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INDICE

A dvertência ...................................................................... 9

In ic ia n d o ............................................................................ 11

A destram ento e aprendizagem ................................... 17

A educação, n u m contexto c u ltu ra l ......................... 27

Linguagem e a r t e ............................................................ 37

O a rtis ta e o e s p e c ta d o r................................................ 51

F u n d am en to s d a arte-educação ................................. 63

A arte-educação en tre n Ó 6 ........................................... 77


ADVERTÊNCIA

Q uando publiquei Fundam entos Estéticos d a Edu-


c a ç io (E d Cor te z — Autores Associados — Universida­
d e Federal de Uberlândia j, acreditei estar oferecendo
u m texto escrito num a linguagem simples, a todos os
que se interessam por educação e, m ais particularm en­
te, pela arte-aducaçào. Naquele trabalho procurei situar
a a rte no contexto educacional, a partir de bases filo­
sóficas bastante am plas que, creio eu, devem nortear a
ação de qualquer arte-educador.
Contudo, acabei percebendo que o te x to apresen­
tava certas dificuldades para o aluno médio de nossas
universidades, que — n u m fenóm eno sobejam ente co­
nhecido em nossos tem pos — ainda não se habituou á
leitura mais sistem ática.
Resolvi então ten ta r um a pequena síntese daque­
las páginas que, sendo destinada especialm ente aos
Ingressantes em u m a universidade, pudesse oferecer
determ inada» linhas gerais norteadoras da arte-educa-
ção. Assim nasceu este pequeno texto. Sua intenção não
é, portanto, ser profundo e conclusivo; an tes, quer
apenas apresentar algum as idéias básicas e alguns
pontos para a reflexão, num a linguagem extrem a m en te
sim ples, quase coloquial Sua finalidade é servir de
ponto de partida para reflexões m ais profundas.
A quem se interessar pelo aprofundam ento das
idéias aqui expostas, sugiro então a leitura daquele
m eu primeiro trabalho, bem como a leitura das obras
citadas ao longo deste texto.
O A utor

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INICIANDO

Todos nós que passam os por u m a escola uvem os a


o portunidade <ou a obrigação) de freq ü e n ta r au ias de
a rte". De u m a ou de o u tra form a, aquelas a u la s esta­
vam lá: esprem idas e n tre disciplinas que em geral eram
consideradas "m ais sérias", ou “m ais im p o rtan tes",
p a ra a nossa vida fu tu ra. E ra preciso saber os teorem as
de cor, os modos dos verbos, a localização d a P atagônia,
a d a ta d a Lei do V entre Livre e o que significava sístole
e diástole, se quiséssem os seguir adiante. S eguir a d ia n ­
te: c u rs a r o 2.'- grau, um bom cu rsin h o e e n tra r n u m a
universidade. Na universidade finalm ente a p re n d e ría­
mos a ser cidadão respeitável, um profissional, que ao
receber o diplom a d a rla o últim o passo no aprendizado
d a seriedade. Devolvidos à sociedade seríam o6 então
tra ta d o s por "doutor" e seríam os felizes, trab alh an d o
seriam ente a favor de nosso progresso e do desenvolvi­
mento da nação.
Nesse ponto é possível que nos recordássem os de
ossos prim eiros anos de escola e — quem sabe? —
aquelas "a u la s de a r te ” Com um sorriso nos lábios
lem braríam os toda a “bagunça" que faziam os nm ta is
nías. Já que o professor era sem pre m ais to leran te (ou
m ais "bobo", como p ensávam os). L em braríam os ta m ­
bém que à s vezes era u m a “cu rtição " jo g a r tin ta sobre
papel desordenadam ente, afirm a n d o que aquilo e ra
"a rte m oderna"; ou a in d a serrar, lixar, en v ern izar e
m o n tar nossos porta-copos e bandejas; e mesmo desa­
m a r proposi taim en te d u ra n te a execução dos hinos
pátrios, n a a u la de m úsica.

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De ludas essas lem branças é provável que chegás­
sem os a u m a conclusão: as au las de a rte serviam
mesmo é p ra se divertir, p ara aliviar a ten são provocada
por todos aqueles outros professores sizudos e suas exi­
gências interm in áv eis Hoje. com o médicos, en g en hei­
ros. psicólogos ou econom istas, não veríam os n e n h u m a
•'utilidade” naquelas atividades, alem da diversão. J a ­
m ais aquelas a u las poderiam te r cu m p rid o o u tra fin a ­
lidade, jam ais elas poderiam fazer de n ó s um ' d o u to r”
m ais eficiente.

Mas, será que não poderiam m esm o? Será que a


urte. n a vida do hom em , n ão é algo m ais do que sim ples
la¡¿er (se bem que o lazer é Im portantíssim o) ? S erá que,
esprem ida e n tr e as disciplinas * sérias", as a u la s de a rte
n ão estaria m jogadas a segundo ou terceiro p lanos pelo
próprio sistem a educacional? S erá que n ão h av eria u m a
ío rm a de a a rte co n trib u ir m ais efetiv am en te [mrn o
nosso desenvolvim ento?

P a ra te n ta r responder a estas (e a a lg u m as o u tra s)


questões este livro foi escrito. E a s respostas a ta is ques­
tões devem, necessariam ente, p assar por u m conflito
básico em nossa a tu a l civilização: aquele e n tre o
“ú til” e o “agradável”. Em geral a s coisas úteis, ‘sé­
ria s”, são aquelas que identificam os com o m açantes,
trabalhosas; em outros term os: são as obrigações que
tem os de cum prir, m ais ou m enos a contragosto, e
que nos perm item sobreviver n as selvas de concreto
e aço de nossas cidades. J á as agradáveis, prazerosas,
são aquelas reservadas às nossas férias e feriados. Isto
é, as que g uardam os p a ra u su fru ir após terem sido
cu m pridas a s nossas m aça n te s obrigações. Neste se g u n ­
do grupo, além de o u tra s atividades, estão : a nossa ida
ao cinem a, a um concerto, o disco que ouvimos, o q u ad ro
que ganham os e que passam os algum tem po a contem -

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piai-. Km su m a , a a rte 6 u m a tías atividades prazero­
sas deste m undo (pelo m enos p a ra o esp ectad o r).
E sta divisão e n tre o útil e o agradável, contado,
nào p ára ai, nas atividades que excrcem os. Ela acaba
se refletindo era nossa p ró p ria organização interior,
m ental. Assim é que, por exigencias c e no ssa civiliza­
ção, devemos sep arar nossos sen tim en to s e emoções de
nosso raciocínio c intelecção. H á locais e atividades
onde devemos ser "racio n ais'’ apenas, deixando de lado
a s emoções, J á em outros, podem os sen tir e m an ifestar
dor, prazer, am or. alegrias, tristezas, etc. E stam os divi­
didos e com partim entados n u m m undo a lta m e n te espe­
cializado, e, sc quiserm os alca n çar o "sucesso *, devemos
m an ter esta com partim entaçáo
P or isso nossas escolas iniciam -nos. desde cedo, n a
técnica do esquartejam ento m en tal. Ali devemos ser
a p e n as um hom em pen san te As emoções devem ficar
fora das q u a tru paredes d as saias dc au la. a fim de não
a tra p a lh a re m nosso desenvolvim ento in telectu al. Os
‘recreios” e a s "au las de a rte " sào os únicos m om entos
onde a e s tru tu r a escolar perm ite algum a fluência de
nossos sentim entos e emoções E h á jeito de ser dife­
ren te?
T alvez h a ja Talvez a s emoções nào a tra p alh e m —
como usuairaente se acred ita — nosso desenvolvim ento
intelectual. Pode ser a té que am bos — razão e emoção
— sr. com pletem e se desenvolvam m u tu a m en te, diale-
ticam ente,
Foi pensando e acred itan d o n isto que a lg u n s e stu ­
diosos propuseram u m a educação baseada, fu n d am en ­
talm ente, naquilo que sentim os. U m a educação que
partisse d a expressão de sen tim en to s e emoções. Um a
educação através da arte.
E sta expressão — educação atra v é s d a a rte —, c ria ­
da por H erbcrt Read em 1943, se popularizou c chegou

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até nós. Posteriorm ente foi abreviada e sim plificada
p ara, arte-educação, m as seu espirito original ain d a
co n tin u a vivo. É preciso dirim ir dúvidas desde Já: arte-
cducação n ão significa o treln o p a ra alguém se to rn a r
um a rtis ta , não significa a aprendizagem de u rn a té c ­
nica, num dado ram o d as a rtes Antes, q u er significar
um a educação que te n h a a a rte como urna d a s suas
principais aliadas. Um a educação que p erm ita urna
m aior sensibilidade p a ra com o m u n d o em volta de cada
um de nós.
Aquí no Brasil este term o arte-educação vem sendo
b a sta n te em pregado — pelo m enos verbaJm ente — após
o advento d a conhecida Lei 5.692/71. Lei e sta que, em
1971, pretendeu ‘‘modernizar*’ nossa e s tru tu ra ed u ca­
cional, fixando suas diretrizes e bases. All no tex to da
Lei se reservava (tim idam en te) alg u m as poucas horas
do cu rrícu lo (em geral duas, por sem an a) p a ra a a rte.
E a p a rtir de entào m ultipllcaram -se os cursos su p e­
riores p a ra a form ação do arte-educador. P retendeu-
se, assim , que aquilo que já existia nos currículos, de
fo n n a quase em pírica — a s "au las de a rte " —. se siste-
raÀtizasse c tivesse u m a fun d am en tação teórica e filo­
sófica. Se isto foi conseguido, se a a rte passou re a l­
m ente a ocupar um lu g ar m ais nobre n a e s tru tu ra
escolar, é um assu n to p a ra discutirm os m ais adiante,
no final deste trabalho. P or ora. b a sta que se assinale
este ponto de relevo oficial p a ra a expressão arte-edu­
cação: su a inclusão n a legislação escolar.
P ara que possam os a n a lisa r ad equadam ente, a tin ­
gindo o cerne do pensam en to que fu n d a m e n ta a arte-
educação. será necessário decompor o term o em seus
elem entos constituintes. Vamos p a rtl-lo em : a rte e
educação, buscando clarificar o que é, isoladam ente, a
educação e a arte. N essa busca, certam en te, e n c o n tra ­
rem os a convergência de u m a série de elem entos da

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a rte e d a educação p ara um ponto com um ; a criação
de um sentido p a ra as nossas vidas.
Como to d a educação se fu n d am en ta num processo
básico do ser hum ano, será por ele que iniciarem os este
nosso cam inho: o processo da aprendizagem . Como
aprendem os? O que aprendem os? P ara que aprende­
mos? T rès questões que alicerçam todo o edificio e d u ­
cacional, ou m elhor, todo o edificio da vida h u m a n a
co n stru íd a neste m undo.
Comecemos por ai.

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ADESTRAMENTO E APRENDIZAGEM

Q uase todos já ouviram (a la r que a lg u n s psicólogos


se utilizam de ra to s em seu s experim entos O s re su lta ­
dos de ta is experim entos, em geral, sáo generalizados e
extrapolados p a ra o h om em : eles crêem que e n tre rato s
e h om ens a diferença seja m u ito pequena; de grau.
•►mente. Apesar de alg u m as pessoas que conhecem os
realm ente se aproxim arem b a sta n te dos ratos, a in d a as
diferenças são enorm es. Porém , u m pequeno e modelar
experim ento com esses roedores pode nos au x ilia r e
servir de ponto de partida.
Deixando um ra to sem beber d u ra n te 24 horas e
colocando-o depois n u m a gaiola a p ro p ria d a íconhecida
rom o "caixa de S k in n er’ ), ele certa m en te virá a
ap ren d er" um novo com portam ento. N esta gaiola
existe u m a p equena alav an ca que, q uando pressionada,
fornece u m a g o ta de água. Apoiando-se n a alav a n ca e
recebendo a água, logo o an im al estabelece a ligação
e n tre u m a coisa e o u tra e passa a acionar o m ecanism o
"p ropositalm ente p a ra saciar a su a sede. Vamos dizer,
então, que o ra to ‘ ap ren d eu ” (e n tre asp as) a pressio­
n a r a b a rra : ele adquiriu um novo com portam ento.
O fu n d am en tal deste experim ento é que o anim al
só "aprend eu" este novo com portam ento porque ele o
au x ilia a resolver um problem a crucial: a sua sobre­
vivência. Pressionando a b a rra ele im pede a própria
m orte: sobrevive! O ra to não poderia ser “trein ad o ” —
o experim ento n à o se realizarla — se ele n ão estivesse
.n*?cessitando da água

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Daí poderm os deduzir que o com portam ento a n i­
m al procura sem pre resolver este im perativo básico,
que é m an ter a vida O anim al se adapta a seu meio
am biente e ali pode vir a desenvolver alg u m as h ab ili­
dades, se estas o auxiliarem n a ta r e ia de sobreviver.
U rsos “aprondem ” a an d a r de bicicleta, elefantes a
"p la n ta r b an an eira" e cães a jogar bola, pois dependem
de tais atividades p a ra receber com ida de seu tre in a ­
dor. E este o m otor d a "aprendizagem '* no m undo ani
m a l: g a ra n tir a vida, a sobrevivência.
Porém , este modelo de “aprendizagem '' n ào pode
ser integralm ente aplicado a seres h u m an o s Nós pos­
suím os u m a dim ensão a m ais em relação ao anim al,
que tran sfo rm a radicalm en te a vida m eram ente bioló­
gica em algo qualitativam en te diferente. E sta d im en ­
são e a dim ensão simbólica do m undo h u m an o : a pa­
lavra.
A través d a palav ra o hom em se "desprendeu" de
(tran scen d eu ) seu corpo físico. O m undo an im al é
aquilo que seus sentidos lhe perm item : o que ele vê.
ouve, cheira e toca. J á o m undo h u m an o vai além,
m u ito além , daquilo que existe à nossa volta, acessível
a nossos sentidos E vai além atrav és dos símbolos, da
palavra. Q uando digo ' A n tártid a’', por exemplo, a pa
lavra m e traz à consciência um a região do p lan eta que
não está agora ao alcance de m eus sentidos. Posso saber
desta região gelada sem jam ais te r estado lá. Posso
conhecê-la atrav és de um símbolo, de u m a palavra que
a representa.
Um outro exemplo: posso pensar no que fiz on tem
e p lan ejar o que farei am a n h ã T enho consciência do
te m p o : de um passado, um p resente e u m fu tu ro . Isto é
possível pela palavra, que me re p re sen ta o ontem , o
hoje e o am anhã. E n q u an to o anim al só possui o seu
presente: está aderido a um hoje eterno.

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Podemos concluir en tão que o hom em n ão estâ preso
a seu corpo e a seu presente como está o anim al, m as
tem con-sciêncta de o u tra s dim ensões c de o u tro s tem ­
pos. A consciência h u m a n a é. d esta form a, produto de
su a capacidade simbólica, pro d u to de su a palavra O
que faz do hom em u m a vida q u a litativ am en te d iferen­
te de todas as dem ais form as de vida O ser h u m an o tem
u m a coTisciència reflexiva, isto é, pode p ensar em si
próprio, pode tom ar-se como objeto de seu pensam ento.
Pensam ento este que se d á g raças à palavra.
L inhas a trá s dissemos que o anim al se a d a p ta a
seu meio am biente. Incapaz de transform á-lo de m a­
n e ira ordenada, planejada, ele deve sem pre se ad ap ta r
às circunstâncias, desenvolvendo atividades que o au x i­
liem a sobreviver aqui e agora. Mas o hom em não. Não
se a d a p ta sim plesm ente a urn meio, e sim p ro c u ra tra n s­
formá-lo, modificá-lo, construi-lo. Faz com que o meio
se adapte a ele O homem constrói o m undo Im prim e
um sentido à s auas ações. Visa o fu tu ro : planeja, p en ­
sa. e en tão age. construindo o que im aginou. Este é o
m u ndo hu m an o : um m undo que s u p la n ta a simples
dim ensão fisica, que existe tam bém e n q u an to possibi­
lidade; que existe como um vir-a-ser. Em sum a: um
m undo tam bém simbólico.
E sta é então a radical diferença e n tre homem e
an im al: a consciência reflexiva, simbólica. A palavra
é o prim eiro elem ento transform ador do m undo de que
se vale o ser hum ano. Por ela o m undo é ordenado num
tudo significativo. Com a palavra o hom em organiza
o real, atribuindo-lhe significados. T eda a m assa de
sensações e percepções é filtra d a pela linguagem h u ­
m ana e recebe um a significação. Vejo u m a form a
difu sa em meio à neblina: não sei o que é. a p e n as algo
vago, sem sentido. Alguém m e diz "aquilo é u m a á r ­
vore”. Im ediatam ente a form a # a n h a um sentido, um

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significado. In te g ra -s e no raeu m u n d o conhecido.
Agora sei o que é aquilo, mesm o sem percebê-lo c la r a ­
m en te T em um nom e: ã rro re . Pelo nom e ad q u iriu
significação, p a u o u a fazer p a rte de m in h a e s tru tu r a
conceituai
O u e n tá o este objeto à m in h a frente. Não sei o
que é, n ão sei de su a utilidade, n u n c a o vi a n te s Al­
guém m e inform a: “isto é u m gram peador — com ele
podemos p ren d er ju n ta s a lg u m as fo lh as de p ap el”. Se
de ag o ra em d ia n te m e falarem de u m gram peador,
saberei do que se tr a ta . Meu m u n d o se am pliou. Nele
coube m ais um n om e, m ais u m objeto significativo. O
g ram peador — o objeto e a p ala v ra que o re p re se n ta
passou a fazer p a rte do m eu m undo.
O m undo que constru ím o s tem o c a rá te r de um
todo unificado, ordenado E vitam os o caos, a desor­
dem . Vamos relacionando os eventos, os objetos e as
n ossas percepções n u m a e s tru tu r a o rg an izad a. R e la­
cionam os tu d o n u m a e s tru tu r a sig n ificativ a, que nos
perm ite dizer como o m u n d o é. E ta l e s tru tu r a sig n i­
ficativa nos é d a d a pela linguagem
M erleau-Ponty, um filósofo francês, fala do co m ­
p o rta m e n to h u m an o com o um c o m p o rta m en to sim b ó ­
lico O an im al reage nos estím u lo s físicos de seu meio.
O hom em age, em função dos significados que ele
im prim e à realidade. Age segundo a significação q u e
su a linguagem perm ite.
A nteriorm ente afirm ou-se que o m o to r d a a tiv id a ­
de a n im a l era a su a sobrevivência s u a a d a p ta ç ã o ao
meio e o desenvolvim ento de novos com p o rtam en to s
buscam o fim últim o de se m a n te r vivo. Isto tam bém
é verdade p a ra o hom em , se bem que verdade ap en as
parcialm ente. Porque, se tra b alh a m o s sem pre p a ra a
nossa sobrevivência, essa sobrevivência n ã o tem a ver
som ente com a m a n u ten ç ã o d a vida biológica. Tem a

