Você está na página 1de 120

1ª FASE 36° EXAME

Direito Empresarial
Prof.ª Cristiane Pauli
Prof. Douglas Azevedo
Prof.ª Luciana Aranalde
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

1ª FASE OAB | 36° EXAME DA OAB

Direito Empresarial

Sumário

1. Parte geral ............................................................................................................................... 3


2. Sociedade Simples ................................................................................................................ 17
3. Sociedade Limitada................................................................................................................ 26
4. Sociedade Anônima ............................................................................................................... 32
5. Tipos Menores e Operações .................................................................................................. 39
6. Contratos empresariais .......................................................................................................... 48
7. Contratos empresariais em espécie – Parte 1 ....................................................................... 55
8. Contratos empresariais em espécie – Parte 2 ....................................................................... 68
9. Títulos de crédito.................................................................................................................... 77
10. Direito falimentar .................................................................................................................. 92
11. Propriedade industrial ........................................................................................................ 114

Olá, aluno(a). Este material de apoio foi organizado com base nas aulas do curso preparatório para
a 1ª Fase OAB e deve ser utilizado como um roteiro para as respectivas aulas. Além disso,
recomenda-se que o aluno assista as aulas acompanhado da legislação pertinente.

Bons estudos, Equipe Ceisc.


Atualizado em junho de 2022.

2
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

1. Parte geral

1.1. Empresário, estabelecimento e nome empresarial

1.1.1. Empresa
O Direito Empresarial historicamente é organizado a partir de três grandes fases.
A 1ª fase é a fase do Direito Mercantil, no final da Idade Média (a partir do século XII),
quando os usos e costumes eram concebidos nos estatutos das Corporações de Ofício,
verdadeiras jurisdições privadas de direito consuetudinário e corporativista. Trata-se da chamada
Teoria das Corporações de Ofício. É nessa fase que são criados os primeiros títulos de créditos
e alguns protótipos de sociedades e de contratos.
A 2ª fase do Direito Comercial, já na Idade Moderna, é marcada pelas inspirações
advindas da codificação napoleônica. No Brasil, o Código Comercial (1850) marcou a fase da
Teoria dos Atos de Comércio. O Direito Comercial era destinado a todos os comerciantes e em
razão da Codificação, assumiu um papel autônomo em relação ao Direito Civil. Destaca-se que
os comerciantes eram considerados exclusivamente aqueles que os atos de comércio eram
aqueles que possuíam a função comum de intermediação na efetivação da troca.
A 3ª fase corresponde a fase atual, chamada de Teoria da Empresa. Com a criação da
figura do empresário, passa-se do Direito Comercial ao Direito Empresarial. A inspiração foi o
Código Civil Italiano de 1942. A Teoria da Empresa passa a ser disciplinada com a redação do
Art. 966 do Código Civil, que preconiza que é considerado empresário aquele que exerce
profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou
de serviços.

1.1.2. Empresário
Atualmente, existe no ordenamento jurídico duas categorias que são enquadradas no
conceito de empresário: a) o Empresário Individual; e b) a Sociedade Empresária.
Extinção da EIRELI: A Lei 14.195/2021 revogou tacitamente o artigo 980-A do CC e foi
somente A MP 1.085/2021 que revogou de forma expressa o dispositivo, extinguindo, portanto,
a EIRELI.
O Empresário Individual é uma pessoa natural, porém, de natureza jurídica. Como indica
o seu próprio nome, representa um tipo empresarial onde não é admitida a existência de um
sócio. Seu modelo já não é tão corriqueiro tendo em vista que a escolha atrai a obrigação da
responsabilidade direta e ilimitada. Ou seja, o CPF e o CNPJ acabam interpenetrando-se.
A responsabilidade do Empresário Individual é direta e ilimitada. O Enunciado 5 das
Jornadas de Direito Comercial veio a indicar que primeiramente deve o Empresário responder
com os bens da empresa, depois com os particulares.

3
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Conforme referido, o Art. 966 do CC conceitua o Empresário: “não se considera


empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda
com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir
elemento de empresa”. Isso impõe destacar que aqueles que exercem profissão intelectual
(dentistas, contadores, médicos, advogados, professores…) não são considerados empresários
para os fins legais. A exceção é quando o exercício da profissão constituir elemento de empresa,
ou seja, quando exploram a profissão de forma a fazer desaparecer as características
personalíssimas do profissional.
O Art. 972 do CC indica que para que se possa exercer a atividade de empresário é
necessário estar em pleno da capacidade civil e, ainda, não pode ser legalmente impedido. Um
exemplo disso é a restrição aos magistrados, que não podem ser empresários. Não se pode
confundir esse impedimento com a possibilidade de ser sócio/acionista que lhe é resguardada
desde que a responsabilidade seja limitada e não exerçam cargos de administração.
Caso aquele legalmente impedido exerça a atividade, irá responder pessoalmente pelas
obrigações contratadas. Nesse caso, precisamos diferenciar impedimento com incapacidade. O
Art. 974 do CC indica que “poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente
assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo
autor de herança”. Assim, não se pode se pode começar uma empresa individual sendo incapaz,
contudo, é possível em casos de incapacidade superveniente ou incapacidade do sucessor
na sucessão por morte que a empresa continue as atividades dessa forma.
Como visto, o Art. 974 disciplina a questão referindo que para tanto é necessária
autorização judicial e que nesse caso uma espécie de limitação da responsabilidade, referindo
que "não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía, ao tempo da
sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela". A questão deve estar clara
no alvará que concede a autorização.
O legislador previu no Art. 975 que "se o representante ou assistente do incapaz for
pessoa que, por disposição de lei, não puder exercer atividade de empresário, nomeará, com a
aprovação do juiz, um ou mais gerentes".
Em relação ao empresário casado, a regra do Art. 978 merece muita atenção pois refere
textualmente que “o empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer
que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-
los de ônus real”. Contudo, há que destacar-se que o Enunciado 58 das Jornadas de Direito
Comercial que a regra apenas vale "desde que exista prévia averbação de autorização conjugal
à conferência do imóvel ao patrimônio empresarial no cartório de registro de imóveis, com a
consequente averbação do ato à margem de sua inscrição no registro público". Porém, cumpre
reforçar que pelo Código Civil esse "porém" não existe.
O Empresário deve observar sempre a regra do Art. 979 do Código Civil, mantendo o
arquivamento na Junta de todos os pactos e declarações antenupciais, bem como os títulos de
doação, herança, ou legado, de bens clausulados de incomunicabilidade ou inalienabilidade.
Ainda, destaque para a previsão do Art. 980 que determina que a "sentença que decretar ou
4
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

homologar a separação judicial do empresário e o ato de reconciliação não podem ser opostos
a terceiros, antes de arquivados e averbados no Registro Público de Empresas Mercantis".
Por fim, um empresário pode ser representado pela Sociedade Empresária, que será
estudada com maiores detalhamentos na Seção 2. Contudo, para fins de caracterização, tem-se
que possui natureza jurídica de pessoa jurídica. Os sócios podem ser pessoa natural ou jurídica
e a responsabilidade dos sócios é subsidiária e limitada, ilimitada ou mista, a depender do tipo
societário eleito.

1.1.3. Estabelecimento Empresarial


A primeira questão a ser pontuada é a de que Estabelecimento Empresarial não é
sinônimo de local onde são desenvolvidas as atividades empresariais, o conceito do
estabelecimento comercial é muito mais longo. Segundo o Art. 1.142 do Código Civil, "considera-
se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por
empresário, ou por sociedade empresária". Ainda, o local onde se exerce a atividade empresarial
poderá ser físico ou virtual:
• Quando o local onde se exerce a atividade empresarial for virtual, o endereço
informado para fins de registro poderá ser, conforme o caso, o do empresário individual
ou o de um dos sócios da sociedade empresária; Art. 1.142, § 2º.
• Quando o local onde se exerce a atividade empresarial for físico, a fixação do horário
de funcionamento competirá ao Município, observada a regra geral do inciso II
do caput do art. 3º da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Art. 1.142, § 3º.
Com isso é preciso entender que o Estabelecimento Comercial compreende tanto os bens
de natureza material quanto imaterial, utilizados para que possa se dar o exercício da atividade
econômica. Tem-se, portanto, um olhar à /universalidade dos bens. Tanto é, que é possível ser
realizada a venda do estabelecimento empresarial como um todo: o chamado contrato de
trespasse conforme regulado no Art. 1.144 do Código Civil.
Percebe-se que para que seja válido perante terceiros é necessário o seu registro e
posterior publicação. Há que se pontuar que o Código Civil determinou diversas regras aplicáveis
ao trespasse, tendo em vista a sua evidente importância.
Assim, por exemplo, a regra insculpida no Art. 1.145 prevê que antes da alienação deve
ser providenciado o pagamento dos credores ou deve ser colhida uma autorização que contenha
o consentimento desses. Essa autorização se dá por meio de uma notificação cuja resposta deve
dar-se em trinta dias, sob pena de ser considerada uma autorização tácita.
Outro ponto de suma importância diz respeito à sucessão empresarial, prevista no Art.
1.146 do CC: "o adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores
à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo
solidariamente obrigado pelo prazo de um ano (...)". Esse prazo de um ano é contado em relação
aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.

5
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Obviamente tal regra é considerada apenas em relação às dívidas que podem ser
negociadas, o que não se aplica no caso das dívidas de natureza tributária e trabalhista. Nesses
casos devem ser observadas as previsões do Art. 133 do Código Tributário Nacional e do Art.
448 da Consolidação das Leis Trabalhistas.
É lícito e usual que esses contratos venham com a previsão de uma cláusula de não
concorrência. Em referência a isso, inclusive, o Art. 1.147 do Código Civil indica que “não
havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao
adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência”. Nada impede de ser previsto um
prazo menor, valendo esse regramento no silêncio.
Por fim, vale mencionar o caso de sub-rogação nos contratos de exploração, pelo Art.
1148 do Código Civil, que indica que "salvo disposição em contrário, a transferência importa a
sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se
não tiverem caráter pessoal". Refere ainda que nada impede que os terceiros rescindam o
contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa,
ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante.

1.1.4. Nome Empresarial


O nome empresarial é o que irá identificar a pessoa jurídica perante a sociedade em todas
as suas relações. A escolha do nome empresarial irá aparecer no ato constitutivo da sociedade,
ou seja, ou no contrato social ou no estatuto, que posteriormente será arquivado na Junta
Comercial. Não se confunde o nome empresarial com a marca, nome de domínio e nem com o
nome fantasia.
Marca: Sinal distintivo que identifica produtos e/ou serviços. Vide Art. 122 da Lei
9.279/1996.
Nome de Domínio: Endereço eletrônico que hospeda o sítio eletrônico do empresário.
Ele deve obedecer ao princípio da novidade e da veracidade (Art. 1.158 e 1.165 do Código
Civil). Isso quer dizer que não pode valer-se de uma expressão que não corresponda à realidade
empresarial e, ainda, não se deve utilizar de um registro igual ou que guarde notória semelhança
com outro já registrado na Junta Comercial (vide Arts. 1.163 e 1.666, Código Civil).
O nome empresarial pode ser constituído de firma ou denominação. Essa é a regra
trazida no Art. 1.155, CC. Enquanto a firma necessita possuir um nome civil em seu núcleo
(extenso ou abreviado), a denominação admite a inserção de qualquer expressão linguística.
A Lei 14.195/2021 incluiu o art. 35-A na lei de Registro Público de Empresas Mercantis
(Lei 8.934/1994), dispondo que: “O empresário ou a pessoa jurídica poderá optar por utilizar o
número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) como nome empresarial,
seguido da partícula identificadora do tipo societário ou jurídico, quando exigida por lei.
Outra importante alteração se deu no art. 35 da mesma lei, que antes vedava o
arquivamento de atos de empresas mercantis com nome idêntico ou semelhante a outro já

6
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

existente. Agora, a palavra “semelhante” foi retirada do dispositivo, permitindo o registro de


empresas com nome empresarial parecido a outro já registrado.
Existe uma polêmica no que diz respeito à necessidade de indicação da atividade
empresarial. Na firma a indicação é facultativa, já na denominação em que pese haja exigência
pelo Art. 1.158 do Código Civil, a Lei 8.934/1994 indica a desnecessidade.
Um cuidado importante é que na sociedade limitada há a opção de escolha entre firma e
denominação, contudo, ao final do nome deve estar incluída a palavra "limitada" ou "ltda". Caso
essa regra não seja observada haverá responsabilidade solidária e ilimitada dos administradores
que assim utilizarem-se da firma ou denominação.
Outro importante detalhe é que a cooperativa deve utilizar-se de denominação integrando
a palavra "cooperativa'' por extenso. Por outro lado, as sociedades anônimas devem utilizar-se
da denominação junto do vocábulo "sociedade anônima" ou "companhia", sendo facultado
utilizar-se da abreviatura "cia" ou "S.A.". Nada impede que o nome de um fundador ou acionista
importante componha o nome empresarial.
Por seu turno, as sociedades em comandita por ações podem optar, desde que acresça
ao nome "comandita por ações". A sociedade em conta de participação também pode optar entre
firma e denominação.

TIPO SOCIETÁRIO NOME EMPRESARIAL


EI FIRMA OU CNPJ
COMANDITA SIMPLES FIRMA OU CNPJ
COMANDITA POR AÇÕES DENOMINAÇÃO OU CNPJ
EM NOME COLETIVO FIRMA OU CNPJ
LTDA FIRMA, DENOMINAÇÃO OU CNPJ
ANÔNIMA DENOMINAÇÃO OU CNPJ
EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO SEM REGISTRO

1.1.5. Registro e Escrituração


O Registro (Arts. 1.150 a 1.154, CC) dos empresários no Brasil é uma obrigação legal. A
inscrição deve ser feita na Junta Comercial ainda antes do início das atividades empresariais. A
questão está prevista de forma taxativa no Art. 967, do Código Civil.
O Art. 984 do CC é uma exceção importante, indicando que o empresário rural é o único
que possui a faculdade de registrar-se, ou seja, o seu registro é facultativo.
Caso as atividades iniciem sem o devido registro estará imposta a sua irregularidade, mas
não a sua inexistência, uma vez que desde que reúna os requisitos do Art. 966 do Código Civil
será considerado empresário.

7
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Importante que se saiba que é a Lei 8.934/1994 que dispõe sobre o Registro Público de
Empresas Mercantis e Atividades Afins. O registro nas Juntas Comerciais possui um principal
interesse: o da publicidade dos atos e, portanto, qualquer pessoa pode consultar os contratos e
documentos lá arquivados.
De acordo com o Art. 36 da Lei 8934/1994, o registro do Contrato Social deve dar em até
trinta dias contados de sua assinatura. Caso feito nesse prazo, os efeitos retroagem. Se fora do
prazo, o arquivamento só possui eficácia a partir do despacho de concessão. O mesmo texto é
trazido pelo Art. 998 do Código Civil.
O pedido de inscrição deve ser acompanhado do instrumento autenticado do contrato, e,
de acordo com o Cödigo Civil, "se algum sócio nele houver sido representado por procurador, o
da respectiva procuração, bem como, se for o caso, da prova de autorização da autoridade
competente (letra do parágrafo primeiro do Art. 998).
A Escrituração (Arts. 1.179 - 1.195, Código Civil) é outra obrigação legal estendida aos
empresários e está prevista no Art. 1.179 do Código Civil. A Lei impõe a obrigação do empresário
de manter a escrituração contábil dos resultados dos negócios que participa. A escrituração tem
uma função interna ou administrativa, na medida em que possibilita:
• Verificar os resultados do negócio;
• Fundamentar ações corretivas visando aumento/diminuição dos lucros/prejuízos;
• Posicionar os sócios acerca do desempenho da sociedade empresária.

Por outro lado, também possui uma função externa:

• O Estado se vale da escrituração para fiscalizar e cobrar tributos;


• Os registros servem como prova do exercício da atividade comercial e de seus
resultados perante órgãos do Poder Judiciário.

Prejuízos ao empresário pela ausência de escrituração contábil:


• Impossibilidade de usufruir dos benefícios da Recuperação Judicial (art. 51 da Lei
11.101/2005);
• Crime falimentar se for decretada a falência (art. 178 da Lei 11.101/2005);
• Inviabilidade de utilizar os dados da escrituração para fazer prova a seu favor;
• Possibilidade do fisco lançar Imposto de Renda devido com base no lucro anual por
arbitramento.

Assim, compreende-se que existe a obrigação de ser mantido um sistema de


contabilidade (mecanizado ou não), com base na escrituração uniforme dos seus livros. A
escrituração deve ser elaborada com base na documentação a ela vinculada. Ainda, anualmente
deve ser levantado balanço patrimonial e resultado econômico.
Dica: Cuidado com a exceção do parágrafo segundo que flexibiliza a exigência aos
pequenos empresários, conforme Art. 970.

8
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

A regra é de que a escrituração seja elaborada pelo contabilista, em idioma e moeda


corrente, a partir da obrigatoriedade da ordem cronológica de dia, mês e ano. Deve ser feita a
autenticação na Junta Comercial. Esses livros são sigilosos, salvo os casos de autorização
judicial ou para fins fiscalizatórios.
A Lei 14.195/2021 esclarece que os órgãos e entidades envolvidos no processo de
registro de empresas deverão disponibilizar, de forma gratuita, informações que permitam
pesquisas prévias sobre as etapas de registro, inscrição, alteração e baixa de empresas, além
de informações para licenciamento e autorização de funcionamento. Antigamente a gratuidade
era apenas para pesquisa da denominação social.
Outro importante detalhe é que não poderão mais ser exigidos, no processo de registro
via REDESIM, quaisquer dados e informações que já constem da base de dados do governo
federal. Isso se deve por conta da centralização de dados das empresas no CNPJ.
Além disso, o art. 6º-A da a Lei 11.598/2007 agora dispõe que, nos casos em que o grau
de risco da atividade seja considerado médio, o alvará de funcionamento e as licenças serão
emitidos automaticamente, sem análise humana.

1.2. Parte geral: Registro e Elementos do Contrato Social

1.2.1. Especificidades
Constituída a sociedade pela formalização e assinatura do contrato social, devem os
sócios proceder ao registro do ato constitutivo da sociedade no órgão competente (Cartório ou
Junta, a depender do objeto social), para que ela adquira personalidade jurídica (art. 985 do
Código Civil) e possa dar início às suas atividades (art. 967 do Código Civil).
De acordo com o art. 998 do CC, o prazo para a efetivação do registro do ato constitutivo
da sociedade é de 30 dias após sua constituição (ver também art. 36 da Lei 8.934/1994).
Complementando a regra acima transcrita, dispõem seus parágrafos: “o pedido de
inscrição será acompanhado do instrumento autenticado do contrato, e, se algum sócio nele
houver sido representado por procurador, o da respectiva procuração, bem como, se for o caso,
da prova de autorização da autoridade competente” (§ 1º); e “com todas as indicações
enumeradas no artigo antecedente, será a inscrição tomada por termo no livro de registro próprio,
e obedecerá a número de ordem contínua para todas as sociedades inscritas” (§ 2º).
A constituição das sociedades empresárias, do tipo limitada, para o correto registro
perante o Registro Público de Empresa, deve conter, OBRIGATORIAMENTE o instrumento de
contrato social, em três vias, assinado por todos os sócios ou seus procuradores.
No caso do instrumento de constituição social que será levado a registro conter
representação por procurador, é obrigatório exigir a respectiva procuração com poderes
específicos para o ato, bem com a aprovação prévia do órgão governamental competente,
quando for o caso. É preciso estar devidamente consignado no corpo do instrumento de

9
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

constituição a declaração de desimpedimento do administrador ou em ato separado, se não


constar em cláusula própria.
Participação societária de empresa estrangeira: deve ser anexado ao instrumento de
constituição que será levado a registro a prova da existência legal da empresa e da legitimidade
de sua representação.
Participação societária de empresa pública: sociedade de economia mista, autarquia
ou fundação pública é necessário juntar ao instrumento de constituição social a edição da folha
do Diário Oficial da União, do Estado ou do Município que contiver o ato de autorização
legislativa; ou citação, no contrato social, da natureza, número e data do ato de autorização
legislativa, bem como do nome, data e folha do jornal oficial em que foi publicada; fotocópia do
documento de Identidade do Representante Legal; Ficha de Cadastro; comprovantes de
pagamento dos emolumentos dos serviços: recolhimento federal; recolhimento estadual.
Elementos: título; preâmbulo; corpo do contrato; cláusulas obrigatórias (Lei 8.934/1994);
fecho. O instrumento contratual não poderá conter emendas, rasuras ou entrelinhas.
Obrigatoriamente constará do preâmbulo do instrumento de constituição social a
qualificação completa dos sócios, pessoas físicas ou jurídicas e ou de seus representantes. Caso
qualquer dos sócios seja representado por procurador, deve vir no preâmbulo do instrumento a
qualificação completa do mesmo.
Dica: O contrato social conterá o nome empresarial (poderá ser razão social ou
denominação social - a razão social deve ser composta com sobrenome ou nome civil completo
ou abreviada de, pelo menos, um dos sócios); capital da sociedade; a participação de cada sócio;
a forma e o prazo de sua integralização; município da sede, com endereço completo, bem como
o endereço das filiais – se houver; declaração precisa e minuciosa do objeto social; prazo de
duração da sociedade; data de encerramento do exercício social, quando não coincidente com
o ano civil; nomeação do administrador, devidamente qualificado.
No final do instrumento contratual deverá constar o local e data; nomes dos sócios e
respectivas assinaturas; nomes das testemunhas instrumentárias (duas, pelo menos)
respectivas assinaturas, com o número do documento da identidade (RG) e órgão expedidor e o
visto de advogado, sendo este último não determinado para as Microempresas (ME) e as
Empresas de Pequeno Porte (EPP).
Podem ser sócios: desde que não haja empecilho legal, os absolutamente capazes e o
menor emancipado. Os menores, desde que devidamente representados.
Não podem ser sócios: os estrangeiros sem visto permanente.
Nome empresarial: obedecerá ao princípio da veracidade e da novidade, incorporando
os dados específicos ou complementares exigidos ou não proibidos em lei (tanto na razão social
como na denominação social deve haver a indicação do objeto social).

10
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Capital social: as quotas serão correspondentes ao montante da contribuição de cada


sócio. Poderão ser utilizados para integralização de capital quaisquer bens, desde que
suscetíveis de avaliação em dinheiro.
Filiais: é necessário que o instrumento de constituição para cada uma delas indique o
respectivo município e endereço completo.

1.2.2. Da alteração contratual


São os mesmos requisitos exigidos para o registro de instrumento de alteração contratual
e para o instrumento de constituição social, principalmente, no que se refere ao preâmbulo e
quanto ao seu corpo. Deve mencionar as alterações pretendidas e no caso de consolidação e
inserir uma nova redação, conforme a alteração efetuada.
Redução de capital:
Devido a perdas irreparáveis, o instrumento de alteração contratual deverá ser firmado
pelos sócios, onde se formalizará a redução, com a diminuição proporcional do valor nominal
das quotas (artigos 1.082 e 1.083, CC/2002).
Por ser considerado demasiado em relação ao objeto da sociedade, o instrumento de
alteração contratual deverá ser formalizado com a indicação da redução com a devolução de
parte do valor das quotas aos sócios, ou dispensando-os de prestações ainda devidas, com a
redução proporcional também neste caso, do valor nominal das quotas.
Instrumento de alteração:
Em uma via original, podendo ser realizado por escritura pública ou particular,
independentemente da forma de que se houver revestido o respectivo ato de constituição. Devem
conter os seguintes elementos: título, preâmbulo e corpo da alteração (nova redação das
cláusulas alteradas, expressando as modificações introduzidas, redação das cláusulas incluídas,
indicação das cláusulas suprimidas; fecho.
Quando o instrumento de alteração for requerido por deliberação majoritária, deverá
constar do preâmbulo apenas o nome dos sócios que dela fazem parte e que a deliberação se
faz por maioria do capital,
O instrumento de alteração pode conter a hipótese da sociedade adquirir quotas de sócio
quando houver quotas liberadas, ou seja, integralizadas, desde que o faça com fundos
disponíveis e sem ofensa ao capital, por acordo dos sócios; e quotas não liberadas de sócio
remisso excluído, desde que o faça com fundos disponíveis e sem ofensa ao capital.
As alterações contratuais, quando registradas por instrumento particular, serão assinadas
por todos os sócios e por duas testemunhas, salvo na hipótese de determinação majoritária.
Em hipótese alguma os registros de instrumentos de alterações sociais representam a
constituição de nova sociedade.

11
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

1.2.3. Da natureza jurídica do capital social


O conceito de capital social está intrinsecamente ligado à estrutura do contrato social.
Estabelece-se, a partir da constituição de um patrimônio separado para a criação de uma
sociedade, via de regra, para conciliar a limitação da responsabilidade dos sócios, com a garantia
dos credores.
Em outras palavras, a sociedade, para dar início à sua atividade econômica, necessita de
recursos. Cabe aos sócios prover tais recursos. Fazem-no transferindo, do seu patrimônio ao da
pessoa jurídica. O capital social é a medida da contribuição dos sócios para a sociedade e serve
como referência à sua força econômica.
• Capital social subscrito: mensuração do montante prometido pelos sócios para a
sociedade a título de capitalização.
• Capital social integralizado: recursos já transferidos para o patrimônio social.

Uma das principais funções do capital social é a de mensurar a contribuição dos sócios,
de modo a funcionar como um fundo de garantia dos credores – e assenta-se na ideia da
limitação da responsabilidade dos sócios.

Princípios do regime legal do capital social:


• Unidade: toda sociedade deve ter um único capital social;
• Fixidez: o capital social somente pode ser modificado nos casos previstos em lei e de
acordo com as normas legais;
• Irrevogabilidade: os sócios não podem ser dispensados da obrigação de realizar as
entradas que se obrigaram perante a sociedade;
• Realidade: a cifra do capital deve corresponder ao valor real das entradas feitas pelos
sócios;
• Intangibilidade: os sócios não podem “beliscar” o capital social, ou seja, não podem
tocar neste fundo permanente enquanto a sociedade continua operando e os credores
não foram integralmente satisfeitos

1.2.3.1. Do entendimento da Junta Comercial


O art. 35, III da Lei 8.934/1994 é claro e não admite concessões, quando proíbe o
arquivamento dos atos constitutivos se deles não constar o capital da sociedade, a forma e o
prazo de sua integralização. No mesmo sentido, temos os artigos. 1.054 c/c o art. 997, incisos III
e IV do CC.
Entre as orientações das Juntas Comercial, insertas nas Instruções Normativas do DREI,
constam a necessidade de indicação numérica e por extenso do total do capital social; bem como
a necessidade de mencionar o valor nominal de cada quota, que pode ter valor desigual.
Há de se mencionar o total de quota(s) de cada sócio e declarar a forma e o prazo de
integralização do capital – se houver sócio menor, o capital deverá estar totalmente integralizado.

12
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

No caso de se tratar de integralização com bem imóvel, obrigatoriamente, haverá a


descrição e identificação do imóvel, sua área, dados relativos à sua titulação, número de
matrícula no Registro de Imóveis e autorização do cônjuge no instrumento contratual com a
referência pertinente, salvo se o regime de bens for o de separação absoluta.
O legislador concedeu liberdade os sócios de escolherem a maneira de integralizar o
capital social, tornou, porém, obrigatória cláusula contratual dispondo sobre o prazo e a forma
de sua integralização (dinheiro ou bens suscetíveis de avaliação em dinheiro)

1.3. Parte geral: Tipos de desconsideração da Pessoa Jurídica

1.3.1. Personalidade Jurídica


A personalidade jurídica é o que confere à pessoa jurídica a aptidão de adquirir direitos,
bem como contrair obrigações. Assim, não é pura e simplesmente, a condição de sujeito de
direito que caracteriza a personalidade, mas a aptidão genérica para tanto, até porque, os entes
despersonalizados também são sujeitos de direitos capazes de praticar atos jurídicos, ainda que
de forma limitada, como é o caso da Massa Falida e do Espólio.

1.3.2. Pessoas Jurídicas


As pessoas jurídicas se dividem em dois grupos: de direito público (interno ou externo)
e de direito privado (estatais ou particulares), que possuem regulamentação nos art. 40,
art. 41, art. 42 e art. 43, todos do Código Civil:

PESSOAS JURÍDICAS DE PESSOAS JURÍDICAS DE


PESSOAS JURÍDICAS DE
DIREITO PÚBLICO DIRIEITO PÚBLICO
DIREITO PRIVADO
INTERNO EXTERNO
União;
Associações;
Estados, DF e Territórios;
Estados estrangeiros; Sociedades;
Municípios;
Todas as pessoas regidas Fundações;
Autarquias, inclusive as
pelo Dir. Int. Público. Organizações Religiosas;
associações públicas;
Demais entidades de Partidos Públicos.
caráter público criadas por
lei.

Lembre-se que as pessoas jurídicas de direito público estão submetidas a regime distinto
das pessoas jurídicas de direito privado, na medida em que têm suas regras sujeitas ao direito
administrativo, submetendo-se ao princípio da estrita legalidade.

13
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Quanto às pessoas jurídicas de direito privado é importante saber que não se limitam
àquelas previstas no art. 44, do Código Civil, podendo existir outras, tais como, os sindicatos, as
confederações, as federações, dentre outras.

1.4. Autonomia Patrimonial da Pessoa Jurídica

Assim prevê o art. 1.024 do Código Civil: Os bens particulares dos sócios não podem
ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.
Isso se dá em virtude da autonomia patrimonial das sociedades, a qual determina que a
responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais será subsidiária, podendo também ser
limitada a depender do tipo societário. Essa concepção tornou-se ainda mais forte a partir da
edição da Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) a partir da inclusão do art. 49-A ao
Código Civil.

1.4.1. Responsabilidade subsidiária dos sócios


A regra geral, portanto, é que os bens da sociedade responderão pelas dívidas sociais
enquanto a empresa ainda os possuir. Isso garante aos sócios o chamado benefício de ordem.
No caso de a empresa não possuir bens, deve-se atentar para o tipo de responsabilidade
dos sócios, se ilimitada: seus bens particulares poderão ser executados, se limitada; seus bens
particulares não poderão, a princípio, ser executados.
Exemplos:
• Sociedade em nome coletivo: responsabilidade ilimitada;
• Sociedade anônima: responsabilidade limitada.

1.5. Desconsideração da personalidade jurídica

A desconsideração da personalidade jurídica surge para solidificar o instituto do princípio


da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a fim de evitar que haja fraude ou abuso de direito.
Ou seja, ela é um reforço indireto para que sócios e administradores atuem visando ao bem
comum da sociedade empresária, preservando-a e mantendo a sua função social, coibindo
manipulação da pessoa jurídica com o fim de fraudar credores.
Assim, se utilizada para fazer valer fraude em detrimento de terceiros, considerar-se-á
ineficaz a personificação com relação aos atos praticados de forma abusiva ou fraudulenta,
podendo atingir os bens particulares dos sócios envolvidos na administração da sociedade.
O CDC foi a primeira norma a prever a possibilidade de desconsiderar a personalidade
jurídica; neste caso a aplicação se dá quando há abuso em detrimento do consumidor, excesso
de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou do contrato social, ou ainda,
quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração (art. 28). A teoria presente no CDC é chamada de “teoria
menor”, sendo a “teoria maior” aquela presente no Código Civil (art. 50).

14
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

1.5.1. Teoria maior versus teoria menor


Existem duas teorias aplicadas quando da desconsideração da personalidade jurídica: a
“teoria menor” e a “teoria maior”.
A teoria menor é aplicada quando nos casos que envolvam relação de consumo (art. 28,
do CDC), condutas lesivas ao meio ambiente (art. 4º da Lei 9.605/1998) ou ainda, quando se
tratar de infração da ordem econômica (art. 34 da Lei 12.529/2011). A teoria menor incide com a
mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações,
independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
Já a teoria maior é considerada aquela prevista no art. 50, do CC. Sobre a distinção entre
o art. 50 do Código Civil e as demais regras legais que tratam da desconsideração da
personalidade jurídica, o enunciado 9 das Jornadas de Direito Comercial do CJF diz o seguinte:
“quando aplicado às relações jurídicas empresariais, o art. 50 do Código Civil não pode ser
interpretado analogamente ao art. 28, § 5º, do CDC ou ao art. 2º, § 2º, da CLT”.

1.5.2. Desvio de personalidade e confusão patrimonial


Desvio de Finalidade:

Art. 50, § 1º, CC. Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização
da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de
qualquer natureza.

No abuso por desvio de finalidade a personificação existe para um fim ilícito, como
acontece quando a atividade da pessoa jurídica é em si lícita, mas seria ilícita se exercida pelo
sócio, ou seja, a pessoa jurídica é usada para encobrir a ilicitude da ação dos sócios.
Não é Desvio de Finalidade:

Art. 50, § 5º, CC. Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da
finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.

Confusão Patrimonial:

Art. 50, § 2º, CC. Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato
entre os patrimônios, caracterizada por:
I - Cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou
vice-versa;
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de
valor proporcionalmente insignificante; e
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

O pagamento de obrigações do sócio pela pessoa jurídica ou vice-versa é um exemplo


clássico caracterizado como hipótese de confusão patrimonial, contudo, verifica-se que o
dispositivo exige expressamente que se trate de um comportamento repetitivo.
A transferência de ativos ou passivos realizada sem a devida justificativa econômica pode
ser caracterizada quando os sócios ou administradores utilizam o patrimônio da pessoa jurídica
e vice-versa. Empréstimos entre a pessoa jurídica e o sócio, por exemplo, embora comuns,
15
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

precisam obedecer às condições normais de mercado, sob pena de representarem um


mecanismo de mistura dos patrimônios.

1.6. Desconsideração da personalidade jurídica e seus efeitos

A desconsideração da personalidade jurídica tem os seus efeitos ligados ao caso concreto


em que foi requerida, ou seja, continua a existir normalmente e a ter os efeitos da sua
personalização respeitados em todas as demais relações jurídicas em que figurar.
A aplicação da teoria da desconsideração atinge, tão somente, aqueles sócios que se
beneficiaram do uso abusivo da pessoa jurídica, logo, não significa que atingirá todos os sócios
e/ou administradores da sociedade, indistintamente.
Essa interpretação ganhou reforço após a edição da Lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade
Econômica), que alterou a redação do caput do art. 50 do Código Civil para deixar claro que a
desconsideração da personalidade jurídica só pode atingir os administradores ou sócios
“beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”.

1.7. Desconsideração inversa da personalidade jurídica

Conforme já vimos, a teoria da desconsideração é aplicada com a finalidade de permitir a


execução de bens particulares dos sócios e/ou administradores por dívidas da sociedade. O
caminho inverso também pode ser feito: desconsiderar a pessoa jurídica para executar bens
sociais por dívidas pessoais de um de seus sócios.
A desconsideração inversa consiste na aplicação dos fundamentos da disregard doctrine
para permitir que a pessoa jurídica responda por obrigações pessoais de um ou mais sócios.
A aplicação da desconsideração inversa é bem comum em questões que envolvam direito
de família, quando se constata, por exemplo, que um dos cônjuges, cria uma pessoa jurídica
com o objetivo de ocular se patrimônio, os afastando da partilha ou frustrando a cobrança de
pensão alimentícia.
Dispõe o enunciado 283 das Jornadas de Direito Civil do CJF: “é cabível a
desconsideração da personalidade jurídica denominada ‘inversa’ para alcançar bens de sócio
que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”.
Vale destacar que desde a edição da Lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), a
desconsideração inversa está expressamente autorizada pelo Código Civil no §3º do art. 50.

1.8. Desconsideração e dissolução da personalidade jurídica

É comum ocorrer no Brasil, a chamada “dissolução irregular” da empresa, isto é, o


encerramento das atividades sem a devida baixa na Junta Comercial.

