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VIANNA, Marly de Almeida Gomes.

 Revolucionários de 35: sonho e realidade. São Paulo:


Companhia das Letras, 1992.

Falar também da vida política da autora

Palavras iniciais
p. 17 – Os movimentos armados de novembro de 1935 foram a última manifestação da
rebeldia tenentista, encerrando o ciclo iniciado em 1922 com a revolta dos Dezoito do
Forte de Copacabana. Conhecidos como a “intentona Comunista”, apesar de
frequentemente mencionados em trabalhos sobre a história do Brasil, mereceram até hoje
poucos estudos específicos, e do que já se escreveu sobre o assunto chama a atenção a
coincidência de pontos de vista que privilegiam o fator externo como causa do
desencadeamento dos levantes (praticamente, só Dario Canalle e Nelson Werneck Sodré
trabalharam em outra perspectiva).
- A ideia de que as insurreições de 1935 resultaram de uma decisão da Internacional
Comunista vem sendo aceita há muito tempo como algo evidente, fazendo com que um
aspecto a ser pesquisado torne-se um pressuposto, nuançado de acordo com a postura
política e intelectual dos vários autores que trataram do tema: desde considerar os
movimentos como diretamente telecomandados de Moscou a vê-los simplesmente como
uma mecânica transposição para o Brasil da linha estratégica da IC. No primeiro caso
está toda a literatura da história oficial e da repressão e – embora não necessariamente
vinculada a uma postura tendenciosa – grande parte da bibliografia sobre o assunto: é o
caso, por exemplo, dos brasilianistas e de diferentes autores nacionais.
p. 17-18 – É frequente também que se considerem os levantes como causa, senão a
única, pelo menos a principal, da implantação do Estado Novo no Brasil; há quem os
atribua ao maquiavelismo de Getúlio Vargas, e até especulações sobre agentes
provocadores infiltrados no PCB para criar, com as insurreições, o pretexto necessário ao
advento da futura ditadura. Por outro lado, os levantes ocorridos no Rio Grande do Norte,
em Recife e no Rio de Janeiro são geralmente considerados como se tivessem tido todos
as mesmas motivações e percorrido os mesmos caminhos, perdendo-se com isso a
riqueza de cada movimento e empobrecendo a análise do conjunto.
p. 18 – O pensamento crítico brasileiro não ficou imune a mais de meio século da
avassaladora e maçante propaganda anti-comunista, montada em torno dos episódios
de novembro de 1935 – basta lembrar que nem o Partido Comunista escapou a muitos
dos preconceitos dominantes. Já se tornou enfadonho dizer que o PCB não foi capaz de
fazer uma análise autocrítica dos movimentos de 1935 e a afirmação, tantas vezes
repetida, acabou por esconder o fato de as análises oficiais do Partido mostrarem os
limites da apreciação crítica dos comunistas sobre um período fundamental de sua
história. Os documentos oficiais do PC sobre o assunto pautaram-se sempre pela
ambiguidade típica das autocríticas partidárias: houve erros e houve acertos, sendo os
erros originários na “influência da ideologia pequeno-burguesa” existente dentro do
partido, causa da “incorreta assimilação do marxismo-leninismo”. Mas conclui-se que, “no
fundamental”, o Partido tinha sempre razão, por sua própria natureza de “vanguarda da
classe operária” e encarnação das teorias científicas revolucionárias. Há também uma
tendência, entre militantes e ex-militantes do PCB, a atribuir os erros de 1935 a um
só responsável, geralmente ao golpismo personalista de Luiz Carlos Prestes, ou à
irresponsabilidade e até mesmo “traição” de Antônio Maciel Bonfim (Miranda), o
então secretário-geral do Partido. Só um grupo muito reduzido de comunistas, embora
reconhecendo graves erros na eclosão dos movimentos, considera-os fundamentalmente
corretos pelas supostas consequências positivas que deles teriam advindo, como o
refluxo do movimento integralista (o que não tem sustentação nos dados), ou porque a
“Intentona” teria sido o primeiro movimento armado antifascista em todo o mundo (o que
também não é verdade).
- Minha interpretação difere das anteriores. Sem negar um papel ao “Partido
Comunista Mundial”, vejo sua influência principalmente no plano da assimilação,
por parte de Prestes e do PCB, das genéricas representações da Terceira
Internacional sobre a América Latina e o Brasil: classificando os países sul-
americanos como colônias ou semicolônias do imperialismo, a IC preconizava uma
estratégia geral, antiimperialista, para a revolução brasileira, sem conseguir jamais
precisá-la ou estabelecer procedimentos táticos para atingir o poder. É
inquestionável que a IC foi sempre eurocêntrica e sovietocêntrica, e o Brasil – como
de resto toda a América Latina – nunca fez parte de suas prioridades
revolucionárias, voltadas, especialmente nos anos 30, para a defesa da URSS, num
quadro geopolítico alterado bruscamente pelo avanço do nazi-fascismo.
Objetivo central da autora
p. 18-19 – Pretendo demonstrar que, ao contrário do que até agora tem sido opinião
corrente, a IC não passou de ator coadjuvante no drama de novembro de 1935 – que
não planejou nem sugeriu –, mantendo sobre as anunciadas possibilidades
revolucionárias uma expectativa conveniente. Além do mais, na segunda metade de
1935, houve uma total dissonância entre as posições políticas do PCB (com seus
constantes chamamentos à luta armada) e a política preconizada pela IC a partir de
seu VII Congresso (de amplas frentes populares). Não deixo de considerar a forte
influência da IC na vida política, na “Modelagem” ideológica e na vida orgânica do
PCB, mas pretendo ultrapassar o viés exogenista, que consiste em atribuir os
acontecimentos de novembro de 1935 exclusiva ou principalmente a diretivas e
influências externas, fixando-me em seus condicionamentos nacionais amplamente
preponderantes: as tradições políticas e a mentalidade dos diversos setores,
grupos e classes que atuavam na sociedade brasileira da época.
