase um choro. O terror a percorreu e ela saiu em disparada
pelo outro corredor, onde ficava o escritório de Victor e onde Gibran andara
bisbilhotando nos últimos dias com insistência.
Tentou abrir a porta, que como sempre estava trancada. Bateu nela
com os dois punhos, gritando:

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- Gibran! Gibran!
Jurou ouvir mais um gemido agoniado dele lá de dentro e então só o

silêncio. Aterrorizada, passou a bater com o corpo contra a porta, berrando


com todas as suas forças:
- Ai, meu Deus! Gibran! Se tem alguém aí abra a porta! Gibran!
Gibran! Por favor, alguém me ajude!

Desesperada, Ciana chorava e tentava em vão abrir e arrombar a


porta. Seus gritos reverberaram pelo castelo e logo os outros acordavam,
acendiam as luzes, desciam correndo. O primeiro a chegar foi Miri, usando
cueca samba-canção de corações, apavorado, indagando:
- Que foi, menina? Que aperreio é esse?
- Miri, me ajuda! Abra a porta! É o Gibran! – Ela continuava a tentar,
alucinada, sem conseguir pensar.
- Oxe, pera aí! – Ele afastou-a e bateu na porta com o ombro, mas era

de madeira maciça, pesada, mal se moveu.


- O que houve? – Os outros chegaram sem entender nada, rodeando-
os com suas roupas de dormir.
Damon correu para eles apenas de calça de pijama, nervoso ao ver o
desespero de Ciana, segurando-a pelos braços.
- Ciana, o que está acontecendo?
- Gi... Gibran... – Ela soluçava, tentando se soltar e voltar à porta. –

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Está lá dentro! Algo aconteceu com ele! Eu sei!


- Não abre! – Gritou Miri. Damon também tentou de todas as formas

e nada. Foi quando um pensamento ocorreu a Ciana. Correu para Damon,


virou-o para si e abraçou-o com força.
- Me abraça forte! Forte, Damon!
Ele obedeceu na hora. Ela o agarrou, segurou-se nele como se dali

dependesse sua vida, suas pernas mal a aguentando, as lágrimas banhando


seu rosto. Agarrou seus cabelos, beijando insanamente seu peito, seu queixo,
seu pescoço, o que via pela frente.
- Ciana... – Damon a amparava, chocado com seu desespero e
descontrole.
Ela o largou então. O poder corria dentro dela com uma força
impressionante. Ciana se concentrou na porta com uma vontade e uma
concentração tão intensas, que tudo que ouviram foi o ranger da madeira e as

dobradiças gemendo. Veio o som de algo rachando e então a porta abriu-se


com tanta violência, batendo contra a parede de dentro, pendurada apenas
pela dobradiça de baixo. E ela entrou correndo no escritório luxuoso,
sombrio, onde apenas um abajur de canto estava aceso.
Tudo pareceria normal e vazio, silencioso. Mas então Ciana
escorregou no sangue e derrapou sobre a madeira corrida, caindo deitada
justo com o olhar encontrando os olhos doces e castanhos de seu fiel

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companheiro. Imóveis e vazios. Para sempre perdidos na alegria que lhe era
peculiar. Enquanto o sangue ainda quente e fresco jorrava de sua garganta

totalmente cortada de um lado a outro.


- Nãoooooo... Gibran!!!!
Ciana começou a gritar sem controle, como se algo atroz a rasgasse
por dentro. Engatinhou no sangue, pegou-o no colo, tentou ajeitá-lo, fazê-lo

ficar com a cabeça no lugar. O sangue escorria nela, encharcava suas mãos,
enquanto ela enfiava os dedos entre seus pelos castanhos e macios úmidos e
colava o rosto em seu focinho, lamentando em uma dor horrível, que fez com
que os outros ficassem com pena, chocados com o que tinha acontecido.
- Ciana, vem cá... – Damon se abaixou ao lado dela, tentou segurá-la,
mas ela se debateu, lutou, gritou, agarrada a Gibran, fora de si, balançando-se
de um lado para o outro, chorando.
- Gibran, acorda... Acorda, por favor...

E o sangue descia. Ele ainda quentinho em seus braços. Tinha


acabado de morrer. Tinha acabado de ser ASSASSINADO!
O ódio a golpeou, tão intenso e avassalador que, com um grito, Ciana
fez com que livros fossem arremessados das estantes ao chão, o abajur
explodiu, objetos voaram da mesa e arrebentaram-se contra a parede. Os
outros se assustaram, se protegeram dos cacos de vidro, recuaram longe dos
objetos que voavam como mísseis pela sala.

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Damon a abraçou e protegeu-a com o corpo, murmurando com um


tom de voz para acalmá-la:

- Pare, Ciana. Meu bem, você vai se machucar... Vem aqui comigo.
Ela parecia enlouquecida, além da razão, de qualquer pensamento
racional. Estava dominada pela dor e pelo ódio. Seus olhos passavam
loucamente pela sala, por cada brecha, pelas janelas fechadas. Depositou o

corpo de Gibran no chão com cuidado e se levantou, sua camisola branca e


seus braços banhados de sangue, Damon ajudando-a, amparando-a. De
imediato os objetos pararam de voar e caíram no chão, imóveis. Ela já ia para
o meio da sala, mas Damon a segurou.
- Não. Está cheio de caco de vidro.
- Ele ainda está aqui. – Murmurou rouca pelo choro e pelos gritos.
Estava extremamente pálida. Os olhos pareciam maiores, iluminados de um
jeito diferente.

- Quem?
- O assassino. Como ele saiu? Só tem uma porta.
Damon e os outros olharam em volta. Com cautela, começaram a se
espalhar e procurar. Os dois janelões de madeira estavam trancados. Não
havia por onde sair a não ser pela porta.
- Ele deve ter saído antes de você chegar. – Valaistu alertou.
- Mas quem faria isso? – Perguntou Alyha.

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- E por quê? – Emendou Miri.


Naquele momento os olhos de Ciana bateram em Armand. E em meio

ao desespero que a consumia, algumas palavras de Victor vieram a sua


mente: “O emudecido Armand tem o poder de envelhecer seres humanos com
um simples toque assim como da REGENERAÇÃO”. A palavra pareceu
explodir em sua mente. Na mesma hora ela correu até ele e agarrou seus

braços, suplicando:
- Você pode curar ele! Por favor, Armand!
Armand afastou-se e examinou o animal. Voltando-se para a jovem
desesperada, ele lhe disse:
- Quem o fez quase decapitou o pobre animal, está além do meu
poder. Tudo o que poderia fazer seria trazer-lhe paz sem dor. Se ele estivesse
vivo.
As esperanças dela acabaram-se de vez.

- O que está acontecendo aqui? – Victor, com poucos fios de sua


cabeça em pé, amarrando seu robe de veludo, parecia assustado na porta.
Fitou o cachorro morto e seu escritório destruído com horror.
- Foi você! – Ciana o jogou com seu poder contra a parede,
imobilizando-o como se o crucificasse e se aproximou com uma fúria que
saltava aos olhos. Ele arregalou os olhos.
- Eu não fiz nada! Estava dormindo, jovem!

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- Ciana, calma! – Tentaram segurá-la, mas ela não tirava os olhos de


Victor. O velhinho começou a sufocar.

- Pare, Ciana! – Damon gritou e a sacudiu, virando-a com força para


ele. – Pode ter sido o maldito que estamos procurando! Ele pode ter entrado
aqui! Não se precipite! Solte o Victor! Ciana, solte o Victor!
Ela piscou e Victor ficou livre, arfando, respirando desesperado.

Alguns foram ajudá-lo. Ciana fitou os olhos de Damon e então os olhos dela
se encheram de novo de lágrimas.
- Damon...
Sentiu que não ia aguentar toda aquela dor. Ele a segurou e pegou-a
no colo.
- Vem, vou cuidar de você.
- Gibran...
- Xii... Fique quietinha, meu bem. Depois eu cuido dele. Juro pra

você.

Logo após o fatídico episódio com o pequeno Gibran. Madame


Zintrah recolheu-se em sua alcova. Escutava rock pesado do tipo pesado e
nostálgico "Audioslave- Show Me HowTo Live - lyrics" como se
aprofundasse nas veredas da alma, era quase um transe. Flashes de seu

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passado rasgavam sua mente tão perturbada. Ela já vira aquilo antes. Foi
neste instante que Miri com seu jeito todo próprio entrou e depois bateu na

porta perguntando:
- Posso entrar, nega? - Com o mesmo riso fácil de sempre.
Zintrah bufou rezingando:
- Já estás dentro, Ó poderoso Aracaê Miri! - Seu ar sarcástico não

escondia outro, um ar sombrio que jazia sobre ela, tanto que nem o pequeno
se atreveu a dizer nada, apenas aproximou-se dela se achegando a beira da
cama como um cãozinho obediente. Aquilo já lhe era importante, ele gostava
dela, e de um jeito muito singular, além da volúpia. E a meretriz nutria por
ele o mais próximo da ideia de se ter um amigo, quiçá por isso tal confissão
tenha sido feita.
- Tranque a porta. - Pediu ao visitante, que num salto desceu e acatou
de pronto sua ordem volvendo para o mesmo lugar.

- Tá esquisita, nega, não vai dizer que gostava tanto assim daquele
totó pulguento? – Indagou, arqueando a sobrancelha.
Ela levantou-se, com a intenção de preparar uma bebida e por fim
pegou mesmo a garrafa e sentou diante dele numa cadeira com as pernas
abertas e as fissuras do vestido ao meio. Mesmo quando não queria a
prostituta era sedutora.
- Já vi aquilo antes, Miri. - O que causou estranhamento no mocinho,

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ela não o chamara de Nanico.


-Viu o que, nega? - Esperando o que viria.

- O cachorro.
Miri manteve-se em silêncio.
- Conheço aquele jeito de matar. Frio, cruel e com aquela tonalidade
de não "mexa mais comigo".

- Não estou capturando chongas! - Aracaê definiu enquanto ela


bebericou quase a garrafa toda de Vodca,em seguida limpando a boca com o
dorso da mão.
- Tenho um passado. E ele não é alegre, bom ou tenha algo que me
orgulhe. Pelo contrário, é a pior parte de mim, se é que existe alguma boa.
- Mas do que...- Sendo interrompido bruscamente por ela.
- Cala a boca merda, e me escuta! - Sendo obedecida prontamente
pelo módico Miri, que engoliu seco. - Por muitos anos, devido ao Transtorno

Dissociativo de Identidade, me passei por várias pessoas e continuamente


manchei minhas mãos com sangue de clientes em minha profissão como
prostituta. Eu matei. E foram muitos, Aracaê. Mas, houve um dia que alguém
me denunciou sob circunstâncias emblemáticas e depois de ser presa e
julgada, foi-me imputada a obrigação de cumprir pena num Hospital
Psiquiátrico, uma vez que era claro que era uma psicopata de nível máximo.
Entretanto, o Diretor deste Hospital, o doutor e psiquiatra renomado Prado

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Antunes, um porco nojento, nutria por mim algo semelhante a obsessão e


sofri muitos e muitos abusos por parte dele e sua equipe.

- Nega... Tu eras tão perturbada das ideias assim? - Aracaê começara


a temer sua presença ali e tratou de sorrateiramente colocar uma almofada na
frente de suas particularidades.
- Vai me ouvir ou não? - Berrou como nunca com ele, que só gemeu.

- Sim.
- Depois de muitos anos na solitária, houve um dia que sem razão
aparente me tiraram de lá, e na minha frente um homem alto, lindo, de porte
imponente mudou a minha vida.
- Casou com ele? - Miri arriscou uma previsão.
- Morri com ele! – A meretriz bradou. - A vida que eu não tive foi
acabada por ele. Fez-me crer que me amava e eu o amei. E por ele fiz coisas.
E uma dessas coisas foi entrar em contato com Prodigiorum Libellus. Antes

de tudo, a primeira pergunta que ele fez foi: "Imagino que esta marca de
nascimento que tem logo acima do quadril em suas costas não seja de
nascença, não?" - Tudo que ele queria era me manipular, fazer com que
entrasse em contato, porque conhecia que possuía a marca. E esse homem me
ensinou a manejar meus poderes da melhor maneira possível. E o vi matar.
Eu matei por ele. Todavia, veio um dia em que tudo fez sentido. O que aquele
indivíduo queria eram meus poderes, mas não foi possível retirá-los de mim

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depois de tantas torturas. E então mostrou a que veio. Numa cilada muito
bem concebida, surgiu morto, e a principal suspeita passou a ser eu, e esse foi

um dos agentes que me fez ocultar das autoridades e abrigar-me nos meus
livros e manuscrito, nos sótãos e porões de Pilarium. Sempre soube que ele
não morreu, e quando recebi o primeiro bilhete para estar na biblioteca, senti
que enfim podia ter outra oportunidade de tornar a minha dúvida numa

certeza. E nesta noite, a forma como aquele animal foi morto me evidencia
isto, Miri, porque é assim que ele mata.
- E quem é este homem, nega? - Miri estava assombrado.
- O homem que cruzou a vida de todos nós e a desgraçou uma por
uma.
- O cabra que matou meus pais? - Ele se enfureceu.
- O próprio.
- Ele não morreu, e agora minhas suspeitas foram sanadas. Agora

tenho uma certeza. Hally está vivo.


Aracaê viu sangue em seus olhos e uma raiva brotar dentro dele.
Zintrah levantou-se indo para sacada e lá se manteve emudecida, somente em
companhia da lua, do vento forte e de sua vingança.

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Capítulo 13
O mistério continua

No dia seguinte, o clima no castelo era soturno e tenso. A morte de


Gibran e tudo que se sucedeu deixaram todos aborrecidos e desconfiados.

Quem poderia ter entrado lá e matado o cachorro dócil, que nunca fez mal a
ninguém? Algum deles? Victor? O assassino que eles procuravam? Qualquer
das hipóteses era preocupante, pois assinalava um inimigo perigoso dentro do
castelo, em um local que até então eles se sentiam protegidos.
Victor prometeu que aumentaria a segurança, mas mostrou-se
surpreso com o fato, pois garantiu que ninguém sabia que estavam ali. No
entanto, a desconfiança permanecia e pesava entre eles. Estavam mais alertas
do que nunca.

Ciana estava inconsolável. Passou todo o tempo no quarto, na maior


parte dele chorando. Tinha perdido os pais assassinados violentamente aos
quatro anos, passou catorze anos de sua vida isolada e solitária em um
orfanato frio e impessoal. Gibran foi seu companheiro fiel, seu querido
amigo, a família que fez para si ao se tornar livre. E agora o tiravam dela
daquela maneira abrupta e violenta. O ódio e o desejo de vingança também a
corroíam, cada vez mais intensos.

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E foi nesse clima extremamente tenso que Victor pediu mais uma vez
que todos se reunissem no salão principal e, mesmo sob os olhares

indispostos, leu a nova charada que havia chegado:


“Exprima sua voz, a verdade que ninguém quer escutar. O público
que o adora pode acordar, mas não represente. Observe a sua volta.
Arrisque-se para ser livre, duplique-se, triplique-se. E seja gigante para que

o vejam. Quem é o Grande Irmão? Dia 8 de julho, no Parque Central de


Pilarium, dia de festa e comemoração. A palavra é a maior arma. Procure a
única pessoa diferente dos outros. O segredo do passado de um dos três se
abrirá, e então qual dos três será?”
Alyha ergueu o corpo e contrapôs:
- É impressão minha ou estou metida nesse meio?
- Só você? - replicou Zintrah lançando Aracaê ao centro, que gritou:
- Vai ter rala-coxa, é?

Damon suspirou. Estava sentado ao lado de Ciana e falou friamente:


- Nós. - Olhou pra Alyha e Miri. - Se o passado de um de nós será
revelado, eu vou. Mesmo em uma festa no centro de Pilarium!
- É muito perigoso - Ciana fitou-os preocupada.
Valentin concordou em silêncio. A prova foi como as duas foram
perseguidas e chegaram ali, machucadas, escapando por pouco.
Valaistu estava ali no sofá, mas sua mente vagava. Ele sentia um

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vazio atroz dentro de si, que não conseguia explicar. Aquelas charadas o
enfastiavam, no entanto ele permaneceu ali, como um mero espectador;

silencioso, com um olhar triste e perdido.


Zintrah ignorava Damon por completo voltando a sentar-se de costas
para todos e de frente para Armand, os dois não deixavam de se olhar.
Por seu lado, Damon a ignorava também, apesar de lançar olhares

duros para ela com Armand. Não estava com paciência para provocações.
- Miri, você e Armand são os únicos que não estão sendo procurados
pela polícia. - Disse Ciana.
- Pois eu vou com seu "Demo" e a dona " Vaca ruiva"! Estamos aí! -
Alyha na mesma hora ameaçou o pequeno batendo os coturnos no chão.
- Ameaçado...ameaçado...não! Mas eu andei mexendo com umas
donas por aí né... Ninguém manda ser gostoso! - Batendo as mãos, se fazendo
de bobo.

- Gostoso? Você? Nem coberto de chocolate! - Gracejou Alyha


sentando em seguida.
Damon se levantou.
- Dia 8 é hoje. Vamos, mas antes precisamos deixar tudo preparado. E
de disfarces.
Victor estalou os dedos, e disse já ter providenciado tudo. Enquanto
empregados traziam os disfarces, ele explicou:

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- Como Miri não é procurado pela polícia, pode ir normal.


Alyha foi de peruca preta , shorts e top jeans.

Damon vestiu bermudas, blusa informal, tênis, um boné, óculos


espelhados e uma barba que cobria boa parte do seu rosto.

Quando se reuniram de novo, Victor complementou:

- Infelizmente averiguei que as estradas estão com blitz e achei que o


melhor caminho fosse por mar. Será rápido e mais seguro. Meu motorista os
levará até a praia. Espero que saibam pilotar jetski.
Alyha e Damon confirmaram com a cabeça. Todos já se dirigiam para
o pátio do castelo, mas Damon se voltou para Ciana. Ela estava calada,
pálida, cheia de olheiras. Ele se preocupava com ela e falou com carinho:
- Cuide-se, está bem?
- Cuide-se você. – Ela fitou-o nos olhos, um tanto angustiada. – Tudo

pode ser uma armadilha, a polícia pode aparecer a qualquer momento, como
fez comigo e Zintrah. Alguém está nos denunciando, Damon. Por favor, tome
muito cuidado.
- Pode deixar. – Beijou o rosto dela, sorriu e se afastou.
Ciana o observou com o coração apertado, mas também com o desejo
de vingança corroendo-a por dentro. Voltou para o quarto muito preocupada.
Ao descer a escada que dava no pátio, Damon deparou-se com

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Zintrah.
- Não vai me desejar boa sorte? - Damon impediu sua passagem.

Zintrah foi sucinta:


- Bon Voyage, Merciê.
Damon franziu o cenho e segurou-a pelo braço, estranhando seu jeito.
Foi bem direto:

- Qual é a sua, Zintrah? Por que está me evitando?


Ela suspirou, passou a mão em seu queixo e revidou:
- Tenho algo mais importante a fazer. - E pôs a mão no ombro de
Armand que tinha se aproximado, repondo sobre ele o queixo.
Damon soltou seu braço, o ódio subindo violentamente. Mas nunca se
humilharia perante eles.
- Aproveite bem. Por um momento eu havia me esquecido com quem
estava lidando. Não voltarei a cometer o mesmo erro. - Disse friamente e

saiu.
Alyha e Miri já o esperavam e entraram no carro de Victor. O
motorista levou-os até a praia que se chegava após contornar o penhasco,
onde dois jetski estavam atracados em um pequeno deck. Miri se benzeu e
anunciou:
- Não sei nadar, seu “Demo”!
- Vamos rezar para você não cair na água, então. – Damon provocou-

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o, sorrindo de leve ao vê-lo arregalar os olhos. – Não se preocupe, Miri.


- Meus poderes são neutralizados sobre a água. – Avisou Alyha e eles

concordaram com a cabeça.


Damon levou Miri na garupa e Alyha pilotou o outro jetski.
Deixaram-nos estacionados em uma pequena baía pouco frequentada perto do
centro de Pilarium e fizeram o resto do percurso até o parque a pé, um local

lindo e gramado, repleto de árvores, como um oásis no meio de aço e vidro.


Estava cheio. Mesas, cadeiras, gramado, todo lugar ocupado por pessoas que
vieram participar da festa de comemoração pelo fato do Brasil ter ganhado o
primeiro lugar em criações de avatares. Damon olhou em volta preocupado
com a polícia que podia surgir a qualquer momento, mas o que mais chamava
a atenção era a falta de participação das pessoas pela comemoração. Ele
perguntou a Alyha e Miri:
- Por que essas pessoas se deram ao trabalho de vir aqui? Olhem para

elas!
Estavam sentadas, praticamente mudas, mergulhadas em seus
aparelhos ultramodernos. Era quase um cyber café a céu aberto. O sol, o dia
lindo, tudo parecia esquecido. Talvez um ali até conversasse com outro a
pouca distância, mas através de seus computadores. Nada pessoal. Nenhum
contato humano. Era impressionante a distância entre eles, mesmo estando
tão perto um do outro.

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Alyha cerrou os punhos e indagou o ator:


- Como faremos, bonitão?

- Cada um em um canto. Nos reencontramos aqui. Quem conseguir a


pista com a pessoa diferente, vem pra cá e espera os outros. Vocês dois
ficam juntos, ele precisa de uma mulher para ter seu poder. - Damon sorriu
para eles. - Pode fingir que é seu filho. Que acha, Miri?

Aracaê olhou para a ruiva e salivou:


- Ai, Mamãeeeeeeeeeeeeee!
A ruiva o pegou pela orelha e saiu puxando:
- Se abrir essa boca para me chamar de sua mãe de novo, vou te cobrir
de porrada, valeu menor?
Triste, o pequeno pássaro resmungou cantarolando:
- Você não vale nada, mas eu gosto de você!
E pelo canto esquerdo ela o puxava, a cada passada dela, eram cinco

corridinhas dele, que ofegante reclamava:


-Pegue leve aí, mainha... Oxê, que assunte!
Damon observou a mulher de 1,80 com o rapaz de 1,45 e teve que rir.
Ainda bem que as pessoas eram tão distraídas por ali, pois aqueles dois
chamariam a atenção de qualquer um. E se meteu no meio do povo.
A alienação era geral. No palco, não tinha um cantor animando os
participantes, mas aquela música eletrônica e repetitiva. Ele observava

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atentamente a sua volta, procurando alguém diferente. Era difícil.


Viu os telões espalhados e as emissoras de tevê que começavam a se

preparar para as transmissões. Como quem não queria nada, se aproximou de


um cameraman e indagou, forçando um sotaque meio malandro, que usou em
um filme antigo:
- O que vai rolar aqui hoje para ter a tevê?

- O Brasil ganhou o primeiro lugar na feira internacional de avatares. -


Respondeu o câmera a Damon. - Daqui a pouco o dono da maior da rede de
computadores internacionais vai fazer um discurso e anunciar uma nova
tecnologia.
Olhou desconfiado para Damon, que se disfarçava atrás de óculos,
barba e boné.
- Cadê seu equipamento, cara?
Damon sorriu de leve e disse sobre os ombros:

- É tão moderno que nem se vê. - E saiu de perto.


O esbarrar nas pessoas era algo completamente insignificante para
Alyha, mas para Miri um mega desafio. Vez por outra ele acabava em partes
não muitos agradáveis:
- Eita, que a catingueira hoje tá é solta! Esse povo não conhece sabão
e detergente não? É uma metade de "fodun" de macho e outra de macho cheio
de "fodun"!Vixe Maria!

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Alyha simplesmente o ignorava. Os olhos dela estavam à procura da


tal pessoa.

- Vamos anão, procura! - Miri retrucava dada sua acanhada estatura:


- Só se for "carcinha" das donas e esses cabras fedorentos e sem
cueca!
Foi pensando em ter visto algo que a moça soltou a mão do pequeno

Miri e acabou se perdendo dele. Alyha avistou de longe o que julgou


interessante para si, e por breves minutos desapareceu.
Damon olhava em volta, até que algo chamou sua atenção. No meio
de computadores de pulso, de óculos com hologramas e uma diversidade de
mídias, uma senhora de idade, levemente encurvada, parecendo uma índia
idosa, andava devagar empurrando um carrinho de supermercado.
Era pequena, com duas longas tranças grisalhas e seu carrinho estava
abarrotado de livros e flores. O coração de Damon acelerou. Livros em uma

feira tecnológica? Era ela. E saiu apressado em sua direção.


- Senhora. - Chamou, parando na frente do seu carrinho. Ela o olhou
com calma. Sem dizer uma palavra, estendeu-lhe uma pequena margarida. Só
então falou:
- Você me vê, rapaz?
- Claro que a vejo! E quero falar com a senhora. Acho que pode ter
algo que preciso.

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Ela sorriu, mostrando a falta da maioria dos dentes.


- Isso? - Estendeu-lhe um livro.

Damon aceitou, ansioso. Leu o título da capa: 1984, GEORGE


ORWELL.
Foi neste instante que Alyha surgiu com certa inquietação.
Damon fitou a ruiva.

- Cadê o Miri?
Alyha se dera conta que perdera o "amado" filho.
Damon não esperou resposta e observou atentamente o livro em suas
mãos, procurou pistas, mas era só o livro mesmo, antigo e muito usado.
Encarou a senhora.
- Alguém pediu que nos entregasse isso?
A senhora os observava atentamente. Respondeu a Damon:
- Sim, me mandaram entregar esse livro.

- Quem? - O nervosismo dominava Damon.


- Meu coração mandou entregar, meu jovem. Quer um livro também,
mocinha?
- Parece que achamos uma biblioteca. - Replicou a ruiva.
Naquele momento, um homem começou a falar no palco, anunciando
que a festa ia começar e que receberiam a ilustre visita do dono da maior
empresa de avatares e hologramas do mundo, para falar de sua nova

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invenção. Sua imagem aparecia em 4 telões espalhados pelo parque.


No palanque, no entanto, o que apareceu e enfim teve a atenção de

todos, foi o Aracaê vestido de palhaço e cantando desastrosamente:


- ILARI ILARI Ê..ÔÔÔ!!!!!!!!
Damon e Alyha se entreolharam.
- Que merda... - Damon murmurou.

- Ai, vou comer esse toco de amarrar jerico na porrada , cara! Filho da
P...! – Alyha estourou.
Os seguranças imediatamente entraram enquanto ele gritava:
- Eita, peraí, oxê, EU QUERO MANDAR UM BEIJO PARA
MINHA MÃE, PARA O MEU PAI, E PARA VOCÊ!
O apresentador fitava aquilo sem palavras. Até as pessoas pareciam
sem fala, olhando aquele anão fantasiado de palhaço no palco.
A velhinha índia começou a rir, extremamente divertida.

- Esse é dos meus!


Damon disse para Alyha:
- Fique aqui com ela. Vou lá buscá-lo.
Os seguranças o lançaram palanque abaixo como se fosse um saco de
lixo, ele ajeitou a gravata borboleta, se limpou e depois de dar uma banana,
findou:
- Não se pode mais sonhar, não é?

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Damon chegou perto dele, muito revoltado.


- O que está fazendo, Miri? Tá maluco?

- O seu "Demo" o senhor viu que fizeram comigo? Eu animando esse


povo tudo desanimado e me fazem de peteca, enfiaram o dedo no meu rego o
senhor "credita"?
Damon gargalhou, apesar da seriedade da situação. Era uma figura!

- De que mundo você veio, garoto? Vamos sair daqui! Encontramos a


pessoa com as pistas.
- Com o senhor até que vou, mas aquela ruiva me dá é medo, mas
pensando bem, eu até que encarava assim mesmo! Oi, coisa boa! - Flertando
com uma mocinha que passava rente a ele.
- Miri, será que você consegue ficar de bico fechado e sem chamar a
atenção? - Damon e ele já saíam em direção a Alyha e a velha índia.
No palco, continuava o papo chato sobre como manipular avatares por

hologramas. Mas o que interessava estava junto ao carrinho com flores e


livros.
- Que belo palhacinho! - Disse a velhinha ao ver Miri, dando-lhe um
ramalhete de flores.
Miri não perdeu oportunidade:
- A senhora é casada? Tem uma aposentadoria para um e meio?
Ela riu ainda mais.

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- Há anos não me divirto tanto, menino! Palhaço é coisa rara hoje! Na


minha época, o que o Brasil mais tinha eram palhaços! Até no poder! Agora

só tem lá!
Miri puxou Damon pela camisa e o indagou:
- Ela tá mangando de mim, é isso? A velhinha sem dente tá mangando
"deu"?

- Não, Miri. Ela está te elogiando. - E voltou-se pra ela - A senhora


tem algo que desejamos. Sabe do que estou falando?
- Talvez. - Ela olhou em volta. - Talvez queiram primeiro ouvir uma
velha solitária.
Alyha olhava o tempo todo ao seu redor.
- Sabia que um homem sem cultura, é um homem condenado à
ignorância? Olhe para eles. Manipulados por viverem na ignorância, na
ilusão.

- Essa "véia" é cheia das conversas!- Miri cruzou os braços.


- Eu lutei tanto por esse país! Estão vendo isso? - Ela abriu o casaco e
mostrou uma puída blusa branca, onde se lia:
O GIGANTE ACORDOU
Damon, que lia muito e adorava História, lembrou-se da frase, muito
utilizada em manifestações dos jovens em 2013, contra a corrupção e as
injustiças que abalavam uma sociedade que ruía, mas cuja época ainda havia

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pessoas pensantes, que reagiam.


- Tínhamos tanta esperança! Mas esquecemos que nem a guerra é

mais poderosa que a alienação. E foi isso que fizeram. Alienaram todo
mundo! Perceberam que a tecnologia poderia nos unir, então a usaram para
nos isolar, nos enfraquecer, nos fazer como robôs, felizes em nossa ilusão! E
olha o que esse país se tornou!

Damon virou-se rapidamente para a senhora:


- Concordamos com tudo que a senhora diz. Mas por favor,
precisamos das pistas. A senhora tem?
Ela remexeu nos livros. Pegou um envelope de plástico grosso,
amarelado pelo tempo.
- Tomem cuidado com ELE. - E entregou-lhe. - Boa sorte, Damon
Luca.
Ela já empurrava seu carrinho para longe. Eles não a impediram.

Sabiam que cada minuto que passava corriam mais riscos ali. No entanto, o
envelope parecia queimar nas mãos de Damon. As respostas que procurava
podiam estar ali. Alyha também estava ansiosa, pois indagou:
- Boa hora para ver o que tem no envelope, não?
Damon estava desesperado para saber o conteúdo. Rapidamente
abriu-o e viu uma página de livro. Puxou a folha debaixo e ficou chocado ao
fitar o rosto jovem e feliz de sua irmã Sílvia, ao lado de um homem loiro,

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atraente, para quem ela sorria.


Nunca o tinha visto antes, mas soube na hora a quem se referia.

Apertou a foto com força. Sílvia usava a mesma roupa do dia de sua morte.
- É a foto do maldito! - Berrou enfurecido, com lágrimas nos olhos.
Tinha agora um rosto para caçar, alguém real para direcionar seu ódio.
Agoniada, Alyha replicou:

- Cacete! Que maldito? De quem tá falando? - Vindo ao seu encontro.


- O assassino que procuramos. Com minha irmã, no dia em que a
matou.
Quando os olhos dela bateram na foto, engoliu em seco e objetou:
- Puta Merda!
Miri reagiu:
- Quem é esse cabra, seu "Demo"?
- O assassino que estamos caçando e que destruiu nossas vidas, Miri.

Alyha se calou e olhou em todas as direções, como se procurasse por


alguém. Aracaê soltou:
- Esse cabra que arruinou nós tudo? Miserento! E pensar que a nega
teve caso com ele!
Damon olhou na hora para Miri.
- O quê?!
Aracaê sem notar reafirmou:

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- Ué! O senhor não sabia disso, não? A nega e esse moço aí tiveram
um rala e rola, e cá entre nós foi coisa das grandes, acho inté que foi o grande

amor dela... Ela disse que até matou por ele!


Por um momento Damon ficou imóvel. Então agarrou Miri pela frente
de sua fantasia de palhaço e disse perto da sua cara, furioso:
- Que merda você está dizendo?

E foi então que o pequeno pássaro briguento viu que a língua o traíra
outra vez.
- Fale de uma vez, Miri! Foi ela quem te disse isso?
Alyha interveio:
- Acho melhor as comadres deixarem as notícias para depois! -
Acenando para a Guarda Nacional e a Polícia, que chegaram ao local e mais
uma vez os nomes deles eram expostos com fotos nos telões.
- Porra! - Damon largou Miri e guardou as pistas dentro do envelope

plástico e pôs no bolso da bermuda. - Vamos sair logo daqui!


Ele sabia que não conseguiria, mas mesmo assim tentou congelar tudo
a sua volta para facilitar a fuga. Nada aconteceu. Seu ponto fraco era a irmã.
- Não posso usar meu poder! - Anunciou, já correndo no meio da
multidão com Miri e Alyha.
Rapidamente as pessoas pareceram despertar e, ao vê-los sendo
cercados, começaram a correr em todas as direções. No microfone

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anunciavam que eles eram perigosos. O pandemônio foi generalizado.


Por mais que corressem, e jogassem Aracaê um para o outro com a

finalidade de se adiantarem houve um instante que os holofotes e refletores


pararam todos em cima deles. Miri sorriu:
- Famosei!
Naquele momento os helicópteros se aproximaram deles, assim como

os policias correndo armados pelo Parque. Alyha e Damon rapidamente se


compreenderam pelo olhar, ela se quintuplicou pondo-se atrás de cinco
guardas pondo-as para lutar, enquanto Damon via um policial surgir na sua
lateral e mandava-lhe uma violenta cotovelada no nariz, quebrando-o na hora.
Quando ele caiu, Damon pulou ao lado dele e sacou sua pistola, segurando-a
com firmeza. Já levantou mandando uma coronhada no próximo que o atacou
e voltou a correr ao lado da verdadeira Alyha.
Aracaê protestou mais à frente:

- Por que minha foto não tá ali? Oxê, até aqui tem bulingo?
Alyha imediatamente o ergueu segurando nas partes e disparou:
- Quer mesmo que eu te mostre o que é uma merda de Bullying, seu
3/4 de otário?
- Faça o Miri ficar gigante! – Damon gritou para ela, quando policiais
e a Guarda Nacional vinham de todos os lados e três helicópteros se
aproximavam rapidamente.

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- Vou ter que estuprar essa porra de anão! - Berrou Alyha. Pelo
caminho, enquanto se aproximava dele Alyha gritava: - Vem cá, meu bem!

Assustado por ter sio ameaçado, o pequeno pássaro briguento corria


entre as pernas da multidão.
- "Cocê"? De jeito maneira!
Dois pularam nas costas de Damon, derrubando-o no chão, gritando:

- Você está preso! Tem o direito de... - Damon deu um cabeçada


violenta pra trás e o sangue da pancada espirrou da boca do policial.
Damon tirou o policial ferido das suas costas e já se virava para
encarar o segundo, quando esse mirou o cano de uma arma na cara dele. Ele
engoliu um palavrão, pois quando mais precisava o poder falhava. Sílvia era
seu ponto fraco, ter visto sua foto o enfraquecia temporariamente.
- E agora, galã? Vai fazer o quê? - O ódio do policial era visível. Ele
parecia decidido a atirar se Damon apenas respirasse.

Alyha pensou e soltou:


- Vem cá, vem. Sei fazer uma coisa...
Miri só gritava:
- Tô fora,Dona "Vaca Ruiva"! - Foi quando ela hipnotizou uma
mocinha linda e a fez parar na frente do pequeno e foi direta:
- VOCÊ me quer?
Miri não perdeu tempo e enganado rebateu:

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- Oxê, agora Cinderela!


Foi quando Alyha passou a mão na nuca da moça, que berrou para

ele:
- Nem se tu fosse o último homem da Terra! - Imediatamente ele fitou
Alyha e percebeu o que ela fizera. O urro da noite foi solto mais uma vez.
- Estou preso! - Damon admitiu enquanto pensava o que fazer. Foi

naquele momento que o uivo pavoroso de Miri ecoou por todo o parque. E
quando começou a se tornar gigante, o policial olhou para Miri estarrecido.
Além da força descomunal e do tamanho adquirido, a pele de Aracaê
era como uma couraça. Nem bala de revólver o perfurava.
Alyha berrou para Damon:
- Ok, liberamos o King Kong!
Aracaê olhou para o policial que apontava para Damon e com sua
mão gigante fez com o dedo: Não! E o jogou longe como se não fosse nada.

Damon levantou de um pulo. Com uma porrada afastou um outro


policial do caminho e furiosamente desferiu um chute na perna dele,
derrubando-o. Damon já partiu para cima e apagou-o com um soco violento
na cara. Tomou as duas armas dele e enfiou-as no cós da calça. Levantou-se e
correu na direção de Miri. Todo mundo gritava apavorado com o gigante,
correndo como loucos para longe, atrapalhando a polícia.
Alyha lutava com duas mulheres que serviam na Guarda. Uma delas

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lhe disse:
- Agora será de igual para igual! - Ela sorriu e ironizou:

- Sério? – Ela as hipnotizou e fez com que lutassem entre si. em


seguida correu para onde estava o ator.
- E agora? - Indagou.
Policiais desciam dos helicópteros a volta deles. Damon teve uma

ideia:
- Procure o comandante! Mande-o dar uma ordem para recuarem! Só
pra gente conseguir chegar à praia!
- Deixa comigo! - O olhar de predadora da ruiva era crucial, foi se
afastando, localizando o responsável pela ação.
Foi naquele instante que começaram a mandar tiros em cima deles.
Damon se jogou no chão. De bruços, ele sacou uma das pistolas e mandou
bala em cima dos policiais, apenas para desviar a atenção e Alyha poder

fugir.
- Miri! - Gritou Damon - Distraia esses caras!
Ela se jogou por baixo de um dos carros oficiais e correu até o homem
que orquestrava toda situação com palavra de ordens. Ligeira, depois de
alguns golpes, parou atrás dele e jocosa impetrou suas mãos dizendo:
- Dispersar! Dispersar!
Rapidamente, sem entender, os guardas e policiais iam se afastando.

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Miri na mesma hora acenou a cabeça para o ator e com sua mão pegou cinco
de uma vez, olhou e brincou com sua voz grave:

- Meninos feios! - E os arremessou em cima da viatura, que disparou


o alarme.
Damon arrancou a barba que pinicava e os óculos que atrapalhavam e
não lhe serviam de mais nada. Com as ordens do comandante da operação,

muitos policiais pararam de atirar e ficaram meio perdidos. Damon


aproveitou para se levantar e correr na direção de Miri.
Alyha pulou em cima de um dos autos e berrou:
- É a hora! Vazar!
Damon pulou e escorregou por cima da viatura. Enquanto corriam,
Miri veio atrás passando por cima de carros, arrastando postes e causando
pavor em todos que o viam. Sem esperar pegou Alyha e Damon e indagou:
- Vai carona?

Damon acabou rindo e gritou:


- Sempre quis fazer o filme do King Kong!
- Eu sempre comi banana. - Aracaê completou.
Alyha arrematou:
- Que você fede como um macaco é incontestável!
Como se percebessem que tudo foi um engodo, os policiais dos
helicópteros começaram a atirar de novo.

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- Merda! Qualquer um vê o Miri! - Berrou Damon. Sacou sua arma e


começou a mandar bala para cima do helicóptero. Por uma mira boa ou pura

sorte, acertou em cheio o piloto.


O helicóptero girou loucamente sem controle e começou a cair.
- Corra Miri! Vamos aproveitar e escapar! - Foi quando ele explodiu
no chão. O calor da explosão chegou até eles. Pedaços do helicóptero e

hélices giravam pra toda parte.


- Ô troglodita, vira na próxima, rola um beco lá! - Avisou Alyha.
- CALA BOCA, VACA RUIVA! - Ordenou Miri, o que deixou Alyha
espantada.
Chegaram ao beco e Damon gritou:
- Miri, põe a gente no chão! Agora é com você, Alyha!
Aracaê os deixou em segurança.
Imediatamente Alyha agarrou o galã e meio sem graça murmurou:

- Definitivamente tu não faz meu tipo, mas é o que tem para hoje! - E
lascou um beijo no ator digno de cinema.
Aracaê foi minguando, minguando e somente sobrou o olhar triste.
Damon ficou um momento parado, sem reagir. A ruiva, apesar de
linda, nunca foi seu tipo. Inclusive a achava bruta demais. Mas não disse
nada.
Alyha se afastou e fitou o pequeno:

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- Isto tudo é por minha causa, é?


Aracaê triste olhou para Damon e rebateu:

- Não, é por causa do senhor, é bem melhor ver você pelado com a
nega que se atracando com a dona "vaca ruiva" aí!- E imediatamente Alyha
deu-lhe outro tapa na nuca.
Damon balançou a cabeça e apontou o fim do beco:

- Fora daqui! Rápido!


Tinham que correr entre vielas e becos para não ficarem a vista e
conseguir chegar à praia. Ouviam as sirenes, os dois helicópteros restantes
rondando, os gritos dos policias ao longe. E a fumaceira que subia e se
espalhava do que explodiu, servindo ainda a eles.
Chegam arfantes na baía onde estavam os jetskis.
Alyha avisou a Damon e Miri:
- Meus poderes são neutralizados sobre a água, lembram?

- Danou-se! - Miri manifestou-se preocupado.


- Não há o que fazer. O meu, não sei quanto tempo dura ou some.
Temos que arriscar! - Damon já pulava no jetski.
Conferiu e ainda tinha uma arma carregada. Jogou a outra fora e ligou
o jet.
- Alguém tem um troco para eu voltar pelo "buzão"? - Miri se
preocupara por não saber nadar e também pela caçada.

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- Monta logo aí e cala a boca, Miri! - Damon perdeu a paciência. O


pequeno se benzeu e Damon o colocou à sua frente para protegê-lo melhor.

Saíram pilotando sobre a água, rompendo as ondas, dirigindo-se para o meio


do mar.
Alyha subiu no outro e partiu a toda velocidade. Ela olhou para trás e
viu que os helicópteros da guarda os haviam visto.

- Segura aí, Miri! - Damon gritou, imprimindo a maior velocidade


possível no jetski. Os helicópteros já estavam em cima deles e tiveram que
ziguezaguear pela água, tentando desviar dos tiros que começaram - Merda!
Miri logo avisou ao ator:
- Que fique bem claro que estou indo a contragosto, viu.
De um dos helicópteros vinham ordens pelo alto-falante:
-Desistam! - O frenesi de frases de ordem do comando era
apavorante. - Entreguem-se!

Uma bala raspou o braço esquerdo de Damon, espirrando sangue em


Miri e queimando muito. Ele se concentrou mais em pilotar, tentando pensar
em uma maneira de escapar. Nem tinha tempo de se preocupar com a dor,
mas sabia que eram alvo fácil onde estavam.
Alyha rompia com o jet pelas ondas da maré revolta, quando viu que
a guarda costeira também surgiu com lanchas policiais. Ela gritou:
- Aí, bonitão, temos companhia!

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Uma lancha da polícia veio da diagonal, perseguindo-os pelo mar.


- Agora ferrou de vez! - Damon afastou o cabeção de Miri da frente

para enxergar melhor.


Aracaê juntava as mãos e fazia um milhão de promessas:
- Eu prometo que nunca mais nessa minha vida como rapadura e
farinha se o senhor nos livrar dessa, meu "padinho" padre Cícero!

- Segura essa merda, Miri! - Foi nessa hora que um tiro acertou o
motor do jet ski deles.
- Dirigir seu "Demo"? Nem velotrol eu consigo guiar! - Tentava com
uma mão enquanto a outra fugia do guidom.
O Jet perdeu a velocidade e virou violentamente. Miri e Damon foram
arremessados na água, com violência. Damon afundou com duas
preocupações: as lanchas que vinham atropelá-los e Miri se afogar. Nadou
sob a água e visualizou Miri se debatendo e afundando. Agarrou-o pelo resto

da roupa e ergueu-o, até os dois estarem com a cabeça fora da água.


Aracaê gritou engasgado, cuspindo água:
- Me acuda aqui! - E ao mesmo tempo rezingava com o santo de
devoção: - A coisa tá feia mesmo entre eu e o senhor, né?
Alyha tomou a frente para chamar para si a atenção e dar ao ator e o
pequeno um meio de sair de toda aquela delicada conjuntura.
- Segure em mim! - Damon pôs os braços de Miri sobre o ombro e

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puxou a arma. Rezou para que funcionasse e a descarregou nos policiais e na


lancha que vinha na frente.

