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Andrea Barros Daltro de Castro Costa; Ana Paula Silva da Conceição

O processo de aprendizagem na
Educação de Jovens e Adultos (EJA): as
vozes dos cidadãos da resistência

Andrea Barros Daltro de Castro Costa (UNEB)*


Ana Paula Silva da Conceição (UNEB)**

Resumo
Nesta pesquisa problematizamos sobre quais elementos interferem na
aprendizagem dos estudantes do Tempo de Aprendizagem I (TAP I) nas es-
colas públicas de Salvador? O objetivo geral foi de identificar os elementos
que contribuem e interferem na aprendizagem dos estudantes da EJA do
TAP I nas escolas públicas de Salvador. Assim sendo, tivemos como objeti-
vos específicos: investigar os processos de aprendizagem dos estudantes da
EJA; relacionar o papel da escola cidadã com o processo de reconhecimento
dos sujeitos da EJA. Optamos pela abordagem qualitativa, através do estudo
de caso múltiplo com utilização da entrevista semiestruturada como técnica
de pesquisa. Os resultados revelaram que a aprendizagem, para os estudan-
tes da EJA, se dá através do processo de aquisição da leitura e da escrita; a
maioria destes tiveram direitos negados de acesso à escola devido inserção
precoce no trabalho; e a escola é espaço de construção, reconhecimento e
ascensão social. Concluímos que a escola cidadã possibilita aos estudantes
superação das trajetórias de vida, protagonismo no contexto social letrado e
resistência à exclusão social.
Palavras chaves: Aprendizagem. Estudantes da EJA. Escola Cidadã. Resis-
tência.

Abstract
The learning process at EJA: the voices of citizens of
resistance
In this qualitative investigation of the procedure multiple case study apply-
ing the semistructured interview as instrument, we questioned which ele-
ments interfere in the learning of the students of the Learning Time I (TAP I)

* Professora Concursada da Rede Municipal de Ensino de Salvador. Mestranda do Programa de Educação


de Jovens e Adultos – UNEB. Membro do grupo de pesquisa Formacceinfancia Linguagens e EJA – UNEB.
E-mail: andrea.barros75@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3928-4691
** Professora Adjunta da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Doutora em Educação pela Universida-
de Federal da Bahia. E-mail: apsconceicao@uneb.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6958-7749

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O processo de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos (EJA): as vozes dos cidadãos da resistência

in the public schools of Salvador? The main goal is to identify the elements
that contribute and interfere in the learning of students of the TAP I EJA
in public schools in Salvador, highlighting as specific objectives: To investi-
gate the learning processes of EJA students; to relate the role of the citizen
school to the process of recognition of the EJA subjects. The results show
that learning for EJA students occurs through the process of acquisition of
reading and writing; most of them had denied access to school due to their
early insertion at work life; and the school is a space of construction, recog-
nition and social ascension. We conclude that the citizens’ school enables
students to overcome their life trajectories, also protagonism in the social
context and the resistance to social exclusion as well.
Keywords: Learning. EJA students. Citizen school. Resistance.

Resumen
El proceso de aprendizaje en la Educación de Jóvenes
y Adultos (EJA): las voces de los ciudadanos de
resistencia
¿En esta investigación que problematizar sobre que elementos interfie-
ren con el aprendizaje de los estudiantes aprendizaje tiempo (TAP I) en
las escuelas públicas de el Salvador? El objetivo general fue identificar
los elementos que contribuyen y que interfieren con el aprendizaje de
alumnos de EJA TAP en escuelas públicas de el Salvador. Por lo tanto, tuvo
como objetivos específicos: investigar los procesos de aprendizaje de los
estudiantes de la educación de adultos y jóvenes; se relacionan con el
papel de la escuela del ciudadano con el proceso de reconocimiento del
sujeto de la EJA. Optamos por el enfoque cualitativo, a través del estudio
de caso múltiple con la técnica de entrevista semiestructurada. Los re-
sultados revelaron aprendizaje para los estudiantes de la educación de
adultos y jóvenes, a través de la adquisición de la lectura y la escritura;
la mayoría de ellas había negado los derechos de acceso a la escuela de-
bido a la temprana inserción en el trabajo; y la escuela es espacio, reco-
nocimiento y ascensión social. Concluimos que la escuela del ciudadano
permite a los estudiantes superar las trayectorias de vida, papel en el
contexto social alfabetizado y resistencia a la exclusión social.
Palabras clave: aprendizaje. Alumnos de la EJA. Escuela del ciudadano.
Resistencia.

Introdução
Neste artigo analisamos a temática pro- tendo como base a percepção desses su-
cessos de aprendizagem nas classes da jeitos muitas vezes marginalizados e sem
Educação de Jovens e Adultos na qual efe- oportunidades. Consideramos a sala de
tivamos uma discussão a respeito de abor- aula como um espaço para esse proces-
dagens de aprendizagem dos estudantes so de construção e produção de conheci-
da Educação de Jovens e Adultos (EJA), mento e a escola, instituição viva capaz de

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ressignificar o contexto educativo para os da Andragogia, defendem que os estudantes


jovens, adultos e idosos. e as estudantes da EJA devem participar de
Dessa forma, observamos que se trata forma mais ativa do seu processo de apren-
de uma temática que sustenta um amplo dizagem por conta da maturidade e ricas
processo reflexivo sobre quem são os es- experiências que favorecem o desenvolvi-
tudantes e as estudantes, regressos da EJA mento da sua consciência crítica. Essas ca-
nos seus múltiplos aspectos e especificida- racterísticas também motivaram o estudo
des que retornam ao espaço escolar com do problema acima citado e influenciaram
tantas dúvidas e incertezas que permea- na escolha dos sujeitos da pesquisa.
ram sua trajetória de estudo durante a in- Para efetivar a investigação dessa pro-
fância ou juventude por diversos motivos, blemática elegemos como objetivo geral
sejam sociais, econômicos, políticos ou cul- identificar os elementos que contribuem e
turais. Ao retornarem ao ambiente formal interferem na aprendizagem dos estudantes
de aquisição e produção de conhecimento e das estudantes da EJA do TAP I nas escolas
científico, esses sujeitos desejam fazer par- públicas da cidade de Salvador. A partir das
te do mundo letrado, a partir do reconheci- falas dos estudantes e das estudantes desse
mento de suas capacidades e potencialida- estágio, oportunizamos a esses sujeitos pen-
des assim como, o respeito às suas limita- sar sobre o seu processo de aprendizagem,
ções e dificuldades. a partir do seu contexto atual enquanto tra-
Por essa razão, delimitamos nossa aná- balhadores e trabalhadoras, ancorando suas
lise na tentativa de responder ao seguinte expectativas na possibilidade de gerar uma
questionamento: quais elementos auxiliam reflexão sobre a prática dos profissionais
e interferem na aprendizagem dos estudan- que atuam nesse segmento.
tes e das estudantes do TAP I (definição da Como objetivos específicos destacamos:
Resolução CME Nº 041/2013) nas escolas - investigar os processos de aprendizagem
públicas da cidade de Salvador? Trata-se dos estudantes e das estudantes da EJA; -
de uma questão que necessita ser estudada relacionar o papel da escola cidadã com o
para elucidar dúvidas e refletir acerca do processo de reconhecimento dos estudan-
processo de aprendizagem destes sujeitos tes e das estudantes da EJA. Essa escolha foi
que muitas vezes desenvolvem trabalhos ressaltada pela necessidade de aprofundar
manuais e não tem tempo para dedicar- a discussão a partir do protagonismo dos
se aos estudos formais. Vale ressaltar que estudantes e das estudantes da EJA que du-
essa investigação não emana do aprendiza- rante muito tempo sentiram-se obrigados a
do de jovens e adultos como meta principal abrir mão do seu direito de estudar, assim
de ensinar as letras para que esses assinem como da necessidade de configurar o papel
seu nome, mas também que perceba a al- da escola enquanto espaço de resistência e
fabetização como uma alavanca para a for- desenvolvimento da cidadania.
mação de cidadãos conscientes e capazes Essa investigação é bastante salutar por
de atuar na vida social, resistentes à exclu- oportunizar reflexões sobre a urgência de
são das injustiças sociais geradas pela bai- conhecer melhor as demandas dos estudan-
xa escolaridade. tes e das estudantes da EJA, sujeitos oprimi-
Pesquisas sobre a aprendizagem dos jo- dos e que ao retornar para a escola acredi-
vens e adultos, iniciadas a partir do estudo tam na educação cidadã e libertadora capaz