16
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

De acordo com o Súmula 435 do STJ, “presume-se dissolvida irregularmente a empresa


que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes,
legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.
No entanto, esse entendimento restringe-se à execução fiscal. As Turmas de direito
privado do STJ (3ª e 4ª Turmas, que compõem a 2ª Seção) entendem que a mera dissolução
irregular da empresa não é motivo suficiente para aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica.

1.9. Prazo para requerimento da desconsideração da personalidade jurídica

Assim prevê o art. 1.032 do CC: “a retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou
a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após
averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual
prazo, enquanto não se requerer a averbação”.
Assim, há quem alegue que a desconsideração da personalidade jurídica não poderia, por
exemplo, atingir um sócio que já se retirou da sociedade há mais de dois anos. No entanto, o
STJ já decidiu que a regra do art. 1.032 do CC não tem aplicação quando se trata de
desconsideração da personalidade jurídica, conforme é possível verificar no REsp 1.269.897-SP
(STJ, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 23/11/09) e .REsp 1.312.591-RS.
(STJ, Relatora Ministro Luis Felipe Salomào, Quarta Turma, Dje 11/05/2013).
Dica: A desconsideração da personalidade jurídica NÃO SE CONFUNDE com a
despersonalização da pessoa jurídica, esta atinge a validade do ato constitutivo, ao passo que a
desconsideração objetiva atingir o patrimônio dos sócios, tratando-se de um ato momentâneo.

2. Sociedade Simples

As sociedades simples além de se constituírem no tipo pertinente a atividades societária


intelectual, também têm suas normas consideradas uma espécie de parte geral do direito
societário, pois suas regras têm aplicação subsidiária à maioria das sociedades empresárias
contratuais. As sociedades cooperativas são consideradas sociedades simples, conforme dispõe
o parágrafo único do art. 982, do CC.
As sociedades simples estão reguladas nos artigos 997 a 1038, do Código Civil e
conforme artigo 997 são constituídas por meio de contrato.

2.1. Contrato Social

2.1.1. Qualificação dos Sócios


A qualificação dos sócios no contrato social está prevista no inciso I do art. 997 do Código
Civil.

17
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Sócios pessoas naturais Sócios pessoas jurídicas


- Incapazes
- Impedidos - Holding
- Pessoas casadas

2.1.2. Qualificação das Sociedades


Já quanto à qualificação das sociedades, está prevista no inciso II do art. 997 do Código
Civil.

Nome empresarial Objeto social


- Firma
Profissão intelectual / atividade
(enunciado 213 das Jornadas de Direito Civil)
rural
- Denominação

2.2. Capital Social


Capital social é o montante correspondente à participação dos sócios na sociedade,
decorrente de aportes dos sócios, consistentes na transferência de dinheiro, bens ou créditos
para a sociedade.
Segundo o inciso III do art. 997 do Código Civil, o capital social deverá ser expresso em
moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação
pecuniária.
Dica:
• Capital social = patrimônio inicial;
• Patrimônio líquido > capital social > distribuir/reservar lucros.

Art. 1.059. Os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a
qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se
distribuírem com prejuízo do capital.

O capital funciona como uma garantia dos credores, bem como é o que viabiliza a
realização do objeto social e define as relações de poder dos sócios no controle da sociedade,
da mesma forma que define a responsabilidade de cada sócio.

Quanto ao valor do capital social o debate sobre a necessidade ou não de haver um capital
social mínimo para constituição de uma determinada sociedade é antigo, havendo ordenamentos
jurídicos que fazem essa exigência. Existem diversos fundamentos acerca da exigência de um

18
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

capital mínimo, como por exemplo: cumprimento das funções de garantia e produtividade. No
Brasil não se exige capital social mínimo para a constituição de sociedades.
A exigência de adequação do capital social ao objeto social pode ser extraída de uma
interpretação dos arts. 173 da Lei 6.404/1976 (“a assembleia geral poderá deliberar a redução
do capital social se houver perda, até o montante dos prejuízos acumulados, ou se julgá-lo
excessivo”) e 1.082, II, do CC (“pode a sociedade reduzir o capital, mediante a correspondente
modificação do contrato: (...) II – se excessivo em relação ao objeto da sociedade” (princípio da
congruência).

• Subcapitalização formal: a sociedade possui um capital próprio ínfimo em relação à


atividade que desenvolve, porque obtém recursos de terceiros (financiamentos, por
exemplo).
• Subcapitalização substancial: há uma clara desproporção entre o volume de
negócios de uma empresa e o seu capital social, sem que existam outras fontes de
recursos para compensar.

2.2.1. Subscrição do Capital


No direito brasileiro, exige-se a subscrição total do capital social no momento da
constituição da sociedade, contudo, a integralização pode ser futura.
O ato de subscrição representa o comprometimento dos sócios a contribuir para a
formação do capital social, e é com base nele, em tese, que se estabelecem as respectivas
participações societárias.
Art. 997.
IV - A quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;
V - As prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;

A integralização consiste na efetiva contribuição dos sócios para a formação do capital


social, podendo ser feita de diversas formas: com bens – móveis ou imóveis, materiais ou
imateriais –, dinheiro ou créditos. Na sociedade simples, admite-se até a contribuição em
serviços (enunciado 206 das Jornadas de Direito Civil).
Se o sócio integralizar sua quota com transferência de bens, estes devem ser suscetíveis
de avaliação pecuniária, além de o sócio responder pela evicção, isto é, caso a sociedade perca
esse bem posteriormente em razão de ele ser de outrem (art. 1005, CC), o sócio que o havia
transferido terá que pagar a ela o seu valor. Já se integralizar sua quota com a transferência de
créditos de sua titularidade, responderá pela solvência do devedor, ou seja, caso os créditos
cedidos não sejam pagos pelos seus devedores, o sócio que os cedeu terá que pagá-los (art.
1006, CC).

2.3. Administração da Sociedade Simples


Art, 997, VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus
poderes e atribuições;

19
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Verifica-se que as sociedade simples (e isso vale também para as demais sociedades
contratuais), não podem ser administradas por pessoa jurídica, já que o dispositivo usa a
expressão pessoas naturais para se referir aos administradores.
Também não podem administrar a sociedade as pessoas mencionadas no art. 1.011, § 1º
do Código Civil: “não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial,
os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou
por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a
economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da
concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto
perdurarem os efeitos da condenação”.
Caso o contrato social não designe expressamente seus administradores, aplica-se o art.
1.013 do Código Civil: “a administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete
separadamente a cada um dos sócios”. Dispõem seus parágrafos: §1º: “se a administração
competir separadamente a vários administradores, cada um pode impugnar operação pretendida
por outro, cabendo a decisão aos sócios, por maioria de votos”; §2º. “responde por perdas e
danos perante a sociedade o administrador que realizar operações, sabendo ou devendo saber
que estava agindo em desacordo com a maioria”. E, ainda, o art. 1.014 do Código Civil que prevê
que “nos atos de competência conjunta de vários administradores, torna-se necessário o
concurso de todos, salvo nos casos urgentes, em que a omissão ou retardo das providências
possa ocasionar dano irreparável ou grave”.
Nada impede que os sócios, embora não tenham designado o administrador no próprio
contrato social, façam-no em ato separado posteriormente. Nesse caso, deve-se atentar apenas
para a imprescindibilidade de averbação do ato no órgão de registro da sociedade, em
obediência ao art. 1.012 do Código Civil: “o administrador, nomeado por instrumento em
separado, deve averbá-lo à margem da inscrição da sociedade, e, pelos atos que praticar, antes
de requerer a averbação, responde pessoal e solidariamente com a sociedade”.
A diferença entre o administrador nomeado no contrato social e o administrador nomeado
em ato separado está no fato de que os poderes daquele, caso seja sócio, são, em tese,
irrevogáveis, salvo por decisão judicial que reconheça a ocorrência de justa causa para a
revogação. Já os poderes de administrador, não sócio ou de administrador designado em ato
separado, ainda que sócio, são revogáveis a qualquer tempo pela vontade dos demais, conforme
prevê o art. 1.019 do Código Civil: “são irrevogáveis os poderes do sócio investido na
administração por cláusula expressa do contrato social, salvo justa causa, reconhecida
judicialmente, a pedido de qualquer dos sócios. Parágrafo único. São revogáveis, a qualquer
tempo, os poderes conferidos a sócio por ato separado, ou a quem não seja sócio”.
Nota-se que sócio administrador contratualmente nomeado, possui uma espécie de
estabilidade, podendo representar aos demais sócios um grave comprometimento de seus
interesses. Para afastar essa estabilidade, a nomeação dos administradores pode ser
processada por ato separado. Esse termo, para efeito de eficácia externa, deverá ser averbado

20
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

à margem da inscrição da sociedade. Importa mencionar que, ainda que nomeado administrador
no próprio contrato, o não sócio não está protegido contra a destituição
A atividade do administrador é personalíssima, não podendo outrem exercer suas
funções; o máximo permitido é a delegação de certas atividades a mandatários, nos termos do
art. 1.018 do Código Civil: “ao administrador é vedado fazer-se substituir no exercício de suas
funções, sendo-lhe facultado, nos limites de seus poderes, constituir mandatários da sociedade,
especificados no instrumento os atos e operações que poderão praticar”.
Teoria Orgânica: Prevê o art. 1.022, do CC que “a sociedade adquire direitos, assume
obrigações e procede judicialmente por meio de administradores com poderes especiais, ou, não
os havendo, por intermédio de qualquer administrador.”
Os administradores são os representantes legais da sociedade. De acordo com a teoria
orgânica, o administrador não é tecnicamente representante, mas presentante (órgão integrante
da própria sociedade, que externa a sua vontade, ou seja, torna-a presente). Não obstante, o art.
1.011, § 2º, do Código Civil dispõe que “aplicam-se à atividade dos administradores, no que
couber, as disposições concernentes ao mandato”.

2.3.1. Dever de Diligência dos Administradores


O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a
diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios
negócios (art. 1.011, CC - art. 153 da Lei 6.404/1976). Entende-se que esse dever de diligência
será atendido sempre que o administrador atuar em conformidade com os padrões de gestão
fixados pela ciência da administração de empresas. Para tanto, deve-se verificar se sua atuação
foi (i) independente, (ii) desinteressada, (iii) informada e (iv) no interesse da companhia (business
judgement rule).

2.3.2. Limitação de Poderes dos Administradores


Se houver lacuna no contrato social acerca dos poderes e atribuições dos seus
administradores, entende-se que estes podem praticar todos e quaisquer atos pertinentes à
gestão da sociedade, salvo oneração ou alienação de bens imóveis, o que só poderão fazer se
tais atos constituírem o próprio objeto social (art. 1.015, CC).
Caso o contrato social estabeleça expressamente os poderes e atribuições dos
administradores, é preciso analisar que efeitos para a sociedade produzirão os atos de gestão
que extrapolarem os limites estabelecidos.

2.4. Distribuição nos Lucros e Resultados


Da mesma forma que todos os sócios devem contribuir para a formação do capital social,
é também requisito especial de validade do contrato social a garantia de que todos eles
participem dos resultados sociais (lucros ou prejuízos), cabendo-lhes disciplinar a matéria no ato
constitutivo.

21
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

2.4.1. Participação Proporcional X Participação Desproporcional


O sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas
aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da
média do valor das quotas, salvo de os sócios dispuserem em contrário (art. 1007, CC). Portanto,
em tese, a participação dos sócios é proporcional às suas respectivas quotas, porém o contrato
social pode dispor de forma diversa, determinando uma participação desproporcional.

2.4.2. Cláusula Leonina


Conforme art. 1.008 do CC “é nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de
participar dos lucros e das perdas”, depreende-se, portanto, que é vedada chamada “cláusula
leonina”.
Outrossim, a distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária
dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo
conhecer-lhes a ilegitimidade (Art. 1.009, CC).

2.5. Responsabilidade dos Sócios


Conforme já vimos, a pessoa jurídica não se confunde com seus sócios, administradores,
associados, instituidores (art. 49-A, do CC).

2.5.1. Responsabilidades Subsidiária dos Sócios


A responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, seja qual for o tipo societário, é
sempre subsidiária em relação à sociedade, nos termos do art. 1.024 do Código Civil: “os bens
particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de
executados os bens sociais”. Desta forma, enquanto a sociedade possuir bens, são esses bens
que devem responder por suas dívidas, garantindo-se aos sócios o benefício de ordem.
Não havendo mais bens sociais a serem executados, a responsabilidade dos sócios pelas
dívidas sociais remanescentes será determinada pelo tipo societário escolhido: na sociedade em
nome coletivo, todos responderão de forma ilimitada e solidária (art. 1.039 do Código Civil); na
sociedade em comandita simples, apenas os comanditados responderão de forma ilimitada e
solidária (art. 1.045 do Código Civil); e na sociedade limitada, nenhum sócio responderá, salvo
se o capital não estiver integralizado, caso em que todos responderão solidariamente pelo que
faltar a integralizar (art. 1.052 do Código Civil).
Em se tratando de sociedade simples “pura”, a responsabilidade, em princípio, é ilimitada,
mas não solidária, conforme previsão do art. 1.023 do Código Civil: “se os bens da sociedade
não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem
das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária”.
Destaque-se, porém, que a parte final do dispositivo legal em questão ressalva a
possibilidade de pactuação de cláusula de responsabilidade solidária, tornando a

22
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

responsabilidade dos sócios da sociedade simples “pura”, nesse caso, igual a dos sócios de uma
sociedade em nome coletivo.
Essa cláusula de responsabilidade solidária é a prevista no art. 997, inciso VIII do Código
Civil, que estabelece a possibilidade de o contrato social prever “se os sócios respondem, ou
não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais”.

2.5.2. Responsabilidade dos Sócios na Sociedade Simples


No caso de omissão no contrato da sociedade simples propriamente dita contrato, valerão
as regras gerais dos arts. 1.023 e 1.024 do CC, ou seja, a responsabilidade dos sócios será
subsidiária em relação à sociedade (art. 1.024), mas ilimitada e proporcional entre eles (art.
1.023, 1ª parte). Porém, se pactuado expressamente, a responsabilidade dos sócios será
subsidiária em relação à sociedade (art. 1.024), mas ilimitada e solidária entre eles (art. 1.023,
parte final).
Ainda sobre a responsabilidade dos sócios da sociedade simples, o enunciado 10 das
Jornadas de Direito Comercial diz o seguinte: “nas sociedades simples, os sócios podem limitar
suas responsabilidades entre si, à proporção da participação no capital social, ressalvadas as
disposições específicas”.

Art. 1.025. O sócio, admitido em sociedade já constituída, não se exime das dívidas sociais
anteriores à admissão.

Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da
responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a
resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo,
enquanto não se requerer a averbação.

Os Ministros da 3ª turma do STJ reconheceram que o sócio que sai da sociedade


responde por dívidas sociais até dois anos após sua saída, mas destacaram que essa
responsabilidade se refere a dívidas anteriores à sua saída, e não a dívidas posteriores no
julgamento do REsp 1.537.521/RJ.(STJ, Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, Terceira
Turma, DJe 05/02/2019).

Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor,
fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte
que lhe tocar em liquidação.

Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a


liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será
depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação.

Esse dispositivo admite a penhora de quotas para execução de dívida particular de sócio,
nesses casos, aplica-se a regra do art. 861 do CPC.

23
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

2.6. Deliberações Sociais


Em princípio, compete aos administradores praticar os atos pertinentes à gestão dos
negócios da sociedade, conforme o seu objeto social, contudo, quando se tratar de assuntos
mais relevantes, a decisão não cabe ao administrador, mas ao conjunto de sócios, ou seja, exige,
deliberação social prévia.
As matérias que dependem da deliberação dos sócios poderão ser expressas no contrato
social. Em alguns casos, porém, é a própria lei que o faz, como nas hipóteses de dissolução da
sociedade (art. 1.033, III do Código Civil) ou de exclusão do sócio remisso (art. 1.004, parágrafo
único do Código Civil).
Quanto ao quorum de deliberação dispõe o art. 1.010: “quando, por lei ou pelo contrato
social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão
tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um.”
A regra é que as deliberações sejam tomadas por maioria, mas a própria lei ou o contrato
social pode estabelecer quórum qualificado para certas matérias, como 2/3 (dois terços), 3/4 (três
quartos) ou até mesmo unanimidade (o art. 999 do Código Civil, por exemplo, exige unanimidade
para mudanças nas cláusulas obrigatórias do contrato social, descritas no art. 997).
Enunciado 385 das Jornadas de Direito Civil: “a unanimidade exigida para a modificação
do contrato social somente alcança as matérias referidas no art. 997, prevalecendo, nos demais
casos de deliberação dos sócios, a maioria absoluta, se outra mais qualificada não for prevista
no contrato”. Art. 1.010, § 2º. Prevalece a decisão sufragada por maior número de sócios no caso
de empate, e, se este persistir, decidirá o juiz.
A maioria absoluta não diz respeito ao número de sócios votantes, mas ao valor de suas
quotas. A aferição do número de sócios votantes será importante, entretanto, quando pelo valor
das quotas houver empate na votação. Nesse caso, prevalecerá a decisão que teve o apoio da
maior quantidade de sócios. No caso de empate também no número de sócios, a matéria deverá
ser levada ao Poder Judiciário. Lembrando que conforme artigo 1.101. §3º responderá por
perdas e danos sócio que tendo interesses contrários a sociedade participar de deliberação que
aprove graças a seu voto.

2.7. Da Morte, Retirada ou Exclusão do Sócio


Conforme Art. 1.028 no caso de morte do sócio:

I - se o contrato dispuser diferentemente;


II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.

Assim consta no Manual de registro da sociedade limitada: “4.4.3. Retirada nos casos de
prazo determinado ou indeterminado.Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer
sócio pode retirar-se da sociedade: I - se de prazo indeterminado, mediante notificação aos
demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias, a contar da notificação do último

24
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

sócio. Nesta hipótese, observar-se-á o seguinte: a) passado o prazo, deverá ser providenciado
arquivamento da notificação, que poderá ser por qualquer forma que ateste a cientificação
dos sócios; b) a junta anotará no cadastro da empresa a retirada do sócio; c) a sociedade deverá,
na alteração contratual seguinte, regularizar o quadro societário; e II - se de prazo determinado,
provando judicialmente justa causa”.
Ainda, deve-se observar o que trata o artigo 1.030 sobre a exclusão do sócio “Ressalvado
o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante
iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou,
ainda, por incapacidade superveniente.
Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou
aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026”.
Em resumo, quanto à exclusão do sócio pode ser ordenada da seguinte orientação:
a) o sócio remisso, por iniciativa da maioria dos demais sócios, poderá ser excluído da
sociedade, exclusão essa que se realizará de forma extrajudicial;
b) o sócio declarado falido ou civilmente insolvente, na forma das respectivas leis de
regência, bem como o sócio cuja quota for liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026
do Código, serão, de pleno direito, excluídos da sociedade, exclusão essa que se dá, portanto,
no plano extrajudicial;
c) o sócio que incorrer em falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, o
sócio declarado incapaz por fato superveniente, poderão ser excluídos por decisão da maioria
dos demais sócios, mas a exclusão far-se-á judicialmente
Nesses casos, observa-se quanto às quotas o que prevê o art. 1.031. “Nos casos em que
a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante
efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na
situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente
levantado. § 1° O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios
suprirem o valor da quota; § 2° A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa
dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.”
Importante salientar ainda, que no que diz respeito à apuração de haveres o ideal é que
esteja disciplinado no próprio contrato social, estabelecendo:
a) O critério de apuração dos haveres (art. 606, CPC).
b) A forma e prazo de pagamentos dos haveres (art. 604, §1º a 3º, CPC).
c) Os direitos do sócio durante a apuração dos haveres (art. 608, parágrafo único, CPC).

Alteração da Lei 14.195/2021: A Lei 14.195/2021 trouxe uma alteração importante a


respeito da dissolução da sociedade simples. O artigo 1.033 do Código Civil apresentava, em
seu parágrafo único, um prazo de 180 dias para recomposição do quadro societário na hipótese

25
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

de saída de um sócio. A disposição foi revogada, tendo em vista a possibilidade de a sociedade


se tornar unipessoal.

3. Sociedade Limitada

3.1. Responsabilidade dos Sócios


Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de
suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

- Responsabilidade subsidiária: Se a sociedade tiver bens, é a própria sociedade quem


responde pelas dívidas sociais (autonomia patrimonial da sociedade: art. 49-A e 1.024 do CC).
- Responsabilidade limitada: Se a sociedade não tiver mais bens, e o capital social
estiver totalmente integralizado, os sócios não respondem com seus bens pessoais pelas dívidas
sociais.
- Responsabilidade solidária: Se a sociedade não tiver mais bens, e o capital social não
estiver totalmente integralizado, os sócios respondem com seus bens pessoais pelas dívidas
sociais, solidariamente, pelo que faltar para a integralização.

- Responsabilidade direta: Se houver abuso de personalidade jurídica, o(s) sócio(s) que


se beneficiou (aram) direta ou indiretamente do abuso responde(m) com seus bens pessoais
pelas dívidas sociais, independentemente de a sociedade ainda ter bens (desconsideração da
personalidade jurídica: art. 50 do CC).

3.2. Sociedade Limitada Unipessoal


Segundo o art. 1.052, §1º do CC, a sociedade limitada pode ser constituída por uma única
pessoa.
Na Limitada unipessoal não se exige capital mínimo, o sócio (mesmo sendo pessoa
natural) pode constituir mais de uma Limitada unipessoal e pode ser responsabilizado pelas
dívidas da sociedade não apenas em caso de fraude, mas em qualquer situação que permita a
desconsideração da PJ.
Não se trata de um novo tipo societário.

3.3. Aplicação Subsidiária das Normas da Sociedade Anônima

A aplicação supletiva das normas da sociedade anônima (art. 1.053, parágrafo único do
C.C) à sociedade limitada será feita quando o contrato social previr e se tratar de matéria que os
sócios podem contratar.

26
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

A regência supletiva não pode ser absoluta, somando-se ao texto da lei da sociedade
limitada todo o texto das normas das sociedades simples ou todo o texto da lei das sociedades
anônimas. Tal forma de regência encontra seus limites no critério de compatibilidade, entendida
esta com a necessidade de se respeitar as questões ligadas à natureza e às finalidades
econômicas e empresariais das sociedades, bem como na necessidade de não lesar normas
gerais e abstratas não adstritas à vontade dos sócios.
Os limites de regência supletiva se aplicam tanto em relação à sociedade anônima como
em relação à sociedade simples. (...)
Tratando-se de direito disponíveis, reguláveis no contrato social por conta do
contratualismo da sociedade, as regras do contrato prevalecem em detrimento das normas de
regência supletiva, ainda que sobre a questão o capítulo da sociedade limitada seja omisso.
A regência supletiva não deve implicar a transformação do tipo societário. Assim, a
limitada não deve transformar-se em subespécie de sociedade anônima ou subespécie de
sociedade simples. Não pode ainda implicar a descaracterização, desnaturação, perda de
flexibilidade e adaptabilidade, que são as principais riquezas da sociedade limitada, juntamente
com a responsabilidade limitada dos sócios.

3.4. Contrato Social


Art. 1.054. O contrato mencionará, no que couber, as indicações do art. 997, e, se for o
caso, a firma social.

Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que,
além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas
naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;
II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;
III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer
espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;
IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;
V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;
VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e
atribuições;
VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;
VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.

Cláusulas obrigatórias:
1. Qualificação dos sócios: Sócio incapaz, sócio impedido e sócios casados.
2. Qualificação da sociedade: Nome empresarial, objeto, sede e prazo.
3. Capital social: Funções, diferença para o patrimônio e ‘subcapitalização’.
4. Subscrição e integralização das quotas: Impossibilidade de contribuições em serviços.
5. Administração da sociedade: Administrador não sócio e conselho de administração.
6. Participação nos lucros e nas perdas: Quotas preferenciais.

27
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou
diversas a cada sócio.

Art. 1.005. O sócio que, a título de quota social, transmitir domínio, posse ou uso, responde
pela evicção; e pela solvência do devedor, aquele que transferir crédito.
§ 1º Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente
todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade.

3.5. Integralização em Bens ou Créditos

a) Se o sócio integralizar sua quota com transferência de bens, estes devem ser
suscetíveis de avaliação pecuniária, além de o sócio responder pela evicção, isto é, caso a
sociedade perca esse bem posteriormente em razão de ele ser de outrem, o sócio que o havia
transferido terá que pagar a ela o seu valor (segundo doutrinadores, deveria o CC ter previsto
também a responsabilidade do sócio por eventuais vícios redibitórios da coisa).
b) Se o sócio integralizar sua quota com a transferência de créditos de sua titularidade,
responderá pela solvência do devedor, isto é, caso os créditos cedidos não sejam pagos pelos
seus devedores, o sócio que os cedeu terá que pagá-los.
c) Nas sociedades limitadas não é necessário laudo de avaliação dos bens usados para
integralização do capital social, e isso vale tanto para a constituição da sociedade quanto para
os casos de aumento do capital social.
d) A doutrina costuma destacar que os bens cedidos à sociedade a título de integralização
do capital social (i) devem estar relacionados ao objeto social, tendo utilidade direta ou indireta
para a atividade exercida pela sociedade, e (ii) devem ser aptos à execução por eventuais
credores sociais, de modo que não seria permitido integralizar quotas com bens impenhoráveis.

3.6. Integralização em Bens Móveis

Art. 35, VII, ‘a’ da Lei 8.934/1994: o contrato social deve conter “a descrição e identificação
do imóvel, sua área, dados relativos à sua titulação, bem como o número da matrícula no registro
imobiliário”.
O arquivamento de contrato social com essa estipulação não é suficiente para transferir a
propriedade do imóvel do sócio para a sociedade. Deve-se observar o art. 64 da Lei 8.934/1994.
Após fazer o arquivamento do contrato social, pega-se a certidão da Junta Comercial para que
ela seja levada a registro no cartório de imóveis, e é isso o que operará a transferência de
titularidade do bem.

3.7. Contribuição em Serviços


Nas sociedades limitadas, não se admite a contribuição em serviços (art. 1.055, § 2º do
Código Civil).

28
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

3.8. Indivisibilidade das Quotas


Art. 1.056. A quota é indivisível em relação à sociedade, salvo para efeito de transferência,
caso em que se observará o disposto no artigo seguinte.
§ 1º No caso de condomínio de quota, os direitos a ela inerentes somente podem ser
exercidos pelo condômino representante, ou pelo inventariante do espólio de sócio
falecido.

O condomínio de quotas pode ser decorrente de ato inter vivos ou de sucessão causa
mortis. A quota terá mais de um dono, mas perante a sociedade, como ela é indivisível, apenas
um dos condôminos poderá exercer os direitos que ela confere, o condômino-sócio (condômino
escolhido ou inventariante).

3.9. Cessão de Quotas


Art. 1.002. O sócio não pode ser substituído no exercício das suas funções, sem o
consentimento dos demais sócios, expresso em modificação do contrato social.

Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do


contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes
e à sociedade.

Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente,
a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não
houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.
Parágrafo único. A cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para os
fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do respectivo instrumento,
subscrito pelos sócios anuentes.

Contrato social:

• Quotas transferíveis/intransferíveis
• Transferência condicionada/incondicionada
• Direito de preferência aos sócios
• Silêncio:

a) Livre transferência entre sócios


b) Transferência condicionada para estranhos

IN 81 do DREI:

Item 4.4.2 do Manual de Registro da Sociedade Limitada: “Na omissão do contrato social,
a cessão de quotas de uma sociedade limitada pode ser feita por instrumento de cessão de
quotas, total ou parcialmente, averbado junto ao registro da sociedade, com a devida
repercussão no cadastro e independentemente de alteração contratual (Enunciado 225 das
Jornadas de Direito Civil”.
Notas:

29
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

I. A reunião ou assembleia de sócios pode ser suprida, se substituída pela expressa


anuência escrita, no instrumento de cessão ou em outro, de detentores de mais de setenta e
cinco por cento do capital social da limitada em questão.
II. Será obrigatória na primeira alteração contratual que sobrevier após a averbação da
cessão, a consolidação do Contrato Social, com o novo quadro societário.

3.10. Responsabilidade do Cedente e do Cessionário de Quotas

O sócio que cedeu suas quotas a outrem não fica automaticamente exonerado de
eventuais obrigações perante terceiros e perante a própria sociedade. Art. 1.003, parágrafo
único. “Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente
solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha
como sócio”.

O sócio que ingressou na sociedade, por sua vez, não ficará responsável apenas pelas
obrigações sociais posteriores, mas também pelas anteriores à sua entrada (art. 1.025, CC).

3.11. Sócio Remisso

Ao sócio que está em mora quanto à integralização de suas quotas, nos termos do art.
1.004 do Código Civil, dá-se o nome de sócio remisso, podendo os demais sócios, conforme
previsto na regra em comento, cobrar dele uma indenização por eventuais prejuízos que sua
mora tenha causado à sociedade.

Mas essa não é a única medida que os demais sócios podem tomar contra o remisso. Nos
termos do parágrafo único do art. 1.004, “verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios
preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já
realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1º do art. 1.031”.

Assim, o sócio remisso pode ter sua participação na sociedade reduzida ao número de
quotas que ele efetivamente já integralizou, ou ainda ser excluído da sociedade, por deliberação
da maioria restante (ou seja, a exclusão é extrajudicial, sem necessidade de ação judicial).
Tratando-se de sociedade limitada, há regra especial sobre o sócio remisso, prevista no
art. 1.058 do Código Civil: “não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem,
sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a
terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da
mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas”.

30
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

3.12. Administração

A administração da sociedade compete a uma ou mais pessoas, que serão designadas


no contrato social ou em ato separado. Pode, também, haver a criação de um conselho de
administração.
É importante lembrar que, conforme parágrafo único do art. 1.060 do CC, a administração
atribuída no contrato a todos os sócios não se estende de pleno direito aos que posteriormente
adquiram essa qualidade.

Art. 1.061. A designação de administradores não sócios dependerá de aprovação da


unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de 2/3 (dois
terços), no mínimo, após a integralização.

Art. 1.062. O administrador designado em ato separado investir-se-á no cargo mediante


termo de posse no livro de atas da administração.
§ 1° Se o termo não for assinado nos trinta dias seguintes à designação, esta se tornará
sem efeito.
§ 2° Nos dez dias seguintes ao da investidura, deve o administrador requerer seja
averbada sua nomeação no registro competente, mencionando o seu nome,
nacionalidade, estado civil, residência, com exibição de documento de identidade, o ato e
a data da nomeação e o prazo de gestão.

3.13. Conselho Fiscal

O conselho fiscal é um órgão facultativo, podendo ser previsto no contrato social. É


permitido ser composto por 03 (três) ou mais membros, sócios ou não, desde que residentes no
país, conforme art. 1.066, do CC: “Sem prejuízo dos poderes da assembleia dos sócios, pode o
contrato instituir conselho fiscal composto de três ou mais membros e respectivos suplentes,
sócios ou não, residentes no País, eleitos na assembleia anual prevista no art. 1.078.”
Não podem figurar como membros do conselho, além daqueles elencados no §1º, do art.
1.011, membros de outros órgãos da sociedade ou de outro órgão controlado por ela. Além dos
seus empregados ou dos respectivos administradores, cônjuges ou parentes dos
administradores até o 3º grau, conforme disposto no §1º, do art. 1.066, do CC.

3.13.1. Deveres dos membros do conselho fiscal


De acordo com o at. 1.069, do Código Civil, são deveres dos membros do conselho fiscal,
além de outros previstos em lei ou no contrato social:

• Examinar os livros e papéis da sociedade e o estado da caixa e da carteira;


• Denunciar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem;
• Lavrar no livro de atas e pareceres os resultados dos exames dos livros e papéis da
sociedade;
• Convocar assembleia dos sócios se a diretoria retardar por mais de 30 dias sua
convocação natural ou em casos graves e urgentes;
• Praticar esses atos durante o período da liquidação da sociedade;

31
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

• Apresentar à assembleia anual dos sócios parecer sobre os negócios e operações


sociais do exercício que serviram.

3.14. Deliberação dos sócios

Depende da liberação dos sócios, de acordo com o art. 1.071, do Código civil: a aprovação
das contas da administração; a designação dos administradores, quando feita em ato separado;
a destituição dos administradores; o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no
contrato; a modificação do contrato social; a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade,
ou a cessação do estado de liquidação; a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento
das suas contas e o pedido de concordata.

3.14.1. Assembleia
Depreende-se do art. 1.078, do Código Civil que a assembleia deverá ser realizada pelo
menos uma vez ao ano, nos quatro meses seguintes ao término do exercício social, tendo como
objetivo:

• Tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o


resultado econômico;
• Designar administradores, se for o caso;
• Tratar de qualquer outro assunto constante da ordem do dia.

3.15. Alteração da Lei 14.195/2021

A Lei 14.195/2021 trouxe em seu texto o art. 46. Através dele, as sociedades limitadas
passaram a ter o direito de emitir notas comerciais, que são as chamadas debentures da limitada.
Essa alteração irá auxiliar as sociedades a capitalizar e conseguir recursos em um curto
prazo, com o objetivo de financiar operações e gerar capital de giro através da emissão de títulos
de dívidas, uma alternativa ao financiamento bancário.

4. Sociedade Anônima

4.1. Legislação aplicável e características

No Brasil, as sociedades anônimas são regidas pela Lei 6.404/1976 (LSA).


Características:

● Natureza capitalista;
● Essência empresarial;
● Identificação por denominação;
● Limitação de responsabilidade dos acionistas.

32
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

4.2. Companhias Abertas e Fechadas


Art. 4º da Lei 6.404/1976: Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada
conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação
no mercado de valores mobiliários.
§1º Somente os valores mobiliários de emissão de companhia registrada na Comissão de
Valores Mobiliários podem ser negociados no mercado de valores mobiliários.
§2º Nenhuma distribuição pública de valores mobiliários será efetivada no mercado sem
prévio registro na Comissão de Valores Mobiliários.

4.3. Abertura de Capital

Pelo fato de possuírem instrumentos/mecanismos de captação de recursos junto a


investidores, a sociedade anônima – especialmente a de capital aberto, que pode emitir e
negociar valores mobiliários no mercado de capitais – é o tipo societário ideal para a exploração
de grandes empreendimentos.

Em contrapartida, para dar um mínimo de segurança a essas operações no mercado de


capitais, o Estado exerce sobre a companhia aberta um maior controle, por meio da uma agência
reguladora específica, que é a CVM.

4.4. Comissão de Valores Imobiliários

A CVM é uma entidade autárquica federal de natureza especial, com qualidade de agência
reguladora (Art. 5º da Lei 6.385/1976).
A competência da CVM no controle e na fiscalização do mercado de capitais é exercida,
pode-se dizer, de três diferentes formas:
a) Regulamentar, uma vez que cabe à CVM estabelecer o regramento geral relativo ao
funcionamento do mercado de capitais, expedindo atos normativos para tanto;
b) Autorizante (registrária), uma vez que é a CVM que autoriza a constituição de
companhias abertas e a emissão e negociação de seus valores mobiliários;
c) Fiscalizatória, uma vez que a CVM deve zelar pela lisura das operações realizadas
no mercado de capitais, sendo investida, para tanto, de poderes sancionatórios.

4.5. Mercado Bancário X Mercado de Capitais

Mercado bancário: operações de crédito, em que a empresa assume a posição de


devedora e se compromete, não raro, a devolver os valores captados em curto espaço de tempo
e a taxas de juros altas.
Mercado de capitais: operações de investimento, em que o investidores não se tornam
credores da companhia, mas sócios e partes interessadas no sucesso da empresa, pois é dele
que advirá o retorno do investimento feito por eles.

