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O processo de aprendizagem na
Educação de Jovens e Adultos (EJA): as
vozes dos cidadãos da resistência
Resumo
Nesta pesquisa problematizamos sobre quais elementos interferem na
aprendizagem dos estudantes do Tempo de Aprendizagem I (TAP I) nas es-
colas públicas de Salvador? O objetivo geral foi de identificar os elementos
que contribuem e interferem na aprendizagem dos estudantes da EJA do
TAP I nas escolas públicas de Salvador. Assim sendo, tivemos como objeti-
vos específicos: investigar os processos de aprendizagem dos estudantes da
EJA; relacionar o papel da escola cidadã com o processo de reconhecimento
dos sujeitos da EJA. Optamos pela abordagem qualitativa, através do estudo
de caso múltiplo com utilização da entrevista semiestruturada como técnica
de pesquisa. Os resultados revelaram que a aprendizagem, para os estudan-
tes da EJA, se dá através do processo de aquisição da leitura e da escrita; a
maioria destes tiveram direitos negados de acesso à escola devido inserção
precoce no trabalho; e a escola é espaço de construção, reconhecimento e
ascensão social. Concluímos que a escola cidadã possibilita aos estudantes
superação das trajetórias de vida, protagonismo no contexto social letrado e
resistência à exclusão social.
Palavras chaves: Aprendizagem. Estudantes da EJA. Escola Cidadã. Resis-
tência.
Abstract
The learning process at EJA: the voices of citizens of
resistance
In this qualitative investigation of the procedure multiple case study apply-
ing the semistructured interview as instrument, we questioned which ele-
ments interfere in the learning of the students of the Learning Time I (TAP I)
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in the public schools of Salvador? The main goal is to identify the elements
that contribute and interfere in the learning of students of the TAP I EJA
in public schools in Salvador, highlighting as specific objectives: To investi-
gate the learning processes of EJA students; to relate the role of the citizen
school to the process of recognition of the EJA subjects. The results show
that learning for EJA students occurs through the process of acquisition of
reading and writing; most of them had denied access to school due to their
early insertion at work life; and the school is a space of construction, recog-
nition and social ascension. We conclude that the citizens’ school enables
students to overcome their life trajectories, also protagonism in the social
context and the resistance to social exclusion as well.
Keywords: Learning. EJA students. Citizen school. Resistance.
Resumen
El proceso de aprendizaje en la Educación de Jóvenes
y Adultos (EJA): las voces de los ciudadanos de
resistencia
¿En esta investigación que problematizar sobre que elementos interfie-
ren con el aprendizaje de los estudiantes aprendizaje tiempo (TAP I) en
las escuelas públicas de el Salvador? El objetivo general fue identificar
los elementos que contribuyen y que interfieren con el aprendizaje de
alumnos de EJA TAP en escuelas públicas de el Salvador. Por lo tanto, tuvo
como objetivos específicos: investigar los procesos de aprendizaje de los
estudiantes de la educación de adultos y jóvenes; se relacionan con el
papel de la escuela del ciudadano con el proceso de reconocimiento del
sujeto de la EJA. Optamos por el enfoque cualitativo, a través del estudio
de caso múltiple con la técnica de entrevista semiestructurada. Los re-
sultados revelaron aprendizaje para los estudiantes de la educación de
adultos y jóvenes, a través de la adquisición de la lectura y la escritura;
la mayoría de ellas había negado los derechos de acceso a la escuela de-
bido a la temprana inserción en el trabajo; y la escuela es espacio, reco-
nocimiento y ascensión social. Concluimos que la escuela del ciudadano
permite a los estudiantes superar las trayectorias de vida, papel en el
contexto social alfabetizado y resistencia a la exclusión social.
Palabras clave: aprendizaje. Alumnos de la EJA. Escuela del ciudadano.
Resistencia.
