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Lazer e Entretenimento

Material Teórico
Relações entre Lazer e Cultura

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Pedro Fernando Avalone

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida
Relações entre Lazer e Cultura

• Introdução;
• Conceito de Cultura e suas Peculiaridades;
• Indústria Cultural e do Entretenimento;
• Lazer e Mercado.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Conhecer os diferentes conceitos de Cultura e seus autores de referência;
· Compreender o significado do conceito de Indústria Cultural, bem como
as relações entre o campo da Cultura e as demandas de Mercado;
· Reconhecer as relações entre Lazer, Mercado e direitos de cidadania.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você
também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Relações entre Lazer e Cultura

Introdução
Pronto para dar início a mais uma Unidade da nossa Disciplina de “Lazer
e entretenimento”?

Mas antes disso, que tal recordarmos – de forma geral – os assuntos tratados na
Unidade anterior? Vamos ver como anda a sua apreensão dos conteúdos. Coloque
sua memória para funcionar!

A primeira Unidade apresentou, introduto-


riamente, conceitos básicos sobre o lazer. Para
essa tarefa, iniciamos realizando um passeio
pela História, buscando desvendar o momento
de nascimento desse fenômeno sociocultural.

Ao realizarmos esse caminho, observamos


que a Humanidade, desde a Antiguidade, bus-
cava experiências de divertimento. Entretanto,
Figura 1 lembre-se que isso não significou a existência
Fonte: iStock/Getty Images do lazer desde a antiga Grécia e de Roma.

Nosso percurso histórico nos levou à Modernidade, momento no qual surge o lazer.
Entretanto, a passagem por períodos anteriores demonstrou que o lazer estabelece
relação dialética com suas formações pretéritas. Em um movimento de continuidade e
descontinuidade, o lazer herda características de seus antecessores; porém, diferencia-
-se deles quanto a suas funções e ao contexto social em que se revela e se desenvolve.

Mas se o lazer tem funções diferentes de suas formas anteriores, quais funções
são essas?

Na tentativa de responder a essa questão, o segundo momento de nossa Unidade


inicial ocupou-se em apresentar os diferentes sentidos assumidos pelo lazer desde
sua gênese.

A exposição foi construída a partir de alguns autores de referência nos estudos do


lazer no Brasil, destacando suas contribuições acadêmicas e divergências teóricas.

Por fim, buscamos situar melhor a produção de conhecimento no campo dos estu-
dos do lazer no país, mapeando seus diferentes ciclos. Essa apresentação nos permitiu
observar que aquilo que se produz cientificamente sobre o lazer vincula-se diretamente
à conjuntura social de cada época. Nesse sentido, iniciamos com os estudos de caráter
prescritivos e funcionais, passando pelas pesquisas que se debruçaram sobre os interesses
culturais do lazer até chegar às produções teóricas que problematizam a relação entre
lazer e as demandas do Mercado. É importante destacar que esses dois últimos obje-
tos de investigação serão revistos nesta Unidade, com mais detalhes.

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Após essa sucinta revisão dos temas abordados na Unidade anterior, vamos dar
início aos conteúdos desta Unidade.

Para isso, gostaríamos de lhe fazer algumas perguntas: O que é Cultura para você?
Você pertence a alguma Cultura particular? Qual é o tipo de Cultura que você
mais gosta?

Todas essas perguntas trazem em comum a tentativa de explicar ou delimitar


melhor o significado de Cultura.

Figura 2
Fonte: iStock/Getty Images

Parece-nos que, da mesma forma que com o lazer, a maioria das pessoas tem uma
ideia – ainda que vaga – sobre o que é a Cultura. Todavia, por vezes, essas opiniões
retratam uma visão distorcida e estereotipada da Cultura.

Segundo Melo e Alves Junior (2003, p. 24): “Até em função dos desdobramen-
tos sociais, quando se fala em cultura é comum que sempre as mesmas imagens
venham à mente”.

Mas, quais são essas imagens?

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UNIDADE Relações entre Lazer e Cultura

De acordo com os autores, essas representações simbólicas, normalmente, refe-


rem-se às expressões artísticas mais comuns (Artes, Cinema, Música, Literatura etc.),
ligadas à cultura erudita e, portanto, inacessíveis à maior parte da população.

A cultura seria vista como algo com conteúdo complexo e realizada em espaços
sofisticados, cujo acesso se restringiria aos mais ricos. Além disso, a imagem que se
tem de uma pessoa culta é sempre a de um sujeito antissocial, estudioso, de gosto
refinado e que – de forma exibicionista e pedante – procura demonstrar sua erudição.

Seriam essas imagens corretas?

Elas seriam um retrato adequado daquilo que a Cultura é na realidade?

Melo e Alves Junior (2003) afirmam que elas são um engano. Entretanto, ao mes-
mo tempo, destacam que não são invenções aleatórias, ou seja, não é um equívoco
cometido por acaso. Para os autores, há uma ordem social que intencionalmente
afasta as pessoas da oportunidade de contato com as expressões culturais e que cria
uma hierarquia entre as diferentes formas de organização da cultura.

Cultura no Brasil
Explor

De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF-IBGE) de 2009, 46,7 milhões das
57,8 milhões de famílias consultadas no universo da pesquisa POF - aproximadamente 81%
- consumiram algum produto de cultura. No entanto, estudo da Fundação Getúlio Vargas,
intitulado “A Cultura na Economia Brasileira”, apontou que as famílias brasileiras gastam em
torno de apenas 0,6% de sua renda em cultura.