1º cap.: principais personagens dos acontecimentos: Luiz Carlos Prestes, o PCB e o ator
coadjuvante, a Internacional Comunista
Compreensão geral dos movimentos armadas de novembro de 35 a partir da trajetória
desses personagens
2ª parte: visão do clima político da época, com a formação da ANL, os encontros da
direção do PCB com representantes da IC e Prestes, no final de 34, a decisão de prestes
voltar ao Brasil (estava em Moscou) e a vinda de assessores da IC; ATUAÇÃO dos
“tenentes de esquerda”
3ª – levantes no Rio Grande do Norte, em Recife e Rio de Janeiro, mostrando as suas
diferenças em relação a motivações, seus cursos específicos e a participação popular
neste. Além disso, os detalhes sobre a situação do PCB e de Prestes nos três meses que
decorreram da derrota dos movimentos à prisão do “Cavaleiro da Esperança”: a
expectativa de novos levantes, a tentativa de criança de guerrilhas, a clandestinidade e as
falsas avaliações que levaram ao assassinato de Elvira Copelo Coloni, Elza, a jovem
ingênua mulher do secretário-geral.
Sobre fontes
p. 19-20 – Na pesquisa das insurreições de novembro de 1935, utilizei principalmente
fontes primárias escritas, sendo a mais importante: 1) Processos-crimes referentes à
“Intentona Comunista”, instaurados pelas polícias civis e militares dos estados, pelos
ministérios da Guerra e da Marinha e reunidos no final de 1936 no Tribunal de Segurança
Nacional; 2) documentos do Partido Comunista do Brasil de 1924 a 1940, especialmente
dos anos de 1934 a 1936: jornais, revistas, informes, balanços, circulares, atas de
reuniões, correspondência, balancetes, panfletos etc.; 3) documentos da ANL: manifestos,
programa, cartas, panfletos, circulares, formação de diferentes núcleos etc.; 4)
documentos da Internacional Comunista, na grande maioria de seus congressos e
plenárias ampliadas da Comissão Central Executiva da IC; 5) documentos do governo
Vargas: cartas, telegramas, documentos do Ministério da Guerra [...]; 6) coleção completa
de A Manhã, órgão diário, porta-voz dos aliancistas, que circulou de 26 de abril a 27 de
novembro de 1935.
Presença também de depoimentos orais – para o preenchimento de lacunas, de
desconhecimento da trama de acontecimentos – limites desse tipo de fonte (possíveis
interpretações a posteriori do acontecimento)
Ela também aponta o caminho que usou até chegar nas entrevistas, as perguntas feitas e
os entrevistados
p. 22 -
Introdução
p. 23 –
p. 31 -
Epílogo: Cai o pano – utilizar o trecho da poesia de Brecht (selecionar quais)
Otimismo passageiro
Alguns dos fatores que fizeram com que o ocaso de realizasse
p. 277 – A derrota dos movimentos insurrecionais e a repressão que se desencadeou
contra os que deles participaram não arrefeceram o ânimo dos revolucionários. A
perspectiva era continuar a luta, “porque nós achávamos que mais adiante a coisa
poderia tomar outro vulto”. Todos estavam de acordo que o início do movimento fora um
desastre, tanto no aspecto militar quanto na mobilização do Partido, mas isso era
atribuído à precipitação e à consequente falta de organização do levante.
- No mês de dezembro, esboçou-se um balanço dos acontecimentos, partindo-se de que
a mobilização política da sociedade, o antiintegralismo e a oposição a Vargas, que deram
enorme vulto à ANL, não haviam sido contidos de uma hora para outra. Por que então a
derrota, perguntava-se? Por que os movimentos não tinham sido preparados e alguns
setores nem mesmo tiveram a oportunidade de se pronunciar:
Citação: Tudo indica que se o movimento durasse mais 48 horas, o apoio do povo e do
proletariado teria tempo de se desencadear. Também em outras partes do país outros
elementos se pronunciariam e a luta estaria travada para o caminho da vitória, pelo
menos uma vitória parcial. [BONFIM, A. M., “Viva a Revolução Nacional Libertadora!”, A
Classe Operária, nº 195, Rio de Janeiro, 14/12/1935.
Relação do Levante com outros movimentos e o cenário nacional do mesmo período
p. 277-78 – A direção nacional praticamente não fora atingida. Alguns membros do CC
foram presos nos estados, mas o Birô Político e o Secretariado Nacional continuavam
intactos. A facilidade com que se revoltaram unidades importantes, como o 3º RI e a EAM,
era muito valorizada, considerando-se que aqueles que não aderiram à revolução –
inclusive em outros estados – por falta de contatos preparavam-se para uma segunda
onda revolucionária, que dessa vez seria geral. Prestes continuavam a ser a grande
esperança dos revolucionários e estava em liberdade para agir. Além disso,
chegavam notícias de guerrilhas no Rio Grande do Norte e no Sul da Bahia, que
supostamente seriam apoiadas pelos BCS das regiões.
Ressaltar o aspecto de paranoia generalizada em relação ao comunismo
p. 278 – A decretação do estado de sítio, como vimos, não fora tranquila e o deputado
Otávio da Silveira mandava ao Partido notícias de sérias divergências entre os
governantes, notícias estas que os comunistas supervalorizavam. Continuavam a
funcionar os mesmos mecanismos ideológicos de antes da derrota: as especulações em
torno de boatos, que proliferam em tempos de repressão e censura, transformam opiniões
de “ouvir dizer” e pequenos fatos em próximos grandes acontecimentos, sempre
favoráveis aos revolucionários. Os votos contra o estado de sítio significavam realmente
uma oposição a Vargas, mas os a favor mostravam o amplo apoio que o presidente
conseguira granjear em torno do “perigo maior”, a “ameaça comunista”.
