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IN: DICIONÁRIO BIOGRÁFICO E HISTÓRICO BRASILEIRO.

FGV (VERBETE: “A REVOLUÇÃO DE 1930” - ALZIRA ALVES

DE ABREU)

A REVOLUÇÃO E SUAS VERSÕES


Lúcia Lippi de Oliveira - colaboração especial

A Revolução de 1930 representou uma continuidade ou uma ruptura com os padrões


históricos precedentes? Esta é uma pergunta que se encontra presente em muitas das
formulações atuais dos analistas da história contemporânea do Brasil.

Aqueles que acentuam o caráter de continuidade dos padrões estruturais em nível


econômico (capitalismo) ou em nível político (patrimonialismo, autoritarismo) tendem a
retirar do movimento de 1930 o sentido de revolução. Os que apontam para os aspectos
novos que passam a existir ou que são reforçados no pós-1930 (política social,
corporativismo), ao contrário, tendem a afirmar o sentido de ineditismo e de revolução.
Neste caso, 1930 teria representado um movimento de ruptura com um modelo e uma
prática liberais, baseados na não-intervenção do Estado na esfera do mercado de trabalho.

As teses da ruptura ou da continuidade podem ter sua razão de ser quando especificamos
os aspectos da vida social aos quais elas se aplicam e, mesmo assim, devemos deixar clara
a própria noção de ruptura com que estamos analisando o processo histórico. A alternativa
ruptura versus continuidade talvez seja um tanto ilusória, já que os movimentos político-
sociais, mesmo os mais radicais, têm também elementos que foram gerados na velha
ordem e a idéia de um corte radical com o passado pode não ser a melhor representação
do processo histórico. A história não se processa pela emergência abrupta de eventos, mas
alguns deles podem lhe imprimir um determinado curso, nem sempre previsto em seus
antecedentes. Entre o determinismo, onde os acontecimentos são vistos como produto de
uma necessidade inquestionável, e o voluntarismo, que vê a vontade e a ação humanas
como elementos fundamentais do processo histórico, cabe relativizar, ou seja,
compreender as complexas relações entre traços estruturais, dados conjunturais e a opção
de determinados atores sociais.

O conceito de revolução utilizado para caracterizar eventos político-sociais inclui nele


mesmo diferentes significados. Ele pode ser entendido como o voltar às origens, “re-
volver”, e neste sentido está relacionado a uma concepção circular do tempo histórico.
Outra tradição, a iluminista, entende revolução como um caminhar para um tempo
inteiramente novo. Ela representa o início de um novo tempo inserido na caminhada linear
do gênero humano em seu processo evolutivo.

Muitas vezes a crítica aos que chamam o movimento de 1930 de revolução se centra não
no debate em torno do conceito de revolução, mas na aplicação do termo a este episódio
da vida política brasileira. A ruptura e conseqüente abertura para um novo tempo são
muitas vezes identificadas com outros eventos, como, por exemplo, a Abolição da
Escravatura, que não é chamada de revolução. Para outros, ao contrário, a verdadeira
revolução ainda não ocorreu na história do Brasil. Outro aspecto que é constantemente
relembrado pelos críticos consiste na observação de que a história brasileira está sendo
escrita e transmitida segundo o ponto de vista dos “vencedores”. Este tipo de crítica pouco
acrescenta, exatamente por 1930 ter sido um movimento vitorioso. Os movimentos que
são vitoriosos tendem a construir representações que confirmam o ímpeto revolucionário,
destruidor das velhas estruturas. E, como a história também se constrói com as imagens
que os homens fazem de seus atos, interesses e paixões, torna-se extremamente difícil se
contrapor a representações vitoriosas.

O movimento de 1930 tem sido objeto, desde sua época até hoje, de diferentes versões.
Essas interpretações sobre a revolução podem ser tomadas como marcos significativos da
história do pensamento político brasileiro, na medida em que foram produzidas e
informadas pelas preocupações contemporâneas a elas. Como não é o passado que nos
instrui sobre a perspectiva do presente, mas, ao contrário, é o presente que nos fornece
uma interpretação do passado, são as perguntas e os impasses de cada momento que nos
fazem indagar sobre as experiências históricas e recuperar ou descartar fatos e
personagens.

