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Lazer e

Entretenimento
Material Teórico
Conceitos Básicos sobre Lazer

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Pedro Fernando Avalone

Revisão Textual:
Prof.ª Me. Natalia Conti
Conceitos Básicos sobre Lazer

• Introdução;
• Gênese e Desenvolvimento do Lazer;
• Funções do Lazer;
• Introdução aos estudos do Lazer.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Compreender o processo histórico de desenvolvimento do lazer e
suas respectivas transformações;
· Aprender e diferenciar os principais conceitos e funções do Lazer;
· Conhecer os autores de referência nos estudos do Lazer;
· Identificar as características gerais da produção de conhecimento so-
bre o Lazer.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você
também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Conceitos Básicos sobre Lazer

Introdução
Estamos prestes a dar início à nossa caminhada dentro da disciplina “Lazer e
entretenimento”. Antes dos primeiros passos dessa viagem convido-o para algumas
reflexões iniciais. Será que em algum momento você já se fez as seguintes perguntas:
O que é o lazer? Quando ele surgiu? Por que os homens o inventaram?

Figura 1
Fonte: iStock/Getty Images

As atividades de lazer fazem parte de nosso cotidiano, mas nem sempre essa
experiência é acompanhada por uma reflexão sobre da importância desse momento
em nossas vidas. Nesse sentido, chamamos sua atenção, inicialmente, para o fato
de que, em função das aceleradas mudanças da sociedade moderna, o lazer é um
fenômeno social diretamente vinculado à qualidade de vida dos cidadãos, sobretudo
nas grandes cidades e centros urbanos.

Entretanto, diariamente, nos deparamos com diversas obrigações sociais e


demandas profissionais, que acabam colocando o lazer em segundo plano. Frente
à correria do dia a dia, nos sobra pouco tempo para atividades lúdicas e prazerosas.
Além disso, o cansaço gerado pelo desgaste diário nos leva a priorizar o repouso
e a reposição das energias para enfrentar a jornada do dia seguinte. Diante desse
cenário, você já parou para pensar quanto tempo você dedica ao lazer e ao
entretenimento?

Estudo recente, desenvolvido pelo Ministério do Esporte, apontou a falta de tempo como
Explor

principal motivo da população brasileira para o abandono da prática esportiva e/ou ativi-
dades físicas. O registro dessa ocorrência é maior entre os jovens na faixa etária entre 16 e
24 anos, período que coincide com o ingresso no mercado de trabalho e/ou na formação
acadêmica. Você se identifica com essa condição? Será que esse abandono também acon-
tece nas atividades de lazer e entretenimento?

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Explor
A prática de esporte no Brasil: https://goo.gl/Adkcus

Alguns autores criaram uma espécie de cálculo para quantificar o quanto de


tempo livre nós temos. É uma conta bem simples... Vamos lá! Pegue a calculadora
do seu Smartphone e faça a seguinte operação: (i) Considere as horas totais de
um dia (24 horas); (ii) subtraia o tempo da jornada de trabalho (incluindo o tempo
de deslocamento da residência para o local de trabalho), as obrigações familiares,
sociais e religiosas e as necessidades fisiológicas (alimentação, higiene e repouso);
e (iii) Após essas subtrações, o valor restante em sua calculadora corresponde ao
seu tempo livre diário.

Figura 2
Fonte: iStock/Getty Images

Você ficou surpreso com o resultado? Se sim, sua surpresa é positiva ou


negativa? Agora, junte-se a seu colega de turma ou procure um membro da sua
família, apresente para ele seu cálculo e debata os resultados alcançados. Procurem
estabelecer um diálogo sobre os motivos que explicam resultados desiguais. Ou seja,
observem o que há de comum e diferente na rotina de vocês e qual é o impacto disso
nas oportunidades de lazer e entretenimento. Posteriormente, aprofundaremos
mais esse debate, mas o que quereremos provocar com os resultados obtidos nesse
cálculo é a percepção de que o acesso do cidadão ao lazer depende de outras
dimensões da vida e está diretamente vinculado à garantia de outros direitos sociais
(transporte, segurança, saúde, educação, entre outros).

Até o momento, nossa apresentação abordou a discussão sobre a quantidade de


tempo disponível para se dedicar às atividades de lazer e entretenimento, porém é
igualmente importante pensar sobre a qualidade desse tempo - ainda que escasso
-, bem como acerca do conteúdo das atividades praticadas. Em outras palavras,
queremos que você reflita sobre o conteúdo das atividades de entretenimento que
realiza nos seus momentos de lazer.

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UNIDADE Conceitos Básicos sobre Lazer

Se o tempo que temos para nos dedicar às atividades de lazer é reduzido, passa a
ser muito importante que esse curto período não seja preenchido tão somente com
distrações desprovidas da preocupação com o desenvolvimento humano e qualida-
de de vida das pessoas. A título de exemplo, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS)
de 2013, realizada pela Fiocruz em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), apontou que aproximadamente 42,3 milhões de pessoas, ou
seja, 28,9% da população adulta, declararam ter assistido televisão por 3 ou mais
horas diárias. Seria a televisão a melhor forma de preencher seu tempo livre?
Posteriormente teremos a possibilidade de refletir melhor sobre essa pergunta.

A PNS é um importante estudo sobre a condição de saúde da população brasileira. Além de


Explor

dados referentes às doenças crônicas, a pesquisa apresenta informações sobre os estilos de


vida dos brasileiros, tais como: Consumo alimentar; Uso de álcool; Atividade física; Hábito
de assistir televisão e Tabagismo.
Explor

Pesquisa nacional de saúde: https://goo.gl/J8zaZF

Você ficou com a impressão de que as perguntas realizadas no início desse


texto não foram completamente respondidas? Teve dúvidas que não foram
resolvidas ou não conseguiu acompanhar as reflexões realizadas? Não se pre-
ocupe, pois retomaremos os assuntos apresentados sucintamente nesse momento
inicial durante as Unidades de conteúdo.

