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REVISTA
FORENSE
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDA DORES
Mendes Pimentel
Estêvão Pinto
/
f
O princípio da intangibilidade do capital social
superior ao valor nominal das ações, que deve ser feita tanto quando se trata de
este representa o capital social real. Na anti sociedades de responsabilidade restrita (so
ga concepção, no caso em pauta, o valor ciedades por quotas e sociedades por ações),
pago pelo subscritor seria integralizado, au quanto de sociedades de responsabilidade
mentando o capital social. No entanto, não é irrestrita. Destarte, o capital social desem
o que retiramos da análise do art. 200 da Lei penha uma função essencial para a atividade
das S/A, pois aquele valor a mais, resultante econômica, dando estabilidade às relações
do ágio nas ações se constitui em reservas de que a cercam, por isso deve ser tutelado.
capital, podendo ser utilizados para absor Criou-se então, com a finalidade de
ção de prejuízos que ultrapassarem os lucros proteger o capital social, o princípio da in
acumulados e as reservas de lucros, para o tangibilidade do capital social, para assegu
resgate, reembolso ou compra de ações, rar a estabilidade das relações jurídicas.
para o resgate de partes beneficiárias, paga Mas o que vem a ser este princípio?
mento de dividendo a ações preferenciais e, Qual seu conceito? O princípio da intangibi
inclusive, para a incorporação ao capital so lidade do capital social é um conjunto de cri
cial. térios objetivos e subjetivos que tem por
Sendo assim, o capital social repre razão precípua a garantia de que aquele va
senta a cifra numérica constante no contrato lor numérico constante no contrato social ou
social, estatuto ou suas alterações, que os estatuto - isto é, o capital social - não será
sócios ou acionistas vinculam ao objeto da reduzido, ou dissociado da realidade patri
atividade econômica que a empresa exerce. monial da sociedade, sem um justo motivo.
Portanto, devemos aqui fazer uma Tal princípio é composto por critérios
distinção entre o conceito de patrimônio e objetivos, porque o legislador prevê uma sé
capital social. Como já foi dito, o capital so rie de situações que, pela simples leitura dos
cial é uma cifra numérica constante no con dispositivos legais, vemos sua intenção de
trato social ou estatuto, que é vinculada ao preservar o capital.
objeto social. Cifra numérica corresponde a Também é composto por critérios
conceito contábil, o qual será demonstrado subjetivos, pois mesmo não havendo previ
nos balanços da empresa. são legal, deve o operador do direito anali
Já patrimônio social é produto compos sar cada caso concreto se há ou não lesão
to pelo complexo de todos os bens, de qual injustificada ao capital, ou prejuízo a quem
quer natureza, de posse e/ou propriedade da de direito.
empresa. Para melhor esclarecimento ilustre
mos uma situação: uma dada sociedade com 1.1. Capital como patrimônio da empresa
capital de R$ 100.000, no ano de 2000 teve
um lucro estimado em R$ 30.000. Após en Muitas vezes alguns sócios confundem
cerrado o balanço, verificou-se que a socieda seu patrimônio pessoal com o patrimônio da
de tinha um patrimônio de R$ 130.000 e seu empresa. Quando ocorre a integralização dos
capital social pe1maneceu igual - R$ 100.000. bens do sócio ou acionista ao capital social,
Quer dizer, o capital permanece o mesmo a ocorre a transferência da propriedade do só
não ser que haja uma alteração no contrato so cio para a empresa. O que resta ao sócio ou
cial ou estatuto, arnnentando ou diminuin acionista é um direito perante a sociedade,
do-o, não obstante seu patrimônio haja pois o capital social é um fundo patrimonial
arnnentado ou diminuído. posto em comum, para uma detenninada
O capital social é, portanto, um refe atividade econômica, que somente poderá
rencial para os credores, que após a análise ser desafetado em caso1 de liquidação ou re
do valor do capital da sociedade estimarão dução do capital social , casos que serão tra
se esta tem condições ou não de assumir as tados oportunamente. Destarte, não pode
obrigações que se propõem. Tal valoração um dos sócios utilizar-se dos direitos ine-
dade econômica (objeto social), os fundos chamado ultra vires societatis -, pois o capi
desta sociedade não podem ser empregados tal subscrito pelos sócios se vincula e passa a
a outros tipos de investimento e atividade correr os riscos de uma determinada ativida
estranhos àquele objeto social. de ou atividades. Assim, tem-se a garantia da
O legislador, usando de grande pru limitação das atitudes dos administradores,
dência para a proteção do capital social, de que não podem comprometer o capital da so
fine que no ato da constituição da sociedade ciedade à atividade estranha ao objeto social,
deve ser estipulado com precisão qual será o sob pena de responder pelos danos causados.
