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Volume363 AN098

• SETEMBRO - OUTUBRO DE 2002 •


ISSN 0102-8413

REVISTA
FORENSE
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDA DORES
Mendes Pimentel
Estêvão Pinto

INM EMORIAM D IRETORES


Bilac Pinto Regina Bilac Pinto
Antonio Pereira Pinto José Carlos Barbosa Moreira
J. de Magalhães Pinto Francisco Bilac M. Pinto Filho
José Monteiro de Castro Guilherme Pinto Zingoni
José de Almeida Paiva
José de Aguiar Dias R1su CO�ORADORSÊNIOR
Miguel Seabra Fagundes lv'1 io Mário da Silva Pereira
DE
JUSTIÇA

/
f
O princípio da intangibilidade do capital social

RODRIGO SANTOS NEVES


Mestrando cm Direito Empresarial pela Universidade
Candido Mendes -RJ. Professor da Faculdade de
Direito da UVV -ES.

SUMÁRIO: Apresentação. 1. O capital social e sua intangibilidade. 1.1. Capital como


patrimônio da empresa. 1.2. A intangibilidade como garantia da atividade. 2.
Possibilidades de aplicação do princípio. 2.1. Objeto social. 2.2. Fundos de reser­
va. 2.3. Participaçiío dos sócios nos lucros e nos prejuízos. 2.4. Negociação da
empresa com as próprias participações sociais. 2.5. Participação recíproca. 2.6.
Avaliação dos bens para a formação do capital social. 2. 7. A noção jurídica de
empresa. 3. Limitações à aplicação do princípio ela intangibilidade. 3.1. Recluçiío
do capital social. 3.1.1. Tipos de reduçcio de capital. 3.1.2. Métodos de se obter a
redução. 3.1.3. Oposição dos credores à redução de capital. 3.1.4. A reduçiío
ji-ente àfalência. 3.2. Pe11lzora de quotas. 3.3. A inta11gibilidade do capitalji·e11te à
liquidação da empresa. 4. Consideraçõesjinais.

APRESENTAÇÃO tória, até os dias de hoje, suas possibilidades


de aplicação e restrição dessa aplicação,
O capital social é a criação de um pa­ bem como suas peculiaridades. Também
trimônio em separado do patrimônio dos só­ tentará trazer à tona novas questões relativas
cios ou acionistas, indispensável para o ao tema, tais como a apresentação do objeto
desempenho da atividade econômica, a qual social como manifestação de proteção do
é objeto da sociedade. Foi o grande instituto capital social, a penhora de quotas como
criado pelo direito capaz de dar estabilidade restrição à aplicação do princípio da intangi­
aos negócios jurídicos, pois é através dele bilidade do capital social dentre outros.
que os credores analisam se a empresa é ca­
paz de suportar as obrigações por ela adqui­ 1. O CAPITAL SOCIAL E SUA
ridas. Assim sendo, deve ser o capital INTANGIBILIDADE
tutelado de tal fonna que seja preservado de
quaisquer acontecimentos, na medida do Embora não seja o objeto deste traba­
possível. lho a análise do capital social, achamos por
Com essa finalidade foi criado o prin­ bem, antes de adentrarmos ao tema central,
cípio da intangibilidade do capital social, fazermos algumas considerações que se­
que através de disposições legais trará ao guem.
mundo jurídico instrumentos para a preser­ O capital social era considerado como
vação do capital da empresa. todas as entradas que os sócios ou acionistas
O presente trabalho tem por objetivo faziam na empresa. Todavia, esta concep­
analisar este princípio, de modo sistemático. ção deixava a desejar quando nos deparáva­
Tal análise dar-se-á através das disposições mos com a hipótese de uma subscrição de
legais do sistema brasileiro, entendimento ações de uma companhia, estas com ágio.
jurisprudencial, com sua evolução pela his- Destarte, o valor pago pelo subscritor era
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superior ao valor nominal das ações, que deve ser feita tanto quando se trata de
este representa o capital social real. Na anti­ sociedades de responsabilidade restrita (so­
ga concepção, no caso em pauta, o valor ciedades por quotas e sociedades por ações),
pago pelo subscritor seria integralizado, au­ quanto de sociedades de responsabilidade
mentando o capital social. No entanto, não é irrestrita. Destarte, o capital social desem­
o que retiramos da análise do art. 200 da Lei penha uma função essencial para a atividade
das S/A, pois aquele valor a mais, resultante econômica, dando estabilidade às relações
do ágio nas ações se constitui em reservas de que a cercam, por isso deve ser tutelado.
capital, podendo ser utilizados para absor­ Criou-se então, com a finalidade de
ção de prejuízos que ultrapassarem os lucros proteger o capital social, o princípio da in­
acumulados e as reservas de lucros, para o tangibilidade do capital social, para assegu­
resgate, reembolso ou compra de ações, rar a estabilidade das relações jurídicas.
para o resgate de partes beneficiárias, paga­ Mas o que vem a ser este princípio?
mento de dividendo a ações preferenciais e, Qual seu conceito? O princípio da intangibi­
inclusive, para a incorporação ao capital so­ lidade do capital social é um conjunto de cri­
cial. térios objetivos e subjetivos que tem por
Sendo assim, o capital social repre­ razão precípua a garantia de que aquele va­
senta a cifra numérica constante no contrato lor numérico constante no contrato social ou
social, estatuto ou suas alterações, que os estatuto - isto é, o capital social - não será
sócios ou acionistas vinculam ao objeto da reduzido, ou dissociado da realidade patri­
atividade econômica que a empresa exerce. monial da sociedade, sem um justo motivo.
Portanto, devemos aqui fazer uma Tal princípio é composto por critérios
distinção entre o conceito de patrimônio e objetivos, porque o legislador prevê uma sé­
capital social. Como já foi dito, o capital so­ rie de situações que, pela simples leitura dos
cial é uma cifra numérica constante no con­ dispositivos legais, vemos sua intenção de
trato social ou estatuto, que é vinculada ao preservar o capital.
objeto social. Cifra numérica corresponde a Também é composto por critérios
conceito contábil, o qual será demonstrado subjetivos, pois mesmo não havendo previ­
nos balanços da empresa. são legal, deve o operador do direito anali­
Já patrimônio social é produto compos­ sar cada caso concreto se há ou não lesão
to pelo complexo de todos os bens, de qual­ injustificada ao capital, ou prejuízo a quem
quer natureza, de posse e/ou propriedade da de direito.
empresa. Para melhor esclarecimento ilustre­
mos uma situação: uma dada sociedade com 1.1. Capital como patrimônio da empresa
capital de R$ 100.000, no ano de 2000 teve
um lucro estimado em R$ 30.000. Após en­ Muitas vezes alguns sócios confundem
cerrado o balanço, verificou-se que a socieda­ seu patrimônio pessoal com o patrimônio da
de tinha um patrimônio de R$ 130.000 e seu empresa. Quando ocorre a integralização dos
capital social pe1maneceu igual - R$ 100.000. bens do sócio ou acionista ao capital social,
Quer dizer, o capital permanece o mesmo a ocorre a transferência da propriedade do só­
não ser que haja uma alteração no contrato so­ cio para a empresa. O que resta ao sócio ou
cial ou estatuto, arnnentando ou diminuin­ acionista é um direito perante a sociedade,
do-o, não obstante seu patrimônio haja pois o capital social é um fundo patrimonial
arnnentado ou diminuído. posto em comum, para uma detenninada
O capital social é, portanto, um refe­ atividade econômica, que somente poderá
rencial para os credores, que após a análise ser desafetado em caso1 de liquidação ou re­
do valor do capital da sociedade estimarão dução do capital social , casos que serão tra­
se esta tem condições ou não de assumir as tados oportunamente. Destarte, não pode
obrigações que se propõem. Tal valoração um dos sócios utilizar-se dos direitos ine-

Paulo de Tarso Domingues, Do capital social, Coimbra, 1998, p. 104.


