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que . fornecem respostas, mas ' também sabemos que não se trata de
modelos mas de exemplos provenientes de uma prática. Ocasional-
mente. fazemos apelo a outros testemunhos.
Dirigimo-nos ao professor referindo-nos embora. em certas oca-
siões. a um «animador». Desvendemos a ambiguidade: um livro não
pode. só por si. substituir UI/la formaç ão de estágios e de ateliers
mas. apesar disso. é na verdade o professor que está no centro das
nossas preocupações. mesmo quando fazemos alusão a outros inter- I-O QUADRO
venient es. É ele (mas não necessariamente só ele) que é convidado
a assumir o trabalho de expr essão. se bem que este livro não seja
INSTITUCIONAL
um catálogo de receitas que bastaria aplicar. Cabe a todos e a cada
um reivindicar uma formação . transformar e utilizar todos os mate-
riais propostos. no interior de uma pedagogia pessoal.
. Por isso. não fixamos categoricament e grupos etários aos quais
se dirigiriam estes ou aqueles tipos de actividade. Quando nos refe-
rimos às «crianças» ou aos «alunos» em geral. não é com o objectivo
de os reduzir a um comportamento único que fixaria a natureza de
todas as' práticas. Sabemos até que ponto variam as situações esco-
lares e quanto os nossos alunos têm necessidades diferentes con-
soante o meio sâcio-cultural a que pertencem. Pareceu-nos mais
honesto não decidirmos nás, usurpando o lugar daqueles que. e .1'6
eles. estão aptos a julgar do que convém fazer na prática. Muitos
exemplos provêm do 1.o ciclo do ensino secundário e alguns do ensino
primário; algumas propostas de jogo interessam ao 2.0 ciclo. Isto
não é uma escolha teôrica mas o iruto do acaso e das preocupações
dos que nos quiseram receber nas suas salas de aula. e a quem
agradecemos.

l.-P. Ryngacrt

10
-- o ..

1. TEXTOS OFICIAIS
PROGRAMAS E AUTORIZACÕES .

A expressão dramática não existe oficialmente nos ·programas


escolares em França, não dispondo pois de um professor, de um hor á-
rio ou de um local. Queiramos ou não. liga-se ao ensino do francês,
o que subentende a primazia do texto sobre a própria expressão -que
é apenas um condimento facultativo. um molho que os .professores
astuciosos podem utilizar para fazer engolir um prato um pouco
indigesto desde que o gosto não se altere...

UM A VISTA DE OLHOS
SOBRE OS TEXTOS OF/CIAIS JÁ ANTIGOS...

Recordemos que. em mais de uma centena de obras literárias


inscritas no programa do segundo grau, encontramos treze peças clás-
sicas. um drama romântico, uma obra do séc. XVIII (no último ano)
que são. em princípio, impostos aos alunos. Isto basta para mostrar
o imobilismo das recomendações que continuam a não ver o teatro
senão através do «Grande Século».
Ao lado desta lista. encontramos de tempos a tempos uma men-
ção: as «cenas podem ser utilizadas para a dicção»: na sexta e quinta
classes. «não devemos hesitar em fazer representar uma cena, sempre
que for oportuno» . Evidentemente que não há nenhuma indicação
sobre a maneira como se poderá «fazer representar», nem sobre os
prohlemas materiais postos pelo número de alunos ou pelos locais
pouco apropriados. Na sequência, as recomendações tomam-se cada
vez mais gerais, mas continua a aconselhar-se exercícios de dicção
ou de recitação. Procurando bem, descobrimos aqui ou ali, em
termos muito vagos, que «a explicação pode então elevar-se, pela prí-
meira vez e muito modestamente. à descoberta de alguns traços domi-
nantes da criação literária. do prazer teatral. dos elementos do riso...»

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na segunda e primeira classes, nunca Se trata de representar. Está cujo professor supervisou a preparação e a realização. Apoiando-se
estipulado, sem qualquer outro pormenor. que se começará pela «reci- nos conhecimentos adquiridos, as iniciativas da criança e as suas qua-
tação dos textos previamente explicados e exercícios de dicção». lidades de invenção afirmam-se e desenvolvem-se para seu proveito
A circular de 20 de Novembro de 1953, sobre o teatro e o ensino, e alegria pessoal. Proponho-me incitar posteriormente os nossos pro-
é significativa do, que se espera do teatro. O amálgama é feito por fessores a informarem-se acerca desta técnica e a generalizarem a
peças lidas na rádio e representações: sua utilização».
(' «Não é necessário assinalar aos professores', sobretudo aos .de Passados mais de vinte anos, continuamos à espera dos textos
I letras e de Iinguas vivas, o partido que podem tirar no seu ensino e d06 meios que permitam uma «generalização» desta técnica. Parece
\ destas representações e destas emissões. (...) Muito frequentemente, que as experiências não passam de experiências e que somos obrigados
\' • r. \ para os alunos. um texto é uma coisa morta. Pela forma como a maior a continuar a experimentar. \
\ ',' J parte balbucia ou salmodeia os mais belos versos, sente-se bem que Se. de facto, temos o direito de pensar que os textos acabados
_. 1não conseguem encontrar sob as palavras o frémito da vida. A dicção de citar já não têm para nós qualquer interesse, que se passa com as
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, do mestre já lhes permitirá entrever essa vida (. ..). Mas só no teatro
I b -
propostas mais recentes e com a pesquisa no domínio que nos
. j as personagens que até aí lhes aparecem como som ras vas, tomam interessa?
\ corpo, se animam, se movem, são seres de carne e osso. O jovem
'''espec tado r entra ele próprio no jogo. Ele será em breve, segundo a
expressão de Bossuet, «um actor secreto na trag édia». Deixa-se levar ... E SOBRE INTENÇõES MAIS RECENTES
de boa fé, como desejava Moli êre, pelas coisas que o agarram pelas
entranhas. O texto é ressuscitado». É certo , que, periodicamente, há comissões encarregadas pelas
Para além do apelo aos sentimentos e de uma concepção do autoridades reitorais e ministeriais de estudar as relações do teatro
teatro baseada inteiramente na emoção, retém-se que, através de com o ensino, e que essas comissões produzem relatórios muito inte-
uma simplificação enganadora. a representação é a vida! Com uma ressantes, fazem propostas absolutamente convincentes. embora rara-
advertência. no entanto, no final da circular. àqueles que desejassem mente ou nunca produzam qualquer efeito, excepto a título dessas
um pouco demasiadamente deixar-se levar para essa «vida»: famosas experiências que parecem ser suficientes para que as auto-
«Ninguém pense, note-se bem, introduzir nas nossas salas de aula ridades ministeriais sintam a consciência tranquila. Por exemplo,
o gosto pela fantasia e pela facilidade. Bem pelo contrário, o nosso em 19 de Novembro de 1970. foi instituída uma comissão ministerial
objectívo, ao pôr o teatro ao serviço da Universidade, é fornecer aos para a Infância, e de 27 de Fevereiro de 1962 a 20 de Dezembro de
professores o meio de tornar ainda mais eficaz o seu ensino e de 1067 funcionou uma comissão inter-ministerial. A primeira fun-
melhor fazer compreender aos seus alunos o sentido humano e a cionou a tempo inteiro durante o ano escolar de 1968/69 e os seus
eterna beleza das grandes obras» . trabalhos «parece terem sido seguidos de muito perto pelo ministro que
Tudo isto é conhecido e, no entanto, a leitura retrospectiva de estaria disposto a realizar algumas das suas recomendações» (1).
textos oficiais leva a acreditar que uma evolução estava próxima, que Ao estudar de perto os relatórios destas diferentes comissões
as coisas não podiam deixar de mudar, tendo em conta o «interesse» apercebemo-nos de que a maior parte das propostas são feitas e
manifestado por algumas «experiências» que deveriam «generali-
zar-se». Vai nesse sentido este extracto da Circular de 2 de Feve- (') Ceorges Sala, Théâtre et Enseignernent, Mise em place et débuts
reiro de 1953 acerca do interesse do jogo dramático: d'une action administmtive dans l'Acad emic de Paris, 1969-72. Tese de
. «Pela minha parte, não tenho dúvidas acerca do interesse de mestrado sob a d írecção de Hichard Monod, L E. T. de Paris III , 1973, p. 40
toda a ordem que uma criança pode retirar de um jogo dramático (ex. dact.)

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refeitas sem nunca se passar das promessas, de. realizações fragmen- no ensino primário é preciso obter autorização do director do esta.
tárias sempre muito localizadas e sem que nunca lhes tenham sido belecimento que, por sua vez, h á-de submetê-la à apreciação do seu
atribuídos meios específicos. A expressão dramática parece ser o superior hierárquico, o Inspector Departamental da Educação Nacio-
domín ío exemplar enquanto objecto do uma reflexão sempre Inter- nal da sua circunscrição.
rompida e retomada, mas onde toda a passagem ao 'acto provoca. No secundário, a decisão depende mais dírectamente do Reitor,
sem dúvida, inquietações de tal monta que os projectos são enter- correndo. no entanto, o professor constantemente o risco de ver cair
rados logo que vêem a luz do dia. do céu um Inspector pouco favorável a um trabalho mais ou menos
Acabamos de tomar conhecimento dos objectivos do 7.~_.ElanQ encorajado por certos textos citados atrás, mas que se arrisca a não
que prevê o desenvolvimento da «Animação Cultural no meio escolar»: caber no estrito quadro dos programas. Na prática, encontramos
«Duplicar o número de alunos abrangidos pejas acções de animação frequentemente directores compreensivos e que têm suficiente con-
cultural no meio escolar para desenvolver as suas capacidades de fiança nos seus colegas para os deixar escolher os seus convidados.
expressão. fazendo apelo à sua imaginação e à sua sensibilidade. Estas O que não impede que a animaç ão ou um trabalho colcctivo com
acções serão conduzidas por pessoas e xteriores , '.lo corpo docente e uma turma fique nos limites do tolerado. do vagamente fraudulento
estão ligadas ao teatro, à música, à expressão corporal, às artes (porque não controlável), sobretudo se este trabalho não desemboca
plásticas e aos meios audio-visuais» (1). Velhas perguntas, velhas numa realização concreta ou prestigiosa (1).
respostas. Apela-se para «pessoas exteriores» sem dizer quem lhes
pagará nem co.mo poderão agir no seio de estabelecimentos sempre
vigiados de perto. Paralelamente, Q PIano nada diz acerca da criativos eleme ntares pela expr essão corporal, pela improvisação a partir da
Formação Contínua nem da Reciclagem dos Professores que, com observação dos outros e do mundo exterior, pela prática do jogo dramático
de grupo a partir de situações quotidianas, primeiro, depois a partir de textos
toda a evidência. é a questão mais urgente. Em compensação, medi-
estudados nas aulas de franc ês.
.das locais recentes obrigam a interrogarmo-nos sobre as reais possi- - Representações de rnarionetas.
bilidades de acesso a estabelecimentos escolares que devem, no - Abordar as obras do exterior: pela assistência a espectáculos; na
entanto, repetem-nos constantemente, «abrir-se para a vida» n. falta de stes, pela utiliza ção de meios audio-visuais; (as realizações a que o
aluno tiver assistido serão a oportunidade para uma iniciação simples aos
problemas técnicos duma representação e para urna abordagem de noções
de história do teatro)» .
AS AUTORIZAÇõES Assinale-se , por fim. qu e o orçamento da Educação prevê uma verba
11 título de intervenções de animadores exteriores aos estabelecímentos sem

Entrar num estabelecimento de ensino nem sempre é tarefa fácil. que se saiba ainda como é que será repartida. '
e a própria natureza das autorizações que é preciso pedir é,. por vezes. (') Dois exemplos recent es mostram as contradições:
- Em Novembro de 76, urna professora do ensino primário, inscrita li
de molde a desencorajar o professor mais paciente. Lembremos que
título de rec íclagern na Universidade de Paris lII, é proibida pelo I.D.E.N.
de rec eber na sua sala um professor e dois estudantes da V .E.R. de Teatro
(') Artigo do jornal Le Monde, de 12-5·76. depois de o seu pedido de autorização ter ficado várias semanas sem res-
(') " A reforma Haby prevê o ensino da «Arte Dramática» no quadro posta . Em Maio, urna circular do mesmo Inspector sublinha que é preciso
de uma forma artfstica global. Nós apenas tomámos conhecimento dos textos «deixar trabalhar» os professores.
oficiais (muito controversos) no momento em que este livro ia para a irnp res- - : \ imprensa acaba de informar que o Reitor do C.E.S. de Rís-Oran-
são, Reproduzimos aqui o que diz respeito à Arte Dramática (B. O. E.N. gim foi sancionado por uma comissão administrativa, por diversos motivos.
n,s H, de 24-3-77): Será coincidência? t que foi ele que convidou Annnnd Gatti e a sua equipa
« - Arte Dramática: a realizar uma acção no quadro dos 10%. ~ verdade que se tratava de,
- Abordar as obras do interior: familiarizar os alunos com os processos «pela invenção de argumentos, da escrita de peças. da encenação ' e da

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Também os espectáculos dependem de autorizações, Com efeito, o seu futuro público lá onde ele se encontra, nos locais de trabalho
existem comissões ditas de habilitação, ao nível das reitorias e que a cir- e, evidentemente, no meio escolar. Os objectivos: contribuir para a
cular n. a 72·373 precisa: «As companhias de teatro profissional e os sua formação e encetar com ele um diálogo privilegiado. As equipas
marionetistas que desejem apresentar um espectáculo num estabe- saem, pois, regularmente das suas bases para «fazer animação». Estas
lecimento pré-escolar ou do ensino elementar devem solicitar junto das intervenções, mais ou menos desinteressadas, por vezes ligadas a preo-
reitorias uma habilitação nacional que será exigida pelos directores eupações publicitárias (dar a conhecer um grupo, contribuir para a
dos estabelecimentos. .. Esta habilitação não pode ter car ácter obri- venda de espectáculos) correspondem a objectivos diferentes e que
gatório para os directores dos estabelecimentos que mantêm a libero evoluíram muito.
dade de escolher ou recusar uma companhia munida de habilitação Neste período de dificuldades econ órnicas, de retracção dos sub-
ou um espectáculo autorizado pelo inspector da academia». Para o sídios ou de concentração dos meios nas mãos de organizações impor.
ensino secundário, é passado um «consentimento» (que não sendo tantes, mais facilmente controláveis e que fazem sobretudo «espectá-
indispensável é desejável). cuias», os animadores interrogam-se sobre o futuro de uma prática
Por vezes, estas comissões pretendem apenas verificar a quali- cujo financiamento continua a não ser assumido pela Educação Nacio-
( dade do espectáculo em causa e, assim. defender os professores dos nal. Levados a multiplicar as intervenções para responder a uma pro-
J
,\ charlatães. Mas também sabemos que estas comissões se erigiram, cura crescente, a que não é estranha a organização do «terço do tempo
1 aqui e ali, em verdadeiras comissões de censura, rejeitando espectá- pedag ógicos» e dos <<10%», a «gente de teatro» contesta, por vezes, e
.' culos cujo conteúdo poderia pôr em causa a ordem social ou a moral com razão, uma política de animação que custa muito caro e que
\~ tradicional. raramente é reconhecida a nível nacional para a atribuição de subsí-
A situação institucional é clara. Dum lado, textos imprecisos dios, e nem sempre figura entre as obrigações do seu caderno de encaro
que deixam os professores abandonados a si próprios sempre que gos, Em certos casos, seria necessário optar entre uma política de
queiram tomar iniciativas. Do outro, um incitamento, igualmente criação e O prosseguimento de uma política de animação, quando
impreciso, a abrir a sua escola, a encontrar-se com animadores e cria- as duas actividades parecem inevitavelmente ligadas e não devem
dores, a encetar um trabalho diferente no interior da escola. No meio, deixar- de influenciar-se mutuamente. A questão crucial: quem vai
uma Série de sanções ou proibições que atingem os que ousam tentar. pagar? Para as prestações que dependem da Educação é cada vez
Isto não tem nada de excepcional. Era bom. no entanto, lembrar as mais difícil de responder. Tanto mais que a origem dos subsídios
regras administrativas c as suas verdadeiras implicações. difere (Secretaria de Estado da Cultura, Colectividades Locais) e que
a sua utilização é posta em causa (1).
No momento em que a política de animação é posta em causa,
2. UM APANHADO SOBRE AS PRATICAS é desnecessário lembrar aqui evidências, instruir de novo o processo
. DO TEATRO NA ESCOLA da «rnatiné clássica» ou lamentar, mais uma vez, a falta de meios
do teatro para os jovens. No entanto, é útil averiguar as possibili-
Após a criação de Centros Dramáticos, de Centros Culturais, e dades oferecidas a um professor de ter «convidados» no seu estabe-
de Casas .da Cultura, assistiu -se ao desenvolvimento, desde 1968, de lecimento ou na sua sala de aula. Enfim, antes de chegar à questão
uma nova preocupação dos animadores: encontrar o seu público ou do. jogo dramático por crianças, é útil, para melhor compreender

comédia, . da pintura e da : escultura lançar as bases de uma escola para (') Leia-se o artigo de Richard Monod, Le nerf de la guerre, in Le
desenvolver a criança ~ o futuro 'homem -- e não para 'alimentar o mercado Francaís' Auiourd'huí, n.? 33-34, Junho de 76, pp , 22 e ss. e o número
do trabalho» (Declaração Ull Annand Galli) . «5pécial -Enfan ts» da ATAC Infonnations, n. a 72, Dez. 1975,

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a trajectória seguida pelos especialistas da animação, conhecer as prá-
os meios para prosseguir, de form a contín ua, as relações com os
ticas mais correntes, mesmo que o assunto seja suficientemente amplo
esta belecimentos escolar es e que os subsídios lhe permitam pagar
para justificar uma outra obra.
ao ano a animadores que assegurem a ligação. Actualmente. esses
debates e esses dossiers criam um certo mal-estar entre os criadores: ao
o ESPECTÁCULO ESCOLAR entrar ao mesmo nível no mundo escolar, não se arriscarão a impor
às cr iança s uma imagem cada vez mais escolarizada do teatro, toro
Se as grandes companhias hesitam cada vez mais em dar espec- nando-se a representação um anexo (um pouco mais agradável?) do
táculos nas escolas , mal equipadas e pouco propícias a um trabalho program a escolar trad icional? O debate permanece em aberto entre
profissional conveniente, ou põem em causa o espectáculo no exterior aqueles que pretendem preservar o carácter original da representação
onde as cria nças se amontoam , vemo s proliferar espectãculos inferio- e a sua fun ção lúd ica e os que pensam que ela não pode bastar-se
res, de palhaços medíocres ou poetas de segunda, que procuram no a si própria e que é ind ispensável um trabalho em profundidade.
meio escolar um público pr eten samente mais fácil e que apresenta A mesma q uestão. qu e está sem pre subjacente ao problema das rela-
a gra nde vantagem de não poder escolh er - as crianças - ou de ções en tre a criação a r tís tica c uma pedagogia global. põe-se aqui:
não estar suficientemente informado pa ra o poder fazer - os profes- poder-se- á mud ar a escola sem mud ar a soc ieda de? E. em todo o
sores - . E, todavia, há jovens com pan hias, convencidas da necessi - caso . ao querer desenvolver um trabal ho no interior da eseola sem
dade duma acção eficaz no seio da escola, que apresentam excelentes sonhar com uma transforma ção radica l que se sabe ligada a um a
espectáculos... mas , por vezes, proibidos por aqueles que ~firmam pr ofund a tran sform ação política. pod er-se-á fazer evoluir as bases do
fazer uma escolha em nome da qualidade . ensino sem . ser devorado po r uma In stituição bem organizada para
O professor que convida um grupo confronta-se, pois, com bas- se defender. hábil a detectar aqueles que a põem profundamente em
tantes dificuldades: ele arri sca-se a impor aos seus alunos um espec- causa e a inte grá-los no seu p róprio discurso?
táculo medíocre ou de conteúdo infantilizado com fundo poético vaga- Ainda aqui se põe o problema do papel do p rofessor, pois.
mente ecologista ou de música de feira . (Quantos crimes não se apesa r de todos os debates e de todos os dossiers, é ele o verda-
cometeram, nestes últimos anos, em nome do circo?) Quanto aos deiro catalisado r entre os espectáculos e os alunos que ele tem todo
espectáculos não considerados suficientemente «escolares», eles não o ano . Cabe-lhe a ele ter em conta as coisas, qual a intervenção eficaz,
poderão ser vistos pelas crianças. qual a que a rrisca asfixiar sob um pedagogismo excessivo os minutos de
Resta escolher (e encontrar) os «bons espectáculos» que escaparam prazer ou de poesi a que o espectáculo possa ter feito nascer. Por
aos diferentes filtros previstos pela Instituição Escolar para sua defesa. isso. é preciso lutar para que a formação do professor lhe permita
orientar-se no mundo complicado da criação teatral e. chegado o
moment o. ocu pa r o seu lugar ao lado do animador e ser capaz de
À VO LTA DO ESPECT ÁCULO
provoca r a imaginação de ou tro modo qu e não seja a redacção tra-
dic ional: contem um a bela tarde passad a no teatro.
.Algumas companhias (por exemplo, o «Théâtre des Jeunes
__ Années», de Lyon, dirigido por Maurice Yendt) esforçam-se por ins-
; talar uma ligação continua com os professores cujos alunos viram o o ESPECT ÁCUL O N A SA L A DE AULA
espectáculo. Para isso propõem dossiers utilizáveis antes do espec-
táculo (à guisa de preparação) ou depois (para analisar os efeitos e É , evidentemente. toda um a outra forma de trabalho, pois que
. propor prolongamentos pedagógicos). Um trabalho em profundidade a entrada nesse microcosmo que é a sala de aula pressupõe rela-
deste tipo exige que a companhia se implante numa região e possua ções privilegiadas com o professor. É , normalmente. através do seu

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pedido formal que ele vai poder receber visitantes, e visitantes geral- duas leituras (duas interpretações) contraditórias para cada uma delas.
mente remunerados pelos seus patrões, sem que seja necessário pedir Por exemplo, no Jogo do Amor e do Acaso de Marivaux, os actores
uma participação aos alunos. representavam uma cena entre Pasquin e Lisettc segundo a tradição
A modalidade mais antiga consiste em pedir que venham dizer dos criados expeditos e divertidos, à italiana; depois .representavam
\ õú representar algumas cenas de um texto do programa. geralmente a mesma cena na óptica de urna «leitura social» dando-lhe um peso
sem meios cénicos. Presume-se que o texto teatral não poderá viver, sensual totalmente diferente. Entre os textos propostos figuravam a
a não ser que seja dito ou representado 'po r profissionais competentes. Fedra, de Racine, A Cantora Careca, de Ionesco e Não Haverá Guerra
\ O que quer dizer que o texto escrito é um texto morto, mas duma de Troia, de Giraudoux. As discussões que se seguiam eram fre-
,. tal transparência que a simples presença dos actores basta para o quentemente muito animadas. Mas, para além das insuficiências
! reanimar. Vêem-se claramente os perigos dum proc edim ento destes . acima evocadas, (os únicos sinais que podiam ser evocados só podiam
:. tanto mais que emerge pouco a pouco a ideia de um teatro sem meios. ser produzidos pelos actores) as cenas confirmavam, sem querer, uma
que teatro é um texto «vivo» e que se pode muito bem abstrair do tradição de «trechos escolhidos», cuja brevidade e a exiguidade de
conjunto dos dados artísticos que compõem o espectáculo e que meios obrigava o encenador a exagerar os elementos do jogo até à
lhe dão toda a sua significação. Nestas condições, como fazer reco- caricatura. Além disso, era fácil aos defensores da tradição criticar
nhecer que a gestualidade, o movimento, os cenários, o guarda-roupa a escolha de cenas «ideais» , que não punham em causa o sentido
e a luz possam ser outra coisa que não uma linda moldura. global da obra. Este tipo de trabalho conheceu, no entanto, um
o brilhante papel de embrulho que envolve o que constitui o essen- sucesso considerável e as companhias que o praticaram não pude-
cial, no fundo, o texto? ram fazer face a todos os pedidos.
Mais uma vez, não se trata de condenar uma práti ca que teve O Teatro de Sartrouville empreendeu um trabalho semelhante,
o seu sentido e que pode ainda ser útil. Mas é necessár io também mas mais arriscado. na medida em que punha agora os alunos na
não a mostrar como uma panaceia, pelo facto de dois actores virem posição de criadores:
miraculosamente em socorro dum pobre professor para o ajuda r a «~ nossa prática consistia em pôr os alunos em situação de encena-
fazer passar textos mais ou menos indigestos. dores, a partir de uma peça do programa escolhida pelo professor, per-
Para reagir contra estas ambi guid adcs, v árias com panh ias propu- mitindo-lhes fazer evoluir à sua vontade, e em: função do objectívo defi-
seram aos professores uma contribuição mais útil para a formação nido por eles, dois actores introduzidos na sala de aula para o efeito (1).
de um espectador crítico, numa época em que os criadores estavam Estas intervenções tiveram problemas pois os alunos ignoravam
em plena polémica com a organização escolar ou universit ária. Quando normalmente o código teatral, e era-lhes difícil, à falta de um voca-
um Planchon, ou um Chéreau, para citar ap enas estes, maltratavam seria- bulário técnico elementar, dirigir os actores com precisão.
mente a interpretação tradicional dos clássicos reivind icando o direito Mas elas tinham a vantagem de inverter as relações habituais,
do encenador à sua leitura de textos as mais das vezes petrificados colocando os adolescentes do lado da criação e não do consumo do
(Racine quer dizer-nos que... O pensamento de Moliêre é. .. ), era cspectáculo, e fazendo-os apreendê-lo do interior. E, acima de tudo,
urgente encetar um diálogo com os futuros espectadores e com aque- ~ estas experiências ajudavam a descobrir até que ponto o teatro depende
les mesmos que se tinham arvorado em garantes do sentido dos do ccntigente.do maleável, da procura paciente tanto como da invenção.
textos. À medida que se vulgarizava a ideia duma polissemia do
texto teatral , era preciso sublinhar as relações entre a Criação e a
(') R. Hourcade lembra o trabalho empre endido por P. Leenh ardt, in
Animação.
Le Français Auiourd'huí, n. O 33-34. Junhll de ]971). Sobre a experiência, deta-
No Centro Dramático do Norte, Pierre-Etienne Heyrnann propôs. lhadern ente, ver na mesma revista. o artigo de Lecnh ardt intitula do «Du Thé âtre
em 68-69. uma escolha de cenas extraídas de peças do programa com à l'Ecolo», D. O lI , Outubro de 1970.

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o PAPEL DOS ANIMADORES ESCOLARES A EXPRESSÃO DRAMÁTICA POR CRIANÇAS

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NIlIi int ervenções em questão referimo -nos a animadores vindos A iniciativa a que aludimos inscreve-se num movimento mais \ OJ
do exterior. De facto, existem em alguns estabelecimentos animadores vasto que propõe que não se considere mais as crianças e os adoles- \
com um estatuto muito vago. de tal maneira que a sua existência não centes como espectadores inactivos, mas que se lhes proponha que / ,:::
é verdadeiramente oficial mas que, entretanto, dependem da Reitoria. façam, inventem e criem. Não tem, aqui, grande importância per- I~i:r '
Colocados a conta-gotas em algumas Academias em lugares de natu- guntar se se trata da influência dos adeptos da pedagogia actíva, do )\
reza diferente (no contigente de professores oUi de vigilantes da Método Freinet ou de qualquer outra corrente que considera a cria-
reitoria) estes professores deveriam, segundo a carta ministerial tividade como uma panaceia. A verdade é que já não se trata de
n." 2658 de 29 de Maio de 1969, «encarregar-se da animação genérica levar o teatro à sala de aula ou provocar uma nova reflexão sobre
de grupos, dentro ou fora da associação educativa; estes professores- os textos mas. num primeiro tempo pelo menos, de provocar uma
-organizadores teriam igualmente e, sobretudo, a responsabilidade de expressão livre (voltaremos a esta noção) que tem lugar no próprio
uma iniciação progressiva à auto-disciplina. em particular nas classes seio da sala de aula.
terminais. e de uma melhor cooperação entre o pessoal e 06 alunos» (1). Do mesmo modo, o trabalho dos animadores vindos do exterior
Eles têm a ver com o nosso assunto na medida em que, embora pro- tem que ser considerado de uma maneira totalmente diferente pois
venientes de horizontes muito diferentes, mais de 50% têm urna que. na medida em que se tratava de teatro. e quaisquer que sejam
formação centrada sobre a actividade teatral. os problemas que se ponham. podia pensar-se que as suas inter-
São numerosos os problemas que se lhes põem. Note-se. todavia, venções se justificavam em nome duma especialização .da transmissão
que eles são admitidos para tarefas administrativas não previstas à duma técnica ou da aprendizagem de um código particular. Quando
partida, para a animação do Centro Sócio-educativo, para a anima- a criança se torna ela própria o centro do trabalho. é toda a vida
ção (vaga) de todo o estabelecimento e para, a pedido dos professores quotidiana duma sala de aula e os próprios métodos do professor
e segundo as situações locais, intervirem nas aulas para actividades que são postos em causa. / É preciso, pois, definir as relações entre
particulares, por exemplo no domínio da expressão dramática. o animador exterior e o professor. sobretudo quando os visitantes
Sobrecarregados com trabalho e solicitações muito diferentes, os ani- não podem realizar um trabalho contínuo: seduzem. convidam, atraem,
madores nem sempre têm tempo para encetar o diálogo pedagógico indis- dão três voltas e partem. A colaboração entre uns e outros torna-se
pensável a uma real colaboração. Ou então, mal conhecidos e isolados um problema crucial, a necessidade de criar uma equipa coerente é
nas suas tarefas subalternas, não podem ser utilizados na. sua correcta nbsclutamentc imperativa. Estamos no cerne do nosso assunto e
dimensão. De facto, estes «animadores do interior» não gozam do prestí- confrontados com uma situação instável; é o próprio tema deste
gio dos visitantes do exterior, e o seu estatuto ambíguo não permitiu ainda livro. interrogar-se sobre a expressão dramática na sala de aula.
que eles se integrassem verdadeiramente nas equipas educativas que por Terminemos com uma citação um pouco longa de G. Vingaux, do
vezes se pensa pôr a funcionar. De modo que as suas intervenções Teatro de SartrouvilIe, nem que seja só para lembrar até que ponto
nas salas de aula levantam, por vezes, tantas dificuldades como se os animadores se sentem fortemente implicados nestes novos problemas:
fossem totalmente estranhos ao estabelecimento. «Trata-se verdadeiramente duma acção dialéctica entre estes dois
domínios «instáveis»: o das expressões sensíveis duma dada população
e o da criação cultural . Poderíamos falar de complementaridade
(') Georges Sala obra cit.
pedagógica com vista a assegurar, com o professor. um enriquecimento
e uma coerência das aquisições cognitivas e simb ólicas da criança, (.. .)
A animação é ela própria uma criação. Não se trata. pois, de a con-

24 25
siderar um substituto duma parte da actividade escolar. O ideal se se faz já um pouco de tudo nos 10%. porque não também jogo
é conseguir. de facto. a constituição de uma espécie de colectivo peda- dramático? De facto. a organização dos 10%. quando ainda existe,
gógico que permita o desaparecimento de barreiras entre animador varia com as situações locais; eles reagrupam, por vezes. os alunos
e professor e que favoreça, portanto, a invenção de formas específicas independentemente da turma a que pertencem, do sub-grupo ou do grupo
ao meio . escolar considerado» (1). de IÚveI. É por isso que, e sem paradoxo, a utilização dos 10% para
Qual o papel do professor ao lado dos animadores. que tipo o jogo dramático me parece uma solução que rompe demasiado bru-
C (f~ diálogo pode ele encetar com as equipas de teatro que penetrem talmente com o tempo escolar tradicional. Os 10% permitem trabalhar
\ no meio escolar? Frequentemente mal inform ado. nem sempre for- com mais liberdade e dispor de largos espaços horários. mas a sua
i mado, é tentado a apagar-se em face do animador ou do criador que própria natureza de momento excepcional no ano escolar leva-nos a
o visitam. Em última instância, sente-se desapossado da sua c1assc temer ver ligado a nossa prática a simples divertimento.
por aqueles que beneficiam dum estatuto pres tigiado aos olhos dos Pelo contrário, é preciso fazer com que este trabalho de expressão
alunos. o estatuto que os estere ótipos cultura is concedem àqueles conduzido pelo professor encontre o seu lugar no interior da grelha,
i que pertencem ao mundo do espectáculo. Na verdade. o trab alho segundo as necessidades e os desejos do momento. sem que esteja
.do professor que tem a responsabilidade dum a classe durante um pré-determinada uma data fixa. um dia em que nos exprimimos e .
ano inteiro parece-me determinante. quer na escolha dos espectáculos dez dias em que se trabalha «a sério». A pr ática da expressão pode '
e das animações. quer na forma como ' poder á (ou não) utilizá-los. e deve ser movimentada no próprio interior .da aula . ela depende de .
alimentar com eles o seu ensino . chegar a uma verdadeira educação um trabalho de educação global que não necessita que se lhe atri-
da expressão. É por isso que não devemos deixar de colocar o pro- buam pequenos compartimentos particulares. Se os 10% são urna
blema da sua formação inicial c da sua form ação contínua. indispen- forma nova de liberdade. então que se utilizem. tanto quanto pos-
sável para que ele possa estar ao corrente e orient ar-se por entre as sível, para convidar pessoas do exterior. para ir ver cspectáculos, ou
ofertas de natureza e qualidades diferentes que lhe Se1 0 feitas. muito simplesmente para sair do estabelecimento.
A situação é diferente no ensino primário onde o desenvolvi-
3. O QUADRO MATERIAL mento das actividades de despertar e do terço do tempo pedagógico
oferecem um vasto leque de possibilidades. De resto. os problemas
Para o ensino isolado e inquieto por não dispor de um local da grelha horária não se colocam com a mesma acuidade num sistema
ideal para a expressão drarn átíca e que se interroga sobre os pro- em que o mesmo professor está permanentemente com a sua classe e
blemas horários e o tamanho dos grupos. a questão é posta desde já. em que pode dispor do tempo com mais à vontade e imaginação.
Nos exemplos citados mais adiante não entra remos no pormenor das
condições materiais. O ESPAÇO ESCOLAR I'

[.-
Põe-se o mesmo problema para a utilização do local de tra -
QUE TEMPO ESCOLAR ? balho. Algumas experiências que serão descritas realizam-se em
refeitórios postos à nossa disposição. excepcionalmente na sala de tea-
Quando é que se pode fazer jogo dramático? Após 1973 sería-
tro do estabelecimento ou na sala dos alunos; também poderão rea-
mos tentados a colocá-lo na rubrica dos 10% . comp artimento apa rcn-
lizar-se no ginásio , num pátio ou fora da escola, ao ar livre (1).
temente c6modo numa grelha horária normalmente apertada . E depois.
(') Cf. o meu artigo «Une expérienc e vde [eu dramatique en 6. Om e ll in
(1) ATAC Informatíon, p , 72, «L'unímation en milieu scolaíre menucée?» Le Françaís Aujourd 'huí, D .O 27, Out . 74 pp. 72-75 , que descreve um traba -
p. 38. lho ao ar livre.

26 27
Os exercícios descritos e os exemplos propostos esforçam-se por
Mas quase todas se desenrolaram numa sala de aula, em duas
salas de aula vizinhas nos casos em que era possível e isto s6 porque tomar em conta o problema do número de alunos, pensando nos casos
tínhamos a possibilidade de trabalhar vários aomesmotempo. Narnedída mais frequentes em quo o professor se encontra sozinho com um grupo
em que é no local habitual de trabalho que menos nos movimentamos numeroso. É um elemento que tomámos em consideração nas nossas
propostas: em vez de nos referirmos a condições ideais, que seriam
e onde o corpo é negado, proibido em benefício do intelecto, é impor-
as intervenções pontuais ou as experiências exemplares, tivemos sem-
tante jogar na sala de aUla. Importante é também poder dispor do
'. matenãl escolar, mesas, cadeiras, o quadro ou o compasso para lhes pre em mente as condições materiais de trabalho do professor. O que,
dar uma outra funçao, para os deSVIar da sua função quotidiana. Visto limitando a nossa experiência, lhe impõe um quadro embaraçoso que
é preciso utilizar o melhor que pudermos .
que, de qualquer mõdo, o espaço de que dispõe a maior parte dos
professores é apenas uma saia banal, velha e barulhenta por ue não
a agmaçao a partir desse local, inventar outras relações
entre os corpos, subverter a organização ritual do mobiliário, e
sonhar que não o colocam de novo imediatamente no seu
I~gar? Há mconvenientes: jogos demasiados baru~hentos, salas dema.
SIaQO pequenas, grupos muito numerosos. Mas isto é uma situação
que se renova tOdas as vezes que qualquer COisa de düerente se
pro.duz,.-- - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Na medida em que, no estádio actual da arquitectura escolar, pôr
um disco a tocar implica incomodar o vizinho do lado, ou se renuncia
para sempre a fazer barulho na esperança de que um dia as salas
sejam insonorizadas, ou então tenta-se experimentar imediatamente,
já. E isto não implica deixar de reclamar outras escolas .

QUE GRUPO DE ALUNOS?

Pondo de parte os casos particulares (os pequenos grupos de


voluntários das classes terminais ou os que escolheram esta actividade
no quadro dos 10%) encontramo-nos sempre perante uma turma
numerosa. Quando existem os grupos de trabalho orientado, é evi-
dentemente mais simples trabalhar com efectivos reduzidos. Nos
exemplos que descreveremos, pudemos frequentemente trabalhar com
vári00 orientadores ao mesmo tempo e. assim, dividir o grupo-c1asse
em grupos de afinidades.
Mas é bom que a classe possa encontrar-se, em alguns momentos.
toda reunida para que os sub-grupos mostrem o seu trabalho, o
comentem e o critiquem.

28
29
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lI-PARA DEFINIR
O JOGO DRAMÁTICO
r

o jogo dramático utilizado na educação, é definido de modos


diversos e, por vezes, contraditórios. O termo é suficientemente ambí-
guo para poder ser aplicado a práticas que nem sempre tem algo de
comum entre elas.
Por isso, procuraremos determinar critérios que permitam uma
classificação. Na Inglaterra. nos Estados Unidos. no Canadá. há multo
que o jogo dramático faz parte do programa escolar. É definido pelo
«Board of Education» e está incluído .io horário dos alunos. Em
França, já em 1941, seis encenadores (J. L I3arrault, A. Blin, M. H.
Dasté, A. Cloué, C. L. Martin, J. Vilar) fundaram a «Educação pelo
jogo dramático», propondo uma linha de formação que utiliza ao
mesmo tempo os exercícios do Método de Stanislavsk e os jogos
escuteiros de Chancerél : m pouco mais tarde, encontr~mos escritos
de Joseph Majault e Marie Dienesch dando exemplos da utilização
do jogo dramático na educação escolar (I). Pierre Leenharct em
Sartrouville, durante vários anos; Gatti, com uma experiência no C.E.S.
de Ris-Orangis; Pierre Voltz com a sua equipa na Universidade de
Aix-en-Provence (para mencionar apenas alguns exemplos) também
eles praticam o jogo dramático. Muito recentemente, com o alar-
gamento da moda da «comunicação», foram criados cursos priva-
dos de jogo dramático para adolescentes e crianças à semelhança dos
Cursos de Arte Dramática que preparam para a profissão de actor,
Por fim, para cúmulo da confusão, fala-se também de sketchs, de
mimos, de pantomimas, de entremeses; somos reenviados, por ironia,
à tradição teatral das festas de caridade e das colónias de férias.
Como não se perder nesta variedade de definições? Corno identi-
ficar o que fazemos, como dizer às pessoas com as quais vamos tra-
balhar o porquê e o como duma prática t~ o marcada culturalmente

r) Em 1954, M. DIENESCH nssina um a -tigo ThI revista «Education


Nationale» n.v 19, p. 9-10 na qualidade de «Professora de Arte Dramática no
ClEP de Sêvres»,

33
3

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que as próprias crianças são as primeiras a tentar colar-lhe índiferen-


temente o rótulo «teatro» (e «Noite de Teatro») ou a etiqueta «tele__
(}.<~OcadO
r
dentro de uma situação de comunica ção. O que não
: uer dizer que se negue toda e gualgucr téçnica 0\1 se soube
visão» convencidos de que têm à sua frente detectores de talentos à com uma expressão espontaneamente corrccta. A pr ocura da
procura das vedetas c'e amanhã? L-. expressão está estreitamente ligada às eXigências-do discurso,
o tra balho sobre a forma a uma crítica do conteúdo.

1. DEFINICõES 6. o jogo dram ático não necessita do cenários, tra jes ou adere-
ços no sentido tradicional. A constr ução do espaço de jogo
I. O jogo dramático não visa uma _reprod u;:ão fiel da faz-se a partir do espaço escolar e do mobiliário corrente
realidade. mas sim a sua análise a partir dum discurso pro. chamados ~ novas funções. Uma «caixa de fer ramenta»
--" composta por objectos quotidianos e materiais br utos pode
duzido numa linguagem artística original que se afasta do
naturalismo. ser utilizada em função das necessidades. (~

2. O jogo dramático é uma actividade colcctiva, O grupo é o 7. Os objcctivos educa tivos visados a longo prazo Il;l() devel1~# lV
luga r onde o indivíduo se elabora «para si» e com os outros. prejudicar o prazer do jogo «aqui e agora». s,,~ este lksa· )Oa.of
Mas não poderia manter-se fechado sem cair no narcisismo e
parece.. o conceito do jogo desaparece também. Ora ele é um ...J
na ilusão do grupo. dos elementos indispensáveis à existência do jogo drama- '('OS
tico propriamente dito. ~
3. O jogo dramático não está subordinado ao ' texto. Este é
substituído pela
r
palavra improvisada ou estabelecida a partir As fronteiras que separam os diferentes domínios q ue no s
dum guião . tE m alguns casos, o jogo toca tanto os momen- propomos examinar são, por vezes, frágeis . É por isso que irem os
tos contingen .es que acompanham o texto, a produção de r: precisar. para cada um deles, o que tem a ver com a nossa prática
,/" sinais visuais ' e sonoros inscritos num espaço determinado, . e o que dela fica bem claramente afast ad o. Por exe mplo , farem os
como a elaboração deste. A determinação do sentido é um urna distinção importante entre as imagens tradici onai s do teatro ta is
I?rocesso coleÚivo que se insere numa linguagem global : como nos são transmitidas e aquelas cujos modelos deveriam ser esti o
4. O jogo dramático não tem em vista a representação oficial mulantes para o nosso trabalho.
rodeada de um importante aparato. Utiliza '!. aeresentação 1
ªcntro_do atelier ~m eio para interrggar e~p'ara rnficar PI ~
2. O JOGO DRAMATlCO E O JOGO
a cOlllllnicabilidade do discurso sustentado. O vaivém entre
, I , " o jogo e o_pôr em qUC§lão o jogo Põf observadores activos
Pode dizer-se que a actividade própria da cria nça é o jogo e
é um dado essencial do trabalho. . -: 0\ ela põe nisso uma tal dedicação que alguns p sicólogos d istinguem
5. O jogo dramático não reclama actores Virtuosos, cornpeten- . .~.~ uma. categoria de jogos sérios que se oporiam ao jogos de puro
( ' tes em todas as técnicas de expressão. Destlna-ss a formar 7' 't'~ divertimento, aos jogos de descon tração tais como os que se podem
1/ «jogadores».. mais preocupadas em dominar p seu discurSO" O- observar no adulto quando rompe com a act ividad c séria q ue é o
~o \~ I~ J do que em criar a ilusão. Estes nem procuram «ser» (como trabalho. Esta oposição tradicional jogo/trabaiho determi na certas
~ .~ a criança que brinca) nem «parecer» (como certos actores),
l' - tomadas de posição hostis ao jogo dramático, tanto mais v in.~
mas «mostrar», Não é a perfeição do gesto, ou da imitação qLi"ãrrto este tem a ver com a acti vid,fd elú-dica e com a act ividade

. ;:':~ ~ "'n,iàernd, d"'onfi,~, Entende~:


que se procura, mas sim um comportamento lucidamente ela.
( ",m
34
que. se o jogo é puro divertimen to, o .s~u lugar é no. r.ecreio e nã o na execução das sua s actividades ~~ Mas, ao mesm o tem o.
na s.:11~. de aula. Ou , ainda, que se o Jogo é um a actlV1da de forma- ~ se torna indis ensá veJ res -.itar, so E,na de se
dor;) n:ltur: l1 da cri a!1 ça . não compete ao adulto intr om eter-se. inte- fechar num-;-;ctiVidade rap.B!amente aborrecida ou estupidamente
grando ·o na prá tica escolar . Por fim . se o jogo recebe ~ se~s rJmctitivª-,- O s ps icólogos observaram o cuidado ma~íaco com q~e as
o bjcci ivox da s di sciplin as educa tiva s, desvia -se das SWlS ~~ nç~)es pri -
crianças mu ltiplicam as leis que rcgen: o menor Jogo de be:hnd~
mit ivas se r» ganhar em eficá cia. É verda de qu e as cxpcncncras ed u-
e vigiam o seu cumprimento. ~ por ISSO que a bat ota ao Jogo e
cativas de Claparcdc ou da SI''' Montcssori, pa ra citar ape nas estes, são
para as crianças um acto vergonhoso cen surado com violência. •
hoje reco n hec id as m a :; ape na s no q ue se refere. p rioritar iame nte. às
Estas duas características do jogo não se sucedem no tempo, tem
crianças ma is jovens . A su speita renasce qu and o os jogos edu ca tivos que coe xistir para que um jogo se possa desenvol ver. Não distinguimos
se dirincm às cri a nç as mais cr escidas. É ass im que. na co ncl usão um nascimento do prazer que seria anterior à elaboração de regras,
~ SCJ~ Ii 91 o «A cn ança e o jogO». Jea n Chateau ins iste na impor- mas um desenvolvimento simultâneo do jogo e do seu contrário (o
tâ ncia do esfor ço n uma «educação funcional», com medo que ficasse
constrangimento) que são complementares.
esquecido pelo cami nho: «A p rocura do atractivo é mui tas vezes O jogo dramático. tal como o jogo espontâneo, não pode existir
bas ta nte perigosa . Partim os deste princípio correcto - verificado nos
sem que esta dupla exigência seja cumprida, porque é ela que dá ao
jogos - - de qu e a criança s6 faz bem 9--'l.u ie rada fazer, co mo jogo as suas qualidades de instrumentos de investigação,
o ad u:to , ele resto. Pr incípio c:\cdenl c mas dem asiad o amplo . I ns- Através da análise realizada III esse respeito por Iouri Lotman, ire-
pIra ndo- nos nele. se m prec isa r o lipo de atractivo, dei xamos de nos mos estudar a natureza do jogo e retirar consequências para o jogo dra-
apoia r no jogo porque existem outros atrac tivos ara alé m do atraco mático. Com essa finalidade examinaremos suei ssivarnente três questões
tivo luc :eo ; o os oces, por exemp lo. O atractivo do jogo é um
que dependem todas decididamente das relações que o jogo estabe-
at racuvo especial e superi or».
lece com o real. Em ue condições é ue o jogo pode ser um meio
L ma .s ad Iante: «Q uem diz .jogo diz ao mesm o te mpo esfo rço e
d hecimento? Que rela ões se estabelecem entre o real e o ima·
li berdade, e urna edu cação peta jogo deve ser fonte de fadiga física
Ei!WiQ durante ' g{iL,
tanto co mo de alegria mo ral» (1).

~
' Fin almente, os conteúdos do jogo não serão, limita~os pe~a sua
Aprender jogando é sempre um p rincí pio considerado com des-
própria natureza? e a descoberta de novos conteudos nao supoe um
co nfiança, Recnvia aind a aos pedagogos do «latim sem esforço» ou 1 salto qualitativo que reclama a passagem a uma actividade superior
das (ma temát icas sem lágri mas». Ou. pelo contrário. é aeu sado de
decalcada no modelo artístico?
dcsvi flua r o sagrad o p rincíp io do pr azer q ue de termina toda a pr á-
tica de ce rtos a nim ad o res , Um jog o que tem objcctivos ped agógicos
decl a rados corre o risco de ser acusa do de hipocrisia. Ser viria apenas o JOGO COMO MEIO DE CONHECIMENTO
, h"~ , a realizar uma rec ur;eraçã o dcrna g6e ica do mundo dourado da
~ infân cia. o u incita r certos : uno s fi uma preguiça. já suficientcmc:-n tc No seu livro, «La Structure du Texte Artistíq ues.r') Iouri Lotman
"',{') 'fJ, gra.nde pa ra que seja ncccs snrio (\t::rc5cen tá·!.a com convIt~ ao jogo. analisa a importância do jogo como meio de «modelizar» situações
V"""O I Para respo nd er a estas criticas, é pr eciso te r em consideração o para as quais um individuo não está preparado, isto é, reproduzir
ca rácic. pa rticular do jogo, No jogo, o illici to esquece o real . nega uma concepção numa linguagem definida. '::e fossem vividas realmente,
a act ividadc séria liberta -se dos qu ad ro s constra ngedores que suporta estas situações podiam fazê-lo correr riscos consideráveis. Em vez de

(') r, C HA 'rE,A U «L'c nfnn t ct lc l eu» - Ed . du Scarabée, P aris, 1967.


p . 183·185 . (') louro LoTMAN «La Stzacture du Texte Arlisliquc». Paris. Call í-
mard, 1973.

36
37
,
se opõr ao conhceim~l1to. o Jogo de f'me-se em termos de <<cIlsaIO
. sem ~n
,xc"'"
f " : \7 •
cl ássicos desta vant agem os jogos de cn r áctcr des por tivo ou l'~ jl' :''\)j
riscos». Permite ao indivíduo colocar-se voluntariamente em situações de caç a que prepar am (l individu o, dese nvolvem a sua fo rça e a sua
que não pertencem à realidade mas que lhe são homotétlcas; elas ensí- destreza. sem nunca pôr a sua vida dir cc tarnente em perigo, se falhar
nam-lhe, por intermédio duma actividade simulada. o que deve reco- (na a nt iga soc ieda de. a caça e o torne io prepara va m pa ra a guerra) .
nhecer do real para assegurar o seu próprio desenvolvimento. As suas Por analo ia. o jogo d ram á tjço não dev e nun ca deixa r de )ermitir
faculdades psíquicas funcionam assim «em branco», fora das normas as repetições c os regressos, e n~ csm o adopta r. durantc un~ tempo
que regem o mundo verdadeiro, sem o fazer correr riscos sérios: «o limitado, uma est rutura fran camente repet iU'Ia, A maiori a da s cr ian -
jogo nunca se opõe ao conhecimento: pelo contrário, é um dos meios ças com quem temos trabalh ado aceitam de bom grad o retornar e
mais importantes de aquisição das diferentes situações vitais, de apren- recomeçar ; depois, reclamam esta po ssibilidade qu e se transforma numa
dizagem de tipos de comportamento» ('). nece ssidade. A criança que escolhe represen tar um a situaçã o qu e an te.
Lo trnan acrescenta que o jogo também permite modelizar situações cipa o se u desen volvimento fut uro não é forçada , co mo seria o vaso
cuja criação não depende da vontade do aluno. Não se detém longa. no teat ro . ;1 inscreve r um a pe rsonagem numa for ma definitiva, num
mente sobre as consequ ências pedagógicas desta afirmação, mas sub, molde cujo aca bamento não depende ria dela ou q ue ler ia sido fixado
entende que o professor pode. por sua iniciativa, provocar situações de dc form a de ma siado co nstra ngedo ra . E ste mold e pode ser a rcp rc-
ficção que considera úteis para a formação do aluno. Uma tal esco- scnta ção ou o seu equi valen te. em lod o o ca so, o mo mento cru que os
lha é rica de consequ êncías importantes e iremos examiná-las ulterior es boços sã o endurecidos de ma neira im pera tiva. Nos exem plos de tm ·
mente; será preciso tê-lar presentes durante o estudo das práticas. balho co m cria1lÇL'.SJllais.-J.o.\!C.!~ w Ita J:CIllOs a ~ té-ci\fáct e r e f~ m cro c ~k'VI·I9.
O jogo con stitui um «ensaio sem riscos» porque visa a «substituí- ~ I eá vel de prod uções que não pod ': m de pende r de co nti ênc ias cxrc-
ção dum a situação não-convencional (real) por uma situação conven- d o res fIxadas ã e uma ve~ par a semp re. O professo r pod e ac ha r Útil
cional (lúdica) (2)>>. Na medida em que a actividade dramática per- qJJ..ç se am ua rda dos ra ~ du m tra balh o; ..Q-gruPQ pod e fu.1r ~
mite recriar. aqui e agora. uma situação de ficção que reproduz as objec~ ' _ d~na c:l.o ; mas ist o nun ca de ve ser ie il ÇL..Oa _per~;)C ctiva
aparências da real idade ou que entra numa relação metonímica com a de fabricar um pr oduto acabado, como seria o caso..d c urna prod u-
realidade. ela tem semelhanças evidentes com o jogo tal como é defi- ,'ã o dc ca ráctC'r prollsslOjlal.
nido, É pelo estabele cimento das convenções que o determinam c A segunda van tagem da d up la natureza do jogo é que o «al uno»
pela natureza das relações que mantém com o real que o caracter lúdico aprende a moldar esta situ ação na sua con sciência por q ue, so b o
do jogo dram ático se afirma plenamente. Esta passagem do real ao aspecto do jogo. ele representa um siste ma a morfo da realid ad e cujr s
lúdico oferece ao aluno uma série de vantagens que vamos examinar. regras podem e devem ser fo rmul ad a s», (') T om aremos est a af irma -
Em primeiro lugar, o jogo permite «recomeçan> e. como diz Lot- 'Ç:..QQ'J'\S. ção inteiramente à conta no jogo dr amáti co, p e fR eto, quando as co n-
mano «fazer outr a vez. assar à frente». A situação de ficção nunca venções não são postas de modo suf icientemente clar o, r,ode m surgir
é inexorável COlr.O poderia sê-lo a situação real inscrita num tempo todos os deslizes da ficçã o pa ra U rt:al idaJe. sup rim indo c' cudeter .1:'0,..
invariável e independente do .sujeito. . . amorfo da situação e deixand o a;Xlrcce r os perigos ir.eren tes a esta . ' ~'.<::I.
O aluno tem o poder de dominar o tempo. de parar uma situação situ acão tal como ela PQd er ia ser vivida rea lmente, Me sm o no C~ISO LT
que não se sente eapaz de prosseguir; tem o direito de voltar atrás de te r sido o aluno a esc olh ~r a sitt:açi\o inic ial, ele per de todo o
se considerar que não teve tempo suficiente para assimilar o precedente, controlo sobre o seu desenrolar desd e que ela se con fun da com a situa.
Os psicólogos que estudam a natureza do jogo citam como exemplos ção concre ta correspondente, .Esta consCC] uêne ia agra va·se se não foi
:':!e que escolh~u o seu mooelo ou se teve de l:ntra r num a ficçã o imposta
(') Obra citada p . 105,
(') ibid. (') 11M .