¿0
ver, p rincipalm ente, com a m an u ten ção do significa­
do. do sentido da vida B uscam os n ao ap e n a s m a n te r a
vida (biológica), m as fu n d a m e n ta lm e n te a s u a coe­
rência - a coerência n u m m u n d o simbólico.
A vida tem que fazer sentido. Tem os de possuir
nossos valores, sonhos e ideais, em fu n çáo dos qu ais
nos m anterem os vivos C o m p rar u m a casa. escrever
um livro, n ào roubar, ser honesto, casar, são alguns
desses valores q u e m a n tém a s pessoas existindo. Tais
valores ta is significações — ch egam a ser, n o m u n ­
do dos hom ens, a té m ais im p o rta n te s que a própria
vida. S erá e sta u m a afirm a ção paradoxal? Não, se pen­
sarm os n o caso extrem o do suicida M uitas vezes su a
e s tru tu ra física, vital, se e n c o n tra perfeita. M as ele
se m a ta K se m a ta porque su a existên cia p erdeu a
significação, deixou de fazer sentido. (A lb ert C am us,
o u tro filósofo francês, dizia que a ú n ic a q u estão filo­
sófica realm en te Im p o rtan te e ra o su icíd io ).
O u e n tã o pensem os n o g u e rrilh e iro : ele tam bém
e n tre g a a vida p ara que u m ideal co n tin u e existindo,
p a ra q u e o m undo um d ia se ja m elhor — m esm o que
ele n ào m ais e steja n este m undo. (No m om ento em que
escrevo estas lin h as é a n u n c ia d a a m o rte do 10.° prisio­
neiro político do IRA, n a Irlan d a , devido à greve de fome
por eles m a n tid a ).
Assim, a vida h u m a n a n à o é ap en as vida (física),
m as existência, ou seja. co m p o rta u m sentido. E este
sen tido são a s p a lav ras que n o s dão. A lin g u ag em —
e a tra v é s dela os valores, os significados — fu n d a m e n ta
e e s tr u tu r a nossa existência n e sta t e r r a
P o rtan to , tu d o em nosso m u n d o possui u m valor
e u m nome. O s significados advêm fu n d a m e n talm e n te
dos símbolos, d a s palavras, d o s nom es. "N o princípio
era a P alav ra", segundo o dizer bíblico. E stam o s co n s­
ta n te m e n te b u scando significações p a ra as nossas

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experiências E stam os co n stan tem en te nom eando-as.
com parando-as, te n ta n d o explicá-las. E isto atra v é s doe
símbolos, d a palavra. "Você n ão im ag in a o que c a n d a r
n a m o n tan h a-ru ssa", distemos a u m am igo que n u n ca
foi ao p a rq u e de diversões. “É como e sta r n u m ciclone:
vocé rodopia, scu estóm ago sobe, desee; su a noção de
lu g ar, de espaço, fica p erd id a” — p rocuram os explicar-
lhe. O que estam os fazendo? T en tan d o d a r u m sig n ifi­
cado, um sentido p a ra aq u ela experiência, ao trad u zi-
la em palavras.
Nossas experiências vividas são sem pre seguidas de
simbolizações. que perm item explicitá-las <à nós m es­
m os). G endlin, um psicólogo norte-am ericano, afirm a
q u e toda significação te m dois com ponentes: a s expe­
riências e os símbolos. Isto tudo o q u e experiencia-
m os, procuram os nom ear, explicitar sim bolicam ente; e,
inversam ente, todas os novos conceitos que adquirim os,
n ó s o com preendem os por referência à nossas experiên­
cias anteriores. Expliquem os m elhor esta afirm ação.
O exem plo acim a, d a m ont& nha-russa, se refere à
p rim eira p a rte de nossa afirm ação : vivemos u m a expe­
riência, sen tim o s o q u e é a n d a r n aquele brinquedo e.
depois, ten tam o s d a r um sentido a e sta nova vivência.
Procuram os to rn á-la inteligível, explicitável, atrav és
dos sím bolos verbais (p a la v ra s). Dizemos e n tã o que
nossa sensação foi a de "estai n u m ciclone", que “ p e r­
demos a noção de espaço", que “nosso estôm ago pareceu
su bir e descer”, etc. O u seja: procuram os nom ear e
com parar a experiência com o u tra s (e s ta r n u m ciclone,
por exem plo).
Agora a seg u n d a p a rte da a ssertiv a, todos os no­
vos conceitos que aprendem os, nós os com preendem os
por referência à s nossas experiências an terio res. Vejo
u m a m á q u in a que n ão conheço, e sou inform ado de que
se tr a ta de u m a “g u ilh o tin a ”, u tilizad a p a ra c o rta r pa-

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pêis. Este novo conceito, "g u ilh o tin a ”, eu aó o com preen­
do por já saber o que é papel c o que é o ato de cortar.
Isto c o novo conceito "sc pren d e” às experiências a n te ­
riores que Já tive. com papéis e com o a to de cortar. Um
novo símbolo, u m a nova palavra, um novo conceito,
som ente é com preendido tom ando-se por base nossas
vivências anteriores.
E ste é e n tão o m ecanism o do conhecim ento h u ­
m ano: um Jogo (dialético) e n tre o que é sen tid o (vivi-
■io) e o que c sw ibolizada (tran sfo rm ad o em palavras
ou o u tros sím b o lo s),
De certa form a, este é o jogo e n tre o se n tir e o p en­
sar, Já que o pensam ento sem pre se dá a tra v é s de p ala­
vras. U m jogo em que estam os m ergulhados desde que
adquirim os a fala, em nossa infância.
Vamos re to rn a r e n tã o á qu estão d a aprendizagem .
O ra tin h o do prim eiro exem plo, nos dissem os que ele
‘ap rendeu" (e n tre aspas) a pressionar a b arra p ara
receber água. N a realidade, se ria m elhor dizer que ele
foi adestrada, ou treinado, ou condicionado. Isso por­
que o rato n ão tem a capacidade de tra n sfo rm a r aquela
su a experiência n u m símbolo, isto é, de e x tra ir dela um
significado Ja m a is ele poderá "c o n ta r" (“e n sin a r”) a
um com panheiro seu a form a de se obter á g u a quando
colocado n aquela gaiola. S u a experiência não recebe
u m a significação, não é tra n sfo rm a d a em sím bolos que
a representem .
Inclusive, se este mesm o ra to for colocado nu m a
o u tra gaiola, em que a b a rr a te n h a u m modelo, u m a
localização e u m a cor diferentes, ele deverá novam ente
ser trein ad o p a ra pressionar a nova b a rra . N ão possuin­
do a capacidade ab stra tiv a que os sím bolos perm item ,
ele não pode tra n sferir su a experiência p a ra u m novo
contexto.

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O q u e é b a sta n te d iferen te da aprendizagem h u
m ana, no sentido forte do term o. Como nás tra n sfo r­
mam os nossas experiências m símbolos, ab strain d o de-
las o seu significado, podem os agir em novas situações
ro m base ein experiências passadas. Exemplifiquemos.
Suponha-se que treinem os um cáo a sentar-se
cada vez que lhe m ostram os u m circulo recortado em
um cartão. Cada vez que lhe ap resen tam o s o c artão ele
se sen ta (p a ra receber um pedaço de carn e — condição
essencial de qualquer trein am en to ) . Se, ao invés do c ír­
culo recortado, nós lhe apresen tarm o s u m circulo de­
senhado n u m a folha de papel, ele não m ais se se n ta rá
Ele foi treinado p ara responder apenas ao círculo
recortado.
Agora com um a criança. Dizemos a ela que iremos
jo g ar um Jogo: cada vez que lhe m ostrarm os um círculo
(ela deve sab er o que é um círculo, deve te r o co n c e ito ),
ela deverá b ater palm as. Podemos ap re se n ta r os m ais
diversos círculos, recortados, pintados, grandes, peque­
nos, que fatalm en te ela ap lau d irá
No caso do cachorro, ele foi trem ado a responder a
um sinal, fixo e im utável. No caso da crian ça, ela ap ren ­
deu a responder a um conceito, a um símbolo. A crian ça
a b strai o significado do conceito e o aplica a d iferen ­
tes situações. O u s e ja : ela aprende um significado.
Eis a i a diferença e n tre aprendizagem e adestra­
m ento. No adestram en to h á u m a resp o sta fixa a um
sitiai, tam bém fixo. Na aprendizagem h á a ab stração
do significado que os símbolos perm item . E apenas o
hom em constrói símbolos
A nteriorm ente foi d ito aqui que o an im al som ente
desenvolve novos com portam entos se estes o auxiliarem
n a ta re fa de se m an ter vivo. No caso hum an o , onde não
é apenas a vida biológica que está envolvida, m as ta m ­
bém o seu sentido, a su a coerência, e sta verdade se

24
am plia u m pouco. Nossa m en te é seletiva: apenas
aprendem os aquilo que percebem os como Im portante
p a ra a nossa existência. T udo o que foge aos nosso* va­
lores. tudo o que não percebem os como necessário ao
nosso dia-a-d ia, é esquecido. Não e retido. Um exemplo
cJaro desta situ ação são a s infindáveis “m a téria s" que
decoram os apen as p a ra fazer u m a prova, n a escola.
Após a prova, o que foi decorado vai g rad u alm en te d e ­
saparecendo de nossa m em ória, por não te r u m uso no
cotidiano
Por isso u m a educação que ap en as p reten d a tr a n s ­
m itir significados que estão d ista n te s d a vida concreta
dos educandos, não produz aprendizagem algum a. É
necessário que os conceitos (tim b ó lo s) estejam em co­
nexão com as experiências dos indivíduos. Voltamos
assim à dialética e n tre o se n tir (vivenciar) e o sim bo­
lizar. Este é o p o nto fu n d am en tal no m étodo de alfab e­
tização do educador brasileiro Paulo F reire: aprcnde-sc
a escrever quan d o a s p alavras se referem às ex perien­
cias concretam ente vividas
A prender não é decorar A prender é u m processo
que mobiliza ta n to os significados, os símbolos, q uanto
os sentim entos, a s experiências a que eles se referem.
Já , decorar, é algo assim como o que ocorre com o a n i­
m al: um a resposta fixa. sem criatividade, a u m e stí­
m ulo fixo. A cam painha toca, os alunos se sentam e
passam a escrever um sem -núm ero de palavras, cuja
significação n ão com preendem bem. C uja significação
está d istan te de su a vida cotid ian a As p alav ras deixam
de ser símbolos, rep resentand o conceitos, p a ra se to r­
narem quase que m eros sinais.
Aliás, sem pre acreditei que a escola brasileira, nos
dias que correm , está m ais p a ra u m a "caix a de Skin-
n e r” do que p a ra um locai de real aprendizado. E stá
m ais p a ra o ad estram en to do que p a ra a aprendizagem .

25
R esum o das Idéias Principais:

• 0 an im ai é treinado. » a d a p ta ao meio e responde


a u n a is
• O hom em aprende, tran sfo rm a o meio, e tem um
com portam ento simbólico.
• A consciência hum ana, reflexiva, é função dos sím ­
bolos. d a linguagem .
• Todo processo de conhecim ento e aprendizagem h u ­
m anos sc dá sobre dois fatores a s vivências (o que
é sentido) e a s simbolizações (o que é pensado).
• A tudo o que sentim os, vivemos, procuram os d a r um
significado, através dos símbolos (p a la v ra s).
• Todo novo conceito nós o aprendem os a p a rtir de
nossas vivências,

26
A EDUCAÇÃO, NUM CONTEXTO CULTURAL

Foi com entado. n as pagin as anteriores, que o sig­


nificado dado pelo hom em à su a existência provém de
um Jogo en tre o sen tir (vivenciar) e o sim bolizar
«transform ar a s vivências em sím bolos). O u seja: o
m undo h um ano tem n a linguagem o seu in stru m en to
básico de ordenação e significação. Porém, tem os que
n o tar que a linguagem é um fenóm eno essencialm ente
social, produto n ão de um Indivíduo isolado, m as de
com unidades hum anas.

Desde o nosso nascim ento, a form a como devemos


ver e en ten d e r o m undo nos 6 en sin ad a pelos nossos
sem elhantes atrav és da linguagem . P a ra a criança,
"as coisas lhe vém vestidas em linguagem , não em sua
nudez física; e e sta vestim enta de com unicação a to rn a
p articip an te n a s crenças daqueles que a rodeiam ",
a n o ta Devrey, um educador norte-am ericano. Q uer d i­
zer: somos educados prim ordialm ente através do código
linguistico da com unidade em qu* estam os Somos le­
vados a com preenderm o-nos no m undo segundo os sig­
nificados dados por este código.
A p a rtir daí as significações que encontrarem os
p a ra nossa vida se desenvolvem em conform idade com
a m an eira de ser de nosso grupo social. N otem ainda
que, n a realidade, nossa "p o stu ra h u m a n a " é apren­
dida Aprendem os a ser h u m an i* : a perceber e a viven­
c ia r o m undo como hom ens, atrav és da com unidade.
Fora dc ura contexto social n ã o h á seres hum anos.

27
Este lato é fácilm ente evidenciável pelo relato de
estudiosos a respeito de algum as "erlanças-selvagens"
encontradas. T rata-sc de crianças que. sendo perdidas
ou abandonadas lias selvas em te n ra idade, foram 'adu
lados" e criadas por anim ais (T ar/an e Mowgli tém uní
fundo de realidade). Ao serem encontradas, já beirando
a adolescencia, bem pouco de hum ano havia nelas:
andar qxiadrúpede, dentes mais desenvolvidos, grunhir
e uivar eram suas características Trazidas ao convívio
dos hom ens pouco conseguiram aprender c logo mor­
reram , sucum bindo á sociedade. Elas haviam aprendido
a ser animais, e o m undo hum ano lhes e ra estranho
T om am o-nos hum anos, portanto, em decorrência
de um processo educativo cujo principal veiculo é a
linguagem Por ela aprendem os a ordenar o mundo
num a estru tu ra significativa e adquirimos as “verda­
des" da comunidade onde deveremos viver. T al pro­
cesso educacional prim ário — aprender a ser hum ano
é cham ado de socialização, por alguns autores A
criança é socializada: adquire um a linguagem e. com
ela, um a determ inada forma de falar, pensar e agir.
segundo a cultura onde está
O final do período anterior foi grifado porque p re ­
cisamos notar agora um fenômeno fundam ental. Dife­
rentes comunidades hum anas constituem culturas dis­
tintas, isto é, m aneiras diversas de falar, sentir, en ten ­
der e agir no mundo. Uma cu ltu ra significa um grupo
hum ano que apresenta características próprias em
su as construções e formulações: possuí uin determ ina­
do sistem a político, económico, crenças, língua, reli­
gião. arte, costumes, etc. Cada c u ltu ra apresenta um a
fisionomia particular, um "Jeito de ser" básico que é
com partilhado pelos seus membros.
Pode-se entào falar no “estilo de vida do chinés”,
no “modo britânico de ser”, no “am erican way of llfe’'

28
e no "Jeitlnho que o brasileiro sem pre dá". Quando fa­
zemos tais afirmações estamos notando que individuos
de diferentes cu ltu ras apresentam determ inados traços
peculiares eni su a forma de viver, que os diferenciam
um dos outros. Por esse motivo diz-se que todos nós
apresentam os um a determ inada personalidade cultu­
ral. ou seja, um conjunto de traços que são comuns a
todos os membros de nosso grupo cultural.
Assim, quando somos "socializados" — quando
aprendem os a ser hum anos — estamos tam bém ap ren ­
dendo o estilo de vida de nossa comunidade. Estamos
adquirindo nossa personalidade cultural Alguns au to ­
res cham am este mecanismo pelo qual somos iniciados
110 estilo de vida de nossa cultu ra de tmdoculturaçáo.
Endoculturaçào é, então, este processo pelo qual todos
nós passuxnoe, "Interiorizando” um estilo cultural de
viver.
Nas cu ltu ras cham adas "prim itivas” — nas tribos
indígenas, por exemplo — devemos n o tar que existe
um a certa unijom ndade na m aneira de ver o mundo.
Todos os seus membros participam Inteiram ente do
universo cultural, simbólico, que constitui a com uni­
dade. Quer dizer: há um saber comum a todos, que e
transm itido de geração a geração, indiscrim inadam en­
te Todos aprendem a caçar, a pescar, a construir suas
arm as, utensílios, vestim entas; todos aprendem seus
mitos, crenças, costumes, etc Todos são mestres de
todos. O aaber è transm itido indistintam ente, através
da própria vida do dia-a-dia.
Já em nosso mundo dito • civilizado” essa unifor­
midade cultural não existe. D entro de um a cu ltu ra
encontram os grupos distintos, que apresentam formas
diferentes (e. às vezes, conflitantes) de viver. São as
chamadas sub-culturas. Podemos considerar, num a
dada cultura, diversas m aneiras de se identificar suas

29
su b -cu ltu ras Por exemplo: era term os geográficos, e tá ­
rios, econômicos, etc.
Vejamos o Brasil. Em term os geográficos podemos
considerar o gaúcho, o carioca c o nordestino como p e r­
tencentes a su b -cu ltu ras diferentes; isto é: todos sáo
brasileiros (possuem traços co m u n s), m as apresentair.
características próprias de viver. Em term os etários, po
deríam os falar na "visão de m undo dos jovens", n a “dos
adultos", "dos velhos", etc E em term os económicos
— como m uito bem apontou M arx — dividiríam os
nossa sociedade em classes a lta, m édia e proletariado.
Esta divisão sócio-cconómica já gerou, inclusive, te r­
m os como: "c u ltu ra de elite" e “c u ltu ra popular” (ou
"c u ltu ra de m assas").
Estam os fazendo esta com paração e n tre as c u ltu ­
ras "prim itivas" e as '•civilizadas” p ara que com preen­
dam os m elhor o processo educacional, que evolui desde
a transm issão direta do saber, e n tre os prim itivos, até
a criação das escolas, e n tre os civilizados
Como foi assinalado, nas c u ltu ra s p rim itivas to ­
dos p articip am de seu universo de sab er: o acesso ao
conhecim ento é franqueado a todos; cada um tem co n ­
sigo a h eran ça cu ltu ral da tribo e a tra n sm ite às novas
gerações. Essa transm issão se dá. n a grande m aioria
d as vezes, de m aneira “inform al", Isto é, no contato
diário e vivencial e n tre adultos e crianças. Aprende-se
com a experiência Se recordarm os o que foi d ito no
capitulo an terio r — que som ente ocorre a ap ren d iza­
gem quando os conceitos e símbolos ensinados se refe­
rem à experiências vividas — notam os que e n tre os
prim itivos o proccsso dc aprendizagem é fluente e n a ­
tu ral “Vivendo e aprendendo", a fam osa m áxim a, ap li­
ca-se perfeitam ente ao caso.
Contudo, no decorrer do processo civilizatório ope­
raram -se profundas e radicais transform ações. O co-

30
nhecunento foi se am pliando e n a sociedade ocorreram
divisões e n tre grupos de indivíduos. T ais divisões —
fu n d am en talm en te econômicas, baseadas n a proprie­
dade privada — im plicaram tam bém n u m a divisão so­
cial do saber. H avia que se c ria r especialistas, pessoas
que dom inassem um determ inado ram o do conheci­
m ento (médicos, artistas, m arceneiros, ferreiros, etc.),
a trav é s do qual ganhassem a vida. A sociedade foi se
d iridindo em castas e classes, e o saber sendo repartido
e n tre elas — de form a desigual, é claro.
Neste processo surgiu então a fig u ra d a escola, como
um local onde são tran sm itid as às novas gerações um
d eterm inado conhecim ento básico — o dom ínio dos
símbolos gráficos, prim ordialm ente — que as h ab ilita s­
sem a m elhorar seu desem penho no m ercado de tra b a ­
lho. De início o acesso à s instituições escolares foi bas­
ta n te restrito às classes altas, à s classes dom inantes, já
que o trab alh o exercido pelas classes su b a lte rn a s neces­
sitavam apenas um “conhecim ento prático'* do ofício.
Lavradores, ferreiros, m arceneiros, pedreiros, etc.,
tra n sm itiam d iretam en te a seus filhos ou aprendizes o
seu saber. Ler e escrever, e o conseqüente dom ínio “teó­
rico" sobre o m undo, era privilégio d as classes dom i­
n antes. O bserva-se Já n este ponto a separação en tre o
p ensar e o fazer, e n tre aqueles que têm idéias e aqueles
que a s executam .
Todavia, com a Revolução In d u stria l, foi necessário
q u e a escola fosse franqueada cada vez m ais tam bém às
classes subalternas. Isso porqu e a criação de técnicas
m ais sofisticadas de produção in d u strial exigia um
m aior conhecim ento por p a rte dos trabalhadores, a fim
de que seu desem penho se otim izasse n a s indústrias.
Ler e escrever torna-se e n tão um fator d eterm in an te
p ara o m anuseio de m áquinas m ais sofisticadas e p a ra
m elhor enquadram ento n a s m odernas organizações.