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rentes à propriedade2, pois trata-se agora de 2. POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO


um patrimônio em comum, devendo os DO PRINCÍPIO
bens que constituem o capital social aten­
der ao interesse social e não individual ou Em análise à legislação em vigor, po­
coletivo dos sócios. Tal afirmação resulta demos identificar algumas manifestações
da própria definição de capital social, que o do princípio da intangibilidade, para a pro­
ato de integralização vincula os bens da so­ teção do capital social. A Lei das S/A (Lei nº
ciedade ao objeto social, isto é, à finalidade 6.404/76) é rica em dispositivos que garan­
a qual a sociedade foi constituída. tem o capital social para a própria garantia
dos credores e dos acionistas.
1.2. A intangibilidade como garantia da
2.1. Objeto social
atividade
Seguindo a ordem cronológica a pri­
O valor do capital social - repita-se - meira manifestação do princípio da intangi­
serve de referência para a empresa e seus bilidade é quando da constituição da
credores quando da celebração de contratos, sociedade delimitamos o objeto social. A
ou realização de transações empresariais. O princípio parece não haver relação entre ob­
capital funciona como o marco de onde de­ jeto social e o tema em pauta, mas demons­
vem partir as indagações e ponderações se a traremos que os temas têm uma relação
empresa tem patrimônio suficiente para co­ muito íntima.
brir seus contratos e obrigações ou não. A especificação do objeto social tem
Devido a isso, é que o capital social algumas finalidades básicas, a saber: a) a ex­
deve ser tutelado pelo direito, pois sem plicitação se a sociedade tem ou não capaci­
esta proteção ocorreria uma instabilidade dade para atingir seu fim - em caso negativo
na economia, incertezas quanto à solvên­ ocorrerá a hipótese-de liquidação da socieda­
cia da empresa, o que levaria ao desastre a de (art. 206, Lei nº 6.404/76); b) observar se
atividade econômica, ou até ao seu fim. o objeto é lícito, de acordo com os bons cos­
Pela necessidade dessa proteção é que foi tumes e a ordem pública; c) apurar se há ou
formulado, dentre outros, o princípio da não responsabilidade do Administrador da
intangibilidade do capital social, para se sociedade por desvio do objeto social; d) de­
garantir a estabilidade da economia de monstrar que a empresa tem autorização para
mercado, e uma maior tranqüilidade dos funcionar, nos casos em que há necessidade
dessa autorização do Governo Federal4; e,
credores das empresas. A manifestação por último, que nos interessa mais no mo­
deste princípio encontramos em diversos mento, e) garantir aos credores_ da sociedade
dispositivos legais, de forma a se proteger bem como aos sócios ou acionistas desta de
ao máximo aquele valor referido no con­ que o capital será utilizado para o desenvol­
trato social ou no estatuto. O que se quer vimento da atividade econômica eleita no es­
com este princípio não é a garantia dos tatuto ou contrato social.
credores quanto ao sucesso da atividade Quando se forma o capital social,
econômica da empresa, mas sim que o pa­ isto é, aquele patrimônio em comum a to­
trimônio real da empresa não desça abaixo dos os sócios, que transferem seus bens à
aquela cifra numérica constante no contra­ sociedade, vinculando estes à finalidade a
to social ou estatuto em virtude de atribui­ que a sociedade foi constituída - a ativida­
ção de bens aos sócios ou acionistas3• de econômica. Por estar vinculado à ativi-

2 Jus utendi, jus.fniendi e jus disponendi.


3 Cf. Domingues, ob. cit. p. 104.
4 A exploração de jazidas de recursos minerais, potências de energia hidráulica, pesquisa e lavra das jazidas
de petróleo e gás natural, bem como sua refinação (esta de monopólio estatal), exploração da atividade de
transportes etc.
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dade econômica (objeto social), os fundos chamado ultra vires societatis -, pois o capi­
desta sociedade não podem ser empregados tal subscrito pelos sócios se vincula e passa a
a outros tipos de investimento e atividade correr os riscos de uma determinada ativida­
estranhos àquele objeto social. de ou atividades. Assim, tem-se a garantia da
O legislador, usando de grande pru­ limitação das atitudes dos administradores,
dência para a proteção do capital social, de­ que não podem comprometer o capital da so­
fine que no ato da constituição da sociedade ciedade à atividade estranha ao objeto social,
deve ser estipulado com precisão qual será o sob pena de responder pelos danos causados.
objeto da sociedade. Para uma melhor com­ Se isso fosse aceitável estaríamos colocando
preensão do objeto social e sua relação com em risco o capital por uma atividade pela
o princípio em pauta passamos a transcrever qual ele não foi constituído.
os dispositivos legais. Assim preceitua o No entanto não se caracteriza o desvio
Código Civil: de função o desempenho de atividades que
"Art. 1.363. Celebram contrato de so­ são complementares àquela principal, ou es­
ciedade as pessoas que mutuamente se obri­ sencial da sociedade. Acompanhando o en­
gam a combinar seus esforços ou recursos, tendimento de Navarrini5 e pelo que se
para lograr fins comuns." (g.n.) compreende do art. 2º, Lei nº 6.404/76, que
Esses fins comuns aos quais o código repete o texto do art. 2º do Decreto-Lei nº
se refere são o objeto social. Percebemos 2.627/40, o objeto social é a empresa, isto é,
aqui que a noção de objeto social está ligada o complexo de atos e atividades que tem por
à própria definição de sociedade, pois para finalidade última o alcance da atividade es­
que exista sociedade não basta que haja duas sencial da sociedade, qual seja, o que está
ou mais pessoas, nem patrimônio comum. descrito no contrato ou estatuto.
Na existência apenas desses dois elementos o Se, mesmo que as atividades ditas ins­
que surge é simplesmente um condomínio. trumentais6 , isto é, atividades e atos que es­
Mas também, juntamente com esses dois re­ tão implícitos, possam variar, mas com o
quisitos, um terceiro: o objeto social, ou na objetivo de se chegar àquela atividade fim e
linguagem do Código Civil "fins comuns". logram êxito, não há o que se falar em des­
Da mesma forma o Código Comercial vio do objeto social e, por isso, o princípio
ao estabelecer os requisitos do contato social, da intangibilidade do capital está portanto
em seu art. 302, nº 4, diz que deve haver a de­ preservado.
signação específica do objeto da sociedade.
E, por último, o art. 2°, Lei nº 6.404/76 2.2. Fundos de reserva
diz que "Pode ser objeto da companhia qual­
quer empresa de fim lucrativo, não contrário O fundo de reserva7 é o instrumento
à lei, à ordem pública e aos bons costumes". hábil a proteger o capital social de eventos
Na verdade o que se quer proteger, previstos e imprevistos que possam, sem
principalmente, é o capital social, de acordo aquele, afetar sensivelmente o patrimônio
com o princípio da intangibilidade, da pos­ social.
sibilidade de um desvio do objeto social A legislação brasileira, ao passar dos
pelo qual a sociedade foi constituída - o anos, vem evoluindo, no sentido de cada vez

