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Técnicas e Gêneros de

Pintura
Profª. Aline Sabbi Essenburg

2019
1 Edição
a
Copyright © UNIASSELVI 2019

Elaboração:
Profª. Aline Sabbi Essenburg

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

ES78t

Essenburg, Aline Sabbi


Técnicas e gêneros de pintura. / Aline Sabbi Essenburg. – Indaial:
UNIASSELVI, 2019.

233 p.; il.

ISBN 978-85-515-0283-9

1. Pintura - Técnica. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da


Vinci.

CDD 750

Impresso por:
Apresentação
Caro acadêmico! Seja bem-vindo à disciplina Técnicas e Gêneros de
Pintura. O estudo e a pesquisa em torno desta temática almejam proporcionar
o conhecimento acerca de aspectos relevantes sobre a prática pictórica.

A primeira unidade versará sobre os gêneros da pintura, a saber, a


histórica, o retrato, a paisagem, a natureza-morta e as chamadas pinturas
de gênero, adentrando em seus respectivos subgêneros. Alguns artistas de
realce serão estudados, a fim de verificarmos sua prática e o contexto em que
estavam inseridos. Expoentes brasileiros e contemporâneos não ficarão de
fora, além do entendimento do caráter de inacabamento de uma obra.

A segunda unidade abordará o desenvolvimento do processo


criativo com a pintura. Para tanto, serão discutidos conceitos como imitação
e expressão, aspectos que caracterizam um trabalho de arte e seus elementos
constituintes. Neste momento, também será verificado o novo cenário
artístico e como a pintura se delineia e se reconfigura nele, em um diálogo
com a tecnologia, a moda e o design. A pintura na escola será tratada no
terceiro tópico desta seção.

As técnicas de pintura (têmpera, guache, arte mural, encáustica,


aquarela, óleo e acrílica) serão estudadas na última unidade, de modo a
verificar como os artistas se valeram delas em seus trabalhos e quais ainda
perduram atualmente. Os pigmentos, solventes, suportes, pincéis, acessórios,
molduras e aspectos sobre conservação e limpeza também serão verificados.

É importante, diante de tais questões, termos um olhar apurado a


respeito de tudo o que está em torno da arte, ou seja, o mundo e suas esferas:
econômica, política, histórica, social. Desse modo, a criticidade, tão almejada
no mundo contemporâneo, se fará presente.

Sugerimos, ao aluno proativo, não olvidar dos textos complementares


e as indicações de leitura e pesquisa sugeridas ao longo deste Livro de
Estudos, que auxiliarão com o conteúdo para apontamentos questionadores
e embasamentos consistentes, fazendo com que o conhecimento neste campo
de estudos aumente progressivamente.

Ao trabalho!

Prof.ª Aline Essenburg.

III
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.

Bons estudos!

IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – GÊNEROS DE PINTURA............................................................................................ 1

TÓPICO 1 – A PINTURA E SEUS MOTIVOS.................................................................................... 3


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3
2 PINTURA HISTÓRICA........................................................................................................................ 4
2.1 PINTURA ALEGÓRICA.................................................................................................................. 5
2.2 PINTURA ICÔNICA E RELIGIOSA.............................................................................................. 7
2.3 PINTURA MITOLÓGICA .............................................................................................................. 9
3 RETRATO................................................................................................................................................ 10
3.1 AUTORRETRATO............................................................................................................................ 13
3.2 NU....................................................................................................................................................... 15
4 PAISAGEM............................................................................................................................................. 19
5 NATUREZA-MORTA........................................................................................................................... 21
5.1 VANITA.............................................................................................................................................. 23
6 PINTURA DE GÊNERO....................................................................................................................... 24
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 30
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 31

TÓPICO 2 – A PINTURA COMO OBRA DE ARTE.......................................................................... 33


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 33
2 GRANDES MESTRES DA ARTE DE PINTAR................................................................................ 34
2.1 TICIANO............................................................................................................................................ 34
2.2 POUSSIN............................................................................................................................................ 36
2.3 UTRILLO............................................................................................................................................ 38
2.4 DIEGO RIVERA................................................................................................................................ 40
3 O INACABAMENTO DA PINTURA ............................................................................................... 42
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 46
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 47

TÓPICO 3 – NOVOS RUMOS DA PINTURA................................................................................... 49


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 49
2 PINTORES CONTEMPORÂNEOS.................................................................................................... 49
3 A PINTURA NO BRASIL..................................................................................................................... 58
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 66
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 70
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 71

UNIDADE 2 – DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA......... 73

TÓPICO 1 – ESPECIFICIDADES ESTÉTICAS E HISTÓRICO-CULTURAIS


DA PINTURA.................................................................................................................... 75
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 75
2 DESENHO E PINTURA: IMITAÇÃO E EXPRESSÃO................................................................... 75
3 O QUE CARACTERIZA UMA PINTURA COMO OBRA DE ARTE? ....................................... 83

VII
4 NATUREZA E ELEMENTOS DA PINTURA .................................................................................. 86
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 92
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 93

TÓPICO 2 – PINTURA NO CAMPO AMPLIADO............................................................................ 95


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 95
2 A PINTURA E O NOVO CENÁRIO ARTÍSTICO.......................................................................... 95
3 PERSPECTIVAS NA PINTURA ......................................................................................................... 99
4 AS NOVAS TECNOLOGIAS DA PINTURA CONTEMPORÂNEA......................................... 104
5 A ARTE E SEUS DESDOBRAMENTOS PARA A MODA E O DESIGN................................. 107
RESUMO DO TÓPICO 2...................................................................................................................... 115
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 116

TÓPICO 3 – PINTURA NA ESCOLA................................................................................................. 119


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 119
2 O ENSINO DA ARTE......................................................................................................................... 120
3 ARTE E COMUNICAÇÃO................................................................................................................. 123
4 A PINTURA NA EDUCAÇÃO ......................................................................................................... 126
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 135
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 141
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 142

UNIDADE 3 – TÉCNICAS DE PINTURA......................................................................................... 143

TÓPICO 1 – MATERIAIS FUNDAMENTAIS PARA A PINTURA.............................................. 145


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 145
2 PIGMENTOS E SOLVENTES........................................................................................................... 148
2.1 PIGMENTOS................................................................................................................................... 148
2.2 SOLVENTES E ADITIVOS............................................................................................................. 151
3 SUPORTES............................................................................................................................................ 152
4 PINCÉIS E ACESSÓRIOS.................................................................................................................. 156
4.1 PINCÉIS NATURAIS . ................................................................................................................... 156
4.2 PINCÉIS SINTÉTICOS................................................................................................................... 158
4.3 PALETAS.......................................................................................................................................... 162
4.4 GODÊS.............................................................................................................................................. 163
5 CONSERVAÇÃO E MOLDURAS.................................................................................................... 164
5.1 HIGIENIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO........................................................................................... 164
5.2 AS MOLDURAS.............................................................................................................................. 165
RESUMO DO TÓPICO 1...................................................................................................................... 169
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 170

TÓPICO 2 – ESTUDANDO PRÁTICAS DE PINTURA................................................................. 171


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 171
2 TÊMPERA.............................................................................................................................................. 172
3 GUACHE............................................................................................................................................... 177
4 MURAL ............................................................................................................................................... 179
5 ENCÁUSTICA...................................................................................................................................... 185
RESUMO DO TÓPICO 2...................................................................................................................... 191
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 192

VIII
TÓPICO 3 – CONHECENDO TÉCNICAS DE PINTURA TRADICIONAIS............................. 193
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 193
2 AQUARELA.......................................................................................................................................... 193
3 ÓLEO...................................................................................................................................................... 201
4 ACRÍLICA............................................................................................................................................. 204
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 208
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 214
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 215

REFERÊNCIAS........................................................................................................................................ 217

IX
X
UNIDADE 1

GÊNEROS DE PINTURA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer os gêneros que compuseram a história da pintura, bem como


compreender sobre a antiga hierarquia;

• verificar a qualidade dos trabalhos de alguns artistas reconhecidos


historicamente e compreender a questão do inacabamento de uma
pintura;

• refletir sobre o lugar da pintura na contemporaneidade por meio da


produção de alguns artistas, e percorrer a trajetória da arte produzida no
Brasil.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará atividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A PINTURA E SEUS GÊNEROS

TÓPICO 2 – A PINTURA COMO OBRA DE ARTE

TÓPICO 3 – NOVOS RUMOS DA PINTURA

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

A PINTURA E SEUS MOTIVOS

1 INTRODUÇÃO
Os seres humanos sempre se expressaram por meio de imagens. É possível
identificarmos algumas temáticas no decorrer da arte da antiguidade, entretanto,
elas se unificam na era cristã. Multiplicam-se imagens narrativas e icônicas, ou seja,
surgem pinturas que contam uma história (seja de cunho religioso ou profano), que
retratam um personagem, uma igreja, um acontecimento bíblico. Essas representações
pretendiam que o espectador refletisse, meditasse ou orasse a partir dela.

Com o Renascimento, os artistas começam a produzir sob alguns temas


peculiares. A esta segmentação denominamos gêneros, são eles: Pintura Histórica,
Retrato, Paisagem, Natureza-morta e Pintura de Gênero.

Com a estruturação de uma tipologia, a atividade pictórica se desenvolve,


bem como o pensamento sobre a arte, e a maioria dos pintores passa a se especializar
e a se dedicar a um motivo específico, como Jean Chardin (1643–1713) com suas
naturezas-mortas, Nicolas de Largillière (1656–1746) e Rembrandt Harmenszoon
van Rijn (1606–1669) com os retratos, e Claude Joseph Vernet (1714–1789) com
suas paisagens. As propensões de cada pintor decorrem de sua personalidade, da
época e da região em que se situam.

Na Europa do sul, latina e católica, ou nas regiões reconquistadas


pela Contrarreforma (Flandres, Baviera, Áustria...), predominam a
pintura religiosa. Já nas regiões atingidas pela Reforma, onde os temas
religiosos eram proibidos, os pintores se voltam para o retrato, as cenas
de gênero e as naturezas-mortas (LANEYRIE-DAGEN, 2006, p. 10).

O empenho e o consequente desenvolvimento de certos gêneros, em


respectivos territórios, também perpassam por questões sociais, econômicas,
religiosas e políticas. Afinal, há os governantes que quiseram imortalizar seus
feitos, patrocinando retratos, conflitos ou guerras vencidas. Aqui, percebemos
que começa a ocorrer uma certa hierarquia, sendo preferidas às pinturas religiosas
e históricas aos retratos, paisagens, naturezas-mortas e temas cotidianos.
Esses patamares de importância começam a se dissipar levemente no século
XVIII. No século XIX, progressivamente, acontece seu nivelamento, quando
há o auge das pinturas de paisagem e quando os próprios pintores começam
a se questionar sobre a necessidade de categorias. Paul Cézanne (1839–1906),
inclusive, recusa-se a classificar seus quadros. No século XX parecem findar as
preferências e discussões a respeito da hierarquia de gêneros. Assim, a própria
palavra “gênero” é substituída por “tema” (LANEYRIE-DAGEN, 2006, p. 13) e na
contemporaneidade o uso da palavra “poética” ganha amplitude.
3
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

Vamos, agora, adentrar às temáticas, ou melhor, aos gêneros artísticos


que permearam a história da arte, e compreender sobre a hierarquia que foi
estabelecida como maneira valorativa de um quadro.

2 PINTURA HISTÓRICA
As cenas históricas foram tidas como o gênero mais importante na
história da arte, no momento em que efervesciam as discussões a respeito do
tema (do Renascimento ao Impressionismo), justamente por representar e
retratar acontecimentos de realce, como coroações e batalhas. De fato, as pinturas
históricas constroem e alicerçam a história de um país. Essa preocupação se
evidencia em Debret (1768–1848), pintor na corte de Napoleão. Ele chegou no
Brasil com a Missão Francesa e lecionou pintura histórica na Academia Imperial
de Belas Artes, concomitantemente, com a execução de suas obras as quais
retratam os costumes, as paisagens e as características dos homens locais. Com
seus trabalhos, tinha a função de documentar e divulgar o que acontecia no
território, a exemplo do quadro Coroação de Dom Pedro, conferindo-lhe um caráter
político e cívico.

FIGURA 1 - JEAN BAPTISTE DEBRET. COROAÇÃO DE DOM PEDRO I, 1828. ÓLEO SOBRE TELA.
340 X 640 CM. PALÁCIO DO ITAMARATY, BRASÍLIA

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean-Baptiste_Debret_-_
Coroa%C3%A7%C3%A3o_de_D._Pedro_I,_1828.jpg>. Acesso em: 18 set. 2018.

E
IMPORTANT

No Brasil, vemos cenas históricas retratadas pelo paraibano Pedro Américo


(1843–1905) e o catarinense Victor Meirelles (1832–1903).

4
TÓPICO 1 | A PINTURA E SEUS MOTIVOS

As obras de cunho histórico geralmente eram feitas sob a encomenda de


governantes, de modo a mostrar sua força, poder e influência, por isso percebemos,
muitas vezes, a idealização das figuras em telas de grandes dimensões.

Ao contrário da pintura de gênero, que retrata personagens comuns em sua


vida diária, a histórica enfatiza personalidades e grandes acontecimentos. E para
isso, os artistas deveriam dominar os demais motivos, afinal, havia a paisagem,
objetos e muitos retratos a serem pintados em uma mesma cena. Todos os gêneros
eram contemplados, além de exibir novas composições a cada obra pictórica.

Cabe ressaltar que, no Romantismo, artistas se valeram da pintura


histórica para contestar e expressar suas insatisfações diante do poder político.
E assim fizeram Francisco de Goya (1746–1828), Jean-Louis Théodore Gericault
(1791–1824) e Ferdinand Victor Eugène Delacroix (1798–1863).

2.1 PINTURA ALEGÓRICA


A alegoria compreende um subgênero da pintura histórica. Aqui são
representadas ideias ou sentimentos, de modo que as figuras possuem um
significado simbólico, a exemplo de A Fortaleza e Temperança com seis heróis antigos,
de Pietro Vannucci (1446–1523), conhecido como Perugino.

FIGURA 2 - PERUGINO. A FORTALEZA E TEMPERANÇA COM SEIS HERÓIS ANTIGOS, 1497.


AFRESCO. 291 X 400 CM. CORSO PIETRO VANNUTTI, PERUGIA

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Eug%C3%A8ne_Delacroix_-_La_
libert%C3%A9_guidant_le_peuple.jpg>. Acesso em: 18 set. 2018.

5
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

DICAS

Walter Benjamin, em A Origem do Drama Barroco Alemão (primeira publicação:


1928), discorre sobre a importância da alegoria para a percepção barroca do mundo, além de
indicar como ela aparece na pintura moderna.

FONTE: BENJAMIN, Walter. A Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984.

Victor Meirelles (1832–1903) e sua Moema adentram a pintura alegórica


nacional. Inspirada no Canto VI do poema Caramuru (1781), do frei José de Santa
Rita Mourão (1722–1784), o artista pinta Moema que, depois de ser abandonada
por Caramuru (nome pelo qual é chamado o português Diogo Álvares Correia)
lança-se ao mar atrás do navio e morre afogada. Seu corpo, então, é levado até a
margem pelas águas.

FIGURA 3 - VICTOR MEIRELLES. MOEMA, 1866. ÓLEO SOBRE TELA.


129 X 190 CM. MASP, SÃO PAULO

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Victor_Meirelles_-_Moema.jpg>.
Acesso em: 18 set. 2018.

O tema indianista, pertencente ao imaginário nacional, dá-nos a ver a


“incompletude”, característica crucial para a alegoria, quando a ligação entre a
imagem e sua significação não é clara, como acontece ao vermos uma cruz, por
exemplo. Seu significado é intelectualmente construído, ou seja, a alegoria fala de
algo que não está em si mesma, assim como acontece com a metáfora nas obras
literárias.

6
TÓPICO 1 | A PINTURA E SEUS MOTIVOS

2.2 PINTURA ICÔNICA E RELIGIOSA


No início do Império Bizantino destacou-se a pintura icônica, realizada
sobre madeira e segundo regras rígidas de representação, como a utilização do
dourado, os halos em torno das cabeças e os tamanhos das figuras de acordo com
os níveis hierárquicos. Dessa forma, a maioria das imagens se assemelhavam.

Antes de iniciar uma pintura, o artista deveria fazer jejum e orar, além
de viver de acordo com os preceitos religiosos. Acreditavam que somente desta
maneira conseguiriam representar os ícones corretamente. Andrey Rublev (1360–
1430) é considerado um dos melhores pintores de ícones, afrescos e iluminuras,
cujas imagens aparecem sempre calmas e serenas.

FIGURA 4 - ANDREY RUBLEV. SANTÍSSIMA TRINDADE, 1410. TÊMPERA SOBRE MADEIRA.


142 X 114 CM. GALERIA TRETYAKOV, MOSCOU

FONTE: <http://o-povo.blogspot.com/2015/04/santissima-trindade-troitsa.html>.
Acesso em: 18 set. 2018.

A pintura religiosa ou sacra também se constitui como um subgênero, e


vem para figurar as cenas bíblicas e seus personagens. Vigorava sobretudo na
Idade Média, e ,na época, acreditava-se que ao fazer as representações, era como
se a própria divindade estivesse ali. Essa peculiaridade se denomina teofania.

As imagens tinham a função didática, de modo a ensinar os preceitos


cristãos e narrar acontecimentos bíblicos para os analfabetos, além de afirmar
verdades teológicas e valorizar as virtudes cristãs. Cabe observar que ainda não
havia a denominação “artista”, sendo, os pintores, considerados artesãos ou
mestres de ofício. Um exemplo é Fra Angélico (1395–1455), que logo quando
chegou ao convento dominicano de Fiesole recebeu treinamento artístico, atuando,
depois, no Convento São Marcos. Suas pinturas possuem traços refinados,
característicos do gótico internacional, juntamente com uma tímida perspectiva.

7
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

FIGURA 5 - FRA ANGELICO. ANUNCIAÇÃO, 1435. OURO E TÊMPERA SOBRE MADEIRA. 194 X
194 CM. MUSEU DO PRADO, MADRID

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Anuncia%C3%A7%C3%A3o_(Fra_Angelico,_Prado)>.
Acesso em: 18 set. 2018.

No decorrer da época renascentista, houve maior liberdade na


representação e composição das figuras. Muitos artistas foram convidados
a pintar os interiores das capelas e igrejas, como Michelangelo (1475–1564) e
Leonardo da Vinci (1452–1519), de modo que essa tarefa deixou de ser restrita
aos monges e artesãos devotos.

No Barroco, a dramaticidade e a teatralidade, bem como os contrastes


simbólicos, auxiliam na promoção do fervor da religiosidade e o controle das
crenças nos cidadãos, afinal, isso era benquisto pelo poder político.

Michelangelo Merisi, conhecido como Caravaggio (1571–1610), em A


vocação de Matheus, descreve a passagem bíblica em que Jesus vê Matheus contando
dinheiros com seus colaboradores, e lhe diz: “Segue-me”, e assim ele o fez.

FIGURA 6 - CARAVAGGIO. A VOCAÇÃO DE MATHEUS, 1599-1600. ÓLEO SOBRE TELA. 340 X


322 CM. IGREJA SÃO LUIS DOS FRANCESES, ROMA

FONTE: <http://www.noticiasdabota.com/2016/01/a-vocacao-de-sao-mateus-de-caravaggio.
html>. Acesso em: 22 nov. 2018.

8
TÓPICO 1 | A PINTURA E SEUS MOTIVOS

Pode-se observar o contraste intenso que o pintor consegue com o uso


da luz e da sombra, sinalizando a dualidade do mundo terreno e espiritual. O
vestuário das imagens da esquerda contrasta com os pés descalços de Jesus e
Pedro, de modo a enfatizar a humildade. A iluminação recai sobre os personagens
sentados, mas também sobre as mãos e o rosto de Cristo.

2.3 PINTURA MITOLÓGICA


Nas pinturas caracterizadas como mitológicas, são utilizados figuras e
elementos de modo a fazer referência aos mitos. No período renascentista houve
um forte retorno aos valores e estética clássica grega e romana, assim, ícones
daquelas civilizações foram usados demasiadamente nos quadros. No Barroco,
elas se uniram à representação dramática, a exemplo de Vênus e Adônis, de Peter
Paul Rubens (1577–1640).

FIGURA 7 - PETER PAUL RUBENS. VÊNUS E ADONIS, 1636-1638. ÓLEO SOBRE TELA. 197,5 X 243
CM. KUNSTHISTORISCHES MUSEUM, VIENA

FONTE: <http://virusdaarte.net/rubens-venus-e-adonis/>. Acesso em: 18 set. 2018.

No quadro, Vênus tenta impedir que Adônis parta para a caçada, com
medo de que ele seja vítima de animais selvagens. Os cães retratados denunciam
a ansiedade da partida e, de fato, de acordo com o mito, o jovem é morto por um
javali.

9
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

3 RETRATO
O termo retrato vem do verbo latino retrahere, que significa copiar. Possui
a mesma natureza da mimese.

NOTA

A palavra grega mimese quer dizer imitação. Associa-se ao teatro, à música,


à narrativa e às demais artes. Seria a cópia, a reprodução ou a representação da natureza.
Aristóteles afirmava ser essa ação o que fundamentava a arte e o que diferenciava os seres
humanos dos animais, afinal, toda a aprendizagem depende de um ato mimético. Já a
concepção platônica coloca a arte em um patamar baixo, por se tratar de uma imitação das
aparências (do real).

Na pintura, o retrato se dá quando algum indivíduo (ou mais de um)


é representado na tela. Esse processo pode se dar a partir de alguma imagem
impressa, de uma lembrança, ou com base em um modelo vivo. Essa prática,
inclusive, é muito utilizada até hoje nas academias para o estudo minucioso do
corpo humano (formas, proporções, luz e sombra).

Pode-se observar esse gênero na arte egípcia, grega e romana, até seu
auge no século XIV, quando ganha autonomia. Em cada época ele adquiriu uma
funcionalidade, seja de cunho funerário, religioso ou mesmo comemorativo.

O retrato ganha destaque e se desenvolve tecnicamente na Renascença.


Desse modo, podemos afirmar que é o precursor da fotografia. Foi por meio
dele que podemos saber como era a aparência do filósofo francês René Descartes
(1596–1650) e de tantos outros protagonistas da história.

O retrato permite-nos vislumbrar um sem fim de traços de carácter que


os dados históricos não nos podem proporcionar. O nosso interesse
advém, sem dúvida, do que ainda resta de uma antiga convicção de
que um retrato capta não apenas a semelhança física, mas também a
alma do retratado (JANSON, 1998, p. 20).

Você sabe qual é o retrato que é considerado mais famoso? É La Gioconda,


ou seja, a Monalisa, pintado por Leonardo da Vinci (1452–1519) entre os anos de
1503 a 1507, de apenas 77 cm x 53 cm.

10
TÓPICO 1 | A PINTURA E SEUS MOTIVOS

FIGURA 8 - LEONARDO DA VINCI. MONALISA. 1503-1507. ÓLEO SOBRE MADEIRA DE ÁLAMO.


77 X 53 CM. MUSEU DO LOUVRE, PARIS

FONTE: <https://www.pinterest.pt/pin/7951736819936742/>. Acesso em: 18 set. 2018.

Por trás desse quadro está a proporção áurea, ou seja, o número de


ouro (chamado de phi, que corresponde ao número 1,618), utilizado desde a
antiguidade. Da Vinci salientou que a lei também fazia parte do corpo humano.

ATENCAO

A seção áurea recebe o nome de Phi em homenagem a Phídeas (Fídias), que a


utilizou para conceber o Phartenon. Além dos gregos, os egípcios também já haviam utilizado.

Leonardo Fibonacci (1170–1250) buscou, na observação da natureza


e na geometria, a explicação para o funcionamento do cosmos. Ao viajar pelo
Mediterrâneo, deparou-se com a matemática islâmica e a trouxe para os seus
cálculos, de modo a propor uma sequência numeral que consistia no seguinte:
o numeral seguinte resulta da soma dos anteriores, e o resultado da divisão
desse mesmo número e seu antecessor é o Phi. O matemático observou que essa
proporção estava na natureza, como nas folhas das bromélias e em conchas,
conferindo harmonia a uma imagem.

Interessante observar que atualmente algumas medidas são padronizadas


seguindo esse cálculo, como o tamanho de uma folha de papel, cartão de crédito,
revistas e fotografias.

11
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

Em uma simplificação da razão áurea está a “técnica do terço”. Sobre a


imagem a ser trabalhada são traçadas quatro linhas imaginárias (duas verticais
e duas horizontais), de modo a dividir o quadro em terços. Os objetos de maior
interesse são colocados nos pontos de intersecção, resultando em uma composição
harmônica. E para que haja a simetria, o objeto pode ser colocado no meio.

FIGURA 9 - TÉCNICA DO TERÇO UTILIZADA EM FOTOGRAFIA

FONTE: <http://www.entreculturas.com.br/2011/03/curso-de-fotografia-aula-4/>.
Acesso em: 18 set. 2018.

É incrível como fotógrafos e pintores utilizam essa técnica até hoje. Veja
o pintor inglês da contemporaneidade, Paul Wright (1973), que procura pela
vitalidade em cada um de seus modelos, acentuando o estado de ânimo de cada
um deles, com uma rica paleta de cores e texturas.

FIGURA 10 - PAUL WRIGHT, THE GREEN HAT, 2015. ÓLEO SOBRE TELA

FONTE: <http://www.thompsonsgallery.co.uk/exhibition.php/PAUL-WRIGHT---HEAD-
STRONG-153/>. Acesso em: 18 set. 2018.

12
TÓPICO 1 | A PINTURA E SEUS MOTIVOS

Vale notar a abstração presente em seus trabalhos, pouco encontrada em


retratos.

3.1 AUTORRETRATO
O autorretrato é considerado um subgênero, configura-se como sendo o
retrato do artista feito por ele mesmo. Em considerável parcela da história da
arte, artistas se valeram da pintura autobiográfica, como Rembrandt (1606–1669)
e Albrecht Dürer (1471–1528). Em um dos autorretratos deste último, vemos a
inscrição: “Eu Albrecht Dürer de Nuremberg, pintei-me a mim próprio em cores
apropriadas a mim aos 28 anos de idade”.

FIGURA 11 - ALBRECHT DÜRER. AUTORRETRATO COM MANTO DE PELICA, 1500. ÓLEO SOBRE
MADEIRA, 67 X 49 CM. ALTE PINAKOTHEK, MUNIQUE

FONTE: <http://artesteves.blogspot.com/2011/05/albrecht-durer-auto-retrato.html>.
Acesso em: 18 set. 2018.

É recorrente que o rosto seja focado nesses quadros — raramente o


semblante é de felicidade — e escondendo os possíveis defeitos, a exemplo do
famoso Autorretrato com orelha enfaixada (1888), de Van Gogh (1853–1890). Por
vezes, artistas se retratam em atividade, como Courbet (1819–1877) em O Ateliê do
Pintor: Uma Real Alegoria que Define uma Fase de Sete Anos de Minha Vida Artística.
Esse trabalho possui dimensões de uma pintura histórica, mas retrata o ateliê em
Paris, no qual estão 30 figuras representadas em tamanho natural.

13
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

FIGURA 12 - GUSTAVE COURBET. O ATELIÊ DO PINTOR, 1854-1855. ÓLEO SOBRE TELA. 361 X
598 CM. MUSEÉ D’ÓRSAY, PARIS

FONTE:<http://virusdaarte.net/courbert-o-atelie-do-artista/>. Acesso em: 18 set. 2018.

O trabalho artístico de Frida Kahlo (1907–1987) girou em torno de seus


autorretratos. Agora veja como ela e alguns outros artistas se retrataram:

FIGURA 13 - AUTORRETRATOS

Leonardo da Vinci Paul Gauguin Pablo Picasso Amedeo Modigliani Tarsila do Amaral
1452-1519 1848-1903 1881-1973 1884-1920 1886-1973

Anita Malfatti MC. Escher Salvador Dali Frida Kahlo Andy Warhol
1889-1964 1898-1972 1904-1989 1907-1987 1928-1987
FONTE: <http://arteref.com/arte/top-10-mestres-do-autorretrato-para-voce-conhecer/>.
Acesso em: 18 set. 2018.

14
TÓPICO 1 | A PINTURA E SEUS MOTIVOS

DICAS

Não deixem de pesquisar sobre a artista Cindy Sherman, que faz uma crítica
aos estereótipos por meio desse subgênero. De grande representatividade no cenário
contemporâneo, utiliza o próprio corpo para suas múltiplas personificações.

3.2 NU
Não podemos deixar de mencionar o nu como outro subgênero. Escultores
gregos o utilizaram muito em suas obras, pois acreditavam que o corpo era o
espelho da alma, assim, o representavam sempre em seus pormenores e com
graciosidade, perfeição e beleza. Entretanto, com a difusão da religiosidade,
deixou de ser utilizado de modo recorrente até o Renascimento. E mesmo nesse
período, era relacionado às noções bíblicas e mitológicas.

Já em 1875, Jules Joseph Lefebvre (1836–1911) se destacou com a pintura


de Chloe (modelo parisiense), a qual se tornou capa de inúmeras revistas e nomeou
vinhos e poemas.

FIGURA 14 - JULES JOSEPH LEFEBVRE. CHLOE, 1875. ÓLEO SOBRE TELA. 260 X 139 CM.
YOUNG AND JACKSON HOTEL, MELBOURNE

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/467600373782409637/>. Acesso em: 18 set. 2018.

No século XIX, vários nus foram produzidos em nosso país nas mãos de
Rodolfo Amoedo (1857–1941), Eliseu Visconti (1866–1944), Carlos Leão (1906–
1983), Ismael Nery (1900–1934), Clóvis Graciano (1907–1988), Flávio de Carvalho
(1899–1973), Victor Meirelles (1832–1903) e Pedro Américo (1843–1905), que fez A

15
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

Carioca. A pintura foi feita quando ele estava em Paris, a propósito de uma bolsa
de estudos concedida pelo Imperador Pedro II, e recebeu Medalha de Ouro na
Exposição Geral na Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro. Como
agradecimento, Pedro Américo a enviou para o Imperador, mas foi recusada pelo
Mordomo Mor, alegando ser, ela, inapropriada para os padrões morais do Palácio.
O quadro, então, retorna ao ateliê do pintor, ora em Florença, e é adquirido pelo
Imperador da Prússia Guilherme Primeiro. Passados 20 anos, Pedro Américo
realiza uma réplica, que hoje está no Museu Nacional de Belas Artes no Rio de
Janeiro. Oliveira ratifica o acontecimento, agregando informações a respeito do
título da obra:

Em 1864, o pintor brasileiro Pedro Américo, bolsista do Imperador


Pedro II na Europa, envia para a Exposição Geral da Academia
Imperial de Belas Artes, a tela A Carioca. A pintura recebe a medalha
de Ouro e, Pedro Américo, em agradecimento ao financiamento de
seus estudos, decide presentear Sua Alteza Real com o quadro. Para a
surpresa do artista a pintura é recusada pelo Mordomo Mor da Casa
Imperial, Paulo Barbosa, por considerá-la licenciosa. Em uma época
em que a Mordomia da Casa Imperial tinha como uma de suas funções
adquirir obras de arte que exaltavam a raça brasileira em formação,
como a tela de Vitor Meirelles, A primeira missa no Brasil (1861),
parece que a tela não evocava, para um representante do Império, um
florão do triunfo do povo brasileiro.
[...]
Partindo do programa de construção da obra seguido pelo artista, a
imagem d´A Carioca é uma alegoria ao Rio Carioca – principal fonte
abastecedora de água da cidade na época - e não a mulher nascida no
Rio de Janeiro. O primeiro registro histórico do Rio Carioca remonta
o ano de 1503, quando o Governador Geral da Província do Rio de
Janeiro Gonçalo Coelho manda construir uma casa em sua nascente,
no Silvestre - região localizada no caminho da Floresta da Tijuca, no
Rio de Janeiro. Os índios Tamoios que lá viviam passaram a chamar o
Rio, de Rio Carioca – palavra que na língua indígena significa “Casa
de Homem Branco”. Com o tempo, a palavra indígena que dava nome
ao Rio passou, também, a aludir ao povo que vivia na cidade. O Rio
Carioca ganhou importância ainda maior quando foi canalizado no
século XIX, e construído o Aqueduto da Carioca, que possibilitou que
a água chegasse até o Centro da cidade, tornando-se, assim, acessível
à população da cidade.

A Carioca, de Pedro Américo, sendo uma alegoria de enaltecimento


à geografia local, não parecia em nada contrariar a política imperial
em relação às artes e tampouco àquela levada a cabo pela Academia
Imperial de Belas Artes. Desde a sua concepção, em 1826, a
Academia tinha como ação principal incentivar seus artistas e dar a
conhecer ao Imperador e à sociedade em geral os seus progressos.
As obras executadas pelos alunos da Academia seriam, ao mesmo
tempo, uma forma de homenagear o Imperador pelo patrocínio às
artes, ao mesmo tempo em que davam início a uma galeria de obras
útil a diversas finalidades, como, por exemplo, aquelas voltadas
ao enaltecimento da história da cidade e da Nação. Havia, ainda,
o interesse, por parte da Academia e do Imperador Pedro II, de
formar artistas nacionais capazes de figurarem ao lado dos artistas
estrangeiros. A produção nascida do fazer artístico desses mestres
e alunos contribuiria para criar um acervo nacional, cujas obras

16
TÓPICO 1 | A PINTURA E SEUS MOTIVOS

refletiriam a história do país, a peculiaridade das diversas regiões,


a sua fauna e flora, as suas riquezas, a sua gente (OLIVEIRA, 2013,
p. 01 – 02).

FIGURA 15 - PEDRO AMÉRICO. A CARIOCA, 1882. ÓLEO SOBRE TELA. 205,5 X 134 CM. MUSEU
NACIONAL DE BELAS ARTES, RIO DE JANEIRO

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8b/Pedro_Am%C3%A9rico_-
_A_carioca_-_1882.jpg>. Acesso em: 18 set. 2018.

Agora veja o tratamento geométrico que Ismael Nery confere ao seu nu,
elaborado basicamente com formas ovais em contraste com os quadrados atrás da
figura. Ele faz de suas pinturas o universo da androginia, em que duas polaridades
convergem e se fundem, reunindo masculino e feminino, espiritualidade e
carnalidade, como em seu poema Eu.

“Eu sou a tangência de duas formas opostas e justapostas. Eu sou o


que não existe entre o que existe. Eu sou tudo sem ser coisa alguma. Eu sou o
amor entre os esposos. Eu sou o marido e a mulher. Eu sou a unidade infinita”
(MATTAR, 2000, p. 6).

Ginsburg (1989, p. 97) nos lembra que: “A espécie humana tende a


representar a realidade em termos e opostos. O fluxo das percepções, em outras
palavras, é decomposto na base de categorias nitidamente contrapostas: luz e
sombra, calor e frio, alto e baixo”.

17
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

FIGURA 16 - ISMAEL NERY. FIGURA COM CUBOS, 1927. ÓLEO SOBRE TELA. 76 X 57,5 CM

FONTE: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1877/figura-com-cubos>.
Acesso em: 18 set. 2018.

NOTA

O poeta Murilo Mendes (1901–1975) colocou em versos o processo criativo de


Ismael Nery no poema Saudação a Ismael Nery, de 1930:

Acima dos cubos verdes e das esferas azuis


um Ente magnético sopra o espírito da vida.
Depois de fixar os contornos dos corpos
transpõe a região que nasceu sob o signo do amor
e reúne num abraço as partes desconhecidas do mundo.
Apelo dos ritmos movendo as figuras humanas,
solicitação das matérias do sonho, espírito que nunca descansa.
Ele pensa desligado do tempo,
as formas futuras dormem nos seus olhos.
Recebe diretamente do Espírito
a visão instantânea das coisas, ó vertigem!
penetra o sentido das ideias, das cores, a tonalidade da Criação,
olho do mundo,
zona livre de corrupção, música que não para nunca,
forma e transparência.

FONTE: MENDES, M. Poesias: 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959.

18
TÓPICO 1 | A PINTURA E SEUS MOTIVOS

4 PAISAGEM
Esse gênero originou-se nos retratos de retábulos e de cenas medievais,
mas a paisagem era somente a imagem secundária, coadjuvante da pintura,
entretanto, mesmo nesses casos, o artista deveria ter habilidade, justamente para
dar veracidade ao que era representado.

No Renascimento alguns pintores já demonstraram interesse pelo “pano


de fundo” de seus personagens, como Giovanni Bellini (1430–1516) e Giorgio
Barbarelli da Castelfranco, conhecido como Giorgione (1478–1510). Este último
artista elaborou A Tempestade, um pequeno quadro com melancólicas e ricas
cores, alvo de inúmeros estudos e interpretações. O pintor veneziano inaugura o
que virá a ser a pintura de paisagem, uma vez que esta aparece de maneira mais
significativa nesta obra.

FIGURA 17 - GIORGIONE. A TEMPESTADE, 1505. ÓLEO SOBRE TELA. 82 X 73 CM. GALLERIA


DELL’ACCADEMIA, VENEZA

FONTE: <https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/a-tempestade-giorgione/>.
Acesso em: 18 set. 2018.

A paisagem foi importante no Romantismo, retratada com a função de


mostrar ao homem a sua pequenez diante do mundo, como nos trabalhos de
Caspar David Friedrich (1844–1900), William Turner (1775–1851) e John Constable
(1776–1837).

19
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

FIGURA 18 - CASPAR DAVID FRIEDRICH. THE CHASSEUR IN THE FOREST, 1814. ÓLEO SOBRE
TELA. 66 X 47 CM

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a6/The_Chasseur_in_the_Forest_
by_Caspar_David_Friedrich.jpg>. Acesso em: 18 set. 2018.

Inicialmente, os artistas visualizavam a paisagem e a estruturavam no


ateliê, onde a pintura era trabalhada. Com o surgimento da tinta em bisnaga, eles
passaram a pintar ao ar livre e estudar a luz e a cor da natureza, a exemplo de
Paul Cézanne (1839–1906), Eugène-Henri-Paul Gauguin (1848–1903), Vincent van
Gogh (1853–1890) e Oscar-Claude Monet (1840–1926).

A valorização desse gênero seguiu os desdobramentos da arte moderna em


direção à libertação das temáticas mitológicas e históricas, de modo a possibilitar
que o artista se debruçasse no registro de seu olhar acerca da natureza. Também
salientamos que ela se uniu às pesquisas científicas, especialmente na área da
botânica, conferindo valor estético ao trabalho investigativo do circundante.

Teixeira Coelho nos relata que:

Mas em pintura há um gênero em que coisas e homens se tornam uma


unidade: a paisagem a partir do século 18, a nascente ciência moderna
era uma disciplina que dividia a natureza em suas partes para analisá-
las. Ao lado, a pintura (e a pintura de paisagens) já era uma atividade
de síntese propondo a unidade entre as emoções (a estética), os atos
(a moral) e o conhecimento (a lógica) a unificação de todas as coisas
(COELHO, 2008, s.p.).

20
TÓPICO 1 | A PINTURA E SEUS MOTIVOS

NOTA

Albert Eckhout (1610–1665), Franz Post (1612–1680), NicolasTaunay (1816–1821)


e Debret (1768–1848), este último já citado na Pintura Histórica, foram destaques na pintura
de paisagem durante a Missão Francesa no Brasil, de modo a documentar nosso país.

5 NATUREZA-MORTA
Uma pintura pode ser denominada natureza-morta quando se atém às
frutas, flores, utensílios domésticos, objetos, ou seja, seres inanimados. Na língua
inglesa e anglo-saxã, esse gênero é chamado de still-life (vida imóvel).

Seu surgimento data do Barroco, como uma derivação das cenas religiosas
retratadas em ambientes populares, com destaque para Pieter Aertsen (1508–1575)
e Jacopo Bassano (1510–1592). Os quadros de Giuseppe Arcimboldo (1527–1593)
tornam-se peculiares pelo caráter simbólico e grotesco com o qual utiliza frutas
e objetos.

FIGURA 19 - GIUSEPPE ARCIMBOLDO. SEATED FIGURE OF SUMMER, 1573. ÓLEO SOBRE TELA.
63,5 X 76 CM. WEST DEAN HOUSE, SUSSEX

FONTE: <https://www.wikiart.org/en/giuseppe-arcimboldo/seated-figure-of-summer-1573>.
Acesso em: 29 nov. 2018.

No século XVII, era tida como gênero menor, tanto em importância quanto
em seu valor mercadológico, talvez por não abordar diretamente um indivíduo.
Entretanto, a natureza-morta elaborada na região influenciada pela Reforma
Protestante tinha a função de registrar a riqueza e as posses da família burguesa em
ascensão. Willem Claeszoon Heda (1594–1680) é exímio nesse gênero, sobretudo

21
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

na representação dos reflexos e superfícies. Na maioria de seus trabalhos ele


utiliza a composição triangular, em que o objeto mais alto é colocado em uma das
laterais, com predominância dos tons acinzentados, tornando a pintura quase
que monocromática à primeira vista.

FIGURA 20 - WILLEM CLAESZOON HEDA. STILL LIFE WITH A GILT CUP, 1635. ÓLEO SOBRE
TELA. 88 X 113 CM. RIJKSMUSEUM, AMTERDÃ

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Willem_Claesz._Heda_005.jpg>.
Acesso em: 18 set. 2018.

Observe agora como a harmonia entre as cores aparece na obra Natureza-


morta, de Amélia Toledo (1926–2017). A artista deixou submersos, à ação do
tempo, alguns objetos de uso cotidiano para, depois, fazer a sua composição.

FIGURA 21 - AMÉLIA TOLEDO. COLHEITA OU NATUREZA-MORTA, 1982

FONTE: <https://ameliatoledo.com/catalogo/listagem/#!prettyPhoto>. Acesso em: 18 set. 2018.

Após a utilização da fotografia na arte contemporânea, a natureza-morta


deixou de ser encontrada com facilidade, o que não significa que tenha sido
deixada de lado, como vimos anteriormente.

22
TÓPICO 1 | A PINTURA E SEUS MOTIVOS

5.1 VANITA
Como um subgênero da natureza-morta há as vanitas, termo que se
refere às vaidades e ao caráter passageiro do mundo. Os quadros constituintes
deste motivo procuravam ser um aviso quanto à frivolidade, à efemeridade e
à fragilidade da existência humana, orientando as pessoas para os valores
espirituais, assim, são retratados objetos simbólicos, como caveiras.

O neerlandês Harmen Steenwijck (1612–1656) realizou suas pinturas


na época do florescimento do comércio, da ciência e da cultura. É enaltecido
pela obra Uma Alegoria das Vaidades da Vida Humana, compondo com riqueza de
elementos simbólicos, os quais representam a morte e o vazio da vida. O relógio
nos lembra o tempo, enquanto os instrumentos musicais fazem referência ao amor
(a flauta, por exemplo, seria o masculino e os instrumentos arredondados aludem
às formas femininas). A concha lembra a perfeição e riqueza, o livro representa
a sabedoria, o jarro de vinho são os prazeres materiais. Vemos também uma fina
fumaça saindo da lâmpada, que acaba de ser apagada, sinal da fragilidade da
existência humana.

FIGURA 22 - HARMEN STEENWIJCK. UMA ALEGORIA DAS VAIDADES DA VIDA HUMANA, 1640.
ÓLEO SOBRE TELA. 39 X 51 CM. NATIONAL GALLERY, LONDRES

FONTE: <https://nl.wikipedia.org/wiki/Harmen_Steenwijck#/media/File:Harmen_Steenwijck_-_
Vanitas_Still-Life_-_WGA21768.jpg>. Acesso em: 18 set. 2018.

Steenwyck utilizou as diagonais do plano para construir a sua


composição. Observe que na metade inferior direita do quadro estão os objetos
simbólicos da vaidade humana, enquanto o vazio sobressai no lado superior
esquerdo, representando o espiritual. É daqui que é projetado o feixe de luz que,
dramaticamente, liga a vida ao plano superior e ilumina a caveira, justamente
para enfatizar a efemeridade.

23
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

DICAS

Que horas são no Paraíso é o nome da exposição de Albano Afonso (Casa


Triângulo (São Paulo, 2007). Nela o artista trata da transitoriedade da vida, que, segundo o
crítico Paulo Reis (2007), “somente a arte é capaz de perpetuar”.

Reis ainda coloca:

Uma vanitas pop, luxuriante e sedutora aos olhos dos desavisados, pois o crânio humano,
símbolo inequívoco da eminência da morte, foi sempre utilizado como alegoria. Comparece
no monólogo existencial To Be or Not to Be, de Hamlet, bem como nas pinturas de naturezas-
mortas no Renascimento e no Barroco. A caveira de espelhos de Albano Afonso tem a
mesma natureza metafórica da Black Kites (1997) de Gabriel Orozco — uma caveira tabuleiro
de xadrez — e da For the Love of God (2007), a caveira de diamantes de Damien Hirst.
Todas essas vanitas têm as mesmas procedências formais e buscam as razões conceituais
que levaram Hans Holbein a pintar uma anamorfose de caveira em The Ambassadors (1533)
diante das glórias e das riquezas da vida. É disso que tratam as obras de Gabriel Orozco, de
Damien Hirst e de Albano Afonso.

Não deixe de ver o catálogo desta exposição, disponível em: <www.casatriangulo.com/


media/pdf/albano-afonso_portfolio2015_web_16.pdf>. Acesso em: 10 set. 2018.

FONTE: REIS, P. Que horas são no paraíso? Lisboa: Casa Triângulo, 2007.

6 PINTURA DE GÊNERO
O termo pintura de gênero refere-se às representações do cotidiano
(trabalho e vida doméstica) que vigoraram a partir do século XVII, após a
ideologia protestante que refutava as temáticas religiosas. As imagens ganham
realismo e riqueza de detalhes, além de menores dimensões, uma vez que eram
destinadas a espaços privados. É interessante observarmos que esse gênero pode
ser uma rica fonte documental, pois mostra os costumes e os ambientes de cada
época, de modo que a historiadora Svetlana Alpers (1983) o enfatiza como “arte
da descrição”.

Pieter Bruegel (1525–1569), por exemplo, retrata os camponeses em seus


trabalhos e festejos. O Casamento Aldeão ocorre dentro de um celeiro, e é pintado
com ricos detalhes de personagens e situações em primeiro plano, além de grande
cromatismo.

24
TÓPICO 1 | A PINTURA E SEUS MOTIVOS

FIGURA 23 - PIETER BRUEGEL. A CASAMENTO ALDEÃO, 1568. ÓLEO SOBRE MADEIRA. 114 X
164 CM. KUNSTHISTORISCHER MUSEUM, VIENA

FONTE: <http://historcuriosa.blogspot.com/2012/03/o-casamento-dos-camponeses-1567-de.
html>. Acesso em: 18 set. 2018.

Jan Steen (1626–1679) pega esse viés popular e representa com bastante
humor as tavernas da época, e cenas da vida doméstica descontraída, cujos
destaques são A festa de São Nicola (s/d), A festa na Osteria (1674), A festa de
batizado (1664) e Na luxúria, preste atenção (1663), onde são trabalhadas ricamente
as tonalidades das cores em uma pintura repleta de objetos, deixando-nos ver,
inclusive, parte do cômodo ao lado, à direita do quadro.

FIGURA 24 - JAN STEEN. NA LUXÚRIA, PRESTE ATENÇÃO, 1663. ÓLEO SOBRE TELA. 105 X 145,5
CM. KUNSTHISTORISCHER MUSEUM, VIENA

FONTE: <https://fr.wikipedia.org/wiki/Fichier:Jan_Steen_-_Beware_of_Luxury_(%E2%80%9CIn_
Weelde_Siet_Toe%E2%80%9D)_-_Google_Art_Project.jpg>. Acesso em: 28 nov. 2018.

