Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Eastverso
Sobre Eastview
Playlist
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
AQUELA FESTA
Agradecimentos
Sobre O Autor
Eastview é um colégio particular de Ensino Médio fundado em 1903 pelo
benfeitor puritano Carlos Wolmer, localizado em Eastview, São Paulo.
Está na vanguarda da pesquisa acadêmica e intelectual. Aqueles que
se aventuram aqui - para aprender, pesquisar, ensinar, trabalhar e crescer -
se juntam a mais de um século de tradição e estudantes que buscam pela
verdade, conhecimento e pela construção de um mundo melhor.
Como a maior instituição de renome do Brasil, Eastview estará
sempre focada em criar oportunidades educacionais para os jovens que
representam o futuro da nação - e do mundo.
Esse livro possui uma playlist cuidadosamente organizada para
complementar a experiência de leitura. Acesse-a através do código abaixo
(abra a barra de busca do spotify, clique sobre o ícone da câmera e o
escaneie), ou busque pelas palavras-chave “Aquele Garoto – Playlist
Oficial” no serviço de streaming.
PRESENTE
O k.acampamentos
Talvez não fosse bem um acampamento de verão. Em
de verão você geralmente escolhe ir, faz aquilo por
diversão.
Nesse, todos os alunos de Eastview estavam ali obrigatoriamente.
Foi uma forma que Wolmer encontrou de nos integrarmos socialmente —
ou alguma merda dessa, como se ele se importasse mesmo com integração,
ou qualquer coisa que não fosse a reputação da escola que sua família
fundou.
Bem, era o último dia. Todos sobrevivemos às infinitas palestras e
aulas sobre educação sexual, política e vida em sociedade, e estávamos
prontos para voltar pra casa e viver tudo o que não vivemos naquelas três
semanas, nos últimos sete dias antes do início do semestre.
Era a festa de encerramento do acampamento, e estava tão animada
quanto o enterro de um animal doméstico. Mas tudo bem. Seriam apenas
mais algumas horas.
Eu estava em um canto qualquer do salão, junto com os outros que
também haviam sido esquecidos no churrasco. Tinha perdido Enrique de
vista há muito tempo — e já estava começando a imaginar que nunca mais
o reencontraria.
Os garotos populares estavam no centro, discutindo sobre coisas
banais, tirando selfies e bebendo o álcool que levaram até ali escondidos de
Wolmer (de acordo com os rumores).
O time de futebol. A equipe de líderes de torcida. O time de
basquete, vôlei. Os patinadores, membros do coral. Todos estavam ali,
ficando lentamente bêbados enquanto aquela noite se afastava.
E, no centro de todos, estava ele.
Eu tentava não o encarar demais, mas era difícil. Ele tinha essa
espécie de magnetismo em seu entorno. Talvez fossem os bíceps. Talvez
fosse a pele brilhante e marrom-escura. Talvez fosse seu sorriso largo e
galanteador.
Galanteador. Quem fala esse tipo de merda?
Bem, não tinha como definir de outro jeito. O sorriso dele era
galanteador. Era perfeito.
Era absurdo imaginar que um cara como ele poderia se interessar por
mim. Era um completo delírio fantasiar que Caspian Wolmer sequer sabia
que Daniel Vinci existia. Quem eu era perto dele? Um ninguém — um nerd
esquecido, como Enri gostava de acentuar.
Mas, por algum motivo... Ali estava ele, olhando diretamente para
mim.
Olhei para os lados. Ele devia estar olhando para outra pessoa, certo?
Certo?
O olhar castanho dele — quase amarelo — continuou centrado em
mim. Olhei para baixo, para meu torso. Eu devia ter derramado bebida na
camisa, bagunçado o cabelo, feito alguma coisa estúpida para chamar sua
atenção.
Não era possível, não era possível que...
“Me encontra na sala do zelador.” Ele sussurrou, e então se afastou
calmamente de seus amigos populares.
