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IMPROVISAÇÃO

De acordo com Nuno de Matos Duarte em seu


artigo “Arte e Improvisação: uma questão de
identidade”, a improvisação desde sempre foi
usada em arte – duas categorias básicas:

. Ferramenta de pesquisa para formar a obra de


arte, o artista testa diferentes soluções;

. Pura, não só a ferramenta, mas a obra em si.


Obra de arte improvisada é aquela que se forma em
tempo real ficando visível e/ou audível ela, ao
constitui-se seu corpo, a expressão direta de todos
os passos dados pelos artistas.

Ao entregar-se ao improviso, o artista parece extrair


de si a sua idiossincrasia transformada em obra de
arte/ associação de matéria que existe e tomou
forma. Não é um vale tudo – a arte tem sempre
presente uma ética que condiciona a estética.
Improvisadores possuem um léxico
teatral/repertório.
Jogo teatral – princípio - comunicação que
emerge a partir da criatividade e
espontaneidade, das interações entre sujeitos
mediados pela linguagem teatral, que se
encontram engajados na solução cênica de
um problema de atuação.

Mesmo princípio da improvisação teatral e do


teatro improvisacional.
Richard Courtney aponta que foi Caldwell Cook, em
1917, em Cambridge, que formulou “[...] a ideia básica
de que atividade dramática era um método bastante
efetivo de aprendizagem” (1980, p. 42) por meio do
“Play Way”, um método em que um livro-texto
(específico de uma disciplina do currículo) é a base para
a história que as crianças vão representar e, assim,
.
aprender o conteúdo abordado. Antes disso, apenas a
encenação de uma peça acontecia na escola.
Courtney esclarece que, após o Play Way, “O estágio
seguinte foi o conceito de que o jogo natural era
educacionalmente importante em si mesmo. [...] Nos
anos 20 e 30, escolas estiveram experimentando o jogo
livre, particularmente com crianças de 5 a 7 anos na Grã-
Bretanha” (1980, p. 42).
.
Peter Slade, em 1954, a partir de um trabalho que já
desenvolvia há vinte anos, defende que o “jogo
dramático infantil” poderia ter seu lugar no currículo
escolar como uma “disciplina” independente, e não
como uma atividade, um método em função de
outras matérias (COURTNEY, 1980, p. 46).

Peter Slade - inglês nascido em Hampshire em 7 de


novembro de 1912, morreu em 28 de Junho de 2004
- foi um escritor e dramaterapeuta, um dos
pioneiros no estudo de teatro para crianças.
.
Slade, distingue entre duas formas de jogo, ambas
dramática: jogo pessoal e projetado. No jogo pessoal,
todo o indivíduo integra-se no movimento e na
caracterização, há uma tendência para o ruído e o esforço
físico e a criança está atuando no sentido real –
desenvolvendo-se no que se refere a correr e jogos de
bola, luta e dança, natação e representação. No jogo
projetado, a mente é mais usada que o corpo, e a criança
“projeta” uma situação dramática imaginária, exterior aos
objetos, com grande concentração; é uma tendência que
concerne à quietude e à imobilidade – desenvolvendo-se
para a arte e execução da música, ler e escrever,
observação e paciência (COURTNEY, 46).
.
Dentre os muitos valores que o teatro possui, este é
emocional, e Slade está firmente convencido de que o
jogo dramático provê a criança de “ uma grande válvula
de escape” – uma catarse emocional (COURTNEY, 47).

Liberação emocional – oportunidade para um controle


emocional – favorece autodisciplina interna.

O “jogo dramático” infantil se caracteriza por um “fluxo


de linguagem” – discurso espontâneo que é estimulado
pela improvisação e enriquecido pela interpretação.
.
Alexandre Mate, docente do Instituto de Artes da UNESP – SP,
apresenta uma pesquisa em seu artigo publicado na Revista
Fênix: “Apontamentos Bibliográficos Sobre Jogos Teatrais no
Brasil. Retrospectivas e Lutas, Conquistas, Retrocessos,
Impermanências” (2010).