A vasta bibliografia sobre a Revolução de 1930 por si só mostra a importância deste


evento na história brasileira. Mesmo aqueles que não a consideram um acontecimento
relevante acabam por dedicar tempo e espaço à demonstração desta tese.

A VERSÃO CONTEMPORÂNEA À REVOLUÇÃO

A maioria dos pensadores que interpretou 1930 no período imediatamente posterior ao


movimento fez uma reflexão política. Eles estavam apoiando ou criticando os
revolucionários, suas alianças, assim como o desenrolar dos acontecimentos. Eles não
estavam procurando fazer uma análise neutra ou “científica”, na verdade uma demanda
ausente do campo intelectual da época. Enquanto membros da elite letrada, esses autores
queriam contribuir para a reconstrução nacional e influir no processo histórico.

A política da Primeira República tinha seu jogo marcado pelo peso das oligarquias
estaduais. E foi com este modelo que os autores analisaram o movimento de 1930. Os
estados, ou seja, as oligarquias que os representavam, as figuras que compunham a
direção dos partidos republicanos estaduais, foram os principais objetos das versões da
época.

Os defensores da Aliança Liberal apresentavam-na como um movimento civil, baseado


na coligação de três estados liberais, sem quaisquer conotações regionalistas. A campanha
aliancista e o movimento de 1930 seriam decorrência do sistema político da República
Velha. Esses autores criticavam sobretudo a hipertrofia do Poder Executivo, a fraude
eleitoral e o esquema de escolha de candidatos. Os defensores da candidatura
oposicionista de Getúlio Vargas rejeitavam a forma como Washington Luís encaminhara
a candidatura Júlio Prestes. A Aliança era apresentada sob um ângulo regenerador, onde
predominava a idéia de corrigir o sistema político, renovar os costumes, restaurar as
práticas da democracia, fazer, enfim, com que o regime republicano voltasse às suas
origens. Os aliancistas se apresentavam como liberais e era com este ideário que
pretendiam salvar a República.

Os defensores da situação, ao contrário, criticavam os homens da Aliança, esses


“pretensos liberais”, e relembravam episódios passados em que a conduta desses políticos
ficava distante da nova face que apresentavam. Atacavam sobretudo a figura de Artur
Bernardes e sua aliança com Antônio Carlos e Getúlio Vargas. Por outro lado,
reconheciam o direito de Washington Luís, como presidente e como paulista, de escolher
seu sucessor. A predominância paulista na política nacional e a “política dos
governadores” seriam naturais na medida em que teriam resultado da evolução
diferenciada das unidades da Federação.

O estado de São Paulo era apresentado como portador do direito à hegemonia política,
que lhe era conferido por seu alto grau de civilização. Uma questão central no pós-1930
foi, aliás, a de considerar ou não a revolução como uma guerra movida contra os paulistas.
A marginalização do Partido Democrático, membro da frente liberal, e a interventoria do
tenente João Alberto Lins de Barros em São Paulo eram apresentadas como indicadores
desta tentativa de enfraquecer a política paulista no cenário nacional.
A oligarquia estadual mineira aparecia cindida entre oposicionistas, defensores da
Aliança Liberal e da revolução, e governistas. De um lado, estavam Antônio Carlos e
Artur Bernardes garantindo a participação de Minas Gerais no deflagrar da revolução. De
outro, falava-se na cisão dentro do Partido Republicano Mineiro, ocorrida com a
formação da Concentração Conservadora, que defendia a candidatura Júlio Prestes.

O tenentismo, responsável pelos movimentos de 1922 e 1924 e pela Coluna Prestes,


ocorridos fora dos padrões políticos oligárquicos, tampouco escapava aos analistas. Eles
ora apoiavam os “tenentes”, ora os criticavam por estarem super-representados na vida
política do Governo Provisório. Os “tenentes” eram responsabilizados por estarem
desvirtuando os propósitos da revolução. Eram acusados de estar marginalizando
políticos que haviam marchado com o movimento de 1930 e também de,
improvisadamente, estarem se transformando em homens públicos. A crise militar pós-
revolucionária exigiria, segundo os críticos do tenentismo, a volta à hierarquia e à
disciplina, seriamente ameaçadas pela presença e força dos “tenentes” no Governo
Provisório.