Fiquei paralisado por um segundo. Olhei ao redor mais uma, duas,
três vezes. Onde estava Enri para me dizer se eu estava mesmo delirando ou
não?
Cas me lançou uma última piscadela antes de deixar o salão.
O segui logo em seguida. Devia ser alguma pegadinha.
Não era uma pegadinha. Minha cabeça batia contra as paredes da sala
apertada do zelador conforme continuávamos transando.
Meu corpo estava ali, estava presente, mas minha mente ainda estava
nas nuvens pensando que, de todos os garotos da escola, Caspian Wolmer
realmente tinha me escolhido, queria ficar comigo.
Aquilo quase fazia o desconforto de perder a virgindade ir embora.
Mas minha cabeça continuava batendo contra a parede quando ele
acelerava demais.
— Você pode ir mais... devagar? — pedi quando senti que estava
prestes a ter uma enxaqueca.
Ele fez uma expressão de susto, e se afastou um pouco.
— Foi mal, tô te machucando?
— Não, é só que... — Espalmei a parede atrás de mim. — Tô
batendo minha cabeça nessa parede aqui — abri um sorriso curto, me dando
conta da situação absurda.
Minha primeira vez estava sendo com o cara dos meus sonhos, no
chão frio de uma sala escura no acampamento de verão planejado pelo pai
dele.
Boa, Dani.
— Quer ficar por cima? — ele perguntou.
Engoli em seco.
— ... Claro... — murmurei.
Invertemos as posições.
— Porra — Cas reclamou quando foi sua vez de bater a cabeça na
parede.
Ri daquilo. Ele riu de volta. Continuamos transando por alguns
minutos. Ambos não conseguimos durar por muito tempo.
No final, deitamos de costas sobre o chão gelado, molhados de suor,
respirando fundo. O olhei de lado. Ele fechou os olhos e descansou um dos
braços sobre a testa. Estava com sono, percebi.
Eu também estava.
Analisei seu corpo com um pouco mais de cuidado, no silêncio
quebrado somente por nossas respirações. Ele era perfeito. Eu queria tocar
cada centímetro de sua pele, suada ou não.
Mas fiquei só no desejo mesmo.
Ele levantou em seguida, vestindo a calça e a camisa em questão de
segundos. Jogou a camisinha que usamos no lixo da sala — não queria
imaginar a cara do zelador quando entrasse ali na manhã seguinte. Esperava
que ele não resolvesse fazer um teste de DNA ou coisa parecida para
descobrir quem foram os delinquentes que transaram na sua sala.
Observei as costas de Cas por algum tempo, e então me levantei.
Catei minhas roupas perdidas no chão e as coloquei.
Ele se voltou para mim com um meio-sorriso no rosto. Entreabrimos
os lábios, mas não sabíamos exatamente o que dizer. Então, ficamos em
silêncio enquanto o momento se tornava mais e mais desconfortável.
Cas se recostou contra a porta, os braços largos cruzados sobre o
peito firme.
— O que você tá achando desse acampamento de verão? —
finalmente disse.
Me recostei na parede oposta. Escondi as mãos nos bolsos da calça.
— Uma droga — respondi, mas logo lembrei que estava
conversando com o filho do homem que tinha feito tudo aquilo. Arregalei
os olhos. — Quer dizer, eu sei que seu pai teve intenções boas quando... —
A risada dele, alta e contagiante, atrapalhou meu raciocínio. — Por que
você tá rindo?
— Não precisa fingir gostar do Augusto só porque está comigo,
Dani. Eu também odeio ele às vezes — falou com um sorriso levemente
cínico. Suspirou. — Esse acampamento de verão é uma merda. Tentei
convencê-lo de que a ideia era uma merda, mas ele não me ouviu.
Ri baixinho, para mim mesmo.
— Boomers — murmurei, lembrando do par de boomers que eu
tinha em casa, e que sempre achavam meus conselhos imaturos demais.
