Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Peripécia, 18 anos
Bom teatro, a partir de uma
aldeia de Trás-os-Montes PÁGINA 25
JOÃO
BOTELHO
Um filme em forma
de Alexandre O’Neill
Estreia a 12, intitula-se Um filme em forma de assim,
e é um “quase musical” a partir da obra do poeta.
Entrevista com o realizador, crítica, texto de Fernando
Cabral Martins e crónicas de O’Neill no JL PÁGINAS 7 A 12
CAPA SOBRE FOTO DE ALEXANDRE DELGADO O’NEILL
Fechar
Jornal de Letras
AJUDA
DA
FAQ S
TRA
LDE LE
JORNA
SOBRE
Termos e condições
Política de Privacidade
ÁREA PESSOAL
Definições
O MEU CONTEÚDO
Suplementos
4
Edições Tansferidas 126 NSF
ERIR
TRA
As suas marcações Ler
Pesquisa ECA
LIOT
BIB
20 / 40
NAVEGAÇÃO INTUITIVA
Berlim, por Rafa. Renée Nader Messora,
nome branco de Patpro, habituou-se
trabalhar, como diretora de fotografia e
► Deslize para navegar assistente de realização, nos filmes dos
outros, incluindo a primeira longa de
entre páginas J ã M t h
< ANTERIOR
t d
21 / 41
2015 R é
SEGUINTE >
► Aproxime e afaste
para ver detalhes
PESQUISA DE ARTIGOS
Pode pesquisar um tema que lhe interesse
nos artigos publicados na edição quinzenal
do JL. Na barra de navegação em cima, à direita,
encontre o menu com opção de pesquisa. Procure
por palavra chave na última edição ou na biblioteca
de jornais anteriores
2 ↗
DESTAQUE 4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT
›BREVE ENCONTRO‹
DIREITOS RESERVADOS
Trinta canções nas línguas de todos os países da União
Europeia, com textos poéticos sobre a alegria. Depois da
“antestreia" em streaming, em Elvas, durante a pandemia,
Gaedamus / Alegria para a Europa, o grande concerto do
maestro António Victorino d’Almeida, sobe aos palcos do
Coliseu do Porto, dia 9 maio, e do Centro Olga Cadaval, dia
10 de junho. O maestro faz-se acompanhar de 14 músicos e a
cantora Ana Maria Pinto. Cinco novas exposições no CIAJG Voz multiplicada, novo ciclo
expositivo que assinala os dez anos do Centro Internacional das
JL: Como se lembrou de fazer 30 canções para a Europa? Artes José de Guimarães (CIAJG), com direção artística de Marta
António Victorino d’Almeida: A ideia surgiu nos anos 90,
com a Maria do Carmo Almeida, uma senhora com uma
Mestre, arranca a 7, com a performance ritualista I Believe in Good
cultura enorme e que cantava. Montámos as canções sobre a Things Coming, de Luísa Mota, às 18h, e a inauguração simultânea
União Europeia. Ela encontrou textos extraordinários. Para de cinco exposições. Em diálogo com as coleções vão ocupar
Espanha escolheu García
Lorca, mas para Itália, as salas do museu A Língua do Monstro, de Pedro Barateiro,
São Francisco de Assis. A Manifestos, de José de Guimarães, EU UE/Amnésia & Dislexia,
coisa correu tão bem que
fizemos dois CCB, o Rivoli e do angolano Yonamine, Preambular o Futuro, de Max Fernandes
fomos a Viena e a Bruxelas. e a coletiva Garganta, com 14 artistas de vários países, concebida
Depois aconteceu a tragédia
da sua morte e foi tudo pelo curador visitante, o brasileiro Rapahel
interrompido. Fonseca, juntando obras de Gabriel Abrantes,
João Ferro Martins, Leonor Teles, Afra Eisma,
E agora resolveu recuperar o Dalila Gonçalves, Oficina Arara, Rosa Ramalho
projeto?
Em 2015 ou 2016, tive a
e Tom Zé, entre outros. A 8, às 17h, terá lugar uma conversa com
ideia de o recomeçar. Por José de Guimarães e a historiadora de arte Mariana Pinto dos
isso fui falar com todos
os embaixadores para que me dessem o seu apoio. Só que
Santos sobre Imaginários Primitivistas, Ontem, Hoje e Amanhã,
agora os países são muitos mais. E também quis incluir uma com moderação da diretora do CIAJG.
canção em flamengo, para a Bélgica, e uma em gaélico, para
a Irlanda. E a do Luxemburgo é trilingue. Depois encontrei
uma cantora extraordinária, a Ana Maria Pinto. Fizemos
um concerto experimental em streaming, em Elvas, mas
a verdadeira estreia é agora no Porto. A produção deste TRAVESSIA GRAÇA MORAIS MARIONETAS Marta Cuscunà; e Cardiophone,
concerto só é possível devido a uma ‘troika’ de apoios. DE LETRAS HONORIS CAUSA EM LISBOA de Moran Duvshani. Destaque
ainda para Frankenstein, da
O Bicentenário da Graça Morais vai ser reconhe- As marionetas voltam a companhia belga Karyatides,
Como foi assegurada a fidelidade a todos esses idiomas? Independência do Brasil cida com o doutoramento Lisboa para a 22.ª edição do no Teatro Nacional D. Maria
Foi um grande trabalho. E só foi possível graças ao apoio dos é a rampa de lançamento honoris causa da Universidade FIMFA – Festival Internacional II: um espetáculo com dois
embaixadores e adidos culturais. É um projeto apolítico e para a segunda edição da de Trás-os-Montes e Alto Douro de Marionetas e Formas atores-manipuladores, uma
que só estaria completo quando todos os países da Europa Travessia das Letras, a festa (UTAD), numa sessão que se Animadas, que decorre de 13 de cantora de ópera e um pianista,
estivessem presentes. São textos só sobre a alegria, em todas infantojuvenil da língua por- realiza a 11, na aula Magna. maio a 5 de junho, a. A partir coadjuvados em palco por um
as suas vertentes. É uma festa. Apesar de estarmos numa tuguesa, que vai decorrer Uma distinção que a pintora do mote “Pensar o Futuro”, conjunto de bustos e bonecos;
época de guerra, o concerto serve de alerta para que a alegria no Parque dos Poetas, em afirma receber com “enorme estão previstas mais de 20 e para três espetáculos a
vença a batalha. Oeiras, de 16 a 22 de maio. honra”, sublinhando que é espetáculos e atividades de pensar nos mais novos: Karl,
As atividades estendem-se “muito importante” que uma criadores nacionais e interna- Hermit e Big Bugs.
para lá da literatura, com universidade a atribua a “uma cionais em nove espaços da Menez
A mensagem é essa, de uma Europa unida e em paz? teatro infantil, cinema de mulher e artista”, o que é “pou- capital. A abertura tem lugar
Exatamente. Somos pela paz. Queremos um mundo livre da animação, música e até co comum”, constituindo, nessa no São Luiz com o espetáculo ERRATA No tema da última
vergonha da bomba atómica. Isto vem na linha de muitos culinária, em interação com medida, um incentivo para Work, do coreógrafo italiano edição do JL, dedicado a Menez,
concertos pela paz que fiz ao longo da vida. Agora torna-se grandes nomes brasilei- outras mulheres. Nascida em Claudio Stellato, que nos foi erradamente mencionado
novamente pertinente. ros – como Pedro Luis, Vieiro, no concelho de Vila Flor, transporta para o imaginário o destinatário de uma carta da
Daniel Munduruku, Roberto em Trás-os-Montes, a artista, 74 do dadaísmo e do surrealismo. artista na verdade endereçada
Bontempo e Miriam anos, que, ao correr do tempo, Ainda no São Luiz é possível as- ao arquiteto Bartolomeu Costa
O projeto vai ser lançado em disco? Freeland, Ciça Fittipaldi e desenvolveu uma obra intensa sistir a mais cinco espetáculos: Cabral, companheiro da pinto-
Na primeiro versão chegou a fazer-se um disco, com a Maria Teatro Tablado. Entre os e singular, sendo um dos nomes Le Présent c’est l’Accident!, de ra ate à sua morte. Por lapso,
do Carmo Almeida, que apesar de não ser propriamente uma portugueses marcam pre- mais destacados da arte por- Jean-Pierre Larroche; Quelque também não foi identificada a
cantora, era uma intelectual extraordinária. Agora também sença Luísa Ducla Soares, tuguesa contemporânea, ficou chose s’attendrit, de Renaud autoria das fotografias de Me-
queremos gravar. Esperemos que seja um rastilho e que o Mário de Carvalho e Inês “feliz” com o reconhecimento Herbin; Simple Machines, de nez, que foram registadas pelo
concerto seja interpretado em outras salas. J Fonseca Santos. do seu trabalho. Ugo Dehaes; Earthbound, de seu galerista Manuel de Brito.
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT DESTAQUE 3 ↗
A
qual são convocados mais de 30
autores para 11 dias de partilhas
e reflexões. Entre os principais não ter havido qualquer imprevisto tomou posse
convidados contam-se os ontem - terça-feira, 3 de maio – o novo presidente
nomes de Frédérique Aït-Touati, da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), António M.
historiadora francesa; Bruno Feijó, eleito para o cargo a 15 de dezembro. Sucede
Latour, filósofo francês; Bethany a Isabel Mota, que em função da idade não podia ser
Rigby, artista residente no Reino reconduzida. Tudo nos termos dos estatutos, depois
Unido; Florian Hecker, músico do seu histórico edificador, Azeredo Perdigão, ter deixado a presidência,
alemão; Ryoichi Kurokawa, em 1993, aos 96 anos, após cerca de 37 de mandato, que era vitalício.
músico japonês; Peter Weibel, Contra as “regras”, começo com esta espécie de notícia. Que tínha-
artista e curador austríaco; mos da dar. Tendo em conta: por um lado, a importância e o significado
e o coletivo português Berru enormes da FCG no e para o nosso país, que o JL sempre tem acom-
(composto por Bernardo Bordalo, panhado e sublinhado - por exemplo nas 20 páginas a assinalar o seu
Mariana Vilanova, Rui Nó e Sérgio cinquentenário (nº 933, de 5 de julho de2006); e, por outro lado, o papel
Coutinho), vencedor Sonae Mediar naturalmente muito relevante do seu presidente, não só no aspeto simbó-
Art 2019. Pensar criticamente o lico e de representação externa, como de efetiva orientação estratégica da
papel central da tecnologia na arte Casa - e, por vezes, mesmo da sua imediata ação concreta.
contemporâneo é o maior objetivo De facto, a Gulbenkian chegou a ser, e de certa forma ainda continua
deste novo projeto. O conceito de Ibiye Camp A artista que vai estar presente no Index a ser, um ‘país’ dentro do País... Hoje felizmente menos, por vivermos
superfície, enquanto “plataformas em democracia e o Estado assumir funções que lhe competem e a que
visuais ou entidades tácteis, antes, na ditadura, só a FCG ‘acudia’. Na capa daquela edição titulamos:
fronteiras ou interfaces, zonas de (arquiteta e curadora), o programa Ryoichi Kurokawa; ou a presença ”A Fundação que mudou Portugal”. Não tenho dúvidas em repeti-lo.
emergência ou extração, é tudo propõe, além de exposições, de Peter Weibel, diretor do ZKM e Bom, mas vamos aos anteriores presidentes. Poderia contar alguma
isto e também metáforas poderosas espetáculos, conferências e figura incontornável da história da história com cada um deles, e dar alguma despretensiosa opinião a seu
para as práticas artísticas relativas conteúdos educativos, alguns media art. Já da open call, lançada respeito. Mas, em vários sentidos, não “cabe” aqui. Outra vez poderá ser.
à tecnologia, levantando questões em estreia no nosso país – casos em outubro passado, foram aceites Assim, limito-me a assinalar a evolução que tem havido nas escolhas,
importantes que necessitam de ser da conferência performativa quatro projetos a partir de 127 quer no processo, quer no percurso/perfil dos escolhidos – o que se
urgentemente abordadas”, refere a “Inside”, de Frédérique Aït propostas: “Wander” de Yuqian acentua agora com António M. Feijó.
organização do certame, em nota Touati & Bruno Latour; de obras Sun (China), “Finger Plays” de Deixando a parte do processo, que passou a impor limite de idade e
de imprensa. da autoria de Bethany Rigby, Matt-Nish Lapidus (Canadá), de mandatos, como se sabe Azeredo Perdigão, além do mais um enorme
Com a direção artística de Luís Dele Adeyemo, Ibiye Camp “Bureau of Cloud Management” advogado, decisivo para a própria criação da Fundação, foi nomeado
Fernandes (diretor artístico da & Dámaso Randulfe, Ginevra de Tong Wu e Yuguang Zhan presidente vitalício pelo próprio instituidor. A sua “sucessão”, não isenta
Braga Media Arts) e coadjuvado Petrozzi, France Jobin & Markus (EUA/China) e “Para Gardens” de problemas circunstanciais, poderia levar a FCG a uma série crise – o
por Liliana Coutinho (curadora e Heckmann, People Like Us; o de Areej Huniti e Eliza Goldox que não aconteceu porque no seu lugar ficou outro homem singular,
programadora) e Mariana Pestana espetáculo “Subassemblies” de (Jordânia e Alemanha). J finíssimo em todos os sentidos, grande jurista e reitor da Un. de Coimbra,
Ferrer Correia, que desde o início integrava a administração.
Após Ferrer, Sá Machado, seu “discípulo”, na Fundação desde 1961,
administrador mais antigo. Seguiu-se Emílio Rui Vilar, que a convite
também de Ferrer a integrava, com um percurso raríssimo na gestão ao
50 anos de A Comuna e outros teatros do maio mais alto nível, do Governo à presidência da Caixa Geral de Depósitos,
bem assim em instituições culturais. E essa ‘linha’ continuou com Artur
Santos Silva, por exemplo fundador e presidente de um importante ban-
co privado e primeiro líder da Porto, Capital Europeia da Cultura.
Fausto, de Goethe, assinala Cristina Silva, publicado em 2019, Enfim a presidente cessante, a primeira mulher a assumir o cargo, da
os 50 anos de A Comuna Teatro o espetáculo tem dramaturgia e área da Economia e do Planeamento, secretária de Estado em governos
de Pesquisa. Com encenação de encenação de Ricardo Simões, de Cavaco Silva, administradora da Fundação há 17 anos, quando foi
João Mota, um dos fundadores diretor da companhia. A escolhida.
da companhia, o espetáculo está interpretação é de Ana Perfeito.
em cena até 19 de junho, na casa Na sala de ensaios do TMJB, ORA, O NOVO PRESIDENTE, prof. catedrático da Fac. Letras, e pró-rei-
cor-de-rosa da Praça de Espanha, a Companhia leva à cena, a 7 tor, da Universidade de Lisboa, sendo um prestigiado académico com
em Lisboa. A interpretação é de e 8, Pastéis de Nata para Bach. obra(s) de reconhecida qualidade, anterior presidente do Conselho Geral
Ana Lúcia Palminha, Carlos Paulo, Com dramaturgia de Teresa Independente da RTP, etc., administrador não executivo da Fundação
Francisco Pereira de Almeida, Gafeira e Pedro Proença, que desde 2018, é o primeiro, pelo menos nos últimos 20 e tal anos, sem a
Gonçalo Botelho, Hugo Franco, também criou a cenografia, tem experiência de gestão dos seus antecessores em alguns dos referidos
Luís Garcia, Miguel Sermão, encenação de Duarte Guimarães, domínios. Em palavras simples: é alguém mais especificamente da área
Patrícia Fonseca e Rogério Vale. um divertimento para toda a da cultura, da literatura, do ensaísmo.
Do Porto para Lisboa, o Teatro Fausto nos 50 anos de A Comuna família sobre o compositor. A Quererá isto significar alguma coisa quanto à orientação e ação
Nacional S. João apresenta, no interpretação é de João Farraia, próximas da Gulbenkian? Implicará uma diferente organização interna,
D. Maria II, Espectros, de Henrik Anabela Ribeiro, Bernardo Souto, em particular quanto à intervenção do presidente? Estas e muitas outras
Ibsen, com encenação de Nuno De Viana do Castelo vem o entre outros. E já a 5 e 6, o projeto questões se podem colocar. A minha convicção, porém, é que a FCG,
Cardoso, diretor artístico do TNSJ. Teatro do Noroeste para apresentar Madura apresenta 13 Miragens como a todos os títulos excecional instituição que é, continuará no mes-
Do elenco fazem parte Afonso Noites de Caxias, a 14 e 15, na Sobre a Beleza, no anfiteatro mo caminho dos seus mais de 65 anos de vida e inigualável ação. Sem
Santos, Joana Carvalho, João Sala Experimental do Teatro exterior do Palácio Anjos, em prejuízo de certas corajosas decisões, como foi a, recente, de trocar a sua
Melo, Maria Leite, Mário Santos e Municipal Joaquim Benite (TNSJ), Algés. Uma criação de Margarida tradicional ou mesmo ‘fundadora’ ligação aos petróleos por outros inves-
Rodrigo Santos. Em cena até 8, na em Almada. Construído a partir de Pinto Coelho e Isabel Barbosa da timentos mais limpos – e que até se têm mostrado, e decerto continuarão
Sala Garrett do TNDMII. As Longas Noites de Caxias, de Ana Costa. J a mostrar, mais rentáveis... J
4 DESTAQUE
↗
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT
› BREVES‹
www.imprensanacional.pt
www.incm.pt
VITORINO
A última obra da coleção dedicada ao escritor Vitorino Nemésio Varanda de Pilatos / Casa Fechada apresenta o seu primeiro romance, publicado
em 1927,de cariz autobiográfico, e as três novelas reunidas no volume A Casa Fechada, de 1937: O Tubarão, Negócio de Pomba e A Casa Fechada.
NEMÉSIO
Com a parceria da editora Companhia das Ilhas, a série Ficção da Obra Completa de Vitorino Nemésio é uma edição da Imprensa Nacional.
6 DESTAQUE
↗
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT
O Misantropo
Nuno Carinhas já tinha trabalhado contemporânea, mas o facto de o
Martin Crimp em O Resto já Devem dramaturgo britânico ter mantido a
Conhecer do Cinema, uma encenação a forma. “Ele escreve tudo em verso,
dois, com Fernando Mora Ramos, que tal como fez Molière. E esse é um
revisitado em Almada
revisitava personagens da tragédia exercício muito estimulante na nossa
grega, e sublinha, na sua obra, a “ca- versão, em que temos Molière revi-
pacidade de experimentar”, a forma sitado por Martin Crimp e traduzido
“versátil e inteligente como aborda as para português por Daniel Jonas, um
coisas, como abre horizontes e elabora poeta com uma linguagem riquíssima
Nunca tinha encenado Molière, paisagens muito pertinentes”. E gosta que trabalha muito bem este texto es-
mas esta é a peça do dramaturgo da forma como reescreve, vertendo crito nos anos 90. É uma apropriação
francês que prefere. E aí está O os clássicos para a contemporaneida- autoral muito interessante.”
Misantropo, segundo a versão con- de. Essa é uma tarefa que , em geral, A tradução foi feita especialmente
temporânea de Martin Crimp, com aprecia. “É muito desafiante quando para este espetáculo, por encomenda
encenação de Nuno Carinhas para um dramaturgo actual se debruça da CTA. Por outro lado, com Ana Vaz,
a Companhia de Teatro de Almada sobre a obra de outro dramaturgo ou com quem co-assina, igualmente, a
(CTA). O espetáculo, que está em escritor e se alimenta dela para novas cenografia, Nuno Carinhas procu-
cena no Teatro Municipal Joaquim inspirações e visões. E apeteceu-me rou o “território certo para a ação”.
