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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

RAFAEL BECKER MARSON

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – MEDIDA PROVISÓRIA


Nº 881 DE 2019

“DISREGARD OF LEGAL PERSONALITY - PROVISIONAL MEASURE Nº 881 FROM


2019”

Campinas
2019
2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

RAFAEL BECKER MARSON

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – MEDIDA PROVISÓRIA


Nº 881 DE 2019

“DISREGARD OF LEGAL PERSONALITY - PROVISIONAL MEASURE Nº 881 FROM


2019”

Artigo elaborado como avaliação do primeiro


módulo sob orientação do professor doutor
Geraldo Fonseca.

Campinas
2019
3

RESUMO: A atividade empresarial sempre esteve diretamente ligada às sociedades


empresariais, tendo em vista que estas são as pessoas jurídicas que são compostas por um ou
mais indivíduos, como as chamadas EIRELI’s e LTDA’s, exercendo o empreendedorismo e
movimentando a roda da economia do país. Quando os sócios de determinada sociedade
praticam atos que abusam dos limites legais de proteção patrimonial, nossa legislação cível
previu a hipótese de afastamento de tal separação, para que sociedade e sócios responsam
solidariamente por suas dívidas. Contudo, muito embora o instituto visasse a proteção aos
credores, o próprio texto legal abria margens para interpretações inconsistentes a depender do
caso concreto.
Palavras-chaves: Pessoa Jurídica. Sócio. Credores. Desconsideração da Personalidade
Jurídica. Patrimônio
4

ABSTRACT: Business activity has always been directly linked to corporate entities, since these
are legal entities that are composed of one or more individuals, such as EIRELI's and LTDA's,
exercising entrepreneurship and moving the wheel of the country's economy. When the partners
of a certain company practice acts that abuse the legal limits of patrimonial protection, our civil
legislation foresaw the hypothesis of removal of such separation, for which society and partners
jointly responsible for their debts. However, although the institute aimed at protecting creditors,
the legal text itself opened margins for inconsistent interpretations depending on the specific
case.
Keywords: Legal Entitie. Associate. Creditors. Disregard of Legal Personality. Bankruptcy.
Legal Personality. Patrimony.
5

SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 6
2. INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA................................................................................................... 7
2.1. A personalidade jurídica da sociedade empresária ...................................................... 7
2.2. A desconsideração da personalidade jurídica .............................................................. 8
2.2.1. A Teoria Maior ....................................................................................................... 10
2.2.2. A Teoria Menor ...................................................................................................... 14
3. ALTERAÇÃO DO ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL PELA MEDIDA PROVISÓRIA
Nº 811 DE 2019 E SEU APRIMORAMENTO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL ......... 17
CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 21
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 21
6

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem o propósito de analisar o instituto da personalidade jurídica como


um todo, analisando-se as duas teorias que se disseminaram dentro de nosso ordenamento
jurídico, abordando suas aplicabilidades práticas e consequências aos sócios.

A desconsideração da personalidade jurídica é, e certamente sempre será, o maior algoz


de toda sociedade empresária em que os sócios temem por seu patrimônio pessoal, tendo em
vista que tal procedimento quebra todas as proteções societárias conferidas pelo Código Civil
de 2002 e obriga os integrantes da pessoa jurídica à responder solidariamente pela dívida, com
seu patrimônio pessoal.

Contudo, tal procedimento necessita que sejam obedecidos todos os requisitos legais,
além dos princípios fundamentais do contraditório e da ampla defesa, tendo em vista que a
quebra da separação patrimonial, por muitas vezes, poderá gerar o encerramento definitivo das
atividades societárias.

Porém, a previsão legal de tal responsabilização se mostra essencial, em decorrência de


inúmeros atos fraudulentos e ilegais cometidos pelos sócios, com o intuito de conferir
blindagem patrimonial, prejudicando a satisfação das obrigações perante seus credores.

Como se não bastasse, muito embora tal procedimento já encontrar respaldo legal em
nosso Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, sempre houve uma cerca “lacuna
conceitual” do que se entendia como atos fraudulentos que fossem suficientes para ensejar a
desconsideração.

Tal ausência de especificação conceitual sempre imputou aos magistrados julgadores o


dever de analisar o caso concreto e, com base na previsão legal e em sua própria convicção
baseada nas provas e fundamentos apresentados, decidir se era, ou não, o caso de afastar a
proteção patrimonial e atingir diretamente os sócios.