33
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

4.6. Mercado de Capitais Primário e Secundário

No mercado de capitais primário, são realizadas as operações de subscrição e emissão


de ações e outros valores mobiliários das companhias. Por sua vez, o mercado de capitais
secundário compreende as operações de compra e venda desses valores.
• Primário: operações de emissão e subscrição em que a sociedade anônima está
colocando no mercado de capitais um valor mobiliário novo, de modo que há uma
relação entre a própria companhia e o investidor, que pagará o preço de emissão.
• Secundário: operações de compra e venda em que se negociam valores mobiliários
já existentes, de modo que há uma relação entre o titular do valor mobiliário e o seu
novo “dono”, que pagará o valor de mercado, o qual oscilará conforme o momento pelo
qual passa a companhia.

4.7. Bolsa de Valores

Trata-se de entidades privadas (associações ou sociedades) formadas por sociedades


corretoras que, por meio de autorização da CVM, prestam serviço de interesse público inegável,
consistente na manutenção de local adequado à realização das operações de compra e venda
dos diversos valores mobiliários emitidos pelas companhias abertas.

A grande finalidade da bolsa de valores é dinamizar as operações do mercado de capitais,


ampliando o volume de negócios por meio da realização de pregão diário em que os agentes
das diversas corretoras que a compõem, obedecendo às regras do mercado mobiliário, se
encontram e mantém relações constantemente.
As bolas de valores realizam operações do mercado de capitais secundário (compra e
venda).

4.8. Mercado de Balcão

O mercado de balcão compreende toda e qualquer operação do mercado de capitais


realizada fora da bolsa de valores (não há um local físico específico).
Quem atua no mercado de balcão, portanto, são as sociedades corretoras, instituições
financeiras e agentes autônomos autorizados pela CVM.
No mercado de balcão se realizam operações tanto do mercado de capitais primário
(emissão e subscrição) quanto do mercado de capitais secundário (compra e venda), sendo que
neste caso a liquidez é bem menor do que na bolsa de valores.
Há que se distinguir ainda o simples mercado de balcão (mercado de balcão não
organizado), cujas operações são realizadas por sociedades corretoras, instituições financeiras
e agentes autônomos autorizados, e o mercado de balcão organizado (MBO), composto no Brasil
pela Sociedade Operadora do Mercado de Acesso (SOMA), companhia criada especialmente

34
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

com a finalidade de manter um sistema que viabilize as operações de compra e venda de valores
mobiliários, com seu registro e divulgação.

4.9. Constituição da Sociedade Anônima

Sendo a sociedade anônima uma sociedade institucional, e não contratual, ela se constitui
não por meio de um contrato social, mas de um ato institucional ou estatutário (estatuto social).
Ausente a contratualidade, a constituição da sociedade anônima deve seguir uma série
de requisitos formais previstos na legislação acionária, que variam conforme ela seja aberta ou
fechada.
De acordo com o art. 80 da LSA:

Inciso I: exige-se a pluralidade de sócios, não sendo permitida a criação de sociedade


anônima unipessoal, com exceção da subsidiária integral (art. 251 da LSA).
Inciso II: exigência aplicável apenas aos caso de integralização em dinheiro e a prazo.
Ademais, há casos especiais em que se exige percentual maior (o art. 27 da Lei 4.595/1964
prevê 50% para instituições financeiras.

Inciso III: pode ser em qualquer banco.

4.10. Contratação de Underwriter

De acordo com o art. 82 da LSA, o fundador de uma companhia aberta deverá


necessariamente contratar os serviços de uma empresa especializada para constituí-la
(underwriter). Caberá a essa empresa colocar as ações junto aos investidores – etapa seguinte
– e também cuidar de uma série de documentos a serem apresentados à CVM, assinando-os.
Contratada a empresa, será apresentado o pedido de registro à CVM, instruído com
estudo de viabilidade econômica e financeira do empreendimento, projeto de estatuto social e
prospecto, organizado e assinado pelos fundadores e pela instituição financeira intermediária
(art. 82, § 1º da LSA). A CVM também exige outros documentos.

4.11. Estudo de Viabilidade, Projeto de Estatuto e Prospecto

Com base nessa documentação apresentada – estudo, projeto e prospecto –, caberá à


CVM avaliar o empreendimento. Assim, conforme disposto no § 2º do mesmo art. 82 da LSA, “a
Comissão de Valores Mobiliários poderá condicionar o registro a modificações no estatuto ou no
prospecto e denegá-lo por inviabilidade ou temeridade do empreendimento, ou inidoneidade dos
fundadores”.

Caso a CVM aprove os documentos apresentados, com ou sem modificações, ela deferirá
o registro e terá início a segunda etapa desse procedimento constitutivo da companhia aberta,
por meio da colocação das ações junto aos investidores interessados, a fim de que estes possam

35
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

proceder à subscrição delas. Em suma, caberá à instituição financeira underwriter captar


recursos no mercado, atraindo investidores para o empreendimento a ser desenvolvido pela
companhia.
Colocadas as ações à disposição dos investidores interessados pela empresa underwriter,
todo o capital social deve ser subscrito. Ocorrendo tal fato, passa-se à terceira etapa do
procedimento, com a realização da assembleia de fundação.

Os serviços de underwriting podem ser por (i) melhor esforço, (ii) garantia de subscrição
parcial ou (iii) garantia de subscrição total.

4.12. Assembleia de Fundação

Dispõe o art. 86 da LSA que “encerrada a subscrição e havendo sido subscrito todo o
capital social, os fundadores convocarão a assembleia geral que deverá: I – promover a
avaliação dos bens, se for o caso (artigo 8º); II – deliberar sobre a constituição da companhia”.
O quorum de instalação dessa assembleia inicial de fundação está previsto no art. 87 da
LSA: “a assembleia de constituição instalar-se-á, em primeira convocação, com a presença de
subscritores que representem, no mínimo, metade do capital social, e, em segunda convocação,
com qualquer número”.

Para que se aprove a constituição da companhia aberta, basta que não haja oposição de mais
da metade do capital social, nos termos do § 3º do art. 87 da LSA, que assim dispõe: “verificando-
se que foram observadas as formalidades legais e não havendo oposição de subscritores que
representem mais da metade do capital social, o presidente declarará constituída a companhia,
procedendo-se, a seguir, à eleição dos administradores e fiscais”.

* Todos votam, inclusive titulares de ações preferenciais.

** Alterações no estatuto dependem de deliberação unânime.

4.13. Constituição por Subscrição Particular

Em se tratando de constituição de companhias fechadas, o procedimento é bem mais


simplificado, uma vez que é realizado por meio de subscrição particular, sem a captação de
recursos junto a investidores no mercado de capitais.

De acordo com o art. 88 da LSA, “a constituição da companhia por subscrição particular


do capital pode fazer-se por deliberação dos subscritores em assembleia geral ou por escritura
pública, considerando-se fundadores todos os subscritores”.
Vê-se, então, que podem ser adotadas duas modalidades de constituição: (i) a realização
de assembleia dos subscritores ou (ii) a lavratura de escritura pública em cartório.

36
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

4.14. Constituição por Assembleia de Fundação

Caso a opção adotada seja a realização de assembleia de fundação, ela deverá submeter-
se ao mesmo procedimento da assembleia de fundação da companhia aberta, analisado no
tópico antecedente. É o que determina o § 1º do art. 88 da LSA: “se a forma escolhida for a de
assembleia geral, observar-se-á o disposto nos artigos 86 e 87, devendo ser entregues à
assembleia o projeto do estatuto, assinado em duplicata por todos os subscritores do capital, e
as listas ou boletins de subscrição de todas as ações”.

4.15. Constituição por Escritura Pública

Caso, em contrapartida, a opção adotada seja a lavratura de escritura pública em cartório,


devem ser observadas as formalidades constantes do § 2º do art. 87 da LSA: “preferida a
escritura pública, será ela assinada por todos os subscritores, e conterá: a) a qualificação dos
subscritores, nos termos do artigo 85; b) o estatuto da companhia; c) a relação das ações
tomadas pelos subscritores e a importância das entradas pagas; d) a transcrição do recibo do
depósito referido no número III do artigo 80; e) a transcrição do laudo de avaliação dos peritos,
caso tenha havido subscrição do capital social em bens (artigo 8º); f) a nomeação dos primeiros
administradores e, quando for o caso, dos fiscais”.

Ultimadas as referidas providências, conforme o caso, passa-se à fase denominada pela


legislação acionária de formalidades complementares de constituição da companhia.

4.16. Regras Gerais sobre a Subscrição das Ações

Independentemente da modalidade de constituição da sociedade anônima, seja por


subscrição pública ou por subscrição particular, a legislação do anonimato estabelece algumas
regras gerais aplicáveis aos procedimentos acima analisados.
De acordo com o art. 89 da LSA, “a incorporação de imóveis para formação do capital
social não exige escritura pública”. De fato, pode ser que parte do capital social da companhia
seja formado por bens (sejam eles móveis ou imóveis), e a lei deixou claro que, mesmo tratando-
se de bens imóveis, é dispensável que a sua incorporação ao capital da sociedade seja feita por
meio de escritura pública.
O art. 91 da LSA determina que “nos atos e publicações referentes a companhia em
constituição, sua denominação deverá ser aditada da cláusula ‘em organização’”. Somente após
a sua efetiva constituição, com o posterior registro dos atos constitutivos na Junta Comercial,
poderá ser retirada a expressão “em organização” de sua denominação
O art. 92 da LSA, por outro lado, regula as responsabilidades dos fundadores da
companhia e da instituição financeira prestadora dos serviços de underwriting, dispondo que “os
fundadores e as instituições financeiras que participarem da constituição por subscrição pública
responderão, no âmbito das respectivas atribuições, pelos prejuízos resultantes da inobservância
de preceitos legais”.

37
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Complementando essa regra do caput, estabelece o seu parágrafo único que “os
fundadores responderão, solidariamente, pelo prejuízo decorrente de culpa ou dolo em atos ou
operações anteriores à constituição”.
Isso mostra que a exigência de contratação de instituição financeira underwriter é
importante para dar mais segurança aos investidores.

4.17. Formalidades Complementares

Uma vez ultrapassadas todas as etapas analisadas acima, passa-se à fase de


formalidades complementares da constituição da sociedade anônima, fase esta que
compreende, basicamente, os procedimentos de registro na Junta Comercial, além de outras
pequenas medidas de cunho administrativo e operacional.
Com efeito, segundo o art. 94 da LSA, “nenhuma companhia poderá funcionar sem que
sejam arquivados e publicados seus atos constitutivos”.
Afinal, conforme já estudamos, no Brasil a personalidade jurídica só se inicia com o
respectivo registro no órgão competente (art. 985 do Código Civil), e esse registro deve ser prévio
ao início do exercício da atividade empresarial (art. 967 do Código Civil).
Tratando-se de sociedade empresária, como é o caso da sociedade anônima, o órgão
registral competente é justamente a Junta Comercial do Estado em que se localizar a sede da
companhia.
Caso a constituição da companhia tenha ocorrido por meio da realização de assembleia
de fundação, a LSA determina o arquivamento de uma série de documentos, nos termos do seu
art. 95 (“um exemplar do estatuto social, assinado por todos os subscritores”, por exemplo).
Caso, entretanto, a companhia tenha sido constituída por meio da lavratura de escritura
pública em cartório, o que só pode ocorrer, frise-se, com as companhias fechadas, a LSA
determina que basta o arquivamento da certidão expedida pelo cartório no qual foi lavrada a
escritura. É que dispõe o seu art. 96: “se a companhia tiver sido constituída por escritura pública,
bastará o arquivamento de certidão do instrumento”.
Na análise dos atos levados a registro, caberá à Junta Comercial, conforme determinação
do art. 97 da LSA, “examinar se as prescrições legais foram observadas na constituição da
companhia, bem como se no estatuto existem cláusulas contrárias à lei, à ordem pública e aos
bons costumes”.
Sendo negado o registro pela Junta, aplica-se a regra constante do parágrafo único do
dispositivo em questão: “se o arquivamento for negado, por inobservância de prescrição ou
exigência legal ou por irregularidade verificada na constituição da companhia, os primeiros
administradores deverão convocar imediatamente a assembleia geral para sanar a falta ou
irregularidade, ou autorizar as providências que se fizerem necessárias (...)”.
Deferido o arquivamento dos atos constitutivos da companhia pela Junta Comercial,
devem os administradores providenciar a publicação de tais atos na imprensa oficial de sua

38
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

localidade, nos termos do art. 98 da LSA: “arquivados os documentos relativos à constituição da


companhia, os seus administradores providenciarão, nos 30 (trinta) dias subsequentes, a
publicação deles, bem como a de certidão do arquivamento, em órgão oficial do local de sua
sede”.
Cumpridas todas as formalidades acima detalhadas, a sociedade anônima poderá, enfim,
entrar em funcionamento. Assim, se a companhia começar a exercer suas atividades antes de
cumpridas as formalidades complementares ora em análise, será considerada irregular,
determinando, inclusive, o art. 99, parágrafo único da LSA que “a companhia não responde pelos
atos ou operações praticados pelos primeiros administradores antes de cumpridas as
formalidades de constituição, mas a assembleia geral poderá deliberar em contrário”. Isso
significa que os atos e operações praticados pelos primeiros administradores antes de cumpridas
as formalidades de constituição são de responsabilidade deles, e não da companhia, salvo se a
assembleia geral, por exemplo, ratificar tais atos.
Finalmente, caso sobrevenha algum prejuízo para a companhia em razão de atraso na
satisfação de todas essas exigências formais da lei, prevê o art. 99 da LSA que os primeiros
administradores devem responder perante a sociedade, podendo esta ingressar com ação de
reparação civil contra eles: “os primeiros administradores são solidariamente responsáveis
perante a companhia pelos prejuízos causados pela demora no cumprimento das formalidades
complementares à sua constituição”.

5. Tipos Menores e Operações

5.1. Sociedade em Nome Coletivo

Conforme art. 1.039 do CC:


• Impossibilidade de sócio pessoa jurídica (sócio incapaz/impedido?);
• Responsabilidade ilimitada dos sócios;
• Uso de firma social (art. 1.156 do Código Civil).

A solidariedade se dá entre os sócios. Entre eles e a própria sociedade, porém, a relação


é de subsidiariedade.
Essa eventual limitação de responsabilidade só produz efeitos entre os sócios. Perante os
credores da sociedade, a responsabilidade dos sócios de uma sociedade em nome coletivo é
sempre ilimitada. Havendo, todavia, a previsão contratual de limitação de responsabilidade entre
eles, isso repercutirá apenas internamente, dando ensejo, por exemplo, ao direito de regresso
de um sócio contra outro.

39
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

5.1.1. Legislação Aplicável

Art. 1.040. A sociedade em nome coletivo se rege pelas normas deste Capítulo e, no que
seja omisso, pelas do Capítulo antecedente.

Art. 1.041. O contrato deve mencionar, além das indicações referidas no art. 997, a firma
social.
§2º Nenhuma distribuição pública de valores mobiliários será efetivada no mercado sem
prévio registro na Comissão de Valores Mobiliários.

Contrato social: art. 997 do CC.

5.1.2. Administração da sociedade

Art. 1.042. A administração da sociedade compete exclusivamente a sócios, sendo o uso


da firma, nos limites do contrato, privativo dos que tenham os necessários poderes.

5.1.3. Penhora de cotas


Art. 1.043. O credor particular de sócio não pode, antes de dissolver-se a sociedade,
pretender a liquidação da quota do devedor.

Parágrafo único. Poderá fazê-lo quando:


I - a sociedade houver sido prorrogada tacitamente;
II - tendo ocorrido prorrogação contratual, for acolhida judicialmente oposição do credor,
levantada no prazo de noventa dias, contado da publicação do ato dilatório.

Nesse caso, aplica-se subsidiariamente o caput do art. 1.026 (penhora de lucros).

5.1.4. Dissolução

Art. 1.044. A sociedade se dissolve de pleno direito por qualquer das causas enumeradas
no art. 1.033 e, se empresária, também pela declaração da falência.

5.2. Sociedade em Comandita Simples

Comanditado: pessoa natural / responsabilidade ilimitada;


Comanditário: pessoa natural ou jurídica / responsabilidade limitada.
O regime jurídico do sócio comanditado é o mesmo do sócio da sociedade em nome
coletivo, ou seja: (i) o comanditado tem que ser pessoa física, (ii) só o comanditado pode
administrar a sociedade, (iii) só o nome do comanditado pode constar da firma social e (iv) a
responsabilidade do comanditado é ilimitada.

5.3. Sociedade em Comandita por Ações

Utiliza tanto a Lei das S/A (art. 280) quanto o Código Civil (art. 1.090). Segundo a doutrina,
a sociedade em comandita por ações é uma sociedade empresária híbrida: tem aspectos de
sociedade em comandita e aspectos de sociedade anônima. Com efeito, a sociedade em

40
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

comandita por ações, assim como as sociedades anônimas, tem o seu capital dividido em ações;
e, assim como as sociedades em comandita simples, possui duas categorias distintas de sócios,
uma com responsabilidade limitada e a outra com responsabilidade ilimitada
5.3.1. Nome empresarial
Lei da S/A - Art. 281. A sociedade poderá comerciar sob firma ou razão social, da qual só
farão parte os nomes dos sócios-diretores ou gerentes. Ficam ilimitada e solidariamente
responsáveis, nos termos desta Lei, pelas obrigações sociais, os que, por seus nomes,
figurarem na firma ou razão social.

Parágrafo único. A denominação ou a firma deve ser seguida das palavras "Comandita
por Ações", por extenso ou abreviadamente.

Art. 1.157. A sociedade em que houver sócios de responsabilidade ilimitada operará sob
firma, na qual somente os nomes daqueles poderão figurar, bastando para formá-la aditar
ao nome de um deles a expressão "e companhia" ou sua abreviatura.
Parágrafo único. Ficam solidária e ilimitadamente responsáveis pelas obrigações
contraídas sob a firma social aqueles que, por seus nomes, figurarem na firma da
sociedade de que trata este artigo.

5.3.2. Administração da Sociedade

Lei da S/A Art. 282. Apenas o sócio ou acionista tem qualidade para administrar ou gerir
a sociedade, e, como diretor ou gerente, responde, subsidiária mas ilimitada e
solidariamente, pelas obrigações da sociedade.

§ 1º Os diretores ou gerentes serão nomeados, sem limitação de tempo, no estatuto da


sociedade, e somente poderão ser destituídos por deliberação de acionistas que
representem 2/3 (dois terços), no mínimo, do capital social.
§ 2º O diretor ou gerente que for destituído ou se exonerar continuará responsável pelas
obrigações sociais contraídas sob sua administração.

Art. 1.091. Somente o acionista tem qualidade para administrar a sociedade e, como
diretor, responde subsidiária e ilimitadamente pelas obrigações da sociedade.
§ 1º Se houver mais de um diretor, serão solidariamente responsáveis, depois de
esgotados os bens sociais.
§ 2º Os diretores serão nomeados no ato constitutivo da sociedade, sem limitação de
tempo, e somente poderão ser destituídos por deliberação de acionistas que representem
no mínimo dois terços do capital social.
§ 3º O diretor destituído ou exonerado continua, durante dois anos, responsável pelas
obrigações sociais contraídas sob sua administração.

5.3.3. Poderes da Assembleia Geral


Em função de os diretores não serem eleitos pela assembleia geral, mas simplesmente
nomeados no ato constitutivo, e de não terem mandato, a legislação lhes impõe regras severas
quanto à sua responsabilidade. Diante de tal fato, os poderes da assembleia geral são limitados,
não tendo ela competência para deliberar sobre certas matérias específicas que possam
repercutir na responsabilidade dos acionistas diretores.
Lei das S/A - Art. 283. A assembleia-geral não pode, sem o consentimento dos diretores
ou gerentes, mudar o objeto essencial da sociedade, prorrogar-lhe o prazo de duração,
aumentar ou diminuir o capital social, emitir debêntures ou criar partes beneficiárias nem
aprovar a participação em grupo de sociedade.
41
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Art. 1.092. A assembleia geral não pode, sem o consentimento dos diretores, mudar o
objeto essencial da sociedade, prorrogar-lhe o prazo de duração, aumentar ou diminuir o
capital social, criar debêntures, ou partes beneficiárias.

5.3.4. Aplicabilidade da Lei 6.404/1976

Art. 284. Não se aplica à sociedade em comandita por ações o disposto nesta Lei sobre
conselho de administração, autorização estatutária de aumento de capital e emissão de
bônus de subscrição.

5.4. Cooperativas
5.4.1. Tratamento constitucional: criação livre

Art. 5º, XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem


de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

Os arts. 17 a 20 da Lei 5.764/1971, que tratam da “autorização para funcionamento” das


cooperativas, não foram recepcionados pela CF/88, que assegura a livre criação de sociedades
cooperativas.

5.4.2. Natureza: Sociedade Simples

Enquanto a sociedade anônima é sempre uma sociedade empresária, pouco importando


a atividade que desempenha, a sociedade cooperativa é sempre uma sociedade simples (art.
982, parágrafo único do CC).

5.4.3. Registro: Junta Comercial


Art. 32. O registro compreende:
II - O arquivamento:
a) dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas
mercantis individuais, sociedades mercantis e cooperativas.

Apesar de a cooperativa ter a natureza de sociedade simples, ela não se registra no


Cartório (art. 1.150 do Código Civil), mas nas Junta Comercial (art. 32, inciso II, alínea ‘a’ da Lei
8.934/1994).

5.4.4. Legislação aplicável: Lei 5.764/1971


Art. 1.093. A sociedade cooperativa reger-se-á pelo disposto no presente Capítulo,
ressalvada a legislação especial.

Art. 1.096. No que a lei for omissa, aplicam-se as disposições referentes à sociedade
simples, resguardadas as características estabelecidas no art. 1.094.

A legislação especial das cooperativas é a Lei 5.764/1971.

42
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

5.4.5. Nome Empresarial: Denominação


Art. 1.159. A sociedade cooperativa funciona sob denominação integrada pelo vocábulo
"cooperativa".

Art. 5°da Lei 5.764/1971 As sociedades cooperativas poderão adotar por objeto qualquer
gênero de serviço, operação ou atividade, assegurando-se-lhes o direito exclusivo e
exigindo-se-lhes a obrigação do uso da expressão "cooperativa" em sua denominação.
Parágrafo único. É vedado às cooperativas o uso da expressão "Banco".

5.4.6. Características da Cooperativa


Art. 1.094. São características da sociedade cooperativa:
I - variabilidade, ou dispensa do capital social;
II - concurso de sócios em número mínimo necessário a compor a administração da
sociedade, sem limitação de número máximo;
III - limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio poderá tomar;
IV - intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que
por herança;
V - quorum, para a assembleia geral funcionar e deliberar, fundado no número de sócios
presentes à reunião, e não no capital social representado;
VI - direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha ou não capital a sociedade,
e qualquer que seja o valor de sua participação;
VII - distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo
sócio com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado;
VIII - indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que em caso de dissolução
da sociedade.

5.4.7. Responsabilidade dos Sócios

Segundo o art. 1.095 do CC, na sociedade cooperativa a responsabilidade dos sócios


pode ser limitada ou ilimitada:

• É limitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio responde somente pelo


valor de suas quotas e pelo prejuízo verificado nas operações sociais, guardada a
proporção de sua participação nas mesmas operações.
• É ilimitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio responde solidária e
ilimitadamente pelas obrigações sociais.
Ainda que a responsabilidade dos sócios da sociedade cooperativa seja ilimitada, ela não
deixa de ser subsidiária em relação à sociedade (art. 1.024 do Código Civil e art. 13 da Lei
5.764/1971).

5.4.8. Administração

A cooperativa será administrada por uma Diretoria ou Conselho de Administração,


composto exclusivamente de associados eleitos pela Assembléia Geral, com mandato nunca
superior a 4 anos, sendo obrigatória a renovação de, no mínimo, 1/3 do Conselho de
Administração.

43
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

5.4.9. Fundos

Fundos de reserva são destinados a reparar perdas e a atender ao desenvolvimento de


suas atividades, constituído com 10%, pelo menos, das sobras líquidas do exercício, já os
Fundos de Assistência Técnica, Educacional e Social são destinados à prestação de assistência
aos associados, seus familiares e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da
cooperativa; constituído, pelo menos, das sobras líquidas apuradas no exercício.

5.4.10. Associados

O ingresso nas cooperativas é livre a todos que desejarem utilizar os serviços prestados
pela sociedade, desde que façam a adesão aos propósitos sociais e preencham as condições
estabelecidas no estatuto. A previsão legal está contida nos arts. 30 e 31, ambos da Lei nº
5.764/71.
Além disso, o órgão normativo respectivo pode restringir a admissão de associados às
pessoas que exerçam determinada atividade ou profissão, ou que estejam vinculadas a
determinada entidade.

5.4.11. Assembleia Geral

É feita pelas pessoas que compõe a cooperativa e tem poderes para decidir os negócios
relativos ao objeto da sociedade e tomar resoluções convenientes ao desenvolvimento e defesa
desta. Ainda, suas deliberações vinculam a todos, mesmo que ausentes ou discordantes.

5.4.12. Dissolução e Liquidação

A dissolução poderá ser feita de forma voluntária (art. 63 da Lei 5.764/71) ou através de
medida judicial, a pedido de qualquer associado ou por iniciativa de órgão executivo federal.

Importante ressaltar que a dissolução da cooperativa importa no cancelamento de sua


autorização para funcionar e de seu registro.
Art. 63, Lei nº 5.764/71. As sociedades cooperativas se dissolvem de pleno direito:
I - quando assim deliberar a Assembleia Geral, desde que os associados, totalizando o
número mínimo exigido por esta Lei, não se disponham a assegurar a sua continuidade;
II - pelo decurso do prazo de duração;
III - pela consecução dos objetivos predeterminados;
IV - devido à alteração de sua forma jurídica;
V - pela redução do número mínimo de associados ou do capital social mínimo se, até a
Assembleia Geral subsequente, realizada em prazo não inferior a 6 (seis) meses, eles
não forem restabelecidos;
VI - pelo cancelamento da autorização para funcionar;
VII - pela paralisação de suas atividades por mais de 120 (cento e vinte) dias.

5.5. Sociedade em Comum


A Sociedade em comum está prevista nos arts. 986 a 990, do Código Civil.

44
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Prevê o artigo 986, primeira parte, do referido Código que: “enquanto não inscritos os atos
constitutivos, reger-se-á a sociedade”, logo, infere-se que a sociedade, ainda que irregular,
existirá de fato, porém não terá personalidade jurídica. Na sociedade em comum, a
responsabilidade dos sócios será solidária e ilimitada, de forma ampla, sendo excluído do
benefício de ordem, aquele que contratou, nos termos do art. 990, do Código Civil.

5.6. Operações Societárias

A matéria está disciplinada tanto na Lei 6.404/1976 quanto no Código Civil. Assim, se
numa determinada operação societária há a participação de uma sociedade anônima, aplicam-
se as regras previstas na LSA, em razão da especialidade desse diploma legislativo. Todavia, se
a operação não conta com a participação de uma sociedade anônima, aplicam-se as regras do
CC.
Enunciado 70 das Jornadas de Direito Civil: “As disposições sobre incorporação, fusão e
cisão previstas no Código Civil não se aplicam às sociedades anônimas. As disposições da Lei
6.404/1976 sobre essa matéria aplicam-se, por analogia, às demais sociedades naquilo em que
o Código Civil for omisso”.

5.6.1. Transformação

A transformação é operação pela qual a sociedade altera o seu tipo societário (por
exemplo: uma sociedade limitada que passa a ser uma sociedade anônima). Não há mudança
no quadro societário, no patrimônio e nas obrigações. Não há que se falar em sucessão, e os
bens continuam sob mesma titularidade, sendo preciso apenas averbar no órgão de registro novo
nome da sociedade.

Art. 1.113. O ato de transformação independe de dissolução ou liquidação da sociedade,


e obedecerá aos preceitos reguladores da constituição e inscrição próprios do tipo em que
vai converter-se.

Art. 220. A transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente


de dissolução e liquidação, de um tipo para outro. Parágrafo único. A transformação
obedecerá aos preceitos que regulam a constituição e o registro do tipo a ser adotado pela
sociedade.

5.6.2. Transformação de Sociedade Cooperativa

O DREI não admitia a transformação de sociedades cooperativas em sociedades


empresárias, mas a partir da IN 81 o departamento alterou seu entendimento, e passou a permitir
expressamente.
O novo entendimento do departamento se deu em função das regras da Lei da Liberdade
Econômica (art. 3º, incisos V e VII, e art. 4º, inciso VII), bem como em razão da existência de
decisões judiciais que reconheciam às cooperativas o direito de se transformar (converter) em
sociedades empresárias: “O art. 63, IV, da Lei 5.764/1971 prevê que, em caso de transformação
da forma jurídica, ocorrerá, de pleno direito, a dissolução da sociedade cooperativa, dissolução
45
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

esta compreendida como a resolução da função social para a qual foi criada a cooperativa em
decorrência da transformação do tipo de sociedade. O art. 1.113 do Código Civil de 2002 autoriza
o ato de transformação societária independentemente ‘de dissolução ou liquidação da
sociedade’, resguardando, apenas, a observância dos ‘preceitos reguladores da constituição e
inscrição do tipo em que vai converter-se’, de modo que a transformação do tipo societário
simples (classificação das cooperativas) não impõe a necessidade de liquidá-la, porque a pessoa
jurídica é uma só, tanto antes como depois da operação, mudando apenas o tipo (de cooperativa
para limitada, na hipótese)” (REsp 1.528.304 – RS).

5.6.3. Conversão de Associação Civil

Conversão é a operação pela qual uma sociedade simples se converte em sociedade


empresária, passando do registro civil (Cartório) para o registro empresarial (Junta Comercial),
e vice-versa.
O DREI também não admitia a conversão de associações civis em sociedades
empresárias, mas a partir da IN 81 o departamento alterou seu entendimento, e passou a permitir
expressamente: “Dessa forma, considerando a ausência de vedação legal e o disposto no art.
2.033 do Código Civil uma associação que tenha interesse em realizar a operação de conversão,
deverá proceder aos mesmos trâmites que uma sociedade empresária realiza ou seja,
inicialmente aprovar, por unanimidade, em assembleia acerca do assunto, salvo se no estatuto
social constar previsão de quórum diferenciado, nos termos da legislação” (item 103 da Nota
Técnica do DREI que embasou a IN 81).

5.6.4. Incorporação

Na incorporação, não surgirá uma nova sociedade. Apenas a sociedade incorporada


desaparecerá, e será sucedida pela sociedade incorporadora em todos os seus direitos e
obrigações (Art. 1.116 do CC e 227 da LSA),
Art. 1.117. A deliberação dos sócios da sociedade incorporada deverá aprovar as bases
da operação e o projeto de reforma do ato constitutivo.
§ 1º A sociedade que houver de ser incorporada tomará conhecimento desse ato, e, se o
aprovar, autorizará os administradores a praticar o necessário à incorporação, inclusive a
subscrição em bens pelo valor da diferença que se verificar entre o ativo e o passivo.
§ 2º A deliberação dos sócios da sociedade incorporadora compreenderá a nomeação dos
peritos para a avaliação do patrimônio líquido da sociedade, que tenha de ser incorporada.

Art. 227. § 1º A assembleia-geral da companhia incorporadora, se aprovar o protocolo da


operação, deverá autorizar o aumento de capital a ser subscrito e realizado pela
incorporada mediante versão do seu patrimônio líquido, e nomear os peritos que o
avaliarão.
§ 2º A sociedade que houver de ser incorporada, se aprovar o protocolo da operação,
autorizará seus administradores a praticarem os atos necessários à incorporação,
inclusive a subscrição do aumento de capital da incorporadora.

Art. 1.118. Aprovados os atos da incorporação, a incorporadora declarará extinta a


incorporada, e promoverá a respectiva averbação no registro próprio.

46
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Art. 227, § 3º Aprovados pela assembleia geral da incorporadora o laudo de avaliação e


a incorporação, extingue-se a incorporada, competindo à primeira promover o
arquivamento e a publicação dos atos da incorporação.

5.6.5. Incorporação: Extinção da Incorporada

Como na incorporação não surge uma nova sociedade, apenas a sociedade incorporada
será extinta. A sociedade incorporadora continuará normalmente, mas com novo capital social
(em regra, há aumento de capital, mas ele pode continuar igual ou até mesmo sofrer diminuição,
porque “o art. 70, parágrafo único da IN 81 do DREI prevê que “não há vedação para a
incorporação de sociedade com o patrimônio líquido negativo”).

5.6.6. Fusão

A fusão determina a extinção das sociedades que se unem, para formar sociedade nova,
que a elas sucederá nos direitos e obrigações (art. 1.119 do CC e 228 da LSA). Ou seja, ao
contrário do que se dá na incorporação, ocorre a extinção de todas as sociedades envolvidas,
com o surgimento de uma nova sociedade.
Na primeira etapa do procedimento, cada sociedade envolvida na operação realizará uma
assembleia geral, a qual deverá aprovar a fusão e nomear os peritos que avaliarão os
patrimônios das outras sociedades
Na segunda etapa do procedimento, haverá uma assembleia conjunta, na qual deverão
ser aprovados os respectivos laudos (obviamente, os sócios só votarão os laudos das outras
sociedades, e não o da sociedade da qual fazem parte) e a constituição definitiva da nova
sociedade.
Como na fusão há a constituição de uma nova sociedade, ela deverá ser registrada na
Junta Comercial competente (art. 1.121 do CC e art. 228, §3º da LSA).

5.6.7. Cisão

A cisão pode ser definida, sucintamente, como transferência de patrimônio de uma


sociedade para outra. Se se transferem apenas alguns bens da sociedade cindida, há uma cisão
parcial. Por outro lado, havendo a transferência de todos os bens da sociedade cindida, há uma
cisão total, e nesse caso a sociedade cindida se extingue (art. 229 da LSA).
Art. 229. § 2º Na cisão com versão de parcela do patrimônio em sociedade nova, a
operação será deliberada pela assembleia geral da companhia à vista de justificação que
incluirá as informações de que tratam os números do artigo 224; a assembleia, se a
aprovar, nomeará os peritos que avaliarão a parcela do patrimônio a ser transferida, e
funcionará como assembleia de constituição da nova companhia.
§ 3º A cisão com versão de parcela de patrimônio em sociedade já existente obedecerá
às disposições sobre incorporação (artigo 227).
§ 4º Efetivada a cisão com extinção da companhia cindida, caberá aos administradores
das sociedades que tiverem absorvido parcelas do seu patrimônio promover o
arquivamento e publicação dos atos da operação; na cisão com versão parcial do

47
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

patrimônio, esse dever caberá aos administradores da companhia cindida e da que


absorver parcela do seu patrimônio.
§ 5º As ações integralizadas com parcelas de patrimônio da companhia cindida serão
atribuídas a seus titulares, em substituição às extintas, na proporção das que possuíam; a
atribuição em proporção diferente requer aprovação de todos os titulares, inclusive das
ações sem direito a voto.

6. Contratos empresariais

6.1. Visão Geral dos Contratos

Viver em sociedade demanda a realização de negócios entre pessoas. Para a consecução


desse objetivo é que surgiu o contrato, escrito ou verbal. Com isso, o contrato é uma avença
entre duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas para, entre si, regularem e solucionarem uma
relação que os envolva, tornando-se uma das fontes mais comuns, senão a mais comum, de
obrigações.
O Código Civil Brasileiro disciplina a matéria de contratos na sua Parte Especial, Livro I,
sendo que no Título V trata “Dos Contratos em Geral” e Título VI disciplina “Das Várias Espécies
de Contratos”.

Sendo um negócio jurídico, o contrato deve preencher todos os requisitos estabelecidos


no art. 104 do Código Civil: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e
forma prescrita ou não defesa em lei.

A vontade da parte é essencial para a configuração de um contrato, e será mitigada em


maior ou menor grau a depender do momento histórico das sociedades, bem como da espécie
contratual que se analisa. A massificação própria de determinados negócios modificou o papel
do elemento volitivo na formação do contrato. Na visão de Fabio Ulhoa Coelho (in Curso de
direito civil: Contratos), na atualidade vigora a distinção entre o contrato firmado pelos “iguais” e
o contrato firmado entre “desiguais”, prestigiando-se a vontade das partes naquele e protegendo-
se o economicamente mais fraco neste, mediante normas de aplicação cogente e regras de
interpretação dos pactos que buscam o equilíbrio entre os envolvidos.

