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Universidade Federal de Campina Grande

Unidade Acadêmica de Letras


Disciplina: Paradigmas de Ensino
Período 2021.2
Aluno: Davi Ferreira Brito de Oliveira
Profª: Luciene Patriota
No princípio era o Verbo!

Minha trajetória escolar é um tanto quanto semelhante à dos jovens de


minha geração, sem, no entanto, deixar de ter suas particularidades. E, visto
que “cada cabeça é um mundo”, posso aqui nestas breves linhas lançar luz
sobre alguns pontos mais importantes desta jornada, e para isso, divido essa
história em três pontos principais de análise. O primeiro estágio de minha vida
acadêmica, do qual me recordo foi exatamente o Ensino Fundamental I, o qual
pode ser definido como o processo de “Familiarização”, pois foi nele que tive
acesso aos rudimentos, às primeiras operações e conceitos que seriam a base
para todo o conhecimento posterior que viria a adquirir.
O segundo estágio é, consecutivamente, a fase do Ensino Fundamental
II. Se há uma palavra que sintetiza bem esse período de minha vida, é
“Transição”; isso não apenas pela passagem para um novo ciclo, mas também
pela brusca mudança que manifestei em relação à minha conduta escolar.
Recordo-me que, mesmo tendo desde a infância a leitura incentivada e um
bom exemplo familiar, só a partir do 6º ano comecei levar a sério minhas
responsabilidades, isto é, estudar os assuntos, prestar atenção nas aulas, ter
um bom comportamento dentro e fora da sala de aula, coisas que antes fazia
apenas de forma parcial.
O terceiro estágio que posso elencar é exatamente o do Ensino Médio.
E a palavra que define essa experiência nova é “Impacto” e posso explicar.
Confesso que saí do Ensino Fundamental II com certo ar de superioridade,
mas quando adentrei as portas do Instituto Federal da Paraíba tive que
aprender a lidar com a realidade totalmente diferente, desde aplicação de
conteúdo, abordagem, análise e métodos de aprendizagem empregados pelos
docentes, ou seja, foi realmente um impacto que eu não esperava, mas que foi
necessário para colocar as coisas no devido lugar. Não posso esquecer de que
foi durante o ensino médio que tive certeza que queria seguir na área de
Letras, resultado do incentivo dos ótimos professores que tive.
Hoje, cursando Letras-Português na Universidade Federal de Campina
Grande, olho pra trás e percebo o quão importante foi cada etapa que passei,
pois apenas por meio delas é que cheguei onde estou hoje. E a disciplina de
Paradigmas de Ensino, em especial, me deu a oportunidade de enxergar a
educação e o ensino através de lentes que jamais havia usado antes,
ressignificando muito do que jazia calcificado em minhas concepções pessoais.
Dentre os desafios propostos pela disciplina, tive o encargo de elaborar um
relato reflexivo.
Para todo propósito há tempo e modo!