Pesquisa de Orçamentos Familiares - https://goo.gl/dz8BrL


Explor

A Cultura na Economia Brasileira - https://goo.gl/npkNiV

Um bom método para conhecermos bem determinado fenômeno ou aspecto da


realidade é começar descobrindo aquilo que ele não é. Nesse sentido, já podemos
perceber que Cultura não significa um status social restrito a uma parcela da popula-
ção mais abastada e não se circunscreve às expressões artísticas eruditas. Por conse-
guinte, cabe, agora, procurarmos compreender o que é a cultura.

Conceito de Cultura e suas Peculiaridades


Embora fizesse parte da Antiguidade como prática social e conteúdo das reflexões
filosóficas dos homens livres, a palavra Cultura surge apenas no século XI. Entretan-
to, nesse início tem sentido bem diferente daquele empregado hoje em dia, pois era
utilizada para delimitar um pedaço de terra a ser cultivado, o que hoje é representado
pelo termo Agricultura.

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A Cultura entendida no seu sentido figurado de cultura do espírito e do intelecto
é uma construção influenciada pelos ideais iluministas, presentes no Renascimento
durante o século XVI.

Para Bauman (2012, p. 12): “Originalmente, na segunda metade do século XVIII,


a ideia de cultura foi cunhada para distinguir as realizações humanas dos fatos ‘duros’
da natureza”.

Em seus escritos introdutórios, o autor localiza duas leituras sobre a ideia de cultura;
a primeira vinculada a uma atividade espiritual que estimula a capacidade criativa, in-
ventiva, autocrítica e de autotranscedência; já a segunda compreende a Cultura como
expressão da rotina e da continuidade. Bauman (2012) resume Cultura da seguinte
forma: “[...] é tanto um agente da desordem quanto um instrumento da ordem; um
fator tanto de envelhecimento e obsolescência quanto de atemporalidade” (p. 28).

E. F. Tylor (1871) definiu cultura como o complexo que abrange os conhecimen-


tos, as crenças religiosas, a Arte, a Moral, os costumes e todas as outras capacidades
e hábitos herdados pelo homem da Sociedade.

Melo e Alves Junior (2003) compartilham esse conceito; porém, alertam para o
fato de que, por envolver os desejos humanos, definição, construção e difusão da
Cultura não são elementos simples e harmônicos; ao contrário, envolvem tensões,
diálogos, trocas, manipulações e disputas. Esse caráter contraditório e conflituoso
é facilmente percebido nas manifestações artísticas, que podem cumprir tanto o
papel de ajustamento, quanto o de contestação.

Trocando ideias...Importante!
Melo e Alves Junior (2003) apresentam três equívocos cometidos nas interpretações
sobre a Cultura:
• O primeiro é restringir a Cultura a algumas linguagens artísticas (música, cinema,
literatura etc.), desprezando outras como, por exemplo, o esporte;
• O segundo refere-se a uma maior valorização da cultura erudita em relação à cultura
popular, desprezando o fato de que ambas devem ser valorizadas;
• O terceiro é reduzir o conceito de cultura à apenas o conjunto de manifestações, sem
perceber que se trata de algo bem mais amplo.

Santos (2002) assemelha a Cultura à territorialidade, vez que a primeira seria o


resultado do processo de viver, das relações sociais, da mesma forma como a terri-
torialidade é decorrência do processo de ocupação do espaço, das relações estabe-
lecidas entre o homem e o seu meio.

Para Marcellino (2007), além de compreender a Cultura no seu sentido mais


amplo, as análises não devem considerar tão-somente os produtos culturais, mas
incluir a preocupação com o modo como eles são socialmente produzidos.

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UNIDADE Relações entre Lazer e Cultura

Não é nosso objetivo, nesta Unidade, aprofundarmo-nos no conceito de Cultura,


o que exigiria imersão por diferentes campos científicos, tais como: a Antropologia
(suas diferentes áreas e ramos), a Sociologia, a Filosofia e a Psicologia, entre outras.
Além disso, os conceitos de Cultura sofrem o impacto da chamada sociedade comple-
xa e/ou heterogênea, caracterizada – entre outras coisas – pelas mudanças no mundo
do trabalho e na esfera da produção.

Nesse momento, priorizaremos a exposição dos aspectos inerentes à relação en-


tre a cultura e o lazer, relação essa que, na temporalidade contemporânea, remete-
-nos à indústria cultural e do entretenimento – tema da próxima seção desta Unidade.

Vejamos então como Lazer e Cultura se relacionam!

Segundo Silva e Sampaio (2011), tomando como base outras classificações do


lazer, Dumazedier (autor bastante citado na Unidade anterior) cria um novo esquema
que denomina de conteúdos culturais das atividades de lazer.

Essa estrutura se organiza em cinco conjuntos de interesses culturais.

São eles:
• Físicos;
• Estéticos/artísticos;
• Intelectuais;
• Manuais; e
• Sociais.
• Posteriormente, outros autores incluíram outros dois conjuntos:
• Turístico (CAMARGO, 1986);
• Virtual (SCHWARTZ, 2003).

Os interesses físicos correspondem àquelas atividades cujo conteúdo tem o predo-


mínio do movimento humano, tais como, a prática de atividades esportivas e físicas.

Pesquisa tem demonstrado que esse é o conteúdo cultural do lazer mais difundido
entre a população, motivada pela busca da melhoria da qualidade de vida e promo-
ção da saúde.

