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Ano XLI * Número 1346 * De 4 a 17 de maio de 2022 * * Quinzenário * Diretor José Carlos de Vasconcelos

J. P. Borges Coelho Moçambique: passado e futuro em romance


Museu da Revolução é o título. Entrevista com o escritor e crítica de Agripina C. Vieira PÁGINAS 14 A 16

Peripécia, 18 anos
Bom teatro, a partir de uma
aldeia de Trás-os-Montes PÁGINA 25

JORNAL Des-cobrir a Europa


DE LETRAS, Um livro com as memórias
ARTES E dos ‘filhos do Império”
IDEIAS Texto de Paulo de Medeiros PÁGINAS 28 E 29

JOÃO
BOTELHO
Um filme em forma
de Alexandre O’Neill
Estreia a 12, intitula-se Um filme em forma de assim,
e é um “quase musical” a partir da obra do poeta.
Entrevista com o realizador, crítica, texto de Fernando
Cabral Martins e crónicas de O’Neill no JL PÁGINAS 7 A 12
CAPA SOBRE FOTO DE ALEXANDRE DELGADO O’NEILL

CARLA FILIPE A(s) bandeira(s) da arte PÁGINA 22 E 23

Colunas e crónicas de Afonso Cruz, A. Mega Ferreira, António C. Cortez, Boaventura


de Sousa Santos, C. Oliveira Santos, Gonçalo M. Tavares, G. d’Oliveira Martins, Helena
Simões, M. L. Ribeiro Ferreira, Miguel Real, Valter Hugo Mãe e V. Soromenho-Marques
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ARTES / ENTREVISTA, CRÍTICA

DUAS OPÇÕES João Salaviza e


Renée Nader
DE LEITURA DO JORNAL Messora
Pode escolher Wýhwy e Patrpro
fazem cinema
como prefere ler Mudou de cidade, de país, de
a edição quinzenal: continente, de cinema e de vida.
Ele, o '"menino prodígio" do
cinema português, vencedor de
em formato pdf, uma Palma de Ouro e de um Urso
de Ouro pelas suas
com primazia curtas-metragens, atravessou
oceanos para chegar a
Kraholândia, a terra dos índios
para o grafismo, ou krahó, no estado de Tocantins, no
interior norte do Brasil, na
em formato de texto, companhia dela, brasileira, sua
mulher e correalizadora do filme
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úr da secção Un
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confortável dos artigos Certain Regard,
rd em Cannes e que
ard,
amanhã, quinta-feira,
uinta-f
ta 14, se
estreia em Portugal.
rt Falamos com
ou caixas completos, os dois, sobree o filme e não só
MANUEL HALPERN
PER
basta carregar. Pode Esta é a história de Wýhwy
ýh e Patpro,
realizadores de cinema, a, ele português, ela
escolher o corpo de letra brasileira, que casaram
terra dos índios Krahô,
m e foram viver para
ô, na Aldeia de Pedra
Branca, para serem felizes
iz para sempre.
mais adaptável Conheceram-se anoss antes,
ant em Buenos
an
Aires, onde ambos frequentaram a escola

ao seu gosto de cinema. João Salaviza, o nomee b


de Wýhwy, tornou-se
português
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branco

ar uma Palma dee Ouro,


O
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noo Festival
Fes de Cannes, com
c a curta
ta Arena.
A que se seguiui um Urso de Ouro em

NAVEGAÇÃO INTUITIVA
Berlim, por Rafa. Renée Nader Messora,
nome branco de Patpro, habituou-se
trabalhar, como diretora de fotografia e
► Deslize para navegar assistente de realização, nos filmes dos
outros, incluindo a primeira longa de
entre páginas J ã M t h
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21 / 41
2015 R é
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DESTAQUE 4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT

›BREVE ENCONTRO‹

António Victorino d’Almeida


30 canções para a Europa

DIREITOS RESERVADOS
Trinta canções nas línguas de todos os países da União
Europeia, com textos poéticos sobre a alegria. Depois da
“antestreia" em streaming, em Elvas, durante a pandemia,
Gaedamus / Alegria para a Europa, o grande concerto do
maestro António Victorino d’Almeida, sobe aos palcos do
Coliseu do Porto, dia 9 maio, e do Centro Olga Cadaval, dia
10 de junho. O maestro faz-se acompanhar de 14 músicos e a
cantora Ana Maria Pinto. Cinco novas exposições no CIAJG Voz multiplicada, novo ciclo
expositivo que assinala os dez anos do Centro Internacional das
JL: Como se lembrou de fazer 30 canções para a Europa? Artes José de Guimarães (CIAJG), com direção artística de Marta
António Victorino d’Almeida: A ideia surgiu nos anos 90,
com a Maria do Carmo Almeida, uma senhora com uma
Mestre, arranca a 7, com a performance ritualista I Believe in Good
cultura enorme e que cantava. Montámos as canções sobre a Things Coming, de Luísa Mota, às 18h, e a inauguração simultânea
União Europeia. Ela encontrou textos extraordinários. Para de cinco exposições. Em diálogo com as coleções vão ocupar
Espanha escolheu García
Lorca, mas para Itália, as salas do museu A Língua do Monstro, de Pedro Barateiro,
São Francisco de Assis. A Manifestos, de José de Guimarães, EU UE/Amnésia & Dislexia,
coisa correu tão bem que
fizemos dois CCB, o Rivoli e do angolano Yonamine, Preambular o Futuro, de Max Fernandes
fomos a Viena e a Bruxelas. e a coletiva Garganta, com 14 artistas de vários países, concebida
Depois aconteceu a tragédia
da sua morte e foi tudo pelo curador visitante, o brasileiro Rapahel
interrompido. Fonseca, juntando obras de Gabriel Abrantes,
João Ferro Martins, Leonor Teles, Afra Eisma,
E agora resolveu recuperar o Dalila Gonçalves, Oficina Arara, Rosa Ramalho
projeto?
Em 2015 ou 2016, tive a
e Tom Zé, entre outros. A 8, às 17h, terá lugar uma conversa com
ideia de o recomeçar. Por José de Guimarães e a historiadora de arte Mariana Pinto dos
isso fui falar com todos
os embaixadores para que me dessem o seu apoio. Só que
Santos sobre Imaginários Primitivistas, Ontem, Hoje e Amanhã,
agora os países são muitos mais. E também quis incluir uma com moderação da diretora do CIAJG.
canção em flamengo, para a Bélgica, e uma em gaélico, para
a Irlanda. E a do Luxemburgo é trilingue. Depois encontrei
uma cantora extraordinária, a Ana Maria Pinto. Fizemos
um concerto experimental em streaming, em Elvas, mas
a verdadeira estreia é agora no Porto. A produção deste TRAVESSIA GRAÇA MORAIS MARIONETAS Marta Cuscunà; e Cardiophone,
concerto só é possível devido a uma ‘troika’ de apoios. DE LETRAS HONORIS CAUSA EM LISBOA de Moran Duvshani. Destaque
ainda para Frankenstein, da
O Bicentenário da Graça Morais vai ser reconhe- As marionetas voltam a companhia belga Karyatides,
Como foi assegurada a fidelidade a todos esses idiomas? Independência do Brasil cida com o doutoramento Lisboa para a 22.ª edição do no Teatro Nacional D. Maria
Foi um grande trabalho. E só foi possível graças ao apoio dos é a rampa de lançamento honoris causa da Universidade FIMFA – Festival Internacional II: um espetáculo com dois
embaixadores e adidos culturais. É um projeto apolítico e para a segunda edição da de Trás-os-Montes e Alto Douro de Marionetas e Formas atores-manipuladores, uma
que só estaria completo quando todos os países da Europa Travessia das Letras, a festa (UTAD), numa sessão que se Animadas, que decorre de 13 de cantora de ópera e um pianista,
estivessem presentes. São textos só sobre a alegria, em todas infantojuvenil da língua por- realiza a 11, na aula Magna. maio a 5 de junho, a. A partir coadjuvados em palco por um
as suas vertentes. É uma festa. Apesar de estarmos numa tuguesa, que vai decorrer Uma distinção que a pintora do mote “Pensar o Futuro”, conjunto de bustos e bonecos;
época de guerra, o concerto serve de alerta para que a alegria no Parque dos Poetas, em afirma receber com “enorme estão previstas mais de 20 e para três espetáculos a
vença a batalha. Oeiras, de 16 a 22 de maio. honra”, sublinhando que é espetáculos e atividades de pensar nos mais novos: Karl,
As atividades estendem-se “muito importante” que uma criadores nacionais e interna- Hermit e Big Bugs.
para lá da literatura, com universidade a atribua a “uma cionais em nove espaços da Menez
A mensagem é essa, de uma Europa unida e em paz? teatro infantil, cinema de mulher e artista”, o que é “pou- capital. A abertura tem lugar
Exatamente. Somos pela paz. Queremos um mundo livre da animação, música e até co comum”, constituindo, nessa no São Luiz com o espetáculo ERRATA No tema da última
vergonha da bomba atómica. Isto vem na linha de muitos culinária, em interação com medida, um incentivo para Work, do coreógrafo italiano edição do JL, dedicado a Menez,
concertos pela paz que fiz ao longo da vida. Agora torna-se grandes nomes brasilei- outras mulheres. Nascida em Claudio Stellato, que nos foi erradamente mencionado
novamente pertinente. ros – como Pedro Luis, Vieiro, no concelho de Vila Flor, transporta para o imaginário o destinatário de uma carta da
Daniel Munduruku, Roberto em Trás-os-Montes, a artista, 74 do dadaísmo e do surrealismo. artista na verdade endereçada
Bontempo e Miriam anos, que, ao correr do tempo, Ainda no São Luiz é possível as- ao arquiteto Bartolomeu Costa
O projeto vai ser lançado em disco? Freeland, Ciça Fittipaldi e desenvolveu uma obra intensa sistir a mais cinco espetáculos: Cabral, companheiro da pinto-
Na primeiro versão chegou a fazer-se um disco, com a Maria Teatro Tablado. Entre os e singular, sendo um dos nomes Le Présent c’est l’Accident!, de ra ate à sua morte. Por lapso,
do Carmo Almeida, que apesar de não ser propriamente uma portugueses marcam pre- mais destacados da arte por- Jean-Pierre Larroche; Quelque também não foi identificada a
cantora, era uma intelectual extraordinária. Agora também sença Luísa Ducla Soares, tuguesa contemporânea, ficou chose s’attendrit, de Renaud autoria das fotografias de Me-
queremos gravar. Esperemos que seja um rastilho e que o Mário de Carvalho e Inês “feliz” com o reconhecimento Herbin; Simple Machines, de nez, que foram registadas pelo
concerto seja interpretado em outras salas. J Fonseca Santos. do seu trabalho. Ugo Dehaes; Earthbound, de seu galerista Manuel de Brito.
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT DESTAQUE 3 ↗

Bienal Index Gulbenkian com


Arte e tecnologia em Braga novo presidente
No âmbito de Braga Capital
Criativa da UNESCO para as Media
Arts, a cidade minhota recebe,
em vários locais e também com
sessões online, a bienal de arte
e tecnologia Index, de 12 a 22
COMENTÁRIO
de maio. Na primeira edição do José Carlos de Vasconcelos
encontro, o tema de fundo é a
noção de “Superfície”, para o

A
qual são convocados mais de 30
autores para 11 dias de partilhas
e reflexões. Entre os principais não ter havido qualquer imprevisto tomou posse
convidados contam-se os ontem - terça-feira, 3 de maio – o novo presidente
nomes de Frédérique Aït-Touati, da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), António M.
historiadora francesa; Bruno Feijó, eleito para o cargo a 15 de dezembro. Sucede
Latour, filósofo francês; Bethany a Isabel Mota, que em função da idade não podia ser
Rigby, artista residente no Reino reconduzida. Tudo nos termos dos estatutos, depois
Unido; Florian Hecker, músico do seu histórico edificador, Azeredo Perdigão, ter deixado a presidência,
alemão; Ryoichi Kurokawa, em 1993, aos 96 anos, após cerca de 37 de mandato, que era vitalício.
músico japonês; Peter Weibel, Contra as “regras”, começo com esta espécie de notícia. Que tínha-
artista e curador austríaco; mos da dar. Tendo em conta: por um lado, a importância e o significado
e o coletivo português Berru enormes da FCG no e para o nosso país, que o JL sempre tem acom-
(composto por Bernardo Bordalo, panhado e sublinhado - por exemplo nas 20 páginas a assinalar o seu
Mariana Vilanova, Rui Nó e Sérgio cinquentenário (nº 933, de 5 de julho de2006); e, por outro lado, o papel
Coutinho), vencedor Sonae Mediar naturalmente muito relevante do seu presidente, não só no aspeto simbó-
Art 2019. Pensar criticamente o lico e de representação externa, como de efetiva orientação estratégica da
papel central da tecnologia na arte Casa - e, por vezes, mesmo da sua imediata ação concreta.
contemporâneo é o maior objetivo De facto, a Gulbenkian chegou a ser, e de certa forma ainda continua
deste novo projeto. O conceito de Ibiye Camp A artista que vai estar presente no Index a ser, um ‘país’ dentro do País... Hoje felizmente menos, por vivermos
superfície, enquanto “plataformas em democracia e o Estado assumir funções que lhe competem e a que
visuais ou entidades tácteis, antes, na ditadura, só a FCG ‘acudia’. Na capa daquela edição titulamos:
fronteiras ou interfaces, zonas de (arquiteta e curadora), o programa Ryoichi Kurokawa; ou a presença ”A Fundação que mudou Portugal”. Não tenho dúvidas em repeti-lo.
emergência ou extração, é tudo propõe, além de exposições, de Peter Weibel, diretor do ZKM e Bom, mas vamos aos anteriores presidentes. Poderia contar alguma
isto e também metáforas poderosas espetáculos, conferências e figura incontornável da história da história com cada um deles, e dar alguma despretensiosa opinião a seu
para as práticas artísticas relativas conteúdos educativos, alguns media art. Já da open call, lançada respeito. Mas, em vários sentidos, não “cabe” aqui. Outra vez poderá ser.
à tecnologia, levantando questões em estreia no nosso país – casos em outubro passado, foram aceites Assim, limito-me a assinalar a evolução que tem havido nas escolhas,
importantes que necessitam de ser da conferência performativa quatro projetos a partir de 127 quer no processo, quer no percurso/perfil dos escolhidos – o que se
urgentemente abordadas”, refere a “Inside”, de Frédérique Aït propostas: “Wander” de Yuqian acentua agora com António M. Feijó.
organização do certame, em nota Touati & Bruno Latour; de obras Sun (China), “Finger Plays” de Deixando a parte do processo, que passou a impor limite de idade e
de imprensa. da autoria de Bethany Rigby, Matt-Nish Lapidus (Canadá), de mandatos, como se sabe Azeredo Perdigão, além do mais um enorme
Com a direção artística de Luís Dele Adeyemo, Ibiye Camp “Bureau of Cloud Management” advogado, decisivo para a própria criação da Fundação, foi nomeado
Fernandes (diretor artístico da & Dámaso Randulfe, Ginevra de Tong Wu e Yuguang Zhan presidente vitalício pelo próprio instituidor. A sua “sucessão”, não isenta
Braga Media Arts) e coadjuvado Petrozzi, France Jobin & Markus (EUA/China) e “Para Gardens” de problemas circunstanciais, poderia levar a FCG a uma série crise – o
por Liliana Coutinho (curadora e Heckmann, People Like Us; o de Areej Huniti e Eliza Goldox que não aconteceu porque no seu lugar ficou outro homem singular,
programadora) e Mariana Pestana espetáculo “Subassemblies” de (Jordânia e Alemanha). J finíssimo em todos os sentidos, grande jurista e reitor da Un. de Coimbra,
Ferrer Correia, que desde o início integrava a administração.
Após Ferrer, Sá Machado, seu “discípulo”, na Fundação desde 1961,
administrador mais antigo. Seguiu-se Emílio Rui Vilar, que a convite
também de Ferrer a integrava, com um percurso raríssimo na gestão ao
50 anos de A Comuna e outros teatros do maio mais alto nível, do Governo à presidência da Caixa Geral de Depósitos,
bem assim em instituições culturais. E essa ‘linha’ continuou com Artur
Santos Silva, por exemplo fundador e presidente de um importante ban-
co privado e primeiro líder da Porto, Capital Europeia da Cultura.
Fausto, de Goethe, assinala Cristina Silva, publicado em 2019, Enfim a presidente cessante, a primeira mulher a assumir o cargo, da
os 50 anos de A Comuna Teatro o espetáculo tem dramaturgia e área da Economia e do Planeamento, secretária de Estado em governos
de Pesquisa. Com encenação de encenação de Ricardo Simões, de Cavaco Silva, administradora da Fundação há 17 anos, quando foi
João Mota, um dos fundadores diretor da companhia. A escolhida.
da companhia, o espetáculo está interpretação é de Ana Perfeito.
em cena até 19 de junho, na casa Na sala de ensaios do TMJB, ORA, O NOVO PRESIDENTE, prof. catedrático da Fac. Letras, e pró-rei-
cor-de-rosa da Praça de Espanha, a Companhia leva à cena, a 7 tor, da Universidade de Lisboa, sendo um prestigiado académico com
em Lisboa. A interpretação é de e 8, Pastéis de Nata para Bach. obra(s) de reconhecida qualidade, anterior presidente do Conselho Geral
Ana Lúcia Palminha, Carlos Paulo, Com dramaturgia de Teresa Independente da RTP, etc., administrador não executivo da Fundação
Francisco Pereira de Almeida, Gafeira e Pedro Proença, que desde 2018, é o primeiro, pelo menos nos últimos 20 e tal anos, sem a
Gonçalo Botelho, Hugo Franco, também criou a cenografia, tem experiência de gestão dos seus antecessores em alguns dos referidos
Luís Garcia, Miguel Sermão, encenação de Duarte Guimarães, domínios. Em palavras simples: é alguém mais especificamente da área
Patrícia Fonseca e Rogério Vale. um divertimento para toda a da cultura, da literatura, do ensaísmo.
Do Porto para Lisboa, o Teatro Fausto nos 50 anos de A Comuna família sobre o compositor. A Quererá isto significar alguma coisa quanto à orientação e ação
Nacional S. João apresenta, no interpretação é de João Farraia, próximas da Gulbenkian? Implicará uma diferente organização interna,
D. Maria II, Espectros, de Henrik Anabela Ribeiro, Bernardo Souto, em particular quanto à intervenção do presidente? Estas e muitas outras
Ibsen, com encenação de Nuno De Viana do Castelo vem o entre outros. E já a 5 e 6, o projeto questões se podem colocar. A minha convicção, porém, é que a FCG,
Cardoso, diretor artístico do TNSJ. Teatro do Noroeste para apresentar Madura apresenta 13 Miragens como a todos os títulos excecional instituição que é, continuará no mes-
Do elenco fazem parte Afonso Noites de Caxias, a 14 e 15, na Sobre a Beleza, no anfiteatro mo caminho dos seus mais de 65 anos de vida e inigualável ação. Sem
Santos, Joana Carvalho, João Sala Experimental do Teatro exterior do Palácio Anjos, em prejuízo de certas corajosas decisões, como foi a, recente, de trocar a sua
Melo, Maria Leite, Mário Santos e Municipal Joaquim Benite (TNSJ), Algés. Uma criação de Margarida tradicional ou mesmo ‘fundadora’ ligação aos petróleos por outros inves-
Rodrigo Santos. Em cena até 8, na em Almada. Construído a partir de Pinto Coelho e Isabel Barbosa da timentos mais limpos – e que até se têm mostrado, e decerto continuarão
Sala Garrett do TNDMII. As Longas Noites de Caxias, de Ana Costa. J a mostrar, mais rentáveis... J
4 DESTAQUE

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› BREVES‹

FINAL DO FESTIVAL TERMÓMETRO a 7


Festival 5L
de maio, pelas 22h, no Lisboa ao Vivo, apre-
sentada por Fernando Alvim. Evaya, Smoke
Hills, Tyroliro, MEMA. e Synik são as bandas
finalistas. Vencedor tocará no NOS Alive.
Um festival para todos os leitores
EXPOSIÇÃO JAZZ NA BD em exibição no À terceira será de vez. Mário Lúcio e Catarina Martins (a
Parque da Cidade do Barreiro e no Auditório Ultrapassadas as maiores restrições 6, às 16), Anne Weber e Richard
Municipal Augusto Cabrita até 29 de maio. da pandemia, o Festival 5L pode Zimler (a 7, às 18), João Tordo, Hugo
finalmente ter a sua edição normal. Gonçalves e João Gobern (a 8, às 16 e
GOLDEN SLUMBERS lançam segundo ál- Será justamente a terceira, embora a 30), e Joana Bértholo, Patrícia Portela
bum de estúdio I Love You, Crystal. Primeiro inaugural, de 2020, tenha sido sus- e Filipa Melo (a 8, às 18), entre muitas
concerto de apresentação a 18 de maio no pensa pela quarentena. A segunda, outras.
B.Leza, em Lisboa, pelas 22h. em registo misto, já mostrou o con- Uma componente importante
ceito do festival. Por isso, este ano, a do Festival 5 L é ainda a ligação a
ambição é "desmedida". De 4 a 8 de outras artes. “Na promoção do livro
“AINDA NÃO SABEMOS AO CERTO
maio, em três dezenas de espaços de e da leitura, não há compartimentos
QUE VAMOS DE ATRAVESSAR“, nova
Lisboa, uma programação assente estanques. Do café à galeria, do papel
exposição coletiva de artistas vietnamitas,
nos cinco conceitos base da iniciativa à internet, do concerto à instalação,
franceses e portugueses no Gabinete de promovida pela Câmara Municipal tudo será convocado.” A ligação mais
Madame Thao, no LX Factory, inaugura a 21 de Lisboa: Língua, Literatura, Livros, antiga é com o cinema, presente
de maio. Livrarias e Leituras. "A ambição não é desde a primeira edição. Aliás, a
só nossa", garante, ao JL, José Pinho, parceria com o IndieLisboa foi a
CASA DO CINEMA DE COIMBRA exibe diretor artístico do 5L. "É também Mário-Lúcio Sousa e Anne Weber Dois dos muitos autores do Festival 5L única componente da programação
os três filmes selecionados para o Lux – dos parceiros que nos apresentam desse ano que se realizou. Este ano,
Prémio do Público 2022: Flee de Jonas Poher cada vez mais propostas. Tem sido ou mais escritores e editores. Hoje, Scaramuzzino e David Salomoni, na podem ser vistos, no Cinema Ideal,
Rasmussen (dia 9, 18h30); Große Freiheit de uma surpresa agradável”. quarta, 4, há três encontros: “O Livraria Palavra de Viajante, às 18 e cinco filmes: News from Home, de
Sebastian Meise (dia 10, 18h30); Quo Vadis, O objetivo, acrescenta José Pinho, silêncio e a escrita” junta Leïla 30, e “Um mundo desconcertan- Chantal Akerman (a 4, às 18); Love
Aida? de Jasmila Žbanić (dia 11, 18h30). é tornar o 5L um “festival de refe- Slimani, Dulce Maria Cardoso e te”, José Eduardo Agualusa e Paulo Letter, de Kinuyo Tanaka (a 5, às 20),
rência da língua portuguesa”, com Tânia Ganho, no São Luiz, a 4, às Werneck, no São Luiz, às 21. Nos Correspondências, de Rita Azevedo
um impacto que extravase fronteiras, 18 e 30; “Magalhães. A primeira restantes, há mesas com Leonardo Gomes (a 6, às 22), Cartas da Guerra,
PIERRE ADERNE convida Moacyr Luz e
mas que não funcione numa lógica viagem à volta do mundo”, Stefano Padura (a 5, às 19), Yara Monteira, de Ivo Ferreira (a 7, às 20), e I fidan-
Pedro Luís para um concerto do coletivo Rua
de “vedetas”. “Este é um festival zati, de Ermanno Olmi (a 8, às 20).
das Pretas no Coliseu dos Recreios, a 8 de com todas as letras e todos os autores No teatro, três assombros literá-
maio, pelas 21h. e parceiros”, sublinha. “A proposta rios. “Leitura de Sodoma e de Safo,

CICLO “VOLTAR À TERRA” no Alvalade


Cineclube até 16 de junho. Oito retratos do
inicial da CML foi sempre no sentido
de dar voz a pessoas e entidades
menos conhecidas ou referenciadas.”
Saramago celebrado se faz favor”, na Livraria Ferin (a 6
e 7, às 17, e 8, às 12), “As hospeda-
rias é que têm quartos, não a Lua”,
“mundo rural na sua proposta de simplicida-
de, recomeço e ligação à terra”.
Com a mesma filosofia, o 5L procura
beneficiar das sementes já lançadas
pelas muitas instituições culturais
no Livros a Oeste no Hotel Britania (6 e 7, às 21, e 8,
às 16), e “O manifesto da cidade”,
na Livraria Almedina Rato (6 e 7, às
14.º NÚMERO DA REVISTA NERVO, de- da capital, numa lógica de rede que 19, e 8, às 14). Em palco, ainda duas
dicada à poesia, com A. M. Pires Cabral, Luís se alarga a várias freguesias. “Lisboa Em edição comemorativa dos dez performances: “Mundos Interiores”,
Quintais, Rui Lage, Teresa M. G. Jardim, entre
tem uma dinâmica cultural muito anos, o Festival Livros a Oeste está de Ana Borralho, João Galante e
forte, em todas as áreas. A qualidade de regresso à Lourinhã entre 10 e 14 Sandro William Junqueira, no Museu
outros, disponível a partir de 2 de maio.
e a boa comunicação são indispensá- de maio. Após um warm up a 8 de Nacional de História Natural e da
veis para o êxito do festival”, defende abril com a conversa “O Impacto dos Ciência (6 e 7, às 18), e “Uma cadeira
COMPANHIA BESTIÁRIO apresenta o
José Pinho. Festivais Literários no Território e na na montanha – leitura encenada com
díptico de performances Lumina e Umbra, A decorrer no mês em que tra- Comunidade”, o início ‘oficial’ decor- crianças”, no Teatro São Luiz – Sala
a 6 e 8 de maio, no CCB, desafiando “não dicionalmente se realiza a Feira do re no Auditório da Associação Musical Mário Viegas (7, às 16).
só a curiosidade do espectador como o Livro de Lisboa (este ano novamente e Artística Lourinhanense com a en- Igualmente fortes são as propos-
próprio exercício do seu livre-arbítrio: pode adiada para agosto e setembro), o 5L trega dos prémios de contos Livros a tas na área da música, sempre no
escolher ver ambas as obras na ordem que também incluirá o lançamento de vá- Oeste, em parceria com o município. Teatro São Luiz, às 21. Mário Lucio e
lhe aprouver”. rias novidades. “A nossa missão não Além da sede da AMAL, o evento pas- os Kriols, no dia 5; Palavra Prima –
está necessariamente ligada a essas sa por outros quatro locais: na Feira José Saramago Tributo a Chico Buarque, com Jorge
JORGE BARRETO XAVIER tem exposição novidades, mas foi uma oportuni- do Livro, no Auditório Dr. Afonso Palma, Luísa Sobral, Luca Argel, A
de fotografia “Alice” no Museu Nacional dade que agarrámos. Lançamentos Rodrigues Pereira, na Biblioteca Garota Não e Alice Neto de Sousa, no
de História Natural. Em exibição até 28 de há todo o ano, mas antes do verão e Municipal e no Bar Consultório. dia 6; No princípio era o verso, com
antes do Natal são sempre épocas de Já sem máscaras, mas com o vírus Afonso Cruz, Carlos Vaz Marques e Selma Uamusse, Mynda’Guevara,
agosto.
fortes novidades”, adianta o diretor ainda presente, o mote da edição Rui Zink. No ano em que se assinala o Mazarin, Gijoe, TNT, Tristany,
artístico. “Os livros são um dos eixos de 2022 é a famosa frase do escritor centenário do Nobel José Saramago, Eu.Clides e Silly, no dia 7; e O Gajo
20 ANOS DA INDEPENDÊNCIA DE
fundamentais do 5L, indispensáveis americano William S. Burroughs: “A o escritor natural de Azinhaga será – O caminho é o poema, de José
TIMOR assinalados pelo Museu do Oriente para o contacto com o público e para linguagem é um vírus”. Segundo a homenageado no dia 12 com um ciclo Anjos e Carlos Barretto, no dia 8. Em
com ciclo de filmes e um workshop interna- a economia das livrarias”. organização, “nada contamina tão de conversas para todas as idades. horário surpresa, nos dias 4, 7 e 8,
cional. Ambos de acesso gratuito. Ir ao encontro dos leitores nas determinantemente como os códigos, Adriano Correia de Oliveira é outro haverá flashmobs do Coro Infantil da
suas rotinas diárias é uma das apostas símbolos, mitos, medos e soluções dos autores celebrados: sobre o Universidade de Lisboa. Nas exposi-
ASSOCIAÇÃO CULTURAL D’ORFEU do 5L. Reconhecendo a diversidade que encontramos para fazer da vida músico de intervenção terá lugar um ções, Livro trânsito, com fotografias
apresenta espetáculo "A Grande Orquestra de espaços culturais e bibliotecas, um lugar-comum”. debate moderado por João Morales de leitores, uma curadoria de Tiago
das Mãos de Barro", que junta “treze artistas José Pinho defende até uma candi- O Livros a Oeste celebra a litera- com a presença de João Mascarenhas, Figueiredo na rede de transportes
em palco, numa sonora homenagem à arte datura de Lisboa a Cidade Criativa tura e a linguagem, mas não só: ao Eduardo M. Raposo e Manuel Pires da públicos da área metropolitana;
cerâmica”. A 13 de maio no Centro de Artes da Literatura da UNESCO, estatuto longo dos dias há iniciativas culturais Rocha. Páginas de Saramago, com 25 artistas
de Águeda, pelas 21h30. que, pela sua intervenção, Óbidos já como exposições, oficinas criativas, Paralelamente ao evento, e em plásticos a traduzirem em desenho
conquistou. “Lisboa tem muitas casas leituras de poesia, performances, complementaridade, realiza-se a prosa do escritor, no Largo José
e percursos de escritores, livrarias debates, assim como atividades para a exposição “Diário de uma qua- Saramago (Campo das Cebolas); e
ANA MARGARIDA DE CARVALHO lança
históricas, também cafés, hotéis e público infanto-juvenil e famílias. rentena em risco”, do cartoonista Poemas Digitais, de Rodrigo Penna,
Cartografias de Lugares Mal Situados (10
restaurantes literários, além de todos Entre um conjunto de dezenas de Nuno Saraiva, na Galeria Municipal Paulo Mendonça, Ondjaki, Filipe
Contos de Guerra), a 6, às 18 e 30, na Livraria
os equipamentos culturais”, descreve. notáveis ligados à literatura, contam- da Lourinhã, assim como a Feira do Amorim, Alexandra Maia e Jaime
Palavra de Viajante, em Lisboa, com apresen- Centro da programação são as -se os nomes de Pilar del Rio, Mário Livro na Praça José Máximo da Costa, Leme, entre outros, na Livraria Ler
tação de Emídio Fernando. mesas de autor, que juntam dois Zambujal, Raquel Serejo Martins, entre 6 e 15 de maio. J Devagar. J
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www.imprensanacional.pt
www.incm.pt

VITORINO
A última obra da coleção dedicada ao escritor Vitorino Nemésio Varanda de Pilatos / Casa Fechada apresenta o seu primeiro romance, publicado
em 1927,de cariz autobiográfico, e as três novelas reunidas no volume A Casa Fechada, de 1937: O Tubarão, Negócio de Pomba e A Casa Fechada.

NEMÉSIO
Com a parceria da editora Companhia das Ilhas, a série Ficção da Obra Completa de Vitorino Nemésio é uma edição da Imprensa Nacional.
6 DESTAQUE

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LeV em Matosinhos Bibliotecando


em Tomar
Após uma pausa de dois anos,
devido à pandemia, a iniciativa
Bibliotecando em Tomar regressa ao
Auditório Dr. José Bayolo Pacheco de
Amorim do Instituto Politécnico de
Tomar para a 12.ª edição, a 6 e 7 de
maio. O tema deste ano recupera o
proposto para 2021, sem no entanto
perder atualidade. “Presença e exílio:
leituras em diálogo” é o mote para
uma série de conversas, debates e
Benjamin Moser Frederico lourenço homenagens. A questão dos fluxos Alberto Manguel
migratórios e da alteridade regres-
sa assim à discussão, depois de ter
estado presente em 2012 (“Leituras Estão previstos sete debates ao
O LeV — Festival Literatura em trilogia de Frederico Lourenço, escolas do município para con- Migrantes: Identidade e Alteridade”) longo dos dois dias, que contam com
Viagem retoma ao modo presencial apresentada por Francisco José versas em torno de livros: Raquel e 2016 (“Os Outros e Nós: leituras da nomes como Alexandre Castro Caldas,
em pleno na Biblioteca Municipal Viegas (dia 13, às 18 e 30). Ao Patriarca, Adélia Carvalho, Joana alteridade e mesmidade”). Alexandre Quintanilha, ou os escri-
de Matosinhos, após duas edições longo do fim de semana, de- Estrela, Marta Madureira ou Cátia A organização justifica a escolha tores Ana Margarida Carvalho, Bruno
híbridas. De 11 a 15 de maio, a bates sobre “A Geografia do Vidinhas são dos autores incluí- com o contexto global: “O mundo Vieira Amaral e Alberto Manguel.
literatura de viagens assume Medo”, “Territórios Liiterários”, dos no LeVzinho. atual é constituído por uma dinâmica Há ainda espaço para homenagens
lugar cimeiro mediante tertúlias, “Construir e Reconstruir” ou “Os “Ler é sempre uma viagem importante de mobilidade migrató- ao historiador de arte José-Augusto
mesas de debate, entrevistas, limites da Ciência e da Ficção”, que só termina com o desfecho ria, originada por múltiplos fatores: França, recém desaparecido, e à escri-
conferências e duas exposições – com a presença ainda de José de um livro. Mas temos sempre redistribuição territorial, alterações tora Lídia Jorge, através do Prémio
sobre António Nobre e de Alfredo Milhazes, Isabel Lucas, Bruno outros livros. Novas geografias, demográficas, movimentos de coloni- Bibliotecando em Tomar. Refira-se
Cunha, a ter lugar na Biblioteca Vieira Amaral, Patrícia Müller ou mais prováveis ou improváveis, zação e descolonização, revoluções” ainda que a organização conta com
Municipal Florbela Espanca. A Afonso Cruz. A fechar, a 15, às palpáveis ou poéticas, sempre Quanto ao programa, abre na a participação do Agrupamento de
edição número 16 conta com mais 18, Ana Daniela Soares entrevista à medida de cada imaginação”, manhã de sexta-feira, 6, com o Escolas Templários e Agrupamento de
de 30 convidados, entre os quais se Alberto Manguel. sugere a organização do LeV, lançamento do livro Da cons- Escolas Nuno de Santa Maria, além da
destacam o americano Benjamin Uma das novidades desta “um festival que vagueia pelo trução de uma viagem partilhada Câmara Municipal de Tomar, Centro
Moser e o argentino e canadiano edição é o LeVzinho, segmento universo da narrativa, pelo – Bibliotecando em Tomar 10 anos, de Formação “Os Templários”, Rede
Alberto Manguel. dedicado aos leitores juvenis. mundo e submundo das apresentado pelo presidente da de Bibliotecas Escolares, Instituto
A abrir o LeV, o relançamen- Nesse sentido estão previstas palavras e pelas grandes Comissão de Honra, Guilherme de Politécnico de Tomar e do Centro
to de Pode um Desejo Imenso, visitas de alguns convidados às questões da atualidade.” J Oliveira Martins. Nacional de Cultura. J