No entanto, as discussões e considerações apresentadas até agora são importantes


para destacar a relevância de iniciarmos nossa disciplina conhecendo melhor alguns
conceitos básicos do lazer. Para essa tarefa, além de apresentar as principais conceitu-
ações e seus respectivos autores, faz-se necessária uma perspectiva histórica, que per-
mita identificar em que momento surge o lazer (gênese), além de como ele se modifica
pela relação dialética com as transformações da sociedade (desenvolvimento).

Completando os conteúdos dessa primeira unidade, apresentamos uma exposi-


ção panorâmica sobre as características mais gerais dos diferentes ciclos de produ-
ção de conhecimento dos estudos do lazer. Prontos para nossa Unidade? Vamos
em frente!

Gênese e Desenvolvimento do Lazer


Se fizéssemos o exercício de sair às ruas perguntando “O que é o lazer?”, pro-
vavelmente a maioria das pessoas teria alguma opinião sobre o assunto. Uma
parcela das respostas poderia até apresentar um maior grau de elaboração, mas a
maior parte seria expressão do senso comum ou das experiências empíricas. Se-
gundo Melo e Alves Junior (2003, p.1), “A palavra lazer e os diversos sentidos que

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carrega foram se incorporando à fala popular e tornando-se cada vez mais presen-
tes [...]”. De acordo com os autores, esse é um sinal da valorização desse conceito
no cotidiano.

Ao prestarmos mais atenção ao nosso dia a dia, verificaremos que, direta ou


indiretamente, o lazer está presente, seja de forma ativa (prática), seja de forma
passiva (fruição). Para algumas pessoas essa presença é maior (mais tempo livre
disponível) e mais fácil de ser percebida, pois a experiência transcorre de forma
consciente. Todavia, há um contingente populacional significativo cujas oportuni-
dades de lazer e entretenimento são cada vez menores.

Agora vamos imaginar outra situação! Retornamos às ruas, entretanto, dessa vez
modificamos a pergunta para: “Quando surgiu o lazer?”. Essa questão traz um grau
de dificuldade maior, pois exige grau de precisão na sua resposta. Por conseguinte, o
número de respostas obtidas, possivelmente, diminuiria de forma considerável.

A questão acima nos remete à tentativa de datar historicamente a origem do


lazer. Esse é um desafio que só pode ser respondido à luz de um passeio pela
história, observando as determinações econômicas, políticas, sociais e culturais
específicas de cada época. Como você deve ter percebido, não estamos falando de
uma tarefa simples.

A complexidade da tarefa acima cresce pelo fato de existirem distintas interpre-


tações teóricas sobre o momento histórico da gênese do lazer. Para Silva e Sam-
paio (2011), de um lado localizam-se os autores que defendem a existência do lazer
desde os tempos da Antiguidade, tais como: De Grazia (1966) e Munné (1980). De
outro lado, encontramos os que compreendem o lazer como um fenômeno surgido
na Modernidade, como, por exemplo, Jofre Dumazedier (1973, 1979, 1980).

Você Sabia? Importante!

O sociólogo francês Jofre Dumazedier (1915-2002) é um dos maiores especialistas do


mundo no tema do lazer. Seu trabalho teve grande influência e repercussão no Brasil,
tornando-se referência de várias instituições, estudiosos e educadores. Além disso, nos
anos de 1970, em uma ação institucional do SESC, ajudou a instituir o Centro de Estudos
do Lazer (Celazer) na cidade de São Paulo.

Além da demarcação do momento exato de surgimento do lazer, as divergências


teóricas dizem respeito ao grau de aproximação e similaridade deste fenômeno com
suas formações pretéritas. Formações pretéritas? Sim, estamos nos referindo aos
fenômenos que antecederam o lazer e que, portanto, possuem aproximações com
ele, o que não significa dizer – é importante frisar – que eles sejam a mesma coisa.

Melo e Alves Junior (2003) afirmam que, respeitando os costumes e hábitos de


cada época, a espécie humana sempre buscou formas de se divertir. No entanto, os
autores ressaltam que essa procura constante pelo divertimento não significa que
o lazer sempre existiu na história da humanidade. As formas de diversão possuem

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UNIDADE Conceitos Básicos sobre Lazer

especificidades de cada época e essas diferenças podem ser percebidas inclusive na


multiplicidade de nomenclaturas e conceitos relativos ao Ócio (umas das formações
pretéritas ao lazer).

Para a conhecermos melhor esses distintos momentos históricos, utilizaremos


como referência a síntese elaborada por Munné (1980). Em que pese seguir uma
estrutura aparentemente progressiva e linear, trata-se de elaboração teórica bastante
elucidativa (MASCARENHAS, 2006). Vejamos!

Considerando que a Grécia Antiga é o berço de grande parte da cultura ociden-


tal, faz sentido realizamos a seguinte pergunta: O lazer surgiu na Grécia? Estaria
na civilização grega o nascedouro deste fenômeno? É importante recordar
que estamos falando de uma sociedade que valorizava a contemplação e o cultivo
de valores ilustres da época, em detrimento do trabalho árduo e extenuante, que
era desempenhado pelos escravos. Portanto, o tempo livre deveria ser dedicado a
essas funções para o desenvolvimento de valores estéticos e da reflexão filosófica.
Para o tempo livre preenchido por essas tarefas atribuiu-se o nome de Skholé
(MELO e ALVES JUNIOR, 2003; MASCARENHAS, 2006).