Esse é o seu caso? Você tem praticado algum tipo de exercício físico no seu
tempo livre? O que você deseja alcançar com a prática de atividade física?

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Figura 3
Fonte: iStock/Getty Images

Silva e Sampaio (2011) fazem duas ressalvas em relação aos interesses físicos/
esportivos. A primeira observação realizada pelos autores é a de que não podemos
afirmar que a maior parte da população brasileira utiliza o seu tempo disponível
para a prática de atividades físicas.

Importante! Importante!

Atividade Física no Brasil


Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD (IBGE, 2015),
entre 27 de setembro de 2014 e 26 de setembro de 2015 (365 dias), 61,3 milhões de
pessoas praticaram algum esporte ou atividade física. Esse número corresponde a apenas
37,9%, da população de 15 anos ou mais de idade no Brasil.
Explor

Práticas de Esporte e Atividade Física - https://goo.gl/f8BbYu

A segunda ressalva de Silva e Sampaio (2011) é quanto ao parâmetro de avalia-


ção da qualidade do envolvimento com a atividade física ou esportiva no momento
de lazer. De acordo com os autores, o interesse físico, quando vinculado aos con-
teúdos culturais do lazer, não deve ter como referência a visão do Lazer Ativo, ou
seja, o envolvimento com a prática de atividades físicas ou esportivas no tempo
disponível deve ser avaliado pelo aspecto da atitude que anima seu praticante, e
não pelo parâmetro fisiológico (gasto energético). Ademais, vale lembrar que os
interesses físicos e esportivos também podem ser vivenciados pela contemplação
(fruição) e pelo conhecimento (estudo), de preferência em níveis críticos e criativos
(SILVA e SAMPAIO, 2011).

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UNIDADE Relações entre Lazer e Cultura

Os interesses artísticos relacionam-se às imagens, emoções e sentimentos.


Eles abrangem todas as manifestações artísticas. O conteúdo estético dessas ma-
nifestações pode – ou deve – promover a catarse pessoal, entendida aqui como o
encontro com nossas emoções mais autênticas ou aquilo que somos do ponto de
vista afetivo.

Figura 4
Fonte: iStock/Getty Images

Os interesses intelectuais envolvem o contato com informações objetivas e


explicações racionais (MARCELLINO, 2007). Diferente dos interesses artísticos,
nessa dimensão, privilegia-se a esfera do real, e não do imaginário. Tem como ob-
jetivo a ampliação de conhecimento, o que pode ser alcançado, por exemplo, por
cursos de formação continuada e o hábito da leitura.

Figura 5
Fonte: iStock/Getty Images

Os interesses manuais são definidos pela capacidade de manipulação de


objetos e materiais. O objetivo pode ser a transformação ou a criação de um novo
artefato. São exemplos desse tipo de atividade de lazer a bricolagem, o artesanato,
a jardinagem etc.

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Silva e Sampaio (2011) destacam que, nesse caso, a motivação para o envolvi-
mento com essas atividades não é o retorno financeiro. Também faz parte dessa
categoria o conserto de utensílios domésticos e brinquedos, entre outros objetos,
desde que seja uma opção e não uma imposição devido à falta de dinheiro para a
contratação de um profissional.

Figura 6
Fonte: iStock/Getty Images

Os interesses sociais estão vinculados à necessidade de vinculação e pertenci-


mento a algum grupo, de relacionamento e contato face a face com outros indivídu-
os. São os encontros em festas, bailes, bares, bem como a constituição de grupos
que possuem elo de identificação.

Atualmente, é possível observar que tais interesses têm sofrido uma ressignificação
em função dos interesses virtuais, vez que os “encontros” e as conversas ocorrem,
com maior frequência, nas Mídias e nas redes sociais.

Figura 7
Fonte: iStock/Getty Images

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UNIDADE Relações entre Lazer e Cultura

Os interesses turísticos caracterizam-se pela busca da quebra da rotina tem-


poral ou espacial, promovendo contato com novas paisagens, hábitos e culturas
(MARCELLINO, 2007). A procura pelas atividades culturais de turismo simboliza,
contemporaneamente, a relação de dependência e antagonismo entre trabalho e
lazer. Afinal, muitas viagens são motivadas pelo desejo de fuga do estresse da rotina
diária, que envolve as demandas do trabalho e o ritmo caótico das grandes cidades.

Você se inclui entre aquelas pessoas que ficam contando os dias para a chegada
das férias? Como foi sua última viagem de férias ou a lazer? Quais foram suas moti-
vações? Elas foram alcançadas?

Figura 8
Fonte: iStock/Getty Images

Vale à pena abrir um parêntese aqui para chamarmos sua atenção para o fato de
que essa classificação dos interesses culturais do lazer pode sofrer variações e conexões.

Como exemplo, a opção, cada vez mais comum, de realizar viagens com grupos
de amigos ou familiares representa uma mescla entre interesses turísticos e sociais.

Já a escolha por uma viagem para locais inóspitos (difícil acesso e isolados) ou
propícios à prática de esportes de aventura ou natureza representa uma mistura
junto aos interesses físicos e esportivos. Além disso, constitui um exemplo daquilo
que Mascarenhas (2003) denominou de êxtase-lazer, atividades que oportunizam ao
indivíduo dar vazão à adrenalina de forma bastante rápida.

Sobre a relação entre os diferentes interesses culturais, Silva e Sampaio (2011,


p. 58) observam que:
A inter-relação entre os interesses culturais é passível de ser percebida em
qualquer deles e qualquer caracterização poderá ser feita pela predominância
do tipo de atividade realizada, não [há] um interesse cultural do lazer puro em
si mesmo, eles se interpenetram.