38 39
rOI' um o:.Jlrr) jogador ou pelo professor. Na realização do traba:!90 com real: «o próprio jogo resulta do contraste en tre uma actividade
prático. um objcctivo determinante é o de definir um sistema de con- libertada e as actividades onde normalmente ela se integra. É entre
°
vcnçocs qu e tacl1Hc dIstancIamento do r&í1 c ll11~a os deslizes aci· oposições que evolui, é ultrapassando-as que se real iza». O jogador
dentais. estabelece um a re lação dialéctica entre o real e o convencional.f') passa
A terceira vantagem está IM signif icação mágica do jogo; «ajuda alternadamente por uma fase onde o rea l é negado, onde se trata, no
a dom inar o medo face a situações idênticas e constitui uma estrutura fim de contas, de «esquecer o real», e a seguir por uma fase onde,
das emoções rara a activídade prática» (1), Fabricar para si um mundo graças à observação das regras do jogo, dá um conteúdo puramente
assustador é uma actividadc natural da criança que a tornará mais funcional da sua actividade.
íorte 'IUi\nclo f',')r capaz de o vencer, Brinca a meter-se medo, cria Uma vez que é este equilíbrio que fúz o jogo, quais as rela-
fantasmas, perigos imaginários através dos quais tem o prazer de pas- ções que se instauram entre o real e o imaginário dentro do jogo c,
sal', apesar de reconhecer as inquietações ou angústias momen tâneas. depois, do jogo dramático? Esta pergunta é decisiva quando fixãmos
Mas, para o 1I0SS0 assun to, é mais do que nunca indispe nsá vel fazer como objectivo para o jogo dramático falar da realidade, e nos esfor-
uma d i.';Linção entre as situações criadas pelo sujei to e as impostas por çamos por descobrir como é que ele pode falar dela de forma a trans-
,) llIré l11 com () 11\ cs 111 o ob jcctivo, Estas últimas devem ser cons ideradas formar-se num instrumento de análise do mundo.
cal 110, verdadeiras provas que põem real mente em perigo o aluno. mesmo ~ íJJ~~,
que sej am transpostas para o plano simbólico, O jogo dramÚ tico 12ilii,G.
ajud:lr a conlrolar as Ctllooyõcs: mas ele não deve transformar-se num o JOGO REAL E O lMAGINÃRIO
campo da cxpcnencias CUJO interesse ser ia medido pela violência das
situações afcctivas vividas, O seu estatuto de actividade colcctiva impõe Os especialistas da psicologia da criança interrogam-se acerca da
prud éncia: os participantes não se desenvolvem todos ao mesmo ritmo, natureza exacta da actividade da criança que brinca e acerca da facili-
°
têm necessidades psíquicas diferentes, conforme seu grau de maturi- dade com que dá a impressão de se fechar, por vezes, no imaginário a
dade . Para quê, nestas condições, irnpôr actividades que visam criar ponto de perder todo o contacto com o real, Assim, Jean Chateau
estados de medo ou de tensão, mesmo com a finalidade de ajudar admite que, na maior parte do tempo, o jogado r mantém-se consciente
os participantes a desenvolver o seu psiquismo? De res to. a significa- . do carácter artificial da situação que cria c q ue não se ilude com àS
ção 1I1:ígic<i do jogo varia conforme o imaginário e os fantasmas dc suas próPrias invençQ.e-S...- Ele refere, no entanto, casos em que cnanças
C.1(1;], indivíduo. f: por isso que es tudaremos mais adiante o que apro- mais jovens ficam absorvidas pelo jogo a ponto de o confundir com
xima c afasta o jogo dramático das simulações que visam provocar o real, ao menos para provar a seriedade com q ue a criança mergulha
dcscnrcas afectivas. ;:) psicodrama e jogo de personagens (rolc-playing), no jogo: «Lembro-me do choro de uma criança da escola pré-primária
Forta lecido pelas vantagens que acabamos de examinar, o jogo que pretendia ter sido mordida por um brinquedo de madeira no qual
e. pois. um instrumento de conhecimento que funciona como modelo da via um pato; não se tratava de qualquer fingimento, Por mais excep-
rea lidade de um tipo particu lar, Para Lotrnan, «ele reproduz este ou cional que seja uma tal confusão, ela dá amplamente co nta da impor-
aquele aspecto da rr alidade traduzindo-o na linguagem das suas tância da actividade de jogo na consciência infantil »(2). A literatura
r::-gras» (') . I-lenri WaJlon. numa perspectiva diferente porque $C coloca dramática apresenta exemplos semelhantes, quando a máscara usada por
do ponto de vista do psicó logo fi não da do teórioco da arte, faz no um homem se torna a sua verdadeira natureza. Só no teatro pré-elas-
I
entanto uma análise bastante próxima das relações que o jogo mantém
(') HENRI WAI.1.0N «L'évolution psychologique de l'enfant», U. Prisrne,
rJ ibid. Armand Collin. Paris, 1976, p. 67.
(') ibid . p. 106. (') J. CHATEAU. obra citada, p . 19.

40 41
._ - - - - - - - -- - ---,- - - - - - - -- - _ ._ - - _ -.. :. . . . - -- -- - -

sico francês, encontramos muitas personagens vítimas duma situação cífica d o jogo. Porqu e é claro que, qu an do deixo de acredi tar no jogo
cujo por.to de partida é imaginário e que os leva mais longe do que ou qu and o me recu so a acr ed ita r 11l:1c, destruo também o jogo. O
deseja vamo Na {X'Ça de Rotrou intitulada «Saint Genest», Genest, actor seguinte extra to da no vela «In fânc ia» de Tol stoi, citado po r Lounan
e chefe da compa nhia, considerado o especialista da imitação por toda mostra- o bem: «Sei muito bem que com U: \1 pa u não se pode da r um
a sociedade romana do seu: tempo, representa o papel dum mártir cris- tiro a sério: é o jogo. Quan do com eçam os a rac iocina r assim, j;\ não
tão com tanta perfeição que se esquece das convenções teatrais (o seu há meio de faze r viagens sen tado IlUIl1:\ ca deira (. ..) se rcflcct irmo s
tex to, o luga r onde se encontra) e torna-se literalmente cristão no palco, rea lmente, já não ha verá nen hu ma espé cie de jogo. E se dc ixi r de
a despeito dos dignatários romanos que o ameaçam. Mais perto de haver jogo, o que é qu e ficará, aí inal ?»
n ós, em «Lorenzaccio», Lorenzo de Medieis representa a comédia da Se bem que não utili ze os co nceitos de «real» e de «imaginário».
depra vação com tanta habilidade que perde a sua verdadeira identidade. Hcnri Wallo n, el o po nto de vista (lo psicólogo. opõe os co ncr iu »; vizi-
Transferências do mesmo tipo. no teatro de Pirandello, fascinaram li nhos de «ficção» c «obs ervação» no pr oc ed imento da crian ça qu e
maior par te do s dramat rrgos. brin ca : «p or vezes absorvido po r uma, por vezes pela outra, nu nca se
Quando a criança que brinca se põe a chorar porque o pato ou sepa ra com pletam ente duma na presença da ou tra. A s observações r.ão
o urso de pelu che que ape rtava contra ela começa a meter-lhe medo, escapa m às suas ficções. mas as suas fic çõ es são rec headas Id as SU:lS
o jogo deixa de existir, é substi tuído pelo seu contrário e surge a angús· o bserv aç ões». l I).
tia . Quando Gcnest a bandona o texto previsto e improvisa um dis- O jogo dr amát ico exige do s joga dores o mes mo comport .uncn to
curso místico que de vive realm ent e, o teatro deixa. de existir e os seus biplana r: é p reciso acreditar no jogo o suficiente para que trê s ca dei ras
companheiros não se enganam a esse respeito: depois de terem tentado viradas se transformem num foguetão. o tra nsferidor do p ro fessor de
em vão soprar -lhe o texto, desistem, desorientados. A profissão deles matemáti ca num volant e de cam ião e esta ca ixa vazia de sa bão em pó
é a de representar traidores ou tira nos e ficam desarmados quando o num a aperfeiçoada m áquina de filmar. Sina is irrisórios do real se a
real, irrompc ndo brutalmente no palco, destrói a ilusão teatral que tinha crença do s jogad ores não os transfo rma . No en tant o. a actividade
sido. no entanto, objecto de todas as suas necessidades. dramáti ca ca rac teriza-se po r um a materi ali zaçã o consider ável dos pro -
Na base destes dois termos opostos, o real e o imaginário, Lotman du tos da imaginação : jogam os num espaço det ermi nado , as pc rsona -
def ine a natu reza particular do jogo e o tipo de comportamento quo gen s são de ca rne e osso, r: os sentimen tos que nascem en tre ela s tom am.
ele requer : «A a rte do jogo consi ste na aquisição do hábito dum com- po r vezes , tod a apa rêncla el e verdade]ros scnt irncn tos, É C'~ lL' cq ui-
portamento biplanar, Qualquer derivação deste para um tipo de con - líbrio frágil qu e se trat a de manter pa ra q ue o carúct cr ILI0 ico duma
duta monopl anar (ca s ério» o u um tipo de conduta monopl anar (ccon - improvisa ção não desapa reça .
vencional») destrói a SUL especifi cidade» (1). Os alu nos ma is no vos entram com facilidade no universo irnagi-
Este comportamentv biplanar, adoptado pelo jogador, deve: fazer· n ár io: estão tão próx imos do jogo espon tân eo. :] Uc cria m. sem ~rando
-lhe k mbrar que se encontra numa situação convencIonã1, não verda- esf or ço, o ma is complicado sistema de convenções, M as são eles tnrn-
deIra, e ao mesm o tempo, fazê -lo esquecer isso. A criança que brinca bérn que opõem as bar reir as mais fr ágeis à irrupção súbi ta c angus-
c om O seo pato de nmdeita d . er um pouco de medo. Se se tiante d uma situação real. Pelo contr ário, acontece q ue alunos mais
esquecer de um dos elementos do jogo , se deixa completamente de ter velhos sorriem da convenção, torcem o na riz pe ra nte a ficçã o;
medo, o jogo deix a de existir. Ou, se tem tanto medo que começa a alguns adolescen tes atribuem a exclusivida de do jogo ao s mai s novos
chorar, o jogo também não existe. É este vaivém entre a consciência ou exigem os acessó rios realistas a qu e foram habit uados pelos mass
da convenção e o esquecimento da convenção que cria a natureza espe- media. N o enta nto, é a relação metafóri ca q ue o jogo dra máti co rnan -

o LoTMAN, obra citada . p, 106. \') ) I. WA L LON, ob ra. cit., p . 7C) .

42 43
rem co m o mundo que se tra ta de preservar em cada momento do tra-
o ue, no entanto, aproxima o j<>go da arte, é o facto de, ao
. jogar, me tomar capaz de experimentar uma ideIa a5stracta que tento
balh o. O seu êxito avalia -se em relação à força da metáfora; mas.
transfomJ.ar num comportamento, numa actividade, O jogo é uma das
para isso, é p reciso que cada um dos dois termos esteja presente (o
vias de transformação da ideia abstracta, «enquanto que os modelos
mundo. a convenção) CI)1l1 a mesma intensidade. Se um dos dois enfra-
artisticos representam uma combinação específica no seu género dum
qU lX'C. o jogo co nfunde -se então com o psicodrama ou fecha-se no
modelo científico e dum modelo lúdico, organizando o intelecto e o
c n l n.~I1 ICZ complacen te ou estctizan te.
comportamento de maneira simultânea» (1).
Se ° jogo é um instrumen to de con hecimento do real, se de ve
Para o nosso assunto, esta análise reenvia ao problema do «con-
lIla n l ,' ;' um equ ilíbrio permanente en tre o ima gin ário e o real, devemos
teúdo» do jogo dramático e dos modelos que pretende representar.
ai nda perguntar q ua l é esse real que o jogador se esforça por repro-
Os . ~ogOS que reproduzem a vivência sem nunca a pôr em questão,
duzi: c qu ais sã o as relações que °jogo tem com a art e. este outro
rat~fJcam os comportamentos mais tradicionais, aceitam os estereotipos
instrumen to que permite moldar o m undo,
mais gastos e afastam-se do modelo artistico.
. ~ pela pr~ura de.novas so)uçõe ' ~~a vontade de inventar 9.!!..e
o JOGO c O CONTE úDO DO JOGO o logo dramático ~.Ra à ratoeira d imita~o estéril. É assim
que se torna não só instrumento de análise do mundo mas também
G jogo é lim itado no seu funcio na me nto com o instrumento de
uma arma face ao mundo. Colocaremos o conteúdo do jogo dramá-
co nhecimento do real porque repr esent a. an tes de mais, a aq uisiçã o
tico e a sua questionação como a base do nosso trabalho. Trata-se de
dum sa ber-faze r, A ssim, ele tem tendência a reproduzir situações
ter presente os dois pólos do trabalho. O jogo dramático deve ser ao
co nheci das, a fixar hábitos já adqui rid os, a confirmar esquemas já
"mesmo tem um meio concreto de críação de situações e de aquisi-
existentes, Para que o jogo se possa tornar meio de experimen taçã o e
ção de técnicas, e um meio de reflexão sobre estas situações paracne:-
de elaboração de novos co nhecimentos, deve real izar um salto quali-
gar in\Íen~o. E a coexistência do mOâelOãbstrnctõeOo modelo
ta tivo importante, o q ual . segundo Lo tman, o aproximaria então da
I.údico que permite avançar e esca{?;!r ao impasse que represen ta a rePfõ:
a rte : (~O jogo rep resent a a aq uisição de um saber- fazer. o tr eino numa
duçlío de cstereotip~os. . É e isso_quCl não d .1iniremos a aquisi Ç"ãode
Sil l1a~· ;·I;::;·7:·l:,i ;\'cncio n;t1. li ar(0 6 fi ac uisiçUQ dum mundo (um a /1l nc/e- --.
uma técnica como anterior à elaharação dum discurso. O fundo não
I Wí '{/() mund o)» ('). Es ta distinção põe o problema da finalid ade do
jogo e do seuc.onteúdo . Se o jogo é «como uma act ividade», não é
p e ficar suboroinado à forma ou visar apenas uri1ãCíãrificação
capaz de da r conta da com plexidade do mundo nem de penetrar a sua
esta. A- invenção de formas_originaiL~-ªptadas a todo o discurso -
novo é o objectivo determinante pelo qual nos vamos esforçar,
opacidade Limita -se fi tran spo r pa ra o domí nio lú dico co m po rta -
menu-s que j:': existem no mu ndo sem os pôr profund amente em qu es-
t â o. oI finalidade do jogo co nt inua a ser a submissão a regras. Como
3. O JOGO DRAMATICO E O PSiCODRAMA
o jogo é sim ulaçã o, ensaio, tr an sposição, imitação, a utor iza o sujeito
fi assumi r condutas c com po rta me ntos q ue existem à sua volta; em

que med ida é que permite in ven tar com portamentos, qual o espaço APREENSõES FUNDADAS
q ue dei xa à abstracçã o? J,.9lliU-PQ!.-Jog cria ficar-se pelo res ito
das regras . fcçhar ·sc em situações repetiti vas , limitar o instrumento à O j~o dramático provoca, por vezes, a apreensão dos professores,
'co nsc rvação da inform ação. Só a arte en a funcionar como meio_ a desconfiança dos pais e da administração. As mesmas perguntas
de investi gação ou co m o meio de ela boração e no vos conhecimentos.
- surgem, traduzindo as mesmas incertezas; não correremos o risco de

r) lbid.
(') Ob ra cit. , p . l lô

44 45
provocar nos nossos alunos descargas aíecdvas violentas, uma libcr- tcs às di versas escolas. T entemos cla rifica r o q ue encob re urna )xliavr "
ração anárquica de sentimentos que somos incapazes de enfrentar? vulga riza da pela moda da psicanálise enquanto q ue o seu significado
Afinal, nem O professor, nem o animador são analistas; será dese- científico nem sem pre é be m entendi do,
jável vê-los manejar, dentro da própria instituição escolar, técnicas que
são perigosamente aparentadas com o psicodrama? A abundância de
animações feitas por charlatães, a moda dos exercícios de relaciona- ALGUMAS DEFlNIÇOES
mento vindos dos Estados Unidos e, por vezes, reproduzidos desajei-
tadamente, tornam legítimas as questões que se põem a esse respeito. Partamos de um a de finição ào p ~ c odr3 m a. s~ gulldo M oreno, tal
Pelo contrário, a prática do «jogo de personagens» ou de vários como ~Iln Schutzefioerger a ap resenta no seu livro «Précis
tipos de socio-drarna que se difundem na formação d.e qlla~ro:' da d e Psychodrarnes ('): «No . sicodrama._tral!'l-se â eviwr em grupo
indústria, a utilização da «dinâmica de grupo» nos meIOS mais ines- um a situação passad a, ~ll e ou a té futura , conta ndo· J . não nt ru vés
perados fazem surgir um argumento duma outra ordem. mas que se de um diálogo singular . mas a trav és duma acç ão improvis ada . 11l~1
funda também na constatação da voga actual para tudo o que. de ~spéc i e de «Commcdia delI'arte» aplicarJ" a uma situaçã o vivida : ()
per to ou de longe, tem a ver com a psicologia ou com a psicanálise, herói (ou protagonista) eX9rime os seus verdadeiros s.:nti~os e põe
Segundo este argumento de tipo político, O jogo dramático propõe-se em cena a situação com a ajuda de tod as as per son agens necessárias
resol ver. em proveito da instituição escolar, todos os conflitos ideoló- à acção e que lhe dãraõ'ãSréplicas (.. .) Atra vés dum a tomada do
gicos que atravessa m a sala de a ula, Serviria para olcar as molas a consciêm'I:: ta sifliã'Ção. o slljeilo p o(jclib ..:r la r . ~ c du m t ruumati smo
ranger. pa ra reparar de algum modo o que não vai bem no mundo peJo facto de o viver n ovamen t~m a ma neira muito i~n~ (catársis).
escolar. em resumo. para fazer de modo a. que «tudo melhore» sem Pode t<U1lbém prep ar ar-se para enfrentar illlm
dif iculdade, ~aRren d~
que saia mui to caro, sem que haja necessidade de mu~ seja o ~ue a dcsemJ2Çn har a Réis sociais, ou si m pl esm~ ; -sentir-se « m a i~ à
for deste mundo ou desta sociedade que o segrega. O Jogo dramático ~ll\ a d e» C,.. O Rsicod ram a se rv\: para coloca r c resolver prob lc-
estaria do lado da ordem e esconderia artificialmente os conflitos e as nlas (.. . O psicodrama seria o teatro-do hom em liberto. i()ra ~i,
dificuldades. instalando um «viver melhor» de papelão, wn cenário íorac.dos.elxos, no meio de um a uditório de: pessoas. ta-;;Sém elas.
ilusório em frente da fachada rachada da Educação Nacional. fora_de ~ d~articipando em con jur.to no facto de uma delas sair ne
Estes reparos. por vezes de má fé. são contraditórios, mas me~e. sLRara revi ver a sua vida e recnco:1t rá·la no palco».
cem a nossa atenção porque difundem a ídeía de que os alunos sao M ais ad iante, A. A. Schutzcnbc rger d á uma def inição de. «jogo do
manipulados graças a técnicas «doentias» por um indivíduo-todo-pode- personagen s» : «Também se faz psicodrarna para treinar papéi s que se
raso. o professor ou o animador. _ desempenham todos os dia s. pa ra ape rfeiçoa r a maneira de 0S descrn -
Subversivo para uns, porque dirigido a indivíduos em formação pcnha r ou pa ra enfrentar situações novas) (2). M oreno. o inventor
cujas rcacções procuraríamos orientar e dominar. recuperad~r p~ra do «jogo de per sonagens», elaborou um teste psicod rarn ático célebre,
outros. po rqu e con serta quando deveria incomod~r. eis ~ acusaçao feita pa ra a sclccção dos q uadros da ind ústria c da s forças ar madas .uucri -
ao jogo dram át ico . Na mec'ida em que é provocaçao ao discurso pess,oal. cana s. no qu al se tratava de elimina r sujei tos q ue mostrassem uma
em que convida a uma reflexão acerca do mundo ~ue nos. rodela .e adaptabilidade insuficiente perante situa ções nov as . A palavra pe r-
da nossa vida quotidiana, o jogo dramático faz surgir conflItos m~s
)u menos latentes e nem sempre abordados na escola . Ora, ele nao r) A. A. Sç Il U T ZEN H!! ~GER, «Préc is de Psychod rarnc». Ed Univcrvitai-
se confunde com o psicodrama. res, Pa ris. 19136. p . 14 e ss,
Examinemos os princípios do psicodrama para os comparar aos (') Nes te exem pl o co nh ecid o a u tilização arnh ígun d o j o go de p er so n n-
do jogo dramático. SeI .1 entrar no detalhe dos modelos corresponden- gens c as sua s irnpliea çêes 'ideol ógica s são ind ubi t áveis .

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sonaccm não deve ser entend ida no sentido ambíguo de «persona - ela; aliás. nesse caso fá -lo em prejuízo da sua espontaneidade. Suprime
gcrn ~d r,un:\ l i c a. » esclerosada, de conservação cultural, de instrumento ou acrescenta. Pode mostrar-se incapaz de jogar um incidente previsto
de '1uc a perso nal id ad e se serve à distância. mas sim daquilo em que e fabricar outros imprevistos. (1).
o cu se encontra directamcntc imp licado.
Par a Moreno, as personagens constituem as modalidades de com- ESPECIFICIDADE DO JOGO DRAMÁTICO
prom etimento da pe rsonalidade nos seus empreendimentos; uma per-
so nagel1l in v ent a-se e a pe rso na lidade mede-se pelo número de persona - São sur rendentes à rimeira vista, várias semelhanças com o jogo'
gens qu e é capa z de assumir. O neuró tico, mal adaptado à vida social. e dramático: escolha da situarão. investigaçãó precisa do lugar. esen-
aquc !c cujo desem pen ho das per son ag ens está pe rturbado; não tem capa- Í'olãfã o Jogo improvisado. Mas a diferença dos objectivos rmite-nos...
cida de de se pôr 110 luga r do seu interl ocutor. de se ver a si próprio como f~s::M-. fu..nd'lI!1.Jm1ais.
o utros o veriam . A sua readaptação passa pela aprendizagem e pela Em primeiro lugar, o tema do jogo dramático, sempre que é esco-
descobert a de novos pa péis, pela elimi nação de certos papéis adopta- lhido livremente (2), é determinado por um grupo em vez de por um
dos incon scientemente ou imp ostos pela sociedade apesar de serem exte- indivíduo. Podemos, no entanto, imaginar qUe se produza o caso
riores ao eu , pe la in tervenção de papéis rep rim idos ou nunca exterio- inverso quando um leader se mostra suficientemente autoritário para
riz ado s, impor ao grupo a sua história. e exclusivamente esta , ou quando uma
Corno 110 jogo dram ático, encontramos como ponto de partida do criança se mostra ansiosa por jogar uma história que lhe diz respe ito.
psicorlrama um jogo improvisado. uma situação na qual são distri - Neste caso. é a própria criança que. desviando-se do objectivo, pro-
buíd as vá rias personagens. Mas A A. Schutzenbe rger refere-se a~ curará inconscientemente criar um psicodrama selvagem.
situa üo vivida e a verdadeiros sentimentos. o que não corresponde A segunda diferença baseia-se na noção de teatralização, que é
. aOS-!J05S0S objectivos, mas P.QQ eria acontecer acidentalmente n ~ muito mais importante. Os psicodramatistas nem sempre parecem claros
~sã o de trabalho. A es te respeito. o que conta Didier Anzieu (I) a esse respeito; em todo o caso as suas reflexões são contrad..it6rias ou
acerca da man eir a como explica a \1111'1 criança o desenvolvimento do exprimem-se num vocabulário que necessita de ser precisado. Anne
jogo é mais inquicn ta ntc : «Trata-se dc fazer teatro. Gostas? Então, Ancelin Schutzenberger sublinha que «no psicodrama fazemos como
vam os fazer ass im. Vais contar-nos uma história . uma qualquer. uma se, mas não fingimos», enquanto que D. Anzieu esclarece à criança.
histórico lJU0 tu leste, um sonho que tiveste. A primeira história que que vai jogar «a fingir. naturalmente». Mas talvez tenham na ideia
te vier a cabeça é boa. Depois di rás qual é a personagem que tu a mesma pr ática, pois Anzieu refere-se a Staníslavsky como aquele.
fa ria s nessa hist ória. Dirás também quais serão os nossos papéis. pois vinte anos antes de Moreno, descobre que o estado do actor, obrigado
II")S r.uubcm Ia zcmos pane ela história . E depois, todos juntos. joga -
a manifestar o quo não sente, é contra a natureza c quer substituir
remos a história, a fingir, cla ro! » a ostentação cénica pelo estado criador (') e A.<\.. Schuzenberger con-
Depois de ped ir à cr iança que precise o luga r da acção, diz o
vida o protagonista. bem como o ego-aux..iliar a «entrar na pele de
segui nte acerca do jogo : uma personagem». o que é uma outra noção familiar aos adeptos do
«Deixam os à criança a mesma liberdade de improvisaçã o no jogo método de Stanislavsky: «Quando assume um papel, (o participante
co mo na ela coração do tem a e na distribuição dos papéis. de um psioodrama) tem uma ida de, um sexo, uma aparência, um trajo,
Não tem ob rigação nenhuma de jogar em conformidade com a sua uma maneira de se vestir. de se comportar. de ser como de parecer»
hist ória . Acontece raramente que se conforme escrupulosamente com

(') Obra citada. p . 57.


\' ) DlDIER AN Z'lE U ,«Le p sycho dram e analyti que chez l' en fnnt», Bíbllotéque (') Discutiremos a questão na «T ípología das Práticas» .
d e ps)'c }lf{n.d)'s r ct ele Psy ch ologic clinique, FUF. J 956 , p . 57 . (') Obra cít., p, 168.

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'- "_ . ... . __... _


. . _ -- .- _ ... ..... .. -_ .. . _-- - - - - - - - -
apesar de se jogar sem trajo e sem adereços, com as suas próprias uma abordagem excl usiv amente psicológica do Ien órncno tea-
roupas ('). De resto ela lembra várias vezes o perigo que existe de tral. mas também p ara familia rizar os futuros espectadores com t éc-
«cair na teatr aliza ção», de fazer arte. nícas el e jogo contempor âneas,
Tudo se passa corno se os psicodramaristas utilizassem uma parte A terceira diferença, tão evide nte q ue tem os tcndêncie para a
do vocabu lário e da s técnicas próprias do teatro. ao mesmo tempo. esqu ecer . está na existência Lia anál ise que se segue ao psicod rama .
que recusam uma teatralização excessi va e suprimem o público ou O comportamento do protagoni sta é comentado c escl a recido pelo
atribuem-lhe uma função determinada (2). Moreno preconizava, sem psicodrumatista qu e ajuda p rogressivam ente este a ~OJ11a r consciência dos
que isso. no entanto. fosse indispensável, um palco com vários níveis. seus probl em as. a afirmar-se pera nte o mundo. E sta fase fun da mental
luzes apropriadas e não hesitava em encorajar os protagonistas pela nã o existe na nossa pr ática onde o debate não loca no aspecto pri-
voz c pelo gesto. trabal han do por vezes como um verd adeiro encerra- vado do indivíduo.
do r a quem se nota (para o censurar) o gosto de dirigir. As fr on teiras parecem nítida s c, no enta nto. co n l i n l l;lf~ 1 a surgi r
É menos a falta de precisão nas referências ao teatro que desper- con lusõ cs, Alguns animad ore s dc :;envolvcl:l durante as 5\1 ;15 5 l' S S: ' l' S
tam a nossa atenção do que a. sua a presentação ; parece que só haveria de tr abalh o urna atit ude de dominação e suges tão incon sciente q ue
um tipo de tea tro e uma. a bo rdage m do jogo. A ideia de «entrar na toca os lim ites do hipn o tismo. Estas p r áticas que visam aq uecer um
pele dun -a pe rso nage m» corresponde, de resto, a um lugar comum ca da grupo (como o psicodramat ista aq uece 03 protagonistas no iníci.o ~ a
vez que é dada como um a característica do bom actor, aquele que. sessão), para Q pô r num estado propici o. segundo parece. ;\ c na ~ao
por excelência. seria capaz de imitar o real a ponto de criar o equí- «espontânea» e «a utêntica», podem pr ovoca r :10 seio do gru.{X) r~,1:ç0C5
voco. As crian ças a quem nos dirigimos estão convencidas disso e por vezes violentas pa ra indi víduos pou co preparados ou insuficient e-
confu nd em-n o com a conce ntra ção, assunto a que teremos oportuni- me nte preparados. A s improvi sõcs qu e se segue m dese r.volvem- sc
dade de voltar. fora do seu co nt rol o. sob a d ominação do an imador-r,llfu qu e. seguro
A. A. Schutzenberger vê a diferença entre o psicodrama e o jogo do seu poder. faz comentários que se parecem com uma análise selva -
dr am á tico . a qu e chama «drama improvisado» numa harmonização da gem. Não pe nsamos qu e estas sessões tenham mu ito a ver nem com
o psicod ramu nem com o jogo tal co mo praticamos. Adu ltos volun-
improvisação com um esp íri to estético; pela nossa pa rte. preferimos
falar de teatralização e de situ ação de comunicação. tári os têm o direito de se abandonarem a for ças subterrâneas susci-
Todo o nosso esforço de melhoramento do jogo incidirá sobre tada s ma is ou menos a rtificialmente ; a situa ção é dife rente com crian-
esta nece ssidade assumida nas improvisações. É por isso que insistimos ça s facilm ent e man ipul áve!s e que. co m o nosso esforço , queremos
para que os jogos exü ;tam para ou tros para que o esforço do gru torna r senho ras duma técnica consciente de jogo .
redunde no me m0nto do seu modo 'de expressa0 numa situa "0
de cOll1unicaçá~ Da mesma maneira. a noção de distância. no sentido

( brechtiano. é fund anental no nosso trabalho. não SÓ para evitar o R ISCO DA AFECT/ V IDA DE

Qu er isto diZ\~r qu e negam os toda a parte do indivíd uO q ue de nde


C) A. A. S., obra cit., p, 71. do inco s _ , túilllarmos aculIa . ue o Jogo (am;\~ ic Q não
(') No psicod rarna para cri an ças, geralm ente não há público. Pa ra os
rejeita sistematicame nt e os p roblemas e que, po r vezes. é pre';lso saber
adult os, o público II muitas vezes con stitu ído por «um grupo restrito de parti.
co rrer «o risco da afectividadC). N urtk1. ImprOVIsação existem senlprll
c ípan tes», um auditóri o «qu e ajuda o sujeito pelos seus ecos. pela express ão
dos sentim ento s vividos em relação à acç ão, pelas SUtlS reacç ões». Não é esta
.
2o I1as tItIZCI l tas e o a b tth eefiO eas e6!FY\'tlFaS p CUUC:YRYiliL
~ -lra dicjonai;C'
comunhão o que nós espe ramos da presença dos «espectadores". no jogo dra- sejam ora as. er to s Jogos visam clara mente a
mát íco, evernos e Iminá ·las ou ignorá ·las

50 51
na medida em que a turma soube reagir sem ironia ao que elr tinha
c ta m bérn não no s cabe a nós provoc á-las. .N uma situação de liber- muita vontade de contar nesse dia. Uma vez tomadas todas as pre-
dade. relaç0SUl.fccJivas diferen tes nascem ~ntre os J2 ro tagonistas dos cauções, é um risco que podemos correr na medida em que a sala
jogos. ent oe cstes e o professo r. sobretudo 'lu ando toma arte nas f de aula nem sempre é um lugar frio. fora de tod as as redes afectivas
improvisa ções Sejamos c!p-azes de as reconhecer e de fal ar delas L que preocupam os nossos alunos as quais não temos o direito de
y uunJ ü kr útil, não tentemos fazer del as o no sso ob jectivo q ua ndo não ignorar. h.1\ , ~ o-
esta mos prepa.ados para tal (1) . \j\.rj.Y'"'C?
Per vezes, encontramo-nos em situações que tinh am a ver com
JOGO DRAMATICO E O TEATRO
o psicod ram a. decorren tes dum discurso de circ unstância . G eralmente
são IJrl'c isa:; pa ra isso as seguintes condi ções: As relações entre o jogo dramático e o .oatro não devem apoiar-se
- no seio dum grupo. uma cr iança o u uma adolescente propõe num mal-entendido: o primeiro não tende pura a imitação do segundo.
uma situação qu e vem d irect a mcntc da sua vivência. passada o jogo dramático não é nem teatro p-ofissional enfezado. ne~
o u pr esente . o u uma situa ção «futura» q ue toca di rec tam c ntc a uma coisa completamente diferente do teatro. Quando subli-
sua vivência (ou a invade). nha que a criança não tem a maturidade psicológica indispensável para
o jogo teatral. P. Leenhardt faz uma distinção muito justa entre a
- t.. ela que distribui os protagon istas da acção, seja entre os
criança que jogo a «ser» e o actor a «parecer», o que o leva a falar
se us camirudas. seja ent re os ad ultos present es.
de «jogo dramático» ou de «exp ressão dramática» acerca da sua
-- Viv e o seu papel com inten sida de c ex prime nele os seus senti- activídade, em vez de falar de teatro (1).
ment os com energia . Esta nota preliminar indispensável não dá, no entanto, uma ideia
suficientemente completa das trocas que se instauram entre a expres-
Um a al una da terce ira classe utilizou, um dia , o pr etexto d um a são dr amática e a arte teatral propriam ente dita. A dramatização
sil.ll<l IJlll ele jogo par a com unica r a sua a ngústia a toda a turm a. Fi lha
espontânea efectua-se, mesmo nas crianças mais novas. em função
de pais d ivorciad os. vivendo so zinha co m a mãe e m uito co nsciente
de modelos culturais compreendidos na palavra genérica «teatro », saco
dos prob lema s mate riais desta. Icz o papel da miic e entregou a sua
onde cabe tudo, o que está na origem de muitas incompreensões. Para
p róp ria pe rson agem a urna amiga. N um longo mon ólogo, ret om ou o
os adolescentes, o conceito não é mais claro; vivem a influência da
q ue. sem d úvida, ouvi a frcquen tentc em sua casa : preocu pações pel o
est ética do cinema e da televisão a pon :') de um trabalho dramático
dia de .unnnhâ. queixa s perante o can saço provocado po r um trabalho
não filmado os surpreender ou desiludir e enunciam a ma ior parte
al ienante c a soli d âo pari sien se c, sobretudo. declarações contra os
das suas opiniões em função destes modelos. É. portanto. necessário
11 011l (;n5, este s impeci lhos a uma vida feliz. Não seria melh or, assim ,
delimitar o que constitui a originalidade da actividade teatral e. por
ter cons tituído um la r só ent re mul her es? Esta revelação que podia
isso. interrogarmo-nos acerca da sua imagem tradicional, que a socie-
ter p rovocado graves problemas foi perfeita mente aceite pel a turma
dade nos fornece antes de afirmar a modernidade das práticas que nos
com a qual já trabalhávamos há mui to tem po. A adolescente, hab í-
interessam. É claro que o jogo dramático não pode ter por modelo
tuada a nor mas tea trais, recuperou rap idamente anunciando o fim da
uma capela artistica única e alguns mestres do pensamento. Mas tam-
scquénci a com se nacl .\ tivesse ac ontecido , Não lemos que decidir
bém não deve confundir-se exclusivamente com estereotipas gastos que
se est a. sessão foi ben éfica para ela , ma s não parece tê-la pr ejudicado
ainda reinam entre nós .

(') Parei exemplos de transgressão, ver na «Tipologia das Pr át icas», os C) P. LEl!NHARDT. «L'enfant et I'express íon dramatique», Castenn an/
jogos de de sco mpress ão reunid os no n.? 8. So br e a que stão da pre sen ça do /Poehe, Paris, 1973.
a d ult o, ver «Q uest ões postas â prá tica» .

53
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lItI'

os MODELOS TRADICIONAIS à o bservação compla cen te duma única cla sse: social: li burguesia;
qu ando a s outras aparecem. é apenas para girar à volta da única que
A maioria dos alunos não têm . sohre o teatro, uma ideia muito 6 co nsiderada como digna d e interesse. O conju nto dos meios c éni-
prec isa, porque à su a volta o s exempl os são insuficientes ou dis- cos visam reprod uzir urn a parte do real q ue aca ba po r passar por
cutíveís (' ). O teatro. é a cen a lida na sal a durante as aulas de francês. lodo real. O cen ário é ger al me nte a reconstituição ficl e sem imagin a-
o entrernez representad o na colónia de férias. É. também, a matiné ção dum rico interior burguês; os tr a jes são da última moda contem-
clás sica. m uita s vezes c.itcnd ida co mo um sucedâneo do trabalho esco- porãnca: o di álogo cS escrito d e modo a se r perce bido imed ia ta mente.
lar ou como um a oportunidade para fa zer barulho. Neste caso. até po rtan to para se r recebido co mo «na tural». como «evidente) en quanto
as melhores represen tacóes dificilmente escapam à ving ança do rebanho joga a bu nda ntemen te co m o equívoco c o duplo sen tido. lL! ud u o
de alunos obrigados a assistir a um espectáculo que não escolheram. q ue seja QJJt ras linguagens q ue não a linguagem falada é reduzi lo
O tea tro dito «para cr iançass en contra as mesmas dificuldades e ainda a algu ns sinais. semp re os mes mos. Fora as mãos, qu e vão e vêm sem
não dis põe de meios suficientes para ser divulgado em França de modo Pài'ãr Como que pa ra Sublin ha r iiiclhor o n uc é dit o (o u para parecer
a que se possa afi rm ar que a su a influência é marc~nte. Final~:nte. ma is na tu ral) . e das mí micas des tinadas sobretudo a fa zer rir. o corpo.
teatro confunde-se com as dramatizações cinematográficas ou televísívas, como meio de expressão, é praticamente ign orado ou serve a pen as
O amálgama faz -se tanto mais facilmente quanto a emissã,? televisiv.a para fabricar estereo tipas.
«Noite de T eatros retransmite regul armente representaç ões teatrais Estas re p resen taç ões são rodeadas da pompa mais rnisti íica d or a :
extraidas dum reportó rio en velhecido e consagra do. sobretudo. ao vau - as três pancadas. o pa no vermelho. as palm as obrigat órias para as tira .
deville e ao teatro de boul evard. A su a influência consid er áv el faz- se das d o a utor ou para as entradas e saídas das ved eta s são insepar áveis
sentir em todo os meios ; atinge mesmo as crianças mais novas. e
para o ve rifica r basta fazer uma sondagem nas aulas.
Pelo contrá rio . só uma parte mu ito pequena do jovem PiI~

os atltores_ d ra mátlcos contemporaneos. sao praticamente Ignorados;..


..
l' '
l ~~
do espect áculo.a ponto d e o s rea lizado res ela emissão televisiva nunca
se esq ueceram delas nas suas filmagens.
A an á lise ideológica das intri gas foi já fei ta vár ias VCLes; elas
atingida [><>r manif.estações teatrai~ recent:s e, at~ no segu~do ciclo. ~ apresen ta m a ex istê ncia co mo urna cor rida ao lucr o tcmper~(t~ com
alg uns provérbi os a propósito. O dinhei ro é o mot or ela mai or ia das
uanto o ncenadores. são tão desconhecidos como_ <Lp'róQrio con· acçõcs, tudo depende dele. permi te co mp ra r tudo o qu e se dese ja e.
ceito de encenaçJ!o. • ev iden temente. mu lhere s. D igamos também qUG este tea tr o funciona
. Lembra r estes fa ctos para lamentá-los não teri a nenhuma utili- como um convite à grande reconciliação: send c li natureza humana o
dade se eles nã o tivessem uma função decisiva na concepção comum q ue é. quer di zer. nã o muito boa e de qualquer mo do inalter ável. viva-
du ma fo rma de teatro que é confundida com o teatro; é por isso qu e mos o melhor possível sem nos preocupa rmos muito com 0$ con flitos
de vemos anal isar a im agem cultural transmitida de geração em gera- q ue são apenas provisóri os O ll baseados em ma l-entendidos q ue acaba -
çào de alunos sob a influência do teatro de boulevard. rão por se resolver (e. de facto . resolvem -se i).
Este teat ro assenta na pal avra e numa série de efeitos que se enca- Neste universo nada tem conscquências sé rias e. por tanto, não
deiarn mecani camente com a finalidade de fazer rir. A s relações que se rviria ele na da afligir-se com coi sas q ue no fund o não o merecem.
tem com a real idade são equívocas: toma tod as as aparências do «~er- Um exemplo extraído d um grande êxito da tele visã o. «Cá esto u, cá
dadei ro» a ponto de fazer passar os piores artifícios como naturais e fico» . bas ta para ilustrar o modo de fun c io nam en to d as ce nas de idcn -
ba seia -se nu ma intr iga qu e falsifica o «verda d eiro) ou que o reduz tifica ção: se rei eu. especta dor. tão d iferente a fina l da s personagens que
se agitam no écra n?
r) Ver artigos já ant igos, mas sempre út eis. dos «Cahíers P édagogíqu es», N uma cena d a peça, a seguir a um quiproquo sobre o qual nã o
n. 51 (Dez. 64) e 70 (Out. 67). vale a pena determo- nos, a pa troa dum restaurante toma um co pioso

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peq ueno almoço qu e tirou da sua mala na companhia dum cardeal. viado e claro o que está em jogo no nosso trabalho: Como fazer para
Estamos pr epa rados pa ra assisti r ao pior; a senhora usa uma lingua- poder mostrar a «rua» no teatro sem que isso seja «falso», quero dizer
gem directa e até um pouco ordinária: com é que o santo homem vai inferior à verdade da imagem gravada? Como levar os alun~
reag ir? Mas eis q ue, à medida qu e aparece em cima da mesa, o pão admitir que Q. teatro utiliza uma linguagem duma na:ureza diferente
caseiro, o sal picão e a s «rilletes», o homem da igreja se torna amável. e que o ob'ecto lTI.Ostraao será tan to mãisverdadeiro (duma verdade. -
la rga o seu ch á e os seus biscoitos e partilha jovialmente a refeição da I crente, su~rior, enriCjlieCICIa pe a V a nsPõsiç4,g) quanto nã~
simp ática pa troa. Pela intervençã o reconcil iadora das « rillc tes» france- t...n\. reprod uzir o objecto verdadeiro?
sas , somos convidados a compreender que, ao fim e ao cabo, não são ~\Jl.f
muito diferentes um do ou tro c que as aparências sã o mui tas vezes cnga-
nad aras. Eu, espect a do r que gosta. de «rilletes», sou parecido com eles o QUE ESTÁ EM JOGO NA MUDANÇA
nest e aspecto como o devo ser noutros. As classes não existem, os confli-
. - - tos resol vem -se com um po uco de boa vontad e e tudo o resto são in~n - Como levar eSj2ectadores drogados com um Rseudo-realismo a
1: v ç6es d r; pess oas sss d eve:n ter Rrol3lemas de est-º-mag9~O verdadeiro sal - ponto~'(fe recusarem, à priori, qualquer forma artística que se baseie
;q~ picão ~ as verda deiras «rilletes» , devorados com apetite em eima do . rl()desvio ou na metáfora, a partilharem um c6digoradiCãlãieiitedife-=
~ palc o por act o res, acabam por co ntagiar os outros sinais, Se as .~
. rente do códig~que utilizam sem sequer terem consciência disso, dad~
~ «ril lc. cs» são verdadei ras , porque é que não o seriam também todos que este é a resentado como pura transparência? (1).
É preciso levá-los a admitir que o jogo dramático não parte neces-
J~o os o utros referentes? Po rq.ue é qu e um tal encontro não se realizaria

~
aSSI m, na VIda? I.u.Qo é feIto de m ~ que os espectadores confun- . amente do texto, que não necess.ita de cenários ou de figurin.os
. ,nem
.
....ÇiáJl1 o ser e o pa recer. A imagem da televisão habitua à sobreposição
esmo de verdadeiros adereços; e, mais tarde, que entrar na pele da
do acto r c da personagem ou à subordinaç ão da pe rsonagem à vedeta sonagem não é um..--fun-~si e~ se jog~p'arl!.
Ljue representa co nstantemente o seu próprio papel. A lin - c~m over mas também - ~brett@= para conhecer e dar a conhecer.
guagem corrente veicu la as con cepções rep rod uzidas pelos nosso s alu - reciso fazê:ros--~ p artilhar um código raticando·o e, ~ ,-
nos. O essencial . pa ra representar bem. não é «entra r na pele da sua na laioria das situações escolares, SClll esperar receber um apoio de ~~
espectáculos que aJu anam_as e armos a conclusões e a lutar contra ~?
personagem» ?
. \ final idade última não é a de conseguir fazer «corno se fosse formas irentes sem re roliferantes. C -
vcr. Lu!c?» (.: po r isso CJ uc as refe rências qu e fazemos a estes rnode- O objectivo não é passar articifialme.ite duma imagem cultural ~
los tea tra is têm po r o bjcc tivo lemb rar o c ódigo familia r. ligado a esta para uma outra, duma estética para o seu contrário, porque esta é l"t\lJIAo.M
ideo logia , que esta s forma s de represen tação perpetuam . A noção deste superior àquela. Nem mesmo, colocando nos do ponto de vista de V -
t e . lil" de. ': OI I' UJ11 0 reen cont ra-se 11~lS primeiras conversas na sala de transmissores duma cultura teatral, formar zspcctadores aptos a com- O~'O
a ula Fazer tea tro é rep rodu zir a verdade (a vida) entrando na pe le preender e amar um «novo teatro» que conteria em si todas as O- i
de personagen s que representam um texto destinado a fazer rir (fazer
chora i , met er medo. comover) num cenário e trajes que se parecem (') Teríamos que rever com os nossos alunos essa ídeia-Ieita segundo rrf!O~
com a realidade : daí a desafeição para com o teatro de jovens espec- a qual os mass-mediat nos colocam 1/0 centro da actunlidade, fazem «o mundo»
ta dores habitu ados a um rea lismo de imagem cinematográfica que dá entrar nas nossas salas de jantar. Quanto mais nos aproximamos dos docu-
uma repr od ução aparentemente fiel do mundo. Um aluno da quinta mentos-verdade, do «em dírecto», quanto mais se procura apanhar o real a
cores, em relevo, etc.... tanto mais se acentua, de aperfeiçoamento para aper-
classe escr evia a este respeito: «Não gosto do teatro porque passa-se
feiçoamento técnico, a ausência real do mundo». (Jean Baudrillard, «La Société
qu ase sempre no mesmo quarto e nunca se vê a rua : eu , prefiro o ele Consomrnatíon», Paris, GalJimard, 1974. p . 188). Estamos tão habituados
cinem a». Co nfissão cheia de franqueza e que resume de modo abre- a consumir mensagens que é o próprio medium que toma mensagem.

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.. _ ._- ---- -- -- - -
virtudes. O que está em jogo - se passa pela aquisição de novos vocais. Na literatura. de não parar o mundo contemporâ neo no pós -
códigos e péfa reflexão sobre a teatrãhdãde - SItua·se para além duma -guerra,
cultura teatIal. na a ro . -ode formas contemporâneas que pemú. As reflexões aqui iniciadas não dão conta de toda a evoluçã o
tam modificar o olhar dos nossos alunos sobre o mundo vez, e do teatro contemporâneo. O professor interessa do ter á que com pletar
os azer viver. finalmente. na sua época. Não fica tudo resolvido a sua formação noutras fontes. Nã o pensamos qu e devesscmos lazer
só pelo facto de fazer jogo dramático a partir dum modelo de drama- da sala de au la um atlier de l:xperi me:Jtação tea tra l na pont.i ca
turgia brechtiana, de ter passado do teatro dramático ao teatro épico. modernidade; isso seria desconhecer a rea lidad e quo tidian a cio mundo
ou pelo facto de animadores e professores. nutridos por espectáculos escolar. A pequena panorâm ica que se segue pode ser vir pa ra mudar
de Vitez ou de Chéreau, serem considerados como «encenadores modero a nossa atitude per ante as actividades de exp ressão dos nossos alunos,
nos» na escola. É neste aspecto que o processo de trabalho deve ser sem substit uir um bom conhecimento do s cspcctáculos referenciados.
definido sem cquíÇ'ocos. A nossa OPOSiçãO aos modelos culturais defi· O 'lu e (:, que. na dr a mat urgia cl)nt e ~ porâl1ea, mudO!: d C_I1l : I ~ira
,llidos mais acima não arrasta como corol ário a a uisição duma outra rad ical na c~crita t<;atral. /la enc:cnaçfl o c na Iwí ['Jria COl1\: cp<; ão do c~p<':c ·
cultura teatral que, não se-sãoe m como. poderia ser facilmente- ·túculo. a ponto de existir um co rte. pr ofundo entre os mod eles jú cita-
tr '1.nsmitida a al unos muito novos e sem o apoio de espectáculos de dos e os que nos interessam ago ra? O 'liJC éCj ue. nesta evolu ção pode
cnaç.\O. que est em causa é a aquisição de á6itos novos na ser a rovcitado na nossa prát:ca ulterior ? Não pret endemos faze r
-prátIca do jogo dramático seIll_os_quai:LOJlosso trabalho se fechará uma análise histórica. nem discutir qu erei;;:; de escola que iria m redu-
li: repr ução estéril dum teatro moribundo
zir as nossas propostas <li alguns autores e a algun s chefe s de fila (pou-
. estas-conâi o papel dos adultos com r uma agulSI~o paremos as análises feita s no utros sítios e qu e supo remos co nhecidas) ,
pessoal dos elementos determinantes da dramaturgia do nosso temQQ mas uma séri e de considerações q ue permitirão compree nde r ') porq uê
a fim de melhorar a sua própria leitura dos jogos na aula e para fun· dos métodos propostos ulteriormente.
dar as suas intervenções num conhecimento aprofundado de princípios
que facilitam a análise do mundo e já não uma rep'rodu~o d~ndõ.
Por vezes. Ia parecer mais Simples começar um traba no de;- o T EATR O COMO U N C UA GEA1
expressão com aJunos que não estivessem alimentados com esquemas
Partamos da an álise do Icn ómcno teat ral. apesar dela não bastar
impostos pela ideologia dominante; na real idade. devemos ter em
W por si para explica r as transformações do objecto considerado.
consideração os hábitos culturais dos nossos alunos. menos para os
A revoluç ão qu e tem lugar nesse dom ínio é reveladora do modo como
destruir do que para os transformar e ajud á-los a subvertê-los, Fazer
jogo dramático. é pedir aos alunos um esforço considerável rn-; o tea tro é concebido e fabricad o.
A pr imazia recon hecida ao texto criou o há bito de considera r a
separarem s tradições lue conhecem melhor e_Wra inventar~
passagem para o palco corno um melh oramento, como um progresso
~o do mundo contemrx>râroo. Este salto qualitativo é da mesma
em compa raçã o co m o texto simplesmen te lido ou recitad o , sem que
natu reza nos outros domí.1ios artísticos e deve ser realizado ao mesmo
CSUl passagem seja cons iderada corno determ inante. Sob a influê n-
tempo para ser eficaz. Se. esta tentativa não é feita desde já na _escola,_
cia do modelo linguístico, defin iremo s ac tual rncntc o tea tro corno uma
perguntamos guando será feita e so o será, enguanto continuar a existir
linguagem artística compl eta que tem as suas regras próp rias e per-
um fosso entre o domínio da educa~o e o da çriação..;
mite co municar de mancirn d iferenciada da linguagem Falada.
a pintura. trata-se de fazer admitir categorias visuais que não
O teatro reivindica-se Con10 arte específica. qua ndo ele não é
se hrnitam à reprodução banal do real. de ajudar a criação dum uni-
o texto ma is «qu alquer co isa» que lhe seria subo rdinado e q ue não
verso de formas que tenham em conta as pesquisas contemporâneas.
interviria. de modo determinante, na elabora ção da significaçã o, No
Na música, de aprender a jogar livremente com os sons e as variações
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domí nio de scmi ologia, onde a inv estigação é particularmente activa,
-11
esforçam-se há vári o s anos por definir com segurança as regras de rável da representação ll~a.s sim receptore:; em 'luem se desenvolve
func ionam ent o da linguagem teat ral, discutem-se as semelhanças que o gosto e o hábito duma leitura profunda das obras, duma desco-
cstus pod eriam ter co m as que regem as línguas, elaboram-se grelhas dÍÍ1cação - os criadores em avançar nas suas pesquisas. Trocas
q ue per mi tem analisa r a me nsagem produzida por um espect áculo entre a cna.çgQ e a an ãhse e vice·versa permitem complexi&ãrõ
de sde que se ad mitiu que ele funciona como um sistema de sinais. Obiecto an!§.ticQ e PÔ-lo a dizer mais.de..outra-maneira.
O -tea tro ':01110 oo;ecto semi ótico , quer dizer, conw ob jecto artístico A esta noção determinante de teatro como linguagem, é preciso

r r.onstr uícJ o sob 0 mexido das línguas naturais, segue ~q u em as de acrescentar a da poIissemia do texto e da I epresentação. Há muito
cOll1 unica çi\o cs labclcçida Rara estas. A activida de tea1ral~ Qõo que cncenadores como Roger Planchon reivi idicarn o direito do cria-
um e ll1i ~' sor q ue fubri ca uma mensa gem e um receptor que a deci o dor de fazer a sua leitura da obra e de a propor ao espectador.
, . ) (ra . Comi dera;"' o ue tem um a grande importân cia para a n ossa O exemplo mais célebre é, sem dúvida, o seu (seu s) «Tartufo», uma
( . m a n el ~a de enca rar a pr áti ca do jogo dramático. data (duas datas!) na história do teatro francês. Não repetiremos o
~~ . Um P iOCessO deste tip o tran sfonna a hirerarquia das campo· que foi dito sobre a noção, cada vez menos controversa, da mul-
Ja. St~ , ne n t c~ da re prcsen tar'\o tal como era admitida anteriorm ente ; tudo tiplicidade de sentidos dum dado texto; os argumentos do tipo «Moliêre
disse» começam a tornar-se menos frequentes.
I I, _' o quc cons titui a ling uagem teatral ga nha. wna importân Cia no va em
~ ~ r'~ Jaçii o ao texto; o c~nário já não é um guarda-jóias m~menos
o. No domínio do teatro. pertence aos criadores dar a ver a sua