Introdução
Neste artigo analisamos a temática pro- tendo como base a percepção desses su-
cessos de aprendizagem nas classes da jeitos muitas vezes marginalizados e sem
Educação de Jovens e Adultos na qual efe- oportunidades. Consideramos a sala de
tivamos uma discussão a respeito de abor- aula como um espaço para esse proces-
dagens de aprendizagem dos estudantes so de construção e produção de conheci-
da Educação de Jovens e Adultos (EJA), mento e a escola, instituição viva capaz de
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de superar a desumanização. Nesse proces- como ser social e histórico. Baseado no en-
so educativo, é imprescindível escrever, bio- foque crítico participativo com visão histó-
grafar-se, ler, historicizar-se, assumir-se, re- rico-estrutural-dialética parte do princípio
conhecer-se como ser incompleto, capaz de de “[...] conhecer a realidade e transformá-la
gerar conhecimentos ao longo da vida, inci- em processos contextuais e dinâmicos com-
tar o diálogo para reverberar a produção da plexos” (TRIVIÑOS, 2012, p.117).
cultura e da própria existência por romper Para elencar elementos dessa aborda-
o silêncio que é viés de opressão e, cultivar gem, salientamos as ideias de Godoy (1996,
a fala crítica da voz analítica que favorece a p. 62-63) quanto às características: é essen-
tomada de consciência da própria vida, tor- cial o contato do pesquisador com o ambien-
nando-se um ser político. te investigativo; o registro dos resultados
Organizada por esta introdução, com- prioriza muito a escrita, abolindo as expres-
posta pela temática, o problema, os objeti- sões quantitativas de análise e reconhece o
vos geral e específico, temos a parte inicial ambiente e as pessoas envolvidas no con-
da investigação. Apresentamos também os texto holístico pois o pesquisador preocu-
procedimentos metodológicos embasados pa-se com o processo e não somente com
na abordagem de investigação qualitativa e os resultados; o pesquisador compreende o
a metodologia do trabalho, na perspectiva fenômeno a partir das perspectivas dos su-
do estudo de casos múltiplos, destacando os jeitos envolvidos e “pesquisadores utilizam
sujeitos, o contexto dos locais de pesquisa, o enfoque indutivo na análise de seus da-
os instrumentos aplicados, as etapas per- dos” pois o aporte teórico é construído aos
corridas pelo pesquisador e a análise das poucos e “à medida que coleta os dados e os
informações coletadas atreladas ao suporte examina”.
teórico. O texto, permeado por diversas vo- Quanto ao procedimento estratégico,
zes dos estudantes e das estudantes, aborda trata-se de um estudo de caso múltiplos
na prática sobre o seu processo de apren- baseado nas definições de André (2013),
dizagem favorecendo o repensar das prá- Alves-Mazzotti (2006) e Yin (2015) o qual
ticas de professores e professoras a partir favorece o diálogo com os envolvidos pelo
da construção do elo entre saberes e apren- estudo da temática, além de permitir a
dências dialógicas. cumulatividade e aplicabilidade dos resulta-
dos encontrados a partir dos instrumentos,
Procedimentos uma rápida observação direta e a entrevista
metodológicos semiestruturada contextualizada nas ideias
A base metodológica da pesquisa quanto de Ornelas (2011).
à abordagem, com inspiração em Triviños O estudo de caso múltiplos fornece infor-
(2012) e Godoy (1996), foi a pesquisa qua- mações importantes e permite decisões po-
litativa por focar aspectos da realidade não líticas por contribuir para a reflexão signi-
quantitativos e investigar fenômenos na sua ficativa no âmbito educacional. A eficiência
profundidade. Esse modelo teórico-metodo- desse estudo transcorre do seu detalhamen-
lógico adotado, compreende a importância to e ênfase na atuação ética, crítica e criati-
do estudo do fenômeno educacional como va do pesquisador sem se deixar perder nas
fenômeno social e ao investigar suas raízes, aparências, pois esse procedimento exige a
causas, consequências, percebe o sujeito manifestação de suas dimensões intelectual,
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como professora desse tempo de aprendi- to). Essas características estiveram presen-
zagem que respeita a história e momento tes constantemente nas entrevistas, espaço
de cada um, pois conhece a realidade dos dinâmico, porque a todo instante os entre-
estudantes trabalhadores e trabalhadoras, vistados recorriam as suas histórias de vida
no espaço educativo, tendo uma trajetória gerando momentos de prazer e dor exigin-
construída de aprendizagem com esses su- do do entrevistador muito cuidado para não
jeitos há treze anos. se desviar do roteiro inicial, visto que esse
A entrevista é um momento de questio- instrumento se configura numa via de mão
nar o entrevistado que muitas vezes tem dupla onde ambos têm liberdade para falar
medo ou fica em dúvida de não saber o que fora do previsto. Esse exercício de escuta,
responder, cabendo ao entrevistador atra- espaço de ética, atenção e cuidado possibi-
vés de uma conversa informal encontrar a litou a sustentação ao objeto de estudo da
hora exata de iniciar a entrevista que exige investigação no qual pretendemos teorizar,
experiência, boa comunicação e a sensibili- pois permitiu a compreensão detalhada e
dade e pureza da escuta. Momento bastante minuciosa dos valores e crenças dos sujei-
rico e significativo porque muitos percebe- tos entrevistados.