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Uma prova da citação acima são os interesses virtuais. Trata-se de um novo con-
teúdo do lazer, decorrente dos avanços tecnológicos, que transformam os meios de
comunicação e aprimoram as conexões em rede.

A Internet possibilita a vivência de vários interesses culturais. Nesse território vir-


tual, é possível conhecer pessoas de qualquer parte do mundo, visitar os principais
museus e suas obras de Arte, contemplar as mais belas paisagens, acessar bibliotecas
virtuais, praticar os chamados e-sports (esportes eletrônicos). Ou seja, as possibili-
dades parecem infinitas!

Você Sabia? Importante!

Uso da internet no Brasil


Segundo a publicação “Cultura e Tecnologias no Brasil: um estudo sobre as práticas cul-
turais da população e o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação”, produzido pelo
Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br, o consumo de vídeos, programas, filmes ou
séries online é realizado por cerca de 60% dos usuários de Internet no país. No entanto,
esses dados não eliminam o desafio da inclusão digital da população como um todo e da
redução das disparidades no que se refere às práticas culturais.

Cultura e Tecnologias no Brasil: um estudo sobre as práticas culturais da população e o


Explor

uso das Tecnologias de Informação e Comunicação


https://goo.gl/dEaywM

Após conhecer os diferentes interesses culturais do lazer, reflita: Qual você diria que
é aquele mais presente em seu tempo livre? O que determina a sua escolha por
esse interesse cultural? Quanto tempo do seu dia você dedica a ele?

A diversidade dos interesses culturais retratada nessa primeira parte desta Unidade
relaciona-se diretamente ao crescimento da indústria cultural e do entretenimento.
Entretanto, em relação a essa ampliação, cabem dois alertas iniciais.

O primeiro diz respeito à sua mediação tecnológica que, em muitos casos, engen-
dra uma homogeneização dos gostos, padrões e “estilos de vida”. O segundo aspecto
refere-se ao tipo de entretenimento ofertado pela indústria cultural que, atualmente,
com a utilização massiva dos procedimentos midiáticos se configura em vivências ime-
diatistas e efêmeras (PIRES, 2002). Levando em consideração essas ponderações, ve-
jamos melhor o que caracteriza a denominada Indústria Cultural e do Entretenimento.

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UNIDADE Relações entre Lazer e Cultura

Indústria Cultural e do Entretenimento


Você lembra que em nossa primeira Unidade de conteúdo afirmamos que, histori-
camente, o homem sempre buscou formas de se divertir?

Entretanto, você já parou para pensar o que pode significar divertir-se nos dias
de hoje?

Seria essa uma ação consciente e de livre escolha dos indivíduos ou condicionada
por critérios contrários a esses?

Na Unidade anterior, também apresentamos um dado sobre a quantidade de tem-


po que os brasileiros passam assistindo TV.

Você já parou para refletir por que é tão comum e atraente nos sentarmos à frente
da televisão por minutos e horas? Por que, após um dia cansativo no trabalho e de
enfrentar o trânsito caótico das cidades chegamos fatigados em casa e logo ligamos
a TV para nos distrairmos? Em outras palavras, por que os veículos da indústria Cul-
tural tanto nos seduzem?

Figura 9
Fonte: iStock/Getty Images

A Televisão continua sendo um dos principais meios de comunicação e entreteni-


mento dos brasileiros; porém, com o avanço tecnológico, a TV concorre e se adéqua
às Novas Tecnologias e formas de Linguagem.

Os smartphones com sua infinidade de aplicativos e acesso facilitado às Redes


Sociais são um dos exemplos.

As Tecnologias móveis preenchem um espaço significativo do nosso tempo social


e, por conseguinte, tornam-se instrumentos poderosos de divulgação e comercializa-
ção dos serviços e produtos da indústria cultural.

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Figura 10
Fonte: iStock/Getty Images

Todavia, para uma reflexão mais profunda sobre as questões e informações acima,
é necessário, antes, compreendermos o que seria a chamada Indústria Cultural.

Vejamos, então, como nasce e o significado desse termo tão utilizado atualmente!

Segundo Vaz (2006), a expressão Indústria Cultural é usada hoje em dia quando
se fala sobre produção da cultura e do entretenimento. De acordo com o autor,
desde o final dos anos 1980, muitos estudos e textos, de forma equivocada, igualam
a Indústria Cultural à Mídia, em especial com a Televisão, sendo esta apenas uma
de suas formas.

Vaz (2006, p. 14) apresenta como hipótese de trabalho “Que o lazer simples-
mente não pode ser pensado fora dos esquemas da indústria cultural”.

Max Horkheimer e Theodor Adorno, membros originais da Escola de Frankfurt,


empregaram pela primeira vez o termo Indústria Cultural, nos anos quarenta, no
livro Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos.

Naquela ocasião, a opção dos autores tinha como objetivo solucionar uma possível
confusão. Anos mais tarde, Adorno explicou que não utilizaram o termo cultura de
massas – mais comum à época –, porque não queriam que o objeto que estudavam
fosse confundido com a cultura popular; ou seja, eles não se referiam a uma cultura
que vem das massas, mas sim a um conjunto de mecanismos produzido para as massas
consumidoras (VAZ, 2006).