Portanto, podemos perceber que o ócio presente na antiguidade grega não


significava um tempo livre do trabalho, mas sim o tempo social dos homens livres
para pensar nos desígnios da polis (cidade Grega). É importante lembrar que os
cidadãos que não necessitavam trabalhar representavam uma pequena parcela de
privilegiados (aproximadamente 1/3), sendo que a maior parte da população -
formada por mulheres, crianças e escravos – estava excluída das grandes decisões
e debates públicos.

Figura 3
Fonte: iStock/Getty Images

Nesse sentido, se por um lado é correta a percepção de Melo e Alves Junior


(2003) de que pouco sobrou no momento atual da valorização da vida contemplativa
e de uso do ócio para a capacidade e o pensar criativo dos homens livres. Por outro
lado, parece-nos um equívoco histórico buscar a valorização e qualificação do lazer

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atual a partir de um retorno ao passado, uma vez que esse movimento carrega um
alto grau de idealismo metafísico e histórico, desconsiderando as transformações da
sociedade e as condições de existência real dos homens (MASCARENHAS, 2006).

Avançando um pouco mais na história, chegamos ao declínio da Grécia Antiga


e a ascensão de Roma. Teria, então, o lazer surgido neste momento? Essa
passagem da civilização é marcada por uma transição com grandes mudanças no
modo helênico de vida. O trabalho, antes desvalorizado pelos gregos, passa a ser
uma atividade valorizada na cultura romana. Essa inversão de valores transformou
o sentido do tempo livre, denominado Otium pelos romanos.

Na sociedade romana, o ócio (otium) deixou de ser um tempo dedicado à con-


templação e assumiu duas novas funções. A primeira delas é de ser um momento
dedicado à recuperação e preparação do corpo e espírito para o desempenho da
atividade laboral. Como consequência, Mascarenhas (2006) identifica que, pela
primeira vez, o ócio adquire o significado de um tempo livre de trabalho. Essa
primeira função confirma uma relação de interdependência, e menos de negação,
entre o otium e o nec-otium (origem da nossa palavra negócio).

A segunda função do otium relaciona-se ao surgimento de uma preocupação


com a diversão popular e a recreação das massas. Nesse momento da história, surge
a política do “pão e circo” (panis et circense), que usava de práticas de distração
e alienação como forma de manter a coesão social e o controle da população.
O acesso das camadas populares a esses momentos não significa que eles passaram
a compartilhar das mesmas possibilidades de diversão da elite. O uso do tempo
livre para o enriquecimento cultural e intelectual continuava restrito à nobreza.

Um retrato da organização social dessa época pode ser visto no filme americano de 2000,
Explor

O Gladiador, dirigido por Ridley Scott.

Figura 4
Fonte: iStock/Getty Images

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UNIDADE Conceitos Básicos sobre Lazer

Embora traços das funções desempenhadas pelo tempo livre na cultura romana
possam ser percebidos nas experiências de lazer e entretenimento atuais, devido às
particularidades históricas, não podemos localizar o surgimento desses fenômenos
naquele período. Portanto, permanecemos com a dúvida sobre o momento histó-
rico em que nasce o lazer.

Dando continuidade em nosso percurso pela história, chegamos à Idade Média


(séculos V a XV). Estaria aqui o nascimento do lazer? Antecipadamente, pode-
mos dizer que não. A primeira percepção sobre esse período é de manutenção
das distintas formas da nobreza e das camadas populares se relacionarem com o
tempo livre. A população em geral continuou a usar o ócio para o descanso e as
comemorações, porém, neste momento, sob uma rígida vigilância da Igreja Ca-
tólica e dos senhores feudais. Já para os nobres, o tempo livre era um momento
de afirmação de poder e de exposição, no qual ostentavam seus gostos, hábitos e
costumes luxuosos.

É importante observar que na Idade Média duas características marcam o tempo


de trabalho. A primeira delas é o desprezo das camadas mais abastadas pelo traba-
lho. As tarefas laborais “menos dignas e mais comuns” eram responsabilidades dos
servos e camponeses, ao passo que uma vida sem a necessidade de trabalhar era
vista como uma demonstração de poder e riqueza.

A segunda marca é a ausência de um controle rígido do tempo para demarcar


a jornada de trabalho. Ou seja, para aqueles que trabalhavam não havia uma clara
divisão social do tempo, o que significa dizer que inexistia uma clara percepção
da diferença entre o tempo de trabalho e de não-trabalho. A duração da atividade
laboral era determinada pelos nobres e pelas condições climáticas, enquanto no
caso dos artesãos e pequenos comerciantes havia flexibilidade de horários (MELO
e ALVES JUNIOR, 2003).

Na transição entre a Idade Média para a Idade Moderna surgem as ideias re-
formistas das primeiras religiões protestantes. Como consequência, há uma nova
transformação de valores na sociedade, que, novamente, impacta os sentidos atri-
buídos ao trabalho e ao ócio. O trabalho, antes desprezado pela nobreza, passa
a ser visto como algo fundamental para a humanidade, uma representação do
esforço pessoal e o caminho para a acumulação de riqueza, que, agora, é religiosa
e filosoficamente aceitável.

Uma obra clássica que demonstra bem essas transformações da sociedade é “A Ética
Explor

Protestante e o ‘Espírito’ Do Capitalismo”, do sociólogo alemão Max Weber.