ram que a pesquisa não tinha a intenção de A entrevista semiestruturada, gravada,
avalia-los ou fazer exposição das suas expe- com autorização dos entrevistados, e escu-
riências ou dificuldades, mas era uma possi- tada no final, de forma a descortinar cada
bilidade de externar suas expectativas para fala, possibilitou ao entrevistador desco-
que o processo de aprendizagem fosse tam- brir todo o brilho, força e sentimentos que
bém o retrato de seus anseios e colocações. permeavam cada resposta. Às vezes gerava
Por isso, destacamos o quão é importan- mal-estar, por trazer lembranças difíceis,
te o vínculo do pesquisador com a realidade mas sempre encorajadas porque revelava
estudada assim como o conhecimento pré- muitos sujeitos de falas, mas também de
vio dos sujeitos envolvidos, a fim de cons- faltas, o que exigiu de o entrevistador per-
truir uma confiança que favorece a essência ceber as nuances dos silêncios, muitas ve-
real das falas, compreendendo a potência zes com as lágrimas contidas na garganta
da palavra. Como defende Ornelas (2011, do entrevistado.
p. 74) é preciso “[...] enxergar os sujeitos da
[...] A gravação permite contar com todo o
pesquisa, não mais iguais, mas deixar emer- material fornecido pelo informante, o que
gir a singularidade e, nesse instante, o pes- não ocorre seguindo outro meio. Por outro
quisador e os seus sujeitos operam com o lado, e isto tem dado para nós muitos bons
desejo de saber”. resultados, o mesmo informante pode aju-
É importante elucidar que nessa etapa dar a completar, aperfeiçoar e destacar etc.
afloraram sentimentos de pertencimento à as ideias por ele expostas, caso o fizermos
escutar suas próprias palavras gravadas.
modalidade da EJA e a importância do olhar
(TRIVIÑOS, 2012, p. 148)
significativo para suas especificidades, re-
conhecendo-a como espaço de resistências, Foram quatro questões-guia denomina-
lutas e superações tanto no aspecto físico (o das assim por servirem de norte para con-
cansaço do cotidiano) quanto no emocional duzir de forma objetiva o diálogo oportuni-
(a vergonha de se achar além da idade para zado pela entrevista: 1- O que foi mais difícil
estar na escola e não dominar o letramen- para você voltar a estudar?; 2- Quais as aulas
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que você mais gosta e que faz você aprender dade em 2003 quando foi municipalizada.
mais?; 3- O que te ajuda e atrapalha na hora Apresenta o IDEB superior à meta esta-
de aprender? 4- O que é a escola para você? belecida no ano de 2017, tendo média de
Esse processo metodológico suscita infor- 6,3 enquanto a meta municipal era de 5,4 e
mações valiosas, pois fecunda decisões polí- participa no contexto nacional do percen-
ticas enquanto ações desenvolvidas no con- tual de 18,45% das escolas com desempe-
texto sala de aula que interferem de forma nho acima da nota.
positiva ou não o processo de aprendizagem É considerada uma escola de pequeno
dos estudantes da EJA, visto que ensinar é porte, tendo no total: cinco salas amplas,
também um ato político. sala de direção e secretaria, sala de profes-
Por fim, a fase de análise sistemática sores e coordenação, área de parque desco-
dos dados, que em alguns momentos esteve berto, sala de leitura, acesso à internet e re-
conjugada com a coleta de dados, traçadas feitório. No quadro da gestão, uma diretora,
como linhas gerais para condução desse tipo uma vice para cada turno do diurno e três
de investigação. Foram registradas as falas coordenadoras (uma para o matutino, uma
dos estudantes e das estudantes na íntegra, para o vespertino e uma para o noturno).