A Escola de Frankfurt é uma escola de teoria social e filosófica, associada ao Instituto para Pes-
Explor

quisa Social da Universidade de Frankfurt, na Alemanha. A Escola era composta por um conjunto
de cientistas socais marxistas, críticos a determinadas interpretações do pensamento de Marx.
Seus membros originais foram: Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Herbert Marcuse, Friedrich
Pollock, Erich Fromm, Otto Kirchheimer e Leo Löwenthal. Posteriormente, existiu uma segunda
geração de teóricos, com destaque para os trabalhos de Jürgen Habermas.
Fonte: https://goo.gl/kLDtGo

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UNIDADE Relações entre Lazer e Cultura

De acordo com Zuin (2001), Adorno vincula Cultura e Indústria, vez que identifica,
na produção cultural, aspectos da Produção Industrial, tais como: a estandardização
de determinado objeto e a racionalização das técnicas de distribuição.

Segundo Vaz (2006, p. 15: “O conceito indústria cultural procura compreender as


condições de produção e reprodução social em uma de suas faces mais importantes,
relacionada à mercadorização da cultura, sua banalização e reificação”.

Os autores responsáveis pela criação do conceito identificam como algo novo a


produção da Cultura vinculada à esfera da circulação e do consumo para o entreteni-
mento e ocupação do tempo livre.

O uso do termo de Indústria Cultural representa análise crítica à produção de


cultura, cujo conteúdo se afasta dos valores e sentimentos humanos. Ao contrário,
percebe-se que há uma profusão de conteúdos caracterizados pela trivialidade e pela
repetição, o que não favorece – podendo inclusive dificultar – o desenvolvimento do
potencial crítico e criativo dos sujeitos:

Nenhum esforço de compreensão deve ser exigido, aliás, todo empenho


nessa direção deve ser vedado, qualquer relação com o objeto que deman-
de reflexão ou mediação estética para além da superficialidade, deve ser
denegada. Aos sentidos humanos é destinado um treinamento que faça
responder a demandas específicas, cada vez mais dirigidas e previsíveis
(VAZ, 2006, p. 17).

Embora muitos considerem anacrônica a análise crítica sobre a massificação e o


consumo da produção cultural, parece-nos que ela é importante tanto na esfera subje-
tiva para a formação de sujeitos mais proativos, reflexivos e criativos, quanto na esfera
coletiva visando à construção de uma Sociedade mais justa e democrática.

As críticas sumariamente apresentadas nos provocam a pensar e a refletir sobre


o papel da Indústria Cultural e de entretenimento na Sociedade, bem como sobre
a qualidade dos conteúdos de seus serviços e produtos.

Nessa parte do texto, sugerimos que você volte para as questões que abriram
esta seção.

É possível que suas repostas continuem as mesmas, mas, provavelmente, a reflexão


sobre as perguntas se modificou.

Nesse sentido, convidamos você a refletir sobre a quantidade e a qualidade dos


produtos da Indústria Cultural e de entretenimento que consome.

Ao mesmo tempo em que as problematizações sobre a Indústria Cultural e de


Entretenimento, realizadas até esse momento, são pertinentes, também é necessário
apresentarmos algumas relativizações.

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Uma primeira é reconhecer o enorme potencial econômico desse setor, o que se
comprova pelas grandes cifras que movimenta. Um exemplo pode ser dado pelos ele-
vados números que envolvem os patrocínios e os direitos de transmissão de espetáculos
esportivos. Dados da network PwC demonstram que, em 2014, o setor movimentou
US$ 42 bilhões, apresentando uma expectativa de crescimento para os próximos cinco
anos de 10,2% .

Ademais, pelo dinamismo e atualização que lhe são característicos, o setor configu-
ra um amplo e diversificado campo de atuação profissional caracterizado pelo empre-
endedorismo e pela inovação, o que se comprova pelos estudos sobre as tendências
de Mercado – desenvolveremos melhor esse assunto nas Unidades posteriores.

Para ilustrar essa tendência, podemos citar profissões que até pouco tempo eram
restritas ou inexistiam, mas que, atualmente, apresentam um crescimento acentuado.

Esse é o caso do promissor Mercado de desenvolvedores de jogos sociais nas re-


des, que representa um dos maiores setores da indústria de entretenimento contem-
porânea e, por conseguinte, desperta o interesse de grandes empresas.

Figura 11
Fonte: iStock/Getty Images

Outra relativização diz respeito à expectativa na formação crítica do espectador,


ou seja, nem todo indivíduo que consome os serviços e produtos da Indústria Cul-
tural e do Entretenimento o faz de forma passiva e alienada. Portanto, é necessário
considerar que há uma parcela da população que reflete criticamente a respeito da-
quilo que atua sobre seus sentidos. Em outras palavras, existe o espectador esclareci-
do e atento capaz de perceber os interesses econômicos subliminares nos diferentes
canais de produção cultural.

Por fim, uma relativização importante refere-se à possibilidade da Indústria Cul-


tural e do Entretenimento proporcionarem uma ampliação e democratização do
acesso à cultura.

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UNIDADE Relações entre Lazer e Cultura

Entretanto, demonstramos aqui que esse potencial não deve ser isolado da preocu-
pação com a qualidade daquilo que está sendo ampliado e democratizado. Tampouco
devemos ignorar o fato de que essa expansão ocorre, sobretudo, orientada pelo desejo
de ampliação do Mercado consumidor dos produtos culturais ou que usam da cultura
como meio de divulgação.

O potencial democratizante e o impulso à mercantilizarão presentes na Indústria Cul-


tural e do Entretenimento nos exigem compreender melhor as relações estabelecidas
entre o lazer (como campo cultural) e o Mercado.

