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Instituição

Universidade Federal de Ubcrlândia


Instituto de Artes
Curso de Teatro

ISSN 231(,-2775

COORDENADOR DO PROJETO
PEle Exercício 2012 Projeto 08 Mediação teatral e formação de espectadores
Prof. Dr. Narciso Laranjeira Tclles da Silva

GRUPO DE PESQUISA
Ana BeatrizMiranda
Katlen Rodrigues
Kellen Ferreira de Moraes

ARTE CAPA
KeyIla Ferreira de Moracs

DIAGRAMAÇÃO
Elenice Naves

IMPRESSÃO
Divisão de Gráficas UFU (DIGRA)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA


Av. João Naves de Ávila l12! Campus Santa Mônica
Ubcrlândia MG CEP .18408- 100
Telefone: (34) 3239-4413
APOSTILA DE ANÁLISE DE TEXTO
Yan "fchalski

Universidade do Rio de Janeiro

Centro de Letras e Arles

Análise de texto é a etapa prioritária em qualquer processo de criação


teatral. Não basta uma atitude emocional e de improvisação cm relação ao
texto. A análise estrutural deve ser dominada como uma técnica suscetível
de ser usada em qualquer abordagem de qualquer tipo de pcça.
Muita gente torce o nariz para o conceito de A.T., achando que ela
tem uma conotação acadêmica e corresponde a uma dissecação fria e
científica quer ameaça matar a resposta subjetiva da pessoa ao texto. É
elaro que existem em muitas peças aspectos onde dificilmente podem
ser traduzidos verbalmente, mas, isto significa que uma peça viva num
mundo místico que desafia um exame lógico.
É importante que se chegue a uma verdadeira percepção do con-
teúdo e da forma de uma peça, percepção da qual sairão os caminhos
para a sua transposição cénica. A palavra percepção significa ao mesmo
tempo um impulso emocional, do qual sairá em grande parte o voo
criativo do reter, mas também uma consciência objetiva básica de como
uma peça é feita. Sígnifica mais do que o impacto sentido na primeira
leitura ao sentido: "Gosto desta peça. Elka me diz muita coisa. Mas não
consigo especificar o que ela me diz, c por quê?" Percepção significa
um mergulho dentro da obra, indispensável para a sua compreensão.
O que o diretor vai encontrar na peça depende em ampla medida da
sua capacidade de desmontá-la mentalmente e depois juntar dc novo
os seus pedaços, agora mais bem compreendidos, individualmente em
conjunto. Em última análise, percepção é a visão global que o diretor
tem da obra depois da reação emocional que a leitura lhe proporcionou
e do exame intelectual detalhado ao qual ele a submeteu. Se ele teve
uma reação emocional forte, e se ele domina a técnica da análise, só
poderá ter uma visão mais ampla da peça ao fim deste processo do que
tinha antes.

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Temos de partir da premissa que uma peça não é vida, mas arte.
Sendo uma obra de arte, ela é artificial ~ um objcto fabricado que pode
ter semelhança com vida, mas que não é vida. Isto se aplica até aos
textos mais naturalistas, que mais se parecem com "a vida como ela é".
(Experiência de Stanislavski).
A.T. é, portanto, uma espécie de suporte para os sentimentos que
o diretor tem em relação peça. Enquanto técnica, ela está vincula-
à

da ideia de que dircção não é um processo inteiramente intuitivo,


à

mas um processo de criação artistica através do qual o diretor leva a


matéria-prima - a peça - das profundezas da intuição para a superfície
da consciência. Isto é, ele se torna consciente das caracteristicas desta
matéria-prima, interessado que estão em achar suas forças c fraquezas,
seus pontos altos e baixos, seus movimentos c ritmos internos, com vis-
tas a uma adequada realização cênica. Uma adequada A.T. não garante
sucesso, coisa que não existe, mas pelo menos garante ao diretor uma
familiarização com o material cm cima do qual está trabalhando.

Definição

Vamos dividir o processo de A.T. em sete áreas básicas: circuns-


tâncias dadas, diálogo, ação dramática, personagens, ideias, tempos c
modos. Está é uma divisão arbitrária, para efeitos de estudo e discussão,
mas teremos de lembrar sempre que nenhuma destas áreas existe cm
estado estanque, c que muitas vezes elas se interpenetram de tal modo
que cada uma delas só vai tomar forma luz do estudo de todas as ou-
à

tras. Ainda para efeito de discussão, agrupamos estas sete áreas em três
grupos, cada um dos quais ocupará uma aula. Esta esquematização não
é arbitrária, pois, circunstâncias dadas e diálogo constituem aquilo que
poderíamos chamar moldura da peça, a ação dramática e os persona-
gens sãoa mola mestra da sua essência dramática, e as ideias, tempos e
modos, do ponto de vista teatral, da ação dramática.
Cada um destes rótulos representa um conceito, Simplesmente
defini-los não basta para compreendê-los. Em qualquer trabalho teatral-

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interpretação, dircção, etc. - a atividade criativa não consiste em defi-
nir termos ou debater conceitos, mas em absorvê-los tão intimamente
que eles se tornem quase espontaneamente reconhecíveis em qualquer
contexto imaginável. Cada um deve procurar familiarizar-se com estes
conceitos tão intimamente que eles se tornem parte integrante do pro-
cesso intuitivo do nosso pensamento.
Na nossa exposição sobre as sete áreas, cada termo será inicial-
mente definido c a seguir desenvolvido como conceito, minas a com-
pressão só virá através da aplicação destes conceitos a toda uma série
de peças. O tempo será insuficiente para essa aplicação sistemática, mas
achei útil fazer acompanhar a exposição teórica de tentativas de aplica-
ção dos conceitos pelo menos uma obra dramática.
Espero que isto seja suficiente para pelo menos dar-lhes uma técnica
básica capaz de ser utilizada por cada um no seu futuro trabalho teatral. ,
Ao referir-me às duas primeiras áreas, circunstâncias dadas c diá-
logo, falei que elas representam a moldura da peça. Uma imagem mais
clara seria talvez a de um edifício. do qual as circunstâncias dadas se-
riam as fundações, profundamente cravadas no solo, como se fossem
raizes que prendem a estrutura visivel a um embasamento invisível, en-
quanto diálogo, sendo justamente o que é mais imediatamente visível.
uma espécie de casca externa, seria a fachada do edifício.

CIRCUNSTÃNCIAS DADAS (O "CENÁRIO" DO


DRAMATURGO)

Definição:

Este termo refere-se a todo o material de uma peça que define o


ambiente, ou seja, o .. universo" da peça, dentro do qual a ação se desen-
rola. Este material abrange: I) fatores ambientais: condições especificas,
local, época; 2) ação anterior: informações sobre o que aconteceu antes
do início da ação da peça; 3) atitudes de polarização: posições adotadas
pelos principais personagens cm relação ao ambiente cm que vivem.

