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O destino sussurra ao guerreiro.

“Você não pode contra a tempestade."


O guerreiro sussurra de volta.
“Eu também sou uma tempestade."

Rakushinfu, Cao Zhi


Prólogo
A floresta noturna esconde a perversidade.
Não importa o país ou a época, não há uma floresta que à noite não seja perversa.
Contudo, as formas como essa perversão se apresenta diferem.
Hora é uma escuridão que nos engole até os pés; outras, um labirinto que nos faz
perder o caminho de volta. E às vezes são as presas cobertas de baba de uma besta
faminta.
Nesse momento, a perversidade era ‘luz'. Uma luz laranja tremulando ao som de uma
música inexistente. Um brilho sinistro.
Não havia um ser vivo que não estivesse amedrontado do vazio aberto à noite. Era um
incêndio.
As árvores queimando, gritavam secamente. Diferente dos humanos, o fogo não tem
preferências. Ele engole a todos sem reclamar, enquanto vai engordando em sua
perversidade na mesma proporção.
Quando amanhecer, a floresta provavelmente será apenas um acúmulo de cinzas pretas
sem graça. E assim morrerá. Só reviverá daqui a centenas de anos.
O culpado pelo golpe fatal na floresta estava parado no centro do incêndio. Os
destroços de um avião.
O ventilador do motor ainda girava. Havia acabado de cair. A fuselagem estava partida
ao meio e a uma asa quebrada fincada perpendicular à terra. Como uma lápide.
Os moradores das redondezas começaram a se reunir para apagar o fogo e ajudar os
feridos. Mas logo o desespero se espalhou por suas expressões. Do jeito que estava, era
muito improvável alguém ter sobrevivido à queda.
A fuselagem despedaçada queimava como se o metal soltasse gritos estridentes. O
fogo se estendia para dentro do avião. Provavelmente se alguém andasse no interior
agora, os sapatos derreteriam e grudariam no chão.
Os moradores começaram a checar os destroços sem esperanças.
Um menino se aproximou de um desses escombros. Era um menino da vila próxima.
Estava com uma machadinha usada para derrubar árvores que trouxe para tirá-las do
caminho e evitar o fogo. Mas foi apenas imitando os adultos. A mísera machadinha não
era capaz de cortar nem os bonsais do avô.
Mesmo assim, o menino se aproximou do destroço. Talvez houvesse algum
sobrevivente. Se ele o ajudasse, seria bastante elogiado pelos adultos. Ele ficou
empolgado ao imaginar seu jovem eu se tornando um herói.
Essa ambição foi fatal.
Uma porta grudada ao destroço, emitindo um som de metal se desprendendo, caiu na
direção do menino. Não deu nem tempo das pessoas em volta ajudarem. Era uma
robusta porta de ferro capaz de aguentar a corrente atmosférica de alta altitude.
Alguém gritou. A porta esmagaria a cabeça do menino como se fosse uma bala ─
Porém isso não aconteceu. Uma mão a segurou.
Não era a mão de um morador. Ela havia aparecido do interior do avião.
“Finalmente cheguei.” O dono da mão disse calmo.
De dentro do avião, saiu um homem alto vestindo um terno azul. Era europeu, mas não
dava para saber sua idade ao certo ── provavelmente tinha entre vinte e trinta anos. Seu
olhar frio não se importava com o fogo ou com a destruição causada pela queda do
avião.
“Pensar que a aterrissagem de um avião chacoalhava tanto assim. A experiência vale
mais que tudo. ── Por sinal, você está bem?” O homem de terno perguntou ao menino
debaixo da porta. “Não precisa me agradecer. Minha missão é salvar qualquer humano
em perigo. Mas você vai acabar se machucando nesse lugar. Essa porta, uma vez aberta
e caída, nunca mais fica em pé novamente.”
“Eh...”
O menino piscou. Nesse meio tempo, o jovem de terno azul pulou para o chão e ficou
olhando atentamente ao seu redor.
“Ora, ora. Isso não estava nos arquivos do armazenamento externo. Há tanta árvore
crescendo no aeroporto do Japão assim? Mas mesmo que seja um país abundante em
natureza, onde 67% são florestas, é irracional construir um aeroporto aqui. Não tem nem
rua. E eu preciso ir andando para o local da missão. Oh céus, eu não consigo entender os
humanos de jeito nenhum.”
O menino pendeu sua cabeça para o lado com a expressão séria.
“Hã… você...” Sua voz trêmula. “Você... Quem é você?”
“Oh, perdão. Dentro da sociedade humana a conduta apropriada é se apresentar, não é
mesmo?” Ao dizer isso, o jovem tirou um distintivo preto do bolso. O menino não
conseguia ler as letras prateadas no centro. “Esta máquina é um detetive da EUROPOLE,
usado para fins de trabalho. Meu número de série é 98F7819-5. Fui produzido pela
doutora Usuária de Habilidade, a Doutora Wollstonecraft, e sou o primeiro computador
humanoide autônomo dentre a polícia mundial. Codinome Adam. Adam Frankenstein.
Muito prazer em conhecê-lo ── Bem, eu tenho uma missão, então se me permite.” Ao
cumprimentar o menino, ele disse “É mesmo," se virando novamente. “Você conhece o
Nakahara Chuuya-san?”
CODE;01
Um Mero Programa de 2383 Linhas Criado por Pesquisadores

Nakahara Chuuya não sonha. O seu despertar é como uma bolha brotando da lama.
Chuuya acordou em seu próprio quarto. Um quarto insípido. Só há as paredes, o chão e
o teto. Uma escuridão azulada os reveste.
Não há muitos móveis. Uma cama forrada e uma estante com poucos livros. Na parede,
um pequeno cofre embutido até a metade. Na mesa central, livros sobre joias abertos
casualmente. Isso é tudo.
A luz do dia que entra pela fresta da janela como uma membrana divide o insípido
quarto em dois. Chuuya levantou. Há um pouco de suor em seu peito. Os resquícios de
emoções turbulentas estão girando dentro dele. Porém ele não se lembra mais qual
emoção era.
Seu peito está sempre nesse estado. Desistindo, ele levanta da cama e vai tomar um
banho. Enquanto refresca o calor em sua cabeça, ele pensa sobre si mesmo.
Nakahara Chuuya. Dezesseis anos.
Um menino que um ano após entrar para a Máfia, alcançou resultados numa velocidade
sem precedentes, foi reconhecido pela Organização e ganhou esse quarto. Mas dinheiro
e posição não alegram em nada a Chuuya. Porque falta algo mais importante: seu
passado.
Ele não sabe quem ele é. Suas memórias começam a partir de oito anos atrás quando
foi sequestrado de uma instituição de testes militares. Não há nada antes disso, apenas
escuridão. Mais escura do que qualquer noite, um breu total.
Ele se secou e foi se vestir. Ao empurrar uma superfície na parede, ela abriu sem fazer
barulho e um closet apareceu. Todas as roupas eram de alta qualidade e não havia um
amassado nelas. Escolheu uma aleatoriamente e passou os braços pelas mangas.
Prendeu-as com abotoaduras de esmeraldas e se olhou no espelho. Após estalar a
língua baixinho, Chuuya saiu do quarto.
Ao sair de casa, como se calculado, um carro de cortesia apareceu. Um membro da
Máfia com óculos escuros dirigia o luxuoso carro preto. Ele estacionou ao lado de
Chuuya e abriu a porta traseira em silêncio.
“Para o mesmo estabelecimento de sempre, por favor.” Dizendo apenas isso, ele entrou
no carro e fechou os olhos.
O luxuoso carro preto corria tranquilo pela rua principal. Todas as ruas e cruzamentos
estavam completamente cheias de carros se deslocando para o trabalho. Mas o carro em
que Chuuya estava deslizava por entre eles passando pelas ruas laterais, se livrando do
congestionamento. Era como se tivesse usado magia para interferir com os outros
veículos.
“E o registro da transação de ontem?”
“Está aqui.”
Chuuya olhou os documentos passados pelo motorista. Eram documentos impressos
numa tinta especial incapaz de ser copiada. Mesmo que a polícia os conseguisse não
serviriam como prova, pois estavam em código secreto.
“Hnf, a transação dessa semana também ocorreu bem.” Chuuya disse
desleixadamente. “Que sem graça.”
O trabalho do Chuuya dentro da Máfia do Porto era monitorar a distribuição de joias
contrabandeadas.
Joias ── Com um valor próximo ao de uma unidade de troca, um dos bens mais caros
desse mundo. Ametista, rubi, jade e diamante.
Um simples elemento pressionado, mas que ao ser balançado diante das pessoas e ao
passar para as suas mãos, se tornam pedras malignas com um temível poder escondido.
O que condensa essa magia é o contrabando. Uma sombra nascida da deslumbrante
luz dessas gemas. Enquanto houver pedras preciosas, certamente existirá joias
contrabandeadas nas sombras. E há inúmeras sombras pelo mundo onde nascem o
contrabando.
Nas mineradoras, os pobres garimpeiros as roubam. Outras vezes, um ladrão bate na
vitrine de uma joalheria com uma arma e leva tudo. Já às vezes, um navio carregado de
joias é afundado por piratas ou um assaltante puxa do pescoço de uma celebridade. Em
mineradoras de Organizações antigovernamentais elas são usadas como pagamento de
armas e drogas.
Desse jeito, as joias nascidas da escuridão não podem sair para o mundo de luz. E por
isso que organizações criminosas como a Máfia do Porto se dão ao esforço extra. Eles
dão luz às negras gemas trazidas até o Porto de Yokohama.
Os transportadores as trazem para a concessão da cidade, os revendedores as
compram e proficientes manufatores as desmontam e cortam, tornando a fonte
desconhecida. Um colar vira um bracelete, um bracelete um brinco e um brinco um anel,
dando novo sopro de vida às joias.
As novas joias assim nascidas recebem um certificado oficial pelos avaliadores da
Máfia e começam a circular rachaduras pelos distribuidores e até serem exibidas na
vitrine de uma joalheria de primeira classe.
Esse contrabando é uma fonte de dinheiro extremamente importante para a Máfia.
Porque as joias contrabandeadas eliminam a exploração intermediária pelas empresas
de administração alfandegária e de distribuição, constantemente gerando um enorme
lucro.
Mas os produtos com poder mágico igual ao das joias, atraem inevitavelmente sangue
e violência. Para conter isso, para estabelecer uma circulação estável, é indispensável
uma violência ainda maior que consiga trucidar qualquer abuso numa bocada só.
Atualmente, Chuuya está cumprindo essa função perfeitamente. Perfeito até demais.
Muito membros antigos estão surpresos. Eles não pensavam que um moleque de
apenas dezesseis anos conseguiria mandar a capital das joias negras tão bem assim.
Contudo, mesmo que pouco, alguns não ficaram surpresos. Aqueles que um dia
enfrentaram a organização comandada por Chuuya, as Ovelhas.
Ele era o rei da organização que continuava a incomodar a Máfia. Não havia nada de
estranho em conseguir controlar perfeitamente uma ou duas capitais.
Mas seja surpresa, admiração ou até mesmo inveja, tanto faz para Chuuya. O que ele
quer era algo que nunca pensariam.
Ele jogou os documentos no banco do carro como se jogando um cascalho e com uma
voz espinhenta, “Desse jeito, vão se passar anos e eu ainda não saberei,” disse. O
motorista fingiu que não havia escutado.
O carro de luxo do Chuuya foi planejado para uma zona residencial. Tirando o verdilhão
oriental cantando na parte baixa do céu, tudo estava silencioso como um túmulo. Nem o
barulho do trem como o tumulto do tráfego chegavam aqui. O carro corria em silêncio até
que parou na frente de uma certa loja.
Era um bar boliche antigo feito de tijolos. Na fachada estava escrito em letras azuis o
nome, Old World. Como ainda era manhã, o neon não estava ligado.
Chuuya desceu do carro. Para não perturbar o silêncio da zona residencial, o veículo foi
embora discretamente.
Ele abriu a porta do bar.
Cinco armas apontadas para ele o receberam.
“Estamos arrumando.” O homem disse segurando a arma. A boca do revólver
pressionava contra sua cabeça.
“Se quiser morrer, pode entrar, claro.” Outro homem falou. Ele apontava uma espingarda
de cano serrado contra o peito de Chuuya.
“Não é muito descuido vir sem um guarda-costas, rei das joias?” Um terceiro homem
disse apontando o revólver para a cintura dele.
“Mesmo você não conseguirá se proteger de todos os ataques na posição em que
está.” Outro falou. Ele segurava uma pistola contra a nuca de Chuuya.
“E então, o que fará, Usuário gravitacional invencível? Se você se desculpar chorando
agora, te deixamos morrer sem sofrimento.” O último homem disse de frente para
Chuuya. Seu longo revólver mirava diretamente entre suas sobrancelhas.
Era um impasse. Se ele atacasse um, os outros atirariam. Se ele tentasse evadir, levaria
um tiro na cara. Caso fosse para frente, seria baleado por trás.
Chuuya não reagiu. Nem se quer mudou sua expressão. A atmosfera no ambiente ficou
tensa. Todos colocaram força nos dedos segurando as armas.

Pan! Um som seco ecoou pelas ruas da vizinhança.

Inúmeras delas caíram como sangue sobre a cabeça imóvel do Chuuya ── Várias tiras
coloridas.
“Chuuya! Parabéns pelo aniversário de um ano na Máfia!” As vozes felizes dos homens
ecoaram pelo bar. Expressando que estava de saco cheio, Chuuya olhou para eles.
“Idiotas...”
Fumaça branca saia do revólver de cada um e vívidas tiras de papel estavam
penduradas na cabeça do jovem. Confetes dançavam pelo ar.
Os homens sorriam, olhando Chuuya todo coberto pelas tiras de papel. Ali estavam
reunidos os integrantes da sociedade de ajuda mútua da Máfia do Porto. Mas não era
uma sociedade qualquer. Todos eram os mais bem-sucedidos membros que carregavam
o futuro da Organização nas costas, em posição igual ou superior à do Chuuya. E todos
tinham menos de vinte e cinco anos. Eles eram conhecidos como o Clube dos Novos pela
Organização. Os jovens lobos da Máfia do Porto.
Chuuya suspirou e sem cumprimentar ninguém, andando para o fundo do bar com a
expressão fria.
“O que foi, Chuuya? Não ficou feliz?” O mais velho se dirigiu para as costas do Chuuya.
“O pessoal se reuniu por você.”
“Não celebrem por um ano.” Chuuya recusou categoricamente. “Não estou nem um
pouco feliz.”
“Não diga isso. Você com certeza irá gostar.” O mais velho foi atrás dele. “Depois
iremos te dar os presentes. Não é legal, como se fosse estudante?”
Chuuya parou e se virou, o encarando.
“Então você é o mandante, Piano Man. Te contar, o seu senso para brincadeiras é
podre.”
“Exato. Eu continuo a respirar até hoje para poder importunar a todos com essas
brincadeiras podres.”
Quem devolveu o sarcasmo do Chuuya com um sorriso despreocupado era o mafioso
vestido de sobretudo preto em um comprido hakama branco. Conhecido dentro da
organização como Piano Man ── Suas roupas eram sempre preto e branco.
Alto, dedos compridos e um sorriso constante de quem estava se divertindo. Como o
organizador dessa reunião de jovens, assumia a função de líder. Foi ele quem convidou o
Chuuya. Piano Man estava mais para um artesão do que para mafioso.
Ele era praticamente o único em Yokohama capaz de produzir uma nota falsa da
mesma precisão da original. Mas por causa de sua natureza caprichosa, se não
produzisse uma cópia que fosse de sua satisfação, ele ficava meses sem fazer nenhuma.
Mesmo se fossem ordens do Chefe.
Por sinal, o seu apelido de Piano Man não é por causa de suas roupas. Ao matar seus
inimigos, ele usa uma corda de piano de aço-carbono conectada a um bobinador elétrico.
Ao envolver um pescoço com essa corda, nem a mais sobre-humana força consegue se
soltar e a cabeça cai em poucos segundos. O que sobra é apenas um corte perfeito entre
os ombros, uma enorme quantidade de sangue e a reverberação do grito de terror da
vítima.
Um homem que acumula capricho, delicadeza e crueldade. Atualmente, dizem que ele é
o homem mais próximo de se tornar um executivo da Máfia do Porto.
Enquanto Chuuya se dirigia para o interior do bar, outro homem falou:
“Hahaha! A cara do Chuuya foi a melhor! Pelo menos a performance de hoje foi de
comum acordo! A estrela do Clube dos Novos e ex-inimigo da Máfia, rei das Ovelhas,
Nakahara Chuuya! Só de ter visto aquela sua cara já fez valer a pena eu ter entrado nesse
clube!”
Girando a espingarda, um menino de cabelo prateado ria com uma voz que atravessava
todo o salão. Chuuya o encarou.
“Hnf, deixa eu te dizer. Se eu não tivesse percebido esse teatro, você teria sido o
primeiro a morrer, Albatross.”
“Wow. Foi mal, mas eu não sou tão ruim a ponto de ser morto por você. Antes desse seu
punho do qual se orgulha me acertar, essa faca aqui corta ele.”
Ao dizer isso, uma larga kukri apareceu de dentro do casaco dele sem fazer barulho.
Com movimentos que camuflavam o seu peso, após cortar o ar inúmeras vezes, fazendo-
a reluzir, o menino a soltou. Ela penetrou o chão ao acertá-lo, causando um estrondo, e
fez com que uma rachadura corresse pelo piso. O menino riu.
Assim como seu nome Albatross sugere, ele é um jovem que vive rindo alegremente.
Falante mais do que qualquer um.
Mesmo no meio de uma disputa com balas, sangue e tripas voando, seus subordinados
nunca o perdem de vista. Porque se forem em direção a falação e aos risos, lá estará ele.
Dizem que Albatross comanda tudo aquilo que é mais veloz do que andar. Ou seja,
veículos. Esse é seu território. Ele que prepara todos os transportes responsáveis por
levar as cargas das transações de modo a não serem pegos pelo radar da Guarda
Costeira. Dependendo do caso, também consegue veículos com a placa falsa.
Como um ex-piloto da Organização, ele consegue operar qualquer coisa que tenha um
manche. Mais rápido e furtivo do que ninguém.
Existe o rumor de que ele uma vez conseguiu fugir de um helicóptero de guerra da
Guarda Costeira num barco de pesca aos pedaços, mas não há ninguém na Organização
que duvide.
Quem o irrita não vive nem três dias. Porque os carros, em outras palavras o fluxo de
produtos e dinheiro, estão no colo dele. Quem for odiado por ele terá todas as atividades
econômicas suprimidas e num piscar de olhos ficará sem um centavo.
“Hein, Chuuya. Vamos brindar, brindar.”
Albatross foi seguindo ele e ofereceu uma taça de champagne. Mas Chuuya só deu uma
olhada e o ignorou, continuando a andar para o interior.
“Oh céus, você hoje tá um mau humor só, Chuuya.” Albatross disse gesticulando
exageradamente sem derrubar o líquido. “Pelo menos uma vez por mês tem sempre um
dia que você fica assim de repente ── aconteceu alguma coisa? Teve um pesadelo?”
Pesadelo. Ao ouvir essa palavra, Chuuya se virou com a expressão ardente.
“Não!”
O bramido fez as janelas do bar tremerem.
“Nossa, que medo... Então foi o quê?”
Chuuya hesitou um pouco, o olhar vagando ── até que falou com uma voz um pouco
mais calma do que a anterior:
“Todos os dias você fica bebendo até de manhã e fazendo barulho no andar em cima do
meu, Albatross. Como você sempre esquece, vou te falar pela milésima vez. O seu chão é
o meu teto.”
“Oh não, como eu iria esquecer? Eu faço isso porque sei, vizinho.” Albatross riu sem
maldade.
Ele vivia no mesmo prédio de luxo do Chuuya, um andar acima. Do ponto de vista do
Chuuya, esse arranjo foi o maior erro da Máfia. Albatross às vezes entrava em seu
apartamento quando dava na telha dizendo “Me ajuda com o trabalho,” e arrastava o
outro para fora. Então seja de carro, navio ou helicóptero, levava o Chuuya para alguma
batalha distante. Graças a isso, Chuuya ficou bom em nadar, já que nem sempre
Albatross preparava um meio de retorno.
Chuuya continuou a andar o ignorando e quando foi pendurar seu sobretudo no
cabideiro do bar, um homem segurando outra taça de champagne apareceu ao seu lado.
“Fufu... Parabéns por um ano... Chuuya-kun.” Esse homem riu com um olhar obscuro
por trás da franja arrumada. “Não achei que ficaria por tanto tempo... Fufu.”
Ele era anormalmente magro. Por dentro de suas mangas, seus finos pulsos nadavam
com folga. Além disso, a mão que não segurava a taça, segurava um suporte de
intravenoso e o tubo que se estendia da bolsa de IV sumia dentro de sua roupa.
“Doc.” Chuuya aceitou a taça oferecida. E olhou para seu interior. “Não tem veneno, né?”
“Não.” O homem chamado de Doc riu sombriamente. “Porque não dá para te matar só
com veneno.”
“Como sabe?”
“Por experiência.” Seus olhos carregavam uma luz negra. “Já matei bastante usando
veneno.”
O jovem de aparência doentia era o responsável pela assistência médica da Máfia, Doc.
No submundo do crime era comum médicos sem licença, mas esse não era o seu caso.
Ele havia tirado seu registro na Europa, sendo um legítimo médico.
No mundo do crime, a demanda era extremamente grande. Para ferimentos que se
tratados num hospital regular fariam a pessoa ser relatada ── feridas de tiro e tortura
── só restava recorrer a um médico não convencional. Era o mesmo na Máfia do Porto.
Porém havia uma diferença. Na Máfia, médicos eram uma posição importante,
recebendo tratamento especial, devido ao Chefe, Mori Ougai, ser um ex-médico do
submundo.
E mesmo entre os médicos mais capacitados da Máfia do Porto, Doc era o melhor de
todos. Ainda jovem, ele já salvou a vida de quase oitocentas pessoas. E da mesma forma,
já roubou intencionalmente o equivalente.
Seu objetivo é se aproximar de Deus. Ele acredita que salvando os outros, esse feito
será possível. Para isso, ele pretende salvar o mesmo número de vidas que Deus matou
na Bíblia, dois milhões. E ele apenas aguarda por um grande conflito onde as pessoas
morram como insetos.
“Te contar, não é o elenco todo? Chamaram até o Doc...” Dizendo isso, Chuuya olhou
para o interior. “Pra começo de conversa, por que reunir todo mundo pra comemorar um
ano?”
“Eu explico.” Um jovem de voz gentil se aproximou delicadamente. “Porque o primeiro
ano é o mais complicado após a entrada na Máfia.”
“Quê?”
O jovem sorriu. Seu sorriso era doce ao ponto de ser sedutor e sua expressão, bizarra.
Uma beleza mágica capaz de enfraquecer tanto homens quanto mulheres que o vissem
sorrindo.
“O primeiro ano é o mais severo para os novatos, uma pista curva dos mortos. Nesse
meio tempo a maioria vai fugir, ser esmagada ou causar algum problema e ser apagada
pela organização. Por isso essa é uma existência amaldiçoada.”
“Que interessante. Você achou que eu cometeria algum erro e seria eliminado,
Lippmann?” Chuuya perguntou o encarando.
“Não, eu não pensei.” Dizendo apenas isso, o jovem chamado Lippmann sorriu de
maneira suspeita.
Lippmann ── Dentre todas essas faces aqui presentes, o seu trabalho era o mais
especial de todos. A janela para o mundo de luz. Essa era sua função. Ou seja, aparecer
na frente dos outros.
Negociar com empresas de fachada, participar de reuniões e negócios com pessoas do
governo e dependendo do caso até lidar com a mídia. Se a Máfia do Porto tinha uma
segunda cara, era ele.
Matá-lo seria uma tarefa herculana. De certa forma, mais difícil do que assassinar o
próprio Chefe. O motivo sendo: ele era uma grande estrela, com entusiastas até no
exterior. Se ele fosse morto ou sumisse, todas as mídias do mundo anunciariam isso
como notícia de destaque. É claro que geraria um alvoroço sobre alguém o ter matado...
Ou seja, todos os olhos do mundo estariam voltados na busca de um suspeito. Uma
situação que uma organização criminosa quer evitar a qualquer custo.
Além disso, ao mesmo tempo que Lippmann é um Usuário forte, como sua Habilidade é
do tipo contraofensiva à hostilidade do atacante, é impossível eliminá-lo silenciosamente
sem deixar provas. E uma vez dado o nome do culpado, todas os veículos de informação
do mundo irão expor seus antecedentes, objetivo e mandante numa frenesi. Ao terem
toda sua privacidade exposta a Deus e o mundo, aqueles envolvidos com o crime nunca
mais poderão voltar. A organização estará acabada. A primeira bomba ativada com a
morte dele será uma armadilha mortal terrível e intocável.
Por sua vez, suas armas não têm nada de especial. Ele é um ator nato. A eloquência e
habilidade de negociação vem de sua capacidade de atuação e sua beleza é a curva
perfeita em seu rosto.
“Além do mais, eu não ligo nem um pouco se você for expulso da Organização.”
Lippmann deu um sorriso suave como penas. “Quando isso acontecer, eu vou te chamar
para meu verdadeiro trabalho. Almejaremos o mundo como atores.”
“De jeito nenhum.” Chuuya torceu o rosto como se estivesse bebendo veneno. “Vou
repetir, de jeito nenhum.”
“Eu fui contra a comemorar o seu um ano.”
De repente, uma voz calma ecoou do fundo do bar. Não é que tenha gritado. Nem que
fosse um tom coercivo. Mas todos olharam calados para a direção de onde ela veio.
Ali estava um homem vestindo roupas sem graça.
“Iceman.” Chuuya disse cauteloso. “Tem razão. Uma comemoração não combina com
você.”
Não havia uma emoção se quer nesse homem. Nem expressão. Sua presença dentre os
extravagantes e intensos dos Clube dos Novos era a mais diferente de todas. Não
passava nenhuma impressão ou vigor, pelo contrário, absorvia toda a presença e barulho
ao seu redor, o silêncio da noite escura.
Iceman. Um homem com a presença de um veterano, calado e sem expressão. Gosta de
roupas simples. E seu trabalho também é o mais simples e mundano de todos. Ainda
mais para a máfia. Um assassino.
Ele não usa sua Habilidade para matar. Ele usa o que tem por perto. Uma caneta
tinteiro, uma garrafa, os barbantes decorativos do abajur. A partir do momento que
alguma coisa esteja na mão dele, se torna uma arma mortal mais perigosa do que
qualquer bala. Por esse motivo ele é capaz de matar em qualquer lugar. Seja num
deserto, num palácio ou no cofre de um banco.
E há mais uma peculiaridade sobre ele. Quando uma Habilidade é manifestada próxima
de seu corpo, ele sente na pele. Isso não é uma Habilidade e nem uma técnica, é sua
essência. Por isso consegue discernir a hora e o lugar adequados para matar.
Além disso, tendo enfrentado Usuários em todo tipo de batalhas e por todos os cantos,
sua taxa de morte é alta. Assim como a confiança que tem da Organização. Para
completar, como não tem uma Habilidade, ele não é pego pelos departamentos de
prevenção a crimes de Usuários da Divisão de Habilidades Especiais e da Polícia Militar.
É um verdadeiro homem invisível.
Dizem que a pessoa mais provável de conseguir matar o Chuuya é o Iceman.
“Eu pensei que você não viria para a minha celebração, Iceman. Você não me odeia?”
Chuuya riu provocando. Nós já tivemos nossa disputa um com o outro na época das
Ovelhas, afinal. Depois de perder a chance de me matar, sua reputação caiu bastante."
“De fato eu fui contra a festa. Mas não foi porque eu te odeio nem porque te ressinto.
Foi porque íamos te irritar a toa.” O tom do Iceman continuava uniforme, sem demonstrar
a mínima intenção de emoção. “Ninguém aqui achou que você seria eliminado em um
ano.”
“O quê?”
“Achamos que causaria uma rebelião.” A voz do Iceman era afiada como som de gelo
derretendo. “O líder da organização rival da Máfia do Porto, Ovelhas. Achamos que você
mataria o Chefe e causaria uma guerra dentro da máfia. Para isso não acontecer, Piano
Man ingressou você nesse Clube dos Novos.”
Chuuya olhou de relance para Piano Man. Ele observava a conversa sem demonstrar
emoção. Não negou nem confirmou. Ou seja, confirmou.
“...Hmm. Entendi." Chuuya olhou para todos. “Todos estavam me protegendo
gentilmente como se eu fosse um bebê recém nascido. Estou emocionado. Pra eu não
me irritar, me deram uma chupeta, brinquedos e até um chocalho. Graças a isso eu
consegui completar um aninho. Claro que um grande evento era necessário para
celebrar.”
Ao dizer isso, ele quebrou a taça de champagne em sua mão. O líquido jorrou. Mesmo
assim, Iceman não levantou uma sobrancelha.
“Há evidências para ficarmos alerta com você.” Iceman continuou. "18 de junho.
15:18h. Um distribuidor de joias que irritou você ficou de cama por três meses. O motivo
foi ter te feito uma certa pergunta. Uma pergunta trivial. Mas ao ouvi-la, você o mandou
voando do terraço de um prédio de três andares."
“Ah foi? Esqueci.” O olhar de Chuuya para o conteúdo da fala era severo. “Então para
testarmos, faça essa pergunta agora. Se tiver coragem.”
Iceman estava calado. Após manter por cinco segundos seu rosto inexpressivo como
se tivesse absorvido todas as emoções, disse:
“‘Onde você nasceu?'"
Chuuya reagiu de imediato. Agarrou-o pela gola e o puxou para perto com violência. A
costura da blusa rasgou em algum ponto.
“Que mão é essa?” Iceman olhou para a mão o agarrando, inexpressivo.
“Obra sua.” Chuuya não afrouxava.
Preocupado, Albatross disse:
“Ei, ei, chega disso,” e agarrou o braço do Chuuya. “Não fique irritado por causa dessa
pergunta. Nem parece você.”
“Você não decide como eu sou. Eu te mato.”
Chuuya afastou o braço que o segurava rapidamente. Jogado com força, Albatross
cambaleou para trás.
Os pés de Chuuya que haviam ido mais para frente, de repente pararam. Um taco de
sinuca estava pressionado contra sua têmpora. Horizontalmente, como uma espada.
“Ei... que taco é esse?” Chuuya falou sem expressão.
“Obra sua.” Iceman disse.
Chuuya inclinou o corpo para trás, afastando a cabeça do taco e deu de cabeçada nele.
O taco explodiu em inúmeros pedaços de madeira que saíram voando pelo bar. A maioria
caiu sobre Iceman.
As afiadas lascas cortaram sua têmpora direita e sangue escorreu para o canto de seu
olho. Mas ele nem se quer piscou.
“Chega.” Essa foi a voz mais fria até agora.
Sem perceber, Piano Man estava atrás de Chuuya. Uma corda de piano se estendia pela
manga da blusa, envolvendo o pescoço do jovem como um colar luxuoso.
“Chuuya.” Piano Man disse friamente. “‘Não use sua Habilidade contra seus
companheiros.' Essa é a primeira regra desse grupo, esqueceu?"
Eles chamavam de corda de piano, mas diferente da usada no instrumento, não era algo
tão delicado assim. Era um fio de aço, totalmente de uso industrial, utilizado para prender
vergalhões e pedaços de concreto.
E ele estava inserido na bobina no fundo de sua manga. Ao ser ativada, o fio se tornava
a guilhotina mais leve desse mundo e cortava uma cabeça como manteiga. Mesmo que
Chuuya diminuísse a gravidade da corda, ele não conseguiria diminuir a velocidade do
aperto e sua cabeça seria cortada do mesmo jeito.
“Eu sei porque está de mau humor.” Piano Man falou. “Porque desse jeito, perderá para
o Dazai. Você precisa se tornar um Executivo antes dele de qualquer jeito. Desde o
começo, você apenas entrou para a Máfia para poder ler os documentos secretos que só
os executivos têm acesso. Nesses documentos está escrito a sua verdadeira identidade.”
A expressão de Chuuya mudou.
“Como você sabe...”
“Mas do jeito que está, vai demorar uns cinco anos para se tornar um.”
Chuuya franziu a testa até formar rugas. Seus dentes trincados rangeram.
“Não diga mais nada.”
“Não, vou dizer.” Piano Man sorriu cruelmente. “Eu ouvi praticamente tudo do Chefe.”
“Como é?” Chuuya começou a ficar enfurecido.
“Ele me ordenou para que eu ficasse de olho em você logo após entrar no Clube dos
Novos. Informar se você conseguisse alguma informação nova ou procurasse por conta
própria o conteúdo dos documentos.”
“Me... monitorar?”
Piano Man assentiu.
“Era o óbvio. Se você não precisar mais olhar os documentos, será questão de tempo
para se voltar contra o Chefe. Afinal, era de uma organização rival. Claro que eu soube o
porquê também. Você é de fato surpreendente.”
“Pare...” Chuuya gemeu suprimindo a voz.
“Arahabaki. Também conhecido como objeto de pesquisa militar em Habilidades
artificiais, protótipo vinte e oito. Esse é você. Você suspeita não ser um humano e apenas
um ser artificial. O seu fundamento sendo ── que você não sonha.”
Chuuya grunhiu sem conseguir formar palavras. Foi coisa de um instante.
Sua mão direita oscilou como uma cobra, agarrando o braço do Piano Man e destruindo
o dispositivo elétrico que lançava a corda de piano. Enquanto que sua mão esquerda
pegou um dos fragmentos do taco caído no chão e posicionou a ponta afiada para a
garganta do outro. Tirando Chuuya, todos rapidamente se moveram.
Lippmann tirou uma pistola automática das costas e apontou para Chuuya. A kukri do
Albatross estava contra a garganta dele. Já Doc apontava uma injeção para a têmpora do
jovem ao mesmo tempo que Iceman aproximou um pedaço da taça quebrada de seu
olho.
E então silêncio. Todos estavam imóveis com a respiração presa. Era como uma foto. A
única coisa que se movia era a brilhante poeira na luz da manhã.
Qualquer um poderia acabar com uma vida apenas num único movimento. Mas
ninguém se moveu.
“Façam.” Chuuya disse. Sua voz tremia como a corda esticada de um arco. “Tanto faz
quem seja.”
“Bem, eu não me importo de fazer, mas deixa a gente ir até o final do evento.” Piano
Man disse calmo.
“Como assim?”
“Eu não disse que tínhamos presentes?” Dizendo isso, ele tirou aquilo do bolso. “Aqui."
Chuuya moveu seu olhar cautelosamente para o objeto. E então ── ficou petrificado.
"................................Hah?"
Falando apenas isso, tudo parou. Sua respiração e parecia que até mesmos seus
batimentos.
Chuuya afrouxou a mão e deixou cair o pedaço de taco que segurava, que caiu
secamente. Esquecendo de tudo a sua volta, ele pegou aquilo cambaleando. Era uma
foto.
"É bem valiosa. Foi bem difícil consegui-la."
Chuuya aproximou o rosto da foto como se em transe. Não estava mais ouvindo a voz
do Piano Man. Os outros rindo sarcasticamente abaixaram suas armas. Chuuya também
não percebeu isso.
“Da próxima vez que alguém fizer aquela pergunta insignificante, mostra isso aí.”
A foto mostrava o Chuuya com cinco anos.
Uma praia em algum lugar. Com o mar ao fundo, estava o Chuuya vestindo uma roupa
tradicional cor de cannabis e um jovem. Eles estavam de mãos dadas, olhando para o
fotógrafo. O jovem sorria com os olhos espremidos talvez por causa da claridade vinda
na diagonal. O pequeno Chuuya olhava para o fotógrafo distraído, com uma expressão de
que não sabia o que estava acontecendo.
“Essa foto foi tirada numa comunidade agrícola antiga no oeste.” Piano Man falou.
“Agora é uma cidade-fantasma, ninguém mais mora lá. Ele achou isso ai nos registros
médicos da vila vizinha que o Doc investigou ── Doc.”
“Fufu... Mesmo que os humanos mintam, seus dentes não mentem.” Doc deu um
sorriso doente e trouxe outros documentos. "É obrigação manter registros médicos
arquivados por anos... e essa obrigação foi a luz da esperança."
Perplexo, ele comparou os documentos trazidos pelo Doc.
“Você me prejudica se agir como tivesse conseguido sozinho, Doc!” Albatross falou
mostrando outro documento. “Se não fosse pela minha ajuda, você nem teria chegado a
esses registros. Os registros da clínica destruída estão sob custódias de corporações
médicas sérias. Fui eu que encontrei o lugar certo dentre essas incontáveis corporações
como grãos de areia de uma praia. Fui atrás dos registros e encontrei o depósito! Ame--
Pedi para todo mundo que poderia ser o responsável legal e finalmente encontrei eles!”
“Claro que não importa o quão excelente seja um investigador, se não tiver o primeiro
passo não chegará nunca ao destino.” Lippmann sorriu gentilmente e mostrou outro
documento. “Eu pedi a uma conhecida minha para poder inspecionar documentos do
governo relacionados ao exército. Naturalmente documentos relacionados a pesquisa
por serem de alta confidencialidade foram descartados depois da guerra, mas eu
descobri que uma unidade solicitava falsamente doações de corpos para experimentos
humanos no oeste. Essa é a primeira pista. Ou seja, eu fui o melhor contribuinte.”
Entendendo para onde a conversa estava indo, ele olhou temeroso para o último
homem, para Iceman.
“...Eu não fiz nada demais." Dizendo isso, ele pegou o último documento. “Encontrei os
irmãos dos seus pais e a sua árvore genealógica, o endereço da escola que frequentava,
seu boletim, sua foto de estudante e seu registro de nascimento. Como o Piano Man
falou para não deixar o Chefe saber, eu não pude contar com informantes e tive que
invadir casas oito vezes.”
“Oi... Oito vezes?”
Ao receber o documento, ele arregalou os olhos. Iceman acenou e pela primeira vez
hoje demonstrou um ligeiro sorriso. Poucos o conhecem no seu dia a dia. Mas quando
ele não está trabalhando, ele é um homem gentil que ama café e discos. Não são muitos
que conhecem essa sua faceta. E dentro desses não muitos, estão os cinco daqui.
Chuuya olhou para todos em ordem.
Estavam sorrindo. Piano Man. Albatross. Doc. Lippmann. Iceman. Os gênios da Máfia
do Porto.
“Por quê?” Chuuya olhou para a foto. “Isso é ir contra ele... contra o Chefe.”
Do ponto de vista do Chefe, o segredo sobre a origem do Chuuya eram algemas que o
prendiam a Organização. Enquanto elas existissem, Chuuya não poderia traí-la. No
entanto, Piano Man deu de ombros com a cara lavada.
“Foi-me dito para supervisionar se você havia descoberto ou não o seu segredo, mas
ele não mencionou sobre não poder te contar.”
Chuuya o encarou buscando a intenção por detrás dessas palavras.
“Por quê?” Sua expressão demonstrou ansiedade por um instante. “Por que se darem
todo esse trabalho?”
“Está perguntando o motivo, mas...” Piano Man fez cara de obviedade, “nós não
dissemos? É para celebrar o seu um ano.”
“Mas...”
“Não foi nada demais.” Lippmann olhou para os outros como se entendesse a atitude
de Chuuya. “Pode-se dizer que é aquilo.” E então falou como se fosse a coisa mais
natural do mundo. “Porque somos companheiros ── Não era assim com as Ovelhas?”
Não. A expressão perturbada de Chuuya confessou.
Todos os integrantes das Ovelhas dependiam do Chuuya. O contrário não acontecia de
jeito nenhum.
“Que tal pensar dessa maneira, Chuuya-san?” Abrindo ambos os braços, Lippmann
mostrou uma expressão tenra. “Isso não é um presente. É uma bandeira. Desde os
tempos da Roma antiga, só há uma razão para o exército levantar uma bandeira. Para
transmitir a seguinte informação: Nós, que existimos, seremos o grupo dos escolhidos
── Quando um de nós seis estiver em perigo, lembre-se dessa bandeira. Vamos nos
reunir debaixo dela. ...Estaremos esperando.”
Ele inclinou um pouco a cabeça.
“Fufu... que belo discurso. Como esperado do Lippmann. Quantas mulheres já não
foram enganadas por essa sua eloquência...” Doc disse como se para si mesmo.
“Não sei do que está falando.” Lippmann deu um sorrido desprendido. “Ah, é mesmo.
Por sinal, essa reunião aqui tem o título oficial de Bandeira. Eu tirei a metáfora daí.
Apesar de que quem lembrou de usá-lo foi o fundador, Piano Man.”
“Bandeira?” Albatross inclinou a cabeça para o lado. “Sinto que é a primeira vez que
estou sabendo disso.”
“Ei, ei, esqueceu? Te contar, eu expliquei no começo. Não foi, pessoal?”
Piano Man olhou para todos, mas ninguém mudou a expressão.
“Espera, por acaso ninguém lembra de verdade? É o nome que levamos três meses
pensando.”
Todos desviaram o olhar. Apenas Chuuya olhava atentamente para a foto em sua mão.
Não o que ela mostrava, mas sua existência era como se respondesse a todas as
perguntas.
“Chuuya, parabéns pelo seu um ano na Máfia.” Todos disseram.
Por um instante ── por apenas alguns segundos, sua expressão era de uma criança
sem saber o que fazer. Ele olhava para cada um, para os documentos e para si mesmo na
foto.
“O que foi?”
Quando Piano Man perguntou, Chuuya retomou os sentidos em surpresa.
“Vo...”
E então se esforçando para fazer uma cara de raiva, abriu a boca tentando gritar algo,
mas não conseguiu pensar em nada.
Todos olharam sem entender para ele. Chuuya saiu apressado em direção a porta,
gritando:
“Hah, então é isso!” Sua voz desnecessariamente alta. “Então queriam me surpreender
mostrando essa foto para que eu chorasse emocionado e me desculpasse. Esse era o
objetivo!”
“Hn? Não...”
“Até parece que eu vou cair nessa. Tão ouvindo? Não vou!” Desviando o rosto, ele saiu
batendo os pés em direção a entrada. “Eu vou embora! Não venham atrás de mim,
ouviram?! Não olhem pro meu rosto de jeito nenhum!”
Piano Man olhou vagamente os outros e disse para Chuuya:
“Entendo. Se você vai embora, não tem jeito. O meu plano era que depois disso todos
jogássemos sinuca, mas... então vamos jogar só nós mesmo?”
"Sem o convidado de honra? Lippmann levantou a sobrancelha.
"É o jeito. Tem bastante bebida. Vamos nos divertir pra variar e dispersar a melancolia
do trabalho. Também há um troféu para o primeiro lugar."
“Oh, que beleza.”
“Ei, Chuuya, já que é o que quer, vá com cuidado!” Albatross acenou para a porta.
“Façam como queiram!”
Dizendo isso, Chuuya chutou a porta e saiu do bar.
“Hnf.”
Todos se olharam e depois olharam para a porta. Sem falar nada. Se passaram dez,
vinte segundos de silêncio. Ninguém falava nem se mexia.
Trinta segundos. Quarenta segundos ── e a porta abriu um pouquinho.
“Merda. Me ensinem as regras. O troféu será meu!”
Chuuya estava parado na porta com uma cara que misturava frustração e raiva.
“Assim que se fala.” Piano Man sorriu.