objeto da sociedade. Para uma melhor com Se isso fosse aceitável estaríamos colocando
preensão do objeto social e sua relação com em risco o capital por uma atividade pela
o princípio em pauta passamos a transcrever qual ele não foi constituído.
os dispositivos legais. Assim preceitua o No entanto não se caracteriza o desvio
Código Civil: de função o desempenho de atividades que
"Art. 1.363. Celebram contrato de so são complementares àquela principal, ou es
ciedade as pessoas que mutuamente se obri sencial da sociedade. Acompanhando o en
gam a combinar seus esforços ou recursos, tendimento de Navarrini5 e pelo que se
para lograr fins comuns." (g.n.) compreende do art. 2º, Lei nº 6.404/76, que
Esses fins comuns aos quais o código repete o texto do art. 2º do Decreto-Lei nº
se refere são o objeto social. Percebemos 2.627/40, o objeto social é a empresa, isto é,
aqui que a noção de objeto social está ligada o complexo de atos e atividades que tem por
à própria definição de sociedade, pois para finalidade última o alcance da atividade es
que exista sociedade não basta que haja duas sencial da sociedade, qual seja, o que está
ou mais pessoas, nem patrimônio comum. descrito no contrato ou estatuto.
Na existência apenas desses dois elementos o Se, mesmo que as atividades ditas ins
que surge é simplesmente um condomínio. trumentais6 , isto é, atividades e atos que es
Mas também, juntamente com esses dois re tão implícitos, possam variar, mas com o
quisitos, um terceiro: o objeto social, ou na objetivo de se chegar àquela atividade fim e
linguagem do Código Civil "fins comuns". logram êxito, não há o que se falar em des
Da mesma forma o Código Comercial vio do objeto social e, por isso, o princípio
ao estabelecer os requisitos do contato social, da intangibilidade do capital está portanto
em seu art. 302, nº 4, diz que deve haver a de preservado.
signação específica do objeto da sociedade.
E, por último, o art. 2°, Lei nº 6.404/76 2.2. Fundos de reserva
diz que "Pode ser objeto da companhia qual
quer empresa de fim lucrativo, não contrário O fundo de reserva7 é o instrumento
à lei, à ordem pública e aos bons costumes". hábil a proteger o capital social de eventos
Na verdade o que se quer proteger, previstos e imprevistos que possam, sem
principalmente, é o capital social, de acordo aquele, afetar sensivelmente o patrimônio
com o princípio da intangibilidade, da pos social.
sibilidade de um desvio do objeto social A legislação brasileira, ao passar dos
pelo qual a sociedade foi constituída - o anos, vem evoluindo, no sentido de cada vez
5 "O objetivo da sociedade, cm sentido menos lato, pode ser compreendido menos pelas simples operações,
que ela se propõe a executar, do que pela sua resultante, pelo seu complexo, quando tal resultante não mude
substancialmente, embora possam variar os elementos que a constituem e a qualidade dos meios emprega
dos para lá chegar, a menos que nestes se baseie a vontade decidida dos sócios, é lógico que não se pode di
zer que se trate de mudança de objetivo(...)."(U. Navarrini, Das sociedade e das associações comerciais,
V. Borgcrth Lochncfinkc- trad. -, vol. 2, 1950, p. 330, apud, Wilson de Souza Campos Batalha, Socieda
des anônimas e mercado de capitais, vol. 1, Rio de Janeiro, Forense, 1977, p. 72)
6 Cf. Waldirio Bulgarclli, O novo direito empresarial, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 330.
7 "O fundo de reserva destina-se a amparar os prejuízos sofridos pelo capital social, reforçando a garantia dos
credores e dos sócios; ampara os acontecimentos imprevistos e tende a resistir aos abalos provenientes do
infortúnio, mantendo a integridade do capital social."(Carvalho de Mendonça, vol. 3, 1963, p. 387)
DOUTRINA 165
mais dar um tratamento mais adequado ao valor nominal, que ultrapassar a importân
instituto. Conclusão que se tira, quando da cia destinada à formação do capital social,
análise histórica da legislação sobre as S/A. inclusive nos casos de conversão em ações
O Decreto nº 434, em seu art. 98, alínea 2ª, e de debêntures ou partes beneficiárias; b) o
do art. 42 do Decreto nº 8.821, que tratavam produto da alienação de partes beneficiárias
da matéria das companhias, quando trata e bônus de subscrição; c) o prêmio recebido
vam sobre o fundo de reserva, continham na emissão de debêntures; e d) as doações e
em seus textos "quando porventura instituí as subvenções para investimento.