Os princípios tradicionais que orientaram a formação da teoria clássica dos contratos


(autonomia privada, força obrigatória e relatividade) foram, ao longo dos anos, flexibilizados em
decorrência do crescimento da importância de novos princípios tais como a boa-fé objetiva;
função social do contrato; reequilíbrio econômico-financeiro do contrato e identificação da função
econômica do contrato.

O Código Civil de 2002 nos apresenta as normas básicas que regem os contratos, sejam
eles civis ou empresariais. Os vetores fundamentais a serem observados estão ali: liberdade
negocial, função social do contrato, boa-fé objetiva, probidade, lealdade, eticidade e assim
por diante. O estatuto material revogou grande parte do Código Comercial de 1850,

48
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

circunstância que deixou as relações empresariais sem um conjunto normativo próprio. Todavia,
não foi apresentada uma seção específica para tratar dessas relevantes relações, mesmo que
nem todas as regras obrigacionais civis sejam monoliticamente aplicadas ao Direito Empresarial
e exista autonomia entre ambas.
Importante sinalar que o Código Civil foi parcialmente alterado pela Lei nº 13.874/2019,
chamada de “Lei da Liberdade Econômica”, a qual promoveu importantes mudanças, em boa
parte aplicáveis aos contratos empresariais1.
Ao fim, há que se destacar a existência de diversos diplomas legais na legislação
extravagante tratando de forma mais detalhada várias espécies de contratos estritamente
empresariais, como, por exemplo, contrato de franquia e contrato de leasing.

6.1.1. Classificação dos Contratos

Os contratos podem ser classificados de várias formas. As classificações mais comuns


são:

• Dever obrigacional: [a] unilaterais, quando apenas um dos contratantes tem


obrigações a cumprir (comodato) e [b] bilaterais, se todos os contratantes têm
obrigação a cumprir (compra e venda);
• Vantagem econômica: [a] onerosos, quando a regular execução do contrato implica
vantagem econômica para todos (compra e venda) ou [b] gratuitos, quando uma das
partes não aufere vantagem econômica imediata;
• Os contratos onerosos podem ser subdivididos em [a] comutativos, quando todas as
partes envolvidas auferem vantagem econômica e [b] aleatórios, quando apenas um
dos contratantes terá vantagem econômica, não podendo saber antecipadamente,
qual deles será, em face do risco de sorte ou de azar;
• Constituição: são divididos em [a] consensuais, para cuja constituição é suficiente o
encontro de vontades, [b] formais (ou solenes), em que o aperfeiçoamento do negócio
depende de num instrumento escrito, e os [c] reais, que se constituem apenas com a
tradição da coisa;
• Forma de execução: [a] instantâneos, quando a obrigação da parte corresponde a
um só ato e [b] contínuos, quando pelo menos um dos contratantes cumpre a obrigação
com uma sucessão de atos;

49
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

• Tipicidade: os contratos podem ser [a] típicos, que possuem formalidades, direitos e
obrigações disciplinados na lei, por normas cogentes ou supletivas, não se esgotando
nas previsões contratuais definidas pelas partes, os [b] atípicos, que são regidos
exclusivamente pelo convencionado no contrato, dentro dos limites legais e os [c]
mistos, que se situam na transição entre os típicos e atípicos, ou seja, as partes criam
um negócio contratual não tipificado em lei com o aproveitamento de normas de um
ou mais contratos típicos;
• Liberdade de contratação: [a] voluntários, nos quais as partes têm alternativa de não
contratar e [b] necessários, nos quais não existe a opção de não contratar, pelo menos
para uma das partes, como o contrato de seguro DPVAT;
• Ramo jurídico: [a] administrativo, no qual uma das partes será a pessoa jurídica de
direito público, com a primazia, portanto, do interesse público, [b] de trabalho,
caracterizado quando houver entre duas pessoas privadas a relação de prestação de
serviços pessoais, subordinados, não eventuais e mediante remuneração, [c] de
relação de consumo, formalizados entre consumidor e fornecedor, nos moldes
definidos pelos arts. 3º e 5º do Código de Defesa do Consumidor, [d] comercial ou
empresarial, quando as duas partes são empresários, e [e] civil, pacto em que nenhum
dos contratantes é pessoa jurídica de direito público, empregado, consumidor ou
empresário.

6.2. Contrato Empresarial e Direito Contratual

O cotidiano da vida empresarial deixa evidente a importância de se estabelecerem


negócios com terceiros como meio de viabilizar a atividade econômica, voltada para a satisfação
de alguma necessidade do mercado. Há que se reconhecer, dessarte, a essencialidade da
relação contratual para a própria prática mercantil.
Assim, a atividade econômica desempenhada pela empresa resulta na celebração de
diversos contratos com variados regimes jurídicos – poderão ser trabalhistas, administrativos,
comerciais e até mesmo, excepcionalmente, de consumo. São inúmeros contratos bancários; de
aquisição de insumos para sua atividade de produção, comércio ou prestação de serviços; de
contratação de empregados, prestadores autônomos ou empresas terceirizadas; participação
em licitações, e assim por diante. Em suma, as atividades econômicas de uma empresa irão
demandar algum tipo de avença.
Havendo necessidade de interpretação ou intervenção externa para a readequação
(judicial ou privada mediante arbitragem ou negociação direta), será preciso considerar as
especificidades desta relação, o contexto de sua formação e execução, observando a
necessidade de assegurar aos agentes econômicos segurança e previsibilidade nas
contratações e o respeito ao direito concorrencial para evitar indesejável intervenção na
liberdade própria da competitividade inerente ao capitalismo. São todos indicativos fundamentais
para o bom desempenho das atividades econômicas. Do contrário, existe a possibilidade de

50
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

efetivo prejuízo para a economia de mercado, pois o risco da atividade e a busca do lucro são
partes integrantes da relação comercial.

6.3. Peculiaridades dos Contratos Empresariais

Como já referido, as normas gerais dos pactos empresariais estão estampadas no Código
Civil de 2002. Todavia, existem certas singularidades que precisam ser observadas para a
correta compreensão e interpretação dessa relação contratual. É o que nos ensina PAULA
FORGIONI (Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2010, pág. 29):

A atenção do comercialista recai necessariamente sobre os contratos


interempresariais, ou seja, aqueles celebrados entre empresas, i.e., em que
somente empresas fazem parte da relação. Ao assim proceder,
identificamos os contratos empresariais com aqueles em que ambos (ou
todos) os polos da relação têm a sua atividade movida pela busca do lucro.
É preciso reconhecer: esse fato imprime viés totalmente peculiar aos
negócios jurídicos entre empresários. Entretanto, adotar esse método de
análise da realidade do mercado descortina visão jurídica pouco usual entre
nós, porquanto: (i) Considera como objeto do direito comercial apenas os
contratos celebrados entre empresas (contratos interempresariais, i.e.,
aqueles em que os partícipes têm sua atuação plasmada pela procura do
lucro); e (ii) Coloca em relevo a necessidade do esboço da teoria geral que
leve em consideração as peculiaridades dos contratos interempresariais no
contexto do mercado (i.e., que considere a empresa na teia contratual em
que se insere e que ajuda a construir).

Nos contratos empresariais existe, como pressuposto, a ideia de equiparação entre os


empresários-partes, os quais estarão, em tese, em condições semelhantes de conhecimento
técnico e profissionalismo para definirem seus interesses, resultando em maior autonomia da
vontade, ainda que não se despreze a potencial assimetria de informações ou de poder
econômico entre os envolvidos.

Na eventualidade de ser necessária uma readequação da avença, algo possível e


eventualmente recomendável, a linha interpretativa não pode ser a mesma adotada nas
legislações trabalhista, consumerista e mesmo a puramente civilista – afinal, como já
afirmado, apesar da revogação parcial do Código Comercial, o Direito Empresarial manteve
sua autonomia.

Oportuno, nesse momento, definir o exato alcance da legislação consumerista na relação


contratual da qual participem empresas. Como ensina a reiterada jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça (aqui representada pelo REsp 1599042 / SP), consumidor é toda pessoa
física ou jurídica que adquire ou utiliza, como destinatário final, produto ou serviço oriundo de
um fornecedor. Por sua vez, destinatário final, segundo a teoria subjetiva ou finalista, adotada

51
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

pela Segunda Seção desta Corte Superior, é aquele que última a atividade econômica, ou
seja, que retira de circulação do mercado o bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma
necessidade ou satisfação própria, não havendo, portanto, a reutilização ou o reingresso dele
no processo produtivo. Logo, a relação de consumo (consumidor final) não pode ser
confundida com relação de insumo (consumidor intermediário). A partir dessa lição,
percebemos que eventualmente o empresário será tratado como consumidor, titular das
garantias e normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor. Normalmente atuará como
“insumidor”, e assim as regras aplicáveis serão as do próprio pacto, sob o pálio das regras gerais
do Código Civil e da Constituição Federal.

Postas tais premissas, percebe-se que o dirigismo contratual praticado pelo atual
ordenamento jurídico (capitaneado pelos princípios da função social do contrato – artigo 421 – e
da probidade e boa-fé – artigo 422 – ambos do CC), atua de forma singular nas relações
empresariais pelo potencial efeito em toda a cadeia produtiva e econômica e o risco de irradiação
dos efeitos interventivos para o mercado, tão sensível a quaisquer alterações não previstas ou
precificadas. Justamente para definir melhor essa questão foi publicada a Lei nº 13.874/2019,
com as mudanças já destacadas.
Se existe a importante função social do contrato, não se pode olvidar também a função
social da empresa como um dos pilares do Direito Empresarial.

De um lado, a necessidade de um sistema contratual socialmente justo, no qual os


economicamente mais frágeis ficam protegidos contra obrigações excessivamente onerosas; de
outro, um importante princípio e vetor para o exercício da atividade econômica, tendo em vista
que o seu sentido advém da articulação entre os diversos princípios da ordem econômica
constitucional. Mais do que mera regra interpretativa e integrativa, a função social da empresa
apresenta abstenções e deveres positivos que orientam a atividade empresarial, de
maneira a contemplar, além dos interesses dos sócios, os interesses dos diversos
sujeitos envolvidos, como é o caso dos trabalhadores, dos consumidores, dos concorrentes,
do poder público e da própria sociedade, compatibilizando os diversos interesses envolvidos na
atividade econômica ao mesmo tempo em que se busca a preservação da empresa e da
atividade lucrativa.
No mesmo passo, percebe-se que as teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva
(artigo 478 do CC) não podem ser aplicadas indistintamente aos contratos empresariais, pois,
como acima afirmado, uma certa dose de risco é seu elemento essencial.
O tratamento especial a incidir sobre os contratos empresariais também se justifica em
virtude do ambiente dinâmico e específico no qual estão inseridos. As regras comerciais miram
a rapidez de transações, e a otimização das ações e do ambiente econômico requerem uma
ampla margem de negociação dos contratos legalmente previstos bem como demandam a
atipicidade contratual, possibilidade conferida às partes para criação de contratos não
previstos na legislação, amparados na expertise dos envolvidos e que visam atender
necessidades de seus empreendimentos.

52
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Os contratos atípicos não dispõem de regramentos próprios e estão expressamente


consagrados pelo art. 425 do CC2
Nesse tocante, leciona Paula Forgioni (Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 65):

As partes, quando negociam e contratam, não tomam confortavelmente


assento diante de um código e escolhem, entre fórmulas pré-existentes
[i.e., tipificadas], aquela que mais lhes apraz. Os contratos empresariais
nascem da prática dos comerciantes e raramente de tipos normativos
preconcebidos por autoridades exógenas ao mercado.

Tratando-se de contrato atípico, a criação e interpretação devem ser fundadas nas regras
ordinárias aplicáveis aos contratos em geral e nos demais preceitos legais criados para situações
semelhantes. Haverá maior prevalência, claro, do princípio da força obrigatória dos contratos
(pacta sunt servanda), notadamente por se tratar de relação empresarial, admitindo-se a
ingerência externa nas obrigações livremente pactuadas entre as partes somente em situações
excepcionais.
A esse respeito, oportuno ressaltar as considerações lançadas pelo Ministro Paulo de
Tarso Sanseverino quando do julgamento do REsp nº 1.158.815/RJ:

"(...) Neste contexto, visando à promoção destes fins, admite o Direito


brasileiro, expressamente, a revisão contratual, diante da alteração
superveniente das circunstâncias que deram origem ao negócio jurídico
(teoria da imprevisão, teoria da base objetiva etc.). Nada obstante, a par de
não se ter reconhecido, no caso dos autos, qualquer destas alterações, não
previstas, aliás, no Código de 1916, a intervenção do Estado no campo do
Direito Privado, mais precisamente no plano do Direito Empresarial – em
que se situa a relação jurídica estabelecida entre a recorrente e as
recorridas –, deve ser mínima, em respeito à vontade manifestada de forma
efetivamente livre pelas partes. Neste sentido, Fábio Ulhoa Coelho (O
futuro do direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 166) chega a
reconhecer a vigência, neste campo do direito, do princípio da 'plena
vinculação dos contratantes ao contrato', ou seja uma força obrigatória dos
efeitos do contrato (pacta sunt servanda) em grau superior ao do Direito
Civil, cujo afastamento somente poderia ocorrer em hipóteses
excepcionais. Efetivamente, no Direito Empresarial, regido por princípios
peculiares, como a liberdade de iniciativa, a liberdade de concorrência e a
função social da empresa, a presença do princípio da autonomia privada é
mais saliente do que em outros setores do Direito Privado. Naturalmente,
mesmo no Direito Empresarial, pode haver a necessidade de mitigação do

Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.
53
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

princípio da autonomia privada, especialmente quando houver


desigualdade material entre as empresas contratantes".

Dica: Ao interpretar a relação contratual empresarial, não podemos esquecer:


• Presumível equiparação entre as partes;
• Maior autonomia da vontade (pacta sunt servanda);
• Risco da atividade e busca do lucro integram a relação;
• Função social do contrato X função social da empresa;
• Possibilidade de formação de contratos atípicos.

6.4. Enunciados das Jornadas de Direito Comercial do Conselho da Justiça


Federal

Cumpre, então, destacar algumas importantes conclusões da I Jornada de Direito


Comercial do Conselho da Justiça Federal (CJF) indicadas nos enunciados a seguir e que bem
resumem as especificidades da relação contratual empresarial:
20. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos
celebrados entre empresários em que um dos contratantes tenha por
objetivo suprir-se de insumos para sua atividade de produção, comércio ou
prestação de serviços.
21. Nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado,
tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais.
23. Em contratos empresariais, é lícito às partes contratantes estabelecer
parâmetros objetivos para a interpretação dos requisitos de revisão e/ou
resolução do pacto contratual.
25. A revisão do contrato por onerosidade excessiva fundada no Código
Civil deve levar em conta a natureza do objeto do contrato. Nas relações
empresariais, deve-se presumir a sofisticação dos contratantes e observar
a alocação de riscos por eles acordada.
26. O contrato empresarial cumpre sua função social quando não acarreta
prejuízo a direitos ou interesses, difusos ou coletivos, de titularidade de
sujeitos não participantes da relação negocial.
27. Não se presume violação à boa-fé objetiva se o empresário, durante as
negociações do contrato empresarial, preservar segredo de empresa ou
administrar a prestação de informações reservadas, confidenciais ou
estratégicas, com o objetivo de não colocar em risco a competitividade de
sua atividade.

54
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

28. Em razão do profissionalismo com que os empresários devem exercer


sua atividade, os contratos empresariais não podem ser anulados pelo vício
da lesão fundada na inexperiência.
29. Aplicam-se aos negócios jurídicos entre empresários a função social do
contrato e a boa-fé objetiva (arts. 421 e 422 do Código Civil), em
conformidade com as especificidades dos contratos empresariais.

7. Contratos empresariais em espécie – Parte 1

7.1. Compra e Venda Mercantil

É a modalidade mais importante dos contratos empresariais, com enorme aplicação no


cotidiano das empresas. É consensual, bilateral, oneroso e comutativo e sem maiores
formalidades para sua concretização, salvo hipóteses apontadas na legislação (como bens
imóveis).
O parcialmente revogado Código Comercial de 1850 estabelecia três requisitos para que
o contrato fosse considerado mercantil: subjetivo (qualidade das partes), objetivo (somente bens
móveis ou semoventes) e finalístico (destinação obrigatória da mercadoria). Só seria comercial
a compra e venda que o comerciante realizasse no exercício de sua profissão, em consonância
com a teoria dos atos de comércio.
Já o Código Civil de 2002, que afastou a teoria dos atos de comércio para fixar o conceito
de teoria jurídica de empresa, estabeleceu como requisito único para a compra e venda mercantil
a condição de empresário para ambos os contratantes. Assim, toda compra e venda em que
comprador e vendedor são empresários é considerada mercantil, não se questionando o tipo de
objeto e tampouco a destinação do insumo:

Art. 481, CC. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir
o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.

Em havendo a utilização do objeto como destinatário final, retirando-o do circuito


econômico, poderemos ter uma relação de consumo, regulada pelo Código de Defesa do
Consumidor, como já esclarecido em aula anterior (REsp nº 1.599.042/SP).
Existe grande liberdade para sua perfectibilização, que se dá quando as partes chegam
ao consenso sobre três elementos: preço, forma de pagamento e objeto do contrato (artigo 482
do CC). Este pode se constituir em grande quantidade de mercadorias, e então o contrato será
compra e venda em atacado, ou poucas unidades de uma mesma mercadoria, quando então
teremos uma avença varejista.

55
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

7.1.1. Situações Especiais da Compra e Venda Mercantil

a) Pacto de Retrovenda
→ Previsto nos artigos 505 a 508 do CC.

Trata-se de cláusula acessória que funciona como cláusula resolutiva expressa de


desfazimento do negócio. Assegura ao vendedor o direito de recomprar o bem vendido no prazo
máximo decadencial três anos após a venda, mediante reembolso do principal, mais as despesas
do comprador. O direito pode ser exercido inclusive contra terceiro comprador (CC, art. 507).
b) Venda a Contento e Sujeita a Prova

→ Previstas nos artigos 509 a 512 do CC.


Conhecida também como cláusula ad gustum, é adjeta ao contrato de compra e venda e
suspende sua eficácia até que o comprador manifeste, em determinado prazo, o seu agrado
com o produto entregue pelo vendedor. Enquanto não apresenta sua manifestação de vontade,
o comprador é considerado comodatário dos bens.
Podemos encontrar contratos de compra e venda submetidos às condições suspensivas
de [1] degustação; [2] peso, medida e contagem; [3] experimentação; [4] exame.

Já a compra e venda sob amostra (CC, art. 484) caracteriza-se pela manifestação de
vontade positiva do comprador a partir do exame de uma amostra do produto. Houve prévia
avaliação favorável, mas o contrato somente se aperfeiçoa com a constatação de que o produto
entregue possui as mesmas características da amostra previamente apresentada pelo vendedor,
configurando também uma condição suspensiva para o aperfeiçoamento do contrato.

c) Preempção ou Preferência
→ Prevista nos artigos 513 a 520 do CC.

Assegura ao vendedor o chamado direito de prelação. Caso o comprador queira vender


um bem que adquiriu a terceiros, estará obrigado pela cláusula contratual a oferecer o bem ao
primitivo vendedor, que se pagar o mesmo valor oferecido pelo terceiro (e demais termos e
condições), terá preferência para a aquisição.
O prazo para exercer o direito é de no máximo 180 dias se a coisa for móvel e de dois
anos se imóvel. Na ausência de estipulação contratual, presumir-se-á como sendo três dias para
bem móvel e 60 dias para bem imóvel.
d) Compra e Venda com Reserva de Domínio
Contratos nos quais a forma de pagamento for parcelada podem apresentar cláusula de
reserva de domínio, pela qual a posse direta do bem alienado e os riscos da conservação são
transferidos para o comprador desde o início da vigência do contrato, mas o domínio (portanto,

56
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

a propriedade) somente será transferida após o pagamento da última parcela, conforme os


artigos 521 a 528 do CC 3.
A venda com reserva de domínio restringe-se aos bens móveis e exige forma escrita,
pois se não houver previsão expressa da reserva de domínio, aplicar-se-á a regra geral de que
a propriedade do bem móvel transfere-se com a tradição.

e) Venda sobre Documentos


→ Prevista nos artigos 529 a 532 do CC.

A tradição da coisa é substituída pela entrega de seu título representativo e de outros


documentos exigidos pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos.
O pagamento, em regra, será feito na data e local da entrega dos documentos, que,
estando em ordem, não permite recusa sob alegação de defeito de qualidade ou estado da coisa
transacionada.

7.1.2. Termos de Comércio Internacional – INCOTERMS

A intensa troca de mercadorias e produtos entre países e entre empresas de países


distintos demandou uma padronização de regras para viabilizar maior segurança entre as partes
contratantes.
Assim, para atender à necessidade global, a Câmara Internacional de Comércio estipulou
as Regras de Comercio Internacional (International Commercial Terms) – INCOTERMS -,
padrões internacionais criados há 83 anos e utilizados em contratos de compra e venda no setor
de transporte e logística para processos de importação e exportação, informando quem é o
responsável pelo frete, definir o ponto de coleta da mercadoria e identificar o responsável pelo
seguro.

Os INCOTERMS são regras que dizem respeito, sobretudo, à definição de


responsabilidades no transporte dos produtos comercializados entre países.
Observando a versão 2020 dos Incoterms, percebemos que seguem sendo 11 divididos
em quatro grupos: [a] Categoria ‘E’ (ex / Partida); [b] Categoria ‘F’ (free / Transporte Principal não
pago); [c] Categoria ‘C’ (carriage / Transporte Principal pago); [d] Categoria ‘D’
(delivery/Chegada).

57
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

- Requisito único para compra e venda mercantil: a


condição de empresário para ambos os contratantes;

- Possibilidade de relação de consumo regida pelo CDC:


REsp nº 1.599.042/SP;
- Cláusulas especiais de compra e venda: pacto de
retrovenda; venda a contento e sujeita à prova;
preempção ou preferência; compra e venda com reserva
de domínio; e venda sobre documentos.
- INCOTERMS: termos de regulação para comércio
internacional.

7.2. Arrendamento Mercantil – Leasing

O contrato de arrendamento mercantil está regulado pela Lei nº 6.099/1974 e pela


Resolução 2.309/1996 do Banco Central. Operação muito comum no ambiente mercantil, o
leasing está assim descrito:

Art. 1º, Lei nº 6.099/1974. O tratamento tributário das operações de arrendamento


mercantil reger-se-á pelas disposições desta Lei.

Parágrafo único - Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o


negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa
física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de
bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso
próprio desta.

Assim, é o contrato no qual uma pessoa jurídica (arrendadora) arrenda a uma pessoa
física ou jurídica (arrendatária), por determinado tempo, um bem, móvel ou imóvel, de fabricação
nacional ou estrangeira (desde que autorizados pelo Conselho Monetário Nacional) comprado
pela primeira de acordo com as indicações da segunda.
O arrendador é o proprietário e possuidor indireto do bem (o que garante a viabilidade do
aforamento de reintegração de posse), sendo que a posse direta e o usufruto, durante a vigência
do contrato, são do arrendatário, o qual paga uma mensalidade para o exercício de tal direito. É
a marca central dessa espécie de operação e que a diferencia claramente de um financiamento
bancário, na qual o bem é de propriedade do mutuário, ainda que alienado, já no ato da compra.
No caso do leasing, o bem é adquirido pelo arrendador, que se torna seu proprietário. Este
concede o direito de uso do bem, mediante o pagamento de contraprestações, por um prazo

58
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

determinado. Ao fim do contrato, pode existir a possibilidade de compra do bem pelo


arrendatário. Já no financiamento comum, a empresa compra o bem que deseja,
utilizando recursos de terceiros fornecedores do crédito, que reservam a si garantias de
adimplemento. Ao quitar todas as prestações, o adquirente se torna em definitivo titular do bem.
Esta distinção fica muito nítida no corriqueiro caso de aquisição de veículos, pois na
hipótese de leasing, os documentos são emitidos em nome da sociedade de arrendamento
mercantil. Com a quitação do contrato, o agente financeiro deverá, no prazo de até trinta dias
úteis, após recebimento destes documentos, remeter ao arrendatário o documento único de
transferência (DUT) do veículo devidamente assinado pela arrendadora, a fim de possibilitar que
o arrendatário providencie a respectiva transferência de propriedade do veículo junto ao
departamento de trânsito do Estado (Lei nº 11.649/2008).

Segundo a lei nº 6.099/74, são requisitos básicos da contratação:


Art 5º - Os contratos de arrendamento mercantil conterão as seguintes disposições:
a) prazo do contrato;
b) valor de cada contraprestação por períodos determinados, não superiores a um
semestre;
c) opção de compra ou renovação de contrato, como faculdade do arrendatário;
d) preço para opção de compra ou critério para sua fixação, quando for estipulada esta
cláusula.

Dessa feita, percebemos que, ao final do contrato, caberá ao arrendatário solicitar a


renovação da locação, encerrá-la ou adquirir o bem arrendado, mediante pagamento do valor
residual, menor do que o da sua aquisição inicial, se previamente fixado.

A partir dessas definições, podemos resumir as obrigações contratuais da seguinte forma:


1. Arrendador: adquirir o bem para ser dado em arrendamento; conceder a posse direta
do bem ao arrendatário; permitir seu pleno uso, embora mantenha a propriedade; vender o bem
ao final (caso haja interesse do arrendatário).

2. Arrendatário: pagar, na forma estabelecida, as prestações; conservar o bem arrendado,


respondendo pelos prejuízos que causar; encerrado o contrato, devolver o bem ao arrendador-
proprietário, caso não opte pela compra ou renovação do arrendamento.

7.2.1. Modalidades de Leasing

a) Financeiro, puro ou bancário: o fabricante não figura como locador. Há uma empresa
que desempenha esse papel, que se dedica exclusivamente a adquirir bens fabricados por
terceiros para arrendá-los, através de redistribuição, a outra sociedade que necessite destes
bens.
b) Lease-back ou de retorno: forma eficiente para obtenção de capital de giro,
caracterizado quando uma sociedade proprietária de um bem o vende para outra empresa, e
esta última, ao adquirir o bem, em ato contínuo o arrenda para a vendedora. Existe então o
retorno do bem para a primeira empresa.

59
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

c) Operacional ou renting: casos em que a sociedade é proprietária de bens e os dá em


arrendamento para terceiro, mediante o pagamento de determinadas parcelas. Não há uma
terceira pessoa nesta relação, porquanto o próprio fabricante ou vendedor figurará como
arrendante. Além disso, se compromete a prestar assistência ao arrendatário por todo o período
do arrendamento. Difere do modelo financeiro pois neste sempre encontramos a obrigatoriedade
do cumprimento da obrigação contraída por todo o período do arrendamento, enquanto no
leasing operacional o contrato pode ser rescindido a qualquer momento pelo arrendatário desde
que mediante aviso prévio.

7.2.3. Valor Residual Garantido - VRG

Acerca do pagamento do valor residual, importa destacar a orientação do STJ em sua


Súmula 293, que mesmo não sendo recente, causa alguma confusão: “A cobrança antecipada
do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.”
O pagamento adiantado do Valor Residual Garantido - VRG não implica necessariamente
antecipação da opção de compra, posto subsistirem as opções de devolução do bem ou
prorrogação do contrato. Pelo que não descaracteriza o contrato de leasing para compra e venda
à prestação. Como as normas de regência não proíbem a antecipação do pagamento da VRG
que, inclusive, pode ser de efetivo interesse do arrendatário, deve prevalecer o princípio da livre
convenção entre as partes. (EREsp 213828 RS, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Rel. p/
Acórdão Ministro EDSON VIDIGAL, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/05/2003, DJ 29/09/2003,
p. 135)

A edição da Súmula 293 cancelou a de número 263, que deliberava em sentido oposto:
a cobrança antecipada do valor residual (VRG) descaracteriza o contrato de arrendamento
mercantil, transformando-o em compra e venda a prestação.
E quanto ao tema, lembremos o Enunciado 38 da I Jornada de Direito Comercial do CJF
(afastando preceito do CDC): “É devida a devolução simples, e não em dobro, do valor residual
garantido (VRG) em caso de reintegração de posse do bem objeto de arrendamento mercantil
celebrado entre empresários.”

60
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

- No leasing, o bem é adquirido pelo arrendador, que


se torna seu proprietário. Este concede o direito de
uso do bem, mediante o pagamento de
contraprestações, por um prazo determinado;

- Ao final do contrato, caberá ao arrendatário solicitar


a renovação da locação, encerrá-la ou adquirir o bem;
- Modalidades: financeiro, lease-back e operacional;

- Valor residual garantido (VRG): Súmula 293 do STJ.

7.3. Alienação Fiduciária

Contrato por meio do qual o devedor (fiduciante - empresa que busca crédito para obter o
bem desejado) obtém financiamento para a aquisição de bem durável de uma instituição
financeira credora (fiduciária - instituição financeira que concede o financiamento). A garantia do
pagamento será o próprio bem, pois o devedor aliena-o ao credor. A alienação fiduciária é,
portanto, um negócio jurídico onde o devedor negocia a transferência da propriedade junto ao
credor como forma de garantir uma dívida.

Envolve a realização de contratos simultâneos: [1] compra e venda e [2] a alienação


fiduciária do bem adquirido.
Lembremos as partes envolvidas no contrato: [1] fiduciante – possuidor direto e devedor;
[2] fiduciário – possuidor indireto e credor.
Sendo uma espécie contratual com larga aplicação no mercado financeiro, e em contínua
expansão, existe, como decorrência, um variado espectro normativo regulamentando as relações
decorrentes, exigindo do intérprete a delimitação das hipóteses de incidência dos regimes
jurídicos concorrentes.

O Código Civil terá aplicação supletiva para casos não alcançados por legislação
específica. Para aclarar o conflito das leis restou lançado o artigo 1.368-A:

Art. 1.368-A, CC. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade


fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se
aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação
especial.

A aplicação do Código Civil é realizada de forma subsidiária, mas de qualquer forma é


imprescindível seu conhecimento pelas partes da relação negocial.

61
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

No contrato, devem constar todas as informações sobre a operação em questão,


notadamente: [1] descrição detalhada do bem em alienação e o seu modo de aquisição; [2] valor
do bem, assim como seus critérios de atualização e revisão; [3] cláusula indicando livre utilização
da propriedade fiduciária, pois o bem pode ser utilizado pelo devedor (possuidor direto) como lhe
aprouver enquanto vigorar o contrato; [4] valor da dívida, juntamente com o seu prazo de
vencimento e demais condições de pagamento; [5] taxa de juros e encargos.

Para a garantia ser assentada, em se tratando de veículo automotor, necessário o registro


no departamento de trânsito. Sendo bem imóvel, deve ser registrado no Ofício de Registro de
Imóveis.
A alienação fiduciária apresenta largas vantagens para o mercado de crédito. Traz
segurança jurídica, por prever a propriedade compartilhada sobre um bem (o devedor deixa de
ter propriedade plena sobre o bem e assim o credor fica protegido de situações inesperadas);
menos burocracia, por ser mais simples em seus atos formais de constituição e também para a
execução da garantia do que outros contratos, como a hipoteca; redução do risco de
inadimplência, com a ampliação das garantias e da rapidez no procedimento de cobrança frente
a outros tipos de financiamento pois o processo de satisfação do crédito é mais ágil, refletindo
também na diminuição do grau de risco calculado nas operações de concessão de crédito. Se
houver o efetivo pagamento, o direito pleno de propriedade volta a ser do devedor. Caso não se
perfectibilize a quitação da dívida, o credor retomará a coisa, que juridicamente também é sua.
O preço obtido com a venda da coisa será utilizado para satisfazer o pagamento que ainda tem
a receber, devolvendo-se eventual excedente.
Na hipótese de inadimplemento, a execução do contrato ocorre pela via extrajudicial. Em
outras palavras, a cobrança é mais ágil para o credor.

Exemplificando a simplificação e o fortalecimento do sistema de garantias ao credor,


temos dois temas repetitivos do STJ:
Tema Repetitivo 530 STJ: A notificação extrajudicial realizada e entregue no endereço
do devedor, por via postal e com aviso de recebimento, é válida quando realizada por Cartório
de Títulos e Documentos de outra Comarca, mesmo que não seja aquele do domicílio do
devedor.
Tema Repetitivo 722 STJ: Nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004,
compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e
apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e
comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel
objeto de alienação fiduciária.

62
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

- Negócio jurídico onde o devedor negocia a transferência da


propriedade junto ao credor como forma de garantir uma
dívida;
- Realização de contratos simultâneos: [1] compra e venda e
[2] alienação fiduciária do bem adquirido;
- O Código Civil terá aplicação supletiva para casos não
alcançados por legislação específica;

- Traz segurança jurídica, menor burocracia e redução do risco


de inadimplência para o mercado de crédito.

7.4. Locação

A locação de prédio urbano com finalidade comercial está submetida à lei especial, Lei nº
8.245/1991, e assim seguiu mesmo com a edição do Código Civil de 2002, segundo define seu
art. 2.036: “A locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser
regida.”

No tocante, vale destacar a lição de Arnaldo Rizzardo:

Atualmente, vige a Lei nº 8.245, de 18.10.1991, que substituiu a Lei nº


6.649, de 16.05.1979, regulando todos os contratos de locação de prédios
urbanos, sejam residenciais ou não residenciais, tanto no pertinente ao
campo de sua aplicação, como no que se refere aos deveres e direitos dos
locadores e locatários, às garantias locatícias, à prorrogação dos contratos,
ao reajuste de aluguéis, à rescisão ou resolução contratual, à retomada do
prédio ou despejo do locatário, às penalidades a que se sujeitam as partes
(Contratos. 2ª Ed, Rio de Janeiro: Forense, 2001).

Todavia, algumas exceções são trazidas pela legislação especial, definindo a regulação
pelo Código Civil (art. 1º, parágrafo único).

Enfim, a seção III da Lei nº 8.245/91 está dedicada para a locação não residencial.
O ponto mais sensível da locação empresarial reside no direito de renovação do contrato,
porquanto é natural da atividade mercantil a realização de elevados investimentos na estrutura
física do espaço locado, bem como na construção de uma relação imaterial com a clientela.

63
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Começou com a Lei de luvas (Decreto 24.150 de 20 de abril de 1934), cuja sistemática
era a de proteção ao local onde o empresário estabelecia seu comercio. Assim a lei de locações
manteve o instituto prevendo a possibilidade da ação renovatória, submetida a uma série de
requisitos:
Art. 51. Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito a
renovação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente:
I - o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado;
II - o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos
escritos seja de cinco anos;
III - o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e
ininterrupto de três anos.
§ 1º O direito assegurado neste artigo poderá ser exercido pelos cessionários ou
sucessores da locação; no caso de sublocação total do imóvel, o direito a renovação
somente poderá ser exercido pelo sublocatário.
§ 2º Quando o contrato autorizar que o locatário utilize o imóvel para as atividades de
sociedade de que faça parte e que a esta passe a pertencer o fundo de comércio, o direito
a renovação poderá ser exercido pelo locatário ou pela sociedade.
§ 3º Dissolvida a sociedade comercial por morte de um dos sócios, o sócio sobrevivente
fica sub-rogado no direito a renovação, desde que continue no mesmo ramo.
§ 4º O direito a renovação do contrato estende-se às locações celebradas por indústrias e
sociedades civis com fim lucrativo, regularmente constituídas, desde que ocorrentes os
pressupostos previstos neste artigo.
§ 5º Do direito a renovação decai aquele que não propuser a ação no interregno de um
ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do
contrato em vigor.