Essa inconsistência conceitual foi acertadamente suprida através da aprovação da


Medida Provisória nº 811 de 2019, que alterou e incluiu nova redação ao artigo 50 do Código
Civil, determinando os casos específicos em que serão consideradas fraudes praticadas.
7

2. INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA


LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
2.1.A personalidade jurídica da sociedade empresária

Dentro do ordenamento jurídico brasileiro, uma das maiores seguranças transmitidas a


todo empreendedor que deseja abrir seu próprio negócio, ou ainda ingressar em um negócio já
existente, é a chamada personalidade jurídica.

A personalidade jurídica é justamente o que confere a separação patrimonial entre sócio,


pessoa física, e empresa, pessoa jurídica, o que significa que as obrigações de um não podem
atingir o patrimônio do outro.

Tal segurança é primordial para todo e qualquer empreendedor que deseja se lançar
dentro do mercado, afinal, se toda pessoa que abrisse sua própria empresa/negócio estivesse
sobre o risco iminente de seu patrimônio pessoal ser afetado, em decorrência do insucesso da
atividade empresária, certamente haveria um fatal desestimulo ao empreendedorismo no nosso
País.

Porém, não é apenas com a simples criação da pessoa jurídica para que a separação
patrimonial já passe a vigorar de imediato. De acordo com nosso Código Civil de 2002, em
especial seus artigos 45, 985 a sociedade empresária só passará a constar com a proteção
conferida pela separação patrimonial entre sócios e sociedade após a devida inscrição da
empresa e de seus atos constitutivos perante a Junta Comercial competente, na qual
permanecerá vinculada.1

Mas não apenas isso, no ato do registro na Junta Comercial, os sócios devem se atentar
à todas as exigências legais para que o registro se efetive de maneira concreta, de forma que a
pessoa jurídica passe à gozar das devidas proteções legais, nos exatos termos do artigo 1.150
do Código Civil.2

1
PLANALTO, Lei nº 10.406/02. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm >.
Acesso em 15/05/2019.
2
PLANALTO, Lei nº 10.406/02. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm >.
Acesso em 15/05/2019.
8

Desta forma, é imperioso que os sócios se atentem em cumprir todos os requisitos legais,
administrativos e documentais, pois, caso não o façam, sua sociedade será considerada como
irregular perante o Estado e, para todos os efeitos legais, será considerada como uma sociedade
não personificada em comum, no qual não existe distinção entre o patrimônio dos sócios e da
empresa, conforme previsão expressa do artigo 986 do Código Civil.3

2.2.A desconsideração da personalidade jurídica

Inicialmente, caso uma sociedade empresária venha a constituir um estado de


inadimplência, todo e qualquer valor que venha à ser cobrado da pessoa jurídica deverá recair
exclusivamente sobre o patrimônio daquela empresa, pois, como já explanado, a separação
patrimonial entre sócios e sociedade impede que os credores atinjam os bens dos sócios para
satisfazer sua obrigação.

Dito isso, dentro de uma execução de créditos em aberto, os credores devem,


inicialmente, exaurir todo o patrimônio, seja através de ativos financeiros, seja através de bens
móveis ou imóveis, que compõem a sociedade empresária como um todo.

Realizada a busca, apreensão, penhora e levantamento de todo e qualquer bem passível


de constrição em nome da sociedade devedora, e mesmo com tal exaurimento ainda restam
créditos devidos pela sociedade empresária, a princípio, os credores se veem obrigados a arcar
com tal prejuízo.

Isso se dá exclusivamente nas hipóteses em que restar evidentemente comprovado que


o inadimplemento da pessoa jurídica se deu pelo mero insucesso da atividade empresária, ou
seja, não houve nenhuma forma de fraude ou ato ilícito cometido pelos sócios ao administrarem
a sociedade, mas sim motivos alheios à vontade dos administradores da empresa que geraram
prejuízos inesperados.

3
PLANALTO, Lei nº 10.406/02. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm >.
Acesso em 15/05/2019.
9

Tal insucesso não pode ser utilizado como pretexto para justificar a quebra da separação
patrimonial entre empresa e sócio, afinal, se assim fosse, toda a atividade empresária dentro do
nosso País restaria fatalmente desestimulada e comprometida.

E não é à toa, pois, nenhum empresário se sentiria estimulado em começar seu próprio
negócio e gerar mais empregos ao País se, no caso de seu insucesso decorrente do risco natural
da atividade, seu patrimônio pessoal fosse inteiramente atingido.