Benite, em Almada, até 22, revi- muito encenar O Misantropo a partir “Optámos por uma caixa negra,
sita a famosa comédia, escrita em de um texto que já foi escrito para os ajustada bem à frente dos espectado-
1666, “em que o encenador destaca nossos dias”, afirma. res e que contivesse em si o kitsch da
o perfil do protagonista, Alceste. Em causa não está a intempo- situação das personagens, uma caixa
“É um homem zangado, com um ralidade dos clássicos, mas antes a de bombons funéria”, ironiza.
cardápio de reclamações muito “universalidade dos temas e das per- A interpretação é de Teresa
pertinentes, que podemos contestar, sonagens” que suscita a vontade de os Gafeira, André Pardal, Ivo
mas devemos ouvir”, diz ao JL. “Um revisitar. “Apercebemo-nos de que na Alexandre, Ivo Marçal, entre outros..
personagem fascinante pela maneira nossa época continuamos a trabalhar Reunir um elenco “à altura” foi,
de estar contra, inteligente e argu- O Misantropo, segundo Martin Crimp Uma encenação de Nuno Carinhas os velhos temas que já foram tratados aliás, uma das primeiras preocupa-
mentativa, com a retórica na ponta pelos clássicos, porque na verdade são ções do encenador. Para o trabalho
da língua, que é bom trabalhar atuais. E o diálogo entre os contempo- com a linguagem contou com Luís
sobretudo num momento em que E o que fascina na versão de diálogos muito vivos. E é criar ação râneos e os clássicos é muito frutuoso Madureira. “Os atores são também
há grupos muito grandes de pessoas Crimp é que “todas as outras per- através das palavras, o que é um para os autores e para nós, encenado- autores”, defende NC. “Portanto a
alinhadas, que não se interrogam, sonagens são igualmente reclama- exercício devido ao teatro que tem res”, acrescenta NC. encenação é sempre resultado da
que não procuram qualquer contra- tivas”, segundo NC: “Digamos que a obrigação de ser um património No Misantropo de Crimp, de nossa convivência e do trabalho em
-argumentação.” a visão de Alceste se derrama e cria lexical e argumentativo.” resto, seduziu-o não só a adaptação conjunto.” J
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT
TEMA 7 ↗
G
MANUEL HALPERN
O cinema está muito difícil. Tornou-
se mais das cinematecas, dos
museus…. Vou mais ao teatro. Não
sou de fazer filmes para sítios onde se
comem pipocas. Preferia os tempos
em que se fumava e bebia um copo
no cinema… dava para pensar e ver…
O Griffith dizia que o que faltava ao
cinema contemporâneo era filmar o
vento das árvores. O O’Neill permite
essa atitude. Hoje há uma espécie de
rejeição do cinema abstrato. A ideia
de que o cinema tem sempre de con-
tar qualquer coisa. Podes chorar com
Grande parte do seu percurso tem um quadro do Rothko. As emoções
passado por adaptações literárias, não têm de ser através de histórias.
mas esta é a primeira vez que não Gosto da pulsão de vida que O’Neill
adapta apenas um livro mas toda tem. Tenho direito a tudo, a comer,
a obra de um escritor. Um filme em a beber, a foder. Gosto daquilo de
forma de assim não é um biopic (João viver à rasca, de pedir dinheiro e não
Botelho detesta biopics), mas antes, pagar. Dívidas nas tascas, tudo… Era
MIGUEL BARTOLOMEU
como lá vem escrito, “um devaneio muito mais importante a criação do
em tempos de pandemia”. Ou, na que o dinheiro.
verdade, um olhar subjetivo e poético
sobre Alexandre O’Neill, um dos É verdade que detestas biopics?
grandes poetas portugueses do séc. Detesto. E nunca fiz um filme de épo-
XX, fazendo jus à sua versatilidade e ca. Os filmes são sempre do dia em
subjetividade, e cruzando os seus tex- João Botelho com Vera Moura Rodagem do filme que os faço. Eu não sei se o O’Neill
tos com elementos biográficos, socor- estava mal disposto quando escreveu
rendo-se do livro de Maria Antónia coisas cómicas, ou se estava bem-
Oliveira (que é co-argumentista). do Desassossego (2010), Fernando pessoas sentem quando veem. O ci- Será só para os maiores de 16. É -disposto quando escreveu Um Adeus
Sem obedecer propriamente a Pessoa; Os Maias (2014), Eça de nema é para os olhos, para os ouvidos erótico pelas cores, a posição dos Português. Uma pessoa sabe apenas o
uma narrativa, totalmente filmado Queirós; A Peregrinação (2017), e para os neurónios. É para inquietar. corpos, o que se diz, a boémia, a que deixaram escrito. Os biopics são
em interiores, com cenários artifi- Fernão Mendes Pinto; O Ano da O O’Neill faz isso nos seus poemas. comida… O’Neill é um tipo excessivo. todos fingimentos. Este filme não, é
ciais, revertendo a seu favor as restri- Morte de Ricardo Reis (2020), José A poesia é a vida… mas a morte me- Gosto muito quando a empregada matéria, os textos são matérias, assim
ções provocadas pela pandemia, é um Saramago. Isto para não falar de te-se pelo meio. Os heróis dos meus lhe diz: “O senhor é demais”. Ou como a cor, a luz, a música. A música
filme abstrato, que celebra as palavras outras adaptações, como Quem és Tu? filmes são os textos. As personagens como ele diz, “bebo demasiado, é muito importante. Não o sendo pa-
do poeta, em todas as suas vertentes. (2001), Almeida Garrett, ou A Corte acertam-nos, levam-nos. fumo demasiado, como demasiado, rece diegética. Eu gosto de ópera. Na
Nascido, em 1949, em do Norte (2008), Agustina Bessa-Luís. fornico demasiado”. Gosto muito do ópera tens uma mulher de 100 quilos
Lamego, João Botelho formou- Tal como em Desassossego… é um epitáfio: “Aqui jaz Alexandre O’Neill, e 60 anos a fazer de uma rapariga
-se em Engenharia Mecânica, na JL: Este é mesmo um filme em filme que se sente, sem obedecer um homem que dormiu muito pouco, de 16 e, se cantar bem, até choras.
Universidade de Coimbra, e só mais forma de assim. Foi preciso inventar a uma história, a uma narrativa… bem merecia isto”. E é falso à partida. O Oliveira dizia
tarde no Conservatório de Cinema, uma nova linguagem para filmar Porquê? que o cinema não existe: é o teatro
em Lisboa. A sua primeira longa, Alexandre O’Neill? A narrativa é perigosa porque é muito Constróis um universo próprio... por meios audiovisuais. Não estou
Conversa Acabada (1981), parte da João Botelho: Quando fiz O Ano da antiga. Aqui há a das cores e da mú- Quis homenageá-lo no seu mundo. de acordo, porque no teatro vê-se
correspondência entre Fernando Morte de Ricardo Reis criei um estilo sica. As narrativas são dos romances. Nas suas cores, na sua exuberância, sempre em plano geral. Felizmente
Pessoa e Mário de Sá Carneiro. para ele. Cada texto merece uma Depois entusiasma-me chamar a na musicalidade. Tive que encontrar vivemos num país em que é possível
Seguiram-se filmes como Um Adeus atitude diferente. O cinema não é o atenção para textos importantes. um estilo diferente. Fiz dez planos fazer filmes como este.
Português (1986), um olhar pioneiro que se passa nem o quando se passa. Há um bocado de didatismo. Mas os de sequência, mas acabei com dez
sobre a Guerra Colonial, ou Tempos É o que se filma. Este texto nas mãos livros são melhores que os filmes, planos por segundo, naquela rave, Mas também já fizeste filmes
Difíceis (1988), adaptação de Dickens. de um colega meu resultaria num porque são mais abertos… os filmes com o transe, que é a música mais narrativos...
Nos últimos anos tem trabalha- outro filme . Há quatro versões de estreitam o ponto de vista. incomodativa que há hoje, com 148 Dois ou três… Um Adeus Português
do quase exclusivamente a partir obras primas como Madame Bovary. batidas por minuto. tinha que fazer, porque era um ajuste
de grandes autores da literatura O cinema é um espetáculo. O cinema Contudo, este tem um lado mais de contas, é quase autobiográfico.
portuguesa e/ou de alguma das suas não é a vida, é uma representação da erótico. Se calhar não passa no Plano É um filme que mostra a época de E o Tempos Difíceis foi por causa do
obras . Assim aconteceu com Filme vida. O que é verdadeiro é o que as Nacional de Cinema... hoje e não os anos 60 do poeta. Eisenstein que dizia que o Dickens
8 TEMA
↗
›
caso a partir de uma poesia, a de Cantada, um filme musical sui ge- em vez de aparecer num plano de caso, o que se passa é que, além juntura social sua contemporânea,
O’Neill, em que as potencialidades neris sobre Miranda do Douro. realidade diferenciado, está inte- da desgraçada situação histórica como a miséria dos pedintes ou o
MIGUEL BARTOLOMEU
mais uma vez, de extraordinária primavera” — sem ir à procura de o
qualidade). fixar numa imagem determinada.
Pode concluir-se, a partir daqui, depois de ter cofundado o primeiro Se o quisesse fazer, e no quadro dos
que O'Neill, dilacerado pelo senti- grupo. Esse abandono constitui grandes poetas citados, Alexandre
mento de urgência desesperada que uma afirmação de marginalidade O’Neill estaria ao lado de Pessoa,
a ditadura impõe, está tão perto dos em relação à própria marginalidade e Herberto e Sophia estariam do
seus contemporâneos surrealistas em que o grupo se situa, e sinaliza João Botelho Rodagem de Um filme em Forma de Assim outro lado. Uns enredados na vida
como dos neorrealistas. Em O’Neill o facto de o poeta querer escapar comercial e comezinha, como o seu
se joga em pleno, aliás, o drama a todo e qualquer decálogo que o grande precursor Cesário Verde, os
do surrealismo em Portugal, pois limite ainda mais, de modo a abrir o mento profundo da obra de O'Neill, no interior de cada uma delas. Por outros fora dela.
o seu valor primeiro é a liberdade, seu caminho e seguir a sua vontade servem para gerar cenas que têm exemplo, numa deambulação pela Mas a poesia não tem fronteiras,
e, portanto, é impossível na prisão de comunicação. entre si uma forte independência. rua, em que tudo o que por acaso tal como o realismo. E a este filme
em que o país se tornara, e tem de Como em Godard ou Mallick, ou acontece à volta acaba por se ligar interessa a poesia. E interessa o que
ocupar o lugar de um surrealismo no Filme do Desassossego do próprio DEPOIS, O PRINCÍPIO DE MON- pela sua própria disparidade. nela se aprende sobre a verdade do
impossível. Por isso mesmo, surge João Botelho, Um Filme em Forma TAGEM parece inspirado naquilo a Dir-se-ia que o filme pratica amor. J
uma designação alternativa mais de Assim é cinema não narrativo. que O’Neill chamava “Inventário”, uma espécie de escrita automáti-
adequada, a de abjecionismo, que, No entanto, vai buscar equilíbrio a nome para certo tipo de combi- ca, uma montagem de atrações ao * Fernando Cabral Martins, prof.
com essa palavra-murro, caracteriza um modelo formal muito definido e nação solta de imagens sem nexo contrário, concentrada na paixão da FCSH da Un. Nova de Lisboa, é
com impotência e revolta o modo coerente. É um musical, em suma, lógico. Ora, é a essa concatenação do instante, no insólito, na beleza ficcionista e ensaísta, tem obras sobre,
português de ser surrealista. em que o lugar da música é ocupado de ações ordenadas mas aleatórias do fortuito e do incongruente. Aqui, ou organizou edições de, vários poetas,
O facto é que, não por acaso, pela poesia, um musical poético, um do tipo “inventário” que vamos a escolha de O’Neill é a escolha de designadamente Alexandre O'Neill, e
O'Neill abandona o surrealismo rap romântico. As palavras escolhi- assistindo nas várias sequências um poeta excecional, em todos os coordenou o Dicionário de Fernando
muito cedo, em 1951, quatro anos das, sempre a partir de um conheci- que se encadeiam, mas também sentidos: ele partilha com muito Pessoa e do Modernismo Português
CULTURA
impressa são válidos apenas para Portugal. Assinatura semestral (12 edições) no valor de €25,60 paga na totalidade
Campanha válida até 31/05/2022, na versão impressa ou digital, salvo erro de digitação. Os preços da versão
ou em prestações mensais sem juros, TAEG 0%. Consulte todas as opções em loja.trustinnews.pt
GARANTIDA
ASSINE E APOIE O JORNALISMO
€40,80 €25,60/SEMESTRAL | 37% DE DESCONTO
Entrevista
Sempre sofri Portugal
Em junho de 1982, a propósito da publicação das Poesias Completas, Fernando Assis Pacheco
entrevistou Alexandre O’Neill, no JL n.º35. Recuperamos aqui parte desta conversa, em que o
jornalista explica: “A entrevista fez-se com duas máquinas de escrever: o repórter do JL batia
a pergunta, tirava a folha, estendia-a ao entrevistado, este batia a resposta, perguntava ‘está
bem?’, o repórter respondia ‘está,claro’, e assim por diante. Para a ficha do poeta: 57 anos de
idade, lisboeta, re-divorciado, dois filhos, uni matulão, Alexandre, outro pequeno, Afonso;
trabalha na Lápis — Estudos Promocionais, Lda., à Travessa da Condessa do Rio; andou pela
TV como 'pivot' de vários programas e jurado da infausta Prata da Casa, que deu mosquitos por
cordas; é tão bom conversador como sovina nas respostas dactilografadas, o que se perceberá
lendo a continuação; sempre `sofreu' Portugal, e sempre se gastou à velocidade de um fósforo, e
sempre foi vítima de nervosos miudinhos; tudo junto, (en)fartou-se e poisou o canastro na UTIC
Cartaz de Um Adeus Português, de João Botelho
de Santa Maria, a reparar avarias cardíacas; recuperado, ri com os dentes todos”
Creio bem que não. É que ele é uma
receita infalível no seu simplismo, receita FERNANDO ASSIS PACHECO
que pode variar e complicar-se consoante o
orçamento do filme e a inventiva e a criativi- JL: Reunir 30 anos de poesia tem algum
dade dos seus autores. E, depois, lá aparece, significado especial para si? Digamos, sente-se
de longe em longe, uma obra-prima. Estou etiquetado, arrumado, corri um bilhetinho por
a pensar, por exemplo, no Johnny Guitar, de cima a dizer “30 anos”?
Nicholas Ray. Sempre consola, não é? Alexandre O'Neill — De modo nenhum! 30 anos
Eu tinha um amigo italiano, Pompeo de é apenas para passar para outra coisa. Para dizer
Angelis, que «exercia» na área do cinema a verdade, estava farto de tudo o que tinha es-
e desenvolvia muito a sério uma teoria se- crito até à publicação destas Poesias Completas.
gundo a qual, naquela época e para o futuro, Você sabe o que é conviver demasiado com o que
o máximo dos máximos era, seria o western se vai fazendo, não sabe?
italiano”, espécie de pícara colada ao sério
western, ao bom, ao da pesada. Eu ouvia-o, Calculo o que seja. Agora falando biografia:
incrédulo, mas ele, homem culto e inteligen- você é de Lisboa, é um O'Neill Vahia de Bulhões
te, desenrolava paulatinamente argumentos (cheira-me a Santo António, desculpará) e no
sobre a excelência de tal «género». Isto dizer do Cesariny em 1945, “no Café'A Cubana',
passava-se em Madrid há perto de 20 anos, da Avenida da República”, travou conhecimento
onde eu me desloquei para ser entrevistado com ele, ou ele consigo. Essas aventuras
por ele para um programa televisivo da RAI, surrealistas ainda têm alguma coisa que valha a
já que Pompeo, democristão, estava proibido pena contar? Dá-me a impressão de que vários
de entrar em Portugal. Era no tempo em surrealistas portugueses quiseram rasurar, a Alexandre O’Neill
que uma data de senhoras italianas haviam partir de certa altura, o nome “Alexandre O
resolvido “adotar” uns quantos portugueses Neill”. Responde a esta longa pergunta?
e ajudá-los a libertar Portugal. Tempo de Houve um especialista em hagiografia e, par-
grandes confusões, de galopantes paixões ticularmente em Santo António, que me disse,
bem correspondidas, de inevitáveis inter- para grande desgosto meu, que essa de o Santo do cadáver esquisito, para espanto dos sa. E também me posso enganar ou apressar, e
rogatórios na polícia (a política, claro), de se chamar Fernando de Bulhões era unia grande observadores, o Cesariny não esteve com tomar por poema o que o não é.
ideias malucas sobre raptos, golpes, entre- lenda. Claro que não me revelou o verdadeiro mais aquelas e antologiou-o mesmo. Dá para
vistas para jornais da extrema-esquerda, nome, de modo que eu continuo a aguentar a entender? Eu diria, socorrendo-me aliás de leitores mais
de lançamento de livros de poesia revolu- lenda e a dizer que sou... parente do Santinho, o Dá, dá! O Cesariny não me cita uma única vez atentos do que eu, que você tem um tema
cionária em apuradas edições bilingues, um que me dá unia certa audiência junto das devotas no Surreal-Abjecionismo, que é de 1963, mas já dominante, Portugal (a Feira cabisbaixa
tempo louco, enfim! Pompeo, além de não que conseguem uma especial atenção do referido me inclui na Antologia que você refere porque aparece em italiano, na versão de Joyce Lussu,
ser senhora em mal de resistência (o milagre (e simpático!) milagreiro... Quanto às aventuras eu ajudei muito (e com muita honra!) a fazer conto Portogallo, mio rimorso, e muito bem),
económico italiano tinha estagnado a vida surrealistas está tudo contado, precisamente cadáver. e um fantasma omnipresente, o tempo (cá vai
numa espécie de paz podre) fugia inteira- pelo Cesariny, que deve ter um baú quase tão uma de O'Neill entre aspas: “Quandonde foi? /
mente a este esquema. Era sensato: gostava grande como o do Pessoa. A rasura deveu-se à De vez em quando o O'Neill aparece a colaborar quandonde será? // eu queria um jazinho que
de boa comida e de mulheres. Vir-me com circunstância de eu ter abandonado a atividade em jornais. Para mim é uma complicação, fosse / aquijá / tuoje agziijá»). Concorda?
aquela do western italiano como o grande grupal do surrealismo para ame dedicar à políti- porque eu tendo, numa primeira leitura, a É verdade. Sem pieguice, digo-lhe que sempre
cinema do futuro! Depois, feita a entrevista ca, calcule você! A política, mas naquele sentido ler ‘crónicas’ onde não havia nada disso, mas “sofri” Portugal, tanto no sentido de não o
no Escorial, convidou-me a partir com eles estrito da militância nos movimentos juvenis por poemas. Por outras palavras, dessas pretensas suportar (como todos nos, aliás), como no
para o sul de Espanha, para entrevistar/ onde já o Cesariny tinha andado. Depois, ao pu- crónicas há algumas lançadas nas próprias sentido de o amar sem-esperança (como disse
filmar Brigitte Bardot que rodava uma longa blicar o primeiro livro, introduzi-lhe unia nota Poesias Completas, conto poemas em prosa. um parnasiano qualquer: amar sem esperança é
metragem. Deitei contas às massas e voltei proemial que demonstrava o fervor ridículo de Ajuda-me a descalçar este escarpim? o verdadeiro amor...). Eu tive a grande alegria de
para Lisboa. Vejam lá o que perdi! Não é todos os neoconvertidos e que dava pancada nos Dê cá o pé! O que acontece é que eu não sou, ver poemas meus completamente desatualizados
mesmo como quem vê a noiva morta nos surrealistas ficantes chamando-lhes aventurei- a bem dizer, um cronista. Escrevo (ou escre- depois do 25 de Abril. Mas afinal não estavam
seus braços durante um ataque dos índios? ros, o que era perfeitamente desnecessário... via, melhor) textos para os jornais que, depois, nada desatualizados, não. Como se pode ver.