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de superar a desumanização. Nesse proces- como ser social e histórico. Baseado no en-
so educativo, é imprescindível escrever, bio- foque crítico participativo com visão histó-
grafar-se, ler, historicizar-se, assumir-se, re- rico-estrutural-dialética parte do princípio
conhecer-se como ser incompleto, capaz de de “[...] conhecer a realidade e transformá-la
gerar conhecimentos ao longo da vida, inci- em processos contextuais e dinâmicos com-
tar o diálogo para reverberar a produção da plexos” (TRIVIÑOS, 2012, p.117).
cultura e da própria existência por romper Para elencar elementos dessa aborda-
o silêncio que é viés de opressão e, cultivar gem, salientamos as ideias de Godoy (1996,
a fala crítica da voz analítica que favorece a p. 62-63) quanto às características: é essen-
tomada de consciência da própria vida, tor- cial o contato do pesquisador com o ambien-
nando-se um ser político. te investigativo; o registro dos resultados
Organizada por esta introdução, com- prioriza muito a escrita, abolindo as expres-
posta pela temática, o problema, os objeti- sões quantitativas de análise e reconhece o
vos geral e específico, temos a parte inicial ambiente e as pessoas envolvidas no con-
da investigação. Apresentamos também os texto holístico pois o pesquisador preocu-
procedimentos metodológicos embasados pa-se com o processo e não somente com
na abordagem de investigação qualitativa e os resultados; o pesquisador compreende o
a metodologia do trabalho, na perspectiva fenômeno a partir das perspectivas dos su-
do estudo de casos múltiplos, destacando os jeitos envolvidos e “pesquisadores utilizam
sujeitos, o contexto dos locais de pesquisa, o enfoque indutivo na análise de seus da-
os instrumentos aplicados, as etapas per- dos” pois o aporte teórico é construído aos
corridas pelo pesquisador e a análise das poucos e “à medida que coleta os dados e os
informações coletadas atreladas ao suporte examina”.
teórico. O texto, permeado por diversas vo- Quanto ao procedimento estratégico,
zes dos estudantes e das estudantes, aborda trata-se de um estudo de caso múltiplos
na prática sobre o seu processo de apren- baseado nas definições de André (2013),
dizagem favorecendo o repensar das prá- Alves-Mazzotti (2006) e Yin (2015) o qual
ticas de professores e professoras a partir favorece o diálogo com os envolvidos pelo
da construção do elo entre saberes e apren- estudo da temática, além de permitir a
dências dialógicas. cumulatividade e aplicabilidade dos resulta-
dos encontrados a partir dos instrumentos,
Procedimentos uma rápida observação direta e a entrevista
metodológicos semiestruturada contextualizada nas ideias
A base metodológica da pesquisa quanto de Ornelas (2011).
à abordagem, com inspiração em Triviños O estudo de caso múltiplos fornece infor-
(2012) e Godoy (1996), foi a pesquisa qua- mações importantes e permite decisões po-
litativa por focar aspectos da realidade não líticas por contribuir para a reflexão signi-
quantitativos e investigar fenômenos na sua ficativa no âmbito educacional. A eficiência
profundidade. Esse modelo teórico-metodo- desse estudo transcorre do seu detalhamen-
lógico adotado, compreende a importância to e ênfase na atuação ética, crítica e criati-
do estudo do fenômeno educacional como va do pesquisador sem se deixar perder nas
fenômeno social e ao investigar suas raízes, aparências, pois esse procedimento exige a
causas, consequências, percebe o sujeito manifestação de suas dimensões intelectual,

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pessoal e emocional o que gera a integração presentantes da gestão e informa o objetivo


harmoniosa do pesquisador ao grupo. da pesquisa, agendando os dias de visita e
Na área educacional, o estudo de caso entrevista. Por conta do tempo disponibi-
aparece com o sentido limitado por volta lizado pelo pesquisador, a apresentação do
das décadas 60 e 70 como estudo descritivo contexto da pesquisa aconteceu no mesmo
e considerado menos científico por não ser dia das entrevistas com os estudantes e es-
experimental. Nos anos 80, ressurge na pes- tudantes, assim como o reconhecimento do
quisa com sentido mais abrangente, focali- ambiente escolar, concomitante com uma
zar um fenômeno específico a partir do seu breve observação a fim de perceber a rela-
contexto e dimensões múltiplas, valorizan- ção dos sujeitos envolvidos nas instituições.
do o aspecto unitário e ressaltando a análise A segunda fase, a de coleta dos dados foi
situada e profunda. Nessa perspectiva, a au- realizada através da entrevista semiestru-
tora Marli André (2013) reforça que não é o turada com todos os estudantes e as estu-
nome que estabelece o rigor metodológico, dantes do TAP I presentes nas escolas no dia
mas o detalhamento da descrição e a justi- previsto com a gestão a fim de garantir uma
ficativa de cada opção feita, como a escolha maior confiabilidade nos resultados, o que
adequada dos sujeitos, dos procedimentos nos garantiu a possibilidade de conhecer a
de coleta e análise de informações, assim partir das expressões dos estudantes o que
como a elaboração e validação dos instru- interfere ou auxilia nos seus processos de
mentos no tratamento das informações. aprendizagem.
Dessa forma, o trabalho presente faz Vale ressaltar que foi necessária uma
uma descrição detalhada das etapas de apresentação coletiva na sala de aula com a
pesquisa, apresentando os locais do estudo professora regente presente, expondo a in-
(preservando o nome das instituições para vestigação que pretendíamos realizar visto
resguardar a identidade dos estudantes en- que inicialmente alguns estudantes se recu-
trevistados), a motivação da escolha dos su- saram a participar da entrevista.
jeitos e sua caracterização, os instrumentos O exercício da entrevista exige leveza, é um
de coletas de informações e a fundamenta- exercício meticuloso, requer um tempo ne-
ção dessas informações para embasar com cessário para que a confiança se presendifi-
que, sabe-se o quanto a fala está ancorada na
cientificidade os resultados encontrados de
censura, no medo, nas reticências, em lapso,
forma a construir uma teia entre as falas dos atos falhos, silêncios. [...] para que o con-
entrevistados e as teorias. teúdo revelado tenha saber e sabor de uma
Conforme classificação de Yin (2015, imagem que, [...] encontre o significado e o
p.84), esse estudo de caso múltiplo é inte- significante do objeto perdido. (ORNELAS,
grado “[...] porque os resultados de cada 2011, p. 29)
levantamento não serão agrupados entre Na apresentação foi fundamental expor
as escolas. Ao contrário, os dados do le- o interesse pela pesquisa através do re-
vantamento serão parte dos achados para lato do objetivo geral assim como a esco-
cada escola ou caso individual”. De acordo lha deles enquanto sujeitos desse estudo,
com André (2005), esse estudo de caso rea- considerando-os os envolvidos diretos e
liza-se em três fases: a fase exploratória - por isso os únicos capazes de revelar com
momento em que o pesquisador entra em muita fidedignidade os pontos levantados.
contato com as escolas através de seus re- Também a apresentação da pesquisadora