Nessa mesma linha de raciocínio, Fábio Ulhoa Coelho nos ensina:

“Claro está que muitos empreendedores poderiam ficar desmotivados em se lançar a novos e
arriscados empreendimentos se pudessem perder todo o patrimônio pessoal caso o negócio não
prosperasse. Não se pode esquecer que fatores relativamente imprevisíveis, sobre os quais os
empresários não tem o menor controle, podem simplesmente sacrificar a empresa. A motivação
jurídica se traduz pela limitação das perdas, que não devem ultrapassar as relacionadas com os
recursos já aportados na atividade. Essa será a parte do prejuízo dos sócios da sociedade
empresária falida; a parte excedente será suportada pelos credores, muitos deles empresários e
também que exercem atividade de risco. A limitação das perdas, em outros termos, é fator
essencial para a disciplina da atividade econômica”.4

Contudo, existem os casos práticos em que o credor possui provas, ou ao menos indícios,
de que os sócios da sociedade devedora praticaram ou estão praticando atos que dificultam ou
impedem o recebimento do crédito devido, abusando da personalidade jurídica para se eximir
de sua responsabilidade.

Nestes casos, o Código Civil, em seu artigo 505, e o Código de Defesa do Consumidor,
em seu artigo 286, preveem o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que é
justamente o afastamento total da proteção patrimonial uma vez conferida à sociedade

4
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 1. ed. em e-book baseada na 20. ed. impressa. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
5
PLANALTO, Lei nº 10.406/02. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm >.
Acesso em 15/05/2019.
6
PLANALTO, Lei nº 8.078/90. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm >. Acesso
em 15/05/2019.
10

empresária, ocasionando em uma responsabilização solidária e integral do débito entre empresa


e sócios.

Tais procedimentos são amplamente conhecidos por toda nossa doutrina e


jurisprudência como a Teoria Maior, trazida pelo Código Civil de 2002 e que denota um
procedimento a parte com ampla obediência à norma fundamental do contraditório e da ampla
defesa, e a Teoria Menor, trazida pelo Código de Defesa do Consumidor, que por sua vez traz
uma desconsideração muito mais agressiva ao devedor.

2.2.1. A Teoria Maior

A desconsideração da personalidade jurídica prevista no Código Civil, em seu artigo


507, é conhecida pelos doutrinadores e pela jurisprudência como a chamada “Teoria Maior”,
que aduz a tese de que para que ocorra o afastamento da personalidade jurídica e afetação direta
do patrimônio dos sócios, ou o inverso dependendo do caso, é necessário que esteja
devidamente comprovado a ocorrência de atos fraudulentos que foram cometidos
comprovadamente com o intuito de prejudicar credores.

Tanto é necessária a apuração e comprovação de tais atos, que o Código de Processo


Civil previu a necessidade de instauração de incidente próprio, através do artigo 133 e
seguintes8, que tramitará em apartado da demanda principal, para que então se analise os
argumentos daquele que requer a desconsideração, bem como permita à parte contrária o pleno
exercício do seu direito de defesa e ao contraditório.

Ao final, após toda fase instrutória que o magistrado entender cabível para a apuração
da verdade dos fatos, chegando-se à conclusão de que se houve, ou não, abuso da personalidade
jurídica, é que então se decide pelo afastamento, ou não, da separação patrimonial da empresa
envolvida.

7
PLANALTO, Lei nº 10.406/02. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm >.
Acesso em 15/05/2019.
8
PLANALTO, Lei nº 13.105/15. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13105.htm >. Acesso em 15/05/2019.
11

Não é à toa que é chamada de Teoria Maior, por justamente ser a teoria que é
majoritariamente adotada pelos Tribunais de todo País, pelo simples fato dos julgadores
compreenderem os danos e prejuízos que tal desconsideração traz tanto à pessoa jurídica,
quanto à seus sócios, sendo a última via possível, desde que devidamente constatados os atos
fraudulentos, conforme observamos abaixo:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL. DIREITO EMPRESARIAL.


SOCIEDADES DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. ABUSO DO DIREITO. DESVIO DE
FINALIDADE. INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. POSSIBILIDADE. Preliminar de nulidade rejeitada. O ato de
desconsideração da personalidade jurídica pode ser deferido sem a prévia oitiva da pessoa
jurídica e dos seus sócios, mormente em razão da vertente cautelar de preservar eventual
patrimônio capaz de satisfazer o crédito pleiteado. Exercício do contraditório e ampla defesa
realizado através dos recursos cabíveis. Precedentes do STJ e TJ/RJ. Inclusão da sociedade
primeira agravante e seus sócios, segundo e terceiro agravantes, no polo passivo da execução.
Aplicação do art. 50, do Código Civil. Teoria Maior da Desconsideração da personalidade
jurídica. Pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da devedora. Prova de desvio
de finalidade e abuso do direito, além da insuficiência de recursos da devedora. Sociedades que
atuam sob unidade gerencial, patrimonial e laboral, sendo a existência de pessoas jurídicas
distintas meramente formal. Precedentes do STJ e TJ/RJ. Manutenção da decisão.
Desprovimento do recurso.” (TJRJ, 2011, on-line)9