25
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

Johannes Vermeer (1632–1675) deixou registros memoráveis de cenas


da vida doméstica, realizadas com composição harmoniosa em que são focadas
uma ou duas imagens, frequentemente com luz entrando por alguma janela à
esquerda do quadro. O pintor utiliza sobretudo os azuis, amarelos e cinzas. Obras
como Jarro de Vinho, Mulher lendo Diante da Janela, A Lição de Música e A leiteira são
algumas de suas pinturas. Nesta última, vemos bem um instante de uma moça na
cozinha, demonstrando, pela tranquilidade com a qual segura a jarra, que esse é
um momento rotineiro.

FIGURA 25 - JOHANNES VERMEER. A LEITEIRA, 1657 - 1658. ÓLEO SOBRE TELA. 45,5 X 41 CM.
RIJKSMUSEUM, AMSTERDÃ

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Leiteira>. Acesso em: 18 set. 2018.

DICAS

Assista ao filme A moça com brinco de pérola, de Peter Webber, que foi
inspirado no quadro homônimo de Jan Vermeer. Na película, lançada em 2003, discorre-se
sobre a vida do pintor, bem como sobre a sociedade em questão.

Lichtenstein afirma que, para Hegel:

[...] a metamorfose artística de assuntos em si medíocres é a prova do


poder do pintor sobre o mundo e, com isso, sua tarefa essencial. A
análise das cenas de gênero holandesas, revelando a afeição de uma
sociedade por um universo que ela construiu inteiramente, demonstra
a coerência de um empreendimento que impõe a sua marca tanto nas
criações artísticas como na própria realidade. Esse autor afirmava que
os artistas holandeses conseguiam transformar um assunto banal, sem
interesse, em uma obra maravilhosa. Ainda assim, a pintura de gênero
era considerada menos importante do que as pinturas históricas, que
abordavam eventos grandiosos como batalhas, coroações e grandes
feitos dos governantes (LICHTENSTEIN, 2006, p. 106).

26
TÓPICO 1 | A PINTURA E SEUS MOTIVOS

Muitos artistas se valeram desta temática para desenvolver seus trabalhos,


como Jean-Baptiste-Siméon Chardin (1881–1955), Gustave Courbet (1819–1877), e
mesmo os impressionistas e os que se seguiram. Pode-se afirmar que esse gênero
revive as ilustrações encontradas em manuscritos medievais, como o Livro das
Horas (1415–1416), o qual continha imagens das atividades correspondentes a
cada mês do ano (em junho, por exemplo, há a imagem de pessoas ceifando e
arrumando os fenos).

FIGURA 26 - LIVRO DAS HORAS, 1819-1877. ILUMINURA. 22,5 X 13,6 CM. CONDÉ MUSEUM,
CHÂTEAU DE CHANTILLY

FONTE: <http://www.escritoriodolivro.com.br/historias/junho.php>. Acesso em: 28 nov. 2018.

No Brasil, a pintura de gênero encontra lugar nas mãos de Jean-Baptiste


Debret (1768-1848). Integrante da Missão Francesa no Brasil, publicou Viagem
Pitoresca e Histórica ao Brasil (1834–1839), no qual deixou registrados aspectos
da sociedade e da paisagem do país. Seu trabalho de pesquisa ganhou notável
relevância ao nortear as formas e as cores da bandeira brasileira.

27
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

FIGURA 27 – JEAN-BAPTISTE DEBRET. FAMÍLIA DE UM CHEFE CAMACAN SE PREPARANDO


PARA UMA FESTA, c. 1820 – 1830. AQUARELA. 18,6 X 29,3 CM

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Famille_d%E2%80%99un_Chef_Camacan_
se_pr%C3%A9parant_pour_une_F%C3%AAte.jpg>. Acesso em: 28 nov. 2018.

José Ferraz de Almeida Júnior (1850-1899) foi aclamado por inserir na


pintura brasileira temas regionais, sobretudo a cultura caipira, quando retrata
anônimos de modo naturalista. Vale destacar que o Dia do Artista Plástico é
comemorado em 08 de maio, data em que nasceu o pintor.

FIGURA 28 - ALMEIDA JUNIOR. CAIPIRA PICANDO FUMO, 1893. ÓLEO SOBRE TELA. 202 X 141
CM. PINACOTECA, SÃO PAULO

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Caipira_picando_fumo.jpg>.
Acesso em: 18 set. 2018.

28
TÓPICO 1 | A PINTURA E SEUS MOTIVOS

Não podemos finalizar este tópico sem lembrar de Belmiro de Almeida


(1858-1935), Henrique Bernardelli (1858-1936) e Modesto Brocos (1852-1936). Este
último colocou, em xilogravuras e pinturas, imagens de típicos brasileiros com
grande realismo, cujo destaque é Redenção de Cam, na qual denuncia a tese de
branqueamento de João Batista de Lacerda.

FIGURA 29 - MODESTO BROCOS. REDENÇÃO DE CAM, 1895. ÓLEO SOBRE TELA. 199 X 166
CM. MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES, RIO DE JANEIRO

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Modesto_Brocos#/media/File:Reden%C3%A7%C3%A3o.
jpg>. Acesso em: 18 set. 2018.

Depois de saber a respeito das características dos gêneros da pintura e suas


especificidades, podemos observar que alguns quadros atendem a duas ou mais
especificidades. Fato que demonstra que, na arte, são árduas as categorizações
estanques, dificuldade esta que acentua na contemporaneidade.

29
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• O desenvolvimento de gêneros na pintura, em certos territórios, perpassa


questões sociais, econômicas, religiosas e políticas.

• A hierarquia dos gêneros vigora do Renascimento ao século XIX, quando é


superada.

• Os gêneros seguiam a seguinte ordem hierárquica:

a) Pintura histórica: são retratados fatos históricos, como batalhas, guerras,


ações de homens notáveis, sempre em grandes dimensões.
o Alegórica: são representadas ideias ou sentimentos, cujo significado é
simbólico.
o Icônica: ícones são retratados, sempre com regras rígidas de representação.
o Religiosa: destaca cenas bíblicas e seus personagens.
o Mitológica: contém figuras ou elementos que se referem aos mitos,
sobretudo os gregos e romanos.

b) Retrato: quando um indivíduo é representado no quadro. Aparece na


história da arte desde os egípcios, gregos e romanos, ganhando autonomia
no século XIV.
o Autorretrato: quando o artista representa a si mesmo.
o Nu: os gregos o utilizavam com frequência, com perfeição das formas.
Entretanto, ele deixa de vigorar com a difusão da religiosidade, voltando,
aos poucos, a ser utilizado.

c) Natureza-morta: quando a pintura se atém às frutas, flores, utensílios


domésticos, objetos, ou seja, seres inanimados.
o Vanitas: faz menção às vaidades e ao caráter passageiro do mundo.

d) Paisagem: tem origem nos retábulos e cenas medievais, e ganha o primeiro


plano no Renascimento.

e) Pintura de Gênero: cenas domésticas, cotidianas e personagens anônimos


aparecem nos quadros.

30
AUTOATIVIDADE

Para melhor fixar o conteúdo desta unidade, resolva as três questões


apresentadas abaixo:

1 Ao longo da História da Arte, foram definidas algumas temáticas na área da


pintura, sobre as quais se debruçaram inúmeros artistas. Sobre elas, assinale
a alternativa INCORRETA:

a) ( ) A Pintura Histórica era tida como a de maior valor hierárquico dentre


os gêneros pictóricos.
b) ( ) Antes de iniciar uma Pintura Icônica, o artista deveria fazer jejum e
orar.
c) ( ) Com o surgimento da tinta em bisnaga, os artistas permaneceram em
seus ateliês.
d) ( ) O termo Pintura de Gênero refere-se às representações do cotidiano.

2 A partir do texto abaixo, contido na figura Homem Vitruviano, de Leonardo


da Vinci, marque a alternativa CORRETA:

Os 4 dedos fazem uma palma e 4 palmas fazem 1 pé, 6 palmas fazem um


cúbito; 4 cúbitos fazem a altura de um homem. 4 cúbitos fazem um passo e
24 palmas fazem um homem. Se abrir as pernas até termos descido 1/14 de
altura e abrirmos os braços até os dedos estarem ao nível do topo da cabeça
então o centro dos membros abertos será no umbigo. O espaço entre as pernas
abertas será um triângulo equilátero. O comprimento dos braços abertos de
um homem é igual à sua altura. Desde as raízes dos cabelos até ao fundo do
queixo é um décimo da altura do homem; desde o fundo do queixo até ao
topo da cabeça é um oitavo da altura do homem; desde o topo do peito até ao
topo da cabeça é um sexto da altura do homem; desde o topo do peito até as
raízes do cabelo é um sétimo da altura do homem; desde os mamilos até ao
topo da cabeça é um quarto da altura do homem. A maior largura dos ombros
contém em si própria a quarta parte do homem. Desde o cotovelo até a ponta
dos dedos é um quinto da altura do homem e desde o cotovelo até ao ângulo
da axila é um oitavo da altura do homem. A mão inteira será um décimo da
altura do homem. O início dos órgãos genitais marca o centro do homem. O
pé é um sétimo do homem. Da sola do pé até debaixo do joelho é um quarto
da altura do homem. Desde debaixo do joelho até o início dos órgãos genitais
é um quarto do homem. A distância entre o fundo do queixo e o nariz e entre
as raízes dos cabelos e as sobrancelhas é a mesma e é, como a orelha, um terço
da cara (DA VINCI, 1490).

FONTE: <https://lucnix.be/index.php?/search/1728>. Acesso em: 4 fev. 2019.

31
a) ( ) A proporção áurea só foi utilizada a partir do Renascimento.
b) ( ) Essa lei é apenas um cálculo matemático, de modo que não se aplica à
natureza.
c) ( ) A lei do terço enfatiza em quais pontos do quadro o olhar se detém.
d) ( ) Com o advento da fotografia, o gênero retrato deixou de ser utilizado
pelos artistas.

3 A obra Untitled (Perfect Lovers), de Félix Gonzalez-Torres, apresenta dois


relógios iguais que marcam o mesmo tempo. Entretanto, à medida que
as pilhas se gastam, eles entram em um descompasso, denunciando a
efemeridade, a morte, a ausência. A qual dos gêneros artísticos a obra de
Gonzalez-Torres se aproxima? Justifique sua resposta:

FIGURA - FÉLIX GONZALEZ-TORRES. UNTITLED (PERFECT LOVERS), 1991

FONTE: <https://www.moma.org/collection/works/81074>. Acesso em: 18 set. 2018.

32
UNIDADE 1
TÓPICO 2

A PINTURA COMO OBRA DE ARTE

1 INTRODUÇÃO
No tópico anterior, vimos as características dos gêneros mais difundidos
na pintura, bem como o grau de importância de cada um deles. E, vale enfatizar, a
importância de termos um olhar crítico, de modo a sempre relacionar a produção
com o que ocorria na sociedade em que a obra foi produzida, em termos culturais,
religiosos e políticos. Além de pensar no simbolismo dos trabalhos, é interessante
observarmos os materiais que os artistas tinham disponíveis.

De fato, é confortável qualificarmos trabalhos de outras épocas como tal, mas


diante de trabalhos contemporâneos, por vezes, a dúvida adentra os espectadores,
sendo necessário, portanto, se valerem dos textos explicativos ou poéticos a respeito
de uma exposição e ter um conhecimento sobre a história da arte.

Para nos valermos melhor dessas questões artísticas, estudaremos com


mais atenção alguns artistas, cujos trabalhos pulsam até hoje, e o que faz com
que eles permaneçam com essa característica mesmo depois de passados tantos
anos. Depois desse mergulho, pensaremos como a pintura dá, ao espectador, a
oportunidade para continuá-la, justamente pela sua qualidade de inacabamento,
fato que sustenta a cumplicidade do artista e do espectador.

DICAS

As novas maneiras da arte se apresentar requerem também mudanças nas


concepções acerca dos locais em que as obras são mostradas. No Interior do Cubo Branco,
livro de Brian O’Doherty, oferece inúmeras observações críticas acerca das relações visíveis e
inerentes aos espaços expositivos, bem como auxilia o leitor no entendimento do contexto
em que os trabalhos artísticos se inserem a partir do modernismo.

Segue o referencial como uma boa opção de leitura: O´DOHERTY, Brian. No


interior do cubo branco: a ideologia do espaço da arte. São Paulo, Martins Fontes, 2002.

33
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

2 GRANDES MESTRES DA ARTE DE PINTAR


Observamos que, no decorrer da história, alguns artistas se destacaram
de tal maneira que ainda hoje são utilizados como referenciais para quem
quer saber um pouco mais sobre a arte, seja no fazer artístico ou na posição de
apreciador. Então, vamos conhecer alguns deles, cujas obras ainda nos propõem
questionamentos.

2.1 TICIANO
O famoso pintor veneziano, Ticiano Vecellio, nasceu por volta de 1485 na
cidade de Cadore, nos Alpes, e morreu com 99 anos em 1576. Alguns historiadores
relatam que até mesmo o imperador da época se abaixou para recolher um pincel
do pintor que havia caído, o que significou um triunfo para a figura do artista e
para a arte pictórica.

Ticiano era muito hábil com seus pincéis, assim, pôde se libertar das
regras de composição estipuladas até então. No quadro Nossa Senhora com
santos e membros da família Pesaro, o artista não coloca a Santa no lugar central da
composição, e faz com que São Francisco e São Pedro participem da cena, não em
posições simétricas. A pintura foi encomendada por Jacopo Pesaro, o qual Ticiano
retratou ajoelhado diante da Virgem. Sua família aparece no canto inferior direito,
sob os olhos do menino Jesus. Atrás do protagonista está um alferes, arrastando
um prisioneiro derrotado em uma batalha contra os turcos. Tudo ocorre em um
local aberto, emoldurado com duas colunas direcionadas até as nuvens, onde
estão dois anjos. É interessante notar que essa assimetria, e fuga dos cânones
vigentes, não apresenta desequilíbrio, mas continua harmônica, justamente pela
maestria na utilização das cores e luminosidade.

De acordo com Kennedy (2006, p. 37), o artista une “o formato do ex-


voto, onde os protagonistas se encaram de frente e são representados de perfil,
com a tradicional pintura de altar”. O segundo plano é composto pelo céu e as
duas colunas frontais “resolvem o enquadramento, [e] representam a entrada dos
céus, tradicionalmente identificada com Maria” (DAVIES, 2010, p. 600).

34
TÓPICO 2 | A PINTURA COMO OBRA DE ARTE

FIGURA 30 - TICIANO VECELLIO. NOSSA SENHORA COM SANTOS E MEMBROS DA FAMÍLIA


PESARO, 1519-1528. ÓLEO SOBRE TELA. 478 X 268 CM. IGREJA DE SANTA MARIA DEI FRARI,
VENEZA

FONTE: <https://www.flickr.com/photos/28433765@N07/5309655903>.
Acesso em: 18 set. 2018.

Ticiano elaborou muitos retratos. Jovem Inglês ganhou notoriedade por


ele, ainda, parecer estar entre nós, como podemos observar na imagem que segue.

FIGURA 31 - TICIANO VECCELIO. JOVEM INGLÊS, 1540. ÓLEO SOBRE TELA. 111 X 93 CM.
PALÁCIO PITTI, FLORENÇA

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/9b/Tizian_076.jpg>.
Acesso em: 18 set. 2018.

Não diferente é a pintura do papa Paulo III em Nápoles, na qual o pintor


coloca em diálogo o chefe eclesiástico com um parente, Alexandre Farnese,
enquanto seu irmão Otávio observa o espectador.

35
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

FIGURA 32 - TICIANO VECCELIO. O PAPA PAULO III COM ALEXANDRE E OTÁVIO FARNESE,
1546. ÓLEO SOBRE TELA. 210 X 174 CM. GALERIA NACIONAL DE CAPODIMONTE, NÁPOLES

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/ab/Titian_-_Pope_Paul_III_with_
his_Grandsons_Alessandro_and_Ottavio_Farnese_-_WGA22985.jpg>. Acesso em: 18 set. 2018.

Muitos artistas passaram pelo ateliê de Ticiano, a exemplo de El Greco.


Após sua morte, vítima de febre oriunda da peste que atingiu Veneza em 1576,
dois pintores dominaram o cenário artístico veneziano: Jacopo Robusti conhecido
como Tintoretto (1518–1594) e Paolo Caliari Veronesse (1528–1588). Este último
“[...] pintou imagens mais próximas da primeira fase de Ticiano, como a Virgem
de Pesaro, com ênfase no realismo, Tintoretto explorou a teatralidade e a pincelada
fluida da última pintura de Ticiano, a Pietà” (DAVIES et al., 2010, p. 629). Assim,
cabe observar que o modo de utilizar as cores em oposições entre claro e escuro
influenciou vários artistas posteriores, sobretudo no Maneirismo e Barroco.

2.2 POUSSIN
Nicolas Poussin (1594-1665), francês radicado em Roma, é considerado
o maior mestre acadêmico, que estudou por demasiado as esculturas clássicas,
em busca dos ares de outrora. Em Et in Arcadia ego o pintor retrata uma calma
paisagem sob o Sol, em que pastores e uma bela jovem estão ao redor de uma
lápide na tentativa de decifrá-la. O título da obra transcreve que a morte está,
inclusive, na terra dos pastores. E Poussin a elabora com grande conhecimento
técnico, só assim consegue transpor o sentimento de nostalgia, mesmo diante
desta temática.

36
TÓPICO 2 | A PINTURA COMO OBRA DE ARTE

FIGURA 33 - NICOLAU POUSSIN. ET IN ARCADIA EGO, 1650-1655. ÓLEO SOBRE TELA. 85 X 121
CM. MUSEU DO LOUVRE, PARIS

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Nicolas_poussin,_i_pastori_dell%27arcadia_
(et_in_arcadia_ego),_1638-40_ca._02.JPG>. Acesso em: 18 set. 2018.

Muitos artistas se voltaram para as pinturas de Poussin, como fez Cézanne


em busca de sua particularidade: “O projeto de Cézanne [...], é de reencontrar os
princípios de Poussin, mais pelo estudo da natureza que pelo estudo acadêmico
da arte” (SHIFF, 1995, p. 119).

Foi responsável pelas imagens figuradas na capela de Notre Dame e


nomeado como Primeiro Pintor do Rei Luis XIII, na França, além de fazer projetos
para o Louvre e ilustrar livros. Mas o desagradava ter muitos assistentes, fato este
que o fez deixar seu país e fixar residência na Itália.

De grande destaque para sua vida artística foi O Julgamento de Salomão, A


Sagrada Família na Escadaria e Eliézer e Rebeca. Nesta última, o artista representa
uma cena bíblica, e enche de simbolismos sobre a fertilidade: poço com água
abundante, torre com 12 janelas (na tradição mediterrânea construía-se um novo
piso para cada geração).

FIGURA 34 - NICOLAS POUSSIN. ELIÉZER E REBECA, 1648. ÓLEO SOBRE TELA. 118 X 199 CM.
MUSÉE DU LOUVRE, PARIS

FONTE: <http://pt.wahooart.com/@@/8XYMDY-Nicolas-Poussin-%60eliezer%60-e-rebecca-no-
bem>. Acesso em: 18 set. 2018.

37
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

Ao nos depararmos com os quadros do pintor, devemos demorar nosso


olhar sobre as figuras, uma vez que Poussin não nos possibilita sua compreensão
imediata. Só assim podemos visualizar a riqueza de detalhes, elementos e
expressões que constam em cada pintura.

DICAS

Guy de Compiegne analisa as obras de Poussin, sobretudo seus detalhes, nos


quais o pintor confere uma conotação simbólica inesperada para cada trabalho. Portanto,
como sugestão de leitura, segue o referencial: COMPIEGNE, Guy de. Nicolas Poussin:
L’Ambiguité Recherchée. France: Edições du Varulv, 2015.

2.3 UTRILLO
Grande referência do início do século XX é Maurice Utrillo (1883-1955),
pertencente à Escola de Paris. Sua mãe, Suzanne Valadon (1865–1938, outrora
modelo de Renoir), o incentivou a pintar, juntamente com seu padrasto, Miguel
Utrillo (1862–1934) — que largou a engenharia pela pintura. Com 16 anos tornou-
se alcoólatra, e precisou ser internado inúmeras vezes, o que não prejudicou a
qualidade de seus trabalhos.

NOTA

Escola de Paris é o nome dado a um grupo de artistas (muitos estrangeiros),


que se reuniam em Paris no período compreendido entre as duas guerras mundiais. Apesar
de terem conhecimento de todas as escolas e movimentos, não aderiram a nenhum deles.

Seu estilo realista se vale de maior liberdade no uso das cores e das formas.
Pintou inúmeras cenas de Montmartre e do subúrbio de Paris, transpassando
enorme melancolia. Cabe destacar que, em 1925, foi convidado por Serguei
Diaghilev (1872–1929) a criar figurinos e cenários para o Balé Russo.

38
TÓPICO 2 | A PINTURA COMO OBRA DE ARTE

FIGURA 35 - MAURICE UTRILLO. RUE DE LA JONQUIÈRE, 1910. ÓLEO SOBRE TELA. 60 X 81 CM

FONTE: <https://www.christies.com/lotfinder/Lot/maurice-utrillo-1883-1955-rue-de-la-5138451-
details.aspx>. Acesso em: 29 nov. 2018.

No quadro acima, o artista se vale de uma paleta em tons cinza para


figurar uma rua parisiense, sob o céu cinza do inverno que concebe ares tristes
e sombrios. Sua pintura tem características da tradicional representação realista,
entretanto, utilizou formas e cores com maior liberdade, enfatizadas pelos
emplastos conseguidos com tinta à óleo, notadamente visíveis quando retrata o
coração do bairro Montmartre no quadro a seguir. Cabe notar que o local possui
semblantes de uma vila, quando as cores quentes no plano inicial denotam um
pouco de humanidade aos passantes.

FIGURA 36: MAURICE UTRILLO. LA PLACE ST. PIERRE ET LE SACRÉ COEUR DE MONTMARTRE,
1938. ÓLEO SOBRE TELA. 41 X 33 CM

FONTE: <https://www.lempertz.com/en/catalogues/lot/1090-1/281-maurice-utrillo.html>.
Acesso em: 18 set. 2018.

39
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

Utrillo, juntamente com Amedeo Clemente Modigliani (1884–1920), tinha


gosto apurado pela vida noturna e cafés, motivo pelo qual sua família passa a
mantê-lo em casa. Nesse momento, iniciou a produção de cartões-postais, com
a mesma técnica de seus quadros, como se fossem miniaturas deles, afinal a
pequena dimensão do suporte não trouxe prejuízos à sua expressão.

DICAS

Assista ao filme Modigliani: A Paixão pela Vida, dirigido por Mick Davis, mostra
a rivalidade entre o artista e Pablo Picasso. Também revela traços da sociedade artística da
época.

FIGURA 37 - MAURICE UTRILLO. LA TOUR EIFFEL, 1913. ÓLEO SOBRE CARTÃO. 49,9 X 66,7 CM.
NATIONAL GALLERY OF VICTÓRIA, MELBOURNE

FONTE: <http://www.ngv.vic.gov.au/explore/collection/work/4428/>. Acesso em: 18 set. 2018.

Após casar-se, em 1935, o pintor tornou-se mais estável, religioso e parou


de beber, entretanto, a depressão lhe acometeu até a sua morte.

2.4 DIEGO RIVERA


Diego María de la Concepción Juan Nepomuceno Estanislao de la Rivera y
Barrientos Acosta y Rodríguez, o conhecido Diego Rivera (1886-1957), é considerado
o maior muralista mexicano de todos os tempos. Aos 21 anos foi para a Europa,
quando conheceu Pablo Picasso (1881–1973), Juan Miró (1893–1983), Salvador Dalí
(1904–1989), Antoni Gaudí (1852–1926) e, consequentemente, toda a arte que estava
sendo produzida na ocasião, o que o influenciou e o fez aprimorar a sua pintura.
De volta à terra natal, volta-se para a arte mural, com o propósito de resgatar a
suntuosidade dos tempos pré-colombianos vivenciada pelo México. Outro motivo

40
TÓPICO 2 | A PINTURA COMO OBRA DE ARTE

para a escolha dos murais era porque acreditava que os quadros convencionais
iriam para as coleções particulares da burguesia. Cabe indicar que se casou quatro
vezes. Sua primeira esposa foi a pintora russa Angelina Beloff (1879 – 1969), a
segunda foi a modelo e romancista Guadalupe Marín (1895 – 1983) e a terceira a
talentosa e inesquecível Frida Kahlo (1907 – 1954). Um ano depois de sua morte,
Rivera se une a Emma Hurtado (1907 – 1974), negociante de arte.

Por ser um ávido militante político, era comum ver em suas pinturas
duras críticas, e justamente por uma crítica ao sistema capitalista, seu mural no
Rockfeller Center foi derrubado antes mesmo de ser concluído. Rivera tornou-
se um ídolo da classe trabalhadora de seu país, uma vez que a história dos
direitos civis ganhara destaque em suas mãos. Fazia questão de deixar claro o
seu viés político-social e a vontade e luta a favor de reformas no sistema.

Assim, como nos murais de Portinari, havia nos murais de Rivera o aspecto
racial; a necessidade de exprimir o vigor da natureza física e humana do México;
a ideia era o povo reconhecer-se em suas obras, e para isso redefiniu seu estilo.

No México, os murais sempre foram uma tradição, desde o século


VI. No século XVI eram usados para decorar os primeiros conventos,
porém na primeira metade do século XIX, as produções estavam
paradas. A guerra da Independência havia destruído muita coisa no
país; a miséria e a desordem cresceram sob o império da ditadura.
Rivera inspirou-se muitas vezes nas culturas Maia e Asteca, para
compor seus murais.
[...]
Rivera trabalhou durante seis anos (1923-1929) em suas obras murais para
a Secretaria da Educação, com temas mexicanos como: festas indígenas,
mercados, manifestações populares, cenas das revoltas operárias, retratos
dos revolucionários (Zapata e Carrilho Puerto), cenas de exploradores e
aristocratas sendo humilhados pelos operários, trabalhadores do campo
e soldados e, finalmente, a reconstrução do México.
[...]
Em muitos retratos, Rivera coloca personagens políticos e membros
do governo, como José Vasconcelos (Secretário da Educação Pública),
cujas ideias políticas Rivera não compartilhava; Vasconcelos era
colocado entre os intelectuais impotentes. Até mesmo o presidente foi
retratado como magnata que consultava as cotações da bolsa.
[...]
Rivera era incansavelmente preocupado com a política nacional
e internacional; na Europa, o totalitarismo de direita estava em
alta; na Itália e na Polônia, em 1926, ocorreu a consolidação de
governos fascistas; na antiga União Soviética, o poder operário era
transformado em totalitarismo burocrático de esquerda, por Stalin e
seus partidários. Até a classe trabalhadora do Brasil estava insatisfeita
com o desemprego, a carestia de vida e as reformas realizadas pelo
governo de Getúlio Vargas.
[...]
Artistas críticos como Diego Rivera e Cândido Portinari usaram
toda sua técnica artística para expressar, através de suas obras, seus
posicionamentos políticos e sociais; apesar disso, ambos sofreram
críticas de outros artistas e intelectuais na questão polêmica da
chamada “Arte Oficial”, em seus respectivos países.
[...]

41
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

Rivera desafiou políticos e figuras importantes da sociedade mexicana;


através de seus murais destacou sempre a Cultura Maia e Asteca e os
grandes revolucionários mexicanos (COLAR, 2007, p. 35–42).

FIGURA 38 - DIEGO RIVERA. NOITE DO POBRE, 1928. AFRESCO

FONTE: <http://pt.wahooart.com/@@/8BWNZS-Diego-Rivera-noite-do-pobre>.
Acesso em: 18 set. 2018.

DICAS

Assista ao filme Frida, de 2002, sob a direção de Julie Taymor. Onde é possível
acompanhar a vida da artista, bem como a de Diego Rivera.

3 O INACABAMENTO DA PINTURA
Em 1935, Picasso afirmou o caráter vivo de uma pintura. Em suas palavras:

[...] um quadro não é pensado e fixado de antemão. Enquanto o


produzimos ele segue a mobilidade do pensamento. Depois de
terminado ele continua a mudar, conforme o estado daquele que
o contempla. Um quadro vive sua vida como um ser vivo, sofre as
mudanças que a vida cotidiana nos impõe. Isso é natural, já que um

42
TÓPICO 2 | A PINTURA COMO OBRA DE ARTE

quadro só vive graças àquele que o contempla [...] (PICASSO, 1973


apud CHIPP, 1999, p. 272).

Neste viés, muitos artistas defendem que a obra de arte é um organismo


latente, pois suscita sensações e pensamentos nos espectadores, que modificam
seu olhar perante o mundo e aspectos da sociedade. E uma obra, depois de
começada, segue seu caminho próprio, ou seja, na medida em que o artista vai
pintando, ela própria vai “pedindo” que se coloque mais um elemento ali, uma
cor do outro lado... E o que é representado em um quadro gera novas ideias.

Se a obra é pulsante, não se configura como um objeto acabado, mas


está em constante transformação. É possível, sobretudo, em alguns trabalhos,
vermos pinceladas inacabadas que sugerem que continuemos o movimento. O
que não quer dizer que ele o faça com tintas e pincéis, mas com o olhar, em um
entrelaçamento com a obra, dando-lhe sentido de acordo com a sua vivência,
fazendo com que ela caminhe em sua direção.

E a qualquer momento o artista pode retomar o trabalho anterior,


acrescentando a ele elementos.

“Acho que um quadro está terminado quando todas as suas partes se


comunicam de tal modo que não precisam mais de mim” (HOFMANN, 1948 apud
CHIPP, 1999, p. 573).

A meu ver, a ideia de um quadro “terminado” é uma ficção. Creio que


o homem passa toda a sua vida pintando um quadro ou trabalhando
numa escultura. A questão de parar é realmente uma decisão de
considerações morais. Até que ponto estamos embriagados pelo
ato concreto, de modo que somos seduzidos por ele? Até que ponto
estamos encantados pela sua vida interior? E até que ponto estamos
encantados pela sua vida interior? E até que ponto nos aproximamos
da intenção ou desejo que está realmente fora dele? A decisão é
sempre tomada quando o trabalho tem alguma coisa que desejávamos
(NEWMAN, 1947 apud CHIPP, 1999, p. 573).

A obra se perpetua nas que o artista ainda irá produzir. É nesse viés que
Blanchot (2011, p. 07) fala: “O escritor nunca sabe que a obra está realizada. O que
terminou num livro, recomeçá-lo-á ou destrui-lo-á num outro”. Há uma busca
pelo incessante. É um trabalho infindável porque uma reverbera em outro.

A solidão da obra tem por primeiro limite essa ausência de exigência


que jamais permite afirmá-la acabada ou inacabada. [...] A obra
é solitária: isso não significa que ela seja incomunicável [...]. O
escritor escreve um livro mas o livro ainda não é a obra, a obra só é
obra quando através dela se pronuncia, na violência de um começo
que lhe é próprio, a palavra ser, evento que se concretiza quando a
obra é a intimidade de alguém que a escreve e de alguém que a lê
(BLANCHOT, 2011, p. 12).

Cézanne costumava duvidar do êxito de suas obras, e esta dúvida, Maurice


Merleau-Ponty acreditava ser própria dos artistas, de modo a já fazer parte de um

43
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

trabalho de arte. Quando o artista duvida de seu trabalho, ele dá espaço para a
atuação do outro, que deixa de ser espectador e passa a ser participador. Afinal, é
o outro que lhe conferirá valor. Se o artista tomasse seu trabalho como finalizado,
não precisaria mostrar para o outro, não precisaria sequer realizar a obra. Assim,
o espectador exerce um papel fundamental no processo artístico.

Se a obra promove um sentido, essa experiência é inacabada e ambígua.


Por isso o trabalho também não é finalizado, está sempre em formação. E assim,
ele apela pelo olhar do outro, o que lhe assegura a universalidade e uma vida
intersubjetiva.

Ou seja, pelo fato de poder ser retomada pelo outro, a obra tem caráter
universal, sendo o espectador parte do processo criador, pegando a obra para si
em uma relação de trocas de significações. O pintor indica o caminho, e o outro o
segue de acordo com as suas vivências, conferindo à obra novos sentidos e, assim,
ela nunca se esgota.

Um quadro surge a partir da experiência que o artista tem com o


circundante, e, o outro, a retoma a seu modo. A obra sobrevive na relação com
o outro, em um sistema de trocas. Um quadro não é estático, mas comunica um
sentido. Por isso, o filósofo Merleau-Ponty (1966) defende que algumas obras,
as feitas na arquitetura, não sejam retiradas de seu local, pois é lá que as trocas
são efetivadas. Na arte brasileira dos anos 60 e 70, vemos bem essa coautoria nos
trabalhos, sobretudo de Lygia Clarck (1920–1988) e Hélio Oiticica (1937–1980).

A ambiguidade e o inacabamento se manifestam como dúvida no pintor,


e a obra apela pela sua continuidade, que seria a retomada do passado em uma
nova orientação, denunciando a intercorporalidade da obra. A arte tem um sentido
em gênese, é um trabalho infindável, pois o artista está sempre se fazendo, está
sempre em obra.

NOTA

Encontramos o conceito de intercorporeidade sobretudo nos escritos do


filósofo Maurice Merleau-Ponty. Ele explica que quando um sujeito toca a mão de outra
pessoa, não é somente ela que é tocada, mas ele também o é:

Quando minha mão direita toca minha mão esquerda, sinto-a como uma ‘coisa
física’, mas no mesmo momento, se eu quiser, ocorrerá um acontecimento extraordinário:
eis que a mão esquerda também começará a sentir a mão direita, es wird Leib, es empfindet
(MERLEAU-PONTY, 1991, p. 183-184).

44
TÓPICO 2 | A PINTURA COMO OBRA DE ARTE

Assim, para Merleau-Ponty não somos apenas consciências, mas também


carne.

É essencial à arte desenvolver-se [...] apresentar-se, portanto em


forma de história, e o sentido do gesto expressivo no qual fundamos a
unidade da pintura é já por princípio um sentido de gênese. O advento
é uma promessa de eventos. A insistência do uno no múltiplo pela
história da pintura, como a que encontramos no exercício do corpo a
perceber, não consome a sucessão numa eternidade: pelo contrário,
supõe a sucessão, carece dela ao mesmo tempo que lhe infunde
significação (MERLEAU-PONTY, 1960, p. 87).

NOTA

A Obra Aberta, de Umberto Eco, constitui-se de vários ensaios sobre o caráter


indeterminado e plural das poéticas contemporâneas, seja nas artes visuais ou na literatura
e música.

Segue o referencial: ECO, Humberto. Obra aberta. São Paulo: Editora Perspectiva, 1968.

A história não deve ser vista como sedimentada, como um esquecimento,


em que concebe suas produções como estanques e acabadas, servindo somente à
contemplação. O passado precisa ser pensado como memória, em que deixa ver
nos trabalhos um excesso, para assim ser retomado. Nesse sentido, Marilena Chauí
(2002, p. 184) enfatiza que a arte não é uma “história contínua de acumulações,
mas no presente de cada uma como retomada incessante de si mesma e todas as
outras”. Assim, subentendemos que um trabalho de arte surge a partir de seu
entorno e promove uma gênese, de história e de sentidos.

45
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Sobre a pintura como obra de arte, alguns artistas auxiliaram, sobremaneira,


a construir uma concisa história da arte, marcando a sua época e tornando-se
referência para as gerações posteriores, de modo que seus trabalhos dialogam
conosco mesmo depois de tantos anos.

• Ticiano se destaca por não se valer dos cânones vigentes em seu tempo, e
mesmo assim consegue harmonia e equilíbrio em seus trabalhos.

• Poussin busca transmitir os ares de outros tempos, por isso estudou as


esculturas clássicas.

• Utrillo pertenceu à Escola de Paris, retratou cenas inúmeras de Montmartre e


do subúrbio parisiense.

• Diego Rivera é primoroso em seus murais, que fazem uma crítica social e
política.

• A obra de arte tem a característica do inacabamento, tanto porque ela reverbera


no artista ideias para as próximas obras, quanto solicita ao espectador que a
retome, tendo, assim, papel fundamental no processo artístico.

46
AUTOATIVIDADE

1 Percebemos que as obras de alguns artistas permanecem requisitando


nosso olhar até hoje, nos revelando aspectos do seu mundo circundante.
Assim sendo, assinale a alternativa INCORRETA a respeito de pintores e
respectivas características de seus trabalhos:

a) ( ) Ticiano foi um pintor veneziano.


b) ( ) Cézanne estudou os trabalhos de Poussin.
c) ( ) Utrillo se dedicou às cenas das grandes cidades europeias.
d) ( ) Diego Rivera era um ávido militante político.

2 O artista Diego Rivera realizava trabalhos muralistas. No entanto, podemos


encontrar outros nessa linha artística. Logo, pesquise sobre as obras dos artistas
a seguir e assinale qual deles não se vale dos murais para fazer sua arte:

a) ( ) José Orozco.
b) ( ) David Alfaro Siqueiros.
c) ( ) José Guadalupe Possada.
d) ( ) Cândido Portinari.

3 Após ler a carta de Cézanne a seu amigo Émile Bernard, discorra sobre no
que consiste a dúvida do pintor.

Meu caro Bernard, encontro-me em tal estado de perturbações cerebrais, numa


perturbação tão grande, que temo que, num dado momento minha frágil razão
venha a romper-se. Depois do terrível calor que acabamos de sofrer, uma
temperatura mais clemente restituiu um pouco de calma aos nossos espíritos,
e já não era sem tempo; agora parece-me que estou enxergando melhor e
pensando com mais precisão na orientação de meus estudos. Conseguirei
chegar ao objetivo tão procurado e tão longamente perseguido? É o que
desejo, mas enquanto ele não é alcançado subsiste um vago mal-estar, que só
poderá desaparecer depois que eu tiver chegado ao porto ou seja, depois de ter
realizado alguma coisa que se desenvolva melhor do que no passado e por isso
mesmo provando teorias que, elas sim, são sempre fáceis; só a prova do que
se pensa é que apresenta sérios obstáculos. Continuo, pois, os meus estudos.
Mas acabo de reler sua carta e vejo que respondi sempre indiretamente. Queria
desculpar-me; a causa disso é, como lhe disse, essa preocupação constante
com o objetivo a ser atingido. Estudo sempre a partir da natureza e parece-me
que progrido lentamente. Gostaria de ter você perto de mim, pois a solidão
sempre pesa um pouco. Mas estou velho, doente, e jurei a mim mesmo morrer
pintando em vez de soçobrar no idiotismo aviltante que ameaça os velhos que
se deixam dominar (por) paixões que lhe embrutecem os sentidos. Se tiver
o prazer de reencontrá-lo um dia, poderemos explicarmo-nos melhor, de
viva voz. Desculpe-me por voltar sempre ao mesmo ponto; mas acredito no
desenvolvimento lógico do que vemos e sentimos através do estudo a partir

47
da natureza, sob pena de ter de preocupar-me depois com os procedimentos;
os procedimentos, para nós, não passam de simples meios de levar o público a
sentir o que nós mesmos sentimos e de sermos aceitos. É o que devem ter feito
os grandes que admiramos. Saudações do obstinado macróbio que lhe aperta
cordialmente a mão.

FONTE: CÉZANNE, P. Correspondência. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

48
UNIDADE 1
TÓPICO 3

NOVOS RUMOS DA PINTURA

1 INTRODUÇÃO
A primeira metade do século XX foi marcada por duas guerras mundiais,
acarretando em mudanças substanciais na economia, na política, na sociedade e,
consequentemente, no modo de vida e de pensar das pessoas. A isso se soma o
grande avanço da tecnologia e do conhecimento científico.

Transformações aconteciam em várias áreas do conhecimento, fato que


não foi diferente na arte, onde também ocorreram questionamentos, rupturas
e ressignificações, cunhando o movimento modernista. Artistas se reuniam
e registravam suas ideias e questões particulares, de modo a fundamentar
seus trabalhos. A fotografia ganha seu espaço como linguagem expressiva,
intensificando as pesquisas e novos conceitos, exigindo dos artistas e espectadores
uma percepção da arte jamais vista.

Na segunda metade do século XX, já eram nítidas as disparidades sociais,


mas também os novos meios de comunicação que geraram a chamada globalização.
A estética e o pensamento, sobre a produção dos artistas, respondem às mudanças
no cenário mundial, com a arte contemporânea. A poética e os conceitos agora
os movem, cada um com suas peculiaridades, de modo que o pictórico ganha
dimensão e se expande.

As teorias e o que foi pensado sobre a pintura durante a história


influenciam muito a produção e as concepções de arte atual, bem como nos
permitem visualizar os caminhos em que ela poderá se embrenhar.

Munidos dessas informações e pensamentos, o caminho para compreender


um trabalho de arte poderá ser mais profícuo. Então, adentraremos a alguns
pintores da contemporaneidade para observar como se valem desta linguagem
em seus trabalhos. Depois, caminharemos pela produção artística no Brasil.

2 PINTORES CONTEMPORÂNEOS
Alexander Rodchenko (1891-1956) produziu três quadros monocromáticos
em 1921, para falar que a pintura, após o advento da fotografia, não seria mais
representação do real. Piet Mondrian (1872-1944) também seguiu esse caminho
em direção contrária à profundidade e ilusões.

49
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

Assim, no início do século XX muito se falou na morte da pintura,


principalmente com as vanguardas russas. Após o surgimento da arte conceitual,
das obras que utilizavam os meios digitais e dos processos artísticos dos anos 60
e 70, os quais propunham a desmaterialização do objeto, o processo convencional
(tela e tintas) foi novamente questionado.

A partir de hoje, a pintura está morta. Faz agora [1981] quase um século
e meio que Paul Delaroche teria proferido esse enunciado diante da
esmagadora evidência da invenção de Daguerre. Mas embora a ordem
de execução tenha sido periodicamente reeditada durante a década de
1960, o estado terminal da pintura já aparecia impossível de ignorar.
Os sintomas estavam por toda a parte: no trabalho dos próprios
pintores, todos parecendo reiterar a afirmação de Ad Reinhardt,
de que ele estava “apenas fazendo as últimas pinturas que alguém
poderia fazer” ou permitindo que seus quadros fossem contaminados
com imagens fotográficas; na escultura minimalista, que fornece uma
ruptura definitiva do vínculo inevitável da pintura com o idealismo
de séculos; em todos os outros meios a que os artistas se voltavam, um
após o outro, a abandonar a pintura (CRIMP, 1993).

Propomos, aqui, a repensar essa afirmação sobre a morte da pintura,


uma vez que percebemos que o pensamento pictórico ainda pulsa nas formas
expressivas atuais, seja ela, enquanto tinta em um suporte, apenas em seu
conceito. Há, sim, novos espaços em que a pintura está trilhando sob a poética de
vários artistas. Veremos, agora, como se mostra a pintura propriamente dita em
trabalhos de alguns artistas contemporâneos.

Começaremos por Susan Rothenberg (1945), que ganhou visibilidade na


retomada da figura de cavalos e fragmentos do corpo como visões periféricas do
real. As imagens são apenas sugeridas, entretanto, carregadas de tensão. Susan
ganha mérito por ter feito algo diferente com um tema já consagrado: cavalos.

Até Rothenberg resgatá-lo em meados da década de 1970, o cavalo


havia deixado de ser um tema interessante, havia deixado de ser
interessante como tema apropriado para a pintura. Suas conotações
eram clássicas, monumentais e míticas demais para o final do século
XX. Sua capacidade de simbolizar os valores das artes marciais e a
nobreza do espírito havia se tornado obsoleta; como recurso estético,
ele parecia ser, na melhor das hipóteses, cafona. Mas as pinturas
de cavalo de Rothenberg deram certo – na verdade, elas deram
incrivelmente certo (BARRETT, 2014, p. 160).

50
TÓPICO 3 | NOVOS RUMOS DA PINTURA

FIGURA 39 - SUSAN ROTHENBERG. SQUEEZE, 1978. ACRÍLICO SOBRE TELA. 233,7 X 221 CM

FONTE: <https://www.saatchigallery.com/aipe/susan_rothenberg.htm>.
Acesso em: 18 set. 2018.

Assim como a figura do cavalo aparece fragmentada, justamente pela


perspectiva de cima para baixo, no caso da obra apresentada, a desagregação se
evidencia no quadro Green Bar, em que apenas os membros inferiores aparecem
como que por trás de um balcão de bar, e permanecem suspensos somente pelo
apoio de um fio.

FIGURA 40 - SUSAN ROTHENBERG. GREEN BAR, 2008. ÓLEO SOBRE TELA. 223,5 X 167,6 CM

FONTE: <https://www.moma.org/collection/works/130777>. Acesso em: 18 set. 2018.

51
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

Nascido no mesmo ano que Rothenberg, o irlandês Sean Scully (1945) é


aclamado pelas formas geométricas precisas, com blocos pictóricos com diferentes
espessuras e uma ampla paleta de cores. Alguns quadros nos impactam pelo seu
tamanho.

FIGURA 41 - SEAN SCULLY. VITA DUPLEX, 1993. ÓLEO SOBRE TELA. 254 X 330,2 CM

FONTE: <https://www.focus.de/kultur/kunst/kunst-von-wegen-abstrakt-sean-scully-in-karlsruhe_
id_8661476.html>. Acesso em: 18 set. 2018.

Esse grande nome da pintura internacional é enaltecido pelas imagens


lineares e, no decorrer dos anos, perdeu a rigorosidade enfatizando as cores e
suas densas e intensas camadas de tinta. Se antes o artista se valia das formas
para conduzir nosso olhar, como na imagem acima, com o passar dos anos sua
pesquisa se volta para a corporalidade da cor, mantendo a grande dimensão.

FIGURA 42 - VISTA DA EXPOSIÇÃO WHAT MAKES US, 1997. KARLSRUHE

FONTE: <https://www.focus.de/kultur/kunst/kunst-von-wegen-abstrakt-sean-scully-in-karlsruhe_
id_8661476.html>. Acesso em: 18 set. 2018.