Mas, sobre isto, poderia falar muito mais reconheço, muito naturalmente, como textos Quer dizer — o que é um péssimo sinal relativa-
acertada e inteligentemente, o rosto pálido Exato, e os que você apelida de ‘ficastes’ poéticos. Então incluo-os nos livros. Nem todos, mente à minha capacidade para vaticinar — que
Fernando Lopes. Aqui fica o desafio. Mande mandaram cá para fora um papel basto feroz claro. Há uns que não ultrapassam o efémero da a realidade fez de mim, novamente, um poeta
fumo ao ar, Fernando, se estiver de acordo, intitulado “Do Capítulo da Probidade”. Parecia crónica. Outros, que lhe podem parecer prosai- atual. Até no fantasma do tempo a que você se
ou tire o meu chapéu da minha cabeça, só por tudo, pois, unia família cone as partilhas cos, são (ou melhor, serão) poesias em prosa, refere. Espero que isto um dia acabe e eu fique
brincadeira, com um tiro da sua infalível. J feitas. Mas, em1961, na Antologia surrealista digamos, o que é muito diferente da prosa-pro- bem desatualizado e para todo o sempre. J
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT
↗
13
14 ↗
LETRAS 4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT
N
LUÍS RICARDO DUARTE
quer afirmar o discurso até sobre as
injustiças que cometeu. É preciso
equilibrar as vozes?
Sim, é verdade, mas nesse campo
há dois riscos. O primeiro é o de nos
prolongarmos no papel da vítima e
não nos erigirmos como sujeitos da
história. Moçambique tem quase 50
anos de independência, tem já uma
pegada de história própria que tem
de ser falada. O segundo perigo é a
demonização total do tempo anterior
para o atual ser de paraíso. É muito
importante, por razões práticas e
Num dos lados da mesa, o narrador, filosóficas, ligar os dois períodos.
no outro, Jei Jei, um rapaz que, órfão
por causa da guerra, teve de se rein- Em que sentido?
ventar na cidade. Os dois trocam his- Há um apagamento da história
tórias para cerzir os rasgos do passado anterior à Independência. Claro que
e as incógnitas do presente. Inventam se compreende porque grande parte
uma ficção que possa explicar a rea- dessa história é de humilhação. O
lidade e através desse artifício Museu avô tem hoje dificuldade em explicar
da Revolução, o novo romance de João como era a sua vida ao neto, e o neto
Paulo Borges Coelho, desdobra-se em se calhar tem vergonha em procurar
infinitas imagens da história recente esse tipo de passado. Mas isso impõe
de Moçambique. Por vezes, o narrador à sociedade um esquecimento da
(o próprio autor) abandona a mesa e João Paulo Borges Coelho “Há alturas em que sinto uma espécie de pudor em representar a voz dos outros” experiência passada.
passa a contar a própria saga de Jei-Jei
e de muitas outras personagens, al- O que se poderia ganhar com a
guns ex-combatentes envolvidos em consciência dessa experiência?
novas lutas. Romance labirinto, este D. Henrique, no âmbito da visita o olhar ainda não estava viciado e Os escritores falam muitas vezes na Perceber precisamente a importância
é um livro que procura unir os fios de oficial do Presidente da República viam-se as coisas pela primeira vez. vontade de se colocarem no lugar do da Independência, que é muito mais
um passado que por norma é inter- Portuguesa, Marcelo Rebelo de Outro. Tem vindo a desconfiar desse funda do que um 25 de Abril, por
pretado por blocos. Primeiro, a Guerra Sousa, a Moçambique. A experiência individual é a mais exercício? exemplo. Não foi uma mudança polí-
Colonial, depois a da Independência, verdadeira? A condição do Outro está sempre tica, mas a passagem de um estatuto
a seguir a Civil. Mas, para Borges Jornal de Letras: Tem oscilado Nem sempre, também engana. A linha a uma grande distância. Claro que infra-humano para o de humano.
Coelho, estes passados são impossí- entre um registo mais pessoal, de que separa a experiência individual devemos ter sempre e cada vez mais Poderemos sempre reconstruir essa
veis de desligar, pois vivem dentro memórias biográficas, e um mais como exercício de honestidade e de uma atenção especial ao que nos é experiência, procurar percebê-la em
das pessoas, agitados pela memória, próximo de narrativas ficcionadas. vaidade é muito ténue. É preciso estar distante e estranho, mas não para profundidade, mas não a podemos
mesmo num país com tendência para Como gere essa alternância? atento para se conseguir fazer sobres- afastar o Outro com uma cotovelada sentir. Mas é importante aprender
o esquecimento. João Paulo Borges Coelho: Com sair o espanto. e para falarmos em seu nome. Nesse com ela, algo muito difícil num país
Filho de pai português e mãe mo- muita espontaneidade. A escrita é um sentido, o que podemos e devemos em que subsiste esta tendência para o
çambicana, João Paulo Borges Coelho espaço de total liberdade. Sento-me fazer é facilitar o caminho até à sua esquecimento, se morre muito cedo e
nasceu no Porto, em 1955, mas e escrevo o que me ocorre. Mas há própria voz, nunca a substituir. O se nasce muito. Uma parte do passado
mudou-se com a família para a Beira, alturas em que sinto uma espécie processo de construção do Outro foi apagado e por vezes comentem-se
em Moçambique, ainda em crian- de pudor em representar a voz dos como imagem ou linguagem tem os mesmos erros.
ça, tendo adotado a nacionalidade outros, sobretudo a dos que sofrem. sempre, como dizia no início, um
moçambicana. Formado em História, Interessa-me tratar pouco de mistificação, porque ao fim Como por exemplo?
é professor jubilado da Universidade Porquê? a guerra como ela é e ao cabo esse Outro continua calado. Fiz várias investigações sobre o
Eduardo Mondlane, de Maputo, Porque é sempre uma mistificação. É um problema de difícil de solução, assentamento das aldeias depois da
e especialista nos conflitos do Sul Os personagens pertencem ao autor, sentida, e não como ainda mais em Moçambique, onde as Independência. Em muitos casos
de África. O seu primeiro livro, As não são pessoas reais. E as que são uma coisa arrumada no assimetrias, desigualdades e o sofri- foram cometidos os mesmos erros do
Duas Sombras do Rio, foi distingui- têm de ter voz por elas próprias. mento tornam o dilema mais denso, período colonial. Para o bem e para
do com o Prémio José Craveirinha. Mas esta é uma dúvida que tenho de tempo. Para os estudos e não o inverso, à medida que tempo o mal, não é possível cortar com o
Seguiram-se outros romances e tempos a tempos, nunca estou muito académicos, primeiro passa, com as alterações climáticas passado. Há fios que se alongam e que
volumes de contos, nomeadamente O seguro acerto disto. Nessas alturas e as expropriações de terras, por emergem quando menos se espera. É
Olho de Hertzog, vencedor do Prémio de hesitação inclino-me mais para veio a Guerra Colonial exemplo. melhor estar preparado.
LeYa em 2009. Doutorado honoris escrever sobre a minha experiência e e depois a Guerra Civil.
causa pela Universidade de Aveiro, localização no mundo, sinto vontade Essa dificuldade também se coloca O seu romance explora precisamente
em 2014, foi agraciado em março de regressar à infância, ao tempo de Mas para muitas pessoas no discurso sobre a questão colonial? esses fios do passados que convergem
passado com a Ordem do Infante estranhamento do mundo, quando elas estão misturadas Muitas vezes, o ex-colonizador para o Museu da Revolução. Foi lá que
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT LETRAS 15 J. P. BORGES COELHO
↗
de meandros
outra. Com temas tão diferentes o de-
safio é encontrar as ligações, ver como
é que o material funciona.
JOÃO RIBEIRO
Revolução que há em Maputo? construção diegética, num complexo, inte- os estudos literários, questionando o lugar
Um museu é um conceito muito ressantíssimo e surpreendente cruzamento do autor textual na arquitetura do romance,
apelativo, é onde estão organiza- de histórias de personagens, de tempos e de o papel do narrador, o lugar da literatura
das as ruínas do passado. O que espaços, que se constitui como desafio ao na construção das identidades individuais e
significa que, em primeiro lugar, é leitor para entrar num jogo interpretativo, João Paulo Borges Coelho “Um hino ao poder da coletivas. Estas questões percorrem o entre-
preciso identificar essas ruínas e, em em que cada horizonte de leitura criado é de palavra” cho, pontuando-o com interpelações e co-
segundo, decidir como as encadear, seguida questionado e redefinido, circuns- mentários, tais como: “Como se conta uma
o que nunca é uma escolha inocente. tância enunciada, desde logo, na epígrafe história? Quais as raízes de uma história? E
Está-se a contar uma história, cujo colocada em abertura do primeiro capítulo: quais as suas consequências?” ou “Para que
título por norma aparece no nome do “O mundo é um lugar vasto feito de mil serve uma história” (p. 74).
museu. Nesse sentido, também é um lugares, e cada um deles é também um vasto Museu da Revolução é ainda e sobretudo
espaço de poder. lugar cheio de meandros” (p. 9). um livro sobre a palavra, um hino ao poder
Assim é: quando pensávamos acompa- Além de um livro sobre a da palavra. A demonstração do poder da
Qual é a história que se conta no nhar a história de Yamada, o jovem apren- história e identidade de palavra atravessa todo o entrecho, inscre-
Museu da Revolução? diz da arte de pesca tradicional japonesa, vendo-se desde logo em frontispício do
A da Libertação e da Independência. percebemos que o interesse do narrador se
Moçambique, o romance é corpo textual nos versos de Kok, que ecoam
Mas é um museu que tem questões centra, não só na personagem, mas sobretu- também, ou mais, um livro no final da narrativa “Podem os esquecidos/
muito específicas. A primeira é ter do na carinha com a qual virá a transportar renascer/ numa terra de nomes?”. A efabu-
sido privatizado e pertencer hoje a peixe, um Toyota Hiace, que reencontrare-
sobre a literatura, sobre o lação apresenta respostas a essa pergunta.
um partido, à Frelimo, o que é um mos mais tarde em Maputo, ao serviço do trabalho oficinal do escritor Foi para dar sentido a palavras ouvidas, mas
facto extraordinário. Houve até um Coronel Damião, depois de uma passagem não percebidas, que os viajantes empreen-
responsável que disse qualquer coisa por Durban. Apesar da advertência, não deram a demanda. As ações de Leonor foram
como o museu não é do povo, é do deixamos de ser surpreendidos pela bifur- ditadas pela procura de significados dos
partido, outro facto espantoso. Há cação do caminho da narrativa, deste modo nomes sussurrados pelo pai antes de falecer:
ainda outa dimensão curiosa em toda apresentada ao leitor: “Tudo isto contou prio atribuído a Matsolo ideias que ele não “Caldas Xavier … Mariamo…” (p. 97), Elize
esta história: o museu encerrou há uns Matsolo a Jei-Jei, e este contou-me a mim. chegou a ter, na vontade de que todas as pe- persegue os ecos de Vlakplaas e Homoíne,
anos e nunca mais abriu. (…) E foi assim que ele e o carro entraram ças do puzzle ficassem encaixadas” (p. 270). enquanto ao pensamento de Candal regressa
nesta história” (p. 47). Ao invés de apaziguar as dúvidas do leitor, incessantemente a palavra Mutarara.
Não foi dada nenhuma explicação? O excerto é ainda revelador do papel as explicações introduzem a ambiguidade e A narrativa convoca-nos para percor-
Nunca se diz que o fecho é definitivo, é deste peculiar narrador na construção da a incerteza, relembrando a impossibilidade rer locais tão diversos como o Japão, a
mais a ideia “o programa segue dentro efabulação, simultaneamente presente na de visões unívocas do mundo, circunstân- Alemanha, a África do Sul, o Reino Unido,
de momento” ou o “volto já” das lojas, narração, assumindo o relato na primeira cia para a qual o narrador reiteradamente Portugal e Moçambique, em fragmentos de
que no entanto se prolonga. Depois da pessoa e conversando com o protagonista, adverte, como no seguinte comentário já no histórias que se entrelaçam e se mesclam,
Toyota Hiace, esta foi outra peça que Jei-Jei, e ausente da história que conta, que final da narrativa: “Só nos resta, pois, cogi- levando-nos a refletir sobre o sentido da
tirei das reservas, como lhe chamou, se alimenta dos contributos de várias vozes tar a partir da organização dos indícios que vida e a importância do Outro, do seu olhar
ou da arca, como costumo dizer. trazidas ao seu conhecimento por Jei-Jei, foi sendo possível recolher” (p. 424). e das suas perceções, para a construção das
Mais tarde encontrei um texto de um que reproduz ou cita no seu relato dos acon- A viagem de turismo, longa e penosa, identidades individual e coletiva. J
escritor sul-africano, P.R. Anderson, tecimentos. No entanto, a leitura desven- pelo país, a bordo do Hiace, conduzido por
que de passagem por Maputo visitou da-nos um narrador que está longe de ser Matsolo, coadjuvado por Jei-Jei, coloca num
o museu. um mero relator, por vezes em terceira mão mesmo espaço um conjunto de personagens
(retomando a feliz expressão de Antoine representativas da sociedade moçambicana,
Que também cita no romance. Compagnon), uma vez que não abdica de constituído por Matsolo e Candal, antigos
Sim. É um texto breve, de duas pági- acrescentar deduções e interpretações pró- combatentes da guerra de independência
nas, que saiu numa revista secundária prias, onde se refletem as suas perceções das que estiveram em lados opostos da luta,
sul-africana. O que chamou a minha personagens e dos acontecimentos. Leonor, a jovem portuguesa em busca da
atenção foi a sua incapacidade para São múltiplas as ocasiões em que explicita sua mãe negra, Elize, a sul-africana, filha de › João Paulo Borges Coelho
entender o que via. Feito com o apoio o papel mais interventivo que assume na militar, que procura o conhecimento do pai MUSEU DA
REVOLUÇÃO
›
dos norte-coreanos, nas represen- construção da história, como no seguinte percorrendo os caminhos sangrentos por ele
tações da luta e da resistência só exemplo: “É até possível que tenha eu pró- trilhados, Jei-Jei, filho da terra, que regressa Caminho, 488 pp., 21,90 euros
16 LETRAS ↗
› háimpecável
Joaquim Namorado
pessoas sorridentes, com roupa cipais. Contam histórias para viver
e a caminhar com flores. A histórias reais e para inventar outras
confusão do escritor foi maior quando que lhes permitem, e a mim também,
se deparou com uma concentração unir pontas, propor uma explicação
de Magermanes, os trabalhadores para o que não tem uma.
Um canto de livres
emigrantes que prestaram serviço na
Alemanha Socialista, embora na altu- É uma tentativa de dar sentido às
ra se chamasse formação, e que então muitas incertezas do passado, do
reclamavam a parte dos salários que presente e do futuro?
diziam estar retida pelo Governo. Sim, porque têm consciência de que
Dionísio, que o autor empírico as- como “Noite calma dos portos”, tes não ocasionais, que arredam o
sumiu, e não se furta a encarar as “Invocação a Gomes Leal” e o que autor de Poesia Necessária da sim-
antinomias e esquinas desta obra SP entende ser o poema-charneira plista chateza neorrealista. Sendo
poética. Eduardo Lourenço havia- da sua obra, “A voz que me dita os essa a opinião declarada de Mário
-as identificado no ensaio que versos”, onde escuta o rasto ca- Cesariny, para enfrentar o neor-
lhe dedicou em Sentido e Forma moniano da “Elegia a D. António realismo, afinal não é assim tão
do Neorrealismo (1968), embora de Noronha”. Se a incisão mili- surpreendente que a sua antologia
defenda que sobre elas preva- tante implica o sujeito no devir Surrealismo/Abjecionismo (1963)
lece uma “retórica tratorista” e histórico coletivo, não se lhe pode inclua “Pequenos pedintes”, de
“alistada”, alienada da elaboração negar a dimensão lírica, inclusive Aviso à Navegação.
estética, pelo benefício dado à de cariz amoroso ou bucólico. Já No fundo, José Carlos Seabra
mensagem ideológica, e alheada Jorge de Sena, na antologia Líricas Pereira parte de um entendimento
da revolucionária modernidade Portuguesas (3ª. série), assinalara multivectorial da modernidade
pós-Pessoa. SP, por seu turno, que “sob o sarcasmo otimista e a poética portuguesa, que remonta
distingue JN das “contrafações pretensa brutalidade de expressão, ao alto romantismo, e avança a
populistas da intenção social no [se] escondia um lírico desespe- necessidade de recontar a história
neorrealismo” e alinha-o com rado”. do surrealismo entre nós. Daí
“a incorporação neorrealista das Estamos muito longe de uma referir a “associação anóma-
aquisições da contínua revolução compreensão histórico-literária la de imagens perceptivas que
formal operada pelas correntes linear. Namorado conjuga nolens em Gomes Leal tinham aberto
modernas da arte literária dita volens o fundo neorromântico com uma via proto-surrealista e que
‘burguesa’”, o que vê reiterado a pulsão realista, sem que associe Joaquim Namorado retoma, sem
na matéria modernista tratada no a literatura a uma ideia especular ostentação da ‘escritura automáti-
ensaísmo de Namorado. Joaquim Namorado “Fundo neorromântico e pulsão realista” ou à simplista eficácia comunica- ca’ ou outros temas de escola”.
Com base numa visão múltipla tiva: afirmar, como o faz em Falsos Por todas estas razões, a edição
e dialógica do tempo histórico Poemas Lógicos, “Tudo existe/ o de Sob uma Bandeira dá a conhe-
em literatura, a obra de JN ganha que se inventa é a descrição”, é cer uma tessitura complexa que
em ser vista como “amplexiva”, uma “relação de paragramatismo língua portuguesa que é Ilha de assumir o artifício e a invenção do confirma Joaquim Namorado
termo que SP elege para a mostrar divergente, recontextualizando e Santo Nome (1942), de Francisco literário, quando nomeia o real. como problema desafiante e lugar
na intersecção de conceitos de por isso redelineando o ethos e o José Tenreiro. Acrescem, depois, outras linhas polifónico de escrita poética com
literatura e poesia, assim como tom dessa poesia”. A este título, de análise: a tónica do humor e do inegáveis “qualidades de cativante
de momentos e vozes literárias veja-se “África”, dado à estampa EM TODO O CASO, A MÁQUI- escárnio, na linhagem antiga de surpresa”. J
de proveniência diversa. Como se em O Diabo, em 1940, e depois em NA de produzir entusiasmo desta Gil Vicente a Tolentino, de Gomes
reconhece em Aviso à Navegação, Aviso à Navegação (1941), e cujo poesia vai de par, melhor até, Leal a Tomaz de Figueiredo, *Carina Infante do Carmo é profª da
é interlocutor de Álvaro de impulso anticolonial antecipa, integra um desassossego melan- conforme verificara Mário Universidade do Algarve, membro do C.