Ela perdeu o controle e foi para o lado, batendo violentamente contra


outra lancha que vinha. Elas explodiram na hora.
Damon só teve tempo de agarrar Miri e afundar o máximo possível
com ele, enquanto ele se debatia loucamente. Depois subiu, pois não queria

afogar o pequeno. O mar estava em chamas, mas eles não foram atingidos.
Alyha volveu na escuridão e abordou uma das lanchas. Na luta soco a
soco com dois policiais conseguiu jogar um na água e o outro a enforcou
gravemente, mas no último segundo conseguiu chutá-lo nas partes e jogá-lo
para fora e tomando o controle da lancha voltou para buscar Miri e Damon.
Os helicópteros, no meio da fumaça negra e espiralada, tentavam
circular e atirar neles.
Miri e Damon subiram na lancha de Alyha, arfando, molhados.

Damon se concentrou, buscando seu poder.


Alyha foi firme:
- É contigo, gostoso da puta!
As hélices pararam imediatamente, os helicópteros congelados no ar.
Damon suspirou aliviado e disse a Alyha:
- Vamos cair fora daqui! Enquanto eu os visualizar, eles ficarão assim
e estaremos longe!

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Aracaê só objetou:
- Seu "Demo"... Outro macumbeiro! - Olhando estupefato.

Alyha pilotou, enquanto Damon mantinha seu poder. Quando estavam


bem longe, largaram a lancha numa pequena caverna marinha perto da costa
e tiveram que nadar até a beira, para que os helicópteros não os localizassem
ao voltar a funcionar. Damon levou Miri.

Depois se embrenharam na mata e fizeram o resto do percurso a pé


em direção ao castelo.
Estavam exaustos, ainda molhados, o braço de Damon sangrando. Ele
rasgou um pedaço da camisa e Alyha amarrou. Ao ver a silhueta do castelo o
pequeno beijou o solo e confessou:
- Dos filhos deste solo és mãe gentil, Pátria amada, Brasil!- E deitou-
se. Alyha foi em frente:
- Foi um prazer lutar com os dois senhores, aliás, com um e meio. - E

saiu gargalhando.
Aracaê estava se refazendo quando um assunto carecia vir à tona
outra vez.
Damon olhou-o sério e disse:
- Fale agora, Miri. De Zintrah e do assassino!
O pequeno sentou-se rapidamente e começou a matutar o tamanho da
encrenca que se metera.

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- Seu Demo. - Ponderou com as mãos pequeninas. - Pense bem, eu só


falei aquilo por falar, eu gosto mesmo é de ver o senhor mais a nega pelado.

O senhor nem tanto, mas...


- Abre logo esse bico, merda! Ela era amante dele, matou por ele,
sabia o tempo todo quem era e ficou calada? - Damon avançou no baixinho, o
ódio fazendo-o tremer. Ergueu Miri de supetão - Ela contou isso? Fale!!!

- Só um bocadinho assim... - Minimizando com os dedinhos.


- Desgraçada! - Damon largou-o para trás e praticamente correu para
o castelo, furioso.
Aracaê se jogou ao chão:
- Agora eu morri!
Damon entrou no castelo como doido, com sangue nos olhos. Todos
estavam reunidos no salão, ouvindo atônitos os relatos de Alyha. Menos
Zintrah. Ele subiu as escadas correndo, enquanto os outros o olhavam sem

entender nada.
Abriu a porta do quarto dela com tanta violência que a mesma bateu
contra a parede. Ele a chutou para fechar e avançou para cima da meretriz na
cama como um animal. O solavanco da porta e o corpo dele em cima dela
colérico a fez acordar na hora.
- Ei, onde pensa que está?
Ele já arrancava a foto do envelope e esfregava na cara dela, pingando

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ódio. Agarrou um punhado do seu cabelo e sacudiu-a:


- Maldita, é esse o amante por quem você matou? Quem sabe não

matou minha irmã também por ele?


Ao ver em suas mãos a foto de Hally o olhar dela transformou-se.
- Me solta, merda! Tira essas patas de cima de mim!
- Você sabia o tempo todo quem ele era! - Damon puxou-a com

violência, sem soltar seu cabelo, totalmente insano de raiva. - O que é,


Zintrah? Queria proteger seu amante? É você quem trabalha para ele? Quem
dormiu comigo para me tornar cego, sua puta?
A meretriz o golpeou e se livrou das mãos dele indo para um canto
escuro do recinto.
- Não te devo explicações!
Damon avançou e puxou-a com violência, jogando-a contra a parede,
exigindo:

- Se você não falar agora eu sou capaz de te matar! Tenho nojo de


tocar em você! - Ele a imobilizou, cheio de raiva e repulsa, capaz de tudo. E
ela percebeu.
Zintrah o afrontou cravando seus olhos nele, embora visse o ódio em
seus olhos.
-Ele é problema meu!
- Seu? O homem que matou minha irmã! Que destruiu a vida de todos

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aqui! Que está a nossa volta, destruindo tudo, é só problema seu?


A dor da traição, junto com o ódio, o consumia.

- Quem é ele? Diga porra!


- Quer saber... Cada um nessa merda de castelo tem seu motivo, sua
razão. Ele arruinou a vida de todos inclusive a tua. Mas a minha ele não só
demoliu, levou junto com ele!

- Não me enrole, merda! Não acredito mais na sua falsidade! Quem é


ele? Por que não falou que sabia quem era o maldito?
- Hally! O nome é Hally! E para quê falaria? Perguntei sobre o
passado de alguém aqui? O que indaguei sobre o teu? De todos vocês,
levando em conta que a dor é única, talvez eu seja a única que tenha mais que
uma razão para caçá-lo!
Damon estava transtornado, fora de si. Agarrou-a pelo braço e saiu do
quarto arrastando-a sem se importar se a machucava.

- Você deve explicações a todos! Vai ter muito o que dizer!


A moça tentava se desvencilhar dele com toda força.
Damon a pegou e jogou-a sobre o ombro, descendo as escadas
enquanto ela mandava soltá-la e se debatia. Ele largou-a na sala, na frente de
todos que os olhavam abismados.
Pegou a foto de Hally com Sílvia e disse bem alto:
- Essa é minha irmã. Sequestrada e assassinada pelo homem que

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destruiu nossas vidas! Esse! Hally! O amante de Zintrah!


Como um animal acuado ela se rastejou para um canto da sala.

Damon não sentiu pena. Estava, além disso, dominado pelo ódio.
Buscou-a e puxou-a para sua frente, ordenando:
- Conte como se divertiu às nossas custas todo esse tempo!
O silêncio pesado estava na sala. Eles olhavam a foto e então para

Zintrah, um tanto confusos, surpresos.


Aquilo revolveu dentro dela como uma possessão. Ela ergueu-se
imponente, limpou as lágrimas nos olhos e foi talhante:
- Eu sou Madame Zintrah, fui amante - e dessa vez o encarou
prosseguindo. - E amada de Hally, o homem da foto! - Olhando todos. - O
sujeito que cada um nesta sala tem razões para no mínimo matar. E embora
ele não valha o que come, nunca encostou a mão em mim deste jeito. -
Apontando para Damon. - O que me fez entrar neste porcaria de LIGA, foi a

certeza que Hally, o único homem que realmente amei na vida, infelizmente,
está vivo!
- Se eu pudesse eu te matava, Zintrah. E não tente se fingir de vítima e
me acusar! Ele não encostou em você, fez mais! Mandou você matar! E você
matou. Quantos inocentes? Quantas crianças?
A imagem da irmã morta o corroía, como um punhal se torcendo
dentro dele.

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- Calma, Damon. - Valaistu tentou intervir.


- Quer saber o quê? Se eu matei por ele? Sim ,matei. Mas não da

forma como está me condenando, aliás, todos estão! Fiz dois abortos, porque
ele não queria sujar o sangue com o meu. Foram estas vidas que tirei e é por
elas que responderei, Damon Luca!
- Fez aborto? Por que mandou, você teve coragem de tirar dois filhos

e ainda assim ficar com ele? - O nojo era óbvio em seus olhos. - Você é ainda
pior do que pensei!
- E você sabe o quê de mim? O que pensam que sabem de mim? Da
minha vida, do meu passado?- Encarando todos.- O que uma mulher como eu
poderia oferecer para uma criança? Não seja patético!
Apesar de estar consumida de ódio e desejo de vingança desde a
morte de Gibran, Ciana viu o estado dos dois e disse a Damon:
- Não resolveremos nada assim! Zintrah, por que não falou que sabia

quem ele era?


Ela foi talhante:
- Por um único motivo: Eu o quero vivo ao contrário de vocês! - O
que fez Damon reagir ainda mais contra ela.
- Entendo, Zintrah. Você nos usou para encontrar seu amante, o
homem que fez atrocidades com você e que a tem nas mãos. – Os olhos de
Damon não saíam dos dela.

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- Então, por que só eu tinha que expor o que sei? Porque não contam
todos o que sabem? Mas a vadia aqui tem que responder por todos, atirem a

pedra, Maria Madalena está entre nós! - Gargalhou debochada.


Damon sentiu-se subitamente muito cansado. Seu olhar para ela era
um misto de ódio, mágoa, dor, desespero. Mas ele não recuou. Fitando-a bem
dentro dos olhos, foi frio:

- Minha irmã tinha onze anos e era doente, sempre foi. Aos dezoito
anos, inúmeras pessoas tentaram me levar àquela biblioteca, mas algo me
impedia. Mas esse maldito descobriu uma maneira de me forçar. Tirou minha
irmã do hospital, deixou-a naquele lugar abandonado e me fez entrar em
contato com o livro. Quando a achei, ela estava morta. Pouco depois meus
pais se entregaram a dor e morreram também. E tudo porque seu amante me
queria lá! Está satisfeita agora? Quem é o próximo a despejar as artes do
amado de Zintrah?

- Meus pais foram mortos porque esse cabra prometeu que minha vida
seria diferente se fizesse o que desejava, mas como desconfiaram ele os
matou. - Admitiu Aracaê.
- Os meus também, mas não sei direito por quê. – Ciana completou.
- Acho que a vida de todos aqui foi, de alguma forma, destroçada por
este homem. No entanto, por maior que seja a dor de cada um, por maior que
seja a minha dor, não me sinto autorizado em usá-la como arma,

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simplesmente para humilhar ainda mais a Zintrah. Essa minha dor, esse meu
ódio eu o cultivo para que, no dia em que me deparar com este infeliz, se

torne poder e força inabalável em mim. – Ponderou Valaistu, com uma voz
embargada de emoção.
- Com doze anos de idade eu fui estuprada por um dos machos da
minha mãe, engravidei, e depois de um aborto mal sucedido ela me jogou na

frente de um convento. Lá vivi, até aprender ser puta, matava meus clientes
para que não fizessem outras sofrerem como eu sofri. Psicopata? Sim, eu sou!
Mas meus delitos foram descobertos e fui levada para um hospital
psiquiátrico, onde fui abusada por toda sorte de gente que imaginarem, desde
o faxineiro até o Diretor. Na solitária, como um animal comendo comida
estragada e bebendo urina para não morrer de sede, fiquei por anos. Até que
um dia esse homem apareceu, e foi a primeira pessoa que cuidou de mim. O
que ele queria era fazer com que entrasse em contato com o Prodigium, sabia

que tinha a marca do infinito como todos aqui. Ele me fez tocar o livro, me
fez saber usar os poderes, e eu? Eu só o amei. No entanto, tudo que fiz, foi
porque assim desejei. Não vou me fazer de coitadinha como uma e outras
aqui não! – diz Zintrah fitando Ciana. - No dia que percebeu que não podia
sugar os poderes de mim, tentou simular a sua morte e me pôs como a autora
do suposto crime.
Todos se sentiam arrasados, expostos emocionalmente com suas

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tragédias. E Zintrah fora mais uma tão ou mais afetada por Hally como eles.
Damon correu os dedos entre os cabelos, abalado por tudo que acabara de

ouvir. Imaginou uma garota como sua irmã com apenas doze anos, passando
tudo que ela passou e sua vida de miséria. A pena o corroeu, junto com o
ciúme e o ódio. Ainda não conseguia pensar com clareza, mas parte de sua
raiva se foi. Ficou uma exaustão horrível. E com o amargor da traição

travando sua garganta. Ele se sentou no sofá e apoiou a cabeça nas mãos sem
saber mais o que pensar.
Victor Obsequens, que apenas ouvira tudo, pediu ao moço a foto e a
página. Seu rosto era de pura interrogação.
Damon entregou em silêncio. Estavam úmidos, mas o envelope de
plástico os protegera. Ele leu em voz alta:

(...) de casa, no banheiro ou na cama - não havia fuga (...) “Ele não

passava dum fantasma solitário exprimindo uma verdade que ninguém


jamais ouviria. Mas enquanto a exprimisse, a continuidade não seria
interrompida. Não é fazendo ouvir a nossa voz mas permanecendo são de
mente que preservamos a herança humana. Ele voltou à mesa, molhou a
pena e escreveu: Ao futuro ou ao passado, à uma época em que o pensamento
seja livre, que os homens sejam diferentes uns dos outros e que não vivam
sós – a uma época em que a verdade existir e o que foi feito não puder ser

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desfeito: Cumprimentos da era de uniformidade, da era da solidão, da era do


Grande Irmão, da era do duplipensar”! (...) Alguma enxerido do Ministério,

(mulher provavelmente; alguém como aquela zinha com cabelo cor de...), (...)
20

O homem idoso olhou aquilo e foi talhante:

- Está claro que quem quer que esteja por trás de tudo isto, quer
claramente nos desestabilizar e parece que está conseguindo.
- Havia uma parte do livro sublinhada. - Damon falou: - 1984, George
Orwell.
- Mas e as pistas? - Ciana fitou-o. - Acho que quer nos ajudar, pois
graças a ele sabemos quem é o inimigo!
- Sim. - Ponderou Victor, sobre o olhar sagaz de Alyha. - Mas a
questão é com que intuito?

- Denunciar o vilão de tudo isso. – Valentin completou.


- Ou para um cilada muito maior. – Contra golpeou Alyha.
- Mas por que simplesmente não mandou o nome dele e a foto? -
Ciana indagou. - Por que as missões e essas páginas de livros?
- Temos três páginas até agora. - Concordou Valaistu.
Zintrah manifestou-se:
- Pelo lógico. Alguém quer chamar atenção para alguns, uns e talvez

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um de nós.
Victor pensativo redarguiu:

- Não nos sobra outra opção que não seja descobrir as demais.
Aracaê soltou:
- Eita, um traíra, é isso?
Um traidor. Eles se entreolharam. E depois os olhares resvalaram em

Zintrah.
Que imediatamente sorriu e foi num golpe:
- Estou fora! Procurem outro para algoz. - E retirou-se em direção a
porta da frente.
E em Armand, calado e taciturno como sempre. Eram os dois mais
óbvios.
Armand foi até Victor e estendeu a mão para pegar as fotos, o velho
lhe entregou sem fazer perguntas. Ele observou a foto de Hally por alguns

instantes, olhou para o chão pensativo, deu dois tapinhas no ombro esquerdo
de Victor e saiu pela porta da frente levando a foto em suas mãos. Antes de
sair, tocou o rosto de Zintrah e deu uma piscada como quem diz, “ficará tudo
bem”. Damon abriu os braços, indignado com a saída instantânea de Armand,
justo quando todos começam a desconfiar do sujeito obscuro.
- Estão vendo! – ele disse.

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Logo após deixar o grande salão pela porta frontal do castelo, Zintrah
parou por um momento e ponderou todas as reações que se manifestaram,

especialmente de Damon. Ela repousava os braços sobre os ombros, um


pequeno hábito de criança de quando por algum motivo sentia-se insegura e
precisava se defender. E o que mais lhe ofendera era que o ator sempre
mantivera os atos e o discurso de não tratá-la como uma prostituta. Ela se

recordou de um clássico das comédias românticas: "Uma linda mulher". O


modo como ele a tratou diante de todos fez-lhe lembrar de se uma frase do
filme. E para si balbuciou:
- “Nunca te tratei como uma prostituta”. – Sorriu, abaixando de leve a
cabeça e olhando para o céu, retrucou mais alto: - “Acabou de tratar!”
Subiu as escadas passando pela lateral do recinto, estava decidida, era
hora de sair, de acabar com a brincadeira. As certezas de que necessitava
estavam diante dela. Um: Hally estava vivo. Dois: Damon era somente mais

um como os outros que no fundo só a via como uma vadia. Ela sabia que de
fato era ou se portava como se fosse e tentava não se importar com isso.
Sobre a primeira convicção, sabia que podia caçá-lo, não dependia da Liga
Literária para fazê-lo. Já o segundo, era mais um homem a mentir para ela,
contudo o que a irritara fora como ele a expôs diante de todos, e a grande
ironia, por mais vil que Hally fosse jamais lhe encostara a mão daquela
forma. Tampouco a fez sentir-se tão baixa. Ele jamais a julgara de modo tão

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vil. E foi aí que outro agente lhe saltou os olhos, e sorrateira desapareceu.
Aracaê entrou em seu dormitório falando sozinho e com semblante

entristecido.
- Eu e essa minha boca! Oxê, agora lascou a bodega toda. Não vai
mais ter a nega pelada com seu "Demo". Tudo por causa dessa minha boca de
jegue! - Foi quando da sombra, a voz da meretriz o corrigiu:

- Jegue não, camelo! Velho dito árabe: "O camelo parou para abrir a
boca e nunca mais conseguiu fechar." - Já chacoalhando o crucifixo no
pescoço.
Aracaê prontamente ficou de pé em cima da cama, sabia que aquela
conversa não ia terminar bem e quando a viu tirar o punhal do pescoço
imediatamente apanhou uma almofadinha guardando suas partes
desesperado:
- Ô nega, para aí, me deixa prosear mais com "ocê" só um bocadinho!

- Quer conversar é, nanico? Ora veja, eu também. - Gargalhou arfante.


Minutos depois a cena era lamentável. A meretriz o levou pela cintura
até a última torre. Justamente a mais alta do castelo era possível visualizar
abaixo um penhasco aterrorizante. Lá embaixo, a quase quarenta metros de
altura, as ondas batiam contra as pedras e ela o segurava somente pela correia
da calça dele com o punhal:
- NEGA, PENSA EM DEUS! PENSA EM DEUS, PELO AMOR DE

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DEUS! - O pequeno mal conseguia abrir os olhos e se deparar com que


estava abaixo de si.

- Escuta aqui, não estou com pressa, posso ficar a noite toda aqui,
vamos, me dá o serviço, nanico! - Ameaçando deixar escorregar.
- AI MEU 'PADINHO" PADRE CICERO! PENSA EM DEUS
MULHER!

Ela bocejou tranquilamente e objetou:


- Acho que ele está meio ocupado para falar com você agora. Mas não
se preocupe, a julgar pela atual conjuntura, logo, logo tu vai falar com ele e
PESSOALMENTE! - Enfatizou.
- EU AINDA SOU MUITO PEQUENO PARA MORRERRRR!
Zintrah o trouxe rente ao corpo pendurando pelo punhal e replicou:
- Você está de sacanagem comigo, é?
- ESTÁ BEM, EU CONFESSO! EU FALEI DEMAIS! EU CONTEI

O QUE "OCÊ" ME CONTOU PARA O SEU "DEMO", FALEI PARA VÓ


MALVINA QUE MEU PAI ROUBOU OS FRANGOS DELA PARA
JOGAR TRUCO, E CONTEI TAMBÉM PARA SEU PAULO DA
PADARIA QUE A MULHER DELE TAVA DANDO UNS TAPA NA
MACACA DELA COM O AÇOGUEIRO! EU ACONFESSOOOOO!
A jovem o pegou pelo pescoço e ficou ali o arrostando:
- Que devo fazer com você, nanico?

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- Pode sugestão? - Ele implorava com as mãozinhas.


- Fale,!- Zintrah ordenou.

- PENSA EM DEUS! SEJA O QUE FIZER COMIGO, PENSE NELE


UM TANTINHO SÓ!
- Hum... - Ela sorriu de um jeito estarrecedor.
Minutos depois ela descia as escadarias, com a intenção de sair um

pouco do Castelo. Neste momento, Ciana apareceu e perguntou:


- Cadê o Miri?
Burlesca respirou profundamente, olhou para o alto da torre e
respondeu:
- Algo me diz que ele está esfriando a cabeça. - E se transformou
numa bela mulher negra e começou a caminhar pela estrada, sem destino.
No topo da torre, dependurado pelo pé, Zintrah deixou Aracaê com
um cartaz que expunha: “AQUI JAZ UM LINGUARUDO!"

Capítulo 14 – Os amantes do Kama Sutra

Ciana andava de um lado para o outro dentro do quarto. Estava


ansiosa, tensa, impaciente. Tudo contribuía para aquele estado de nervos,
para que se sentisse um animal acuado, raivoso, preso entre os muros daquele
castelo. A cada dia avaliava mais a opção de ir embora dali, de tentar

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esquecer o passado, seus poderes e ir em frente com sua vida. Poderia


continuar se escondendo entre os locais abandonados, se afastar cada vez

mais de Pilarium.
Ela parou de supetão e então a dor atroz da saudade a atacou. Não
teria mais seu fiel companheiro ao lado. Fechou os olhos e as lágrimas
desceram, enquanto a imagem de Gibran veio muito real em sua mente, com

seus olhos alegres buscando-a, nadando ao seu lado no lago, lambendo-a e


balançando o rabo de alegria. E então a visão dele no escritório de Victor,
cheio de sangue, com a garganta cortada, arrasou-a.
- Não... – Murmurou trêmula, enfiando o rosto entre as mãos e
chorando.
Não podia se conformar! Ele nunca fizera mal a ninguém. E algum
maldito mesmo assim acabara com a vida dele. O assassino que procuravam?
Então também corriam riscos ali? Até que ponto estavam realmente

protegidos, como Victor dissera? Se o tal de Hally não sabia deles ali, então
significava que uma das pessoas no castelo fizera aquela atrocidade.
Ciana olhou em volta, arfando, mordendo os lábios. Um ódio
incomum a devorava devagar. Primeiro seus pais, da mesma maneira, caídos
na casa, suas gargantas cortadas, sangue para todo lado. E as pessoas
entrando, tirando-a a força de lá, apenas uma criança de quatro anos que até
então só tinha conhecido o amor. De repente se viu em um orfanato que mais

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parecia um presídio, sozinha e infeliz. Longe de sua casa, de seus amados


pais e da música. E agora Gibran, arrancado dela da mesma maneira violenta

e desumana. Sem contar em Luciano de Angelis, que também tinha tido a


garganta cortada no concerto.
Era o mesmo modus operandi. Degolar quem a cercava. Só podia ser
coisa do maldito do Hally! Ou de alguém que era comparsa dele e o imitava.

Alguém que sabia como seus pais foram assassinados. Mas quem? Um
traidor entre eles? Victor?
Angustiada, Ciana abriu a porta do quarto e saiu. Não sabia o que
fazer ou aonde ir, mas não podia mais ficar ali inerte, esperando o mundo
desabar em sua cabeça. Sentia uma opressão no peito, um ódio que crescia
durante aqueles dias. Muito mais do que um desejo de justiça, o que a
devorava agora era um desejo de vingança. Era como se a vida a
transformasse. Tornava-se adulta da pior maneira possível, sentia que não era

calma e boazinha. Tinha vontade de encontrar aquele maldito, torturá-lo, ela


própria rasgar seu pescoço de uma ponta a outra. E teria coragem para isso.
Decidida, saiu à caça de Victor Obsequens. Não havia ninguém no
salão e ela foi direto ao escritório dele, socando sua porta ao encontrá-la
trancada. Tinha sido colocada outra no lugar da que ela destruíra e Ciana
lamentava não ter seu poder agora para arrombar aquela também. Lembrava-
se perfeitamente de Gibran lá dentro e de seu desespero, o que a revoltava

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ainda mais.
- Procurando por mim, jovem? – Disse uma voz calma, do corredor.

Ciana parou com o punho no ar, antes de bater mais na porta. Voltou-
se apertando os lábios com raiva e encarou Victor Obsequens. Ele tinha saído
da biblioteca e a fitava serenamente, como se seu estado fosse normal.
- Quero respostas e o senhor vai me dar.

- Sim, estou à sua disposição, Ciana. – Ele mostrou uma folha de


papel que segurava. – Mas talvez queira esperar um pouco, pois tenho que
chamar todos. Chegou outra charada.
- Não quero saber mais de nenhuma charada! – Vermelha e tremendo,
ela se aproximou dele, fitando-o bem nos olhos. – Desde que o senhor entrou
em nossas vidas é só isso: charada! Muita conversa, muita promessa, mas o
que temos até agora? A polícia em nosso encalço! Nós correndo risco de vida
nessas missões malucas!

- Também não sei quem está mandando as charadas. Estou fazendo


tudo para descobrir e proteger vocês, mas como posso, se as mesmas estão
trazendo pistas do assassino?
- Sim, a foto dele. O nome, Zintrah já tinha. Era questão de tempo até
ela falar! Mas é só ele mesmo, senhor Obsequens? Foi ele quem entrou em
seu escritório e praticamente decepou Gibran?
- Minha jovem...

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- Pare de se fazer de bonzinho! – Ela gritou, sobressaltando-o.


Furiosa, continuou: - Quem tinha as chaves de lá? Alguém entrou, saiu,

trancou a porta! O senhor e mais quem?


- Somente eu. Mas a chave havia sumido do meu quarto. Talvez
alguém tenha pegado e...
- Está dizendo que um de nós roubou sua chave?

- Ou um empregado. Talvez...
- Gibran vinha estranhando alguma coisa nessa casa e naquele
escritório. – Ela completou, engolindo para não engasgar de raiva. – Acho
que há um intruso aqui. Por isso o matou. Para que Gibran não o descobrisse.
Se é assim, Hally pode ter acesso a essa casa! Talvez alguém abra a porta
para ele! Quem sabe não é o senhor?
- Entendo sua revolta e desconfiança, Ciana. – Ele se mantinha
tranquilo, sereno, o que a irritava mais em vez de acalmar. – Mas por que eu

faria isso? Eu os procurei exatamente para protegê-los dele, que destruiu a


vida de todos vocês. Não tenho todas as respostas. Por isso afirmo que aqui é
o melhor lugar para vocês, por enquanto. Reforcei a segurança e estou
fazendo de tudo para saber quem fez mal ao seu cachorro. É tudo que posso
garantir.
- Para mim não é o bastante. Vou embora daqui. – Ela deu-lhe as
costas.

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- Mas a charada, é sobre você...


- Não quero saber de charada nenhuma! – Gritou, já se afastando pelo

corredor.
- Eu li, menina. Diz que se você for vai saber exatamente o que
aconteceu no dia do assassinato dos seus pais.
Ciana parou, seu coração batendo forte no peito. Virou-se devagar e o

encarou. Victor se aproximou, conciliador.


- Por mim, nenhum de vocês correria riscos com essas charadas, mas
qual a outra solução? O que podemos fazer? Ao menos me escute. Preciso
contar dessa nova carta para vocês. São para duas pessoas. Uma é você.
Ela ficou dividida, com vontade de jogar tudo para o alto e sumir.
Mas há catorze anos tentava saber o que aconteceu naquela noite, como e
porque o assassino fez aquilo com seus pais. Claro que sabia que tinha algo a
ver com o Livro, mas nunca se perdoaria se virasse as costas para aquilo e

não descobrisse como tudo realmente se passou. Cansada, perguntou baixo:


- Quem é a outra pessoa?
- Damon Luca. Você pode me acompanhar ao salão e ouvir?
Ela não respondeu. Sem muitas alternativas, se dirigiu ao salão.

Estavam virando rotina aquelas reuniões que antecediam a leitura de


uma nova charada. Damon se reuniu aos outros de má vontade. Aquela casa o

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oprimia. Ver Zintrah o magoava pela traição. Eles não se falaram mais e se
evitavam como se estivessem com uma doença contagiosa. Agora ela só vivia

com Armand. Mas era melhor assim. Não confiava nela. Como poderia,
depois de tudo que acontecera?
Ser prostituta já era ruim, mas Damon nunca a tratara como tal. Vira
apenas a mulher decidida, sensual, que o atraíra de imediato. Mas então

percebera outras coisas. Suas provocações, o modo como flertava com


Armand, comprovando que para ela ele era só mais um. E então viera o golpe
fatal, saber que ela sabia do assassino todo o tempo, seu nome, sua aparência
e sua identidade e ficara quieta. Pior, fora amante dele. O amara e matara por
ele. Quem garantia que não estivesse entre eles para isso? Por Hally? E o
usara apenas para confundi-lo, distrai-lo?
Damon sentia-se mal por tê-la tratado daquele jeito no meio de todos.
Nunca tocara numa mulher com tanto ódio, mas agora não se desculparia

com ela. Enterraria aquele assunto assim como enterrava o desejo e a paixão
que ela tanto despertara nele. Era o fim deles. Apenas isso. Mas não
significava que estava imune com ela perto. Nem que um ciúme e uma raiva
densa o invadisse com seu joguinho com Armand. Mas teria que aprender a
conviver com isso até se livrar daquele sentimento.
Com exceção de Armand, que havia saído do castelo com a foto de
Hally tempos atrás, todos os demais pareciam impacientes na sala e, como se

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notasse, Victor foi bem direto:


- Chegou mais uma charada, sem remetente ou endereço. Envolve

dois de vocês. – E ele começou a ler:


“Existe um labirinto escuro, muito movimentado, cheio de minúsculos
cubículos com um sofazinho dentro. Alguns têm treliças na parede, onde você
pode espiar o que acontece ali dentro. Outros são maiores e mais isolados.

Procure em ambos, embaixo do sofá. A virgem e o galã devem ir como


amantes do Kama Sutra hoje. Duas coisas conseguirão: a pista e a resposta
do assassinato dos seu pais.”
Damon e Ciana se entreolharam. Ele percebeu que ela parecia
transtornada, tensa, diferente. A dor parecia tê-la despertado para um lado seu
mais agressivo, que inclusive a tornava mais adulta e decidida. Uma mulher.
E Damon tinha certeza que ela não deixaria de conseguir respostas para seu
passado. E era óbvio que ele iria com ela.

- Amantes? Kama Sutra? – Ciana indagou.


- Já fui em um lugar assim em Pilarium. – Esclareceu Damon. – É a
boate mais luxuosa e exclusiva da cidade e se chama Kama Sutra. Lá só
entram casais e é um local de sexo, de várias formas, desde swings a
sadomasoquismo, ou sexo virtual. Tem tudo que se possa imaginar em
diversos ambientes, num verdadeiro labirinto com cantos escuros, sofazinhos
espalhados e quartos privativos ou não. Para entrar, só como amantes.

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- Entendo. – Ela balançou a cabeça. Talvez há um tempo atrás


estivesse corada e envergonhada. Mas agora o olhava diretamente, decidida.

– Eu vou. E você?
- Claro que vou com você. – Damon foi firme. Encarou Victor. –
Sabemos o risco que estamos correndo. Nas duas últimas missões houve
perseguição policial. Inclusive sabiam como estávamos disfarçados. Espero

que dessa vez você use suas influências para ao menos nos dar mais opções
de escapar.
- Sim, vou fazer tudo que estiver ao meu alcance. – Ele concordou
solene. – Vou providenciar tudo para irem com segurança.

Damon estava com calça e camisa social, um casaco escuro, sapatos


italianos, peruca e barba loiras, um óculos redondo levemente escurecido.
Ciana usava uma blusa de seda branca, calças pretas, jaqueta curta, uma

peruca de cabelos ruivos e cacheados.


Discutiram muito o assunto e Damon e Ciana resolveram ir de moto,
pois seria mais fácil para percorrer estradas secundárias e fugir de possíveis
blitz.
Depois de se despedirem dos outros, puseram os capacetes e se foram.
A moto veloz e possante ganhou a estrada. Victor garantiu que seguranças
manteriam uma distância segura deles, mas não podiam se aproximar muito

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para não chamar mais atenção.


Tinham combinado que alguns seguranças se manteriam em lugares

estratégicos ao longo da estrada, longe das vistas, mas atentos a qualquer


fuga deles para ajudá-los. Dois casais de agentes também estariam lá dentro
da boate, prontos para agir caso houvesse necessidade. Infelizmente ninguém
podia ir armado, pois a boate tinha detectores de metais, mas ao menos

sabiam lutar e poderiam ajudar de alguma maneira. Além disso, Damon e


Ciana levavam aparelhos intercomunicadores que naquela época tinham
vários tipos e formatos. Apertando um único botão, poderiam falar
diretamente com Victor. O de Ciana era no cordão. O de Damon, um relógio.
Enquanto a moto corria velozmente e pegava estradas secundárias,
Ciana apoiava a cabeça nas costas dele e o abraçava com força pela cintura.
A sensação de liberdade e de proteção ao lado de Damon dava a ela um
pouco mais de tranquilidade em meio ao caos que era sua vida.

Damon pilotou até o centro de Pilarium e então entrou com a moto em


um estacionamento de uma grande loja, onde vários carros se espalhavam e
pessoas circulavam. Ciana indagou, quando ele estacionou perto da entrada:
- É aqui?
- Não. Ciana, fique aqui na moto e não tire o capacete. Volto logo.
- Mas o que... Damon, vai entrar aí? Alguém pode te reconhecer!
Ele não tirou o capacete. Fez um sinal a ela e entrou rapidamente.

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Ciana ficou nervosa, sem entender nada.


Já na porta, por onde passava, Damon congelava o tempo e as

pessoas. Tão logo ele saía do ambiente, tudo voltava ao normal, mas ninguém
o via. Nem notava que passou por ali. Ele foi rápido. Dirigiu-se direto a parte
de roupas e apetrechos sexuais e pegou algumas. Enquanto tudo estava
congelado a sua volta, enfiou o que precisava em uma sacola e saiu rápido.

Do lado de fora, entregou a sacola a Ciana sem uma palavra. Montou


na moto e saíram dali.
- O que é isso? – Ela perguntou curiosa.
- Só um teste. Depois te explico.
E seguiram em frente. Quando chegaram a uma rua mais deserta,
Damon parou perto de um beco e disse a Ciana:
- Entre aí, troque a roupa que está pela da sacola, inclusive a peruca.
Deixe o resto no beco. Seja rápido, Ciana.

- Tá. Acho que entendi. Quer saber se vão nos caçar com a roupa que
saímos do castelo ou com essa.
- Exato.
Ciana desmontou, explicando:
- Ninguém no castelo sabia que Zintrah ia arrumar uma fantasia para
mim, na nossa missão. Mesmo assim a polícia nos perseguiu.
- Mas nos outdoors policiais, quando disseram que apareceram as

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imagens de vocês, como estavam? Disfarçadas ou não?


Ciana pensou, tentando se lembrar. Por fim conseguiu.

- Não estávamos disfarçadas, era nossa imagem real. Talvez tenhamos


nos precipitado em correr e fugir, alertando quem éramos. Ou talvez tenham
nos reconhecido por mim, por meu cabelo, não sei.
- No parque, a imagem que apareceu no telão foi a minha disfarçado,

assim como de Alyha. Alguém sabia como estávamos. E isso me preocupou.


Quem, além das pessoas do castelo, sabia que estávamos daquele jeito?
Eles se entreolharam.
- Hally? Será que ele está no castelo? – Ciana indagou. Damon deu de
ombros.
- Tudo é possível, Ciana. Agora vá.
Ela se trocou rápido no beco. Ciana pôs um sexy macacão de vinil
preto colado no corpo e fechado na frente com zíper, sem mangas, luvas do

mesmo material até o cotovelo e botas de salto alto. Os cabelos ficaram sob
uma peruca de cabelo preto e liso num corte Chanel e uma máscara como da
mulher gato no rosto.
Damon não ficou imune quando a viu. Ela estava espetacular, a roupa
marcando sua cintura fina, os quadris arredondados e os seios empinados.
Seus lábios estavam vermelhos. As botas de salto deixavam-na mais alta.
Toda doçura de sua aparência continuava lá, mas ofuscada por uma

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sensualidade gritante, desperta. Quase obscena para a imagem que ele tinha
de uma garota pura de dezoito anos.

Ele desmontou e foi sua vez de ir ao beco. Tirou o disfarce anterior e


vestiu-se como um Dom sadomasoquista, com botas pretas, calça justa e
preta de couro, colete de couro preto e uma máscara do mesmo material que
se ajustava à cabeça e cobria seu cabelo e a parte superior do seu rosto,

deixando de fora apenas do nariz para baixo e os olhos.


Ciana nunca o vira tão bonito e sexy. A roupa marcava os músculos
definidos do corpo grande, másculo, deixando à mostra parte do peito
encoberto por pelos negros e a barriga tanquinho. Assim como não deixava
nada para a imaginação da cintura para baixo, inclusive as pernas
musculosas. Ela engoliu em seco, quase lambendo os lábios subitamente
secos.
- Vamos, Ciana? – Indagou sério, preocupado pelos riscos da missão,

mas também pela situação deles, que teriam que se passar por amantes num
lugar cheio de sexo. Depois de Zintrah, tudo que queria era fugir de
complicações. Ainda mais com Ciana, que Damon sabia sentir uma atração
por ele.
Escondeu a moto no beco e então seguiram pela calçada, virando por
ruas menos movimentadas, até uma onde se destacava uma grande boate toda
feita em granito negro, de dois andares e portas duplas de ferro, guardadas

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por seguranças. Pessoas de todos os tipos, mas todas com aparências de ricas,
entravam ali. Compraram o ingresso que era uma fortuna e entraram de mãos

dadas.
Ciana respirou fundo, preparando-se para o pior. Mas deram em um
grande salão que mais parecia um restaurante, mais escuro, com mesas e
cadeiras negras espalhadas, parede cor de vinho, lustres que espalhavam

apenas uma luz dourada na penumbra. Pessoas se espalhavam por lá, bebiam,
conversavam, a maioria formada por casais. Em duas paredes telões
passavam clipes de músicas instrumentais e sensuais. Mas fora isso, não
havia gente pelada ou transando ali. Tudo parecia quase... normal.
Apertou a mão de Damon e ele a fitou. Ela sussurrou:
- Não estamos estranhos vestidos assim?
- São vários ambientes, Ciana. Fique calma, mas você ainda não viu
nada. Temos que procurar o labirinto cheio de cubículos, quartos e

sofazinhos. Aqui é só o salão de entrada, para beber e conversar. Prepare-se.


Ela concordou e o seguiu em silêncio. Pegaram um pequeno corredor
e então deram em outra sala, com bar, mesinhas com cadeiras estofadas, e um
palco com pole dance. Ali sim o ambiente era diferente, mais escuro, a
música barulhenta, mais cheio. Casais dançavam uma música sensual na
pista, muitos se agarrando, às vezes em trio ou em quatro. Vestiam-se com
roupas de couro, napa, vinil, alguns com fantasias sexuais. Havia homens e

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mulheres andando com chicotes nas mãos, máscaras, coleiras. Muitos


estavam em estado de quase nudez. Não havia relação sexual, mas quase.

Como um preparatório.
Com os olhos arregalados, Ciana se deixou levar por Damon por ali,
olhando abismada em volta. O batuque quente da música parecia revolver
algo dentro dela. Mesmo sem querer, seu corpo reagiu, sua respiração tornou-

se mais rápida, seu coração disparou. E então seguiram por outro corredor,
que acabou virando um labirinto. Pessoas iam e vinham. E a cada virada que
davam, vários cantos com cadeiras, sofazinhos, pufes e recamiers podiam ser
vistos. Neles as pessoas se entregavam a diversos tipos de carícias e posições
sexuais. Outras ficavam espiando por treliças o que alguns faziam nos
quartos adjacentes. Havia ainda algumas portas com seguranças e Damon
explicou baixo:
- São quartos privativos para sessões de sexo virtual, quando põem

apetrechos e podem ser quem quiser, fazer o que quiser através de avatares e
de uma realidade virtual criada por eles. Outros têm sessões de
sadomasoquismo e ainda apenas quartos alugados por um grupo ou um casal,
particulares, sem que outros possam ver.
Ciana indagou a si mesma sobre quais quartos e ambientes Damon
frequentara ao estar ali antes. Imaginou-o nu, as pessoas o observando, seu
corpo longo e forte sobre alguma mulher. Arfou de leve ao imaginar a mulher

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como ela. Uma onda de luxúria pura e densa percorreu-a e Ciana ficou
excitada com tudo que via, por estar perto dele imaginando aquelas coisas,

pela música sensual e sussurrada que saía das pequenas telas nas paredes,
mostrando trechos da boate.
Ao chegarem ao fim do labirinto, puderam ver um grande quarto
coletivo e escuro cheio de sofás, onde rolava de tudo. Pessoas se misturavam

em diversas cenas sexuais e Ciana ficou realmente chocada com a realidade


pura e bruta. Um tanto sem graça, Damon disse baixo:
- Só casais podem entrar, então vamos ter que encarar. Começamos
por aqui e depois voltamos até o início. Lembre-se que procuramos as pistas
embaixo de um sofá. E já viu que são vários. Temos que disfarçar. – Ele
voltou os olhos azuis para ela, muito sério e preocupado. – Tudo bem?
Ciana fechou a boca e só teve como concordar com a cabeça. Ele
disse um palavrão baixo e a levou para dentro do quarto coletivo.

Foi como entrar em algum cenário de inferno. As paredes negras, a


luz difusa, os corpos nus ondulando, os gemidos. Os vários estágios de nudez
e posições sexuais. Havia de tudo ali. Grupos de pernas e membros
entrelaçados, pessoas que dançavam nuas no centro ou se acumulavam no
chão. O ambiente foi dominando-a e ela podia sentir as labaredas que
lambiam sua pele, o calor que vinha de dentro, a lascívia quente e voraz.
Damon tentava se manter frio, mas era difícil. Estava dividido entre a

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raiva por ter que expor a jovem e virgem Ciana a um ambiente como aquele,
ao mesmo tempo que ele próprio se excitava com o que via e sentia. Sabia

que se estivesse ali com Zintrah os dois já estariam em algum canto fazendo
muito mais do que olhar. Mas afastou o pensamento. Aquilo nunca mais
aconteceria.
Não podiam simplesmente se abaixar e ir procurando embaixo de

cada sofá. O local era vigiado e qualquer pessoa com atitude estranha
acabava sendo expulsa na hora. Apesar de ser um lugar de sexo, era voltado
para os casais e garantia a segurança dos mesmos, para realizarem suas
fantasias sem correr riscos.
Ao passarem pela pista de dança, diversos homens e mulheres
olharam para eles, admirando-os. Um casal que se roçava quase nu veio
dançar impedindo sua passagem e a mulher bonita disse a Damon, passando
as unhas longas no peito dele:

- Querem se juntar a gente?


- Mais tarde. – Damon sorriu e continuou em frente. Ciana sentiu
alguém acariciando-a por trás e se assustou, aproximando-se mais de Damon.
Foi quando ele a virou para si e sussurrou em seu ouvido: - Dance comigo. E
assim que um sofá ficar livre, vá até ele e se deite. Vou fingir que estou
acariciando-a. E procurar as pistas.
- Sim. – Ela concordou um tanto arfante.

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A música tinha sussurros de mulher gemendo e uma batida lenta, mas


contagiante. Quando Damon puxou-a para si, eles se olharam nos olhos e

começaram a ondular no ritmo sensual, os corpos apenas se roçando, as mãos


dele em suas costas. Ele bem que tentou manter a cabeça fria, se controlar,
mas Ciana percebeu que era um caso perdido. Seu coração parecia saltar pela
boca, sua pele ardia. Toda vergonha e confusão foi empurrada para o fundo

de sua mente. Sem avaliar nada, só sentindo e se entregando, ela colou o


corpo ao dele e deixou a boca a poucos centímetros de seu queixo. Apoiou as
mãos em seu peito, dentro do colete, direto em seus pelos, sentindo os
músculos duros e quentes. E moveu o corpo sinuosamente contra o dele, sem
nada a separá-los além da roupa colada.
- Ciana... – Damon ainda tentou alertá-la, um pouco chocado, seus
olhos azuis brilhando ainda mais dentro da máscara preta.
- Relaxe. Somos amantes, lembra? – E seus olhos deslizaram pelos

lábios dele enquanto, muito excitada beijava de leve seu queixo, sem deixar
de se mover.
Damon respirou irregularmente, tentando controlar as reações do
corpo, mas era difícil. A luxúria vinha como uma onda, arrasando seu
pensamento racional, fazendo-o muito consciente dela. Tentou dizer a si
mesmo que era só um disfarce, que Ciana era virgem e tinha só dezoito anos,
que era como uma irmã, mas não conseguia convencer a si mesmo de nada

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disso. Ao contrário, segurou-a com firmeza e deixou que sentisse como


mexia com ele, como o descontrolava. E ela não se fez de rogada. Abraçou-o,

colou-se de vez, rebolou o quadril contra o dele, seus lábios deslizando de seu
queixo à garganta.
Por um momento esqueceram de tudo, dominados pela mais pura
luxúria, a música envolvendo-os como um manto, como se estivessem ali

sozinhos, apenas um para o outro.