A demanda renovatória visa a garantir os direitos do locatário contra eventuais pretensões


do locador em se apropriar do patrimônio imaterial que foi agregado ao imóvel pela atividade
exercida pelo locatário, notadamente o fundo de comércio e o ponto comercial. Evidente que,
sob outro enfoque, não pode a ação judicial se tornar uma forma de eternizar a relação locatícia,
restringindo o direito de propriedade do locador. Com isso, o STJ definiu que a renovação, se
acolhida, deve ser por novo prazo de cinco anos.
De outro lado, a legislação também nos informa quando não haverá obrigação de
renovação do contrato:

Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se:


I - por determinação do Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que importarem
na sua radical transformação; ou para fazer modificações de tal natureza que aumente o
valor do negócio ou da propriedade;
II - o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio
existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge,
ascendente ou descendente.
§ 1º Na hipótese do inciso II, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo
do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de comércio, com as instalações
e pertences.
§ 2º Nas locações de espaço em shopping centers , o locador não poderá recusar a
renovação do contrato com fundamento no inciso II deste artigo.
§ 3º O locatário terá direito a indenização para ressarcimento dos prejuízos e dos lucros
cessantes que tiver que arcar com mudança, perda do lugar e desvalorização do fundo de
comércio, se a renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em melhores
condições, ou se o locador, no prazo de três meses da entrega do imóvel, não der o destino

64
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

alegado ou não iniciar as obras determinadas pelo Poder Público ou que declarou
pretender realizar.

O direito ao recebimento de indenização pelo locatário, em virtude da perda ou


desvalorização do fundo de comércio, estará vinculado ao direito à renovação compulsória, bem
como forma de penalizar o locador pela retomada insincera do imóvel. Ou seja, o não
preenchimento de um dos requisitos legais para a renovação obrigatória afasta a possibilidade
deste direito.

7.4.1. Locação Built to Suit

Forma de locação que foi consolidada na legislação brasileira em 2012, com a inserção
do artigo 54-A à lei de locações.
Com nítido caráter mercantil, o locador constrói ou promove substancial reforma em seu
imóvel com finalidade de atender exigências específicas da empresa locatária. Assim, torna-se
possível viabilizar projetos de empreendimentos imobiliários que atendam as normas
estabelecidas pelos futuros usuários, ao mesmo tempo em que evita a imobilização do capital
de giro da locatária. Há ampla liberdade de negociação, justamente em atenção à sofisticação
do pacto, valores envolvidos e das qualidades técnicas das partes envolvidas.
Nesse sentido, vale destacar a conclusão da II Jornada de Direito Comercial, no
Enunciado 67: “Na locação built to suit, é válida a estipulação contratual que estabeleça cláusula
penal compensatória equivalente à totalidade dos alugueres a vencer, sem prejuízo da aplicação
do art. 416, parágrafo único, do Código Civil.”
Em suma, o valor da cláusula penal está limitado pelo art. 54-A, § 2º, da Lei 8.245/91, mas
tal regra não é incompatível com o art. 416, parágrafo único, do Código Civil.

7.4.2. Locações em Shopping Center

Forma de locação mercantil em empreendimento que sinaliza um ambiente mais


sofisticado de atividade comercial, também está regulada pela lei de locações.

Os empreendimentos conhecidos por shopping center no Brasil não são núcleos de


mercancia com um surgimento espontâneo, mas uma tradução de uma evolução das técnicas
de administração empresarial. A orientar sua instalação há uma estratégia profissional, buscando
determinar uma ‘concentração territorial do comércio, anteriormente disseminado pelo espaço
urbano nas ruas do centro ou nos subcentros comerciais’, engendrada por empreendedores
conscientes da envergadura da oportunidade, bem como dos lucros de tais iniciativas.
(MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center: abusos e ilegalidades. Belo
Horizonte: Del Rey, 2000, p. 26-28)
Não por outra razão o art. 54 da Lei em comento estipula liberdade para a pactuação das
cláusulas no contrato de locação de espaço em shopping center firmado entre lojistas e
empreendedores.

65
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Tanto a confecção do contrato quanto a interpretação das suas cláusulas devem ter como
premissa os princípios maiores do sistema de Direito Empresarial, notadamente a autonomia da
vontade. Como já sinalamos nos tópicos anteriores, o controle judicial sobre cláusulas (em tese)
abusivas em contratos empresariais é mais restrito, pois as negociações são entabuladas entre
profissionais da área empresarial. E quanto maior a sofisticação da avença, menor o âmbito de
intervenção estatal, sendo aceita como válida até a chamada cláusula de raio, para obstar que o
lojista com empreendimento dentro do shopping instale empreendimento idêntico nas
proximidades.

Adiante, nessa espécie de locação, é muito usual a presença do 13º aluguel. O STJ (REsp
1409849/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe
05/05/2016) se pronunciou sobre a legalidade da cláusula, entendendo não ser abusiva a
previsão que estabelece a duplicação do valor do aluguel no mês de dezembro.

E se existe uma parcela variável, mostra-se necessária uma forma de fiscalizar a correção
desses pagamentos. A I Jornada de Direito Comercial do CJF pronunciou-se sobre o tema, no
Enunciado 30: “Nos contratos de shopping center, a cláusula de fiscalização das contas do lojista
é justificada desde que as medidas fiscalizatórias não causem embaraços à atividade do lojista.”

- Locação comercial está submetida à Lei 8.245/91. As


exceções estão previstas na própria lei;
- Ação renovatória de locação comercial depende do
implemento de requisitos objetivos;
- Locação built to suit: o locador constrói ou promove
substancial reforma em seu imóvel com a finalidade de
atender exigências específicas da empresa locatária;

- Locação em shopping center: o art. 54 da Lei 8.245/91


estipula liberdade para pactuação das cláusulas no contrato
de locação firmado entre lojistas e empreendedores.

7.5. Factoring

No factoring, ou fomento mercantil, o empresário transfere a uma instituição financeira


(parabancária) a administração de determinado crédito. A operação caracteriza-se pela
aquisição de direitos creditórios de contas a receber a prazo por um valor à vista, mediante a

66
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

incidência de taxas de juros e de serviços. Possibilita liquidez financeira imediata para empresas
e não deve ser confundida com a operação de crédito praticada por bancos.
Fran Martins assim o define: O Contrato de Faturização ou Factoring é aquele em que um
comerciante cede a outro os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a terceiros,
recebendo o primeiro do segundo o montante desses créditos, mediante o pagamento de uma
remuneração (Contratos e Obrigações Comerciais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, 15ª Edição.
Pág. 469).
Ainda que o contrato de fomento mercantil se forme entre faturizador e faturizado (o
vendedor do título), é de suma importância também a figura do comprador originário, uma vez
que são os créditos que o vendedor tem contra esse que são cedidos. Dessarte, temos como
pressupostos sempre uma inicial venda à prazo e, havendo a cessão de crédito, o comprador
deve ser notificado da transação, para que efetue o pagamento do título ao faturizador.
Podemos então definir a operação em quatro etapas sucessivas: [1] empresa vende seu
bem ou serviço à prazo, gerando um crédito no valor correspondente; [2] a empresa (faturizada)
negocia este crédito com a faturizadora; [3] de posse desse crédito, a factoring informa o
comprador daquele bem ou serviço sobre o fato e a forma de cobrança; [4] findo o prazo do
negócio de origem, a empresa compradora pagará o valor deste crédito à faturizadora,
encerrando o processo.
Modalidades:
1. faturização interna: operações realizadas dentro do mesmo país ou região;

2. faturização externa: operações realizadas no exterior, como nos casos de importação


e exportação;

3. faturização no vencimento (maturity factoring): as faturas são remetidas ao faturizador


que as liquida somente na data de seu vencimento.
4. faturização tradicional (old line factoring): as faturas remetidas ao faturizador são
liquidadas antes da data de vencimento. Em todos os casos há a assunção dos riscos pelo
faturizador do inadimplemento por parte do comprador/cliente. Se o risco faz parte do negócio,
caso a dívida não seja paga, não tem o faturizador direito de cobrança em face do faturizado
(Resp 1.289.995/PE).

67
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

- Empresa vende seu bem ou serviço a prazo, gerando


um crédito no valor correspondente;

- A empresa (faturizada) negocia esse crédito com a


faturizadora;
- De posse desse crédito, a factoring informa o comprador
daquele bem ou serviço sobre o fato e a forma de
cobrança;

- Findo o prazo do negócio de origem, a empresa


compradora pagará o valor deste crédito à faturizadora.

8. Contratos empresariais em espécie – Parte 2

8.1. Franquia

O sistema de franquia foi inicialmente disciplinado no Brasil pela Lei nº 8.955/1994.


Atualmente vigora a Lei nº 13.966, de dezembro de 2019, que dispõe sobre o sistema de franquia
empresarial e expressamente revogou a normativa anterior:
Art. 1º Esta Lei disciplina o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador
autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de
propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição
exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos
e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional
desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem
caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a
seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.
§ 1º Para os fins da autorização referida no caput, o franqueador deve ser titular ou
requerente de direitos sobre as marcas e outros objetos de propriedade intelectual
negociados no âmbito do contrato de franquia, ou estar expressamente autorizado pelo
titular.
§ 2º A franquia pode ser adotada por empresa privada, empresa estatal ou entidade sem
fins lucrativos, independentemente do segmento em que desenvolva as atividades.

Franquia empresarial ou franchising é o sistema pelo qual um franqueador cede ao


franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva
ou não de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de

68
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo


franqueador sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.
Existe autonomia jurídica, administrativa e financeira do franqueado como empresário,
que não está ligado ao franqueador por qualquer vínculo de subordinação, devendo apenas
obedecer às regras e limitações impostas como padronização da comercialização do produto,
bem como o franqueado pagará remuneração (royalties) ao franqueador. Ao contrário da taxa
de franquia, que é paga uma única vez, logo após a assinatura do pacto, os royalties são pagos
regularmente em razão da contínua exploração da marca e do suporte recebido.
Há vantagens para ambos: franqueador amplia a oferta da mercadoria e serviço sem
aporte de capital; o franqueado desenvolve um negócio consolidado perante o público e sem
encargos de marketing e criação de produto.

É um contrato atípico (nem a lei nem o CC definem direitos e deveres do franqueador e


do franqueado) que respeita a autonomia da vontade dos empresários. Entretanto, o franqueador
deve prestar ao franqueado serviços de organização empresarial, que se desdobram em três
contratos de orientação: engineering – do processo de montagem e planejamento do
estabelecimento; management – no treinamento da equipe de funcionários e gerência; marketing
- procedimento de divulgação e promoção dos produtos comercializados.

Dessarte, pelo contrato de franquia, com a colaboração do franqueador, o franqueado,


com algum capital, pode estabelecer-se sem precisar proceder ao estudo e equacionamento de
muitos dos aspectos do empreendimento, pois encontram-se já suficientemente equacionados
pelo titular de uma marca de comércio, produto ou serviço.

Circular de Oferta de Franquia – COF (art. 2º): franqueador deve fornecer ao potencial
franqueado um documento escrita em língua portuguesa, de forma objetiva e acessível, contendo
os dados fundamentais do negócio (requisitos obrigatórios) para que ele tome ciência dos riscos
e custos inerentes ao negócio. O artigo 2º indica 23 (vinte e três) incisos que apresentam um
mapeamento geral do negócio a ser entabulado pelas partes. Deve ser disponibilizada ao
candidato a franqueado no mínimo 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato,
ressalvada a possibilidade de licitação promovida por órgão ou entidade pública, caso em que a
COF será divulgada no início do processo de seleção. Ao contrário, as relações entre
franqueador e franquiado continuam regendo-se exclusivamente pelas cláusulas
contratualmente pactuadas. Tal legislação visa a assegurar transparência nas negociações que
antecedem a adesão do franquiado à franquia.
O contrato deve ser registrado no INPI para valer contra terceiros, como previsto na Lei
de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), em seu art. 211: “O INPI fará o registro dos contratos
que impliquem transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares para produzirem
efeitos em relação a terceiros.”

69
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

8.2. Representação Comercial

A Lei nº 4.886/1965, com as alterações introduzidas pelas Leis nº 8.420/1992 e nº


12.246/2010, é a legislação aplicável ao contrato de representação comercial, sendo que deve
ser celebrado por escrito e observar os diversos requisitos do artigo 27.
A representação comercial é um contrato de colaboração (ao lado da concessão
mercantil, a franquia e a distribuição). Esses têm como característica atribuir obrigação a um dos
contratantes (o colaborador) a responsabilidade de criar ou ampliar mercado de bens e/ou
serviços da outra parte. Em razão da obrigação essencial que os caracteriza, possuem como
marca comum uma subordinação empresarial entre as partes. No que toca à representação
em si, é o instrumento pelo qual um representante comercial autônomo se obriga, em delimitada
região geográfica, a buscar pedidos de compra e venda das mercadorias fabricadas ou
comercializadas pelo representado.

Não há, em regra, vínculo societário ou empregatício entre o representado e o


representante comercial. A atividade desenvolvida possui disciplina jurídica própria, tratando-se
de atividade autônoma. Além disso, o representante comercial não tem poderes para concluir a
negociação em nome do representado. O representante se obriga, mediante remuneração mas
sem vínculo de subordinação pessoal, a obter negócios para o representado, negocia as
mercadorias do representado, mas caberá exclusivamente a este a conclusão do negócio.
Portanto, não se confunde com o mandato, no qual o mandatário recebe poderes para negociar
em nome do mandante.

É obrigatório o registro no Conselho Regional dos Representantes Comerciais (Lei n.


4.886/65, art. 2º).

Obrigações contratuais mais comuns do representante comercial autônomo: [1] buscar,


com diligência, pedidos de compra e venda, em nome do representado, ajudando-o a expandir
o seu negócio e promover os seus produtos; [2] seguir as instruções fixadas pelo representado;
[3] Informar o representado sobre o andamento dos negócios, nas oportunidades definidas em
contrato ou quando solicitado e prestar-lhe contas; [4] Observar as obrigações profissionais.
As obrigações mais comuns do representado: [1] o principal dever do representado é
pagar a retribuição devida ao representante, assim que o comprador efetuar o seu pagamento
ou, antes, se não manifestar recusa por escrito no prazo de 15, 30, 60 ou 120 dias, conforme a
localização do domicílio desse (mesma praça, mesmo Estado, Estado diverso ou exterior,
respectivamente — arts. 32 e 33); [2] respeitar a cláusula de exclusividade de zona, não podendo
vender os seus produtos na área determinada em contrato, senão através do representante
contratado para atuar naquela área. Caso concretize negócios sem a observância dessa
condição, o representante terá direito à comissão correspondente (art. 31).

A resolução do contrato pode ser de forma motivada ou imotivada. Na hipótese de


encerramento imotivado do contrato que haja vigorado por mais de seis meses, obriga-se o
denunciante à concessão de pré-aviso, com antecedência mínima de 30 dias ou ao pagamento

70
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

de 1/3 das comissões auferidas pelo representante nos três meses anteriores, além da
indenização.
Se a rescisão ocorrer por justo motivo, ou seja, motivada, não cabe nenhuma indenização.

São razões de rescisão do contrato por parte do representado (artigo 35 da Lei nº 4.886/65
(na grafia original da lei):
Art. 35. Constituem motivos justos para rescisão do contrato de representação comercial,
pelo representado:
a) a desídia do representante no cumprimento das obrigações decorrentes do contrato;
b) a prática de atos que importem em descrédito comercial do representado;
c) a falta de cumprimento de quaisquer obrigações inerentes ao contrato de representação
comercial;
d) a condenação definitiva por crime considerado infamante;
e) força maior.

De outro lado, o artigo 36 do mesmo diploma aponta os motivos de rescisão pelo


representante (grafia original da lei):
Art. 36. Constituem motivos justos para rescisão do contrato de representação comercial,
pelo representante:
a) redução de esfera de atividade do representante em desacôrdo com as cláusulas do
contrato;
b) a quebra, direta ou indireta, da exclusividade, se prevista no contrato;
c) a fixação abusiva de preços em relação à zona do representante, com o exclusivo
escopo de impossibilitar-lhe ação regular;
d) o não-pagamento de sua retribuição na época devida;
e) força maior.

O contrato pode ser firmado por prazo determinado ou indeterminado. Uma vez
prorrogado, torna-se a prazo indeterminado.
A Lei nº 8.420/92 inseriu na legislação original a vedação da cláusula del credere (art.
43). Esta cláusula corresponde à previsão contratual expressa que permita à parte representada
deduzir de comissões e vendas do representante comercial valores na hipótese de o negócio ser
cancelado ou desfeito. Há que se ter presente que a responsabilidade do representante
comercial deve ser limitada apenas à transação e a intermediação do negócio e nada mais,
lembrando que a representação comercial é atividade de meio na relação de venda. A
responsabilidade de aceitação da venda é do representado.
Havendo rescisão contratual imotivada, discute-se a pertinência de indenização, que
dependerá se o prazo do contrato é determinado ou se o contrato é por prazo indeterminado.

Sendo determinado, a indenização corresponderá à média mensal multiplicada pela


metade dos meses que faltam para o fim do contrato. Se for prazo indeterminado, será 1/12
sobre o valor total do contrato (Lei nº 4.886/65, artigo 27, inciso ‘j’ e § 1º).
Ainda quanto à indenização, cumpre sinalar a conclusão da III Jornada de Direito
Comercial do CJF, em seu enunciado 82: “A indenização devida ao Representante, prevista no
art. 27, alínea j, da Lei nº 4.886/1965, deve ser apurada com base nas comissões recebidas

71
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

durante todo o período em que exerceu a representação, afastando-se os efeitos de eventual


pagamento a menor, decorrente de prática ilegal ou irregular da Representada reconhecida por
decisão judicial ou arbitral transitada em julgado.”

- Modalidade de contrato de colaboração;


- Não há vínculo societário ou empregatício
entre o representado e o representante
comercial. Trata-se de atividade autônoma;

- O representante comercial não tem poderes


para concluir a negociação em nome do
representado;
- Vedada a inserção de cláusula del credere.

8.3. Distribuição

A criação, consolidação ou ampliação de mercados, através da colaboração empresarial,


pode resultar de aproximação ou de intermediação. O contrato de distribuição é modalidade de
colaboração empresarial que pode ser enquadrada em qualquer uma dessas espécies:
a) aproximação - o colaborador identifica pessoas interessadas em adquirir produtos do
outro empresário contratante. Na distribuição-aproximação, o distribuidor é remunerado por um
percentual (comissão) dos negócios que ajuda a realizar.

b) Intermediação - o colaborador adquire os produtos do outro contratante e os oferece


de novo ao mercado. É o clássico contrato celebrado entre distribuidores de combustível e os
postos de abastecimento; fábricas de produtos alimentícios e depósitos / atacadistas em geral.

Consoante Arnaldo Rizzardo, o contrato de distribuição tem como objeto a


comercialização dos bens produzidos e fornecidos pelo fabricante, e a prestação de serviços de
assistência técnica e mecânica aos bens (in Contratos, Ed. Forense).
O Código Civil assim tipifica o contrato de distribuição:
Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem
vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição,
a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição
quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.

Parágrafo único. O proponente pode conferir poderes ao agente para que este o
represente na conclusão dos contratos.

72
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Como se vê, o Código Civil regula em conjunto com o contrato de agência, o que resulta
em certa celeuma. O contrato de distribuição típico (distribuição-aproximação) está associado ao
contrato de agência. Nesta modalidade há maior ingerência do fornecedor sobre as atividades
do distribuidor.
Tem como cláusulas (implícitas ou explícitas) a de exclusividade de distribuição (pela qual
o distribuidor não pode trabalhar para outros proponentes na zona de atuação) e de exclusividade
de zona (pela qual o proponente deve abster-se de realizar negócios na zona de atuação, a não
ser com os aproximados pelo distribuidor ou agente).
Para garantir o cumprimento dessas obrigações, a lei assegura ao distribuidor o direito à
remuneração pelos negócios realizados pelo proponente em desrespeito à cláusula de
territorialidade, conforme dispõe o art. 714 do Código Civil 4

Entretanto, o contrato de distribuição mais utilizado (distribuição-intermediação) é aquele


que não é previsto em lei, ou seja, é um contrato atípico. A ele se aplicam as normas contratuais
gerais, mas é regulado pelas cláusulas negociadas entre as partes, sendo muito importante que
sejam estipuladas de maneira equilibrada e adequada para ambos. Nesta distribuição atípica
aplicam-se os direitos e obrigações ajustadas. Age o distribuidor em seu próprio nome adquirindo
o bem para posterior revenda a terceiros, tendo como proveito econômico a diferença entre o
preço de venda e aquele pago ao fornecedor (margem de comercialização).
Fazendo a distinção entre as duas modalidades, o CJF editou o enunciado 31 na I Jornada
de Direito Comercial: “O contrato de distribuição previsto no art. 710 do Código Civil é uma
modalidade de agência em que o agente atua como mediador ou mandatário do proponente e
faz jus à remuneração devida por este, correspondente aos negócios concluídos em sua zona.
No contrato de distribuição autêntico, o distribuidor comercializa diretamente o produto recebido
do fabricante ou fornecedor, e seu lucro resulta das vendas que faz por sua conta e risco.”

- Modalidade de contrato de colaboração;


- Pode ser típico (distribuição-aproximação)
ou atípico (distribuição-intermediação);

- Contrato típico: regras legais;


- Contrato atípico: regras contratuais.

73
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

8.4. Concessão Comercial

Trata-se de contrato atípico em que determinado empresário (concessionário) se obriga a


comercializar, com ou sem exclusividade, com ou sem cláusula de territorialidade, os produtos
fabricados por outro empresário (concedente), nas condições estipuladas pelo último.
De plano, vale destacar valiosa lição de Fábio Ulhoa Coelho (in Curso de direito comercial.
Vol. 3. 17ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 109):

“Na categoria dos contratos de colaboração por intermediação, distinguem-


se duas espécies: a distribuição-intermediação e a concessão. A diferença
entre elas é sutil, e alguns autores consideram incorreto considerá-las
modalidades distintas de contrato. Orlando Gomes, por exemplo, não as
diferencia. Há, entretanto, na distribuição-intermediação e na concessão
certa variância do grau de subordinação da empresa do colaborador em
relação à do fornecedor. No contrato de distribuição-intermediação, o
distribuído tem menos poder de ingerência sobre a organização
empresarial do distribuidor que o concedente, na concessão, relativamente
à empresa do concessionário. Essa gradação na subordinação
empresarial, inclusive, vocaciona a concessão como espécie de contrato
de colaboração por intermediação mais apropriada à hipótese em que o
colaborador não só vende os produtos do fornecedor como também presta
serviços de assistência técnica aos consumidores ou adquirentes.”

Na concessão atípica (por vezes chamada de distribuição), os direitos e deveres das


partes são aqueles previstos contratualmente, uma vez que não existe uma legislação própria.
Portanto, é fundamental que sejam objeto de pactuação:
a) cláusulas de exclusividade;

b) quotas de aquisição e fornecimento;


c) condições e vantagens especiais ao distribuidor;

d) rescisão (indenização).
Diferentemente, a concessão comercial da venda de automóveis, trata-se de contrato
típico, disciplinado especificamente pela Lei nº 6.729/79 – “Lei Ferrari” -, alterada pela Lei nº
8.132/90. A aludida lei tem seu âmbito de aplicação restrito às relações empresariais
estabelecidas entre produtores e distribuidores de veículos automotores de via terrestre, e
contempla as condições comerciais para concessão comercial de veículos automotores, sendo
taxativa em relação à:
a) delimitação de área geográfica para comercialização de veículos de uma marca
específica;

b) assistência técnica, garantia e revisão;


74
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

c) uso gratuito, como elemento identificador, da marca do produtor;


d) fidelidade e exclusividade recíproca concernente aos produtos e à marca;
e) prazo de vigência do contrato de concessão comercial por prazo indeterminado, ou pelo
prazo mínimo e inicial de 5 (cinco) anos.
Nos termos da iterativa jurisprudência desta Corte, a Lei 6.729/79 (Lei Ferrari) não se
aplica a hipóteses diversas da distribuição de veículos automotores. (STJ, REsp 680329/RS).

8.5. Comissão

Delineado pelos artigos 693 a 709 do Código Civil.

Trata-se de vínculo contratual em que um empresário (comissário) se obriga a realizar


negócios mercantis por conta de outro (comitente), mas em nome próprio, assumindo, portanto,
responsabilidade pessoal pelos atos praticados. Apesar de agir em nome próprio, não tem plena
liberdade e deve agir sempre considerando os limites estabelecidos pelo comitente.

Nesta forma de contratação, o comissário concretiza operações comerciais do interesse


do comitente, mediante um percentual (comissão). O comitente não participa dos negócios,
podendo até permanecer incógnito.
A comissão assemelha-se ao mandato. Em ambos, uma pessoa (comissário ou
mandatário) se obriga a praticar atos em nome de outra pessoa (comitente ou mandante). A
diferença fundamental da comissão em relação ao mandato consiste na imputação da
responsabilidade perante terceiros. O comissário fica diretamente obrigado para com as pessoas
com quem contratar, sem que estas tenham ação contra o comitente, nem este contra elas, salvo
se o comissário ceder seus direitos a qualquer das partes (art. 694, CC).
Por expressa previsão do Código Civil, admite o contrato de comissão a inserção da
cláusula del credere. Esta representa a obrigação do comissário de responder solidariamente
com o terceiro perante o comitente (ex: o comissário vende café do comitente e dá prazo ao
terceiro para pagar, porém o terceiro não paga, devendo então o comissário pagar ao comitente).
Inserindo-se esta cláusula del credere, fará o comissário jus a uma remuneração maior face o
risco assumido (art. 698, do CC).

75
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

- Empresário se obriga a realizar negócios em


favor de outro, mas em nome próprio;

- O comissário atua nos limites definidos pelo


comitente;
- Remunerado via comissão;

- Possível a inserção da cláusula del credere.

8.6. Mandato

Extensamente regulamentado no Código Civil, nos artigos 653 a 691.


O mandato mercantil é contrato no qual mandatário se obriga a praticar atos negociais em
nome e por conta do empresário mandante, que confia a outrem a gestão de um ou mais
negócios mercantis.
É materializado, concretizado, pela procuração outorgada ao mandatário.
Trata-se de contrato bilateral, pois gera deveres tanto para o mandante quanto para o
mandatário.
A principal obrigação do mandatário é praticar atos negociais, em nome e por conta do
mandante, observando, para tanto, as instruções e poderes dele recebidos. Também é obrigado
a prestar contas dos atos por ele praticados em nome do mandante, informando-lhe sobre tudo
o que se passa com os negócios.

Já o mandante é obrigado a cumprir as obrigações contraídas pelo mandatário (dentro


dos limites do mandato), bem como pagar o valor ajustado como remuneração. É igualmente
obrigado a ressarcir ao mandatário as perdas que este sofrer com a execução do mandato,
sempre que não resultem de culpa sua ou de excesso de poderes.

A extinção do mandato ocorre, segundo o artigo 682, nas seguintes situações:


Art. 682. Cessa o mandato:
I - pela revogação ou pela renúncia;
II - pela morte ou interdição de uma das partes;
III - pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o
mandatário para os exercer;
IV - pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio.

76
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Dica: Conferido o mandato com a cláusula “em causa própria”, a sua revogação não terá
eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes (art. 685).

- Mandatário atua em nome do mandante,


dentro das instruções recebidas;

- Procuração é o instrumento do mandato;


- O mandato em causa própria não é
extinto pelo falecimento do mandante.

9. Títulos de crédito

9.1. Títulos de crédito: princípios e atos

9.1.1. Considerações Iniciais


Os títulos de crédito são os documentos necessários ao exercício do direito literal e
autônomo, que produzem efeitos desde preencham os requisitos legais. É daí, que nascem,
inclusive, os três princípios basilares aos títulos de crédito: cartularidade, literalidade e
autonomia, e que em breve serão estudados.
Os títulos de créditos são pautados na confiança e na boa-fé, uma vez que consistem em
um direito ao recebimento de uma prestação futura. Além disso, o Código Civil funciona como
uma teoria geral para os chamados títulos atípicos ou inominados, ou seja, os títulos que não
possuem lei específica que os descreva, a regulação está nos Arts. 887 a 926, do Código Civil.
Por outro lado, temos os títulos típicos ou nominados, que são os que possuem lei
especial os definindo. Como exemplo de títulos típicos ou nominados, tem-se a Duplicata, a Letra
de Câmbio, a Nota Promissória e o Cheque. Ainda, em relação a estes, o Código Civil apenas é
aplicado em caso de lacuna na legislação especial ou quando compatível com esta.
Assim, verifica-se que as normas contidas no Código Civil, são de aplicação supletiva,
destinando-se a suprir o vácuo existente no regramento jurídico específico. Ressalta-se que as
normas constantes no Código Civil não possuem o condão de afastar ou revogar a incidência do
disposto nas Leis Especiais.

77
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Pode-se dizer, ainda, que a aplicação do Código Civil é apenas quando a lei cria um novo
título e não o disciplina exaustivamente, nem nomeia outra legislação cambial como fonte
supletiva para regê-lo.

9.1.2. Características e princípios

Conforme já mencionado, o título de crédito é documento necessário ao exercício do


direito literal e autônomo nele contido, somente produzindo efeitos quando preenchidos os
requisitos previstos na lei. A partir do conceito dos títulos de crédito, extraem-se suas principais
características. A primeira delas é a sua natureza essencialmente comercial, sendo que o
direito cambiário é conhecido como sub-ramo específico do direito empresarial por ser
desenvolvido com a finalidade de conferir aos títulos de crédito as prerrogativas necessárias para
o cumprimento de sua função primordial - a circulação de riqueza com segurança.
Além disso, tem-se que os títulos de crédito são documentos formais, haja vista a
necessidade de observação dos requisitos essenciais previstos na legislação cambiária; são
considerados bens móveis, por se sujeitarem aos princípios basilares da circulação de tais
bens, como por exemplo, o princípio que prescreve que a posse de boa-fé possui valor de
propriedade e; são títulos de apresentação, tendo em vista serem documentos essenciais para
o exercício do direito nele previsto. Ainda, os títulos de crédito são títulos executivos
extrajudiciais, pois contêm obrigações líquidas e certas.

9.1.2.1. Princípio da cartularidade

O próprio conceito trazido pelo Código Civil de 2002 de que o título de crédito é um
documento necessário ao exercício do direito literal nele mencionado, é uma clara
referência ao princípio da cartularidade, que pressupõe para o exercício de qualquer direito
representado no título é imprescindível a sua posse legítima.
Assim, tem-se que o titular do crédito representado na cártula deve estar na posse
desta, sendo que este é, inclusive, o modo para comprovação da própria existência e
exigibilidade do crédito.

9.1.2.2. Princípio da literalidade

De acordo com esse princípio, o título de crédito vale pelo o que tem escrito nele, ou
seja, somente os atos que são lançados na própria cártula produzem efeitos jurídicos.
O princípio da literalidade concede segurança às partes da relação cambial da exata
correspondência entre o teor do título e o direito que ele representa. Assim, tem-se que o credor
pode exigir tudo o que estiver expresso na cártula, do mesmo modo que, o devedor tem o
direito de pagar somente o que estiver manifesto no título.

78
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

9.1.2.3. Princípio da autonomia

Segundo o princípio da autonomia, o título de crédito é um documento constitutivo de


um direito novo, autônomo, originário e totalmente desvinculado da relação que lhe
originou.
Dessa forma, evidencia-se que o direito representado em um título de crédito é autônomo
porque a sua posse legítima caracteriza a existência de um direito próprio, insuscetível a
ser contaminado por vícios de relações anteriores.
No mais, importante ressaltar dois princípios decorrentes do princípio da autonomia:
o princípio da abstração e o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao
terceiro de boa-fé. Tais princípios são chamados por alguns autores de subprincípios, por
entenderem que estes não trazem uma ideia nova em relação à autonomia, mas apenas uma
outra forma de encará-la.
O princípio da abstração dispõe que quando o título circula, ele se desvincula da
relação que lhe originou. Assim, tem-se que enquanto o título está na relação cambiária que
lhe originou, existe uma vinculação entre esta relação e a origem do título, mas quando o título
é, por exemplo, endossado, a relação que originou a cártula não mais interessa.
Já o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé é a
exata manifestação do princípio da autonomia. Isto porque, a atuação deste princípio
preceitua que o portador do título de boa-fé não será prejudicado por eventuais vícios que a
relação originária do negócio jurídico venha a ter. Os vícios constantes na relação originária
apenas podem ser considerados nesta relação cambial, entre os sujeitos participantes desta
Quando o terceiro adquire o título, de boa-fé, este o adquire sem sujeição a vícios da relação
cambiária principal. Dessa forma, o portador do título não pode ser atingido por defesas
relativas ao negócio jurídico que ele não participou.

9.1.3. Atos cambiários

Endosso, aval, protesto, saque e aceite são os principais institutos cambiários aplicáveis
aos títulos de crédito, assim, necessário estudar as particularidades de cada instituto referido.

9.1.3.1. Endosso

Esse instituto é classificado como um ato cambiário necessário para a circulação de


títulos de crédito nominais à ordem, produzindo, principalmente, dois efeitos: a) transferência
da titularidade do crédito e, b) responsabilidade do endossante, que se torna devedor
indireto do título.
O endosso deve ser realizado no verso do título, sendo que nesse caso, basta a
assinatura do endossante. Contudo, caso ele seja realizado no anverso da cártula, além da
assinatura do endossante, é obrigatório que contenha a menção expressa que se trata de
endosso, para que assim, produza seus efeitos.

79
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

O endosso deve ser total ao valor da dívida do título, dessa forma, tem-se que é vedado
o endosso parcial, sendo considerado nulo. Ainda, o endosso não pode ser subordinado à
alguma condição, sendo que acaso esta exista, será considerada não escrita, conforme
disciplina o Art. 12 da Lei Uniforme de Genebra (LUG) e o Art. 912 do Código Civil.

9.1.3.2. Endosso em branco e endosso em preto

Endosso em branco é o que não identifica o beneficiário, chamado aqui, de


endossatário. Nessa hipótese, o endossante somente assina no verso, não identificando a quem
está endossando o título, o que na prática, permite que o título circule ao portador, isto é,
circule por mera tradição da cártula.
Já o endosso em preto, é aquele que identifica, expressamente, quem será o
endossatário, ou seja, a quem está sendo transferida a titularidade do título. Com o endosso
em preto, o endossatário não pode colocar o título em circulação por mera tradição, tendo
em vista que é necessário que realize novo endosso, seja ele em preto ou em branco, assumindo,
assim, a qualidade de codevedor da dívida constante no título.

9.1.3.3. Endosso impróprio

Endosso impróprio é aquele que não produz os principais efeitos do endosso


(transferência da titularidade do crédito e responsabilização do endossante), tendo como
finalidade, apenas, a legitimação da posse de alguém sobre o título. O endosso impróprio
pode ser endosso-mandato e endosso-caução.
Endosso-mandato (ou endosso-procuração) é aquele em que o endossante confere
poderes ao endossatário (como por exemplo, poderes de representação em nome do
endossante, podendo cobrar o título, protestá-lo, executá-lo, etc.). Esta modalidade de endosso
possui previsão no Art. 18 da LUG e no Art. 917 do Código Civil.
O Endosso-caução (ou endosso-pignoratício ou endosso-garantia) caracteriza-se
quando o endossante transmite o título como forma de garantia de uma dívida contraída perante
o endossatário. Nesta hipótese de endosso, o endossatário não assume a titularidade do crédito,
apenas fica na posse do título como forma de garantia da dívida que o endossante contraiu
perante ele. Se a dívida for adimplida, o endossante resgata o título, caso a dívida não seja paga,
o endossatário pode executar a garantia, assumindo a titularidade total do título. O endosso-
caução está disciplinado no Art. 19 da LUG e no Art. 918 do Código Civil.