O puritanismo religioso e, sobretudo, a valorização da ética laboriosa tiveram


como consequência a condenação do ócio. O não-trabalho passa a ser considerado
uma condição degradante e, por conseguinte, inimiga do trabalho e um dos maiores

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pecados da humanidade. Estar na ociosidade significa “uma perda de tempo”, pois
significa estar entregue aos vícios, distrações e prazeres mundanos. Nesse sentido,
o ócio precisa ser controlado e, por vezes, reprimido.

A essa altura você deve estar se perguntando: Mas, afinal, quando surge o Lazer?

Figura 5
Fonte: iStock/Getty Images

Calma, estudante... Finalmente, chegamos ao momento de responder a sua


pergunta. Estamos perto de revelar a gênese do lazer! Uma coisa você já deve ter
notado e trata-se da nossa concordância com os autores que compreendem que o
lazer é um fenômeno moderno, que possui relações com suas formas pretéritas,
mas que não deve ser igualado a elas. Em outras palavras, lazer não é sinônimo de
skholé, de otium ou de ócio.

Chegando à Modernidade, vamos focar nos últimos anos do século XVIII, período
histórico marcado por profundas transformações na sociedade, que modificaram
a percepção do tempo e as relações de trabalho. De acordo com Melo e Alves
Junior (2003, p. 6), “o tempo de vida diário passa a ser demarcado pela jornada
de trabalho”. A marcação do tempo deixou claro a diferença entre o tempo de
trabalho e de não-trabalho. Além disso, foi utilizada como forma de controlar o
ritmo de trabalho e disciplinar os trabalhadores. Com o avanço tecnológico das
manufaturas, o ritmo de trabalho humano é cada vez mais ditado pelas máquinas.

O filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, é uma crítica contundente ao modelo de


Explor

produção utilizado nas manufaturas.

Importante! Importante!

Na fase inicial da sociedade industrial, as jornadas de trabalho podiam atingir até 16


horas, envolvendo mulheres, crianças e idoso.

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UNIDADE Conceitos Básicos sobre Lazer

As revoluções daquele tempo estabeleceram drásticas mudanças na composição


das urbes. O acelerado processo de industrialização e a instalação das fábricas nas
grandes cidades gerou um êxodo massivo de pessoas do campo para os centros
urbanos em busca de emprego. Nesse primeiro momento, as estruturas das cidades
não comportaram esse rápido e intenso movimento migratório, que, somado às
degradantes condições de trabalho, resultaram em uma situação de vida precária
para a maior parte da população.

Vamos refletir... diante do cenário acima, o que você faria? A resposta


dada para essa questão pelos trabalhadores da época, apesar do pouquíssimo tem-
po livre que tinham, foi começar a se organizar coletivamente para reivindicar seus
direitos e lutar por melhores condições de trabalho e de vida. Como não era possí-
vel se reunir no próprio ambiente de trabalho, pois existia a vigilância do relógio e
a cobrança por manter o ritmo acelerado da produção, os trabalhadores utilizavam
seu escasso período de ócio para essa finalidade.

Um filme que retrata a condição precária dos trabalhadores do século XIX na França é o
Explor

Germinal, baseado no romance original de mesmo nome escrito por Émile Zola. Um
retrato mais contemporâneo sobre o tema pode ser visto no filme Segunda-feira ao Sol de
Fernando León de Aranoa.

A partir desses primeiros movimentos de organização dos trabalhadores, aparece


entre os empregadores uma preocupação com um maior controle do uso do tempo
livre de seus empregados. Eis, então, o momento de surgimento do Lazer!

Após essa trajetória histórica, você deve ter percebido que há uma forte relação
dialética entre trabalho e lazer. Entretanto, caso isso não tenha ficado claro para
você, não se preocupe, pois essa relação será desenvolvida de forma mais aprofun-
dada na disciplina “Lazer, Trabalho e Sociedade”.

Ao mesmo tempo, vale destacar aqui as palavras de Melo e Alves Junior (2003,
p.37): “[...] trabalho é uma coisa, e lazer é outra. Ambos são dimensões importantes
da vida humana, ambos deveriam proporcionar prazer, mas não devemos confundir
as coisas e entender a relativa autonomia de cada campo”.

Na próxima parte dessa unidade, debateremos as funções do lazer e como elas


mudam à medida que esse fenômeno se desenvolve. No entanto, é importante,
ainda que sucintamente, apresentar as funções presentes em sua origem.

O lazer surge especialmente com duas tarefas. A primeira delas é a tentativa de


desmobilizar as organizações trabalhistas, ocupando o tempo ocioso dos empregados
com atividades recreativas e sem qualquer conteúdo crítico e/ou político. Dessa
forma, pretendia-se impedir a tomada de consciência dos trabalhadores sobre a
condição de opressão e o estabelecimento de estratégias de resistência.

A outra função, também determinada pelas demandas do modo de produção


industrial, era a utilização do lazer para recuperação física dos trabalhadores. Para

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isso, era necessário combater as diversões populares (tabernas, feiras, jogos etc.),
pois constituíam tempos e espaços de entrega aos vícios mundanos. Ao cercearem
essas atividades perigosas e perniciosas, os empregadores garantiam a manutenção
de corpos sadios e, por conseguinte, aptos para alcance de uma maior produtividade.

Finalmente respondemos à pergunta sobre quando surge o lazer. Além disso,


as informações apresentadas também nos possibilitam um maior conhecimento
sobre o que é o lazer. Entretanto, tenha cautela, pois a gênese não explica todo o
desenvolvimento de um fenômeno. Para isso, precisamos atualizar esse debate e
compreender quais são os papéis desempenhados pelo lazer a partir das mudanças
na sociedade industrial. Pronto para mais esse percurso? Vamos seguir adiante!