do". Daí a conclusão de que, à época, a As reservas de capital somente pode
constituição de fundos de reserva era facul rão ser utilizadas nos casos previstos no art.
tativa. A regra geral era essa, mas havia ex 200, que são: "I - absorção de prejuízos que
ceções, a saber: as sociedades de se�uros ultrapassarem os lucros acumulados e as re
terrestres e marítimos8, as cooperativas e as servas de lucros; II - resgate, reembolso ou
sociedades de capitalização w, que tinham o compra de ações; III - resgate de partes be
fundo de reserva obrigatório, estabelecido neficiárias; IV - incorporação ao capital so
pela legislação da época. Posterionnente, o cial; V - pagamento de dividendo a ações
fundo de reserva tornou-se obrigatório com preferenciais, quando essa vantagem lhes
a promulgação do Decreto-Lei nº 2.627, de for assegurada."
26.9.40, em seu art. 130, cessando essa obri Temos, também, as reservas estatutá
gatoriedade quando esse fundo atingisse o rias, que serão criadas pela sociedade por
limite de 20% do capital da empresa. sua livre vontade, desde de que respeitados
Passados esses dados históricos rele os requisito do art. 194. Sem falar em outros
vantes, passemos à análise da legislação tipos de reservas, previstos na referida lei,
atual, que é a Lei nº 6.404/76. Pela lei socie que não trataremos, por não serem alvo do
tária existe a reserva legal, estabelecida no
art. 193, que será constituída, obrigatoria presente trabalho.
mente, de 5% sobre o lucro líquido da em O importante é identificarmos que a
presa e não ultrapassando ao limite de 20% razão da existência dos fundos de reserva nas
do capital social, salvo a hipótese do § 1º, do sociedades é exatamente preservar o capital
mesmo artigo, quando a soma entre a reser social de infortúnios, garantindo, assim, os
va legal e as reservas de capital chegarem ao direitos dos credores e dos acionistas.
equivalente a 30% do capital social - quan A priori poderíamos pensar que a
do não será necessário o recolhimento da re constituição do fundo de reserva é somente
serva legal. Essa reserva legal somente inerente às sociedades anônimas. Todavia,
poderá ser utilizada para a compensação de se analisarmos o disposto no art. 18 13 do De
º
prejuízos ou para o aumento de capital 1 1• creto n 3.708/19 - Lei das sociedades por
As reservas de capitat 2 , serão consti quotas de responsabilidade limitada - con
tuídas de: a) a contribuição do subscritor de cluímos que, pela aplicação subsidiária dos
ações que ultrapassar o valor nominal e a dispositivos da lei acionária às sociedades
parte do preço de emissão das ações, sem por quotas, a criação de fundo de reserva (a
8 Arts. 2º , II, e 6º, Dec. nº 5.072, de 12.12. I 903; e, posterionnente, nos arts. 57, 58 e 93, Dec.-Lci nº 2.063, de
7.3.40. O art. 6º, Dcc. nº 5.072/1903 dispunha da seguinte forma: "Sempre que dos relatórios, balanços e
mais documentos publicados e enviados à Inspetoria de Seguros se verificar que estão desfalcados o capital
e as reservas de uma companhia, necessários à garantia de suas operações, o Ministro da Fazenda mandará
notificar à mesma companhia para, sob pena de ser cassada a autorização para funcionar, integralizar uma e
outras no prazo que fixará."
9 Lei nº 1.637, de 5.1.1907, arts. 14, nº 8, e 15, nº 2.
10 Dcc. nº 22.456, de 10.2.33, arts. 39 e 42.
11 Cf. § 2º , art. 193, Lei nº 6.404/76.
12 Cf. § 1 º, art. 182.
13 "Art. 18. Serão observadas quanto às sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, no que não for
regulado no estatuto social, e na parte aplicável, as disposições da Lei das Sociedades Anônimas."