5 "O objetivo da sociedade, cm sentido menos lato, pode ser compreendido menos pelas simples operações,
que ela se propõe a executar, do que pela sua resultante, pelo seu complexo, quando tal resultante não mude
substancialmente, embora possam variar os elementos que a constituem e a qualidade dos meios emprega­
dos para lá chegar, a menos que nestes se baseie a vontade decidida dos sócios, é lógico que não se pode di­
zer que se trate de mudança de objetivo(...)."(U. Navarrini, Das sociedade e das associações comerciais,
V. Borgcrth Lochncfinkc- trad. -, vol. 2, 1950, p. 330, apud, Wilson de Souza Campos Batalha, Socieda­
des anônimas e mercado de capitais, vol. 1, Rio de Janeiro, Forense, 1977, p. 72)
6 Cf. Waldirio Bulgarclli, O novo direito empresarial, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 330.
7 "O fundo de reserva destina-se a amparar os prejuízos sofridos pelo capital social, reforçando a garantia dos
credores e dos sócios; ampara os acontecimentos imprevistos e tende a resistir aos abalos provenientes do
infortúnio, mantendo a integridade do capital social."(Carvalho de Mendonça, vol. 3, 1963, p. 387)
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mais dar um tratamento mais adequado ao valor nominal, que ultrapassar a importân­
instituto. Conclusão que se tira, quando da cia destinada à formação do capital social,
análise histórica da legislação sobre as S/A. inclusive nos casos de conversão em ações
O Decreto nº 434, em seu art. 98, alínea 2ª, e de debêntures ou partes beneficiárias; b) o
do art. 42 do Decreto nº 8.821, que tratavam produto da alienação de partes beneficiárias
da matéria das companhias, quando trata­ e bônus de subscrição; c) o prêmio recebido
vam sobre o fundo de reserva, continham na emissão de debêntures; e d) as doações e
em seus textos "quando porventura instituí­ as subvenções para investimento.
do". Daí a conclusão de que, à época, a As reservas de capital somente pode­
constituição de fundos de reserva era facul­ rão ser utilizadas nos casos previstos no art.
tativa. A regra geral era essa, mas havia ex­ 200, que são: "I - absorção de prejuízos que
ceções, a saber: as sociedades de se�uros ultrapassarem os lucros acumulados e as re­
terrestres e marítimos8, as cooperativas e as servas de lucros; II - resgate, reembolso ou
sociedades de capitalização w, que tinham o compra de ações; III - resgate de partes be­
fundo de reserva obrigatório, estabelecido neficiárias; IV - incorporação ao capital so­
pela legislação da época. Posterionnente, o cial; V - pagamento de dividendo a ações
fundo de reserva tornou-se obrigatório com preferenciais, quando essa vantagem lhes
a promulgação do Decreto-Lei nº 2.627, de for assegurada."
26.9.40, em seu art. 130, cessando essa obri­ Temos, também, as reservas estatutá­
gatoriedade quando esse fundo atingisse o rias, que serão criadas pela sociedade por
limite de 20% do capital da empresa. sua livre vontade, desde de que respeitados
Passados esses dados históricos rele­ os requisito do art. 194. Sem falar em outros
vantes, passemos à análise da legislação tipos de reservas, previstos na referida lei,
atual, que é a Lei nº 6.404/76. Pela lei socie­ que não trataremos, por não serem alvo do
tária existe a reserva legal, estabelecida no
art. 193, que será constituída, obrigatoria­ presente trabalho.
mente, de 5% sobre o lucro líquido da em­ O importante é identificarmos que a
presa e não ultrapassando ao limite de 20% razão da existência dos fundos de reserva nas
do capital social, salvo a hipótese do § 1º, do sociedades é exatamente preservar o capital
mesmo artigo, quando a soma entre a reser­ social de infortúnios, garantindo, assim, os
va legal e as reservas de capital chegarem ao direitos dos credores e dos acionistas.
equivalente a 30% do capital social - quan­ A priori poderíamos pensar que a
do não será necessário o recolhimento da re­ constituição do fundo de reserva é somente
serva legal. Essa reserva legal somente inerente às sociedades anônimas. Todavia,
poderá ser utilizada para a compensação de se analisarmos o disposto no art. 18 13 do De­
º
prejuízos ou para o aumento de capital 1 1• creto n 3.708/19 - Lei das sociedades por
As reservas de capitat 2 , serão consti­ quotas de responsabilidade limitada - con­
tuídas de: a) a contribuição do subscritor de cluímos que, pela aplicação subsidiária dos
ações que ultrapassar o valor nominal e a dispositivos da lei acionária às sociedades
parte do preço de emissão das ações, sem por quotas, a criação de fundo de reserva (a

8 Arts. 2º , II, e 6º, Dec. nº 5.072, de 12.12. I 903; e, posterionnente, nos arts. 57, 58 e 93, Dec.-Lci nº 2.063, de
7.3.40. O art. 6º, Dcc. nº 5.072/1903 dispunha da seguinte forma: "Sempre que dos relatórios, balanços e
mais documentos publicados e enviados à Inspetoria de Seguros se verificar que estão desfalcados o capital
e as reservas de uma companhia, necessários à garantia de suas operações, o Ministro da Fazenda mandará
notificar à mesma companhia para, sob pena de ser cassada a autorização para funcionar, integralizar uma e
outras no prazo que fixará."
9 Lei nº 1.637, de 5.1.1907, arts. 14, nº 8, e 15, nº 2.
10 Dcc. nº 22.456, de 10.2.33, arts. 39 e 42.
11 Cf. § 2º , art. 193, Lei nº 6.404/76.
12 Cf. § 1 º, art. 182.
13 "Art. 18. Serão observadas quanto às sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, no que não for
regulado no estatuto social, e na parte aplicável, as disposições da Lei das Sociedades Anônimas."
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legal 14), na omissão do contrato ou estatuto


social, é aplicável e obrigatória às socieda­ 2.3. Participação dos sócios nos lucros e
des por quotas de responsabilidade limitada. nos prejuízos
No mesmo sentido entende o professor Atti­
la de Souza Leão Andrede Jr., a aplicabili­ É essencial para que exista uma socie­
dade dos dispositivos da lei acionária nas dade que todos os sócios contribuam para a
sociedades por quotas de responsabilidade formação do capital social. Isto é, sem a
limitada, quando diz em sua obra: contribuição de cada um dos sócios para a
"(... ) se aplicará às sociedades por constituição do capital da sociedade, esta se
quotas de responsabilidade limitada, silente torna nula. Concluímos isso da leitura do
o contrato social (derivadamente do silêncio art. 287, Código Comercial. Tal contribui­
da própria lei que rege esta espécie societá­ ção não precisa se dar apenas pela forma de
ria, e, por extensão, o seu contrato social), dinheiro. Pode ser como bens de qualquer
todas as regras da lei por sociedade por espécie, desde que seja possível sua valora­
ações exceto aquelas que digam respeito à ção monetária no mundo jurídico 16, inclusi­
própria natureza destas últimas, inconsis­ ve o trabalho 17•
tentes com a realidade das primeiras." 15 Outro requisito para a existência de
Uma vez que o que se quer, repita-se, uma empresa é que seus associados (sócios
é a proteção do capital social, a forma mais ou acionistas) participem dos lucros e dos
pmdente de fazê-lo é constituindo um fundo prejuízos da empresa. Ora, é da natureza de
de reserva. qualquer atividade econômica que a empresa
Questão importantíssima relacionada corra o risco do exercício da atividade. Os só­
aos fundos de reserva é a aquisição de parti­ cios ou acionistas, quando unem esforços e
cipações sociais (ações ou quotas) da pró­ capital com um fim comum se "aventuram"
pria sociedade, utilizando o fundo de na economia de mercado para que, com o su­
reserva. Defendemos a posição de que a uti­ cesso, obtenham lucro. Todavia nem sempre
lização da reserva legal para esse tipo de isso acontece, e aqueles não têm a garantia de
aquisição acionária é contra legem, pois o negócio dar certo. O patrimônio dos sócios
fere o que estabelece no § 2º, art. 193, da lei ou acionistas está correndo risco enquanto a
acionária, que determina que a reserva legal empresa desempenha a atividade econômica.
somente será utilizada para compensação de E é exatamente isso que diferencia o
prejuízos e para o aumento de capital. sócio, proprietário de quotas ou ações, do
Assim sendo, é impossível a aquisição, por administrador: o sócio ou acionista está dis­
parte da empresa, de suas próprias ações va­ posto a cobrir com seu patrimônio ou seu ca­
lendo-se da reserva legal. E, se assim proce­ pital de risco as dívidas adquiridas pela
der, tal ato jurídico é nulo de pleno direito, sociedade na proporção de sua responsabili­
por haver proibição legal, ferindo o princí­ dade, segundo o regime da sociedade 18 •
pio da intangibilidade do capital. Assim sendo, detennina o art. 288, Código
Trataremos da questão da aquisição Comercial, que é nula a sociedade em que
de ações próprias mais detalhadamente em não se obedecer à regra da partilha dos lu­
capítulo próprio. cros e dos prejuízos com todos os sócios.