O Misantropo
Nuno Carinhas já tinha trabalhado contemporânea, mas o facto de o
Martin Crimp em O Resto já Devem dramaturgo britânico ter mantido a
Conhecer do Cinema, uma encenação a forma. “Ele escreve tudo em verso,
dois, com Fernando Mora Ramos, que tal como fez Molière. E esse é um

revisitado em Almada
revisitava personagens da tragédia exercício muito estimulante na nossa
grega, e sublinha, na sua obra, a “ca- versão, em que temos Molière revi-
pacidade de experimentar”, a forma sitado por Martin Crimp e traduzido
“versátil e inteligente como aborda as para português por Daniel Jonas, um
coisas, como abre horizontes e elabora poeta com uma linguagem riquíssima
Nunca tinha encenado Molière, paisagens muito pertinentes”. E gosta que trabalha muito bem este texto es-
mas esta é a peça do dramaturgo da forma como reescreve, vertendo crito nos anos 90. É uma apropriação
francês que prefere. E aí está O os clássicos para a contemporaneida- autoral muito interessante.”
Misantropo, segundo a versão con- de. Essa é uma tarefa que , em geral, A tradução foi feita especialmente
temporânea de Martin Crimp, com aprecia. “É muito desafiante quando para este espetáculo, por encomenda
encenação de Nuno Carinhas para um dramaturgo actual se debruça da CTA. Por outro lado, com Ana Vaz,
a Companhia de Teatro de Almada sobre a obra de outro dramaturgo ou com quem co-assina, igualmente, a
(CTA). O espetáculo, que está em escritor e se alimenta dela para novas cenografia, Nuno Carinhas procu-
cena no Teatro Municipal Joaquim inspirações e visões. E apeteceu-me rou o “território certo para a ação”.
Benite, em Almada, até 22, revi- muito encenar O Misantropo a partir “Optámos por uma caixa negra,
sita a famosa comédia, escrita em de um texto que já foi escrito para os ajustada bem à frente dos espectado-
1666, “em que o encenador destaca nossos dias”, afirma. res e que contivesse em si o kitsch da
o perfil do protagonista, Alceste. Em causa não está a intempo- situação das personagens, uma caixa
“É um homem zangado, com um ralidade dos clássicos, mas antes a de bombons funéria”, ironiza.
cardápio de reclamações muito “universalidade dos temas e das per- A interpretação é de Teresa
pertinentes, que podemos contestar, sonagens” que suscita a vontade de os Gafeira, André Pardal, Ivo
mas devemos ouvir”, diz ao JL. “Um revisitar. “Apercebemo-nos de que na Alexandre, Ivo Marçal, entre outros..
personagem fascinante pela maneira nossa época continuamos a trabalhar Reunir um elenco “à altura” foi,
de estar contra, inteligente e argu- O Misantropo, segundo Martin Crimp Uma encenação de Nuno Carinhas os velhos temas que já foram tratados aliás, uma das primeiras preocupa-
mentativa, com a retórica na ponta pelos clássicos, porque na verdade são ções do encenador. Para o trabalho
da língua, que é bom trabalhar atuais. E o diálogo entre os contempo- com a linguagem contou com Luís
sobretudo num momento em que E o que fascina na versão de diálogos muito vivos. E é criar ação râneos e os clássicos é muito frutuoso Madureira. “Os atores são também
há grupos muito grandes de pessoas Crimp é que “todas as outras per- através das palavras, o que é um para os autores e para nós, encenado- autores”, defende NC. “Portanto a
alinhadas, que não se interrogam, sonagens são igualmente reclama- exercício devido ao teatro que tem res”, acrescenta NC. encenação é sempre resultado da
que não procuram qualquer contra- tivas”, segundo NC: “Digamos que a obrigação de ser um património No Misantropo de Crimp, de nossa convivência e do trabalho em
-argumentação.” a visão de Alceste se derrama e cria lexical e argumentativo.” resto, seduziu-o não só a adaptação conjunto.” J
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TEMA 7 ↗

UM FILME EM FORMA DE O´NEILL


Em Um filme em forma de assim, com estreia a 12, João Botelho, o cineasta que decerto mais clássicos portugueses
tem adaptado ao cinema, parte da obra de Alexandre O’Neill, que ‘homenageia’. Entrevistamos o realizador, fazemos
a crítica do filme, e publiamos sobre o escritor um texto de Fernando Cabral Martins. Além disso, republicamos duas
das crónicas do poeta no JL e um excerto de uma entrevista de Fernando Assis Pacheco

Os heróis dos meus filmes


são os textos

G
MANUEL HALPERN
O cinema está muito difícil. Tornou-
se mais das cinematecas, dos
museus…. Vou mais ao teatro. Não
sou de fazer filmes para sítios onde se
comem pipocas. Preferia os tempos
em que se fumava e bebia um copo
no cinema… dava para pensar e ver…
O Griffith dizia que o que faltava ao
cinema contemporâneo era filmar o
vento das árvores. O O’Neill permite
essa atitude. Hoje há uma espécie de
rejeição do cinema abstrato. A ideia
de que o cinema tem sempre de con-
tar qualquer coisa. Podes chorar com
Grande parte do seu percurso tem um quadro do Rothko. As emoções
passado por adaptações literárias, não têm de ser através de histórias.
mas esta é a primeira vez que não Gosto da pulsão de vida que O’Neill
adapta apenas um livro mas toda tem. Tenho direito a tudo, a comer,
a obra de um escritor. Um filme em a beber, a foder. Gosto daquilo de
forma de assim não é um biopic (João viver à rasca, de pedir dinheiro e não
Botelho detesta biopics), mas antes, pagar. Dívidas nas tascas, tudo… Era
MIGUEL BARTOLOMEU
como lá vem escrito, “um devaneio muito mais importante a criação do
em tempos de pandemia”. Ou, na que o dinheiro.
verdade, um olhar subjetivo e poético
sobre Alexandre O’Neill, um dos É verdade que detestas biopics?
grandes poetas portugueses do séc. Detesto. E nunca fiz um filme de épo-
XX, fazendo jus à sua versatilidade e ca. Os filmes são sempre do dia em
subjetividade, e cruzando os seus tex- João Botelho com Vera Moura Rodagem do filme que os faço. Eu não sei se o O’Neill
tos com elementos biográficos, socor- estava mal disposto quando escreveu
rendo-se do livro de Maria Antónia coisas cómicas, ou se estava bem-
Oliveira (que é co-argumentista). do Desassossego (2010), Fernando pessoas sentem quando veem. O ci- Será só para os maiores de 16. É -disposto quando escreveu Um Adeus
Sem obedecer propriamente a Pessoa; Os Maias (2014), Eça de nema é para os olhos, para os ouvidos erótico pelas cores, a posição dos Português. Uma pessoa sabe apenas o
uma narrativa, totalmente filmado Queirós; A Peregrinação (2017), e para os neurónios. É para inquietar. corpos, o que se diz, a boémia, a que deixaram escrito. Os biopics são
em interiores, com cenários artifi- Fernão Mendes Pinto; O Ano da O O’Neill faz isso nos seus poemas. comida… O’Neill é um tipo excessivo. todos fingimentos. Este filme não, é
ciais, revertendo a seu favor as restri- Morte de Ricardo Reis (2020), José A poesia é a vida… mas a morte me- Gosto muito quando a empregada matéria, os textos são matérias, assim
ções provocadas pela pandemia, é um Saramago. Isto para não falar de te-se pelo meio. Os heróis dos meus lhe diz: “O senhor é demais”. Ou como a cor, a luz, a música. A música
filme abstrato, que celebra as palavras outras adaptações, como Quem és Tu? filmes são os textos. As personagens como ele diz, “bebo demasiado, é muito importante. Não o sendo pa-
do poeta, em todas as suas vertentes. (2001), Almeida Garrett, ou A Corte acertam-nos, levam-nos. fumo demasiado, como demasiado, rece diegética. Eu gosto de ópera. Na
Nascido, em 1949, em do Norte (2008), Agustina Bessa-Luís. fornico demasiado”. Gosto muito do ópera tens uma mulher de 100 quilos
Lamego, João Botelho formou- Tal como em Desassossego… é um epitáfio: “Aqui jaz Alexandre O’Neill, e 60 anos a fazer de uma rapariga
-se em Engenharia Mecânica, na JL: Este é mesmo um filme em filme que se sente, sem obedecer um homem que dormiu muito pouco, de 16 e, se cantar bem, até choras.
Universidade de Coimbra, e só mais forma de assim. Foi preciso inventar a uma história, a uma narrativa… bem merecia isto”. E é falso à partida. O Oliveira dizia
tarde no Conservatório de Cinema, uma nova linguagem para filmar Porquê? que o cinema não existe: é o teatro
em Lisboa. A sua primeira longa, Alexandre O’Neill? A narrativa é perigosa porque é muito Constróis um universo próprio... por meios audiovisuais. Não estou
Conversa Acabada (1981), parte da João Botelho: Quando fiz O Ano da antiga. Aqui há a das cores e da mú- Quis homenageá-lo no seu mundo. de acordo, porque no teatro vê-se
correspondência entre Fernando Morte de Ricardo Reis criei um estilo sica. As narrativas são dos romances. Nas suas cores, na sua exuberância, sempre em plano geral. Felizmente
Pessoa e Mário de Sá Carneiro. para ele. Cada texto merece uma Depois entusiasma-me chamar a na musicalidade. Tive que encontrar vivemos num país em que é possível
Seguiram-se filmes como Um Adeus atitude diferente. O cinema não é o atenção para textos importantes. um estilo diferente. Fiz dez planos fazer filmes como este.
Português (1986), um olhar pioneiro que se passa nem o quando se passa. Há um bocado de didatismo. Mas os de sequência, mas acabei com dez
sobre a Guerra Colonial, ou Tempos É o que se filma. Este texto nas mãos livros são melhores que os filmes, planos por segundo, naquela rave, Mas também já fizeste filmes
Difíceis (1988), adaptação de Dickens. de um colega meu resultaria num porque são mais abertos… os filmes com o transe, que é a música mais narrativos...
Nos últimos anos tem trabalha- outro filme . Há quatro versões de estreitam o ponto de vista. incomodativa que há hoje, com 148 Dois ou três… Um Adeus Português
do quase exclusivamente a partir obras primas como Madame Bovary. batidas por minuto. tinha que fazer, porque era um ajuste
de grandes autores da literatura O cinema é um espetáculo. O cinema Contudo, este tem um lado mais de contas, é quase autobiográfico.
portuguesa e/ou de alguma das suas não é a vida, é uma representação da erótico. Se calhar não passa no Plano É um filme que mostra a época de E o Tempos Difíceis foi por causa do
obras . Assim aconteceu com Filme vida. O que é verdadeiro é o que as Nacional de Cinema... hoje e não os anos 60 do poeta. Eisenstein que dizia que o Dickens
8 TEMA

UM FILME EM FORMA DE O´NEILL


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é que tinha inventado o cinema… e


inventou. Tem montagens cinemato-
gráficas descritas. Ele faz uma elipse,
que usei no filme, em que uma miúda Em Portugal, não
pendura um lençol com sete anos,
quando baixa o lençol já tem 20. Isto temos dinheiro para
é cinema! fazer o cinema na
Como se explica um filme destes em montagem. O centro é
projeto? a composição inicial.
Não há hipótese de explicar no papel.
Posso dizer que há referências ao Luz e sombra com seres
Buñuel, mas é outra coisa. N’O Ano aflitos no meio
da Morte de Ricardo Reis tenho lá uma
posição roubada do John Wayne. Mas
eu gosto de dizer que é possível fazer
coisas diferentes. O cinema está a no português, antes do pós-moder-
ficar muito parecido entre si. Quando nismo.
vejo filmes na televisão sei sempre o
plano que vem a seguir. Um Filme em Forma de Assim O’Neill desdobrado A música é preponderante no filme.
Mesmo quando não tem música, é
Já em filmes anteriores tens usado como se tivesse. E o texto é muito
cenários artificiais, mas neste é quase musical. O Daniel Bernardes fez uma
tudo feito através de telas pintadas.
Porquê?
Vim de um filme a preto-e-bran-
Um filme em forma de O’Neill coisa muito engraçada que foi pegar
num tema musical e desenvolvê-lo
em vários géneros. O O’Neill é um
co e quis fazer um filme com cores vulcão. Aquilo não para. Ele leva
exuberantes e confuso. A ideia do Depois de Filme do Desassossego, ponto inicial da sua segunda vaga de adaptações literárias, tanto a sério as coisas mais corri-
décor ser o prático, o teatral. O que João Botelho volta a adaptar o inadaptável. Claro que um livro é um livro e as adaptações queiras como as mais sérias. Tem
me interessa sãos as ideias e não as cinematográficas, quando bem feitas, tornam-se objetos artísticos válidos por si só, com frases geniais, na publicidade: “Vai
coisas, a ideia da coisa. Só na América uma vida e linguagem independente do texto de onde partem. Não obstante, as adaptações de Metro, Satanás”, “Passe um verão
é que se consegue enganar, porque costumam servir-se de dispositivos narrativos, ideias narrativas, tramas, pressentes na obra desafogado” ou “Há mar e mar há ir
há dinheiro. No Amor de Perdição, do literária, transportando-os para o novo meio e seus condicionantes (tempo, imagem, luz… os e voltar”. Tem coisas brilhantes de
Oliveira, é tudo papelão, mas passado livros dão inevitavelmente mais liberdade a quem os lê, os filmes fecham sempre o horizonte criação de publicidade, os contos são
meia hora estás a chorar. O cinema é segundo a perspetiva do realizador). João Botelho sabe disso. Foi o que fez em Tempos Difíceis, incríveis e aqueles poemas… E de-
um espetáculo. Não faz mal nenhum a partir de Dickens, e em Os Maias, adaptando o romance de Eça de Queirós – ambos objetos pois tem aquela coisa maravilhosa:
fazer artifícios, dar impressões da claramente narrativos, em que se conta uma história. sempre que faz algo sublime a seguir
realidade. O cinema é mentira e uma No Livro de Desassossego, de Fernando Pessoa, já não há nada para contar. A solução pede desculpa. Como se fosse um
arte de vampiros. Roubamos à poe- encontrada por Botelho foi construir um filme fragmentário, assim como o livro, em que em vez autocrítica. Como se fosse uma des-
sia, ao teatro, à fotografia, à pintura de uma história despertasse sensações e pensamentos, confiança. Ele dizia “Prefiro estoirar
Em Um Filme em Forma de Assim passa-se algo semelhante. Botelho poderia ter escolhido um a definhar”. E, de facto, estoirou.
conto de O’Neill ou mesmo a sua sua biografia para encontrar um fio narrativo para o seu filme.
Mas tal não corresponderia fielmente ao espírito do poeta. Botelho não adapta um romanceou Apesar de cruzar vários estilos, do
novela, adapta O’Neill no seu todo, como se a personagem e a totalidade da obra – tão diversa fado ao transe, se a género musical
que vai da publicidade à crónica, passando por ficção e poesia. Tudo corresponde a uma só que define este filme é o jazz… Não
coisa, a uma só ideia. E essa ideia é feita de cor, música e movimento. concordas?
Um Filme em Forma de Assim é um filme musical. Se há fio condutor onde o espectador se A música que marcou a criação
Quis homenagear o pode agarrar e encontrar é a música. A música em toda a sua amplitude temperamental, como foi o jazz. Vinha de Coimbra ver o
se ela própria fosse uma personagem. A frase melódica que se repete – partindo do jazz que é cascais jazz. Passei muito tempo no
O’Neill no mundo dele. o que melhor veste a ideia do poeta. Mas que faz a sua diatribe, passando inevitavelmente pela Hot Club. Aliás, agora foi no Hot
Nas suas cores, na sua música popular, como referência ao trabalho que O’Neill fez neste domínio, com Amália e não Club que descobri o João Mortágua,
só. E acaba com um devaneio libertino e libertário com uma festa transe, que faz o cruzamento um grande saxofonista, O Daniel
exuberância, perfeito entre O’Neill e o próprio Botelho. Bernardes também tem muito jazz,
na musicalidade Além da música sobressai o décor. Se em outros filmes, até n’Os Maias e em O Ano da Morte além de musica erudita… ainda não
de Ricardo Reis, usou cenários pintados, numa assunção da artificialidade, aqui não faz outra chegou À eletrónica, que é o que
coisa. Há uma artificialidade colorida e ostentada. Não são bem as cores de Almodóvar, são as gosto mais. Ele escreveu aquela mú-
cores de O’Neill, de um poeta excessivo, que dormiu de menos e viveu de mais. sica toda. Depois há opera, canções
Também foi uma solução prática por Perante uma escrita tão livre como a de O’Neill, surrealista e/ou pós-modernista, João Botelho populares…. Preferi a “Formiguinha
causa da pandemia? fez um filme de pura liberdade folia sensorial. Um filme que se sente mais do que segue. Tem Bossa Nova” à “Gaivota”, que já está
Não podíamos entrar em casas nem Buñuel, mas também Fellini e talvez Kaurismäki. Há uma ideia de O’Neill que passa através de muito batida.
filmar em espaços públicos. Por isso impressões. E essas impressões abstratas abrem portas para a essência, porventura de forma
fomos todos para um armazém. A mais eficaz do que um tratamento realista. Parece óbvio, e isso talvez seja mesmo o mais Tal como o O’Neill tu és uma figura
equipa andou dois meses de máscara. importante, que quem for ver este Filme em forma de Assim regressa com o espírito do poeta da noite. Sentes essa afinidade?
Tiravam-na só para representar. Mas no bolso. Para homenagear e retratar Alexandre O’Neill , João Botelho conseguiu construir um Há coisas em que somos muito pa-
como isto soava a falso, o final é mes- filme verdadeiramente O’Neilliano… O que quer que isso seja. recidos. Não gosto do sol da manhã.
mo com máscaras, para ficar a marca O O’Neill também não gostava.
do tempo em que foi feito. Foi muito Aliás, sou cinéfilo por uma razão de
trabalhoso. O armazém não tinha boémia. Quando cheguei a Coimbra
condições de som, quando chovia com seres aflitos no meio. Se é pessi- Aquilo é tudo tão bom que faz sempre Português também tinha que ser havia a praxe., rapavam-me o ca-
tínhamos que parar. Mas por isso no mista vai para a sombra, se é otimista pena deixar coisas de fora. Mas o que inteirinho. belo ou batiam-me se estivesse na
fim digo que é um “divertimento em vai para a luz. me deu mais trabalho foi o Filme do rua depois das seis da tarde. O que
tempo de pandemia.” Desassossego. Este é tão emocionante Conheceste o O’Neill? fazia? Ia todas as noites ao cinema.
Longe do realismo... que fica o que ficou… Às vezes são Ainda conheci. Fui-lhe pedir o Fiquei viciado em cinema, tabaco e
Como se preparam os atores para um A imitação do realismo com pouco bocados de poemas, outras textos título para o meu filme Um Adeus café. Via 300 filmes por ano. Depois
filme destes? dinheiro tona-se ridícula. É preciso inteiros. Português. E expliquei-lhe que corria para caso sem ninguém
Cada vez mais faço como no teatro. usar a imaginação. Há coisas em O nada tinha a ver com a separação me ver para não ser apanhado. E
Começo a trabalhar muito antes. Eles Ano da Morte de Ricardo Reis que O filme é feito exclusivamente de amorosa, antes com a frase que foi a quando fui trabalhar para fábricas,
raramente falham um texto. Já vão foram feitas com pasta de dentes na textos do O’Neill? epígrafe do filme. Ele foi impecável. em Paris, em Londres, na Suécia,
com a atitude, o modo de dizer, está objetiva. É muito trabalhoso a luz no Tem partes que são da biografia, mas Com medo de que alguém achasse gastava todo o dinheiro todo a ver
tudo marcado, Isso poupa-me muito digital. 90% é O’Neill. Lisboa Remanchada que eu tinha roubado, escreveu um seis filmes por dia na cinemate-
tempo. Não temos dinheiro para fazer está inteiro. Eu não queria cortar texto no jornal a explicar porque mo ca. E não era para ser cineasta.
o cinema na montagem. O centro é Foi difícil escrever um argumento e também os textos, por isso é que tem tinha dado. Falei duas ou três vezes Simplesmente, não resistia às ima-
a composição inicial. Luz e sombra selecionar os textos? tantos planos de sequência. Um Adeus com ele. Foi o primeiro pós-moder- gens e ao som do cinema.
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UM FILME EM FORMA DE O´NEILL

A luz louca da primavera


FERNANDO CABRAL MARTINS
Mais de 40 anos depois dos seus Há agora uma novidade, no grada no mesmo plano de todos os
encontros reais na rua da Escola entanto (para além da participação outros, é apenas mais um leitor. Um
Politécnica, João Botelho (JB) volta no argumento de Maria Antónia daqueles que lê muito bem, com
a encontrar-se com Alexandre Oliveira, grande conhecedora e articulação e fluidez perfeitas, como A poesia não tem
O'Neill na mesma rua, agora trans- biógrafa do poeta): a opção radical Pedro Lacerda em O’Neill, ou Rita
formada num cenário de estúdio. pela rodagem em estúdio que apro- Blanco, por exemplo. fronteiras, tal como o
Ao longo de um filme arriscado, xima cinema e teatro, dando maior De qualquer modo, num filme realismo. E a este filme
visualmente sumptuoso, que per- evidência à criação de personagens em que a música está sempre
corre muitos poemas, prosas e até e ao jogo de identidades, e citando presente, em que vários poemas são
interessa a poesia. E
slogans publicitários, o filme ganha de passagem Manoel de Oliveira. cantados, em que as sequências são interessa o que nela
uma dimensão de leitura global da Isto é, tudo se passa num mundo concebidas como coreografias e que
obra, ao mesmo tempo que mantém ao mesmo tempo real e imaginário, tanto evoca o musical de Jacques
se aprende sobre a
a ambição de ver o homem por de- onde tudo é frágil e mutável mas Demy, mesmo que algumas pala- verdade do amor
trás dela. Chama-se, em subtítulo, onde todos os movimentos são vras às vezes se percam ou o sentido
um “divertimento”, e é realmente calculados, em que os símbolos se possa flutuar nunca se interrompe
divertido, sem para isso precisar de tornam como que chaves do enten- a celebração da energia vital, do
ser ilustrativo ou de encadear his- dimento do mundo. desejo, do acaso feliz. O espectador portuguesa, tal como foi evolu-
tórias, antes usando a própria força Alexandre O´Neill As próprias reconstituições em pode deixar-se levar pela corrente indo ao longo dos séculos após o
das palavras. estúdio de paisagens de Lisboa são, dos versos como por um encanta- Renascimento, o tempo de O'Neill
Um Filme em Forma de Assim de alguma maneira, uma antologia mento, acedendo a entrar em todos é o tempo negro da censura, da
continua uma passagem pelo topográfica, um mapa sentimental os jogos, como o da carta que é lida polícia dos costumes, da repressão
cinema musical que JB inicia em de uma cidade a que O’Neill (como na presença da destinatária, ou o militante. É como se o estado em
três filmes de 2012, Bravo Som dos musicais da palavra são já elevadas Pessoa) está intimamente ligado. diálogo no miradouro em que uma que o país se encontra desenca-
Tambores, Anquanto la Lhéngua Fur ao mais alto grau. Quanto à ligação Em vez de um documentário sobre criança leitora também participa. deasse o fervor amargo e doce da
Cantada e La Valse, e continua em entre JB e a poesia, ela é já antiga. o poeta, vemos um filme sobre os sátira surrealista, porque não é um
2017, com Peregrinação (em que Depois de Conversa Acabada, há seus poemas e os seus leitores, sobre É TAMBÉM UM FILME SOBRE tempo que pudesse compadecer-se
já colabora o compositor Daniel sobretudo o Filme do Desassossego os diferentes modos de o ler, de PORTUGAL, porque O’Neill tem na com poesia lírica.
Bernardes). Trata-se de reinventar a a partir de Pessoa, que é o grande fazer suas as palavras lidas. Até a fi- relação com Portugal um tema cuja Daí que, tal como se vê com
síntese entre a música e as falas, que ensaio prévio para este filme sobre gura da investigadora (na interpre- intensidade e profundidade apenas clareza neste filme, Alexandre
podem ou não ser cantadas, neste O’Neill, e Anquanto la Lhéngua Fur tação excelente de Crista Alfaiate), encontra paralelo em Pessoa. Neste O'Neill refira diretamente a con-


caso a partir de uma poesia, a de Cantada, um filme musical sui ge- em vez de aparecer num plano de caso, o que se passa é que, além juntura social sua contemporânea,
O’Neill, em que as potencialidades neris sobre Miranda do Douro. realidade diferenciado, está inte- da desgraçada situação histórica como a miséria dos pedintes ou o

Há parecenças entre a noite de hoje ser irmão ideológico dele. Mas


e a do tempo do O’Neill? também não sou irmão ideoló-
Não é a mesma coisa, mas a atitude gico do Cunhal. Mas gosto muito
é parecida. Mas já não há as noites daquele espírito, da superioridade
de tasca, dos cafés da boémia. moral dos comunistas, da coragem
Lembro-me de passar um ano in- que teve em defender o aborto
teiro numa casa de fados a seguir a das mulheres trabalhadoras da
Carminho. Depois lembro-me de a URSS perante um júri de fascistas
pôr a cantar um fado com eletróni- (e deram-lhe 16). Foi torturado e
ca no Lux. Musicalmente vou de nunca abriu a boca. Depois quan-
lés a lés. Ainda sou do tempo do do saiu para a Roménia e Rússia já
Cais-de-Sodré com marinheiros e não me interessou. Aprendi com o
prostitutas. Era outra coisa. Gosto Pacheco Pereira que a coragem lhe
da boémia. O O’Neill bebia mais vem da mãe. Gosto daquela frase
do que eu… por isso é que morreu que “Só há dois homens impor-
mais cedo. tantes em Portugal no século XX:
o fascista Salazar e o comunista
A noite é a musa da criação? Cunhal”. Além disso era um escri-
Eu só conseguia ter silêncio a partir Um Filme em Forma de Assim As atrizes tor notável.
da meia-noite, por causa dos filhos.
Habituei-me a trabalhar a essa E a seguir? Qual é a próxima obra
hora. Porque preciso de silêncio. em branco… No cinema é a mesma Entretanto, também se estreou literária que vais adaptar?
Não consigo ler enquanto ouço mu- coisa. Há quem diga que é gráfi- no IndieLisboa um documentário Vou fazer o Salazar, para os 50
sica: faço uma coisa ou faço outra. co…. na verdade, são pinturas. Fiz sobre a juventude de Álvaro anos do 25 de abril. Devia-se
A noite é boa conselheira para o filmes com El Greco, Caravaggio, Cunhal. Como correu? chamar A governanta, a calista e o
divertimento e para o pensamento. Goya… A pintura e a poesia marca- Mostrei o Cunhal a três elementos enfermeiro. Agora foram desco-
Uma das coisas que eu gostei muito ram-me muito. Mas do que gosto do comité central. Eles ficaram bertos uns diários… Tenho só um
foi andar a passear à noite duran- é de cinema. Fui marcado pelos inquietos, mas depois acharam problema porque ele, porque ape-
te a pandemia. Foram momentos ascetas. Gostava mais do Rosselini, Há coisas ali que interessante. Estavam à espera de sar de ser um mesquinho escrevia
bonitos… Mas as pessoas estavam do que do Visconti, do Ford do parecem que sou eu. um filme de depoimentos. Nunca muito bem. [risos]. Sofri muito
doentes, e isso é chato. que do Wells, do Ozu do que do fiz documentários sem levar atores com o salazarismo. Andei numa
Mizoguchi, do Dryer do que do Não gosto do sol da para perturbar a situação. Porque escola pública que era o único que
O cinema é uma arte que mistura Bergmann…. Agora gosto de todos. manhã. O’Neill também para fazer um verdadeiro docu- tinha sapatos, os outros andavam
várias artes. Tu também concilias Mas tinha ver com família… de mentário é preciso ir viver com descalços na neve… As taxas de
várias propensões artísticas. com poucos meios filmar milagres. não gostava... A noite ele anos.. Por isso faço sempre analfabetismo brutais, a miséria
Costumas pintar? É aquela frase que o Oliveira me é boa conselheira para qualquer coisa diferente de um absoluta… Ele tinha 500 galinhas
Agora pinto menos. Fiz muitos ensinou: “Não há dinheiro para a documentário normal. Uma em São Bento, 13 criadinhas no
livros de crianças, catálogos. Sei carruagem filma a roda, mas filma
o divertimento e para o pessoa que me ajudou muito foi sótão, levava aquelas injeções.
paginar. O que pôr numa página bem a roda”. pensamento o Pacheco Pereira, apesar de não Tenho contas a ajustar. J
10 TEMA ↗

UM FILME EM FORMA DE O´NEILL


4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT

› ridículo dos pequeno-burgueses


ou (então como agora!) a catástrofe
poucos modernos, talvez apenas
com Fernando Pessoa, Herberto
dos incêndios, e a vida das pessoas Helder e Sophia de Mello Breyner
nas tascas, nas ruas, nos clubes A poesia não tem Andresen, o reconhecimento crítico
noturnos. Sem deixar nunca de ser e o favor continuado e incondicio-
um poeta lírico de uma qualidade fronteiras, tal como o nal do público.
rara na poesia portuguesa, como em realismo. E a este filme Além disso, rodeia-o uma aura
“Um Adeus Português”, que deu particular, pelo escândalo de ter
o título ao segundo filme de João
interessa a poesia. E sido profissional de publicidade e
Botelho e que serve de guião para interessa o que nela pelo rasgo de soberania que o levou
a sequência mais bela deste filme, a separar-se do grupo surrealista.
como sempre num único plano que
se aprende sobre a É um poeta assim, sem etiqueta e
se desenrola num longo e preciso verdade do amor sem gaveta, de que o filme projeta
movimento de câmara (sendo o tra- múltiplas imagens de um colorido
balho de fotografia de João Ribeiro, pop – aquela “luz quase louca da

MIGUEL BARTOLOMEU
mais uma vez, de extraordinária primavera” — sem ir à procura de o
qualidade). fixar numa imagem determinada.
Pode concluir-se, a partir daqui, depois de ter cofundado o primeiro Se o quisesse fazer, e no quadro dos
que O'Neill, dilacerado pelo senti- grupo. Esse abandono constitui grandes poetas citados, Alexandre
mento de urgência desesperada que uma afirmação de marginalidade O’Neill estaria ao lado de Pessoa,
a ditadura impõe, está tão perto dos em relação à própria marginalidade e Herberto e Sophia estariam do
seus contemporâneos surrealistas em que o grupo se situa, e sinaliza João Botelho Rodagem de Um filme em Forma de Assim outro lado. Uns enredados na vida
como dos neorrealistas. Em O’Neill o facto de o poeta querer escapar comercial e comezinha, como o seu
se joga em pleno, aliás, o drama a todo e qualquer decálogo que o grande precursor Cesário Verde, os
do surrealismo em Portugal, pois limite ainda mais, de modo a abrir o mento profundo da obra de O'Neill, no interior de cada uma delas. Por outros fora dela.
o seu valor primeiro é a liberdade, seu caminho e seguir a sua vontade servem para gerar cenas que têm exemplo, numa deambulação pela Mas a poesia não tem fronteiras,
e, portanto, é impossível na prisão de comunicação. entre si uma forte independência. rua, em que tudo o que por acaso tal como o realismo. E a este filme
em que o país se tornara, e tem de Como em Godard ou Mallick, ou acontece à volta acaba por se ligar interessa a poesia. E interessa o que
ocupar o lugar de um surrealismo no Filme do Desassossego do próprio DEPOIS, O PRINCÍPIO DE MON- pela sua própria disparidade. nela se aprende sobre a verdade do
impossível. Por isso mesmo, surge João Botelho, Um Filme em Forma TAGEM parece inspirado naquilo a Dir-se-ia que o filme pratica amor. J
uma designação alternativa mais de Assim é cinema não narrativo. que O’Neill chamava “Inventário”, uma espécie de escrita automáti-
adequada, a de abjecionismo, que, No entanto, vai buscar equilíbrio a nome para certo tipo de combi- ca, uma montagem de atrações ao * Fernando Cabral Martins, prof.
com essa palavra-murro, caracteriza um modelo formal muito definido e nação solta de imagens sem nexo contrário, concentrada na paixão da FCSH da Un. Nova de Lisboa, é
com impotência e revolta o modo coerente. É um musical, em suma, lógico. Ora, é a essa concatenação do instante, no insólito, na beleza ficcionista e ensaísta, tem obras sobre,
português de ser surrealista. em que o lugar da música é ocupado de ações ordenadas mas aleatórias do fortuito e do incongruente. Aqui, ou organizou edições de, vários poetas,
O facto é que, não por acaso, pela poesia, um musical poético, um do tipo “inventário” que vamos a escolha de O’Neill é a escolha de designadamente Alexandre O'Neill, e
O'Neill abandona o surrealismo rap romântico. As palavras escolhi- assistindo nas várias sequências um poeta excecional, em todos os coordenou o Dicionário de Fernando
muito cedo, em 1951, quatro anos das, sempre a partir de um conheci- que se encadeiam, mas também sentidos: ele partilha com muito Pessoa e do Modernismo Português

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UM FILME EM FORMA DE O´NEILL

Crónicas de Alexandre O´Neill no JL


Entre novembro de 1983 e março de 1985, Alexandre O’Neill manteve no JL a coluna “Escrita por Medida” – foi o último
jornal em que teve uma crónica fixa. A doença impediu-o de a manter. E a certa altura noticiamos que, por estar muito
mal, não tinha podido concluir a autobiografia que lhe solicitamos, para a secção então criada – e que seria a segunda
a sair, após a de Vergílio Ferreira. Sobre o conjunto das crónicas de O’Neill no JL, escreveu, também aqui – edição de
27/10/1986 – o ensaísta e crítico de teatro Manuel João Gomes.
Republicamos duas dessas crónicas. “A História de um Poema” (JL 94, de 24/4/ 1984) é a do seu talvez poema mais
famoso, “Um Adeus Português”, com presença marcante também no filme de João Botelho. E “O western, mito universal”
(JL 79, 10/1/1984) além do mais porque nele o poeta fala de cinema

A História de O “western”, mito


um Poema universal?
Um amigo qualquer pode dizer-me, recem guitarras, de castas noivas ou esposas
aparentemente sem razão plausível: — Dava que mansamente vêm meter a cabeça sob a
tudo para ver agora uma boa coboiada! E nossa asa de machos protetores. Ver montar
eu concordarei com ele em que ver “boas” um cavalo, vê-lo partir à desfilada, ver
coboiadas, mesmo que seja em filmes sofrí- laçar reses, entrar, com o bom e a sua forte,
veis, é uma necessidade por vezes premente, tranquila consciência, na Rua Principal de
irresistível. qualquer perdida cidadezinha do Oeste — é
De onde vem este engodo? sempre uma emoção. Barata, cómoda, com
Será que o apelo da fronteira nos diz situações prontinhas para que a gente nelas
respeito? Eu creio que com os “westerns” se projete e se sinta herói-por-hora-e-meia.
se passa o mesmo que se passa com o DDT: E então se entrar um comboio, com seu
não há ninguém que não o tenha no sangue. sino badalador, comboio que se assalta ou
E isto devido à crónica e geral intoxicação onde se vai esperar a noiva, o quadro ficará
de que há décadas somos vítimas. Não há completo. É que o comboio, como se sabe, é
dúvida que estamos colonizados e do mais o mais cinegético dos meios de transporte e
Nora Mitrani Retrato de Fernando Lemos traiçoeiro dos modos: na massa do sangue. desempenha, ao longo de toda a história do
Porque nós, portugueses, quanto a Oestes, cinema, um papel insubstituível.
temos apenas os do mar oceano. E no Que infantis somos nós!
Quando escrevi “Um Adeus Português”, há Semanas depois, “nascia” o poema e, com ele entanto vibramos — nós, os nossos filhos, E julgo que não só nós, portugueses. Já
quase 40 anos, estava a sofrer pressões inacre- publicado, uma relativa notoriedade. É que o po- os nossos netos — quando assistimos, no vi plateias de outros países vibrarem tão
ditáveis, por parte de alguém da minha família, ema, ingénuo como é, tem realmente a força do cinema ou na TV, a todo esse desenrolar de infantilmente como nós outros com as mais
para não “ir atrás da francesa”. A francesa, a nojo e do desespero combinados com um derra- caravanas, de tropéis, de ferozes tiroteios, de estúpidas e/ou inverosímeis sequências do
minha querida e já falecida amiga Nora Mitrani, me/contenção sentimental que não mais igualei. ululações, de frechadas, de ataques insidio- “western”.
queria que eu fosse ter com ela a Paris, onde Então, durante algum tempo, fiquei conhecido sos, de raptos, de saloons escavacados pelos Há uma inacabável bibliografia sobre o as-
vivia. “Vens, ficas cá e depois se vê”, era o como o poeta de “Um Adeus Português”. maus e suas quadrilhas, de índios massacra- sunto. Por aí não me meto. Mas isso vem pro-
que o seu otimismo me dizia por carta. Mas as A minha amiga, que não voltei a ver (quando dos desapiedadamente, de prostitutas can- var que o western parece preocupar cineastas,
coisas não se passaram assim. A pressão (ou, a fui procurar em Paris já tinha morrido), ainda tando, loucas e roucas, sentadas em pianos sociólogos, etnólogos, historiadores, etc.
melhor, a perseguição) chegou ao ponto de tomou conhecimento deste poema. Escreveu- que, pelos sons que desprendem, mais pa- Estará o western em decadência?
ter sido metida uma cunha à polícia política me: “Li o teu Adeus. Fiquei atrozmente como-
para que o passaporte me fosse denegado, o vida.”
que aconteceu, não sem que eu, primeiro, Claro que um poema não é feito de nojos,
tivesse sido convocado para a própria sede desesperos e derrames sentimentais, mas, no
dessa polícia e interrogado pelo subinspector caso, a felicidade de expressão foi vivamente
Seixas. Seixas usou comigo de uma linguagem alimentada por uma raiva e um amor desmesu-
descomedida. Perguntou-me que ia eu fazer rados, quer dizer, adolescentes. E o poema foi
a Paris. Respondi: – Turismo. Quis saber se eu ficando e passando para as antologias.
conhecia a senhora Nora Mitrani. Eu disse que Explico tudo isto porque outro dia me chegou
sim. Então Seixas retorquiu: – Se calhar V. quer às mãos um número da Europe dedicado à lite-
ir porque essa gaja lhe meteu alguma coisa na ratura de Portugal. E lá aparece, numa tradução
cachola. Com a serenidade que me foi possível, bastante pobre, o tal “Adeus…” Não é que, na
fiz-lhe saber que se enganava, que Nora Mitrani nota proemial, em que me definem como sar-
não era uma gaja e que eu não tinha cachola. cástico, desesperado e terno, dizem que o poema
Pareceu surpreendido. Depois, irritado, man- foi inspirado por Nora Mitrani! Eu acho que,
dou-me sair. E assim estive anos sem conseguir por enquanto, isso é comigo. Também o João
passaporte. Botelho (o do excelente filme Conversa Acabada)
Claro que o poema não se gerou apenas des- me telefonou a pedir-me autorização para usar
ta situação, mas ela contribuiu poderosamente, o título do poema para título de um novo filme
com outros fatores circunstanciais bem conhe- seu. Dei-lha logo. E nem sequer lhe perguntei
cidos, para que o poema aparecesse. Era uma se o que ele vai fazer tem a ver com o poema ou
época em que tudo cheirava e sabia a ranço, não. Isso é lá com ele. Como, insisto, é só comigo
em que o amor era vigiado e mal tolerado, em que Nora Mitrani tenha sido ou não a inspiradora
que um jovem não era senhor dos seus passos de “Um Adeus Português”. Pelo menos antes da
(errados ou certos, não interessa). presente explicação. J Johnny Guitar, de Nicholas Ray
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UM FILME EM FORMA DE O´NEILL