Se, por um lado, o lazer adota o signo da mercadoria, por outro, não podemos
esquecer que ele é um direito social reconhecido legalmente.

Como convivem essas duas facetas?


Vejamos isso um pouco melhor!

Lazer e Mercado
Para iniciar essa seção, gostaríamos de convidá-lo(a) a refletir sobre o seu cotidia-
no, sobretudo a ocupação dos momentos de tempo livre.

Você costuma ir muito aos Shoppings Centers?

Quando vai, quanto tempo permanece nesses locais?

Já percebeu como eles são ambientes agradáveis para se passar o tempo?

Além disso, atualmente, esses complexos de entretenimento incorporam equipa-


mentos e aparelhos que, inicialmente, não eram pensados para esse espaço, tais como:
Escolas, Academias de Ginástica, Teatros, Centros de Estética, Supermercados etc.,
caracterizando o Shopping Center híbrido, categoria desenvolvida por Padilha (2003).

Continuando nossas reflexões...

Já aconteceu com você de, certa vez, adquirir uma peça de vestuário e minutos
ou horas depois se arrepender e abandonar esse produto em seu armário ainda
com a etiqueta?

Já sentiu a sensação de que seu celular recém-adquirido – e do qual você foi incapaz
de conhecer todas as funcionalidades – estava obsoleto em relação às ultimas versões
comercializadas no mercado?

Perguntas como essas demonstram que vivemos, hoje, no que estudiosos denomi-
nam Sociedade de Consumo.

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Figura 12
Fonte: iStock/Getty Images

Segundo Barbosa (2010), o termo Sociedade de Consumo é aplicado em dois sentidos.


O primeiro, presente na obra de Jean Baudrillard, refere-se a um tipo específico de con-
sumo (commodity sing).

O segundo significado, sociologicamente mais abrangente, diz respeito a caracterís-


ticas “[...] como o consumo de massas para as massas, alta taxa de consumo e de des-
carte de mercadorias per capita, presença da moda, sociedade de mercado, sentimento
permanente de insaciabilidade, o consumidor como um de seus principais personagens
sociais” (BARBOSA, 2010, p. 8).

Partindo desse segundo conceito, vamos observar melhor como se desenvolveu


essa Sociedade de Consumo e como ela se relaciona com o tempo livre.

O desenvolvimento da Sociedade Urbana Industrial é marcado por mudanças pro-


fundas, algumas delas promovidas como respostas a momentos de crises estruturais.
Tais transformações – como, por exemplo, a automação e o advento da nanotecnolo-
gia – revolucionaram o modo de produção, reduzindo o tempo de trabalho necessário
e diversificando o repertório de produtos oferecidos no Mercado.

Ao mesmo tempo, a globalização e a abertura dos Mercados romperam com as


fronteiras nacionais, permitindo a movimentação de mercadorias em escala global.

Esse universo ampliado de produtos exige estratégias de divulgação (merchandising)


cada vez mais eficientes e velozes, uma circulação (consumo) acelerada e um Mercado
consumidor estimulado a recepcioná-lo.

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UNIDADE Relações entre Lazer e Cultura

Mais recentemente, a ampliação do acesso à Internet e a computação na nuvem


extravasaram os limites espaço-temporais, ampliando consideravelmente a lógica da
Sociedade de Consumo a todos as partes do mundo.

Exemplo disso é a adesão de lojas físicas ao e-commerce, permitindo que suas


clientelas possam consumir de qualquer lugar e a qualquer momento das 24 horas
do seu dia.

Falando nisso...

Você já reparou como, durante seu dia, você é estimulado a consumir?

Figura 13
Fonte: iStock/Getty Images

Os anúncios e as propagandas estão em todos os espaços e tempos do nosso


cotidiano. Nos outdoors em espaços públicos, dentro dos meios de transportes, nos
Campos de Futebol, na camisa do seu time de coração, nos intervalos de sua novela
ou jornal preferidos, na caixa de entrada de seu e-mail pessoal, nas Tecnologias Mó-
veis e nas Redes Sociais.

Bombardeados pela publicidade, naturalizamos o consumo inconsciente e em


profusão. De outro lado, estimulados por uma perspectiva ecológica e sustentável,
surgem hoje os discursos sobre a necessidade de um consumo consciente, como, por
exemplo, o consumo colaborativo e a Economia compartilhada.

Ao mesmo tempo, o avanço da sociedade capitalista é caracterizado pela univer-


salização do princípio da lógica da mercadoria. Há uma constante mercantilização de
fenômenos sociais e dimensões da nossa vida. Grosso modo, essa mercantilização
seria um processo pelo qual algo se torna mercadoria, embora, originalmente, não
tivesse essa função social.

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Essa ressignificação ocorre com o lazer e suas expressões culturais. Lembre-se de
que, na Unidade anterior, demonstramos que formas pretéritas e mesmo o lazer em
sua origem não cumpriam essencialmente esse papel, embora de modo parcial tivesse
vínculos com a exploração comercial do divertimento de massas.

Atualmente, a chamada indústria cultural e do entretenimento, abordada ante-


riormente, é uma expressão dessa transformação do lazer em mercadoria. Entre-
tanto, cabe destacar que “O entretenimento e os elementos da indústria cultural já
existem muito tempo antes dela. (...) A indústria cultural pode se ufanar de ter (...)
despido a diversão de suas ingenuidades inoportunas e de ter aperfeiçoado o feitio
das mercadorias” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 126).