Funções do Lazer
Na seção anterior, nos preocupamos em responder às questões sobre o momento
de surgimento do lazer e para quê ele foi inventado pelos homens. Agora, convido
você a refletir sobre quais funções o lazer vem desempenhando a partir de sua
invenção. Como você preenche o seu tempo livre? Quais atividades você realiza
nos seus momentos de lazer? E que sentimentos elas lhe proporcionam?

Desde o advento da modernidade – e, especialmente, em anos mais recentes – é


perceptível que o lazer adquiriu um local de destaque em nossa sociedade. Exemplos
dessa importância são visíveis em seu reconhecimento, como direito social por
legislações nacionais e estaduais, na ampliação dos estudos e pesquisas nas mais
diferentes áreas de conhecimento, na diversificação do mercado de trabalho para
este setor e no pujante crescimento da indústria do entretenimento.

Trocando ideias...Importante!
Mascarenhas (2006, p. 95) considera que “O lazer é a forma dominante de apropriação
do tempo livre na contemporaneidade, expressão das determinações econômicas,
políticas, sociais e culturais produzidas pelo capitalismo”. Você concorda com o autor?
Sim ou não? Olhando para seu cotidiano, você percebe outras formas que se apropriam
do seu tempo livre?

Outra característica importante do lazer é seu caráter polissêmico (mais de um


significado) e multidisciplinar. Tais predicados fazem do lazer um objeto de estudo
e intervenção de amplo conjunto de setores acadêmicos e profissionais. Ao mesmo
tempo, cada um desses campos constroem seus significados, sentidos e conceitos
acerca do lazer.

Na impossibilidade de percorrer as construções teóricas de todas as áreas


de conhecimento que se dedicaram a estudar o lazer, realizaremos um recorte
utilizando os conceitos produzidos por autores das Ciências Sociais e da Educação

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UNIDADE Conceitos Básicos sobre Lazer

Física, sendo essa última o campo com maior acúmulo de produções sobre o tema,
conforme veremos na próxima seção desta unidade.

É importante destacar que os conceitos são um recorte ou uma fotografia da re-


alidade. Ou seja, são tentativas teóricas de delimitar um fenômeno ou objeto para
compreendê-lo melhor, uma vez que eles se encontram de forma dispersa e com-
plexa no conjunto dos elementos que compõem nossas vidas. Nesse sentido, Melo e
Alves Junior (2003) nos alertam que todo conceito possui limitações e que, portanto,
devem ser utilizados de forma dinâmica, percebendo suas variações e exceções.

Para a construção de significados/conceitos sobre o lazer, alguns autores utilizam


duas categorias de análise, a primeira - de dimensão social - diz respeito ao tempo,
enquanto a segunda - de dimensão mais subjetiva - refere-se à atitude. Segundo
Dumazedier (1979), considerando o aspecto da atitude, o lazer caracteriza-se pelo
aspecto hedonista (presença do prazer) e libertário, decorrente da livre escolha de
envolvimento na prática, bem como de sua desvinculação em relação às obrigações
profissionais, sociais, políticas, familiares etc.

Aqui vale a pena fazermos uma pequena ressalva. Se você sair perguntando
nas ruas sobre o que as pessoas entendem como lazer, uma parte significativa
mencionará a palavra prazer. No entanto, Melo e Alves Junior (2003) alertam que
lazer e prazer não são sinônimos. Primeiro porque o prazer pode estar presente em
outras esferas da vida e não somente nos momentos de lazer. Um segundo motivo
é que não temos a certeza de alcance do prazer no lazer, mas sim a expectativa,
que pode ou não se confirmar. Portanto, para os autores, o mais correto seria dizer
que nas atividades de lazer há a busca pelo prazer.

Em Síntese Importante!

Nas elaborações teóricas de Jofre Dumazedier, o lazer é visto como um conjunto de


atividades opostas ao trabalho e que devem desempenhar funções bem específicas no
interior da nossa estrutura social, promovendo o descanso, a diversão e o desenvolvi-
mento – os famosos 3Ds de Dumazedier.

As contribuições de Dumazedier para o desenvolvimento dos estudos do lazer no


Brasil são inegáveis. No entanto, à medida que essa produção cresceu e se adensou
começaram a surgir críticas à concepção desse autor. Uma delas é realizada por
Marcellino (1987) que, embora concorde com as funções de descanso e divertimento
presentes no lazer, compreende que a visão do sociólogo francês apresenta um
caráter funcionalista.

Funcionalista? Você pode estar se indagando sobre o que isso significa.


Ou se perguntando sobre a quem ou a quê o lazer é funcional. Vejamos com
mais calma o significado da crítica realizada por Marcellino (1987).

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Figura 6
Fonte: iStock/Getty Images

Para Marcellino (1998), até aquele momento, predominava no país a vertente


funcionalista do lazer, que o compreendia como funcional à manutenção do status
quo e, por conseguinte, ignorava seu potencial transformador. Marcellino (1987),
analisando a abordagem funcionalista, identifica em seu interior quatro versões:
moralista, utilitarista, romântica e compensatória.

De acordo com Silva e Sampaio (2011), Marcellino (2003), para uma melhor
compressão do lazer, leva em consideração os aspectos do tempo e da atitude.
Dessa forma, o autor identifica no lazer um potencial transformador do pessoal e
do social. Logo, não concorda com a “redução” do lazer a mero instrumento de
recuperação da força de trabalho para manutenção da produção. Para Marcellino
(2003), o lazer não pode ser compreendido como um simples atenuador de tensões
ou um paliativo para a convivência com as mazelas sociais.