31
P rincipalm ente p a ra a elasse m édia que começava
a se co n stitu ir, ocupando as posições in term e d iá ria s no
com ércio e n as atividades burocráticas, a escola é um
fato r b a sta n te im p o rtan te em su a form ação.
É claro que este quadro tra ç ad o nos p arág rafo s a n ­
teriores è b a sta n te esquem ático e sim plificado, pois não
se pode p retender levantar aqui a h istó ria d a educação r
do su rg im en to d as instituiçõ es escolares In teressa-n o s
ap e n as verificar agora algum as cara c te rístic a s p rin c i­
pais da escola em nossos tem pus, especialm ente d a ¿aco­
la brasileira.
Em prim eiro lu g ar é preciso n o ta r que hoje. m ais
do que n u n ca, o volum e do co nhecim ento h u m a n o é
enorm e e alta m e n te setorializado e especialuwdo. Com
o advento d a ciência. que é b a sta n te recente (cerca de
350 ano s} . houve que se dividir o m u n d o e a vida em
áreas d istin ta s, p a ia um m aior dom ínio e um conheci­
m ento m ais acurado. Assim é q u e su rg ira m (e a cada
dia surgem o u tra s novas) especializações, com o: a bio­
logia, a física, a quím ica, a economia, a socioloRia, a
psicologia, etc. A n atu reza, o hom em e a sociedade fo­
ram rep artid o s em fatias, e cada especialista se ocupa
d e um a delas.
A ciência tornou-se a pedra fu n d am en tal no ed ifí­
cio do saber e do ag ir hu m an o s e sobre este conheci­
m ento cientifico repousam os nossos critério s dc "v erd a­
de". A verdade cien tífica ocupa hoje o lu g ar ocupado
pela verdade teológica na Idade Média; cm geral se
a cred ita ap en as nos fatos cien tifica m en te comprovados,
relegando-se o u tra s form as do conhecim ento (a rte . filo­
so fia; a um plano inferior. A racionalidade, o "saber
objetivo", tornou-se o valor básico da m oderna socie­
dade.
N ada m ais n a tu ra l, p o rtan to , que a s escolas 3e
o rientassem no sentido do conhecim ento objetivo, ra-

32
cionaJ. da vida. De certa form a, a escola se dirig e a tu a l­
m en te à tran sm issão de conhecim entos tidos como
"u n iv ersais”, istu é, válidos p a ra q u alq u er indivíduo em
q u alq u er p a rte do m undo A escola tem com o função a
com unicação d e fórm ulas cientificas que, espera-se, h a ­
bilitem o su jeito a conhecer racionalm ente o m u n d o e
a nele o p erar produtivam ente
Em certo sentido estam os vivendo u m a civilização
racionalista, onde se p reten d e se p ara r a razão dos sen ­
tim en to s e emoções, encontrand o -se n a p rim eira o valor
m áxim o d a vida. Ocorre que es ta separação é ilusória
Como assinalam os no cap ítu lo an terio r, é som ente a
p a rtir d as vivências, do se n tim e n to das situações, que o
pen sam ento racional pode se d ar. O p en sam en to busca
sem pre tra n sfo rm a r a s experiências em palavras, em
sím bolos que a s signifiquem e representem . A razão é
u m a operação posterior à vivência (aos se n tim en to s).
V ivenciar (s e n tir) e pensar estã o indissoluvelm ente li­
gados. C om enta Hollo May, um psicólogo n o rte-am en -
cano:
"M as su rg iu u m a nova m u d a n ça no século X IX .
Psicologicam ente a razão’ foi sep arad a d a emoção' e
d a 'vontade'. P a ra o hom em de fins do século X IX e
princípios do X X a razão respondia a q u alq u er proble­
ma. a força de vontad e o resolvia e a s em o ç õ e s.. . bem.
e sta s em geral a trap alh av am e o m elhor era recalcá-las.
Vemos e n tão a ra z io (tra n sfo rm a d a em racionalização
in te le ctu alista) ao serviço d a co m p artim en tallzação da
perso nalidade. . Q uando ãpinoza, n o século X VII, em ­
pregou a p a la v ra ra 2 ão referia-se a u m a a titu d e em
relação ã vida, n a qual a m en te u n ia a s emoções as
finalidades éticas e ou tro s asp ecto s do ‘hom em to ta l'.
Ao u sa r hoje esse term o, quase sem pre se deixa im p lí­
c ita u m a cisão d a personalidade.'1 (O Homem, à Procura
d e S t Mesmo. Petrópolis, Vozes, 1973, p 42.)

33
Assim, em nosso a m b ie n te escolar, essa sep aração
razão-cm oção é n ão só m a n tid a com o estim ulada.
D entro dc seus m uros o a lu n o deve p e n e tra r desplndo-
»e de to d a e q u alq u er em otividade. S u a vida. su as expe­
riências pessoais, não contam . Ele ali está ap e n a s p a ra
a d q u irir conhecim entos", sendo que “a d q u irir conheci­
m entos" n este caso, significa tão -so m en te "decorar'
fórm ulas e m ais fórm ulas, teorias c m ais teorias, q u e '
estão d is ta n te s de su a vida c o tid ia n a Por isso, pouca
ap rendizagem realm en te ocorre em nossas escolas: so ­
m ente se ap ren d e q u ando sc p a rte d as experiências viv i­
das e sobre elas se desenvolve a ap licaçao de sím bolos c
conceitos q u e a s clarifiquem .
A escola, por conseguinte, in icia-n o s desde cedo n as
técnicas do e sq u arteja m en to m en tal, sep aran d o razão
e sentim en tos. Isto é com preensível segundo a lógica
que rege a m oderna sociedade In d u s tria l: os Individuos
devem p roduzir t n u m esquem a racio n alista, sem deixar
a s emoções e valores pessoais in te r ferirem n o processo
E p a ra esta sociedade tam bém não in te re ssa a
e x istência de pessoas com u m a visão geral, do todo da
vida Pelo c o n trário : in teressam indivíduos com u m a
visão c ad a vez m ais seto rializad a. especializada, do
m undo. O m édico só en ten d e de m edicina, o econom ista
de econom ia, o psicólogo de psicologia e assim p o r d ia n ­
te. E m ais: d en tro d a m edicina, por exemplo, crlam -se
a in d a m ais especialização, fracio n an d o o organism o
h u m a n o - - o cardiologista ve ap e n as o coração, se p a ra ­
do do re s to do organism o, o o ftalm o lo g ista os olhos, o
d erm atologista a pele. etc.
O q u e acontece n a a c u ltu ra s p rim itiv a s — u m a
visão to ta l e a b ra n g e n te do co n hecim ento a li produ
zido pelos individuos — perde-se irrem ediavelm ente em
nossa civilização F a lta à s pessoas u m a visão c u ltu ra l
do todo em que vivem. C ada u ra possui conhecim entos

34
parciais, desconexas, sem u m a visão de m undo que us
in tegrem n u m todo significativo. Hoje u ra hom em pode
tra b a lh a r n u m a fáb rica de a rm as, ser m em bro de u m a
sociedade de defesa d a ecologia, lr a teatro s e ser um
d efensor in tra n sig e n te da c en su ra, como se ta is ativ i­
dades n ã o fossem co n tra d itó ria s e n tre si H á u m a esqui­
zofrenia (em grego lite ra lm e n te = m en te dividida) la ­
te n te n a o rganização de nosso m undo.
N estes term os, a escola su rg e p a ra pro d u zir mão-
de-obra p a ra o m undo m oderno. Se este m u n d o está
íracionado, q u e se eduque os individuos fracionada-
m ente. Que se en cam in h e desde cedo o cid ad ão p ara
u m a visão p arcial d a realidade. Q ue se sep are a razão
d a emoção.
Convém tam b ém observar-se q u e a visão tra n sm i­
tid a pela escola é sem pre a visão d e te rm in a d a pelas
classes dom inantes. Não in teressa q u e a s pessoas elabo­
rem a sua visão de m undo, a p a r tir da realid ad e con­
c re ta onde vivem Im p o rta, sim , a padrnniz&çáo do
pensar, segundo os d itam es da lógica de p ro d u ção in ­
d u strial. Todos devem ver o m u n d o da m a n e ira como
querem os d o m inantes, p a ra que a a tu a l situ a ç ã o se
m a n te n h a in a lte ra d a . Se c ad a u m com eçasse a fo rm u ­
la r o seu p en sam en to de acordo com a s u a situ ação
existencial pode ser que descobrisse d e te rm in a d a s ver­
d ad es q u e o fizessem lu ta r pela alte ra ç ã o d e sta situ a ç ão
D ai o desinteresse da escola pela situ a ç ã o de cada
um e a im posição de conceitos desvinculados de s itu a ­
ções vividas. A prende-se que " a fam ília é a unid ad e
h arm ó n ica d a sociedade”, m esm o que a no ssa esteja
vivendo em to ta l d esarm on ia. A prende-se que “o indio
« o negro são raças im p o rta n te s e d e te rm in a n te s n a
form ação do brasileiro", m esm o que a tu a lm e n te eles
estejam sendo dizim ados e discrim inados. O u ain d a,
aprende-se q u e “nos to rn am o s in d ep en d e n tes como Na-

35
çào em 1822", m esm o que a tu a lm e n te nossa econom ia
e steja to ta lm e n te a tre la d a e depen d en te das g ran d es
potências. A lista de " m e n tira s ob jetiv as" fornecidas
pela escola é in fin d á v e l.. .
A educação, que deveria sig n ificar o auxílio aos in ­
divíduos p a ra que pensem sobre a vida que levam , que
deveria p e rm itir u m a visão do todo c u ltu ra l onde estão,
se d e sv irtu a n a s escolas Im põe-se u m a visão de m u n d o
e tran sm ite-se conhecim en to s desvinculados d as expe­
riências de vida. Em su m a : p rcp o ram -se pessoas p a ra
e x ecu tar u m tra b a lh o parcializado e mecânico, no con­
texto social, pessoas que se preocupem ap en as com o
seu tra b a lh o (com o seu lu c ro ), sem percebcr com o ele
se liga a todos os o u tro s no in te rio r da sociedade. No
fundo isto se c o n stitu i m ais n u m a d estra m en to do que
n u m a educação. Ê bom que se recorde aq u i a fam osa
frase do escritor irlan d ês G eorges B ern ard Shaw
"M in h a educação só foi in terro m p id a nos anos em que
freq ü en tei a escola"
R esu m o das Idéias P rincipais.
• Nossa p o stu ra h u m a n a é ap re n d id a a tra s e s d a socia­
lização. que se dá b a slca m e n tr pela linguagem .
• A dquirim os desde cedo u m a personalidade c u ltu ra l,
que é a m an eira com o a c u ltu ra onde estam os vê.
sente e in te rp re ta o m undo.
• Nas c u ltu ra s p rim itiv as a educação se dá com a expe
riência.
• No m undo civilizado e in d u stria l sep aram -se a s em o­
ções e a s experiências d a n u a o e do pensam ento.
• A escola m antém e estim u la e sta separação, pois su a
finalidade é p re p a ra r m ão-de-obra p ara a sociedade
in d u strial.
• A escola tra n sm ite conceitos desvinculados d a vida
co n creta dos educandos, im pondo a visão de m undo
d as classes d o m in an tes

36
LINGUAGEM E ARTE

R etom em os o que foi d ito com relação à c u ltu ra O


hom em sem pre se agrupou, com o form a de sobreviver.
Em co n ju n to c ra m ais íáctl re sistir à s forças d a n a tu ­
reza. e a s ações poderiam se d a r de m a n eira cooperativa.
A linguagem , d ando-lhe a consciência reflexiva, possi­
bilitou tam bém a conjugação d a s atividades. n o esforço
de tra n sfo rm a r o m undo. D esenvolveram -se e n tão cu l­
tu ra s diversas a p a rtir de com o cad a ag ru p a m e n to
h u m an o in terpretava a realidade e a tra n sfo rm a v a se­
gundo su a s necessidades. C ada c u ltu ra a p re se n ta , pois,
u m a m an eira sua. peculiar, de se n tir o m ur.do e de
nele a tu a r. C ada c u ltu ra tem su a s construções p ró p rias:
su a alim entação , seus costum es, su a religião, a rq u ite ­
tu ra , política, valores, etc.
Um fenóm eno com um a to d as as c u ltu ra s — desde
us m ais ‘p rim itiv as” ã s m ais "civilizadas", desde as
tnals a n tig a s às m ais a tu a is — é a arte. A a r te do h o ­
mem pré-histórico, inclusive, é tu d o o que resto u , in te ­
g ralm ente, desses nossos antepassados. Q u alq u er c u ltu ­
ra sem pre produziu arte, seja em su a s form as m ais
simples, como en fe ita r o corpo com tin tu r a s seja nas
form as m ais sofisticadas, com o o cin em a em terceira
dim ensão, n a nossa civilização. A a rte nos aco m p a n h a
desde a s cavernas
J á que notam os e sta p e rm an ên cia d a a rte n a vida
lium ana. convém que a analisem os em su a s lin h a s
gerais. O u s e j a : vam os p ro cu ra r en te n d ê -la sob o ponto

37
de vista de su a estrutura e de su a Junção, p a ra o homem
Ê provável que nos seus prim ordios a a rte esteve ligada
à s m anifestações religiosas d as tribos prim itivas. A m ­
bas — a rte e religião — c o n stitu ía m u m todo indivisí­
vel. que só posteriorm ente foi p artid o em dois fenóm e­
nos distintos. O esforço h u m a n o p a ra o rd en ar e d a r um
sentido ao universo encontrou n e sta "a rte -m a g ia "
prim itiva um poderoso meio de ação. A través dela a
im aginação h u m a n a podia se to rn a r concreta; isto é:
a capacidade original do cerebro de pro d u zir im agens
se aperfeiçoava, por tra n sfo rm a r ta is im agens em ações
e produtos gravados no m undo.
S u san n e L anger, urna estudiosa n o rte-am erican a,
a firm a a ín d a que e sta im aginação p rim itiv a esta
produção de im agens m en ta is foi o prim eiro passo
n a criação não só da a rte , m as tam b ém d a linguagem .
Isto é com preensível n a m edida cm que se percebe que,
ao evocar im agens m en tais daquilo que h av ia visto, o
hom em d as cavernas estava, de c erta form a, represen­
tando-as. Im aginem os: o hom em vé o bisão n a selva,
e depois, n a caverna, a im agem deste bisão lhe vem à
m ente. Com isto ele rep resen ta, p a ra si próprio, o a n i­
m al a u sen te de seu cam po de visão, n o m om ento Ao
inscrever tal im agem n a ro ch a e ao associar-lhe u m
d eterm inado som fonético, ele passa a c o n stru ir sím ­
bolos, ou seja, d eterm inado s sinais que lhe perm item
significar o objeto au sente. E claro que a s coisas não
devem te r se passado com esta sim plicidade, mesmo
porque o u tro s fato res eram in terv en ien tes n a situação.
Mas aceitem os tal descrição como um m odelo sim p lifi­
cado d a s origens do com portam en to simbólico h u m a n o
A nteriorm ente já havíam os assin alad o que o com ­
p o rtam en to h u m an o é simbólico; q u e a tra v é s (p rin c i­
palm ente) d a palavra o hom em c ria os seus valores e
significações, em prestando um sentido à vida Convém

¿8
a g o ra que nos deten h am o s u m pouco n a linguagem
h u m a n a , p a ra que possam os e n ten d e r m ais precisa­
m ente o significado d a a rte no m u n d o a tu al.
Nossa linguagem é um código simbólico. Isto q uer
dizer que a s p alavras (sím bolos) são convencionadas
p a ra tra n s m itir um determ in ad o significado. A lingua­
gem é produto de u m a conirenção e n tre os hom ens, a
fim de que seus sím bolos g u ard em u m m esm o sentido
p a ra todos que a em pregam . P o r exem plo: n a lingua
p o rtu g u esa existe um acordo p a ra que a s seguintes le­
tra s. n e sta ordem , CASA, signifiquem um determ in ad o
tipo de m oradia; em inglés, p a ra o m esm o objeto, se
convencionou a palav ra HOUSE, e asslm por diante.
C ontudo, a linguagem n ão é u m a sim ples lista dos
objetos do m undo, um sim ples a g ru p a m e n to de sím bo­
los que represen tem a s coisas ex isten tes. Se asslm
losse. a q u ais objetos corresponderiam p alav ras como:
isto. aquilo, porém, antes, todavia, agora, vida, sem e­
lh an te? A linguagem é m ais que u m in v en tário das
coisas: é u m in stru m e n to de o rd en ação da vida h u m an a ,
n u m contexto espácio-tem poral. P o r ela o hom em o rg a­
niza a s su a s percepções, classificando e relacionando
eventos Por ela o hom em coloca ordem n u m a m o n to a­
do de estím ulos (sonoros, lum inosos, táteis, etc .), de
form a a c o n stru ir um todo significativo.
A través d a linguagem o hom em relacio n a seu ev.
com os eventos do m undo Com ela. ta is eventos sáo
classificados em "classes g erais'’ (co n ceito s), e a d q u i­
rem u m a significação (u m valor) p a ra a existência
F eito um carretel, nossa vida sc desenrola, do n as­
cim ento à m orte, n u m fio contínuo. H á u m fluxo vital
in in terru p to , um ex perienclar co n stan te, que perpassa
nossa existencia Sobre este co n tín u o de nossas expe­
riências é que advém a s palavras, recortando-o em "fa­
tias", cristalizando-o em m om entos, significando-o,