Com uma carga horária de 15 horas a minha disposição para


administrar, visitei a Escola Estadual Ademar Veloso da Silveira, localizada na
Rua João Virgolino de Araújo, 1043, Bairro do Bodocongó na cidade de
Campina Grande-PB. Na instituição, contei com a generosa recepção da
diretoria, bem como da professora Waldívia de Macêdo Oliveira (Licenciada em
Letras e Artes, Mestra e Doutora em Literatura e Interculturalidade, Tempo de
atuação: 18 anos), que gentilmente me acolheu e acompanhou em suas aulas
para que eu pudesse realizar as observações necessárias. Trata-se de uma
escola de Ensino Fundamental e Médio que atende a 728 alunos matriculados
com 41 professores distribuídos entre as turmas e seus respectivos turnos.
A Escola conta com uma estrutura que dispõe de praticamente todas as
dependências necessárias e indispensáveis para alunos, professores e
servidores, como estacionamento, quadra de esportes, laboratório de ciências,
sala de leitura, biblioteca, cozinha, laboratório de informática, sanitários, água
filtrada, alimentação gratuita, dependências com acessibilidade para
deficientes, sala dos professores e várias salas distribuídas onde os alunos do
6º ao 9º ano do Ensino Fundamental II e do 1º ao 3º ano do Ensino Médio não
apenas aprendem os conteúdos das disciplinas, mas crescem como cidadãos.
Apenas a título de observação, uma única coisa que percebi a falta em sala de
aula foi de alguns recursos multimidiáticos à disposição da professora como,
por exemplo, um data show que seria muito útil para auxiliar na exposição de
determinados conteúdos, sendo que ela tinha que mostrar alguns vídeos e
músicas que faziam parte da aula no próprio aparelho celular pessoal, o que
também não foi suficiente para impedir a professora Waldívia de manter a
dinâmica da aula e obter os resultados propostos.
Confesso que, durante o período em que estive realizando as
observações em sala, sempre passava um “filme” em minha mente, pois só de
pensar que há alguns anos atrás eu estivera na mesma posição daqueles
alunos, numa turma de 6º ano, sem ter muita noção do que realmente é o
universo do ensino e agora me encontrar novamente numa turma como essa
só que com uma postura totalmente diferente, não apenas aprendendo com a
professora (particularmente eu rememorei muitos conteúdos), mas, sobretudo,
observando os métodos de ensino utilizados por ela foi algo que, sem dúvidas,
me deu um choque de realidade e me fez ver o quão avancei nessa trajetória
educacional, ainda que falte muito para chegar aonde espero.
Apesar de não ter tido contato com toda a equipe que compõe a
instituição, na primeira visita fui direcionado por uma servidora, Dona Carmen,
que faço questão de citar o nome, pois me recebeu com uma boa vontade
enorme, e fez questão de me mostrar todas as dependências da escola
pacientemente, bem como me apresentar aos professores e outros
terceirizados. Ao final do período que precisei frequentar a escola, pude
perceber que, apesar do objetivo principal ter sido realizar as observações da
prática docente, foi impossível não se envolver, mesmo que minimamente, com
as pessoas que fazem parte da instituição, pois era algo que acabava fluindo
devido à recepção e acolhimento que, reitero, recebi generosamente. Não foi
uma mera atividade para ganhar nota, mas sim uma oportunidade ímpar de
colocar em prática alguns conhecimentos e interagir com novas pessoas.
De acordo com Scheibel (2006), “a escola é responsável pela promoção
do desenvolvimento do cidadão, no sentido pleno da palavra. Então, cabe a ela
definir-se pelo tipo de cidadão que deseja formar, de acordo com a sua visão
de sociedade. Cabe-lhe também a incumbência de definir as mudanças que
julga necessário fazer nessa sociedade, através das mãos do cidadão que irá
formar”. Sendo assim, é importante partir do pressuposto de que a escola
possui métodos específicos que são tomados como base para alcançar esses
objetivos de desenvolvimento e formação cidadã, ou seja, os paradigmas de
ensino que, entre elas, tanto compactuam como divergem.
As aulas que tive oportunidade de observar foram da matéria de Língua
Portuguesa, numa turma de 6º e outra de 7º ano. A princípio me deparei com
uma organização tradicional da turma: cadeiras em fileira, birô à frente, alunos
hierarquizados conforme o nível de interesse na aula, ou seja, mais
participativos nas cadeiras da frente e os menos interessados e “desordeiros”
no fundão da sala. Posso afirmar que o paradigma predominante nas propostas
de ensino bem como na mentalidade de Waldívia é de ordem mais
progressista. Ao ser questionada por mim sobre a função primordial da escola,
ela disse acreditar que seja “Contribuir com a formação do sujeito social e sua
emancipação e autonomia na sociedade, tornando-o consciente de seu papel
como cidadão para o exercício da plena cidadania”, ou seja, um
posicionamento claramente da pedagogia inovadora.
Ao inquirir sobre sua prática docente, ela afirmou que “Ensinar é um ato
de grande responsabilidade, um compromisso que vai além do profissional, um
ato de humanidade. Vejo minha profissão como forma de sustento financeiro e
a escolhi por este motivo e por entender que, para, além disso, nela
encontramos a possibilidade de construir uma sociedade com equidade e
emancipação do sujeito”. Com relação ao alunado, ainda aduziu que “Ser aluno
é ter coragem para sair do lugar comum, da zona de conforto, ser aluno é ter
coragem de descobrir um mundo”. Diante de suas afirmativas, não pensei duas
vezes e já tive previamente a impressão de estar diante duma pedagogia
progressista. Aliás, ela não era a única a concordar com isso, pois Scheibel, et
al (2006), endossa essa visão ao dizer que “Uma escola que tem como objetivo
de estimular e desenvolver a cidadania deve proporcionar aos seus alunos
situações em que eles tenham oportunidade de adquirir valores e
conhecimentos básicos para a vida na sociedade contemporânea, promovendo
atitudes e habilidades necessárias para que cada aluno venha a participar
plena e efetivamente da vida política, econômica e social do país”.
Pois bem, as perguntas foram respondidas de modo satisfatório e então
passei a observar a prática propriamente dita, pois precisava do respaldo das
ações da docente e, algum tempo depois, comecei ver que na prática nem
sempre é o que se diz ou se espera. Não posso de forma alguma negar o
profissionalismo e a empatia de Waldívia envolvida em seus métodos de
ensino, seria desonestidade minha, mas percebi que na maioria das vezes ela,
mesmo com uma proposta reflexiva, acabava tendo que reproduzir métodos
tradicionais. Falando assim pode até parecer que considero o paradigma
conservador ruim, mas não é bem isso; a questão é que acaba sendo difícil
estabelecer uma continuidade entre teoria e prática nesses termos.
Não acredito que esse quadro seja necessariamente por culpa da
professora em si, mas pelo contexto onde ela, junto com os alunos, faz o
possível para fluir o ensino aprendizagem, e explico: não adianta o professor
ter uma pedagogia reflexiva e trazer para a sala de aula seus métodos se a
própria instituição de certa forma tolhe sua liberdade para explorar com os
alunos uma nova forma de aprender. A professora sempre fazia pausas
durante a explicação para dar tempo dos alunos refletirem, interagia bem com
todos da turma (inclusive os menos participativos), somava às suas
explicações sua ótima expressão corporal para enfatizar bem o que desejava
que aprendessem, demonstrava interesse em ouvir e ajudar os alunos em seus
problemas pessoais, mas pelo que percebi, o modelo adotado pela escola não
era muito receptivo às inovações da pedagogia reflexiva.
Apesar das características de um ensino de vertente progressista, os
traços do conservador eram bem evidentes, a saber: o estudo da gramática
tradicional em si mesma, a cópia no quadro, avaliações escritas como as
principais ferramentas de atribuir nota, visto nas atividades para casa, o ato de
falar a nota dos alunos em público, a famosa reclamação para chamar atenção
dos desatentos, o ensino ainda muito centrado na figura do docente, por vezes
até o discurso moralista de conscientização àqueles alunos relapsos, além da
postura passiva do aluno diante das exposições do conteúdo, o que é bem
comum no ensino tradicional, no qual Camargo afirma que “O aluno é
caracterizado como ouvinte, receptivo e passivo, deve aprender sem
questionar enquanto que o professor é o dono da verdade, autoritário e trata
seus alunos com uniformidade”. Reitero que essas características não fazem
parte integralmente do perfil da professora, mas é impossível não identificar
algumas pontuais, anteriormente citadas.
Considerando também os conteúdos estudados em sala, Gramática
Normativa de modo preponderante, constatei o que até tinha sido tema de
algumas discussões nas aulas de Paradigmas de Ensino, a saber: o fato de
muitos conteúdos serem estudados como um fim em si mesmos, de modo
totalmente desconexo com a realidade ou sem aplicabilidade prática no
cotidiano dos alunos. Em outras palavras, o ensino sendo realizado através de
uma perspectiva que considera a educação de um ponto de vista meramente
pedagógico e não social. Como diria Almeida, “Vemos muitos professores de
português, tragicamente, ensinando análise sintática a crianças mal
alimentadas, pálidas, que acabam, depois de aulas onde não faltam castigos e
broncas, condicionadas a distinguir o sujeito de uma oração. Essas crianças
passarão alguns anos na escola sem saber que poderão acertar o sujeito da
oração, mas nunca serão o sujeito das suas próprias histórias. Me esforço aqui
para sempre enfatizar que não vejo esse quadro como algo de
responsabilidade única do professor, mas como uma consequência inevitável
de toda a conjuntura educacional do país ao preservar modelos não eficazes
de ensino e ainda não investir em novos métodos de ensino e aprendizagem,
ou seja, se trata de uma questão de ordem estrutural que requer grandes
mudanças, as quais demandam tempo e perseverança.

