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NELSON EIZIRIK

A LEI DAS S / A
COMENTADA
VOLUME I
ARTIGOS 1 o A 120

QUARTIER LATIN
A LEI DAS S/A
COMENTADA
VOLUME I

ARTIGOS 1 o A 1 2 0

Poder de Controle e Outros Temas de Direito


Societário e Mercado de Capitais
Coordenação:
Rodrigo R. Monteiro de Castro
Luis André N. de Moura Azevedo

Fusão, Cisão, Incorporação


e Temas Correlatos
Coordenação:
Walirido lorge Warde Ir.

Direito Societário Contemporâneo I


Coordenação:
Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França

Direito Societário - Desafios Atuais


Coordenação:
Rodrigo R. Monteiro de Castro
Leandro Santos de Aragão

Sociedade Anônima
Coordenação:
Rodrigo R. Monteiro de Castro
Leandro Santos de Aragão

Fusões e Aquisições
Aspectos Fiscais e Societários - V edição
lan Muniz

Reorganização Societária
Coordenação:
Rodrigo R. Monteiro de Castro
Leandro Santos de Aragão

Da Ética Geral à Ética Empresarial


Newton De Lucca

PRINCÍPIOS UNIDROIT
Relativos aos Contratos Comerciais
Internacionais
Editor-Responsável:
loão Baptista Villela

O Direito de Empresa nos Tribunais Brasileiros


Coordenação:
César Ciampolini Neto
Walirido lorge Warde Ir.
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ARTIGOS 1 ° A 1 2 0

QUARTÍER LATIN
Editora Quartier Latin do Brasil
Rua Santo Amaro, 316 - CEP 01315-000
Vendas: Fone (11) 3101-5780
Email: quartierlatin@quartierlatin.art.br
Site: www.quartierlatin.art.br
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EB DAS § / A
Comentada

ARTIGOS 1 ° A 1 2 0

Editora Quartier Latin do Brasil


São Paulo, primavera de 2011
quartieríatin@quartierlatin.art.br
www.quartierlatin.art.br
Editora Quartier Latin do Brasil
Rua Santo Amaro, 316 - Centro - São Paulo

Coordenação Editorial: Vinícius Vieira


Diagramação: Thaís Fernanda S. L. Silva,
Victor Guimarães Sylvio, José Ubiratan Ferraz Bueno
Revisão Gramatical: Tarsila Nascimento Marchetti
Conferência: Fábio Gimenez
Criação de Capa: Carolina e Vinícius Vieira
Finalização e Digitalização de Capa: Bruno Laguna Paim

EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A C o m e n t a d a . V o l u m e 1 - A r t s . 1O

a 120. S ã o Raulo: Quartier Latin, 2 0 1 1 .

ISBN 85-7674-576-3

1. Direito C o m e r c i a l . 2 . Direito Societário. 1. Título

Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil: Direito Comercial


2. Brasil: Direito Societário

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo,
especialmente por sistemas gráficos, microíílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos.
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ticas gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184
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!arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
COLABORADORA NO VOLUME I:
ANDRÉA BRAGA
A Flávia, com amor.
AGRADECIMENTOS E NOTAS INTRODUTÓRIAS

Há muito tempo vinha amadurecendo a idéia de escrever um


livro de comentários à Lei das Sociedades por Ações. Afinal, por
longos anos, tenho produzido livros, artigos, ensaios, pareceres e
peças variadas sobre o direito societário, mais diretamente foca-
dos nas sociedades anônimas e no mercado de capitais, além de
pesquisas sobre a jurisprudência de nossos tribunais, que resulta-
ram na publicação de algumas obras. Cerca de cinco anos atrás
me senti apto a iniciar a tarefa, ainda que ciente das suas dificul-
dades, decorrentes do tamanho da Lei 6.404/76, com seus tre-
zentos artigos, das reformas que sofreu, particularmente com
relação aos aspectos contábeis, assim como da substancial quan-
tidade de normas administrativas e de decisões da Comissão de
Valores Mobiliários. O fato de ser uma lei sistemática e muito
bem elaborada constituía, ao mesmo tempo, desafio e fonte de
preocupações; estaria em condições de produzir algo à altura da
qualidade dos dispositivos comentados?
De toda sorte, resolvi experimentar e comecei comentando o
artigo 109 da Lei, que trata dos direitos essenciais dos acionistas,
um verdadeiro "teste", uma vez que naquele dispositivo centram-se
boa parte dos princípios fundamentais da disciplina das compa-
nhias. Minha proposta de trabalho era escrever mais ou menos dez
páginas por artigo, com análises mais longas dos dispositivos mais
importantes, mais curtas dos que entendia menos relevantes.
Os comentários fluíam com relativa rapidez, de forma que pas-
sei, logo após, a analisar os artigos seguintes, sobre direito de voto,
conflito de interesses, deveres e responsabilidade do acionista con-
trolador. Escrevia predominantemente nos finais de semana, na
casa que recém havíamos adquirido em Araras, região serrana do
Rio de Janeiro, estimulado pelo incentivo de Flávia, pela beleza do
local e pelo frio cortante dos meses de julho, agosto e setembro.
Resolvi interromper o livro para escrever outro, junto com meus
AGRADECIMENTOS E NOTAS INTRODUTÓRIAS

Há muito tempo vinha amadurecendo a idéia de escrever um


livro de comentários à Lei das Sociedades por Ações. Afinal, por
longos anos, tenho produzido livros, artigos, ensaios, pareceres e
peças variadas sobre o direito societário, mais diretamente foca-
dos nas sociedades anônimas e no mercado de capitais, além de
pesquisas sobre a jurisprudência de nossos tribunais, que resulta-
ram na publicação de algumas obras. Cerca de cinco anos atrás
me senti apto a iniciar a tarefa, ainda que ciente das suas dificul-
dades, decorrentes do tamanho da Lei 6.404/76, com seus tre-
zentos artigos, das reformas que sofreu, particularmente com
relação aos aspectos contábeis, assim como da substancial quan-
tidade de normas administrativas e de decisões da Comissão de
Valores Mobiliários. O fato de ser uma lei sistemática e muito
bem elaborada constituía, ao mesmo tempo, desafio e fonte de
preocupações; estaria em condições de produzir algo à altura da
qualidade dos dispositivos comentados?
De toda sorte, resolvi experimentar e comecei comentando o
artigo 109 da Lei, que trata dos direitos essenciais dos acionistas,
um verdadeiro "teste", uma vez que naquele dispositivo centram-se
boa parte dos princípios fundamentais da disciplina das compa-
nhias. Minha proposta de trabalho era escrever mais ou menos dez
páginas por artigo, com análises mais longas dos dispositivos mais
importantes, mais curtas dos que entendia menos relevantes.
Os comentários fluíam com relativa rapidez, de forma que pas-
sei, logo após, a analisar os artigos seguintes, sobre direito de voto,
conflito de interesses, deveres e responsabilidade do acionista con-
trolador. Escrevia predominantemente nos finais de semana, na
casa que recém havíamos adquirido em Araras, região serrana do
Rio de Janeiro, estimulado pelo incentivo de Flávia, pela beleza do
local e pelo frio cortante dos meses de julho, agosto e setembro.
Resolvi interromper o livro para escrever outro, junto com meus
colegas de escritório Ariadna, Flávia e Marcus, sobre o Regime
Jurídico do Mercado de Capitais, já em sua terceira edição, o que
me tomou cerca de dezoito meses.
Depois, voltei à carga, já então trabalhando quase todos os
dias, no tempo livre das atividades do escritório. Foi quando per-
cebi que sozinho dificilmente daria conta da árdua tarefa. Após
um curto período de novas dúvidas sobre a factibilidade da .em-
preitada, tomei uma decisão essencial, que se revelou do maior
acerto, ao convidar Andréa Pires da Costa Braga, brilhante ad-
vogada, a me auxiliar. Inicialmente trabalhando à distância, de-
pois em nosso escritório, tão logo se fez o espaço necessário,
Andréa revelou-se fundamental, por sua diligência, organiza-
ção, qualidade na pesquisa e na escrita, assim como no cuidado
com as fontes bibliográficas; sou-lhe muito grato e com ela di-
vido os méritos da presente obra.
Outra decisão, também fundamental, foi a de realizar
seminários internos, com os companheiros do escritório do Rio
de Janeiro, para discutir os comentários na medida em que eram
escritos. Assim, Andréa e eu passamos a nos reunir a cada duas
semanas para ouvir e debater as críticas e sugestões, em geral da
maior pertinência, num processo dialético, cuja síntese resultava
muitas vezes no reescrever determinadas passagens para torná-
-las mais claras ou mesmo para corrigir erros ou omissões.
Agradeço aos colegas Marcus de Freitas Henriques, Flávia Weiner
Parente Martins, Renata Brandão Moritz Serpa Coelho, Juliana
Botini Hargreaves Vieira, Ana Carolina Weber, Adriana Machado
da Rocha Ferreira, Alexandre Chede Travassos, Natália Mizrahi
Lamas, Michel Mancini Btechs, Luiza Pereira da Cunha Pires
de Oliveira, que participaram ativamente dos seminários, com
valiosas contribuições. Marcus, além de estar presente em todos
eles, discutiu em profundidade comigo várias questões relevantes
aqui analisadas.
Uma de minhas maiores preocupações referia-se aos comen-
tários sobre as seções da Lei que tratam das demonstrações contá-
beis, particularmente em função das reformas introduzidas pelas
Leis 11.638/2.007 e 11.941/2.009, bem como pelos Pronuncia-
mentos Contábeis do CPC, referendados pela CVM. Afinal, exi-
giam conhecimentos técnicos especializados, de contabilidade e
de finanças, de que não dispunha satisfatoriamente. Mais uma vez
contei com os bons fados: chamamos Vinicius Aversari Martins,
notável Professor da FEA-RP-USP, que não somente elaborou,
com a maior proficiência, os comentários aos artigos sobre matéria
contábil, como também participou de alguns seminários sobre as-
suntos conexos, como aumento de capital, preço de emissão de
ações, sempre apresentando ótimas contribuições. Também foi de
grande auxilio, no começo do trabalho, a colaboração de Natália
Mizrahi Lamas. Na sua fase final, Juliana Botini Hargreaves Vieira
auxiliou decisivamente na elaboração dos comentários sobre a oferta
pública de aquisição (artigos 254-A a 263). Ao longo de todo o
trabalho contamos com a ajuda de Michel Mancini Btechs, na
pesquisa e revisão dos textos, e de Luiza Pereira da Cunha Pires de
Oliveira em sua última etapa. A todos sou multo grato.

Devo registrar e agradecer a colaboração de vários colegas, quer


com a leitura de alguns trechos e a apresentação de valiosos comentários,
quer com o envio de decisões judiciais e administrativas e de referências
doutrinárias: inicialmente os queridos amigos e colegas de escritório
Modesto Carvalhosa e Ariadna Bohomoletz Gaal; José Alexandre
Tavares Guerreiro, Judith Martins-Costa, Paulo Aragão, Pedro Dutra,
Luiz Leonardo Cantidiano, Luiz Alberto Rosman e do Instituto de
Direito de Empresas, fundado por José Luiz Bulhões Pedreira.
Por que comentar a Lei das Sociedades por Ações? Afinal, já
existem excelentes livros de comentários, bem como monografias
e estudos sistemáticos sobre a matéria, desde a promulgação da
Lei, já lá se vão trinta e cinco anos. Ora, tratando-se de um verda-
deiro "monumento legislativo", fruto do magnífico Anteprojeto ela-
borado por Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, sempre
existe o que analisar, novas facetas da Lei até então não estudadas,
assim como as reformas legislativas posteriormente realizadas. Ade-
mais, a sedimentação da Lei, por obra dos tribunais, da doutrina e
da regulamentação e decisões da CVM, constitui processo dinâ-
mico e permanente, para o qual sempre vale a pena contribuir.
Como comentar a Lei? Aqui cabem algumas palavras sobre o
método empregado. Acredito que trabalhos desse tipo devem ser
antes de tudo úteis, em atenção à natureza do direito, como técnica
de organização social e, tratando-se de matéria societária, de disci-
plina e ordenação dos negócios. Nessa perspectiva, penso que cabe
privilegiar os comentários aos dispositivos legais que são efetiva-
mente aplicados na prática, sem, evidentemente, excluir de todo os
demais. Assim, analisei com maior vagar e profundidade os artigos
da Lei que são mais utilizados pelas companhias, em suas ativida-
des negociais, ou que tratam da sua organização, de seus órgãos de
administração, das relações entre os acionistas, seus direitos e de-
veres, da necessária proteção aos minoritários e investidores. Por
outro lado, aos dispositivos que "não pegaram", entre nós, dediquei
análises mais curtas; por que comentar mais longamente os artigos
que tratam dos grupos de sociedades de direito, quase inexistentes
no Brasil, ou da constituição da sociedade mediante subscrição
pública de suas ações, ao que me consta jamais verificada entre
nós? Não constituem institutos sem importância, na teoria do di-
reito societário ou mesmo no direito comparado, mas cujo estudo
cabe melhor em teses ou monografias do que em livros de comen-
tários à Lei das S/A.
Parodiando Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, po-
demos distinguir a "estática" da "dinâmica" das companhias. A par-
te "estática" da Lei das S/A, como se fosse o introito de um romance,
em que são apresentados os personagens, disciplina as característi-
cas e a natureza da sociedade por ações, o capital social, os títulos
que pode emitir e o seu regime jurídico. Já na parte "dinâmica" ve-
mos os personagens em ação, pois ela regula as atividades da socie-
dade, o funcionamento de seus órgãos, o exercício dos direitos e
deveres dos sócios, as assembleias gerais, as operações de mudança
de controle acionário e de reestruturação empresarial. Penso que a
"dinâmica" das companhias é mais importante, é onde podemos ver
as sociedades desempenhando suas funções na economia, atuando
empresarialmente, a essa parte da Lei dediquei maior atenção.
Na seleção dos tópicos para os quais reservei análise mais lon-
ga, evidentemente foi de grande utilidade minha experiência na
advocacia societária. A riqueza dos casos concretos é insubstituí-
vel, aponta-nos caminhos a percorrer que não estão presentes em
estudos doutrinários. Possibilitou-me a experiência concreta, ade-
mais, apresentar recomendações, sempre que entendi necessárias,
objetivando principalmente transmitir aos advogados mais jovens
conhecimentos hauridos da prática do direito societário.
O direito societário é essencialmente dinâmico, existe para ser
aplicado. Assim, procurei apresentar, além da doutrina, a jurispru-
dência relevante dos Tribunais, bem como a da CVM, esta mais
rica, em notas de rodapé. Com relação a algumas delas não me
furtei de comentar o seu acerto ou os seus equívocos. Também pro-
curei identificar e apontar, quando possível, as linhas de orientação
dos Tribunais ou da C V M nas matérias comentadas.
Procurei seguir, na medida do possível, um modelo de inter-
pretação dos dispositivos privilegiando suas funções econômicas e
sua inserção dentro do sistema legal, que poderia ser definido como
funcional-sistemático. Ou seja, busquei interpretar as normas ten-
do em vista as razões de sua existência, quais os objetivos econômi-
cos e negociais que visam a atender. Com efeito, uma lei das
sociedades por ações não existe para impedir as operações empre-
sariais legítimas, mas para organizá-las, discipliná-las, sem criar
custos excessivos e desnecessários para os agentes econômicos; é
importante, assim, que o intérprete, antes de tudo, diga para que
servem os dispositivos legais. Ademais, tratei de inserir cada uma
das normas dentro do sistema jurídico, primeiro o da própria Lei
das S/A, depois em seu sentido mais amplo, referindo-as às nor-
mas regulamentares da CVM, no caso das companhias abertas, ao
Código Civil e outras leis, bem como à Constituição Federal. Como
a Lei das S/A é extremamente bem organizada, ela pode ser inter-
pretada "por dentro", digamos assim, remetendo cada uma das nor-
mas a todas as outras que, em conjunto com ela, formam o
ordenamento sistemático de determinado instituto jurídico.
Também mencionei, sempre que cabível, a experiência do Di-
reito Comparado. Há, nos dias atuais, uma convergência dos pa-
drões legais e contábeis na disciplina das companhias, os sistemas
jurídicos cada vez mais se assemelham, é uma das conseqüências da
assim chamada "globalização". Assim, procurei evitar a simples cita-
ção de artigos isolados de leis de outros países, em "pílulas" de com-
paração legislativa, que são de pouca utilidade, pois não refletem o
direito em ação, preferindo a pesquisa e a menção às obras que ana-
lisam os sistemas legais "em bloco", ou seja, comparando institutos e
modelos legislativos tais como aplicados pelos tribunais e agências
reguladoras.