Ficamos em silêncio por mais alguns segundos, até ele o quebrar
outra vez, com mais uma pergunta aleatória:
— Tem algum plano pra essa última semana antes do início do
segundo ano?
— O básico. Ficar em casa, assistir Netflix. Talvez ir ao cinema.
— Parece bom.
Aquilo acendeu uma lâmpada em minha mente.
— O filme da Viúva Negra está em cartaz no Cinemark — falei em
um tom insinuante — se você quiser assistir...
Ele fez um biquinho com os lábios, e acenou, os olhos afastados dos
meus.
— Claro que eu quero assistir, o filme parece incrível.
— ... Comigo? — completei, e ele finalmente me encarou. Mas não
com o olhar que eu queria que tivesse.
Cas apertou os lábios, uma negação estampada em seu rosto.
— Oh... — foi o que respondeu por algum tempo. Então, se
aproximou, e tocou meus ombros, o olhar amarelo preso no meu. — Você é
muito legal, Dani. Muito legal, inteligente — olhos desceram até o meu
corpo — e gostoso... — Inspirou, e voltou a me fitar. Ele não era
exatamente sutil, como tinha acabado de descobrir. Mas ainda era Caspian
Wolmer, de qualquer jeito. — Mas ninguém pode saber que eu gosto de
você. — E eu ainda era Daniel Vinci, o nerd esquecido. Engoli em seco, e
minha saliva ganhou um gosto amargo. Ele apertou os lábios outra vez, e se
afastou em direção à porta da sala. — Te vejo no colégio — falou, fazendo
um pequeno gesto de adeus, e saiu.
— Claro... — falei para o nada quando a porta se fechou.
Naquele momento decidi não usar seu nome de verdade ao escrever
sobre aquilo no blog.
Eu tinha acabado de perder a virgindade, precisava falar sobre aquilo
com alguém. A única opção real — e o único amigo que tinha — era Enri,
mas não podia conversar com ele. Eu o conhecia. Ele faria perguntas
demais e, hora ou outra, eu acabaria revelando o nome do garoto cuja
identidade precisava manter em segredo.
Então, o blog era minha última opção. Era apenas levemente
diferente de falar sozinho, mas servia. Sempre serviu. Continuaria servindo.
Quando encerrei aquele post específico, na noite anterior, substituí o
nome de Cas por um pseudônimo. Algo que soasse distante e abstrato o
suficiente para afastar qualquer suspeita dele.
Algo que fosse curto e memorável, no entanto. Algo com que eu
ainda pudesse identificar quando relesse aquele post dali a dez anos.
Aquele Garoto.
presente
FIM DO LIVRO UM
N as últimas semanas, Cas não conseguia tirar as mãos de mim.
Na sala da faxineira, no banheiro, no depósito atrás do refeitório.
Pode chutar um local de Eastview. Nós provavelmente já transamos lá.
Não sei o que aconteceu com ele desde o dia em que meu blog
vazou, mas ele estava em um transe-por-dani. E eu estava feliz em ser o
Dani em questão. Porém, havia um problema.
Tudo o que a gente fazia era transar. Não conversávamos sobre nada
— absolutamente nada.
Nós transávamos muito, sim. Mas era como se não tivéssemos
intimidade alguma. Eu não sabia nada sobre a vida pessoal dele, e ele não
parecia ter interesse em saber sobre a minha.
E aquilo...
Aquilo deveria incomodar menos do que incomodava de verdade.
Nós não éramos um casal, afinal de contas. Ou éramos?
Ainda não podíamos ser vistos juntos em público, então
provavelmente não. Mas esse era o problema. Eu não sabia o que éramos,
não conversávamos sobre isso.
Será que existe algum casal que tenha começado daquele jeito?
Algum casal que fez as coisas ao contrário (primeiro o sexo, depois o
relacionamento)? Ou será que eu e Cas éramos... diferentes?
— ... É tão estranho — a voz de Enri me tira do monólogo interno.