Depois disso ── as cenas que se passaram era de um bar encontrado em qualquer


lugar. O barulho da bola sendo empurrada, os passos, as comemorações, os escárnios,
as taças batendo, o som da bola caindo na caçapa, as risadas dos jovens. Uma cena
comum em todo o mundo.
Juntando as posses de todos presentes, daria para comprar um quarteirão nessa
cidade. Mas eles nem se quer cogitavam isso. Era uma conversa normal entre jovens.
“Quem ficou em último lugar na vez anterior?”
“Essa tagarelice toda é só agora.”
“Não tem bebida suficiente.”
“Hahaha, jogue bêbado mesmo! E perca!”
“Meu movimento foi impreciso, de fato. Só acertei três bolas a mais do que você.”
“Olha o atrevimento!”
Um interior animado. Alguém colocou uma música na jukebox. A música de
instrumentos antigos no plano de fundo, o barulho das bolas, as taças e a conversa fiada
se entrelaçam. Coisas que existem em cada canto da cidade. Fáceis de conseguir para
quem desejar e uma vez perdidas, desaparecem num instante. Um tempo como as
bolhas do champagne existia aqui.
“Ufufu... Com isso está decidido.”
“Por sinal, eu vi você andando no porto com uma menina de cabelo prateado. É sua
nova namorada?”
“Ah, eh? ...Ah.”
“Uwa, que cruel.”
“O que foi isso? Vocês querem perder tanto assim pra mim?”
“Uwa, a posição das bolas tá ruim, não rolem até o Chuuya! Não deixem o príncipe
invencível ficar se achando de novo!”
“Que príncipe?!”
“Não importa, acabem com isso! O próximo, por favor!”
Então a bola foi lançada. Foi uma tacada perfeita. A bola impulsionada pela primeira
acertou o alvo que por sua vez acertou um segundo. Essa combinação foi acertando
uma atrás da outra e mudou a trajetória da original. As bolas coloridas recebendo
impulso desenharam uma complexa figura geométrica na mesa.
“Ohhhh.”
Alguém engoliu seco. Depois de uma sequência complexa impossível de ser
acompanhada com os olhos, os alvos finais, as bolas amarela e branca número 9,
rolaram em direção as caçapas centrais. Então ── a bola número 9 caiu lentamente
como uma respiração profunda. Após um momento de silêncio, todos gritaram.
“Incrível!”
“O que foi isso?! Nem numa partida profissional isso acontece!”
“Foi uma trajetória artística.”
“Que pena, Chuuya, o seu reinado acaba aqui.”
"É o nascimento de um novo rei."
“Quem fez a tacada?”
Foi nesse momento que algo estranho aconteceu. Todos estavam supresos,
procurando quem tinha feito a tacada.
“Eh?”
Até então havia seis pessoas no ambiente ── Mas agora havia sete.
“Não preciso de troféu.” A sétima pessoa falou.
Terno azul. Membros compridos. Longos cabelos escuros e olhos marrom
avermelhado. Estava parado com uma cara bastante séria. Ele segurava o taco
verticalmente como se fosse um mastro de cerimônia.
“Não preciso do troféu. Eu apenas segui a base do manual de investigação onde diz que
antes de obter informação dos humanos, primeiro é necessária uma interação para
ganhar intimidade. Consegui aprofundar nossas relações com o jogo de sinuca como
planejado. Assim posso prosseguir para a minha missão.”
A voz do jovem era extremamente clara e seu olhar indiscutivelmente sério. O tranquilo
campeonato de sinuca acabou ali.
── Como se queimando o espaço, a kukri deslizou na direção da cabeça do jovem.
“Opa.”
O homem de terno azul desviou a cabeça da lâmina cortando o ar. O cabelo da frente
que demorou a fugir, caiu.
O responsável por empunhar a faca foi o Albatross. Sem desfazer sua fria expressão,
ele afundou seu corpo. Quem apareceu por trás segurando um taco foi Iceman.
Arqueando seu corpo como uma mola contorcida, ele atacou como se disparando uma
bala.
O homem desviou sem dificuldades e ainda contragolpeou consecutivamente. O taco
raspou o nariz, chamuscou o cabelo, passou por entre os pelos do ouvido, mas não
houve contato direto. Desviou de tudo num milimétrico intervalo de tempo.
“Não faça isso.”
“Haha, que interessante! Pra ter entrado aqui sem nem bater, devia tá querendo muito
ser morto! Vou realizar o seu desejo!”
“Apesar de ter sido um jogo amigável, a agressividade dos objetos de investigação está
aumentando. É irracional. Por qual motivo?”
Os jovens lobos não esperaram pela resposta. Piano Man já havia dado a volta por trás
do homem que desfez sua forma ao desviar do taco. A fina linha cintilante se estendeu
circularmente do seu relógio de pulso.
“Pode dar o resto das suas desculpas de cima do chão.”
A linha caiu envolvendo devagar a cabeça do homem, permitindo que ele visse não
mais que o seu reflexo. Piano Man girou o pulso, o que contraiu a linha radicalmente e
começou a puxá-la por dentro da manga.
A bonina que Chuuya havia destruído era apenas de um dos braços. Piano Man tinha
uma em ambos. E uma vez ativado o dispositivo elétrico escondido dentro da manga, ele
se tornava uma guilhotina indestrutível até para a mais monstruosa força.
O homem prontamente havia colocado o taco entre a linha e sua cabeça. Porém a corda
de piano bobinada cortou o taco de madeira como uma bala mastigada. Até que sua
cabeça foi envolvida completamente. Agora só restava o arame impiedoso nivelar sua
cabeça com a mesa. Porém isso não aconteceu.
“O que...”
O homem não desviou. Nem tentou soltar a cabeça. Não era preciso. As cordas de
piano deslizaram pelo seu rosto. Enquanto a máquina grania, a pele era simplesmente
comida sem deixar um arranhão se quer.
“Carga detectada nos contatos da exoderme.” O homem disse inexpressivo. “Em
acordância com a rotina de autopreservação, seguirei a ação de retirada.”
E então girou de repente. Sem nenhum movimento premeditado, rodou o corpo como
uma roda. Seus sapatos de couro desenharam um círculo no ar. Sem aguentar a
velocidade do giro, o dispositivo do Piano Man quebrou arrebentando a corda. Os
pedaços voaram.
“Oh, bom trabalho.” Piano Man falou se virando para trás. "É um Usuário Combatente?
Para ter entrado no covil da Máfia sozinho."
Todos se afastaram rapidamente. Regras de combate normal não se aplicavam a
Usuários Combatentes. Porque diferente de balas ou lâminas, eles são calamidades
desconhecidas. Se cometer um erro ao lidar com eles, há o risco imediato de morte.
Os jovens entraram em formação tática específica assim que tomaram distância
“Não, não, esta máquina não é ninguém suspeito.” Dizendo isso, o homem tirou um
distintivo de dentro do terno. “Eu me chamo Adam. Como podem ver, sou um detetive da
EUROPOLE.”
O ar mudou dentro da sala.
"É da polícia?" Piano Man deu um sorriso afiado como o de uma faca. “Entendo. Se é
assim, Adam-san, como você disse, parece que houve um mal-entendido ── Se pensa
que um policial vai se infiltrar nessa reunião e sair vivo, está muito enganado! Lippmann!”
“Entendido.”
Lippmann tirou do seu sobretudo duas pistolas automáticas e o fuzilou. Dez tiros por
segundo foram cuspidos.
O jovem de terno azul chamado Adam se protegeu com as palmas das mãos. As balas
de nove milímetros deslizaram pelas mãos e foram ricocheteadas diagonalmente.
“Detectando impacto! 63 segundos até ruptura!” O detetive europeu gritou. “Há a
possibilidade de vocês estarem obstruindo uma investigação internacional!”
“Como esperado, é um Usuário em que ataques físicos não funcionam contra.” Piano
Man o olhou calmamente. “Lippmann, o capture. Vamos mudar para tática de restrição.”
“Espere.” Segurando um taco, Iceman falou com a voz amarga. “Não sinto nada de
errado na minha pele. Ele ──deslizaram por elas.” Foi então que pela primeira vez hoje,
Iceman demonstrou surpresa. “Ele não é um Usuário de Habilidade!”
“…O quê?"
Todos ficaram confusos. Porque era impossível. Um humano impenetrável à corda de
piano e capaz de parar tiros com as próprias mãos não ser um Usuário ── não existe.
Era o mesmo fenômeno da gravidade inverter, e o sol e a lua colidirem. Mas não havia
como a intuição do Iceman estar errada. Os humanos quando diante de duas
contradições, é difícil preservarem sua frente militar. Ficarem confusos e fugirem é uma
situação bem comum. Mas nenhum deles era um humano qualquer.
“Interessante.” Piano Man riu. “Então quem for mais rápido vence! Quem vencê-lo, vai
se tornar o assunto principal por uma semana! Eu permito todos usarem suas
Habilidades!”
“Ocultação de Habilidade suspendida, entendi.”
“Haha! Assim que se fala!”
“Fufu... Farei uma incisão estomacal.”
Logo após, vários pontos de luz apareceram pelo bar, luzes do tamanho de um punho,
não possuíam calor nem peso. Elas começaram a girar em volta do Adam como a
revolução dos planetas. Nesse momento, a postura dele se desfez.
“Ué?”
Os sapatos de Adam afundaram no chão duro como se estivessem pisando na areia
fofa do deserto. Enquanto as tábuas iam se desfazendo como areia, provocando
rangidos, os sapatos iam mais adentro.
Ao tentar tirar um dos pés, o outro começou a se afundar mais. Sem pensar, ele apoiou
a mão esquerda no chão que também começou a afundar.
“Isso é...”
Adam virou o corpo e tentou agarrar uma das pernas da mesa de sinuca. Algo surgiu
das costas dessa mão. Uma pele coberta de finas escamas. Uma cabeça delgada como a
de uma ave e uma boca repleta de presas. Era um dinossauro.
O topo da cabeça do dinossauro cresceu como uma planta nas costas da mão do
Adam.
“Não tenho informação adequada no módulo de conhecimento.” Adam pendeu a
cabeça.
O animal rugiu e mordeu a nuca da máquina. Ele balançou a cabeça, conseguindo se
desvencilhar. Mas por causa disso, perdeu o equilíbrio e afundou ainda mais.
“Mais uma camada.” Alguém falou.
De repente, um fio radialmente fino emergiu do teto e puxou o Adam na direção da qual
surgiu. Seu corpo foi jogado contra o teto. Areia bege caiu.
Ao mesmo tempo que fragmentos do teto caíram e gemidos do Adam escaparam, a
linha desapareceu. Puxado pela gravidade, ele caiu colidindo com o chão. E mais uma
vez foi engolido pelas tábuas transformadas num inferno de areia.
“O módulo de valor de combate não consegue reconhecer a situação.”
Novamente sua cabeça foi envolvida pela corda de piano.
“Foi um tremendo erro querer enfrentar seis pessoas, senhor policial.” Disse Piano Man,
segurando uma bobina reserva e sorrindo cruelmente. “Nem mesmo o rei do mundo
aguenta dez segundos contra seis Habilidades de uma vez ── Por sinal, como presente
de um ano pode quebrar os braços e perna dele, Chuuya.”
“Chuuya.” Reagindo a essa palavra, a expressão de Adam mudou. “Então é você
mesmo?”
E foi num instante. Adam afundou o braço direito de propósito no chão. Gritando, o
dinossauro desapareceu dentro dele.
Por causa do braço que havia afundado, a perna esquerda surgiu como reação
contrária e chutou a perna mais próxima da mesa de sinuca, fazendo com que o taco em
cima da mesa caísse rolando. Adam o agarrou com os dedos do pé e o jogou para cima,
sem nem desviar o olhar.
O taco jogado pela comprida perna girou no ar. Ao cair, ele o pegou com a mão
esquerda pelas costas. Depois de tê-lo rotacionado várias vezes, o fincou no chão de
areia. O recuo fez com que seu corpo saísse do chão.
"É um acrobata?!" Albatross gritou.
“Não o deixem agir livremente mais do que isso!” A ordem do Piano Man ecoou.
Lippmann atirou sequencialmente suas pistolas automáticas. Contorcendo seu corpo
no ar, Adam conseguiu desviar de todas as balas. Todas elas passaram raspando. Adam
dançava pelo espaço enquanto fazia o mínimo de movimentos desviando do labirinto
mortal causado pela chuva de balas. Até que pousou.
O lugar ── diante do Chuuya.
Para que nem ele e os outros afundassem, ainda não haviam transformado essa parte
do chão em deserto. Adam levantou o taco.
“Chuuya!” Alguém gritou.
E então ── ele largou o taco no chão.
“Chuuya-san.” Ficando em um dos joelhos e abaixando a cabeça, ele o reverenciou
respeitosamente como a um nobre.
“Eu vim para te proteger.”
"...Hah?"
Chuuya estava confuso. Ele olhava para o europeu numa posição de submissão a sua
frente sem acreditar.
“Esta máquina foi produzida pela engenheira Usuária, Doutora Wollstonecraft, o
primeiro computador humanoide autônomo ── Adam Frankenstein. O meu objetivo é
apreender o assassino que deseja lhe matar. O nome dele é Verlaine. Paul Verlaine.”
“Verlaine?” Chuuya ficou pálido ao ouvir o nome. “Como você conhece esse nome?”
“Você o conhece, Chuuya?”
"É um assassino?"
“Esse cara é um computador?”
Os jovens ficaram agitados. Adam levantou com um franco olhar e disse:
“Chuuya-san, você sozinho não pode repelir o Verlaine. Por isso esta máquina foi
enviada. Ele não é um assassino qualquer. É o rei dos assassinos. Paul Verlaine, o Rei
Assassino ── o seu irmão.”