Ciana se entregou aos sentimentos violentos que tinha por ele e ali se
sentiu sensual, poderosa, livre. Não pensou ou se escondeu na timidez. Quis
tudo dele. Deslizou as mãos em seu peito, subiu pelos ombros largos. Assim
como subiu os lábios de novo por seu queixo e tocou-os suavemente nos dele,
sussurrando rouca:
- Beije-me, Damon...
- Ciana... – Ele ainda tentou buscar um resto de controle, mas então

ela passou a língua de leve em seu lábio inferior. Era cheirosa, macia, gostosa
e linda. Xingou a si mesmo, mas amparou firmemente sua cabeça e beijou-a
vorazmente. Ela abriu os lábios e retribuiu, doce e inocente, seu primeiro
beijo de verdade. Mas logo aprendia e roçava a língua na dele, tomando e
dando, beijando-o com o mesmo desejo intenso.
Ela sentiu o corpo pegar fogo. Além da luxúria e do amor por Damon
que a devoravam, seu poder também pareceu alcançar um pico, percorrendo

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seu corpo como se diversos raios caíssem sobre ela, deixando-a tonta, todos
os terminais nervosos em alerta, a ponto de explodir. Agarrou-o e se entregou

totalmente, maravilhada com seu gosto e cheiro, com sua pele, com tudo que
ele a fazia sentir e que era mais do que qualquer coisa que já sentira na vida.
Muito mais.
Sem controle, as mãos de ambos percorriam seus corpos. Ondulavam

juntos, se encaixavam, se beijavam. Estavam além de qualquer coisa, o


mundo a volta totalmente esquecido. Foi quando uma mulher se encostou
atrás de Damon, um homem atrás de Ciana e o homem ofereceu rouco:
- Que tal uma farra em grupo? Vocês são muito quentes!
Interrompidos, se afastaram um pouco e se fitaram com olhar pesado,
escurecido de desejo. Damon foi o primeiro a se recuperar, olhou para o
homem atrás de Ciana e disse baixo, mas em tom bruto:
- Não. Tire as mãos dela.

- Opa! – O homem se afastou na hora e ergueu as mãos, se


desculpando. – Foi mal, cara. Venha, Carlinha. Vamos procurar outros.
Quando ele se afastou com a mulher, Damon pareceu nervoso,
encabulado. Manteve-a a certa distância, segurando-a pelo braço.
- Ciana, não vamos perder o foco. Atrás de você. Um sofá vazio.
Ela abriu a boca para reclamar, ainda excitada. Mas se descobria e
teve a ideia de não forçá-lo, apenas seduzi-lo. Como, não sabia. Mas ia

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aprender tentando. Concordou com a cabeça e foi para o sofá. Deitou-se nele
sem tirar os olhos de Damon e sem precisar fingir nada. Ela realmente o

queria e o convidava com o olhar.


- Porra... – Ele gemeu baixo, sabendo que teria uma luta fenomenal
para controlar seu corpo e seus instintos de macho. E foi para ela.
Ciana não lhe deu tempo para pensar ou fingir. Segurou-o pelo colete

e puxou-o para cima dela, já beijando-o na boca. Damon tentou se conter,


murmurando:
- É perigoso ficarmos aqui muito tempo. Temos que procurar as
pistas.
- Procure, enquanto eu disfarço. – E o acariciava, beijava seu pescoço,
arrepiando-o, deixando-o louco.
E assim ficaram. Enquanto Damon se esticava e passava as mãos sob
o sofazinhos, ela o tocava, roçava o corpo sob o dele, deslizava os lábios por

seu peito, mordia-o de leve, maravilhada por prová-lo. A Ciana tímida e doce
parecia ter se transformado em uma gata quente, escaldante, tentadora. Era
uma luta para Damon se concentrar. Seu corpo estava no ponto, esticado,
tenso. E ela lá, arrebatando-o.
- Não há nada aqui. – Murmurou rouco, olhando a volta. No salão
havia mais dois sofás. Um deles ficou vazio. – Ali, Ciana. Vem.
Damon a puxou. Sentou-se no outro sofá e fez menção que ela

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sentasse ao seu lado, mas o sorrisinho no rosto dela alertou-o que tinha outros
planos. Enquanto se sentava de frente para ele, sobre seu colo, montando-o,

disse rouca:
- Deixe que eu procuro agora.
Ele estava perdido!
E se roçou toda nele, suas mãos percorrendo seu peito, sua barriga, e

quando parecia a ponto de descer mais, ela se inclinou para o lado como se
oferecesse a nuca, parte das costas, mas suas mãos percorriam embaixo do
sofá. Damon estava fora de si e cerrou o maxilar para não tomá-la ali. “É a
Ciana!”, seu consciente gritava, tentando alertá-lo. Mas não o convencia
muito, pois ele aproveitava e beijava a pele lisa de seu ombro,
acompanhando-a para não deixar de acariciá-la e cheirá-la.
E assim ficaram, se beijando, tocando, tentando. Enquanto
procuravam as pistas, não deixavam de aproveitar sem disfarces, realmente se

curtindo nos sofás, talvez apenas a urgência da situação e o fato de hora ou


outra se sentirem observados por outras pessoas em volta impedirem os dois
de consumar o fato de vez.
Ao notarem que não havia nada naquele quarto, Damon conseguiu se
levantar e puxou Ciana para fora, como se fugisse de mil demônios.
- Precisamos nos controlar. – Disse baixo ao voltarem ao labirinto.
- Por quê? – Ela sorria, feliz ao ver o quanto o abalava, deliciada com

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tudo que sentia e transbordava dentro dela.


- Não quero fazer isso, Ciana.

- Fazer o quê? Não estamos disfarçados como amantes e procurando


as pistas? É só isso. – O sorriso continuava em seus lábios. Viraram e deram
com um sofazinho vermelho num canto. – Vamos continuar tentando.
- Nunca imaginei você assim. – Damon murmurou, ainda tentando

lutar, enquanto se sentava no sofá, de cara emburrada.


- Assim como? Uma mulher? – Ciana o surpreendeu ao se ajoelhar no
chão na frente dele a apoiar as mãos em suas coxas. Seus olhos grandes e cor
de mel brilhavam amarelados no escuro, como de uma gata. Damon estava
surpreso com as modificações nela. – A vida está me ensinando a parar de me
esconder e ser eu mesma, Damon. A fazer o que eu tenho vontade e arriscar.
Como agora.
Ela se inclinou e ele prendeu a respiração. Mas apenas roçou o rosto

na coxa dele, suas mãos varrendo embaixo do sofá. Apesar de toda sua
sensualidade latente, Ciana guardava algo inexperiente e puro, sua docilidade
tornando-a ainda mais encantadora. Depois de comprovar que não havia nada
ali, ela sorriu e subiu as mãos pelas pernas dele, seu olhar quente. Damon
agarrou os pulsos dela e levantou-a com ele.
- Pare com isso.
- Não vou parar. – Ela sorriu mais e se virou para o labirinto,

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segurando a mão dele e levando-o.


Encontraram outras pessoas pelo caminho. Quando viam um sofá,

esperavam ficar livre, abraçados em um canto. Ciana aproveitava para beijá-


lo, como se não conseguisse parar. E Damon não conseguia resistir. Puxava-a
para si, prendia seu corpo contra a parede, tocava-a em todo lugar. E ela
deixava e retribuía. Depois iam para o sofá, continuavam com as carícias

vorazes, procuravam as pistas e seguiam em frente.


Damon parecia a ponto de explodir de tanta tensão sexual. Nem
conseguia mais reparar no que os outros faziam ou nas cenas sensuais que
apareciam nas diversas telas pela parede. Era só aquela música incitando-o
mais e Ciana, deixando-o louco, a ponto de entrar em combustão. Seu
controle estava por um fio muito tênue e ele temia que a qualquer momento o
perdesse de vez. Lutava e perdia cada vez mais a batalha. Ela estava
arrebatando-o de uma maneira que nunca julgou possível que ela fizesse.

Percorreram quase o labirinto todo. Entraram em salas coletivas.


Nenhum sofá ficou sem ser apalpado. Por fim restou a eles o quarto
particular, onde um casal ou mais pessoas ficavam sem serem vistos ou
interrompidos. Dois seguranças na porta garantiam a privacidade. Não
sabiam se havia sofá lá dentro, mas parecia ser o único que ainda poderia
conter as pistas. Damon se informou se tinha gente lá dentro e com a resposta
negativa de um dos brutamontes, reservou o quarto por meia hora.

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Entraram e trancaram a porta. Olharam em volta. Havia uma grande


cama redonda no centro, com lençóis de seda preta. Na cabeceira, saíam

correntes e coleiras. Assim como nos pés da cama, caso alguém quisesse ser
preso ali. Em uma parede também tinha apetrechos sexuais e algemas
penduradas. O quarto era escuro e todo vermelho, fresco, mas o calor que os
percorria parecia esquentar o ambiente. A um canto estava encostado um sofá

um pouco maior que os outros do labirinto.


- Vamos acabar logo com isso. – Damon foi rapidamente até ele.
Sabendo que ali não podiam ser vigiados, examinou-o de uma vez. E sorriu
ao pegar um envelope e mostrar a Ciana. – Finalmente!
Ela sentiu-se um pouco decepcionada, mas lembrou-se do que aquele
envelope podia conter. A ansiedade dominou-a e se aproximou de Damon.
- Abra. Por favor.
- Claro, Ciana.

Mas antes que pudesse fazê-lo, a tela do quarto piscou e um homem


apareceu, dando um aviso que chamou a atenção deles:
- Queridos frequentadores do Kama Sutra, aqui quem vos fala sou eu,
o gerente geral Camilo Vasques. Desculpe interromper o prazer de vocês,
mas sabem que a boate preza pela elegância e por ser discreta, dando a todos
toda segurança possível. Por isso só entram aqui pessoas casadas e amantes.
Somos totalmente contra profissionais do sexo aqui, que vem para faturar em

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nosso estabelecimento e atrapalhar o prazer sincero de vocês. Infelizmente,


um prostituto e uma prostituta estão entre nós e peço a cooperação de todos

no intuito de encontrá-los e assim não prejudicar a diversão de vocês.


Continuem o que estão fazendo, apenas avisem nossos seguranças caso
encontrem esses dois. Uma boa noite para todos!
E a imagem dele foi substituída por uma de Damon e Ciana, que ficou

congelada na tela. Ali os dois apareciam com as roupas com as quais saíram
do castelo de Victor. Ambos se entreolharam.
- Você estava certo, Damon. Alguém de lá está nos espionando e
mandando as charadas. Mas quem? Por quê?
- Não sei. Felizmente estamos com outro disfarce. Temos que passar
como amantes reais, Ciana, entendeu?
Ciana concordou. Damon dobrou o envelope e enfiou-o no bolso
traseiro da calça. Foi até a porta e destrancou-a por dentro. Explicou:

- Se sairmos daqui assim rápido, podemos levantar suspeitas. Temos


que ficar e fingir sermos interrompidos em uma transa. Um casal de amantes
furiosos por serem interrompidos, entendeu? Não tire a máscara sob hipótese
nenhuma nem se afaste de mim. Se nada disso der certo, teremos que usar
nossos poderes e cair fora daqui.
- Tudo bem.
- Vem, Ciana.

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Damon puxou-a para o sofá. Pegou um chicote, o que a fez arregalar


os olhos.

- É só fingimento. – Ele sorriu. – Fique de joelhos e incline-se. Vou


ficar de pé e fingir que a estava castigando. Lembre-se que sou ator. Tudo o
que tem que fazer é me deixar falar. Tudo bem?
- Sim. Mas antes, preciso me acalmar.

E o abraçou e beijou, puxando-o sobre si no sofá. Damon caiu sobre


ela, o desejo e a adrenalina percorrendo seu corpo. Largou o chicote no chão
e ajeitou-a sob o corpo, sem poder resistir. Colaram-se da cabeça aos pés,
entre carícias e gemidos. Ela abria seu colete, percorria seu peito. Sem pensar
ele descia o zíper do macacão dela até o umbigo e metia a mão dentro dele,
tocando a pele nua e macia.
Nada poderia pará-los naquele momento. Foram muito além do que
qualquer um dos dois pudesse controlar. A febre e a luxúria os queimou e as

roupas foram afastadas até só restar as peles quase nuas, coladas, unidas,
assim como os lábios e língua. Ciana implorou rouca:
- Faça-me sua, Damon...
- Ciana...
- Por favor...
E ele não lutou mais contra. Tornou-a mulher ali, naquele sofá, entre
gemidos e carícias, mostrando a ela o que era dor e depois prazer, até ambos

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ficarem saciados e suados, ainda colados, respirando irregularmente.


- Meu Deus, que loucura! – Damon acariciou o rosto dela,

preocupado. – Machuquei você? Está bem?


- Muito bem. – Ciana sorriu como uma gata satisfeita. Beijou-o e ele
relaxou um pouco e retribuiu. Mas logo recobrava uma parte da consciência e
do perigo que corriam. – Vamos, vista-se. A qualquer momento estarão aqui.

Ela estava fechando o zíper e Damon ainda pondo a calça quando a


porta se abriu e os dois seguranças apareceram. Na mesma hora Damon
explodiu:
- Que merda é essa? Esse quarto não é privativo?
- Desculpe, senhor. É que procurávamos o casal...
- Nunca mais volto nessa boate! Deixam entrar prostitutos e ainda por
cima invadem o quarto dos outros!
- Desculpe, senhor, senhora, isso não tornará a acontecer. Vamos

disponibilizar acesso de ambos ao bar sem custos, para demonstrar nosso


arrependimento. – Um deles falou, já recuando.
- Pois vou querer mesmo! É o mínimo que podem fazer!
- Com licença, aproveitem a noite. – E saíram, fechando a porta.
- Vamos, Ciana, rápido.
Eles se arrumaram e saíram juntos, de mãos dadas, sem demonstrar
pressa. Damon olhou de cara feia para os seguranças e eles se desculparam

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novamente.
Percorreram o resto do labirinto. Tudo parecia normal, mas

observaram os seguranças ou policias a paisana entre os convidados, entrando


nas salas, percorrendo o ambiente. E seguiram como um casal comum.
Ciana sentia o coração disparar. Seu corpo ainda guardava as emoções
violentas de ter acabado de fazer amor com Damon. Sua pele formigava.

Dentro dela seu poder a percorria mais intenso do que nunca e ela tentava
controlá-lo para não manipular o ambiente a sua volta sem querer. No
entanto, um policial os olhava com atenção e se aproximou. Sentiu que ia
abordá-los, talvez até pedir que se identificassem e tirassem as máscaras.
Na mesma hora ela o manipulou mentalmente: “Não está nos vendo.
Vá para longe e nos esqueça!”. Na mesma hora ele desviou o olhar e se
afastou. Ela sorriu e continuou ao lado de Damon. Analisaram tudo devagar,
dirigindo-se à porta.

- Vamos sair tranquilamente. – Damon disse baixo.


- Sim.
Quatro seguranças enormes barravam as duplas portas de ferro.
Olharam para eles e um avisou:
- Desculpe, senhor. Ninguém pode sair por enquanto.
- Como assim? Não pode nos prender aqui! Eu e minha esposa vamos
sair, sim.

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- Claro, senhor. Mas somente depois que os suspeitos forem pegos.


- Deixe comigo. – Ciana murmurou. Sem esforço nenhum ordenou

que saíssem do caminho e abrissem a porta. Três seguranças foram para o


lado e o quarto foi tentar abrir a porta, obediente. Não conseguiu.
- Abra. – Ela ordenou.
- Está trancada por fora, senhora. A polícia está lá e pôs barras de

ferro.
- Merda. – Damon olhou em volta. – Temos que procurar outra saída.
Faça-o nos dizer onde tem outra saída, Ciana.
Assim ela fez, mentalmente.
- Nos fundos, depois da cozinha, atrás do palco. Dá para um beco,
mas também está trancado e cercado pela polícia. – Ele falou como um robô.
– Não tem outra saída.
- Nenhuma outra? – Ela insistiu. O segurança negou. – E agora,

Damon?
- Merda... Vamos ter que encarar essa ou a dos fundos. Consegue
fazer a porta abrir?
- De ferro? – Ciana ficou na dúvida. – Acho difícil, mas posso tentar.
- Congelo todos aqui e você tenta.
- Mas e os policiais lá fora?
- Assim que sairmos, temos que usar nossos poderes contra eles.

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Preparada?
- Sim.

Damon se voltou para o salão atrás dele e logo tudo se tornava


imóvel, todas as pessoas congeladas. Até a música parou. Ciana se
concentrou na porta e começou a forçá-la a se abrir. O ferro era resistente e as
barras por fora a tornavam quase indestrutíveis. Ela procurou as dobradiças e

tentou torcê-las, soltá-las. E elas começaram a ceder.


Fortalecida sobremaneira pelo contato que tivera com Damon, os
tijolos em volta da porta começaram a desmoronar, os granitos da fachada
rachando e caindo, até que só a porta desabou de uma vez para frente, caindo
como um baque na calçada, levando pedra, cimento e tijolo junto. Ficou um
grande buraco na entrada, cheio de poeira e pó.
Damon já se virava e corria para ela, pronto a congelar o que estivesse
lá fora, mas então já havia uma saraivada de balas na direção deles, vindas

dos policias que lá estavam.


- Ciana! – Damon gritou empurrando-a e ela caiu, sentindo o vento
das balas cortando o ar a sua volta. Ele foi atingido na barriga e caiu ao lado
dela, chocado pela rapidez do ataque e pela dor ardida que se espalhou em
seu abdômen. Segurou-o com as mãos e sentiu o sangue escorrer entre os
dedos, enquanto se forçava a congelar o tempo e várias balas pararam antes
de acertá-los mais. – Merda...

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- Vamos, Damon! – Ela já se levantava, sem perceber que estava


ferido e quase perdendo a consciência, concentrado em não desmaiar.

Precisava manter aqueles policiais congelados para poderem fugir. – Damon?


Ciana se inclinou a ele. Damon tentou se levantar e ela o ajudou.
Quando ele cambaleou, ela viu o sangue saindo de sua barriga, escorrendo
entre seus dedos. O terror a invadiu. Apavorada, desesperada, correu e

apertou o ferimento contra as mãos dele.


- Não, por favor, não... Ai, meu Deus...
- Vamos... sair... rápido. – Tonto, ele pisou sobre os tijolos da entrada.
Ciana o agarrou e amparou, tentando controlar o terror que a dominava ao vê-
lo ferido, tirando-o dali. Olhou em volta. Policiais cercavam toda a boate,
amparados atrás de carros da polícia, armas apontadas, congelados naquelas
posições. Depois olhou Damon.
Estava pálido, concentrado. Forçava as pernas adiante, mas o sangue

não parava de sair. Pavor e ódio a engolfaram. Ciana fitou as balas de


revólver paradas no ar. Mandou-as voltarem com uma velocidade
impressionante para a polícia e vários deles foram atingidos, mesmo
congelados e sem sair do lugar.
- Vou te tirar daqui! Vai ficar tudo bem! – Furiosa, seguiu para fugir
do cerco policial. Sabia que Damon não aguentaria andar até o beco onde
estava a moto. Teriam que passar pelos carros que os cercavam e pegar um

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que tivesse acesso à estrada.


- Ciana.. Fuja... – Foi naquele momento que Damon caiu de joelhos

na calçada e então desmaiou com um baque seco.


- Não!!!!!!!
Na mesma hora todo o movimento voltou, a gritaria dos policiais que
caíam feridos, o dos outros gritando ordens para se entregarem, as armas

sendo engatilhadas. Movida pelo pavor com Damon e o ódio de que eles o
ferissem ainda mais ou o matassem, Ciana perdeu o controle.
Fez as pedras que se espalhavam no chão voarem contra os policias e
os carros. Depois berrou:
- Ninguém atira na gente! Vão atirar uns contra os outros! Agora!
- O que está acontecendo?
- Meu Deus!
- Parem de atirar!

Os policiais berravam ordens uns com os outros, mas não conseguiam


lutar contra as ordens de Ciana e se voltavam uns contra os outros, em um
tiroteio ensurdecedor. Enquanto corria para Damon desesperadamente,
policiais e seguranças vinham de dentro da boate preparados. Com uma força
descomunal, que nem ela sabia que tinha, Ciana fez um automóvel da polícia
voar contra eles e acertá-los em cheio. O carro parou emborcado de lado,
barrando a saída da boate.

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- Damon, não faz isso comigo, por favor... – As lágrimas dela


pingavam no rosto dele. Viu que ainda respirava. Pressionou as mãos contra

o ferimento desesperadamente e ordenou a si mesma que o pegasse no colo,


com forças além das suas trazidas por seu poder. E assim fez.
Levantou-se com Damon no colo e pensou rápido na situação. Para
não serem atingidos pelas balas, contornou a boate e procurou um dos carros

mais afastados. Quando avistava algum policial, somente usando uma parte
de sua mente o mandava para longe, para se juntar a seus colegas no tiroteio.
Finalmente pôs Damon dentro de um carro, no lugar do passageiro. Prendeu-
o com o cinto. Antes de sair, destruiu com a mente o rastreador do carro,
como vira Zintrah fazer. Correu para o banco do motorista, rezou a Deus para
que mantivesse Damon vivo e fez o carro sair cantando pneus pela loucura
que se tornara aquela noite.
- Vai dar certo, Damon... Você vai sair dessa... Oh, meu Deus!

Ela se dividia entre manter o volante e olhar para ele, desesperada.


Lembrou dos seguranças de Victor que os aguardava na beira da estrada.
Precisava chegar até eles, antes que seu poder acabasse a qualquer momento.
Dirigiu com a maior velocidade possível. Mas ouviu as sirenes da
polícia e soube que a perseguiriam. E assim foi.
Três carros vieram atrás dela. Ciana os olhou pelo espelho retrovisor
com ódio. Ordenou que um batesse violentamente contra o outro e o choque

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foi brutal, torcendo metal como papel, fazendo um capotar por cima do outro
e terminarem amontoados fechando a rua. E ela seguiu em frente.

Antes que pegasse a estrada principal, viu-a fechada por várias


carretas da polícia. Policiais gritavam pelo alto-falante para parar e
começavam a atirar.
Ciana fez as balas voltarem contra eles e ordenou mentalmente que

não reagissem. Concentrou-se. As carretas eram grandes e muitas. Afastou-as


do caminho, mas mesmo assim percebeu que não daria tempo de tirar todas.
Com todo poder que tinha e que talvez fosse alimentado por suas emoções
furiosas, fez o carro em que estava levantar no ar. Ele voou a poucos
centímetros das carretas, sobrevoando-as e só descendo com um baque ao
alcançar o outro lado da estrada. Olhou o morro que rodeava toda a lateral
esquerda da rua e provocou um desmoronamento, que fechou a estrada atrás
de si.

Então soltou o ar que prendia, segurou o volante apenas com uma das
mãos e se virou desesperada para Damon. Ele sangrava muito, pálido demais,
os lábios brancos. Chorando, ela o tocou, conferindo que estava vivo. Mas
respirava fracamente.
- Não... Corre mais, sua lata velha! – Ergueu os pneus do chão com
toda força concentrada, fazendo-o voar a uns cinquenta centímetros acima do
solo, ganhando assim mais velocidade. Seu medo era que de repente o poder

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terminasse. Não via pelo caminho nenhum sinal de ajuda nem dos homens de
Victor. Foi então que se lembrou de algo.

Tremendo, apertou o botão do intercomunicador em seu cordão e


quase que automaticamente a voz de Victor atendeu.
- Precisamos de ajuda! – Ciana gritou. – Estamos na estrada, ainda
longe do castelo! Damon está ferido! Meu poder pode acabar a qualquer

momento!
- Ciana, o que...
- Escute, Victor! Vocês precisam vir nos encontrar no meio do
caminho! A polícia pode aparecer e, se eu ficar sem poder, eu... Rápido! E
traga Armand, por favor! Ele precisa ajudar o Damon antes que seja tarde!
- Fique calma, Ciana! Mantenha-se na estrada no seu curso atual para
cá! Entrarei em contato com Armand imediatamente.
- Não demore! – Implorou, com as lágrimas pingando.

O tempo passou e Ciana conseguiu chegar ao castelo em segurança,


não havia sinal da polícia ou outros perseguidores desde que ela bloqueou a
estrada. E nem seu poder a deixou na mão. Ela quase bateu o carro na
escadaria de entrada. Victor os recebeu junto com os demais membros da
liga, ao menos os que ainda estavam lá.
- Por favor, me ajudem! – Ela gritou, saindo do carro e correndo para
abrir a porta do passageiro, soltando o cinto de Damon. Ele aguentava, pálido

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e imóvel, mas ainda vivo.


- Deixe com a gente! – Disse Valaistu. Junto com Miri e Valentin

tiraram Damon ensanguentado do carro e o levaram para dentro.


- Onde está Armand? – Ciana olhava em volta desesperada.
- Ele está a caminho. – Avisou Victor, enquanto deitavam Damon no
sofá. Ele chamou um empregado e mandou que trouxesse a caixa de

primeiros socorros.
Victor mesmo limpou o ferimento e estancou o sangue. Ciana não
saía de perto de Damon, rezando para que Armand chegasse logo e o
salvasse, se controlando para não chorar.
Minutos após sua chegada e de constatarem que não havia muito que
se fazer para salvar a vida de Damon, Armand chegou a pedido de Victor.
Ciana correu até o recém-chegado e antes que ela pudesse começar a falar,
ela interrompeu seus passos ao ver a forma estranha como Armand lhe

encarava dos pés à cabeça. Ela se sentiu nua com o olhar. Armand esboçou
um leve sorriso e seguiu até Damon.
- Desculpem a demora. – disse ele já examinando o ferido – Não é
grave, mas também não será fácil, o jovem parece não querer ser salvo,
vejamos o que pode ser feito.
Armand tocou a ferida com sua mão direita e ao mesmo tempo
Damon se contorceu de dor. Uma névoa negra surgiu na palma de sua mão e

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adentrou o ferimento puxando a bala para fora. Ele pegou a bala e jogou fora,
voltando a tocar o ferimento. Dessa vez uma luz alaranjada surgiu em sua

mão ao mesmo tempo em que ele se concentrava. De repente, sem o menor


aviso, Armand deu um tapa no rosto de Damon, todos ficam pasmos com a
cena, o sangue deixou a mão direita dele impressa na face de Damon como
uma tatuagem. O misterioso homem voltou a se concentrar e após alguns

instantes ele se levantou e disse:


- Deixem que ele descanse um pouco e preparem muito suco de
tomate para repor seu sangue de forma mais rápida, logo ele recobra a
consciência.
Estavam todos abismados com o poder de Armand. Ciana voltou-se
para ele com os olhos marejados e murmurou:
- Obrigada. Vou dever a você pelo resto da vida.
Armand encarou Ciana por um tempo, balançou um pouco a cabeça e

lhe disse:
- Não Ciana, não irá. Victor! Precisamos conversar – disse enfático ao
mesmo tempo em que seguia para o escritório do ancião, sendo logo seguido
por este.

Damon acordou cansado, meio perdido já em seu quarto, os demais o


haviam levado. Piscou confuso e a primeira coisa que viu foi Ciana sentada

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ao seu lado na cama. Na hora lembrou-se de tudo e levou a mão


automaticamente ao ferimento. Sobre a pele nua encontrou apenas uma

pequenina cicatriz, sem dor, sem nada.


- Calma, você está bem. – Ela acariciou seu cabelo, emocionada,
então não resistiu e beijou-lhe todo o rosto. – Graças a Deus estamos no
castelo e bem.

- Ciana... O que aconteceu?


Tentou se sentar, mas estava muito tonto. Na hora ela lhe entregou um
copo de suco de tomate e explicou tudo.
Recostado no travesseiro, ele escutou atento, terminando o conteúdo
do copo. Franziu o cenho.
- Quer dizer que Armand salvou minha vida?
- Sim, salvou. Foi impressionante.
- Que coisa! De onde eu menos esperava... – Ele balançou a cabeça.

Fitou-a fixamente. – E você? Como está? Se feriu?


- Não, saí ilesa. – Sorriu para ele. – Ou quase.
Damon ficou vermelho. Pôs o copo vazio na mesinha de cabeceira e
começou, um tanto tenso:
- Ciana, sobre o que aconteceu entre a gente...
- Não precisa falar nada. – Ela o olhava com amor. – Não espero nada
de sua parte, Damon, nem um pedido de casamento, fique tranquilo. Eu quis

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que acontecesse. Vamos simplesmente deixar rolar, tá?


- Mas você era...

- Isso não importa. Fiz amor com você e não me arrependo. Foi a
coisa mais linda que aconteceu na minha vida! Não precisa se desculpar nem
se sentir obrigado a nada. Somos ambos adultos. – Ela se levantou. – Estava
esperando você acordar para lermos as pistas. Está aqui comigo. Todo mundo

está curioso, imagine eu!


- Por que não leu?
- Passamos tudo juntos. Vamos abrir juntos também. Quer que eu
chame os outros aqui? Você deve estar fraco, perdeu muito sangue.
- Não, eu posso descer. – Ia afastar o lençol quando percebeu que
estava nu e tapou-se rapidamente.
Ciana achou graça.
- É um pouco tarde para isso. Eu tirei sua roupa e o limpei. – Ela

caminhou até seu armário e pegou uma muda de roupa. Entregou a ele.
Damon continuou imóvel, encabulado.
- Nunca pensei que fosse tímido! – O sorriso dela era aberto. – Não
quer ajuda?
- Não, eu consigo, obrigado.
- Tá bom. Espero você na porta.
Depois que Ciana saiu, Damon levantou-se ainda enfraquecido, mas

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sem desmaiar. Estava surpreso com a falta de vergonha dela. Onde fora parar
a menina tímida que conhecera? Quem era aquela Ciana?

Saiu pronto, apenas com ocasionais tonturas e pálido. A ferida


fechada não doía nada. Se não fosse a pequena cicatriz, pensaria que nem
tinha acontecido. Ciana o acompanhou até o salão.

Todos estavam lá, com exceção de Armand. Mas a primeira pessoa


que viu foi Zintrah. Os olhares deles se encontraram e por um momento
parecia que ela diria algo. Mas manteve seu ar indiferente e nem o
cumprimentou ou perguntou como estava. Ao contrário dos outros, aos quais
ele disse estar bem.
Ciana abriu o envelope. Eram dois papéis, um era a página de um
livro. Outra era uma página com as seguintes palavras impressas:
“Eles iam se apresentar e morar na Alemanha, onde a música

clássica é muito admirada. Teriam uma bela vida e ainda mais sucesso. Mas
ELE não podia deixar que tirassem a menina do Brasil. Ele tinha que ficar
aqui e entrar em contato com o livro. Tentou convencê-los a não ir. Quando
não conseguiu, sendo visita na casa deles, simplesmente levantou-se e cortou
o pescoço do pai e depois da mãe. Garantiu que a menina fosse levada ao
orfanato e nunca deixou de observá-la, até ela sair e entrar em contato com
Prodigiorum Libellus. Providenciou para que todos achassem que o

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assassinato na verdade foi um caso de roubo e violência urbana”.


Ciana leu apenas para si mesma, com lágrimas nos olhos. Com pena,

Damon pegou a folha e leu em voz alta para todos. Depois acariciou o cabelo
dela e disse suavemente:
- Você não teve culpa de nada, Ciana.
- Como não? Eles morreram por minha causa, por que esse maluco

me queria no Brasil e não na Alemanha!


- É isso que ele faz com a gente, ainda nos faz sentir culpa, quando
todos aqui fomos vítimas. Não fique assim.
- Estou bem, Damon. – Ela respirou fundo. – Leia a outra pista. - O
que ele fez:

“(...) O seu nome provém da divindade masculina hindu Kama, que


simboliza o desejo e o amor carnal, e Sutra, que significa conjunto de

ensinamentos, no antigo sânscrito. Este manual indiano foi escrito no século


IV pelo sábio e nobre, Vatsyayana, para a nobreza da Índia, e
especificamente para os homens, embora as necessidades femininas não
tenham sido ignoradas em suas páginas. Muito pelo contrário. (...)O Kama
Sutra traz um conjunto de regras sobre a prática do amor, segundo os
princípios da filosofia indiana, que eleva o sexo a uma experiência sexual
magnífica. As exigências físicas para realização das posições do Kama Sutra

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o tornaram famoso, pois algumas parecem perfeitas acrobacias e outras,


lembram as posições usadas na yoga. (...)

75

- É um trecho do livro Kama Sutra. O problema é que não consigo ver

uma pista nesse texto, assim como não vi nos outros. Que relação pode haver
entre as páginas do livro Dona Flor e seus dois maridos, 1984 e agora Kama
Sutra? – Damon franziu o cenho.
- Temos que depois juntar todas as páginas e analisá-las com calma. –
Comentou Valentin.
- E tem mais. – Damon olhou em volta, sério. – Antes de entrarmos na
boate, eu e Ciana trocamos os disfarces. Quando nossa imagem apareceu no
telão, estávamos disfarçados da maneira que saímos daqui. O que isso diz a

vocês?
Eles se entreolharam. Por fim, Valentin emendou com o cenho
franzido:
- Alguém aqui está por trás disso.
Miri coçou a cabeça mostrando-se demasiadamente confuso. Alyha
indagou:
- Quem será o traidor?

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A desconfiança pairou entre eles. O silêncio perdurou um tempo,


pesado, tenso.

- Além disso. – Completou Ciana, pois sabia que ninguém ia se


acusar. – Não havia sinal dos agentes que você mandou para nos ajudar,
Victor, nem na boate nem na estrada.
O senhor balançou a cabeça e falou, desanimado:

- Infelizmente é verdade. Os agentes da boate nem chegaram a entrar.


Foram encontrados desacordados no Parque. E os da estrada, simplesmente
sumiram. Não havia sinal deles.
- Como pode isso? Alguém aqui está passando o sinal para Hally? Ou
criando essas charadas? É a única resposta. – Damon foi firme, seu olhar
encontrando de novo com o de Zintrah.
Que abaixou a cabeça indo para o centro da questão. Apesar de se
consumir ao vê-lo daquele jeito, a sua intuição como mulher e principalmente

como meretriz a rogava que se afastasse dele ainda mais, porque percebera no
ar o clima entre ele e a jovem Ciana, e afinal de contas, era assim que ela se
sentia para um homem, uma mera prostituta.
- Estamos sendo caçados um por um e expostos a algo que nem
sabemos exatamente o que é. - Disse Zintrah com o olhar perdido na lareira.
- Eu não nasci para ser "jabá" de ninguém não"- confessou Miri que
foi argumentado por Alyha.

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- Jabá?
- Carne Seca, Vaca Ruiva. - Explicou Zintrah.

Alyha fez uma cara de poucos amigos para o pequeno e expôs:


- Não consigo ver conexão em tudo isso!
- Zintrah está certa, todos estão na verdade. – Comentou Armand
surgindo de uma sala adjacente – A questão que fica é, o porquê de Hally

estar jogando tanto com vocês? Conosco na verdade, já que aparentemente eu


estou aqui para... Bem, então senhores?
Valaistu, que até este momento não havia se manifestado, tomou para
si a palavra e constatou, num tom misterioso, ao lançar um olhar penetrante
para todos, mas concentrando-se mais sobre Zintrah e Armand:
- Como diria Shakespeare: “tem algo de podre no reino da
Dinamarca”. Bem... vejo que também tem algo de podre na Liga. Resta
descobrir quem é e, sem compaixão, expurgá-lo de nosso meio.

Ao final, eles tinham mais perguntas que respostas. O que sabiam era
que aquelas missões, embora elucidassem parte do mistério, se tornavam
cada vez mais perigosas.

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CAPÍTULO 15
É COMPLICADO DEFINIR.

O olhar de Victor foi assente ao colocar uma mão sobre a outra


enquanto todos em silêncio esperavam dele a próxima carta fatídica. Madame

Zintrah cruzou o espaço, torceu o pescoço para esquerda e num golpe


inesperado cravou o punhal na mesa entre os dedos do senil, que travou um
olhar bélico com ela. O barulho do punhal arrastando o cedro com a carta
fora tão estridente que fez Ciana pôr as mãos sobre os ouvidos. Com a carta
nas mãos ela o inquiriu:
— Quem?

— Leia. - Rebateu Obsequens.

Ela rasgou o emblema e leu em voz alta:

“Histórias De Terror"
Ruiva do bosque
Já ouviu falar da lenda da garota de cabelos ruivos que anda pela
floresta a noite? Não?
Então escutará uma história que não sairá da sua cabeça nunca
mais. Acredite, é uma história daquelas. E o melhor, dizem que foi baseada
em fatos reais. Várias pessoas tentaram investigar o caso da garota nas

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florestas. Não se sabe em quais, ela aparece em todas e as pessoas que foram
investigar desapareceram. Dizem que o cabelo da garota é feito de fogo e

que ela usa uma roupa preta com capuz. Somente é possível para vê-la
devido seus cabelos serem bem brilhosos como labaredas. Dois primos foram
testar a floresta e nunca mais voltaram.
— Conversa tua! - Rebateu o irmão maior.

— Podemos ir até lá se quiser, ou tem medo? — Indagou a irmã.

O menino não quis parecer fraco perante a irmã. Os dois se


arrumaram e resolverem enfrentar aquele desafio de adentrar na Floresta
das Almas. Nenhum dos dois na verdade sabiam o que esperar daquele
acaso.
Mas sim, o mal pairava por ali. Covarde, a menina deixou o irmão e
pôs-se a fugir da floresta. Ele simplesmente se entregou ao desespero
daquela presença que ofegava em seu pescoço como quem a intimidasse,

indagando:
— Quem te mandou aqui?

— Sabe que não vai voltar, e sua irmã, certamente te abandonou para

o meu doce e eterno deleitar.

Cinco gigantes decolarão e sua infância levarão, todos não, um


apenas. Escolha errado e ele explode. Volte com ele, e ele explode. A questão

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é: Com ou sem você dentro? Lembre-se, desta vez é a resposta mais desejada
que lá estará.

Todos imediatamente voltaram seus olhares para Alyha, que


imponente ergue-se e veio ao encontro de sua maior rival. Era claro que
hostilidade entre elas era a mais acirrada entre os componentes da Liga.

— Coloca aqui na minha mão. — Erguendo a palma enquanto o outro

braço resguardava o erguido. Zintrah sorriu jocosa e provocou:


— A Vaca Ruiva vai sozinha, é?

— Eu me garanto vadia de sapo. — Revidou Alyha.

— Vadia de sapo? — Repetiu Aracaê para Valentin.

— É tão baixa que qualquer um trepa. — Resmungou Damon,

abaixando a cabeça.
— Então pega. — Objetou Zintrah colocando o papel na ponta do seu

punhal. As duas pararam rente uma a outra. E enquanto Alyha puxava a carta
a prostituta fazia força contrária na tentativa que este se rompesse e nesta
batalha a ponta do punhal talhou o dedo de Alyha, que possessa revidou
imediatamente um soco como contragolpe na cara de sua arqui-inimiga, o
que fez romper gotas de sangue do nariz da meretriz, que não se abalou e
começou a gargalhar. Por algum razão parecia saber o que estava fazendo.
Mas diante do impasse, Armand e Valentin se posicionaram e cada uma foi

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para seu lado.


— Bem, cinco gigantes decolarão e sua infância levarão, todos não,

num apenas. Escolha errado e ele explode. — Damon ponderou. — O

aeroporto?
— O hangar de Aviões a oeste. — Emendou a prostituta, aquela era a

primeira vez que eles trocavam algum tipo de comunicação depois do que

houvera. — Minto Alyha? — averiguou Zintrah.

— Não. — Rebateu de modo cortante, como quem não queria entrar

no assunto, mas precisava. — O livro citado não existe, é uma lenda urbana

da qual gostava quando era criança. O conto 53.


— Isso explica não ter a numeração da página. — Disse Valaistu.

— Acha que pode ir sozinha? — Indagou Cigano.

— Ela deve ir sozinha. — afirmou Victor levantando-se da cadeira e

beirando coma bengala todo o recinto. — Esta missão é de Alyha, e o que ela

busca pode ser mais uma peça para este quebra cabeça.
— Assim como a missão anterior era minha e de Ciana e eu quase

morri. – Damon encarou o senhor. — Se ela não estivesse comigo, estaria

realmente morto. Não é uma boa ideia Alyha ir sozinha. Vou com ela.
— Você ainda nem se recuperou! – Exclamou Ciana. Damon ainda

estava muito pálido, da grande perda de sangue. — Eu posso ir!

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— Eu também. — Prontificou-se o cigano Valentin.

— Obrigada por tantas ofertas, mas vou sozinha. É assim. Vou me

preparar para o "Fait". — Replicou a ruiva decidida, subindo rapidamente as

escadarias, indo para seu quarto.


Miri, que observava tudo, puxou Zintrah pela cintura forçando-a a
baixar:

— Nega inda bem que "ocê" errou quando cravou o punhal na mão do

seu linguarudo. Se ele já é futriqueiro com duas mãos, imagina sem uma!
Pode não, sabia?
Ela riu e tocou suavemente o queixo do baixinho e com uma voz
sedutora redarguiu:
— Na verdade errei meu intento era enterrar a mão dele junto com o

papel na mesa. Preciso melhorar a minha mira. Quer ser meu alvo para
treinamento? — Fitando-o com seus imensos olhos verdes. O pequeno

engoliu seco e quase sem voz contrapôs:


— Pois fique sabendo que por agora em diante eu apoio todos seus

erros viu!Imagina que carece de treinar, "ocê" é fantástica coma faca na mão.
— E rompeu para outra ponta do ambiente.

Ao trancar a porta de seu aposento, a ruiva triplicou-se, enquanto


ajeitava os coturnos, a calça jeans e a jaqueta preta de couro. As outras de si
andavam de um lado para outro com a mão no queixo, até que uma delas se

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posicionou:
— E aí, o que achou da parada do conto?

A outra foi ligeira:


— Cabuloso!

A verdadeira se calou em seus adágios. Na realidade Alyha não sabia


exatamente como alcançar. Aquele conto era um gosto muito pessoal,

ninguém além de sua mãe sabia do seu anseio por aquele conto. Apesar de
corajosa e seca, a ruiva tinha receios que soubessem de seus temores, via isto
como fraqueza. Logo que se ajeitou de vez, olhou para as duas de si e foi
enfática:
— Vamos. — Imediatamente uma após a outra entraram dentro dela. O

olhar dela era bélico, tinha sangue nos olhos.


Ao descer as escadarias, Victor veio ao seu encontro com a chave de
seu carro esporte, a jovem simplesmente mexeu a cabeça negando, passou

por ele e foi até o hall pegando seu capacete e suas luvas de couro.
— Moto? — Indagou Ciana.

Ela sorriu e olhou esnobe como por hábito:


— Qual é o problema, gata? Vento na cara é meu tratamento de

beleza.
— Isso explica a ineficácia dele! — Soltou Zintrah do fundo da sala.

— Não provoca, Nega. — Ponderou Miri. — Até que se ela não fosse

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tão ruim não era de se jogar fora, não. Eu pegava, viu! — Levando outro

cascudo da meretriz.

Logo que ajeitou o capacete, Alyha explicou:


— Hoje à noite um carregamento de raridades sairá do Hangar.

— E como sabe disto? — Perguntou Damon encafifado.

— Minha família por anos investiu o dinheiro em raridades. Todas as

quintas, cinco aviões partem de Pilarium levando tais raridades, que podem
ser desde quadros, tapetes; dizem até que o Santo Graal já passou por lá.
Dizem, e dentre essas especiarias, livros raros também.
— No entanto, você nos falou que não é um livro e sim um conto. —

Relembrou Valaistu.
— Não é um livro, mas é raro, pelo menos para mim. — Objetou a

moça.
— E por quê? — Mandou na lata Zintrah com um jeito todo próprio.

A ruiva a mirou de cima a baixo, suspeitou e redarguiu:


— Não que seja da sua conta, vadia, porém minha mãe tinha o

costume de escrever todas as nossas histórias em um diário. O conto 53 está


nele e o diário de minha mãe desapareceu muito antes de sua morte, na
verdade num incêndio em uma das casas da família.
— Mas se o conto foi à charada e o diário da mãe de Alyha está num

dos aviões... –Damon franziu o cenho. — Essa merda está ficando cada vez
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mais sinistra.
Obsequens entrou na conversa e arrematou:

— Deixemos que Alyha siga. Não vamos ficar especulando, vamos

ver o que há de fato dentro do tal avião.


Alyha deu-lhes as costas e seguiu para sua Halley Davidson, subiu na
motocicleta que tanto estimava, bateu levemente no tanque e pensou consigo:

— Vamos ver que merda tem para hoje, belezinha.

Montou, ligou e rasgou pela estrada por trás do Castelo, que além de
deserta, estreita e pedregosa, era o caminho mais próximo do hangar,
aproximadamente uma hora de viagem. Com o fone ligado em "Hell Above
Water" música que apreciava, e um dos seus versos mostrava bem quem era a
mulher que havia por trás de tanta impassibilidade e sangue-frio.
"... Eu acho que estou pronto para matar
A próxima pessoa que não se encaixa.