39
e n llm . Recordem a ex periên cia d a m o n ta n h a -ru ssa , no
c a p itu lo sobre A prendizagem p e n sa r nela. o in d i­
víduo divide aquilo que foi u m vivenciar c o n tín u o , em
m om entos d istin to s: aquele em q u e o estôm ago lhe
pareceu su b ir c descer, aquele em que a cabeça rodo­
piou, aquele em q u e a ex p rién eia p arecia n ão m ais
a cab ar, etc.
As p a lav ras são um "resu m o fra g m e n ta d o " do
nosso sen tir c o n sta n te E las p ro c u ra m sem p re to m a r
este s e n tir e sim bolizá-lo. B uscam sig n ificá-lo e ex p ri­
mi-lo.
J á que falam os em exp rim ir, convém e n tão tr a ç a r ­
m os u m a p equen a d istin çã o e n tre dois conceitos b a s ta n ­
te usados o de com unicação e o de expressão. C o m u n i­
c a r significa p rim o rd ialm en te tra n s m itir conceitos o
m ais exp licita m en te possível, com u m m ín im o de am b i­
guidades e conotações. O recep to r d a m ensagem deve
com preender o significado explicito q u e o em issor deseja
c o m u n icar Se digo, por exem plo, “a m a n g a está e s tra ­
g ad a", posso g e ra r u m a dú v id a, u m a am b ig ü id ad e, no
ouvinte: será u m a fru ta ou a p a rte de u m a v estim en ta
que se estrag o u ? Devo dizer “ a m a n g a d a cam isa está
e stra g a d a ”, p a ra que a com u n icação se dê n u m nível
ótim o. C om unicar se refere b asicam en te à tran sm issã o
de significados explícitos, reduzindo a u m m ín im o as
conotações.
Q u an to à expressão, e sta diz resp eito à m a n ifesta ­
ção de se n tim e n to s (a tra v é s de d ife re n te s sin a is ou
signos). N a expressão n ã o se tra n sm ite u m significado
explícito, m as se indicam sensações e sen tim en to s. A
expressão é a m b íg u a e d ep en d e de u m a m aio r in te r­
pretação daquele que a percebe Por exem plo: o choro
e xp rim e triste z a ; ele exprim e, m as não significa tris te ­
za, pois pode-se c h o ra r tam b ém de alegria. S e vejo
alguém chorando, o sen tid o expresso p o r este choro

40
(aleg ría, tristeza, dor. etc.) vai d ep en d er d a in te rp re ­
ta ç ã o q u e faço d aq u ela situ a ç ã o Na expressão h á sem ­
p re um m aior g rau d e am b ig u id ad e
Ê claro q u e co m unicação e expressão não são dois
íenóm enos estan q u es, separados. T o d a com unicação
ca rreg a em si u m a expressão, e vice-vcrsa Q u an d o se co­
m u n ica algo. tam b ém se exp ressam certo s se n tim en to s
U sar d eterm in ad as p alav ras e n ão o u tras, c o n stru ir as
frases d esta ou d aq u ela form a, fa la r com u m a ou o u tra
e n to n aç ão de voz, tu d o isto m o d u la nossa com unicação
com d e term in ad o s sen tim en to s. O ato r, por exemplo,
n ão deve a p e n a s “d izer'’ a s su a s falas, m as deve colocar
n elas u m a c a rg a de expressão re fe re n te aos sen tim en to s
do personagem q u e in te rp re ta .
In v ersam en te, n a expressão tam b ém são -n o s co­
m un icad os d eterm in ad o s fato s ou eventos. Um bebé
chora, por exem plo, exprim in d o seu estad o de despra-
¿er. No q u a rto ao lado su a m ãe o escu ta, e é in fo rm a d a
que ele necessita de seu s cu id ad o s Aqui houve tam b ém
a m a com unicação A m ãe, todavia, te r á q u e in te rp re ­
ta r o choro p a ra sab er-lh e as cau sas, e este é o lado
expressivo d a m ensagem enviada. Assim, com unicação
e expressão são os dois extrem o s n u m co n tín u o , onde
se dá o in te r-rc la c io n a m e n to h u m a n o .
R etom em os o período onde foi d ito que a s p a lav ras
b u scam sem pre sig n ificar e e x p rim ir o nosso sen tir. Ê
necessário q u e se clarifiq u e m ais este “sen tir* .
Como assin alad o an terio rm e n te , o processo do co­
nh ecim en to h u m a n o com preende um jogo e n tre o
v ¡v e n d a r e o sim bolizar (a s v iv ên cias> E n tre o que
é senítdo e o q u e é pensado. C ham o de se n tir, ai a
nossa uproensão p rim e ira d a situ a ç ã o em q u e estam os.
A nossa “p rim eira im pressão” d a s coisas. P o rq u e a
colocação h u m a n a no m u n d o é. p rim eiram en te, emo­
cional, sensitiva; a razão (o p e n sa m e n to ) é u m a ope­

41
ração m e n ta l posterior. O m u n d o (e a no ssa situ ação
n ele) n u n c a è percebido de fo rm a “n e u tr a ', "o b je tiv a ',
‘ lógica", m as sim . em ocional. In ic ia lm e n te sen tim o s,
depois elaboram os racio n a lm en te os nossos se n ti­
m entos.
Segundo J o h n Dewey, 'e m p iric a m e n te a s coisas
são com oventes, trág icas, belas, côm icas, estabelecidas,
p e rtu rb a d a s, confortáveis, d esag rad áv eis, cru a s, rudes,
consoladoras, espléndidas, a te rro riz a n te s ". (C itad o por
R ubem Alves. "N otas In tro d u tó ria s Sobre a L in g u a ­
gem ", R eflexão. 4. (13 .31) ) P orque u h om em n u n c a a t
vè com o aco n tecim en to s objetivos, e sim com o prom es­
sa s ou am ea ças à sua. existência
O se n tim e n to é. p o r co n seg u in te, a form a p rim ei­
ra , d ireta, n ão elab o rad a, de a p re e n sã o do m undo.
U sarem os, pois. este term o em su a accpçào m ais
am pla, q u e com preende: 1) A sen sação m ais geral de
no ssa condição, física o u m e n ta l (p o r exem plo: q u a n d o
dizem os q u e estam os nos sen tin d o bem ou m a l); 2)
Sensações físicas específicas (p o r exem plo: s e n tir um
braço d o rm e n te ); 3) S ensibilidade (p o r exem plo: ferir
os se n tim e n to s de a lg u é m ); 4) E m oção (p o r exem plo,
sen tir-se tr is t e ) ; 5) A titu te s em ocionais em relação a
algo (p o r exem plo: se n tir m edo de v ia ja r de a v ião ).
A linguagem p ro c u ra sem p re c a p ta r os nossos sen
tím en lo s, significando-os e classifican d o -o s em c o n ­
ceitos. P orém , feito a p a n h a r um p u n h a d o de axeia,
sem pre lhe escapa algo por e n tre os dedos. A lin g u a ­
gem , q u e é co n ceitu ai e elassifleató ría. a p e n a s a p o n ta e
classifica este se n tir, sem , c o n tu d o , p od er descrevê-lo.
E la a p o n ta o seu isso”, send o im p o te n te p a ra n o s m os­
tr a r o seu ' com o'. Posso n o m ear o q u e sin to : aleg ria
M as, com o m o s tra r em q u ê e com a e s ta m in h a alegria
é d ife re n te d a q u e se n ti ontem ? Como c o m p a ra r a m i­
n h a a le g ria a su a? Como riescrevè-la?

42
F re q ü e n te m e n te nos valem os de m e táfo ras, de
fig u ras de lin g u ag em , p a ra d a r um a idéia don se n ti­
m en to s Q uan d o se vai ao m édico, por exem plo, é algo
difícil responder-lhe como é a d o r q u e estam o s se n tin ­
do. E nos u tilizam o s e n tã o d as "im agens*: "à u m a dor
q u e com eça fin a, com o u n ia a g u lh a d a , e depois vai se
esp alh an d o feito o n d a s '
P o rta n to , a linguagem nom eia, classiiica os se n ti­
m en to s em cate g o rias gerais (a leg ria , tristez a , raiva,
te rn u ra , com paixão e tc .), m a s n ã o os descreve. Não
os m o stra em seu desenvolvim ento, em seu desen ro lar.
C hegam os, fin alm en te, n a p o rta de e n tr a d a p a ra
o m u n d o d a a r te
Se os sím bolos lingüístico s são incapazes d e nos
a p re s e n ta r in te g ra lm e n te os sen tim e n to s, a a r t e surge
com o u m a te n ta tiv a de fazé-lo. A a rte é algo assim
com o a te n ta tiv a d e se tir a r u m in s ta n tá n e o (lo sen tir.
M ais do q u e u m in s ta n tá n e o : u m filme, q u e p ro cu ra
cap tá -lo em seus m ovim entos e variações Dt? acordo
com S u sa n n e L an g er, ‘a a rte è a criação de fo rm a s per­
cep tivas expressivas do se n tim e n to h u m a n o '. <Ensaios
Filosóficos. São Paulo. C u ltrlx . 1971. p. 82.) V am os a c la ­
r a r e sta definição
A a rte é sem pre a criação de u m a fo rm a . T o d a a rte
se d á atrav ¿3 de form as, sejam elas e stá tic a s ou d in â ­
m icas Como exem plo de fo rm as e stá tic a s tem o s: o
d esenho, a p in tu ra , a e sc u ltu ra , etc. E com o exem plo
d e d in ám icas: a d an ç a (o corpo descreve form as n o
e sp aço ), a m ú sica (a s n o ta s com põem fo rm as sono­
r a s ) , o cinem a, etc. N as a rte s "d in âm icas" a s fo rm as
se desenvolvem «o tem po, ao c o n trá rio d a s “e s tá tic a s ',
c u jo s fo rm as n ão variam tem p o ralm en te.
T a is form as, em q u e sc a p re s e n ta a a rte , c o n sti­
tu em m a n e ira s de se exp rim ir os sen tim e n to s. L em bre
m o-nos d a d istin ç ã o feita a n te rio rm e n te , e n tre comu-

43
nicaç&o e expressão. Pois bem : a a rte não p rocura
tra n sm itir significados conceituais, raas d a r expressão
ao sentir. E d a r expressão de m an eira diversa da de
um grito, de um gesto, de uin choro P orque a expressáo
n ela está form alm ente estabelecida, isto é. está con*
cretizada, lavrada, n u m a fo rm a h arm ô n ica Assim, a
a r te concretiza os sen tim en to s n u m a form a, de m a ­
n eira que possam os percebé-los As fo rm as da a rle como
que 're p re s e n ta m ' os sen tim en to s h u m a n o s

C ontudo, pode-se se r te n ta d o a co n sid erar a a rte


como ura sím bolo idéntico aos sím bolos lingüísticos
Sc as p alav ras significam coisas c eventos, por que nõo
se pen sar que a a rte sig n ifiq u e os sen tim en to s? Por que
não se p e n sa r n a a rte com o u m a form a de linguagem ,
que tra n sm ita significados (o que é. a liás, u m a crença
u s u a l)? E sta é um a m a n eira errô n ea d e se pensar na
a rte , pois e la n ão é u uia linguagem : n ão tra n sm ite
significados conceituais. A rte não é lin g u a g em , pelo
se g u in te m otivo p rin cip al:

Porque suas form as n ão podem ser consideradas


sim bolos, com o são a s p a lav ras A p a la v ra é um sím bo­
lo convencionado p a ra sig n ificar um conceito, u m a
idéia, u m a coisa, ou u m a relação. A p alav ra p o rtu g u e ­
sa CAO, por exemplo, significa u m a d ete rm in a d a
espécie de an im ai. E ste conceito pode. inclusive, ser
com unicado atrav és de sím bolos diversos, em lín g u as
d iferen tes 'cach o rro ", ‘dog*, "perro", * c h ie n \ etc. O
significado dos sím bolos lin g ü ístico s reside fora deles;
a s palavras sao um m eio. p a ra a eom unicaçáo de
conceitos Escr«*vendo CAO (em m aiú scu las) ou cao
(em m in ú sc u la s), m u d a a form a do sím bolo, m as ta l
a lteração n ão in terfe re no significado, no conceito que
ele tra n sm ite : em am bos as raso s o significado é o
m esm o

44
N a a rte , por o u tro lado, n áo h á convenções explí­
c itam en te form uladas As fo rm as d a a rte n áo são p ro ­
p riam en te sím bolos convencionais. O sen tid o expresso
por urna obra de a r te reside nela m esm a, e n áo lora,
com o se ela fasse a p e n a s um su p o rte p a ra tra n sp o rta r
um significado determ inado. Não se pode, por exemplo,
tra d u z ir u m a o b ra de a rte em o u tra, e n co n tran d o -lh e
' sinónim os’, com o se faz com a linguagem . Náo se pode
‘ tra d u z ir’ u m a sinfonia em u m quad ro ; nem mesmo
“traduzir" u m a sinfonia em o u tra , como se buscásse­
mos um 's in ó n im o ' p a ra a prim eira. Isto porque o
sen tid o da a r te reside em su as form as, que, se forem
a lterad as, im plicam , conseqüentem ente, n u m a a lte ra
çáo do seu sentido.

R ubem Alvea co n ta (e m C onversas Com Q uem


Gosta de E nsinar - S. Paulo. C ortez - A utores Associa­
dos, 1981, p. 56.) um caso ocorrido com B eethoven, que
ilu stra este fato. Após ex e c u ta r u m a peça sua. n u m a
reunião social, o com positor foi ab o rd ad o por u m a se­
n h o ra, q u e lhe in q u iriu : “o q u e o sr. quis dizer com esta
m úsica"? Ao q u e ele respondeu: 'isto", e sen to u -se uu
piano, ex ecu tan d o a obra n o vam ente O u seja. o se n ­
tido de u m a o b ra de a rte reside n ela m esm a, não
pudendo se r ‘dito" de o u tr a form a. A p e rg u n ta m ais
inconveniente que se pode fazer a u m a rtis ta é: *o que
você q u er dl 2 or com o seu tra b a lh o ? O ra, se o sentido
que ele busca expressar pudesse ser dito , ele o faria
atrav és d a linguagem , que e o meio por excelência p a ra
a com untcação conceituai.

O a rtis ta íiáo dxz (u m significado c o n c e itu a i); o


a rtis ta m ostra (os sen tim en to s, a tra v é s de fo rm as h a r­
m ó n icas). O a r tis ta p ro cu ra co n cretizar, n a s form as,
aquilo que é inefável, inexprim ível pela linguagem
conceituai.

45
P o rtan to , a a rte não é um símbolo verdadeiro,
como o são 0 8 lingüísticos. Ela é q u a se u m símbolo, já
que Stm&olUM a p e n a s e iã o s o m e n te os s e n tim r n to s que
existem nela pró p ria :P or isso. ao referirm o-nos à
a rte como um Símbolo, grafarem os a inicial em m aiús
cuia, p a ra diferenciá-la de um símbolo verdadeiro )
Q uando se pensa no que dissemos, com relação ¿
obras 'a b stra ta s " (n a p in tu ra ), ou mesmo com rela ­
ção à m úsica, isto torna-se m ais facilm en te com preen­
sível. Porém , a afirm ação é verdadeira mesmo para
aquelas ob ras com um tem a, com um assu n to d eterm i­
nado. Por exemplo: pense-se n a s m u la ta s p in tad as por
Di C avalcanti. O p in to r náo eBtã querendo com unicar
um concelta, um fato: existem m u latas. Ele está. sim,
exprim indo sen h m en to s em relação às m u latas. Ele as
está oferecendo, n u m a d eterm in ad a fo rm a , p a ra que
a s percebam os ao nível dos sentim entos. e não ao nível
da com preensão lógica, racional. linguística. Ele quer
que as ahitarnos, e não que pensem os nelas «.como um
conceito).
A a rte . então, não está regida por reg ras e conven­
ções rígidas, explícitam ente form uladas, como a lin g u a­
gem. Se a arte. de c e rta form a. Sim boliza sentim entos,
ela o faz de m aneira diversa da simbolização lin g u is­
tica: cia Simboliza apenas r tão-som ente os sen tim e n ­
tos que existem nela própria, en g astad o s em su as
form as. Ela n áo nos rem ete a significados conceituais
m as a sentidos do m undo dos sentim entos
Seus próprios 'elem en to s c o n stitu in te s' não são
elem entos discretos, que guardem em si qualquer
significação. As n o ta s m usicais Isoladas, por exemplo,
não tém sentido algum Som ente q u ando a rra n ja d a s
n u m a d eterm in ad a e s tru tu ra , n u m a form a, é que se
to rn am expressivas O mesm o se ap lica às Unhas, pon-

46
tos. traços e cores, n a p in tu ra , c a quaisquer elem entos
com ponentes d as diversas m odalidades a rtístic a s —
como «> movim entos, n a d an ça, os volumes, na es­
c u ltu ra

Não h á, assim , ’ reg ras g ra m a tic a is' d itan d o as


leis de com binação dos elem entos estéticos. Se cada
época pcssui urna c e rta m an eira de se expressar (um
c erto estilo "), isto, todavia, náo se tran sfo rm a em
norm a, em leí. O a rtis ta náo se escraviza a códigos e,
freqüentem ente, os a rtista s inovadores são ju sta m e n te
aqueles que tran sg rid em o estilo p rep o n d eran te de seu
tem po
Q uando dizem os que a a r te n áo é u m a linguagem
estam os, então, querendo dtíeren ciá-la de nossa lin g u a­
gem conceituai, discursiva. E stam os querendo dem ons­
tr a r que su a form a de exprim ir sentidos é d iferen te da
m an elra de tra n sm itir significados d a linguagem . Pode,
contudo, re sta r u m a dúvida, com relação às a rte s que
em pregam a palavra como m aterial expressivo. A poe­
sia e a lite ra tu ra , por exemplo.
Pudemos considerar que. n a poesia, a linguagem
procura, precisam ente, a lte ra r su a pró p ria m an eira de
significar. P ro cu ra explorar ao m áxim o o seu pólo ex­
pressivo, d istan clan do-se da sim ples tran sm issão de
conceitos Dissemos, lin h as a trá s, que face ao m undo
dos sen tim en to s procuram os n o s exprim ir por m etáfo­
ras, por im agens (com o q uando contam os nossos sin ­
tom as ao m édico). E ó isto que faz o p o eta: cria im a­
gens que, ao nivel lógico, n ão possuem significado —
elas se dirigem aos sentim entos. O poeta Ledo Ivo diz:
“ . o día 6 um cão / que se d e ita p a ra m o r r e r ..."
L ogicam ente isto não iaz sentido o dia n ão é u m cão.
m uito m enos que se d eita p a ra m orrer. Porém , o verso
(a m etáfora) g a n h a sentido ao aproxim arm os nossos

47
sen tim en to s em relação a u m d ia e em relação a um
cão à m orte. O sentido d a poesia provém dos se n tim e n ­
tos Sim bolizados em su a s im agens, e n ã o d as relações
lógicas e n tre as palavras.

