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1.

A Orientação Educacional
e a Democratização do Ensino

REGINA LEITE GARCIA *

o que me traz hoje aqui é o meu momento, que não


meu momento individual, mas o momento de um grupo,
m o qual eu trabalho há muitos anos.
Desde 1969, estou convivendo com a Orientação Educa-
\ nal, participando, discutindo, vivendo a Orientação Edu-
, cíonal, Eu acho que é isso que me apresenta como orien-
dora educacional, que vem falar de Orientação Educacio-
I 1, portanto, de sua prática e de sua reflexão sobre esta
! átíca.
Paralelamente à minha prática e à minha reflexão so-
a Orientação Educacional, tenho algumas preocupações'
lU são políticas. Afinal, o que se faz com isso tudo? Como
°repercute na escola? A Orientação Educacional cumpre
eu discurso de agente de mudança, ou será que não tem
I' lizado na prática o seu discurso? Então, como ser polí-
\, 0, eu questiono a Orientação Educacional como um todo,
1 incluindo nisso, já que eu sou oríentadora educacional.

Temos buscado caminhos, eu e o grupo com o qual


balho há muitos anos, desde 1971, e que reflete coletiva-
nte sobre essa prática coletiva que é nossa. Temos bus-
o caminhos, e é sobre isso que eu venho tratar aqui.

• hofe da Assessoria de Orientação Educacional do Município do Rio de Janeiro.

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propriamente por incompetência n
Como é que num determinado momento da nossa his- lSS0 tudo cumpre um 1 oss~, ~as parece que
tória profissional começamos uma reflexão que vinha da brasileira cumpre um ~ape na orgamzaçao da sociedade
Educação e não do orientador como é costume? Foi o edu- classes. Não é por aca~ope~~a estratégia global da luta de
cador que tenho em mim e o meu contato com outros edu- tizar nossos alunos que eql. nos nao conseguimos alfabe-
,es repetem 1 2 5
cadores que me possibilitaram pensar criticamente a Orien- chegamos a ter alunos que ficam a' , , ,7 anos. Nós
tação Educacional. E começo a questionar o que grande saem sem sequer o domínio da Ieit
ei ura e anos
té 9 na escola e
da escrita
parte dos orientadores também vinha fazendo e nos pareceu,
a partir de um determinado momento, uma prática ingê- Quando constatamos isso d . . .'
escola não vem sendo demo :. evemos admítír .que a
nua, conservadora e, portanto, não transformadora. tação Educacional or ocratI?a, e, _na escola, a Orien-
Antes de tudo, o que é uma escola democrática? Pare- fornecido o refere~lo c{:e ,: Orientação Educacional tem
t
ce ser consenso geral que uma escola democrática é aquela discriminação e sele ão da I ICOa todos os mecanismos de
que se abre para a maioria da população. Mas não só que aos rótulos, ao pro~ess0 as:s~~la. Ela dá status científico
se abre, mas também responde ao anseio dessa maioria com os alunos das classes g gladOr que a escola utiliza
popu ares.
que busca a escola. Trata-se, portanto, da relação quanti-
O média
lasse aluno considerado
ou alta E def"ícíente
. pela escola nunca é da
dade-qualidade.
Vejamos o que vem acontecendo na relação da escola res. O aluno conside~ad;e:!:~ o aluno. ~as classes popula-
com a sociedade. Não é por acaso que se diz que as escolas dizagem nunca é um meni d tendo dificuldade de apren-
as
se abriram. Mas pesaram muito as pressões das classes xceção só confirma a ;:~~~ A clas~es média ou alta; e a
populares para que as escolas se abrissem. Em geral este ão, ou seja, o menino de Ia: ex~e?ao é realmente a exce-
t , tem de fato um prob~:,:e media.,considerado deficien-
fato é lembrado como concessão, e não como conquista.
escola é preparada ar e precisa ser atendido, pois
Entretanto, do meu ponto de vista, nem a escola nem a
sociedade se abriram generosamente às classes populares. ara que fracasse E aí ~, a ~ue ele tenha sucesso, e não
Estas sim é que fizeram pressão a seu favor pelo direito a. Normalidade' seria ~s c egamos a uma situação absur-
. norma, o comum N B '1
à escola e conquistaram esse direito. E uma luta histórica normalidade é. a norma 800A d . o rasi a
e faz parte de uma estratégia global da luta de classes. o otimista, são oriund~s d:S os nossos alunos, numa vi-
lasses médias e a grand . ~lasses populares, não das
No momento em que a escola se abriu para receber atos às turm:as especiai~maioria des,se~alu?-os_são candi-
as maiorias da população, imediatamente ela criou meca- 1\ mesma função discrimin'aio~~. em ultima mstancia, têm
nismos de seleção e de discriminação, impedindo que esses
alunos, que buscavam a escola, fossem bem sucedidos em .Na dificuldade para lidar com
ojeta neles a sua incapacidad esses alunos, a escola
sua escolaridade. a Orientação Educacional cume e os chama de incapazes.
Acredito não ser por acaso que a escolaridade mediana s do instrumental de qu dí !lre o .seu papel nisso. Atra-
da população economicamente ativa do Brasil é de 1,7 anos. .ãtíco, ela referenda essae di~~P?e,.seJ~ ele teórico, seja ele
to posto, quando se discute a Educação no Brasil, está-se zendo. Mas, como vivemos nmmaç~o que a escola vem
utindo o problema da alfabetização. QuandO se J'abe 1,' dições, e a escola reflete es~auma sOCle.d~decheia de con-
, cada 1000 alunos que entram na 1" série, nen1 500 contradições, entre o diSCU~ScontradIçoe.s, é através des-
ra a 2~ série, e que apenas 172 chegam à 8~série nservadora que ' o progressista e a prática
, nos vamos recupe . .
80), parece que o grande problema da Educação Orientação Educacional . rar as possibilidades
'11;.\11(\'h,,, da é o 1<1 grau, e, no 19 grau, ainda é a alfa- to transformador. ' assummdo um outro papel, de
oísas não acontecem por acaso, e não é
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ue nega a possibilidade
uno faço parte do gru~o q O ue me parece mais
p cialistas ou dos_gener~~~::s~a ~cola. Orientador e dão relações abstratas entre professores abstratos e alunos
quado é ter uma açao pos apel muito importante abstratos. Quando ele começa a perceber concretamente
u rvisor podem desempenhar u:l~S que consideram dis- como semganizam a sociedade, o capital e o trabaJhó,
na escola. Não concordo com a~ nal e a Supervisão Edu- Comose dão as relações capital x trabalho, como essas rela-
pensáveis a O·rien tação Educacío ções repercutem numa Sociedade de classes, por que uma
minoria detém o capital e uma grande maioria vende a sua
cacíonal.
Esta é uma visão estática da Orientação Educacional e força de trabalho pelo preço que o mercado decide, por
que a classe trabalhadora tem pouca Possibilidade de bar-
da Supervisão. . r educacional vem cumprindo anha sobretudo num país como o Brasil, um país do cha-
Acredito que o orIe~tado m a el justificador, o que ~ mado Terceiro Mundo, do capitalismo periférico, a reflexão
um papel conservador, SI;n, uue ~ ~elas próprias contradi- 'obre a Sociedade em que vive o orientador e sobre a rela-
pior, mas acredito t.ambe~ 'kducacional que ele tem co~- ão entre a escolaridade e a sociedade lhe coloca uma situa-
ções internas da Orientação a el de superar as contr:=tdI- ão que exige dele uma d~finição. Ele, que tanto se referiu
díções de recuperar o seu p p apel Vejamos o que dIZ a n opções conscientes, tem. de fazer a grande opção de sua
ções e caminhar para u~. nov~~ anaiisarmos a lei 5692/71 vida. Compreende que sua prática nunca foi nem pode ser
lei ue o institui e o de me. or exemplo, que a utra, mas deve tomar uma posição definida, do contrá-
eeIoq decreto 72846/73 ,constatare:~:~ ~a Orientação Edu- '10 será um profissional a manter o status quo com sua
questãao do trabalho e uma qu rática inalterada. Se for um agente transformador, come-
cacional. h e da pos- rá pela transformação de sua própria prática.
aí que se encontra a c av
Considero ser por o contrário do que vem Quando o orientador educacional toma consciência dis-
sibilidade de ação ~on~~~~~~[oa~a~ historicamente, ma~ ~e ' não vai mais dizer que as pessoas escolhem livremente
fazendo a Orientação d que atenderia ao títu o ' porque escolhem livremente, têm a responsabilidade pela
uma ação de fato tr~nsfor_ma ~ra, cional e a democratiza- escolha. Ou seja, quem escolhe mal, fracassa, quem
desta palestra: A Oríentação E uca
olhe bem, tem sucesso! Não é que eu considere que nín-
ção do ensino. . nal faz a crítica da sua m escolha. Não é que eu considere que assim será para
Quando o orientado r educacío Orientação Vocacional. o o sempre. O que acho grave falha é pensarmos essas
prática conservador a tem de rever atã o do trabalho a-h'ISt 0- IL stões acriticamente, endossando essa forma de pensar
Ele historicamente, tratou da ques ast-aomeramente psico- mundo, que cumpre um papel ideológico. Essa ideOlogia,
' . e fosse uma que t 1I 'a as classes populares, tem a seguinte leitura: "Se eu
ricamente, co~o s homens escolhem livremen e,
lógica. Ele afirmava que ?S Idade de oportunidades para 111 sforçar, vou romper as barreiras e ascender social-
Pois a sociedade oferece igua reparem para fazer esco- rn nte. Quem não faz o mesmo que eu é porque não tem
' ciso que eles se p , ão 1 petência". Estaremos, assim, enfatizando a ideOlogia do
todos e que e pre . t s Como eles tambem na
lhas mais racionais e consc!en e b e o modo de produção '11 ito e a ascensão social por vias individuais, o que pro-
recebem qualquer ínformação so r vão repetindo esse dis- VO
I cOnseqüências. Não há ninguém mais reacionário do
. d de na qual VIvem, , . ão /I a peSSoa que ascende socialmente, destacando-se de sua
real na SOCIea to referencial teórico que n
curso e incorporando um abalho muito ao contrário, mas- " '. Passa a se considerar pessoa de alto nível. Pessoas
dá conta da questao do trase dão 11. ím julgam possuir tanto mérito, aptidões tão raras, capa-
l-reais que ao nesta sociedade concreta. r tnei e esforço tão grande, que rompe~ as barreiras e
cara as re açoes t atar de uma socie-
d acional passa a r 1 /I. neie" Socialmente. Se os outros não o fazem é porque
dadeOabstrata,
orientadonar equal
uc, ha uma escola abstrata, na qua se
'I 1,0 ão tão aptos quanto elas, não são capazes de tanto
" l' O quanto elas, não têm tanta capacidade quanto elas.
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Por essas pessoas se tornam extremamente reacioná-
dade de tornar realidade o .
piores do que qualquer pessoa que tenha nascido, cres-
I