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Há uma tentação natural cm procurar as c.d. nas rubricas, mas não
é esta a melhor fonte de informação. As rubricas correspondem em
geral a uma visualização subjetiva de um possivel espetáculo concebida
pelo autor, que pode não coincidir com as futuras opções do diretor. Às
vezes elas nem não de autoria de autor, mas descrevem apenas. P.cx., o
cenário usado na montagem original. Muito mais do que nas rubricas,
é no diálogo que devemos procurar informações sobre as c.d. Quando
a gente se acostuma a analisar peças, percebe que os autores, conscien-
temente ou não, criam uma espécie de " cenário implícito" através do
diálogo, fornecendo grande variedade de dados sobre o ambiente, sobre
objetos e lugares em que os personagens vivem, sobre o tempo que faz,
sobre o que aconteceu antes do início da peça, sobre os sentimentos
específicos dos personagens em relação ao seu universo. O dramaturgo
. precisa transmitir a soma disso tudo à plateia com clareza e exatidão,
pois tudo o que acontece na peça baseia-se nessas c.d.
Os dois primeiros tópicos, fatores ambientais e ação anterior, são
muito mais objetivos e factuais do que o terceiro, atitudes de polariza-
ção, que já depende de uma interpretação de quem está lendo e anali-
sando. Mas é este, provavelmente, o mais importante dos três. No tea-
tro, fatos contam muito, mas as atitudes das pessoas em relação a estes
fatos costumam contar mais ainda.

Fatores Ambientais

Todas as peças fornecem algum tipo de informações sobre o local


e a época em que decorre a ação dramática, bem como sobre o meio
ambiente. Quer sejam historicamente exatos ou não, estes dados costu-
mam balizar todo o decorrer da ação. Devemos identificá-los e anotá-
-los, p. ~x., dentro das seguintes categorias:

• I( Localização geográfica - o local exato l. Incluir clima, pois


condições de tempo repercutem sobre cenografia, comportamento
e ação.

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(2) Data - ano, estação, hora do dia. A data tem uma significa-
ção especial.
• (3) Ambientação económica - nível social, condições de rique-
za ou pobreza. Caso a ação se desenrole em mais de um nível,
constatá-lo c estudar os relacionamentos entre os diversos níveis.
(4) Ambientação política - os relacionamentos específicos dos
personagens com a forma de governo debaixo da qual vivem. Mui-
tas peças têm um cenário político elaramente definido, que afeta
fortemente o comportamento. Outras admitem tacitamente uma
forma de governo que implica determinadas repressões sobre os
personagens. Não se deve presumir que uma aparente omissão de
tais dados quer dizer que eles sejam de pouca importância. Deve-
mos procurar deixar espalhadas pelo texto, pois o autor pode ter
partido do princípio de que quem lê o texto vai assimilar essas c.d.
a partir do contexto, mas o diretor não pode partir de tal princípio.
É mais do que provável que o autor terá deixado pelo menos um
discreto rastro, que nos cabe levantar;
(5) Ambientação social- os hábitos c as instituições sociais que
predominam na vida dos personagens. Estes fatos são particular-
mente valiosos, pois podem manifestar-se através das pressões que
exercem sobre os padrões de comportamento e, por conseguinte
podem resultar em determinar conflitos que integrarão a ação dra-
mática.
(6) Ambientação religiosa - suas repercussões explícitas e im-
plícitas. Muito do que foi dito sobre ambicntação política aplica-se
também aqui.
Ao estudarmos as e.d. de uma peça, devemos conter rigorosamente
a nossa imaginação: todos os fatos devem estar explícitamente contidas
no texto e procuradas como sugerido no item 4. Não devemos tentar
inserir a nossa própria ideia do fato histórico em tomo da peça, se ele
não está na peça, não existe. Um dramaturgo não está escrevendo histó-
ria, mas contando uma estória. Ele pode não conhecer bem História, ou
pode estar querendo deliberadamente modificar os fatos históricos para
os propósitos que está visando. Não devemos, na etapa da a.t., eorrígi-
-lo, mas sim levantar fatos como estão consignados. A parte interpreta-
tiva da direção virá na etapa subsequente.

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Ação anterior

É preciso fazer uma nítida distinção entre ação presente - aquilo


que o espectador vê aconteecr diante dos seus olhos c ação anterior -
aquilo que nos é dito que aconteceu antes que a ação presente comece.
Todas as peças começam" no meio" dos acontecimentos; assim, as
circunstâncias dadas precisam abranger alguma narração de ações pré-
vias, de modo que a ação presente tenha uma base a partir da qual se
vai desenrolar. Algumas peças dependem muito pouco da ação anterior,
enquanto outras - as de lbscn, p.ex. - pedem muita narração, de acon-
tecimentos do passado. As duas ações, anterior e presente, compõem
aquilo que designamos vagamente como a estória, ou o enredo. Mas o
diretor trabalha sempre especificamente com a ação presente, embora
muitas vezes um dos seus grandes problemas seja o de como tornar
as necessárias narrações sobre o passado teatralmente dinâmico. Nas
peças modernas baseadas e revelações psicológicas, o passado desem-
penha um papel importantíssimo na explicação do presente, do mesmo
modo como acontece na psicanálise; ainda assim, a parte vital da pela
para o espectador é a que mostra o que acontece dirctamcnte diante dos
seus olhos.
Precisamos, portanto, aprender a separar os dois tipos de ação. A
Ação anterior, embora possa ocupar praticamente todo o primeiro ato
e ás vezes mais até ser coneluida, determina o ponto em que a ação
presente realmente começa. Uma vez feita esta distinção, ficará mais
fácil tentar tornar a narração viva no palco, pois por si só ela é chata em
comparação com a ação direta, Um bom autor, porém, sabe facilitar as
coisas, dando ao personagem uma ação presente dentro do processo de
narrar ação passada; ou seja, arranja as coisas de modo que o próprio
à

ato de narrar age-te de algum modo ação presente do personagem


à

que será nos vendo. Assim, o diretor não precisará manejar uma chata
exposição, mas trabalhar em cima de U111 ato de relembrar o passado
dentro da excitação e do engajamento ativo de, uma ação presente que
() vincula aos outros personagens.
A técnica para separar estas duas áreas de ação é simples. Basta
sublinhar no texto todas as falas que relembram o passado. Um texto de
lbsen vai conter muitas falas deste tipo, especialmente no primeiro ato,
mas também mais adiante, sobretudo quando novos personagens são in-
troduzidos. Se fizermos uma lista dessas açõcs anteriores numa metade
de uma folha de papel, na ordem na qual elas aparecem, e inserevennos
na outra metade as açõcs presentes ligadas às ações anteriores, veremos
o relacionamento direto que existe entre umas c outras.
Uma direção pode tornar o espetáculo dificilmente compreensível
manejando inadequadamente as ações anteriores: alguns autores as in-
troduzem de modo tão sutil que o espectador poderá perder essenciais
pontos de referência, se eles, não forem valorizados na encenação. As
pelas não falam por sí mesmas: elas são ditas por atores e di retores
que sabem elaramente sobre o que estão falando. Acrescenta-se a isto
a notá ria dispersão da percepção do espectador nos primeiros minutos
de espetáculo.