14 Cf. art. 193, Lei nº 6.404/76


15 Attila de Souza Leão Andrade Jr., O novo direito societário brasileiro, Brasília, Brasília Jurídica, 1999, p.
190.
16 Lembramos aqui os bens de grande valor na atualidade tais como os programas de computador (softwares);
as técnicas de engenharia genética, inseminação artificial, os bens de propriedade industrial e intelectual
etc.
17 Como é o caso da sociedade de capital e indústria.
18 Cf. Ortiz, 1999, p. 196.
DOUTRINA 167

Passemos à questão da atribuição de para cobrir os prejuízos do exercício, que


bens aos sócios. Como nos referimos ante­ dispõe da seguinte forma: primeiramente
riormente, os bens que constituem o capital pelos lucros acumulados, depois pelas reser­
social pertencem à sociedade e não ao só­ vas de lucros e, finalmente, pela reserva le­
cio que os integralizou para a constituição gal. A lei é clara em estabelecer, no
do capital. Assim, pelo princípio da intangi­ parágrafo único, art. 189, da lei acionária,
bilidade não é possível a transferência de uma ordem para a disposição dessas reser­
bens do capital social para a propriedade dos vas e, perceba-se, a reserva legal é a última
sócios ou acionistas, senão o que ocorreria da lista, mais uma vez protegendo o capital.
seria a diminuição do patrimônio líquido da
empresa aos níveis abaixo da cifra existente 2.4. Negociação da empresa com as
no contrato ou estatuto social, o que seria próprias participações sociais
perigoso para os credores da sociedade.
Destarte, o que cada sócio ou acionista Temos aqui outro ponto polêmico e
deverá receber será o valor do lucro líquido importante para discussão a respeito do prin­
do exercício diminuído ou acrescido dos va­ cípio da intangibilidade do capital social. A
lores contidos nos incisos do art. 202, quando negociação da empresa com as próprias par­
trata do dividendo obrigatório, a saber: a) re­ ticipações sociais, ações ou quotas, é uma
serva legal (art. 193); b) reservas de contin­ questão que precisa ser analisada com cui­
gências (art. 195); e c) lucros a realizar dado, sob pena de se cometer "pecados" ju­
transferidos para a respectiva reserva (art. rídicos e econômicos, haja vista que tal
197). Também, em confom1idade com o que negociação é passível de fraudes e danos
dispõe o contrato ou estatuto social e a lei aos credores e aos sócios ou acionistas.
acionária nos arts. 201 a 205. Como se vê da As participações sociais são direitos
análise dos referidos artigos da lei acionária, que os integrantes da sociedade, sócios ou
a distribuição dos lucros da empresa aos só­ acionistas têm sobre a sociedade, que ex­
cios obedece a uma série de regras que, cla­ pressam um valor monetário e, lógico, po­
ramente, demonstram a consagração do dem ser negociados a qualquer tempo. No
princípio da intangibilidade do capital social. entanto, tais participações são bens que não
Ocorre também a hipótese de fraude. têm um valor fixo, variando constantemente
Quando as contas do balanço são manipula­ na mesma proporção que varia o patrimônio
das pelos administradores para que não de­ da empresa 19• Sendo assim, na hipótese de a
monstrem a verdade e, conseqüentemente, sociedade sofrer prejuízos e seu patrimônio
aumente os dividendos para os acionistas.
Nesse caso os administradores e fiscais res­ ser reduzido a nada, ou quase nada, conse­
ponderão solidariamente, que deverão repor qüentemente o valor de suas ações ou quotas
ao caixa da empresa os valores distribuídos será zero, ou equivalente.
indevidamente. Os acionistas que recebe­ Percebe-se então o problema existen­
rem de boa-fé os dividendos não ficam obri­ te quando urna sociedade se propõe a dispor
gados a restituírem aqueles valores à de parte de seu patrimônio - reservas - para
empresa. E presume-se a má-fé quando os adquirir suas próprias ações.
dividendos são recebidos sem o levanta­ No sistema português, à luz da legis­
mento do balanço,, ou em desacordo com os lação comunitária, somente é admitida a
resultados deste. E o que dispõe os § § 1º e aquisição por parte da empresa de participa­
2º, art. 201, Lei nº 6.404/76. ções próprias, tanto nas Sociedades por quo­
Da mesma forma a lei preserva o prin­ tas20, como nas S/A21, quando os fundos de
cípio da intangibilidade do capital quando reserva da sociedade forem, no mínimo, o
estabelece ordem para a retirada de recursos dobro do valor a ser pago pelas ações ou

I9 Neste sentido diz o autor português: "(... ) os sócios são detentores de participações que, sendo bens a se
stante, podem ser autonomamente transacionadas, e têm um valor próprio que,por sua vez,depende e é re­
flexo do valor do patrimônio líquido da sociedade." (Domingues, 1998,p. 112)
20 Art. 220,nº 2, Código Comercial de Sociedades (CSC).
21 Art.317,nº 4,CSC.
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quotas. Ocorrendo ainda em nulidade da quando do reembolso, antes da Lei nº


aquisição, no caso das Sociedades por quo­ 9.457/97, que alterou o art. 45, bem como
tas, se o preceito legal não fosse respeitado. outros dispositivos da lei acionária. No regi­
Entre nós a situação é diferente. Se­ me anterior o valor pago pelas ações, em
gundo o entendimento do saudoso Professor operações de reembolso, aos acionistas dis­
Carvalho de Mendonça22, a sociedade não sidentes era o valor patrimonial das ações,
pode adquirir suas próprias ações, pois seria isto é, o valor nominal da ações. Ocorre que
o equivalente a comprar o que já é seu. O en­ muitas vezes o valor nominal não corres­
tender do douto jurista é no sentido de haver ponde ao valor econômico das ações. As
prejuízo à sociedade ao dispor de quantias ações são postas em mercado com valores
monetárias para comprar as próprias ações. inferiores ao valor patrimonial para atraírem
O art. 30, Lei nº 6.404/76, traz a regra investidores. Quando a empresa entrava em
da proibição da negociação com as próprias crise, ou mesmo mantendo-se o valor eco­
ações, porém estabelece algumas exceções. nômico das ações inferior ao valor patrimo­
A alínea a, § 1 º, art. 30, traz as hipóte­ nial, os acionistas minoritários, usando do
ses de operações de resgate, reembolso ou direito de dissidência, pediam para retira­
amortização. Achamos necessário aqui con­ rem-se da sociedade e seu reembolso do va­
ceituar os institutos e, posteriormente, fazer lor das respectivas ações. Nesse caso,
algumas considerações sobre o tema. ocorria um claro prejuízo para a empresa e,
1. Ocorre o resgate quando a empre­ conseqüentemente, um lucro considerável
sa, querendo retirar definitivamente parte ao acionista dissidente - lembre-se, autori­
de suas ações de circulação, adquire-as de zado por lei - o que poria em risco o capital
seus acionistas, podendo haver ou não re­ da empresa.
dução de capital. Em caso positivo, na de­ Com o advento da Lei nº 9.457/97 al­
monstração contábil, o que deve ocorrer é terou-se o art. 45 da lei acionária, em garan­
um débito no capital e um crédito no caixa tia do capital social. O que procurou o
da empresa no referido valor pago pelas legislador foi um reembolso justo, que não
ações. Se não houver redução de capital a viesse em prejuízo do capital social, pois es­
demonstração contábil indicará um débito tabeleceu que o valor a ser pago no caso de
nas contas de reservas, ou lucros acumula­ reembolso será o valor econômico das
dos, de onde quer que tenham sido retira­ ações24. Esse valor econômico será calcula­
dos os recursos a serem pagos pelas ações, do de três formas diferentes, a saber: a)
e creditado no caixa. Porém, temos que ob­ através de uma avaliação; b) um balanço es­
servar uma conseqüência prática importan­ peciai25; ou, no caso de previsão estatutária,
te. Não havendo redução de capital, c) de acordo com uma avaliação realizada
importa no aumento do valor das ações re­ por três peritos ou empresa especializada,
manescentes23, para que não haja alteração que serão indicados em uma lista sêxtupla
alguma no capital da sociedade. ou tríplice, respectivamente, pelo Conselho
2. Ocorre o reembolso quando a em­ de Administração ou, se este não houver,
presa adquire as ações dos acionistas dissi­ pela diretoria, e serão escolhidos pela
dentes das deliberações da Assembléia, não Assembléia Geral, por deliberação da maio­
sendo possível sua pennanência na socieda­ ria absoluta26. Assim sendo, o valor econô­
de. Conforme dispõe o caput do art. 45, Lei mico das ações poderá ser inferior ao seu
nº 6.404/76. Situação que era preocupante, valor nominal.