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Entrevista
Sempre sofri Portugal
Em junho de 1982, a propósito da publicação das Poesias Completas, Fernando Assis Pacheco
entrevistou Alexandre O’Neill, no JL n.º35. Recuperamos aqui parte desta conversa, em que o
jornalista explica: “A entrevista fez-se com duas máquinas de escrever: o repórter do JL batia
a pergunta, tirava a folha, estendia-a ao entrevistado, este batia a resposta, perguntava ‘está
bem?’, o repórter respondia ‘está,claro’, e assim por diante. Para a ficha do poeta: 57 anos de
idade, lisboeta, re-divorciado, dois filhos, uni matulão, Alexandre, outro pequeno, Afonso;
trabalha na Lápis — Estudos Promocionais, Lda., à Travessa da Condessa do Rio; andou pela
TV como 'pivot' de vários programas e jurado da infausta Prata da Casa, que deu mosquitos por
cordas; é tão bom conversador como sovina nas respostas dactilografadas, o que se perceberá
lendo a continuação; sempre `sofreu' Portugal, e sempre se gastou à velocidade de um fósforo, e
sempre foi vítima de nervosos miudinhos; tudo junto, (en)fartou-se e poisou o canastro na UTIC
Cartaz de Um Adeus Português, de João Botelho
de Santa Maria, a reparar avarias cardíacas; recuperado, ri com os dentes todos”
Creio bem que não. É que ele é uma
receita infalível no seu simplismo, receita FERNANDO ASSIS PACHECO
que pode variar e complicar-se consoante o
orçamento do filme e a inventiva e a criativi- JL: Reunir 30 anos de poesia tem algum
dade dos seus autores. E, depois, lá aparece, significado especial para si? Digamos, sente-se
de longe em longe, uma obra-prima. Estou etiquetado, arrumado, corri um bilhetinho por
a pensar, por exemplo, no Johnny Guitar, de cima a dizer “30 anos”?
Nicholas Ray. Sempre consola, não é? Alexandre O'Neill — De modo nenhum! 30 anos
Eu tinha um amigo italiano, Pompeo de é apenas para passar para outra coisa. Para dizer
Angelis, que «exercia» na área do cinema a verdade, estava farto de tudo o que tinha es-
e desenvolvia muito a sério uma teoria se- crito até à publicação destas Poesias Completas.
gundo a qual, naquela época e para o futuro, Você sabe o que é conviver demasiado com o que
o máximo dos máximos era, seria o western se vai fazendo, não sabe?
italiano”, espécie de pícara colada ao sério
western, ao bom, ao da pesada. Eu ouvia-o, Calculo o que seja. Agora falando biografia:
incrédulo, mas ele, homem culto e inteligen- você é de Lisboa, é um O'Neill Vahia de Bulhões
te, desenrolava paulatinamente argumentos (cheira-me a Santo António, desculpará) e no
sobre a excelência de tal «género». Isto dizer do Cesariny em 1945, “no Café'A Cubana',
passava-se em Madrid há perto de 20 anos, da Avenida da República”, travou conhecimento
onde eu me desloquei para ser entrevistado com ele, ou ele consigo. Essas aventuras
por ele para um programa televisivo da RAI, surrealistas ainda têm alguma coisa que valha a
já que Pompeo, democristão, estava proibido pena contar? Dá-me a impressão de que vários
de entrar em Portugal. Era no tempo em surrealistas portugueses quiseram rasurar, a Alexandre O’Neill
que uma data de senhoras italianas haviam partir de certa altura, o nome “Alexandre O
resolvido “adotar” uns quantos portugueses Neill”. Responde a esta longa pergunta?
e ajudá-los a libertar Portugal. Tempo de Houve um especialista em hagiografia e, par-
grandes confusões, de galopantes paixões ticularmente em Santo António, que me disse,
bem correspondidas, de inevitáveis inter- para grande desgosto meu, que essa de o Santo do cadáver esquisito, para espanto dos sa. E também me posso enganar ou apressar, e
rogatórios na polícia (a política, claro), de se chamar Fernando de Bulhões era unia grande observadores, o Cesariny não esteve com tomar por poema o que o não é.
ideias malucas sobre raptos, golpes, entre- lenda. Claro que não me revelou o verdadeiro mais aquelas e antologiou-o mesmo. Dá para
vistas para jornais da extrema-esquerda, nome, de modo que eu continuo a aguentar a entender? Eu diria, socorrendo-me aliás de leitores mais
de lançamento de livros de poesia revolu- lenda e a dizer que sou... parente do Santinho, o Dá, dá! O Cesariny não me cita uma única vez atentos do que eu, que você tem um tema
cionária em apuradas edições bilingues, um que me dá unia certa audiência junto das devotas no Surreal-Abjecionismo, que é de 1963, mas já dominante, Portugal (a Feira cabisbaixa
tempo louco, enfim! Pompeo, além de não que conseguem uma especial atenção do referido me inclui na Antologia que você refere porque aparece em italiano, na versão de Joyce Lussu,
ser senhora em mal de resistência (o milagre (e simpático!) milagreiro... Quanto às aventuras eu ajudei muito (e com muita honra!) a fazer conto Portogallo, mio rimorso, e muito bem),
económico italiano tinha estagnado a vida surrealistas está tudo contado, precisamente cadáver. e um fantasma omnipresente, o tempo (cá vai
numa espécie de paz podre) fugia inteira- pelo Cesariny, que deve ter um baú quase tão uma de O'Neill entre aspas: “Quandonde foi? /
mente a este esquema. Era sensato: gostava grande como o do Pessoa. A rasura deveu-se à De vez em quando o O'Neill aparece a colaborar quandonde será? // eu queria um jazinho que
de boa comida e de mulheres. Vir-me com circunstância de eu ter abandonado a atividade em jornais. Para mim é uma complicação, fosse / aquijá / tuoje agziijá»). Concorda?
aquela do western italiano como o grande grupal do surrealismo para ame dedicar à políti- porque eu tendo, numa primeira leitura, a É verdade. Sem pieguice, digo-lhe que sempre
cinema do futuro! Depois, feita a entrevista ca, calcule você! A política, mas naquele sentido ler ‘crónicas’ onde não havia nada disso, mas “sofri” Portugal, tanto no sentido de não o
no Escorial, convidou-me a partir com eles estrito da militância nos movimentos juvenis por poemas. Por outras palavras, dessas pretensas suportar (como todos nos, aliás), como no
para o sul de Espanha, para entrevistar/ onde já o Cesariny tinha andado. Depois, ao pu- crónicas há algumas lançadas nas próprias sentido de o amar sem-esperança (como disse
filmar Brigitte Bardot que rodava uma longa blicar o primeiro livro, introduzi-lhe unia nota Poesias Completas, conto poemas em prosa. um parnasiano qualquer: amar sem esperança é
metragem. Deitei contas às massas e voltei proemial que demonstrava o fervor ridículo de Ajuda-me a descalçar este escarpim? o verdadeiro amor...). Eu tive a grande alegria de
para Lisboa. Vejam lá o que perdi! Não é todos os neoconvertidos e que dava pancada nos Dê cá o pé! O que acontece é que eu não sou, ver poemas meus completamente desatualizados
mesmo como quem vê a noiva morta nos surrealistas ficantes chamando-lhes aventurei- a bem dizer, um cronista. Escrevo (ou escre- depois do 25 de Abril. Mas afinal não estavam
seus braços durante um ataque dos índios? ros, o que era perfeitamente desnecessário... via, melhor) textos para os jornais que, depois, nada desatualizados, não. Como se pode ver.
Mas, sobre isto, poderia falar muito mais reconheço, muito naturalmente, como textos Quer dizer — o que é um péssimo sinal relativa-
acertada e inteligentemente, o rosto pálido Exato, e os que você apelida de ‘ficastes’ poéticos. Então incluo-os nos livros. Nem todos, mente à minha capacidade para vaticinar — que
Fernando Lopes. Aqui fica o desafio. Mande mandaram cá para fora um papel basto feroz claro. Há uns que não ultrapassam o efémero da a realidade fez de mim, novamente, um poeta
fumo ao ar, Fernando, se estiver de acordo, intitulado “Do Capítulo da Probidade”. Parecia crónica. Outros, que lhe podem parecer prosai- atual. Até no fantasma do tempo a que você se
ou tire o meu chapéu da minha cabeça, só por tudo, pois, unia família cone as partilhas cos, são (ou melhor, serão) poesias em prosa, refere. Espero que isto um dia acabe e eu fique
brincadeira, com um tiro da sua infalível. J feitas. Mas, em1961, na Antologia surrealista digamos, o que é muito diferente da prosa-pro- bem desatualizado e para todo o sempre. J
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT

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LETRAS 4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT

João Paulo Borges Coelho


Unir os fios do passado
Garante que se interessa mais pelo passado do que pelo futuro e os muitos anos de professor universitário e investigador
comprovam essa inclinação. Da mesma forma, também os seus romances mergulham na história recente de Moçambique,
quer para reviver algumas memórias pessoais e familiares, quer para reconstituir acontecimentos decisivos. É o que volta
a fazer, depois de As visitas do Dr. Valdez, O Olho de Hertzog ou Água – Uma novela rural, em Museu da Revolução
(ed. Caminho), uma viagem pelas guerras que marcaram as últimas décadas do seu país, da Guerra Colonial à atualidade

N
LUÍS RICARDO DUARTE
quer afirmar o discurso até sobre as
injustiças que cometeu. É preciso
equilibrar as vozes?
Sim, é verdade, mas nesse campo
há dois riscos. O primeiro é o de nos
prolongarmos no papel da vítima e
não nos erigirmos como sujeitos da
história. Moçambique tem quase 50
anos de independência, tem já uma
pegada de história própria que tem
de ser falada. O segundo perigo é a
demonização total do tempo anterior
para o atual ser de paraíso. É muito
importante, por razões práticas e
Num dos lados da mesa, o narrador, filosóficas, ligar os dois períodos.
no outro, Jei Jei, um rapaz que, órfão
por causa da guerra, teve de se rein- Em que sentido?
ventar na cidade. Os dois trocam his- Há um apagamento da história
tórias para cerzir os rasgos do passado anterior à Independência. Claro que
e as incógnitas do presente. Inventam se compreende porque grande parte
uma ficção que possa explicar a rea- dessa história é de humilhação. O
lidade e através desse artifício Museu avô tem hoje dificuldade em explicar
da Revolução, o novo romance de João como era a sua vida ao neto, e o neto
Paulo Borges Coelho, desdobra-se em se calhar tem vergonha em procurar
infinitas imagens da história recente esse tipo de passado. Mas isso impõe
de Moçambique. Por vezes, o narrador à sociedade um esquecimento da
(o próprio autor) abandona a mesa e João Paulo Borges Coelho “Há alturas em que sinto uma espécie de pudor em representar a voz dos outros” experiência passada.
passa a contar a própria saga de Jei-Jei
e de muitas outras personagens, al- O que se poderia ganhar com a
guns ex-combatentes envolvidos em consciência dessa experiência?
novas lutas. Romance labirinto, este D. Henrique, no âmbito da visita o olhar ainda não estava viciado e Os escritores falam muitas vezes na Perceber precisamente a importância
é um livro que procura unir os fios de oficial do Presidente da República viam-se as coisas pela primeira vez. vontade de se colocarem no lugar do da Independência, que é muito mais
um passado que por norma é inter- Portuguesa, Marcelo Rebelo de Outro. Tem vindo a desconfiar desse funda do que um 25 de Abril, por
pretado por blocos. Primeiro, a Guerra Sousa, a Moçambique. A experiência individual é a mais exercício? exemplo. Não foi uma mudança polí-
Colonial, depois a da Independência, verdadeira? A condição do Outro está sempre tica, mas a passagem de um estatuto
a seguir a Civil. Mas, para Borges Jornal de Letras: Tem oscilado Nem sempre, também engana. A linha a uma grande distância. Claro que infra-humano para o de humano.
Coelho, estes passados são impossí- entre um registo mais pessoal, de que separa a experiência individual devemos ter sempre e cada vez mais Poderemos sempre reconstruir essa
veis de desligar, pois vivem dentro memórias biográficas, e um mais como exercício de honestidade e de uma atenção especial ao que nos é experiência, procurar percebê-la em
das pessoas, agitados pela memória, próximo de narrativas ficcionadas. vaidade é muito ténue. É preciso estar distante e estranho, mas não para profundidade, mas não a podemos
mesmo num país com tendência para Como gere essa alternância? atento para se conseguir fazer sobres- afastar o Outro com uma cotovelada sentir. Mas é importante aprender
o esquecimento. João Paulo Borges Coelho: Com sair o espanto. e para falarmos em seu nome. Nesse com ela, algo muito difícil num país
Filho de pai português e mãe mo- muita espontaneidade. A escrita é um sentido, o que podemos e devemos em que subsiste esta tendência para o
çambicana, João Paulo Borges Coelho espaço de total liberdade. Sento-me fazer é facilitar o caminho até à sua esquecimento, se morre muito cedo e
nasceu no Porto, em 1955, mas e escrevo o que me ocorre. Mas há própria voz, nunca a substituir. O se nasce muito. Uma parte do passado
mudou-se com a família para a Beira, alturas em que sinto uma espécie processo de construção do Outro foi apagado e por vezes comentem-se
em Moçambique, ainda em crian- de pudor em representar a voz dos como imagem ou linguagem tem os mesmos erros.
ça, tendo adotado a nacionalidade outros, sobretudo a dos que sofrem. sempre, como dizia no início, um
moçambicana. Formado em História, Interessa-me tratar pouco de mistificação, porque ao fim Como por exemplo?
é professor jubilado da Universidade Porquê? a guerra como ela é e ao cabo esse Outro continua calado. Fiz várias investigações sobre o
Eduardo Mondlane, de Maputo, Porque é sempre uma mistificação. É um problema de difícil de solução, assentamento das aldeias depois da
e especialista nos conflitos do Sul Os personagens pertencem ao autor, sentida, e não como ainda mais em Moçambique, onde as Independência. Em muitos casos
de África. O seu primeiro livro, As não são pessoas reais. E as que são uma coisa arrumada no assimetrias, desigualdades e o sofri- foram cometidos os mesmos erros do
Duas Sombras do Rio, foi distingui- têm de ter voz por elas próprias. mento tornam o dilema mais denso, período colonial. Para o bem e para
do com o Prémio José Craveirinha. Mas esta é uma dúvida que tenho de tempo. Para os estudos e não o inverso, à medida que tempo o mal, não é possível cortar com o
Seguiram-se outros romances e tempos a tempos, nunca estou muito académicos, primeiro passa, com as alterações climáticas passado. Há fios que se alongam e que
volumes de contos, nomeadamente O seguro acerto disto. Nessas alturas e as expropriações de terras, por emergem quando menos se espera. É
Olho de Hertzog, vencedor do Prémio de hesitação inclino-me mais para veio a Guerra Colonial exemplo. melhor estar preparado.
LeYa em 2009. Doutorado honoris escrever sobre a minha experiência e e depois a Guerra Civil.
causa pela Universidade de Aveiro, localização no mundo, sinto vontade Essa dificuldade também se coloca O seu romance explora precisamente
em 2014, foi agraciado em março de regressar à infância, ao tempo de Mas para muitas pessoas no discurso sobre a questão colonial? esses fios do passados que convergem
passado com a Ordem do Infante estranhamento do mundo, quando elas estão misturadas Muitas vezes, o ex-colonizador para o Museu da Revolução. Foi lá que
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT LETRAS 15 J. P. BORGES COELHO

Mil lugares cheios


o livro começou?
Os meus livros começam sempre sem
grande ordem. Há uma vaga ideia que
depois se associa a outra e depois a

de meandros
outra. Com temas tão diferentes o de-
safio é encontrar as ligações, ver como
é que o material funciona.

Como se descesse às reservas de


um museu para montar uma nova
exposição?
Sim [risos]. A história inicial, por
exemplo, da Toyota Hiace, uma carri-
NAS MARGENS DO TEXTO
nha muito frequente em Moçambique, Agripina Carriço Vieira
surgiu como a imagem da situação
mundial em que vivemos. O Reino
Unido já anunciou que vai acabar,
até 2035, com os carros movidos a
combustíveis fósseis. Isso significa que Se o título, Museu da Revolução, remete ao país após uma experiencia de emigração
esses automóveis vão parar a África, para uma instituição que é, por excelência, na Alemanha. A viagem de turismo, ação
como antes foram os veículos a diesel um espaço de memórias, o corpo do texto central da efabulação, assume rapidamente
dessa história inicial do romance. desvendar-nos-á o quão difíceis algumas contornos de demanda identitária para estes
Vieram, em segundas ou muitas mãos, são de relatar. O autor, João Paulo Borges viajantes que carregam na bagagem traumas
do Jopão, da América, também do Coelho, propõe-nos uma viagem à desco- e fantasmas para exorcizar, dando sentido
Reino Unido, juntamente com os berta da história recente de Moçambique, pleno ao comentário tecido pelo narrador:
computadores que não funcionam ou retratando “a nova ordem” social na qual “Estranho carro este, estranha viagem” (p.
o lixo hospitalar. Este é um assunto permanece inscrita “a ordem antiga”, numa 332).
difícil porque, em Moçambique, a revisitação dos derradeiros anos do tempo Além de um livro sobre a história e iden-
Toyota Hiace, convertidas em chapas, do colonialismo, da luta de libertação, da tidade de Moçambique, o romance de João
são símbolos do movimento e da guerra civil e da atualidade, pondo em evi- Paulo Borges Coelho é também, ou mais,
liberdade. dência a complexidade e as contradições que um livro sobre a literatura, sobre o trabalho
caracterizam a identidade nacional. oficinal do escritor. Coloca de forma original
Mas o que o seduziu na ideia de A viagem pela memória identitária da e acutilante, algumas das problemáticas
museu e, em concreto, no Museu da nação sustenta-se, do ponto de vista da sobre as quais se têm debruçado a crítica e

JOÃO RIBEIRO
Revolução que há em Maputo? construção diegética, num complexo, inte- os estudos literários, questionando o lugar
Um museu é um conceito muito ressantíssimo e surpreendente cruzamento do autor textual na arquitetura do romance,
apelativo, é onde estão organiza- de histórias de personagens, de tempos e de o papel do narrador, o lugar da literatura
das as ruínas do passado. O que espaços, que se constitui como desafio ao na construção das identidades individuais e
significa que, em primeiro lugar, é leitor para entrar num jogo interpretativo, João Paulo Borges Coelho “Um hino ao poder da coletivas. Estas questões percorrem o entre-
preciso identificar essas ruínas e, em em que cada horizonte de leitura criado é de palavra” cho, pontuando-o com interpelações e co-
segundo, decidir como as encadear, seguida questionado e redefinido, circuns- mentários, tais como: “Como se conta uma
o que nunca é uma escolha inocente. tância enunciada, desde logo, na epígrafe história? Quais as raízes de uma história? E
Está-se a contar uma história, cujo colocada em abertura do primeiro capítulo: quais as suas consequências?” ou “Para que
título por norma aparece no nome do “O mundo é um lugar vasto feito de mil serve uma história” (p. 74).
museu. Nesse sentido, também é um lugares, e cada um deles é também um vasto Museu da Revolução é ainda e sobretudo
espaço de poder. lugar cheio de meandros” (p. 9). um livro sobre a palavra, um hino ao poder
Assim é: quando pensávamos acompa- Além de um livro sobre a da palavra. A demonstração do poder da
Qual é a história que se conta no nhar a história de Yamada, o jovem apren- história e identidade de palavra atravessa todo o entrecho, inscre-
Museu da Revolução? diz da arte de pesca tradicional japonesa, vendo-se desde logo em frontispício do
A da Libertação e da Independência. percebemos que o interesse do narrador se
Moçambique, o romance é corpo textual nos versos de Kok, que ecoam
Mas é um museu que tem questões centra, não só na personagem, mas sobretu- também, ou mais, um livro no final da narrativa “Podem os esquecidos/
muito específicas. A primeira é ter do na carinha com a qual virá a transportar renascer/ numa terra de nomes?”. A efabu-
sido privatizado e pertencer hoje a peixe, um Toyota Hiace, que reencontrare-
sobre a literatura, sobre o lação apresenta respostas a essa pergunta.
um partido, à Frelimo, o que é um mos mais tarde em Maputo, ao serviço do trabalho oficinal do escritor Foi para dar sentido a palavras ouvidas, mas
facto extraordinário. Houve até um Coronel Damião, depois de uma passagem não percebidas, que os viajantes empreen-
responsável que disse qualquer coisa por Durban. Apesar da advertência, não deram a demanda. As ações de Leonor foram
como o museu não é do povo, é do deixamos de ser surpreendidos pela bifur- ditadas pela procura de significados dos
partido, outro facto espantoso. Há cação do caminho da narrativa, deste modo nomes sussurrados pelo pai antes de falecer:
ainda outa dimensão curiosa em toda apresentada ao leitor: “Tudo isto contou prio atribuído a Matsolo ideias que ele não “Caldas Xavier … Mariamo…” (p. 97), Elize
esta história: o museu encerrou há uns Matsolo a Jei-Jei, e este contou-me a mim. chegou a ter, na vontade de que todas as pe- persegue os ecos de Vlakplaas e Homoíne,
anos e nunca mais abriu. (…) E foi assim que ele e o carro entraram ças do puzzle ficassem encaixadas” (p. 270). enquanto ao pensamento de Candal regressa
nesta história” (p. 47). Ao invés de apaziguar as dúvidas do leitor, incessantemente a palavra Mutarara.
Não foi dada nenhuma explicação? O excerto é ainda revelador do papel as explicações introduzem a ambiguidade e A narrativa convoca-nos para percor-
Nunca se diz que o fecho é definitivo, é deste peculiar narrador na construção da a incerteza, relembrando a impossibilidade rer locais tão diversos como o Japão, a
mais a ideia “o programa segue dentro efabulação, simultaneamente presente na de visões unívocas do mundo, circunstân- Alemanha, a África do Sul, o Reino Unido,
de momento” ou o “volto já” das lojas, narração, assumindo o relato na primeira cia para a qual o narrador reiteradamente Portugal e Moçambique, em fragmentos de
que no entanto se prolonga. Depois da pessoa e conversando com o protagonista, adverte, como no seguinte comentário já no histórias que se entrelaçam e se mesclam,
Toyota Hiace, esta foi outra peça que Jei-Jei, e ausente da história que conta, que final da narrativa: “Só nos resta, pois, cogi- levando-nos a refletir sobre o sentido da
tirei das reservas, como lhe chamou, se alimenta dos contributos de várias vozes tar a partir da organização dos indícios que vida e a importância do Outro, do seu olhar
ou da arca, como costumo dizer. trazidas ao seu conhecimento por Jei-Jei, foi sendo possível recolher” (p. 424). e das suas perceções, para a construção das
Mais tarde encontrei um texto de um que reproduz ou cita no seu relato dos acon- A viagem de turismo, longa e penosa, identidades individual e coletiva. J
escritor sul-africano, P.R. Anderson, tecimentos. No entanto, a leitura desven- pelo país, a bordo do Hiace, conduzido por
que de passagem por Maputo visitou da-nos um narrador que está longe de ser Matsolo, coadjuvado por Jei-Jei, coloca num
o museu. um mero relator, por vezes em terceira mão mesmo espaço um conjunto de personagens
(retomando a feliz expressão de Antoine representativas da sociedade moçambicana,
Que também cita no romance. Compagnon), uma vez que não abdica de constituído por Matsolo e Candal, antigos
Sim. É um texto breve, de duas pági- acrescentar deduções e interpretações pró- combatentes da guerra de independência
nas, que saiu numa revista secundária prias, onde se refletem as suas perceções das que estiveram em lados opostos da luta,
sul-africana. O que chamou a minha personagens e dos acontecimentos. Leonor, a jovem portuguesa em busca da
atenção foi a sua incapacidade para São múltiplas as ocasiões em que explicita sua mãe negra, Elize, a sul-africana, filha de › João Paulo Borges Coelho
entender o que via. Feito com o apoio o papel mais interventivo que assume na militar, que procura o conhecimento do pai MUSEU DA
REVOLUÇÃO

dos norte-coreanos, nas represen- construção da história, como no seguinte percorrendo os caminhos sangrentos por ele
tações da luta e da resistência só exemplo: “É até possível que tenha eu pró- trilhados, Jei-Jei, filho da terra, que regressa Caminho, 488 pp., 21,90 euros
16 LETRAS ↗

J. P. BORGES COELHO / LIVROS


4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT

› háimpecável
Joaquim Namorado
pessoas sorridentes, com roupa cipais. Contam histórias para viver
e a caminhar com flores. A histórias reais e para inventar outras
confusão do escritor foi maior quando que lhes permitem, e a mim também,
se deparou com uma concentração unir pontas, propor uma explicação
de Magermanes, os trabalhadores para o que não tem uma.

Um canto de livres
emigrantes que prestaram serviço na
Alemanha Socialista, embora na altu- É uma tentativa de dar sentido às
ra se chamasse formação, e que então muitas incertezas do passado, do
reclamavam a parte dos salários que presente e do futuro?
diziam estar retida pelo Governo. Sim, porque têm consciência de que

Ao puxar um fio ida dar sempre a


outro.
Exatamente. Aliás, essa reinvindica-
ção dos Magermanes, como ficaram
vivem um momento de transição,
que a História nos ensina serem dos
mais ricos. Carregam sinais do que
vem de trás e do que já se anuncia.
Mais uma vez, a separação académica,
compromissos
conhecidos, é igual à que, durante o muitas vezes, não permite explorar
período colonial, vários trabalhadores esta dimensão. A incerteza em relação
das minas de ouro da África do Sul e ao que se viveu é importante porque CARINA INFANTE DO CARMO
da Rodésia fizeram. Também diziam mostra como o passado é muitas vezes
que parte do salário tinha ficado retido uma assombração, uma presença. Sob uma Bandeira. Obra Poética “’Ode marítima’ a partir de uma
e que era pago, em ouro, ao estado de Joaquim Namorado é um releitura de Cesário Verde integra-
português. Era o mesmo problema, Tem também um longo percurso no acontecimento editorial de rele- do num otimismo histórico, para
mas distorcido. ensino e na investigação no campo da vância, que ainda não mereceu não dizer épico”; abriu, contudo,
História. A ficção dá-lhe o lado mais a devida atenção da parte da Sob uma Bandeira Incomodidade e, como tal, “amplia
Mudaram os tempos, mas a História humano? crítica. Integrando a magnífica a paleta das subtis modulações de
repete-se. Os historiadores dão muitos tiros nos coleção poética “As Mãos e os
dá a conhecer uma uma heteronímia subterrânea”, e
É esse, aliás, o sentido que procuro pés, caem na armadilha que cons- Frutos”, da editora Modo de Ler, tessitura complexa parece “amortecer a radicalidade
nos romances. Interessa-me tratar a troem. Mas também se consegue che- esta obra aproxima-se de uma daqueles poemas, se publicados
guerra como ela é sentida, e não como gar ao lado humano na história. Gosto recolha completa e, sem ser uma
que confirma Joaquim autonomamente”.
uma coisa arrumada no tempo. Para muito do trabalho de historiadores edição crítica, faz um rigoroso Namorado como O cuidado da edição de Sob
os estudos académicos, primeiro veio como Carlo Ginzburg, que se foca enquadramento dos materiais uma Bandeira é, sem dúvida, um
a Guerra Colonial e depois a Guerra na micro-história, procura chegar à nela incorporados: respeita o
problema desafiante fruto sazonado do trabalho de
Civil. Mas para muitas pessoas elas experiência do indivíduo, tentando projeto do escritor, conforme se e lugar polifónico de arquivo, divulgação e estudo de JN
estão misturadas, os diferentes confli- reconstruir percursos e itinerários. atesta documentalmente no seu escrita poética com e do neorrealismo, desenvolvido
tos existem ao mesmo tempo pela via Neste sentido, é quase um ponto de espólio, guardado no Museu do nas últimas décadas. É sintomá-
da memória, expressando-se, claro, encontro, uma terra cinzenta, onde a Neorrealismo. inegáveis ‘qualidades tico que tenha por antecedente a
de maneiras diferentes. E também há história e a ficção se cruzam. É muito Coube a José Carlos Seabra de cativante surpresa’ exposição e catálogo Tudo Existe
protagonistas de uma guerra que, com interessante vaguear por essas zonas e Pereira cumprir, com perícia / O Que se Inventa é a Descrição.
outros papéis, aparecem na seguinte. perceber o que se pode colher. e saber, o plano de Namorado, Joaquim Namorado 100 anos,
numa edição patrocinada pela com curadoria de António Pedro
A sua ficção é a sua micro-história? Associação Promotora do Museu Pita (Museu do Neorealismo,
Num certo sentido, sim. Mas a ficção, do Neorrealismo. Assim traz à 2015). E também que a ele su-
ao contrário da História, não tem atualidade o trabalho poético de ceda o instigante Aqui Estamos
compromisso com a verdade, só com uma figura-motriz do movimento Lado a Lado, Como Sempre. E
as pessoas. A arte, como se sabe, não neorrealista: desde a sua génese, Assim Continuaremos – Joaquim
serve para nada. Nasce do livre arbí- caldeada em periódicos culturais Namorado e Mário Dionísio:
O processo de construir trio. A literatura não serve para afir- de expansão regional ou nacional, Correspondência, com leitura,
mar pontos de vista ou mensagens. no segundo lustro da década de apresentação e notas igualmen-
o Outro como linguagem Exprime o que o autor procurou dizer 1930, e consolidada pela revista te de António Pedro Pita (Lápis
tem sempre um pouco e talvez seja capaz de criar pequenos Vértice, seu órgão oficioso, a partir de Memórias/Casa da Achada
espaços de atenção para quem queira de 1945, que dirigiu entre 1975 e – Centro Mário Dionísio, 2020).
de mistificação. Outro parar um pouco nessas páginas. É um 1981; e na sua afirmação literária, › Joaquim Namorado Neste último, ficamos a saber
continua calado. É um espaço de resistência, em particular, em coleções que agregaram a po- SOB UMA BANDEIRA. como, em finais da década de
de resistência das formas antigas, lifonia neorrealista, como “Novo OBRA POÉTICA 1970, JN preparava, com afinco, o
problema de difícil de como a história, o livro, a leitura. A Cancioneiro”, “Novos Prosadores” seu projeto de livro e como dese-
Organização, prefácio e notas José
solução tese do que vem depois é melhor do ou “Sob o Signo do Galo”, de que Carlos Seabra Pereira, Modo de Ler, 356 java juntar-lhe um prefácio do seu
que veio antes dá muito que pensar. foi fundador. pp., 35 euros velho amigo Mário Dionísio, o que
Em vez da mera soma de depois não pôde concretizar.
É uma ilusão? títulos publicados em vida de Anoto um segundo argumento
Pode ser, e sei que há um risco de o Namorado – Aviso à Navegação para sublinhar a inegável rele-
No romance, tudo o que conta é meu discurso ser confundido com (1941), Incomodidade (1945, UM EXEMPLO INTERESSANTE é vância de Sob uma Bandeira: a
desencadeado por uma viagem. Como conservadorismo. É preciso olhar incluindo o livro anterior), Poesia “Viagem ao País dos Nefelibatas”, agudeza e consistência críticas
encontrou esse elo de ligação? com lucidez para o que se ganha e o Necessária (1966), Zoo e Falsos incluído em Incomodidade (1945) do prefácio de José Carlos Seabra
Foi outro acaso, embora verda- que se perde. A literatura é um jogo Poemas Lógicos (1984) –, Sob uma e, antes, publicado de forma par- Pereira, intitulado “Um canto de
deiro. Soube de uma excursão de dar conta do que foi feito antes, é Bandeira reordena textos e séries cial na Gazeta de Coimbra, entre livres compromissos”. O aparente
a Moçambique que estava a ser um exercício de cultura, com os seus de poemas, desmancha livros edi- 1938-40, sob o nome Joaquim oximoro do título sintetiza o desa-
organizada por ex-combatentes a códigos e regras, e uma tentativa de tados, amplia sequências conheci- Namorado (JN) ou com o pseu- fio e a riqueza das pistas de leitura
que se juntou uma mulher da Beira, se inovar a partir do estranhamento, das com inéditos e dispersos (caso dónimo Álvaro Bandeira. Não por a que a poesia de JN dá azo, no que
que saíra de Moçambique depois da de um novo olhar lançado a realidades de “Invenção do poeta”, que abria acaso, é irrecusável a ponte entre obriga a questionar os lugares-
Independência. Ao ver o anúncio da conhecidas. J Incomodidade e se torna o pórtico este ciclo e a experimentação dos -comuns proferidos sobre a sua
viagem na internet decidir ir atrás da de Sob uma Bandeira), assim como possíveis e limites do racional em literatura empenhada e o alegado
mãe e escavar o passado. Este turismo reproduz datiloscritos, manuscri- Falsos Poemas Lógicos (1984). No descaso pela techne poética.
da memória, esta viagem a um pas- tos e diversos elementos icono- artigo “Novo Cancioneiro: his- Seabra Pereira (SP) recusa “vias
sado que continua por vários meios, gráficos. Fica, assim, evidente, toricidade de uma polifonia”, de sentido único” interpretativas,
pareceu-me muito sugestiva. Escrever nas palavras do organizador e publicado na Revista do Centro tenham elas o cariz detrator ou
é roubar da realidade. prefaciador, a “construção in de Estudos Portugueses, de Belo prosélito. As anotações breves que
progress de cada livro no quadro Horizonte, em 2017, António sobre JN fizera no seu monu-
“Uma história é tanto mais perfeita › João Paulo Borges da desenvolução em aberto da Pedro Pita dera evidência a Falsos mental As Literaturas em Língua
quanto mais se aproxima da Coelho Obra”. E, claro, abrem-se pistas Poemas Lógicos pela subver- Portuguesa (2019) indiciavam essa
realidade”, chega-se a dizer no MUSEU DA de interpretação não confinadas à são lógica e questionamento da justa metodologia. Antes de mais,
romance... REVOLUÇÃO cronologia das edições, em função relação poesia-real: compreensi- está ciente dos equívocos suscita-
Esse é o jogo que o narrador tem com Caminho, 488 pp, 21,90 de afinidades intermitentes de velmente não coubera dentro de dos pela “máscara de ferrabrás”
Jei-Jei, uma das personagens prin- euros tom, tema e estilo. Aviso à Navegação, que revisita neorrealista, como lhe chamou
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT LETRAS 17 LIVROS

Dionísio, que o autor empírico as- como “Noite calma dos portos”, tes não ocasionais, que arredam o
sumiu, e não se furta a encarar as “Invocação a Gomes Leal” e o que autor de Poesia Necessária da sim-
antinomias e esquinas desta obra SP entende ser o poema-charneira plista chateza neorrealista. Sendo
poética. Eduardo Lourenço havia- da sua obra, “A voz que me dita os essa a opinião declarada de Mário
-as identificado no ensaio que versos”, onde escuta o rasto ca- Cesariny, para enfrentar o neor-
lhe dedicou em Sentido e Forma moniano da “Elegia a D. António realismo, afinal não é assim tão
do Neorrealismo (1968), embora de Noronha”. Se a incisão mili- surpreendente que a sua antologia
defenda que sobre elas preva- tante implica o sujeito no devir Surrealismo/Abjecionismo (1963)
lece uma “retórica tratorista” e histórico coletivo, não se lhe pode inclua “Pequenos pedintes”, de
“alistada”, alienada da elaboração negar a dimensão lírica, inclusive Aviso à Navegação.
estética, pelo benefício dado à de cariz amoroso ou bucólico. Já No fundo, José Carlos Seabra
mensagem ideológica, e alheada Jorge de Sena, na antologia Líricas Pereira parte de um entendimento
da revolucionária modernidade Portuguesas (3ª. série), assinalara multivectorial da modernidade
pós-Pessoa. SP, por seu turno, que “sob o sarcasmo otimista e a poética portuguesa, que remonta
distingue JN das “contrafações pretensa brutalidade de expressão, ao alto romantismo, e avança a
populistas da intenção social no [se] escondia um lírico desespe- necessidade de recontar a história
neorrealismo” e alinha-o com rado”. do surrealismo entre nós. Daí
“a incorporação neorrealista das Estamos muito longe de uma referir a “associação anóma-
aquisições da contínua revolução compreensão histórico-literária la de imagens perceptivas que
formal operada pelas correntes linear. Namorado conjuga nolens em Gomes Leal tinham aberto
modernas da arte literária dita volens o fundo neorromântico com uma via proto-surrealista e que
‘burguesa’”, o que vê reiterado a pulsão realista, sem que associe Joaquim Namorado retoma, sem
na matéria modernista tratada no a literatura a uma ideia especular ostentação da ‘escritura automáti-
ensaísmo de Namorado. Joaquim Namorado “Fundo neorromântico e pulsão realista” ou à simplista eficácia comunica- ca’ ou outros temas de escola”.
Com base numa visão múltipla tiva: afirmar, como o faz em Falsos Por todas estas razões, a edição
e dialógica do tempo histórico Poemas Lógicos, “Tudo existe/ o de Sob uma Bandeira dá a conhe-
em literatura, a obra de JN ganha que se inventa é a descrição”, é cer uma tessitura complexa que
em ser vista como “amplexiva”, uma “relação de paragramatismo língua portuguesa que é Ilha de assumir o artifício e a invenção do confirma Joaquim Namorado
termo que SP elege para a mostrar divergente, recontextualizando e Santo Nome (1942), de Francisco literário, quando nomeia o real. como problema desafiante e lugar
na intersecção de conceitos de por isso redelineando o ethos e o José Tenreiro. Acrescem, depois, outras linhas polifónico de escrita poética com
literatura e poesia, assim como tom dessa poesia”. A este título, de análise: a tónica do humor e do inegáveis “qualidades de cativante
de momentos e vozes literárias veja-se “África”, dado à estampa EM TODO O CASO, A MÁQUI- escárnio, na linhagem antiga de surpresa”. J
de proveniência diversa. Como se em O Diabo, em 1940, e depois em NA de produzir entusiasmo desta Gil Vicente a Tolentino, de Gomes
reconhece em Aviso à Navegação, Aviso à Navegação (1941), e cujo poesia vai de par, melhor até, Leal a Tomaz de Figueiredo, *Carina Infante do Carmo é profª da
é interlocutor de Álvaro de impulso anticolonial antecipa, integra um desassossego melan- conforme verificara Mário Universidade do Algarve, membro do C.
Campos e Régio, mas também de dentro do “Novo Cancioneiro”, cólico, bebido nomeadamente Sacramento; o expressionismo E. Comparatistas da Fac. de Letras da
Whitman, Maiakovsky e Neruda. o marco da estética da negritude em Campos e comprovado em disfórico e caricatural, o insólito, Un. de Lisboa, autora de vários livros
No caso de Campos, trata-se de entre os escritores africanos de poemas axiais do itinerário de JN o absurdo, em rasgos surrealizan- de ensaios

11 maio

Célimène
Célimène Daudet © arnaud vignal

Daudet
Chopin
Debussy
GULBENKIAN.PT
mecenas mecenas mecenas mecenas mecenas principal
concertos para piano e orquestra estágios gulbenkian para orquestra concertos de domingo ciclo piano gulbenkian música
18 LETRAS↗

LIVROS
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT

Entre o clássico e a renovação?


esse pecado que absolve – o da
poesia.