Pisco várias vezes até perceber que estive desligado da realidade por
alguns minutos. Observo o campo de futebol à frente, onde o time de
Eastview está treinando em mais uma manhã ensolarada antes das finais
interestaduais. Como por um impulso magnético, meus olhos pairam sobre
Caspian. Ele era um dos atacantes do time. Fecho os olhos. Preciso parar de
me concentrar no torso musculoso e suado dele. É por causa daquilo que
não tínhamos conversado sobre droga nenhuma até agora.
— Uh? — me volto a Enri. — O que é estranho?
Ele solta uma lufada de ar pela boca, cruza os braços e se recosta
sobre o banco que ocupa na arquibancada.
— Hello? — Ergue as sobrancelhas. — Estou falando com você há
meia-hora Dani — diz em um tom irritado —, não ouviu nada do que eu
disse?
— Sim, é claro — rebato rapidamente. Suas sobrancelhas se erguem
ainda mais, me incitando a continuar. Mas percebo que estou mentindo. —
... mas o que você disse?
Ele revira os olhos, e os desvia para o campo de futebol. Ou, melhor,
para o prédio azul e gigantesco de Eastview um pouco além do campo.
Enri parece ponderar sobre algo.
— É muito estranho como Heitor Ruchert só me liga quando quer
transar. Me sinto usado.
Ah.
Fico desconcertado — tanto por sua escolha de palavras quanto pelo
assunto em questão.
— Sim... — murmuro, e arrumo os óculos no rosto — é muito
estranho.
Ele faz uma careta de desagrado, e semicerra os olhos.
Não sei de onde surgiu o interesse de Enri em Heitor, ou de Heitor
em Enri. Os dois não tinham nada em comum, não compartilhavam uma
aula sequer em seus horários.
Honestamente, acho que Enri merece mais do que Heitor. Se eu
ainda sou ridicularizado pelos posts do blog, o presidente do clube de LOL
do colégio é conhecido... por outras coisas.
— Talvez nós devêssemos D.A.R. — Enri diz depois de alguns
minutos.
— Definir A Relação?
— Yes.
Naquele momento, alguém chuta a bola com força suficiente para
fazê-la viajar até a arquibancada. Meus reflexos funcionam pelo menos uma
vez na vida, e consigo apanhá-la antes de acertar meu rosto e quebrar meus
óculos — e meu nariz, provavelmente.
Cas se aproxima do limite do campo, e perco o ar por um segundo.
Tento me concentrar em seus olhos. Juro que tento. Mas o suor sobre sua
pele marrom-escura o faz cintilar a cada movimento.
Merda. Estou fazendo de novo, não estou?
Pigarreio.
Ele me fita sem demonstrar emoção alguma — talvez meu uniforme
do clube de xadrez não seja a coisa mais sexy do mundo — e faz um gesto
com as mãos para que eu lhe passe a bola. Assim o faço. Ele me dá as
costas sem um mero gesto de agradecimento.
Fico frustrado. Mais frustrado do que o normal.
— Não acha que tá um pouco cedo pra isso? — falo a Enri. O
absurdo de sua relação com Heitor ainda fazendo minha cabeça girar. —
Quer dizer... vocês estão saindo juntos há algumas semanas.
E, por algum motivo, me sinto mal imediatamente depois de dizer
aquilo. Estou projetando minhas inseguranças, e as incertezas sobre minha
relação com Cas na relação de Enri. Isso não é justo.
E graças aos céus ele não pensa muito sobre minha afirmação.
— Exato. Já passamos tempo demais sem D.A.R.
Aceno sutilmente. Desvio o olhar para Cas outra vez. Será que nós
também tínhamos passado do tempo de definirmos nossa relação? O que
aconteceria quando finalmente fizéssemos aquilo?
O apito do sr. Fleet soa. O treino está encerrado. Alguns outros
alunos na arquibancada se levantam e começam a retornar ao prédio
principal.
No meio do campo, Cas e Nik trocam um high-five breve e se
abraçam em seguida. O time todo os cerca depois, assim como as líderes de
torcida.