9.1.3.4. Endosso póstumo ou tardio

O endosso póstumo ou tardio é disciplinado pelo Art. 20 da LUG e também pelo


Código Civil junto ao Art. 920. Evidencia-se que o endosso pode ser dado após o
vencimento do título, produzindo os efeitos de transferência do crédito e
responsabilização do endossante normalmente. Contudo, percebe-se que, no caso do
endosso ser realizado após o protesto do título ou, após o prazo para protesto, este

80
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

apenas valerá como cessão civil de crédito. Por fim, tem-se que se presume realizado antes
do prazo para protesto, o endosso sem data.

9.1.3.5. Aval

O aval, por sua vez, é um ato cambiário pelo qual um terceiro, chamado aqui de avalista,
se responsabiliza pelo adimplemento da obrigação constante no título. Neste caso, o avalista
garante o cumprimento da obrigação do avalizado, respondendo, assim, de forma equiparada a
este. Tal instituto possui previsão no Art. 30 da LUG e no Art. 897 do Código Civil.
O aval deve ser realizado no anverso do título, bastando apenas a assinatura do
avalista, porém e caso o aval seja realizado no verso da cártula, além da assinatura do
avalista é necessária a menção expressa de que se trata de aval.
Os avais simultâneos, também chamado de coavais, ocorrem quando duas ou mais
pessoas avalizam um título conjuntamente, como forma de garantir a mesma obrigação cambial.
A responsabilidade assumida pelos avalistas nos avais simultâneos é solidária, razão pela qual,
o avalista que adimplir a obrigação integralmente ao credor, possui o chamado direito de
regresso contra aos demais coavalistas apenas em relação à sua parte. Ou seja, caso sejam
dois avalistas e um pagou a totalidade da dívida, surge a este o direito de regresso contra o
outro, apenas em relação a metade da dívida.
Já os avais sucessivos, também conhecidos como aval do aval, acontecem quando
alguém avaliza outro avalista. Nesta situação, todos os avalistas dos avalistas possuem a mesma
responsabilidade do avalizado, sendo que o avalista que pagar a totalidade da obrigação, possui
direito de regresso em relação ao total da dívida em face dos demais.
Ademais, importante referir sobre o aval parcial. Este ocorre quando o avalista se
responsabiliza por parte do adimplemento da obrigação constante no título, por conseguinte,
garantindo apenas uma parte do cumprimento da obrigação do avalizado.
Como regra, o aval parcial é vedado (Art. 897, parágrafo único do Código Civil). Contudo,
este é admitido caso haja expressa previsão legal na legislação especial. Neste sentido, temos
que a LUG prevê em seu Art. 30 a possibilidade de aval parcial para a Letra de Câmbio e a Nota
Promissória, enquanto a Lei do Cheque o prevê junto ao seu Art. 29.
Já quanto à Duplicata e considerando que sua legislação específica (Lei n. 5.474/1968) é
omissa quanto à possibilidade ou não de aval parcial, esta segue a regra geral do Código Civil,
ou seja, na Duplicata não é permitido o aval parcial.

9.1.4. Protesto

O protesto pode ser definido como o ato formal através do qual se atesta um fato relevante
para a relação cambial. O fato relevante pode ser a) a falta de aceite do título; b) a falta de
devolução do título ou, c) a falta de pagamento do título.

81
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

No caso de protesto por ausência de aceite, este somente poderá ser efetuado antes do
vencimento da obrigação e após o decurso do prazo legal para aceite ou devolução. Se o
protesto for feito após o vencimento da obrigação, somente será efetuado por falta de
pagamento. Vejamos o que disciplina o Art. 21 da Lei n. 9.492/1997.
O protesto, em regra, apenas é indispensável se o credor quiser executar os
codevedores do título, como por exemplo, os endossantes, razão pela qual se diz que o
protesto garante o direito de regresso em face dos devedores indiretos do título. Por outro
lado, caso o credor deseje executar apenas o devedor principal do título, o protesto se torna
desnecessário.

9.1.4.1. Saque

O saque é a emissão de um título de crédito, ou seja, é a sua criação. Assim, quem realiza
a emissão do título é chamado de sacador. Nas diferentes espécies de títulos de créditos típicos
ou nominados, a figura do saque pode dar origem a situações jurídicas distintas, o que
estudaremos mais tarde.

9.1.4.2. Aceite

O aceite é o ato por meio do qual o sacado assume a obrigação cambial, se tornando o
devedor principal do título. O aceite ocorre apenas em títulos típicos ou nominados que
estruturam uma ordem de pagamento, como é o caso da Letra de Câmbio e da Duplicata.
O aceite pode ser facultativo, como é o caso que ocorre na Letra de Câmbio, sendo que
após realizado o aceite, ele se torna irretratável ou obrigatório, como ocorre na Duplicata, salvo
exceções que serão tratadas em ponto específico.
Pelo fato de o aceite na Duplicata ser obrigatório, ele pode ser expresso (ordinário) ou
presumido (por presunção). Além disso, na Letra de Câmbio o aceite pode ser limitativo, por meio
do qual o sacado aceita apenas parte do valor do título ou, modificativo, que ocorre quando o
sacado altera alguma condição de pagamento do título.

9.2. Títulos de crédito: Letra de Câmbio

9.2.1. Letra de Câmbio

A Letra de Câmbio possui sua regulamentação específica na Lei Uniforme de Genebra


- LUG, sendo que se estrutura como ordem de pagamento. Por esta razão, em relação ao
saque da letra, ao ser emitida, a Letra de Câmbio dá origem a três situações jurídicas
distintas: a) a do sacador, que emite a ordem; b) a do sacado, a quem a ordem é destinada e,
c) a do tomador, que é o beneficiário da ordem.
Em relação às três situações jurídicas distintas acima referidas, é importante ressaltar,
que não precisam, necessariamente, serem ocupadas por três pessoas diferentes. Neste

82
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

sentido, o Art. 3º da LUG admite que a letra seja sacada: a) à ordem do próprio sacador; b)
sobre o próprio sacador; e c) por ordem e conta de terceiro.
É admitida a emissão da Letra de Câmbio e de qualquer outro título de crédito, em branco
ou incompleta, podendo ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto
da cártula, nos termos da Súmula 387 do Supremo Tribunal Federal. Vejamos:

"a cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser


completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto".

Na Letra de Câmbio, o aceite é um ato facultativo para o sacado. Contudo, após realizado,
se torna irretratável. Assim, como o aceite é uma faculdade do sacado, ele pode simplesmente
recusá-lo, sem precisar se justificar. A recusa do aceite produz efeitos relevantes para o sacador
e para o tomador, uma vez que ocorrerá o vencimento antecipado do título. Com o vencimento
antecipado do título surge ao tomador a possibilidade de exigir o pronto pagamento do título do
sacador, eis que é codevedor da letra.
Ainda o sacado pode aceitar parcialmente a letra caso em que ocorrerá a recusa parcial
desta. Há duas espécies de aceite parcial: a) aceite limitativo, através do qual o sacado aceita
apenas parte do valor do título e, b) aceite modificativo, por meio do qual o sacado altera alguma
condição de pagamento do título, como por exemplo, o seu vencimento. Nos casos de aceite
parcial da letra, igualmente ocorre o vencimento antecipado do título, podendo o tomador
cobrar a totalidade do crédito do sacador.
Percebe-se assim, que ao emitir uma Letra de Câmbio o sacador corre o risco de que
antes mesmo do seu vencimento, ter que pagá-la, caso o sacado não aceite a letra, total ou
parcialmente. Contudo, há uma possibilidade para o sacado se prevenir quanto ao vencimento
antecipado da letra: colocar no título a cláusula não aceitável, conforme prevê o Art. 22 da LUG.
Como visto, a cláusula não aceitável impõe ao tomador a obrigação de só procurar o
sacado para o aceite na data do vencimento da cártula. Tal cláusula se perfaz em verdadeira
garantia ao sacador de que não será surpreendido com o vencimento antecipado do título.
No que se refere ao prazo de protesto da Letra de Câmbio, o Art. 44 da LUG nos traz
essa definição. Assim, temos dois prazos distintos para protesto: a) em caso de recusa de
aceite ou b) em caso de falta de pagamento. Relativo ao protesto por recusa de aceite, tem-
se que o protesto pode ser realizado ainda no prazo de apresentação do título ou até o
primeiro dia útil subsequente ao término do prazo ou da recusa, que gera o vencimento
antecipado. Já no segundo caso, protesto por falta de pagamento, o prazo é de até dois dias
úteis contados do vencimento do título.
Ressalta-se que caso o credor perca o prazo para realizar o protesto, em consequência
este perde o direito de cobrar os coobrigados.
No mais, o prazo prescricional para Ação de Execução da Letra de Câmbio é
determinado pelo Art. 70 da LUG, sendo: a) 3 (três) anos contra o devedor principal (sacado),
contados da data de vencimento; b) 1 (um) ano contra os codevedores (sacador e

83
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

endossantes), contados da data do protesto e, c) 6 (seis) meses, a contar do dia do


pagamento, quando for o caso de exercício de direito de regresso entre codevedores.
O prazo para ajuizamento de Ação Monitória em face do emitente é de cinco anos,
contados a partir do dia seguinte ao vencimento do título, de acordo o que dispõe a Súmula 504
do Superior Tribunal de Justiça, aqui utilizada por analogia:

O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de nota


promissória sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte ao
vencimento do título.

Ademais, quanto ao prazo para interposição de Ação de Cobrança em face do sacador ou


do aceitante, este dependerá da causa que deu origem ao título, podendo ser utilizado o prazo
de dez anos, de acordo com o Art. 205 do Código Civil ou os prazos fixados junto ao Art. 206 do
mesmo diploma legal.

9.3. Títulos de crédito: Nota Promissória e Duplicata

9.3.1. Nota promissória

A Nota Promissória, assim como a Letra de Câmbio, possui sua regulamentação


específica na Lei Uniforme de Genebra - LUG, sendo que se estrutura como uma promessa
de pagamento. Por esta razão, em relação ao saque da letra, ao ser emitida, a Nota Promissória
dá origem a duas situações jurídicas distintas: a) a do sacador ou promitente (chamado na
LUG de subscritor), que é quem emite a nota e promete pagar determinada quantia a alguém
e, b) a do tomador, em favor de quem a nota é emitida e que receberá a importância prometida.
Assim como a Letra de Câmbio, a Nota Promissória deve atender aos requisitos
essenciais previstos em lei para que possua valor como título de crédito. Tais requisitos
possuem previsão no Art. 75 da LUG, sendo eles: a) a expressão Nota Promissória, que é
uma cláusula cambiária; b) uma promessa incondicional de pagamento de quantia
determinada; c) o nome do tomador; d) a data do saque; e) a assinatura do sacador e, f) o
lugar do saque ou a menção de um lugar junto ao nome do sacador.
Verifica-se, assim, que a Nota Promissória se submete ao mesmo regime jurídico da Letra
de Câmbio. Contudo, ambos títulos de crédito possuem suas distinções. Primeiramente, a Letra
de Câmbio se estrutura como ordem de pagamento, enquanto a Nota Promissória é uma
promessa de pagamento. Dessa forma, não se aplicam em face da Nota Promissória as
regras sobre o aceite (cláusula não aceitável, prazo de respiro, vencimento antecipado por
recusa do aceite, etc.).
Vale ressaltar que o prazo de prescrição para a interposição de Ação de Execução
em face do sacador é igual ao da letra em relação ao aceitante: 3 (três) anos contados do
vencimento (Art. 70, da LUG). Sendo que se a Execução for em face do endossante, o prazo é
de um ano, contados da data do protesto tempestivo ou do vencimento, se o protesto for

84
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

dispensado e, de 6 (seis) meses, a contar do dia do pagamento, quando for o caso de


exercício de direito de regresso entre codevedores.
Ademais cumpre mencionar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a
aceitação de propositura de Ação Monitória para a Nota Promissória prescrita. Vejamos o que
prevê a Súmula 504 do Superior Tribunal de Justiça:

O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de nota


promissória sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte ao
vencimento do título.

Verifica-se assim, que apesar de prescrita a Nota Promissória, perdendo, assim, sua
força executiva, o credor desta ainda pode requerer o seu pagamento no prazo de cinco anos
a contar do dia seguinte ao vencimento do título.
Já quanto ao prazo para interposição de Ação de Cobrança em face do sacador, este,
igualmente como ocorre na Letra de Câmbio, dependerá da causa que deu origem ao título,
podendo ser utilizado o prazo de dez anos, de acordo com o Art. 205 do Código Civil ou os
prazos fixados junto ao Art. 206 do mesmo diploma legal
Relativamente ao prazo para protesto da Nota Promissória, tem-se que é de dois dias
úteis após a recusa de pagamento ou do seu vencimento. Além disso, como já frisado
quando falamos sobre a Letra de Câmbio, para que possa ser vinculado os coobrigados, o
protesto é indispensável.
Ademais, e nos termos da Súmula 258 do Superior Tribunal de Justiça “a Nota
Promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão
da iliquidez do título que a originou”.

9.3.2. Duplicata

A Duplicata possui sua regulamentação específica na Lei n. 5.474/1968 - Lei das


Duplicatas, sendo um título causal, isto é, só pode ser emitida para documentar determinadas
relações jurídicas pré-estabelecidas por sua legislação, sendo elas: a) uma compra e venda
mercantil ou b) um contrato de prestação de serviços.
A questão da Duplicata ser um título causal não retira dela a aplicação do princípio da
abstração, sendo assim, a Duplicata, igualmente aos demais títulos em espécie, se desvincula
do negócio jurídico que lhe deu origem após ser aceita. A causalidade da Duplicata significa tão
somente que ela só pode ser emitida nas causas em que a lei admite expressamente a sua
emissão. Em caso de ser posta em circulação através de endosso, o sacado não pode opor ao
terceiro de boa-fé exceções pessoais que possui contra o sacador.
Na prática, a Duplicada mais utilizada é a que representa uma compra e venda
mercantil. Frisa-se que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu a nulidade da Duplicata
emitida em contrato de leasing.

85
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Em relação às posições jurídicas existentes na Duplicata temos o sacado, que é o


devedor, podendo ser um comprador ou um tomador de serviços e, o sacador, que é o
credor, o qual pode ser um vendedor ou um prestador de serviços.
Além de ser um título causal, a Duplicata é um título de modelo vinculado, ou seja, sua
emissão deve obedecer aos padrões fixados pelo Conselho Monetário Nacional. Percebe-
se que diferentemente do que ocorre com as Notas Promissórias e as Letras de Câmbios, as
Duplicatas somente podem ser emitidas com dia certo ou à vista, sendo vedada sua
emissão com vencimento a certo termo da vista e a certo termo da data.
Após sua emissão, obedecendo os requisitos anteriormente listados, a Duplicata deve ser
enviada ao sacado para que ele a pague (Duplicata à vista) ou a aceite e devolva (Duplicata
a prazo).
Ademais, importa referir que a Duplicata é um título estruturado como ordem de
pagamento, sendo que seu aceite é obrigatório, isto é, emitido o título, com base na fatura ou
nota fiscal que documenta a venda, o sacado é obrigado a aceitá-lo. Além disso, ainda que o
sacado não assine o título, aceitando-o expressamente, assumirá a obrigação que nele consta.
Contudo, explica-se que o aceite obrigatório da Duplicata não significa aceite
irrecusável. A obrigatoriedade do aceite neste título significa que caso o sacado o recuse, este
deve apresentar uma justificativa plausível para tanto. E, é neste sentido que disciplina o Art.
8º e 21 da Lei das Duplicatas.
Assim, após a realização da remessa do título, cabe ao sacado aceitar a Duplicata e
devolvê-la, salvo se tiver razões para recusá-la (conforme já mencionado acima), caso em que
deve fazê-lo de forma escrita e justificada, de acordo com o que prevê o Art. 7º da Lei das
Duplicatas.
Art. 7º. A duplicata, quando não fôr à vista, deverá ser devolvida pelo comprador ao
apresentante dentro do prazo de 10 (dez) dias, contado da data de sua apresentação,
devidamente assinada ou acompanhada de declaração, por escrito, contendo as razões
da falta do aceite.
§ 1º Havendo expressa concordância da instituição financeira cobradora, o sacado poderá
reter a duplicata em seu poder até a data do vencimento, desde que comunique, por
escrito, à apresentante o aceite e a retenção.
§ 2º A comunicação de que trata o parágrafo anterior substituirá, quando necessário, no
ato do protesto ou na execução judicial, a duplicata a que se refere.

Frisa-se que, considerando que o aceite no regime da Duplicata é obrigatório, ele


independe de ser expresso, ou seja, neste título de crédito o aceite pode ser expresso -
ordinário - ou presumido - por presunção.
O aceite expresso é aquele realizado na própria cártula, no local indicado para tanto.
Já o aceite presumido, ocorre quando o devedor, recebe, sem reclamação, as mercadorias
adquiridas e enviadas pelo credor. Neste caso, o simples fato do devedor receber as
mercadorias sem recusa formal já caracteriza o aceite do título. Atualmente, na prática, a
regra é a utilização do aceite presumido.

86
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Ademais, tem-se ainda um terceiro tipo de aceite, o aceite por declaração ou


comunicação. Tal modalidade é feita por uma instituição financeira ou pelo próprio devedor,
sendo que é realizada através de uma assinatura que declara o aceite.
A principal diferença entre o aceite expresso e o presumido ocorre quando da
execução da Duplicata. A Duplicata com aceite expresso é um título de crédito perfeito e
acabado, podendo ser executada sem a exigência de maiores formalidades, bastando a
apresentação do título. Já para a execução de Duplicata aceita por presunção, além da
apresentação do título, são necessários o protesto (mesmo que a execução seja dirigida
contra o devedor principal) e o comprovante de entrega das mercadorias, conforme preceitua
o Art. 15 da Lei das Duplicatas.
Em relação ao pagamento da Duplicata, como já vimos, este pode ser dar à vista ou à
prazo. Quanto o pagamento for realizado à prazo, pode ser emitida uma Duplicata única,
discriminando todas as parcelas e seus vencimentos ou, uma série de Duplicatas, uma para
cada prestação, distinguindo-as por letras do alfabeto (Art. 2º, §3º, da Lei das Duplicatas).
Relativamente ao protesto da Duplicata, tem-se que este pode ser realizado por três
razões: a) por falta de aceite; b) por falta de devolução do título ou, c) por falta de
pagamento, conforme disciplina o Art. 13 da Lei das Duplicatas.
No caso da especificação contida no §1º, do Art. 13, do já referido dispositivo legal, tem-
se que o protesto por indicações é realizado quando há a retenção (não devolução) do
título por parte do sacado (comprador/devedor). Nesta situação, o sacador (vendedor/credor)
não possui o título em sua posse, motivo pelo qual deve fornecer ao cartório de protesto de
títulos as indicações da Duplicata emitida, retiradas da fatura e do Livro de Registro de
Duplicatas (Art. 19, Lei das Duplicatas).
Ademais, a Ação de Execução da Duplicata prescreve em: a) 3 (três) anos, a contar
do vencimento do título, contra o devedor principal e seus avalistas; b) 1 (um) ano, do
protesto ou do vencimento (quando dispensado o protesto), contra os codevedores e seus
avalistas e, c) 1 (um) ano, para ação de regresso contra os codevedores, a contar do dia
em que pagou o título ou foi acionado, nos termos do Art. 18 da Lei das Duplicatas.
Já quanto ao prazo para propositura de Ação Monitória em face do sacado, temos que
é de 5 (cinco) anos, conforme preceitua a Súmula 504 do Superior Tribunal de Justiça (utilizada
por analogia) e o Art. 206, §5º, I do Código Civil:

O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de nota


promissória sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte ao
vencimento do título.

No que se refere ao prazo para ajuizamento de Ação de Cobrança em face do sacado,


tem-se que é de dez anos a contar do vencimento do título, nos termos do Art. 205 do Código
Civil.

87
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

9.3.2.1 Duplicata escritural ou duplicata virtual

A Duplicata Escritural ou Virtual ou, ainda, Eletrônica possui regulamentação junto à


Lei n. 13.775/2018, que entrou em vigor em 20/04/2019, após os seus cento e vinte dias de
vacatio legis (Art. 13, da referida lei).
Esse modelo de Duplicata é emitido “mediante lançamento em sistema eletrônico de
escrituração gerido por quaisquer das entidades que exerçam a atividade de escrituração
de duplicatas escriturais”, conforme dispõe seu Art. 3º, sendo que tais entidades devem ser
autorizadas por órgão ou entidade da administração federal direta ou indireta a exercer
essa atividade.

9.4. Títulos de crédito: Cheque

9.4.1. Cheque

O Cheque possui sua regulamentação específica na Lei n. 7.357/1985 - Lei do Cheque,


sendo que se estrutura como ordem de pagamento à vista emitida contra um banco, em
razão dos fundos que o emitente tem naquela instituição financeira. Além disso, o Cheque é um
título de modelo vinculado, haja vista que só pode ser classificado como Cheque o documento
emitido pelo banco, em talonário específico, com uma numeração própria, seguindo os
padrões fixados pelo Banco Central do Brasil.
Em relação às posições jurídicas existentes no Cheque, tem-se a figura do sacador,
que é quem emite o título, a figura do sacado, que é a instituição financeira que deverá pagar a
quantia constante no título e, o tomador, que é o beneficiário da importância contida na cártula.
O Cheque assim como os títulos de crédito já estudados (Letra de Câmbio e Nota
Promissória) possui requisitos essenciais que devem ser observados. Neste sentido, a Lei do
Cheque dispõe em seu Art. 1º que deve conter no Cheque: a) a expressão Cheque, que é uma
cláusula cambiária; b) uma ordem incondicional de pagamento de quantia determinada; c)
o nome da instituição financeira contra quem foi emitido (sacado); d) a data do saque; e)
o lugar do saque ou a menção de um lugar junto ao emitente e, f) a assinatura do próprio
emitente (sacador).
Importante mencionar que como o Cheque é uma ordem de pagamento à vista, a data do
saque deveria ser sempre aquela em que o título é emitido. Contudo, comos sabemos, na
prática já se consolidou a utilização do Cheque “pré-datado”, no qual o sacador indica uma
data posterior à sua emissão para pagamento do título. A jurisprudência entende que
nesta hipótese há um acordo entre as partes, sendo que a apresentação antecipada do
Cheque “pré-datado”, configura dano moral, de acordo com o previsto na Súmula 370 do
Superior Tribunal de Justiça.
Além disso deve constar no Cheque o local de sua emissão, que deve ser o mesmo
onde o emitente se encontra no momento de seu preenchimento. Tal informação é de suma
importância, pois irá determinar a duração do prazo de apresentação do título ao banco

88
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

sacado, conforme estudaremos em breve. No mais, a assinatura do emitente é fundamental,


sendo que esta será conferida pela instituição financeira antes de efetuar o pagamento da
cártula.
Por se tratar de um título de crédito, o Cheque possui implícita a cláusula à ordem, o
que admite sua circulação via endosso. Contudo, o sacador do Cheque pode fazer constar,
expressamente, a cláusula não à ordem, caso em que fica impedida sua circulação via
endosso, não impedindo, entretanto, que este circule via cessão civil de crédito. Neste caso,
a circulação da cártula não se submete às regras do regime jurídico cambiário, mas sim, do
regime jurídico civil. Esclarece-se, ainda, que em caso de circulação do título via cessão
civil de crédito, o cessionário não possui imunidade em relação às exceções pessoais que
o emitente venha a suscitar, ainda que seja um terceiro de boa-fé.
Esclarece-se, ainda, que em caso de circulação do título via cessão civil de crédito, o
cessionário não possui imunidade em relação às exceções pessoais que o emitente venha
a suscitar, ainda que seja um terceiro de boa-fé.
No mais, há algumas modalidades específicas de Cheque, dispostas na legislação
especial. A primeira a ser citada é o Cheque Cruzado, que possui previsão junto aos Arts. 44 e
45 da Lei do Cheque.
Como sabemos o Cheque Cruzado é muito utilizado na prática comercial. “Cruzar” um
Cheque significa fazer dois traços transversais e paralelos no anverso do título. A finalidade
deste cruzamento é justamente trazer segurança à liquidação de Cheques ao portador, tendo
em vista que, o Cheque Cruzado só pode ser pago a um banco ou a um cliente de banco,
através de crédito em conta, evitando seu desconto na “boca do caixa”.
Ademais, o cruzamento pode ser realizado em branco ou em preto. No cruzamento em
branco - também conhecido como cruzamento geral - apenas são apostos os dois traços no
título, podendo ser mencionada a expressão “banco” entre os traços. Já no cruzamento em
preto - também chamado de cruzamento especial - além da aposição dos dois traços é
mencionado um banco entre estes (coloca-se o nome da instituição financeira ou seu número
junto ao Banco Central), o que faz com que o Cheque apenas possa ser pago ao banco
identificado ou a um cliente deste, mediante crédito em conta corrente.
A lei específica do Cheque disciplina também o Cheque Visado, junto ao seu Art. 7º. O
Cheque Visado é aquele em que o banco confirma, mediante assinatura no verso do título,
que o sacado possui fundos suficientes para o pagamento do valor referenciado na cártula.
De acordo com o que a lei preceitua, somente o Cheque nominativo que ainda não tiver sido
endossado pode receber o visto do banco.
Após visar um Cheque, o banco garante que o sacador possui fundos e assegura o
pagamento do título durante o prazo de apresentação. Salienta-se que o visto dado pelo
banco não se confunde com um aceite, não implicando em nenhuma assunção de
obrigação cambial por parte do banco, nem exonerando o emitente e eventuais codevedores
(endossante, por exemplo) da responsabilidade pelo pagamento do título.

89
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

O Cheque Administrativo é previsto no inciso III do Art. 9º da Lei do Cheque, que se


trata de um Cheque emitido por um banco contra ele mesmo, para ser liquidado em uma de
suas agências. Nesta modalidade, o banco é o emitente e o sacado, ao mesmo tempo.
Por fim, a lei ainda menciona o Cheque para ser creditado em conta, junto ao seu Art.
46. Nesta espécie de Cheque, o sacado não pode pagar o título em dinheiro, por expressa
vedação exposta no anverso do título pelo sacado. Tal vedação consiste na expressão “para
ser creditado em conta” (de acordo com o que a lei preceitua) ou da menção ao número da
conta do beneficiário entre os traços de cruzamento (como é realizado na prática). Neste
caso, o pagamento do título pelo banco sacado deve ser realizado através de lançamento
contábil (crédito em conta, transferência ou compensação).
O ato de “sustar” um Cheque possui previsão legal junto aos Arts. 35 e 36 da Lei do
Cheque. Como visto a primeira hipótese legal que autoriza o Cheque a ser “sustado” é a
revogação ou contraordem, que somente produz efeitos após expirado o prazo de
apresentação do título, devendo ser apresentadas as razões que motivam o ato. A segunda
hipótese é a da oposição, que pode ser realizada dentro do prazo de apresentação do título,
devendo o emitente apresentar relevante razão de direito para tanto. Contudo, a própria lei
disciplina que não cabe ao banco sacado realizar uma análise da relevância da razão
invocada pelo emitente. Assim, a exigência, feita pelos bancos na prática, de apresentação de
boletim de ocorrência para realizar a sustação do Cheque é descabida.
Contudo, o prejudicado pela sustação do Cheque pode responsabilizar o emitente,
caso entende que houve abuso de direito. Pode, ainda, ser requerida a responsabilização penal
do emitente pela prática do crime de estelionato (Art. 171, §2º, VI do Código Penal).
Em relação ao protesto do Cheque temos as indicações previstas no Art. 6º da Lei de
Protesto de Títulos (Lei n. 9.492/1997) e no Art. 48 da Lei do Cheque.
Percebe-se, assim, que o protesto do Cheque deve ser realizado ou no lugar indicado
para o pagamento ou no domicílio do emitente. Além disso, o protesto do Cheque pode ser
realizado no Cartório de Registro de Protestos, como ocorre nos demais títulos ou, ainda, pode
ser protesto bancário, realizado na Instituição Financeira, através de declaração do banco.
O prazo de apresentação do Cheque é o prazo dentro do qual o emitente deve levar
o título junto à instituição financeira sacada (Art. 33 da Lei do Cheque). Importante referir que
o prazo de apresentação do Cheque não se confunde com o seu prazo de prescrição. Este
funciona, como o “prazo de protesto dos demais títulos”, pois sua finalidade, precipuamente, é
de assegurar o direito de execução contra os codevedores do título (Art. 47, inciso II da Lei
do Cheque).
O prazo de apresentação do Cheque deve observar se o Cheque é “da mesma praça”, ou
seja, foi emitido no mesmo local onde deve ser pago ou se é “de praças diferentes”, isto é, quando
o lugar onde o Cheque deve ser pago é diferente do que foi emitido. Levando em consideração
essas observações, verifica-se a importância de constar no Cheque o seu local de emissão.

90
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Assim, caso o Cheque seja “da mesma praça”, o prazo para sua apresentação é de trinta
dias, caso for “de praças diferentes”, o prazo de apresentação será de sessenta dias. Tal prazo
é calculado a partir da emissão do título.
Dessa forma, caso o portador do Cheque perda o prazo para apresentação, como
consequência ele perderá o direito de executar os codevedores do título. Ainda, há um caso
excepcional em que a perda do prazo de apresentação além de retirar o direito de executar os
devedores, acarreta na perda do direito de executar o próprio emitente. Tal hipótese é prevista
no Art. 47, § 3º da Lei do Cheque e ocorre quando o emitente comprova que possuía fundos para
quitar o valor da cártula, durante o prazo de apresentação, mas que os perdeu por motivos
alheios à sua vontade.
O transcurso do prazo de apresentação, contudo, não impede que a cártula seja levada
ao banco sacado para ser descontado. A instituição financeira não pode mais processar e
receber o título apenas após o transcurso do seu prazo prescricional (Art. 35, parágrafo
único da Lei do Cheque).
Como sabemos o Cheque é um título de crédito, portanto, possui força executiva, sendo
considerado pela legislação processual civil como um título executivo extrajudicial (Art. 784,
inciso I do Código de Processo Civil).
Assim, em caso de seu não pagamento, o portador da cártula pode promover Ação de
Execução de Título Extrajudicial contra o emitente e demais eventuais codevedores do título.
O prazo para promover essa Ação de Execução do cheque é de 6 (seis) meses,
contados a partir do término do prazo de apresentação (Art. 59 da Lei do Cheque). Dessa
forma, evidencia-se que independente de quando o Cheque foi apresentado ao banco sacado, o
prazo de prescrição da ação de execução só se inicia após o término do prazo de apresentação.
No mais, frisa-se que por óbvio prescrito o Cheque, não poderá mais ser executado.
Contudo, é possível ainda a propositura de Ação de Enriquecimento Ilícito (ou Ação de
Locupletamento) contra o emitente e os demais coobrigados, conforme previsão do Art. 61 da
Lei do Cheque. Tal ação prescreve em dois anos, após a prescrição para propositura da Ação
de Execução do Cheque.
A Ação de Enriquecimento Ilícito - ou Ação de Locupletamento - é uma ação cambial,
que segue o rito ordinário de uma Ação de Conhecimento, tendo em vista que o Cheque
prescrito perde sua executividade. Contudo, o Cheque preserva suas características
intrínsecas de título de crédito, tal como sua autonomia e consequente inoponibilidade das
exceções pessoais ao terceiro de boa-fé.
No mais, o Cheque ainda pode ser cobrado via Ação de Cobrança, após terminado o
prazo de prescrição da Ação de Enriquecimento Ilícito - ou Ação de Locupletamento, desde que
seja comprovado o seu não pagamento e a relação causal que originou o título (Art. 62 da
Lei do Cheque).
Esta Ação de Conhecimento não configura uma ação cambial, sendo que nela o portador
do Cheque não mais se beneficia dos predicados decorrentes dos princípios cambiários.
91
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Assim, nesta Ação o devedor do título pode discutir a causa que originou o Cheque e opor
quaisquer exceções contra o autor da demanda.
Ademais, cumpre mencionar que já é consolidada a jurisprudência no sentido de que é
totalmente cabível a propositura de Ação Monitória de Cheque prescrito. É neste sentido
que as Súmulas 299 e 503 do Superior Tribunal de Justiça foram editadas. Vejamos:

É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito. (Súmula 299).

O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de


cheque sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte à data
de emissão estampada na cártula. (Súmula 503)

10. Direito falimentar

10.1. Considerações iniciais

O Direito Recuperacional e Falimentar é um sub-ramo específico do Direito


Empresarial, sendo aplicado tão somente aos empresários, sendo estes pessoas físicas ou
jurídicas.
Esse regime jurídico disciplina a crise econômico-financeira dos empresários,
trazendo sua solução através dos processos recuperacionais judiciais e extrajudiciais, ou
as resolvendo por meio do processo de Falência. A legislação brasileira atual que disciplina
tais institutos é a Lei n. 11.101/2005 - LRF.

10.2. Aspectos gerais da falência e recuperação de empresas

A Lei n. 11.101/2005 (LRF) estrutura três principais institutos: a recuperação extrajudicial,


a Recuperação Judicial e a Falência
Em linhas gerais, a Recuperação Extrajudicial é aquela onde o devedor está autorizado
a propor e negociar com credores Plano de recuperação extrajudicial, onde depende do poder
judiciário apenas para homologação.
A Recuperação Judicial, por sua vez, representa um procedimento judicial onde o
devedor busca seu erguimento. A Recuperação Judicial pode se dar de duas formas: ou de forma
ordinária ou via apresentação de Plano especial para ME e EPP, que é uma faculdade. Ou seja,
uma ME ou EPP pode apresentar Plano pela via ordinária se assim preferir.
Por fim, a Falência, presta-se ao procedimento de execução concursal, cujo principal
objetivo é a venda dos ativos, para pagamento do passivo, a partir de uma ordem de preferência
estipulada pela lei.
Feitas as primeiras considerações, passa-se a análise de todos os institutos.