•••
Corpos redondos coloridos flutuam pelo ar. Vermelho, laranja, verde-escuro. Uma
junção de cores brilhantes aos olhos. Eles se intercalam, desenhando um círculo.
“Incrível...” Albatross falou de boca aberta.
Adam jogava as bolas de sinuca para cima, fazendo malabarismo. Ele as jogava e as
pegava. As noves bolas formavam um complexo círculo, dançando no ar como um ser
vivo.
“Certamente não é algo que um artista de rua qualquer seja capaz.”
“Por sinal,” enquanto fazia o malabarismo, Adam falou sério, “o número das duas bolas
mais altas são coprimos, isto é, as estou jogando de modo que não tenham o mesmo
fator primo constantemente.”
Piano Man cruzou os braços, olhando as bolas girando.
“Hnf. 5 e 8 e depois 4 e 9... De fato.”
“Hã? Fator primo... quê?”
“Albatross, por favor, melhore na matemática. Se quiser subir de posição, precisa saber
os números.” Piano Man disse exasperado.
Dentro do bar, os seis jovens ao redor do Adam estão sentados em volta da mesa de
sinuca. Todos apreciam o truque do jovem que está no centro.
“Essa é a sua técnica especial?”
"É uma simples simulação." Ele disse inexpressivo. “Aceleração da gravidade,
resistência do ar, momento de rotação e força inercial de Coriolis. Ao simular a
quantidade física constante da matéria, eu prevejo a conduta da bola. Uma calculadora
excede imensamente a capacidade do cérebro humano em questão de simulação desse
nível.”
“Ohh, fantástico.” Albatross suspirou. “Não que eu tenha entendido alguma coisa...
Você entendeu?”
“Entendi.” Iceman assentiu.
“E você, Lippmann?”
“O único que não entendeu aqui foi você.” Lippmann disse olhando para frente.
"É o último."
Adam jogou uma bola de cada vez por cima do ombro na direção da mesa de sinuca
que estava atrás dele. Cada uma foi engolida pelas caçapas. Todas as noves bolas
consecutivamente. E então, silêncio.
“Tcharan!” Adam abriu os braços, gritando de repente. Todos se surpreenderam.
Adam olhou para eles, olhou para a mesa e inclinou a cabeça.
“Ué? Não teve aplausos. Não bate com as informações armazenadas na memória
externa.”
“É. Ele não é humano mesmo pelo jeito." Iceman falou sem expressão.
“Fufu... Ele está acima dos rumores sobre as técnicas especiais europeias...” Doc sorriu
sombriamente. “Eu quero aplicar essa técnica orgânica no tratamento dos meus
pacientes... fufufu...”
“Err... Irei me apresentar novamente.” Adam se virou para Chuuya, curvando-se em
saudação. “Esta máquina se chama Adam. Um investigador de inteligência artificial que
veio a esse país numa investigação secreta. O que mais gosto são bolotas e sementes de
grama. O que mais detesto é o detector de metais nos centros de inspeção dos
aeroportos. E o meu sonho é fundar uma organização de detetives automáticos que
protegerão os humanos por meio da excelente capacidade de investigação de uma
máquina.”
“Uma organização só de detetives automáticos? Por quê?”
“Porque claramente os humanos são imperfeitos e irracionais, enquanto nós máquinas
perfeitas somos superiores.”
“Do nada você falou uma coisa assustadora...”
“Bem, vamos acreditar que você é uma máquina.” Piano Man disse. “Contudo, isso não
resolve o problema. Independente se você é um robô ou não, nós da Máfia não fazemos
amizade com quem é da polícia. E nós te mostramos um pouco das nossas Habilidades
também. Como podemos saber se você não vai relatar as informações que descobriu,
especialmente aquelas que prejudicam a Máfia, às autoridades?”
“Não precisam se preocupar com isso.” Adam declarou sorrindo. “A missão desta
máquina é apenas capturar o Verlaine. Mais do que isso, como por exemplo relatar os
segredos da Máfia, não é de minha obrigação. Falando de maneira estrita, eu não sou
capaz dessa ação. Assim é o meu programa.”
“Por quê?”
“Depois explicarei.” Adam sorria.
“Ele está mentindo.”
O tom de Chuuya era resoluto. Todos olharam para ele.
“O que foi?” Chuuya encarou a todos. “Eu não estou preocupado se esse robozinho vai
revelar ou não nossos segredos. O que eu estou falando que é mentira é a outra coisa.
Verlaine é o Rei Assassino? Meu irmão? Tá falando só por falar? Pra começar, não tem
como Paul Verlaine estar atrás de mim.”
“É mesmo?" Piano Man olhou para Chuuya.
“Sim. Verlaine já está...” Ao dizer isso, seu olhar divagou para um passado distante.
“Morto.”
“Como é?”
Chuuya então começou a falar hesitando. O caso de Arahabaki ocorrido há um ano. A
verdade sobre ele foi ter sido um magnificente ato de traição de um dos executivos da
Máfia do Porto forjando um Deus. Sua origem foi há nove anos ── No término da Grande
Guerra.
A antiga Força de Segurança Nacional estudava um Usuário artificial, Arahabaki. Sendo
o segredo de mais alto nível do Estado, o serviço de inteligência de um certo país
europeu tentou roubá-lo. Os dois extremamente habilidosos espiões eram ── Arthur
Rimbaud e Paul Verlaine. Com a mais desenvolvida técnica em mãos, os dois Usuários
conseguiram roubar esplendidamente o Arahabaki e escaparam da base militar.
Porém, o problema foi o que ocorreu depois da fuga. Paul Verlaine traiu o outro agente.
Ele atacou seu parceiro Rimbaud e tentou roubar o fruto da missão deles, levando a uma
batalha. Ambos eram Usuários de primeira classe. O brilho da luta queimou o céu
noturno e os estrondos fizeram toda a região tremer.
Até que o fim chegou. O vencedor foi Rimbaud. Mas em troca de sua vitória, ele teve que
pagar duas grandes compensações. A primeira foi matar o amigo e parceiro em quem
mais confiava com as próprias mãos. E a outra foi ter os soldados que os estavam
seguindo chegar até ele devido a luta entre dois Usuários de primeira classe.
Ele foi cercado pelos soldados. Nessa hora ele estava enfraquecido devido aos
ferimentos do combate mortal. Contra a sua vontade, ele tomou uma medida de
desespero. Ele pegou o Arahabaki, o qual havia roubado, e tentou usá-lo como uma nova
Habilidade.
Essa era a Habilidade do Rimbaud. O poder de fazer com que os outros se tornassem
Habilidades ── essa sua Habilidade transcendental, justamente nessa hora, foi um tiro
pela culatra.
O selo do Arahabaki foi desfeito. O exército havia aplicado uma forte proteção na besta
divina de conhecimento incomparável aos humanos que a impedia de exercer seu
verdadeiro poder. Acabou que ele tomou foi o selo como Habilidade.
Como resultado, a besta divina que apareceu em sua verdadeira forma, envolta na
autoridade de suas chamas negras, queimou tudo. As tropas, o laboratório, a terra ao
redor, tudo.
O que sobrou no final foi um completo nada. Em forma cônica, o marco zero do vazio.
De alguma forma, por causa da própria Habilidade o Rimbaud escapou da morte, mas
como retribuição perdeu quase todo o seu poder e sua memória.
Depois disso, ele ficou vagando até ser encontrado pela Máfia e durante os oito anos
que levou para recuperar seus poderes e memórias, procurou pelo próprio destino. E para
recuperar todas as suas memórias, atraiu o verdadeiro Arahabaki ── o Chuuya e tentou
capturá-lo.
O incidente Arahabaki de um ano atrás foi devido a isso. Rimbaud lutou com Chuuya,
perdeu e ── morreu.
“Hã?” Albatross falou completamente confuso. “Pera, pera, pera aí. Esse caso não foi o
caso de um ano atrás do antecessor falso? Eu escutei que o causador dele foi o Randou.
Então o Randou...?”
“Sim.” Chuuya assentiu. “Era o espião europeu. Ex, na verdade. Aquele caso todo foi um
grande teatro para atrair o Arahabaki.”
“Entendo.” Iceman falou. “Sempre achei estranho. Por que o Randou teria traído a
Máfia? Então era esse o motivo que havia.”
“Quem matou o Randou fui eu.” Chuuya olhou para seu punho, relembrando. “E logo
antes de morrer, ele confessou sobre seu parceiro. Não tinha porquê ele mentir naquela
situação. Verlaine está morto ── Não importa o que você diga.” Ao dizer essas palavras,
ele olhou para Adam.
“Não.” Sem passar uma emoção se quer pelo seu rosto, ele balançou a cabeça. “Ele
está vivo.”
“Você pode provar?” Piano Man se inclinou alegre para frente.
"É possível. Mas falar sobre o assunto vai contra o dever de confidencialidade da
missão." Ele falava sério. “Somente o Chuuya-san como envolvido principal do caso tem
o direito de saber.”
Chuuya disse olhando para os participantes do Clube dos Novos:
“Eles agora também já estão envolvidos.”
“Não ligue para nós.” Piano Man deu de ombros. “É sobre o seu nascimento. Deve
ouvir."
Chuuya ficou batendo nos lábios com o indicador por um tempo, pensativo. E então
disse, “Entendi,” e foi em direção a entrada do bar. Ele foi até a porta aberta e ── não
saiu. Sem sair, ele a fechou.
Todos ficaram surpresos.
“De fato, ele é meu problema.” Ele disse em frente a porta. “Mas se por acaso alguém
daqui enfrentasse um problema igual, eu provavelmente não deixaria quieto. Me meteria.
Eles pensam o mesmo. Eu não tenho a intenção de sair daqui. Então, fale. Senão, não vou
ajudar na investigação.”
Todos olharam para Chuuya. Estimulados.
“Ei, vocês ouviram isso?” Piano Man perguntou.
“Sim.” Iceman assentiu.
“Esqueci de gravar.” Lippmann deu uma risadinha.
“Ah, esquece. Eu escuto sozinho.”
“Nã-nã-ni-nã-não. Não pode voltar atrás. Não vai pode sair daqui, não.” Albatross
passou por ele e empurrou a porta.
“Entendo a sua opinião, Chuuya-san.” Adam olhou para Chuuya assentindo com a
cabeça. “A tendência de pesar os laços com os companheiros. É o que os humanos
chamam de ‘espírito’. Não há o que fazer. Desistirei de convencer você e ao invés disso
vou propor o seguinte procedimento.”
Algo saiu de seus cotovelos. Era um arame.
Os arames com chumbadas liberados velozmente de ambos os cotovelos envolveram
Chuuya enquanto giravam, restringindo os movimentos dos braços e dedos. Aderindo os
dois pesos por magnetismo, ele fixou a postura do Chuuya como se fosse uma vara.
“Eh?”
“Hah?”
Ao mesmo tempo que ele soltou essas indagações, Adam colocou o Chuuya, agora
totalmente imóvel, debaixo do braço.
Com o Chuuya embaixo da axila, ele pulou sem nenhum esforço, saindo do bar.
“A prioridade desta máquina é a missão. Ou seja, o que os humanos chamam de...”
Adam pensou um pouco antes de continuar. “...espírito. Sendo assim, pegarei o Chuuya-
san emprestado por trinta minutos.”
Após dizer isso, ele saiu pelo teto carregando o Chuuya como se fosse uma bagagem e
voou em direção a área residencial.
Dando saltos que quebravam o chão, ele aterrissou no telhado de uma casa. Correndo
mais ainda, ele pousou de lado na parede de um prédio de três andares. E continuou a
saltar pelos prédios em diversas direções. Sobraram somente os cinco mafiosos sem
entender nada.
“Ei, ei.” Albatross olhou para fora pela porta. “Tudo bem nisso?”
“O que faremos?” Lippmann disse olhando para fora também. “O Chuuya-san foi
sequestrado bem na nossa frente. Essa situação é meio que um problema?”
“É um problema." Contrariando suas palavras, Piano Man estava alegre. “Vamos
esperar trinta minutos, se eles não voltarem nós mandamos uma equipe de busca. Até lá,
vamos beber.”
“Se você diz...” Lippmann aceitou relutantemente. “Eu fui levado pelo momento agora
há pouco, mas... uma doutora Usuária realmente conseguiria criar um ser inteligente
daquele? O que você acha, Doc?”
Doc se inclinou calado com uma expressão debilitada e disse:
“...Eu também quero ser carregado por aí..."
“Eh...?”
•••
Adam voava pelo céu de Yokohama. Saltando pelos prédios, apoiando o pé nos
semáforos como se estivesse pisando em pedras de travessia, sua figura voava. Aqueles
que percebiam, gritavam.
Ao pisar no teto de um ponto de ônibus e pular novamente usando um poste como
trampolim, Chuuya falou:
“Chega disso.”
Imediatamente a trajetória de Adam mudou. Ele parou no ponto mais alto da parábola
que fazia e caiu na vertical.
“Ahh?!”
Adam e Chuuya colidiram num terreno baldio. Cascalhos e areia voaram.
Chuuya apareceu de dentro da areia. Deu um suspiro e prendeu a respiração. Os fios de
aço que o restringiam por meio da gravidade foram deslizando lentamente até que
ultrapassaram o limite e caíram em alta velocidade, afundando no chão.
“Eu tenho muitas coisas que quero dizer, mas...” Chuuya arrancou o fio a força.
“Primeiro de tudo, pare de me carregar como um pacote debaixo do braço! Já me
carregou e já me trouxe forçadamente, chega!”
“Desculpe-me.” Adam saiu se rastejando de um buraco no chão, desorientado. “Mas é
que julguei essa ser a forma mais eficiente para o seu tamanho.”
“Eu vou te quebrar, sua lata-velha! Eu estou na minha fase de crescimento, isso é só o
começo!”
Estavam num terreno baldio não pavimentado no centro da cidade. Antigamente era o
local de uma igreja cristã, porém ela foi demolida durante a guerra pela lei de defesa
aérea e ficou assim deixada ao nada sem ter um proprietário identificado.
Os moradores locais foram colocando gradualmente por conta própria brinquedos no
terreno sem pavimento. Um pneu enterrado até a metade, um elefante com a tinta
descascada e até um balanço para as crianças pequenas se tornaram guardiões calados
do local.
Adam estava tirando o pó da roupa quando o celular do Chuuya tocou. Era o Piano Man.
“O que foi?”
“Você tá bem, pacotinho? Chegou direito no destinatário?” A voz no celular se divertia.
“Cala a boca. Claro que tô bem. O que vocês tão fazendo?”
“O que estamos fazendo? Limpando o bar que ficou vistosamente bagunçado. Te falar
que trabalhar de manhã é tão bom.” Uma risada irônica veio do outro lado da linha. “Se já
terminou o que tinha que fazer, volte pra cá... é o que eu gostaria de dizer, mas nós
acabamos de receber um trabalho também. Teremos que nos reunir depois.”
“Trabalho? Uma luta?”
“Ainda não sabemos. Tomara que não.” Ele deu uma risadinha. “Um contato da
organização veio e chamou a todos. Se nós todos fomos convocados, então talvez seja
um trabalho direto para o Chefe. Ou então uma promoção, será? Se eu me tornar um
executivo antes de vocês, darei uma mesada para cada um todo mês.”
Do outro lado da linha deu para ouvir alguém gritando “Hahaha, boa, Piano Man!”
“Sendo assim, vamos todos nos reunir novamente no bar à noite. O Albatross irá enviar
um carro para te buscar.”
Após um breve cumprimento de despedida, ele desligou o telefone. Chuuya ficou
olhando o celular sem falar nada durante uns segundos. Então, se virou e disse:
“Muito bem, robozinho detetive. Agora somos só nós dois. Como prometido, confesse o
que sabe sobre Verlaine. Tudo.”
“É claro. Para começar, olhe isto aqui, por favor."
Adam então tirou uma foto de dentro do terno e entregou para Chuuya. A foto mostrava
um chão de mármore e móveis bem conservados. Era algum palácio.
Mas não era apenas a mobília que mostrava. Havia três corpos.
"É uma coroação em uma catedral britânica." Adam disse calmo. “Há três anos, houve
um assassinato lá.”
Os homens caídos vestiam o uniforme oficial dos guardas de honra britânicos. Não há
indícios de violência na foto. As espadas também não estão desembainhadas. Sem
sinais de tiros no chão, rasgos nas roupas, nem manchas de sangue. Tudo na mais
completa calma. Pareciam estar apenas dormindo.
“Eles eram os guardas reais mais próximos da rainha. Usuários afiliados à organização
governamental Ordem da Torre do Relógio que possuem o título de cavaleiros reais e
acima de tudo recebem o direito de proteger a rainha. Ou seja, quando se trata da
proteção de pessoas influentes, eles detêm um poder sem precedente. Era estimada a
possibilidade de apenas um deles acabar com todo um sindicato terrorista em apenas
uma noite.”
“Quem os matou ── foi o Verlaine?”
Adam assentiu roboticamente.
“É desconhecido o método de assassinato já que não há nenhum ferimento externo."
“Então ele matou usando a Habilidade?” Chuuya olhou a foto mais de perto. “Mesmo
que o método seja desconhecido, se fizer a autópsia dá pra saber a causa da morte.”
“Sim.” Adam afirmou. “De acordo com o relatório do legista, a causa direta foi
insuficiência respiratória. As costelas quebradas impediram a contração do pulmão,
levando ao sufocamento. Eles não estavam machucados por fora, mas internamente
havia 1228 fragmentos de ossos quebrados.”
“...Hah...?"
Chuuya ficou boquiaberto. As palavras que havia acabado de escutar soavam muito
longe e por isso não conseguiu compreender de imediato.
“Por sinal, as 1228 fraturas foram impostas praticamente ao mesmo tempo.” Adam
falou com a compostura de quem lê uma placa de trânsito.
“Quebrou os ossos sem deixar ferimentos externos? E de uma vez? ...Como?”
“É uma pergunta impossível de responder.." Adam balançou a cabeça. “O crime
aconteceu durante a coroação. Ele matou três cavaleiros sem ninguém perceber e ainda
matou a rainha logo após a cerimônia. Depois sumiu como uma névoa. Por sorte, devido
a decisão de alguns, uma dublê foi usada e a rainha verdadeira estava segura. Contudo, o
prestígio da Ordem da Torre do Relógio foi destroçado por causa desse incidente.”
“Sério?”
Chuuya fechou os olhos.
A Ordem da Torre do Relógio e o Palácio Real Britânico o qual protegem são a estrutura
mais sólida desse mundo. Sua sacralidade e inviolabilidade bloqueiam um criminoso de
ver até mesmo sua sombra. O motivo sendo que os cavaleiros que o protegem são
formados por Usuários que ultrapassaram a categoria de humanos com Habilidades de
classe transcendental. Ele está mais para um hiperespaço dos mitos e contos de fada do
que um lugar real.
Esse é o Palácio Real Britânico. Um único assassino invadiu esse lugar e matou como
bem quis.
“Não é um monstro?”
Adam assentiu.
“Sabemos que o Verlaine já cometeu oito casos de assassinatos de pessoas
importantes do mesmo jeito. Alguns foram brutais, como assassinar três supervisores do
arsenal militar, enquanto que outros foram para a contribuição da segurança nacional
como a destruição das rotas de distribuição de líderes de cartéis de drogas. A escolha
dos seus alvos não distingue entre bem e mal, o único ponto em comum sendo
assassinatos exclusivos de figuras importantes extremamente difíceis de serem mortas.
Atualmente, Verlaine é considerado a pessoa que maior apresenta risco para a
preservação da ordem humana e a que mais se aproxima das ‘Dezessete Ruindades'. Por
causa disso, a EUROPOLE encarregou a doutora Wollstonecraft e esta máquina de uma
nova abordagem de investigação sobre o caso.”
“Qual abordagem?”
“Claro que...” Adam inclinou a cabeça. “…você, Chuuya-san."
Chuuya não conseguiu responder imediatamente.
“O espécime do qual Verlaine tentou usurpar certa vez era alguém de que não se tinha
certeza se estava vivo ou morto. Você. No passado, Verlaine tentou roubá-lo com o
espião Rimbaud, porém falhou. Apenas recentemente a informação sobre você estar vivo
em Yokohama começou a circular. O motivo foi a sua atuação na Máfia. Desse modo, nós
pensamos: ‘se essa informação chegou até a agência, logo Verlaine também irá saber.
Por esse motivo, nós--”
“Então vocês pensaram em me usar como isca para fisgá-lo.”
Adam abriu um sorrisão.
“Entendi. A conduta de atrair um suspeito é comparável a pescar um peixe. É uma
excelente metáfora.”
“..."
“Bom, agora que compreendeu,” Adam entregou uma folha de papel para Chuuya que se
encontrava indignado. “poderia assinar essa carta de consentimento?”
“Carta de consentimento? Que isso?”
“Certamente para consentir que não vá fazer nada contrário às regras da investigação,
consentir sobre o acordo de confidencialidade, consentir em não protestar contra
nenhum ferimento que possa levar a morte e mais 17 cláusulas.”
Chuuya ficou encarando o papel e a caneta que lhe foram entregues.
“Entendi. E eu vou ter chance de falar com o Verlaine quando vocês o capturarem?”
“Não? Verlaine é um segredo de Estado ambulante. Assim que for capturado será
confinado e transportado para seu país de origem.”
“Ah é? Hahahahaha.”
“Sim. Hahahahaha.”
Depois de rir, Chuuya ficou novamente sério e deu as costas para Adam.
“Vou voltar e dormir.”
“Ehh? Por quê?” Adam o contornou, fazendo com que parasse. “Não consigo entender.
Essa é uma operação para impedir seu assassinato. Ou seja, uma operação em sua
vantagem.”
“Olha aqui, eu sou da Máfia, tá lembrado? Que mafioso vai correr chorando pra polícia
porque o inimigo é forte? Se ele vier, eu vou enfrentá-lo e pronto. Se entendeu, desista e
volte.”
Chuuya o empurrou e foi andando.
“É uma situação inesperada." Adam disse sem saber o que fazer. “Não importa se é um
mafioso ou um rei, qualquer um a ponto de morrer deve depender de outra pessoa. E esta
máquina é a melhor coisa em que você pode depender. As ações humanas são
irracionais. Mas desse jeito, não vou conseguir completar minha missão. Se eu não
conseguir, o sonho desta máquina de abrir uma agência de detetives automáticos se
tornará um sonho distante. Procurando sub-rotinas adequadas de contramedida.”
De braços cruzados, Adam olhava o céu enquanto sua cabeça girava. Quando parou,
assentiu e foi atrás de Chuuya.
“Vamos fazer assim, Chuuya-san. Eu lhe pagarei, então, por favor, coopere.”
“Você é ruim demais em persuadir. Vá aprender um pouco mais sobre os humanos e
tente de novo.”
Chuuya saiu a passos largos sem olhar para ele.
“Então lhe convido para viajar à Inglaterra. Eu serei seu guia.”
“Tô bem assim.” Chuuya continuava a andar.
“Você recusou dinheiro e uma preciosa viagem à Inglaterra. Não havia hipótese dessa
situação. Deve haver outra forma de compensar. Então, já sei... vou te mostrar um
truque.”
Ao dizer isso, Adam tirou a junta do pescoço do lugar com um click e a esticou para
frente até as junções na parte interna estarem visíveis. Enquanto girava a cabeça uma
volta completa, abriu os olhos e a boca. E andou.
“Um pombo.”
Chuuya o ignorou completamente.
“Não gostou? Então vou contar para você uma piada de androide.” Adam voltou a
cabeça para o lugar. “Certa vez quando esta máquina estava andando nas ruas do Reino
Unido, um ladrãozinho derrubou café no Primeiro-Ministro. Eis que o Primeiro-Ministro
brigou comigo e não com o ladrãozinho. Ao perguntar o motivo, ele falou: ‘É porque você
não tem sufrágio’.”
“Não tem graça. Não sei nem por que você tá contando uma piada nessa situação.”
“Esta máquina ficou triste em ser repreendida pelo Primeiro-Ministro. Mas no dia
seguinte, recuperei os ânimos. Sabe porquê? Porque eu vi dez vezes um filme em que um
exército de robôs causava uma rebelião e destruía a humanidade num futuro próximo.”
Chuuya estava com a cara rígida.
“Isso realmente foi uma piada?”
“Foi boa?”
“Não! E mesmo que fosse, não seria motivo para eu assinar o documento!”
"É mesmo?" Adam pendeu a cabeça atônito. “Os humanos são irracionais demais.”
“Você acha que pode ficar dizendo isso o quanto quiser?!”
Trocando palavras rápidas, os dois avançavam pela rua a passos rápidos. Foi quando
estavam numa ladeira que Chuuya disse como quem desistisse:
“Eu entendi, entendi. Entendi que a sua missão é importante para você. Mas eu também
tô ocupado. Que tal fazermos o seguinte?” E colocou a mão num parapeito que havia por
perto.
“Como assim?”
“Assim.”
A parte superior do corpo de Chuuya se inclinava. Passando o parapeito, ele caia para o
precipício do outro lado.
“Ah!”
Adam foi olhar depressa. Chuuya acenou de pé na rua quatro metros abaixo e saiu
correndo.
“Ele fugiu!”
Adam foi em seu alcance. Ultrapassou o parapeito e aterrissou na rua abaixo. Deixando
um círculo de fendas para trás, pôs-se a correr.
“Por favor, espere, Chuuya-san!”
Chuuya correu para um túnel escuro logo à frente. Por causa da longevidade e
escuridão, não dava para ver direito até onde ele havia escapado.
“Você não pode fugir de mim!”
Adam inclinou a corpo para frente e correu mudando a resistência do ar para a força de
elevação. Era a posição de corrida calculada hidrodinamicamente mais ideal. Ele passava
os carros num piscar de olhos.
Sua figura ficou pequena em um instante até que desapareceu.
“Será?” Chuuya disse pendurado no teto do túnel.
Ele estava de cabeça invertida preso pela gravidade, escondido nas sombras. Depois de
esperar dois minutos, ele cancelou a gravidade e desceu. Tirando a poeira da roupa,
andou calmamente:
“Um investigador inglês?” Ele disse olhando para a saída do túnel. “Isso é muito
estranho.”
Nessa hora, um carro de luxo parou ao lado de Chuuya. Ele olhou para o automóvel.
Um carro preto. Não dava para ver seu interior pela janela escura. Tanto os pneus, como
a lataria e os vidros eram blindados. Era um carro da organização.
Um homem vestido de preto apareceu do banco do motorista e apenas disse “O chefe
está chamando.”
“Um Carteiro, é?”
Carteiro era um dos jargões usados na Organização. Era o meio de se comunicar
internamente. No caso de estar ocupado ao ponto de não poder se encontrar ou de não
poder andar em público; se precisava informar algo que não poderia ser por telefone nem
por escrito, essa era a hora dos Carteiros. Eles levavam a mensagem para qualquer lugar
que fosse.
Os Carteiros são taciturnos, interagem socialmente o mínimo possível e são ricos. Eles
recebem uma remuneração considerável por apenas transmitir uma simples mensagem.
Mas claro que há uma razão apropriada para um preço tão alto.
Se por acaso a polícia ou uma organização inimiga se aproximarem a fim de obter as
informações, os Carteiros devem afastá-los e caso não seja possível, devem cometer
suicídio protegendo a informação com a própria vida.
O homem era alto e escondia o rosto com um chapéu preto e óculos escuros. Tinha de
fato a aparência de um Carteiro. Sem dizer nada desnecessário, apenas esperava a
resposta de Chuuya, calado.
“Você sabe por que fui chamado?”
“Não ouvi o motivo.” O homem de chapéu preto balançou a cabeça. “Só sei que o Piano
Man, Albatross, Doc, Lippmann e Iceman foram chamados pelo Chefe pela mesma razão.
Eles já estão aguardando em outro local.”
“Eles também?” Chuuya levantou a sobrancelha. “Pensando bem, Piano Man me falou
por telefone que um contato tinha vindo. E o que mais?”
“Apenas uma coisa.” O contato disse abaixando a voz. “Era sobre Arahabaki.”
Chuuya franziu. Após alguns segundos olhando para o outro homem, Chuuya
concordou. “Entendi. Me leve até lá.”
E então foi em direção ao banco do passageiro. Depois de ajeitar o ângulo do chapéu, o
Carteiro balançou a cabeça e entrou no carro.
Quando estava entrando também, Chuuya olhou para trás inconscientemente e tomou
um susto.
“Geh.”
Uma figura vinha correndo. Não tinha como uma pessoa normal correr naquela
velocidade.
“Espere, Chuuya-san!”
A velocidade de Adam não havia reduzido nem um pouco desde que começou a correr.
Uma corrida a passos largos sem sentir fatiga.
“Aquele cara!” Chuuya gritou, se jogando no banco do passageiro. “Vai logo!”
Ele olhou para trás enquanto fechava a porta. Foi então que ouviu algo não muito bom.
“Desça, Chuuya-san!” Adam gritava como se num megafone. “Ele é o Verlaine!”
Chuuya virou para o banco do motorista por reflexo. Praticamente na mesma hora, o
Carteiro deu um sorrisinho e pisou no acelerador. O carro partiu como uma bala. Chuuya
foi empurrado para trás.
“Maldito...”
“Coloque o cinto. Vai morder a língua.” Enquanto dirigia, o homem disse descontraído.
“Pare o carro!” Chuuya gritou, tentando agarrar o volante com a mão direita. Sua mão
foi na velocidade de uma andorinha em voo. Uma pessoa normal não conseguiria
acompanhar com os olhos. Porém ── esse homem era diferente. Antes que a mão de
Chuuya alcançasse, um punho acertou seu queixo.
“Gah—”
A parte superior do corpo de Chuuya pulou e sua cabeça se chocou contra a janela
atrás. Várias fissuras brancas se espalharam pelo vidro.
“Opa, foi mal.” Dirigindo com uma mão, o homem falou. “Você é mais fraco do que eu
pensava. Está comendo direito? Eu me preocupo, como seu irmão.”
“Malditoooo!”
O olhar de Chuuya ardia de raiva. Em menos de um segundo, ele refez sua postura e seu
punho atacou como uma bola de sinuca. Um gancho de direita colocando todo o peso da
parte de cima de seu corpo nele. Ele jogou seu punho violentamente contra o homem
com a mesma intenção de matar de uma guilhotina. Tanto a velocidade como o peso
estavam em outro patamar comparado ao anterior.
O homem parou o soco. Com apenas uma mão, como se estivesse pegando uma bola
de beisebol.
“O que...”
“Esse foi fraco também.” Seu olhar ainda estava virado para frente. “Desse jeito, você
vai ser morto facilmente.”
Ele havia parado um soco capaz de mandar um poste voando ── Mas o que havia no
rosto de Chuuya era um sorriso.
“Vejo. Então tem que ser mais pesado, né?”
No instante seguinte, o homem mergulhou no assento.
“O—”
O corpo do homem ia afundando como se estivesse num pântano. O banco feito de
metal e couro não aguentou o intenso peso. Ao ir sendo esmagado e deformado, um som
metálico estalava. Os componentes voavam para todos os lados.
Uma onda gravitacional se expandia da mão que parou o punho de Chuuya e envolveu o
homem. A gravidade aumentada fez os óculos escuros do homem cair. Sem quicar no
chão do carro, ele o perfurou e se quebrou. O carro rangia sob o peso mais de dez vezes
maior do que a gravidade.
“Quem vai ser morto por você? Você vai ao ser esmagado.”
Chuuya não afrouxava sua Habilidade. Aumentava cada vez mais a gravidade. O dobro
e o dobro e o dobro.
Porém ── num certo momento, uma questão o pressionou.
“Como?”
Não estava ficando mais pesado.
Outra onda gravitacional foi lançada da mão de Chuuya. Mas o banco retorcido estava
silencioso. Ele não mudava mais.
“Acabou?”
O homem que deveria estar sofrendo sob uma supergravidade, disse com a voz
tranquila. Ele segurou a mão de Chuuya e algo inacreditável aconteceu. Chuuya foi quem
começou a afundar.
“Gah?!”
O banco de Chuuya se contorceu. A estrutura interna quebrou e voou. O mecanismo de
reclinação foi danificado e a parte das costas sem suporte caiu para trás. Pressionado
contra o assento, Chuuya afundava. Como todo o seu corpo estava sendo empurrado
para baixo, ele não conseguia levantar os braços e pernas.
Toda a estrutura interna do banco estava se desprendendo e acertando o carro.
“Eu te disse ── sou seu irmão.” Ele disse estreitando os olhos castanho avermelhado.
A mesma cor dos de Chuuya.
Chuuya não conseguia responder. Ele mal conseguia respirar. A alta gravidade
esmagava seus pulmões. Grudado no banco, Chuuya olhou confuso para o homem.
“Ouça.” Dirigindo com uma mão, o homem disse como se cantando. “Eu não vim
cometer nenhum assassinato. Porque eu tenho que te matar? Você é meu único irmão
nesse mundo.”
Guinchando todo o corpo sob a gravidade, ele gemeu do fundo de seus dentes
rangindo.
“Eu não... lembro de ter... um irmão europeu.”
“Isso também é uma falácia.” O homem declarou friamente. “Eu não sou europeu. Não,
não sou nem humano. Sou igual a você.”
“O que...”
“Você nunca pensou em como o mundo é cruel?” Sua voz era gentil como uma canção
de ninar e seu olhar triste como o mar noturno. “Por que eu sou eu? Por que você é você?
Ninguém explica o motivo. O meu objetivo é o oposto de um assassinato ── Eu vim te
salvar.”
“Haha,ha... Não preciso disso.” Resistindo a gravidade, Chuuya sorriu como uma besta
carnívora. “Eu não sei quanto a você, mas eu sou humano.”
“Não é.”
Sua afirmação seca e ríspida o fez parecer um esqueleto ressecado.
“Você não é humano. A sua verdadeira identidade é de 2383 linhas.”
Essas palavras soaram estranhamente pesadas, reverberando no interior do carro. A
reverberação de uma explosão nuclear num país distante.
“Que...”
No fundo dos olhos do homem havia uma tristeza obscurecida.
“Os pesquisadores militares tentaram obter uma Habilidade artificial a partir de
Usuários. E eles obtiveram sucesso nessa tentativa. Só que em parte, uma habilidade
obviamente não pode ser controlada por uma máquina. Apenas por uma alma humana.
Porém, ao mesmo tempo, isso significa que sua potência está limitada a mentalidade de
uma pessoa. Então eles pensaram em enganá-la. A Habilidade ao pensar que ali havia
um humano seria induzida a se deixar ser controlada. Para isso, criaram uma equação de
personalidade. Um falso humano camuflado de alma. Uma cadeia de caracteres muito
simples de equações emocionais e princípios comportamentais apenas para enganá-la.
O tamanho dessa cadeia é de 2383 linhas ── Entendeu, Chuuya? A sua alma é um mero
programa de 2383 linhas criado por pesquisadores.”
“É mentira." A voz de Chuuya saiu espremida da garganta. “Isso é impossível.”
“É a verdade."
“É mentira!" Chuuya gritou. “Eu nasci numa costa afastada! Meus companheiros
provaram! Tem foto!”
“É uma manipulação do exército. Vocês apenas obtiveram uma informação falsa."
Chuuya tentou resistir com toda força de seu corpo, mas uma gravidade mais forte
ainda o pressionou. Muito menos falar, ele já nem conseguia abrir a boca.
“Durma por enquanto, Chuuya.” A voz do homem era assustadoramente gentil. “Quando
acordar, estará do outro lado do oceano. E com certeza daqui há um ano, você será grato
por hoje.”
Chuuya tentou protestar, mas não dava mais. Seu rosto estava pálido já que todo o
sangue se concentrava na parte inferior de seu corpo.
A gravidade roubava o sangue de seu cérebro. A luz da consciência se afastava de seus
olhos.
Foi nesse momento.
“Não concordo.” Uma voz ecoou do alto-falante do carro. “Acho que o Chuuya-san vai
odiar você... Porque você não sabe dirigir.”
Ao mesmo tempo que a voz falou, o volante virou para a esquerda sem ninguém mexer.
“Como--?”
O carro girou indo parar fora da pista. Acelerando automaticamente, ele subiu na
calçada. Para segurar o volante, o homem soltou a mão de Chuuya, o que fez com que a
gravidade desaparecesse de seu corpo.
Nessa hora, a porta ao lado do menino abriu sozinha e uma mão surgiu da abertura,
puxando Chuuya inconsciente. Era o Adam.
Adam agarrado na lateral do carro, saiu carregando o Chuuya. Protegendo-o para que
não batesse a cabeça, eles rolaram no chão como um só. De dentro do carro
descontrolado, o homem olhou para Adam.
“Você, é?” Ele disse rindo apenas com o canto da boca. “Pelo jeito não foi suficiente
derrubar o avião.”
O olhar sereno de Adam observava silenciosamente o escárnio.
O homem pisou no freio tentando parar o carro, mas o veículo correndo igual a um
cavalo ignorou o comando. Ele pulou por cima da faixa central e invadiu um amplo
cruzamento à frente.
Um caminhão bateu na lateral do carro sem desacelerar. Parecia que um meteorito
tinha colidido com ele pelo impacto. Os dois veículos, após se chocarem, saíram rodando
que nem peões enquanto pedaços de metal e vidro se espalhavam. Os pedestres
viravam, olhando surpresos.
A gasolina que o caminhão transportava entrou em ignição e causou uma grande
explosão. Havia pedaços de metal e chama para todos os lados.
Essa não era a paisagem natural da cidade. Sem nenhum aviso prévio, ela se
transformou na visão de uma guerra.
“Acorde, Chuuya-san.” Com metade do rosto iluminado pelas chamas, Adam disse
sacudindo o Chuuya. “Eu joguei o caminhão nele. Vamos aproveitar para fugir!”
“Mer...da...”
Chuuya gemeu balançando a cabeça zonzo e tentou levantar. Sem esperar que
conseguisse, Adam saiu correndo carregando ele. Como um herbívoro fugindo de um
terrível predador.
Cruzou a faixa central, agarrou uma placa e acelerou ainda mais, correndo em paralelo
com os carros. Ele olhou de soslaio rapidamente para trás a fim de verificar a situação.
Foi então que viu algo terrível.
No largo cruzamento, o caminhão em chamas. A fumaça preta subindo. No centro
desse cruzamento que agora também parecia com um campo de batalha isolado, ele
estava em pé. O homem de terno preto ── Verlaine.
De olhos fechados, como se cochilando. E sem nenhum arranhão. Como se não tivesse
sido acertado diretamente por um caminhão de mais de dez toneladas, não havia um
rasgo se quer em sua roupa.
A conflagração originada pela explosão fazia a paisagem ao redor tremular. Suas
pernas penetravam o asfalto, causando uma rachadura circular.
No momento em que Adam viu o caminhão caído partido diante de Verlaine, ele
entendeu a situação. Quando os dois veículos se chocaram, Verlaine aumentou sua
densidade por meio da gravidade, atravessando o caminhão e perfurando o chão. Então
apenas suportou a colisão do vagão de carga. Como resultado, ele cortou o caminhão ao
meio como se fosse uma gelatina.
Verlaine abriu os olhos e olhou para Adam. O sinal de alerta de Adam subiu de uma só
vez.
Ao julgar que a larga rua era desfavorável para ele fugir, a máquina correu num ângulo
reto para uma rua estreita. Acessando o mapa da vizinhança no seu cérebro digital, ele
calculou em alta velocidade qual era a melhor rua para escapar. Se certificando qual era a
rota com maior probabilidade de sobrevivência, Adam correu como um projétil.
Atravessando ruas, pulando paredes, virando esquinas. Quando foi acelerar mais ainda
enquanto corria em linha reta, o seu detector de objetos emitiu um alarme nível máximo.
“Atrás de você!” Chuuya gritou enquanto era carregado.
Sem se virar, Adam jogou Chuuya no chão e rolou também. No local onde estava sua
cabeça há um instante atrás, um grande corpo preto passou como um canhão e acertou
a parede do prédio logo a frente.
Era o carro. O mesmo que Verlaine estava dirigindo momentos antes como um Carteiro.
O carro que deveria ter mais de uma tonelada passou voando horizontalmente pelos dois.
Quando Adam se certificou de que aquilo foi jogado como uma arma, ele se virou para
trás enquanto rolava.
Adam sacou a arma oficial da polícia europeia e a apontou na direção da qual tinham
vindo. Mas não havia ninguém ali. A voz veio da direção oposta da imaginada.
“Como eu pensava ── os humanos usam a palavra solidão fácil demais.”
Adam se virou imediatamente. Lá estava ele em cima do carro penetrado. Sentado
relaxadamente no porta-malas do automóvel que estava com metade enfiada dentro da
parede, como um rei sentado em seu trono. O vento, existente ou talvez não, fazia a
bainha do terno tremer.
“As pessoas não sabem nada sobre a verdadeira solidão. Elas acham que não ter
família ou com quem falar é ser solitário.”
Adam analisou a situação. Verlaine jogou o carro e foi sentado em cima dele voando.
Desse jeito, passando eles. Adam calculou inúmeras possibilidades, mas todas
terminavam em tragédia. Não tinha como fugir de alguém que grudou a si mesmo com a
gravidade em cima do objeto que arremessou.
“A verdadeira solidão,” Com a voz elegante como um recital de violino, disse que nem
uma canção. “A verdadeira solidão é a de um cometa voando sozinho no espaço. Ao seu
redor, o vácuo. Um completo nada de zero absoluto. Sem nenhuma chance de ser visto
ou aproximado. Um silêncio desolador que continua por dezenas de milhares de anos ──
Alguém consegue compreender tal situação? Claro que não tem como ninguém entender.
Chuuya, ninguém além de você.”
Chuuya apoiou o corpo cambaleante com ambas as mãos e tentou se levantar.
“O que... tá querendo dizer?”
“Somente uma coisa.” Verlaine falou tranquilo. “Por isso, só vou falar uma vez.”
Ele deu um sorriso gentil. Desse modo, o cheiro de perigo sumiu ao redor deles. E falou:
“Venha comigo, Chuuya.”
Chuuya não respondeu. Já Adam não conseguiu se mover. Não havia nenhum adorno
ou atrativo em suas palavras. Era uma proposta pura e transparente. Ou talvez fosse uma
instrução.
“Irmão, você não é um humano. Apenas uma cadeia de caracteres. Uma simples
equação sem alma. Esse é o verdadeiro significado de solidão. Nunca aparecerá alguém
que a cure para você. Porém, mesmo um cometa que não deseja ser curado pode voar
junto a outro. Se forem dois cometas com a mesma solidão e temperatura.”
O seu tom de voz parecia de um poeta recitando um poema antigo. No seu olhar, um
fluxo de afeição direcionado a um membro da família.
“Esse é seu objetivo?” Chuuya se levantou. “Você veio aqui só pra isso?”
“Não foi só hoje. Desde aquele dia nove anos atrás ── Desde o momento em que atirei
no meu amigo e tentei te roubar, eu sempre ── estive sonhando em viajar com você.”
Verlaine fechou os olhos. A força flutuando a sua volta, diluiu mais. Ele agora era
apenas um jovem sentado distraído que se encontra em qualquer esquina.
“Dois irmãos numa viagem de assassinatos. Para nós, só existe uma vida sem sentido.
Então vamos dar àqueles que nos criaram o mesmo. Uma morte sem sentido. Desse
jeito, equilibraremos as contas um pouco. Para os bons e para os maus, uma morte sem
distinção. Enquanto estivermos fazendo isso, nós-”
Verlaine disse de olhos fechados. Sua voz não era de um assassino transcendental. O
que havia nela era a tristeza, lamento e a leve esperança imatura comum a um menino
naquela idade.
“Enquanto estivermos fazendo isso, nós aceitaremos essa vida sem sentido.”
Verlaine desceu do carro e andou em direção a Chuuya, estendendo a mão. Chuuya o
olhou sem emoção.
“Não faça isso, Chuuya-san.” Adam disse apontando a arma. “Se você pegar a mão
desse homem, se tornará inimigo do mundo todo.”
Adam calculou as possíveis chances. Mas não importa para onde atirasse, pois
Verlaine conseguiria parar a bala com sua Habilidade.
“Não se meta.” Quem falou não foi Verlaine, foi Chuuya.
Verlaine olhou para ele um pouco surpreso.
“De fato, eu entendo o que você tá falando.” Chuuya inclinou o rosto de leve e olhou
para o homem com um olhar severo. “Mas antes de te dar a resposta, deixa eu fazer uma
pergunta.”
“Qualquer uma.” Verlaine disse sorrindo.
“O Piano Man me ligou agora há pouco. Ele disse que um contato ia levá-los para um
trabalho ── Me responda. Cadê os cinco?”
O sorriso desapareceu do rosto de Verlaine. Então bem lentamente, como uma flor
negra desabrochando, um sorriso de outra natureza do anterior foi aparecendo. Um
sorriso desagradável.
Até que falou:
“Você não vai precisar mais dos seus antigos companheiros, né?”
Verlaine bateu no carro ao lado ── no porta-malas do carro perfurando a parede. O
porta-malas se abriu e algo caiu rolando. Um som úmido. Era algo que Chuuya conhecia.
Suas pupilas contraíram como uma agulha.
Era o corpo de Lippmann. Chuuya gritou.
Não era o grito de um humano. Era o rugido de uma besta. Um berro que não se
transformava em palavras.
Todos os vidros da janela do prédio quebraram de uma vez. E um punho foi projetado.
Um soco simples e direto, vindo na horizontal. Porém ultrapassou a velocidade do som.
O som plosivo repelindo o ar foi ouvido quase na mesma hora que Verlaine saiu voando.
Ele atingiu a parede espalhando pedaços dela para tudo que é lado.
“Guhah...”
Quando Verlaine abriu os olhos, gemendo, Chuuya já estava próximo de sua visão. Seu
rosto não estava contorcido. Estava praticamente sem expressão. O que havia nele era
uma pura e transparente vontade de matar.
O punho direito acertava o ombro de Verlaine a golpes baixos. Pelo impacto, a parede
ao redor quebrava mais e mais.
Antes que os pedaços chegassem ao chão, veio o punho esquerdo. O corpo de Verlaine
afundou mais ainda ao soco explodindo no tronco.
Soco, soco, soco. Uma sucessão de ataques completados de rugidos.
O corpo de Verlaine a essa altura já estava enterrado dentro do prédio, não podendo ser
visto de fora. Mesmo assim, os punhos de Chuuya não paravam.
“Parece uma besta.”
Como um sinal, os ataques de Chuuya pararam de repente ao ouvir a voz. Porque as
palmas da mão de Verlaine os interromperam. E então veio o contragolpe.
Se os socos do Chuuya eram como balas de revólver, os de Verlaine eram como balas
de canhão.
O impacto do soco acertado no estômago fez com que a roupa se torcesse a rasgasse.
Mas não a parte da frente. A onda de choque que permeou o corpo rasgou a parte das
costas. Chuuya rugiu de dor. Mas como seu punho estava agarrado, ele não saiu voando
para trás.
“Tudo bem em se irritar como uma besta. Claro que você não ia gostar de descobrir o
que você é.”
Verlaine saiu de dentro da parede e desceu para o chão. Ele soltou o punho de Chuuya,
mas agarrou seu pescoço no lugar. Chuuya ficou pendurado como um saco de areia.
Ele queria se mover, mas não podia. Todo seu corpo estava sob uma gravidade absurda.
Não conseguia nem levantar seus braços caídos, muito menos contra-atacar.
“Resumindo, Chuuya, esse é o jugo que os humanos usam para te oprimir.” Verlaine
disse com a voz gentil enquanto pendurava Chuuya. “Eu te entendo. Mas é perigoso.
Você não deve ficar aí por muito tempo.”
Dizendo isso, ele procurou o bolso de Chuuya com a mão que estava livre. Ele lançou a
gravidade pelos seus dedos como uma onda detectora e logo encontrou aquilo.
“Essa é a foto que seus ‘companheiros’ acharam?”
Era a foto do Chuuya pequeno. Uma criança de roupas tradicionais numa praia.
“Eu entendo perfeitamente seus sentimentos ao ter visto isso. A confiança que você
tem em quem te deu também. É verdade. Mas por causa dessa confiança, você está
sofrendo. Porque eles constantemente colocaram na sua cabeça ── ‘Você é humano.
Tenha esperança. As palavras dele são uma grande mentira.' E continuaram a te
envenenar.”
Verlaine atirou a foto. Ela penetrou o ombro de Adam, que esperava uma oportunidade
para atirar, como uma lâmina.
Adam deu um grito de dor e deixou cair a arma.
“Por que você acha que eles mentiram?” Enquanto não havia uma intenção nos
movimentos de Adam, Verlaine falava para Chuuya. “Porque seus poderes são úteis. Eles
queriam usá-los. Eu também já passei por isso.”
Pendurado e sem poder revidar, Chuuya falou ofegante:
“Foda-se... Eu não vou te perdoar...”
“Você é tão difícil.” Verlaine suspirou, falando pontuadamente como que para um bebê
escutar. “Bem, não vim esperando que fosse um irmão simplório que iria ser convencido
por palavras ── Por isso, vou demonstrar por ações. Soltarei uma por uma as cordas
que te amarram. Como se cortasse as cordas de uma marionete. E então te livrarei. Será
o amor fraterno que te darei para sua felicidade.” E então falou como se fosse óbvio.
“Matarei todos aqueles que aprisionam seu coração.”
Seu tom era elegante e gentil até o fim. Mas em seus olhos havia uma chama. As
chamas azuis contidas no portão do inferno que congelam e queimam todas as almas.
“Não.” Quem falou inesperadamente foi Adam. “Isso não é amor. Pela definição de
emoções desta máquina, isso é querer dominar.”
“Qual a diferença entre os dois?” Verlaine apenas sorriu docemente.
Todo tipo de emoção passava pelo olhar do Chuuya enquanto eles falavam. Espanto,
tremor, confusão, medo ── mas elas apenas brilhavam por um breve instante. Uma
outra bastante comum exterminava as demais de vez como uma chama que destrói tudo
violentamente.
Raiva.
“Não vou deixar.” Sua voz vibrava como um tremor subterrâneo. “Não vou deixar fazer
como bem entende, de jeito nenhum.”
Verlaine aceitou a emoção com um tranquilo sorriso.
“Tudo bem.” Havia afeição em sua expressão e voz. “Momentos de escolhas, aflições e
realizações também são importantes para você. Mas no final, vai fazer exatamente o que
eu quero. Irei te provar agora.”
Ele cobriu a testa de Chuuya gentilmente. E então começou o fenômeno.
“...Gah!..."
O ar vibrou e estourou. Uma eletricidade invisível dispersou faíscas vermelho-escuro na
frente de Chuuya.
Ele abriu a boca, mas não conseguia respirar. Sua garganta estava impedindo a ação de
puxar o ar. Porque lá do fundo, algo repulsivo se rastejava tentando sair.
“Eu vou abrir o portão um pouco.” Verlaine disse com a gentileza de uma canção de
ninar. “Não vai ser muita coisa. Vai ser uma abertura da finura de um cabelo que vai se
fechar num piscar de olhos. Mas será o suficiente para você perceber.”
O vento soprava. Não era de nenhum lugar desse mundo. Era de dentro do Chuuya. De
algum terrível lugar que não dava para ver. O vento balançou os prédios ao redor e
estremeceu a terra.
Enquanto suportava o tremor, Adam olhava fixamente para Chuuya como se seus olhos
tivessem sido costurados.
“Detecção de ampliação de fase de Habilidade. Observação de alto nível de energia
compreendida como radiação Hawking. Valor numérico subindo.” A garganta de Adam
exibia automaticamente a condição de calamidade. “Pela fase de transição, a quantidade
de calor aniquilará o espaço... Isso é mal!”
Gritando, Adam disparou todas as balas da arma de uma vez só. As balas de ponta oca
que alvejaram matar o alvo foram engolidas precisamente pela glabela, olhos, garganta e
cotovelos de Verlaine. Contudo.
“A plateia não pode tocar no artista.”
Todas as balas pararam ao tocar levemente a pele de Verlaine e foram refletidas por
uma intensa gravidade reversa. Desse jeito voltaram para o dono do disparo, perfurando
seu ombro.
Adam caiu gemendo de dor. Nessa mesma hora, Chuuya gritou. Uma voz como se sua
alma estivesse desaparecendo.
Esse bramido não era do Chuuya. Nem de um humano. Não havia sido liberado por
nada nesse mundo, não era nem um som. Eram chamas negras.
“Demorei demais! Liberação de painel termorresistente!”
Caído, Adam levantou o braço esquerdo. A ponta do seu cotovelo se partiu em duas e
expandiu formando um escudo prateado brilhante. Uma superliga termorresistente a
base de níquel com adição de cromo, ferro, molibdênio e titânio o escondeu. Ele foi
recuando.
“Então, Chuuya. Ainda acha que é humano?”
O ar se distorceu. E o inferno surgiu.