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE


JURÍDICA. TEORIA MAIOR. REQUISITOS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO.
RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica adotada pelo Código Civil só é possível mediante a configuração de desvio de
finalidade (teoria maior subjetiva), ou confusão patrimonial entre a empresa e seus sócios
(teoria maior objetiva). 2. A inexistência de bens para adimplemento das dívidas e a alegação
de encerramento das atividades empresariais não se apresentam, por si só, suficientes para
ensejar o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica, que requer a demonstração

9
TJRJ. AGRAVO DE INSTRUMENTO : AI 0059264-94.2010.8.19.0000. Relator: Teresa Castro Neves. DJ:
10/05/2011. JusBrasil, 2011. Disponível em: < https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19218797/agravo-de-
instrumento-ai-592649420108190000-rj-0059264-9420108190000?ref=serp >. Acesso em 15/05/2019.
12

de abuso da personalidade jurídica com a finalidade de causar lesão a terceiros e/ou confusão
entre os bens da empresa e sócios.” (TJMG, 2013, on-line)10

“AGRAVO DE PETIÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE


JURÍDICA. TEORIA MAIOR. Embora a jurisprudência admita a desconsideração "inversa"
da personalidade jurídica, trata-se de hipótese excepcional, que só é possível quando constatado
que o sócio executado, por meios fraudulentos, valeu-se da empresa para ocultar ou desviar o
seu patrimônio pessoal. Aplica-se, portanto, a "teoria maior" da desconsideração da
personalidade, consagrada pelo art. 50 do Código Civil.” (TRT-3, 2018, on-line)11

“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE LUCROS CESSANTES.


POSSE INDEVIDA DE IMÓVEL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ART. 50 DO CC/02. TEORIA
MAIOR. ATUAÇÃO DOLOSA E INTENCIONAL DOS SÓCIOS. UTILIZAÇÃO DA
SOCIEDADE COMO INSTRUMENTO PARA O ABUSO DE DIREITO OU EM FRAUDE
DE CREDORES. COMPROVAÇÃO CONCRETA. AUSÊNCIA. 1. O propósito recursal é
definir se, na hipótese em exame, estão presentes os pressupostos para a desconsideração da
personalidade jurídica, segundo a teoria maior, prevista no art. 50 do CC/02. 2. Nas relações
jurídicas de natureza civil-empresarial, adota-se a teoria maior da desconsideração da
personalidade jurídica, segundo a qual a desconsideração da personalidade é medida
excepcional destinada a punir os sócios, superando-se temporariamente a autonomia
patrimonial da sociedade para permitir que sejam atingidos os bens das pessoas naturais, de
modo a responsabilizá-las pelos prejuízos que, em fraude ou abuso, causaram a terceiros. 3.
Para a aplicação da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica exige-se a
comprovação de que a sociedade era utilizada de forma dolosa pelos sócios como mero
instrumento para dissimular a prática de lesões aos direitos de credores ou terceiros - seja pelo
desrespeito intencional à lei ou ao contrato social, seja pela inexistência fática de separação
patrimonial -, o que deve ser demonstrado mediante prova concreta e verificado por meio de
decisão fundamentada. 4. A mera insolvência da sociedade ou sua dissolução irregular sem a

10
TJMG. AGRAVO DE INSTRUMENTO : AI 10452070344703001. Relator: Bitencourt Marcondes. DJ:
06/06/2013. JusBrasil, 2013. Disponível em: < https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/115774996/agravo-
de-instrumento-cv-ai-10452070344703001-mg?ref=serp >. Acesso em 15/05/2019.
11
TRT-3. AGRAVO DE PETIÇÃO : AP 00104425420165030099. Relator: Maria Laura Franco Lima de Faria.
DJ: 11/07/2018. JusBrasil, 2018. Disponível em: < https://trt-
3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/600454331/agravo-de-peticao-ap-104425420165030099-0010442-
5420165030099?ref=serp >. Acesso em 15/05/2019.
13

devida baixa na junta comercial e sem a regular liquidação dos ativos, por si sós, não ensejam
a desconsideração da personalidade jurídica, pois não se pode presumir o abuso da
personalidade jurídica da verificação dessas circunstâncias. 5. In casu, a Corte estadual
entendeu que a dissolução irregular da sociedade empresária devedora, sem regular processo
de liquidação, configuraria abuso da personalidade jurídica e que o patrimônio dos sócios seria
o único destino possível dos bens desaparecidos do ativo da sociedade, a configurar confusão
patrimonial. Assim, a desconsideração operada no acórdão recorrido não se coaduna com a
jurisprudência desta Corte, merecendo reforma. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e,
nesta parte, provido.” (STJ, 2017, on-line)12

Certamente, seu maior índice de aplicabilidade se dá justamente por ser aplicável a todos
os procedimentos de cobrança previstos em nosso ordenamento jurídico cível brasileiro, desde
que demonstrados os seus requisitos ensejadores.

