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Jefferson Athaydes

Apresentação SEPHis 08/08/17

Gostaria de iniciar agradecendo à organização desse


evento pela oportunidade de apresentar nossos trabalhos de
iniciação científica e nossos outros projetos que ainda estão
por se realizar. É muito importante para mim que a gente
conheça o que nossos colegas estão pesquisando e pensando,
porque muitas vezes a gente se vê todo dia no instituto,
conversa, fala que pesquisa, mas não sabe exatamente o que o
outro está fazendo. Espero que esse evento faça com que, nas
futuras vezes que ele acontecer, mais alunos e pesquisadores
se apresentem e façam com que suas pesquisas sejam
conhecidas pelos colegas e professores.

Eu pensei em apresentar primeiro o que pesquisei na


minha iniciação científica, e que resultou em minha
monografia. Depois disso vou falar um pouco sobre o
projeto que vou escrever para o mestrado.

De 2015 a 2016 eu realizei, sob a orientação do


professor Claudio Batalha, a iniciação científica que resultou
em uma monografia sob o título O Movimento Revolucionário
8 de Outubro (MR-8): da luta armada à luta pelas liberdades
democráticas (1969-1976). Nessa minha pesquisa, o objetivo
principal foi tentar compreender de que maneira uma
organização comunista, que havia pegado em armas contra a
ditadura militar, decide abandonar essa tática de luta e adotar
uma completamente diferente, a luta pelas liberdades
democráticas.

Primeiramente, é necessário fazer uma pequena


explicação da posição do PCB no período anterior e
exatamente posterior ao golpe de 1964. Em parte devido à
reviravolta causada no movimento comunista em 1956, com a
divulgação do relatório denunciando os crimes de Stalin no
Vigésimo Congresso do Partido Comunista da União
Soviética, o PCB tenta formular sua nova linha política para
se afastar das práticas tidas como "stalinistas". Em 1958 o
Partido lança um documento que, de fato, dá as coordenadas
para sua ação até o golpe civil-militar e, nele, o PCB
interpreta que o capitalismo brasileiro não estaria plenamente
desenvolvido, sendo atrasado devido à predominância de um
setor agrário vinculado aos interesses imperialistas
estrangeiros. Dessa forma, afirma que a revolução brasileira
seria uma revolução feita por etapas, e a primeira a ser
alcançada seria a etapa da revolução burguesa. Nessa fase as
condições materiais seriam desenvolvidas, assim como
haveria um crescimento do proletariado, e essas condições
possibilitariam a geração da consciência de classe dos
trabalhadores. Após esse desenvolvimento, sob a direção do
Partido, seria possível a realização de uma revolução que
tiraria o poder das mãos da burguesia e completaria, assim, as
etapas necessárias para se alcançar o socialismo. Mesmo na
ilegalidade, os comunistas deveriam atuar para se alcançar a
primeira etapa através das instituições do Estado, buscando
reformas políticas e sociais que eliminassem as desigualdades
geradas pela dominação do latifúndio e do imperialismo.

Como um importante elo dessa tática, o PCB previa a


possibilidade de aliança com aquele setores tidos como
progressistas da "burguesia nacional", ou seja, a burguesia que
se preocuparia com o desenvolvimento econômico nacional e
que não estava aliada ao imperialismo. Porém, a análise
histórica do período nos mostra que o capitalismo brasileiro já
estava muito bem desenvolvido e, de fato, inserido no
mercado global, principalmente após as políticas
desenvolvimentistas do governo JK no final dos anos 1950.
Essa crença do PCB na "burguesia nacional", segundo os
grupos que dele se separaram, é tomada como o motivo
principal do imobilismo dos comunistas, que não teriam
conseguido montar uma resistência efetiva contra o golpe em
1964.

A culpabilidade pelo golpe, e a continuidade da defesa


de suas posições políticas faz com que diversos grupos
internos do PCB fiquem insatisfeitos. Um desses grupos que
se acabam por se separar do Partido, na segunda metade dos
anos 1960, foi o MR-8. A organização tem origens nos grupos
universitários do Partido do então estado da Guanabara, que
compreendia a região da atual cidade do Rio de Janeiro. Esses
estudantes se organizam na chamada Dissidência
Universitária da Guanabara, e se separou do Partido em 1967
em meio aos debates da participação das eleições de 1968.
Nesse caso, o PCB defendia o apoio a candidatos do partido
de oposição da ditadura, o MDB, enquanto a Dissidência
defendia a adoção do voto nulo. Foi a partir de 1969 que a
organização passou a defender a luta armada como forma de
atuação.