22 Cf. ob. cit. 1963, p. 394.


23 Por exemplo: se a sociedade tinha 1.000 ações, valendo o capital cm R$ 100.000,00, então, passando a
sociedade a ter apenas 800 ações, destas deverá ser acrescido o valor correspondente para que valham o
total do capital social, isto é, R$ 100.000,00.
24 Cf. § ! º, art. 45, Lei nº 6.404/97.
25 Se a aprovação pela Assembléia Geral do último balanço tiver mais de 60 dias.
26 Cf. §§ 2º, 3º e 4º, art. 45, Lei nº 6.404/76, com redação dada pela Lei nº 9.457/97.
DOUTRINA 169

Poderá haver o reembolso sem redu­ doação, que sendo aqms1çao gratuita não
ção do capital, desde que haja reservas de pode causar dano ao capital. Enquanto as
lucros e reservas de capital, exceto a reserva ações, nesse caso, permanecerem em tesou­
legal, suficientes para o reembolso. Nesse raria estarão suspensos os direitos ao voto e
caso as ações ficarão em tesouraria27• aos dividendos.
Haverá redução do capital, proveni­ Na alínea d, do referido dispositivo,
ente da operação de reembolso, se as reser­ reza que: "a compra quando, resolvida a re­
vas supracitadas não forem suficientes para dução do capital social mediante restituição,
a operação e, por isso, for utilizado o capital em dinheiro, de parte do valor das ações, o
social e, dentro de 120 dias, contados da pu­ preço destas em bolsa for inferior ou igual à
blicação da ata da assembléia, não forem importância que deve ser restituída". Esse
substituídos os acionistas. Isto é, se não hou­ caso ocorre, geralmente, quando é constata­
ver a alienação daquelas ações. Nessa hipó­ do que o capital social é excessivo para a ati­
tese, os órgãos da administração deverão vidade econômica. Nesse caso, as ações,
convocar a Assembléia Geral, no prazo de após adquiridas, serão definitivamente reti­
cinco dias, para comunicar a redução com­ radas de mercado.
pulsória do capital socia/28• Outro dispositi­ Vemos também outra situação de
vo da lei acionária que procura preservar a �quisição das próprias participações sociais.
integridade do capital social. E o caso das SQRL, que no art. 8º, Decreto
º
3. Ocorre a amortização quando é fei­ n 3.708/19, autoriza a aquisição pela socie­
ta a distribuição de bens aos acionistas, a tí­ dade de quotas próprias, movida pela vonta­
tulo da antecipação e sem redução do capital de dos sócios ou no caso de exclusão de
social, de quantias que lhes poderiam tocar sócio remisso, desde que não seja tocado o
em caso de liquidação da companhia, po­ capital social, para a operação.
dendo ser esta amortização integral ou par­ Vimos aqui várias possibilidades que
cial. O importante aqui é observarmos que o legislador disponibilizou para as socieda­
na amortização nunca poderá ser tocado o des quanto à aquisição de ações ou quotas
próprias. No entanto, não vemos isso com
valor do capital social, em conformidade bons olhos e a razão é simples: o capital so­
com o princípio da intangibilidade. cial deve ser protegido acima de tudo, de­
Na alínea b do§ 1 º, art. 30, da lei acio­ vendo ser tocado em último caso. Sendo o
nária, a aquisição de ações para permanên­ capital social uma garantia para os credores
cia em tesouraria ou cancelamento, desde e mesmo para os sócios ou acionistas, tal pa­
que até o valor do saldo dos lucros ou reser­ trimônio não estará tão protegido se for in­
vas, exceto a legal, e sem diminuição do ca­ vestido em si mesmo, haja vista, como
pital social ou por doação. Aqui temos mais analisada acima, a constante variação do va­
uma vez a manifestação do princípio da in­ lor das ações ou quotas.
tangibilidade do capital social, quando o le­
gislador coloca como condição para a 2.5. Participação recíproca
aquisição das ações que sejam até o limite
das reservas de capital, exceto a legal que é A regra geral é a proibição da partici­
destinada apenas para cobrir prejuízos e au­ pação recíproca entre a companhia e suas co­
mentar o capital, efetivamente, garantindo a ligadas ou controladas, conforme o disposto
integridade do capital. Também quando diz no art. 244, da lei acionária. Imaginemos a
"sem diminuição do capital". E no caso de seguinte hipótese de grupo econômico:

27 Cf. § 5 º, do referido artigo.


28 Cf. § 6º , do referido artigo.
170 REVISTA FORENSE-VOL. 363

A B
51%(E)
20%(D)

1 1
1
D
1
e E
1
98%(A) 80%(A) 97%(B)
2%(B) 20%(B) 3%(A)

A razão da proibição da participação troladas ou coligadas, terão suspenso o direi­


recíproca é semelhante à da proibição à to de voto. Isso é para preservar o capital da
aquisição de participações próprias. Isso sociedade e os interesses dos acionistas e
porque em um grupo de sociedades, apesar dos credores, uma vez que, v.g., poderia
de serem pessoas jurídicas diferentes, com uma sociedade controlada, tendo direito de
capitais separados, o poder de decisão vem voto sobre sua controladora, beneficiar-se
sempre de uma cabeça, a do controlador. O em prejuízo das outras sociedades que
que toma o grupo de sociedades ser conside­ compõem o grupo, bem como prejudicar o
rado uma única empresa e, por isso, é peri­ interesse de credores, se imaginarmos a hi­
goso para o capital social tanto quanto a pótese da retirada de capital de uma das
aquisição de ações próprias. empresas do grupo e repassar para outra
Se imaginarmos o grupo acima, se D que não tenha dívidas.
entrasse em falência, necessariamente, A se Analisando o quadro acima podemos
descapitalizaria, em razão de ter quase a to­ visualizar esta situação, pois E tem 51 % das
talidade das ações de D, que, por sua vez, ações de A. O que poderíamos dizer que, se
não adiantaria vender seus 20% de ações de essas ações tivessem direito a voto, B, que é
A para livrá-la da crise, pois as ações de A controladora de E, seria a controladora de
também teriam baixado sensivelmente de todo o grupo. Isso poderia levar a um confli­
preço, haja vista que A perdeu patrimônio to de interesses muito grande, inclusive re­
em decorrência da crise que passa D. Sem lacionado ao capital social.
falar em E que detém 51 % de A, que agora O § 4° estabelece o prazo de seis me­
se descapitalizou com a crise de D. Vemos ses para que a sociedade aliene as ações ou
aqui que a crise de uma empresa, em regime quotas adquiridas na fonna do § 1 º, que ex­
de participação recíproca, pode gerar a crise cederem o valor dos lucros e reservas, sem­
de todo um grupo de empresas, atingindo o pre que esses sofrerem redução. Mais uma
capital social de todas as empresas do gru­ vez protegendo o capital social.
po, o que não é seguro economicamente.
Equivale dizer que a participação re­ 2.6. Avaliação dos bens para a formação
cíproca é tão mau negócio quanto a aquisi­ do capital social
ção de próprias ações. Por isso é proi)Jida.
No entanto, nesta regra cabe exceção. E que Outra questão importante no que tan­
será admitida a participação recíproca entre ge ao princípio em discussão é a avaliação
empresas coligadas ou controladas e contro­ dos bens para a formação do capital social.
ladoras nos mesmos casos da alínea b, do § A lei acionária disciplina a matéria no seu
1 º, art. 30, isto é, por doação ou por aquisi­ art. 8º e seus respectivo parágrafos, além de
ção para permanência em tesouraria, até o outros dispositivos conexos.
valor dos lucros e reservas, exceto a legal, e A idéia que se tem, quando analisa­
sem diminuição do capital social. mos a rígida disciplina sobre a avaliação de
No § 2º está disposto que as ações de bens, é que é necessário que o capital social
companhia aberta, adquiridas por suas con- represente o patrimônio real que a empresa
DOUTRINA 171