LUÍS FILIPE CASTRO MENDES


(LFCM) é, atualmente, um dos mais
diretos herdeiros de uma poesia feita
PALAVRA DE POESIA a partir da consciência de que escre-
ver é ter em presença a harmonia en-
António Carlos Cortez tre o som e o sentido. Música de som
e de sentido poderia ser o eixo em
torno do qual se constrói Voltar. Se o
motivo pode ser Ulisses, creio que é
o eco de um verso antigo, o de Guido
Estes três livros tiveram edição já chancelas, emergem do esquecimen- Cavalcanti, que insinua a lógica do
há alguns meses, mas nem por isso to e trazem à nossa leitura a certeza livro, já que o poeta procura, em di-
devemos perder de vista a importân- de que o autor nunca quis ser um versos momentos deste livro de fino
cia de que cada um deles se reveste; poeta periférico. Litúrgico, eis o seu rigor, glosar essa certeza: “Porque
importância desde logo justificada tom, mas conviria talvez dizer “her- eu não espero voltar jamais”. Assim,
por serem três vozes de três gerações bertiano”, tão evidente é a presença esta frase une, numa mesma trama
diferentes: Luís Filipe Castro Mendes, do seu mestre. E nada contra – bem – a do som e a do sentido – poemas
cuja obra começa a publicar-se na pelo contrário, já que as imagens heteróclitos, redigidos para fazerem
década de 1980; João Rasteiro, nas- desta poesia igualmente recuperam ecoar as vozes do próprio poético:
cido em 1965 e que, nestes primeiros de Herberto um sedimento que nem Camões e Keats, Pavia e Kavafis.
20 anos veio a afirmar-se como cria- sempre se tem valorizado no autor Quer dizer: se a epígrafe de Carlos
dor de um universo poético pessoa- de Do Mundo – a sua oralidade, ou o Gardel é uma insistência no tópico
líssimo; e André Osório, nascido em poder xamanístico da sua palavra. do regresso, se uma outra epígrafe
1998. Começo por este último. Luís Filipe Castro Mendes JR não enjeita restaurar essa palavra de Horácio repõe na lógica do livro o
mágica, escrevendo poemas de tópico do exílio (exílio e regresso são
ANDRÉ OSÓRIO (AO) surge com um fôlego e exigência: “Nada de novo as faces de uma mesma moeda – a da
livro de estreia instigante, intitulado – o poema enlouquece/ Eu golpeio, poesia), creio que a figura de Ulisses
Observação da Gravidade, mas que O autor não esconde o eco do poéticas: “És a sombra/ que se esten- ou golpeia-me/ implícito à minha ultrapassa a mera intenção dialogante
tem a blindá-lo, contra eventuais poeta irlandês (como mostra a epí- de quando o sol atinge/ o meio-dia/ própria condição”. com a épica de Homero. O autor de
solicitações e emboscadas, o facto de grafe do livro) e há mesmo, em clave Entretanto/ escovo o teu cabelo/ com Ou esse magnífico poema, a p. Voltar persegue outro fito: que os
nascer de um período em que AO, citacional, um poema de abertura medo de não poder chegar ao fim” 75, um longo poema a homenagear poemas sejam, a partir de Ulisses,
um dos responsáveis pela revista onde a dúvida, a glosa do esqueci- (p.61). o magistério herbertiano, com funda meditações sobre os que, exilados da
Lote, estabelece as coordenadas da mento se recorta como poética em consciência do que se pede ao poema vida, merecem a gravação na lápide
sua poesia e em que o autobiográ- pano de fundo: “Este é um poema JOÃO RASTEIRO (JR), que reúne na em verso livre. A condição poética da linguagem (exemplar o poema
fico se vê como que armadilhado para ser esquecido./ Não lhe preten- coleção que Valter Hugo-Mãe dirige é, assim, rastreada sob o signo da “Ensaio sobre pertencer”).
pela constante instauração de um do imprimir a coluna,/ a pele sitiada a sua poesia, com título sintomático, vertigem, de uma poesia que se quer Poesia de circunstância, vincando
procedimento ficcional: a voz em pelos braços/ ou a véspera dos olhos” Ofício, não é nome menor na poesia missa e missal, oficiante (“Eu não bem a alta cultura de que nasce e o
diferido, ou uma parateatralidade (p.17). Recordação de fases existen- dos últimos 20 anos. Dividido em seis possuo outros manuais para entoar contexto concreto para que se dirige e
que AO apreendeu lendo Seamus ciais que passaram, AO articula, nas idades, aludindo a uma espécie de dentro do sangue este rumor dos de que se anima, LFCM, voz da mes-
Heaney, fazedor de uma poética da três secções da obra, uma espécie de futuridade, já que falta a sétima idade peixes-cegos no aquário níveo de teu ma linhagem de um David ou de um
biografia que em Death of a Naturalist conceito: o de um livro em jeito de de um livro porvir, JR mostra-nos as cintilante poema” (p.86). Em João Graça Moura, conversa com a tradi-
se apresenta como revisitação de um tese-antítese e síntese, com pontos razões arqueológicas desta edição: os Rasteiro é assertiva a sua ideia de ção: da Ítaca de Kavafis às palavras
passado, sempre sob o signo do cres- luminosos que deixam adivinhar, em volumes que, há anos, estavam esgo- poesia: trata-se de escrever a partir de Byron e sua Sintra, da presença
cimento e a transição entre a infância futuros volumes, uma voz atenta ao tados, ou eram de difícil leitura por de “Uma visceral ideia de solidão” de Valéry em Sète à ficção de Sena e
e a adolescência. enigma e poder da frase e da imagem terem sido publicados em pequenas (p.39), trazendo para o nosso tempo Sophia no princípio do mundo (em

Esconderijo
e luta, o mundo não pode ser só isso.
Dito isto, a opção de juntar dois volumes
originais num só limita esta questão, sendo
reflexo de um excelente trabalho da Arte de
Autor.
Escondido, desta feita de um passado

BANDA DESENHADA
amargo na Irlanda revolucionária, está
também o protagonista silencioso de
Giant do canadiano Mikaël, numa muito
João Ramalho Santos boa edição integral da Ala dos Livros.
Inspirada por uma icónica fotografia de
trabalhadores a construir os arranha-
céus da Rockefeller Plaza em 1932, a
A boa banda desenhada de matriz franco- localmente pelo Armazém), Notre-Dame- história segue os habituais temas de
belga (ou canadiana) continua viva, com des-Lacs revela-se, em simultâneo, culpa, fuga, redenção e conflito nas
muitas e diversificadas propostas. Por ambiente bucólico, prisão insuportável e ruas menos abonadas de Nova Iorque.
exemplo, a bela série Armazém Central esconderijo ideal. Com a hierarquia a estabelecer-se entre
(Arte de Autor) escrita e desenhada por No entanto, é também claro que o diferentes grupos à procura de melhores
Régis Loisel e Jean-Louis Tripp, (com deleite dos autores em desenhar (de dias, mas onde, apesar de tudo (ou por
notável cor de François Lapierre). Longe forma soberba) o universo que criaram, causa disso), se conseguem trabalhar
do cruel realismo de outros trabalhos de faz com que a narrativa evolua devagar. valores de solidariedade. Considerando
Loisel (como Peter Pan) o ambiente de uma Algo que é potenciado pelo onirismo por que a fotografia que a inspirou terá sido
pequena aldeia no Québec (onde os dois vezes açucarado ou por toques burlescos encenada, Mikaël aborda ainda o poder das
autores franceses residem) é utilizado, (Gaëtan, o “coro das beatas”, a voz “off” imagens, neste caso para esconder uma
não só para um retrato do dia a dia rural do falecido Felix). No entanto, em grande realidade de exploração e miséria por trás
nos anos 1920, mas para reflexões sobre medida os pequenos (não) acontecimentos da grandiosidade dos edifícios. Giant é uma
autoridade, tolerância, moral e (“bons”) do dia a dia são, em si mesmos, a narrativa. rol de elementos que apenas se consideram obra enxuta e bem feita, que questiona e dá
costumes. Porque, como qualquer Para além de personagens-chave presas secundários porque estão adaptados a uma a conhecer sem deixar de ser previsível, e,
comunidade isolada na orla de uma floresta em conflitos internos (as insatisfações realidade que nem lhes passa pela cabeça sobretudo, que não se arrasta a fingir ser o
impenetrável, mas que vislumbra ao longe de Marie, a homossexualidade de Serge), questionar. Loisel e Tripp lembram que, se que não é. Uma inesperada aposta que vale
a cidade grande de Montreal (representada Armazém Central conta com um extenso as grandes histórias se fazem de infelicidade a pena conhecer. J
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT LETRAS 19 LIVROS

Patrícia Müller
clave subtil em que ressoa a leitura
do poema de Sena ”Os trabalhos e os
dias” e o motivo da mesa como lugar

Romance histórico
da escrita e onde o mundo se fixa),
sem esquecer, por ironia e adesão,
contemporâneos (Golgona).
Mas o grande sinal de virtuosismo
deste livro, na verdade, está nisto: na

sem preconceitos
paleta imensa de formas que Castro
Mendes domina, do soneto ao poema
em prosa (ou quase), dos ritmos mais
conservadores ao coloquialismo mais
temperado. Que se leiam os poemas
“Samarcanda” ou “A noite de 24 de
Abril de 2020” em paralelo com os
dísticos do oitavo andamento de “Rio
de Janeiro 20 anos depois” e ver-se-á

OS DIAS DA PROSA
que, hoje, poucos são os poetas que
mostrem tal sageza na arte de fazer
poesia. J
Miguel Real

T
endo por base o guião televisivo homónimo tendência para o grotesco, rei, príncipes, rainha, nobres, aias, homens,
que escreveu para a RTP, Patrícia Müller (PM) mulheres são figurados como seres radicais, capazes do tudo ou do nada,
publica A Rainha e a Bastarda, um romance ora cruelmente naturais, ora espiritualmente diáfanos
histórico. Em 2016, tinha publicado o roman- Neste sentido, do lado dos primeiros tome-se o exemplo de Fernando
ce muito singular e de grande qualidade, Uma José Alpoim, o “homem-bicho”; do lado dos segundos, a própria Rainha
Senhora Nunca, retrato de uma família da elite Isabel, ditadora poderosa na sua Casa, expiadora dos pecados do mundo
económica e social do Estado Novo com vastas nos sacrifícios sanguíneos que comete voluntariamente no seu próprio
propriedades no Alentejo. corpo, bem como na seu desejo (neurótico) de privação de comida (ano-
A Rainha e a Bastarda é um romance rexia). O trabalho de PM sobre a personagem Rainha Isabel é magnífico,
histórico sem a aplicação dos códigos próprios deste subgénero literário. dando-nos um retrato extremado, mas originalíssimo, da sua vocação
Tematiza a Rainha Santa Isabel e o seu enlace religiosa, assumindo um estatuto herético (não
› André Osório
matrimonial com D. Dinis, bem como a guerra revelamos qual, o leitor descobrirá) que raia
OBSERVAÇÃO DA civil deste com o filho, o futuro D. Afonso o delírio psicótico em busca de uma pureza
GRAVIDADE IV. Ambientado no século XIV, retratando os divina.
Guerra & Paz, 88 pp., 10 euros costumes aristocráticos da corte no paço de Em 2010, António Cândido de Franco já
Frielas, em Lisboa, Leiria e Coimbra e no con- escrevera sobre Os Pecados da Rainha Santa
› João Rasteiro vento de Odivelas, a autora não se inibe de usar Isabel, mas PM eleva ao paroxismo a persona-
OFÍCIO por vezes – muitas vezes – um léxico atual, lidade de Isabel, apresentando-a como uma
Porto Editora, 404 pp., 23 euros como se não só escrevesse sobre o passado louca, relíquia derradeira de guerras religiosas
com as categorias mentais do presente, como, do sul de França e da Catalunha, diariamente
› Luís Filipe Castro Mendes ainda, envolvendo o enredo do romance de ele- em forçada penitência. Nas ações impondera-
VOLTAR mentos policiais, sexuais e de mistério. Assim, das, a Isabel juntam-se dois monges trajados
Assírio & Alvim, 104 pp., 14,40 euros são estas duas caraterísticas (léxico atual e de branco, que a defendem e a influenciam.
envolvência de uma história do século XIV em Quem serão, a que Ordem pertencerão? Por
géneros romanescos totalmente estranhos ao sua vez, D. Diniz é grotescamente figurado
tempo da diegese) que perfazem a singularida- como uma máquina sexual, espalhando pelo
de da escrita de PM neste romance. reino filhos ilegítimos, a um dos quais intenta
Permita-se-nos que, contra os leitores do legar o reino (Sanches) e não ao presumi-
romance histórico purista, que pressupomos,- do legítimo Afonso, apoiado por nobres que
constituem uma fortíssima maioria, elogiemos Patrícia Müller sentiam pela primeira vez escapar o seu poder
uma escrita assim. Lembremos o alto exem- feudal a favor de um Estado centralizado ini-
plo de O Nome da Rosa, de Umberto Eco, que ciado por D. Dinis. Afonso revolta-se contra o
cruzou com mestria o policial com o romance pai, é apoiado pela mãe, que tenta apaziguar a
histórico. Mas, para não darmos outros exem- luta entre ambos.
plos estrangeiros, lembremos a obra romanesca de João Paulo Oliveira Entre os bastardos de D. Diniz, existe Maria Afonso, a preferida do
e Costa (seis volumes sobre o Império, de Ceuta ao Japão, publicados rei, freira no convento de Odivelas, porém de costumes muito livres no
este século), na qual entrecruza igualmente o histórico com o policial, o que diz respeito a relações sexuais. É assassinada no início do romance
romance de espionagem e abundantes cenas sexuais, como o comprova e D. Diniz incumbe Lopo Aires Teles de descobrir o assassínio. Lopo as-
o seu último livro, A Estreia do Auto da Índia (2021), onde as intrigas sen- sume a figura do detetive atual no romance policial, a todos interrogan-
timentais e as práticas sexuais são numerosas. Portanto, PM está muito do. Outra personagem apresentada grotescamente, Lopo é um cético,
bem acompanhada nesta sua desumanizado pela morte do filho mais velho, que carrega literalmente
pretensão de libertar o romance aos ombros como se ele estivesse vivo e, posteriormente, pela morte
histórico da prisão exclusiva da do segundo filho. Porém, leal a D. Diniz, obedece, pagando mais tarde
narrativa histórica. com a devastação da sua quinta, incendiada, e inicia o desvendamento
› Argumento e desenhos de Jean- Diferentemente de J. P. das relações secretas entre os nobres, nas quais descobre que “há um
Louis Tripp e Régis Loisel (cor de
François Lapierre) Oliveira e Costa, que utiliza um segredo na corte. Um segredo de morte” (p. 211). Que segredo é assim
ARMAZÉM CENTRAL (VOL. léxico coetâneo dos séculos do tão poderoso? Deixemos o leitor saciar a curiosidade por si próprio.
4- CONFISSÕES; VOL. início da Expansão, PM utiliza Num romance de ódios, traições, de bestialidades, algumas camu-
5- MONTREAL) E (VOL. 6- inúmeras palavras atuais, com- fladas por intenções divinas (todas as praticadas por Santa Isabel), de
ERNEST LATULIPPE; VOL. binando-as com outras do século conspirações para se assassinar o rei, de guerras pela sucessão do trono,
7- CHARLESTON) XIV. Conclusão: a singularidade de miscelânea sexual (até o traseiro do cavalo Jeremias é violado), de
Arte de Autor. 150 pp., 26€ cada absoluta de A Rainha e a Bastarda troca de sexo por terrenos, destaca-se a aia de Isabel, Vataça, o elemento
assenta neste à-vontade com que mediador entre todos: viúva do nobre Martim, Vataça está presente na
› Argumento e desenhos de manipula a linguagem, cruzando
› Patrícia Müller
câmara do rei, é a faz-tudo de Isabel, está também presente na câmara
Mikaël as especificidades do passado de Lopo e teve relações com o homem-bicho. Por ela, sabemos dos tor-
GIANT (EDIÇÃO com as novidades linguísticas A RAINHA mentos que Isabel sujeita o corpo, das suas obsessões com os pobres, os
INTEGRAL) do presente. No trabalho sobre E A BASTARDA leprosos, os doentes, da sua mania de falar latim como língua de Deus.
Ala dos Livros. 120 pp., 25€ as personagens, nota-se uma Quetzal, 356 pp. 17,70 euros. Uma belíssima personagem, muito bem construída esteticamente. J
20 LETRAS ↗

ESTANTE
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT

Os ‘escritos’ de José Cutileiro ex-comando, “Bilhetes” publicados fundamen-


talmente no Semanário, a partir de 1983, na
Visão, desde 1993 (a maioria dos aqui reuni-
dos), com alguns finais em O Independente; "In
Memoriam", 243 pp. com os obituários que du-
Podia ter sido pior, um volume com (um os famosos 'Bilhetes de Colares', nos obituári- rante muitos anos, na fase final da sua vida, fez
pouco) mais de 800 páginas de "Escritos" os e na política internacional". Não incluindo, para o Expresso (só dois anteriores); "O mundo
de José Cutileiro, dá-nos uma amplíssima porém, o já publicado anteriormente em livro dos outros", textos variados, designadamente
e muito representativa seleção de textos, - o último dos quais foi Inventário (2020), que sobre política internacional; "Casa de Portugal",
mormente de magníficas crónicas, publicadas aqui recenseamos, com textos seus dado a apenas dois prefácios; "O futuro de Portugal",
pelo autor em jornais e revistas entre 1953 e lume no blogue Retrovisor. uma dúzia de artigos e o prefácio do seu livro
2020, ou seja: desde os 19 anos, pois nasceu Assim, o volume divide-se em várias partes. Ricos e pobres no Alentejo.
em 1934, e os 75, com que morreu. Numa nota A saber, e por ordem: "Os meus chorados", A obra, além do índice onomástico final, tem
editorial inicial, e num texto seguinte da viúva necrológios, ou melhor: evocações, de amigos ainda um prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa.
do antropólogo e poeta, desde o 25 de Abril próximos desaparecidos; "Um português no O atual Presidente, após referir o cosmopolitis-
diplomata que ocupou destacados postos, Afeganistão", o texto mais antigo, de 1953, de mo de Cutileiro - Kotter, sublinha: "Um anglo-
Miriam Sochacki Cutileiro, explica-se a ori- quatro artigos no Diário Popular; "A antropo- -saxónico mais puro e sofisticado era coisa
gem e o objetivo do livro, conforme a vontade logia é uma arte", escritos variados e saídos rara. Não necessariamente na diplomacia, mas
do autor e que começou a ser preparado por (exceto um) em diversos órgãos de imprensa, no viver a vida". E mais à frente escreve: "...
ele em 2016. entre 1961 e 2018; os tais famosos, inconfun- para quem se movia - e muito bem - em certo
Objetivo, referido naquela nota: "Reunir num díveis, "Bilhetes de Colares", do inglês A. B. › José Cutileiro Portugal, aquilo que, com frequência, escreveu
único volume o melhor do seu trabalho de im- (Freddy) Kotter, que além de uma Mãe muito PODIA TER SIDO PIOR, sobre o todo, ou outros Portugais, é de encher a
prensa, centrado no campo da antropologia, peculiar, tinha como valet J. (Zeca) Fonseca, D. Quixote, 812 pp., 29,90 euros alma". J

FICÇÃO leitura, tem uma nova investigação em 1923, na Bretanha, em França, são os títulos MAGGIE
pela frente. Desta vez, trata-se de no seio de uma família humilde, inaugurais Tradução de Sónia Amaro, Guerra & Paz, 116
de uma nova pp, 14 euros
Luís Corte Real uma chantagem a partir de um
vídeo sexual. O alvo é o presidente
que seguiu sempre as suas convic-
ções. Na Segunda Guerra Mundial,
coleção da
Guerra & Paz, › Edith Wharton
Fundador da Saída de da Câmara de Barcelona, o que juntou-se à resistência comunista,
que a editora
Emergência, Luís Corte conduzirá o nosso protagonista aos conseguindo salvar dois judeus
apresenta
ETHAN FROME
Real tem levado a sua corredores do poder, de intenções (recebeu mais tarde o título hono- Tradução de Maria Ferro, Guerra & Paz, 144 pp,
assim: 15 euros
paixão pela literatura nem sempre claras. À medida que rário Justo entre as Nações). Nos
“Novelas, romances ou contos da
fantástica não só para a narrativa avança, compõe-se anos 50, esteve ao lado do movi- primeira metade do século xx,
o catálogo da editora, também o retrato do polícia, depois mento independentista argelino, com o propósito de manter viva
mas também para a das primeiras impressões do tomo tendo por isso sido condenada a POESIA
junto dos leitores a literatura
escrita. Publica agora inaugural. Até porque o seu destino 10 anos de prisão. Uma verdadeira moderna. Livros para ler ou
o segundo volume das aventu- ficou marcado pela morte da mãe e discreta heroína que a escritora reler.” Maggie é o primeiro
ras de Benjamim Tormenta, um
detetive do oculto que se move
e pela tentativa de encontrar os
culpados. Acabou na prisão a ler
alemã há muito radicada em Paris
homenageia reconstituindo o seu
romance de Crane, um dos mais
singulares escritores americanos.
Margaret
na Lisboa do século XIX. Se, em
O Deus das Moscas Tem Fome,
Os Miseráveis, em cujas páginas
descobriu a sua vocação.
percurso. Um livro sem género,
quase prosa, quase poema, quase
Morreu aos 29 anos, mas numa
década escreveu o suficiente
Atwood
Tormenta cruzava-se com o rei biografia, quase narrativa, sempre para se tornar um autor de culto. Além de ser a mais
D. Luís, Fontes Pereira de Melo ou › Javier Cercas inspirador. O livro terá duas Segundo Paul Auster, que lhe famosa escritora
Eça de Queirós, agora é chamado INDEPENDÊNCIA apresentações, com a presença da dedicou recentemente uma canadiana, com obra
ao Porto e ao Egipto, onde terá de Tradução de Helena Pitta, Porto Editora, 328 pp, autora, em Portugal. Em Lisboa, no biografia, “pela primeira vez em todos os ‘géneros’
resolver uma das muitas praga do 18,80 euros Goethe-Institut, no dia 6, às 19. No na ficção americana, não é dito literários, Margaret Atwood (n.
Nilo. “À medida que reconstrói Porto, no Mira Fórum, no dia 10, ao leitor o que pensar — apenas 1939) é hoje conhecida e lida em
personagens históricas e ambien- também às 19. que lhe é pedido que se deixe todo o mundo, sobretudo como
tes, com precisão, mas eivados de
elementos sobrenaturais, Corte Anne › Anne Weber
envolver e que, depois, tire as suas
próprias conclusões.” Já Ethan
ficcionista, com numerosas obras
publicadas também em Portugal,
Real não constrói apenas narrativas
históricas, mas também, e a um
Weber ANNETTE, EPOPEIA DE UMA
HEROÍNA
Frome é uma obra que Wharton
publicou em 1911, passada numa
pelo menos desde os anos 80 e em
diversas chancelas. Agora sai, em
só tempo, com traços de fantasias Annette, Epopeia de Tradução de Helena Topa, D. Quixote, 176 pp, cidade fictícia. Nela habitam edição bilingue, o livro de poe-
históricas (mais um dos subgéneros Uma Heroína é um dos 14,90 euros várias personagens que nos mas Políticas de poder, já de 1971,
da tão prolífica mother fantasy) e livros mais falados dos dão a imagem de um homem, com a garantia de qualidade e o
de histórias alternativas, categoria últimos tempos na Alemanha, ven- o protagonista, marcado pelo interesse acrescido da tradução ser
especulativa por vezes associada à cedor do Prémio do Livro Alemão Crane e Wharton infortúnio. de Ana Luísa Amaral. Um poema:
ficção científica, em cujos enredos em 2020. Conta a vida de Anne Maggie, de Stephen Crane, e “Mentirá o corpo/ ao mover-se
imaginamos uma versão distinta Beaumanoir, uma mulher nascida Ethan Frome, de Edith Wharton, › Stephen Crane assim, serão estes/ toques, estes
para acontecimentos verídicos”, cabelos, este mármore/ molhado e
afirma Bruno Anselmi Matangrano macio que a minha língua percor-
no prefácio. re/ mentiras que me dizes?// O
teu corpo não é uma palavra/ não
› Luís Corte Real
ASSIM FALOU A SERPENTE Registo › Teolinda Gersão, O cavalo de sol Uma nova
edição (primeira na Porto Editora) do romance
mente nem/ diz a verdade// Ou
está/ só aqui ou não”
Saída de Emergência, 512 pp, 19,90 euros saído em 1989, e ao qual foi atribuído o Prémio Pen
› O socialismo científico no século XXI, de Romeu Clube relativo a esse ano. Com, no final, curiosas › Margaret Atwood
Cunha Reis Ao título atrás acrescenta-se, na capa “notas para um guião”, feitas pela escritora para POLÍTICAS DE PODER
Javier e prolongando-o: ”Quarta revolução industrial ou
revolução total?”. Assim fica bem definido o tema
uma adaptação cinematográfica que não chegou a
concretizar-se (Porto Editora, 228 pp., 13,63 euros)
Relógio d’Água, 136 pp, 17 euros

Cercas central dos ensaios deste oitavo livro do autor, que


propõe deles seja feita “uma leitura eminentemente › Ellery Queen, O mistério da laranja chinesa Os OUTROS
Segundo volume da crítica” (Primeira edição, 224 pp., 17,5 euros) livros da famosa Coleção Vampiro, “os mestres da
série Terra Alta, quer literatura policial”, continuam a ser reeditados, e na
marcou a entrada
de Javier Cercas nos
› João de Mancelos, A sombra de um homem só
Uma seleção, feita pelo próprio autor, de quase 30
mesma coleção, com a mesma chancela, desde que
ela passou a integrar o grupo da Porto Editora. Este
Textos
territórios do policial
e do thriller. Melchor Marín, um
anos de poesia, com versos de seis livros por si dados
a lume entre 1993 e 2019. Recorde-se que João de
título, por exemplo, é já de 1934, e escolhemo-lo
porque tem singularidade de (terá saído primeiro no
dramatúrgicos
jovem polícia com um passado Mancelos, prof. universitário, é também ficcionista e Brasil…) ser traduzido por James Amado (Livros do A Coleção Dramaturgia é ‘única’
obscuro e um gosto voraz pela ensaísta (Colibri, 142 pp., 12 euros) Brasil, 286 pp., 8,80 euros) entre nós e só possível, decer-
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT LETRAS 21 ESTANTE

to, pela sua vertente


universitária, edi-
tada pela Imprensa
qual é o preço a pagar
pelo progresso?” Eis
as perguntas prin-
Sandro Veronesi
da Universidade de
Coimbra. Tendo como
diretor Fernando
cipais que Malcolm
Gladwell coloca no seu
novo livro. O autor
Laços de família
Matos Oliveira, com
dois adjuntos e um
conselho editorial de docentes da
de Outliers, Blink,
David e Golias e Falar
com Desconhecidos debruça-se
numa Itália em mudança
mesma e de outras universidades, desta vez sobre a ideia que um
mais os apoios, designadamente, grupo de pilotos do Alabama, nos
do Teatro Académico Gil Vicente, EUA, teve nos anos que antecede-
de Coimbra, e do Teatro Nacional ram a Segunda Guerra Mundial. memória, que tantas vezes funcionam por asso-
D. Maria II, de Lisboa. E é nela que Marcados pela experiência do ciação, mais do que por ordem cronológica. Todas
sai A Palavra e o Corpo Ausente conflito de 1914/18, estes pilo- estas decisões foram muito orgânicas.
— Laboratório de Dramaturgia tos começaram a pensar se não
em Estado de Exceção, volume seria possível fazer com que os Um romance de total liberdade?
que reúne um conjunto de textos bombardeamentos fossem mais Não sei se é liberdade, talvez confiar mais em mim.
dramatúrgicos de oito autores precisos, dispensando dessa forma Neste processo, lembrei-me até de uma passagem
europeus de diversos países (dois a colocação de tropas no terreno. da Bíblia, no evangelho de S. Marcos, quando Cristo
portugueses) “escritos no âmbito Ficaram conhecidos como A Máfia aconselha-o a não pensar no que dirá n‘O dia que
da edições 2020-2021do projeto de dos Bombardeiros e a tecnologia mais espera. Na altura saberá o que dizer, será inspi-
formação teatral École des Maitres. que desenvolveram revelou-se rado (pelo Espírito Santo, claro). É um bom conse-
Prefácio, “A emergência do teatro tanto protetora, quanto mortífera. lho. De confiar em nós próprios. Se hoje continuo a
em tempo de coronavírus”, do “Há um conjunto de problemas fazer alguns planos e a pensar na estrutura, a partir
diretor do projeto Davide Carnevali morais que podem ser resolvidos de O Colibri tudo é depois desmantelado. Escrevo o
usando apenas a consciência e a primeiro capítulo e depois sigo por aí fora.
› Vários vontade. Mas há outros problemas
A PALAVRA E O CORPO que podem ser resolvidos com O primeiro capítulo de O Colibri está cheio de
AUSENTE perspecácia”, escreve Malcolm símbolos a envolver a personagem principal.
Imprensa da Universidade de Coimbra, 458 pp. Gladwell. “O génio da Máfia dos Semeou para colher mais tarde?
Bombeiros era fazer essa distin- Sim, claro, estava a facilitar os próximos passos, quer
ção.” nos avanços, quer nos recuos. Mas, na verdade, as
civilizações ocidentais talvez tenham perdido a ca-
› Malcolm Gladwell
25 de Abril A MÁFIA DOS
pacidade de reconhecer os símbolos de um romance.
Aliás, na raiz grega, tudo era simbólico, os factos
Um livro invul- BOMBARDEIROS Sandro Veronesi “As civilizações ocidentais talvez eram meros veículos para os apresentar. Hoje, é ao
gar, apresentado, na Tradução Inês Vaz Pinto, D. Quixote, 192 pp, tenham perdido a capacidade de reconhecer os contrário, há uma esmagadora presença de factos,
badana, como "obra 15,90 euros símbolos de um romance” de peripécias, e mesmo que os símbolos estejam lá
de ficção resultan- o leitor não os reconhece. O nosso enquadramento
te de uma profunda mental não os valoriza. Ter um médico oftalmologis-
pesquisa histórica e de ta que não vê o seu passado como protagonista é um
inúmeras conversas do
autor com alguns dos Alberto Teve uma cidadela só para si, em Cascais,
uma sala numa livraria (a Déjà Lu) e um “bom
símbolo muito óbvio, mas há muito outros.

principais atores da Revolução",


enquanto na página com a "ficha"
Manguel restaurante”. Não podia ter corrido “melhor” a
residência literária que Sandro Veronesi realizou,
Estaremos a passar pouco tempo com um livro, um
filme, uma série?
do volume se acrescenta que "ape- Ler e escrever, passo no mês de abril, a convite da Fundação D. Luís Sim, consumimos constantemente, a querer mais
sar de os nomes das personagens a passo, dia-a-dia. I, e por onde já passaram Jonathan Coe, Michael e mais. Passamos por florestas de símbolos com o
corresponderem a pessoas reais, os Foi com essa ideia que Cunningham e Javier Cercas. O escritor italiano olhar apenas no desfecho do enredo, perdendo a
diálogos são resultado de criação Alberto Manguel se aproveitou para organizar as primeiras do seu oportunidade de saborear toda a carga simbólica.
literária e da imaginação do autor". dedicou a um Diário próximo romance e para acompanhar o lança-
Ora, mesmo os diálogos se nos de Leituras. Para cada mento de O Colibri, ficção de 2019 que lhe valeu Ao contar a história de um homem quis também
apresentam com grande verosimi- mês do ano, um novo o segundo Prémio Strega, antes atribuído ao seu retratar uma época da História italiana?
lhança – e muito mais do que obra livro. Na reedição que Caos Calmo, adaptado com grande êxito ao cine- Nunca tive essa intenção. Mas as décadas de 50 e 60,
de ficção este A Noite dos Heróis, agora chega às livrarias, pela mão ma por Nanni Moretti. Um tempo de isolamento quando se inicia a viagem do protagonista, foram
de Paulo Matias, é uma magnífica da Tinta-da-China, o escritor e para Sandro Veronesi, nascido em Florença, em muito importantes para Itália, anos em que verda-
narrativa, que reconstitui, muito ensaísta, hoje a viver em Lisboa, 1959, continuar a confiar em si. deiramente se assumiu como país. E isso deveu-se
bem, com as personagens verda- onde dirige o Centro de Estudos da em parte ao surgimento de uma classe média com
deiras, factos, datas e situações História da Leitura, criado a partir Jornal de Letras: Qual foi o ponto de partida deste boa formação e vários interesses culturais, que, no
reais: a história de todo o essencial, da sua biblioteca, acrescentou um romance? fundo, podia ter uma boa vida. Nesta época, todas
e de muitos episódios relevantes, 13.º capítulo dedicado a Viagens da Sandro Veronesi: Era uma história que me acom- as divisões entre norte e sul estavam acantonadas na
da conspiração que derrubou a Minha Terra, de Almeida Garrett, panhava há muito tempo. E lembro-me bem de velha aristocracia ou nos mais pobres. A esta classe
ditadura e nos trouxe a liberdade. lido em setembro de 2021. Mais do uma série de decisões — algumas corajosas — que média se deve a surgimento da moderna e pode-
Assim, um livro que vale muito a que análises críticas, este diário é tomei quando percebi que havia chegado o mo- rosa Itália. Quis fixar uma família dessa classe, em
pena ler, não como "obra de ficção" feito de pequenos apontamentos mento de a contar. Como apagar qualquer traço de Florença, uma família infeliz, como sugere o manda-
mas como magnífica narrativa/ pessoais, de memórias e de pas- cronologia, isto é, de começar no passado e seguir mento de Tolstói. É uma infelicidade moderna por-
testemunho sobre a preparação sagens que iluminam uma obra ou a sucessão de factos e acontecimentos. A seta do que também nessas décadas houve uma revolução
da “revolução dos cravos” e em traçam o perfil do próprio Alberto tempo teria de ser totalmente desfeita, até porque nas relações pessoais, com a renovação dos papéis.
particular o que aconteceu nos dias Manguel. Como esta: “Não fui a sabia que a história que queria contar estava cheia É nesta tensão entre a modernidade e tradição que
23, 24 e 25 de Abril de 1974. Santarém, para onde Garrett diz de tristeza e luto. Uma dimensão que faz de qual- Marco Carrera vive. J LUÍS RICARDO DUARTE
que se dirige. Será que Garrett co- quer perda um processo tão doloroso é justamente
› Paulo Matias nhecia o poeta Ibn Bassam, do sé- a impossibilidade de voltar atrás. Mas num roman-
A NOITE DOS HERÓIS culo XII, ilustre filho de Santarém, ce tudo é possível. Prefiro um leitor meio perdido,
Parsifal, 200 pp., 16 euros que, como Garrett, desejava ser um mas mais próximo do sentir e das recordações do
dos novos e considerava que a poe- protagonista.
sia não foi esgotada pelos antigos:
Malcolm muito resta de valor para cantar e
dizer”.
Que outras decisões tomou?
Avançar de capítulo em capítulo consoante o que a › Sandro Veronesi
Gladwell › Alberto Maguel
minha vontade de me dizia naquele momento. Era
certo que iria recordar uma vida inteira, a de um O COLIBRI
Tradução de Cristina
“O que acontece quando a UM DIÁRIO DE LEITURAS homem desde a sua infância até à morte, mas nada
Rodriguez e Artur Guerra,
tecnologia e as boas intenções Tradução de Rita Almeida Simões, Tinta-da- decidido por antecipação, ao contrário de outros Quetzal, 328 pp, 18,80
conflituam em tempo de guerra? E China, 228 pp, 19,90 euros romances meus. Usar na escrita os mecanismos da euros
22 ↗
ARTES 4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT

Carla Filipe
A(s) bandeira(s) da arte
Tantas quantos os estados membros da União Europeia em 2019, antes do Brexit, e diretamente proporcionais ao PIB dos
diferentes países, são 28 bandeiras de diferentes tamanhos numa instalação, Hóspede, que interpela a Europa e o conceito
de hospitalidade. Inaugura-se a 14, na Galerie Carrée na Villa de Arson, em Nice, na sequência de um percurso em que a
artista – que em 2023 terá uma exposição antológica na Fundação de Serralves - usa as “ferramentas do passado” para
“pensar o presente sempre tão complexo”, como diz ao JL

O
MARIA LEONOR NUNES

STEVE NISHIMOTO
O histórico “A Poesia Está na Rua”, de
Vieira da Silva, ou um outro cartaz de
Maria de Lourdes Pintasilgo, um livro
de Maria Lamas ou um autocolante da
entrada de Portugal na CEE, materiais
gráficos, publicitários, de propaganda
política e sindicais, são vestígios de Carla Filipe apresenta agora
uma cultura visual, de um tempo e Hóspede, integrada na programação
de uma sociedade que Carla Filipe da Temporada Cruzada Portugal-
resgata na sua arte, trabalhando-os França, a partir do próximo dia 15 Pensa-se na Europa
no desenho, na colagem, no texto, na até 28 de agosto, na Galeria Carrée
edição, na fotografia, na intervenção na Villa de Arson, em França, com como utopia e existe
site specific, na performance. curadoria de Marta Moreira de escravidão no espaço
É na ideia de arquivo que radica o Almeida, coproduzida pela Fundação
seu processo criativo, partindo da re- de Serralves, onde a artista terá uma
europeu
colha e apropriação de objetos, docu- exposição antológica, no próximo
mentos, imagens, da recuperação de ano, a assinalar duas décadas de
memórias coletivas, individuais, pes- trabalho. A bandeira da arte para um
soais, para traçar um ‘retrato’ social e olhar diferenciado sobre a Europa. resto. Não faço qualquer referência ao
cultural e equacionar o presente. Uma nome dos países. Mas o curioso é que
quase ‘antropologia’ artística com um Jornal de Letras: O que a levou a já me perguntaram se não o iria fazer,
trabalho de campo sistemático, nas querer refletir sobre a Europa em porque as pessoas não sabem identi-
suas constantes voltas por alfarra- Hóspede? ficar todas as bandeiras. Eu própria,
bistas e lojas de ’segunda mão’ em Carla Filipe “Um olhar diferenciado sobre a Europa” Carla Filipe: Há muito tempo que apesar de já as ter decorado, por estar
demanda de achados que incorpora e tive a ideia da Europa a refletir sobre a trabalhar com elas, por vezes tenho
transforma, recria e reescreve nas suas ela própria, mas não sabia como iria que confirmar. Ficamos um bocadi-
obras, conferindo-lhes um renovado desenvolver o trabalho. E de repente nho desorientados em relação a quem
poder de evocação e de intervenção. comboio, com a sua pequena horta, iniciais, integrou também o Projeto surgiram as bandeiras, em termos são os membros da União Europeia.
E “nunca são apolíticas”, como diz ao onde também trabalhava, muitas Apêndice. Em 2009, ganhou uma formais, o olhar sobre nós próprios. São 28 bandeiras dos 28 países, con-
JL, sublinhando a propósito: “Toda a vezes a contragosto, talvez venha bolsa da Gulbenkian para uma tando ainda com a do Reino Unido.
arte é sempre política.” igualmente o gosto pelas plantas, residência artística em Londres, na E porquê bandeiras?
Carla Filipe nasceu em 1973, pelo mexer na terra, pelas hortas, ACME Studios. Há muito que as uso no meu trabalho. Essa é a bandeira caída, depois do
numa casa da CP, em Aveiro, e aos que igualmente tem criado no seu Ao correr do tempo, fez já duas A bandeira é um símbolo. Mas foi Brexit…
três meses mudou-se para Vila Nova trabalho. dezenas de exposições individuais e quando encontrei numa loja de coisas Exatamente. Foi qualquer coisa
da Barquinha, onde cresceu a ver Mudar-se-ia para o Porto, onde participou em cerca de 40 coleti- em segunda mão, naquelas a que vou que não se imaginaria há 15 anos
passar os comboios, já que a mãe ainda vive, para estudar Escultura na vas, no país e no estrangeiro. Entre muitas vezes, nas minhas voltas, um e que teve muita importância, por
era guarda de passagem de nível. É, Faculdade de Belas Artes do Porto, elas, destacam-se a participação na autocolante da entrada da Espanha e ser uma potência, a terceira no eixo
aliás, descendente de duas gerações onde depois fez um mestrado em Manifesta de S. Paulo, com Migração, de Portugal na Comunidade Europeia, com França e Alemanha, o que veio
de ferroviários e viveu no seio dessa Práticas Artísticas Contemporâneas. Exclusão e Resistência, em 2016. que a ideia se desenvolveu. desequilibrar. E as bandeiras são de
comunidade. Um dos seus projetos Começou a expor o seu trabalho no E ainda as recentes Desterrado, na dimensões variáveis, consoante o PIB
mais marcantes, Da Cauda à Cabeça, dealbar dos anos 2000, no Salão Manifesta 8, e Amanhã Não Há Arte, Em que sentido? de cada país.
apresentado em 2014, no Museu Olímpico, numa cave de um café, na no MAAT, em Lisboa, em 2019, em O autocolante tinha um boneco de
Coleção Berardo, passou precisamente Rua Miguel Bombarda, que ocupou que chamava a atenção para os “di- braços abertos e pensei que realmente Uma Europa a várias velocidades,
por esse universo. com um grupo de jovens artistas. reitos e para a fragilidade” em termos a imagem da Europa era tão esperan- desigual, consoante as suas diferentes
Além do sonho de viagens, da Aí, fez a sua primeira exposição laborais dos artistas, que a pandemia çosa, tão bonita, tão feliz. Mas só tinha dimensões económicas?
sua casa de infância, junto à linha do individual, em 2004. Nesses tempos viria expor. os 12 países da altura e construi o Quando se fala da União Europeia,
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT ARTES 23 ENTREVISTA

fala-se normalmente da liberdade, de


uma ideia pacífica, generosa, muito
bonita, mas a verdade é que existem
realidades distintas, contraditórias, A questão gráfica é
diferenças culturais que, por vezes,
chocam entre si. E há países com muito forte no meu
um peso económico diferente, uns trabalho e tem a ver
que produzem mais do que outros,
o que também faz parte do acordo.
com a curiosidade que
Portugal está ligado ao turismo, ao sempre tive em relação
servir o outro. Gerou até um boom
de pequenos empresários, mas em
às imagens

CESCPOMPREIA, 2021
relação ao emprego uma grande
precariedade, baixos salários.
de procura e de valorização. Comprei
Alguns são senhorios, outros imensos.
hóspedes na casa europeia?
E se um saiu, há sempre hóspedes A pesquisa é muito importante no seu
que querem entrar: a Turquia, agora processo criativo?
a Ucrânia... Sim. Tenho muito material guarda-
do e estou sempre a procurar mais.
Hospitalidade e preconceito Quando me interesso por alguma
Em que medida a ideia de coisa vou investigar. Por outro lado, os
hospitalidade a motivou donos das lojas onde costumo ir já me
artisticamente? conhecem e eles próprios me chamam
É um conceito muito interessante, a atenção para um jornal ou um livro.
nomeadamente na conceção de
Jaques Derrida. Prende-se com a ABRIR O CAMPO
ideia de receber o estranho como Há também um lado autobiográfico
CARMEN LOURO / L+ARTE

amigo. Mas também tem que ver com que move essa pesquisa?
o nosso dia-a-dia, como recebemos Há, porque não gosto de ser neutra. A
em nossa casa, se abrimos a porta presença do sujeito é uma afirmação
a todos. Bauman fala do não abrir

FILIPE BRAGA
do que pensa e da sua responsabilida-
a porta a estranhos. Tudo isso vai de no trabalho. E sermos responsáveis
de encontro aos estereótipos que é muito importante. Temos uma
temos. Nós não estamos livres de ter opinião a dar e a minha visão e inter-
preconceitos e ideias feitas, por mais Processo artístico “A minha visão e interpretação entram sempre no trabalho que faço” pretação entram sempre no trabalho
que achemos que não. É só com o que faço. Mas nunca de uma forma
confronto com os factos e com a rea- fechada. O meu olhar é aberto. E
lidade que percebemos como somos sobretudo, trata-se de trabalhar sobre
preconceituosos. Como acontece no Alentejo com falamos de arte política, no entan- no Mundo, e fiquei fascinada com a o que conheço.
outros migrantes... to, as pessoas tendem a pensar em pesquisa dela. No fundo, ela fez, em
Dizem que os portugueses são muito Precisamente. Pensa-se na Europa partidos ou em qualquer coisa de relação às mulheres, o trabalho que Na exposição Da Cauda à Cabeça
hospitaleiros. É uma mais-valia para como utopia e existe escravidão no panfletário. Como uso muitos cartazes o Giacometti realizou na música ou abordou um mundo que conhecia
o turismo, mas também tem sido espaço europeu. políticos, até já me perguntaram se era Ernesto de Sousa na cultura popu- bem da sua infância.
evidente com o acolhimento aos do Partido Comunista… lar. E não tem a projeção que devia Há sítios onde eu regresso e descu-
ucranianos. O facto de ser uma exposição para ter. Como continua na sombra? Não bro que me são estranhos, apesar de
Aí há uma questão de confiança. a Temporada Cruzada também foi VALORIZAR E TORNAR VISÍVEL percebo. O meu trabalho é mais vasto, serem muito presentes. A memória
Porque conhecem já bem e tinham desafiante no sentido de pensar o O que lhe interessa particularmente mas estou interessada em dedicar-me constrói a relação com o próprio espa-
uma relação com os imigrantes espaço europeu? nesses cartazes e materiais gráficos? mais ao feminismo português, pouco ço. Portanto, não foi apenas um pro-
ucranianos. Aliás, estamos a ver Claro. No início, ainda tentei criar A questão gráfica é muito forte no meu valorizado, para tornar essas mulhe- jeto autobiográfico, abri o campo para
esse sentimento de hospitalidade na uma ligação aos sindicatos, procuran- trabalho e tem a ver com a curiosida- res mais visíveis. a modernidade, de que o comboio é
Europa, mas é em relação aos que nos do perceber se teria havido movimen- de que sempre tive em relação às ima- um símbolo. Tal como se relaciona
são, de alguma maneira, próximos. tos nesse sentido ou do cooperativis- gens, por exemplo, em enciclopédias, Maria Lamas poderá figurar numa com fluxos migratórios, rompe com a
mo, na comunidade portuguesa em onde podemos encontrar um mapa ao próxima exposição? geografia, é transgressão, vanguarda.
O mesmo não acontece em relação França. Mas não tive feedback e decidi lado de uma pintura na página. O que Sim. Numa que farei em setembro, Por outro lado, houve uma interven-
aos refugiados e migrantes que alargar o projeto a todos os países. A faço é muito influenciado por essa ló- nos açores, no Centro Arquipélago. ção política muito importante dos
vêm de outras paragens e de outras Temporada tem um lado ligado aos gica da paginação, pelos livros de arte, Pensei abordar a questão das mulheres ferroviários, por exemplo com a parti-
guerras. Já trabalhou as questões negócios, ao diálogo diplomático e a até porque venho do Ribatejo e só tive talvez pelo catolicismo que existe cipação nas greves gerais, na Primeira
migratórias, nomeadamente na cultura aparece muitas vezes como acesso a museus já adulta. Também nas ilhas. E vou já introduzir a Maria República. Através dos caminhos-de
instalação Desterrado. o postal muito convidativo para esse me interessa o arquivo, o design, neste Lamas neste trabalho, tal como outra ferro é, portanto, possível dar várias
A Manifesta era muito focada nesse tipo de relações. A cultura define, caso com a definição de cada país com feminista, que entretanto descobri, realidades sociais. Mesmo quando
campo entre Múrcia e o norte de realmente, a identidade de um país e as suas bandeiras. Alice Moderno, que criou um hospital viajamos na Europa percebemos os
África, circunscrita a essa ligação a arte tem sempre muito a dizer. Só para animais, no final do séc. XIX. estereótipos culturais em relação ao
do Mediterrâneo. E quando esses que nem chega, pelo menos aqui em Numa entrevista referia-se em outro, a discriminação, por exemplo,
migrantes chegam ao Mediterrâneo, Portugal, a 1% do PIB. concreto, por exemplo, a um cartaz Procura trazer à luz, através das do português por causa da ideia do
a viagem de muitos deles pode de Maria de Lourdes Pintasilgo que a suas criações, figuras, factos mais emigrante analfabeto. A exposição
durar há muitos meses. Fiquei muito Se tivesse como medida os tinha impressionado muito. Porquê? esquecidos, de certa forma marginais, partiu do facto de ser filha de ferro-
impressionada com toda a máfia que orçamentos para a cultura, talvez Sim, nesse tempo havia muitos menos visíveis? viários, mas depois abre o campo para
existe em torno dessa situação. Só as suas bandeiras tivessem também cartazes espalhados pelas ruas. Esse Interessa-me sempre trabalhar diferentes narrativas.
que as realidades de onde vêm essas dimensões muito diferentes… impressionou-me porque a Pintasilgo sobre factos pouco conhecidos ou
pessoas são ainda piores que todos os Na investigação que fiz, verifiquei que foi a primeira mulher primeira-mi- esquecidos. Foi o que fiz em Bordas Ao usar materiais e narrativas do
riscos da travessia. Mas senti algumas a República Checa, que não tem dos nistra em Portugal, uma das primeiras de Alguidar, uma sátira política em passado procura pensar também o
dificuldades em falar do outro que eu PIB mais altos, está em quinto lugar no mundo. E sendo uma criança, diálogo com Bordalo Pinheiro. Não futuro?
não conhecia. E, na altura, saiu uma em relação aos direitos dados aos nesse mundo de adultos, para mim compreendo porque a sua obra ligada Contraponho fases do passado no
notícia num jornal sobre um grupo artistas. As prioridades também têm o foi muito importante ver uma mulher aos jornais políticos não é tão valo- presente. Não gosto de falar de futuro,
de portugueses que trabalhavam seu peso na dimensão das bandeiras. ocupar um lugar na política. Era um rizada como a cerâmica. E algumas que acho que é do discurso político,
em condições de escravatura, na avanço, um fluxo de esperança muito das suas sátiras até são muito atuais. da campanha. Uso os instrumentos
agricultura em Múrcia. Os traficantes Uma instalação como Hóspede é forte. Olhar esse tempo é para mim Descobri esses jornais numa livraria, do passado e do presente para pensar
também lhes prometeram trabalho, também uma intervenção política? muito simbólico em termos de uma a Moreira da Costa, e cada um custava o próprio presente. E o presente é tão
depois tiraram-lhes os papéis e eles Acho que toda a arte tem sempre utopia que nunca se concretizou. Há só três euros e têm cem anos. Um au- complexo... Mas não sou nostálgica,
ficaram ali enjaulados, maltratados um caráter político. O que eu faço pouco tempo, descobri também Maria tocolante muito mais recente, é mais sou virada para o futuro, que é cami-
dentro da própria Europa. seguramente não é apolítico. Quando Lamas, os seus textos de A Mulher caro, o que mostra bem como há falta nhar para a frente. J
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT ARTES 25 ENTREVISTA

Sérgio Agostinho
O teatro em construção
A nova criação do Peripécia Teatro, A Peça em 4 Turnos, estreia amanhã, 5, no Teatro Municipal de Vila Real. E dá
continuidade em palco ao documentário Operário Amador, num ciclo que nasceu da “vontade de preservar a memória”
do Teatro Construção e das pessoas que o fizeram, em Joane, depois do 25 de Abril, como diz ao JL Sérgio Agostinho,
diretor artístico da companhia sediada na aldeia de Coêdo, em Trás-os-Montes

MARIA LEONOR NUNES


Quase um “manifesto” sobre o E é no trabalho em palco que vão TEATRO NA ALDEIA
teatro, A Peça em 4 Turnos conta a surgindo as ideias e o espetáculo De amador a profissional, como foi o
história de um “grupo de operários vai crescendo. Neste caso, tem sido seu percurso?
que acreditam que o teatro deve ser divertido esse jogo do teatro dentro do Estive no Teatro Construção até aos
um meio para melhorar a vida das teatro, de interrogar o que é o teatro. 15 anos e até ao Peripécia foi uma
pessoas”. E, a um tempo, é um “hino E convidamos o público a divertir- viagem com muitas peripécias.
ao teatro amador”, como adianta -se connosco e, de certa forma, a Estudei na Escola Superior de Teatro
ao JL Sérgio Agostinho, diretor do aprender a terminologia, as dificulda- e Cinema. Fiz Erasmus na Real Escola
Peripécia Teatro que, neste novo espe- des com que nos confrontamos para Superior de Artes Dramáticas de
táculo, pretende prestar homenagem fazer o espetáculo, que, de resto, tem Madrid, onde conheci a Noélia e o
ao Teatro Construção, criado por várias camadas. É uma peça que conta Angel Fragua. Os três coincidimos
trabalhadores têxteis do Vale do Ave, a história de operários que acreditam em vários projetos em Espanha e em
nos anos 70. que o teatro deve ser um meio para Portugal e, a dada altura, sentimos
Foi em 2017 que o ator pensou melhorar a vida das pessoas. que era a altura de criarmos a nossa
registar as memórias desses operári- própria companhia.
os-atores amadores, num documen- Concorda?
tário justamente chamado Operário Em parte. A Peça quase poderia ser Também tem sido uma peripécia
Amador, estreado em outubro do ano um pequeno manifesto sobre o que é o manter uma companhia de teatro
passado. E a mote dos testemunhos teatro. Como qualquer arte, contribui numa aldeia, em Trás-os-Montes?
recolhidos, fez-se A Peça, uma cria- para nos encontrarmos e percebermos É uma luta difícil, até por coisas
ção coletiva, encenada por José Carlos a nós próprios e conseguirmos viver banais como reunir um elenco. Neste
Garcia. Do elenco fazem parte Noélia melhor com o Outro, com o mundo espetáculo, somos cinco pessoas
Dominguez, Patrícia Ferreira, Pedro que nos rodeia. Mas, pessoalmente, tal em cena e duas vêm de fora de Vila
da Silva, Tiago Santos e o próprio como todos na companhia, acredito que foi uma referência, no norte do Real, uma da Galiza, outra de Lisboa,
Sérgio Agostinho. que o teatro é uma forma de abrir país, na década de 1980. A associa- tal como o encenador José Carlos
A peça está em cena dias 5 e 6, consciências. E essa é uma frase que se ção Teatro Construção ainda existe, Garcia. Por outro lado, é uma região
no Teatro Municipal de Vila Real, diz no espetáculo. Acreditamos que as com 45 anos, é agora uma IPSS. O muito desertificada, um território
sendo posteriormente apresentada primeiro passo para nos metermos com uma população muito dissemi-
no Festival Mimarte, em Braga, a 7 de A peça é inspirada na história real
populações das aldeias nesse universo foi encontrarmos os nada e, embora tenhamos proporci-
julho, e na abertura do Lua Cheia Arte que recuperam num documentário, de Trás-os-Montes e que estiveram envolvidos e ouvirmos onalmente muito público, só temos
na Aldeia, o festival que o Peripécia Operário Amador, que fizeram antes? as suas histórias. Essa pesquisa deu como principais polos de apresen-
Teatro realiza anualmente no verão, No espetáculo não contamos a história
de regiões como esta o documentário e está na base do tação Vila Real, Sabrosa, Macedo de
em Coêdo, onde a companhia reside que é contada no documentário. Mas também têm direito à espetáculo teatral. Cavaleiros e Bragança. Acabamos por
e desenvolve o seu trabalho há 18 há pontos de toque, ligações, que se mostrar também o nosso trabalho
anos. Este ano terá lugar de 12 a 17 de podem encontrar. Por exemplo, todos
arte Que é igualmente uma homenagem por todo o país e no estrangeiro,
julho, e contará com a artista Paula os atores são operários. Inventamos ao teatro amador? sobretudo em Espanha e na América
Magalhães, em residência, e com a uma história própria para A Peça. É um hino ao teatro amador que, Latina.
participação do Chão de Oliva, de infelizmente, está a desaparecer no
Sintra, da Estação Teatral, da Beira Como surgiu a ideia do a morte de um jovem operário de 17 nosso país. E os governantes, todos, Apesar de todas as dificuldades,
interior, de O Bando, de Palmela, documentário? anos, num acidente de trabalho, na devíamos refletir sobre as razões. o Peripécia já tem 18 anos. Não se
numa coprodução com o Teatro de Quisemos preservar a memória de fábrica. Então, eles juntaram-se e Eu venho desse universo e de igual arrependem dessa opção?
Montemuro. A encerrar, o documen- um grupo de operários têxteis, de fizeram uma peça a que chamaram modo a Noélia Dominguez, também Pensamos que o teatro é um fator de
tário Operário Amador. E o Peripécia várias fábricas do Vale do Ave, na A Morte de Valentim e que estreou fundadora da Peripécia. Somos uma desenvolvimento. Porque pro-
apresentará ainda mais um Conto zona de Famalicão, Guimarães, que, no 1.º de Maio. Essa foi a semente do companhia profissional, mas apre- duzimos espetáculos, temos que
Contigo, um projeto de leitura de con- a seguir ao 25 de Abril, decidiram movimento teatral que surgiria em sentamos, muitas vezes, os nossos construir cenários, alojar e alimen-
tos, que desenvolve desde 2018, com criar uma companhia, o Teatro Joane. E essa génese diz muito do espetáculos em festivais organizados tar os convidados… Damos o nosso
a Casa Miguel Torga, em Sabrosa, que Construção, em Joane. Um deles que pretendiam com o seu teatro. por grupos amadores e há uma cons- pequeno contributo para o desenvol-
no ano passado deu um audiolivro, era o meu pai, praticamente toda Trabalhavam sobretudo autores tante: o público é maravilhoso, no vimento cultural, social e económico
com edição de A Boca. a minha família trabalhava nessas portugueses e o importante para eles sentido em que sabe apreciar cada da região. Por isso, fazemos questão
fábricas têxteis, que empregavam era essa atitude de intervenção na so- detalhe do espetáculo e com um de também organizar todos os anos
Jornal de Letras: É a própria criação milhares de pessoas na região. ciedade. Foi nesse grupo que comecei enorme prazer. o Lua Cheia Arte na Aldeia, para
teatral que levam à cena em A Peça? a fazer teatro. apresentarmos teatro e outras artes,
Sérgio Agostinho: O espetáculo reflete SEMENTE TEATRAL Mas sente que existe menos interesse sempre com a residência de um ar-
sobre as questões da criação teatral, Era um teatro de intervenção? Também são as suas memórias que dos amadores, dos públicos? tista plástico que cria uma obra para
reivindica o teatro como uma arte Sim. Tinha uma motivação social resgata neste ciclo? O movimento de teatro amador ficar na nossa aldeia. Este ano, talvez
coletiva. e política muito forte. Muitos dos Se hoje vivo desta profissão, é teve o seu boom nos anos 70, 80, se realize noutra, estamos a procurar
operários que o fundaram eram da devido ao trabalho teatral que esses entretanto alguns grupos tornaram- um novo espaço com dimensões e
E é uma criação coletiva? JOC, Juventude Operária Católica, operários fizeram porque, nascendo -se profissionais, o que é bom para a condições mínimas para desenvolver
Nem podia ser de outra forma. O um grupo de reflexão e de ação que nessa região, se não tivesse tido esse arte, para a sociedade, e muitos de- o nosso projeto, outra dificuldade.
nosso método de trabalho não só visava estimular o pensamento dos contacto, dificilmente poderia ter sapareceram. Mas acho que o teatro Mas acreditamos que as populações
nesta peça, mas ao longo dos 18 anos operários no sentido da ação, da luta sido ator. Mas, sobretudo, tive von- amador é muito importante para a das aldeias de Trás-os-Montes e
do Peripécia, parte sempre do jogo, por uma vida mais digna. A certa al- tade de homenagear esse grupo, que formação de espectadores e também de regiões como esta também têm
da improvisação, até da brincadeira. tura, aconteceu um episódio trágico, também fazia um festival de teatro de cidadãos. direito à arte. J
26 ARTES ↗

ESPETÁCULOS
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT

Os Filhos
“Quando a peça foi escolhida e
programada estava-se longe de
toda esta situação de guerra, mas
de alguma maneira fica ainda mais

Responsabilidade pelo futuro


actual. Já não bastava as alterações
climáticas e o pouco que se tem
feito, e agora a ameaça nuclear
completamente irresponsável.”
As alterações climáticas, a neces-
sidade de preservação do planeta,
MARIA LEONOR NUNES a ética e a ciência são assuntos que
se afloram no texto da dramaturga
“Qual a nossa responsabilidade O ator e encenador destaca britânica de uma forma “muito bem
perante os outros e as gerações que também o facto de uma jovem dra- articulada”, como sublinha ainda
estão por vir? Esta é uma das questões maturga, como Lucy Kirkwood, ter AC. E essa é a porventura a chave
que se levantam em Os Filhos, a peça escrito uma peça para três persona- da boa recetividade do público: “As
de Lucy Kirkwood em cena no Teatro gens com mais de 60 anos. “É uma pessoas riem-se e, ao mesmo tempo,
Aberto. E essa é uma questão que coisa rara”, salienta. “Por outro lado, ficam extremamente perturbadas
interpela o nosso tempo. Daí a impor- tem quase uma estrutura clássica, e é e tocadas, porque há também a
tância do teatro refletir sobre “que um drama trágico, mas que, ao mes- dimensão do envelhecimento e da
legado, que Planeta vamos deixar aos mo tempo, tem elementos risíveis, morte. E está em causa qual a nossa
vindouros”, como diz ao JL Álvaro cómicos, tratando de assuntos muito capacidade de altruísmo, de sacrifí-
Correia (AC), que encena o espetáculo interessantes e importantes nos cio pelo bem-estar dos outros.”
a convite de João Lourenço, diretor nossos dias, temas maiores que são Álvaro Correia, na sua encena-
do TA. “É também responsabilidade abordados a par das relações afetivas ção, procurou a plasticidade de uma
do teatro escolher o que pôr em cena, entre essas personagens.” certa “estranheza”, de uma central
aquilo sobre que interessa falar quan- São três cientistas, que estiveram de energia nuclear, como se as
do fazemos um espetáculo.” envolvidos na construção de uma personagens não conseguissem sair
Os Filhos, que têm interpretação central nuclear e são confrontados dessa atmosfera, ao mesmo tempo
de Custódia Gallego, João Lagarto com um desastre que a põe em que acentuou o “adensamento”
e Maria José Paschoal, uma peça risco. O nuclear, que já estava na do seu relacionamento. Para isso,
estreada em Londres, em 2016, não mesa com a discussão em torno das contou com a cenografia do artista

FILIPE FIGUEIREDO
é, porém, um “statement” ou um energias verdes, aliás, tornou-se André Guedes, a sonoplastia de
texto “panfletário”, como faz questão ainda mais presente com a invasão Vitória, a luz de Manuel Abrantes,
de sublinhar AC: “Levanta muitas da Ucrânia. “Infelizmente, voltou os figurinos de Ana Paula Rocha.
questões, mas não dá respostas. o espectro da guerra nuclear, que Os Filhos ficam em cartaz, na Sala
Confronta-nos de uma forma muito pensávamos que já não existia e Vermelha do Teatro Aberto, até 3 de
inteligente.” Os filhos, de Lucy Kirkwood que é assustador”, observa AC. julho. J

Nós, as crianças bém físicos nucleares, que vamos


encontrar após a tragédia, a viver
fora da zona contaminada, obrigados
a abandonar a sua antiga morada.
A visita de Rose, antiga colega, que

TEATRO surge abruptamente, sem se fazer


anunciar, vai provocar uma crise
Helena Simões no precário equilíbrio do casal, tal
como em Ibsen, a trazer o passado
para ajustar contas com o presente e,
neste caso, para o tentar resgatar.

FILIPE FIGUEIREDO
São estas as tensões ibsenianas
Com encenação de Álvaro do Reino Unido. Porém, não é sobre que o encenador gere, com elegância
Correia, o Teatro Aberto apresenta, formas alternativas de produção e rigor, acompanhado pelo porten-
na Sala Vermelha, Os Filhos (2016), de energia verde de que a peça se toso e carismático trio de atores:
da jovem talentosa dramaturga ocupa. Vai mais longe e mais sério na Custódia Gallego, Maria José Pas-
britânica Lucy Kirkwood (1983), responsabilização pelos nossos atos choal e João Lagarto. A liberdade e A peça em representação no Teatro Aberto
a seguir a linha dramatúrgica relativamente às gerações futuras, naturalidade com que contracenam
da veterana Caryl Churchill que vão deparar-se com um planeta corresponde também à realidade
(1938), no sentido em que a sua danificado, ou seja, os nossos filhos da ficção pois, o conhecimento que
escrita revela um compromisso terão de consertar um planeta onde os atores têm uns dos outros está O espetáculo conta com uma ce- modo que o que ouvimos soa, por
e preocupação com o estado do os pais imaturamente brincaram, subjacente à representação, aumenta nografia muito importante de André vezes, como eco de algo já vivido.
mundo, denunciando as práticas sem respeitar os limites. Digno de a contenção de energia que o drama Guedes, que para além de conseguir O que devemos às gerações futuras
egoístas que seguem a par das interesse dramatúrgico, é que a peça encerra, e instala uma emoção cres- albergar cabalmente todas as cenas é a pergunta que o Teatro Aberto,
consequências devastadoras para o segue uma escrita não de tese, não cente, numa verdadeira coreografia do espetáculo, sintetiza magnifi- corajosamente, nos propõe. J
planeta e para a vida humana. Tanto panfletária ou ativista, mas assenta em trio ou em duetos. camente o efeito pós-catástrofe,
é que, para a fábula de Os Filhos, o argumento no quotidiano presente Maria José Paschoal, em Hazel, pela cor escolhida, pelos materiais *Ler, na na área das Ideias, sobre
Kirkwood se inspirou na realidade, e passado de três personagens, que desenvolve a personagem em utilizados, pela distribuição dos este mesmo tema e a partir desta
isto é, na mesma sequência de surgem emocionalmente relaciona- constante inquietude, atormenta- objetos no espaço, metaforicamente peça, a coluna de Ecologia de Viriato
acontecimentos que provocou o das numa estrutura que, tal como da pela recordação traumática que mergulhados no fundo do mar, tal Soromenho-Marques
desastre nuclear de Fukushima, no informa a autora, segue as regras da tenta camuflar com rotinas saudá- como a catedral da lenda, cujos sinos Os Filhos, de Lucy Kirkwood,
Japão, em 2011: terramoto, tsunami, tragédia grega. veis; Custódia Gallego, em Rose, continuam a repicar. A iluminação Encenação Álvaro Correia, Cenário
colapso de três reatores nucleares e O diálogo é realista, em lingua- enfrenta a necessidade de resgate vem realçar a beleza do dispositivo André Guedes, Figurinos Ana Paula
a libertação de materiais radioativos gem enigmática, quase ‘pinteriana’, com aparente galhardia, a esconder cenográfico e transmitir uma certa Rocha, Desenho de Luz Manuel
no ar e na água*. a seguir um argumento rigoroso, mágoas e vulnerabilidades antigas; estranheza bem enquadrada com Abrantes, Sonoplastia Vitória, com
É a personagem Rose, uma física em tempo real, isto é, dura o tempo João Lagarto, em Robin, romantica- os efeitos sonoros. A disposição em Custódia Gallego, João Lagarto e
nuclear reformada, quem nos in- do espetáculo, menos de duas mente ligado a ambas as mulheres, largura da sala vermelha aumenta a Maria José Paschoal. Teatro Aberto,
forma dos erros que ela e os colegas horas, sempre no mesmo espaço: a personagem pivô que, com graça e experiência imersiva, como se es- quarta e quinta às 19h, sexta e sába-
cometeram na construção da central cozinha da casa de campo do casal ironia, tenta aplacar as dissensões tivéssemos mergulhados na mesma do às 21h30, domingo às 16h. Até 3
ficcionada, algures na costa leste de reformados, Hazel e Robin, tam- nas circunstâncias privadas. memória e no mesmo dilema, de tal de julho.
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT ARTES 27 DISCOS

SECÇAO

Bernardo Moreira
Jazz de intervenção
Oito canções, quatro autores. escolher canções que remetessem Essa forma depurada de interpretar
Um mestre, três discípulos. Can- mais para a música e não tanto mostra que as canções têm essa
tigas de Maio é um projeto do con- para a política. Achei que estas delicadeza: é só ir buscar.
trabaixista Bernardo Moreira que eram muito significativas no
recria grandes canções da música universo de cada um. Tendo mais temas em repertório,
portuguesa através do jazz, na isso significa que haverá um futuro
companhia de João Neves (voz), O que significa dar uma roupagem álbum do Cantigas de Maio?
, Ricardo Dias (piano) e André jazz aos originais? Sim, é um processo em aberto.
Santos (guitarra). Neste primeiro As músicas originais já são Podem ser autores mais antigos,
álbum são interpretados temas de maravilhosas e não precisam de mais recentes, e também queremos
Zeca Afonso, José Mário Branco, mais nada. Tenho a noção de que trazer originais nossos. Achamos
Sérgio Godinho e Fausto. mexer nesse legado é um risco que este disco era um bom ponto
muito grande, corre-se o perigo de partida. Outros se seguirão,
JL: Homenagear os grandes de não trazer nada de interessante. sem dúvida. J JOÃO PEDRO MENDES
cantores de intervenção é algo Por isso são discos que levam muito
bastante comum. O que Cantigas tempo a preparar. O segundo
de Maio acredita ter de diferente? disco sobre o Paredes levou quase
Bernardo Moreira: É uma celebra- 10 anos. E depois há a seleção dos
ção da música portuguesa do pós- músicos, também crucial.
25 de abril. Não tem nada de polí- O quarteto Cantigas de Maio
tico. A partir do momento em que O João Neves parece destoar um
vivemos em liberdade, o grande pouco do estilo de intervenção por
desafio passa a ser o que escrever ter uma voz mais calma e doce,
e como ficar para a posteridade. O apenas estes autores? o Zé Mário e o Sérgio, que foram menos combativa...
que garantiu a eternidade destes Adoro o Vitorino, ao vivo tocamos absolutamente marcantes. O Vi- Ainda pouca gente falou disso. É
autores foi a libertação do estigma temas dele. Escolhi três discípu- torino vem um bocadinho depois. evidente que a abordagem dele
de ‘cantor de intervenção’. los do Zeca Afonso que marcam Não quer dizer que não venha a é tudo menos a de um cantor de
profundamente a história da estar num próximo disco. intervenção. É hiper delicado,
No repertório disponível no música portuguesa. Achei que o contido, sem exageros. Essa ›Cantigas de Maio
YouTube há uma música do disco fazia sentido assim, com o Como chegaram a estas oito característica prova que as canções CANTIGAS DE
Vitorino, que não surge no Zeca como grande mentor de uma canções? são eternas, não fazem sentido MAIO
álbum… Porque escolheu gravar geração, e logo a seguir o Fausto, Fomos experimentando e tentamos apenas numa determinada época. JACC

