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Jefferson Godoy Athaydes RA 138562

RELATÓRIO PARCIAL DE ESTÁGIO DE LICENCIATURA II

Características do cursinho

O ingresso na universidade possui um filtro, selecionando apenas os “mais


aptos” a cursarem os mais variados cursos de graduação. Esse filtro seleciona aqueles
que possuem conhecimentos dos mais diversos, e os que conseguem melhor expressar
esses conhecimentos devem prová-lo por meio de um teste, o vestibular. Também é de
conhecimento geral que as escolas públicas possuem diversos problemas, seja a falta de
investimentos, falta de professores, etc. De certo modo, os alunos dessas escolas,
especialmente as mais periféricas, têm um déficit educacional em comparação com
alunos de escolas particulares, mais ainda em relação às escolas particulares cujo foco,
nos três anos do ensino médio, é preparar o aluno para prestar a prova do vestibular.
Sendo assim, é comum alunos que querem se preparar para ela, ou falharam no ingresso
à universidade, se matriculem em cursinhos pré-vestibulares. Contudo, esses cursos em
escolas conceituadas são às vezes muito além do que um aluno sem condições
financeiras – o que é o caso de muitos dos que estudam em escolas públicas – pode
pagar. Dessa forma, eles encontram nas iniciativas de cursinhos populares a
oportunidade de ensino e de preparação para o ingresso em uma universidade.

A rede Emancipa de Cursinhos Populares tem por objetivo promover acesso


gratuito a preparação para o vestibular para estudantes que não teriam condições para
pagar um pré-vestibular privado. A escolha do cursinho popular como local de estágio
se deu pela sua particularidade dentro do meio escolar: um cursinho voluntário em que
os professores são alunos de graduação e que trabalham para ajudar pessoas vindas de
escolas públicas a entrar em uma universidade. Dessa maneira, o cursinho foge um
pouco da hierarquia escolar clássica constituída em escolas da rede municipal e
estadual, em que há uma estrutura escolar rígida formada pela administração escolar e
pelo corpo docente de um lado, e de outro os estudantes. Para além disso, a proximidade
etária entre os alunos e os professores pode nos apresentar uma relação diferente entre
os alunos e os professores.
É importante ressaltar que o estágio é uma continuidade em relação ao estágio
do semestre passado. Por isso, tomei a liberdade de utilizar as entrevistas realizadas para
dar um panorama mais geral sobre quem são os alunos e o porquê deles terem escolhido
fazer um cursinho pré-vestibular.

Além disso, no semestre anterior haviam duas turmas de matriculados, que


foram unificadas no início deste semestre devido à evasão. Conversando com o
professor, provavelmente o motivo dessa evasão foi a pausa das aulas causada pela
greve, já que muitos alunos moram em outra cidade e, mesmo sendo gratuito, ir e voltar
do cursinho custa dinheiro com transporte – um dinheiro que muitas vezes poderia ser
melhor aproveitado de outras formas.

Os alunos do cursinho

Podemos notar, através das entrevistas, algumas características que são


compartilhadas pelos alunos do cursinho popular. A grande maioria está em torno de
18-22 anos e possui ensino médio completo, sendo alguns desses com ensino técnico. A
renda familiar gira em torno de 3 a 4 salários mínimos quando pai e mãe constituem o
núcleo familiar, enquanto, quando somente a mãe é presente, a renda cai para,
aproximadamente, um salário mínimo e meio. A escolaridade dos pais, também, não
chega a ultrapassar o ensino médio completo, sendo algumas exceções em que um dos
familiares, em geral o do sexo masculino, possui ensino superior completo ou
incompleto. As profissões dos familiares e dos próprios alunos refletem essa baixa
necessidade de escolaridade. Muitas das mães trabalham como domésticas, enquanto
outras são donas de casa. Os pais já possuem profissões variadas, como motorista,
porteiro, operador de máquinas, mestre de obras, entre outras. Alguns alunos trabalham,
também em profissões que não exigem qualificação, enquanto outros apenas estudam.