Melhor é o fim das coisas do que o princípio delas!

Diante de tudo isso, ressalto que o tempo que tive a minha disposição
para as observações em sala da prática docente de Waldívia foi uma
contribuição muito significativa para minha formação docente. Tanto pela razão
mais óbvia de se observar e ter contato na prática com paradigmas de ensino,
como pela experiência de se estar numa sala de aula vendo todo o contexto
escolar com uma perspectiva totalmente diferente. Sem dúvidas foi uma
oportunidade que, apesar de não ter dado aula mas ter visto como a professora
se desdobrava para ensinar, me fez sentir um pouco da responsabilidade que
não somente ainda terei, mas que preciso já ter desde agora como futuro
docente. Digo com muita convicção que a disciplina de Paradigmas de Ensino
me marcou nesse período com marcas que ficarão pra toda minha trajetória
como professor; espero ser um profissional tão dedicado como Waldívia a fim
de dar minha contribuição para uma educação cada vez mais efetiva, num
contexto onde o fator pedagógico e o social andem de mãos dadas.

Referências:

SCHEIBEL, Maria Fani. MAIA, Cristiane Martinatti. URBAN, Ana Cláudia.


Didática: Organização do Trabalho Pedagógico. Curitiba, 2009, 196 p.
Disponível em: >
https://arquivostp.s3.amazonaws.com/qcursos/livro/LIVRO_didatica_organiza
%C3%A7%C3%A3o%20do%20trabalho%20pedagogico.pdf <.

ALMEIDA, Milton José [et al]. O Texto na Sala de Aula. 1ª ed. São Paulo,
2011, 105 p. Disponível em: >
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5388957/mod_resource/content/1/
GERALDI%2C%20Jo%C3%A3o%20Wanderley.%20et%20al.%20%28orgs.
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FLACH, Carla Regina de Camargo. Paradigmas Educacionais e sua


Influência na Prática Pedagógica. Disponível em: >
http://www.waltenomartins.com.br/desinstr_a1_art1.pdf <.

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