CLÁSSICA

As “sonatas livres” de Beethoven


As duas últimas sonatas para ram para o seu novo álbum em primeira do seu opus 102, obra simples exposto pelo violoncelo, mais. Há também a expectativa de
violoncelo e piano de Beethoven conjunto, cerca de quatro anos em quatro andamentos, tocados redime a introspeção, deixando uma próxima edição, exatamente
abrem as portas ao derradeiro após o primeiro encontro com as de um só fôlego, sem momentos entrever o que de Beethoven virá, das duas Sonatas op. 102, por Roel
período criativo do compositor, sonatas para violoncelo e piano de espera. Rica na concisão, dá a nos anos que se seguirem. Dieltiens e Andreas Staier. Pode
o período das grandes obras, das de Cesar Franck e Luís de Freitas voz inicial ao violoncelo, numa As Sonatas para violoncelo e dizer-se que a concorrência é
grandes inovações, a altura em Branco. abertura envolvente, que estabe- piano de Beethoven têm muitos feroz. Mas que ela não desmobili-
que a tensão entre as formas clás- A escolha traduz o momen- lece desde logo a expressão livre, e geniais intérpretes, em mui- ze ninguém deste álbum. Há que
sicas e a necessidade de as sub- to histórico, o desenvolvimento quase sugerindo uma fantasia, tas e distintas abordagens. Basta ouvir Filipe Quaresma e António
verter atinge o seu auge, se torna constante da complexidade da pelo afastamento de modelos mais pensar nos pioneiros, naqueles Rosado. Eles são excecionais. J
cada vez mais presente, mais as- composição, sem ceder terreno a convencionais. No final, desagua que pela primeira vez ousaram MARIA AUGUSTA GONÇALVES
sumida, mais ousada, a altura em modelos formais mais fechados, num Allegro de estrutura polifó- a integral das cinco sonatas, em
que a liberdade formal prevalece, e o pleno equilíbrio entre os dois nica, pleno de perspetivas, em que disco ou em concerto, como Pablo
no desenvolvimento das vozes instrumentos, no seu diálogo, em os dois instrumentos hão de repor Casals e Robert Serkin, Mstislav
intermédias, dos elementos de concerto, muito além do papel tra- a “verdade” inicial, sem deixar Rostropovich e Sviatoslav Richter,
ligação, impondo decisivamente dicional de acompanhamento até dúvidas, numa afirmação breve e e Pierre Fournier e Wilhelm
uma nova perspetiva sobre a mú- então ainda presente no violonce- sedutora. Kempff (ou Friedrich Gulda),
sica, e fazendo com que o nome do lo, e que Beethoven retoma na sua A derradeira sonata, em para se perceber como a disco-
Mestre de Bona se associasse para expressão, nomeadamente através Ré maior, avança um pouco grafia é longa e cheia de nomes
sempre à emergência, à força e à da riqueza contrapontística, como mais para o universo tardio de inevitáveis. Há Jacqueline Du
determinação do Romantismo. acontece em particular na 5.ª Beethoven, com os seus três Pré e Daniel Barenboim, Martha
Vêm de 1815-1816 as duas Sonata. Não por acaso, o progra- andamentos a culminarem num Argerich e Mischa Maisky, Yo Yo
Sonatas do opus 102, a Sonata n.º ma deste álbum completa-se com fascinante Allegro fugato. O Ma e Emanuel Ax, Lynn Harrell
4, em Dó maior, e a Sonata n.º 5, as sete variações sobre o célebre material temático sugere uma e Vladimir Ashkenazy, Natalia
em Ré maior, e transportam em dueto de Pamina e Papageno n’“A simplicidade a que se contrapõe Gutman e Elisso Wirssaladze,
si mesmas esse caráter visioná- Flauta Mágica”, de Mozart, “Bei uma escrita rica e complexa. O Steven Isserlis e Robert Levin.
rio, decisivo que, em pouco mais Männen, welche Liebe fühlen” segundo andamento, um Adagio Impossível esquecer a abordagem
de uma década, daria origem a (“Nos homens, sinto que o con molto sentimento d’affetto, é de Anner Bylsma com Jos van
obras como a 9.ª Sinfonia, a Missa amor…”, em tradução livre), que substancialmente lento, contras- Immerseel, tão pouco de Jean- › Filipe Quaresma e
Solene, as últimas sonatas para Beethoven compôs em 1801, man- tante, em luz e sombra, com o Guihen Queiras com Alexander António Rosado
piano, os últimos quartetos. tendo o caráter dialogante original, violoncelo por protagonista, e o Melnikov. Há ainda gravações re- BEETHOVEN:
São estas duas sonatas que o entre os dois instrumentos. piano a assumir um inesperado centes de Gautier Capucon e Frank CELO SONATAS &
violoncelista Filipe Quaresma e o Beethoven chamou “Sonata segundo plano. A fuga final, sobre Braley, e de Nicolas Altstaedt com VARIATIONS
pianista António Rosado escolhe- livre”, à n.º 4, em Dó maior, a um tema apenas aparentemente Alexander Lonquich, entre tantas Artway
28 ↗
IDEIAS 4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT

Des-cobrir a Europa
Objetos secretos
“Este livro pioneiro”, resultado de cinco anos de trabalho de investigadores do projeto MEMOIRS, “é de leitura tão obrigatória como
dolorosa, já que os percursos de vida aqui expostos revelam não segredos, mas sim fantasmas hediondos que hoje nos continuam
a assombrar porque não tivemos ainda a coragem, como sociedade, de os confrontar” - sublinha o autor desta análise, prof. da
Universidade de Warwick, no Reino Unido, e que foi designadamente presidente da American Portuguese Studies Association

H
PAULO DE MEDEIROS

gicas que só podem ser superadas se


reconhecidas.
Grande parte dos entrevistados
tem uma participação ativa na vida
cultural das suas sociedades. Muitos
são artistas, escritores, educadores,
ou, como no caso de Michel Guérin,
jornalista e chefe de redação de Le
Monde. Mesmo assim há diferen-
ças entre eles também do ponto de
vista social. Se alguns recordam uma
vida de privações extremas, outros
podem-se dizer verdadeiras imagens
Há livros que são como a chave de do privilégio. Por exemplo, o avô
um cofre cheio de segredos e este - de uma das entrevistadas tinha sido
Des-cobrir a Europa: Filhos de Império governador de Angola até 1972. Nesse
e Pós-Memórias Europeias - é um caso, as memórias só dificilmente
deles. Em quase 350 páginas, os textos poderiam ser semelhantes às de outra
aqui reunidos por Margarida Calafate entrevistada cujos pais, de Cabo Verde
Ribeiro e Fátima da Cruz Rodrigues, e da Guiné, se tinham conhecido ‘em
provenientes de extensas entrevistas Lisboa à volta dos estudos e das lutas,
feitas por elas e outros investigadores ligados ao Partido Africano para a
a 37 homens e mulheres, todos com Independência da Guiné e Cabo Verde
percursos individuais e distintos, mas (PAIGC) (p. 269).
todos, com um laço, mais ou menos
invisível, mas indelével, com a con- Obra de Rodrigo Oliveira usada no projeto Memoirs Corolário de Fenómenos (Na procura de um lugar) MAS ESTAS NARRATIVAS também
dição de herdeiros do império. É uma nos deixam ver que longe de essas
herança muitas vezes negativa, feita questões continuarem a consti-
dos estilhaços da dor de pais, avós, tuir uma fratura e uma dicotomia
irmãos, de famílias profundamente publicado já no final: não só por França pela Imprensa Universitária de ideológicas, há não só a possibilidade
marcadas pela perda, das várias ilu- reunir muitas vozes de indivíduos e Nanterre – tem a ver com todos nós; das presentes gerações questionarem
sões, quer da razão de ser Império que representar os pontos nevrálgicos do porque o que está em causa mesmo as memórias que herdaram, como é
a Europa arrojava para si, quer da pos- projeto, desde as questões da pós-me- é o futuro. Como Posfácio um breve Longe de ser uma o caso da neta do governador geral
sibilidade de um futuro diferente, livre mória na esteira da dissolução da ideia conto de Paulo Faria, que pode ser lido de Angola, como até, mais perto,
e harmonioso; ou negativa pela perda de Império em Portugal, na França e como uma metonímia do livro em si, conclusão do projeto, ainda numa segunda geração, se
de todas as suas posses nalguns casos, na Bélgica, até à imaginação de uma com a sua reflexão na apropriação de o livro é muito mais o pode ver uma mistura de atitudes e
de vidas mesmo noutros. Herdeiros de Europa pós-imperial, consciente da memórias e a sua transmissão através sentimentos em relação ao passado
memórias “desses tempos antigos que importância de assumir os vários da arte.
início de uma viagem colonial. Para uma criança, o andar
paradoxalmente contém uma história traumas do seu passado, de modo a de descoberta para sem sapatos pode ser visto como uma
que não viveram, mas que os/nos assim poder avançar para um futuro UMA DAS CARACTERÍSTICAS experiência de liberdade (p. 257).
define” (p. 21). não só diferente como mais justo e IMPORTANTES deste livro, assim
todos os cidadãos da Uma das imagens mais belas
Este livro é de leitura tão obriga- mais livre. como do projeto MEMOIRS, é a sua Europa, e não apenas evocadas neste livro é a de uma
tória como dura, dolorosa mesmo, já Por outro lado, como as organi- transnacionalidade. O que estas terceira língua, para além das faladas
que os percursos de vida aqui expos- zadoras expõem, as ‘entrevistas não narrativas bem demonstram é como,
para os que porventura em casa e na escola, como diz a filha
tos, com uma candura incrível, reve- foram apenas momentos de recolha embora haja diferenças significati- tenham um passado de um antigo combatente das Forças
lam não propriamente segredos, mas de dados para um projeto. Foram mo- vas entre as experiências imperiais que lhes permita uma Armadas Francesas que nasceu já na
sim fantasmas hediondos que hoje nos mentos de coprodução de conheci- e as descolonizações de Portugal, da Argélia: “E depois surge uma terceira
continuam a assombrar porque não mento e de consciencialização histó- França e da Bélgica, as semelhanças maior, ou mais direta, língua, que para o olhar de uma
tivemos ainda a coragem, como socie- rica nossa e do/a entrevistado/a sobre são mais salientes. Ao mesmo tempo, identificação com as criança parece totalmente louca, que é
dade, de os confrontar. Livro pioneiro o sujeito social e político europeu que e isso também é outra característica a língua da poesia. Um dia houve uma
provém dos trabalhos realizados ao ele/ela constitui’ (p. 21). Longe de ser fundamental do livro, embora os histórias aqui expostas professora que, sobre o estrado escolar
longo de cinco anos pelos investiga- uma conclusão do projeto, o livro é cidadãos e cidadãs aqui represen- da sala de aulas, se pôs a declamar um
dores do projeto MEMOIRS – Filhos de muito mais o início de uma viagem tados partilhem toda uma série de poema. E isto pareceu-me totalmente
Império e Pós-Memórias Europeias, de descoberta para todos os cidadãos elementos, traumas, exílio, perdas louco, totalmente belo (...)” (p. 121).
sediado no Centro de Estudos Sociais da Europa, e não apenas para os que várias, também se diferenciam muito aos pieds-noirs e harkis, no caso da
(CES) da Universidade de Coimbra, porventura tenham um passado que entre si, dos que são filhos de antigos Argélia, ou mesmo, nalguns casos, a FOTOGRAFIAS CONSTITUEM UM
coordenado por Margarida Calafate lhes permita uma maior, ou mais combatentes pela independência dos filhos de casais em que um dos lados OBJETO privilegiado na pós-memó-
Ribeiro e financiado pelo Conselho direta, identificação com as histórias países colonizados, aos cujos pais da família combatera pelo Império ria, já que a pós-memória frequen-
Europeu de Investigação. aqui expostas. Porque o que aqui é combateram pela manutenção da e o outro lado pelo seu fim. Afinal, temente delas depende para a sua
Por um lado, Des-cobrir a Europa dado a ver ao grande público – e o ordem colonial; dos descendentes de este também é um livro de fraturas; transmissão, especialmente depois
constitui a sua matriz, embora livro foi publicado em simultâneo em colonos em Angola ou Moçambique, fraturas temporais, raciais, ideoló- do desaparecimento ou morte de
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT IDEIAS 29 COLUNA

pais e outros familiares. Assim, as


fotografias de família são aqui inva-
riavelmente mencionadas. A relação
de objetos com a memória tem sido
Pelo caminho dos filósofos
analisada quer do ponto de vista dos
estudos culturais, quer do ponto de
vista neurológico e a materialidade

A PAIXÃO DAS IDEIAS


destes ‘objetos de memória’ é sempre
uma componente importante. Nestas
narrativas, são mesmo objetos mate-
riais que se afiguram da maior impor- Guilherme d’Oliveira Martins

Q
tância, embora de maneira discreta,
com a possível exceção do ‘teatro de
objetos’ da atriz e encenadora belga
Agnès Limbos. Um objeto em especial
é por ela destacado por ‘representa[r] uando soube que o meu amigo Camilo Martins a entrar, ora para nos agradecerem se lhes demos primazia no burburi-
tudo: é um africano que é um criado de Oliveira (1942-2022) tinha partido, veio-me nho dos passeios.
(...) E este boneco caía muito, foi-se à lembrança, imagem por imagem, a maravi- Era no Outono, uma das estações privilegiadas do Japão, e havia uma
partindo e eu fui colando-o. Tem as lhosa viagem que em 2010 fizemos ao Japão, especial alegria e jovialidade no ar, mesmo que a noite já tivesse caído. Não
marcas da cola” (p. 220). sob a sua coordenação, acompanhados de José havia humidade e a temperatura rondava os 12 graus. Ao passar pela zona
Tolentino Mendonça e de José de Guimarães. dos teatros, recordamos a importância do Kabuki e a sua evolução. No
SE ESTE OBJETO PODE representar E fui reler o pequeno livro que escreveu, cheio restaurante Nishisaka, usufruímos a refeição de um delicioso shabu shabu,
tudo, isto é, toda a opressão colonial, o de boas recordações, Fomos em Busca do Japão pequenas fatias de carne de vaca cozidas por nós em água a ferver, que
racismo, a destruição e fragmentação (Verbo, 2015). Partimos no rasto de Fernão Camilo Martins de Oliveira nos aconselhou, com aplauso geral. As árvores
inerentes, o passado, também repre- Mendes Pinto, de Francisco Xavier e de que rodeiam a cidade no Outono têm as folhas vermelhas ou amarelas.
senta a sobrevivência, e a recomposi- Wenceslau de Moraes e ainda hoje sentimos Wenceslau de Morais (1854- 1929), cujos textos nos acompanham, lembra
ção dos estilhaços num todo de novo, o peso de um conhecimento ancestral, já que os portugueses foram os que “as espécies europeias não oferecem igual maravilha em colorido”.
onde as ‘marcas’ da cola são indício primeiros europeus a ter contacto com o Japão, quando em 1543 três nau- Sentimos entusiasmo ao ver as grandes massas desta folhagem belíssima
mesmo do processo de memória e fragaram em Tanegashima e deram a conhecer a primeira arma de fogo. do “moimiji”. O Pavilhão de Prata, o Ginkaku-ji, literalmente apagava-se
re-memória. Conheci Camilo Martins de Oliveira, ao longo de quase 50 anos, como diante da natureza outonal pujante. Era a memória do xógum Yoshimasa,
Mas há outros objetos igualmente bom amigo e exemplar diplomata no campo económico. A primeira vez no século XIV, que estava presente, a partir da recordação de seu avô
significativos. Alguns objetos são que nos encontrámos foi em Bruxelas e com ele comecei a percorrer os Yoshimitsu, que num gesto de suprema audácia, cobriu de folha de ouro o
relíquias verdadeiras como as mobílias corredores comunitários. O seu currículo já merecia atenção. Como cató- Pavilhão Dourado, o surpreendente Kinkaku-ji, celebrado por Mishima…
em madeiras africanas ou as peças lico inconformista, foi em 1965 um dos subscritores do “Documento dos O importante foi o enaltecer da natureza em toda a sua intensidade. O
de arte tradicional trazidas numa 101” contra a ditadura. Na Morais e em O Tempo e o Modo traduziu e pu- momiji tudo domina, parecendo dizer que a natureza culta, domada pelo
tentativa de recriar uma vida que já blicou Teilhard de Chardin. Depois de ter estado na Guiné como alferes, ser humano, é dominada pelas folhas escarlate, como se fossem flores.
deixara de existir mesmo ainda antes veio trabalhar em 1969 com Rogério Martins, Deambulamos pelas veredas do jardim, conta-
do regresso ou da fuga para a Europa, então secretário de Estado da Indústria, tendo mos as suas pedras, deslumbramo-nos com os
um território a que nunca mais seria tido papel relevante no fim do condiciona- musgos tratados, com as águas, com os lagos,
possível aceder a não ser através da mento industrial e do protecionismo. com os jardins secos, com o saibro riscado ou a
memória e dos afetos. Outros são Depois seguiu-se um percurso notável no terra cuidadosamente penteada, a representar o
verdadeiros ‘objetos sagrados’ (p. 334) exterior: como delegado na OCDE, diretor mundo. Seguimos pelo caminho dos filósofos ou
que, como tal, não toleram desloca- da Missão Comercial em Bruxelas, perito em via dos mestres. Um canal ladeado de cerejeiras
ções. Outros ainda são eles mesmo a Missões das Nações Unidas, representante segue sinuoso pelo sopé das Montanhas Orientais
essência da herança familiar, como é económico no Estados Unidos e depois em e há muita gente que caminha, gozando a
o caso das chaves da casa na Argélia Tóquio (1987-2001), com funções no Japão, natureza, conversando, lendo ou simplesmente
que os pais de uma das entrevistadas Coreia do Sul e Nova Zelândia, sendo ainda indo ao templo zen de Nanzen-ji. E recordamos
‘construíram e onde viveram muito Comissário Geral de Portugal na Exposição Nishida Kitaro (1870-1945), professor da univer-
pouco, e nós os seus filhos muito me- Universal de Aichi (Japão). sidade de Quioto, que tornou este lugar obriga-
nos (...) Esse molho de chaves é o que Era um conversador extraordinário; num tório para a compreensão da cultura japonesa. Os
deles resta, o que herdámos dos meus serão, começávamos por falar da história de tons vermelhos e amarelos das folhas do Outono
pais’ (p. 291-292.). E depois também um biombo Namban, continuávamos na refle- inebriam-nos, o sol e o dia ameno contribuem
há os objetos, malditos e secretos, xão sobre a arte contemporânea, muitas vezes para o nosso deleite.
como nos diz Nathalie Borgers, cine- com a presença discreta, mas agradabilíssi-
asta nascida em Bruxelas e descen- ma, do irmão Gaëtan Martins de Oliveira, e E COM QUE ESMERO CAMILO nos indicava
Camilo Martins de Oliveira “Levou-nos para
dente de colonos no Congo e Ruanda: terminávamos discreteando sobre a economia, além da imaginação até ao âmago do encontro todos os pormenores. Em Nanzen-ji apren-
‘O meu pai tem um objeto secreto do a política internacional, a integração europeia, entre culturas e afetos” demos a lição “sê mestre da tua mente”. A
meu avô, que sempre esteve escon- e ainda história ou filosofia, tantas vezes em colossal Sanmon à entrada do recinto do templo
dido, algo que também sempre teve diálogo com António Sousa Franco, grande demonstra estarmos num lugar essencial da
uma aura tremenda. O meu pai tem o amigo comum. Além do mais, era um leitor cultura zen. O portão descomunal não tem um
chicote do meu avô’ (p. 209). insaciável, imbatível no conhecimento da última novidade literária. prego, foi erguido no século XVII apenas com encaixes que põem à prova
É a des-coberta desses objetos a habilidade e a inteligência humanas. Tudo para consolar as almas dos
secretos, das vidas e mortes que eles E VOLTO À LEMBRANÇA que morreram no cerco do Castelo de Osaka. Nos aposentos do Abade do
representam, da pertença e da recusa dessa viagem fantástica. Quando Convento deparamos com o célebre “Tigre a beber água”, obra-prima da
de pertença, das heranças tanto chegámos a Quioto sentimos a pintura japonesa do século XVII, de Tamyu Kano, além de uma inter-
positivas como negativas, dos tabus, tradição japonesa, como sinal venção de Kobori Enshu, com seixos e pinheiros num impressionante
fetiches, segredos e silêncios, que este de um povo antigo, sereno,
Tratou-se de uma jardim seco.
livro reconhece como imperativo para amável e hospitaleiro. No bairro peregrinação que Na relação do tempo e do universo, sentimos o equilíbrio entre a arte e
a construção de uma Europa pós-im- de Gion, que conhecíamos das correspondeu a um a natureza, nos jardins, nos seixos, nas representações, mas especialmente
perial. J narrativas e descrições roma- na cerimónia do chá, no templo de Kodai-ji. Tudo exige o domínio do cor-
nescas, testemunhámos o dese- desafio, para que po e o respeito, da tranquilidade, da pureza e da harmonia e a cerimónia
nho tradicional de uma antiga conhecêssemos do chá é um gesto litúrgico, como ficou demonstrado por Wenceslau de
cidade nipónica. O movimento Moraes no clássico O Culto Chá. E Camilo Martins de Oliveira levou-nos
› M. Calafate Ribeiro é intenso, os edifícios baixos e melhor o Japão… E para além da imaginação até ao âmago do encontro entre culturas e afetos,
e F. Cruz Rodrigues pequenos, em madeira, bem ficou a lembrança viva com as belas fotografias de José de Guimarães.
DES-COBRIR ordenados, assinalados com Tratou-se de uma peregrinação que correspondeu a um desafio, para
A EUROPA: balões coloridos de papel ilumi- de que ‘para o japonês, que conhecêssemos melhor o Japão… E ficou a lembrança viva de que
FILHOS DE nado e vemos geishas em trajes o que se procura, o que “para o japonês, o que se procura, o que determina a entrega à contem-
IMPÉRIO E de função. As ruas são estreitas plação, é o que não se vê. Olhar ou escutar – assistir a um concerto no
PÓS-MEMÓRIAS e limpas, a ordem e a organi- determina a entrega à Japão - é perceber como o silêncio é participante – torna-se, assim, mais
EUROPEIAS zação imperam. A cada passo, contemplação, é o que do que um exercício de sentidos, uma extensão da alma. E é esse olhar ou
Afrontamento, 348 pp., as pessoas saúdam-nos com escuta da alma que traz a obra de arte – cheia do mundo invisível e inaudí-
19 euros vénias, ora para nos convidarem
não se vê’ vel para o convívio quotidiano”. J
30 IDEIAS ↗

ARTIGO
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT

Os filósofos também escrevem asneiras


No melhor pano cai a nódoa...
MARIA LUÍSA RIBEIRO FERREIRA
Ultimamente li dois livros de
filósofos contemporâneos onde se
fala de estupidez e de imbecilidade.
Por coincidência os seus autores Iniciei um projeto de
são italianos — Maxime Rovere e
Maurizio Ferraris .(1) O primeiro investigação em que
defende que os filósofos pouco mostrava o modo
se importaram com este tema,
embora vejam nele um obstáculo como as mulheres
ao conhecimento, bem como à foram tratadas ao
realização moral. Demarcando-
se deste posicionamento, Rovere
longo da história
leva a sério os temas referidos e pelos seus colegas
preocupa-se, não só porque os
considera contagiosos mas também
filósofos, evidenciando
por entender que são um desafio à a injustiça da sua
própria humanidade, impedindo o
nosso crescimento, nomeadamente
perspetiva
no campo da ética e das relações
humanas. Onde quer que haja um
estúpido há que renunciar a uma homem, mas as qualidades
comunicação de tipo clássico. E naturais estão distribuídas de
a burocracia reinante agrava e modo semelhante em ambos os
amplia o fenómeno da estupidez. seres, e a mulher participa de
O filósofo também nota todas as atividades, de acordo com
que os imbecis são geralmente a natureza, e o homem também,
a favor da guerra, oscilando conquanto em todas elas a mulher
permanentemente entre atitudes Ortega Y Gasset (na pintura de Joaquin Sorolla) "Desejamos a mulher porque o corpo de Ela é uma alma" seja mais débil do que o homem”
de dominação, de submissão e de (República, livro V, 455 d–e).
destruição. Para ele os estúpidos Aristóteles ainda é mais
fazem parte do nosso sistema e assertivo em sublinhar a
tendem a multiplicar-se, sendo Manuel Antunes recomendara na também disserta sobre a diferente inferioridade: “A palidez e a
a internet e as redes sociais sua cadeira de Cultura Clássica relação que a mulher tem com ausência de vasos sanguíneos [na
grandemente responsáveis por esta um livro do filósofo espanhol, O o seu corpo: em contraste com mulher] é sempre mais visível, e é
difusão maciça. Rovere é cético [Segundo Ortega que é a Filosofia. E a sua leitura o homem, cujo eu é puramente óbvio o desenvolvimento deficiente
quanto a uma possível alteração do foi determinante para desistir do psíquico, ela é constantemente do seu corpo comparado com o do
status quo, o que não o impede de
Y Gasset] a mulher curso em que estava inscrita e solicitada pelas suas sensações homem” (Geração dos Animais,
denunciar a nossa inclinação para vive num perpétuo passar para Filosofia, onde fiz toda intracorporais, sentindo o seu 727a 24-25) e “a fêmea é um
a inércia bem como o incremento a minha carreira. Fiquei-lhe por corpo a todas as horas. E o livro macho mutilado” (ibidem, 737a
cada vez maior da estupidez
crepúsculo, nunca isso imensamente grata. termina com a consideração da 27-28).
humana. sabendo se quer Dado que a referência de atração erótica que a mulher Formulada de diferentes
Segundo Ferraris a estupidez é ou se não quer, Ferraris à imbecilidade de Ortega exerce sobre os homens, maneiras esta tese permaneceu
cegueira, indiferença e hostilidade se esgotava numa pequena nota considerando que "desejamos a durante séculos. Confesso que
aos valores cognitivos, sustentando apresentando-se, de seis linhas (3), dispus-me mulher porque o corpo de Ela é foi para mim uma desagradável
que todas as épocas têm os seus portanto, como procurar mais material para uma alma." (6) surpresa reencontrá-la num
imbecis e que estes se encontram justificar tal acusação. E, na No final do século XX iniciei grande pensador do nosso tempo,
mesmo entre os filósofos. E cita absolutamente secreta verdade, o que encontrei era bem um projeto de investigação em que pensador esse que foi determinante
Ortega y Gasset a quem critica explícito e merecedor de censura. procurava destacar o papel das para a minha conversão à filosofia.
pelas paginas imbecis que No seu livro El Hombre y la Gente mulheres na filosofia ocidental. Mas, como diz o aforismo, há que
escreveu sobre a mulher e, muito (4), Ortega fala da mulher e da Uma parte desse projeto mostrava aceitar que "no melhor pano cai a
especialmente, sobre Simone de está na sua origem. E termina o sua feminilidade (feminidad) que o modo como elas foram tratadas nódoa." J
Beauvoir. livro alertando-nos para o facto se manifesta em três aspetos ao longo da história pelos seus
Diferentemente de Rovere, de entre o ridículo e o sublime essenciais - em primeiro lugar no colegas filósofos, evidenciando (1) Maxime Rovere, O que fazer dos
para Ferraris a técnica não nos não haver mais do que um passo, facto de ser mais confusa do que o a injustiça desta perspetiva estúpidos?, Lisboa Quetzal, 2020 e
tornou mais estúpidos mas, pelo avisando-nos de que "entre a homem, o que aliás o filósofo não através da divulgação dos muitos Maurizio Ferraris, L' imbécilité est
contrário, as potencialidades que imbecilidade e o génio corre uma considera negativo, entendendo-o escritos que as diferentes filósofas une chose sérieuse, Paris, PUF, 2017;
atualmente nos oferece revelam subtil linha vermelha." (2) como uma graça, em contraste nos deixaram. Cito, a título de (2) "Autant dire qu'entre l'imbécillité et
melhor a imbecilidade humana com a rigidez masculina onde a exemplo, a posição de Platão e de le génie court une subtile ligne rouge",
bem como a possibilidade de RETOMANDO O INÍCIO DO clareza é rigidez. Ora a mulher vive Aristóteles, os dois pais fundadores Ferraris, ob. cit.pg. 146; (3) Ferraris, ob.
transformar o mundo. Ferraris LIVRO de Ferraris lembro a num perpétuo crepúsculo, nunca que fizeram escola no que respeita cit, nota 1, p. 9; (4) José Ortega y Gasset,
distingue a imbecilidade simples perplexidade que senti com uma sabendo se quer ou se não quer, à relação homem/mulher. El Hombre y la Gente I, Madrid, Revista
e a pretensiosa, considerando pequena referência a Ortega apresentando-se, portanto, como de Occidente, 1964, pgs. 174 e sg.; (5)
que esta é perigosíssima pois y Gasset, mostrando como os absolutamente secreta. PLATÃO, MUITAS VEZES CITADO "(…) essa intimidad que en el cuerpo
os estúpidos sentem-se mais filósofos também escrevem Em segundo lugar o filósofo como defensor da igualdade, femenino descubrimos y que vamos a
espertos do que todos os outros. imbecilidades. Ora eu tenho para fala também do corpo feminino, escreveu o seguinte sobre o llamar ‘mujer"’ se nos presenta desde
Para ele a imbecilidade é o com este pensador uma dívida de apresentando-o como "uma forma governo das cidades: “(...) não luego como una forma de humanidad
fardo da civilização, pondo- gratidão, pois foi ele o responsável de humanidade inferior ao varonil" há na administração da cidade, inferior a la varonil." Ortega, ob.cit., p.
nos diretamente em contacto pela minha mudança de curso. (5) e defendendo que há que ter nenhuma ocupação, meu amigo, 179; (6) "(…) deseamos a la mujer porque
com o mal, pois, mais do que a No meu 1º ano enquanto aluna coragem de falar da mulher como própria da mulher enquanto el cuerpo de Ella es una alma.", ob. cit.,
ignorância, é a imbecilidade que de Germânicas da FLUL, o padre pertencendo ao sexo débil. Por fim, mulher, nem do homem, enquanto p. 186
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT IDEIAS 31 COLUNA

O Oriente e o Ocidente
SOCIEDADE BREVE
Boaventura de Sousa Santos

T
al como e XVIII, dominou a curiosidade outro islâmico é desconstruída por
acontece com e, por vezes, a admiração recí- ele ao mostrar a enorme diversida-
os pontos proca. Durante todo esse tempo, de interna do Islão.
cardeais os melhores tecidos, porcelanas e
norte e sul, outros utensílios vinham da China A SEGUNDA REVISÃO das relações
o oriente e o e da Índia. oriente-ocidente tem sido feita
ocidente são muito mais que por vários historiadores. Depois
orientações geoposicionais; são ATÉ AO INÍCIO DO SÉCULO XIX, da obra monumental de Joseph
dispositivos culturais, conceitos, a China era a grande potência Needham (Science and Cilization
metáforas, que exprimem comercial. No século XIX, tudo in China), a revisão mais impor-
imagens positivas ou negativas, começou a mudar do lado europeu. tante é a de Jack Goody nos livros
que só se entendem ao espelho Da revolução industrial (1830s) até The Oriental, the Ancient and the
umas das outras. As imagens à Conferência de Berlim (1884- Primitive, The East in the West e
positivas envolvem ideias de 85) que procedeu à partilha de Renaissance. Jack Goody mostra-
superioridade, originalidade, África pelas potências europeias, -nos como a ideia hegeliana da
fascínio, harmonia, civilização, a Europa (então equivalente a História tem vindo a dominar as
beleza, grandeza; ao passo que ocidente) confirmava globalmente narrativas e conceções do ocidente
as imagens negativas invocam o seu poder político, económico e e das suas relações com o oriente.
o inverso desses qualificativos. militar. Nas suas aulas de História, Goody tenta combater os estereó-
As imagens assentam em Hegel é o primeiro a teorizar essa tipos que continuam a prevalecer,
binarismos mas combinam por superioridade como expressão da como a ideia do excepcionalismo e
vezes ideias contraditórias, progressão do espírito da história, da originalidade ocidentais, enu-
como, por exemplo, fascínio de oriente para ocidente. Seria merando os contributos do oriente
e horror. A construção das no ocidente que essa progressão para muito do que assumimos ser
imagens depende sempre do culminaria, simbolizada no Estado especificamente ocidental (desde a
ponto de partida, oriental ou Prussiano. Diz Hegel: “A História revolução científica até à revolução
ocidental, de quem a faz. A mundial viaja de oriente para industrial). Enquanto Edward Said
longevidade da contraposição ocidente; por isso, a Europa é o fim faz uma análise culturalista, Goody
ocidente-oriente na cultura e absoluto da história, tal como a centra-se nos processos produtivos
nas relações internacionais é de Ásia é o começo”. É nesse mesmo e nas trocas comerciais.
tal ordem que se transformou período que a cultura grega se A este nível, foi comum na
num arquétipo, uma espécie de separa das suas raízes africanas e Europa, a partir do século XIX, a
inconsciente coletivo jungiano asiáticas (Alexandria, Pérsia) para ideia de que o desenvolvimento
que aflora na consciência sob servir de fundação pura e exclusiva económico e social do ocidente
múltiplas formas, sempre que as do excecionalismo europeu. Esta contrastava fortemente com o do
circunstâncias propiciem. Talvez leitura é ainda hoje dominante, oriente e que havia boas razões
estejamos a entrar no período mas tem vindo a ser crescente- para que tal acontecesse. Tanto
em que este arquétipo irá ser mente contestada. Max Weber como Karl Marx, auto-
provocado a aflorar; por essa Neste texto, refiro-me apenas res com ideias distintas em tantas
razão, a relação-ocidente oriente a duas revisões influentes, ambas áreas, convergiam em considerar
merece ser revisitada. feitas do lado ocidental. Muitas ou- que o ocidente tinha características
As relações entre o oriente e tras têm vindo a ser feitas do lado Edward Said Análise do modo como os ocidentais têm vindo a caracterizar o Oriente únicas, originais e excecionais,
o ocidente remontam a mais de oriental e estão, aliás, disponíveis residindo nelas o enorme desen-
4000 anos. Estão bem presentes em línguas acessíveis. A primeira volvimento económico e político
na antiguidade grega, na Bíblia, revisão é de Edward Said na sua do ocidente quando comparado
nas Cruzadas. Fluxos de bens e obra Orientalism, publicada em 1978. Said analisa aí o modo como a obsessão sobre o modo como as com o do oriente.
de pessoas caracterizaram essas os ocidentais têm vindo a carac- mulheres são tratadas no oriente é É importante reter que as causas
relações durante muitos séculos no terizar o oriente, salientando as reveladora das obsessões ocidentais da superioridade e originalidade
espaço-tempo que mais nos inte- diferenças, concebendo-o como a esse respeito. Em tempos recen- do ocidente (e inversamente, da
ressa, a Eurásia, essa imensa massa um outro tão diferente quanto ne- tes, alguns leitores de Said têm inferioridade do oriente) eram
terrestre entre o Cabo da Roca e gativamente avaliado. Said não se tentado reconstruir a imagem do concebidas como dizendo respeito
o extremo sudeste da Península propõe caracterizar o oriente, mas ocidente que emerge da preocupa- à essência constitutiva das respeti-
da Malásia. 92 países, sendo que a As relações entre o sim o modo como ele é caracte- ção em salientar tudo aquilo a que vas sociedades, não sendo possível
Rússia e a Turquia estão divididas rizado ou imaginado pela cultura se contrapõe. alterá-las. Entre as causas que jus-
entre uma parte europeia e uma
ocidente e o oriente é e pela política ocidentais. Analisa Do meu ponto de vista, o mérito tificavam o atraso do oriente, invo-
asiática. As viagens portuguesas menos de sentido único fundamentalmente o mundo árabe de Said é o de nos mostrar que ao cava-se a deficiente racionalidade
por via marítima até à Índia e de- do que de pêndulo: e mostra como a caracteriza- longo da história se criaram estere- (que impedia o desenvolvimento
pois à China e ao Japão, ao mesmo ção sempre esteve ao serviço do ótipos acerca do outro, neste caso da contabilidade), a religião (que
tempo que alteraram os circuitos durante séculos colonialismo europeu. Os orientais o “oriental” ou o “árabe”, e que em suas versões budista e confuci-
comerciais, permitiram uma enor- dominou o oriente, são concebidos como bárbaros, esses estereótipos foram utilizados onista privilegiava a contemplação
me ampliação dos conhecimentos. primitivos, violentos, despóticos, para justificar a invasão, a colo- e não a transformação da realida-
O Colóquio dos simples e drogas desde há dois séculos fanáticos, culturalmente estagna- nização e a dominação política. de) e a família (que, por ser extensa
e coisas medicinais da Índia, de domina o ocidente. dos. A sua única via de redenção Influenciado pela conceção do po- e de múltiplos laços, impedia a
Garcia de Orta, editado em Goa em ou civilização é adotarem as ideias der-saber de Foucault, Said mostra mobilidade dos seus membros para
1563, é um exemplo notável dessa Há sinais de que este progressistas do ocidente. Said que a cultura funcionou muitas atividade produtiva). Em ambos
ampliação. Nos séculos seguintes, domínio possa estar a mostra como esta narrativa diz vezes como justificação do imperi- os autores está presente a ideia do
o interconhecimento aprofundou- mais a respeito dos ocidentais do alismo. Por exemplo, a narrativa da despotismo oriental, formas de go-
-se e, sobretudo nos séculos XVII chegar ao fim que dos orientais. Por exemplo, homogeneização e demonização do verno particularmente opressivas
32 IDEIAS ↗

COLUNA
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT

que caracterizariam tanto o império


otomano como o império chinês.
Estas análises, que funcionavam
como espelhos invertidos do ociden-
O tempo pode cortar
te e eram muito seletivas, tinham
por referência positiva apenas alguns
países da Europa e centravam-se no
período da expansão colonial e da
revolução industrial. Omitiam que
como uma lâmina
durante séculos a Europa importara
bens essenciais da Índia (algodão,
seda) e da China (porcelanas).
Omitiam que no séc. IX Bagdade era
um dos grandes centros culturais do
mundo, onde na Casa da Sabedoria, ECOLOGIA
criada pela dinastia dos Abássidas, se
reuniam académicos de todo o mun-
Viriato Soromenho-Marques
do, sendo aí também que se geraram
as condições para que séculos mais