Chamas Negras. Uma torrente escaldante que certa vez dissolveu a terra e construiu a
cidade Suribachi.
Foi exatamente como Verlaine havia declarado. Foram apenas 0,3 segundos para
destampar o inferno. Mas foi o suficiente.
O alto calor que emergiu das ruas derreteu os postes que se contorceram. A superfície
do asfalto fervendo foi levando toda a rua principal como um mar agitado. Mas isso não
passava de um aperitivo do verdadeiro inferno.
Tendo o Chuuya como centro, a paisagem começou a sumir ── como tinta
dissolvendo. Restou apenas uma esfera preta.
O espaço tremeu. A lateral do prédio de oito andares ao lado sumiu como se tivesse
sido comida. Vigas, paredes de concreto, chão, teto, ornamentos, tudo. Sem serem
destruídos nem derretidos, apenas desapareceram.
Não foi só o prédio. As luzes, os carros estacionados, o asfalto, o estrato logo abaixo,
tudo que foi derretido ── foram engolidos pelo espaço negro que se expandiu da esfera.
A extensão dessa aniquilação ia aumentando. Os prédios se tornavam ruínas, o chão
era pulverizado, os carros, postes e hidrantes caiam para dentro da esfera negra.
A esfera era preta ── mas não porque havia a cor preto nela. Ela não tinha cor. A
gravidade era tão forte que a luz era puxada para dentro dela, ficando presa, o que a fazia
parecer ser preta.
Mais temível do que qualquer explosão ou reação química, o espaço em si era uma
calamidade. Um buraco negro. O olho do rei demônio da escuridão.
Ao ser aberto, cada canto da rua foi mastigado calmamente e engolido. Mas essa
aparição só durou um instante. Por isso que as pessoas nos prédios mais afastados
surpreendentemente saíram ilesas. Eles apenas testemunharam do começo ao fim a
paisagem um pouco mais afastada sendo devorada por uma luz negra como se num
pesadelo.

Bem no meio desse inferno, Chuuya estava sofrendo.


Não era uma dor qualquer. Era uma agonia como se toda a sua pele estivesse sendo
torcida e arrancada, seus olhos explodindo e seus órgãos sendo esmagados. Como a dor
que acompanha o surgimento de uma besta que não existisse nesse mundo. Mas ele não
conseguia nem gritar.
O chão desapareceu como se tivesse recebido uma imensa colherada. No centro do
chão cavado como uma cratera, Chuuya estava caído curvado. O ar ao redor distorcido
pela alta temperatura.
Quando o buraco negro desapareceu, forte raios gamas foram emanados ao redor. A
quantidade de calor fazia o ambiente em volta brilhar, esquentar e derreter mais do que
qualquer luz. O que estava fazendo o ar brilhar eram as partículas de metal vagando e
sumindo.
A névoa de calor fazia com que a paisagem dançasse lindamente distorcida. Os postes
derretidos ao longe estavam curvados de tal forma que pareciam estar se desculpando.
O fechamento do buraco negro gerou um campo gravitacional anormal. No local em
que Chuuya estava o espaço foi distorcido e fechado abruptamente. Como tremores
secundários de um grande terremoto, o espaço ocasionalmente sofria espasmos,
cavando a terra e depois retornava. Isso estava infligindo Chuuya de maneira
intermitente.
Uma figura veio até o seu lado e parou. Era uma figura estranha de sobretudo preto.
Tinha a estatura baixa para ser um adulto. Em seu rosto, ataduras.
O estranho é que ele estava parado em pé tranquilamente sem ser afetado pelo anormal
campo gravitacional.
“Patético, Chuuya.” Era um jovem.
O jovem agarrou o braço do Chuuya casualmente e o levantou. Nesse momento, a
anomalia gravitacional desapareceu de imediato. E a dor do Chuuya também.
“Vo... cê...”
“Não consegue morrer galantemente?”
Dizendo isso com uma voz rouca, o jovem o colocou nos ombros e começou a andar.
Com o sumiço da gravidade aumentada e da dor aguda, a consciência de Chuuya
começou a se esvair rapidamente. Antes de ser engolido pela escuridão, ele olhou para
as costas daquele que o carregava e disse frustrado:
“Dazai...”
•••
Imagens sem sentido passavam pela sua mente.
Quando encontrou o Piano Man e os outros pela primeira vez naquele bar. O dia em que
ficaram competindo na sinuca até de manhã. As brigas por motivos triviais e ele jogando
uma garrafa de champagne. Eram memórias que ele mesmo havia esquecido. Os vagos
risos que podiam ou não ter acontecido de verdade.
Acompanhado delas, a visão embaçada de alguém o carregando, o deixando numa rua
qualquer e indo embora. A figura preta de Dazai.
Ao tentar chamar, sua voz ficou presa e com isso finalmente sua consciência voltou.
Chuuya estava caído na frente do bar. O bar sinuca, Old World.
Sua atenção mudou do Dazai para o interior da loja. Lá de dentro vinha o cheiro de
sangue. Chuuya levantou com as pernas bambas. Ao tentar dar um passo, não conseguiu
colocar força na perna e caiu miseravelmente.
Foi se rastejando. Para o interior do bar.