Eu sou todas essas coisas


Eu sou isso e muito mais
É um inferno acima da água
Inferno acima da água
Eu sou o único no comando..."

Na medida em que suas mãos firmes trepidavam nos cascalhos da rua

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com o mar batendo contra as pedras do lado, ia marcando seu território com a
poeira erguida pela Davidson.

Um rastro inconfundível. Alyha passara ali.


Quando desembocou no campo de futebol abandonado por trás do
hangar, triplicou-se e foi incisiva em sua ordem:
— Esconda a moto no velho estábulo. Quando essa porra acabar

preciso encontrá-la lá. Mexam-se!


Célere foi se agachando até a cerca de proteção elétrica para ver toda
movimentação. Segurança pesada raciocinou. Quem quer que tenha feito
aquilo ou se aproveitado do ensejo aproveitou uma ocasião que merecia
aplausos. Homens armados até os dentes, cães farejadores e androides tragos
como equipamento de ponta comprometiam-se em guardar o local.
Por minutos, ainda agachada, desenhou toda planta do hangar,
conhecia bem todos os recintos, forças e falhas do ambiente. Analisou bem

cada espaço, olhou para o pulso onde um tipo de relógio comum daquele
tempo grudava no pulso como adesivo, o seu colocara na parte inferior do
pulso.
— Puta merda, não tenho muito tempo!

Um Q.I acima da média sempre foi o sua maior marca e Alyha


manipulava com maestria essa vantagem. Rapidamente não localizando
nenhum dos geradores de força para desativar a eletricidade, ponderou os

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coturnos com solado de borracha, afinal, borracha e plástico atraem elétrons.


Entretanto, entendeu que seria muito pouco para a quantidade elevada de

volts. Brigava consigo e contra o tempo:


— Pensa, pensa, pensa! Eletricidade, o que é eletricidade? É o

movimento de elétrons em excesso. Uma cerca dessa proporção precisa de


bases específicas longe do gerador para continuar, para manter a estabilidade.

Levantou, sorriu e sussurrou:


— Voilá! Te peguei!

Olhou os pontos onde os postes eram mais largos e fortes, correu para
próximo de um deles, agachou, retirou um pequeno estilete, triplicou-se outra
vez e começaram a escavar uma espécie de tubo no chão, não tinha mais que
quinze centímetros bem rentes ao mesmo.
— Falta muito? — Uma de si perguntou.

— Isto depende, pelos meus cálculos e sinceramente espero que

estejam corretos, devem ter uns quarenta centímetros de profundidade. —

Esclareceu à válida.
— Achei! — Segredou a outra.

A verdadeira Alyha a empurrou para longe e seus olhos sorriram


quando viram a vareta encorpada preta.
— Neguinha da mãe... Vem cá!

Tratava-se do fio terra. As cercas eletrificadas são projetadas para

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criarem um circuito elétrico quando tocadas por um animal ou por uma


pessoa. Um componente chamado "energizador de potência" converte a

potência num breve pulso de alta voltagem. Um terminal do energizador larga


cerca de um pulso elétrico por segundo ao longo de um fio descoberto. Outro
terminal é ligado a uma vareta de metal implantada no solo que serve de fio
de terra.

— Tirem os coturnos! — Ordenou, em seguida sendo obedecida.

— Vamos cortar a vareta e acabar com a potência da cerca? —

Questionou um clone.
— O fio-terra, serve para o aparelho não se carregar de íons e dar a

descarga elétrica em quem o utiliza, ou seja, o choque. Não tem nada a ver
com potência. O que faremos é isolar com a borracha dos coturnos em volta
dela e assim, poderei passar cortando a grade. Não pode ser um buraco
grande, quanto maior ele for mais exigirá isolamento, portanto quando der o

sinal, cortem aproximadamente quarenta centímetros da cerca para que eu


possa passar rente ao chão, em caso de algum equívoco a terra será mais um
isolador para força. E além do mais, não vamos despertar a atenção dos
nossos receptivos anfitriões antes do momento oportuno. — Ardilosamente

envolveu a todo redor da vara de metal com os solados de borracha, retirou a


jaqueta e apertou o máximo que pôde com os cadarços. Num ato de força
descomunal para uma mulher, lançou um olhar talhante para seus clones e

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acenou a cabeça enquanto rios de suor passeavam pelo seu rosto dando a
ordem:

— AGORA!

Rapidamente suas cópias entraram em ação, cortando com os


pequenos estiletes o arame vultoso da cerca que parecia não ceder.
— Não está cortando!

— É forte demais! — Balbuciavam as duas.

— Corta logo essa merda, não temos muito tempo! — Alyha estava

irritada. — Chuta essa porra no lugar que já encostou que o arame cede!

Depois de alguns solavancos as duas conseguiram. A ruiva


rapidamente passou pelo acanhado buraco na cerca com maestria, uma vez
que era esguia. Duplicou-se do outro lado e comandou:
— Manda o coturno e a jaqueta. — Logo que os calçou, recolheu todos

os clones.

O desafio agora era descobrir em qual avião poderia estar o tal diário.
Passar pela segurança não era tarefa fácil, porém mais simplificada, afinal
detinha o poder da hipnose. A questão era: A encomenda da charada está
num dos cinco aviões que taxiavam pela pista. Todavia, qual? Avaliou, e por
uma questão do passado escolheu o do meio. A razão era porque ela e o
irmão quando brincavam com a empregada, diziam-se mais poderosos,
portanto as extremidades, pela lógica e intuição, arriscou o aeronave do meio.

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Com maestria concentrou-se poderosamente abrindo os braços e os


fechando para si num esforço onde seus olhos reviram, deixando somente a

parte branca do globo ocular evidente, enquanto o corpo todo estremecia


dada a gigantesca proporção de energia tele cinética emanada, e meramente
controlou todos num torpor coletivo onde eles repetiam como zumbis:
— Deixem que ela passe.

Com o semblante cerrado, Alyha caminhou tranquila e revirando as


mãos com os braços abertos até adentrar dentro da nave. Contudo, mais uma
vez o fator inimigo era o tempo. Não podia permitir que avião decolasse, a
charada era clara, se isto ocorresse explodiria e logicamente se ela estivesse
dentro dele também.
Entrou na aeronave do meio, e todos voltavam a taxiar para a
decolagem. Uma comissária de bordo a interpelou, Alyha a hipnotizou e a fez
adormecer, trancando-a no que parecia um compartimento de limpeza,

comum em aviões de carga.


Escondeu-se entre caixas e percebeu nove seguranças fortemente
armados em volta da caixa que transposta a tal encomenda. Entretanto,
somente minutos a separavam de impedir a decolagem. Seu temor era a água,
se ela não a evitasse, a água do oceano a impediria de usar qualquer de seus
poderes.
Novamente olhou para o relógio, menos de três minutos.

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Imediatamente respirou profundamente e começou a criar uma ondulação


telecinese para tentar envolver toda segurança de uma só vez. No entanto, por

ter feito um grande esforço para penetrar no hangar e pelo fato do avião ser
gigantesco, contendo todo tipo de cargas, tornava-se mais complexo.
Determinada, se empenhou outra vez, e foi adentrando na mente de todos e
ordenando que se afastassem da caixa. Caminhou em passos firmeza com a

expressão densa para o meio do atrito.


Abrir a caixa não foi problema, pegar o livro também não.
Manter todos sobre seu controle hipnótico sim, era o seu maior
desafio. Sentiu perder forças. Enfim o avião decolara. Depois de dada altura,
Alyha sentiu-se enfraquecer coma vibração do oceano lá embaixo.
Na mesma hora os homens despertaram e se entreolham rapidamente.
Os olhares deles se voltaram para o recipiente. E com a silhueta dela saindo
do recinto com o livro na jaqueta indo direto para a cabina do piloto. A

movimentação começou, o frenesi para capturá-la era enorme.


Rápida e astuta, entrou no duto de ventilação da aeronave e arrastou-
se com muita dificuldade até a cabine dos pilotos, que já estavam sendo
avisados do que estava ocorrendo. A foto dela estava nos sites da Companhia
Aérea.
Entre as pequenas grades, Alyha viu o copiloto levantar-se e trancar a
porta. Sorriu maquiavelicamente e sussurrou:

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— "Se quiser derrubar um exército, tombe primeiro o seu general."

Estudou as possibilidades. Mas como passar por aquela grade de no

máximo trinta por trinta centímetros? Friamente ponderou toda situação.


Volveu um pouco mais a sala que passara pelo duto, e viu o que parecia algo
do tipo enfermaria e um extintor para resfriamento e algo mais. Retirou com
dificuldade um dos coturnos e deles os cadarços. Assim que os conseguiu,

precisou pensar em como retirar as polcas da grade que eram densas e


arredondadas. Raciocinou e arrebentou a cabeça do feche clear da calça, que
tinha a cabeceira mais larga, maior que as polcas. No entanto, sua única
tentativa imediatamente foi afrouxando entre um palavrão e outro, o tempo
era curto.
Assim que destrancou, amarrou o cadarço ao coturno e desceu pelos
trinta centímetros que possuíam. Foi elevando até o painel de contra incêndio,
primeira, segunda, terceira, na quarta tentativa ela o acertou e o alarme foi

disparado. Toda movimentação se voltou para as extremidades da aeronave.


Aguardou minutos. Para sua sorte ninguém se lembrou do extintor da
velha enfermaria. Alyha sorriu, recuou mais um pouco e saiu do duto,
entrando com facilidade na pequena sala, onde apanhou o extintor. Ele seria
mais um usado na confusão sem que ninguém o percebesse e com ele seu
outro intento era o pequeno extintor que continha pó químico seco. O agente
extintor podia ser o bicarbonato de sódio ou de potássio, que recebiam um

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tratamento para torná-los em absorvente de umidade. O agente propulsor


podia ser o gás carbônico ou nitrogênio. O agente extintor formava uma

nuvem de pó sobre a chama que visava à exclusão do oxigênio;


posteriormente eram acrescidos à nuvem, gás carbônico e o vapor de água
devido à queima do pó.
Os danos da ação do Nitrogênio em atrito direto com a pele humana

eram os danos físicos relacionados à exposição química, que incluía desde


irritação na pele e olhos, passando por queimaduras leves, indo até aqueles de
maior severidade, causados por incêndio ou explosão. Os danos à saúde
podiam advir de exposição de curta ou longa duração, relacionadas ao
contato de produtos químicos tóxicos com a pele e olhos, bem como a
inalação de seus vapores, resultando em afetação direta respiratória crônica,
do sistema nervoso. Sim, ela tinha uma arma poderosa e a usaria sem
pudores.

Apanhou os dois extintores e seguiu sem seus coturnos, não havia


tempo para recolocar um, assim tornara-se mais viável retirar o outro. Na
antessala da cabine, atenta, voltou ao apertado duto, disparando com o
extintor maior que emite três pancadas. Na terceira o dispara entre as frestas
do duto onde já havia estado com a substância que roubara óxido de cálcio
também conhecida como Cal, do pequeno armário de medicações. Jazia ali
para em caso de grandes cortes em primeiros socorros aéreos estancarem,

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provocando a coagulação do sangue até que auxílio adequado fosse feito.


Todavia, espalhando como fez pelo duto e com o extintor, a ruiva provocaria

uma grande irritação nos olhos dos homens e uma sufocação quase
instantânea dos mesmos.
Não havia outra solução que não imputar a saída. E quando a porta se
abriu, os recepcionou com o jato de Nitrogênio puro nos olhos onde gritam e

os joga contra parede, enquanto com a pistola furtada de um dos seguranças


na hipnose, colocou no pescoço do comandante. Pediu calma e voltou com os
dois para cabine, trancando a porta outra vez.
— Bota essa gracinha no chão e eu penso se deixo vocês vivos! —

Ordenou firme e disposta. Apavorados, acataram a sua determinação,


sentindo que era perigosa e estava pronta para tudo. Entretanto, o comando
da torre não autorizou a descida. Alyha pressionou com a arma na cabeça do
copiloto que ainda agonizava pelo sufocamento e cegueira.

— Pelo amor Deus, desce assim mesmo! Eu tenho família! — Gritou o

sujeito levando outra coronhada, desta vez extremamente agressiva. Aflito


com o contexto da situação, o comandante decidiu pousar na cabeceira da
pista, mas esbarrando a barriga da grande aeronave na água.
O pouso foi de extrema periculosidade, contudo feito com genialidade
do piloto.
Antes de cruzar a porta que destrancara, Alyha olhou para os dois,

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cuspiu no chão e comentou:


— Foi um prazer, cavalheiros. — Correu e logo que viu sua rota de

fuga jogou-se escorregando ligeira pela escada de emergência. Todos a


procuravam, mas agora ela estava na terra e ali ninguém a podia deter.
A ruiva rapidamente recriou mais de trinta clones que passaram a
lutar contra toda segurança. Outra vez exigiu de um deles os coturnos. E

aqueles que ousaram cruzar seu caminho, com uma mão e outra ordenou a
cada um a um que atirasse na cabeça do outro, enquanto ela ia passando no
rastro de sangue deixado ali como um tapete digno de sua rainha.
O cenário era eletrizante.
No entanto, ao fundo, como fora avisado, o avião explodiu, era a
condição caso voltasse deflagraria. Em meio a sangue, bombeiros, labaredas
abissais de uma enorme explosão iluminada, Alyha que vinha triunfando
como uma artilheira disposta a tudo. Num desvio um soldado tentou parar sua

movimentação pondo a metralhadora em sua face, a ruiva redarguiu fazendo


suas mãos se voltarem contra ele que engatilhou a arma contra si. Com os
olhos assombrados, o sujeito antes de dar o tiro de misericórdia indagou
como se fora seu último pedido:
— O que é você?

Ela ordenou as mãos do homem que o executasse e sem pena


respondeu:

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— É complicado definir. — E retirou-se.

Enquanto o desespero invadia o Hangar, a ruiva disparou do antigo

estábulo com sua moto numa velocidade cortante e com um riso no rosto que
somente ela compreendia o que significava.
Ao chegar ao castelo cansada e visivelmente sarcástica, retirou do
bolso interno da jaqueta o embrulho e jogou em cima da mesa.

— Tá ai! — lançando-se no sofá.

Victor abriu o embrulho, e sim, era o diário da mãe de Alyha.


— Se não me falha a memória, o padrão das outras charadas se difere

deste. Não há páginas, apenas o conto 53. — Levantou a questão o ator.

Miri saiu quieto e educadamente pediu ao senhor Obsequens:


— O senhor me deixa "bizoiar"?

Todos se espantaram, até aquele instante o pequeno jamais tivera


alguma atitude parecida. Aracaê fitou a charada e o diário e rindo matou o

enigma:
— É jogo de "faça e desfaça". Fazia muito isso quando eu era

pequeno.
Todos se entreolharam como se dissessem: "Quem o convenceu que
cresceu?".
— Explana motorista da carrocinha de pulgas. — disparou Alyha

sarcasticamente.

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O baixinho a ignorou e continuou:


— Conte as linhas. São vinte e cinco linhas, no papel e no diário. Os

números dessa charada foram 53 e 25. Oxe,"Ocês" parece que num pensa,
não tiveram infância não? — E voltou a sentar no pequeno canto com muita

naturalidade.
Todos se reuniram sobre a mesa com as pistas das missões feitas até

então e aquele fato não se dera em outro caso, somente o de Alyha, por
incrível que semelhasse Miri havia matado parte do enigma.
Zintrah o olhou e berrou:
— Alguém me belisque! — Aracaê não perdeu tempo, cruzou e

mandou ver na bunda da moça.


— Deixe comigo!

— AIIIIIIIIII! — Zintrah pensou em dar-lhe mais um tabefe na cabeça,

todavia sorriu. Desta vez o pequeno merecia a dádiva da benevolência.

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CAPÍTULO 16
O meu horóscopo

Depois da missão de Alyha, ficou um clima de expectativa no castelo,


todos esperando que a qualquer momento uma nova charada acontecesse.

Valentin, como não tinha ido ainda em nenhuma delas, acabou achando que
estaria na próxima. E não se enganou. Três dias depois Victor os convocou
com uma nova charada e leu para todos em voz alta:

- “ Eles cantam, dançam e são felizes. Casam-se uma vez na vida, por
amor, são muito fiéis. Eles são seu povo. Procure o desenho e o resultado
para essa conta: A quantidade deles menos 3 deve ser colocada lado a lado
com os escolhidos. Busque a resposta no livro do seu povo, deixado sob a

janela caída do térreo na Biblioteca velha. E saberá o que aconteceu com a


sua felicidade. Ela o espera amanhã ao pôr do Sol.”

Valentin ficou quieto, mas seu coração disparava furiosamente. Sabia


que era a resposta que procurou todo esse tempo. Saber o que aconteceu com
sua esposa e filho, sua felicidade. E justamente naquela biblioteca, onde
encontrara o livro e onde vira Luna pela primeira vez, exatamente perto da

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janela caída.
- Você entendeu a charada, Valentin? – Perguntou Damon, vendo

claramente a dor no rosto do cigano, com pena dele.


Somente então Valentin conseguiu se concentrar nas palavras,
tentando deixar Luna um pouco de lado. Pensou um pouco e se ergueu.
- Preciso saber a quantidade de que deve ser menos três. Para isso

preciso ir até lá e ver a qual desenho se refere. – Mas teve uma ideia e se
levantou de imediato, decidido: - Mas não vou esperar até amanhã ao pôr do
sol, quando com certeza haverá uma armadilha para mim. Vou agora lá.
- Mas quem garante que a pista estará lá hoje? – Perguntou Ciana.
- Ninguém. Mas eu estarei. E ao menos verei quando a pista for
colocada.
Eles ficaram quietos. Era um risco, mas o cigano podia estar certo.
Talvez tapeasse quem mandou a charada. Insistiram para ir com ele, mas

ficou irredutível. Era a sua missão e faria do seu jeito. Ninguém se arriscaria
além do necessário.
Pegou um dos carros de Victor, armou-se com duas pistolas, suas
duas adagas antigas do seu povo e dirigiu-se até a biblioteca abandonada. Já
era fim de tarde quando chegou no local abandonado e completamente
silencioso. Chegava com 24 horas de antecedência do combinado.
Praticamente correu para dentro, as duas armas preparadas em suas

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mãos. O desespero por saber de Luna o consumia e preferia se arriscar de


uma vez a continuar naquela agonia. Viu a janela caída, os escombros e, sob

um bando de sujeira, um livro intocado, quase novo.


Seu coração disparou quando caiu de joelhos em frente a ele, lendo na
capa: MAGIA E HORÓSCOPO DOS CIGANOS. Pegou-o. Havia um
marcador em uma página. Estava muito nervoso, tremendo, quando abriu ali

e se deparou com o desenho dos signos ciganos.


Eram são os signos do seu povo. Como os de outros, se compunham
de 12 elementos. A charada dizia: “A quantidade deles menos 3 deve ser
colocada lado a lado com os escolhidos”. Eram doze símbolos. 12 menos 3
dava 9. E eles eram oito escolhidos, segundo o que Victor contou até agora. 9
ao lado de 8. O número era 98.
Tinha sido fácil demais. Buscou outra resposta, a que dizia na
charada: E saberá o que aconteceu com a sua felicidade. Foi então que viu

algo escrito no verso do marcador de livro em letras garrafais e o leu:

“Pode rasgar suas roupas. Não se passaram três dias, mas dois
anos. Grite e chore. Foram tirados de você para que não fosse embora
com eles. A busca por repostas e vingança o manteve aqui. Isso ele fez
com você e os outros. É sua tática. E como não precisava deles, viraram
pó”.

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Era mais do que claro. Valentin ficou gelado. dor atroz o dilacerou

por dentro. Era costume de seu povo rasgar as roupas três dias após a morte
de uma pessoa querida. E a mensagem o mandava fazer isso, dois anos
depois. Ou seja, eles estavam mortos. O maldito os tirou de si para mantê-lo
ali. Matou Luna grávida.

- Ahhhhhhhhhhhhhhh ...
Gritou furioso, rasgando a camisa em tiras, a dor deixando-o a ponto
de enlouquecer. E sozinho, na biblioteca velha e abandonada, o cigano que
um dia foi sorridente e feliz viu todas as suas esperanças serem dilaceradas.
Morreu ali. Tudo de bom nele se foi. E só não enfiou a adaga no peito por um
motivo: vingança.
Mataria aquele desgraçado. Nem que fosse a última coisa a fazer na
vida.

Caiu no chão aos prantos, desesperado, arrasado.


Só muito tempo depois conseguiu voltar ao castelo.
Não tinha precisado armadilhas, nem perseguições. Só aquele
sofrimento já era maior que tudo. Se arrastou movido somente pelo ódio.
Quando entrou no castelo, sujo e com a roupa rasgada, todos se
assustaram e o cercaram. Miri indagou:
- Seu moço, já teve luta hoje mesmo?

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Valentin, então, falou automaticamente o que tinha acontecido e


colocou o livro sobre o sofá. Mas pegou o marcador e saiu da sala após

passar o número que queriam.


Seus companheiros de infortúnio o olharam sair em silêncio e ficaram
com pena. Sabiam o que era sofrer e perder as esperanças. E todos eles
pensaram a mesma coisa: tinham que destruir logo aquele maldito do Hally,

que arrasou com a vida deles. E para isso precisavam entender tudo o que
estava acontecendo.

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Capítulo 17 - O lobo solitário

Diante daquele jovem, que se deixava consumir pela tristeza, a ponto


de vez ou outra vir-lhe à mente possibilidades mordazes de tirar a própria
vida, se descortinava um decadente monastério, mas que em sua forma

deixava entrever o esplendor que fora um dia.


Paredes altaneiras, feita com tijolos à vista, compunham a beleza
singular daquele local. O monastério se localizava num dos montes da ilha,
na qual se localizava a cidade de Pilarium. Um local isolado, que continha
uma grande plantação de árvores das florestas do litoral brasileiro, tentativa
de se criar uma floresta na própria ilha, que de tão jovem não continha muitas
áreas para cultivo. Dentro, um jardim invadido por ervas daninhas, vastos
corredores, tomados por musgos e mofo, quartos singelos, um refeitório e

uma capela, completavam o ambiente no qual tempos atrás, alguns homens


invadidos pela vontade de se refugiar da decadência moral de Pilarium e
nutridos por um forte desejo de viver na solidão para encontrar-se com o
divino, passaram as suas vidas, estudando, trabalhando e rezando.
Estranhamente, naquele lugar abandonado, vazio, mas ao mesmo
tempo repleto de alguma vida, de alguma esperança, o jovem Valaistu se
sentia em casa. A busca por um abrigo, por algum tipo de segurança, sempre

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atiçou os instintos de Valaistu, embora nem sempre se desse conta disso.


Tudo se tornou mais claro quando Victor revelou algumas particularidades de

sua personalidade, quando leu as características do número quatro. Realmente


ele se sentia antiquado, ultrapassado, pertencente à outra época... E também,
depois de perder os pais e a sua comunidade, ficou bem claro este anseio por
proteção, por uma família.

Entretanto, o que ele menos tinha eram segurança e certezas. Isso


muito o incomodava, mas também o obrigava a ir além, a superar esta
tendência ao apego. Olhando aquele lugar, passeando por seus corredores,
contemplando os quadros de santos, do Cristo, da Virgem e dos moradores do
monastério, veio-lhe a sensação de que ele se sentiria em casa ali; veio-lhe
em mente que ali ele encontraria a verdadeira paz que tanto buscava. Ali,
talvez, ele conseguiria ser feliz.
Ao mesmo tempo em que aquele lugar suscitava nele uma mescla de

sentimentos agradáveis, também lhe ocorria a ideia de que no castelo onde se


encontrava, com os companheiros da Liga, Victor e criados o contrário era
verdade. De fato, como sugeria a mensagem, ele se sentia só, no meio
daquela gente. Nunca lhe passou pela mente e coração que aquele grupo
pudesse ser visto como uma família para ele. É verdade que um ou outro
membro lhe inspirava alguma simpatia, mas, no geral, Valaistu se sentia
estranho, deslocado, sem raízes. Estava com o grupo no castelo, por falta de

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opção ou, melhor ainda, porque sentia a necessidade de encontrar Hally, o


miserável que destruiu a sua vida. Não fosse isso, já teria desaparecido e

abandonado a Liga. Para ele, como talvez para a maioria, a Liga só tinha um
único objetivo: encontrar e destruir Hally. A ideia de salvar a população da
total ignorância e manipulação, impetrados pelos poderosos da cidade era um
aspecto secundário. Paradoxalmente, o que unia o grupo, ao menos a maioria

deles, não eram valores nobres, mas a sede irreparável de vingança. E era
exatamente por isso que ele estava ali. Para tentar por um fim naquela
história.

Mais uma vez se repetia aquilo que parecia ter se tornado quase que
um ritual, para os habitantes daquele castelo. Victor, com um ar sempre
compenetrado, voz mansa e, ao mesmo tempo incerta, lendo, num pedaço de
papel, mais uma mensagem de alguém que buscava, de alguma forma,

transmitir alguma mensagem ou destruir aquele grupo. Era esta a incerteza


que pairava no ar. Aqueles bilhetes, que levavam a uma charada ou queriam
transmitir alguma mensagem que ninguém ainda tinha conseguido captar ou
só tinha o intuito de desintegrar o fino elo que mantinha aquele grupo
reunido.
Victor pigarreou para chamar a atenção para si e assim poder ler mais
uma mensagem. Os outros, um pouco irritados, um pouco curiosos jaziam ali,

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inertes, escutando cada palavra que o velho começou a proferir:


Lobo solitário és tu.

Tu estás dentro, mas ao mesmo tempo fora.


As dores e o rancor consomem tua alma.
Nasceste para luz
Ó iluminado,

mas as trevas te habitam!


Vem, eu te espero onde os solitários se encontram.
Vem, eu te quero só.
Pobre iluminado, venha!
As memórias de teus parentes no espírito
Repousam vazias e ocas em montes esquecidos.
Vem, e terás respostas.
Venha

Para onde tantos deixaram tudo para viverem


A sós com Ele só.
Venha!
No Santo dos santos eu te espero.
Fugemónou prós mónon.

Ao terminar de ler aquela mensagem, os membros da Liga estavam

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meio que surpresos. Era a primeira vez que a pessoa que enviava as
mensagens fez uso de um poema. No entanto, o que mais inquietou os

ouvintes foi a dificuldade de compreender para onde deveriam ir, já que


quase todos eram unânimes que tal mensagem tinha sido direcionada para
Valaistu.
Damon fitou o jovem que sabia ser o mais religioso do grupo.

Comentou, mesmo sem necessidade:


- Parece que essa é para você. E sozinho.
- Por que um poema dessa vez? - completou Ciana. Ela gostava de ler
e também se arriscava na escrita, embora não mostrasse seus textos a
ninguém. Indagou a Valaistu: - Você é fã de poemas? Ou um poeta?
- Sim, pode ser que seja para mim a mensagem. Aliás, tenho quase
certeza que seja. No entanto, ela poderia ser direcionada para o Armand.
Quem é, ao ver de vocês, que “está dentro, mas também fora”, como o poema

sugere? – provocou Valaistu, ao lançar um olhar enigmático rumo a Armand.


Armand permanecia cabisbaixo, sentado em uma cadeira com os pés
sobre a mesa onde havia sentado, não moveu um músculo com a menção a
seu nome por Valaistu.
- Acho que isso pode ser referente a qualquer um aqui. – Damon se
levantou, impaciente. – Ninguém está completamente dentro dessa Liga.
Aliás, somos praticamente obrigados a estar aqui, não é exatamente uma

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escolha por vontade própria. O que chama a atenção são três coisas: Valaistu
era considerado uma espécie de iluminado pelo povo que o seguia, já afirmou

mais de uma vez admirar poemas e, como todos nós, tem seu lado obscuro.
Portanto, mais do que claro a quem a charada se refere dessa vez.
Valentin mantinha-se quieto, pálido e abatido. Sim, estava claro que a
charada era para Valaistu, assim como a última foi para ele.

- E aquele último verso? É grego, né. – Ciana olhou para os outros.


Depois de ter-se mantido em silêncio, contemplando o que cada um
dizia, ao ouvir a pergunta, Valaistu, mais uma vez, interrompeu as suposições
de seus interlocutores e arrematou:
- Bem, parece que a mensagem é mesmo para mim. Primeiro porque
descreve o meu estado de espírito, mas particularmente porque diz algo que
talvez somente eu consiga compreender. – voltando-se para o autor da
pergunta, com serenidade, Valaistu respondeu: - O último verso é uma

citação famosa das Enéadas, de Plotino.


- Quer dizer que sabe o que significa. – Emendou Damon, sem
esperar resposta em troca.
- E onde é o encontro? – Perguntou Ciana.
Zintrah mantinha-se calada, só observando aquele carnaval. Miri
olhava de um para outro, já confuso com tanto falatório.
Os outros tentaram inquirir Valaistu para onde ele pretendia ir, mas

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ele nada disse. Somente sentenciou:


- Não vou falar para onde vou. A maioria dos problemas se deu por

causa disso. Todos sabiam o local da missão. Damon quase morreu, porque,
de alguma forma, que ainda não sabemos como, a polícia de Pilarium
descobriu o disfarce dele e de Ciana e onde se localizavam, com exatidão.
Não vou colocar minha cabeça a prêmio facilmente e parece que quem está

enviando estas mensagens também não o quer. Por isso essa mensagem
enigmática.
- Mas se acontecer alguma coisa, como vamos poder te encontrar se
não sabemos para onde vai? – Ciana ponderou, preocupada.
Victor questionou:
- Então, você vai sozinho.
- Sim, irei só, como o texto sugere. Esta minha ida sozinho será uma
oportunidade única para quem fica. Estejam atentos, e na hora certa vocês

entenderão. – ele se levantou e começou a caminhar rumo à saída.


Damon não disse nada, mas balançou a cabeça, discordando do rapaz.
As charadas e dúvidas se acumulavam e a vida deles corria risco a cada nova
missão, ele mesmo quase morrera na última em que fora. Apesar de ter
certeza quase absoluta que havia um traidor entre eles, achava que ir sozinho
era arriscado demais.
- Tome cuidado, Valaistu. Você sabe muito bem como as outras

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missões terminaram. - advertiu Damon.


- Eu sei, mas dessa vez será diferente. – ao dizer isso ele continuou a

caminhar. Ao abrir a porta, virou-se, contemplou serenamente a todos e, por


um instante, pensou que aqueles que jaziam estupefatos naquele salão
poderiam ser a sua nova família, mas logo se desvencilhou deste pensamento
reconfortante e, num tom misterioso, proferiu:

- Não... Além de mim, outra pessoa entendeu a mensagem. Estamos


próximos do fim. Estejam atentos. – logo que disse isso, Valaistu cerrou a
porta atrás de si, não dando tempo para possíveis questionamentos.
- É muito perigoso. – Ciana franziu o cenho para Victor. – Acho que
um de nós deve ir com ele. Estou cansada de seguirmos essas charadas ao pé
da letra e só nos darmos mal.
Armand observou o grupo e como ninguém tomou a iniciativa de
impedir o monge de ir sozinho, levantou-se dizendo:

- Não é prudente deixa crianças sozinhas perambulando a noite, caso


eu não dê notícias até pela manhã nos considerem mortos.
Ele se despediu, encarou Zintrah alguns segundos e saiu porta afora
atrás de Valaistu, este nem percebeu estar sendo seguido por onde ia.
Fora do castelo, Valaistu virou-se e olhou todo aquele lugar. Uma
estranha sensação de que não viria mais o castelo e toda a beleza natural que
o circundava tomou-lhe conta. No entanto, a forte certeza de que estava

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prestes a desvendar quem é que estava por trás daquelas mensagens, colocava
em segundo plano este sentimento ruim. Ele então sorriu e concluiu sozinho:

- A hora da verdade se aproxima.


Valaistu seguia tranquilamente o seu caminho. Ele tinha decidido
embrenhar-se pela floresta, pois serviria de atalho para onde ele pretendia
chegar. Alguns quilômetros de caminhada e então ele percebeu que estava

sendo seguido. Apesar disso, ele continuou caminhando, sem demonstrar


qualquer preocupação. Alguns homens o seguiam de longe, somente
esperando a hora certa para agir. Quando Valaistu se deparou com um
pequeno riacho que servia como limite natural da propriedade de Victor, um
homem gritou atrás de si, com a arma apontada para ele:
- Parado aí, Valaistu! Nenhum movimento ou eu atiro.
Valaistu manteve-se parado, depois, em sinal de rendição, ergueu as
mãos e girou lentamente. Ao terminar de virar, ele constatou:

- Um enviado de Victor... por que será que não estou surpreso? Velho
maldito... sabia que tinha um dedo seu nessa história.
- Eu recebi ordens de te conduzir novamente para o castelo, para a sua
segurança e da Liga.
Com uma calma fora do normal, o jovem ironizou:
- Para a minha segurança e a da Liga. Conte-me a agora a do
português.

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- Valaistu, não se mova ou terei que atirar! – disse o soldado, com a


voz impostada, ao ver que o jovem lentamente andava em sua direção.

Enquanto caminhava em direção do soldado, Valaistu dizia:


- Coniummaculatum...
- O quê?
- Neriumoleander...

- Cê tá maluco? Fique parado aí!


-Daturastramonium...
- O que você tá falando?
- E a que eu gosto mais: ManihotesculentaCrantiz...
- Fica parado! Eu vou atirar. Eu vou acertar a sua cara, mesmo não
sendo esta a ordem que eu recebi. Você... você não deve se mexer.
- Atira, então. Vamos. Aperte o gatilho. – ao dizer isso, com um leve
sorriso em seus lábios, Valaistu deixou os braços na horizontal.

- Eu... eu... o que acontece comigo? – perguntava aquele homem,


tomado pelo pavor.
- Quem não pode se mexer é você, minha pobre vítima. Os nomes
estranhos que eu te falei são todos de plantas. - ele abaixou os braços e
lentamente, seguiu o caminhar até encostar a testa na arma, enquanto com
sarcasmo explicava – Mas são plantas conhecidas como venenosas. Somente
o contato com uma delas pode causar bastante estrago em uma pessoa.

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Imagina só, todas elas juntas.


- Quê...quê... quê...

- Quê, quê, quê o quê? - ainda sarcástico prosseguiu – Você está


paralisado, pois enquanto você me seguia eu disseminei as sementes dessas
plantas, e, com o meu poder e ajuda deste ambiente, propício para a
manipulação, fiz com que elas crescessem. Agora, meu caro, você nem pode

abaixar a cabeça, para olhar para o chão, mas eu te explico. Todas essas
plantas estão enroscadas em sua perna.
- Por... por... fav...
- É... eu queria ser didático e explicar os efeitos devastadores de cada
planta, mas não tenho tempo. A paralisação é um deles. Bem... – nesse
instante Valaistu se abaixou e arrancou alguns pedaços de folhas e flores e
depois se levantou – sinto muito em lhe dizer, mas você e os boçais que
estavam junto com você estão mortos. Toma. Sinta o gosto e morra mais

rápido. – ao dizer isso, Valaistu introduziu na boca daquele homem os


pedaços de folhas e flores, que tinha retirado.
Aos poucos, Valaistu foi se afastando, andando de costas e mantendo
os olhos fixos nos olhos espantados daquele homem:
- Se fossem outros tempos, eu até teria compaixão e só deixaria você
e sua turma mequetrefe desacordados, mas os tempos mudaram. Eu mudei.
Mesmo assim acho que fui compassivo ao encurtar a sua dor. Durma em paz,

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pobre vítima. - Valaistu deu de costas e seguiu o caminho. Ele tinha muita
estrada para percorrer até chegar ao local sugerido pela mensagem.

Quando se afastou, Armand apareceu no local, de onde não se sabia,


como menos ainda. O misterioso personagem observava os mortos no
caminho e a última vítima do monge. Ele pegou uma das plantas, cheirou,
experimentou e pensou consigo “Veneno, criança tola, não era necessário,

vejamos onde sua jornada o levará”.


Durante a sua caminhada, Valaistu praticamente não teve que passar
pela cidade de Pilarium. O local para onde ia, também ficava distante da
cidade, por isso, ele pode, na medida do possível evitar qualquer tipo de
vigilância. Na verdade, ele passou por alguns bairros mais afastados, onde a
fiscalização era mínima ou nula.
Quando terminou de subir o monte no qual se encontrava o recinto
que o mensageiro tinha indicado, o jovem, um pouco ofegante, falou para si

mesmo, ao encarar novamente a última frase daquele poema:


- “Fugemónou prós mónon”. Seja você quem for, devo reconhecer a
sua inteligência.
Antes de adentrar naquele antigo monastério, o jovem fechou os
olhos, sentou-se e respirou profundamente. Enquanto silenciava-se
interiormente ele, como num mantra, repetia:
- A unidade com a natureza... a unidade com a natureza... – depois de

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um tempo em silêncio, com serenidade na voz ele insistiu - Sim... arvoredos,


sementes e flores, revelem-me se quem penso veio atrás de mim. Eu preciso

saber. Por favor.


Feita a súplica, o jovem manteve-se ali estático. Até que uma leve
brisa passou por ele e sacudiu as suas vestes. Só então ele se ergueu,
esmiuçou um sorriso e disse, com doçura na voz:

- Obrigado por ter vindo.


Ainda com o bilhete em mãos ele adentrou no lugar em busca de
respostas e também pressentindo que uma força avassaladora estava cada vez
mais se aproximando, como um animal desesperado em busca da presa.
“Não posso perder tempo com conjecturas acerca de minha dor ou do
meu anseio por seguranças e de vingança. Tenho que achar o quanto antes o
local onde se encontra a última pista, antes que seja tarde”. Pensava consigo,
enquanto mirava uma vez mais a mensagem recebida naquela manhã.

- “Montes esquecidos... ok, mas onde seria o Santo dos santos?” pensa
ele. “A pessoa escreveu isso para você”. O jovem se via obrigado a descobrir
o paradeiro daquela pista, pois ele sentia que não tinha muito tempo à
disposição. Alguém com um poder incrível estava cada vez mais perto.
- “Santo dos santos” é Deus... mas a mensagem indica um lugar. Que
lugar poderia ser considerado “Santo dos santos”? O lugar onde Deus
habita... – ao terminar de conjecturar sobre isso, um lampejo veio-lhe em

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mente e o jovem começou a correr desesperadamente. Ele corria porque havia


entendido onde se encontrava o local indicado e também por perceber que a

pessoa poderosa que ele pressentira estava na entrada do monastério.


- Tenho que me apressar, tenho que me apressar. – o jovem corria, ao
mesmo tempo em que jogava sementes e mais sementes pelo chão. Com
firmeza na voz, ele comandava as sementes – Cresçam! Tornem-se árvores

enormes, tornem-se espinhos que penetram os ossos, tornem-se flores


venenosas, tornem-se muralhas de troncos, caules, galhos. Multipliquem-se!
Protejam o seu mentor!
As sementes atenderam as suas ordens e subitamente brotaram
diversas árvores, germinaram flores e espinhos por toda à parte, criando de
fato, uma espécie de barreira que, de alguma forma, impossibilitaria o acesso
a um humano comum. Mas este não era o caso.
Valaistu continuou correndo e chegou onde queria: a capela do

monastério. Ainda ali, mais uma vez fez uso de seu poder. Do chão, faz
nascer grossíssimos cipós que se amarraram numa das paredes próximas à
capela. Com um gesto, como se estivesse chamando alguém, em câmara
lenta, ele fez com que os cipós puxassem aquela parede, até que tudo
começou a desmoronar. Valaistu corre para dentro da capela, enquanto que
toda a parede desmorona a entrada da mesma. Tudo isso para atrasar aquele
que estava a poucos metros atrás dele.

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Não se importando com toda a poeira que tinha tomado conta do


ambiente, ele correu em direção do altar, mais especificamente, ao sacrário.

Ali era, para os cristãos católicos, o “Santo dos santos”, o lugar onde Deus se
fazia presente na eucaristia. Com certeza ali estava a pista. E para o seu alívio
ele tinha acertado. Ao abrir aquele belíssimo sacrário, mesmo que
abandonado, era possível ver o dourado que o ornava, além da imagem dos

querubins ao ser redor, que lhe dava destaque em meio à austeridade do


restante da capela. Valaistu pegou o papel, delicadamente dobrado, e o abriu.
Rapidamente começou a ler o que ali estava escrito. Por um instante nada
entendeu. O que aquele monte de versículos tinha a ver com todas as outras
pistas? Mas, ao mesmo tempo em que alguém tentava entrar na sala, ele
conseguiu intuir o que a mensagem queria transmitir.
Vendo-se encurralado, o jovem fez nascer um pequeno graveto, e com
a secreção avermelhada do mesmo escreveu algumas palavras logo abaixo da

longa pista, intuindo que a pessoa certa a encontraria. Ao acabar de escrever,


um estrondo se fez ouvir, a parede fora totalmente destroçada. Por entre a
poeira que tomou conta do lugar, um vulto se vez ver e uma voz potente
ecoou:
- Você bem que tentou, meu caro. Até me deu um pouquinho de
trabalho.
Sorrateiramente, aproveitando-se da poeira espessa o jovem fez uso

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de seu poder em duas direções. Fez com que raízes profundas adentrassem a
terra e com ela levasse o papel. Também lançou sementes em várias direções.

Certo número na direção do vulto, mas que não surtiram efeito.


- Então... você também entrou em contato com o livro? - disse
Valaistu, tentando distraí-lo.
- Como você sabe disso, rapaz? – perguntou o homem, ainda envolto

pela espessura da poeira.


- Tentei usar minhas sementes mais venenosas em você, mas não
surtiram efeito. Isso quer dizer que não somos oito, mas nove. – ponderou
Valaistu, enquanto se esforçava ao extremo para fazer com que as raízes
levassem para a direção certa; aquela, quando sentiu a leve brisa tocar-lhe.
Ali, ele tinha certeza, que aquele papel importantíssimo cairia nas mãos
certas.
- Você é bem perspicaz, jovem Valaistu.- ao dizer isso, usando seus

poderes tele cinéticos, aquele vulto dispersou toda a poeira do local.


- Hally... então você está mesmo por trás disso tudo. – sorria Valaistu,
ao sentir que havia conseguido enviar a sua mensagem, para longe dali.
- Sim, sempre estive. – sorria maliciosamente, enquanto fixava os
olhos na figura do jovem.
O jovem Valaistu se surpreendeu ao sentir que uma força estranha
tentava se apoderar de sua mente. Neste instante um frio lhe passou pela

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barriga, ao perceber que aquele homem poderia usar o seu poder contra ele.
Hally poderia feri-lo gravemente, pensava preocupado. No entanto, tal

constatação não o poderia impedir de desmascarar aquele homem e por isso,


depois do susto, Valaistu conseguiu soltar uma gargalhada, ao provocar o seu
oponente:
- Bem... acho que você percebeu que não conseguirá entrar com

facilidade em minha mente, miserável.


- É verdade... sua vidinha de meditação forneceu-lhe uma capacidade
enorme de concentração. Vejo que tem uma forte barreira psíquica que me
impede de possuir a sua pobre mente, como quando você tinha seis aninhos.
Você lembra, não é?
A raiva tomou conta de Valaistu, com a provocação de Hally. Estava
ali, diante do miserável que tinha destruído a sua família, os inocentes de sua
comunidade e, no entanto, pouco ou nada poderia fazer para poder se vingar

daquele infeliz. Todo seu poder não seria suficiente contra aquele homem,
num ataque frontal. Entretanto, o jovem ainda tinha uma carta na manga.
- É claro que me lembro do que você me fez fazer, desgraçado.
Porém, isso não faz tanta diferença agora. O que me intriga mesmo é saber
como você conseguiu chegar até aqui. – o rapaz buscava o autocontrole com
todas as forças, ao mesmo tempo em que provocava Hally a se revelar. Este,
ainda mantinha os olhos fixos em Valaistu, lutando psiquicamente contra a

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sua barreira mental. Ele cruzou os braços, fez um ar de desprezo e proferiu o


que lhe convinha:

- Mónou... a resposta está ali. Toda composição adquiriu sentido, na


última frase. Já que você bem sabe que, além de ser uma citação das Enéadas,
um texto místico de Plotino, a palavra em si, faz referência a esse lugar. Ou
ainda àqueles que vivem uma vida monástica.