Finalmente, algumas palavras sobre a forma de apresentação


dos comentários. Livros dessa natureza são o mais das vezes utili-
zados para consulta sobre um dispositivo, ou sobre os diversos que
disciplinam determinado instituto legal. Não creio que alguém leia
a obra por inteiro, de uma só vez, seria para o autor lisonjeiro, po-
rém talvez aborrecido, bom remédio quiçá para uma insônia reni-
tente do leitor. Assim, cada um dos capítulos, em que se comenta
um dispositivo legal, é auto contido, nele são apresentadas, em ro-
dapés, todas as informações sobre as obras citadas e os artigos de
outras leis, as disposições regulamentares e as decisões em proces-
sos judiciais e administrativos pertinentes. Preferi ser repetitivo a
dar mais trabalho ao leitor, que não necessitará "pular" de um capí-
tulo para o outro para obter uma referência bibliográfica completa.
O atual direito societário, que podemos intitular de "pós-
-moderno", parodiando os estudos de Zygmunt Bauman sobre a
sociedade contemporânea, é difícil de ser compreendido em sua
totalidade, torna-se quase impossível determinar os rumos que
tomará nas próximas décadas, numa fase de tantas crises e mudanças
políticas e econômicas imprevisíveis. O mundo hoje é vivido como
incerto e incontrolável, há uma "insegurança ontológica", não
sabemos o que será do Estado, como se expressarão as demandas
sociais sequer no fmturo próximo, o que sucederá com as economias
locais e regionais, o que acontecerá com o chamado "mercado".
Diante da tamanha incerteza que caracteriza nosso tempo, não tive
a pretensão de preconizar quais as tendências do direito societário
para o futuro, mas apenas a apresentá-lo no presente, da forma que
me pareceu mais útil para o leitor.

Rio de Janeiro, novembro de 2011.


SUMÁRIO

CAPÍTULO I
CARACTERÍSTICAS E NATUREZA DA COMPANHIA
o u SOCIEDADE ANÔNIMA

Art. I o Características 25
Art. 2° Objeto social 30
Art. 3 o Denominação 40
Art. 4 o Companhia aberta e fechada 50
Art. 4°-A 51

CAPÍTULO I I

CAPITAL SOCIAL

Seção I
.>

Valor
Art. 5 o Fixação no estatuto e moeda 88
Art. 6 o Alteração 97

Seção II
Formação
Art. 7 Dinheiro e bens
o 99
Art. 8 Avaliação
o 102
Art. 9 Transferência dos bens
o H2
Art. 10. Responsabilidade do subscritor 115

CAPÍTULO I I I
AÇÕES

Seção I
Número e Valor Nominal
Art. 11. Fixação no estatuto
Art. 12. Alteração 127
Seção II
Preço de Emissão
Art. 13. Ações com valor nominal 134
Art. 14. Ações sem valor nominal 138

Seção III
Espécies e Classes
Art. 15. Espécies 142
Art. 16. Ações ordinárias 150
Art. 17. Ações preferenciais 154
Art. 18. Vantagens políticas 172
Art. 19. Regulação no estatuto 177

Seção IV
Forma
Art. 20 184
Art. 21. Ações não integralizadas 186
Art. 22. Determinação no estatuto T 186

Seção V
Certificados
Art. 23. Emissão 187
Art. 24. Requisitos 188
Art. 25. Títulos múltiplos e cautelas 190
Art. 26. Cupões 191
Art. 27. Agente emissor de certificados 191

Seção VI
Propriedade e Circulação
Art. 28. Indivisibilidade 194
Art. 29. Negodabilidade 198
Art. 30. Negociação com as próprias ações 200
Art 31. Ações nominativas 220
Art. 32. Ações endossáveis 226
Art. 33. Ações ao portador 226
Art. 34. Ações escriturais 227
Art. 35 231
Art. 36. Limitações à circulação 236
Art. 37. Suspensão dos serviços de certificados 240
Art. 38. Perda ou extravio 243

Seção VII
Constituição de Direitos Reais e outros Ônus
Art. 39. Penhor 244
Art. 40. Outros direitos e ônus 250

Seção VIII
Custódia de Ações Fungíveis
Art. 41 263
Art. 42. Representação e responsabilidade 271

Seção IX
Certificado de Depósito de Ações
Art. 43 275

Seção X
Resgate, Amortização e Reembolso
Art. 44. Resgate e amortização 280
Art. 45. Reembolso 293

CAPÍTULO I V
PARTES BENEFICIÁRIAS
Art. 46. Características
Art. 47. Emissão 306

Art. 48. Resgate e conversão


Art. 49. Certificados 310
Art. 50. Fomia, propriedade, circulação e ônus 312
Art. 51. Modificação dos direitos ,313

CAPÍTULO V
DEBÊNTURES

Art. 52. Características 316

Seção I
Direito dos Debenturistas
Art. 53. Emissões e séries 329
Art. 54. Valor nominal 331
Art. 55. Vencimento, amortização e resgate 337
Art. 56. Juros e outros direitos 345
Art. 57. Conversibilidade em ações 349

Seção II
Espécies
Art. 58 358

Seção III
Criação e Emissão
Art. 59. Competência 367
Axt. 60. Limite de emissão 380
Art. 61. Escritura de emissão 386
Art. 62. Registro 390

Seção IV
Forma, Propriedade, Circulação e Ônus
Art. 63 394
Seção V
Certificados
Art. 64. Requisitos 400
Art. 65. Títulos múltiplos e cautelas 404

Seção VI
Agente Fiduciário dos Debenturistas
Art. 66. Requisitos e incompatibilidades 404
Art. 67. Substituição, remuneração e fiscalização 412
Art. 68. Deveres e atribuições 416
Art. 69. Outras funções 428
Art. 70. Substituição de garantias e modificação da escritura 430

Seção VII
Assembleia de Debenturistas
Art. 71 433

Seção VIII
Cédula de Debêntures
Art. 72 442

Seção IX
Emissão de Debêntures no Estrangeiro
Art. 73 446

Seção X
Extinção
Art. 74 451

CAPÍTULO V I
BÔNUS DE SUBSCRIÇÃO
Art. 75. Características
Art. 76. Competência 463
Art. 77. Emissão 465
Art. 78. Forma, propriedade e circulação 467
Art. 79. Certificados 469

CAPÍTULO V I I
CONSTITUIÇÃO DA COMPANHIA

Seção I
Requisitos Preliminares
Art. 80 471
Art. 81. Depósito da entrada 481

Seção II
Constituição por Subscrição Pública
Art. 82. Registro da emissão 484
Art. 83. Projeto de estatuto 492
Art 84. Prospecto 501
Art. 85. Lista, boletim e entrada 508
Art. 86. Convocação de assembleia 512
Art. 87. Assembleia de constituição 514

Seção III
Constituição por Subscrição Particular
Art. 88 519

Seção IV
Disposições Gerais
Art 89 523
Art. 90 526
Art 91 ..527
Art. 92 529
Art. 93 532
CAPÍTULO V I I I
FORMALIDADES COMPLEMENTARES DA CONSTITUIÇÃO

Art. 94. Arquivamento e publicação 534


Art. 95. Companhia constituída por assembleia 538
Art. 96. Companhia constituída por escritura pública 541
Art. 97. Registro do comércio 542
Art. 98. Publicação e transferência de bens 549
Art. 99. Responsabilidade dos primeiros administradores 553

CAPÍTULO I X

LIVROS SOCIAIS

Art. 100 556


Art. 101. Escrituração do agente emissor 562
Art. 102. Ações escriturais 565
Art. 103. Fiscalização e dúvidas no registro 566
Art. 104. Responsabilidade da companhia 569
Art. 105. Exibição dos livros 570

CAPÍTULO X

ACIONISTAS

Seção I
Obrigação de Realizar o Capital
Art. 106. Condições e mora
Art. 107. Acionista remisso
Art. 108. Responsabilidade dos alienantes 582

Seção II
Direitos Essenciais
Art. 109 585
Seção III
Direito de Voto
Art. 110. Disposições gerais 619
Art. 111. Ações preferenciais 628
Art. 112. Não exercício de voto pelas ações ao portador 639
Art. 113. Voto das ações empenhadas e alienadas fidudariamente 640
Art. 114. Voto das ações gravadas com usufruto 644
Art. 115. Abuso do direito de voto e conflito de interesses 650

Seção IV
Acionista Controlador
Art. 116. Deveres 664
Art. 116-A 665
Art. 117. Responsabilidade 682

Seção V
Acordo de Acionistas
Art 118 » 700

Seção VI
Representação de Acionista Residente
ou Domiciliado no Exterior
Art 119 730

Seção VII
Suspensão do Exercício de Direitos
Art. 120. 731
CAPÍTULO I

CARACTERÍSTICAS E NATUREZA DA COMPANHIA OU SOCIEDADE ANÔNIMA

Características
"Art. I o . A companhia ou sociedade anônima terá o capital divi-
dido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será
limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas."

As sociedades anônimas são disciplinadas pela Lei n° 6.404/1976


- Lei das S.A. - , com as alterações posteriores. O Código Civil intro-
duziu um regime jurídico inadequado à disciplina do Direito de Em-
presa, particularmente no que toca à sociedade limitada. Felizmente, o
legislador teve a cautela de declarar, no mesmo diploma legal, que a
sociedade anônima rege-se por lei especial (a Lei n° 6.404/1976) apli-
cando-se apenas nos casos omissos *as disposições do Código Civil1.
Na realidade, a Lei das S.A. disciplina por inteiro as sociedades anôni-
mas, inexistindo, em princípio, aplicação do Livro II, que trata do
Direito de Empresa, do Código Civil, o que constitui garantia de uma
regulação adequada das companhias2-3. Prevalece, assim, a Lei das
S.A., como lei especial, sobre as disposições da lei geral posterior, o
Livro II do Código Civil, como expressamente reconhecido pelo le-
gislador. Por outro lado, aplicam-se à disciplina das companhias, sub-
sidiariamente, as disposições gerais do Código Civil sobre obrigações,
pessoas, bens, atos e fatos jurídicos, regime geral das sociedades, na-
cionalidade e aquisição e perda de sua personalidade jurídica.
O Código Civil possui norma que reproduz o artigo I o da Lei
das S.A., ao dispor que na sociedade anônima o capital divide-se em

Art. 1.089 do Código Civil.


Exceto no que se refere à denominação das sociedades anônimas. O Código Civil, em seu
art. 1.160, de redação manifestamente infeliz, estabeleceu que "a sociedade anônima
opera sob denominação designaüva do objeto social".
Vide os comentários ao art. 3 o da Lei das S.A.
ações, obrigando-se cada acionista somente pelo preço de emissão
das ações que subscrever ou adquirir4.
Este artigo estabelece, de maneira concisa e clara, as característi-
cas fundamentais da sociedade anônima, apresentando 2 (duas) evo-
luções importantes com relação ao Decreto-Lei n° 2.627/1940, antigo
regime legal: (i) permite a emissão de ações com e sem valor nomi-
nal; e (ii) estabelece que a responsabilidade do subscritor ou acionista
limita-se ao preço de emissão das ações, não ao seu valor nominal5.
A sociedade anônima pode ser definida como a pessoa jurídica
de direito privado, de natureza empresarial, cujo capital divide-se em
ações, em princípio livremente negociáveis, ficando limitada a res-
ponsabilidade de cada um dos acionistas ao preço de emissão das
ações subscritas ou adquiridas6.
O dispositivo menciona as 2 (duas) características essenciais
das sociedades anônimas: (i) o seu capital é dividido em ações; e (ii)
a responsabilidade dos acionistas é limitada ao preço de emissão
das ações.

A divisão do capital em ações, que são valores mobiliários, nos


termos do artigo 2 o da Lei n° 6.385/1976, constitui a feição mais
marcante da companhia; seus sócios podem, em princípio, livremen-
te negociar as ações de sua titularidade, as quais, quando emitidas por
companhias abertas, usualmente apresentam liquidez no mercado7-8.

Art. 1.038 do Código Civil.


Ver os comentários aos arts. 11 e 13 da Lei das S.A.
O Código Civil, em seu art 982, define a sociedade empresária como aquela que tem por
objeto o exercício da atividade própria de empresário. O empresário é conceituado, nos
termos do art 9G6 do Código Civil, como aquele que "exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços". Conforme
o parágrafo único do art. 982 do Código Civil, independentemente de seu objeto, consi-
dera-se empresária a sociedade por ações.
Sobre os significados distintos da expressão "ação" no âmbito das companhias, ver os
comentários ao art. 11 da Lei das S.A.
Sobre a distinção entre a companhia aberta e a fechada, ver os comentários ao art. 4° da Lei
das S.A.
A posição de acionista, com todos os direitos e obrigações dela
decorrentes, pode ser transferida mediante a alienação das ações, o
que não acarreta qualquer alteração do estatuto social.
Da livre negociação das ações da sociedade anônima decorre a
sua caracterização, em princípio, como uma sociedade de capitais, não
de pessoas. Constitui a sociedade anônima, com efeito, um instru-
mento jurídico ímpar que possibilita a reunião de sócios interessados
no desenvolvimento lucrativo de determinado empreendimento, in-
dependentemente de quem sejam as pessoas nele envolvidas. E certo
que podem existir sociedades anônimas fechadas nas quais predomi-
ne a feição pessoal, o interesse dos sócios diretamente envolvidos, o
que, porém, não é a regra, mas sim a exceção9-10-11.
A liberdade de negociação das ações constitui o principal traço
distintivo da sociedade anônima com relação às demais sociedades.
Com efeito, a responsabilidade limitada dos sócios também existe em
outros tipos de sociedades, constituindo mais um atributo do investi-
mento do que da natureza da companhia12. Mas a característica es-
sencial da sociedade anônima é que ela emite títulos representativos
da participação em seu capital social, as ações, que são livremente
negociáveis; ou seja, os riscos dos acionistas podem ser transferidos a