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como professora desse tempo de aprendi- to). Essas características estiveram presen-
zagem que respeita a história e momento tes constantemente nas entrevistas, espaço
de cada um, pois conhece a realidade dos dinâmico, porque a todo instante os entre-
estudantes trabalhadores e trabalhadoras, vistados recorriam as suas histórias de vida
no espaço educativo, tendo uma trajetória gerando momentos de prazer e dor exigin-
construída de aprendizagem com esses su- do do entrevistador muito cuidado para não
jeitos há treze anos. se desviar do roteiro inicial, visto que esse
A entrevista é um momento de questio- instrumento se configura numa via de mão
nar o entrevistado que muitas vezes tem dupla onde ambos têm liberdade para falar
medo ou fica em dúvida de não saber o que fora do previsto. Esse exercício de escuta,
responder, cabendo ao entrevistador atra- espaço de ética, atenção e cuidado possibi-
vés de uma conversa informal encontrar a litou a sustentação ao objeto de estudo da
hora exata de iniciar a entrevista que exige investigação no qual pretendemos teorizar,
experiência, boa comunicação e a sensibili- pois permitiu a compreensão detalhada e
dade e pureza da escuta. Momento bastante minuciosa dos valores e crenças dos sujei-
rico e significativo porque muitos percebe- tos entrevistados.
ram que a pesquisa não tinha a intenção de A entrevista semiestruturada, gravada,
avalia-los ou fazer exposição das suas expe- com autorização dos entrevistados, e escu-
riências ou dificuldades, mas era uma possi- tada no final, de forma a descortinar cada
bilidade de externar suas expectativas para fala, possibilitou ao entrevistador desco-
que o processo de aprendizagem fosse tam- brir todo o brilho, força e sentimentos que
bém o retrato de seus anseios e colocações. permeavam cada resposta. Às vezes gerava
Por isso, destacamos o quão é importan- mal-estar, por trazer lembranças difíceis,
te o vínculo do pesquisador com a realidade mas sempre encorajadas porque revelava
estudada assim como o conhecimento pré- muitos sujeitos de falas, mas também de
vio dos sujeitos envolvidos, a fim de cons- faltas, o que exigiu de o entrevistador per-
truir uma confiança que favorece a essência ceber as nuances dos silêncios, muitas ve-
real das falas, compreendendo a potência zes com as lágrimas contidas na garganta
da palavra. Como defende Ornelas (2011, do entrevistado.
p. 74) é preciso “[...] enxergar os sujeitos da
[...] A gravação permite contar com todo o
pesquisa, não mais iguais, mas deixar emer- material fornecido pelo informante, o que
gir a singularidade e, nesse instante, o pes- não ocorre seguindo outro meio. Por outro
quisador e os seus sujeitos operam com o lado, e isto tem dado para nós muitos bons
desejo de saber”. resultados, o mesmo informante pode aju-
É importante elucidar que nessa etapa dar a completar, aperfeiçoar e destacar etc.
afloraram sentimentos de pertencimento à as ideias por ele expostas, caso o fizermos
escutar suas próprias palavras gravadas.
modalidade da EJA e a importância do olhar
(TRIVIÑOS, 2012, p. 148)
significativo para suas especificidades, re-
conhecendo-a como espaço de resistências, Foram quatro questões-guia denomina-
lutas e superações tanto no aspecto físico (o das assim por servirem de norte para con-
cansaço do cotidiano) quanto no emocional duzir de forma objetiva o diálogo oportuni-
(a vergonha de se achar além da idade para zado pela entrevista: 1- O que foi mais difícil
estar na escola e não dominar o letramen- para você voltar a estudar?; 2- Quais as aulas

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que você mais gosta e que faz você aprender dade em 2003 quando foi municipalizada.
mais?; 3- O que te ajuda e atrapalha na hora Apresenta o IDEB superior à meta esta-
de aprender? 4- O que é a escola para você? belecida no ano de 2017, tendo média de
Esse processo metodológico suscita infor- 6,3 enquanto a meta municipal era de 5,4 e
mações valiosas, pois fecunda decisões polí- participa no contexto nacional do percen-
ticas enquanto ações desenvolvidas no con- tual de 18,45% das escolas com desempe-
texto sala de aula que interferem de forma nho acima da nota.
positiva ou não o processo de aprendizagem É considerada uma escola de pequeno
dos estudantes da EJA, visto que ensinar é porte, tendo no total: cinco salas amplas,
também um ato político. sala de direção e secretaria, sala de profes-
Por fim, a fase de análise sistemática sores e coordenação, área de parque desco-
dos dados, que em alguns momentos esteve berto, sala de leitura, acesso à internet e re-
conjugada com a coleta de dados, traçadas feitório. No quadro da gestão, uma diretora,
como linhas gerais para condução desse tipo uma vice para cada turno do diurno e três
de investigação. Foram registradas as falas coordenadoras (uma para o matutino, uma
dos estudantes e das estudantes na íntegra, para o vespertino e uma para o noturno).
fazendo a transcrição de forma a exemplifi- A E2 é enquadrada no Grupo 03 do Indi-
car com muita vivacidade as questões teóri- cador de Nível Socioeconômico (INSE) com
cas encontradas nas referências escolhidas. localização diferenciada como unidade de
Esses registros, em consonância com o su- uso sustentável, tem 70 estudantes no total
porte científico, envolvem os leitores e lei- matriculados na modalidade EJA do 1º e 2º
toras a respeito de histórias de vida rechea- Segmento, tendo 39 no 1º Segmento, sendo
das de sentimentos que nos ensina e nos faz mista as turmas dos matriculados nos TAP
aprender através da possibilidade dialética I e TAP II. Seu IDEB revela crescimento nos
de construir-se no processo de construção últimos dois anos, mas apresenta média de
do outro. 3,9 abaixo da meta municipal de 4,6 e parti-
As escolas públicas, lócus da pesquisa, cipa no contexto nacional do percentual de
ficam situadas em bairros distintos: Vitória, 12,49% das escolas com desempenho abai-
Pelourinho e Brotas, porém próximos do xo da nota.
centro da cidade por apresentarem melhor Considerada uma escola de porte médio
acesso. Foram três escolas com contextos possui uma diretora e duas vices, uma coor-
variados e descritos abaixo que possibilitou denadora para cada turno no diurno e duas
generalizar os resultados da pesquisa. A es- coordenadoras no noturno (uma para o 1º
cola 1 será representada como E1 fica locali- Segmento e outra para o 2º Segmento) O
zada no bairro da Vitória, a escola 2 denomi- diurno atende às séries da Educação Infantil
nada E2 situada no Pelourinho e outra em e Fundamental I e o noturno a EJA. Funciona
Brotas considerada como E3. com a modalidade EJA desde 2017 quando
A E1 é conveniada, funciona nos três iniciou o Programa Telecurso. No total são
turnos (matutino com o Fundamental I, sete salas pequenas, climatizadas com ar
vespertino pré-escola e o Fundamental I e condicionado, sala de direção, refeitório e
o noturno com EJA do 1º Segmento), tem acesso à internet.
64 estudantes do total matriculados na EJA Com 139 estudantes do total matricu-
e iniciou o funcionamento dessa modali- lados na modalidade EJA sendo 75 do 1º

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Segmento, E3 apresenta o IDEB superior à ao domínio de capital. Os estudantes e as es-