fazendo a transcrição de forma a exemplifi- A E2 é enquadrada no Grupo 03 do Indi-
car com muita vivacidade as questões teóri- cador de Nível Socioeconômico (INSE) com
cas encontradas nas referências escolhidas. localização diferenciada como unidade de
Esses registros, em consonância com o su- uso sustentável, tem 70 estudantes no total
porte científico, envolvem os leitores e lei- matriculados na modalidade EJA do 1º e 2º
toras a respeito de histórias de vida rechea- Segmento, tendo 39 no 1º Segmento, sendo
das de sentimentos que nos ensina e nos faz mista as turmas dos matriculados nos TAP
aprender através da possibilidade dialética I e TAP II. Seu IDEB revela crescimento nos
de construir-se no processo de construção últimos dois anos, mas apresenta média de
do outro. 3,9 abaixo da meta municipal de 4,6 e parti-
As escolas públicas, lócus da pesquisa, cipa no contexto nacional do percentual de
ficam situadas em bairros distintos: Vitória, 12,49% das escolas com desempenho abai-
Pelourinho e Brotas, porém próximos do xo da nota.
centro da cidade por apresentarem melhor Considerada uma escola de porte médio
acesso. Foram três escolas com contextos possui uma diretora e duas vices, uma coor-
variados e descritos abaixo que possibilitou denadora para cada turno no diurno e duas
generalizar os resultados da pesquisa. A es- coordenadoras no noturno (uma para o 1º
cola 1 será representada como E1 fica locali- Segmento e outra para o 2º Segmento) O
zada no bairro da Vitória, a escola 2 denomi- diurno atende às séries da Educação Infantil
nada E2 situada no Pelourinho e outra em e Fundamental I e o noturno a EJA. Funciona
Brotas considerada como E3. com a modalidade EJA desde 2017 quando
A E1 é conveniada, funciona nos três iniciou o Programa Telecurso. No total são
turnos (matutino com o Fundamental I, sete salas pequenas, climatizadas com ar
vespertino pré-escola e o Fundamental I e condicionado, sala de direção, refeitório e
o noturno com EJA do 1º Segmento), tem acesso à internet.
64 estudantes do total matriculados na EJA Com 139 estudantes do total matricu-
e iniciou o funcionamento dessa modali- lados na modalidade EJA sendo 75 do 1º
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...] não é correto presumir que todos os voltados para as crianças e não para os
adultos terão um melhor desempenho em adultos, o que torna o processo da apren-
termos de aprendizagem em um ambiente dizagem dos estudantes e das estudantes
centrado no aprendiz, porque muitos deles
da EJA um objeto de pesquisa pouco explo-
não estarão dispostos nem serão capazes de
assumir pelo menos parte da responsabili- rado. Jesus Palácio (2004) ressalta que o
dade pelo aprendizado [...]. Outro ponto le- desenvolvimento a partir da adolescência
vantado nesse trabalho é a desmistificação está relacionado à idade psicológica e so-
de que os alunos acumulam uma miríade cial, fase aberta a mudanças e influencia-
de ricas experiências ao longo de sua vida da por diversos fatores: o nível de saúde,
e acabam utilizando-a como recurso para a experiência do trabalho, sua motivação,
a aprendizagem. Muitos adultos não reali-
os grupos que convivem e as situações diá-
zaram muito em sua vida [...]. Um terceiro
mito derrubado é que todos os adultos têm rias que superam.
uma motivação interna, intrínseca, para Vygotsky (1996) defende que o percur-
aprender. Alguns deles precisam de motiva- so de desenvolvimento, definido de certa
dores externos, como notas e competições forma pela maturação dos indivíduos, está
[...] (DEAQUINO, 2007, p.14) interligado ao convívio com um ambiente
Outra característica que deve ser consi- cultural e que o aprendizado potencializa
derada é que a Andragogia não diferencia o desenvolvimento dos processos internos.
os adultos aos quais se referem. Geralmente Assim, destaca que o indivíduo só aprende
trata-se dos adultos que buscam ampliação a leitura e a escrita se conviver no ambien-
de conhecimentos, já passaram por outros te que desperte os processos internos para
processos de formação, mas não foram ex- a aquisição dessas habilidades. Por isso
cluídos dos direitos à escolarização e por acrescenta que o sistema escolar desempe-
isso não pode ser efetivada na sua íntegra nha um papel importante em estruturar si-
aos sujeitos da EJA, visto que o contexto dos tuações propícias ao aprendizado, uma vez
adultos é bastante divergente, com diferen- que a linguagem deve ser, em parte, ensina-
tes singularidades e carregados de todas as da, para ser aprendida.