vivido nas classes dominantes. Então, nesta questão de agente de mudança. meu dIScurso que sempre foi
scensão índivídual, a Orientação Educacional cumpre A Fiz algumas anotações .
um papel, também, com todo o seu ideário, com toda a voces, a partir da minha exp q~: ~ostana de discutir com
ua parafernália teórica. Eu diria que é muito importante mento. Fui retomando aI enencIa ~ a partir do meu mo-
que trabalhemos a possibilidade dos nossos alunos pensa- E~~cacional utilizou e esfo~s cco~ceItos que a Orientação
rem criticamente a sociedade na qual vivem e se pensarem utIlIzar, desde que reflita crítt er a que deve continuar a
dentro desta mesma sociedade. Não simplesmente para e os redefina, sobre aI mI Icam~~te sobre cada conceito
que eles ascendam por vias individuais, mas para que fa- Educacional historicame~ ~s pratIcas que a Orientação
çam melhores escolhas, compreendendo a sociedade na qual respostas para o momento de esenvol~eu e talvez encontre
vivem, para que pensem formas coletivas de intervenção tador educacI'onal p perplexIdade em que o o .
ergunta: "E a or rien-
nesta sociedade, a fim de que ela se transforme. E aí, eu Gostaria d g a, o que devo fazer?"
retornaria à questão do trabalho. e retomar esses .
para que, a partir de alguma c?nceIto~, essas atividades,
Se a questão do trabalho é uma questão de Orientação a nos~a prática, possamos de c~Isa mUIto concreta, que é
Educacional, é preciso pensar o trabalho nesta sociedade que hIstoricamente fazíamos POIS debater. Como vemos o
concreta, neste momento histórico definido, 1986, neste país mos agora fazendo' a no ' e como vemos o que esta-
Brasil, .nesta cidade do Rio de Janeiro, com .estes alunos grupo, com o qual ~efleti;~: verd.ade, a verdade de um
concretos com os quais se trabalha. Historicamente, volto a Fui' e agimos coletivamente.
dizer, nós trabalhamos com abstrações, conceitos a-histó- . relacIonando conceitos
ricos. O aluno com o qual trabalhamos podia ter nascido C~nheC'lmento, conhecimento do como autoconceito, auto-
hoje, como há 50 anos, podia ter nascido no Brasil, como does, vocações, etc., com os q . mund~, sondagem de apti-
podia ter nascido nos EUA, ou na Ásia. No momento em er;npre lidou, e, a meu ver ~~ISa On~ntação Educacional
que vamos retomar a questão do trabalho, como questão nais, que pararam na críti~a guns orIentadores educacio-
nossa, já compreendendo a sociedade na qual vivemos, já u~ fazer com eles e Passara apress~da, não sOuberam o
compreendendo que quando se trata com os alunos da ques- aIS nada a dizer e a faz m a consIderar que não tinham
er.
tão do trabalho, paralelamente também se adota uma idéia de
, Eu: pessoalmente, acho que.
ciência, de verdade científica, ou de relatividade da verdade pensa-los numa outra ót· tem tudo a ver. Só que vou
científica. E isso tem um papel importante, ainda que, inge- ns em minha ação. ica, pretendendo atingir outros
nuamente, se estivesse trabalhando Orientação Vocacional.
Quando tratamos da questão da ciência, do papel das ciên- No qu~ se refere, por exem I' _
cias nas sociedades, da questão da verdade, da relatividade 1mento, hIstoricamente o . p o, a questao do autoconhe_
científica, ou da verdade científica numa perspectiva histó- utOconhecimento como'" orIentador educacional pensava
rica, como a verdade do momento ou daquela sociedade, N' at ' mergulho dent d .
e nos comprazíamos ro e SI mesmo"
caminhamos um pouco na discussão sobre a verdade e colo- ~ 1 Ologia, que fazia a apol~or:: o d,?mínio de uma cert~
camos a questão da verdade também numa perspectiva de I xtmo a que chegávamos er! do mergulho no eu". O
luta de classes, porque a verdade de uma classe não pode nso, a partir de um outro ao encontro eu e tu. O que
ser a verdade de outra classe, cujos interesses são anta- 1 'ia que me aponta, mas Grai~~er~ncial, que não é a psi-
gônicos. o resultado de uma busca ' e que auto conhecimento
Nesse momento, retorno à questão do trabalho, numa eu nem quero discutir ,para dentro de mim rnes-
outra ótica. E de conservadora que fui, resgato a possibili- postura. Estou simples o ~specto narcisista embutido
t m a questão do autoc~~:::' tentando saber que sen-
.16 Imento na spciedade, na
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to
_ novo,cnaçao
a .- do co .
E esse conhecimento nhe?lmento que se dá n -
que vai conciliar a f que var sendo construíd a açao.
t lação com o mundo. Se em minha busca por auto-
h cimento, eu mergulhO em mim mesmo, pergunto:
ria esse o caminho para descobrir quem eu sou?" O que
rr.'ais o COnheCimen~:~~r'~:mtradiçãoteoria x
CImento mera mente empíric
;"á~~ a~~o,
. ao
m parece é que o autoconhecimento, se eu estou pensan- ge do COnfront7:ente teórico, mas o COnhe~;nem o conhe-
ra
do a Orientação Educacional numa ótica transformado , ~ntervenção SOb:: ~o~~~~::nto que é o res:;t~t;: d~u~
ou seja, numa ótica que de fato atenda à democratizaÇão da r.:::.su.:t":i~ da intervenção de' o~;:;,s oh~onhecimento que :
escola, °autoconhecimento não é um mergulhO dentro de
conheciment~,;mf:~:~o .desses conhecím~::' s~~re a natu-
mim mesmo, mas o resultado de minha ação no mundo.
Ou seja, eu me conheço na minha ação sobre a natureza, por homens' ecímentos acumulad . m outros
papel da que me antecederam A os historicamente
sobre os hOmens, em seUS reflexoS sobre mim. É na ação escola. local d . meu ver ess .
que eu me conheçOe não na mera reflexão. É na ação sobre conhecimentos. . .
e transmissão ,çao,
cria -' recnaçao
e. se!la de
o
a natureza que eu me construo. E construo essa coisa fan-
tástica que é a minha personalidade. Eu vou construindo a Então, repensemos
considerando ue ' a_questão do autoconh .
minha personalidade na minha ação sobre a natureza, sobre oísas. Temosqsi nos, nao teríamos nada a ecimento, não
o mundo no qual vivo. Na minha ação com os outros no- ão temos soz.. m, so que temos numa . ver com essas
meOS e no modO como esta ação se reflete sobre mim. ores, com os ~~hOS .. Temos COletívamenteo~tra postura, e
Já não mais "eu comigo mesmo", mas "eu em ação". Não a escola. E _ perVIS?reSe com todo . om os profes-
mais "eu para dentro", mas "eu para fora". Não mais "eu Imento sej: :ao conSld,eraria que a qU~s':~ueles que estão
espectador", mas "eu ator". É na ruJnha intervenção sobre .upo de o. ma questao individual . ha. do autoconhe-
ínares de ríentadores
orien _ ed ucacionaís, de mme auí ou g.rupel, do
a natureza, volto a dizer, na sociedade na qual eu vivo,
que me conheço. E é nessa ação que vou compreendendo medida taçao educacional. E t q pes ínterdíscí-
quais são os meUs limites e os limites do meio que me 1 tivamen~: que refleti sobre a mi~ha enh? consciência,
cerca. E é na minha ação que eu vou ampliando os limites I, passa a ser sobre a minha prática de q prática ue e discuti
que o meio circundante me coloca e os meus próprios nmt- 1,(, eu vou en r~sponsabilidade de tddos D nesse momen-
uu sou num vo v~r a escola, como oríen e agora em dían-
tes internoS. É um processo dialético. Não é mais· eu para
t ' flexão so a açao coletiva, e, com a su tad~r - educacional
dentro e pronto. É um impulso para fora. É um impulsO
1111. tos vamo~r:S::~el novo sentido de auf;:~~~ao,. provocar
de ação, eu em ação. , . a E e ecer estraté . ecímento E
Na minha ação coletiva sobre a natureza, vou cons- 1"'1 'es ~a ~nfatizo ~'interven~~I";o:~ intervenção poda.
truindo a minha própria personalidade, vou construindo um u I ríentação Educacio . ue este e um dos
conhecimento coletivO,que tem uma ligação direta com mi- I" i• com a nâo-diretívidade ~al, ~storicamente compro-
nha própria vida, e não recebendo passivamente o conhe- I \I :~~~~~amlente elaborad~ e~r~rl~~a~ nãOt-~ir.etividade
imento que me passam. É um conhecimento construído e 1\ s, amentavelmente . os eorrcos e os
N um conhecimento recebido. É nessa intervenção que "'111 r~,:tador educacional aínct:v~::c~os na prática.
t ce desde o jardim de infância até o 4" grau, que se I••, ,li uca~:n~a escola é sempre inte~:na ,ambigUidade.
tr i o processo de criação do conhecimento de si e do 01"I" I I da escola. I cumpriu um papel n a descaracterização
çao e a Orien-
m qualquer nível de escolaridade que eu esteja,
tt que eu construo o conhecimento. É óbvio que
(IOln.h(~cimento acumulado historicamente, do qual eu NI d terminado momento
11 111111
II I
(1 tlt
z mosd do seguinte.. o importante
da nossa' história profis-
IJL'LJ~I.1:iU me apossar, e para isso eu aproveito a es- O o trabalho pedagógico., oe?Importante
processo, énão
orientador e o supervisor têm um papel o
ís, que é a construção do conhecimen-
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nrooesso vivido e não o conteúdo captado, o importante são