Horkheimer e Adorno, ao estudarem a Indústria Cultural, não se preocupavam


apenas com a forma de produção de cultura, mas, também, com as estratégias uti-
lizadas para “desenvolver uma disposição e mesmo uma urgência psicofisiológica
para o consumo, essencialmente no seu tempo disponível do trabalho – o conheci-
do ‘tempo livre’” (VAZ, 2006, p. 16).

Segundo Harvey (1998), citado por Pires (2002, p. 36):


O modo de produção, circulação e consumo dos signos culturais (como
mercadorias), decorrente dos novos fluxos de organização do capitalismo –
cujo sucesso depende, sobretudo, do fato de conseguir subtrair as condições
necessárias para a reflexão e a crítica -, leva a uma sensação de encolhi-
mento ou compressão espaço-temporal, instituinte de padrões culturais efê-
meros e descartáveis: ao contrário de se consumirem objetos, consomem-
-se estilos de vida; passou-se do consumo de bens culturais ao consumo de
serviços, desde que atenda ao critério da imediaticidade e instantaneidade.

As atividades que você realiza nos seus momentos de lazer são pagas ou gratuitas?

Você preenche parte do seu tempo livre consumindo coisas?

A transformação de fenômenos sociais em mercadoria, de imediato, significa


que esses complexos passam a ser orientados e operados de acordo com as regras
de mercado. Isso significa, por exemplo, que para usufruir desses bens culturais,
serão necessárias condições financeiras para adquiri-los.

E, se você quiser um produto de melhor qualidade, provavelmente, terá de desem-


bolsar uma quantia maior de dinheiro.

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UNIDADE Relações entre Lazer e Cultura

Trocando ideias...Importante!
Mascarenhas (2005), em sua Tese de Doutorado, cria o neologismo “mercolazer” para
denominar a versão do lazer transformado em mercadoria. Segundo o autor, superando
as dimensões funcionalistas, essa é forma hegemônica do lazer na sociedade contem-
porânea. O autor ainda ressalta que há uma parte significativa da população que fica
sem lazer, pois se encontra desprovida das condições necessárias para acessar o mercado
de consumo dos bens e serviços de lazer. Esse contingente populacional deve se conten-
tar com o entretenimento gratuito dos meios de comunicação de massa ou esperar por
políticas assistencialistas de cunho filantrópico. Embora a percepção do autor não esteja
equivocada, é preciso considerar dois fatores: o primeiro diz respeito à produção cultural
que se realizada no interior dos territórios onde o lazer é negado, que muitas vezes traz
um conteúdo cultural de qualidade e com forte teor crítico, denunciando os problemas
sociais enfrentados por eles, como, por exemplo: a cultura Hip Hop (e o movimento Rap
em geral) nas periferias de São Paulo ou o funk nas comunidades do Rio de Janeiro; o
segundo aspecto está relacionado à ampliação do acesso à Internet, que possibilita o
contato – ainda que a partir de uma linguagem superficial e fragmentada – com um
conjunto mais diversificado de manifestações culturais, incluindo a cultura erudita.
Como Melo (2003) destaca: a cultura possui um paradoxo próprio, pois, ao mesmo tem-
po, é instrumento de dominação e grande possibilidade de reflexão.

O processo de mercantilização, incluindo a do lazer, interfere na compreensão


e no exercício da cidadania. Isso porque, o status de cidadão não se estabelece por
um conjunto regulamentado de direitos e deveres e tampouco pela participação
na riqueza socialmente produzida, mas, sim, pelo reconhecimento do potencial
consumidor do indivíduo.

Em síntese, cria-se a figura do cidadão-consumidor ou do cidadão-cliente.

Você lembra-se daquela frase “O cliente tem sempre a razão!”?

Alguma vez você já utilizou o fato de ser cliente/consumidor para exigir seus direitos?

Se por um lado, temos o lazer contemporâneo dominado pelo signo da mercado-


ria, precisamos recordar que, de outro lado, o lazer é um direito social, reconhecido
em Legislações nacionais e estaduais.

Essa outra compreensão do lazer traz em si a possibilidade de resgatá-lo como


um tempo e espaço de construção e exercício da cidadania em sua plenitude e de
retomada das possibilidades emancipatórias da Cultura.

Nesse sentido, cabe-nos indagar se outro lazer é possível?

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Importante! Importante!

Direito Social ao Lazer


O lazer consta no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 como um dos direitos so-
ciais. Além disso, o lazer aparece como direito no Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei n. 8.069/ 1990), no Estatuto das Cidades (Lei n. 10.257/2001), na Política Nacional
(Lei n. 8.842/1994), no Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003), no Sistema Nacional, e
no Estatuto da Juventude (Lei n. 12.852/2013).

Mascarenhas (2005) criou outro neologismo em seu trabalho de doutoramento


para analisar a função social do lazer; referimo-nos à palavra “lazerania”. Esse termo
é adotado pelo autor para destacar a possibilidade de organização do lazer como um
tempo e espaço para a prática da liberdade e o exercício da cidadania, por conseguin-
te, em oposição à hegemonia do “mercolazer”.

Marcellino (2007) afirma que o lazer é uma questão de cidadania e participação


cultural, sendo esta última marcada por uma postura crítica e criativa, que seria base
para uma nova sociabilidade e um novo padrão cultural.

Já Melo e Alves Junior (2003) destacam que o direito ao lazer não pode ser com-
preendido como menos importante do que outros direitos, haja vista que se trata de um
direito diretamente vinculado à qualidade de vida dos cidadãos.