possui, mesmo porque muitos são os interes­ ção de pelo menos metade do capital. Ora, o
ses tutelados em volta da transparência do ca­ capital daquele que vai ainda subscrever
pital, tais como os interesses dos subscritores com bens não foi incorporado ao capital da
que contribuem com dinheiro ou acionistas; empresa, não podendo ser já contado como
os credores da sociedade, que têm no capital tal. A questão da votação é que haverá um
sua garantia primária; os investidores, que conflito de interesses, pois, é claro que o
subscreverão ações, contando com aquele subscritor votaria a seu favor, melhor dizen­
capital social; bem como o próprio interesse do, de acordo com seus interesses. O laudo
público que rodeia a sociedade, como polari­ pericial deverá conter os critérios e métodos
zadora da economia, exerce grande função de avaliação, a descrição ponnenorizada
social, distribuindo riquezas, gerando empre­ dos bens e terá somente um limite: não po­
gos, pagando impostos etc., pois a empresa derá atribuir ao bem valor superior ao atri­
deve permanecer em atividade e, para isso, é buído pelo subscritor. A Assembléia tem o
essencial que continue sempre preservando poder de aprovar ou não o laudo pericial,
seu capital social. não podendo arbitrar valor diferente do da
A avaliação dos bens deve se dar avaliação, nem maior nem menor31 .
quando da constituição da empresa, aumen­ Ainda para proteger a integridade do
to do seu capital, incorporação e fusão. A capital a lei acionária prevê a responsabili­
subscrição do capital pode ser pública ou dade civil e penaI32 do subscritor e dos avali­
particular. Quando pública o prospecto de­ adores, pelos danos causados aos acionistas,
verá conter a parte do capital a ser subscrito subscritores bem como aos terceiros.
com bens, sua descrição completa e o valor Quanto à formação do capital social,
atribuído a estes29 • De posse desse valor, se temos a hipótese de aumento de capital so­
verificará o quorum necessário para a insta­ cial quando não houver uma total integrali­
lação da Assembléia que nomeará os peritos zação do capital subscrito. O art. 170,
e, posteriormente, aprovará os laudos de caput, Lei nº 6.404/76, autoriza o aumento
avaliação. Sendo a subscrição particular, se­ de capital por subscrição pública ou particu­
rão nomeados peritos pela Assembléia para lar de ações, após a realização de, no míni­
a avaliação do capital. mo, ¾ (três quartos) do capital. Isso se
A avaliação deverá ser feita por três justifica porque a empresa não pode ser im­
peritos ou empresa especializada, que serão pedida de crescer por culpa de um ou alguns
nomeados pela Assembléia Geral de subs­ acionistas remissos. No entanto, deve ser
critores ou acionistas. Tais peritos deverão observado o disposto no art. 107, § 4°, da lei
ser pessoas idôneas com experiência ade­ acionária. Na hipótese de a empresa não
quada para tal avaliação, bem como deverão conseguir receber o valor a realizar das
ser pessoas que não tenham interesses ou li­ ações subscritas por esses acionistas, a redu­
gação com os subscritores, para que se evite ção compulsória do capital social - situação
fraude. a ser analisada mais à frente. Essa regra ain­
Na Assembléia que nomear os peri­ da sim preserva o capital social, quando li­
tos, em primeira convocação, deverá conter mita a hipótese de aumento de capital
o quorum de pelo menos a metade dos subs­ somente quando 75% já foi integralizado.
critores do capital, não podendo ser contado No entanto, não julgamos ser pruden­
o capital do subscritor'º de bens nem este te este tipo de aumento de capital por achar
votar, por uma questão de lógica. que criar-se-ia uma situação ilusória, com o
Quanto à representação do capital, o aumento de capital, sem que a fase anterior
que o legislador pretendeu foi a representa- de subscrição tenha sido totalmente concluí-

29 Cf. art. 84.


30 Em sentido contrário Carvalhosa, 1997, p. 67.
31 Em sentido contrário Campos Batalha, Sociedades anônimas e mercado de capitais, vol. 1, Rio de Janeiro,
Forense, 1973, p. 181.
32 Cf. art. 177, CP.
172 REVISTA FORENSE - VOL. 363

da. Na verdade, o que deve ser feito é a ven­ No mesmo sentido é o conceito de
da das ações ainda não integralizadas para empresa dada pela Lei nº 8.078/90, conheci­
os novos subscritores, estes as integralizan­ da como Código de Defesa do Consumi­
do no ato, e, posterionnente, o aumento do dor36, que também enfatiza que é fornece­
capital com a subscrição das novas ações. dor, isto é, empresa qualquer ente que exer­
Assim o capital social não necessitaria de ça atividade econômica-colocando bens ou
redução compulsória e estar-se-ia protegen­ serviços no mercado de consumo - não im­
do o capital social da sociedade. portando sua forma ou natureza.
Fazendo uma análise sobre o atual tra­
2.7. A noção jurídica de empresa tamento da empresa no Direito Falimentar,
notamos com clareza que a empresa não é
Entendemos, também, de extrema im­ mais um meio pelo qual o comerciante exer­
portância a compreensão da noção jurídica ce a mercancia e gera riquezas para si, mas
de empresa no contexto da intangibilidade uma instituição social. Tal conclusão pode­
do capital social. Mas, para tanto, devemos mos tirar da leitura do texto constitucional
nos desprender dos conceitos tradicionais em seu art. 170, caput, e seus incisos. Se a
aos quais, muitas vezes, estamos arraigados ordem econômica está fundada na valoriza­
para não cometermos alguns equívocos. ção do trabalho e tem como princípios: a
Em nosso ordenamento jurídico, per­ função social da propriedade (III); a redução
cebemos diversas manifestações de empresa. das desigualdades regionais e sociais (VII);
No Direito da Concorrência, v.g., o art. 15, e a busca do pleno emprego (VIII); é eviden­
Lei nº 8.884/94 fornece-nos uma definição te que a empresa não é apenas um instru­
de empresa,33 que é uma entidade que exerce mento de uso pessoal do empresário, mas
atividade econômica em sentido amplo,34 deve ser analisada sob o ponto de vista insti­
aqui compreendendo a prestação de serviços tucional.
públicos e as demais atividades econômicas Por isso toma-se relevante a análise
(atividade econômica em sentido estrito). da noção jurídica da empresa, pois se conti­
Bem como pela leitura do art. 20 do mesmo nuarmos a tratar a empresa com os conceitos
diploma legal compreendemos que qualquer e institutos tradicionais poderemos cometer
que seja a forma, qualquer que seja a nature­ heresias jurídicas.
za do agente, sendo este capaz de produzir Julgamos importantes as palavras de
efeitos anti-concorrenciais é considerado Amador Paes de Almeida37 sobre o tema:
uma empresa. Nesse caso, diante de um gru­ "Tendo a empresa como pólo central
po de empresas que atuam no mercado, de da atividade empresarial, a atual legislação
forma que uma contribui para o desempenho falimentar há de ser interpretada não em sua
da outra, buscando um objetivo comum literalidade, mas em consonância com a
"apesar de diversas formas jurídicas, há uma nova realidade socioeconômica que busca,
única entidade econômica, e, mais uma vez, a antes de tudo, a preservação da comunidade
atividade prima sobre a forma".35 produtiva."

33 Assim dispõe o art. 15, Lei nº 8.884/94: "Esta Lei aplica-se às pessoas tisicas ou jurídicas de direito público
ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito,
ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime
de monopólio legal."
34 Na nomenclatura utilizada pelo Professor Eros Roberto Grau cm A Ordem econômica na constituição de
1988, 6ª ed., São Paulo, Malheiros, 2001, pp. 133 e ss.
35 José Gabriel Assis de Almeida, "A noção jurídica de empresa", /11 Revista de informação legislativa, ano
36, nº 143,jul./set. 1999, Brasília, p. 220.
36 O art. 3º, CDC, assim dispõe: "Fornecedor é toda pessoa tisica oujurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem,
criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos
ou prestação de serviços."
37 "A natureza institucional da empresa", ln Revista literária de direito, ano II, nº 39, fcv./mar. 2001, p. 19.
DOUTRINA 173