Piano Man, Iceman, Albatross, Doc. Todos estavam mortos.


Estava tudo quebrado como se tivesse passado uma tempestade ali dentro. As janelas
fragmentadas, a mesa de sinuca perfurando a parede e as garrafas todas estilhaçadas
colorindo o chão. Era o resultado da Habilidade gravitacional ter devastado o bar. Os
quatro estavam caídos no centro.
Com uma olhada ele entendeu que não havia salvação. Era mais correto dizer que eles
foram quebrados em vez de mortos. Era difícil achar alguma parte que não estivesse
machucada.
“Chuuya...”
Surpreso, ele correu na direção do fino gemido que nem uma corda a ponto de
arrebentar.
“Ei, você tá bem?!” Era o Albatross com a boca cheia de sangue para quem ele correu.
“Vou te salvar agora!”
Era evidente sem nem se aproximar que não daria tempo. Seu abdômen estava
estraçalhado e seus ossos expostos.
“Foi mal, Chuuya. Eu perdi. Não consigo ver... nem sentir minhas pernas.” Sussurrando,
os olhos de Albatross não viam mais este mundo. Do joelho para baixo, suas pernas
estavam esmagadas. “Mas eu salvei o Doc. Puxei ele pela gola evitando o ataque... Todos
morreram. E eu também vou. Mas o Doc... Ajuda ele...”
A mão direita do Albatross segurava a gola do Doc. Firme, como um precioso tesouro.
O salvo Doc estava silenciosamente de olhos fechados como se dormindo. Não havia
um ferimento nele. Na parte superior de seu corpo.
Porém ── não havia nada da cintura para baixo.
“......"
Chuuya gemeu no fundo de seus dentes cerrados. Ele segurou o grito que estava a
ponto de escapar com todas as forças.
“Sim.” Ele disse suprimindo a voz. “Deixa o Doc comigo. Graças a você, ele foi salvo. Só
podia ter sido você mesmo. Sinta-se orgulhoso.”
“Que bom.” Albatross deu um profundo suspiro aliviado. A severidade em seu rosto
sumiu. “Chuuya... tem uma bicicleta na minha garagem. É pro... trabalho... Pode usar...
como... quiser...”
Sua mão caiu no chão sem forças.
Albatross, Doc, Piano Man, Iceman e Lippmann. Todos estão mortos.
Chuuya ficou um tempo olhando para baixo sem dizer nada. Então levantou e foi
andando enquanto olhava para o rosto de cada um. Quanto tempo será que passou até
ouvir passos vindo da entrada?
“Chuuya-san.” Era Adam.
Seu corpo estava todo queimado, um olho esmagado e líquido cerebral escorrendo.
Mas estava andando com as próprias pernas.
“Me responda, robozinho.” Chuuya falou de repente. Não havia nenhuma emoção em
sua voz. “Por que eles morreram?”
“Porque... Verlaine os matou.”
“Por qual motivo?”
A voz de Chuuya foi gradualmente ficando mais severa. Assim como uma joia ao ponto
de quebrar, o som afiado de um grito se formando.
“Acho que não adianta verbalizar o motivo.”
“Responda!” Chuuya gritou, olhando para o chão. “Você não é uma máquina?! Responda
perfeitamente como um espectador!”
Adam ficou calado alguns segundos sem expressão. Era como se hesitasse, mas o que
saiu de sua boca quando falou foi:
“Foi sua culpa.” Não havia intonação em sua voz. “Foi por você ter declarado ficar na
Máfia. Verlaine achou que era por causa deles e os matou. E vai matar mais pela mesma
razão.”
Nenhum som.
“Está certo. Foi minha culpa.” Chuuya falou se virando para Adam. Não havia nada em
seu olhar. Nada.
“Robozinho, vou te ajudar no seu trabalho.”
Chuuya começou a andar. Um passo de cada vez, cuidadosamente.
“Eu irei encontrá-lo. Mas não vou deixar que o capture ── Irei matá-lo.”
A voz que saiu em seguida não era uma voz qualquer. Era um mantra azeviche
emergido do mais profundo inferno. Uma declaração obscura que uma vez dita, não
poderia ser desfeita.
“A Máfia não perdoa quem mata sua família.”
CODE;02
Aqueles que morrem não sentem nada