Outra crítica realizada aos escritos de Dumazedier é realizada por Mascarenhas


(2005) em sua tese de doutorado (Entre ócio e o negócio: teses acerca da
anatomia do Lazer – Unicamp). O autor divide as concepções de lazer estudadas
em sua tese a partir de duas diferentes visões de mundo, classificando a produção
de Dumazedier, baseada na sociologia empírica do lazer, como realista-objetivista.
De acordo com Mascarenhas (2005), na tentativa de explicar o lazer pelo dado
objetivo ou empírico, essa perspectiva opta por um percurso epistemológico que
não considera a dimensão subjetiva na definição das propriedades ditas dominantes
de uma atividade de lazer. Ou seja, cria uma concepção prescritiva, generalizável
e replicável, dentro de uma lógica estritamente formal, anulando o contraditório.

Vamos voltar novamente aos escritos de Marcellino (2003), pois se trata de


outro sociólogo com grande impacto nos estudos do lazer brasileiro, sobretudo sob
um olhar mais crítico. Segundo Silva e Sampaio (2011), as formulações conceituais

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UNIDADE Conceitos Básicos sobre Lazer

de Marcellino (2008) têm como base a cultura em um sentido amplo e relacionada


a diferentes conteúdos culturais. Posteriormente, abordaremos essa relação entre
Cultura e Lazer.

Marcellino (2003) localiza o lazer no campo da cultura, sendo uma experiência


vivenciada no tempo disponível, podendo se materializar em uma atividade prática
ou contemplativa. Para Marcellino (2003), as escolhas sobre o que realizar nesse
tempo disponível são definidas pelos interesses culturais do lazer, que, por sua vez,
variam conforme os níveis alcançados nas atividades, o que dependerá da atitude
assumida pelos indivíduos. Para graduação dos níveis retoma-se Dumazedier
(1973), que apresenta três possibilidades: elementar-conformismo, médio-crítico
e superior-criativo.

Trocando ideias...Importante!
Marcellino (2007, p. 10-11) apresenta quatro pontos que considera importantes para
uma estrutura de referência geral sobre o lazer.
1. Cultura vivenciada no tempo disponível das obrigações profissionais, escolares, fa-
miliares e sociais, combinando os aspectos tempo e atitude.
2. Fenômeno gerado historicamente, do qual emergem valores questionadores da socie-
dade como um todo, e sobre o qual são exercidas influências da estrutura social vigente.
3. Um tempo privilegiado para vivência de valores que contribuam para mudanças de
ordem moral e cultural.
4. Portador de um duplo aspecto educativo – veículo e objeto de educação – consideran-
do-se, assim, não apenas suas possibilidades de descanso e divertimento, mas também de
desenvolvimento pessoal e social.

Mascarenhas (2005) reconhece a importância das contribuições de Marcellino


(1983, 1987, 1997) para uma análise mais qualificada e crítica sobre o lazer, po-
rém, ao mesmo tempo, realiza uma crítica a elas. De acordo com Mascarenhas
(2005), a partir de 1990 observa-se um processo de refuncionalização do lazer, a
partir das demanda de mercado e do crescimento acelerado da indústria do lazer e
entretenimento. Essa transformação, que será abordada com mais detalhes poste-
riormente, seria responsável pelo enfraquecimento dos avanços e críticas consig-
nadas nas elaborações de Marcellino.

Para Mascarenhas (2005), as mudanças na morfologia da sociedade capitalista


- como, por exemplo, o crescimento do setor de serviços privados – tiveram efeito
também sobre o lazer. Esse fenômeno sociocultural passou por um processo de
mercantilização, em outras palavras, tornou-se uma mercadoria. Nesse novo papel
ele mantém a afirmação do prazer do indivíduo e de sua liberdade de escolha no
mercado, acrescidas de um forte individualismo e hedonismo, ficando em lugar
secundário a preocupação com seu valor moral e utilitário. Mascarenhas (2005) faz
a ressalva de que suas críticas não são no sentido de desprezar o lazer, mas sim de
buscar uma transformação a partir da identificação desses aspectos críticos.

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Em Síntese Importante!

Segundo Mascarenhas (2006), o lazer é uma prática social contemporânea resultante das
tensões entre capital e trabalho, que se materializa como um tempo e espaço de vivências
lúdicas, lugar de organização da cultura, perpassado por relações de hegemonia.

Finalizando essa seção de conceituação do lazer e identificação de suas funções,


apresentamos algumas contribuições de Melo e Alves Junior (2003). De acordo com
esses autores, o lazer é: (i) um campo acadêmico em expansão e multidisciplinar;
(ii) um fenômeno social moderno constituído nas tensões da sociedade urbano-in-
dustrial; (iii) é uma necessidade social e, portanto, alvo de políticas públicas em clara
tendência de crescimento; (iv) é um fértil e promissor campo de negócios; (v) um mer-
cado de consumo ainda em definição e com muitas brechas para serem exploradas.

Trocando ideias...Importante!
Considerando os parâmetros de tempo e prazer, Melo e Alves Junior (2003, p. 32) apre-
sentam uma definição das atividades de lazer:
• As atividades de lazer são atividades culturais, em seu sentido mais amplo, en-
globando os diversos interesses humanos, suas diversas linguagens e manifestações;
• As atividades de lazer podem ser efetuadas no tempo livre das obrigações, profissionais,
domésticas, religiosas, e das necessidades físicas;
• As atividades de lazer são buscadas tendo em vista o prazer que possibilitam, embora
nem sempre isso ocorra e embora o prazer não deva ser compreendido como exclusiva-
mente de tais atividades (grifos dos autores).