E, tal procedimento, diga-se de passagem, obedece de maneira clara a norma


fundamental prevista em nossa Carta Magna de 1988 do contraditório e da ampla defesa13,
permitindo que a sociedade e sócios desconsideradores contestem o pedido de afastamento da
personalidade jurídica, demonstrando que não foram cometidos os atos fraudulentos que estão
sendo imputados ou que a empresa se tornou inadimplente devido ao seu mero insucesso.

Todavia, mesmo esta sendo a Teoria de maior aplicabilidade prática em nosso


ordenamento jurídico, ao analisarmos os julgados apresentados, bem como diversos outros que
determinarão, ou não, a desconsideração, temos que a principal discussão se dá sobre a presença
dos requisitos ensejadores da desconsideração.

E é exatamente neste ponto que a antiga redação do artigo 50 do Código Civil pecava,
pois, muito embora classificar que o abuso da personalidade jurídica se dava com a ocorrência
de desvio de finalidade ou confusão patrimonial14, o dispositivo legal deixava de definir o que
seriam, de fato, desvio e confusão.

12
STJ. RECURSO ESPECIAL : RESP 1526287 SP 2013/0175505-2. Relator: Ministra Nancy Andrighi. DJ:
16/05/2017. JusBrasil, 2017. Disponível em: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/464676959/recurso-
especial-resp-1526287-sp-2013-0175505-2?ref=serp >. Acesso em 15/05/2019.
13
PLANALTO, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em 15/05/2019.
14
PLANALTO, Lei nº 10.406/02. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm
>. Acesso em 15/05/2019.
14

2.2.2. A Teoria Menor

Em sequência, a desconsideração da personalidade jurídica trazida pelo Código de


Defesa do Consumidor, em seu artigo 2815, nos traz o que os doutrinados chamam de “Teoria
Menor” da desconsideração, que aborda um procedimento inúmeras vezes mais agressivo à
empresa inadimplente do que a Teoria Maior do Código Civil.

Isso se dá pelo fato de que tal Teoria Menor, visando a proteção dos consumidores
hipossuficientes, adotou um procedimento de que o mero inadimplemento, obstrução ou
dificuldade no adimplemento e abuso de direito em face do consumidor, cometido pelo
fornecedor, já é motivação suficiente para que a personalidade jurídica seja devidamente
afastada e os sócios respondam solidariamente pelo débito em questão.

Ou seja, não é necessário que o consumidor que não recebe seu crédito de maneira
espontânea seja obrigado a instaurar incidente próprio para se apurar eventuais atos
fraudulentos cometidos pela sociedade empresária, conforme observa-se com a aplicação
prática de tal teoria pela nossa jurisprudência:

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO COLETIVA DE


CONSUMO. EFEITO DEVOLUTIVO DA APELAÇÃO. SENTENÇA. EXTINÇÃO DO
PROCESSO SEM EXAME DE MÉRITO. ART. 515, § 3º, DO CPC/73. APELAÇÃO. CAUSA
MADURA. REQUISITOS. PRESENÇA. REEXAME DE FATOS E PROVAS.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CONTRADITÓRIO
DIFERIDO. CPC/73. INCIDÊNCIA DO CDC. FUNDAMENTO SUFICIENTE
INATACADO. SÚMULA 283/STF. COOPERATIVA HABITACIONAL. SÚMULA
602/STJ. TEORIA MENOR. ART. 28, § 5º, DO CDC. OBSTÁCULO AO RESSARCIMENTO
DOS PREJUÍZOS. SUFICIÊNCIA. 1. Cuida-se de ação coletiva de consumo, na qual foi
decretada a desconsideração da personalidade jurídica da cooperativa recorrente para que o
patrimônio de seus dirigentes também responda pelas reparações dos prejuízos sofridos pelos
consumidores na demora na construção de empreendimentos imobiliários, nos quais a
recorrente teria atuado como sociedade empresária de incorporação imobiliária e, portanto,
como fornecedora de produtos. 2. Recurso especial interposto em: 11/07/2012; conclusos ao