Oriunda do movimento estudantil, a Dissidência da


Guanabara foi um dos grupos que ajudaram a mobilizar os
estudantes nas manifestações de 1968. Esse período de
manifestações de rua, além de demonstrar a insatisfação com
as políticas da ditadura, foi um pretexto para o fechamento do
regime com a decretação do AI-5 em dezembro do mesmo
ano – mesmo que a sua decretação não seja exatamente como
resultado das manifestações. A radicalização de muitos dos
manifestantes acabou por levar muitos deles a entrar nas
organizações revolucionárias. Seja pela atuação da repressão,
ou pelo descontentamento com a vida política, muitos jovens
foram levados a desacreditar em soluções vindas das
manifestações e esperavam mudar a sua realidade através da
luta armada. A decretação do AI-5, seja para os comunistas,
justificando a violência armada, seja para o regime,
justificando a repressão, de fato, levou muitos estudantes a
engrossar as fileiras das organizações.

Foi em uma ação com militantes da Ação Libertadora


Nacional, a ALN, de Carlos Mariguella, que o MR-8 ficou
conhecido. Eles sequestraram o embaixador americano
Charles Elbrick, e exigiram que alguns presos políticos
fossem soltos em troca do embaixador. Foi aí que a
organização adota o nome de MR-8, numa tentativa de
desmoralizar os órgãos de segurança, que haviam anunciado o
desbaratamento de uma organização com o mesmo nome uns
dias antes. Com isso, a partir desse evento os órgãos de
segurança passam a ficar mais agressivos e a aperfeiçoar o
combate aos chamados “subversivos”. Isso termina por
virtualmente aniquilar os movimentos de luta armada urbana
em meados de 1971 e 1972.

No caso específico do MR-8, um dos reflexos desse


aumento da repressão foi, primeiro, a percepção do
esgotamento da luta armada como modo de se lutar contra a
ditadura e, em segundo lugar, o exílio da maioria da direção
no Chile de Salvador Allende em 1972. É nesse período que a
organização realiza sua convenção, chamado no jargão
comunista de pleno, para decidir sobre o abandono da luta
armada e a adoção da bandeira pelas liberdades democráticas.

Meu primeiro questionamento, como já disse, foi o de


tentar entender como se deu esse processo de abandono da
luta armada. A partir disso foi preciso pensar no básico: quais
são as diferenças táticas e estratégicas entre essas duas linhas
políticas, além da ausência de uma ação armada imediata? Pra
responder a essas perguntas eu fui atrás principalmente da
documentação interna da organização e de periódicos, das
linhas e das resoluções políticas. Nesses documentos estão
delimitados e explicados como e porque os comunistas
deveriam agir, o que deveriam fazer, e quais os seus planos e
visões sobre o futuro socialista, assim como uma análise da
sua realidade imediata.

Quais são, então, as principais diferenças de linha


política? Em primeiro lugar, de 1969 a 1972, a organização
defendia como principal tática de luta armada o “foquismo”.
Essa tática, inspirada pelos escritos de Che Guevara e de
Régis Débray, previa que um pequeno grupo guerrilheiro,
armado e em um local isolado, iria conseguir angariar o apoio
das classes trabalhadoras através do exemplo revolucionário.
Mais ou menos como se esse grupo guerrilheiro fosse acender
o fogo revolucionário que estivesse dormente no proletariado.

O que a luta armada acabou por alcançar, pelo contrário,


foram ações armadas urbanas com o objetivo de angariar
fundos para financiar a guerrilha. O que, no final de contas,
acabou por se tornar um fim em si mesmo: sem apoio da
população, em situação de clandestinidade, sem poder
trabalhar, e sob o cerco cada vez mais fechado dos órgãos de
segurança, as ações armadas acabaram se tornando um meio
de sobreviver e de se defender contra os ataques da repressão.

Já estava nítido para a organização, a partir de finais de


1970, o esgotamento dessa tática de luta. Em um documento
de janeiro de 1971 a observação feita foi a de que o foquismo,
como buscado pela organização, havia os afastado do
proletariado. O que a organização deveria fazer, portanto, era
voltar à realização de um trabalho de base e um recuo da luta
armada. É importante reafirmar a palavra recuo, porque o que
se via no horizonte não era uma mudança de abordagem, mas
sim um momento para concentração de forças visando o
retorno ao combate à ditadura.

Os guerrilheiros não poderiam simplesmente abandonar


a luta armada, por uma multiplicidade de fatores. Como
justificar a saída depois de tantos companheiros mortos em
combate? Um dos guerrilheiros afirmou a Marcelo Ridenti,
em sua tese, que sair da luta armada seria uma afronta à
memória e ao próprio sacrifício de seus companheiros. Mais
ainda, como sair da luta armada e não passar a defender as
teses defendidas pelo PCB, tidas como “reformistas”, que
justamente foram o motivo da separação do MR-8?

Esses foram problemas que a organização teve de passar


ao longo de 1972, durante o exílio no Chile. O Comitê Central
buscou debater os temas do abandono da luta armada através
de publicações internas sob o título de Boletim Central. Mas
essas ideias, como é de se esperar, não foram amplamente
aceitas, e em novembro de 1972 aconteceu um racha, uma
cisão, entre a parte que defendia a manutenção da luta armada
e outra que via como ideal a luta pelas liberdades
democráticas. Em dezembro, esse segundo grupo, que
mantém o controle da organização após a saída do primeiro,
realizou um pleno que redefine essa nova tática política.