Antes que o capital social de uma em­ da a oportunidade de exonerar-se de suas


presa seja atingido, com a sua conseqüente obrigações residuais."
dissolução, deve ser levada em considera­ Nesse plano de insolvência, que o de­
ção a atuação que essa empresa exerce no vedor deverá apresentá-lo quando requerer
mercado. Daí porque os juízes das Varas de a recuperação da sua empresa, poderá livre­
Falência, para adequar as normas da Lei de mente regulamentá-lo, levando-se em con­
Falências (Decreto-Lei nº 7.661/45), têm sideração os interesses dos credores, a
aplicado o art. 5°, Lei de Introdução ao Có­ situação do patrimônio, as remunerações e
digo Civil (LICC).38 Na verdade, o que per­ as circunstâncias familiares do devedor,
cebemos é que, em certo ponto, a empresa para detenninar um pagamento razoável das
separou-se do empresário, em decorrência dívidas.40 Lembrando que no Projeto de lei
da sua relevância social no contexto do de­ nº 4.376/93 há também dispositivo sobre um
senvolvimento econômico. Reforçando o plano de recuperação da empresa.
que já foi exposto o Projeto de lei nº De sorte que esta atividade econômi­
4.376/93, que regula sobre a recuperação e ca, exercida mediante uma remuneração e
liquidação judicial de empresas, estabelece de forma independente - a empresa - há de
em seu art. 42, como um dos meios de recu­ ser preservada, conforme colocação da Pro­
peração da empresa a substituição total ou fessora Dora Berger,41 trabalho que tive
parcial dos administradores. Conforme ob­ oportunidade de participar, que passo a
servação do Professor José Gabriel Assis de transcrever:
Almeida: 39 "O intuito é claro: permitir que "Da ineficiência de regras legais so­
aquele conjunto ou entidade que vinha exer­ bre falências e concordatas resultam prejuí­
cendo uma atividade econômica continue a zos não fáceis de serem quantificados. A
fazê-lo, sob a direção de outras pessoas, tal­ razão está em que a empresa tem uma fun­
vez mais diligentes ou mais hábeis." ção econômico-social, isto é, possibilita aos
Ainda quanto à recuperação da em­ empregados e respectivas famílias, através
presa em dificuldades financeiras a mesma de salários, uma vida equilibrada ou con­
preocupação tem o Direito Alemão. A fortável. A empresa traz benefícios não só
Jnsolvenzordnung (InsO)- Lei de Insolvên­ para o Estado mas também para toda a cole­
cia alemã de 5.10.94, em vigência em 1.1.99 tividade, tirando das ruas desempregados,
- traz em seu corpo mecanismos para a recu­ aumentando a arrecadação dos cofres pú­
peração das empresas. Em seus objetivos blicos. De forma que a falência é motivo de
percebemos a importância que o legislador reflexão e não de indiferença por parte do
alemão dá à empresa: ser humano."
"§ 1° Objetivos do processo de insol­ Por isso entendemos que, não impor­
vência tando a forma pela qual a empresa se apre­
O processo de insolvência tem por ob­ sente, este agente econômico deve ser
jetivo satisfazer coletivamente os credores preservado, bem como seu capital social, já
de um devedor mediante à realização do pa­ que é indispensável para o desempenho da
trimônio e o rateio do produto resultante atividade econômica. No entanto, a aplica­
e/ou mediante a um plano de insolvência, ção do princípio da intangibilidade não deve
cujo conteúdo pode divergir das regras desta ser levada aos extremos, pois há limitações
lei, especialmente visando à manutenção da a sua aplicação, as quais passaremos a expor
empresa. Ao devedor honesto será concedi- no item seguinte.

38 Assim dispõe o art. 5º, LICC: "na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às ne-
cessidades do bem comum".
39 Op. cit. p. 225.
40 Cf. § 305, 1,4 da Insolvenzordnung de l 994.
41 Dora Berger, A insolvência no Brasil e na Alemanha, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris, 200 I, pp. 2 l-22.
174 REVISTA FORENSE-VOL. 363

3. LIMFAÇÕES À APLICAÇÃO DO do capital social e, se no prazo de 120 dias, a


PRINCIPIO DA INTANGIBILIDADE contar da data da publicação da ata da
Assembléia, não houverem sido compradas
Como dito anteriormente, a aplicação as ações. No caso do art. 107, § 4º, é quando
do princípio não é imperiosa em todos os ca­ a empresa não consegue receber do acionis­
sos concernentes às sociedades, havendo si­ ta remisso as quantias referentes a suas
tuações em que esta aplicação se restringirá. ações, deverá pô-las à venda e, após um ano,
Temos as hipóteses da redução do capital não sendo encontrado comprador, deverá
social, a penhora de quotas ou ações, bem reduzir o capital social ao valor das ações
como a liquidação da sociedade. Tais hipó­ caídas em comisso.
teses passaremos a expor. Os casos de redução facultativa estão
arrolados no art. 173, que são: a) havendo
3.1. Redução do capital social perdas até o montante dos prejuízos acumu­
lados; e b) se a Assembléia Geral julgar o
Uma das limitações à aplicação ao capital excessivo para o desempenho da ati­
princípio da intangibilidade é a redução de vidade.
capital. Tal redução é necessária quando: a) o
capital é excessivo para o desempenho da ati­ 3.1.2. Métodos de se obter a redução
vidade empresarial, acarretando gastos des­
necessários à empresa, em conseqüência do Qualquer redução no capital deve es­
valor do capital; b) para equilibrar o real va­ tar cercada de cautelas. No âmbito das soci­
lor das ações na cotação da bolsa de valores edades por ações temos alguns métodos
mobiliários, isto é, tomá-las novamente equi­ para realizarmos a redução.
valentes ao patrimônio real da empresa; bem O primeiro método é a redução do va­
como c) evitar a liquidação ou falência42 • lor nominal das ações, não se alterando o
Já houve entendimento no Brasil, número de ações, que pode ocorrer das se­
ainda na vigência do Decreto nº 434/91, guintes formas: a) no caso de capital exces­
que por este não prever a redução, mencio­ sivo, restitui-se a parte desejada das ações
nando apenas o aumento de capital, de que integralizadas aos acionistas; b) desobri­
tal redução não seria possível, pois tal me­ gam-se os acionistas de integralizarem o va­
dida acarretaria redução da garantia dos lor restante às ações e estas passarão a ter o
credores. No entanto, quando a lei não pro­ valor nominal igual ao valor já integraliza­
íbe algum ato, não há impedimento, sendo do; e c) havendo perda de capital, subtrai-se
plenamente possível à época. Então, entrou o valor das perdas, proporcionalmente, do
em vigor o Decreto-Lei nº 2.627/40, que valor nominal das ações, demonstrando as­
trouxe em seus arts. 114 e 115, regras espe­ sim seu real valor econômico.
cíficas sobre a redução do capital. Nossa lei O segundo é com a redução propor­
acionária, Lei nº 6.404/76, traz aquelas re­ cional do número de ações, sem redução do
gras em seu art. 173. seu valor nominal.
E o terceiro método é o resgate de
3.1.1. Tipos de redução de capital ações, até o valor almejado.

A redução de capital poderá ser obri­ 3.1.3. Oposição dos credores à redução de
gatória ou facultativa. capital
Os casos de redução obrigatória de
capital social estão previstos nos arts. 45, § Podem os credores da sociedade se
6º, e 107, da lei acionária. O art. 45 trata da oporem à redução de capital na forma do
hipótese de reembolso a um sócio dissiden­ art. 174, da lei acionária. Aqui o princípio
te, quando a empresa não dispõe de reservas da intangibilidade reveste os credores de
suficientes e a operação se dá em prejuízo poderes de intervenção sobre as delibera--