Atitudes de polarização

Cada personagem na peça, como na vida, é condicionado pelo uni-


verso especifico non qual está inscrito, c terá atitudes específicas, ou
pontos de vistas especificas, em relação a esse universo. Essas atitudes
abrangem os seus preconceitos, suas simpatias, suas opiniões acerca
desse universo, dentro do qual ele é forçado a ter relacionamentos com
outros personagens e agir através de atas quc afctarão os outros bem
como a ele mesmo.
O que entendemos por universo específico de um personagem?
Ele está condicionado, bem entendido, por fatores ambientais c
ações anteriores, mas situa-se num nível significante mais alto, pois
começa a se definir quando o personagem se relaciona com outros per-
sonagens e assim entra forçosamente cm conflito com eles. O Universo
especifico é o uni verso dos relacionamentos entre os personagens, com
todas as suas implicações. Este é o ambiente interno de uma peça, o
ambiente que contém os eonft itos c problemas: o ambiente do relacio-

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namento amoroso dentro c fora do casamento, o ambiente das pressões
familiares que causam amor c ódio entre mães c filhos, pais c filhos,
ctc., o ambiente das pressões politicas, religiosas c sociais que obrigam
as pessoas de uma maneira que às vezes causa a destruição das suas
familias e do relacionamento com essas famílias, o ambiente do medo
do poder, do desprezo pelos outros, da indiferença ou da cobiça das ri-
quezas, da indiferença ou da paixão pela religião. Qualquer personagem
costuma ter atitudes fortes para com esse universo especifico.
Um detalhe importante: ao longo de uma peça, um personagem
principal não costuma modificar-se enquanto personagem, mas as suas
atitudes para com o universo ambiental da peça, se modificam diante
de pressões que vêm de forças fora do seu controle, ou seja, os outros
personagens que servem de instrumentos para essas modificações. Ao
enfrentar essas forças, ele precisa ajustar-se a elas, c ao fazê-lo, certas
earaeteristieas latentes dentro dele vêm à tona c o obrigam a agir; ea-
raeteristieas que têm estado presente o tempo todo, mas nunca haviam
sido solicitadas c, portanto reconhecidas como traços marcantes do per-
sonagem. O desenrolar da ação da peça compõe-se, portanto de uma
série de modificações nas atitudes dos personagens principais para com
o ambiente interno.
Vale constatar, também, que não são todos os personagens de uma
peça que modificam suas atitudes de polarização, mas apenas os prin-
cipais, c é este, aliás, o fato que os torna principais. Os personagens se-
cundários servem de instrumentos nessas modificações, mas habitual-
mente não se modificam. Na a.t., são sempre os personagens principais
que mais nos interessam, pois é através do seu estudo que poderemos
melhor determinar a força c função exata dos personagens secundários.
Na maioria das peças podemos constatar radicais modificações
nas atitudes dos personagens principais, comparando as posições que
eles adoravam no inicio e no fim. Podemos resumir filosoficamente es-
sas modificações dizendo que um personagem caminha da ignorância
para o conhecimento: ele enxerga o mundo cm que vive, melhor e mais
claramente, depois de ter caracterizado os atos que constam da ação
dramática do que antes. Por isso, é preciso identificar as atitudes para

la
com o ambiente interno que existem, para cada personagem principal,
no início da peça, de modo que o diretor possa ver claramente os palas
finais de cada personagem, e ajudar os atares a encontrá-los. A trajetória
entre os palas iniciais c finais é, precisamente, a ação dramática.
Determinando essas atitudes de polarização para cada um dos prin-
cipais personagens o diretor é capaz de avaliar a extensão do que existe
entre o polo inicial e final, a dimensão dos personagens c os efeitos
explícitos que as circunstâncias dadas exercem sobre os personagens.
Assim, o esquema essencial da peça define-se através das polaridades
dos personagens.
O que entendemos por início da peça é, portanto, o conjunto das
posições c atitudes assumidas pelos personagens principais em relação
ao universo especifico no qual se acham inseridos c dentro do qual vão
atuar. Essas posições vão determinar com precisão onde começa a ação
presente. Na maioria das peças (as ante- peças de lonesno são uma ex-
ccção) os personagens principais têm fortes atitudes de aprovação ou
desaprovação cm relação ao ambiente cm que se encontram. A trama
que se segue, ou seja, a ação presente, provavelmente anulará ou enfra-
quecerá as suas aprovações, ou transformará a desaprovação cm apro-
vação, ou pelo menos em aceitação. Se um personagem não acaba acei-
tando aquilo que ele desaprovava ao início, ele provavelmente morrerá
ou se exilará ao longo do processo de resistência às modificações que
as forças antagónicas lhe pretendem impor, tomando-se assim um herói
trágico. Se um personagem resiste obstinadamente abrir mão daquilo de
que intensamente gostava no início, vai sobreviver, mas será ridicula-
rizado, tomando-se um bobo alegre (Fidalgo). Mas o que quer que lhe
aconteça, ou as atitudes que tinha no início estarão substancialmente
modificados no final, ou então, no caso de herói ridículo, ele continuará
cegamente a sua trajetória, sem sequer perceber que alguém procurou
impor-lhe modificações.
No início da peça uma atitude é habitualmente mais geral que es-
pecífica. Ela foi assumida pelo personagem sem que ele esteja plena-
mente consciente dela, embora a plateia esteja direta ou indirctamcntc
informada dela pelo autor. A ação da peça fará com que o personagem

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tome consciência do seu universo esp''l' i ücu, IIll suluncté-Io ao teste
das suas atitudes através do conflito dir,'to ,·,"U
oulros personagens.
No inicio da ação presente o personagem uonunlmcntc começará a se
dar conta de onde se encontra nos seus rclaciollllll1l'Jllos (,'0111 os outros,
embora possa estar absolutamente cego quanto ÚS n1\"\cs pelas quais se
contra ali. As atitudes dos personagens deveriam. ponunro, ser depoi-
mentos de urdem geral, sem ligação direta com a ação presente que vai
seguir. Alguns exemplos:
Os homens são tolos e românticos e podem ser manipulados com
bastante facilidade. ( Hedda Gabler)
O rei é sagrado e ninguém pode eontestar seu direito divino de
ditar regras. (Édipo).
Quando aprendermos a identificar o universo específieo de uma
peça, vamos compreender os segredos dos seus esquemas internos, pois
eonheeeremos as forças ambientais que mantêm os personagens prinei-
pais em xeque no inicio, e este conhecimento nos mostrará contra o que
eles precisam lutar para superar a fim de chegar ao 1'010 final. No traba-
lho de tentar determinar as atitudes de polarização é mais fácil aehar o
1'010 inicial para cada personagem começando por anotar a posição de
cad. personagem no desfecho c remontando para o início, O interesse
da plateia estará focalizado naquilo que aconteceu entre estes pelos, ou
seja, na ação dramática.