D
tarde os Europeus tivessem acesso à
filosofia grega traduzida para latim
do árabe e do hebraico (na escola de epois de no ano
tradutores de Toledo nos sécs. XII e passado ter
XIII). apresentado a
peça de Caryl
NAS LEITURAS DOMINANTES das Churchill, Só Eu
relações ocidente-oriente as razões Escapei, o Teatro
que explicam o êxito do ocidente (e Aberto terá em exibição até julho
o fracasso do oriente) são essenci- a peça de uma jovem dramaturga
alistas e, portanto, sugerem que a britânica, Lucy Kirkwood (n.
história que aconteceu não poderia 1983) - Os Filhos, onde a temática
ter acontecido doutro modo. Não da crise ambiental, em sentido
há lugar para a contingência. Como amplo, volta a ser o tema central.
se pode imaginar, em tempos mais A peça foi estreada em Londres,
recentes estas leituras foram sendo em novembro de 2016, e tem
desacreditadas. O desenvolvimento tido uma merecida boa receção
do Japão e depois da China e do internacional, nomeadamente,
sudoeste asiático contradizia todas nos EUA.
as premissas das explicações con- A trama da peça é baseada na
vencionais. E o mesmo se passou transposição para o mundo anglo-
com a questão da família extensa, saxónico da tragédia causada pelo
quando os europeus começaram a acidente nuclear de Fukuchima,
ver o pujante pequeno comércio das no Japão, em março de 2011,
suas cidades dominado por famílias quando um grande sismo causou
asiáticas, por vezes a mesma família um tsunami, cuja vaga gigantesca
com negócios em vários continen- de mais de 14 metros de altura se
tes. O que antes era um obstáculo abateu sobre uma central nuclear, Os Filhos, de Lucy Kirkwood
ao desenvolvimento transformava- temerariamente construída no
-se num facilitador do desenvolvi- local errado, contra tudo o que
mento. já se sabia de outros eventos
À luz disto, duas notas se im- semelhantes de que havia claro espectador transforma-se em catástrofe do tempo”, de escalas
põem. A primeira é que a história registo histórico (tive ocasião de testemunha irrecusável de um completamente assimétricas, ao
é contingente. Na longa duração escrever aqui várias crónicas a triângulo formado por três mesmo tempo que inaugura “uma
histórica a direção das relações esse propósito, quer na altura, personagens: Hazel (Maria José O nuclear é para a história das catástrofes” que nos
entre o ocidente e o oriente é menos quer depois do acidente). Lucy Paschoal), Rose (Custódia Gallego) estão e continuarão a ser reveladas
de sentido único do que de pêndulo: Kirkwood ficou particularmente e Robin (João Lagarto). O fio
dramaturga, Lucy pela ampulheta de Cronos.
durante séculos dominou o oriente, impressionada com um episódio condutor da obra não tem nenhum Kirkwood, apenas Foi Leibniz (1646-1716)
desde há dois séculos domina o ocorrido imediatamente após o vestígio de qualquer intenção quem chamou a atenção, muito
ocidente. Há sinais de que este do- acidente. prosélita, seja ecológica ou ética.
uma metáfora deste antes dos pesquisadores do
mínio possa estar a chegar ao fim, já Para tentar minimizar os O que está em causa é a essência tempo e mundo onde inconsciente, para o facto de a
que no início da próxima década a efeitos negativos, a empresa da vida humana: a necessidade nossa mente estar povoada por
China será o país mais desenvolvido tinha de contar com um punhado de tomar decisões importantes,
estamos mergulhados “pequenas perceções” de que
do mundo (se nenhuma guerra, de valorosos engenheiros para sob a pressão de circunstâncias não temos consciência. São quase
entretanto, a destruir). intervenção no local. Tal como que obrigam a uma rapidez representações, que funcionam
A segunda nota é que, contra aconteceu em Chernobyl, as particularmente dolorosa. O que a dramaturga pretende como uma espécie de espuma,
os factos, a explicação tradicio- equipas de intervenção foram Esta peça surge numa altura de é mostrar seres humanos como as algas que vacilam na
nal da inferioridade do oriente expostas a radiações elevadíssimas enorme e desditosa atualidade, confrontados com os dilemas de turbulenta zona entre marés,
continua a dominar o imaginário que significavam uma quase quando a Europa e o mundo se um mundo onde já não é possível arrastadas entre as ondas do mar
popular ocidental. Torna-se, por certeza de contrair mais tarde preparam para fechar os olhos, distinguir natureza de técnica e a areia da praia. Ao ver esta
isso, facilmente instrumentali- doenças oncológicas graves. No seguindo em frente com mais (Jean-Luc Nancy), ou, como peça, senti que algumas dessas
zável politicamente. Sempre que Japão, um grupo de engenheiros centrais nucleares, aumentando a sustenta uma das mais poderosas impressões difusas ganharam
os europeus sentem necessidade reformados ofereceu-se para pesadíssima herança que recairá testemunhas de Chernobyl, contornos. Tornaram-se objetos
de ocidentalizar a sua imagem, substituir o pessoal mais jovem, sobre as gerações mais jovens. Svetlana Alexievich, um mundo de consciência e, à sua maneira,
orientalizam a dos países com que e com maior esperança de vida, Mas a força do trabalho de Lucy onde a arrogância da tecnologia de conhecimento. Talvez seja esse
têm problemas, sobretudo se eles num ato de heroicidade e altruísmo Kirkwood, e dos magníficos fáustica lançou as nossas breves um dos indicadores de sucesso da
tiverem dupla pertença à Europa e à que só pode merecer as escassas atores que lhe dão vida em cada e frágeis vidas humanas, que se arte. Produzir o efeito catártico:
Asia, como é o caso da Turquia e da palavras que acompanhem um representação, não está em medem em dezenas de anos, em redimir, sobretudo mesmo
Rússia. Quando a Europa quis re- respeitoso silêncio. nenhuma intenção militante rota de colisão com os isótopos perante aquilo que está fora do
jeitar a entrada da Turquia na União A obra é intensíssima. ou cívica. Nem sequer numa radioativos cujo impacto nefasto campo da salvação. J
Europeia, orientalizou-a. Agora, A ação dramática decorre, pedagogia ambiental, pois o pode arrastar-se por muitas
a condenação legítima da invasão “aristotelicamente”, como nuclear é para ela apenas uma dezenas de milhares de anos. NR: sobre esta peça ler também a crítica
ilegal da Ucrânia está a legitimar a sublinha a autora, num único metáfora deste tempo e mundo Citando Svetlana, o acidente teatral de Helena Simões e o texto de
orientalização da Rússia. J espaço e em tempo real. O onde estamos mergulhados. de Chernobyl inaugura “uma Leonor Nunes (p. 24)
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT DEBATE-PAPO 33 ↗

Eduardo Afonso Dias (1938-2022)


Um designer possível
CARLOS OLIVEIRA SANTOS
Uma figura maior do design em
Portugal, faleceu no passado mês
de março. Uma vida inteira a rumar
contra as dificuldades criativas
e produtivas que a modernidade
enfrenta, na nossa terra.

De facto, tal como Natália, no


poema, Eduardo poderia dizer que
era “um vestíbulo do impossível”.
Neste Portugal, onde as entidades
públicas se veem na missão de logo
tecer loas fúnebres a uma qualquer
figura mediática falecida, mesmo
que insignificante, é significativo
que um dos maiores criadores de
design do país não tenha tido uma
palavra pública de reconhecimento.
Sim, tristemente, morreu Eduardo
Afonso Dias, isso mesmo, um dos
maiores criadores de design, neste
Portugal, onde até a palavra é recente
e escassa. Como portugueses, como
admiradores, mas, sobretudo, como
seus amigos, não podemos calar-nos.
O Eduardo, um lisboeta de 1938,
ainda passou pela escultura da Escola
Superior de Belas-Artes, mas aquele
ranço não era para ele. Foi, sim, nos
pioneiros laboratórios da moderni-
dade portuguesa que ele se cursou:
com Frederico George, António Sena
da Silva, Daciano Costa e Conceição
Silva – aí é que ele se desdobrou em
atenção, experiência e conhecimento
do que poderia ser a sua própria iden-
tidade. É que, para aqueles, o design Eduardo Afonso Dias (na foto, em cima), e obras de sua autoria: Cutelaria Kr (à esq.ª) e Linha Liza; em baixo, Série Arcádia (à esq.ª) e Linha Aqua
ainda era um quase adereço da arqui-
tetura ou um derivado das “artes”.
Talvez só Daciano tenha começado a acrescentaria o nosso Eduardo, que O nosso querido Fernando Assis aéreos), o Eduardo exultava. Ele não
construir um discurso próprio (com era a pura expressão dessa palavra. Pacheco entrevistou-o para o JL, quis a contração e o seguidismo,
a Metalúrgica Longra de Fernando Foi isto que, chegado a Abril, em 1984, e aí se cunhou (graças à que certa europeização trouxe,
Seixas), mas ainda muito forjado no Quis ir bem mais ele sonhou e labutou. Depressa capacidade do Assis em extrair o muito menos o bafo fúnebre da
projeto artístico. O Eduardo quis ir (mas com muito suor), coisinhas de verdadeiramente importante das crise de 2007 e ainda muito menos
bem mais longe e ver o design como longe e ver o design “chico-espertos”, de “patos bravos”, pessoas), uma expressão-chave do a mediocridade da condução dos
parte integrante da vida e da gestão como parte integrante como ele dizia, se transformaram Eduardo: o design possível. Foi com destinos nacionais, com gente que
das empresas, da inovadora con- em empresas plenas, com o mundo ela que o MUDE lhe agradeceu a acabaria, nomeadamente, por
versão das matérias em produtos,
da vida e da gestão a solicitá-las. Graças aos processos obra, na grande exposição de 2014 encerrar coisas essenciais como o
na sua relação com as pessoas, os das empresas, da e às criações, mais de 500, dele e e no livro que a acompanhou. O Centro Português de Design, que
ditos consumidores ou utilizadores, das suas equipas. Toda a Europa, design possível nesta nossa terra deveria, hoje, estar, como dizia
estrategicamente, por cá e por esse
inovadora conversão sobretudo a nórdica, e os Estados do entrave, do oportunismo e da Daciano Costa, “na limpeza da tralha
mundo fora. das matérias em Unidos, o Canadá, a Austrália, Nova submissão ao alheio. visual com que se tapam as misérias
Calcorreou o país (também produtos, na sua Zelândia, Japão ou Angola, viram-se Foi, em boa parte, um Eduardo das sociedades”, incluindo as não
ajudado pelo seu grande amor penetrados pelos seus faqueiros OMO mais duvidoso que se consagrou, apenas visuais, como a pobreza, a
gastronómico), mirou e registou relação com as ou Gume, seus múltiplos acessórios desde 1994, ao ensino do design, com desigualdade injusta, a exploração
centenas de empresas, dos plásticos pessoas, por cá e por de cortiça, os polímeros Combi, suas Daciano Costa e José Brandão, na desumana, o racismo, o crime, a
à cutelaria, da iluminação à cortiça, cadeiras Omnia, os candeeiros Tubus, Faculdade de Arquitetura, enquanto discriminação, etc, etc, etc.
do mobiliário aos mais diversos esse mundo fora a faiança pintada Lyrica, etc, etc, etc. ia assistindo à universidade do faz Meu querido Eduardo, sei que
utensílios e métodos. E pôs de pé de conta, mais preocupada com estarás por aí, céu-purgatório-
equipas, empresas como a Uniteam, O IKEA, QUE OS PORTUGUESES títulos e autarcias, com “os negócios inferno, com o teu indefetível
a Intério e outras, de conceção, de só conheceram no século XXI, já o dos graus académicos” (António cigarrinho, o pullover amarelo,
consultoria, de distribuição, que no cerne do que deveria ser um Eduardo tratava por tu, como seu Sena da Silva) do que com o sumo cabelo e barba pró-desgrenhado,
dotassem as capacidades existentes progressivo e justo desenvolvimento criador internacional, nos anos 70 (e da formação e integração dos seus olhar sempre observador e crítico, a
nas empresas nacionais de um outro português: empresas fundadas, acima cortou com eles, quando essa cadeia estudantes na vida ativa e nas congeminar o redesign disso tudo.
potencial, de conhecimento de de tudo, nas capacidades humanas, abandonou a referência à autoria do autênticas necessidades do seu país, Até um dia destes, meu amigo, num
pessoas e de mercados, de inovação, materiais e infraestruturais nacionais, design – o que viria a retomar). O com garra e afinco. Quando aparecia belo almocinho… J
de pleno e atualizado design, de tendo o mundo por mercados, mas mesmo com o sector corticeiro, que um caso sério de aluno, como, por
internacionalização e dinâmica. com significativo valor acrescentado só há bem poucos anos descobriu o exemplo, o do Rui Marcelino e da *Carlos Oliveira Santos, prof. desde 1992,
nomeadamente na Fac. de Arquitetura da
Em suma, de trabalho e de proveito e com profissionais bem pagos, design, já ele o fazia há mais de 40 Alma Design (uma excelência no Un. de Lisboa (2007-2018), foi colaborador
para todos. Porque o Eduardo esteve satisfeitos e dinâmicos. Livres, anos. Morreu um homem grande! design de transportes terrestres e permanente do JL nos anos 80
34 DEBATE-PAPO

4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT

A boa ideia
de Kurt Vonnegut
PROPRIETÁRIA/EDITORA: TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA.
SEDE: Rua da Fonte da Caspolima – Quinta da Fonte,
Edifício Fernão de Magalhães, nº8, 2770-190 Paço de Arcos
NIPC: 514674520
GERÊNCIA DA TRUST IN NEWS: Luís Delgado,
Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos.
COMPOSIÇÃO DO CAPITAL DA ENTIDADE
PROPRIETÁRIA: 10.000,00 euros
PRINCIPAL ACIONISTA: Luís Delgado (100%)

J
PUBLISHER: Mafalda Anjos

PARALAXE
JORNAL
Afonso Cruz DE LETRAS,
ARTES E

U
IDEIAS
DIRETOR: José Carlos de Vasconcelos

REDATORES: Maria Leonor Nunes, Manuel Halpern, Luís Ricardo Duarte.


m dos livros de Kurt Vonnegut, o piloto de um bombardeiro (um avião chamado Joy’s Pride), COLABORADORES PERMANENTES: Afonso Cruz, Agripina C. Vieira, A. C. Cortez,
Mas há melhor do que isto? (If This que, durante a II Guerra Mundial, deveria lançar uma terceira A. Mega Ferreira, Boaventura de Sousa Santos, Carlos Fiolhais, Carlos
Reis, Daniel Tércio, Fernando Guimarães, Guilherme d’Oliveira Martins,
Isn't Nice, What Is?), foi agora bomba atómica na cidade de Yokohama (que era mais populosa Gonçalo M. Tavares, Helder Macedo, Helena Simões, J. Rego de Almeida,
João Gobern, João Ramalho Santos, Lídia Jorge, Mª Emília Brederode Santos,
publicado pelo Grupo Narrativa, do que Hiroxima e Nagasaki juntas). Já a sobrevoar o Japão, o Mª José Rau, Mª Augusta Gonçalves, Miguel Real, Nuno Júdice, Onésimo
estando já à venda. Tive o privilégio piloto acabou por desistir da missão e regressou a casa. No seu Teotónio Almeida, Paulo Guinote, Patrícia Portela, Sofia Soromenho, Tiago
Patrício, Valter Hugo Mãe e Viriato Soromenho-Marques
de escrever o prefácio deste livro julgamento, nos EUA, revelou o motivo para não ter cumprido
OUTROS COLABORADORES: A. Laborinho Lúcio, A. Cândido Franco, A. Pedro
(imperdível, tal como toda a obra o objetivo militar que fora incumbido: imaginou o que a sua Pita, A. Sampaio da Nóvoa, Ana Maria Bettencourt, Arnaldo Saraiva, B.
de Vonnegut), que partilho aqui. mãe sentiria caso ficasse para a História como a pessoa respon- Bénard-Guedes, C. Mendes de Sousa, Fernando J. B. Martinho, F. Pinto
do Amaral, Gastão Cruz, Filinto Lima, E. Marçal Grilo, Graça Morais,
O tio de Kurt Vonnegut, o tio sável pelo maior número de mortes de civis de sempre. Hélia Correia, I. de Loyola Brandão, Inês Pedrosa, João Abel Manta, João
Barrento, João Costa, J. A. Cardoso Bernardes, Jorge Fazenda Lourenço,
Alex, era alguém que tinha o A questão da guerra é um Jorge Vaz de Carvalho, José Luís Peixoto, José Manuel Castanheira, José
bom hábito de saber interrom- tema sempre muito presen- Manuel Mendes, José Reis, J. Gomes André, Leonor Xavier, Manuel Alegre,
M. Frias Martins, Marcello Duarte Mathias, Manuela Paraíso, Mª Alzira
per a vida mecânica, para, de te nos livros de Vonnegut, Seixo, Mª Fernanda Abreu, Mª Graciete Besse, Mª João Fernandes, Mª
forma singela, como um mís- tendo ele próprio sobrevi- Helena Serôdio, Mª Irene Ramalho, Mª Luísa R. Ferreira, Mário Avelar,
Mário Cláudio, Mário de Carvalho, M. Vieira de Carvalho, M. Sanches Neto,
tico laico, contemplar o pre- vido aos bombardeamentos Miguel Carvalho, Nélida Piñon, Norberto V. Cardoso, Ondjaki, Pilar del Rio,
sente, desfrutar dos pequenos de Dresden na II Guerra Ramón Villares, Ricardo Araújo Pereira, Rita Marnoto, R. Miguel Puga, Rui
Vieira Nery, Salvato Teles de Meneses, Sérgio G. Sousa, Sérgio Rodrigues,
prazeres, fazendo culminar Mundial. A certa altura, Sofia Soromenho, Teolinda Gersão, Teresa Toldy e Tiago Rodrigues
esse encantamento com a per- disse que o que nos mantém PAGINAÇÃO: Patrícia Pereira

gunta retórica If This Isn't Nice, produtivos e ativos, mais do SECRETÁRIA: Teresa Rodrigues

CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO: Gesco


What Is?. Há uma tendência que cocaína pura, é o ódio:
REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇOS COMERCIAIS: Rua da Fonte da
para ficarmos tolerantes à «Toda a minha vida tive gente Caspolima – Quinta da Fonte, Edifício Fernão de Magalhães, 8
felicidade, a certas formas de para odiar — desde Hitler a 2770-190 Paço de Arcos - Tel.: 218 705 000 Fax: 218 705 001
email: jl@jornaldeletras.pt.
beleza, e entregarmo-nos a Nixon, ainda que estes dois Delegação Norte: CEP – Escritórios, Rua Santos Pousada
uma dormência generalizada, não sejam comparáveis na 441- sala 206/208, 4000-486 Porto – Telefone: 220 990 052
MARKETING: Marta Silva Carvalho (diretora) - mscarvalho@trustinnews.
uma consequência da rotina. sua iniquidade. É talvez uma
pt e Marta Pessanha (Gestora de Marca) - mpessanha@trustinnews.pt
O tio Alex tinha uma ferra- tragédia o facto de os huma- PUBLICIDADE: Vânia Delgado (Diretora Comercial) vdelgado@trustinnews.
menta para furar essa camada nos conseguirem obter, do pt; Maria João Costa (Diretora Coordenadora de Publicidade) mjcosta@
trustinnews.pt; Mariana Jesus (Gestora de Marca) mjesus@trustinnews.
opaca da vida, uma espécie de ódio, tanta energia e entusi- pt; Mónica Ferreira (Gestora de Marcas) mferreira@trustinnews.pt; Rita
janela para o mundo e para a asmo. Se quiseres sentir-te Roseiro (Gestora marca) - rroseiro@trustinnews.pt; Elisabete Anacleto
(Assistente Comercial) eanacleto@visao.pt; Florbela Figueiras (Assistente
sua beleza possível: If This Isn't enorme, capaz de correr cem Comercial) ffigueiras@visao.pt; DELEGAÇÃO PORTO: Margarida Vasconcelos
Nice, What Is?. quilómetros sem descansar, (Gestora marca) mvasconcelos@trustinnews.pt;
BRANDED CONTENT: Rita Ibérico Nogueira (Directora)
o ódio é muito mais eficaz do rnogueira@trustinnews.pt
ESTE É UM BOM EXEMPLO que cocaína pura. Hitler fez TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO: João Mendes (Diretor)
de como Kurt Vonnegut, com renascer uma nação derro- Telf Lisboa – 21 870 5000
humor, perspicácia e profun- tada, falida, meia esfaima- Telf. Porto – 22 099 0052
didade, se revela um pensador da, usando somente o ódio. PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO: Vasco Fernandez (Diretor); Pedro
Guilhermino (Coordenador de Produção); Nuno Carvalho,
clarividente, que, sob uma Pensem nisso». Nuno Gonçalves e Paulo Duarte (Produtores); Isabel Anton
camada de simplicidade, trata Nesse sentido, Vonnegut é (Coordenadora de Circulação)

ideias complexas, como é aliás perentório em relação ao mal: ASSINATURAS: Helena Matoso (Coordenadora de Assinaturas)

SERVIÇO DE APOIO AO ASSINANTE: Tel.: 21 870 50 50


evidente nos seus roman- «Sou tão esperto que sei exa- (Dias úteis das 9h às 19h); apoiocliente@trustinnews.pt
ces, onde podemos ler sobre tamente o que há de errado IMPRESSÃO: Lisgráfica – Estrada de São Marcos Nº 27 – S. Marcos –
teorias eternistas do tempo com o mundo. Toda a gente 2735-521 Cacém. Distribuição: VASP MLP, Media Logistics Park, Quinta
do Grajal. Venda Seca, 2739-511 Agualva-Cacém Tel.: 214 337 000.
embrulhadas em tramas bem pergunta, durante e após as Pontos de Venda: contactcenter@vasp.pt – Tel.: 808 206 545,
humoradas e bem urdidas, guerras e ao testemunhar os Fax: 808 206 133
TIRAGEM MÉDIA: 7 100 exemplares
sempre alicerçadas na ética, ataques terroristas perpetra-
Registo na ERC com o nº 107 766
na ciência e na filosofia. Ilustração de Afonso Cruz dos por todo o globo, 'O que Depósito Legal nº 127961/98 – ISSN nº 0872-3540
Vonnegut disse, certa correu mal?' Estatuto editorial disponível em www.visao.sapo.pt/informacaopermanente
vez, que uma missão »O que correu mal foi que demasiadas pessoas, incluindo A Trust in News não é responsável pelo conteúdo dos anúncios
nem pela exatidão das características e propriedade dos produtos
plausível da arte seria estudantes do secundário e governantes, obedecem a uma lei e/ou bens anunciados. A respetiva veracidade e conformidade
fazer a vida minima- do Código de Hammurabi, um rei babilónio que viveu há cerca com a realidade, são da integral e exclusiva responsabilidade dos
anunciantes e agências ou empresas publicitárias. Interdita a
mente aceitável. Então, de quatro mil anos. Essa lei também encontrou eco no Antigo reprodução, mesmo parcial de textos, fotografias ou ilustrações sob
pediram-lhe exemplos Testamento. Estão preparados? 'Olho por olho, dente por qualquer meios, e para quaisquer fins, inclusive comerciais.

de artistas que o tives- dente'.


sem feito. Ele respondeu: Kurt Vonnegut, com »Um imperativo categórico para todos os que obedecem ao
PORTE PAGO

Os Beatles. Esta atenção humor, perspicácia Código de Hammurabi, e que incluem heróis de filmes de cow-
à beleza é recorrente, boys e gangsters, é o seguinte: 'Toda a injúria, real ou imagina- Ligue já 21 870 5050
assim como a impor- e profundidade, da, será vingada. Alguém se irá arrepender muito'». Assine o
Dias úteis: 9h às 19h

tância que dava a certos revela-se um pensador Precisamente por reconhecer a perpetuação do ódio como
detalhes e o modo como algo transversal à sociedade, Vonnegut acaba por nos apontar
estes, na sua singeleza, clarividente, que, soluções para quebrar essa cadeia de atos mecânicos, cruéis ou
nos podem salvar. Num sob uma camada de insensatos, sublinhando que a humanidade teve somente uma
dos seus romances, única boa ideia: «Ser compassivo, creio, é a única boa ideia que
Timequake, conta um simplicidade, trata tivemos até agora. Talvez um dia nos ocorra outra, altura em
episódio passado com ideias complexas que passaremos a ter duas boas ideias». J
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT DEBATE-PAPO 35 ↗

HOMEM DO LEME
Para sempre Manuel Halpern

Dia do
AUTOBIOGRAFIA IMAGINÁRIA trabalhador
Valter Hugo Mãe

O
C
omo é do conhecimento público, ao
longo dos últimos anos, a empresa
trabalho de Luís Silveirinha reeduca Entre os muito melhores do desenho português, Luís tem vindo a implementar um plano
o papel para um regresso. Suporte Silveirinha é um dos que mais me comove. Assisto à sua obra pioneiro no nosso país de informatização e
fabricado, o modo como a sua arte como quem não acredita no que vê. Demoro. É apanágio das robotização dos diversos departamentos.
acontece é uma ilusão que o devolve paixões. Nunca estamos seguros. Ficamos à mercê. O Robot plus é motivo de orgulho naci-
à vida, profundamente orgânico, onal e todos os que vestem a camisola da
planta de novo. Tudo no que faz A arte é sempre o evento de uma transcendência, algo que nos empresa, e tem sido dado como exemplo
alude à ordem do ser vivo, sua deixa diante do que até então era por revelar, não era, nem se maior da maximização da tecnologia um
amplitude, as hipóteses em aberto, tinha sequer como possível. O que Silveirinha faz é tão perto pouco por todo o mundo. Semanalmente
a infinidade de possibilidades nas de ser íntimo, com seus papeis, tantas vezes seus livros de recebemos pedidos de informações sobre o
formas, nos gestos que simplificam ou exuberam, exata- artista (são incríveis seus cadernos, pequenos ou grandes, são projeto, oriundos de empresas estrangeiras,
mente como acontece na natureza vegetal, desde a semente incríveis), que tenho a convicção de acompanhar como um algumas das quais de grande dimensão.
aos estames, dos galhos às flores ou ao fruto. O que o Luís homem se transforma numa paisagem e numa multidão. Seu Isto só pode deixar realizado e ciente da sua
Silveirinha faz explora essa mesma capacidade de infinito e, diário plástico é sua infinidade, tornado semente de um uni- responsabilidade quem dirige e trabalha na
por maravilha, verso que não empresa.
escolhe uma es- podia jamais É pois como uma imensa alegria que lhe
tação e detém- ser previsto. comunicamos que o projeto Robot X entrou
-se. Há outonos Debruçados so- na sua terceira etapa, que corresponde a 98
ou primaveras, bre uma de suas por cento da mecanização dos serviços. Até
coisas de verão folhas estamos agora tinha sido implementado sobretudo
ou o soturno na contingência nos setores mais mecânicos. O novo soft-
do inverno, de reconhecer ware Robot Plus H2Homem permite-nos
podemos pres- a descoberta de alargar o plano de robotização a áreas não
sentir como a um lugar que mecanizadas. Trata-se de uma conquista
planta haveria Deus adiou até tecnológica sem precedentes. O robot pode
de reagir ao agora. desempenhar funções criativas que até
tempo mudan- agora se pensavam exclusivas da capaci-
do, mas a obra é No Arco Escuro, dade humana, com uma rapidez superior
a completude de número 6, e uma eficácia que chega a quintuplicar a
um estado. Ela à Rua dos capacidade do homem.
é para sempre o Bacalhoeiros, Perante isto, agradecemos com toda a
que a natureza em Lisboa, sinceridade os seus anos de serviço, em
não pode ser. na galeria A que se empenhou, entre outras coisas, no
[Space], vai pa- desenvolvimento deste projeto transcen-
Admito que sou tente a exposi- dente, que obrigou a muitas horas extras
dado a obstina- ção Sierra com a e até noites sem dormir. Chegou agora a
ções, paixões qual Silveirinha altura de ver todo esse esforço concretizado
descontroladas mostra dese- em sucesso. A partir da próxima segunda-
que nem se nhos de grande -feira será substituído no seu posto de tra-
pacientam com formato onde balho por uma máquina. O Robot Xn Plus
a maturidade Ilustração de Valter Hugo Mãe suas vegetações desempenhará as suas antigas funções com
nem se mode- imaginárias esmero, respirando o trabalho que teve até
ram. As paixões exuberam. Os agora, mas quintuplicando os resultados
são fortuna dos grandes for- comerciais. Pode parecer estranho entregar
destemidos, aqueles que apostam tudo, e eu reconheço-me matos de Silveirinha são bravos, gestos gigantes que nos des- a um robot o papel de criativo, mas pode
feito dessa fúria ou folia de saltar ao acaso de um senti- lumbram com a mesma maravilhosa capacidade para a forma ter a certeza que o Xn Plus não deixará a
mento. Isto para dizer que meço sismicamente aquilo que orgânica, o modo como se desenha na cor o corpo muito livre empresa mal.
amo, quem amo, e rodeio-me de seus sinais com avidez e do que se vê. Sim, corpos livres porque não são senão certas Não descartamos a possibilidade de o
alegria. Assim, desde insinuações de outras plantas que, não cumprindo o retrato convoca para substituir a máquina du-
há anos que se inscre- da botânica real, podem também ser apenas o jeito da luz co- rante os seus períodos de manutenção ou
ve na minha avidez e ada pelas sombras. Pode esta "sierra" ser sobretudo um lugar afinação de software. É natural que na fase
alegria a obra de Luís onde germinam transparências e opacidades que a presença piloto nem tudo esteja a funcionar a cem
Silveirinha. da luz e o seu movimento fazem ver. Uma mata de refrações, por cento.
como o debate entre a claridade e o escuro, estudando como Como complemento, informamos-lhe
Julgo que vejo mila- os corpos e suas cores nos soletram as formas para uma lin- também que a máquina está preparada para
gres nos trabalhos de É do inesgotável que guagem verdadeiramente inesgotável. desenvolver relações pessoais prazenteiras.
Silveirinha. Como até se faz o imaginário de Ela está preparada para levar a sua mulher
as figuras humanas, É do inesgotável que se faz o imaginário de Luís Silveirinha. ao cinema, programar uma noite românti-
quando há, são prolífe- Luís Silveirinha. Esse Esse ofício de amplitude absoluta onde a mata se pensa em ca, recitar poemas do seu poeta favorito e
ras mais ao jeito da erva ofício de amplitude todas as infinitas possibilidades, é a garantia de que não tratar da lida da casa.
crescendo por toda a podemos jamais parar de ver. Parar de acompanhar. Como se Da mesma forma tem a capacidade levar
parte do que da carne de absoluta onde a mata também houvéssemos de sustentar esta flagração contínua, os seus filhos a brincar ao parque e satisfa-
um animal. Vejo como se pensa em todas as olhamos. Temos de continuar a olhar pela contemplação da zê-los alternadamente com um dos 57632
tudo brota em flor e isso pura e inesperada beleza, como quem espera rodear-se de jogos ao ar livre disponíveis do catálogo.
é profundamente ético,
infinitas possibilidades, uma realidade assim. Como quem espera passar de verdade A partir de segunda-feira vai ficar com
uma alusão ao quanto é a garantia de que não entre tais plantas ou seres de luz, e sentir como seriam suas muito mais tempo para si próprio!
os bichos também são reações ao vento, à noite, como soariam seus corpos oscilan- Nota: esta carta foi escrita pelo Robot
por uma germinação
podemos jamais parar do, o que voltaria num eco se houvéssemos de levantar a voz xrh, o diretor dos recursos humanos foi
qualquer. de ver num grito. J dispensado na semana passada. J
36 ↗
J 4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT

DIÁRIO
Nado e criado em Lisboa Gonçalo M. Tavaress

Primavera,
ANTES QUE O MÊS ACABE
BE
cabeça,
António Mega Ferreira alucinação

Q
1.
uando se chega a determinado mo- traços arcaicos que, na década de 1950, já começavam a esbater-
mento de uma longa vida, é natural -se) daquela em que eu nasci e fui criado. E, embora vivendo em Aperfeiçoar o espelho com um
que a recordação dos tempos mais bairros diferentes, os lugares, as pessoas, as profissões, os hábitos martelo; aperfeiçoar, partindo,
recuados de uma existência se- sociais não divergiam muito: a ronceirice que convinha à ladai- quebrando, estilhaçando.
jam convocados por uma memória nha salazarenta uniformizava os códigos sociais, pelo menos na Destruir o maligno, aperfeiçoar.
desperta e curiosa de inquirir sobre o classe média urbana em que ambos nascemos.
seu passado. Pedro Nava, extraordi- Há, porém, mais (e melhor): revejo-me em muitas das

2.
nário memorialista brasileiro, publi- observações de JC sobre o Liceu de Pedro Nunes, alma mater de
cou o 1º volume das suas memórias, ambos, que eu frequentei uma década depois dele; e cruzo-me
Baú de ossos, em 1972, à beira de com a grata memória de seu pai, o professor de Matemática Uma forma antiga de
celebrar o seu 70º aniversário. E isso Jorge Calado, um dos inesquecíveis mestres que me ajudaram aperfeiçoar: envelhecer.
não o impediu de, até 1984, data da sua morte, escrever mais a formar uma visão do mundo e do comportamento humano Desacelerada destruição.
cinco volumes, cada um tão fasci- de ser civilizado; caímos cedo no Os velhos estavam perfeitos – e
nante como o anterior. caldeirão efervescente do gosto esperavam.
Os exemplos são inúmeros. pela ópera e estrenoitámo-nos nas Quando se chega ao topo ou se espera
Todos eles encontram justificação terças-feiras operáticas do Coliseu ou se começa a descer.
na bela fórmula com que António dos Recreios; formámo-nos na Se não queres esperar ou descer, não
Tenreiro, um viajante português leitura do Cavaleiro Andante (mas subas a montanha.
do século XVI, empreendeu, três ele levava-me o Diabrete de
décadas depois de realizada a avanço…) e começámos por ser

3.
viagem, o relato do seu regresso a francófonos, antes de ele ceder à
Portugal, vindo do Oriente, onde atração da cultura anglo-saxónica
permanecera durante cinco anos: na qual imergiu definitivamente Jonathan bate à porta, está
“Porque naturalmente folga ho- no final dos anos 1960. Ele caiu acelerado.
mem de tornar à memória o pas- nos braços de Shakespeare, eu Os amigos são convites à deslocação:
sado” (Itinerário da Índia por terra mergulhei na Comédie humaine de um amigo no topo da montanha chama
a este reino de Portugal, Livros de Balzac. o nosso nome mesmo que não abra a
Bordo, 2020). Mas o livro de JC, ao qual boca; fingimo-nos surdos para não nos
Esta frase quase poderia figurar talvez conviesse o título da mostramos cansados.
como epígrafe do magnífico primeira tradução inglesa da
Mocidade Portuguesa, que Jorge Recherche de Proust, da autoria

4.
Calado (JC), cientista, escritor, de Scott Moncrieff (Remembrance
melómano e crítico, acaba de pu- of Things Past, 1926), é muito
blicar na Imprensa Nacional (568 mais do que uma recuperação de O clima e cabeça.
pp., 30 euros). O título pode ser recordações diversas semeadas Nuvens, desânimo; sol,
equívoco, porque à gente da minha no tempo. A evocação de Proust abertura.
geração lembra imediatamente o neste contexto não é acidental: “As primaveras impelem o organismo
nome da detestada organização Jorge Calado como já demonstrara exuberan- a atos que, numa outra estação, lhe são
para-fascista do salazarismo. temente no extraordinário Haja desconhecidos, e mais do que um tratado
Mas o conteúdo é claro: trata- Luz! (2012), a memória trei- de história natural abunda em descrições
-se da narrativa evocatória de nada de JC dispara em todas as desses fenómenos entre os animais.”
uma mocidade portuguesa, a de direções, ilustrando aquilo a que Mas a Stéphane Mallarmé, nos Poemas
Jorge Carreira Gonçalves Calado, nascido em Lisboa em finais ele chama o seu “raciocínio lateral”, a convocação dos mais em Prosa, interessa o que acontece aos
dos anos 1930, professor emérito do Instituto Superior Técnico diversos saberes, científicos, literários, musicais, cinemato- humanos.
e crítico musical do gráficos, artísticos (“a vida, tal como este livro, é um universo O espírito e o exterior.
Expresso vai para 30 em expansão”), para a construção de um discurso que nos faz
anos. O livro é uma fasci- ver de diversos ângulos a cena que ele ergue diante dos nossos

5.
nante digressão retrospe- olhos, menos fascinados pela erudição que revela do que pelo
tiva pelos tempos da sua efeito estético que provoca. Em JC, tudo deve passar pelo crivo
infância, adolescência e Convocação dos mais da beleza, antes de perdurar no coração dos homens: “O disco Diz Jonathan: conheço esse
início da idade adulta, e diversos saberes, é mais belo e voa mais longe do que o funil”, fórmula que outro alguém.
tem como palco sobre- estreou em Haja Luz! e que aqui retoma no capítulo sobre a sua Dava erros ortográficos nos números. J
tudo a cidade de Lisboa, para a construção de relação com a ciência.
onde JC foi nado e criado. um discurso que nos Mocidade Portuguesa cumpre inteiramente aquilo a que se
Este é o primeiro mo- propõe: é “o retrato de um estilo de vida esquecido; o passado
tivo de reconhecimento faz ver de diversos contado por um jovem que aprendeu a treinar a memória”.
que me leva a encontrar ângulos a cena que Fala-nos dos anos de formação lisboeta e oxoniana do seu
no seu livro tantos pontos autor. O relato detém-se no início de 1970, quando regressa,
de contacto que, por ele ergue diante dos já doutorado, de Oxford (“foi lá que começou o resto da minha
vezes, quase sinto que a nossos olhos, menos vida”), mas nunca constitui uma tentativa de autointerpre-
sua voz fala (também) por tação, antes uma narrativa sobre um passado em que Jorge
mim. Eu nasci em finais
fascinados pela Calado foi ator e figurante e ao qual a sua memória (prodi-
da década seguinte à dele; erudição que revela do giosa), adubada por uma pesquisa meticulosa própria de um
mas a Lisboa que evoca cientista, empresta as cores de um relato pessoal de um tempo
não anda muito distan-
que pelo efeito estético que nos ajudou a formar. E é de leitura compulsiva – unput-
te (a não ser em alguns que provoca downable, como a ele não desagradaria ouvir chamar. J
Agenda Cultural
4 a 17 de maio 2022