~
(J;o ~ , c~J1scg u id o e «decorat ivo», mas um elemento constitutivo do :;s--:- leitura da obra, tornando tangível. traduzindo na linguagem artística
O táculo c da fa b rica~ o da men s..'1 gem . O mesmo acontece com os definida as propostas que o texto lhes inspira. O conjunto dos meios
, tra jes. a rnaqu ilhagern , a iluminação, (, jogo dos actores, as suas des- à disposição do encenador contribuem para o fabrico e o escla-
loca ções no esp aço, a sua situa ção em relação ao espectador. Todos recimento da mensagem (no sentido em que foi utilizado mais acima).
o~' sinais que constitue m a imagem tea tral dei xam de ser examina dos Assim, na primeir: encenação de «Tratnfo», o cen ári o, Se o consi-
sc ~ul1do UI11 p rincípi o hierárqu ico q ue a firmav a, do uma vez para derarmos isoladamente, tinha uma importância cap ital. Ultrapassava
semp re, que é o texto e só o texto que diz tudo, mas sim dentro de a única função de indicação de lugar para dizer mais acerca dos gos-
um siste ma a reinven ta r segund o um código escolhido pel a represen- tos artísticos duma época. ao apresentar quadros religiosos amplia-
ta ção pura transmitir o sentido . O s sinai s, neste caso, lêem-se con- dos onde resplandecia a sensualidade duma socied ade na sua maneira
fo rme 3. sua Irequência, segundo as relações que têm entre eles e as de representar a paixão de Cristo.
ca deia s que acabam por formar, É indubit ável que uma grelha qUE: Múltiplas relações úteis ao sentido apareciam neste confronto
se qu er co mp leta deve ser d uma grande complexidade para ter em visual permanente entre as personagens e o seu ideal artístico-religioso.
cont .i :I :; combina ções de sinais qu e se tCX'C1Il no seio da repre- Quais as consequências que esta s rápidas considerações teóricas
sentaçã o l i). podem ter para o jogo dramático? Quando jogam, os nossos alunos
Não é uma nova an álise q ue transfor ma rá o obj ec to. A evo- aprendem que não têm apenas em vista um «dizer melhor» mas tam-
Iuçà o faz-se glob almente e co m a ajuda de múltiplas trocas. Os 'bém um dizer de outra maneira. Têm que descobrir progressiva-
momen tos «contingen tes» que se inserem numa representação, à volta mente como é que o jogo dramático funciona como linguagem, onde
c ao lado do texto. não sã o de hoj e, a serniologia teat ral não criou não está tudo subordinado à linguagem falada. e de que é preciso
o teatro, M as na med ida em qu e ajuda a criar espectadores dií e- -determinar as próprias regras. A aprendizagem é de várias ordens: esta.
rentes - já não consu midores passivos sujeitos ao desenrolar inexo- mos rodeados de sinais visuais e sonoros a que nos submetemos,
nem sempre compreendendo bem o seu funcionamento. Ao aprender
(' ) Par" outras info rma çôes, ve r a bi bl iografi a . 'a fabricar mensagens idênticas, é-nos dada a oportunidade de nos
.ap rop ríarrn os do instrumento e de aprender a manipul á-lo,
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_. ._ _ •. . _. --10. _
A p ráti ca escolar ainda nos habitua a considerar que uma dada enganemos no objectivo ; em nome da clar eza do discurso , não os
informação (LUn conteúdo) pode existir por si só, independentemente enco ra jemos a fec ha rem-se na repe tição de estereótipos .
dum a dada estrutura, o que faz passar a literatura por um meio de Gu ardemos o espíri to aberto a tod a s as idéias qu e nascem na s
('dizer longamente e de maneira bonita o que a nota de rodapé expli ca aulas, não par a fazer um sub-Brecht ou um su b-Beckctt ou para da i
poucas palavras. A mensagem do jogo dramático nã uxis.t:e-in.de: prefe rência a este o u aquele. Pelo meIlCS para que formas diferent es
~nd entemen te da lillguagem na qual ela é transmitida; invento.. (Oll novas) tenham uma possibilidade de st:r rcinvcntacias. pa ra q ue
os sinais de q ue necessi to na al tura em que preciso deles. mas a ins- todos os níveis de Jingu:1gem tenh a.m o di reito de C'xi stir na :l l~~
cri ão do meu co nurn--aadõ espaço det ermina os sinais Ue vou q ue o ilOSSO tracalho não seja. logo à partida. Cl>rta do do n ('S ~0 tempo.
escolher e que esta rf.o ligados duma maneira específica ao que quero ~
c!@r. - -
As impr ovisações sucessiva s permitem descobrir muito cedo a noçã o A IL USÀ O TE A T R A L
de polissemia. Mu êbn'do alguns 'Sll1aJ,b escolhg mudar o conteúdo. Se
dOITÚno maio instrumento. arrisco-me a não ser compreendido. Tenho Na peça de J ohn Ford, «É pena q ue cla seja Ulll:1 prostitut a» ,
quo me tornar sen hor do sentido. encenada por Stuart Seidc, u ~ si ste ·s c , no fim, Ü morte .Io heró i.
Num outro domínio, se olh armos um pouco pa ra a e scrita tea tral O cnccnad or mo stra Gi ovani com os b ru ços em ,·.· U7- c CIIl cada
co ntem po r ânea c rejeitamos o modelo da peça «bem feita», q ue uui o uma 1<1\';, d e vinho q ue servi u nu CCII ;, .uu crior (do lx.uquctc).
pretensões à modernida de poderíamos ter com os nos sos al unos já que E. enqu an to ago niza . o vinho de rra ma-se das taças pura o chão num
não os obrigaremos forçosam ente a escre ver e que temos que tratai lento gota a gota mai s cvocado r q ue os pr ocessos destin ad os a faze r
do mais urgente. facilitar a elaboração dum gu ião simp les? cre r numa «verdadeira morte» com «sangue verdadei ro», Os ac tores
Nas nossas intervenções. procuramos. por vezes, mesmo sem dar-o shakcsperea nos utilizavam. segundo o que se conta. bex iga s ele porco
mos por isso. criar as condições para um «dizer bems ou um «jogai cheias de líqu ido vermelho q ue se espalhava no palco dur ante os
berro> que pertencem a mod elos dramáticos antigos. Não deveremos, d uelos. Vem os demasi ad os cad áveres todos os d ias nos écrans pa ra
em nome duma clarificação e dum melhoramento dos guiões, cana- que esta ilusã o nos pos sa sa tisfazer. O tea lro cicv(;, po rta nto, tal'-
~· sc ma is íngéll uo e ao mesmo tempo mais manh oso , Nem ilu-

r;
lizar todas as iniciativas numa direcção demasiadamente redutora.
As históri as inventadas nas aulas não têm, obrigatoriamente. qu e são perfeita (o cinema consegue melho r ~~e er;;to). ~ imita ção
desenrolar -se em cenas bem encadeadas. utilizar o diálogo e a tirada mais ou menos conseguida. M as ou tra coisa . po r exem plo esta
clássica. Do mesmo modo que não existe um «bom» assunto no. Imagem :ue evoca m os e ~ue con vida o . espectador a rein vcn tar o
} teatro, tam bém não há. doravan te, formas copiad as sobre o antigo. • l\. ~~ea l . ~a sua total complexidad e, par a dei xar nas cer nele urna sé rie
L model o da peça «rem feita». ~~~ de últim os ecos,
Par adoxo: vamos admi tir, em nome da moderni dade. toda s as con- ,V O teat ro ca nsa -se inutilmente quando Juta no terreno da ilusã o
fusões. tod os os borrões? Vamos renunciar a .qualquer melhoria da IV c~ntra artes cuj a essên,cia é duma outra nat ureza, O objecr ivo con -
construção dos guiões, a qualquer trabalho sobre o diálogo? Não ' xis to em fazer descob rir ao s alunos que <I riqueza J:1 linguagem tca -
. haveria uma progressão no trabalho que deveria supor um estádio tral não está na. intenção de fazer crer. mas na de. mos trar para
preliminar de aquisição de regras bem estabelecidas antes de nos fazer compreender,
lançarmos noutras direcções? . A d ramatu rg ía contempo râ nea desen volve, desde há muito. um
Os nos sos alunos sabem. não por intu ição. mas pelos folhetins conj unto ~e meios que den unciam a ilusão teatral. q ue pegam nela
televisivos o que são os «cordéis» da escrita tradicional e do diálogo para a por alegremente em causa. 0'.1 retomam os seus p rocessos
conveniente. T êm demasiada tend ência a reproduzi-los. Não nos até à sat uração,

62
1? pelo menos na utl ização do esp aço c na concepção da perso- nos interessa numa personagem, não é o seu destino ou a fatalidade
1U1 g C/lI q ue podemos tirar proveito dela com maior utilidade. que a esmaga, mas os meios de compreender e modificar o seu
Brecht tcorizou ace rca da famosa «quarta parede» do teatro à comportamento em função do contexto histórico-social. É mais
itali ana, :l q ue sepa ra a cena da sala e que actores e espectadores fino urgente aprender a manipular a personagem como se manipula uma
gcm ignornr. Neste caso, tudo de ve passar-se como se os especta~o­ marioneta do que procurar reproduzir uma conduta com exactidão (1).
rcs que olham para os ac tores não exi stissem. No jogo dramático,
a ind.; que o q uizessernos, seria. em vão tentar suscitar a ilusão do
tea tr o à italiana numa sala de au la. UM TEATRO EM LIBERDADE
Todas as inven ções esp aciai s são possíveis uma vez que se defina
uma 11 0va relação actores-espectador es onde cada um reconhece a O teatro sai dos lugares tradicionais onde tinha sido fechado.
pre sen ça do Nit ro sem hipocrisia c sem cabotinismo. abandona os palcos oficiais e as salas construídas tanto ou mais para
O actor que se identifica com a sua personagem procura fazer servir de montra à burguesia do que para nelas dar espectáculos.
crer 11 <1 verdade dos seus sentimen tos que volta a viver perante os A grande escadaria da Ópera de .Paris é um bom exemplo destes
espec tadores pa ra fazer nascer a sua emoção. Ao mesmo tempo, «pré sentoíres» que se mul tiplicaram durante o séc. XIX. quando o
retira a possib ilidade de nos fixa rmos no estudo do comportamento cspectáculo estava tanto na sala como no palco e onde o público ia
da pers onagem . A a firmação «é me smo assim_q~ isto $S~I para se mostrar. Hoje faz- se teatro na rua, nas praças públicas. nos
ocult a a per gunt a : ~e é -qu; isto, se p.assa, .~.~~m'? » Fa~e.r da armazéns (recentemente «A paixão do General Franco» de Armand
per sonagem um ser de carne e osso cuj a psic ologia nos é famlllar . é Gatti foi representada nos armazéns Cal berson, em Paris). nas fábri-
o I11C\1110 q ue negar a exist ência da obra e da s estruturas textuais. cas o Mas nem por isso devemos cair na nova ratoeira que consiste
A fl:s,io que se ope ra en trc o texto e a real idade suprime o car ác- em afirmar que o teatro pode, doravante, )assar sem meios finan-
ter ar tistico da obra assim co mo a importância do seu contexto his- ceiros importantes ou salas bem equipadas. Formas diferentes têm
tó rico, Acabamos por encar ar a natureza humana como preexis- que coexistir e influenciar-se urnas às outras para que uma arte con-
te nte c a personagem como ete rna: A senhora Fed ra existe ainda tinue a viver e a renovar-se (1).
hoj e. enco ntr ei-a on te m na rua , Este teatro sem grandes meios. nascidos de situaçõ es políticas
r-o 1\ mai oria da s pesquisas con tempo râ neas que !lOS interessam ou ccon.vmicas particulares, contribui fortemente para a invenção duma
~ põem a pe rsona ge m à d istânci a de modo a que o es~ct:dor an a- nova linguagem e para a reabilitação do material banal. aquilo de
I! lisc os mccani sm cs que regem um comportamen to que Já nao é dado que dispomos. :
l 'l l lI ec i pa cl n ll1 ::n t ~. inscrito no curso natural das coi sas. No teatro Uma companhia que representa na rua c ifrcnta dif iculdades téc-
brcchtca no, o ac tor ent ra num a rela çã o dial éctica com a personagem nicas novas. É difícil fazer-se ver e ouvir quando o espectador se
com a qual simultan eamen te se identifica e mostra. inscreve no fluxo das variadas informações que invadem a rua. Um
lv íuito recentemente, alguns autores e encenad ores fizeram reben- entreposto, desviado por algum tempo da sua verdadeira tinalidade,
tar co m pletamente a personagem ao ser interpretad a po r vá rios acto- não está equipado com teia ou projectores e mesmo a Cartoucherie de
res : (por exem plo. no «Pin cípc Di sfarçado» de M arivaux, encenado
po r D, M esgui sh ). Sem en trar mai s em det alhes, nem convidar a
(') Ver o capitulo II (A personag em) do livro de A. U B~RSPI!LD «Lire
lima estrita imitaçã o, o que detém a. nossa atenção é a revelação das !.(' thé âtre», E. 5., 1977.
ligações entre o actor/ pape l/ persona gern. (') Acerca do lugar teatral. os estudos de Denis BABLET são importantes.
Es ta pr eocupação irá guia r-nos no nosso trabalho com os alu- Ler-se-in com interesse: «Pour une m éthodo da.ialyse du lieu th éâtral». Travail
nos para levanta rm os barreiras contra a identificação. O que afinal Théâtral, n.O VI, p . 107-125.

64 65

- - - - - - - - - _ . __ .._ - --
,
Vincennes tal como o Théâtre du Soleil com Ariane Mouchkine a N ão é ape nas a pr ocura dum estilo que nos preocupa . Em tod o
descobriram . não oferecia as possibilidades técnicas dos palcos que o caso, não pensam os que seja fácil. pois isso exige a invenção per-
conhecemos. Nestas condições, é preciso reinventar sinais facilm ente manente du ma gramá tica absolutamente dife rente da quc é familiar
legíveis e um estilo de jogo que não se prende com desvios comp li- aos nossos alunos.
cados . Impedidos de pensar em termos tradicionais de cenários e tra- Fa ze r co mo o Bread and Puppc t não chega . c as imi taç(~ \' s falhad;ls
jes. os cr iado res procuram utilizar os objectívos quotidianos o fazê- de um teatro ma is rigoroso do que pode pa recer 11;",0 fall:1111 ;'1 1l0SS:1
-los falar (também é uma escolha ideológica contra os vermelhos e dou- volta. Qua nto mais simp les são os sina is, tanto mais nít ida deve ser
rados dos teatros à italiana). A Companhia do Bread and Puppet uti- a sua represen tação. A p rocura da tcat ralidade passa pel a aprendi-
liza fitas adesi vas vermelhas para representar chamas. Gatti constrói zagem dest a gramática. . ~-
andaim es com escadas dupl as que se transformam em praticáveis no ~~

seu entrepos to. O fósforo acendido pejo actor muito perto da ca ra


project a uma luz inespe . ada sobre os seus traços. Bidões de todo s UM A TEA T RA Ll DADE ASSUkl1DA
. os tama nhos são ao mesmo tempo cenário e instrumentos mu sicais na
«Nu vem A morosa» de N. Hikmet, encenado por Mehmet UIIosoy.
E m «Portage de M id i», de Pa ul Claudel, recentement e encena do
No «Círculo de Giz Cauc asiano», velhos pneus vestem uma persona-
na Cornédie F rançaise po r Antoine Vitcz , a a 1.'<;:1 o decorre em gra nde
gem e transfo rmam de modo grotesco a: sua figura. O Bread and Puppet
parte a bordo duru navio q ue leva os protagonistas 1';11"<\ a China . No
faz música na rua com instrumentos insólitos e improvisados dos
enta nto. o cenário não reprod uz pre cisam ente a pon te de um barco .
quais 0 S actores extraem sons esquisitos que combinam habilmente.
Jogand o com uma harmonia de bra ncos, figura -se um luga r a bstracto
Vitez passou muito tempo a procurar uma outra linguagem no palco
onde é o sol implacável e ofuscante que domi na os sinais a ned óticos
das escolas e nas salas de reun iões dos bairros. Tudo se torn a sinal,
que poderiam reenvia r ao significante «navio» . Uma rna q ucra dum
desde que a imaginaçã o se apodere do objecto extraído do nosso
barc o q ue desce da teia no princíp io do cspcct ácul o e entre os qua-
mundo. Pod eríamos multiplicar os exemplos deste género alguns dos
dro s assume quase totalmente o significado. É evidente q ue 11;'10 se
quais retomados e desenvolvidos acabam por constituir uma nova
trata d um estilo impo sto por um orçamento reduzido, mas sim a afi r-
gram ática. Ao ponto de em salas equ ipadas normalmente, certos
mação co nsciente duma ma neira de dizer bem diferen te da que se ria
encenadores, retomarem invenções que arriscam tornar-se soluç ões
se o ce nógra fo de Vitez tivesse reprod uzido com minúcia as supe res-
fáceis.
trutura s dum barco. como se já não estivéssemos num palco de tea tro,
Existe todo um teatro qu e volta a utiliza r o lixo e os materiais
Isto permite lançar algumas reflexões sob re a utlização dos sinais Ii O
banais aband onados rej a nossa socied ade de consumo.
teatro e em pr imeiro lugar sob re 2. do objecto:
Que consequências para nós?
Na ma ior parte tios casos dispomos apenas duma sala de aula I. Utilizo em cena objcct os escolhido s na vida real r ara qu e
que não está de man eira nenhuma equipada para o teatro. As nossas signifiquem o que sãoreal mente. Um revólver para um rcv ól-
invenções devem partir dela. ver. urna cadeira para uma cade ira. Não tenho em conx iclc-
A pobreza não é um fim em si e devemo s pedir os meios de raçã o a mud anç a de natureza qu e urna ut iliza ção tca u.i l impele
trabalho conve nientes. M as. desde já, a pesquisa pode começar aos objcctos. A minha cad eir a verda deira colocada perant e
é

a partir dos objectivos da vida diária. uru ce n ário de pan o sem que isso me incomode, Se a :1,",';10 SI.:
As form as dramáticas que procuramos estão seguramente mais situa num salão. preciso port an to dum salão int eiro para
pr óximas deste teatro inscrito na vida quotidiana e cujos actores nem acompa nha r a minh a cadeira, Sc esta cadeira se encont ra na
sempre têm uma Iorm r ção técnica tradicional. ponte de um navio. man darei con struir a po nte do navio ,t OS

66 67
cenógrafos. Só entrarei em contradição com a minha estética de vermos o teatro afundar-se num novo esteticismo. Esta
no momento em que terei de representar o mar. Voltarei pesquisa não tem nada a ver com uma querela de escolas e
cnrão a um sistema de convenções onde uma tela pintada já que hoje nos preocupamos muito com o quotidiano, nada
representará todo o oceano; no melhor dos casos, terei ao impede que falemos disso nesta linguagem específica (1).
meu dispor um ciclorama iluminado COi1l habilidade no bom
momento e que os actores designarão como sendo o mar. Mais uma vez. esta reflexão não está separada das preocupações
A minha cadeira verdadeira virá, no entanto, criar um hiato dos nosso alunos. Partimos duma visão do teatro que o confundia
com as outras convenções que terei de multiplicar cada vez com o cinema c fazia dele uma prática artificial e completamente
que o mundo que pretendo representar se tornar mais com- inútil num mundo contemporâneo capaz de registar por meios rnecâ-
plexo, Em última aná lise. que decid ire i q uando o herói nicos as imagens da realidade. A solução consiste em assumir o arti-
tiver que «matar: O seu inimigo sentado na cadeira verdadeira? fício. ir até aos últimos limites negar o naturalismo para aprender a
manipu lar os sinais da realidade.
Afirmo o caracter artificial da cadeira que utilizo, denun-
cio a icatralidadc. Pinte-a de azulou de vermelho, cubro-a J. Nesta turma, os alunos querem representar uma cena que se
com pape! dourado, em resumo, defino- a como cadeira de tea- passa num barco à vela. Levantam-se algumas vozes: não
tro, e o teatro como ilusão, Renuncio a confundir o signifi- temos barco, portanto. não podemos jogar esta cena. Eis nova-
cante c o referente, anuncio a minha estética: esta cadeira que mente que o jogo dramático parece limitar-se a representar
não ~ apresentada como verdadeira reenvia a um significado «sempre a mesma sala» e renuncia: a todo o resto.
cadeira, na realidade. A relação entre o objecto teatral e a
real idade torna-se uma relação metafórica mas a metáfora 2, Os alunos ultrapassam o problema. Constroem activa-
mantém-se tímida, J. meio caminho das escolhas decisivas, mente o navio com as cadeiras e as mesas da sala. A utili-
3, Esta cadeira virada que vêem no palco é um cavalo. Toda zação que tencionam fazer delas deveria ser suficiente nara
a gente sabe perfeitamente que esta cadeira não é um cava lo dar a entender do que é que se trata.
c, no entanto, ela rccnv ía ao significado cavalo pelo modo
3. O navio enfrenta uma tempestade. Os alunos exprimem pelo
como os actores a util izam . Eis que a cavalgam, encorajam-na
gesto e pela palavra o pânico da tripulaçção. Ficam incon-
com a voz. perseguem um outro cavalo algures em bastidores,
modados pela convenção escolhida. Irão destruir concreta-
O objecto rea l n eza
mente o barco se este naufragar e privar-se, assim, do seu
fel ,. ·os metafóricas que o olJjccto tem com
espaço de jogo?
~c rã o tanto ma is ricas quanto as redes de sIgnificação
qu\~ tece forem nlais numerosas e mais corn e as rela ·, 4. Os alunos renunciaram ai figurar o navio, queriam dispor dum
coes e nascem entre os vários ob jecto3 forem mais abun- espaço de jogo mais amplo, a ponte inteira, e utilizam toda
da ntes ,1 constItuição de um:tlinguagem autenticament~
fi:ãrpãs sa pela a4 uisiçãQ dum sistema.de.convenções .ccerente.
O objxtivo já não é parecer verdadeiro, mas sim parecer fal~o (') ] . LA5ALLE percebeu isso bem na sua encenação de «Trabalho ao
dorn ícílio», de KROE TZ, no Petit TEP. 1976, onde um magnífico trabalho sobre
deliberadamente para dizer mais, Tudo se passa como se os sinais do espectáculo (c nomeadamente sob re, gravação sonora ajuda a
as relaç ões entre o real c o teatro se tornassem mais produtoras ir mais longe na análise do texto, «O realismo pa .sa por este jogo de tensão
de sentido à medida que este renuncia a imitar aquele. É claro cio verdadeiro e do falso, por um real do artiíící i». (J. P. ]attcau, «Sur lo
que estes desvios não devem tornar-se afectaçôes sob pena ralisrnc», in Théâtra/publío n. O 11/12).

68 69

._. _- -- - - .~-- -_ .. _- - -
,..

a sala. Quando a tempestade surpreende o navio. este é repre-


sentado por uma maqueta de papel de jornal agitada por um
jogador em cima duma. mesa.

Estas etapas de trabalho ilustram um dos objectivos que


pode ser atingido na aquisição de uma linguagem artística como
esta que nos interessa. É utilizando o artifício, afirmando plenamente
a teatralidade que o jogo dramático se transforma num instrumento
de análise do mundo.

111 - Pi\RA UMA TIPOLOGIA


DAS PRÁTICAS

70
r/

'.

Existirá uma forma de jogo dramático exemplar, um modelo


ideal a reproduzir, que respeite escrupulosamente as tentativas de defi-
nição propostas? f: evidente que. na prática, o trabalho depende de
um número considerável de contingências c imperativos locais. Como
dar conta das práticas senão através de um i acumulação de anedo-
tas ou de uma teorização excessivamente árida'! (ambas incapazes de
dar conta da realidade escolar) .
Nós propomos uma classificação das experiências em função de
três critérios cuja importância varia . A saber:

- o ponto de partida do jogo (texto, inquérito, narrativa, imagens.


fotografia ... );
- o emissor do discurso (o grupo e o animador cujos lugares
respectivos mudam; por necessidade falar-se-á de um emissor-
-codificador que fixa as regras do jogo):
- e o receptor do discurso.

No quadro ao lado os exemplos estão numerados de I a 9 e uma


última coluna inventaria os object ivos prosseguidos. Seria em vão
procurar aí uma progressão ideal que bastaria seguir (') . Nós pomos
em questão algumas práticas, tomamos em atenção objcctivos dife-
rentes. ana lisamos casoso em que eles escapam a qua lquer controlo c
mesmo à anal isc,
A evolução difere de turma para turma . Pensamos, no entanto.
que uma prática como a descrita no n." 9 atinge o essencial dos
nossos objectivos: tomando um ponto de partida qua lquer , um grupo
improvisa. numa linguagem artística original e dominada para cornuni-

C) Ver, no entanto, sobre este pont o o artigo de Brigitt e Martres-Sicard,


no n.? especial de «Litt érature» , intitulado «Enseig ne r le français» - n.s 19,
Out . 75 - . O autor propõe uma progressão a part ir de exercícios de «m íse
em situatlon», até ao estudo de uma pe ça da programa, pa ssando peja amplia.
ção gestual e exercícios de escrita (uma cena por situação) .

73

______._ .. ....__.....__......l.._.' _
(



F

Pontos de partida Emissor Receptor O~lectlvo


car um discu rso consciente a espectadores. Todos os outros exemplos
da sessão de trabalho (Destinador) (Destinatário) não são «exe rcícios» destinados a preparar esta única c boa saída (1).
1. E r er cí cios Ex ercí c ios téc nicos Ani mado r Membros -- Desbloquea mento Duma maneira geral, eles não tomam em consideraç ão , por táctica ou
técnicos p rov en ie ntes da fo r- e (m em b ros do grupo - I nicia ção às técni- por acidente, sen ão uma parte dos objectivos. Será necessá rio acres-
ma çâo d e acto r d o grup o) O cas elo jogo.
(re torno) centa r que afastámos voluntariamente exe mplos que seriam absoluta-
men te estranhos às nossos escolh as teóricas?
2. A ' m prv v isaç(jo Heconstitu ição de Todos O - Dcsblo q ueamento da
co lectiva sem um lu ga r imaginá rio (re torno) imaginação procu ra
olhar ext erior . de sit uações qu e p oso
sarn ser ut ili zad as
posterio rmen te. 1. EXERCiCIOS T~CNICOS

3. o corpo, o ab- Im age ns e obi ectos Ani ma dor o g ru po - Ap rend iza gem da
[ ect o e a fab ri- ( P u b lici d a d e, fo to- (cc d ií ica do r) linguagem d o jogo. Forma da sessão: um em issor-codiiicado r único im põe aos partici-
cação de i.na- g rafi as . qua dr os, tex - e (m em b ro s - In cit a ção à invenç ão
gens t o s, íco nes) do g rupo) -- Reflexão sobre os pantes um a série de prop ostas aut orit árias des.inadas, a lon go prazo ,
sig nos. a ensinar-lhes a jogar. Geralm ente não compor:a o con vite ao discurso
-- - - - --_ ._- - _._ - - - -- -- - _._- - ---_._--- - -- - -_ ... _-- - - - - _.-
4. A improv isaçã o Situa çõe s co ns tra n- Anim ad o r o grupo - Aprendizagem da organi zad o, sendo este deixado para um Jururu mais 0 11 menos lon-
d e sit llações a ~: cd oras mod ificá - (co dif ic. ul or ) lin g uagem do jogo.
part ir de pro- ve is. e (m e m b ros - In cit açã o à inven ção
gínquo.
posta s m odifi- do grupo) - Reflex ão so b re os
cáveis signo s.
A QUER EL A DOS EXERC1CIOS
5. Dizer 11m text o T exto não dram ático Animad or o grupo - Desbloquearnento da
nã o dram át ico e/ou poét ico. (codifícado r) imaginação
c (membros - T om ada d e cons- Aco ntec eu-nos propor na sala de aula «exercícios. apresentados
cio gru po) ciênc ia da próp ri a como uma iniciaçã o ao jogo dramáti co. em part e po r hábito (a escola
voz
- D izer. Reci tar . é o luga r onde se fazem exercícios), em pa rte por reflexos de tra ns-
6. Jogar 11m te r ia Texto n ão dra m á- Ani mad or o grupo _. Análise c rítica de
missão de conhecimen tos adqu irido s (neste caso, os de ac tor ). Os
não d ramático . tico. (cod íficndor) - Transpos ição d e lima mesmos a rgumentos a favor dos exe rcícios voltam a apa rece r: não S(;;
e memb ros lin gu ag em p a ra o u tra toca uma peça de música sem se ter aprendido a fazer escal as, não se
do ~rnp()
poderá, pois, jogar sem que o «instr umen to» (o cor po, a voz ) esteja
i . ,\ volt a do te r- Text o d ra m á tico. Animador o grupo - Análise crí tica d o preparado pa ra a sua nova fun ção. A lista de exercícios pr oposta pelas
to dramático (cod ifica dor) texto
c mem bros - Reflexão so bre as obras da especialidade pertence à nom encla tura co rrente dos cursos
d o g rupo rel a ções textos/ escr í-
ta t eatral
de arte dramát ica e do que é oferecido, nem sempre em primeira mão ,
- D iá logo com o texto nos estágios de arte dramática programado s por orga nismos com fins
a pa rti r d e uma cri a - muito diferentes.
ção pessoal.
Isol ados do mét odo donde fora m ret irados, estes exercícios perdem
s. o jog o - trans- T od os os pon tos de - Um indi ví- O g ru po - De fesa, lib e rt a çã o a sua significação e são vividos e transm itidos co mo práticas
g ressão ali a im - part ida duo p rovo ca ção , d escom-
pr ov isaçã o - d es. - Um gnJpo p ree nsão mágicas, preparações por vezes ritu ais à ar te misteriosa do actor,
compress ão - P sico d rama selva-
gem.

9. A impro vi saçã o T od os os pontos d e - Um g ru po O grupo - Co m u n icação de (' ) Fa zemos uma d istinção ent re exe rc ícios pura m ent e t éc n icos (cfr. n.? J)
co le c tiua p ura pa rt id a (te ma li- u ma men sagem no o jogos eo m uma prop ost a cu jos o b iec tiv os são directa rnent e pe rcc p tivels
o u t ro s: lim a sj~ VI'<" tex to . na rra - di sc u rso d om inad o pel os pn rticipa ncs e qu e eles próp rios p od em inventa r ma is (a cil men t<: .
tu uç ão ti" com u- iv.i . z u iâo. argu-
í de u ma lingu agem
nicação mento . espe ct ácu lo , especifica.
ima gem. e tc . .. ) 75

,
Exercita -se, pois. ae ui ou a li. segundo um sub-Sta nislavsky ou «É esta perpétua relação entre o que está antes e depoi s entre o
um sub-G rotowski. n em sempre tendo consciência disso e misturando, facto de mudar de roupas e começar qualquer coisa que é essencial» (') .
na maior da s confusões, práticas de origens diversas. Tratar-se-ia pois. de encontrar um modo de aborda r o assunto ,;ntes
A apl ica ção de um exercício emprestado coloc a ainda outras difi- de passar às actividadcs verdadeiramente importantes. Na sala de
Cl'ldadcs: O treino de uma actividadc corporal determinada, de domí- aula, em face de um grupo pouco dec idido a pôr-se em moviment o dcma-
nio da resp iração ou da voz não pode ser conduzido de qualquer siado inquieto ou demasiado inibido para jogar imediatamente, o an i-
maneira . Não compete ao professor nem ao animador jogar ao apren- rnador propõe uma gama de actividades destinadas a facilitar UI11 dcs-
di;- de: feiticeiro com vozes e corpos jovens utilizando técnicas,
bloqueamento posterior ou a abertura do diálogo. Na pr ática, é talvez
rem sempre bem assimiladas e, inicialmente, destinadas a adultos, um meio de assinalar a mudança de acti vidade. de propor um novo
Formuiadas estas evid ências. porque se fazem. ent ão, exercícios? quadro para facilitar a passagem do ritmo ;escolar. definido e organi-
Não se procurará por este meio (por vezes involuntariamente) um meio zado em compartimentos. ao silêncio inquietante que precede uma
cómodo para ocupar a hora (e os alunos), reproduzindo, mais ou irnprovisão.
meno s conscientemente, os esquemas escolares mais tradicionais? É
confortante colocar-se na posição de director de sessão, de hábil
demonstrador capaz de conduzir um grupo onde se quer que ele vá. AUGUSTO BOAL
L1 m pouco de concentração ,alguns exercícios respirat órios, «mímicas
(r ótul o que se coloca em tudo, desde que seja mudo) e a sessão Baal apresenta argumentos muito diferentes a favor dos cxcrclciosr-)
termi nou , Corre-se, assim, o risco de se chegar a uma situação para- e num quadro que, não sendo de maneira nenhum a o nosso, é um
do xal em que os exercícios, em vez de serem os meios utilizados durante estimulo à reflexão, Apoiando-se numa prática que desenvolveu /10
um tempo para atingir um fim superior, constituem eles próprios a Perú com trabalhadores, pensa que a aplicação dum sistema teatral
única finalidade do trabalho. Isto é grave dentro do horário apertado começa pelo próprio corpo daqueles que participam na experiência.
das a ulas : é urgente decidir dizer sem se interrogar demasiado tempo O corpo dos trabalhadores está alienado na sua estrutura. nos seus
sobr e o com o dizer. músculos, pelo trabalho. Numa primeira fase, impõe-se com a
Finalmente, a experiência mostra que é preciso ser-se muito pru- ajuda de exercícios, uma tomada de consciência desta «alienação mus-
de nte acerca da s definições dadas ao trabalho empreendido, sob pena cula r»: para isso é necessário tornar-se apto a «desm onta r» por isso
de os alunos se sent irem utilizados como cobaias a futuros actores dizer as suas estruturas musculares, a fim de, em seguida, as montar
vedetas de novo segundo estruturas próprias a outras profissões ou estatutos
No entanto. não faltam a rgumentos sérios a favor dos exercícios: sociais, para estar em condições de interpretar fisicamente outras ' per -
sonagens.
não se passa directarnente do mundo escolar ao mundo lúdico. do
regime dos sentados às piruetas de Arlequim. É preciso elaborar tran- Um ponto vital ressalta deste processo: todo o exercício proposto
~i ç'le s. ponte s. não para incidir verdadeiramente nas técnicas, mas para
deve suscitar a invenção de outros exercícios pelos participantes de
modo que a criatividade encontre um lugar inclusivamente em scs-
criar UP1i1 situação favorável ao dcsbloqucarncnto do imaginário. signi-
ficar que a gaiola. está aberta, que os corpos são convidados a entrar
em função:: as vozes a fazerem-se ouvir. Caprichosamente a mesma (') Colloque d'Avignon sur la formation de l'acteur, rvlat ório dnct ílo-
pol érnica existe a prop ósito da formação do actor profissional e, em grafado dos debates pelo Conservatório Nacional de Arte Dram ática de Paris,
1975. no colóquio de Avignon, Antoine Vitez definia a sua posição pro- p . 24.
(') Trava íl Théâtral, n.O XXI, Outono de 1975, «Uma expe riê ncia de
pondo que se começasse por «limpar o espaço»:
teatro popular no Perú», pág . 3 a 19.

76
77

__.__._.._ _._ -L-_ .. _


1_'_. _

,
sões que pareceriam puramente técnicas. Daí . Boal passa à ideia duma A problem ática é, talve z, diferente no qu adro de verdadeiros
linguagem teatral e. em seguida. ao discurso. «O teatro pode estar «cursos: de expressão dramática tal como existem no ens ino em Ingla-
10 serviço do s oprimidos. para que estes se exp rimam e para que,
terra e na América do Norte. onde professores especializad os têm
utilizando uma nova linguagem, descubram também novos conteú - à sua disposição fichas-modelo. Toda a progressão está pre vista , o
dos» (1). O principal objectivo deste «teatro do oprimido» é transfor- professor dispõe de. um «programa» demasiado tranquil izador. Assim.
ma r o povo - ser passiv o no fenómeno teatral- em sujeito. em actor Nellie Me Caslin pensa que não se pode fazer as crianças improvisar ou
capa z de modificar a acção dramática. jogar logo desde o início ('), Ela começa por provocar a im agina ~
Qual a relação com' os nossos alunos? O regime escolar impõe- ção, por fa zer estal ar a faísca qu e permi tirá. mai s tarde. jogar. E pro ,
-lhes atitudes físicas esclerosantes que se inscrevem pouco a pouco põe. por exemplo. numa sessão de iniciação. diferentes mod os de ca rni-
nos se us corpos. O aluno francês é um ser sentado que possui ainda . nhar (na erva , na. lam a. etc .... ) sobre vár ios ritmos . em seguida alguns
muito frequentemente . reflexos do tipo «braços cruzados, olha r fixo jogos em que os protagonistas utiliz am uma bola e, para term inar .
no mest re», quand o se faz apelo à sua atenção. E is porque. em pantomimas de diferentes desportos . Se o m étodo não é novo. não
caso s determinados. pode ser útil abordar uma sessão ou uma série é, também, necessariamente mau. Mas que imaginação se pretende
de sessões sob este ângulo. provocar? Para dcscontrair a a tmosfera do grupo ser:'! obr igato ria-
mente necessário propor-lhe jogos «inocentes: que passam :10 la rgo
de toda a tornada de palavra? Poder-se-á. verdadeiramen te. propo r às
OS CUR SOS DE EX PR ESSÃO DR AMÁTICA c-rian ças uma concentração sem objectivo, um háb ito de ordem quando
não há ainda nada a org anizar , esquem as de comunicaç ões. q ua ndo
Em última instânci a. o problema qu e nos interessa não será não há nad a a transmitir? Uma vez mais, separa-se o fundo da
apenas uma qu erela de escola que se liga à velha quest ão da direc- forma , dificulta-se a ligação entre premissas muit o di rigidas e a soli-
tividad e? Tal vez. na medida em qu e o animador que começa por dão perturba dora da improvisação futura.
exercícios se afirma seguro de saber o que é bom par a o grupo. Dois exemplos de sessões em qu e os exercíc ios ocupam um lugar
anuncia ndo. assim. que o jogo dramático necessita de um método e importante darão uma melhor ideia das dificuld ade s qu e o animad or
de um guia. Na realidade. o animador deve ser capaz de ter em encontra e da s questões que coloca este tipo de intervenç ão.
con ta situações escola res difer entes c torn ar flexíveis por vezes os
seus princípio s teóricos. Diante de um grupo mud o. será preciso EXEMP LO 1: A V IAGEM DE 13A HC O (')
esperar com pa ciência o apar ecimento do diálogo. será preciso dar
tempo aos alunos de medir esta liberdade totalmente nova de que Um a turm a de raparigas da terce ira classe. A primeira sessão
não sabem o que hão-de fazer ? Ou tranqü ilizá-los e tranquilizar-se, condu ziu a um bloqu carnento: recusa a encontrar um guião, dificul-
lançand o pistas fáceis de seguir? Pensamos que propor exercícios des em falar, Um estudante ca nadiano, adepto de uma progressão
peran te uma situação difícil é desviar os verdadeiros problemas. baseada em exercícios graduados. dirige a sessão.
Porque é que nos calamos? Porque é que recusamos o jogo? Porque É uma sessão-tipo dividida. em quatro partes. durante 90 minut os;
é qu e não propomos tema s? Sobretudo. nun ca se deixar iludir pela os en cadeam entos são invisíveis, o objectivo confessado é co nd uzir
idcia de uma hora-modelo onde «tudo fun ciona» e tentar generalizar
demasiad o dep ressa. remediar urgentemente propondo ocupações. (' ) C rea tive D ra rna tics in th c Class roorn . Da v. Mc Kay Cornpn ny, I nc.
actividadcs vazias de sentido que ma scaram as verdadeira s dif iculdades. N cw- York, HJ7:J.
(') Não ass isti a esta ses são . O re la to é de It lchn rd Moncd coru qu e m tr a-
ba lho no I.T.E . para es t abelece r u m p ro gra ma d e «Te atr o e E nsin o» .
r) /ú id clIl .

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uma acção tera pêutica sobre este grupo. Ela é inteirame nte dircc- não conheço a turma, como ainda corre o risco de ser fortemente
tiva, comanda da por uma sequê ncia de propost as prov indas de um intimidada pela presença dos adultos. Apesar do meu desejo de não
único emissor. o anim ad or. Tu do foi calculado em função da turma cair na demonstração. é forçoso. no entanto. reconhecer que estávamos
lá também para isso e que o trabalho será marcado por esta ambi-
e do mobiliário escolar .
guidade.
Descalçamo-nos para poder utilizar as carteiras: Um outro animador está presente. mas intervirá apenas em caso
I. Utilização de indu tores imagin ários: as ca rteiras transfor- de necessidade, assumindo de preferência o papel de participante.
mam-se em bar cos; navega-se, primeiro sozinho. em seguida Nos contactos prévios com o professor da turma, decidiu-se que
dois; os pa res chegam a ilhas. reagrupam -se a três, a seis, a sessão partiria de um texto livre redigido, de manhã, pela turma.
Trata-se do relato de uma viagem interplanetária. Toda a turma parte
a doze.
a bordo dum foguetão e, depois de várias peripécias, desembarca
2. Dispersão para ir «dormir» cad a um no seu ba rco, na rea-
numa série de planetas misteriosos. Um deles é de tal forma escal-
lidade para um exercício do tipo respiraçáo -descontracçâo.
dante que não se pode pousar aí os pés.
3. Os pa rticipantes tomam os núm eros um ou dois. Enca - As crianças contam-me a história com a ajuda do professor e
deia-se com os clássicos jogos de olhar. de espelhos; o objcc- ocupam os seus lugares habituais. Leitura do texto e discussão pre-
tivo é a comuni cação não verbal . Os pares mudam com liminar. Vamos contar tudo? Elas consideram que se deve seguir
írcq u ênc ia. É um exercício completo de emissores-receptores o desenrolar lógico do relato e. mesmo, começar por constru ir o
que termina pela «tra dução» das mensagens não verbais. foguetão. Segundo o esquema hab itual. desembaraça-se o espaço de
4. Disposição das carteiras em círculo . Exercício de comunica jogo das carteiras. Não queria que perdessem muito tempo com
ção táctil. Na final da sessão está-se em posição (o círculo) esta construção. mas o grupo insiste e deseja até utilizar materiais.
para encadear numa discussão. Longo período de paralisia. discussões e hesitações. O profe ssor pro-
põe, sem resultado, materializar o foguetão a giz, no espaço central.
As crianças estão inquietas e não parecem dispostas a jogar perante
F.\'fMI' r.O 2: t\ rJACE";J DE FOG UETA O (1) o imponente grupo de adultos e, por outro lado, não sabem manifesta-
mente que fazer desta liberdade não habitual.
Tr ata-se de uma situação escolar difícil. onde toda a expres são Após longos minutos. o grupo organiza-se; algumas mesas são
parece criar problemas. Por isso, intervenho vár ias vezes no sentido colocadas em fila sobre o estrado de pequena elevação e encostadas
de provoca r a invenção, indicar dlrccções a seguir. mas o risco de ao quadro do lado oposto portanto. ao grupo de espectadores . Aí.
manipu lação é grande. surgem novos problemas: é preciso uma cabine de pilotagem, urna
A turma é uma Secção de Educação Especiali zada form ada por ligação com a terra, um quadro de bordo. aparelhos de rádio. AJ~u­
crianças que não se integram nas turmas tradicion ais por diferentes mas crianças desenham vigias no quadro. Discussão: o grupo recusa
razões. São uns quinze e têm entre 9 e 12 anos . Um prob lema con- energicamente fragmentar-se para deixar em t erra os técnicos julgados
siderável para as crianças (e para mim): ao fundo da sala sentaram-se indispensáveis. Por outro lado, parece- lhes impossível partir sem estas
uma dezena e meia de professores, professores de práti ca pedagógica, precauções elementares. Duas «vítimas» acabam por ser designadas
conselheiros pedagógicos e o inspector primário do distrito. Não só pelo grupo e eu impaciento-me (interiormente) em vão: o fogue-
tão não partirá sem que 'a última manete do comando esteja
materializada sobre urna mesa. Quando, finalmente. parte, a impro-
rl Este exemplo ó tirado do meu artigo na revista «Le Fr unça is Aujour-
d'hui» , n." 0.1-34, Junho de 76 , que nmavelmente me foi autorizado reproduzir. visação revela-se bastante «pobre», não se passa praticamente nada.

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6

l
r

Instaladas no seu foguetão- mesa, as crianças jogam sem energia uma para melhorar progressivamente as mensagens reais dos alunos e para
peripécia, o encontro com um meteorito. enquanto o piloto dorme.
que estes adquiram. progressivamente, em situações reais de comunica-
Alguns tímidos contactos com a torre de controlo. Intervenho. Ç<10. o domínio dos códigos impostos pela sociedade» (') . É neste sen-
então, para propor um jogo-exercício: o motor do foguetão está
tido que desejamos desenvolver o nosso trabalho.
muito fraco, é necessário procurar em conjunto qual será o seu
bom funcionamento. Sentamo-nos em círculo no espaço central. Cada
um produzirá um som, urna onomatopeia, e a combinação destes sons 2. IMPROVISACÃO COLECTIVA SEM OLHAR EXTERIOR
será o barulho do motor cuja intensidade poderemos regular: Nessa
mesma ocasião alguns problemas de respiração são aflorados (eles
Forma da sessão: a partir de uma proposta simples (a escolha
estão totalmente sem fôlego). A atmosfera descontrai-se nitidamente de um lugar) fixada pelo grupo ou pelo animador, [ogar em qualquer
e, pela primeira vez. perece-me que entramos finalmente numa fase
constrangimento e pelo simples prazer de jogar, Não há mensagem
de jogo. tendo sido vivido na inquietude tudo o que estava para trás.
{/ produ zir nem destinat ário a tomar em consideração, a IIUO ser cn:
O foguetão volta. portanto. a partir um pouco mais tarde para
casos particulares e para um trabalho posterior.
pou sar num planeta com o solo escaldante. A improvisação é nova-
mente muito árida. concentrando-se as crianças (como acontece muitas
vezes) no anedótico; pousam rapidamente o pé em terra e enroscam-se TODA A GENTE JOGA
de seguida no foguetão. Novamente. jogo-exercício: traduziremos o
calor do chão por ritmos martelados numa cadeira e os participantes A situação escolar é, por vezes tal, que o grupo recusa qual-
reazirão
Q
em conformidade. Duas crianças .
revezam-se a bater os quer tomada de palavra pessoal ror diversos motivos: falta de hábito
ritmos e o jogo prolonga-se algum tempo. de trabalho colectivo, medo de desvendar-se, apreensão diante duma
A pós o desaire de urna tentativa de exploração do planeta. a forma de expressão sentida como perigosa. Neste caso, é praticamente
sessão prossegue segundo este esquema: A turma recusa separar-se em impossível propor a um pequeno grupo que jogue, diante de outros.
grupos c, sobretudo, afastar-se das proximidades imediatas do foguetão. uma situação à sua escolha. Podemos apostar na paciência . encet ar o d íá-
isto é. aproximar-se dos adultos que se encontram do outro lado da logo, esperar o tempo necessário para se ultrapassar o bloqucarncnto.
sala . Terminamos com uma sessão de desconcentração no chão que Pode-se também tentar impor exercícios, na esperança de iniciar um
correspondc, na história. a um desmaio prolongado após a aterragem tipo de relação diferente, Uma situação intermédia consiste simplesmente
forçada. em propor «jogar ao faz de conta», impondo o mínimo esforço de
Retomando o méto-ío de A. Boal, deveríamos ter completado este transposição e, sobretudo, eliminar todo o olhar exterior inibitório,
trabalho propondo às crianças que inventassem elas próprias exercí- ou que possa ser recebido como tal. Muitas vezes. as reticências pro-
cios se melhantes. O exercício não está. no entanto, desligado da his- vêm. de facto, do receio de se revelar diante de outros, condiscí-
tória . ainda que os enxertos artificais sejam criticáveis. pulos ou adultos (').
H á uma tentativa de procura de expressão, uma intenção de exa-
gera r ligada a um discurso. numa situação de comunicação. a um real
(') Mi chel Launay, in «Littérature» n.v 19, Ou tubro de 1975.
prazer do momento. (') Na nossa prática, este processo é apenas provisório e não deve ser
Mantemos muita prudência perante o carácter muitas vezes arti- confundiào com um tipo de trabalho que excluí todo o olhar exterior como
f:cial dos exercícios. Recordemos, para terminar este ponto. li príorí teórico. A criação duma situa ção de corr un ícação esta sempre oa
a desconfiança de Freinet para com um . processo demasiado volun- base da nossa reflexão. O «Groupe de Recherhe Pour I'Easeígnerncnt et l'Ani-
rnation Par le Théâtre», de Orleães, escreve acerca deste assunto sob o titulo
tarista - a . sua preferência pelas «intervenções discretas do professor
«Jogo dramático: o antl-teatroê» ... «O que deslgnarnos por jogo dramáti co assi;

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1\eS1~ tipo de jogo não há fábula guião personagens deter- tipo de situação que procura suscitar a invenção sem que esta jamais
minadas antes, condutor de jogo nem lugar-refúgio onde se possa colo- seja controlada ou que o seu sentido possa jamais ser apreendido e
car «fora-de-jogo» par!lrecusar o imaginário do grupo ou para posto em causa.
contemplá-lo do exterior. Trata -se de transformar o próprio espaço Quanto mais banal é o lugar e, até , estereotipado. tanto mais
escola r, rui sua totalidade. num espaço lúdico. Jogam todos juntos permite uma grande liberdade na invenção de situações para este
utilizando tudo o que 00 enCOlJtra na sala. primeiro discurso. É por isso que os grupos escolhem frequente-
A duração do jogo também não é fixada e pode. eventualmente. mente reinventar um café. um «dancing», um parque, um lugar
passar-se uma hora inteira numa improvisação contínua. Sem exí- público qualquer onde acontece um grande número de encontros.
gência Je resultado nem de rentabilidade. sem preocupação de ritmo Estes lugares têm a vantgem de reenviar a um quotidino familiar
nem de proeza a realizar, o grupo fecha-se para um desvio voluntário a todos. sem proibir a invenção de acontecimentos ou incidentes
que apenas tem um ponto de partida: o lugar sala de aula transfor- fora do comum. Nos dois exemplos que 50 seguem , os lugares esco-
ma-se noutro lugar que há que inventar colectivamente, Cada um lhidos (de facto os catalizadores da imaginação) correspondem a esses
não é sequer obrigado a manter a mesma personagem durante a critérios. O primeiro visa apenas libertar a invenção. o segundo
duraçã o do trabalho, podendo. à vontade. abandon á-la e retomá-la, produzir uma gama de situações novas.
passar de uma para outra em função dum desejo momentâneo.
Entretanto. uma exigência importante aparece ao longo da impro- EXEMPJ.O 1: O DANC1NG
visão; o jogo s6 se desenvolve na medida em que os protagonistas :, ..
" ,;

aceitam e apanham as pistas lançadas entre si. É indispensável devol - Este exemplo é um pouco particular na medida em que sai fora
ver a bola . aceitar < cumplicidade do imaginário que permite que do quadro escolar e foi vivido por professores desejosos de se ini-
os acontecimentos surjam, que as relações se teçam pouco a pouco ciarem no jogo dramático com vista a utilizarem-no com os seus
a partir de uma proposta tão vaga . Trata-se, afinal. de criar a ilusão alunos. Escolhi-o porque corresponde exactamente à situação de
com a colaboração de todos, mas sem ter que respeitar qualquer bloquearnento acima definida. Após um início de estágio particu-
estrutui a. Trata-se apenas de inventar o lugar onde se vão desenro- larmente difícil. onde a inquietação dos participantes aumentava à
lar os acontecimentos não definidos previamente. medida que o tempo passava-e em que eu me recusava a propor
Quando este tipo de ponto de partida é utilizado independente. exercícios que teriam facilmente tranquilizado toda a gente deci-
mente de qualquer situação de bloqueamento, ajuda a inventar um dimos experimentr este jogo livre sem olhar exterior, a partir
grande n úmero de situações convergentes, sem concertação prévia. do duma ideia que parecia ser uma brincadeira: reconstituir uma noite
próprio interior do jogo. Ao mesmo tempo. é tentador prever nurne- num «dancing», Os pontos de partida para o jogo eram os defini-
rosas prolongamentos para este primeiro trabalho que não é, então, dos acima: a sala toda transformada em local de jogo. vários grupos
considerado como um fim em si. Vê -se bem . pois. os perigos dum improvisam ao mesmo tempo sem nunca estar em causa a quali-
dade da improvisação (admite-se que um longo trabalho deste género
pode apagar-se, reactivar-se, mudar de orientação em função do apa-
nala, antes de mais, a sua exist ência pela aboli ção do Outro como esp ectador.
Olhar di rigido para si, o actuante inscreve-se no espa ço fechado elas relações recimento de novas personagens).
qu e estabelece agora com outros actuan tes. Actuante e não actor, na medida Uma vez ultrapassada a barreira da sensação de ridículo, os
em que exclui o social corr,o lugar onde se é visto (théâtron) em beneficio do resultados surpreenderam os participantes. Tinha sido possível dano
gru po como lugar onde se elabor a. Se a figura geométrica do teatral é o sem i- çar, inventar. cantar juntos durante mais de uma hora (criando até
-c írculo , a do jogo dramálico o c írculo». - «Le Fran çais Aujourd'hui», 0.° 33-
uma «orquestra») e com o maior prazer. É verdade que não se
-34. Junho de 76, p . 65 . Os autores referem-se a uma prática de adultos, a
de professores em formação. escapou aos estereotipos: discussões de bêbados. engatatões impeni-

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• o • ••• _ . ..-L-
tent es, raparigas simplórias e casais inconvenientes constituiram a personagens, propostas ao acaso, entram numa rede de definições que
base da invenção. Não estávamos con vencidos de ter dito em con- escapam às convenções teatrais. Mas o aluno que esboçou a silhueta
junto coisas esssen ciais. Pudemos jogar sem constrangimento e até dum groom, porque era divertido ou para fazer peq uenos gagues,
mesmo com prazer a ponto de um trabalho mais aprofundado vê-se de repente, obrigado a um trabalho de imaginaçã o para lhe
pod er rapidamente ser enxertada nesta primeira acção: crítica dos inventar toda uma existência.
estereotipas. pôr em questão as personagens em situações mais pre- Terceira fase : todas as personagens, assim definidas. figuram no
cisas, invenção de propostas capazes de ajudar a revelar claramente quadro. Cada um dos elementos do grupo pode agora , por simples
o que pod eria acontecer Tínhamos começado e era isso muito proposta, pô -las em acção segundo a seguinte regra de jogo : é neces-
cxactarncnte, o que tent ávamos fazer há várias horas. sário dizer os nomes de duas ou ma is personagens. situá-las no
hotel ou à volta do hotel e precisar a hora da acção. A acção fica
EXEMPLO 2: O HALL DUM HOTEL, NOS DESPORTOS DE INVER NO dependente da invenção dos improvisadores que têm por obrigação
respeitar a proposta que acaba de lhes ser fixada. assim como ter
Uma turma da terceira classe mista, de 19 alunos, no âmbito da em conta as características definidas anteriormente no seu bilhete
di sciplina de francês. de identidade. É um trabalho difícil, pois vão procurar traduzir no
Aqui , o ob jcctivo é aprofundar um trabalho já encetado, criando jogo, no diálogo ou nas relações com as outras personagens os ele-
um qu adro no interior do qual os alunos propõem situações e perso- mentos impostos do exterior, de fora do jogo. Em princípio, todas
n.igens. precisand o-as pelas discussões e em seguida, «repô-las em jogo». as situações propostas convergem para o mesmo fim, revelar o micro-
Faço a seguinte proposta : a sala representa o hall dum hotel, cosmos social ligado ao lugar cénico imposto à partida, por inter -
nos desportos de inverno. O objectivo é fazer surgir relações ligadas médio do grupo e das individualidades que o compõem. Apesa r das
às características do meio social a que pertencem as personagens e aparências, o grupo é bastante mais livre de exprimir as suas pr óprias
inventar sem acumular os estereotipas do ' jogo pseudo-psicológico. preocupações do que se poderia pensar. Neste exemplo pa rticular,
Primeira fase : todos jogam propondo uma personagem à sua e enquanto a minha preocupação era fazer aparecer lima tipologia
escolha susceptível de poder estar nesse hall num momento qual. soical, a maior parte das cenas jogadas giravam à volta das preo-
quer do dia . Não há concertação pré via nem limitação nas csco- cupações sexuais destes adolescentes. Mulheres soz inhas em busca
lhas. A improvisação dura cerca de quinze minutos e corrcsponde de aventuras, celibatários engatatões arrastando a asa , raparigas preo-
aos critérios já definidos; sofre os inconvenientes habituais de um cupadas em a rra njar um marido ocuparam os ola lOS principais, dando.
grupo tão grande que trabalha ao mesmo tempo : bruhaha, mal - aliás, um outro peso de realidade às situações proposta s.
-entendidos, falt a de clareza. O interesse deste tipo de proposta é ela desembocar, por 'fezes,
Segund a fase: paro o jogo e cada um dos improvisadores é inter- numa iniciação aos problemas da dramaturgia. Ela provoca, evi-
rogado sob re a sua per son agem pel o animador e /ou pelo grupo. dentementc, uma reflexão sobre a realidade mas também sobre como
Pom os no quadro um a espécie de «cartão de identidade social» de traduzi-la na ficção teatral . Todo o aluno que faz lima série de
cada uma das personagens encontradas. Com as suas perguntas, o propostas ao s seus cama rad as torna -se uma espécie de autor provi -
grupo obriga o jogador a dar espessura à s ilhueta inventada, a car- sório, tendo à sua disposição uma reser va de personagens. Cabe-lhe
regá -la com um certo peso de realidade. Indica-se o nome, a pro- a ele pôr em acção forças que deve. a seguir, organiza r (lU contro-
fissão a situação soci al as razões da presença no hotel , o salário. lar a fim de chegar, eventualmente, à escrita. Cada elemento do
A lista de pergunta s não é limitada e obriga a um esforço de infor- grupo, à vez, pode tornar-se personagem-ferram enta ou autor parcial
mação: o que é o S.M .I.C. ? Quanto ganha efectivamente este qua- dum guião que verá aparecer diante dele no ou cont ra o sentido que
dro ban cário, um professor de trinta anos ' o groom do hotel ? As esperava. E isto. porque a últim a fase do trabalho co ns iste. cvi-

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dentcrnente, em decifrar, analisar e criticar as situações jogadas, coa- resumir um dos exemplos descritos no decurso duma sessão, retemos
frontando-as com as propostas que ser viram de ponto de partida.
Mesmo que nunca se ponha a questão da escrita do texto r: a seguinte expressão:
No espaço-sala -de-aula, desembaraçado do mobiliário escolar, os
mático propriamente dito ('), este problema é abordado na medida
alunos descobrem o conteúdo duma «caixa de ferramenta» trazida
em que as componentes do texto foram desmontadas para serem de
pelo animador: «uma série de caixas de papelão, desde o pacote de
novo montadas sob diferentes forma s, conforme a vontade dos par-
arroz à embalagem da máquina de lavar dois paus, um arco , duas
ticipantes,
cordas e um pedaço de tecido: volumes, Jinhas, superfícies... fáceis
de encontrar após a nossa partida» (I). Eles descobrem livremente
3. O CORPO, O OBJECTO as relações entre os seus corpos e estes materiais.
E A FABRICA CÃO DE IMAGENS Aprendem a utilizar de outra maneira os materiais e os objectos,
O exemplo tipo é o pau que se monta para se transformar num
forma da sessão: o animador e os elementos do grupo inven- cavalo.
tam propostas com vista à fabricação de imagens a partir dos corpos Cada um constrói uma imagem mental 3 partir do tema ou do
dos jogadores e de objectos diversos. A mensagem (a imagem cons- texto determinado previamente com o professor e comun ica-a aos
truída) é decifrada pelos espectadores que lhe veri,ficam a significação. outros.
A linguagem do jogo dramático é complexa, nós descobrimos os O grupo põe-se de acordo sobre a construção no espaço uuma
elementos heterogéneos que a compõem e que constituem a sua ori- imagem mental a três dimensões fabricada com os corpos dos parti-
ginalidade. Ainda que, na. saia de aula, não utilizemos um sistema cipantes (literalmente «esculpidos» pelo seu camarada. diz Remy
de sinais tão elaborados como aquele sobre que repousa a linguagem Hourcade) e dos objectos já enumerados. A tónica é colocada sobre
teatral propriamente dita, as propostas que se seguem têm por objec- a importância do lugar de cada um dos sinais que compõem a ima-
tivo a descoberta de sinais exteriores à palavra e a sua utilização rigo- gem, sobre as relações que eles estabelecem entre si e sobre a per.
rosa. As deslocações e: os gestos espontâneos (por vezes muito impre- cepção do observador, que varia com o ângulo de visão. Todos
cisos) da improvisação livre merecem uma atenção particular; os alu - participam numa espécie de encenação minuciosa desta imagem ela .
nos têm, aqui, a oportunidade de parar, de procurar com minúcia e borada do ponto de vista do grafista, do publicista.. . «para eliminar
de verificar as suas significações, de experimentar o funcionamento os excessos de subjecrívidade e colocar os alunos numa situação real
metonírnico do objecto no discurso teatral. Ao mesmo tempo, estas de comunicação».
Última etapa: a imagem anima-se, por momentos, e ganha todo o
propostas servem de base à aprendizagem da leitura dos ícones: foto-
grafias, cartazes, imr gens publicitárias, etc .... seu sentido graças ao movimento que o desvenda.
Este processo, assim como outros exemplos igualmente estimu-
lantes, permitem-nos a estabelecer propostas de jogo, algumas das
UMA ANIMAÇÃO PELO TEATRO ot: SARTROUVILLE
quais foram verificadas em ateliers ,
I .