A composição entre os “tenentes” e as oligarquias oposicionistas iria dividir os


remanescentes da famosa Coluna Miguel Costa-Prestes. O grupo de políticos que
preparou a revolução, e principalmente sua liderança, Vargas e Antônio Carlos, seriam
os mais legítimos representantes da oligarquia contra quem os “tenentes” se haviam
levantado em armas. Muitos não aceitaram esta aliança e consideraram o rompimento do
ex-chefe da coluna, Luís Carlos Prestes, com os revolucionários de 1930 como uma
atitude correta, embora alguns condenassem a adesão de Prestes ao comunismo. Os que
justificavam a composição dos “revolucionários de julho” com os aliancistas, entretanto,
consideravam que Prestes não tivera visão do momento político e não fora capaz de
perceber a importância de uma revolução política.

Todas essas interpretações foram produzidas por homens engajados na prática política,
comprometidos com ações favoráveis ou contrárias às oligarquias. Um outro grupo de
analistas era o dos intelectuais autoritários, entre os quais se incluía Oliveira Viana que
vinha escrevendo e divulgando propostas totalmente distintas das que estavam presentes
na campanha da Aliança Liberal. Assim como outros intelectuais autoritários, já se
mostrava descrente da possibilidade de encontrar soluções para os problemas nacionais
dentro dos parâmetros do liberalismo. O espírito idealista — baseado no democratismo
francês, no liberalismo inglês e no federalismo norte-americano — estava, segundo ele,
em desacordo com as condições mentais e estruturais do nosso povo. Sua crítica ao
idealismo da Constituição de 1891, sua recusa em considerar o voto como problema
político fundamental justificam seu alheamento frente ao movimento das oposições
reunidas na Aliança Liberal e na Revolução de 1930. Somente mais tarde, e à medida que
o governo se afastou de um ideário liberal, foi que Oliveira Viana passou a valorizar a
revolução.

Enquanto os liberais da Aliança e de fora dela propunham uma reforma política onde a
representação, o sistema de voto e as eleições ocupavam lugar central, os intelectuais
autoritários pensavam em novas alternativas para o Estado (centralização) e para a
representação (representação profissional, corporativismo). Foi no pós-1930, quando se
ampliou a esfera de atuação do poder público sobre a sociedade, que se abriu espaço para
a atuação desses intelectuais que criticavam o liberalismo do velho regime. Eles tomaram
a si a tarefa de elaborar uma doutrina para a nova ordem e voltaram ao movimento de
1930 interpretando-o sob nova perspectiva.

A REVOLUÇÃO SOB A ÓTICA DE 1937

Todo evento histórico que se pretende apresentar como revolucionário precisa acentuar
seus aspectos de novidade, assim como apontar e valorizar sua criação. O momento de
fundação aparece como elemento crucial na formulação de um pensamento que possa
garantir legitimidade à nova ordem social. Isto apareceu em 1937 de forma incontestável.
Os doutrinadores e ideólogos do Estado Novo produziram uma reinterpretação do
movimento de 1930. Para eles “30 só se completou em 37”. O 3 de outubro e o 10 de
novembro (a Revolução de 1930 e o golpe de 1937) passaram a ser apresentados como se
tivessem ocorrido em uma simultaneidade temporal imediata. O desenrolar da luta entre
as oligarquias e os “tenentes”, a Revolução Constitucionalista de 1932, a Constituinte de
1934, a presença da Ação Integralista Brasileira (AIB) e da Aliança Nacional Libertadora
(ANL) apareciam minimizados diante de uma relação direta estabelecida entre a
Revolução de 1930 e o Estado Novo.