Agora, o MR-8 passaria a defender a luta pelas


liberdades democráticas como um meio de se realizar a
revolução socialista. Como definido nas Resoluções do Pleno
de 1972, e posteriormente através da publicação da revista
Brasil Socialista a partir de 1975, o objetivo dessa tática seria
lutar para que a classe trabalhadora pudesse ter seus direitos
democráticos reestabelecidos. Eles seriam tanto o direito ao
voto, como direito de se organizar em associações e
sindicatos, a liberdade de imprensa, e a liberdade de filiação
partidária. Outras pautas também defendidas nesse período
seriam o fim da vigência do AI-5, a punição para os
torturadores e a anistia para os perseguidos políticos.

É interessante pensarmos nas influências que levaram o


MR-8 a decidir por essa nova tática. Para mim, uma das
coisas principais nessa formulação foi justamente o exílio no
Chile, por duas razões principais. A primeira, é que deixou
claro para a organização o esgotamento da luta armada e as
suas limitações. A segunda razão seria a respeito do próprio
Chile de Salvador Allende. O país estava vivendo uma
experiência socialista democrática, com participação de
amplos setores da sociedade na construção desse ideal.
Alguns dos comunistas exilados se envolveram em projetos
do governo chileno no período, o que pode ter colaborado
para a reformulação da linha política. Ou seja, para mim, o
exílio em si, tanto pela violência com que se deu o
desterramento, quanto pelas possibilidades de se conhecer e
de se relacionar com outras visões políticas, foi essencial
nesse momento de reformulação do MR-8.

Assim, terminei a minha pesquisa tentando observar


como o MR-8 tenta aplicar a sua nova tática política. Através
da revista Brasil Socialista, publicada na França a partir de
1975, a organização deixa claro quais são os seus objetivos:
participar das eleições burguesas chamadas por eles de “farsa
eleitoral”. Pela justificativa da organização, muito devido à
polêmica que tal atuação gerava no movimento revolucionário
da época, essa participação não teria por objetivo conseguir
cargos no parlamento como um fim em si mesmo, buscando
mudar o Estado por dentro, em uma lógica reformista. Pelo
contrário, através da atuação nos pequenos espaços que a
ditadura delimitava, como a propaganda eleitoral, os
comunistas seriam capazes de fazer a divulgação dos ideais
democráticos, fazendo com que a população ficasse
consciente dos seus direitos e liberdades. Com isso, o que o
MR-8 buscava era a criação de uma consciência de classe nos
trabalhadores, os levando para a luta contra a ditadura e,
assim, abrindo o caminho para a revolução socialista.

Enfim, defendendo a participação no Parlamento, o MR-


8 lança candidatos para as eleições legislativas municipais de
1976, e consegue eleger como vereador Antônio Carlos, um
de seus antigos militantes. A partir disso a organização
começa a crescer e se torna, até o final da década de 1970, um
dos principais atores do campo das esquerdas, lançando
jornais, disputando diretórios acadêmicos, sindicatos,
mancando presença em diversos locais de atuação dos
trabalhadores e estudantes.

Justamente isso é o que me deixou curioso para pensar


um projeto de mestrado. Depois de 1976 o MR-8 começa a
participar de eleições e se torna um ator político importante
para as esquerdas. Porém, a partir do início da década de
1980, o grupo passa a ser conhecido mais pela sua forma de
atuação tida por truculenta, do que pela sua política. Mais
ainda, uma mudança de posicionamento em 1982, no seu
Terceiro Congresso, acaba em um novo racha, diluindo mais
ainda a influência da organização.

Após alguns anos participando de eleições e da vida


interna do MDB, o MR-8 decide nesse Congresso por
abandonar a luta pelas liberdades democráticas, e passa a
defender uma aliança com os setores tidos como progressistas
da burguesia nacional, assim como o PCB fazia em finais da
década de 1950 e início da de 1960. Ou seja, depois de
rechaçar essas políticas ao sair daquele Partido e adotar a luta
armada a organização estaria, digamos assim, voltando às
origens.

Esse é o meu principal questionamento para meu projeto


de mestrado: buscar compreender quais são as dinâmicas que
moveram o MR-8 rumo a mais essa mudança política. Teria
sido a participação nas eleições, já que a organização pode ser
começado a se preocupar mais com cargos do que com a sua
tática revolucionária? Teria sido a entrada e a vivência no
MDB, cujo desejo do grupo era o de transformar o partido em
um partido popular? Teriam sido as próprias dinâmicas da
abertura lenta, segura e gradual do governo Geisel e
Figueiredo que levaram às mudanças? Ainda não tenho
respostas para essas perguntas, mas já é um primeiro passo em
direção a uma pesquisa mais aprofundada.

Por fim, novamente agradeço à organização pela


oportunidade, e espero que eu tenha sido capaz de apresentar
brevemente minha pesquisa e minha ideia de projeto de
mestrado. Muito obrigado.

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