Gostaria de iniciar agradecendo à organização desse
evento pela oportunidade de apresentar nossos trabalhos de iniciação científica e nossos outros projetos que ainda estão por se realizar. É muito importante para mim que a gente conheça o que nossos colegas estão pesquisando e pensando, porque muitas vezes a gente se vê todo dia no instituto, conversa, fala que pesquisa, mas não sabe exatamente o que o outro está fazendo. Espero que esse evento faça com que, nas futuras vezes que ele acontecer, mais alunos e pesquisadores se apresentem e façam com que suas pesquisas sejam conhecidas pelos colegas e professores.
Eu pensei em apresentar primeiro o que pesquisei na
minha iniciação científica, e que resultou em minha monografia. Depois disso vou falar um pouco sobre o projeto que vou escrever para o mestrado.
De 2015 a 2016 eu realizei, sob a orientação do
professor Claudio Batalha, a iniciação científica que resultou em uma monografia sob o título O Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8): da luta armada à luta pelas liberdades democráticas (1969-1976). Nessa minha pesquisa, o objetivo principal foi tentar compreender de que maneira uma organização comunista, que havia pegado em armas contra a ditadura militar, decide abandonar essa tática de luta e adotar uma completamente diferente, a luta pelas liberdades democráticas.
Primeiramente, é necessário fazer uma pequena
explicação da posição do PCB no período anterior e exatamente posterior ao golpe de 1964. Em parte devido à reviravolta causada no movimento comunista em 1956, com a divulgação do relatório denunciando os crimes de Stalin no Vigésimo Congresso do Partido Comunista da União Soviética, o PCB tenta formular sua nova linha política para se afastar das práticas tidas como "stalinistas". Em 1958 o Partido lança um documento que, de fato, dá as coordenadas para sua ação até o golpe civil-militar e, nele, o PCB interpreta que o capitalismo brasileiro não estaria plenamente desenvolvido, sendo atrasado devido à predominância de um setor agrário vinculado aos interesses imperialistas estrangeiros. Dessa forma, afirma que a revolução brasileira seria uma revolução feita por etapas, e a primeira a ser alcançada seria a etapa da revolução burguesa. Nessa fase as condições materiais seriam desenvolvidas, assim como haveria um crescimento do proletariado, e essas condições possibilitariam a geração da consciência de classe dos trabalhadores. Após esse desenvolvimento, sob a direção do Partido, seria possível a realização de uma revolução que tiraria o poder das mãos da burguesia e completaria, assim, as etapas necessárias para se alcançar o socialismo. Mesmo na ilegalidade, os comunistas deveriam atuar para se alcançar a primeira etapa através das instituições do Estado, buscando reformas políticas e sociais que eliminassem as desigualdades geradas pela dominação do latifúndio e do imperialismo.
Como um importante elo dessa tática, o PCB previa a
possibilidade de aliança com aquele setores tidos como progressistas da "burguesia nacional", ou seja, a burguesia que se preocuparia com o desenvolvimento econômico nacional e que não estava aliada ao imperialismo. Porém, a análise histórica do período nos mostra que o capitalismo brasileiro já estava muito bem desenvolvido e, de fato, inserido no mercado global, principalmente após as políticas desenvolvimentistas do governo JK no final dos anos 1950. Essa crença do PCB na "burguesia nacional", segundo os grupos que dele se separaram, é tomada como o motivo principal do imobilismo dos comunistas, que não teriam conseguido montar uma resistência efetiva contra o golpe em 1964.
A culpabilidade pelo golpe, e a continuidade da defesa
de suas posições políticas faz com que diversos grupos internos do PCB fiquem insatisfeitos. Um desses grupos que se acabam por se separar do Partido, na segunda metade dos anos 1960, foi o MR-8. A organização tem origens nos grupos universitários do Partido do então estado da Guanabara, que compreendia a região da atual cidade do Rio de Janeiro. Esses estudantes se organizam na chamada Dissidência Universitária da Guanabara, e se separou do Partido em 1967 em meio aos debates da participação das eleições de 1968. Nesse caso, o PCB defendia o apoio a candidatos do partido de oposição da ditadura, o MDB, enquanto a Dissidência defendia a adoção do voto nulo. Foi a partir de 1969 que a organização passou a defender a luta armada como forma de atuação.
Oriunda do movimento estudantil, a Dissidência da
Guanabara foi um dos grupos que ajudaram a mobilizar os estudantes nas manifestações de 1968. Esse período de manifestações de rua, além de demonstrar a insatisfação com as políticas da ditadura, foi um pretexto para o fechamento do regime com a decretação do AI-5 em dezembro do mesmo ano – mesmo que a sua decretação não seja exatamente como resultado das manifestações. A radicalização de muitos dos manifestantes acabou por levar muitos deles a entrar nas organizações revolucionárias. Seja pela atuação da repressão, ou pelo descontentamento com a vida política, muitos jovens foram levados a desacreditar em soluções vindas das manifestações e esperavam mudar a sua realidade através da luta armada. A decretação do AI-5, seja para os comunistas, justificando a violência armada, seja para o regime, justificando a repressão, de fato, levou muitos estudantes a engrossar as fileiras das organizações.