Os intérpretes do Estado Novo procuraram demonstrar que este regime conjugava


aspectos pertencentes às verdadeiras tradições socioculturais da vida brasileira e também
inaugurava uma nova fase, moderna, no encaminhamento da política nacional. O processo
de centralização no nível federal da tomada de decisões, antes partilhada com os estados,
bem como o de concentração no Executivo de atribuições anteriormente partilhadas com
o Legislativo eram sempre justificados por estas duas vertentes: tradição e renovação.
A importância de 1930 era apresentada tomando-se como contraponto a experiência da
Primeira República. Nesse regime artificial imperava a desintegração entre a realidade e
o modelo político, entre o “Brasil real” e o “Brasil legal”. A Revolução de 1930 viera
salvar o país da desordem e da anarquia, assim como possibilitar a integração entre as
elites e o povo. Para os doutrinadores do regime, o Estado Novo significava a realização
do projeto revolucionário de 1930.

O movimento de 1930 estava imbuído, simultaneamente, de um sentido restaurador —


preservar a autoridade e a ordem — e de um sentido renovador marcado pelo
enfrentamento da questão social, resultante do abandono a que fora deixado o povo
brasileiro. A questão social fora tratada no pós-1930 como uma questão política, ou seja,
como uma questão que exigia a intervenção do Estado para sua solução. O direito
trabalhista que reconhecia o operário como célula da sociedade apontava para a nova
natureza do Estado, organizador do povo em nação. O enfrentamento da questão social
era assim apresentado como o marco distintivo do novo regime. O ideal de justiça e de
democracia social que comandava o Estado Novo tinha como pressuposto o
reconhecimento da necessidade de ação do Estado frente à situação de penúria em que se
encontrava o trabalhador brasileiro, e isso ocorrera pela primeira vez após a Revolução
de 1930.

O discurso ideológico que valorizava o do Estado Novo — o reforço de autoridade, o


ideal de ordem e de justiça, o caráter construtivo — procurava mostrar como este regime
tivera origem ou só fora possível porque antes tinha havido o movimento de 1930. A
revolução teria sido assim o momento de ruptura com o velho regime, significando a fase
de destruição. A nova fase, a de construção, se realizava com o regime de 1937. Estes
dois momentos marcariam a continuidade do processo revolucionário brasileiro.

O DESENVOLVIMENTISMO E A REVOLUÇÃO

Na década de 1950 e início da década seguinte, encontrava-se em debate na sociedade


brasileira a viabilidade de um projeto de desenvolvimento capitaneado pela burguesia
nacional em aliança com a moderna classe média e com o proletariado. Tais forças
progressistas seriam obstaculizadas pela atuação dos setores conservadores ou
reacionários, representados pelos latifundiários em consórcio com o imperialismo. Essa
formulação teve como um de seus centros o Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(ISEB) e produziu várias e diferentes versões sobre o significado da Revolução de 1930.
Os pontos comuns e as divergências dos autores frente às condições do momento os
fizeram retornar ao passado para nele encontrar as linhas e diretrizes do processo
histórico. No que diz respeito à Revolução de 1930, destacam-se ao menos duas vertentes.

A primeira delas estabeleceu a conexão entre a burguesia industrial e o fim da República


Velha. Esta vertente inclui também muitas distinções e nuanças. Para alguns, a questão
de 1930 se liga à constatação posterior de ter sido a burguesia industrial a principal
beneficiária do processo que se iniciou em 1930 mas que teve em 1937 seu desfecho.
Neste caso, 1930 seria uma etapa (decisiva ou importante) no processo de incorporação
do Brasil aos padrões capitalistas mais desenvolvidos, sem que isto implicasse o controle
do Estado pela burguesia industrial. Para outros, a conexão existiria na medida que a
burguesia industrial, enquanto fração de classe, teria participado diretamente do episódio
revolucionário.

A outra vertente relaciona 1930 às tentativas frustradas da classe média de chegar ou


participar do poder na década de 1920. Os movimentos tenentistas seriam os exemplos
significativos destas experiências, que só em 1930 teriam obtido sucesso pela aliança
entre os “tenentes” e as oligarquias dissidentes.

Estas vertentes foram construídas tomando por base modelos “dualistas”, ou seja,
modelos em que a sociedade brasileira era caracterizada como dividida em dois setores:
o pré-capitalista e o capitalista. Independentemente das nuanças e do grau de sofisticação
das análises, elas marcaram uma época na produção intelectual do país, onde a influência
do pensamento da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) foi marcante.