Na sociedade de pessoas, os sócios se unem tendo por pressuposto as características


pessoais de cada um e não apenas a contribuição para o capital social; o aífeclio socielalis
c elemenio essencial. O u seja, nesla sociedade prevalece o intuitu personae. Na sociedade
de capitais, ao contrário, o que prevalece é a contribuição dos sócios ao capital, sendo
indiferente a cada sócio a pessoa dos demais; o intuiius pecuniae é elemento fundamental.
Sobre esse assunto, ver R E N A T O V E N T U R A RIBEIRO. Exclusão de Sócios nas Sociedades
Anônimas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 39-97.
Sobre as sociedades anônimas de pessoas e a importância da affectio socielatis, ver PABIO
K O N D E R COMPARATO, "Restrições à Circulação de Ações em Companhia Fechada: Nova
et Vetera". In: Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de Janeiro: forense,
1981, p. 33-42.
Vide os comentários ao art. 36 da Lei das S.A.
Na sociedade anônima, a responsabilidade dos acionistas é limitada ao preço de emissão
das ações subscritas ou adquiridas. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada
sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela
inlegralização do capital social (art. 1.052 do Código Civil).
outros que tenham interesse em assumi-los, sem que tal transferên-
cia acarrete qualquer alteração na estrutura da companhia.
A segunda característica fundamental da sociedade anônima re-
fere-se à limitação da responsabilidade dos acionistas ao pagamento
do preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas13. Ou seja,
uma vez pago o preço de emissão das ações, nenhuma responsabili-
dade patrimonial adicional existe para os subscritores ou adquirentes,
exceto no caso de voto abusivo (artigo 115) e de abuso do poder de
controle (artigo 117).
A atribuição de personalidade jurídica própria à sociedade acar-
reta, como um de seus principais efeitos, a separação patrimonial en-
tre ela e seu sócio. Ou seja, toda a sociedade personificada,
independentemente do tipo societário adotado, detém patrimônio
próprio, que não se confunde com o de seus sócios e que sempre
deverá responder, prioritariamente, pelas suas dívidas e obrigações.
Com efeito, mesmo aos tipos societários que se caracterizam pela
responsabilidade pessoal dos sócios em relação às obrigações sociais
aplica-se a regra, consagrada no Código Civil, no sentido de que os
bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da
sociedade, senão depois de executados os bens sociais14.
Na sociedade anônima, além da autonomia patrimonial, há li-
mitação da responsabilidade dos sócios pelas dívidas da sociedade.
Ou
seja, os bens particulares dos sócios somente podem ser utilizados
para o pagamento de obrigações da sociedade em caráter excepcio-
nal, quando forem observadas as hipóteses e limites expressamente
estabelecidos em lei.
O princípio da responsabilidade constitui, aliás, a principal razão
pela qual a adoção da estrutura da sociedade anônima ou da limitada

13 Sobre o preço de emissão em aumento de capital mediante subscrição de ações, ver o § 1°


do art. 170 da Lei das S.A.
14 Art. 1.024 do Código Civil.
foi consagrada na prática dos negócios, em detrimento de outras for-
mas societárias que, apesar de ainda estarem previstas em lei, são de
rara utilização.
Após o acionista integralizar as ações que subscreveu, cessa para
ele qualquer responsabilidade pelas dívidas da sociedade, ainda que as
demais ações em que se divide o capital social não estejam totalmen-
te integralizadas. O acionista responde apenas pela parte do capital
social por ele subscrita e não integralizada.
O acionista da sociedade anônima responde, ainda, nos termos
da Lei das S.A., pessoalmente pelos danos causados em decorrência
do exercício abusivo do direito de voto, ou seja, quando o voto por ele
proferido contraria os interesses da própria companhia ou quando
visa a conferir-lhe vantagem indevida, em prejuízo dos demais acio-
nistas ou da companhia15. O acionista controlador, por sua vez, res-
ponde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder16.
Além disso, se o acionista, ao manifestar seu voto nas assembleias
gerais, aprovar deliberação ilícita ou violadora do estatuto social, que
cause prejuízo a terceiros, poderá ser obrigado a indenizá-los, por força
da aplicação da regra geral da responsabilidade civil, prevista no Código
Civil, que estabelece que todo aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imperícia, viola o direito e causa dano a
alguém, fica obrigado a repará-lo17.
Vale mencionar, ainda, a teoria da desconsideração da personali-
dade jurídica, que visa a evitar a utilização da autonomia patrimonial
como expediente para condutas fraudulentas ou abusivas contra o
interesse de terceiros. Tal teoria foi desenvolvida para que, diante da
manipulação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, fosse pos-
sível ignorá-la e imputar a obrigação diretamente ao sócio que atuou
de maneira fraudulenta ou abusiva.

1S Ver os comentários ao art. 115 da Lei das S.A.


16 Ver os comentários ao art. 117 da Lei das S.A.
17 Arts. 186 e 927 do Código Civil.
Para que serve a disciplina das sociedades anônimas? Quais as
principais funções da legislação societária?
Classicamente, costuma-se reconhecer 3 (três) funções essenciais
da legislação sobre sociedades anônimas18.
Em primeiro lugar, mediante normas de natureza permissiva,
colocar ã disposição dos empresários um mecanismo jurídico que lhes
permita desenvolver em conjunto uma atividade econômica, com fi-
nalidade lucrativa, o que é alcançado com os institutos da personifi-
cação da sociedade e da responsabilidade limitada dos sócios.
Em segundo lugar, fornecer os elementos institucionais que pos-
sibilitem a alocação da poupança em atividades empresariais desen-
volvidas no país. As normas que tratam de encorajar os investidores a
aplicar seus recursos em tais atividades devem ser de natureza incita-
tiva, recompensando tal proceder.
Em terceiro lugar, proteger a poupança popular, mediante nor-
mas que permitam aos investidores medir os riscos que correm, for-
necendo-lhes todas as informações necessárias ao adequado
conhecimento do empreendimento econômico, assim como estabe-
lecendo restrições a comportamentos abusivos ou fraudulentos. Tais
normas apresentam uma feição mais propriamente repressiva e fa-
zem-se presentes não só no direito societário como também no direi-
to do mercado de capitais e no direito penal econômico.
Objeto social
"Art. 2 o . Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim
lucrativo, não contrário àlei, à ordem pública e aos bons costumes.

§ I o Qualquer que seja o objeto, a companhia é mercantil e se


rege pelas leis e usos do comércio.

§ 2 o O estatuto social definirá o objeto de modo preciso e completo.

18 ANDRÉ TUNC. Le Droit Anglais lies Sociétés Anonymes. 4a edição, Paris: Economica, p. 18.
§ 3 o A c o m p a n h i a pode ter por objeto participar de outras socie-
dades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facul-
tada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se
de incentivos fiscais."

Quando alguém compra ações de uma companhia pode visar (i) ao


desenvolvimento de determinada atividade empresarial, se sua partici-
pação no capital social for relevante; (ii) à obtenção de dividendos; (iii) à
valorização das ações no mercado secundário; e (iv) à participação em
determinada atividade econômica, que considere promissora e lucrativa.
A Lei das S.A., ao regular o objeto social, objetiva fornecer ao interessa-
do na aquisição das ações a informação, o mais ampla e precisa possível,
sobre o empreendimento econômico desenvolvido pela companhia.
Ademais, assegura-lhe a possibilidade de retirar-se da companhia, rece-
bendo o valor de suas ações, caso ela altere o seu ramo de atividades.
A menção ao objeto social sempreíesteve presente nas leis que
trataram das sociedades anônimas, desde o Código Comercial19. En-
tretanto, a redação da atual lei societária é a mais detalhada de todas
elas. O Decreto-Lei n° 2.627/1940, por exemplo, não se referia à ne-
cessidade de o objeto ser preciso e completo, como o faz atualmente
o § 2 o , do artigo 2 o da Lei n° 6.404/1976.
Na realidade, este dispositivo da Lei das S.A. ampliou o que já
vinha sendo exigido das companhias desde o advento da Lei n° 4.137/
1962 - que regula a repressão ao abuso do poder econômico - , quan-
do se instituiu o requisito da precisão e do detalhamento do objeto20.
O objeto social compreende o fim para o qual a sociedade é
constituída, declarando o negócio, gênero de operações ou ativi-
dades, em função das quais a companhia foi criada21. Consiste,

Sobre esse assunto, ver os arts. 287 e 295 do Código Comercial de 1850 (Lei n° 556/1850),
os arts. 2 o e 3 o do Decreto n° 434/1891 e o art. 2 o do Decreto-Lei n° 2.627/1940.
Ari. 72 da Lei n° 4.137/1962, que foi revogada pela Lei n° 8.884/1994.
TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. I, 2 a edição, Rio de Janeiro:
Forense, 1953, p. 77.
assim, na expressão escrita do motivo para a congregação de inte-
resses das partes em torno da celebração do contrato plurilateral
de sociedade.
Ao se referir ao objeto social como a razão para o empreendi-
mento, pode-se inferir uma idéia de causa do contrato de sociedade; o
objeto social representa, portanto, uma enunciação dos objetivos
empresariais dos contratantes, a fixação das atividades negociais que
foram motivo para a constituição da sociedade.
Nesse sentido, a noção de objeto social repousa na atividade ne-
gociai da empresa, como tal entendida a seqüência ordenada e habi-
tual de atos ou negócios jurídicos de conteúdo econômico, praticados
profissionalmente e com intuito de lucro22.
O § I o determina que a companhia é mercantil ainda que tenha
por objeto atividade civil. A comercialidade decorre do fato de a
sociedade adotar a forma anônima, e não do seu objeto. Dessa forma,
a Lei das S.A. estabelece que toda sociedade anônima se rege pelas
leis e usos do comércio.
O objeto social pode ser compreendido sob 2 (dois) ângulos de
análise: o formal e o substancial23.
Sob o ângulo formal, o objeto social corresponde à definição es-
tatutária da empresa de fins lucrativos, não contrária à lei, à ordem
pública e aos bons costumes; constitui, nesse sentido, uma disposição
estatutária, descrevendo, de modo preciso e completo (§ 2 o ) o âmbito
da atividade empresarial a ser desenvolvida pela companhia.
Já sob o ângulo substancial, o objeto social corresponde, concre-
tamente, às atividades realmente desenvolvidas pela companhia com
finalidades lucrativas.

22 EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades


Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São Paulo: José Bushalsky, 1979, p. 102.
23 GIANLUCA LA VILLA, L' Oggetto Sociale. Milano: Giuffre, 1974, p. 44.
Tanto sob o ângulo formal como sob o ângulo substancial, pois,
a definição do objeto social vincula-se à atividade empresarial da
companhia24.
No exercício de sua atividade econômica, a companhia pode pra-
ticar uma série de atos singulares, sem que isso caracterize violação ao
seu objeto social, posto que tais atos, desde que vinculados à mesma
atividade econômica, configuram, em verdade, diferentes formas de
se realizar o objeto social25.
De fato, o objeto social não constitui a prática de um ato singular,
mas o exercício de uma atividade, para cuja realização admite-se a con-
clusão de diversos negócios jurídicos autônomos, desde que estejam
voltados à consecução da atividade empresarial definida no estatuto
social. A atividade-fim é aquela constante do objeto social e que a com-
panhia exerce para atingir o seu escopo lucrativo, e a atividade-meio é
cada ato ou negócio jurídico em particular praticado pela companhia
como instrumento ou meio para a realização do objeto social. Assim,
por exemplo, uma companhia, cujo objeto social é a criação, abate e
venda de aves (atividade-fim), pode fabricar galpões para abrigá-las, bem
como plantar e colher grãos para alimentá-las (atividades-meio).
Em princípio, devem coincidir a disposição estatutária prescritiva
do objeto social com a atividade empresarial efetiva e concreta da
companhia. Pode ocorrer, porém, que sejam legitimamente praticados
atos ou negócios jurídicos que denotam a atividade empresarial, por
lhe serem necessários ou complementares, embora não constituam,
de per se, a atividade empresarial descrita como objeto social.
Tais atos podem ser caracterizados como meios para se atingir o
objeto social, devendo, portanto, ser considerados nele compreendi-

NELSON E1ZIR1K. Temas de Direito Societário. Rio de Janeira: Renovar, 2005, p. 249-250.
T Ú L I O A S C A R E L L I , "Sviluppo Storico dei Diritto Commerciale". In: Saggi di Diritto
Commerciale. Milano: Giuffrè, 1955, p. 31, observa que: "L'aUività è um fatio di durala (...)
che há perciò um inizio, una fine, una localizzazione nello spazio e che potrà venire
considerata indipendenlemente dal singolo atto, anche insede di conflílli di !egge".
dos. Com efeito, como o objeto social corresponde à empresa, e como
esta corresponde à atividade, a variação dos meios para a consecução
de tal atividade não implica, em princípio, em desvio ou alteração do
objeto social26.
O objeto social pode compreender mais de uma atividade negoci-
ai, congregando diferentes ramos empresariais27. Nesse caso, trata-se
de uma companhia com mais de um objeto essencial, pois atua em
diferentes setores de atividade empresarial.
No direito brasileiro, a sociedade anônima pressupõe sempre a
intenção de lucro. Além da condição da lucratividade, o objeto da
sociedade anônima não poderá ser contrário à lei, à ordem pública
e aos bons costumes. Dessa forma, são também requisitos do obje-
to a sua licitude e a sua possibilidade. A licitude será examinada
pelo Registro Público de Empresas Mercantis quando do arquiva-
mento do ato de constituição da sociedade ou da alteração do esta-
tuto social28.
A possibilidade do objeto social pode ser verificada no momento
da constituição da sociedade, da modificação do objeto ou posterior-
mente. A princípio, a impossibilidade pode sugerir uma idéia apenas
de averiguação da possibilidade no âmbito jurídico. Na realidade, este

26 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, "Sobre a Interpretação do Objeto Social", Revista


de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Malheiros, v. 54,
abril-junho, 1984, p. 69.
27 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. L, 3" edição, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1984, p. 15. No mesmo sentido: J. X. C A R V A L H O DE M E N D O N Ç A . Tratado de
Direito Comercial Brasileiro. Atualizado por Ruymar de Lima Nucci. v. III, t. II, Campinas:
Bookseller, 2001, p. 320-321.
28 TRAJANO D E MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações, v. I ..., p. 80. O art. 97 da Lei
das S.A. determina que "cumpre ao registro do comércio examinar se as prescrições legais
íoram observadas na constituição da companhia, bem como se no estatuto existem cláusulas
contrárias à lei, à ordem pública e aos bons costumes". A Lei n° 8.934/1994, que dispõe
sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e atividades afins e dá outras providências,
em seu art. 35, inciso III, estabelece que as juntas comerciais não podem arquivar atos
constitutivos de empresas mercantis que não designarem de forma precisa o seu objeto. Por
sua vez, o Decreto n° 1.800/1996, que regulamentou a Lei n° 8.934/1994, estabelece, no
§ 2 o do art. 53, que "entende-se como preciso e detalhadamente declarado o objeto da
empresa mercantil quando indicado o seu gênero e espécie".
conceito se aproxima do conceito de licitude e trata da situação em
que o objeto social traz uma violação à norma de caráter imperativo29.
A i m p o s s i b i l i d a d e do objeto social pode se verificar não somente
no p l a n o jurídico. A empresa pode ser juridicamente viável, mas não
faticamente, o que ocorre quando a atividade não atrai investidores,
pois não pode se desenvolver, tornando o contrato de sociedade inú-
til30. Esse último tipo de impossibilidade costuma se verificar de ma-
neira superveniente31.
O objeto social preciso e completo representa a demarcação da
atividade societária. Sua disciplina visa à preservação da segurança ju-
rídica no exercício da empresa. Seja para impedir abusos dos controla-
dores em detrimento dos minoritários, seja para prevenir o desvio da
finalidade empresarial por parte dos administradores, o objeto social é
a segurança para os minoritários, para os credores e para a Administra-
ção Pública de que a sociedade não praticará, validamente, atos que
violem os propósitos aos quais se vinculou estatutariamente32.
Por esse motivo, o objeto limita os poderes dos administrado-
res . A eventual responsabilização dos administradores por excesso
33

de poderes ou desvio de finalidade não prescinde da prévia delimita-

ELISABETTA BERTACCHINI. Oggetto Sociale e Interesse Tutelato nelle Società per Azioni.
Milano: Giuffrè, 1995, p. 75.
G I A N L U C A L A V I L L A . L' Oggetto Sociale ..., p. 114.
E U S A B E T T A B E R T A C C H I N I . Oggetto Sociale e Interesse Tutelato nelle Società per
Azioni ..., p. 83.
Na Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, explica-se a razão pela qual os autores
do anteprojeto de lei encamparam, na Lei das S.A., o requisito da precisão do objeto
social, já contido na Lei n° 4.137/1962: "Prescreve que o objeto social seja definido de
modo preciso e completo (art. 2 5 2°), o que constitui providência fundamentai para
defesa da minoria, pois limita a área de discricionariedade de administradores e acionistas
majoritários e possibilita a caracterização de modalidades de abuso de poder". Ver A L F R E D O
LAMY FILHO e JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA. A Lei das S.A. (pressupostos, elaboração,
aplicação). Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 215.
Sobre esse assunto, FLÁV1A PARENTE. O Dever dc Diligência dos Administradores de
Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 134, assinala que "os administra-
dores estão, portanto, sujeitos às restrições impostas pela cláusula estatutária que define o
objeto social. Em outras palavras, tal cláusula define o alcance dos atos que os administrado-
res estão autorizados a praticar".
ção dos poderes e das finalidades da companhia, os quais, em parte,
estão contidos no objeto social.
Assim, quando o administrador pratica um ato estranho ao obje-
to social, está ultrapassando os limites que lhe foram impostos, o que
pode acarretar sua responsabilização. Nessa situação, surge uma in-
tensa discussão sobre a eventual responsabilidade da sociedade em
razão daquele ato.
O direito anglo-saxão introduziu o conceito do ato ultra vires,
com vistas a não responsabilizar a sociedade por atos não incluídos
em seu escopo, definido no objeto social34. Nesse sentido, o ato não
vincularia a sociedade perante o terceiro que tivesse celebrado o ne-
gócio jurídico com a sociedade, por intermédio de seu administrador,
pensando tratar-se de ato regular. ,
Como conseqüência da rigidez na aplicação dessa teoria, ainda
que o negócio jurídico redundasse em proveito para a sociedade ou
que o enquadramento do negócio ao objeto social fosse controverso,
estaria a sociedade desobrigada de responder por ele em virtude de o
ato do administrador ter sido considerado ultra v i r e f s .
Tendo em vista a insegurança jurídica decorrente da incerteza da
responsabilização da sociedade por um determinado ato, flexibilizou-se
a regra para que o terceiro de boa-fé fosse resguardado quando não