meta estabelecida no ano de 2017, tendo tudantes são trabalhadores e trabalhadoras
média de 4,6 enquanto a meta municipal que em sua maioria exercem funções assa-
era de 4,3, participa no contexto nacional lariadas, reverberando o discurso marxis-
do percentual de 25,89% das escolas com ta da exploração da força de trabalho pelo
desempenho acima da nota. No total são sistema capitalista o que gera a exclusão da
seis salas amplas (mas para EJA funcionam classe trabalhadora. 38% são empregados
apenas cinco) e mais uma sala de direção e domésticos, 33% autônomos (ambulantes,
secretaria, sala de professores e coordena- pequenos empreendedores), 9% aposenta-
ção, quadra de esporte e acesso à internet e dos, 5% garçom, 5% cabelereiro, 5% donas
refeitório. de casa e os outros 5% desempregados.
Escola de porte grande tem uma equipe Essas características específicas, que
gestora formada por uma diretora, três vices configuram o contexto da EJA, assim como a
(uma para cada turno) e uma coordenadora certeza da importância de dar vez e espaço,
para cada segmento. Funciona nos três tur- para as vozes dos sujeitos, seres incomple-
nos, sendo o diurno voltado para o Ensino tos e inacabados, que vivenciam a/na EJA,
Fundamental II e o noturno para a EJA no 1º a sua capacidade de superação e confiança
e 2º Segmento. A EJA funciona desde quan- na aprendizagem como construção de ci-
do a escola foi municipalizada, em 2013. dadãos e cidadãs tendo então o reconheci-
Participaram da entrevista 22 estudan- mento dos seus direitos, foram os motivos
tes das três escolas acima detalhadas os justificáveis pela opção de os entrevistados
quais terão suas identidades preservadas. serem os estudantes e as estudantes.
Dessa forma serão utilizados nomes fictícios
nos momentos dos registros de suas falas, A aprendizagem e a
transcritas na íntegra para retratar a veraci- escola cidadã: desafios e
dade do que foi gravado assim como trans- resistência da EJA
mitir através dos registros a intensidade das A preocupação com o processo de aprendi-
expressões desses sujeitos. Na sua maioria zagem dos adultos como uma construção
mulheres, 14 dos entrevistados totalizando diferente do das crianças surgiu com os es-
64%, trabalham fora, assumem os afazeres tudos da Andragogia, compreendida como
domésticos e estudam, e apenas 8 homens a arte e ciência de facilitar a aprendizagem
totalizando 36% que também são trabalha- dos adultos. Essas contribuições possibilita-
dores e estudam. A faixa etária desses sujei- ram a compreensão de que os processos de
tos está entre 30 e 70 anos sendo 23% no aprendizagem não estão reservados a um
intervalo de 30 a 40 anos, 23% entre 40 e 50 tempo certo e/ou determinado, o que expan-
anos, 36% entre 50 e 60 anos, 14% acima diu consideravelmente as oportunidades e a
de 60 tendo 4% dos entrevistados que não promessa da educação ao longo da vida.
revelaram sua idade. Entretanto, esse estudo recebeu críticas
Essas porcentagens revela uma educação e DeAquino (2007) se reporta a Sandra Ker-
de possibilidades configurando a alfabetiza- ka, pesquisadora da área de aprendizagem,
ção de adultos como estratégia de supera- para relatar a dissociação entre o que diz a
ção e reversão da perversidade epistemoló- andragogia a respeito da aprendizagem dos
gica do capitalismo que atrela saber e poder adultos e a realidade.

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...] não é correto presumir que todos os voltados para as crianças e não para os
adultos terão um melhor desempenho em adultos, o que torna o processo da apren-
termos de aprendizagem em um ambiente dizagem dos estudantes e das estudantes
centrado no aprendiz, porque muitos deles
da EJA um objeto de pesquisa pouco explo-
não estarão dispostos nem serão capazes de
assumir pelo menos parte da responsabili- rado. Jesus Palácio (2004) ressalta que o
dade pelo aprendizado [...]. Outro ponto le- desenvolvimento a partir da adolescência
vantado nesse trabalho é a desmistificação está relacionado à idade psicológica e so-
de que os alunos acumulam uma miríade cial, fase aberta a mudanças e influencia-
de ricas experiências ao longo de sua vida da por diversos fatores: o nível de saúde,
e acabam utilizando-a como recurso para a experiência do trabalho, sua motivação,
a aprendizagem. Muitos adultos não reali-
os grupos que convivem e as situações diá-
zaram muito em sua vida [...]. Um terceiro
mito derrubado é que todos os adultos têm rias que superam.
uma motivação interna, intrínseca, para Vygotsky (1996) defende que o percur-
aprender. Alguns deles precisam de motiva- so de desenvolvimento, definido de certa
dores externos, como notas e competições forma pela maturação dos indivíduos, está
[...] (DEAQUINO, 2007, p.14) interligado ao convívio com um ambiente
Outra característica que deve ser consi- cultural e que o aprendizado potencializa
derada é que a Andragogia não diferencia o desenvolvimento dos processos internos.
os adultos aos quais se referem. Geralmente Assim, destaca que o indivíduo só aprende
trata-se dos adultos que buscam ampliação a leitura e a escrita se conviver no ambien-
de conhecimentos, já passaram por outros te que desperte os processos internos para
processos de formação, mas não foram ex- a aquisição dessas habilidades. Por isso
cluídos dos direitos à escolarização e por acrescenta que o sistema escolar desempe-
isso não pode ser efetivada na sua íntegra nha um papel importante em estruturar si-
aos sujeitos da EJA, visto que o contexto dos tuações propícias ao aprendizado, uma vez
adultos é bastante divergente, com diferen- que a linguagem deve ser, em parte, ensina-
tes singularidades e carregados de todas as da, para ser aprendida.
especificidades que por si só já define essa Nesse sentido, esse autor destaca o ter-
modalidade de ensino como reparadora à mo desenvolvimento da zona proximal, ca-
negação de direitos. minho que o indivíduo percorrerá para de-
Ainda são poucos os suportes teóricos senvolver funções ainda não amadurecidas
sobre os processos de aprendizagem dos es- e que serão consolidadas a partir da ajuda
tudantes da EJA, o que caracteriza um déficit de outro e por isso está sempre em trans-
exploratório no que tange o desenvolvimen- formação. A interação social assume cará-
to cognitivo. Dessa forma, essa pesquisa em- ter essencial no processo de construção
pírica serve de embasamento para algumas das funções psicológicas humanas, pois não
definições em relação aos aspectos que au- existe processo de desenvolvimento se não
xiliam e que atrapalham a construção dos existir a interação entre indivíduos da mes-
conhecimentos dos adultos ao retornarem ma espécie, assim como, não existe desen-
para as instituições formais de ensino. volvimento cognitivo se não almejar metas
No âmbito da psicologia do desenvol- alcançáveis a partir o conhecimento inicial-
vimento, os estudos, em sua maioria, são mente já consolidado.

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O processo de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos (EJA): as vozes dos cidadãos da resistência

Respeitar a leitura de mundo do educando do problema para ser resolvido. Apesar da


significa torná-la como ponto de partida para aprendizagem está relacionada com ques-
a compreensão do papel da curiosidade, de tões cognitivas, aspectos afetivos também
modo geral, e da humana, de modo especial,
geram desconforto nos adultos, provocando
como um dos impulsos fundantes da produ-
ção de conhecimento. No fundo, o educador então a exclusão da escola.
que respeita leitura de mundo, reconhece a Dessa forma, os estudos relacionados ao
historicidade do saber, o caráter histórico da processo de aprendizagem dos adultos se
curiosidade. (FREIRE, 2011b, p. 120) dedicam à compreensão “[...] da homogenei-
Vale ressaltar que a mediação não pode dade e da heterogeneidade cultural, do con-
ocorrer numa ação pedagógica diretiva, fronto entre diferentes culturas, diferenças
sendo o estudante um mero receptor. É in- culturais e diferenças nas capacidades e no
dispensável acreditar na ideia de recons- desempenho intelectual dos sujeitos” (OLI-
trução e transformação dos significados VEIRA, 2007, p. 66)
desenvolvidos a partir da vivência com os Com base nesses aspectos podemos ci-
grupos culturais. E essa reconstrução cul- tar três abordagens distintas ao perceber
tural é a base da construção do processo as relações entre cultura e o funcionamen-
histórico de cada sujeito. Segundo a teoria to intelectual. A primeira, bastante deter-
de Vygotsky a inserção de indivíduo no am- minista, defende os fatores culturais como
biente cultural é premissa para a sua pró- determinantes dos traços do psiquismo, ou
pria constituição enquanto pessoa e essa seja, as pessoas que vivem em grupos me-
interação é o que possibilita o desenvolvi- nos escolarizados são consideradas menos
mento das atividades psicológicas que en- desenvolvidas e incapazes de desenvolve-
volve o aprendizado. rem o pensamento abstrato. A segunda,
De acordo com a psicologia evolutiva, a considerada como relativismo radical, va-
história de vida e o processo de formação es- loriza igualmente todo conhecimento res-
tabelecido com e nas relações de convivên- tando pouco espaço para a intervenção
cia possibilita que cada adulto traga consigo educativa, visto que o desenvolvimento
diferentes habilidades e dificuldades, oca- psicológico e os conhecimentos prévios
sionando maior reflexão sobre seu proces- dos adultos necessitam ser respeitados. A
so de aprendizagem. Essa compreensão nos cultura e a história, elementos mobiliza-
remete à ideia de que a educação de jovens dores do desenvolvimento dos processos
e adultos está intrinsecamente relacionada cognitivos, independente do seu grupo cul-
com a especificidade cultural. tural e social, tornam-se elementos secun-
Oliveira (2007) destaca a linguagem es- dários. A terceira, mais promissora para o
colar como um dos obstáculos para a apren- entendimento das relações entre cultura e
dizagem dos adultos sobrepondo-a ao con- modalidade de ensino, defende o processo
teúdo. As referências de escola que se traz de construção interno e externo ao longo
ao longo da vida é sempre a ideia de um pro- da história dos adultos, diferentes ou não
fessor que determina as ordens, cadeiras na sua origem, como motivador para o de-
uma atrás da outra, um quadro negro, todos senvolvimento cognitivo.
trabalhando com lápis e caderno e coman- Corroboram com essa abordagem au-
dos apresentados na sua maioria através da tores que defendem a complexidade do le-
forma escrita, o que constitui grande parte tramento (estado ou condição de quem se