No amplo espectro compreendido para desenvolver uma


reflexão acerca dos trinta anos de trabalho com o
teatroeducação no Brasil (lembrando que a prática não
institucionalizada vem de muito mais longe), estabeleci um
recorte para apresentar alguns apontamentos que
enfocassem parte do material bibliográfico produzido a partir
de meados da década de 1970 até o final da década de 1990
(p. 17).
.
Alexandre Mate traz um vasto material, com vários autores
e Joana Lopes, importantes
publicações no livro Pegasobre
Teatro, publicado
o teatro em 1981,
na educação.
incorpora um olhar social e politico ao jogo teatral e
Dentro deste contexto, aponta três tendências de grande
defende que o teatro tem uma função social além de
relevância para esta tese, três autores envolvidos com o
estética, traz um imbricamento entre o estético, o ético e o
trabalho com a atividade teatral na educação no Brasil:
politico. Antes disso, publicado no Brasil em 1978 pela
Summus Editorial, o livro de Peter Slade, O jogo dramático
[…] com foi
infantil Peter Slade
“[...] ajudaria e em
transformado “aparar e/ou
espécie dereparar”
cartilha o
e
comportamento do indivíduo,
imposto reiteradamente às normas
em quase sociais
todas as vigentes;e
bibliografias
com
em Viola Spolin
concursos que ajudaria tanto
passaram na formação
a acontecer do indivíduo
a partir de 1978”
como
(MATE,no 2010,
desenvolvimento
p.6), devido eà percepção
versão da doLDBsenso estético;
de 1971, que
com JoanaEducação
incluiu Lopes, aoArtística
juntar o estofo e o escopo
no currículo anteriores,
escolar como
a atividade
outras educativa
dimensões, ajudariam
e, dentro no processo
dela, o trabalho com teatro,de
transformação do indivíduo
conforme abordado (idem, p. 8).
anteriormente.
AAlexandre
.publicaçãoMate
da obra
trazpioneira
um vasto de material,
Viola Spolin,
comem 1979autores
vários (junto à
de
e Peter Slade marca
publicações o início dosobre
importantes trabalho, de modo
o teatro na sistemático,
educação.
com o jogo
Dentro teatral
deste em âmbito
contexto, aponta mais amplo
três e generalizado
tendências de grandenas
escolas brasileiras)
relevância para estadecorre,
tese, três sobretudo, das necessidades
autores envolvidos com o
demandadas
trabalho com pela implantação
a atividade da Lei
teatral na5692/71,
educaçãoque noimpôs
Brasil:a
nefasta – e eclética ao paroxismo – Educação Artística e o
professor
[…] com polivalente.
Peter SladePor exigência
ajudaria da lei, sem
e “aparar e/ouinfraestrutura
reparar” o
ou mesmo conhecimento da totalidade das áreas dos diversos
comportamento do indivíduo, às normas sociais vigentes;
conteúdos que formavam a disciplina, os professores de
com Viola Spolin ajudaria tanto na formação do indivíduo
Educação Artística, formados em dois anos (licenciatura curta)
como no desenvolvimento e percepção do senso estético;
ou três (licenciatura plena), tiveram de buscar todo tipo de
com Joanateórico,
referencial Lopes, aoemjuntar
tantaso estofo e o escopofontes,
e diferenciadas anteriores,
para
a outrassuasdimensões,
ministrar aulas. Viola ajudariam
Spolin surge no como
processo de
alternativa
transformação significativa
absolutamente do indivíduo ao (idem, p. 8). com a linguagem
trabalho
teatral na escolar (idem, p. 6, 7).
A sistematização de jogos teatrais no ensino
do teatro foi elaborada pioneiramente pela
americana Viola Spolin nos Estados Unidos da
América, a partir de 1940.

Spolin nasceu em 1906 em Chicago e é


considerada como a avó norte americana do
teatro improvisacional.
VIOLA SPOLIN

7 de novembro 1906
22 de novembro 1994
Foi ela a responsável pelo termo theatre game –
jogo teatral

Um sistema que visa o aprendizado da atuação


teatral, criado para todos os que desejam
expressar-se por meio do teatro.

Calcado em jogos de improvisação, tem o intuito


de estimular o participante a construir um
conhecimento próprio acerca da linguagem
teatral, indivíduo junto com o grupo, aprende a
partir da experimentação cênica e da análise
crítica do que foi realizado.
De certa forma, Viola Spolin sistematiza a prática teatral
a partir de princípios teatrais defendidos por Stanislavski,
que muito a influenciaram. O jogo teatral é uma
ferramenta que estimula a expressão criativa por meio
da autodescoberta e da experiência pessoal; funciona
como uma chave para abrir a capacidade da auto-
expressão criativa. Neste jogo, desafios são lançados aos
jogadores, por meio da problematização, que devem
lidar com suas dificuldades. Ou seja, o jogador é
desafiado a resolver um problema dado, de forma
cênica, mediante a construção física de uma ficção
(SPOLIN, 1979).
Assim, podemos perceber claramente elementos marcantes dos
princípios de Stanislavski na proposta de Spolin, como é o caso das
ações físicas. Aliás, o método de ações físicas de Stanislavski,
fundamenta-se a partir de componentes da ação dramática, como os
jogos improvisacionais.