T am bém n a lite ra tu ra em prosa a lin g u ag em pro


c u ra o seu lado expressivo. Ali tam b ém o escrito r quer
c riar u m a expressão de vida. conseguida seg u n d o a
form a coino em p rega a s palavras. N ão se necessita, no
in terio r de u m a obra lite rá ria , u m a plausibilidade, u m a
lógica, u m a ‘realidade" sem elh an te à nossa, cotid ian o
O sen tid o do te x to é m u ito m ais vivejiciado', *expe
rienciado*, d u ra n te a le itu ra , do que decodificado r a ­
cionalm ente.

Assim, segundo S u san n e L anger. é Incorreto " . . . se


d etx ar in d u zir ao en g an o de su p o r q u e o a u to r p re te n ­
de, por seu uso de palavras, e x a ta m e n te aq u ilo que
p retendem os com o nosso in fo rm ar, co m en tar, i n ­
q u irir. confessar, em su m a: fa la r à s pessoas. Um ro ­
m an cista, contudo, p reten d e c ria r u m a experiência
virtual, co m p letam en te form ada e in te ira m e n te ex­
pressiva de algo m ais fu n d a m e n ta l do que q u alq u er
problem a ‘m oderno’: o se n tim e n to h u m an o , a n a tu r e ­
za d a vida h u m a n a em s i’ iS e n ttm e n to e Por m a. São
Paulo, Perspectiva, 1980, p 300.)

A a rte , cm todas as su a s m anifestações, é, por


conseguinte, u m a te n ta tiv a de nos colocar fre n te a
form as q u e concretizem aspectos d o s e n tir hum an o .
U m a te n ta tiv a de n os m o stra r aquilo que é inefável,
ou seja. aquilo que perm an ece Inacessível às redes con­
c eitu ais de nossa linguagem . As m a lh a s d esta rede são
por dem ais larg as p a ra c a p tu ra r a vida que h a b ita os
profundos oceanos de nossos sen tim en to s. AU, quem se
põem a pescar, são os artista s.

48
Resum o das Idéias Pr.ncipaw

• A a rte é um fenóm eno p resen te em Iodos as c u ltu ras.


• A linguagem fra g m en ta o nosso se n tir e lh e a trib u i
significados.
• Os conceitos lingüísticos, n o e n ta n to , são incapazes
de ex p rim ir e de descrever os sen tim en to s
• A a r te é u m a te n ta tiv a de co n cretizar, em form as, o
m undo d in âm ico do "s e n tir’ h um ano.
• A rte n ão é lin g u ag em : ela n á o com unica sig n ifica­
dos. m a s exprim e sentidos
• O sentido expresso n a o b ra de a rte é ‘in tra d u z ív e l",

49
O ARTISTA E O ESPECTADOR

U tilizam o-nos, no cap ítu lo an terio r, da definição de


a rte proposta por S u san n e L anger, que diz ser ela a
"criação de form as perceptíveis expressivas do se n ti­
m ento h u m ano". All fol d ito q u e a a rte é a con cretiza­
ção, em form as (h a rm ô n ic a s), d aq u ela dim ensão h u ­
m an a inalcansável pela linguagem co n ceitu ai: o se n ti­
m ento A través d a a rte os diversos asp ecto s do nosso
se n tir são-nos m ostrados n u m a d e te rm in a d a conform a­
ção, quo se oferece ¿ nossa percepção de m an eira m ais
ab ra n g en te que o u tra s espécies de símbolos — com o os
lingüísticos, por exemplo. Ê preciso e n tã o que nos d ete­
n ham os um pouco nestas d u a s vias de acesso à a rte
atrav és do a rtis ta e atrav é s do espectador. O u s e ja : na
criação e n a fruição das obras de arte.
Iniciem os pelo a rtista . Porém , a n te s de se a d e n tra r
p ro p riam e n te n a criação a rtístic a , vamos tra ç a r a lg u ­
m as considerações a respeito do a to de criação, de m a­
n e ira geral.
C riar supõe a produção de coisas (sejam objetos ou
idéias) a té e n tão in existen tes no m undo h u m a n o . Supõe
um a to onde. basicam ente, op era a im aginação, esta
capacidade fu n d a m e n ta l do hom em . Pela im aginação o
hom em ordena o m undo n u m a « t r u t u r a significativa,
já que linguagem e im aginação se desenvolvem co n ju n ­
tam en te. Por ela o hom em p ro jeta aquilo q u e a in d a não
existe, aquilo que poderia te r, com o fru to de seu tra b a ­
lho. Mesmo nos a to s m ais sim ples do cotidiano nossa
im aginação tem o seu papel. Ao p la n e jar o q u e farei

SI
daqui h á in s ta n te s — por exemplo: d irigir-m e a um
re sta u ra n te , 3entar-m e e alm oçar — estou im aginando
m in h a ação num tem po fu tu ro , n u m tem po que virá
a ser.
Diz R ubem Alves: "O que im porta é sim plesm ente
c o n sta ta r que atrav és d a im aginação o homem t.rans-
c en te a íacticidade b ru ta da realidade que c im ed iata­
m ente d a d a e afirm a auc o q u e é n ão deveria ser, e o
que ain d a náo c deverá sor ” (O E nigm a da Religião.
Petrópolis. Vozes. 1975. t>. 20.) D istin to do an im al, que
está preso ao aqui e agora, o hom em , pela im aginação,
situ a a su a ação n u m m un d o que estende os seus lim i­
tes p a ra além da im ediatidade do p resen te e da m a te­
rialidade das coisas O hom em c ria um universo sig n i­
ficativo, cm sou encontro com o m undo c a tra v é s da
im aginação.
A própria ciência, que pretende ser u m conhecim en­
to rigoroso das “coisas como são”, é filh a d ire ta da im a­
ginação A criação de n o rm as de objetividade, p ara que
a razão se discipline e n ão sofra in terfe rên cias dos va
lores e emoções, c um pro d u to da im aginação. Aliás, a
ciencia surge, nos prim órdios do século XVII. q uando
a im aginação de G alileu leva-o a a firm a r: “vam os supor
que um corpo caia sem sofrer in terferên cias do a trito
com o ar". Isto é . im aginem os u m a coisa in existen te em
r.osso m undo: a queda livre, sem in terfe ren cias da
atm osfera, o m ovim ento continuo. A im aginação é, por
tanto, o dado fu n d am en ta l do universo h u m an o e o
m otor de todo ato de criação.
Precisam os n o ta r tam bém que em qu alq u er ato
criativo não h á apenas u m a m obilização d a razão, da
esfera lógica {que s r dá atrav és dos sím bolos). Como já
se ooservou. nossa razáo. nossos símbolos (lingüísticos
m atem áticos, e tc .), estão som pre apoiados n as nossas
vivências, nos nossos sentim entos. Não h á "pensainent<

52
puro", e strita m e n te lógieo: ao pensarm os, mobilizamos
tan to os sím bolos como cs sen tim en to s a eles su b ja ­
centes. D esta lorm a. m esm o nos ato s de criação filosófi­
ca e cientírica estão envolvidos os sen tim en to s num anos
os valores e a s emoções
O ato criativo, inclusive, dá-se m uito m ais a nível
do "sen tir' <lo q u e tio "sim bolizar”. M elhor dizendo: ao
se criar ocorre u m a m ovim entação de nossos sen tim en ­
tos, que vão sendo confrontados, aproxim ados, fundidos,
p a ra posteriorm ente serem simbolizados, tran sfo rm ad as
em form as que se ofereçam à razão, ao pensam ento.
(N otem que 6 freqüente o fa to de nossas p alavras não
conseguirem aco m p a n h ar o ritm o de nossas idéias. Isto
é vai-se a rticu lan d o idéias que estão a nível do “se n ­
tir", p ara depois elas serem re la ta d a s pelas p alav ras).
Diversas autores, que se dedicaram ao estudo do
processo criativo hum ano, ch eg aram a e sta m esm a con­
clusão: o a to da criação é m u ito m ais p ro d u to de sen­
tim entos, de intulções, do que de operações p u ram en te
lógicas. K arl R. Popper, um filósofo au stríaco , com en­
ta “A m inha visão do problem a pode ser expressa a tr a ­
vés da afirm ação de que cad a descoberta contém um
elem ento emocional ou um a 'in tu ição c ria d o ra ’, no
sentido de Bergson E instein fala de u m a form a sem e­
lh a n te acerca d a 'busca daquelas leis a lta m e n te u n iv er­
sa is. . a p a rtir d as q u ais u n ia visão do m undo pode ser
o b tid a por p u ra dedução. Não existe u m cam in h o lógi­
co’, ele diz, ‘que conduza a ta is leis. Elas só podem ser
atin g id as por meio d a intu ição , in tu ição e sta que se
baseia em algo sem elhante a u m a m er intelectu a l pelos
objetos da experiência’." ( The Logic o f Scien tific Dis-
covery New York, H arp er 61 Row, 1968, p. 32.)
Ainda com respeito ã a titu d e criadora, pode-se a fir­
m a r que ela se co n stitu i tam b ém n u m a to de rebeldia.

53
C o n stitu i-se n u m aio de rebeldia n a m edida em que o
c riad o r deve negar o estabelecido, o ex isten te, p a ra p ro ­
p o r um o u tro cam in ho , u m a o u tra form a, enfim , p a ra
p ro p o r o novo. O novo su rg e a p a r tir d e u m d e sco n ten ­
ta m e n to com relação ao estabelecido. Nesses term o s
q u a lq u e r a to criativo é sem p re subversivo, p ois visa a
alteração, a m odificação do existen te.
P or :sso. a ssin a la R u b em Alves a u e " . . . a rebeldia
é a pressuposição básica de q u a lq u er a to criativo. Ao
o rd en ar e p la n ta r um jard im , nos reb elam o s c o n tra a
a rid ez d a n atu reza. Ao lu ta r c o n tra a e n ferm id ad e nos
rebelam os c o n tra o sofrim ento. D izem os u m a p a la v ra
d e ale n to porque nos rebelam os c o n tra a solidão. Acei­
tam o s a perseguição por cau sa de u m a razão ju s ta p o r­
q u e nos rebelam os c o n tra a opressão e a In ju stiça. Os
anim ai» n ão podem rebelar-se. P re cisa m e n te por isso.
tam pouco podem ser criadores. S o m en te o que diz o seu
‘n á o ’ à s coisas com o são, m o stra o desejo de so frer pela
c riação do novo. O m u n d o d a c u ltu ra se rta literalm en te
im pensável se nào fosse ¡5elos ato s de reb eld ía de todos
aqueles q u e fizeram algo p a ra c o n stru i-la ." {H ijos Del
M añana. S alam an ca. Síguem e. 1975, p p 149-150.)
C entrem os ag o ra a no ssa a te n ç ã o sobre o a to de
c riação n a a rte , sobre o tra b a lh o do a rtis ta . Segundo
exposto, a o b ra de a r te é a te n ta tiv a de se co ncretizar,
em form as h arm ô n icas, os elem entos do " s e n tir" h u m a ­
no. E a te n ta tiv a de oferecer ta is elem en to s à nossa p e r­
cepção, a tra v é s d as form as m a n ip u la d as pelo a rtis ta
C ontudo, é preciso e v ita r u m a confusão. Q u ando se diz
q u e a a rte é a concretização de sen tim en to s. Isto não
sig n ifica e strita m e n te q u e o a rtis ta , ao c o n stru ir um
objeto estético, e steja apenan e lã o -so m en le exp rim in d o
seus próprios sen tim en to s. N ão sig n ifca que a obra de
a rte seja um sim ples " r e tra to " do "m u n d o in te rio r" do
a rtis ta .

54
Pelo co n trário . S ua cap acid ad e expressiva reside
ju s ta m e n te em su a sensibilidade p a ra c a p ta r os m e a n ­
d ros dos sen tim e n to s d a com u n id a de h u m a n a e e x p ri­
m i-los em fo rm as Sim bólicas. Ao c o n stru ir u m objeto
estético (u m a o b ra de a r te ) , o a rtis ta p ro jeta nele tudo
a q u ilo que percebe como p róprio dos h o m en s de su a
época e lu g ar. T u d o aquilo q u e c o n stitu i o “sentir*' dos
hom ens (ou dos gru p o s de h o m e n s ), que ele c a p ta e ex­
p rim e em form as.
fc Ciaro q u e esta cap ta ç ã o se d á a p a rtir dos seus
p ró prios sen tim en to s e de su a “ visão-de-m undo”. S u a
p ercepção dos sen tim e n to s h u m a n o s está sem pre, em
ú ltim a análise, baseada nos seus próprios sen tim en to s.
M as a firm a r q u e em su a o b ra o a rtis ta e x p n m e ap en as
os seus sen tim en to s, é em pobrecer r» sen tid o de su a p ra ­
xis (de seu tra b a lh o ). Assim, p a ra S u sa n n e L anger,
" . . ele é um a r tis ta n ã o ta n to em v irtu d e de seus
p ró prios sen tim en to s, q u a n to de seu reconhecim ento
in tu itiv o de ío rm as sim bólicas d o sen tim en to , e su a te n ­
d ên cia a p ro je ta r co n h ecim en to em otivo em ta is form as
objetivas. Ao m a n ip u la r su a p ró p ria criação, ao com por
u m sím bolo de em oção h u m a n a , apreende, d a realidade
p erceptiva k s u a fre n te , possibilidades d a experiência
su b jetiv a q u e ele n ão conhece em su a vida pessoal."
( S e n tim e n to e F orm a. S ão P au lo , P ersp ectiv a. 1980,
p. 405.)
O a rtis ta ap reende, e n tão , certo s estad o s do “se n ­
tir" que p erp assam a vida d as co m u n id ad es h u m a n a s.
M uitas vezes esses elem entos n ão e stã o c la ra m e n te co­
locados, n ã o sendo mesm o percebidos pelos h o m en s em
s u a vida co tid ian a. E a í su rg e o a rtis ta com o um des­
bravador. com o u m pioneiro n a elucidação e expressão
desses se n tim e n to s a té e n tã o despercebidos. O a rtis ta
apreende-os e a s devolve, em fo rm as a rtístic a s , p a ra que
os dem ais se reconheçam n aq u ele s Sím bolos N este sen-

55
tido é q u e se pode afirm a r, com o poeta Ezra Pound,
que os a rtis ta s sào a s a n te n a s d a raça A ntenas que
captam aqueles sen tim en to s em que todos estão im er­
sos. sem conseguirem , no e n ta n to , to rn á-lo s evidentes.

E ste é, de m an eira esquem ática, o sentido do t r a ­


balho a rtístico to rn a r objetivas (no sen tid o de concre­
tas) as m anifestações su b jetiv as dos seres hum anos,
n u m a d a d a época e c u ltu ra M udem os ag o ra a nossa
perspectiva, a fim de observar o processo o corrente no
espectador d a obra de a rte . Vamos considerar, entáo . a
experiência estética: aquela experiência que tem os
fren te a u m quadro, u m a m úsica, no cinem a, no te a ­
tro, etc.
Em prim eiro lugar, a experiência estética é a
experiência da beleza. C o tid ian am en te u tilizam os as
p alavras belo e beleza sem no e n ta n to a te n ta rm o s p a ra
as questões que residem por d e trá s desses term os. Afi­
nal, o q u e é a beleza q u e se experim enta, n a experiência
estética? De onde surge ela?
Somos ten tad o s a c re r que o belo se en co n tre nos
objetos m esm o; isto é : que a beleza é u m a qualidade
que eles possuem (ou n ã o ). Sc isto fosse verídico, um
cien tista q u e estudasse •'objetivam ente" u m a o b ra de
arte, deveria poder isolar e q u an tific a r (m ed ir) n ela
esta qualidade Por exem plo: u m físico, especialista em
soní, pode decom por um a peça m usical e e stu d a r as
propriedades de su a s n o ta s (a ltu ra , frequência, in te n ­
sid ad e), bem como as relações que elas m an têm e n tre
si. Pode tra ç a r gráficos, fórm ulas c equações que rep re ­
sentem objetivam ente a m elodia. A beleza, todavia, e n ­
q u a n to propriedade física d a peça. não será en co n trad a.
3e o belo fosse u m a propriedade que d eterm in ad o s obje­
tos possuem, isso im plicaria em que qu alq u er pessoa
que os contem plasse devesse considerá-los belos Mas

56
isto não ocorre: o que p ara m im é belo. p a ra o u tro pode
não te r beleza algum a.
D esta m an eira, pode-se p en sar que a beleza resida
exclusivam ente em nossa m ente. Q ue ela é gerada em
nossa consciência. in d ep end e n tem en te dos objetos do
m undo. Se ta l afirm ação fosse verdadeira, o a m a n te da
m úsica n áo m ais necessitaria ir a concertos, nem p re­
cisaria ouvir discos: p a ra experienciar a beleza b a staria
relem brar su as experiências estáticas passadas. B asta­
ria “produzir" a beleza em su a consciência. O que ê
um absurdo.
P o rtan to , o belo não reside n em nos objetos nem
n a consciência dos sujeitos, m as nasce do enco n tro dos
dois. A beleza se coloca entre o hom em e o m undo, entre
a consciência e o objeto A beleza liubita a relação. "A
beleza é o nom e de qualquer coisa que não existe/Q ue
dou às coisas em troca do ag ra d o que m e d ão ”, já disse
0 poeta F crn ad o Pessoa, a tra v é s de seu heterônim o
A lberto Caeiro. Nasce e n tã o a beleza, d a relação que o
hom em m antém com o m undo. Porém , su rg irá ela de
qu alquer tipo de relação?
Não. O relacionam ento que faz b ro ta r a experiên­
cia estética é distin to , por exemplo, do relacionam ento
prático que nossa consciência m an tém com a s coisas do
m undo. Na experiência estética a consciência se coloca
de m aneira d iferente d a ío rm a com oue se coloca na
vida co tid ian a O rd in ariam en te tendem os a perceber
as coisas a partir dos conceitos forjados pela nossa lin ­
guagem . J á dissem os que a linguagem condiciona a
m a n eira como vemos o m undo. I>e c e rta form a, perce­
bem os as coisas a tra v é s de seu s nomes, de seu s sig n ifi­
cados (p a ra o hom em ).
M inha tendência, por exem plo, é sem pre ver a g ra ­
m a à m in h a fre n te como verde, m esm o se. sob d e te rm i­
n a d as condições de ilum inação, ela g an h e u m to m azu ­