Num artigo sobre a sua prática nas salas de aula ('), os anima -
dores do Teatro de Sartrouville dão conta do trabalho deveras inte-
ressante que fazem sobre o objecto com alunos e professores. Ao

r) Sobre o problema da escrita do texto, ver p. 146.


('i R. Hourcade: «Ln mise cn image» : «une expérience d'anímatlon co
mílieu scolaíree, Le Frunçaü AuJourd'hul, D,O 33-34, Iunbo de 1976, pp, 39-44. (1) Ibld .

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- -- - - - - - - ...- - ._-L..__ .... _


r

o CORPO E OS OBJECTOS que inventam uma a seguir à outra. Duas equipas passam sucessi-
vamente, confrontam as suas histórias e verificam se foram com-
Jogo livre com os objcctos-rnatcriais cuja utilização não é defi- preendidas. Todas as invenções virão enriquecer estes exemplos.
nida; ca ixas. embalagens de cartão. rolos de papel, fios. Não é esta-
belecida nenhuma regra; a sua utilização depende da imaginação de
APROPRIAÇÃO DE MODELOS ICONOGRÁFICOS
cada um: incentivo à criação de volumes no espaço ela sala de aula,
estendendo cordas. desdobrando embalagens de cartão, explorando as
A turma estabelece um conjunto de materiais a partir de foto-
suas relações.
grafias e de imagens publicitárias recortadas em jornais e revistas,
Jogo livre com objectos quotidianos em função da sua utilidade cartazes, desenhos humorísticos, bandas desenhadas, reproduções de
usual c, em seguida. de maneira a que eles ganhem um sentido novo pintores célebres.
pela utilização q ue se fac deles. Um grupo de alunos escolhe um Num primeiro tempo trata-se de concretizar, na sala de aula,
objccio e «põem-no em jogo»; o mesmo exercício com dois e mais
numa imagem a três dimensões, uma imagem desses ícones sem os
objcctos de forma a criar relações novas entre estes. Utilizam-se parodiar. A dificuldade varia consoante a escolha do modelo e a
objectos de form a a criar relações novas entre estes. Utilizam-se idade dos alunos; não são os mesmos que pegirão numa fotografia
gio, em Sartrouvillc, os professores utilizaram «150 objcctos diversos de actuaJidades desportivas ou no Picasso das «Demoiselles d'Avignon».
recuperados num ferro-velho»). Se se trata duma fotografia. o objectivo é a apropriação do «gestus»
Podemos também tentar o exerc ício de nos tornarmos objcctos. das personagens para lhe fazer perder a sua falta de nitidez , a sua
Exemplo de transformação do objecto escolar: o transferidor do imaterialidade; se se trata dum quadro, a transposição ajuda a pene-
professor de matemática é utilizado sucessivamente como volante trar o código pictural utilizado e necessita da utilização de objcctos.
de camião, guiché de estação (os alunos falam e passam bilhetes e
Exemplo 1: No momento em que escrevemos, os «rnass media»
dinheiro através do transferidor), janela duma casa ou, melhor, uma
inundam-nos com fotografias de Taber1y, olhar azul perdido no infi-
vigia por detrás da qual um traidor contempla uma cena, cepo
nito, maxilares cerrados e músculos tensos. toda a det ermin ação «viril»
de talhante, lâmina de .;uilhotina. Em Sartrouville, um guarda-
no olhar. Joguemos a imitar estes comportamentos com a maior
-chuva entra na composiç lo dum cartaz sucessivamente como pára- verdade possível . Todos se divertirão a arquear o tronco e a escul-
-quedas (cartaz militar), como berço (cartaz sobre o aborto) criando pir a figura do herói.
uma comb inação de sentidos contraditório s. Podemos utilizar tam-
bém «séries» de objectos, por exemplo, um conjunto de instrumentos Exemplo 2: Dispomos duma série de fotografias de chefes de
de cozinha que entram na reconstituição duma cena de restaurante estado ou de primeiros-ministros em visita ; façamos. no espaço, urna
(utiliza ção habitual); em seguida, de uma cena guerreira (utlização montagem exacta dessas imagens: sorrisos felizes. cordiais apertos de
metaf órica) ou ainda, se procurarmos isolá-los do significado, os mão, abraços entusiastas. Os sucessivos grupos imobilizam-se e cons-
objectos combinam-se na construção duma escultura. tituem uma espantosa galeria de retratos resumindo a recepção,
A proposta complica-se: os participantes dispõem dum grupo Exemplo 3: Imagem publicitária: uma simpática família desern-
de objectos com os quais improvisam lima história no espaço utili- mala um fcgão a gás que acaba de receber (o pai. a mãe, três cr ian-
zando-os obrigatoriamente a todos. primeiro segundo a sua utilidade ças - 2 rapazes e uma rapariga - e o cão). Legenda: «descobre-se
normal (o guarda-chuva protege-me da chuva), depois segundo diver- rapidamente que a nova «X» tem mais que um lado interessante».
sas metáforas (o guarda-chuva torna-se um taco de golf, uma espada) Reconstituamos cuidadosamente o arranjo do quadro pr é-estabelecido

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pelo fotógrafo. Quando a imagem passa do papel brilhante da foto- a gest ualidad e, como propusemos aci ma : os aper tos de mão tornam -se
gra fia ao espaço a três dimensões da sala de aula. ela perde uma golpes de judo disfarçados, os abraços tentativas de sufocação mútua.
pa rte do poder de fascinação que exercia; o simples fac to de nos 1nversarncnte, acentuan do a afeição ostentada, não Iríam os até ao
apodera rmos dela i.ni tando-a, chega. por vezes. para fazer nascer o aperto efusivo das mãos, at é ao beijo terno ou sonoro? Um outro
olhar crítico (I) . Existe, no entanto. o perigo de identificação se o exem- processo consiste em integrar na imagem um outro sinal . um ou
plo é mal compreendido. (Pensemos no exemplo n." 1). vários objectos incongruentes que lhe dão um sentido diferente.

É por isso que, numa segunda fase. inventamos uma nova ima- Exemplo 3: Consideremos o slogan publicitário que acompanha
gem. por vezes uma contra-imagem saída da imaginação dos joga- o cartaz c tomemo-lo à lerta: «Descobre-se que o nova «X» tem mais
dores e fazendo apelo à sua criatividade. Vários processos são utili- que um lado interessante». Voltemos o obj ecto utilizado na primeira
zados: imagem e inventemos o que representava a, face escondida. É, tal-
vez, muito simplesmente o preço que transforma a a titude da famí-
Exemplo 1: não temos nada em especial contra Tabarly: a explo- lia. Ou uma maquinaria imprevista. Segr ndo um outro processo,
ração meio comercial, meio patriótica que fazem das suas proezas mudemos o slogan e modifiquemos em cousequ ência a fam ília: ela
tem todos os traços da intoxicação publicitária. Como poderá o excl ama: «Meu Deus, como a vida corre bem!» ou «Com o vamos
gru po tomar consciência disso? Aproximemos o «gestuss das ati- agora, poder, comer bem!»
tu dcs das fotografias com outros «gestus», po r exemplo da. rigidez mili-
tar dos desfiles, do machismo do cow -boy que ajuda a vender uma A terceira fase é. agora evidente; falta introduzir o movimento,
marca de cigarros, de toda a rede gestual que serve para representar segundo o bom velho processo do antes/ depois, confrontando suces-
os heróis solitários, inclusivamente na banda desenhada (Luky Lucke) , sivamente as duas imagens já utilizadas. Aperfeiçoando. dar emos ao
Vam os até à aprop ria ção física do galo gaulês. trabalhando com cuidado movimento uma causa definida, faremos entr ar em cena uma outra
as atitudes. Ou ainda, confrontemos a situação do navegador solitário personagem ou introduzindo ines peradamente obj ectos. Segund o o
com a do herói nacional mergulhado na multidão dos Campos Elísios. esquema mais simples, obtemos a oposição Tabarly /galo gaul ês, Ou
Ou . simplesmente, levar cada uma das númicas referenciadas nas foto- .a inda, as mãos da navegador não segurarão já o leme dum veleiro , mas
grafias um tudo nlJ.da mais longe do que a simples imitação, até à bar- o maço de tabaco do qual ele se torna, para nós , o emblema publicitário.
reira frágil que nos separa da caricat.ura. A rigidez é um pouco mais Melhor, encurtado a processo, confrontemos no mesmo espa ço a sua
acentu ada , o queixo ainda mais voluntário. o olhar de desafio toro solidão orgulhosa com o mar hwnana dos Campos ElíS I)S . Não insis -
na- se esgar . E vejamos. timos sobre o bailado dos chefes de estado organizado em fun ção de
·duas figuras sucessiva. Do mesmo modo .,0 objecto novo, esperado por
Exemplo 2: Retomemos os chefes de estado e imaginemos o seu
.toda a família. dá lugar às preocupações que o situam na vida quo-
regr esso aos respectivos países, após a sua missão. Que cara é que
tidiana.
eles têm? Ou então, imaginemos o que pensam no momento em que
Os p rocessos citados são elementares, mesmo grosseiros. em todo
exprimem a mais franca cordialidade. Ou. ainda, levemos mais longe
·0 caso não são novidade. As invenções orig inais dependem de cada
grupo; se necessário, não é proibido ir pilhar as correntes grá ficas con-
testatárias para renovar os apetites de jogo. O que nos interessa aqui é
(I) J(;aJ ) Baudrillard (La s oci ét~ de consommation) considera que a publici -
dad e se situa além do verdadeiro e do falso, ela constrói o objocto como modelo, a parte de realidade que reaparece cada vez qu e se trabalha a três
como «faít-divers» espectaeular. Por isso. parece-me interessante fazê-la sair dimensões, oportunidade para desmontar estruturas corporais ou
do universo dos sinais e inseri-Ia, por colagens, no interior do quotidiano. .arranjos espaciais em tecnicolor de tal maneira bem feitos que dei .a-

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_ • • •• • • • - o _ _-L.. _
mos de os notar. A passagem por um trabalho artesanal, mesmo zado em si, a fim de que todos descubram o ::cu manejo. Em seguida,
árduo. é mais eficaZ do que a análise tc6rica dos sinais, sobretudo ele pode ser utiiizado como instrumento de análise, pois é evidente
quando os alunos não estão habituados a isso ou são demasiado que os códigos não são todos equivalentes e que a substituição duma
jovens para adaptar, ce repente, um processo intelectual complicado. imagem por outra tem consequências importantes para o sentido. Pen o
Trata-se, aqui, de fazer para dar a ver, de desmontar para construir. semos, pelo menos. em dois processos diferentes: pelo primeiro, o
grupo estuda um texto cujo tradução clarifica em imagens bem deíi-
nidas:
A UTILIZAÇÃO DA IMAGEM NUMA ESCRITA PESSOAL «o processo foi utilizado numa turma do penúltimo ano do
liceu que após uma leitura individual do Don Juan de Molierc foi con-
Um exemplo referido por Ph. Longchamp no dossier SartrouvilIe vidada a utilizar a peça como ponto de partida, A interpretação da
descreve uma sequência composta por duas imagens principais cena das camponesas sob a forma da flash publiciuirio testemunha a
(um ponto de partida, um ponto de chegada) intitulada Inauguração justeza dá análise dos alunos. Eles mostraram como Cl-arlorte e
do Carro da Educação pela Autoridade Competente na presença dos Mathurine estavam prestes a sen mistificadas e como a t áctica do sedu-
Representantes dos Pais, «em que os alunos se envolviam através dum tor era reles. Do mesmo modo, o trágico da personagem Elvire foi
julgamento de si próprios, vivendo a sua condição escolar (')», O objec- mostrado através do melodrama tão caro à fotonovela» (I).
rivo continua a ser integrar a imagem num discurso pessoal nascido Pelo segundo processo os diferentes códigos estão :10 serviço dum
das preocupações dum grupo. Terminemos com algumas sugestões discurso pessoal que afirma constantemente as suas referências. Não
que vão neste sentido, pois é claro que a imagem não é uma tomemos estas sessões de trabalho por S0]UÇÕes feitas; pôr em ima-
bugiganga modernista mas uma oportunidade de concentrar e preci- gens um texto não é simples, a paródia c a caricatura não bastam
sar o sentido. para revelar o sentido duma obra. Este tipo de trabalho limpa
Por vezes, numa fase de iniciação, utilizamos o seguinte esquema: utilmente os nossos hábitos , obriga a ptr1sar de outro modo que ná;
a turma divide-se em vários grupos que se põem de acordo sobre uma apenas segundo a relação texto escrito /tc.\to dito, e:1riquece a lin·
história oral ou escrita de poucas linhas. Cada um põe-se de acordo guagem do jogo dramático, ajuda a perceber melhor a linguagem
entre si c traduz a história através dum número limitado de imagens Ü tcatrã]. Finalmente, forja um instrumento d~ cxpressÜo su lcmcntar,
sua escol ha. segundo Ulll código e uma sintaxe que inventam, utilizando uma arma maIs aproprL:t enl acc das Irnguagens agressiva s do nosso
para isso, se necessário, uma «caixa de ferramenta». Estas bandas
desenhadas no espaço são apresentadas a fim de que todos verifi-
quem se o sentido é claramente entendido. Por vezes, prefere-se peno
-
tempo.
1MA68JS

sar directamente por imagens do que passar por uma tradução árdua; 4. A IMPROVISACÃO DE SITUACõES A PAiu7.e.. t:€
neste caso, a história inicial limita-se a um tema comum ou a uma A PARTIR DE PROPOSTAS MODIFICÁVEIS rExToS
curta sugestão que todos os grupos desenvolvem como entendem.
Finalmente, uma proposta mais exigente obriga a inscrever a Forma da sessão: o animador e os elementos do grupo convi-
história num código determinado e estudado anteriormente (por exem- dam 0,1' participantes a improvisar situações respeitando propostas que
plo, a sintaxe e os processos da fotonovela, da banda desenhada, do se apeiam sobre alguns dados modificáveis e intermutâveis. A men-
flash publicitário). Se nos limitamos ao exercício, o código é utili- sagem comunicada ao grupo em cada nOI'a tentativa inscreve-se em

(') «Une a nima tion: le corps autrcment» por Ph, Longcharnp, Le Fran- (') «Deux stages d'enseignants :\. Snrtrouville» », ainda do dossier Sar o
0.0 33-34; pp. 52·61.
çais :\lIjl'tlrd'hui , trouvilJe, Le Français Aulourd'hui, n.? 3;3-34, por F. Cerani, p , 48.

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formas imp ostas. O obiectivo é (l descoberta duma gama exp res- Os participan tes obrig am-se a encontrar sinais que não tenham
siva e das suas combinações. apenas a ver com a linguagem fala da nem tão pouco apenas com a
linguagem gestual , a fim de completar a paleta expressiva ü sua dis -
po sição . Mas atenção: pr ocuram-se os sinais cm si, pois est á fora
CO NTRA O VERBALISMO de questão ap render uma gram ática da pantomima em que todos os
A improvisação livre - melhor ável ou não - atinge, par vezes, participantes se exercitassem a refazer o mesmo gesto, antecipada.
um limite dific il de ultrapassar: o das exigências técnicas. Sabemos mente codificado. Não é banida a aprendizagem do gest o mas
até que ponto, em face de um grupo com ctificuldades em propor e ima- continua a ser fundamental a noção de invenção pessoal . O grupo
ginar. a ba teria de melhoramentos de que se disp õe é ineficaz. A difi- experimenta como é que os sinais circulam e se mod ificam , q ue dife-
culdad c convida a inventar formas diferentes, rentes cód igos se oferecem a todo aq uele q ue deseja trad uzir uma
Um grupo muito à vontade na expressão verbal e que tem ten- emoção ou comunicar uma informação; porque é que se escolho
dênci a a in stalar-se muito naturalmente na segurança daquilo que este código em vez daquele para tentar dizer a mesma coisa ? A apren-
sabe fazer . prop õe improvisações interminavelmente palavrosas donde dizagem dos diferentes sistem as de expressão não se desenvolve inde -
tod a a teatral ização é, à priori., excluída. A palavra é. neste caso, pendentemente uns dos outros. Este trabalho inscreve-se no prolo n-
um refúgio c ômodo para se recu sar avançar noutros terrenos. É o gamento dos exemplos descritos no n." 3.
cas o, em especial , do s g rupos de pr ofessores e de estudantes que domi-
nam rapidam ente o essencial das técnicas de improvisa ção, mas que EXEMPLO: O JARDIM PÚBLICO
reprodu zem apenas csq uernas que já conhecem e com a ajuda da
linguagem falada de que se tornaram «especialistas» . Por exemplo, Uma turma da tercei ra classe de vinte e cinco alunos. mista.
um grupo de professores. q ue escolhera jogar um conselho de turma, durante uma hora numa sala banal da escola. O anima dor fixa um
instal ou-se com tanta faciiidade na improvisação (sentada'), que já local que permanece constante, um esp aço a bsolutamente simples .
não sa bíam os, de facto. se se tratava do real ou da ilusão, nem Neste caso um jardim, local de encontro bastante neutro. Um banco
quan ta s horas iria durar a demonstração. Uma vez pri vados da pala- formado por algumas cadeiras.
vra (mas numa outra situação), o mesmo grupo comportou-se duma Passa-se , em série, um grande número de improvisações, sem se
form a totalmente diferente, procurando no gesto da mão. e pratica- parar entre cada uma delas para longos comentários. Uma discussão
ment e nele apenas , o meio de comunicar. (Sabemos que este verba- exaustiva está prevista para o fim da sessão.
lismo se apoia também - mais ou menos conscientemente - sobre A proposta varia ou não para cada uma das acções a partir duma
uma forma de teatro que analisamos mais acima. na estudo dos mode- base constante. O animador avança as primeiras propostas. mas é
los culturais). desejável que cada um tenha possibilidade de inventar uma proposta,
A dificuldade é fonte de bloqueamento para grupos ainda tími- podendo estas variar até ao infinito. Para maior comodidade (no
dos c pouco inclin ados a qualquer forma de expressão. É por isso intuito de andar depressa e evitar hesitaç ões inúteis) distribuem-se,
.1LJe só depois de se conseguir um acordo da equipa se estabelecem por vezes, números pelos participantes e bast;11 dizê-los ao acaso para
:1$ propostas que ajudarão a progredir. A invenção continua a exis- os pôr em jogo.
rir, m,IS no interior dum quadro mais restrito que obriga o irnpro-
visa dor a ultr a passar os seus primeiros desejos. .a refutar as primeiras 1. Primeira proposta: Está bom tempo (é Primavera). Dois alu-
facilid ades (um pouco como se propusessem a um hábil colorista nos fazem gazeta à aula de latim e encontram-se num jardim. O jogo
desenvolver outras aptidões. trabalhando, durante algum tempo. apenas é tímido e apenas verbal . Os protagonistas entram e dizem «está
a preto e branco). bom tempo» . Longa discussão sobre o lanche que se poderia corn-

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7
prar. Quanto dinheiro temos? QUe chocolate preferes? É bem 7. A mesma coisa mas com dois rapazes.
melhor que o latim. mas se o professor aparecesse? Entrada barulhenta e ostensivamente «viril» . O banco é dcs-
2. A mesma base e mais o seguinte: o professor encontra truído, as cadeiras viradas para poderem ins talar-se de outro m odo.
os al unos no jardim. É a professora de francês que joga. Ela anda em descontraeção. Tiram os blusões. a rregaça m as m angas, Est erco-
à volta dos alunos que estão a bronzear a cara (é o primeiro gesto tipos verbais do jovem macho agressivo. Solidão.
digno de nota) . Os alunos ficam petrificados quando se apercebem
~. Duas alunas habituadas a faltar às aulas e uma caloira. Desta
da professora. Ela pergunta-lhe o que fazem ali. Explicações emba-
vez, o jogo é francamente exagerado e instala-se num delírio verbal
raçosas: «A Senhora Dupont sentiu-se mal e pudemos saio>. (riso
que provoca o riso. «Rastejámos pela borda do passeio. detrás dos
geral ). carros ; devíamos ter fugido pelo buraco da fechadura . Se o vigila n te
3. A mesma base e mais o seguinte: dos três alunos que fazem
aparece, tenho a minha navalha (com gesto significativo)».
gaze ta. dois são «cr ônicos e um é caloiro. Longa discussão. Zom-
9. Desta vez. fa z-se gazeta para ir a uma manifestação. Lo nga
bari as. Inquietação do infeliz que descobre um vigilante em todo
discu ssão. Finalmente acabaremos por ir ou não? Que irá passar-se?
o lado : «Tens medo de tudo» : Comentário: o animador sublinha o
verb ali smo das im provi sações. 10. A mesma coisa. Duas «militantes» tentam convencer uma
4. A mesm a proposta de base. mas o jogo é mudo. Entrada aluna medrosa a acompanhá-Ias à manifestação. «Não quero ir. Tenho
lenta c prudente. Os alunos espreguiçam-se, bocejam longamente. medo de apanhar com uma bomba. Os meus pais preveniram-me que
um tira o blusã o. Saboreia o primeiro sol. isso pode acontecer». Resposta: «Eu fui a todas as rnanifesta çôcs e,
5. A mesma proposta: No decurso do jogo mudo troca-se. final- como vês. ainda estou inteira».
mente. o banco pelo que parece ser um relvado. Rebolam-se na
Há muito que o banco deixou de ser um elemento embaraçoso;
relva. uma aluna colhe UI;) malmequer que finge cheirar. Comentá-
elas instalaram -se na relva. A discussão : eintroduz novamente um
rio: convite à reflexão sobre este novo código. Não se tratou de
jogo demasiado verbalista.
mimar mas de procurar transpor as informações. O banco. o único
elemento obrigatório do espaço definido à partida. tem, finalmente.
men os im portâ ncia. Talvez se utilizem estereótipos (colher flores). mas. ANÁLISE DE TRABALHO
pelo menos. há mudança de registo,
6. A mesma proposta : Duas raparigas gostariam muito de encon- Numa sessão bastante curta passaram u 105 trinta participantes.
trar-sc com rapa zes. A palavra é. de novo. autorizada. Que verificações fa zer?
Durante o jogo . in ventam toda uma h istória. Antes de mais, O discurso ele início bastante reali sta . terra-a -terra c mu ito
saboreiam O prazer de serem livres em silêncio. Ao longe. um rapaz inoecnte (quc vamos comprar para o lanche") torna-se cada vez mais
(de fact o ele é designado rea lmente entre o público). Observam-no. pessoal (vamos à manifestação") .
troçam dele . comentam o seu anelar. o seu fato requintado: blusão. Esta evolução é acompanhada duma invenção verbal que apro-
jeans e a.s botas da moda. De seguida. imaginam um botequim onde xima, pouco a pouco. a acção de fazer gazeta de uma proeza despor-
bebem . Sentam-se de novo. Dois rapazes passam ao longe, pelo tiva ou de uma aventura arriscada, (<<Se passássemos pelo buraco da
menos ad ivinha-se. Esperança muda. Espera. Pouco a pouco. desen- fechadura; se pudesse esconder-me neste buraco dc rato») .
canto e solidão. Aborrecimento. Foi encontrado aqui uma espécie
de equilíbrio entre um jogo verbal e um jogo não verbal. Elas são - A forma utilizada permite inscrever no me smo quadro fixo
as primeiras a ousar instalar-se no espaço. a tomar e a dar consciên- e num tempo recorde um grande número ele experiências de jogo
cia do tempo dramático. sem consequências.

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__ É experimentada uma gama de propostas feitas por todos. transcnçao da mesma história em códigos diferentes), incita ao exa -
- O prazer nunca está ausente da sessão, gero do texto. à renovação da invenção.
__ A improvisação muda. de que é preciso não abusar por se É também divertido verificar que a mudança dum pequeno dado
tornar artificial. faz tomar consciência da existência de toda pode alterar completamente a maneira de abordar uma situação (por
urna série de sinais que antes não eram utilizados ou que se exemplo, e uma forma muito banal, o tempo que faz). No próprio inte-
utilizavam pouco. Em seguida, estes sinais não são anulados, rior da elaboração dum discurso toma-se .:onsciência de que não se
mas utilizados de outra maneira, quando a palavra é de novo pisa um relvado da mesma forma que o i oalho da sala de aula se
autorizada. se tem dezoito ou cinquenta anos. o que pe. mite, posteriormente, uma
_ Começa-se por dizer aos espectadores, desde o início, o pró- reflexão sobre a noção de personagem.
prio conteúdo da proposta (está bom tempo. é primaver~). Um outro exemplo situa o interesse de tal prática . Numa turma
Pouco a pouco, nasce a ideia de que a forma teatral permite da terceira classe. os alunos jogaram uma cena em que se tratava de
sugeri-los, inscrever um discurso que nem sempre figura nos «beber os pecados dum morto durante ° seu funeral» (a propósito
sinais gráficos do texto . Damo-nos conta também que os de Sam de Mary Webb) . Todo o trabalho de teatralização reali-
gestos c os silêncios não são inocentes neste código de expres- zado durante a sessão girou à volta desse gesto. ao mesmo tempo
são e que compete aos irnprovisadores exercer um controlo simples e fortemente simbólico, Experimentaram-se várias formas
sobre o seu discurso através duma utilização mais subtil do de beber. ao mesmo tempo que os espectadores punham em causa
vocabulário dc que dispõem. Pode-se mesmo proibir dizer os sinais utilizados. Tínhamos partido dum gesto quotidiano, «rea-
por palavras o conteúdo da proposta, no intuito de fazer che- lista», executado maquinalmente. As tentativas que se seguiram des-
gar de outra forma ~o espectador as informa ções úteis à com- prenderam-se desse gesto (que aliás, não tinha sido considerado impor-
precnsão daquilo que se passa. tante) para lhe encontrar uma significação mais relacionada cc .n a
_ O espaço inicialmente embaraçoso, (o banco é utilizado siste- história,
rnaticamcnte) alarga-se pouco a pouco. Os jogadores des- Se uma série de exercícios de manipulação à volta do gesto de
mont am o banco. inventam alamedas, relvados, um botequim beber seria de pouca utilidade, a ligação do gesto ao seu contexto
e. sobretudo um «ao longe», onde a imaginação faz passar colocar-nos-ia no próprio cerne do trabalho teatral.
silhuetas. Neste caso, «fazer teatro» não é uma prática ostentatória, mágica.
_. Os acessórios (por vezes realistas), não sugeridos pela proposta, um pouco vã, mas uma procura apaixonante sobre a transmissão do
invadem o espaço (roupas, pastas, bebidas c alimentos, faca). sentido, a aprendizagem do manejo e do controle dum discurso.
_. O jogo funciona sobre o prazer do reconhecimento (as situa-
ções vividas f.izem rir), mas vai mais longe. Por vezes, fazer
gazeta torna-se uma narrativa épica. 5. DIZER UM TEXTO NÃO DRAMATICO
- Ao longo das improvisaçôes, os participantes ousam exagerar
o jogo. por vezes até ao cabotinisrno, em que o delírio verbal Forma das sessão: O animador e os elementos do grupo inven-
é acompanhado duma intenção de fazer rir, de encontrar gagues, tam propostas destinadas a dizer um texto não dramático. centrando
a atenção sobre as modificações do significante e verificando as con-
As propostas descritas neste exemplo são limitadas, mas podemos sequências que isso acarreta. para o significado. Todas as mensagens
inventar muitas outras, mais complicadas ou .corn limites mais rígidos. inventadas são comunicáveis. Objectivo: lembrar que possuímos uma
Com alunos mais velhos ou com adultos, o animador insiste na noção voz e que podemo servir-nos dela de outro modo que não apenas
de código de jogo (referências ao naturalismo, ao boulevard, ao circo, para recitar um texto segundo os cânones clássicos.

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Os exercícios de recitação não entram nas nossas preocupações ta l O trabalho realiza-se com lima dezena e meia de participantes no
como o definimos. É, no entanto, difícil interessar-se alguém pela expres- máximo, por exemplo um grupo de trabalhos dirigidos não muito
são dramática e ignorar de facto a realidade do ensino a ponto de sobrecarregado; senão, é necessário dividir a turma em duas equipas
suprimir, duma penada, todos os textos que se desejaria dizer ou que passam sucessivamente, Primeiro objectivo: um trabalho de dic-
fazer dizer. É clifícil ignorar a emissão vocal enquanto utensílio de ção que foge ao esquema segundo o qual um sujeito encontra-se só
expressão. Adaptaremos as proposições que se seguem em função com um texto, confrontado com a atenção de todos. Os participan-
doutras necessidades e doutros textos. Aquele que utilizamos, «11 tes apropriam-se do texto, jogam com de, retalham-no. cortam-no
pleut», de Raymond Queneau (1), permite não nos preocuparmos derna- em todos os sentidos, abordaram-no de t~os os ângulos que são capa-
siado com o sentido que paralisa a recitação ou obriga a uma «lei- zes de imaginar. Devem partir o texto e, para isso, renunciar à
tura expressiva» que impede todo o prazer e toda a invençãp. A maior ideia de que pré-existe um tom c que é esse tom que é absolutamente
parte dos jogos propo~tos visam urna reabilita 'ão do sigm lcante,. necessário encontrar, As primeiras tentativas têm por objectivo dina-
den . ' o esprezado em proveito do significado. Uma vez adquí- mitar o antigo respeito que paralisa as relações entre quem diz e o texto.
ridos os hábitos de liberdade, todos os textos podem ser abordados. Na medida em que ele é dado ao grupo, este fa z dele o que quiser,
adopta as formas de abordagem que lhe agradam ou lhe interessam,
mesmo que não tenham nenhuma ligação aiarente com o sacros-
IL l'I.EUT , DE HAYMOND QUENEAU santo sentido do texto (de resto, não haverá v, rios?) .
Descreveremos urna tripla bateria de jogo. A primeira di z res -
averse averse averse averse averse averse peita às variações da relação significante/significado. A segunda
pluie ô pluie ô pluie! O pluie pluie pluíel
ô ô estuda variações mecânicas elementares da emissão vocal, e a terceira
gouttcs d 'cau gouttes d 'eau gouttes d 'cau gouttes d'eau interroga as relações entre a voz e o corpo.
parapluic ô parapluie ô paravcrse ô!
paragouues d'eau paragouttes d'eau de pluie
capouchons pélerines et imperméables JOGAR COM AS PALAVRAS
que la pluic est hurnide et que l'eau mouille et mouille! JOGAR COM O SENTIDO
mouille l'eau mouilJe l'eau mouiJle l'eau mouille l'eau
et que c'est agr éable agréable agréable Primeiro contacto com o texto, sua descoberta através duma lei-
davoir lcs picds mouillés et les cheveux humides tura individual e silenciosa; de preferência, o grupo senta-se em cír-
tout hurnides d'averse et de pluic et de gouttes culo, depois, à vez, cada um lê algumas linhas: é um pouco o proso
d'cau de pluie et d'averse et sans un paragoutte seguimento do primeiro contacto, mas em voz alta. Reflexão sobre a
pour protéger les pieds et les cheveux mouill és noção de tom neutro. Será que se pode ler este texto sem lhe dar
qui. nc vont plus friscr qui nc vont plus friser qualquer intençãcz com o desprendimento mais completo? Será que
à cause de l'averse à cause de la pluie existe uma neutralidade perfeita? A nossa leitura neutra é verdadei-
à '-ause de l'averse et des gouttes de pluie ramente inocente? Se esta noção é demasiado abstracta, procura-
dcs gouttcs d'eau de pluie ei des gouttes d 'averse mos os textos que se ouvem quotidianamente e que são ditos, em
cheveux désarçonnés cheveux sans parapluie. geral, com uma intenção de neutralidade: os boletins meteorol ógicos
(tenho uma predilecção especial por aqueles que são destinados aos
pescadores e navegadores, cujo sentido é incompreensível para o neó -
o Raymond Queneau, Les Zíaux, PoésiefGallimard, 1966. fito. Eles têm, por vezes, uma estranha carga poética). Os flashs de

102 Í; diúO\1c{VlO 103


informação estarão isent os de qualquer conteúdo emocional, de qual- dente que o texto continua dividido em sequências variáveis qu~ se
quer parcialidade':' Já ouviram, na rádio. a interminável ladainha dos distribuem livremente, ninguém o diz todo ou o toma à sua conta.
valores da bolsa? Os anúncios nos aeroportos ou nalgumas grandes esta- O texto é urna mensagem secreta Que é preciso dizer a um ele-
ções de caminho de ferro? Permanecerá perceptível uma presença mento da equipa sem que ouvidos exteriores ao drculo (que se irna-
humana por detrás de certas vozes perfeitamente trabalhadas com o gina) o ouçam. É um convite a baixa - o tom, talvez a suprimir o
objectivo muito profissional de comunicar uma mensagem sem nela timbre, a falar lentamente. A mensagem deve ser percept ível para
todos os elementos da equipa.
se implicar o mínimo que seja?
Com crianças bastantes novas, a rncsma reflexão faz-se a partir Agora já não . há ouvidos exteriores, mas trabalha-se num teatro
de documentos sonoros. mesmo que já os conheçam, pois a perspec- próximo. O texto é o suporte de confidências que se trocam com os
tiva da audição é diferente. Fazemos em conjunto, no gravador. diferentes parceiros. Para isso cada um toma o tempo que achar
uma montagem de documentos gravados em diferentes estações de necessário (um dos objectivos destas propostas é o de fazer tomar
rádio. na televisão. nos grandes armazéns, no aeroporto. Pode-se conSCIênCia das vanáveJ-s sim cs da mensagenl-fularla-a alunos que
normalmente dizem depressa para se desembaraçarem do texto e sem
jogar. talvez, a imitar esta «objectividade», a parodiá-la.
nunca variar~ o volume sonoro).
Dcsta Vl:Z. o grupo coloca-se numa situação de comunicação; os
No mesmo sentido. trata-se de seduzir um outro dizendo-lhe o
participantes dizem uns aos outros. no interior do círculo e seguindo
texto. A mesma procura de lentidão, de concentração, de atenção ao
a ordem lógica. frases soltas do texto. Nenhum esforço a fazer, por-
outro. A mesma procura de variantes vocais simples.
tanto. no seio duma equipa reduzida, para lançar o texto. projectá-lo
Numa direcção totalmente diferente, o texto é suporte duma
no espaço ou preocupar-se com a articulação. Dizem. simplesmente.
anedota porca , galhofeira, ou apenas ligeira. como muito bem se
uns aos outros pedaços do texto como diriam bom- dia, sem se preo-
entender.
cuparem com a pertinência do que se diz. sem procurar tirar efeitos
A mesma proposta. talvez mais complicada. Cada um inventa
ou teatralizar a expressão. A atenção é centrada tanto, ou até mais..
uma história pessoal. sem relação com o texto, palavra a palavra.
no receptor do que na mensagem. Como não se sabe os versos de
mas que ele conta como entender à medida que diz as palavras impos-
cor. cada um tira o tempo necessário para decifrar as ' palavras olhar
tas. O resultado é. muitas vezes. divertido; não é possível reconhe-
os seus parceiros, procurar dizê-lo a eles, pessoalmente, vencendo cer facilmente a história contada; em contrapa rtida, quando se conhece
os primeiros I isos e as primeiras vergonhas. Geralmente. passado o bem o con tador, é a ele que se encontra atrav és do fraseado. da forma
instante de surpresa. o ar divertido do exercício dá a todos o desejo de construir a sintaxe. de impor um ritmo particular à frase.
de ir mais longe nesta direcção, Contrariamente à recitação tradí- A invenção de personagens abre a porta a uma série inesgotável
cional que habitua a dizer a todos (e i\ ninguém), esta proposta dá de propostas. Diz -se o texto em função da classe social, da região.
toda a Importância ao interlocutor. da nacionalidade a que se pertence. Da vulgaridade gutural ao tom snob
A mesma situação de comunicação, mas, desta vez, estabelece-se dos salões pomposos experimentamos todos os tons e ritmos. Mesmo
uma regra: a íorma de dizer é imposta, primeiro pelo professor, em o que se considera, por vezes. como facilidades. pode ajudar a tomar
seguida por todos os elementos do grupo. Mas a escolha das regras consciência duma gama importante de variantes. É assim que o sota-
não é arbitrária; os exemplos que se seguem colocam os que dizem que belga, suíço ou da Martinica, alegremente parodiados. chio ao
o texto em situações concretas, não lhes impondo sentimentos ou texto mais literário um aspecto inesperadamente insólito, ajudam a
imperativos psicológicos demasiado abstractos. A lista proposta é dessacralizã-lo. (Procura-se evitar a demagogia. os números eter-
indicativa: ela varia segundo a idade dos participantes, o texto a dizer nos e demasiado bem conseguidos de alguns especialistas da imita-
e a inspiração do momento. Cada wn dá a sua contribuição. É evi- ção. ..). Os sotaques regionais POdem ter também esta função.

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_____________. ....J. _
·r

Não percamos de vista a dirccção do trabalho, neste enumerar sas colagens de vozes. de humores, de sentiment os que fazem su rgir
de proposições. Não são estes exercícios que ajudarão a «dizer bem». do texto uma rad ioscopia m uito cstirn ulant : para a imag inaçã o.
Eles possibilitarã o. pelo menos. a von tade de dizer. em função dos O prazer de dizer é. aqui. sem pre um prazer C· ilccti vo.
meios de cada um e sem que seja colocad a muito alto. demasiado
alto. a «bela dicção» que talvez nunca se venha a ter. Não são vozes
tod as fab ricada s sobre o mesmo modelo o que se deseja, nem «con- V ARIAÇõES MECÂNICAS ELEMENTARES
tadores» cheios de truques que reduzem o texto ao número de efei -
lOS que ele pe rmite; nem tã o pouco essas máquinas de dizer La Todas estas abordagens destinam-se a experimenta r. sobre o texto,
F ontainc ao ritmo dum alexandrino tão bem domesticado e escolari- séries expressivas sem pesquisa técnica . Outros exercícios fun cion am
zado q ue ficamos sem saber o que ain da separa uma fábula duma em sentido inverso. tomando como ponto de partida varia çôcs pura-
tabuada . mente mec ânic as. Desta forma , o pra zer será menor e. por isso,
Resumindo. a traços largos. inventamos propostas em função dO~ utiliz á-los-ia com pouca vontade com alun os mais joven s. a menos que
h~lOrcs. das si t u~çõ cs. das ~ersonag:n> dos ~entimcntos . . Ma~ quanto
es tivessem .iá motivados,
mrus conc retas suo e fazem apelo a in vcnçao. tanto mais ajudam a Cinco ou seis participantes colocam- se em linha em frente do
t~I :H co nsciê ncia de que o text o existe por si e que há que diz ê-l grupo e bastante longe deste. O animador imp õe as regras que fu ncio-
com o tal. É claro que nem todas as dlrecçoes esboçadas ão boas. nam por pares opostos, e os participantes ap licam-nas. um a de cada vez,
Não pensem que se trata duma lotaria c q ue à força de experimentar a algumas linhas ou parágr afos do texto que têm nas mãos. Não
cores o zr upo encontra rá aquela que co nvém ao texto escolhido. Di zer é necessário forçar as capacid ades vocai s. O grupo q ue aguarda a
um texto não é tira r dum a mala uma rou pa prepa rada para lhe ves- sua vez testemunha. ent retanto. o grau de compreen são qu e é o míni mo
Lir e que o to rnar á mais a traente. Em compensação. ter emos neces - imposto.
sidade de dispor de toda uma série de pos sibilidades que se adaptarão - Dizer o texto O mais rapidamente possível. co ntinu ando a fazer -se
a cada um desses elementos para lhes fazer ressaltar a complexidade. com p reender. (O erro clássico consis te em ler incon sciente-
t preciso . po is. volta r a ligar esse trabalho prelim inar com a maneira men te depressa para se desembaraça r do texto. o u reta lhá -lo
corno cada um. de seguida, poderá ler o texto , mostrar como essas a pon to dc se consegui r um monte de pal avras se m qualq uer
múltipl as tentativas visam con stit uir um arsenal de meios. um conjunto
ligação en tre si).
de possibilidades . no mesmo sentido que o pintor fala duma gama de
cores . Dizer o texto. é ter consciência de que se diz a alguém e que - Dizer o texto muito alto. cont inuan do a faze r-se comp reend er.
se é capaz de utilizar uma variedade de meios de que, por vezes, se O último exercício apresenta algu m perigo, na medida em que
ignorava a exist ência. São esses meios q ue se colocam. em seguida. OS participantes forcem, por vezes, a voz a ponto de se magoarem .
ao servi ço do texto para 'azc r parte de tod as as riquezas aí descobertas. Deverá ser utilizado apenas no caso do pr ofessor se sen tir il vonta de
Textos como II pleut dão vontade de jogar a fazer entrechocar os no dominio vocal e se os participantes compre.-endercm que não se trata
sentidos e as cores voca is. Pratica-se um a esp écie de «cadáver deli- de berrar. e que é necessário respeitar os limit es em que a ga rganta
cioso». como se fez corri a escrita. M as. em vez de cada um inven- se não to rna do lorosa e os sons são agra d áveis para quem escuta.
tal' uma (rase. é a cor que aí se pÕe que é preciso inventar. Os A presença de espectadores atentos é sempre um útil resguardo que .
versos são repartidos pelos diferentes parti cipantes que escolhem para pessoalmente. prefiro aos meios técnicos. como por exem plo o grav ad or .
si o tom so bre o qu al o querem dizer . mesmo que a escolh a seja nem sempre fiel. fastidioso: a manejar e menos eficaz do que se diz .
arbitrári a. D á-se, em seguida. uma ou vá rias voltas ao círculo. cada Além disso. ouvir -se pode ser um a expe riência inte ressant e pa ra aq uc-
um dizendo um ou dois versos de cada vez. Obtêm-se, assim . curio- lcs que não estã o habituad os a fazê- lo.

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_ . Dizer o texto baixo. no limite do audível. e sem perder o A VOZ E O CORPO
timbre. isto é. sem falar em «voz baixa». ~~ uma possibilidade
que raramente é utilizada, fala-se, muitas vezes , dema-
As propostas precedentes supõem sempre a existência dum qua-
siado forte. fatigando-se e fatigando 0$ auditores quando á dro íntimo que não exija aos que dizem um grande esforço vocal .
voz pode ser muito harmoniosa c perfeitamente audível.
Não percamos de vista que todo o trabalho com crianças ou ado-
se se souber baixar o tom.
lescentes deve banir os esforços excessivos I que possam prejudicar o
_ _ o Dizer o texto p assando sem transição dum a regra a outra (forte / seu desenvolvimento normal. No entanto, procuramos, sempre que pos-
j fraco. r ápido /Iento. e todas as outras corubinacõcs possíveis). sível, propor jogos que ajudem quem diz a abrir-se para o exterior
f: o primeiro passo para o domínio dos meios vocais ele- e a tomar, pelo menos, consciência da relação que existe entre a voz
men tares, mas é difícil passar sem esforço duma regra a outra e da maneira como se «expulsa» a voz, abordando lima outra forma
quando se não está habituado.
de trabalho. Nunca temos em mente a criação dum produto aca-
Os participantes podem inventar eles pr óprios, de seguida, pro- bado, nem exercícios fundados em normas. Nestes exemplos joga-se
postas mecânicas do mesmo tipo . com as palavras, bocados de frases, com sonoridades; é necessário criar
Num outro estádio. pode-se fazer exercícios de trabalho sobre os o desejo de articular (ou de não articular), tomando consciência do
ritmos . Trata-se, então, de dizer o texto obedecendo ao ritmo imposto instrumento que representa a maxila, os lábios, a língua, as cordas
pelo emissor ou emissores que dirigem a seSS1~0. Os alunos batem os vocais.
ritmos no chão. numa cadeira ou num tamboril. Aquele que diz pode Exemplo: A sessão desenrola-se num lugar amplo que permite
também marcar o seu próprio ritmo como entender, e esforçar-se por deslocar-se sem riscos. podendo arremessar-se uma bola ou objectos
mantê-lo de acordo com a sua emissão vocal. Todas as complicações sem provocar estragos. Um ginásio. o recreio, um pálio coberto, mesmo
são poss íveis neste domínio. c uma pessoa diverte-se bastante ao des- um refeitório, servem. O grupo é constituído por um máximo de quinze
cobrir que o verso ou a frase obedecem a leis que nada têm a ver participantes. Os parceiros trocam palavras do texto (aqui, sempre
com o dizer- bem tradicional fundado na psicologia e no sentimento. «TI pleut») ajudando-se com uma impulsão física. Ao mesmo tempo
Mais tarde. é ainda interessante tentar cantar os versos, ligá-los que se lança uma palavra a uma partíc.pante (isto é, que se a pro-
a uma música interior, dar-lhes uma outra amplitude e um outro valor nuncia com nitidez) lança-se um objecto ou uma bola. utilizando o
diferente daqueles que têm quando são emitidos em função das entoações esforço físico para dar à palavra o mesmo vigor (ou a mesma doçura).
corrente da língua francesa (espectáculos que vimos recentemente dão Se a bola é lançada com força, a palavra «estoura» para o parceiro.
lima boa ideia do trabalho empreendido neste ser.tido por alguns Ela alonga-se. estica-se, deforma-se, quando a bola descreve um ara-
actores: penso na «Fcdra» de Racine, encenada por Antoine Vitez. besco frouxo no ar, Quando observamos jogadores de andcbol que
em que a musicalidade das vozes desempenha um papel importante).. atiram ao golo ou jogadores de voleibol que fazem um «srnatsh», nota-
Por rcacção contra os excessos de alguns actores trágicos e uma dicção mos, por vezes, que o seu esforço é acompanhado dum grito que cor.
pomposa e fixa , muitos criadores desconfiaram, durante anos. de tudo responde à expulsão do ar que se segue à tensão criada pejo esforço
quanto os afastasse duma aproximação racional do texto. É interes- (é literalmente o «han» do lenhador). Com base neste princípio, todas
s antc venIlcar um movimento inverso em que as pesquisas rítmicas as invenções sonoras são autorizadas em função da impulsão de par-
e o valor encantatório do texto voltam à superfície sem que se redu- tida. Mais tarde. o objecto concreto pode ser substituído por um
zam a preocupações puramente estéticas. A invenção das crianças objecto imaginário. É a palavra que se atira, se toma o peso,
{ é, nO,tá vel neste domínio. sobretudo se se passa pelo estádio do trabalho que se balança um momento no ar, enquanto «se mete na boca» ,
ntm ico. É ela que se atira a um parceiro que, por sua vez, a recebe e lhe dá

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um outro impulso. É wna frase inteira. mais pesada, mais difícil de A passagem do texto narrativo a uma materialização c énica
ma nipu lar . que se a tira ao golo ou por cima da rede imaginária. Aca- esconde algumas ratoeiras se os jogadores não têm uma ideia clara
rici am o-la no ar. transformamo-la por um momento no «papagaio» daquilo que querem dizer. A mais frequente consiste em multiplicar
que hesita cair. enquanto a emissão de voz dura cada vez mais. pro- imagens que são uma repetição desnecessária do próprio texto. que.r
longa- se. parece abandonar tod a a rela ção com o significado e. após reduzindo-o a uma banda desenhada (que ainda diz menos). quer
uma última pirueta. aceita tornar-se de novo uma frase, talvez com acumulando à sua volta imagens estctizantcs e. muitas Vl'?:C3, rcdun-
um sujeito. um verbo e um complemento, uma frase gramatical, por dantes.
vezes. uma frase poética. Trata-se. pois, dum trabalho de longo alcance, bastante complexo
Na mesma óptica de trabalho, antes de lançar as palavras da que convém mais a um grupo de teatro do liceu do que aos horá-
frase. metemo-las na bo a como se fossem comestíveis. Trinca-se a rios reduzidos duma classe de francês, ainda que mesmo aí possa
palavra. m astiga-se longamente; é leve como uma nuvem e corre o ser encarado. Uma frase do processo consiste, necessariamente. num
risco de se derreter na boca, ali. pelo contrário, é espessa, densa, difíeil trabalho de explicação colectiva do texto. detectando os elementos
de absorver e de tal maneira resist., que não se consegue engolir. determinantes da leitura, aqueles que decidirão a orientação a dar
O trabalho de articulação segue estas regr as: o maxila r torna-se mole. ao jogo, O objectivo não é simplesmente passar duma forma de lin-
um pouco descaído. basta apenas conter sonoridades cada vez mais guagem a outra, mas antes, pelo encontro de duas linguagens, operar
espessas. A con soante pode estal ar so b o dente e partir seca e prc- uma penetra ção estimulante para a imaginação e propor uma mani-
cisa antes mesmo que se tenha tempo de a apreciar. Todas as invcn- pulação não escolar do texto. Como subl inha Richard Monod , «não
ções gustativas (gastron ômicas") têm cabimento nesta experiência de se trata de fazer uma tradução do francêsesctito-Iiterúrio para a ico-
«p rova» verbal que dá novamente ao significado todo o seu valor. Será nografia-verbal-espacial do jogo dramático. Mais do que nunca , aqui.
necessário acrescentar que estes jogos se fazem sempre com pr azer? traduttore-tradi torc - O texto é apenas um ponto de pa rtida, mas já
Uma vez admitido que o sentido do texto não é dado como antes rico e poético, diferente dos temas habituais de improvisação»(' ).
rior a toda a pesqui sa expressiva, mas que se trata dum processo O material escolhido como ponto de partida é. último cap ítulo
simult âneo, o texto. tomado como ponto de partida, é con siderado do «Când ido». de Voltaire C), cuja célebre afirma ção «É preciso cul-
novamente por cada um na sua totalidade. A agilidade e a liberdade tivar o no sso jardim» é su sceptível de lançar uma discussão interessa nte.
adq uiridas alteram as relações entre o texto e aquele que o diz , por
vezes ra pidamente. outras, ap ós um trabalho paciente. Mas o esscn-
o PROCESSO SEGUIDO
cial não est á em voltar à «recitação»; o que conta é o processo do
apropriaçã o do texto. Primeira etapa : leitura em voz alt a de todo o capítulo. ano tando
elementos importantes que o grupo decide reter, Numera ção das difc-
rentes acções escolhidas a partir do e xame das situações (tempo.
6. JOGAR UM TEXTO NÃO DRAMATICO esp açots) . personagens). Quais as personagens r-ue polarizam a aten-

Forma da sessão : O grupo e o animador esforçam-se por man- (') No seu artigo «Expression litt éraíro et exp ressio.i drama tiqu e». no fran -
ter 1(// 1 discurso paralelo ao texto (aqui (I último capitulo do «Cândido» cais Auiourd'hu! (obra cito p. 33 ) el e dá um exemplo de trabalho sobr e <r.A
Tabern a» de Zola com estud a n tes de C cn ci er, e OU tr O so! :r ~' «o Lobo e o
de V oltaire) construindo uma sucessão de imagens (dialogadas ou não)
Cordeiro» de La Fontainc numa tu rma da sexta classe , F oi ele que animou
que o esclarecem. explicam ou contradizem. A finalidade é conseguir 11 g rup o ele trabalho sobre o «C ândido », cujo processo descre vo aqui.
um ob iccto comunicável suficientemente acabado para relançar a refle- (') As refe rên cias são as da ediçã o d e And ré ~.Iagn an pa r" os Classíq ucs
xão e as discussões sobre a obra estudada na aula. Bordas.

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cã o dos jogadores. quai s os extratos do di álogo qu e servirão'! (uma balho (aq ui, o animador também joga, a sua contrib uição não é com-
vez que o estilo directo .; utilizado por Voltaire). Entretanto, é pre- parável à de wn cnccnador) para chegar a uma elaboração pr ecisa da
feríve l não deci d ir demasiado cedo sobre os elementos que entrarão na gestualidadc e do encadeam en to das imagens. O tempo atribuí do a
mon tagem definitiva. Pode tr atar-se dum simples desbravar dos esta fase de clarificação é variável ; neste exemplo. um grupo de pro-
materiai s que parecem úteis ao propósito e, neste caso. durante a Icssores trabalhou todo um fim de seman a para chega r a um a repre-
fase de reco lha dos elementos, podemos ser menos rigorosos, a fim sent ação diante de outro grupo e verifica r a eficácia da realização .
de ver ifica r o se u int eresse na improvisação. Se as intençõe s da lei-
tura são cla ram ente definidas. é possível fazer escolhas mais Iirnitati -
vas , O mé tod o depende. em pa rte. 'da complex idade do texto consi - NOTAS ACERCA DUMA APRESENTAÇÃO
dcra do,
Para «Cândido». é preciso saber o que fazem as personagens O texto articula-se à volta dum antes /depois destinado a fazer
quando Voltaire não fala delas . Desde que se colocam os elementos da aparecer as suas contradições; do aborrecimento que reina na pequena
hist ória em termos de co ntinuid ade dram á tica. os silêncios do narra- quin ta (q ue fazer para tornar a vida suportável") à actvidade intensa
dor e as clareir as do tex to surgem como qu e em relevo. Cândido de algumas personagens após a deci são de Câ nd ido (<<Sei também,
decide (para os outros me mbros de pequena co munida de) que o tra- diz Cândido, que é preciso cultivar o nosso jardim»). Como foi supri-
balh o é indi spcnsavcl e que é necessario «cultivar o seu jardim». mida a consulta de Cândido ao monge turco, o eixo é o encontro
Ora, Voltairc de screve as acçõcs das diferentes personagens. mas silen- do herói com o «bom velho», determinante para a alteração da situa -
cia tudo o Que diz respeito à actividade do seu her ói. Ob serv açã o ção. A organização pormenorizada é a seguinte:
evid ente qu e ga nha todo o seu valor apenas no momento em que
1. O aborrecimento na pequena quinta (pp. 179·1 80. 1.15 a 41,
a passagem à materialização cénica obriga a escolha s decisivas.
«era muito natural ... É um grande problema. diz C ândid o»),
Segunda etapa: inventá rio do s meios cénicos: o espa ço é o duma
sala de aula ; as roupas. as dos [ogadores acrescida de lenços. xailes. I. Apresentação dasd.üerentes personagen s que vivem na
sacos e alguns trapos Que aí se encontram por acaso. pequena quinta, à medida que o narrador as chama : Cân-
O grupo improvisa sobre algumas das ac ções fixadas ; experimen- dido, depois a mulher, Cunégonde (efeiaz e «rabugenta»);
iam-se su cessiv amente as personagens. procura-se um a distribuição pos - a velh a (edoente e mais mal humorada do que Cun égonde):
sível. No va leitura do texto, em voz alt a, para referenciar as suas Cacarnbo (eextenuado de trabalho e maldizendo o seu des-
qual idades fon ét icas a sua organização sonora, par a fixar o melhor tino»); Pangloss (cdesesperado por .não poder brilhar numa
contorno. Decidem limitar-se a um na rrador-condutor do jogo que universidade qualquer da Alemanhi»); M artin (cpersuad.do
ler á o texto de Voltairc e dará a palavra às personagens apenas para de que estamos mal em qualquer parte»), O processo util i-
répl icas precisamente esco lhidas, marcará as cla reira s q uando tenham zado é o da «entradar (usado no circo e no rnusic-hall) que
que se desenvolver jogos mudos. O estilo de jogo orienta-se para é o bastante para instalar cada uma das personagens cuja
urna espécie de pantomima que corresponde bastant e bem ao s meios aparência de marioneta é posta em evidência. Notamos, logo
de expressão util izados por Voltaire: as personagens serão fortemente à primeira vista, que Cacarnbo é o único a ser definido por
tipificadas, serão silhuetas que atravessarão o espaço de jogo ; os sinais. uma actividade (etrabalhava no jardim e ia vender legumes
tão evidentes quanto possível não são historicizados , uma vez que o a Constantinopla»),
conto é de tipo fantasia. O espaço da quinta é furado por uma mesa de pern as
Terceira etapa: fixação das diferentes sequ ências desenhadas para o ar onde Cândido, sombrio, está sentado enquanto
durante as improvisações e repetições. Organização colectiva do tra- todos gravitam à sua volta, excepto Cacambo que empurra

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8
um carro de mão (uma cadeira ao contrário). no primeiro das invenções de jogo. Reportamo-nos . para isso. aos outros ca pí-
plan o. tulos con sagrados à pr ática, po is. através da man ipulação à vista
2. Bre ve sequência: Cândido. Martin e Pangloss discutem meta- dum instrumento expressivo não-mágico. aca ba por se constituir uma
física e moral. A bo rrecim ent o de Cândido. espécie de unidade no processo. qu alquer que seja o ponto de
particIa.
3. As personagens são exteriores aos acontecimentos do mundo
que elas contemplam do seu pequeno universo (eviam-se.
frequ ent em ente. barcos a passar. sob as janelas da quinta...; 7. A VOLTA DO TEXTO DRAMATICO
viam-se outros ca rrinh os a aproximar-se.. .; viam-se cabe-
ças m uito bem empa lhadas ... »). Todos. excepto Cacambo, Form a da sessão: O anima dor e os participantes inventam situa-
inertes e em linha. contemplam as «passagens» (jogo de ções paralelas d da obra dram ática estudada. assim com o uma gale-
ca beças) figuradas metaforicamente e recaiem em seguid a ria de personagens escolhidas no meio próximo. Truta-s- de chegar
na inacção prim itiva e no aborrecimento. à criação parcial duma «obra» pessoal, a partir da qual o diálogo
com a «obra-prima» estudada se obre sobre novas bases.
4. Discu rso da velha (integralmente mantido. so b a forma de
pedido a Cândido: «Queria sab er o que é pior... »), Res- Seja mos sin ceros: banimos da nossa pr áti ca as tentativas labo-
posta de Cândido. riosas de «encenar» com os al unos d uma turma. Já não tra balha-
mos mu ito directamente sobre os tex tos dr am áticos do p rograma.
11. Sequência «off», Encontro de Cândido co m o «bom velho»; Quando não os excluímos completamente das nossas preocu -
Co nversa entre Câ ndi do - Pangloss - Martin , que conduz à deci são pações, por raz ões que precisaremos (' ), proj orn os que se estudem
do her ói. através de desvios que surpreendem. aborrecun ou requerem muito
An úncio do narrador que expl ica como é que Fr êre Girofléc c tempo. Contudo. esses textos existem e é. por vezes, por causa
Paq uc retto se encont ram aí. deles q ue os professores reclamam formação e intervenção . Então?
Assim apresentados . estes «desvios» pa ra um a cri ação pessoal pare-
111. Mo vime nto geral : o espaço é desmanch ado e reorgani zad o cem uma meia-solu ção, São muit os e va riad os. Escolh i este pelo
em função da activida de tr an sbordante que deverá. daí em diante. prazer que isso nos deu .
ser a regra (dai um a transformação do ritmo de jogo que passa da
indolência à rapidez). O qu adro do fundo. que tinha servido de
biomb o na altu ra da entrada das personagens. é virado. des vendando VELH ACARIAS LOCAIS
a situaçã o das contas da quin ta (rece ita s/ des pesas), quadro que Cân-
Condições: uma turma da quin ta classe. de 25 alunos, numa
dido completa à vista de todos. Ca carnbo e Fr ére Girofl éc levam -
pequena cidade à beira do Mediterrâneo, durante o tem po dos
-lhe dinh eiro (este última «to rnou-se honesto»): são . de facto, eles
10%. Sou o professor hab itual de francês desta turma q ue, do
que fazem funciona r a :~x pl oraçã o. A s mulheres estão absorvidas
ponto de vista escolar. passa por ser uma «boa turma).
em ocu pa ções «burguesa s» (pa stelaria . horda dos. tratar da roupa).
A ideia surgiu durante uma sessão de «Leitura Comentada» das
A ac tivida de de Cândido consiste sobretudo em fazer trabalhar OS
Velhacarias de Scapino. Ao enceta r o trabalho, interrogamo-nos
ou tros e assegurar-se do bom rendimento das sua terras. comendo
se seria importante sa ber qu e a acção se j'1Ssa no porto de Nápo les,
«cid ras doces e pistaehos».
Esta mo nta gem é apenas um exemplo do que é possível fazer-se.
(') N ;lS ques tões qu e se põem à Prática. a p rop6iso das relações r-n tre o
É difícil dar conta, em moldes precisos. das imagens utilizadas e jogo dram ático e o ensino da literatura francesa.