1\' r lações interpessoais e não a relação com o conheci- mar de conhecimento
nto. Então, a escola virou aquele lugar onde as pessoas geral, a escola . O conhecimento
c~mento mascar:~sa, e passa mesmo e que, ct,eum mOdo
1 m para se encontrar, para viver momentos de êxtase,
CImento que é desv r da realidade. E há ta que, e um conhe-
momentos de encontros. E não é para isso que existe escola.
que eu devo trata elador da realidade e é mbem um conhe-
Desde a escola mais tradicional à escola mais revolucionária, E r Com meus alunos esse conhecimento
ela tem um papel social que é de transmissão, criação e . preciso que' .
recriação do conhecimento. tIrarem os véus eu !nstrumentalize os
a SOciedade comoq~e sao Colocados para meus_alunos para
A questão dos conteúdos é portanto fundamental. E a
relações como de f ~ fato ela é; para queque:,nao percebam
Orientação Educacional cumpriu um papel no deslocamen- o mundo no ua ~ o elas se dão; para nao ,?ercebam as
to das questões fundamentais da educação, ao esvaziar a aceitem passi;a I VIvemcomo de fato ele q:ze n~o percebam
importância dos conteúdos, supervalorizando o processo de
dominante utiliza ed!Ubs~rVientemente o m~d e SIm para que
relações interpessoais.
classes dominant umversalizar seus ínt o que a classe
Há também um certo grupo que, a meu ver, ingenua- salizaram seus . es, de todas as sociedad eresses. TOdas as
mente, afirma: os conteúdos são uma questão importante, da SOciedade co:n~e~esses, transformando~~~ s:mp:e univer-
daí ser preciso "passar conhecimentos". Mas essa discus- nesse processo d . rn tOdo; e a escola rn Interesses
são tem de ser aprofundada: conteúdo é uma questão da . e InCUlcação. cumpre um papel
maior importância na escola, mas não é qualquer conteú- . :ASSImé que a -
tâncla. 1f; por eles questao dos conteúdos é .
do apresentado de qualquer forma. Eu posso tratar um
mundo. E necess' ~ue passa uma certa fo da malOr impor-
conteúdo a-historicamente e posso tratar esse mesmo con-
onteúdos e que c~~~ pensar criticamente rrna de pensar o
teúdo de forma dialética, problematizando esse conteúdo.
em é de qualqu eudos tratar. Não é c~mo tratar os
Ou seja, eu forneço material para esse aluno pensar cri-
tar desenvolven~omOdo. Ao trabalhar osq~a qu~r conteÚdo
ticamente a realidade. Não estou simplesmente ensinando
a meu aluno que a Independência do Brasil se deu no dia u posso, simplesm a capacidade do meu a~nteudos, posso
nsar criticament enute, estar dificultand uno de pensar,
tal, proclamada por fulano de tal. Eu vou contextualizar a 'ática d . e. ma escola o meu aluno
Independência do Brasil, ao tratar desse tema e então não 1 evena Possibin ' que se pretend em
vou simplesmente tratar desse conteúdo cronológica e fa- m. sobre qualquer .1 ar a maioria ..de esse demo-
tualmente. Vou pensar esse momento histórico em termos ntl~o, enfatizo o c~o:s~ que .viesse a Pen!~ns;r ~ pensar
de como se deu, qual era o contexto nacional, quais eram
u nao penso o .n eudo, E da maior' . ntao, nesse
t vaero. Eu Importânc··
as relações desse contexto nacional com o contexto inter- os, eu penso id" penso palavras Ia, POIS
, reciso portantoeIa~~ eu penso objetos ,eu penso con.
nacional, quem foi que proclamou a independência do Bra-
't os alunos. a Imentar a faculdad e~ penso coisas.
sil, quais eram as relações de quem proclamou a indepen- e e pensar dos
dência com o colonizador e então não estarei simplesmente ~luno das classes
passando a informação; eu estarei fazendo aquilo que a teoes materiais de p?pulares, por exem 1
Orientação Educacional sempre anunciou em seu discurso s Oportunidades d VIda, quando chega P,o, pelas suas
mas que não sabia como fazer na prática, que é desenvol- a classe média e conversar, ao conn- ~ . eSCola teve
ver no aluno a capacidade de pensar, esse pensar critica-
m nte no mundo no qual vive.
Uma coisa que para mim está muito clara é que há
tia, o pai, a l~s~b ~sta cantando, está
1 O men'
. InO de 1
a, todo mundo
:t.
ando com e que, ,deSde que nasce ano d: meni-
a mae está
Imulando'
se colo ca ' . '
a
tipos de conhecimento, e eu não sei nem se posso cha- muito cedo e temCass~s Populares tem d ,~ dISpOSi_
1 . DepOis, quand mUlto Pouca gente pa e se VIrar"
o ganha autonom' .ra conversar
20 Ia, var para a rua , '
21
, Sei que a forma de orgamzação
vídualísmo ' d b
nt o começa, e só aí começa, a exercitar sua capa- compreend~ra tcombP,etição, o consumis~o uMrguesia é o índí-
am em q . as se h
cl de comunicação verbal. O menino, pequeno ainda, classes
ares popul _
nao sã ue as formas de organízaçãven o a
'
t ve essa possibilidade, quando vem para a escola. Se a cooperação _ _ ao as da ação indi id ao das
temOs consciência disso, a comunicação verbal seria vem
d a penúria nao sao as do consumismo IVI ual, mas as
ma coisa a ser desenvolvida. Estimulá-loSa falar, a ouvir não posso ir ,mas as da redefínição de porque eles vi,
comunicações dos colegas. Dar voz aos alunoS, ouvi-los. realidades tãoPdo~f cammhos semelhantes' quan
1 erentes,
matderlal,S,
o lido então
com
partir de suas comunicações, OU seja, do que nos apre-
sentam de seu mundo, e enriquecer sua realidade, amplian- Hoje, antes de vir para ca, ' estive na
ento de Manguinhos
do seus limites, contrapondo o conheciln que eles tra- professores e eq 1m qual faço um trabalho ~SCOlada favela
zem à totalidade Cognoscente, ajudando-oS a se conhecerem minado moment~lP~,de especíalístas e diretoom o grupo de
no processO de conhecimento do mundo. um aluno das í íscutímos o que é que res. Num deter-
A Orientação Educacional, historicamente, afirmava tra- professoras apo~:::::s populares o desper~~::senta para
ento tlados quando como os seus alun "Uma das
balhar o autoconhecimento e o conheciln do mundo,
fora, Relatava-;:: papel que é usado, em~: fwa~ angus-
Como é que nós fazíamos? utilizávamos questionáriOS,
riam, a partir de :mo ,eles aproveitam, r;:::': e Jogado
testes, inventários para levantar informações sobre o aluno ízía uma delas: "Q ate~lalS aparentemente inút~em e .:e-
e limitávamos o conhecilnento do mundo à informação ra, eles dizem' 'T' UM o minha caneta acab eIS, Entao,
profissioool, O que era informação profissional? Nós coUú- 1 s pegam , Ia, a Sra. está jogando to a e eu Jogo
amos informações sobre as oportunidades do mercado de ísa útil e aproveitam para t ora esta caneta?"
trabalhO,sobre as características das profissões, e as pas- bínho ld:~:e~~s, Outra me diS:;,"':t~~r~~la em al~a
sávamos para o noSSOalunO, considerando ser ísso o conhe, , roveitam sem BIC para fazer bolha de pegam aquele
cimento do mundo, Alguns de nÓS tentavam compreender v 'no d pre, porque é essa ar, por exemplo,
os !imites que o mercado colocava para os nossos alunos 11' niz: . o da penúria, É essa: ::: forma de sobrevi-
orma peculiar de
e issO era o "dllrlo de realidade", com o qual trabalhávamOS,
no sentido de que os nossos alunos fizessem escolhas "mais
T,rabalhei
díto anos . no
10 d
que uma _ Parque Proletário '
realistas". 1d ,trabalh':;~r~o~~;m,;.ortantes que ap~:n:;:;"~e~ue
Nessa ótica que chamO de transformadora, o conheci- sses
a Gavea tinham rviam ali no Par e
mento do mundo não é mais informação profissional, mas , n rosa Foi' uma forma de rela - que Prole-
o conheciln concreto do mundo no qual os alunoS vi- (d .. ali que eu aprendi . ç,ao extremamen-
ento POt~Scompreendendo intelect1uSsol' primeiro sentindo
vem, no sentido deles compreenderem a sociedade na qual ipo de generosí a mente E ' '
se inserem; no sentido de compreenderem, como já disse, I 111 I' midad enerosídade não ntidO. xíste entre
as relações desta sociedade; no sentido de compreenderem , ,,11 1,lv ,AC~;,,::as de uma reação Org':c: piegas de
como se situa o grupo sócio_econômlco-culturaldo qual fa- 1111 I nç s e ce:~m COIsasincríveis Mo de sobrevivência
a vizinha . rreu a rnã d
zem parte; no sentido de compreenderem como é quemfr os I -1)\ filhos. E isso a~ã~mou para criar, juntoa~o~ qua-
diferentes grupos se organizam, se expressam, se com I I I discussã era um problem seus
m, lutam, qu
ais
as estratégias de luta e de sobrevivência, ,,,,,I 1111, Aquel o,, Era uma reação orgâ mca , a que se colo-
u -o estratégias diferentes para cada grupO social. Para I II I . r Aa vizinha pegava os filhos d , natural, es-
, gora vocês ,. a outra que
preciso que o orientador educaciopal conheça a dínê- I I di ou e imaginem se há I' mor-
ial, para que seus alunos venham a conhecer tam- , '" li' N/r~blema, O problema do oa;ae,,: de nós já
. m ximo, nós nos preocupamos, u ro tentando
e do outro,
re-
U lhes possibilitará, futuramente, fazer opções e