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envolve nas diversas práticas sociais de lei- a leitura de jornais feita por um alfabetizado,
tura e de escrita) como fenômeno cultural. se recebe cartas que outros leem para ele, se
Vera Ribeiro (1998) enfatiza que a apren- dita cartas para que um alfabetizado as es-
creva [...] esse analfabeto é de certa forma
dizagem da leitura e da escrita produz mu-
letrado, porque faz uso da escrita, envolve-
danças psicológicas e por isso as variedades se em práticas sociais de leitura e de escrita
das práticas de alfabetismo atreladas às (SOARES, 2012, p.24)
peculiaridades culturais dos grupos devem
Assim, o letramento é perceber a função
ser compreendidas e valorizadas. Cláudia
social da escrita nas diversas situações co-
Vóvio (2013) destaca que independente da
tidianas e descobrir-se pela leitura e pela
escolaridade dos sujeitos, a participação em
escrita e também descobrir o mundo a sua
situações comunicativas favorece a articula-
volta. É perceber o que se pode ler, intera-
ção entre o desenvolvimento de habilidades
gir com diferentes portadores textuais, suas
cognitivas e os conhecimentos linguísticos
funções e envolver-se nas mais variadas
ao falarmos ou escrevermos.
práticas sociais da leitura e da escrita, de
As vantagens trazidas pela aprendiza-
forma a conseguir resolver questões diárias
gem da leitura e da escrita é perceptível em
todos os momentos nos quais escutamos os com autonomia.
estudantes e as estudantes. O desejo apa- Entretanto, o desconhecido gera medo e
rentemente tão óbvio não é, porque esses os estudantes e as estudantes da EJA mesmo
sujeitos já passaram por diversas situações percebendo a grandeza da prática da leitura
constrangedoras que os fizeram sentir-se e da escrita por estarem diretamente rela-
menosprezados e inferiorizados. A riqueza cionadas com situações da vida prática (pa-
cultural, os conhecimentos prévios dessas gar uma conta, ler a bíblia, ir ao supermer-
pessoas os tornam produtores de saber, ca- cado) sentem-se inseguros. Quando con-
pazes de aprender e essa conquista trans- seguem superar o medo e a resistência ao
forma-se em mola impulsionadora para o saber descobrem a força da autonomia e a
desejo de novas descobertas. preciosidade da independência tanto subje-
Soares (2012) destaca a importância da tiva, por começar a perceber-se como sujei-
aprendizagem da leitura e da escrita, afir- to reconhecido socialmente, como objetiva,
mando que todo indivíduo que faz uso dessas desejando superar o desemprego, salários
habilidades transforma-se sob os aspectos melhores, ser exemplo para os filhos ou fi-
sociais, culturais e cognitivos. Nesse contex- lhas, netos ou netas, visualizando-se então
to, diferencia os termos alfabetização e letra- como seres políticos capazes de construir
mento, partindo do pressuposto que analfa- sua própria história.
beto é aquele que não consegue exercer, na Pensar no fazer pedagógico com essa
sua plenitude, os seus direitos enquanto ci- nuance e enquanto ação coletiva é refle-
dadão, sujeitos, na sua maioria, marginaliza- tir sobre o papel da escola na formação
dos pela sociedade por não terem acesso a dos educando e educandas assim como na
bens culturais da sociedade letrada. construção coletiva dos saberes significa-
tivos de forma a valorizar os sujeitos en-
Um adulto pode ser analfabeto porque mar-
ginalizado social e economicamente, mas se quanto cidadãos históricos e políticos que
vive em um meio em que a leitura e a escrita através do diálogo buscam encontrar pos-
tem presença forte, se se interessa em ouvir sibilidades marcadas pelo amor, poder e

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O processo de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos (EJA): as vozes dos cidadãos da resistência

saber. A tarefa do educador é dar sentido às racterísticas culturais próprias. (AMORIM,


informações, é técnica, mas também é arte, 2007, p. 99)
uma ciência do conhecer e ler a realidade A busca por uma escola de qualidade na
para transformá-la. EJA é uma luta de todos os envolvidos da
Nesse contexto, a escola torna-se um ação pedagógica, a realidade do analfabe-
lugar de educar para fora, fazer avançar. É tismo no Brasil, principalmente nas regiões
um espaço onde se constrói e se pensa o fu- mais empobrecidos, é gritante e urge ações
turo de cada pessoa, onde a participação e coesas e frutíferas. A escola como via de de-
autonomia compõem a natureza do ato pe- senvolvimento das habilidades de leitura e
dagógico e pressuposto da própria aprendi- escrita, onde os sujeitos se sentem acolhi-
zagem. Como destaca Gadotti formar para dos, se escutam e se constroem com as tro-
a participação é também formar para a ci- cas, torna-se o chão da materialidade das
dadania onde os cidadãos envolvidos nessa histórias de vida.
ação educativa participam com responsa- Conforme termo criado por Paulo Freire,
bilidade e ética do destino do país, contex- a escola necessita ser cidadã, a que reconhe-
tualizando então uma filosofia educacional ce os sujeitos como seres inacabados na sua
ancorada numa concepção emancipatória e completude, respeita as características his-
democrática. tórico-sociais da realidade local, sem perder
A escola necessita ser desafiadora, onde de vista a produção do conhecimento crítico
elaborar perguntas é a oportunidade de e científico. Para tanto é indiscutível a ela-
elaborar saberes, porque saber perguntar boração de um projeto político e pedagógico
é trilhar caminhos de desafios. Essas inda- com bases filosóficas dialéticas, percebendo
gações impulsionam um novo olhar para os a ação educativa como ato de amor, beleza
estudantes que adentram essa instituição e pureza, portanto ação que envolve técni-
de saber, sujeitos envolvidos no mundo glo- ca, criatividade e sensibilidade. Por isso a
balizado, mas também repleto de exclusões escola cidadã é viva, flexível que se cons-
sociais e negações de direitos às populações trói saberes com sentimentos, onde todos
menos favorecidas, retrato dos regressos da se constroem, se assumem, onde os direitos
EJA. A busca por uma melhor condição de são reconhecidos e nunca negados.
vida torna a escola um local de produção
cultural, rico e recheado de heterogêneas Resultados: a
histórias de vida, obrigando um olhar minu-
cioso para a realidade dos sujeitos que re-
aprendizagem no espaço de
tornam ao ambiente do saber. construção da cidadania
Mostrar os diferentes caminhos do conheci- A pesquisa destinada â Educação de Jovens
mento, da participação e da formação inte- e Adultos ainda é considerada uma investi-
gral do aluno, é o dever da escola moderna gação nova, o que possibilita uma gama de
e dos seus professores. Nesse sentido, ao re- elementos e fenômenos para esse estudo.
ceber os seus estudantes, o professor e a es-
Por adentrar nesse campo de investigação
cola devem iniciar um processo de estudo da
de forma a compreender as especificida-
realidade, demonstrar que ela não é estática,
desprovida de ações criativas; ao contrário, des do processo de aprendizagem dos estu-
é preciso demonstrar que há no meio popu- dantes dessa modalidade, os sujeitos dessa
lar muito dinamismo que se reveste de ca- pesquisa foram os estudantes do TAP I de