Maria puxa Nik para longe do grupo principal, e os dois discutem
sobre algo.
Cas passa os braços sobre os ombros de Anita Silva, melhor amiga
de M&M. Ela parece animada em estar abraçada com ele. Quem não
estaria?
Porém, algo estranho acontece, e vai além da animação de Anita: os
dois trocam um selinho curto.
Aquilo faz meu estômago revirar.
Enquanto ser visto comigo em público ainda estava fora de
cogitação, Cas podia beijar, abraçar, trocar carícias e afeto com quem
quisesse. Desde que não fosse eu.
Ele olha para trás, em minha direção. O sorriso em seu rosto se
desfaz quando percebe que eu vi aquilo, mas ele não faz menção alguma de
se aproximar, de se desculpar ou explicar. Apenas retorna a atenção a Anita,
e os dois caminham juntos em direção ao prédio de Eastview.
Minha frustração se torna fúria. Me volto a Enri, suspirando fundo.
— Eu tenho algo pra te contar.
Ele estreita os olhos na direção de Maria e Nik, que continuam
discutindo ferrenhamente sobre algo.
— Acha que as extensões de M&M são falsas também?
Toco em seu braço, fazendo-o se voltar para mim. Deixo as palavras
saírem de minha garganta antes que minha mente tenha tempo demais para
impedi-las:
— Aquele Garoto é Caspian Wolmer.
Enri arregala os olhos, assustado, como se tivesse acabado de ouvir a
notícia sobre a morte de Michael Jackson outra vez. Seu olhar se alterna
entre Caspian e eu uma, duas, dez vezes. Até murmurar de forma melódica
e aguda:
— Porra — e entrar em uma crise existencial.
Começo a me exasperar também.
— Isso é tudo o que você tem a dizer? — pergunto, tenso.
Ele curva a nuca para baixo, deixando para trás a postura
despretensiosa de antes. Várias coisas parecem passar por sua mente. Talvez
ele esteja tentando colocar as peças do quebra-cabeça no lugar, talvez não
acredite que um cara como eu realmente possa ter um caso secreto com
Caspian Wolmer.
De qualquer forma, quando volta a falar, sua voz possui um fundo de
mágoa:
— Como você pôde esconder de mim que o garoto misterioso com o
qual vem transando é Caspian?
— Já te disse que ele me pediu pra manter tudo em segredo.
Ele cerra os dentes e aperta os lábios.
— Sim, de outras pessoas Dani, não do seu melhor amigo. — Seu
olhar vagueia perdido pelo campo quase vazio em nossa frente (M&M e
Nik foram os únicos que continuaram no local, sua discussão parecia sem
fim).
Inspiro fundo.
— Você sabe que eu sou bom em guardar segredos.
Ele entrelaça os dedos, os cotovelos apoiados nos joelhos, os ombros
tensos. Até que parece finalmente digerir a informação.
Se joga contra o assento, mais relaxado.
— Mas por que tá me contando agora? — Não tenho uma resposta
simples para aquilo. Ele fita o campo de futebol outra vez, e a lembrança do
selinho trocado por Cas e Anita volta à sua mente. — Ah... — Faz uma
expressão de contemplação. — Vocês tão em um relacionamento aberto?
— Não sei que merda de relacionamento nós temos — respondo
com um sorriso triste. Suspiro, lembrando de todas as vezes em que
estivemos juntos naquelas semanas. — Às vezes ele é o cara mais legal do
universo. E às vezes acho que não tenho importância nenhuma pra ele.
Enri envolve meus ombros com o braço, e toca no meu peito.
— Sabe o que isso significa, não sabe? — pergunta em uma voz
suave. Fico confuso até ele completar: — Vocês precisam D.A.R. — Miro o
campo outra vez, onde as sombras de Cas e Anita estiveram alguns minutos
atrás. — E a festa na fogueira de hoje é a oportunidade perfeita.
Retiro seu braço dos meus ombros.