Foi em uma ação com militantes da Ação Libertadora
Nacional, a ALN, de Carlos Mariguella, que o MR-8 ficou conhecido. Eles sequestraram o embaixador americano Charles Elbrick, e exigiram que alguns presos políticos fossem soltos em troca do embaixador. Foi aí que a organização adota o nome de MR-8, numa tentativa de desmoralizar os órgãos de segurança, que haviam anunciado o desbaratamento de uma organização com o mesmo nome uns dias antes. Com isso, a partir desse evento os órgãos de segurança passam a ficar mais agressivos e a aperfeiçoar o combate aos chamados “subversivos”. Isso termina por virtualmente aniquilar os movimentos de luta armada urbana em meados de 1971 e 1972.
No caso específico do MR-8, um dos reflexos desse
aumento da repressão foi, primeiro, a percepção do esgotamento da luta armada como modo de se lutar contra a ditadura e, em segundo lugar, o exílio da maioria da direção no Chile de Salvador Allende em 1972. É nesse período que a organização realiza sua convenção, chamado no jargão comunista de pleno, para decidir sobre o abandono da luta armada e a adoção da bandeira pelas liberdades democráticas.
Meu primeiro questionamento, como já disse, foi o de
tentar entender como se deu esse processo de abandono da luta armada. A partir disso foi preciso pensar no básico: quais são as diferenças táticas e estratégicas entre essas duas linhas políticas, além da ausência de uma ação armada imediata? Pra responder a essas perguntas eu fui atrás principalmente da documentação interna da organização e de periódicos, das linhas e das resoluções políticas. Nesses documentos estão delimitados e explicados como e porque os comunistas deveriam agir, o que deveriam fazer, e quais os seus planos e visões sobre o futuro socialista, assim como uma análise da sua realidade imediata.
Quais são, então, as principais diferenças de linha
política? Em primeiro lugar, de 1969 a 1972, a organização defendia como principal tática de luta armada o “foquismo”. Essa tática, inspirada pelos escritos de Che Guevara e de Régis Débray, previa que um pequeno grupo guerrilheiro, armado e em um local isolado, iria conseguir angariar o apoio das classes trabalhadoras através do exemplo revolucionário. Mais ou menos como se esse grupo guerrilheiro fosse acender o fogo revolucionário que estivesse dormente no proletariado.
O que a luta armada acabou por alcançar, pelo contrário,
foram ações armadas urbanas com o objetivo de angariar fundos para financiar a guerrilha. O que, no final de contas, acabou por se tornar um fim em si mesmo: sem apoio da população, em situação de clandestinidade, sem poder trabalhar, e sob o cerco cada vez mais fechado dos órgãos de segurança, as ações armadas acabaram se tornando um meio de sobreviver e de se defender contra os ataques da repressão.
Já estava nítido para a organização, a partir de finais de
1970, o esgotamento dessa tática de luta. Em um documento de janeiro de 1971 a observação feita foi a de que o foquismo, como buscado pela organização, havia os afastado do proletariado. O que a organização deveria fazer, portanto, era voltar à realização de um trabalho de base e um recuo da luta armada. É importante reafirmar a palavra recuo, porque o que se via no horizonte não era uma mudança de abordagem, mas sim um momento para concentração de forças visando o retorno ao combate à ditadura.
Os guerrilheiros não poderiam simplesmente abandonar
a luta armada, por uma multiplicidade de fatores. Como justificar a saída depois de tantos companheiros mortos em combate? Um dos guerrilheiros afirmou a Marcelo Ridenti, em sua tese, que sair da luta armada seria uma afronta à memória e ao próprio sacrifício de seus companheiros. Mais ainda, como sair da luta armada e não passar a defender as teses defendidas pelo PCB, tidas como “reformistas”, que justamente foram o motivo da separação do MR-8?
Esses foram problemas que a organização teve de passar
ao longo de 1972, durante o exílio no Chile. O Comitê Central buscou debater os temas do abandono da luta armada através de publicações internas sob o título de Boletim Central. Mas essas ideias, como é de se esperar, não foram amplamente aceitas, e em novembro de 1972 aconteceu um racha, uma cisão, entre a parte que defendia a manutenção da luta armada e outra que via como ideal a luta pelas liberdades democráticas. Em dezembro, esse segundo grupo, que mantém o controle da organização após a saída do primeiro, realizou um pleno que redefine essa nova tática política.