- Ilvo Meireles, que passou a ser o principal contato de Prestes até a prisão do Cavaleiro
da Esperança, pedia-lhe que escrevesse com urgência um manifesto, afirmando o caráter
democrático das lutas de novembro, ao mesmo tempo que lhe comunicava um provável
golpe de generais. Góis Monteiro teria dito que a crise no Exército não era só de
disciplina mas de competência de comando, e muitos oficiais temiam um golpe.
- As opiniões que Otávio Costa mandou à direção ao sair da cadeia são exemplares
desse otimismo voluntarioso. O jornalista – Ramalho -, que fora preso por ser o diretor de
A Manhã, contava que prepararam a 2ª edição do jornal, do dia 27, “pela fé inabalável que
tínhamos na vitória. E temos ainda, porque a coisa mal começou”. Ramalho dizia-se
seguro de que outras unidades militares se levantariam e haveria uma greve geral,
“principalmente dos marítimos, que me foi comunicada como absolutamente certa.
É preciso só animar a macacada!”. De passagem, mencionava que os tipógrafos que
foram presos com ele estavam furiosos com o Partido e comentaram, ao vê-lo solto logo:
“Fomos abandonados na hora da onça beber água... É sempre assim: nós, os operários,
é que pagamos o pato, enquanto os doutores vão embora”. Mas Ramalho não dava
atenção ao gato, porque o que contava para ele eram os militares [...].
p. 279 – Entre os civis o moral era mais heterogêneo e alguns faziam sérias críticas à
atuação dos nordestinos, mas seriam todos ganhos, afirmava Ramalho.
- Por mais inacreditável que possa parecer, essa era uma opinião generalizada entre a
direção do Partido e os militares. Alguns chegavam a dormir vestidos, esperando ser
libertados a qualquer momento, por nova onda revolucionária [...].
- Inúmeros outros depoimentos, como o de Benedito de Carvalho, falam do
otimismo dos primeiros dias depois da derrota:
Citação: Depois da prisão, enquanto Prestes esteve solto, pensávamos que tinha sido
apenas uma derrota de nossa vanguarda, pequena, que se expôs. Que o resto estava
pronto para derrubar o governo. Eu acreditava nisso! E, mesmo depois da prisão de
Prestes, continuamos a dizer que a qualquer hora irromperia outro movimento. Aquilo
entrara na nossa cabeça, e continuávamos a nos mentir. [CARVALHO, Benedito de,
Entrevista, Rio de Janeiro, junho de 1988.]
- Os próprios policiais tratavam os oficiais e intelectuais com certa cautela, temendo que a
qualquer momento os papéis se invertessem: “Sei lá... amanhã é o senhor que pode estar
aqui de espada na mão”, diziam muitos deles.
- Os oficiais rebeldes mantinham na prisão uma atitude de altivez e muitas vezes de
desacato ao governo e a seus carcereiros.
Guerrilheiros
p. 280 – Informada por vários comitês regionais, a direção nacional contava com a
atuação de “guerrilheiros” em alguns pontos do país, principalmente na Bahia e no Rio
Grande do Norte. A considerada “guerrilha” do Sul da Bahia, chefiada pelo caboclo
Marcelino, e que envolveu o Posto Indígena de Paraguaçu, em Ilhéus, foi uma luta de
posseiros pela terra e nada teve a ver com a “revolução.
- Quanto ao Rio Grande do Norte, houve alguns episódios [...] provocados pelos
“bandidos vermelhos”, que terminaram em grotesca tragédia em fevereiro de 1936.
Os “guerrilheiros” do PCB eram, em sua grande maioria, um grupo de ex-
presidiários e desocupados que, mantendo contatos com as direções locais do
Partido, andou pelo interior do estado matando gente, assaltando fazendas,
extorquindo dinheiro e passando a maior parte do tempo acoitado em sítios de
conhecidos, geralmente políticos da Aliança Social. Não tiveram qualquer atuação nos
episódios de novembro, e numa prática de assassinatos e alcaguetagem acabaram por se
autodestruir, em fevereiro de 1936. E foi em tais “guerrilhas” que Prestes viria a apostar.
- De alguns estados chegavam pedidos de instruções para continuar a luta. Do Pará, por
exemplo, Eusébio contava que em novembro nada puderam fazer porque foram
apanhados de surpresa, mas afirmava que a revolução teria mesmo que começar era no
Norte-Nordeste, porque lá não existiam forças da contra-revolução [...].
- Em Pernambuco, a direção estadual chegou a elaborar vários documentos que
teorizavam sobre as guerrilhas [...].
Citação: A enorme simpatia da massa popular às lutas revolucionárias de novembro,
especialmente em Pernambuco, Rio Grande do Norte e demais estados do NE [faziam
surgir] naturalmente os grupos guerrilheiros, cada dia em maior número, em todo o país,
especialmente no NE, heróicos brasileiros – operários, camponeses, soldados, populares
– levantaram, de armas nas mãos, o cartel [sic] do desafio lançado à Nação por Getúlio e
seus amos imperialistas. [...] A insurreição de novembro foi o início de grandes combates.
As guerrilhas são uma forma de seu prosseguimento. [“A luta dos guerrilheiros”, do
Diretório Estadual de Pernambuco da ANL]
- Nas Resoluções do Pleno de Novembro, só então divulgadas, alertavam-se o Partido
para alguns pontos já ultrapassado, como o preparo da revolução, mas insistia-se no
desencadeamento de “greves, lutas camponesas, guerrilhas, lutas populares etc., de que
está dependendo a vitória da ANL dentro de pouco tempo”.
p. 280-81 – O fracasso dos movimentos de novembro não levou o Partido à realidade.