. nquanto classe,
23
22
Seria preocupação nossa desenvolver essas aptidões. Já
. do quatro filhos de se sabe que o problema das aptidões é absolutamente ideo-
. mais pegan -
1 r por outras vias, mas ja ouvi falar numa soluçao lógico, que aptidão não é ponto de partida, como historica-
~r mãe para criar. ~u s:~~~ia ou alta. Ma~ vi, c~me~ mente nos ensinaram. As pessoas não nascem com aptidões
as em grup?S de c::rque proletário da Gavea~ zona diferentes, mas pelas suas condições materiais de vida cer-
tas aptidões vão se desenvolvendo em determinados gru-
íor freqüênCla~~Oorientadores que t.rabal~a:m: prática pos sociais e outras aptidões se desenvolvem em outros
m us contatos c ercebO que 1SS0e . érn
·férica ou em favelas p íta naturalidade. Nm~. grupos. As aptidões vão se revelando no decorrer de uma
pen , vivida com mui , urna prat1ca vida, no curso da escolaridade. :É durante a educação geral
constante e que ~ente generoso, pois essa e que vão se definindo pouco a pouco e lentamente as apti-
se sente espec1a o ulares. dões, que estão relacionadas a oportunidades e a necessi-
comum entre as classes P p . mo e a competi-
. o consum1su. dades sociais coletivas e não a condições psicológicas indivi-
se o individuahsm~" . o a gente pensar o duais. Só no final do processo se pode falar em aptidão
ção ~::~ró~rios dal:~:~~;;~l:r~~~~~ando se pretende a ou em vocação, e sempre deve ser compreendido a partir
que é proprlO das c Ia e da sociedade. das relações de classe, e portanto de relações de poder.
f ção da esco ão
democra íza . _ s classes populares s~ Os homens se distinguem pelas suas aptidões, afirmá-
Se as formas de _orgamdz:çC~~~~tiÇãO, se são as da aÇra~ vamos nós em nosso passado. Mas agora compreendemos
ção e nao as - o as do reap que certas aptidões, e não outras, vão se desenvolvendo, a
as da coope:a s da ação individual, ..se sa do desperdício, artir de diferentes situações vividas; que é a partir das
coletiva e nao aodOSos materiais e nao as em fazer urna xperiências concretas de vida que vão se desenvolvendo
veitame~to de t tem de começar, se se petns~ maioria e não tais ou quais aptidões. Para quem sabe ver, basta olhar
é por ai que se ,. atenda portan o a ara uma pessoa, e, pelo modo como vive, como fala, como
educação democratlca,_que
. da populaçao. íd veste, como se coloca, como se relaciona com autoridade,
à minona . . - es materiais de V1a fim, por uma série de características, é fácil identificar
Se meu aluno, pelas suasanc~~d1â~cultura, valoriza~oS sua origem de classe. Não vê quem não quer qual a
d esso aos c - de comumca- )'igem de classe de uma pessoa que se apresenta diante
e pela f.al~~de e t:~ dificuldade ~e edxpre::~~ir posições de t nós em qualquer circunstância. Ela denuncia, por uma
pela SOC1e . .' _ de discuSSao, e a . lesmente íe de habilidades que desenvolveu, e que são específicas
áo de part1c1paçao, . inferior, mas slmp .
ç , - é porque seja . ão contnbuem determinados grupos sócio-econômico-culturais, a sua
liderança, nao .~ cías de vida que ViVeun I' em. Aptidão não é um dom com que certas pessoas nas-
porque as exper~enm dado a ser trabalhado. ,
. Não me refiro à genialidade, por exemplo, de Mozart
para isso. Este e u pretenda democra- icasso. Enquanto orientadora educacional, refiro-me a
escola, que se - sim-
É preciso que urna sua totalidade, e nao 1II U alunos como totalidade, e não àqueles que se desta-
tica, desenvolva nos ~lusno:~ep~sSibilidades de argum enta :' 1111 do todo e representam, num determinado momento
as minona , de encon rart c- II rico, a síntese de uma época. Estes são figuras arquetí-
plesment e n sar seus interesses, de se
de discutir, de .exp~esdos interesses de seu grupO, t de II ,que não fazem parte do meu universo profissional.
nais de comumcaçao um determinado momen o, 111 independem de mim e eu tenho pouco a fazer por
I posso ouví-los, porque denunciam o presente e anun-
organizar fcoleti~~:~~~' a: ~deranças, para q~~ f~t~~~;;;~~~ futuro. Não são objeto de trabalho para mim.
liderar e azer ela sua classe ,
t eles se capacitem a falar ~, los São habilidades que _e e II1I L de trabalho para mim são os alunos como um todo,
u representantes e co~tr~ea-está.pensando em Educaçao I u ~totalidade que devo perceber a questão das aptidões