Sobre a origem do conceito e a sua evolução, ver L. C. B. GROWER. The Principies of


Modern Company Law. Londres: Stevens & Sons, 1969, capítulo 5. Sobre o assunto,
ver, também, A N D R É T U N C . Le Droit Anglais des Sociétés Anonymes. Paris: Dalloz,
1971, p. 33 e seguintes; H A R R Y C . H E N N and J O H N R. ALEXANDER. Laws of Corporations.
St._fèul, Minn: West Publishing Co., 1983, p. 477-484; L U I Z C A S T Ã O PAES DE BARROS
LEAES, " O Alcance das Limitações Estatutárias ao Poder de Representação dos Diretores",
Revista de Direito Renovar. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, v. 12, setembro-outubro, 1998,
p. 134; LUIS A U G U S T O R O U X A Z E V E D O e V I V I A N E ALVES B E R T O G N A G U E R R A ,
Teoria Ultra Vires Societatis". In: Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França (Coord.).
Direito Societário Contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin: 2009, p. 359-385.
Como representação da aplicação dessa teoria, TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Socie-
dades por Ações ..., v. I, p. 79, observa que "o objeto da sociedade limita, em regra, os poderes
dos administradores. A sociedade, com efeito, não é responsável por atos ou operações
estranhos ao seu objeto praticados pelos diretores".
soubesse que o negócio jurídico celebrado com o administrador não
era pertinente ao objeto social36.
Se não se pode deixar o terceiro de boa-fé desamparado, não
cabe também permitir que a sociedade seja responsabilizada por atos
pelos quais ela não se propunha, no objeto social, a responder. A atri-
buição de responsabilidade à sociedade pelo ato estranho ao objeto
social poderia levar a um declínio da importância do instituto, pois a
sua definição estatutária, acessível a terceiros mediante consulta ao
órgão de registro das sociedades empresariais, não a resguardaria dos
atos praticados fora do âmbito do objeto social37.
A definição da existência ou não de boa-fé por parte do terceiro
também dificulta a resolução da questão sobre a responsabilização da
sociedade. Como mencionado acima, qualquer interessado, antes de
contratar com uma sociedade, pode consultar o Registro Público de
Empresas Mercantis para averiguar o objeto social ou os poderes dos
administradores38. No entanto, a necessária celeridade na conclusão
de negócios jurídicos pode não permitir que isso ocorra, tornando

36 Sobre o assunto, ver L U I Z C A S T Ã O PAES DE BARROS LEÃES, " O Alcance das Limitações
Estatutárias ao Poder de Representação dos Diretores", Revista de Direito Renovar ..., v. 12,
p. 134-140.
37 ANNE GINERET-BROBBEL D O R S M A N . La GMBH & CO.KG allemande et Ia "Commandite
à responsabilité limitée" française: une iilustration de Ia liberte contractuelle eu droit des
sociétés. Paris: L.G.D.J., 1998, p. 166-167, demonstra que, no direito francês, nota-se um
declínio da importância do objeto social. Isso ocorreu porque nas sociedades de respon-
sabilidade limitada, mesmo para os atos praticados pelos administradores em contrarieda-
de ao objeto social, a sociedade é responsabilizada, prevalecendo o interesse da lei em
proteger os terceiros. Essa tendência da minimização da importância do objeto social
verifica-se, também, no direito norte-americano. A lei do estado de Delaware, que é um
estado reconhecidamente avançado no regramento do direito societário, não exige que o
objeto social seja definido precisamente. N a realidade, a lei apenas exige que o objeto
social seja lícito e que seja permitido à sociedade anônima, por lei, realizar aquela ativida-
de, conforme § 102, number 3, Delaware Code, Title 8: "(3) The nature of lhe business or
purposes to be conducted or promoted. It shall be sufficient to state, either alone or with
other businesses or purposes, Chat Che purpose of Clie Corporation rs to engage in any lawful
ací v
' 'ty for which corporations may be organized under the General Corporation Law
ot Delaware, and by such statemenC ali lawful acts and activities shall be within the purposes
of the Corporation, except for express limitations, if any".
38 O art. 29 da Lei n° 8.934/1994 estabelece que "qualquer pessoa, sem necessidade de
provar interesse, poderá consulCar os assentamentos existentes nas juntas comerciais e obter
certidões, mediante pagamento do preço devido".
inútil a publicidade do registro. Assim, não de pode sempre presumir
o conhecimento do objeto por parte de terceiros, cabendo uma análi-
se da situação concreta.
Em princípio, a companhia é responsável pelos atos ultra vires
de seus administradores, eximindo-se se provar que o terceiro tinha
conhecimento do estatuto ou, se, face à sua atividade profissional,
deveria ter diligenciado em conhecê-lo. Diversamente do que ocorre
com o homem comum, o banqueiro ou o empresário, por exemplo,
usualmente examinam, por intermédio de seus advogados, o estatuto
da companhia com a qual contratam.
Outro aspecto relevante quanto à definição do objeto social pre-
ciso e completo refere-se à incidência do artigo 206, inciso II, alínea
"b". A inaptidão da sociedade para alcançar seu fim, isto é, exercer sua
atividade empresarial definida estatutariamente e produzir lucros pode
ocasionar a sua dissolução. Assim, o descumprimento dos propósitos
sociais - exercer atividade empresarial lucrativa - possibilita a acio-
nistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social
o requerimento de sua dissolução.
Reconhecida a relevância do objeto social, entende-se a razão
pela qual o legislador atribuiu o direito de recesso ao acionista que
discordar de sua alteração (artigo 136, inciso VI, e 137). Entretanto,
não é qualquer alteração ou modificação no dispositivo estatutário
que regula o objeto social que dá ao acionista dissidente o direito de
retirar-se da companhia. Para que se justifique o direito de retirada, é
indispensável que a modificação do objeto social seja substancial, de
forma que passe a sociedade a atuar em outro ramo de negócios, o
que pode implicar alteração do risco empresarial assumido pelo acio-
nista39. A mudança do objeto consiste no exercício de atividade di-
versa daquela para a qual a sociedade foi constituída40 (P- scb°.

Sobre esse assunto, ver A R N O L D O W A L D , "Os Bancos Múltiplos e o Direito de Recesso",


Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Malheiros,
O § 3 o admitiu expressamente a existência das holdings, isto é,
companhias cujo objeto social consista na participação em outras
sociedades. Tais sociedades são usualmente divididas em holdings pu-
ras, aquelas cuja participação em outras empresas constitui o único e
exclusivo objetivo, e holdings mistas, que, não obstante participarem
do capital de outras sociedades, também podem exercer, diretamente,
alguma atividade operacional.
O objeto social pode ser realizado mediante a participação em
outras sociedades; admite-se que a companhia realize seu objeto so-
cial de forma indireta, por meio da participação em sociedades por ela
controlada e que exerçam atividade semelhante ou complementar ao
objeto social da controladora.
O § 3 o admite, ainda, a exploração indireta do objeto social mes-
mo que o estatuto não contemple expressamente a possibilidade de a
companhia participar do capital de outras sociedades. Isso ocorre nos
casos em que as sociedades nas quais a companhia detém participa-
ção tenham objeto social conexo ao objeto da holding. Nessas hipóte-
ses, a dispensa da necessidade de prévia autorização estatutária é
justificada, pois a participação em outras sociedades é considerada
como um meio da companhia realizar o próprio objeto social, o qual
já está delimitado no seu estatuto.

V. 87, julho-setembro, p. 8-9; G I A N C A R L O FRÈ. Società per Azioni. Bolonha: Zanichelli,


1972, p. 703.
GIUSEPPE FERRI. Manuale di Diritto Commerciale. 5 a edição, Torino: Unione Tipografico-
Editrice Torinese, 1980, p. 444. N o mesmo sentido, I S A A C H A L P E R I N e J Ú L I O C .
OTAEGUI. Sociedades Anônimas. 2 a edição, Buenos Aires: Depalma, 1998, p. 616; JOSÉ
E D W A L D O TAVARES B O R B A . Direito Societário. 11' edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 187-188. No direito espanhol, o princípio é o mesmo: só há recesso quando há
mudança radical do objeto social: F E R N A N D O R O D R I G U E S A R T I G A S , "El Cambio de
Objeto Social". In: Derecho de Sociedades Anônimas. Modificacion de Estatutos. Aumento
Y Reduccion Del Capital. Obligaciones, v. 1, t. III, Madrid: Editorial Civitas S.A., 1994,
p. 156-157. O entendimento é o mesmo na jurisprudência, como decidido no caso da
Votec Taxi Aéreo, julgado pelo Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro, ver N E L S O N EIZIRIK. Sociedades Anônimas - Jurisprudência,
t. 2, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 97-101.
No entanto, se a participação societária ocorrer em outras socie-
dades cujos objetos sociais compreendam atividades empresariais in-
teiramente diversas da holding, será necessária a autorização estatutária.
Denominação
"Art. 3 o A sociedade será designada por denominação acompa-
nhada das expressões 'companhia' ou 'sociedade anônima', ex-
pressas por extenso ou abreviadamente mas vedada a utilização
da primeira ao final.

§ I o O nome do fundador, acionista, ou pessoa que, por qualquer


outro modo tenha concorrido para o êxito da empresa, poderá
figurar na denominação.

§ 2 o Se a denominação for idêntica ou semelhante a de compa-


nhia já existente, assistirá à prejudicada o direito de requerer a
modificação, por via administrativa (artigo 97) ou em juízo, e de-
mandar as perdas e danos resultantes."

O nome empresarial objetiva individualizar a companhia, tor-


nando-a singular para a clientela, os fornecedores, a Administração
Pública, as instituições de crédito e o público em geral41. Assim como
as pessoas físicas têm nomes próprios, as pessoas jurídicas também
devem ter os seus. No caso da pessoa jurídica, um nome que a dife-
rencie de outras é uma necessidade, em virtude do princípio da segu-
rança jurídica. A comunidade deve poder saber qual a empresa que se
faz presente mediante determinada denominação. Não é sem razão
que a Constituição Federal prevê a proteção ao nome da empresa42.

Sobre esse assunto, ver JOSÉ E D W A L D O TAVARES B O R B A , Direito Societário. Rio de


Janeiro, Renovar, 2008, p. 57-58.
Consta do art. 5o, inciso XXIX, da Constituição Federal, que "a lei assegurará aos autores de
inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações
industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos,
tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País".
O nome empresarial compreende tanto a firma ou razão social
quanto a denominação43. A firma é constituída a partir do nome ou
parte do nome dos sócios, seguida da expressão "&. Companhia" e
aplica-se às sociedades em que a responsabilidade dos sócios é ilimi-
tada. A denominação, a princípio, não se vincula ao nome dos sócios
que integram a sociedade e compõe-se de expressões ligadas à sua
atividade, seguidas do vocábulo "Limitada" ou "Ltda.", no caso de
sociedades limitadas, e antecedida do vocábulo "Companhia" ou "Cia."
ou acompanhadas da expressão "Sociedade Anônima" ou "S.A.", no
caso de sociedade anônima.
No regime do Decreto-Lei n° 2.627/1940, havia um elemento
que necessariamente deveria compor a denominação: os fins da com-
panhia, permitindo que as partes que viessem a contratar com ela
avaliassem a adequação de determinado negócio ao objeto social44.
Entretanto, tal exigência era inadequada, pois uma compa-
nhia poderia ter como objeto social diversos ramos de atividade
empresarial; assim, passou-se a entender que, diante da impossi-
bilidade de indicação dos fins da companhia, esta menção poderia
ser genérica45.
Ciente da inutilidade da referida indicação, o legislador retirou-a
da vigente Lei das S.A., reconhecendo que referências genéricas, como
"indústria e comércio", pouco informam e que, para as sociedades
com produção diversificada de bens e serviços, a indicação do fim é
impraticável46. Na realidade, as grandes empresas têm, em regra, mais

O Código Civil faz referência apenas às expressões firma ou denominação. O art. 1.155
estabelece que "considera-se nome empresarial a firma ou a denominação adotada, de
conformidade com este Capítulo, para o exercício de empresa".
MODESTO C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 1, 5 a edição,
Sao Paulo: Saraiva, 2007, p. 25.
TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. !, Rio de Janeiro: Forense,
1959, p. 85. Nesse mesmo sentido, C A R L O S F U L G Ê N C I O D A C U N H A PEIXOTO. Socie-
dades por Ações. v. 1, São Paulo: Saraiva, 1972, p. 24.
ALFREDO LAMY FILHO e JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA. A Lei das S.A. Rio de Janeiro:
Renovar, 1992, p. 216.
de um objeto social, o que torna impossível a designação dos fins da
companhia4'.
Porém, em evidente retrocesso, o Código Civil de 2002, ao tratar
dos institutos complementares ao direito de empresa, previu um
regramento próprio para o nome empresarial, no qual determina
que a sociedade anônima utilize denominação designativa do objeto
social43.
Apesar de a Lei das S.A representar lei especial em face do Có-
digo Civil, conforme o reconhecimento feito pelo próprio Código49,
não é possível afastar a aplicação de dispositivo que se refere especifi-
camente à sociedade anônima e é posterior à Lei n° 6.404/197650.
Dessa forma, não se está diante de uma prescrição genérica da
lei sobre a qual seja possível sobrepor o dispositivo especial, oriundo
de uma lei sistematicamente concebida para tratar do instituto da
sociedade anônima31. Ainda que este artigo da Lei das S.A. seja mais
lógico, verossímil e de maior utilidade prática, já que reconhece as
deficiências do sistema em que a denominação social demanda a