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Isso era , sem dú vida, secund ário, as nossas preocupações desvia- simples ou mais curtas, a fim de as pôr em questão e de não nos
rarn-sc um pouco e como Nápoles ficava longe e nós habitávamos limitarmos à reprodução dum «quadro vivo» despido de conteúdo
preci sam ente um pequeno porto. escolhemos, como local para a e cujos personagens mimariam. por não sei que prazer estético, uma
improvisação, o cais duma doca vizinha. realidade reduzida a algumas formas colo ·idas. Assim, as mulheres
Tendo por base este ponto de partida, toda. a turma se p0S a dos pescadores que tinham sido propostas não tinham nada de bone-
jogar uma série de situações geralmente observadas na realidade; cas folclóricas, e os primeiros diálogos improvisado s diziam já muito
um grupo de personagens con sertava redes de pesca, um outro espe- acerca do conhecimento das realidades locais que os alunos podiam
rava o regresso dos barcos para ajudar a descarregar; os velhos mario ter. Não procurávamos compor um agradável entremez, mas sim inter-
nhciros olhava.m o horizonte escarrando, por vezes, na água ou rogar o mundo em Que vivíamos.
fazendo pre visões acerca do tempo. Aqui e ali, circulavam turistas, Tínhamos posto de Jado uma outra ideia inicial que nos reen-
parando numa esplanada p ara contemplar as proezas dos jogadores viava, mesmo assim. à Velhacarias. Nós queríamos inventar a nossa
de «pétanqu e», interpelando o vendedor de gelados ou de jornais. personagem de Scapino, não ' a partir dos estereotipas da commedia
A invenção de alguma s personagens provoca a de outras. Tudo ou de qualquer interpretação decalcado. dos actores profissionais, mas
isto se desenrola no maior bruhaha e sem qualquer coordenação; antes pela sua confrontação com os diferentes grupos que tínhamos
vários grupos jogavam simultaneamente situações diferentes e que feito aparecer sobre o porto. Definida, antes de mais, por um vazio
apenas interferiam por acaso. Mas tinha ficado definido, desde o de sinais (sem contorno físico ou psicológico), a nossa personagem
início. que este jogo se destinava a uso interno e, por isso, ninguém revelar-se-ia à medida que tivesse que dialogar com as personagens
se preocupava com uma comunicação dos acontecimentos a possí- já enumeradas. Seria pela maneira como ela se oporia aos outros,
veis espectadores. gracejasse ou evitasse um encontro que ela se definiria e se insere-
Num primeiro balanço, verificámos que toda . 0. gente tinha veria na nossa realidade.
jogado «alguma coisa» mas que não nos sastífazíamos com urna O trabalho parou quando, tornado talvez demasiado sistemático.
forma de expressão tão elementa r. Quanto ao ponto de partida (o texto acabou por paralisar a imaginação impondo-nos. com demasiada força ,
de Moliêre). tínhamo-lo esquecido, pelo menos provisoriamente. Era, a ideia de chegar a um espectáculo composto por cenas ideais e
então, necessário inventariar as situações e as personagens escrev ê-los representadas com uma técnica perfeita . Cad a uma das cenas tinha
no q uadro sem fazer escolha, mas para saber o que cada um tinha chegado a um guião ou antes, a diálogos parcialmente red igidos. Para
proposto e que poderíamos ignorar no caso de termos estado ocupa- ir mais longe era necessário impor aos alunos uma formação técnica
dos CO, l) uma pequena parte deste «fresco», Na discu ssão que se de que não tinham necessidade e que não sent iriam grande prazer em
segu iu. dec idimos retomar a improvisação impondo, desta vez, regras: fazê-los. Eles sabiam muito bem multiplicar rascunhos, retomar o
era necess ário escolher algumas personagens que teriam maior impor- esboço das silhuetas. Mas, para que pudessem de senhar com nitidez,
tância; guardar um «fundo de cena» permanente e regular o ritmo seria necessário impor-lhes uma aprendizagem despropositada.
das entradas, a fim de se conseguir o mesmo tipo de trabalho colec-
tivo, mas estruturando-o, em parte para suprimir as interferências QUE RELAÇÃO COM MOLI~RF.,?
exce ssivas CJ a confusão perturbadora.
Com esta turma. que trabalhava depressa e não tinha muitos Terão «compreendido» melhor Moliêre ou as Velhacarias. li dif í-
bloqueamentcs, pudemos passar rapidamente a um outro estádio do cil responder com exactidão. Podemos, no entanto, extrair algumas
trabalho. Desta vez, foi possível renunciar à simultaneidade e jogar reflexões deste trabalho:
cada uma das cenas registadas que compunham o conjunto. Com I. O jogo permitiu-lhes lançar um olhar crítico sobre uma reali-
efeito, era preciso desenvolver cada uma das acçõcs, mesmo as mais dade que conheciam bem (a vida quotidiana do porto de pesca).

116 117

___.-1.-.. .
...,.

Isso arrastou discussões sobre as personagens inventadas, nosso estudo à pseudo-análise psicológica. Tínhamos aborda-
sobre as suas relações. Vejamos, por exemplo. os curiosos do concretamente problemas da forma, de construção, de csco-
diálogos entre o «turista parisiense» e os pescadores. Para lha da escrita.
eles, todo o turista é parisiense e rico pretexto para troça,
4. Envolvendo o nosso Scapino numa galeria de persona-
mas também para inveja. Ele é um elemento essencial da
gens facilmente situáveis, fazíamos aparecer um conjunto de
vida econ órnica local, nessa. época no centro das preocupações . referências à nossa sociedade contemporânea , Um trabalho
dos seus pais. na medida em que se falava em instalar na paralelo permitia não limitar já o criad J da comédia ao alegro
costa uma central nuclear. «clown», que demasiadas reprcsentaçõc s à «italiana» propõem
O turista impressiona-os tampém pelo seu vocabulário muito frequentemente ao público esco 'ar.
e sotaque diferentes. Eu próprio, tomado por «parisiense»
(o que era falso, mas para eles evidente, uma vez que Não tent árnos, em seguida, representar o texto das Velhacarias.
não tinha o sotaque local) encontrava nisso uma oportunidade O trabalho realizado nas improvisações serviu sobretudo de referência.
para completar .rs observações que tínhamos podido fazer aquando das leituras posteriores, para afastar algumas das armadilhas
durante o curso de francês a propósito dos sotaques e dos da leitura escolar. Os resultados não são necessariamente extraor-
níveis de linguagem. dinários (certas ambições serão excessivas para crianças desta idade).
Existem demasiadas tradições entranhadas nos hábitos da escola para
2. No que respeita às relações entre o jogo e o texto estudado,
que se possa esperar, em algumas sessões, possibilitar a todos «dizem
compreendemos que o nosso objectivo não era chegar a um
de outra maneira. O essencial é lançar as bases dum trabalho de
amálgama realidade /ficção do tipo: Scapino existe sempre
longo alcance.
entre nós, é o pescador muito típico que vocês encontram
todas as manhãs ao vir para a escola. Este trabalho permite,
pelo contrário, desde a quinta classe. colocar implicitamente 8. O JOGO·TRANSGRESSAO
o problema crucial das relações entre a realidade e a litera- OU A IMPROVlSACAO-DESCOMPRESSAO
tura, antes de mais (sem o dizer nestes termos) a noção de
perspectiva histórica. Nós tivemos que inventar formas tea- Forma da sessão: Com base num ponto de partida da sua escolha,
trais, uma linguagem que pudesse ser utilmente comparada um grupo renuncia comunicar uma mensagem organizada avs «espec-
à de Moliêre, cuja compreensão, infelizmente- .não é simples tadores» . O obiectivo previsto é desviado em proveito do grupo de
para um aluno da quinta classe. jogadores que já não é capaz de organizar (, seu discurso com luci-
A obra literária, estudada em seguida na aula, permitiu dez. Podemos considerar que esta situação é uma forma corrompida
definir as noções de originalidade e de diferença. Em vez da descrita à frente, no número 9, sem folar necessariamente em
de a limitar, querendo a todo o custo que ela «nos fale», desaire. A transgressão e a descompressão são ao mesmo tempo os
pudemos encetar com ela um diálogo baseado no nosso tra- sinais da provocação e do chamar por socorro. É. nesta medida, que
balho criativo. merecem uma grande atenção.

3. Organizando as nossas cenas, estruturando pouco a pouco Ainda que seja CS$\: o objcclivo em ViSUl, a im rovisa. ão nem
a nossa sequência do porto, pudemos abordar por dentro os sempre é JÚCldã, raz<Y<Ível e controlada, O facto de se jogar em con-
problemas das regras dramáticas. Podíamos colocá-las de junto num lugar-tabú que é a sala de aula arrasta cons<:quênêiãSii'iCS-"
novo, agora, a propósito da obra a estudar, não limitando o peradas sobre o próprio conteúdo do discurso c sob a forma como

118 119
r .

ele se exprime. É a descarga nervosa dum grupo, quando a disciplina lária e põe-se a estudar. Espera-se a chegada da «directora» (recla-
habitual é suprimida: ú. oportunidade de dizer (aos outros. ao profes- mada pelos alunos), cujo papel foi distribuído a urna animadora,
sor, ao animador) o que não é dito noutras circunstâncias ou, muito Espera-se que ela «puna» o professor que está em falta pois exerce
simplesmente uma ocasião em que se pode, enfim, «ultrapassar as mal a sua profissão (a sua profissão como os ~lunos a imaginam),
marcas». O jogo assemelha-se, assim. ao carnaval numa sociedade não estando apto a manter a ordem . '
organizada onde o disfarce (por mais abstracto que seja, não neces- Aí está uma algazarra banal, tal como a podem conhecer todas
sita aqui de máscara ou roupas) suscita o aparecimento dos propô- as turmas, A ambiguidade reside na destribuição dos papéis: esco-
sitos mais livres, das -nais insólitas atitudes em relação à antiga norma, lher um professor-aluno sem autoridade permite todos os excr ssos
Parêntesis na vida c'a turma (memo se, como algures se deseja, a sem riscos. Pedir a um adulto para jogar o papel da directora é,
expressão não é vivic a como um momento excepcional), oportunidade contudo, impor-se um limite. um resguardo no interior do arguo
para provocar o adulto, como é que ele irá reagir às nossas carica- mento. A ordem teria acabado por reinar. pelo menos se a «direc-
turas, àquiJo que ousamos fazer e dizer? Nalguns tipos de conduta tora» tivesse entrado no jogo, o que ela não fez. É também claro
provocatória, os jogadores espreitam no adulto o sinal de aborreci- que, segundo um esquema repressivo banal, espera-se ver o professor
mento. de estupeíacção ou o reaparecimento duma atitude punitiva. sofrer uma punição merecida. É, ao mesmo tempo. fruir da inver-
Uma vez que ele disse que. no jogo, «tudo era permitido». tentemos são dos papéis e tranquilizar-se afirmando que o professor não pode,
verificar. impunemente, ser um incapaz. Neste caso, pelo menos, os alunos
A primeira transgressão. aquela que é vivida com grande prazer. encontravam. sem dúvdia, um prazer suplementar ao jogar os estereo-
visa o próprio mundo escolar e. bem entendido, a aula. Dai o flores- tipos algazarra/ repressão diante da «verdadeira professora» cuja
cimento de «jogos de escola», em que os alunos já não imitam o turma não tem qualquer parecença com a descrita.
professe r todo poderoso como fazem as crianças mais ,pequenas. mas Uma característica de todos os jogos da escola é a vida escolar
em que se revestem dos atributos da sua autoridade para melhor li reduzir-se a condutas repetitivas completamente vazias de sentido.
deformar, a caricaturar, vingar-se. O pedagogo, mais permissivo verá, Nunca se aprende nada nas aulas. mas passa-se o tempo a escrever
então. com espanto, aparecer os estereotipos da opressão obscuran- nas folha duplas. respeitando a margem dos dois quadrados. deve-se
tista, quando estava convencido que isso era próprio de outras idad fazer assinar este ou aquele documento. ir ao chefe dos vígilan-
oui de uma outra turma). teso não esquecer o caderno de textos. Conjuntos de preceitos e hábi-
to maquinais. que, divorciados do seu objectivo teórico, (a educação)
fazem brotar o absurdo duma malha de rejras que são vividas como
A ESCOLA NUMA TURMA DA QU/NTA CLASSE outros tantos ritos. O próprio tempo escolar, tal como nos é mostrado
neste jogo, é preenchido apenas por «pequenas tarefas» mais ou
O primeiro, o mais elementar e o menos interessante é caracterís- menos administrativas. Quanto ao professor, é aquele que assina a
. rico dum processo milito corrente. O argumento é simples. Um folha de presença. faz a chamada, dá exercícios escritos. Em nenhum
professor sem qualquer autoridade. representado. bem entendido, por caso ele aparece como alguém que poderia manter um discurso edu-
um aluno. tem problemas com uma turma particularmente indisci- cativo. mesmo incoerente. Confrontadas com a verdadeira atit ude
plinada. Os seus receios aumentam com li chegada de dois retar- dos professores dessa turma, estas caricaturas expressam bem a força
datários que se recusam a sair e resistem a todos os castigos. Voam com que estão inscritas nas crianças.
folhas, explodem risos nervosos, os alu nos mudam de lugar, trocam No segundo exemplo, o argumento de que se partiu previa que
grosserias. O «professor» que, no início do jogo, procurou fazer rei- se tratava dum primeiro dia de aulas numa turma qualquer, mas
nar a ordem. renuncia então a isso. refugia-se atrás da sua secre- esta ideia de «primeiro diax esbateu-se ao longo da improvisação.

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~- -----------
- - - - - - - . - - - - " " r " - - - - - - - - - - - - - - - .- - - - ..

Durante todo o jogo, e sem que houvesse algazarra manifesta, nota- A obstrução vem da parte: dos alunos que não querem cantar ou
ram-se os mesmos risos nas crianças, o mesmo nervosismo da coisa yue cantam mal de propósito, tendo, as interrupções diversas causas
proibida. materiais: falta da partitura, mal da garganta. O grupo compacto
Um professor sem grande autoridade é permanentemente inco- fala constantemente, prega uma partida ao aluno exemplar que acaba
rnodado pelo sub-director encarregado das tarefas administrativas: por cantar sozinho (e «involutariarnente») uma versão obscena do
este vem «recolher o dinheiro da cantina», dar o horário da semana, «Frên, Jacques» que os seus camaradas teriam trocado pela verda-
fazer a chamada, lembrar uma tarefa. Ele entra e sai tantas vezes deira. Perante a maldade dos outros e a atitude provocadora duma
que impede o desenrolar normal da aula. A agressividade dos alunos rapariga, o aluno-modelo entra numa espécie de crise nervosa e tem
para com de aumenta à medida que as intervenções se multiplicam. que sair para se acalmar. O conteúdo do jogo, banal, é menos
Um aluno chega a passar uma rasteira ao sub-director-Icolega), revelador do que a forma como foi jogado. Para além do nervo-
enquanto este, não sabendo muito bem se é a sua personagem ou sismo acima observado, impressiona aqui o infantilismo das atitudes.
ele próprio quem deve reagir, opta por um «espertalhão» ambíguo Por exemplo. a professora é sempre tratada por «senhora» no tom
c desdenhoso antes de o ameaçar. Imagem duma violência que não mais choramingas, como se o próprio absurdo da situa ção vivida arras -
tem nada a ver (sem dúvida) com a realidade mas que diz bem tasse uma regressão imediata dos protagoni stas . Os mesmos alunos
da .sua visão da instituição escolar. A classe é totalmente invadida que, noutras ocasiões, improvisavam com coerência e controlo com
por uma administração que não se sabe porque existe. Com toda portavam-se aqui duma forma nada habitual. Não era muito poso
a certeza que não se tratava de caricaturar precisamente uma pessoa.. sível retomar tal jogo (e ninguém o desejava) e seria difícil dar-lhe
Conscientemente ou não, ultrapassava a imitação revisteira duma outra forma . Era apenas uma descompressão que pôde, mesmo
personagem pouco popular e referia-se ao próprio funcionamento assim, desembocar numa discussão. Quanto à habitual crítica colec·
da instituição. tiva do estilo de jogo. limitou-se a verificar a ausência de domínio
daquilo que era dito.

UM CURSO DE MúSICA
N UM A TURMA DA TERCEIRA CLASSE
A VISIT A AO JARDIM ZOOLóGICO
A turma tinha, várias vezes, feito alusão à disciplina de música OU A TRANSGRESSÃO DA RELAÇÃO DE AUTORIDADE
c ao professor que os preocupava muito. Mas a decisão de jogar
uma aula de música foi tomada acidentalmente pois, à partida, tra- Uma turma da quinta classe, o professor e uma equipa de qua-
tav a -se apenas de falar das relações entre os rapazes e as raparigas tro animadores. Esta sessão é a terceira duma série Je cinco. As
da turma, O momento foi aproveitado como propício para provo- du~ primeiras tinham revelado um grande nervosismo do grupo
cações mútuas entre os dois grupos. (metade da turma), assim como uma certa agressividade. Era difí-
Os alunos sentaram -se no chão, em grupo bastante compacto, cil fazê-lo jogar em conjunto duma forma organizada e, nesse dia.
colocando no centro o que tinha decidido jogar o aluno-modelo, o impossível obter um ponto de partida. Finalmente, uma rapariga..
menino bonito insensível a todas as provocações. Em frente deles , bastante discreta até então, propôs uma visita ao jardim zoológico.
a professora munida dum lamiré imaginário com o qual dará o Sendo regra examinar todas as propostas, aquela foi pois estudada.
tom c lhe serv irá de suporte durante o jogo. A aluna que joga Ninguém queria jogar um animal, mas a ide ía de distribuir esses
este papel instala-se numa franca caricatura que os espectadores papéis ao professor e à nos sa equipa agrada -Ih: s inte iramente. Acei-
parecem reconhecer na personagem nervosa e irrequieta que ela tamos, e, na primeira improvisação deste jogo, sete an imais doi s alu -
propõe. nos acabaram por se oferecer como voluntários: recebem a visita das

122 123
crianças, encantada'> a atirar-lhes (nos) amendoins, O jogo era reve- definitivas sobre este assunto. Pensamos que é preciso «deixar jogar»
lador da situação latente. Hostís a qualquer direcção, atentos a não sem procurar ultrapassar ou recuperar o discurso emitido. Pela
se deixarem manipular (talvez durante uma sessão anterior tivessem observação, o adulto aprende muito sobre o funcionamento duma
'tido li impressão de servir de cobaias), os alunos agarraram a opor- turma.
tunidade de nos colocar na situação de «jogadores» inferiores e
aprisionados que eles. colocados na situação legal de observadores.
podiam contemplar à vontade. 9. A IMPROVISACÃO COLECTIVA PARA OUTROS:
Será que avançamos, aceitando esta situação? Em todo o caso, UMA SITUACÃO DE COMUNICACÃO
era claro que não podíamos avançar verdadeiramente para um jogo
construído e ordenado enquanto as relações entre os alunos e nós Forma da sessão: Com base num ponto de partida à sua esco-
fossem vividas como uma relação de força. Para eles tratava-se lha, um grupo comunica livremente uma mensagem organizada na
de verificar até onde podiam ir, quais eram os limites reais do linguagem particular do jogo dramático. O exem plo constitui um
apregoado liberalismo, ou talvez. também, se éramos capazes de jogar bom modelo de organização dum grupo com vista à comunicação.
«não importa o quê» como lhes tínhamos pedido. Não sei em que O trabalho descrito aperfeiçoa-se progressivamente no espaço de três
medida esta situação foi determinante mas. seguidamente, a tensão sessões.
abrandou e eles propuseram outros temas que foram jogados até
Não se procure aqui o acabamento supremo, o êxito com «E»
ao fim.
grande. após oito sessões que constituiram outras tantas aproxima.
ções. As qualidades deste trabalho consis'em na aprendizagem da
TRANSGRESSÃO I E R B A L -- TRANSGRFSSÃO SEXUAL liberdade. Liberdade do tema, liberdade na organização do jogo.
liberdade do debate. O discurso sustentado não tem ~da de excep-
O jogo mais anódino torna-se ocasião duma transgressão. ser-
cional. a sua evolução interessa-nos na medida em que se realiza
vindo de suporte a um diálogo que não tem necessariamente rela-
a partir das críticas do grupo que observa.
ção com a acção mas que permite «dizer» o que nem sempre pode
ser dito na escola c, sobretudo, perante adultos atentos. Estas Tomamos como exemplo um jogo desenvolvido durante três ses-
invenções acontecem quando menos se espera, Neste caso, trata-se sões, numa turma de sexta classe da cintura parisiense. Uns trinta
mais duma imitação do que duma invenção, mas o resultado é o alunos, repartidos por grupos de afinidades (oito, no grupo em ques-
mesmo. tão). O local é um refeitório demasiado barulhento com mes.s c
Numa turma da quinta classe jogava-se a chegada a casa do cadeiras.
boletim de notas. O pai, incomodado durante a sesta, apodera-se
do boletim de notas para logo censurar lima série de zeros.
«Até em educação sexua l! No entanto eu expliquei-te com a TRltS SESSõES DE F/CÇÃO-CIENTIFlCA
tua irmã.. . Ela até foi parar ao hospital». Nada mais, e a impro-
visação continuou normalmente. É claro que não fizemos nenhum Assisti à diferentes versões do jogo, mas a história pormenorizada
reparo, para não sublinhar. inutilmente. que a réplica tinha acertado da sua elaboração é feita por uma aJuna de Censier que trabalhava
no alvo. Como se tratava duma primeira sessão. era patente que mais particularmente com esse sub-grupo (1).
este tipo de réplica se destinava (entre outras coisas) a verificar a
nossa reac ção, a servir de teste de confiança assim como a impres-
sionar ou fazer rir os espectadores. Nilo temos que dar respostas (') E.C., professora de matemática em estágio connosco.

124 125

.~.
r
Primeira sessão: Segunda sessão:

Preparação de uns dez minutos. inteiramente dedicados à ela- A história é construída de novo e, de seguida. tenta-se jogá-Ia.
boração do tema e, em seguida, da história, Um aluno que vê regu- Cada episódio proposto por um aluno é resumido por outro a fim
lannente um folhetim da televisão adaptado do romance «O PIa· de os desacordos serem reconhecidos e resolvidos.
neta dos Macacos», tenta impor este tema ao grupo. Um episódio Nova história: Um foguetão aterra no futuro. O ar está tão
sofre transformações ao nível da acção. Ao fim do tempo reservado poluído que é irrespirável para os cosmonautas. Um sábio que
à preparação, nada está definitivamente fixado, pois várias histórias assistiu à aterragem recolhe os passageiros (porque é «curioso»).
se misturam. Visita o foguetão; chegam polícias, descobrem o engenho e vão pro-
curar ajuda. Entretanto. ajuda os cosmonautas ri partir. mas pede-
Elementos que compõem a história : -lhes «documentos» (?) . Durante a apresentação aos outros. as crian-
- Um foguetão cai .ia terra ças estão atentas ao desenrolar das seqüências. às suas próprias inter-
num outro planeta (Todas estas venções (as entradas em jogo). Jogo sempre muito gcstual c que
no passado eventualidades utiliza um vasto espaço.
no futuro foram citadas) Críticas: As funções e as motivações dos polícias devem ser pre-
cisadas. A utilização de diferentes lugares não é clara . O que $<1 0
- Os passageiros desmaiam ao sair do foguetão porque nesse esses misteriosos documentos?
lugar (não definido) o ar é diferente.
Terceira sessão:
_.- Um rendeiro prende os ocupantes do foguetão.
A história é completada c os polícias vêm ver o foguetão, porque
- Os guardas vêm buscá-los. alguém os preveniu. É. pois, construída uma nova sequênc ía: um
rendeiro que ia trabalhar para o seu campo descobre ° foguetão e
Os papéis são rapidamente distribuídos antes do jogo: há um corre a. prevenir os polícias. É ele que os guia até lá.
rendeiro. quatro guardas e quatro cosmonautas.
Preparação: A animadora insiste na necessidade de atenção a
A animadora conta: «Durante esta sessão não fiz mais do que cada uma das sequências jogadas, ainda que nela não intervenha
escutar, pôr questões do tipo: onde? quando? porquê? pessoalmente.
Durante o jogo. recusei-me a tomar iniciativas sobre o desen-
O iogo: os alunos estão mais tensos do que ela última vez e
rolar da história».
muito motivados pelo desejo de fazer bem. Esforçam-se por seguir
O jogo propriamente dito não foi evocado durante o trabalho
o jogo dos outros. por se exprimirem verbalmente c par não se enga-
em comum e os alunos improvisam totalmente as suas acções, Os
narem no encadeamento das acções.
poucos elementos acordados durante a preparação são esquecidos
e O jogo termina numa perseguição entre polícias e ladrões; os guardas
são feitos prisioneiros. depois os cosmonautas, etc... . Jogo sobre-
ANÁLISE DO TRABALHO
tudo gestual.
Discussão e críticas do público: o início da história não é com- Algumas impressões antes de mais corno espectador. pois não
preendido. Considera-se o comportamento das personagens não jus- participei na elaboração do jogo dramático propriarncnt- dito, a não
tificado, o encadeamento das acções complicado e mal feito. ser participando na crítica. Em três sessões, o grupo passou duma

126 127
J

história muito pouco compreensível a um jogo perfeitamente orga- .'


preocupação de veracidade que termina numa perseguição entre polí -
nizado onde as qualidades de expressão se desenvolveram conside- cias e ladrões vinda directamente do recreio) a uma hist ória coerente.
ravelmente. Tudo se clarificou; tinha sido feita uma verdadeira organizada no espaço e onde as responsabilidades de cada um eram
procura de sinais (por exemplo. a queda do foguetão, criticada pelos fixadas no interior dum trabalho que permanecia. no entanto. colec-
espectadores aquando da primeira versão. foi reclaborada. Uma ala- tivo. Será que tudo é. pois. perfeito neste tipo de relação e que não
vanca de dirccção (uma cadeira virada ao contrário e inclinável sobre haverá neste exemplo contra-efeitos discutíveis?
outra) era accionada pelo pUoto; o desequilíbrio no espaço era dado A turma separou-se em quatro grupos que preparavam. cada
pelos passageiros). um para seu lado. o que em seguida apresentariam aos outros. se bem
A instalação duma relação espectador/ actor permitiu uma refle- que tivéssemos verificado um fechar-se progressivo de cada uma
xão muito séria sobre a organização da história e sobre os meios a das equipas à medida que O trabalho avançava uma espécie
encontrar para a transmitir. O trabalho colectivo foi determinante. de preço pela coesão. Poder-se-ia atenuá-la pela organização de
As incoerências notadas no primeiro guião provinham dos desacor- sessões comuns onde os núcleos teriam possibilidades de estalar:
dos entre os elementos do grupo (por exemplo. a impossibilidade no caso descrito utilizámos o mesmo esquema de organização. refor-
de escolher entre o passado e o futuro. a mistura de duas histórias çando, talvez involuntariamente. a tendência que se desenhava .
de ficção científica contadas por dois indivíduos diferentes). A coe- Mais grave ainda e à medida que as equipas se uniam. vimos
são fez-se porque o grupo foi obrigado a tomar decisões reaparecer um evidente espírito de competição. Era preciso ter
para responder às críticas que os espectadores lhe faziam. Uma ôxito, mas também (sobretudo?) te r mais êxito do que os outros.
boa parte do desequilíbrio da história provinha do execessivo relevo Apesar das preocupações tomadas. não pudemos evitar que as ses-
dado ao rendeiro na Improvisação (que mais tarde se tranformará no sões de crítica se tornassem sessões de avalição onde erarn cnun-
sábio) . Era ele que arrastava os protagonistas desmaiados para a sua ciados juízos de valor. F inalmente, a idéia da representação ressus-
casa, era ele o principal motor das acções, mas era também o seu citava aqui e acolá e, por vezes, faziam-se mesmo ouvir os aplausos
jogo solitário que rarefazia o diálogo e o tornava difícil de seguir convencionais.
pelos espectadores, Em seguida . procedeu -se a uma distribuição mais Um dos quatro grupos tomou consciência do seu insucesso ao
racional dos papéis e. na última sessão, viu -se até urna raparlguinha dar conta do pouco interesse manifestado pe los espectadores durante
in ibida e silenciosa. que fazia um guarda muito discreto na primeria o debate. Estas observações obrigam a situar a experiência no seu
versão - jogar o rendeiro de forma convicente, Em grande medida, contexto. É quase inevitável, pelo menos numa primeira fase. que
foi a necessidade de transmitir que aplainou os principais problemas os hábitos culturais reapareçam. Eles eram aqui de duas ordens:
que se punham ao grupo e não a intervenção artificial ou autoritária ligados à noção de teatro e de espcctacular, provocaram o apareci -
da animadora, mento dos tiques socias ligados a estas manifestações: aplausos,
Fizeram-se sem ir efeitos secundários e mais evidentes; era neces- risadas. avaliação sumária (eestá bem. não está bem»). Vindos do
sário falar mais alto, organizar o espaço de maneira a ser mais per- mundo escolar, era a competição, a necessidade duma apreciação
ceptível para os espectadores (na primeira versão, a casa do rendeiro do adulto (Senhor. qual era o melhor?), o reenvio a um sistema
era uma espécie de refúgio sob as mesas do refeitório. Foi. em de notação e de escala de valores totalmente exterior à experiência
sccuida, substituída por uma curioa construção com vários níveis; propriamente dita. mas bem! patente nos espíritos. (Nós somos sem-
sempre com base em grandes mesas e cadeiras). Nunca houve rup- pre os melhores, disse-me tranquilamente um grupo de «bons alu -
tura artificial entre expressão e comunicação. pois instaurou-se muito nos» que Se tinha reconstituído).
naturalmente um vaivém de actores e espectadores. Passárnos dum
Seria necessário, por consequêncía, suprimir o olhar dos outros
primeiro esboço (contar a si próprio uma história divertida sem para permitir uma expressão completamente independente das pres-

128 129
9
r

sões acabadas de evocar? Qual o interesse de permitir a um indi-


víduo abstrair dum pequeno grupo social durante algumas horas
quando vai, de seguida. reencontr á-lo? E. finalmente. pode-se tra-
balhar em provetas?
As dificuldades que se encontram ao privilegiar o olhar crítico
dum «público» fazem parte da aprendizagem. Os problemas que se
põem para os exercícios ' tradicionais por-se-ão, de cada vez. para
o jogo dramático. talvez com mais acuidade, porquanto estas
sessões agem como reveladoras do estado de espírito duma turma.
O essencial é permitir aos grupos trabalhar de out ra forma que não
virados para si próprios; eles não podem encontrar coesão c coe-
rência senão na elaboração dum projecto destinado a ser posto em
questão. Há. finalmen te, uma aprendizagem a fazer também da parte
do público. As observações sobre o trabalho dos outros só se tornaram
precisas ao longo das sessões. pois todos os hábitos conduzem mais
a julgar do que a analisar, e ninguém se improvisa espectador lúcido
e atento dum dia para o outro. C-<lbe ao educador fazer com que. IV - QUESTÕES QUE SE PÕEM
pouco a pouco. o estado ele esp írito das sessões melhore e se possa.
finalmente. trabalh ar sem que o olhar crítico signifique olhar dcs- À PRÁ1]CA
truti vo .

130
r
I)
.'

No diálogo que prosseguimos com os educadores surgem, fre-


quentemente, alguns assuntos-chave, que reflectem preocupações
comuns. Não os tratámos na abordagem teórica, porque requeriam
um bom conhecimento das práticas. De resto, estas questões estão
longe de ser resolvidas. Elas têm que ver com um quadro pedagó-
gico mais vasto que nos é imposto pelas estruturas do sistema
escolar e, de forma mais restrita, com o que cada um utiliza no seu
próprio ensino. Seria, pois, em vão responder-lhes em absoluto . Con-
tentemo-nos com reflexões sobre assuntos por vezes muito vastos
que dizem respeito à ligação entre o jogo dramático e as matérias
do programa OUi ao lugar do adulto no seio dum grupo de trabalho.
É também neste momento-charneira que reflectirernos sobre um objec-
tivo contestável a escrita dramática feita pelos alunos - , lan-
çando as bases do melhoramento do jogo. Na medida em que está
ligado à procura dum discurso original, será totalmente consagrada
uma parte a esta noção de progressão dos jogadores.

1. O JOGO DRAMATICO
E AS MATÉRIAS DO PROGRAMA

Nenhum espaço do horário oficial é atribuído à expressão dra-


mática ou à iniciação teatral (1). É o professor de francês que, por
gosto, necessidade ou inquietação, mais pede formação, convida
os animadores ou os actores a ir à sua escola. Por isso ele canal iza
uma. parte do seu horário legal em proveito duma actividade que
passa por ser mal definida, pelo menos relativamente às suas obri-
gações oficiais.

(') Na reforma Raby, a arte dramática entra no quadro do ensino artís,


mas parece estar subordinada às artes plásticas e à música. O problema
t ico,
da formação de educadores polivalentes não está ;·esolvido.

133

___--l _
No entanto. também outros educadores mostram interesse: em o
jogo dramático, ao inverter as relações, é um instrumento que
primeiro lugar. os professores de línguas, alguns professores de his- I contribui para esta aprendizagem; já não se trata de ler as mensa-
tória. mas também aquele professor de matemática cansado de ser . gens recebidas, mas de as produzir, isto é, propor aos alunos para
rotulado COlll demasiado rigor ou de ser mantido à margem duma passarem de uma situação passiva (o aluno-receptor) 11 uma situação
actividadc que lhe interessa. Há professores primários que há muito activa (o aluno-emissor), partindo da ideia de que se domina muito
procuram desenvolver o trabalho que empreenderam e sair do seu melhor o que se é capaz de produzir. Vimos que as mensagens
isolamento. Nas escolas infantis «joga-se» muito e sob múltiplas elaboradas numa sessão de expressão dramática dão um relevo con-
formas. siderável aos sinais que não dependem da linguagem oral; o que con-
Uma mesma inquietação se manifesta entre muitos deles. vida à invenção em todas as linguagens e a produzir um discurso
Mesmo os professores de francês. os mais autorizados pela tradição. com o objectivo de o comunicar. Este objcctivo é importante para
sentem necessidade de «justificar» us horas roubadas à gramática todos os alunos e sobretudo para aqueles que têm dificuldades psico-
ou à literatura francesa; as pressões da administração. dos pais. c -sócio-culturais, Habitualmente pouco à vontade quando se trata
também dos alunos são fortes. Em muitos relatórios críticos redi- de manipular a palavra (e o texto escrito). têm aqui a possibilidade
gidos por estes últimos. encontramos duas questões: roubaram de se desenvolverem por outros caminhos, de se afirmarem em domí-
tempo à matéria obrigatória? O trabalho reali zado servir-lhes-á nios pouco reconhecidos ainda pelo sistema escolar.
«mais tarde»? É demasiado simples ignorar estas questões
em nome do prazer do presente que poderia ju stificar tudo.
Também nós lamentamos que todo o sistema escolar esteja unica- PROFESSOR DE LlNGUA FRANCESA
mente virado para um «mais tarde». para um «quando fordes gran-
des» em detrimento do prazer de viver a infância. Mas tentemos A função essencial do professor de francês é ensinar aos alu-
responder. Terão as práticas enunciadas ligações «naturais» com nos a língua francesa. O antigo objectivo (a «bela língua», a língua
as matérias ensinadas? Poderá o jogo dram ático tornar-se uma acti- académica) está praticamente abandonado; trata-se sobretudo de
vidado proteiíormc capaz de sati sfazer todas as necessidades e res- transmitir a manipulação dos códigos que constituem os mecanismos
ponder a todos os objecrivos? Responder afirmativamente seria deso- da língua, de habituar a reconhecer os níveis da língua. Duas difi-
nesto. tendo em conta algumas decepções. desaires e incompreensões. culdades se apresentam:
Acontece que as expectativas do animador e do educador divergem O jogo dramático suprime, por vezes totalmente. a linguagem
gravemente. Pode o jogo dramático ser útil quando o inscrevemos falada; ele desenvolve a expressão muda. o trabalho a partir do gesto
à força sob uma rubrica que determina os seus objcctivos? e do corpo. Pode-se ver nisso. como o faz Richard Monod, «uma
vingança sobre a linguagem» (1). Digamos, em todo o caso. que os
PROFESSOR DE FRANCES, PROFESSOR DI:: EXPRESSÃO alunos se apercebem de que a linguagem articulada não é sempre pre-
dominante.
Esta ideia é cada vez mais aceite à medida que o mundo em Quando o jogo dramático não é mudo, as estruturas verbais
que vivemos multiplica as formas de expressão em que os nossos utilizadas são, no entanto. muito simples, o vocabulário corrente,
alunos mergulham. Repetem-nos que vivemos numa civilização de mesmo grosseiro, cheio de calão.
imagens e que compete ao educador ensinar aos alunos a deci-
frá-las, a reconhecer-se na massa de informações que os assalta.
Desde a torrente da linguagem falada. às imagens da publicidade (') No seu excelente artigo «Expression littéruire ,~ l r-xp rcsslon dramatíque»,
e do cinema, tudo diz respeito ao professor de francês. in l ,e Français Aujourd-hui, já cit ado, de qu e re-torno aqui algumas premissas.

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A linguagem utilizada é a da rua, a do recreio. Os monossílabos PROFESSOR DE ESCRITA
e os grunhidos podem bastar para marcar o consentimento, o grito A aprend izagem do cód igo escrito é uma outra função do ensino
para indicar surpresa ou cólera, do francês : se não se consegue ensinar a dizer bem, ao menos ensi-
Nestas condições, não se pode esperar que as improvisações na-se a dizer duma forma correcta e apropriada.
sejam um bom terreno para a aquisição duma língua cuidada ou para O jogo dramático faz apelo a temas livres. No decurso das
o enriquecimento do vocabulário. Há fases do trabalho que pare- improvisações, a turma constitui um reservatório de «ideias abstrac-
cem autênticas regressões, quando a improvisação é oportunidade las» que não dependem necessariamente do programa, mas que pro-
para uma descompressão verbal ou para um autêntico «concurso de vocam a produção de mensagens escritas de toda a ordem: textos,
palavrões», A vulgaridade, na escola, faz rir e a autorização de fragmentos, guiões, fragmentos de diálogos. A expressão dramática
utilizar uma «língua baixa» é tão inesperada que os alunos não se renova os conteúdos abordados, permite aos alunos comunicar as
privam de a utilizar abundantemente, pelo menos no início. E, toda- suas preocupações imediatas. A reflexão, assim como a transmissão.
via, o jogo dramático faz funcionar a língua em situação. concre- (ó umn ncrivldadc colcctivn c uma actividade de comunicação) pas-
tizando a Ideia um pouco abstraeta de nível de linguagem. Manipular sam pela procura de form as nas quais o professor de francês tem um
bem a língua, não será saber que código é útil adoptar em função papel a desempenhar.
das exigências do momento? Quando o grupo reflecte sobre a impro- Voltaremos, em pormenor, a este problema controverso da escrita,
visão jogada as críticas referem também a linguagem da personagem: sobre a forma corno o jogo pode incentivar a escrever com objecti-
teria falado daquela maneira numa situação real? Porque é que as vos determinados.
personagens utilizam todas o mesmo nível de linguagem? A .impro-
visação gravada constitui, se for necessário, uma amostra da lingua-
O PROFESSOR DE LITERATURA FRANCESA
gem falada, mesmo um corpus específico da turma que será utili-
zado mais tarde para outros exercícios. É talvez neste domínio que a expectativa é mais forte e mais
Se a linguagem falada parece ser normalmente aceite nas impro- numerosos os mal-entendidos. ' O professor de francês tem o encargo
visações, tivemos , por vezes, a surpresa de ouvir frases banais. diá - de tran smitir textos agrupados num programa bastante vago. mas
logos extraídos das recordações escolares em que, desta vez, é o que existe . Ele espera. poi s, do animador que o ajude num trabalho
car ácter artificial que predomina. Alguns alunos sentem a necessi- de desempoeiramcnto dos textos ou que ensine técnica s para fazer
dade de se escudar atrás duma linguagem emprestada ou disfarçada, jogar os textos pelos alunos. Ou. ainda. deseja melhorar a recitação.
mesmo «engomada». Outro ponto de partida para uma reflexão Choc a muitas vezes com recusas; no melhor dos casos. os esforços
é o caso das personagens que dialogavam no metro, inspirando-se, conjugados dum c doutro raramente conseguem resultados convin-
por vezes. em alguma coisa que se assemelhava (vagamente) a Moli êre: centes. A expressão dramática. tal como a concebemos, não está ao
«O vosso amigo? Mas, não o vi hoje , Senhor» . Para eles, jogar era serviço do texto. Não se deve esperar da nossa prática um meio
um exercício obrigatoriamente ligado à ideia que tinham da «boa de «tomar vivo» um texto. Nesta óptica, o jogo tomar-se-ia a vida e
litera tura». o texto desaparecia como mediação. Tornado pura transparência,
O jogo dramático é acompanhado de concertações, sessões crí- existiria apenas na expectativa que o teatro o tirasse da sua letargia
ticas que reclamam intervenções orais precisas, um vocabulário téc- c. com um toque de varinha mágica , lhe desse sentido e fundura.
nico e bastante abstracto. Fortemente motivados, a maioria dos alu - Uma tal esperança repousa num equívoco. Supunhamos que o tra-
nos intervém de bom grado. A aprendizagem do debate é um objec- balho teatral', contribui para encontrar uma significação para o texto;
tivo a não desprezar, sobretudo quando é agarrado de forma autó- mas quando se trata de o transpor para o espaço. numa sala de
noma por um grupo. aula . isso não vai resolver grande coisa e. pelo contrário, multiplica

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, T

as dificuldades. Os textos dramáticos do programa são obscuros à támos propor situações de ficção em que se falaria na língua deter -
leitura para a maio ria dos nossos a lunos e continuam obscuros q uando minada. Num segundo caso, afastárnos este objectivo e começámos
se pretende dizê-los; e dizê-los, deslocando- se com o livro na mão. por jogar.
com se vê muitas vezes, é um risco. Se se objecta que Mo liere sem Um objectivo muito claramente determ inado apenas multiplica
o movimento nem o código visual não é Mol iêre, acredi ta r-se -á que os bloqueamentos. Eis que é preciso, ao mesmo tempo. improvisar,
Scapino desajeitado e titubeante dará uma ideia mais corr ecta do jogar e falar numa língua . estrangeira. São muitas propostas juntas
teatro? para alunos para quem a língua corrente, a do diálogo, é bem menos
O professor é. então, tentado a escolher para este gén~r~ de familiar do que se pensa.
exercícios os alunos mais dota dos, os que se torn arão os especialistas Quando as sessões de trabalho são normais, a linguagem falada
do tea tro , delegados para semp re pela turma para desempe nhar essas toma-se secundária ou inútil. Presos pelo prazer de jogar e de criar ima-
difíceis funções. Enquanto os outros ficarão os eternos inactivos cu gens, preocupam-se muito pouco com a língua e torn am-se hábeis na
espectadores adormecidos! _ arte de encontrar processos que permitam dispens á-la completamente.
Não rlscámos definitivamente das nossas prcocupa çoes todo o Depreende-se, contudo, um interesse a partir destes dois insuces-
\ ' trabalho sobre o texto . Não consideramos inúteis as tentat ivas pa ra sos: para os alunos, esta situação de apr endizagem consiste em passar
~r uma visão especificamente teatral de obras desde há muito clas- da língua (abstracta) ao discurso (concreto) que se sustenta numa dada
sificadas como pura «literatura». Mas é preciso que o professor situação. Assim, numa turma da segunda classe. onde partímos
não tenha ílusões vapós horas c horas de jogo e improvisações. a dum texto bastan te complicado, do qual tínham os extraído situações
/ maior parte dos alunos que encontramos não estão melhor prepa rados elementares. eram estas precisam ente que punham mais probl emas;
\ para «interpretar» Moliêre, Racine ou Corneille. Não é pelo facto não era nada simples encontrar palavras para oferecer uma bebida
) de se inverterem os factores (primeiro o jogo. depois o texto) que tudo a um camarada convidado, mostrar-lhe o quarto. p ô-lo ao cor-
ij 'ai melhorar. Pelo contrário, «habitu és» da improvisação, aceitam rente das actividades projectadas para as férias.
mal curvar-se diante dum texto que eles sentem ainda mais dolorosa- Os graus de conhecimento da língua variam muito de aluno
mente corno prisão. Pelo menos. este modo de progx:di r é ~ais para aluno, de turma para turma. Os melhores alunos sentem-se
lógico e os resultados encorajariam a ava nçar nesse sentido. E isto, prontos a dialogar muna dada situação, enquanto os outros ficam
porque uma parte dos obstáculos vem do hábito de considera r o _texto. ainda mais paralisados pelo medo do ridículo. Talvez fosse neces-
a . palavra, a leitura. como anteriores ao trab~lho de con~tr.uça ~ no sário passar por um longo trabalho preliminar para atenuar a timi-
espaço. O movimento. o gesto, o corpo. sao dados adicionais, e dez. utilizar bem os desvios com a (fraca) esperança de os ver,
numa segunda fase. como se apen as servissem para embelezar, para finalmente, tentar falar. Haverá tempo e meios com turmas tão
oferecer um pequeno suplemento espectacular. E é apenas ? ver~o numerosas? Deve o jogo dram ático tornar-se uma espécie de Assi-
que continua a dar a chave do sentido. As tradiçõe~ ret óricas sa? mil (1) melhorado?
ainda muito vigorosas no nosso país. e a dicção provida de «movi-
mentos de alma» apropriados consegue ainda passar por teat ro.
AS OUTRAS MATÉRIAS

Todos os professores têm a 'ler com o ensino da língua fran -


o ENSINO DAS LlNGUAS
cesa. Os temas livres abordados com os alunos dizem-lhes respeito.
. As questões colocam-se nos mesmos termos que para o ensino da Mas dedicar um interesse exclusivo à sua matéria é raramente com-
língua francesa. As experiências em que par ticipámos (em inglês e em
espanhol) não se revelam concludentes. Num primeiro caso, experimen- (') Métod o de 'aprendízagem das línguas pela conversação. N. T.

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pensador. A situação escolar actual estabelece uma tal comparti- retom ar em pormenor os debates que se realizam um pouco por toda
mentação como conhecemos poucas. Alguns professores de história a parte sobre a querela da directividade Num jogo como o que se
interessam- se pela ideia de concretizar situações do passado através descreve no número nove da «Tipologia» distinguem-se três fases: a
do jogo. Reconstitui-se, então, na sala de aula, uma sessão do Par- escolha dos materiais de partida, o jogo, o debate que precede a reto-
lamento ou a cerimónia do «acordar» de Luís XIV. É raro conse- mada do jogo. É o lugar do adulto no interior de cada uma destas
guir evitar o anedótico ou a ilustração sumária, mesmo a paródia fases que está em discussão.
burlesca. Ir mais longe, suporia que os alunos tivessem um conhe-
cimento profundo do contexto histórico e urna prática suficiente da A LIVR E ESCOL HA DOS TEMAS
dramatização para se interessarem por uma encenação.
Pensamos que não é desejável fechar demasiado exclusivamente Quando o ponto de partida da improvisação é um tema esco-
o jogo dramático num compartimento. mesmo que este tenha o rótulo lhido livremente pelo gru po de jogadores. o adulto apenas intervém
de «teatro». Tod os os professores tirarão proveito da sua utilização para propor um estru tura simples (situação, lugar. personagens) que
como instrumento de análise, com a condição de não esperarem um facilite o jogo. Esta liberdade inicial não é suficiente se não rei-
resultado a curto prazo, um aproveitamento dircctamente apreci ável nar habitualmente na turma um clima de confiança (auto-censura
para a matéria que têm a seu cargo. Enquanto o ensino for umai justa- existe) e não esperamos dela um terna miraculosamente original. que
posição de matérias sem qualquer relação entre si. os professores apenas apareceria graças à famosa preservação da espontaneidade
estarão num impasse. Toda a prática que se afaste dos caminhos infantil. Defendemos que se facilite esta tomada da palavra por
batidos ou que não esteja precisamente ligada a um obiectívo reco- razões independentes da moda. Ê importante que os alunos sejam
nhecido provoca-lhe uma certa má consciência; pior ainda, pode até reconhecidos como indivíduos que têm um papel a desempenhar no
ser proibido. Só numa perspectiva do ensino como iniciação à utili- grupo-turma e que decidam dos temas susceptíveis de os interessar.
zação de instrumentos (a língua, os esquemas lógicos) e onde todo A sua experiência pessoal. a actualida de dos problemas que colocam
o trabalho que necessita desenvolver faculdades (como a concentra- devem ser tomadas em consideração, mesmo se o adulto nem sempre
ção. a imaginação. a memóri a). é admitido independentemente do lhes descobre importância. Numa turma em que três grupos. cons-
rótulo «matéria do programa». é que o jogo dramático pode ser uti- tituídos por afinidades. partem de três temas radicalmente diferentes
lizado por todos sem remorsos. nem falsa vergonha. É preciso ainda e muito reveladores de preocupações sem relações entre si (as rela-
providenciar para que não se torne um exercício escolar rotineiro e ções amorosas entre adolescentes. uma análise abstraeta das relações
que o prazer do momento do jogo, indispensável à sua existência. sociais. os gags de hum or fácil de uma família que projecta slides),
não sucumba diante da multiplicação de objectivos educativos dema- uma vontade unificadora vinda da parte do adulto não teria em conta
siado bem determinados. estádios diferentes de desenvolvimento. O jogo dramático reconhece
o direito à diferença num sistema escolar que tem demasiada ten-
dência a apagá -Ia através de rcagrupamentos discutíveis. facilita o
2. A FUNCÃO DO ADULTO aparecimento de discursos não previstos por um sistema de compar-
NO JOGO DRAMATICO timentos pré-determinado. tem em conta situações escolares irredu-
tíveis a tipos de comportamento.
Na descrição das pr áticas, as funções respectivas do adulto pre- A «regurgitação» dos estereotipos do mundo do espectáculo não
sente na turma e do grupo de jogadores e de espectadores nem entra em contradição com estes objectivos, uma vez que podem
sempre são definidas com precisão. Variam em função dos esque- corresponder a uma necessidade legítima de reprodução. Ninguém
mas adoptados e põem, de cada vez, novos problemas. Não vamos se submete impunemente a horas e horas de televisão ou cinema sem.

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uma ve:z. colocado do lado da criação. desejar fabricar por sua vez a diferença com o jogo do recreio não é claramente sentido. ' Por
as histórias através das imagens com que é bombardeado.' O adulto exemplo. um grupo começa uma improvisação sem prevenir, quando
'q ue respeita o nascimento dum discurso 'original aprende muito pela os outros estão ainda ocupados a combinar e a atenção mínima reque-
rida não está obtida: fixamos. então. uma regra segundo a Qual OS
, observação humilde da reprodução . mais ou menos habilidosa de
" estereotipos que previamente tinha condenado. jogadores devem anunciar com clareza o início e o fim do jogo
\ A um outro nível. a escolha do tema dá oportunidade a grupos e indicar sem equívoco que se trata dum momento de natureza dife-
compostos por indivíduos diferentes de aprenderem a pôr-se de rente. Uma turma da quinta classe, ao cabo de duas horas de tra-
acordo sobre o que vão dizer em conjunto . Não tenhamos ilu- balho. tinha feito c afixado o seguinte quadro que. completado, consti-
sões: isso não acontece rapida nem isoladamente numa turma que tuiu uma espécie de base comum à quaJ todos se referiam durante os
não tem o hábito da liberdade. Os leaders impõem os primeiros debates:
tC1JlaS c há alunos Que ficam calados durante longas sessões de pre-
paração. Mas as reacções far-se-ão sentir se se tiver a paciência I. Possibilidade de utilizar todo o espaço e todos os objectos
de não super-proteger os mais silenciosos nem de os bombardear que se encontram na sala.
com perguntas. 2. Concentrar-se e não fazer a «piscadela de olho» aos outros.
Finalmente. a vontade de jogar alguma coisa «desinteressante»,
3. Dar a conhecer aos espectadores o princípio c o fim.
do ponto de vista do adulto. legitima-se perfeitamente pelo prazer
de um aqui e agora que lhe teria escapado. Insistimos o bastante 4. Em caso de luta. fazer só de conta.
sobre a preservação deste aspecto lúdico das improvisações que não 5. Colocar-se de maneira a ser visto e ouvido por toda a gente.
nos parece necessário retomá-lo. O prazer dos alunos não é necessa-
G. Fazer de maneira que os espectadores compreendam tudo o
mente o nosso. que se diz c faz.
Mantendo esta orientação. confrontámo-nos com situações de
bloqueamento e de insucesso. Por vezes, os esquemas escolares per. o grau de complicação e de abstracção das regras encontradas
sistem e os alunos esforçam-se por «fazer qualquer coisa que agrade 'varia em função das idades das turmas e das improvisações ensaiadas.
ao professoo> para que este os «deixe em paz», Outras vezes. verifi-
É intútil impor antecipadamente regras que não são compreendidas
cam os limites desta liberdade com intermináveis provocações. Não ou não têm valor no contexto da turma. Em última instância. cada
há uma receita infalivel. É a experiência que permite reconhecer grupo pode fazer o seu quadro em função dos objcctivos do momento.
o interesse da escolha do ponto de partida e variar as propostas em Intervenho nesta procura de regras consoante a acuidade do olhar
função das necessidades. Quando damos como base de tra-
colocado no jogo e retiro-me se o grupo se desembaraça sozinho.
balho fotozrafias , imagens e textos publicitários fazêmo-Ios,
0. bem entcn-
.
o Até agora, temos colocado o adulto como exterior ao jogo.
dido, em função da evolução do grupo e da turma; 'a liberdade afir-
Ora acontece que o professor ou o animador participam na
ma-se também na procura dos materiais. pois nós não decidimos que
improvisação. As posições a este respeito são contraditórias.
tudo deveria sair à priori apenas da imaginação.
- - Quando o adulto joga. abandona a sua função de olhar exte-
rior privilegiado;; se todos os elementos do grupo jogam na
o DESENROLAR DO JOGO sua vez, porque não também adulto?
Não impomos previamente regras à improvisação. Estas são des- - A actividade do professor combate a angústia dos alunos
cobertas durante o jogo e enunciadas durante o debate pelos joga- que se sentiriam utilizados como cobaias. O professor sabe
dores ou pelos espectadoreS que criticam o jogo ou pelo adulto quando fazer exercícios de gramática: saberá jogar como nos pede?