15
PLANALTO, Lei nº 8.078/90. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm >.
Acesso em 15/05/2019.
15

gabinete em: 26/08/2016; Aplicação do CPC/73. 3. O propósito recursal é determinar se: a)


houve negativa de prestação jurisdicional; b) os limites do efeito devolutivo da apelação foram
respeitados; c) era possível o imediato julgamento do cerne da controvérsia, a despeito de a
sentença ter extinto o processo sem resolução do mérito; d) o exercício do contraditório dos
administradores deve ser prévio à decretação da desconsideração da personalidade jurídica; e)
incide o CDC na hipótese dos autos; e f) estão presentes os requisitos necessários à
desconsideração da personalidade jurídica da recorrente. 4. No acórdão recorrido não há
omissão, contradição ou obscuridade. Dessa maneira, o art. 535 do CPC/73 não foi violado. 5.
A apreciação do mérito da ação pelo Tribunal no julgamento da apelação, em caso de reforma
de sentença de extinção do processo sem resolução do mérito, atende à amplitude do efeito
devolutivo em profundidade de referido recurso, privilegia o princípio da celeridade processual
e não ofende o direito de defesa da parte, se estiverem presentes as condições de ser a matéria
exclusivamente de direito ou o processo estar maduro para julgamento, por suficiência ou pela
desnecessidade de produção de provas. 6. A verificação da presença dos requisitos
configuradores da causa madura - consistentes na circunstância de a instrução probatória estar
completa ou ser desnecessária - demandaria o reexame dos fatos e provas dos autos, vedado
pela Súmula 7/STJ. Precedentes. 7. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais
indicados como violados, a despeito da interposição de embargos de declaração, impede o
conhecimento do recurso especial, por incidência da Súmula 211/STJ. 8. Sob a égide do
CPC/73, a desconsideração da personalidade jurídica pode ser decretada sem a prévia citação
dos sócios atingidos, aos quais se garante o exercício postergado ou diferido do contraditório e
da ampla defesa. Precedentes. 9. A existência de fundamento do acórdão recorrido não
impugnado - quando suficiente para a manutenção de suas conclusões - impede a apreciação do
recurso especial. 10. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos empreendimentos
habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas. Súmula 602/STJ 11. De acordo com
a Teoria Menor, a incidência da desconsideração se justifica: a) pela comprovação da
insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, somada à má
administração da empresa (art. 28, caput, do CDC); ou b) pelo mero fato de a personalidade
jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores,
nos termos do § 5º do art. 28 do CDC. 12. Na hipótese em exame, segundo afirmado pelo
acórdão recorrido, a existência da personalidade jurídica está impedindo o ressarcimento dos
danos causados aos consumidores, o que é suficiente para a desconsideração da personalidade
16

jurídica da recorrente, por aplicação da teoria menor, prevista no art. 28, § 5º, do CDC. 13.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.” (STJ, 2018, on-line)16

“IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DESCONSIDERAÇÃO DA


PERSONALIDADE JURÍDICA. TEORIA MENOR. APLICAÇÃO DO CDC. A
desconsideração da personalidade jurídica, no presente caso, tem fundamento na frustração da
satisfação do crédito do agravado. Dessa forma, aplicou-se a chamada Teoria Menor da
Desconsideração da Personalidade Jurídica, já admitida pelo Código de Defesa do Consumidor,
no seu art. 28, § 5º, e que, diferentemente do Código Civil, dispensa a prova de desvio dos atos
de administração, bastando, para tanto, que a personalidade jurídica configure obstáculo ao
ressarcimento do valor devido ao consumidor. Precedente o E. STJ. E não se discute a
possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor no caso em exame,
considerando-se que o exequente, consumidor, sofreu prejuízos decorrentes de inadequada
prestação de serviços médicos. No presente recurso, não trouxe o agravante qualquer prova de
que a empresa executada tivesse patrimônio para saldar a dívida exequenda. Tampouco o
próprio agravante, sócio, teria patrimônio suficiente a pagar o débito. Daí se vê que a
desconsideração da personalidade jurídica foi acertadamente determinada com amparo no
Código de Defesa do Consumidor. Diante deste cenário, não há razão, portanto, que justifique
o afastamento da responsabilidade do sócio pela dívida da sociedade. Recurso não provido.”
(TJSP, 2017, on-line)17

Tal abordagem agressiva e sem previsão legal dos princípios constitucionais do


contraditório e ampla defesa é justamente considerada como Teoria Menor por ser a menos
aplicável no cotidiano dos Tribunais, tendo em vista que essa modalidade de desconsideração
literalmente passa por cima de diversos princípios norteadores de nosso processo civil
brasileiro, bem como do direito empresarial e societário.