Valaistu começou a aplaudir:


- Mónou, monasterión, monaco... Muito bem. Vejo que você é um
amante do grego ou foi Victor quem lhe contou?
- Isso não importa agora, meu jovem. Quero que você me entregue
agora a pista que encontrou. Se você for obediente eu não te machucarei
muito.
Como se não tivesse ouvido o que Hally acabara de dizer, Valaistu
prosseguiu:

- Hum... quem você está mantendo preso, desgraçado? Será que é


alguém que sabe de seus planos?
O ar de soberba de Hally, quase que se desmontou com aquela
pergunta:
- Cuidado com o que você pergunta, meu jovem. Saiba que eu tenho
outros ardis, além do controle mental.
Valaistu, indiferente, continuou a provocar:

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- Mónou... pode também se referir a um, meu caro Hally. Então,


talvez você tenha sido o primeiro. O primeiro que quer ser o único. Você

quer acabar com Liga. Roubar nossos poderes. Megalomaníaco de merda!


Irrittado, Hally urrou:
- Basta de conversa. Me entregue essa porra de papel AGORA! –
subitamente, com um gesto de mão, Hally lançou Valaistu contra as paredes

do altar, pressionando-o contra a mesma, cada vez mais. - Eu posso enfiar


você por entre essas paredes, moleque. Eu posso quebrar os seus ossos, com
um fechar de mãos. Não me provoque!
Mesmo com a sensação de que seu corpo estivesse por se desintegrar
contra a parede, Valaistu, ainda assim quis provocar ainda mais:
- E... por que... não faz?
- Cala a boca, seu verme! Você não sabe do que sou capaz! – com
uma das mãos, continuava a pressionar ainda mais o corpo de Valaistu contra

a parede.
Quase, sem ar, Valaistu insistiu:
- Eu... eu... sei do que... você é capaz.
- Sabe mesmo – riu Hally, enquanto se aproximava de Valaistu, que
permanecia pressionado contra a parede. De frente para Valaistu, ele enfiou a
mão em um dos bolsos dele e arrancou um papel. Qual não foi a sua surpresa,
ao abrir o papel e se deparar não com a pista, mas sim com o poema

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novamente. Inundado de cólera, Hally o pressionou ainda mais contra a


parede, agarrando-o pelo pescoço. – Onde está a pista, idiota! Fala logo ou eu

te quebro todo!
A proximidade de Hally fez com que Valaistu sentisse um perfume
que não lhe era estranho. No entanto ele ainda não conseguia identificar.
Com a boca ensanguentada, devido a forte pressão, conseguiu ainda cuspir na

cara de Hally ao dizer:


- A... pista... es..está a salvo.
- Filho da puta!- Hally explodiu de ódio e simplesmente solevou, com
toda a velocidade, Valaistu até o teto da capela, pressionando-o o quanto a
sua raiva o permitia. Depois o deixou despencar de lá cima. O jovem
espatifou-se no chão, praticamente desacordado. Um jorro de sangue saiu de
sua boca e alguns ossos de seu corpo quebraram-se instantaneamente.
- Você me enganou. Não posso te matar ainda, mas quando puder eu

vou fazê-lo com um prazer enorme. Monte de merda.


Hally começou a correr, ao sentir que, de fato, alguém se aproximava
das redondezas do monastério. Passou por entre Valaistu, porém, o jovem
ainda estava consciente e, com uma das mãos, impediu a sua corrida. Hally,
ainda possuído por ter sido ludibriado desferiu um chute no rosto de Valaistu
e disse:
- A sua hora vai chegar, mestiço maldito!

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- Eu... não vou deixar vo...cê sair assim...sem um arranhão – puxando


todo o ar que tinha nos pulmões e concentrando ao limite o seu poder gritou –

Morra desgraçado!- nesse instante várias raízes de cipó se espalharam por


toda a capela.
De braços cruzados, Hally debochou:
- Você não pode me atingir, monte de estrume.

- E...eu sei. – novamente o jovem sentiu aquele perfume e dessa vez


conseguiu identifica-lo- Rosas silves...tres. Esse perfume é de...Alyha. Você
nos enga...nou este tempo todo! – Valaistu estava surpreso, ao perceber o
jogo de Hally. Usando o que lhe restava de poder invocou mais uma vez os
vegetais. Enquanto perdia a consciência, todos aqueles cipós grudaram-se no
teto da capela, puxando-o para baixo, até que tudo começou a desabar. Hally
pensou em sair, mas ao mesmo tempo percebeu que não poderia deixar
Valaistu ser esmagado pelo concreto. Ele correu em direção de Valaistu,

usando ao máximo a sua telecinese. No entanto, era demais até para ele.
Controlou a situação até onde pôde, mas ao final viu suas forças diminuírem
e tudo veio abaixo sobre os dois.
Alguns metros fora do monastério, um esplendoroso girassol
floresceu, chamando a atenção de uma pessoa que de longe observavao que
acontecia lá dentro. Ele se aproximou do girassol e constatou que em sua
corola estava depositada a pista. Ao abrir seus olhos foram atraídos para uma

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mensagem escrita em vermelho, no final da folha. A mensagem era breve,


mas tocou o coração de Armand, ao perceber que era para ele: “Fugemónou”!

Fuja solitário!
Armand fitou a capela destruída por uns instantes, sua vontade era ir
ajudar o garoto, mas ele renegou esta pensando consigo mesmo “Desculpe
garoto, ainda não posso enfrentá-lo, é muito cedo. Você ficará bem, ele

precisa de você vivo e saudável”. O homem deu meia volta e seguiu para o
castelo de Victor.
Por entre os escombros, Hally havia por fim conseguido manter-se a
salvo, graças à sua astúcia. Ele, com sua potente telecinese, fez uma espécie
de câmara de sobrevivência com alguns blocos de tijolo e, paradoxalmente,
tinha sido também auxiliado por Valaistu, já que, independente de sua
vontade, algumas raízes, ao se transformarem em uma espécie de coluna, para
proteger o manipulador de vegetais, mantiveram aquela câmara firme.

- Esse verme sabe demais. Terei que aprisiona-lo até o dia da profecia.
No entanto, preciso voltar o quanto antes para o castelo.
Pela manhã Armand chegou ao castelo. Os membros da liga e Victor
estavam acordados pois a hora já se fazia tarde.
Ciana não conseguira dormir, preocupada com o rapaz. Sentia-se
culpada por não ter se oferecido para ir com ele. A dúvida a corroía, pois de
um lado achava que tinham que parar de respeitar aquelas especificações e

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todos partirem juntos para as missões e arriscar; mas por outro lado temia que
as pistas não fossem dadas se fizessem isso. E todos eles ali se viam

suspensos, dependendo daquelas pistas para pegar o bandido que arruinara a


vida deles.
Sentada no sofá da sala junto com os outros, foi a primeira a erguer-se
ao ver Armand voltar. Sozinho. Alarmada, fitou-o nos olhos e sua voz saiu

um tanto trêmula:
- E o Valaistu?
Zintrah arqueou as sobrancelhas olhando Armand de um jeito bem
capcioso, era óbvio para ela que o senhor misterioso ocultava algo de fato.
- Cadê o carequinha? - indagou Miri curioso.
- Foi engolido por alguma plantinha carnívora? - Alyha ironizou a
situação.
Armand ignorou as perguntas, sentou-se com os pés sobre a mesa e

respondeu:
- Era mais uma maldita armadilha.
- E o que aconteceu com Valaistu? - Pressionou Damon, preocupado.
- Ha! - A meretriz gargalhou. -Por que será que não estou surpresa? -
Devolvendo o olhar para senhor Obsequens.
- Se foi... - respondeu o soturno componente do grupo.
- Se foi como? - Ciana se aproximou, cansada das meias palavras

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daquele homem. - Pelo menos uma vez pode se explicar?


- Oxê, que estamos "inté" parecendo os passarinhos que eu caçava

para comer quando era pequenininho lá... - Sendo talhado por um olhar de
Alyha.
- Até poderia explicar se tivesse visto o que houve - retrucou Armand,
fitando calmamente um a um.

- Ah, e você que foi com ele não sabe? Maravilha, alguém tem o
telefone da Mãe Santina, teremos que consultar os búzios. - A prostituta
sorriu sentando-se mais à frente.
- Não viu? - A ruiva se irritou.
- Havia alguém com Valaistu o tempo todo... Para cada passo que o
monge dava essa pessoa estava um a frente... Não pude me aproximar muito
para não denunciar minha presença e quando dei por mim ... pushhhhhhhh -
Fez um movimento de explosão com as mãos - O prédio caiu na cabeça deles

- Finalizou Armand.
- Nossa! Tão apropriado não, Armand? - Investigou Alyha.
- Prédio? - Ciana ficou assustada. - Ele ... morreu?
- Ficou surda agora também, piralha? - retrucou Zintrah para a Loira.
- Lascou foi a bodega toda! - Miri não se conteve.
- Por que não cala a boca? - Irritou-se Ciana nervosa, olhando com
raiva para Zintrah.

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Damon olhou irritado para as duas. Ignorando-as, indagou a Armand:


- E quem era essa outra pessoa? Hally?

- Provavelmente, havia poder demais naquele combate, se é que posso


chamar aquele massacre de combate - Disse Armand sorrindo do que Zintrah
fala para Ciana.
- Então é assim vai tocar? - perguntou Alyha. - Neguinho nos coloca

onde quer, quebra, agora mata e todo mundo vai ficar aqui esperando ser feliz
para sempre?
- Ui que meda! - Rezingou a meretriz sacudindo os ombros para a
jovem.
- Duvido que ele esteja morto, ruiva, se Hally ou seja quem for nos
quisesse mortos, já estaríamos. - Afirma Armand.
- Nega... Posso pedir uma coisa? - Miri veio todo com jeito para
Zintrah que ela resolveu acatar.

- Pode.
- CALA A BOCA! - Para o espanto da maioria.
- Você tem tanta certeza sempre? - Retrucou a ruiva para Armand.
- Mostre onde ocorreu esse desabamento. Vamos até lá. - Ciana falou.
- Milagre, a ninfeta disse algo aproveitável. - Completou Zintrah. - O
que diz, Armand?
- Sempre tenho certeza - Armand falou simplesmente. - Ademais não

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havia corpos, eu procurei - completou ele.


- E temos que acreditar na sua palavra? - Damon o encarou com

seriedade.
- Além de tudo, cão farejador? - Alyha devolvia todas as farpas para o
senhor dos mistérios.
Armand por sua vez apenas esboçava um leve sorriso.

- Seu Armandinho...isso aí está esquisito. - Aracaê se manifestou.


- Onde ocorreu tudo isso? Em que prédio? - Ciana olhou para
Armand, irritada com sua calma naquela situação. – Devemos ir lá!
- Falou tudo, gigante, isso está esquisito desde o começo ... - A Ciana,
ele responde: - No velho monastério do outro lado da ilha, se é que se pode
falar que há algo velho nessa ilha.
- Já ouviu falar na terra do nunca? - Mais uma vez Alyha parecia
determinada a colocá-lo contra todos.

- Alyha, apenas um conselho, não se irrite tanto, faz mal para o


coração e faz mais mal ainda tentar me irritar, o que é raro, muito raro... -
Enfatiza ele.
A ruiva resumiu-se a mostrar o dedo.
Valentin apenas escutava, calado.
O senhor Obsequens, que a tudo ouvia e via, pensava consigo em
todos os fatos. Aproximou-se de Armand com uma serenidade maior que o

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próprio esbanjava e pausadamente perguntou:


- Mas o velho monastério já não se ruiu, meu filho?

- Certamente Victor, e o que restava acabou de desabar, mas para


quem quiser ir lá, uma prévia do que verá... Um templo caído, uma árvore
oca gigante e nada mais – Finalizou.
Victor sorriu e resumiu-se para esboçar um profundo:

-Hum.
- Estamos perdendo tempo aqui. - Damon concluiu, sem acreditar
totalmente em Armand. - Quem garante que você não deu um fim no rapaz? -
Sabemos que há um traidor entre nós. E na única missão que você vai,
alguém não volta.
- Bingo! - Alyha atirou com a mão como se fosse uma pistola.
Armand deu uma gargalhada ao ver a afirmação da ruiva. Depois
indagou:

- E o que eu ganharia, Damon?


- A pergunta é - Ergueu-se Zintrah. - O que perderia?
- Exatamente Zintrah, o que eu perderia? Tenho mais a perder com
vocês mortos do que com vocês vivos - Respondeu simplesmente.
-Alguém aqui tem muito a ganhar, ou não se arriscaria em ser um
traidor. - Emendou Damon.
- Continuo a afirmar, temos que ir lá! - Ciana insistiu. - Se não há

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corpos, podemos achar pistas de Hally, para onde levou Valaistu!


- Eu não arredo o pé daqui! - Expôs Alyha. - Ele perdeu o cara, ele

que se vire.
Ciana encarou-a com raiva.
- Aliás – Armand interrompeu, antes que alguém mais falasse - Anda
me dando muito trabalho manter vocês vivos...

- "Inté" eu????- soltou Miri. - Oxê, onde anda a nossa amizade e o


apreço que tenho por vossa pessoa? Mas que cabra folgado! - reclamou Miri.
- Essa afirmativa foi para mim, Armand? – Damon o encarou com
frieza.
- Não apenas você, Damon - Disse Armand.
- E a quem mais se refere? – Ciana perguntou, sem entender. Afinal,
Armand se mantinha afastado de todos eles. Se envolvera apenas quando fora
salvar a vida de Damon.

- Quem sabe? Alguns soldados podem cair na escuridão - Retrucou


ele.
Ciana arregalou os olhos.
- Foi você?!
Armand não disse nada.
Ciana trocou um olhar com Zintrah, lembrando-se do ocorrido. Na
missão em que as duas foram juntas, depois de lutarem com os policiais e

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perderem as forças, surgiram mais policiais e elas viram que seriam pegas.
Então as tudo ficou escuro e quando as luzes voltaram, eles estavam todos

caídos no chão.
Zintrah balançou a cabeça, inconformada. Ciana disse baixo para
Armand:
- Parece que agora te devo duas.

Ele balançou a cabeça parecendo dizer: não me deve nada.


- E com que finalidade faria isto pela Liga? - disparou Victor.
- Que Liga? Tudo o que temos são crianças birrentas que acham que
tem poder, Victor, só isso - Armand falou como se não percebesse as próprias
palavras. O que irritou os ânimos.
- Assim eu não entendo mais nada! - reclamou o pequeno pássaro.
- Essa é boa! Arriscamos nossas vidas para pegar esse maldito do
Hally, que destruiu nossa vida, e você acha que estamos de brincadeira? -

Damon estava irritado.


- Crianças birrentas? - retrucou Alyha. - Como vai, SuperNany?
Armand olhou para Victor e disse:
- Não falei?
- Aliás, até agora ninguém sabe porque você está aqui. - Ciana
encarava Armand. - Cada um teve um passado traumático por causa dele. E
você?

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Zintrah nada fez, para a meretriz Armand queria tirar o foco da


questão.

- Estou aqui simplesmente porque quero, Ciana, caso não quisesse


não estaria, ademais esse tal Hally é perigoso demais para ficar zanzando por
aí e tenho muitos negócios por aqui para deixar um psicopata superpoderoso
brincar de Deus no meu jardim - Enfatizou.

- Falou o que com Victor? - Damon se levantou. - Está aqui para nos
distrair? O que tanto vocês parecem combinar?
- Deixa de ser babaca, Damon! - Gritou Zintrah. - Ele quer tirar o a
questão em pauta, e está conseguindo!
- Ai meus "nevros"! - Miri começou a esquentar-se batendo na
cabeça.
- Será, Zintrah? - Perguntou Armand.
- Armand, querido, a mim você não engana... – Respondeu, mas num

tom muito estranho, quase um acato à situação.


Damon se cansou daquele carnaval. Virou-se para Vitor e foi direto:
- Me explica como se chega nesse Mosteiro. Vou até lá.
- Vou com você. - Ciana se prontificou logo, pois não conseguia parar
de pensar em Valaistu.
Victor parou e refletiu antes de se pronunciar:
- Esperem! Acho que não é prudente.

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- Bom, façam como quiserem, mas dessa vez estão por sua conta, eu
fico. - Afirmou Armand. E continuou: - Enquanto dava uma de Sansão,

Valaistu me enviou essa mensagem.


Ele entregou para Victor. Todos se aproximaram para ler:

Salmo 118

Não vos apegueis à forma, ao conteúdo. Só assim achareis avia!

39. Afastai de mim a vergonha que receio, pois são agradáveis os


vossos decretos.
20. Consome-se minha alma no desejo perpétuo de observar vossos
decretos.
7. Louvar-vos-ei com reto coração, uma vez instruído em vossos
justos decretos.

17. Concedei a vosso servo esta graça: que eu viva guardando vossas
palavras.
53. Revolto-me à vista dos pecadores, que abandonam a vossa lei.
25. Prostrada no pó está minha alma, restituí-me a vida conforme
vossa promessa.
98. Mais sábio que meus inimigos me fizeram os vossos
mandamentos, pois eles me acompanham sempre.

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“Fugemónou! Fuja solitário!”


Todos ficaram em silêncio. Ficou claro que eram todos os números

das charadas, na ordem em que foram feitos. Tinham que sentar, discutir
sobre aquilo, tentar achar uma solução naquelas pistas. No entanto, Ciana não
se sentia preparada para pensar naquilo. Seus olhos cheios de lágrimas
fitavam a última frase de Valaistu, um acréscimo, uma mensagem para

Armand. Seu coração se confrangeu e ela fitou Damon.


- Vamos logo! Ainda podemos encontrá-lo.
Damon concordou com a cabeça. Decidiram ir até o mosteiro tentar
averiguar até que ponto tudo que Armand dissera era verdade.

Capítulo 18
Amores e dissabores

Damon saiu com Victor para pegar a chave da moto, enquanto Ciana
corria ao seu quarto para pôr uma calça.
Na espreita, Zintrah logo escutou a correria, sorriu burlescamente e
pensou consigo: “Por que não?”
A meretriz pegou o pequeno Miri pela gola e foi incisiva:
– Ora de se redimir nanico!

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– Calma aí, Nega! Oxê, que quando "ocê" fala isso já me vem um
revertério no buxo...Lá vem merda! – resmunga Aracaê arrastado literalmente

pela mão esquerda da Meretriz.


– Faz o que eu mandar e se fizer errado... – olhando para torre onde o
deixara pendurado da última vez. – Já sabe!
Minutos depois, Miri batia à porta da alcova da jovem Ciana com uma

bandeja e um suco, que continha o mesmo tipo de substância que Zintrah


usava para dopar seus clientes quando queria que adormecessem.
– Miri? O que houve? – Ciana abriu a porta, já pronta.
– Ô mocinha do totó, é que tava na cozinha, "mode" “fazê” um
suquinho para acalmar os ânimos e lembrei "docê"
– Oh, Miri! Você é uma graça! Obrigada! – Ela sorriu para ele com
carinho, debruçou-se para lhe dar um beijinho no rosto e pegou o copo.
Remoído pelo remorso, ele até tentou esboçar um:

– Mas não carece beber tudo assim numa talagada só não...


Ciana tomou o suco todo e devolveu o copo a ele, ainda sorrindo.
– Não sei o que seria da gente sem você, Miri. Vamos descer? Estou
pronta.
Aracaê sorriu sem jeito e não conteve a informação mais uma vez:
– "Ocê" promete não ficar brava comigo?
– Claro! O que houve?

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– Oxê, menina, é que eu gosto demais de todos aqui e isso inclui a


dona Vaca Ruiva que é sangue ruim e seu Victor que é um linguarudo dos

infernos, mas quando a Nega me pede algo eu não sei negar...


– Do que está falando? O que a Zintrah pediu?
Ciana sentiu os olhos embaçarem e um leve torpor. Apoiou as mãos
na porta aberta e piscou, um pouco confusa. Viu dois Miri se embaralharem

na sua frente e sacudiu a cabeça.


O pequeno pássaro tentou acudi-la e gritou:
– Eita que sou um sujeito morto seja como for! As duas são cabide do
mesmo cabra. Ah, seu Demô! Pense em Deus, mocinha do totó...Pensa em
Deus!
– Miri, me ajuda ... Estou tonta... O quê...?
Ciana começou a perder os sentidos, escorregando para o chão,
assustada, tentando lutar contra aquilo.

– Ah, meu "padinho" “Padi Cíçu”! Me valha nessa hora! – Respira


moça, respira!
Aracaê ajeitou a jovem na cama com todo zelo e começou a berrar:
– Negaaaaaaaaaaaa! Acode aquiiiiiiiiii!
Com um riso pleno a meretriz rompeu o umbral da porta, olhou a
jovem e deu uns cascudos no pobre:
– Quer calar a merda da boca? Cuide dela, escutou?

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– Mas Nega...
Ela ameaçou bater o pé e ele prontamente correu para trás da cama.

– Odeio brincar de seu mestre mandou! – rezingou.


Zintrah rompeu a porta do quarto, já transformada na jovem.
Miri com os olhos arregalados entre os travesseiros apenas sussurrou:
– Danou-se!

Damon já estava montado na moto, com capacete e segurando outro


para Ciana.
De um jeito só, Zintrah aparentando Ciana subiu na moto e agarrou
firme a cintura do Ator.
– Toma o capacete. – Estendeu-lhe Damon.
Ela agradeceu poupando energias. Sabia o quanto aquilo exigia de si e
podia lhe enfraquecer, e guardar forças era o que ela mais almejava naquele
instante.

Damon estranhou o jeito calado de Ciana, mas esperou que ela


pusesse o capacete e ligou a moto, saindo do castelo e rompendo pela rua
estreita e secundária pouco usada.
Passaram por diversos locais, a maioria entre a mata, levantando
poeira na estrada de barro.
Não foi difícil chegar ao tal mosteiro, que estava totalmente desabado.
Uma árvore nova e oca, no meio dele, se erguia, como afirmara Armand.

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Ele parou a moto e ambos desmontaram, tirando o capacete.


Damon olhou para aquilo tudo, imaginando Valaistu ali, no meio de

tantos escombros.
– Tomara que Armand esteja certo, que Hally nos queira vivos e tenha
poupado o garoto. – Disse, enquanto partia para investigar o local.
Embora sentimentos não fossem o seu forte, Zintrah por um segundo

sentiu certa indignação, afinal, quem causara tudo aquilo fora Hally. O
homem que prometeu mudar a sua história.
Zintrah deixou que se afastasse, e tomou a sua forma outra vez, só
responderia a Damon com a voz da moça entre os escombros, ainda não era
hora de se revelar.
Damon revirou tudo que pôde. Chamou Valaistu em voz alta várias
vezes, embora soubesse que seria em vão. Procurou qualquer pista ou indício
de que alguém ainda estivesse ali ou para onde tinham ido, mas não achou

nada. Desapontado, pensou em falar com Ciana, mas então se deu conta de
que ela não viera com ele.
– Ciana? – Chamou em voz alta, franzindo o cenho.
Ele começou a retornar ao local onde deixaram a moto.
De repente uma voz sussurrou:
– Minha garganta estranha quando não te vejo... Me vem um desejo
doido de gritar...

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Damon parou na mesma hora. Já sabia o que veria, mas mesmo assim
se surpreendeu ao dar com os olhos muito verdes de Zintrah.

– Mas o que ... – Entendendo tudo, ele andou até ela muito irritado.
– Psiu! – ela pôs a mão na cintura com a perna levemente aberta
evidenciando suas botas de couro. -Vai fugir é?
Damon tentou ignorar seu jeito sedutor, que apesar de tudo que

acontecera e do fato de quase nem se falarem mais, ainda mexia com ele.
Parou em frente a ela, indagando com frieza:
– O que você fez com Ciana, Zintrah?
Ela passou os dedos pelo seu cabelo como quem sentira saudade,
olhou o moço na alma e respondeu:
– A pergunta é: O que vai fazer comigo Damon?
Ele sentiu um baque por dentro, mas segurou o pulso dela. Olhou
entre enfurecido e excitado, mas sua voz era controlada:

– Pode me explicar por que tudo isso agora, Zintrah? Vivemos sob o
mesmo teto e quase nem nos falamos mais.
De repente um leve mal estar invadiu-a, sim, usar seus poderes fora
da hora morta a enfraquecera, mas como fora por tão pouco tempo a leve
descompostura tornou-se severa, afinal, ela o queria, e como dizia lá com
seus botões: O que eu quero, não consigo, é meu!
– Não me sinto bem...– ensaiou fraquejando na frente do moço.

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– Zintrah, o que houve? – Ele a amparou na hora, preocupado. Então


entendeu: – Você usou seus poderes fora da hora morta! Sua maluca!

Ajoelhou-se no chão, com ela nos braços.


Foi invadido na hora pela sensação quente e avassaladora que sempre
sentia quando estava pele a pele com ela. Mas lutou contra aquilo. Tinha
decidido que não ia mais se envolver com ela ou com Ciana. Todos eles já

tinham coisas demais com que se preocupar.


Mas fitar seus olhos verdes, sentir o seu perfume, abalou-o mais do
que queria.
– O que posso fazer? – Damon indagou.
A meretriz repousou a cabeça rente ao peito dele, aquele perfume era
quase uma sinfonia para seus hormônios. Ela sabia que de alguma forma
ainda exercia algo sobre Damon, bastava agora saber até onde ia tal domínio.
– Preciso de uma coisa...

– Diga. – Ele respirou fundo.


Ela o fitou e segredou:
– VOCÊ!
Damon lutou consigo mesmo. Bem sério, disse baixo, fitando seus
olhos:
– Não é uma boa ideia, Zintrah. – Mas já sentia se enfraquecer em seu
intuito, tendo-a tão próxima, por sua mente as recordações da delícia que era

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tê-la colada a ele, sem nada a impedi-los, dominando-o.


– E quem foi que falou em ideias, eu falo de atitude! – recompondo-se

num golpe roçando seus lábios ao dele: – Então, que atitude quer que eu
tenha, Damon?
Ele não respondeu, lutando racionalmente com os desejos insanos que
ela despertava nele.

Ela se ergueu imponente deixando-o ali e num piscar de olhos, era


uma linda enfermeira sexy, depois uma policial com cabelos longos e negros,
uma colegial com caderno e a foto dele. Veio a empregada, a empresária, e
por fim veio ela mesma:
– Então? O que meu senhor deseja? – tornando-se uma bela odalisca.
Damon ficou ali, cada vez mais invadido pela luxúria, o desejo
percorrendo seu corpo como ondas. E então levantou-se, sabendo que estava
perdido. Enfiou os dedos em seus cabelos longos e disse baixo e rouco:

– Eu quero você, Zintrah. – E beijou-a na boca com paixão.


Ela o segurou forte pelo maxilar, descolou um pouco os lábios e disse:
– Escolha perfeita!
Damon puxou-a para si e eles se beijaram, quentes e entregues,
colando seus corpos, matando a saudade que um sentia do outro. Lábios e
línguas eram um só, unidos em uma dança louca, só deles.
Ele acariciou seus cabelos, suas costas, seu corpo. E logo a despia,

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tirando aqueles tecidos que o impediam de sentir sua pele macia, perfumada.
Ela fez o mesmo, puxando a camisa dele com tanta força que arrancou

os botões, gemendo em sua boca, ansiosa por tocar os músculos e o pelo


macio do seu peito. Abriu sua calça, sôfrega, ansiosa, deixando-o tão nu
quanto ela mesma estava.
Damon percorreu a mão em suas curvas, segurou-a com firmeza pela

nuca e olhou-a nos olhos, murmurando rouco, com raiva do desejo insano
que ela despertava nele:
– É isso que você queria? – Seu outro braço ergue-a e então a
depositou sobre as roupas deles no chão, espalhadas pela grama, deitando-se
entre as suas pernas. Penetrou-a fundo e ambos arderam ainda mais,
entregues unidos, movendo-se com volúpia e um prazer escaldante.
Mas Damon queria mais dela, queria tudo. Desceu a boca por sua
garganta, mordeu seu ombro, sem parar de fazer amor com ela, enquanto

Zintrah arranhava suas costas e o acompanhava, movendo-se, gemendo em


seu ouvido, dizendo rouca:
– Sim, Damon, é isso que eu quero.
Ele desceu mais ainda, não poupando nenhum pedaço daquela pele,
beijando-a toda, fazendo-a ondular em seus braços e se oferecer, enquanto ele
a mordiscava, se fartava com ela. Depois subiu e estava dentro dela de novo,
ambos olhando-se com pálpebras pesadas pelo desejo tão intenso. Beijaram-

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se de novo na boca, unidos, entre gemidos e carícias.


Zintrah empurrou-o com força, até inverter as posições. Sorriu sensual

e disse, montada sobre ele:


– Minha vez agora.
E então o lambia no peito, mordendo-o de leve, descendo as unhas
por sua barriga dura. Damon não conseguia deixá-la, então percorria as mãos

em suas coxas, seus seios, enfiava os dedos em seus cabelos e arfava


enquanto ela escorregava pelo seu corpo, devorando-o todo, deixando-o
louco.
– Você é muito gostoso ... – Ronronou ela.
Damon não suportou aquela tortura. Sentou-se e puxou-a para seu
colo, montada nele de frente, ajoelhada aos lados do seu quadril. Eles se
encaixaram com perfeição e então se fitaram, movendo-se, muito unidos.
Agarrados, beijaram-se na boca e juntos alcançaram um prazer que

não acabava, se estendia quente e denso, dominando-os por inteiro. E assim


ficaram, até seus corpos se acalmarem, suados e belos no meio daquele lugar
que tinha somente as árvores e pássaros por testemunha.
Damon olhou-a, quando Zintrah se afastou um pouco, ainda em seu
colo.
– Isso é uma loucura, Zintrah.
Na mente dela havia dois desejos fortes, um era acabar com Hally o

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outro era a paixão por Damon. Logo que o ouviu, foi sucinta:
– E qual desejo não tem em si pacto com a insanidade, meu caro?

– Nós estamos no meio de uma guerra, precisamos nos concentrar em


acabar com Hally. Não podemos nos distrair, Zintrah. E também ... Tem a
Ciana.
– Ciana? – seus olhos acenderam. – Importa-se tanto com ela assim?

Damon segurou-a, achando que estava na hora de ser o mais sincero


possível.
– Sim, eu me importo com ela. Gostaria de saber o que quero, mas
não sei. Vocês duas mexem comigo de uma maneira que nenhuma mulher
mexeu.
– Poder parar aí, Damon Luca! – Colocando a mão na frente do rosto
dele.
– Digo a mim mesmo que não vou me envolver com vocês, mas

acabo não resistindo. Por que gosto dela. E de você, Zintrah.


– Quando souber o que quer comigo, aí talvez voltaremos a conversar.
– E saiu pisando forte entre os escombros.
– Volte aqui! Do que está reclamando? – Ele foi atrás e segurou o
braço dela, virando-a para si. Também estava irritado, ambos ainda nus.
– Se não tivesse vindo aqui se fingindo de Ciana, nada disso teria
acontecido! Eu já tinha conversado com ela que queria um tempo, que

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precisava pensar!
– Um homem é senhor de seus sentimentos e não escravo deles. Vim

como ela, mas quem te despertou o puro desejo da lascívia?


– Foi você, merda!
– Mas outra vez fiz meu papel não é? – ela procurava seu vestido. – A
puta fez o seu digno papel!

– Cale a boca, Zintrah! – Irritado, começou a se vestir também. – Se


fosse isso, eu não me importaria com você! Olha, vamos sair daqui. Não tem
pistas de Valaistu e daqui a pouco estaremos brigando ou nos pegando de
novo!
Ela gargalhou.
– Ah, está nervosinho? Baixa a tua bola, ok?
Sabe o que é melhor? Ficarmos longe um do outro! Sempre acaba
assim! – Vestiu as calças, mas nem pôde abotoar a camisa, pois ela arrancara

todos os botões.
Olhou exasperado para ela, sua irritação ainda permeada pelo desejo.
E a meretriz percebeu, e mais uma vez fez o que de melhor sabia.
– Quer ficar longe de mim, é? – Tirando outra vez o vestido. – Quer
ficar sem mim para nada? – Segurando na calça dele como quem fosse tirá-lo
só para ver a sua reação. – Tem razão, é melhor mesmo!
– Não brinque com fogo. – Ele segurou os pulsos dela e puxou-a para

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si. Como um castigo, beijou-a duramente na boca, até que ambos arfaram.
Mas soltou-a, correndo as mãos pelo cabelo. – Vamos sair daqui de uma vez!

Damon jogou um capacete para ela e pôs o seu.


– Volto andando! – Deixando o capacete no guidom da moto.
– Ah, não volta, não! Vem aqui! – Ele a puxou, furioso. – Pare de me
provocar, Zintrah e sobe na merda dessa moto!

– Me obrigue! – cruzando os braços esperando uma atitude.


– Você quer ver? – Ele a agarrou pelos cabelos e, sem nenhuma
delicadeza, pegou-a no colo. Enquanto ela esperneava, colocou-a sobre a
moto e sentou-se atrás dela. – Vamos ficar brigando ou cair daqui, mas
voltamos juntos para o castelo!
– Filho da P....! Me solta! – esperneava como a insana que de fato era.
– Pare com isso, Zintrah! Já perdemos Valaistu, quer se arriscar
também? Pode me dar as costas assim que chegarmos ao castelo, mas

voltamos para lá!


Enfim ela ponderou o que ocorria ali e decidiu voltar ao castelo mais
calada do quando viera fazendo-se como Ciana.
No castelo, Ciana abriu os olhos pesados, um tanto confusa. Confusão
essa que só piorou ao dar com Miri, que andava de um lado para outro em seu
quarto, falando sozinho.
– Eita! “Tô” lascado, lascadinho da Silva! Se a menina do totó falece,

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gente? Ai que meu “rego” tá de um jeito que “num” passa um suspiro!


Ela sentou-se na cama, sacudindo a cabeça para espantar o torpor.

Ainda meio grogue, tentou entender o que acontecia e murmurou:


– Miri, o que está fazendo aqui?
O baixinho teve reação adversa, misto de alivio e culpa quando viu a
moça despertar.

– Mocinha do totó? "Ocê" tá bem mesmo? Não tá sentindo nada, não?


Vê a luz no fim do túnel? Não, esquece a luz, não vai na luz que é furada,
viu?
– Miri?
Ciana olhou-o, mais confusa ainda com seu falatório sem sentido.
Tentou forçar a mente e teve vislumbres de uma reunião, Armand falando e a
preocupação com Valaistu, que não tinha voltado da missão. Tinha ido ao
quarto. Damon a esperava. Mas veio Miri.

– O que aconteceu? Você veio aqui, me deu um suco. Não lembro


mais de nada!
Aracaê não se conteve, seus princípios eram fortes demais.
– Aqui mocinha, "ocê" me desculpe, mas é que aquele suco não fui eu
que fiz, não foi!
Ciana começou a sentir a desconfiança a espezinhá-la. Mais desperta,
levantou-se da cama e andou até ele.

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– E quem fez o suco, Miri?


Ele se aproximou da moça segurando suas mãos e com olhinhos

piedosos confessou:
– Foi a Nega.
Ciana ficou um momento imóvel, então entendeu tudo. Arregalou os
olhos e puxou as mãos:

– Você me dopou! Miri, ela mandou você me dopar!


– Na verdade, na verdade... Ela só mandou eu servir o suco, quem
botou os feitiço dentro do copo foi a Nega.
– Filha da ... – Ciana calou-se, sentindo o ódio dominá-la. Olhou
acusadoramente para ele e deu um passo ameaçador à frente: – Como você
teve coragem? Nunca fiz nada contra você e mesmo assim, mesmo sabendo o
que ela fazia, você foi seu cúmplice!
– Ah, mocinha do totó me perdoa...Mas ocê sabe o que é ficar

pendurado pelo pé naquela torre lá de cima por horas até alguém conseguir te
enxergar? Fica assim comigo não!
– Não me chame mocinha do Totó! – Os olhos dela encheram-se de
lágrimas de raiva e decepção. – O Gibran está morto! Eu devia esperar algo
assim daquela prostituta, mas você... Nunca mais vou confiar em você, Miri!
Nunca mais!
E deu-lhe as costas, saindo do quarto tremendo.

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– Ai, agora além de defunto, vou ser um defunto sem crédito com a
mocinha do totó! Eu vou arder no inferno, o diabo deve estar com o caldeirão

da Cuca me esperando para fazer caldo!


Ciana afastou as lágrimas dos olhos e desceu a escadaria do castelo
como uma bala. Juntou tudo, a pressão de ficar ali no castelo tanto tempo,
aquelas malditas missões que além de quase terem matado Damon agora

faziam Valaistu como vítima, sua eterna disputa com Zintrah e agora isso. O
ódio a dominava, imaginando tudo que tinha vontade de fazer com aquela
ordinária.
Na sala não havia ninguém e ela saiu, furiosa. Foi quando viu Zintrah
e Damon desmontando da moto em frente ao castelo.
O ódio foi tanto, que ela desceu as escadas correndo. Damon a viu
primeiro, mas nem teve tempo de reagir. Ciana já voava em cima de Zintrah e
as duas foram ao chão.

A meretriz rolou com a jovem, a empurrou erguendo-se e sarcástica


como de costume:
– O que foi, ninfeta recalcada, descobriu que os sonhos não são tão
doces como pensava é?
– Sua desgraçada, vou te matar! – Ciana deu um forte tapa em sua
cara e agarrou seus cabelos, fora de si.
Zintrah gargalhou com o tapa no rosto e rebateu agarrando-a pelo

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pescoço como uma gravata:


– É o melhor que consegue fazer?

Damon tomou um susto. Correu até elas, tentando separá-las e


arrancar Ciana, ordenando:
– Porra, vocês estão malucas? – Ele sabia que numa briga Zintrah
faria picadinho da moça.

Ciana ficou vermelha, sem parar de se debater. Deu uma cotovelada


em Zintrah, mas nem pegou direito, pois Damon já as separava e a segurava
com força enquanto ela esperneava e gritava:
– Sua nojenta! Puta! Desgraçada! – As lágrimas de puro ódio pulavam
de seus olhos e ela nem percebia.
– Para, Ciana! – Damon segurou-a o mais forte possível, mas ela se
retorcia, fazia de tudo para pôr as mãos na meretriz.
– Hum...Deixa sua ninfetinha fazer pirraça, Damon. – Discorreu

Zintrah. – Dou esse mérito a ela, já que tenho uma vantagem de digamos uns
vinte e cinco centímetros a mais aqui, não é?
Ciana parou, vendo que não conseguiria se libertar dos braços de
Damon, que pareciam duas barras de ferro. Respirava irregularmente, parte
do que ela dissera fazendo sentido. Olhou nos olhos da mulher odiosa.
– Então foi isso, não é? Sexo! O Valaistu sumiu e você me apagou
para ir no meu lugar, não por se preocupar com ele! Mas para transar com

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Damon!
– Apagou? – Damon encarou Zintrah. – O que você fez?

Ela se aproximou da menina e não ocultou os detalhes:


– Boa Noite Cinderela! Sempre fiz isso com minhas vítimas, só dosei
para que a ninfeta dormisse, não é princesinha de chuchu?
– Precisa se rebaixar tanto para conseguir o que quer? E então, está

satisfeita agora? – Ciana voltou a lutar. – Me solta, Damon!


– Pare, Ciana. Chega de brigas! – E para Zintrah, em tom frio: – Você
poderia ter feito mal a ela. Está maluca?
– Para você ver... Poderia, mas não fiz. Mereço absolvição, ó
poderoso Damon Luca?
Damon não respondeu, sabendo que qualquer coisa naquele momento
só atiçaria ainda mais as duas.
– Como se você se importasse! – Ciana gritou com Damon, cheia de

mágoa. – Foi com ela sem pestanejar! Agora me larga! Me larga, Damon!
Não vou mais tocar nessa sua vadia!
– Ui que meda! – Zintrah não se importava em continuar tudo aquilo.
Damon retirou devagar o braço em volta de sua cintura, atento. Ciana
virou-se para ele, vermelha, alterada, magoada.
– Espero que tenham se divertido! Pois aviso agora a vocês, podem
fazer bom proveito um do outro! Pra mim chega!

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Zintrah cruzou os braços e não perdeu tempo:


– Acredite querida, um homem como ele não foi feito para uma

ninfetinha com você. Carece experiência, entende? A propósito como você


julga o seu sexo oral? Por que se eu citar os predicativos para o ato, talvez
você enfarte! – Gargalhando.
O ódio percorreu o corpo de Ciana a ponto dela estremecer. Cerrou os

punhos e voltou o olhar para Zintrah.


– Não vou discutir esse tipo de coisa com você. Talvez você tenha
méritos na questão, afinal, praticou bastante, né? Mas fique tranquila,
Zintrah, não precisa me ensinar nada. Ser como você é a última coisa que
quero!
– Parem, acabou! – Damon estava cansado de tudo aquilo e sentia-se
culpado.
-Até porque ser como eu para você deve ser um árduo desafio, não é

meu bem? – a meretriz não se continha.


– Pior que não, deve ser muito fácil! É só abrir as pernas e perseguir
um homem! – Mas Ciana estava cansada de tudo aquilo, sofrendo demais,
pois apesar de tudo amava Damon com todas as suas forças e o ciúme a
sufocava.
Ciana suspirou e virou para Damon, mesmo que doesse fitá-lo
naquele momento, imaginando tudo que ele e aquela mulher teriam feito.

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Mas indagou baixo:


– E Valaistu?

Ele balançou a cabeça e ela percebeu que aquela viagem não dera em
nada. Só em sexo entre Damon e Zintrah, como aquela maldita muito bem
planejara.
Alyha, que acompanhara toda discussão da porta do castelo, decidiu

interferir na questão, tomando o que parecia as dores da jovem Ciana.


– Por que não brinca com alguém do seu tamanho, vadia? – Parando
na frente dela. Damon se viu em apuros, agora eram três mulheres para
controlar. Xingou um palavrão baixinho.
– Engraçado... – Soltou Madame Zintrah.– Não vejo ninguém do meu
tamanho aqui, Alyha. OH...Vejam só, acho que a ninfeta ainda é maior que
você, Vaca Ruiva!
Damon foi para perto das duas, segurando Zintrah pelo braço.

– Chega de confusão por hoje. Venha, Zintrah.


Ciana ficou imóvel, observando aquele novo confronto. O ódio que
sentia por Zintrah a fez lavar as mãos.
– Aguenta o tranco aí, bonitão! – Pediu Alyha.– Que nós duas temos
muito para acertar aqui!
– Vocês podem acertar depois. – Disse sério, ainda segurando Zintrah.
– Vem comigo.

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Ciana tremeu de tanto ciúme.


– Me solta Damon! – Zintrah tentou puxar o braço. Ao contrário de

Ciana, Alyha não era uma questão que pudesse esperar.


– Vocês não acham que já chega por hoje? – Ele não a soltou, ao
contrário, puxou-a mais para perto de si e encarou Alyha. – Ciana sabe se
defender e acabou.

Desta vez as duas o empurraram, era evidente que ambas queiram


aquele embate.
– Qual lado quer que arrebente primeiro, Zintrah? – Indagou a ruiva
sem meias palavras.
– Que tal começar com isto vaca? – Desferindo o seu punhal do
crucifixo.
– Merda! – Exclamou Damon, sabendo que teria trabalho. Até Ciana
começou a se preocupar e tentou intervir:

– Damon, para essas duas...


– Tem que se esconder atrás desta merda sempre, não é Zintrah? – E
por alguma razão, aquela frase pareceu familiar à meretriz.
Damon meteu-se entre ambas. E como falar não estava adiantando,
simplesmente pegou Zintrah, jogou-a sobre um dos ombros e se dirigiu com
ela para dentro do castelo, enquanto ela gritava e esperneava. A discussão
havia acabado.

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Logo que viu todo alvoroço Aracaê ligeiro procurou


desesperadamente por um local que pudesse se abrigar, tamanho era o seu

pânico do que Zintrah poderia lhe fazer. O pequeno percorreu os vários


aposentos do Castelo de Obsequens e terminou alojando-se na cozinha,
dentro de uma das panelas industriais que encontrou. Ali creu estar seguro,
no entanto, assim como o baixinho arrumara meio de fugir da prostituta, ela

por sua vez empenhou-se ao máximo para farejá-lo e enfim chegou à cozinha,
onde contra luz viu as pegadas das botinhas do fujão indo em direção do
armário.
– Como adoro esse cheiro! O medo fede sabia, Nanico? – Exclamou
com veemência para a agonia de Miri que dentro do caldeirão rogava:
– Meu "padinho", me livra dessa que lhe prometo que volto para subir
as escadarias do Bonfim com uma vela do meu tamanho! Ops, uma vela do
meu tamanho não vai animar muito o santo. Peraí, subo com uma vela do

tamanho da encrenca que estou, o senhor não pode negar que agora é uma
proposta tentadora, vai dar para "alumiar" o céu inteirinho e as minhas
custas!
Zintrah consciente da aflição que ambicionava lhe causar expôs:
– Eu sei o quanto você adora, Monteiro. – Batendo na primeira panela
que expeliu um som agudo, ou seja, vazia e a lançou longe. – Advinha qual o
meu personagem preferido, seu duende desgraçado?

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Miri já nem respirava a fim de conter sua presença dentro do apertado


recinto.