especificidades que por si só já define essa Nesse sentido, esse autor destaca o ter-
modalidade de ensino como reparadora à mo desenvolvimento da zona proximal, ca-
negação de direitos. minho que o indivíduo percorrerá para de-
Ainda são poucos os suportes teóricos senvolver funções ainda não amadurecidas
sobre os processos de aprendizagem dos es- e que serão consolidadas a partir da ajuda
tudantes da EJA, o que caracteriza um déficit de outro e por isso está sempre em trans-
exploratório no que tange o desenvolvimen- formação. A interação social assume cará-
to cognitivo. Dessa forma, essa pesquisa em- ter essencial no processo de construção
pírica serve de embasamento para algumas das funções psicológicas humanas, pois não
definições em relação aos aspectos que au- existe processo de desenvolvimento se não
xiliam e que atrapalham a construção dos existir a interação entre indivíduos da mes-
conhecimentos dos adultos ao retornarem ma espécie, assim como, não existe desen-
para as instituições formais de ensino. volvimento cognitivo se não almejar metas
No âmbito da psicologia do desenvol- alcançáveis a partir o conhecimento inicial-
vimento, os estudos, em sua maioria, são mente já consolidado.
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envolve nas diversas práticas sociais de lei- a leitura de jornais feita por um alfabetizado,
tura e de escrita) como fenômeno cultural. se recebe cartas que outros leem para ele, se
Vera Ribeiro (1998) enfatiza que a apren- dita cartas para que um alfabetizado as es-
creva [...] esse analfabeto é de certa forma
dizagem da leitura e da escrita produz mu-
letrado, porque faz uso da escrita, envolve-
danças psicológicas e por isso as variedades se em práticas sociais de leitura e de escrita
das práticas de alfabetismo atreladas às (SOARES, 2012, p.24)
peculiaridades culturais dos grupos devem
Assim, o letramento é perceber a função
ser compreendidas e valorizadas. Cláudia
social da escrita nas diversas situações co-
Vóvio (2013) destaca que independente da
tidianas e descobrir-se pela leitura e pela
escolaridade dos sujeitos, a participação em
escrita e também descobrir o mundo a sua
situações comunicativas favorece a articula-
volta. É perceber o que se pode ler, intera-
ção entre o desenvolvimento de habilidades
gir com diferentes portadores textuais, suas
cognitivas e os conhecimentos linguísticos
funções e envolver-se nas mais variadas
ao falarmos ou escrevermos.
práticas sociais da leitura e da escrita, de
As vantagens trazidas pela aprendiza-
forma a conseguir resolver questões diárias
gem da leitura e da escrita é perceptível em
todos os momentos nos quais escutamos os com autonomia.
estudantes e as estudantes. O desejo apa- Entretanto, o desconhecido gera medo e
rentemente tão óbvio não é, porque esses os estudantes e as estudantes da EJA mesmo
sujeitos já passaram por diversas situações percebendo a grandeza da prática da leitura
constrangedoras que os fizeram sentir-se e da escrita por estarem diretamente rela-
menosprezados e inferiorizados. A riqueza cionadas com situações da vida prática (pa-
cultural, os conhecimentos prévios dessas gar uma conta, ler a bíblia, ir ao supermer-
pessoas os tornam produtores de saber, ca- cado) sentem-se inseguros. Quando con-
pazes de aprender e essa conquista trans- seguem superar o medo e a resistência ao
forma-se em mola impulsionadora para o saber descobrem a força da autonomia e a
desejo de novas descobertas. preciosidade da independência tanto subje-
Soares (2012) destaca a importância da tiva, por começar a perceber-se como sujei-
aprendizagem da leitura e da escrita, afir- to reconhecido socialmente, como objetiva,
mando que todo indivíduo que faz uso dessas desejando superar o desemprego, salários
habilidades transforma-se sob os aspectos melhores, ser exemplo para os filhos ou fi-
sociais, culturais e cognitivos. Nesse contex- lhas, netos ou netas, visualizando-se então
to, diferencia os termos alfabetização e letra- como seres políticos capazes de construir
mento, partindo do pressuposto que analfa- sua própria história.