DIÁLOGO: A FACHADA DO TEXTO

Definição:

Obviamente, diálogo é conversação entre dois ou mais persona-


gens numa peça. Menos obviamente, sua função consiste em conter a
ação-dramática. O diálogo é o veiculo da ação dramática, o fluxo san-
guíneo da peça. Por outro lado, embora o diálogo apareça originalmente
como linhas impressas numa pagina, sua finalidade esseneial é de ser
ouvido mais do que lido. Ele é linguagem falada, e não escrita.

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Diálogo é ação

Para começar a analisar o texto, é preciso entender a complexidade


do diálogo. Ele não é um mero intercâmbio verbal entre personagens,
mas um artificial, económico c simbólico canal de interligação de ações
cntrc os personagens, através do qual eles impõem suas vontades e ne-
cessidades uns aos outros. O diálogo é redigido em tempo presente,
porque sai da boca dc pessoas que, como na vida real, só pensam em
termos de presente, e que falam uns com os outros para obter dos outros
aquilo que querem.
Diálogo é um processo de construção: A diz alguma coisa a B, e B
responde; isto faz com que A responde a B c B a A, estabelecendo-se cm
cielo. Independente de quão requintada seja a fala, de quão elaborada a
escolha das palavras, o objetivo é sempre o mesmo. Obter resposta ou
reação da outra pessoa, como acontece na vida real.
Deste modo, na própria natureza do diálogo está inserido a ação
forçar. As palavras usadas para uso externo podem tentar ocultar essa
ação do modo mais elaborado, ou podem ser muito diretas c não es-
condê-la em absoluto. O diálogo é a cobertura, a vestimenta da ação
dramática. A primeira vista, ela é o "texto" da peça; mas a sua função
básica é conter a alma da peça - o subtcxto, a ação dramática.

Em verso ou prosa

As peças variam amplamente na escolha da linguagem usada pe-


los personagens, escolha ditada pelas circunstâncias dadas, que cons-
troem o " cenário" que determina a maneira pela qual os personagens
se expressam suas boas ou más maneiras. A maioria das peças moder-
nas é escrita cm prosa, por causa da sua pretendida semelhança com a
vida real, mas continuam sendo também escritas peças cm versos, como
fazia habitualmente no passado. O objeto essencial é sempre o mesmo
conter a ação dramática. Diálogo versificado não é apenas uma fachada
decorativa, mas uma maneira especial de transmitir sentimentos inten-
sos c ações elevadas. Pelo mesmo motivo, muitos dramaturgos escre-
vem numa prosa mais rebuscada do que a usada na vida diária.

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Vejamos de novo os exemplos de verbos acima citados. Este é o
tipo de verbos que devemos usar, porque eles podem ser representados.
Há verbos que simplesmente não podem ser representados. Todos os
que são de earáter muito geral ou abstrato, ou se relerem ii própria natu-
reza do diálogo, são de pouea utilidade como instrumentos de trabalho
para o ator. P. Ex, perguntar, dizer, falar, questionar, interrogar, expli-
car, mostrar, ver, perceber, ou amar, odiar, pensar. A pergunta que nós
devemos colocar sempre é: este verbo pode ser representado') Pode ser
bem ilustrado? Descobriremos que a busca deve ser por verbos especifi-
cos, porque representação é uma atividade especifica, e não geral. Outra
categoria de verbos a evitar: as que pedem de modo óbvio ilustrações
diretas: correr, pular, andar, rir. Às vezes podem servir, mas na maio-
ria das vezes conduzirão o ator a ilustrações superficiais e não a açõcs
originais c motivadoras que se deve procurar. Os melhores verbos são
os que sugerem ação direta, embora não óbvia, pois contém pressões e
emoções essenciais.
As palavras a serem usadas são verbos. Acrescentemos iniciais dos
personagens, c nada mais. Preferir verbos transitivos, que mais facil-
mente possuem potencial de ação.

Registrar a ação

Esquema de trabalho útil para diretor pouco experiente:


Dividir um curto segmento da peça ( 10 mino com 2 personagens)
cm unidades.
Anotar cm forma de verbos todas as açõcs em cada uma dessas
unidades.
Fazer um resumo para cada unidade, um único verbo que sintetize
a ação de cada personagem dentro da unidade. Ex.
A faz a B e B faz a A. ( Maria pede perdão e Jorge amolece).
A anotação acima é agora uma síntese para toda a unidade; é reci-
proca, porque ambas as forças são mostradas. A conjunção e contribui

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para a reciprocidade, pois ligam os dois personagens, como se estives-
sem nas duas extremidades de uma mesma corda.
Reunir os resumos de todas as unidades do segmento seleeionado.
Os resumos são aquilo que o diretor pode reter na sua mente como ob-
jetivos a serem alcançados. Se o resumo é bem feito, i.e. os verbos bem
escolhidos, a estrutura da peça poderá ser percebida. O diretor, assim,
só vai comunicar aquilo que percebeu com clareza, pois se a sua per-
cepção não for clara, tampoueo será dos atores e do público.
Outro truque útil: titular as unidades com uma frase com subs-
tantivo. É outra maneira, embora não muito exala, de descrever o que
acontece numa unidade. A frase deve ser simples: Á chegada: O com-
promisso Assumido; o Anúncio do Novo Plano; O Anúncio do Outro
Plano; o Corpo-a-corpo; Tais frases completam utilmente os resumos
de açõcs recíprocas, c podem ajudar o diretor a encontrar as definições
em forma de verbos. Podem também ajudar o diretor a transmitir os ob-
jetivos de cada unidade quando fala com os atores. Mas, embora úteis
como acessórios de comunicação, estas frases são por si só insusceti-
veis de serem representados.

Tipos de ação

Não vamos tratar aqui dos diversos gêneros de ação - trágica, có-
mica, melodramática, farscsca - pois trariam problemas complexos que
confundiriam o esquematismo voluntário da proposta de a.t. Estes con-
ceitos virão num outro nível de análise, mais tarde. Por enquanto, vale
observar que do ponto de vista prático é melhor treinar a manipulação
do esquema em cima de textos sérios, que são geralmente mais diretos.
A ação dramática na comédia é normalmente mais difícil de perceber, e
apresenta muitos outros problemas.

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A SEGUNDA MOLA MESTRA: OS PERSONAGENS

Definição:

o personagem é soma de todas as ações dramáticas executadas por


um individuo no decorrer da peça. Podemos definir O personagem através
de uma síntese das suas ações. (Trata-se aqui de personagem no sentido de
criação do autor, não ainda no sentido de composição do ator).