47 Conforme os comentários feitos ao art. 2 o da Lei das S.A., há uma tendência no direito
comparado de minimizar a importância da definição precisa e completa do objeto social.
A maior exteriorização dessa tendência encontra-se na forma como o direito do estado de
Delaware trata do assunto, apenas exigindo que o objeto seja lícito e que seja permitido à
sociedade anônima, por lei, realizar aquela atividade. Por essa razão, a necessidade de
indicar o objeto social na denominação demonslra-se ainda mais anacrônica e imprópria,
uma vez que a própria definição de objeto social já se encontra mitigada.
48 Art. 1.160 do Código Civil: "A sociedade anônima opera sob denominação designativa do
objeto social, integrada pelas expressões 'sociedade anônima' ou 'companhia', por extenso
ou abreviadamente. Parágrafo único. Pode constar da denominação o nome do fundador,
acionista, ou pessoa que haja concorrido para o bom êxito da formação da empresa".
49 Art 1.089 do Código Civil: "A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe,
nos casos omissos, as disposições deste Código".
50 Art. 1.160 do Código Civil.
51 O tratamento de matéria afeta à sociedade anônima no Código Civil torna-se mais anacrô-
nico se considerarmos que a tendência das legislações é o abandono das amplas codificações
que, preíensamente, esgotam o regramento jurídico sobre determinado ramo do direito ou
lhe sen/em como norte, constituição aplicável a determinado ramo, e a adoção dos chama-
dos microssístemas legislativos, informados pela aplicação da Constituição Federal. Nesse
sentido, o Código Civil vem na direção contrária a essa tendência. Sobre o assunto, ver
GUSTAVO TEPEDINO, "Premissas Metodológicas para a Constitucionalização do Direito
Civil". In: Temas de Direito Civil, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 1-22.
menção ao objeto social, o Código Civil tratou do assunto especifica-
mente52, revogando tacitamente o referido artigo 3o53.
Assim, retorna-se ao sistema anterior à vigente Lei das S.A., em
que as companhias precisavam fazer referência ao objeto social, ain-
da que de maneira genérica. De fato, a referência genérica ao objeto
social - "indústria e comércio", "exportação e importação", "comércio
de bens" - já basta para o cumprimento da exigência legal para as
companhias criadas desde a entrada em vigor do Código Civil de
2002. As companhias criadas sob a égide da Lei n° 6.404/1976, em
respeito ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido, não precisarão
alterar suas denominações para atenderem a essa exigência54.
Todavia, deve ser salientado que a parcela genérica da denomi-
nação não gozará da mesma proteção atribuída às palavras ou expres-
sões que guardem peculiaridade e especificidade e que atendam ao
princípio da novidade55. A este respeito, é importante mencionar que
o direito de uso exclusivo da denominação redunda do respeito ao
princípio da veracidade e da novidade.
Assim, a companhia tem exclusividade sobre a sua denomina-
ção social, pois, como aludido anteriormente, essa representa sua iden-
tidade (§ 2 o ). Tal disposição visa a impedir a concorrência desleal,
assim como a evitar que as conseqüências no abalo de crédito de uma
companhia prejudiquem outra.

Art. 1.160 do Código Civil.


M O D E S T O CARVALHOSA. Comentários ao Código Civil: Do Direito de Empresa, v. 13,
São Paulo: Saraiva, 2003, p. 721.
SÉRGIO CAMPINHO. O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Rio de Janeiro:
Renovar, 3 J edição, 2003, p. 339.
A Instrução Normativa D N R C n° 104/2007, que dispõe sobre a formação de nome empre-
sarial, sua proteção e dá outras providências, estabelece no art. 9 o que "não são exclusivas,
para fins de proteção, palavras ou expressões que denotem: a) denominações genéricas de
atividades; b) gênero, espécie, natureza, lugar ou procedência; c) termos técnicos, científi-
cos, literários e arüsticos do vernáculo nacional ou estrangeiro, assim como quaisquer outros
de uso comum ou vulgar; d) nomes civis. Parágrafo único. Não são suscetíveis de exclusivi-
dade letras ou conjunto de letras, desde que não configurem siglas".
Dessa forma, ao direito de uso exclusivo sobre a denominação
social corresponde a ação para impedir o uso de denominação idênti-
ca ou similar por outra sociedade, a qual compete somente à socieda-
de prejudicada com a confusão gerada pelos nomes56. Além da via
judicial, a sociedade também pode demandar administrativamente,
no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Co-
merciais, a modificação do nome causador da confusão, respeitado o
critério da anterioridade do registro57. Na via judicial, podem ser cu-
mulados os pedidos de modificação do nome empresarial e as perdas
e danos decorrentes do uso do nome idêntico ou semelhante.
De fato, a Junta Comercial pode, de ofício, negar o arquivamen-
to de ato constitutivo de sociedade ou de alteração de denominação
que acarrete confusão nos nomes.
Para o pedido de modificação do nome empresarial, basta que
haja a possibilidade de confusão. A análise do pedido de modificação
e do pedido de recomposição do prejuízo causado pela confusão entre
os nomes levará em consideração o ramo de atividade das empresas, o
âmbito geográfico de sua atuação e outros elementos de relevância
para as questões relacionadas ao direito de concorrência, como a pos-
sibilidade de uma das denominações representar marca notória de
propriedade de outra sociedade.
Discute-se sobre o âmbito de proteção ao nome empresarial, se
nacional ou estadual, uma vez que o órgão responsável pelo registro de
estatutos sociais, onde está presente a denominação, é a Junta Comer-
cial de cada Estado. Assim, o arquivamento dos atos constitutivos da
sociedade empresária ou de suas alterações, do qual decorre a proteção

TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações ..., v. I, p. 87.


A denominação "Registro Público de Empresas Mercantis" encontra-se na Lei n° 8.934/
1994, que dispõe sobre o registro público de empresas mercantis e atividades afins e dá
outras providências, e no decreto que a regulamentou: Decreto n° 1.800/1996. Essa
denominação também foi utilizada pelo Código Civil (Lei n° 10.406/2002), em seu art.
1.150, onde menciona que o registro cabe às Juntas Comerciais. Sobre o registro público
de empresas mercantis, ver, também, os comentários ao art. 94 da Lei das S.A.
ao nome empresarial, ocorre na esfera estadualS8. Isso significa que o
controle de denominações idênticas ou semelhantes é facilitado na
esfera estadual, mas encontra entraves práticos na esfera federal.
O Código Civil prevê a proteção nos limites do Estado de inscri-
ção do empresário, mas estende a proteção ao território nacional,
mediante registro na forma da lei especial59. A lei do Registro Público
de Empresas Mercantis, anterior ao Código Civil de 2002, prevê, ge-
nericamente, o arquivamento de atos ou documentos que possam
interessar ao empresário e às empresas mercantis60-61; assim, qual-
quer ato a fim de assegurar proteção em outro Estado membro da
federação poderia ser arquivado com base nessa permissão legal.
O Departamento Nacional de Registro de Comércio criou a
possibilidade de proteção ao nome mediante o arquivamento de cer-
tidão simplificada da empresa na Junta Comercial do Estado onde
pretenda a proteção e determinou, face* ao princípio da novidade, que
não podem coexistir, na mesma unidade federativa, 2 (dois) nomes
empresariais idênticos ou semelhantes62-63-64 (p-SE§).

58 Art. 33 da Lei n° 8.934/1994. Este dispositivo não se refere à amplitude da proteção.


Entretanto, como ela decorre do arquivamento, infere-se que ela não poderia ser nacional,
pois não há um Registro Nacional de Empresas Mercantis. Assim, se o arquivamento atribui
a proteção e dá-se em âmbito estadual, deduz-se que a proteção é estadual.
59 Art. 1.166 do Código Civil.
60 Na ausência de lei que tenha especialmente tratado do tema após a entrada em vigor do
Código Civil de 2002, a Lei n° 8.934/1994 vige no que estiver em consonância com os
princípios do direito empresarial instaurados pelo Código Civil.
61 Art. 32, inciso II, alínea "e", da Lei n° 8.934/1994.
62 O Departamento Nacional de Registro do Comércio - D N R C é órgão criado pela Lei n°
4.048/1961 e mantido pela Lei n° 8.934/1994, com a função de estabelecer e consolidar,
com exclusividade, as normas e diretrizes gerais do Registro Público de Empresas Mercantis
e atividades afins.
63 Art. 2 o , § 2 o , alínea "a", da Instrução Normativa D N R C n° 93/2002, que dispõe sobre
expedição de certidões, a sua utilização em atos de transferência de sede, abertura, altera-
ção e inscrição de transferência de filiais, proteção ao nome empresarial e dá outras
providências. Antes dessa Instrução Normativa, o assunto foi tratado pelas Instruções
Normativas D N R C n™ 28/1991, 53/1996 e, posteriormente, pela já revogada Instrução
Normativa D N R C nD 99/2005. O art. 11 da Instrução Normativa D N R C n" 104/2007
estabelece que "a proteção ao nome empresarial decorre, automaticamente, do ato de
inscrição de empresário ou do arquivamento de ato constitutivo de sociedade empresária,
bem como de sua alteração nesse sentido, e circunscreve-se à unidade federativa de jurisdi-
ção da Junta Comercial que o tiver procedido". O § 1o, por sua vez, prescreve que "a
A proteção na esfera nacional, portanto, não existe de maneira
automática, pelo simples arquivamento do ato na Junta Comercial de
um Estado. Ela pode ocorrer caso o empresário arquive certidão sim-
plificada - expedida pela Junta Comercial do Estado onde está situa-
da a sede da empresa - em todos os Estados da Federação.
Porém, a questão não se encontra totalmente solucionada. O
Brasil é parte da Convenção da União de Paris para a Proteção da
Propriedade Industrial, revisada em Estocolmo, em 1967, que prevê a
proteção internacional ao nome empresarial sem que seja necessário
depósito ou registro65.
Diante dessa proteção dada ao nome empresarial de empresas
dos Estados-Partes da Convenção, intensificaram-se as discussões
sobre a abrangência da proteção, em virtude de a lei atribuir ao arqui-
vamento dos atos constitutivos da sociedade empresária ou de suas
alterações o condão de proteger o nome empresarial e, ainda, em ra-
zão da amplitude da proteção no direito brasileiro ser estadual. Logo,
surgiram 2 (duas) dúvidas: como o Brasil tornou-se parte de uma
Convenção que prevê a prescindibilidade de registro ou depósito para
a proteção do nome empresarial e, ao mesmo tempo, mantém um
sistema de registro em que somente o arquivamento do ato é capaz
de proteger o nome empresarial? E como o Brasil outorga proteção
ao nome empresarial de sociedades de outros Estados-Partes da Con-
venção sem que exista proteção do nome empresarial do empresário
brasileiro em todo o território nacional?

proteção ao nome empresarial na jurisdição de outra junta ComerciaI decorre, automatica-


mente, da abertura de filial nela registrada ou do arquivamento de pedido específico, instruído
com certidão da Junta Comercial da unidade federativa onde se localiza a sede da sociedade
interessada".
Art. 6 o da Instrução Normativa D N R C n° 104/2007.
Promulgação da Convenção com reservas pelo Decreto n° 75.572/1975 e Promulgação
dos textos que haviam sido reservados pelo Decreto n° 1.263/1994. Dentre as reservas
feitas quando de sua promulgação, em 1975, encontrava-se o art. 8°. Dessa forma, este
artigo passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro com a promulgação do decreto
em 1994.
Como a convenção passa a fazer parte do direito interno brasi-
leiro com a sua promulgação, surgiu uma linha de interpretação, an-
tes mesmo da vigência do tratado no ordenamento jurídico interno,
que concedia proteção ao nome empresarial na esfera nacional, já
que este estaria protegido na esfera internacional. Assim, entendia-se
que se o nome era tutelado em todos os países da União de Paris, sem
necessidade de registro, com muito mais razão deveria também ser
tutelado no território nacional, pois as empresas nacionais ficariam
em situação menos vantajosa que as empresas estrangeiras66.
No entanto, diante da inviabilidade prática de se assegurar pro-
teção ao nome sem que haja um órgão depositário dos nomes, o dis-
positivo da convenção ficou com a sua aplicação esvaziada, não
prevalecendo a proteção de âmbito nacional67.
A denominação social não pode ser registrada no Instituto
Nacional da Propriedade Industrial. Miãitos confundem denominação
social com marca, que é o sinal ou expressão destinado a individualizar
os produtos ou serviços de uma empresa, registrável no Instituto
Nacional da Propriedade Industrial e com proteção em âmbito
nacional68-69. Ambos são elementos distintos do estabelecimento

66 Sobre esse assunto, ver decisão da 4 a Turma do Superior Tribunal de Justiça proferida nos
autos do Recurso Especial n° 6.169, Rei. Min. Athos Carneiro, j. em 25.06.1991, publica-
do no DJU em 12.08.1991.
67 Isso foi o decidido recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça, em caso em que se
pretendia a proteção nacional pela aplicação da Convenção da União de Paris, em detri-
mento do caráter estadual do Registro Público de Empresas Mercantis e do Código Civil de
2002, que previu a proteção em âmbito estadual. Decidiu-se que: "não há que se falar em
extensão da proteção legal conferida às denominações de sociedades empresárias nacionais
a todo o território pátrio, com fulcro na Convenção da União de Paris, porquanto, conforme
interpretação sistemática, nos moldes da lei nacional, mesmo a tutela do nome comercial
estrangeiro somente ocorre em âmbito nacional mediante registro complementar nas Juntas
Comerciais de todos os Estados-membros" (Decisão da 4 a Turma do Superior Tribunal de
Justiça proferida nos autos dos Embargos de Declaração no Agravo Regimental ao Recurso
Especial n° 653.609, Rei. Min. Jorge Scartezzini, i. em 19.05.2005, publicado no DJU em
27.06.2005).
68 P. R. TAVARES PAES. Nova Lei da Propriedade Industrial. São Raulo: Revista dos Tribunais,
1996, p. 83.
69 O art. 122 da Lei n° 9.279/1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade
industrial, determina que "são suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visual-
empresarial, com órgãos competentes para o registro e proteção regidos
por leis diversas70. A denominação social pode ou não coincidir com
eventual marca, sendo prudente o registro em ambos os locais, por
parte do empresário, para evitar possíveis coincidências entre uma
parte de uma denominação, como um nome fantasia, com uma marca
já detida por outra sociedade.
O caput deste artigo veda a utilização do vocábulo "companhia"
ao final. Isso porque poderia ocorrer confusão com a firma de socie-
dade em comandita simples ou de sociedade em nome coletivo e,
antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, com a da socie-
dade de capital e indústria71. Entretanto, a entrada em vigor do Códi-
go Civil afastou essa proibição.
Ainda segundo o caput e também no regime do Código Civil, a
denominação deverá conter alternativamente o vocábulo "sociedade
anônima" ou "companhia", por extenso ou abreviadamente72.
O § I o permite a adoção do nome de um fundador, acionista ou
pessoa que tenha colaborado para o desenvolvimento da empresa. A
utilização de um nome civil, mesmo que de maneira elogiosa e com o
intuito de homenagem, é recomendada apenas quando se tem a au-
torização do seu titular, se ele estiver vivo, ou de seus herdeiros, se

mente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais" e no arl. 123 conceitua como
"I - marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro
idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa; II - marca de certificação: aquela usada para
atestar a conformidade de um produto ou serviço com determinadas normas ou especificações
técnicas, notadamente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia em-
pregada; e III - marca coletiva: aquela usada para identificar produtos ou serviços provindos
de membros de uma determinada entidade".
A confusão não ocorre sem razão. No passado, os nomes comerciais eram requeridos como
marca de fábrica e comércio e era proibido o registro de uma marca que contivesse um
nome comercial de que o requerente do registro da marca não fosse titular. Sobre o assunto,
ver JOSÉ CARLOS T I N O C O SOARES. Nome Comercial. São fòulo: Atlas, 1968, p. 14-18.
SÉRGIO C A M P I N H O . O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil ..., p. 338. A
sociedade de capital e indústria não é tipo societário existente no Código Civil de 2002.
Art 1.160 do Código Civil, que assim dispõe: "A sociedade anônima opera sob denomina-
ção designativa do objeto social, integrada pelas expressões 'sociedade anônima' ou 'com-
panhia', por extenso ou abreviadamente. Parágrafo único. Pode constar da denominação o
nome do fundador, acionista, ou pessoa que haja concorrido para o bom êxito da formação
da empresa".
estiver morto; a sua utilização sem permissão poderá redundar na
obrigação de modificar o nome futuramente ou de ressarcir o titular
do nome por eventuais prejuízos73. Tal consentimento pode se dar de
forma expressa ou tácita, representando o silêncio uma forma de as-
sentimento. Uma vez dado o consentimento, ele será irrevogável.
Merece relevo o fato de a utilização de nome civil - assim como
a utilização de expressões genéricas - não gozar de exclusividade por
ser possível a existência de nomes civis iguais ou semelhantes74.
A denominação também pode incluir uma sigla pela qual a com-
panhia é mais conhecida. No entanto, nada impede que a companhia
adote uma sigla sem que a mesma conste da denominação social. Em
ambos os casos, como nome empresarial e marca são elementos distin-
tos, com registros em autoridades diversas, vale ser registrada a marca
que se funde em sigla da denominação social para uma maior proteção.
Nos atos e publicações referentes à companhia em constituição,
deve ser acrescentado à denominação a expressão "em organização",
por força de norma da Lei das S.A. (artigo 91). Nesse mesmo sentido,
em todos os atos ou operações que ocorrerem no curso da liquidação
de uma companhia, deve constar o acréscimo de "em liquidação" à
denominação social (artigo 212). No caso de recuperação judicial, tam-
bém vige a exigência, por força da Lei n° 11.101/2005, da inclusão da
expressão "em recuperação judicial"75. No caso das sociedades anôni-
mas estrangeiras, pode-se incluir as palavras "do Brasil" ou "para o
Brasil" às suas denominações oriundas do país de origem76.