i o desenvolver quan o 11 vocações.


DGrnocrática. 25
24
ão coloco a Considero, portanto, que os conceitos de vocação e de
blemas da vocaç , aptidão precisam ser repensados, a partir de um repen-
, pr que falo dos P:o como ilustração do que. es-
rópria histona de vlda_ - é ponto de partlda, sar da sociedade. Quando o orientador educacional começa
P vocaçao nao a pensar a sociedade criticamente, e não como lhe ensina-
d fendendo: de que r de uma vida. ram, como uma sociedade harmoniosa, onde o que foge a
- o no decorre
nstruça , que posso falar essa harmonia é percebido como disfunção, ele redefine
. " ocacionada", se e f ra estes conceitos e os reincorpora, transformados.
A 13 anoS fUl v .' ia ser pro esso ,
. os meu pai. Ele deCldm que eu uca ão. Eu tenho
aSSlm,por . para o Instituto de E~ ç Instituto Se eu penso a sociedade criticamente, não vou mais
decidiu que eu ia ês que eu tive ódio de ir pa!a ~ava no 2 Q ver como disfunção as suas contradições. Não vou mais
fugir de reconhecer os conflitos e as contradições desta so-
~~ei~~:a~::.a E~c~ri~~~~a l~~~eP~:q~;a~~ }l~.~n~it~~t~:, ciedade. Nem vou tampouco fazer o que a gente fez num
ano ginaslal, e com~. de andar para trás: ~lVe e uma determinado momento, que é "prevenir". Não vou exercer
Educação, 13 anoS, ive trar no primelro ano, n uma ação preventiva pois' já está claro para mim o que
a fazer um concurso, pa:ra en bairro distante, estudar está subjacente à chamada ação preventiva. Ação preventi-
par ue eu não conhecia, num meuS amigos. E eu va pressupõe o desajuste, a disfunção, a doença, a anor-
i~f.~:~S~~:ri
d:S:::;~:tr~rp:f~~
,
~:~~",;~OI:;;':~~
imposição de me· alquer interesse
malidade, o distúrbio e pretende a volta à "normalidade",
o "equilíbrio", à "harmonia". Ao contrário, agora eu vou
xplicitar as contradições, vou trabalhar as contradições,
cente para..a fui ser professora, sem qu 1 d E estou
de Educaçao e . ocação reve a a. iníca possibilidade de superá-Ias, atingindo uma nova sínte-
inicial, aptidã~ perceblda o~in~a vocação foi, s.endo cons~ provisória. É uma outra forma de pensar e de agir. E
convencidahOJe de, ~ue a . do a minha pr!;ttlca de P:o [uando eu estou pensando a sociedade, a escola e a minha
truída na minha pra~lcda.Vlbv:~dOa tal vocação, se asslm . I ~o na escola e na sociedade, volto à questão da escolha.
, eu Iui esco . em outra a 1-t I: , que afirmava que o indivíduo escolhe, passo a perceber
fessora e q~e H je não posso imaglI~ar-~e mim run-
posso cham~-l::. ~ Ser educadora, noie. e para não é o indivíduo que escolhe, mas que ele é escolhi-
vidade proflsslOna . que a minoria que escolhe é insignificante.
damental. de Orientacão Educacio- 6 uma minoria privilegiada escolhe. Quando estudá-
d com o curso ;" 1 or um
O mesmo se eu Orientação EducaclOna p o problema da escolha, estudávamos os ímpasses, os
1 Fui fazer o curso de 1 onde eu trabalhava se , os condicíonantes desta minoria que escolhia. O
na 't' muito simples. Na esco a bia que era orienta- O a que chegávamos era dizer que, numa família
mo lVO ue eu nem sa, O . nta
apresentou uma moç.~ q nem sabia o que era rie - V gados, por exemplo, há toda uma pressão para
dora educacional. Ahas, eu a havia ouvido falar em menino escolha ser advogado.
ção Educacional, porque n~~cbem' Foi lá ela, com ~eu
Orientação Educacional. Mu~ a fala~ num curso de One.?- eu sei que na sociedade, tal como ela se or-
"albinho seriado", e co~eço i fazer o curso de Orien~aça~ maioria não escolhe a vocação, esta é escolhida.
t ão Educacional. ASSlmtu Orientação EducaclOnal, ciso que, compreendendo isso, eu passe a lidar
tão do trabalho criticamente e não ideologica-
ducacional,
Ç sem saber o que ,e
t rque o curn
cru
alOdo curso me interessou.
posso mais passar para o meu aluno a idéia
f 1 simplesmen e po _ li" a Orientação colhe, pois ele não escolhe, outros escolhem
, . ha vocaçao? oje,
nde é que esta a mm d fazer Educação. Mas, tam- u a sociedade arma uma série de situações
lfY'lllCiR.C'1 nal é a minha forma ~ d a minha "vocação" na ímínadoras, selecionadoras, para escolher o
t vez, eu fui constrUln o a. E os que interessam à sociedade são aque-