Agora, o MR-8 passaria a defender a luta pelas
liberdades democráticas como um meio de se realizar a revolução socialista. Como definido nas Resoluções do Pleno de 1972, e posteriormente através da publicação da revista Brasil Socialista a partir de 1975, o objetivo dessa tática seria lutar para que a classe trabalhadora pudesse ter seus direitos democráticos reestabelecidos. Eles seriam tanto o direito ao voto, como direito de se organizar em associações e sindicatos, a liberdade de imprensa, e a liberdade de filiação partidária. Outras pautas também defendidas nesse período seriam o fim da vigência do AI-5, a punição para os torturadores e a anistia para os perseguidos políticos.
É interessante pensarmos nas influências que levaram o
MR-8 a decidir por essa nova tática. Para mim, uma das coisas principais nessa formulação foi justamente o exílio no Chile, por duas razões principais. A primeira, é que deixou claro para a organização o esgotamento da luta armada e as suas limitações. A segunda razão seria a respeito do próprio Chile de Salvador Allende. O país estava vivendo uma experiência socialista democrática, com participação de amplos setores da sociedade na construção desse ideal. Alguns dos comunistas exilados se envolveram em projetos do governo chileno no período, o que pode ter colaborado para a reformulação da linha política. Ou seja, para mim, o exílio em si, tanto pela violência com que se deu o desterramento, quanto pelas possibilidades de se conhecer e de se relacionar com outras visões políticas, foi essencial nesse momento de reformulação do MR-8.
Assim, terminei a minha pesquisa tentando observar
como o MR-8 tenta aplicar a sua nova tática política. Através da revista Brasil Socialista, publicada na França a partir de 1975, a organização deixa claro quais são os seus objetivos: participar das eleições burguesas chamadas por eles de “farsa eleitoral”. Pela justificativa da organização, muito devido à polêmica que tal atuação gerava no movimento revolucionário da época, essa participação não teria por objetivo conseguir cargos no parlamento como um fim em si mesmo, buscando mudar o Estado por dentro, em uma lógica reformista. Pelo contrário, através da atuação nos pequenos espaços que a ditadura delimitava, como a propaganda eleitoral, os comunistas seriam capazes de fazer a divulgação dos ideais democráticos, fazendo com que a população ficasse consciente dos seus direitos e liberdades. Com isso, o que o MR-8 buscava era a criação de uma consciência de classe nos trabalhadores, os levando para a luta contra a ditadura e, assim, abrindo o caminho para a revolução socialista.
Enfim, defendendo a participação no Parlamento, o MR-
8 lança candidatos para as eleições legislativas municipais de 1976, e consegue eleger como vereador Antônio Carlos, um de seus antigos militantes. A partir disso a organização começa a crescer e se torna, até o final da década de 1970, um dos principais atores do campo das esquerdas, lançando jornais, disputando diretórios acadêmicos, sindicatos, mancando presença em diversos locais de atuação dos trabalhadores e estudantes.
Justamente isso é o que me deixou curioso para pensar
um projeto de mestrado. Depois de 1976 o MR-8 começa a participar de eleições e se torna um ator político importante para as esquerdas. Porém, a partir do início da década de 1980, o grupo passa a ser conhecido mais pela sua forma de atuação tida por truculenta, do que pela sua política. Mais ainda, uma mudança de posicionamento em 1982, no seu Terceiro Congresso, acaba em um novo racha, diluindo mais ainda a influência da organização.
Após alguns anos participando de eleições e da vida
interna do MDB, o MR-8 decide nesse Congresso por abandonar a luta pelas liberdades democráticas, e passa a defender uma aliança com os setores tidos como progressistas da burguesia nacional, assim como o PCB fazia em finais da década de 1950 e início da de 1960. Ou seja, depois de rechaçar essas políticas ao sair daquele Partido e adotar a luta armada a organização estaria, digamos assim, voltando às origens.
Esse é o meu principal questionamento para meu projeto
de mestrado: buscar compreender quais são as dinâmicas que moveram o MR-8 rumo a mais essa mudança política. Teria sido a participação nas eleições, já que a organização pode ser começado a se preocupar mais com cargos do que com a sua tática revolucionária? Teria sido a entrada e a vivência no MDB, cujo desejo do grupo era o de transformar o partido em um partido popular? Teriam sido as próprias dinâmicas da abertura lenta, segura e gradual do governo Geisel e Figueiredo que levaram às mudanças? Ainda não tenho respostas para essas perguntas, mas já é um primeiro passo em direção a uma pesquisa mais aprofundada.
Por fim, novamente agradeço à organização pela
oportunidade, e espero que eu tenha sido capaz de apresentar brevemente minha pesquisa e minha ideia de projeto de mestrado. Muito obrigado.