– A Cuca! – Zintrah bradou em alto e bom som. – "Cuidado com a


Cuca, a cuca te pega, te pega daqui, te pega de lá! Cuidado com a Cuca, a
Cuca é malvada, ela vai te pegar!" – Começou cantarolando enquanto vinha
de panela em panela.

– Me enfarta, pelo amor de Deus, meu "padinho"! "PADINHO"!!!! –


Berrava Aracaê dentro de si, suando frio e no ápice da comoção e enfim o
punhal da meretriz bateu em seu caldeirão. Ela ergueu a tampa do recipiente
de alumínio e arregalando seus intensos olhos verdes foi na orelha do pobre
que tremia e sussurrou:
– BOOOO!!!!
O que fez o pequeno pássaro saltar como uma flecha de dentro e
correr pela cozinha enquanto a prostituta erguia o punhal para pegá-lo.

– Nega! Pelo amor de Deus! – O homenzinho tentava se desvencilhar


dela como podia. – Socorro!
– Saiu do caldeirão por quê? Pode voltar, enfim vou me render ao
canibalismo com um guisado de anão! – Zintrah divertia-se por dentro com o
episódio. Até que por fim o encurralou contra parede. Ofegante, juntou as
pequenas mãos e rogava para que não fizesse nada.
– Vou tirar de você, seu traíra, aquilo que mais preza, sabia? –

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Acariciando o pescoço com o punhal.


– Minha vida? – Ele retrucou. Zintrah sorriu acenando com o punhal

que não, e apontou para as partes do pequeno que imediatamente reagiu: –


Meu “bigulinho”??? Ah, não meu “bigulinho” não! Eu já não acho "muié" e
quando achar vou dar o que para ela se entreter, o dedo? De jeito maneira!
– Isto está muito mais nas minhas mãos do que nas suas, meu caro

Aracaê. – ironizando, pondo a arma nas particularidades do homenzinho que


engoliu em seco e voltou a pedir por si:
– Nega ... Neguinha... Não fiz por mal, sou seu amigo, mas como ia
“vê” a mocinha do totó daquele jeito e não contar nada? Eu gosto dela e gosto
do seu "Demo". E agora que escutei o barraco "docês" entendi o porque ele é
tão disputado, não tem como prestar concorrência. O cabra tem de serviço o
que eu tenho de perna! – Reclamou.
Zintrah não se conteve e gargalhou, parecendo satisfeita.

– Não farei nada com você, pequeno. É lógico que sabia que contaria
à ninfeta sobre o que fiz. Eu queria mesmo é te dar um susto. – Explicou.
– Nega...Pelo amor que "ocê" tem nessa sua vida, não faça isso com
um cabra... – pondo as mãos agora sobre o peito, aliviado quando algo
ocorreu à meretriz.
– Está sentindo isso?
– O quê? – Rebateu meio envergonhado.

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– Esse cheiro...Melhor essa caatinga! Peraí! – Abaixando as narinas


no corpo do pequeno. – Você está fedendo assim por que, Nanico?

Ele se ajeitou todo arfante e objetou saindo do recinto com as mãos


atrás da calça onde tudo ficou devidamente esclarecido. Miri fizera o número
dois nas calças diante do que passara.
– Não sei do que "ocê" tá falando!

Uma semana após o grupo dar com a cara na parede em busca de


Valaistu ou de seu corpo, Victor convocou o restante do grupo para informar
sobre mais um enigma.
Armand como sempre foi o último a chegar. Ele fitou cada membro
do grupo, observando seus olhares desconfiados, e sentou-se na cadeira de
sempre à mesa, com os pés sobre ela.
– Já que estamos todos aqui, com uma sentida exceção – diz Victor –
comecemos. Recebi mais uma charada, bem distinta das demais. E pelo que

parece uma que não deveria existir. Vou lê-la agora:

“O monstro das sombras, inimigo de todos;


Aquele que não deveria existir e existe;
Aquele que não precisa existir mas existe;
No aniversário o governante virá;
Na caixa metálica o monstro achará;

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Morte ao monstro;
Quando o segredo trouxer”.

Não era necessário pensar muito, o grupo todo olhou para Armand.
– O monstro das sombras, inimigo de todos. – Ciana repetiu, pois para
ela não ficara bem claro. Então lembrou-se de Armand, que aparecera nas

sombras e ajudara a ela e a Zintrah ao final de suas missões. Olhou para ele. –
Isso significa uma admissão de que é nosso inimigo, Armand?
Zintrah pôs a mão sobre o queixo. Queria especular mais a situação.
Alyha o encarava, mas a espreita sendo observada pela meretriz, enquanto
Aracaê saiu com as suas:
– Mas que falta de vergonha nessa cara, né seu Armandinho? Tô
avexado do "sinhô"!
– Crianças... – Resmungou Armand.

– Não vai responder? – Insistiu Ciana.


– O “sinhô” não me tenta chamando de criança que não sou da turma
da Xuxa, não! Desembucha!
Armand cruzou os braços e permaneceu em silêncio.
– Como sempre, sem respostas. – Damon o observou friamente. – Até
agora, pouco sabemos de você, Armand. Vem e vai quando quer, seu passado
é uma incógnita. E agora, mais uma vez o silêncio.

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– E o que saber da vida um do outro trouxe a vocês, Damon? Dor e


morte? Quer saber a meu respeito é simples, leia jornais... – Respondeu o

misterioso personagem.
– Não me importa quem você é lá fora. Quero saber é o que faz aqui.
– Retrucou Damon.
– Calma meus amigos, a mensagem é clara, Armand é o destinatário

mesmo não sendo obrigatoriamente um de nós. Porém ao ajudar o grupo


trouxe para si uma atenção que não gostaria. – Falou o ancião.
– Engano seu, Victor, aconteceu exatamente o que eu queria que
acontecesse. – Respondeu Armand, que continuou: – Esse enigma é muito
simples, demais até. O governador da Bahia virá ao aniversário da cidade, eu
mesmo convidei. A caixa metálica deve ser um cofre que ele trará ou terá no
hotel onde ele se hospedará. E já que estão tão desconfiados de mim, um de
vocês pode me acompanhar, se tiver coragem e não tiver medo de morrer ou

ser morto por mim.


O grupo reagiu com hostilidade diante da última frase.
– Não tenho medo de você, Armand. Mas se quer saber, pouco me
importa essa merda de missão! Pra mim, isso já deu o que tinha que dar! –
Estourou Damon, cansado de dar voltas e não descobrir nada. – Vá e faça
bom proveito!
– Eu também estou fora. – Valentin não se moveu de sua cadeira, uma

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perna largada sobre o braço da mesma, coçando sua barba cerrada sem se
alterar. – De que adiantam essas missões? Tem alguém brincando com a

gente. Me mostre Hally e vou. Fora isso, chega de rodar de um lado para
outro como peru. Nunca nem chegamos perto dele.
Zintrah enfim moveu-se:
– Seja lá o que for que tem em mente Armand, eu vou contigo, quero

saber, posso?
O que despertou certo temor no rosto de Alyha, notado pela meretriz.
Ciana manteve-se calada, somente observando tudo.
Miri mostrou-se possesso:
– Essa Liga anda com urucubaca e das brabas, vamos chamar a Mãe
preta do Kuduro das ventas dos sete dias para benzer nóis tudo!
– Então é isso, Zintrah, você irá comigo, mas tome cuidado onde pisa,
não vou tolerar suas hostilidades para sempre, me encontre no meu

apartamento na tarde do aniversário da cidade – Afirmou Armand enquanto


saía do recinto.
– Você não devia ir. – Damon se aproximou de Zintrah. – Sabe que
ele não é confiável.
– E qual dos homens é, Damon? – Sabendo que isto o aborreceria.
– Qual o seu interesse nisso? – Ele ignorou sua provocação.
– Como bem disseste o interesse é meu, portanto não tenho que lhe

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dar satisfações meu querido!


Damon não tentou impedi-la, depois daquilo. Simplesmente acenou

educadamente com a cabeça e saiu da sala. Não podia obrigar ninguém a


nada.

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Capítulo 19
A última missão

Zintrah havia saído cedo para a missão de Armand. Quieto, Damon


observou-a se afastar, sem que ela soubesse que estava ali. Tinha um

sentimento ruim em relação àquela missão e, se fosse sincero consigo


mesmo, estava preocupado com a meretriz. Mas nada podia fazer, já que ela
não o escutava.
Os outros também já tinham acordado. E quando o viram pôr um
boné, um óculos escuro e barba postiça, ficaram sem entender nada.
- Aonde vai assim? – Perguntou Ciana.
- Ao Hotel onde o governador está hospedado.
- Mas é dia da missão. – Ela alertou, sem necessidade.

- Exatamente por isso. Não confio em Armand. Nem devo satisfações


a Victor. Quero ver com meus próprios olhos o que vai acontecer. Minha
intuição diz que não é coisa boa.
Ciana sabia por que ele queria ir. Por Zintrah. Mas tinha que admitir
que algo também a incomodava naquela missão. Alyha acabou se levantando,
interessada.
- Também quero saber no que isso vai dar. Vou junto.

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- Por que não vamos todos? – Ciana encarou Damon. – Se formos


disfarçados, podemos descobrir mais coisas. Inclusive de que lado Armand

está.
- Vixe, que num fico aqui sozinho com o linguarudo dos infernos! –
Miri se levantou logo. – E se a Nega precisar, to por lá!
- Eu vou também. – Disse Cigano, que estava com o grupo para tudo

o que viesse.
- Só não podemos demorar. Vou pegar um dos carros da garagem.
Usem disfarces e vamos. – Damon já saía.

Armand acordou cedo, além de ter ido até o aeroporto para receber o
governador e acompanhar o prefeito, teve que rever vários assuntos de sua
empresa. As 7:00 a recepção informou da chegada de Zintrah que ele mandou
subir prontamente.

Quando o elevador chegou à cobertura, ele a recebeu:


- Bom dia Zintrah, fique a vontade, há café na mesa.
Zintrah observou todo requinte, de fato havia bom gosto. Mas bons
modos nunca foi o seu forte. Sentou com seus quadris na mesa e respondeu:
- Guarde sua educação para aqueles trouxas lá do Castelo. Entre nós
não cabe isto meu querido.
- Eu sou calado, mal educado, não. - Respondeu ele.

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- Eu sou má educada e isto não é um problema para mim. - Ignorando


sarcasticamente as cadeiras presentes.

Armand sentou-se a mesa e, pegando uma xícara de leite, lhe disse:


- Que seja. Mudando de assunto, hoje de madrugada fui receber o
governador e andei sondando a respeito do que ele poderia trazer de interesse
para decifrar o tal enigma. Ele trouxe uma peça para doar ao museu do

centro, mas não tive acesso, está em uma caixa de metal.


Ela respirou e rebateu:
- E?
Armand colocou os pés sobre a mesa, como faz costumeiramente no
castelo de Victor e completou:
- Nada. Não tive como saber do que se trata e ele não me deu o menor
acesso. O que quer que seja está na caixa, se estivesse na peça nós só
precisaríamos esperar que ela fosse colocada à mostra amanhã.

A meretriz enfim ergueu-se, puxou uma cadeira de modo contrário ao


corpo e sentou-se indagando:
- Qual é o plano?
- Fazer uma visita quando ele não estiver no quarto - Respondeu
Armand.
- Hum ... - Ela trouxe o dedo indicador ao canto dos lábios.
- Entrar, ver o que há no cofre e sair, fácil assim - Disse ele

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novamente.
- Muito bem senhor Armand, como adentraremos o recinto? Pensou

nisto também?
- Mais fácil ainda, o prédio é meu ... Entrar no quarto vai ser mais
complicado, mas nada que eu não resolva fácil também.
- Senhorio é? - A Meretriz gracejou. – Começo a achar interessante!

- Antes de irmos é melhor tomarmos certos cuidados. O castelo de


Victor é inseguro, minha casa não. Portanto se a coisa ficar feia, retornaremos
para cá – Disse Armand.
- Por mim tudo bem, honey – Ela falou, ajeitando as luvas nas mãos.
- Bem, atrás do prédio há um beco, existe um bueiro lá, desça e siga à
direita. Há uma entrada à esquerda com uma grade, ela é móvel; remova,
entre na galeria e a recoloque no lugar. Siga em frente e suba no bueiro do
final da galeria. Acima há uma escada com uma porta de aço bloqueando com

uma trava lógica alfanumérica protegendo. A senha é zero zero obsequens. A


escadaria subsequente chega até o hall do elevador de minha casa. Há um
bloqueio a cada vinte e dois andares. Suas senhas são: vinte e três vivat;
quarenta e cinco in; sessenta e sete aeternum. Não erre as senhas de forma
alguma ou morrerá na mesma hora – Informou ele.
- Ok, senhorio – Ela disse simplesmente.
- A porta da frente tem o mesmo código do poço, sem os números.

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Geralmente uso um cartão, mas como às vezes ele estraga, o código fica
ativo. Aquela porta aberta à esquerda de onde estamos é a biblioteca como

pode notar pelos livros. Na parede ao fundo há uma porta escondida. Procure
o livro Prodigiorum Libellus. Atrás dele há um botão, aperte e terá acesso à
escadaria que leva ao andar abaixo, é a única entrada que existe. Não existe
local mais seguro nesta cidade do que este prédio. Nem o tal Hally poderia

entrar aqui com todo o seu poder. Nem por baixo, nem por cima e nem pelo
meio – Voltou a informar Armand.
- E porque daria o trabalho de minudenciar tanto uma vez que iremos
juntos, mon petit chery? - Zintrah rebateu astutamente.
Armand levantou-se, foi até a janela e continuou:
- Tudo o que posso dizer é que caso, por algum milagre, eu seja
obliterado por fogo inimigo ou “amigo”, dentro da sala abaixo há uma
gravação automática que explicará tudo o que vocês precisam saber. Falando

em saber...
Ele foi até o escritório, seguido por Zintrah. O local possuía alguns
livros bem antigos, armas brancas raras e uma mesa computadorizada. Ele
sentou-se a mesa e disse:
- Victor.
Automaticamente a tela da mesa é ativada e Victor aparece nela.
- Olá meu velho. – Disse Victor – Em que posso ser útil?

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- Você está ciente do plano, avise ao grupo. – respondeu Armand.


- Mil perdões, senhor, Zintrah está ouvindo, não havia percebido sua

presença.
- Não se importe com ela, apesar de tudo é de confiança – Afirmou
Armand.
- Entendo. E caso o inimigo aja? – Indagou o velho.

- Você está seguro, a partir de agora os poderes dele não surtirão


efeito em você e caso ele tente, basta fingir e dar informações falsas, ele não
perceberá, está muito confiante de seu poder. Não voltará a atrapalhar nossos
planos. Até – Despediu-se Armand.
Zintrah sorriu com a face embevecida num breve e doce veneno.
Agora tudo começava a fazer sentido para a meretriz.
- Então é isso. Interessante.
Armand continuou no mesmo lugar, pensativo. Momentos depois

fitou Zintrah e a encarou por um longo tempo, tempo o bastante para deixá-la
desconfortável.
- Não sei o que vamos achar no cofre, mas espero que seja algo que
nos leve ao fim desse caso.
- Onde o fim será somente um novo começo. Certo, bonitão?
- Quem sabe? - Ele respondeu.
No entanto, Zintrah pressentira onde de fato tudo aquilo poderia

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conduzir o destino da então Liga Literária, mas para a meretriz naquela altura
o que realmente contava para si era de que modo tal conjuntura a levaria a

Hally. E replicou a Armand:


- E o que exatamente ganho com isso, senhor dos mistérios?
Armand sorriu e respondeu:
- Talvez o mesmo que eu, nada, ou alguns tiros.

Ela gargalhou debochadamente e contra golpeou:


- No way, honey! Ou me fala no preto no branco o que já maquinou
ou tô fora!
- Pra este caso? Bem, não maquinei nada, é entrar, sair e ver no que
dá. Lembre-se, entrei de gaiato nessa história - Ele respondeu. Estou mesmo é
curioso. O tal Hally me deixou em paz até agora, de repente ele nota minha
existência, por quê? Só salvei a pele de alguns membros de um grupo, que
pelo que observei, ele nem queria morto - Continuou ele.

A meretriz suspirou, notando que Armand não a contaria de fato até


onde toda aquela conjuntura levaria. Contudo, entendeu que talvez fosse o
preço a ser pago pelo prato gélido de sua vingança contra seu maior algoz
Hally.
Armand continuou na dele. Sabia muito bem porque do inimigo
oculto por trás de toda essa conspiração ter notado sua presença, mas
percebeu que Zintrah, apesar de ter ouvido a conversa dele com Victor iria,

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pelo menos por hora, manter a curiosidade sob controle. Se por desconfiar
dele ou se por confiar nele, não sabia, só apostava na segunda opção.

- Muito bem, onde posso repousar até sairmos para a brincadeira? –


Indagou a meretriz, alteando uma das sobrancelhas.
- Suba as escadas e pode escolher um dos sete quartos que estiverem
destrancados, só o meu permanece fechado - Responde Armand.

Ela sorriu jocosa, ajeitou a calcinha de propósito sob o vestido e saiu


dando um tchauzinho com as pontas dos dedos.
Armand balançou a cabeça e foi cuidar de seus afazeres.
No castelo de Victor, logo que colocou o telefone no gancho,
Obsequens parou por um minuto e discorreu analisando a questão. Mandou
que seus empregados convidassem os demais componentes da Liga, mas
surpreso soube que eles já tinham partido por conta própria. O lugar só podia
ser um. Aquele em que ocorreria a missão de Armand.

A noite caiu. Armand e Zintrah prepararam-se para sua missão. Ele


foi até a sala de armas e pegou uma de suas desert eagle e seu sobretudo.
- Está pronta? – Perguntou ele.
- Nasci pronta, baby. - Respondeu a prostituta, retocando o batom da
cor do pecado no reflexo das portas esmaltadas do recinto.
- Alguma pergunta antes de irmos, Zintrah? – Indagou, sabendo que

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havia inúmeras questões na cabeça da moça, as quais ela relutava em soltar.


Ela virou-se olhando dentro dos olhos de Armand e soltou:

- Na verdade uma, mas vou guardar para hora certa.


- Muito bem, então vamos – Disse Armand, apontando para o
elevador.
Eles se encaminharam para o hall de entrada e quando fecharam a

porta de entrada, Armand foi para a porta do elevador e falou:


- Alfred.
Ao que uma voz imediatamente respondeu:
- Sim, Senhor?
- Modo de segurança, nível sete.
-Afirmativo, Senhor.
Após isso, ele entrou no elevador e apertou o G6.
Setenta e três andares abaixo a porta se abriu. No subsolo hvia cinco

carros, um Escort Coswort 2000 azul, um Trans-Am 92 preto, um Escort


2014 e um Galardo 2072 vermelho. Eles se dirigem para um Civic 2071 prata
e saíram com ele.
Durante o percurso Zintrah observava o Senhor Misterioso em seus
ínfimos predicados. Nunca estivera tão atenta a tudo. Quem realmente era
Armand? O que escondia no meio de tantas entrelinhas? Sabia que ele a tinha
escolhido por alguma razão além de seus singulares préstimos já tão

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conhecidos. O que a meretriz almejava era agora descobrir que peça Armand
tinha separado para sua pessoa, mero peão ou cavalo, peça certeira num

tabuleiro quando bem conduzido?


A dupla chegou ao Hotel Aeternum. O hotel mais famoso da cidade e
o mais luxuoso também. Os funcionários adoravam uma visita surpresa do
chefe, mas nesse caso não era tanta a surpresa, já que o governador da Bahia

estava hospedado lá. A segurança era cerrada, havia câmeras de vigilância em


todas as paredes, em todos os andares. A polícia estadual também estava lá,
acompanhando e garantindo a segurança do governador. Mas ninguém deu
atenção à jovem que chegou com Armand. Já que estava com ele não era
nenhuma ameaça, pensavam. Então, apesar da curiosidade em querer saber
quem era a mulher que o acompanhava, ninguém no hotel, hóspede ou
funcionário, sequer a reconheceu dos noticiários ou pensou em relacionar
uma com a outra.

Eles foram direto para o escritório de Armand. Típico local de


reuniões e administração, nada demais apesar de ser tudo caro.
- Ok, este é o plano. Vou subir, entrar no quarto, pegar o que quer que
tenha dentro do cofre, examinar rapidamente e voltar. Então saímos daqui
sem deixar suspeitas. Caso algo dê errado, você sai do prédio com minhas
descobertas e eu fico para trás te dando cobertura.
Nas últimas palavras do moço a meretriz completou:

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- Bora lá, chefia!


Armand aproximou-se de um duto de ar e o examinou, depois foi até

sua mesa e pegou um par de luvas em uma gaveta, calçando-as. Ele faz
questão de mostrá-las a Zintrah, são pretas em seu dorso e cinzas em suas
palmas. Ela não entendeu porque ele agiu como se fosse um mágico de salão
mostrando as luvas daquela forma. Ele retornou à abertura do duto e,

voltando-se para ela, disse:


- Pode apagar as luzes um segundo?
Como para a prostituta aquilo fazia parte do jogo que aceitara fazer,
assim o fez. Ela apagou as luzes e quando voltou a ligá-las, Armand havia
desaparecido. Por onde ela não tinha ideia, mas imaginou que foi pelo duto, a
porta não abriu em momento algum.
Quase meia-hora se passou. Ela olhou pela janela algum tempo e
percebeu vários membros do grupo do lado de fora, disfarçados e misturados

a multidão. De repente uma movimentação estranha fora do hotel, pessoas


correndo, gritaria. A polícia cercando e fechando o lugar. Atrás de si batem
na porta e quando ela se volta, Armand está ao seu lado. As batidas na porta
continuam e ele vai até ela. Há uma camareira desesperada do lado de fora e
policiais vindo em sua direção.
- SENHOR, O GOVERNADOR, MATARAM O GOVERNADOR!
Armand nada disse, os policiais pegaram a camareira e a levaram para

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outro local. Um deles disse:


- Sr. Armand, por favor me acompanhe, houve um assassinato no

prédio. Estamos evacuando todas as pessoas que não usaram os elevadores ou


escadas aqui do térreo, estão insuspeitas. Vamos isolar o prédio e interrogar
todos os que usaram os elevadores e escadas na última meia-hora. E como as
câmeras de segurança mostraram o senhor e sua amiga não saíram desta sala

... – Ele falou, averiguando se havia outro modo de entrar ou sair da sala, o
que não existia.
- Muito bem, vamos, querida! – Disse Armand levantando a mão
direita, com sua luva totalmente preta, para que Zintrah o acompanhasse.
- Vamos, bonitão. - Rebateu a meretriz.
Do lado de fora um dos manobristas trouxe o carro de Armand. Ele
entregou as chaves para Zintrah e disse:
- Volte para o castelo, tenho um assunto a resolver.

Zintrah o fitou, indagando:


- Razão?
Ele nada disse e desapareceu, indo para o beco ao lado do prédio.
Antes de entrar no carro, Zintrah sente um tapa em sua bunda e
quando se vira não vê ninguém próximo, mas sente algo em seu bolso. Ao
averiguar que é um papel dobrado, um pouco sujo de sangue, ela o lê, procura
a sua volta por uns instantes, entra no carro e parte para o castelo.

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O grupo disfarçado entre as pessoas fora do prédio percebe Armand


indo para o beco.
Damon observou Zintrah sair no carro e ficou mais aliviado, ao
menos ela estava fora de perigo e não era perseguida por ninguém. Mas o que

chamou sua atenção foi a ida de Armand para o beco.


Ciana trocou um olhar com ele e ambos se dirigiram para lá. Miri veio
da lateral, curioso, encafifado com tudo aquilo. Alyha ficou perto, calada.
Cigano ficou por último, atento, a mão dentro do bolso apertando seu
pequeno punhal. Não queriam chamar mais a atenção, pois o local fervilhava
de guardas e policiais, inclusive federais.
Eles seguiram para onde Armand foi, com cuidado para não serem
vistos, e o avistam mexendo em um bueiro. Antes que alguém tentasse se

aproximar mais, eles notaram uma nebulosidade a volta de Armand e quando


esta desapareceu, Hally que estava no lugar. Armand se transformou em
Hally ou este voltou a sua forma original? O vilão entrou no bueiro e
desapareceu. Eles também perceberam uma sombra negra entrando no bueiro
onde Hally entrou.
Vendo seu inimigo entrar ali no bueiro, aquele a quem queria pôr as
mãos desde a morte de sua irmã, Damon perdeu a cabeça. Dirigiu-se na

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mesma hora em direção ao beco, mas Ciana segurou seu braço, indicando os
guardas que formavam um cordão de isolamento ali. Disse baixo:

- Não sabemos se é Hally ou um truque de Armand. O lugar é um


perigo, qualquer um é suspeito. Não podemos chamar a atenção, Damon.
Ele sabia que Ciana tinha razão, mas a vontade de pegar aquele vilão
e desvendar o mistério era grande. Ela completou:

- E Zintrah já foi. Deve ter as respostas que procuramos.


- Vamos. – Damon capitulou, cada vez mais furioso por ser obrigado
a recuar, a esperar.
Alyha continuava calada. Cigano não queria ir, seus olhos ansiando
agarrar Hally, exigir sua vingança pela morte de Luna e o bebê deles. Pela
primeira vez não pensou no grupo, mas no seu desespero, na sua dor. E
avançou para o beco.
Damon meteu-se na frente dele, para impedi-lo. Mas Cigano estava

tão transtornado que mal o viu, prestes a tirá-lo do caminho.


- Não é hora, Valentin. – O ator alertou-o e foi preciso sacudir seu
braço para que o olhasse, tenso, com sangue no olhar.
- Saia da frente.
- Valentin ... – Ciana também se aproximou, percebendo a polícia
fechar totalmente a entrada do beco. – Não vai adiantar. Por favor, vamos sair
daqui.

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Por fim, a fitou, percebendo que eles tinham razão. Mais uma vez
sentiu que estava abandonando Luna com seu filho. Pois ao menos tinha que

fazer o desgraçado pagar, nem que morresse tentando.


Miri Estava nervoso e completou:
- Bora logo antes que os fardados peguem a gente!
Valentin engoliu seu ódio, concordando com um gesto de cabeça.

E eles saíram dali, procurando não chamar a atenção.

Todos retornam ao castelo, Zintrah chegou por último, levando


consigo a resposta do enigma. Ela rompeu as portas do Castelo como uma
loira estonteante, fazia parte do ego dela mostrar que era uma parte
significativa da trama de Armand.
- Muito bem, amores. ... - Lançado o olhar para Damon e Ciana. -
Sugiro que a hora do babado enfim chegou? - E sentou-se, cruzando as

pernas a espera que os demais a enchessem dos torrenciais questionamentos


de sempre.
- Como o governador apareceu morto? E por que Armand foi para
aquele beco, se transformando em Hally? – Damon encarou Zintrah,
compenetrado.
- E qual era a pista da missão? – Ciana esperou a resposta da meretriz.
Zintrah sorriu jocosa. Naquele momento tinha que decidir: ou jogava

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enfim pela Liga ou por si própria como sempre fez desde o início.
- Doces crianças, sei tanto quanto vocês, ou seja, nada. No entanto, há

uma coisa que posso lhes revelar.


O que fez com todos parassem o frenesi de questionamentos e o olhar
de Alyha ressaltar sobre Zintrah.
- E o que é Nega? - Indagou Aracaê. - "Ocê" pintou o cabelo, não foi?

Ah, eu percebi logo que botou os pés ali e ... -Desta vez foi a mocinha do
Totó que lhe deu uma olhada daquelas.
Ele parou um momento.
- Já entendi! - Gritou o pequeno. - "Ocês" são tudo chato demais
,"sô"!
Zintrah recuperou a forma e colocou a seguinte menção:
- Hally está entre nós. Ele é um de nós.
A meretriz botou a mão nos bolsos e retirou um pequeno papel

dobrado. Com toda a delicadeza ela o desdobrou e entregou a Victor que


apenas observava o que diziam seus “colegas”. O ancião esboça um sorriso
ao ver o que estava escrito e disse para os demais:
- Sua acusação é séria, mas não infundada. Enfim agora temos um
norte. Melhor ainda um sul e um oeste. Aquele grande filho da mãe
miserável. Dessa vez não temos uma charada, temos uma resposta. Ouçam o
que diz o bilhete:

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“Dados do cofre do governador 17°53'25.98"S; 39°20'7.00"O.


Quanto ao resto, 532598 código de tranca eletrônica, onde não sei, vou em

busca de respostas.
PS. Não me esperem para o café”.
A.
Victor continuou:

- Armand corre perigo. Ir até as coordenadas sozinho é tolice. De


qualquer maneira, não podemos deixar essa oportunidade de solucionar de
vez esse caso passar assim. Seja Armand, o que pessoalmente não acredito,
nosso inimigo ou não, essa é nossa chance. Vamos acabar com isso de uma
vez por todas. Temos que partir imediatamente. E lembrem-se: Hally é
mortal, não sejam gentis com ele.
O velho disse estas últimas palavras com o peito aberto de alguém
livre de um cárcere, mesmo um não físico, mesmo não podendo estar no local

da batalha e participando da luta ele se sentiria vingado caso Hally fosse


eliminado. Mas ainda se preocupava, todo o grupo no mesmo local, da forma
como seu inimigo comum queria. “E se ele conseguir abrir o portal? Que tipo
de monstro poderá se tornar? O velho poderá detê-lo se conseguir esse poder
imensurável?”, pensou ele.
- Então era isso, coordenadas. Quem nos mandou para as missões
queria nos dar um endereço. De Hally? – Indagou Cigano, encarando Victor.

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– Já sabe a localização dessas coordenadas?


- Sim.

- E o que estamos esperando aqui? – Damon se levantou. – Pelo visto


chegou a hora da luta. De podermos olhar na cara de Hally e desvendar o
porquê de tudo isso.
- Eu estou prontinho para cair na porrada com aquele cabra safado! -

Discorreu Aracaê, dando soquinhos no vento e chute, o que arrancou riso de


Alyha, que falou:
- Anão patético!
Miri empinou o dedo indicador para ela todo invocado, quando
Zintrah o advertiu o puxando pela cinta:
- Vem com a mamãe vem, senta aqui ... - Lançando com força em
cima do sofá onde estava sentada e completando: - Senta e aprende com a
mamãe. - Lançando um olhar que o pequeno temia.

- Será que Valaistu também foi levado para esse endereço? - Ciana
olhou para os outros, ansiosa. - Acho que finalmente formaremos a tal Liga,
não é, Victor? Lutaremos lado a lado contra nosso inimigo, cujos poderes
nem sabemos ao certo quais são!
Victor olhou para a jovem e num riso deleitoso disse:
- Está na hora minhas doces crianças!
- Mas a dúvida continua. - Disse Damon. - Além de Hally, há mais

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um traidor entre nós. Pode ser Armand ou um dos aqui presentes. Então, todo
cuidado é pouco. O ataque pode vir de onde menos esperamos.

Alyha rebateu:
- E se isso for uma cilada? Quem nos protegerá, velhote?
Foi ao ouvir a menção do ator que a meretriz elevou-se tirando o
punhal e trazendo outro predicado. Madame sentou cruzando as belas pernas

na ponta da mesa e foi enfática:


- Como sabem, talvez de todos aqui presentes, fui a única a ter contato
mais íntimo com Hally. - Quando foi interrompida por Miri:
- Nega, ocê deu foi o caminhão de sorvete para o cabra, né?
Zintrah o olhou de novo e este se escondeu atrás do ator, que também
não ficara satisfeito com aquela verídica constatação. Valentim mantinha-se
quieto, ainda se remoendo por ter deixado Hally escapar, querendo partir logo
para a maldita batalha. Era um custo se conter.

- Prosseguindo. Houve certos detalhes ao longo de nossa estadia no


castelo que me chamaram a atenção. No começo cri que poderia ser ...
- Saudade? - Damon ironizou.
- Gana, sede de vingança. No entanto, não foi. Por quatro vezes,
coisas aconteceram.
- Tipo? - Alyha se jogou com os coturnos no sofá aveludado.
- Uma noite ouvi a voz dele ecoando pelo castelo. Todos aqui sabem

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que sou uma criatura noturna.


- Vagaba agora mudou de nome, é? - Cutucou a ruiva. Zintrah esticou

a mão e fez parecer um revólver atirando nela, soprou com os lábios os


carnudos e voltou a explicar-se:
- Porém, não consegui encontrar de onde vinha sua voz, dado o eco
prodigioso desse amplo recinto. Em outra ocasião, encontrei a primeira, a

segunda, a terceira bituca do charutos que ele costuma usar e posso lhes
mostrar, estão guardado em minha alcova. E antes que alguém questione
como sei, deixo claro que fui eu mesma quem o apresentou a marca deste
fumo. E desde então passei a perceber que sempre que estamos juntos como
agora um leve aroma de uma madeira rara da Ciclides perpetua entre nós.
- E daí? - Cigano questionou.
- O perfume que Hally usa desde quando o conheci e que segundo
confidência dele em nossos tórridos momentos, - instigando Damon. -

Contou-me que nunca o troca em virtude de uma alergia muito rara que
possui.
Ciana se sentiu gelar e olhou para os que estavam a sua volta.
- Quer dizer ... Hally é um de nós?
Na sala estavam Victor, Ciana, Alyha, Zintrah, Damon, Miri e
Cigano. Todos se entreolharam.
- Antes achei que por alguma razão conseguia entrar aqui, mas haja

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vista o aroma como agora, certamente ele é um de nós.


Alyha protestou:

- Ele poderia ser você, Madame Zintrah. Não pode se tornar qualquer
pessoa?
- Não careço dizer que com 1.45cm não tenho a menor possibilidade
de ser, né? - Miri mais uma vez se invocara com sua estatura.

- Esse é um dos poderes dele? Mudar a aparência? Sabe algo sobre


isso, Victor? - Indagou Damon.
A Velha raposa veio com um cenho fechado e preocupado:
- Não. Confesso que estou tão surpreso quanto vocês. Zintrah querida,
por que não contou isto antes?
- Não aceitei entrar na Liga para brincar de time do futebol. Nunca
escondi isso, se contei agora é porque agora isso cabe ser dito.
Damon sentiu o ódio corroê-lo por dentro. Imaginar que conviveu

aquele tempo todo ali no castelo com o assassino da sua irmã ... Mas ficou
imóvel, apenas observando. Como saber qual deles era Hally?
- Isso explica a morte de Gibran. - Ciana falou, furiosa. - Por isso ele
vivia latindo, parecia perseguir alguém no castelo. E por isso foi assassinado.
Damon foi para perto dela e disse baixo:
- Durante nossa ida a esse endereço, não saia de perto de mim. E fique
atenta.

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A moça era a única que Damon confiava ali. Nem mesmo Zintrah,
com toda paixão que despertava nele, escapava da chance de ser Hally. Ciana

apenas concordou com a cabeça.


Cigano Valentin se levantou, olhando a cada um atentamente. Quem
era Hally? Quase perdeu a cabeça, mas logo soube que seria em vão. Quem
quer que fosse, não se denunciaria. Teria que desconfiar de todos e lutar

prestando atenção a sua volta, sem perder a chance de agarrar seu inimigo.
- Como o maldito não vai se entregar, é melhor irmos logo de uma
vez até o local que as coordenadas indicam. Sendo ou não armadilha, não dá
para ficarmos aqui de braços cruzados. - Damon encarou Victor. - Dê-nos
logo o endereço.
- Não nos precipitemos. – disse Victor - Vamos nos preparar, peguem
o que achar necessário, armas, mantimentos, roupas, enfim, e dirijam-se ao
cais. Tomarei as providências para a sua ida ao ponto determinado, passarei

as coordenadas aos seus GPS.


Horas se passaram. Longe dali, no litoral, Hally, ainda se parecendo
com Armand, aproximou-se de um prédio abandonado, inacabado, sobras do
que viria a ser mais um residencial no litoral de Nova Viçosa e que devido a
guerra não foi completado. O prédio solitário abrigava apenas dois
moradores.
A porta do subsolo se abriu e o quarto, se é que pode ser assim

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chamado, é pequeno, escuro, úmido. Sua ocupante algemada com correntes


que a permitem andar no espaço de sua apertada prisão, mal se move pela

fraqueza de sua portadora. Dentro do local apenas uma cama e uma janela
diminuta.
- Olá, irmã – Disse o vilão.
- Essa forma? Por quê? – Indagou a jovem e fraca Alyha.

Ele pegou um pouco de água em uma jarra de barro e bebeu,


respondendo:
- Me é confortável, menos dispendiosa energeticamente, melhor
continuar assim por um tempo. Agora a tal Liga tem algo a mais para se
preocupar, afinal, eu sempre fui um deles. E quando chegarem aqui ... Ah,
sim, não faça essa cara de espanto, eles estão mesmo vindo. E ao chegarem,
vão me dar aquilo que eu sempre desejei. – Disse Hally.
Reunindo módica força que lhe restara, tentou se desprender com o

intuito de que com os pés conseguisse chutar ao menos as partes do


desgraçado fraterno, porém não conseguiu e tudo que arrancou dele foi outro
riso sarcástico.
- Alyha, Alyha, agora estou tão perto de me tornar um deus vivo! Não
se preocupe, irmãzinha, haverá espaço para você em meu paraíso, afinal
somos uma família feliz, ou seremos, queira você ou não. – Afirmou o vilão,
saindo do pequeno quarto.

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Alyha ficou pensativa, mas notou por um instante uma movimentação


em sua prisão. Ela observou o jogo de sombras se movendo para perto da

porta e disse:
- Ainda sabe brincar de gato e rato, maninho?
A sombra se detém. “Não sou seu irmão”, ouve Alyha em sua mente.
Foi quando mesmo que confusa concentrou-se deixando seus olhos

marejados, pensando que enfim a salvação pudesse aportar:


- Quem é você?
Novamente em sua mente ela ouve: "Isso não é importante agora".
Ela aquietou-se e acreditou naquela voz, mas observava tudo que
sucedia a sua volta. A sombra continuou seu trajeto até a porta e se deteve
por um tempo. Alyha sentiu que estava sendo observada pela sombra.
Depois de muito tempo voltava a sentir uma leve sensação de segurança,
apesar dos pesares, e soltou a primeira indagação:

- Charadas? - Esperando a resposta.


A sombra aproximou-se mais de onde ela estava e ficou em silêncio a
observando, subitamente fez um sinal de "não" balançando o que seria o
indicador. Alyha se concentrou ainda mais. Desta vez foi mais firme:
-Perigo?
A sombra não se moveu, percebendo o esforço que a jovem fez para
usar o pouco que restava de suas forças, ele lhe respondeu secamente,

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tentando poupar a jovem:


"Não perca suas energias usando seus poderes, irá morrer dessa forma

Alyha".
E então ela soube que poderia confiar em suas poucas expectativas de
sobrevivência. No entanto retrucou:
- Cuidado! Ele quer bem mais do que pensam.

"Sei exatamente o que ele quer, por isso estou aqui", responde a
sombra.
- E o que vai fazer a respeito?
"Permitir que consiga" a sombra disse simplesmente.
A jovem retorceu-se, revirando os olhos:
- É muito pouco, meu caro. Meu irmão é uma mente doentia, vil e
abissalmente cruel - E quase desfalecendo, sussurrou: - Precisa saber de uma
coisa ...

"E o que seria?", indagou a sombra.


Na soma de suas forças, resmungou antes de esvanecer:
- Hally na ilha se passa ... por ... - E sucumbiu à fraqueza do seu
corpo.
A sombra cobriu Alyha por alguns instantes, os ferimentos de seus
pulsos devido as correntes desapareceram, mas a deixou em paz em seguida,
saindo do aposento.

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Do outro lado da porta, Hally falava ao telefone celular com um de


seus homens:

- Tomem posição, estejam preparados, e lembre-se: se um deles vir a


morrer, vocês sofrerão como no inferno antes de serem mortos.
O prédio de uma hora para outra se tornou uma fortaleza. Homens,
dezenas deles, armados com os mais diversos tipos de armas montavam

guarda em todos os andares e no último andar, inacabado, da estrutura. O


penúltimo andar se tornou o ponto mais protegido e Hally levou Alyha para
lá e a coloca em um local igual ao anterior. Dentro do último apartamento
deste andar ele mantinha o pobre Valaistu, preso e inconsciente.
Enquanto isso na ilha, a Liga começa a se reunir no litoral.
Valentin preparou-se com suas duas pequenas adagas que armava
entre os dedos médio e indicador, ambas com base em forma de dragões
cuspindo fogo. Eram antigos artefatos do seu povo, um dos poucos que lhe

restava. Amarrou o lenço preto no cabelo e fez suas orações. Não pedia para
sobreviver. Mas para vingar a morte de sua esposa grávida. Se isso ocorresse,
cada sangue derramado valeria a pena, inclusive o seu.
Ciana não tinha a menor intimidade com armas ou como lutar. Damon
tinha lhe dado umas aulas de tiro, ensinado alguns golpes para se defender,
mas mesmo assim sabia que era a mais fraca do grupo. Teria que contar
basicamente com seus poderes.

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Sentia como se estivesse indo para um suicídio. Não sabia o que a aguardava,
quem era o inimigo infiltrado entre eles, ou o que realmente iam enfrentar.

Mas que outra opção tinha? Desistir de tudo e passar a vida perguntando a si
mesma por que Hally matara seus pais? Se culpando por não ter feito justiça
quando teve a oportunidade? Não. Só lhe cabia enfrentar o que tinha pela
frente.

Enquanto cada um se preparava no castelo, ela vestiu calça e blusa


preta, botas confortáveis, pegou duas pistolas, colocou-as no cinto e foi em
direção ao quarto de Damon. Sentia falta de Gibran a seu lado, seu fiel
companheiro. E queria vingar a morte dos pais e dele, causadas por aquele
desgraçado do Hally.
Não bateu à porta. Entrou e pegou Damon só de calça escura, sem
camisa, descalço, ainda se preparando.
- Ciana ... - Franziu o cenho, surpreso pelo modo que entrou ali e que

se dirigiu a ele, decidida.


Ciana abraçou-o pelo pescoço e beijou-o na boca com todo seu amor
e sua paixão, deixando os ciúmes e desentendimentos para trás. Naquele
momento nada importou, além do fato de estar com ele.
O ator a segurou firme e retribuiu o beijo. Depois de tantas dúvidas e
indecisões, ambos se davam conta que poderia ser o último beijo. Mesmo ali,
naquele momento tão especial, ele se sentia dividido entre Ciana e Zintrah e

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talvez nunca tivesse tempo de saber o que realmente queria. Mas sabia que
amava e desejava Ciana, assim como a Zintrah. De maneiras diferentes.

Quando Ciana afastou a cabeça, olhando-o, perguntou rouco:


- O que foi isso? Um beijo de despedida ou de sorte?
- Não sei. De todas as armas disponíveis para nós, essa era a única
que eu precisava, Damon.

E foi neste mesmo intento que a meretriz adentrou a alcova do ator.


Queria enfim usar o resto de sua sinceridade e confessar o quanto realmente o
amava e quanto desejava que após aquilo tudo, caso houvesse tempo, gostaria
de viver o tal sentimento. Mas ao girar a porta, Zintrah entendeu mais uma
vez que aquilo embora forte não foi feito para ser vivido por alguém como
ela. Alguém feito uma prostituta, uma mera e pura Meretriz.
Damon viu Zintrah na porta, fitando-o com aqueles olhos verdes que
pareciam arder. Seguindo seu olhar, Ciana também a viu e suspirou. Disse

baixo:
- Parece que até aqui, no final de tudo, nós três nos encontramos.
A meretriz alteou o olhar e rebateu:
- Perdoem, errei a porta. - Já se preparando para sair.
- Zintrah! - Ciana adiantou-se a Damon, chamando-a. Quando a
meretriz virou-se, continuou: - Damon não me chamou aqui. Eu
simplesmente entrei e o beijei. Sabe por quê?

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- Definitivamente, a sua vida amorosa não me interessa, Ciana. -


Evidenciando a complexidade de tudo para ela ao citar pela primeira vez o

nome da jovem.
- Mas vou falar assim mesmo. - Ciana encarou-a diretamente. - Acho
que se algum de nós aqui tem mais chances de morrer hoje, sou eu. Você viu
na nossa missão, sem meus poderes não sou nada. Vim aqui para ter esses

poderes, já que dependo do contato físico. Mas não apenas isso. Também
queria ter uma última lembrança doce do homem que amo, se as coisas não
derem certo. Só quero que saiba que, apesar de tudo, de querer ver você pelas
costas, foi bom ter lutado com você ao meu lado.
A meretriz esboçou um riso debochado, caminhou até a moça, tocou o
queixo dela e foi enfática:
- Você se daria bem nas décadas de 80, 90 ou 2000. Eles valorizavam
tanto esses dramalhões mexicanos. É bonitinha. Que pena que o tempo não

volta, pois teria a sua chance dourada e recuperaria meu tempo perdido! -
Fuzilando o ator com um olhar bélico.
- Olha, vamos enterrar tudo isso por enquanto e nos concentrar em
destruir Hally. - Damon interferiu, passando nervosamente a mão pelo
cabelo.
E foi então que ele conseguiu o que não queria. Zintrah foi até
Damon, rebatendo:

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- Por enquanto? Para quem, querido? Pois para mim ... - batendo
contra seu peito. - Morre agora! - E retirou-se do quarto.