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- Uma relação afect íva diferente nasce do jogo: o professor tem o desenrolar do jogo e como o faz durante o debate? Num fua-
também um corpo; o contacto físico não é um tábu. cio namento idea l. dissemo-lo . esperamos que os espectadores inter-
venham e que tomem em mãos a discussão. Alguns professores
. ?s ~ue são contrários a esta participação. argumentam que a ficam decepcionados perante as observações sumárias ou o pouco
unagmaçao do adulto é diferente e arrisca-se a entravar o jogo:
interesse demonstrado por algun s grupos em tomar a palavra, uma
- Ao jogar, o adulto infantíliza-se quando tenta fazer desajeí- vez que é o jogo que os prende. Também aí não esperamos
tadamente uma personagem de criança. o milagre. Os assuntos postos em acção exigem uma discussão;
Pensar que tudo pode ser resolvido pelos alunos em nome duma força
- Pela sua autoridade, orienta o jogo à sua vontade e, por
natural que possuiriam e que os protegeria de todos os desvios, é
isso mesmo. «faz batota».
aceitar todos os caprichos e acreditar que a verdade e o erro não
- A sua presença facilita o aparecimento do psioodrama, sobre- existem no mundo que nos rodeia. É pensar, como afirma Snyders,
tudo quando joga os papéis de autoridade (mas este a rgu- e trata-se duma opção política fundam ental, que não há verdades
mento é reversível). ace rca dos pontos esse ncia is da educ ação . Num curso elementar,
as crianças joga ram às torturas qu e se a ssemelhavam, de maneira
Apesar dos riscos en unciados. sou a favor da participação do
estranha. a prá ticas fascistas. Seria de as deixar continuar a sentir
ad ulto. com a cond ição de que o grupo de jogadores o faça interv ir
um pra zer perverso na rep rodução de relações s ád ica s de que não
na mesma qualidade que os outros. mas que ele possa também recu -
vislumbravam nitid amente as consequências? O adulto está presente
sar um papel como toda a gente. De contrário, os papéis -que lhe
durante o debate e compete-lhe intervir sempre que for necessário.
. são atribuídos repartir-se-ão do seguinte modo:
Poderá exercer a sua autoridade? e de que maneira? Como diz
Os «grandes papéis»: enquanto adulto. os grupos em que ficar
Snydcrs, «a apreciação feita pelo pr ofessor pode ser outra coisa que
Integrado consideram-no uma «vedeta», o seu trabalho será valori-
nào apenas o prazer duvidoso de castigar. pode ser uma ajud a que
zado.
a criança recebe no seu esforço para diferenciar a verdade e o erro,
Os papéis repressivos: o polícia, o pai silo jogados pelos maiores.
para se libertar das ideias preconcebidas que a rodeiam - e uma
Os papéis «perigosos»: um grupo fá-lo jogar um adolescente
ajuda reconhecida como tal ?» (1).
em situação amorosa delicada enquanto que os «verdadeiros» ado-
São estas as questões que temos em mente durante estes debates
lescentes reservam para si os papéis de adulto.
difíceis. onde. à primeira vista . os êxitos e os fraca ssos não têm grande
Os papéis redutores : o animal do jardim zoológico, a boca de
coisa a ver com as técnicas dr am ática s. mas que possuem tanto maior
esgoto (!) num cen ário de rua.
importância qu anto a reflexão se exerce sobre ideias abstractas postas
Tod as estas situações devem ser tratadas com prudência; o
em movim ento e, por isso. tanto mais influente. O professor c o
olhar lan çado do interior sobre um jogo é importante quando se sabe
animador não se contentam em transmitir técnicas dramáticas. eles
agarrar as propostas lançadas e avançar com novas; o prazer irne-
assumem também uma responsabilidade educativa global. Na polé-
diato parece-me. muitas vezes, uma gratificação suficiente.
mica à volta da não-directividade, tudo se passa como se não hou-
vesse escolha pos sível entre o autoritarismo absoluto e o sorridente aban-
o DEBATE E O RETOMAR DO JOGO dono a um estado de natureza. O importante é. contudo, encentar um díã-
logo -com os alunos a fim de que eles sejam capazes de tomar cons-
Uma boa parte deste livro é dedicada à problematização do con-
teúdo do jogo e à sua retomada. Contentemo-nos com algumas (1) C eorges Snyders, 0 11 von les pédngogi es non-dlr ectiue s? Colec-
observações sobre o desenrolar do debate. Quem põe em questão ção Sup. r UF, Pa ris, 1973 c 7.'5, p. 85.

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ciência do discurso que produzem. O que pressupõe que o adulto reapar~l?r. Escrever um guião passa por ser o equivalente do. famoso
tenha alguma coisa a dizer, que ele corra os riscos e que os faça «plano» de redacção, Escrever um diálogo não parece ter outro
correr àqueles que o escutam. É claro que ele pode enganar-se; e é objectivo senão o de fazer decorar réplicas, criar um texto «definitivo»
a isso que Snyders chama «o risco pedagógico», «o risco de induzir com tudo o que isso arrasta: trabalho de memorização do texto e
em erro os alunos ou ponderar arbitrariamente sobre a sua vontade dos lugares, paralisia da inspiração. ensaios fastidiosos e a temida
de os dirigir para o que nós pensamos ser verdadeiro; este risco (ou desejada) (1) representação. O fetichismo da escrita é de tal
é a própria definição do ensino e, se devemos trabalhar sem des- modo forte a ponto de ser considerado o supremo resultado. As rasu-
canso para o reduzir, não há, todavia, nenhum meio de o suprimir» (1). ras e os borrões são admitidos enquanto estamos nas improvisações
A presença activa do adulto é um factor determinante na evo- orais, mas o texto passa por um produto acabado em que é proi-
lução de um jogo. Mas não caiamos na caricatura, não se trata de bido tocar (2). A dificuldade está em conseguir fazê-lo reconhecer.
afirmar uma liberdade à partida para melhor a suprimir à chegada,
destruindo severamente tudo o que foi dado inicialmente. Questão
de nuance, de doseamento? Não unicamente. Voltaremos, ao longo A ESCRITA DO TEXTO
da última parte, às interrogações levantadas pelo conteúdo do jogo. COMO PONTO DE PARTIDA
Trata-se' de afirmar, desde já, uma relação de confiança num traba-
lho contínuo que não pode ser entregue completamente a um visitante
passageiro. por mais competente que seja. Urna vez mais, a função Alguns animadores, para evitar a influência demasiado directa
do professor, numa actividade que pode parecer não ser da sua da televisão e do cinema, esforçam-se por obter um texto que sirva
competência. afirma-se com uma necessidade. de ponto de partida para as improvisações. O que se segue foi escrito
por um grupo de alunos da sexta classe com base numa proposta
dos animadores e concretizada num título: «As estranhas aventuras
3. O JOGO DRAMATICO E A ESCRITA DE TEXTOS do Jardim das Plantas» (o C.E.S. fica pegado ao Jardim). Três
equipas- tinham elaborado colectivamente três histórias diferentes de
que se transcreve um exemplo (convém saber que os alunos acabavam
Quais as relações que o jogo dramático mantém com os textos?
Permitirá melhorar a produção de textos duma turma. ou suscitar de estudar um conto popular nas aulas de francês anteriores): (")
o desejo de escrever? Poder-se-á chegar facilmente à escrita. passar «O Jardim das Plantas está farto de viver em Paris e sonha partir.
da improvisação e da elaboração de gui õcs, exercícios essencialmente Este sonho torna-se realidade: uma girafa. ao deslizar no escorrega,
orais. à s$. fixação numa forma escrita? esmaga uma flor com poderes mágicos e, devido à pressão exercida.
Num bom número de experiências vividas nestes dois últimos
anos. as relações com o texto põem mais problemas do que aqueles (') O equívoco manifestou-s- com um I-(rtlpO da quinta classe que com
que resolvem, e os exemplos conhecidos são limitados. De cada entusiasmo quis escrever na única esperança de dar uma representação com
vez que . propomos aos alunos escrever, é difícil fazer-lhes admitir guarda-roupa, maquilhagem e bilhetes de entrada. Ora, não se joga para
escrever, mas se se escreve é para jogar de novo c melhor.
que se trata duma ligação com o trabalho empreendido nas impro- (') ~exto-tabú do modelo dramático ensinado (Corneille, Racine, Moliêre),
visações. A escrita é consíderad como um castigo, totalmente mas também texto escolar que subentende correcção e nota(ção). Documentos
ligado . do p~ecto dramático. especialmente porque reenvia a exer- como um guião da com media dell'arte dão uma outra imagem do texto.
dCIOS que afastamos do nosso trabalho e que os alunos temem ver (') O relatório é dos estudantes que trahalhavnm com Cenevíêvs Man-
....
-""----- - -- drin, Conselheira Técnica e Pedagógica em Arte Dramática da Jeunesse et
Sports e membro da nossa equipa. Este exemplo não deve ser tomado como
Ob . cito
(I) p. 313. prática sistemática do grupo de animação em questão.

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o Jardim levanta VOO. Dá volta aos jardins zoológicos franceses, visita escri ta pode sempre prevalecer sobre o prazer da invenção. Em
a Itália, depois a África e a Ásia. onde ficam alguns animais do última instância. a liberdade de criação seria maior com um texto
Jardim com algumas plantas. Os outros dirigem-se para a América. totalmente exterior ao grupo que este transporia segundo a sua fantasia.
donde decidem partir. num foguetão. rumo a outro planeta mais aco- Finalmente. a narrativa arrisca-se a aparecer como definitiva-
lhedor. Chegam a outro sistema solar mas, corno não têm calor e mente fechada. e os alunos. decepcionados por encontrarem tais obs-
humidade suficientes. decidem regressar a Paris. táculos ao jogá-Ia. se vejam obrigados a renunciar fazê-lo inteiramente
Durante este tempo, em Paris. as pessoas admiravam-se e inquie- c ficar no estádio duma dramatização inacabada.
tavam-se pelo desaparecimento do Jardim das Plantas e reclama- Um ponto de partida destes oferece uma base mais sedutora do que
vam-no. O governo viu-se obrigado a procurá-lo, mas em vão. Teve muitas propostas elaboradas oralmente antes da improvisação. No
que arranjar outro que não agradava a ninguém. pois as pessoas tinham entanto. se pretendemos verdadeiramente escrever antes de jogar.
saudades do antigo. Quando se anuncia o regresso do jardim via- quo seja então sob a forma de guião, de argumento que se limite
jante. apressaram-se a transferir o novo para o buraco dos Halles. a fixar as grandes linhas das situações. sem ser demasiado embara-
O velho jardim impõe. então. as suas condições e fica sem çoso, e de todas as formas que contém já em si os gérmenes duma
grades e sem guardas. As pessoas cuidam dele e. aprendem a amã-lo dramatização posterior. Propomos. então. que o grupo prepare. den-
e a respeitar os seus habitantes. São os animais que cuidam das tro ou fora da sa la de aula. fragmentos de cenas de réplicas. referências
plantas e que organizam o abastecimento. e integram-se na vida pari- de jogos e outras sugestões através de formas livres.
siense». O objectivo desta primeira elaboração não é desembocar numa
Este texto não deixa de ter qualidades e oferece a vantagem história organizada. mas ajudar a pôr em movimento a imaginação
de partir do quotidiano deixando uma parte muito importante ao por outra forma que não a simples concertação oral. Todos estes
imaginário. Põe sérios problemas quando se trata de o jogar. Com materiais, de natureza muito diferentes. são reagrupados sem que se
efeito. exige que nos entreguemos a um verdadeiro exercíeío de trans- tenha que decidir se serão utilizados na SUB fonun primitiva no
posição . para o código dramático. no espaço da sala de aula e momento de passar ao jogo. Eles subsistirão talvez apenas a titulo
com os meios aí existentes. Neste caso. os alunos tiveram a ideia de índices duma procura, marcas duma evolução. traços materializados
de utilizar um narrador que tomaria a seu cargo os acontecimentos dum caminhar.
menos realistas e que precisaria, sempre que fosse necessário. as mudan-
ças de lugar; o que é uma solução cómoda mas discutível. A separação
muito nítida entre o texto de caráeter francamente literário e as exí- A UTILIZAÇÃO DOS FRAGMENTOS
gências da expressão dramática cria um precedente. obrigando a dis-
Num debate. numa terceira classe. sobre o tema da vida escolar.
tinguir a narrativa e a sua dramatização como dois estados sucessivos.
decidimos preparar textos que pudessem alimentar as improvisações.
Ora. nós desejamos unir o mais estreitamente possível estes dois
Embora nenhum tenha sido jogador sob forma primitiva. eis dois
processos. Receio que, neste exemplo. todos os achados ligados ao
exemplos que ajudaram a incentivar a reflexão:
significado pertençam exclusivamente à primeira fase. A expressão
dramática propriamente dita depende de «qualquer coisa mais» TEXTO 1: «ri ORIENTAÇÃO».
do que dos processos que permitem «apresentar» o texto sem que
ele mude verdadeiramente de natureza. Ainda que não tenha sido (Texto colectivo de Nadia, Silvie e Isabelle - o texto original e
apresentado com esse sentido, o trabalho consiste. no entanto. em adap- a sua forma são estritamente respeitados).
tar um texto que os jogadores porão tanto menos em causa quanto «Personagem I - Rapariga dotada que tem queda para seguir
foram eles próprios a escrevê-lo e que o velho respe ito pela coisa ciências.

148 149

1
um esquema de jogo um pouco abstracto, mas que movimenta todos
ariga medianamente trabalhadora e que
personagem 2 - Rap . _ aqueles que têm alguma coisa a ver com a orientação: alunos. pais
. deseja a mesma oríentaçao escolar. e professores. São registadas muitas situações possíveis.
_ Rapariga capaz de seguir letras mas. rec.u sada A improvisação deverá revestir de carne estes exemplos. com
Personagem 3
por causa dum professor. tem que seguir outra toda certeza captados da realidade (estamos numa época do ano
em que a orientação é o centro das preocupações dos alunos) mas
orientação.
codificados com um rigor matemático, verificamos que no meio
4 Rapariga boa aluna que deseja seguir letras das letras e números que designam as carreiras (e o futuro dos
Personagem - . b . para
mas, orientada pelos pais, aca a . por Ir alunos) estes perderam a sua identidade e são igualmente designa-
ciências. dos por números e pela sua única motivação: esta que deve ir para
I _ 1. 2 e 3 discutem entre si durante o recreio. Em breve.
ciências, letras etc.... Faz lembrar a numeração das fases dum jogo
de xadrez.
terá lugar o conselho. 1 está descansada . ~Ia ~be, ~ue
2 quer a todo o custo seguir a carreira científica,
passa. . letras.
3 tem medo. terá que fazer um exame para Ir para TEXTO 2: "GREVE DE PROFESSORES . RELI\ÇOES PAIS-ALUNOS.»

. . - para letras e
l l - a) ' 2 ' está com rapangas que vao . «-- Olha papá. amanhã. todos 0$ professores fazem greve
considera-as inferiorcs : «Pois eu sou capa~ de seguir execepto a professora de música. Previno-te que não vou lá.
., '
ClenCIaS; dec resto , hoje • só isso é quc tem interesse, o. - Que professora é que dizes?
resto não tem nenhuma sa ída. Você s vão para o cai- - A professora de música. Só ela é que dá aula e. além disso.
xote do lixo,» é das três e meia às quatro e meia.
b) 2 está com a sua amiga 1: «Sabes, est~u ~m pouc~ - Bom. está bem, se é música não vás; estou-me nas tintas para
assustada, sou capaz de não ir, tu poderas a~udar.me•. a música. Mas desde já te previno que se fosse matemática
ficaremos no mesmo liceu com alunos que sao cracks ou francês a coisa mundava de figura .
em matemática.» - Eia!!! Desta vez foste simpático; de qualquer forma a pro-
. t - o Quer seguir fessora vai-se lixar, pois ninguém irá à aula.»
rII _ 4 fala com os pais acerca da sua orten aça . .
letras e todos os professores concordam; ~1as os pais que- «(Era um diálogo entre o mel! pai c o meu irmão, ontem à
rem que siga ciências. 4 seria capaz mas nao gos~a de n~a~c­ noite, a propósito da greve dos professores. sexta-feira.)»,
m ática prefere as línguas. Discute com os pais ambicio- Este segundo texto é de natureza diferente. é um esboço apa-
sos que querem orgulhar-se da filha; e mais tarde ela terá nhado ao vivo, a acreditar no autor. onde não existe nenhuma espé-
U
ma boa situação porque, para eles, só com um curso cie de reflexão a não ser no título que se esforça por fazer entrar
• I
de ciências é que se consegue alguma COIsa.» este diálogo «espontâneo» numa das componentes previstas para o
nosso trabalho. Do mesmo modo que o primeiro, também não será
Estamo" perante um texto já elaborado que contém um~ .rc:flexáo jogado directamente. Daquela vez, pudemos reunir uns dez «frag-
. . "
\ partir -
das convençoes ' ..
dramatlcas, f IX'a uma diVisa0

em
_
serra. /' . Duas réplicas estao mentos». desde o guião com estrutura dramática elaborada até algu-
cenas e uma repartição exacta das personagens . . d' a mas notas rabíscadas à pressa. antes de entrar na aula . Todos tinham
integralmente redigidas. mais para indicar o sentido ger~l. a Irec um interesse indiscutível; em vez de abordar as improvisações de
e a atitude contraditória duma personagem do que para ~tll1zar dir _. mãos vazias, dispúnhamos dum arsenal de ideias e propostas. indi-
. O zuião é um pouco seco, esquemático. Propoe
tarnente no Jogo. I:>

151
150
___ ____ .1.. _
viduais ou colectivas, desde as mais banais às mais estravagantes, Os das pessoas. As duas raparigas olham-se. Trocam sorrisos
seus autores abstraíram dos modelos literários que diariamente têm e olhares.
diante dos olhos, pois não tínhamos necessidade disso para o nosso 4. Chegam Nadia, Elisabeth e Christíne, Christine começa a
projecto, Mas este trabalho apresenta outras vantagens que não queixar-se; Nadia e Elisabeth juntam-se-lhe,
apenas a de constituir uma reserva de ideias: ele cria o hábito de
escrever com 11m objectivo determinado sem nos preocuparmos com 5. No preciso momento em que os indivíduos da guitarra come-
uma forma pré-concebida; nós não estamos à espera dum plano ou çam a divertir-se. as raparigas saem.
dum diálogo, nem duma cena propriamente dita. Sem que tenham 6. Os rapazes da guitarra saem na estação seguinte. Christine
que se preocupar com um modelo, os alunos comunicam livremente começa a queixar-se da juventude moderna.
as suas preocupações do momento. as considerações feitas a partir
da observação do que existe à sua volta. A escrita é um instrumento
TEXTO 2: (ESCRITA INDIViDUAL).
de apreensão e de transmissão do vivido, o que não é um objectivo a
deprezar com uma turma de francês. Por vezes. a improvisação
Primeira cena: Corinc, na carruagem. segura-se ao varão. Pascale
arrasta uma reflexão sobre a escrita e incita. de seguida. ao seu melho-
espera no cais. Depois. entra na carruagem e vai ter com Corine,
ramento e transformação.
- Olá, estás boa?
- - Estou. e tu?
o
- - Oh, nada de especial, regresso a casa, como todas as tardes.
A ESCRITA DO TEXTO COMO PONTO DE CHEGADA
.- Bom, eu também, como de costume.
(Silêncio)
O exemplo escolhido assenta em dois estádios sucessivos dum
mesmo texto. O primeiro poderia caber nos fragmentos já citados: - Ah! Há alguns dias que ando com dores de rins, não sei que
é breve, lacónico, espera tudo do jogo. O segundo foi voluntária- tenho.
mente redigido por um aluno da mesma turma da terceira classe, no - Ah , cuid ado com os rins. é perigoso. hein.
fim da experiência. Ele esforça-se por se bastar a si próprio, afas- -Sim.
tando-se, quando necessário. do estrito desenrolar das improvisações.
Segunda cena: Danielle, Sophie H élenc no cais. Entram na car-
ruagem, desculpam-se a Corine e Pascalc. Sophie e H élêne sen-
TEXTO 1: (GUIÃO COLEC1'IVO). IN1'ITULA-SE «COMUNIGAI{ NO Iam-se, Daniello fica em pé. ao lado.
METROPOUTANO».
- Não gosto nada de viajar de metro!
- Oh, eu também não; toda a gente dobrada sobre si mesma,
l, Primeira cena: Corine e Pascal e entram no metro; segu-
- Ainda por cima , ninguém se atreve a falar em voz alta por-
ram-se ao varão e conversam.
que se tem a impressão de que toda a gente escuta.
2. Segunda cena: Dany, que joga o papel dum rapaz. entra c - Sim. é ridículo: duas pessoas sen tadas verdadeiramente uma
senta-se em frente delas; cada vez que elas vão «atirar-se ao lado da outra, que passam. por vezes. uma meia hora assim
à água» para lhe falar, envergonham-se. Finalmente, Dany c não trocam uma palavra.
sai. _ o t:: mesmo triste. (CRIam-se).
3. Marie-Line c Valérie entram, sentam-se no chão, começam a - Que estação é esta?
arranhar a guitarra e a cantarolar. Não há reacções da parte - Jussieu.

152 153
Terceira cena: Dany, que faz o papel dum rapaz, entra no último das didascálias (indicações cênicas): na forma como introduz o acon-
momento c fica encost ado à porta. Sophie toca H élcne com o cotovelo. tcciru ento, como anota os silêncios, as hesitações das personagens; no
- É giro! Amoroso! encadeamento das cenas sucessivas, não muito original, mas bem
- Sim. adoro este tipo de rapaz. compreendido. O diálogo procura honestamente dar conta da lingua-
- Tem um ar simpático. gem falada o que não é um trabalho estilístico c ómodo. Em resumo,
- Pensas que se lhe falássemos . .. este texto reflecte, mais ou menos aproximadamente, o que se pode
- Não sei.. . esperar dum primeiro borrão que transcreve as improvisações na
_ Não olhes assim. vai pensar que nos estamos a atirar. forma sempre intimidante da escrita, O esboço merece ser levado
_ Olha. conto até três e vou pregunia r-lhc as horas; está bem ? mais longe. talvez sobre a forma dum trabalho colectivo e. a seguir.
_ Est;'\ bem. (Corine desloca-se e põe-se diante de Sophic e Hélêne) retomado no ioao. como propomos nas qu estões que se seguem.
_ Ora bolas! (O metro pára e Dany sai).
1. Quais as regras tradicionais da escrita dramática utilizadas
_ Não se podia pôr noutro sítio, esta velha!
neste texto? O que foi inventariado com exactidão é posto
- Não fales tão alto. ela podo ouvir.
em discussão.
_ E depois.. . estou-me nas tinta s; por causa dela é que não con-
seguimos; fico lixada com isto. 2. Reflexão sobre as didascálias. Pesquisa em diferentes auto-
_ Não faças escând alo, peço-te ; faltam ainda cinco ou seis esta- res. Comparação entre épocas, formas de teatro, autores. Da
minúcia um pouco maníaca de Jean Vautier à secura de
ções.
Racine. Para que servem as didasc álias, qual o seu lugar no
(O metro pára) texto? Aproveitamos para uma an álise da s estruturas tex-
tuais (').
Quarta cena: Corine sai com Pascale, Danielle senta-se em frente.
3. No domínio da língua, estudo de autores que utilizam a lin-
Marie-Line c Valérie, que jogam papéis de rapazes. entram e seno
- t~uagem dita «falada» e a linguagem popular (Céline). Estudo
tam-se no chão contra a porta. Daniclle e Sophie olham. uma para
dum autor (Raymond Qucneau) que procurou traduzir na
a outra. Hélêne que continua chateada nem sequer deu pela entrada
grafia as invenções espontâneas ela linguagem corrente (por
deles. Maric-Line e Valérie piscam o olho urna à outra. Válérie
exemplo. os diálogos de «Zazie na metro»). Exemplos de
começa a arranhar a guitarra. H élcnc olha para elas espantada. As
autores contemporâneos pertencentes à corrente definida como
três raparigas olham-se e sorriem. Os dois rapa zes. vendo que não
o «teatro do quotidiano» (Jacques Lassalle, Jean-Paul Wenzel,
passam despercebidos. começam a ca nta r. Michel Deutsch).
- - Cantamos com eles? 4. Trabalho sobre os níveis de linguagem , A que registo pertence
_ Ah! Não. estão ali pessoas qu e podem conhecer a minha mãe; o diálogo utilizado no texto? Trabalho de reescrita numa
é m.elhor não nos fazermos not ar, iá so faltam três estações. linguagem mais cuidada. mas vulgar. Procura duma lingua-
__ Oh! Marimba-te nisso . olha a Daniclle, ela vai e nós não!» gem específica para a personagem da «velha».

Este texto não éJ excepcional numa turma da terceira classe. O seu Tex;t9J como este , quando são o sinal dum primeiro desejo de
interesse reside nas qualidades de observa ção do que se passou na escrever, facilitam. o lançamento dum trabalho de escrita dramática
turma durante as improvisações. a partir do primeiro guião. Revela com os alunos interessados. desde que não seja divorciado do jogo.
compreensão de regras simples da escrita dramática; na forma como
regula as entradas fi saídas das personagens; na abundância e precisão (') Ver, na mesma colecção, a obra . da Richard Monod.

154 155
ele sabe que existe à sua frente um interlocutor privilegiado que
4. MELHORAMENTOS ELEMENTARES
aproveita a ocasião para reformular a resposta antes de a relançar
DO JOGO DRAMATICO
aos outros. Com excepção das turmas onde se pratica habitualmente
o debate e onde os condiscípulos são considerados interlocutores
Quando desenvolvemos uma prática tal como é definida na tipo-
válidos, todas as dificuldades vêm daí; as frases mais tremulas e obs-
logia sob o número 9, o mesmo jogo é retomado várias vezes para
curas passam pelo mestre-placa-giratória que as compreende e as
que se aperfeiçoe.
Colocamo-nos, desde o início, numa hipótese de aprendizagem transforma com uma tal habilidade que já não é necessário fazer
sem preparação, sem aquisição «gramatical» prévia; as aquisições que esforço para ser ouvido.
Na verdade, não é preciso «falar alto» para se fazer compreen-
contam estão ligadas ao pôr em causa o discurso. Aperfeiçoamentos
elementares são devidos à presença do adulto e do grupo de espec- der numa saJa de aula, lugar ele dimensão bastante reduzida; por
tadores numa situação de comunicação. isso. as dificuldades têm mais a ver com bloqueamentos do que com
problema.'; técnicos reai s. Temos que fazer compreender a uns, que se
dirigem ao grupo. e aos outros. que um mínimo de silêncio e Uma
FAZER-SE VER E OUVIR
grande qualidade de escuta são necessários ao desenrolar duma
É uma exigência mínima, nada fácil de atingir, ainda que a pre- improvisação.
sença de espectadores provoque numerosas chamadas de atenção. Fazer-se ver depende da mesma dificuldade. pois o jogo conduz
O professor sensibilizado à expressão oral sabe que é necessário con- a passar do estado de indivíduo fundido numa massa ao estado de
seguir que os participantes num debate se ouçam mutuamente.' Isto .emissor de sinais, centro dos olhares de todos. É frequente acon-
é ainda mais difícil nas primeiras tentativas de jogo ; os alunos mui to tecer que os primeiros jogos se desenrolem de costas para os que
novos. com um pequeno fio de voz, os adolescentes resmungões ou olham . o mais afastado possível deles e sem que os jogadores paro.
inseguros do som que vai sair-lhes da boca, provocam sempre o mesmo çam aperceber-se da sua existência. Não pensamos incitar ao cabo-
protesto dos seus camaradas: «Não se ouve nada», Aulas de dicção tinismo quando. no decorrer das sessões, queremos que se habituem
não melhorariam grande coisa ('). A aposta consiste em afirmar a jogar pausadamente e de cara «descoberta». O aluno médio duma
que uma evolução se fará sentir com o hábito de tomar a palavra. turma média (portanto, numerosa) s6 conhece esta situação nos
e à medida que o ambiente se tornar familiar aos que jogam, eles momentos raros (e pouco agradáveis) em que é posto no banco
melhorarão a sua emissão de voz, sem pensar nisso. Para isso, dos réus. porque tem que ir ao quadro ou, no melhor dos casos, fazer
o esquema de comunicação instaurado ensina a ter em conta não uma exposição.
apenas os parceiros (aqueles a quem se fala) mas também todos os Será utópico acredit.ar que é possível uma evolução sem esforços?
outros (aqueles para quem se fala). Não há nada de mais artificial Existem sempre casos excepcionais, situações escolares sobre as quais
do que a «recitação escolar», precisamente porque não tem em é difícil teorizar. Não devemos opôr, a propósito do jogo dramá-
conta aqueles a quem se dirige ou, ainda pior. porque habitua a tico. uma situação normal de comunicação (eu falo a outros e eles
designá-los como uma massa imprecisa pouco interessada e que (em respondem-me) a uma situação que se reporta aos estereotipas da
princípio) conhecem o texto que se repetiu já tantas vezes. O resul- arte dramática e ao modelo do actor com a voz bem colocada. Ao
tado acaba por ser uma recitação feita exclusivamente para quem querer fazer demais, formaremos cãezinhos amestrados. O objectivo
dá a nota . Quanto às respostas que o aluno lança durante a aula, mínimo é habituar a tomar a palavra normalmente numa situação
escolar normaJ. A teatralidade não reside necessariamente na defor-
mação vocal, nas distorções ou nas caretas.
(1) Ver, no entanto, a tipo!ogia n.? 5, ainda que os objectivos sejam
diferentes.

156 157
- -- ----------------------~

UTILIZAR O ESPAÇO Para um primeiro melhoramento. incitamos a «jogar mais largo».


Porque é que este balcão de supermercado. onde se realizará o roubo.
o espaço escolar é constrangedor, já o repetimos suficientemente. está assim empurrado contra a parede. . entalando as personagens?
e impõe regras de vida que não se abandonam facilmente. O aluno Porquê formar um círculo uniforme e apertado à volta desta mesa
francês não se desloca ou fá-lo o mínimo possível. É instalado de do banquete familiar donde será dfícil libertar-se? Porque é que
urna vez para sempre na posição sentada e não a abandonará (talvez) este quarto onde os amigos colam cartazes os aperta num minúsculo
senão no fim da sua escolaridade. Desembaraçar a sala das cartei- quadrado formado pelas carteiras? Questões simples. muitas vezes
ras e criar um espaço vazio ao centro é sempre angustiante para os evidentes. que os espectadores colocam e que conduzem a uma
alunos, o professor ou o animador. Utilizar este espaço, é ter transformação dos lugares ; insuficiente se se espera invenções excep-
que se atirar à água, preencher um vazio tanto mais inesperado cionais, mas úteis para que os corpos se movimentem com um mínimo
quanto nem sequer uma polegada de espaço é despcrdiçada na maio- de liberdade. Queremos fazer descobrir progressivamente, do interior,
ria dos estabelecimentos , e que a situação mais familiar a todos é a função detemlinante ·do espaço numa história.
a multidão. Os raros movimentos são «movimentos de multidão» Um outro melhoramento, mais longínquo, repousa na descoberta
que ritmam o dia, segundo os toques de campainha que o dividem das convenções e nas distâncias que se podem tomar em face do natu-
em fatias horárias. ralismo. Quase sempre os jogadores entram o saem pela porta da
. As primeiras tentativas apresentam, quase sempre .a mesma fisio- sala de aula. pois há uma. e fazem pequenos vaivéns no corredor.
nomia : jogos discretos, fechados sobre si mesmos, por vezes num canto Como fazer um foguetão sem ferramentas e placas de chapa rnetã-
da sala, gestos pequenos, deslocamentos raros ou apenas esboçados. lica, um automóvel sem volante e sem quadro de comandos? Ques-
Sem dúvida que, na medida em que não é «normal» deixar o corpo tões menos ingénuas do que parecem, pois repousam sobre a ideia
vagabundear entre as quatro paredes. constrangimo-lo totalmente. da abstracção do jogo e reenviam a uma concepção do teatro (1).
E os exemplos de histórias jogadas que guardamos na memória apon- A esta descoberta liga-se a questão da escolha dum espaço
tam em más dírecções: imagina-se uma multidão de lugares impos- jogável que ofereça suficientes possibilidades para que a história se
síves de representar e ligam-se atravé s dum processo que os filmes possa desenrolar sem choques. Aos maníacos da precisão que que-
de segunda ou os maus folhetins privilegiaram - o telefone. Para rem reproduzir estúdios de HolIywood, opõem-se aqueles para quem
quê, pois, deslocar-se. se toda uma história pode organizar-se atra- nada é problema e que não vêem de modo nenhum as relações
vés de algumas conversas telefônicas. dos polícias à vítima. da vítima que devem instaurar-se entre o guião previsto e a sua concretiza-
ção. Se se joga Os Três Mo squeteiros e parece que é indispensável
aos marginais?
Por vezes, temos vontade de introdu zir exercícios que permitam saltar do candeeiro do tecto. um aluno procura seriamente qual a
uma tomada de consciência do espaço, uma ocupação diferente dos suspensão análoga que apresentaria as mesmas vantagens no que
lugares. Incitamento a moviment ar-se antes de ap render a dizer. existe à sua volta. Papel ambíguo o do animador que incita à des-
Mas será suficiente movimentar por movimentar? Sempre que pos- coberta (sim, podem utilizar a secretária, este compasso, todas as
sível. é a improvisação que facilita a aprendizagem . Porque é que cadeiras se for necessário) e refreia os ardores dos Tar zans que não
os escolares haveriam de ter uma outra visão da representação que têm nada de duplos de cinema e não sabem que existem processos
a imposta a todos os espíritos pela cena à italiana, tradicionalmente
; elevada e totalmente cortada da massa amorfa do público? A pri- C) As crianças mais Jovens não se embaraçam com semelhant es exigên-
\meira tomada de consciência é que toda a história exige o seu cias; elas sab em o que a imaginaç ão pod e tirar dos objectos ma is comuns.
iespaço próprio e que se pode utilizar todas as disposições possíveis Mas as pan6plias e outros brinquedos destinados a imitar «o qu e faz a gente
I
'para mostrar precisamente o que se quer. crescida» limitam a imaginação.
'.
158 159'
de f~sificação. Aqueles que objectam «não temos nada para jogar», presença. Para qu ê encetar uma ed ucação da manipulação de objec-
o ammado: fa~ descobrir pouco a pouco que temos tudo. desde que tos imaginários, exercitar a flexibilidade da mão e do pescoço se
tudo se saiba inventar, sem impor invenções convencionais de adulto não há um a consciência da util ização futura de exercícios seme-
familiarizado com as coisas teatrais. lhantes à ginástica? Não se trata de fazer a aprendizagem do mimo.
O, exemplo ' mostra que uma descoberta pessoal das convenções nem da expressão corpo ral no sentido em que por vezes se entende (1).
é possível desde que se tenha paciência e que jogadores CI espectadores O aperfeiçoamento em vista é a eliminação progressiva de todos os
~ceit~ as tentativas e os «meio-falhanços». Nós opomo-nos à uti- «pequenos gestas» inúteis, de tudo o que pode perturbar o discurso
hza~o de r~upas e acessórios reais que não dizem mais nada do que sustentado pelo corpo: tiques pessoais, caretas e pequenas desloca-
aquilo qu e sao e reforçam a tendência ao estereotipo. ' Nada de revól- ções inú teis. Isso não é possível sem um trabalho de longo alcance.
veres. chapéus ou óculos. nada de objectos que limitem a imaginação e nós pensamos mais em termos de iniciação do que de uma ver-
c que levam a «parecer verdadeiro», quando não é de nada disso dadeira educação gestual .
que ~ tr~ta. ~ invenções de espaço nascidas da imaginação Os pr ogre ssos evidentes de todos os grupos consistem em saber
~?l eclJva sao muitas vezes convincentes: assim. esta turma da segunda movirncnt ar-so em fun ção daquil o que q uerem dizer . Por exemplo.
classe co nstru iu um cais com as mesas colocadas topo a topo. a esta alu na da q uinta classe joga uma velha sen ho ra que passeia na
toda a largura da sala de aula. Pescadores, de costas para o público. ru a com lima a m iga. Ela interroga -se co mo é qu e irá caminha r na
pó:> bulcuçando-sc no vuzío, írnpunhnm com força nll suas lii l h u(ltu~ sala de aula como se ca minhasse nas rua s da cidade. Daí uma apren-
graças a uma imagem imediatamente perceptível. Num outro jogo dizagem de co nve nçõ es : ca min har ao ra lenti, ca rn lnhur no lugar. dos-
uma guilhotina era representada pelo rebordo duma mesa pentago- locamentos circulares, iniciação. a invenção de todos os sinais que
nal , em que um truque fazia desaparecer a cabeça num espaço criado indicam a mar cha sem para isso necessitar de a imitar directamente;
entre duas mesas que formavam um praticável. e um balão, que rolava mas isto apen as no momento em q ue a necessidade se faz sentir, isto
para os espectadores. e substituía-a no momento oportuno. Há uma é. nem sempre nas primeiras tent ativas.
terceira fase a transpor: se se joga mais largo. se se escolheu um Não a toda e qu alqu er expressão do tipo «o queé preciso é mexer-
espaço pr atic ável . como se define esse espaço em relação aos espec- -se». ma s não, também. a uma exigênci a de rigor desligada de qualquer
tadores? Quando estabelecemos um a relação frontal com o público, motivação. Para que serve sub stituir as inabilidades iniciais por
lembramos que o espaço é ilusório e mantemos presente a necessi- um gesto único, mais ou menos, mal imitado. tomado uniforme para
dade de teatralização. Nós preferimos diversificar esta relação em tod os os participantes?
f~nção daquilo que é apresentado: imagens espalmadas que exigem Mu itas vezes o tr ab alho recl amado pelos grupos é aprender
ngor, teatro em redondo 011 teatro englobando os espectadores. todas a respeitar as convenções que fixar am por si próprios; por
as tentativas são possíveis desde que não arrastem a um formalismo exem plo. uma vez delim itado o espaço . não mais se porá o pro-
excessivo. blema de sa ir dele csrouvad amc ntc durante o jogo ou de não res-
peitar as regras assentes pelos outros participantes. Com os alunos
mais novos, esta regra torna- se uma exigência maníaca e ai daque-
o CORPO E O ESPAÇO les que não a respeitem . U ma eq uipa delimita o seu compartimento
no metro; vária s pessoas entram e saem por uma porta corrediça,
Qual o papel do corpo nas improvisações. tendo em conta a
falta de um longo trabalho anterior? Serão as crianças «mimos
espontâneos» como por vezes, se afirma? r) Esta educação não pode fazer-se senão fora da sala de aula, com
O papel do corpo é semelhante ao da voz; importa que esteja voluntários bastante motivados e paci entes para empreenderem um longo tra-
presente sem nos preocuparmos demasiado com a qualidade da sua balho. talvez no clube de teatro da escola.

160 161
11
determinada pela convenção, até que um, distraído, sai pelo lado e gostaram de o jogar? Uma repetição não basta; é necessário pas-
contrário provocando uma tal indignação nos espectadores que temos sar algum tempo com o grupo, levantar algumas questões. Quem
que parar a improvisação e recomeçar. Ou , ainda mais exigentes, alu- é o ferido? Donde vinha? Para onde ia? O motorista conduzia
nos duma sexta classe fazem notar triu nfalmente, durante uma sessão com muita velocidade? Quem interveio imediatamente? Passariam
de crítica, que a porta do foguetão se abrira umas vezes para o inte- II algumas pessoas que pudessem ouvir o barulho da travagem, um
grito? Alguém chamou a ambulância? A polícia interveio num caso
rior e outras para o exterior, para grande espanto dos seus cam a-
I
radas. Aprender a abrir convenientemente uma porta segundo a prá- destes? Não se trata dum bombardeamento de questões maiêutícas,
tica mais convencional pode, em rigor, fazer-se mais tarde. Apren-
I
I
mas um convite a descobrir que pode haver aí circunstâncias que
i
der a lembrar-se da sua existência e a respeit á-la é uma exigência é útil precisar quando nos lançamos numa improvisação. É precsio ter
normal se se quer «jogar o jogo» . É necessário, an tes de mai s, saber em conta o grupo (nós somos nove), precisar os personagens que terão
deslocar o corpo neste espaç o imagin ário complicado que se deter- de intervir, escolher um espaço determinado (voltaremos a esta ques-
minou e, em seguida, movimentá-lo o melhor possível. tão), seguir o esquema clássico: espaço (s), situação, personagens-. Nós
chegámos ao seguinte guião oral: Pierre, um rapaz de doze anos, sai
de casa com o pai. Com a pressa de correr para a escola e encon-
DA ANEDOTA À HISTóRIA
trar os seus camaradas, atravessa entre dois carros e não vê um auto-
móvel que passa a alta velocidade. Cai, ferido na rua. O pai
Quando uma situação, uma «hist ória», é jogada peja primeira
vez, impressionamo-nos com a sua insignificâ ncia e secura, como precipita-se: pessoas que passam, alertadas pelo barulho, juntam-se- I
1I
I
acontece também com certos textos livres. Sem qualquer preocu- -lhe. Diálogo com o automobilista e entre as pessoas. Que fazer
pação de pormenor ou de organização, os jogadores passam o mais do ferido? Um vai prevenir a polícia . Agressividad e dos polícias
rapidamente possível do princípio ao fim como se estivessem apres- para com o condutor. Discussão entre um polícia e uma das pes-
sados em acabar com uma siutação incómoda. Para muitos, viver soas, esta reprovando-lhe o facto de ter removido o ferido. A ambu-
o jogo com intensidade e rapidez é o bastante, E com toda a sua lância chega e a criança é conduzida ao hospital. As pessoas reto-
boa fé, nem sequer imagin am que se possa não compreender o mam o diálogo (comentário da situação).
que acabam de fazer e, impied osos para com os outros, são-no mui- Os papéis são distribuídos: o pai , o rapaz, o condutor, um
tíssimo menos para consigo próprios por falta de recuo relativamente polícia de mata, três pessoas que vão a passar, dois homens da ambu-
àquilo que acabam de jogar. lância . Precisa-se o espaço a utilizar (a rua) assim como as entra-
Um grupo da sexta classe quer jogar «um acidente de auto- das donde aparecerão as personagens.
móvel»: o motorista instala-se numa cadeira. faz «vrruurn, vrruum» O jogo é retomado uma vez sem espectadores (durante um tempo
(o motor), depois «iiiiii» (os tra vões). O corpo, ferido, tomba; a de concertação) e dividimos a história esboçada para a jogar sequên-
ambulância (pim paro. pim pam) chega , leva-o, e é tudo. De má cia por seq uência e indicar com exactidão os momentos em que as
fé, os que observam não têm outro comentário senão o clássico «não personagens entram em jogo. A tarefa não é simples: o ferido está
Se percebeu nada». Que fazer? com pressa de se atirar para o chão e jogar a sua cena; o «pai»
Neste tipo de situação, pretender-se não dircctivo parece-me uma desata a rir ao ver o «filho» deitado aos seus pés ; as pessoas que
verdadeira blague. .Se o professor não ajuda a desenvolver e a passam não têm nada a dizer; o polícia chega demasiado cedo, fazendo
:I formular • nada mai s se produzirá e os alunos sairão da escola como barulho com o escape da mota . O animador é tentado a regular
entraram, sem o domínio de qualquer linguagem. Talvez seja de tudo isto o melhor possível e transformar-se em encenador, como
não nos lançarmos a todo o custo num trabalho de lon go alcance os alunos parecem esperar. Mas é necessário encontrar um equilí-
se a própria história não os interessa; mas se escolheram o assunto brio entre a organização da história e as exigências do jogo que não

162 163
se deve transformar num dever de tipo escolar. Apresentamos o
A história, demasiado sobrecarregada, é. então. reduzida. pelo menos
resultado do trabalho aos outros e, desta Vf2, é muito mais claro,
provisoriamente, a uma das suas sequencias que trabalhamos em por.
ainda que as críticas chovam. Elas vão permitir, pelo menos, pôr
menor. O trabalho é, por vezes. de tal modo absorvente que aban-
novamente em causa o esquema adoptado. Nesta abordagem colec-
donamos o resto da primeira proposta ou deixamo-lo de reserva.
tiva a preocupação do racional não deve sobrepor-se ao puro prazer
É uma técnica bem compreendida pelos alunos mais velhos que vêem
do jogo: onomatopeias diversas. imagens do automóvel. da rnota, da
neste primeiro lançamento a oportunidade para fazerem um grande
ambulância, tudo o que dá um prazer imediato e concreto, tudo o
número de propostas, grande parte das quais sabem que é preciso
que permite fazer barulho e dar a sensação de se deslocar a toda
abandonar. Neste caso, o melhoramento do trabalho passa por uma
a velocidade, com uma grande ingenuidade. O objcctivo era inserir
reflexão sobre as escolhas a fazer e pela escrita dum guião que per-
na turma este grupo designado como «maus alunos», desprezado pelos
mite fixar as sequências escolhidas e estruturar a história.
seus camaradas, os quais, desde há muito. estavam preparados para
Uma turma da terceira classe propôs como ponto de partida o
uma reflexão mais elaborada. Além disso, eles não esperavam do
seguinte: três rapazes estão sós no café; entra um grupo de rapari-
jogo senão um prazer individual. o que explica as suas dificuldades
gas atrevidas que os irrita, provoca c, cm seguida, abandona-os.
em prever um esquema que faça entrar na história várias personagens
A improvisação dura mais de vinte minutos. e de tal forma o
ao mesmo tempo. Este trabalho põe em causa tanto as aptidões
tema escolhido os toca que, desta vez, o prazer imediato do jogo
para se exprimir em grupo como de imaginar a dramatização duma
se sobrepunha a lodo o desejo de dizer com precisão. O que não
anedota. É. talvez, pedir muito de uma só vez, mas estes dois pro-
impediu de prever corno seguimento um guião organizado e ligado
cessas parecem-me inevitavelmente ligados.
a uma interrogação sobre a natureza do discurso sustentado.
Nem sempre é possível uma evolução tão radical. porque ela
põe em causa demasiados hábitos escolares ou culturais. Uma turm~
A ESTRUTURAÇÃO DA NARRATlVA
da sexta classe que jogara com brio (é a palavra exacta) «O aru-
versá rio do avô» numa forma de boulevard onde nada faltava (ditos
O problema inverte-se. por vezes, em turmas que aparenternnte
espirituosos, gags, personagens caricaturais ou amaneiradas ~m vo:es
não têm dificuldades em imaginar mas que, pelo contrário. se lan-
contrafeitas c composições físicas) confessou, durante a discussão,
çam, desde os primeiros momentos, em improvisações tagarelas, inter-
que o teatro «era para fazer rir» e que era. portanto, necessário encon-
mináveis, dificilmente compreensíveis pela abundância de material.
trar todas as ocasiões para isso. Queriam mesmo trazer roupas e
No prazer da invenção, eles atacam sem reflectir, à procura de
maquilhagcm para que fosse mais c órnico, N~o havia aí já na?a
aventuras férteis em ressaltas complicados. Várias personagens
a melhorar, não falávamos já das mesmas cotsas, de tal maneira
desfilam. os lugares multiplicam-se, a linguagem invade tudo, aca-
tinham sido habituados (adestrados") a conceber o teatro desta forma.
bando por provocar o aborrecimento dos que observam c a inquie-
tação do professor. Se é preciso obrig á-los a parar. como fazer?
Não é útil precipitar as coisas; um comportamento deste tipo corres-
o [){ÁLOGO
ponde sem dúvida a uma necessidade antiga ou reprimida ou a um
desejo de brilhar que não encontrou ainda saída. Por vezes, este
Um outro melhoram ento que se pode esperar é que todos os
jogo logorreico é acompanhado de entradas e saídas decalcadas do
participantes encontrem um equilíbrio nas suas intervenções. Impro-
teatro de boulevard,
visar o diálogo é aprender a estar atento às pistas lançadas pelos
Se a improvisação é demasido fluída a ponto de ser pouco com-
outros, sentir o momento de entrar em jogo e aquele em que se corre o
preensível, o seu melhoramento passa pelas críticas feitas do exterior.
risco de se tornar um invasor. É aprender a reconhecer aquilo que relan-

164 165
çará a acção e aquilo que a enredará definitivamente nos meandros do
cabonitismo. Trabalho difícil e que supõe uma grande atenção às
qualidades de cada um. Como adivinhar que a rapariga, hoje cala-
dinha, saberá encontrar um lugar daqui a algumas sessões? Que
o insuportável tagarela que faz palhaçadas à frente da cena vai apren-
der a calar-se? O professor que conhece os seus alunos é quem,
tendo em conta a atitude quotidiana dos participantes no seio da
turma, melhor sabe notar as verdadeiras dificuldades e as divagações
benéficas.
Também aqui é preciso ter paciência c esperar do grupo que
segregue as suas próprias defesas contra os cabotinos invasores ou
que ajude, sem ostentação, os mais discretos a encontrarem o seu
lugar.
Em todo o caso, as correcções brut ais que seríamos tentados a
introduzir (este fala demasiado, aquele fala o suficiente) revelam-se
inúteis.
Em contrapartida. pela prát ica, os jogadores ap rendem as vir-
tudes do silêncio, descobrem por dentro que opalavriado incessante
v-o DISCURSO SUSTENTADO
nunca diz mais do que uma acção discreta feita no momento opor-
tuno. Uma vez mais. os espectadores do jogo. pela sua qualidade
PELO JOGO
de atenção nos momentos que eles sabem fortes. pelas suas críticas
ulteriores. são dum peso determinante neste trabalho de reconheci-
mento.
Estes exemplos colocam os limites dos melhoramentos técnicos .
A maior parte deles não se justificam e apenas têm valor na sua
ligação com a procura dum discurso original e dominado.

166
A questão do conteúdo do jogo S!.1 foi abordada, até agora. de
de maneira secundária. porquanto se encontrava estreitamente
ligada a objectivos já postos em causa. Em todas as sessões de tra-
balho onde partimos de temas propostos pelos alunos ou de situações
inventadas por eles. as suas escolhas são reveladoras. Não pro-
pomos um levantamento sistemático de todos os temas a partir de
um corpus definido cientificamente. mas antes um conjunto de notas
referentes a uma centena de sessões de trabalho na primária e sobre-
tudo do primeiro ciclo do ensino secundário. Veremos. a seguir, como
é que o discurso sustentado pode ser posto em causa e quaJ o inte-
resse de trazer materiais exteriores ao que se convencionou chamar
imaginação.
Não é nosso desejo opor. de maneira sistemática, situações que
seriam definidas pela sua estrita ligação à reaJidade a outras que
só dependeriam da ficção . Para a exposição, agruparemos numa pri-
meira categoria as situações provenientes do quotidiano e numa
segunda categoria todos os jogos que são inspirados de muito perto
numa «cultura» comum à maioria das crianças em idade escolar
(filmes. folhetins da televisão. bandas desenhadas e narrativas roma-
nescas), todos aqueles que estão marcados por influências facilmente
detectáveis. Não é corrccto excluí-los completamente da «realidade»
ou da «vivência» das crianças, porque se misturam estreitamente nela,
criando toda uma rede de interferências com a sua percepção do
quotidiano ou pelo menos com a maneira como o restituem. Como
é que os nossos alunos projectarn o seu mundo interior pela expres-
são dramática e em que medida é que os modelos culturais que os
rodeiam vêm alterar. modificar ou pôr profundamente em causa
toda e qualquer expressão que se desejaria original?

1. SITUACõES INSPIRADAS NO QUOTIDIANO

Muitas situações escolhidas pertencem ao universo quotidiano


das crianças, quer porque os mais novos praticam espontaneamente
«jogos de imitação» que visam reproduzir o mundo que os rodeia.

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'q uer porque os mais velhos e nomeadamente os adolescentes encon- ao cinema? Com a mesma intenção é apresentado o adolescente
tram no jogo ocasião de pôr cru acção problemas de relacionamento que regressa a casa à noite. Como é que é acolhido? Como é que
ou situações conflituosas. reage? Irá a correr fechar-se no seu quarto para ouvir discos que
estão na moda recusando-se dirigir palavra seja a quem for. ou esfor-
çar-se-á por manifestar interesse por um programa de televisão que
A FAMíLIA os seus pais vêem com paixão?
Alguns guíões situam socialmente as famílias apresentadas. sem-
A família e as relações familiares são um ponto de partida pre com a finalidade de provocar interrogações: será uma família
corrente; numerosos guioes organizam-se à volta do «almoço em modesta mais liberal do que uma família rica? Pais pouco abasta-
família» vivido como um momento importante porque reúne os mem- dos podem mostrar-se mais generosos na atribuição do dinheiro?
bros da célula familiar a horas fixas. A refeição é também (e pode- Dois guiões característicos apresentavam sucessivamente urna fanúlia
mos lament á-lo) o momento em que os conflitos rebentam aberta- rica ocupada com as últimas compras a fazer antes de partir para a
mente. É sobretudo durante as refeições que encontramos o pai Bretanha onde iam «praticar veia» e uma família modesta cujo pai.
e que Cada um faJa aos outros das suas uciividndcs . que tinha feito «sacrifícios para alugar uma casa para as férias».
Poucas sessões de trabalho escapam aos estereotipas da refeição ficava muito surpreendido ao saber que as filhas reivindicavam férias
em família:o pai autoritário c exigente, a m ãe preocupada com a independentes. desejando uma ir acampar com amigos e a outra para
preparação dos pratos ou apena s atenta ao serviço e (sobretudo na uma colónia de férias.
sexta e quinta classes) as crianças à espera do momento para se esqui- Uma outra função da família é o exercício do direito de vigilância
varem. ou fazendo asneira sobre asneira. sobre os resultados escolares; na sexta e quinta classes joga-se, de
É. sem dúvida. o papel do pai que é jogado com a maior auto- preferência. a chegada das notas e as recriminações paternas. Mais
ridade e o maior prazer. tarde. estas são acompanhadas por um discurso moralizante sobre o
Por vezes. ultrapassam o quadro estreito da célula familiar (pai. futuro sombrio que espera o adolescente preguiçoso e sobre o exem-
mãe. filhos) para pôr em cena um verdadeiro «banquete» com tios. plo dos pais que deveriam seguir. O que é uma oportunidade para
tias e avós. primos e primas. E..stcs banquetes são propícios a desenvolver o contra-discurso vingador da parte do incriminado que
alusões pérfidas. a discussões insuportáveis entre adultos. Aí. critica sem piedade o modo de viver dos seus pais: «Vocês já não
as crianças aparecem como «os que fazem disparates». como têm curiosidade por nada. não fazem outra coisa senão ver televisão.
«insuportáveis» e apanham constantement e bofetadas. Por vezes. não se amam. gostava de saber porque é que casaram; não quero.
estão na origem dos conflitos entre adul tos quando 11m destes (mui. por nada deste mundo. tornar-me igual a vocês».
tas vezes um dos avós) se põe a defender a miudagcm. Os adolescentes projectam-se também no futuro. Encenam
Os adolescentes que encontramos querem antes mostrar várias rec ém-casados de regresso de viagem de núpcias que tentam «reen-
famílias do que uma família-tipo I: põem- se a si mesmo em cena centrar» os pais. projectam diapositivos-lembranças, suportam per-
com a intenção de provocar o debate. Assim. no mesmo grupo de guntas e alusões. integrando-se num modo de vida que os teria revol-
trabalho. acontece que se opõe uma família onde a educação é tra- tado alguns anos antes.
dicional. uma fanúlia onde a relações entre pais e filhos são vivi- Páreo- que mais tarde. no segundo ciclo. a família já não tem
dos na base do diálogo e da compreensão mútua. Reencontramos a mesma importância passando para segundo plano em favor de
nas diversas narrativas as questões que os preocupam: como sair da temas muito mais abstractos como a amizade. a poluição. a explo-
família. escapar a uma tarde de domingo que vai passar-se em frente ração. o racismo. Teve. no entanto. um papel de primeiro plano
da televisão. encontrar o dinheiro necessário para levar a namorada na temática dos adolescentes e pré-adolescentes.