92
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

10.3. Disposições comuns aos dois institutos

Lei n. 11.101/2005 -LRF, preceitua, inicialmente, em seu Art. 1º quem se sujeita a sua
disciplina, sendo estes o empresário individual e a sociedade empresária.
Percebe-se assim, que as regras da LRF não são aplicadas aos devedores civis,
sendo que em caso de ser caracterizada suas insolvências, estes devem ser submetidos às
regras do concurso de credores previstas no Código de Processo Civil. Além disso, a LRF
igualmente não se aplica à fundações, partidos políticos, organizações religiosas e
sociedades simples.
Ainda, o Art. 2º da LRF, preceitua as demais pessoas jurídicas que não se submetem ao
seu regime. Referente às empresas públicas e sociedades de economia mista tem-se que,
ainda que sejam exploradoras de atividade econômica, as regras da LRF não são à elas
aplicadas.
Já no que tange às instituições financeiras públicas ou privadas, cooperativas de
crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de Plano
de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras
entidades equiparadas à estas, a LRF não é aplicada pois se tratam de agentes
econômicos que atuam em mercados regulados e possuem legislações específicas que
disciplinam o tratamento jurídico concedido à suas insolvências, submetendo-se aos
procedimentos especiais de liquidação extrajudicial.
Ainda, insta indicar que com a alteração advinda no início de 2021, o produtor rural e as
cooperativas médicas podem pleitear Recuperação Judicial.
Em relação ao foro competente para julgar e processar os procedimentos
recuperacionais e falimentares, tem-se que é o juízo do local do principal estabelecimento
do devedor ou da filial da empresa que tenha sede fora do Brasil (Art. 3º, LRF). Importante
referir, que o local do principal estabelecimento do devedor nem sempre é o local da sede da
empresa, tendo em vista que considera-se como principal estabelecimento o que concreta
maior volume de negócios.
Dessa forma o que se tem é a criação do juízo universal, sendo que as obrigações do
empresário ou da sociedade empresária são atraídas para este juízo, não se falando mais em
relações jurídicas bilaterais, eis que se estabelece um foro comum, no qual, as relações
jurídicas da empresa não são mais consideradas como unidades esparsas, mas como
parte de um patrimônio.
Na LRF a atuação do Ministério Público ficou restrita às hipóteses expressamente
previstas em lei, como por exemplo, nos casos em que haja indícios de responsabilidade penal
do devedor (Art. 22, § 4º da LRF) e em que for determinada a alienação de bens do devedor (Art.
142, § 7º da LRF), entre outras.
Ademais, a decretação da Falência ou o deferimento da Recuperação Judicial suspende
o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor. Devemos ter

93
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

cuidado especial com a expressão “todas” utilizada no dispositivo legal, haja vista que algumas
ações não possuem seus trâmites suspensos. Tais informações possuem previsão no Art. 6º da
LRF.
Observa-se que as ações que demandam quantias ilíquidas têm prosseguimento no
juízo em que estiverem sendo processadas. O mesmo ocorre com as ações trabalhistas que
seguem seus trâmites até a apuração do respectivo crédito, o qual será incluído no Quadro
Geral de Credores com o valor determinado na sentença. Ainda, as execuções fiscais não são
suspensas com o deferimento da Recuperação Judicial, salvo por questão de concessão
de parcelamento pelo fisco.
Ainda, ressalta-se que o requerimento de Recuperação Judicial ou de Falência torna o
juízo prevento, isto é, previne a jurisdição para qualquer outro pedido dessa natureza,
relativo ao mesmo devedor.
A partir do Art. 7º ao Art. 20 da LRF temos o tratamento concedido para a verificação e
habilitação dos créditos nos processos recuperacionais e falimentares. O Art. 7º preceitua
que a verificação dos créditos será realizada pelo Administrador Judicial, a partir dos livros
contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem
apresentados pelos credores. Após ser publicado o edital de decretação da Falência ou de
processamento da Recuperação Judicial, os credores possuem o prazo de 15 (quinze) dias
para apresentar suas habilitações ou divergências de crédito, diretamente ao Administrador
Judicial.
Após o término deste prazo, o Administrador Judicial possui o prazo de 45 (quarenta
e cinco) dias para confeccionar a sua Relação de Credores e posterior publicação de edital.
Além disso, no edital da Relação de Credores do Administrador Judicial deve constar o local, o
horário e o prazo comum em que os credores, o Comitê, o Ministério Público ou os sócios do
devedor podem ter acesso aos documentos que fundamentaram a elaboração desta relação.
O Art. 7º-A da LRF, incluído pela Lei n. 14.112 de 2020, disciplina que em processos
falimentares, após a realização das intimações e publicação do edital de decretação da
Falência, incumbe ao juiz a instauração - de ofício - para cada Fazenda Pública credora,
incidente de classificação de crédito público, determinando a intimação eletrônica da
Fazenda credora para que, no prazo de trinta dias, apresente ao Administrador Judicial ou ao
juízo - considerando o momento processual - a relação completa de seus créditos inscritos
em dívida ativa, acompanhada dos cálculos, da classificação e das informações sobre a
situação atual.
Além disso, o §1º do Art. 7º-A da LRF, dispõe que considera-se Fazenda Pública credora
aquela constante na relação presente no edital de decretação de Falência ou a que alegue
nos autos, após intimada, possuir crédito contra o falida. Ainda, os créditos não definitivamente
constituídos, não inscritos em dívida ativa ou com exigibilidade suspensa podem ser
informados em momento posterior (Art. 7º-A, §2º, LRF).
Após o encerramento do prazo para a Fazenda Pública apresentar seus créditos, o falido,

94
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

os demais credores e o Administrador Judicial possuem o prazo de quinze dias para objeções
sobre os cálculos e a classificação dos créditos da Fazenda Pública (Art. 7º-A, §3º, I, LRF).
Findo tal prazo, a Fazenda Pública será intimada para, no prazo de dez dias, prestar
esclarecimentos sobre as eventuais objeções apresentadas (Art. 7º-A, §3º, II, LRF), ressalta-se
que os créditos serão objeto de reserva integral até o julgamento definitivo, quando
rejeitados os argumentos apresentados (Art. 7º-A, §3º, III, LRF).
Já os créditos incontroversos e exigíveis, serão imediatamente incluídos no Quadro
Geral de Credores, observada a sua classificação (Art. 7º-A, §3º, IV, LRF). Ademais, o juiz
antes de homologar o Quadro Geral de Credores, concederá prazo comum de dez dias para
que o Administrador Judicial e a Fazenda Pública se manifestarem sobre a situação atual do
crédito objeto de reserva, para que, findo o prazo, decidir acerca da necessidade de mantê-lo
(Art. 7º-A, §3º, V, LRF). Cumpre ressaltar que não há condenação em honorários
sucumbenciais neste incidente de habilitação de crédito da Fazenda Pública (Art. 7º-A, §8º,
LRF).
O Art. 8º da LRF, traz o prazo de 10 (dez) dias, contados da publicação do edital da
Relação de Credores do Administrador Judicial, para que os interessados apresentem,
diretamente ao juízo universal, eventuais impugnações de crédito contra a referida Relação de
Credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou manifestando-se contra a legitimidade,
importância ou classificação de crédito relacionado. A impugnação de crédito será autuada
em apartado, sendo dirigida ao juiz por meio de petição, instruída com os documentos que o
impugnante considerar pertinente e com a indicação de provas consideradas necessárias (Art.
13, LRF).
Os requisitos necessários para que o credor realize sua habilitação de crédito -
diretamente ao Administrador Judicial - estão dispostos no Art. 9º da LRF.
Além disso, caso o credor perca o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar sua
habilitação de crédito ao Administrador Judicial, ele ainda poderá apresentá-la, contudo esta será
recebida como Habilitação Retardatária, possuindo alguns efeitos importantes (Art. 10, LRF).
A primeira consequência da Habilitação Retardatária que cumpre mencionar é que no caso de
Recuperação Judicial - salvo créditos derivados da relação de trabalho - os credores não terão
direito a voto nas deliberações da Assembleia Geral de Credores (Art. 10, §1º, LRF). Já na
Falência, os titulares de créditos retardatários perderão o direito a eventuais rateios
realizados, podendo ser requerido pelo credor a reserva do valor para satisfação do seu
crédito (Art. 10, §3º e §4º, LRF).
Ademais, caso quando houver a Assembleia Geral de Credores o valor do crédito
constante na habilitação retardatária não tenha sido incluído no Quadro Geral de Credores
homologado, o credor, assim como ocorre na Recuperação Judicial perderá o direito ao
voto.
No mais, cumpre ainda referir que as Habilitações Retardatárias que forem apresentadas
antes da homologação do Quadro Geral de Credores serão recebidas como impugnação
de crédito (Art. 10, §5º, LRF). Caso o Quadro Geral de Credores já tenha sido homologado, o
95
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

procedimento para habilitação de créditos é o ordinário, previsto no Código de Processo Civil,


requerendo ao juízo da Falência ou da Recuperação Judicial a retificação do Quadro Geral
para inclusão do respectivo crédito (Art. 10, §6º, LRF).
Ademais, os §§ 7º, 8º, 9º e 10 no Art. 10 da LRF restaram incluídos pela Lei n. 14.112 de
2020. Neste sentido, tem-se que o Quadro Geral de Credores será confeccionado com o
julgamento das impugnações tempestivas e habilitações e impugnações retardatárias que
tiverem decisão até o momento da sua formação (Art. 10, §7º, LRF).
Por fim, o §10, do Art. 10 da LRF dispõe que o credor possui o prazo máximo de três
anos, contados da data de publicação da sentença de decretação de Falência, para apresentar
pedido de habilitação ou reserva de crédito, sob pena de decadência.
No que se refere à impugnação de créditos, os credores cujos créditos forem
impugnados possuem o prazo de 5 (cinco) dias para contestar a impugnação (Art. 11, LRF).
Após transcorrido tal prazo, o devedor e o Comitê de Credores (caso haja) serão intimados
para se manifestarem da impugnação no prazo comum de 5 (cinco dias). Por fim, o juiz
intimará o Administrador Judicial para emitir parecer, também no prazo de 5 (cinco) dias,
devendo juntar à sua manifestação o laudo elaborado pelo profissional ou empresa especializada
e, todas as informações existentes nos livros fiscais e demais documentos do devedor acerca do
crédito objeto da impugnação (Art. 12, LRF).
Transcorridos tais prazos, os autos irão conclusos ao juiz. O Art. 15 da LRF dispõe as
medidas a serem tomadas pelo juiz. A decisão judicial que julgar a impugnação é atacável
por agravo (Art. 17, LRF). Caso não haja impugnações, o juiz homologará, com efeito de
Quadro Geral de Credores, a Relação de Credores pelo Administrador Judicial, ressalvado
o disposto no Art. 7º-A da LRF (Art. 14, LRF).
Após o julgamento das eventuais impugnações de crédito, o Administrador Judicial é
o responsável pela consolidação do Quadro Geral de Credores, conforme disciplina o Art.
18 da LRF.
Em caso de descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou
documentos ignorados na época do julgamento do crédito, o Administrador Judicial, o Comitê,
qualquer credor ou o representante do Ministério Público, podem pedir a exclusão, diferente
classificação ou retificação de qualquer crédito, até o encerramento da Recuperação Judicial
ou da Falência (Art. 19, LRF).
A “Seção II - A Das Conciliações e das Mediações Antecedentes ou Incidentais aos
Processos de Recuperação Judicial” restou incluída na LRF através da reforma trazida pela
Lei n. 14.112 de 2020. Assim, restou acrescentado os Arts. 20-A, 20-B, 20-C e 20-D.
Nesta senda, o Art. 20-A estabelece que a mediação e a conciliação devem ser
incentivadas em qualquer grau de jurisdição, até mesmo em grau de recurso, junto aos
Tribunais Superiores. Importante referir, que a própria previsão já aduz que a realização de tais
atos não implica na suspensão dos prazos previstos na LRF - salvo consenso entre as partes
em sentido contrário ou determinação judicial.

96
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Na hipótese da letra d, o §1º do referido Art. prevê que será facultado às empresas em
dificuldade que preencham os requisitos legais para requerer a Recuperação Judicial
obter tutela de urgência cautelar, nos termos do Art. 305 e seguintes do Código de Processo
Civil, com o intuito de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo
prazo de até 60 (sessenta) dias, para tentativa de composição com seus credores, em
procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução
de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do Tribunal competente ou da câmara especializada,
observados, no que couber, os Arts. 16 e 17 da Lei nº 13.140/2015.
Além disso, são vedadas a conciliação e a mediação que versem sobre a natureza
jurídica e a classificação de créditos, bem como sobre critérios de votação na Assembleia
Geral de Credores (Art. 20-B, § 2º, LRF). Ainda, o § 3º do já referido Art. dispõe que em caso
de pedido de Recuperação Judicial ou Extrajudicial, de acordo com os critérios da LRF, o
período de suspensão previsto no § 1º deste Art. (60 (sessenta) dias) será deduzido do
período de suspensão previsto no Art. 6º da LRF (180 (cento e oitenta) dias).
O Art. 20-C inteligencia a imprescindibilidade da homologação pelo juízo competente do
acordo obtido por meio de mediação e conciliação, obtido nos termos da Seção II-A da LRF. A
LRF trata do Administrador Judicial e do Comitê de Credores nos Arts. 21 a 34.
Referente ao Administrador Judicial cumpre ressaltar que este é o principal auxiliar
do juiz na condução dos processos falimentares e recuperacionais. Além de desenvolver
diversas atividades de cunho administrativo (como veremos em breve), este ainda é o
responsável por representar legalmente a massa falida.
A lei aponta que a nomeação do Administrador Judicial deve ser dirigida à profissional
idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresa ou contador (Art.
21, LRF). Além disso, a nomeação para Administrador Judicial pode recair em pessoa jurídica,
devendo, para tanto, ser declarada no termo de compromisso, o nome do profissional
responsável pela condução do processo falimentar ou recuperacional.
O Administrador Judicial funciona como uma extensão do judiciário, sendo que sua
nomeação parte muito da confiança do magistrado, assim, caso o profissional deixe de cumprir
com seus prazos estabelecidos na legislação, ele será pessoalmente intimado para fazê-lo, no
prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de desobediência. Na hipótese de não cumprimento, o juiz
destituirá o Administrador Judicial e nomeará substituto (Art. 23).
Relativamente à remuneração do Administrador Judicial (Art. 24, LRF) tem-se que serão
observados os seguintes critérios: a) a capacidade de pagamento do devedor; b) o grau de
complexidade do trabalho e, c) os valores praticados no mercado para o desempenho de
atividades semelhantes.
Como regra geral tem-se que o valor pago a título de remuneração ao auxiliar do juízo
não poderá exceder 5% (cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à
Recuperação Judicial ou do valor de venda dos bens na Falência. Ademais, no caso de
microempresas, empresas de pequeno porte e produtor rural, o valor da remuneração não

97
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

poderá exceder o limite de 2% (dois por cento).


A remuneração do Administrador Judicial deve ser paga pelo devedor - no caso de
Recuperação Judicial, ou pela massa falida - no de Falência (Art. 25, LRF), salvo a exceção da
nova possibilidade prevista no Art. 114-A, §1º.
Ainda quanto ao Administrador Judicial, tem-se que em caso de substituição, sua
remuneração será proporcional ao trabalho realizado. Contudo, se o profissional renunciar -
sem relevante razão, ou for destituído por desídia, culpa, dolo, descumprimento de suas
obrigações ou tiver sua prestação de contas desaprovada, ele não receberá remuneração.
Já quanto ao Comitê de Credores, temos que este não é um órgão obrigatório nos
processos falimentares e recuperacionais. Se o juiz entender por necessária a sua criação,
ele deverá convocar a Assembleia Geral de Credores para eleição de seus membros. Caso
o Comitê não seja formado, deve o Administrador Judicial ou, na incompatibilidade deste, ao
juiz exercer suas atribuições (Art. 28, LRF).
A composição do Comitê de Credores é discriminada no Art. 26 da LRF, sendo a
seguinte: a) 1 (um) representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com 2
(dois) suplentes; b) 1 (um) representante indicado pela classe de credores com direitos
reais de garantia ou privilégios especiais, com 2 (dois) suplentes; c) 1 (um) representante
indicado pela classe de credores quirografários e com privilégios gerais, com 2 (dois)
suplentes e, d) 1 (um) representante indicado pela classe de credores representantes de
microempresas e empresas de pequeno porte, com 2 (dois) suplentes.
O Art. 30 da LRF prevê as possibilidades de impedimento para exercer as funções de
Administrador Judicial ou ser membro do Comitê de Credores, sendo elas: a) quem, nos
últimos 5 (cinco) anos, no exercício do cargo de administrador judicial ou de membro do
Comitê em Falência ou Recuperação Judicial anterior, foi destituído, deixou de prestar
contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas desaprovada e, b) quem
tiver relação de parentesco ou afinidade até o 3º (terceiro) grau com o devedor, seus
administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou
dependente.

10.4. Insolvência transnacional

Além das já citadas importantes inovações que a Lei 14.112 de 2020 trouxe à LRF, temos,
ainda, a criação do Capítulo IV-A que trata da “Insolvência Transnacional”.
O referido capítulo vai desde as disposições gerais até às disposições atinentes à
cooperação entre entes estatais, sendo que o Art. 167-A elenca os objetivos da insolvência
transnacional como mecanismo apto a efetiva: a) a cooperação entre juízes e outras autoridades
competentes do Brasil e de outros países em casos de insolvência transnacional; b) o aumento
de segurança jurídica para a atividade econômica e para o investimento; d) a administração justa
e eficiente de processos de insolvência transnacional, de modo a proteger os interesses de todos
os credores e dos demais interessados, inclusive do devedor; d) a proteção e maximização do

98
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

valor dos ativos do devedor; e) a promoção da recuperação de empresas em crise econômico-


financeira, com a proteção de investimentos e a preservação de empregos e, f) a promoção da
liquidação dos ativos da empresa em crise econômico-financeira, com a preservação e a
otimização da utilização produtiva dos bens, dos ativos e dos recursos produtivos da empresa,
inclusive os intangíveis.

10.5. Assembleia geral de credores

A LRF prevê a maior participação dos credores nos processos de Falência e


Recuperação Judicial através da Assembleia Geral de Credores (AGC), que têm suas
atribuições descritas no Art. 35 do referido dispositivo legal.
A convocação da Assembleia Geral de Credores será realizada via edital publicado junto
ao órgão oficial (Diário de Justiça Eletrônico) e será disponibilizado no sítio eletrônico do
administrador judicial, com o mínimo de quinze dias de antecedência. Tal edital deve conter: a)
o local, a data e a hora da assembleia em primeira e em segunda convocação, não podendo esta
ser realizada menos de cinco dias depois da primeira; b) a ordem do dia; c) o local onde os
credores poderão, se for o caso, obter cópia do Plano de Recuperação Judicial a ser submetido
à deliberação da assembleia. Ademais, a cópia do aviso de convocação da Assembleia deve ser
afixada de forma ostensiva na sede e filiais do devedor (art. 36 LRD).
A Assembleia Geral de Credores é convocada pelo juiz, a pedido do AJ, em caso de
objeção ao Plano de Recuperação Judicial ou requerida por credores que representem no
mínimo 25% do valor total dos créditos de uma determinada classe.
O direito de voto na AGC é conferido aos credores arrolados no Quadro Geral de
Credores ou, na sua falta, na Relação de Credores apresentada pelo Administrador Judicial
ou, caso esta ainda não tenha sido confeccionada, na Relação de Credores apresentada pelo
devedor, acrescidas, em qualquer das hipóteses, dos credores que estejam habilitados na
data da realização da Assembleia ou que tenham créditos admitidos ou alterados por
decisão judicial, inclusive os que tenham obtido reserva de importâncias (Art. 39, LRF).
Os votos dos credores, somente serão declarados nulos por abusividade quando
manifestamente exercidos com o intuito de obtenção de vantagem ilícita para si ou para outrem,
sendo prerrogativa do credor votar de com acordo com seu juízo de conveniência e interesse
(Art. 39, §6º, LRF). No mais e relativamente à cessão ou promessa do crédito habilitado, esta
deverá ser imediatamente comunicada ao juízo da Recuperação Judicial (Art. 39, §7º, LRF).
Os credores podem ser representados nas deliberações da AGC por mandatário ou
representante legal, desde que o documento hábil que comprove os poderes ou a indicação das
folhas dos autos do processo em que se encontre o documento, seja entregue ao AJ, com no
mínimo, 24 (vinte e quatro) horas de antecedência da data do ato (Art. 37, §4º, LRF).
Os sindicatos de trabalhadores poderão representar seus associados titulares de
créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho que não
comparecerem, pessoalmente ou por procurador, à Assembleia (Art. 37, §5º, LRF).

99
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

A Assembleia Geral de Credores, nos processos de Recuperação Judicial é dividida em


quatro classes: a) a primeira, formada por credores titulares de créditos derivados da
legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; b) a segunda, formada por
credores titulares de créditos com garantia real; c) a terceira, formada por titulares de créditos
quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados e, d) a
quarta, formada por titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de
pequeno porte (Art. 41, LRF).
Em tese, as deliberações em AGC são aprovadas por voto favorável dos credores que
representem mais da metade do valor total dos créditos presentes, ou seja, por maioria
simples. Contudo, a LRF prevê exceção à regra geral, no caso de deliberações a respeito de:
a) aprovação, rejeição ou alteração do Plano de Recuperação Judicial; b) composição do
Comitê de Credores e, c) alternativa de realização do ativo em processos falimentares
(Art. 42, LRF).
Assim, relativamente às deliberações sobre a composição do Comitê de Credores, tem-
se a votação de cada classe separadamente, para a escolha dos seus respectivos membros (Art.
44, LRF).
A respeito da votação para deliberação do Plano de Recuperação Judicial, tem-se a
previsão do Art. 45 da LRF, que preceitua que cada classe vota separadamente, sendo
necessária a aprovação do Plano por todas.
Assim, na classe dos credores com garantia real e na classe dos credores
quirografários, com privilégio especial ou geral e subordinados, a aprovação depende do
voto favorável dos credores que representem mais da metade do valor total dos créditos
presentes e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores da classe presentes.
Na classe dos credores trabalhistas ou decorrentes de acidente de trabalho e na
classe dos credores enquadrados como ME/EPP, a proposta precisa ser aprovada pela
maioria simples dos credores presentes, independente do valor dos seus créditos.
Os credores titulares de créditos retardatários não possuem direito a voto - salvo os
trabalhistas - e os credores subordinados também não possuem esse direito.

10.6. Recuperação judicial

No que tange ao instituto da Recuperação Judicial (RJ), tem-se que é um instrumento


apto a viabilizar a superação da crise que as empresas venham a estar passando. Todavia,
não é toda e qualquer empresa que pode se utilizar desse meio, sendo necessário possuir
alguns requisitos para tanto. E é nessa linha de pensamento que se passa a expor.
A Recuperação Judicial, conforme disciplina o Art. 47 da Lei 11.101/2005 (LRF), possui
como objetivo viabilizar a superação da crise econômica pela qual uma empresa está
passando, objetivando a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e
dos interesses dos credores, preservando, dessa forma, a empresa, sua função social e o
estímulo à atividade econômica.
100
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

O Art. 48 da LRF, dispõe os requisitos indispensáveis que o devedor deve apresentar


para que o juiz autorize o processamento do seu pedido de Recuperação Judicial. Dessa forma,
tem-se que o pedido de Recuperação Judicial só pode ser realizado por empresas
regularmente constituídas e que possuam exercício regular da atividade há pelo menos
dois anos. Além disso, é necessário que, cumulativamente, apresentem os seguintes requisitos:
a) não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em
julgado, as responsabilidades daí decorrentes; b) não ter, há menos de cinco anos, obtido
concessão de Recuperação Judicial; c) não ter, há menos de cinco anos, obtido concessão
de Recuperação Judicial com base no Plano especial e d) não ter sido condenado ou não
ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes
previstos na LRF.
Evidencia-se, assim, que tais requisitos se tratam de verdadeiras condições da ação,
se traduzindo em elementos de possibilidade jurídica do pedido.
Dessa forma, evidente se torna que o primeiro requisito é que o devedor comprove estar
exercendo atividade regular há pelo menos dois anos. Tal comprovação é feita através da
juntada de Certidão da Junta Comercial competente, que ateste o exercício regular da
atividade por prazo igual ou superior ao exigido na legislação. Contudo e a respeito da
Recuperação Judicial do produtor rural, devido ao fato dele não ser obrigado a se registrar
na Junta Comercial, o §2º do Art. 48 da LRF - de acordo com a alteração advinda do Art. 1º do
Projeto de Lei n. 4.458/2020 - preceitua que a comprovação do prazo de dois anos de
atividade regular pode ser através da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou por meio de
obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir a ECF, desde que tenha sido
entregue tempestivamente.
Para além e conforme já referido, o instituto da Recuperação Judicial é um importante
mecanismo apto a auxiliar na superação da crise econômico-financeira que uma empresa
venha a ser passando. Neste sentido, o Art. 50 da LRF dispõe alguns meios para que a
superação ocorra. Importante frisar que, tal rol é apenas exemplificativo, podendo existir
outros, como bem especifica o referido dispositivo legal.
Caso não estejam presentes todos os requisitos da petição inicial, o juiz pode pedir
que o devedor emende a inicial, apresentando as determinações faltantes. Por outro lado,
estando presentes os requisitos do Art. 51 da LRF e os do Art. 319 do Código de Processo
Civil, o juiz deferirá o processamento da Recuperação Judicial. Frisa-se que, neste momento
processual, o juiz não está concedendo ao devedor a Recuperação Judicial, mas sim,
apenas determinando o seu processamento.
O Art. 51-A restou criado pela Lei 14.112 de 2020, preceituando a possibilidade de
“constatação prévia”, que se traduz na possibilidade de após o pedido de Recuperação
Judicial ser distribuído, o juiz, se reputar necessário, nomear profissional de sua confiança,
com capacidade técnica e idoneidade, para promover a constatação exclusivamente das
reais condições de funcionamento da requerente e da regularidade e da completude da
documentação apresentada junto à exordial.

101
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Dessa forma e com o deferimento do processamento da RJ, o juiz tomará as providências


contidas no Art. 52 da LRF, sendo elas: a) a nomeação do Administrador Judicial; b) a
determinação da dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça
suas atividades, observado o disposto no § 3º do Art. 195 da Constituição Federal e no Art. 69
da LRF; c) a determinação da suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor,
salvo exceções; d) a determinação ao devedor de apresentação das contas demonstrativas
mensais enquanto perdurar a Recuperação Judicial, sob pena de destituição de seus
administradores e, e) a ordenação de intimação eletrônica ao Ministério Público e às Fazendas
Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais em que o devedor tiver estabelecimento, a fim
de que tomem conhecimento da recuperação judicial e informem eventuais créditos perante o
devedor, para divulgação aos demais interessados.
Em relação à determinação da suspensão de todas as ações ou execuções contra o
devedor, cabe à este realizar a comunicação aos juízos competentes (Art. 52, §3º,LRF).
Aliás, ainda sobre o prazo de suspensão por 180 (cento e oitenta) dias, este é conhecido como
stay period e encontra guarida no princípio basilar da RJ, qual seja, a preservação da empresa,
tendo em vista que são vedados atos que inviabilizam a possibilidade de efetiva
recuperação da devedora. Ressalta-se que também serão suspensos eventuais pedidos de
Falência que tramitem em face do devedor, ficando no aguardo do julgamento do pedido de
recuperação.
Em relação ao Plano de Recuperação Judicial, este deve ser apresentado no prazo de
sessenta dias a contar do despacho de processamento da RJ, devendo conter a discriminação
pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados, bem como um resumo de cada
ato que o compõe, a demonstração analítica de sua viabilidade econômica e o laudo econômico-
financeiro e de avaliação dos ativos do devedor, subscrito por profissional habilitado ou por
sociedade especializada, conforme dispõe o Art. 53 da LRF.
Caso o Plano não seja apresentado no prazo de sessenta dias, a Falência do devedor
será decretada, nos termos do inciso II, do Art. 73 da LRF, o qual estudaremos em breve.
Caso sejam apresentadas objeções ao Plano de Recuperação Judicial, o juiz deverá
convocar a Assembleia Geral de Credores para deliberar sobre este (Art. 56, LRF). Veja-se
que o ato praticado pelo juiz é apenas de convocação da Assembleia, não cabendo à este
julgar e analisar as objeções.
No mais, a Assembleia Geral de Credores deverá ser convocada pelo juiz, para
realização em até cento e cinquenta dias, abrangendo a primeira e a segunda convocação, a
partir da data do despacho de deferimento da Recuperação Judicial (Art. 56, LRF). Tal prazo
é estabelecido a fim de que se tenha uma deliberação sobre o Plano antes de cessar o período
de suspensão das ações e execuções, o stay period. Além disso, antes da aprovação da Lei
14.112 de 2020, inexistia previsão legal para a prorrogação do stay period, sendo que a
jurisprudência admitia que sua prorrogação por mais cento e oitenta dias ou até a realização
da Assembléia Geral de Credores. Contudo, a referida Lei inovou ao trazer a previsão legal
de prorrogação desse período junto ao §4º do Art. 6º.

102
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

O Plano de Recuperação Judicial Alternativo é uma novidade da LRF e poderá ser


apresentado em duas situações: 1) o decurso do prazo de suspensão a que se refere o art. 6º,
sem que o PRJ tenha sido levado à deliberação em assembleia (§3º do Art. 6º); e 2) no caso de
rejeição do PRJ em assembleia e o não preenchimento para cram down (Art. 56, §4º).
Na segunda hipótese, caberá ao Administrador Judicial submeter à votação a concessão
do prazo de trinta dias para que os credores realizem a apresentação de plano alternativo, sendo
necessário que sua aprovação se dê com base em mais da metade dos créditos presentes na
Assembleia Geral de Credores (Art. 56, §5º, LRF).
Outra novidade veio no Art. 56-A, que incluiu a possibilidade de apresentação de Termo
de Adesão, firmado pelos credores. Em suma, tem-se que, até cinco dias antes da Assembleia
Geral de Credores convocada para a deliberação do Plano de Recuperação Judicial, poderá a
empresa devedora apresentar Termo de Adesão, desde que observado o quórum previsto pelo
Art. 45. Apresentado o Termo de Adesão, a devedora irá requerer a homologação de tal, sendo
que a realização da AGC ficará imediatamente dispensada.
Frisa-se que a votação de aprovação, rejeição ou alteração do Plano de RJ, segue a
regra do Art. 45, da LRF, sendo que cada classe vota separadamente e o Plano tem que ser
aprovado por todas. Na classe dos credores com garantia real e na classe dos credores
privilegiados, subordinados e/ou quirografários, a aprovação depende do voto dos
credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à
Assembleia e que representem também a maioria simples dos credores - da classe -
presentes. Já na classe dos credores trabalhistas ou decorrentes de acidentes de trabalhos
e na classe dos credores enquadrados como ME ou EPP, a aprovação precisa ser pela
maioria simples dos credores presentes, independente do valor de seus créditos.
Contudo, pode ocorrer uma situação excepcional em que o juiz concederá a
Recuperação Judicial ao devedor que não tiver o Plano aprovado na Assembleia Geral de
Credores. Tal hipótese é chamada de “cram down” e está prevista no Art. 58, §1º da LRF.
Para que o juiz possa fazer uso de tal ferramenta, é necessário que a devedora tenha
obtido as seguintes disposições de forma cumulativa: a) voto favorável de credores que
representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia,
independentemente de classes; b) a aprovação de três das classes de credores ou, caso haja
somente três classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos duas das classes ou,
caso haja somente duas classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos uma delas,
sempre nos termos do Art. 45 da LRF e, c) na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de
mais de ⅓ dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do Art. 45 da LRF (Art. 58, §1º,
LRF).
Ademais, a decisão judicial de concessão da Recuperação Judicial constitui título
executivo judicial, podendo ser executada por qualquer credor (Art. 59, §1º, LRF), sendo que
tal decisão é atacável por agravo de instrumento, nos termos do §2º do Art. 59 da LRF. Ainda,
dessa decisão serão intimados eletronicamente as Fazendas Públicas Federal, Estaduais,
Distrital e Municipais em que o devedor tiver estabelecimento (Art. 59, §3º, LRF).
103
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Após ter concedida sua Recuperação Judicial, o devedor nela permanece até que sejam
cumpridas todas as obrigações previstas no Plano que se vencerem em até dois anos
depois da concessão da RJ, independentemente do eventual período de carência (Art. 61,
LRF). Durante este período, o descumprimento de qualquer obrigação prevista no Plano,
enseja a convolação da Recuperação Judicial em Falência (Art. 61, §1º, LRF).
No caso de descumprimento das obrigações após o período de dois anos, qualquer
credor poderá requerer a execução específica ou a Falência do devedor (Art. 62, LRF).
A Recuperação Judicial, em princípio, não retira do titular da empresa o direito de
administração dos bens. Nesse sentido, o Art. 64 da LRF preceitua as hipóteses em que devem
ser destituídos. Na eventualidade de ser declarada a destituição dos sócios
administradores, deve-se ser convocada a Assembleia Geral de Credores, a fim de deliberarem
sobre o nome do Gestor Judicial que assumirá a administração das atividades do devedor,
nos termos do Art. 65, da LRF. Ademais, o §1º do referido Art., indica que enquanto a
Assembléia Geral não tiver escolhido quem será o gestor judicial, deve o Administrador
Judicial exercer tal função.
A Lei n. 14.112/2020 inovou ao criar a “Seção IV-A - Do Financiamento do Devedor e
do Grupo Devedor durante a Recuperação Judicial”, incluindo dispositivos que irão abordar
o tema. Neste sentido, tem-se que o Art. 69-A disciplina a possibilidade do juiz autorizar, durante
a RJ, a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou
pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não
circulante, para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação
do valor de ativos, após ouvido o Comitê de Credores. Essas modalidades de dip financing.
A “Seção IV-B - Da Consolidação Processual e da Consolidação Substancial”
emergiu com a nova redação dada pela Lei 14.112 de 2020 e surgiu com o objetivo de consolidar
algo que há tempos vinha sendo discutido pela jurisprudência, sendo que o Art. 69-G dispõe, em
breves linhas, que os devedores que atendam aos requisitos elencados pela LRF e que integrem
um grupo econômico poderão requerer a Recuperação Judicial na forma de consolidação
processual.
Neste caso, é incumbência de cada devedor apresentar - individualmente - a
documentação exigida no Art. 51 da LRF (Art. 69-G, §1º, LRF). A competência para deferir a
RJ é a do juízo do local do principal estabelecimento entre os dos devedores (Art. 69-G,
§2º, LRF). O §3º deste Art. dispõe que “exceto quando disciplinado de forma diversa, as demais
disposições da LRF aplicam-se aos casos de que trata esta Seção”.
No caso da documentação de cada devedor ser aprovada, será nomeado apenas um
Administrador Judicial para auxiliar o juiz na condução do processamento da RJ (Art. 69-H,
LRF).
A consolidação processual acarreta a coordenação de atos processuais, garantindo
a independência dos devedores, dos seus ativos e dos seus passivos (Art. 69-I, LRF). Além
disso, os meios de Recuperação serão propostos independentes por cada devedor, sendo

104
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

estes serem específicos para a composição de seus passivos, admitindo-se, contudo, a sua
apresentação em plano único (Art. 69-I, §1º, LRF).
O Art. 69-J dispõe que é faculdade do juiz, em caráter excepcional, autorizar a
consolidação substancial de ativos e passivos dos devedores integrantes do mesmo
grupo econômico que estejam em RJ sob consolidação processual - independentemente
da realização de Assembleia Geral de Credores - no caso de ficar constatada a interconexão e
a confusão entre ativos ou passivos dos devedores, de modo que não seja possível
identificar a sua titularidade sem excessivo dispêndio de tempo ou de recursos,
cumulativamente com a ocorrência de, no mínimo, duas das seguintes hipóteses: a)
existência de garantias cruzadas; b) relação de controle ou de dependência; c) identidade
total ou parcial do quadro societário, e d) atuação conjunta no mercado entre os
postulantes.
Além disso, o Art. 73 da LRF dispõe algumas hipóteses em que será decretada a Falência
do devedor durante o processo de Recuperação Judicial. Tais regras tiveram alterações em suas
redações e acréscimos de possibilidades pelo Art. 1º do Projeto de Lei n. 4.458/2020.

10.7. Recuperação judicial de ME/EPP

Inicialmente, é imperioso relembrar questões de suma importância relativas às


ME/EPP’s. Dessa forma, temos que a Lei Complementar n. 123 de 14 de dezembro de 2016
instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, alterando
os dispositivos anteriormente existentes. Assim temos que são consideradas microempresas
(ME) ou empresas de pequeno porte (EPP), a sociedade empresária, a sociedade simples,
a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário individual, registrados
devidamente no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas
desde que no caso microempresa (ME), aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou
inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e, em caso de empresa de pequeno
porte (EPP), aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos
e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitenta mil reais)
(Art. 3º, LC 123/2016).
Inicialmente cumpre destacar que o pedido de Recuperação Judicial com base no Plano
especial é uma faculdade para as empresas enquadradas como ME ou EPP, ou seja, os
devedores classificados como microempresa ou empresa de pequeno porte devem optar em
sua petição inicial pela apresentação de Plano especial ou Plano normal de Recuperação
Judicial (Art. 70, §1º, LRF).
Para que o produtor rural possa apresentar plano especial de Recuperação Judicial, o
valor da causa não pode exceder a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) (Art.
70-A, LRF). Destaca-se, contudo, que independente da opção devedor, este deverá preencher
os requisitos do Art. 48 da LRF, bem como apresentar a documentação exigida no Art. 51, da
LRF, com as devidas ressalvas já constantes na lei.

105
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

O prazo para a apresentação do Plano especial é de 60 (sessenta) dias, assim como


ocorre no Plano normal (Art. 71, LRF). As condições para apresentação desse Plano especial
limitam-se ao previsto no dispositivo legal acima referido.
Ademais, temos que o pedido de Recuperação Judicial com base em Plano especial
não acarreta na suspensão do curso da prescrição e das ações e execuções por créditos
não abrangidos pelo Plano (Art. 71, parágrafo único, LRF). Ainda, os credores não
abrangidos no Plano especial não possuem seus créditos habilitados na RJ (Art. 70, §2º,
LRF).