57
lado. Ou a in d a um pire» sobre a m esa e u o vejo como
circular, m esm o se n a realidade, de m in h a posição, ele
a p a re ç a com o u m a elipse. Isto è : os conceitos a n te rio r­
m en te ap ren d id o s (g ra m a — verde, pires - c irc u la r)
g u iam a m a n e ira de se d a r m in h a percepção. “Os olhos
de re p e n te são p a lav ras”, diz o p o eta P ablo N eruda.
O que ocorre na experiência estética, contu d o , é
que a consciência p ro cu ra a p re e n d e r o o bjeto desvenci­
lh ando-se dos laços con d icio n an tes d a lin g u ag em con­
ceituai N ela o hom em ap re e n d e o m u n d o de m an eira
total, sem a m ediação p arc ializa n te dos conceitos lin ­
guísticos. N a experiência e stética suspendem os nossa
"percepção a n a lític a ’, “ racio n al’’, p a ra se n tir m ais ple­
n a m e n te o objeto, D eixam os flu ir no ssa co rre n te de
sentim entos, sem p ro c u ra r tra n sfo rm á -la em conceitos,
em p a lav ras S e n tim o s o objeto, c não, p en sa m o s nele.
No m om ento d esta experiência ocorre com o q u e u m a
■suspensão" da vida c o tid ia n a, u m a "q u e b ra ” n a s re ­
gras d a “realidade".
E n tra m o s no cinem a e nos sen tam o s. As luzes se
ap ag am e inicia-se a projeção. De rep e n te estam os
envolvidos com u m a “o u tr a realid ad e", q u e nos faz.
m o m en tan eam en te, esquecer a nossa. D eixa-se de lado
o alu g u el a tra sa d o . a c o n ta d a luz. a p o rta que se deve
co n sertar, a certid ão q u e p recisa se r providenciaria,
p a ra se vtvenciar o filme. A gora estam o s sen tin d o a ra i­
va do herói fre n te aos invasores, sen tin d o o m edo face
à em boscada, a te r n u ra do am or e n tr e m ãe e filho.
Agora estam o s vivendo u m a ex p eriên cia e sté tic a —
deixam os o cotidian o "em su sp en so ”, e a ele a p en a s
re to rn arem o s ao final d a sessão É claro qu e, n o fundo,
n ão nos ab a n d o n a a consciên cia de que som os ap e n as
ura espectador sen ta d o n o cinem a; n ão perdem os a
consciência de nossa individ u alid ad e e realid ad e. P e r­
d e r e sta certeza e co n fu n d ir-se in te g ra lm e n te com o

58
que e sta sen do p ro jetad o eq u iv aleria a lo u cu ra, a esq u i­
zofrenia. O co tid ian o n ao e s tá "perd id o ” , m as ío i “co­
locado e n tre p a rê n te se s” - deixou de ser o m ais im por­
ta n te . naquele m om ento.
A ex periência d a beleza é, e n tã o , u m a experiência
n a q u al a n o ssa m a n e ira " ra c io n a r' de perceber o m u n ­
do perde o seu privilégio. E o perde em favor de u m a
percepção que fala d ire ta m e n te aos sen tim en to s. Na
vida d iá ria in te rro g a -se o ap a re c e r dos objetos segundo
propósitos práticos A intelecção (a tra v é s d a lin g u a ­
gem ) o rie n ta nossa percepção em to m o d a s funções
dos objetos e de su as relações: a caneta serve p a ra
escrever em um p a p el; n o C im eiro colocam os a s cinzas
do cigarro. J á n a percepção estética não é m ais a in te-
lecção o nosso guia. A “verd ad e” do o bjeto estético (d a
obra de a rte ) reside nele m esm o: n ão se bu scam su as
relações com o utros objetos n em se p e rg u n ta acerca da
su a utilidade.
Na percepção u tilitá r ia o ' s e r ” do o bjeto reside em
su a s relações com o utros e com a to s h u m a n o s (can eta-
escrever-papel: cinzelro -ein z as-c ig a rro ). E n q u a n to que.
n a percepção estética, o " s e r” do objeto é o seu próprio
aparecer. O u se ja : é a h a rm o n ia e x iste n te em suas
fo rm as f. no p róprio sensível, no próprio a to de perce­
ber, que reside o p razer estético : n a percepção d ire ta
de h a rm o n ia s e ritm o s q u e g u a rd a m , em si, a su a v er­
dade Por isso alg u n s a u to re s ch am a m a percepção
e stética de "d e s in teressad a” : n ão existem interesses
p rático s a o rie n tá -la ; a verdade do o bjeto reside em
su as form as.
A experiência que a a rte n o s p ro p o rcio n a é, sem
d ú v ida, prazerosa. E este p ra z e r provém d a vivência da
h a rm o n ia d escoberta e n tre a s fo rm as d in â m ic a s de
nossos sen tim e n to s e a s fo rm as do o bjeto estético. Na
experiência e stética os m eus se n tim e n to s descobrem -se

59
nas form as que lhes são dadas, como eu m e descubro
no espelho. Meus sen tim en to s vestem -se com as ro u p a ­
gens h arm ó n icas d as form as estéticas. A través dos sen ­
tim entos identificam o-nos com o objeto estético, e com
ele nos tornam os um
A obra de a rte. assim , n ào é p a ra se r pensada, tr a ­
d uzida em palavras, e sim sentida, vivenciada. Porque,
com o já foi d ito a n terio rm e n te , su a fu n ção n áo é a de
com unicar significados (co n ce itu a is), m as a de exp ri­
m ir sentidos. R esta-nos considerar, e n tão , a questão dos
sentidoyèxpressos pela a rte , na experiência estética.
T ais sentidos nào são, evidentem ente, conceituali-
záveis, redutíveis a p alav ras — não se pode "dizer"
q u alq u e r o b ra de a rte. Já o notam os. A a rte abre-m e
sem pre um cam po de sen tid o s por onde vagueiam os
m eus sentim entos, en co n tra n d o ali novas e m ú ltip las
m an eiras de ser. Dissemos que n a com unicação a lin ­
guagem deve "fech ar" o m ais possível o cam po de sig n i­
ficados. a firo de au e u m a idéia seja com preendida
como o deseja seu em issor. Deve-se d izer " a m an g a da
cam isa está estrag ad a", e n ão "a m an g a está e stra g a ­
d a ". p ara que seja eficaz a com unicação. E n q u a n to que.
n a expressão artística, sucede o Inverso a s am b ig ü i­
dades e as m ú ltip las possibilidades de sen tid o sáo dese­
jad as. Q u an to m ais sentidos possibilite u m a obra, m ais
p lena ela será.
F ren te à obra de a rte o espectador deixa os seus
sentim entos vibrarem , em co n so n ân cia com a s h arm o ­
nias e ritm o s n ela expostos. O espectador encontra,
ju n to à s form as a rtísticas, elem entos que concretizam
— que to rn am objetivos, perceptíveis — os seus se n ti­
m entos. N otem au e dissemos os seus sen tim en to s, e náo
os do a rtista , que produziu a obra Isto porque, sendo
a a r te u m a form a de expressão, ela depende d a in te r­
pretação. do sentido que o espectador lhe a trib u i. Como

60
su a função não é tra n sm itir um significado conceituai
determ inado, seu sentido b ro ta dos sen tim en to s de seu
público; ele nasce d a m a n eira com o as pessoas a viven-
ci&m.
Por este motivo U m berto Eco, um filósofo italiano,
c h am a a obra de a rte de "aberta". Ela é aberta p ara
que o espectador com plete o seu sentido; p a ra que ele a
viv en d e segundo su as próprias peculiaridades, su a pró­
p ria condição existencial,
Um a obra de a rte pode in d icar u m a d ete rm in ad a
direção aos m eus sen tim en to s — por exem plo: alegria,
tristeza, a n g ú stia, etc. Porém , a m aneira de viver este
sen tim en to (o seu “como ") é d a d a por m im . F re n te a
u m dram a, no teatro , todos podem "e n triste ce r se";
todavia, a qualidade dessa tristez a é ú n ica íe incom u­
nicável) p a ra c a d a espectador. C ada um a viverá se­
gundo su a situ ação p a rtic u la r, com os m eandros e m i­
n ú cias dos sen tim en to s que lhe são próprios
O sentido de u m a obra de a rte é. p o rta n to , aberto.
Não se pode to m ar o a ssu n to (o tem a) d a o bra como
sendo o seu significado. A m a n e ira como esse tem a c
expresso, a form a como ele é percebido, sen tid o pelo
espectador, é q u e co n stitu i o cam po de sentidos da arte.
Na a rte se a p resen tam form as que visam m o strar a q u i­
lo que é impossível de ser conceltualizado. impossível
de ser significado atrav és d as palavras.
A a rte é u m a chave com a q u al abrim os a p o rta de
nossos sentim entos; p o rta que perm anece fech ad a à
nossa linguagem conceituai

R esum o das Idéias Principais.

• O ato de criação é um a to de rebeldia, que n e g a o


existente p a ra propor o novo.

61
• Q ualquer criação envolve náo só conceitoe lógicos,
m as principalm ente elem entos dos sen tim en to s e
emoções.
• O a rtis ta expressa, em su a obra. os sentim entos que
ele c a p ta ju n to ás com unidades h u m an as.
• A beleza não é u m a qualidade dos objetos nem um
produto d a consciência, m as um a ío rm a de relação
que o hom em m antém com o mundo.
• Na experiência estética experim enta-se o objeto a
nível dos sentim entos, sem a m ediaçáo conceituai da
linguagem .
• O sentido da obra de a rte é dado fun d am en talm en te
pele espectador

62
FUNDAMENTOS DA ARTE-EDUCAÇAO

Dissemos que nossas m odernas sociedades in d u s­


triáis estão fu n d ad as sobre u m a cisão básica da perso­
nalidade h u m a n a : aquela e n tre o sentir e o pensar,
e n tre a razão e a s emoções. A civilização ocidental
assentou-se desde logo sobre três postulados, quais
sejam : 1) A prim azia da razão — a razão tem o poder
d e solucionar qualquer problem a, e os únicos problem as
rcaL: año aqueles propostos pela ciencia 2) A primazia
do trabalho deve-sc tra b a lh a r incessantem ente para
a produção de bens deve-se o rien ta r nossa ação sem ­
pre na direção de ftns utilitários. 3) A natureza infinita
— desenvolvim ento significa a produção cada vez maior
de produtos m anufaturados, acredítando-se que a n a ­
tureza. de onde sáo retirad as a s m atérias-prim as, seja
¡nesgotável. (T ais postulados são o ta d o s pelo filósofo
francés Roger G araudy. em su a obra: O O cidente é um
Acídente: Por u m Diálogo das Civilizações, Rio de J a ­
neiro. Salam andra, 1978.)
Ocorre, porém, que o prim eiro desses postulados
nos conduz à u m a civilização racionalista, isto é, que
h ip ertro fia a razão em detrim en to das dim ensões bási­
cas da vida: os valores c as emoções. O segundo nos
leva a relegar o lúdico (o Jogo, o brinquedo) e o estético
a posições inferiores; a relegá-los a se to m a re m m eras
atividades dc lazer, quando se tem tem po p ara tal. E n ­
q u an to o terceiro, g era um sistem a dc produção que
deve se m an ter em perpétuo crescim ento; n ão se pro­
duz p a ra su p rir as necessidades hum an as, mas, pelo

63
contrário, deve-se c ria r novas necessidades nos hom ens,
p a ra en tão vender-lhes os novos produtos
M uitos são os pensadores que a p o n tam p ara um a
necessidade de re estru tu ra ç ão radical d esta civilização,
por verem n ela o cam inh o certo p a ra a d estru içã o da
vida no planeta. H ipertrofiando a razão gcra-sc. díalc-
ticam en te. um profundo irracíonatism o. n a m edida em
que valores e emoções não possuem can ais p a ra serem
expressos e se desenvolverem. Assim, a d an ça, a festa, a
arte, o ritu a l, são afastad o s de nosso cotidiano, que vai
sendo preenchido apenas com o tra b a lh o u tilitário , não
criativo, alien an te A form a de expressão dos emoções
to m a -se a violência, o ódio. a ira som ente a violência
pode fazer vib rar nossos nervos, enrigeeidos pelo tra b a ­
lho sem sentido. O indivíduo isolado to rn a-se o valor
suprem o, e cada q ual deve lu ta r co n tra os outros, em
favor de seu progresso e de su as propriedades.
D entro deste quadro surgem e n tã o in ú m eras p ro ­
postas. buscando re a ta r o hom em aos seus valores bási­
cos. espezinhados pelo industrialism o. P ropostas que
procuram , de um a ou o u tra form a, ilu m in a r a vida
criativa, a im aginação, a beleza S u rg e o m ovim ento
hippie", o "m aio de 68” (n a F ra n ç a ), a busca de cul­
tu ra s e religiões o rien tais e — por que náo? — a busca
de alg u m a tran scendência n a utilização d as drogas.
M as a revalorização da beleza e da im aginação e n ­
controu, n a a rte c no brinquedo, dois aliados poderosos.
Por que n ão se educar as novas gerações evitando-se
os erros que viemos com etendo? Por que n ã o se e n te n ­
der a educação, ela m esm a, como algo lúdico e está­
tico? Por que, ao invés de fu n d á-la n a tran sm issão de
conhecim entos apenas racionais, n ão fu n d á-la n a cria­
ção de sentidos a p a rtir d a situ a ç ã o existencial concre­
ta dos educandos-' Por que n ão u m a arte-educação"?

64
Como é, en tão , que a a rte pode se to m a r u m in s­
tru m e n to p a ra a form ação de um hom em m ais pleno?
Como a a rte educa? E is a questão básica, c u ja resposta
deve a c la ra r os propósitos daquilo que cham am os arte-
educação.
Sendo a a rte a concretização doa sen tim en to s em
form as expressivas ela se co n stitu í num meio de acesso
a dim ensões h u m a n a s não passíveis de simbolizaçáo
conceituai A linguagem to m a o nosso enco n tro com o
m undo e o fra g m en ta cm conceitos e relações, que se
oferecem à razão, ao pensam ento. E n q u an to a arte,
p ro cu ra reviver em nós este encontro, este "prim eiro
o lh ar” sobre a s coisas, im prim indo-o em form as h arm ó ­
nicas. A través d a a rte som os levados a conhccer m elhor
nossas experiências e sentim entos, naquilo que esca­
p am à linearidade da linguagem . Q uando, n a experiên­
cia estética, m eus sentim ento s e n tra ra em consonância
(ou são despertados) por aqueles concretizados n a obra,
m in h a aten ção se focaliza n aq u ilo que « n fo . A lógica
d a linguagem é suspensa e eu vivo m eus sentim entos,
sem te n ta r "trad u zi-lo s" em p alavras
A a rte é, por conseguinte, u m a m an eira dc desper­
ta r o individuo p a ra que este dê m aior atenção ao
seu próprio processo de se n tir (» in telectualism o dc
nossa civilização — reforçado no am b ien te escolar —
to rn a relevante ap en as aquilo que é concebido ra c io n a l­
m ente, logicam ente. Deve-se ap ren d er aqueles concei­
tos já p ro n to s ’, “objetiros", que a escola veicula a
todos, in d istin tam en te, sem levar em c o n ta as c a rac­
terísticas existenciais de cad a um . Neste processo os
educandos náo tém o p ortunid ad e de elab o rar su a “ visão
de m undo", a p a rtir de su as pró p rias percepções e sen ­
tim entos. A través da a rte pode-se, então , d e sp e rta r a
aten ção de cada um p ara su a m an eira p a rtic u la r de

65
sentir, sobre a qual se elaboran: todos o* outro* proces­
sos racionais.
E ncontrando n a s form as artísticas, Sirabolizaçõcs
p a ra os seus sentim entos, os individuos am pliam o seu
conhecim ento de si próprios atrav és da descoberta dos
padrões e da natu reza de seu sentir.
P or o u tro lado, a a rte não possibilita ap en as um
meio de acesso ao m undo dos sentim entos, m as tam bém
o scu desenvolvim ento, a su a educacáo. Como, entáo,
podem ser educados e desenvolvidos os sentim entos? Da
mesma form a qu«* o pensam ento logico, racional, se
aprim ora com a utilização co n stan te de símbolos lóyl-
coÁ (lingüísticos, m atem áticos, e tc .), os sen tim en to s se
refinam pela convivência cuín os Símbolos da a rte . O
co n tato com obras de a rte conduz u fam iliaridade com
os Símbolos do sentim ento, propiciando o seu aprim o­
ram ento. Como diz S usanne L anger:
"O trein am en to artístico é, p o rtan to , a educação
do sen tím ente, da m esm a m aneira como nossa educa­
ção escolar norm al em m aterias fatu ais e habilidades
lógicas, tais como o ‘cálculo' m atem ático ou a simples
a rg u m e n ta ç ã o . . . . é a educação do pensam ento. Pou­
c as pessoas percebem que a verdadeira educação da
emoção não 6 o ‘condicionamento* efetuado pela apro­
vação e desaprovação social, m as o contato tácito,
pessoal, ilum inador, com símbolos de sentim ento.” (E n ­
saios Filosóficos São Paulo, C ultrix. 1971. pág. 90.)
E ducar os sentimento®, as emoções, náo significa
reprim i-los p ara que se m ostrem apenas naqueles (p o u ­
cos) m om entos em q u e nosso "m u n d o de negócios*'
lhes perm ite. Antes, significa estim ulá-los a se expres­
sarem , a vibrarem fren te a Símbolos que lhes sejam
significativos. Conhecer as p ró p rias emoções e ver nelas
os fundam entos de nusso próprio "eu " é a ta re ia bási­
ca que toda escola deveria propor, se elas não estivessem

66
voltadas som ente p a ra a preparaçao de m ão-de-obra
p ara a sociedade industrial.
A a ite é ainda um fator de agilização de nossa
im aginação, pois n a experiência estética a im aginação
am plia os lim ites que lhe impõe co tidianam ente a inte-
lecção. J á observamos que na "vida p rática" nosso In te­
lecto g uia a percepção em to m o das relações p ráticas
e funcionais já estabelecidas: pouco espaço nos resta
p a ra o "sonho”, a "fan tasia" E isto é tam bém reforçado
pelo am biente escolar, n a m edida em que as respostas
ali já estão prontas, restando ao educando apenas a sua
assim ilação. Na escola n ão se cria, mas se reproduz
aquilo que Já existe
O ra, a arte se constitui n um estim ulo p erm anente
p ara que nossa im aginação flu tu e e crie m undos pos­
síveis. novas possibilidades de ser e sentir-se. Pela a rte
a im aginação é convidada a a tu a r, rom pendo o estreito
espaço que o cotidiano lhe reserva A im aginação é algo
proibido em nossa civilização racionalista, que p rete n ­
deu bani-la do próprio cam po das ciências. por ver nela
u m a fonte de erros no processo de conhecim ento da
"realidade”. Deveiuos nos a d a p ta r às "coisas como são’’,
à ‘‘realidade’' da vida. .sem perderm os o nosso tempo
com sonhos e visoes utópicas.
C ontudo, são os nossos sonhos e projetos que m o­
vem o m undo. í aquilo que ainda n áo tenho, que ain d a
não consegui, que m e faz ir à luta: que tne faz tra b a ­
lh ar p ara a lte ra r a "realidade". Preso à s coisas “como
são" o hom em seria idéntico aos anim ais, que se a d a p ­
tam ao melo. sem utopias e projetos transform adores
De onde se conclui que a utopia, a n te s de ser a m era
fan tasia de loucos e poetas, é u m fa to r fu n d am en tal na
construção do m undo h u m ano Através de visões u tó p i­
cas o hom em desperta para o u tra s realidades possíveis,
diversas daquela em que ele esta inserido.