Personagem e Ação

Na Poética, Aristóteles colocando a ação cm primeiro e persona-


gem e segundo lugar, o segundo resulta do primeiro. Embora os autores
não escrevam nesta ordem, e que seria arbitrário, no resultado final é
essencial uma vinculação intima entre personagem e suas açõcs, sem
o que o personagem não terá vida. Um personagem não existe, senão
superficialmente, através de que ele diz que é ou de os outros dizem
que ele é; ele existe através daquilo que as suas ações, sobretudo as
executadas sob pressão nos informam o que ele é. O personagem tcm
ação por invólucro.
Simples impressões sobre o p., aquilo que sentimos que ele é não
substituem a análise a que o diretor submete as ações do p. por outro
lado, o ator pode descobrir o seu p. Passo a passo, no processo de mon-
tar as suas peças avulsas, representando, i.e. vivendo os diversos inei-
dentes nos quais o p. Está envolvido. Por isso é sempre melhor o diretor
obrigar os atores a repetirem várias vezes à representação, enriquecen-
do-a sempre com novas sugestões, do que perder tempo excessivo com
discussões intelectuais.

Como o,personagem se revela

oautor não pode construir o p. de uma só vez, É elaro que


na fase final dos ensaios ele deve ter visão orgânica do p. no seu
lado; mas se ele procurar representar o p. inteiro de saída vai ficar

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perdido. Um p. toma forma e se revela no decorrer da ação. Ele não
muda: é "desembrulhado". Os materiais de que ele é feito estiveram
sempre lá, latentes, mas só sob o impacto do conflito, das pressões exer-
cidas sobre ele e os outros, é que as suas características ocultas se reve-
larão c virão à superficie. Como já vimos, ação dramática é uma série
de incidentes, um conduzindo ao outro. A ação é, portanto uma auto
revelação, conduzida por uma espécie de inevitabilidade, isto precisa
ser dito, aquilo precisa surgir. Disto resulta que uma peça é feita de des-
cobertas e surpresas. Algumas são menores; outras maiores; e uma, em
geral, é essencial. Estes são o climax da peça. Cada vez que o p. enfren-
ta um destes momentos, alguma coisa dentro dele surge para enfrentar
as circunstâncias: um traço de caráter.
Os traços de caráter são, portanto, ilustrados numa série de climax.
O espectador vai guardá-los na memória, pois, sobretudo se o autor é
bom, eles terão um relacionamento lógico com os traços que vão se
revelar nos climax seguintes. Assim, a progressão para o espectador, o
que realmente o interessa, é a progressiva revelação dos traços de eará-
ter que finalmente se juntam com clareza e força nos principais climax,
quando todas as revelações prévias sobre o personagem se juntam numa
açâo maior e na descoberta essencial do personagem. O espectador está
ansioso por saber como será o p. quando totalmente revelado, que mo-
tivações aparecerão em última análise como suas molas mestras. O que
normalmente se segue é um curto anticlímax, pois tudo que precisamos
saber é como será o p. depois da sua colisão cara-a-eara com as forças
que ele procurou superar.

Personagens simples e complexos

A densidade de um p., quão simples ou complexo ele possa ser, de-


pende da quantidade da sua participação na ação da peça, da quantidade
e do tipo da sua participação nela. Esta densidade é o que distingue os
p. principais dos secundários ou coadjuvantes, que funcionam como
instrumento para a revelação dos principais. Conhecemos os p. secun-
dários muito menos do que os principais, só conhecemos deles alguns

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~.------------_
I
.•
traços, pois eles têm menos oportunidades de se testar contra o pano de
fundo da ação para nos dizer quem são, já que a atenção é concentrada
nos principais. Existe um terceiro nível criado, etc. - que quase não co-
nhecemos, embora bons atares lhes possam dar mais personalidades do
que eles em principio teriam. O quarto nível pode ser um corpo colcti-
vo, p.ex. um coro, que não chegamos a conhecer absolutamente cm ter-
mos individuais, pois só vemos um pensamento e sentimento coletivo.
A atenção está concentrada em todos os principais, mas habitual-
mente um protagonista domina a ação. Como não há conflito sem duas
forças, precisa-se de um protagonista c de um antagonista, c a ação gira
em torno destes dois eixos, ou talvez, quando há mais de um antagonis-
ta. O diretor precisa determinar na a.\. quem é o protagonista, quem é o
principal antagonista.
Os p. da tragédia grega em geral são simples, porque as peças têm
poucos incidentes para revelar traços de caráter; mas essa simplicidade
não os torna menos densos. Um p. simples poOde exercer grande im-
pacto sobre a plateia. Uma das contribuições do realismo, além das nu-
anças das circunstâncias dadas, foi o crescimento da complexidade do
desenvolvimento dos p., trazido por um grande número de incidentes na
peça. Mas essa complexidade psicológica pode ser fonte de confusão,
quando há tantos traços revelados que se tornam difíceis de assimilar:
Bom diretor vai ordenar essa complexidade com clareza e distribuição
de ênfase, de modo a capacitar o público a assimilar os traços essen-
ciais, ficando os secundários relegados ao seu adequado lugar.

Técnicas de Descrição dos Personagens

Tomar notas sobre o p. é boa para assegurar que a análise do p.


será realizada por completo. Mas precisamos estar certos de que as de-
terminações sobre o que o p. é sejam feitas através de uma análise da
ação, resistindo à tentação de partir das descrições que o autor frequen-
temente insere na peça. Os tópicos abaixo partem da percepção da ação
dramática aplicada. ao p.

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(Objetivo) Desejo

Determinar aquilo que o p. mais almeja. Pode ser uma posse ma-
terial, mas é mais frequentemente um elemento intangível: poder, do-
minio sobre os outros, amor dc outra pessoa, integridade moral, vitória
sobre o medo, etc,

Força de Vontade

É a força relativa de que o p. dispõe para alcançar seus


desejos(objetivos). Sua força interior é grande ou pequena? Ele é ca-
paz de ir até os seus limites, ou vai fazer concessões? A maioria das
decisões que tomamos na vida depende da nossa força dc vontade; nas
peças de teatro essa força costuma ser elara e dinamicamente ilustrado.

Moral

o sistema de valores morais também condiciona fortemente a pos-


sibilidadc de o p. alcançar seus objctivos. Quão honesto ele é consigo
mesmo e com os outros'! Assume moralmente responsabilidades para
com os outros? Qual o código moral quc rege o seu comportamento?
Qual o seu senso de integridade? Podemos, em função da sua postura
moral, considerá-lo um herói?