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I9 Neste sentido diz o autor português: "(... ) os sócios são detentores de participações que, sendo bens a se
stante, podem ser autonomamente transacionadas, e têm um valor próprio que,por sua vez,depende e é re
flexo do valor do patrimônio líquido da sociedade." (Domingues, 1998,p. 112)
20 Art. 220,nº 2, Código Comercial de Sociedades (CSC).
21 Art.317,nº 4,CSC.
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Poderá haver o reembolso sem redu doação, que sendo aqms1çao gratuita não
ção do capital, desde que haja reservas de pode causar dano ao capital. Enquanto as
lucros e reservas de capital, exceto a reserva ações, nesse caso, permanecerem em tesou
legal, suficientes para o reembolso. Nesse raria estarão suspensos os direitos ao voto e
caso as ações ficarão em tesouraria27• aos dividendos.
Haverá redução do capital, proveni Na alínea d, do referido dispositivo,
ente da operação de reembolso, se as reser reza que: "a compra quando, resolvida a re
vas supracitadas não forem suficientes para dução do capital social mediante restituição,
a operação e, por isso, for utilizado o capital em dinheiro, de parte do valor das ações, o
social e, dentro de 120 dias, contados da pu preço destas em bolsa for inferior ou igual à
blicação da ata da assembléia, não forem importância que deve ser restituída". Esse
substituídos os acionistas. Isto é, se não hou caso ocorre, geralmente, quando é constata
ver a alienação daquelas ações. Nessa hipó do que o capital social é excessivo para a ati
tese, os órgãos da administração deverão vidade econômica. Nesse caso, as ações,
convocar a Assembléia Geral, no prazo de após adquiridas, serão definitivamente reti
cinco dias, para comunicar a redução com radas de mercado.
pulsória do capital socia/28• Outro dispositi Vemos também outra situação de
vo da lei acionária que procura preservar a �quisição das próprias participações sociais.
integridade do capital social. E o caso das SQRL, que no art. 8º, Decreto
º
3. Ocorre a amortização quando é fei n 3.708/19, autoriza a aquisição pela socie
ta a distribuição de bens aos acionistas, a tí dade de quotas próprias, movida pela vonta
tulo da antecipação e sem redução do capital de dos sócios ou no caso de exclusão de
social, de quantias que lhes poderiam tocar sócio remisso, desde que não seja tocado o
em caso de liquidação da companhia, po capital social, para a operação.
dendo ser esta amortização integral ou par Vimos aqui várias possibilidades que
cial. O importante aqui é observarmos que o legislador disponibilizou para as socieda
na amortização nunca poderá ser tocado o des quanto à aquisição de ações ou quotas
próprias. No entanto, não vemos isso com
valor do capital social, em conformidade bons olhos e a razão é simples: o capital so
com o princípio da intangibilidade. cial deve ser protegido acima de tudo, de
Na alínea b do§ 1 º, art. 30, da lei acio vendo ser tocado em último caso. Sendo o
nária, a aquisição de ações para permanên capital social uma garantia para os credores
cia em tesouraria ou cancelamento, desde e mesmo para os sócios ou acionistas, tal pa
que até o valor do saldo dos lucros ou reser trimônio não estará tão protegido se for in
vas, exceto a legal, e sem diminuição do ca vestido em si mesmo, haja vista, como
pital social ou por doação. Aqui temos mais analisada acima, a constante variação do va
uma vez a manifestação do princípio da in lor das ações ou quotas.