Essas análises foram o ponto de partida para novos trabalhos de pesquisa voltados para o
conhecimento dos eventos e do comportamento concreto dos grupos sociais. Muitas das
premissas até então aceitas foram submetidas à revisão pela investigação de fontes
históricas (jornais, revistas, arquivos). Seriam os “tenentes” efetivamente representantes
das demandas das classes médias urbanas ou o movimento tenentista poderia ser melhor
explicado se relacionado a cisões dentro da corporação militar? No caso das
interpretações que viam 1930 como uma revolução burguesa no sentido de feita pela
burguesia, novas informações históricas levaram à revisão das premissas aceitas. Como
explicar, por exemplo, a presença de inúmeros industriais, entre eles Roberto Simonsen,
um dos mais importantes ideólogos da industrialização como caminho para a
independência nacional, nas fileiras do Partido Republicano Paulista, considerado
representante das oligarquias agrárias ? Como explicar a participação da burguesia
industrial paulista no movimento de 1932, interpretado como a luta pelo retorno à situação
pré-1930, caracterizada pelo controle das elites agrárias ?

As teorias “dualistas”, em suas interpretações sobre a Revolução de 1930, tiveram na obra


de Bóris Fausto, A Revolução de 1930 (1970), uma importante resenha. Este trabalho do
autor pode ser tomado como um marco entre as interpretações até aqui mencionadas e as
que foram desenvolvidas nos anos posteriores. A obra, sem abandonar uma análise
preocupada com a relação entre interesses econômicos e políticos, mostra as
inconsistências tanto da tese da revolução burguesa quanto da tese da revolução de classe
média. Para este autor, o imbricamento de interesses entre a burguesia agrária e a
industrial nos maiores centros, o desenvolvimento desigual de diferentes áreas, fez com
que a cisão dentro das classes dominantes ganhasse contornos regionais. O regionalismo,
como explicação do movimento de 1930, é entendido como forma particular assumida
pelo desenvolvimento do capitalismo no Brasil.

AS DÉCADAS DE 1970 E 1980: A REVISÃO DO DEBATE

Os trabalhos mais recentes têm pensado o significado da Revolução de 1930 em termos


cada vez mais abrangentes. Muitos deles foram produzidos como teses acadêmicas e
desligados do comprometimento político mais imediato. O distanciamento no tempo em
relação a este evento da história brasileira e a análise crítica em relação às versões da
década de 1950 possibilitam interpretações mais globais em que a comparação com outros
casos históricos está presente. Estas análises se ocupam em explicar o significado de 1930
em relação ao processo histórico brasileiro e o confronto com outros movimentos
revolucionários do mundo contemporâneo. O sentido das transformações operadas após
a vitória revolucionária, na maioria dos estudos, é apresentado dentro de formulações
teóricas do tipo “revolução pelo alto” ou “modernização conservadora”. Estes conceitos
possibilitam a compreensão de situações históricas em que o processo de transformação
da sociedade, ainda que profundo, não teve como suporte setores sociais dominados. O
processo de mudança de uma sociedade agrária para a industrial não teria sido comandado
pela burguesia industrial (asfixiada por uma aristocracia ou pela oligarquia rural), nem
pelo proletariado ou pelo campesinato (guiados por setores de vanguarda organizados em
partido). Estes trabalhos se inspiram direta ou indiretamente na obra de Barrington
Moore, Social origins of dictatorship and democracy (1966).

Confrontando o caso brasileiro com outras situações históricas, estas obras atribuem ao
movimento de 1930 um importante papel na modernização da sociedade brasileira, e o
consideram uma revolução, embora de tipo específico, uma ruptura que rompeu apenas
com parte do passado, uma modernização que conservou e valorizou aspectos da velha
ordem. Uma questão subjacente a estas análises é a de entender como ocorreu a passagem
de uma sociedade considerada “atrasada”, “agrária”, para uma sociedade “moderna”,
“industrial”. Imbricado nesta questão se encontra o debate em torno do próprio
significado de sociedade moderna. A noção de uma sociedade industrial nos moldes
anglo-americanos e a emergência ou reafirmação de um Estado burocrático-autoritário
estão, ambas, contidas na categoria de sociedade moderna.