10.8. Recuperação extrajudicial

A LRF disciplina a Recuperação Extrajudicial junto aos Arts. 161 a 167, sendo que logo
no Art. 161 dispõe que para que o devedor possa ser beneficiário deste instituto deve
preencher os requisitos do Art. 48.
Ademais, cumpre ressaltar que o preenchimento dos requisitos acima referidos é
indispensável apenas se o devedor pretender a homologação do Plano de Recuperação
Extrajudicial pelo Judiciário. Acaso o devedor apenas pretenda negociar com seus credores
uma saída para a crise em que se encontra, em forma de acordo privado, sem a necessidade
de intervenção do juízo, o preenchimento dos requisitos é dispensável (Art. 167, LRF).
O Art. 161, §4º da LRF dispõe que o pedido de homologação de Plano de Recuperação
Extrajudicial não obsta o prosseguimento das ações e execuções que tramitam em face
do devedor e nem impossibilita o pedido de decretação de Falência eventualmente
requerido pelos credores sujeitos ao Plano de Recuperação Extrajudicial.
Em relação ao Plano de Recuperação Extrajudicial, este não pode prever o
pagamento antecipado de dívidas e tampouco o pagamento desfavorável aos credores a
ele não sujeitos (Art. 161, §2º, LRF). Veja-se que tal disciplina possui como finalidade o
respeito ao princípio do par conditio creditorum. Além disso, apenas podem ser submetidos
ao Plano de Recuperação Extrajudicial os créditos constituídos até a data do pedido de
homologação em juízo (Art. 163, §1º, LRF).
O devedor pode requerer a homologação de Plano de Recuperação Extrajudicial,
obrigando a todos os credores a este submetidos, desde que seja assinado por credores
que representem mais da metade dos créditos de cada espécie por ele abrangidos. Nesta
hipótese, salienta-se, que já não se trata de mera faculdade do devedor a homologação
judicial do Plano, tendo em vista que sem ela, este não pode obrigar os credores que não
aderirem ao Plano, o seu cumprimento.
Além disso, o devedor pode requerer a homologação do Plano antes de atingir o quórum
de mais da metade dos créditos por ele abrangidos, desde que o apresente com a comprovação
de anuência de credores que representem pelo menos ⅓ de todos os créditos por ele
abrangidos e que se comprometa a atingir o quórum exigido através de adesão expressa, no
prazo improrrogável de noventas dias, contados da data do pedido, sendo lhe facultada a

106
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

conversão do procedimentos em Recuperação Judicial a pedido do devedor (Art. 163, §7º,


LRF).
Se forem apresentadas impugnações ao Plano, será ofertado o prazo de 5 (cinco) dias
para o devedor se manifestar (Art. 164, §4º, LRF). Após o término de tal prazo, sobrevindo
ou não manifestação do devedor, os autos irão conclusos ao juiz, para que este, no prazo de
cinco dias aprecie e decida acerca das eventuais impugnações, homologando o Plano
sentença, se entender que este não implica em prática de atos com a intenção de
prejudicar credores e, que, não há outras irregularidades que recomendem sua rejeição
(Art. 164, §5º, LRF).
Caso haja comprovação de simulação de créditos ou vícios de representação dos
credores que assinaram o Plano, sua homologação será indeferida (Art. 164, §6º, LRF). Da
sentença que homologa ou não o Plano do devedor, cabe apelação sem efeito suspensivo
(Art. 164, §7º, LRF).

10.9. Falência

O procedimento falimentar ocorre quando a crise econômico-financeira de uma


empresa se torna invencível, ou seja, não se localizam mais possibilidades de recuperação para
a empresa. Outrossim, e, como ocorre com os legitimados para a recuperação judicial, a falência
é destinada somente à empresários e sociedades empresárias, ou seja, é vedado o uso do
instituto para empresas públicas, sociedades de economia mista, instituições financeiras, entre
outras.
Importante referir que a falência é vista como uma execução coletiva concursal, haja
vista ser arrecadado o ativo do falido para ser realizado o pagamento dos credores, ou seja,
o pagamento do passivo. Além disso, são previstas punições aos atos considerados
criminosos eventualmente praticados pelo falido.
Ademais e a se considerar o processo falimentar como uma execução coletiva
concursal, evidencia-se a submissão de todos os credores ao princípio do par conditio
creditorum, o qual indica a necessidade de ser concedido a todos os credores do devedor um
tratamento igualitário.
O Art. 75 da LRF estabelece que ao promover o afastamento do devedor de suas
atividades, a falência possui como objetivos: a) preservar e a otimizar a utilização produtiva
dos bens, dos ativos e dos recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa; b) permitir
a liquidação célere das empresas inviáveis, com vistas à realocação eficiente de recursos na
economia e, c) fomentar o empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do retorno
célere do empreendedor falido à atividade econômica.
O instituto falimentar pressupõe a necessidade de formação do juízo universal. Neste
aspecto, cumpre ressaltar que a competência para a arrecadação de todos os bens e para a
suspensão das execuções individuais, pertence a este juízo universal, objetivando-se, assim,
garantir que todos os credores sejam submetidos ao processo falimentar, sendo classificados e

107
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

satisfeitos de acordo com a natureza de suas obrigações.


No que tange ao sujeito ativo da Falência, temos que, conforme dispõe o Art. 97 da LRF,
podem requerer a Falência do devedor: a) o próprio devedor, neste caso se trata de uma
liquidação voluntária, chamada de Autofalência; b) o cônjuge supérstite, herdeiros ou
inventariante do devedor, tratando-se de uma liquidação póstuma; c) o sócio cotista ou
acionista do devedor e, d) qualquer credor, se configurando em uma liquidação involuntária.
Em relação à resposta do devedor quanto ao pedido de decretação de sua falência, temos
que o prazo é de 10 (dez) dias, de acordo com o Art. 98 da LRF. Na contestação o devedor pode
alegar: a) a falsidade do título; b) a prescrição; c) a nulidade de obrigação ou de título; d) o
pagamento da dívida; e) qualquer outro fato que extinga ou suspenda obrigação ou não legitime
a cobrança de título; f) o vício em protesto ou em seu instrumento; g) a apresentação de pedido
de Recuperação Judicial no prazo da contestação, observados os requisitos do Art. 51 da LRF
e, h) a cessação das atividades empresariais há mais de dois anos antes do pedido de Falência,
comprovada por documento hábil do Registro Público de Empresas, o qual não prevalecerá
contra prova de exercício posterior ao ato registrado (Art. 96, LRF).
O devedor pode, ainda, elidir a falência, ou seja, fazer depósito em juízo do valor da
dívida reclamada no pedido falimentar, sendo que o depósito deve ser acrescido de correção
monetária, juros e honorários advocatícios (Art. 98, LRF). Nesta hipótese, não haverá a
decretação da falência do devedor, por expressa disposição legal. Contudo, caso o pedido venha
a ser procedente, o juiz irá ordenar o levantamento do valor pelo autor.
Já, no que tange ao foro competente em que o pedido de decretação de falência deve ser
ajuizado, tem-se que o foro do local do principal estabelecimento do devedor, ou seja, é o mesmo
da Recuperação Judicial. Assim, entende-se que deve ser onde a empresa possui maior volume
de negócios.
O Art. 94 traz as hipóteses plausíveis para pedido de quebra. A impontualidade
injustificada é a primeira hipótese hábil a elucidar o pedido de decretação da falência, na medida
em que, a decretação da falência do devedor apenas pode ocorrer se este ficou inadimplente
sem relevante razão de direito. Cumpre ressaltar a previsão de requisitos indispensáveis para
que o título possa embasar o pedido: a) seja executivo - judicial ou extrajudicial- ; b) esteja
protestado e, c) represente dívida superior a quarenta salários mínimos. No que se refere
ao último requisito, há previsão expressa na LRF que permite a reunião de credores em
litisconsórcio a fim de alcançar o limite mínimo (Art. 94, §1º, LRF).
A execução frustrada se traduz na segunda hipótese em que pode ser decretada a
Falência do devedor. Esta possibilidade se caracteriza pela tríplice omissão do devedor.
Contudo, é necessário que a petição inicial seja instruída com a apresentação de uma certidão
emitida pelo juízo onde se processe a execução (Art. 94, §2º, LRF), sendo prescindível o
protesto do título e sem a imposição de valor mínimo.
Por fim, tem-se os chamados atos de falência, que possuem disciplina - taxativa - no rol
do Art. 94, inciso III, de acordo com o já indicado. As referidas práticas, caso exercidas pelo

108
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

devedor, possuem o condão de ocasionar no requerimento e na decretação de sua Falência.


No que tange aos recursos cabíveis, da sentença que denega o pedido cabe Apelação,
enquanto a decisão que decreta a falência é atacável por Agravo de Instrumento (Art. 100,
LRF).
Neste sentido, o Art. 99 da LRF estabelece o conteúdo que deve estar presente na
sentença que decretar a falência. Ademais, e a se considerar que a sentença que decreta a
Falência inicia o procedimento falimentar propriamente dito, esta é uma decisão
interlocutória especial, tendo em vista que se interlocuta entre a cognição e a execução. A
natureza jurídica dessa sentença é híbrida, sendo ao mesmo tempo constitutiva e
declaratória. Possuindo efeito ex nunc, ou seja, da constituição em diante, enquanto o
decreto falimentar possui efeito ex tunc, tendo em vista que será fixado o termo legal da
Falência em até noventa dias anteriores ao seu pedido.
Assim, importante frisar que a fixação do termo legal da Falência, conforme dispõe o
inciso II, do Art. 99 é importantíssima, haja vista ser a partir dessa fixação que se torna possível
determinar a presunção de fraude e a consequente ineficácia de certos atos praticados
pelo devedor. Este lapso temporal é conhecido como período suspeito.
Relativamente à determinação de suspensão das ações e execuções individuais
movidas em face do falido, salvo as ações que demandam quantias ilíquidas e as reclamatórias
trabalhistas, tem-se que diferentemente do que ocorre na Recuperação Judicial em que são
suspensas pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, na Falência, a suspensão perdura por todo
o processo falimentar.
Em relação às execuções fiscais, tem-se que é competência do juízo da Execução decidir
quanto ao valor do crédito, à exigibilidade e à existência, nos termos do Art. 7º-A, §4º, II, LRF e,
a habilitação e classificação de tal crédito acontecerá no incidente processual previsto no caput
do Art. 7º-A, da LRF. Veja-se que as execuções fiscais ficarão suspensas até o fim do feito
falimentar, sendo possível seu prosseguimento em face dos corresponsáveis (Art. 7º-A, V, LRF).
Ademais, a decretação da Falência inaugura o juízo universal, que é indivisível e
competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido,
salvo as ações trabalhistas, fiscais e as não reguladas na LRF, nas quais o falido figure como
autor ou litisconsorte ativo, de acordo com o previsto no Art. 76, da LRF.
No mais, a decretação da quebra determina o vencimento antecipado das dívidas do
devedor, realizando o abatimento proporcional dos juros e a conversão dos créditos em
moeda estrangeira para a moeda Brasileira, considerando o câmbio da data da decisão
judicial (Art. 77, LRF). Isso ocorre, haja vista, a exigência de ser confeccionada a relação de
credores.
Insta mencionar que no caso de Falência de concessionárias de serviços públicos, a
quebra implica, de imediato, na extinção da concessão, de acordo com o preceituado pelo Art.
195, da LRF.
A decretação da Falência acarreta na inabilitação empresarial do falido, que subsiste
109
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

da decretação da Falência até a sentença que extinguir suas obrigações (Art. 102, LRF). Já
no caso do falido ser condenado por crime falimentar e essa condenação tenha o efeito
específico de inabilitação para o exercício de atividade empresarial, esta se manterá por até
5 (cinco) anos após a extinção da punibilidade (Art. 181, §1º, LRF).
A regra geral contida na legislação estabelece que os contratos bilaterais não se
resolvem de imediato pela decretação da quebra, podendo ser cumpridos pelo
Administrador Judicial (Art. 117, LRF). O contratante pode entrar em contato com o
Administrador Judicial, no prazo de 90 (noventa) dias contados a partir da assinatura do termo
de compromisso do auxiliar, para que, no prazo de 10 (dez) dias, o Administrador Judicial
declare se irá cumprir o contrato ou não (Art. 117, §1º, LRF).
A partir da decretação da Falência, a administração dos bens do falido passa a ser
atribuição do Administrador Judicial, que deve, após assinar o termo de compromisso, efetuar
a arrecadação dos bens e documentos e fazer a avaliação destes, onde eles se encontrarem.
A fim de realizar as medidas acima, o AJ pode requerer ao juiz o que for necessário para tanto
(Art. 108, LRF).
A arrecadação dos bens do falido pode atingir bens de terceiros que estejam em sua
posse na data da decretação da Falência, sendo previsto, assim, a possibilidade dos titulares de
tais bens formularem pedidos de restituição. É o que preceitua o Art. 85 da LRF. Exemplos
desse caso, seriam os bens que estavam na posse do falido em virtude de contratos de
alienação fiduciária em garantia ou arrendamento mercantil.
Além disso, o parágrafo único do Art. 85 da LRF, prevê que também é possível o pedido
de restituição de bem que foi vendido a crédito ao falido e entregue a ele em até 15 (quinze)
dias antes do pedido de Falência, se ainda não alienado para terceiros.
Nesta senda, o Art. 86 da LRF inteligencia as possibilidades em que a restituição será
realizada em dinheiro. Ainda, o pedido de restituição deve ser fundamentado, individualizando,
de maneira específica, o bem reclamado, nos termos do Art. 87 da LRF. Oportuno destacar que
tal pedido suspende a disponibilidade do bem até o trânsito em julgado da ação (Art. 91,
LRF).
Caso o pedido de restituição seja julgado procedente, a entrega do bem ao
requerente deve ser realizada no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sendo tal determinado
na sentença que o reconhecer (Art. 88, LRF). No entanto, se a sentença negar a restituição, o
requerente poderá, se for o caso, ser incluído no Quadro Geral de Credores da falida (Art. 89,
LRF).
Além disso, a sentença do pedido de restituição, seja ela procedente ou improcedente, é
atacável por Apelação sem efeito suspensivo (Art. 90, LRF). No mais, o interessado pode
ajuizar embargos de terceiro, na eventualidade em que não se encaixar pedido de restituição
(Art. 93, LRF).
Evidencia-se, portanto, que o Art. 129 da LRF dispõe um rol taxativo de situações que
quando caracterizadas o ato será objetivamente ineficaz. Além disso, e conforme disciplina o

110
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

parágrafo único do Art. 129, a ineficácia do ato pode ser declarada de ofício pelo juiz, alegada
em defesa ou pleiteada em ação própria ou incidentalmente no curso do processo
falimentar. No entanto, o Art. 131 prevê que no caso dos atos referidos nos incisos I, II, III e VI
do caput do Art. 129, terem sido previstos e realizados na forma definida no plano de
Recuperação Judicial ou Extrajudicial, eles não serão declarados ineficazes ou
revogados.
Já o Art. 130 da LRF prevê os casos em que para a revogação dos atos praticados pelo
falido é necessária a prova da intenção de prejudicar os credores, o conluio fraudulento
praticado entre o devedor e o terceiro com quem ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido
pela massa falida. A ação própria para revogação de atos é chamada de ação revocatória, que
pode ter como o autor o Administrador Judicial, qualquer credor ou o Ministério Público, no prazo
de três anos contados da decretação da Falência, nos termos do Art. 132, da LRF.
A fase de realização do ativo é iniciada após a arrecadação dos bens do falido, se
realizando na alienação dos bens arrecadados (Art. 139, LRF), com a finalidade de angariar
valores a fim de propiciar o pagamento dos credores. Sabe-se que após o Administrador Judicial
assinar o termo de compromisso, o auxiliar possui o prazo de 60 (sessenta) dias para apresentar
o plano de venda dos ativos, devendo realizá-lo em prazo não superior a 180 (cento e oitenta)
dias contados da juntada do auto de arrecadação.
As modalidades de venda dos bens do falido estão previstas no Art. 140 da LRF, em
ordem de preferência, sendo elas: a) alienação da empresa, com a venda de seus
estabelecimentos em bloco; b) alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou
unidades produtivas isoladamente; c) alienação em bloco dos bens que integram cada um
dos estabelecimentos do devedor ou, d) alienação dos bens individualmente
considerados. Além disso, o parágrafo §2º do referido diploma legal dispõe que a venda dos
bens pode iniciar antes mesmo da formação do Quadro Geral de Credores.
A alienação do ativo ocorrerá sob uma das modalidades típicas preceituadas no Art. 142,
da LRF, sendo através de leilão eletrônico, presencial ou híbrido; processo competitivo
organizado promovido por agente especializado e de reputação ilibada, cujo
procedimento deverá ser detalhado em relatório anexo ao plano de realização do ativo ou
ao plano de Recuperação Judicial, conforme o caso ou, qualquer outra modalidade, desde
que aprovada nos termos da LRF.
Como já exposto e a respeito da verificação e habilitação de créditos, temos que já na
decisão que decreta a quebra do devedor, o juiz toma duas medidas importantes para tanto, o
fato de ordenar ao falido que apresente, no prazo máximo de cinco dias, a sua relação nominal
de credores e a explicação sobre o prazo para as habilitações de crédito.
De acordo com o já estudado, a classificação dos créditos ocorre a fim de possibilitar a
reunião de credores de acordo com a similaridade de seus créditos, objetivando tratamento
idêntico perante a liquidação dos ativos no processo falimentar. Assim, objetiva-se atingir o
princípio do par conditio creditorum.

111
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Antes de expor a classificação de créditos concursais, necessário abordar os chamados


créditos extraconcursais.
Os créditos extraconcursais referidos, estão descritos no Art. 84 da LRF, sendo eles: “I)
(revogado); I-A) as quantias referidas nos Arts. 150 e 151 da LRF; I-B) o valor efetivamente
entregue ao devedor em Recuperação Judicial pelo financiador, em conformidade com o
disposto na Seção IV-A da LRF (dip financing); I-C) os créditos em dinheiro objeto de
restituição, conforme previsto no Art. 86 da LRF; I-D) as remunerações devidas ao
administrador judicial e aos seus auxiliares, os reembolsos devidos a membros do Comitê
de Credores, e os créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes
de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da Falência; I-E) as
obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a Recuperação
Judicial, nos termos do Art. 67 da LRF, ou após a decretação da Falência; II) as quantias
fornecidas à massa falida pelos credores; III) as despesas com arrecadação,
administração, realização do ativo, distribuição do seu produto e custas do processo de
Falência; IV) as custas judiciais relativas às ações e às execuções em que a massa falida
tenha sido vencida; V) os tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação
da Falência, respeitada a ordem estabelecida no Art. 83 da LRF.
Evidencia-se, assim, que os créditos extraconcursais são créditos que surgiram após
a decretação da Falência, em decorrência dela. Sendo assim, são dívidas da própria massa
falida e não do devedor falido. Neste sentido, a Corte Especial do Superior Tribunal de
Justiça decidiu que os honorários advocatícios resultantes de trabalhos prestados à
massa falida após a decretação da quebra são classificados como créditos
extraconcursais.
Após os pagamentos das restituições em dinheiro e dos créditos extraconcursais, inicia-
se o pagamento dos credores constantes no Quadro Geral de Credores, os chamados créditos
concursais, que seguem uma ordem de classificação legal.
Essa ordem de classificação legal é estabelecida no Art. 83 da LRF, sendo ela: I- os
créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a cento e cinquenta salários-
mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho; ii- os créditos gravados
com direito real de garantia até o limite do valor do bem gravado; III- os créditos tributários,
independentemente da sua natureza e do tempo de constituição, exceto os créditos
extraconcursais e as multas tributárias; IV- (REVOGADO): A) (REVOGADO), B)
(REVOGADO), C) (REVOGADO), D) (REVOGADO); IV) (REVOGADO), A) (REVOGADO), B)
(REVOGADO), C) (REVOGADO); VI- os créditos quirografários, a saber: A) aqueles não
previstos nos demais incisos deste artigo; B) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto
da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; E C) os saldos dos créditos derivados da
legislação trabalhista que excederem o limite estabelecido no inciso i do caput deste artigo; VII
- as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou
administrativas, incluídas as multas tributárias; VIII - os créditos subordinados, a saber: A)
os previstos em lei ou em contrato; e B) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo

112
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

empregatício cuja contratação não tenha observado as condições estritamente comutativas e as


práticas de mercado; IX - os juros vencidos após a decretação da falência, conforme
previsto no art. 124 desta lei.
Ademais, indica-se que a Lei n. 14.112 de 2020, excluiu da classificação de créditos
concursais, os créditos com privilégio geral e com privilégio especial, incluindo-os nos
créditos quirografários, conforme preceituado no §6º do Art. 83 da LRF.
Além disso, os créditos cedidos, a qualquer título, manterão sua natureza e
classificação (Art. 83, §5º, LRF).
A limitação de pagamento de até cento e cinquenta salários mínimos por trabalhador, não
englobando os créditos decorrentes de acidente de trabalho, os quais concorrem como créditos
preferenciais pela totalidade do seu valor.
Sobre créditos concursais, tem-se que os créditos devidos aos representantes
comerciais autônomos a título de comissões (Art. 44 da Lei n. 4.886/1965), os créditos
referentes a honorários advocatícios e quaisquer créditos que tenham natureza alimentar
são créditos que possuem equiparação à trabalhistas para fins de classificação na Falência.
Os créditos com garantia real, até o limite do bem gravado, estão em segundo lugar
na ordem de classificação legal (Art. 83, II, LRF). Necessário mencionar que o valor considerado
do bem objeto de garantia real é o arrecadado com a sua venda ou, no caso de venda em bloco,
o valor da sua avaliação individual (Art., 83, §1º, LRF). Além disso, o §2º do Art. 83 da LRF
inteligencia que da massa falida não são exigíveis os valores referentes ao direito de sócio
ao recebimento de sua parcela do capital social na liquidação da sociedade.
Os créditos tributários estão dispostos em terceiro lugar na ordem de classificação
legal, sem ter em conta sua natureza e tempo de constituição, com exceção das multas
tributárias. Já, as multas tributárias, são classificadas em sétimo lugar, juntamente com as
outras penas pecuniárias e multas contratuais.
Os créditos com privilégio especial e com privilégio geral, eram classificados em
quarto e quinto lugar, respectivamente. Contudo, com a reforma da LRF, suas disposições
foram revogadas, fazendo parte, a partir de então, dos créditos quirografários.
Os créditos quirografários, que são os que não possuem nenhuma espécie de
preferência ou garantia, estão em sexto lugar na ordem de classificação. Como por exemplo de
tais créditos, temos os decorrentes de obrigações contratuais ou cambiais não adimplidas.
Além disso, classificam-se como quirografários o saldo do crédito trabalhista ou
equiparado, excedente a cento e cinquenta salários-mínimos e, o saldo do crédito com garantia
real, cujo os valores arrecadados com a alienação dos bens vinculados não tenha sido
suficiente.
Ademais e conforme já mencionado, os créditos com privilégio geral ou especial,
passaram a fazer parte dos créditos quirografários a partir da reforma da LRF.
As multas contratuais e tributárias e as penas pecuniárias por infração de leis penais

113
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

ou administrativas, se encontram em sétimo lugar na ordem legal de classificação. Assim,


apesar da LRF permitir a cobranças de tais penas à falida, sua classificação está abaixo dos
créditos quirografários.
Os créditos subordinados, que são basicamente os créditos dos próprios sócios da
falida, são classificados em oitavo lugar.
Por fim, os juros vencidos após a decretação da Falência, se classificam em nono
lugar, nos termos da previsão contida no Art. 124 da LRF.
Como vimos, o objetivo do processo falimentar é a liquidação do ativo para o pagamento
do passivo.
Antes de iniciar o pagamento dos credores concursais descritos no Quadro Geral de
Credores, o Administrador Judicial tem que realizar alguns pagamentos com os recursos que
possui em caixa. Como exemplos deste caso, temos o que preceitua o Art. 150 da LRF, que
dispõe que as despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à administração
da Falência, inclusive na hipótese de continuação provisória das atividades, serão pagas pelo
Administrador Judicial com os recursos disponíveis em caixa e, o que inteligencia o Art. 151 da
LRF, que preceitua que os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos
nos três meses anteriores à decretação da Falência, até o limite de cinco salários-mínimos
por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa. Percebe-se, portanto, que
tais pagamentos devem ser realizados a partir do momento em que se tenha
disponibilidade de valores em caixa.
Além disso, também devem ser pagos, antes dos credores concursais, as restituições
em dinheiro deferidas pelo juiz e os créditos extraconcursais (Art. 149, LRF).
O pagamento dos credores concursais, como estudado, deve observar a ordem legal
de classificação prevista no Art. 83 da LRF.

11. Propriedade industrial

11.1. Notas introdutórias

Noções introdutórias importantes: propriedade intelectual é gênero, dentro do qual


encontram-se duas espécies: a propriedade industrial e o direito de autor. Nossa aula é somente
sobre propriedade industrial.
Outro aspecto fundamental consiste na ideia de função social da propriedade industrial,
previsto tanto no art. 5º, XXIX da CF como art. 2º da Lei de Propriedade Industrial (LPI). Assim
como os imóveis possuem função social – devem ser utilizados, por exemplo -, os bens de
propriedade industrial também devem ser utilizados sempre que pleiteados, pois trata-se de uma
ideia de desenvolvimento tecnológico e social de um país. Caso você seja um titular de patente,

114
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

deverá utilizá-la, atentando-se a sua função social e finalidade, sob pena de ter a titularidade
licenciada compulsoriamente (veremos tal ponto em breve).
Também é vital lembrar que, conforme o art. 5 da LPI, os bens tutelados pela lei são
equiparados a coisas móveis. Assim, mesmo bens incorpóreos como marcas e patentes
possuem proteção especial e podem ser comercializados.

11.2. Patentes

A patente consiste no direito temporário garantido pelo Estado ao titular para que possa
explorar economicamente um dos seguintes bens: invenção e modelo de utilidade. Em outras
palavras, quando você desenvolve um dos bens que a seguir iremos trabalhar, você possui um
determinado tempo para, exclusivamente, usufruir desta criação derivada do seu intelecto.
O art. 6 da LPI nos revela quem pode ser titular de uma patente (via de regra, o próprio
autor ou seus sucessores), já o art. 7 nos introduz uma importante noção sobre a LPI: não importa
quem foi o primeiro a criar algo, o dono será aquele que primeiro buscar a concessão da patente
junto ao INPI – por isso, lembrem: a busca da patente é ato constitutivo do direito.
Os artigos subsequentes nos trazem o conceito de modelo de utilidade e os requisitos da
patente de invenção e de modelo de utilidade:
Invenção: Art. 8º É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade,
atividade inventiva e aplicação industrial.
Modelo de utilidade: Art. 9º É patenteável como modelo de utilidade o objeto de uso
prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou
disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em
sua fabricação.
Importante: requisitos da patentiabilidade
1) novidade (art. 11 e 12);
2) atividade inventiva (art. 13 e 14);
3) aplicação industrial (art. 15);
4) ausência de impedimentos legais (art. 18).

Já o art. 10 nos ilustra o que não pode ser considerado uma invenção. São muitos
incisos, mas associem sempre a algo derivado da criatividade humana e com aplicação prática
na indústria. Por exemplo, descobrir algo é diferente de inventar algo. Na descoberta, o objeto já
existia. No ato de inventar, algo novo é criado. Obras artísticas são protegidas pela lei de direitos
autorais, e não pela LPI. Ainda, vale destacar que softwares independentes (aplicativos, por
exemplo) são protegidos pela lei de softwares, contudo, se estivermos falando de um software
acoplado em uma criação, esta poderá ser patenteada junto do software.

115
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Após concedida, a patente vigorará por: 20 anos, se for invenção, e 15 anos, se for modelo
de utilidade. Importante atentar que o prazo passa a contar da data do depósito, ou seja,
do dia em que houve o encaminhamento do pedido ao INPI, e não da concessão.
Os direitos concedidos ao titular da patente encontram-se no art. 41 e subsequentes.
Violação a estes direitos gerarão indenizações, cujo marco temporal vem previsto no art. 44 da
LPI.

11.3. Contratos de licença

Temos três tipos de contratos de licença:


I – Voluntária (art. 61) – ato de vontade do autor da patente, que deseja, voluntariamente,
licenciar outrem para realizar a exploração. Tal ato deverá ser averbado junto ao INPI para que
produza efeitos – a contar a partir de sua publicação. Caso a parte que esteja utilizando,
mediante licença, patente, venha a melhorá-la, tal melhoria lhe pertence (art. 63).
II – Por oferta (64) – cuida-se de espécie de “leilão” – o titular da patente solicita ao INPI
que este a coloque em oferta para fins de exploração. Ou seja, o INPI anuncia a oferta e em suas
revistas no intuito de atrair interessados.
III – Compulsória (68) – caso o titular exerça a patente de forma abusiva, ou pratique
abuso de poder econômico (decisão administrativa do CADE), poderá ter sua patente licenciada
de forma compulsória após decisão administrativa ou judicial. Isso significa que, em virtude da
má utilização da patente, o ente público permite que outras empresas a utilizem, desde que
preenchidos requisitos (legitimo interesse e capacidade de produção). O titular não deixa de ser
dono da patente, apenas perderá a exclusividade na exploração econômica da mesma.
Não haverá a concessão da licença compulsória caso o titular (art 69):

I - justificar o desuso por razões legítimas;


II - comprovar a realização de sérios e efetivos preparativos para a exploração; ou
III - justificar a falta de fabricação ou comercialização por obstáculo de ordem legal.

Fala-se, ainda, em licença compulsória nos casos do art. 70, se preenchidos alguns
requisitos cumulativamente.
I - ficar caracterizada situação de dependência de uma patente em relação a outra (aquela
cuja exploração depende obrigatoriamente da utilização de patente anterior. Imaginem uma
invenção que é aplicada à uma linha de montagem recém inventada – temos duas patentes
distintas, mas a primeira depende da segunda para funcionar)
II - o objeto da patente dependente constituir substancial progresso técnico em relação à
patente anterior; e
III - o titular não realizar acordo com o titular da patente dependente para exploração da
patente anterior.

116
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

Por fim, há a patente compulsória nos casos de emergência nacional ou interesse


público (art. 71).
Nesses casos, se o titular não for capaz de suprir demanda emergencial (como uma
epidemia, por exemplo), poderá haver a licença da patente de ofício – sem prejuízo dos direitos
do titular. Trata-se de medida temporária para suprir alguma questão emergencial.

11.4. Patente por empregado ou prestador de serviço

Temos, como regra apresentada pelo art. 88 da LPI, que as patentes desenvolvidas
durante a vigência do contrato de trabalho pertencem ao empregador. Isto porque é o
empregador quem fornece os meios e recursos por meio dos quais o empregado desenvolve a
produção intelectual que resultará na patente. A remuneração do empregado, nesses casos, é o
próprio salário. Contudo, é importante atentarmos para um detalhe, caso o empregado
interrompa seu contrato de trabalho:
Art. 88, § 2º Salvo prova em contrário, consideram-se desenvolvidos na vigência do
contrato a invenção ou o modelo de utilidade, cuja patente seja requerida pelo empregado até 1
(um) ano após a extinção do vínculo empregatício.
Ainda sobre a remuneração, o empregador poderá conceder ao empregado, autor do
invento, participação nos ganhos econômicos resultantes da exploração da patente. Tal
participação, contudo, não conta como salário do empregado.
Já nas hipóteses em que o empregado desenvolver algo no seu âmbito particular, sem
utilização de recursos do empregador, a ele toca a propriedade da patente. Caso empregado e
empregador contribuam com recursos materiais, monetários, intelectuais etc., a patente
pertencerá a ambos.

11.5. Desenho Industrial

A característica de fundo do Desenho Industrial é a sua futilidade: a alteração não amplia


a utilidade do objeto, apenas o reveste de um aspecto diferente. Esse traço também aproxima o
DI da obra de arte, com a diferença de que o objeto revestido de desenho industrial tem
necessariamente função utilitária, ao contrário da arte, desprovida dessa função.
Os requisitos do Desenho industrial são a novidade absoluta (art. 95), a originalidade (art.
97), a aplicação industrial (art. 95) e a legalidade (art. 100).
Já o prazo de proteção é diferente do da patente. Aqui, conforme art. 108, temos que o período
de proteção é de 10 anos a contar da concessão, prorrogável por mais 3 períodos de 5 anos,
ou seja, o mínimo é 10 anos e o máximo é 25 anos.

11.6. Marca

Conceito: marca é o sinal distintivo visualmente perceptível. Ou seja, é o elemento visual


que serve para diferencia um produto ou um serviço, facilitando muito a vida dos consumidores

117
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

que buscam estes produtos/serviços. No Brasil, os sinais sonoros não são suscetíveis de registro
como marca. O mesmo ocorre com características de cheiro, gosto ou tato de que se revestem
os produtos os serviços.
Apenas podem ser registrados como marca no INPI os sinais visualmente perceptíveis.
Os signos não-visuais são tutelados pela disciplina jurídica da concorrência, se sua usurpação
servir de meio fraudulento para desviar clientela.

11.6.1. Classificação das marcas

a) nominativas (compostas exclusivamente por palavras, sem apresentar particular forma


de letras);
b) figurativas (consistentes de desenhos ou logotipos);
c) mistas (palavras escritas com letras revestidas de uma particular forma, ou inseridas
em logotipos).

Para fins jurídicos, qualquer que seja o tipo de marca, a proteção é idêntica.

11.6.2. Requisitos das marcas

a) Novidade relativa: a marca precisa ser nova dentro da sua classe, quer dizer, seu
ramo de atividade. O INPI possui um alista com diversos segmentos mercadológicos e, ao fazer
o registro, o titular deve especificar a qual classe o produto pertence. Assim, a marca precisa ser
novidade dentro daquela classe, sendo perfeitamente possível marcas com o mesmo nome
coexistirem, contanto que em segmentos distintos.
Ex: desinfetante VEJA e revista VEJA. Não há como haver confusão entre os
consumidores.
b) Não colidência com marca de alto renome ou notória: a marca não pode incidir nas
hipóteses previstas nos artigos 125 e 126 da LPI (veremos a seguir).
c) Ausência de impedimento legal: o art. 124 da LPI apresenta um rol de diversos
incisos apontando o que não é registrável como marca. A ideia central do artigo é, por um lado,
proteger o consumidor, que não pode ser enganado, e, em um segundo momento, proteger o
titular legitimo de marca e evitar que este seja prejudicado. Assim, temos incisos versando, por
exemplo, da proibição da utilização de bandeiras na marca (o que passa a ideia de que o produto
foi fabricado em outro país), bem como vedação de marcas muito semelhantes ou idênticas à
marcas já registradas.
O que é uma marca de Alto Renome?

Art. 125. À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada
proteção especial, em todos os ramos de atividade.

118
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

• Sua eficiência e alcance extrapolam a marca originária (exorbitando o princípio da


especialidade – proteção dentro de um ramo de atividade).
• Para conseguir, requerer no INPI provando: reconhecimento da marca por ampla
parcela do público; qualidade, reputação e prestígio dos produtos ou serviços; grau de
distintividade e exclusividade do sinal marcário.

O que é uma marca Notoriamente Conhecida?

Art. 126. A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade nos termos do art.
6º bis (I), da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, goza
de proteção especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada
no Brasil.

11.6.3. Vigência da marca

O registro da marca vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da data da


concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos. Ou seja, diferente dos
outros bens da propriedade industrial, a marca pode, em tese, vigorar para sempre, contanto que
seja renovada a cada dez anos.

119
1ª Fase | 36° Exame da OAB
Direito Empresarial

120

Você também pode gostar