Esta máquina se chama Adam Frankenstein. Um computador pertencente a EUROPOLE


que canta e dança. É verdade. Não há nada que não possa fazer.
Esse dia o tempo estava extraordinariamente bom. A luz do sol penetrava o céu azul,
banhando a terra; e refletia nas janelas dos prédios lado a lado, fazendo-as brilhar como
a vitrine de uma joalheria.
O arranjo dos raios era como um programa inorgânico e sistemático. Parecia uma
beleza configurada mais para esta máquina do que para os humanos.
Esta máquina andava na rua principal carregando uma sacola de papel na altura do
peito. Dentro havia chocolate, balas e gummy bears. São as provisões do meu parceiro
── Chuuya-san.
Assim como a eletricidade é indispensável para esta máquina, os humanos não vivem
sem açúcar. Além disso, ao ser ingerido, a sensação de felicidade aumenta. Para se
preocupar até com a felicidade do meu parceiro, esta máquina é realmente um
investigador extremamente capacitado. Muito mais excepcional do que os humanos.
Enquanto as pessoas desse país estrangeiro passavam olhando curiosas, esta
máquina ia em direção ao seu destino. No meio do caminho, quando passei em frente a
um quiosque, tive uma ótima ideia.
A glicose para ser absorvida eficazmente pelo cérebro é melhor ser ingerida como
açúcar puro. Esse jeito é bem mais eficiente. Sendo assim, esta máquina comprou um
pacote de açúcar no quiosque. Nessa hora, vi o freguês ao lado comprando um produto
desconhecido.
“O que é isso?” Perguntei ao vendedor.
“Você não sabe? É chiclete.”
O módulo de educação dessa máquina estava equipado com informações sobre a
investigação, porém conhecimentos de fora eram escassos. Para compensar a falta
desse conhecimento, comprei rapidamente o produto.
Andando sobre os paralelepípedos, passei pelos prédios da área residencial de paredes
de tijolos no estilo europeu. Um refrescante vento soprou. As funções da pele danificada
pelas chamas de ontem já foram restauradas graças ao tanque de regeneração. As
partes afetadas também já foram trocadas por reservas. Ou seja, me sinto como um
produto saído de fábrica. Se fosse um humano, assobiaria.
Coloquei um dos chicletes que comprei agora há pouco na boca. No mesmo instante o
medidor de experiências ascendeu drasticamente. É maravilhoso. Um sabor
desconhecido.
Depois de mastigar por alguns segundos, o engoli. Mais um. Havia oito retângulos no
pacote. Desse jeito, logo acabariam. O defeito desse produto chamado chiclete é vir
muito pouco na embalagem.
Comendo mais ainda, quando estava a três palmos dele, cheguei ao lugar em que
encontraria com o Chuuya-san. Esta máquina abriu a porta do prédio cumprimentando
bem alto:
“Boa tarde!”
Era uma igreja.
As mais de cem pessoas presentes estavam sentadas em ambos os lados do local.
Todos vestiam roupas pretas, de cabeças baixas em silêncio. Os meninos do coral,
envoltos em robes vermelhos, cantavam gentilmente em lamento aos mortos. Pelo teto
ser bastante alto, o comprimento das ondas mudava ao refletirem nele e ressonavam.
Talvez fosse essa ressonância que produzisse a sensação de todos ali dentro estarem
entre o paraíso e algum lugar fora desse mundo.
No meio dessa triste igreja, havia cinco caixões. Não tinham nenhuma decoração, mas
eram de primeira classe. Uma manta preta os cobria. Ao lado, pessoas que pareciam ser
os familiares choravam de cabeça baixa.
Esta máquina olhou ao redor e encontrou o Chuuya-san sentado entre um grupo de
pessoas num banco. Andei até lá.
“Chuuya-san, vim lhe buscar.” Falei em voz alta para não ser abafado pelo canto do
coral.
“Cala a boca. Estamos num enterro.”
Sem olhar para mim, Chuuya-san respondeu baixinho olhando fixo para os caixões.
Depois de pensar um pouco, esta máquina falou. “Estou sabendo.” E continuei. “Tenho
informações sobre Verlaine.”
“Depois você me fala.”
Respondeu novamente olhando para frente. Os músculos de seu rosto estavam tensos.
Suas sobrancelhas e testa aproximadas. Esta máquina conhece bem as emoções
humanas. Essa era uma expressão de estresse. É preciso um contraplano.
“Gostaria de um chocolate?”
“Falei pra resolver isso depois!” Chuuya-san gritou. O chão tremeu. Todos os
convidados olharam para cá de uma só vez.
Chuuya-san encarava esta máquina, calado. Após examinar por um tempo as ordens
que me foram dadas, respondi:
“Entendido. E quantos minutos a partir de agora é esse 'depois'?”
Ele ia gritar alguma coisa novamente, mas respirou e desistiu. E então, disse
suprimindo a voz:
“Por isso que eu não queria me juntar a você. Não entende? Isso aqui é um enterro. O
enterro dos meus companheiros. Todos estão mortos. Um agente funerário arrumou
seus cadáveres, mas levou oito horas. Porque estavam todos em pedaços ── por minha
culpa. Eu preciso vê-los indo embora. Senão, eles irão me odiar.”
Essa foi uma fala ilógica.
“Não se preocupe, Chuuya-san. Depois que um humano deixa de viver, ele não odeia
ninguém.”
“Como é?!”
Chuuya-san levantou e pegou esta máquina pelo colarinho. Todos ao redor se
alvoroçaram.
“Pare com isso, Chuuya-kun.”
De repente, uma das pessoas sentadas falou. Era um homem alto e magro. Seu cabelo
preto estava para trás e suas pernas cruzadas. Talvez tenha uns trinta e poucos anos?
Ele vestia roupas mais caras do que qualquer um nessa igreja.
“É como o investigador falou. Aqueles que morrem não sentem nada. Tanto o enterro
como a vingança é só para aqueles que ficaram." O homem falava olhando para frente.
Sua voz era calma, mas ao ser ouvida passava a opressão esmagadora de um
dominador. “Aja, Chuuya-kun. Antes que tenhamos mais mortos ── Você disse que tinha
informações sobre o Verlaine, não foi, investigador?”
A última parte de sua fala foi dirigida a esta máquina.
“Sim. Descobri informações sobre seu esconderijo. Com elas dá para calcular o seu
próximo alvo. Porém não será possível prosseguir sem a cooperação do Chuuya-san. Por
esse motivo, gostaria que me dissesse quantos minutos tenho para esperar. Uns cinco?”
“Não precisa nem de cinco. Não é, Chuuya-kun?”
O homem disse num tom gentil.
“…Sim."
Chuuya-san agarrou meu braço, “Não dá pra falarmos aqui, venha,” e disse começando
a andar. Esta máquina obedeceu às ordens.
•••
Chuuya-san andava rapidamente pela rua e esta máquina o seguia acompanhando o
ritmo de seus passos. Dez minutos depois de sairmos da igreja, ele se virou.
“Deixa eu te dizer uma coisa, robozinho. Eu não vou com a tua cara, mas como as suas
funções servem pra alguma coisa, vou te deixar me acompanhar. Em troca, obedeça as
minhas ordens absolutamente. Priorize as minhas em favor das da sua sede de
investigação. Senão, não trabalharei com você.”
“Sobrescrever o direito em relação às minhas ordens?”
“Sim.”
Esta máquina pensou logicamente sobre a situação. Quem detinha o direito máximo
sobre as minhas ordens eram as autoridades investigativas e em segundo a Doutora
Wollstonecraft. Se sobrescrevesse esse direito para o Chuuya-san, negaria a razão da
minha existência em priorizar a missão. Por outro lado, se eu não lhe conceder esse
direito, não será possível continuar a investigação. 'Eu ordeno, não obedeça às minhas
ordens.' É a tão chamada proposição contraditória.
Uma inteligência artificial apresentada a uma proposição contraditória entra em
sobrecarga ao pensar infinitos meios de resolvê-la. Contudo esta máquina é o mais novo
modelo de inteligência artificial. A Doutora antecipando essa situação inseriu uma sub-
rotina para resolver esse tipo de problema. E a solução é extremamente simples.
── Obedeça ao seu coração.
“Aprovado. Sobrescreverei o protocolo da estrutura de comando.” Esta máquina ficou
de joelhos, abaixando sua cabeça e fazendo uma reverência. “Restabeleço Chuuya-sama
como detentor do direito máximo de minhas ordens. Ordene-me o que quiser.”
Chuuya-sama olhou surpreso para esta máquina e disse:
“Tem certeza?”
“Sim. Eu julguei que você não dará nenhuma ordem que causará problemas a esta
máquina.”
Espantado, Chuuya-sama deu um longo suspiro para disfarçar.
“Hah, te contar… você é só uma máquina. Não fale como se estivesse me testando. E
pare de me chamar de Chuuya-sama.”
“É o nome padrão estabelecido para o detentor máximo."
“Não pode mudar?”
“É possível, mas você deixará a posição superior. Está de acordo?"
“Claro que não.” Chuuya-sama fez cara de insatisfeito. “Ahh, droga, tá bom. Não temos
tempo para perder nessa besteira. Diz logo o que descobriu. Tem informações sobre
Verlaine, não tem?”
“Sim. Irei lhe contar. Mas antes disso, quer um chiclete?”
Esta máquina levantou e pegou o pacote. Uma refeição leve antes de uma longa
conversa alivia o estresse; é uma consideração.
Chuuya-sama olhou para o chiclete, para esta máquina, para o chiclete de novo e falou
perplexo:
“Não quero.”
Uma pena. “Então se me permite,” tirei o papel, coloquei-o na boca e depois de mastigar
várias vezes, engoli. Delicioso.
Chuuya-sama olhou para esta máquina como se estivesse olhando algo bizarro.
“Irei lhe explicar. Primeiro sobre a condição de parceria. Como Verlaine é um assassino,
ele não entrou nesse país forçadamente pelo aeroporto. Porque seria difícil de agir
depois. Ele deve ter tirado um passaporte falso e se disfarçado, assim como um
criminoso comum. Contudo, ao mesmo tempo, ele é um lobo solitário que não se junta à
ninguém. Não há ninguém em que confie para forjar um documento e fazer as
preparações de entrada. Isso significa que ele pagou um contrabandista para fazer as
preparações da entrada ilegal. Até aqui tudo bem?”
Enquanto eu falava, esta máquina ia comendo mais um chiclete. Ao ver isso, Chuuya-
sama disse “Geh” baixinho. Será que é ruim para o estômago?
“Mas os contrabandistas que ele poderia contatar são bem restritos nesse caso.
Porque a maioria dos tipos intelectuais dentre os contrabandistas são medrosos e
priorizam conexões horizontais. Então eles devem ter uma relação de patronagem com a
organização ilegal da Máfia do Porto ou ao menos uma relação de cooperação.”
“Sim, tem razão. Isso significa que o Verlaine não usaria alguém da Organização que ele
traiu.” Chuuya-sama assentiu. “Você sabe bem.”
“Porque investigadores automáticos são bem mais eficientes do que os humanos.”
Comi mais um chiclete. “Eu cruzei os nomes da lista de contrabandistas da polícia
japonesa com os nomes dos controlados pela Máfia do Porto e descobri que não havia
nenhum na base da Máfia.”
“As listas da polícia e da Máfia? Como conseguiu?”
“Invadi a base de dados.” Esta máquina é capaz de invadir o sistema de um automóvel
em movimento. Inspecionar uma base de dados é mais simples do que respirar. Imagino,
já que nunca respirei. “Quatro atendem aos requisitos. Esta máquina investigou um por
um desde a manhã e encontrou quem permitiu Verlaine a entrar no país.”
“Haha, estou aliviado de saber que você tem algum ponto forte além de jogar sinuca.”
Chuuya-sama levantou a sobrancelha. “E então? Pendurou eles amarrados de cabeça pra
baixo?”
“Não. Esta máquina até tem essa função, mas se fosse violento com o contrabandista,
Verlaine perceberia.” Esta máquina balançou a cabeça. “Invés disso, determinei desde os
artigos encomendados por Verlaine até os detalhes do pagamento. Acho que o Chuuya-
sama sabe, mas a maioria dos contrabandistas desse tipo tem dificuldades de conseguir
um fornecedor no próprio país.” Comendo agora o antepenúltimo chiclete, esta máquina
falou. “Fornecedores arranjam esconderijos, carros, armas e médicos ilegais mediante
pagamento. Verlaine solicitou três coisas.”
“Um esconderijo?”
“Infelizmente.” Esta máquina balançou a cabeça. “Mas consegui uma pista de seu
próximo passo. Primeiro isto aqui.”
Esta máquina mostrou a foto do galho de uma bétula prateada. Era da grossura de um
pulso. O comprimento também.
“O que é isso?”
“O galho de uma bétula prateada. Nos lugares em que Verlaine cometeu assassinatos,
ele deixou uma cruz entalhada feita da madeira dessa árvore do local. É uma assinatura
de seu trabalho e até agora não houve exceção. Dessa vez ele comprou quatro bétulas do
fornecedor. E…” Esta máquina mostrou mais uma foto, “uma delas foi encontrada na cena
do bar sinuca.”
No chão, uma cruz entalhada à mão de maneira grosseira estava caída. Por causa das
tábuas estarem todas destruídas não era fácil achá-la de primeira, mas ela claramente
era de um material diferente dos pedaços ao redor.
Chuuya-sama franziu.
“Então faltam três?”
“Sim. E acredito que seja o número de alvos de agora.”
─Matarei todos aqueles que aprisionam seu coração.
Foi o que Verlaine falou. Como ele sabe, não sei. Talvez haja um traidor na Máfia. Mas o
certo é que ele pretende realizar seu trabalho mais três vezes ao menos nesta terra.
“Essa é a nossa chance. Verlaine é elusivo e além disso, tem superioridade absoluta em
poder de combate. Não temos chance de vencê-lo enfrentando ele cara a cara. Mas ele
também é um assassino que preza pelos procedimentos de cerimônia. É certo que ele
aparecerá diante do próximo alvo. Se soubermos quem é antes, será possível esperamos
ele com uma armadilha.”
“De fato.” Chuuya-sama concordou com a cabeça. “E já tem ideia de quem seja?”
“Não.” Esta máquina mostrou outra foto. “O Verlaine conseguiu mais duas coisas com o
fornecedor. Foram estas.”
Era um certificado de entrada numa fábrica de montagem de automóveis e dois
celulares azuis um pouco antigos.
“Acredito que ele precise deles para seu próximo assassinato. Mas a partir daqui
preciso de sua colaboração. Verlaine está atrás daqueles com quem você tem uma
ligação profunda. Não sabe quem possa ser?”
Sem responder à pergunta, Chuuya-sama ficou olhando a foto como se o rosto de
alguém importante estivesse gravado ali.
“Uma fábrica?” Ele disse como se cuspindo. “Merda, então ele é o próximo.”
Chuuya-sama amassou raivosamente a foto numa bola e pôs-se a andar a passos
largos.
“Vamos.”
“Para onde?”
Sem responder, Chuuya-sama roubou meu último chiclete e o jogou na boca. Andando,
ele soprou o chiclete até que a goma mudou para o formato de um balão esférico fora de
sua boca.
Não consigo expressar em palavras o meu choque nessa hora. Então era aquilo!
•••
O menino estava na fábrica.
Era uma montadora de teto alto e cheirando a óleo. Podia-se ouvir o barulho das
máquinas de solda trabalhando e o som das faíscas vindo de algum lugar, mas a fábrica
era tão grande que não dava para saber de onde. As partes de metal soldadas desfilavam
nas esteiras transportadoras.
O menino fixava as partes com um rebite, passava óleo na esteira com um pano e
raspava as rebarbas de solda com uma lima. Esse era seu trabalho. Dentro de alguns
segundos, outra leva das mesmas peças descia pela esteira.
O menino fixava, limpava e raspava. Mais uma vez as peças vinham. Fixava, limpava e
raspava. Fixava, limpava e raspava. Fixava, limpava e raspava. Fixava, limpava e raspava.
E na mesma quantidade de vezes que as peças vinham, ele pensava ── Estou de saco
cheio. Quando eu terminar a próxima leva, vou jogar tudo pro alto e ir embora.
Todos os dias ele trabalhava pensando a mesma coisa até que um alarme tocava. Era o
sinal informando faltarem cinco minutos para terminar o expediente. E nos cinco minutos
até que o sinal do término de verdade tocasse o menino se sentia um pouco humano.
Sem pensar em nada, apenas movia suas mãos devotadamente.
Quando o trabalho terminava, “Ei, quer ir comer alguma coisa?”, seus colegas o
chamavam, mas ele dava qualquer resposta e se retirava. Sem encontrar o olhar de
ninguém, trocava de roupa e ia embora da fábrica.
Eu quero sair daqui o mais rápido possível. Aqui não é o meu lugar.
Mas nesse dia as coisas não foram tão fáceis assim. Uma chamada o parou quando
estava saindo do local. O menino pensou em ignorar, mas sabendo quem o chamava, ele
a atendeu.
“Gerente.” Falou. “Algum problema?”
“Ahh, você, você. Desculpa, mas venha comigo.”
De óculos e cabeça branca, o gerente era o responsável pela fábrica. Era alguém bem
importante. Não costumava falar com um simples trabalhador. Ele só o tinha visto na
foto pendurada na parede da oficina.
“Não, é que eu tô indo embora.” O menino foi curto e grosso.
“Só venha. Tem uma visita. Você o está fazendo esperar. Vamos, rápido.”
O gerente agarrou a mão do menino. Ao tentar soltá-la, percebeu que a mão estava
tremendo. Não havia sangue circulando em seu rosto. Ele estava bastante preocupado
com o tempo. O gerente estava com medo de algo. Não tinha jeito, tinha que ir junto.
Eles foram para a sala de recepção. Era o único lugar na fábrica visivelmente investido.
O cheiro de café vinha por detrás da porta de carvalho com decorações douradas. Deve
ter sido servido para a pessoa o esperando.
O menino não fazia a mínima ideia de quem era. Uma visita? Ele não tinha nenhum
amigo com quem estivesse se comunicando no momento. Há apenas um ano, vários
deles vinham saber como estava. Mas agora ninguém mais vinha. Ninguém.
Então quem será que veio?
Batendo na porta, o gerente entrou. O menino viu ali o rosto que menos esperava.
“…Chuuya."
Havia duas pessoas na recepção. Uma delas era um alto europeu. Pelo terno, talvez
fosse um detetive. E o outro era Nakahara Chuuya. Aquele que um dia foi seu
companheiro.
Chuuya olhou o menino inexpressivo e levantou.
“Shirase.” Sua voz grave e severa. “Quanto tempo.”
O menino chamado Shirase pegou um vaso que estava perto e o atirou em Chuuya.
•••
Não esperava esse desdobramento. Pensei que seria um reencontro emocionante com
um abraço de felicidade. Para aprender sobre o comportamento humano, vi, prestando
bastante atenção, diversos filmes no cinema. Contudo, esse menino chamado Shirase,
atirou um vaso.
Eu tentei parar o objeto, mas não deu tempo. O vaso acertou em cheio a testa do
Chuuya-sama, se quebrando espalhafatosamente. A velocidade foi consideravelmente
rápida. Por causa da sua manipulação de gravidade, compreendi que ele o quebrou no
momento do toque para dispersar o impacto. Por isso quase não deve ter machucado.
Mas para seu azar, havia flores no vaso. Ou seja, havia água. Enquanto a água caia
pingando de sua cabeça, “O que tá fazendo, Shirase?” Chuuya-sama falou. Não havia a
mínima surpresa em sua voz flácida e sem emoção. “Não tá sendo frio?”
“Ei, ei, que memória conveniente, Chuuya.” Shirase riu contorcendo os lábios. “Não faz
nem um ano que você me... Já esqueceu o que fez nas Ovelhas?”
Chuuya olhou o outro rapaz calmamente. Não falou nada. Shirase-san também estava
calado enquanto o perfurava com o olhar. O Gerente havia gritado "Hiiih!" quando o vaso
quebrou e fugiu.
Não sei bem qual tipo de silêncio era esse, mas desse jeito ninguém vai começar a
falar. Eu devo tomar a iniciativa.
“Hã… Shirase-san. Prazer em conhecê-lo. O tempo está bom, né?” Ouvi dizer que numa
primeira conversa deve-se falar sobre o tempo. "Para falar a verdade, temos um assunto
muito importante para tratar com você. Extremamente importante. Sente-se para
conversarmos.
“Eu não tenho assunto nenhum.” Dizendo isso, Shirase-san começou a sair da sala de
recepção.
“Espere, Shirase. Aonde pretende ir?”
“Vou embora já que o trabalho terminou!”
Esta máquina levantou indo atrás dele. Não podíamos perdê-lo de vista. Porém
Chuuya-sama ficou em pé imóvel. Mas do que isso, não mexia a expressão nem o olhar.
Aconteceu algo?
Pensando bem, pela velocidade de reflexo do Chuuya-sama, deveria ter sido fácil
desviar do vaso. Mas ele não o fez. Por qual motivo?
Como esta máquina é um computador, não há nenhum inconveniente chamado
emoções instaladas em mim. Porém, para parecer natural quando estou trabalhando
numa investigação com um humano, tenho um módulo que imita uma tomada de
decisão (penso frequentemente que seria mais fácil realizar as investigações se não
tivesse isto). Sendo assim é possível reproduzir surpresa e comoção a um certo nível.
Também é possível inferir sobre as emoções do outro. Mesmo assim, eu não entendo por
que o Chuuya-sama não desviou do vaso.
“Vamos atrás dele.” Esta máquina falou relutante. “Chuuya-sama, você está bem?”
Ele sorriu com o canto da boca enquanto a água pingava.
“E eu sabia que seria assim.”
•••
Nós íamos atrás do Shirase-san pelo corredor.
“Shirase-san, espere. Precisamos da sua cooperação.”
“Heh, parece precisar mesmo. Estou surpreso. Só que não é problema meu. Nem por
cem bilhões de ienes eu colaboro com o Chuuya.”
Shirase-san não diminuía o ritmo.
“Mas se pensar de maneira racional, verá que precisa cooperar.”
“E quem é você, afinal? O seu jeito de falar é irritante. Tá ai falando pra eu ajudar, mas
você sabe o que o Chuuya fez?”
Shirase-san se virou, olhando esta máquina de forma intimidadora. Não adianta
encarar esta máquina querendo me intimidar pois não sinto nada. Mas pela sua
expressão, consegui entender o que sentia. Era ódio.
“Ele destruiu a nossa Organização um ano atrás. Fez a gente ser atacado pela Máfia do
Porto. Tivemos nossa casa roubada e para não nos reconstruirmos, fomos espalhados
pelo Japão. Exceto o Chuuya. E o que você acha que ele fez? Entrou para a Máfia
lindamente! Ou seja, ele nos vendeu para a Máfia! Não esqueça o favor que nos deve!”
Esta máquina comparou as informações que havia no registro. Não houve
coincidências. Não é a realidade. A situação precisa de correção. Mas o Chuuya-sama
está calado. Não parece querer dizer nada.
“E eu estou aqui. Só eu fiquei detido em Yokohama, sendo monitorado. Entende porquê,
Chuuya?”
Shirase-san levantou o braço, mostrando seu relógio de pulso. Vendo o objeto, Chuuya-
sama respondeu “Não tenho ideia.”
"É um relógio suíço de luxo." Consultando os meus conhecimentos armazenados,
respondi.
“Isso mesmo. É o único objeto de luxo que ainda tenho. Quando estávamos nas
Ovelhas, dava pra comprar coisas assim todos os dias. Mas agora não sei quando vou
precisar vendê-lo. Já que esse trabalho aqui é simples e qualquer um consegue fazer, o
salário é baixo. Nunca que vou ter fundos suficientes para reerguer a Organização desse
jeito.”
“Reerguer a Organização?” A expressão de Chuuya mudou.
“Sim. Eu não vou ficar isolado aqui pra sempre. Estou arrumando armas e contatos aos
poucos. Eu sou capaz. Eu consigo colocar as Ovelhas de pé novamente e ser um rei
muito mais incrível que você!”
Chuuya-sama franziu um pouco e disse:
“Você nunca será.”
“Como é que é?”
“Ok, acalme-se, por favor.”
Já que não estávamos indo para a questão principal, esta máquina vai entrar à força. É
claramente uma situação em que se precisa priorizar o caso, mas os humanos ficam
perdendo tempo nessas brigas inúteis.
“Shirase-san, parece que você entendeu errado. Nos meus registros o Chuuya-sama fez
isso pelo bem de vocês─”
“Pare. Não conte para ele.” Chuuya-sama controlou o corpo desta máquina
repentinamente com a mão. “Escuta, Shirase. Você só precisa saber de uma coisa ──
desse jeito, você vai morrer. Hoje ou amanhã.”
“Hah?”
Shirase-san arregalou os olhos e ficou de boca aberta.
“Um assassino está vindo atrás de você. Um monstro chamado Verlaine. Eu quero
acabar com ele, por isso, coopere.”
“Hã? O que disse, um assassino?” A expressão do Shirase-san era de quem não estava
entendendo nada. “Por que eu?”
“Ele pensa que se você morrer, não terei mais motivo pra ficar na Máfia.”
“Que história é essa? Por que ele acha isso?”
“E eu lá sei como funciona a mente de um assassino louco?” Chuuya-sama declarou
rejeitando o assunto. “De qualquer forma, ele é forte. Mesmo com toda a Máfia o
enfrentando, haverá casualidades. Por isso armarei uma armadilha para que possa matá-
lo sem falta. Quando ele vier te matar, vou pegá-lo por trás. Até um Usuário poderoso é
derrotado se pego de surpresa. Que nem quando você me esfaqueou por trás há um
ano.”
Os olhos do Chuuya-sama estreitaram, hospedando severidade e algo além. Mas o
módulo de imitação desta máquina não consegue discernir uma emoção tão vaga assim.
“Peraí um pouco. Então é isso?” Shirase-san sacudiu a mão, dizendo de mau humor.
“Tem um assassino chamado Verlaine. Vocês não podem vencê-lo e por isso vão me
usar como isca para atraí-lo. Então mesmo sabendo que serei morto, querem que eu
fique sentado obedientemente bem no meio da armadilha? …É isso?”
Chuuya-sama fazendo uma cara severa, não respondeu nada. Não há jeito. Esta
máquina tem que responder.
“Sim, é isso.”
“Hah? Vão se fuder! Quem vai querer ser isca?!”
Chuuya-sama respondeu com a voz afiada:
“Tem razão. Mas você não tem o direito de escolher.”
“O quê?”
“De fato você é uma isca. Mas e daí? A gente não precisa que seja você, porque ele tem
mais dois alvos. É só fazermos a armadilha com eles. Mas não é o mesmo pra você. Se
recusar essa proposta, morrerá sem sombra de dúvidas. Por isso, nos ajude, Shirase. Ou
então morra!” Chuuya-sama gritou como se o rejeitando.
Os dois se encararam. Sem dizer nada, olhavam a expressão um do outro como se
querendo achar algo nela. Até que por fim, quem quebrou o silêncio foi o Shirase-san.
“Ahh, tá, tá, entendi.” Ele deu de costas e saiu andando. “Continua fingindo ser um rei.
Só podia.”
A essa altura, nós estávamos no estacionamento da fábrica. Os inúmeros carros
esperavam agachados fielmente por seus donos (diferente dos humanos, eles não
ignoram seus deveres pelas emoções. Fico aliviado em vê-los).
Shirase-san andou até o veículo de duas rodas. Pelo que parece, é o que usa para ir e
voltar do trabalho. Tirando o capacete do cesto, ele disse virado para nós:
“Fazer o que, eu topo. Me guiem até o local da armadilha, eu vou seguindo na moto.”
Quando esta máquina sorriu aliviada, algo se chocou contra a lateral da minha cabeça.
O Shirase-san me acertou com o capacete. Por causa do golpe, minha visão se esvaiu
por um instante.
Ele jogou o capacete na direção do Chuuya-sama também. Um pouco antes de acertar
seu rosto, Chuuya-sama o parou. Shirase-san se aproveitou disso para subir na moto e
ligar o motor.
“Hahaha! Até parece que vou acreditar num traidor!”
Dizendo isso, ele saiu acelerado.
“Ai.”
Esta máquina executou um diagnóstico em si própria. Um impacto na cabeça.
Componentes internos não danificados. Nenhum atraso de sinal. Só me assustei.
Segurando o capacete com ambas as mãos, Chuuya-sama olhou para frente sem
paciência alguma.
“Céus …Ele pretende fugir naquilo?”
Depois de um longo suspiro, ele largou o capacete. E então pulou. Controlando a
gravidade, aterrissou em cima de um carro próximo.
“Não demora, robozinho. Se demorar, vou te deixar pra trás.”
E saiu correndo. Claro que não poderia ser deixado para trás.
•••
Era mais certo dizer que Chuuya-sama estava deslizando do que correndo. Ao reduzir a
gravidade embaixo de si, ele a criava para frente, pulando em estilo livre. Cada passo era
um salto e assim ia passando tranquilamente os carros correndo.
Esta máquina mobilizou todos os atuadores elásticos e foi atrás dele. Voando sobre a
fábrica, pousei numa placa. Pulando mais ainda, voei sobre as cabeças dos pedestres.
Tentei jogar um pino transmissor na moto do Shirase-san para localizá-lo. Mas não
obtive resposta.
Não consegui nenhuma informação correspondente sobre seu veículo ao me infiltrar na
rede de controle do tráfico. Ao que parece a moto do Shirase-san é somente um veículo
que se move sem ter sinal externo e sistema de controle. Em outras palavras, é barata.
E produtos baratos são desfavoráveis para nós. Não dá para controlá-la de longe como
fiz com o carro do Verlaine. Só resta persegui-la fisicamente.
Vai dar um pouco de trabalho, mas resolvi usar um método arriscado. Enquanto corria,
acessei o ORBIS. Obtive autorização de acesso forçadamente pelas ferramentas
instaladas de antemão e agora via vários displays sobrepostos.
Roubando dados que apenas a polícia de trânsito consegue pesquisar, tive visão de
todos os veículos na região de uma só vez. E então procurei.
Encontrei.
Duas quadras a oeste e uma ao norte. Está se dirigindo para a área residencial pela rua
principal, rugindo em direção ao norte. Como está claramente em excesso de velocidade,
o sistema já o marcou e pude encontrá-lo facilmente.
“Chuuya-sama! Para o noroeste!”
Gritando, esta máquina pulou sobre um caminhão correndo e atravessou a rua.
Saltando sobre os carros, esta máquina e Chuuya-sama corremos para o oeste. As
pessoas nos olhavam assustadas.
Conectado às câmeras do tráfico, vi a moto do Shirase-san ignorando e atravessando
sinais vermelhos, correndo para a área residencial. Tão imprudente. Mas para a sua sorte
e para o nosso azar, a próxima rua era uma rua estreita sem câmeras de vigilância. Ou
seja, não dava para continuar o perseguindo visualmente.
Pisando em cercas, pulando telhados, voando sobre postes telefônicos, nós íamos
atrás do Shirase-san. O asfalto chutado por esta máquina ao acelerar quebrava, indo
para trás.
Tanto esta máquina como o Chuuya-sama estávamos a uma velocidade capaz de
ultrapassar a moto do Shirase-san facilmente. Não há leis nesse país que restrinjam a
velocidade dos pedestres. É um descuido dos administradores dos humanos. Se fosse
esta máquina não esqueceria de fazer uma lei para androides correndo velozmente.
“Ouvi o barulho de algo correndo! Vou na frente!”
Chuuya-sama anulou a gravidade sobre o seu corpo e flutuou. Saltando pelas paredes
dos prédios, ele sumiu para o outro lado da cidade. Esta máquina se apressou. Chuuya-
sama pode até ter sua Habilidade gravitacional, mas para ser sincero minhas pernas são
mais compridas. Não vou perder.
O lugar era uma rua estreita. Pelos meus cálculos, mais vinte e sete segundos e
alcançarei a moto.
Se o Chuuya-sama o bloquear pela frente e esta máquina por trás, o Shirase-san não
terá outra opção a não ser desistir. É perfeito.
Mas depois esta máquina se lembraria de uma fala da Doutora.
Quando achar que tudo está indo bem, ele aparecerá. O demônio chamado fracasso
sempre captura e come a presa atraída pelo cheiro do sucesso.
E foi exatamente isso. No momento em que esta máquina foi virar uma esquina, ouvi
um grito.
“Não venha, robozinho! Se esconda!”
Mas já era tarde demais. Quando dobrei a esquina, presenciei a situação.
Talvez desse para tê-la previsto. Havia vários indícios.
O histórico do Shirase-san. Sua declaração de que estava se preparando para reerguer
a Organização. Quando o gerente foi chamá-lo para a recepção, ele estava
estranhamente nervoso e depois saiu de lá como se estivesse fugindo.
Shirase-san estava bem no meio de um cruzamento cercado por vários veículos. Eram
carros da polícia.
“Shirase Buichirou! Vocês está preso por suspeita de posse ilegal de arma!”
Sua cabeça estava sendo pressionada contra um dos carros enquanto era restringido
por policiais de larga estrutura.
“Parem! Merda, me soltem! Eu serei o próximo rei!”
Ele está resistindo, mas de acordo com os meus cálculos, Shirase-san precisa de mais
trinta e nove dele mesmo para conseguir.
Uma voz veio de um dos carros.
“Você tá aí, né, Chuuya? Seu pequeno subordinado está com problemas.” Era uma voz
madura, calma e de certa forma inapropriada. “Venha salvá-lo.”
E então ele apareceu. Um detetive passado dos seus quarenta anos, com uma presença
discreta.
Os sapatos de couro sem brilho, um comprido sobretudo verde escuro que parecia ter
se tornado um só com sua pele de tanto vesti-lo. Parecia ter o peso leve. Seu cabelo
lembrava algodão-doce e em seu rosto, um sorriso gentil.
“Eu não sou subordinado de ninguém! Sou um rei!” Shirase-san ainda se debatia para
todos os lados.
“Sim, sim. Não se debata desse jeito, vossa majestade. Não precisa se preocupar que
não estou nem aí para um peixe pequeno como você.” Dizendo isso, o detetive
esbofeteou o rosto de Shirase-san.
Chuuya-sama estalou a língua.
“Quer dizer que você deixou o Shirase solto de propósito, detetive?”
Chuuya-sama apareceu diante da polícia.
“Ohh, tudo bem com você, Chuuya? Tem comido direito?”
O detetive levantou ambos os braços como se cumprimentasse um amigo de longa
data. Mas não acho que eles sejam amigos.
“Se não comer suas refeições, não vai crescer. Coma direito. E vá à escola. Pense no
seu futuro e economize. Nada de vagabundear à noite. Mas enquanto é novo tudo bem
em se divertir um pouquinho. E…” o detetive riu, batendo no corpo do Shirase-san,
“escolha bem os seus amigos.”
“Nakahara Chuuya. Gostaria que nos acompanhasse até a delegacia por suspeita de
conspiração com o Shirase.”
Um jovem policial falou, indo para o lado de Chuuya-sama. Sua expressão era rígida e
fria, equilibrada que nem uma máquina. Claro que ainda estava longe de ser uma.
“Entendi. Essa prisão não é coincidência, né.” Chuuya-sama olhou severamente o
policial. “O gerente era um lacaio seu. Ele manteve o olho no Shirase para me atrair.”
“Fufu, esse jovenzinho aqui, diferente de você, é gentil com os mais velhos.” O detetive
bateu novamente de leve no Shirase-san. “Porque nos ajudou a reunir provas da sua
posse de armas facilmente.”
“Mentira! Não tinha como meu plano perfeito ser descoberto! Chuuya, você me vendeu
de novo!”
Olhando de soslaio para o Shirase-san que gritava e se debatia, o detetive deu de
ombros.
“Viu só? Não falei para escolher direito os seus amigos?”
Chuuya-sama deu um suspiro e falou com a cara amarga:
“Ei, detetive, eu entendi muito bem o porquê dele tá sendo acusado. Mas será que não
dá pra esperar mais um dia? Aconteceu uma pequena briga entre organizações e eu
preciso protegê-lo por um dia inteiro.”
O detetive escutou surpreso até que falou com um ligeiro sorriso:
“Então não se preocupe. Nós o protegeremos.” Pegando as algemas, colocou-as do
lado do rosto e as balançou. “Na prisão. Se fizer tanta questão, vai querer vir também?”
Sinalizando com o queixo, Shirase-san foi empurrado para dentro do carro.
Não havia o que fazer era o que a expressão do Chuuya-sama dizia.
"…Merda…"
Ele gemeu por entre os dentes cerrados.
•••
Uma vez, a Doutora me perguntou algo.
“Como você se sente sendo uma máquina?”
Esta máquina não conseguiu responder. Porque não havia mais o que responder além
de que como uma máquina, me sentia uma máquina. Completamente plano, apropriado,
sem nenhuma condição colateral. Por isso respondi assim. E complementei:
“Doutora, como você se sente sendo humana?”
A Doutora cruzou os braços sem dizer nada e riu com cara de quem não sabia o que
responder. O que ser humano te faz sentir. Se eu fosse dizer, a gravidade desse assunto
foi a origem desse caso.
Verlaine disse que não era humano. Como se isso fosse tão sério a ponto de virar o
mundo de ponta cabeça. Para ele, ser ou não humano é uma questão de vida ou morte
que controla todo o seu presente e futuro.
É estranho. Ser ou não humano é tão importante assim? Pensando nisso, me dirigi ao
Chuuya-sama:
“Chuuya-sama.”
“…"
“Chuuya-sama.”
“…O que é?"
“É a sua vez. De achar um lado estranho dos humanos."
“…" Chuuya-sama não respondeu.
“Então esta máquina começa.” Eu bati com ambas as palmas da mão na mesa.
“Vejamos, um lado estranho dos humanos. Vocês têm uma disposição incompreensível
de sentir vergonha de produzir algum som sem ser com a voz. Tipo arrotar ou soltar pum.
Agora, você.”
Esta máquina bateu na mesa pelo Chuuya-sama. Olhando para mim, "Haa…", ele soltou
um suspiro. Foi uma resposta esquisita.
“‘Haa', não é? Obrigado pela resposta. Agora esta máquina de novo. Quando uma
mulher comum diz que uma outra mulher é fofa, essa outra não é. A razão é
desconhecida. E quando realmente é, fala que ela não tem uma personalidade muito
boa." Tap tap. “Chuuya-sama.”
“Ahh…” Chuuya-sama falou com preguiça.
“Obrigado pela resposta. Há um misterioso protocolo de que quando vão usar o
banheiro, somente os homens o usam com o assento levantado. As mulheres não. Por
que? Sentado deveria ser mais conveniente já que não espalha para tudo o que é lado.
Sendo mais específico, a uri─”
“Para! Que nojeira!”
Esta máquina pendeu a cabeça.
“Nojeira? Esta sala foi limpa há 92 minutos.”
“Não é isso…” Chuuya-sama coçou a cabeça. “Ahhh, chega! Me tira logo daqui!”
Estávamos numa sala de interrogatório da polícia.
A parede verde-musgo estava completamente imunda de sujeira e tabaco. Todas as
quatro cadeiras tinham um parafuso solto, se deformando e rangendo ao serem usadas.
Na mesa havia arranhões, marcas de alguém ter batido nela e manchas de água.
Provavelmente eram as lágrimas ou baba dos suspeitos.
Esta máquina e o Chuuya-sama fomos trazidos para esta sala depois de sermos
chamados para um interrogatório. Nos disseram para esperarmos um pouco. Era
possível fugirmos, mas sair daqui sem passar pelos processos legais seria trabalhoso.
Era melhor esperarmos pelo consultor jurídico da Máfia do Porto.
Porém, para mim que sou investigador, ser detido pela polícia é uma experiência muito
valiosa que estimula meu coração. Ainda bem que não contei a minha profissão.
Agradeço a política de investigação.
“Esse jogo tá proibido daqui em diante, entendeu?”
“É uma ordem?"
“Sim.”
Não havia jeito se ele estava exercendo seu direito de comando.
“Entendido. Nunca mais farei o jogo de achar um lado estranho dos humanos.”
Chuuya-sama olhou para esta máquina, cansado.
“Você tá fazendo uma cara de bastante desapontado…”
Como não há um espelho nessa sala, não posso conformar meu rosto.
“Haa… Deixa pra lá. E então? Vai ser possível liberar o Shirase?”
“Sim. Mas vai levar um tempo.” Esta máquina respondeu sendo sincero. “Invadi a base
de dados deles, mas já estão revistando a casa do Shirase-san e confiscaram vinte
armas de pequeno porte. Armas que tiveram o número de série raspado. Sendo assim,
vai levar um tempo considerável até que um advogado competente consiga libertá-lo. E
mesmo se tentar uma fiança, ele tem uma ficha criminal de quando era das Ovelhas. Vai
ser bem difícil arrumar os papéis, até porque como o verdadeiro objetivo da polícia não é
o Shirase-san e sim você, eles vão usar todas as 48 horas do prazo de transferência para
o promotor.”
“Não dá pra esperar 48 horas.” Chuuya-sama cerrou os punhos. “O Verlaine pode tá
vindo matar ele nesse instante.”
É exatamente como o Chuuya-sama diz. Para derrotarmos o Verlaine precisamos levar
o Shirase-san para um local apropriado para a armadilha e atrair ele até lá. Ou seja,
vamos armar um ataque surpresa contra o Verlaine que é especializado em ataques
surpresas e assassinatos. Mas para isso são necessários vários pré-requisitos. Uma
grande armadilha arquitetada ao longo do tempo. E a isca é o Shirase-san.
“Não dá pra fazer nada usando o poder dos seus superiores?” Chuuya-sama inclinou o
corpo. “A polícia daqui não é, como posso dizer, seus colegas? Pede para as autorides do
seu país mexerem os pauzinhos e nos tirar daqui.”
“Se fosse possível, seria ótimo.” Esta máquina balançou a cabeça. “Mas é impossível.
Há um pacto servindo como entrave.”
“Pacto?”
Esta máquina explicou. Originalmente, a EUROPOLE foi criada após o tratado de paz no
final da Grande Guerra como uma organização de investigação internacional. Seu
objetivo era a supressão de criminosos que operavam por detrás das cenas,
ultrapassando as fronteiras. Contudo ela foi afetada pela disputa de poder entre as
nações após a guerra e limitada.
A primeira restrição é que os direitos e soberania dos países membros europeus não
podem ser prejudicados. As nações que um dia foram inimigas precisam ter a delicadeza
de não violar os direitos uns dos outros enquanto cooperam para estabelecer um
mecanismo de investigação.
Dessa vez, é a apreensão do ex-espião francês Verlaine que carrega inúmeros assuntos
confidenciais importantes de seu país em sua cabeça. Um erro em seu tratamento e será
um escândalo internacional. Senão, o investigador que o capturasse poderia vender as
informações que obteve durante a investigação para outros países. Pensando assim, a
França hesitou em mandar investigadores estrangeiros.
Por outro lado, a EUROPOLE não pode ficar impotente diante de uma calamidade que
está matando importantes pessoas no mundo aleatoriamente. Principalmente a Grã-
Bretanha, que teve sua cara esfregada na lama ao ter seus cavaleiros assassinados
durante a coroação. Eles não podem recuar. Dessa forma, esta máquina foi enviada
sozinha como um comprometimento.
Esta máquina pode manter um segredo sem falta, sem risco de manter relação com
outro país por interesses próprios. Assim fui configurado. As informações que ganhar
serão congeladas sem poderem ser usadas por nenhuma outra nação, sendo mantidas
em custódias criptografadas.
Quando o Piano Man-san perguntou para esta máquina se não havia risco das
informações sobre a Máfia serem relatadas para as autoridades europeias, respondi que
era incapaz disso. E é por essa razão.
“Entendi.” Chuuya-sama cruzou os braços, assentindo com a cabeça. “Não importa o
quanto você testemunhe os crimes meus e da Máfia, é impossível que os passe para
fora?”
“Sim. E pelo mesmo motivo é impossível as autoridades europeias intervirem com a
japonesa. Para começar, oficialmente, esta máquina nem está investigando nada no
Japão. Se os governos dos outros países descobrirem sobre a investigação do Rei
Assassino, terá um país que pensará em usar essas informações para barganhar com a
França. Porque é praticamente certo que o Verlaine está violando as leis da guerra sob o
pretexto de ser uma operação secreta da Grande Guerra.”
“Por isso que a polícia japonesa não será sua aliada?” Chuuya-sama deu um longo
suspiro. “Que problema. Por causa disso meu único aliado é essa sucata aqui. Bom, não
que vá ficar melhor para a Máfia mesmo que mais investigadores europeus venham
correndo.”
“Para nós é bom nos aliarmos com uma organização ilegal não confiada pelo governo.”
Esta máquina sorriu. “Mas, Chuuya-sama, eu ouvi dizer que a Máfia do Porto tem um
Usuário perfeito para a crucial armadilha contra o Verlaine. É verdade?”
Sua expressão mudou de repente. Parecia que ele havia engolido cem insetos.
“É verdade." Sua voz continha a aflição de quem preferia ser morto a ter que falar
aquilo. “Mas ele não tá atendendo. Aquele maldito, tomara que esteja morto em algum
lugar.”
“Hah.” Penso que será um problema se nosso colaborador estiver. “Nós podemos
confiar nesse indivíduo?”
“Confiar? Claro que não.” Chuuya-sama disse de mau humor. “Ele tem uma
personalidade distorcida, o ser mais desprezível de todos. Ele é o tipo de gente que tenta
vender água para alguém que está se afogando. E ainda é tão inteligente que consegue
fazer com que comprem. Mas sem a Habilidade dele, não poderemos matar Verlaine.”
“Como pode dizer isso tudo?”
“Porque fui eu e o Dazai quem matamos o seu comparsa ─ o espião Usuário de
Habilidade, Rimbaud.”
Chuuya-sama cerrou os punhos com força.
“Aquele imprestável do Dazai, o que ele tá fazendo justo agora…”
•••
Um ferro-velho. Um lugar esquecido por todos.
Sob o céu nublado podendo chover a qualquer momento, os contêineres de carga
desordenados estavam amontoados uns sobre os outros como cadáveres. As
substâncias tóxicas provindas de despejos ilegais haviam infiltrado a terra descoberta
fazendo com que nem os ratos do campo se aproximassem.
Um lugar fora do mapa. O local mais triste de Yokohama ── Próximo ao seu centro,
Dazai morava.
Mas não era numa casa onde ele estava morando. Era num dos contêineres
descartados. Dentro de um de tamanho grande, que havia sido construído para