Dentro de um espírito de otimismo inconsequente, os dois primeiros números de A
Classe Operária posteriores à derrota continuavam a chamar à luta armada. A
revolução insistia o PC, apenas começara, e a derrota do movimento continha
“grandes premissas da próxima vitória”. Não faltava também uma certa
fanfarronada na avaliação oficial da direção; não era hora de se fazer análises
autocríticas nem de responder aos críticos oportunistas e derrotistas do momento.
p. 281 – O mesmo número do jornal publicava a expulsão de vários militantes de
destaque – Barreto Leite e os que concordavam com a carta que escrevera a Prestes. No
auge da repressão, a direção do PC colocava em sua imprensa o nome, codinome e
atividade partidária de cada militante expulso. Foi dentro deste espírito que o Partido
publicou sua primeira – e por muito tempo única – avaliação de novembro:
citação: O levante do Nordeste deu-se repentinamente e num momento em que a
situação em outras partes do país não tinha ainda chegado ao ponto culminante de sua
madureza revolucionária para a luta decisiva.
Citação: [...] Dessa forma, os revolucionários daqueles estados viram-se frente a um
dilema: ou, sem luta, por meio de protestos sem nenhum efeito, capitular frente ao
desarmamento de suas forças, ou precipitar a luta, levando-a até a insurreição, contra o
desarmamento dos soldados revolucionários. Os revolucionários de Natal e Recife,
soldados e massas populares, escolheram, com razão, o segundo caminho.
2 vias de ação do levante
p. 281-82 – Justificando os movimentos, a direção do PCB assumia a responsabilidade
– que não fora sua – pelo levante de Natal. Quanto ao do Rio de Janeiro, era
defendido com a argumentação [...]: não havia outra forma de ajudar o Nordeste. O
documento insistia: seria ou o desarmamento, sem luta dos nacional-libertadores,
ou lutar, sem o elemento surpresa, mas com a iniciativa; no caso de sucesso ou a
maior duração da luta, as massas operárias adeririam. Além do mais, as forças
militares que estavam pela revolução eram insuficientes para dominar os quartéis e sair
deles. O PC expressava assim [...] que a revolução era aceita como um movimento
exclusivamente militar e que, se vitorioso, contaria com o apoio dos militares. A avaliação
concluía afirmando que houve derrota, não erros, uma vez que vários quadros se
haviam revelado, a revolução ficara na ordem do dia, o movimento continuava no
interior do Nordeste e, pela primeira vez, o PCB participara de uma luta armada
aliada a outras forças.
p. 282 – No mês de dezembro de 1935, a vida do Partido girou em torno de defender-se
da repressão e buscar ajuda financeira [...] para manter a imprensa clandestina, tentar
reeditar A Manhã e ajudar as famílias dos presos.
Sobre os erros de sigilo de informação do partido (segurança)
- Várias circulares sobre segurança foram distribuídas ao Partido nessa época, mas a
própria direção dava mostra de não levá-la muito a sério. As falhas que cometeu foram
incontáveis, como, por exemplo, nomes e endereços escritos e conservados.
- No final de dezembro, às vésperas do Natal, o Partido parecia ter voltado a sua atividade
costumeira. Os pontos de pauta para a discussão do BP, reunido a 23 de dezembro, eram
os de rotina: reforçar o trabalho nas diversas frentes, com as mesmas diretivas que
repetia com frequência. A discussão política considerou que o governo estava
fraco, que aumentavam suas contradições internas e as lutas de massa seriam
decisivas para derrubá-lo. A principal tarefa política deveria ser, portanto, “ofensiva
e defensiva – não se adaptar à reação sem reagir contra a mesma de todas as
formas possíveis”. [mais informações na nota de rodapé 21]
p. 283 – Depois da derrota, a posição de Prestes passou a ser mais ofensiva e o otimismo
revolucionário sobre as rebeliões e seu prosseguimento tinha bastante influência sua.
Citação: Minha perspectiva, apesar de ter achado o começo um desastre, era continuar a
luta. Achava que havia condições para continuar a luta armada e não podia passar tudo
em brancas nuvens! Foi um acontecimento importante, levantaram-se unidades como o 3º
RI em três estados do Brasil! Houve gestos de grande desprendimento e dedicação! A
repercussão do comportamento dos militares na prisão era muito boa! Era preciso levar
isso em conta! [LCP – F/M]
- O essencial era tomarem-se medidas práticas para a continuação do movimento, e
Prestes agia nesse sentido.
- Através de Ilvo Meireles, Prestes aumentou seus contatos com políticos aliados e
quadros do Partido que, sem militância de base, formavam uma espécie de grupo auxiliar
da direção. E durante quase um mês, até às vésperas do Natal de 1935, o PCB e Prestes
mantiveram uma visão otimista dos acontecimentos e suas atitudes demonstravam que se
sentiam tranquilos quanto às necessidades de segurança.
Golpe na direção
Perda de sigilo e prisão do CC
p. 284 – Pouco depois da prisão de Bagé, o Partido sofria outro sério revés. No dia 22 de
dezembro, uma explosão na casa 187 da rua Borda do Mato, no Rio de Janeiro, levou à
prisão de Francisco Romero, profissional do Partido que fabricava e armazenava
explosivos em sua residência.
- Preso, Romero não suportou as torturas e acabou por fornecer à polícia minúcias da
vida partidária, esclarecendo sobre a composição da direção, dando nomes e codinomes,
completando o que Bagé já dissera; [...]