Chegamos ao encerramento de mais uma parte da nossa primeira unidade.


Como está sua compreensão do lazer? Melhor? Esperamos que sim! Provavelmente,
deve ter restado alguma dúvida sobre quais são as funções do lazer. Também, ainda
não deve estar suficientemente claro para você quais são as características desse
fenômeno sociocultural no momento atual. Mais uma vez, pedimos que não se
preocupe, pois voltaremos aos autores aqui citados nas próximas unidades, além
de esclarecer melhor as relações entre lazer e cultura e entre lazer e mercado.

Você reparou que, durante essa parte do texto, muitas vezes nos referimos
aos estudos do lazer? Mas, afinal, o que seria esse campo de estudo? Para res-
ponder a essa questão, finalizaremos essa unidade, abordando - de forma mais rá-
pida – características gerais sobre a produção de conhecimento no campo do lazer.
Já antecipamos que esse é um tema abordado por autores nacionais e estrangeiros
e diferentes áreas de conhecimento: filosofia, história, antropologia, sociologia,
psicologia, geografia, etc.

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UNIDADE Conceitos Básicos sobre Lazer

Introdução aos estudos do Lazer


Você se recorda que na parte anterior afirmamos que o lazer é objeto
de estudo de um campo multidisciplinar? Se essa nossa observação é correta,
parece-nos importante saber como tem início o interesse por estudar este fenômeno.

Figura 7
Fonte: iStock/Getty Images

No âmbito internacional, observamos que as primeiras investigações sobre o


tema do lazer datam da segunda metade do século XIX. Naquele período, há uma
alteração na interpretação sobre a compreensão do lazer, que passa a ser enten-
dido como tempo e espaço para a vivência de uma variedade de experiências não
pertencentes ao mundo do trabalho. Dentro desse contexto e a partir da neces-
sidade de conhecimento e de controle social do “tempo livre” dos trabalhadores
nos países industrializados foi criado, nos Estados Unidos, um campo de pesquisa
denominado “Sociologia do Lazer”.

De acordo com Melo e Alves Junior (2003, p.11):


No mundo inteiro as preocupações com o tema lazer foram frequentes,
sendo muitos os intelectuais que, de forma direta ou indireta, abordaram
a questão, entre os quais podemos citar: Bertrand Russell, Thorstein
Veblen, Georges Friedmann e Hebert Marcuse.

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Peixoto (2007, p. 14) percebe o campo dos estudos do lazer como “um conjunto
disperso e multidisciplinar de abordagem dos problemas relativos à fruição do
tempo livre de trabalho a partir de áreas de conhecimento e referenciais teóricos
diversificados, acompanhadas ou não de proposições”.

E no caso brasileiro? Você sabe como e quando a discussão sobre o lazer


como campo acadêmico e de intervenção chega ao país? Vamos juntos buscar
essas respostas! No caso do Brasil, não é uma tarefa simples e nem consensual
localizar o surgimento dos primeiros estudos sobre o lazer, pois existem diferentes
periodizações e respostas para essas questões.

Alguns estudiosos identificam o final do século XIX como marco inicial dos
debates sobre o Lazer no Brasil. De acordo com esses autores, naquele momento
há uma preocupação com o lazer da população nos discursos de engenheiros e
sanitaristas responsáveis pelas reformas urbanas típicas da modernidade. Além
disso, é possível localizar um conjunto de publicações referentes a orientações para
o usufruto do “tempo livre”. Ao longo do século, essas produções cresceram, con-
figurando os estudos do lazer.

Tomando como base os estudos de Peixoto (2007), identificamos diferentes ci-


clos de produção do conhecimento sobre o lazer no Brasil. Esses ciclos diferem-se
tanto na profusão (quantidade) de pesquisas, quanto nos eixos e temáticas nortea-
doras desses estudos.

O primeiro ciclo ocorreu entre 1891 e 1968 com o início de uma produção
sistemática de trabalhos destinados a debater o adequado preenchimento das horas
de lazer. Essas pesquisas foram motivadas pelo fato de alguns autores e autoridades
públicas considerarem que os trabalhadores não tinham capacidade de gerenciar
autonomamente seu “tempo livre”, expandido por meio das reivindicações e
conquistas trabalhistas. Nesse momento, segundo Oliveira et al. (2017, p 33), “os
discursos dos EL [estudos do lazer] assumem um tom disciplinador e compensatório,
objetivando contribuir moral e fisicamente para a produção e reprodução da força
de trabalho”.

O segundo ciclo localiza-se entre 1968 e 1979/80. É um período caracterizado


pelo esforço de refinamento teórico-conceitual e a ampliação dos estudos empíri-
cos sobre o lazer, priorizando o conhecimento dos “usos do tempo livre”. Nesse
momento, aparecem duas preocupações; a primeira é com a identificação dos
interesses culturais do lazer; e a segunda com a formação profissional para atuação
nesse campo (OLIVEIRA ET AL., 2017).

A partir da década de 1970, o lazer passou a ser visualizado como um assunto


capaz de aglutinar e impulsionar pesquisas, projetos e ações multidisciplinares,
coletivas e institucionais. Por conseguinte, organiza-se definitivamente um campo
acadêmico relacionado à temática.

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UNIDADE Conceitos Básicos sobre Lazer

Você Sabia? Importante!