27
26
Para que ele possa escolhe' .
possam escolher. O nosso di r e preCISOque muitos não
1 dóceis, mais "competentes", no sentido de tecni- ~or da realidade. Nós dizíam~scurso, portanto, era mascara-
nt mais qualificados e que vão cumprir um papel no 19ualr.nenteimportantes e . ~ue todas as profissões eram
sso de acumulação de capital. Então, compreendendo
, não vou mais fazer o discurso da "livre escolha", por-
qu já sei as implicações desta afirmação "ingênua". Eu
vou inevitavelmente repensar a questão do trabalho. Re-
valorizadas . E , de repente por
::!::~sa,
nó ISSOdeviam
.
ante um profusso~ :::s
nos perguntar' s
:08
ser Igualmente
.

..
numa situação
co ou aluno maí
que o rico não vai .. e. ser Iixeiro é bom entã s
pensar a questão do trabalho, uma questão minha, orien- um d termí 1 ser lixeiro nun ? ,ao por
~ ermínado grupo "es "ca .. Por que é que só
tadora educacional, de acordo com a lei vigente. Só que maravilhosas, mas que nin co!he profissões que são tão
não vou mais preparar para as escolhas, escolhas essas
que não se dão como eu acreditava. E eu me pergunto se lho~as, estariam sendo dis ~:~ quer? Se fossem maravi-
~nam status social. Se f';'se as. Se fossem maravilhosas
tem sentido trabalhar nessa margem limitadíssima de es-
n e?lmento econômico, num m r.naravllhosas, teriam reco-
colha, ou se não será melhor que nós, orientadores educa-
cionais, tomemos a questão do trabalho como nossa sim, nheiro. Se não é nada dissoa.s~Cled~de.que endeusou o di-
, nao sao import t
mas pensando o trabalho a partir da realidade concreta Volto a f' ' an es mesmo
de noSsos alunos que vivem numa sociedade concreta. Se, ~ a lrmar que a ~ .
nao é futuro para nossos al questão do trabalho é presente
por exemplo, pelo menoS 80% são oriundoS das classes quando estava lá em M un?S de classes populares H . '
populares, trabalho não é uma questão remota, como fôssemos
. dar uma volta angumhos,
p I' propus ao grupo . oje,
que
é para os alunoS das classes médias e classes altas. melO
Olsf'a partir do observa:o o f circundante, para de-
Para o aluno de classe média e alta trabalho é uma ques- ro essoras. Num det ermmado' . ' azer um trabalho com as
tão que se coloca no final do 29 grau, quando iniciou 1nh
a desse tamanhinho m?mento vimos uma .
igualmente muitas vezes também uma escolha de curso
superior. Quanto mais alto o status econômico, mais
nr;,a menininha, varrendo q:e C!:Vl':,; ter uns quatro a~:'
. ~ professora fizeram al . a diretora da escola
possibilidades de rever escolhas. O aluno faz a primei- tuaçao observada. Imagí gumas considerações sobre
ra escolha, a segunda, a terceira, às vezes desiste e de- I de quatro anos estaria ma se uma' memna da classe rné-a
pois retoma. por quê? porque a sua colocação na so- stava varrendo de verdad varrendo
I
I ~ a casa. So. que aque-
ciedade lhe permite isso. porque ele tem status econômico « adre" Po e, nao era pa ra "bri
para fazer a tal "exploração", que a gente aprendeu nos « 1 .' rque as nossas filha rmcar de
regada ou de madame ou' . s podem até brincar de
cursos de formação. Teoricamente, ele está no "período
exploratório" de seu desenvolvimento vocacional. Só que :: ;nUlA não estava brincand~e ~arrer a casa. Mas aque-
quem pode explorar é ele e aqueles que, como ele, têm 11' é
a casa dela, quem varre n~o. Ela ~stava trabalhan-
uma situação privilegiada. Imagine se os alunos das clas- I a como se ela fosse a ~~. E nos tratamos essa
ses populares, e mesmo os das classes médias que estão se ::", média. Fazemos uma e::';;,mnha" superprotegida de
proletarizando, e esse problema também está se colocando t a Orientação Edu' de brincadeirinha" É
111 1Il! • Considero ca~lOnal teria um papel a d .
hoje, imagine se eles podem ficar "explorando". 1111 ~ uma leitura ab 1 esem-
ti tao do trabalho do' . so utamente equivocada
Não, não podemos continuar a falar como se o mun-
111111 I fazer educação: ISS~~~o, ~o prazer, essa forma de
do não tivesse mudado para os meninos de classe média,
como se a nossa clientela não tivesse mudado, na medi- :': ',I' escola virou um IUga~d a,,~hamada Escola Nova,
d em que grandes contingentes das classes populares en- u' , , ue o. que se dá na escol ~ az-de-conta". Eu con-
t r m na escola. E, sem aprender nada com essa nova I <1'" sígnífíca que as cois a e ;una coisa muito séria
1 nt Ia, porque essa nova clientela poderia nos ajudar a I 11 111' ncudamente. as serias precisam ser vivi-
r nder, inclusive, por que é que o nosso ex-aluno
olher. 29
28
o que acontece na escola, a meu ver, é muito serro. É Se eu tenho uma menina d
muito importante. Mas me dá prazer, como tudo que é balha em casa J'a' e quatro anos que J'a' t
I' .' cumpre um P I '. ra-
muito importante e tem muito sentido para mim, que lá lar, assummdo afazeres domé t.ape na orgamzação fami-
stou, vivendo a prática pedagógica, como se fosse um alu- o trabalho como uma ue _ s ICOS,eu não posso tratar
no. Todas as vezes que qualquer um de nós se viu numa o trabalho faz parte d2 s,esutaodiabst~ataou remota, já que
situação que respondia a um anseio real, a uma curiosi- a-a-dla.
dade natural, a uma necessidade concreta, teve prazer ao A pergunta que se coloca é'
fazer a coisa, ou ao adquirir o conhecimento, ou ao rece- do do meu aluno, de mod . como posso captar o mun-
realidade? o e adequar o currículo à sua
ber a informação. Logo, o que se faz na escola, se tem
sentido para o aluno, assume o aspecto lúdico do trabalho, Historicamente o que .
o que é muito diferente da escola de "brincadeirinha", da vistas, qUestionária's invent ,s~ faZIa? Utilizavam-se entre-
escola de "faz-de-conta". A Orientação Educacional teria o "realidade" do aluno' AI anos, testes, visando captar a
que dizer no que se refere à questão do trabalho, sobre- t rial recolhido em' arqgu.masvezes se trancava todo o ma-
tudo quando lida com alunos de classes populares, no sen- UIVOSpor ser "1
O
ment o de minha vida . 'f" SIgIoso, Em certo
tido de que o que se faça na escola tenha relação com a , d pro issronaj eu er
, e um grupo de orientadore d '. . a coordenado_
realidade vivencial do aluno, responda aos desafios que esse o Carlos. Um dia me telef s e u.caclOnalsno Morro de
aluno vive fora da escola, complemente, aprofunde e am- Urpreende com o segui te: ona a dI~etora da escola e me
plie a sua possibilidade de compreender e agir no mundo ti e eu preciso conversarnc~m- R~gma, tem umas coisas
no qual se vive. E isso é coisa séria, não é brincadeira e 1.1 Vocêé a coordenado M v?ce, porque afinal de con-
não pode ser tratado como brincadeira. h ra. e diz uma coí P
r c efe de si mesmo? isa: ode alguém
É importante resgatar o prazer que o trabalho dá, - Por quê?
quando é significativo, quando não é simplesmente uma
parte, na qual se perde a visão de totalidade. Nós pode- - Porque a orientadora ed .
ríamos fazer na escola a integração teoria e prática, ao ( do que ela era chefe do so~ac~onal. se, apr~sentou, di-
ligar o conhecimento transmitido, ou criado, à realidade I/lI ro perguntar se alguém p de amo so exista ela, eu
vívencíal do aluno, realidade da qual faz parte o trabalho. '. o e ser chefe de si mesmo
PnmeIra questão, que deixou u .
Abrindo-se as portas da escola para que penetre o mundo /1Ie! a e me embaraçou com m pouco mal a oríen-
do aluno, o mundo do trabalho vem junto, pois é a sua . ,o sua coordenadora.
realidade imediata. Por isso deve-se tratar da questão do epoís, ela me disse que .
/lI/tl'H so poder trabalh ~ onentadora educacional afir-
trabalho, não como uma coisa remota, mas como uma rea-
lidade presente. 111/,' Com uma chave a~omse tivesse uma sala, com um ar-
1/ III u t b ,uma mesa e uma dei
ra alho exigia privacidade. ca terra, por-
Trabalho deve ser, portanto, o pólo norteador de to-
das as atividades que se desenvolvem na escola. Não mais U ndo, em resposta .
Educação para o trabalho, nem simplesmente Educação '''"1 (I da ?ireção onde ha~i~eu pedIdo, foi .mostrado o ga-
p 10 trabalho, mas uma pedagogia do trabalho, que é uma dll r tãrta, da subdiretor a me~~ da dIretora, a mesa
ma de pensar e fazer educação, Quer dizer: trabalho é I"IIml , numa salinha míni~amatenaI~, .arquivos, tudo em-
1 ão entre a escola e a vida, é o mediador entre a es- ',,1/1, m tranca. Isto por ue' ela eXI~Iupelo menos um
11111 I ra sigiloso. q o materIal com que traba-
( lh sociedade, o norteador de toda a atividade peda-
I I. Ni o se inclui a questão do trabalho como ativida- o, eu me pergunt
11 1 'I' C nal, 'no presente ou no futuro, para o meu t" ,,, I/lnt
1,( , numa escola o, ~ue material é esse? Que sen-
1I1111( , '11Id" Jl t ría; que nin' ~lguem. ter posse de um determí.
guem mais tem conhecimento e uso.
30
31
u a ori-entadora educacional socializa as informações so- A Orientação Educacional e a Supervisão não foram
bre os alunos ou elas não têm sentido para a escola. Isso superadas, como algun~ afirmam, até porque têm o tempo
tem muito sentido num consultório, mas numa escola não dISP?lliVele a formaçao para cumprirem esse papel no
entido de mobilizarem a escola, a família e a comunidade
tem qualquer sentido. a:a um. ~rocesso permanente de pesquisa-ação ou pes-
O tal material sigiloso que ela precisava guardar, pelo uísa-partícípante em que se investigará coletivamente o
menos com um cadeado num baú, virou parte do anedo- .nundo do aluno. E preciso que se conheça o mundo do
tário da Orientação Educacional. Eu, de vez em quando, n~~o, p~ra que de fato tenha sentido a intervenção peda-
me lembro dessa história e conto. gica. ~ preciso que se captem as formas originais de ser
de agir, ~ lmgua, os valores de seu grupo sócio-cultural,
O importante é compreender por que aquela orienta- I expectativas que ele tem em relação à escola, o seu uni-
dora se apresentou desse modo. E só se compreenderá se li rso cultural, para que de fato a intervenção pedagógica
se recordar como surge a Orientação Educacional. Ela é uma ,ja _resposta ao aluno concreto, e não parta de uma abs-
vertente da Psicologia Clínica, e traz para a escola, sem LI çao, de uma fantasia.
crítica, uma certa postura que tinha sentido no consultó-
rio, mas que é, pelo menos, alienada na escola. preciso que se aprenda a trabalhar com a diversi-