O momento político da década de 1970, em que o regime e a sociedade se encontram em


processo de transformação política, abre espaço para trabalhos ocupados em analisar a
ação do Estado. Não só as classes sociais têm um papel definidor da vida brasileira, mas
o Estado é reconhecido e questionado enquanto principal definidor e promotor das
mudanças sociais. Esta vertente dos atuais trabalhos sobre 1930 proporcionou a
recuperação da obra de Raimundo Faoro, Os donos do poder (editada pela primeira vez
em 1959), em que os traços de continuidade da vida brasileira são buscados na
permanência e na atualização de um Estado patrimonial.

Não só a utilização de fontes até então desconhecidas tem permitido a revisão das
interpretações anteriores, mas novas preocupações teóricas têm permitido a discussão de
diferentes problemas. As teorias não fornecem as respostas para a pesquisa histórica, elas
oferecem sim a possibilidade de novas perguntas.

A permanência do debate foi reafirmada em 1980, por ocasião do cinqüentenário da


Revolução de 1930. Neste ano, inúmeros seminários e simpósios procuraram recuperar a
história e o significado deste movimento.

Um ponto parece ter obtido o consenso da maioria dos estudiosos que participaram dos
seminários, por ocasião dos 50 anos da revolução: o de ter 1930 representado a procura
de um novo equilíbrio das classes dominantes regionais, em conseqüência da quebra da
coesão das antigas oligarquias e do remanejamento dos quadros políticos da Primeira
República. Outra questão que mereceu atenção destacada se refere à análise do
desdobramento da revolução. Foi revista a suposição de que 1937, ou seja, o Estado Novo,
estivesse necessariamente contido no movimento revolucionário de 1930.

O debate travado foi amparado por inúmeros trabalhos onde predomina o esforço em
analisar os diferentes momentos do período que se seguiu à revolução. O espaço de tempo
decorrido entre 1930 e 1937 não foi percebido como um bloco unitário, monolítico, da
história do Brasil, mas sim como um período de experimentação de novas formas de
organização nacional em que se acentuou o conflito entre o poder dos estados e o poder
central, ou seja, entre o regionalismo e a centralização.

O regionalismo, como uma das variáveis mais significativas na deflagração do


movimento de 1930 e na vida política brasileira, marca sua presença na bibliografia
publicada em 1980 sobre a revolução. Alguns trabalhos recentemente editados sobre o
assunto — como Regionalismo e centralização política, produzido por uma equipe do
Cpdoc sob a coordenação de Ângela Maria de Castro Gomes — mantêm como
perspectiva a análise do regionalismo e de seus conflitos com o poder central. E, nesse
sentido, estão próximos das pesquisas desenvolvidas pelos “brasilianistas” nos trabalhos:
O regionalismo gaúcho, de Joseph Love, A velha usina (sobre Pernambuco), de Roberto
Levine, e O fiel da balança (sobre Minas Gerais), de John Wirth.

Mais significativo do que o interesse suscitado pelos 50 anos da Revolução de 1930


dentro dos círculos restritos das instituições acadêmicas, entretanto, foi o imenso espaço
aberto à tal reflexão nos órgãos de comunicação de massa. Todos os jornais, as mais
importantes revistas, a televisão e o cinema foram pródigos em abrir espaço para noticiar
o debate e, com isto, atualizar o significado da revolução.

Voltou-se ao passado para se rediscutir impasses e questões centrais do sistema político


atual. A pauta do debate de hoje inclui questões tais como eleições, representação,
democracia, relação entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento político e
a problemática incorporação das massas à democracia liberal, ou seja, as mesmas
questões que orientaram o debate do pacto constitucional de 1934, de tão curta duração.

Apenas uma perspectiva do debate certamente se alterou. Se, em 1930, era proposta e
aceita pela maioria dos autores a necessidade indiscutível de centralização do poder nas
mãos do Estado, para que através de sua ação se transformasse a economia e a sociedade,
a questão hoje é como a sociedade pode vir a controlar este Estado já plenamente
construído e implantado na vida brasileira.

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