É também chamado de análise ativa, um sistema que objetiva liberar a


imaginação e as forças criativas, numa forma vivenciada. A ação física é
o fundamento no qual a totalidade das superestruturas emocionais,
mentais e filosóficas da representação são construídas pelos artistas. A
atuação é a criação consciente de um eu dramático, diferente do eu real
e a ação é a base da interpretação. O motor do “sistema” é a
composição física da memória intelectual, afetiva, muscular, que produz
então a imagem artística que contém a vida interior encarnada ou vice
versa (TEIXEIRA, CAMARGO, 2010, p. 16). (SPOLIN, 1979).
A concentração (foco), o trabalho com objetos
imaginários, a busca da presença cênica, e a
exploração da diferença entre o mostrar (vivenciar) e
o contar (narrar), sempre com ênfase na importância
da ação para a constituição do processo de
conhecimento e existência da personagem.
Em 1978 - atriz Maria Alice Vergueiro, na época docente do
então Departamento de Teatro, da ECA/USP, trouxe de
sua participação no III Congresso Internacional de Teatro
para a Infância e Juventude nos EUA:
Improvisation for the Theater

Em 1979, foi publicada a tradução pela Editora Perspectiva:


Improvisação para o Teatro (1979)
Tornou-se o livro de referência do movimento de teatro
improvisacional e de jogos teatrais no Brasil.
Os jogos teatrais de Viola Spolin revelaram-se altamente produtivos nas
diferentes abordagens, acima de tudo ao promoverem habilidades no
processo de aquisição da linguagem do teatro. As reflexões sobre o jogo
teatral dentro de nossa realidade nacional certamente abrem novos
caminhos para o método de Viola Spolin, ampliando e até mesmo
transformando a proposta inicial (KOUDELA, 2010, p 7, 8).

O jogo é uma forma natural de grupo que propicia o envolvimento e a


liberdade pessoal necessários para a experiência. Os jogos desenvolvem
as técnicas e habilidades pessoais necessárias para o jogo em si, através
do próprio ato de jogar. As habilidades são desenvolvidas no próprio
momento em que a pessoa está jogando, divertindo-se ao máximo e
recebendo toda a estimulação que o jogo tem para oferecer – é este o
exato momento em que ela está verdadeiramente aberta para recebê-las
(SPOLIN, 1979, p. 4).
Aproveitando justamente o envolvimento e a liberdade pessoal para experiência
que o referido jogo propicia, jogos teatrais são propostos aos iniciantes nas aulas
de teatro semanais, de acordo com Viola Spolin, mas também tendo em mente o
que a própria autora defendia: “As técnicas teatrais estão longe de ser sagradas”
(idem, p. 12).

Problemas que façam sentido para os alunos e alunas são propostos; eles
elaboram respostas para estes problemas, por meio do uso de elementos
fundamentais da estrutura dramática: “quem?”, “onde?”, “o quê?” (personagem,
espaço e ação) e, posteriormente, também “como?”, “por quê?”, “quando?”,
resoluções cênicas próprias e criativas, não definitivas, problemas para resolver
problemas. Apresentam essas encenações entre si, ou seja, os jogadores são
divididos em palco e público, com os dois grupos assumindo os dois papéis em
momentos diferentes.

O foco em ambos os casos, elemento de suma importância tanto para Stanislavski


como para Spolin, não é o objetivo desse jogo, mas o ponto de concentração dos
jogadores sobre o problema.
Problemas que façam sentido aos envolvidos; assim
eles elaboram respostas para estes problemas, por
meio do uso de elementos fundamentais da
estrutura dramática: “quem?”, “onde?”, “o quê?”
(personagem, espaço e ação)

Resoluções cênicas próprias e criativas, não


definitivas, problemas para resolver
problemas.
Os jogos teatrais acentuam a corporeidade, a espontaneidade, a intuição
e a incorporação da plateia, indicando como princípios da linguagem
teatral podem ser transformados em formas lúdicas, criando um acesso
criativo para a atuação no teatro com leigos e profissionais (KOUDELA,
2010, p. 1, 2).

A reflexão e análise crítica do que é apresentado sempre acontecem após


os jogos e constituem uma proposta de avaliação, também a partir do
foco que orienta o olhar dos jogadores no palco ou público, elimina
julgamentos de valor ou gosto pessoal e possibilita muito prazer aos
participantes, que se sentem pertencer ao espaço, com voz e vez,
trabalhando tanto o olhar teatral como a autonomia.
O teatro vem sendo trabalhado, nas mais diversas instituições
educacionais e culturais preferencialmente, a partir da prática
com jogos de improvisação, e isso porque se compreende na
investigação proposta por essas atividades o prazer de jogar
se aproxima do prazer de aprender a fazer e a ver teatro,
estimulando os participantes (de qualquer idade) a organizar
um discurso cênico apurado, que explore a utilização dos
diferentes elementos que constituem a linguagem teatral,
bem como a empreender leituras próprias acerca das cenas
criadas pelos demais integrantes do grupo (grifo do autor)
(DESGRANGES, 2006, p. 87).
Assim, muitas são e podem ser as semelhanças entre o fazer
teatral e o processo de conhecimento humano, que o
capacitam a elemento fundamental na construção de
conhecimento, acessível a todos. “Todas as pessoas são
capazes de atuar no palco. Todas as pessoas são capazes de
improvisar. As pessoas que desejarem são capazes de jogar e
aprender a ter valor no palco” (SPOLIN, 1979, p. 3).
Representamos no mundo e, de acordo com Viola Spolin, é o
nosso reconhecimento e percepção deste mundo e toda a sua
complexidade, e de nós mesmo dentro dele, que vai fornecer
material para o teatro.

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