Aparência

Como o p. é fisicamente, seus modos, sua postura. Tal projcção


de uma imagem, sendo apenas a fachada externa o p., é superficial - o
que a pessoa parece ser não nos permite dizer o que ela é, mas pode ser
valiosa para ajudar-nos a enquadrar o p. na sociedade em que ele vive.
A imagem física que ele compõe pode, também, estar intimamente li-
gada ao seu temperamento mental e emocional. Pode ser útil, também,
fazer uma lista das características fisicas do personagem aparentemente
indicadas pelas circunstâncias dadas, embora possa perfeitamente optar

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justamente pelo contrário ao escolher o elenco. Como ele se comporta
nos vários contextos da peça: como anda como fica de pé, como fala,
qual a qualidade da sua voz, etc. Sua aparência é afetada pela ocupação,
os hábitos sociais, pelos outros? ,
Resumir todas as categorias acima apenas com adjetivos. ( ")

Intensidade:

Este é o estado tisico ou corporal do p. , o seu nervosismo, no


início da peça c de cada grupo de unidades interligadas. Definindo este
estado inicial, o diretor tem um ponto de partida para todos crescendo e
diminuindo do p. que vão se seguir. A intensidade é o nível de emoção
do p. quando começa, pois se o atar pode dar a partida num adequado
nivel de intensidade, tendo boa concentração c consciência da ação, vai
continuar estruturando o p. a partir desse nível.
A considerar, no estado fisieo do p.; batidas do coração, respiração,
perspiração, tensão ou relaxamento muscular, sensações estomacais.
Nervosismo abrange tudo isso - Vibração nervosa global, percepção
sensorial. Sendo estes estados pontos de partida, a forma da peça pode
ser tornada evidente a partir deles na representação.
Cada p. começa com uma intensidade diferente, pois é indepen-
dente por definição e vai sentir-se diferentemente dos outros persona-
gens, que estarão num outro estado de nervosismo, embora na mesma
situação. O trabalho do diretor consiste frequentemente em apontar para
os atares as diferenças nestes pontos de partida - os diferentes ténues
dos personagens. Para COlTICçar, o atar sente o nívc1 das suas sensações
fisicas, depois, enquanto representa a ação dramática, pode sentir a va-
lidade deste pente de partida. Como tudo que se seguirá vai partir daí,
ele se dará conta da importância dos pontos de partida adequados. A
trilha da ação pode assim ser assegurada.
Devemos lembrar que quando o ator enfrenta um novo p., este lhe
parecerá inicialmente estranho, porque é diferente dele mesmo. Para
o atar, abordar um novo p. é como experimentar um casaco de outra
pessoa: c cumprido demais, aperta, tem cheiro estranho. Neste sentido,
a intensidade é o novo casaco devidamente definido, pois o atar saberá
por que o casaco é estranho e o que fazer para que ele lhe caia bem.

20
IDÉIAS, TEXTOS, CLIMAS.

No inicio comparamos circunstâncias dadas com fundação de um


prédio e diálogo com sua fachada. Ação dramática c personagens po-
deria ser sua estrutura, ou então a energia clétrica que impulsiona o seu
funcionamento. Agora vamos colocar o telhado que abriga tudo o que
está debaixo dele: a ideia.

IDEIA

Definição:

A ideia de uma peça é um enunciado do seu significado, daquilo


que "a peça quer dizer". Essa ideia deriva do estudo dos personagens
em ação, e constitui uma interpretação da própria ação.

Intenção prévia ou resultado acidental da criação?

Geralmente admitimos que o autor parte originalmente de uma


ideia que quer transmitir, e com vistas à sua eficiente transmissão ela-
bora os personagens e a ação, Este costuma ser o caso com peças de
tese, que assumem sua intenção didática ou polémica. Onde tal intenção
não é assumida, é mais provável que o processo de elaboração do texto
tenha sido mais próximo de uma improvisação. P. ex., o autor pode ter
visualizado um personagem de ficção enfrentando outro personagem
dentro de uma determinada situação dramática, esclarecida por algum
dado de circunstâncias dadas; e à medida que vai trabalhando em cima
dos personagens, insuflando-lhes vida própria, eles próprios vão deter-
minando o fluxo da ação e, finalmente, a ideia.
Qualquer que seja o processo, mais cedo ou mais tarde o autor vai
precisar decidir o que, afinal, os personagens estão fazendo de uma
maneira consistente, o que é que eles estão tentando descobrir. Em ou-
tras palavras, começa a preocupar-se com a unidade temática da ação, a
fazer com que essa ação seja sobre uma ideia. Talvez ele não chegue a

21
verbalizar explicitamente essa ideia central, porque acredita que criação
dramática é essencialmente subliminar, que o público deve.
A ideia sentindo a ação, e não recebê-la como uma mensagem
mastigada. Por isso, a definição da ideia na a.t. pode ser difícil, e muitas
vezes são altamente subjetivas. Mas é possivel que o diretor descubra
aquilo que para ele é a ideia que dá unidade ao texto; é disso que depen-
derá, em alto grau, a unidade e a coerência da sua encenação.

Identificação da ideia

A fonte principal na qual devemos procurar a ideia são os perso-


nagens envolvidos nos incidentes da ação. Só após analisarmos a ação
completa, e os personagens na sua trajetória total, é que poderemos
definir eorrctamente a ideia, pois o elimax principal e o desfecho nos di-
zem mais que qualquer outro trecho o que a peça quer dizer. Entretanto,
existem fontes auxiliares, tais como o título ou uma declaração filosófi-
ca no diálogo. O titulo é frequentemente uma representação simbólica
ou metafórica do sentido, interior uma imagem que o autor oferece de
depoimento que está tentando escrever. O Auto da Compadecida, um
Grito Parado no Ar, Tempo de Espera, A Morte do Caixeiro Viajante.
Seis Personagens Procura de um Autor, nos dão uma dica certa sobre
à

os respectivos conteúdos, embora fosse perigoso tomá-los muito ao pé


da letra, simplificando excessivamente a essência conteudistica. Já ou-
tros títulos podem mudar-nos a conclusão: A Cantora Careca Festa de
Aniversário, Oh, Que Belos Dias. Outros nos dizem alguma coisa, mas
pouco: Hedda Glaber, O Canto da Cotovia, Hamlet, O Pagador de
Promessas. Mas se a análise da ação foi feita corretamente, o título põe
sempre ao aleance do diretor uma metáfora que poderá aproximá-lo
mais da ideia do autor.
Depoimentos filosóficos podem ocasionalmente ser identificados
em diálõgos, mas não são muito frequentes, e podem até confundir, pois
muitos autores, no seu desejo de se manter num plano poético, evitam
explicações óbvias do signifieado( Não assim Breeht). A experiência
do espectador abrange o prazer da descoberta do sentido, não porque o