52
TÓPICO 3 | NOVOS RUMOS DA PINTURA

Veja o que o próprio artista fala de seu processo pictórico:

O que eu tento fazer é uma espécie de arte clássica emotivamente


carregada. Gosto do fato de que minha pintura se relacione com outras
pinturas do passado. Por exemplo, uma das primeiras pinturas que fiz
no meu novo estúdio foi uma pintura marcada por fortes golpes de
pincel, o que conferiu a ela uma qualidade de luz e ar. Logo a relacionei
com Monet, Bonnard e o Expressionismo Abstrato. [...] Por outro lado,
acho as minhas pinturas bastante diretas, de modo que o mistério nos
quadros não é o mistério da pintura romântica, que vem da simples
manipulação da luz. Acho que esse é um tipo inadequado de beleza.
Então o que eu faço é tentar sentir a vida moderna, onde estamos,
porque obviamente nosso meio ambiente é o que fazemos e expressa
o que somos - e temos que lidar com isso também. [...] Eu tento fazer
alguma coisa sobre a vida moderna, e isso traz consigo uma ligação
muito forte com o passado. Tem em si uma verdade eterna, assim
como a verdade moderna - de alguma maneira estou parafraseando o
que fez Cimabue. Quero expressar o fato de que vivemos num mundo
com ritmos repetitivos e que existem lado a lado coisas que parecem
incongruentes ou difíceis. No entanto, por isso mesmo, é a nossa
verdade. Ela expressa o lugar onde estamos. [...] Portanto, eu diria
que o meu trabalho não é uma rejeição das influências, tampouco uma
ruptura com a tradição, mas muito mais uma incorporação de qualquer
coisa que me interesse e tenha uso para mim. Eu as 'comi' e agora
sou elas. [...] Entretanto, o meu mais profundo propósito foi sempre ir
fundo na alma da pintura; classicizá-la até certa medida. E construir
uma emoção permanente. [...] Eu estou envolvido na reconstrução da
pintura. É uma tarefa historicamente bastante complexa.
[...]
Mas, se eu não fosse pintor, seria diretor de cinema. Vejo muitos filmes.
[...] Há algo na minha maneira de fazer pintura - não a maneira como
pinto, como aplico a tinta - que deveríamos mencionar. A maneira
como efetuo as relações é bastante cinematográfica, tem uma forte
ligação com o trabalho numa sala de montagem, quando você corta o
filme, tira o que não quer e então junta de novo. E é exatamente o que
faço quando junto os painéis.
[...]
É verdade que frequentemente ansiei por um retorno à figuração.
Talvez um dia eu seja capaz de reconectar-me com a aparência do
mundo e seus eventos. Mas, no momento, minha necessidade de
pintar tudo, mais do que qualquer coisa ou uma única coisa, torna isso
impossível. Eu sempre estou tentando pintar a coisa toda, o mundo
todo. Mas, ao mesmo tempo, anseio por ser figurativo.
[...]
Eu uso faixas horizontais e verticais, basicamente. Eu as concebo
dentro de princípios simbólicos e psicológicos. Horizontais são o
horizonte, onde nós vemos o limite do nosso próprio mundo. Verticais
são assertivas, como nós, seres humanos, em pé. Há muitas referências
a figuras e à natureza no meu trabalho; portanto, naturalmente há
um aspecto psicológico presente, em que a ação assertiva e afirmativa
entra em contato com o permanente (CALZAVARA, 2008, p. 52–67).

O alemão Gerhard Richter (1932) baseia suas pinturas na fotografia,


mas sem precisões, de modo a alterar suas representações do real e ocultar as
identidades dos retratados. Afinal, seus quadros surgem a partir do seu próprio
acervo de fotografias, de seu universo relacional. Mas resquícios do contexto

53
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

histórico ainda são visíveis. Assim, o artista se move pelo questionamento de


como o real pode encontrar sua representação na pintura, e até que ponto ela é
adequada.

FIGURA 43 - GERHARD RICHTER. MATROSEN, 1966. ÓLEO SOBRE TELA. 150 X 200 CM

FONTE: <https://www.gerhard-richter.com/en/art/paintings/photo-paintings/everyday-life-18/
sailors-5764/?&categoryid=18&p=1&sp=32>. Acesso em: 18 set. 2018.

Nota-se a preocupação do artista com a pintura foto-realista não


convencional. Richter utiliza a fotografia como uma ferramenta documental, na
qual se pode confiar mais do que o olho, que, muitas vezes, não consegue registrar
com precisão. O ato de pintar depois de fotografar também nos faz pensar em
uma atitude contestatória da hierarquia na arte.

Em suas pinturas mais recentes encontramos as paisagens, a natureza,


como na figura abaixo, em que o artista deixa ver seu processo pictórico: pensa
teoricamente a cor, a coloca sobre a fotografia e, com o auxílio de uma larga
espátula, a lança sobre a imagem.

FIGURA 44 - GERHARD RICHTER. FIRENZE, 2000. ÓLEO SOBRE FOTOGRAFIA. 12 X 12 CM

FONTE: <https://www.gerhard-richter.com/en/art/overpainted-photographs/florence-
78/2212000-florence-13786/?p=1>. Acesso em: 18 set. 2018.
54
TÓPICO 3 | NOVOS RUMOS DA PINTURA

Outra referência na pintura contemporânea é o belga Luc Tuymans (1958),


que também se vale da fotografia, além de imagens de jornais e revistas, para
seus trabalhos, cuja poética gira em torno da memória, ou melhor, dos traumas
da humanidade e os de cada sujeito. Sua paleta versa os tons de cinza (próprios
de sua cidade natal, Antuérpia) e tintas diluídas. Antes de iniciar a pintura, passa
meses pesquisando acerca do tema para, então, em um só dia, realizar o quadro.

Neste viés, Tuymans fala que nenhuma pintura surge espontaneamente,


mas está, segundo ele, fundamentada em fatos, mesmo que passados. E aqui
vemos o Holocausto (a exemplo da câmara de gás retratada abaixo) e o 11 de
Setembro presentes em seus trabalhos. “A cultura é o que restou para os homens”
(TUYMANS, 2010), diz o artista.

FIGURA 45 - LUC TUYMANS. GASKAMER, 1986. ÓLEO SOBRE TELA. 50 X 70 CM

FONTE: <https://www.widewalls.ch/artist/luc-tuymans/>. Acesso em: 18 set. 2018.

Tuymans trabalha com formas que frequentemente são descritivas.


Quanto à técnica, ele escova suas pinturas e mesmo as cores que se assemelham
ao pano da tela são cuidadosamente construídas. Nada, nenhuma pincelada está
ao acaso, mas há sim, uma redução de expressão, feita com cores muito suaves e
monótonas, como em Hotel Room.

FIGURA 46 - LUC TUYMANS. HOTEL ROOM, 1986. ÓLEO SOBRE TELA. 50 X 60 CM

FONTE: <https://www.muhka.be/programme/detail/46-latt-dialogue-2-luc-tuymans-vanessa-
van-obberghen/item/4170-hotelkamer-hotel-room>. Acesso em: 18 set. 2018.

55
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

DICAS

Veja a entrevista de Luc Tuyman concedida a Francisco Quinteiro Pires, para o


jornal O Estado de Chicago, em 2010.

O sr. se diz um artista europeu. O que isso significa?


Ser um artista originário de um país pequeno como a Bélgica - fundado somente em 1830,
depois das Guerras Napoleônicas - significa que a minha herança cultural é infestada por
uma história bélica. O interessante é que, em meio ao passado violento, a região da Bélgica
exerceu grande e constante impacto na cultura da Europa Central, a começar pelo mestre
flamengo Jan van Eyck para chegar aos dias atuais.

Na sua opinião, as obras de arte não nascem espontaneamente. São o resultado da


transformação do real em algo novo. Como o sr. transfigura a realidade em uma obra de arte?
Todas as imagens que utilizo em minhas pinturas existem de verdade. Elas vêm de desenhos,
aquarelas, maquetes, Polaroids, websites, etc., todas retrabalhadas em uma variedade de formas.
O fato é que os materiais e o produto da pintura, de acordo com o meu ponto de vista, geram
dúvidas sobre a obra artística. Para mim, imagens nunca são conclusivas ou estão finalizadas, elas
apenas alcançam um determinado limite dentro do que chamo de a realidade do real.

O seu olhar se dirige sempre para traumas do passado, sugerindo que a tragédia se avizinha
quando se ignoram os exemplos da história. Por que o exame da memória é tão crucial
para as suas pinturas?
Para se entender como europeu, é preciso contemplar as consequências da história. Ao
contrário do chamado Novo Mundo - que não consegue se descolar totalmente do passado
de colonialismo e culturas tribais -, a história pode informar a nós, europeus, sobre o futuro.
À medida que a nossa população se adensa e os nossos recursos diminuem, o que nos resta
como único capital simbólico são apenas a nossa herança cultural e a nossa inteligência.

O colapso físico e psicológico é um tema constante da sua obra. As cores empregadas pelo
sr. exibem tonalidades que sugerem tristeza, desesperança e sadismo. Como podemos
interpretar o seu trabalho?
Mais que tristeza, desesperança e sadismo, as tonalidades das cores em meu trabalho
enfatizam a indiferença, a alienação, o distanciamento e o incômodo da incapacidade de
memorizar algo sem fragmentos. Além disso, a tonalidade pode expandir ou criar uma
profundidade diferente daquela proporcionada pela ilusão da perspectiva.

Por que a sua expressão artística se baseia em um meio tão tradicional quanto a pintura a
óleo, certa vez tachada de arte anacrônica?
Bem antes do início de uma pintura, eu me dedico a uma extensa pesquisa de imagens e a
um treinamento meticuloso. Como trabalho com figuração, é de extrema importância saber
o que vou pintar e o que essa pintura significa para em seguida decidir o modo pelo qual vou
pintar. Eu uso tudo, desde desenhos originais até websites. Tempos atrás, os artistas resistiam
à ideia de reprodução mecânica da imagem, mas hoje acredito que continuar negando
novas formas de mídia é algo sabidamente ridículo. É melhor percebê-las e incorporá-las
como parte da caixa de ferramentas. Já passou a época em que um artista poderia ser
caracterizado pelo material que utiliza. Embora seja tradicional, a pintura a óleo é para
mim algo bem específico tanto em sua proposta quanto em sua precisão. Ela nunca será
anacrônica. A sua constituição física e a sua vasta quantidade de detalhes criam um artefato
que, de tão único, se torna insubstituível. Em resumo, eu pinto porque não sou ingênuo.

FONTE: <https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,o-desassossego-de-um-pintor-
imp-,649894>. Acesso em: 18 set. 2018.

56
TÓPICO 3 | NOVOS RUMOS DA PINTURA

Nos trabalhos de Lucien Freud (1922–2011), artista de grande relevância


para a pintura contemporânea, a personalidade dos sujeitos se coloca à vista, a
alma se faz visível inteiramente. O realismo do pintor revela as angústias, as dores
e as cicatrizes, sejam elas externas ou internas, que lhes acometeram ao longo
do tempo. Ao nos depararmos com as telas de Freud, entramos na intimidade
de cada retratado, não como ficcionalidade, mas como existências reais, em suas
vulnerabilidades.

FIGURA 47 - LUCIEN FREUD. AUTORRETRATO, 1985. ÓLEO SOBRE TELA

FONTE: <https://www.artecapital.net/exposicao-356-lucian-freud-portraits>.
Acesso em: 30 nov. 2018.

A nudez de seus trabalhos coloca o homem distante da cultura, em um


estado selvático, por isso a frequente presença de animais nos quadros, como na
figura abaixo. Freud nos dá a conhecer a natureza humana, o corpo e a carne.

FIGURA 48 - LUCIEN FREUD. ELI AND DAVID, 2005-2006. ÓLEO SOBRE TELA

FONTE: <https://www.artecapital.net/exposicao-356-lucian-freud-portraits>.
Acesso em: 30 nov. 2018.

57
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

DICAS

Pesquise sobre os seguintes artistas, cujos trabalhos já estão sedimentados


pela crítica: Antoni Tàpies (1923–2012), Frank Auerbach (1931) e David Hockney (1937).

E não deixe de saber mais sobre: Georg Baselitz (1938), Sigmar Polke (1941–2010), Manolo
Valdés (1942), Anselm Kiefer (1945), Ross Bleckner (1949), Julian Schnabel (1951), Francesco
Clemente (1952), David Salle (1952), Marlene Dumas (1953), Phillip Taafe (1955), Julio Galán
(1958–2006) e Guilhermo Kuitca (1961).

3 A PINTURA NO BRASIL
É fato que a Europa universalizou, e categorizou, alguns objetos como
sendo arte, como pinturas à óleo, esculturas em mármore e algumas construções
arquitetônicas, e pormenorizou outras, como a ourivesaria e produtos da cultura
popular. Com o artista não foi diferente, houve uma categorização da profissão
do artista, ou seja, ele deveria ser homem, europeu, branco e com certa erudição.

Como poderia se aplicar essa tipologia ao território brasileiro? Difícil


isso acontecer no cenário de outrora. Os cânones artísticos trazidos para o
país precisaram ser reconfigurados, de acordo com a sociedade local ainda em
formação. Assim, Tadeu Chiarelli observa que a arte brasileira pode ser dividida
em dois grupos:

[...] o primeiro congregaria as manifestações dos segmentos sociais


marginalizados, onde conviveriam em amálgama contribuições
de diversas culturas, como as de derivação indígena, africana,
portuguesa e de outros povos para cá imigrados no século passado.
Essas manifestações teriam um caráter fundamentalmente popular e
serviriam de base para uma parcela significativa da produção artística
erudita; o segundo grupo congregaria justamente a produção erudita,
herdeira da arte europeia, iniciada no país de maneira mais sistemática
com a atuação da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro
no século XIX (CHIARELLI, 2002, p. 12).

A arte erudita se sobressaiu, entretanto, adquiriu uma peculiaridade que a


deixou singular: a apropriação de qualidades da arte popular. Outro fato diverso
do que era produzido na Europa foi o número considerável de mulheres artistas.

Mas a profissão artista só foi instituída no país com a Missão Francesa, em


1816, no Rio de Janeiro. Até então era tida como apenas atividade manufatureira
de escravos e libertos, mas marginalização dos produtores de arte ainda prevalecia
no século XIX, de modo que não era bem vista como possibilidade profissional
para os filhos dos mais abastados. Pedro Américo (1843–1905) e Victor Meirelles
(1832–1903) fugiram a esse estigma, e conseguiram ser respeitados pelas suas
produções.
58
TÓPICO 3 | NOVOS RUMOS DA PINTURA

No quadro A Primeira Missa do Brasil, Victor Meirelles retrata


academicamente um passado heroico, porém, de cunho nacionalista, na
valorização da paisagem e dos indígenas.

FIGURA 49 - VICTOR MEIRELLES. A PRIMEIRA MISSA NO BRASIL, 1860. ÓLEO SOBRE TELA. 268
X 356 CM. MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES. RJ

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Primeira_Missa_no_Brasil_(Victor_Meirelles)>. Acesso em:


18 set. 2018.

Responsáveis por grande parte da produção artística brasileira, estão


os imigrantes, principalmente Georg Grimm (1846–1887), com seu naturalismo
paisagístico, e Alfredo Volpi (1896–1988), na síntese entre a visualidade brasileira
e a tradição pictórica europeia, que confere a seus trabalhos uma rica e particular
visualidade, agregado a grande simbolismo.

Uma das bases que atestam a singularidade da pintura de Volpi,


portanto, é a inclusão na sua pintura de procedimentos trazidos de
sua experiência como pintor-decorador. Essa atitude, aliada ao uso
apropriado de cores que remetem a uma visualidade impregnada
de uma luz tropical, contribui para que em sua obra resplandeça
uma perfeita interação entre os elementos constitutivos da pintura e
as referências à realidade circundante. Interação essa que acaba por
aproximar o observador de sua obra, uma vez que nela estão inclusos
elementos que não dizem respeito a uma sintaxe pictórica erudita, mas,
pelo contrário, nela persiste a presença de um substrato encarnado no
popular, tornado erudito por um olhar sensível à complexidade do ato
de, através da arte, transcender o real (CHIARELLI, 2002, p. 24–25).

59
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

FIGURA 50 - ALFREDO VOLPI. MASTROS, 1970. TÊMPERA SOBRE TELA. 72 X 101,5 CM. MUSEU
DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO

FONTE: <http://simarte.com.br/pt-BR/Exposicoes/Obras?exposicaoId=60>.
Acesso em: 18 set. 2018.

E
IMPORTANT

Veja os nomes de alguns imigrantes, ou primeiros descendentes, que


contribuíram para a arte brasileira:

Giovanni Castagneto (ITÁLIA, 1851–1900); Eliseo Visconti (ITÁLIA, 1866–1944); Carlos Oswald
(ITÁLIA, 1882–1971); Ernesto de Fiori (ITÁLIA, 1884–1945); Anita Malfatti (SP, 1889–1964);
Lasar Segall (LITUÂNIA, 1891–1957); Alberto Guignard (RJ, 1896–1962); Guido Viaro (ITÁLIA,
1897–1971); Francisco Rebolo (SP, 1902–1980); Livio Abramo (SP, 1903–1993); Portinari (SP,
1903–1962); Fulvio Pennacchi (ITÁLIA, 1905–1922); Yoshiya Takaoka (JAPÃO, 1909–1978);
Fayga Ostrower (POLÔNIA, 1920–2001); e Manabu Mabe (JAPÃO, 1924–1997).

Imigrantes e primeiros descendentes atuaram enfaticamente para a


efetivação de um circuito de arte no país, com trabalhos com peculiaridades
locais, com características próprias, de uma atestada brasilidade.

Devido ao caráter rarefeito do circuito local, os artistas imigrantes


pouco foram vistos como estrangeiros, no sentido de diferentes,
estranhos ao meio. Pelo contrário, na grande maioria foram
incorporados pelo circuito no máximo como brasileiros nascidos em
outros países (CHIARELLI, 2002, p. 16).

Não podemos deixar de citar os brasileiros Almeida Júnior (1850–1899),


Antônio Parreiras (1860–1937), Batista da Costa (1865–1926), Di Cavalcanti (1897–
1976) e Tarsila do Amaral (1886–1973). A esta última damos destaque, tendo em
vista que foi a primeira que conseguiu reunir em seus trabalhos, sobretudo na
fase pau-brasil, a realidade física e humana do país às linguagens vanguardistas
europeias, objetivo tanto almejado pelos modernistas.
60
TÓPICO 3 | NOVOS RUMOS DA PINTURA

NOTA

O movimento modernista teve destaque com a Semana de Arte Moderna de


1922, quando inúmeros intelectuais e artistas se reuniram para mostrar suas produções.
Dentre eles estavam Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Cândido Portinari, Cícero Dias, Antônio
Bandeira, Alfredo Volpi, Di Cavalcanti, Ismael Nery e Vicente do Rego Monteiro.

FIGURA 51 - TARSILA DO AMARAL. O MAMOEIRO (FASE PAU-BRASIL), 1925. ÓLEO SOBRE TELA.
65 X 70 CM. INSTITUTO DE ESTUDOS BRASILEIROS – USP. SÃO PAULO

FONTE: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1623/o-mamoeiro>.
Acesso em: 18 set. 2018.

Percebemos, então, que a arte brasileira tomou um caminho, em que o


mundo circundante de cada artista ganhou valor e direcionou os trabalhos, de
modo a integrar o artista com o público. O crítico Guy Brett (apud CHIARELLI,
2002, p. 24) chama de característica humanista, com a qual Lygia Clark, Hélio
Oiticica e tantos outros trabalharam tão bem. É o que faz com que essa arte
dialogue com “as vertentes internacionais, mas com um sotaque local bastante
característico” (CHIARELLI, 2002, p. 26).

Também destacamos José Panceti (1902–1958), Zélia Salgado (1904–2009),


Iberê Camargo (1914–1994) e Abraham Palatnik (1928), que estudou na Escola
Técnica Montefiori, em Tel Aviv, especializando-se em motores de explosão;
assim como frequentou o Instituto Municipal de Arte. Ao retornar para o
Brasil, Palatnik entra em contato com pintores (Ivan Serpa, Renina Katz e Almir
Mavignier) e teóricos (Mário Pedrosa e Nise da Silveira), o que, juntamente com
sua experiência, acarreta no cinetismo de seus trabalhos. O referido artista estuda
a luz e o movimento, e se vale do rigor matemático para organizar o espaço, de

61
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

modo que o planejamento fica evidente na harmonia de seus trabalhos. Não é


sem motivo que ele é denominado artista/inventor pela crítica.

FIGURA 52 - ABRAHAM PALATNIK. PROGRESSÃO R-7, 1993. MASSA E ÓLEO


SOBRE TELA. 100 X 100 CM

FONTE: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra35071/progressao-r-7>.
Acesso em: 18 set. 2018.

DICAS

Não deixe de pesquisar sobre os trabalhos de Rubem Ludolf (1932-2010),


Wanda Pimentel (1943), Luiz Aquila (1943), Manfredo Souzanetto (1947), Sérgio Fingermann
(1953) e Gonçalo Ivo (1958).

Tomie Otake, nascida em Kyoto, no Japão (1913–2015) foi de grande


relevância para a visualidade do que é produzido no país. Utilizou a abstração
em um primoroso equilíbrio de composição, que ora faz lembrar Mark Rothko.

62
TÓPICO 3 | NOVOS RUMOS DA PINTURA

FIGURA 53 - TOMIE OTAKE. SEM TÍTULO, 1963. ÓLEO SOBRE TELA. 135 X 100 CM

FONTE: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra3758/sem-titulo>. Acesso em: 18 set. 2018.

Feita por Daniel Senise (1955), a pintura Musée d’Orsay faz parte de uma
série de trabalhos em que o pintor retrata o interior de museus, para falar da
importância da história da arte para o que é produzido na contemporaneidade.

FIGURA 54 - DANIEL SENISE. MUSÉE D’ORSAY, 2014. ACRÍLICO E RESÍDUOS SOBRE TELA
COLADA EM ALUMÍNIO. 150 X 400 CM

FONTE: <http://www.danielsenise.com/daniel-senise/obras/?tipo=v10>.
Acesso em: 18 set. 2018.

Para finalizar sobre nossos artistas que utilizam a pintura em seu processo
artístico, falaremos de Paulo Pasta (1959), que trabalha com suaves variações
tonais, ocasionando um equilíbrio interno, com referência ao passado e ao campo
da memória. Isto se dá pelo fato de o artista fazer ranhuras na camada espessa de
tinta, deixando ver as nuances do fundo, de modo que a imagem passa a lembrar a
textura de frontões e colunas. A nostalgia aparece, remetendo ao tempo histórico
de outrora.

63
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

FIGURA 55 - PAULO PASTA. SEM TÍTULO, 1989.ÓLEO E CERA SOBRE TELA. 190 X 220 CM

FONTE: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9809/paulo-pasta>.
Acesso em: 18 set. 2018.

Veja um trecho da entrevista realizada no ateliê do artista, em São Paulo,


no dia 14 de julho de 2008, concedida a Ana Calzavara:

Eu não tenho uma atitude irreverente com a cultura, mas também não
sou muito reverente. Como eu gosto de pintura e quero pintar, isso
para mim está associado já a um corpo de trabalho, à tradição. Eu não
posso negar, desviar-me disso. Eu gosto de arte. Há muitos artistas -
vejo isto com frequência - que têm uma atitude de confronto em relação
à arte. Eu não me vejo assim. Eu sou mais da síntese. Modernismo para
muitos significa ruptura; para mim é mais continuidade. Eu não vejo,
por exemplo, ruptura entre Picasso e Cézanne. É nesse sentido que
falo da continuidade. Claro que você, dentro disso, está na sua época.
Cada artista contribui com o seu tempo. Então, a sua época age em
você. Matisse falava que a gente não é dono da nossa profissão, ela nos
é imposta. É um pouco isso. Mesmo um artista que eu adoro, o Jasper
Johns: você vê que ele opera dentro da tradição, está lá o Cézanne. E eu
não gostaria nunca que esse sentido da tradição fosse entendido como
um elogio do passadismo, de um lugar ideal que já foi perdido. Eu
não quero me colocar em uma posição nostálgica e reacionária nesse
sentido. Mas eu acho que a tradição está aí [...] (CALZAVARA, 2008,
p. 52-67).

Após a leitura desta unidade, é possível dizer que a produção artística


gira em torno de poéticas. Portanto, sugerimos aqui aproximações entre alguns
dos artistas brasileiros contemporâneos:

• Poéticas geométricas: Amílcar de Castro, Franz Weissmann, Sérgio Camargo,


Lygia Clark, Lygia Pape, Waltercio Caldas.
• Poéticas da palavra: Leonilson, Cildo Meireles, Anna Bella Geiger, Mira
Schendel.
• Poéticas da natureza: Nelson Félix, Beatriz Milhazes, Brígida Baltar, Amélia
Toledo.
• Poéticas do corpo/carne: Arthur Barrio, Nazareth Pacheco, Edgard de Souza.
• Poéticas tecnológicas: Abraham Palatnik, Julio Plaza, Waldemar Cordeiro,

64
TÓPICO 3 | NOVOS RUMOS DA PINTURA

Eduardo Kac, Giselle Beiguelman.


• Poéticas da história da arte: Adriana Varejão, Nelson Leirner, Regina Silveira,
Rosindo Torres.
• Poéticas verbais x visuais: Augusto e Haroldo de Campos, Arnaldo Antunes.
• Poéticas das apropriações: Jac Leirner, Emmanuel Nassar.
• Poéticas do corpo: Hélio Oiticica, Ernesto Neto.
• Poéticas fotográficas: Rosângela Rennó, Vik Muniz, Mario Cravo Neto, Alair
Gomes, Anna Mariani.
• Poéticas da matéria e natureza: Shirley Paes Leme, Nuno Ramos, Tunga,
Carmela Gross.

Não deixe de pesquisar sobre esses artistas. Selecione uma poética e


observe o processo artístico de cada um e avalie o êxito de suas obras diante do
que foi pretendido dialogar, a coerência dos materiais utilizados e a estética. Veja
também com quais artistas de outras épocas poderia se comunicar e se há literatos,
filósofos ou mesmo teóricos, de outras áreas, que tenham escritos que possam ser
referendados. A pesquisa em arte abarca inúmeras esferas do conhecimento, de
modo a enriquecer imensamente nosso estar no mundo.

65
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

LEITURA COMPLEMENTAR

TORNANDO VISÍVEL A ARTE CONTEMPORÂNEA

Eduardo Coimbra e Ricardo Basbaum

Em uma sequência de artigos, publicados inicialmente no suplemento


Ideias do Jornal do Brasil e agora reunidos no livro Argumentação contra a morte
da arte, o crítico de arte Ferreira Gullar levantou diversos impedimentos acerca da
legitimidade da arte contemporânea. Por uma série de dificuldades, essa produção
de arte nem sempre tem sido trazida a público de modo claro e preciso, sendo
frequentemente questionada em termos do seu próprio valor e possibilidade. Como
artistas plásticos, produtores e pensadores de arte, achamos necessário expressar
nossas posições acerca dessas questões, deslocando-as de um horizonte anacrônico,
limitado e preconceituoso - do qual partem visões como as de Gullar - para um
campo ampliado, atual, crítico e transformador.
Grande parte dessa visão que põe em dúvida a legitimidade da produção
contemporânea deve-se, na realidade, à precariedade do meio de arte no Brasil:
crítica que não cria pensamento em contato com as obras; mercado que não promove
a circulação dos trabalhos; museus sem capacidade de formação de acervos.

Pode-se dizer que o papel da crítica foi fundamental para a articulação


e eclosão do movimento neoconcreto, momento raro em que crítica e produção
caminharam juntas. Todas as possibilidades que se seguiram, experimentadas
pela arte dos anos 1960, no Brasil, têm origem na consistência e sofisticação desse
embate: ideias e conceitos, em arte, são sempre formados verbal e plasticamente,
de modo que não é possível existir criação crítica desvinculada de um contato
direto com as obras, assim como é ingênuo supor que se pode produzir arte sem
pensamento. O Suplemento Dominical do Jornal do Brasil foi um espaço, na
imprensa, que permitiu o desenvolvimento de uma discussão deste tipo.

A crítica de arte, por diversos fatores, não manteve a continuidade dessa


linha de atuação de criação de pensamento, seguindo um desempenho pontuado
por espasmos isolados e desarticulados entre si, em meio a momentos de retração
crítica. Nesse sentido, um último momento brilhante da relação crítica-obra ocorreu
em um segmento da produção brasileira dos anos 1970, articulado por veículos
como Malasartes, Opinião, Espaço ABC e, posteriormente, A Parte do Fogo.

Já os anos 1980 foram marcados por um falso antagonismo entre crítica e


pintura, nefasto para ambas, anulando o espaço de atuação da crítica, suplantada
pelos valores de mercado, e restringindo a pintura ao prazer de pintar. Para
os ideólogos da Geração 80, a pintura seria "independente do discurso verbal
da crítica", numa postura que reduz o objeto artístico a uma condição passiva,
contemplativa e esteticista. Essa postura redutora se enraizou de tal modo no
circuito de arte (do Rio de Janeiro) que contaminou não só a crítica como também
museus e mercado, incapacitando-os de localizar corretamente os segmentos

66
TÓPICO 1 | A PINTURA E SEUS MOTIVOS

atuantes da produção contemporânea. Na realidade, essa passividade traz


implícita uma conceituação do artista como um subprodutor, do qual se espera
que produza de acordo com expectativas já delineadas por um circuito que não
aceita ser questionado e transformado pela atividade artística, e no qual as vozes
da crítica - dispensadas pela imprensa ou ocupadas em reuniões institucionais -
resumem-se, quando muito, a três minutos de bate-papo no calor do vernissage.

Para tornar visível a produção contemporânea é necessário o emprego


de métodos corretos, de modo a extrair de um conjunto de atividades caóticas
e disformes os contornos precisos de um acontecimento artístico. A dificuldade
desse trabalho é a exigência de estar sempre disponível para recriar parâmetros
críticos, reconhecendo a primazia das obras na deflagração desse processo; do
contrário, uma reflexão calcada em preconceitos tornar-se-ia uma especulação
estética vazia e estéril.

Nos últimos trinta anos, as pesquisas plásticas, avançando além da arte


moderna, nada mais fizeram que radicalizar e aprofundar diversas questões, entre
as quais romper com a ideia da especialização do artista em um meio específico
- busca da essência -, combater a discriminação entre materiais e meios artísticos
e não artísticos e ampliar o campo de atuação da arte para além de um espaço
próprio, fechado, que não se relacionasse com outros campos do conhecimento.

Produzir arte hoje é operar com vetores de um campo ampliado. Um


campo que se abre ao entrecruzamento das diversas áreas do conhecimento,
num panorama transdisciplinar, sem prejuízo de sua autonomia e especificidade
enquanto prática da visualidade. A cultura como paisagem não natural configura
o território em que se move o artista: sua ação transforma-se numa intervenção
precisa ao mobilizar instabilidades do campo cultural (regiões da cultura que
permitem problematizações, conflitos, paradoxos), por meio de uma inteligência
plástica que torna visível uma rede de relações entre múltiplos pontos de oposição,
na qual o trabalho de arte é um dispositivo de processamento simultâneo e
ininterrupto, e nunca uma representação, dessas relações.

Para resgatar a importância da produção artística contemporânea como


valor cultural, é necessário aceitar e compreender, repetimos, a primazia da obra,
mas enquanto objeto especial de visibilidade através do qual se propagam as
questões instauradoras da trama do real-processo complexo, de compromisso
ético-estético, permitindo acesso a um veloz impulso de atualização. É a partir
das obras que destacamos alguns pontos de oposição que atravessam a produção
contemporânea como um todo, variando em maior ou menor grau, em suas
diversas vertentes (essa pequena amostragem não menciona, por questão de
espaço, muitos dos principais artistas contemporâneos):

TEXTO X IMAGEM - qualquer trabalho de arte se relaciona com o campo


discursivo, mas alguns incorporam diretamente o texto como matéria ou narrativa
imagética, em uma interpenetração entre verbal e plástico (Ed Ruscha, Joseph
Kosuth, Barbara Kruger, John Baldessari, Rosângela Rennó, Jenny Holzer, Alex
Hamburger, Leonilson).
67
UNIDADE 1 | GÊNEROS DE PINTURA

COMUNICAÇÃO X PENSAMENTO - quando a instantaneidade


comunicativa comprime o tempo de reflexão, com a utilização de logomarcas,
sinais, diagramas, slogans (Matt Mullican, Ricardo Basbaum, Peter Halley, Lothar
Baumgarten, Hans Haacke, Barbara Kruger).

ESPAÇO ÍNTIMO X ESPAÇO PÚBLICO - qual a fronteira entre impessoal/


público e íntimo/ individual? Anomalias da intimidade tornada pública, inocência,
perversidade, desejo, obsessão, vida e morte (Robert Gober, Mike Kelly, Lia
Menna Barreto, Matthew Barney, lvens Machado, Fernanda Gomes, Rodrigo
Cardoso, Tunga, Valeska Soares), o isolamento e a massificação do indivíduo no
espaço público e político (Jenny Holzer, Sandra Kogut, Andres Serrano, Cildo
Meireles, Barrio, Gran Fury, Guerrilla Girls).

TECNOLÓGICO X TRANSLÓGICO - o disfuncionamento do objeto


a partir de racionalidades não lineares e sua recuperação através de práticas
apropriativas e de intervenção (Waltercio Caldas, Bertrand Lavier, Ange Leccia,
Jac Leirner, Barrão, Ashley Bickerton, Eduardo Coimbra, Milton Machado, Mark
Dion), e a desnaturalização do espaço ambiental e sua reconstrução por meio de
uma neutralidade ativa e estrutural (Jan Vercruysse, Ana Tavares, John Armleder,
Waltercio Caldas, Marcos Chaves, Carla Guagliardi).

REAL X SIMULAÇÃO - a persistência da imagem como fator de


desmaterialização do Real, tornado signo, e também de criação de realidades
virtuais nas quais, por um lado, a matéria está presente como adjetivo da imagem
(Richard Artschwager, Leda Catunda, Haim Steinbach, João Modé, Marcia X.,
Brígida Saltar, Sérgio Romagnolo), e, por outro, a utilização de uma iconografia
própria da reprodutibilidade, simultaneamente cópia e original, configura
um território autocentrado que remete sempre a si mesmo (Jeff Koons, Cindy
Sherman, Allan McCollum, Haim Steinbach, Sherrie Levine, Marcia Ramos,
William Wegman).

HISTÓRIA DA ARTE COMO UM CAMPO DA CULTURA - é possível


encontrar trabalhos que questionam a possibilidade e a eficiência dos meios
tradicionais (natureza da pintura e da escultura), através de procedimentos de
extração ou saturação que tensionam seus limites enquanto meios específicos
(Robert Ryman, Jorge Guinle,Anselm Kiefer, Daniel Senise, Julian Schnabel,
Beatriz Milhazes, Marcus André, Alexandre Dacosta, Nuno Ramos, Frida Baranek,
Carla Guagliardi, Ernesto Neto, José Resende, Ângelo Venosa).

Todas essas oposições, e muitas outras que certamente poderiam ser


levantadas, configuram, na realidade, um conjunto de possibilidades na rede de
relações que emergem de cada trabalho de arte, de modo que cada obra seria
verdadeiramente atravessada por uma multiplicidade, e não por um só par de
oposições. O mapeamento proposto acima deve ser entendido como uma das
possíveis estratégias de localização e nunca como redução dessas obras a uma
única questão. O trabalho é sempre anterior, ele é uma síntese plástica e não uma
transcrição visual, constituindo-se como uma singularidade a partir do encontro

68
TÓPICO 1 | A PINTURA E SEUS MOTIVOS

sujeito-matéria-contexto. A afirmação de um campo propriamente plástico se


conclui com o estabelecimento de novas modalidades de espaço e tempo, através
das particularidades de cada obra, determinadas pela rede de relações que a
constitui.

É importante lembrar que, dentro da perspectiva do campo ampliado, a


relação dessas obras com a história da arte se dá principalmente a partir de um
questionamento da natureza da obra de arte, e não tanto da natureza de cada
meio de expressão. O artista contemporâneo é um operador da visualidade
e seu trabalho, uma intervenção no campo da cultura: é na atuação de uma
inteligência plástica potencializada ao máximo que o artista busca eficiência
em sua prática, agora estruturada na forma de um Projeto Plástico, sob o signo
da Transdisciplinaridade (cruzamento e superposição de vários campos do
conhecimento) e Intermídia (livre trânsito entre diferentes meios de expressão,
com utilização de diversos materiais).

A partir das ideias expostas acima, demonstramos, em linhas gerais,


ser possível construir um pensamento que permita discutir a produção
contemporânea. Este texto se coloca como uma estratégia de pensamento gerada
em confronto direto com as obras - compartilhando, simultaneamente, de um
mesmo fluxo criativo -, devendo ser lido, portanto, junto com os trabalhos a
que se refere. Só foi possível concretizá-lo a partir de conversas e discussões
realizadas nos últimos três anos, no Rio de Janeiro, dentro do grupo VISO RAMA,
formado por artistas plásticos1 identificados com as possibilidades da arte sob a
perspectiva de um campo ampliado. Esse esforço é necessário para criar condições
de compreensão de nossos próprios trabalhos, confrontando-os com as principais
produções e questões da contemporaneidade, em nível nacional e internacional.

1
Composto, entre outros, por Analu Cunha, Brígida Baltar, Carla Guagliardi,
Eduardo Coimbra, João Modé, Márcia Ramos, Marcus André, Ricardo Basbaurn,
Rodrigo Cardoso, Rosângela Rennó e Valeska Soares.

FONTE: BASBAUM, Ricardo. Arte contemporânea brasileira. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2000,
p. 345-349.

69
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• O grande avanço da tecnologia e o conhecimento científico mudaram o modo


de vida e de pensar das pessoas.

• Ocorreram questionamentos, rupturas e ressignificações na arte a partir do


século XX.

• Tudo o que foi feito, e pensado, ao longo da história da arte, influencia a


produção posterior.

• Após o surgimento da fotografia, a pintura não mais reproduz o real.

• A pintura está presente na poética de vários artistas, como Susan Rothenberg,


Sean Scully, Gerhard Richter e Luc Tuymans.

• Imigrantes e primeiros descendentes tiveram notoriedade para a arte nacional,


a exemplo de Eliseo Visconti, Anita Malfatti, Lasar Segall, Volpi, Alberto
Guignard, Livio Abramo, Portinari, Fayga Ostrower, Manabu Mabe, dentre
outros.

• A arte brasileira teve uma visualidade particular, de modo a integrar o


acadêmico e o popular.

• Palatnik, Senise e Paulo Pasta estão entre os artistas que trabalham com a
pintura na contemporaneidade.

70
AUTOATIVIDADE

1 No momento em que ocorreram mudanças no campo social, econômico


e político no mundo, o modo de vida e, consequentemente, da produção
de símbolos, significados e sentidos também se modificou. Tendo em vista
a produção e o que foi pensado sobre a arte nos últimos anos, assinale a
alternativa INCORRETA:

a) ( ) A estética e o pensamento sobre a produção dos artistas respondem às


mudanças no cenário mundial.
b) ( ) A ideia de morte da pintura foi indicada e atestada no século XXI.
c) ( ) Sean Scully concebe suas faixas horizontais e verticais dentro de
princípios simbólicos e psicológicos.
d) ( ) A poética de Luc Truymans gira em torno da memória.

2 Sobre a arte produzida no Brasil, assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) Imigrantes e primeiros descendentes foram responsáveis por grande


parte da produção da arte brasileira.
b) ( ) Tarsila foi uma artista modernista.
c) ( ) Os trabalhos de Palatnik possuem visualidade cinética.
d) ( ) Paulo Pasta fala em rupturas na arte, ao invés de continuidades.

3 Após ler o parágrafo abaixo, a respeito dos trabalhos de Gerhard Richter,


discorra sobre como o advento da fotografia influenciou a produção pictórica.

O alemão Gerhard Richter (1932) baseia suas pinturas na fotografia, mas


sem precisões, de modo a alterar suas representações do real e ocultar as
identidades. Afinal, seus quadros surgem a partir do seu próprio acervo de
fotografias, de seu universo relacional.

71
72
UNIDADE 2

DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO
CRIATIVO COM A PINTURA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer teorias que permeiam a ideia de imitação e de expressão do


mundo;

• saber os critérios estipulados para compreender uma obra e o que a


caracteriza enquanto tal;

• verificar alguns elementos constitutivos de um trabalho artístico,


sobretudo a cor;

• reconhecer a pintura contemporânea e suas especificidades, bem como


suas perspectivas e o cenário artístico que a cerca;

• dialogar sobre arte, moda e design;

• refletir sobre o ensino da arte na sociedade atual.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – ESPECIFICIDADES ESTÉTICAS E HISTÓRICO-CULTURAIS


DA PINTURA

TÓPICO 2 – PINTURA NO CAMPO AMPLIADO

TÓPICO 3 – PINTURA NA ESCOLA

73
74
UNIDADE 2
TÓPICO 1

ESPECIFICIDADES ESTÉTICAS E HISTÓRICO-


CULTURAIS DA PINTURA

1 INTRODUÇÃO
O mundo tornou-se imagético e sequer pensamos no processo da produção
das imagens que nos circundam. Há muitos séculos, os artistas estudam e
elaboram teorias a respeito dos elementos compositivos, bem como pensamentos
sobre as temáticas. Todo esse rico material é, hoje, utilizado em várias mídias, de
modo a perceber que uma obra de arte exige um árduo processo de elaboração,
não sendo apenas constituída por uma inspiração. Como nos diz Gombrich (1993,
p. 17), “em última análise, nessas obras, os grandes mestres entregaram-se por
inteiro, sofreram por elas, sobre elas suaram sangue e, no mínimo, têm o direito
de nos pedir que tentemos compreender o que quiseram realizar”.

A pintura é uma das mais antigas maneiras de representatividade utilizada


pela humanidade. O advento da câmera fotográfica promoveu a mudança de seu
propósito, ainda assim ela permite a visibilidade do mundo e fornece subsídios
para repensá-lo. E isso é possível somente porque o bom artista se empenhou
para elaboração de sua obra, ela possui uma materialidade. Conforme nos diz
Maurice Denis (apud LICHTENSTEIN, 2006, p. 138), é preciso “lembrar-se de que
um quadro — antes de ser um cavalo de batalha, uma mulher nua ou um fato
pitoresco qualquer — é, essencialmente, uma superfície plana recoberta de cores
dispostas em certa ordem”.

Para seguir este caminho de compreensão da arte, serão verificados


os questionamentos sobre a qualidade imitativa e expressiva de um trabalho
artístico. Posteriormente, serão analisados alguns critérios propostos para olhar
e apreciar uma obra e questionar sobre o que faz dela uma obra de arte, para,
então, adentrar ao elemento cor, tão próprio da linguagem pictórica.

2 DESENHO E PINTURA: IMITAÇÃO E EXPRESSÃO


Os modos de representatividade da imagem permeiam a pintura desde
suas primeiras manifestações. Se outrora vigorava a ideia de imitação fiel da
realidade, tempos depois, um quadro deveria conter a sua interpretação do real,
de modo a focar na expressividade.

75
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

Até o final do século XIX os artistas se esmeravam em imitar a natureza e,


para tanto, eram enfatizadas sua habilidade e percepção visual da realidade. Essa
característica só perdeu importância quando o referencial real foi questionado. O
advento da fotografia contribuiu para que as obras se dissociassem da realidade,
afinal, se a câmera já proporcionava tal feito, qual seria, então, o papel do artista?

Se na Idade Média os artistas imitavam a “obra de Deus” manifesta na


natureza, no Renascimento reaparece o ideal de beleza, como sendo a imitação do
poder de Deus. Foi o momento de muitos estudos científicos, sobretudo na área
da anatomia, para se chegar à perfeição das formas.

Notamos que a questão imitativa e de referencial do mundo real permeia a


história da arte e direciona movimentos artísticos. É válido notar que alguns deles
retornam a cânones passados, mas sempre agregando a eles novas discussões,
como é o caso do hiper-realismo.

Local de encontro de artistas em Berlim, Paris Bar foi imortalizado por


Martin Kippenberg (1953–1997) na obra Paris Bar. Observamos que o quadro que
aparece ao fundo é colocado como uma pintura dentro da pintura, retratando o
espaço e suas peculiaridades, como as imagens na parede de fundo.

FIGURA 1 - MARTIN KIPPENBERG. PARIS BAR, 1993. ÓLEO SOBRE TELA. 212 X 382 CM. GALERIE
VOLKER DIEHL, BERLIN

FONTE: <https://www.saatchigallery.com/artists/artpages/kippenberger_paris_bar_berlin.htm>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

Roberto Bernardi (1974) é outro artista que se exime em pinturas intensas


e espetaculares, feitas com tinta à óleo e posterior camada de verniz. Seus quadros
com imagens cotidianas corriqueiras parecem mais reais do que a própria
realidade, quando pinta, detalhadamente, pormenores difíceis de serem captados
até mesmo pelo nosso olhar.

76
TÓPICO 1 | ESPECIFICIDADES ESTÉTICAS E HISTÓRICO-CULTURAIS DA PINTURA

FIGURA 2 - ROBERTO BERNARDI. CANDY RAINBOW, 2010. ÓLEO SOBRE TELA. 87 X 125 CM.

FONTE: <http://www.robertobernardi.com/pagine/paintings.html>. Acesso em: 17 nov. 2018.

NOTA

Na arte hiper-realista são notórios os artistas Chuck Close, Richard Ester, Natan
Walsh, Javier Arizabalo, Alyssa Monks, Rob Hefferan e Gina Heyer.

O conceito de mimese, ou imitação, tem um papel central na arte ocidental.


Conceito, este, desprezado por Platão (428 a.C. – 347 a.C.), mas valorizado por
Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.). Um trabalho de arte deve imitar a natureza ou ser
a expressão do sentimento do artista?

Na Poética (1991), Aristóteles enfatizava ser natural o homem imitar e


ter prazer na comparação de uma pintura com o que é imitado, além de gerar
aprendizado. Afinal, quem não fica à procura de formas conhecidas ao se deparar
com uma superfície que contenha tinta? De todo modo, quanto mais a obra
colocava-se semelhante ao objeto imitado, melhor ela seria. Assim, para ser um
objeto artístico, ela deveria ser produzida pelo homem e ter a faculdade imitativa.

NOTA

A Poética compreende várias anotações das aulas de Aristóteles, registradas


entre 335 a.C. e 323 a.C., nas quais o filósofo discorre sobre a arte poética. A função mimética
e seus efeitos catárticos, da emoção estética e da ampliação da consciência são descritos,
com ênfase na tragédia.

77
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

Platão acreditava que o existente na Terra se constituía em imagens


imperfeitas dos objetos no mundo ideal. Cada objeto possuía seu equivalente
aqui, ou seja, o real é, para o filósofo, uma cópia do ideal. A arte, portanto, por
representar os objetos que já são cópias dos ideais, seria uma cópia da cópia.

ATENCAO

Hoje o conceito de imitação foi substituído pelo de representação.

Podemos ver os preceitos imitativos em muitos artistas, como Rafael


(1483–1520), Caravaggio (1571–1610) e Johannes Vermeer (1632–1675), dentre
tantos outros. É possível identificá-la, também, no realismo de José Vital Branco
Malhoa (1855–1933), que retrata costumes populares portugueses.

FIGURA 3 - JOSÉ MALHOA. A SESTA, 1909. ÓLEO SOBRE MADEIRA. 32,5 X 41 CM. MUSEU
NACIONAL DE BELAS ARTES, RIO DE JANEIRO

FONTE: <http://bibliovagos.blogspot.com/2015/04/ha-160-anos-nascia-jose-malhoa.html>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

Não há como não lembrar do trabalho fotográfico de Eugênio Recuenco


(1968). Apesar de não se caracterizar em pinturas tradicionais, há preceitos
pictóricos em suas obras, sobretudo nos Frisos Gregos Antigos, inspirados no
Parthenon, como mostra a figura a seguir.

78
TÓPICO 1 | ESPECIFICIDADES ESTÉTICAS E HISTÓRICO-CULTURAIS DA PINTURA

FIGURA 4 - EUGENIO RECUENCO. FRISOS GREGOS ANTIGOS (PARTE DA OBRA).


FOTOGRAFIA. 714 X 443 CM.

FONTE: <http://caeciliusestinhorto-amorvincitomnia.blogspot.com/2010/11/eugenio-recuenco.
html>. Acesso em: 17 nov. 2018.

Na teoria da arte compreendida como imitação, a ênfase está no objeto


representado. Mas como proceder diante dos trabalhos abstratos de Mark
Rothko (1903–1970) e Barnet Newman (1905–1970)? O desejo de os artistas
representarem a sua visão, a sua percepção sobre o real fez com que as regras
da figuração fossem quebradas. Aqui a teoria da imitação já não abarcava mais
a questão da arte.