- Não queria confusão. - Ciana olhou-o.


- Deixe pra lá. - O ator foi até a cama e vestiu sua camisa, um tanto
abalado e dividido. Enquanto se preparava, olhou-a e foi taxativo: - Procure
ficar perto de mim, haja o que houver. Não esqueça, Ciana.

- Certo.
Zintrah desceu os longos corredores indo direto para os fundos como
um foguete. Foi quando Miri, que se aquecia em abdominais cujo não
alcançava as pontas dos próprios pés, mas estava firme para lutar pela Liga,
por si a viu passar e rompeu atrás dela.
Zintrah já estava armada com seu punhal escondido no crucifixo e
doses cavalares de tetrodoxina. Mas parecia enfim que ia jogar por si só.
- Nega? - Miri a chamou e espantou-se porque do rosto dela viu

lágrimas rolarem, como jamais supôs sequer que haviam nela. - Nega...
- Me deixe, Nanico! - Ordenou.
Com muito cuidado o pequeno projetou-se diante dela e colocou sua
faca no chão. Ela retrucou limpando o rosto e respirando:
- Enlouqueceu?
Aracaê riu, alisando as pontas de suas longas madeixas e firme disse:
- Se ocê não for, Nega, eu não irei.

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Zintrah quis saber:


- Como não? Precisa vingar a morte de seus pais é por isso que está

aqui!
Miri sacudiu a cabeça e com a sinceridade de uma criança falou:
- Esse foi o motivo que me fez entrar aqui. Se ainda estou aqui é por
você. Quando todos me olharam, só ocê me viu e me deu guarida naquela

noite fria depois da reunião do bilhete. Soube que ocê podia ser tudo que é,
mas há bondade no seu coração, só carece da gente querer oiá melhor. De
onde venho, a morte de pai e mãe se vinga sim, mas a lealdade a um amigo
vivo não tem preço que pague!
E então ela deixou as lágrimas rolarem, agachou e o abraçou como
abraça um irmão, e então Madame Zintrah entendeu o que era amor
incondicional. Ergueu-se, segurou no queixo de Miri e foi assente:
- Quer ir para porrada, Nanico?

Aracaê deu uma gargalhada gostosa e soltou das suas:


- Vamos, que tô doido para pegar esse cabra pelas zureia!
No cais particular do castelo, os seis se reuniram, armados, com uma
infinidade de outras armas disponíveis para eles no barco veloz que os levaria
aos seus destinos. Mas principalmente se garantindo em seus poderes.
Mesmo defasada e enfrentando os desentendimentos de seus membros, a Liga
estava formada. O barco rompeu as ondas e, a cada vez que se aproximavam

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daquela clareira entre o rio e o mar, cada um deles esqueceu seus


desentendimentos e pensaram em seu passado.

Era hora de vencê-lo.


No prédio abandonado, Hally andava de um lado a outro verificando
o andamento de seus preparativos. Ele seguiu para o subsolo. No ponto mais
profundo do prédio um amplo estacionamento dava lugar a uma sala ritual.

Ao centro, uma enorme mandala podia ser vista.


Hally a circulou e retocou palavras escritas em uma língua há muito
morta que rodeava a grande imagem. Ele a observou e sorriu. "Em breve
minhas ambições estarão concretizadas" pensou ele.
No alto do prédio, no local onde Valaistu estava preso, uma sombra
adentrou o recinto. O jovem monge sentiu suas energias voltando para seu
corpo e recobrou a consciência. Ele ouviu a chuva forte que havia começado
há pouco.

A sombra se afastou indo em direção da porta. O jovem a observou.


Segundos após a saída da sombra, Hally adentrou o recinto.
Ele notou que o monge estava com a consciência recuperada, apesar
de ainda psicologicamente fraco. Ambos apenas se fitaram, nada dizendo. O
vilão pegou parte da corrente que prendia o jovem e o golpeou,
desacordando-o. Em seguida estalou os dedos e alguns homens entraram no
apertado recinto, removendo o jovem de suas amarras e o levando para outro

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ambiente no mesmo andar.


Lá dentro, na mais profunda escuridão, o jovem acordou, sem saber

quanto tempo ficou desacordado daquela vez. Um som é ouvido. Do alto,


uma voz conhecida ecoava na escuridão:
- Ei ... já acordou? Seu corpo ainda dói? – Disse o vilão.
- Hally... onde você me colocou?

- Mongezinho... pobre... você me obrigou a tomar atitudes drásticas.


- Hally... onde você me colocou? – Ofegante, insistia Valaistu, que no
meio daquela escuridão tentava se erguer. Ele sentia que sua perna direita
estava quebrada, além de umas três costelas, o que dificultava a sua
respiração.
- Você... desde pequeno me dando trabalho.
- Hally... você não sabe do que sou capaz! – Ameaçava Valaistu,
enquanto que mancando tentava, com as mãos, tatear as paredes daquele

local.
- Mesmo nessa situação, você tem a ousadia de me ameaçar?
Admirável.
Ofegante, não só pelas costelas, mas também pela opressão que lhe
causava aquela escuridão, ponderou Valaistu:
- A sua arrogância... guarde bem essas palavras... a sua arrogância
será a sua condenação.

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Aplausos vinham do alto, juntamente com uma forte gargalhada:


- Não tenho tempo para os seus sermões, pseudomonge mestiço. Acho

que você já percebeu onde você está. Você... como de costume, me obrigando
a ser criativo.
Valaistu, mancando, percorreu aquele espaço retangular, de poucas
dimensões. Ao perceber a sua situação, respondeu:

- Você... você é doente.


Outra vez rindo, Hally prosseguiu:
- Obrigado pelos elogios. Se você se comportar direito eu tiro você
daí. Você sabe o que tem de fazer.
- Eu nunca deixarei que você se apodere de minha mente. –
Respondeu o monge.
- Vamos ver até onde vai a sua obstinação, até onde conseguirá
manter esta barreira psíquica. – Antes de se afastar do local, ele completou. –

Não perca seu tempo tentando usar seus poderes, pois o lugar onde eu te
enterrei está revestido de concreto e aço.
Valaistu, tomado pelo desespero e ódio gritava, enquanto ouvia os
passos de Hally se afastando do local:
- HALLY! HALLY!
Depois que aquele homem se foi, um silêncio sepulcral tomou conta
do ambiente. Arfante, Valaistu andava sem direção, naquele cubículo. O

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desespero estava dominando todo o seu corpo. A escuridão parecia tão


espessa, que ele tinha impressão que poderia tocá-la com as mãos. Faltava-

lhe ar por causa das costelas quebradas, mas também por causa do desespero
e da sensação de que aquele lugar encolhia a cada passo que ele dava. O
silêncio também era motivo de tortura. O coração do jovem saltava no peito,
e por causa da ânsia extremada ele começou a expelir pelos poros bastante

suor. A sensação de que o ar estava diminuindo fazia vir uma mistura de


sufocamento e náusea. Ele continua a caminhar pelo cubículo, tateando as
paredes, ao mesmo tempo, tomado pelo pavor, insistia:
- Meu Deus... meu Deus... meu Deus...
Valaistu tinha perdido completamente a noção de tempo naquele
lugar. Já não sabia se já tinha passado minutos ou horas desde que foi
colocado ali. Ele se sentia totalmente impotente. Diante de Hally, na capela,
ele não viu muitas alternativas, pois não poderia usar os seus poderes de

maneira frontal. No entanto, ele poderia usá-lo indiretamente, como o fez.


Ali, na penumbra total, sem luz, sem terra a disposição, a manipulação dos
vegetais era praticamente impossível. Era a primeira vez em sua vida, desde
que adquiriu os poderes do livro, que ele se viu naquela situação:
impossibilitado de manipular. Por isso, além do pânico de estar enterrado
vivo, também era presente nele um vazio atroz, como se aqueles poderes
fossem algo constitutivo de sua personalidade e o fato de não poder usá-los

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fazia-o sentir-se incompleto, manco, não só fisicamente, mas em seu interior.


- Socorro! Socorro!- Gritava inutilmente.

Ao erguer cabeça e se sentir rodeado pela escuridão, que parecia


querer adentrar por seus poros, Valaistu, libertando-se de seu aparente
controle começou a urrar ferozmente. Urrava como um animal ferido ou
acuado. Urrava para o mundo, para o desgraçado que destruiu a sua vida,

para Victor e todos os membros da Liga. Depois, ele começou a socar as


paredes daquele lugar, com toda a agressividade que poderia habitar em seu
corpo. Ele só parou quando os seus punhos começaram a sangrar. E
continuou urrando e urrando, até que lhe faltou ar, até que lhe secou a
garganta, até que, ofegante, ele se sentou, e com lágrimas nos olhos, tentou
controlar a respiração. Ele buscou, com todas as forças possíveis, um modo
para se concentrar. Somente silenciando o seu interior é que ele poderia
sobreviver àquela situação. Ou encontrava a paz ou enlouqueceria.

O monge em seu desespero não imaginava, mas não estava só naquele


lugar. Ele ouviu passos e sentiu um deslocamento de ar próximo de si, como
alguém passando por perto. “Não se desespere, procure a luz” ele ouve em
sua mente.
Depois de controlar a respiração, Valaistu, apesar da penumbra total,
cerrou os olhos, buscando também silenciar o caos interior. Aquela era a luta
mais difícil, pois ele via com clareza, dentro de si, milhares de imagens,

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rumores dos mais diversos. No entanto, sozinho naquele lugar, ele reconhecia
para si que era chegado o momento de mergulhar nas trevas profundas de seu

ser, revisitar as dores de seu passado para que assim algo de sublime pudesse
florescer no meio de tanto terror.
Lembranças maravilhosas vinham-lhe em mente: o passeio no
zoológico, e aquela gostosa surpresa ao ver pela primeira vez araras, leões,

girafas, tigres e tantos outros animais; as brincadeiras na sala com o pai, as


pirraças na hora do almoço. A imagem da mãe que sorria para ele, enquanto
apertava as suas bochechas. A apresentação de teatro na escola que ele
pensara que o seu pai não chegaria, devido ao trabalho, mas depois ele o viu
adentrar o teatro, bem no comecinho da peça. Até aquele sentimento de
alívio, ao ver o pai na plateia, ao lado da mãe, renovou-se em seu peito.
Doces lembranças vagueavam por sua mente e depois rapidamente
desapareciam, mas deixavam nele algum tipo de paz, que o consolava. De

repente, era como que aquele lugar tivesse adquirido outras proporções, já
não lhe pesava tanto a dor, nem a ideia de estar enterrado em algum lugar que
dificilmente alguém encontraria.
Ao mesmo tempo em que ele mergulhava dentro deste oceano de
consolação e de paz, começaram a vir em sua mente todo o terror que ele
viveu naquela noite, na qual perdera seus pais. O controle cruel de sua mente,
a vermelhidão do sangue por toda a parte. No início ele pensou em negar

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aquelas imagens e lembranças e abrir os olhos, mas depois ele percebeu que
era necessário também passar pelo crivo da dor para, quem sabe, superar as

inseguranças e medos que o cerceavam e que ele fazia de tudo para negar.
Então fluíram por sua mente as súplicas e desespero de sua mãe, o pavor do
pai ao ver o próprio filho degolar a sua esposa, mais uma vez o escarlate do
sangue na sala, na cadeira onde estavam amarrados os seus pais, no corpo

inerte do policial e no seu pijama. Ele, ao relembrar, também reviveu todo o


terror daquela noite, a perseguição, a dor que ele sentiu ao enterrar o pé num
espinho, quando atravessava o jardim de uma praça. Todo o medo, desespero,
ao se esconder naquela biblioteca e ao ser encontrado. Todas as lembranças
apareciam e depois sumiam e nada ficava, senão um aperto no peito, uma
vontade louca de gritar e chorar e uma angústia profunda. Com tais
lembranças, novamente ele teve a sensação de que aquele lugar se encolhia e
o sufocava. Mas nem isso o tirou de sua meta.

Veio-lhe então a lembrança do toque no livro e de toda a força


assombrosa que o invadiu. Aquela luz branca, que clareava a escuridão da
biblioteca era tão real em sua mente que por um instante ele pensou estar,
mais uma vez, envolto por ela, por aquela força incontrolável. Ele continuou
viajando em sua mente e sentiu como que cheiro de terra molhada, de cedros,
de milhares e milhares de plantas, flores e árvores. Era como que ele
estivesse entrando em contato com todo tipo de vida vegetal do planeta, mas

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não só... ele sentia como que toda a força de vida dos diversos vegetais de
todas as eras estivesse de alguma forma pulsando nele. Era forte demais. A

dor, a tristeza, a alegria tornavam-se sentimentos passageiros. Um lampejo de


profunda paz cravou-lhe o peito. Não resistindo à tamanha força, ele abriu os
olhos. Assustou-se um pouco com a penumbra em sua volta e também por
perceber que sua perna e costelas estavam curadas. O jovem, com a

respiração descontrolada devido à intensidade da experiência, conseguiu


sorrir na escuridão ao concluir:
- Nas trevas também existe luz...

- Toc, toc. – ironizava Hally, ao bater com um dos pés a parte de cima
da câmara onde estava preso Valaistu.
- Hally... deixe-me apodrecer neste lugar em paz.

Uma sensação estranha passou pela mente de Hally ao perceber que a


forte barreira psíquica de Valaistu já não existia mais. “O que havia
acontecido?”- perguntava-se, com inquietude. Entretanto, ao romper o
silêncio ironizou:
- Vejo que a sua barreira simplesmente evaporou-se.
- Estou sem forças... – ponderou Valaistu, com uma voz suplicante.
- Esperava uma resistência maior de sua parte. Ao menos na capela

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daquele monastério você parecia estar cheio de motivações e lutou acima de


suas forças. Estou decepcionado, monge.

Valaistu, num esforço tremendo para manter-se em um estado de


prostração interna continuou:
- Não me importo com os seus julgamentos, Hally. Não me importo
com mais nada, afinal.

- Um monge niilista... – com perplexidade, Hally pensava em voz


alta.
Ele andou sobre a câmara, um pouco pensativo e depois, ergueu uma
das mãos com impetuosidade. No mesmo instante o corpo de Valaistu foi
atirado contra o teto daquela câmara. Hally se abaixou e com a boca perto do
chão, como se buscasse falar ao ouvido do jovem, exclamou:
- Não tente jogar comigo, orfãozinho... porque você pode se dar muito
mal.

Do outro lado, Valaistu não conseguia responder, somente gemia,


devido à forte pressão imposta a seu corpo. Em seguida, Hally se levantou e
cessando de usar seu poder deixou que o jovem despencasse no chão:
- Você não me convenceu completamente. Porém, sob o meu controle
mental, você não passará de uma marionete. Que assim seja, Valaistu. Agora
você é meu.

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Na praia, não longe dali, o resto da Liga seguia caminhando para

perto das árvores. Duas horas haviam se passado desde que saíram do castelo
de Victor. Não que o local fosse tão longe, mas as condições climáticas não
estavam favoráveis. Havia começado uma chuva muito forte após sua partida
e as ondas ficaram muito agitadas repentinamente.

Eles seguiam em silêncio para as coordenadas apontadas em seus


GPSs e quando chegaram ao local, ainda sem serem percebidos,
vislumbraram na escuridão, entre os relâmpagos que iluminam o lugar, o
prédio antes abandonado e que agora estava repleto de soldados de Hally.
O prédio estava no meio de uma clareira. Chegar despercebidos era
quase impossível, apenas a escuridão e o clima estavam a seu favor.
Lá dentro, um dos homens de Hally lhe informou que os preparativos
para a cerimônia estavam prontos.

- Os pilares também estão preparados? – Indagou o vilão, recebendo


como resposta uma balançar de cabeça de seu soldado. – Perfeito, bom
trabalho, agora esperamos os patos do cardápio. E Armand?
- Não sabemos, senhor, ele desapareceu completamente, nem nossa
rede de espiões consegue localizá-lo. – Respondeu o homem.
- Aquele miserável. Posso sentir a presença de todos menos a dele,
deve ter morrido em nosso último encontro. Melhor assim, vá, finalize tudo –

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Disse Hally.
- Sim senhor! – Respondeu o homem retirando-se do local.

Hally sorriu triunfante e disse para si mesmo:


- Ah, Victor, Victor, Victor! Não faz ideia, não é, velho? Sequer
suspeita, não é velho? – E gargalhou como nunca havia feito até agora.
Não havia um plano pré-definido, até por que os componentes da Liga

não sabiam de tudo. No que tangia a eles, podia ser mais uma armadilha,
como foram as missões em que se envolveram. Esconderam-se e observaram.
Por fim, Damon falou, em meio à tempestade e à escuridão:
- Não há muito a ser feito. Vamos invadir e lutar. Vou à frente,
congelo o que puder. Vocês vão eliminando os inimigos.
- Espere. - Ciana segurou o braço dele, molhada até os ossos. -
Preciso dos meus poderes.
E ele entendeu. Ciana o abraçou forte e beijou na boca, no que foi

retribuída, sentindo a energia de seus poderes percorrendo seu corpo,


deixando-a mais forte. Junto com tudo que sentia pelo ator, aquela energia
era mais potente naquele momento.
Observando-os, Cigano pensou na esposa desaparecida, que talvez
nunca mais beijaria daquele jeito. E sentiu a raiva dar-lhe a concentração que
precisava.
Ciana se afastou de Damon, repleta de sentimentos, fitando-o.

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Poderiam morrer naquele dia. Mas morreria com seu beijo na lembrança.
Damon a olhou, sorriu e saiu detrás da árvore, correndo em direção ao prédio,

sacando do bolso uma pistola carregada, caso precisasse usar. Espalharam-se,


unidos, preparados. E o ataque começou.
Na frente do prédio espalhavam-se vários homens armados. Quando o
viram, já era tarde demais. Congelou-os no lugar e correu no meio deles, sua

intenção fixa nos portões imensos e gradeados.


Zintrah puxou Aracaê pela gola, colocando-se atrás deles, não podia
usar seus poderes, não era na hora certa. Entretanto, isto não a impediria de
lutar uma vez que com seu punhal em mãos. Tanto a prostituta e o pequeno
pássaro briguento fariam justiça a arte de dominar armas brancas.
Cigano usou seu poder sobre os elementos, naquele caso, causados
pela tempestade. Concentrado, fez raios caírem sobre alguns soldados à sua
frente, matando-os sem remorso. A outros, empurrou com uma rajada de

vento em direção a um penhasco à direita do prédio, despencando-os. E então


puxou seus dois pequenos punhais, prendendo-os entre os dedos, preparando-
se para o que iria encontrar no interior da construção abandonada.
Alyha, como os demais, estava pronta para a guerra tão esperada e as
surpresas que a mesma poderia ou não lhe advir, afinal ela também tinha uma
missão e esta estava cada vez mais próxima de se cumprir.
Ciana não queria atacar os soldados congelados por Damon, mas

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sabia que não tinha como evitar. Tão logo ele entrasse no prédio e saísse
daquele ambiente, eles voltariam ao normal e os perseguiriam. Assim, sacou

as armas que a ensinaram a usar e foi acertando-os, não para matar, mas para
tirá-los de combate. Um tiro no joelho, no braço, na perna e assim por diante.
Corria atrás dos outros.
Zintrah e Miri logo encontraram companhia, com golpes céleres e

certeiros amenizavam o fulgor de alguns soldados, eram sincronizados por


mais distintos que fossem em alma ou estatura, duas máquinas perigosas cada
um com seu artefato.
Damon empurrou os portões e olhou para trás, vendo que os
companheiros chegavam perto. Nisso foi atacado, levando um soco de um
soldado que veio do lado de dentro, tão violento que derrubou-o no chão. O
ator caiu na lama e girou para o lado para fugir de um chute, vendo que mais
soldados vinham pela frente. Atirou no peito do primeiro e do segundo.

Ergueu-se logo, dando uma cotovelada na cara de outro e mandando bala


para quem se metia em seu caminho.
Ciana veio atrás dele e viu alguns soldados nas colunas do alto,
armados, mirando para eles. Derrubou-os lá de cima, olhando em volta
assustada. Reuniram-se os seis na entrada do prédio.
Palmas foram ouvidas. Mais soldados aparecem cercando o grupo e
no meio das sombras, caminhando tranquilamente surgiu a figura de Armand,

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ou Hally, ninguém soube. Ele parou de braços cruzados e lhes disse:


- Parabéns por encontrar esse lugar. Não sei como o fizeram ao certo.

Ok, eu sei, os bilhetes. Só gostaria de saber quem os enviou. Bem, de


qualquer maneira estão bem onde eu queria que estivessem. Vamos brincar
um pouco insetos?
Ele abriu os braços com as palmas das mãos voltadas para o grupo e

aguardou o primeiro ataque. No cimo do prédio um vulto negro a tudo


observava, mas o grupo não o notava.
Zintrah o fitou:
- Enfim amor!
Aracaê Miri Brasil, olhou-a de cima abaixo e meio ao caos soltou das
suas:
-Nega, ocê num deixa passar nada! Vixe!
Damon não esperou conversa. Ergueu a arma e atirou na cabeça do

inimigo que odiava mais do que tudo, sabendo que seus poderes não
funcionariam contra ele.
Ao ouvir Zintrah, Armand esboça um sorriso, mas é atingido no rosto
por um tiro vindo da arma de Damon, ele leva a mão ao rosto, limpa o sangue
e dá um suspiro dizendo ao mesmo tempo:
- Garoto idiota. Bem, vamos lá.
Armand se movimenta rapidamente e atinge Damon em seu abdome,

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derrubando-o longe.
- Vocês são patéticos.

Com um movimento de suas mãos Armand derruba todo o grupo


levantando uma coluna de poeira onde se encontra.
- Ataque-os - diz ele.
Seus homens avançam atirando.

Alyha num ímpeto disparou:


- Sei que parece estranho, mas acho que devemos unir nossos poderes
contra o bosta ai!
Ciana, furiosa ao ver Damon ser derrubado, usa seus poderes para
movimentar a poeira de volta ao inimigo, no que é ajudada por Cigano, que
ergue parte de terra e pedras com o mesmo intuito.
Armand ficou ofuscado pela poeira a sua volta que já não era pouca e
agora se tornara extremamente densa, com o ataque de Ciana

Damon ergueu-se, cambaleante e disse ao grupo:


- Alyha está certa, vamos unir nossos poderes contra ele!
Ciana ouviu e acenou, postando-se ao lado do ator. Valentin fez o
mesmo, seu ódio preparando-o para tudo. Zintrah rebateu:
- Unir com a vaca ruiva?
Zintrah transformou-se num dos que atacava. A intenção era estar
mais perto possível de seu algoz. Ninguém queria mais aquilo do que ela.

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Destemida, tirou o punhal do crucifixo e na tentativa da emboscada cortou-se


e em seguida caiu agonizando, uma ironia submeter-se pelo próprio veneno.

- Um a menos - diz a voz de Armand dentro da coluna de poeira.


Aracaê correu para auxiliá-la, no entanto foi alvejado no ombro de
supetão por um dos inimigos. Enquanto a batalha se dava o pequeno fitou sua
companheira caída no chão, completamente inerte. Segundos se passam. Sim,

por um instante Miri creu que Madame Zintrah tinha morrido. Ensanguentado
e com um rombo no ombro, tomado por uma longa queimação que tomava o
lado esquerdo do corpo o mesmo que utilizava melhor a faca. Porém,
tomando fôlego arrastou-se pelo chão até Zintrah, e foi nesse momento que
num súbito ela agarrou em sua gola rogando:
-Me...Ajude... - lançando o olhar para a bota, onde escondia o
antidoto para o veneno. Abatido mas inda célere usou a outra mão e com sua
faca conseguiu rasgar o couro tirando o pequeno frasco que numa falta de

reflexo rolou indo parar mais abaixo num cimo de um módico abismo, nada
relevante, contudo naquela circunstância um obstáculo avassalador. Havia
um acanhado arbusto no caminho. E foi graças ao mesmo que o frasco não se
perdeu por completo caindo de vez. Miri fitou Zintrah, constatando que
entrara em convulsão, era uma hora decisiva. Esticando-se ao máximo
conseguiu pegar o frasco com a ponta da faca, contudo um dos brutamontes
surgiu de repente agarrando pelo ombro ferido. Miri uivou de dor. O frasco

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caiu e se quebrou, deixando apenas uma pouca quantidade dentro. No calor


da ocasião, com muito esforço se desvencilhou do inimigo dando um soco em

suas partes quando o jogou ao chão, pegou o frasco levando para a meretriz.
-Vamos Nega, ainda tem um restinho!- Abrindo sua boca
com esforço e o líquido escorreu dentro dos lábios da prostituta.
Os homens de Armand continuavam atirando quase às cegas, pois não

podiam ver direito devido a poeira. As balas cruzavam sobre a cabeça dos
heróis.

Damon concentrou-se e paralisou todos os soldados com seu poder,


imobilizando-os para que todo o grupo tivesse livre acesso ao inimigo e todos
pensaram ao mesmo tempo que era a oportunidade de acabar definitivamente
com ele. Correram em sua direção, já preparados.
Com a poeira baixa e os soldados imobilizados, Armand sorriu com

ironia e disse:
-Os peões já se foram. Olhem a surpresa que guardei para vocês.
No mesmo momento, surgiu a figura de uma pessoa conhecida por
todos. Ele trajava uma roupa completamente preta. Um sobretudo, que mais
aparentava uma batina, cobria quase completamente o seu corpo. Estava
abotoada até um pouco depois da cintura e logo depois se abria e era possível
ver uma calça e sapatos da mesma cor. O seu rosto não aparentava

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serenidade, nem possuir um sopro de vida. Uma palidez mórbida tinha


tomado conta de sua face. Seus olhos estavam avermelhados e parecia que

saltavam deles uma vontade enorme de destruição.


Ciana, mesmo no meio de toda aquela confusão, reconhecendo a
figura que se revelava diante de seus olhos foi tomada por uma enorme
alegria:

- Valaistu, você está vivo!


Cigano ponderou:
- Este não parece ser o Valaistu que conhecemos, Ciana.
Armand disse, sem esconder o orgulho em sua fala, ao tocar, com
uma das mãos a mandíbula de Valaistu:
- Olhem só para ele... O mongezinho. O pacífico. O mentalmente
equilibrado sob o meu comando. Uma marionete com espírito assassino. –
Armand soltou uma escandalosa gargalhada ao terminar.

Valaistu sequer ouviu o que diziam. Em sua mente, somente a voz


asquerosa de Hally, transfigurado em Armand para os outros membros da
Liga, se fazia ouvir. Ele comandava os seus atos. E no primeiro estalar de
seus dedos, o sombrio monge subitamente fez o chão tremer ao redor dos
outros membros da Liga. Do chão, enormes raízes brotavam. Tinham todas
um aspecto repugnante e um cheiro desagradável. Armand levantou uma das
mãos lentamente e fez com que todas aquelas raízes se lançassem contra seus

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adversários. As raízes ora se assemelhavam a dardos, ora a cipós.


Ciana desviou as raízes do seu caminho, sentindo aos poucos seu

poder arrefecer. Ainda perto de Damon, que congelava algumas antes de


alcançar seus parceiros, ela o abraçou, tentando tirar do contato físico mais
força. Valentin usou a terra para puxar boa parte das raízes para dentro,
pulando algumas, correndo de olho em Armand, com fúria assassina.

Zintrah ficou imobilizada pelas raízes enquanto Aracaê tentou ajudá-


la. Uma das raízes prendeu-se ao pé do pequeno e com esforço ele conseguiu
se libertar.
Valaistu continuou a fazer brotar mais e mais raízes, sem demonstrar
qualquer tipo de emoção, diante dos amigos que lutavam para se desvencilhar
dos seus ataques, combinados com os de Armand que se divertia:
- Isso monge, isso. Vamos cansar as nossas presas. Estamos quase
atingindo o nosso objetivo.

Miri, ao contemplar a nova fase de Valastu, disse:


-Esse bichinho... Quem diria!
Valentin chegou perto de ambos e pulou em cima de Armand,
socando-o, derrubando-o no chão, já puxando uma adaga e enfiando em seu
ombro direito. Ciana tentou fazer as raízes se fecharem em volta de Valaistu,
entortando-as, enquanto Damon as mantinha imóveis como uma cela.
Estavam cercando os inimigos, sem querer atacar diretamente o monge.

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Subitamente um estrondo seco foi ouvido, o que fez todos olharem na


direção onde Valentim e Armand estavam lutando. O que eles viram foi o

corpo do primeiro sendo arremessado a distância e sendo rebatido por uma


raiz comandada por Valaistu, o corpo de Valentin caiu inerte, após rebater em
uma árvore próxima. Armand levantou-se e arrancou a adaga de seu ombro,
jogando-a fora por sobre seu ombro esquerdo.

- Acabe com isso antes que eu mate esses infelizes prematuramente,


isso já está me deixando irritado - ele disse.
Cruzando o ambiente surgiu Alyha. Certo de que a componente viria
para auxiliá-lo com Zintrah, Miri estarreceu-se quando plena parou a sua
frente admirando o que parecia o fim da prostituta.
- Hum, interessante – expressou Alyha.
Alcançando a intenção soturna da que ele chamava de companheira o
pequeno guerreio reuniu o resto de forças e partiu para cima da mesma, que

esperta, cravou um dos coturnos em sua ferida fazendo com que ele caísse de
joelhos a sua frente.
-Você fica bem melhor desse ângulo sabia? – Ela disse.
Miri queria ergue-se, mas a seiva lhe faltava. Alyha certificou-se da
confusão e puxou sua arma para imobilizá-lo. Foi quando uma voz muito
conhecida a rebateu impedindo o ato.
-Discordo plenamente, Vaca Ruiva. - Era Madame Zintrah, reerguida,

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ainda convalescente, porém pronta para o que julgava ser a grande batalha.
Alyha afastou-se. Aracaê ergueu-se, com a ajuda da meretriz

preocupado:
-Ôce ficou boa?
-Digamos que tenho algumas horas, Miri.
-Como assim? Ocê tomou o negócinho ,não foi?

-Não era a quantidade suficiente para o tanto de veneno que coloco no


punhal para meus propósitos.
-Então ocê vai...
-Não se preocupe com isso nanico. Temos coisas mais importantes
para fazer nesse momento. Acertar umas continhas por exemplo! – Ela fala
apontando Armand e caçando Alyha com o olhar sem lograr êxito.
Alyha sorriu para Zintrah. Um sorriso malicioso, provocante, que, aos
olhos de Zintrah, não era de todo estranho. Ela se multiplicou em várias

cópias de si, que desapareceram e surgiram por trás dos integrantes da Liga
dizendo:
- Errada prostituta, nós é que vamos acertar as contas com vocês – Ao
terminar a frase ela tocou em todos e estes caíram desfalecidos.

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Capítulo 20
Batalhas, perdas e ganhos.

Zintrah acordou lentamente, ela não conseguia se mover. Logo se

percebeu fortemente atada com os braços presos acima de sua cabeça a uma
parede de pedras. O cenário era escuro, o ambiente era circular. No centro
daquele ambiente havia um altar, também de pedra. Ela observou a sua volta
e viu que todos os demais membros do grupo, inclusive Valaistu, que havia
combatido seus próprios companheiros, também estava na mesma situação.
Apenas Armand estava faltando.
Os demais acordaram aos poucos. Miri se debateu e tentou em vão
aumentar sua estatura para arrebentar suas correias.

A meretriz sentia a cabeça tonta, não sabia ao certo diferenciar se era


o forte efeito de seu veneno mortal que volvera ou a descarga que a inusitada
ação de Alyha promovera tanto a ela quanto nos demais. Ela pensava consigo
o que motivou Alyha a agir daquele jeito. Decerto elas nunca forma amigas,
mas ela também não imaginaria um gesto daquele feito por ela. E o que mais
a intrigava era o fato de também Alyha estar desacordada e acorrentada,
juntamente com os outros. Tirando-lhe de suas conjecturas e inquietações,

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Aracaê disse-lhe:
-Nega, ocê está bem?

-Ainda viva, se isso responde a sua pergunta Nanico - sem esconder a


dor que sentia pelo corpo.
-Acho que nós vamos tudo virar aperitivo daquele safado. Até o
mongezinho que era santo e virou capeta, espia só ele ali!

Valaistu não se dava conta da situação na qual estava. Ainda sob o


efeito dos poderes de Hally ele permanecia inerte, com os olhos perdidos no
teto, daquela sala escura.
Ao despertar, institivamente, Ciana buscou entre os acorrentados o
rosto de Damon. Ao encontrá-lo, juntamente com um forte alívio surgiu
dentro dela todo amor que tinha por ele e seu rosto não escondeu, um
sentimento de vergonha, pois o ator a encarava com ternura. Ele perguntou:
- Você está bem?

Ciana respondeu:
- Sim, eu estou bem. E você?
- Eu também estou bem. – Ele parou por um instante, revendo tudo o
que aconteceu com eles, durante a luta, e em seguida retomou o raciocínio –
Além de já intuir o motivo de estarmos aqui presos, só quero entender porque
Alyha fez aquilo conosco. O que deu nela...
Valentin, que também despertara concordou com Damon:

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- Estou também intrigado com isso.


Tudo era confuso demais, no entanto, Madame Zintrah sabia que se

Hally estivesse envolvido em tudo aquilo, certamente o fim não seria dos
melhores. Era impossível não rememorar o quão bárbaro e atroz ele sabia ser
quando isso lhe era mais que uma conveniência e sim um prazer em sua
mente diabólica. Mesmo assim, o que mais lhe perturbava era o cheiro do

perfume que ainda jazia presente ali. Embora não visse a figura de Hally, ela
tinha certeza que ele estava ali, naquela sala. “O que mais Hally poderia estar
ocultando?” Zintrah se perguntava.
Alyha, ao despertar, fez com que todas as indagações dos presentes se
silenciassem. Ela estava visivelmente abatida e desorientada. Antes que ela
conseguisse ordenar as ideias e pudesse dizer alguma coisa, Zintrah,
totalmente furiosa disparou:
-Ah não vai dar uma de que vai bater as botas sua Vaca Ruiva! Anda!

Desperta e bem que tem muito a nos explicar!


Alyha não hesitou em olhar à sua volta. Estavam todos lá. Por um
instante ela se sentiu culpada por tudo o que houve com cada um deles, mas
em seguida ela mesma constatou que não tinha outra saída. Era isso ou Hally
atingiria seu objetivo rapidamente. Ela abriu a boca, ainda demonstrando
fadiga:
- Me desculpem... por tudo.

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Zintrah se chacoalhou toda e berrou:


- Agora a vadia vai se fazer de coitadinha? O que você pretende? Por

que nos atacou? Você não estava sob o controle de Hally como Valaistu! Por
que fez isso com a gente?
Valentin ponderou:
- Você nos deve explicação, Alyha.

Alyha soltou o ar profundamente e disse:


- Só posso lhes dizer que eu não sou quem vocês pensam. Eu sou...
Damon a interrompeu:
- Estamos fartos de tantos enigmas. Dá para ser direta?
- Por que você lutou contra a gente? – Ciana interpelou.
Aracaê disparou:
- Dona Vaca Ruiva ocê num pode esticar seus 1 metro e vinti de perna
e coçar o meu joanetizinho?

- Sorte sua que minhas mãos estão atadas, pois você bem que merecia
um sopapo bem dado na nuca. – Zintrah esbravejou para o pequeno.
- Fui eu... fui que mandei as charadas. – Alyha disse.
Todos se espantaram com a revelação feita. Zintrah soltou das suas:
- Então foi a vadia que armou tudo. Só podia ser.
Ciana tentou indagá-la:
- Mas por quê? Com qual objetivo?

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- Ela era a traidora, ô Ninfeta! Dá para acordar?! – Zintrah


interrompeu.

Antes que Alyha tentasse se justificar, um forte rumor tomou conta do


local onde eles se encontravam. Diante deles apareceu a figura de Armand.
Com passadas lentas ele adentrou no recinto. Aquele homem misterioso os
olhava, sustentando um sorriso malicioso nos lábios. Em seguida caminhou

em direção do altar e depositou uma caixa sobre o mesmo. Ele disse:


- Poupem a querida Alyha de tantas perguntas. Vocês não veem que
ela está debilitada?
Damon gritou:
- Cale sua boca, canalha!
- Quem é você para me mandar calar a boca? - Um tilintar de salto
alto invade a sala. Aquela voz tão familiar deixou todos estupefatos, quando
parou ao lado de Armand e se deixou contemplar por todos. Armand e a

figura que se revelara como Alyha disseram em uníssono:


- Isso responde todas as indagações de vocês?
Em choque, os membros da Liga não conseguiram dizer nada. Eles
olhavam a Alyha acorrentada e depois voltavam seu olhar para a outra, ao
lado de Armand, que já começava a se desmaterializar, revelando sua
verdadeira face, como Hally.
Zintrah se estremeceu toda a ver a face de seu antigo amante.

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Ela transpirava ódio. Damon tentou usar seus poderes, mas se viu
impossibilitado, sem saber bem o porquê. Assim também Ciana, Aracaê e

Valentin tentaram lutar contras as correntes. Ver a face de Hally diante deles,
juntamente com a figura de Alyha os deixaram cegos de tanta raiva e rancor.
Eles estavam perplexos com o desenrolar dos fatos.
Ele tinha exatamente a mesma aparência de quando apareceu para

Valaistu quando este tinha só seis anos, ou quando foi amante de Zintrah
anos depois. Sua face mão ganhou nem uma ruga a mais, nem seu cabelo um
fio branco. Sua aparência parecia ser imutável pelo tempo, como se fosse
mais velho e antigo do que todos podiam supor.
Zintrah urrou:
- Eu vou te matar, desgraçado! Eu juro! Mesmo que seja o
último ato que faça nessa minha vida. Vou cravar meu punhal em seu peito.
Hally se deliciava com o espanto evidente no rosto de todos. Dessa

vez somente a Alyha, que estava a seu lado, tomou a palavra:


- Tolinhos, tolinhos... vocês dormiram com o inimigo há tanto tempo
e nem se deram conta. – Ela ajeitou parte da cabeleira vermelha atrás da
orelha, deslizou as mãos sobre o rosto e fez uma careta quase infantil para
eles, quando as apoiou no queixo. – A sede de vingança, o ódio, a inveja, a
disputa infantil pelo amor, o desespero, a indiferença de uns, a arrogância de
outros impediram vocês de raciocinarem, de se unirem e exatamente por isso

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vocês estão aqui, onde eu queria. Se não fosse por ela – apontando, com
desprezo para Alyha acorrentada – eu já teria atingido os meus objetivos

muito antes.
- Ma... ma... mas agora não consigo entender mais nada. Tem a Dona
Vaca Ruiva do Bem e a Dona Vaca Ruiva do Mal e tem o Hally dos infernos.
Meu Padim Padre Cícero, valei-me!

Valentin tentou organizar as ideias, ao questionar:


- Então, Alyha era uma infiltrada, um clone que seguia as suas
ordens?
Dessa vez Hally respondeu, enquanto Alyha andava lentamente e
observava cada um daqueles que jaziam acorrentados:
- Não apenas um clone, senhor dos ventos – ele riu e logo retomou –
Era eu mesmo que lá estava, fingindo surpresa, angústia e medo quando
necessário. Poucas vezes precisei me valer de um clone, como na nossa luta.

Se é que posso chamar aquilo de luta. Precisei desse estratagema para poder
vigiar cada passo de vocês. O que mais me preocupou de tudo o que houve
foi não saber quem era o infeliz que enviava as malditas charadas e para onde
elas apontavam. Tudo, porém, ficou mais nítido quando me encontrei com o
monge, no monastério. Ali intui a finalidade das mensagens e quem as
enviava e tudo veio a se confirmar com a última charada.
Ciana ignorando a presença de Hally virou-se para Alyha, que estava

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acorrentada:
- Por que você fez isso? Por que nos enviou as charadas? Diga alguma

coisa, pelo amor de Deus.


- Hally é meu irmão gêmeo. Nós temos praticamente os mesmos
poderes. Quando ele descobriu o poder do livro e a sua profecia ele decidiu ir
ao encontro dos escolhidos para poder assimilar o poder de todos. Quando

descobri tentei impedi-lo, lutar contra ele, mas por ele ter sido o primeiro a
tocar naquele livro não pude detê-lo. Ele me deixou aqui presa por meses...
Não vendo alternativa e cada vez mais debilitada decidi entrar em contato
com vocês atrás das charadas. O intuito era indicar onde eu estava e
também... desestabilizar esse louco, que manipulou a todos aqui.
Tanto Alyha, o clone, como Hally aplaudiam, com ironia.
– Muito bem! Você conseguiu me incomodar, mas veja só. Seu truque
foi muito útil, afinal você os trouxe para mim e eles estão onde eu queria que

estivessem.
- Mas falta um ainda. – Damon desferiu.
Ao chegar ao lado de Hally, Alyha tocou em seu ombro, sorriu e
disse, antes de se desmaterializar:
- Não. Não falta, não, caro ator. Agora o show vai começar.
Hally subitamente abriu a caixa e de dentro dele retirou o
Prodigiorum Libellus. No mesmo instante todo o ambiente foi tomado por

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uma intensa luz. Todos que estavam acorrentados sentiram a marca de


nascença que eles traziam no corpo novamente queimarem. A sensação dessa

vez era muito mais forte. Hally disse, com um sorriso de satisfação:
- Sabem por que esta luz está mais forte e porque a dor de vocês é
mais aguda? – Ele não esperou pela reação deles e continuou – Porque
estamos todos reunidos. Inclusive aquele que falta, aquele que tem a

pretensão de impedir, aquele que acha que eu não sei de sua linhagem nobre.
E ele está ... - virou-se – aqui! - Com rapidez lançou uma adaga num dos
cantos daquele salão, onde a luz não havia chegado. Um barulho de metal
sendo rebatido foi ouvido. Das sombras, empunhando uma espada, estilo
samurai, apareceu Armand.
Hally o encarou com desprezo:
- Eis que o rato, que se escondia nas sombras apareceu. Você vai
querer lutar comigo com uma espada?

- Com uma espada não... – Ele joga a espada na direção de Hally, que
desvia - mas com isso, sim. – Armand sacou uma arma e alvejou Hally com
dezenas de tiros.
Mesmo fuzilado, Hally se manteve de pé. As balas que perfuraram o
seu corpo começaram a ser expelidas. Um sorriso se desenhou na face dele,
mas logo desapareceu. Ele levantou uma das mãos em direção de Armand.
- Chega de brincadeira! – Ao dizer isso Hally ergueu com violência o

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corpo de Armand e o lançou contra uma das paredes. Em seguida o


acorrentou, junto com os outros.

- É chegada a hora. – Hally se dirigiu onde estava o livro. Ele o


colocou bem no centro do altar. Em seguida, Hally ergueu suas mãos para o
alto e usando o seu poder fez com que o teto da sala se entreabrisse e fosse
possível contemplar a lua cheia que brilhava no céu, depois que a tempestade

se dissipou. Um feixe de luz do luar vinha do teto em direção do livro, que


jazia no altar de pedra. Com um semblante absorto, Hally encarou a todos e
depois proferiu solenemente:
- Prophetia impleta est. Quod omnis potentia sit mihi!
Depois de proferir aquelas palavras, Hally abriu os braços e fechou os
olhos, como se esperasse que algo de extraordinário acontecesse. Passado
alguns segundos, Armand, que estava acorrentado começou a rir
escandalosamente.

- Otário! Você acha que só você tem seus truques? Ah, como é bom
ver essa sua cara de espanto. Você também foi enganado, imbecil.
Hally e os outros não entenderam a alegria de Armand. Era certo que
não parecia preocupado, ao contrário, era o único ali a se divertir, como se
esperasse o momento ansiosamente. No entanto, naquele instante uma luz
absurda surgiu de um buraco estratégico no céu e desceu, incidindo no livro,
espalhando-se no salão em feixes, atingindo todos os componentes, que eram

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ao todo nove: Alyha, Ciana, Zintrah, Valentin, Damon, Miri, Armand,


Valaistu e Hally. Ficava claro que oito foram escolhidos, mas um foi o

primeiro. E esse um era Hally. Ou Armand?