tln A escola sempre partiu de uma visão homoge . -
9.
Além disso, do meu ponto de vista, uma vez que a crí- li 'a da sua crient e1a. ,E- preciso que se compreendaneiza que
tica científica faz não poucas reservas quanto aos testes, in- I/(L ndo o~ .alunos chegam à escola, eles são oriundos de
ventários de interesses etc., porque esses materiais captam os SoclO-c~lturais_dif.er.entes, constituindo a heteroge-
um momento isolado da totalidade e são um corte na dina- d~ r~al. .E atraves da mtervenção pedagógica que eles
micidade e na complexidade de que se constitui o ser huma- atíngíndo a homogeneidade possível, que é o acesso
no, a orientadora pelo menos deveria ver esses recursos iultura acumulada historicamente pela humanidade.
com muita relatividade. Assim sendo, por que a utilização
ponto de partida é a diversidade; o ponto de che-
de instrumentos já tão questionados?
I 11 I é que é a homogeneídade, para que todos os alunos
A ação da Orientação Educacional, no sentido de cap- I, IIIl m acesso ao saber que buscam na escola. Que te-
tar o mundo do aluno, seria se mobilizar e mobilizar a ,111111 acesso ao instrumental que para eles não só tem o
comunidade-escola e a comunidade maior, realizando a pon- , IILl O de melhoria das condições materiais de vida mas
te escola-família-comunidade, conforme lhe confere a Lei 111' 11 m se constitui em instrumento de luta, na transíor-
5692/71. Esta é uma das funções da Orientação Educacional. 1111 ~ desta sociedade, na qual eles se colocam tão mal
Então, eu vou me mobilizar, mobilizar a comunidade-escola II 11 r opçao,
- mas pelo modo como ela se organiza. '
e mobilizar a comunidade circundante para que se investi-
gue o mundo do aluno, naquilo que nos interessa, enquan- o acesso ao saber é de vital importância para o
to escola, instituição que tem a responsabilidade de trans- 11(111), pensar a democratização do ensino passa necessa-
mitir o conhecimento historicamente acumulado e de criar I 11111 te pela questão do conhecimento.
novos conhecimentos. I,preciso que todos os alunos se apossem do saber
Eu não posso fazer a tão falada adequação curricular, ,til 11' ~ado pela socie~ade.. Mas é preciso também que eles
não sei quem é o aluno concreto, se esse aluno ainda 1111111). ndam que nao existe o saber universal e atempo-
um desconhecido para mim, se eu vou trabalhar em cima 11 ti I saberes! E preciso que o ponto de partida seja o
1 trações, modelos que nada' têm a ver com esse alu- ,,' 11 I ue o. aluno traz, porque ele viveu determinadas ex-
I' I t I -i s, lígadas ao seu grupo sócio-econômico-cultural,
concreto, real.
32 33
d t rminadas condições de vida e que essas experiências 'a me dizia que vivera a seguinte situação em sala de aula:
lh proporcionaram construir ou receber um determinado Ia se levantou para escrever alguma coisa no quadro, le-
b r, o chamado saber popular. vantou o braço para escrever, quando um aluno perguntou:
É o confronto de saberes que se dá por excelência na
- Professora, a senhora foi à praia ontem?
escola: saber popular (o saber do aluno) versus saber ins- - Não, não fui à praia.
tituído (o saber do professor). É no confronto desses dois - Mas a senhora está queimada!
saberes que está a possibilidade de um novo saber, que - Eu estou queimada, é, mas não fui à praia.
contribuirá para a constituição de uma nova sociedade. Se
- Mas então como é que a senhora está queimada?
a questão da democratização da escola passa necessaría-
- E porque eu fui à piscina.
mente pela questão do saber, a questão do saber é uma
- Que piscina a senhora foi?
questão nossa, orientadores educacionais, também.
- Da casa da minha mãe.
Validar o saber do aluno é valorizar o seu mundo, é - Na casa da sua mãe tem piscina? (E ela já foi fi-
valorizá-lo em sua diferença. Historicamente dizíamos que ndo inquieta com o diálogo).
trabalhávamos o autoconceito do aluno; fazia parte do nos- - Bem, não é uma piscina muito grande. E uma pís-
so ideário a questão do autoconceito. Eu não acho que se olna de plástico, que tem uns ferrinhos assim.
deva deixar de lado a questão do autoconceito. Muito ao - De que tamanho é a piscina?
contrário, esta é uma questão relevante parariós, orienta-
dores educacionais. Aí ela mostrou o tamanho da piscina.
Só que não vou ver autoconoeito por aquela ótica en- - 011 professora, essa piscina é grande. Então a se-
viezada que me ensinaram. 80% dos meus alunos e eu quere- lI! é rica!
mos sempre partir da verificação de que falar de Educa- - Eu, rica?
ção Democrática é falar de Educação das maiorias; 80% Mas quando ela se defendeu: "Eu, rica?", teve de re-
dos meus alunos são oriundos das classes populares e quan- 1'1 tír sobre o que é ser rico para um menino da favela de
do eles vêm para a escola, já vêm com um forte senti- Münguínhos.
mento de inferioridade internalizado pela sua colocação na
sociedade. Os meios de comunicação de massa estão o tem- Como é que esse menino elabora o fato de o filho da
po todo dizendo que "se você é esperto leva vantagem", fessora tomar banho de piscina e ele ter de tomar banho
que "bom é empregar o dinheiro porque agora eu posso fossa? A professora ter carro e a sua mãe andar a pé.
tranqüilamente andar num barco e fruir dos prazeres do rofessora andar toda bonitinha e a sua mãe ter varizes,
sol e do mar", que quem fuma tal marca de cigarro vai ter dentes e ser feia? Por que isso? Por que que o seu
"ao sucesso". Ou seja, os meios de comunicação de massa é biscateiro? Por que ele não é banqueiro, como os
estão o tempo todo dizendo a ele que ele é inferior, que ens que a televisão mostra?
seu pai é inferior, que sua mãe é inferior, que seu grupo
econômico-sócio-cultural é interior. Estão sempre dizendo E o que a sociedade lhe responde é que a sua vida é
a ele, subliminarmente, que é a forma mais potente de 11m, porque ele e a sua família não são capazes de ter
penetração, que ele é pobre porque é burro. Quando ele ue os outros têm, não são capazes. de aproveitar as
ntra na escola, a escola reforça essa percepção de si mes- f I tunidades que a sociedade lhes oferece. Não é que a
mo, que ele já traz internalizada. I) I dade se organize de uma forma que uns vão ser ban-
1/11 1ros e outros vão ser operários, que uns vão ter dois
Mais uma vez cito Manguinhos, porque essas coisas I /11' S e outros vão andar a pé; que uns vão ter piscina
t ainda muito presentes em mim. Hoje, uma professo- 1I1~I'n seus filhos e netos e outros vão ter de tomar banho