Olga
p. 284-85 – Com as informações de Bagé sobre o estrangeiro que estivera na reunião do
CC, a polícia brasileira pediu o auxílio do Intelligence Service, que rapidamente o
identificou como Arthur Ernst Ewert. [...] O do Intelligence Service conseguira seguir
o líder comunista até a pensão da rua Marquês de Abrantes, onde se hospedara ao
chegar, e depois perdera sua pista; retomadas as investigações com o apoio da polícia
brasileira e a participação da Gestapo, acabaram por chegar à rua Paul Redfern, em
Ipanema. No dia 26 de dezembro, Berger e Elise foram presos. Olga ia levando alguns
documentos de Prestes para o amigo, assistiu da esquina à prisão do casal e teve tempo
de correr para casa e avisar o marido.
p. 285– Em casa de Berger a polícia apreendeu enorme quantidade de documentos e
obteve da empregada Deolinda Elias o endereço do casal amigo, Prestes e Olga, que
vivia por perto, mas quando chegou à Barão da Torre, os dois já tinham fugido. Antes de
deixar a casa, Prestes ligou ao cofre onde guardava seu arquivo um dispositivo,
montado por Franz Paul Gruber, que deveria provocar uma explosão quando
tentassem abri-lo, mas não houve nenhuma explosão. Gruber era um agente duplo,
como se soube depois, e a polícia pôde recolher os documentos acumulados, que
somados aos de Berger, e logo depois aos que seriam apreendidos em casa de Miranda,
deram ao governo uma visão bastante completa das atividades do Partido e muito
particularmente das pessoas que colaboravam com ele.
- A prisão do casal foi mantida em segredo até o dia 6 de janeiro. Berger foi torturado com
inaudita brutalidade. A polícia tinha um interesse especial em comprometer a Terceira
Internacional com os movimentos de novembro, e a prisão de um comunista comprovar o
que até então não passara de provocação. [...]
Sensacionalismo na imprensa ~inimiga do Partido~, o Jornal A Nota
p. 286 – As diversas reportagens continham todos os ingredientes para inflamar a
imaginação com a “Trama infernal”: a insurreição comandada de Moscou por perigosos
agentes estrangeiros; o “ouro de Moscou” e as matanças de brasileiros planejadas no
Kremlin.
p. 286-87 - Os boatos sobre um golpe de generais, comandado por Góis Monteiro contra
Vargas e contra o comunismo, continuava a circular. Pedro Ernesto e o coronel Filipe
Moreira Lima chegaram a dizer que o movimento estava marcado para a noite de Natal. A
tentativa de rebelião dos marinheiros na Bahia fez com que se falasse também em
iminente levante do Batalhão Naval, mas depois da prisão de Berger as avaliações
mudaram.
p. 287 – A segurança, que não fora tratada com muita seriedade pelo Partido,
começava agora a ser grande preocupação de alguns de seus membros.
p. 288 – [...] O principal interesse dos policiais, que já conheciam toda a composição da
direção, era saber onde estava Prestes e identificar codinomes que apareciam nos
documentos dos arquivos de Berger, de Prestes e agora de Miranda.
- A prisão do secretário-geral foi um golpe sério para o PCB, principalmente quando
começaram a circular boatos de que Miranda não se portara como seria de se
esperar do cargo que ocupava.
p. 289 – Na prisão, Ghioldi forneceu à polícia todas as informações que lhe faltava. Aqui,
mais do que em qualquer outro momento do período estudado, o mito do dirigente
partidário aparece da forma mais exacerbada. O membro mais categorizado dos
comunistas latino-americanos teria de ser um cidadão acima de qualquer suspeita.
olga entregue a Gestapo
O último ato
p. 291 – Com a prisão de Miranda, Bangu foi chamado para assumir a secretaria-geral e,
no final de janeiro, a direção já estava reorganizada. Militantes do Partido, revoltados com
os levantes e com a quantidade do material apreendido pela polícia em casa de
dirigentes, pediam a eleição democrática do Birô Político e do Secretariado Nacional, mas
o argumento da segurança foi levantado contra a reivindicação. O SN tentava, inclusive,
negar a importância e mesmo a existência de documentos e anotações que tivessem
caído em mãos da polícia
forças da PM de Recife – coesas e não poucas adesões
- Do final de janeiro até a prisão de Prestes a 5 de março, a correspondência da direção
partidária e de Ilvo Meireles com o Cavaleiro da Esperança foi intensa, chegando às
vezes a três, quatro cartas diárias. As principais questões tratadas continuavam a ser
segurança, finanças e, “politicamente”, especulações sobre o crescimento do
Partido nos meios militantes.
- Agora que Miranda estava preso, o SN passava a ouvir Prestes antes de tomar qualquer
decisão de maior importância. Para o trabalho do dia-a-dia, Prestes aconselhava que se
aproveitasse a carestia de vida para reorganizar comitês de bairro e núcleos da
ANL. Sobre os acontecimentos de novembro, ainda se dizia que a derrota não
passara de episódio rapidamente superável e as esperanças estavam no Nordeste,
“onde os comunistas querem voltar à luta o mais breve do que estamos
imaginando”, dizia Ilvo Meireles.
p. 291-92 – Em fevereiro de 1936, a atividade do Partido estava limitada a questões de
sobrevivência e resguardo de seus quadros de direção. Mesmo assim, insistia-se na luta
armada através das “guerrilhas” nordestinas. Com o pouco de direção que sobrara
naquela região, mas com auspiciosas notícias sobre a atuação de grupos armados
no interior, o Partido esperava reerguer-se e desencadear a luta em âmbito
nacional.
Sobre o movimento guerrilheiro
p. 292 – Prestes, que passou a depositar todas as suas esperanças no movimento
guerrilheiro que vinha aconselhando havia algum tempo, sugeriu a criação de um
órgão especial para o Nordeste, “cuja missão fundamental, tarefa central, seja
dirigir a luta guerrilheira”. Tal órgão, um comitê militar, deveria iniciar seu trabalho
em Recife, com as tarefas de localizar os grupos armados, enviando orientação
política e militar a eles; preparar a incorporação de novos companheiros a tais
grupos; organizar uma rede de ligações pelo interior e organizar o trabalho de
informações; centralizar os armamentos, depósitos e fabricação de explosivos;
informar ao Partido sobre as atividades das guerrilhas etc. O documento é longo e
mostra que o Cavaleiro da Esperança não desistia dos movimentos de caráter militar. [...]