Campos e Régio, mas também de dentro do “Novo Cancioneiro”, cólico, bebido nomeadamente Sacramento; o expressionismo E. Comparatistas da Fac. de Letras da
Whitman, Maiakovsky e Neruda. o marco da estética da negritude em Campos e comprovado em disfórico e caricatural, o insólito, Un. de Lisboa, autora de vários livros
No caso de Campos, trata-se de entre os escritores africanos de poemas axiais do itinerário de JN o absurdo, em rasgos surrealizan- de ensaios
11 maio
Célimène
Célimène Daudet © arnaud vignal
Daudet
Chopin
Debussy
GULBENKIAN.PT
mecenas mecenas mecenas mecenas mecenas principal
concertos para piano e orquestra estágios gulbenkian para orquestra concertos de domingo ciclo piano gulbenkian música
18 LETRAS↗
LIVROS
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT
Esconderijo
e luta, o mundo não pode ser só isso.
Dito isto, a opção de juntar dois volumes
originais num só limita esta questão, sendo
reflexo de um excelente trabalho da Arte de
Autor.
Escondido, desta feita de um passado
BANDA DESENHADA
amargo na Irlanda revolucionária, está
também o protagonista silencioso de
Giant do canadiano Mikaël, numa muito
João Ramalho Santos boa edição integral da Ala dos Livros.
Inspirada por uma icónica fotografia de
trabalhadores a construir os arranha-
céus da Rockefeller Plaza em 1932, a
A boa banda desenhada de matriz franco- localmente pelo Armazém), Notre-Dame- história segue os habituais temas de
belga (ou canadiana) continua viva, com des-Lacs revela-se, em simultâneo, culpa, fuga, redenção e conflito nas
muitas e diversificadas propostas. Por ambiente bucólico, prisão insuportável e ruas menos abonadas de Nova Iorque.
exemplo, a bela série Armazém Central esconderijo ideal. Com a hierarquia a estabelecer-se entre
(Arte de Autor) escrita e desenhada por No entanto, é também claro que o diferentes grupos à procura de melhores
Régis Loisel e Jean-Louis Tripp, (com deleite dos autores em desenhar (de dias, mas onde, apesar de tudo (ou por
notável cor de François Lapierre). Longe forma soberba) o universo que criaram, causa disso), se conseguem trabalhar
do cruel realismo de outros trabalhos de faz com que a narrativa evolua devagar. valores de solidariedade. Considerando
Loisel (como Peter Pan) o ambiente de uma Algo que é potenciado pelo onirismo por que a fotografia que a inspirou terá sido
pequena aldeia no Québec (onde os dois vezes açucarado ou por toques burlescos encenada, Mikaël aborda ainda o poder das
autores franceses residem) é utilizado, (Gaëtan, o “coro das beatas”, a voz “off” imagens, neste caso para esconder uma
não só para um retrato do dia a dia rural do falecido Felix). No entanto, em grande realidade de exploração e miséria por trás
nos anos 1920, mas para reflexões sobre medida os pequenos (não) acontecimentos da grandiosidade dos edifícios. Giant é uma
autoridade, tolerância, moral e (“bons”) do dia a dia são, em si mesmos, a narrativa. rol de elementos que apenas se consideram obra enxuta e bem feita, que questiona e dá
costumes. Porque, como qualquer Para além de personagens-chave presas secundários porque estão adaptados a uma a conhecer sem deixar de ser previsível, e,
comunidade isolada na orla de uma floresta em conflitos internos (as insatisfações realidade que nem lhes passa pela cabeça sobretudo, que não se arrasta a fingir ser o
impenetrável, mas que vislumbra ao longe de Marie, a homossexualidade de Serge), questionar. Loisel e Tripp lembram que, se que não é. Uma inesperada aposta que vale
a cidade grande de Montreal (representada Armazém Central conta com um extenso as grandes histórias se fazem de infelicidade a pena conhecer. J
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT LETRAS 19 LIVROS
↗
Patrícia Müller
clave subtil em que ressoa a leitura
do poema de Sena ”Os trabalhos e os
dias” e o motivo da mesa como lugar
Romance histórico
da escrita e onde o mundo se fixa),
sem esquecer, por ironia e adesão,
contemporâneos (Golgona).
Mas o grande sinal de virtuosismo
deste livro, na verdade, está nisto: na
sem preconceitos
paleta imensa de formas que Castro
Mendes domina, do soneto ao poema
em prosa (ou quase), dos ritmos mais
conservadores ao coloquialismo mais
temperado. Que se leiam os poemas
“Samarcanda” ou “A noite de 24 de
Abril de 2020” em paralelo com os
dísticos do oitavo andamento de “Rio
de Janeiro 20 anos depois” e ver-se-á
OS DIAS DA PROSA
que, hoje, poucos são os poetas que
mostrem tal sageza na arte de fazer
poesia. J
Miguel Real
T
endo por base o guião televisivo homónimo tendência para o grotesco, rei, príncipes, rainha, nobres, aias, homens,
que escreveu para a RTP, Patrícia Müller (PM) mulheres são figurados como seres radicais, capazes do tudo ou do nada,
publica A Rainha e a Bastarda, um romance ora cruelmente naturais, ora espiritualmente diáfanos
histórico. Em 2016, tinha publicado o roman- Neste sentido, do lado dos primeiros tome-se o exemplo de Fernando
ce muito singular e de grande qualidade, Uma José Alpoim, o “homem-bicho”; do lado dos segundos, a própria Rainha
Senhora Nunca, retrato de uma família da elite Isabel, ditadora poderosa na sua Casa, expiadora dos pecados do mundo
económica e social do Estado Novo com vastas nos sacrifícios sanguíneos que comete voluntariamente no seu próprio
propriedades no Alentejo. corpo, bem como na seu desejo (neurótico) de privação de comida (ano-
A Rainha e a Bastarda é um romance rexia). O trabalho de PM sobre a personagem Rainha Isabel é magnífico,
histórico sem a aplicação dos códigos próprios deste subgénero literário. dando-nos um retrato extremado, mas originalíssimo, da sua vocação
Tematiza a Rainha Santa Isabel e o seu enlace religiosa, assumindo um estatuto herético (não
› André Osório
matrimonial com D. Dinis, bem como a guerra revelamos qual, o leitor descobrirá) que raia
OBSERVAÇÃO DA civil deste com o filho, o futuro D. Afonso o delírio psicótico em busca de uma pureza
GRAVIDADE IV. Ambientado no século XIV, retratando os divina.
Guerra & Paz, 88 pp., 10 euros costumes aristocráticos da corte no paço de Em 2010, António Cândido de Franco já
Frielas, em Lisboa, Leiria e Coimbra e no con- escrevera sobre Os Pecados da Rainha Santa
› João Rasteiro vento de Odivelas, a autora não se inibe de usar Isabel, mas PM eleva ao paroxismo a persona-
OFÍCIO por vezes – muitas vezes – um léxico atual, lidade de Isabel, apresentando-a como uma
Porto Editora, 404 pp., 23 euros como se não só escrevesse sobre o passado louca, relíquia derradeira de guerras religiosas
com as categorias mentais do presente, como, do sul de França e da Catalunha, diariamente
› Luís Filipe Castro Mendes ainda, envolvendo o enredo do romance de ele- em forçada penitência. Nas ações impondera-
VOLTAR mentos policiais, sexuais e de mistério. Assim, das, a Isabel juntam-se dois monges trajados
Assírio & Alvim, 104 pp., 14,40 euros são estas duas caraterísticas (léxico atual e de branco, que a defendem e a influenciam.
envolvência de uma história do século XIV em Quem serão, a que Ordem pertencerão? Por
géneros romanescos totalmente estranhos ao sua vez, D. Diniz é grotescamente figurado
tempo da diegese) que perfazem a singularida- como uma máquina sexual, espalhando pelo
de da escrita de PM neste romance. reino filhos ilegítimos, a um dos quais intenta
Permita-se-nos que, contra os leitores do legar o reino (Sanches) e não ao presumi-
romance histórico purista, que pressupomos,- do legítimo Afonso, apoiado por nobres que
constituem uma fortíssima maioria, elogiemos Patrícia Müller sentiam pela primeira vez escapar o seu poder
uma escrita assim. Lembremos o alto exem- feudal a favor de um Estado centralizado ini-
plo de O Nome da Rosa, de Umberto Eco, que ciado por D. Dinis. Afonso revolta-se contra o
cruzou com mestria o policial com o romance pai, é apoiado pela mãe, que tenta apaziguar a
histórico. Mas, para não darmos outros exem- luta entre ambos.
plos estrangeiros, lembremos a obra romanesca de João Paulo Oliveira Entre os bastardos de D. Diniz, existe Maria Afonso, a preferida do
e Costa (seis volumes sobre o Império, de Ceuta ao Japão, publicados rei, freira no convento de Odivelas, porém de costumes muito livres no
este século), na qual entrecruza igualmente o histórico com o policial, o que diz respeito a relações sexuais. É assassinada no início do romance
romance de espionagem e abundantes cenas sexuais, como o comprova e D. Diniz incumbe Lopo Aires Teles de descobrir o assassínio. Lopo as-
o seu último livro, A Estreia do Auto da Índia (2021), onde as intrigas sen- sume a figura do detetive atual no romance policial, a todos interrogan-
timentais e as práticas sexuais são numerosas. Portanto, PM está muito do. Outra personagem apresentada grotescamente, Lopo é um cético,
bem acompanhada nesta sua desumanizado pela morte do filho mais velho, que carrega literalmente
pretensão de libertar o romance aos ombros como se ele estivesse vivo e, posteriormente, pela morte
histórico da prisão exclusiva da do segundo filho. Porém, leal a D. Diniz, obedece, pagando mais tarde
narrativa histórica. com a devastação da sua quinta, incendiada, e inicia o desvendamento
› Argumento e desenhos de Jean- Diferentemente de J. P. das relações secretas entre os nobres, nas quais descobre que “há um
Louis Tripp e Régis Loisel (cor de
François Lapierre) Oliveira e Costa, que utiliza um segredo na corte. Um segredo de morte” (p. 211). Que segredo é assim
ARMAZÉM CENTRAL (VOL. léxico coetâneo dos séculos do tão poderoso? Deixemos o leitor saciar a curiosidade por si próprio.
4- CONFISSÕES; VOL. início da Expansão, PM utiliza Num romance de ódios, traições, de bestialidades, algumas camu-
5- MONTREAL) E (VOL. 6- inúmeras palavras atuais, com- fladas por intenções divinas (todas as praticadas por Santa Isabel), de
ERNEST LATULIPPE; VOL. binando-as com outras do século conspirações para se assassinar o rei, de guerras pela sucessão do trono,
7- CHARLESTON) XIV. Conclusão: a singularidade de miscelânea sexual (até o traseiro do cavalo Jeremias é violado), de
Arte de Autor. 150 pp., 26€ cada absoluta de A Rainha e a Bastarda troca de sexo por terrenos, destaca-se a aia de Isabel, Vataça, o elemento
assenta neste à-vontade com que mediador entre todos: viúva do nobre Martim, Vataça está presente na
› Argumento e desenhos de manipula a linguagem, cruzando
› Patrícia Müller
câmara do rei, é a faz-tudo de Isabel, está também presente na câmara
Mikaël as especificidades do passado de Lopo e teve relações com o homem-bicho. Por ela, sabemos dos tor-
GIANT (EDIÇÃO com as novidades linguísticas A RAINHA mentos que Isabel sujeita o corpo, das suas obsessões com os pobres, os
INTEGRAL) do presente. No trabalho sobre E A BASTARDA leprosos, os doentes, da sua mania de falar latim como língua de Deus.
Ala dos Livros. 120 pp., 25€ as personagens, nota-se uma Quetzal, 356 pp. 17,70 euros. Uma belíssima personagem, muito bem construída esteticamente. J
20 LETRAS ↗
ESTANTE
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT
FICÇÃO leitura, tem uma nova investigação em 1923, na Bretanha, em França, são os títulos MAGGIE
pela frente. Desta vez, trata-se de no seio de uma família humilde, inaugurais Tradução de Sónia Amaro, Guerra & Paz, 116
de uma nova pp, 14 euros
Luís Corte Real uma chantagem a partir de um
vídeo sexual. O alvo é o presidente
que seguiu sempre as suas convic-
ções. Na Segunda Guerra Mundial,
coleção da
Guerra & Paz, › Edith Wharton
Fundador da Saída de da Câmara de Barcelona, o que juntou-se à resistência comunista,
que a editora
Emergência, Luís Corte conduzirá o nosso protagonista aos conseguindo salvar dois judeus
apresenta
ETHAN FROME
Real tem levado a sua corredores do poder, de intenções (recebeu mais tarde o título hono- Tradução de Maria Ferro, Guerra & Paz, 144 pp,
assim: 15 euros
paixão pela literatura nem sempre claras. À medida que rário Justo entre as Nações). Nos
“Novelas, romances ou contos da
fantástica não só para a narrativa avança, compõe-se anos 50, esteve ao lado do movi- primeira metade do século xx,
o catálogo da editora, também o retrato do polícia, depois mento independentista argelino, com o propósito de manter viva
mas também para a das primeiras impressões do tomo tendo por isso sido condenada a POESIA
junto dos leitores a literatura
escrita. Publica agora inaugural. Até porque o seu destino 10 anos de prisão. Uma verdadeira moderna. Livros para ler ou
o segundo volume das aventu- ficou marcado pela morte da mãe e discreta heroína que a escritora reler.” Maggie é o primeiro
ras de Benjamim Tormenta, um
detetive do oculto que se move
e pela tentativa de encontrar os
culpados. Acabou na prisão a ler
alemã há muito radicada em Paris
homenageia reconstituindo o seu
romance de Crane, um dos mais
singulares escritores americanos.
Margaret
na Lisboa do século XIX. Se, em
O Deus das Moscas Tem Fome,
Os Miseráveis, em cujas páginas
descobriu a sua vocação.
percurso. Um livro sem género,
quase prosa, quase poema, quase
Morreu aos 29 anos, mas numa
década escreveu o suficiente
Atwood
Tormenta cruzava-se com o rei biografia, quase narrativa, sempre para se tornar um autor de culto. Além de ser a mais
D. Luís, Fontes Pereira de Melo ou › Javier Cercas inspirador. O livro terá duas Segundo Paul Auster, que lhe famosa escritora
Eça de Queirós, agora é chamado INDEPENDÊNCIA apresentações, com a presença da dedicou recentemente uma canadiana, com obra
ao Porto e ao Egipto, onde terá de Tradução de Helena Pitta, Porto Editora, 328 pp, autora, em Portugal. Em Lisboa, no biografia, “pela primeira vez em todos os ‘géneros’
resolver uma das muitas praga do 18,80 euros Goethe-Institut, no dia 6, às 19. No na ficção americana, não é dito literários, Margaret Atwood (n.
Nilo. “À medida que reconstrói Porto, no Mira Fórum, no dia 10, ao leitor o que pensar — apenas 1939) é hoje conhecida e lida em
personagens históricas e ambien- também às 19. que lhe é pedido que se deixe todo o mundo, sobretudo como
tes, com precisão, mas eivados de
elementos sobrenaturais, Corte Anne › Anne Weber
envolver e que, depois, tire as suas
próprias conclusões.” Já Ethan
ficcionista, com numerosas obras
publicadas também em Portugal,
Real não constrói apenas narrativas
históricas, mas também, e a um
Weber ANNETTE, EPOPEIA DE UMA
HEROÍNA
Frome é uma obra que Wharton
publicou em 1911, passada numa
pelo menos desde os anos 80 e em
diversas chancelas. Agora sai, em
só tempo, com traços de fantasias Annette, Epopeia de Tradução de Helena Topa, D. Quixote, 176 pp, cidade fictícia. Nela habitam edição bilingue, o livro de poe-
históricas (mais um dos subgéneros Uma Heroína é um dos 14,90 euros várias personagens que nos mas Políticas de poder, já de 1971,
da tão prolífica mother fantasy) e livros mais falados dos dão a imagem de um homem, com a garantia de qualidade e o
de histórias alternativas, categoria últimos tempos na Alemanha, ven- o protagonista, marcado pelo interesse acrescido da tradução ser
especulativa por vezes associada à cedor do Prémio do Livro Alemão Crane e Wharton infortúnio. de Ana Luísa Amaral. Um poema:
ficção científica, em cujos enredos em 2020. Conta a vida de Anne Maggie, de Stephen Crane, e “Mentirá o corpo/ ao mover-se
imaginamos uma versão distinta Beaumanoir, uma mulher nascida Ethan Frome, de Edith Wharton, › Stephen Crane assim, serão estes/ toques, estes
para acontecimentos verídicos”, cabelos, este mármore/ molhado e
afirma Bruno Anselmi Matangrano macio que a minha língua percor-
no prefácio. re/ mentiras que me dizes?// O
teu corpo não é uma palavra/ não
› Luís Corte Real
ASSIM FALOU A SERPENTE Registo › Teolinda Gersão, O cavalo de sol Uma nova
edição (primeira na Porto Editora) do romance
mente nem/ diz a verdade// Ou
está/ só aqui ou não”
Saída de Emergência, 512 pp, 19,90 euros saído em 1989, e ao qual foi atribuído o Prémio Pen
› O socialismo científico no século XXI, de Romeu Clube relativo a esse ano. Com, no final, curiosas › Margaret Atwood
Cunha Reis Ao título atrás acrescenta-se, na capa “notas para um guião”, feitas pela escritora para POLÍTICAS DE PODER
Javier e prolongando-o: ”Quarta revolução industrial ou
revolução total?”. Assim fica bem definido o tema
uma adaptação cinematográfica que não chegou a
concretizar-se (Porto Editora, 228 pp., 13,63 euros)
Relógio d’Água, 136 pp, 17 euros
Carla Filipe
A(s) bandeira(s) da arte
Tantas quantos os estados membros da União Europeia em 2019, antes do Brexit, e diretamente proporcionais ao PIB dos
diferentes países, são 28 bandeiras de diferentes tamanhos numa instalação, Hóspede, que interpela a Europa e o conceito
de hospitalidade. Inaugura-se a 14, na Galerie Carrée na Villa de Arson, em Nice, na sequência de um percurso em que a
artista – que em 2023 terá uma exposição antológica na Fundação de Serralves - usa as “ferramentas do passado” para
“pensar o presente sempre tão complexo”, como diz ao JL
O
MARIA LEONOR NUNES
STEVE NISHIMOTO
O histórico “A Poesia Está na Rua”, de
Vieira da Silva, ou um outro cartaz de
Maria de Lourdes Pintasilgo, um livro
de Maria Lamas ou um autocolante da
entrada de Portugal na CEE, materiais
gráficos, publicitários, de propaganda
política e sindicais, são vestígios de Carla Filipe apresenta agora
uma cultura visual, de um tempo e Hóspede, integrada na programação
de uma sociedade que Carla Filipe da Temporada Cruzada Portugal-
resgata na sua arte, trabalhando-os França, a partir do próximo dia 15 Pensa-se na Europa
no desenho, na colagem, no texto, na até 28 de agosto, na Galeria Carrée
edição, na fotografia, na intervenção na Villa de Arson, em França, com como utopia e existe
site specific, na performance. curadoria de Marta Moreira de escravidão no espaço
É na ideia de arquivo que radica o Almeida, coproduzida pela Fundação
seu processo criativo, partindo da re- de Serralves, onde a artista terá uma
europeu
colha e apropriação de objetos, docu- exposição antológica, no próximo
mentos, imagens, da recuperação de ano, a assinalar duas décadas de
memórias coletivas, individuais, pes- trabalho. A bandeira da arte para um
soais, para traçar um ‘retrato’ social e olhar diferenciado sobre a Europa. resto. Não faço qualquer referência ao
cultural e equacionar o presente. Uma nome dos países. Mas o curioso é que
quase ‘antropologia’ artística com um Jornal de Letras: O que a levou a já me perguntaram se não o iria fazer,
trabalho de campo sistemático, nas querer refletir sobre a Europa em porque as pessoas não sabem identi-
suas constantes voltas por alfarra- Hóspede? ficar todas as bandeiras. Eu própria,
bistas e lojas de ’segunda mão’ em Carla Filipe “Um olhar diferenciado sobre a Europa” Carla Filipe: Há muito tempo que apesar de já as ter decorado, por estar
demanda de achados que incorpora e tive a ideia da Europa a refletir sobre a trabalhar com elas, por vezes tenho
transforma, recria e reescreve nas suas ela própria, mas não sabia como iria que confirmar. Ficamos um bocadi-
obras, conferindo-lhes um renovado desenvolver o trabalho. E de repente nho desorientados em relação a quem
poder de evocação e de intervenção. comboio, com a sua pequena horta, iniciais, integrou também o Projeto surgiram as bandeiras, em termos são os membros da União Europeia.