— Não Enri, é melhor eu não ir. Você sabe que esse tipo de festa não
é pra mim.
— Tá brincando? — ele rebate bruscamente. — Você já me
convenceu a não ir ano passado, nesse ano precisamos ir — fala,
acentuando cada palavra com um toque do indicador no meu peito. — Além
do mais — solta uma risadinha curta e suspeita. —, tenho a impressão de
que Heitor Ruchert tem planos para nós nessa noite.
— Então você vai simplesmente me abandonar pra transar com um
cara qualquer?
Seu rosto se fecha completamente.
— Como você vem fazendo desde que as aulas começaram, quer
dizer? — Aperto os lábios. Ele está certo. Fiquei tão focado em Cas nas
últimas semanas que sequer parei para pensar nos sentimentos de Enri.
Talvez a relação dele com Heitor não seja tão absurda assim. Talvez eu que
não tenha dedicado tempo suficiente para entender como aquilo aconteceu.
De qualquer jeito, me senti um merda. Queria me desculpar, mas ele se
apressou a completar: — É claro que não. — E um sorriso dissimulado se
abriu em seu rosto. — Mas vamo lá, vai ser divertido. É a única noite do
ano em que Eastview parece mais uma república universitária do que um
colégio de prestígio. Garotos sem camisa, uma fogueira do tamanho de uma
casa, muita bebida.
— Sabe que não podemos beber, certo?
Ele ri com escárnio.
— Nem mesmo você acredita nisso. — E sentamos em silêncio na
arquibancada por alguns minutos.
Enri tinha razão. Eu provavelmente não teria outra oportunidade tão
boa quanto aquela para entender o que Cas queria com tudo aquilo.
Observo M&M e Nik discutindo no campo. Havia muito que eu e
Cas devíamos ter discutido também. Muita coisa que ficou apenas
subentendida, muita coisa que precisava ser explicada.
E eu já estava exausto. O sexo era bom no começo. Mas agora só
tinha se transformado em uma inconveniência que nos impedia de dar o
próximo passo.
Estava decidido: não haveria mais sexo entre nós até que
discutíssemos que droga estávamos fazendo naquela relação.
E, por aquilo, eu podia esconder o meu desagrado por festas e
acompanhar Enri naquela noite.
— Então... — Enri murmura depois de um tempo. — Caspian tirou
sua virgindade?
Expiro pela boca.
— Sim... — era desconfortável e libertador, ao mesmo tempo,
confessar aquilo em voz alta.
Enri retira o celular de um dos bolsos da calça, e o gira nas mãos
enquanto as engrenagens em sua mente também parecem girar.
— E Caspian não quer que ninguém saiba disso... por causa da
popularidade dele?
Meu cenho se franze. Observo o semblante reflexivo dele de relance.
— Sim...
— Mas... você é popular agora.
A afirmação me pega desprevenido.
— Mas não como ele — rebato, um pouco desconfiado.
Vincos se formam na testa de Enri.
— Está desiludido? Você é literalmente a única coisa da qual essa
escola consegue falar nas últimas semanas.
Fecho os olhos.
— Obrigado por me lembrar disso.
Ele nega com a cabeça.
— Meu ponto é: vocês dois são populares agora. Caspian não tá no
armário, todo mundo sabe que ele é bi. Então... — e a cada palavra, meu
peito fica mais pesado — qual é o problema?
— O problema?
Faz um gesto sugestivo e tenso com as mãos.
— Por que vocês continuam sem poder interagir, conversar, como
duas pessoas do mesmo nível de popularidade?
Curvo a nuca para baixo, em direção ao chão da arquibancada. Tento
pensar em uma resposta boa, no motivo pelo qual concordei com aquilo,
pelo qual concordei em manter a identidade de Cas um segredo no blog.
Mas Enri estava certo. O Dani de agora não era mais o Dani de três
semanas atrás, ou do acampamento de verão. As coisas mudaram.
Então por que Cas não tinha mudado também?