No Renascimento, o artista investiga a fundo e de modo científico a natureza,


mas ainda não rompe com a imitação. A partir do Romantismo e da Modernidade
ele se vale, de fato, de seu potencial criador. Muitos artistas e filósofos no século
XIX deslocaram para o artista o foco da compreensão de uma obra artística,
cunhando a teoria da expressão.

Se na obra imitativa o foco estava no objeto, nos trabalhos expressivos


a ênfase fica no sujeito. O artista imprime no quadro a sua potencialidade de
exprimir a sua percepção do mundo, os seus sentimentos e emoções.

Não há dúvida de que Vincent van Gogh (1853–1890), Edvard Munch


(1863–1944) e Franz Marc (1880–1916) são exímios na expressividade de suas
obras. Não podemos deixar de lembrar de Egon Schiele (1890–1918) e suas figuras
retorcidas e pinceladas enfáticas, que nos deixam perceber sua honestidade
emocional.

79
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

FIGURA 5 - EGON SCHIELE. O ABRAÇO DOS AMANTES, 1917. ÓLEO SOBRE TELA. 100 x 170
CM. OSTERREICHISCHE GALERIE BELVEDERE, VIENA

FONTE: <https://favourite-paintings.blogspot.com/2011/03/egon-schiele-embrace.html>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

Se Jackson Pollock (1912–1956) pode ser categorizado como expressivo, o


mesmo se dá com Piet Mondrian (1872–1944)? Não é raro percebermos trabalhos que
não se valem da exteriorização de um sentimento do autor. Nesse viés, uma terceira
teoria propõe que o foco seja colocado no espectador, afinal, a obra é significante
e desperta algum sentimento ou pensamento, ou seja, tira o vidente de seu estado
natural e o toca de alguma forma. É isso que se espera de uma obra de arte.

A teoria formalista, ou teoria da forma significante, surgiu para tentar explicar


a arte cujo tônus não está na representação do real, tampouco na exteriorização das
emoções do artista. O filósofo e crítico de arte Clive Bell (1881–1964) era um de seus
partidários. A teoria sugere que não se deve focar na obra ao procurar pela sua
definição, mas no espectador e na emoção estética que ela nos causa, a partir da
organização de suas formas, como ocorre ao nos depararmos com um Oscar-Claude
Monet (1840–1926), Gustav Klimt (1862–1918), Marc Chagal (1887–1985), Salvador
Dali (1904–1989), Francis Bacon (1909–1992) ou Wassily Kandinsky (1866–1944).

Outro exemplo é Beatriz Milhazes (1960), artista brasileira, participante


da Geração 80, e que tem suas obras com referência no período barroco e na Art
Déco. Na maioria de seus trabalhos utiliza formas circulares, ocasionando um
plano de rico cromatismo.

NOTA

Geração 80 denomina um grupo de artistas que retomaram a pintura contrapondo-


se à vertente conceitual predominante na década anterior. O marco dessa visualidade foi a
exposição Como vai você, Geração 80?, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no ano
de 1984, em que participaram 123 artistas, dentre eles estavam Beatriz Milhazes, Daniel Senise,
Leonilson, Luiz Pizarro, Alex Vallauri, Karin Lambrecht, Leda Catunda, Luiz Zerbini, Sérgio
Romagnolo, Cristina Canale, Ana Maria Tavares, Gonçalo Ivo, Elisabeth Jobim, dentre outros.

80
TÓPICO 1 | ESPECIFICIDADES ESTÉTICAS E HISTÓRICO-CULTURAIS DA PINTURA

FIGURA 6 - BEATRIZ MILHAZES. MENINO PESCANDO, 1997. ACRÍLICO SOBRE


TELA. 179,50 X 300 CM

FONTE: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9441/beatriz-milhazes>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

Clive Bell (1927) diz que uma obra só é obra se provoca emoções estéticas
nos sujeitos. E a sua forma transmite isso, como a harmonia das linhas, formas e
cores, por exemplo. Arte seria a forma significante que emana da combinação de
elementos, logo, é aqui que se encontra o valor artístico, não importando se ela é
figurativa ou abstrata.

O ponto de partida de todos os sistemas de estética tem de ser a


experiência pessoal de uma emoção peculiar. Aos objetos que provocam
esta emoção chamamos ´obras de arte´. [...] Esta emoção é chamada
´emoção estética’ e, se pudermos descobrir alguma qualidade comum
e peculiar de todos os objetos que a provocam, teremos solucionado
o que considero o problema central da estética. Teremos descoberto a
qualidade essencial da obra de arte [...] (BELL, 1927, p. 06-07).

Para o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770–1831), a arte


era possível ver realizada de forma sensivelmente universal, mas a arte, ainda,
transcende e amplia o que é representado.

Essa é a característica de elevação da emoção estética, indissociavelmente


ligada à amplitude. Por exemplo: as emoções suscitadas pelo painel de
Picasso intitulado Guernica são mais elevadas que o fato supostamente
retratado, o que as faz serem capazes de se associar a uma grande
variedade de outras representações de massacres de inocentes com maior
ou menor adequação, o que nos permite diferenciá-las valorativamente
umas das outras. Já as emoções épicas suscitadas pela Sinfonia do
Destino, de Beethoven, embora não possuam qualquer objeto próprio,
podem ser associadas a uma grande variedade de representações
de situações de grandeza dramática, digamos, à revolução francesa,
à queda de Roma... Essas associações de cargas afetivas com um
número indeterminado de outras representações explicaria a maior
intensidade da emoção estética pela descarga, pelo espraiamento de
intensidades afetivas na consciência, potencializadas pelos mecanismos
de deslocamento e condensação (COSTA, 2006, p. 33).

81
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

Théodore Géricault (1791–1824), quando fez A Jangada da Medusa, agiu


da mesma maneira que Pablo Picasso (1881–1973) quando elaborou Guernica.
O pintor não pretendia que suas figuras imitassem o real, sequer visava uma
expressão interior, mas, sim, queria que decodificássemos o quadro, elaborado
a partir da notícia de um naufrágio. A pintura mostra o momento em que a
embarcação começa a afundar e os passageiros lutam para à deriva.

FIGURA 7 - THÉODORE GÉRICAULT, A JANGADA DA MEDUSA, 1819. ÓLEO SOBRE TELA. 491 X
716 CM. LOUVRE, PARIS

FONTE: <http://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/a-jangada-da-medusa-
theodore-gericault/>. Acesso em: 17 nov. 2018.

Vemos em Luís Romero (1967), também, a arte significante, quando elabora


um mosaico com bandeiras de vários países que possuem símbolos celestes,
deixando que apenas estes fiquem visíveis. Assim, é possível percebermos que
todos os povos são iguais, estando debaixo de um mesmo céu.

FIGURA 8 - LUIZ ROMERO. CIELO, 2010. VENEZUELA

FONTE: <http://comofuncionaainternet.blogspot.com/>. Acesso em: 17 nov. 2018.

82
TÓPICO 1 | ESPECIFICIDADES ESTÉTICAS E HISTÓRICO-CULTURAIS DA PINTURA

De todo modo, apesar de tantas teorias, ainda é difícil colocar em palavras


o fenômeno estético, afinal, a pintura favorece o olhar e reverbera em todo o
sujeito.

3 O QUE CARACTERIZA UMA PINTURA


COMO OBRA DE ARTE?
Muitas pessoas têm acesso a museus e galerias, mas vê-las, e saber o
porquê de ocuparem tal espaço de destaque, não é tarefa simples, nem mesmo
para quem é da área. Estar diante de um quadro, por exemplo, é adentrar ao
mundo do pintor. Por meio da imagem construída, o artista deixa-nos ver suas
inquietações ou mesmo o espaço circundante da época e suas peculiaridades.
Ele coloca na obra a sua visão de mundo, de modo que Merleau-Ponty (1960) a
denomina de significação existencial.

NOTA

O filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (1908–1961) se debruçou sobre o


estudo da percepção, sugerindo que devemos reaprender a ver o mundo.

Assim, é importante reconhecermos a arte como um sistema simbólico


intimamente ligado à história, sociedade e cultura de uma época. A expectativa
depositada em um trabalho artístico e o papel atribuído ao artista são diferentes
em cada época e sociedade, são mutáveis e relativos. Entretanto, algumas obras
parecem transpor o tempo e nos falam significativamente.

Até o Renascimento, os artesãos realizavam as grandes obras sempre sob o


crivo de seus patrocinadores, que aferiam se ele tinha conhecimento e habilidade
técnica para representar o que lhe era demandado. Foi nesse período que o artista
passou a ser qualificado também pelo seu intelecto e capacidade imaginativa.

Pensando nesse olhar superficial que muitos dedicam aos trabalhos de


arte, Robert Cumming (2005, s.p.) elaborou alguns aspectos para que o apreciador
se detenha, a fim de aproximar o entendimento da imagem:

Tema: Todas as pinturas têm um tema específico, cada um com sua


mensagem significativa. Com frequência o tema é fácil de reconhecer,
mas em muitos casos, em especial nas obras mais antigas, os artistas
escolheram histórias da Bíblia ou relativas aos deuses da Antiguidade,
como aquelas narradas na mitologia grega e romana. Ao criar essas
obras, os artistas deviam presumir que seu público estava familiarizado
com essas histórias. Hoje isso não é mais verdade, porém redescobrir

83
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

esses grandiosos mitos e lendas pode ser um dos maiores prazeres de


se olhar uma pintura.
Técnica: Cada pintura deve ser criada fisicamente, e a compreensão
das técnicas utilizadas, como o emprego da tinta à óleo ou o uso do
afresco, aumenta muito a nossa apreciação da obra de arte.
Simbolismo: Muitas obras usam extensamente uma linguagem de
simbolismo e alegoria que na época era compreendida tanto pelos
artistas quanto pelo público. Os objetos reconhecíveis, mesmo pintados
em detalhe, não representam apenas eles mesmos, mas conceitos de
significado mais profundo ou mais abstrato. A familiaridade com esta
linguagem diminuiu muito, mas ela pode ser redescoberta pelo estudo
dos quadros e das crenças da sociedade que formou o artista.
Espaço e Luz: Os artistas que buscam recriar uma representação
convincente do mundo na superfície plana de uma tela ou madeira
precisam adquirir o domínio da ilusão do espaço e da luz. É notável a
variedade de meios pelos quais esta ilusão pode ser criada.
Estilo Histórico: Cada período histórico desenvolve um estilo próprio,
que se pode perceber nas obras de seus artistas principais. Os estilos
não existem isoladamente, mas se refletem em todas as artes.
Interpretação Pessoal: Qualquer pessoa que embarque na viagem de
exploração dos significados das pinturas logo ficará confusa com a
quantidade de pontos de vista apresentados. Uma orientação simples
é: se você vê alguma coisa sozinho, acredite nela - não importa o que
digam. Se não consegue ver, não acredite. Cada pessoa tem o direito
de levar para uma obra de arte o que quiser levar através de sua
visão e da sua experiência, e guardar o que decidir guardar, no nível
pessoal. O conhecimento da história, das habilidades técnicas deve
ampliar essa experiência pessoal. Mas se a dimensão pessoal se perde,
então olhar uma obra de arte não é mais significativo do que olhar um
problema de palavras cruzadas e tentar resolvê-los.
Direcionando o olhar para o artista, Cumming elegeu alguns critérios
sobre a sua atuação:
Virtuosismo técnico: ao julgar qualquer desempenho excepcional,
seja de um atleta, músico, ator ou artista, a habilidade técnica é uma
das primeiras considerações. Um grande artista deve ter completa
maestria das habilidades físicas requeridas, mais o conhecimento e a
imaginação para fazer essas habilidades e as regras artísticas existentes
atingirem novos limites. O verdadeiro virtuosismo faz com que essa
competência pareça ilusoriamente natural e simples.
Inovação: a partir da Renascença, a sociedade ocidental vem buscando,
louvando e recompensando a inovação. Ser o primeiro em qualquer
empreendimento significa ser lembrado como uma figura-chave na
História. Giotto e Picasso são considerados gigantes da arte europeia
porque conseguiram reescrever as regras da arte e oferecer uma
alternativa à linguagem visual existente. Muitos artistas posteriores
desenvolveram-se e construíram sua arte com base nas conquistas
desses gigantes.
Patrocínio: antes do século 19 e do desenvolvimento do moderno
comércio de arte, a maioria das grandes obras era encomendada por
um patrono, que em geral determinava condições específicas ou tinha
um papel ativo na definição do tema e da aparência da obra. Antes da
época moderna, os maiores patrocinadores eram a Igreja Católica e as
cortes reais da Europa. Só depois do Romantismo é que surgiu o papel
do artista como um indivíduo solitário.
Visão artística: poucos artistas podem sobreviver sem o apoio
financeiro de patronos, comerciantes e colecionadores, porém esse tipo
de apoio nem sempre garante a qualidade do trabalho produzido. A
Capela Arena de Giotto ou o teto da Capela Sistina de Michelangelo são obras

84
TÓPICO 1 | ESPECIFICIDADES ESTÉTICAS E HISTÓRICO-CULTURAIS DA PINTURA

de arte verdadeiramente grandes porque expressam a crença total do artista e


o seu empenho em fazer o que lhe foi pedido – isto é, nos casos citados, realizar
uma obra de arte digna do próprio Deus. A crença numa ideia e no poder da
pintura de expressar essa ideia distinguem as obras-primas das demais obras.
Sem essa crença e esse empenho, qualquer obra de arte, mesmo bem realizada
tecnicamente, não passa de uma decoração e ilustração.
Papel do artista: um dos mitos mais persistentes é o do gênio que
é desprezado em vida e cujo verdadeiro valor só é reconhecido
muitos anos depois da sua morte. Isso raramente acontece, e apenas
em circunstâncias muito especiais. Muito mais comum é o caso do
artista que é louvado em sua época, porém, cinquenta anos depois,
não passa de uma nota de rodapé na história da arte. Conclui-se que
nem o aplauso popular, nem a rejeição garantem a fama no futuro.
Os artistas vivem e trabalham dentro de um contexto complexo, feito
por patrocinadores, colecionadores, comerciantes, instituições de arte
e outros artistas. Destacar-se da multidão requer grande coragem e
individualidade. Essas qualidades podem trazer sucesso a curto
prazo, mas só aqueles dotados de uma visão profunda e que usam a
arte não como um fim em si, mas como um meio para dizer verdades
maiores, são os que conseguem criar as obras-primas que resistem ao
julgamento do crítico mais severo de todos: o tempo.

Adentrando a ideia de conhecimento, Lichtenstein (2004, p. 21) coloca:


“[...] a arte de pintar é, em si, na sua ainda relativa autonomia, um modo de
conhecimento da realidade, uma expressão superior das ideias e até mesmo um
modo de pensamento”. Seria uma maneira de investigar o mundo e como nos
relacionamos nele.

Um exemplo seria a obra Guernica, que sofreu bombardeios nazistas a


cunho de experiência militar, e Picasso retratou a cidade espanhola na ocasião.
O sentimento que esse fato suscita é diferente do sentimento que temos ao nos
depararmos com a obra. A emoção de uma notícia divulgada pelos jornais, por
exemplo, transformou-se em emoção estética. Assim, podemos dizer que a arte
amplia e refina a percepção da realidade.

UNI

Muitos artistas, ao fazerem suas obras, se indagavam sobre o processo artístico


e no que consistia a própria arte. Vejam algumas declarações:

"A arte é o oposto da natureza. Uma obra de arte só pode provir do interior do homem"
(EDWARD MUNCH, 1907).

"A arte não reproduz o visível, mas torna visível" (PAUL KLEE, 1920).

"A arte é uma mentira que nos faz compreender a verdade" (PABLO PICASSO, 1923).

"A arte é uma força cuja finalidade deve desenvolver e apurar a alma humana" (WASSILY
KANDINSKY, 1910).

85
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

4 NATUREZA E ELEMENTOS DA PINTURA


Um trabalho de arte não se constitui apenas da inspiração do artista, ele
é, também, fruto de muito trabalho de pensamento e de composição, requerendo
muitas horas de dedicação. Só assim resultará em uma obra estética.

Saber utilizar os elementos da linguagem visual pode auxiliar na


constituição de um trabalho. Ela é, portanto, estruturada a partir do ponto, linha,
forma, direção, textura, volume, ritmo, tom e cor. Há também a ênfase, unidade,
variedade, contraste, equilíbrio, dimensão, proporção, escala e movimento.
Veja abaixo exemplos de pinturas em que os artistas utilizaram alguns desses
elementos.

FIGURA 9 - ELEMENTOS DA LINGUAGEM VISUAL

a) b) c)
DIREÇÃO - PONTO - FORMA -
HERMELINDO FIAMINGHI ROY LICHTENSTEIN BELMIRO DE ALMEIDA

f)
ESCALA - MAGRITTE
d) e)
TEXTURA - LINHA - LEONARD
VAN GOGH TSUGUOHARU FOUJITA
FONTES:
(a) <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8784/hermelindo-fiaminghi%27,%27%27width=
799,heigt=488,s-crollbars=yes,left=0,top=0%27>;
(b) <https//designculture.com.br/pontilhismo-uma-tecnica-de-varios-estilos>;
(c) <http://warburg.chaa-unicamp.com.br/obras/view/9242>;
(d) <http://www.falandodeartes.com.br/2014/05/leitura-de-obras-elementos-tecnicos-de.html>;
(e) <http://art-image-studies.blogspot.com/2010/11/leonard-tsuguoharu-foujita-paul-grant.html>;
(f) <https://pt.scribd.com/document/14811424/SAMIZDAT16>.

86
TÓPICO 1 | ESPECIFICIDADES ESTÉTICAS E HISTÓRICO-CULTURAIS DA PINTURA

DICAS

Para um estudo detalhado de cada elemento compositivo, vejam o livro


Sintaxe da Linguagem Visual, de Donis A. Dondis.

Em uma pintura, a cor é um elemento primordial. Faz parte de maneira


integral ao universo visual e sua percepção acarreta sensações, como os vermelhos
(cores quentes) considerados estimulantes e os azuis (cores frias) tidos como
repousantes.

As cores primárias são encontradas em seu estado natural, não sendo


possível de serem adquiridas por meio de misturas. E a partir delas é possível se
chegar a todas as demais. As cores secundárias são adquiridas pela mistura de
duas primárias. E consegue-se cores terciárias pela junção de duas secundárias.

Desde a antiguidade, o homem observa os fenômenos luminosos das


cores. Leon Battista Alberti (1404-1472) foi o precursor dos estudos artísticos
com o seu Tratado sobre Arquitetura, Pintura e Escultura (1435). Leonardo da Vinci
(1452–1519) também elaborou o seu Tratado da Pintura (impressão póstuma
em 1651), descrevendo a composição da luz branca. Isaac Newton (1643–1727)
escreveu Óptica (1672), procurando explicar por meio da ciência como se dava a
coloração dos objetos. Outro exímio nos estudos nessa área foi Johann Wolfgang
Goethe (1749–1832), que escreveu a sua Doutrina das cores (1810). Em 1910, Wassily
Kandinsky (1866–1944) finaliza seus estudos sobre a pintura e publica, no ano
seguinte, Do Espiritual na Arte, na sequência escreve Ponto e linha sobre plano (1926).

FIGURA 10 - CÍRCULO CROMÁTICO DA TEORIA DAS CORES, DE GOETHE, 1810

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:GoetheFarbkreis.jpg>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

87
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

Pode parecer estranho o que falaremos agora, mas não existe cor em si, ela
não tem existência material, uma vez que se constitui em uma sensação produzida
pela incidência da luz sobre nossos olhos. O vocábulo COR designa a percepção
do fenômeno e a palavra MATIZ seria o estímulo, as radiações luminosas.

Há duas categorias de estímulos: os provindos das cores-luz e os das


cores-pigmento:

Cor-luz: é a radiação luminosa, ou seja, são as luzes coloridas. A união de


todas elas resulta no branco.

• Primárias: vermelho, verde e azul-violetado.


• Secundárias: magenta, ciano e amarelo.

Cor-pigmento: como não se pode pintar tradicionalmente com luz, é


necessário ter pigmentos. A cor-pigmento é a matéria que responde aos raios
luminosos que a incidem, absorvendo, refratando e refletindo. Um objeto é
caracterizado verde, por exemplo, quando ele, após absorver a luz branca, reflete
apenas as tonalidades verdes. A mistura de todas essas cores resulta no cinza
escuro. Elas podem ser opacas ou luminosas.

• Primárias opacas: azul, vermelho e amarelo.


• Secundárias opacas: violeta, laranja e verde.

Nas artes gráficas e na pintura com tintas aguadas e transparentes, como


a aquarela, utilizam-se as cores-pigmento transparentes.

• Primárias transparentes: ciano, magenta e amarelo.


• Secundárias transparentes: azul-violetado, vermelho e verde.

FIGURA 11 - CORES PRIMÁRIAS E SECUNDÁRIAS

pigmento transparente pigmento opaco cor-luz


FONTE: <https://teoriadacorblog.wordpress.com/page/2/>. Acesso em: 17 nov. 2018.

O tom refere-se à intensidade da luz. As cores mais claras refletem mais


luz e possuem maior valor tonal, enquanto que as cores escuras absorvem mais
luz, possuindo, assim, baixo valor.

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TÓPICO 1 | ESPECIFICIDADES ESTÉTICAS E HISTÓRICO-CULTURAIS DA PINTURA

FIGURA 12 - ESCALA TONAL

FONTE: <https://circulo.com.br/combinacao-de-cores/>. Acesso em: 17 nov. 2018.

Agora veja como se dá a variação tonal na escala monocromática com a


cor preta: quanto mais pigmento, mais escura ela fica, quanto menos pigmento,
chega-se ao branco. Assim, podemos ver como são conseguidos os cinzas.

FIGURA 13 - ESCALA TONAL DE CINZAS

FONTE: <https://designculture.com.br/uma-palavrinha-sobre-cores>. Acesso em: 17 nov. 2018.

É importante conhecer a escala tonal, a fim de poder destacar um objeto,


por exemplo, enfatizar pontos focais, auxiliar a perspectiva e o distanciamento
entre os elementos compositivos, afinal, o tom possibilita a sensação de volume.
Michelangelo Merisi, conhecido como Caravaggio (1571–1610), soube utilizar
bem a escala tonal em suas pinturas. Em Ceia em Emaús, os movimentos dos
personagens são mais comedidos e há poucas cores, apenas as tonalidades dos
marrons das vestes, o que faz com que a túnica de Jesus seja mais enfatizada. O
fundo escuro e a luz que ilumina somente a cena conferem dramaticidade ao
quadro.

89
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

FIGURA 14 - CARAVAGGIO. CEIA EM EMAÚS, 1606. ÓLEO SOBRE TELA. 141 X 175 CM.
PINACOTECA DI BRERA, MILÃO

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ceia_em_Ema%C3%BAs_(Caravaggio,_Mil%C3%A3o)>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

Cildo Meireles (1948) soube se valer muito bem da cor vermelha para a sua
instalação Desvio para o Vermelho, concebida em 1967 e em exposição permanente
desde 2006 em Inhotim. A obra é composta por três ambientes que se relacionam.

O primeiro se denomina Impregnação, constituído de um ambiente em que


tudo é em tom vermelho. Nos outros ambientes, Entorno e Desvio, a cor, segundo
o artista, transforma-se na própria matéria.

O simbolismo é enorme neste trabalho, de modo que podemos pensar em


questões em torno da violência ou das ideologias.

FIGURA 15 - CILDO MEIRELES. DESVIO PARA O VERMELHO, 1967.


INSTALAÇÃO. INHOTIM, BETIM

90
TÓPICO 1 | ESPECIFICIDADES ESTÉTICAS E HISTÓRICO-CULTURAIS DA PINTURA

FONTE: <https://anitagiansante.wordpress.com/2015/02/25/week-two/>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

É válido notar que outrora, para que uma pintura fosse tida como
satisfatória, primeiramente, era necessário ter um bom desenho e uma boa
composição, para que depois fosse a ela agregada a cor. A tradição clássica
primava pela perspectiva geométrica, pelas exatas relações de espaço ocupadas
pelas figuras retratadas, de modo que a cor se subordinava aos contornos do
desenho.

Cézanne revolucionou essa ideia, afirmando que “O desenho e a cor não


são distintos, tudo na natureza é colorido. Ao mesmo tempo em que se pinta,
desenha-se” (CÉZANNE apud BARNES, 1993, p. 24). Aqui já podemos ver a
tentativa de desconstruir as dicotomias e as categorizações na arte.

91
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• As teorias estéticas buscaram explicar o que seria uma obra de arte.

• Na teoria da imitação, o foco estava na obra; na teoria da expressão, o foco


estava no artista; e na teoria da significação, proposta por Clive Bell, o foco
estava no espectador.

• A arte é um sistema simbólico intimamente ligado à história, à sociedade e à


cultura de uma época.

• Roberto Cumming sugere que o apreciador se detenha ao tema, à técnica, ao


simbolismo, ao espaço e à luz, ao estilo histórico e à sua interpretação pessoal
ao se deparar com uma obra.

• O teórico discorreu sobre o virtuosismo técnico, sobre a inovação, o patrocínio,


a visão e o papel do artista.

• Uma pintura se constitui de vários elementos da linguagem visual, sendo a cor


uma característica das obras pictóricas.

• Há duas categorias de estímulos: os provindos das cores-luz e os das cores-


pigmento (opacas e transparentes).

• Vários artistas e teóricos elaboraram as suas teorias sobre a cor, a exemplo de


Leon Battista Alberti, Leonardo da Vinci, Isaac Newton, Wassily Kandinsky e
Johann Wolfgang von Goethe.

• A tonalidade auxilia para enfatizar pontos focais, na perspectiva e no


distanciamento entre os elementos compositivos, ocasionando a sensação de
volume.

92
AUTOATIVIDADE

1 Muitas foram as teorias elaboradas sobre a arte e os processos de


representação. Assim sendo, assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) O hiper-realismo retoma a ideia de representação do real, mas de


maneira mais enfática. Martin Kippenberg e Egon Schiele são seus
expoentes.
b) ( ) Na teoria da expressividade, os artistas imprimem nas obras o seu
sentimento e emoção diante do mundo.
c) ( ) A teoria formalista enfatiza que só há obra de arte se ela suscitar algo no
espectador.
d) ( ) Cumming afirma que cada pessoa tem o direito de levar para uma obra
de arte o que quiser levar através de sua visão e da sua experiência.
e) ( ) A arte amplia e refina a percepção da realidade.

2 A cor é um dos elementos fundamentais para a corporeidade de um trabalho


artístico. Sobre ela, assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) Os elementos da linguagem visual auxiliam na composição de um


trabalho artístico.
b) ( ) As cores primárias são as mesmas para as cores-luz e para as cores-
pigmento.
c) ( ) Cildo Meireles utiliza a cor vermelha em Desvio para o Vermelho,
conferindo à obra grande força simbólica.
d) ( ) A escala tonal está presente nas obras de Caravaggio.
e) ( ) Cézanne concebia o mesmo valor para o desenho e para a cor.

3 Após a leitura do trecho a seguir, de Maurice Merleau-Ponty, e sobre a fala


de Roberto Cumming no ícone O que caracteriza uma pintura como obra de arte,
discorra sobre o “gênio criador”.

Só se aprende a admirar depois de ter-se compreendido que não


há super-homens, homem algum que não tenha de viver humana
vida, que o segredo da amada do escritor ou do pintor não está
em alguma transcendência de sua vida empírica, mas tão somente
misturado a medíocres experiências suas, tão pudicamente perfuso
em sua percepção do mundo que não faria sentido procurar isolá-
lo para com ele deslumbrar-se (MERLEAU-PONTY, 1960, p. 72).

93
94
UNIDADE 2 TÓPICO 2

PINTURA NO CAMPO AMPLIADO

1 INTRODUÇÃO
É perceptível que a pintura é realizada com o uso de pincéis e tintas,
mas ela também adquire amplitude quando são trabalhados os seus elementos
isoladamente, ganhando nova visualidade. Isso acarreta mudanças significativas
na natureza da obra pictórica e em como ela é percebida. Diante dos inúmeros
desdobramentos da era tecnológica, a arte não poderia ficar indiferente.

A diversidade está intrínseca na arte, afinal, de acordo com o passar dos


anos, seus desdobramentos foram ocorrendo. E é interessante a pergunta: em meio
a tanta mídia e processos eletrônicos, a pintura sobrevive? Além de sobreviver, ela
vive! É aqui que este tópico se debruça sobre as novas configurações da pintura
na contemporaneidade.

Muitos foram os teóricos que escreveram sobre a decadência dessa


linguagem tida como a grande referência das artes, canônica e tradicional (CRIMP,
1993). Mas ela é vivente, e com grande competência se desdobra, seguindo as
transformações de sua época.

Veremos, então, como a pintura e suas possibilidades aparecem dentro


da sociedade atual, sem que ela seja abdicada de sua existência. Ela aparece
reconfigurada, em novos suportes, deixando desvelar seus conceitos.

2 A PINTURA E O NOVO CENÁRIO ARTÍSTICO


Depois que Rosalind Krauss (1984) propôs a escultura no campo ampliado, o
conceito também pôde ser levado para a linguagem pictórica. Atualmente, a ideia de
artista, de história e de arte está multiplicada, e seus limites tensionados ao máximo.

NOTA

No livro A escultura no campo ampliado, Rosalind Krauss cunha o termo a


partir da junção da não paisagem e da não arquitetura. A autora discorre a respeito do que
seria uma escultura, em oposição à crítica historicista e institucionalizante, desconstruindo
genealogias categóricas, estendendo-a para o campo ampliado.

FONTE: KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. Rio de Janeiro: Gávea, 1984.

95
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

Ocorreram mudanças substanciais na arte a partir da primeira metade


do século XX, intensificadas na segunda metade do século, de modo a não ser
mais tão compreendida pelo público. De fato, muitos artistas se voltaram para
questionamentos dentro do próprio campo artístico para a produção de seus
trabalhos. Assim, o entendimento artístico passou a demandar um acirrado
conhecimento acerca da história da arte e muitas referências culturais.

[...] a imagem da arte moderna, que se mantém por meio das mídias de
todas as espécies, contribui para desconsiderar a arte contemporânea:
julga-se o presente pelos padrões do tempo passado, quando os
critérios de valor subsistiam, quando a ‘modernidade’ era limitada e
cabia inteiramente dentro do conceito de ‘vanguarda’, quando a arte,
ao que parece, assumia sua função crítica (CAUQUELIN, 2005, p. 54).

O primeiro caminho para a compreensão da arte é observar o seu entorno,


isso é, a sociedade vigente, com seus valores e tudo o que participa dela. Hoje,
percebemos que a arte trabalha muito com conceitos e com poéticas, de modo que
cada elemento de um trabalho, e mesmo seu processo, adquire um significado.

A escolha de Ernesto Neto (1964) em utilizar o pigmento natural como


açafrão e não um colorante sintético não é aleatória. Tudo o que participa do
processo artístico carrega um por quê, que potencializa e confere densidade à
obra. O mesmo acontece com a utilização de um objeto industrial em um trabalho,
ele está posto justamente devido a estas características. Já o orgânico e o efêmero
estão nos trabalhos de Neto.

FIGURA 16 - ERNESTO NETO. PAFF PUFF AND THE ETERNAL INFINITE, 1998.

FONTE: <https://artinwords.de/ernesto-neto/ernesto_neto_paff_puff_and_the_eternal_
infinite_1998_detail/>. Acesso em: 17 nov. 2018.

Assim, a presença do espectador é cada vez mais importante, pois precisa


se empenhar ao olhar a obra para seu entendimento efetivo. E aqui vemos a

96
TÓPICO 2 | PINTURA NO CAMPO AMPLIADO

ampliação do campo da arte, consequentemente do campo pictural. Há inúmeras


maneiras de ela se apresentar, que, depois de decodificada, deixa visível a
intenção do artista.

Neste viés, os artistas se embrenham por diversas poéticas. Há as que


valorizam o que ocorre no âmbito popular das cidades, a exemplo do grafite,
que aparecem nos trabalhos de Jean-Michel Basquiat (1960–1988), Keith Haring
(1958–1990), Otávio e Gustavo Pandolfo (1974).

FIGURA 17 - GRAFITE

a) b) c)
BASQUIAT KEITH HARING OS GÊMEOS
FONTES: (a) <https://whitney.org/Exhibitions/IYOUWE>;
(b) <http://www.dionisioarte.com.br/keith-haring-um-icone-do-grafite-dos-anos-80/>;
(c) <https://nanu.blog.br/na-nuzeando-osgemeos/>. Acesso em: 15 dez. 2018.

Também ganham relevo a procura por uma verdade individual, por uma
identidade particular e valorização do mundo interno, perceptível em vários
artistas, que sugerem ao espectador que elas podem ser universais, a exemplo
de Huidinilson Jr. (1957 - 2013), Sophie Calle (1953), Regina Silveira (1939), Paulo
Bruscky (1949), Adriana Varejão (1964) e José Rufino (1965).

Intencionando retornar ao passado e refazer histórias, Rufino vai à procura


de documentos e outros papéis antigos, que deixam entrever a memória. Neles
o artista faz suas interferências, alterando esses registros, mudando a história e
contando-a de seu modo.

DICAS

Michel de Certeau, em A Escrita da História, discorre sobre a atividade


historiográfica e o papel do historiador, que seria dar voz ao não dito.

CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.

97
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

FIGURA 18 - JOSÉ RUFINO. DO LIVRO CARTAS DE AREIA

FONTE: <http://apcbrasil.org/atividade/livro-jose-rufino-jose-rufino/>. Acesso em: 17 nov. 2018.

A arte contemporânea retoma algumas questões, muitas delas não


respondidas pela arte moderna, e as coloca em um outro viés. Muito nos
perguntamos: “Qual o lugar da pintura na contemporaneidade?” A sua presença
ainda é efetiva, porém, reconfigurada, ressignificada. O conceito e as questões
pictóricas ainda vivem, mas em outra corporalidade.

A pintura deixou de ser apenas o aglomerado de moléculas de um


objeto para ser pura energia de sinapses cerebrais. Fio condutor da
maior parte da história da arte ocidental, a pintura é hoje um rico
acervo de conceitos que passou a ser exercitado e expandido também
em outros materiais e processos (MORAES, 2005, p. 18).

A pintura contemporânea manifesta-se, muitas vezes, alheia à matéria


que a qualificava (tinta, pincéis e tela), mas o conceito permanece reconhecível.
Entretanto, é preciso admitir que esses trabalhos só se configuram como tal,
justamente porque há séculos de história da pintura bem trilhados, de técnicas
e de pensamento sobre a elaboração de uma obra pictórica, no que consiste o
pintar. Há uma densa e rica memória.

Existe um legado deixado pelos pintores tradicionais que sem ele não
poderiam as novas maneiras de pintura existir. A pintura, então, ganha mais um
lugar na arte contemporânea, já delineado por Yves Klein (1928–1962), quando
substitui seus pincéis por modelos em Anthropometrie, enquanto uma orquestra
tocava Sinfonia Monótona, de somente uma nota, criada pelo artista em 1949.

FIGURA 19 - YVES KLEIN. ANTHROPOMETRIE, 1960

FONTE: <http://genevieve-charras.blogspot.com/2016/01/les-danseuses-bleues-dyves-klein.
html>. Acesso em: 17 nov. 2018.

98
TÓPICO 2 | PINTURA NO CAMPO AMPLIADO

De todo modo, estamos em plena vivência de um período histórico, e para


compreendê-lo é necessário um distanciamento, não possível para nós, viventes
do agora. O que podemos fazer é exercitar o olhar, observar o passado para
vislumbrar o futuro.

3 PERSPECTIVAS NA PINTURA
O raciocínio pictórico transpassa a fronteira do suporte convencional,
ampliando a discussão a respeito da pintura na contemporaneidade. Vamos
conhecer alguns artistas em cujas obras podem ser vistas essas preocupações
que permeiam o ambiente pictórico. Mostraremos expressões contemporâneas
de pintura e um possível caminho que ela está seguindo, com sua complexidade
e sem preconceitos. Afinal, há rumos que primam pela materialidade e outros a
luminosidade, ou a estrutura, o ritmo, sem graus de valores.

A arte se dá agora sem categorizações, mas ainda promove a ampliação


de nossa percepção do mundo. Mas a memória da pintura permanece, como
na vibração da cor ultrapassando a bidimensionalidade do suporte, bem
representados pelos sólidos geométricos de Aluísio Carvão (1960).

FIGURA 20 - ALUÍSIO CARVÃO. CUBO COR, 1960

FONTE: <https://www.tumblr.com/search/aluisio%20carvao>. Acesso em: 17 nov. 2018.

Enquanto Lúcia Koch (1966) imprime em lona vinílica as cores do céu de


São Paulo, como um mural (tão utilizado outrora) que dialoga com a arquitetura
em um site specific. Um céu é criado no final dos degraus, em suas pesquisas sobre
a cor e luz, como mostra a figura a seguir.

NOTA

O termo SITE SPECIFIC refere-se às obras pensadas e elaboradas a partir de


um determinado espaço, de modo que os elementos estruturais dialogam com o trabalho,
incorporando-os ou transformando-os.

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UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

FIGURA 21 - LÚCIA KOCH. DEGRADÊ, 2004. PAÇO DAS ARTES, SÃO PAULO

FONTE: <http://abstractioninaction.com/tag/lucia-koch/>. Acesso em: 17 nov. 2018.

Na obra Peso, elaborado por Amélia Toledo (1926–2017), o vermelho é


aprisionado em uma gota de vidro, em referência à ditadura militar, conforme
figura a seguir.

FIGURA 22 - AMÉLIA TOLÊDO. PESO, 1970. VIDRO SOPRADO, ÁGUA, ESPUMA E CORANTE
VERMELHO. 12 X 10 X 10 CM.

FONTE: <https://ameliatoledo.com/obra/escultura/#!lightbox>. Acesso em: 17 nov. 2018.

Também sem tela nem pincel, Lygia Pape (1927–2004) dá ênfase a um


componente da pintura, no momento em que constrói duas pirâmides com
pigmento, promovendo a corporeidade da luz, conforme FIGURA 23.

100
TÓPICO 2 | PINTURA NO CAMPO AMPLIADO

FIGURA 23 - LYGIA PAPE. TTÉIA N.7, 1991

FONTE: <https://www.galleriesnow.net/shows/lygia-pape/>. Acesso em: 17 nov. 2018.

O artista Nelson Leirner (1932) se vale da história da pintura (sobretudo do


pontilhismo e da cultura pop) para realizar a obra Figurativismo Abstrato. O que,
à distância, parece ser uma abstração, de perto vemos que ao invés de utilizado o
pincel, foram inseridas inúmeras figurinhas autocolantes, conforme FIGURA 24.

FIGURA 24 - NELSON LEIRNER. DA SÉRIE FIGURATIVISMO ABSTRATO, 2004/2010.


ADESIVOS SOBRE MADEIRA

FONTE: <https://www.metropoles.com/colunas-blogs/plastica/viagem-pela-arte-
contemporanea-na-colecao-de-sergio-carvalho>. Acesso em: 17 nov. 2018.

Já Albano Afonso (1964) retoma Noite estrelada, de Van Gogh, e cria flashes
para substituir as estrelas. Paulo Reis (2004, s.p.) enfatiza que “o código para
a compreensão de sua obra está no conhecimento antecipado da arte, pois ou
conhece-se e integra-se ao jogo, ou desconhece-se e está fora”. E ainda coloca:

No momento contemporâneo, onde artistas se voltam para o passado,


fonte para formulação visual da pós-modernidade, Albano Afonso dá
a sua contribuição à dimensão que o passado tem sobre o presente.

101
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

Vemos sua obra centrada no jogo de conhecimento antecipado das


imagens ícones da pintura ocidental e o legado deixado por estes, pois
como astuto codificador, procura arrancar do espectador sua visão e
conhecimento da arte. [...] Albano refaz o percurso do olhar do artista,
evitando que a luz seja apenas um fixador de imagem sobre o papel.
A luz é sobretudo um fixador de imagem na retina. Sua obra é, pois,
retiniana, pois abdica da materialização e somente pode ser absorvida
pela sensação. Ao criar as séries Pictogramas Iluminados, Pinturas de
Luz e Haciendo Estrelas, o artista revela-nos o que de mais importante
aconteceu na formação da pintura ocidental, desde o Renascimento
até ao Barroco, como estes artistas se valeram da luz para criar efeitos
teatrais com grande plasticidade (REIS. 2006, p. 2).

FIGURA 25 - ALBANO AFONSO. FAZENDO ESTRELAS

FONTE: <http://art-sheep.com/albano-afonso-fazendo-estrelas-making-stars/>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

Enquanto o gênero paisagem é proposto por Hélio Oiticica (1937–1980)


na obra Topological Ready Made Landscape nº 3 (Homenagem a Boccioni), na qual nos
apresenta uma garrafa com líquido lilás envolta por um elástico. Em seu entorno
está um aramado. O artista propõe que coincidamos a linha do horizonte real pela
linha virtual criada a partir da garrafa e das sugestões de perspectiva ilusionadas
pela visualidade da tela de arame por trás do líquido. A noção de perspectiva e
de linha do horizonte permeou a pintura por muitos anos.

102
TÓPICO 2 | PINTURA NO CAMPO AMPLIADO

FIGURA 26 - HÉLIO OITICICA. TOPOLOGICAL READY MADE LANDSCAPE Nº 3


(HOMENAGEM A BOCCIONI), 1978

FONTE: <http://press.cmoa.org/high-resolution-images/helio-oiticica/2013-78/>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

A artista Elida Tessler (1961) elabora Fundo de Rumor mais macio que
o silêncio e dialoga com a ideia de horizonte de Oiticica. Sua paisagem ocupa
quatro paredes e é criada a partir de palha de aço, cuja oxidação pinta a parede na
altura dos olhos do espectador, formando a linha do horizonte na medida em que
marca seu trajeto, deixando sua memória. Cabe observar que o título se refere ao
personagem do livro Macrovaldo ou As Estações na Cidade (1994), de Calvino, que
procura “paz e um pouco de rumor na cidade”.

FIGURA 27 - ELIDA TESSLER. FUNDO DE RUMOR MAIS MACIO QUE O SILÊNCIO, 2003/2004

FONTE: <http://torvelim.blogspot.com/2013/04/viet-cong.html>. Acesso em: 17 nov. 2018.

Depois de nos depararmos com as obras dos artistas acima, é possível


afirmar que a pintura não está mais atrelada a cânones rígidos.

Para Duchamp, a função essencial do fazer artístico é criar obras que


possam agir para além do verno óptico, penetrando nas circunvoluções
cerebrais e agindo como motores para ideias. Algo, aliás, que podemos

103
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

entender como um aggiornamento da famosa máxima renascentista,


enunciada por Leonardo: “arte é cosa mentale”. Nutridos da tradição
pictórica, atingem outro patamar: o das sutilezas do conceito. Ao contrário
da arte conceitual, no entanto, não há desapego pela sensualidade da
matéria. Ela se transubstancia, evola-se de um corpo para existir em
outro, como pintura reencarnada (MORAES, 2005, p. 27).

É fato que a arte caminha concomitantemente às mudanças na história


da humanidade. Se não entendermos o que ocorreu no Renascimento ou no
Modernismo, por exemplo, não poderemos compreender a arte produzida nesses
períodos. Talvez por isso a arte contemporânea ainda amedronta, afinal, estamos
inseridos em uma sociedade sem nos distanciarmos.

E nos habituamos a conceber a arte e o artista como distanciados da vida


cotidiana, e seria justamente o contrário, a arte não está dela separada, prova disso
é a retirada das molduras e dos pedestais tradicionais dos objetos. A produção
atual também não se submete a princípios plástico-formais, pois ela transborda
para a vida, e dela se nutre.

DICAS

Não deixe de ler Quem tem medo da arte contemporânea? de Fernando


Cochiarale.

COCHIARALE, Fernando. Quem tem medo de arte contemporânea? Recife: Fundação


Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2006.

4 AS NOVAS TECNOLOGIAS DA PINTURA CONTEMPORÂNEA


É possível observarmos a diluição de fronteiras e o amálgama de diversas
linguagens, aparecendo um número significante de meios e recursos, de modo
a também surgirem novas terminologias. Isso atesta que a arte acompanha as
inovações do mundo.

Vivemos a expansão dos sistemas híbridos, entre campos que outrora se


pensavam serem avessos, mas interligados por meio das poéticas.

As questões conceituais da pintura migram para a instalação, escultura,


fotografia e vídeo. Assim, há novos lugares para a pintura na arte contemporânea.

Na videoarte The Quinteto of the Silent (parte da série Passions), de 2003,


Bill Viola (1951) faz uma referência aos retratos produzidos no século XVII. Na
obra, o artista dispõe seus personagens sobre um fundo negro, lembrando o claro-

104
TÓPICO 2 | PINTURA NO CAMPO AMPLIADO

escuro de Rembrandt. O trabalho é apresentado em uma grande tela de plasma


na parede, de modo que a tinta e a tela, então, são substituídas pelo aparelho e
pela coloração dos pixels. Há cromatividade, a vibração luminosa e o diálogo
com a história e os gêneros pictóricos, conforme mostra a figura a seguir.

FIGURA 28 - BILL VIOLA. THE QUINTETO OF THE SILENT, 2003. VIDEOARTE

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/160722280423861162/>. Acesso em: 17 nov. 2018.

Existem inúmeras obras dentro da linguagem da arte eletrônica que


cunham suas poéticas a partir de conceitos solidamente estabelecidos no
pensamento pictórico. A arte contemporânea ainda está em plena produtividade
e especificidades, de modo que a cor, tão importante para a pintura, ganha outras
configurações, a exemplo de Dan Flavin (1933–1996). O artista minimalista usa a
luz para pintar, com auxílio do néon. Assim, não só as paredes são pintadas, mas
todo o espaço, conforme figura a seguir.

FIGURA 29 - DAN FLAVIN. A PRIMARY PICTURE, 1964

FONTE: <https://www.wikiart.org/pt/dan-flavin/a-primary-picture-1964>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

105
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

Já foi explicado do cinetismo de Abraham Palatnik na Unidade 1, agora


vejam como o artista faz um desdobramento da pintura na obra Aparelho
Cinecromático, composto por uma tela de plástico na qual são projetadas cores
e formas que se movimentam fluidamente. Isso é possível a partir da condução
elétrica feita com 600 metros de fios, conforme FIGURA 30.

FIGURA 30 - ABRAHAM PALATNIK. APARELHO CINECROMÁTICO 2SE-18, 1955

FONTE: <https://www.pinterest.co.uk/pin/573505333769861839/>. Acesso em: 17 nov. 2018.

Luiz Camillo Osório fala sobre a produção de Palatnik:

As muitas possibilidades de trabalhar com as progressões e os objetos


cinéticos mostraram-se, desde então, como uma série de variações
sobre o mesmo tema: dar ordem ao movimento. As questões da pintura
jamais foram deixadas de lado. Criar os cinecromáticos não significou
para ele, em momento algum, uma superação da pintura, mas a
possibilidade de abrir-lhe novos horizontes. Teses evolucionistas não
combinam com a arte. A necessidade de invenção poética não se deixa
restringir pelo que se espera de uma obra ou de um artista. A cada
momento, renovam-se os interesses da criação e transformam-se os
meios de expressão, sem que isso implique em superações e proibições
criativas (OSÓRIO, 2004, p. 69).

O uruguaio Fernando Velásquez (1970) agrega a música em sua visualidade


artística. Em Paisagem Discreta, o artista utiliza um computador conectado a
uma televisão e a uma câmera, colocadas em uma estrutura de madeira que
lembra as que são utilizadas para transportar trabalhos de arte. Um programa
de computador capta os sons do ambiente e os transforma em imagens. Se há
o silêncio, não ocorre a imagem, e cada barulho acarreta em uma renderização
diferente, conforme figura a seguir.