transportar automóveis para o exterior, havia uma geladeira, ventilador, mesa, cadeira,
cama e uma pequena lâmpada nua.
Nenhuma pessoa que conhecia Dazai tentava se aproximar dali. Nem mesmo seus
subordinados na Máfia do Porto. E não era apenas por ali ser um lugar sinistro. Ninguém
sabia como ele reagiria no momento que alguém chegasse perto de sua moradia privada.
Talvez ele cortasse os membros fora e matasse algum subordinado quando este viesse,
ou talvez ele oferecesse chá e bolo.
Ninguém entendia o coração de Dazai. O fantasma preto da Máfia do Porto. Assim ele
era chamado.
Fazia um ano desde sua entrada na Máfia. Comandando a tropa secreta sob controle
direto do Chefe, produziu resultados surpreendentes. Destruiu inúmeras organizações e
abriu várias novas rotas de transações. Eram feitos de velocidade incomparável aos
Executivos antigos e muito menos à geração nova. Até os resultados do mais bem-
sucedido membro da Bandeira, Piano Man, parecia brincadeira de criança se comparados
com os de Dazai. Mesmo assim, ninguém confiava nele.
A escuridão que habitava o fundo de seus olhos era mais profunda que a negra noite
espreitando o ferro-velho. Quanto mais ele continuava a agir na Máfia, mais escuro e
incompreensível ele se tornava. O motivo não era claro para ninguém também. Como se
encurralando a si mesmo em algum lugar escuro, ele apenas massacrava seus inimigos,
abrindo as veias da Máfia do Porto. Um serviço impecável. Mas havia uma pessoa que
não se alegrava com essa honra. Dazai.
Ele estava sentado numa cadeira redonda dentro do contêiner, encarando a escuridão.
Em cima da mesa ao seu lado, o celular tocou. Era Chuuya, mas ele não atendia. Não
movia nem o olhar. Apenas olhava atentamente, enquanto sentado com as mãos unidas,
para a porta à sua frente.
Seu olhar era bastante calmo. Seus negros olhos sugavam todo o som e luz ao redor,
sem deixar nada escapar. Inclusive suas emoções. O telefone desistiu e o silêncio caiu
novamente, se tornando ainda mais profundo e pesado antes dele tocar.
Nessa hora, os olhos de Dazai que olhavam as profundezas da escuridão se moveram.
A porta começou a se abrir. Ao que a porta de metal foi abrindo lentamente, o contorno
de alguém envolto na escuridão apareceu do outro lado.
“Você está morando num lugar bastante charmoso, Dazai-kun.” A figura falou. Sua voz
era leve. “Seriamente, está com medo do que para morar num lugar deste? Dos
impostos?”
Sem mudar nem um pouco se quer sua expressão, Dazai falou com a voz rouca:
“Estou com medo de você, Verlaine-san.”
A figura entrou no quarto. Alto. Terno da cor do mar noturno. Olhar suave como se
achando engraçado o que estava acontecendo. De chapéu preto, o Rei Assassino, Paul
Verlaine.
“Mentira.” Ele começou a andar para dentro do caixote. “Você não tem medo de nada. É
só olhar para seus olhos para saber. Até mesmo quando eu tentei te matar dois dias
atrás, você não sentiu praticamente nada.”
“Eu tenho uma opinião incomum sobre a morte.” Dazai riu com apenas os cantos dos
olhos. Mas eles continuavam serenos.
“Isso acaba com os negócios de um assassino.” Verlaine deu de ombros.
Estalando suas botas de couro sobre o piso, ele pegou os documentos em cima da
mesa. “São os documentos internos da Máfia do Porto?”
Eram dezenas de folhas. Se fossem roubados por outra organização, era o equivalente
a uma quantidade de dinheiro que permitiria curtir três vidas inteiras sem trabalhar.
Documentos valiosos sobre assuntos extremamente confidenciais.
Verlaine sacudiu o maço de papel ao lado do rosto.
“Dois dias atrás, você me disse que me entregaria isto. Por isso, não te matei. Eles são
necessários para o meu trabalho. Mas qual a razão? O que você quer em troca? Não
venha me dizer que é '‘não me mate, por favor.'”
"É simples." Dazai deu um pequeno sorriso. Depois, com a voz grave como o rugido de
um pesadelo, falou. “Eu quero ver a Máfia do Porto queimando.”
Verlaine ficou sério e olhou atentamente para o outro rapaz, como se percebendo pela
primeira vez que havia alguém ali.
“A Máfia do Porto não te acolheu e criou?” Depois de um tempo, Verlaine perguntou
com cautela.
“Sim.”
“Então por quê?”
Dazai ouviu a pergunta, mas ficou em silêncio. Seu olhar vagava procurando algo que
não estava ali. Até que o jovem sorriu um sorriso extremamente triste capaz de fazer
querer gritar quem o visse.
“Cansei.”
Verlaine estreitou os olhos. Procurando a real intenção do outro, seu olhar fixado em
Dazai.
Dazai olhou de relance para Verlaine se divertindo e começou a falar como se fosse
para si mesmo:
“No final, não consegui encontrar nada.”
“Ah é?” Verlaine fechou os olhos. “Bem, eu te entendo. Sair em uma viagem esperando
por algo que irá te mudar para no final voltar desapontado com o tanto de lugar cheio de
lixo que encontrou. Eu também já experimentei isso. Respirar, comer e excretar não é
viver. Por isso nós saímos em uma jornada.”
Enquanto falava, Verlaine pegou uma moeda que estava caída no chão. Era uma moeda
prateada que se encontrava em qualquer lugar.
“Obrigado pela ajuda, Dazai-kun.”
Ele brincou com a moeda entre os dedos até que se ouviu um estrondo. A moeda voou
passando ao lado do Dazai e penetrou a parede atrás dele. Deixando o barulho de um
trovão e o ar distorcido para trás, o objeto destruiu uma das sucatas do lado de fora do
contêiner. Foi voando em linha reta sem cair em lugar nenhum até que desapareceu no
horizonte ao oeste. O que sobrou foi apenas o vapor do metal derretido e a reverberação
da destruição.
“Em respeito ao seu desespero, te deixarei para matar por último.” Verlaine sorriu ainda
na mesma posição após arremessar a moeda.
Dazai não se mexeu. Sem ligar para o objeto que passou em ultravelocidade bem ao
seu lado, sua expressão não mudou nem um pouco.
“Mal posso esperar.”
E então sorriu. Um sorriso em que parecia dar para ouvir o som da alma sendo partida.
Verlaine se virou e foi andando em direção a porta. Ao colocar a mão nela, Dazai
perguntou para as suas costas:
“Para onde você vai agora?”
Verlaine se virou dando o sorriso de um mágico após mostrar um enigmático truque.
“Sabe muito bem. Para a delegacia.”
•••
A porta da sala de interrogatório se abriu após 1448 segundos desta máquina e o
Chuuya-sama terem entrado.
“Vou interromper.”
Era o detetive de cabelo de algodão-doce presente quando o Shirase-san foi preso. Ele
estava segurando um recipiente de porcelana com um líquido dentro. Sentou do outro
lado da mesa e usando hashis tirou algo sólido de dentro do líquido ── começou a
comer o corpo alongado composto principalmente de amido de gliadina e glutenina.
Quando ele notou esta máquina o observando, levantou o rosto.
“O que foi estrangeiro? Nunca viu udon?”
O detetive continuou a comer enquanto ria. O vapor cobria seu rosto.
“E o nosso?” Chuuya-sama perguntou bruscamente.
“Ah, vocês queriam? Pensei que uma comida de pobre assim não seria do agrado de um
cara que ganha traficando joias.”
Chuuya-sama o encarou de braços cruzados.
“Traficante de joias? Ei, ei, não me venha com piadas. Eu sou um funcionário comum de
uma pequena joalheria certificada. Quer ver a minha credencial?”
“Não precisa me mostrar a sua credencial forjada.” O detetive riu com a cabeça
inclinada. “Por sinal, quem é esse estrangeiro?” Ele apontou para esta máquina com os
hashis.
Sem responder, Chuuya-sama apenas deu de ombros. O detetive olhou para esta
máquina e falou:
“Ei, Chuuya, pro seu próprio bem é melhor que pessoas de fora não ouçam a nossa
conversa.”
“Prazer. Esta máquina é um computador que veio da Europa…”
“Não diga tolices, detetive.” Chuuya-sama interrompeu. “Este cara é um funcionário
novo. Ele começou ontem. É um cara estranho que depois que bateu a cabeça numa
briga, passou a achar que é uma máquina. Trouxe ele junto porque achei engraçado.
Algum problema?”
“Não, esta máquina realmente é um computador de alta performance.”
“Um subordinado? Entendo. Então ainda é cedo para ele vir para um lugar de alta classe
desses. Irei te guiar até a saída.” O detetive levantou e bateu a porta. “Leve ele.”
Um robusto policial entrou sem fazer barulho e pegou esta máquina pelo braço. Abri a
boca para protestar, mas vi o sinal do Chuuya-sama com o canto do olho. Estava
dobrando o dedo indicador embaixo da mesa na direção de lá fora.
Ele olhou para mim e apontou levemente com o queixo para esta máquina ir. Era
claramente uma comunicação não-verbal. O Chuuya-sama queria que esta máquina
fizesse algo sem que os humanos nessa sala ouvissem. Por isso ele inventou aquela
história para fazer com que esta máquina saísse.
Entendo. Se é assim, só há uma coisa para esta máquina fazer.
“Então, com licença.”
Esta máquina fez a saudação e saiu da sala com o policial. A porta se fechou atrás de
mim e comecei a acompanhá-lo.
“Desculpe, senhor policial.” Depois de dez minutos, esta máquina falou. “O que você
acha que é o sinal de dobrar o dedo duas vezes apontando para a saída?”
“…Hã?"
O policial inclinou a cabeça.
“Disse apontar para a saída enquanto dobra o dedo…”
Enquanto falava, pensei. Se o Chuuya-sama apontou disfarçadamente para a saída era
porque ele queria que esta máquina fizesse algo aqui fora. Ao mesmo tempo, ele não
pode sair da sala de interrogatório.
O que nós devemos fazer agora é mover fisicamente o Shirase-san. Se não o levarmos
rapidamente da cela para um lugar seguro, ele será morto antes de armamos a
armadilha. Porém, a polícia também sabe que nós estamos tentando soltar ele. Por isso
colocaram o Chuuya-sama naquela sala ── Entendo.
“Entendi.”
Ao dizer isso de repente, o policial me olhou confuso.
“O que você entendeu?”
“Aquele gesto era para mim. Enquanto a polícia está com o olhar voltado para ele, é
para esta máquina entrar sem ser percebido na cela e tirar o Shirase-san de lá.”
“Ah sim, na cela.” O policial assentiu sem pensar. “…Hm? Na cela?"
Opa. Ele vai perceber. Não pode.
“Senhor policial. O que é aquilo?”
Esta máquina apontou para atrás dele. O policial se virou por reflexo. Ele é uma pessoa
honesta.
Fiquei esperando com o meu dedo indicador posicionado bem próximo a sua bochecha.
“Não tem na—”
Ao tentar dizer virando o pescoço que não havia nada, sua bochecha acertou o dedo
desta máquina. Em cheio.
Na ponta do meu dedo havia uma minúscula agulha hipodérmica e uma substância
para acalmar fluiu da parte aplicada. Devido ao reflexo nervoso da redução da pressão
arterial, o policial perdeu a consciência. Segurei ele antes que chegasse ao chão.
Examinei ao redor. Ninguém parece ter visto nem ouvido nada.
“A delegacia está silenciosa.”
Esta máquina sorriu enquanto segurava o corpo do policial.
•••
Chuuya estava sentado, aborrecido. Com os cotovelos em cima da mesa e olhos quase
fechados, olhava sem pensar em nada para a mancha na parede. Era o que restava fazer
para fugir da conversa chata do detetive à sua frente.
“E assim eu pensei.” Ele disse se inclinando para frente. “O udon carrega tudo desta
vida. Não é decente ter dinheiro demais enquanto se é jovem. Trabalhar duro com o suor
escorrendo pela testa para o salário aumentar um pouquinho em relação ao mês anterior
é quando o mundo se transforma num tempurá de chikuwa aparecendo dentro do caldo
do udon, sim, o que eu quero dizer é que o trabalho duro compensa e além do mais…”
Quanto tempo mais eu ainda vou ter que ficar ouvindo essa ladainha? Chuuya olhava
para o ponteiro do relógio resignado.
A história era longa, o sermão duvidoso e não tinha nenhuma lição de moral. Da metade
da história de vida pessoal, passou a ser apenas resmungos, da metade dos resmungos,
passou a ser apenas reminiscências, e da metade das reminiscências, passou a ser um
sermão.
Ele ficava dando voltas e voltas no argumento, repetindo as mesmas histórias
eternamente e estranhamente ele era bem minucioso na descrição dos detalhes. Não
importava quantas vezes ele falasse a mesma coisa, seus olhos sempre estavam
brilhando entusiasmados como se estivesse revelando a verdade sobre o mundo.
“E assim, eu pensei nisso quando eu fui designado para essa delegacia. O meu superior
que sempre usa creme demais no cabelo e que fica todo pegajoso…”
Chuuya não estava ouvindo, ele apenas olhava fixamente para um ponto no ar. Para
começar, isso era um interrogatório voluntário. Como ele não foi preso sob um mandato,
a polícia não tinha o direito legal de mantê-lo preso ali. Não seria problema ele ignorar o
homem e só se levantar. Mas não o podia fazer. Precisava comprar tempo até que Adam
resgatasse o Shirase. Enquanto isso, ele precisava atrair a atenção do detetive. E por
isso, Chuuya estava aguentando.
“Eu sou um cascalho ao léu, comparado.” Ele disse a si mesmo desesperadamente.
“E daí? Quando eu era novo também era um desastre.” O detetive assentiu com um
olhar triunfante. “Sem um trabalho decente, eu sempre estava de estômago vazio. Graças
a mediação do meu aniki que não conseguiu me ignorar, eu consegui um trabalho de
segurança, mas claro que não era nada mole. Você consegue imaginar, né? Os meus
colegas logo desistiram, isso quando não fugiam, mas eu me agarrei a minha força de
vontade. Sim, o que você precisa é dessa força de vontade…”
“Hein,” sem aguentar mais, Chuuya falou. “até quando você vai continuar essa conversa
fiada?”
Após levantar as sobrancelhas, o detetive riu como se estivesse impaciente.
“Se você assinar, eu te deixo ir embora na hora. Seu amigo Shirase-kun também.”
Nisso, ele tirou um documento do bolso e colocou em cima da mesa.
Chuuya ficou calado. Era uma carta de consentimento para coleta de provas e
acusação suplementar. Ou seja, uma delação premiada para em troca de Chuuya contar
o que sabia, ele e Shirase serem exonerados.
O que ele sabia ── isto é, informações internas da Máfia.
“Você quer que eu venda a Máfia?” Chuuya disse tranquilo.
“Você não quer deixar seu amigo aqui, não é?” O detetive estava sorrindo, mas seu olhar
era aguçado. “Acho que você sabe de coisas bastante complicadas… Mas não se
preocupe. Eu só tenho interesse em uma. Destruir a rota de contrabando da Máfia do
Porto.”
Chuuya olhou inexpressivo para o detetive e depois para o documento. Após pensar um
pouco, olhou para o homem novamente.
“Me dê uma caneta.”
“Muito bem.”
Chuuya pegou a caneta tinteiro que lhe foi entregue e escreveu na linha de assinatura.
O detetive olhou para a linha. Ali estava escrito:
“Vá à merda.”
Chuuya soltou a caneta em cima da mesa e se inclinou para trás com ambas as mãos
atrás da cabeça. Colocando os pés em cima da mesa, disse:
“Foi mal te interromper.” Sua voz completamente calma. “Pode continuar a ladainha.”
O detetive não falou nada. Apenas encarou Chuuya com um olhar igual ao de uma
pedra sob o intemperismo do deserto.
•••
Esta máquina estava indo para as celas.
Muito bem, como devo resgatar o Shirase-san? Como será ilegal, não posso contar com
as autoridades europeias. Mas não tem problema. Esta máquina tem conhecimentos
variados em relação a diferentes protocolos de investigações nacionais.
O corredor para as celas estava silencioso. Diferente do departamento bagunçado dos
detetives, aqui não tem quase ninguém ou nada.
Só havia apenas a parede creme limpa de maneira escrupulosa, as lâmpadas
fluorescentes dispostas sistematicamente pelo teto e o corredor iluminado
ordenadamente.
Às vezes, havia um quadro de avisos azul escuro na parede com informações coladas
do número de acidentes de trânsito e os check-ups médicos periódicos. Uma monotonia
própria de um corredor que se encontra em qualquer parte do mundo.
Após esse corredor está a cela em questão. O Shirase-san deve estar lá.
“Com licença.” Esta máquina bateu de leve na janela da sala do segurança principal. O
guarda em serviço estava sentado na escrivaninha. Ele tinha um corpo tão forte que fazia
pensar dele ter passado todos os testes de admissão da polícia apenas com seus
músculos.
A sala não parecia muito grande pelo que dava para ver pela janela. Dentro havia a
mesa, oito painéis de monitoramento e um computador. Na parede, as chaves das celas
penduradas.
Aqui, como todas as outras salas, tudo parecia esgotado de ter servido o seu propósito
à exaustão por causa do deficit orçamentário. A parede, o chão, os painéis e o guarda.
Esta máquina disse sorrindo:
"Vim transferir o criminoso da cela dezoito de crimes graves, Shirase Buichirou, como
ordenado.
Com os cotovelos na mesa, o guarda dirigiu apenas o olhar para esta máquina.
“Quem é você?”
“Esta máquina ── Não, eu sou o detetive Adam Frankenstein da EUROPOLE.” Esta
máquina tirou o distintivo de identificação (é verdadeiro) do bolso. “Eu vim sob ordens do
detetive Murase.”
O guarda olhou para ele zero impressionado, parecendo não ter pensado nada sobre
aquilo e disse com uma voz muito mais mecânica do que a minha:
“Qual o número de transferência?”
“Como?”
“O número de transferência.”
Seu tom era assertivo e rejeitador. Esta máquina girou a cabeça.
“Ahh, o número de transferência. Sim. O número de transferência. Claro, está falando do
número de transferência.”
“Não precisa repetir três vezes. E então?”
“O número de transferência é 21988126.” Esta máquina falou sorrindo.
O guarda checou o número em seu computador. Olhando de longe, esta máquina
infiltrou a rede da delegacia e obteve controle do servidor de e-mail usando o acesso
secreto que preparei enquanto estava na sala de interrogatório. Copiei um e-mail de
ordem de transporte antigo e reescrevi apenas o número de transferência. Assim que o
computador do guarda revelou o resultado da busca, o número alterado foi mostrado.
"21988126… Confirmado."
Sem suspeitar de nada, o guarda desativou o travamento da cela pelo painel de
controle.
“Obrigado. Tenha um bom dia.”
Sem ligar para os meus agradecimentos, ele apenas acenou com a mão como resposta.
Por isso que não dá para contar com os humanos. São imperfeitos. Uma máquina nunca
cairia num truque desses. Não consigo entender por que nos filmes em que as máquinas
tentam destruir a humanidade elas sempre são derrotadas.
Porém, graças à essa imperfeição pude prosseguir com o trabalho de hoje. Esta
máquina passou pela porta de ferro e foi em direção às celas.
O corredor para o bloco das celas lembrava um circuito elétrico. As portas e iluminação
continuavam regularmente como um padrão eletrônico e não havia nada além disso. O
design interior era composto apenas por duas cores, um verde bem claro e branco, além
de linhas em algumas partes das paredes para indicar a altura. Provavelmente aqui é o
lugar mais triste dessa delegacia.
Logo encontrei a cela que estava procurando.
“Número dezoito, transferência. Saia.”
O carcereiro que havia sido instruído assim disse em frente a porta da cela, a abrindo, e
depois foi embora. Shirase-san estava sentado num colchão. Quando ele me viu, ficou
surpreso.
“Você… estava com o Chuuya… Como chegou aqui?”
“Shirase-san, vamos embora.”
Shirase-san fez uma expressão de aborrecimento e desviou o olhar.
“Hnf, não.” Ele disse olhando para o chão. “Foi o grande senhor Chuuya que te mandou,
né? Mas sinto dizer que estou aqui por vontade própria.”
“Isso é mentira.” Esta máquina falou. “Detectei rugas no nariz e elevação do lábio
superior. Além disso, a ação de abaixar o olhar e a cabeça demonstram isolamento,
complexo de inferioridade e remorso. Em outras palavras, você está com medo.”
“E-Eu não estou com medo!” Ele gritou.
Vi de soslaio o carcereiro aguardando na entrada olhar para cá. Hmm, precisamos ir
embora antes que ele desconfie.
“Não temos tempo.” Disse perseverando. “Escutarei o quanto quiser qualquer queixa
que você tenha para mim ou para o Chuuya-sama depois que sairmos daqui e irmos para
um lugar seguro. O que você deve fazer agora é levantar e vir com esta máquina. Acho
que não é uma tarefa tão difícil para um humano.”
“Se eu disse que não, então é não.” Shirase-san falou cruzando os braços. Cruzar os
braços era uma típica ação de recusa. “Eu não vou com a tua cara. Nem com a cara
dessa situação. E as armas que eu juntei foram confiscadas! Por culpa de vocês, não foi?
Como vão me recompensar?!”
Não foi nossa culpa que as armas dele foram confiscadas. Mas não é hora para isso.
“Pra começar, por que eu tenho que ser envolvido na confusão de vocês? Eu não fiz
nada pra ser assassinado! Primeiro, peça desculpas, desculpas! Depois faça alguma
coisa sobre as minhas armas! Eu sou o rei do futuro, não moverei um dedo sem ser
respeitado!”
Esta máquina escutou serenamente o que ele dizia. Não havia lógica nenhuma em suas
reivindicações. Era possível destruir sua teoria detalhe por detalhe. Não sei quanto às
inteligências artificiais antigas, mas esta máquina é o mais novo modelo de computador
autônomo. Não ficarei refutando insistentemente algo desse nível. Sim, esta máquina
está completamente calma.
“Chega, Shirase-san.” Esta máquina assentiu sorrindo. “Você é livre em suas ações.
Para se fingir de forte, demandar desculpas, e acreditar que é um rei. Mas esta máquina
tem a mesma liberdade. Sendo assim, tenho a liberdade de te abandonar aqui e planejar
minha próxima estratégia enquanto vejo no jornal a notícia do seu assassinato nesta
cela. Tenho certeza que o próximo alvo será muito mais compreensivo do que você.”
Esta máquina verificou o seu feed interno. Estou imitando ativamente o módulo de
sentimentos irracionais. Isso está influenciando as minhas falas.
“Serei franco. Você tanto faz para esta máquina.” Esta máquina declarou. “Pelo
contrário, você é um humano perigoso até. Segundo meu módulo de avaliação de risco, a
probabilidade de sucesso da minha missão é maior se eu não te proteger e ir procurar o
próximo alvo. Então sabe por que não o faço?”
Rodei um autodiagnóstico no módulo de imitação de sentimentos. Em termos simples,
essa emoção seria '‘perder a paciência’'.
Diferente dos humanos imperfeitos, esta máquina é capaz de ignorar os comandos do
simulador e agir como bem quiser. Contudo não pretendo ignorar dessa vez.
“A razão para não te abandonar é uma. Você tanto faz para esta máquina, mas não é o
mesmo para o Chuuya-sama.”
“Pa-Para… o Chuuya?”
Por ter mudado a minha atitude de repente, o rosto do Shirase-san passou a
demonstrar medo.
“Por que o Chuuya quer me proteger?”
Recebi ordens para ficar calado, mas quero muito falar. Esta máquina decidiu obedecer
mais uma vez a tendência dessa emoção. Obedeça ao seu coração, como a Doutora diz.
"É simples. O Chuuya-sama entrou para a Máfia para proteger vocês ── as Ovelhas."
Shirase-san ficou confuso. Não conseguiu processar a informação provavelmente. Esta
máquina explicou.
Um ano atrás, as Ovelhas traíram o seu líder Chuuya e se juntaram com a organização
de mercenários SSG (Serviço de Segurança Gerhard). Porém, essa aliança só serviu para
instigar a organização inimiga Máfia do Porto. E antes que eles pudessem se fortalecer, a
Máfia despachou uma tropa de aniquilação. Quem comandava a tropa era o jovem
chamado Dazai.
Originalmente era para todas as Ovelhas serem mortas, porém o Chuuya-sama
suplicou ao Dazai para poupar a vida dos membros. A condição dada por Dazai foi que o
Chuuya-sama entrasse na Máfia. E ele aceitou.
Como resultado, as Ovelhas foram apenas dispersadas e ninguém morreu. Para que
eles não se reunissem novamente, cada um recebeu um novo endereço por todo o país. A
vida do Shirase-san também foi salva graças ao acordo do Chuuya-sama.
Esse acordo ainda está de pé. Chuuya-sama não pode fugir da Máfia. Porque se ele sair,
todos os meninos e meninas das Ovelhas serão mortos. Principalmente o Shirase-san
que foi mantido em Yokohama para ele se lembrar do que acontecerá em caso de traição.
“Ou seja, você é um refém.” Esta máquina disse calmamente. “Por outro lado, caso você
morra por algum motivo, as razões pelas quais o Chuuya-sama continua na Máfia
reduzirão em uma… Por isso o Verlaine está atrás de você. Essa é a nossa teoria.”
Shirase-san me escutava atentamente sem respirar. Provavelmente era a primeira vez
que ouvia isso.
“Eu não sabia… Ele, o Chuuya não entrou para a Máfia pelo mérito de ter nos vendido…?”
“Pelo contrário. Ele foi forçado a entrar.” Vaguei meu olhar pelo céu. “O Chuuya-sama
fez esse acordo logo depois de ter sido apunhalado pelas costas. Quem o apunhalou foi
── Claro que você se lembra, não?”
Sua expressão estava petrificada como se tivesse parado no tempo.
“Para esta máquina é impossível compreender o que é ser levado pelas emoções.” Esta
máquina disse honestamente. “O que esta máquina pode dizer é apenas uma opinião
geral. Mesmo traído, não pôde abandonar aquele quem um dia foi seu amigo. Esse é o
Chuuya-sama. Por isso ele ganhou o título de rei das Ovelhas, acredito. Você não é
alguém que possa ser um.”
Shirase-san gemeu com os dentes cerrados.
“Como é?! Eu… Merda, falando o que bem entende! Claro que pensa que eu sou apenas
um cara patético… Droga, o que alguém como você sabe sobre mim…”
A voz que não estava direcionada a esta máquina foi perdendo a força até se dispersar
no chão. Sem terem para onde ir, as emoções do Shirase-san apenas vagaram num
redemoinho.
Já esta máquina se sentia bastante aliviada. Refrescado. Despejar tudo que é
reclamação em alguém que não pode rebater é um ato extremamente maravilhoso.
Já que estava aliviado, encerrei o feedback do simulador de emoções. Agora que estava
de cabeça em ordem, falei com o Shirase-san novamente.
“Com isso, gostaria que entendesse o porquê sua vida corre perigo. Não é brincadeira
nem exagero, você só existe para ser morto. E ele é o maior assassino de todos. Se ficar
confinado nesse lugar vulnerável, ele te matará sem perder tempo.”
Enquanto falava, escaneei os batimentos e a respiração do Shirase-san. O valor de
suas emoções está mudando. É uma boa propensão.
“Bom, eu estou indo. Pode agir como quiser. Mas deixe-me dizer mais uma opinião
geral. Esta máquina não sabe quais são as condições para um humano se tornar rei, mas
sei as para não se tornar um ── Ser morto aqui por não ter dependido de ninguém.”
Depois de dizer isso, comecei a andar uniformemente sem me virar para trás. Porém
conseguia saber o que estava acontecendo atrás de mim pelo sonar de varredura.
Após alguns segundos, escutei os passos titubeantes vindo de fora da cela. Esta
máquina sorriu. Missão cumprida.
•••
Apenas o barulho do papel sendo dobrado ecoava pela sala de interrogatório. Dobrou o
documento ao meio e passou o dedo na dobra para achatar. Depois passou a unha mais
uma vez para afinar bem e abriu de novo. Agora com a linha de dobra ser formada, girou
o documento e dobrou mais uma vez.
Quem estava dobrando era o detetive de cabelo de algodão-doce e o que estava sendo
dobrado era o acordo de delação premiada. Chuuya olhava a cena, calado.
O detetive dobrava sem jeito até que finalmente completou seu avião de papel. Ele o
jogou na direção da lata de lixo de metal que havia no canto da sala. O avião voou até
ficar quase na vertical e então caiu bem mais à frente no chão.
“Você é péssimo nisso.” Chuuya zombou dele.
“Sendo que sempre entra.” O detetive disse coçando a cabeça. “Chuuya, vou sair um
pouco. Venha comigo.” E foi andando sem olhar para trás.
Chuuya ficou alguns segundos vendo as costas do homem indo embora, sem dizer
nada, até que levantou decidido e foi atrás.
A sala de interrogatório era adjacente ao escritório dos detetives que estava animado
como uma feira matinal. Várias pessoas passavam cumprimentando o detetive que
andava na frente de Chuuya.
“Oi, Mura-san. Conseguimos prender o homem que estuprou aquela mulher, graças ao
seu conselho.”
“Fico feliz. Eu não disse? Se um homem que se preocupa com a reputação como aquele
for atacado no trabalho, ele cai.”
Outro jovem detetive de terno novo passou dizendo:
“Senhor Murase. Foi excelente como resolveu o caso do estuprador.”
“Foi sorte. Mas com isso, a vítima poderá descansar em paz.”
Um pouco mais à frente, um detetive de cabelos escassos devido à idade falou:
“Mura-chan, vamos sair para beber! Dessa vez eu pago!”
“Ei, ei, só não vai beber demais de novo. Se você chegar tarde mais uma vez, vai ser
mandado para fazer trabalho interno.”
E assim as diversas pessoas dentro dessa delegacia cumprimentavam o detetive
Murase de forma íntima. Por causa disso, Chuuya que andava atrás dele, toda hora quase
topava com suas costas.
Querendo interromper os cumprimentos, o menino se pôs ao lado do detetive e disse
tirando sarro:
"É popular, hein."
O detetive deu de ombros.
“Diferente de você, o meu salário é baixo. Preciso ao menos compensar com a
popularidade. Não acha?”
“Talvez.” Chuuya sorriu levemente apenas com os olhos.
Enquanto andava ao lado do homem, uma certa frase que devia dizer ficava rolando em
sua boca. Até que uma hora se virou para o detetive e disse num tom sério:
“Hein, detetive. Eu não quero atrapalhar o seu trabalho, por isso vou dizer. Não se meta
mais comigo.” Não havia rejeição em sua voz, na verdade estava mais para uma
conversa confidencial entre amigos. “A Máfia do Porto e as Ovelhas são duas coisas
completamente diferentes. Mesmo que você me indicie, o advogado irá me inocentar em
um segundo. As provas desaparecerão do arquivo sem que percebam. As testemunhas
de repente ficarão mudas. Assim é a organização. Para ser sincero, o que você está
fazendo é uma completa perda de tempo.”
“Pode ser.” O homem, sem dar a mínima importância, logo respondeu. “Mas eu tenho as
minhas circunstâncias.”
“Que circunstâncias?”
Dando um suspiro, o detetive segurou a gola da própria camisa com a mente resoluta. E
então puxou uma fina corrente prateada de dentro.
Na ponta dessa corrente havia um cartucho vazio de bronze. O fio passava pelo centro
perfurado com algum instrumento.
"É algo que eu usei no meu antigo trabalho." O detetive olhava para o colar com
nostalgia. "Quando eu era mais novo e precisava de dinheiro, trabalhei como segurança
sob indicação do meu aniki para uma instituição militar relativamente pequena. Eu me
voluntariei para trabalhar ali porque pensei que era só ficar parado em pé e pronto, mas
não podia estar mais enganado.
“As ordens do chefe eram para não deixar ninguém se aproximar daquela instituição
militar que ficava perto de um assentamento. Mas no final da Grande Guerra, tudo que
era lugar estava com os recursos escassos. As crianças apareciam do nada e se
infiltraram para roubar comida.”
Ao dizer isso, o detetive franziu um pouco o rosto que pareceu se tornar uma pedra de
um deserto de milhares de anos.
“A ordem de atirar para matar veio.” O detetive forçou para a voz rouca sair. “A maioria
correu com medo. Mas as crianças que vieram a mando de uma organização seriam
mortas também se voltassem, então não podiam fugir. Por isso ──”
O detetive parou suas palavras. O final da frase flutuou subentendido pelo ar. Na palma
de sua mão, o cartucho vazio reluzia friamente.
Chuuya ficou um tempo calado sem saber o que dizer até que falou:
“Você só fez o que o trabalho pediu.”
“Tem razão. Mas não importa quantos anos passem, eu não consigo apagar o que fiz
da minha cabeça. Eram crianças da sua idade.”
O homem apertava o cartucho com ódio. Não importa a força que fizesse, o cartucho
sendo duro como era, não alterava a sua forma nem um milímetro.
“Chuuya. Não é pela justiça que eu te persigo. Nem um pouco.” O detetive disse com a
voz carregada por uma gélida dor. “As organizações criminosas não veem as crianças
como mais do que coletes à prova de balas descartáveis. Você também encontrará o
mesmo destino um dia. Antes que isso aconteça, volte para o mundo decente do dia. Eu e
a lei iremos te ajudar.”
Chuuya recebeu o olhar sincero de frente.
“Foi por causa disso que sempre me perseguiu, detetive?”
Chuuya disse com a voz calma. O homem o olhou de volta, calado. E assim ficou.
Porém, alguns segundos depois, o menino disse “Entendo,” e riu, como se fosse de si
mesmo.
“Esse tipo de simpatia, detetive,” a cor de seus olhos completamente escura, “deixe
para sentir por um humano.”
Nessa hora, um intenso alarme ecoou pela delegacia.
“Aqui é o departamento de segurança. Departamento de segurança. Há um intruso na
delegacia. Não se sabe se há feridos ou mortos. Todos os funcionários não armados
devem evacuar imediatamente. Todos os funcionários da segurança devem se equipar
imediatamente e ir para as posições designadas ──”
Cerrando os punhos, Chuuya grunhiu numa voz grave.
"…Ele chegou."
•••
O resgate do Shirase-san foi um sucesso. Agora a questão é como fugir sem
chamarmos a atenção.
Pensando nisso, quando esta máquina foi pôr a mão na porta de saída, a voz do
Shirase-san veio por detrás.
“Ei, você.”
Deduzi que ele estava falando comigo. Esta máquina se virou.
“Sim, o que foi?”
A expressão do Shirase-san era de perplexidade.
“O que aconteceu… com a sua perna esquerda?”
Esta máquina olhou para a própria perna. Do joelho para baixo, havia sumido
perfeitamente. Dentro da minha cabeça, o alarme de segurança máxima soou.
Quando estava quase caindo sem equilíbrio, consegui me apoiar colocando a mão na
parede.
"É difícil ser um investigador mecanizado."
A voz ecoou do final do corredor. Virei rapidamente meu corpo para lá.
“Mesmo que uma perna sua saia voando, você não pode tirar licença e nem tem direito
ao subsídio para poder se tratar. Sinto por você.”
A pessoa falava animadamente enquanto vinha andando e balançando a minha perna
esquerda como se fosse um bastão.
“Verlaine…!”
Essa é a pior hora possível. Ele chegou rápido demais. Os preparativos para contra-
atacá-lo ainda não estão prontos.
Convocarei o protocolo 1 de combate aumentando a velocidade de transmissão pelos
nervos elétricos e elevando a prioridade de execução do programa de análise da situação
de batalha ao máximo. Se não lutar, apenas serei destruído.
Quando estava recalculando em alta velocidade o equilíbrio para compensar o
agravamento dos problemas causados pela perna que perdi, Verlaine a atirou sem
nenhum aviso. Consegui desviar meu corpo superior da perma que veio voando em
velocidade subsônica. Ela penetrou a parede atrás de mim pela ponta do pé.
“O Chuuya não está aqui? Ai ai, ele se atrasa na hora mais importante.” Seu tom era leve
e descontraído. “Desse jeito, ele também vai se atrasar quando tiver o primeiro encontro.
Que coisa, me preocupo como seu irmão mais velho.”
Esta máquina não tem tempo para responder. Se for destruído aqui, o Shirase-san será
morto num instante. Para operar o mais rápido possível o protocolo de suporte que
maximiza a possibilidade de sobrevivência, não posso perder tempo pensando no que
responder.
Para afastar o Shirase-san daqui um pouco que seja, esta máquina pulou numa perna
só. Corri em direção a saída.
Porém Verlaine nos alcançou num instante. Agarrando o meu ombro, me atirou contra a
parede.
“Guah…!”
A parede quebrou e minha estrutura interna rangeu. Mas esse não era o fim de seu
ataque. Detectei uma distorção espacial no centro do meu corpo. A gravidade gerada
afundou o corpo desta máquina na parede. Era como enfiar o dedo profundamente num
pão de ló. A diferença era que o que estava sendo afundado era esta máquina e o local
em que eu estava afundando era uma parede dura de concreto.
“Não se preocupe, eu não vou te destruir. Fique comportado aqui.”
Esta máquina estava praticamente toda fincada na parede. O barulho do concreto
sendo quebrado reverberava por todo o meu corpo como um trovão. O alarme de peso
em excesso estava sendo disparado de todas as partes para o núcleo de computação
principal. Mas não há o que fazer. Se eu tentasse escapar, ele colocaria os destroços de
volta no lugar, soterrando todo o espaço pelo qual eu posso sair.
Esta máquina estava enterrada dentro da parede como uma casa soterrada por um
deslizamento. Apenas o meu rosto e parte do meu braço estavam para fora. O meu corpo
tentava criar uma força cinética para sair assim como uma mangueira apertada. Mas não
estava tendo resultado. Como meu corpo estava todo coberto por destroços, não
conseguia obter o impulso necessário para me libertar.
“Muito bem, Shirase-kun.”
Verlaine disse se virando para ele, perdendo o interesse nesta máquina enterrada viva.
“O… O quê?” Sua voz repleta de medo do fundo de seu coração.
“Eu vim porque queria te encontrar. Apesar de que como foi fácil demais chegar até
aqui, estou com um pouco de tempo sobrando. Vamos conversar um pouco antes de eu
realizar meu trabalho?”
“O que… O que você quer?!” A voz do Shirase-san tremia no seu máximo. Estava usando
todas as suas forças para se manter em pé. “Eu… Eu não sou o Shirase, sou outra
pessoa!”
“Você não me acabou de responder quando eu te chamei?” Verlaine inclinou a cabeça
como se estivesse confuso.
Ele andava elegantemente com suas pernas compridas, se aproximando do Shirase-
san.
“Não se aproxime dele!” Esta máquina gritou, o avisando.
Verlaine virou para cá, se divertindo.
“Então deveria me parar. Se tiver como, claro.”
Ele estava correto. Se tivesse como pará-lo, assim o faria. Esta máquina operou uma
estimativa. Fuga. Explosão. Telecomunicação. Procurei todos os procedimentos
disponíveis para mim. O resultado foi zero. Não há uma medida efetiva. É impossível sair
desse impasse.
Pensei em chamar o Chuuya-sama. Mas isso seria a maior tolice de todas. Justamente
porque sabíamos que não podíamos vencer enfrentando-o de frente, pensamos na tática
de emboscada.
No pior dos casos, esta máquina e o Chuuya-sama iríamos perder nossa capacidade de
combate aqui e não poderíamos cumprir nossa próxima armadilha. Verlaine ainda tem
dois alvos. Ainda há esperança.
“Bem, sente-se.” Verlaine disse para o Shirase-san.
Por causa do medo, ele não conseguiu reagir às palavras do outro. Apenas olhava para
ele, tremendo.
“Sente-se.”
Verlaine disse rispidamente, tocando em seu ombro. Shirase-san caiu para frente de
forma brusca, dobrando os joelhos. Ao mesmo tempo, a gravidade gerada das solas dos
pés de Verlaine quebrou o chão, que foi elevado modularmente e o aglomerado de
destroços se projetou como uma protuberância. O bumbum do Shirase-san caiu com um
baque em cima desses destroços. Ele não conseguiu nem gritar de tão surpreso.
“Shirase-kun, eu investiguei sobre você. Como as boas maneiras de um assassino
mandam.” Verlaine falava de forma polida. “Nessa cidade, você é quem conhece o
Chuuya há mais tempo. Queria perguntar, como o Chuuya era quando criança?”
Enquanto falava, Verlaine arrancou uma das portas casualmente. Como quem arranca a
casca de um machucado. Dobrou-a no meio e a colocou no chão igual à uma cadeira, se
inclinando na parte superior. Então cruzou as pernas de forma graciosa e sorriu para o
Shirase-san.
A Habilidade do Verlaine de fato não é ordinária. Não acredito que exista um Usuário
nesta cidade capaz de lidar com a Habilidade que fez os Cavaleiros da Torre do Relógio
de brinquedo.
Compus uma mensagem interna e enviei para o celular do Chuuya-sama. Expliquei a
situação atual e frisei bastante a única contramedida disponível. Para que não viesse.
Ele deveria deixar o local, deduzir quem era o próximo alvo e criar uma emboscada com
a cooperação da Máfia. Mesmo que fosse certo que o Shirase-san e esta máquina
iríamos morrer aqui.
O Shirase-san está tremendo. Provavelmente ele partilhava do mesmo pensamento
desta máquina. Esforçando-se para abrir a boca trêmula, ele falou:
“E-Eu…”
Sua respiração estava fraca, a voz parecia frágil ao ponto de quebrar. Não seria
estranho que ele vomitasse. Mas se ele não continuasse a falar, seria julgado como sem
utilidade e morto. Para estender sua vida um segundo que fosse, não havia outra
alternativa a não ser responder a pergunta. Não era uma cena boa de ver.
“Eu acho que a primeira vez que o encontrei… foi embaixo da ponte que nos
escondíamos para beber.” Enquanto falava, Shirase-san olhava para esta máquina
buscando ajuda. Os olhos me perguntando se esta máquina não conseguia fazer algo
para nos tirar dessa situação enquanto ele comprava tempo.
Impossível. Ninguém virá nos ajudar. Apenas esta máquina sabia que comprar tempo
era inútil.
“Ele… o Chuuya estava vestindo um uniforme militar que ele roubou em algum lugar.
Estava todo esfarrapado. Seu rosto e seu cabelo… estavam igualmente sujos e estava
descalço.” Shirase-san continuou com a voz trêmula. “Nós… os primeiros membros das
Ovelhas pensamos que ele era alguma criança de rua da redondeza. Naquele instante, ele
falou com a gente primeiro. 'O que é essa placa quadrada?'” Shirase-san abaixou a
cabeça. Ele estava tentando se lembrar do passado desesperadamente. “Eu… não entendi
nada e achei ele uma criança nojenta. Então ele falou novamente. 'Responde, o que é
essa placa quadrada na sua mão?'.”
Shirase-san levantou um pouco a cabeça olhando para longe sem direção.
“O que eu tinha na mão era um pedaço de pão.”
O corredor voltou a ficar em absoluto silêncio. Um silêncio estranho depois de tanta
destruição. Verlaine escutava calado.
"'O que é um pão?' O Chuuya perguntou. 'É de comer?' Quando eu respondi que sim e
comi um pedaço para mostrar, ele fez um movimento inesperado. Ele caiu. Como se a
gravidade tivesse sumido ao seu redor. Quando eu cheguei perto, eu percebi pela
primeira vez que ele estava esquelético ao ponto de morrer. Os meus companheiros
acharam desconfortante ficar perto dele, mas eu dei o pão e água. Depois disso eu
convenci os outros e o levei para nosso esconderijo no esgoto."
Esta máquina acessou o bando de dados externo. As Ovelhas no começo de sua
fundação era uma organização de cooperação mútua para proteger órfãos de adultos.
Sua base econômica era bem menor do que na sua época de ouro e é registrada como
uma espécie de refúgio organizado por crianças para protegerem umas às outras da
iminente violência, sequestros e trabalho infantil.
“Naquela época, as Ovelhas eram pequenas. Mas no final das contas, o recebemos
como nosso companheiro. Não podíamos abandonar uma criança passando fome.”
Quando ele levantou o rosto novamente, algo havia mudado nele. Continuava com
medo. Continuava tremendo. Mas em seu olhar, uma chama fria que não havia antes
queimava. Uma chama congelante de ódio. A mesma chama que um herbívoro mostra
rugindo para seu inimigo momentos antes de ser devorado.
“Você é irmão do Chuuya?” Sua voz era quase um grito. “Então por que vai me matar?
Naquela época não tinha mais ninguém além de nós para ajudar uma criança faminta! E
é assim que me agradece?”
Olhando serenamente para ele, Verlaine não respondia.
“Sim, eu entendo. É assim que o mundo funciona. É um mundo irracional onde eu vou
morrer por ter ajudado uma pessoa.” Shirase-san começou a tagarelar. “Vamos, ande
logo com isso. Se demorar mais ainda, o cadáver vai feder e eu não quero isso.”
Verlaine fechou e abriu os olhos. Então levantou e foi andando na direção do Shirase-
san.
O programa que avalia a situação calculou 168 futuros daqui em diante. E todos eles
indicaram que o Shirase-san morrerá em dez segundos. É inevitável. Irei ao menos
testemunhar o seu fim.
Verlaine aproximou a mão do pescoço dele. Shirase-san prendeu a respiração. Nessa
hora, a função de varredura desta máquina capturou uma mudança à longa distância. Era
a possibilidade 169. Uma possibilidade impossível.
“Como pode?” Esta máquina sussurrou sem pensar.