42 Nesse sentido: Mendonça, 1963, pp. 402-403.


DOUTRINA 175

ções da empresa. Poderão os credores opo­ 3.2. Penhora de quotas


rem-se à redução de capital, no prazo de 60
dias43, a contar da publicação da ata da Assunto que foi debatido ao longo de
Assembléia que deliberar sobre o assunto, muitos anos, e ainda hoje, nos tribunais e
desde que tiverem títulos com data anterior pela doutrina é a questão da penhorabilidade
àquela publicação. Tal oposição somente das quotas da sociedade limitada. Aqueles
poderá ocorrer nos casos de redução facul­ que ainda hoje são contrários à penhora de
tativa ou voluntária, já analisados acima. quotas baseiam-se no disposto no art. 292,
Devido à impossibilidade de oposição dos Código Comercial, que diz que apenas os
credores no caso de redução compulsória, o fundos líquidos dos sócios serão alvo de
que lhes resta fazer, no nosso entender é a execução. No entanto, na lista dos bens que
espera passiva de uma futura falência ou li­ estão sujeitos à execução de que trata o art.
quidação. 655, CPC, constam os direitos do devedor.
Ora, o que são as participações sociais senão
3.1.4. A redução frente à falência direitos dos sócios perante à sociedade?
Bem, como o art. 649, CPC, quando traz a
Seria uma ofensa ao princípio da in­ lista dos bens impenhoráveis, não faz men­
tangibilidade do capital se não houvesse ção às quotas sociais, diferentemente do có­
proteção aos credores, quanto à redução de digo anterior - o de 1939. Ainda temos à
capital, na ocorrência posterior de falência disposição do art. 591, CPC, que consa�ra
ou liquidação da empresa. Neste ponto con­ entre nós a responsabilidade patrimonial º.
cordamos com o Professor Carvalho de Assim sendo, conclui-se que as quo­
Mendonça44, quando afinna que "se fosse lí­ tas são suscetíveis de penhora, por constituí­
cito aos acionistas ou à sociedade lançar rem direitos do sócio perante a sociedade e,
mão do processo da redução para fugir das parte do seu patrimônio, ainda que não te­
respectivas obrigações, a redução assumiria nha t9dos os direitos inerentes ao proprietá­
o caráter fraudulento". rio. E o que se tem decidido já há algum
No processo de redução de capital de­ tempo pelos tribunais, e claramente visível
vemos sempre observar os direitos adquiri­ nesses recentes acórdãos:
dos por terceiros. A lei não impede a "A penhorabilidade das cotas perten­
redução de capital, porém o direito veda o centes ao sócio de sociedade de responsabi­
enriquecimento sem causa. Nesse caso a so­ lidade limitada, por dívida particular deste,
ciedade se beneficiaria - isentando-se do porque não vedada em lei, é de ser reconhe­
pagamento das obrigações, com a redução cida, com sustentação, inclusive no art. 591,
do capital- em prejuízo de terceiros (credo­ CPC." (in Jurissíntese 16054799, STJ, 4ª
res). Assim, o art. 5045 , Decreto-Lei nº T., REsp. nº 147546/RS, Rei. Min. Sálvio de
7.661/45, dispõe sobre a responsabilidade Figueiredo Teixeira, DJU7.8.2000, p. 109)
dos acionistas ou sócios no caso de falência. "Civil e Processual- Locação-Ação
Mais uma vez podemos constatar a proteção de Despejo - Execução - Penhora - Socie­
à idéia de capital social, em suas funções a dade por Cotas de Respçnsabilidade Limita­
que se destina, das quais uma delas é a tutela da- Possibilidade- 1. E possível a penhora
dos direitos dos credores da sociedade, que de cotas de sociedade limitada, porquanto
têm no capital social, sua garantiam maior, prevalece o princípio de ordem pública, se­
senão a única. gundo o qual o devedor responde por suas

43 Cf. § 1º, art. 174.


44 Ob. cit., p. 407.
45 "Art. 50. Os acionistas ou sócios de responsabilidade limitada são obrigados a integralizar as ações ou cotas
que subscreveram do capital, não obstante quaisquer restrições, limitações ou condições estabelecidas nos
estatutos, ou no contato da sociedade."
46 "Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e
futuros, salvo as restrições estabelecidas cm lei."
176 REYISTA FORENSE - VOL. 363

dívidas com todos os seus bens presentes e mitação ao princípio da intangibilidade do


futuros, não sendo, por isso mesmo, de se capital, uma vez que este pode ser afetado
acolper a oponibilidade da aflectio societa­ pelas dívidas de um dos sócios.
tis. E que, ainda que o estatuto social proíba
ou restrinja a entrada de sócios estranhos 3.3. A intangibilidade do capital frente à
ao ajuste originário, é de se facultar à socie­ liquidação da empresa
dade (pessoa jurídica) remir a execução ou
o bem, ou, ainda, assegurar a ela e aos de­ Em caso de liquidação da sociedade,
mais sócios, o direito de preferência na os bens da sociedade serão repartidos entre
aquisição a tanto por tanto. 2. Recurso co­ os sócios ou acionistas, na proporção de
nhecido, mas improvido." (in Jurissíntese suas participações sociais, após o pagamen­
16054658, STJ, 6ª T. REsp. nº 201181/SP to das dívidas da sociedade. Aqui, logica­
(199900045181 ), Rel. Min. Fernando Gon­ mente, não há o que se falar em preservação
çalves, DJU 2.5.2000, p. 189) do capital social, uma vez que a liquidação
Desta forma, quando falamos em pe­ da sociedade é o meio pelo qual se extingue
nhorabilidade das quotas sociais, não dize­ a sociedade. Uma pessoa morta não tem
mos que tal penhora acarretará a entrada na bens, mas deixa herdeiros - se é que nos é
sociedade do adquirente por adjudicação ou pennitido essa comparação - que no caso da
arrematação das quotas, até mesmo pelo empresa, são os sócios ou acionistas e cre­
disposto no art. 1.363, CC47• Deve-se respei­ dores de toda a sorte (empresariais, tributá­
tar a aflectio societatis, isto é, para que o ad­ rios, trabalhistas etc.).
judicatário adquira o status de sócio, deve
este ser aceito pela sociedade. Em caso con­ 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
trário o adjudicatário ou arrematante das
quotas poderá requerer da empresa, o valor Diante da pesquisa realizada para a
correspondente às quotas, agora, a ele ine­ elaboração deste trabalho, concluímos que o
rentes. princípio da intangibilidade do capital soci­
Eis aqui a questão. Somente em as al é, como dito anteriormente, essencial para
quotas, parte integrante do capital social, te­ o desempenho da atividade econômica, uma
rem sido penhoradas já está restringida a vez que visa proteger a integridade do capi­
aplicação do princípio da intangibilidade. tal, resguardando os interesses dos credores
Mais restrito ainda, e aqui o que principal­ e gerando a estabilidade dos negócios jurídi­
mente nos interessa, é quando o art. 651, cos e, conseqüentemente, da economia.
CPC, estabelece que antes da arrematação Pela análise dos dispositivos legais,
ou adjudicação dos bens, pode o executado decisões dos tribunais e posicionamentos
remir a execução. Pode o sócio executado doutrinários a respeito da matéria, percebe­
remir a execução a qualquer momento, para mos a importância da tutela do capital social.
que se preserve o patrimônio da sociedade. No entanto, há falhas, lacunas legais,
No entanto, poderá também, qualquer dos que deixam, em certos casos, o capital soci­
sócios ou até mesmo a sociedade, para im­ al desprotegido, sendo alvo fácil de acio­
pedir que um estranho adquira parte do pa­ nistas e sócios que, movidos pela má-fé e
trimônio da sociedade, remir a execução48. pela vontade natural do homem de enrique­
E aqui pode também haver a redução do ca­ cer, utilizando-se dessas brechas do siste­
pital social. ma legal que gira em torno das empresas,
Destarte, diante das razões apresenta­ aumentam seu patrimônio em prejuízo ao
das, a penhora de quotas representa uma li- patrimônio da empresa.

47 "Art. 1.363. Celebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar seus esfor­
ços ou recursos, para lograr fins comuns."
48 No mesmo sentido Nelson Abrão, Sociedade por quotas de responsabilidade limitada, 6" cd. São Paulo,
RT, 1998. p. 105.
DOUTRINA 177

Diante disto, devemos levar em con­ indispensável para o exercício da ativida­


sideração não a noção de fundo de comér­ de econômica e, por isso, deve ser preser­
cio, ou estabelecimento, ou comerciante, vado.
mas a noção jurídica de empresa, que é a Assim, é dever da doutrina fazer a
atividade econômica exercida mediante construção teórica necessária para a elabo­
remuneração e de forma independente, ração de leis que preencham aquelas lacu­
bem como a de capital social, não apenas nas, bem como a mudança de pensamento
pertencente ao fundo de comércio, ou da jurisprudencial para a adequação do siste­
sociedade, mas o capital social é elemento ma, em prol da proteção do capital social.

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