tangibilidade do capital social, quando o le
gislador coloca como condição para a 2.5. Participação recíproca
aquisição das ações que sejam até o limite
das reservas de capital, exceto a legal que é A regra geral é a proibição da partici
destinada apenas para cobrir prejuízos e au pação recíproca entre a companhia e suas co
mentar o capital, efetivamente, garantindo a ligadas ou controladas, conforme o disposto
integridade do capital. Também quando diz no art. 244, da lei acionária. Imaginemos a
"sem diminuição do capital". E no caso de seguinte hipótese de grupo econômico:
A B
51%(E)
20%(D)
1 1
1
D
1
e E
1
98%(A) 80%(A) 97%(B)
2%(B) 20%(B) 3%(A)
possui, mesmo porque muitos são os interes ção de pelo menos metade do capital. Ora, o
ses tutelados em volta da transparência do ca capital daquele que vai ainda subscrever
pital, tais como os interesses dos subscritores com bens não foi incorporado ao capital da
que contribuem com dinheiro ou acionistas; empresa, não podendo ser já contado como
os credores da sociedade, que têm no capital tal. A questão da votação é que haverá um
sua garantia primária; os investidores, que conflito de interesses, pois, é claro que o
subscreverão ações, contando com aquele subscritor votaria a seu favor, melhor dizen
capital social; bem como o próprio interesse do, de acordo com seus interesses. O laudo
público que rodeia a sociedade, como polari pericial deverá conter os critérios e métodos
zadora da economia, exerce grande função de avaliação, a descrição ponnenorizada
social, distribuindo riquezas, gerando empre dos bens e terá somente um limite: não po
gos, pagando impostos etc., pois a empresa derá atribuir ao bem valor superior ao atri
deve permanecer em atividade e, para isso, é buído pelo subscritor. A Assembléia tem o
essencial que continue sempre preservando poder de aprovar ou não o laudo pericial,
seu capital social. não podendo arbitrar valor diferente do da
A avaliação dos bens deve se dar avaliação, nem maior nem menor31 .
quando da constituição da empresa, aumen Ainda para proteger a integridade do
to do seu capital, incorporação e fusão. A capital a lei acionária prevê a responsabili
subscrição do capital pode ser pública ou dade civil e penaI32 do subscritor e dos avali
particular. Quando pública o prospecto de adores, pelos danos causados aos acionistas,
verá conter a parte do capital a ser subscrito subscritores bem como aos terceiros.
com bens, sua descrição completa e o valor Quanto à formação do capital social,
atribuído a estes29 • De posse desse valor, se temos a hipótese de aumento de capital so
verificará o quorum necessário para a insta cial quando não houver uma total integrali
lação da Assembléia que nomeará os peritos zação do capital subscrito. O art. 170,
e, posteriormente, aprovará os laudos de caput, Lei nº 6.404/76, autoriza o aumento
avaliação. Sendo a subscrição particular, se de capital por subscrição pública ou particu
rão nomeados peritos pela Assembléia para lar de ações, após a realização de, no míni
a avaliação do capital. mo, ¾ (três quartos) do capital. Isso se
A avaliação deverá ser feita por três justifica porque a empresa não pode ser im
peritos ou empresa especializada, que serão pedida de crescer por culpa de um ou alguns
nomeados pela Assembléia Geral de subs acionistas remissos. No entanto, deve ser
critores ou acionistas. Tais peritos deverão observado o disposto no art. 107, § 4°, da lei
ser pessoas idôneas com experiência ade acionária. Na hipótese de a empresa não
quada para tal avaliação, bem como deverão conseguir receber o valor a realizar das
ser pessoas que não tenham interesses ou li ações subscritas por esses acionistas, a redu
gação com os subscritores, para que se evite ção compulsória do capital social - situação
fraude. a ser analisada mais à frente. Essa regra ain
Na Assembléia que nomear os peri da sim preserva o capital social, quando li
tos, em primeira convocação, deverá conter mita a hipótese de aumento de capital
o quorum de pelo menos a metade dos subs somente quando 75% já foi integralizado.
critores do capital, não podendo ser contado No entanto, não julgamos ser pruden
o capital do subscritor'º de bens nem este te este tipo de aumento de capital por achar
votar, por uma questão de lógica. que criar-se-ia uma situação ilusória, com o
Quanto à representação do capital, o aumento de capital, sem que a fase anterior
que o legislador pretendeu foi a representa- de subscrição tenha sido totalmente concluí-
da. Na verdade, o que deve ser feito é a ven No mesmo sentido é o conceito de
da das ações ainda não integralizadas para empresa dada pela Lei nº 8.078/90, conheci
os novos subscritores, estes as integralizan da como Código de Defesa do Consumi
do no ato, e, posterionnente, o aumento do dor36, que também enfatiza que é fornece
capital com a subscrição das novas ações. dor, isto é, empresa qualquer ente que exer
Assim o capital social não necessitaria de ça atividade econômica-colocando bens ou
redução compulsória e estar-se-ia protegen serviços no mercado de consumo - não im
do o capital social da sociedade. portando sua forma ou natureza.