— ... Eu não sei — respondo depois de me sentir exausto em busca
de uma resposta melhor.
Ele dá um tapa forte em minha escápula.
— Viu? — diz em um tom animado. — Você precisa ir na festa da
fogueira e conversar com ele sobre isso.
Engulo em seco, e aceno.
— Você tá certo.
Ele se recosta de forma descontraída no banco, e um sorriso largo se
abre em seu rosto.
— Sempre estou.
Enri desbloqueia seu celular e analisa algo ali. Só consigo mirar o
campo outra vez, sentindo um vazio estranho dentro de mim.
Eu amo Cas. Aquela foi a razão que me fez aceitar ser apenas um
segredo em sua vida.
Mas estou cansado de ser um segredo. Prefiro ficar sozinho a
continuar com aquilo.
O que significa que... dependendo de como a festa se encaminhar
naquela noite...
Esse será nosso fim.
— O que dois bebês lindos como vocês tão fazendo fora do berço?
— ouço a voz de Nik antes de perceber que ele se aproximou da
arquibancada e está sentando na fileira de bancos à nossa frente.
Respiro fundo, e deixo todo aquele monólogo melancólico para trás.
Me concentro no sorriso convidativo de Nik. Ou, melhor, tento, já que ele
também está sem camisa.
— Bom dia pra você também — Enri rebate sem erguer os olhos da
tela do celular.
Dou um sorrisinho de cumprimento ao goleiro do time, e percebo, ao
longe, o olhar furioso de Maria direcionado a mim.
Nik entreabre os lábios para dizer algo, mas Enri o interrompe:
— Vou ter que ir agora, Dani. — Levanta do banco em um pulo,
alegria estampando cada parte do seu rosto. — Heitor Ruchert acabou de
me convidar para uma rapidinha na sala da faxineira no segundo andar.
— Claro... — murmuro, uma risada ameaça deixar minha garganta,
mas acaba ficando presa.
Então... eu e Cas não éramos os únicos que usávamos a sala da
faxineira?
— Você ainda precisa trabalhar muito nas suas cantadas, Nik — Enri
diz antes de virar de costas e se afastar.
— Eu sei... — o goleiro replica. Minha mente se perde na conversa
que terei com Cas naquela noite. O que deveria dizer? Como deveria dizer?
O que as pessoas fazem quando precisam D.A.R? — Dani? — Nik diz.
— Ah, desculpa. — Afasto aqueles pensamentos. — Eu tava só...
— Tá tudo bem? — Ele pula de uma fileira de bancos para outra, e
senta ao meu lado.
— Sim, é só que... — Suspiro. Seria um erro muito grande conversar
sobre aquilo com Nik? Ele era o melhor amigo de Cas, afinal de contas.
Talvez pudesse me dar algum tipo de informação que fosse útil na conversa
que teríamos à noite. — Tem esse cara que eu gosto muito — penso
cuidadosamente no que dizer. —, mas acho que ele não gosta de mim da
mesma forma.
Nik entrelaça os dedos e me fita de maneira curiosa.
— E por que você acha isso?
Mordo o lábio inferior. Me recosto no banco, o olhar preso no gol
mais distante do campo.
— Ele tá sempre com os amigos dele, me evitando. Acho que só
conversa comigo quando precisa se sentir bem consigo mesmo... — dou de
ombros. — ou quando precisa de alguma outra coisa — finalizo em um tom
triste.
— Isso não é verdade — Nik rebate em um tom inconformado.
— O quê? — Encaro seus olhos azuis profundos.
Ele engole em seco, e se afasta um pouco.
— Qualquer um seria sortudo de sair com você, Dani. Esse cara
talvez... — move a mandíbula de um lado pro outro. — ainda não tenha
achado a forma certa de... uh... dizer pra você o que sente.
É fofo ver Nik tentando me aconselhar naquela situação. Será que se
ele soubesse que estávamos falando de Caspian manteria aquela opinião?