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na. fossa ou não vão tomar banho, porque a favela não situação e que, dadas as suas condições materiais de vida,
t m água; que uns vão para a escola com a camisa bran- têm o seu autoconceito muito negativo. Então vou repen-
quinha, pois têm uma empregada que lava muito bem e, ar a questão do autoconceito. Vou chegar ao que seria a
se não lavar, a mãe manda embora e chama outra, e outros minha forma de ação. Eu, que até então enfatizava o indi-
vão com a camisa meio sujinha, porque a água possível vidual, vou enfatizar o coletivo. Eu vou chegar ao indi-
e o sabão possível e o tempo possível não dão "o branco vidual, no final do processo.
do OMO", apesar do esforço enorme da mãe. E quando
ele entra na escola, a professora diz: "Ah, mas está muito O que desejo enfatizar é que todos esses conceitos vão
suja a sua blusa! Amanhã você pede a mamãe para você ndo recuperados, só que numa outra ótica. Eu vou chegar
vir com uma blusa limpa". Só que ele tem apenas aquela individual sim, é evidente! Mas vou partir do coletivo,
blusa. o vou partir do individual. Quando trato da questão do
Então a gente está reforçando aquele sentimento, que utoconceito - e por isso é que eu enfatizei um pouco
ele já traz, de menos-valia. sa questão do autoconceito, por achar que fica mais claro
a contraposição do individual e do coletivo - não trato
Ora, se a questão do autoconceito é uma questão da autoconceito partindo da individualidade do meu aluno,
Orientação Educacional, eu tenho de trabalhar com o grupo s parto do coletivo dos meus alunos para então chegar
de professores, como recuperar o autoconceito desse aluno; ndividualidade de cada aluno. Eu vou partir da com-
como reconstruir ou construir a identidade deste aluno, PI' nsão da sociedade como um todo; vou compreender
porque eu ponho em dúvida se foi algum dia construída. n cola em sua relação com a sociedade; vou captar os
Eu vou considerar o autoconceito uma questão da II r rentes grupos sócio-culturais representados na escola e
Orientação Educacional, sim. Eu tenho de tratar da questão VI Chegar ao meu aluno individual, no final. Eu vou partir
do autoconceito, mas vou pensar o autoconceito de meu II lobal para o particular, mas vou retomar todas essas
aluno concreto e não o autoconceito num sentido idealista IIII tões como questões minhas sim, como orientadora
111, cional.
e abstrato. Eu vou pensar o que é trabalhar autoconceito
com esse tipo de aluno, que já vem para a escola se sen- u acho que já falei demais.
tindo inferiorizado. Ele não vem para a escola se sentido
inferiorizado como alguns de nossos alunos de antigamen- A ora a gente pode começar a discutir e aí, na discus-
te, quando a mãe, que tem três filhos, prioriza um. É uma 111, lguma coisa poderá surgir, ou ser aprofundada.
coisa muito mais séria, mais ampla, porque é global, não
é individual. O aluno das classes populares sente-se va-
lendo menos, não só como indivíduo, mas também como
grupo: ele, pessoalmente, é inferior, sua família é inferior,
seu grupo sócio-cultural é inferior. Ele se sente globalmente
inferior. Logo, recuperar o seu autoconceito exige mais do
que abordagens psicológicas. Exige uma visão sócio-polí-
tica do problema. A solução para este problema não
pode ser encontrada por vias individuais, que destaca o
indivíduo de seu grupo de origem, que vê o indivíduo des-
t ado de sua classe, mas por vias coletivas. Eu vou tratar
questão do autoconceito numa ótica global. Não é o
J zínho, mas são todos os meus alunos que vivem esta

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