Fazendo uma análise sobre o atual tra
2.7. A noção jurídica de empresa tamento da empresa no Direito Falimentar,
notamos com clareza que a empresa não é
Entendemos, também, de extrema im mais um meio pelo qual o comerciante exer
portância a compreensão da noção jurídica ce a mercancia e gera riquezas para si, mas
de empresa no contexto da intangibilidade uma instituição social. Tal conclusão pode
do capital social. Mas, para tanto, devemos mos tirar da leitura do texto constitucional
nos desprender dos conceitos tradicionais em seu art. 170, caput, e seus incisos. Se a
aos quais, muitas vezes, estamos arraigados ordem econômica está fundada na valoriza
para não cometermos alguns equívocos. ção do trabalho e tem como princípios: a
Em nosso ordenamento jurídico, per função social da propriedade (III); a redução
cebemos diversas manifestações de empresa. das desigualdades regionais e sociais (VII);
No Direito da Concorrência, v.g., o art. 15, e a busca do pleno emprego (VIII); é eviden
Lei nº 8.884/94 fornece-nos uma definição te que a empresa não é apenas um instru
de empresa,33 que é uma entidade que exerce mento de uso pessoal do empresário, mas
atividade econômica em sentido amplo,34 deve ser analisada sob o ponto de vista insti
aqui compreendendo a prestação de serviços tucional.
públicos e as demais atividades econômicas Por isso toma-se relevante a análise
(atividade econômica em sentido estrito). da noção jurídica da empresa, pois se conti
Bem como pela leitura do art. 20 do mesmo nuarmos a tratar a empresa com os conceitos
diploma legal compreendemos que qualquer e institutos tradicionais poderemos cometer
que seja a forma, qualquer que seja a nature heresias jurídicas.
za do agente, sendo este capaz de produzir Julgamos importantes as palavras de
efeitos anti-concorrenciais é considerado Amador Paes de Almeida37 sobre o tema:
uma empresa. Nesse caso, diante de um gru "Tendo a empresa como pólo central
po de empresas que atuam no mercado, de da atividade empresarial, a atual legislação
forma que uma contribui para o desempenho falimentar há de ser interpretada não em sua
da outra, buscando um objetivo comum literalidade, mas em consonância com a
"apesar de diversas formas jurídicas, há uma nova realidade socioeconômica que busca,
única entidade econômica, e, mais uma vez, a antes de tudo, a preservação da comunidade
atividade prima sobre a forma".35 produtiva."
33 Assim dispõe o art. 15, Lei nº 8.884/94: "Esta Lei aplica-se às pessoas tisicas ou jurídicas de direito público
ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito,
ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime
de monopólio legal."
34 Na nomenclatura utilizada pelo Professor Eros Roberto Grau cm A Ordem econômica na constituição de
1988, 6ª ed., São Paulo, Malheiros, 2001, pp. 133 e ss.
35 José Gabriel Assis de Almeida, "A noção jurídica de empresa", /11 Revista de informação legislativa, ano
36, nº 143,jul./set. 1999, Brasília, p. 220.
36 O art. 3º, CDC, assim dispõe: "Fornecedor é toda pessoa tisica oujurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem,
criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos
ou prestação de serviços."
37 "A natureza institucional da empresa", ln Revista literária de direito, ano II, nº 39, fcv./mar. 2001, p. 19.
DOUTRINA 173
38 Assim dispõe o art. 5º, LICC: "na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às ne-
cessidades do bem comum".
39 Op. cit. p. 225.
40 Cf. § 305, 1,4 da Insolvenzordnung de l 994.
41 Dora Berger, A insolvência no Brasil e na Alemanha, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris, 200 I, pp. 2 l-22.
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A redução de capital poderá ser obri 3.1.3. Oposição dos credores à redução de
gatória ou facultativa. capital
Os casos de redução obrigatória de
capital social estão previstos nos arts. 45, § Podem os credores da sociedade se
6º, e 107, da lei acionária. O art. 45 trata da oporem à redução de capital na forma do
hipótese de reembolso a um sócio dissiden art. 174, da lei acionária. Aqui o princípio
te, quando a empresa não dispõe de reservas da intangibilidade reveste os credores de
suficientes e a operação se dá em prejuízo poderes de intervenção sobre as delibera--
47 "Art. 1.363. Celebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar seus esfor
ços ou recursos, para lograr fins comuns."
48 No mesmo sentido Nelson Abrão, Sociedade por quotas de responsabilidade limitada, 6" cd. São Paulo,
RT, 1998. p. 105.
DOUTRINA 177