Nem a direção nem Prestes sabiam que, poucos dias antes, tivera um triste fim o inglório
episódio dos “bandoleiros extremistas”.
“O caso garota”
p. 292 – Assunto que ocupou grande parte da correspondência entre Prestes e a direção
nacional do PCB, durante o mês de fevereiro de 1936, foi o “caso Garota”. A 25 ou 26 de
janeiro, Elza, a companheira de Miranda, fora posta em liberdade, começando a criar
problemas para o Partido. Na tarde de 26 de janeiro, a Garota, como era chamada,
procurara um irmão de Ilvo Meireles, em busca de abrigo e para transmitir vários recados
do secretário-geral, com quem tivera frequentes contatos na prisão. Mesmo depois de
solta, Elza continuava a visitar o marido, voltando sempre com novos bilhetes e recados.
Miranda mandava avisar com insistência que toda a direção era conhecida, desde a
prisão de Bagé, e escrevia também a várias pessoas pedindo que hospedassem Elza,
que ninguém queria em casa. A direção do PC aconselhara que voltasse para seu próprio
apartamento, mas a moça não aceitava essa solução. Os contatos com Elza eram
perigosos, uma vez que ela ia quase diariamente à prisão, e depois saía a procura de
membros e simpatizantes do Partido levando recados. A direção nacional começou a
suspeitar, então, que a Garota estivesse a serviço da repressão.
p. 293 – Quanto a Prestes, não podia admitir que a polícia estivesse permitindo os
encontros de Miranda com a mulher e muito menos que esse pudesse mandar qualquer
coisa por seu intermédio. Isso quereria dizer que a incomunicabilidade de Miranda não
era total, que ele estaria tendo regalias e, nesse caso, que teria fornecido
informações à polícia. Ora, em se tratando de um secretário-geral, Prestes não podia
sequer admitir tal hipótese; logo, os recados tinham de ser falsos, forjados pela polícia,
para quem Elza estaria trabalhando. Esta suposição tornou-se para ele uma certeza tão
inabalável quanto sua crença na secretaria geral, e o próprio conteúdo dos recados de
Miranda era uma afronta a essa sua crença.
- Prestes, indignado, convenceu-se da existência de uma trama montada pela polícia para
desmoralizar o Partido e que Elza seria o instrumento consciente de tal provocação.
- A primeira medida que o SN tomou foi isolar a moça e impedir que ela continuasse a
visitar o marido.
Interrogaram ela também
p. 294 - Foi o Secretariado Nacional, através de Honório, que primeiro sugeriu a
eliminação física de Elza.
- O SN resolveu também introduzir “novas táticas” nos interrogatórios: inventaram haver
recebido uma carta de Miranda, onde este dizia que Elza havia colaborado com a polícia
e pedia que se tivesse paciência com ela, por ser muito jovem. Elza não gostou. Contou
aborrecida que somente dera dois endereços, “mas negou redondamente tudo o mais,
insistindo em suas afirmações anteriores com muita firmeza”. Mesmo assim o SN concluía
que a Garota repetia o que aprendera na polícia [...].
O destino da garota estava selado
p. 297 – Depois de toda essa troca de correspondência, o Secretariado reuniu-se sem a
presença de Brito. Estavam Honório, Bangu e Tampinha. Leram a carta de Prestes, que
segundo Honório declarou mais tarde “foi decisiva para que confirmassem a decisão de
eliminar Elza”. O secretário de organização ficou responsável pelo cumprimento da
“tarefa”.
- Foi somente depois de saber do assassinato da companheira que Miranda,
transformado num trapo humano, passou a colaborar com a polícia.
Cai o pano
p. 298-99 – É importante notar que a segurança de Prestes sobre uma trama policial
para desmoralizar o Partido e sua direção estava longe de ser um raciocínio
gratuito, pois foi exatamente nesse sentido que a polícia atuou, somente que sem a
sofisticação que os comunistas lhe imputaram. A coerência do pensando do
Cavaleiro da Esperança sobre isso, que envolvera a vida de Elza Fernandes, punha
em jogo agora a de Olga e a dele próprio.
p. 299 – [...] Prestes parecia não temer sua prisão. Vários amigos vinham lhe oferecendo
esconderijos, como Pedro Ernesto e Virgílio de Melo Franco, “mas eu não confiava e,
além disso, eu me sentia forte”.
- A prisão de Luiz Carlos Prestes encerrou definitivamente a atividade tenentista na
vida política do país. O grande general da Coluna Invicta fora, finalmente, derrotado.
Post Scriptum
p. 300 – Com a prisão de Prestes, a situação do Partido tornou-se muito difícil. Além da
queda da principal figura dos tenentes, da ANL e do PCB, a polícia punha a mão em outra
enorme quantidade de documentos: informes, correspondência [...], resoluções,
circulares, artigos, que caíram em profusão na rua Honório. Alguns jornais publicaram
fotos com o nome completo de toda a direção que se viu inteiramente acuada. O
secretariado mudou-se para Recife, voltou ao Rio, transferiu-se para São Paulo, tornou ao
Rio. Em abril de 1940 foram presos.
- O governo explorou ao máximo os acontecimentos de novembro de 1935. No primeiro
aniversário da “Intentona”, os integralistas solidarizam-se com o general João Gomes, “na
comemoração do primeiro aniversário da morte dos militares que se bateram contra o
levante comunista”. A partir de então, o governo passou a comemorar 27 de novembro
com grande estardalhaço, transformando-o em marco anticomunista.
- Em novembro de 1938, Getúlio decretou a construção de um mausoléu no cemitério de
São João Batista para reunir os restos mortais “dos oficiais sacrificados na defesa da
Pátria, contra o levante comunista de 27 de novembro”, abrindo para isso crédito especial
de trezentos contos de réis.