E “nunca são apolíticas”, como diz ao onde também trabalhava, muitas Apêndice. Em 2009, ganhou uma formais, o olhar sobre nós próprios. São 28 bandeiras dos 28 países, con-
JL, sublinhando a propósito: “Toda a vezes a contragosto, talvez venha bolsa da Gulbenkian para uma tando ainda com a do Reino Unido.
arte é sempre política.” igualmente o gosto pelas plantas, residência artística em Londres, na E porquê bandeiras?
Carla Filipe nasceu em 1973, pelo mexer na terra, pelas hortas, ACME Studios. Há muito que as uso no meu trabalho. Essa é a bandeira caída, depois do
numa casa da CP, em Aveiro, e aos que igualmente tem criado no seu Ao correr do tempo, fez já duas A bandeira é um símbolo. Mas foi Brexit…
três meses mudou-se para Vila Nova trabalho. dezenas de exposições individuais e quando encontrei numa loja de coisas Exatamente. Foi qualquer coisa
da Barquinha, onde cresceu a ver Mudar-se-ia para o Porto, onde participou em cerca de 40 coleti- em segunda mão, naquelas a que vou que não se imaginaria há 15 anos
passar os comboios, já que a mãe ainda vive, para estudar Escultura na vas, no país e no estrangeiro. Entre muitas vezes, nas minhas voltas, um e que teve muita importância, por
era guarda de passagem de nível. É, Faculdade de Belas Artes do Porto, elas, destacam-se a participação na autocolante da entrada da Espanha e ser uma potência, a terceira no eixo
aliás, descendente de duas gerações onde depois fez um mestrado em Manifesta de S. Paulo, com Migração, de Portugal na Comunidade Europeia, com França e Alemanha, o que veio
de ferroviários e viveu no seio dessa Práticas Artísticas Contemporâneas. Exclusão e Resistência, em 2016. que a ideia se desenvolveu. desequilibrar. E as bandeiras são de
comunidade. Um dos seus projetos Começou a expor o seu trabalho no E ainda as recentes Desterrado, na dimensões variáveis, consoante o PIB
mais marcantes, Da Cauda à Cabeça, dealbar dos anos 2000, no Salão Manifesta 8, e Amanhã Não Há Arte, Em que sentido? de cada país.
apresentado em 2014, no Museu Olímpico, numa cave de um café, na no MAAT, em Lisboa, em 2019, em O autocolante tinha um boneco de
Coleção Berardo, passou precisamente Rua Miguel Bombarda, que ocupou que chamava a atenção para os “di- braços abertos e pensei que realmente Uma Europa a várias velocidades,
por esse universo. com um grupo de jovens artistas. reitos e para a fragilidade” em termos a imagem da Europa era tão esperan- desigual, consoante as suas diferentes
Além do sonho de viagens, da Aí, fez a sua primeira exposição laborais dos artistas, que a pandemia çosa, tão bonita, tão feliz. Mas só tinha dimensões económicas?
sua casa de infância, junto à linha do individual, em 2004. Nesses tempos viria expor. os 12 países da altura e construi o Quando se fala da União Europeia,
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT ARTES 23 ENTREVISTA
↗
CESCPOMPREIA, 2021
relação ao emprego uma grande
precariedade, baixos salários.
de procura e de valorização. Comprei
Alguns são senhorios, outros imensos.
hóspedes na casa europeia?
E se um saiu, há sempre hóspedes A pesquisa é muito importante no seu
que querem entrar: a Turquia, agora processo criativo?
a Ucrânia... Sim. Tenho muito material guarda-
do e estou sempre a procurar mais.
Hospitalidade e preconceito Quando me interesso por alguma
Em que medida a ideia de coisa vou investigar. Por outro lado, os
hospitalidade a motivou donos das lojas onde costumo ir já me
artisticamente? conhecem e eles próprios me chamam
É um conceito muito interessante, a atenção para um jornal ou um livro.
nomeadamente na conceção de
Jaques Derrida. Prende-se com a ABRIR O CAMPO
ideia de receber o estranho como Há também um lado autobiográfico
CARMEN LOURO / L+ARTE
amigo. Mas também tem que ver com que move essa pesquisa?
o nosso dia-a-dia, como recebemos Há, porque não gosto de ser neutra. A
em nossa casa, se abrimos a porta presença do sujeito é uma afirmação
a todos. Bauman fala do não abrir
FILIPE BRAGA
do que pensa e da sua responsabilida-
a porta a estranhos. Tudo isso vai de no trabalho. E sermos responsáveis
de encontro aos estereótipos que é muito importante. Temos uma
temos. Nós não estamos livres de ter opinião a dar e a minha visão e inter-
preconceitos e ideias feitas, por mais Processo artístico “A minha visão e interpretação entram sempre no trabalho que faço” pretação entram sempre no trabalho
que achemos que não. É só com o que faço. Mas nunca de uma forma
confronto com os factos e com a rea- fechada. O meu olhar é aberto. E
lidade que percebemos como somos sobretudo, trata-se de trabalhar sobre
preconceituosos. Como acontece no Alentejo com falamos de arte política, no entan- no Mundo, e fiquei fascinada com a o que conheço.
outros migrantes... to, as pessoas tendem a pensar em pesquisa dela. No fundo, ela fez, em
Dizem que os portugueses são muito Precisamente. Pensa-se na Europa partidos ou em qualquer coisa de relação às mulheres, o trabalho que Na exposição Da Cauda à Cabeça
hospitaleiros. É uma mais-valia para como utopia e existe escravidão no panfletário. Como uso muitos cartazes o Giacometti realizou na música ou abordou um mundo que conhecia
o turismo, mas também tem sido espaço europeu. políticos, até já me perguntaram se era Ernesto de Sousa na cultura popu- bem da sua infância.
evidente com o acolhimento aos do Partido Comunista… lar. E não tem a projeção que devia Há sítios onde eu regresso e descu-
ucranianos. O facto de ser uma exposição para ter. Como continua na sombra? Não bro que me são estranhos, apesar de
Aí há uma questão de confiança. a Temporada Cruzada também foi VALORIZAR E TORNAR VISÍVEL percebo. O meu trabalho é mais vasto, serem muito presentes. A memória
Porque conhecem já bem e tinham desafiante no sentido de pensar o O que lhe interessa particularmente mas estou interessada em dedicar-me constrói a relação com o próprio espa-
uma relação com os imigrantes espaço europeu? nesses cartazes e materiais gráficos? mais ao feminismo português, pouco ço. Portanto, não foi apenas um pro-
ucranianos. Aliás, estamos a ver Claro. No início, ainda tentei criar A questão gráfica é muito forte no meu valorizado, para tornar essas mulhe- jeto autobiográfico, abri o campo para
esse sentimento de hospitalidade na uma ligação aos sindicatos, procuran- trabalho e tem a ver com a curiosida- res mais visíveis. a modernidade, de que o comboio é
Europa, mas é em relação aos que nos do perceber se teria havido movimen- de que sempre tive em relação às ima- um símbolo. Tal como se relaciona
são, de alguma maneira, próximos. tos nesse sentido ou do cooperativis- gens, por exemplo, em enciclopédias, Maria Lamas poderá figurar numa com fluxos migratórios, rompe com a
mo, na comunidade portuguesa em onde podemos encontrar um mapa ao próxima exposição? geografia, é transgressão, vanguarda.
O mesmo não acontece em relação França. Mas não tive feedback e decidi lado de uma pintura na página. O que Sim. Numa que farei em setembro, Por outro lado, houve uma interven-
aos refugiados e migrantes que alargar o projeto a todos os países. A faço é muito influenciado por essa ló- nos açores, no Centro Arquipélago. ção política muito importante dos
vêm de outras paragens e de outras Temporada tem um lado ligado aos gica da paginação, pelos livros de arte, Pensei abordar a questão das mulheres ferroviários, por exemplo com a parti-
guerras. Já trabalhou as questões negócios, ao diálogo diplomático e a até porque venho do Ribatejo e só tive talvez pelo catolicismo que existe cipação nas greves gerais, na Primeira
migratórias, nomeadamente na cultura aparece muitas vezes como acesso a museus já adulta. Também nas ilhas. E vou já introduzir a Maria República. Através dos caminhos-de
instalação Desterrado. o postal muito convidativo para esse me interessa o arquivo, o design, neste Lamas neste trabalho, tal como outra ferro é, portanto, possível dar várias
A Manifesta era muito focada nesse tipo de relações. A cultura define, caso com a definição de cada país com feminista, que entretanto descobri, realidades sociais. Mesmo quando
campo entre Múrcia e o norte de realmente, a identidade de um país e as suas bandeiras. Alice Moderno, que criou um hospital viajamos na Europa percebemos os
África, circunscrita a essa ligação a arte tem sempre muito a dizer. Só para animais, no final do séc. XIX. estereótipos culturais em relação ao
do Mediterrâneo. E quando esses que nem chega, pelo menos aqui em Numa entrevista referia-se em outro, a discriminação, por exemplo,
migrantes chegam ao Mediterrâneo, Portugal, a 1% do PIB. concreto, por exemplo, a um cartaz Procura trazer à luz, através das do português por causa da ideia do
a viagem de muitos deles pode de Maria de Lourdes Pintasilgo que a suas criações, figuras, factos mais emigrante analfabeto. A exposição
durar há muitos meses. Fiquei muito Se tivesse como medida os tinha impressionado muito. Porquê? esquecidos, de certa forma marginais, partiu do facto de ser filha de ferro-
impressionada com toda a máfia que orçamentos para a cultura, talvez Sim, nesse tempo havia muitos menos visíveis? viários, mas depois abre o campo para
existe em torno dessa situação. Só as suas bandeiras tivessem também cartazes espalhados pelas ruas. Esse Interessa-me sempre trabalhar diferentes narrativas.
que as realidades de onde vêm essas dimensões muito diferentes… impressionou-me porque a Pintasilgo sobre factos pouco conhecidos ou
pessoas são ainda piores que todos os Na investigação que fiz, verifiquei que foi a primeira mulher primeira-mi- esquecidos. Foi o que fiz em Bordas Ao usar materiais e narrativas do
riscos da travessia. Mas senti algumas a República Checa, que não tem dos nistra em Portugal, uma das primeiras de Alguidar, uma sátira política em passado procura pensar também o
dificuldades em falar do outro que eu PIB mais altos, está em quinto lugar no mundo. E sendo uma criança, diálogo com Bordalo Pinheiro. Não futuro?
não conhecia. E, na altura, saiu uma em relação aos direitos dados aos nesse mundo de adultos, para mim compreendo porque a sua obra ligada Contraponho fases do passado no
notícia num jornal sobre um grupo artistas. As prioridades também têm o foi muito importante ver uma mulher aos jornais políticos não é tão valo- presente. Não gosto de falar de futuro,
de portugueses que trabalhavam seu peso na dimensão das bandeiras. ocupar um lugar na política. Era um rizada como a cerâmica. E algumas que acho que é do discurso político,
em condições de escravatura, na avanço, um fluxo de esperança muito das suas sátiras até são muito atuais. da campanha. Uso os instrumentos
agricultura em Múrcia. Os traficantes Uma instalação como Hóspede é forte. Olhar esse tempo é para mim Descobri esses jornais numa livraria, do passado e do presente para pensar
também lhes prometeram trabalho, também uma intervenção política? muito simbólico em termos de uma a Moreira da Costa, e cada um custava o próprio presente. E o presente é tão
depois tiraram-lhes os papéis e eles Acho que toda a arte tem sempre utopia que nunca se concretizou. Há só três euros e têm cem anos. Um au- complexo... Mas não sou nostálgica,
ficaram ali enjaulados, maltratados um caráter político. O que eu faço pouco tempo, descobri também Maria tocolante muito mais recente, é mais sou virada para o futuro, que é cami-
dentro da própria Europa. seguramente não é apolítico. Quando Lamas, os seus textos de A Mulher caro, o que mostra bem como há falta nhar para a frente. J
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT ARTES 25 ENTREVISTA
↗
Sérgio Agostinho
O teatro em construção
A nova criação do Peripécia Teatro, A Peça em 4 Turnos, estreia amanhã, 5, no Teatro Municipal de Vila Real. E dá
continuidade em palco ao documentário Operário Amador, num ciclo que nasceu da “vontade de preservar a memória”
do Teatro Construção e das pessoas que o fizeram, em Joane, depois do 25 de Abril, como diz ao JL Sérgio Agostinho,
diretor artístico da companhia sediada na aldeia de Coêdo, em Trás-os-Montes
ESPETÁCULOS
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT
Os Filhos
“Quando a peça foi escolhida e
programada estava-se longe de
toda esta situação de guerra, mas
de alguma maneira fica ainda mais
FILIPE FIGUEIREDO
é, porém, um “statement” ou um energias verdes, aliás, tornou-se André Guedes, a sonoplastia de
texto “panfletário”, como faz questão ainda mais presente com a invasão Vitória, a luz de Manuel Abrantes,
de sublinhar AC: “Levanta muitas da Ucrânia. “Infelizmente, voltou os figurinos de Ana Paula Rocha.
questões, mas não dá respostas. o espectro da guerra nuclear, que Os Filhos ficam em cartaz, na Sala
Confronta-nos de uma forma muito pensávamos que já não existia e Vermelha do Teatro Aberto, até 3 de
inteligente.” Os filhos, de Lucy Kirkwood que é assustador”, observa AC. julho. J
FILIPE FIGUEIREDO
São estas as tensões ibsenianas
Com encenação de Álvaro do Reino Unido. Porém, não é sobre que o encenador gere, com elegância
Correia, o Teatro Aberto apresenta, formas alternativas de produção e rigor, acompanhado pelo porten-
na Sala Vermelha, Os Filhos (2016), de energia verde de que a peça se toso e carismático trio de atores:
da jovem talentosa dramaturga ocupa. Vai mais longe e mais sério na Custódia Gallego, Maria José Pas-
britânica Lucy Kirkwood (1983), responsabilização pelos nossos atos choal e João Lagarto. A liberdade e A peça em representação no Teatro Aberto
a seguir a linha dramatúrgica relativamente às gerações futuras, naturalidade com que contracenam
da veterana Caryl Churchill que vão deparar-se com um planeta corresponde também à realidade
(1938), no sentido em que a sua danificado, ou seja, os nossos filhos da ficção pois, o conhecimento que
escrita revela um compromisso terão de consertar um planeta onde os atores têm uns dos outros está O espetáculo conta com uma ce- modo que o que ouvimos soa, por
e preocupação com o estado do os pais imaturamente brincaram, subjacente à representação, aumenta nografia muito importante de André vezes, como eco de algo já vivido.
mundo, denunciando as práticas sem respeitar os limites. Digno de a contenção de energia que o drama Guedes, que para além de conseguir O que devemos às gerações futuras
egoístas que seguem a par das interesse dramatúrgico, é que a peça encerra, e instala uma emoção cres- albergar cabalmente todas as cenas é a pergunta que o Teatro Aberto,
consequências devastadoras para o segue uma escrita não de tese, não cente, numa verdadeira coreografia do espetáculo, sintetiza magnifi- corajosamente, nos propõe. J
planeta e para a vida humana. Tanto panfletária ou ativista, mas assenta em trio ou em duetos. camente o efeito pós-catástrofe,
é que, para a fábula de Os Filhos, o argumento no quotidiano presente Maria José Paschoal, em Hazel, pela cor escolhida, pelos materiais *Ler, na na área das Ideias, sobre
Kirkwood se inspirou na realidade, e passado de três personagens, que desenvolve a personagem em utilizados, pela distribuição dos este mesmo tema e a partir desta
isto é, na mesma sequência de surgem emocionalmente relaciona- constante inquietude, atormenta- objetos no espaço, metaforicamente peça, a coluna de Ecologia de Viriato
acontecimentos que provocou o das numa estrutura que, tal como da pela recordação traumática que mergulhados no fundo do mar, tal Soromenho-Marques
desastre nuclear de Fukushima, no informa a autora, segue as regras da tenta camuflar com rotinas saudá- como a catedral da lenda, cujos sinos Os Filhos, de Lucy Kirkwood,
Japão, em 2011: terramoto, tsunami, tragédia grega. veis; Custódia Gallego, em Rose, continuam a repicar. A iluminação Encenação Álvaro Correia, Cenário
colapso de três reatores nucleares e O diálogo é realista, em lingua- enfrenta a necessidade de resgate vem realçar a beleza do dispositivo André Guedes, Figurinos Ana Paula
a libertação de materiais radioativos gem enigmática, quase ‘pinteriana’, com aparente galhardia, a esconder cenográfico e transmitir uma certa Rocha, Desenho de Luz Manuel
no ar e na água*. a seguir um argumento rigoroso, mágoas e vulnerabilidades antigas; estranheza bem enquadrada com Abrantes, Sonoplastia Vitória, com
É a personagem Rose, uma física em tempo real, isto é, dura o tempo João Lagarto, em Robin, romantica- os efeitos sonoros. A disposição em Custódia Gallego, João Lagarto e
nuclear reformada, quem nos in- do espetáculo, menos de duas mente ligado a ambas as mulheres, largura da sala vermelha aumenta a Maria José Paschoal. Teatro Aberto,
forma dos erros que ela e os colegas horas, sempre no mesmo espaço: a personagem pivô que, com graça e experiência imersiva, como se es- quarta e quinta às 19h, sexta e sába-
cometeram na construção da central cozinha da casa de campo do casal ironia, tenta aplacar as dissensões tivéssemos mergulhados na mesma do às 21h30, domingo às 16h. Até 3
ficcionada, algures na costa leste de reformados, Hazel e Robin, tam- nas circunstâncias privadas. memória e no mesmo dilema, de tal de julho.
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT ARTES 27 DISCOS
↗
SECÇAO
Bernardo Moreira
Jazz de intervenção
Oito canções, quatro autores. escolher canções que remetessem Essa forma depurada de interpretar
Um mestre, três discípulos. Can- mais para a música e não tanto mostra que as canções têm essa
tigas de Maio é um projeto do con- para a política. Achei que estas delicadeza: é só ir buscar.
trabaixista Bernardo Moreira que eram muito significativas no
recria grandes canções da música universo de cada um. Tendo mais temas em repertório,
portuguesa através do jazz, na isso significa que haverá um futuro
companhia de João Neves (voz), O que significa dar uma roupagem álbum do Cantigas de Maio?
, Ricardo Dias (piano) e André jazz aos originais? Sim, é um processo em aberto.
Santos (guitarra). Neste primeiro As músicas originais já são Podem ser autores mais antigos,
álbum são interpretados temas de maravilhosas e não precisam de mais recentes, e também queremos
Zeca Afonso, José Mário Branco, mais nada. Tenho a noção de que trazer originais nossos. Achamos
Sérgio Godinho e Fausto. mexer nesse legado é um risco que este disco era um bom ponto
muito grande, corre-se o perigo de partida. Outros se seguirão,
JL: Homenagear os grandes de não trazer nada de interessante. sem dúvida. J JOÃO PEDRO MENDES
cantores de intervenção é algo Por isso são discos que levam muito
bastante comum. O que Cantigas tempo a preparar. O segundo
de Maio acredita ter de diferente? disco sobre o Paredes levou quase
Bernardo Moreira: É uma celebra- 10 anos. E depois há a seleção dos
ção da música portuguesa do pós- músicos, também crucial.