106
TÓPICO 2 | PINTURA NO CAMPO AMPLIADO

FIGURA 31 - FERNANDO VELÁSQUEZ. PAISAGEM DISCRETA, 2008

FONTE: <http://www.canalcontemporaneo.art.br/_v3/site/perfil_individuo.
php?idioma=br&perfil_usuario=5486>. Acesso em: 17 nov. 2018.

O crítico Tonio Kröner (sobre a exposição Painting 2.0: Expression in the


Information Age, no Museum Brandhorst, em Munique, em 2016) coloca:

O interessante é que a própria pintura parece oferecer um espaço de


reflexão sobre as últimas mudanças na tecnologia e nas mídias, talvez
como resultado de todos os debates e desafios aos quais sobreviveu.
Assim, é possível se comunicar com a era digital através da pintura de
formas muito diferentes (KRÖNER, 2016 apud PANGBURN, 2016, s.p.).

5 A ARTE E SEUS DESDOBRAMENTOS PARA A MODA


E O DESIGN
Muito se fala sobre o distanciamento ou aproximações entre arte e design
(incluindo aqui o de moda), de todo modo, cada vez mais elas se direcionam para
uma hibridização, diferente da discussão que vigorou até meados do século XX.

Os trabalhos de Marc Newson (1963) são exemplos de objetos que versam


entre as duas linguagens, assim como a produção de Alessandro Mendini (1931),
Gaetano Pesce (1939), Philippe Starck (1949), Zaha Hadid (1950–2016), Ron Arad
(1951) e Karim Hashid (1960), conforme imagens das produções abaixo.

Aqui vemos a poltrona de Alessandro Mendini, feita com tecido de seda


produzido artesanalmente no ateliê de Keum-Sung Kang, em Seul, na Coreia. A
estrutura foi pintada à mão por Cláudia Mendini. A estampa revisita a poltrona
feita por Alessandro em 1978, denominada somente Proust. Vale lembrar que
Marcel Proust (1871–1922) foi um escritor francês, reconhecido pela sua obra Em
busca do tempo perdido.

107
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

FIGURA 32 - ALESSANDRO MENDINI. PROUST KOREA, 2015

FONTE: <http://www.guastalla.com/en/works/756/proust-korea>. Acesso em: 17 nov. 2018.

Gaetano Pesche utiliza resina de poliuretano para compor manualmente


os seus vasos, de modo que as linhas de cores ressaltam as formas.

FIGURA 33 - GAETANO PESCHE, 1995

FONTE: <http://www.thegorgeousdaily.com/gaetano-pesce/>. Acesso em: 17 nov. 2018.

A estante do designer israelense Ron Arad (1951) foi inspirada no mapa


dos Estados Unidos. Tanto o formato quanto as divisões desiguais conferem
movimento visual ao móvel.

FIGURA 34 - RON ARAD. ESTANTE OH, THE FARMER AND THE


COWMAN SHOULD BE FRIENDS, 2009

FONTE: <https://design-milk.com/oh-the-farmer-and-the-cowman-should-be-friends-by-ron-
arad/>. Acesso em: 17 nov. 2018.

108
TÓPICO 2 | PINTURA NO CAMPO AMPLIADO

A maneira de conceber um objeto de designer e seu modo de utilização


é repensada com a aproximação da arte. A utilidade do Saca rolhas Anna G, de
Alessandro Mendini (1931), e do Juice Salif, de Philippe Starck (1949), importa
menos do que a estética e o conceito.

FIGURA 35 - ALESSANDRO MENDINI, SACA-ROLHAS ANNA G, 1994

FONTE: <http://design.novoambiente.com/produto/saca-rolhas-anna-g/>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

Cabe destacar que o espremedor do francês Starck recebeu o status de


escultura, com alto valor de mercado.

FIGURA 36 - PHILIPPE STARCK. JUICE SALIF, 1990

FONTE: <https://magazine.designbest.com/en/specials/salone-del-mobile-2015/juicy-salif-
history-of-a-sculptural-lemon-squeezer/>. Acesso em: 17 nov. 2018.

Na moda, alguns estilistas buscaram unir seu produto à arte, como pode
ser visto em Paul Poiret (1879–1944), Giorgio Armani (1934), Azzedine Alaïa
(1940–2017), Marc Jacobs (1963), Hussein Chalayan (1970) e Thierry Mugler
(1948). Este último declarou, ao justificar suas criações, que:

Quando criança, me incomodava viver no mundo que nos é imposto,


eu sonhava em criar um outro, do meu jeito, um mundo para mim...
[...]
Tento sempre transmitir sensações, um sentimento... Sempre conto histórias.
Histórias de homens e mulheres, inspiradas em todas as flores venenosas e
criaturas maliciosas do mundo mitológico (MUGLER, 20--, s.p.).

109
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

FIGURA 37 - THIERRY MUGLER, 2012

FONTE: <http://www.livingly.com/runway/Paris+Fashion+Week+Fall+2012/Thierry+Mugler>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

A moda é explorada por Hussein Chalayan em uma estética com formas


assimétricas e esculturais, que por vezes são apresentadas como instalações. A
modelagem é muito rica e constantemente com materiais não usuais, assim, o
estilista mescla arte, arquitetura e moda.

IMAGEM 38 - HUSSEIN CHALAYAN. BUBBLE DRESS, 2007

FONTE: <http://couleurs-d-istanbul.over-blog.com/article-couleurs-high-tech-pour-un-createur-
de-mode-turc-huseyn-a-layan-53895315.html>. Acesso em: 17 nov. 2018.

Pertencente ao Construtivismo Russo, a artista Varvara Stiepânova (1894–


1958) já falava que as vestimentas deveriam deixar à mostra a maneira com a qual
eram costuradas, enfatizando o dinamismo moderno. A primeira fábrica que
seguiu o movimento propunha a união da arte com a vida, enaltecendo o processo.
Criou estampas com formas geométricas, no lugar das florais tão tradicionais na
época. Pierre Cardin (1922) sofreu influências dessa corrente na década de 60.
110
TÓPICO 2 | PINTURA NO CAMPO AMPLIADO

Outro caso em que o trabalho de um estilista se fundiu com o de um


artista foi o de Elsa Schiaparelli (1890–1973). Ela renunciou do estilo da década
de 20 (Chanel foi um de seus representantes) e abarcou o surrealismo, de modo
a dialogar com inúmeros artistas, como Meret Oppenheim (1913–1985), Salvador
Dalí (1904–1989), Picabia (1879–1953), Tristan Tzara (1896–1963), Man Ray (1890-
1976) e Jean Cocteau (1889–1963). Utilizou materiais inusitados em suas criações,
como celofane, vidro, plástico, náilon de paraquedas, até mesmo pelos, como em
Sapato de Pelo de Macaco, de 1938.

A estilista acreditava que a moda deveria acompanhar o que acontecia


na pintura, por isso cria suas blusas pretas ornadas com uma gravata em trompe
l’oeil. De um lado estava Coco Chanel (1883–1971) com suas roupas funcionais,
do outro estava Schiaparelli com seus modelos surrealistas. Suas roupas inspiram
Stefano Dolce & Domenico Gabbana e Rei Kawakubo.

UNI

A personagem Edna Moda, do infantil filme Os Incríveis, foi inspirada em Rei


Kawacubo e Edit Head.

FIGURA 39 - ELSA SCHIAPARELLI. HAT

FONTE: <https://bornfromrock.com/blogs/journal/elsa-schiaparelli-hat>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

E vemos em Dinner Jacket, de 1936, a vida boêmia retratada por Salvador


Dalí, que utilizou peças do mundo da moda.

111
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

FIGURA 40 - SALVADOR DALÍ. DINNER JACKET, 1936

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/207517495305880046/>. Acesso em: 17 nov. 2018.

Já Atsuko Tanaka (1962), em 1956, criou Electric Dress, um vestido


iluminado com lâmpadas coloridas.

FIGURA 41 - ATSUKO TANAKA. ELECTRIC DRRESS, 1956

FONTE: <http://mocnakultura.blogspot.com/2017/02/10-lutego-japonka-w-elektrycznej.html#>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

Damien Hirst (1965) criou um cobertor de cashmere produzido à mão na


Escócia, em técnica próxima à utilizada 150 anos atrás, em que o tecido e a cor são
edificados por camadas. Na ocasião, foi enfatizado que, com esse trabalho, todos
poderiam ter acesso a objetos assinados por um artista plástico de respaldo.

112
TÓPICO 2 | PINTURA NO CAMPO AMPLIADO

FIGURA 42 - CASHMERE, 2010

FONTE: <https://hypebeast.com/2010/1/damien-hirst-religion-cashmere-blanket>.
Acesso em: 15 dez. 2018

UNI

A Levi’s efetivou uma parceria com o artista contemporâneo Damien Hirst em


2008. A coleção foi divulgada sob a frase “arte que se pode vestir”.

No mesmo viés está a parceria da marca Melissa com a arquiteta iraniana


Zaha Hadid (1950) e depois com o designer de moda Karl Otto Lagerfeld (1933).
O discurso gira em torno da possibilidade de que qualquer pessoa pode adquirir
um produto projetado por grandes nomes desses segmentos, e inseri-lo no seu
cotidiano. Assim, um objeto simples é transformado em experiência estética.

A moda também faz suas críticas e expressa ideologias. Basta lembrar do


grupo Vexed Generation, cujas obras partem da ideia de camuflar o corpo do sujeito
diante do caos urbano. A poética gira em torno da cidade e seus malefícios, como
a poluição e a vigilância que surgia na década de 90.

FIGURA 43 - VEXED GENERATION

FONTE: <http://www.camouflage-shop.net/?pid=48588466>. Acesso em: 17 nov. 2018.

113
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

Assim, os objetos ganham amplitude, atestando que campos não precisam


ser desmembrados, mas há fluidez na contemporaneidade, sem hierarquias. Nas
palavras de Bauman (2001, p. 1), “[...] os sólidos modernos estão se desintegrando.
A separação total das áreas deixa de fazer sentido em um momento cada vez mais
fronteiriço”.

NOTA

A empresa austríaca Wiener Werkstatte, de 1903 a 1932, levou o pensamento


artístico para os produtos de design cotidianos. Fundada por Josef Hoffmann e Kaloman
Moser, teve como colaboradores Gustav Klimt e Raoul Duffy, na criação de tecidos, roupas
e acessórios que dialogassem com suas produções.

Na primeira metade do século XX, Giácomo Balla (1871-1958) insere a


estética futurista em tecidos, criando gravatas com materiais não convencionais,
como madeira, papelão, plástico, e até mesmo com lâmpadas, em referência ao
espaço urbano. Aqui já vemos a intersecção entre arte, moda, ciência e tecnologia.

114
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, vimos que:

• A linguagem pictórica pode ser ampliada, assim como propôs Rosalind Krauss
no campo da escultura.

• O entendimento da arte demanda o conhecimento de outros campos do saber,


além da observação do seu contexto.

• Muitos artistas contemporâneos trabalham em torno de poéticas.

• O papel do espectador tem grande realce na contemporaneidade.

• Há novas configurações para o pictórico.

• Arte, artista e vida cotidiana estão intimamente ligados.

• O pictórico também se amálgama com novas tecnologias.

• A arte está presente em várias áreas da produção, como a moda e o design.

115
AUTOATIVIDADE

1 Ao nos depararmos com uma obra contemporânea, notamos a diversidade


dos elementos que a compõem, bem como os desdobramentos que a arte
protagonizou. A partir desta afirmativa, assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) O pictórico pode estar presente em vários trabalhos contemporâneos,


inclusive nas obras tecnológicas.
b) ( ) A pintura é reconfigurada e ressignificada na contemporaneidade.
c) ( ) Para a compreensão de um objeto artístico é importante observar a
sociedade da época.
d) ( ) O efêmero está presente nos trabalhos de Ernesto Neto e José Rufino.
e) ( ) Yves Klein não utiliza pincéis ao fazer Anthropometrie.

2 O amálgama de várias linguagens ganha destaque na produção das últimas


décadas. Assim, assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) Albano Afonso e Bill Viola retomam a história da arte em suas produções.


b) ( ) Hélio Oiticica e Elida Tessler dialogam quando ambos colocam em suas
obras elementos da paisagem.
c) ( ) Dan Flavin pinta com o auxílio da luz.
d) ( ) O caráter utilitário é o foco dos utensílios de Alessandro Mendini e
Philippe Starck.
e) ( ) As vestimentas do grupo Vexed Generation fazem uma crítica à
sociedade dos anos 90.

3 O texto a seguir corresponde ao último desfile de Jum Nakao. Após assisti-lo


no link abaixo, discorra sobre o diálogo e as possíveis fronteiras entre moda
e arte.

Em 17 de junho de 2004, no maior evento de moda da América Latina,


SPFW, elaboradíssimas roupas construídas em delicado papel eram desfiladas
por modelos com perucas playmobil numa performance que simulava um
desfile de moda. As roupas foram confeccionadas em papel vegetal de diversas
gramaturas e modeladas milimetricamente sobre os corpos das modelos de
forma primorosa, filigranas entalhadas manualmente reproduziam rendas,
gravações em altos e baixos relevos simulavam brocados. Foram consumidas
meia tonelada de papel e mais de 700 horas de trabalho. Ao final, todos os
vestidos meticulosamente construídos foram destruídos em cena pelas próprias
modelos. A Costura do Invisível recebeu o título de desfile da década pelo
SPFW e foi reconhecido como um dos maiores desfiles do século pelo Museu
de Moda da França. É referência nas mais importantes publicações sobre Moda
e Design do Mundo e integra acervos Internacionais de museus de arte e moda.

FONTE: <http://www.jumnakao.com/portfolios/a-costura-do-invisivel/>. Acesso em: 11 fev. 2019.

116
FIGURA - JUM NAKAO. A COSTURA DO INVISÍVEL, 2004. SÃO PAULO FASHION WEEK

FONTE: http://monicabenini.com.br/jum-nakao-e-a-costura-do-invisivel/. Acesso em: 17 nov. 2018

117
118
UNIDADE 2 TÓPICO 3

PINTURA NA ESCOLA

1 INTRODUÇÃO
Sabe-se que não é fácil lidar com pintura dentro do ambiente escolar
devido à curta duração das aulas, ambientes pouco equipados e número grande
de alunos nas turmas. Mas é possível ser criativo e realizar um bom trabalho em
torno da arte-educação.

Aprender a ver é tarefa primordial. Ter um olhar atento, demorado e


crítico resulta em uma visão inteligente sobre o mundo. Berger (1999, p. 10) bem
diz que “só vemos aquilo que olhamos”.

DICAS

Os textos selecionados por Adauto Novaes formam o livro O Olhar, e a


partir deles pode ser discutida a temática sobre a visualidade, sobretudo em O Olhar do
Estrangeiro, de Nelson Brissac Peixoto.

NOVAES, Adauto (org.). O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

No mundo atual, há um bombardeamento constante de imagens. E com o


ensino da arte podem ser melhor compreendidas, afinal, elas precedem as palavras.
Mas para ter esse olhar focado e fértil, é necessária atenção e estar consciente de
nosso estar no mundo, do que as imagens representam, da intencionalidade de
seu propositor.

Portanto, quanto mais se conhece a respeito das áreas do saber, a


compreensão de uma imagem será ampliada, será rica, desvelando suas entrelinhas
significativas, ao contrário do que ocorre com um olhar desinteressado.

Ana Mae Barbosa, referência para a arte-educação no Brasil, ratifica esse


pensamento quando propõe alguns “exercícios de ver”. No livro A imagem no
ensino da arte (1994), enfatiza que a aprendizagem precisa estar contextualizada,
e para tanto, ao discorrer sobre o posicionamento do teórico Edmund Feldman,
ela diz:

119
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

Para Feldman, aprender a linguagem da arte implica desenvolver


técnica, crítica e criação e, portanto, as dimensões sociais, culturais,
criativas, psicológicas, antropológicas e históricas do homem. O
desenvolvimento crítico para a arte é o núcleo fundamental da sua
teoria. Para ele, a capacidade crítica se desenvolve através do ato de
ver, associado a princípios estéticos, éticos e históricos, ao longo de
quatro processos, distinguíveis, mas interligados: prestar atenção ao
que vê, descrição; observar o comportamento do que se vê, análise; dar
significado à obra de arte, interpretação; decidir acerca do valor de um
objeto de arte, julgamento (BARBOSA, 1994, p. 45).

Estamos inseridos em um mundo que se apresenta como anestésico,


uma vez que pouco tempo sobra para o sensível, para se ater às coisas. Há, sim,
inúmeras informações e imagens, mas é de maneira superficial que as vemos.
Aqui está um papel fundamental do professor, que se vale da arte para auxiliar
na descoberta do mundo.

A educação pode ser um meio para edificar uma sociedade mais


humanizada e sensível ao outro.

Daí a necessidade de a arte-educação ser estudada dentro da


sociedade capitalista, como um processo que permitirá ao homem
a sua humanização, possibilitando acesso aos conhecimentos
elaborados pelo homem no percurso de sua história, possibilitando
assim humanizar-se nesse processo, percebendo-se agente do meio
social onde vive. [...] a arte na escola é uma atividade criadora aliada
ao conhecimento artístico que, quando trabalhada como meio de
formação dos sentidos humanos, propiciará o desenvolvimento de
uma atitude crítica frente ao mundo que cerca esse homem (SALOMÉ,
2009, p. 3378-3379).

A arte pressupõe não uma apreciação contemplativa, mas um efetivo


envolvimento, somente deste modo pode haver a construção do conhecimento.
Afinal, os seres humanos são um todo, e não partes isoladas. As esferas social,
física, psíquica, histórica e cultural se intercambiam. É neste viés que o ensino
da arte deve abarcar esses campos, fomentando o diálogo entre eles, em uma
percepção ativa, ressaltando os significados de suas vivências.

Mas como o ensino da arte se mostra fértil e efetivo no mundo


contemporâneo? Pensando nesta indagação, adentraremos agora em questões do
ensino da arte na atualidade e como vem sendo abordada a arte contemporânea
em sala de aula, apontando sugestões de atividades.

2 O ENSINO DA ARTE
Desde os anos 60, notamos o surgimento de artistas que apresentam aos
espectadores uma maneira diferente de conceber, pensar e perceber a arte. Fato
este que atesta o diálogo entre o que é produzido e o modo de vida da sociedade
atual, o que, consequentemente, demandou uma postura diferenciada do
público, afirmação ratificada por Fernando Cocchiarale (2006, p. 6) quando diz
120
TÓPICO 3 | PINTURA NA ESCOLA

que: “[...] a arte contemporânea pode estar em vários lugares simultaneamente


desempenhando funções diferentes. Mas o principal de tudo isso são os novos
tipos de relação que ela nos faz estabelecer”.

Concomitantemente com essas mudanças, também ocorreram


modificações na área do ensino da arte, deixando de lado a visão tecnicista e
estabelecendo conteúdos próprios e aprofundados.

Depois que a Lei 9.394/96 estabeleceu as diretrizes para o ensino da arte, e


da Proposta Triangular elaborada por Ana Mae Barbosa, requisita-se uma ligação
estreita entre a arte e o cotidiano dos alunos. A arte contemporânea mostra-
se profícua para este intento, o que não quer dizer que toda a arte produzida
até então não seja e não possa ser abordada, ao contrário, ela permanece como
conteúdo da disciplina.

NOTA

A Proposta Triangular está presente, mesmo que indiretamente, nos Parâmetros


Curriculares Nacionais (PCNs). Ela consiste em ensinar arte a partir dos seguintes aspectos:
leitura de obras de arte, fazer artístico e contextualização. E observamos que esta última
deve-se dar não somente na área histórica:

[...] mas também social, biológica, psicológica, ecológica,


antropológica etc., pois contextualizar não é só contar a história
da vida do artista que fez a obra, mas também estabelecer
relações dessa ou dessas obras com o mundo ao redor, é
pensar sobre a obra de arte de forma mais ampla (BARBOSA,
2005, p. 142).

Um trabalho de arte surge do cotidiano, e os artistas também estão em algum


momento na posição de espectadores. Assim, ocorrem trocas constantemente. A
partir do olhar do outro a obra ganha sentido, e alimenta as próximas que virão.
Nas palavras de Archer (2001, p. 236), “a arte é um encontro contínuo e reflexivo
com o mundo em que a obra de arte, longe de ser o ponto final desse processo,
age como iniciador e ponto central da subsequente investigação do significado”.

Podemos entrar em contato com a arte em espaços institucionalizados


(museus e galerias de arte), nos que estão no circundante (são os chamados não
formais, nos quais podemos encontrar arte, como muros e praças urbanas) e por
meio do sistema educacional. Aqui, além da experiência estética, prima-se pela
formação do sujeito por meio da construção de conhecimento, em que a figura do
professor se mostra essencial para fazer a mediação inicial entre a arte e o público,
no caso, os alunos.

121
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

DICAS

Não deixe de ler o artigo Arte, só na aula de arte? de Miriam Celeste Martins.

MARTINS, Mirian Celeste. Arte, só na aula de arte? Revista Educação, Porto Alegre, v. 34, n. 3,
p. 311-316, set.-dez. 2011. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/
faced/article/viewFile/9516/6779>. Acesso em: 11 fev. 2019.

A arte contemporânea tem demandado auxílio à mediação, uma vez


que o público precisa ter uma postura crítica e reflexiva diante dos trabalhos. O
mediador não precisa “explicar” a obra, mas pode lançar mais questionamentos,
os quais aproximarão mais o espectador do objeto.

O fundamental dessas considerações me parece o seguinte: não é


somente para o público que a arte existe, mas também por ele. E não
porque lhe seja franqueado “participar” ou “interagir” com a obra, nem
porque ele produz uma demanda de necessidades a serem satisfeitas.
Tal como adverte o artista catalão Antoni Muntadas, “a percepção
requer empenho”. Aliás, o público que faz com que a obra de arte
aconteça como arte não se constitui de indivíduos que se confirmam
empiricamente, tal como existem, mas daqueles que se expõem a um
movimento de transformação que os excede (HONORATO, 2010, p.
2007).

Os processos educativos na área de arte auxiliam que o aluno veja o


mesmo, porém com um outro olhar, uma nova percepção.

É neste espaço relacional entre o aluno e o mundo que se situa a arte-


educação na atualidade. O ensino da Arte na contemporaneidade se
propõe relacional, múltiplo, participativo, inclusivo e questionador,
de forma que possa proporcionar aos seus alunos uma atitude
ativa, crítica e reflexiva diante do mundo. Remete-nos, assim, à arte
contemporânea, cuja abordagem se dá no espaço relacional, dialógico
e indagativo existente entre obra e espectador, provocando neste uma
atitude ativa, crítica e reflexiva diante de suas obras (COHN, 2009, p.
3323).

O ensino da arte é um lugar de debate a respeito da história da arte e


da produção contemporânea, fomentando as trocas entre as obras e um público
muito particular: os estudantes. E a partir desse efetivo diálogo a sensibilidade
e a capacidade reflexiva podem ser desenvolvidas, além do aguçamento da
percepção do mundo e do estar nele.

122
TÓPICO 3 | PINTURA NA ESCOLA

3 ARTE E COMUNICAÇÃO
Para abordar a arte de maneira efetiva, o professor pode propor projetos
transdisciplinares, estudar a cultura visual, sobretudo no espaço urbano, ou
melhor, o que faz parte do cotidiano dos alunos.

UNI

Fernando Hernández, Belidson Dias, Irene Tourinho e Raimundo Martins são


referências para os estudos acerca da cultura visual. Este último organizou o livro Visualidade
e Educação, encontrado no link: <https://culturavisual.fav.ufg.br/up/459/o/desenredos_3.
pdf?1392204335>. Acesso em: 11 fev. 2019.

MARTINS, Raimundo (Org.). Visualidade e Educação. Goiânia: Funape, 2008.

Brandão (2010, p. 2) diz que “perceber o mundo através de suas


manifestações cotidianas caracteriza processos educativos que transcendem
a lógica do raciocínio científico e oportuniza a percepção sensível”. A mesma
pesquisadora coloca:

A leitura visual do mundo viabiliza a compreensão de que realidade


não se reduz a um conjunto de dados materiais ou fatos isolados. Ela
favorece o reconhecimento dos substratos das atitudes sociais, reflexos
de mentalidades e comportamentos. O exercício da contemplação
possibilita perceberem-se as relações e inter-relações que constituem
a vida social, ressaltando a importância da atividade simbólica para a
compreensão de qualquer agregação social e suas particulares relações
(BRANDÃO, 2010, p. 2).

A cidade possui matéria-prima para elaborar propostas educacionais


que se conectam com a realidade dos alunos, desse modo, a compreensão dos
conteúdos se torna mais profícua.

DICAS

Veja o documentário Degrau, de 2009, que versa sobre arte, espaço público
e seu cotidiano.

FONTE: <http://www.canalcontemporaneo.art.br/saloesepremios/>. Acesso em: 11 fev. 2019.

123
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

Ana Mae, em entrevista à Revista Época (maio 2016, s.p.), enfatiza que
“A arte não é babado cultural, não é enfeite para botar em parede”. E acrescenta
que o ensino da arte nas escolas desenvolve a capacidade de interpretação, e “ao
interpretar, você amplia a sua inteligência e a sua capacidade perceptiva, que vai
aplicar em qualquer área da vida”.

Veja agora algumas partes da entrevista:

ÉPOCA - Qual a importância do ensino de música, artes visuais,


dança e teatro na educação básica?
Ana Mae Barbosa - É absolutamente importante o contato com a
arte por crianças e adolescentes. Primeiro, porque no processo de
conhecimento da arte são envolvidos, além da inteligência e do
raciocínio, o afetivo e o emocional, que estão sempre fora do currículo
escolar. A minha geração fez sua educação emocional a partir de
filmes de Hollywood, o que é uma barbaridade. Não se conversava
sobre sentimentos na escola. Segundo, porque a arte estimula o
desenvolvimento da inteligência racional, medida pelo teste de QI.
O pesquisador Janes Catteral estudou a influência da aprendizagem
de arte na inteligência, que será aplicada a qualquer outra disciplina.
Além disso, grande parte da produção artística é feita no coletivo. Isso
desenvolve o trabalho em grupo e a criatividade.

ÉPOCA - A música já era obrigatória no currículo. Qual será a


contribuição de cada uma das artes que agora também fazem parte
dele?
Ana Mae - As artes são linguagens que complementam a linguagem
verbal. Susanne Langer, especialista em filosofia da arte, diz que existem
três diferentes linguagens: a verbal, a científica e a presentacional. A
linguagem presentacional é aquela que você não consegue traduzir
em outras linguagens. Ela está presente na arte, que articula a vida
emocional do ser humano. Um indivíduo com essas três linguagens
bem desenvolvidas está apto a conhecer plenamente as outras áreas
do conhecimento, a aproveitar mais o mundo que o cerca. Tirar o
aluno da cadeira significa expandir seus sentidos.
As artes visuais desenvolvem a capacidade de percepção visual,
importante desde a alfabetização até a solução de grandes conflitos
da adolescência. Para dar um exemplo: as palavras “bola” e
“bota” têm a mesma configuração, o que, durante a leitura, pode
dificultar a diferenciação entre elas. O ensino da arte contribui
para exercitar essa percepção. A dança amplia a percepção do
corpo. Desenvolve, assim como a música, o ritmo e o movimento.
Exercita o equilíbrio, não só físico, mas mental. O teatro desenvolve
a comunicação. Coloca em pauta o verbal, o sonoro, o visual e o
gestual. Talvez seja a mais completa das artes incluídas na escola.

ÉPOCA - E culturalmente, como as artes podem contribuir para o


desenvolvimento dos estudantes?
Ana Mae - Existe a arte como expressão e a arte como cultura. A
arte como expressão, como já disse, é a capacidade de os indivíduos
interpretarem suas ideias através das diferentes linguagens e formas.
A arte como cultura trabalha o conhecimento da história, dos artistas
que contribuem para a transformação da arte. É muito importante que
o aluno tenha um leque de conhecimento acerca do seu próprio país
e do mundo. Não se conhece um país sem conhecer a sua história e a
sua arte.

124
TÓPICO 3 | PINTURA NA ESCOLA

Além disso, as artes alargam a possibilidade de interculturalidade, ou


seja, de trabalhar diferentes códigos culturais. A escola deve trabalhar
com diversos códigos, não só com o europeu e o norte-americano
branco, mas com o indígena, o africano e o asiático. Ao tomar contato
com essas diferenças, o aluno flexibiliza suas percepções visuais e
quebra preconceitos.

[...]

ÉPOCA - Como preparar professores para uma abordagem


satisfatória do ensino de artes?
Ana Mae - Vou dar um exemplo da área de artes visuais. Há três
processos fundamentais para a formação do professor de arte. Primeiro,
o fazer. Fazer arte para seu próprio crescimento perceptivo e inventivo.
Segundo, a leitura da imagem. Tanto da imagem considerada arte pelos
críticos, como das imagens que nos cercam – da embalagem de suco de
laranja às revistas. Esse exercício prepara o indivíduo para decodificar
imagens, encontrar o sentido escondido por trás delas. Terceiro,
contextualizar. Em que contexto essas imagens estão inseridas? Esse
processo é a porta aberta para a interdisciplinaridade, o diálogo com
outras disciplinas. A história, por exemplo. É o momento de descobrir
como aquilo que você está vendo se realiza em diferentes culturas.
(BARBOSA, 2016, s.p.).

O ensino da arte no ambiente escolar é extremamente relevante para a


formação dos indivíduos, uma vez que engloba elementos do conhecimento, da
cultura e da sensibilidade. Uma percepção mais apurada permite que o mundo
seja visto de outra maneira. Mas é preciso que o professor tenha o cuidado para
não reprimir o lado perceptivo dos alunos, ao invés de aprimorá-lo e incentivar a
produção.

A criatividade é um potencial inerente ao homem, e a realização


desse potencial uma de suas necessidades... Criar é, basicamente,
formar. É dar forma a fenômenos que foram relacionados de modo
novo e compreendidos em termos novos... Estamos falando da
“intencionalidade” da ação humana: “Criando, o homem toma
consciência da sua capacidade de transformar a natureza e a si mesmo
[...] O criar só pode ser visto num sentido global, como um agir
integrado em um viver humano. De fato, criar e viver se interligam
[...] (OSTROWER, 1977, p. 05-06).

A arte auxilia a criança no aprender a ver o que está à sua volta. Mas é
preciso que o trabalho com a arte ultrapasse o livre expressar e adentre a história
e a crítica, ampliando a gama de referências. Não se espera que o aluno se torne
um artista, mas que ele alie o seu conhecimento sensível ao inteligível.

E para haver a aprendizagem em arte, os alunos devem ser espectadores e


produtores, e os conteúdos precisam estar alinhados de modo a se configurarem
a uma rede de significações.

125
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

UNI

É preciso reconhecer e respeitar a produção feita pelos alunos.

Aos estudantes podem ser apresentadas obras de artistas e a partir delas


fazer relações com as suas vivências, além de contextualizá-las. E o professor tem
um papel fundamental nesse processo: perceber a equipagem cultural dos alunos,
o que é assimilado com o entorno, a capacidade de observação e percepção e o
significado de suas experiências vivenciadas. Assim, o docente faz dialogar com
a bagagem existente com novos caminhos, observando as relações que ocorrem
entre os sujeitos e a realidade.

Elementos como a forma, a luz, a cor e a história da arte podem ser


trabalhados em todo o ensino, em graus diferentes, verticalizando os conteúdos,
ou seja, de modo a serem apresentados não como uma simples linha temporal
de acontecimentos ou sequência e hierarquia de saberes. Na medida em que
os alunos vão se desenvolvendo cognitivamente e modificando a percepção do
mundo, podem ser aprimoradas as atividades, elaboradas a partir do saber e da
bagagem cultural das crianças.

UNI

Temos a vivência do estético cotidianamente, por isso ele se revela rico para
propostas pedagógicas. O ensino, nesse viés, se orienta não por objetos, mas pelos interesses
e experiências dos alunos.

4 A PINTURA NA EDUCAÇÃO
Apesar das dificuldades sinalizadas na Introdução deste tópico, a pintura
é amplamente utilizada na arte-educação, por abranger diversas técnicas e ser
relativamente de baixo custo. E na ausência de tintas, é possível utilizar outros
materiais que proporcionam o elemento pictórico, como o carvão, café, urucum,
açafrão, e até mesmo beterraba, papel crepom, cola, dentre outros.

Na educação infantil, a prática deve aliar-se ao lúdico ou ao jogo, sem a


intenção de produzir um objeto de arte, mas não visando somente o decorativo.

126
TÓPICO 3 | PINTURA NA ESCOLA

Ainda predomina a ideia de que a arte está ligada somente ao prazer


recreativo ou para ilustrar datas comemorativas. Há, também, a concepção de
que a racionalidade e os sentimentos, bem como de ciência e arte, caminham
em lados opostos. Portanto, há um grande esforço por parte dos arte-educadores
para romper esses paradigmas e compreender a arte como uma das responsáveis
pelo conhecimento humano, que une o fazer, o saber e a expressividade.

Nessa faixa etária, personagens do folclore, dos contos de fadas e dos


quadrinhos possuem sentido maior do que ícones da história da arte. Mas se
houver a intenção de apresentar alguma imagem, é importante que ela faça parte
do cotidiano dos alunos, que tenha algum valor para eles. Aqui, a expressão e a
vivência com os materiais importam mais do que a técnica.

É muito comum vermos crianças atendendo a comandos de copiar, fazer


retas, refazer os pontilhados, preencher os desenhos sem “borrar”. É aceitável
em um trabalho de alfabetização, porém, não na educação em artes. Reproduzir
fielmente um quadro indica que há o correto e o errado no fazer artístico. Então,
se deve deixar os alunos livres para a manipulação das tintas? Esse também
não é o caminho. A eles deve ser proporcionada a possibilidade de liberdade
criativa, porém, sob orientação e fomento de novas perspectivas. Assim, haverá
o desenvolvimento do conhecimento de si mesmo e do mundo, além do senso
crítico, da sensibilidade e criatividade, qualidades que serão utilizadas ao longo
da vida.

DICAS

SUGESTÕES DE ATIVIDADES PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

Não há dúvidas de que os pequenos gostam de realizar atividades de pintura. E


esta pode ser realizada com os próprios dedos carimbados no papel, de modo a perceber a
textura e as cores que podem se misturar. A cor também pode ser conseguida com pequenas
bolinhas de papel crepom molhadas na água.

A beterraba carimbada proporciona um efeito de cor interessante, e esse carimbo


também pode ser conseguido com outras frutas ou legumes juntamente com a tinta guache.

É válido colocar os trabalhos em um painel, para que os alunos visualizem as


composições de todos, fomentando o respeito e o início do senso crítico.

No Ensino Fundamental, já é interessante a contextualização das obras


dentro da História. Nos anos iniciais a arte brasileira é um material profícuo, pois
auxilia os alunos a saberem mais sobre a cultura e a região em que vivem, afinal,
estados e municípios trabalham colaborativamente na construção dos currículos,
potencializando boas práticas e reduzindo as desigualdades. Vale salientar que

127
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

a temática nacional pode ser trabalhada em consonância com outras disciplinas,


a exemplo de História, Geografia e Português. Os modos de representação já são
mais inteligíveis para os estudantes.

Nos anos finais do Ensino Fundamental e mesmo no Ensino Médio,


podem ser apresentados artistas importantes, suas obras, técnicas, poética e
mesmo seu modo de vida, observando o contexto histórico, social, econômico e
político circundante. Afinal, por meio dos trabalhos de arte podemos saber sobre
as características da época em questão.

DICAS

SUGESTÕES DE ATIVIDADES PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

Nos anos iniciais do Ensino Fundamental pode ser trabalhado o conceito de


preservação da natureza, bem como o da percepção de suas formas, cores e tonalidades. A
ideia de paisagem real e imaginária também pode ser explorada. Aqui a pintura com terra e
outros elementos naturais com cola é bem-vinda.

Nos anos posteriores, as formas geométricas e as possibilidades de linhas curvas e


retas podem ser exploradas. As cores e os jogos de luz e sombra também são estimulantes.

Nos anos finais, a pintura com um conta-gotas também se mostra satisfatória. A


leitura iconológica e iconográfica de uma obra já é recomendável em meio ao fazer artístico.
E para a atividade prática o aluno pode tomar um elemento e o aproximar da sua realidade,
para que construa algo significativo.

E sempre é rica a oportunidade de visitar museus, galerias e ateliês de artistas.


Previamente deve ser elaborado um planejamento de perguntas para o pintor e elaboração
posterior de um trabalho pictórico a partir do conceito ou de algum elemento que chamou
a atenção do aluno.

Hernández (2007) também propõe que o professor se valha de imagens


do universo dos alunos para o estudo crítico. Um exemplo é o estudo do ataque
ocorrido em 11 de setembro de 2001, e dialogá-lo com trabalhos de Caspar
Friedrich (1774–1840), que cabe bem para os alunos do Ensino Médio. Também
pode-se fazer um estudo sobre a solitude no mundo moderno com as imagens de
Edward Hopper (1882–1967).

128
TÓPICO 3 | PINTURA NA ESCOLA

FIGURA 44 - PRÁTICAS INTERTEXTUAIS

FONTE: <http://ohermenauta.files.wordpress.com/2009/09/wtcsolitude.jpg?w=313&h=393>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

Exercícios como estes são denominados por Hernández de práticas


intertextuais, as quais possibilitam observar a conexão entre arte e sociedade e o
entendimento de “como as imagens influenciam em seus pensamentos e em suas
ações e sentimentos, bem como refletir sobre suas identidades e contextos sócio-
históricos” (HERNÁNDEZ, 2007, p. 25).

Muitos professores dão ênfase para a arte moderna ou clássica, por isso,
nossa proposta aqui é trazer o pensamento sobre a arte contemporânea para dentro
da sala de aula. A escolha pela história da arte já sedimentada é extremamente
válida, mas é importante que os alunos saibam o porquê de a arte se apresentar
atualmente de outra maneira.

Propomos que se trabalhem temas atuais, uma vez que são eles os
mais pensados pela arte atual, afinal, a estética segue o seu tempo. Assim,
compreendendo a sociedade de hoje, é possível se embrenhar com tranquilidade
na arte contemporânea. E mesmo quando se trata de movimentos artísticos, pode-
se dialogá-los com o que está acontecendo no momento. Hoje, uma tendência
artística não supera outra, mas convivem simultaneamente.

De fato, o ensino da arte tem grande relevância para a formação de um


sujeito consciente e crítico de sua cultura, de seus símbolos e da dinâmica social.

129
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

Vale ressaltar que é recorrente que os professores solicitassem aos alunos


identificar a qual estilo e movimento uma obra pertencia, em uma análise formal.
Esse procedimento já não é o suficiente para um trabalho contemporâneo: agora
é preciso contextualizar. Entender o porquê das pesquisas cubistas e sua forma
visual, por exemplo, é tão importante quanto a identificação do estilo. O mesmo
ocorre na área educacional: compreender as concepções de ensino é mais fácil
quando se sabe do seu processo histórico.

Deve-se partir de questões de nosso tempo e relacioná-las com a história,


em um movimento inverso do que estamos acostumados a ver nas tradicionais
aulas de arte. Obras contemporâneas trazem assuntos do seu tempo, portanto, do
cotidiano dos alunos, auxiliando-os, assim, a refletirem criticamente sobre a sua
própria realidade.

Outro exemplo de atividade seria com as obras de Walmor Corrêa. O artista


realiza pinturas anatômicas de animais mitológicos, as quais, em um primeiro
momento, parecem estudos de biologia e remetem às aquarelas dos naturalistas
viajantes. Porém, são imagens de seres híbridos, de modo que o pintor confere
cientificidade a seres mitológicos e fantásticos.

FIGURA 45 - WALMOR CORRÊA. SPIDER MAN, 2008. ACRÍLICA E GRAFITE


SOBRE TELA. 130 X 195 CM.

FONTE: <http://www.walmorcorrea.com.br/obra/2005-super-herois/>.
Acesso em: 18 dez. 2018.

130
TÓPICO 3 | PINTURA NA ESCOLA

Os híbridos podem ser encontrados nas histórias em quadrinhos, na


ficção científica, mitologia, publicidade. Estudá-los conduz os alunos à percepção
da arte como expressão de um imaginário e interpretação e construção de uma
realidade, tão presente nos relatos descritivos.

Assim, o professor pode sugerir que os alunos também construam os seus


seres. E isso pode ser estimulado pela leitura de uma descrição de um animal.
Cabe sugerir que os mitos populares também podem ser estudados a partir desta
atividade.

DICAS

SUGESTÕES DE ATIVIDADES PARA O ENSINO MÉDIO

Nesta fase do ensino de arte, as Teorias das Cores podem ser estudadas com
afinco. Para as atividades práticas recomenda-se o uso da tinta Tales, que pode ser comprada
em conjunto pelos alunos. Experiência interessante seria a consonância nos laboratórios
de física, a fim de compreender o comprimento de luz e prismas. Para as escolas que não
possuem um local próprio para essas práticas, é possível levar os alunos para o ar livre e
efetuar os procedimentos com o auxílio da luz do Sol direcionada e de lupas.

Para compreendermos o ensino da arte, antes precisamos pensar


sobre como a arte se apresenta e interage na sociedade atual. Sabemos que as
concepções de arte mudaram ao longo dos tempos, inclusive, várias foram as
teorias edificadas sobre essa área. Hoje, a arte se liga intimamente com a filosofia,
sociologia, antropologia e outras áreas do conhecimento, de modo que o foco
não está mais no objeto, mas nas relações com a produção de arte. Afinal, ela
clama ao outro a sua efetivação, e ele recria “novas dimensões dessa obra a
partir do seu grau de compreensão da linguagem, do conteúdo e da expressão
do artista” (FERRAZ; FUSARI, 2009, p. 56). A arte tem a capacidade de “intervir
no processo histórico da sociedade e da própria arte e, ao mesmo tempo, ser por
ele determinado, explicitando, assim, a dialética de sua relação com o mundo”
(FERRAZ; FUSARI, 2009, p. 107).

Pensar arte compreende estudar sobre os processos artísticos, sobre


os artistas e seus contextos, sobre as técnicas, sobre a difusão da arte, sobre as
relações entre o produto e o público. Neste viés, a disciplina Arte deve permitir
que os alunos tenham vivência prática e teórica. E isso é possível com um trabalho
consistente e organizado por parte dos professores.

O ensino da arte promove a formação da identidade e da cidadania dos


alunos, trabalhando com a psicomotricidade, cognição, sensibilidade e constante
reflexão. Assim, ao invés de um pensamento linear e causal, a arte lida com as

131
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

redes rizomáticas, a inteligência emocional e faculdades críticas, fundamentais


na atualidade.

DICAS

Gilles Deleuze e Guattari discorrem sobre os rizomas em Mil Platôs -


capitalismo e esquizofrenia.

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs - capitalismo e esquizofrenia, v. 1, Tradução de Aurélio


Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.

A obra de arte não pode mais ser lida dentro de um movimento artístico,
pois é um prolongamento do artista, inserido no mundo da diversidade cultural.
Afinal, como nos fala Mirian Celeste Martins (2001, p.312), “não há mundo
objetivo, apenas interpretações”.

“Assim como no espaço expositivo, os educadores também são curadores


nas salas de aula; ativam culturalmente as obras. Estão cientes, entretanto, de
suas escolhas” (MARTINS, 2001, p. 313). O professor escolhe apenas obras com
as quais tem familiaridade ou também aquelas que o provocam e o inquietam?

A chamada curadoria educativa — termo cunhado pelo arte-educador


Luiz Guilherme Vergara — é essencial para o ensino da arte, fazendo do educador
um professor propositor, enfrentando o não saber, na busca pela produção de
sentidos.

Temos que ter cuidado para não fortalecer a história oficial, em detrimento
do diálogo, da conversa, da ampliação do repertório e das inúmeras conexões.
Os filósofos Deleuze e Guattari (1992, p. 213) diziam que a arte é um “composto
de perceptos e afetos”. Assim, somos convidados a pensar. É daqui o conceito
de rizoma, de fronteiras líquidas. Mediar é ter uma leitura compartilhada. Não
estabelecer categorizações com estáveis fronteiras, mas líquidas, instigando
conversações.

Fayga Ostrower conta que na ocasião de um almoço com o diretor do


Instituto de Astrofísica da Universidade da Filadélfia, o mesmo se colocou na
posição de estranhamento diante de uma obra de Picasso. Fayga, então, tentou
mediar o diálogo trazendo os impressionistas e Cézanne para falar sobre arte. Daí
surgiu o convite:

Quero fazer-lhe um convite. Se algum dia você quiser deixar de ser


artista, venha trabalhar comigo no Instituto de Astrofísica.
Tomada de surpresa, comecei a rir.

132
TÓPICO 3 | PINTURA NA ESCOLA

— Mas professor, eu não lhe serviria para nada. Nem sei ler uma
simples equação matemática.
— Isto não tem importância alguma — respondeu o professor —; as
equações se aprendem; é uma técnica apenas. Mas a visão espacial
que você foi capaz de expor para mim, ao comentar a estrutura das
obras impressionistas e as transformações no Cubismo, contém
pensamentos bem interessantes. De fato, aproximam-se de certas
conjecturas que nós estamos formulando para tentar explicar certos
fenômenos no universo e, talvez, a própria origem do universo. O
que necessitamos na pesquisa é exatamente disto: a mente aberta para
novas possibilidades, a imaginação e a capacidade de relacionar dados
de maneira diferente, intuindo contextos globais, em que tais dados
poderiam se encaixar em uma nova visão da realidade. Naturalmente,
depois tudo necessita de repetidas verificações. Mas pense nisto; estou
falando sério.
Eu me senti extremamente emocionada.
— O senhor me fez um grande elogio — respondi. E também me
ofereceu um presente, do qual talvez nem se dê conta. O que acaba de
dizer significa muito, e não apenas sobre certas questões estilísticas na
arte. Envolve mais do que isto. Também confirma uma íntima convicção
minha, de que a arte representa um caminho de conhecimento da
realidade humana (OSTROWER, 1998, p. 14).

Aqui vemos que há uma íntima conexão entre as áreas de saber. Como
último exemplo, para ratificar tal posicionamento, apresentamos a obra de Paola
di Bello, La Disparittion (2014), a qual mostra as marcas deixadas no mapa por
quem o manipula. Vemos ali os sujeitos e a memória de sua passagem pela cidade
de Paris.

A partir de um mapa pode-se chegar aos ensinamentos de história e de


geografia, além de propor aos alunos a construção de uma cartografia pessoal.
Assim, a arte pode ser pensada para além dos engavetamentos conceituais.

FIGURA 46 - PAOLA DI BELLO. LA DISPARITTION, 2014

FONTE: <http://peccadille.net/2014/05/18/quand-la-carte-sefface/>. Acesso em: 18 dez. 2018.

133
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

FIGURA 47 - DETALHE DA OBRA

FONTE: <http://peccadille.net/2014/05/18/quand-la-carte-sefface/>. Acesso em: 18 dez. 2018.

A alfabetização visual é tão importante quanto a numérica e o letramento,


sobretudo em contextos interculturais. Afinal, a sociedade contemporânea é
imagética.