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escolas públicas do centro de Salvador, re- futuramente naquilo que eu quiser porque
gressos, que se ausentaram da escola por em cada casa da família que eu trabalho, não
diversos motivos e que retornam nesse ano é falando mal não das pessoas que eu traba-
lho, mas também é um trabalho que não é
letivo de 2018.
valorizado, cada dia está pior, hoje em dia
Esses elementos nos remetem às consi- só falta voltar a botar a gente para o tronco,
derações que os sujeitos da EJA são adultos só está faltando a escravidão voltar porque ,
que lutam para superar suas condições pre- com as leis aí tirando os direitos das empre-
cárias de vida (moradia, saúde, alimentação, gadas domésticas, as pessoas estão se apro-
transporte, empregos, etc) e trajetórias per- veitando, colocando as pessoas para traba-
versas de exclusão que se enraízam no anal- lhar demais e ganhar pouco, Por isso eu acho
que eu acredito em mim e cada dia eu vou
fabetismo, o que torna urgente uma educa-
passando uma experiência para mim mes-
ção reparadora de direitos. Essa realidade é
ma, no meu trabalho, aí eu vou vendo e digo
claramente retratada pela estudante Maria para mim mesmo eu vou conseguir, eu vou
quando se emociona ao falar: chegar lá eu vou sair dessa. (Maria, 53 anos)
A dificuldade da vida me faz eu querer Com base nos dados do gráfico abai-
aprender mais porque hoje em dia eu tra-
xo, vale destacar os diversos motivos pelos
balho de diarista, não é menosprezando as
quais os estudantes e as estudantes se au-
pessoas que eu trabalhe, mas hoje em dia é
um trabalho pouco reconhecido, então eu sentaram ou nunca participaram da escola-
acho que uma pessoa que trabalha com uma rização a fim de conhecer mais uma dentre
pessoa , eu tenho o sonho de fazer alguma tantas outras especificidades dessa modali-
coisa ainda, ser alguém na vida e trabalhar dade de ensino.

Gráfico 01: Motivos que fizeram os estudantes e as estudantes ficarem tanto tempo longe da escola

Fonte: Elaborado pelos autores, 2018.

Destacado por 13 entre os 22 entrevis- anteriormente que a não permanência na


tados, o trabalho configurou-se como o mo- escola por esses sujeitos configura-se como
tivo que mais interfere para o afastamento uma realidade socioeconômica excludente
da escola por parte dos estudantes e das que envolve camadas da população mais
estudantes da EJA, revelando como citado pobres e por isso necessitam abandonar

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O processo de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos (EJA): as vozes dos cidadãos da resistência

a escola ou nunca frequenta-la. Da mesma tudantes trazem das suas experiências de


forma, 09 sujeitos destacaram a questão da vida.
vergonha, tanto de não saber ler e escrever, Esses dados apresentam a caracteriza-
quanto da idade por se considerarem mui- ção dos sujeitos da EJA trazida por Faria, re-
to velho para retornar à escola; 03 relatam velando que
a inexistência de escolas onde moravam e São, ainda, indivíduos que carregam consigo
apenas um estudante relatou que não gos- duas marcas principais, uma, a de que nunca
tava de estudar. frequentaram a escola e a outra que já tive-
Conforme descrito no Parecer CNE/CEB ram acesso à educação formal, mas que, por
11/2000, conta do trabalho e da luta pela própria so-
brevivência, não deram continuidade ao pro-
Se as múltiplas modalidades de trabalho in-
cesso de escolarização (FARIA, 2012, p.7).
formal, o subemprego, o desemprego estru-
tural, as mudanças no processo de produção A EJA é planejada como educação volta-
e o aumento do setor de serviços geram uma da para pobres, para jovens e adultos per-
grande instabilidade e insegurança para to- tencentes às camadas populares, excluídos
dos os que estão na vida ativa e quanto mais
do sistema educacional e que almejam uma
para os que se vêem desprovidos de bens
tão básicos como a escrita e a leitura. O aces-
condição mínima de escolaridade que se
so ao conhecimento sempre teve um papel configura na aquisição da leitura e da escri-
significativo na estratificação social, ainda ta, a alfabetização. Para Camargo e Furla-
mais hoje quando novas exigências intelec- netti (2010, p. 9) “[...] a Educação de Jovens
tuais, básicas e aplicadas, vão se tornando e Adultos constitui-se como produto da
exigências até mesmo para a vida cotidiana. miséria social, das precárias condições de
(CNE/CEB 11/2000, p. 9)
vida da maioria da população e dos males
A partir desses dados percebemos essa do sistema público regular de ensino (o não
característica dos estudantes e das estu- aproveitamento de escolaridade na época
dantes como uma das especificidades que apropriada)”.
configuram a EJA e necessita ser levada em Vale observar que os valores são supe-
conta no que diz respeito ao processo de riores ao total de entrevistados, pois os es-
aprendizagem e à atuação dos professores. tudantes tiveram liberdade de indicar mais
A dupla jornada diária do trabalho e do es- de um motivo (a partir de sua história em
tudo gera cansaço, o que muitas vezes afas- relação a falta de oportunidade de estu-
tam esses estudantes e essas estudantes da do quando mais novos) dentre os quais os
escola, fazendo com que alguns e algumas afastaram da instituição escolar. É evidente
se matriculem e abandonem várias vezes a variável “trabalho” no período da infância,
sem completar os estudos que tanto alme- como elemento excludente da presença de
jam. Outro elemento importante é que, por alguns sujeitos na escola, configurando que
conta das dificuldades de leitura e escrita a maioria dos matriculados no Tempo de
que a maioria dos estudantes e das estu- Aprendizagem (TAP I) são pessoas que ti-
dantes apresentam, muitas vezes, alguns veram que optar pela sobrevivência ou pela
professores infantilizam as atividades na escola.
tentativa de superar essas dificuldades e Outra característica importante para ser
desconsideram a diversidade e riqueza dos analisada é o tempo de permanência de cada
conhecimentos que os estudantes e as es- estudante, como pode ser visto a seguir.

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Gráfico 02: Permanência na escola dos estudantes e as estudantes do TAP I

Fonte: Elaborado pelos autores, 2018.

A partir da interpretação desses dados sobre o que foi mais difícil para voltarem
percebemos que os estudantes e as estudan- à escola revela resistência ao retorno pois
tes da EJA, na sua maioria já haviam tentado acreditam que não conseguem mais apren-
anteriormente integrar-se ao contexto esco- der por conta da idade ou pelo histórico fa-
lar, pois, 32% estudou até os 14 anos e 32% miliar de muitos não terem estudado, carre-
até os 18 anos. Seguido de um percentual gando então o estigma de serem incapazes
considerável de quem nunca estudou, repre- de aprender.
sentando por 27%, tendo apenas 5% de es- A vergonha de não ter estudado, minha mãe
tudantes com idade de estudo até 21 anos e não ter me colocado na escola pequeninha
4% indefinido por não terem respondido. porque ela não tinha como colocar a gente
Essa reflexão sobre a permanência dos na escola A gente morava nas caatingas, nós
estudantes e das estudantes da EJA, é desta- tinha uma casa na roça e nossa vida foi sem-
pre trabalhar desde pequenininha (Marília,
cada por Ribeiro (1998) quando reconhece
55 anos).
que
Meus pais morreram cedo e eu fui trabalhar
Na maioria dos casos, a escolarização é para em casa de família, aí nunca estudei. A difi-
os adultos uma experiência pregressa que culdade porque eu não podia vir, trabalhava
vai se distanciando no tempo e cujos efeitos na casa de família e elas também não deixa-
tenderão a se esmaecer progressivamente vam eu estudar, depois foi que eu arranjei e
se os indivíduos não estiverem em contato fui morar com um rapaz foi que ele deixou
com outras agências que promovam o alfa- eu estudar (Sara, 70 anos).
betismo e garantam a funcionalidade das
aprendizagens escolares. Identificar essas Foi porque eu parei com 10 anos de idade
agências e as formas como exercem essa só estudei até a segunda série, e a dificul-
influência passa a ser uma tarefa essencial dade só foi o trabalho porque desde os 10
quando se tenta explicar habilidades e com- anos de idade que eu sempre venho traba-
portamentos de alfabetismo demonstrados lhando. Com 16 anos já pagava aluguel, vim
por esse grupo etário (RIBEIRO, 1998, p. de Castro Alves pra cá fiquei um pouco com
4-5) pai e depois com irmão e fiquei sozinho. En-
tão desde lá trabalhando, pagando aluguel aí
As falas de alguns entrevistados e algu- me casei e agora estou estudando (Fábio, 58
mas entrevistadas quando questionamos anos).

Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 02, n. 03, p. 93-112, jan./jun. 2019 107
O processo de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos (EJA): as vozes dos cidadãos da resistência

Os dados do gráfico corroboram com as zer para eu poder não vim como eu fico sem
questões trazidas por Oliveira (2007) quan- vim muitas vezes por causa das reuniões da
do afirma que o adulto da EJA não é o uni- Mary Key da filha da minha patroa ai ela me
chama para eu ficar com os filhos dela e isso
versitário, na sua maioria é retirante, que
me aborrece muito (Cláudia, 60 anos).
saem do interior, filhos e filhas de trabalha-
dores rurais com baixo nível de escolarida- Foi difícil porque eu morava no interior, aí
eu tomava conta dos meus irmãos, eu tinha
de que exercem nas cidades, trabalhos em
que largar os estudos para tomar conta dos
ocupações desqualificadas, depois de já ter meus irmãos porque minha mãe trabalhava
trabalhado na roça na infância ou na adoles- de roça, fazendo o dia, aí eu tinha que tomar
cência. conta dos meus irmãos. Aí depois eu casei,
No contexto da EJA, os estudantes e as arrumei família, minha mãe veio morar em
estudantes, por desconhecerem seus direi- Salvador e eu fiquei na roça e ela veio para
tos à educação, assim como à violação des- aqui (Meire, 30 anos).
tes direitos, culpabilizam-se por não saber O retorno à escola está diretamente li-
ler e escrever, sendo excluídos de diversas gado às situações cotidianas nas quais os
práticas sociais que envolvem a escrita. As adultos estão envolvidos (o entendimento
situações de preconceitos e discriminação da fatura, a leitura do ônibus, o conhecimen-
geram vergonha por parte desses sujeitos to dos direitos trabalhistas, conhecer as le-
e muitas vezes os mantém longe da escola tras e até mesmo apender a fazer seu nome)
por períodos longos desde o último perío- e o desejo de conquistar a autonomia para
do de estudo, ou por nunca terem estudado, realizá-las, o que potencializa ainda mais a
ou ainda pelo medo do desconhecido. Desse sua aprendizagem. Com base nas respostas
modo, o processo excludente de preconcei- dos sujeitos entrevistados, a escola é o lu-
tos traz sofrimento ao analfabeto interfe- gar de superar a discriminação sofrida pela
rindo diretamente na construção positiva sociedade por não participarem do mundo
da autoestima, algo não muito explícito na letrado, é local de emancipação e desenvol-
sociedade e gera poucos debates. Como res- vimento de autonomia para atuar com segu-
salta Vygotsky (1996, p.27). rança na realidade.
[...] às populações semianalfabetas eram Essas colocações nos remete a afirmação
muitas vezes consideradas, e ainda hoje que a escola da EJA é para uma camada da
[...], como algo negativo[...] muitas vezes er- população desfavorecida e por ter essa con-
roneamente julgada como um tipo de “ra- dição não são menos capazes. Reiterando, é
cismo”, eram julgadas não como diferentes, uma escola que trabalha com o problema da
mas como inferiores.
desigualdade, injustiça e exclusão social e é
Através das falas percebemos o quanto nesse contexto que se torna ambiente de su-
essas experiências negativas interferem na peração, transformação e mudança porque
aprendizagem, retratando os motivos e o envolve seres inacabados e é essa incomple-
tempo pelos quais os adultos se ausentam tude que faz da educação uma oportunidade
da escola. de nos educar constantemente.
A minha idade, já estava com a idade muito Por isso, não podemos nos colocar na po-
avançada para voltar para o colégio, e tam- sição do ser superior que ensina um grupo
bém sem poder vir porque do povo (patrões) de ignorantes, mas sim na posição humilde
que sempre tem alguma coisa para mim fa- daquele que comunica um saber relativo a

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Andrea Barros Daltro de Castro Costa; Ana Paula Silva da Conceição

outros que possuem um outro saber relati- co do ensinar e do aprender defendido por
vo. (É preciso saber reconhecer quando os Paulo Freire ao reconhecer que quem ensi-
educandos sabem mais e fazer com que eles na aprende alguma coisa e quem aprende
também saibam com humildade). (FREIRE,
também ensina.
2011a. p. 35 e 36)
Como defende Paulo Freire (2011b, p
Trabalhar com a EJA exige do profes- 43): “[...] às vezes, mal se imagina o que pode
sor uma ação política além da transmissão passar a representar na vida de um aluno um
de conteúdo, exige ação fundamentada em simples gesto do professor”. É preciso refor-
criar possibilidades, despertar curiosida- çar o caráter indiscutível e socializador da
des e reforçar a capacidade de insubmis- escola a não negligenciar as experiências in-
são. Conforme defende DeAquino (2007), formais que se vive nela. Devemos enquanto
o educador deve ter “uma postura proati- professores e professoras da EJA reforçar a
va”: realizar o diagnóstico para conhecer os compreensão dos valores sentimentais que
aprendizes, ou seja, observar a turma para expressam emoções e desejos, para emergir
identificar suas necessidades de aprendiza- a coragem nos estudantes e nas estudantes
gem atentando-se à diversidade no que tan- e superarem a insegurança e o medo porque
ge as experiências anteriores e expectativas todo ser inacabado é um ser cheio de vida.
atuais; acreditar no potencial e capacidade Esse olhar pedagógico e consciente re-
dos estudantes e das estudantes o que gera fletido na ação do professor, refletem 15
incentivo pelo aprender e contextualizar a respostas dentre os 22 dos entrevistados e
aprendizagem de forma que o aprendiz per- entrevistadas, como fator positivo que mais
ceba a significância do que é produzido em influencia a aprendizagem, aparecendo tam-
sala de aula a amplie seu conhecimento. bém entre as outras 07 respostas a força de
A partir dessas questões, é imprescin- vontade, a leitura e a escrita, as diferentes es-
dível elucidar a identidade cultural dos es- tratégias de ensino, a concentração e o apoio
tudantes e das estudantes como alicerce dos colegas. Em contrapartida, o cansaço (8
da prática educativa. A interação entre os respostas entre os 22 entrevistados) se con-
sujeitos (estudantes-estudantes e profes- figura como o maior fator negativo, seguidos
sores-estudantes) sustenta a educação pro- da vergonha, o barulho em sala, a memória,
gressiva experienciando a possibilidade de o trabalho e a falta da leitura e tempo maior
assumirem-se como sujeitos históricos e so- para os estudos, sendo esses fatores distri-
ciais, aprendentes, transformadores e reali- buídos entre as outras 14 respostas.
zadores de sonhos. A ação pedagógica, seja em qualquer mo-
A mediação do professor no processo de dalidade de ensino, necessita de uma ação
aprendizagem dos sujeitos da EJA é de extre- coletiva de todos da escola de forma a de-
ma importância e isso nos remete ao papel senvolver a escuta para efetivar uma pro-
do professor desafiador que favorece uma posta coerente às demandas os sujeitos,
educação progressista na prática educativa partindo dos saberes do senso comum à
e nos obriga a refletir constantemente sobre construção dos conhecimentos científicos e
a responsabilidade ética no fazer pedagógi- o desenvolvimento de cidadãos atuantes e,
co como ação de construir possibilidades e por isso, ativos.
jamais de transmissão de conhecimentos. Não é possível respeito aos educandos, à
Essa relação está ligada ao processo dialógi- sua dignidade, a seu ser formando-se, à sua