73 Sobre esse assunto, ver C A R L O S F U L G Ê N C I O D A C U N H A PEIXOTO, Sociedades por


Ações ..., v. 1, p. 31.
74 Art. 9 o , alínea "d", da Instrução Normativa D N R C n° 104/2007.
75 Assim prevê o art. 69 da Lei n° 11.101/2005 (Lei de Recuperação e Falência): "Em todos os
atos, contratos e documentos firmados pelo devedor sujeito ao procedimento de recupera-
ção judicial deverá ser acrescida, após o nome empresarial, a expressão 'em Recuperação
ludicial'".
O parágrafo único do art. 1.137 do Código Civil, estabelece que: "A sociedade estrangeira
funcionará no território nacional com o nome que tiver em seu país de origem, podendo
acrescentar as palavras 'do Brasil' ou 'para o Brasil'".
Companhia aberta e fechada
"Art. 4 o . Para os efeitos dessa Lei, a companhia é aberta ou fecha-
da conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou
não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários.
(Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

§ I o Somente os valores mobiliários de emissão de companhia


registrada na Comissão de Valores Mobiliários podem ser nego-
ciados no mercado de valores mobiliários. (Redação dada pela
Lei n° 10.303/2001)

§ 2o Nenhuma distribuição pública de valores mobiliários será


efetivada no mercado sem prévio registro na Comissão de Valo-
res Mobiliários. (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 3 o A Comissão de Valores Mobiliários poderá classificar as com-


panhias abertas em categorias, segundo as espécies e classes dos
valores mobiliários por ela emitidos negociados no mercado, e
especificará as normas sobre companhias abertas aplicáveis a cada
categoria. (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 4 o O registro de companhia aberta para negociação de ações no


mercado somente poderá ser cancelado se a companhia emissora
de ações, o acionista controlador ou a sociedade que a controle,
direta ou indiretamente, formular oferta pública para adquirir a
totalidade das ações em circulação no mercado, por preço justo,
ao menos igual ao valor de avaliação da companhia, apurado com
base nos critérios, adotados de forma isolada ou combinada, de
patrimônio líquido contábil, depatrimônio líquido avaliado apreço
de mercado, de fluxo de caixa descontado, de comparação por
múltiplos, de cotação das ações no mercado de valores mobiliários,
ou com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores
Mobiliários, assegurada a revisão do valor da oferta, em
conformidade com o disposto no artigo 4°-A. (Incluído pela Lei
n° 10.303/2001)

§ 5 o Terminado o prazo da oferta pública fixado na regulamenta-


ção expedida pela Comissão de Valores Mobiliários, se remanes-
cerem em circulação menos de 5% (cinco por cento) do total das
ações emitidas pela companhia, a assembleia geral poderá delibe-
rar o resgate dessas ações pelo valor da oferta de que trata o § 4 o ,
desde que deposite em estabelecimento bancário autorizado pela
Comissão de Valores Mobiliários, à disposição dos seus titulares,
o valor de resgate, não se aplicando, nesse caso, o disposto no § 6 o
do artigo 44. (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 6 o O acionista controlador ou a sociedade controladora que


adquirir ações da companhia aberta sob seu controle que elevem
sua participação, direta ou indireta,"em determinada espécie e clas-
se de ações à porcentagem que, segundo normas gerais expedidas
pela Comissão de Valores Mobiliários, impeça a liquidez de mer-
cado das ações remanescentes, será obrigado a fazer oferta públi-
ca, por preço determinado nos termos do § 4 o , para aquisição da
totalidade das ações remanescentes no mercado." (Incluído pela
Lei n° 10.303/2001)

"Art. 4°-A. Na companhia aberta, os titulares de, no mínimo,


10% (dez por cento) das ações em circulação no mercado poderão
requerer aos administradores da companhia que convoquem as-
sembleia especial dos acionistas titulares de ações em circulação
no mercado, para deliberar sobre a realização de nova avaliação
pelo mesmo ou por outro critério, para efeito de determinação do
valor de avaliação da companhia, referido no § 4 o do artigo 4 o .
(Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ I o O requerimento deverá ser apresentado no prazo de 15 (quin-


ze) dias da divulgação do valor da oferta pública, devidamente
fundamentado e acompanhado de elementos de convicção que
demonstrem a falha ou imprecisão no emprego da metodologia
de cálculo ou no critério de avaliação adotado, podendo os acio-
nistas referidos no "caput" convocar a assembleia quando os ad-
ministradores não atenderem, no prazo de 8 (oito) dias, ao pedido
de convocação. (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 2 o Consideram-se ações em circulação no mercado todas as


ações do capital da companhia aberta menos as de propriedade do
acionista controlador, de diretores, de conselheiros de adminis-
tração e as em tesouraria. (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 3 o Os acionistas que requererem a realização de nova avaliação


e aqueles que votarem a seu favor deverão ressarcir a companhia
pelos custos incorridos, caso o novo valor seja inferior ou igual ao
valor inicial da oferta pública. (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 4 o Caberá à Comissão de Valores Mobiliários disciplinar o dis-


posto no artigo 4 o e neste artigo, e fixar prazos para a eficácia
desta revisão." (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

A liberdade de negociação das ações constitui o principal traço


distintivo da companhia com relação aos demais tipos societários. Os
riscos assumidos pelos acionistas podem ser livremente transferidos a
outras pessoas que tenham interesse em assumi-los, mediante a compra
das ações, sem que tal transferência acarrete qualquer transformação
na estrutura da companhia.
A livre negociação das ações é essencial nas companhias aber-
tas, aquelas registradas na Comissão de Valores Mobiliários para ne-
gociarem publicamente os títulos de sua emissão. Assim, as normas
previstas nesses artigos visam a: (i) estabelecer os traços distintivos
entre a companhia aberta e a fechada; (ii) submeter a companhia
aberta a uma tutela especial, objetivando a defesa dos interesses dos
investidores e acionistas minoritários; e (iii) impedir que os acionistas
minoritários de companhia aberta sejam privados da liquidez de suas
ações, prevendo a obrigatoriedade da oferta pública de aquisição de
suas ações no cancelamento do registro ou no "fechamento branco"
de seu capital.
C O M P A N H I A ABERTA E R E G I S T R O NA C O M I S S Ã O DE V A L O R E S MOBILIÁRIOS

A companhia aberta É aquela que capta recursos junto ao públi-


co, ou seja, tem valores mobiliários de sua emissão publicamente ne-
gociados, em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão77.
O § I o condiciona a negociação de valores mobiliários no mer-
cado de capitais ao prévio registro da companhia emissora na Comis-
são de Valores Mobiliários e o § 2 o determina que nenhuma
distribuição pública de valores mobiliários será efetivada no mercado
sem o prévio registro na referida Autàrquia.
Como um dos objetivos básicos do mercado de capitais consiste
em permitir o acesso das sociedades anônimas à poupança popular, é
fundamental fornecer aos investidores um adequado sistema de pro-
teção, o que se dá por meio do ãisclosure, que consiste na divulgação
de informações amplas e completas a respeito da companhia e dos
valores mobiliários por ela publicamente ofertados78.
A Exposição de Motivos da Lei n° 6.385/1976 - que dispõe
sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores
Mobiliários - enfatizou que a finalidade da norma que trata do regis-
tro é precisamente a de proteger os investidores mediante a prestação
de informações. Essa lei regula a emissão pública de valores mobiliá-
rios no mercado e expressamente proíbe qualquer atividade de distri-

D e acordo c o m o art. 22 da Lei n° 6.385/1976, "considera-se aberta a companhia cujos


valores mobiliários estejam admitidos à negociação na bolsa ou no mercado de balcão".
N E L S O N E I Z I R I K , A R I Á D N A B. C A A L , F L Á V I A P A R E N T E e M A R C U S D E F R E I T A S
H E N R I Q U E S . Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2" edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 136-138.
buição (oferta, subscrição, venda, etc.) sem que a emissão esteja regis-
trada na Comissão de Valores Mobiliários. Objetiva-se com tal regis-
tro obrigar a companhia emissora a revelar ao mercado fatos relativos
à sua situação econômica e financeira, possibilitando aos investidores
uma avaliação correta dos títulos oferecidos79.
O primeiro registro a ser obtido por uma companhia para ter
ações ou outros valores mobiliários de sua emissão ofertados aos in-
vestidores constitui o registro inicial de companhia aberta, por meio
do qual visa a Comissão de Valores Mobiliários a assegurar o forneci-
mento ao mercado de informações periódicas e eventuais sobre a com-
panhia emissora e os negócios por ela desenvolvidos. A negociação
de qualquer valor mobiliário emitido por sociedade anônima no mer-
cado de valores mobiliários depende da obtenção, pela emissora, do
registro como companhia aberta perante a Comissão de Valores
Mobiliários80.
As normas que impõem a obrigatoriedade de registro na Comis-
são de Valores Mobiliários tanto da companhia quanto da oferta pú-
blica apresentam nítida feição instrumental, já que o registro consiste
basicamente no meio de se proceder à prestação de informações à
Autarquia e sua divulgação ao público investidor81.

/9 Art. 19 da Lei nD 6.385/1976.


80 A Instrução C V M n° 480/2009 - que dispõe sobre o registro de emissores de valores
mobiliários admitidos ã negociação em mercados regulamentados de valores mobiliários -
com as alterações introduzidas pela Instrução C V M n° 488/2010, determina que: "Art. Ia
A negociação de valores mobiliários em mercados regulamentados, no Brasil, depende de
prévio registro do emissor na CVM. § Io O pedido de registro de que trata o caput pode ser
submetido independentemente do pedido de oferta pública de distribuição de valores
mobiliários. § 2" O emissor de valores mobiliários deve estar organizado sob a forma de
sociedade anônima, exceto quando esta instrução dispuser de modo diverso. § 3" A presen-
te Instrução não se aplica a fundos de investimento, clubes de investimento e sociedades
beneficiárias de recursos oriundos de incentivos fiscais".
81 O caráter instrumental do registro foi destacado na Exposição de Motivos da Lei n° 6.385/
1976, ao mencionar que o sistema de registros tem basicamente por fim colocar à disposi-
ção de todos os investidores informações atualizadas sobre a companhia emissora.
OFERTA PÚBLICA DE DISTRIBUIÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS

A oferta pública de distribuição de valores mobiliários consti-


tui a operação por meio da qual a companhia ou os titulares de
valores mobiliários de sua emissão realizam, mediante apelo ao pú-
blico, a colocação de ações ou outros valores mobiliários no mer-
cado de capitais. Essas ofertas são usualmente designadas, na
prática do mercado, pela sigla IPO - Initial Public O f f e r , a qual se
refere às ofertas mediante as quais uma companhia fechada acessa
o mercado pela primeira vez, promovendo a distribuição pública de
valores mobiliários de sua emissão; as regras a ela aplicáveis esten-
dem-se, também, às ofertas realizadas por companhias que já te-
nham os valores mobiliários de sua emissão admitidos à negociação
no mercado.
As ofertas públicas podem ser primárias ou secundárias. Nas ofer-
tas primárias, a companhia emite novos valores mobiliários e capta
recursos mediante a subscrição de seus valores mobiliários.
As ofertas primárias atendem à principal função econômica do
mercado de valores mobiliários, qual seja, a de permitir o financia-
mento de médio e longo prazos das empresas, que poderão direcionar
os recursos obtidos, entre outras aplicações, para a execução de proje-
tos e/ou adequação de seu passivo.
As ofertas secundárias, por sua vez, são aquelas em que os acio-
nistas da companhia ou os titulares de outros valores mobiliários de
sua emissão vendem no mercado os títulos de sua propriedade já
emitidos pela companhia. Neste caso, os recursos pagos pelos inves-
tidores para adquirir as ações ou os outros valores mobiliários oferta-
dos não são destinados à companhia emissora, mas aos próprios
ofertantes. As ofertas secundárias constituem, normalmente, a forma
utilizada pelos acionistas controladores ou outros investidores estra-
tégicos para obter retorno financeiro de seus investimentos e/ou dar
liquidez aos títulos de sua propriedade82.
DISTINÇÃO ENTRE OFERTA PÚBLICA E PRIVADA

O § 3 o do artigo 19 da Lei n° 6.385/1976 enumera determina-


das situações que podem configurar a oferta pública de valores mobi-
liários. No entanto, não define nem oferta pública, nem oferta privada
de valores mobiliários, somente enuncia algumas hipóteses em que
se concretiza a oferta pública83. Este dispositivo foi regulamentado
pela Comissão de Valores Mobiliários que, também, apenas elencou
determinados elementos objetivos que podem configurar a oferta
pública de valores mobiliários84.
A caracterização de uma oferta pública deve levar em conta as
finalidades essenciais da lei, quais sejam: (i) proteger os investidores,
assegurando-lhes um nível adequado de informações sobre a compa-