67
Ao propor novas "realidades possíveis", a a rte p e r­
m ite que, além de se d e sp e rtar p a ra sentidos diferentes,
se perceba a in d a o quão d is ta n te se e n co n tra nossa so­
ciedade dc um estado m ais equilibrado, lúdico e estético.
A utopia é tam bém u m a form a de to m arm o s consciên­
cia do que existe atu alm en te, de tom arm os consciência
do a tu a l estado do m undo hum ano. Afinal, as visões
de pessoas como Jesus (ao propor su a “ordo a m o n s”)
ou de M arx {ao propor su a "sociedade sem classes"),
são utopias que devem conduzir a u m a tran sfo rm ação
do presente, p a ra um fu tu ro m elhor. Pois, segundo o
poeta francés L am artine, “a s u to p ias são verdades pre­
m a tu ra s ”. Pela su a v erten te utópica, a a rte se consti­
tui, então, num elem ento pedagógico fu n d am en tal ao
homem.
A través d a a rte somos a in d a levados a conhecer
aquilo que n ão tem os o p o rtu n id ad e de experienciar em
nossa vida cotidiana. E isto é básico p a ra que se possa
com preender a s experiencias vividas por o u tro s hom ens
Q uando, no cinem a, stnzo as emoções do alpinista,
quando, no teatro , sinto o dram a do preso político,
quando, fren te às telas de P ortinari, sm to a tragédia
dos re tira n te s, descubro m eus sentim entos frente* a
situações (ain d a) não vividas por mim, que náo m e sào
acessíveis em m eu d la-a-d ia Assim, a a rte pode possi­
b ilitar o acesso dos sentim en to s a situações d ista n te s do
nosso cotidiano, forjando em nós a s bases p a ra que se
possa com preendé-las.
N as palavras do filósofo alem ão E m st P lach er: -O
desejo do hom em de se desenvolver e com pletar indica
que ele é m ais que um indivíduo. S en te que só pode
a tin g ir a plenitude se se ap o d erar das experiências
alheias que potencialm ente lhe concernem , que pode­
riam ser dele. E o que o hom em sen te como potencial­
m en te seu inclui tudo aquilo de que a hum anidade.


como um todo, é capaz. A a rte é o meio indispensável
p a ra esta união do individuo com o todo; reflete a in ­
fin ita capacidade h u m a n a p a ra a associação, p ara a
circulação de experiências e idéias.” {A Necessidade da
Arte. Rio de Janeiro, Z ahar, 1976, pág 13.)

O processo do conhecim ento, já o notam os, arti-


cula-se e n tre aquilo que ó vivido (sentido) e o que ó
sim bolizado (p en sad o ). Ao p o ssib ilitar-nos o acesso a
o u tra s situações e experiências, pela via do sentim en to ,
a a r te constrói em nós as bases p a ra uina com preensão
m aior de tais situações. Porque a sim ples transm issão
dc conceitos verbais, que não se ligam dc form a alg u m a
aos sentim entos dos individuos, n ão é g a ra n tia de que
u m processo de re a l aprendizagem ocorra. Ao ditado
po pular "o que os olhos não vêem o coração n ão se n te ”,
poder-se-ia e n tão acrescen tar: "e a cabeça náo ap reen ­
d e”. P erm itir (atrav és d a arte> u m a m aior vivência
dos sentim entos é. d esta form a, ab ran g e r o processo da
aprendizagem como um todo. e não apenas em su a d i­
m ensão simbólica, verbosa, palavresca, como in siste em
fazer a escola tradicional.

H à que se considerar tam bém os aspectos sócio-


c u ltu ra is da educação proporcionada pela a rte. pois ela
e stá sem pre situ a d a n u m contexto histórico e cu ltu ral.
P or cia as c u ltu ra s exprim em o seu “sen tim en to d a épo­
c a”. isto é. a form a como sentem a su a realidade, num
dado m om ento. Aquilo que cham am os de ‘personalida­
de c u ltu ra l”, e n co n tra n a a rte um meio poderoso p ara
se expressar e se to m a r objetivo. O cham ado “estilo” de
um dado período histórico (p o r rx rm p lo : o barroco, o
neo-clássico, o im pressionism o) n a d a m ais é do que a
utilização de determ in ad as form as do expressão, o u de
d eterm inados códigos, pautad o s neste “sen tim en to da
época”.

69
As diversas m odalidades do significado, ou os diver­
sos cam pos do conhecim ento científico, filosófico, re­
ligioso estético — ra e sd a m -te n a c o n stitu ição do estilo
-q u e é vivido pelos indivíduos E este estilo en co n tra na
a rte a su a expressáo plena
A&sim. m antendo-se em co n tato com a produção
a rtístic a de sru tem po e sua c u ltu ra , o individuo viven
cia o “sen tim en to d a época" ou seja, p artic ip a daquela
fo rm a de se n tir que é com um a seus contem poráneos.
Como em nosso civilização existe urna alav an ch a de sig­
nificados, de conhecim entos, é dificílim o conseguir-se
u m a visão do todo cu ltu ra l em que estam os A a rte pode,
então, vir a fornecer as bases (a nivel do sentim ento)
p a ra que esta visáo seja conseguida
Conhecendo a a rte de m eu tem po e cu ltu ra , adquiro
fu ndam entos que me perm item u m a co ncom itante
com preensão do sentido d a vida que é vivida aq u í € ago­
ra E m ais: conhecendo a a rte p re té rita d a c u ltu ra onde
vivo. p 06S0 vir a com preender as tran sfo rm açõ es o p era­
das no seu modo de se n tir e e n ten d e r a vida ao longo
da história, a té os m eus dias.
Em term os In te rc u ltu ra is a a rte tam bém a p resen ta
um im p o rtan te d e m e n to pedagógico. Ha m edida em
que nos seja dado experienciar a produção a rtís tic a de
o u tra s cu ltu ra s, to m a -se m ais fácil a com preensão dos
sentidos dados à vida por essas c u ltu ra s estrangeiros
A través d a a rte se p articip a dos elem entos do sen tim en ­
to que fu n d am a c u ltu ra alien íg en a em questão, o que ¿
o prim eiro pasao p a ra que se in te rp re te as su a s m en sa­
gens e significações Há u rna c e rta universalidade nos
Sím bolos artísticos, que perm item q u e as b a rreira s im ­
postas pelas lín g u as d iferen tes sejam d errab ad as.
Dissemos que h á u m a certa universalidade em tais
Símbolos porque, náo se pode esquecer, tam bém eles
são forjadas a partir de vivências c u ltu ra is próprias, e

70
nena sem pre são acessíveis a o u tra s c u ltu ras. Por exem ­
plo: p ara o ouvido ocidental é algo difícil ap reen d er e
se n tir o» padrões m usicais do o rien te (estabelecidos so­
bre escalas e h arm o n ias d ife re n te s), já que os nossos
sentim entos, em term os m usicais, foram educados sob
e s tru tu ra s rad icalm en te d istin ta* E difícil p a ra os
nossos sentimento® encontrarem , n a m úsica tipicam en­
te oriental, Sím bolos que lhes sejam expressivos. Con­
tudo, como existe u m a c e rta correspondência e n tre os
Sím bolos estéticos d a s diversas c u ltu ras, eles se to m am
um excelente meio de acesso à "visão de m undo” de
outros povos
Porém, este fato funciona como u m a faca de dois
gum es. Pois atrav és da a rte a m oderna civilização
In d u strial (especialm ente com relação aos países hege­
m ônicos) tem pen etrad o em d iferen tes c u ltu ra s com o
in tu ito de am oldar-lhes os sen tim en to s E isto com a
finalidade de condicionar e form ar novos m ercados p ara
os seus produtos, p a ra a su a dom inação econômica.
Q uando um povo aban d o n a os seus padrões estéticos era
favor de padrões estrangeiros — brotados de condições
diversas de vida —. deixa de se n tir com clareza Perde-
se em Símbolos que náo lhe sáo to talm en te expressivos,
acabando por produzir um a a rte am orfa, Inexpressiva e
sem vida.
E necessário cuidado q u an d o se m an ip u la, em te r­
m os educacionais, as arte s produzidas por o u tro s povos.
P orque m ais do que agentes educacionais, podem os estar
nos to rn an d o ag en tes invasores: in stru m e n to s de do­
m inação a serviço de prioridades econôm icas estra n g ei­
ras. F u n d am en tal, então, se to rn a a estim ulação em
to rn o de nossos próprios padrões estéticos. Especial­
m en te o folclore, que é a expressão b ro tad a das m ais
p rofundas raízes c u ltu ra is de u m povo, deve ser conhe­
cido. C onhecer o nosso folclore é lr buscar, lá onde o

71
povo en fre n ta a lu ta pela su a vida, os sen tim en to s de
nossa cu ltu ra. Relegá-lo a p lanos inferiores, classiíicá-
lo de “a rte m enor” ou “coisa de incu lto s ", 6 fazer o jogo
da dom inação e destruição c u ltu ral.
A pontam os assim alguna dos elem entos educativos
contidos no bojo da expressão a rtística . Estes sao ob
fun dam entos filosóficos que em basom a utilização da
a rte como veiculo educacional. É preciso que se e n te n ­
da. então, o que afirm am os n a s prim eiras p áginas: que
arte-educaçào náo significa o trem o p a ra alguém se
to m a r um a rtista . Ela p reten d e ser u m a m an eira mais
am p ia de se abordar o fenóm eno educacional, conside-
rando-o n ão apen as como tran sm issão sim bólica de
conhecim entos, m as como um processo form ativo do
h u m ano. Um processo que envolve a criação de um
sen tid o p a ra a vida, e que em erge desde os nossos se n ­
tim entos peculiares.
A escola hoje se caracteriza pela im posição de
verdades Já p ro n tas, às qu ais os educandos devem se
subm eter. Náo h á ali um espaço p a ra que cada um
elabore a su a visáo de m undo, a p a rtir de su a situ ação
existencial A escola ensina respostas. R espostas que.
n a m aioria dos casos, não correspondem á s p erg u n tas
e inquietações de cada um . As verdadeiras dúvidas dos
alunos não chegam sequer a ser colocadas, pois o
professor já sabe o que todos devem ou n ào saber, a n te ­
cipadam ente. Reproduz-se a cisão d a personalidade,
presente cm noasa civilização cria-se u m "m u n d o teó­
rico, ab strato ", que serve a p e n a s p a ra fazer provas e
"p assar de an o ”, e que n ào se a rtic u la à vida vivida dos
estudantes. H á um fosso profundo e n tre o que se fala
e o que se faz E n tre a teoria e a prática.
A través d a a rte . no e n ta n to , o indivíduo pode ex­
p ressar aquilo que o in quieta e o preocupa P o r ela este
pode elaborar seus sentim entos, p a ra que h a ja um a

72
evolução raaLs in te g ra d a en tre o conhecim ento sim bó­
lico e seu próprlo “eu". A a rte coloca-o fren te a frente
rom a questão d a criação: a criação de um sentido pes­
soal que oriente su a ação no m undo.
P or isso. n a arte-educação. o que im porta não é o
produto final obttdo; náo é a produção de boas obras
de a rte Antes, a aten ç ão deve recair sobre o processo de
criação. O processo pelo qual o educando de ve elaborar
seus próprios sentidos em relação ao m undo á 3ua volta.
A finalidade da arte-educação deve ser, sem pre, o de­
senvolvim ento de urna co tu a én c ia estética.
E consciência estética, ai, significa m uito m ais do
que a sim ples apreciação d a a rte Ela com preende ju s­
ta m en te u m a a titu d e m ais h arm oniosa e equilibrada
p e ran te o m undo, em que os sentim entos, a im aginação
e a razão se in teg ram ; em que os sentidos e valores dados
à vida são assum idos no ag ir cotidiano. Compreende
u m a a titu d e onde n áo existe "d istâ n c ia e n tre intenção
e gesto", segundo o verso de Chico B uarque e Ruy
G u e rra Em nossa a tu al civilização (a n tie s té tic a por
excelência), consciência estética significa urna capací
dade de escolha u m a capacidade critica p a ra n ão ap e­
n as se subm eter à im posição de valores e sentidos, mas
p ara selecioná-los e recriá-los segundo nossa situ ação
existencial.
Segundo Low eníeld e B n tta in , dois arte-ed u cad o ­
res norte-am ericanos, " . . . o que é necessário ao desen­
volvim ento da consciência estética n áo é a apreciação
d e determ inado q u ad ro ou objeto, nem . necessariam en­
te, o ensino de certos valores ad u lto s ou de um vocabu­
lário p a ra descrever obras de a rte A consciência e sté­
tica será m ais bem ensinada a tra v é s do a u m en to da
conscientização pela criança do seu próprio eu e de
m aior sensibilidade ao próprio melo.” <D esenvolm men-

73
to da Capacidade Criadora. 8élo Paulo. M eatre Jou. 1077.
p. 397.)
A rte-educação n ão dcvc significar, fin alm en te, a
m e ra Inclusão da "educação a rtís tic a " noa currículos
escolares Porque, em se m an te n d o a a tu a l e s tru tu ra
{ com partim entada e ra c io n a lista) de nossas escolas, a
a r te ali se to m a apen as u m a d isciplina a m ais en tre
ta n ta s o u tra s O que está em jogo é a p ró p n a e stru tu ra
escolar. onde a educação — e n te n d id a como u m a a ti­
vidade lúdica, fu n d ad a na relaçáo e no diálogo — foi
tra n sfo rm a d a em ensino: u m despejar de respostas pré-
fabrteadas a questões percebidas como ab so lu tam en te
irrelevantes pelos educandos.
A educação é, por certo, u m a ativ id ad e p ro fu n d a ­
m en te estética e criadora cm si p rópria. Ela tem o
sentido do Jogo, do brinquedo, em que nos envolvemos
p razerosam ente em busca de u m a h arm o n ia. N a e d u ca­
ção Joga-sc com a construção do sen tid o — do sentido
que deve fu n d a m e n ta r nossa com preensão do m u n d o e
d a vida que nele vivemos No espaço educacional com ­
prom etem o-nos cum nossa "visão de m undo", com nossa
p alav ra E stam os ali em pessoa — u m a pessoa que tem
os seus pontos de vista, su a s opiniões, desejos e paixões
N ão somos apen as veículos p a ra a tran sm issão de idéias
d e terceiros: repetidores de opiniões alheias, n e u tro s e
objetivos. A relação educacional é, sobretudo, u m a rela­
ção de pessoa a pessoa, h u m a n a e envolvente.
O corre porém que esta relação educacional teve de
ser racionalizada por exigência d a m oderna o rganiza­
ção in d u strial. O educador se tran sfo rm o u em profes­
sor: um funcionário q u e deve to rn a r o seu tra b a lh e
objetivo e racional. C riaram -se os meios de controle
e gerenciam ento da ativid ad e educativa: disciplinas,
currículos, carg as-h o rárias. con tro le de presenças, etc.
J á não devemos dizer a naaaa palavra; som os a p e n a

74
peças na m a q u in aria escolar. Devemos nos a d ap ta i' a
in stitu ição , mesm o quo, p a ra tan to , deixem os de ser
educadoras e nos tornem os reprodutores de fórm ulas
p rontas
K.sTr, o conflito em que estam os m etidos a té a alm a.
Como realizar u m a educação de m an eira lúdica e esté-
ticu em instituições fu n d ad as sobre o u tilitarism o ? Como
ser uno educador q u ando o que se exige é um professor
b u ro crata? Como realizar u m a verdadeira a rtc-ed u ca-
çào? Confesso n ão te r receitas p a ra solucionar a q u es­
tão. A penas acredito n a lu ta Na lu ta Incessante que se
tra v a no interlo: da escola, fre n te aos alunos, p a ra que
«c rom pa o modelo im positivo e a u to ritá rio criado. Creio
n a lu ta que d erru b e o to talitarism o im p lan tad o nas
in stituições educacionais: tu d o já e stá pré-decidido,
desde oa m onstruosos currícu lo s a tó a form a de ae mi»
n is tra r a s aulas. Creio n a liberdade de expressão, g a ra n ­
tid a a todos: m estres e discípulos. Porque arte-ed u ca-
çáo, no fundo, n a d a m ais é do que o estim u lo p a ra que
cad a um exprim a aquilo que se n te e percebe. A p a rtir
d esta expressão pessofd, própria, é que sr pode vir a
a p ren d er qu alq u er tipo de conhecim ento co n stru id o por
outros.
Seria in te re ssa n te term in a rm o s com u m a citação
d e H erb ert Read. o pensador inglés que deu as prim ei
ra s diretrizes à arte-educaçáo . Disse ole, em 1943, q u an
do propôs a su a educação através da arte:
'Deve com preender-se desde o começo que o que
te n h o p resente nào é sim plesm en te a ‘educação a r tís ti­
ca como tal, que deveria denom inar-se m ais ap ro p ria
d am en te educação visual ou p lá stic a , a teoria que enun
ciarei ab arca todas os modos de expressão individual,
lite rá ria e poética «verbal) nao m enos que m usical ou
a u d itiva, e form a u m enfoque In teg ral ria realid ad e que
deveria denom inar-se educação estética, a educação

7S
desses sentidos aobre os quais se fundam a consciência
e, em últim a instância, a inteligência e o juízo do in ­
divíduo hum ano. Som ente na medida em que esses sen­
tidos estabelecem um a relação harm oniosa e h abitual
com o m undo exterior, se constrói um a personalidade
integrada." (Educación Por El Arte. Buenos AiTes.
Paidós. 1977 p. 33 )
Nossa personalidade ioi desintegrada; n a explosão
d a scctedade in d u strial foi reduzida a cacos desconexos.
A arte-educação é apenas um a (pequena i m an eira de
te n ta r colar os pedaços das novos gerações. Um a utopia?
Talvez. Mas há que se m an ter aceso o sonho, p ara que
se saiba aonde se quer chegar.