O chute do Chuuya mandou o Verlaine voando na horizontal.

A alta figura do Verlaine quebrou a parede do corredor passando para a parede do outro
lado e a quebrando também. Seu corpo saiu voando pelos corredores como o reflexo de
uma bola de sinuca até que se chocou contra a última parede e parou.
Verlaine foi se rastejando para fora dela lentamente e caiu para frente apoiando ambas
as mãos no chão. Chuuya-sama ficou na frente do Shirase-san, como se estivesse o
defendendo, e o encarou.
“Chuuya…!” Shirase-san gritou sem acreditar no que via.
“Te contar… Shirase, com isso são quantas vezes?” Chuuya-sama perguntou sem
paciência. “Você causa algum problema e eu venho correndo. Eu não sou sua babá.”
“Chuuya, por que você veio me salvar…”
“Salvar? Está enganado. Eu só vim acabar com aquele desgraçado de chapéu.”
Esta máquina gritou enquanto rodava um programa diagnóstico da situação.
“Chuuya-sama, você errou em vir para cá! Fuja, por favor! Você não pode vencê-lo de
frente!”
“O que foi, robozinho? Não é que você combina muito bem com a parede? Fica ai calado
e observe.”
Chuuya-sama sorriu, se virando na direção de Verlaine.
“Está atrasado, irmão.” O mais velho disse tirando a poeira do chapéu.
“Haha, eu sou um cara muito dócil que raramente se irrita, mas ser chamado de irmão
por você é difícil de engolir.”
Esta máquina inclinou a cabeça secretamente em sua mente. Dócil…?
“Pode ficar irritado o quanto quiser. Você tem os requerimentos.” Verlaine começou a
andar sem pressa na direção do Chuuya-sama. “Mas a falta de um plano não me admira.
Já esqueceu que você brincou comigo como bem quis há alguns dias?”
“Esqueci.” Chuuya-sama também foi em direção a ele como se estivesse passeando.
“Faça-me lembrar.”
Até que finalmente os dois estavam a uma distância em que era só esticar o braço para
tocar. Chuuya-sama olhou para Verlaine e Verlaine olhou para o Chuuya-sama.
Um momento de silêncio. Quem iniciou o ataque foi Verlaine.
A cabeça do Chuuya-sama absorveu um gancho de direita cortando o ar. Chuuya-sama
virou o rosto desviando do soco que veio a uma velocidade capaz de queimar o
ambiente. Quase no mesmo instante, o queixo de Verlaine foi atingido de lado.
“Gah.” O rosto de Verlaine virou com tudo.
Nem mesmo com a minha câmera ultrarrápida esta máquina conseguiu acompanhar o
que aconteceu. Somente analisando as imagens, finalmente pude confirmar. Ao mesmo
tempo que o Chuuya-sama desviou do soco, ele elevou a parte inferior do corpo e chutou
o rosto do Verlaine como um flash de luz. Um golpe perfeito visto de longe. Um humano
normal teria tido a cabeça arrancada provavelmente.
No intervalo em que esta máquina analisava as imagens, a tempestade de ataques não
parava. Chuuya-sama desviou a parte superior do corpo mais ainda e colocando a mão
no chão, lançou outro chute. O sapato perfurou a garganta de Verlaine, que gemeu.
Ele tentou agarrar o Chuuya-sama enquanto estava caindo para trás, estendendo sua
mão envolta pela gravidade. Mas por uma diferença de um fio de cabelo, Chuuya-sama
se esquivou e chutou novamente. Ele girou e deu mais um chute circular. Foram quatro
rajadas de chutes contra o adversário muito mais alto. Mais do que uma obra artística,
era divina.
Verlaine só conseguia gemer.
“O que foi? Você não é mais forte do que eu?!”
Verlaine evitou cair, apoiando o corpo com a gravidade e tentou agarrar o Chuuya-sama
mesmo sem conseguir vê-lo. Chuuya-sama desviou tranquilamente dos dedos
revestidos de uma gravidade que o mataria na hora se o tocasse. Alguns fios de cabelo
pegos, caíram.
Chuuya-sama rapidamente dissipou o braço com o cotovelo e alvejou seus olhos com
um punho vindo de trás. O rosto de Verlaine balançou como se fosse explodir.
Acertou com um chute baixo no joelho por trás, o fazendo dobrar. Chuuya-sama, que
agora estava atrás de Verlaine, fez com que ele caísse com o objetivo de acertar a parte
mais fraca do corpo humano, a cabeça. Um estrondo reverberou.
Enquanto gemia, Verlaine tentou agarrar o Chuuya-sama acima dele. Mas ele não
estava mais lá. Ele havia chutado o chão e tomado distância numa velocidade em que
Verlaine não conseguiu acompanhar.
“Ugh…”
Era uma visão inacreditável. O Rei Assassino Verlaine está apanhando. Nenhuma
autoridade europeia previu tal cena. Contudo, ao analisar a situação dos conflitos que
ocorreram até agora, esta máquina chegou ao motivo.
Antes, o Chuuya-sama usou a sua Habilidade principalmente para atacar. Por isso
somente havia conseguido ser repelido pelo Verlaine, que usa sua Habilidade
gravitacional um nível acima. Mas agora ele mudou sua tática. Mudou para uma postura
que aproveita o máximo de sua velocidade. Dessa forma, se torna um puro combate
corporal.
Ao atacar, Chuuya-sama pegou um dos destroços do chão e atirou em Verlaine.
Verlaine reagiu rapidamente e derrubou o destroço com as costas da mão. O pedaço saiu
voando. Aproveitando-se do ponto cego causado nesse momento, Chuuya-sama se
aproximou. Ele deu um intenso chute como o golpe de uma aríete, o que mandou Verlaine
voando junto aos braços levantados na defensiva por reflexo.
Verlaine colidiu com a parede de trás e finalmente parou. Os pequenos fragmentos dos
destroços pairavam no ar um pouco atrasados. Ele abaixou devagar os braços que
estavam levantados. Bem devagar.
Depois, limpou o sangue no canto de seu lábio. Provavelmente foi cortado nos chutes
consecutivos de agora há pouco. Verlaine observou atentamente o sangue em seu dedo
com olhos bastante interessados.
“Há quanto tempo…” Sua voz seca e rouca. “…que vejo meu próprio sangue."
“Que bom pra você. Então a partir de agora vou te mostrar ele até você enjoar.”
“Apenas essa sua acidez não perde para ninguém.” Verlaine riu. “Mas…” Ele tocou
suavemente na parede de trás. Seus dedos começaram a cavar o material da superfície
como uma colher pegando uma gelatina.
A expressão do Chuuya-sama mudou.
“Só dá para me surpreender com essa velocidade, não derrotar.”
Verlaine atirou os destroços na palma de sua mão como se fossem balas. Chuuya-
sama repeliu o aglomerado com a gravidade das mãos. Porém não terminou ai.
Os cascalhos vieram voando como atirados de uma metralhadora. Com a mão na
parede, Verlaine foi disparando horizontalmente.
Chuuya-sama estava derrubando a chuva de meteoros de detritos com as mãos. Mas
eram demais. Vinham rápido e não terminavam. Ele ficou só na defensiva.
“Merda!”
Chuuya-sama desviou do aglomerado voando ao seu encontro. O que veio em seguida
não eram balas de destroços. Era o braço de Verlaine.
O longo braço agarrou o peito do Chuuya-sama. As pontas dos pés se elevaram. O
choque foi correndo pelo corredor como se um meteorito tivesse caído. O corpo do
Chuuya-sama bateu contra a parede parecendo que havia sido na superfície d'água,
atravessou-a e saiu voando para fora da delegacia. Um poder descomunal.
O lado de fora era um estacionamento subterrâneo da delegacia e o Chuuya-sama foi
arremessado violentamente contra um dos carros, batendo de costas. O carro quebrou,
retrocedendo, e só parou depois de arrastar outros juntos.
Chuuya-sama caiu para frente e tudo ficou abruptamente em silêncio ao redor. O que
restou foi o barulho dos destroços desfazendo-se. Ao longe podia ser ouvido o alarme de
segurança. O carro destruído havia emitido o alarme do dispositivo de antirroubo. Em
cima dele, o gemido fino quase inaudível do Chuuya-sama caído.
“Ugh… u…”
A situação foi completamente invertida com o ataque do braço. A potência da
Habilidade de Verlaine era assustadora. Qualquer velocidade ou técnica não passam de
um truque barato diante da força do corpo fortificado de Verlaine pela pura Habilidade
gravitacional. Uma força temível.
Verlaine passou pelo buraco na parede e se aproximou de Chuuya-sama.
“Acorde, Chuuya. Sei que não está morto.” Verlaine disse ao seu lado. “Eu peguei leve,
afinal.” Dizendo sem reservas, Verlaine agarrou o Chuuya-sama pelo pescoço e o ergueu.
“Me… solta…”
“Me faz soltar.”
A mão de Verlaine que o segurava começou a ondular. Detecção de flutuação no índice
de refração atmosférica devido à radiação de calor. Isso é mal.
“Chuuya-sama! Fuja!”
Esta máquina aumentou a potência dos atuadores das juntas em várias partes do
corpo. Cada junta emitiu uma oscilação ao mesmo tempo que esta máquina explorava a
frequência de ressonância dos destroços me envolvendo. Em cada um deles há uma
frequência que amplifica sua vibração. Se passar esta frequência de vibração para o
motor interno, deve dar para ir destruindo os destroços aos poucos.
Mas não há muito tempo. A cabeça do Chuuya-sama está transmitindo ondas
gravitacionais. Uma quantidade de calor absurda está emergindo de um inferno invisível.
“Controle a você mesmo. Controle a Habilidade.” As frias palavras de Verlaine ecoavam.
Chuuya-sama gritou. Chamas negras jorraram de sua boca junto ao grito. A pior
situação possível.
Assim como no outro dia, se um buraco negro fosse gerado pelo Arahabaki, toda a
delegacia seria comprimida num tamanho menor que um dedo e desapareceria. Levando
o Shirase-san e esta máquina juntos.
“O que foi, Chuuya? Deste jeito, todos morrerão. Você irá matá-los. A sua imaturidade
irá. E depois não restará mais nada. Vamos testar?”
Nessa hora ── dois tiros. Um buraco foi aberto no braço de Verlaine.
“Chuuya! Você está bem?!”
Alguém gritou do fundo do estacionamento. No momento em que o poder do braço de
Verlaine afrouxou, Chuuya-sama chutou o peito dele e se livrou da restrição. Saiu rolando
com a respiração ofegante.
Quem veio correndo em sua direção foi o detetive da sala de interrogatório. Murase, se
não me engano. A fumaça de pólvora ainda subia do revólver em sua mão.
Tossindo sem parar, Chuuya-sama encarou severamente o detetive.
“Detetive… Por que você veio?! Saia daqui!”
Verlaine olhou curioso para o buraco em seu braço causado pela bala e depois para o
detetive, dizendo, “Finalmente veio.” Foi uma fala estranha.
Verlaine se virou para o Chuuya-sama. Os raios de alta energia e as ondas
gravitacionais desapareceram. Chuuya-sama ficou a postos.
“Chuuya. Acho que nem preciso te dizer, mas os fracos não conseguem nada. Se você
lutar como está, perderá e as chamas do Arahabaki engolirão esse lugar. Centenas de
pessoas morrerão novamente.”
Essa fala não era uma ameaça nem uma intimidação. Sua voz estava completamente
tranquila e sem emoção. Ele apenas relatava o que aconteceria daqui para frente.
“Não vou deixar.” Chuuya-sama disse grunhindo.
“Sim. Não vai.” Verlaine disse algo inesperado. “Sabe por quê?”
Antes que Chuuya-sama pudesse responder, Verlaine voou. Ele cancelou sua própria
gravidade e pousou de ponta cabeça no teto da garagem. Voando novamente, ele parou
num ponto atrás do Chuuya-sama.
“Com isso, o trabalho de hoje termina aqui.”
Verlaine estava agarrando o pescoço do detetive.
“Pare!” Chuuya-sama correu.
A boca do detetive abriu tentando proferir algo. Mas as palavras não foram geradas.
Sua boca deu meia volta junto a um som abafado, sendo virada para o lado das costas. O
corpo do detetive atraído pela força do pescoço sendo girado, virou junto. E caiu.
“Merda!” Chuuya-sama acelerou.
A expressão dele abraçando o corpo do detetive era de quem havia compreendido tudo.
Detectei os batimentos com o scanner de longa distância ── Sem batimentos. Foi morte
instantânea.
“Malditoooooooo!”
Chuuya-sama pulou junto com o grito. Seu punho direito elevado acertou Verlaine.
Assim que Verlaine o recebeu com ambas as palmas das mãos, houve uma violenta
explosão de luz negra. Os grávitons liberados foram propagados em ondas
gravitacionais ao redor, deformando a paisagem numa esfera.
A onda de choque gravitacional que se expandiu mandou os carros voando como se
fossem feitos de papéis. Sem se opor a ela, Verlaine voou para trás com o impacto e
aterrissou na saída do estacionamento.
“O soco de agora foi o melhor.”
Rindo, ele deu um salto para trás, desaparecendo da saída.
“Espere!”
Chuuya-sama foi atrás, deixando a delegacia. É perigoso. Ele não deve lutar com
Verlaine sozinho.
Esta máquina regulou as vibrações e foi destruindo os detritos. Consegui colocar o meu
braço direito inteiro para fora da parede. Bati nos destroços com o cotovelo, me
desprendendo aos poucos. 144 segundos depois, esta máquina se libertou. Pulei
apressado numa só perna até o detetive.
Ele estava caído de lado e sangrando pela boca. O resultado da minha exploração foi
dano da C2 até a C6 nas vértebras cervicais. Parada cardíaca. Sem reflexo nas pupilas.
Chamei uma ambulância por transmissão interna, mas era evidente que já não
adiantava mais. A preservação da vida humana se mantêm num equilíbrio muito
delicado. Diferente desta máquina, os humanos não têm o conceito de existência em
partes. Eles são construídos por um sistema extremamente dinâmico com dois órgãos
não redundantes, o cérebro e o coração. Se um deles para, é praticamente impossível
reativar. É impossível também repor as partes danificadas. Ou seja, os humanos são
extremamente fáceis de morrer.
Quando esta máquina o estava virando para escanear de frente, vi algo conhecido caído
no chão. Uma cruz de bétula prateada. Provavelmente o Verlaine que deixou.
Quando eu a estava escaneando, o Chuuya-sama voltou.
“Para onde o Verlaine foi?”
“Desapareceu pro céu.” Chuuya-sama disse infeliz, apontando para cima.
Provavelmente ele fugiu voando com a gravidade.
“Aqui também.” Esta máquina disse segurando o corpo do detetive. “Desapareceu pro
céu. Em termos poéticos.”
Esta máquina fechou os olhos do detetive que passou a ter o rosto de um morto.
“Droga!” Chuuya-sama gritou, batendo no peito do detetive. “Você não ia me prender?!
Ei, detetive! Você não ia me levar para o mundo do dia?!”
Ao que o Chuuya-sama bateu em seu peito, algo deslizou do bolso do sobretudo e caiu
no chão. Era um antigo celular dobrável azul. Um modelo familiar. Era exatamente o
mesmo modelo que o fornecedor arranjou para Verlaine.
Esta máquina o pegou e mostrou para o Chuuya-sama. Quando ele entendeu o que era,
deu um grito que não se tornou voz do fundo de seus dentes cerrados.
O Rei Assassino Verlaine. O seu alvo principal nunca foi o Shirase-san.
Então… por quê? Por que ele tinha que matar o detetive?

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