- O número de legalistas mortos, a grande maioria vítima do ataque do próprio
governo às forças rebeldes, foi incomparavelmente menor que o dos
revolucionários.
- Quanto aos revolucionários mortos, não tiveram enterro oficial e é impossível
contar seu número – cerca de uma centena, fuzilados ao se renderem,
assassinados na polícia e enterrados sem nome.
p. 301 – Os revolucionários de 1935 cometeram tais erros, iludiram-se tanto, que ao
estudar suas ações tem-se a impressão, às vezes, de penetrar num mundo demencial.
Eram todos frutos da sociedade brasileira e suas ações seguiram a lógica das
tradições políticas, sociais e militares do país, com toda a bravura e com todas as
deficiências de sua gente. Mas, quaisquer que tenham sido seus erros, lembramos
as últimas palavras de Olga Benário, na carta que escreveu na véspera de sua
execução, despedindo-se do marido, da filha e da vida: apesar de tudo, eles haviam
lutado “pelo bem, pelo justo, pelo melhor dos mundos”.
Algumas conclusões
p. 303 – [...] os movimentos armados de novembro de 1935 foram fatos históricos
tipicamente nacionais, que eclodiram a partir de situações gestadas e desenvolvidas no
contexto da sociedade brasileira da época, baseadas nas tradições de lutas populares e
na significativa participação de setores e lideranças políticas oriundas das camadas
médias urbanas, principalmente militares. As análises, tanto das causas que detonaram
os movimentos como de seus objetivos e do papel de suas principais personagens,
também dão prova disso.
Motivações
- Entre as motivações que levaram aos movimentos, destacam-se como relevantes:
1) O forte espírito tenentista e a tradição de movimentos militares, arraigados nos setores
mais democraticamente ativos da sociedade – a ANL e o PCB –, reunidos em torno de
sua principal figura, Luiz Carlos Prestes.
2) A mobilização popular contra o integralismo, reforçada pela rejeição ao nazi-fascismo
por setores ponderáveis da sociedade.
3) As oposições estaduais a Vargas, no contexto de um agitado quadro de lutas pré-
eleitorais e o movimento operário grevista reivindicatório, que atribuíram para dar uma
aparência de fragilidade ao governo e para criar um clima propício à superestimação das
forças oposicionistas democráticas,
4) As lutas polícias locais que se desenvolveram principalmente a partir das eleições
estaduais de outubro de 1935.
5) A profunda insatisfação dos militares subalternos pela redução dos efetivos do Exército.
p. 303-04 – O movimento democrático, que no início de 1935 corporificou-se na ANL,
apresentou duas faces: uma, progressista, enquanto reação contra a manutenção pela
Revolução de 1930 do status quo social e político; outra, anacrônica, uma vez que seu
programa apontava para um capitalismo nacional autárquico, historicamente já superado
pelo nível de desenvolvimento capitalista do país e pelo grau de sua inserção na
economia mundial. Além disso, esquecia-se um dado essencial da nova realidade: numa
situação econômica favorável, parte considerável da classe trabalhadora fora ganha
para a ideologia e a prática conciliadora do trabalhismo varguista.
p. 304 – A difundida tese do papel do Comintern como instigador e condutor dos
movimentos de 1935 não encontra qualquer apoio nos fatos documentados, e o “dedo de
Moscou” não pôde ser comprovado nos levantes. A Internacional Comunista, não é
demais repetir, se não era indiferente aos destinos do movimento revolucionário brasileiro
– que lhe anunciaram ser promissor – manteve-se numa expectativa conivente em
relação ao que ocorria no Brasil. Além do mais, desde a morte de Lenin, em 1924, e com
plena vigência a partir de 1927, o objetivo do Comintern deixara de ser a revolução
mundial e se concentrara na defesa do Estado soviético. Não houve sequer uma
diretiva interna para o início dos levantes. A eclosão das insurreições nos três
locais onde ocorreram apresentou graus elevados de autonomia, e o PCB, a
reboque dos acontecimentos ou detonador deles, não conseguiu imprimir às
revoltas qualquer caráter político-partidário.
- No Rio Grande do Norte, o movimento militar foi caracteristicamente popular, devido ao
componente espontâneo da sublevação, o que explica não só o caráter anárquico do
movimento como sua extensão pelo interior do estado. Em Recife, a ação foi puramente
militar, fruto exclusivo da fantasia golpista dos membros do Secretariado do Nordeste. No
Rio de Janeiro, o ambiente geral e a rebeldia de alguns militares nordestinos levou a que
Prestes avaliasse a situação como provável início da revolução nacional-libertadora: nem
a chance deveria ser perdida nem a vanguarda revolucionária abandonada à sua sorte.
p. 305 – Benedito de Carvalho observa que “não há revolução ‘secreta’ e aquela foi. Não
teve ‘massa’, uma conspiração, éramos todos tenentistas”. Roberto Sisson, tenente
e não ligado ao PCB, concluía em 1939:
Citação: “Os movimentos do Rio Grande do Norte e do Recife não foram uma “revolução
comunista”, como os classificou a reação fascistizante. Como tampouco foi comunista a
sublevação que pouco depois estalou no Rio de Janeiro, sob a responsabilidade de Luiz
Carlos Prestes. Tais movimentos foram sublevações de quartel, dentro da mais rigorosa
tradição revolucionária militar latino-americana. Pelos atos dos revolucionários e pelas
palavras de seus chefes e líderes, hoje amplamente conhecidos, essa revolução
espontânea, prestista, militar, nacional-libertadora e, portanto, antiimperialista,
antiintegralista, a favor da industrialização do país e pela democratização e eficiência do
Exército nacional. [...] Não podia deixar de contar com o apoio da ANL e ser considerada
como legítima continuação e desenvolvimento da gesta que desde 1922 se vem
desenrolando no Brasil. [SISSON, R. La Revoluvión... op. Cit., pp. 22-23. O grifo é meu.]