134
TÓPICO 3 | PINTURA NA ESCOLA

LEITURA COMPLEMENTAR

ARTE, EDUCAÇÃO E CULTURA


Ana Mae Barbosa

Educação para o desenvolvimento de diferentes códigos culturais

A Educação poderia ser o mais eficiente caminho para estimular a


consciência cultural do indivíduo, começando pelo reconhecimento e apreciação
da cultura local. Contudo, a educação formal no Terceiro Mundo Ocidental foi
completamente dominada pelos códigos culturais europeus e, mais recentemente,
pelo código cultural norte-americano branco A cultura indígena só é tolerada
na escola sob a forma de folclore, de curiosidade e esoterismo; sempre como
uma cultura de segunda categoria. Em contraste, foi a própria Europa que, na
construção do ideal modernista das artes, chamou a atenção para o alto valor
das outras culturas do leste e do oeste, por meio da apreciação das gravuras
japonesas e das esculturas africanas. Desta forma, os artistas modernos europeus
foram os primeiros a criar uma justificação a favor do multiculturalismo, apesar
de analisarem a "cultura" dos outros sob seus próprios cânones de valores.
Somente no século vinte, os movimentos de descolonização e de liberação
criaram a possibilidade política para que os povos que tinham sido dominados
reconhecessem sua própria cultura e seus próprios valores.

Leitura cultural, identidade cultural, ecologia cultural

A busca de identidade cultural passou a ser um dos objetivos dos países


recém-independentes, cuja cultura tinha sido, até então, institucionalmente
definida pelos poderes centrais e cuja história foi escrita pelos colonizadores.
Contudo, a identidade cultural não é uma forma fixa ou congelada, mas um
processo dinâmico, enriquecido através do diálogo e trocas com outras culturas.
Neste sentido, a identidade cultural também é um problema para o mundo
desenvolvido. Apesar disso, a preocupação com o estímulo cultural através da
educação tem sofrido uma diferente abordagem nos mundos industrializados
e em vias de desenvolvimento, revelando diversos significados através de
diferenças semânticas. Enquanto no Terceiro Mundo falamos sobre a necessidade
de busca pela identidade cultural, os países industrializados falam sobre a leitura
cultural e ecologia cultural. Assim, no mundo industrializado a questão cultural
é centrada no fornecimento de informações globais e superficiais sobre diferentes
campos de conhecimento (cultural literacy) e na atenção equilibrada às diversas
culturas de cada país (ecologia cultural). No Terceiro Mundo, no entanto, a
identidade cultural é o interesse central e significa necessidade de ser capaz de
reconhecer a si próprio, ou, finalmente, uma necessidade básica de sobrevivência
e de construção de sua própria realidade. Os três termos aos quais nos referimos
acima convergem em um ponto comum: a noção de diversidade cultural. Sem a
flexibilidade para encarar a diversidade cultural existente em qualquer país não
é possível tanto uma identificação cultural como uma leitura cultural global ou,
ainda, uma cultura ecológica.
135
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

Diversidade cultural: multiculturalismo, pluriculturalidade e interculturalidade

Aqui, para definir a diversidade cultural, nós temos que navegar


novamente através de uma complexa rede de termos. Alguns falam sobre
multiculturalismo, outros sobre pluriculturalidade, e temos ainda o termo
mais apropriado - Interculturalidade. Enquanto os termos "Multicultural" e
"Pluricultural" significam a coexistência e mútuo entendimento de diferentes
culturas na mesma sociedade, o termo "Intercultural" significa a interação entre
as diferentes culturas. Isto deveria ser o objetivo da educação interessada no
desenvolvimento cultural. Para alcançar tal objetivo, é necessário que a educação
forneça um conhecimento sobre a cultura local, a cultura de vários grupos que
caracterizam a nação e a cultura de outras nações.

Interculturalidade: alta e baixa cultura

No que diz respeito à cultura local, pode-se constatar que apenas o nível
erudito desta cultura é admitido na escola. As culturas de classes sociais baixas
continuam a ser ignoradas pelas instituições educacionais, mesmo pelos que
estão envolvidos na educação destas classes. Nós aprendemos com Paulo Freire
a rejeitar a segregação cultural na educação. As décadas de luta para salvar os
oprimidos da ignorância sobre eles próprios nos ensinaram que uma educação
libertária terá sucesso só quando os participantes no processo educacional forem
capazes de identificar seu ego cultural e se orgulharem dele. Isto não significa a
defesa de guetos culturais ou negar às classes baixas o acesso à cultura erudita.
Todas as classes têm o direito de acesso aos códigos da cultura erudita porque
esses são os códigos dominantes - os códigos do poder. É necessário conhecê-los,
ser versado neles, mas tais códigos continuarão como um conhecimento exterior
a não ser que o indivíduo tenha dominado as referências culturais da sua própria
classe social, a porta de entrada para a assimilação do "outro". A mobilidade social
depende da inter-relação entre os códigos culturais das diferentes classes sociais.

Interculturalidade: a cultura do colonizador e do colonizado

A diversidade cultural presume o reconhecimento dos diferentes códigos,


classes, grupos étnicos, crenças e sexos na nação, assim como o diálogo com os
diversos códigos culturais das várias nações ou países, que incluem até mesmo a
cultura dos primeiros colonizadores. Os movimentos nacionalistas radicais que
pretenderam o fortalecimento da identidade cultural de um país em isolamento,
ignoram o fato de que o seu passado já havia sido contaminado pelo contato com
outras culturas e sua história interpenetrada pela história dos colonizadores. Por
outro lado, os colonizadores não podem esquecer que, historicamente, eles foram
obrigados a incorporar os conceitos culturais que o oprimido produziu acerca
daqueles que os colonizaram.

136
TÓPICO 3 | PINTURA NA ESCOLA

Interculturalidade e cultura do outro

A demanda para identificação, isto é, "ser para um Outro"- assegura a


representação do sujeito, diferenciado do "Outro", em alteridade, "Identidade é
ser para si mesmo e para o Outro; consequentemente, a identidade é encontrada
entre nossas diferenças". A função das artes na formação da imagem da
identidade lhe confere um papel característico dentre os complexos aspectos
da cultura. Identificação é sempre a produção de "uma imagem de identidade e
transformação do sujeito ao assumir ou rejeitar aquela imagem reconhecida pelo
outro".

O papel da arte no desenvolvimento cultural

Através das artes temos a representação simbólica dos traços espirituais,


materiais, intelectuais e emocionais que caracterizam a sociedade ou o grupo
social, seu modo de vida, seu sistema de valores, suas tradições e crenças. A arte,
como uma linguagem presentacional dos sentidos, transmite significados que não
podem ser transmitidos através de nenhum outro tipo de linguagem, tais como as
linguagens discursivas e científica. Não podemos entender a cultura de um país
sem conhecer sua arte. Sem conhecer as artes de uma sociedade, só podemos ter
conhecimento parcial de sua cultura. Aqueles que estão engajados na tarefa vital
de fundar a identificação cultural não podem alcançar um resultado significativo
sem o conhecimento das artes. Através da poesia, dos gestos, da imagem, as artes
falam aquilo que a história, a sociologia, a antropologia etc., não podem dizer
porque elas usam um outro tipo de linguagem, a discursiva, a científica, que
sozinhas não são capazes de decodificar nuances culturais. Dentre as artes, a arte
visual, tendo a imagem como matéria-prima, torna possível a visualização de
quem somos, onde estamos e como sentimos. A arte na educação como expressão
pessoal e como cultura é um importante instrumento para a identificação cultural
e o desenvolvimento. Através das artes é possível desenvolver a percepção e a
imaginação, apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade
crítica, permitindo analisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade
de maneira a mudar a realidade que foi analisada. "Relembrando Fanon", eu
diria que a arte capacita um homem ou uma mulher a não ser um estranho em
seu meio ambiente nem estrangeiro no seu próprio país. Ela supera o estado de
despersonalização, inserindo o indivíduo no lugar ao qual pertence.

Arte-Educação e a consciência de cidadania

Contudo, não é só incluindo arte no curriculum que a mágica de favorecer


o crescimento individual e o comportamento de cidadão como construtor de sua
própria nação acontece. Além de reservar um lugar para a arte no curriculum, o
que está longe de ser realizado de fato, até mesmo pelos países desenvolvidos,
é também necessário se preocupar como a arte é concebida e ensinada. Em
minha experiência tenho visto as artes visuais sendo ensinadas principalmente
como desenho geométrico, ainda seguindo a tradição positivista, ou a arte nas
escolas sendo utilizada na comemoração de festas, na produção de presentes

137
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

estereotipados para os dias das mães ou dos pais e, na melhor das hipóteses,
apenas como livre expressão. A falta de preparação de pessoal para ensinar artes
é um problema crucial, nos levando a confundir improvisação com criatividade.
A anemia teórica domina a arte-educação que está fracassando na sua missão
de favorecer o conhecimento nas e sobre artes visuais, organizado de forma a
relacionar produção artística com apreciação estética e informação histórica, esta
integração corresponde à epistemologia da arte. O conhecimento das artes tem
lugar na interseção da experimentação, decodificação e informação. Nas artes
visuais, estar apto a produzir uma imagem e ser capaz de ler uma imagem são
duas habilidades inter-relacionadas.

Leitura visual

Em nossa vida diária, estamos rodeados por imagens impostas pela mídia,
vendendo produtos, ideias, conceitos, comportamentos, slogans políticos etc.
Como resultado de nossa incapacidade de ler essas imagens, nós aprendemos por
meio delas inconscientemente. A educação deveria prestar atenção ao discurso
visual. Ensinar a gramática visual e sua sintaxe através da arte e tornar as crianças
conscientes da produção humana de alta qualidade é uma forma de prepará-
las para compreender e avaliar todo o tipo de imagem, conscientizando-as de
que estão aprendendo com estas imagens. Um currículo que integre atividades
artísticas, história das artes e análise dos trabalhos artísticos levaria à satisfação
das necessidades e interesses das crianças, respeitando ao mesmo tempo os
conceitos da disciplina a ser aprendida, seus valores, suas estruturas e sua
específica contribuição à cultura. Dessa forma, realizaríamos um equilíbrio entre
as duas teorias curriculares dominantes: aquela centrada na criança e a centrada
na disciplina (matéria), este equilíbrio curricular começou a ser defendido no
Reino Unido pelo Basic Design Movement durante os anos 50, quando Harry
Thubron, Victor Pasmore, Richard Hamilton, Richard Smith, Joe Tilson e Eduardo
Paolozzi desenvolveram sua arte de ensinar a arte. Eles associaram atividades
artísticas com o ensino dos princípios do design e informação científica sobre o
ver, tudo isso com ajuda da tecnologia. Seus alunos estudavam gramática visual,
sua sintaxe e seu vocabulário, dominando elementos formais, tais como: ponto,
linha, espaços positivo e negativo, divisão de áreas, cor, percepção e ilusão, signos
e simulação, transformação e projeção nas imagens produzidas pelos artistas e
pelos meios de comunicação e publicidade. Eles foram acusados de racionalismo,
mas hoje, após quase 70 anos de arte-educação expressionista nas escolas do
mundo industrializado, chegamos à conclusão de que expressão "espontânea"
não é uma preparação suficiente para o entendimento da arte.

Apreciação da arte e desenvolvimento da criatividade

Apreciar, educar os sentidos e avaliar a qualidade das imagens produzidas


pelos artistas é uma ampliação necessária à livre-expressão, de maneira a
possibilitar o desenvolvimento contínuo daqueles que, depois de deixar a
escola, não se tornarão produtores de arte. Através da apreciação e decodificação
de trabalhos artísticos, desenvolvemos fluência, flexibilidade, elaboração e

138
TÓPICO 3 | PINTURA NA ESCOLA

originalidade - os processos básicos da criatividade. Além disso, a educação


da apreciação é fundamental para o desenvolvimento cultural de um país. Este
desenvolvimento só acontece quando uma produção artística de alta qualidade é
associada a um alto grau de entendimento desta produção pelo público.

Arte-Educação preparando o público para a arte

Uma das funções da arte-educação é fazer a mediação entre a arte e o


público. Museus e centros culturais deveriam ser os líderes na preparação do
público para o entendimento do trabalho artístico. Entretanto, poucos museus
e centros culturais fazem esforço para facilitar a apreciação da arte. As visitas
guiadas são tão entediantes que a viagem de ida e volta aos museus é de longe
mais significativa para a criança. Mas é importante enfatizar que os museus e
centros culturais são uma contribuição insubstituível para amenizar a ideia de
inacessibilidade do trabalho artístico e o sentimento de ignorância do visitante.
Aqueles que não têm educação escolar têm medo de entrar no museu. Eles não
se sentem suficientemente conhecedores para penetrar nos "templos da cultura".
É hora de os museus abandonarem seu comportamento sacralizado e assumirem
sua parceria com escolas, porque somente as escolas podem dar aos alunos de
classe pobre a ocasião e autossegurança para entrar em um museu. Os museus são
lugares para a educação concreta sobre a herança cultural que deveria pertencer
a todos, não somente a uma classe econômica e social privilegiada. Os museus
são lugares ideais para o contato com padrões de avaliação da arte através da sua
história, que prepara um consumidor de arte crítico não só para a arte de ontem e de
hoje, mas também para as manifestações artísticas do futuro. O conhecimento da
relatividade dos padrões da avaliação dos tempos torna o indivíduo flexível para
criar padrões apropriados para o julgamento daquilo que ele ainda não conhece.
Tal educação, capaz de desenvolver a autoexpressão, apreciação, decodificação
e avaliação dos trabalhos produzidos por outros, associados à contextualização
histórica, é necessária não só para o crescimento individual e enriquecimento da
nação, mas também é um instrumento para a profissionalização.

Arte para o desenvolvimento profissional

Muitos trabalhos e profissões estão direta ou indiretamente relacionados


à arte comercial e propaganda, out-doors, cinema, vídeo, à publicação de livros e
revistas, à produção de discos, fitas e Cds, som e cenários para a televisão, e todos
esses campos do design para a moda e indústria têxtil, design gráfico, decoração
etc. Não posso conceber um bom designer gráfico que não possua algumas
informações de História da Arte, por exemplo, o conhecimento sobre a Bauhaus.
Não só designers gráficos, mas muitos outros profissionais similares poderiam
ser mais eficientes se conhecessem, fizessem arte e tivessem desenvolvido sua
capacidade analítica através da interpretação dos trabalhos artísticos em seu
contexto histórico. Tomei conhecimento de uma pesquisa que constatou que os
cameramen da televisão são mais eficientes quando têm algum contato sistemático
com apreciação da arte. A interpretação de obras de arte e a informação histórica
são inseparáveis; sendo uma a abordagem diacrônica horizontal do objeto

139
UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CRIATIVO COM A PINTURA

e a outra sua projeção sincrônica vertical. A intercessão dessas duas linhas de


investigação produzirá um entendimento crítico de como os conceitos formais,
visuais e sociais aparecem na arte, como eles têm sido percebidos, redefinidos,
redesignados, distorcidos, descartados, reapropriados, reformulados, justificados
e criticados em seus processos construtivos. Essa abordagem de ensino ilumina a
prática da arte, mesmo quando esta prática é meramente catártica.

Arte para o desenvolvimento emocional e afetivo

Aqueles que defendem a arte na escola meramente para libertar a emoção


devem lembrar que podemos aprender muito pouco sobre nossas emoções se não
formos capazes de refletir sobre elas. Na educação, o subjetivo, a vida interior
e a vida emocional devem progredir, mas não ao acaso. Se a arte não é tratada
como um conhecimento, mas somente como um "grito da alma", não estamos
oferecendo nem educação cognitiva, nem educação emocional. Foi Wordsworth
que, apesar de seu romantismo, disse: "A arte tem que ver com emoção, mas não
tão profundamente para nos reduzirmos a lágrimas".

FONTE: BARBOSA, A. M. Arte, educação e cultura. Disponível em: <http://www.dominiopublico.


gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=84578>. Acesso em: 11 fev. 2019.

140
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, estudamos os seguintes aspectos acerca do ensino da arte:

• Saber ver é primordial para a compreensão do mundo e da arte.

• A arte compreende várias áreas do saber, em um efetivo diálogo.

• O ensino da arte deixou de ser tecnicista e cunhou conteúdos próprios.

• A Proposta Triangular foi essencial para a arte-educação.

• Trabalhar com a cultura visual auxilia na compreensão da arte por parte dos
alunos.

• São válidas as atividades lúdicas na Educação Infantil.

• No Ensino Fundamental requisita-se a contextualização das obras de arte


apresentadas.

• No Ensino Médio os conteúdos deverão ser verticalizados, a exemplo das


Teorias das Cores ou características do mundo moderno e Edward Hopper.

• Os alunos devem ter vivência teórica e prática.

• A arte lida com a inteligência emocional e crítica.

141
AUTOATIVIDADE

1 A partir da modernidade, observamos uma profusão de imagens em nosso


entorno, de modo que a faculdade perceptiva e de crítica ficou solapada em
meio a tantas exigências, sobretudo na contemporaneidade. Assim sendo,
assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) Aprender a ver é extremamente relevante para a prática educativa e


artística.
b) ( ) Com o ensino da arte, as imagens, tão constantes no mundo
contemporâneo, podem ser melhor compreendidas.
c) ( ) A arte pressupõe um posicionamento de contemplação, isento de
envolvimento.
d) ( ) O ensino da arte abarca diversos campos do saber, em uma percepção
ativa.
e) ( ) Ana Mae Barbosa diz que a aprendizagem precisa estar contextualizada.

2 Observamos que a estética e a arte nos apresentaram trabalhos inusitados. A


partir dessa nova configuração, assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) A Proposta Triangular requer uma ligação entre arte e cotidiano dos


alunos.
b) ( ) A arte está em consonância com o modo de vida social em que foi
produzida.
c) ( ) Ao público demandou-se uma postura diferente diante da arte
contemporânea.
d) ( ) O professor se isenta do papel de mediador entre a arte e os alunos.
e) ( ) Requere-se que o trabalho de arte não se configure como um livre
expressar apenas, mas adentre a história e a crítica.

3 Tendo em vista que a cidade possui matéria-prima para a elaboração


de propostas educacionais, e que é relevante que o ensino da arte seja
contextualizado com a realidade dos educandos, elabore, agora, a sua
proposta para uma aula de pintura para alunos que vivem em um grande
centro urbano.

142
UNIDADE 3

TÉCNICAS DE PINTURA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• entender os pormenores das tintas (através de exemplos práticos) e


conhecer os materiais utilizados para a execução dos diferentes tipos de
pintura;

• desenvolver trabalhos em aquarela, têmpera e guache, saber suas


características e possibilidades de criar texturas diversas;

• compreender os procedimentos em torno das técnicas de pintura


tradicionais, a saber: aquarela, pintura a óleo e acrílica, bem como suas
especificidades;

• identificar alguns artistas e contextualizar historicamente as técnicas de


pintura abordadas.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará atividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – MATERIAIS FUNDAMENTAIS PARA A PINTURA

TÓPICO 2 – ESTUDANDO PRÁTICAS DE PINTURA

TÓPICO 3 – CONHECENDO TÉCNICAS DE PINTURA TRADICIONAIS

143
144
UNIDADE 3
TÓPICO 1

MATERIAIS FUNDAMENTAIS PARA A PINTURA

1 INTRODUÇÃO
Para conseguir expressar com êxito suas ideias, é recomendável que
o artista tenha ao seu alcance as tintas e os materiais necessários para tal. Para
cada poética há uma técnica que melhor se adéqua ao que se pretende expressar.
E para cada técnica há os instrumentos e o suporte mais adequado. A aquarela
requer papéis de maior gramatura, a tinta a óleo demanda diluentes e solventes.
Cada material relativo a determinada técnica pictórica possui características de
manuseio e especificações diferentes entre si.

Nos primórdios da pintura, não havia os conhecimentos técnicos existentes


atualmente. Podemos fazer um exercício de imaginação e nos remetermos aos
nossos ancestrais do período pré-histórico denominado paleolítico. Segundo o
historiador Yuval Noah Harari, no livro Sapiens: História Breve da Humanidade
(2015), há mais ou menos 200 mil anos surge o Homo sapiens, na África Ocidental.
Entretanto, essa nova espécie humana se aprimora e inova principiando o que hoje
entendemos por cultura somente há setenta mil anos. É a revolução cognitiva,
termo utilizado por Noah.

[...] a crença em mitos comuns que agrega e universaliza as sociedades.


Deuses, nações e empresas são realidades mágicas extremamente
poderosas, mais poderosas que as realidades físicas. A rápida alteração
destas realidades imaginadas (por exemplo, na Revolução Francesa,
o mito da soberania de Deus foi substituído pelo mito da soberania
popular) faz com que a evolução humana transcenda a evolução do
genoma, colocando o homem numa “via rápida de evolução cultural”.
A verdade é que só o Sapiens é capaz de alterar o comportamento
e a tecnologia sem mutação genética ou alteração ambiental. A
revolução cognitiva é, assim, o ponto em que a história declara a sua
independência da biologia. Tanto assim é que as diferenças entre o
chimpanzé e o Sapiens são mais notórias quando passamos o limiar
dos 150 indivíduos. Ou seja, quando entramos no âmbito da cultura
de massas (PAIXÃO, 2015).

É realmente incrível imaginar os inúmeros sapiens se espalhando pelo


mundo, exterminando as demais espécies humanas. Neste período, compreendido
entre 70 e 40 mil anos passados, foram criados muitos objetos, de barco até
agulhas, e datam deste período os primeiros utensílios que são caracterizados
como arte e joalheria.

145
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

E a pintura? Desconhecemos até o presente momento se nossos ancestrais


já se valiam dessa linguagem desde as primeiras épocas de sua existência,
entretanto, foram descobertas pinturas — a mais antiga na caverna de Chauvet,
no Sul da França — que datam de 30 mil anos atrás, ou um pouco mais. São as
mais remotas de que temos conhecimento e comprovação.

FIGURA 1 - ARTE RUPESTRE. CAVERNA EM CHAUVET. FRANÇA

FONTE: <https://veja.abril.com.br/ciencia/arte-rupestre-de-caverna-francesa-e-a-mais-antiga-ja-
encontrada-diz-estudo/>. Acesso em 18 jan. 2019.

Neste marco está a origem desse meio expressivo, mas diante da


complexidade e riqueza dos detalhes dessas distantes obras encontradas, podemos
supor que antes desse período já haveria atividade pictórica. Praticamente
nenhuma chegou até nosso conhecimento, ou por não terem sido encontradas
ainda ou pelo material não ter sido capaz de suportar os milênios que separam
sua aplicação dos dias atuais. São 30 mil anos de história de evolução e mudanças
nas técnicas, suportes, temas e intenções.

Saber escolher a melhor técnica e, consequentemente, os melhores materiais


para sua poética é um correto caminho para se ter êxito em uma pintura. Mas é
preciso, também, empregar materiais de qualidade para um melhor resultado e
durabilidade. A prática e o aprendizado constante são fundamentais, bem como a
habilidade do pintor em manejar os objetos pictóricos oriundos do conhecimento
e da destreza desenvolvidos pelo uso e estudo dos mesmos.

O artista estuda seus materiais e métodos com a finalidade de adquirir


o maior controle possível em suas manipulações, para que assim
obtenha as melhores características da técnica que escolhe, expresse
e transmita apropriadamente suas intenções e garanta a permanência
de seus resultados. O eventual abandono de métodos já comprovados
implicará um sacrifício de um desses objetivos. No entanto, aqueles que
alcançam um domínio completo e inteligente dos princípios básicos
são capazes de alterar com êxito os procedimentos estabelecidos,
adaptando-os às suas necessidades individuais (MAYER, 2006, p. 5).

146
TÓPICO 1 | MATERIAIS FUNDAMENTAIS PARA A PINTURA

ATENCAO

Vejam o que algumas personalidades falaram a respeito da técnica:

“É necessário primeiro o conhecimento, a técnica. Depois vem a diversão” (MIKHAIL


BARYSHNIKOV).

“A arte é uma emoção suplementar que é somada a uma técnica hábil” (CHARLES CHAPLIN).

“O erro próprio dos artistas é acreditarem que fariam melhor meditando do que
experimentando. [...] É fazendo que se descobre aquilo que se quer fazer” (ÉMILE-AUGUSTE
CHARTIER).

Abaixo vemos uma iluminura do início do século XV, a qual mostra a


artista elaborando seu autorretrato. Na mesa ao lado estão pincéis e tintas moídas,
inclusive o lápis-lazúli, e tintas em conchas, denunciando como era o costume da
época.

FIGURA 2 - MÁRCIA PINTANDO SEU AUTORRRETRATO USANDO UM ESPELHO (DE CLARIS


MULIERIBUS), 1410. ILUMINURA. BIBLIOTHÈQUE NATIONALE DE FRANCE

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:De_mulieribus_claris_-_Marcia.png>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

A fim de adentrarmos ao universo dos pintores, investigaremos algumas


técnicas de pintura: têmpera, guache, pintura mural, encáustica, aquarela, óleo e
acrílica.

Mas antes saberemos um pouco sobre como os pigmentos se aglutinam


aos médiuns (tipo de solvente que serve para a diluição da tinta e, também, para

147
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

retardar ou acelerar a secagem), depois exploraremos os pincéis (a destinação de


cada modelo existente) e alguns acessórios indispensáveis ao trabalho pictórico.
Em seguida, veremos sobre maneiras de conservação, além das molduras, tão
utilizadas nas pinturas acadêmicas.

Cada material tem suas possibilidades e propõe uma esfera de resultados.


Quem não ficou eufórico quando se deparou com inúmeras tintas e tantos,
diferentes, tipos de pincéis, paletas e godês? Uma riqueza cromática.

O conhecimento dos materiais e das técnicas nos auxilia a decodificar


a maneira de atuar dos artistas, como eles conseguiram tais efeitos, quais as
dificuldades que encontraram e valorizar as habilidades de cada um deles. Também
podemos saber quais foram os passos seguidos para que um quadro ficasse
pronto e, assim, é possível descortinar qual técnica utilizar para expressarmos o
que desejamos.

É interessante questionarmos como uma obra de épocas passadas poderia


ter sido construída com técnicas que surgiram anos depois, ou seja, quais os efeitos
que seriam mais facilmente conseguidos com outro tipo de tinta, por exemplo.

De todo modo, ao conhecer técnicas e materiais, o artista pode se flexibilizar


e visitar a que melhor dialoga com seu propósito.

2 PIGMENTOS E SOLVENTES
Muitos processos de produção de tinta ainda são os mesmos há muitos
séculos, e os pigmentos naturais continuam a fornecer coloração durável. Mas a
indústria petrolífera nos favoreceu com a possibilidade de muitas outras cores
e tonalidades, além de resistência muito maior à iluminação, entretanto, ainda
ficamos estarrecidos diante do resultado conseguido com as substâncias de
outrora, isentas de tanta interferência industrial.

2.1 PIGMENTOS
Pigmento e tinta não são sinônimos: o primeiro é um elemento do segundo.
Ou seja, para que uma tinta seja produzida, é preciso que se una um pigmento a
um aglutinante. Assim, ele é o protagonista da tinta, pois suas partículas fornecem
as cores.

“Pigmento é uma substância colorida e finamente dividida, que passa seu


efeito de cor a outro material, quer quando bem misturado a ele, quer quando
aplicado sobre sua superfície em uma camada fina” (MAYER, 2006, p. 33).

São os mesmos pigmentos utilizados para a fabricação dos vários tipos de


tinta, entretanto, o que difere uma tinta a óleo de uma acrílica, por exemplo, é o

148
TÓPICO 1 | MATERIAIS FUNDAMENTAIS PARA A PINTURA

seu aglutinante. Antigamente, esse processo era feito manualmente com a ajuda
de um pilão ou uma pedra.

FIGURA 3 - ELEMENTOS PARA A FABRICAÇÃO DE TINTAS

FONTE: <https://i0.wp.com/quadcitiesdaily.com/wp-content/uploads/2017/08/Equipment_
Crystals_Minerals-375x277.jpg>. Acesso em: 17 nov. 2018.

Para que cumpra o seu papel, de fornecimento da coloração, eficientemente,


é necessário que a substância esteja na forma de um pó macio e afinado, resistente
à luz, insolúvel ao diluente, quimicamente inerte e ter transparência ou opacidade
desejada para o fim a que se pretende utilizar. Vejam abaixo como um bom
material é mais enfático visualmente.

FIGURA 4 - PIGMENTOS

FONTE: <https://www.amopintar.com/os-pigmentos/>. Data de acesso: 18 jan. 2019.

Os pigmentos classificam-se em:

Inorgânicos (isentos de carvão): são as terras (como os ocres e as sombras),


os minerais (usados muito pelos primeiros pintores, a exemplo do lápis-lazúli
no século VI) e os sintéticos (são manufaturados, a exemplo do azul cobalto no
século XIX).

Orgânicos (derivam dos componentes do carvão): podem ser naturais (de


origem vegetal, como o carmim, feito da cochinilha; e de origem animal, como o
Sépia, derivado da tinta de lula) e sintéticos (os permanentes existem desde 1935).

149
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

Teóricos como Ralph Meyer e Ray Smith elaboraram uma cuidadosa,


aprofundada e detalhada pesquisa sobre tudo o que envolve a atividade do
pintor, tornando-se referência nessa área, sobretudo o segundo, em seu Manual
do Artista. Neles constam os principais pigmentos com suas fórmulas químicas e
características, como grau de toxidade, solidez da cor e opacidade.

Para que o artista ou estudante inicie seus trabalhos, é recomendado que


tenha em mãos os seguintes pigmentos, facilmente encontrados em lojas da área:

• Amarelo-indiano.
• Amarelo-limão.
• Laranja-de-cádmio.
• Laranja-de-cromo.
• Magenta.
• Vermelhão.
• Vermelhão inglês.
• Vermelho da China.
• Violeta de cobalto.
• Violeta-permanente.
• Carmim.
• Laca-de-garança.
• Ocre.
• Terra de Siena Natural.
• Terra de Siena Queimada.
• Sombra-natural.
• Sombra-queimada.
• Terracota.
• Marrom-castanho.
• Violeta de cobalto.
• Violeta-permanente.
• Azul-celeste.
• Azul-cerúleo.
• Azul da Prússia.
• Azul-real.
• Azul-ultramar.
• Azul-cobalto.
• Terra-verde.
• Verde de hooker.
• Verde-esmeralda.
• Verde-musgo.
• Verde-oliva.
• Verde-vessie.
• Branco-de-chumbo.
• Branco-de-titânio.
• Branco-de-zinco.
• Preto.

150
TÓPICO 1 | MATERIAIS FUNDAMENTAIS PARA A PINTURA

Deve-se evitar os pigmentos abaixo, por serem tóxicos, mas se os utilizar,


lave muito bem as mãos e as unhas e não os manuseie quando em pó seco.

• Chumbo: por muitos séculos foi o único branco opaco disponível. Depois foi
substituído pelo titânio e zinco. Também estava na composição do amarelo de
Nápoles genuíno.
• Cádmio: tem coloração branca azulada, ainda é utilizado em algumas tintas.
• Cromo: presente em alguns amarelos e verdes.
• Arsênico: utilizado em alguns amarelos, vermelhos e violeta.
• Mercúrio: está em alguns laranjas de cádmio.
• Cobalto: substituído por azul ultramar.
• Antimônio.

2.2 SOLVENTES E ADITIVOS


Há líquidos essenciais na atividade pictórica, cuja finalidade é dispersar
os sólidos para que haja uma solução satisfatória ou para uma boa limpeza. É
essencial que eles sejam totalmente voláteis, ou seja, não podem deixar resíduos
após evaporarem. Vejamos os mais utilizados:

• Terebintina: utilizado para limpar os materiais de pinturas à base de óleo.


Também serve para diluir as tintas, deixando-as com maior fluidez sobre o
suporte. É o solvente mais forte para fins artísticos e evapora-se lentamente.
Quando misturada à tinta e ao óleo de linhaça, acelera a secagem da pintura,
além de aumentar o brilho.

Também são usados a aguarrás, o thinner e o ecosolv para as mesmas


finalidades, embora o último não seja tão eficaz. Esses produtos são tóxicos,
portanto, evite o contato direto com a pele e os utilize em um ambiente bem
ventilado.

• Óleo de linhaça: é um componente da tinta a óleo, portanto, é utilizado para a sua


diluição e para conferir mais brilho à pintura. Caso seja usado separadamente,
retarda a secagem. É um produto natural e não tóxico.
• Espessante: serve para diminuir a liquidez das tintas, deixando-as mais
viscosas, mais consistentes.
• Secante de cobalto: como o próprio nome indica, é utilizado para acelerar o
tempo de secagem, entretanto, se usado em grande quantidade, pode ocorrer o
efeito de craquelamento da superfície pictórica.
• Médium: possui um efeito químico diferente para as tintas à base de água e
óleo. Para as primeiras retarda a secagem e para as segundas acelera.

151
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

E
IMPORTANT

A água é considerada o solvente universal.

Cabe observar que os pintores antigos desconheciam os solventes e


diluentes voláteis. De todo modo, de acordo com Mayer (2006), há descrições do
processo de destilação por parte de médicos da Alexandria no século III.

A destilação de terebintina, álcool e outros materiais é mencionada nos


textos dos antigos alquimistas e artesãos, mas todos os indícios levam
a crer que estes produtos não eram aplicados ou adaptados ao uso
prático (exceto na medicina) antes do século XV, quando a produção
e a venda comercial de solventes voláteis e bebidas alcoólicas teve
início, e quando se publicaram as primeiras receitas para vernizes que
continham estas substâncias (MAYER, 2006, p. 441- 442).

O autor ainda indica que essa disponibilização comercial dos solventes


possibilitou o desenvolvimento da tinta a óleo e sua ampla utilização pelos artistas
a partir do século XV. Neste viés, percebemos que, ao longo da história, há um
grande espaço de tempo entre a descoberta de um material e seu uso efetivo por
parte da comunidade artística.

3 SUPORTES
No decorrer da história, é possível observar que muitos suportes já foram
utilizados pelos pintores, como pedra, vidro, madeira, couro, pergaminho, papel
velino, tela e outros mais. Lembremo-nos do nosso exercício imaginativo de
visualizar nossos ancestrais. Qual é a pintura mais antiga de que temos notícia?
Lembra? É aquela encontrada na caverna de Chauvet, no Sul da França (Figura
1). Portanto, podemos afirmar que o suporte mais antigo conhecido até hoje são
as rochas das paredes das cavernas.

A palavra “rupestre” tem o significado de “gravado na rocha”. Assim,


quando ouvimos falar de arte rupestre devemos lembrar que é a forma de arte
que foi feita em algo sólido, duro, como uma pedra ou uma parede de caverna.
E a arte parietal se relaciona com as pinturas murais: a arte rupestre é quase
sempre parietal. É válido enfatizar que durante muitos séculos a pintura foi
frequentemente utilizada em parceria com a arquitetura, ainda que nem uma
nem outra tivessem a conceituação com que as entendemos nos dias atuais.

No Egito, as pinturas nos interiores das pirâmides, túmulos de faraós,


eram executadas nas paredes, utilizando a antiga técnica da encáustica. Os
gregos, séculos depois, também ornavam seus templos e esculturas à pintura. Por

152
TÓPICO 1 | MATERIAIS FUNDAMENTAIS PARA A PINTURA

questões temporais e de invasões, infelizmente pouco sobrou do período grego


relativo a elas para que pudéssemos conhecer como tratavam seus elementos
pictóricos.

NOTA

O templo Partenon (edificado no século V a.C.) nem sempre foi como o


conhecemos hoje. Na Grécia antiga ele era embebido das cores hematita (vermelha), azul
do Egito e malaquita-azurita (verde azulado).

FONTE: <http://diversao.terra.com.br/arteecultura/noticias/0,,OI893970-EI3615,00-Frisos+do
+Partenon+tinham+as+cores+azul+vermelho+e+verde.html>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Agora, em um salto na linha do tempo, observe o tão conhecido período


denominado Renascimento. Até este momento os artistas utilizavam a madeira
para fazer seus trabalhos artísticos, classificada como um suporte rígido. Mas ela
tem um inconveniente: tende a ser pesada e a trabalhar (encolhe, expande-se e se
entorta) de acordo com a umidade do ambiente.

No século XV, as pranchas rígidas deram lugar para as telas, que se


constituem em um tecido sobre o chassi de madeira. A juta, o cânhamo e a seda
foram muito utilizados, mas atualmente encontramos as telas feitas de linho,
algodão e poliéster.

As lendas nos contam que o linho esticado no chassi de madeira já foi


usado para pinturas de temas religiosos para que fossem carregadas
pelas ruas em procissões, especialmente na Itália. Entretanto, o
conceito de um tecido como suporte para pintura já era conhecido dos
nossos ancestrais, e era um material lógico a ser considerado quando a
pintura a óleo artística foi introduzida. O melhor linho do mundo nos
chega das plantas de linho cultivadas em Flandres, Bélgica e Países
Baixos, assim como de alguns países do leste europeu. Uma variedade
de qualidade um pouco inferior vem da Ásia. As telas de algodão, tais
como lona para velas de barcos e sarja, tiveram utilização ocasional
como suporte flexível para pinturas a óleo após a produção comercial
do algodão, mas são completamente inferiores ao linho [...] (MEYER,
2006, p. 315–316).

É recomendado lavar o tecido antes de esticá-lo na armação de madeira. E


depois disto feito, é preciso colocar uma camada de goma e outra de gesso sobre
a superfície que receberá a tinta a óleo. Para as que receberão tinta à base de água,
é necessário apenas uma emulsão acrílica.

153
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

FIGURA 5 - EMULSÃO ACRÍLICA SOBRE TELA

FONTE: <http://manualdoartista.com.br/preparacao-das-telas-de-pintura/>.
Acesso em: 18 jan. 2019.

Esse novo suporte garantiu a agilidade e a mobilidade dos artistas,


permitindo que os quadros fossem pintados ao ar livre ou em qualquer outro
local. Em uma época ainda distante do advento fotográfico, a tela auxiliou na
documentação do cotidiano e dos ambientes intimistas da sociedade.

NOTA

No quadro As Meninas, Diego Velásquez inverte a posição das figuras, de modo


que nós, os espectadores, somos colocados na posição de modelos da obra. E a infanta
Margarita, suas meninas, membros da corte e ele mesmo nos observam. Assim, podemos
ver como era o suporte utilizado pelo pintor.

FIGURA 6 - DIEGO VELÁSQUEZ. AS MENINAS, 1656. ÓLEO SOBRE TELA. 318 X 276 CM.
MUSEU DO PRADO, MADRID

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/As_Meninas_(Vel%C3%A1zquez)#/media/File:Las_Meninas,_
by_Diego_Vel%C3%A1zquez,_from_Prado_in_Google_Earth.jpg>. Acesso em: 18 jan. 2019.

154
TÓPICO 1 | MATERIAIS FUNDAMENTAIS PARA A PINTURA

Os papéis, assim como as telas, também entram na classificação de suportes


flexíveis. A palavra vem de papiro, nome da planta utilizada para fabricar folhas
de desenho no Egito. Os papéis recomendados para a pintura são os de maior
gramatura (superior a 180 g/m²), para que não enruguem com a absorção da tinta.
Eles são levemente granulados, para melhor aderência.

A gramatura do papel compreende o peso em gramas por metro quadrado


de uma folha de papel. Ele é comercializado com base no peso, por isso, quanto
maior a gramatura, maior o preço. Pode ser encontrado comercializado nos
tamanhos A1, A2, A3, A4, A5, A6. Essa classificação faz referência à proporção
áurea, sobre a qual falamos na Unidade 1.

ATENCAO

Existem no mercado algumas marcas de papéis de qualidade, veja qual deles


é mais indicado para cada tipo de tinta:

• Tinta a óleo: Triplex, uma vez que ambos os lados são impermeáveis.
• Tinta acrílica: Triplex; Debret; Canson (180 e 200 g/m²); Torchon (300 g/m²); Fabriano
(300 g/m²) e Montval (300g/m²).
• Aquarela: papel japonês (10 g/m²), Hahnemühle Fineart (165 e 300 g/m²), Debret; Canson
(180 e 200 g/m²); Torchon (300 g/m²); Fabriano (300 g/m²) e Montval (300g/m²).
• Têmpera e Guache: Hahnemühle Fineart (165 e 300 g/m²), Debret; Canson (180 e 200 g/
m²); Torchon (300 g/m²); Fabriano (300 g/m²) e Montval (300g/m²).

O cobre também foi muito utilizado como suporte a partir do século XVI,
e folhas de alumínio entraram em uso no século XX. Veja um exemplo dessa
técnica na imagem de um prato peruano abaixo, e perceba que o relevo recebe
uma camada de pigmento colorido.

FIGURA 7 - PINTURA EM COBRE EM ALTO RELEVO

FONTE: <https://http2.mlstatic.com/prato-de-cobre-do-peru-decoraco-desenho-em-alto-
relevo-D_NQ_NP_233505-MLB25027386159_082016-F.jpg>. Acesso em: 18 jan. 2019.

155
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

4 PINCÉIS E ACESSÓRIOS
Os pelos e cerdas usados na fabricação de pincéis variam muito em
qualidade, os melhores e mais caros não são facilmente encontrados
no mercado; mas o elemento mais importante na fabricação de pincéis
é a habilidade de um artesão experiente (MAYER, 2006, p. 592).

Ralph Mayer (2006) inicia a seção sobre pincéis, de seu livro, com a frase
acima, de modo a salientar a importância de se ter o conhecimento técnico para
a execução de um bom trabalho. E ao tratarmos de pintura, não podemos deixar
de abordar um de seus principais elementos: ferramentas para a aplicação da
tinta no suporte. Assim, podem ser usados inúmeros utensílios, como espátulas,
esponjas, roletes e pincéis, os mais populares. Vamos observar algumas tipologias,
mas antes vejam o que fala o referido teórico:

Numa época em que praticamente tudo é feito por máquinas, a


fabricação de pincéis para artistas é um dos poucos exemplos que
sobrevivem de uma indústria autenticamente artesanal, pois na
fabricação de um pincel de primeira classe toda operação importante
é realizada por artesãos qualificados e o pincel terminado representa
a culminação de muitos anos de desenvolvimento, expressos num
produto de alta qualidade que recebeu cuidados e atenção de
especialistas em cada fase do processo (MAYER, 2006, p. 592).

4.1 PINCÉIS NATURAIS


Há os de pelo macio (de esquilo, boi, marta e sintéticos), utilizados
sobretudo nas aquarelas. Nas demais técnicas servem para as veladuras e
detalhamento meticuloso. Os pincéis mais duros (feitos de cerdas de porco ou
fibras sintéticas) são muito usados nas pinturas a óleo e acrílica, excelentes para
grandes superfícies.

FIGURA 8 - PINCÉIS DE PELO DE BOI

FONTE: <http://www.cozinhadapintura.com/2011/11/pinceis.html>. Acesso em: 18 jan. 2019.

156
TÓPICO 1 | MATERIAIS FUNDAMENTAIS PARA A PINTURA

Vale ressaltar que os pincéis de pelo de esquilo são mais macios que os de boi.

FIGURA 9 - PINCÉIS DE PELO DE ESQUILO

FONTE: <http://www.cozinhadapintura.com/2011/11/pinceis.html>. Acesso em: 18 jan. 2019

Dentre os pelos naturais nobres, que são os mais macios, temos o de marta,
os mais caros do mundo.

FIGURA 10- PINCÉIS DE PELO DE MARTA

FONTE: <http://www.cozinhadapintura.com/2011/11/pinceis.html>. Acesso em: 18 jan. 2019.

No Brasil, são fabricados pincéis de pelo de marta tropical, produzidos


pela Tigre, que consistem na mistura de vários tipos de pelo para simular o de
marta original.

FIGURA 11 - PINCÉIS DE PELO DE MARTA TROPICAL

FONTE: <http://www.cozinhadapintura.com/2011/11/pinceis.html>. Acesso em: 18 jan. 2019.

157
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

4.2 PINCÉIS SINTÉTICOS


Podem ser macios ou duros, de custo menor do que os naturais. Porém,
mesmo sendo constantemente limpos, suas cerdas endurecem e se dispersam. Mas
são bem duradouros quando utilizados com tinta aquarela. Além da variedade
dos pelos dos pincéis, eles se diferenciam também pelo formato. Conheça os
principais.

FIGURA 12 - PINCEL CLÁSSICO REDONDO

FONTE: <http://www.cozinhadapintura.com/2011/11/pinceis.html>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Existem os pincéis chatos, os quais cobrem uma área maior da pintura.


Dentre os orientais, há um próprio para as aguadas, denominado merlúcio, mas
a maioria é redonda com a ponta fina, geralmente de pelo de cabra, gamo, coelho
ou lobo.

Os pincéis chatos podem ser ainda longos ou de pelo bem curto,


diferenciando-se pelas suas aplicabilidades.

FIGURA 13 - PINCÉIS CHATOS, LONGOS E CURTOS

FONTE: <http://www.cozinhadapintura.com/2011/11/pinceis.html>. Acesso em: 18 jan. 2019.

158
TÓPICO 1 | MATERIAIS FUNDAMENTAIS PARA A PINTURA

Para que o pintor possa misturar traços chatos e redondos, há o pincel


Filberts.

FIGURA 14- PINCEL FILBERTS

FONTE: <http://www.cozinhadapintura.com/2011/11/pinceis.html>. Acesso em: 18 jan. 2019.

O pincel misturador possui o formato de leque, utilizado para trabalhar a


tinta que já está na tela.

FIGURA 15 - PINCEL EM LEQUE

FONTE: <http://www.cozinhadapintura.com/2011/11/pinceis.html>. Acesso em: 18 jan. 2019.

As trinchas são pincéis bem mais largos que os demais.

159
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

FIGURA 16 - PINCEL TRINCHA

FONTE: <http://www.cozinhadapintura.com/2011/11/pinceis.html>. Acesso em: 18 jan. 2019.

E os formatos caligráficos são muito usados para assinatura das obras.

FIGURA 17 - PINCEL CALIGRÁFICO

FONTE: <http://www.cozinhadapintura.com/2011/11/pinceis.html>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Para que os pincéis tenham uma boa conservação, guarde-os sempre


com as cerdas para cima, limpos e secos. Use detergente ou sabão neutro para a
limpeza, nos que foram utilizados para tinta a óleo limpe-os antes na terebintina.
Não os utilize para misturar as tintas, para que suas cerdas não se danifiquem.

160
TÓPICO 1 | MATERIAIS FUNDAMENTAIS PARA A PINTURA

NOTA

COMO ERAM FEITOS PINCÉIS NO PASSADO

Desde tempos remotos os pincéis têm sido feitos de cerdas de animais presas a um cabo, ou
de pelos mais macios presos a uma pena de ave. Todavia, no antigo Egito faziam-se pincéis
de junco esmagando uma extremidade, separando as fibras e prendendo bem o junco no
ponto da separação das fibras. Outros pincéis são feitos de rebentos de diversas grossuras

FONTE: <http://cdnpix.com/show/imgs/6f202ed9e5819a9c4945855f40d4c1a7.jpg>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

O artista italiano Cennino Cennini, que escreveu O Livro da Arte no século XV, deu instruções
pormenorizadas para o fabrico de pincéis. Para os de pelo macio, selecionavam-se molhos
de pelos das caudas de coelhos (ou esquilos), cozinhando-os para aplicação em diversos
cálamos, desde os de abutre aos de rola. Esses pelos eram amarrados, inseridos no cálamo
e puxados até o comprimento desejado. Colocava-se um pau de castanheiro, ou de bordo,
macio e adelgaçado, com 22,5 cm, no cálamo para formar o cabo. Para os pincéis de cerdas,
amarrava-se um molho de cerdas brancas de porco à uma vara, que depois se usava para
caiar paredes até a cerda se tornar macia. Desamarravam-se em seguida e juntavam-se em
molhos mais pequenos dos tamanhos desejados. Enfiava-se a ponta duma vara em cada
molho e amarrava-se o pincel até meio comprimento dos pelos. Este método foi praticado
até o século XIX, quando se divulgaram as virolas (tira de metal que prende os pelos ao cabo).
A virola de metal permitia modificar a forma do pincel para criar os pincéis chatos.