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O processo de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos (EJA): as vozes dos cidadãos da resistência

identidade fazendo-se, se não se levam em atingir os sujeitos e suas especificidades que


consideração as condições em que eles vêm compartilham de um ambiente de aprendi-
existindo, se não se reconhece a importância zagem e trocas de saberes, a sala de aula.
dos conhecimentos de experiências feitas
com que chegam à escola. O respeito devi-
do à dignidade do educando não me permi-
Considerações finais
te subestimar, pior ainda, zombar do saber O processo de aprendizagem dos regressos
que ele traz consigo para a escola. (FREIRE, da EJA é uma análise pertinente visto que os
2011b, p. 62) estudantes que desejam ampliar seu reper-
Com base nas respostas dos entrevista- tório no que tange o conhecimento escolar
dos sobre a questão de como eles aprendem trazem uma bagagem de saberes significa-
mais, 36% afirmam que a leitura e a escrita, tivos que necessitam ser reconhecidos, res-
apesar das dificuldades, são as formas que peitados e valorizados dentro do ambiente
ajudam mais no seu processo de aprendi- escolar para que esses sujeitos se sintam
zagem, 25% quando a professora ou o pro- pertencentes e que suas crenças, valores e
fessor explica e também se aproxima deles culturas sejam âncoras para a construção de
e delas, 22% quando são trabalhadas aulas práticas pedagógicas enriquecedoras que
de Matemática, 14% relatam a escrita no ca- reconhecem a alfabetização para além da
derno e os 3% quando realizam atividades decodificação da leitura e da escrita.
de grupo. Retomando ao problema inicial que in-
No cerne da questão, configura-se a im- citou essa investigação: quais elementos
portância da Educação de Jovens e Adultos auxiliam e interferem na aprendizagem dos
como possibilidade de transformação de estudantes e das estudantes do TAP I nas es-
pessoas e, em consequência, elas transfor- colas públicas da cidade de Salvador? Perce-
marem o mundo, visto que a impossibili- bemos que diversos são os motivos que in-
dade de desenvolver o exercício pleno da terferem no processo de aprendizagem dos
cidadania, os sujeitos não letrados sentem- estudantes e das estudantes da EJA assim
se limitados a participar de situações que como a não permanência na escola devido
envolvem a leitura e a escrita, sentindo-se ao trabalho durante a infância, a vergonha
muitas vezes inferiores pela representação de não saber ler e escrever atrelada à ida-
simbólica do uso do polegar na substituição de que consideram avançada para aprender,
do registro de seu nome. ou a inexistência de escolas na localidade na
Essas situações, muitas vezes, afiguram- qual residia.
se como sendo estigmas e preconceitos e Foi revelador também que o anseio pelo
amplia o desafio da escola em reconhecer o reconhecimento social impulsiona esses
valor cultural desses sujeitos de forma a pro- sujeitos a buscar instrução, ultrapassar
porcioná-los situações de práticas de leitura obstáculos, vencer seus medos e suplantar
e de escrita para que esses acreditem que são o discurso imposto pela sociedade. Os es-
seres capazes e ricos em diversos saberes tudantes e as estudantes da EJA têm como
que por ser diferentes dos exigidos pela so- objetivo a satisfação pessoal e a autonomia
ciedade grafocêntrica, não se tornam piores de poder ir e vir sem depender do outro, as-
e nem menores que outros saberes. E a par- sim como, garantir o direito de usufruir dos
tir desses pressupostos, prospectiva-se que a bens materiais, sociais, culturais e políticos
educação escolar se torne de qualidade para de uma sociedade grafocêntrica.

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Andrea Barros Daltro de Castro Costa; Ana Paula Silva da Conceição

Dessa forma, é imprescindível a com- político que contribui para a formação de


preensão do processo de desenvolvimento sujeitos autônomos e históricos capazes de
cognitivo dos estudantes regressos na EJA reconhecer-se e reconhecer os outros, cida-
a fim de construir e implementar as ativi- dãos participativos da sociedade letrada na
dades alfabetizadoras capazes de reconhe- qual vivemos são as perspectivas nas quais
cer suas especificidades e coletividade no se configura e se constrói a escola cidadã.
contexto cultural de forma a garantir um
processo de letramento coeso com a rea- Referências
lidade desses sujeitos que favoreça a su- ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith. Usos e abusos
peração do analfabetismo, auxiliando na dos estudos de caso. Cadernos de Pesquisa, v.
36, n. 129, p. 637- 651, set./dez. 2006
construção de seres protagonistas de suas
histórias, pertencente às classes menos fa- ANDRÉ, Marli. O que é um estudo de caso quali-
vorecidas, que necessitam trabalhar para tativo em educação? Revista da FAEEBA – Edu-
cação e Contemporaneidade, Salvador, v.22,
sustentar-se e também estudar por acredi- n.40, p 95-103, jul./dez 2013.
tarem na educação como caminho de supe-
ração das suas desigualdades sociais, eco- BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pes-
quisas Educacionais Anísio Teixeira. http://
nômicas e culturais. inep.gov.br . Visitado em 26 de out. 2018
Nesse contexto de ressignificação da EJA
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Na-
é essencial refletir sobre o fazer pedagógi-
cional de Educação. CNE/CEB 11/2000 – HO-
co e a ideologia das escolas voltadas para MOLOGADO. http://portal.mec.gov.br/cne/ar-
essa modalidade de ensino reconhecendo quivos/pdf/pceb011_00.pdf. Visitado em 10 de
os estudantes e as estudantes como traba- nov. de 2018.
lhadores e trabalhadoras que possuem uma CAMARGO, Maria Rosa Rodrigues Martins;
riqueza de experiências, especificidades so- FURLANETTI, Maria Peregrina de Fátima Rotta
ciais, culturais e econômicas e que necessi- (Orgs). Educação de pessoas jovens e adul-
tas: múltiplas faces de um projeto educacional:
tam do conhecimento científico para supe- aportes teóricos, práticas de formação, contex-
rar todas as mazelas que entremearam sua tos produzidos. São Paulo: Ed. UNESP: PROEX,
trajetória escolar permeada pela exclusão 2010.
de direitos. É salutar reconhecer a função CONCEIÇÃO. Ana Paula Silva da; OLIVEIRA, Ro-
reparadora da EJA assim como uma possi- semary Lapa de. SANTOS, Josenildes, Zacarias.
bilidade real da inclusão dos jovens e adul- Constituição do sujeito leitor na educação de
jovens e adultos: Um olhar das práticas educa-
tos nas instituições de ensino, exigindo cada
tivas criativas. Inovação e educação: formação
vez mais políticas públicas que efetive essa docente e experiências criativas/ organizadoras
modalidade de ensino como direito. Graça dos Santos Costa, Nuria Lorenzo Ramírez,
É urgente a reflexão nos espaços escola- Tânia Regina Dantas - Ijuí: ed. Unijui, 2016.
res, com diálogos democráticos, onde todas DEAQUINO, Carlos Tasso Eira. Como aprender:
as vozes vibrantes se façam presentes na andragogia e as habilidades de aprendizagem.
construção das propostas pedagógicas, as- 1ª edição São Paulo: Pearson Prentice Hall,
2007.
sim como o respeito às especificidades da
EJA e a ação educativa para além do mero FARIA, E. M. S. A precarização e a (des)profi-
ensinar conteúdo. Assumir o papel forma- sionalização docente na educação de jovens
e adultos trabalhadores. In: VIII Seminário do
dor de protestar contra as injustiças e ex- trabalho, 2018, Marilia-SP. Cadernos de Resu-
ploração, reconhecer a escola como espaço mos- VIII Seminário do Trabalho - Trabalho,

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O processo de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos (EJA): as vozes dos cidadãos da resistência

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Recebido em: 19/02/2019


Aprovado em: 06/05/2019

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