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autor pretende ser eonfuso ou hermético, mas porque quer atingir o es-
pectador no plano mais primitivo de percepção, a percepção emocional.
Para isso, declarações intelectuais são autoconscicntcs c obvias demais,
em geral.
Então, o melhor meio de descobrir a ideia é perscrutar a ação dra-
mática do (5) pcrsonagcm(s) principal (is). Onde está colocada a ênfase
da ação, para onde conduz? Porque o p. Principal escolhe no momento
de climax esta c não outra ação? Qual é o resultado dessa escolha? Ha-
veria outras ações para ele - quais? No momento da sua maior tensão
cm sofrimento, o que é que lhe parece mais importante? Depois do
clímax principal, qual é o efeito da descoberta sobre ele e os outros?
Estas c muitas outras perguntas podem conduzir o diretor à ideia da
peça. Quando ele acha que a encontrou, deve anotar a ideia da maneira
mais sintética, e voltar a checá-la contra a ação,
Pode ser conveniente formulá-la através de uma frase que combine
a presença do p. e da ação: A peça é sobre um jovem princípio que (...).
Podemos muitas vezes achar a ideia da peça relembrando a ação,
tomando cuidado em relatá-la o mais exatamente possível, na ordem
qual ela se desenrola. O diretor deve desenvolver a capacidade de rela-
tar a ação de cada ato cm 3 ou 4 frases. Tal resumo é um bom caminbo
para encontrar o enfoque principal pelo qual o autor aborda a ação.
Finalmente, indicações sobre a ideia podem ser encontradas nos
conceitos c valores defendidos pelos personagens simpáticos, e comba-
tidos pelos personagens antipáticos. Ou ainda em recursos simbólicos
ou metafóricos outros que o título.

ANDAMENTOS

Definição:

Os andamentos são as diferentes velocidades da ação. Quando há


um arranjo em sequência dos andamentos, i. c, quando várias unidades
consecutivas apresentam nitidas variações de cadência, podemos dani-
ficar a pulsação da peça = o seu ritmo.

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Unidades e Suas Cadências

As peças são compostas de unidades de ação que, embora inter-re-


lacionadas, são diferentes cm conteúdo c objetivos, assim, cada unidade
tem o seu tempo próprio, a sua batida própria. O diretor deve conscien-
tizar essa construção musical interna, não só porque ela determina con-
sideravelmente a individualidade da peça, mas também por que indica
um importante instrumento para manter a atenção do público.
A sensibilidade musical é um dos mais importantes instrumentos
do trabalho do diretor. Nas partituras, há indicações do andamento, que
através de rubricas tais como largo, allegro, etc., quer através de pre-
cisas indicações metronômicas. As peças não contém tal material. Só
excepcionalmente o autor dá uma informação sobre o andamento. É ne-
cessário que o diretor e os atores sintam as batidas naturais do texto. Se
o escritor tiver imaginação dramática, também vai senti-las, vai sentir o
fluxo. Mas mesmo um diretor com bom ouvido precisa analisar o texto
para tornar consciente, unidade por unidade, a sua percepção rítmica, e
depois juntar as unidades para conseguir a música de cada cena, de cada
ato, e da peça inteira, Exercicios rítmicos, p. ex. Bater num tambor os
tempos de cada unidade pode ajudar.
O ritmo, efeito cumulativo dos andamentos parciais, é também
consideravelmente condicionado pelos climas da peça.

Silêncios

Jean-Louis Barrault disse: "Teatro é silêncio interrompido por oca-


sionais momentos de silêncio, mas apresentou a paradoxal formulação
invertida". É certamente uma formulação radical, mas que dá uma me-
táfora do conceito do teatro. Num certo sentido, pode-se considerar que
um ator começa com um vazio silencioso, e depois o preenche com
som, Más se for de bom ouvido, nunca vai preenchê-lo completamente,
vai apenas pontuá-lo.
Os silêncios que ele deixa são as pausas. A pausa é um intervalo si-
lencioso cujo efeito cênico pode ser muito forte: o que não é dito pode

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ser tão importante quanto o que é dito, e a duração da pausa é um dado
muito expressivo. O diretor, ao analisar o texto, deve marcar antecipa-
damente as pausas, mesmo que venha a alterar essas marcações nos
ensaios. Pelo menos ele vai saber que os intervalos estão lá, que fazem
parte da estrutura rítmica, c que não podem ser ignorados sem colocar
em risco e equilíbrio dessa estrutura.

CLlMAS

Definição:

Os climas são uma tradução das emoções ou sentimentos criados


pelo choque de forças na ação dramática. Quando vistas no seu conjun-
to, definem o tom ou a atmosfera da peça. Impor o tom adequado ao seu
cspctáculo é um dos principais objctivos do diretor.

Efeito sobre o público

A discussão deve começar da observação do público, pois o con-


ceito de clima pode ser mais bem compreendido partindo de como a
plateia recebe a peça para então estudar a peça enquanto que gera essa
determinada recepção. O conceito do clima é particularmente dificil
de ser verbalizado e grande parte da sua criação só pode ser concebida
no palco, mas a compreensão intelectual da pureza dos climas e do seu
relacionamento com os outros elementos na Análise de Texto ajudará o
diretor no seu trabalho.
Os climas são sentimentos básicos: as sensações de perturbação,
excitação, etc., que nos atingem quando assistimos ao espetáculo.
Quando estamos na plateia, recebemos o impacto da peça, i.e. abrimos
mão da nossa fria objetividade e mergulhamos na realidade da peça,
sentimos esta realidade c somos comovidos por ela, basicamente pelos
valores do clima que ela contém. Esta manifestação emocional pode
começar logo cedo, intensificar-se gradualmente, chegar ao auge no clí-

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max, c ir-se acalmando dali para o final. Todos nós sabemos que a graça
da comunicação teatral está nesta experiência de substituição. Acompa-
nhar as socessivas modificações do clima não só mantém nossa atenção
desperta, mas pode no final deixar-nos cansados, exaustos, alegres, em
êxtase. Ficamos tão concentrados experimentando, através da empatia,
os sentimentos gerados pelos personagens em ação que mesmo sabendo
perfeitamente que a peça é um produto artificial, que não é vida real/mas
só numa representação dela, parece-nos que gastamos quase tanta ener-
gia física e emocional como gastaríamos se os acontecimentos vistos
fossem reais. Foi uma experiência por transferência, mas que envolve
nossos sentimentos nesse sistema nervoso. As duas experiências, uma
ficcional, outra real, não se confundem, c, no entanto parece ser uma
só. Não nos sentimos logrados pela experiência" fingida", sabíamos
de antemão que ela seria assim, e achamos que participar de compor-
tamento humanos de pessoas colocadas em situações c circunstâncias
talvez semelhantes às que seriam possíveis no nosso próprio universo
enriquecem a nossa própria vida. Os climas, da peça, portanto, é o que
emociona a plateia e a desloca assim para além dela mesma c dentro de
uma experiência imaginária.

Ação dramática e climas

Podemos formar uma ideia mais clara do trabalho do dirctor cm


cima de climas, estabelecendo relações dos climas com ação dramáti-
ca. Assim como concebemos a a.d. em unidades podemos pensar dos
climas de nosso modo. A peça aparecerá assim composta de várias mu-
danças de clima, cada unidade tendo seu clima específico.
Como vimos, cada personagem inicia uma unidade numa certa in-
tensidade fisico- nervosa - o estado nervoso do p. neste determinado
momento. Se começar na intensidade certa, o que ele fizer aos outros p..
e estes a ele vai modificar sua intensidade, tomando-os mais relaxado
ou tenso. Nessas modificações decorrem automaticamente modifica-
ções de clima. Os climas são resultados das cambiantes intensidades
dos personagens.