25 de abril. Não tem nada de polí- O quarteto Cantigas de Maio
tico. A partir do momento em que O João Neves parece destoar um
vivemos em liberdade, o grande pouco do estilo de intervenção por
desafio passa a ser o que escrever ter uma voz mais calma e doce,
e como ficar para a posteridade. O apenas estes autores? o Zé Mário e o Sérgio, que foram menos combativa...
que garantiu a eternidade destes Adoro o Vitorino, ao vivo tocamos absolutamente marcantes. O Vi- Ainda pouca gente falou disso. É
autores foi a libertação do estigma temas dele. Escolhi três discípu- torino vem um bocadinho depois. evidente que a abordagem dele
de ‘cantor de intervenção’. los do Zeca Afonso que marcam Não quer dizer que não venha a é tudo menos a de um cantor de
profundamente a história da estar num próximo disco. intervenção. É hiper delicado,
No repertório disponível no música portuguesa. Achei que o contido, sem exageros. Essa ›Cantigas de Maio
YouTube há uma música do disco fazia sentido assim, com o Como chegaram a estas oito característica prova que as canções CANTIGAS DE
Vitorino, que não surge no Zeca como grande mentor de uma canções? são eternas, não fazem sentido MAIO
álbum… Porque escolheu gravar geração, e logo a seguir o Fausto, Fomos experimentando e tentamos apenas numa determinada época. JACC
CLÁSSICA
Des-cobrir a Europa
Objetos secretos
“Este livro pioneiro”, resultado de cinco anos de trabalho de investigadores do projeto MEMOIRS, “é de leitura tão obrigatória como
dolorosa, já que os percursos de vida aqui expostos revelam não segredos, mas sim fantasmas hediondos que hoje nos continuam
a assombrar porque não tivemos ainda a coragem, como sociedade, de os confrontar” - sublinha o autor desta análise, prof. da
Universidade de Warwick, no Reino Unido, e que foi designadamente presidente da American Portuguese Studies Association
H
PAULO DE MEDEIROS
Q
tância, embora de maneira discreta,
com a possível exceção do ‘teatro de
objetos’ da atriz e encenadora belga
Agnès Limbos. Um objeto em especial
é por ela destacado por ‘representa[r] uando soube que o meu amigo Camilo Martins a entrar, ora para nos agradecerem se lhes demos primazia no burburi-
tudo: é um africano que é um criado de Oliveira (1942-2022) tinha partido, veio-me nho dos passeios.
(...) E este boneco caía muito, foi-se à lembrança, imagem por imagem, a maravi- Era no Outono, uma das estações privilegiadas do Japão, e havia uma
partindo e eu fui colando-o. Tem as lhosa viagem que em 2010 fizemos ao Japão, especial alegria e jovialidade no ar, mesmo que a noite já tivesse caído. Não
marcas da cola” (p. 220). sob a sua coordenação, acompanhados de José havia humidade e a temperatura rondava os 12 graus. Ao passar pela zona
Tolentino Mendonça e de José de Guimarães. dos teatros, recordamos a importância do Kabuki e a sua evolução. No
SE ESTE OBJETO PODE representar E fui reler o pequeno livro que escreveu, cheio restaurante Nishisaka, usufruímos a refeição de um delicioso shabu shabu,
tudo, isto é, toda a opressão colonial, o de boas recordações, Fomos em Busca do Japão pequenas fatias de carne de vaca cozidas por nós em água a ferver, que
racismo, a destruição e fragmentação (Verbo, 2015). Partimos no rasto de Fernão Camilo Martins de Oliveira nos aconselhou, com aplauso geral. As árvores
inerentes, o passado, também repre- Mendes Pinto, de Francisco Xavier e de que rodeiam a cidade no Outono têm as folhas vermelhas ou amarelas.
senta a sobrevivência, e a recomposi- Wenceslau de Moraes e ainda hoje sentimos Wenceslau de Morais (1854- 1929), cujos textos nos acompanham, lembra
ção dos estilhaços num todo de novo, o peso de um conhecimento ancestral, já que os portugueses foram os que “as espécies europeias não oferecem igual maravilha em colorido”.
onde as ‘marcas’ da cola são indício primeiros europeus a ter contacto com o Japão, quando em 1543 três nau- Sentimos entusiasmo ao ver as grandes massas desta folhagem belíssima
mesmo do processo de memória e fragaram em Tanegashima e deram a conhecer a primeira arma de fogo. do “moimiji”. O Pavilhão de Prata, o Ginkaku-ji, literalmente apagava-se
re-memória. Conheci Camilo Martins de Oliveira, ao longo de quase 50 anos, como diante da natureza outonal pujante. Era a memória do xógum Yoshimasa,
Mas há outros objetos igualmente bom amigo e exemplar diplomata no campo económico. A primeira vez no século XIV, que estava presente, a partir da recordação de seu avô
significativos. Alguns objetos são que nos encontrámos foi em Bruxelas e com ele comecei a percorrer os Yoshimitsu, que num gesto de suprema audácia, cobriu de folha de ouro o
relíquias verdadeiras como as mobílias corredores comunitários. O seu currículo já merecia atenção. Como cató- Pavilhão Dourado, o surpreendente Kinkaku-ji, celebrado por Mishima…
em madeiras africanas ou as peças lico inconformista, foi em 1965 um dos subscritores do “Documento dos O importante foi o enaltecer da natureza em toda a sua intensidade. O
de arte tradicional trazidas numa 101” contra a ditadura. Na Morais e em O Tempo e o Modo traduziu e pu- momiji tudo domina, parecendo dizer que a natureza culta, domada pelo
tentativa de recriar uma vida que já blicou Teilhard de Chardin. Depois de ter estado na Guiné como alferes, ser humano, é dominada pelas folhas escarlate, como se fossem flores.
deixara de existir mesmo ainda antes veio trabalhar em 1969 com Rogério Martins, Deambulamos pelas veredas do jardim, conta-
do regresso ou da fuga para a Europa, então secretário de Estado da Indústria, tendo mos as suas pedras, deslumbramo-nos com os
um território a que nunca mais seria tido papel relevante no fim do condiciona- musgos tratados, com as águas, com os lagos,
possível aceder a não ser através da mento industrial e do protecionismo. com os jardins secos, com o saibro riscado ou a
memória e dos afetos. Outros são Depois seguiu-se um percurso notável no terra cuidadosamente penteada, a representar o
verdadeiros ‘objetos sagrados’ (p. 334) exterior: como delegado na OCDE, diretor mundo. Seguimos pelo caminho dos filósofos ou
que, como tal, não toleram desloca- da Missão Comercial em Bruxelas, perito em via dos mestres. Um canal ladeado de cerejeiras
ções. Outros ainda são eles mesmo a Missões das Nações Unidas, representante segue sinuoso pelo sopé das Montanhas Orientais
essência da herança familiar, como é económico no Estados Unidos e depois em e há muita gente que caminha, gozando a
o caso das chaves da casa na Argélia Tóquio (1987-2001), com funções no Japão, natureza, conversando, lendo ou simplesmente
que os pais de uma das entrevistadas Coreia do Sul e Nova Zelândia, sendo ainda indo ao templo zen de Nanzen-ji. E recordamos
‘construíram e onde viveram muito Comissário Geral de Portugal na Exposição Nishida Kitaro (1870-1945), professor da univer-
pouco, e nós os seus filhos muito me- Universal de Aichi (Japão). sidade de Quioto, que tornou este lugar obriga-
nos (...) Esse molho de chaves é o que Era um conversador extraordinário; num tório para a compreensão da cultura japonesa. Os
deles resta, o que herdámos dos meus serão, começávamos por falar da história de tons vermelhos e amarelos das folhas do Outono
pais’ (p. 291-292.). E depois também um biombo Namban, continuávamos na refle- inebriam-nos, o sol e o dia ameno contribuem
há os objetos, malditos e secretos, xão sobre a arte contemporânea, muitas vezes para o nosso deleite.
como nos diz Nathalie Borgers, cine- com a presença discreta, mas agradabilíssi-
asta nascida em Bruxelas e descen- ma, do irmão Gaëtan Martins de Oliveira, e E COM QUE ESMERO CAMILO nos indicava
Camilo Martins de Oliveira “Levou-nos para
dente de colonos no Congo e Ruanda: terminávamos discreteando sobre a economia, além da imaginação até ao âmago do encontro todos os pormenores. Em Nanzen-ji apren-
‘O meu pai tem um objeto secreto do a política internacional, a integração europeia, entre culturas e afetos” demos a lição “sê mestre da tua mente”. A
meu avô, que sempre esteve escon- e ainda história ou filosofia, tantas vezes em colossal Sanmon à entrada do recinto do templo
dido, algo que também sempre teve diálogo com António Sousa Franco, grande demonstra estarmos num lugar essencial da
uma aura tremenda. O meu pai tem o amigo comum. Além do mais, era um leitor cultura zen. O portão descomunal não tem um
chicote do meu avô’ (p. 209). insaciável, imbatível no conhecimento da última novidade literária. prego, foi erguido no século XVII apenas com encaixes que põem à prova
É a des-coberta desses objetos a habilidade e a inteligência humanas. Tudo para consolar as almas dos
secretos, das vidas e mortes que eles E VOLTO À LEMBRANÇA que morreram no cerco do Castelo de Osaka. Nos aposentos do Abade do
representam, da pertença e da recusa dessa viagem fantástica. Quando Convento deparamos com o célebre “Tigre a beber água”, obra-prima da
de pertença, das heranças tanto chegámos a Quioto sentimos a pintura japonesa do século XVII, de Tamyu Kano, além de uma inter-
positivas como negativas, dos tabus, tradição japonesa, como sinal venção de Kobori Enshu, com seixos e pinheiros num impressionante
fetiches, segredos e silêncios, que este de um povo antigo, sereno,
Tratou-se de uma jardim seco.
livro reconhece como imperativo para amável e hospitaleiro. No bairro peregrinação que Na relação do tempo e do universo, sentimos o equilíbrio entre a arte e
a construção de uma Europa pós-im- de Gion, que conhecíamos das correspondeu a um a natureza, nos jardins, nos seixos, nas representações, mas especialmente
perial. J narrativas e descrições roma- na cerimónia do chá, no templo de Kodai-ji. Tudo exige o domínio do cor-
nescas, testemunhámos o dese- desafio, para que po e o respeito, da tranquilidade, da pureza e da harmonia e a cerimónia
nho tradicional de uma antiga conhecêssemos do chá é um gesto litúrgico, como ficou demonstrado por Wenceslau de
cidade nipónica. O movimento Moraes no clássico O Culto Chá. E Camilo Martins de Oliveira levou-nos
› M. Calafate Ribeiro é intenso, os edifícios baixos e melhor o Japão… E para além da imaginação até ao âmago do encontro entre culturas e afetos,
e F. Cruz Rodrigues pequenos, em madeira, bem ficou a lembrança viva com as belas fotografias de José de Guimarães.
DES-COBRIR ordenados, assinalados com Tratou-se de uma peregrinação que correspondeu a um desafio, para
A EUROPA: balões coloridos de papel ilumi- de que ‘para o japonês, que conhecêssemos melhor o Japão… E ficou a lembrança viva de que
FILHOS DE nado e vemos geishas em trajes o que se procura, o que “para o japonês, o que se procura, o que determina a entrega à contem-
IMPÉRIO E de função. As ruas são estreitas plação, é o que não se vê. Olhar ou escutar – assistir a um concerto no
PÓS-MEMÓRIAS e limpas, a ordem e a organi- determina a entrega à Japão - é perceber como o silêncio é participante – torna-se, assim, mais
EUROPEIAS zação imperam. A cada passo, contemplação, é o que do que um exercício de sentidos, uma extensão da alma. E é esse olhar ou
Afrontamento, 348 pp., as pessoas saúdam-nos com escuta da alma que traz a obra de arte – cheia do mundo invisível e inaudí-
19 euros vénias, ora para nos convidarem
não se vê’ vel para o convívio quotidiano”. J
30 IDEIAS ↗
ARTIGO
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT
O Oriente e o Ocidente
SOCIEDADE BREVE
Boaventura de Sousa Santos
T
al como e XVIII, dominou a curiosidade outro islâmico é desconstruída por
acontece com e, por vezes, a admiração recí- ele ao mostrar a enorme diversida-
os pontos proca. Durante todo esse tempo, de interna do Islão.
cardeais os melhores tecidos, porcelanas e
norte e sul, outros utensílios vinham da China A SEGUNDA REVISÃO das relações
o oriente e o e da Índia. oriente-ocidente tem sido feita
ocidente são muito mais que por vários historiadores. Depois
orientações geoposicionais; são ATÉ AO INÍCIO DO SÉCULO XIX, da obra monumental de Joseph
dispositivos culturais, conceitos, a China era a grande potência Needham (Science and Cilization
metáforas, que exprimem comercial. No século XIX, tudo in China), a revisão mais impor-
imagens positivas ou negativas, começou a mudar do lado europeu. tante é a de Jack Goody nos livros
que só se entendem ao espelho Da revolução industrial (1830s) até The Oriental, the Ancient and the
umas das outras. As imagens à Conferência de Berlim (1884- Primitive, The East in the West e
positivas envolvem ideias de 85) que procedeu à partilha de Renaissance. Jack Goody mostra-
superioridade, originalidade, África pelas potências europeias, -nos como a ideia hegeliana da
fascínio, harmonia, civilização, a Europa (então equivalente a História tem vindo a dominar as
beleza, grandeza; ao passo que ocidente) confirmava globalmente narrativas e conceções do ocidente
as imagens negativas invocam o seu poder político, económico e e das suas relações com o oriente.
o inverso desses qualificativos. militar. Nas suas aulas de História, Goody tenta combater os estereó-
As imagens assentam em Hegel é o primeiro a teorizar essa tipos que continuam a prevalecer,
binarismos mas combinam por superioridade como expressão da como a ideia do excepcionalismo e
vezes ideias contraditórias, progressão do espírito da história, da originalidade ocidentais, enu-
como, por exemplo, fascínio de oriente para ocidente. Seria merando os contributos do oriente
e horror. A construção das no ocidente que essa progressão para muito do que assumimos ser
imagens depende sempre do culminaria, simbolizada no Estado especificamente ocidental (desde a
ponto de partida, oriental ou Prussiano. Diz Hegel: “A História revolução científica até à revolução
ocidental, de quem a faz. A mundial viaja de oriente para industrial). Enquanto Edward Said
longevidade da contraposição ocidente; por isso, a Europa é o fim faz uma análise culturalista, Goody
ocidente-oriente na cultura e absoluto da história, tal como a centra-se nos processos produtivos
nas relações internacionais é de Ásia é o começo”. É nesse mesmo e nas trocas comerciais.
tal ordem que se transformou período que a cultura grega se A este nível, foi comum na
num arquétipo, uma espécie de separa das suas raízes africanas e Europa, a partir do século XIX, a
inconsciente coletivo jungiano asiáticas (Alexandria, Pérsia) para ideia de que o desenvolvimento
que aflora na consciência sob servir de fundação pura e exclusiva económico e social do ocidente
múltiplas formas, sempre que as do excecionalismo europeu. Esta contrastava fortemente com o do
circunstâncias propiciem. Talvez leitura é ainda hoje dominante, oriente e que havia boas razões
estejamos a entrar no período mas tem vindo a ser crescente- para que tal acontecesse. Tanto
em que este arquétipo irá ser mente contestada. Max Weber como Karl Marx, auto-
provocado a aflorar; por essa Neste texto, refiro-me apenas res com ideias distintas em tantas
razão, a relação-ocidente oriente a duas revisões influentes, ambas áreas, convergiam em considerar
merece ser revisitada. feitas do lado ocidental. Muitas ou- que o ocidente tinha características
As relações entre o oriente e tras têm vindo a ser feitas do lado Edward Said Análise do modo como os ocidentais têm vindo a caracterizar o Oriente únicas, originais e excecionais,
o ocidente remontam a mais de oriental e estão, aliás, disponíveis residindo nelas o enorme desen-
4000 anos. Estão bem presentes em línguas acessíveis. A primeira volvimento económico e político
na antiguidade grega, na Bíblia, revisão é de Edward Said na sua do ocidente quando comparado
nas Cruzadas. Fluxos de bens e obra Orientalism, publicada em 1978. Said analisa aí o modo como a obsessão sobre o modo como as com o do oriente.
de pessoas caracterizaram essas os ocidentais têm vindo a carac- mulheres são tratadas no oriente é É importante reter que as causas
relações durante muitos séculos no terizar o oriente, salientando as reveladora das obsessões ocidentais da superioridade e originalidade
espaço-tempo que mais nos inte- diferenças, concebendo-o como a esse respeito. Em tempos recen- do ocidente (e inversamente, da
ressa, a Eurásia, essa imensa massa um outro tão diferente quanto ne- tes, alguns leitores de Said têm inferioridade do oriente) eram
terrestre entre o Cabo da Roca e gativamente avaliado. Said não se tentado reconstruir a imagem do concebidas como dizendo respeito
o extremo sudeste da Península propõe caracterizar o oriente, mas ocidente que emerge da preocupa- à essência constitutiva das respeti-
da Malásia. 92 países, sendo que a As relações entre o sim o modo como ele é caracte- ção em salientar tudo aquilo a que vas sociedades, não sendo possível
Rússia e a Turquia estão divididas rizado ou imaginado pela cultura se contrapõe. alterá-las. Entre as causas que jus-
entre uma parte europeia e uma
ocidente e o oriente é e pela política ocidentais. Analisa Do meu ponto de vista, o mérito tificavam o atraso do oriente, invo-
asiática. As viagens portuguesas menos de sentido único fundamentalmente o mundo árabe de Said é o de nos mostrar que ao cava-se a deficiente racionalidade
por via marítima até à Índia e de- do que de pêndulo: e mostra como a caracteriza- longo da história se criaram estere- (que impedia o desenvolvimento
pois à China e ao Japão, ao mesmo ção sempre esteve ao serviço do ótipos acerca do outro, neste caso da contabilidade), a religião (que
tempo que alteraram os circuitos durante séculos colonialismo europeu. Os orientais o “oriental” ou o “árabe”, e que em suas versões budista e confuci-
comerciais, permitiram uma enor- dominou o oriente, são concebidos como bárbaros, esses estereótipos foram utilizados onista privilegiava a contemplação
me ampliação dos conhecimentos. primitivos, violentos, despóticos, para justificar a invasão, a colo- e não a transformação da realida-
O Colóquio dos simples e drogas desde há dois séculos fanáticos, culturalmente estagna- nização e a dominação política. de) e a família (que, por ser extensa
e coisas medicinais da Índia, de domina o ocidente. dos. A sua única via de redenção Influenciado pela conceção do po- e de múltiplos laços, impedia a
Garcia de Orta, editado em Goa em ou civilização é adotarem as ideias der-saber de Foucault, Said mostra mobilidade dos seus membros para
1563, é um exemplo notável dessa Há sinais de que este progressistas do ocidente. Said que a cultura funcionou muitas atividade produtiva). Em ambos
ampliação. Nos séculos seguintes, domínio possa estar a mostra como esta narrativa diz vezes como justificação do imperi- os autores está presente a ideia do
o interconhecimento aprofundou- mais a respeito dos ocidentais do alismo. Por exemplo, a narrativa da despotismo oriental, formas de go-
-se e, sobretudo nos séculos XVII chegar ao fim que dos orientais. Por exemplo, homogeneização e demonização do verno particularmente opressivas
32 IDEIAS ↗
COLUNA
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT
D
tarde os Europeus tivessem acesso à
filosofia grega traduzida para latim
do árabe e do hebraico (na escola de epois de no ano
tradutores de Toledo nos sécs. XII e passado ter
XIII). apresentado a
peça de Caryl
NAS LEITURAS DOMINANTES das Churchill, Só Eu
relações ocidente-oriente as razões Escapei, o Teatro
que explicam o êxito do ocidente (e Aberto terá em exibição até julho
o fracasso do oriente) são essenci- a peça de uma jovem dramaturga
alistas e, portanto, sugerem que a britânica, Lucy Kirkwood (n.