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Assistimos a cenas de mexericos no mercado. reveladoras da vida
A ESCOLA E A VIDA ESCOLAR
do bairro, a disputas de vizinhos que se queixam do barulho exces-
o tema da escola já foi abordado a propósito dos jogos de sivo feito por uns e por outros e atiram à cara tudo o que a pro-
d~~pr~ensão. Em primeiro lugar, encontramos o simples jogo miscuidade torna insuportável: os gritos das crianças, a televisão
~e mutação, a reprodução mais exacta possível duma lição de ginás- barulhenta, os saltos dos sapatos demasiados sonoros e as cenas con-
nca quo agrada muito, levada a cabo por uma menina que sonha jugais ruidosas. Disputas no parque de .estacionamento (por causa
ser professora. Por vezes, inserem aí uma peripécia: um aluno de um lugar) ou no super-mercado. O prazer inicial da imitação
empurrado por outro caiu e aleijou-se o que provoca a entrada em dócil (as boas donas de casa fazem demoradamente as suas com-
cena do sub-dircctor e da enfermeira escolar. Venturas e desven- pras) transforma-se na encenação do conflito hem observado: «Eu
turas da vida quotidiana do estabelecimento. estava antes dela na caixa, porque é que não me atende; quem é
Os mais novos gostam de pôr em cena um professor desagra- que esta se julga?»,
~ável ou autoritário (eo professor de matemática, horrível que cas- O jardim do bairro é o lugar privilegiado para numerosas impro-
tiga a torto e a direito»). Insistem nas suas manías ou nos seus visações: diálogos de velhotes nos bancos, encontros de namorados,
compo~tamentos ridículos. Na maioria dos casos, é a ocasião para monólogos de ociosos que não se sabe se provêm da observação
uma vingança elementar contra um indivíduo que todos conhecem, ou de estereotipos transmitidos por um grupo etário a outro. Além
m~s um jogo deste tipo revela também as relações de força que dos inevitáveis desastres de automóveis, aparecem ainda discussões
existem no seio da instituição. com a. polícia OUi agentes de trânsito.
Descrevem conflitos muito reais que, para os não iniciados,"pare. Por vezes, a história é mais original: numa turma da quinta
ceru bagatelas. Contam como é que os alunos da terceira classe classe, .um homem explica demoradamente ao seu cão, que o segue
foram castigados por terem estado a fumar nas casas de banho. por toda a parte, que vai ter que o abandonar porque a vida está
~scobre-se, assim, que essas mesmas casas de banho têm um papel difícil e já não tem dinheiro que chegue para o alimentar. Numa
importante na vida di ária do aluno; é o lugar de encontros, dos outra, uns marginais que se instalaram num pátio dum bairro social
«rendez-vous» pouco lícitos, das trocas de objectos, o lugar proibido são vítimas das reflexões desagradáveis dos inquilinos até que, um
e secreto porque escapa ao controlo e à vigilância. Lugar revelador dia, um deles reconhece. entre os mendigos, um velho camarada de
da hierarquia (os professores têm as suas c são «tabús») c das castas; tropa com quem enceta um diálogo divertido acerca dos méritos
uma rapariga não ousa aproximar-se dum grupo de rapazes que dis- respectivos da vida que levam.
cutem «negócios» no círculo reservado, quando habitualmente tem As cenas no metro são inevitáveis nas crianças parisienses que
com eles relações amigáveis. aí reconhecem um exemplo único de mistura de pessoas, de raças
Podemos acrescentar a estes lugares comuns sobre a vida em e de grupos sociais. Uma greve dos clectricistas renovou o reportó-
~rupo alguns relatos de excursões, de piqueniques entre arnígos, de rio e vimos uma série de jogos de «avarias do metro» que se ins-
fins de semana no campismo que são levemente dramatizados por piravam na anedota bem observada e no exorcismo duma velha
necessidade do jogo. angústia.
Todas estas -cenas são menos frequentemente escolhidas pelos
adolescentes que se preocupam, sobretudo, em pôr-se em cena a si pró-
CENAS DE RUA E DA VIDA DO BAIRRO prios e em fazer o ponto da situação das suas relações familiares, ami-
..gáveis e amorosas.
São menos numerosas do que as cenas ligadas à vida familiar e
escolar, mas o meio que rodeia as crianças aparece, no entanto, atra-
vés das histórias .que se referem, sobretudo, a conflitos do dia a dia.

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t,
. L
24

OS PEQUENOS ACONTECIMENTOS DO DIA- A-DIA A AVENTURA SEXUAL

Salvo algumas cenas de roubo que foram. talvez, observadas direc- O assunto escolhido pode ser uma oportunidade para inter-
tamente, todo um reportório de fa ctos inspirados na cr ónica dos rogações sem relações aparentes com a escolha inicial. Vimos como
pequenos acontecimentos reproduz o que foi anteriormente filtrado as férias na neve tinham estado na origem de uma série de cenas
pelos mass media mas com tal intensidade que acaba por pertencer de sedução e de uma interrogação sobre a vida do casal. As cenas
ao quotidiano. Este reportório é um a decepção para os espectadores Iamilia res, representadas na terceira classe. acabam, por vezes. depois
adultos .porque é constituído sobretudo por estereotipes e parece não de alguns desvios. pondo em causa a experiência sexu al duma maneira
deixar nenhum espaço à imaginaçã o. No entanto, são cenas que mais ou menos clara. Levar uma amiga ao cinema. é subentender
rcflcctcm uma verdadeira fascinaçã o c. tal vez. uma ang ústia perante que poderá surgir um flirt: dar um passeio pelo jardim público. é
acontecimentos mal assimilados. um pretexto para que o assunto escolhido su rja a dado momento como
À cabeça, vem o assalto aos ban cos. São ra ras as turmas onde por acaso, ligado a preocupações reai s relacionadas com a descoberta
os rapazes não escolhem. primeiro. este assun to. A sua dramatização sexual. Torna-se difícil , neste ca so, lima classificação da fábula numa
não é muito convincente, e a narrati va é elementar c muito subjectiva. categoria precisa, dado que a realização da história através dum conjunto
Para a maioria das crianças é um a oportu nidade p-a ra fingir que de meandros dramáticos nos permit e voltar às questões que preocu-
manipulam anuas, fazer o papel de «ma u» sem cu star nada e sem pam directamente os que representam.
nenhuma preocupação de verosimilhança. Os empregados do banco Acontece, por vezes, que o assunto é colocado sem equívoco.
nunca oferecem resistência, nenhuma protccção parece estar prevista Numa turma da terceira classe . de dezanove raparigas, na quarta ses-
para os cofres que são abertos como por magia. Na maioria dos são de trabalho, três alunas propõem o tema de um baile e como
casos, tudo acaba num jogo de políci as e ladrões apenas melhorado. personagens dois homossexuais. trê s «meninos do engate», depois
As histórias de crianças raptadas abundaram durante o ano todo. duas lésbicas. umas «gajas», um rapaz, uma rapariga e um empre-
Em parte, porque correspondiam a uma multiplicação de casos ali- gado de mesa. O jogo é um pretexto para falar do que as preo-
mentados pela imprensa e que podiam. assim. servir de modelos. em cupa: a aventura sexual. Aqui. os devios são diferentes, as raparigas
parte porque este assunto corresponde a uma a ngústia anti ga e recal - escolhem personagens que lhes permitem distanciar-se (os hornos-
. cada em muitas crianças que procuram , talve z por esse meio, uma sexua is. os meninos do engate). pelo menos numa primeira fase.
maneira de exorcizá -la. Infelizmente, as situa ções escolhidas são sem-
pre pobres ou muito limitadas. A históri a desenv olve-se com a a juda
de processos simplistas (as chamadas telefôn ica s sucessiva s) e seguem
um esquema fixado de uma vez para sempre : rapto , rápido e brutal, 2. SITUACõES INSPIRADAS EM FICCõES CONHECIDAS
ameaça aos pais. inquérito desajeitado.
Ainda em função da actualidad e, assistimos ao desvio dum Durante uma primeira sessão de trab alho. os assuntos propostos
avião ou a uma reportagem sobre o primeiro voo do Concorde. pelo s alunos são, por vezes. directarnente inspirados em modelos cul-
TOdos estes assuntos são acompanhados de ce nas de roubo nos gran- turais que lhes são familiares. Por vezes. a imitação é confessada.
des armazéns, na rua (roubo da mala de uma senhora idosa) ou , o modelo citado (nesse caso, o seu título é utilizado), outras vezes. a
às vezes, um ajuste de contas entre bandidos, nem sempre fácil de história utilizada é disfarçada. Podemos interpretar essas escolhas
determinar se foi inspirado num acontecimento real ou numa história como uma forma de prudência. uma recusa de se descobrir deixan-
policial de tipo tradicional. do-se levar a confidências íntimas: mas a tradição escolar também
habitua ao refúgio através de exemplos e não é de admirar que

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alunos pouco habituados a serem convidados a um discurso pessoal
per ipécias que valori zam a coragem dos aventureiros (haverá oxigênio
se refugiem por detrás da sombra reconfortante dum autor de folhe-
em quantidade suficiente para todos OS ocupantes do foguetão e
tins, dum romancista para crian ças ou dum especialista de banda
carburante para chegar à terra?), as zaragatas em «saloons» que
desenhada.
permitem atirar algumas piada s imbecis no meio dum jogo de
o CINEMA, A TELEVISÃO, A BANDA DESENHADA cartas, os assaltos a bancos e ajustes de contas entre marginais.

As formas iniciais não põem muitos problemas, e os assuntos pro-


postos provêm de horizontes bastantes diferentes, sem que a sua O TEATRO; A LITERATURA
transposição no quadro da sala de aula ou dum jogo com vários
participantes e sem adereços faça hesitar os que os esoolheram. O teatro está mais presente do que se poderia imaginar, sobre-
Assim, os alunos do 2.0 ano dum Curso Médico optam. sem hesitação, tudo o teatro de boulevard através da sua versão televisiva «Noite
por uma nova versão dos «Dentes do Mar», um filme americano que de Teatro». As raparigas parecem mais interessadas por este
faz grande sucesso na altura em que os encontramos. Outros pensam modelo do que os rapazes e. sem se preocuparem demasiado com as
na versão filmada da «Flauta de seis Schtroumpls» que põe em cena intrigas compli cada s. é sobretudo pela apresentação do modo de
personagens imaginárias da banda desenhada. os famosos «Schtroum- viver das classes sociais favorecidas que este reportório se impõe.
pfs» cuja linguagem os diverte muito. Há vários meses que os kara- Como esses jogos não se referem muito a um argumento determinado,
tekas e outros especialistas em combates espectaeulares invadem os foi pela repetição constante de formas simila res, em turmas diíeren-
.écrans e atraem a atenção de uma vasta camada de imitadores. feli- leso que acabámos por reconhecer neles a influência do «boulevard».
zes por poderem identificar-se oficialmente com as suas personagens É o caso do tema trazido por uma rapariga da quinta classe. uma
preferidas. Mas é, evidentemente, a televisão quem fornece a maior «vida à larga», que põe em cena a mãe, a criada, a tia. depois a
quantidade de esquemas tentadores. quer por intermédio dos nume- filha e a sua governanta particular, a filha e a sua amiga. Vive-se
rosos filmes que programa. quer pelos folhetins de tipo policial, os uma vida muito mundana, representam-se grandes primeiros papéis
westerns, e. por vezes, a ficção científica. É difícil identificá-los por- muito inspirados na «Madame Bovary» e, sobretudo, ralha-se com a
que os estereotipes utilizados referem-se muito mais a um «género» criada ao longo da improvisação. A presença duma criada maltra-
do que a uma intriga determinada. Dum modo geral. são as bana- tada e que concentra nela todos os defeitos das «empregadas» é uma
lidades dos filmes de aventuras que reaparecem mais claramente: das constantes nestes temas escolhidos. é necessário referi-lo. nas
heróis invencíveis e corajosos, viagens perigosas das quais se regressa escolas de bairros popul ares onde isto é tudo o que se conhece da
sempre sem dificuldades de maior, combate onde nunca se é ferido «grande vida».
(daí os grav es problemas de distribuição: quem fará o papel de «mau». A litera tura infantil é representada por narrativas policiais ou
quem aceitará ser vencido ou morrer durante os primeiros minutos aventuras onde os heróis são cria nças. Os títulos mnis populnres
do jogo?). Cada vez que uma turma mista recorre a este tipo de perten cem à série «Clube dos Cinco» de E. Blyton. À primeira vista.
'intriga, as raparigas são eliminadas da distribuição com agressividade. não é influenciado pela televisã o. mas só um estudo pormenorizado
Os jovens heróis parece que só se lembram dos estereotipas que lhes poderia dar conta das influências cxactas. Nunca notamos intrigas ins-
interessam e as cenas onde poderiam intervir personagens femininas piradas num conto. a menos que sejam impostas por um adulto. Em
sãoeompletamente banidas das suas memórias. contrapartida, os textos escolares ocupam provavelmente um lugar
Citemos, rapidamente. as viagens de foguetão com desembarques mais importante do que imaginamos. através das cenas escolhidas
.em planetas desconhecidos e regressos triunfais depois de algumas de Moli õre (aí também há eriadas maltratadas mas que se defendem),
de 'J ules Romains e Mareei Pagnol, nas turmas da sexta classe.
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Os assuntos de todos estes jogos não têm surpresas; permitem seduziria pela sua originalidade. Como Snyders afirmou, «para o
sonhar com meios sociais que se admiram de longe. com proezas aluno». a originalidade não consiste em descobrir uma direcção com.
que, sem dúvida, nunca se poderão igualar. com a venturas onde os pletamente nova - c quando é isso que se pretende. de facto, recai-
sobressaltos da vida quotidiana são esq uecidos. As crianças são mos na banalidade - mas sim em viver pessoalmente, com as riquezas.
as primeiras vítimas das moda s cinem atográficas c representam. já as nuances, as modificações introduzidas pela sua personalidade, uma
há alguns anos, uma clientel a pouco desprezível do ponto de vista direcção já existente, e, talvez. também, a pouco e pouco, acrescen-
comercial e completamente permeável às ideologias mai s reaccioná- tar-lhe alguma coisa, ou antes, inflectir-lhe o seu caminho» (1).
rias. Não nos admiraremos de encontrar nos seus assuntos preferidos Utilizar uma forma nova, ou uma outra forma não conduz, pois,
as componentes de um mundo imaginário que nada tem a ver com a uma renovação radical do conteúdo. O que não quer dizer que
os contos cor de rosa aos quais desejariam por vezes cingir-se. No dar a liberdade de escolha dos temas reenvie a um pseudo-libera-
que diz respeito à sua «criatividade». ela passa. quase sempre. pela lismo, nem que o professor. ao fim de um período obrigatório de
reprodução dos modelos mais estafados. equívocos. intervenha finalmente como a pessoa que sabe. tornando.
assim , inútil todo o trabalho anterior dos alunos.

3. CENSURA PRÉVIA OU CRíTICA DO CONTEúDO?


UMA ESCOLHA lNVTIL
Podemos jogar tudo? Devemos deixar jogar tudo? Para quê dei-
xar jogar histórias tão pouco interessantes? São as três interroga- Acreditamos num processo que autoriza o nascimento de todos
ções comuns a muitos professores e animadores desiludidos pela os discursos sem excepção -. Os alunos devem sentir-se livres de Jogar
observação de dramatizações esté reis e repetitivas que imitam, COIU uma banda desenhada ou o extracto dum western, uma refeição em
grande esforço, narrativas estafadas ou decalcadus naquilo que o família ou uma cena de sedução num baile. sabendo que nenhum
mundo tem de mais pálido c mais redutor. juízo de valor é feito acerca da qualidade ou do interesse do que
Observações tão pessimistas nascem, talvez . e nem sempre cons- eles apresentam. Tudo o que é jogado é digno de interesse, a partir
cientemente, duma concepção rnistificadora da criatividade infantil do momento em que o levamos a sério e que nos propomos reflectir
ou de esperanças exageradas postas no jogo dramático. em conjunto acerca do que acaba de ser dito.
Uma Vf:Z que o processo teatral destes últimos anos é acom- . O professor não tem que fazer. à partida, uma escolha entre o
panhado por um discurso psicol ógico ou terapêutico que tende a que seria possível jogar e o que seria menos. usando, assim. dum
fazer crer que tudo será resolvido pelo indivíduo e para o indivíduo. .direito de censura em nome do que convém representar. As razões
existe a tentação de se deixar embarcar na esperança duma prática artísticas da escolha não são muito aceitáveis, mesmo se alguns assun-
pedagógica nova que seria uma panaceia que resolveria, duma só vez, tos conduzem mais rapidamente a um resultado e garantem um «êxito»
todos os problemas do mundo escolar. Ora, é necessário repeti-lo, porque são mais espectaculares ou permitem uma organização mais
a expressão dramática não é mais do que um instrumento, talvez rápida do discurso. A escolha faz-se no interior dos grupos. sem
um pouco particular pela elaboração que exige, mas que não deve que tenhamos ilusões acerca duma justeza absoluta das escolhas.
ser, por sua vez, mistificado. O conteúdo espontâneo dos jogos não Um assunto pode ser imposto por um leader da turma ou por um
pode ser muito diferente do que os professores experimentaram nou- pequeno grupo mais hábil a fazer aceitar o seu ponto de vista, sem
tras formas de expressão. que haja realmente discussão.
O desejo da criança não é uma forç a vital, espontânea e natural;
raramente assistiremos à eclosão dum discurso que, repentinamente, (') G. SNYDERS op, oito p, 305.

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o olhar sobre o jogo é tão importante como o próprio jogo; pre surgir uma descarga afectiva incontrolada a propósito do assunto
ajuda a tomar consciência da natureza do discurso produzido e a mais inofensivo. Devemos considerar. nesse caso. que cabe ao grupo
lançar as bases para um outro discurso mais completo. mais pes- «medir» o assunto proposto e tornar-se apto a dominar o que quer
soal. mas lúcido porque melhor dominado. ' O grupo deve habituar-se dizer. O silêncio ou o discurso reprimido pode confortar o profes-
"a considerar a cena representada como não evidente. Como Brecht sor, mas não é uma solução aceitável a longo prazo. Na prática.
dizia. «O que é evidente. isto é. a forma particular que a nossa não é difícil con seguir uma crítica sólida em cada etapa da progres-
consciência adquire. a experiência quotidiana. desaparece quando a são. Muitos grupos manifestam a sua auto-satisfação. e os que obser-
sua evidência é negada pelo efeito de distanciação e transformada, vam não sabem avaliar espontaneamente o alcance do que é dito
a seguir, numa nova compreensão,' ('), A verdadeira aposta é che- senão através de juízos de valor ou criticas mesquinhas e pouco úteis.
gar pouco a pouco a uma nova compreensão de tudo o que foi apre- Isto é particularmente notório quando o jogo veicula uma grande
sentado. A originalidade a todo o custo encontra-se. assim. sem quantidade de lugares comuns de que já ninguém nota a real projec-
objecto. Todos os materiais lJue intervêm no jogo pertencem ao ção, Daí o interesse de utili zar técnicas que habituem a considerar
mundo. é o mundo que está em causa. é sobre ele que procuramos o aspecto «ins ólito» do que é apresentado. de mudar a distância focal
lançar um olhar diferente. com que se considerava o assunto para que ele tome toda a sua
No debate. no centro da saIa de aula. interrogamos lodos os verdadeira significação. O papel do adulto consiste em conseguir
materiais trazidos. qualquer que seja a sua origem o~ as qualidades instalar esta rede de processos de análise que vão ajudar. pouco a
culturais que usamos atribuir-lhes. pouco. a criança a decifrar o mundo. a adquirir uma liberdade que
não seja fictícia. Uma estrutura firme e instituída pelo adulto deve
existir. a fim de permitir a avaliação con stante cio que é dito. É no
ALGUMAS DIFICULDADES interior cicia que a criança conhece uma verdadeira realização.
Projecto ambicioso face a um instrumento expressivo fortemente
Quais os riscos que corremos? Em primeiro lugar, que os marcado culturalmente c suficientemente forte para deixar marcas
alunos se interessem durante muito tempo por um assunto que. mais profundas nos espíritos e nas sensibilidades. Projecto indispensável
tarde. se verificará que não o merecia. Mas seria menosprezar as para que a expressão drnmatica possa ter urna real projecção,
reacções dum grupo acreditar que este suportaria por muito tempo
trabalhar sobre um tema que já não lhe interessa. Pelo contrário.
4. CRíTICA PELO DEBATE
pode ser uma pena afastar demasiado cedo propostas que só o adulto
considera desinteressantes. Em segundo lugar, existe o risco de o O debate é a forma mais elementar de reflexão colectiva acerca
trabalho ser muito lento e se permita seguir caminhos demasiados do conteúdo do que acaba de ser apresentado. Habitua a considerar
sinuosos. Esta é uma objecção muito séria que reenvia ao problema o momento do jogo como parte dum conjunto e convida os espec-
da inserção do jogo dramático no andamento da turma e das esco- tadores a melhorar a sua qualidade de atenção. É um meio limitado
lhas que podem ser feitas em nome da eficácia ou dos objectivos porque marca um regresso à palavra (e. portanto. aos hábi-
que são fixados à partida.
tos escolares) depois do discurso ter sido fixado em formas mais
Por fim, arriscamo-nos a aceitar assuntos que põem realmente variadas e mais originais. O seu interesse depende da maneira como
em perigo o equilíbrio psicológico do grupo. É a objecção mais se realiza . Quando a turma não está familiarizada com deba-
séria, mesmo se já vimos que tal risco é permanente. podendo sem. tes. é o professor que o deve animar; é desejável que, daí em diante.
qualquer aluno da turma pos.<>a tomar o seu lugar e propor aos
(') B . BRl!CHT. L'Achat du Cuivre. seus camaradas pistas de reflexão.

'1.80 181

L
TOMAR CONSCltNC1A DAS ACÇõES REPRESENTADAS representação realista onde o cadáver deveria «aprender a fazer de
morto» com o máximo de veracidade, nem de nos encaminharmos
Exemplo: o assalto ao banco (turma da quinta classe). O rela- pela via do patético fazendo discursos moralizadores sobre as con-
tório é redigido por uma est udant e que aca ba de com unicar os sequências dos actos criminosos. Mas o debate ·pode sensibilizar
melhoramentos técn icos sugeridos: os que jogam a estes problemas e habituá-los a recolocar os acon-
«... havia, ainda, um problema (entre outros), para resolver - o da tecimentos representados num quadro muito mais vasto.
gestualidade. Já disse que se mexiam por mexer, sem ter consci ên-
cia das motivações de um movimento nem das suas implicações. Por
exemplo, na altura do assalto ao banco, não colocavam ninguém de AS MOTlV AÇõES DAS ACÇõES
sentinela, não prestavam atenção a um eventual sinal de alarme, não
vigiavam o pessoal. Imitavam sem ter consciência dos actos que Um segundo objectivo do debate é aprender a ultrapassar o
representavam. O animador (') sugeriu que não confiassem na tele- quadro limitado da acção para dar a conhecer as motivações das
visão e procurassem saber como é que wn banco está organizado. personagens e dar-lhes espessura. Alunos da quinta classe jogam
Não penso que o tenha feito por preocupação de realismo. Na o roubo duma mala de mão . Dois rapazes percipitam-se sobre a
mesma perspectiva, decidimos que quem estava morto não voltava infeliz da rapariga que faz o papel da vítima (uma «velha senhora»)
a levantar-se para continuar o jogo: não estávamos no recreio onde e arrancam-lhe a mala. Chegada da polícia, corrida-perseguição e
os índios caem e voltam a levantar-se». fim do jogo. Também aqui de nada serviria impor um quadro moral
O objectivo do debate é, como neste caso, !evª.LQS-Ulu llQL' do tipo «não se deve roubar as malas das senhoras idosas». De resto,
tomar consciênCia do ãIcance Clõs actos jogado ' s- imagens ima - o que interessa ao grupo é a acção divertida de «roubar a mala» com
teriais da televisão o o-cinClIlt, CT'am um mundo ond e os actos um gesto rápido e fugir. Na discussão que se segue, os alunos
já iião têm consequências; os cadáveres mais muti~pa tecCJlLJ1.9 perguntam: porque é que roubam a mala da senhora? Várias pos-

---
écra.tisenL p.t<lY' car rea ão da nossa part e, entram no domínio do
cspectacular, com uma grande música e un o-e -comentários entris-
tecidos. É fundamental voltar a dar aos que jogam a oportunidade
síbilidades são encaradas; algumas não explicam nada (esão vadios»);
a que é, finalmente, acolhida inspira-se numa ideia de vingança, o
que leva a uma reformulação completa do enredo: os dois rapazes
de reflectir sobre os laços que podem existir entre uma cena redu zida são vizinhos da velha senhora que tem um péssimo carácter e corn-
a estcrcotipos e a realidade, .~ maior pa rte dos sina js aí( i u iliza- porta-se como uma verdadeira megera. Um dia em que os dois arni-
dos (tiros de pistola, cad áveres, violçncias) já não têm como refe- gos estavam a martelar na parede a pregar um «postem, a vizinha
rente o __mundo real . mas m mun o FI cod ificado e asséptico. veio protestar com muita dureza ; esperaram a ocasião em que ela
Q~o f~n~(pum. pum». Cle-pistola-imagií1ária em punho, r:ão ia dar um passeio para lhe roubar a carteira que tencionavam
sÓ.-UYide~-ou ro - eve cair , com o també~adrci~qu e devolver, segundo uns sem tocar em nada , e segundo outros depois
se - pode-I evan ar logo-rseguir, rc;® ue im orta_é_o_pra- de terem aproveitado para retirar da mala uma pequena quantia de
zer de atirar sen gue isso ten :i-qualq ucr-ee n5CftYênci~á dinheiro.
mesmo,..-----
focam 'ar. Q uan do f'IXal11 0S a convença- o de que o morto e:--
A crítica do conteúdo não provoc a sempre uma transformação
fica. fora do jogo, obrigamos a faze r a ligação entre a acção e a sua radical do jogo, não procuramos substituir estereotipos por outros,
consequ ência, mesmo no plano puram ente simbólico: ao ati rar sobre por exemplo, por uma história onde uma pobre senhora de idade, que
o meu camarada suprimo-o do jogo. Não se trata de procurar uma só teria a sua magra reforma para viver, seria assaltada por vadios
muito maus ... Elucidar a narrativa é levá-la a dizer as coisas com
(') J. G. CARASSO memb ro da companhia do «Bonhornme Rouge», precisão, mesmo para as pôr em questão a seguir. Qual o mundo

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apresentado aos alunos? O que é ljue se lhes esconde? Não temos dos anos da avó . quando ela tinha começado a levantar a mesa e
o hábito de lhes propor a «boa versão» dos acontecimentos. a que iniciava um monólogo, as outras personagens, que por sua vez já
melhor convém à ideologia escolar ou a que nos tranquiliza a cons- tinham sai do do jogo. fizeram notar imediatamente que a história
ciência? Quando criti camos o conteúdo, tentamos tomar consciência tinha acabad o e que não iria acontecer mais nada com interesse. Era
da complexidade do real. Neste exemplo. o progresso não está em pas- cla ro que ela não tinh a o dir eito de ocupar o primeiro plano no
sar dum roubo injustificado a um outro que teria como motivação palco nem. sobret udo. de toma r a palavra. Uma vez que os patrões
a vingança. Há progresso na medida em que são introduzidas per- tinh am sa ído . o seu papel (cómico) de vítima acabava e ela não
,sonagens que têm outras relações para além das que resultam do tinha que mon opoliza r inu tilmente a atenção. Talvez este enredo
acto de roubar: têm urna vida que não se resume ao acto: de «roubar» tenha sido influenciad o pelos «ske tch es» das colóni as de férias que
ou de «ser roubado». A decifração do mundo exige que se tenha se tran smitem de ano para ano sem que se preste a devida atenção
em conta a sua complexidade. que não seja reduzida a histórias às ideias que veiculam: um dos mais célebres, e que as raparigas reto-
cor-de-rosa nem aos artigos do «Parisien Libéré» mam com agrado. é justamente intitulado «a criada ao contrário» e
baseia-se numa scq uê ncia de «gags» de uma criada idiota que faz
sempre o contrário do que se lhe pede ou que entende as ordens ao
REVELAR OS ESTEREOTIPOS contrário; por exemplo. se lhe pedem bolas de Berlim, ela serve
bolas do berlinde...
Um terceiro objectivo consiste em aprender a detectar os este- Perante a unanimidade das respostas era difícil provocar uma
reotipos, os lugares comuns impostos pela nossa sociedade. NOs jogos reflexão sobre este ponto. Pelo menos. era possível perguntar por-
de imitação, imitamos o que é corrente, o que é reconhecido pela que é que se proibia a uma personagem dizer um monólogo que
«voz popular». O jogo exalta e ratifica um comportamento conven- teria acabado a cena. Em casos semelhantes. compete ao professor
cional que não tem nada a ver com o papel educativo qu e se dese - co rrer o risco e dizer o q ue tem a dizer , sem ter ilusões acerca da
jaria atribuir-lhe. Ê característico que as famílias jogadas (mesmo eficáci a dum discurso qu e dificilmente poder á o pô r-se a ideias e
se são «verdadeiras») reproduzem ob stinadamente os estereotipas da precon cei tos há muit o enra izados. É dentro do próprio jogo que se
ideologia dominante. As criadas são feitas para serem exploradas, de verá tentar pôr em pr átic a um discurso diferente.
as mães para sucumbir sob o peso das tarefas domésticas e os Num segundo caso, os cstcrco tipo spode m referir-se à experiên-
pais para dormir a sesta ou ralhar com os filhos. Já se denun- cia vivida e é ainda mais delicado fazer surgir as condições que per-
ciou suficientemente a fun ção reprodutora da escola para que mitirão ter um recuo em relação a elas sem que a intervenção tenha
se insista mais neste ponto e se volte a cair nos mesmos erros. Num o ar dum at aque pessoal contra os pais dum aluno. Se não actuar-
primeiro caso , os estereótipos são impostos por modelos que nada mos com cuid ado , ridiculari zaremos uma famíl a sem fazer avançar a
têm a ver com a vida quotidiana das crianças. Encontramos poucos qualidade da refle xão. A idade das crianças. o seu meio, um bom
alunos cuja família tem criada e, por maioria de razão, criada que possa conhecimento da situação familiar de cada um, deve ajudar a não
ser maltratada. Ê bastante simples fazer notar esta particularidade, cometer erros. Por exemplo. numa turma da terceira classe. o grau
mas é muito mais delicado fazer notar esse comportamento como de consciência dos alunos já é suficiente para que se possa analisar
estranho. Com uma unanimidade surpreendente, uma turma da sexta o funcionamento tradicional da célula familiar e das relações basea-
classe interrogada achava normal que a criada fosse maltratada no das na dominação paterna sem que isso seja desviado para o gozo
jogo, porque era «parva», trabalhava muito mas que isso «era a pro- fácil ou o militantismo sumário. Nas turmas mistas. da terceira
fissão dela», que «era paga para isso». O enredo, de resto, tinha Iim i- ou segunda classes. as relações entre rapazes e raparigas
tado a sua intervenção a um papel subalterno Co no fim da refeição estão de tal maneira no centro das suas preocupações que uma irna-

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1
gem fortemente patri arcal provoca inc viia velmente reacçõ es pessoais tencem ao mesmo domínio expressivo que as que foram postas em
fortes. Quando um rapaz propõe urna figura demasiado grosseira causa. Um verdadeiro trabalho de pesquisa fica por fazer no domí-
o «machista» as raparigas não deixam de a denunciar ou de a nio da :crítica da expressão pela expressão, e as propostas que se
plagiar num outro jogo. ia papel do professor está simplificado por. seguem desejam contribuir para isso.
que enceta uma discussão com adolescentes que se sentem próximos
dos problemas apresentados e que . por sua vez. não esperarão muito
tempo para desempenhar um papel activo "na sociedade. Pelo contrário.
os discursos mantidos pelos mais novos. por extravagantes que sejam. 5. PARA UM MELHOR CONHECIMENTO DO REAL
são. por vezes. tão directarncntc copiados do modelo familiar que
a crítica arrisca-se a provocar um brutal desequilíbrio em tudo o o enraizamento no real é indispensável para os jogos que se
que constitui as suas estruturas mentais. O exemplo mais ilustrativo inspiram nos estereotipas ou na estética da banda desenhada, quando
inspira-se nos problemas do racismo. Numa quinta classe. dois «lea- os heróis encadeiam aventuras sem fim nunca encontrando qual-
ders» distribuirarn os papéis subalternos ao único argelino da turma quer dificuldade. E isso, não porque recusemos em nome dum
e aproveitaram essas situações imaginárias para o atacar directa- novo naturalismo, tudo o que oferecem as técnicas inspiradas num traba-
mente e produzir um discurso acentuad ament e racista. Durante o debate lho sobre a imagem. Mas porque uma das fases do aprofundamento
não houve dúvida nenhuma de que este discurso provinha de modelos do sentido consiste em ligar , sem ambiguidade, todos os sinais utilizados
sociais e familiares, e os dois leaders tendo habilmente notado a nossa aos seus referentes, e para chegar a isso é necessário verificar se esses
reacção, provocaram abertamente para ver até onde é que as referentes são bem conhecidos de todos. Como fazê-lo no interior
coisas podiam ir. A am álgama entre a atitude racista e as ideias do jogo? Propomos intervenções, «em cima do acontecimento», da
políticas sumárias fez-se a seguir num jogo onde os leaders queriam parte dos que olham,
ser um grupo político chamado «a mão branca» cujo objectivo
era matar um comunista. iogado. como por acaso. pelo jovem
árabe.
o QUESTIONÁRIO
Tais situações ilustram as dificuldades encontradas. Qualquer
prática em meio escolar que possibilite o aparecimento dum discurso Os espectadores intervêm durante a improvisação e verificam .
não directamente ligado à aprendizagem dum saber de tipo tradicio- através das suas perguntas, se os que jogam conhecem aquilo de que
nal leva a recaídas inevitáveis. É demasiado cómodo disfarçar ou
estão a falar. Exemplos simples: a avaria no metro. O comboio
'. querer manter-se em jogos que permitem apenas temas «inocentes».
que p ára numa estação. parte dem asiado dep ressa.
Uma atitude autoritária do professor nun ca é desejável e. nos casos
Perguntas: quanto tempo fica, em princípio, um comboio na
citados, não seria muito eficaz. Mas poderemos esperar que o grupo,
estação? Quem comanda o fechar das portas? Qual é exac-
sozinho. saberá opôr-se às injúrias racistas? Isso é continuar a acre-
ditar que' a sala de aula possa ficar for a das correntes fascistas, racis- tamente o sinal sonoro que anuncia este fecho aos passageiros?
tas ou xenófobas que sobressaltam a nossa sociedade c que uma Mais tarde, surge a avaria. Qual pode ser a sua causa?
maioria «natural» se levantará em uníssono contra os doi s ou três Quem intervém num caso destes? Como temos um revisor na impro-
indivíduos diferentes que se teriam tornado culpados desses exces- visação, acham que faz parte das suas funç ões locali zar a avaria?
sos. De facto, o debate, abstracto por natureza, não chega para clari- Haverá medidas de segurança a respeitar num ca so destes? A espera
ficar todas as ideias que surgem no jogo. Indispensável como fase prolonga-se. Quem já se encontrou numa tal situa ção? Quais foram,
de arrumação, serve para instalar um outro jogo e formas que per- então, os sentimentos vividos ou os que se pensa que se poderia viver?

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Abateria de perguntas pode variar até ao infinito conforme os as perguntas que se referem a uma verdadeira operação, numa opor-
pontos sobre os quais se deseja dirigi-las; basta indicar. no princípio tunidade para fazer uma reflexão colectiva, Ou então, o grupo renun-
da improvisação, quais as regras que desejamos fixar. (1). ciará ao pseudo assunto do sketch, quando se aperceber da sua falta
Uma vantagem segura: os jogadores tomam consciência, ao longo de interesse por aquilo que realmente conta.
do trabalho. da complexidade daquilo que querem representar c sen-
tem-se na obrigação de completar a sua informação. A ENTREVISTA
Inconvenientes: faríamos crer que o jogo não é mais do que a
reprodução minuciosa da realidade e cortaríamos as asas à imagi- Um exercício semelhante que se integra mais facilmente numa
nação. Pelo facto de distinguir dois tempos sucessivos - como é que improvisação consiste em «entrevistar» as personagens. Demos um
as coisas se passariam. como é que nós as transporíamos - contra- exemplo do mesmo tipo em que se tratava de, após o jogo, interrogar
riamos a invenção simultânea da improvisação. Há grupos que se os actores para ajudá-los a estabelecer uma espécie de bilhete de iden-
entusiasmam tanto com este jogo de perguntas que esquecem a fina- tidade da personagem. Este trabalho fazia-se «fora do jogo» e per-
lidade inicial (o que seria um mal menor) ou que se limitam a pro- tcncia mais ao debate. Aqui, a entrevista pode integrar-se sem difi-
curar os erros dos seus camaradas que estão na berlinda com se fosse culdades no enredo imaginário: os mais novos preferem até que se
um concurso qualquer da televisão. Por fim. as interrupções cons- estabeleça o estatuto do entrevistador que pode trabalhar para a
tantes, em vez de alimentar a improvisação, arriscam-se a cortar-lhe rádio ou para a televisão.
todo o entusiasmo e bloquear definitivamente os jogadores ,supri- Mesmo que se prefira estabelecer uma convenção que define
mindo o prazer e a concentração. sem equívoco a natureza da entrevista, em ambos os casos o ques-
Esta fórmula terá, portanto, que ser utilizada com prudência. tionário integra-se na improvisação e provoca «no momento» uma
Nós utilizámo-la em casos determinados (grupos que, de qualquer reflexão do jogador sobre o que está a imaginar (1).
modo têm dificuldades em fixar a sua atenção ou que só dificilmente Este processo é utilizado com proveito nas dramatizações já referi-
desenvolvem uma fábula. das com tendência para o «boulevard». Quem é esta personagem?
Reduzindo a proposta a um único tipo de questionário. responde- Tem uma profissão? Rendimentos? Quais são os seus projectos?
mos, no entanto, aos problemas particulares dum grupo . As suas esperanças? Onde vive? Tem uma família? O actor inter-
As vantagens são evidentes quando desejamos chamar a aten- rogado não tem que interromper o jogo para responder, mantém-se
ção para a fraqueza ou a falta de interesse dos famosos «sketches» numa convenção que lhe permite falar a partir da personagem. O que
de colónias de férias. Assim. o «sketch» do cirurgião. pretexto para não era mais do que uma figura convencional, ganha espessura e
uma «operação», dum cómico duvidoso (1), onde é preciso fazer rir torna-se mais difícil. no momento de retomar a improvisação. abs-
utilizando as boas e velhas piadas (intestinos dobrados. bisturis impres- trair do contexto assim fixado ou abrigar-se de novo atrás de este-
sionantes, costuras fantasistas), transforma-se, quando confrontado com reotipos. No momento da discussão, os espectadores põem a nu as
contradições que aparecem entre o que foi dito durante a entrevista
(I) Um prolongamento pedagógico natural para este trabalho e um bom
me.o para estabele cer uma ligação entre os jogos e a realidade consiste. também (') Em Pince des Fêtes, montado pelo «Théâtre du Bonhomme Rouge>,
em lançar inquéritos no interior da aula, seja por processos correntes, seja um dos animadores descia para a pla teia e do meio do grupo dos espectadores
mesmo com gravador. entrevistava com muita simplicidade as personagens. levando-as a precisar quem
(') Nos serões das colónías de férias, este sketch II utiliza do antes para eram, onde estavam instaladas no bairro, como viviam. Este processo drama-
a realização de sombras chinesas, o que lhe dá outro valor . Infelizmente, por túrgíco habitua a convenções que revelam o «contexto» da: fábula, o seu subs-
vezes, surge a confusão com o jogo dramático e as crianças retomam o mesmo tracto sócio-histórico . Pensamos também em .Brecht evidentemente e na maneira
sketch num contexto completamente diferente. como as suas personagens se apresentam ao público, em plena .clarídade.

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e o que foi jogado a seguir, Quanto mais precisas forem as pergun- Segundo exemplo: o grupo da sexta classe . citado acima. tinha
tas e as respostas, mais a personagem se encontra encaminhada numa gostado de jogar um almoço de anos onde a criada era tiranizada.
direcção que fixou para si e que a mantém dentro do quadro duma Debate ' e nova concertação, Na sessão seguinte, todas as relações
«verdade» socio-psicológica ou a protegem dos delírios convencío- com a criada tinham sido transformadas. Até o nome tinha mudado
nais. >-' Duma maneira ideal , estas baterias de perguntas tornam-se (cha mava-se Maria e agora é Sara!). Toda a gente é boa para ela.
;desnecessá rias quando os jogadores voam com as sua s própri as asas e ninguém a incomoda inutilmente. já não é insultada. acham o seu
'adquirem o hábito de fazer funcionar a imaginação sem ter que bolo delicioso (na primeira versão não se podia comer de tão mau
recorrer a estímulos exteriores. Resta ainda saber quem é que faz que era). Esforçam-se por facilitar-lhe o trabalho e prometem-lhe
, ·iis-pcrgunta s. Aqui. também, devemos esperar que o grupo dos espec- que terá a sua parte do bolo que poderá comer na cozinha. Alguns
i tadores participe intensamente na elab oração do guião para encontrar convidados dão-lhe dinheiro discretamente antes de se irem embora
· as perguntas mais úteis, e evitar as perguntas puram ente formais e quando. à mesa, a conversa recai sobre ela. é para se congratula.
: destinadas a pôr o entrevistado em dificuld ades. Muitas vezes. é o rem de a terem em casa.
· animador quem começa ou ajuda a estabelecer o questionário c só Pomos em questão a importância real de transformações tão
· se apaga, parcialmente, depois de várias sessões de trabalho. repentinas como excessivas. No primeiro exemplo, a fábula tinha sido
.:»:
proposta por crianças que tinham realmente vontade de mostrar outra
coisa do que acabavam de ver. No segundo caso, o zelo inesperado
6. A INVERSÃO DO JOGO parte sobretudo duma atitude escolar de «bons alunoss desejosos
de agradar ao professor e prontos a seguir cegamente os seus con-
Quando o conteúdo do jogo foi fortemente criticado, por vezes selhos . Se o que faltava ao jogo, para ser perfeito, era uma outra
alguns alunos propõem uma reviralvolta completa do discurso. ou' então, concepção das relações sociais com a criada, estavam prontos a
o professor sugere mudanças do mesmo tipo. Meio directo e um modificá-Ias como teriam aceite qualquer outra modificação. A crí-
pouco simplista de transformação, em alguns caso s é eficaz porque tica, que eu tinha julgado indispensável, falhara porque só tinha
rompe com a ideia de que o que é dito é imut ável; a realidade conseguido que fossem formulados bons sentimentos e introduzida
comporta múltiplos aspectos. uma relação de complacência no interior do trabalh.o de criação.
Quais as vantagens que vemos nestas transformações? No pri -
() COR·DE-ROSA I~ O PR ETO rnciro exemplo. a cena familiar, na versão inicial. tinha criado uma
atmosfera penosa que várias crianças suportavam com dificuldade. Era
Primeiro exemplo: um grupo da quinta classe acaba de jogar lógico deixá-las apresentar a sua versão do serão. Acerca do segundo
uma família pavorosa onde o pai. exagerado de propósito, se com- jogo. só se pode decidir realmente da sua utilidade se estamos conven-
porta como uma besta fascizante. Pergunta: pode imaginar-se um cidos de que era perigoso deixar passar sem reagir lima atitude tão
outro pai? Um novo grupo propõe-s- jogar e apresenta um serão convencional nas relações de classes de tal modo que a exploração
em fanúlia : a mãe faz crepes ajudada pelas crianças que sentem se torna invisível para os espectadores. Pior, parecia natural; e o
prazer em ajud á-la a preparar a massa. São alegres. cantam e dizem jogo, reforçando o sentido tradicional , confirmava modelos muito.
graças. Todos querem manejar a frigideira. O pai regressa do tra- discutíveis no seu esforço de reprodução.
balho, participa nas brincadeiras, ajuda as crianças a pôr a mesa e A falta de jeito das modificações, o seu carácter simplista e
tenta ele também fazer crepes. Toda a gente se instala para jantar, grosseiro explica-se também pela ausência de treino de análise dos
cada um conta o que Iheacontcecu durante o dia. comem com ape- conteúdos. No trabalho escolar, os alunos estudam textos imutáveis
tite, riem-se muito. apresentados de antemão como modelos. Podem analisá-los, comen-

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J
!
1
No trajecto, os jogadores tentaram outras personagens. outros com-
tá-los, responder a perguntas já feitas mas não mudá-los, pelo portamentos, analisaram as causas da disputa. Acabou tudo em
menos nos exercícios tradicionais (I). No pior dos casos. os con- bem, no melhor dos mundos possível? Não ; sem dúvida o fogo
teúdos não existem aos olhos dos alunos. nada os incita a percebê-los mina ainda, as réplicas permitem alusões ao modo de vida duns e
nem a pô-los em causa. outros. E as crianças serão uma fonte constante de diíiculdades,
Façamos. rapidamente. o paralelo com o trabalho habitual das sempre prontas a andar à pancada nas escadas ou a fechar as portas
aulas de francês. Verificamos que todos os melhoramntos suscí- com muita força: mas um porteiro pitoresco e que gosta de beber
tados pela correcção da composição francesa visam um «dizer uns copos não se fartará de multiplicar as reconciliações deste tipo.
melhor», raramente um «dizer outra coisa». Os critérios de apre-- Da descoberta nasceu um novo prazer do jogo, o da malicia e do
ciação continuam a ser a «banalidade» ou a «originalidade», sem subentendido, o de se aperceber da verdadeira complexidade desta
que estes sejam realmente explicitados. Não nos surpreendemos vida colectiva que o combate corpo a corpo não podia contar.
quando damos conta que as primeiras críticas colectivas dum jogo de A inversão da fábula (fim negro /fim cor· de-rosa) serviu de catali-
expressão dizem respeito, na maior parte dos casos. à expressão e zador para a imaginação que se desenvolveu num terreno mais rico
raramente ao discurso, porque tudo se passa como. se ele não existisse.
e matizado.
Quando um trabalho semelhante ao que propomos é retomado
várias vezes e se torna um instrumento de análise. melhora a quali-
TROCAR O S PAPÉIS
dade das transformações. As críticas afinam-se. vêm com mais faci-
lidade do grupo dos espectadores e permitem inversões mais convin- Um processo que se confunde, por vezes, com a inversão do
centes. E, sobretudo. os primeiros materiais trazidos deixam de ser sentido é há muito utilizado pelos psicodramatistas que introduzem
considerados forçosamente como os melhores; os jogadores sabem a inversão dos papéis como técnica terapêutica. Neste caso. já não
que terão que os pôr em questão. reorgan izá-los, filtrá-los com uma é o conteúdo objectivo do enredo que se pretende modificar, mas a
agudeza crescente. A verdade já não funciona por si. o que é cor- percepção subjectiva duma personagem. A criança tratada toma-se
rente. (os lugares comuns) já não é automaticamente considerado o pai dom inador que ela teme. experimenta comportamentos inver-
como o mais justo ou o mais produtivo. O mundo que tentam repro- sos ou diferentes dos que vive todos os dias com o objectivo de
duzir já não é uma imagem lisa; a análise da sua complexidade tomar consciência dum outro ponto de vista. «A inversão dos papéis
torna- se o motor do trabalho, dá-lhe o seu interesse , convida a ir permite à criança explorar uma situação do ponto de vista do outro.
mais longe. descobrir. num grau que não suspeitava, quanto a atitude do outro
Terceiro exemplo: um grupo duma turma da quinta classe joga é complementar da sua CJ inventar atitudes novas pelas quais poderá
uma disputa entre vizinhos barulhentos. A primeira versão acaba dominar esta situação ou sair dela» (1). Alguns encenadores utilizam
numa batalha onde o prazer imediato de agitar-se e gritar mais alto técnicas inspiradas em Stanislavsky: os actores trocam os papéis para
do que os outros domina todo o resto. O porteiro, chamado em poderem ver-se uns aos outros nas diferentes personagens e verificar.
socorro, não é muito eficaz. Este final apocalíptico é posto em causa , de dentro dela, como é percebido o que devem representar. Estas
o grupo propõe que se tente avançar para uma reconciliação. Na permutas são praticadas nos casos de pares característicos (domina-
quinta e última versão, todos os protagonistas se encontram à volta dor-dominado) ou em esquemas mais complexos. Durante um espaço
dum aperitivo. oferecido por uma família de inquilinos. Será esta
também uma versão demasiado cor-de-rosa em relação à primeira? (') D. ANZlEU, Psychodram e analytique chez l'enjant, p , 60. Moreno
desencadeava esta Inversão de maneira sistemática; Anzieu s6 lhe dá valor
quando não é imposto, considerando que o sujeito pode não estar apto a
(') Sempre: «o que é que o autor quis dízer», e raras vezes: «como rea- assumir o papel que lhe é imposto.
gimos ao que ele diz».
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de tempo dctenninado, será Otelo quem representará lago, e Sgana- não serviria de nada. É por isso que não devemos perder de vista
reIle Dom Juan. ' Estes métodos destinam-se a afinar a concepção os nossos objectivos: fazer de modo a que o mundo que se joga
(q ue um actor tem da psicologia da sua personagem, a projectar uma apareça em toda a sua grandeza e complexidade e que os instru-
outra luz sobre o comportamento que julga ter que adoptar para a mentos de análise utilizados para o decifrar sejam cada vez mais
I
:representar. eficazes. Simplificando um dos dois termos: reduzindo o mundo
' .. Podemos utilizar técnicas semelhantes no nosso trabalho de refle- a estereotipas cómodos e a análise a truques gastos, a proposta educa-
: xão sobre o jogo? Sem reabrir aqui uma polérnica à volta das rela- tiva perde o seu sentido.
- ções entre o jogo dramático e o psicodrama, não pensamos que se
( deva abusar dum processo muito coercivo e que se destina mais
7. DISTANCIAR O SENTIDO
t;t modificar o indivíduo do que o sentido global dum trabalho. Não PELA TRANSFORMACÃO DO ESTILO DO JOGO
é por acaso que, no domínio artístico, estas mesmas técnicas são
aproveitadas sobretudo num teatro baseado na person agem e seus As propostas anteriores têm a ver com um aprofundamento do
mecanismos psicológicos, precisamente esse, do qual o jogo dramá- conhecimento acerca do que é jogado. Devem ser acompanhadas
tico tem mais razões para se demarcar. Alguns animadores utili- por uma reflexão sobre a distanciação do conteúdo, indispensável para
zam-nas quando alguns improvisadores se instalam permanentemente que os jogadores o possam controlar. Distanciar a emoção. distan-
em personagens dominadores, por exemplo. Mas, impor uma troca ciar os materiais tratados para melhor fazer aparecer o seu carácter
de papéis, fora os riscos psicológicos que suscita, parece, por vezes, não habitual. Jogar a verdade não significa jogar verídico. Da mesma
um castigo. Se a mudança radical do sentido passa pela deslocação maneira que na dramaturgia brechtiana o actor mostra a sua perso-
da atenção sobre um único indivíduo, os riscos que se correm ultrapas- nagem para que o espectador não seja incitado a identificar-se, do
sam os objectivos que queremos atingir. O nosso trabalho é colec- mesmo modo propomos, para o jogo dramático, instrumentos que
tivo c, nesta medida, deve manter as suas distâncias com todos os incitam jogadores e público a não projectarem a sua subjectividade
processos baseados na reprodução de mecanismos psicológicos ou de maneira anárquica na representação.
com fins terapêuticos. Procuraremos formas que facilitem as tomadas de consciência
_' Em contrapartida, pode ser útil que na ocasião duma reflexão c permitam o tratamento dos assuntos quentes com um desapego
\sobre o sentido se processe uma inversão completa dos papéis e das suficiente. Poderá ser discutida a questão de saber se esta procura
[respo nsabilidades : quanto menos os jogadores se habituarem a apro- de transposição. de teatralização, se toma efcetiva sem o auxí-
'príar-sc duma s6 personagem, tanto menos serão tentados a íden - lio duma técnica de jogo bem dominada. Pensamos que é possível
i tificar-se com ela. Guiar e dominar o sentido é da responsabilidade habituar a uma reflexão sobre as formas sem esperar dos alunos
,de todos , e. é melhor evitar tudo o que volte a dar demasiada impor. uma formação de actor que conhece bem o efeito de distanciação.
tância ao .percurso do indivíduo: iria reintroduzir um neo-vedetismo As pistas que propomos abrem, pelo menos, o debate.
ou congelaria as relações entre jogadores e personagens em estru-
~ demasiado rígidas que acabariam por fazer com que o jogo
PROCESSOS TÉCNICOS ELEMENTARES
dramãtíco se parecesse com um teatro profissional definhado.
Ao longo dum trabalho sobre o sentido , não nos esqueçamos A gama de convenções propostas baliza as fronteiras entre os
que a expressão, dramática não é um meio para «remediar as coisas», jogos do recreio e os jogos dramáticos.
para fazer com que tudo o que corria mal corra um pouco melhor. Exemplo: (turma da quinta classe). O guião duma improvisação
Manipular técnicas que serviriam para esconder os verdadeiros pro- prevê, para o fim, que os dois ladrões sejam presos por dois ins-
blemas substituindo-os pelo que dá jeito ao maior número. pectores,

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Primeira proposta: os inspectores irrompem no espaço do jogo. função : qual era a minha posição na altura em que tive de parar o
lançam-se com violência sobre os ladrões e procuram dominá-los jogo, quais eram os meus gestos, esses gestos eram correctos, úteis
pela força. Entusiamados pelo jogo e apesar do acordo inicial que' para o que queria dizer? Podemos pensar que se trata apenas de
previa a sua não-resistência, os dois ladrões reagem com a mesma um artifício cómodo, mas a multiplicação de convenções similares
violência. Assiste-se, então, a um combate próximo dos que pode- habitua os jogadores a considerar a transposição como uma neces-
mos ver todos os dias não muito longe das escolas, a um corpo sidade. A teatralização passa pela aprendizagem de técnicas seme-
a corpo sem verdadeira maldade, mas cujo desfecho é incerto dado que lhantes.
depende da força real dos protagonistas. Para-s- o jogo e discu- É em função da situação que procuraremos, em conjunto, meios
te-se, lembrando as convenções (aprendemos que devemos simular. de transposição. Como para os exercícios, a aprendizagem só é ver-
«fazer como se»), Os jogadores, ainda vermelhos e sem fôlego por dadeiramente correcta se os próprios alunos inventam as convenções
causa do esforço, reconhecem, sorrindo, que não respeitaram o guião que são úteis no momento presente. Quando são utilizadas dema-
inicial, mas que «não conseguiram evitar isso». siadas vezes, mesmo as propostas mais interessantes paralisam e
Segunda tentativa, novo falhanço. Divididos entre as ncccssi- tornam -se anérnicas. O trabalho de criação passa também pela des-
dado s do enredo e o prazer do combate, os quatro alunos desatam a coberta e utilização de códigos do que precisamos e que esquecemos
rir à gargalhada c renunciam. a seguir .
Propomos, então, uma nova convenção que todos irão treinar
se for preciso. Apoio-me no exemplo dos problemas que acarreta-
riam os verdadeiros combates em cinema ou no teatro (repete-se mui- f)fNAMfTAR O REAL:
tas vezes), ou' pior, os crimes verdadeiros. A convenção adoptada A PARóDIA, O BURLESCO. O CTl~CO. O MUSfC-HALL
é o ralenti popularizado pela televisão. Não um ralenti realizado com
perfeição, como é o caso do trabalho de um mimo e que exige um Quando não nos limitamos a uma única directiva bastante fácil.
raro domínio corporal, um controlo de todos os músculos mas, pelo porquê não transpor para uma outra linguagem, diferente da que
menos, o abrandamento de cada um dos gestos que se tenta, ao mesmo inicialmente se escolheu? Obtemos por este meio uma luz nova
tempo, ampliar. Se for preciso, tentamos todos juntos com prazer, sobre uma situação que antes parecia tradicional. O exemplo con-
Como atravessar a sala ao ralenti, abrir esta porta ao ralenti e levan-
tado por uma estudante tem um valor tanto maior quanto a trans-
tar o dedo ao ralcnti? À terceira tentativa, embora longe de ser
posição se fez espontaneamente; os alunos desta turma da sexta classe
perfeita, o fim é atingido, a transposição é compreendida. É diver-
que retomavam pela quinta vez o mesmo enredo, cansados de jogar
tido dar socos com movimentos largos e simulados, tentar controlar
da mesma maneira o mesmo assalto ao banco, propuseram. por fim,
cada um dos gestos do combate. Durante esse tempo, o espírito
fica livre porque o empenhamento já não está no combate que é outra coisa :
preciso ganhar mas no combate que é preciso mostrar. E os espec- «Imaginaram um assalto burlesco ao banco. Tratava-se duma
tadores já não estão presos pelo desfecho daquilo que se transformou paródia, dum assalto onde toda a gente era louca, onde os tiros das
num combate de boxe, mas no modo como o desfecho do enredo pistolas se transformavam em murros muito frouxos, os polícias tor-
será mostrado. Noutros casos, podemos inverter o problema para navam-se cúmplices, os guardas eram bêbados, os bandidos sonha-
atingir um outro resultado. A aceleração e a mecanização dos ges- dores inocentes, os empregados do banco leitores distraídos.
tos, por exemplo, faz sobressair o burlesco duma cena, o cómico O enredo tinha-se libertado do seu lado pesado e convencional sem,
duma atitude que ainda não tinha sido encontrado até aí. A para- no entanto. cair noutros arquétipos, os de alguns filmes córnicos
gem obrigatória a um dado sinal, fixando os gestos, tem a mesma franceses. Se, por um lado, reencontramos a imagem clássica do