26
Tom

o tom de espetáeulo é a soma, a síntese dos diversos climas par-


ciais. É o que o diretor procura como marca registrada do seu espetá-
eulo. E através do tom que ele vai, basicamente, transmitir o sentido da
peça. A maneira como o público vai receber a peça, dependerá em gran-
de parte da percepção dos climas e da articulação deles num tom global
pelo diretor e, por seu intermediário, pelos atores. Sendo um conceito
subjetivo e emocional, o tom deve ser sentido pelo diretor e partir das
primeiras leituras que ele faz da peça, mas ele deve ser capaz de não
perder a clareza quanto ao tom que está procurando criar após semanas
de envolvimento com ensaios.

Análise dos valores do clima pelo diretor

Como registrar e anotar essas primeiras sensações relativas a cli-


mas pode parecer quase impossível, pois se trata de reaçõcs pessoais,
subjetivas c fluidas. Algumas técnicas poderão ajudar a torná-las mais
conscientes. Uma delas é a que usa adjetivos climáticos; aoutra usa
metáforas. Os climas sendo emoções e sentimentos podem ser regis-
trados num processo semelhante ao trabalho do ator, uma vez que o
adjetivo do ator é mostrar através de recursos visuais e sonoros o que
o p. está sentindo. Na vida real alguém pode estar sendo submetido a
grande pressão emocional, mas exteriormente não demonstrar nada. No
palco o ator precisa demonstrar o que está acontecendo. Sua linguagem
para essa demonstração está toda no domínio dos sentidos: Tato, gosto,
01 fato, audição, visão. Portanto, as palavras mais apropriadas para des-
crever climas estão nas categorias dos sentidos, P: Ex.:

Tato: rude, áspero, suave, duro, liso, frio, quente.


Gosto: doce, ácido, frio, quente, enjoativo, saboroso.
Olfato: perfumado, fedorento, doce, áspero, forte.
Audição: alto, baixo, rouco, suave, estridente.
Visão: palavras que expressão cores, tamanhos, formas, gradua-
ções de claro e escuro.

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Alinhavar alguns adjetivos deste tipo vai ajudar a relembrar climas
sentidos na leitura e falar sobre eles expressivamente.
Uma metáfora é uma imagem verbal através da qual uma palavra
ou frase que literalmente correspondem a um determinado objctivo ou
ideia são usadas no lugar de outro objeto ou ideia, para sugerir uma
semelhança, analogia ou correspondência entre uma e outra. Mais do
que os adjetivos climáticos, as metáforas permitem um jogo livre da
imaginação e estimulam a criatividade, pois procuramos achar imagens
que se parecem com sentimentos que estamos experimentando basta
dizer: o clima nesta unidade é como... E completar com uma imagem
criada através do livre voo da imaginação. Ex:
... uma mosca voando em tomo da lãmpada ( a unidade tcm um
clima nervoso, tremido, indeciso, etc., );
... uma britadeira (o clima é barulhento, martelado, perturbador); ...
um suco de limão (clima ácido, flui como líquido, cheira bem mas deixa
gosto áspero na boca, etc.).
Aprender a pensar em metáforas ajuda a trazer à superficie sen-
timentos subjetivos do dirctor. Mas o que transformara a metáfora em
clima será a ação do ator e do cenógrafo.
O ritmo é intimamente ligado à criação de climas e do tom.
Não só a ação dramática deve ser tratada com vistas à ostentação
de climas e do tom, mas também as circunstâncias dadas.

A.T.: BASE DA COMUNICAÇÃO DO DIRETOR

Dever de casa

Por mais capaz e experiente que seja um diretor, ele terá de fazer
os seus deveres de casa - O estudo do texto. Com a prática diminui
a ne~essidade de registrar detalhadamente por escrito todos os dados
componentes da estrutura da peça, e o diretor poderá fazer parte dcs-
te trabalho mentalmente a outra parte por escrito, mas sempre com o
objetivo de tornar suas ideias claras e desenvolver uma comunicação

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específica com seus atores e equipe. Já o diretor inexperiente deve dar
duro na análise escrita, para certificar-se que todos os aspectos foram
cobertos.
O Objetivo básico não é só de dissecar e entender a peça, mas
também criar um potencial de rica comunicação, baseada num encade-
amento articulado de ideias. Dirigir bem nào é falar pelos cotovelos; é
dar, nos momentos certos, sugestões adequadas c cconômicas, O tra-
balho do ator é atuar, fisicamente; não é o trabalho do estudante num
seminário, onde é preciso falar muito. As sugestões do diretor devem
ser simples, diretas, honestas, económicas, objetivas. Ao mesmo tempo,
devem ser imaginosas e imagistieas, formuladas num código quc tanto
o diretor como os atares entendem.
O processo de ensaios é como uma escada: o diretor constrói um
degrau, em cima do qual o ator constrói outro, a partir do qual o diretor
construirá outro, ctc., este processo recíproco de contribuições repetin-
do-se até o fim. O diretor preparado terá sempre material para construir
um novo degrau que ajudará o ator; o mal preparado, que eonfiar na sua
inspiração, em vez de responder perguntas vai sempre fazer perguntas
aos seus confusos atores. Ele precisa conduzir não ser conduzido. Para
isso, precisa conhecer não só a pele da peça, mas também seus ossos,
músculos e sangue.

I Por que por escrito?

Alguns acham perigoso o processo das anotações por escrito, pen-


sando que restringirá seu voo como artista. É um preconceito absurdo.
Depois de fazer algumus anúliscs, vai-se perceber que acontece cxa-
tamcnte o oposto: uma bou preparação é um processo de libertação. A
o escrever as ideias o criador vc ii ubcnura de novos caminhos. Se o

I cenógrafo começasse a comprar direto os móveis c ohjctos c arrumá-


-los no palco, sem ter registrado asna idciu dctalhadumcntc 110 papel de
desenho, a construção do cenário se tornnriu lima IOUl'Unl.

t
1 29

1
Sugestões de esquemas

o trabalho de análise pode começar com qualquer ponto, mas é


melhor sistematizá-lo na ordem sugerida: A análise das circunstâncias
dadas tende a dar impulso ao diálogo, o diálogo à ação dramática, etc.
Também a cada nova ideia que ocorre no decorrer do processo pode
checá-la contra o que já foi anotado. Se a ideia for lógica, vai encaixar-
-se facilmente, e o processo libertador vai mostrar o seu funcionamento.
O esquema abaixo não pode ser respondido como um teste de múl-
tipla escolha. Para cada item deve-se fazer uma exposição detalhada
baseada numa reflexão cm profundidade.

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