beto é aquele que não consegue exercer, na Pensar no fazer pedagógico com essa
sua plenitude, os seus direitos enquanto ci- nuance e enquanto ação coletiva é refle-
dadão, sujeitos, na sua maioria, marginaliza- tir sobre o papel da escola na formação
dos pela sociedade por não terem acesso a dos educando e educandas assim como na
bens culturais da sociedade letrada. construção coletiva dos saberes significa-
tivos de forma a valorizar os sujeitos en-
Um adulto pode ser analfabeto porque mar-
ginalizado social e economicamente, mas se quanto cidadãos históricos e políticos que
vive em um meio em que a leitura e a escrita através do diálogo buscam encontrar pos-
tem presença forte, se se interessa em ouvir sibilidades marcadas pelo amor, poder e
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escolas públicas do centro de Salvador, re- futuramente naquilo que eu quiser porque
gressos, que se ausentaram da escola por em cada casa da família que eu trabalho, não
diversos motivos e que retornam nesse ano é falando mal não das pessoas que eu traba-
lho, mas também é um trabalho que não é
letivo de 2018.
valorizado, cada dia está pior, hoje em dia
Esses elementos nos remetem às consi- só falta voltar a botar a gente para o tronco,
derações que os sujeitos da EJA são adultos só está faltando a escravidão voltar porque ,
que lutam para superar suas condições pre- com as leis aí tirando os direitos das empre-
cárias de vida (moradia, saúde, alimentação, gadas domésticas, as pessoas estão se apro-
transporte, empregos, etc) e trajetórias per- veitando, colocando as pessoas para traba-
versas de exclusão que se enraízam no anal- lhar demais e ganhar pouco, Por isso eu acho
que eu acredito em mim e cada dia eu vou
fabetismo, o que torna urgente uma educa-
passando uma experiência para mim mes-
ção reparadora de direitos. Essa realidade é
ma, no meu trabalho, aí eu vou vendo e digo
claramente retratada pela estudante Maria para mim mesmo eu vou conseguir, eu vou
quando se emociona ao falar: chegar lá eu vou sair dessa. (Maria, 53 anos)
A dificuldade da vida me faz eu querer Com base nos dados do gráfico abai-
aprender mais porque hoje em dia eu tra-
xo, vale destacar os diversos motivos pelos
balho de diarista, não é menosprezando as
quais os estudantes e as estudantes se au-
pessoas que eu trabalhe, mas hoje em dia é
um trabalho pouco reconhecido, então eu sentaram ou nunca participaram da escola-
acho que uma pessoa que trabalha com uma rização a fim de conhecer mais uma dentre
pessoa , eu tenho o sonho de fazer alguma tantas outras especificidades dessa modali-
coisa ainda, ser alguém na vida e trabalhar dade de ensino.
Gráfico 01: Motivos que fizeram os estudantes e as estudantes ficarem tanto tempo longe da escola
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A partir da interpretação desses dados sobre o que foi mais difícil para voltarem
percebemos que os estudantes e as estudan- à escola revela resistência ao retorno pois
tes da EJA, na sua maioria já haviam tentado acreditam que não conseguem mais apren-
anteriormente integrar-se ao contexto esco- der por conta da idade ou pelo histórico fa-
lar, pois, 32% estudou até os 14 anos e 32% miliar de muitos não terem estudado, carre-
até os 18 anos. Seguido de um percentual gando então o estigma de serem incapazes
considerável de quem nunca estudou, repre- de aprender.
sentando por 27%, tendo apenas 5% de es- A vergonha de não ter estudado, minha mãe
tudantes com idade de estudo até 21 anos e não ter me colocado na escola pequeninha
4% indefinido por não terem respondido. porque ela não tinha como colocar a gente
Essa reflexão sobre a permanência dos na escola A gente morava nas caatingas, nós
estudantes e das estudantes da EJA, é desta- tinha uma casa na roça e nossa vida foi sem-
pre trabalhar desde pequenininha (Marília,
cada por Ribeiro (1998) quando reconhece
55 anos).