história que aconteceu não poderia 1983) - Os Filhos, onde a temática
ter acontecido doutro modo. Não da crise ambiental, em sentido
há lugar para a contingência. Como amplo, volta a ser o tema central.
se pode imaginar, em tempos mais A peça foi estreada em Londres,
recentes estas leituras foram sendo em novembro de 2016, e tem
desacreditadas. O desenvolvimento tido uma merecida boa receção
do Japão e depois da China e do internacional, nomeadamente,
sudoeste asiático contradizia todas nos EUA.
as premissas das explicações con- A trama da peça é baseada na
vencionais. E o mesmo se passou transposição para o mundo anglo-
com a questão da família extensa, saxónico da tragédia causada pelo
quando os europeus começaram a acidente nuclear de Fukuchima,
ver o pujante pequeno comércio das no Japão, em março de 2011,
suas cidades dominado por famílias quando um grande sismo causou
asiáticas, por vezes a mesma família um tsunami, cuja vaga gigantesca
com negócios em vários continen- de mais de 14 metros de altura se
tes. O que antes era um obstáculo abateu sobre uma central nuclear, Os Filhos, de Lucy Kirkwood
ao desenvolvimento transformava- temerariamente construída no
-se num facilitador do desenvolvi- local errado, contra tudo o que
mento. já se sabia de outros eventos
À luz disto, duas notas se im- semelhantes de que havia claro espectador transforma-se em catástrofe do tempo”, de escalas
põem. A primeira é que a história registo histórico (tive ocasião de testemunha irrecusável de um completamente assimétricas, ao
é contingente. Na longa duração escrever aqui várias crónicas a triângulo formado por três mesmo tempo que inaugura “uma
histórica a direção das relações esse propósito, quer na altura, personagens: Hazel (Maria José O nuclear é para a história das catástrofes” que nos
entre o ocidente e o oriente é menos quer depois do acidente). Lucy Paschoal), Rose (Custódia Gallego) estão e continuarão a ser reveladas
de sentido único do que de pêndulo: Kirkwood ficou particularmente e Robin (João Lagarto). O fio
dramaturga, Lucy pela ampulheta de Cronos.
durante séculos dominou o oriente, impressionada com um episódio condutor da obra não tem nenhum Kirkwood, apenas Foi Leibniz (1646-1716)
desde há dois séculos domina o ocorrido imediatamente após o vestígio de qualquer intenção quem chamou a atenção, muito
ocidente. Há sinais de que este do- acidente. prosélita, seja ecológica ou ética.
uma metáfora deste antes dos pesquisadores do
mínio possa estar a chegar ao fim, já Para tentar minimizar os O que está em causa é a essência tempo e mundo onde inconsciente, para o facto de a
que no início da próxima década a efeitos negativos, a empresa da vida humana: a necessidade nossa mente estar povoada por
China será o país mais desenvolvido tinha de contar com um punhado de tomar decisões importantes,
estamos mergulhados “pequenas perceções” de que
do mundo (se nenhuma guerra, de valorosos engenheiros para sob a pressão de circunstâncias não temos consciência. São quase
entretanto, a destruir). intervenção no local. Tal como que obrigam a uma rapidez representações, que funcionam
A segunda nota é que, contra aconteceu em Chernobyl, as particularmente dolorosa. O que a dramaturga pretende como uma espécie de espuma,
os factos, a explicação tradicio- equipas de intervenção foram Esta peça surge numa altura de é mostrar seres humanos como as algas que vacilam na
nal da inferioridade do oriente expostas a radiações elevadíssimas enorme e desditosa atualidade, confrontados com os dilemas de turbulenta zona entre marés,
continua a dominar o imaginário que significavam uma quase quando a Europa e o mundo se um mundo onde já não é possível arrastadas entre as ondas do mar
popular ocidental. Torna-se, por certeza de contrair mais tarde preparam para fechar os olhos, distinguir natureza de técnica e a areia da praia. Ao ver esta
isso, facilmente instrumentali- doenças oncológicas graves. No seguindo em frente com mais (Jean-Luc Nancy), ou, como peça, senti que algumas dessas
zável politicamente. Sempre que Japão, um grupo de engenheiros centrais nucleares, aumentando a sustenta uma das mais poderosas impressões difusas ganharam
os europeus sentem necessidade reformados ofereceu-se para pesadíssima herança que recairá testemunhas de Chernobyl, contornos. Tornaram-se objetos
de ocidentalizar a sua imagem, substituir o pessoal mais jovem, sobre as gerações mais jovens. Svetlana Alexievich, um mundo de consciência e, à sua maneira,
orientalizam a dos países com que e com maior esperança de vida, Mas a força do trabalho de Lucy onde a arrogância da tecnologia de conhecimento. Talvez seja esse
têm problemas, sobretudo se eles num ato de heroicidade e altruísmo Kirkwood, e dos magníficos fáustica lançou as nossas breves um dos indicadores de sucesso da
tiverem dupla pertença à Europa e à que só pode merecer as escassas atores que lhe dão vida em cada e frágeis vidas humanas, que se arte. Produzir o efeito catártico:
Asia, como é o caso da Turquia e da palavras que acompanhem um representação, não está em medem em dezenas de anos, em redimir, sobretudo mesmo
Rússia. Quando a Europa quis re- respeitoso silêncio. nenhuma intenção militante rota de colisão com os isótopos perante aquilo que está fora do
jeitar a entrada da Turquia na União A obra é intensíssima. ou cívica. Nem sequer numa radioativos cujo impacto nefasto campo da salvação. J
Europeia, orientalizou-a. Agora, A ação dramática decorre, pedagogia ambiental, pois o pode arrastar-se por muitas
a condenação legítima da invasão “aristotelicamente”, como nuclear é para ela apenas uma dezenas de milhares de anos. NR: sobre esta peça ler também a crítica
ilegal da Ucrânia está a legitimar a sublinha a autora, num único metáfora deste tempo e mundo Citando Svetlana, o acidente teatral de Helena Simões e o texto de
orientalização da Rússia. J espaço e em tempo real. O onde estamos mergulhados. de Chernobyl inaugura “uma Leonor Nunes (p. 24)
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT DEBATE-PAPO 33 ↗
A boa ideia
de Kurt Vonnegut
PROPRIETÁRIA/EDITORA: TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA.
SEDE: Rua da Fonte da Caspolima – Quinta da Fonte,
Edifício Fernão de Magalhães, nº8, 2770-190 Paço de Arcos
NIPC: 514674520
GERÊNCIA DA TRUST IN NEWS: Luís Delgado,
Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos.
COMPOSIÇÃO DO CAPITAL DA ENTIDADE
PROPRIETÁRIA: 10.000,00 euros
PRINCIPAL ACIONISTA: Luís Delgado (100%)
J
PUBLISHER: Mafalda Anjos
PARALAXE
JORNAL
Afonso Cruz DE LETRAS,
ARTES E
U
IDEIAS
DIRETOR: José Carlos de Vasconcelos
gunta retórica If This Isn't Nice, produtivos e ativos, mais do SECRETÁRIA: Teresa Rodrigues
ideias complexas, como é aliás perentório em relação ao mal: ASSINATURAS: Helena Matoso (Coordenadora de Assinaturas)
Os Beatles. Esta atenção humor, perspicácia Código de Hammurabi, e que incluem heróis de filmes de cow-
à beleza é recorrente, boys e gangsters, é o seguinte: 'Toda a injúria, real ou imagina- Ligue já 21 870 5050
assim como a impor- e profundidade, da, será vingada. Alguém se irá arrepender muito'». Assine o
Dias úteis: 9h às 19h
tância que dava a certos revela-se um pensador Precisamente por reconhecer a perpetuação do ódio como
detalhes e o modo como algo transversal à sociedade, Vonnegut acaba por nos apontar
estes, na sua singeleza, clarividente, que, soluções para quebrar essa cadeia de atos mecânicos, cruéis ou
nos podem salvar. Num sob uma camada de insensatos, sublinhando que a humanidade teve somente uma
dos seus romances, única boa ideia: «Ser compassivo, creio, é a única boa ideia que
Timequake, conta um simplicidade, trata tivemos até agora. Talvez um dia nos ocorra outra, altura em
episódio passado com ideias complexas que passaremos a ter duas boas ideias». J
4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT DEBATE-PAPO 35 ↗
HOMEM DO LEME
Para sempre Manuel Halpern
Dia do
AUTOBIOGRAFIA IMAGINÁRIA trabalhador
Valter Hugo Mãe
O
C
omo é do conhecimento público, ao
longo dos últimos anos, a empresa
trabalho de Luís Silveirinha reeduca Entre os muito melhores do desenho português, Luís tem vindo a implementar um plano
o papel para um regresso. Suporte Silveirinha é um dos que mais me comove. Assisto à sua obra pioneiro no nosso país de informatização e
fabricado, o modo como a sua arte como quem não acredita no que vê. Demoro. É apanágio das robotização dos diversos departamentos.
acontece é uma ilusão que o devolve paixões. Nunca estamos seguros. Ficamos à mercê. O Robot plus é motivo de orgulho naci-
à vida, profundamente orgânico, onal e todos os que vestem a camisola da
planta de novo. Tudo no que faz A arte é sempre o evento de uma transcendência, algo que nos empresa, e tem sido dado como exemplo
alude à ordem do ser vivo, sua deixa diante do que até então era por revelar, não era, nem se maior da maximização da tecnologia um
amplitude, as hipóteses em aberto, tinha sequer como possível. O que Silveirinha faz é tão perto pouco por todo o mundo. Semanalmente
a infinidade de possibilidades nas de ser íntimo, com seus papeis, tantas vezes seus livros de recebemos pedidos de informações sobre o
formas, nos gestos que simplificam ou exuberam, exata- artista (são incríveis seus cadernos, pequenos ou grandes, são projeto, oriundos de empresas estrangeiras,
mente como acontece na natureza vegetal, desde a semente incríveis), que tenho a convicção de acompanhar como um algumas das quais de grande dimensão.
aos estames, dos galhos às flores ou ao fruto. O que o Luís homem se transforma numa paisagem e numa multidão. Seu Isto só pode deixar realizado e ciente da sua
Silveirinha faz explora essa mesma capacidade de infinito e, diário plástico é sua infinidade, tornado semente de um uni- responsabilidade quem dirige e trabalha na
por maravilha, verso que não empresa.
escolhe uma es- podia jamais É pois como uma imensa alegria que lhe
tação e detém- ser previsto. comunicamos que o projeto Robot X entrou
-se. Há outonos Debruçados so- na sua terceira etapa, que corresponde a 98
ou primaveras, bre uma de suas por cento da mecanização dos serviços. Até
coisas de verão folhas estamos agora tinha sido implementado sobretudo
ou o soturno na contingência nos setores mais mecânicos. O novo soft-
do inverno, de reconhecer ware Robot Plus H2Homem permite-nos
podemos pres- a descoberta de alargar o plano de robotização a áreas não
sentir como a um lugar que mecanizadas. Trata-se de uma conquista
planta haveria Deus adiou até tecnológica sem precedentes. O robot pode
de reagir ao agora. desempenhar funções criativas que até
tempo mudan- agora se pensavam exclusivas da capaci-
do, mas a obra é No Arco Escuro, dade humana, com uma rapidez superior
a completude de número 6, e uma eficácia que chega a quintuplicar a
um estado. Ela à Rua dos capacidade do homem.
é para sempre o Bacalhoeiros, Perante isto, agradecemos com toda a
que a natureza em Lisboa, sinceridade os seus anos de serviço, em
não pode ser. na galeria A que se empenhou, entre outras coisas, no
[Space], vai pa- desenvolvimento deste projeto transcen-
Admito que sou tente a exposi- dente, que obrigou a muitas horas extras
dado a obstina- ção Sierra com a e até noites sem dormir. Chegou agora a
ções, paixões qual Silveirinha altura de ver todo esse esforço concretizado
descontroladas mostra dese- em sucesso. A partir da próxima segunda-
que nem se nhos de grande -feira será substituído no seu posto de tra-
pacientam com formato onde balho por uma máquina. O Robot Xn Plus
a maturidade Ilustração de Valter Hugo Mãe suas vegetações desempenhará as suas antigas funções com
nem se mode- imaginárias esmero, respirando o trabalho que teve até
ram. As paixões exuberam. Os agora, mas quintuplicando os resultados
são fortuna dos grandes for- comerciais. Pode parecer estranho entregar
destemidos, aqueles que apostam tudo, e eu reconheço-me matos de Silveirinha são bravos, gestos gigantes que nos des- a um robot o papel de criativo, mas pode
feito dessa fúria ou folia de saltar ao acaso de um senti- lumbram com a mesma maravilhosa capacidade para a forma ter a certeza que o Xn Plus não deixará a
mento. Isto para dizer que meço sismicamente aquilo que orgânica, o modo como se desenha na cor o corpo muito livre empresa mal.
amo, quem amo, e rodeio-me de seus sinais com avidez e do que se vê. Sim, corpos livres porque não são senão certas Não descartamos a possibilidade de o
alegria. Assim, desde insinuações de outras plantas que, não cumprindo o retrato convoca para substituir a máquina du-
há anos que se inscre- da botânica real, podem também ser apenas o jeito da luz co- rante os seus períodos de manutenção ou
ve na minha avidez e ada pelas sombras. Pode esta "sierra" ser sobretudo um lugar afinação de software. É natural que na fase
alegria a obra de Luís onde germinam transparências e opacidades que a presença piloto nem tudo esteja a funcionar a cem
Silveirinha. da luz e o seu movimento fazem ver. Uma mata de refrações, por cento.
como o debate entre a claridade e o escuro, estudando como Como complemento, informamos-lhe
Julgo que vejo mila- os corpos e suas cores nos soletram as formas para uma lin- também que a máquina está preparada para
gres nos trabalhos de É do inesgotável que guagem verdadeiramente inesgotável. desenvolver relações pessoais prazenteiras.
Silveirinha. Como até se faz o imaginário de Ela está preparada para levar a sua mulher
as figuras humanas, É do inesgotável que se faz o imaginário de Luís Silveirinha. ao cinema, programar uma noite românti-
quando há, são prolífe- Luís Silveirinha. Esse Esse ofício de amplitude absoluta onde a mata se pensa em ca, recitar poemas do seu poeta favorito e
ras mais ao jeito da erva ofício de amplitude todas as infinitas possibilidades, é a garantia de que não tratar da lida da casa.
crescendo por toda a podemos jamais parar de ver. Parar de acompanhar. Como se Da mesma forma tem a capacidade levar
parte do que da carne de absoluta onde a mata também houvéssemos de sustentar esta flagração contínua, os seus filhos a brincar ao parque e satisfa-
um animal. Vejo como se pensa em todas as olhamos. Temos de continuar a olhar pela contemplação da zê-los alternadamente com um dos 57632
tudo brota em flor e isso pura e inesperada beleza, como quem espera rodear-se de jogos ao ar livre disponíveis do catálogo.
é profundamente ético,
infinitas possibilidades, uma realidade assim. Como quem espera passar de verdade A partir de segunda-feira vai ficar com
uma alusão ao quanto é a garantia de que não entre tais plantas ou seres de luz, e sentir como seriam suas muito mais tempo para si próprio!
os bichos também são reações ao vento, à noite, como soariam seus corpos oscilan- Nota: esta carta foi escrita pelo Robot
por uma germinação
podemos jamais parar do, o que voltaria num eco se houvéssemos de levantar a voz xrh, o diretor dos recursos humanos foi
qualquer. de ver num grito. J dispensado na semana passada. J
36 ↗
J 4 a 17 de maio de 2022 JORNALDELETRAS.PT
DIÁRIO
Nado e criado em Lisboa Gonçalo M. Tavaress
Primavera,
ANTES QUE O MÊS ACABE
BE
cabeça,
António Mega Ferreira alucinação
Q
1.
uando se chega a determinado mo- traços arcaicos que, na década de 1950, já começavam a esbater-
mento de uma longa vida, é natural -se) daquela em que eu nasci e fui criado. E, embora vivendo em Aperfeiçoar o espelho com um
que a recordação dos tempos mais bairros diferentes, os lugares, as pessoas, as profissões, os hábitos martelo; aperfeiçoar, partindo,
recuados de uma existência se- sociais não divergiam muito: a ronceirice que convinha à ladai- quebrando, estilhaçando.
jam convocados por uma memória nha salazarenta uniformizava os códigos sociais, pelo menos na Destruir o maligno, aperfeiçoar.
desperta e curiosa de inquirir sobre o classe média urbana em que ambos nascemos.
seu passado. Pedro Nava, extraordi- Há, porém, mais (e melhor): revejo-me em muitas das
2.
nário memorialista brasileiro, publi- observações de JC sobre o Liceu de Pedro Nunes, alma mater de
cou o 1º volume das suas memórias, ambos, que eu frequentei uma década depois dele; e cruzo-me
Baú de ossos, em 1972, à beira de com a grata memória de seu pai, o professor de Matemática Uma forma antiga de
celebrar o seu 70º aniversário. E isso Jorge Calado, um dos inesquecíveis mestres que me ajudaram aperfeiçoar: envelhecer.
não o impediu de, até 1984, data da sua morte, escrever mais a formar uma visão do mundo e do comportamento humano Desacelerada destruição.
cinco volumes, cada um tão fasci- de ser civilizado; caímos cedo no Os velhos estavam perfeitos – e
nante como o anterior. caldeirão efervescente do gosto esperavam.
Os exemplos são inúmeros. pela ópera e estrenoitámo-nos nas Quando se chega ao topo ou se espera
Todos eles encontram justificação terças-feiras operáticas do Coliseu ou se começa a descer.
na bela fórmula com que António dos Recreios; formámo-nos na Se não queres esperar ou descer, não
Tenreiro, um viajante português leitura do Cavaleiro Andante (mas subas a montanha.
do século XVI, empreendeu, três ele levava-me o Diabrete de
décadas depois de realizada a avanço…) e começámos por ser
3.
viagem, o relato do seu regresso a francófonos, antes de ele ceder à
Portugal, vindo do Oriente, onde atração da cultura anglo-saxónica
permanecera durante cinco anos: na qual imergiu definitivamente Jonathan bate à porta, está
“Porque naturalmente folga ho- no final dos anos 1960. Ele caiu acelerado.
mem de tornar à memória o pas- nos braços de Shakespeare, eu Os amigos são convites à deslocação:
sado” (Itinerário da Índia por terra mergulhei na Comédie humaine de um amigo no topo da montanha chama
a este reino de Portugal, Livros de Balzac. o nosso nome mesmo que não abra a
Bordo, 2020). Mas o livro de JC, ao qual boca; fingimo-nos surdos para não nos
Esta frase quase poderia figurar talvez conviesse o título da mostramos cansados.
como epígrafe do magnífico primeira tradução inglesa da
Mocidade Portuguesa, que Jorge Recherche de Proust, da autoria
4.