Nego com a cabeça.
— Duvido disso, ele já teve várias oportunidades. — Chuto uma
tampa de garrafa perdida no chão da arquibancada para longe, tentando não
me concentrar em como estava triste.
Nik fica em silêncio por alguns segundos. Talvez minhas aventuras
amorosas não sejam tão interessantes para ele, de qualquer jeito.
O goleiro do time ainda era uma incógnita para mim. Ele era ótimo,
sem dúvidas. Uma pessoa ótima e genuinamente agradável de se estar ao
lado. Mas por que parecia tão interessado em mim?
E por que para ele... ser visto comigo em público não era um
problema tão grande quanto era pra Caspian?
— Ele tem um namorado? — ele pergunta em um sussurro abafado.
O selinho de Cas e Anita me vem à mente imediatamente.
— Namorada — corrijo com um estalar da língua.
Nik se mexe desconfortavelmente no assento, olha ao redor, inspira e
expira fundo.
— Se esse cara não tivesse uma namorada... — fala em um tom tão
suave que sou impelido a encará-lo. — ele com certeza faria de tudo pra te
mostrar o quanto gosta de você, porque ele gosta. — Acena com a cabeça.
Há um brilho de convicção contagiante em seu olhar.
Talvez ele saiba que estamos falando de Cas, afinal de contas. Talvez
Cas tenha falado de mim para seu melhor amigo (um sinal de que não
queira manter nossa relação em segredo por muito mais tempo).
Aquilo afasta a tristeza, e me dá um pouco de esperança. Um sorriso
singelo se abre em meus lábios.
— Obrigado, Nik.
Ele aperta um dos meus ombros.
— Vem pra festa da fogueira hoje? — pergunta com um sorriso
sugestivo nos lábios.
— Acho que vou — respondo com segurança.
Ele se levanta do banco, e contrai os músculos das costas.
— Te vejo lá então, Dani — faz um gesto de despedida antes de se
afastar.
LEIA AQUELA FESTA AGORA
E, bem assim, nasce uma lenda.
A história de Dani, Cas, Nik e cia é simplesmente a coisa mais
divertida que escrevi em muito tempo. Espero que você tenha se divertido
lendo tanto quanto me diverti escrevendo.
Muito obrigado às pessoas incríveis que trabalharam comigo nesse
texto: Lucas, Amanda e Sophia. O talento de vocês me deixa assustado.
Senara e Bruno seguem sendo meus companheiros mais próximos
quando se trata do visual dos livros, e não vejo isso mudando tão cedo.
Obrigado demais pela dedicação e pela paciência de vocês, e também por
suportarem meus surtos sempre que recebo de volta um design pelo qual me
apaixono hehehe
Obrigado a todo mundo que apoiou esse lançamento e aos meus
leitores maravilhosos, às pessoas que compraram este livro na pré-venda
antes mesmo que qualquer marketing sobre ele tivesse sido feito. Vocês me
dão força e energia para seguir escrevendo e publicando, e não canso de
dizer o quanto os amo.
Espero reencontrá-los logo logo para o próximo capítulo na história
desses personagens (se você pensou que já teve drama demais nesse livro,
espere até ver o que tenho separado para o próximo *risada maligna*).
Um beijão,
Mark.
MARK MILLER É ESCRITOR PELA MANHÃ, estudante de medicina pela
tarde, e leitor voraz pela noite. Nasceu na região norte do Brasil, mas
mudou-se para São Paulo aos 14 anos de idade.
É uma pessoa de hábitos noturnos, o que talvez explique sua
obsessão por café. Não gosta de climas muito quentes, ou muito frios, adora
conhecer a cultura de outros países e ama gatos.
Escreve pelo simples desejo de ver mais representatividade em
histórias usualmente dominadas pelo imaginário heteronormativo, buscando
leitores que, como ele, desejam ver mais personagens LGBTQ+ em
posições de protagonismo.
Twitter: @markmillerbooks
Instagram: @markmillerbooks