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bêbado, do atordoado, por outro. os comentários eram bem deles, samos referir a elas com proveito. As turmas da terceira. segunda
espirituosos e adaptados à situação. c primeira classes que viram «L' Âge d'Or» montado pelo Théa-
Passar do sério ao burlesco não é fácil. sobretudo quando as tre du Soleil descobriram que era possível falar do mundo sem ten-
cria.nças são novas e nem sempre têm consciência do que significam tar reproduzi-lo com exactidão, que podiam jogar um serão em Iamí-
os vários registos impostos. No entanto. podemos aproveitar a par ó- lia sem verdadeiros utensílios de cozinha e sem verdadeiro aparelho
dia . pelo menos como uma etapa que ajuda a escapar aos enredos de televisão e que mesmo todo um telheiro de obras em construção podia
rotineiros e lançar um olhar diferente sobre as coisas. Numa turma ser recriado a partir do corpo do actor e dos únicos sinais que este
da terceira classe onde um aluno fanático dos «Beatles» queria que fornece. O que não quer dizer que neguemos tudo o que tem a
se jogasse o regresso deles a Londres depois duma digressão pelos ver com a técnica do actor e que só é possível através dum treino
Estados-Unidos. os colegas inventaram uma chegada burlesca ao aero- diário. Mas teremos sempre que exaltar a diferença que existe entre
porto (onde os esperava. também a rainha de Inglaterra num trono o teatro profissional e as experiências na sala de aula? Voltar a
especial). Completamente fleumáticos. os cantores foram apresenta- colocar o actor no universo à parte dos que possuem as chaves da
dos com muita habilidade. Quanto à distância entre a situação real expressão e da criação. (e constituir urna nova galeria de monstros
e a situação teatral, a pobreza dos meios cénicos utilizados para mos. sagrados) ou então. pelo contrário, tentar. conhecendo os nossos limi-
trar a descida do avião, a multidão. a corte , contribuiu ampla- tes, traçar uma via pessoal à luz destes modelos?
mente para introduzir, pelo riso. uma distância que não existia na pri- A relação dialéctica que se instala com a criação permite, sem
meira proposta. ilusões. mas também sem complexos inúteis. tentar elaborar do inte-
Alguns animadores facilitam o exagero do gesto. suscitam o rior outros discursos. Temos que acabar com a concepção do actor
burlesco, pondo máscaras à disposição das crianças. Uma turma da virtuoso. único delegado pelo grupo social para preencher as fun-
primária, muito impressionada com a morte do Presidente da Rep ú- ções atribuídas à imaginação, Construindo constantemente novas bar-
blica. abundantemente comentada pelos mass media, encontrou no reiras a partir desta famosa virtuosidade a crítica burguesa frustra
jogo sob a máscara a oportunidade para uma expressão diferente ao mesmo tempo do uso da palavra todos os que não têm, à priorí,
que suprimia tudo o que uma simples imitação podia ter contido de o domínio das formas.
comoção e morbidez. Aqui. também . tudo pode ser uma questão de Portanto. nem arlequinadas, nem palhaçadas gratuitas. como se
dosagem. Num grupo que se fecha de boa vontade na invenção fossem inocentes ou preparassem para lUll «dizer melhor» tão lon-
delirante e exclui o referente. a reflexão sobre o sentido passa pelo gínqeo que frustra qualquer vontade de dizer hoje e agora. Mas sim
regresso ao concreto e à experiênica vivida. Inversamente. quando tentativas para nos apropriarmos dessa formas e aprendermos como
uma perspectiva terra-a-terra proíbe qualquer tomada de consciên- é que elas ajudam a ver doutra maneira. A coisa imprecisa. o ras-
cia. é útil provocar o burlesco e o desmedido introduzindo, se for cunho são nocivos se substituírem o produto acabado e levam a pen-
necessário. os meios que ajudam a fazer a passagem. sar que a técnica não existe. se a festa do fim do ano se esfalfa por
.... Com alunos mais velhos. uma experiência sobre os estilos de querer alcançar o teatro profissional que já está algures. É por
jogo leva a um verdadeiro trabalho de elaboração dum código numa isso que não é indispensável aplicar-se para conseguir uma obra
linguagem definida . Isto supõe que eles tenham a possibilidade de apresentável cortando as asas à invenção. mas inventar ao mesmo
aprofundar a sua reflexão sobre esta linguagem. que t'enham dela ICl11po que se avança.
um conhecimento suficiente para tentar por sua vez utilizá-la. Isto Os dois exemplos são inspirados em espectãculos para crianças
s6 é realmente possível nos casos em que o professor dispõe de exem- c adolescentes constituídos por sequências sucessivas, espécie de
pios, em que a turma tem facilmente acesso às representações que «jogos dramáticos» que são lima boa amostra daquilo a que pode
constituem um corpus duma qualidade suficiente para que nos poso conduzir um trabalho sobre as formas,

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Num espectáculo do Théâtre de la Clairiêre (1). constituído por PROPOSTA DE JOGO
várias sequências independentes. o eterno almoço familiar é tratado A partir duma improvisação enfadonha. de estereotipas cinzen-
como no circo; o pai traz um fato extravagante. à palhaço. o jogo tos. introduzir um elemento insólito. uma regra suficientemente forte
é amplo. o:'
adereços .francamente cómicos. Um retrato vivo do pai para voltar a pôr tudo em questão.
~a mesm~ Idade dos filhos, colocado por trás dele, obriga-o. pelas suas Não se trata de dizer: «façamos agora este jogo da refeição como
intervenções, a renunciar às suas repreensões. a desconfiar das suas os palhaços o fariam». porque sem dúvida cairíamos noutros esterco-
afirmações. A sopa que um actor traz e que não se vê imediata- tipos ou numa paralisação, porque não sabemos necessariamente
mente vem a :er~i~r-se que se trata duma papa dum verde gritante que «fazer de palhaço». mas de dizer: que fariam os palhaços no lugar
os actores aurarao a cara uns dos outros. A sopa-que-faz-crescer-e- destas personagens. como é que dinamitariam esta cena e. sem falar
-que-deve-ser-comida-antes-que-arrefeça é mostrada tal como deve de estilo. com que meios? Como na cena já citada. a sopa pode
aparacer, 'p~r ve~es, nos pesadelos das crianças: como um líquido tornar-se um líquido tão insólito que já não pode ser absorvida nor-
pseudo-mágico, VISCOSO. repugnante e demasiado verde. Em vez de malmente. a carne tão dura que a ordem do pai . «corta a tua carne».
a engolir em silêncio e sem perder uma gota, eis que pode ser espa- não resistira à cnt rada em cena das facas mais afiadas c das serras
I~ada, I~n.çada ao ar ou à cara. desviada. enfim. da sua antiga tun-
mais esquisitas.
çao fortificante . A sala não se engana e bate os pés de contenta- São meios enormes, inspirados no burlesco; a questão é encon-
mento (de resto. a cena conta muito mais coisas mas. será por acaso. trar, no centro da situação, a ideia justa que provocará a irrupção
lembro-me sobretudo desta .. .). Com certeza que não é um convite do insólito. Os aJunos têm muitas ideias neste domínio. experimen-
à revolta, mas o prazer intenso de assistir à queda da lei da -sopa,
taremos várias dentre elas.
ver de repente o mundo escorregar. O professor pode também referir-se a exemplos que ajudem
Em «Place des Fêtes», o ponto de partida era também uma cena a tomar consciência do fenómeno. Na «Boda dos Pequenos Burgue-
tirada do quotidiano; o director da escola. rcinventado pelos fan- ses», de B. Brccht, a refeição desenrola -se numa ordem aparente.
~mall d~ criança~. dava o:dem a um aluno para deitar a sua, pas- os conv idados estão no seu lugar , os primeiros pratos chegam à
tilha elástica no caixote do lixo; mais tarde. levado pelo seu impulso. mesa no devido momento, até que os móveis con struídos pelo noivo
a personagem pousava. por acaso. o pé sobre a pastilha. pequeno começam a deslocar-se e a destruir-se totalmente. Sabemos que não
«gag» que tomava proporções gigantescas quando as personagens se se trata de invenção gratuita dum autor à procura de gags, mas da
apercebiam que a pastilha esticava. resistia a todos os esforços. for- introdução no palco dum sinal concreto, muito visível e funcio-
mava no palco uma grande teia de aranha que paralisava a imagem nando de modo repetitivo. o desabar duma ordem e dos valores
com muita intensidade. pequeno-burgueses. Na mesma linha. um excelente espectáculo com-
De novo intervém a questão técnica! Estes dois exemplos são posto par «skecthes» de Karl Valentim (1) permitiu a publicação dum
extraídos de representações profissionais; se os alunos as conhecem, livro onde se encontram vários exemplos da maneira como um único
não serão tentados a imitá-las sem originalidade e renunciar a avançar elemento introduzido no jogo vem dinamitar o real" tornando incon-
quando se ,aperceberem que não são capazes de atingir a mesma per- gruente tudo o que antes parecia plausível. Um pai leva o filho a
feiçao.
.••, Pe nsamos que deve ser abandonada a ideia de «fazer como»
uma cervejaria elegante para festejar a sua primeira comunhão. .
o modelo: o animador propõe meios. regras que obrigam a encontrar.
como neste exemplo. o Karl Valentim pelo G nA T de Saône et Loire. Os sketchs, precedidos
por execelentes estudos do Centre Intemational de Dramaturgie, são reunidos
(') Eclaboussurcs. apresentado pejo theátre de la Claíríêre, animado pOI sob o título Cabarel Satirique - P. J. OSWAUl, «Théâtro Hors la Frances e--

M. DEMUYNCK. Paris, 1976.

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--
Durante a refeição, a presença invasora dum enorme círio pouco fácil . propriedade de .todos. É de lamentar que uma abordagem das for-
de manejar e do qual as personagens não sabem o que hão-de fazer , mas contemporâneas não conste mais frequentemente do programa
basta para produzir uma primeira dcsíoca ção num «skctch» que seria escolar , pelo menos no segundo ciclo; no domínio do teatro, deveria
talvez banal. ser possível sair finalmente da dramaturgia clássica ou tomar por
Não é indispensável ter a possibilidade de utilizar meios impor- modelos de teatro moderno outros autores para além de Giraudoux,
tantes ou adereços complicados para inspirar-se nestes exemplos. Urna Montherlant, Anouilh ou mesmo Sartre. Quando nos surpreendemos
convenção, mesmo verbal, introduzida no jogo. basta para lhe dar por encontrar nos estudantes aíecta çõcs da expressão, uma tendên-
uma outra cor. cia para considerar uma situação apenas sob o ângulo da psicologia
ou da abstracção, deveríamos também surpreendermo-nos com os
modelos propostos à sua análise. Uma ignorância das pesquisas esté-
8. DI5TANelAR PELA TRANSFORMACÃO ticas recentes explica muitas coisas.
DAS ESTRUTURAS DA NARRATIVA
INTRODUÇÃO DUM NARRADOR
Quando se levantou a questão dos melh oram ent os t écnicos, defí-
nirnos como primeiro objectivo uma cla rificação do enred o, a pro- É uma inovação elementar. fácil de pôr em prática e que per-
cura duma coerência das suas estruturas, Os alunos mais velhos c mite importantes variações. No plano dramático, o narrador é quem
habituados a reflectir sobre as formas. ou até alguns mais novos que se dirige directamente ao público afirmando, assim, que reconhece a
atingem bastante facilmente a primeira fase, s ão mais ambiciosos. sua presença e convidando os seus parceiros a fazer o mesmo. O nar-
Acabamos de ver como é que modificações do estilo de jogo podiam rador ajuda à destruição da quarta parede que improvisações fecha-
facilitar o nascimento dum olhar crítico. É claro que alterando a das na sua própria pesquisa poderiam ser tentadas a manter. É por
própria organização do guião ou da história quando se trata dum isso que a sua presença não é desejável enquanto o grupo não tomar
produto mais elaborado, chegamos ao mesmo resultado por cami- consciência suficiente do interesse de comunicar o seu discurso a
nhos diversos. . Até agora, considcrámos que uma irnprovis ação dia- outros. Mais tarde. pode tornar-se um resguardo útil, mantendo uma
logada. ' seguindo um fio narrativo si mples, era o esquema de base. espécie de contacto mais directo quando este corre o risco de desa -
\ Porque não experimentar, sempre que possível. con struções mais com- parecer ('). Mas o narrador apresenta rostos diferentes em todas as
! plicadas ou mais subtis mesmo que nem sempre acabem na elabo- formas de teatro popular que são redescobertas hoje, cada vez que
\ ração 'dum projecto escrito ou acabado? Se considerarmos a impro- o autor sente necessidade dum vaivém entre a ilusão cênica mais
. visão como uma forma aberta que permit e a mobili zação imediata de elaborada e o regresso à palavra directa dum narrador que clarifica
: elementos variados na construção narrativa. não devemos hesitar em a narrativa e estabelece uma relação directa com o auditório.
. propor uma reflexão sobre a organi zação do guião e sobre o que isto Dar lugar demasiado importante às intervenções do narrador é.
, implica no domínio da produção do sentido. por vezes, uma solução de facilidade; não renunciemos à imagem ou
,A nossa intenção não é tomar em consideração todos os prin- à solução propriamente cénica para nos refugiarmos na narração sim-
cípios dramatúrgicos que presidem à escrita teatral e adaptá-los plesmente oral e abandonar demasiado cedo a procura de elementos
para tentar utilizá-los na sala de aula . No entanto, penso que mais especificamente teatrais. O caso é frequente quando adapta-
não devemos ser de uma timidez excessiva neste domínio: alunos e
pfriteSsores devem saquear sem hesitação os autores dramáticos que
(') Podemos utilizar como modelo obras de Brccht ond e há interven ção
lhespodem ser ',úteis na elaboração dos seus projectos, não para os do narrador: O Círculo de Giz CaaCGSitltIO, por exemplo, e a Boa Alma de
imitar ou copiar, mas porque as formas por eles exeprimentadas são Sé-Zuan.

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mos à forma dramática um texto não previsto para este fim e encaro q ue ma rcassem um simples tempo de paragem no seu jogo e se
regamos um narrador duma responsabilidade excessiva para poupar virassem pa ra o espectado r anunciando sem equ ípoco: «Estou a fazer
uma pesquisa mais difícil, mas produtiva. Ma is, o narrador cria pro- de e.nfermelro» ou «Asor~. /iOU um mecânico»,
blemos num grupo. cristalizando uma espécie de vedetismo ou cabo- Es ta convenção parecia-lhes inadmissível. sem relação com o que
tinismo. Mas podemos considerar que uma turma capaz dum tra - estavam a fazer. A sua concepção de teatro era tão forte e tão bem
balho deste tipo sobre a narrativa já terá resolvido a maior parte enraízada que encontraram o argumento supremo: «isso não se faz
dois problemas deste género. no teatro». Não era útil perguntar-lhes «em que teatro?». Era
. O narrador ajuda a uma organização das imagens, à construção urgente pôr em práti ca novas convenções.
duma fábula que as suas intervenções permitem precisar. As rup- Propostas de jogo: A chegada dos Bea tles a Londres (terceira
turas que introduz na históri a servem para criar momentos de para- classe de clássicas). Primeira fase: o grupo tinha decidido dar a três
gem e de reflexão par a o espec tador. É ele que apresenta as perso- raparigas o papel da m ultidão de fan s à espe ra dos seus ídolos no
nagens, situa os acontecimentos num con texto. ext rai as conscqu ên- aeroporto . Pela falta de qualq uer convenção estabelecida , esta mul-
cias da fábula a p rese nta da. Segund o a técnica da entrevista de que tidão ca nsa -se muito depressa de dar alguns gritos estridentes ou de
falam os antes. pode até dirigir-se aos protagon istas. interrog á-los. tentar mais o u menos hab ilmen te ultrapassa r a polícia do serv iço de
ocupar o verd adei ro lugar dum condutor do jogo. No jogo da dis- ordem. Evide ntemente, não diz mais nada alé m da q uilo qu o já sabe-
puta entre vizinhos de que já falámos, as cenas simultâneas jogadas mos pela televisão o u pelo cinema, propondo um a imagem conven-
em cada um dos apartamentos foram criticadas pelas espectadores cion al de jovens histéricas, ansiosas por se aproxima rem dos seus
porque prejudicavam a compreensão. Colocadas umas atrás das heróis.
outras, não se encadeavam bem, de forma que os alunos procuraram Depois do debate, decidimos renunciar à reprodução duma «ver-
uma maneira de jogá-Ias simultaneamente impondo um nível de jogo da deira multidão» e con stituir um coro que iria reagir conforme con-
e um nível sonoro diferente segundo a importância dada a esta ou vençõ es que es tabelecemos: mo vimentos mecanizados. intervenções
àquela seq uência mais importante. Pen saram introduzir um condutor pont uais em form a de gritos modulados (um trabalho vocal poderia
do jogo cuja função era sobretudo cham ar a atenção do público c tam bém ser iniciado), cha ma das dir ectas ao público: porque é que
marcar a pas sagem duma scquência para a outra. estão aí, o q ue esperam , o que desejam?
M esmo sem texto esc rito, ob tém-se uma im agem muito mais rica
do grupo . e que diz coisas mais int eressantes. Do ponto de vista
UTILIZAÇÃO DO CORO dos que jogam . passamos dum a reprodu ção complacente e do pri-
O narrador facilita a elaboração dum primeiro projecto de escrita meiro gra u (o prazer de «ser» as fans dos Beatles que se agitam na
descontínua que devemos reforçar. desenvolvendo a pesquisa no seno sala de a ula) a uma image m elaborada (o pra zer de m ostrar as fans
tido dum trabalho sobre rupturas; podemos desenvolver o trabalho em acção) . Quanto aos que olham . ap resen ta-se-lhes a mesma dis-
ta nciação pela utilização d um processo d ram ático simples. Deve
colectivo instalando um coro em vez dum narrador único. Incitamos
ser discutida ainda a execu ção do projecto que não pode ser cuidada
as pr óprias personagens a dirigirem-se d írectarnente ao público de
outra maneira que não pelo aparte ou a piscadela de olho. Lem- sem que um trab alh o mais longo se realize. O professor não deve '\
tornar-se enccnador, ele propõe um novo instrumentoque os alunos \
bro-me de ter escandalizado alunos da sexta cla sse embaraçados por
não conheciam ou do qual não se lembravam, (era uma turma clãs- )
não terem o número suficiente de pessoas no grupo para jogar todas
sica que podia. pelo menos, ter-se lembrado do coro antigo). 'São-,
as personagens que imaginaram. Como. diziam eles, passar duma
personagem para outra em aparições episódicas, sem qualquer eles que devem experimentá-lo, aprender a utilizá-lo. inventar dentro \
disfarce que indentifique essas personagens para o público? Propus deste novo quadro. Não era possível esperar tudo do grupo. era

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preciso fazer uma proposta de jogo que melhorasse a qualidade do Um simples fim de semana de campismo. jogado por alunos da
seu trabalho. sexta classe, não precisou de menos de seis lugares diferentes, deli-
A partir deste exemplo. inventaremos todos os processos vizinhos mitados numa sala de refeitório. A primeira parte passava-se em
que funcionam da mesma maneira. continuando o objectivo a ser a três «casas» diferentes, onde as personagens acordavam ao mesmo
introdução de rupturas dentro do desenrolar narrativo e o aproveita- tempo que pensavam no que poderiam fazer durante o dia. Depois,
mento destas rupturas para permitir às personagens dirigirem-se ao um grupo dirigia-se aos outros para lhes propor uma excursão e
público sob todas as formas que parecerem eficazes. organizava-se um grande ajuntamento. A segunda parte consistia
em seguir o percurso complexo que tinha sido preparado antes: mesas
para escalar, cadeiras viradas que significavam rochedos , torrentes
UMA FORMA SIMULTÂNEA para atravessar a vau. Esta parte desenrolava-se quase em silêncio.
DA NARRATlV A DRAMÁTICA mas com o prazer reencontrado dum «jogo de pistas» num quarto.
Na terceira parte. era preciso montar a tenda (uma mesa grande que
_ Muitas improvisações espontâneas dão lugar a cenas que se desen- os abrigava a todos), preparar a refeição. deitar-se. Durante a noite,
f rolam, simultaneamente, no mesmo espaço ou em espaços diferentes. uma rapariga sonâmbula saia da tenda e torcia um tornozelo ao
. As crianças mais pequenas utilizam estas formas com toda a natura- cair dum rochedo; os seus camaradas descobriram-na só de madru.
. lidade porque querem contar uma situação complexa ou porque gada, apesar de ela os ter chamado durante muito tempo. O regresso
: ainda não dominam suficientemente o tempo e o espaço para sino fazia-se segundo o esquema inverso. escrupulosamente respeitado, -até
tetizar o que querem dizer segundo um esquema linear. Normal- à separação 'junto das diferentes «casas».
:mente, somos tentados a simplificar a história para a inscrever em Uma «boa» narrativa dramatizada teria suprimido todos os ele-
moldes mais correntes. No entanto, por vezes, é pena não tirar par- mentos demasiado descritivos para concentrar a atenção sobre uma
!tido desta construção multifacetada levando-a mais longe. Uma parte dos acontecimentos. O jogo desenrolava-se alternadamente em
'racionalização da narração leva infelizmente à destruição de pro- vários planos, conforme o grupo se separava ou não em subgrupos,
postas originais que tentavam. com maior ou menor jeito. dar conta porque parecia impossível renunciar à presença de qualquer dos
da multiplicidade do real e da riqueza das experiência s. Se os irnpro- jogadores. Para eles cada acção devia integrar esta espécie de fresco.
visadores conseguem dominar um jogo que se passa em espaços múl- difícil de manejar. por vezes demas iado pesado na sua preocupação
tiplos. as oposições. os encontros c atropelos das imagens que invcn- de não esquecer nenhum pormenor, mas que tinha o grande mérito
Iam contam mais coisas do que uma simplificaçã o da fábula que aos seus olhos. de os juntar sempre todos.
empobrece quando queremos faz ê-la entrar :1 viva força em esque- Podemos objectar que se trata também duma falta de jeito ou
mas redutores. É característica da cultura contemporânea. onde se duma ignorância das convenções dramáticas que reencontramos nas
procura uma multiplicação dos pontos de vista. a abund ânci a de irna- redacções da sexta classe, onde todas as «boas jornadas à beira. mar»
gens oferecidas ao olhar. Como se pretende apanhar em cada ins- começam com o pequeno almoço em família e acabam com o aluno
tante a diversidade do mundo, renuncia-se a inscrever tudo numa a deitar-se e a pensar no que o espera no dia seguinte. na escola.
imagem única ou. então, justapõe-se todos os fragmentos percebidos (~. sem dúvida, verdade. : Mas a sua maneira de fazer provinha duma
na esperança de encontrar uma nova alquimia da percepção. vontade de dizer tudo, mostrar tudo. investir o espaço todo e não
Porque é que o espaço não h á-de explodir e o jogo fragarnen- me pareceu útil criticar as formas utilizadas, mas antes pelo contrá-
tar-se? Clarificar nem sempre quer dizer juntar no palco teatral rio, quis ajudá-los a ir mais longe nesta direcção, jogando sobre
único c simplificador para o olhar do Príncipe. Que construções ins- fenómcnos de eco. de afastamentos e reencontros. Era-lhes impos-
piradas nesta linha podemos encontrar? sível, neste estádio de reflexão. inventar súmulas ou elipses; era

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projecto, do que a equipa técnica toma inteiramente conta. É ela
preciso, portanto, melhorar cada uma das facetas do jogo, assegurar que decide quais as sequências a filmar. quais os lugares dos actores
quo uma rede de correspondências funcionasse bem entre elas. aju- e qual é a qualidade do seu jogo. Os «cameramen» (que manejam
dar a dizer tudo em vez de propor dizer menos. uma grande caixa comprida) queixaram-se por vezes. que os movi-
mentos dos actores não lhes permitem gravar a cena: é preciso. por-
o JOGO DENTRO DO JOGO tanto, recomeçar, encontrar os movimentos que convêm a todos.
Pouco a pouco. instala-se nesta situação de ficção um esquema de
A forma tradicional. mas já complicada. do «teatro no teatro» melhoramento colectivo sem ter havido ruptura entre a invenção e as
foi utilizada espontaneamente em várias turmas com consequêncías transformações introduzidas porque tudo se faz no mesmo movi-
apaixonantes para a reflexão sobre a produção do sentido. Na ori- mento. É evidente que o grupo encontra dificuldades e tem desin-
gem. está sempre uma verdadeira fascinação dos alunos pelas pro. teligências sérias. mas o essencial reside na tomada de consciência
fissões do espectáculo: querem brincar ao realizador de cinema, de que a concretização do imaginário exige um esforço colectivo e
sentir o prazer de manejar uma máquina de filmar imaginária, recons- que se trata realmente dum trabalho. Interessando-se pelo jogo. o
truir um estúdio de cinema. Só depois 5<10 imaginadas formas nar- grupo mudava progressivamente o seu objectivo; tornava-se menos
rativas mais complexas a partir da ficção. o que cria o fenómeno de importante fingir que eram cineastas, tornava-se essencial chegar
perspectivação que bem conhecemos. a uma «realização», As sequêncías que agradavam à equipa não
Exemplo extraído duma turma da quinta classe dum C E G eram retomadas, porque. como se tratava de cinema. podíamos ima-
parisiense. Metade dum grupo em trabalhos dirigidos: ginar que estavam «na caixa». Pelo contrário. a fábula que se estava
A primeira ideia nasce num grupo durante uma .sessão de con- a construir tornava-se o centro das preocupações. Era claro para
certação, Se fizessemos de cineastas que rodam um filme? Ideia nós que o argumento proposto tinha carácter psicodramático e que
aceite por todos com entusiasmo, dado o prestígio de que gozam os a rivalidade entre as duas irmãs. susceptível de provocar o divórcio
«artistas» e li. possibilidade de tomar contacto com a técnica. de fazer dos pais, arriscava a que se chegasse a cenas bastante difíceis. O fim
intervir uma máquina de filmar. A distribuição faz-se rapidamente: do argumento foi posto em questão: iríamos decidir que os pais
um realizador, uma «scrípt», um «camerarnan», um «regisseur» se divorciam? . O interesse da inserção do jogo dentro do jogo está
(sobretudo pelo prazer de fazer o «clac» cuja existência é bem em que as discussões sobre o sentido acabam por se ligar concreta-
conhecida, ainda que a sua utilidade o seja menos) e actores. O difí-
mente aos imperativos do jogo sem tomar o aspecto artificial que
cil é encontrar um argumento pois reencontram aqui uma das difi-
têm certos debates.
culdades do grupo que não conseguia estar de acordo acerca do
Várias cenas tinham sublinhado o carácter irrisório do ciúme
guião. Depois de informado. o outro grupo aceita sem dificuldades
partir. ele também, da ideia de realizar um filme . Por fim. dois entre as duas raparigas (brigavam por causa dum lenço de pescoço).
argumentos foram escolhidos; um, inspirado nos folhetins de ficção como também das reacções dos pais que exageravam a sua genero-
científica. conta o que acontecerá numa cantina escolar no ano 2000. sidade para com a respectiva protegida. Finalmente, o argumento foi
O outro, imposto por uma menina. põe em cena duas irmãs com invertido; os pais mostravam-se exageradamente ridículos e era pre-
ciúmes uma da outra. apoiadas cada uma por um dos pais que aca- ciso tirar daí as consequências, Durante a disputa mais violenta
bam por se zangar gravemente e pensam mesmo separar-se. entre o pai e a mãe, as irmãs reconciliaram-se e tornaram-se as espec-
Os papéis deverão mudar ao longo das sessões; alguns realiza- tadoras divertidas da estupidez dos adultos até ao momento em que
dores recusam-se. perante as dificuldades da sua tarefa, outros pOI estes deram por isso e decidiram também mudar de atitude. Este
serem mal aceites pelos actores, Chega-se, no entanto, a uma situa- fim. um pouco moralizador. não tinha sido imposto de fora. tinha
ção apaixonante; os animadores são completamente excluídos do
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-
---. - - -- - .......
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nascido à medida que o projecto «filmado» encontrava a sua matu-


papel educativo. em sentido amplo, não é menos importante
ridade e a sua complexidade.
Não é evidente que esta estrutura possa ser utilizada sitematica- na descoberta da complexidade do real.
mente como um truque infalível para levar o grupo a assumir-se e 3, O jogo dramático cria no seio da sala de aula uma rede de
a ver-se jogar. O exemplo é quase demasiado perfeito, porque o relações não habituais. Porque supõe uma situação de jogo
argumento escolhido pelos alunos ganhava muito ao ser tratado (e de prazer). assim com uma relação afectiva diferente, pro-
desta forma. \ No entanto, devemos pensar no interesse de utilizar voca alterações notórias na relação pedagógica e uma modi-
uma -narração a dois níveis, sempre que isso é possível. É um ficação importante das trocas entre os alunos.
;'caso ideal de distanciamento e uma boa aprendizagem da autonomia
:,na criação.
Estes três objcctivos apresentam contradições. O nosso intuito
<.. não era sublinhá-Ias mas tentar mostrar. como quisemos fazê-lo
neste livro. que estas diversas funções se entrelaçam, se relançam, se
PARA CONCLUIR: influenciam umas às outras. Longe de se chocarem. estas diferenças
EXISTE UM «BOM USO» DO JOGO DRAMATlCO? constituem a originalidade e a força do nosso instrumento.
Naturalmente que, em cada um dos objectivos enumerados, afir-
Qual pode ser o lugar dum tipo de trabalho como o nosso. mamos a importância do papel do professor na aprendizagem e afas-
no quadro actual da instituição escolar? tamos o antigo esquema do «generalista» da educação que se apa-
garia durante a visita do «especialista» investido dum poder mágico.
1. O jogo dramático é um instrumento de aprendizagem ao Só encaramos a importância deste trabalho articulado no conjunto
mesmo nível que outros instrumentos ped àgogicos; é por isso duma pedagogia, num processo educativo global. Como poderia o
que desejaríamos que tivesse uma função no interior dos pro- professor colocar-se fora duma actividade relacionada com o seu
gramas escolares tradicionais. de descoberta de certas maté- domínio, dizendo-lhe pessoalmente respeito? Como poderia ficar estra-
rias sem que fosse por isso afectado a objectivos demasiado nho a 'um diálogo encetado no interior duma secção «teatro» que
precisos a curto prazo. não se prolongaria durante todo o ano? Vimos. várias vezes, que
É desejável que o jogo dramático não seja utilizado as questões levantadas pelo jogo não podiam ser resolvidas de modo
excepcionalmente mas que se torne inst rumento simples c sum ário no quadro fechado dos 10%. sob o rótulo «animaç ão» OIU
familiar. A sua natureza de linguagem or iginal, elaborada por «expressão dramática» e que ultrapassavam os limites habitualmente
várias pessoas. faz dele um instrumento de expressão e comu- dados às actividades artísticas. ao «suplemento de alma». Estas ques-
meação de acordo com as necessidades dum ensino moderno. tões exigem uma 'estrutura sólida, a presença activa dum adulto que
em todos os domínios. não pode limitar-se a transmitir uma técnica.
Entramos no domínio da utopia quando encarregamos o profes-
2. O jogo dramático ultrapassa o quadro estritamente escolar;
sor (mesmo que seja o de Francês) duma actividade para a qual não
ele permite e facilita o nascimento dum discurso pessoal cen-
está preparado? Vamos afastar o apoio de animadores especializados?
trado nas preocupações imediatas da criança. Pelo seu poder
Não nos enganemos no alvo. A visita de especialistas. venham
de experimentaço se mriscos (ou com riscos menores) con-
eles dum centro cultural ou duma instituição de carácter escolar,
sideramo-lo cama um instrumento de decifração e análise do
continua a ser indispensável, nem que seja só para criar as condi-
mundo em que vivem os nossos alunos. Neste caso. mesmo
ções dum ensino realizado por várias pessoas e do qual sentimos
não obedecendo a imperativos estritamente escolares. o seu
necessidade. Mas estas visitas têm interesse limitado se os pro-
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r..:.:;==----------- -- ----- ----- ----- ----

fessores não estão preparados; neste caso, o diálogo será superficial e


a colaboração formal. Os animadores, também eles, sentem a neces-
sidade de trocas, e quando sei queixam da «recuperação pedagógica»
dos seus espectáculos ou das suas intervenções, é porque têm a seno
sação de que o seu trabalho continua desconhecido ou que, por vezes,
é prolongado de forma medíocre através de uma actividade fabri-
cada artificialmente para ficar com a consciência tranquila e justi-
ficar a posteriori o «recreie artístico». ELEMENTOS BIBLIOGRÁFICOS
Acontece, c felizmente, que um jogo ou um cspcctáculo se baste
a sI próprio, que provoque uma corrente de ur fresco na rotina o nosso assunto está na moda: muitas obras se lhe referem mas poucas o
tratam d írectamente. Na medida em que ele se relaciona com donúnios dífe-
quotidiana. Mas a equação nunca se deve pôr em tCTI110S de expres- ren tes. exige uma informação muito diversificada. Citamos, aqui, apenas o
são teatral (ou artística) acompanhada por um prolongamento peda- essencíal, omitindo as obras de car ácter hist órico eos trabalhos de erudição.
gógico obrigatório, uma «qualquer coisa» que viria depois para fazer
passar o que estava antes. Se não existe uma ligação orgânica
1. SOBHE AS I NSTI1' UI Ç()ES EDUCA1'1V:l S E CULTURAIS:
entre as actividades, mais vale que não haja ligação nenhuma, Mas
quem, senão os professores, poderia assegurar esta continuadade da Ch. Beaudelot ct R. Establet - L'Ecole Capitalíste en France, Maspéro,
actividade educativa para que os alunos deixem de ser submetidos «Cahiers Iibres», 1971.
ao regime do «duche escocês» (um pouco de liberdade - ou muito
Ceorges Snyde rs - Éco le, classe et lutte de classes, P . U. F., «Pédagogie
abandono - depois o regresso às actividades sérias), para que deixem d'nujourd'hui», 1976. (Tra d, portug. na «Mora es Editores». 1977) .
de lhes fornecer um mundo cortado em fatias facilmente digerido na
P. Gau dib ert - Action cult urellc: integrntio n et/ou subversion, Cast erm ann,
escola?
«Muta tions, orientations», 1972 .
Evitaremos, então, estas situações conflituosas em - que o pro-
fessor tem a sensação de ser desapossado da sua turma por um aní- Para íní ormações relativas à programaçã o das casas da cultura, centros
dram áticos c cen tros culturais bem _como . artigos relativos aos problemas da
mador demagógico, de passagem, enquanto que o animador tem a
animação no meio escola r consul te-se ATAC- Informatio-ns (19 Rue duRenard,
sensação de estar a fazer frente a um professor passivo que só tolera 75004 , Pari s) espe cialme nte os n ~o. 54 (suplemento , 59 e 72).
a sua presença para aproveitar um recreio.
Esta questão da formação artística (inicial ou contínua) do pro-
fessor é actualmente deixada, a maior parte das vezes às iniciativas 2. SOBRE A EXPRESSÃO DRAMÁTICA F: O TEATRO
individuais e continua a ser benévola. Não pode, evidentemente.
P. Leenhardt - L'enfant et l'express íon dramatiqu e, Castermann, «Collec,
ser só livresca. Propomos ao leitor isolado algumas pistas para o tion E3». 1973 . (Trad. portug. na «Editorial Estampa». 1974) .
ajudar a situar-se nos organismos que se preocupam com a expressão
C. Da st é, Y. [ eng er, J. Voluzan - L' enf ant , le th éâtre et l' école, Dela-
dramática, na esperança de que seja criada uma situação de
cha ux et Niestl é, Bord as 1975.
facto que leve, finalmente, as autoridades oficiais a ultrapassar o está-
dio das «experimentações». Muitas obras pr opõem exercícios ou listas de jogos pr eparados previa-
ment e sem coloca rem os verd ad eiro s pr obl emas. Preferimos, portanto, rem e-
ter para- revistas qu e consagram artigos ou números especiais aos assuntos
que nos interessam :
Le Français ·Au;ourd'hui, especialmente os números 6-10-11-12.13-15-27
e o núm ero duplo 33-34 (<<Du théâtre») cá 'seu suplemento.

212 213
___ _ ~ • ..J. _

1
II
i
Les Cah iers Pédagog iques, n.O. 5 1-70·94-98.
Os professores interessados numa abordagem mais especifica da matéria
Tra vail Thétral pa ra um a abordagem do teatro em geral ; p ara artigos espt.~ encontrarão teses e dissertações de mestrado, bem como uma importante docu-
c ífícos, ver «Recension de la revue T ravaíl th éâtra l», por V. Tasca, in L e Fran ça i.• mentação, na Biblioteca Gaston Baty da U.E .R. de Est ud os Teatrais da Uni-
Aujo urd'hui já cit ado . versidade de Paris III (Ce ntro Censíer).
No donúnio audio-visual, consultar «Une documen ta tion audío-vísuelle»,
Thé âtre Public em geral (Revista pub licad a pelo Théà tre de Ge nnevilli ers) por Sylvain Roum ette, in Le Frnnçais Aujourd'hui citado.
e, em especial, o n.? 4 relativo ao tea tro pa ra crâanças.

Eniance, nomeadamente o núm ero especial pu blicado em 1973 , «Lo Th éâtr «


pour enfantss.

Para an álise do texto teatral na sua especialidade, duas obras:

Richard Monod - L es text es d e thé ât re, collcctlon TNT Cedic, 1977.

Anne Ubersfeld - Lire le théâtre, Edjtions Sociales, 1977.

3. PEDAGOGIA, PSICOLOGIA , PSICOD HAM A.

Para uma outra perspectiva da criança :

Brun o Bett elheim - La Fort eresse v ide, Les E nia nts du rêve . Dialogu e avec
les m êres, L 'Amour I/e suffit pas, C allíma rd,

E pel o menos:

Henri Wallon - L 'Ecolution PSlIcholog iq ue de Tenian i, '«U.P ri' IllI·" , A. Colin


1976 . (Trad. po rtug. na «Edições 70". 1978) . '

Lcctur e d'Henri Wallon - Editions Social es, 1976 .


C. F reiuet - Les techniaues 1-'reinet de l' école 1/Iot/(,m c. A. Colln, 196U
errado portug. na «Editorial Est ampa», 1975).
Pour l'école du petlple, Maspero Tr ad, port ug. na «Editorial
Presença» , 1973) .

D e vanos professores - La p éda go gie Freinet par cellX '11!i la praiique nt,
Ma spero , 1975 (Trad. po rtug. na «Moraes Ed ítores»).

D . Anzleu - Le pssjchodram e al/alu1i'lue cliez l'eniant, PUF, 1956.

A. Schutzenberger - Précis de psuchodram e, Éd. Universitaíres, 1966 (trad .


bra sil, na «Livraria Du as C idades», 1970, sob o título: O Tea tro c a Vida) .

D . WidIocher-Le psuchodrame chez l' enjan t, C ollect ion SUl'", PUF, 1970
(Trad. b rasiI.: Psicodrama Infantil, Vozes, 1970).

214 215
\i
PARA A FORMAÇÃO ..

Distinguimos tr ês sectores prótÍmos:

1. Uma inicia ção teó rica ao estudo do fen ômeno teatral (Pesquisa do
I('xlo. an álise drn tn ut úrg. ca , leitura d a representação , etc..• .).

2. Uma inicla ção à exp ressão dr amática sem ter necessariamente em


contra uma p reocupa çã o pe dagógi ca. (Indicação às técnicas do jogo , formação do
actor amador , realização de espect áculos),

3. Um trnbalho de expressão dramática, sob diversas formas, com vista


a uma prática com crianças, no meio escolar ou não.
O primeiro sector tem-se desenvolvido nas universidades onde se procura
tom ar claro a especificidade do trabalho teatral.
T/íl tnmbóm nlgn ns estágios teóricos orgauizados pelo Secretariat d'~tat à
la j cun esse et a ux Sports, po r vezes em ligação com a realizaç ão
de um cspect áculo. O segu ndo sector é assegurado simultaneam ente por
a lg umas univers id ades, por est ágios or ganizados pela j eunesse et Soprts
e por diver sas associa ções. Por outro lado, algumas emp resas p rivadas pro -
cu ram alargar um mercad o até agora limitado à formação de actores profis-
sionais (os fam osos «cursos» de arte dramática). .-\S mai s das vezes é difícil
esco lhe r com conheci meto de causa. O último sec tor devia estar a cargo das
uni versidades, no qu adro da formação inicial e da formação continua dos profes-
sores. Infelizm ent e, as qu e lançam expe riências neste domínio d:spõcm de meios
limit ad os. Algumas associa ções d e professores procuram juntar-se <' organizar-se
pa ra faz er face à procura.

Consulte-se, em L e Francais Aujotlrd'htli, a lista das universidades


onde existe o ensino do teatro, [Os professores interessados devem
informar-se dir ectarnente junto dos responsáveis departamentais ou das (raras)
U. E . R.. Em função do seu local de trabalho, podem igualmente dirigir-se à
Direction Régionale d e la Jeunesse et des Sports que, em principio, organiza
estág ios ou d elega Cons elh eiros técnicos e pedagógicos (cada vez menos num e-
rososl] .

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---~

POSFÁCIO À EDIÇÃO PORTUGUESA


Escrito em 1976 a partir dum trabalho desenvolvido ao longo de
v ários anos e publicado em França em 1977. O Jogo Dramático na
Escola teria, na minha opinião , merecido algumas transformações em
1980. O mundo muda rapidamente e o nosso trabalho. fixado pro-
visoriamente por necessidade da escrita. continuou a evoluir. Christine
Zurbach e Manuel Guerra que me dão a amizade de traduzir o meu
livro preferiram que este fosse divulgado tal como estava aos leitores
portugueses. Aproveito. pois. a oportunidade para apresentar algumas
das minhas preocupações actuais, depois dum longo desvio que cons-
tituiu o meu trabalho com adultos.

EXERCfCIOS E UTOPIA

A minha grande desconfiança em relação aos «exercícios» e à


transmissão simplista de técnicos de actor não mudou. Simplesmente,
tenho hoje uma maior consciência de que é difícil para a maioria dos
grupos lançar-se imediatamente num trabalho aprofundado sem esta
espécie de «aquecimento» para uns, este tempo de relacionamento.
esta «limpeza do espaço» para outros. Os jogos e exercícios de
Augusto Baal, para citar apenas estes, divulgaram-se ultimamente entre
os participantes da expressão dramática. . Tant o melhor. Mas não
devem por essa razão - e Boal tem disso clara consciência - depois
de terem sido cortados do seu contexto, da sua significação ideológica
profunda (o «Teatro do Oprimido»), ser reduzidos a alguns momentos
._superficiais, mecânicos, a um ritual irrisório. A minha velha des-
confiança em relação a todos os exercícios tinha nascido da minha
vontade de abrir uma polémica contra o facto de propor às crianças
«seja o que [âr» apenas porque já tinha sido feito ou já tinha sido
visto noutro lado. Talvez nos tenhamos tornado mais prudentes neste

219
.J
I

domínio mas continua a ser necessano reilectir sobre os objectivos estereotipos. Mas o jogo só oferece um verdadeiro interesse se falar
da expressão dramática no contexto escolar antes de dicidir com toda do racismo através da experiência que os ' jogadores têm dele, com
a clareza acerca da escolha destes «acepipes» propostos ou impostos as dúvidas, as contradições as interrogações (e também a imaginação)
antes do jogo dramático propriamente dito. Deveríamos. sobretudo, que lhes pertencem: .b jogo torna-se produtivo quando se partícula-
não considerar que são naturais. .riza, quando deixa falar as subiectividades e tem em conta os desejos
Hoje. portanto. dou uma importância muito maior do que neste profundos dos participantes. O que, de resto, é uma condição indis-
livro à necessidade duma «mise en train» para alguns grupos. Mas pensável para que haja prazer.
essas «mises en condition» - é essa a expressão estranha que ouço por O prazer está também no interesse que cada um tem em jogar
vezes --:- são dirigidas inevitavelmente por um emissor único (o ani- o que o interessa e em fazer partilhar os seus interesses. A ponto de
mador) que decide, no lugar dos participantes, do estado em que eles me exortar a mim próprio a ter PACItNCIA quando a situações
devem estar para produzir «bons jogos» . .abordadas não me apaixonam pessoalmente. Porque diabo é que um
E se os indivíduos tivessem direito a estados diferentes? E se grupo ou indivíduos haviam de aceitar do pé para a mão lançar no
se tratasse de fazer com que eles, 110 fim do percurso, sejam capazes, terreno do jogo preocupações a que d ão importância 0 11 que os põem.
por si próprios, de chegar como cntederem a esse estado? A auto- p or vezes, em causa. Porque é que essas preocupações haviam de
nomia dos grupos e dos indivíduos continua a ser um objectivo prin- ser expostas diante de outras pessoas, um professor ou um animador
cipal no meu trabalho. É por isso que não quero que estas sequências nos quais não têm à priori nenhuma razão para confiar? E em nome
preparatórias continuem a ser a eterna bengala, a aprendizagem de de quê é que este animador decidiria demasiado depressa que isto é
truques estafados, os «tapa-misérias» da imaginação nas mãos dum importante e aquilo não? Definitivamente, as situações impostas ou
animador-indutor, Demo-nos ao menos o tempo de os interrogar. caídas do céu nunca se revelam produtivas. São as propostas que
ajudam a dizer. Assim aconteceu com esta turma da .segunda classe
a quem foi proposto trabalhar sobre «As Mãos Sujas» de Sartre,
peça estudada na aula. Todos com o mesmo entusiasmo, estes ado-
INCLUIR-SE NUMA IMAGEM DO MUNDO: PACIêNCIA!
lescentes escolheram por maioria jogar cenas não escritas, simples-
mente mencionadas no texto de Sartre. Todas elas. tinham lima rela-
Insisto neste livro, de maneira 11m pouco voluntarista, sobre o-
ção com a infância ou a adolescência da personagem de Hugo. A más-
interesse de «jogar o mundo». O que' por vezes é entendido, erra-
cara da personagem permitiu que falassem do que lhes dizia respeito,
damente, de dar provas, nos jogos, duma hoa vontade ideológica um
das situações imediatas que tinham dificuldades em clarificar, que os
pouco ingénua ou afirmar uma certeza política. O jogo dramático
confrontavam com as suas próprias [amllias.j Tenho vontade de voltar
seria didáctico ou não seria jogo dramático. e não haveria salvação
a falar de alegria imensa que o jogo ' fornece quando introduz 110
fora dos «grandes temas» renovados pelas modas 011 pelas necessidades:
aqui é agora do grupo imagens concretas dum -algures que tem a ver
a poluição, os mass-media, a família. a miséria, fi crise das energias...
com os participantes. Foi o caso de duas jovens originárias da Mar-
Quando, pelo contrário, pedimos aos participantes que se invistam
pesoalmente nos jogos, acontece que nos tornamos suspeitos de favo-
7Tnica, recentemente chegadas a um liceu dos arredores de Paris.. que
jogaram com prazer e uma espécie de alívio lima cena em que apre-
recer o narcisismo, a confissão íntima 011 o psicodrama de contrabando.
.sentam camponesas da sua terra no fim dum dia de trabalho: Falando
Parece-me; na realidade, que o que os participantes jogam só tem
crioulo com os turistas, «movendo-se como ninguém da turma as tinha
interesse (para eles e para os outros) quando põem em causa uma
ainda visto mover-se, afirma, com uma força tranquila Uma identidade
imagem do mundo que lhes diz directamente respeito e onde se podem
.que ainda não tinham podido (ou desejado) assumir no es~aço es~olar.
incluir. Explico-me: os bons sentimentos podem encontrar satisfação
. Mais tarde, resumiram este jogo dramático dizendo que quiseram Jogar
num jogo que fala do racismo duma maneira gerai e com base em

220
- .~--~

sos «perigos» do psicodrama acidental a ponto de atrai çoarem a sua


o «lá baixo». Este «lá baixo» tinha entrado na sala porque lhes fascinação. Não estou longe de pensar que é. por vezes o excesso
dizia respeito. porque elas se incluiam IUJ imagem do mundo que apre- de precauções que cria a situação expl osiva e que o meio escolar
sentavam e apropriavam-se dela ao jogá-la. excessivamente constrangedor cria, ele sozinho. mais riscos psíquicos
Paciência, portanto. Por vezes. são precisos dez jogos sobre situa- do que todos os jOJWs dramáticos juntos! Um professor que define
çáes gastas ou imitadas para que nasça lima imagem forte. Aprender os seus objectivos e que tem a sorte de se apoiar num grupo de tra-
a dizer leva tempo. mas não creio que este tempo seja perdido. balho sabe que corre riscos. Mas deveríamos acabar com um mundo
escolar que considera, horrorizado, o espectro da aiectividade, faz dele
11m lobisomen ou fecha-o com um rótulo «pslc» como se. assim . ficasse
o DIREITO AO CASO tudo resolvido. Admitamos claramente que o [ogo dramático é uma
prática que está inevitavelmente depend ente da ajectividade, E per-
Obcecados pela construção e domínio do sentid o deixam os um guntemo-nos se a escola não está por vezes, a sufocar-se quando quer
terreno pouco ex plorado no meio escolar que é o do aleatório. Contra ignorar. a sua existência. Afinal, pode acontec er que o caso faça bem
os excessos de con fiança no racionalismo, contra a ditadura do pseudo- as coisas.
-realismo e a série de estereotipas que arrasta atrás dele, procuro, neste
m amemo. como um complemento indispensávl o trabalho já proposto.
desenvolver processos que tenham em conta o acaso. USAR DA PALAVRA DUM A MANEIRA CODIFICADA
__ Modestamente. e sem lias agarrarmos à novidade a todo o custo.
podemos pensar em sorteios (de espaços. de personagens, de situa- Nas várias formas de retomar o jogo. dava uma grande impor.
\ ç ões], em derivações dos jogos de dados que determinam enredos tância (lO facto de o grupo que olha tomar a palavra. sem que as
\ onde os deslizes e deformações dum sentido demasiado evidente ou modalidades desta intervenção fossem sempre definidas com precisão.
! gasto são facilitados. A situação mais banal recolocada num espaço Devemos lembrar que . nesta aprendizagem, usar da palavra sobre o
imprevisto toma. por vezes. uma cor ' 1I0va. A confrontação insólita jogo é tão indispensável como o próprio jogo. E isto CO/1l a condição
de personagens inesperadas permite renovar o stock de in venção dos de poder ser formulada em boas condições. que não se [eche em teori-
\ participantes. trazer um pouco de fantasia a um imaginâroi limitad~ zações vagas (risco mínimo CO/1l as crianças. frequente com os adultos)
\ ou fechado em convenções, A gin ástica tamb ém é útil para o imagi- c que não se limite a um ajuste de comas.
i nário. Durante estes últimos meses, ao reilectir sobre a organização do
l:. A imaginação preguiçosa funciona muitas vezes por cadeia de tomar a palavra na sala de aula tal como a desen volve a pedagogia
I ~orrespondências ditas lógicas que limitam o repertório das invenções. institucional. tentei favorecer a adopção de regras que são crescentadas
\ Todos os processos que facilitam o fabrico de nov.as «possibilidades» às outras já adquiridas.
\ de veriam. portanto. ser ex plorados para ajudar os Jo~adorés a romper Primeira fase: trata-se sempre de [alar da vivência imediata e,
\com a rnimesis demasiado precisa que tentam em vao alcançar pelas por isso. de dar a palavra em primeiro lugar ao jogadores. Como se
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( vias con vencionais. desenrolou o jogo para eles? Quais os desvios, em relação ao enredo.
\..-. Da mesma maneira . no trabalho com as palavras e a voz. todas que desejam assinalar? Quais as intenções verificadas . os erros. os
as abordangens por associações e jogos fonéticos ampli~m ~ e~la enganos? A qualidade do pazer? Tudo pode ser dito aí. sem que
do imaginário. Este campo de não-lógico (ou do menos l ágico) inquieta o grupo que olhava intervenha.
muitas vezes os adultos que vêem nestas inversões do sentido um' Segunda fase : Corresponde a um momento de esclarecimento e de
aumento do risco do psicodrama. Parece-me que. nestes últimos anos. diálogo. A palavra pertence aos não-jogadores que podem também
muitos animadores e professores (eu incluido) exageraram os [amo-
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falar da sua vivência, fazer perguntas aos jogadores. dizer o que é que
viram. Uma coisa é proibida, a teorização. Quando esta se revela
indispensável outros momentos são escolhidos e fixados previamente.
A fronteira ' entre o «dizer o jogo» c teoriz â-lo nem sempre é clara.
mas trata-se sobretudo, aqui, de não tornar as trocas pesadas, de dar
ao maior número de participantes a possibilidade de intervir. Pode-
o mos até proibir a polémica e as réplicas porque se trata de enunciar
e não de se justificar mutuamente.
Terceira fase: A fase mais regulamentada. a que serve concreta-
mente para a preparação da retomada do jogo. De momento, pro-
ponho as seguinte regras: os jogadores já não podem intervir mais.
As discussões e explicações estão excluídas. O tomar a palavra faz-se
segundo duas regras: com eça por «critico» 0/1 ' «proponho» com U TIl
objectivo definido: ajudar o grupo de jogadores a melhorar o seu
trabalho. Esta forma de troca final é rápida. clara (torna-se difícil
por causa da regra refugiar-se atrás dum luxo de precauções oratórias)
e não arrasta comentários supérfluos. Por fim. e isto é muito impor-
tante, o grupo que joga é o único que pode decidir como ~ que vai ÍNDICE
voltar a jogar e o que fará com as propostas que acabam de lhe ser
dirigidas. Nem justificações. portanto, nem polêmicas. Cada inter-
, veniente fala na primeira pessoa, afirmando a sua subiecti vidade e
! . fazendo-a reconhecer. Os propósitos aí manifestados por estas diver-
sas subjectividades são inevitavelmente contraditórios. o interesse está
na sua justaposição e não na sua síntese. Trata-se sempre duma
,/ aprendizagem: para uns, aprender a olhar e a dizer, para outros, apren-
>(
-, der a escutar sem se sentirem pessoalmente atacados.
Exponho aqui. de maneira excessivamente rápida, o que pode
aparecer, talvez. como um sistema. Cada um é livre de o adaptar
conforme lhe parecer mais útil. Hoje , e dado que se trata ainda ape-
nas duma obra em plena evolução. constato que o usar da palavra
duma forma regulamentada torna-se rapidamente um hábito que
'encurta e esclarece o debate. O que significa tempo ganho para jogar
mais vezes, durante mais tempo.
lá me alonguei demasiado para um posiâcio. Impossível dizer
,tudo. Tem agora a palavra a vossa prática. Coragem.

Paris, Fevereiro de 1980.


Jean-Pierre Ryngaert

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