Imperioso também se destacar a impossibilidade de cumulação de aplicação de ambas


as Teorias em um caso concreto, tendo em vista que a própria aplicação da Teoria Menor

16
STJ. RECURSO ESPECIAL : RESP 1735004 SP 2014/0025404-9. Relator: Ministra Nancy Andrighi. DJ:
26/06/2018. JusBrasil, 2018. Disponível em: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/595813582/recurso-
especial-resp-1735004-sp-2014-0025404-9?ref=serp >. Acesso em 15/05/2019.
17
TJSP. AGRAVO DE INSTRUMENTO : AI 21108197720178260000 SP 2110819-77.2017.8.26.0000.
Relator: Carlos Alberto Garbi. DJ: 26/09/2017. JusBrasil, 2017. Disponível em: < https://tj-
sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/505306729/21108197720178260000-sp-2110819-7720178260000?ref=serp
>. Acesso em 15/05/2019.
17

pressupõe uma relação de consumo e ausência de necessidade de comprovação dos requisitos,


já a Teoria Maior adota procedimento incidental próprio, com apresentação de defesa e
contraprova pela empresa e sócios desconsiderados, o que torna ambos institutos incompatíveis
entre si, pela própria forma com que são adotados.

3. ALTERAÇÃO DO ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL PELA MEDIDA


PROVISÓRIA Nº 811 DE 2019 E SEU APRIMORAMENTO DA PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL

O instituto da desconsideração da personalidade jurídica foi expressamente


materializado dentro de nosso Código Civil através de seu artigo 50, conforme já abordado em
tópico próprio.

Porém, conforme já exposto, o texto inicial era muito amplo e não aprofundado no
momento de se definir o que seria desvio de finalidade e/ou confusão patrimonial, pecando em
sua forma conceitual.

O que, por sua vez, sempre causou inúmeras problemáticas no momento de se aplicar
tal artigo dentro de um caso concreto, pois, era o magistrado julgador da causa quem deveria,
em sua própria convicção, determinar se tal ato poderia ser considerado como desvio ou
confusão.

Tal fato certamente abria uma margem enorme para a existência de decisões
manifestamente divergentes, em situações práticas que muitas vezes se assemelhavam, gerando
uma séria insegurança jurídica e violação do princípio da previsibilidade das decisões judiciais.

Entretanto, essa insegurança jurídica gerada pela demasiada amplitude e ausência de


especificação conceitual foi recentemente corrigida através da edição da Medida Provisória nº
881/2019, de 30 de abril de 201918, que alterou, entre outros temas, o texto do artigo 50 do
Código Civil.

18
PLANALTO, Medida Provisória nº 881/19. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2019/Mpv/mpv881.htm >. Acesso em 15/05/2019.
18

A alteração realizada foi de extrema importância, pois, foi categórica ao conceituar tanto
o desvio de finalidade, quanto a confusão patrimonial, que são elementos primordiais para o
deferimento da desconsideração e que com a antiga redação do artigo 50 era impossível se ter
uma certeza absoluta do que se enquadrava, ou não, dentro de tais conceitos. Senão vejamos a
redação antiga:

“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade,
ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério
Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações
de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa
jurídica.”19

É latente a amplitude e ausência de discriminação específica do que se entendia, de


acordo com a legislação, como sendo desvio de finalidade e confusão patrimonial, logo, o que
um magistrado possuía como conceito próprio de tais requisitos para a aplicação prática, outro
poderia ter um conceito completamente divergente, o que evidentemente impede a plena
aplicação do princípio da previsibilidade das decisões judiciais e da segurança jurídica.

A importância da previsibilidade das decisões judiciais é conceituada pelo ilustre


doutrinador Luiz Guilherme Marinoni:

“Para que o cidadão possa esperar um comportamento ou se postar de determinado modo, é


necessário que haja univocidade na qualificação das situações jurídicas. Além disso, há que se
garantir-lhe previsibilidade em relação às consequências das suas ações. O cidadão deve saber,
na medida do possível, não apenas os efeitos que as suas ações poderão produzir, mas também
como os terceiros poderão reagir diante delas. Note-se, contudo, que a previsibilidade das
consequências oriundas da prática de conduta ou ato pressupõe univocidade em relação à
qualificação das situações jurídicas, o que torna esses elementos indissociavelmente ligados.”20

19
PLANALTO, Lei nº 10.406/02. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm
>. Acesso em 15/05/2019.
20
MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da segurança jurídica. In: A força dos precedentes.
Estudos dos cursos de mestrado e doutorado em direito processual civil da UFPR. Coord. Luiz Guilherme
Marinoni. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 560.
19

Portanto, demonstrada a relevância e grau de importância para todo nosso ordenamento


jurídico de que as decisões judiciais caminhem para a uniformização federal, a nova redação
dada ao artigo 50 do Código Civil vem justamente para fortalecer esse princípio.