Ao contrário de uma escala hierárquica de valores e uma concorrência entre os


direitos sociais, seria mais importante uma conexão e complementariedade entre
essas diferentes áreas.

Você tem aproveitado sua cidade? Sente-se seguro para andar a qualquer hora
do dia pelos espaços públicos, parques e praças da sua cidade? Sua cidade tem
museus e exposições que permitem o acesso gratuito?

Você deve ter percebido que essas perguntas demonstram como o direito ao lazer
se conecta fortemente com o direito às cidades, à segurança pública e à Educação:
O direito ao lazer significa também que, para ser reconhecido como tal, deve
ter asseguradas as condições para sua expressão e exercício. Parafraseado
Henri Lefebvre (1969), que cunhou a expressão “direito à cidade”, podemos
também falar do direito ao lazer na cidade de nosso tempo, no sentido de
que ela própria, para além das opções de entretenimento que possa abrigar
e oferecer a seus moradores, é em si mesma um grande equipamento de
lazer e, não obstante seus problemas e desigualdades, é objeto de disputas,
controvérsias. (MAGNANI, 2015, p.17).

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UNIDADE Relações entre Lazer e Cultura

Considerando as reflexões realizadas até esse momento, gostaríamos de deixar uma


pergunta no ar: Que ações podem contribuir para a materialização do lazer como um
direito de cidadania?

Trata-se de uma pergunta importante se lembrarmos do nosso contexto nacional,


qual seja: de um país de recente e frágil Democracia, no qual – muitas vezes – a
garantia dos direitos limita-se à previsão legal.

Ademais, a pergunta acima demanda que agentes públicos e setores organizados da


Sociedade Civil desenvolvam programas e projetos que possam ampliar o acesso ao
lazer para a população de modo geral. Entretanto, tão – ou mais -importante quanto
o acesso democrático é a preocupação sobre o conteúdo presente nessas iniciativas.

Afinal, espera-se que, sobretudo daquelas ações financiadas pelo Estado, desen-
volvam atividades de lazer com conteúdo culturalmente diverso e rico, capaz de
contribuir com a formação humana dos sujeitos.

Essa preocupação nos leva a refletir sobre as possibilidades educativas do lazer,


que será tema de nossa próxima Unidade.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Vida para Consumo: A Transformação das Pessoas em Mercadoria
BAUMAN, Z. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro:
Zahar, 2008;

O Império do Efêmero: A Moda e seu Destino nas Sociedades Modernas


LIPOVETSKY, G. O Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São
Paulo: Companhia das Letras, 2009;

O Pedaço Sitiado: Cidade, Cultura e Lazer em Tempos de Globalização


MASCARENHAS, F. O pedaço sitiado: cidade, cultura e lazer em tempos de globalização, Revista
Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 24, n. 3, p. 121-143, maio 2003.

Filmes
No
No. Chile. 2012. 1h 58m. Direção: Pablo Larrain;

Clube da Luta
Clube da luta. EUA. 1999. 2h31m. Direção: David Fincher;

O Quarto Poder
O Quarto Poder. EUA. 1997. 1h 54m. Direção: Costa-Gravas.

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UNIDADE Relações entre Lazer e Cultura

Referências
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos.
2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

BARBOSA, L. Sociedade de Consumo. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

BAUMAN, Z. Ensaios sobre o Conceito de Cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

CAMARGO, L. O. de L. O que é lazer. São Paulo: Brasiliense, 1986.

MAGNANI, J. G. C. O direito social ao lazer na cidade do nosso tempo. In: GOMES,


C. L.; ISAYAMA, H. F. (org.). O Direito Social ao Lazer no Brasil. Campinas: Autores
Associados, 2015.

MARCELLINO, N. C. Lazer e cultura. Campinas, SP: Alínea, 2007.

MASCARENHAS, F. Lazer como Prática da Liberdade: uma proposta educativa para


a juventude. Goiânia: UFG,2003.

MELO, V. A.; ALVES JUNIOR, E. D. Introdução ao lazer. Barueri: Manole, 2003.

PADILHA, Valquíria. Shopping Center: a catedral das mercadorias e do lazer reificado.


2003. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.

PIRES, G. D. L. Aspectos socioculturais do lazer na vida cotidiana. In: BURGOS; M. S.;


PINTO, L. M. S. de M. Lazer e Estilo de Vida. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2002.

SANTOS, M. Por uma outra Globalização: do pensamento único à consciência


universal. 11.ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2002.

SCHWARTZ, G. M. O conteúdo virtual do lazer: contemporizando Dumazedier. Licere,


Belo Horizonte, v. 43, n. 6, p. 23-31, 2003.

SILVA, J. V. P. da; SAMPAIO T. M. V. O lazer e suas diversas faces. In: SAMPAIO T.


M. V.; SILVA, J. V. P. da. Lazer e Cidadania: horizontes de uma construção coletiva.
Brasília: Universa, 2011.

TYLOR, E. B. Primitive Culture: Researches into the Development of Mythology, Philosophy,


Religion, Art, and Custom. London: John Murray, 1871.

VAZ, A. F. Reflexões de passagem sobre o lazer: notas sobre a pedagogia da indústria cul-
tural. Pensar a Prática, Goiânia, v. 9, n.1, p. 13-26, jan./jun. 2006.

ZUIN, A. A. S. Sobre a atualidade do conceito de indústria cultural. Cadernos Cedes,


Campinas, ano XXI, nº 54, agosto/2001.

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