que
Meus pais morreram cedo e eu fui trabalhar
Na maioria dos casos, a escolarização é para em casa de família, aí nunca estudei. A difi-
os adultos uma experiência pregressa que culdade porque eu não podia vir, trabalhava
vai se distanciando no tempo e cujos efeitos na casa de família e elas também não deixa-
tenderão a se esmaecer progressivamente vam eu estudar, depois foi que eu arranjei e
se os indivíduos não estiverem em contato fui morar com um rapaz foi que ele deixou
com outras agências que promovam o alfa- eu estudar (Sara, 70 anos).
betismo e garantam a funcionalidade das
aprendizagens escolares. Identificar essas Foi porque eu parei com 10 anos de idade
agências e as formas como exercem essa só estudei até a segunda série, e a dificul-
influência passa a ser uma tarefa essencial dade só foi o trabalho porque desde os 10
quando se tenta explicar habilidades e com- anos de idade que eu sempre venho traba-
portamentos de alfabetismo demonstrados lhando. Com 16 anos já pagava aluguel, vim
por esse grupo etário (RIBEIRO, 1998, p. de Castro Alves pra cá fiquei um pouco com
4-5) pai e depois com irmão e fiquei sozinho. En-
tão desde lá trabalhando, pagando aluguel aí
As falas de alguns entrevistados e algu- me casei e agora estou estudando (Fábio, 58
mas entrevistadas quando questionamos anos).
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Os dados do gráfico corroboram com as zer para eu poder não vim como eu fico sem
questões trazidas por Oliveira (2007) quan- vim muitas vezes por causa das reuniões da
do afirma que o adulto da EJA não é o uni- Mary Key da filha da minha patroa ai ela me
chama para eu ficar com os filhos dela e isso
versitário, na sua maioria é retirante, que
me aborrece muito (Cláudia, 60 anos).
saem do interior, filhos e filhas de trabalha-
dores rurais com baixo nível de escolarida- Foi difícil porque eu morava no interior, aí
eu tomava conta dos meus irmãos, eu tinha
de que exercem nas cidades, trabalhos em
que largar os estudos para tomar conta dos
ocupações desqualificadas, depois de já ter meus irmãos porque minha mãe trabalhava
trabalhado na roça na infância ou na adoles- de roça, fazendo o dia, aí eu tinha que tomar
cência. conta dos meus irmãos. Aí depois eu casei,
No contexto da EJA, os estudantes e as arrumei família, minha mãe veio morar em
estudantes, por desconhecerem seus direi- Salvador e eu fiquei na roça e ela veio para
tos à educação, assim como à violação des- aqui (Meire, 30 anos).
tes direitos, culpabilizam-se por não saber O retorno à escola está diretamente li-
ler e escrever, sendo excluídos de diversas gado às situações cotidianas nas quais os
práticas sociais que envolvem a escrita. As adultos estão envolvidos (o entendimento
situações de preconceitos e discriminação da fatura, a leitura do ônibus, o conhecimen-
geram vergonha por parte desses sujeitos to dos direitos trabalhistas, conhecer as le-
e muitas vezes os mantém longe da escola tras e até mesmo apender a fazer seu nome)
por períodos longos desde o último perío- e o desejo de conquistar a autonomia para
do de estudo, ou por nunca terem estudado, realizá-las, o que potencializa ainda mais a
ou ainda pelo medo do desconhecido. Desse sua aprendizagem. Com base nas respostas
modo, o processo excludente de preconcei- dos sujeitos entrevistados, a escola é o lu-
tos traz sofrimento ao analfabeto interfe- gar de superar a discriminação sofrida pela
rindo diretamente na construção positiva sociedade por não participarem do mundo
da autoestima, algo não muito explícito na letrado, é local de emancipação e desenvol-
sociedade e gera poucos debates. Como res- vimento de autonomia para atuar com segu-
salta Vygotsky (1996, p.27). rança na realidade.
[...] às populações semianalfabetas eram Essas colocações nos remete a afirmação
muitas vezes consideradas, e ainda hoje que a escola da EJA é para uma camada da
[...], como algo negativo[...] muitas vezes er- população desfavorecida e por ter essa con-
roneamente julgada como um tipo de “ra- dição não são menos capazes. Reiterando, é
cismo”, eram julgadas não como diferentes, uma escola que trabalha com o problema da
mas como inferiores.
desigualdade, injustiça e exclusão social e é
Através das falas percebemos o quanto nesse contexto que se torna ambiente de su-
essas experiências negativas interferem na peração, transformação e mudança porque
aprendizagem, retratando os motivos e o envolve seres inacabados e é essa incomple-
tempo pelos quais os adultos se ausentam tude que faz da educação uma oportunidade
da escola. de nos educar constantemente.