Senão vejamos a nova redação:

“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade
ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público
quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores
ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação
dada pela Medida Provisória nº 881, de 2019)
§ 1º Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa
jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
(Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios,
caracterizada por: (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-
versa; (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor
proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Medida
Provisória nº 881, de 2019)
§ 3º O disposto no caput e nos § 1º e § 2º também se aplica à extensão das obrigações de sócios
ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput
não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Medida
Provisória nº 881, de 2019)
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original
da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Medida Provisória nº
881, de 2019)”21

21
PLANALTO, Medida Provisória nº 881/19. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2019/Mpv/mpv881.htm >. Acesso em 15/05/2019.
20

Com a simples leitura da nova redação, fico nítido a intenção do legislador em


conceituar de maneira expressa o que deve ser considerado como desvio de finalidade e
confusão patrimonial, no caso concreto, de modo a unificar o posicionamento das decisões
judiciais que versem sobre a desconsideração da personalidade jurídica.

Agora os magistrados julgadores dos incidentes de desconsideração terão um respaldo


legislativo concreto para fundamentarem suas decisões, permitindo que a adequação da norma
ao caso concreto, com base nas provas e fundamentos que forem apresentados, se torne muito
mais eficiente e muito menos subjetiva.

Mas não apenas isso, a Medida Provisória ainda se atentou a acabar de uma vez com
todas a discussão sobre grupos econômicos de sociedades empresárias ocasionarem, ou não, a
desconsideração da personalidade jurídica.

Com a antiga redação, o conceito de grupo econômico sequer era mencionado no artigo
50, o que, em conjunto com a falta de conceituação adequada, abria margem para
fundamentações de pedidos de desconsideração da personalidade jurídica exclusivamente sobre
o pretexto de empresas estarem formando determinado grupo econômico.

Atualmente, tal fundamentação, desprovida de qualquer outro elemento que se enquadre


dentro das hipóteses previstas de desvio de finalidade e confusão patrimonial, torna impossível
a aplicação da desconsideração, pois, o legislador adotou uma redação expressa no sentido de
que a mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput
do artigo 50 não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.22

Portanto, é incontestável que a Medida Provisória nº 811 de 2019 trouxe avanços


jurisdicionais importantes para que nossos Tribunais caminhem para uma uniformização
jurisprudencial acerca do que se aplica, ou não, a desconsideração da pessoa jurídica, mas
também para que aqueles demandantes e demandados possam fundamentar sua pretensão ou
defesa de maneira objetiva.

22
PLANALTO, Medida Provisória nº 881/19. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2019/Mpv/mpv881.htm >. Acesso em 15/05/2019.
21

CONCLUSÃO

Ficou demonstrado que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica em


nosso ordenamento jurídico brasileiro é o verdadeiro algoz de todos aqueles que exercem
atividade empresária, tendo em vista a quebra da separação patrimonial e a responsabilização
solidária entre empresa e sócio.

Foi detalhadamente abordado que o referido instituto, em nossa legislação, encontra


respaldo tanto em nosso Código Civil, através de um procedimento incidental próprio com a
devida instrução processual, com uma aplicação muito mais evidente, mas também encontra
previsão em nosso Código de Defesa do Consumidor que, embora ser a modalidade menos
utilizada em decorrência de seu procedimento abrupto e temerário ao empresário, visa proteger
os interesses daqueles consumidores hipossuficientes que não possuem os meios apropriados
para buscar os valores que lhes são devidos, necessitando do amparo jurisdicional adequado.

Por fim, restou incontroverso o aprimoramento legislativo, jurídico e social que a


modificação do texto legal do artigo 50 do Código Civil trazida pela Medida Provisória 811 de
2019, permitindo uma observância aos princípios legais da segurança jurídica e da
uniformização dos Tribunais em um grau de amplitude jamais visto em nosso ordenamento no
que se refere à proteção patrimonial, satisfação de créditos e personalidade jurídica das
empresas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 1. ed. em e-book baseada na 20. ed.
impressa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da segurança jurídica. In: A força
dos precedentes. Estudos dos cursos de mestrado e doutorado em direito processual civil da
UFPR. Coord. Luiz Guilherme Marinoni. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 560.
PLANALTO, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em
15/05/2019.
PLANALTO, Lei nº 10.406/02. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 15/05/2019.
22

PLANALTO, Medida Provisória nº 881/19. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv881.htm>. Acesso em
15/05/2019.
PLANALTO, Lei nº 8.078/90. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 15/05/2019.
PLANALTO, Lei nº 13.105/15. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em
15/05/2019.
STJ. RECURSO ESPECIAL : RESP 1735004 SP 2014/0025404-9. Relator: Ministra Nancy
Andrighi. DJ: 26/06/2018. JusBrasil, 2018. Disponível em:
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