O marco inicial para consolidação dos estudos do lazer no Brasil foi o evento realizado
em 1969, intitulado “Seminário sobre Lazer: perspectiva para uma cidade que trabalha”,
realizado na cidade de São Paulo-SP, ação conjunta do SESC e da Secretaria do Bem-
-Estar do município. O evento, além da participação individual de sociólogos, arquitetos,
assistentes sociais, psicólogos, educadores etc., contou com várias representações de
instituições ligadas ao lazer.

A despeito da presença do lazer no cotidiano dos cidadãos antes mesmo dele se


tornar objeto de explicação e interpretação científica, o que se almejava, naquele
período, era difundir uma teoria do lazer que reorientasse os saberes inerentes
a tal fenômeno a partir das experiências realizadas, analisando seus limites,
possibilidades, falhas e êxitos. Essa tentativa era justificada em nome do bem-estar
social, do desenvolvimento, do progresso, da integração e da produtividade.

O terceiro ciclo aconteceu entre 1979/80 e 1989 sob os ares da abertura


democrática. Alguns fatos que marcam esse período são: (i) entrada de profissionais
no ensino superior formados pelo SESC; (ii) presença dos estudos do lazer nos
programas de pós-graduação e nos eventos acadêmico-científicos; e (iii) aumento
significativo do volume de trabalhos publicados. Além disso, surgem as primeiras
leituras críticas à concepção funcionalista do lazer – já citadas na seção anterior
desta Unidade.

O quarto ciclo se inicia por volta do final da década de 1990, quando se multi-
plicam os grupos de estudos e pesquisas fundados pelos pesquisadores formados
nas décadas de 1980 e 1990. Oliveira et al. (2017) afirmam que esse período
caracteriza-se por um alinhamento entre a produção de conhecimento e os interes-
ses de mercado, bem como pelo predomínio da preocupação com os conteúdos
culturais do lazer.

Nessa apresentação introdutória dos estudos do lazer enfatizamos a importância


de compreender profundamente a organização desse campo de pesquisa. Ao enten-
der melhor essa área, nos deparamos com uma diversidade temática com diferentes
enfoques e tendências, que se materializam em distintos conceitos. Dentre os con-
ceitos já destacados, existem aqueles que vinculam o lazer ao campo da Cultura e
os que problematizam o sentido do lazer em função das demandas do mercado e da
indústria do entretenimento. Esses assuntos serão abordados posteriormente!

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Lazer: concepções e significados
BRAMANTE, A. C. Lazer: concepções e significados. Licere, Belo Horizonte, v. 1, n.
1, p. 9-17, 1998.
Do ócio ao lazer: uma (re)significação dos usos do tempo livre na cidade de São Paulo
MARCASSA, Luciana. Do ócio ao lazer: uma (re)significação dos usos do tempo livre
na cidade de São Paulo (1888-1935). 2002. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2002.
Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional
THOMPSON, E. P. Tempo, disciplina de trabalho e o capitalismo industrial. In: Costu-
mes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia
das Letras, 1998.
Educação Física + Humanas
MYSKIW, M.; STIGGER, M. P. Educação Física + Humanas. Campinas: Autores
Associados, 2015.

Vídeos
Ócios do ofício
Vídeo documentário fruto da ACIEPE (Atividade Curricular de Integração, Ensino,
Pesquisa e Extensão) Lazer em Debate, ministrada pela Professora Dra. Valquíria
Padilha, na UFSCar, em 2004.
https://goo.gl/JJaJTm

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UNIDADE Conceitos Básicos sobre Lazer

Referências
DE GRAZIA, S. Tiempo, trabajo y ócio. Madrid: Editorial Tecnos, 1966.

DUMAZEDIER, J. Lazer e Cultura Popular. São Paulo: Pesrepectiva, 1973.

__________. Sociologia empírica do lazer. São Paulo: Perspectiva, 1979.

__________. Valores e conteúdos culturais do lazer. São Paulo: SESC, 1980.

MARCELLINO, N. C. Lazer e educação. 2. ed. Campinas: Papirus, 1987.

__________. Lazer: concepções e significados. Licere, Belo Horizonte, v. 1, n. 1,


p. 37-43, 1998.

__________. Lazer e Educação. 10. ed. Campinas: Papirus, 2003.

__________. Lazer e sociedade: múltiplas relações. Campinas: Alínea, 2008.

__________. Lazer e cultura. Campinas, SP: Alínea, 2007.

MASCARENHAS, F. Entre o ócio e o negócio: teses acerca da anatomia do lazer


[tese]. Campinas (SP): Faculdade de Educação Física: Universidade Estadual de
Campinas; 2005.

__________. Em busca do ócio perdido: idealismo, panaceia e predição histórica à


sombra do lazer. In: PADILHA, V. (org.). Dialética do Lazer. São Paulo: Cortez, 2006.

MELO, V. A.; ALVES JUNIOR, E. D. Introdução ao lazer. Barueri: Manole, 2003.

MUNNÉ, F. Psicosología del tempo libre: un enfoque crítico. México: Trillas, 1980.

OLIVEIRA, et al. Reflexões críticas sobre os estudos do lazer na educação física


brasileira. In: ATHAYDE, P; REZENDE, A. (orgs.). Produção de Conhecimento
na educação física: retratos atuais e cenários prospectivos. Curitiba: Appris, 2017.

PEIXOTO, E. M. de M. Estudos do lazer no Brasil: apropriação da obra de


Marx e Engels. 2007. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação,
Universidade Estadual de Campinas, 2007.

SILVA, J. V. P. da; SAMPAIO T. M. V. O lazer e suas diversas faces. In: SAMPAIO


T. M. V.; SILVA, J. V. P. da. Lazer e Cidadania: horizontes de uma construção
coletiva. Brasília: Universa, 2011.

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