Hoje em dia, os fabricantes de pincéis compram o pelo ligado e preparado por fornecedores
especializados. No caso do pelo de marta, a operação envolve o corte do pelo em faixas
junto à pele, com remoção da ponta e da base do pelo, ficando o pelo macio na base
aproveitando só os pelos fortes. Os pelos são tratados pelo vapor sob pressão para os esticar
até ao comprimento desejado.

FONTE: SMITH, Ray. Manual prático do artista. Porto: Civilização, 2003.

As espátulas são bastante úteis para os pintores conseguirem as texturas


e relevos, também servem para raspar a tinta da tela.

161
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

FIGURA 18 - FORMAS DAS ESPÁTULAS

FONTE: <https://www.amopintar.com/espatulas/>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Para misturar a tinta os artistas se valem das paletas e godês, que auxiliam
nos trabalhos ao ar livre, além de os pintores terem sempre à mão as cores que
estão utilizando no atual trabalho.

Vamos às características de cada um deles!

4.3 PALETAS
Utilizadas para separar e misturar as tintas. Para as tintas à base de água
podem ser usadas as de plástico. Desde o século XV são utilizadas, outrora
pequenas e quadradas, eram banhadas em óleo de linhaça, que deixavam secar e
endurecer, justamente para proteger a madeira dos óleos das tintas. Atualmente
a proteção ocorre por meio de vernizes.

FIGURA 19 - PALETA

FONTE: <https://revistanews.com.br/2018/05/31/sapucaienses-podem-se-inscrever-em-cursos-
gratuitos-de-cultura-e-lazer/>. Acesso em: 18 jan. 2019.

162
TÓPICO 1 | MATERIAIS FUNDAMENTAIS PARA A PINTURA

4.4 GODÊS
Possuem divisões, essenciais para os trabalhos em aquarelas e para
armazenar alguns líquidos (os diluentes ou os secantes).

FIGURA 20 - GODÊ

FONTE: <https://pixabay.com/pt/aquarela-porcelana-paleta-3365532/>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Para a limpeza desse material e das espátulas, utilize um pano, ou papel


toalha, embebido em água ou terebintina.

Os cavaletes auxiliam os pintores no melhor posicionamento da tela, de


modo a poder regular a altura e a incidência de luz no suporte. Há os de estúdio
(grandes), conforme indicado na imagem abaixo, e os de mesa. Entretanto, para
as aquarelas e aguadas o suporte precisa estar na horizontal.

FIGURA 21 - CAVALETE DE ESTÚDIO

FONTE: <https://pixabay.com/pt/artista-pintor-cavalete-lona-2578454/>. Acesso em: 18 jan. 2019.

163
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

5 CONSERVAÇÃO E MOLDURAS
Grandes museus se empenharam em pesquisas na área de conservação,
auxiliando os artistas com informações a respeito das razões da deterioração das
obras e a consequente descoberta de métodos eficazes para minimizar o efeito do
tempo (luz, calor e umidade são fatos preponderantes para o envelhecimento da
imagem).

No quadro abaixo, Adam Pynacker (1622–1673) utilizou a mistura do


amarelo com o azul para obter o verde das folhas em primeiro plano. Entretanto,
a luz fez com que o amarelo desbotasse.

FIGURA 22 - ADAM PYNACKER. PAISAGEM COM DESPORTISTAS, 1665. ÓLEO SOBRE TELA. 198
X 138. DULWICH PICTURE GALLERY, LONDRES

FONTE: <http://pt.wahooart.com/@@/A29QCN-Adam-Pynacker-Paisagem-com-desportistas-e-
Jogo>. Acesso em: 18 jan. 2019.

5.1 HIGIENIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO


Para a limpeza das imagens em tinta a óleo, usa-se um chumaço de
algodão embebido com saliva ou água destilada, conforme salienta Ray Smith:

A limpeza duma pintura faz-se por um processo progressivo. Na sua


forma mais simples, envolve a remoção da sujidade da superfície da
pintura e dos vernizes que o tempo descolorou, e inda a eliminação
de todos os repintes dos restauros anteriores. O uso judicioso de
água destilada ou de saliva com um pouco de algodão em rama é
normalmente o melhor método para remover a sujidade da superfície.
Deve aplicar-se o produto de limpeza com pequenos esfregões
em pequenas áreas de cada vez, o que permite ver se a cor sai com
a sujidade. Nesse caso, convirá parar com a limpeza. Há que ter o
cuidado de não levar à boca o algodão contaminado, que não deve ser
usado de novo (SMITH, 2003, p. 332).

Nas têmperas e encáusticas se utiliza algodão umedecido. Para as acrílicas


já se recomenda a proteção por um vidro.

164
TÓPICO 1 | MATERIAIS FUNDAMENTAIS PARA A PINTURA

Quando endurecida, a película da têmpera a ovo é muito estável e


resistente à sujidade. É também uma das películas de tinta mais
permanentes. A da encáustica pode atrair mais a sujidade se contiver
apenas cera de abelha – com a sua relativamente baixa suavidade – e
menos susceptível se se tiver incorporado uma cera mais dura, como
cera de carnaúba, para aumentar o ponto de fusão. Tanto a têmpera
a ovo como a encáustica podem esfregar-se com algodão em rama
ligeiramente umedecido e limpo com um pedaço de seda.
[...]
Uma película de tinta acrílica proveniente de tintas de dispersão acrílica
é relativamente suave, o que atrai bastante a sujidade. A razão dessa
suavidade reside no fato de que, depois de evaporada a água, ficarem
gotículas de polímero que precisam ser flexíveis para aderirem e
incitarem à formação da película. Na verdade, a conveniência da água
como diluente é assim equilibrada pela macieza da resina que atrai a
sujidade. A melhor maneira de resolver o problema será emoldurar a
pintura por trás de vidro (SMITH, 2003, p. 332–333).

E a fim de que a imagem seja protegida da umidade e dos efeitos do


oxigênio, pode-se aplicar um verniz (solução de resina em diluente) sobre o
quadro, que nada mais é do que uma camada protetora entre a tinta e a atmosfera.
O procedimento deve ser feito após a secagem completa da camada pictórica.

O dâmar é uma resina natural que pode ser misturada à terebintina, de


modo a ficar uma solução não viscosa. O quadro ganha brilho intenso e as cores
escuras obtêm um efeito de saturação e extrema profundidade. Existem também
as resinas sintéticas com acetona ou policiclohexanona.

5.2 AS MOLDURAS
Outro aspecto de proteção, e mesmo para valorizar um quadro, é a
moldura e o passe-partout, uma espécie de moldura interna para ampliar a tela e,
assim, as informações contidas no entorno não interferirem visualmente na obra.

FIGURA 23 - MOLDURA COM PASSE-PARTOUT

FONTE: <https://www.mobly.com.br/quadro-p-b-contemporaneo-e-passepartout-gare-ou-nord-
18-x-23-cm-preto-15258.html>. Acesso em: 02 fev. 2019.

165
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

Alguns estudiosos consideram que Tarsila do Amaral (1886–1973) foi das


precursoras em elaborar, pessoalmente e com alto valor estético, as molduras das
suas telas, sendo que, por vezes, a moldura tinha maior atrativo que a obra em
si. De todo modo, estima-se que a moldura deve dialogar e harmonizar com a
imagem. Veja, nas imagens abaixo, como ela agrega significação em cada quadro.

FIGURA 24 – MOLDURAS
LUCA SIGNORELLI. MADONNA JEAN-ETIENE LIOTARD. PRÍNCIPE BENEDICT WILLIAM BOUGUEREAU.
E CRIANÇA, 1505-1507. ÓLEO E STUART E PRÍNCIPE CHARLES EDWARD STUART, AS LARANJAS, 1865. ÓLEO
OURO SOBRE MADEIRA 1736-1738. AQUARELA E GUACHE SOBRE VELINO SOBRE TELA

a) b) c)

LOUIS MECLENBURG. PONTE CHILDE HASSAM. UMA JAN TOOROP. DUAS MULHERES,
DE RIALTO A NOITE, 1864. ESTRADA NO CAMPO, 1891. 1893. LÁPIS, CRAYONS COLORIDOS E
ÓELO SOBRE TELA PASTEL SOBRE PAPEL AQUARELA SOBRE PAPEL, EM MOLDURA
PINTADA PELO PRÓRPIO ARTISTA.

d) e) f)
FONTES: (a), (c), (d), (e) e (f) <http://joserosarioart.blogspot.com/2014/09/historia-da-moldura.html>;
(b) <https://enfilade18thc.com/2014/12/17/stuart-miniatures-by-liotard-on-offer-at-tefaf-2015/>.
Acesso em: 13 fev. 2019.

Cabe ressaltarmos que, de um modo curioso, o processo para se elaborar


um trabalho de arte se dava de maneira inversa do que o conhecido atualmente,
ou seja, primeiro era feita a moldura, em uma única peça, sem emendas, e
deixada uma área interna para a pintura. Constituía-se em um procedimento
muito custoso, tendo em vista a dificuldade de se encontrar uma grande peça de
madeira para ser esculpida. Décadas mais tarde, a moldura passou a ser feita a
partir de tiras.

A maioria das pinturas, até os séculos XIV e XV, eram encomendadas


pela Igreja, assim, os artistas produziam inúmeros retábulos, peças fixas que
não precisariam ser transportadas. As molduras eram verdadeiros adornos que
compunham com a arquitetura.

166
TÓPICO 1 | MATERIAIS FUNDAMENTAIS PARA A PINTURA

No momento em que os nobres se tornaram os mecenas, o transporte das


obras mostrou-se necessário, assim, elas passaram a ter molduras mais elaboradas,
funcional (proteção) e esteticamente.

Foi com Francisco I, monarca renascentista francês, que aconteceu o


ápice de uma produção organizada de molduras. Nesse período, as
molduras já não eram mais produzidas pelo artista, como acontecia
anteriormente. Havia agora um moldureiro, exclusivamente treinado
para isso e que passou a ter uma importante função nas etapas finais
de qualquer decoração. A coisa se organizava a tal ponto que, mesmo
naquele período, já eram lançados livros com dicas de decoração
de interiores, ricamente ilustrados a mão. Praticamente um século
depois, já no reinado de Luís XIII, o requinte tornou-se o centro da
atenção em qualquer decoração palaciana. Novos perfis de moldura
foram criados e foram introduzidos neles arabescos dos mais diversos
possíveis, fato que levou ao processo natural da concepção barroca de
molduras. Praticamente toda a Europa se viu influenciada por essa
nova corrente de produção. No reinado de Luís XIV, isso tomaria
proporções inimagináveis anteriormente. Madeira e gesso eram
usados indiscriminadamente na confecção de perfis cada vez mais
rebuscados. O Barroco estava em seu apogeu e abria terreno para os
excessos do Rococó (ROSÁRIO, 2014, s.p.).

FIGURA 25 - ANÔNIMO. OFICINA DE MOLDURAS, 1900

FONTE: <http://joserosarioart.blogspot.com/2014/09/historia-da-moldura.html>.
Acesso em: 2 fev. 2019.

No final do século XVII, em um caminho contrário ao excesso de


rebuscamento, as molduras se mostram mais leves e finas, por vezes com
influências orientais. Com os impressionistas, ela tornou-se mais plana, sem
muitos acabamentos, como sendo uma continuação da pintura. No século XX
surgem inúmeros formatos, de acordo com a nova visualidade artística que
aparecia, inclusive, o artista passa a trabalhar nesse processo. Cabe observar que
a partir do referido período, ela passa a ser, muitas vezes, suprimida.
167
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

DICAS

OS MATERIAIS NA ESCOLA

Muitas vezes as escolas não dispõem de recursos financeiros para investir em


materiais para as atividades artísticas. Entretanto, é possível que os professores encontrem
alternativas para viabilizar o exercício da pintura em sala de aula.

A escolha do material, e da estratégia, pode alternar de acordo com algumas
variáveis: renda média dos alunos, série escolar, desenvolvimento técnico da turma. Cabe ao
docente a criatividade para superar as dificuldades existentes na realidade em sala nas aulas
de arte.

Levando em conta o que foi exposto, podemos optar pela solução mais simples
que cause estímulo nos alunos. Em uma turma com pouca, ou nenhuma prática artística,
deve-se começar com as pequenas experiências, mas que estimulam os alunos de forma
mágica. Alguns materiais simples podem gerar bom desfecho. O lápis de cor utilizado com
o simples papel branco pode promover a satisfação em experimentar a mistura das cores
primárias resultando em suas cores secundárias efetuadas pelos próprios alunos. Neste
simples exemplo, de pintura à lápis, temos o pigmento, o suporte e a “obra” finalizada.

É possível os alunos fabricarem os seus próprios utensílios para realizar as atividades


pictóricas, fato este, extremamente interessante, de modo que novos efeitos podem ser
conseguidos. Os pincéis, por exemplo, podem ser feitos agregando, com o auxílio de um
barbante, um pequeno chumaço de cabelo (podem ser conseguidos em cabeleireiros),
pelos de animais (disponíveis em lojas de pesca) ou mesmo palha, na extremidade de um
galho. O algodão também pode ser utilizado para o depósito de pigmentos no suporte.
Dentre eles, é viável se valer de tampas de isopor e mesmo azulejos.

De todo modo, podem ser construídas inúmeras ferramentas com o que há


no entorno do aluno. Um grande inventor pode ser ainda descoberto na turma e fazer a
diferença no mundo, basta ver os feitos de Leonardo da Vinci!

168
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• Ao longo da história, diversos materiais foram utilizados por aqueles que


produziram as pinturas.

• O desenvolvimento de técnicas, e dos insumos utilizados no desenrolar dos


milênios, legou, a nós e nossos contemporâneos, uma variedade enorme de
possibilidades para escolhermos a que melhor se adequará ao interesse do
artista.

• As primeiras pinturas, feitas por nossos ancestrais, utilizaram as paredes como


primeiro suporte conhecido.

• No século XIV surgiram as primeiras telas.

• O conhecimento da história conduz para o melhor aconselhamento sobre


material a ser utilizado na busca pelo objetivo artístico ambicionado.

• O estudo e a prática de manuseio dos objetos, acessórios, suporte e a melhor


adequação à poética do pintor irão determinar o sucesso da obra.

• Pigmentos e tintas não são sinônimos. Tinta é a solução final da mistura do


pigmento com seu aglutinante.

• Os solventes e diluentes servem para serem misturados às tintas para que estas
adquiram a consistência ideal. Servem também para a limpeza dos materiais.

• Os pincéis são classificados de acordo com sua pelagem, em naturais ou


sintéticos, por um lado; e macios e mais duros, por outro.

• Os pincéis também podem ser classificados de acordo com o formato. Há o


clássico redondo, os chatos, longos e curtos, o pincel Filberts, o que possui
forma de leque, a trincha e o pincel caligráfico.

169
AUTOATIVIDADE

1 Existem apenas teorias sobre a cultura mais remota em nossa civilização,


e não sabemos ao certo todos os detalhes. Entretanto, uma descoberta
comprova a existência de atividades pictóricas há mais de 30 mil anos. Assim
sendo, assinale a alternativa correta.

a) ( ) Estudiosos acreditam que as iluminuras elaboradas no início do século


XV são as primeiras pinturas encontradas.
b) ( ) As pinturas rupestres brasileiras são as mais antigas encontradas no
mundo.
c) ( ) As pinturas mais antigas de que temos notícia estão na caverna de
Chauvet, no Sul da França, que datam de 30 mil anos atrás, ou um pouco
mais.
d) ( ) Os jesuítas foram os principais responsáveis pelas primeiras pinturas
das quais temos notícia.
e) ( ) As pinturas mais antigas de que temos notícia são as encontradas nas
pirâmides egípcias.

2 Com relação aos materiais fundamentais de pintura podemos afirmar:

a) ( ) Pigmento e tinta são sinônimos: o primeiro é um elemento do segundo.


b) ( ) Os pigmentos se classificam em inorgânicos e orgânicos.
c) ( ) O óleo de linhaça é um componente da tinta acrílica e é utilizado para
conferir mais brilho à pintura.
d) ( ) O espessante serve para diminuir a liquidez das tintas, deixando-as
mais transparentes.
e) ( ) No período clássico na Grécia não se utilizava a pintura.

3 A partir da afirmativa abaixo, discorra sobre a relação entre a poética do


artista e os materiais e utensílios empregados na elaboração de uma obra.

Se o conhecimento das relações que a arte mantém com a ação


política – tanto conservadora como revolucionária – abriu espaço
para o reconhecimento de sua importância, também alertou
os poderosos para o controle da produção artística, através de
regulamentações e dispositivos que cercearam a liberdade dos
artistas (COSTA, 2004, p. 95).

170
UNIDADE 3
TÓPICO 2

ESTUDANDO PRÁTICAS DE PINTURA

1 INTRODUÇÃO
Desde o surgimento do mercado dos pigmentos e tinturas, os artistas
abandonaram a antiga prática de produção da própria tinta. Ainda alguns se
dedicam a esta tarefa artesanal, mas em quantidade ínfima. Uma técnica antiga,
que será investigada neste material, é a têmpera, que tem a gema como veículo.
A pintura mural, como a primeira manifestação de arte, embora não com este
intuito, também será abordada, observando o seu caminhar e modificações
históricas.

A pintura com tinta guache é muito executada nas escolas devido à sua
característica de não “manchar” as roupas dos alunos. São geralmente compradas
já prontas nas lojas para a prática em sala. A palavra guache significa tinta de
água, por este motivo possui alguma similaridade à aquarela, mas com uma
densidade maior e mais opaca daquela em relação a esta.

FIGURA 26 - EFEITOS DAS PINCELADAS COM AQUARELA E COM GUACHE

FONTE: <https://www.krisefe.com/como-usar-a-tinta-guache/>. Acesso em: 18 jan. 2018.

Gostaríamos de dar realce a uma técnica menos utilizada atualmente,


porém bastante tradicional em pintura. Trata-se de um método datado do século
V a.C., desenvolvido pelos gregos, em que os pigmentos são diluídos em cera
quente: a técnica de encáustica.

171
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

Observemos, então, as características dessas quatro técnicas, bem como


alguns trabalhos de artistas que as utilizaram para expressarem as suas poéticas.
Assim, ao compreendermos o exercício pictórico, também saberemos de suas
intenções artísticas.

2 TÊMPERA
Na era paleolítica, os homens misturavam pigmentos à água, gordura
e mesmo sangue de animais, por isso convém dizer que foram os primeiros a
utilizarem a têmpera. Outrora, o termo foi utilizado referindo-se a qualquer
médium líquido aglutinado a um pigmento. Anos mais tarde, passou a designar
as emulsões feitas com gema de ovo. Atualmente, é possível encontrar tintas para
cartazes com essa denominação, entretanto, são apenas uma variação do guache
de maior qualidade. A verdadeira têmpera é difícil de encontrar, mesmo em casas
especializadas.

Havendo se originado na arte bizantina e cristã primitiva (ainda que


alguns autores digam que já se utilizava na Grécia antiga), o processo
tradicional de têmpera entrou em uso generalizado através da Itália.
A técnica de gema de ovo pura foi descrita por Cennino Cennini num
tratado sobre pintura da forma como era praticada pelo menos já no
século XIV; estava bem estabelecida em sua época, e seu conhecimento
e treinamento no assunto chegou-lhe diretamente do ateliê de seu
ídolo, Giotto. A têmpera de ovo continuou a ser o médium principal
utilizado para pintura de cavalete na Europa até o desenvolvimento
da pintura artística a óleo (MAYER, 1999, p. 22).

A pintura com têmpera caracteriza-se por ser artificial o diluente do


pigmento, como a goma, ou natural, como a gema do ovo. A emulsão, portanto,
se dá pela combinação de dois líquidos que não se misturam, geralmente solúveis
em água.

Quando misturada à água (destilada ou filtrada), o pigmento e a gema,


resulta em um produto de secagem muito rápida, de modo que não se trabalha
sobre ele espesso na tela. O processo de pintura se dá em várias camadas
sobrepostas sistematicamente.

Até o século XV, antes do surgimento da tinta a óleo, a têmpera foi


amplamente utilizada, a exemplo do Díptico de Wilton, um altar portátil pintado
para o rei Ricardo II, conforme figura abaixo.

172
TÓPICO 2 | ESTUDANDO PRÁTICAS DE PINTURA

FIGURA 27 - AUTOR DESCONHECIDO (ESCOLA FRANCESA). DÍPTICO DE WILTON, 1395-1399.


TÊMPERA SOBRE MADEIRA. 53 X 37 CM. NATIONAL GALLERY, LONDRES

FONTE: <https://commons.wikipedia.org/wiki/File:Wilton_diptych.jpg>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

O efeito visual é de limpidez, luminosidade e frescor em cada pincelada.


As nuances cromáticas são construídas pela sobreposição de tons, assim como
ocorre no desenho à lápis de cor. Como cada pincelada seca em poucos segundos,
ela mantém a sua forma.

É um processo lento, de sobreposição de camadas semitransparentes.


Neste viés, é importante dar somente uma pincelada de cada vez. Se acontecer de
repeti-la imediatamente ou de esfregar o pincel na superfície, a camada de tinta
se desintegra e danifica a anterior.

Retrato duma Jovem, de Domenico Ghirlandaio (1449–1494), é uma


boa amostra do processo de aplicação de delicadas camadas, evidenciadas na
transparência da gola do vestido. Com a tinta a óleo, esse efeito poderia ser
conseguido por meio de veladuras.

FIGURA 28 - DOMENICO GHIRLANDAIO. RETRATO DUMA JOVEM, 1490. TÊMPERA SOBRE


MADEIRA. 44 X 32 CM. MUSEU CALOUSTE GULBENKIAN, LISBOA

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Domenico_guirlandaio,_ritratto_di_giovane_
donna,_lisbona.jpg>. Acesso em: 17 nov. 2018.

173
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

A camada de tinta no processo da têmpera parece macia, entretanto, seu


elemento oleoso endurece e a superfície fica quase impermeável, podendo ser
polida com um pano para dar brilho e a noção de envernizamento.

O suporte mais adequado para esta técnica é o gesso, que deve ser aplicado
sobre um firme suporte, como a madeira. Ele tem um grau ideal de absorção do
produto. De todo modo, a pintura com a gema do ovo exige um suporte duro a
fim de que ela não rache com a secagem. Assim, outra opção, além do gesso, é
acrescentar, sob uma base de madeira, um tecido de algodão ou linho. Para efeito
de experiência, a sugestão é utilizar madeira de baixo custo como suporte, como
os compensados ou placas de MDF lixadas.

Prepara-se, então, a base com 200 gramas de gesso cré, fungicida, cola
vinílica (250 ml) e adiciona-se água aos poucos, até que a consistência semelhante
à tinta de parede (dessas compradas em lojas de material de construção) seja
atingida.

Abaixo, vemos um exemplo de pintura feita na tela esticada sobre uma


superfície sólida, com Andrea Mantegna (1431–1506). Perceba que não há
qualquer rachadura na superfície, diferente do que ocorre com a tinta a óleo.
E caso haja falhas no preparo do fundo ou da tinta, as possíveis imperfeições
aparecerão em seguida, assim que acontecer a secagem.

FIGURA 29 - ANDREA MANTEGNA. A DEPOSIÇÃO DE CRISTO, 1490. TÊMPERA DE RESINA


SOBRE TELA. 66 X 81 CM. PINACOTECA DI BRERA, MILÃO

FONTE: <https://en.wikipedia.org/wiki/Andrea_Mantegna#/media/File:Andrea_Mantegna_-_
The_Lamentation_over_the_Dead_Christ_-_WGA13981.jpg>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Sandro Boticelli (1445–1510) é outro artista que se beneficiou, sobremaneira,


da têmpera sobre tela. Cabe observar que não há qualquer “amarelamento” ou
“escurecimento” das cores com o passar do tempo, isso se dá em detrimento de
haver pouco aglutinante na tela depois de a pintura estar pronta, afinal, ocorre a
evaporação da água.

174
TÓPICO 2 | ESTUDANDO PRÁTICAS DE PINTURA

FIGURA 30 - SANDRO BOTICELLI. A ADORAÇÃO DOS MAGOS, 1485–1486

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_pinturas_de_Sandro_Botticelli#/media/
File:Sandro_Botticelli_004.jpg>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Quanto aos pincéis para o trabalho pictórico, é recomendada a


utilização dos que possuem pelo de marta (ou sintéticos) compridos, redondos
e pontiagudos. Veja agora, na figura abaixo, imagens da produção da tinta e a
sequência do procedimento:

FIGURA 31 - FAZENDO TINTA À TÊMPERA

FONTE: <http://www.educacaodecriancas.com.br/brincadeiras-e-atividades/tempera-ovo>.
Acesso em: 18 jan. 2019.

1. Separa-se a clara da gema do ovo e se a coloca sobre uma folha de papel


absorvente para secar totalmente, a fim de eliminar toda a clara presente.
2. Com cuidado, fura-se a película da gema para deixá-la mais límpida.
3. Adicionam-se duas ou três gotas de fungicida para não deixar que a tinta mofe.
4. É acrescentado um pouco de água à mistura, e em seguida o pigmento.

De fato, foram muitos os profissionais que se valeram dessa técnica. Um


artista fantástico, escultor, arquiteto, poeta e engenheiro militar, além de pintor
exuberante, foi Michelangelo Buonarroti (1475–1564). Apresentamos abaixo
uma de suas pinturas, em que é perceptível o controle do pintor sobre a tinta,
característica própria da têmpera, ou seja: “trabalho controlável e sistematizado”
(MAYER, 2006, p. 288).

175
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

FIGURA 32 - MICHELANGELO BUONARROTI. SAGRADA FAMÍLIA, 1503. TÊMPERA SOBRE


MADEIRA. 120 CM DE DIÂMETRO. GALLERIA DEGLI UFFIZZI, FLORENÇA

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Michelangelo#/media/File:Michelangelo_Buonarroti_
Tondo_Doni.jpg>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Há um lindo retábulo edificado por Matthias Grünewald (1470–1528),


a partir do qual observamos seu resultado pictórico, e saciamos um pouco a
curiosidade quanto ao tamanho que os artistas produziam no período em questão:
o Renascimento. E observe que “as pinturas a têmpera são caracterizadas por
um aspecto brilhante e luminoso que nunca pode ser exatamente igualado pelo
uso do óleo ou outros médiuns” (MAYER, 2006, p. 287), fato que se evidencia no
trabalho abaixo.

FIGURA 33 - MATHIAS GRUNEWALD. JESUS CRISTO CRUCIFICADO, 1515. TÊMPERA SOBRE


MADEIRA. 269 X 307 CM. MUSEU DE UNTERLINDEN, ALSÁCIA

FONTE: <http://nicoevo.info/grunewald-crucifixion-painting/grunewald-crucifixion-painting-
grunewalds-isenheim-altarpiece-the-plague-hieronymus-bosch/>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Veremos agora como a têmpera foi utilizada no movimento futurista,


com o italiano Giácomo Balla (1871–1958). De todo modo, Mayer (2006, p. 288)
indica que, “como regra geral, as técnicas de têmpera não são muito adequadas
para estilos casuais ou espontâneos e, na maior parte, requerem um estudo
aprofundado e uma familiaridade só alcançados através da compreensão
inteligente de seus princípios”.

176
TÓPICO 2 | ESTUDANDO PRÁTICAS DE PINTURA

FIGURA 34 - GIÁCOMO BALLA. MERCURY PASSING BEFORE THE SUN, 1914. TÊMPERA SOBRE
TELA. 120 X 100 CM. GUGGENHEIM, NOVA YORK

FONTE: <https://wanford.com/planet-mercury-passing-in-front-of-the-sun-1914-by-giacomo-
balla>. Acesso em: 18 jan. 2019.

É interessante notar que a mesma técnica, de que se valiam grandes


mestres de outrora, aparece nas mãos de artistas mais recentes, mudando apenas
a poética.

3 GUACHE
Para aqueles que desejam uma superfície uniforme, lisa e opaca em suas
pinturas, o guache é uma ótima opção.

Guache vem da palavra italiana guazzo (aguada), uma vez que, no século
XIV, um monge adicionou branco à aquarela e obteve coberturas mais eficientes,
além de maior brilho às suas iluminuras. Neste viés, o guache se caracteriza por
ser uma aguada com opacidade. A tinta é produzida da mesma maneira que a
aquarela, mas contém mais pigmento e glicerina, para deixá-la mais espessa e
solúvel, ou melhor, mais opaca e fluida.

Henri-Émile-Benoît Matisse (1869–1954) cobria seus suportes com guache


antes de começar as suas colagens, aproveitando o efeito chapado que ele
proporciona, conforme vemos na obra abaixo.

177
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

FIGURA 35 - HENRY MATISSE. NU AZUL III, 1952. GUACHE. 112 X 73,5 CM. MUSEU NACIONAL
DE ARTE MODERNA, PARIS

FONTE: <https://www.wikiart.org/en/henri-matisse/blue-nude-iii-1952>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

É recomendável não realizar camadas muito grossas de tinta, pois ela


poderá craquelar, entretanto, muito depende da qualidade do material. A marca
Talens é de grande respaldo e possui as cores primárias em seu tom correto.

Uma pintura a guache pode, se a pessoa assim o desejar, ser pintada


em campos de cor deliberadamente aplicados, lisos e impecáveis, e
com linhas precisas; porém o uso que normalmente se dá ao guache
é o de uma pintura com efeitos livres, de fluidez espontânea, ou de
pinceladas fortes e vistosas. Uma pintura a guache bem executada
deste gênero não deve ter empastamento muito pesado ou espessura
anormal de camadas de tinta, pois poderá rachar [...] (MAYER, 2006,
p. 369).

Como suporte para esta técnica pode-se utilizar madeira, tela ou papel
com maior gramatura (mínimo 180 g/m²). Diferente da aquarela, os papéis
coloridos são bem-vindos. Muitos artistas adquirem folhas em um tom médio,
para realçar tanto os tons claros quanto os escuros. Cabe indicar que os mesmos
pincéis para aquarela servem muito bem para a pintura à guache.

Podem ser feitas aguadas com o guache, gerando um efeito luminoso e


transparente. E para ter maior opacidade, basta acrescentar, então, o branco.

Para a pintura à seco, basta espalhar a tinta sobre o suporte, mas para
obtenção de efeitos de aguada se faz necessária a mistura da tintura com um
pouco de água, como vemos com Aldo Bonadei (1906–1974). Em sua Natureza-
Morta, o artista utilizou como suporte o papel cartão.

178
TÓPICO 2 | ESTUDANDO PRÁTICAS DE PINTURA

FIGURA 36 - ALDO BONADEI. NATUREZA-MORTA, 1972. GUACHE SOBRE CARTÃO. 26 X 35 CM

FONTE: <https://www.blouinartsalesindex.com/auctions/Aldo-Bonadei-5057251/null>.
Acesso em: 18 jan. 2019.

4 MURAL
No começo do item anterior, vimos que as primeiras pinturas de que
temos notícia foram executadas em paredes nas cavernas. Ao longo da história,
essa técnica pictórica permaneceu presente, mas com uma outra roupagem. Os
humanos da época dos etruscos e romanos, por exemplo, realizaram muitos
murais, a exemplo dos encontrados em Pompeia no século I d.C.

Esta técnica ganhou notável visibilidade na Itália dos séculos XIII ao


XVI, pelas mãos de Masaccio (1401–1429), Fra Angelico (1395–1455), Domenico
Ghirlandaio (1449–1494), Paolo Uccello (1397–1475), Ambrogio Lorenzetti (1290–
1348), Piero dela Francesca (1416–1492), Andrea Mantegna (1431–1506), Sandro
Botticelli (1445–1510), Rafael Sanzio (1483–1520) e Michelangelo di Lodovico
Buonarroti Simoni, o Michelangelo (1475–1564).

Neste momento surgia a pintura conhecida por afresco: uma técnica que se
constitui por misturar os pigmentos dissolvidos em água agregados à argamassa
úmida, aplicada depois na parede, guardada algumas obrigatoriedades na
preparação deste suporte. Com Giotto di Bondone (1266–1337), os afrescos
ganham enorme notoriedade, sobretudo na Capela Scrovegni, onde o artista
demonstra a sua noção espacial, naturalismo e narrativa dramática.

179
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

FIGURA 37 - GIOTTO. CAPELA SCROVEGNI, 1304 – 1306. PÁDUA, ITÁLIA

FONTE: <https://rafaegabipelomundo.co/2016/01/19/padua-a-cidade-de-santo-antonio-e-da-
capela-de-giotto/>. Acesso em: 18 jan. 2019.

A técnica consiste em aplicar pigmentos à base de água (ou água e cal) ao


reboco ainda fresco, ocorrendo, assim, a unificação dos dois componentes. A tinta
passa a integrar a parede, não ficando apenas sobreposta a ela, como acontece
nas demais técnicas, onde há o suporte e a tinta em separado. Essa fusão torna o
afresco muito duradouro.

E
IMPORTANT

Cabe observar que os pigmentos utilizados precisarão ser à prova de álcali, em


detrimento do aspecto alcalino do cal. Se a diluição ocorrer na água de cal, as cores ficarão
mais opacas.

Para esse processo é recomendável que sejam utilizados os pincéis de


cerdas naturais.

Antes de colocar a argamassa na parede, é preciso verificar que ela esteja


em boas condições, isto é, sem umidade, fungos, gorduras, pó e desníveis bruscos.
Para a argamassa, costuma-se misturar cal apagada, areia e pó de mármore (este
optativo). Veja abaixo como se comporta a cal com o pigmento:

180
TÓPICO 2 | ESTUDANDO PRÁTICAS DE PINTURA

FIGURA 38 - CICLO DA CAL


Ciclo da cal

Cal viva Água Cal hidratada


Óxido de Cálcio Hidróxido de Cálcio
CaO Hidratação Ca (OH)2

Evacuação do Mistura da Água + areia +


Calcinação
gáz carbonico argamassa cal hidratada

Pedra Calcária Intonaco fresco:


Carbonação
Carboanto de Cálcio areia + cal
Ca CO3
Cristalização
ar + água + pigmentos
FONTE: <http://sergioprata.com.br/port/afrescos.html>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Quem nunca ouviu falar do afresco de Michelangelo feito no teto da


Capela Sistina? São as pinturas executadas a pedido do Papa Júlio II, e demoraram
quatro anos para serem finalizadas. Ao se deparar com o resultado da obra, o
assombro e deslumbramento é monumental. Podemos observar abaixo, no
detalhe da pintura criada em diversos painéis temáticos, a Criação de Adão, uma
imagem muito conhecida no mundo inteiro.

FIGURA 39 - MICHELANGELO. A CRIAÇÃO DE ADÃO, 1508 – 1512. AFRESCO.


CAPELA SISTINA, VATICANO

FONTE: <https://www.culturagenial.com/afrescos-teto-capela-sistina/>.
Acesso em: 18 jan. 2019.

Na imagem seguinte fica mais claro como os assuntos bíblicos foram


trabalhados artisticamente em espaços arquitetônicos como se fossem painéis
temáticos. Todos executados na técnica de pintura afresco.

181
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

FIGURA 40 - MICHELANGELO. 1508 – 1512. AFRESCO. CAPELA SISTINA, VATICANO

FONTE: <https://www.culturagenial.com/afrescos-teto-capela-sistina/>.
Acesso em: 18 jan. 2019.

Logo depois do Renascimento, surge o Barroco (século XVII). É importante


lembrar que esse movimento é financiado em grande parte pela Igreja como
uma reação à Reforma de Lutero, este contra-ataque ficou conhecido como
Contrarreforma.

Cabe perceber que a arte e, por conseguinte, a pintura, estão sempre


interligadas com a cultura vigente, com a vida real da sociedade em cada época.
Um fato histórico deste período foi o reconhecimento do papa como entidade
responsável pela propagação do ensino e difusão do pensamento católico. São
grandes catequizadores que estiveram presentes no Brasil, tendo por aqui seus
representantes mais atuantes: o Padre José de Anchieta (1534–1597), São Francisco
Xavier (1506–1552) e Padre Antônio Vieira (1608–1697).

Foram os jesuítas que introduziram o Barroco no território brasileiro,


inicialmente na Bahia, depois em Minas Gerais, onde surge o Barroco Mineiro.
Um dos maiores nomes da pintura nacional, por vezes negligenciado pela
história escolar, foi Manuel da Costa Ataíde, o Mestre Ataíde (1762–1830). Sua
obra mais conhecida traz certa confluência do que acontecera na Europa, com
resultado e tamanhos mais modestos, aqui também ganha realce a pintura mural,
historicamente marcada pela junção com a arquitetura, foi efetuada no teto
da Igreja São Francisco de Assis em Ouro Preto. Demorou nove anos para ser
concluída e é chamada de A Representação da Assunção de Nossa Senhora.

182
TÓPICO 2 | ESTUDANDO PRÁTICAS DE PINTURA

FIGURA 41 - MESTRE ATAÍDE. A REPRESENTAÇÃO DA ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA, 1800–


1809. AFRESCO. IGREJA SÃO FRANCISCO DE ASSIS, OURO PRETO

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_de_S%C3%A3o_Francisco_de_Assis_(Ouro_
Preto)#/media/File:Mestre_Ata%C3%ADde_-_Glorifica%C3%A7%C3%A3o_de_Nossa_Senhora_-_
Igreja_de_S%C3%A3o_Francisco_2.jpg>. Acesso em: 18 jan. 2019.

NOTA

Se é verdade que no Brasil, entendido como nação após a chegada dos


portugueses, dos negros e da estruturação de uma nova nação mestiça, o Barroco é tido
como a primeira manifestação artística em território nacional, especialmente em consonância
com as práticas na Europa, também é legítimo que, outrora, povos nativos já exerciam
sua cultura pictórica mural, fato confirmado por descobrimentos de sítios arqueológicos,
o Parque Nacional da Serra da Capivara em São Raimundo Nonato e o Parque Nacional
Sete Cidades, no Piauí; Cariris Velhos, na Paraíba; Lagoa Santa e Peruaçu, em Minas Gerais;
Rondonópolis, em Mato Grosso; e no Costão do Santinho, em Florianópolis, Santa Catarina.

No século XX, a pintura mural ganha novo fôlego e passa a ser a técnica
central de um grupo de pintores mexicanos, responsáveis pela denominação
do movimento artístico Muralismo. Três foram os mais significativos: Diogo
Rivera (1886–1957), David Alfaro Siqueiros (1896–1974) e José Clemente Orozco
(1883–1949). Vemos o conteúdo social e político transbordar na obra abaixo, como
representação da realidade. Otávio Paz fala que “Orozco no cuenta ni relata;
tampoco interpreta: se enfrenta a los hechos, los interroga, busca en ellos una
revelación” (PAZ, p. 236 apud JAIMES, 2012, p. 74).
183
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

FIGURA 42 - JOSÉ CLEMENTE OROZCO. LA TRINCHERA, 1926. AFRESCO

FONTE: <https://latimesblogs.latimes.com/laplaza/2011/01/orozco-exhibit-mexico-muralist-1.
html>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Os três muralistas foram os responsáveis pelo uso da tinta acrílica. Diante


da dificuldade de executar enormes afrescos tradicionais e da vulnerabilidade da
tinta a óleo, pesquisaram soluções industriais que tivessem a resistência de que
necessitavam para suas obras. David Siqueiros tinha seu atelier em Nova York, na
década de 1930, repleto de artistas e cientistas na busca por novos meios para a
pintura acrílica, e assim puderam desenvolver e divulgar essa técnica. Veja abaixo
como o trabalho de Siqueiros é carregado de contornos e semblantes de grande
expressividade, denunciado seu engajamento político. “[...] Siqueiros manteve
uma militância permanente, bem como um senso de busca e reflexão teórica sobre
sua prática artística, destacando a funcionalidade, eficácia e repercussão social da
arte”, diz Manjarrez (1994, p.12, tradução nossa).

FIGURA 43 - DAVID SIQUEIROS. DEL PORFIRISMO A LA REVOLUCION, 1954. AFRESCO

FONTE: <https://www.thinglink.com/scene/759477701122719746>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Não podemos deixar de referendar a pintura muralista feita à seco. Um


exemplar desse grande formato é O Espírito do Soho, no qual são retratadas várias
personalidades da história da região. O mural foi composto por mosaico, cerâmica
e cimento.

184
TÓPICO 2 | ESTUDANDO PRÁTICAS DE PINTURA

FIGURA 44 - O ESPÍRITO DO SOHO, 1991. LONDRES

FONTE: <http://4.bp.blogspot.com/-3_VieXnYeQQ/VPsfsVBjEvI/AAAAAAAAAgw/vQtYN9KXc04/
s1600/elespiritudelsoho.jpg>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Quando um mural é encomendado atualmente, é muito provável que a


parede já tenha sido bem preparada com boas bases, inclusive, há tintas que já são
mais resistentes às intempéries. Ray Smith explica que:

Outrora, usava-se a técnica do afresco secco numa parede com


argamassa seca à base de água e cal. A parede era encharcada com
água e cal na véspera do início da pintura e de novo na manhã do
dia seguinte em que se fazia a pintura. Para isso, empregava-se um
aglutinador como caseína, goma ou ovo (SMITH, 2003, p. 282).

Hoje, a utilização do afresco seco, como era feita em épocas passadas, caiu
em desuso, justamente pelo fato de os novos materiais não dialogarem com o uso
da cal.

5 ENCÁUSTICA
A técnica da encáustica se constitui na agregação do pigmento à cera de
abelha derretida, de modo que a mistura é aplicada ainda quente sobre o suporte frio.

Resulta em uma pintura de excelente durabilidade, com aparência


de frescor mesmo depois de passados muitos séculos, uma vez que resiste às
mudanças atmosféricas, reflete bem a luz e proporciona amplo brilho depois
de lustrada com um pano limpo. Mas é importante não expor o trabalho a altas
temperaturas, para que a cera não derreta.

A encáustica foi muito utilizada na Grécia antiga, Roma e Egito,


estendendo-se para a Idade Média e ressurgindo na Alemanha do século XIX.

Para que a tinta possa ser aplicada com pincel, deve-se manter o recipiente
aquecido. Ela seca assim que entra em contato com a superfície fria, podendo ser
retrabalhada com instrumentos quentes ou mesmo direcionando sobre o quadro
uma fonte de calor. Assim sendo, as pinceladas são mais curtas e logo em seguida
já é possível adicionar camadas sobrepostas.

185
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

Na alquimia, que é a produção dos pigmentos, o processo começa pela


escolha do suporte, normalmente se utiliza uma placa de madeira. Depois a cera
é derretida e agregado o pigmento.

FIGURA 45 - MATERIAIS PARA ENCÁUSTICA

FONTE: <http://www.atelierpaulista.com/?page_id=926>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Para fazer veladuras é preciso que haja pouco pigmento na cera, mas a
espessura do material continua sendo a mesma, ou seja, bem espessa. As raspagens
também podem ser utilizadas para se conseguir efeitos interessantes no quadro.
E para que a superfície fique mais resistente, basta acrescentar um pouco de cera
de carnaúba (10% é o suficiente). Convém que sejam utilizados pincéis de pelo
macio e de cerdas naturais. Também são requeridas espátulas e fontes de calor.

Incrível é o resultado obtido pela técnica encáustica no início da era cristã,


a exemplo de Retrato de uma Menina, do século II, encontrado na necrópole de
Fayum.

FIGURA 46 - RETRATO DE UMA MENINA, SÉCULO II. ENCÁUSTICA. 42 x 24 CM.


MUSEU DO LOUVRE, FRANÇA

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Retratos_de_Faium>. Acesso em: 18 jan. 2019.

186
TÓPICO 2 | ESTUDANDO PRÁTICAS DE PINTURA

Jasper Johns (1930) utilizou a encáustica com a pintura a óleo em suas


colagens, embebendo os papéis na cera. Foi o responsável pelo ressurgimento na
arte contemporânea desta técnica tão antiga.

FIGURA 47 - JASPERS JOHNS. FLAG, 1954–1955. ENCÁUSTICA, ÓLEO E COLAGEM SOBRE


TECIDO. MOMA, NOVA YORK

FONTE: <http://arteseanp.blogspot.com/2011/07/as-bandeiras-americanas-de-jasper-johns.
html>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Outro artista que revive a encáustica é Brice Marden (1938), com seus
quadros minimalistas, nos quais surgem superfícies foscas e semblante macio.

FIGURA 48 - BRICE MARDEN. FOR PEARL, 1970

FONTE: <https://www.anatelie.art.br/encaustica-contemporanea/>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Lynda Benglis (1941) interessou-se pela textura que esta técnica possibilita,
além do processo tátil de produzir as suas próprias tintas.

187
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

FIGURA 49 - LINDA BENGLIS. GHOST DANCE/PEDMARKS, 1998. 213,4 X91,4 X63,5 CM.
MOMA, NOVA YORK

FONTE: <https://www.imagenesmy.com/imagenes/lynda-benglis-ghost-dancers-f1.html>.
Acesso em: 18 jan. 2019.

Nos anos de 1980, Michelle Stuart (1933) elaborou obras e instalações de


grande porte embebidas de terra e cera. Sua mistura a levou a trabalhar de forma
modular no amálgama entre o ferro e o material próprio da encáustica.

FIGURA 50 - MICHELLE STUART. PARADISI: A GARDEN MURAL, 1985–1986

FONTE: <https://www.anatelie.art.br/encaustica-contemporanea/>. Acesso em: 18 jan. 2019.

NOTA

“Nos anos 90, duas exposições documentaram o emprego da encáustica nas


artes visuais: Contemporary Uses of Wax and Encaustic, na Califórnia, em 1992, e Waxing
Poetic: Encaustic Art in America, em Nova Jersey, em 1999” (MATTERA, 2001).

Os materiais para a encáustica passaram a ser mais acessíveis a partir das


décadas de 80 e 90, assim, cada vez mais, a técnica foi empregada pelos artistas.
Dentre eles está Martin Kline (1961) e suas superfícies com densas e salientes
texturas.

188
TÓPICO 2 | ESTUDANDO PRÁTICAS DE PINTURA

FIGURA 51 - MARTIN KLINE. COSMOS, 2000

FONTE: <https://www.anatelie.art.br/encaustica-contemporanea/>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Tony Scherman (1950) cria retratos em larga escala com a encáustica e a


colagem, promovendo relevos e camadas para sua narrativa.

FIGURA 52 - TONY SCHERMAN. NAPOLEON: SHAVINGAT AUSTERLITZ, 1996–1998

FONTE: <https://www.anatelie.art.br/encaustica-contemporanea/>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Para finalizar nossa apresentação da encáustica na contemporaneidade,


lembramos do espanhol José Maria Cano (1959), que cria enormes pinturas de
cera, a partir de imagens de jornais, fotografias e quadrinhos. Na série The Wall
Street 100, são retratadas influentes personalidades da esfera econômica, como mostra a
figura abaixo.

189
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

FIGURA 53 - JOSÉ MARIA CANO. THE WALL STREET 100

FONTE: <https://www.anatelie.art.br/encaustica-contemporanea/>. Acesso em: 18 jan. 2019.