As energias de todos aqueles que estavam acorrentados começou a
sair de dentro deles e pairaram diante de Hally, no centro. Hally estava
extasiado. Todo aquele poder, como proferira, seria somente seu. E com ele

poderia subjugar toda aquela cidade, sem grandes problemas. Faltava pouco.
Era só o último sopro vital ser sugado de todos e ele seria praticamente um
deus na terra. Hally estica as duas mãos em direção daquela energia
acumulada. Nesse instante uma de suas mãos é perfurada. Hally se vira com
um ódio abissal e qual não é sua surpresa ao se deparar com a figura de
Victor. Ele lhe diz, empunhando uma arma:
- Parado aí, sua besta. Hally controla por um instante seu ódio e lhe
pergunta: - O que faz aqui, seu velho caquético? Victor lhe diz: - Vim

impedir que seus devaneios tornem-se realidade, monstro.


Hally encarou profundamente Victor. Ele quase sentiu compaixão do
velho que ainda tremulava, por causa do tiro que disparara contra ele. Ele
perguntou: - O que você quer? Me matar? - virando-se para os outros- Nem
eles conseguiram - e depois voltando o olhar para ele - que dirá você.
Victor disse: - Estou totalmente livre de sua manipulação, graças a
Alyha. Antes de ser encarcerada aqui, ela usou os seu poderes e conseguiu

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romper o seu domínio sobre mim e me pediu ajuda. É irônico, mas um velho
prestes a morrer está aqui tentando salvar homens e mulheres tão poderosos.

Hally ironizou: - Como você pode perceber, velho encarquilhado,


quase todo o poder deles foi sugado. Já não há muito a fazer. - Ele se virou
em direção da esfera de energia - fica quietinho aí e contemple a minha
glória.

Victor disse:
- Você disse quase - e novamente disparou contra o corpo de Hally -
ainda temos chance.
Hally virou-se novamente em direção de Victor:
- Velho não me provoque. Ou terei que acabar com sua vida agora
mesmo.
Victor ignorou a ameaça e continuou a descarregar a arma:
- Morra, desgraçado! Morra!

Hally disparou em direção do velho e o agarrou pelo pescoço, com


um a das mãos, alçando-o no ar. Com a outra mão, iluminada por uma forte
energia, ele desferiu um golpe certeiro no abdome do ancião, perfurando-o.
Ainda sustentando-o com uma das mãos ele disse:
- Você não me deu alternativa, velho. Mas pensando bem. Você só me
fez adiantar o processo. - Hally o jogou no chão. Antes de se virar novamente
em direção do altar, Victor, com a boca ensanguentada gritou:

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- Idiota!
Ele se aproximou do velho que definhava:

- Está delirando?
Victor reuniu forças e conseguiu rir, ao dizer:
- Tolo... sem o hálito vital do protetor do livro a profecia jamais... se
cumprirá. – ele dirigiu seu olhar para os membros da Liga – Jovens... com

este portal aberto, todas as barreiras se romperam.... vocês podem atacar sem
compaixão este ser imundo. Com o portal... além disso, o que é fatídico pode
ser alterado. Dele emana uma força regeneradora incrível. - Victor encarou
Hally e arrematou, antes que seus olhos perdessem a luz – Hally... você
perdeu.
Hally ficou paralisado:
- Não pode ser... velho. Não pode ser. - Ele correu em direção da
esfera de energia e desesperado constatou que ela começava a se diluir e a

voltar para os respectivos donos.


Valentin sentiu o poder retornando ao seu corpo como uma enxurrada
de pura energia, pulsando, revigorando-o. Ao mesmo tempo que o ódio que
sentia por Hally parecia pulsar mais forte. Sacudiu-se nas correntes e se
concentrou para atrair os elementos. Ciana na mesma hora conseguiu
mentalizar as correntes de todos sendo abertas, libertando-os. Usou o restinho
de seu poder que tinha antes de ser aprisionada. Mas tão logo Damon se

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soltou, ela o abraçou e disse alto: - É agora!


Damon, Valentin e Ciana correram ao mesmo tempo em direção ao

inimigo mortal que tinha destruído a vida de cada um deles.


Hally exalando ódio por todos os poros vociferou:
- Já que não posso ter o poder de vocês, ao menos terei o imenso
prazer de matar um por um.

Concentrou ao máximo o seu poder e começou a destroçar o teto


daquela sala ritual. Seu desejo era matar a todos de uma só vez. As paredes
estavam tremendo, as colunas da sala começavam a ruir. Hally vociferava:
- Morram desgraçados! Morram todos!
Do livro, que ainda estava sobre o altar, saiu uma forte luz. Tudo
parecia perder o movimento. As pedras do teto caiam lentamente. Os gritos e
gargalhadas pareciam se mover em câmara lenta. A luz do livro atingiu o
portal e este abarcou a todos os presentes. Num instante, de uma sala escura e

mofada, eles passaram para o ar livre de um descampado. Menos Armand.


Este caíra quando teto e parede desmoronaram em cima dele, em um
amontoado de pedras. Era senhor em se regenerar e ninguém duvidou que o
faria logo. Aliás, ninguém ali sabia ao certo quem ele era e o que queria
conseguir. Sempre foi uma incógnita.
Ao ar livre, se via o mar além do penhasco e se ouvia o barulho das
ondas. O livro estava no chão e sobre ele ainda permanecia aberto o portal.

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Era um foco de luz forte que chamava para uma outra dimensão,
desconhecida, com poder de cura e regeneração, com uma força que nem eles

sabiam ao certo o que era.


Valentin se sentiu mais poderoso ali, pisando na terra, sentindo o ar
no rosto e o cheiro salgado de água não muito longe. Abriu os braços e fez
uma ventania como um mini furacão, concentrando-se apenas na figura de

Hally, que momentaneamente rodopiou no meio do olho. E desfez o mesmo


no momento em que atacou, empunhando sua pequena adaga que puxou da
bota curta, em direção ao abdome de Hally.
Hally se desequilibrou, mas em um instante fez o vento se dispersar e
paralisou a ação de Valentin, com seus poderes o lançou para longe de si.
Irônico perguntou:
- O próximo, por favor?
Zintrah fitou Miri ordenando:

- Vai ter que ser na marra Nanico! - referindo-se ao fato do pequeno


só poder tornar-se um gigante mediante um não feminino.
- Nega, não vai, os revertérios não vem!
- Foi quando Alyha disse a ele:
- Eu gostaria muito de estar bem, Aracaê? - e o baixinho satisfeito foi
até a mesma indagando-a:
- A senhora é boazinha, ia me dar condição né?

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Alyha olhou para Zintrah que alcançou o intento dela e rebateu:


- Eu queria estar bem só para poder dar o NÂOOO que você merece!

- Foi o bastante para juntar-se a ira dentro de Miri que gritou, já


transformando-se:
- Essa família não presta! – E rebatendo à frase anterior de Hally, o
pegou por trás içando-o até sua gigantesca cabeça e resmungou: - Eu sou o

próximo!
Hally começou a se multiplicar nas mãos do gigante, até que a mão de
Aracaê não o pode dominar. Ele o soltou. Os clones de Hally alçaram o
gigante e, com muito esforço o lançaram contra os outros membros da Liga.
Todos escaparam por um triz e atacaram.
Ciana arremessou mentalmente a adaga de Valentin caída no chão
contra Hally, ao mesmo tempo que jogava tudo o que podia em cima dele,
distraindo-o enquanto ele afastava de si pedras, punhais, troncos, tudo que ia

em sua direção. Damon aproveitou e escorregou no chão, agarrando uma


arma que caiu no chão. Quando Ciana parrou, ele deu vários tiros que
perfuraram o corpo de Hally. E voou em cima dele, socando-o, esmurrando-o
com todo o ódio de uma vida.
Hally recebia cada soco com um riso sarcástico nos lábios. Em
seguida se multiplicou novamente e com a força de todos os clones começou
a espancar o ator:

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- Agora é minha vez, atorzinho.


- Não! - Ciana arremessou uma cadeira nas costas de um dos clones,

usando seus poderes para erguer pedras e atacar os clones que espancavam
cruamente Damon, enquanto Valentin se erguia e vinha correndo ajudar,
mesmo cuspindo sangue.
Hally parou a cadeira no ar, ergueu uma rocha e disse, ao fincar seus

olhos em Ciana:
- Esse jogo também sei jogar. - Ao dizer isso lançou cadeira e pedra
contra a jovem Ciana e contra Valentin.
Valentin tomou a pancada da rocha com mais força, pois protegeu
Ciana com o corpo e caiu desfalecido e sangrando no chão. Na mesma hora
ela arremessou a rocha para longe deles e tentou acudi-lo, desesperada sem
saber a quem ajudar primeiro, vendo Damon também caído de um lado e Miri
de outro.

Hally disparou contra a irmã já debilitada e afundou uma das mãos no


rosto dela e subitamente a jogou contra o tronco de uma árvore e começou a
espancá-la:
- Isso é pelos bilhetes - depois pegou um de seus braços, a girou, e
lanço-a no espaço - E isso é por ter se unido a Victor contra mim, vadia!
Respirando fundo, Hally ajeitou umaa mecha dos seus cabelos, atrás
da orelha, suspirou um pouco, por pura ironia:

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- Bem... quase me esqueci de você, monge. Vamos brincar juntos


contra esses boçais. - Hally estalou os dedos e Valaistu prontamente

obedeceu e fez brotar troncos e mais troncos, que Hally os manipulou e


lançou contra todos.
Valentin mal sentiu quando foi imobilizado pelas raízes, prestes a
perder a consciência. Damon ainda tentou se reerguer, mas seus braços foram

torcidos e suas pernas presas.


Ciana tentou impedir as raízes, enviando-as para longe, torcendo-as
em direção a Hally. Mas eram muitas e ela acabou sendo atada por um braço,
depois por outro e quanto mais lutava, mais raízes e troncos a imobilizavam,
até que era praticamente uma múmia, seu poder enfraquecendo-se pela falta
de contato físico, enquanto gritava com raiva.
Hally, com ar de vitória aproximou-se lentamente de Valaistu.
Repousou uma de suas mãos no ombro do monge, em seguida aproximou os

lábios do ouvido dele e disse:


- Tá vendo? Formamos uma bela dupla, monge. Eles estão
praticamente liquidados.
A proximidade de Hally fez com que um aroma bem conhecido
adentrasse por entre as narinas do monge. Aquele aroma adentrou não só por
suas narinas, mas tocou uma memória profunda que ele, no momento de se
entregar a Hally, fez questão de aguardar. Aquele cheiro ele conhecia bem: o

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perfume do traidor. Como de um sono milenar o jovem despertou. Ao


perceber a situação dramática dos amigos, Valaistu fingiu por um instante

está sob o controle de Hally. Hally lhe disse:


- Agora o golpe de misericórdia será todo seu, monge. Vai. Valaistu
fingiu obedecer.
O jovem Valaistu, diante de seus amigos feridos, muitos em estado

grave, não viu alternativa, senão tentar utilizar a técnica que ele começou a
desvendar quando era refém de Hally. O problema é que ele ainda não tinha a
total compreensão da dimensão desta técnica, muito menos o seu controle.
Porém, aquele não era o momento para raciocinar sobre a possibilidade de tal
técnica não dar certo. Aquela não era a hora de titubear, de ter dúvidas, mas
de ter apenas certeza.
Sua vida foi o contrário: um barco chacoalhado por ondas a todo
instante, nada de firmeza, de estabilidade. No entanto, naquele instante, o

jovem viu-se inundado por uma certeza que lhe ofuscava os olhos, a mente e
o coração. Ele pressentia o que deveria fazer, apesar das consequências
inimagináveis, mas que ele, no fundo já intuía. O jovem se sentou, com a
serenidade de sempre e invocou o seu poder mais oculto ao pronunciar, como
num mantra, o vocábulo sacro, enquanto, em sua mente vinha o anseio pela
unidade com a natureza:
- OM!

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Ao pronunciar aquela sílaba, ele entrou num estado de êxtase


profundo. A terra daquele local começou a tremer, enquanto que uma luz

branca tomava conta do corpo de Valaistu. A força que transcorria por todo o
seu corpo era avassaladora. Ele sentia que estava a ponto de explodir. Suas
veias dilatavam-se de forma assombrosa. A força que emanava dele, fazia
com suas vestes bailassem, como se fossem chacoalhadas por um forte

vendaval. De negras que eram, tornaram-se alvas. Ele sentia o pulsar


frenético de seu coração, os rumores da respiração. E sua mente,
paradoxalmente, era invadida por uma vacuidade infinita. A única coisa que
soava e ressoava nela era o “OM” proferido uma vez só pelos seus lábios.
Hally, ao ver o que sucedia foi tomado de pavor, assim como todos os
outros membros da Liga. O pavor era tão intenso que eles nem conseguiam
cogitar esmiuçar qualquer reação. Restavam-lhe contemplar assombrados o
que estava para acontecer, pois qualquer poder utilizado seria inútil contra

aquele homem. No entanto, Hally, mais tomado pelo desespero que pela
razão gritou para Valaistu:
- O que pensa em fazer pseudo-moge de merda? Vocês estão
acabados. Não existe saída para ninguém aqui.
Depois que disse isso, fazendo uso de sua forte telecinese, Hally
ergueu uma enorme rocha e a lançou contra o jovem, que ainda se mantinha
sentado, tomado pelo êxtase.

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- Morra, desgraçado! Desapareça de vez da minha frente.


Quando viram a rocha cair sobre o jovem, os membros da Liga

gritaram quase contemporaneamente:


- Valaistu!
Vendo que a rocha tinha supostamente acertado o alvo, Hally
escarneceu:

- Menos um verme para me infortunar.


Ele então se virou e caminhou em direção dos outros membros da
Liga, mas de repente ele parou, quando um enorme estrondo se fez ouvir.
- N...não pode ser. – Hally sussurrou quase sem voz.
O jovem, que até então estava sentado, se ergueu. E para o assombro
de todos abriu os olhos, mirando-os firmemente em direção de Hally. Em
seus olhos, porém, não se via ódio, rancor, apenas uma estranha e
aterrorizante serenidade. Valaistu abriu a boca e disse para seu oponente:

- Hally, você não pode me atingir.


Mais uma vez ele fechou os olhos, cerrou as mãos na altura do peito,
como se estivesse rezando e suplicou:
- Milhares, milhões de vidas. Flores, campos, ervas, musgos, árvores
dos mais diversos tipos, sementes variadas. De todos os cantos, de todas as
eras... Sim... de todas as eras. Eu vos invoco. Eu vos imploro: venham a mim
e me dê uma parcela de vossa potência. Vida milenar das árvores, vida frágil,

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mas resistente das flores e ervas inundem o meu ser. O manipulador agora
deseja ser manipulado, deseja ser tomado. O manipulador deseja, enfim, ser

habitado por vós e depois habitar, para sempre, em vós. Por favor, venham.
Mais uma vez um forte tremor tomou conta daquele lugar. Zintrah,
tendo um mal pressentimento gritou para Valaistu:
- Pare com isso, Valaistu. Você... você não pode fazer isso.

Mantendo a face serena, ele encarou a madame e redarguiu:


- Eu me sinto em paz. Aquela paz que tanto sonhei eu a encontrei
agora, no meio do caos.
Ao redor de Valaistu um belíssimo jardim começava a florescer.
Flores das mais variadas espécies e regiões geográficas floresciam
subitamente; um agradável perfume tomou conta daquele lugar, triste e
desolado. Vários ramos e raízes subiam pelas pernas do jovem. Das pernas
elas se dirigiram em direção dos braços. Ele estava pronto.

- O que você vai fazer, lixo humano? Orfãozinho, hiponga dos


esgotos. Arrombado da Liga! – gritava como um louco Hally, tentando
desconcentrar Valaistu.
Com mansidão, o jovem entrecortou:
- Você não vai me abalar, Hally.
- Cala a boca! – Hally tentou mais uma vez usar sua telecinese contra
Valaistu, porém, dessa vez ele não conseguiu fazer uso da mesma. – O que

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houve? Eu... eu não consigo atacá-lo.


- Chega, Hally. Você não vai tirar de mim essa paz. E saiba de uma

coisa: eu te perdoo.
Após dizer isso, Valistu se virou em direção dos membros da Liga
que o olhavam assustados e, ao mesmo tempo, preocupados, ignorando um
Hally inerte e absorto, depois da última resposta do jovem. Com lágrimas nos

olhos, Valaistu usou o seu poder. As raízes e ramos envoltos em seus braços
foram lançados em direção de cada membro da Liga, fincando-se no peito
deles. Por um instante eles ficaram assustados, ao sentirem tais raízes
penetrarem os corpos fatigados, mas depois o terror tomou conta de cada um
deles ao ouvirem Valaistu dizer aquelas palavras, com voz embargada:
- Os sábios diziam que nas diversas plantas se encontra a cura para
todos os males. Pois bem... como manipulador das plantas eu quero oferecer
para vocês a cura de todas as feridas que vocês tiveram nessa luta.

- Valaistu, o que você vai fazer? – perguntou Alyha.


- Não se preocupem comigo. Eu estou feliz por isso. Esse poder é um
dom, é um serviço. O poder pelo poder só levará à morte, ao ódio
desenfreado. Descobri muito cedo o dom de manipular as plantas e de usá-las
como escudo ou arma letal, mas só aos poucos pude descobrir o imenso
poder de cura que também havia em mim. Hoje... eu sinto que posso curar
vocês. Que posso tocar no coração de vocês e revigorá-los para a luta final...

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- Pelo amor de Deus, não. Você não pode fazer isso. – Gritou cigano,
tentando conter mais uma morte de um inocente.

- Olhem este jardim. Vejam esta flor. Ela se chama “sempre-viva”.


Uma flor de rara beleza e uma resistência incrível. Eu sempre viverei. Saibam
disso.
- Cara, não cometa uma loucura.- Damon disse alto, sabendo o que ia

acontecer.
Ciana chorava, não conseguia dizer nada para aquele jovem. Via que
ele ia até o fim, de qualquer jeito.
- Hoje eu me sinto pleno de vida...
Ao dizer isso Valaistu ergueu a sua cabeça para o céu, mais uma vez
ele fechou os olhos e deixou que um sorriso se desenhasse em sua boca:
- É chegada a hora. – uma clarão ofuscante tomou conta do ambiente,
enquanto que uma poderosíssima energia fluía pelo corpo de Valaistu. Ele

sentia como se estivesse em outra dimensão, num estado de perplexidade e de


mansidão inaudíveis. Uma explosão de energia de bilhões de anos tomava
conta de todo o seu ser. A força era tamanha que o jovem perdeu a noção de
espaço e de tempo, era como se nada de fato existisse, nem mesmo seu eu
inflado e triste. O que havia era somente o om, somente a unidade infinita,
nada mais. Seu corpo estava a ponto de desintegrar-se naquela força, estava a
ponto de dissolver-se para, enfim, verdadeiramente ser. Voltando a si, porém,

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ele relutou o gozo da visão beatífica e, um tanto consciente, através das raízes
que ligavam seu corpo ao corpo dos demais, ele começou a transferir parte de

tal força incrível para seus companheiros de luta.


- Valaistu! Para! – Ciana conseguiu gritar.
- Não vou e... também já não posso.
- Oxe, ocê vai ... – Começou Miri a suplicar.

O jovem monge, totalmente transfigurado, confidenciou, ao sorrir:


- A vida é o mais belo poema que existe, pois é obra divina do Poeta
dos Poetas. Pensei que ela fosse dor e ressentimento, mas não. Ela é cheia de
rimas, de cores variadas, de estrofes longas e curtas. A vida... a vida só tem
sentido se vivida com intensidade, com amor e completa doação. Toda
verdadeira vida é transbordamento. Eu quero transbordar... eu quero e vou
transbordar, meus amigos, meus irmãos, minha família. Vivam! Bellis
perennis.

Enquanto um enorme poder jorrava no corpo de cada um que estava


ali, revigorando-os completamente, o jovem Valaistu caía totalmente
desacordado. O monge, o iluminado tombou. Ele cumpriu sua missão. No
rosto completamente sereno, uma pequena lágrima umedecia os seus cílios e
um leve sorriso se entrevia em seus lábios. Os membros da Liga foram
tomados pela emoção. Alguns exteriorizaram a dor com as lágrimas, outros,
mais contidos, choravam por dentro.

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O corpo do jovem Valaistu foi sendo lentamente encoberto por raízes


e mais raízes. No local onde caiu desacordado, subitamente nasceram

diversos girassóis, sempre-vivas e um frondoso ipê-amarelo.


Cigano, com os punhos cerrados e com os olhos marejados prometeu:
- Valaistu, meu amigo, seu sacrifício não será em vão.
Hally olhou assombrado o gesto do monge. Ele realmente não

esperava que de dentro daquele ser pudesse emanar tanto poder. No entanto,
com seu sacrifício era um a menos com que se preocupar. Hally disse:
- Esse complexo de messias... não deu em nada. – Olhando para os
outros afirmou – Vamos acabar logo com isso, crianças.
Alyha mentalizou o ator que olhou para a mesma e lentamente disse
ofegante ao moço:
- Juntos seremos mais Fortes!
Zintrah escutando olhou para Ciana e nunca creu que fosse dizer-lhe

algo do tipo:
- Aí, ninfeta, topa ?
Ciana também nunca pensou que diria aquilo tudo, mas sentia a força
mais forte do que nunca dentro dela, sem precisar de nenhum contato físico:
- Vamos acabar com esse bosta, madame!
Zintrah juntou-se a moça, pondo a mão no seu ombro e
transformando-se em outra Ciana

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Damon ergueu-se de um pulo, todos os ferimentos esquecidos,


curados. Nunca se sentiu tão forte.

Miri em forma do gigante olhou para Damon e não perdeu tempo:


- Até nessa hora só sobra macho!
Valentin formou com eles uma espécie de parede, fechando um
círculo em volta de Hally. Cada um se sentia renovar, assim como seu ódio

contra aquele bandido.


E então, sem precisar de aviso, atacaram.
Alyha não podia lutar, mas podia emanar força para um dos
componentes decidiu que seria o cigano.
Valentin foi o primeiro a usar seus poderes, aumentados em muito
pela contribuição de Alyha. Dando um grito de pura ira, abriu os braços e a
terra se abriu sob os pés de Hally, engolindo-o. Este caiu, surpreso, enquanto
terra e pedras deslizavam em cima dele. O Cigano gritou:

- Apodreça no inferno!
Zintrah e Ciana, agora eram duas, as rivais esqueciam toda e qualquer
turbulência do passado. Agora tudo refletia-se em sua vingança e na Liga
Literária. Juntas se ergueram e no buraco que jazia Hally içaram carcaças de
antigos carros, pedras, raízes, e rebatiam contra o mesmo, atacando-o,
perfurando seu corpo.
Miri não precisou de nada para se agigantar, com o poder extra dado

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por Valaistu. E avançou com os amigos.


Hally na mesma hora reagiu e tentou se erguer, furioso com o ataque

repentino, mas então Damon o congelou no local, apenas sua cabeça para
fora da terra, seu corpo sendo soterrado e duramente atingido. Ficou surpreso,
chocado por que os poderes deles pareciam infinitamente mais fortes e
funcionavam contra ele.

Mas Hally ainda era superior a tudo aquilo e empenhou-se duramente


a conseguir quebrar o poder e se soltar das amarras que o mantinham
imobilizado. Miri se aproximou e, quando ele quase conseguia sair do
buraco, deu-lhe uma martelada com o próprio murro em sua cabeça,
enterrando-o de uma vez até só restar parte de seu cabelo de fora.
Num ímpeto de força descomunal Hally lançou contra os guerreiros
literários uma rajada que os lançou longe um do outro, tão poderosa que por
um momento perderam a razão, desnorteados. E ele subiu da terra

rodopiando, todo sujo e ensanguentado, mais furioso do que um dia estivera.


Mas dentro dele o medo se infiltrava, sabendo que a batalha seria terrível e
eles se uniam como uma verdadeira Liga.
Em suas forças Madame Zintrah que um dia entrara na Liga para
aquele momento juntou seu resto de forças e ergueu-se chamando pelo nome
de Hally.Depois de todos chegara a hora do acerto de contas mais esperado
pela meretriz. Hally estava aos cacos, porém mais arrogante que nunca.

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Zintrah ainda que machucada e correndo risco de vida devido a pouca


quantidade do antídoto encontrava-se pronta para o momento épico de sua

trajetória.
O ódio purgava dos olhos e o sangue literalmente em sua boca. Hally
a contemplou com um riso sarcástico e um comentário nada lisonjeador.
- Olha a vagabunda!

Ela devolveu o riso e rebateu:


- Eu sou e o melhor... É que você sabe o quanto! - partindo para cima
dele com toda ira imaginável. Lutaram ombro a ombro entre socos, golpes e
contragolpes, quando Hally a derrubou e crendo ser o vencedor ironizou:
- O que foi, poderosa MADAME ZINTRAH? O antídoto foi pouco ou
o seu veneno que é superior a ele? - Deitando sobre ela e cuspindo em sua
face. Subitamente a prostituta agarrou em seu braço e num riso maquiavélico
engoliu a sua saliva. O vilão não soube o que pensar, a meretriz jazia

derrotada e sorrindo, definitivamente algo estava errado em se tratando de


Zintrah.
- Acha mesmo que tudo acaba assim, Hally?
O vilão não soube o que replicar.
- Você me ensinou a usar meus poderes, lembra? A dominá-los e
explorá-los o máximo possível! - gargalhou ofegante.
- Está variando, só pode! - Hally não alcançava mesmo o que sua

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antiga amante falava e de repente sentiu seu corpo voar para o outro lado
batendo numa pedra o que lhe deixou ainda mais contuso e atônito.

Limpando os olhos viu de onde estava Zintrah uma figura levantar-se


grandiosa e jocosa, era o jeito dela, era o olhar dela, mas a semelhança era
dele. Zintrah podia transformar-se em qualquer pessoa na hora morta, mas ao
longo tempo também descobriu que se absorvesse qualquer seiva de outrem,

fosse sangue, saliva, suor também podia adquirir suas habilidades e naquele
caso seus poderes. Por outro lado, na última vez que fizera aquilo percebeu o
quanto era arriscado o quanto aquilo poderia detoná-la e conduzi-la de vez a
morte. Decidiu que deixaria aquele regalo para uma única pessoa e essa
pessoa seria Hally, seu maior algoz, embora não soubesse de tudo que ele
capaz. Diante daquela surpreendente constatação ao mesmo só restou
segredar:
- Filha da Puta!

Imediatamente a prostituta multiplicou-se em volta dele acuando-o


num círculo, mas em forma de Alyha, a vaca ruiva que ele se passara todo
tempo na Liga. Ao vê-la, a madame colocou:
- Você sempre gostou de ruiva, não é amor?
Cambaleante, ergue-se também se multiplicando, a questão era que
Hally sabia que aquilo o deixaria mais fraco também para findar o seu plano
ardiloso com os demais componentes.

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Lutavam os clones e eles. Por duas vezes Zintrah conseguiu pôr o


punhal no pescoço de seu maior oponente como também pelo mesmo número

de vezes foi ameaçada quase sucumbindo. Ao sentir que suas forças iam se
esvaindo Zintrah caiu de joelhos e intuiu que era seu fim, foi quando Damon
chegou para ajudá-la.
Ele conseguiu escapar do quase desmaio provocado por Hally e, ao

ver a madame lutando e caindo, correu desesperadamente, seu coração


disparando ao pensar que Hally a matara. Furiosamente congelou-o antes que
desse um golpe fatal nela e o atacou com socos furiosos que fizeram sangue e
dentes espirrarem para todo lado. Hally tentou reagir, mas a força do ator
parecia sobrenatural bombardeando-o com o ódio que acumulou todos
aqueles anos e o amor que tinha pela meretriz.
Hally percebeu que estava perigosamente perto da beira do portal, a
luz estonteante e aberta atrás dele, enquanto era espancado em cada parte do

seu corpo. Ciana, Miri, Valentin se recuperaram e se aproximavam correndo


para unir suas forças e derrotar o maldito de vez. Alyhatentou gritar para
terem cuidado com o portal, que estava prestes a se fechar, a luz piscando,
como se os convidasse a entrar enquanto ainda era tempo.
E consumido pelo ódio, Damon agarrou o pescoço de seu maior
inimigo, olhando nos olhos dele, dizendo antes de quebrá-lo com as próprias
mãos:

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- Acabou pra você, desgraçado.


Pela primeira vez Hally viu a morte diante de si. Seus membros

estavam paralisados e sentiu os dedos do ator pressionarem. Um estalo e seria


seu fim. Uniu anos e anos de poder, de aprendizado e puxou de dentro de si o
suficiente para escapar de seu aperto, ficando na beirada dos dois mundos,
pendurado.

Damon avançou para terminar o trabalho e sentiu a energia sugá-lo


para dentro, mas seu ódio era tanto que só via Hally. Chutou-o furioso nas
pernas e deu um soco tão forte que, arregalando os olhos e gritando, o vilão
se viu cair no precipício do portal, mergulhando de vez no mundo paralelo
que abriu para ser o rei deste universo, mas que acabou virando contra ele.
Ciana parou chocada ao ver Hally sumir. Por um momento foi cegada
pela luz e achou que Damon também tinha caído no portal, mas ficou de
joelhos aliviada ao vê-lo respirando pesadamente de costas para ela. Valentin

murmurou:
- Já vai tarde, desgraçado.
Miri aliviado bradou algo libertador.
Zintrah intuindo a oportunidade jogou-se na direção do turbilhão
quando sentiu um socavão lhe contendo, era o braço de Damon, sua mão
agarrando a dela com força antes que se fosse pelo mesmo caminho de Hally.
Damon agarrou o braço dela quando viu a loucura que fazia. Mas

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mesmo sendo um homem forte, teve que se concentrar com todos seus
músculos e poder para mantê-la com a metade superior do corpo deste lado e

a metade inferior sendo já puxada para dentro do portal, que se fechava.


Gritou agoniado, seus olhos encontrando os dela:
- Zintrah!
A meretriz queria as três coisas, aproveitar o poder rejuvenescedor do

portal para se refazer e se certificar que detonara Hally, mas agora também
vira que queria estar suspensa por aquele braço forte do ator.
Ela o fitou e olhando para o portal devolveu no furor da voz:
- Sinto muito, tenho que ir!
- Meu Deus! - Ciana, Valentin e Miri correram para tentar ajudar o
ator e puxá-la, mas tudo aconteceu rápido demais. Damon não a soltou e
gritou: - Volte! Volte agora!
E foi nesse momento que a maior decisão, a mais dura perpetuou na

vontade de madame Zintrah, ela soltou a mão do ator ,deixando-se sugar pelo
portal. E exatamente naquele momento o portal fechou-se, sugando-a mais
fortemente, até que sumiu de vez, como se nunca tivesse existido. Damon
correu para o local vazio, furioso, sangrando por dentro, gritando como um
animal ferido:
– Não!
Ao ver a amiga partir, Miri voltou a sua forma sem nenhuma

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intervenção que não fora a tristeza em seu coração e uma lágrima sincera
escoou do rosto do pequeno pássaro briguento.

Damon xingou, olhou em volta, extravasou sua revolta, não acreditou


no que havia acontecido. Ciana estava chocada. Primeiro Valaistu, agora
Zintrah. Duas perdas por causa de Hally. E mesmo nunca tendo sido amiga
da mulher, pelo contrário, sua rival, não teve como não lamentar. Pelo

monge, por ela e por Damon e Miri


Valentin ficou em silêncio, arrasado. O silêncio era o único
companheiro deles naquele momento.
Armand surgiu como por encanto, aproveitando o momento de total
prostração dos presentes, por causa da morte de Valaistu e também com a
perda de Zintrah. Tomou posse do livro e rumou em direção ao píer onde
estavam o barco e as lanchas.
O silêncio foi quebrado quando Ciana parou um segundo e viu,

abismada, a figura que corria entre as árvores com o precioso objeto nas
mãos. Apontou e gritou:
- Armand está fugindo com o livro!
Rapidamente se organizaram, sem precisar dizer nada. Correram em
perseguição. Embora desfalcados com a ausência de Valaistu e Zintrah, ainda
havia cinco heróis brasileiros pronto para lutar e pôr todas as cartas na mesa.
Miri aproximou-se correndo de Alyha, que naquele momento tornara-

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se a pessoa mais conhecedora de toda situação:


- O Governador, o prédio, ele irá se refugiar lá.

Damon os liderou, seu coração rasgado, mas sabendo que teria que
deixar a dor para depois. Precisariam do livro, até mesmo para tentar trazer
Zintrah de volta e evitar o que quer que Armand desejava desde o início
fazer:

- Então é para lá que iremos.


O que nossos guerreiros tupiniquins não sabiam é que fazia parte dos
planos de Armand também avisar as autoridades que eles estariam se
dirigindo para o endereço citado. E uma vez que eram em sua maioria
procurados pelas autoridades de Pilarium como suspeitos de homicídios
ardilosamente arquitetado por Hally para encurralá-los no castelo e no
domínio de Obsequiens, tornavam-se agora um suculento prato para a polícia
local. Quando saíram daquele local, também ouviram os carros e as

aeronaves de caça vindo em sua direção.


- Putz! - Berrou Damon.
Cigano estalou os dedos e alertou:
- Eis a hora de mostrarmos quem é a Liga Literária Brasileira!
Todos se entreolharam concordando. Alyha fora do recinto da batalha
sentiu mais plena e mais forte, um paradoxo para conjuntura, porém sem
dúvida mais uma ferramenta poderosa dentro da equipe. A verdadeira

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também ruiva, mas serena e equilibrada da rude caricatura que seu irmão
fizera durante todo aquele tempo como farsante.

- Nos dividimos? - Perguntou a jovem Ciana.


- Juntos somos mais fortes. - respondeu Alyha em sua roupa marfim.
-Bora acabar com esses cabras!- gritou Miri pela primeira vez sem o
riso nos lábios e alegria que emanava.

Armand tomou a dianteira com a lancha e depois avançou para seu


prédio. O feitiço virou contra o feiticeiro, pois a polícia e a guarda nacional
que enviara para lá não quis deixá-lo passar. De longe os componentes da
Liga viram quando ele lutou e foi alvejado por tiros e metralhadoras vindos
de todos os lados. E mesmo com seu corpo se sacudindo e sangrando,
conseguiu entrar no prédio sem soltar o livro e pegou o elevador, travando
com senhas todas as entradas.
Enquanto corriam para o prédio, sabiam que teriam o mesmo destino

e Ciana gritou:
- Eu tomo conta deles! - E usando todo seu poder de manipulação de
pessoas, objetos e ilusões, aumentados desde o sacrifício de Valaistu, criou
uma onda mental nos policiais e agentes, fazendo-os abrir caminho para eles
e olharem para lados opostos, sem poder vê-los. Correram assim para o
prédio. Correram em direção à garagem e Miri se agigantou somente para
arrancar a porta com violência, voltando ao normal quando passaram. Mas

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todas as outras eram do mais puro aço, tudo travado, impossível de abrir à
força.

No subterrâneo do Prédio todos tentavam enlouquecidamente


encontrar um meio de adentrar na verdadeira muralha que o era.
- Não tem como entrar nessa merda! - O ator estava possesso.
- Parece que ele não nos deixou fagulha.- Completou cigano.

Foi quando Miri lembrou do que Madame Zintrah o dissera, no calor


da batalha. Tudo retornou à sua mente:
Num canto Lady Z chamou o pequeno pássaro briguento rebocando-o
pela gola como costumava fazer e o içando ao alto com uma das mãos, o
mesmo nem notou devido o fulgor da ocasião:
- Vou arrancar o bucho desse cabra! Pico tudo e faço uma buchada
melhor que a de bode que a minha finada mãe que Deus a tenha em bom
lugar em nome de Jesus... Fazia... Oxê, o que estou fazendo aqui Nega?

- Nanico presta bem atenção ao que vou dizer!


- E nessa altura que me colocou tem como não prestar? Essa mania de
me pendurar...
- Cala boca, pulga atômica, segura esse espírito de vingador de
formigas e presta atenção ao que estou falando.
Contrariado Miri cruzou os bracinhos e esperou que Zintrah dissesse
o que intentava:

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- Se o pior acontecer comigo...- indicando o crucifixo referindo-se a


pouca quantidade de veneno que bebera.

- Nega, vira essa boca para lá!


- Nanico, se o pior acontecer, quero que fique com isso. - Dando-lhe
uma embalagem de charuto caro. A embalagem fora furtada do apartamento
de Armand, ela retirou o charuto ficando somente com a embalagem, a

prostituta anotara ali todas as senhas e um mapa sobre como entrar no prédio
de alta segurança do mesmo.
- Quer que eu fume se ocê empacotar? Ô Nega, não sou a Dona Vaca
Ruiva que na verdade era o safado Do Hally... Ih gente! Seu Demô o beijou?
Inda bem que eu não caí nessa esparrela! - Interrompido por mais um tabefe
da meretriz.
- Não é nada disto, só abra se eu... Você sabe, entendeu? Fora isto
guarde com você e não revele a ninguém sobre esse conteúdo!

- E se eu quiser fumar?
- Quer que eu te parta a cara para que entenda é?
- Não carece, já entendi. - E logo em seguida a meretriz o soltou
daquela altura sem dó ou piedade dando-lhe as costas, ao pobre restou
segredar: - Isso me ama!- guardando a embalagem dentro de seu pequeno
alforje agarrada na cintura por baixo da calça.
Agora, naquela garagem, ele pediu a palavra:

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- Gente, a Nega me deu um charuto e me alertou que se ela... Deveria


usar o tal presente.

- Aracaê, Zintrah foi a única que entrou no prédio de Armand. -


Trouxe a tona a jovem Ciana.
Rapidamente o baixinho apanhou a caixa do charuto e abriu célere e
quando viu constatou:

- Isso não é um charuto!


Deixando Cigano irritado. Alyha ansiosa soltou:
- Ele é sempre assim? Um silêncio gritante pairou. Damon tentou
apanhar o objeto que na verdade semelhava um pergaminho.
- Seu Demô lhe respeito, mas nisso o senhor não vai buli, foi presente
da Nega. Só eu mexo!
- Pelo amor de Deus, Miri, abre, rasga, faça algo e rápido logo todos
estarão aqui!- rogou Ciana.

O Baixinho olhou o tal pergaminho que na verdade era um mapa e


com dificuldade ia lendo:
- Há atrás do prédio um beco, existe um bueiro lá, desça e siga à
direita. Existe uma entrada à esquerda com uma grade, ela é movediça; mova,
entre na galeria e a recoloque no lugar. Siga em frente e suba no bueiro do
final da galeria. Acima há uma escada com uma porta de aço bloqueando com
uma trava lógica alfanumérica protegendo. A senha é zero zero obsequens. A

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escadaria subsequente chega até o hall do elevador de minha casa. Tem um


bloqueio a cada vinte e dois andares. Suas senhas são: vinte e três vivat;

quarenta e cinco in; sessenta e sete aeternum. Não erre as senhas de forma
alguma ou morrerá na mesma hora. A porta da frente tem o mesmo código do
poço, sem os números. Geralmente uso um cartão, mas como às vezes ele
estraga, o código fica ativo. Aquela porta aberta à esquerda de onde estamos

é a biblioteca como pode notar pelos livros. Na parede ao fundo há uma porta
escondida. Procure o livro Prodigiorum Libellus. Atrás dele há um botão,
aperte e terá acesso à escadaria que leva ao andar abaixo, é a única entrada
que existe. poderia entrar aqui com todo o seu poder. Nem por baixo, nem
por cima e nem pelo meio . Isso faz sentido pra ocês? - perguntou o pequeno
pássaro briguento perdido com preciosas informações. Mas todos já corriam e
a ele só restou apressar as perninhas e ir atrás.
Fizeram todo o percurso e todas as recomendações, até chegarem à

última porta na cobertura. Do lado de fora helicópteros sobrevoavam o prédio


e vozes mecazizadas mandavam Armand se entregar.
Por fim abriram a porta com a senha.
Miri, Alyha, Damon, Ciana e Valentin pararam na entrada, seus olhos
fixos em Armand, que sempre foi uma incógnita entre eles e agora estava
sozinho e muito ferido do outro lado da sala. As balas caíam do ferimento,
ele se regenerava, mas tinha sido duramente metralhado e não seria tão

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rápido. O livro estava na mesa entre eles.


Armand pensou rápido. Se corresse para pegar o livro, seria atacado.

Se fugisse, teria uma chance de se recuperar totalmente e voltar para resgatá-


lo. Tudo aconteceu em milésimos de segundos. Apertou um botão em seu
relógio de pulso e houve uma explosão gigantesca na sala, criando clarão,
barulho e fumaça por todo lado.

Os componentes da Liga nem quiseram saber. Tinha sido muita luta e


muitas perdas para recuarem agora. Correram todos na direção em que
estivera o livro. Por incrível que pudesse parecer, o baixinho Miri foi o
primeiro a agarrá-lo contra o peito, gritando:
- Peguei! Oxe, peguei o menino!
- Eu sou aquele que vocês odeiam na verdade. - A voz de Armand
ecoou no meio da fumaça e do caos: - O sangue dos Obsequens ainda
perdura. Cedo ou tarde vocês compreenderão.

Armand tinha escorregado por um buraco que se abriu a seus pés, em


uma rampa. O chão fechou-se novamente. E enquanto a fumaça esvanecia,
eles se entreolharam, Miri agarrado ao livro com olhos esbugalhados. Ciana,
Damon, Alyha e Valentin olharam para ele. Mas Armand tinha sumido.
Como por encanto.
_Oxê, esse cabra se pirulitou daqui foi? Achei que era Armand, mas
não sabia que era "Armando Mágica”.

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- Pelo Amor de Deus cala a boca, Miri! - Disse cigano.


Procuraram em cada canto, em vão. Damon apoiou a mão no ombro

do valente pequeno e disse, cansado:


- Ele foi tarde, mas vai voltar. O herói da noite foi você, Miri.
Estamos com o livro.
- E eu seu Dêmo? Se ele livro é poderoso vou pedir para ser como o

senhor?
- Ator, famoso? – Damon não entendeu.
- Não, quero 25 centímetros de serviço.
Damon só sacudiu a cabeça.
Ciana começou a chorar, ao lembrar como tudo havia começado e
agora terminado.
- Só sobramos nós.
Alyha sorriu e disse a moça:

- Acredite, nunca fomos tão fortes.


Eles se entreolharam. Valaistu e Victor estavam mortos. Hally e
Zintrah em outra dimensão. Armand fugiu, sem contar a todos quais eram
seus objetivos desde o início. Só restaram eles, os cinco. E o livro.
- Vamos voltar ao castelo e nos reorganizar. – Damon falou, cansado,
seu peito doendo com as perdas, mas deixando tudo para sentir depois.
Tinham que agir, organizar muita coisa. – Precisamos de um novo local, onde

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Armand não conheça. E proteger o livro. Nossa luta ainda não acabou, ela só
está começando.

- Somos a Liga Literária. – Alyha olhou seus novos companheiros,


emocionada. Apontou para fora, para os helicópteros e policiais: - Eles
precisam de nós, embora não saibam. Vamos provar nossa inocência e lutar
contra a ignorância e a maldade. Vamos erguer esse país, mostrar do que

somos capazes. Tudo que passamos teve um objetivo maior. E é por ele que
devemos brigar.
Cigano suspirou.
- Meu objetivo era só encontrar minha mulher e meu filho. Nunca
quis esse poder nem essa responsabilidade. – Fitou-os, uma nova esperança
surgindo dentro de si. – Mas agora a tenho. Estou com vocês.
- Eu também. – Acenou Ciana, seus olhos resvalando em cada um e
fixando-se em Damon. Só por ele já ficaria. Mas sabia que havia mais

também. E seria necessária.


- Do que ocês tão falando? – Miri indagou confuso, perdido no meio
deles.
Todos olharam com carinho para o baixinho. Damon passou por ele e
deu um tapa em seu ombro, dizendo amigavelmente:
- Vamos, Miri. Nós cuidaremos de você.
E os cinco saíram.

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Havia um mundo esperando por eles.

Epílogo

A mulher andava em uma espécie de névoa, suas forças se renovando,


o corpo se recuperando. Era tudo branco, como se céu, chão, espaço não
existissem. Não sabia se pisava em algo ou flutuava. As sensações eram
diferentes de tudo que já havia experimentado na vida.
Não sentia cansaço, dor nem fome. A cada passo sua força se
restabelecia. Sabia que devia continuar em frente e foi o que fez. Estacou
quando viu algo diferente no caminho. Contra todo o branco e o vazio, havia
um velho poço de tijolos ali, daqueles que se usava em um passado longínquo

para pegar água.


Aproximou-se cautelosa, apoiou as mãos nos tijolos úmidos. E se
debruçou, olhando para baixo.
Seus olhos se iluminaram quando entendeu o que era. Parecia estar
em um balão, sobrevoando o Brasil, vendo as terras sem fim embaixo. E em
pontos espalhados viu brilhar diversas luzes, pessoas iluminadas, com um
sinal que ela entendeu qual era. Sorriu jocosa e murmurou:

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- Não somos os únicos.

FIM.

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