82 N E L S O N EIZIRIK, A R I Á D N A B. C A A L , FLÁV1A P A R E N T E e M A R C U S D E FREITAS


HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico p. 136.
83 De acordo com o art. 19, § 3 o da Lei n° 6.385/1976, caracterizam a emissão pública: "/ -
a utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios
destinados ao público; II-a procura de subscritores ou adquirentes para os títulos por meio
de empregados, agentes ou corretores; III - a negociação feita em loja, escritório ou estabe-
lecimento aberto ao público, ou com a utilização dos serviços públicos de comunicação".
84 O art. 3 o da Instrução C V M n° 400/2003, com as alterações introduzidas pela Instrução
CVM n° 482/2010, determina como sendo atos de distribuição pública "a venda, promessa
de venda, oferta à venda ou subscrição, assim como a aceitação de pedido de venda ou
subscrição de valores mobiliários, de que conste qualquer um dos seguintes elementos: I - a
utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios,
destinados ao público, por qualquer meio ou forma; II - a procura, no todo ou em parte, de
subscritores ou adquirentes indeterminados para os valores mobiliários, mesmo que realizada
através de comunicações padronizadas endereçadas a destinatários individualmente identi-
ficados, por meio de empregados, representantes, agentes ou quaisquer pessoas naturais ou
jurídicas, integrantes ou não do sistema de distribuição de valores mobiliários, ou, ainda, se
em desconformidade com o previsto nesta Instrução, a consulta sobre a viabilidade da oferta
ou a coleta de intenções de investimento junto a subscritores ou adquirentes indeterminados;
111 - a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público destinada,
no todo ou em parte, a subscritores ou adquirentes indeterminados; ou IV - a utilização de
publicidade, oral ou escrita, cartas, anúncios, a visos, especialmente através de meios de
comunicação de massa ou eletrônicos (páginas ou documentos na rede mundial ou outras
redes abertas de computadores e correio eletrônico), entendendo-se como tal qualquer
forma de comunicação dirigida ao público em geral com o fim de promover, diretamente ou
através de terceiros que atuem por conta do ofertante ou da emissora, a subscrição ou
alienação de valores mobiliários".
nhia e sobre os papéis ofertados; e (ii) não inibir as empresas de pro-
moverem sua capitalização no mercado de valores mobiliários.
A oferta pública tipifica-se a partir da análise de 3 (três) elemen-
tos fundamentais, 1 (um) de natureza objetiva e 2 (dois) de natureza
subjetiva.
O elemento objetivo é constituído dos meios empregados para a
colocação dos valores mobiliários junto ao público. Ou seja, deve-se
verificar se os meios ou instrumentos utilizados pela companhia para
fazer chegar sua oferta junto aos potenciais investidores caracterizam
a intenção de atingir o público em geral ou apenas um número restri-
to e determinado de pessoas 85 . A relação constante de ato normativo
da Comissão de Valores Mobiliários é apenas exemplificativa86; por-
tanto, quaisquer outros instrumentos de apelo à poupança popular,
desde que não individualizados os destinatários, também podem ca-
racterizar a oferta pública.
A oferta pública configura-se por ser dirigida à generalidade de
indivíduos, ou seja, por ser direcionada a pessoas indeterminadas, não
individualizadas. Assim, no momento da realização da oferta, há uma
indeterminação dos destinatários87; qualquer pessoa pode aceitar a
proposta, individualizando-se apenas no momento da aceitação.
Dada a feição instrumental do registro de oferta pública, a apli-
cação das normas não deve criar custos desnecessários para as com-
panhias; não cabe à Comissão de Valores Mobiliários impor o registro
da oferta, com a conseqüente divulgação de informações, quando os

Para verificar a análise dos elementos objetivos caracterizadores da distribuição pública,


ver N E L S O N E I Z I R I K , A R I Á D N A B. G A A L , F L Á V I A P A R E N T E e M A R C U S D E FREITAS
H E N R I Q U E S . Mercado de Capitais - Regime Jurídico ..., p. 144-146.
Ver art. 3 o da Instrução C V M n° 400/2003, com as alterações introduzidas pela Instrução
C V M n° 482/2010.
A Instrução C V M n° 400/2003, com as alterações introduzidas pela Instrução C V M n° 482/
2010, em seu art. 3 o , § 1 estabelece que se considera como "público em geral uma classe,
categoria ou grupo de pessoas, ainda que individualizada nesta qualidade, ressalvados
aqueles que tenham prévia relação comercial, creditícia, societária ou trabalhista, estreita e
habitual, com a emissora".
seus destinatários, dada sua situação, simplesmente não necessitam
de proteção governamental. Deve-se evitar os chamados "custos re-
gulatórios" desnecessários, que podem inibir a captação de recursos
no mercado.
Para se distinguir a oferta pública da privada, além da indeter-
minação dos ofertados, há que se perquirir sobre 2 (dois) elementos
subjetivos:
(i) a qualificação dos ofertados, isto é, o seu grau de sofisti-
cação como investidores, se eles detêm conhecimento e
experiência em questões financeiras e empresariais e se
são capazes de avaliar os riscos e o mérito do investimen-
to88. Assim, podem ser consideradas privadas as ofertas
realizadas apenas junto a investidores qualificados89, os
quais não necessitam da proteção estatal conferida pelo
registro. Nesta linha, ofertas realizadas unicamente para
um número limitado de investidores institucionais, insti-
tuições financeiras ou sociedades de capital de risco po-
dem ser consideradas como privadas, independentemente
dos meios utilizados; e
(ii) a disponibilidade de informações sobre a companhia e os
valores mobiliários. Ou seja, deve ser verificado se os ofer-
tados tiveram acesso às informações que a companhia teria
apresentado por ocasião do registro que lhes permitissem
uma avaliação completa dos riscos do empreendimento90.

Conforme determina a Rule 506 (b) (2) (ii), da SEC norte-americana. Sobre o assunto, leia-se A.
S O R O G H A N . Priva te Offerings: Determining 'Access', 'Investment Sophistication' and 'Ability
to Bear Economic Risk. Securities Regulation Law Journal, Rochester: Thomsom-West, v. 8,
1980. D e acordo com LOUIS LOSS. Fundamentais of Securities Regulation. Boston: Little
Brown and Company, 1988, p. 336: "the re/evant inquiry should be whether the investor can
understand and evaluate the nature of the risk based upon the information supplied to him".
Sobre investidor qualificado, ver o art. 4° da Instrução C V M n° 476/2009 c/c o art. 109 da
Instrução C V M n° 409/2004, com alterações introduzidas pelas Instruções C V M n™ 411/
2004 e 450/2007.
Sobre o assunto, ver Doran v. Petroleum Management Corp., reproduzido em R I C H A R D W.
JENNINGS, H A R O L D MARSH JR. and J O H N C. COFFEE JR. Securities Regulation, Cases
Como o registro tem uma natureza basicamente instrumental,
se os investidores estão de posse de informações que lhes possibili-
tem uma tomada de decisão consciente, não há porque obrigar a com-
panhia emissora a proceder ao registro da oferta perante a Comissão
de Valores Mobiliários. A possibilidade de acesso a tais informações
pode ser presumida caso os ofertados possuam alguma espécie de vín-
culo com a companhia emissora, o qual pode decorrer de fatores como
relações familiares, de amizade, de emprego ou de negócios91.
Assim, no caso de distribuição de valores mobiliários em decor-
rência do exercício do direito de preferência, não há, por definição,
oferta pública, dado o prévio relacionamento existente entre a com-
panhia emissora e os subscritores92. E m tal hipótese, não há necessi-
dade de efetivação do registro, uma vez que já se encontram à
disposição dos acionistas informações necessárias a uma decisão cons-
ciente de investimento93. ;

Uma outra hipótese que também deve ser considerada é a do


investidor que tem acesso a informações similares às que seriam pres-
tadas no registro da oferta pública por possuir poder de barganha eco-
nômico (economic bargaining power) frente à emissora94. Presume-se
que tais investidores terão acesso às informações necessárias para ava-
liar adequadamente a conveniência de participar da oferta, ainda que
não sejam idênticas àquelas que seriam fornecidas aos demais inves-
tidores por ocasião do registro da oferta pública.

and Materials. New York: The Foundation Press, 1992, p. 336-337, do qual consta: "The
requirement that ali offerees have available the information registration would provide has
been firmly established by this court as a necessary condition of gaining the private offering
axemption. More specifically, w e shall require on remand that the defendanls demonstrate
that ali offerees, whalever their expertise, had available the information a registration
statement would have afforded a prospective investor in a public offering".
O art. 3 o , § I o , da Inslrução C V M n° 400/2003 expressamente ressalva que não se caracte-
riza como pública a oferta realizada a um grupo de pessoas que mantenha "prévia relação
comercial, creditícia, societária ou trabalhista, estreita e habitual, com a emissora".
Ver o Parecer CVM/SJU n° 005/1986.
Sobre esse assunto, ver a Nota Explicativa C V M n° 19/1980.
LOU1S LOSS. Fundamentais of Securities Regulation ..., p. 338-339.
A utilização dos elementos subjetivos ora comentados para definir
a natureza de determinada oferta de venda de valores mobiliários é ex-
pressamente reconhecida em nosso ordenamento jurídico95. Para a ca-
racterização da oferta como pública ou privada, embora sejam relevantes
os meios utilizados na colocação dos títulos, o elemento essencial e
decisivo refere-se à situação dos ofertados. Independentemente dos
meios utilizados no processo de oferta, determinada distribuição de va-
lores mobiliários não deve ser considerada pública se os ofertados, além
de pessoas certas ou determinadas, forem investidores qualificados e,
em função de suas relações com a companhia emissora ou do fato de
deterem "poder de barganha" perante esta, tiverem acesso ao mesmo
tipo de informação que seria exigido em decorrência do registro96.
OFERTA PÚBLICA COM ESFORÇOS RESTRITOS

Existe uma modalidade de oferta pública em que não há necessi-


dade de registro na Comissão de Valores Mobiliários: a chamada "ofer-
ta pública com esforços restritos", regulamentada no início de 2009,
que se destina exclusivamente a investidores qualificados, os quais têm
condições de avaliar as informações prestadas e os riscos envolvidos97-98.
Ainda que se trate de expressão contraditória — havendo esforços res-
tritos a oferta não é pública - o instrumento tem se revelado útil para a
captação de recursos junto a investidores qualificados.

O art. 4 o , § 1°, inciso VII, da Instrução C V M n° 400/2003, com a redação dada pela
Instrução C V M n° 482/2010, permite à C V M dispensar o registro das ofertas públicas de
venda de valores mobiliários dirigidas exclusivamente a investidores qualificados, desde
que, nos termos do § 4 o , inciso I, os subscritores declarem que: (i) têm conhecimento e
experiência em finanças e negócios suficientes para avaliar os riscos e o conteúdo da oferta
e que são capazes de assumir tais riscos; e que (ii) tiveram amplo acesso às informações que
julgaram necessárias e suficientes para a decisão de investimento, notadamente aquelas
normalmente fornecidas no Prospecto.
N E L S O N EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar,
1992, p. 21.
Instrução C V M n° 476/2009, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM 488/
2010 e 500/2011.
Determina o art. 6 o da Instrução C V M n° 476/2009 que: "As ofertas públicas com esforços
restritos estão automaticamente dispensadas do registro de distribuição de que trata o
caput do art. 19 da Lei n° 6.385, de 1976".
A Comissão de Valores Mobiliários define como investidores
qualificados: (i) as instituições financeiras; (ii) as companhias segura-
doras e sociedades de capitalização; (iii) as entidades abertas e fecha-
das de previdência complementar; (iv) pessoas físicas ou jurídicas que
possuam investimentos financeiros em valor superior a RS 300.000,00
(trezentos mil reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua
condição de investidor qualificado mediante termo próprio; (v) os fun-
dos de investimento destinados exclusivamente a investidores quali-
ficados; e (vi) os administradores de carteira e consultores de valores
mobiliários autorizados pela Comissão de Valores Mobiliários, em
relação a seus recursos próprios, observado que: (a) todos os fundos
de investimento são considerados investidores qualificados, mesmo
que se destinem a investidores não qualificados; e (b) as pessoas na-
turais ou jurídicas mencionadas na alínea "(iv)" acima deverão subs-
crever ou adquirir, no âmbito da oferta, valores mobiliários no montante
mínimo de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais)99.
A disciplina da oferta pública de distribuição de valores mobiliá-
rios com esforços restritos tem por fim assegurar: mais agilidade nas
ofertas mediante dispensa do seu registro e de companhia aberta; a
redução dos custos das ofertas, facilitando o acesso dos emissores ao
mercado de capitais; e mais segurança aos emissores quanto à exi-
gência de registro.
Somente podem ser objeto de oferta pública com esforços
restritos de distribuição os seguintes valores mobiliários: (i) notas
comerciais; (ii) cédulas de crédito bancário que não sejam de
responsabilidade de instituição financeira; (iii) debêntures não
conversíveis ou não permutáveis por ações; (iv) cotas de fundos de
investimento fechados; (v) certificados de recebíveis imobiliários ou
do agronegócio; (vi) letras financeiras, desde que não relacionadas a

Art. 4° da Instrução C V M n° 476/2009 c/c o art. 109 da Instrução C V M n° 409/2004, com


alterações introduzidas pelas Instruções C V M n« 411/2004 e 450/2007.
operações ativas vinculadas; (vii) certificados de direitos creditórios
do agronegócio; (viii) cédulas de produto rural - financeiras que não
sejam de responsabilidade de instituição financeira; e (ix) warrants
agropecuários100.
Estão excluídas dessa relação taxativa as ações e outros valores
mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações. Adicionalmente,
só é permitida a procura de, no máximo, 50 (cinqüenta) investidores
qualificados e os valores mobiliários ofertados deverão ser subscritos
ou adquiridos por, no máximo, 20 (vinte) desses investidores. Os fun-
dos de investimento cujas decisões de investimento sejam tomadas
pelo mesmo gestor serão considerados como um único investidor101.
As ofertas públicas com esforços restritos devem ser intermedia-
das por integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários102,
não sendo permitida a busca por meio de lojas, escritórios ou estabele-
cimentos abertos ao público, ou com a utilização de serviços públicos
de comunicação, como imprensa, rádio, televisão e páginas abertas ao
público na internet103. O ofertante não poderá realizar outra oferta pú-
blica da mesma espécie de valores mobiliários do mesmo emissor den-
tro do prazo de 4 (quatro) meses após o encerramento da oferta, a menos
que obtenha registro na Comissão de Valores Mobiliários104.
O intermediário líder da oferta tem deveres perante os investido-
res; assim, é responsável pela qualidade e veracidade das informações

100 Art. I o , § 1 o , da Instrução CVM n° 476/2009, com as alterações introduzidas pelas Instru-
ções CVM n~ 488/2010 e 500/2011.
I 01 Art. 3 o da Instrução CVM n° 476/2009. Os subscritores ou adquirentes dos valores mobi-
liários deverão apresentar declaração atestando que estão cientes de que: (i) a oferta não foi
registrada na CVM; e (ii) os valores mobiliários ofertados estão sujeitos às restrições de
negociação previstas na Instrução CVM n° 476/2009 (art. 7o).
102 Art 15 da Lei n° 6.385/1976 e art. 2° da Instrução CVM n° 476/2009. Determina, ainda,
essa Instrução que às ofertas públicas com esforços restritos não se aplicam a Instrução
CVM n° 400/2003 e as demais normas da CVM relativas ao procedimento de distribuição
de valores mobiliários específicos (art. 5o), salvo as normas de conduta previstas no art. 48
- exceto o inciso III - que deverão ser observadas (art. 12).
103 Art. 2 o , parágrafo único, da Instrução CVM n° 476/2009.
104 Art 9o, caput, da Instrução CVM n° 476/2009.
prestadas, pela adequação do investimento ao perfil do investidor, bem
como pela guarda, pelo prazo de 5 (cinco) anos, de todos os docu-
mentos relativos à oferta105.
Os investidores qualificados, que adquirirem ou subscreverem
valores mobiliários ofertados com esforços restritos, ficam sujeitos a
um período de restrição de negociação ilock up) de 90 (noventa) dias,
contado da data da subscrição ou aquisição106. Após esse período, os
valores mobiliários poderão ser negociados nos mercados de balcão
organizado e não organizado, mas não em Bolsa de Valores, exceto se
o emissor possuir registro na Comissão de Valores Mobiliários. No
caso de cotas de fundos de investimento, a negociação nesses merca-
dos (balcão organizado e não organizado) será admitida se os fundos
estiverem registrados para funcionamento junto à Comissão de Va-
lores Mobiliários 107 .
Assim, a inexigibilidade do registro do emissor permite que emis-
sores não registrados como companhias abertas — tais como sociedades
anônimas fechadas e sociedades limitadas - utilizem o instrumento.
Podem ser objeto de uma oferta com esforços restritos, por exemplo,
notas promissórias emitidas por uma sociedade limitada e debêntures
emitidas por sociedade anônima fechada.