DICAS

NA SALA DE AULA

As técnicas de pintura, mesmo as mais remotas, podem ser utilizadas pelo professor
em sala de aula, basta adaptá-las ao espaço físico, aos materiais disponíveis e mesmo ao
conteúdo que se pretende abordar. Cabe ressaltar que não se deve olvidar do perfil dos
alunos e do contexto social no qual estão inseridos. Neste viés, vejam sugestões de atividade
de acordo com a técnica escolhida:

a) Experimento com tinta guache: pintura negativa. Solicitar que os alunos peguem alguns
pedaços de fita crepe e as colem aleatoriamente numa folha de papel. Após fazerem isso,
devem pintar com tinta guache com as cores de sua escolha as partes que restaram. Por
fim, basta retirar as fitas crepes coladas anteriormente e observar o resultado.
b) Experimento com têmpera: os professores podem apresentar aos alunos simulações de
como se faziam as tintas de forma artesanal. Selecionando alguma quantidade de barros
com diferentes tonalidades, diferentes pigmentações, basta misturá-los aos aglutinantes
naturais que podem ser preferencialmente ovo ou gordura suína. É um processo
prazeroso, e acaba enriquecendo e resgatando os valores artísticos que se impuseram
durante séculos.
c) Experimento com mural: os professores podem promover uma “saída de campo”, de
modo que os alunos observem as imagens citadinas e busquem elementos que se
apresentem como pinturas murais e fazer, junto com os alunos, análise de elementos do
grafite moderno com o muralismo tradicional. É possível, também, em um viés crítico,
verificar como os letreiros e fachadas de lojas se constituem em murais urbanos.
d) Experimento com encáustica: sabe-se que é a técnica que utiliza a cera quente como
aglutinante. Assim, é preciso solicitar o material previamente: 1 caixa de giz de cera, pincel
chato, papel cartão, uma espátula. Há a opção de utilizar o ferro de passar roupa, mas
devido ao seu tamanho dificultará que se faça trabalho menor. O professor deve levar
um isqueiro para aquecer a espátula, após aquecida esfregue-a no giz de cera, na cor
desejada, e passe sobre o papel cartão verificando o resultado.

190
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• Os artistas abriram mão de produzir suas tintas com o advento dos pigmentos
industriais.

• Na têmpera, o diluente dos pigmentos pode ser natural ou artificial. Ela foi
amplamente utilizada até o século XV.

• O guache foi visto como uma excelente opção para aqueles que desejam uma
superfície uniforme.

• O guache e a aquarela são tintas à base de água, diferenciando uma da outra


pela maior opacidade daquela em relação a esta.

• O século XX vê o renascimento da pintura mural por meio dos muralistas


mexicanos, sobretudo Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros e José Clemente
Orozco.

• A encáustica consiste na agregação do pigmento à cera de abelha derretida, de


modo que a mistura é aplicada ainda quente sobre o suporte frio.

• O responsável pela reutilização da encáustica na contemporaneidade foi Jasper


Johns.

191
AUTOATIVIDADE

1 Segundo Guy Debord (1997), vivemos na chamada “sociedade do


espetáculo”, em um mundo cujas imagens nem sempre são possíveis de
decodificar com a rapidez exigida.

Nunca a questão do olhar esteve tão no centro do debate da


cultura e das sociedades contemporâneas. Um mundo onde tudo
é produzido para ser visto, onde tudo se mostra ao olhar, coloca
necessariamente o ver como um problema. Aqui não existem
mais véus nem mistérios. Vivemos no universo da sobre-exposição
e da obscenidade, saturado de clichês, onde a banalização e a
descartabilidade das coisas e imagens foram levadas ao extremo.
Como olhar quando tudo ficou indistinguível, quando tudo parece
a mesma coisa? (PEIXOTO, 1988, p. 361).

Tendo em vista as informações acima, pense em um plano de aula que


discuta a paisagem urbana contemporânea com o auxílio de uma das técnicas
abordadas.

192
UNIDADE 3
TÓPICO 3

CONHECENDO TÉCNICAS DE PINTURA TRADICIONAIS

1 INTRODUÇÃO
Há técnicas que são tidas como “tradicionais”, não pelo fato de serem
praticadas desde a antiguidade, mas por serem utilizadas larga e amplamente
por vários artistas, que as reconfiguram de acordo com suas poéticas.

Neste viés, investigaremos, agora, as três técnicas que mais podem ser
encontradas nas obras de arte: a aquarela, a acrílica e a pintura a óleo. Em cada uma
delas saberemos quais os melhores materiais e utensílios a serem empregados,
seus procedimentos técnicos e artistas que se destacam. Cabe sinalizar que a
pintura acrílica é a mais recente dos três métodos aqui apresentados. Vamos
começar?!

2 AQUARELA
Antes de abordarmos a técnica da aquarela, convém verificarmos o
resultado alcançável com tal método de pintura, conforme nos demonstra
Albrecht Dürer (1471–1528) na figura abaixo.

FIGURA 54 - ALBRECHT DÜRER. ASA DE ROLIEIRO, 1512. AQUARELA

FONTE: <https://www.pinterest.pt/pin/275564070934822312/>. Acesso em: 18 jan. 2019.

193
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

Data de mais de dois mil anos o surgimento da aquarela, provavelmente


na China. Mas foi no século XVI que o artista e cartógrafo John White utilizou
este método para retratar a vida na América do Norte durante uma expedição
pelo país. Graças a esta façanha, ficou conhecido como o “pai da aquarela”, ainda
que durante aquele tempo esta técnica não fosse considerada como especialidade
artística e sim como uma boa alternativa para estudos destinados a trabalhos
posteriores.

Há várias décadas são usados pigmentos em pó, solúveis em água, para


construir um meio pictórico. Mas foi somente no final do século XVIII e início
do século XIX que o processo conhecido hoje como aquarela se desenvolveu,
demostrando toda a sua sutileza e encantamento.

Anteriormente a esta data, os pintores a utilizavam como fracas aguadas


sobre desenhos à pena, e vemos Albrecht Dürer produzir seus trabalhos com
dissolução de suas tintas. Adentrando, então, o período de floração da técnica,
encontramos Paul Sandby (1731–1809), John Robert Cozens (1752–1797), Thomas
Girtin (1775–1802), Willian Turner (1775–1851), John Constable (1776–1837), John
Sell Cotman (1782–1842) e David Cox (1783–1859).

Paul Sandby era conhecido como um cartógrafo inglês que, ao ser


encarregado de mapear as ilhas escocesas, revelou-se um exímio aquarelista de
paisagem.

FIGURA 55 - PAUL SANDBY. CASTELO DE WINDSOR, 1760. AQUARELA. 46,4 X61,5 CM.
VICTORIA AND ALBERT MUSEUM, LONDRES

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Paul_Sandby_001.jpg>.
Acesso em: 18 jan. 2019.

O londrino John Robert Cozens esbanja poesia em suas aquarelas. O


artista cria efeitos atmosféricos e ilusórios, que dialogam com Willian Turner e
Tomas Girtin. De todo modo, as paisagens alpinas enaltecem um ambiente de
vastidão e tranquilidade.

194
TÓPICO 3 | CONHECENDO TÉCNICAS DE PINTURA TRADICIONAIS

FIGURA 56 - JOHN ROBERT COZENS. LAGO ALBANO E CASTELO GANDOLFO AO ANOITECER,


1777. AQUARELA. 43,5 X62,2 CM.

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:John_Robert_Cozens_001.jpg>.
Acesso em: 18 jan. 2019.

Willian Turner, um dos maiores pintores ingleses, precursor do


impressionismo naquele país, pintou aquarelas produzindo efeitos de luzes,
sendo considerado o maior aquarelista de todos os tempos. O empenho e a
qualidade de Turner foram reconhecidos e referendados por inúmeros artistas,
como vemos em Proust.

Na verdade, jamais se resignava a comprar qualquer objeto de que


não se pudesse tirar algum proveito intelectual e sobretudo o que nos
proporcionam coisas belas, ensinando-nos a buscar deleite em outra
parte que não nas satisfações do bem-estar e da vaidade. Até quando
tinha de fazer algum presente chamado útil, quando tinha de dar uma
poltrona, um serviço de mesa, uma bengala, procurava-os ‘antigos’,
como se, havendo seu longo desuso apagado em tais coisas o seu caráter
de utilidade, parecessem antes destinados a contar a vida dos homens
de outrora que a atender às necessidades de nossa vida atual. Gostaria
que eu tivesse no quarto fotografias dos mais belos monumentos ou
paisagens. Mas, no momento de fazer a compra, e embora a coisa
representada tivesse um valor estético, achava ela que a vulgaridade,
a utilidade, logo reassumiriam seu lugar, pelo processo mecânico de
representação, a fotografia. Procurava então um subterfúgio, tentando,
se não eliminar de todo a vulgaridade comercial, pelo menos atenuá-
la, substituí-la o mais possível pelo que ainda fosse arte, introduzir-lhe
como que várias ‘espessuras’ de arte: em vez de fotografias da catedral
de Chartres, das fontes de Saint-Cloud, do Vesúvio, informava-se com
Swann se algum grande mestre não os havia pintado, e preferia dar-
me fotografias da catedral de Chartres por Corot, das fontes de Saint-
Cloud por Humbert Robert, do Vesúvio por Turner, o que constituía
um grau de arte a mais (PROUST, 1979, p. 44-45).

Baudelaire foi outro ícone da literatura, como poeta e crítico, que enalteceu
o trabalho de Turner, justamente pelas suas atmosferas luminosas e mistura de
fenômenos naturais com algum elemento humano, no caso da pintura abaixo, os
navios permeados de tripulantes, em sua maioria já em terra.

195
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

FIGURA 57 - WILLIAN TURNER. ERUPÇÃO DO VESÚVIO, 1817. AQUARELA. 28,6 X 39,7 CM.
YALE CENTER OF BRITISH ART, LONDRES

FONTE: <https://marianamiranda.files.wordpress.com/2014/06/mount-vesuvius-in-
eruption-1817.jpg>. Acesso em: 18 jan. 2019.

A partir do trabalho dos pintores acima, indicamos que a técnica da


aquarela compreende sobreposição de leves pinceladas, se valendo do fundo
branco do papel para as áreas claras.

A técnica da pintura a aquarela é baseada no sistema de pigmentação


transparente ou veladuras; isto é, utiliza o branco brilhante do papel
para seus tons brancos e pálidos, e os pigmentos que normalmente não
são transparentes são aplicados em consistência tão diluída, que seus
efeitos se tornam quase tão brilhantes quanto aqueles naturalmente
transparentes (MAYER, 2006, p. 357).

Assim, recomenda-se que o artista deve ter o controle das aguadas, como
o faz Miles Edmund Cotman (1810–1858) no trabalho abaixo. Observe que suas
formas são precisas, apesar de intensamente leves.

FIGURA 58 - MILES E. COTMAN. SHIPPING AT THE ENTRANCE OF THE MEDWAY, KENT.


AQUARELA. 28 X 39 CM.

FONTE: <http://www.artnet.com/artists/miles-edmund-cotman/shipping-at-the-entrance-of-the-
medway-kent-qfMsqpN266hpNp40UdfuEA2>. Acesso em: 18 jan. 2019.

196
TÓPICO 3 | CONHECENDO TÉCNICAS DE PINTURA TRADICIONAIS

As tintas aquarelas podem ser encontradas em pastilhas, as quais são


práticas para os trabalhos ao ar livre, embora uma cor acabe sujando a outra. As
comercializadas em tubos são mais recomendadas, pelo fato de se poder extrair
de cada bisnaga apenas a quantidade necessária para cada trabalho, e contêm
mais glicerina, sendo mais solúveis.

NOTA

As tintas de aquarela são feitas pela trituração de pigmentos em pó num


meio aderente solúvel na água. Esse meio consiste sobretudo em goma-arábica, mas inclui
glicerina como plasticizante, um agente úmido, como bílis de boi, quando necessário, um
espessante, como goma de tragacanto. Outros espessantes incluem goma, dextrina ou um
calcário dilatador como Bentone. Em geral, adiciona-se também um conservante que atua
como fungicida e bactericida; e ainda, se necessário para controle de propriedade de uma
determinada cor, juntam-se diluentes aos outros ingredientes (SMITH, 2003, p. 128).

Além de pincéis macios e de pelo natural (marta e esquilo), usam-se


esponjas, panos e lixas (para criar texturas). Os pincéis sintéticos são feitos de
monofilamentos de poliéster, que absorvem a tinta e a liberam mais rapidamente
do que os naturais.

FIGURA 59 - PINCÉIS PARA AQUARELA

FONTE: <http://manualdoartista.com.br/os-pinceis-na-aquarela/>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Os papéis utilizados como suporte devem ser isentos de ácido. O peso, a


textura e o grau de absorvência interferem no resultado das pinceladas.

Os manuscritos mais antigos na Europa eram feitos em um papel


preparado a partir do papiro egípcio; durante a Idade Média, o
pergaminho e o velino o substituíram; e o papel feito de fibras de linho
entrou em uso por volta do século XIII. O melhor papel permanente
para aquarelas é feito com extremo cuidado a partir de tiras (se
possível, sem polpa de madeira) de linho e/ou algodão, [...] não se pode
utilizar nenhum produto químico, com exceção do carbonato de cálcio
e de tensoativos, dos quais o excesso é destruído e neutralizado por
meios que deixem os resíduos menos danosos no papel. Os melhores

197
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

papéis de aquarela não devem conter alvejantes. [...] Os bons papéis


da Renascença italiana não continham alvejantes, eram feitos à mão
com o maior cuidado e, segundo escritos póstumos, provavelmente
alvejados pela exposição ao Sol e ao ar. A imensa indústria de papel
moderna, com todos os seus refinamentos técnicos, é baseada na
produção em massa, e mesmo na sua manufatura mais cuidadosa
e de qualidade para os mais requintados propósitos comerciais, é
completamente diversa da indústria relativamente menos aparatosa
que produz papéis para os artistas (MAYER, 2006, p. 360).

ATENCAO

Os papéis mais apreciados para os trabalhos em aquarela são: James Watman


& Son, J. B. Green, “D” Arches e Fabriano.

A qualidade mais almejada pelas aquarelas é a transparência, quanto maior


ela é, mais brilhante, tendo em vista que luz ultrapassa o pigmento, refletindo o
branco do papel. Essa característica permite a sobreposição de cores sem perda
do brilho, resultando em uma nova cor.

Cabe observar que a mistura de cores transparentes (T + T) é limpa e forte,


diferente quando uma delas é opaca (T + O), conforme apresentado abaixo.

FIGURA 60 - MISTURA DE CORES TRANSPARENTES À ESQUERDA E


COM UMA OPACA À DIREITA

FONTE: <https://www.krisefe.com/wp-content/uploads/2016/04/tintas-aquarela-8.jpg>.
Acesso em: 18 jan. 2019.

Conforme já sinalizado, a mistura das tintas aguadas deve ser feita com
todo cuidado e apuro técnico para que o resultado alcançado seja satisfatório.
Veja como isso é conseguido por John Sell Cotman.

198
TÓPICO 3 | CONHECENDO TÉCNICAS DE PINTURA TRADICIONAIS

FIGURA 61 - JOHN SELL COTMAN. GRETA BRIDGE, 1806. AQUARELA. 23 X 33 CM. LONDRES

FONTE: <https://mydailyartdisplay.files.wordpress.com/2013/01/greta-bridge-by-john-sell-
cotman1.jpg?w=768>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Para fazer a técnica úmido-sobre-úmido, deve-se molhar o papel e secá-lo


depois com um papel absorvente para, então, aplicar a tinta. Vale destacar que
Emil Nolde (1867–1956) se aproveitou muitas vezes da neve que caía no inverno
para criar efeitos sobre suas aquarelas.

FIGURA 62 - EMIL NOLDE. MAR COM CÉU ROXO. AQUARELA

FONTE: <https://es.wahooart.com/A55A04/w.nsf/OPRA/BRUE-8LHT6A>.
Acesso em: 18 jan. 2019.

No método “lavagem de cores”, a pintura é molhada depois de pronta


e sobre ela passa-se um pincel grande e limpo. Isso faz com que somente os
resíduos da tinta permaneçam no papel. Depois, é possível acrescentar mais
algumas camadas. Mas atente-se para que o papel tenha boa gramatura.

Junto com a lavagem, nesta obra Turner também utilizou a raspagem para
conseguir áreas luminosas.

199
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

FIGURA 63 - WILLIAN TURNER. WEATHERCOTE CAVE, 1818. AQUARELA. 299 X421 CM.
THE BRITISH MUSEUM, LONDRES

FONTE: <https://www.tate.org.uk/art/artworks/turner-weathercote-cave-tw0406>.
Acesso em: 18 jan. 2019.

Há um material muito interessante para ser utilizado nas pinturas à


aquarela. É o líquido de mascarar, que consiste em uma solução de látex que se
aplica sobre a área que se deseja que fique sem tinta. Depois da obra feita, é só
retirá-lo com a própria unha.

No Brasil, alguns grandes nomes da pintura também criaram obras em


aquarela. Um desses nomes foi a pintora Georgina de Albuquerque (1885-1962),
esposa do pintor Lucílio Albuquerque (1887–1939), que, ao viajar juntamente com
o marido à Europa, foi aprovada em quarto lugar na Escola de Belas Artes de
Paris. Foi uma grande representante da pintura impressionista brasileira. A obra
Belle Époque mostra um pouco do talento desta artista brasileira.

FIGURA 64 - GEORGINA ALBUQUERQUE. COLHEDOR DE FRUTA, 1923.


AQUARELA. 50 X 65 CM.

FONTE: <https://intranet.catalogodasartes.com.br/Upload/@Obras/Daniel%20
Mendes/%7B38E0D462-2A57-4684-90C2-0EDF1E8AAE58%7D_MMIZRAHI_14032016_18.jpg>.
Acesso em: 18 jan. 2019.

200
TÓPICO 3 | CONHECENDO TÉCNICAS DE PINTURA TRADICIONAIS

NOTA

Dia de 23 de novembro é o “Dia mundial da aquarela”. A data foi sugerida pelo


mestre Guati Rojo (1918–2003), aquarelista mexicano.

3 ÓLEO
Nesta técnica, são utilizadas tintas nas quais os pigmentos são moídos
e aglutinados a um óleo, como o de linhaça, papoula, girassol ou noz, esses três
últimos para moer pigmentos de coloração branca. Após esse processo, muitas
vezes dilui-se a mistura à terebintina, aguarrás ou óleo de rosmaninho. Pode ser
manuseada em veladuras, em finas camadas ou mesmo em grandes espessuras.
É válido destacar que depois de secas as cores permanecem com a mesma
tonalidade.

Atribui-se a descoberta da tinta a óleo aos irmãos Van Eyck, entretanto,


já muito antes, há registros do preparo de um óleo secante no Manuscrito de
Estrasburgo (Idade Média) e no Il Libro dell’Arte, de Cennini. De todo modo,
essa tinta ganhou popularidade na Veneza do século XV e no século seguinte se
propagou para o restante da Itália e Europa.

Apesar de a história das tintas elaboradas com óleos secativos vegetais


remontar à Idade Média e tintas a óleo serem conhecidas pelos
pintores do século XIV e mesmo antes, estes não foram amplamente
adotadas para uso em pintura de cavalete até o século XV. [...] Pela
metade do século XVI esse método já estava em pleno funcionamento
de forma bastante desenvolvida, e desde então a pintura a óleo em
telas tem permanecido como a técnica padrão para a pintura artística
de cavalete (MAYER, 2006, p. 179).

Rafael Sanzio (1483–1520) é um expoente, cuja obra mais antiga assinada


é Cristo Crucificado com a Virgem Maria, Santos e Anjos, conhecida como Crucificação
Mond. Essa obra é um dos seus primeiros retábulos.

201
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

FIGURA 65 - RAFAEL SANZIO. CRISTO CRUCIFICADO COM A VIRGEM MARIA, SANTOS E ANJOS,
1502 – 1503. ÓLEO SOBRE MADEIRA. 283,3 X 167,3. THE NATIONAL GALLERY, LONDRES

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_pinturas_de_Rafael#/media/
File:CrocefissioneRaffaello.jpg>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Era preciso ter cuidado na manufatura dessas tintas, uma vez que o
excesso de óleo as tornava amareladas e rugosas, enquanto que a sua escassez
fazia com que as camadas ficassem secas e quebradiças. Mas se bem dosadas as
partes, resulta em uma tinta maleável e viscosa.

Como suporte, é possível, e recomendado, pintar sobre painéis de madeira


e alumínio, mas, nesses casos, é preciso aplicar uma camada de gesso sobre o
suporte antes de receber as camadas de tinta. As telas também precisam ser
preparadas e a maioria delas é encontrada deste modo nas lojas especializadas.
Atualmente se usa uma solução de óleo com branco titânio. Mas se o artista se
propuser a fazer seu trabalho diretamente no tecido, sem a camada preparatória,
como fez Paul Klee (1879–1940) sobre a juta, é preciso, ao menos, inserir uma
camada de goma.

Cabe lembrar que Klee foi professor da Bauhaus de 1921 a 1931. Dois anos
depois foi exilado na Alemanha pelos nazistas, que retiraram das galerias mais de
100 obras, tidas como “degeneradas”. O retrato do ator Sinésio, na figura baixo,
faz o diálogo entre as artes visuais e cênicas, com elementos gráficos e planos de
cor. Observe que o rosto pode ser dividido segundo ângulos retos. O artista dizia
que gostava de “levar uma linha pra passear”.

202
TÓPICO 3 | CONHECENDO TÉCNICAS DE PINTURA TRADICIONAIS

FIGURA 66 - PAUL KLEE. SENECIO, 1922. ÓLEO SOBRE TELA. 40,5 x 38 CM.
KINSTMUSEUM, BASILEIA

FONTE: <https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/senecio-paul-klee/>.
Acesso em: 18 jan. 2019.

A artista brasileira Adriana Varejão (1964) também utilizou o óleo para


compor as suas obras. Vemos como o figurativo e o gestual participam do trabalho
abaixo, que faz referência ao período Barroco. A artista ainda discorre sobre o
papel simbólico da imagem e a construção e maleabilidade de signos.

FIGURA 67 - ADRIANA VAREJÃO. ANJOS, 1988. ÓLEO SOBRE TELA. 190 X 220 CM.

FONTE: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra2653/anjos>. Acesso em: 18 jan. 2019.

203
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

É importante que aqueles que se embrenharão na tarefa da pintura


conheçam as variedades de materiais disponíveis no mercado e as características
de cada um deles. Para cada poética, conceito e proposta de diálogo por parte de
um trabalho de arte, são mais apropriados certos materiais. Então, vamos à nossa
última técnica?

4 ACRÍLICA
Buscando uma tinta capaz de resistir às mudanças climáticas e que
secasse com rapidez, os muralistas mexicanos pesquisaram em laboratórios e
conseguiram promover o desenvolvimento do que hoje são as tintas de polímero,
conhecidas como acrílicas.

Ao contrário da aquarela e da tinta a óleo, que existem há muitos séculos,


os acrílicos ainda estão engatinhando, sendo utilizados há não mais de 100 anos.
O que faz com que tenha alcançado tantos adeptos é sua rapidez impressionante
na secagem, aliada à durabilidade do material.

Na década de 30, o muralista David Alfaro Siqueiros elabora um curso


para demonstrar a nova tinta. Um notório participante norte-americano passa
a trabalhar com o material recém-criado: Jackson Pollock (1912–1956). Notamos
que o pintor é um expoente do expressionismo abstrato, quando realiza o dripping
em suas grandes telas.

FIGURA 68 - JACKSON POLLOCK DURANTE O PROCESSO ARTÍSTICO, EM 1950

FONTE: <https://www.artcurial.com/en/lot-hans-namuth-1915-1990-jackson-pollock-1950-
tirage-argentique-de-lepoque-1119-172>. Acesso em: 18 jan. 2019.

204
TÓPICO 3 | CONHECENDO TÉCNICAS DE PINTURA TRADICIONAIS

DICAS

Para saber mais sobre a vida e obra de Jackson Pollock, não deixe de assistir
Pollock, lançado em 2001. O filme é dirigido por Ed Harris e roteiro de Bárbara Turner e
Susan Emshwiller.

Inúmeros são os artistas contemporâneos que consideram que a tinta


acrílica tem as características ideais para seus trabalhos, pois podem simular o
efeito das aguadas e as camadas dos pigmentos a óleo.

Muitos pintores estão agora trabalhando em estilos muito diversos


daqueles do passado e em circunstâncias radicalmente diferentes
daquelas que prevaleciam antigamente, e, para atender às suas novas
exigências, procuram materiais novos dentre os inúmeros materiais
industriais de revestimento baseados em resinas sintéticas (MAYER,
2006, p. 280).

Talvez o maior representante das experimentações com os acrílicos tenha


sido o artista pop Andy Warhol.

FIGURA 69 - ANDY WARHOL. CAMPBELL’S SOUP CANS, 1962

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Latas_de_Sopa_Campbell>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Por meio dos trabalhos do artista estadunidense David Hockney (1937),


verificamos a leveza que as aquarelas proporcionam e a nitidez oriunda da técnica
pictórica a óleo.

205
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

FIGURA 70 - DAVID HOCKNEY. TRÊS CADEIRAS COM UMA SEÇÃO DE


UM MURAL DE PICASSO, 1970. 48 X 60 CM.

FONTE: <http://www.davidhockney.co/img/gallery/paintings/70s/3chairs_picasso_70_f.jpg>.
Acesso em: 18 jan. 2019.

Agora veja como Mark Rothko (1903–1970) une a tinta acrílica ao óleo
na figura abaixo. Cabe dizer que o artista era um exímio intelectual, amante da
filosofia, da literatura e da música.

FIGURA 71 - MARK ROTHKO. NÚMERO 13 (BRANCO, VERMELHO SOBRE AMARELO). ÓLEO E


ACRÍLICO COM PIGMENTOS EM PÓ SOBRE A TELA, 1958. 242,3 X 206,7 CM.

FONTE: <https://collectionapi.metmuseum.org/api/collection/v1/iiif/484362/1006959/
restricted>. Acesso em: 18 jan. 2019.

Outra vantagem das tintas acrílicas é que o solvente utilizado é a água.


Existem os médiuns, brilhantes, foscos, espessantes e pastas de modelagem dos
mais variados tipos, suscetíveis de serem coloridos na massa ou incorporados das
mais diversas maneiras; os vernizes finais, viscosos ou em spray, os que podem
ser aplicados à tintura para promover maior transparência, outros para reduzir
a velocidade de secagem. Acrílicos secam em 30 minutos mais ou menos e, após
a secagem, não são solúveis em água, permitem uma sobreposição em poucas
horas, e não craquelam como as tintas a óleo. Há também vernizes disponíveis no
mercado para aplicação posterior a fim de preservar a obra.

206
TÓPICO 3 | CONHECENDO TÉCNICAS DE PINTURA TRADICIONAIS

Na utilização do suporte em tecido pode-se optar por algodão, linho ou


poliéster. Depois, se faz necessária a preparação da malha escolhida para proteger
as fibras, aumentando a longevidade da obra. Caso o tecido seja cru, deve-se
passar previamente uma base acrílica transparente. Após este procedimento se
aplica o primer, que é o gesso acrílico aplicado ao tecido antes de se iniciar a
pintura.

DICAS

NA ESCOLA

As tintas a óleo costumam ser evitadas na educação básica devido ao seu maior
grau de toxicidade, e por sua necessidade de utilização de solventes não autorizados para
o manuseio por menores de idade, como o thinner. Mas é possível elaborar atividades com
outro material oleoso, a exemplo do azeite de oliva.

A tinta acrílica, com praticamente nenhuma toxicidade, poderia servir mais aos
interesses pictóricos em sala, mas devido à sua indissolubilidade depois de seca, pode
manchar roupas e demais materiais escolares. Portanto, é sempre recomendável o uso do
avental. De todo modo, o material é interessante, na medida em que a atividade pode ser
realizada em uma aula e ser levada para casa.

Uma alternativa muito requerida no ambiente escolar são as tintas aguadas, como a
aquarela. É possível fazer a analogia do material com suportes transparentes, como o papel
celofane.

207
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

LEITURA COMPLEMENTAR

TÉCNICA E POÉTICA
Marco Giannotti

A escolha de um material por um artista


é inevitavelmente expressiva.
Rosenberg

O domínio de certos materiais sempre está articulado com a conquista de


uma clareza do que o artista deseja dizer. Um pintor deve ser capaz de criar espaços,
novas relações entre cor, linha, luz, matéria. O aprendizado de uma técnica pode
parecer desnecessário, na medida em que muitas obras tendem a esconder o gesto
do artista. Vivemos em uma época em que a concepção da obra parece prescindir
de sua execução. Barnett Newman dizia, em tom provocador, que qualquer um
poderia realizar suas pinturas, desde que ele estivesse no comando. Entretanto, é
difícil ver algum artista significativo que não tenha domínio sobre determinados
materiais: a pedra, o feltro, o mármore, a têmpera, o vídeo etc. Não se trata de
estetizar a matéria, mas sim de utilizá-la a fim de expressar algo.

Essa escolha já reflete a opção tomada por uma determinada linguagem.


Toda matéria artística carrega consigo memória, registro das possibilidades de
manipulação. Um pedaço de argila carrega consigo as dançarinas de Degas, os
potes gregos, a modelagem de Rodin. Todo aprendizado implica um primeiro
momento em olhar e se apropriar da técnica de um artista maduro. Mas o artista
só atinge seus objetivos quando consegue que os materiais falem por si: sua
maestria consiste em decantar a matéria, reinventar a proporção dos elementos,
a ordem do concreto.

Pelo fato de serem construídas, as imagens surgem a partir de seu meio


material. A matéria define os meios de apresentação das imagens. Estamos longe
de uma concepção da técnica como algo transparente e neutro. A natureza de
uma obra de arte não se desvia dessa regra. Uma obra é um órgão vivo que
permite várias interpretações. Por esse motivo é que a palavra grega para quadro
seja zoon, vida. Foi Paul Valéry, um grande pensador e poeta, que reintroduziu a
palavra “poética” para se contrapor ao termo “estética”. Ao contrário da poética,
atenta a uma reflexão sobre a produção da obra, a estética nasceu de uma reflexão
filosófica sobre o ato de contemplar uma obra já feita. A poética se distingue da
história justamente por seu caráter utópico, projetivo. Francastel sempre ressaltou
esse aspecto imaginário da arte, ao lembrar que os artistas do Renascimento
projetaram uma cidade ideal que só iria se consumar posteriormente. Infelizmente
a técnica tende a ser vista apenas sob a ótica das novas tecnologias; nota-se a
ausência de um pensamento sobre as questões técnicas vinculadas à imaginação
como em Francastel. A pintura é uma técnica que continua a ser atualizada pelos
artistas contemporâneos.

208
TÓPICO 3 | CONHECENDO TÉCNICAS DE PINTURA TRADICIONAIS

O artista, ao inventar novas regras e proporções na arte, não está


simplesmente reproduzindo um saber artesanal; está criando uma técnica
de abordar os materiais, formulando, assim, uma nova linguagem. Volpi, por
exemplo, passa a utilizar a têmpera quando sua pintura se torna mais calcada
na superfície da tela e a cor, por sua vez, passa a ter um papel predominante na
formação do espaço. A têmpera demarca o processo de amadurecimento de Volpi,
pois a transparência do óleo muitas vezes tornava suas pinturas diáfanas em
demasia. A têmpera ressalta a presença corpórea do pigmento sobre a superfície
da tela, faz o pigmento respirar, produzindo uma intensa saturação cromática.

Mira Schendel escolhe a têmpera porque ela permite que a cor respire,
pulsando no espaço. Por outro lado, a presença do pigmento é enfatizada como
elemento primordial da cor. Mira explora diferenças de opacidade e brilho que
cada cor pode ter, uma alquimia cromática nos materiais. A cor no limiar da
sua transformação em luz. Nessa passagem para algo mais sublime, contudo,
elas parecem perder a sua especificidade. Para Mira, o quadro não se faz mais
pela relação de cores. A cor se torna um veículo, onde cada matiz determina um
caminho diferente de formalização da pintura. Mira sempre soube utilizar a cor
como afirmação da sua existência efêmera.

Vários pintores contemporâneos procuram resgatar técnicas tradicionais


como a encáustica, a têmpera e o afresco; trata-se de uma forma de bloquear a
janela virtual que surge na pintura mediante o emprego da veladura da pintura
a óleo.

A escolha de alguns materiais em detrimento de outros reflete a opção de


uma determinada linguagem e define a postura do artista em relação ao mundo.
A imagem de uma bandeira americana, feita por Jasper Johns, é de certa forma
escamoteada pela opacidade da encáustica e da colagem sobre jornal. Ela não é
uma bandeira qualquer, mas uma pintura de uma bandeira.

O meio de expressão interfere na maneira como as imagens se apresentam.


Johns usa a encáustica, técnica que mistura o pigmento com a cera, a fim de
ressaltar a opacidade entre nossas imagens e seus códigos de apresentação.
Rothko, por sua vez, utiliza a têmpera a fim de garantir a presença luminosa do
pigmento, pois a cor parece se desprender dessa fina poeira e começa a habitar o
espaço. Pollock aplica uma tinta veloz, automotiva, para implodir o gesto na tela.
Aqui no Brasil temos o exemplo da pintura de Paulo Pasta, que, com admirável
habilidade, consegue uma vibração cromática a partir da relação entre o óleo e o
verniz de cera que coloca a estrutura formal, na maioria das vezes arquitetônica,
em suspensão.

Análises restritas a procedimentos técnicos são raras e muitas vezes


decepcionam, pois ficam aquém dos estudos teóricos sobre arte. A arte moderna
obrigou o artista a depurar sua técnica de modo solitário, até mesmo quando
assume declaradamente certas influências. A técnica não se resume a um
conhecimento sobre a fabricação homogênea de objetos utilitários. Já há algum

209
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

tempo procurou-se estabelecer os critérios que distinguem a atividade do


artista da de um artesão, e, para isso, foi preciso reformular a noção de técnica.
O artista, ao inventar novas regras e proporções na arte, não está simplesmente
reproduzindo um saber artesanal: está criando uma técnica de abordar os
materiais, formulando, assim, uma nova linguagem. Na arte moderna, a matéria
torna-se expressiva, e a escolha de determinadas técnicas já é um ato expressivo.
Para Van Gogh, pintar era uma verdadeira catarse, um jorro, uma purgação de
sentimentos; não é, contudo, um ato meramente sentimental: a presença da massa
corpórea da pintura anula qualquer devaneio, sua presença material garante essa
ambiguidade necessária, garantindo, assim, uma tensão permanente entre a cor
como pigmento e simultaneamente como emoção. Por isso é que ele nos diz que
a pintura é o que permitia o adiamento de um colapso iminente.

Um pintor se expressa através da escolha de determinados materiais em


detrimento de outros. Essa escolha já reflete a opção tomada por uma linguagem.
O meio de expressão interfere na maneira em que as imagens são apresentadas.

Como afirma Jackson Pollock, ao ser questionado sobre o dripping —


técnica de respingar diretamente sobre a tela —, as necessidades atuais demandam
novas técnicas, o pintor moderno não pode expressar sua época, o avião, a bomba
atômica, o rádio, com formas renascentistas ou de qualquer cultura antepassada.
Cada época encontra sua própria técnica. Mesmo as técnicas tradicionais passam
por uma profunda alquimia no mundo contemporâneo, caso contrário, apenas
evocariam melancolicamente um evento passado.

É notório o distanciamento artístico de Warhol em relação à fatura,


à gestualidade. Warhol chega a dizer que gostaria de ser uma máquina. Ele
apaga resquícios expressionistas de seus antecessores Rauschenberg e Johns.
A utilização em série da mesma imagem, por mais que ela apresente sempre
diferenças, contribuiu muito para a serialidade minimalista posterior. Warhol
incorporou grandes conquistas do expressionismo abstrato, por exemplo, a tinta
metálica de Pollock, transpondo-a para os grandes monocromos, confere um
aspecto simbólico e paradoxal a essas imagens mecânicas. No caso do dripping,
Warhol subverte o efeito produzido pela gestualidade ritual de Pollock pelo
gesto comum de urinar sobre as telas produzindo oxidações. Essas atitudes,
deliberadamente irônicas, muitas vezes levam a uma interpretação errônea do
que o artista moderno entende pela dimensão técnica. Warhol foi capaz de criar
o estranhamento necessário para impregnar de mistério suas imagens rotuladas.
Parece-me que, ao negar a originalidade da imagem, buscava outra imagem que
não poderia ser representada. Se não residem no plano ideal, temos a sensação de
que apresentam algo que não pode ser dito. A relação entre elas e o seu referente
parece perdida para sempre.

Warhol começa a série sobre Marilyn no momento em que passa a utilizar


o silkscreen, criando uma proximidade entre técnica e significação. Ao aumentar
os pontos da reprodução fotográfica, retira muito do imaginário, da presença viva
da estrela. Warhol começou as pinturas poucas semanas após o suicídio da atriz

210
TÓPICO 3 | CONHECENDO TÉCNICAS DE PINTURA TRADICIONAIS

em 1962. Transformando a imagem na apresentação de uma ausência, como nas


antigas pinturas funerárias, liga seu sentido ao ato de mourning, velar. A imagem
da atriz aparece como um ícone bizantino sobre um fundo dourado.

Além da morte trágica de Marilyn, dois acontecimentos terríveis


envolvendo mulheres marcantes do cenário americano são retratados: a doença
de Elizabeth Taylor, que faz com que ela interrompa abruptamente a filmagem de
Cleópatra, e a trágica morte do presidente Kennedy, com a consequente viuvez
precoce de Jacqueline. Poderíamos dizer que essas séries — sem falar no Tuna
Fish Disaster de 1963, onde pessoas anônimas morrem ao ingerir uma lata de
atum contaminado —, se celebram alguma coisa, é a própria morte:

Acredito que foi a pintura sobre o acidente de avião na primeira página


de um jornal, anunciando a morte de 129 pessoas (129 DIE!). Estava também
pintando as Marilyns e me dei conta de que tudo que fazia se relacionava com a
morte. Era Natal ou Dia do Trabalho — um feriado — e toda vez que sintonizava
o rádio diziam algo assim: “4 milhões irão morrer”. Assim começou, mas quando
você vê uma pintura impactante muitas vezes, elas não têm o mesmo efeito.

Efeito anestésico. Entretanto, o que une estrelas e pessoas comuns, se não


o destino inexorável da morte? Nos dípticos, coloca uma tela monocromática e
vazia ao lado de outra retratando a atriz, produzindo assim uma dialética não
resolvida entre a presença e a ausência, entre a vida e a morte. Marilyn referia a
si mesma na terceira pessoa, um modo esquizofrênico de viver onde, para virar
estrela, sua imagem se descola da mulher anônima, Norma Jean. A imagem
aqui produz uma identidade diferente do próprio referente. Em seus momentos
mais intensos, Warhol dotava a imagem de uma carga simbólica em atrito com
a realidade. Se o artista não conseguia fazer com que a imagem pudesse remeter
ao referente, ela ao menos se espelhava em outra imagem virtual. A realidade
para Warhol é sempre traumática e a repetição obsessiva da imagem indica uma
realidade que não pode ser representada, apenas repetida.

Os quadros sobre Marilyn Monroe indicam outro aspecto a ser explorado.


O artista pinta ao mesmo tempo em que maquia as imagens. Aspectos da atriz se
transformam à medida que são maquiados — pintados de modos distintos, a ponto
de termos numa tela apenas o registro do lábio envolto em um batom vermelho.
A maquiagem nos leva a uma descrição conhecida de Baudelaire sobre o pintor
da vida moderna, texto onde se encontram semelhanças notáveis entre Warhol e
o pintor moderno. Baudelaire nos diz que, na vida moderna, o movimento rápido
das coisas leva o artista a igual velocidade de execução, exatamente o que a técnica
de silkscreen propicia. É um pintor de modos, é um observador, flaneur, filósofo,
dândi, algumas vezes poeta, é o pintor das circunstâncias e de tudo que sugere o
eterno.2 A dualidade entre o efêmero e o eterno, o fugitivo e o infinito, analisada
acima na série dos retratos de Warhol, já se encontra em Baudelaire. Este afirma
que gostaria de acreditar que monsieur G. não existe, nada mais sendo do que
um anônimo na multidão, como no epitáfio desejado por Warhol. Baudelaire
lembra ainda que o artista moderno é viajado, cosmopolita, ligado a um jornal

211
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DE PINTURA

inglês, o que nos remete à death series de Warhol que se inicia com uma capa de
um jornal. O pintor moderno tem a sensibilidade de uma criança convalescente.
O que sugere Warhol com sua palidez albina? O artista moderno se interessa
vivamente pelas coisas, por mais triviais que sejam, e o mundo é seu domínio.

Se você quiser saber tudo sobre Andy Warhol, veja a superfície das minhas
pinturas, filmes e eu, isto sou eu. Não há nada atrás. A fábrica – ateliê de Warhol –
tornou-se célebre como o spot, ponto de encontro da foule pop nova-iorquina. Ele
sempre se fascinou pelas massas: “Gostaria que todos pensassem igual, a Rússia
está fazendo isso com seu governo, aqui tudo acontece por si só”.

Ou na série sobre Mao, onde o líder da revolução cultural é maquiado


como imagem de culto.

Por fim, Baudelaire afirma que o artista moderno atravessa os longos


desvios da high life e da low life — da mesma forma que Warhol jogava
continuamente ao fazer grande arte no mundo da propaganda e fazer propaganda
no mundo da grande arte. No capítulo final, Baudelaire fala da originalidade
com que G. retrata os carros, assim como Warhol, que transforma em máquinas
mortíferas esse símbolo máximo do consumo americano. Baudelaire afirma que
não podemos atribuir à arte a função estéril de imitar a natureza, o artista moderno
vive do artifício e para o artifício. Warhol, por sua vez, é o ponto máximo desse
artificialismo levado às últimas consequências.

Embora registre cenas trágicas impressas de modo mecânico e impessoal,


Warhol não é um observador passivo, seja na série sobre os levantes raciais ou na
da cadeira elétrica, que remetem aos protestos feitos na época contra o racismo e
a pena de morte. A cadeira vazia se torna incômoda, porque qualquer um de nós
pode acabar sentado nela. Há ainda outra série de acidentes de carros, o símbolo
máximo de uma cultura produzindo mortes anônimas, sem falar sobre outra, que
retrata pessoas espatifadas no chão após terem cometido suicídio. O que torna
todos esses quadros tão fortes e instigantes é a dualidade em representar uma
cena traumática que, por sua vez, rapidamente pode se tornar comum, fazendo
parte de nossas vidas. Warhol muitas vezes jogou com valores comerciais
num meio cultural que a qualquer custo procura escamotear esses valores. Em
contrapartida, quando era um designer comercial, sempre conferiu aos seus
produtos, paradoxalmente, uma aura artística. Ao fazer do ateliê uma fábrica,
sabia que dificilmente estaria produzindo outra coisa além de mercadorias:

A fábrica é tão conveniente como qualquer outro lugar. É um lugar onde se


constroem coisas, é um lugar onde faço meu trabalho. No meu trabalho artístico,
a pintura à mão tomaria muito tempo, em todo caso, essa não é a época em que
vivemos. Meios mecânicos são atuais e ao utilizá-los consigo mais arte para mais
pessoas. A arte deveria ser para qualquer um.

A originalidade de Warhol está em incorporar novas técnicas de reprodução


do mundo sem se deixar dominar por elas, conferindo-lhes nova dimensão, nova

212
TÓPICO 3 | CONHECENDO TÉCNICAS DE PINTURA TRADICIONAIS

virtualidade. Vivemos em um mundo em que os objetos artísticos se tornaram


cada vez mais mercantilizados. Os museus, que antes guardavam obras,
tornaram-se grandes empreendimentos capitalistas. Ao jogar com a dualidade
perversa da obra de arte no mundo, Warhol soube explorar novos rumos para
a arte contemporânea sem cair no niilismo estéril ou na ingenuidade romântica.
Como ele mesmo afirma: uma vez que você entende a “Pop” nunca mais você vê
o signo da mesma maneira.

A arte Pop recupera a figuração a partir do emprego da fotografia e da


colagem, como se, em um mundo saturado de imagens, figurar objetos pura e
simplesmente não fosse mais possível. Roy Lichtenstein disse certa vez que a Pop
significa um envolvimento com as características mais abusadas e ameaçadoras de
nossa cultura, coisas que odiamos, mas que também são poderosas no modo como
se impõem. Na série sobre as pinceladas, assim como nas imagens em quadrinho
de amor e guerra, Lichtenstein pega temas com grande carga emocional e lida
com eles, como a arte comercial faria, mediante um método muito distanciado:

O método com que Lichtenstein brinca com aquilo que nos preocupa é o
inverso daquele que o faz Jasper Johns, o artista cujo uso irônico de emblemas
comuns mostrou o caminho para Lichtenstein e para outros criadores da arte Pop.
Johns pega temas frios e os pinta com alma, ou o que parece ser alma. Lichtenstein
pega temas cheios de alma e os pinta com frieza, ou o que parece ser frieza.

As transformações técnicas recentes alteraram a maneira de interpretar


e fazer uma pintura contemporânea. Conceitos clássicos como o de mimese e
representação, originalidade e reprodutibilidade devem ser repensados sob essa
nova ótica.

FONTE: GIANNOTTI, M. Breve história da pintura contemporânea. Claridade: São Paulo, 2009,
p. 62 - 73. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/321137045_Breve_Historia_
da_Cultura_Contemporanea>. Acesso em: 14 fev. 2019.

213
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• As três principais técnicas de pintura utilizadas são: aquarela, óleo e acrílica.

• A tinta aquarela surgiu há mais de dois mil anos, na China.

• O artista John White ficou conhecido como “pai da aquarela”. No século XVI
utilizou esta técnica em uma expedição aos EUA para registrar os costumes da
época.

• William Turner, precursor do impressionismo inglês, é considerado o maior


aquarelista de todos os tempos.

• A técnica da aquarela compreende sobreposição de leves pinceladas. Os pincéis


ideais para essa técnica são os macios de pelo natural.

• A criação da tinta a óleo é atribuída aos irmãos Van Eyck.

• Após a Revolução Industrial do século XX, os artistas pararam de fabricar as


próprias tintas a óleo e passaram a comprar as prontas que estavam disponíveis
no mercado.

• É importante conhecer todas as variedades de materiais e suas respectivas


qualidades e durabilidades.

• Os responsáveis pela criação das tintas acrílicas foram os muralistas mexicanos.

• Pollock e Rothko são dois proeminentes pintores norte-americanos que


trabalharam também com tintas acrílicas.

• Andy Warhol na Pop Art teve importante contribuição na divulgação do novo


material.

• Depois de seca, a tinta acrílica fica insolúvel em água.

• O tempo de secagem das tintas acrílicas é bem curto, 30 minutos, mais ou


menos.

• É necessário preparar o tecido escolhido para executar a pintura antes de


aplicar a tinta.

214
AUTOATIVIDADE

1 A partir da obra de Adriana Varejão, elabore uma proposta de aula que


dialogue com a pintura a óleo com a disciplina de História.

FIGURA – POLVO. ADRIANA VAREJÃO

FONTE: <http://missowl.com/pt-br/negro-pele-e-cor-brasil/adriana-varejao-polvo-1/>.
Acesso em: 18 jan. 2019.

Para a série Polvo (2013-2014), Varejão produz uma caixa de tintas,


em parceria com a fábrica Águia, com 33 cores mencionadas como
tons de pele em pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). As pinturas produzidas com as tintas estudam
combinações cromáticas sobre o retrato da artista que revelam
novas analogias entre tinta, pele e mestiçagem (ENCICLOPÉDIA
ITAÚ CULTURAL, 2018).

FONTE: ADRIANA Varejão. Enciclopédia Itaú cultural, São Paulo, 10 abr. 2018. Artes
Visuais. [s.p.]. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa17507/
adriana-varejao>. Acesso em: 18 jan. 2018.

DICAS

Aproveite, também, as informações sobre o trabalho Proposta para uma


Catequese – Parte I Díptico: Morte e Esquartejamento (1993) e Azulejões (2000), disponíveis
no link: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa17507/adriana-varejao>.

215
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