A minha idade, já estava com a idade muito Por isso, não podemos nos colocar na po-
avançada para voltar para o colégio, e tam- sição do ser superior que ensina um grupo
bém sem poder vir porque do povo (patrões) de ignorantes, mas sim na posição humilde
que sempre tem alguma coisa para mim fa- daquele que comunica um saber relativo a
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outros que possuem um outro saber relati- co do ensinar e do aprender defendido por
vo. (É preciso saber reconhecer quando os Paulo Freire ao reconhecer que quem ensi-
educandos sabem mais e fazer com que eles na aprende alguma coisa e quem aprende
também saibam com humildade). (FREIRE,
também ensina.
2011a. p. 35 e 36)
Como defende Paulo Freire (2011b, p
Trabalhar com a EJA exige do profes- 43): “[...] às vezes, mal se imagina o que pode
sor uma ação política além da transmissão passar a representar na vida de um aluno um
de conteúdo, exige ação fundamentada em simples gesto do professor”. É preciso refor-
criar possibilidades, despertar curiosida- çar o caráter indiscutível e socializador da
des e reforçar a capacidade de insubmis- escola a não negligenciar as experiências in-
são. Conforme defende DeAquino (2007), formais que se vive nela. Devemos enquanto
o educador deve ter “uma postura proati- professores e professoras da EJA reforçar a
va”: realizar o diagnóstico para conhecer os compreensão dos valores sentimentais que
aprendizes, ou seja, observar a turma para expressam emoções e desejos, para emergir
identificar suas necessidades de aprendiza- a coragem nos estudantes e nas estudantes
gem atentando-se à diversidade no que tan- e superarem a insegurança e o medo porque
ge as experiências anteriores e expectativas todo ser inacabado é um ser cheio de vida.
atuais; acreditar no potencial e capacidade Esse olhar pedagógico e consciente re-
dos estudantes e das estudantes o que gera fletido na ação do professor, refletem 15
incentivo pelo aprender e contextualizar a respostas dentre os 22 dos entrevistados e
aprendizagem de forma que o aprendiz per- entrevistadas, como fator positivo que mais
ceba a significância do que é produzido em influencia a aprendizagem, aparecendo tam-
sala de aula a amplie seu conhecimento. bém entre as outras 07 respostas a força de
A partir dessas questões, é imprescin- vontade, a leitura e a escrita, as diferentes es-
dível elucidar a identidade cultural dos es- tratégias de ensino, a concentração e o apoio
tudantes e das estudantes como alicerce dos colegas. Em contrapartida, o cansaço (8
da prática educativa. A interação entre os respostas entre os 22 entrevistados) se con-
sujeitos (estudantes-estudantes e profes- figura como o maior fator negativo, seguidos
sores-estudantes) sustenta a educação pro- da vergonha, o barulho em sala, a memória,
gressiva experienciando a possibilidade de o trabalho e a falta da leitura e tempo maior
assumirem-se como sujeitos históricos e so- para os estudos, sendo esses fatores distri-
ciais, aprendentes, transformadores e reali- buídos entre as outras 14 respostas.
zadores de sonhos. A ação pedagógica, seja em qualquer mo-
A mediação do professor no processo de dalidade de ensino, necessita de uma ação
aprendizagem dos sujeitos da EJA é de extre- coletiva de todos da escola de forma a de-
ma importância e isso nos remete ao papel senvolver a escuta para efetivar uma pro-
do professor desafiador que favorece uma posta coerente às demandas os sujeitos,
educação progressista na prática educativa partindo dos saberes do senso comum à
e nos obriga a refletir constantemente sobre construção dos conhecimentos científicos e
a responsabilidade ética no fazer pedagógi- o desenvolvimento de cidadãos atuantes e,
co como ação de construir possibilidades e por isso, ativos.
jamais de transmissão de conhecimentos. Não é possível respeito aos educandos, à
Essa relação está ligada ao processo dialógi- sua dignidade, a seu ser formando-se, à sua
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O processo de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos (EJA): as vozes dos cidadãos da resistência
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