- Prestes, na primeira entrevista em que falou do assunto, negou que o movimento
no Rio de Janeiro tivesse um caráter tenentista.
- O viés antiintegralista-antifascista dera uma nova densidade à luta pela
democracia, ponto básico do programa da ANL. Ao mesmo tempo, o projeto político
global tanto do PCB quanto da ANL, fosse ditadura democrática do proletariado,
fosse a ditadura liberal das elites civis e militares, estava imbuído de fortes traços
mandonistas, o que, em geral, era uma constante, um aspecto marcante da
ideologia polícia tradicional da sociedade.
p. 305 – A ANL foi essencialmente uma continuação do tenentismo. Quanto ao PCB,
sua formulação da “revolução armada das grandes massas” parece não ter
passado disso: uma formulação tão radical quanto irreal.
p. 306 – Quero também registrar, nessas conclusões, que a proposta política de Luiz
Carlos Prestes de um governo popular nacional revolucionário (sugerida pela IC em
substituição ao de sovietes) que cumprisse as tarefas de liquidar o imperialismo, o
latifúndio e o fascismo, foi uma palavra de ordem tão polissêmica e policlassista que podia
sensibilizar – como sensibilizou – amplas camadas da população. Por outro lado, nem a
IC nem os comunistas brasileiros foram capazes de elaborar uma estratégia
revolucionária que aliasse a luta pela soberania nacional – tão cara aos militares da época
– à luta de classes, numa sociedade já capitalista. A fórmula de uma revolução “nacional-
democrática” ou “agrária-antiiperialista” sob a hegemonia do proletariado, que conduzisse
sem etapas à construção do socialismo, foi um mau compromisso, que compensou a
lacuna de uma clara elaboração da estratégia revolucionária brasileira. Nela, nem o
socialismo nem a ditadura do proletariado poderiam estar na ordem do dia, e, embora os
próprios comunistas o reconhecessem, não o faziam a partir de uma análise concreta da
sociedade brasileira, mas por aceitarem as teses da IC, que classificavam o Brasil como
economicamente feudal e politicamente semicolônia do imperialismo.
- O único caminho para os comunistas, na época, seria lutar por incorporar a classe
operária, organizada e unida, na vida política do país e pela conquista da cidadania para
as populações rurais. Vivendo a realidade de um capitalismo dependente cuja classe
dominante conseguiria neutralizar boa parte da classe operária para melhor resolver sua
necessidade de acumulação de capital, o PCB considerou o imperialismo como fator
exclusivamente externo, tornando-o o cerne da “questão nacional”; e não sabendo como
incorporar a ela a luta de classes, que trava na estratégia revolucionária como fator
democrático e socializante, encontrou na aliança com os tenentes de esquerda a solução
para seus problemas.
p. 306-307 – Os comunistas passaram a esperar das “forças nacionais” – os
militares – a condição da primeira etapa da revolução, que uma vez realizada os
faria prosseguir rumo ao socialismo, por obra e graça de uma hegemonia que
reivindicavam como direito natural, de um proletariado que só era forte e
consciente em seus informes, do respaldo do MCI (cuja estratégia só entrava
secundariamente) e da esperança que tinha no Cavaleiro que a levara,
principalmente, para as camadas médias urbanas interessadas no fim da República
Velha. Além do mais, o PCB, colocado à esquerda dos demais partidos, era a única
opção política para os grupos mais progressistas e democráticos, não só daquelas
camadas como da própria burguesia. Os movimentos armados de 1935, em que pesem
as fantasias, foram muito mais movimentos rebeldes que revolucionários, e, por falta de
um mínimo de respaldo popular, acabaram por reforçar as propostas autoritárias dos
grupos dominantes ao destruir a frente democrática que se tentava reconstruir.
p. 307 – A faca representatividade – ou mesmo identidade – do PCB é outro lado
relevante do cenário político e social do período. E essa debilidade não foi compensada
pelo peso histórico e moral de Luiz Carlos Prestes, uma vez que os setores mais
avançados da sociedade, que se conectavam ao PC através da liderança de Prestes,
achavam-se fortemente influenciados pela mentalidade e pela ação tenentista,
convencidos do papel democrático, indispensável e hegemônico das Forças Armadas na
política nacional, em detrimento das instituições políticas da sociedade.
- A inadequação PCB/classe operária e inserção extremamente precária dos comunistas
na sociedade brasileira levaram o Partido a produzi representações igualmente distantes
da realidade. Em tais condições, os princípios doutrinários passaram a ser os principais
pilares da justificativa de sua existência – e da resistência de seus militantes à ordem
estabelecida. Apesar do idealismo revolucionário de seus membros, o PCB viveu imerso
no subjetivismo político. Tal posição foi menos um “defeito” do Partido do que resultado de
seu objetivo enraizamento na atrasada cultura política da sociedade da qual era fruto.
Colocando na afirmativa a indagação de Eric Hobsbawm: “Um partido não pode ser
funcionalmente revolucionário num país em que a revolução simplesmente não está
na ordem do dia e que nem sequer possui tradição viva de revoluções passadas”.
Aparição do PCB enquanto uma força, ou vanguarda
- Exatamente pelos movimentos de novembro de 1935 terem sido uma manifestação
tenentista que, embora fora de época e fadada ao fracasso, representava – muito mais
que qualquer perspectiva comunista ou socialista – uma tradição arraigada em amplos
setores da população, a “Intentona” permitiu ao PCB sair das catacumbas. Num aparente
paradoxo, foi a influência dos tenentes e a entrada de Luiz Carlos Prestes para o Partido
que deram ao PCB projeção nacional e permitiram, a médio prazo, sua consolidação
como partido político.

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