Nos depoimentos é perceptível o diferente sentido que os alunos dão ao


cursinho quando comparam com sua anterior experiência escolar. Os entrevistados
citam especialmente os anos do ensino médio como aqueles em que são os mais
defasados, sendo a falta de professores, além do péssimo ambiente escolar, exemplos
recorrentes. Questões como a disciplina escolar (ou a falta de disciplina) e a relação
com a qualidade do ensino são também evocadas nos depoimentos.
Também podemos notar algumas falas que afirmam até mesmo os
problemas da evasão escolar e como isso afetou e afeta a sua vida até hoje. Uma das
entrevistas mais é com uma aluna, antiga moradora de assentamento, que só conseguiu
ter acesso à educação formal aos 12 anos de idade:

Aluna 1: (...) Eu fui mudar pra cidade quando minha mãe tinha engravidado
da minha irmã mais nova, porque ela não tinha condições mesmo de uma
mulher grávida ficar lá. Ai a gente foi morar com meus avós que ficavam na
cidade, mas era uma cidade que não chegava... não tinha nem 10 mil
habitantes, era Alta Floresta mesmo. E lá comecei a estudar, num colégio.
Comecei as estudar muito velhas e tinha quase 12 anos, e aí...
Entrevistador: Foi quando você começou a estudar?
Aluna 1: Foi quando eu comecei a estudar. Aí eu fiquei fazendo, ah, tinha o
prézinho naquela época ainda. Aí eu fiz em seis meses, aí eu fiz a primeira
série em seis meses também, e foi assim. Meu pai era caminhoneiro e ia
aonde tinha trabalho. E ficava sempre se mudando. Morei em Curitiba,
depois de... fiquei estudando lá em Alta Floresta, depois aos 13 anos morei
em Curitiba. Ai em Curitiba eu também fiz a quinta e a sexta série completa.
Aí eu parei de estudar de novo porque meu pai ficou se mudando, aí ele veio
pra cá.

Seu depoimento ressalta também o trabalho realizados por Ensinos de


Jovens e Adultos (EJA), além do próprio cursinho popular, na sua “recuperação”:

Aluna 1: Eu fui pro EJA pra me recuperar daquele ensino fundamental,


assim, terrível que eu tive. Depois eu vim pro cursinho pra me recuperar do
EJA que eu fiz, assim, sétima, oitava, primeiro, segundo e terceiro em dois
anos e meio. Então, a minha vida, assim, na escola, é sempre de muita
recuperação.

Dessa forma, podemos constatar que o cursinho se esforça para cumprir


aquilo que está definido em seu estatuto: o acesso dos estudantes a uma cidadania que, a
meu ver, se dá pelo acesso a uma educação de qualidade. Outros depoimentos atestam
essa visão. Quando perguntando o que seria, para ele, um cursinho popular, o aluno
respondeu:

Aluno 2: Eu acho uma boa construção de que possa dar uma outra vertente de
caminho além do que a gente pode ver como a universidade. Não somente
porque, assim, diferente dos cursinhos pagos, além da questão do
conhecimento pro vestibular, enfim... Eu acho que por ser um cursinho
popular, por ter essa construção de pessoas que saem de suas áreas muitas
vezes mais distantes e tal, eu acho que, e também há um espaço de...
Cursinho popular também é uma discussão, abrir discussões políticas
também, discussões sobre a própria sociedade, como... Por cada um já
também ter muitas vezes essa vivência. Então eu olho com esse outro aspecto
também, não somente a parte do vestibular, mas também algo bem mais
abrangente.

Logo, o debate sobre a atualidade, o debate político, em suma, as discussões


sobre o mundo que cercam o estudante e que, de certa maneira, fogem ao espectro
estrito da preparação para o vestibular, também encontram seu lugar e encontram a
aprovação do aluno. Para eles, o cursinho popular é um lugar de auxílio, mas também de
oportunidade de atingir objetivos e de desenvolvimento pessoal:

Aluna 2: Ah, acho que é mais uma oportunidade, porque, assim, falando por
mim, eu não teria condição de estar pagando um pré-vestibular, e também
não teria condição de sozinha, pelo o que eu passei nas minhas escolas, eu
também não teria condição de entrar, por exemplo, eu quero entrar aqui na
Unicamp. Eu acho que eu não teria base suficiente para entrar. Então, acho
que é uma... uma... uma porta bem, sabe, pra gente conseguir ter o acesso ao
estudo e se aprofundar pra conseguir alcançar o que a gente quer.