R esum o das Idéias Principais:

• A civilização industrial se fu n d a na prim azia d a razão


e do trabalho e no m ito d a n atu reza in fin ita
• A a rte perm ite dirigir nossa aten ção aos sentim entos
e ain d a contribui p ara o seu refinam ento.
• A a rte m antém acesa a im aginação e a utopia — um
projeto de futuro.
• A arte perm ite um contato d ireto com os sentim entos
de nossa e dc outras culturas.
• A rte-educaçáo náo significa apenas a inclusão da
a rte nos currículos escolares.
• A rte-educaçáo tem a ver com u m modelo educacional
fundado n a construção de um sentido pessoal p a ra a
vidn que seja próprio de cada educando.

76
A ARTE-EDUCAÇAO ENTRE NOS

Resta-nos agora te n ta r le v an tar algum as questões


conccrncntcp ao em prcgo da a rte no ensino brasileiro
Aj>esar de algum as experiências pioneiras neste setor
— como a ‘Eacolln h a de A rte” fundada cm 1948, no Rio
de Janeiro, por A ugusto R odrigues —, no ensino oficial
a a rte continua relegada a segundo ou terceiro plano
H istoricam ente sem pre tivem os aqui a educação do
colonizador. Isto é, aquela que despreza a s condições
específicas da te rra e procura Im por a visão de m u n ­
do que interessa às m inorias dom inantes. Nosso projeto
educacional esteve, desde o início, voltado à inculcação
de valores pragm áticos; de valores que tin h am a ver
apenas com a produção de bens de consumo. Copiáva­
mos (e copiamos) modelos de “desenvolvim ento" ba­
seados em experiências de o u tras c u ltu ras e que. ao
serem tran sp lan tad o s p ara cá, sofrem sérias distorções,
gerando verdadeiros descalabros, especialm ente edu­
cacionais

Neste sentido a a rte sem pre foi vista como "artigo


de luxo”, como um ''acessório" c u ltu ra l; coisa de deso­
cupados O verdadeiro ensino da a rte foi reservado às
horas de ócio das classes superiores, dando-se apenas
nos "conservatórios'' e "academ ias” p articu lares. Na
escola oficial a a rte sem pre en tro u pela p o rta dos fu n ­
dos e. ainda assim , de m aneira disfarçada. Teve ela de
se disfarçar tan to que se to m o u descaracterizaria e
deixou dc ser arte. Virou tudo desenho geométrico.

77
a rte s m anuais, a rte s in d u stria is, arU>a dom ésticas, fan-
la rra s. etc. T udo, m enos arte.
Tsto porque o íim ú ltim o d e nosso ensino sem pre
íoi a produção de m ão-de-obra; o a d e stra m e n to du in d i­
viduo p a ra o exercício de u m a profissão (té c n ic a ) lá
tora, no m ercado de trabalho . N unca tivem os, por aquí,
u m a educação h u m a n ista , pois ela n ão in teressa ao mo­
delo in d u stria lista de desenvolvim ento ad o tad o por
nós. A escola sem pre foi vista com o u m a lin h a de p ro ­
du ção onde se fabricam individuos m ecán icam en te
a d ap ta d o s ¿ s exigências do in d u strialism o
Em 1971 prom ulgou-se a (tris te m e n te ) fam osa Leí
5.692/71, onde, v erticalm ente, p reten d la-su •m oderni­
zar" o nosso ensino. O seu objetivo ú ltim o sem pre foi —
náo se pode n e g a r a elim in ação de q u alq u er critici-
dade e criativ id ad e no se¡o da escola, com a concom i­
ta n te produção de pessoal técnico p a ra a s g ran d es
em presas. As g randes em p resas que, com as benesses
oficiais, vinham de todo c a n to do m u n d o p aru aq u i se
in stalar em (u m p araíso p a ra elas, já que n á o haviam
greves, sindicatos, reivindicações, e tc .). H avia q u e se
p rep arar, desde os níveis m als elem entares, um pessoal
que. n ão ten d o u m a visão to ta liz a n te e c ritic a d a c u ltu ­
ra onde estavam , trab alh asse m sem c a u sa r g ran d es
problem as. F oi criado então , sem q u a lq u e r in fra -e s tru ­
tu ra , o ensino profissionalizante.
Porém , p a ra o cu ltar um pouco o seu c a rá te r doines-
Ucador, a Lei 5.692/71 trouxe no seu bojo a lg u m as novi­
dades, coino a in s titu ição d a educação artístic a . A ntes
dela tín h am o s n a escola a lg u m a s d isciplinas que
possuiam o term o " a r te " cm seu norue. E o caso das
•'artes in d u striais", onde se a p re n d ia a fab ricar obje­
to s "ú teis", ou d as " a rte s dom ésticas", onde se a p re n ­
d ia a cozin h ar, a bordar, etc. O u a in d a a s a u la s dc
m úsica (à s vezes d en om inad as "c a n to o rfeó n ico "), em

7*
que o alu n o c a n ta v a , com o ac o m p a n h am en to do
m estre, os hinoa do País. Mas. com a Leí. a a r te -ed u c a­
ção foi "oficializada" n as escolas — ao lado da p ro fis­
sionalização p rag m ática
No e n ta n to , se m esm o a p a rte técn ica dos novoa
cu rrículos n áo pôde se r sa tisfa to ria m e n te Im p lan tad a
(devido á ab so lu ta au sên cia dc u m a In fra -e stru tu ra
económ ica e h u m a n a ), m enos a in d a pu d eram ser os
parcos h o rário s d estinados á a rte . F u ncionado m u ita s
vezes em p recárias instalações, a escola b rasileira não
dispõe, em prim eiro lu g a r, de condições p a ra a b rig a r um
espaço apropriado ao tra b a lh o com a a rte . (Conheço
escolas onde os alu n o s sentam -se em cad eiras com uns
e são alfabetizados com u m a tá b u a sobre o colo. onde
apoiam os cadernos.) O rganizada a in d a de m an eira
form al e b u ro crática, onde o que im p o rta são os "disci
p lin as sérias", a e s tru tu r a escolar relegou a educação
a rtístic a a se to rn a r urna d isciplina a m uís d e n tro dos
currículos tecm clstas, com urna p eq u en a ca rg a -h o rá ria
sem anal (em geral d u as h o ra s /a u la ).
A a rte c o n tin u a a ser e n c arad a , no in te rio r da
própria escola, como um m ero lazer, u m a d istraçã o
e n tre as atividades "ú te is * d as dem ais discip lin as O
próprio professor de a r te é visto como “p au p ra toda
obra", com o u m "q u ebra-g alh o s". F req ü e n te m e n te ele
é obrigado a ccdcr su as a u las p a ra "a u la s de reposição'
d e o u tra s disciplinas, quan d o n áo lh e é delegada a in ­
c u m bência de "d eco rar'' a escola e os "carros-alegóri*
eos" p a ra as festividades cívicas N este sen tid o faz-se
to ta lm e n te Inócua a d isciplin a “ed u cação a rtís tic a " , já
que to d a a e s tru tu ra física, b u ro crá tic a e ideológica da
escola e stá o rg an izad a n a direção d a im posição c do
cerceam en to da criatividade.
Com a im p lan tação da Leí 5.692/71 m u ltip lic a ra m -
se os curso3 de form acáo p a ra o a rte-ed u cad o r. Mas,

79
a p esar de já ex istirem .pessoas diplom adas n a área,
a in d a m uitos leigos vêm ocupando o cargo de profes­
sor de arte. Q uer dizer: o próprio E stado dá u m jeito
de b u rla r a legislação em vigor, c ria d a por ele mesmo
(o que diz m uito, a favor de m in h a tese de q u e a “edu­
cação a rtístic a ”, nos currículos, é “só p ra d isfa rç a r").
O u tro grave problem a é que. pela legislação em
vigor, a “educação a rtís tic a '' com preende as á re as de
m úsica, te a tro e a rte s p lásticas O corre, porém , que é
impossível form ar-se um professor que dom ine in te g ra l­
m ente a5 trê s áreas, e isto g e ra deficiências no tra b a lh o
efetivam ente desenvolvido. O ideal seria, ce rtam e n te , a
c o n stitu ição de u m a equipe de professores onde cada
u m se responsabilizasse por u n ia á re a especifica. Ideal
talvez im praticável, a c o n tin u a r o to ta l abandono da
educação em que estam os, em term o s de verbas oficiais.
Todo este quadro de d esv irtu a m e n to da arte -e d u -
cação que pincelam os n as lin h a s an terio re s acab a por
g e ra r situações su m am en te perniciosas. Como, por
exemplo, a e n tre g a de desenhos e contornos já prontos
p a ra o alu n o colorir ou reco rtar. N esta atividade escon­
de-se u m a su til im posição de valores e sentidos. A m en ­
sagem su b lim in ar q u e ela en cerra, e que é tra n sm itid a
ao alu n o é: “você é Incapar de d e se n h a r por si próprio,
de c ria r qu alq u er coisa; você deve se re s trin g ir aos lim i­
te s im postos pelos m ais capazes”. A este respeito, co­
m en tam Lowenfeld e B ritta in :
"E xpor u m a aprendizag em a rtístic a que in c lu a tais
tipos de atividades é pior do que n ão d a r aprendizagem
algum a. São atividades pré-solucionadas que obrigam
a s crian ças a u m com portam en to im itativo e inibem
s u a p ró p ria expressáo criadora; esses tra b a lh o s não
estim ulam o desenvolvim ento em ocional, visto que
q u a lq u e r variação produzida p ela e n a n ç a só pode ser
u m equívoco; não incentivam a s aptidões, po rq u an to

80
estas se desenvolvera a p a rtir d a expressão pessoal. Pelo
contrário, apen as servem p a ra condicionar a crian ça,
levando-a a aceitar, corao a rte , os conceitos adultos,
u m a a rte que é incap az de produzir sozinha e que, p o r­
tan to , fr u s tr a seus próprios im pulsos criadores.” (D e­
senvolvim ento d a Capacidade Criadora, p. 71).
E a in d a e com um encon trar-se, n a s a u la s de arte,
a proposta de confecção de p resen tes p a ra o “d ia dos
pais", ‘das m ães", “das cria n ç a s”, etc. Além de. em
geral, serem “p resen tes" pré-fabricados, que o alu n o
deve re c o rta r, colar e colorir, reforça-se a a titu d e con-
su m ista presente e n tre nós. T ran sm ite-se, sem q u estio ­
n am entos. u m a ideologia de consum o que in s titu iu se­
m elh an tes d a ta s com fins e strita m e n te lu crativ o s E
o que é pior: im põe-se ta is valores m esm o às c ria n ç a s
o riu n d as de classes sociais ex tre m a m e n te caren tes, le­
vando-as a assim ilar modelos que o cultam su a s reais
condições de vida. Lem brem o-nos: arte-ed u cação sig n i­
fica expressar os sen tim en to s e sentidos oriundos da
vida co n cretam ente vivida, e n ão a im itação dos valores
alheios.
U m a o u tra a titu d e perniciosa, tam bém en co n tra d a
freqüentem ente, é a avaliação do e stu d a n te (por n o tas
ou conceitos) em relação à su a “pro d u çáo ” a rtístic a .
E sta a titu d e é m uito sem elh an te àq u ela de se prom over
concursos de a rte in fan til. Nesses concursos a escolha
do “m elh o r” tra b a lh o é fe ita sem pre a p a rtir dos valores
e padrões a d u lto s que n a d a significam (em term o s e sté­
ticos) p a ra a crian ça. As crian ças "n ã o p re m ia d a s”
q uase sem pre se sentem reje ita d as e passam a te n ta r
im ita r e copiar as obras prem iadas, com o in tu ito de
a g ra d a r os adultos. Isto é: deixam de lado a su a expres­
são pessoal em favor de padrões ex terio res a elas.
Como já afirm am os, n a arte-ed u cação n áo im p o r­
ta m ta n to os produtos fin ais q u a n to o processo de

81
criação e expressão Mas parece que os professores ainda
insistem n a su a visão u tilita rista do m un d o : valori­
zando o objeto produzido. E o que é p io r: valorizando-o
em term os dos seus padrões de beleza, que n ão têm a
m ínim a significação p ara a crian ça
É interessante notar-se tam bém que ta is “padrões
de b e le z a ", hoje, têm m uito a ver com a m assificação
produzida pela televisão e n tre nós. Porque, dc repente,
o P aís viu-se invadido pelos padrões estéticos veiculados
atrav és d a televisão, que p artem quase que exclusiva­
m ente dos centros econom icam ente m ais desenvolvidos.
Se o acesso de gran d e p a rte d a população à atividades
c u ltu rais (cinem a, teatros, concertos, exposições, etc.)
já e ra escasso, com a televisão (u m meio m ais barato
de lazer» ele se tornou ínfim o. Assim é que a televisão,
p enetrando nos m ais recônditos c an to s da Nação, a fa s­
tou a s pessoas d as m anifestações a rtístic a s populares e
regionais. Im pòs-lhes conceitos de b eleia que se choca­
vam com aqueles nascidos de su as vivências concretas.
A briu-se mão, então, das tradições c u ltu ra is em favor do
'm oderno” que é veiculado n a p equena tela. (“ Bye bye
B rasil", film e dc Carlos Diegues, é u m excelente re tra to
deste processo).
O ra, isto fez com que ce próprios professores de a rte
tam bém aspirassem àquele fan tástico m u n d o de plum as
e brilhos, de acrílico e luzes. Aquilo sim é que é beleza!
Todos, então, devem produzir a r te em conform idade
com os padrões televisados, que p assaram a ser os c ri­
térios norteadores da avaliação a rtística . É b asta n te
com um , no in terio r de nossas escolas, o tra b a lh o com a
a rte ser p a u ta d o nos program as de TV. Vai-se m ontar
u m a pequena peça? Por que não decalcá-la n a “novela
d as oito”? Vai-se d an çar? Por que náo com o as baila­
rin as que abrem aquele ou tro program a? E assim por
d ia n tr ..

82
O resum ido díalo é o abandono de padrões pesabais
c regionais de expressão. É o nivelam ento c u ltu ra l por
baixo. E u Im posição de urna form a de expressão "im ­
p o rtad a , que pouco tem a ver com a s paixões e desejos
de cada um. É com o vestir u m a roupa de g ala dois
núm eros além do nosso; n a ilueáo de estarm os bem-
vestidos não percebem os o ridículo de nossa figura.
¡Pode parecer Incrive), m as já vi urna íe sta ju n ln a,
iiurna « c o la infantil, aer an im ad a pelo "som disco*
teq u e").
£ necessário «? recuperar, n o interior das escolas, a
expressão pessoal — ta n to por p a rte dos alunos q u an to
dos professores. T ornam o-nos u m P aís com medo: medo
d a divergência dos padrões oficiais im postos. Assim, é
m ais "seguro'’ rep etir fórm ulas e conceitos •o b je­
tivos"; é m ais seguro" ser e strita m e n te "cientifico" e
"n e u tro ”, pois evitam os o com prom etim ento com nossa
própria palavra, com nossos próprios valores Tomos
cada vez m ais corrido a tr á s de novidades pedagógicas
em term os de técnicas: d inám ica de grupo, àudio-vi-
suals, avaliações objetivas, etc., sem, no en tan to , p reo­
cuparm os-nos com os f i m da educação. Sem d isc u tir­
mos o que, com o e porquê ensinar. S ubstituím os a
opinião pessoal por um palavrório oco e in au tên tico , que
tom am os dos livros-textos e o repetim os in fin itam en te,
m agantem ente
Se n as disciplinas técnicas e sta p o stu ra de nào
com prom etim ento, de "n e u tra lid a d e ". Já é um a distor­
ção da relação educacional, o que dizer da educação
artístic a , cujo fim deveria sei ju sta m e n te a expressão
dos sentidos pessuais? A im itação e o a d estram en to
atin gem aí, as ra ia s do delíno, pois o que im porta, p ara
m uitos professores, é o aluno seguir o modelo dado por
eles Ê copiar a •arte'' proposta pelo m estre: fazer ura
desenho igual ao que está na lousa, p in ta r a fig u ra m i-

83
m eografada recortar os contorno» já traçados, escrever
um poem a baseado em ou tro dado. etc.
Não quero p in ta r aqui um q u ad ro ex trem am en te
som brio da arte-educação e n tre nós, pots creio que
m uitos vém lu tan d o p ara a lte ra r esta <cies) ordem de
coisas. Vém lu tan d o p ara tra n sfo rm a r não só a educação
artística, m as o próprio modelo de ensino a que estam os
subm etidos. M as é preciso, sem pre e sem pre, d en u n cia r­
se e sta educação voltada à subm issão, à docilidade. Lem­
brem o-nos: o a to criador é rebelde e subversivo — é.
sobretudo, um a to de coragem Coragem de não se acei­
ta i o estabelecido, propondo u m a nova visão, um a nova
ordem , um a nova correlação de forças.
Precisam os d e stru ir e sta visão de educação como
u m a g u erra e n tre professores e alunos U m a g u e rra que
levou um a certa diretora de um a escola de 1." g rau a
propor ao professor de educação a rtístic a do estabeleci­
m ento: ' como esta classe ê m uito difícil de se dom inar,
sugiro-lhe que coloque várias receitas de bolus e pastéis
no cuadro-neRro, e os obrigue a copiar em silêncio",
Não precisam os m ais de fórm ulas e receitas ed u ca­
cionais — precisam os sim é de um com prom etim ento
h um ano, pessoal, valorativo, com a educação e a Nação.
Precisam os de um a real arte-educação, e náo dc um a
"arte c u lin ária ’. U m a a rte c u lin á ria cu ja receita p rin c i­
pal é cozinhar-se em fogo b ran d o os corações e m entes
d a s novas geraçõet, para eervl-los d o g ran d e b anquete
do desenvolvim ento in d u stria lista

R esum o da» Idéias Principais."

* Nosso modelo educacional sem pre assentou-se sobre


bases u tilita rista s e pragm áticas.
* A Lei S 692/71 teve como finalidade principal a pro-

»4
duçâo de m ão-de-obra acritica. p a ra o modelo dc
desenvolvim ento que adotam os
• A pesar de existir n a le tra d a Lei, a atte-ed u eação no
Brasil e stá relegada a ser m era disciplina "decorati­
va" nos currículo*.
• Neste contexto a arte-educaçáo acaba sendo usada
como m ais u m a im posição de valores e modelos
alheios ao educando.
• O papel hom ogeneizante da televisão se reflete ta m ­
bém no in terio r da artr-cd u caçào
• A educação, especialm ente no cam po artístico, não é
um a atividade “n e u tra " , m as im plica n a expressão
pessoal de valores, sentim en to s e significações.

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