Viver a sua Vida


Museu Nac. do Traje apresenta a visão singular do fotógrafo Georges Dambier na alta costura parisiense dos anos 1950

ALCOBAÇA Museu de Angra do Heroísmo Theatro Circo E Stanley Kubrick:


Ladeira de São Francisco. Tel.: 295 240 800 Av. da Liberdade, 697. Tel.: 253 203 800 Through a Different Len
Mosteiro de Alcobaça E Exposição de Pintura de Francisco Nisa M Sofiane Pamart + Christine Ott até 22 de maio
até 8 de maio 5 de maio – 21h30 E Pepe Barragán: Ritmos e Variações
Tel.: 262 505 120
E Festival em Tempo de Pandemia M Macha Gharibian + La Chica até 29 de maio
até 31 de maio
Palacete Silveira Paulo 6 de maio – 21h30
R. do Galo. Tel. (info.): 295 240 800
E Panaceia Elétrica
M Respira: Abdullah Ibrahim
7 de maio – 21h30
COIMBRA
ALMADA até 15 de maio E INDEX 2022: Worlds With(Out) Us Convento São Francisco
Exposição de Calum Bowden.
Av. da Guarda Inglesa 3. Tel.: 239 857 190
Teatro Municipal Joaquim Benite
Av. Prof. Egas Moniz. Tel.: 212 739 360
AVEIRO 12 a 22 de maio
E INDEX 2022: Italian Limes
4ª A 2ª, DAS 15 H ÀS 20 H
E Dança em Coimbra?!
T O Misantropo Exposição da agência de design Studio Folder.
Teatro Aveirense Para uma Timeline a Haver
Texto de Martin Crimp a partir de Molière. 12 a 22 de maio
R. Belém do Pará. Tel.: 234 400 920 4ª A 2ª, DAS 15 H ÀS 20 H
Encenação de Nuno Carinhas. Interpretação M Bruno Pernadas
T Medusa Medeia Macbeth até 26 de junho
André Pardal, Ivo Alexandre, Ivo Marçal, 14 de maio – 21h30
João Cabral, João Farraia, entre outros.
Texto e encenação de Rui Queiroz de Matos. E Como é Antigo o Passado Recente
5ª A S ÁB ., ÀS 21 H ; 4 ª A D OM ., ÀS 16 H 4, 5 e 6 de dezembro – 21h30 Mostra de trabalhos de Ana Vidigal.
até 22 de maio E Os Outros. Pessoas como Nós
O projeto documental de Bernardo Conde.
CALDAS DA RAINHA até 26 de julho
E Pontos de Fuga
E Pré | Ausência
Exposição de fotografias de Rui Carlos Mateus. 6 de maio a 18 de junho Centro Cultural e Congressos Exposição de fotografias de Elsa Margarida
5ª A S ÁB ., DAS 19 H ÀS 21 H 30; D OM ., ÀS 13 H ÀS 17 H T Espanto R. Dr. Leonel Sotto Mayor. Tel.: 262 094 081 Rodrigues e poemas de João Maria André.
até 19 de junho Criação e interpretação de Ana Madureira. 4ª A 2 ª , 15 H ÀS 20 H
E Apontamentos das Nossas Ruas até 30 de maio
M Nuno Vieira de Almeida 8 de maio – 16h
Exposição de desenho Manuel Bandeira Duarte.
(piano) e Susana Gaspar (soprano) M João Borsch E Pensão Flor: A Cidade
até 30 de maio
12 de maio – 22h 7 de maio – 21h30
Comentários de Luís Madureira. M Vânia Conde e Taïs Reganelli
Obras de F. Lopes-Graça, R. Strauss, K. Weill. M Eletrónica Sem Tempo
13 de maio – 21h30
Concertos para bebés,
8 de maio – 16h BEJA com direção de Paulo Lameiro.
T Pastéis de Nata Para Bach Museu José Malhoa 8 de maio – 10h
Encenação de Duarte Guimarães. Dramaturgia Pax Julia, Teatro Municipal de Beja Parque D. Carlos I. Tel.: 262 831 984
de Pedro Proença e Teresa Gafeira. Interpretação Lg. de São João. Tel.: 284 315 090 3 ª A S ÁB ., DAS 10 H ÀS 12 H 30 E DAS 14 H ÀS 18 H ;
M VII Ciclo de Concertos de Coimbra
D OM . E F ERIADOS , DAS 10 H ÀS 14 H E DAS 15 H ÀS 18 H Interpretação da Orquestra de Sopros
de Anabela Ribeiro, Bernardo Souto, Carolina E Os Rapazes dos Tanques
E Abel Salazar: de Coimbra e Vasco Dantas Rocha (piano).
Dominguez, João Farraia, Pedro Walter. Exposição de fotografia de Alfredo Cunha.
Programa: Rhapsody in Blue de Gershwin
7 de maio – 16h até 21 de maio O Desenhador Compulsivo
e música contemporânea dos EUA.
8 de maio – 11h T FITA: La Odisea De Magallanes até 8 de maio
8 de maio – 18h
T Noites de Caxias Produção Teatro Clássico de Sevilha (Espanha).
M Mynda Guevara: desconcerto
5 de maio – 21h
Encenação e dramaturgia de Ricardo
Simões. Interpretação de Ana Perfeito. T FITA: Esperando a Godot
CASCAIS 12 de maio – 19h
14 de maio – 21h
T Soundcheck
Encenação de Carlos Julio Duque.
15 de maio – 16h
Casa das Histórias Paula Rego Encenação e interpretação de Bruno Martins.
6 de maio – 21h
Av. da República, 300. Tel.: 214 826 970 14 de maio – 21h30
T FITA: Portugal Não É um País Pequeno T ODOS D IAS , 10 H 13 H 14 H 18 H
OS DAS ÀS E DAS ÀS T Que Grande Estrondo
Criação e interpretação de André Amálio.
ANGRA DO HEROÍSMO 7 de maio – 21h
E Coleção Casa das Histórias Paula Rego Criação e animação ao vivo de
até 19 de junho João Fazenda. Interpretação de
Carmina. Galeria de Arte E Menez Bruno Humberto e Philippe Lenzini.
Contemporânea Dimas Simas Lopes BRAGA até 2 de outubro 15 e 16 de maio – 16h
Outeiro do Galhardo, 13A, Ladeira Grande.
3 ª A 5 ª , DAS 9 H 30 ÀS 12 H E DAS 13 H 30 Mosteiro de Tibães Centro Cultural de Cascais Museu Nacional de Machado de Castro
ÀS 16 H ; 6 ª E S ÁB ., DAS 17 H ÀS 20 H R. DO M OSTEIRO , 59. T EL .: 253 622 670 Av. Rei Humberto II de Itália. Tel.: 214 848 900 Lg. Dr. José Rodrigues. Tel.: 239 853 070
E As Mulheres da Terra E Respira: Broken Gargoyles 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H
Exposição de fotografia de Rui Caria. Instalação sonora de Diamanda Galás. E Catarina Lucas: Piso Lasso E Tetos Pintados. Os Fragmentos do Céu
até 21 de maio 5 a 14 de maio até 8 de maio exposição de longa duração

Festival Terras sem Sombra - 2022

Arrancou já com a sua 18.ª edição e decorrerá até 23 de outubro, um fim de semana por mês, em diver-
sos concelhos da região Alentejo. A programação integra concertos de música erudita, master classes,
conferências, visitas ao património cultural e ações de salvaguarda da biodiversidade, todos de acesso
gratuito. No fim de semana de 14 e 15 de maio o Terras sem Sombra estará no concelho de Vidigueira.

Org.: Pedra Angular, estrutura financiada por MC - DGArtes. O festival conta, entre outros, com o
apoio/parceria dos Municípios envolvidos e com o apoio da DRCAlentejo.

+ info.: https://terrassemsombra.pt/
Agenda Cultural
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

E Resgatar a Ordem. interpretação de Catarina Carvalho Gomes, Ivo E Pinharanda Gomes, Historiador Fund. Arpad Szènes - Vieira da Silva
Iconografias [s]em Reserva[s] Bastos, Ricardo Vaz Trindade, Vanda R. Rodrigues. do Pensamento Português Pç. das Amoreiras, 56. Tel: 213 880 044
até 19 de junho 14 de maio – 16h até 17 de setembro 4ª A DOM . DAS 10 H ÀS 18 H ; ENCERRA 2ª, 3ª E FERIADOS

C Encontro EOD e EODOPEN E Inquieta Ansiedade. Obras


Centro Internacional 12 e 13 de maio da Coleção Rui Victorino
ÉVORA das Artes José de Guimarães C U100: Centenário até 8 de maio
Av. Conde Margaride, 175. Tel.: 253 424 715 de Ulysses, de James Joyce E Sombras de Vento. Entre Águas
Igreja do Salvador 3 ª A 6 ª , DAS 10 H ÀS 17 H ; S ÁB . E D OM ., DAS 11 H ÀS 18 H Mostra de trabalhos de Carlos Nogueira.
16 de maio – 16h
2ª A 6ª, DAS 9H ÀS 12 H 30 E DAS 14 H ÀS 17 H 30 E Voz Multiplicada até 8 de maio
E Évora Património -  Ciclo de exposições que reúne um conjunto de E Breviário do Quotidiano #8:
Centro Cultural de Belém
Fotografias de Artur Pastor artistas que exploram a substância narrativa da Ana Pérez-Quiroga
Pç. do Império. Tel.: 213 612 400
4 de maio a 23 de setembro voz ou que entendem o museu como um espaço C ASA -A TELIER V IEIRA DA S ILVA
E Rádio Antecâmara: Sound it
de ressonâncias, singularidades e distorções. 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H até 8 de maio
Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo 7 de maio a 18 de setembro até 4 de setembro
Lg. Conde de Vila Flor. Tel.: 266 730 480 Fundação Calouste Gulbenkian
E Os Novos Novos / The Young New
E Homenagem às Pedras
Tiradas do seu Sossego
GUARDA 3ª A D OM .,
até 4 de setembro
DAS 10 H ÀS 18 H Av. de Berna, 45ª. Tel.: 213 3880 044
2ª, 4ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H
maio M Palco Sete | Ciclo Sete E Hugo Canoilas. Moldada na Escuridão
Teatro Municipal da Guarda
6 de maio – 10h30 até 30 de maio
R. Batalha Reis, 12. Tel.: 271 205 240
E Um Olhar sobre o
FARO M Bárbara Tinoco 7 de maio – 19h
T Umbra + Lumina Conceito de Eternidade
6 de maio – 21h30
Direção, encenação e curadoria de texto de até 30 de maio
Teatro das Figuras
Horta das Figuras, E. N. 125. Tel.: 289 888 100 Miguel Ponte. Textos de Afonso Viriato, Helena E O Poder da Palavra III.
M Erika de Casier
LAGOS Caldeira, Joana Petiz, Teresa Vaz. Criação e Mulheres: Navegando entre
interpretação de Afonso Viriato, Joana Petiz, a Presença e a Ausência
1 de maio
Centro Cultural de Lagos Teresa Vaz. Apoio à criação de Helena Caldeira. até 27 de junho
D Borderline 6 e 8 de maio - 18h30 (Umbra) + 21h (Lumina)
R. Lançarote de Freitas 7. Tel.: 282 770 450 E A Paisagem no Desenho de
Direção artística e coreográfica de Honji Wang
3ª A S ÁB ., DAS 10 H ÀS 18 H M Stacey Kent Quintet Millet e na Poesia de Baudelaire
& Sébastien Ramirez. Interpretação de Mehdi
E Com os Pés nas Nuvens 6 de maio – 21h até 25 de julho
Baki or Sébastien Ramirez, Louis Becker,
Mostra de trabalhos de António Alonso. M Orquestra Sinfónica Portuguesa E Europa Oxalá
Johanna Faye, Joy Alpuerto Ritter, entre outros.
até 21 de maio Interpretação da Orq. Sinf. Portuguesa e José até 22 de agosto
6 de maio – 21h30
E Apontamentos sobre Empatia e Alteridade Pereira (violino). Direção de Bruno Borralhinho.
E Obra Visitante: Rembrandt, A
M Zé Eduardo & Orquestra
Exposição coletiva de arte contemporânea. Obras de L. Freitas Branco.
de Jazz de Matosinhos utorretrato com Boina e Duas Correntes
até 21 de maio 8 de maio – 17h
8 de maio – 19h até 12 de setembro
M Balada das Vinte Meninas Friorentas
D Vära E Emoções à Mesa.
Direção, interpretação e voz de Margarida Mestre.
Direção artística, coreografia e conceito LEIRIA 13, 17, 18, 19 e 20 maio – 10h30
Da Paixão às Saudades
de Daniel Matos. Interpretação e co-criação 14 e 21 maio – 15h30 até 12 de dezembro
de Adriana Xavier, Sofia Kafol, Joana Teatro José Lúcio da Silva 15 e 22 maio – 11h30 M O Compositor está Morto?!
Pinto, Jean-loup Gayrard, Lia Vohlgemuth, Av. Heróis de Angola. Tel.: 244 834 117 Pela Orquestra Gulbenkian. Direção
D Rubble King
Mélanie Ferreira e Marco Olival. D Anda, Diana e narração de Giancarlo Guerrero.
Direção artística e interpretação
12 de maio – 21h30 Direção artística de Diana Niepce. Direção de Rita Castro Blanco.
de Duarte Valadares. Cocriação de
M Branco Toca Marco Paulo Interpretação de Bartosz Ostrowski, André Cabral & Marco da Silva Ferreira. 8 de maio – 12h e 17h
13 de maio – 21h30 Diana Niepce, Joãozinho da Costa. 13, 14 e 15 de maio – 19h M Coro Gulbenkian
T Mário Daniel: Minutos Mágicos 6 de maio – 21h30 M Recital de Piano por Marta Menezes a Cappella: Alma Nova
14 de maio – 21h30 M XXIII Real Festa Direção de Inês Tavares Lopes.
Obras de C. Seixas, L. v. Beethoven,
T Estrelário 7 de maio – 21h F. Liszt, J. Vianna da Motta ,entre outros. Obras de E. Whitacre, B. Britten, F.
Espetáculo para crianças dos T Fábio Rabin: Tá Embaçado 13 de maio – 19h Mendelssohn-Bartholdy, M. Tallis, entre outros.
3 aos 5 anos, pela Trupe dos Bichos. 10 de maio – 21h30 M Gisela João: AuRora 10 de maio – 20h
15 de maio – 16h M Pantera (O NLINE DESDE O DIA 13 DE MAIO M Recital de Piano por Célimène Daudet
Participação especial Mayra Andrade. ÀS 21 H ATÉ ÀS 23:59 H DE DIA 15 DE MAIO ) Obras de J. Elie, E. Saintonge,
Teatro Lethes 14 de maio – 21h30 13 de maio – 21h L. Lamothe, C. Debussy, F. Chopin.
R. de Portugal, 58. Tel.: 289 878 908 M Virgínia Rodrigues: Carta 11 de maio – 20h
T Ninguém Teatro Miguel Franco Branca a Jonathan Uliel Saldanha M West Side Story
Texto de Zeferino Mota. Direção de Pedro Aparício R. Dr. Correia Mateus. Tel.: 244 839 680 14 de maio – 21h Interpretação da Orquestra Gulbenkian,
e Zeferino Mota. Interpretação de António Capelo. D Dream is the Dreamer M Sonatas para Violino sob a direção do maestro Giancarlo
6 e 7 de maio – 21h Direção, texto de Catarina Miranda. Por Tatiana Samouil e Frank Braley (piano). Guerrero, e Joseph Alessi (trombone).
Performance de André Cabral. Obras de Debussy, Brahms, Lekeu e Ravel. Obras de L. Bernstein, G. Gershwin.
12 de maio – 20h
FIGUEIRA DA FOZ 7 de maio – 21h30 15 de maio – 17h
M Silvia Pérez Cruz & Farsa Circus Band 13 de maio – 19h
15 de maio – 21h
Museu Municipal Santos Rocha LISBOA MAAT - Museu de Arte,
R. Calouste Gulbenkian. Tel.: 233 402 840
3ª A 6ª, DAS 9 H 30 ÀS 17 H ; S ÁB ., DAS 14 H ÀS 19 H Culturgest Arquitetura e Tecnologia
Biblioteca Nacional de Portugal Av. Brasília, Central Tejo
E Máscaras da Ásia R. Arco do Cego, 1. Tel.: 217 905 155
Campo Grande, 83. Tel.:  217 982 000 3ª A D OM ., DAS 11 H ÀS 18 H 4ª A 2 ªDAS 11H H ÀS 19 H
Mostra do acervo da Fundação Oriente. E Viagem a um País Desconhecido
até 26 de junho E O Nu e a Madeira E Traverser la Nuit
até 3 de maio De Daniel Dewar & Grégory Gicquel. até 29 de agosto
E O Império Informal até 22 de maio E Vhils: Prisma
GUIMARÃES dos Portugueses na Ásia E Tony Conrad até 5 de setembro
até 14 de maio até 3 de julho E Interferências
Centro Cultural Vila Flor C História e Ciências Sociais A 19º IndieLisboa até 5 de setembro
Av. D. Afonso Henriques, 701. Tel.: 253 424700 até 18 de maio até 8 de maio E Naturezas Visuais
E Como Plantar um Penedo E Um Modernista até 5 de setembro
até 4 de junho Autodidata: Delfim Maya Edifício dos Leões/Espaço Santander
M Captain Boy: Domingos Lentos até 31 de maio R. do Ouro, 88. Tel.: 210 526 135 Maria Matos Teatro Municipal
7 de maio – 21h30 E Biblioteca da Censura: Obras E Em Boa Memória Retrato, Av. Frei Miguel Contreiras, 52. Tel.: 218 438 800
T Plano Comensal de Leitura Apreendidas e Proibidas no Estado Novo Humanidade e Futuro T O Principezinho
Direção de Marta Bernardes. Cocriação e até 3 de setembro até 31 de outubro Direção de João Duarte Costa. Interpretação de
Agenda Cultural
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

Mariana Pacheco, Paulo Vintém, Joana Teixeira da Silva, em Portugal. Museu de Lisboa – Sto. António obrigatória para: mntraje@mntraje.dgpc.pt.
Brito Silva, José Lobo e Diogo Bach. até 28 de agosto Lg. de Sto. António da Sé, 22.Tel.: 218 860 447 6 de maio – 10h
S ÁB ., ÀS 11 H E 16 H ; D OM ., ÀS 11 H 3ª A D OMª , DAS 10 H ÀS 18 H E Viver a sua Vida:
até 29 de maio Museu Colecção Berardo E O Milagre do Riso. Georges Dambier e a Moda
T Lar Doce Lar CCB. Pç. Do Império. Tel.: 213 612 878 Sto. António por Bordalo 6 de maio a 30 de outubro
Encenação de António Pires. Interpretação 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 19 H até 22 de maio
de Maria Rueff e Joaquim Monchique. E Gérard Fromanger: O Esplendor Museu Nacional dos Coches
5ª A S ÁB ., ÀS 21 H ; D OM ., ÀS 17 H até 29 de maio Museu de Lisboa - Palácio Pimenta Av. da Índia, 136. Tel:210 732 319
até 5 de junho E Yuri Dojc & Katya Krausova. Last Folio Campo Grande 245. Tel.: 217 513 200 3ª, DAS 14 H ÀS 18 H ; 4 ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H
até 29 de maio 3 ª A 6 ª , DAS 10 H ÀS 18 H ; S ÁB . E D OM ., DAS 10 H ÀS 13 H E Modelismo de Coches
MNAC - Museu do Chiado E Viagem ao Interior da Cidade Projeto da autoria de José Cardoso Brito.
R. Serpa Pinto, nº 4. Tel: 213 432 148 Museu Nacional da Música Exposição de longa duração exposição de longa duração
3ª A 6ª., DAS 10H ÀS 18H; SÁB. E DOM., DAS 10H ÀS 13H E Reis e Rainhas de Portugal
Estação do Metropolitano Alto dos Moinhos.
E Zoom In Zoom Out: R. João de Freitas Branco. Tel.: 217 710 990 Museu de Lisboa - Teatro Romano Exposição de pintura de Norberto Nunes.
Diálogos das Imagens com o Real C Sala de Música da Casa Lambertini R. de São Mamede, 3A. Tel.: 218 172 450 exposição de longa duração
até 22 de maio Conferência de Ana Ester Tavares e Hugo Barreira. E Vitrum. Vidros na história de Lisboa E Há Fogo, Há Fogo! Acudam, Acudam!
E Maria Eugénia & 4 de maio – 18h até 19 de junho P ICADEIRO R EAL
Francisco Garcia Uma Coleção M Recital de Flauta e Piano por Luís exposição de longa duração
até 29 de maio Meireles e Maria José Souza Guedes Museu do Aljube Resistência e Liberdade E E Vós Tágides Minhas…
E Paisagens Povoadas. Narrativas R. de Augusto Rosa, 42. Tel.: 215 818 535 até setembro
6 de maio – 18h
3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H
da Coleção do MNAC (1850-1930)
até 28 de agosto Museu de Arte Popular E Ato (Des) Colonial Panteão Nacional
até 12 de junho Campo de Santa Clara. Tel.: 218 854 820
E Não Sei se Posso Desejar-lhe um Av. Brasília. Tel.: 213 011 282
E Um Cento de Cestos E Panthéon & Panteão
Feliz Ano
Museu do Oriente até 14 de junho
Primeira apresentação pública da coleção Mário até setembro
Av. Brasília, Doca de Alcântara. Tel.: 213 585 200
E Beber da Água do Lilau Teatro Aberto
Retrospetiva de Nuno Barreto. Pç. de Espanha. Tel.: 213 880 079
até 26 de junho T Os Filhos
E A Ópera Chinesa Encenação de Álvaro Correia.
até 31 de agosto Interpretação de Custódia Gallego,
E Histórias de um Império. João Lagarto, Maria José Paschoal.
Coleção Távora Sequeira Pinto 4ª E 5ª, ÀS 19 H ; 6 ª E S ÁB ., ÀS 21 H 30; D OM ., ÀS 16 H
até 2 de outubro até 3 de julho

Museu Nacional de Arte Antiga Teatro Camões


R. das Janelas Verdes. 213 912 800 Parque das Nações. Tel.: 218 923 470
3ª A 6ª., DAS 10H ÀS 18H; SÁB. E DOM., DAS 10H ÀS 13H D La Sylphide
E Estudo, Conservação e Restauro dos Coreografia de August Bournonville.
“Painéis de São Vicente” 2020/2022 Música de Herman Løvenskiold. Interpretação
até 18 de maio música de Orquestra Sinfonietta de Lisboa.
E Obra Convidada: Frei Juan Ricci, Interpretação de bailarinos da Companhia
Nacional de Bailado e Maria Kochetkova.
Mensageiro. Colección Banco Santander D IAS DA SEMANA , ÀS 20 H ( EXCETO DIA DE ESCOLA :
até 26 de junho 11 DE MAIO , ÀS 15 H ); S ÁB ., ÀS 18 H 30; D OM ., ÀS 16 H
E Pedro Alexandrino de Carvalho até 13 de maio
(1729-1810). Desenhos
até 3 de julho Teatro Nacional D. Maria II
E O Belo, a Sedução e a Partilha Pç. D. Pedro IV. Tel.: 213 250 800
Obras da Coleção Maria e João T Ainda Marianas
Cortez de Lobão: São João Baptista Criação e dramaturgia de Catarina Rôlo
no deserto de Giovanni Baglione. Salgueiro e Leonor Buescu. Com Ana
até 3 de julho Baptista, Rita Cabaço, Teresa Coutinho.
C Frente à Obra: Arte e Filosofia 4ª A S ÁB ., ÀS 19 H 30; D OM ., ÀS 16 H 30
Organização do Museu Nac. de Arte Antiga, até 8 de maio
o Departamento de Filosofia da FCSH da Univ. T Espectros
Nova de Lisboa e o Plano Nacional das Artes. De Henrik Ibsen. Encenação de
Programa em museudearteantiga.pt. Nuno Cardoso. Interpretação de Afonso
até 7 de maio Santos, Joana Carvalho, João Melo,
Maria Leite, Mário Santos, Rodrigo Santos.
Museu Nacional de Etnologia 4ª A S ÁB ., ÀS 19 H ; D OM ., ÀS 16 H
Av. Ilha da Madeira. Tel.: 213 041 160 até 8 de maio
3ª A 6ª., DAS 10H ÀS 18H; SÁB. E DOM., DAS 10H ÀS 13H T Festival PANOS -
E Lugares Encantados, Espaços de Património Palcos Novos Palavras Novas
até 29 de maio 13 a 15 de maio

Museu Nacional do Azulejo Teatro Politeama


R. da Madre de Deus, 4. Tel.: 218 100 340 R. Portas de Sto. Antão, 109. Tel.: 213 405 700
E Territórios Desconhecidos. T A Pequena Sereia
A Criatividade das Mulheres na De Filipe La Féria.
Cerâmica Moderna e Contemporânea até 29 de maio
A Direção Regional de Cultura do Alentejo assinala o centenário do nascimento de Artur
Portuguesa (1950-2020)
Pastor, um dos mais notáveis fotógrafos do século XX, com a exposição Évora Património -
Fotografias de Artur Pastor a inaugurar dia 4 de maio, às 17h00, na Igreja do Salvador, em
até 26 de junho LOULÉ
Évora. A iniciativa, que conta com o apoio da Arquidiocese de Évora, estará patente ao públi-
co até dia 23 de setembro de 2022. Museu Nacional do Traje Cine-Teatro Louletano
Lg. Júlio Castilho. Tel.: 217 567 620 R. Dr. Frutuoso da Silva. Tel.: 289 414 604
+ info.: www.cultura-alentejo.pt C Moda e Fotografia de Moda Através T Catarina e a Beleza de Matar Fascistas
do Olhar de Georges Dambier Texto e encenação de Tiago Rodrigues.
Entrada livre, mediante inscrição prévia Interpretação de António Fonseca, Beatriz
Agenda Cultural
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

Maia, Carolina Passos-Sousa, Isabel Abreu, Obras de J. Widmann, R. Panufnik, E Tarek Atoui
Marco Mendonça, Pedro Gil, entre outros. S. Rachmaninoff, M. Simpson e Y. Bowen. até 28 de agosto
VIANA DO CASTELO
7 de maio – 21h 7 de maio – 16h E Joan Miró, Signos e Figuração Teatro Municipal Sá de Miranda
M Pedro Abrunhosa M Simply Quartet até 2 de outubro R. Sá de Miranda. Tel.: 258 809 382
8 de maio - 17h Obras de Webern, Lacherstorfer, Beethoven. E Leonilson – Drawn 1975-1993 T Corpsing
M Cinco Formas de Morrer de Amor 7 de maio – 21h até 18 de setembro De Peter Barnes. Encenação de Gil
De Catarina Molder. Interpretação M Tchaikovski com Amor E Mirmidão da Tragédia: Salgueiro Nave. Interpretação de Sílvia
de Catarina Molder, Afonso Fesh, Interpretação da Orq. Sinfónica do Porto Casa Ana Jotta na Coleção de Serralves Morais, Tiago Moreira e Victor Santos.
Sara Silva, Trevor McTait, Vanessa Pires. da Música, sob a direção de Vassily Sinaisky. até 25 de setembro 7 de maio – 19h
13 de maio – 21h Concerto comentado por Mário Azevedo.
M Márcia
T Adágio para Três Irmãs Obra de H. Berlioz e P.I. Tchaikovski. Museu Nacional Soares dos Reis 14 de maio – 21h30
Encenação de João de Mello Alvim. 8 de maio – 12h R. de Dom Manuel II 44. Tel.: 223 393 770 T 45º FITEI: Figueiredo
Interpretação de Alexandra Diogo, M Kebyart Ensemble 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H De Pedro Vilela.
Beatriz Teodósi, Mariana Vasconcelos. 8 de maio – 16h E Seja Dia Seja Noite Pouco Importa 15 de maio – 16h
15 de maio – 17h M Echo Rising Stars Obras e curadoria de Pedro Calapez e André Gomes.
Com Lucie Horsch e Max Volbers. até 8 de maio
Obras de D. Castello, G. P. Telemann, J.M. V. N. DE FAMALICÃO
MATOSINHOS Hotteterre, C. Debussy, entre outros. Teatro Campo Alegre
8 de maio – 18h Casa das Artes
R. das Estrelas. Tel.: 226 063 000
Casa da Arquitetura M Stacey Kent: Songs From Other Places Av. Carlos Bacelar. Tel.: 252 371 304
Av. Menéres, 456. Tel.: 227 669 300 T Eu Cá, Tu Lá
9 de maio – 21h30 T As Artimanhas de Scapin
De Nuno Lucas. Interpretação
E Flashback / Carrilho da Graça M AnaVitória Encenação de António Parra. Interpretação
de Joana Brandão, Paulo Quedas.
8 de maio a 29 de janeiro 2023 11 de maio – 21h de Alexandra Sousa, Beatriz Cardoso,
6 de maio – 10h30 e 14h30
M Armandinho: Acústico Beatriz Paquete, Beatriz Pelayo, entre outros.
7 de maio – 16h
5 e 6 de maio – 21h30
OLIVAL BASTO 11 de maio – 21h30 T 45º FITEI: NU#03
M Grupo de Percussão da EPME.
M Pedro Luís Direção de Rodrigo Malvar. Dramaturgia
12 de maio – 22h 8 de maio – 11h30
Centro Cultural Malaposta e interpretação de Catarina Lacerda.
M God is an Astronaut M Fado no Café da Casa
R. Angola. Tel.: 219 383 100 14 de maio – 16h e 22h
13 de maio – 23h Com Mónica Jarimba e Bruno Alves.
M Elan Mess 15 de maio – 19h 12 de maio – 21h30
7 de maio – 21h M Amor Fraternal
Interpretação da Orquestra Sinfónica do Porto M Os Noivos
NC Dual Sim Teatro Carlos Alberto Encenação de António Durães. Interpretação
Direção Artística de Vasco Gomes. Cocriação e Casa da Música, sob a direção musical de Jörg R. das Oliveiras, 43. 223 401 900
Widmann, e Carolin Widmann (violino). de Sérgio Ramos, Marcelo Alexandre, Ricardo
interpretação de Filipe Contreras e Jorge Lix. T 45º FITEI: Distante
Obras de J. Widmann e F. Mendelssohn. Rebelo, Henrique Lencastre, entre outros.
7 de maio – 20h30 Texto de Caryl Churchill. Criação de
14 de maio – 18h 13 de maio – 21h
T O Espectador Teresa Coutinho. Interpretação de Inês
T Plastikus
Texto e interpretação de Daniel Freitas. M Fúria de Amor Dias, Inês Vaz, Nuno Pinheiro, Tânia Alves
Interpretação do Remix Ensemble Casa Encenação de Clara Ribeiro. Interpretação
Encenação de Juliano Luccas. e Maria João Vaz, Tanya Ruivo (em vídeo).
da Música, sob a direção de Peter Rundel, de Carla Magalhães, Nuno J. Loureiro
5ª A S ÁB ., ÀS 20 H ; D OM ., ÀS 16 H 11 e 12 de maio – 19h
Noa Frenkel e António Augusto Aguiar. e Raquel Ribeiro. Pela Companhia Krisálida.
12 a 22 de maio
Obras de R. Saunders, J. Brahms/E. Kloke. 14 de maio – 11h e 15h
M André Carvalho: Lost in Translation Teatro Nacional São João
14 de maio – 21h 17 de maio – 19h30 Pç. da Batalha. Tel.: 223 401 900
T FIMFA Lx22: Pour Bien Dormir T Boom! VILA REAL
Conceção de Paulo Duarte e Tjalling Centro Português de Fotografia De Tennessee Williams. Encenação de
Houkema. Interpretação Paulo Duarte. Campo Mártires da Pátria. Tel.: 222 076 310 Miguel Loureiro. Interpretação de Álvaro Teatro de Vila Real
14 de maio – 16h 3 ª A 6 ª , DAS 10 H ÀS 12 H 30 E DAS 14 H ÀS 18 H ; Al. de Grasse. Tel.: 259 320 000
Correia, António Ignês, David Almeida,
S ÁB ., D OM . E F ERIADOS , DAS 15 H ÀS 19 H T A Peça Em 4 Turnos
15 de maio – 11h João Gaspar, João Sá Nogueira, entre outros.
E Lente Feminina 6, 7, 9, 10 de maio – 19h Criação e interpretação de Noelia
até 22 de maio 8 de maio – 16h Domínguez, Patrícia Ferreira, Pedro
PORTIMÃO E Prémio Estação Imagem 2021 Coimbra T 45º FITEI: Dragón da Silva, Sérgio Agostinho e Tiago Santos.
até 22 de maio Texto e encenação de Guillermo 5 e 6 de maio – 21h30
Teatro Municipal de Portimão Calderón. Interpretação de Luis Cerda, M Salvador Sobral
Lg. 1.º de Dezembro. Tel.: 282 402 470 Culturgest Porto Camila González, Francisca Lewin. 7 de maio – 21h30
M VI Festival Internacional Av. dos Aliados, 104. Tel.: 222 098 116 14 de maio – 19h T Os Lusíadas Como Nunca os Ouviu
de Piano do Algarve 4ª A D OM ., DAS 10 H 30 ÀS 14 H E DAS 15 H ÀS 18 H 30 Falação da obra de Luís de
15 de maio – 16h
Pela Orquestra Sinfónica do Algarve, E Ângelo de Sousa: Árvores Camões por António Fonseca.
sob a direção de Armando Mota, até 12 de junho 13 de maio – 21h30
Teatro Rivoli
com Leonardo Hilsdorf (piano). Pç. D. João I. Tel.: 223 392 200
6 de maio – 21h Fundação de Serralves
R. D. João de Castro, 210. Tel.: 226 156 500
M Understage: Sangre de VISEU
3 ª A 6 ª , DAS 10 H ÀS 13 H E DAS 14 H ÀS 17 H ; Muerdago + Jonathan Hultén
PORTO S ÁB ., DOM . E FERIADOS DAS 10 H ÀS 19 H 6 de maio – 22h30 Teatro Viriato
E Mais do que um Metro Quadrado: T 45º FITEI: Orlando Lg. Mouzinho de Albuquerque. Tel.: 232 480 110
Casa da Música Obras da Coleção de Serralves Direção de Albano Jerónimo. T Biblioteca do Fim do Mundo
Av. da Boavista, 604-610. Tel.: 220 120 200 até 15 de maio Interpretação de André Tecedeiro, Conceção e dramaturgia de Alex Cassal.
M Mirror People Aurora Pinho, Cláudia Lucas Chéu, Diego 6 e 7 de maio – 20h30
E Gil Delindro
5 de maio – 22h Bragà, Eduardo Madeira, entre outros. T A Tralha
até 29 maio
M Amor Adúltero 12 e 13 de maio – 19h Texto, direção, performance de Capicua.
E O Princípio da Incerteza. Manoel Cocriação e interpretação de Tiago Barbosa.
Interpretação da Orquestra Sinfónica do 14 de maio – 21h30
de Oliveira e Agustina Bessa-Luís 12 de maio – 15h (escolas)
Porto Casa da Música, sob a direção musical T 45º FITEI: Fuck Me
até 5 de junho 13 de maio – 21h
de Vassily Sinaisky, e Eduarda Melo (soprano). Direção e dramaturgia de Marina Otero.
Obras de Berlioz, Chausson e Tchaikovski. E Mark Bradford: Ágora Interpretação de Augusto Chiappe, Cristian
6 de maio – 21h até 19 de junho Vega, Fred Raposo, Marina Otero, entre outros.
M Johan Dalene E Ai Weiwei: Entrelaçar. Pequi 17 de maio – 21h30
Obras de Beethoven, Monnakgotla, Brahms, Ravel. Vinagreiro, Raízes e Figuras Humanas T 45º FITEI: Blasted GABINETE DE ESTRATÉGIA,
7 de maio – 12h até 9 de julho Direção de João Telmo. Texto de Sarah PLANEAMENTO E AVALIAÇÃO CULTURAIS
M Echo Rising Stars E Arquivo Perpétuo. As Publicações e os Kane. Interpretação de Bernardo Lobo Palácio Nacional da Ajuda. 1300-018 Lisboa
Com Ben Goldscheider (trompa) Projetos Editoriais de Hans-Ulrich Obrist Faria, Graciano Dias e Margarida Bakker. Tel.: 213 614 500 | Fax: 213 621 832
e Giuseppe Guarrera (piano). até 10 de julho 18, 19 e 20 de maio – 21h30 relacoes.publicas@gepac.gov.pt

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