A relação com os professores é também vista, em algumas das entrevistas,


como próxima e acessível. Mais ainda, podemos constatar que há uma clara
diferenciação entre os professores das antigas escolas e os professores do cursinho.
Aluna 3: Acho que o cursinho faz a gente acreditar na gente mesmo. Tipo,
vão, gente, vocês conseguem, tal. Você tá meio na bad o professor vem e
conversa com você. Eles falam das experiências dele, a gente troca
experiência, sabe? E, tipo, você vê que eles são que nem você, sabe? Não é
uma pessoa a mais, são pessoas tipo, super... a pessoa que você acha , tipo
super poderosa, nariz empinado e tal.
Entrevistador: Não há uma hierarquia.
Aluna 3: É! Eu sou tipo que nem você, sabe? Posso passar pelas mesmas
dificuldades, só que agora ele só tem mais experiências e sabe das coisas (...).

Compreendo, com isso, que o fato do professor do cursinho popular não ser
um cargo oficializado, ligado à burocracia e à administração de uma escola, colabora
para que haja uma aproximação entre eles e os alunos, permitindo uma maior troca de
experiência e, consequentemente, abrindo maiores oportunidades para que haja um
intercâmbio de conhecimentos.

Sendo assim, o papel do cursinho popular, além da preparação para o


vestibular, torna-se o de colocar esses estudantes em contato seja com um ensino de
melhor qualidade, seja aos debates em voga na sociedade. É um trabalho que, sem
dúvida alguma, enriquece tanto alunos quanto professores.

O trabalho docente

Os professores do cursinho popular são, em geral, alunos e ex-alunos dos


cursos de graduação da Unicamp, e realizam um trabalho voluntário ao darem as suas
aulas. Isso tem diversos pontos positivos: o primeiro deles, pensando na difusão do
saber, é o de levar o conhecimento produzido dentro da universidade para aqueles que
estão fora dela; também, em uma ótica mais individual, dar essas aulas ajuda o professor
em sua própria formação. Afinal, essa experiência inicial em sala de aula pode ser
benéfica nos anos futuros, em outras salas de aula e com outros alunos.

Uma característica interessante do cursinho é a flexibilidade do quadro de


aulas. Os professores iniciam o semestre com os dias certos em que eles devem dar suas
aulas. Contudo, é possível que eles deixem de dar aula em uma semana para compensar
na semana seguinte. Isso é frequente, por exemplo, nas aulas de história que
acompanho, em que o professor muitas vezes se utiliza disso para dar uma aula dupla
quando não pode ir em um dia específico.

No mais, o trabalho dos professores do cursinho, de acordo com o professor de


história, é bem livre e aberto. Suas obrigações são cumprir o compromisso afirmado
com o cursinho de dar as aulas de sua disciplina e, principalmente, realizar um bom
trabalho para possibilitar que esses alunos consigam ingressar na universidade.

Mudanças no projeto de intervenção

Inicialmente a intervenção foi pensada para englobar duas aulas: uma sobre a
Revolução de 1930 e Estado Novo, e outra sobre o Golpe Civil-Militar de 1964 e a
Ditadura Militar. Contudo, tanto o calendário das aulas quanto o calendário dos
vestibulares não irão permitir que essa intervenção seja possível. Além disso, outro
professor já abordou o período devido ao pedido dos alunos – sem nenhum diálogo
prévio com o professor de história. Com isso, a intervenção será agora uma só: uma aula
mais geral sobre a Primeira República até a Revolução de 1930, visando principalmente
os vestibulares que estão por vir.

A aula está sendo pensada para abordar os principais acontecimentos do


período, como as greves de 1917 e 1919, as revoltas, as reformas de Pereira Passos, e os
principais acontecimentos políticos, além de dar uma caracterizada mais geral no
período. Evitarei abordar detalhadamente presidente por presidente, nome por nome,
porque julgo ser desnecessário em um cursinho esse nível de detalhamento, além do
tempo não permitir.

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