Calado (JC), cientista, escritor, de Scott Moncrieff (Remembrance
melómano e crítico, acaba de pu- of Things Past, 1926), é muito
blicar na Imprensa Nacional (568 mais do que uma recuperação de O clima e cabeça.
pp., 30 euros). O título pode ser recordações diversas semeadas Nuvens, desânimo; sol,
equívoco, porque à gente da minha no tempo. A evocação de Proust abertura.
geração lembra imediatamente o neste contexto não é acidental: “As primaveras impelem o organismo
nome da detestada organização Jorge Calado como já demonstrara exuberan- a atos que, numa outra estação, lhe são
para-fascista do salazarismo. temente no extraordinário Haja desconhecidos, e mais do que um tratado
Mas o conteúdo é claro: trata- Luz! (2012), a memória trei- de história natural abunda em descrições
-se da narrativa evocatória de nada de JC dispara em todas as desses fenómenos entre os animais.”
uma mocidade portuguesa, a de direções, ilustrando aquilo a que Mas a Stéphane Mallarmé, nos Poemas
Jorge Carreira Gonçalves Calado, nascido em Lisboa em finais ele chama o seu “raciocínio lateral”, a convocação dos mais em Prosa, interessa o que acontece aos
dos anos 1930, professor emérito do Instituto Superior Técnico diversos saberes, científicos, literários, musicais, cinemato- humanos.
e crítico musical do gráficos, artísticos (“a vida, tal como este livro, é um universo O espírito e o exterior.
Expresso vai para 30 em expansão”), para a construção de um discurso que nos faz
anos. O livro é uma fasci- ver de diversos ângulos a cena que ele ergue diante dos nossos
5.
nante digressão retrospe- olhos, menos fascinados pela erudição que revela do que pelo
tiva pelos tempos da sua efeito estético que provoca. Em JC, tudo deve passar pelo crivo
infância, adolescência e Convocação dos mais da beleza, antes de perdurar no coração dos homens: “O disco Diz Jonathan: conheço esse
início da idade adulta, e diversos saberes, é mais belo e voa mais longe do que o funil”, fórmula que outro alguém.
tem como palco sobre- estreou em Haja Luz! e que aqui retoma no capítulo sobre a sua Dava erros ortográficos nos números. J
tudo a cidade de Lisboa, para a construção de relação com a ciência.
onde JC foi nado e criado. um discurso que nos Mocidade Portuguesa cumpre inteiramente aquilo a que se
Este é o primeiro mo- propõe: é “o retrato de um estilo de vida esquecido; o passado
tivo de reconhecimento faz ver de diversos contado por um jovem que aprendeu a treinar a memória”.
que me leva a encontrar ângulos a cena que Fala-nos dos anos de formação lisboeta e oxoniana do seu
no seu livro tantos pontos autor. O relato detém-se no início de 1970, quando regressa,
de contacto que, por ele ergue diante dos já doutorado, de Oxford (“foi lá que começou o resto da minha
vezes, quase sinto que a nossos olhos, menos vida”), mas nunca constitui uma tentativa de autointerpre-
sua voz fala (também) por tação, antes uma narrativa sobre um passado em que Jorge
mim. Eu nasci em finais
fascinados pela Calado foi ator e figurante e ao qual a sua memória (prodi-
da década seguinte à dele; erudição que revela do giosa), adubada por uma pesquisa meticulosa própria de um
mas a Lisboa que evoca cientista, empresta as cores de um relato pessoal de um tempo
não anda muito distan-
que pelo efeito estético que nos ajudou a formar. E é de leitura compulsiva – unput-
te (a não ser em alguns que provoca downable, como a ele não desagradaria ouvir chamar. J
Agenda Cultural
4 a 17 de maio 2022
Arrancou já com a sua 18.ª edição e decorrerá até 23 de outubro, um fim de semana por mês, em diver-
sos concelhos da região Alentejo. A programação integra concertos de música erudita, master classes,
conferências, visitas ao património cultural e ações de salvaguarda da biodiversidade, todos de acesso
gratuito. No fim de semana de 14 e 15 de maio o Terras sem Sombra estará no concelho de Vidigueira.
Org.: Pedra Angular, estrutura financiada por MC - DGArtes. O festival conta, entre outros, com o
apoio/parceria dos Municípios envolvidos e com o apoio da DRCAlentejo.
+ info.: https://terrassemsombra.pt/
Agenda Cultural
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro
E Resgatar a Ordem. interpretação de Catarina Carvalho Gomes, Ivo E Pinharanda Gomes, Historiador Fund. Arpad Szènes - Vieira da Silva
Iconografias [s]em Reserva[s] Bastos, Ricardo Vaz Trindade, Vanda R. Rodrigues. do Pensamento Português Pç. das Amoreiras, 56. Tel: 213 880 044
até 19 de junho 14 de maio – 16h até 17 de setembro 4ª A DOM . DAS 10 H ÀS 18 H ; ENCERRA 2ª, 3ª E FERIADOS
Mariana Pacheco, Paulo Vintém, Joana Teixeira da Silva, em Portugal. Museu de Lisboa – Sto. António obrigatória para: mntraje@mntraje.dgpc.pt.
Brito Silva, José Lobo e Diogo Bach. até 28 de agosto Lg. de Sto. António da Sé, 22.Tel.: 218 860 447 6 de maio – 10h
S ÁB ., ÀS 11 H E 16 H ; D OM ., ÀS 11 H 3ª A D OMª , DAS 10 H ÀS 18 H E Viver a sua Vida:
até 29 de maio Museu Colecção Berardo E O Milagre do Riso. Georges Dambier e a Moda
T Lar Doce Lar CCB. Pç. Do Império. Tel.: 213 612 878 Sto. António por Bordalo 6 de maio a 30 de outubro
Encenação de António Pires. Interpretação 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 19 H até 22 de maio
de Maria Rueff e Joaquim Monchique. E Gérard Fromanger: O Esplendor Museu Nacional dos Coches
5ª A S ÁB ., ÀS 21 H ; D OM ., ÀS 17 H até 29 de maio Museu de Lisboa - Palácio Pimenta Av. da Índia, 136. Tel:210 732 319
até 5 de junho E Yuri Dojc & Katya Krausova. Last Folio Campo Grande 245. Tel.: 217 513 200 3ª, DAS 14 H ÀS 18 H ; 4 ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H
até 29 de maio 3 ª A 6 ª , DAS 10 H ÀS 18 H ; S ÁB . E D OM ., DAS 10 H ÀS 13 H E Modelismo de Coches
MNAC - Museu do Chiado E Viagem ao Interior da Cidade Projeto da autoria de José Cardoso Brito.
R. Serpa Pinto, nº 4. Tel: 213 432 148 Museu Nacional da Música Exposição de longa duração exposição de longa duração
3ª A 6ª., DAS 10H ÀS 18H; SÁB. E DOM., DAS 10H ÀS 13H E Reis e Rainhas de Portugal
Estação do Metropolitano Alto dos Moinhos.
E Zoom In Zoom Out: R. João de Freitas Branco. Tel.: 217 710 990 Museu de Lisboa - Teatro Romano Exposição de pintura de Norberto Nunes.
Diálogos das Imagens com o Real C Sala de Música da Casa Lambertini R. de São Mamede, 3A. Tel.: 218 172 450 exposição de longa duração
até 22 de maio Conferência de Ana Ester Tavares e Hugo Barreira. E Vitrum. Vidros na história de Lisboa E Há Fogo, Há Fogo! Acudam, Acudam!
E Maria Eugénia & 4 de maio – 18h até 19 de junho P ICADEIRO R EAL
Francisco Garcia Uma Coleção M Recital de Flauta e Piano por Luís exposição de longa duração
até 29 de maio Meireles e Maria José Souza Guedes Museu do Aljube Resistência e Liberdade E E Vós Tágides Minhas…
E Paisagens Povoadas. Narrativas R. de Augusto Rosa, 42. Tel.: 215 818 535 até setembro
6 de maio – 18h
3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H
da Coleção do MNAC (1850-1930)
até 28 de agosto Museu de Arte Popular E Ato (Des) Colonial Panteão Nacional
até 12 de junho Campo de Santa Clara. Tel.: 218 854 820
E Não Sei se Posso Desejar-lhe um Av. Brasília. Tel.: 213 011 282
E Um Cento de Cestos E Panthéon & Panteão
Feliz Ano
Museu do Oriente até 14 de junho
Primeira apresentação pública da coleção Mário até setembro
Av. Brasília, Doca de Alcântara. Tel.: 213 585 200
E Beber da Água do Lilau Teatro Aberto
Retrospetiva de Nuno Barreto. Pç. de Espanha. Tel.: 213 880 079
até 26 de junho T Os Filhos
E A Ópera Chinesa Encenação de Álvaro Correia.
até 31 de agosto Interpretação de Custódia Gallego,
E Histórias de um Império. João Lagarto, Maria José Paschoal.
Coleção Távora Sequeira Pinto 4ª E 5ª, ÀS 19 H ; 6 ª E S ÁB ., ÀS 21 H 30; D OM ., ÀS 16 H
até 2 de outubro até 3 de julho
Maia, Carolina Passos-Sousa, Isabel Abreu, Obras de J. Widmann, R. Panufnik, E Tarek Atoui
Marco Mendonça, Pedro Gil, entre outros. S. Rachmaninoff, M. Simpson e Y. Bowen. até 28 de agosto
VIANA DO CASTELO
7 de maio – 21h 7 de maio – 16h E Joan Miró, Signos e Figuração Teatro Municipal Sá de Miranda
M Pedro Abrunhosa M Simply Quartet até 2 de outubro R. Sá de Miranda. Tel.: 258 809 382
8 de maio - 17h Obras de Webern, Lacherstorfer, Beethoven. E Leonilson – Drawn 1975-1993 T Corpsing
M Cinco Formas de Morrer de Amor 7 de maio – 21h até 18 de setembro De Peter Barnes. Encenação de Gil
De Catarina Molder. Interpretação M Tchaikovski com Amor E Mirmidão da Tragédia: Salgueiro Nave. Interpretação de Sílvia
de Catarina Molder, Afonso Fesh, Interpretação da Orq. Sinfónica do Porto Casa Ana Jotta na Coleção de Serralves Morais, Tiago Moreira e Victor Santos.
Sara Silva, Trevor McTait, Vanessa Pires. da Música, sob a direção de Vassily Sinaisky. até 25 de setembro 7 de maio – 19h
13 de maio – 21h Concerto comentado por Mário Azevedo.
M Márcia
T Adágio para Três Irmãs Obra de H. Berlioz e P.I. Tchaikovski. Museu Nacional Soares dos Reis 14 de maio – 21h30
Encenação de João de Mello Alvim. 8 de maio – 12h R. de Dom Manuel II 44. Tel.: 223 393 770 T 45º FITEI: Figueiredo
Interpretação de Alexandra Diogo, M Kebyart Ensemble 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H De Pedro Vilela.
Beatriz Teodósi, Mariana Vasconcelos. 8 de maio – 16h E Seja Dia Seja Noite Pouco Importa 15 de maio – 16h
15 de maio – 17h M Echo Rising Stars Obras e curadoria de Pedro Calapez e André Gomes.
Com Lucie Horsch e Max Volbers. até 8 de maio
Obras de D. Castello, G. P. Telemann, J.M. V. N. DE FAMALICÃO
MATOSINHOS Hotteterre, C. Debussy, entre outros. Teatro Campo Alegre
8 de maio – 18h Casa das Artes
R. das Estrelas. Tel.: 226 063 000
Casa da Arquitetura M Stacey Kent: Songs From Other Places Av. Carlos Bacelar. Tel.: 252 371 304
Av. Menéres, 456. Tel.: 227 669 300 T Eu Cá, Tu Lá
9 de maio – 21h30 T As Artimanhas de Scapin
De Nuno Lucas. Interpretação
E Flashback / Carrilho da Graça M AnaVitória Encenação de António Parra. Interpretação
de Joana Brandão, Paulo Quedas.
8 de maio a 29 de janeiro 2023 11 de maio – 21h de Alexandra Sousa, Beatriz Cardoso,
6 de maio – 10h30 e 14h30
M Armandinho: Acústico Beatriz Paquete, Beatriz Pelayo, entre outros.
7 de maio – 16h
5 e 6 de maio – 21h30
OLIVAL BASTO 11 de maio – 21h30 T 45º FITEI: NU#03
M Grupo de Percussão da EPME.
M Pedro Luís Direção de Rodrigo Malvar. Dramaturgia
12 de maio – 22h 8 de maio – 11h30
Centro Cultural Malaposta e interpretação de Catarina Lacerda.
M God is an Astronaut M Fado no Café da Casa
R. Angola. Tel.: 219 383 100 14 de maio – 16h e 22h
13 de maio – 23h Com Mónica Jarimba e Bruno Alves.
M Elan Mess 15 de maio – 19h 12 de maio – 21h30
7 de maio – 21h M Amor Fraternal
Interpretação da Orquestra Sinfónica do Porto M Os Noivos
NC Dual Sim Teatro Carlos Alberto Encenação de António Durães. Interpretação
Direção Artística de Vasco Gomes. Cocriação e Casa da Música, sob a direção musical de Jörg R. das Oliveiras, 43. 223 401 900
Widmann, e Carolin Widmann (violino). de Sérgio Ramos, Marcelo Alexandre, Ricardo
interpretação de Filipe Contreras e Jorge Lix. T 45º FITEI: Distante
Obras de J. Widmann e F. Mendelssohn. Rebelo, Henrique Lencastre, entre outros.
7 de maio – 20h30 Texto de Caryl Churchill. Criação de
14 de maio – 18h 13 de maio – 21h
T O Espectador Teresa Coutinho. Interpretação de Inês
T Plastikus
Texto e interpretação de Daniel Freitas. M Fúria de Amor Dias, Inês Vaz, Nuno Pinheiro, Tânia Alves
Interpretação do Remix Ensemble Casa Encenação de Clara Ribeiro. Interpretação
Encenação de Juliano Luccas. e Maria João Vaz, Tanya Ruivo (em vídeo).
da Música, sob a direção de Peter Rundel, de Carla Magalhães, Nuno J. Loureiro
5ª A S ÁB ., ÀS 20 H ; D OM ., ÀS 16 H 11 e 12 de maio – 19h
Noa Frenkel e António Augusto Aguiar. e Raquel Ribeiro. Pela Companhia Krisálida.
12 a 22 de maio
Obras de R. Saunders, J. Brahms/E. Kloke. 14 de maio – 11h e 15h
M André Carvalho: Lost in Translation Teatro Nacional São João
14 de maio – 21h 17 de maio – 19h30 Pç. da Batalha. Tel.: 223 401 900
T FIMFA Lx22: Pour Bien Dormir T Boom! VILA REAL
Conceção de Paulo Duarte e Tjalling Centro Português de Fotografia De Tennessee Williams. Encenação de
Houkema. Interpretação Paulo Duarte. Campo Mártires da Pátria. Tel.: 222 076 310 Miguel Loureiro. Interpretação de Álvaro Teatro de Vila Real
14 de maio – 16h 3 ª A 6 ª , DAS 10 H ÀS 12 H 30 E DAS 14 H ÀS 18 H ; Al. de Grasse. Tel.: 259 320 000
Correia, António Ignês, David Almeida,
S ÁB ., D OM . E F ERIADOS , DAS 15 H ÀS 19 H T A Peça Em 4 Turnos
15 de maio – 11h João Gaspar, João Sá Nogueira, entre outros.
E Lente Feminina 6, 7, 9, 10 de maio – 19h Criação e interpretação de Noelia
até 22 de maio 8 de maio – 16h Domínguez, Patrícia Ferreira, Pedro
PORTIMÃO E Prémio Estação Imagem 2021 Coimbra T 45º FITEI: Dragón da Silva, Sérgio Agostinho e Tiago Santos.
até 22 de maio Texto e encenação de Guillermo 5 e 6 de maio – 21h30
Teatro Municipal de Portimão Calderón. Interpretação de Luis Cerda, M Salvador Sobral
Lg. 1.º de Dezembro. Tel.: 282 402 470 Culturgest Porto Camila González, Francisca Lewin. 7 de maio – 21h30
M VI Festival Internacional Av. dos Aliados, 104. Tel.: 222 098 116 14 de maio – 19h T Os Lusíadas Como Nunca os Ouviu
de Piano do Algarve 4ª A D OM ., DAS 10 H 30 ÀS 14 H E DAS 15 H ÀS 18 H 30 Falação da obra de Luís de
15 de maio – 16h
Pela Orquestra Sinfónica do Algarve, E Ângelo de Sousa: Árvores Camões por António Fonseca.
sob a direção de Armando Mota, até 12 de junho 13 de maio – 21h30
Teatro Rivoli
com Leonardo Hilsdorf (piano). Pç. D. João I. Tel.: 223 392 200
6 de maio – 21h Fundação de Serralves
R. D. João de Castro, 210. Tel.: 226 156 500
M Understage: Sangre de VISEU
3 ª A 6 ª , DAS 10 H ÀS 13 H E DAS 14 H ÀS 17 H ; Muerdago + Jonathan Hultén
PORTO S ÁB ., DOM . E FERIADOS DAS 10 H ÀS 19 H 6 de maio – 22h30 Teatro Viriato
E Mais do que um Metro Quadrado: T 45º FITEI: Orlando Lg. Mouzinho de Albuquerque. Tel.: 232 480 110
Casa da Música Obras da Coleção de Serralves Direção de Albano Jerónimo. T Biblioteca do Fim do Mundo
Av. da Boavista, 604-610. Tel.: 220 120 200 até 15 de maio Interpretação de André Tecedeiro, Conceção e dramaturgia de Alex Cassal.
M Mirror People Aurora Pinho, Cláudia Lucas Chéu, Diego 6 e 7 de maio – 20h30
E Gil Delindro
5 de maio – 22h Bragà, Eduardo Madeira, entre outros. T A Tralha
até 29 maio
M Amor Adúltero 12 e 13 de maio – 19h Texto, direção, performance de Capicua.
E O Princípio da Incerteza. Manoel Cocriação e interpretação de Tiago Barbosa.
Interpretação da Orquestra Sinfónica do 14 de maio – 21h30
de Oliveira e Agustina Bessa-Luís 12 de maio – 15h (escolas)
Porto Casa da Música, sob a direção musical T 45º FITEI: Fuck Me
até 5 de junho 13 de maio – 21h
de Vassily Sinaisky, e Eduarda Melo (soprano). Direção e dramaturgia de Marina Otero.
Obras de Berlioz, Chausson e Tchaikovski. E Mark Bradford: Ágora Interpretação de Augusto Chiappe, Cristian
6 de maio – 21h até 19 de junho Vega, Fred Raposo, Marina Otero, entre outros.
M Johan Dalene E Ai Weiwei: Entrelaçar. Pequi 17 de maio – 21h30
Obras de Beethoven, Monnakgotla, Brahms, Ravel. Vinagreiro, Raízes e Figuras Humanas T 45º FITEI: Blasted GABINETE DE ESTRATÉGIA,
7 de maio – 12h até 9 de julho Direção de João Telmo. Texto de Sarah PLANEAMENTO E AVALIAÇÃO CULTURAIS
M Echo Rising Stars E Arquivo Perpétuo. As Publicações e os Kane. Interpretação de Bernardo Lobo Palácio Nacional da Ajuda. 1300-018 Lisboa
Com Ben Goldscheider (trompa) Projetos Editoriais de Hans-Ulrich Obrist Faria, Graciano Dias e Margarida Bakker. Tel.: 213 614 500 | Fax: 213 621 832
e Giuseppe Guarrera (piano). até 10 de julho 18, 19 e 20 de maio – 21h30 relacoes.publicas@gepac.gov.pt