REGISTRO DA OFERTA PÚBLICA DE D I S T R I B U I Ç Ã O DE VALORES MOBILIÁRIOS

Além do registro de companhia aberta, faz-se necessária, para


que se possa promover a oferta pública de distribuição - ressalvados
os casos de dispensa de registro e de oferta pública com esforços res-
tritos - a obtenção do registro da oferta propriamente dita.
O registro da oferta compreende informações específicas sobre
os valores mobiliários publicamente distribuídos e sobre a oferta pú-

105 Sobre os deveres do intermediário líder da oferta, ver o art. 11 da Inslrução CVM n° 476/2009.
106 Art. 13 da Instrução CVM n° 476/2009.
107 Art. 14 da Instrução C V M n° 476/2009.
blica e é expressamente previsto em lei, estando, ademais, detalhada-
mente disciplinado por atos normativos da Comissão de Valores
Mobiliários 108 .
O pedido de registro de oferta pública de distribuição de valores
mobiliários deve ser apresentado pelo ofertante emissor em conjunto
com a instituição financeira intermediária da oferta109. Dentre os do-
cumentos que devem obrigatoriamente instruir o pedido de registro,
merece destaque o prospecto da distribuição pública, o qual constitui
o principal documento de caráter informativo a ser fornecido pela
companhia110-111.
Considerando-se, por um lado, a importância de que o prospecto
seja levado ao conhecimento dos investidores antes da tomada de

108 O art. 19, caput, da Lei n° 6.385/1976, determina que "nenhuma emissão pública de
valores mobiliários será distribuída no mercado sem prévio registro na Comissão". Ver, tam-
bém, art 4 o , § 2°, da Lei das S.A., bem como a Instrução C V M n° 400/2003, alterada pelas
Instruções C V M n ra 429/2006, 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 488/2010.
109 N E L S O N E I Z I R I K , A R 1 Á D N A B. G A A L , F L Á V I A P A R E N T E e M A R C U S D E FREITAS
HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime jurídico ..., p. 152-160. Tal pedido deverá
estar instruído com os documentos e as informações constantes do Anexo II à Instrução
C V M n° 400/2003, com as alterações introduzidas pela Instrução C V M n° 429/2006.
110 Tal documento, nos termos dos arts. 38 e 39 da Instrução C V M n° 400/2003, com as
alterações introduzidas pela Instrução C V M n° 482/2010, deve conter informação "com-
pleta, precisa, verdadeira, atual, clara, objetiva e necessária, em linguagem acessível, de modo
que os investidores possam formar criteriosamente a sua decisão de investimento" a respeito
(i) da oferta; (ii) dos valores mobiliários objeto da oferta e dos direitos que lhe são
inerentes; (iii) do ofertante; (iv) da companhia emissora e sua situação patrimonial, econô-
mica e financeira; (v) de terceiros garantidores de obrigações relacionadas com valores
mobiliários objeto da oferta; e (vi) de terceiros que venham a ser destinatários dos recursos
captados com a oferta. Outros detalhes a serem trazidos ao conhecimento do público por
meio do prospecto estão previstos no Anexo III da referida Instrução C V M n° 400/2003,
com a alteração introduzida pela Instrução C V M n° 482/2010. O prospecto não pode
omitir dados relevantes nem incluir informações que possam induzir a erro, devendo estar
redigido de maneira clara e precisa.
111 Note que, com as alterações introduzidas pela Instrução C V M n° 482/2010 à Instrução
C V M n° 400/2003, todas as informações sobre a emissora passaram a constar apenas do
Formulário de Referência, o qual deve ser periodicamente atualizado pelas companhias. O
Prospecto deve conter apenas informações sobre os valores mobiliários ofertados e as
características e condições da oferta. O Formulário de Referência substituiu, assim, todas as
seções do Prospecto que continham informações sobre a emissora, devendo ser incorpora-
do ao Prospecto, fisicamente ou por referência ao endereço eletrônico em que pode ser
encontrado. A única exceção é o "Sumário do Emissor", que passou a ser facultativo e, se
incluído no Prospecto, deverá: (i) ter no máximo 15 (quinze) páginas; (ii) ser consistente
com o Formulário de Referência; (iii) informar, com destaque, que as informações comple-
tas sobre a emissora estão no Formulário de Referência; e (v) indicar os 5 (cinco) principais
fatores de risco relativos à emissora.
decisão quanto à compra dos valores mobiliários ofertados, e, por ou-
tro, o fato de que a regulamentação vigente não proíbe a existência de
esforço de vendas antes da concessão do registro pela Comissão de
Valores Mobiliários, essa Autarquia autoriza a utilização, pelo ofer-
tante, do chamado prospecto preliminar112.
As informações constantes do prospecto preliminar, por ainda
não terem sido analisadas pela Comissão de Valores Mobiliários, su-
jeitam-se à complementação e correção, devendo esta possibilidade
ser expressamente informada aos potenciais investidores.
Os investidores poderão efetuar reservas de subscrição ou aqui-
sição com base no prospecto preliminar, as quais somente serão con-
firmadas após o registro da oferta, quando o prospecto definitivo deve
ser disponibilizado aos investidores.
Outro documento que deve ser submetido pelo ofertante com o
pedido de registro de oferta pública, em determinadas situações espe-
cíficas, é o chamado estudo de viabilidade econômica113-114. A exi-
gência de apresentação desse estudo está motivada pela obtenção de
informações mais aprofundadas de companhias cuja atuação ainda

112 Art. 46 da Instrução C V M n° 400/2003, c o m as alterações introduzidas pela Instrução


C V M n° 482/2010.
113 O art. 32 da Instrução C V M n° 400/2003, com a redação dada pela Instrução C V M n° 482/
2010, estabelece que "o pedido de registro de oferta pública de distribuição de valores
mobiliários deve ser instruído com estudo de viabilidade econômico-financeira da emissora
quando: I - a oferta tenha por objeto a constituição da emissora; II-a emissora esteja em fase
prê-operacional; ou III - os recursos captados na oferta sejam preponderantemente destina-
dos a investimentos em atividades ainda não desenvolvidas pela emissora".
114 A CVM, em decisão proferida em 2006, entendeu que, a despeito de o estudo de viabilidade
econômica ser facultativo em alguns casos, ele deve ser apresentado caso tenha sido produ-
zido. No julgamento do Processo Administrativo Sancionador C V M n° 2005/6924, Rei.
Marcelo Trindade, j. em 31.10.2006, em que se apurou a distribuição dos títulos em
condições diversas das constantes do registro de sua emissão perante a CVM, 2 (dois)
documentos, que só viriam a público depois da emissão, não foram divulgados aos possíveis
investidores durante o processo de subscrição, quais sejam, um Protocolo de Intenções
firmado entre a companhia emissora e a instituição financeira intermediária, e um relatório de
análise econômico-financeira elaborado por analistas do mercado de capitais do banco
intermediário em favor do ofertante. Decidiu o Colegiado que haveria, no caso, a obrigação
de apresentar o relatório ã C V M e incorporá-lo às informações púb/icas, uma vez que,
embora não fosse necessário preparar um estudo como condição para o registro, seu encami-
nhamento seria obrigatório, caso a instituição líder viesse a elaborá-lo, persistindo a
obrigatoriedade da apresentação durante todo o prazo de distribuição.
não esteja consolidada no mercado, nas quais o preço de emissão das
ações se baseie em projeções empresariais, ou que estejam captando
recursos para investimentos que realizarão em empresas controladas
ou coligadas115.
Qual o alcance do poder da Comissão de Valores Mobiliários de
aprovar ou desaprovar as ofertas públicas de valores mobiliários?
Em regra, não se atribui ao Estado o poder de aprovar ou desa-
provar uma oferta pública de títulos por razões de conveniência ou
oportunidade. Assim, praticamente inexistem casos em que o Estado
escolhe as empresas que podem distribuir publicamente valores mo-
biliários, exercendo, portanto, uma análise do mérito do investimento
proposto ao público116.
Isso se justifica por algumas razões básicas. Em primeiro lugar,
considera-se que não cabe ao Estado substituir os investidores na
análise de qualidade das empresas e dos títulos ofertados. Com efeito,
não há porque se presumir que o funcionário público melhor poderia
aquilatar o mérito de determinado investimento do que o investidor
de mercado. Em segundo lugar, razões de ordem prática normalmen-
te impõem às agências reguladoras tal política, uma vez que assumir o
encargo de julgar o mérito da distribuição pode ter como conseqüên-
cia sua responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos pelos investido-
res no caso de insucesso do empreendimento.
O exame do mérito da oferta cabe unicamente aos investidores
do mercado e o registro das distribuições apenas garante que as infor-
mações exigidas foram prestadas, encontrando-se à sua disposição.
Assim, a atuação estatal volta-se exclusivamente para propiciar a to-
dos os investidores igual acesso às informações materialmente rele-
vantes, cabendo-lhes o julgamento sobre o mérito da distribuição.

115 Os arts. 8 o a 10 da Instrução C V M n° 400/2003 tratam dos procedimentos inerentes ã


análise dos documentos apresentados à CVM.
116 N E L S O N EIZ1RIK, A R I Á D N A B. G A A L , F L Á V I A PARENTE e M A R C U S DE FREITAS
HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico ..., p. 156-157.
Nos termos da legislação vigente, não compete ã Comissão de
Valores Mobiliários realizar qualquer exame sobre a qualidade dos
títulos ofertados, sobre a empresa emissora, ou mesmo sobre a con-
veniência do momento escolhido para a realização da oferta pública.
A única hipótese prevista na Lei das S.A. de exame substantivo
por parte da Comissão de Valores Mobiliários é aquela, de rara ocor-
rência na prática, referente à constituição da companhia por subscri-
ção pública (artigo 82)117. Em tal caso, cabe à companhia instruir o
pedido de registro da distribuição com estudo de viabilidade econô-
mica e financeira do empreendimento, podendo a Comissão de Va-
lores Mobiliários denegá-lo por considerar dito empreendimento
inviável ou temerário, ou inidôneos seus fundadores 118 . Justifica-se
em tal situação uma análise econômica da Autarquia, pois a oferta
pública é realizada para a constituição da empresa, havendo mais ris-
cos envolvidos no empreendimento, e inexistindo, ademais, informa-
ções já divulgadas sobre a performance da companhia, até então
inexistente.
Já no caso de aumento de capital por emissão pública de ações,
não cabe à Comissão de Valores Mobiliários a análise da viabilidade
econômico-financeira do empreendimento (artigo 170, §§ 5 o e 6 o ),
não podendo ela indeferir o pedido de registro da distribuição por
considerá-la inviável, temerária ou mesmo inoportuna.
Na oferta pública de valores mobiliários de companhia já constituída,
a Comissão de Valores Mobiliários somente pode indeferir o pedido de
registro em 2 (duas) hipóteses: (i) se a companhia não apresentar as
informações consideradas necessárias à avaliação, pelos investidores, do
mérito do empreendimento, e previstas na regulamentação administrativa,

O art. 16, inciso I, da Instrução C V M n° 400/2003, determina que o pedido de registro


poderá ser indeferido nas seguintes hipóteses: "! - por inviabilidade ou temeridade do
empreendimento ou inidoneidade dos fundadores, quando se tratar de constituição de
companhia, ou II - quando não forem cumpridas as exigências formuladas pela CVM, nos
prazos previstos nesta Instrução".
Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 82 da Lei das S.A.
ou apresentá-las de maneira incompleta ou insatisfatória119; ou (ii) se o
estatuto apresentai- irregularidades, ou os atos societários que precederam
à emissão pública (convocação e realização da assembleia geral, por
exemplo) forem ilegais ou viciados, caso em que o deferimento do pedido
de registro da distribuição pode ser condicionado ao atendimento das
exigências formuladas pela Comissão de Valores Mobiliários, inclusive
quanto às modificações necessárias no estatuto social, visando à adequá-
-lo à legislação (artigo 170, § 6o, c/c artigo 82, § 2o).
O ato da Comissão de Valores Mobiliários de aprovar ou desa-
provar o pedido de registro de oferta pública de valores mobiliários é
vinculado, uma vez que a lei e a regulamentação administrativa esta-
belecem os requisitos e as condições de sua prática. Não há poder
discricionário da Comissão de Valores Mobiliários, ou seja, ela não
pode indeferir o pedido de registro de distribuição por razões de con-
veniência ou de oportunidade120. O deferimento do pedido de regis-
tro pela Autarquia não importa, por sua vez, a chancela estatal quanto
à qualidade da companhia ou dos valores mobiliários por ela ofereci-
dos ao público ou quanto à veracidade das informações prestadas121.
CLASSIFICAÇÃO DAS C O M P A N H I A S A B E R T A S EM DIFERENTES C A T E G O R I A S

O § 3 o do artigo 4 o , acrescentado pela Lei n° 10.303/2001, per-


mite à Comissão de Valores Mobiliários classificar as companhias
abertas em categorias, segundo as espécies e classes dos valores mo-
biliários por elas emitidos e negociados publicamente, especificando
as normas sobre companhias abertas aplicáveis a cada categoria.

119 Nos lermos do arL 19, § 6o, da Lei n° 6.385/1976, a C V M deve subordinar o registro de
distribuição ã divulgação das informações' necessárias à proteção dos investidores, tal
como exigidas pela regulamentação administrativa.
120 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos de Direito Societário ..., p. 11-12.
121 Nesse sentido, o Anexo Iii à Instrução C V M n° 400/2003, com a alteração introduzida pela
Instrução CVM n° 482/2010, determina que o prospecto da oferta pública deve expressa-
mente informar que o registro da distribuição não implica, por parle da CVM, garantia de
veracidade das informações prestadas ou um julgamento da qualidade da companhia
emissora ou dos valores mobiliários a serem distribuídos.
Com a entrada em vigor da Lei n° 6.404/1976, todas as compa-
nhias abertas passaram a ser submetidas a um mesmo tratamento
legal e regulamentar, independentemente dos valores mobiliários de
sua emissão que estavam sendo objeto de distribuição no mercado de
valores mobiliários.
No entanto, tal disciplina, uniforme para todas as companhias
abertas, revelou-se, depois de algum tempo, inadequada, por 2 (duas)
razões básicas: não se compatibilizavam as normas regulamentares,
particularmente as referentes à divulgação de informações, com as
reais necessidades dos investidores, que variam em função das dife-
rentes espécies de valores mobiliários; e, assim, custos desnecessários
eram impostos às companhias emissoras.
A regulação do mercado de capitais, particularmente no que se
refere às exigências de disclosure, deve visar a um nível ótimo, que
significa maior proteção possível aos'investidores ao menor custo para
as emissoras de valores mobiliários; dada a competição para a capta-
ção de recursos, em escala global, verifica-se crescente tendência no
sentido da redução dos custos da regulação122.
Com a edição da Lei n° 10.303/2001, admitiu-se a existência de
níveis diferenciados de regulação entre as companhias abertas. Como
a norma do § 3 o do artigo 4 o não é auto-executável, a Comissão de
Valores Mobiliários editou ato normativo por meio do qual estabele-
ceu 2 (duas) categorias de emissores de valores mobiliários, quais se-
jam: (i) categoria A, na qual admite-se a negociação de quaisquer
valores mobiliários em mercados; e (ii) categoria B, que autoriza a
negociação de valores mobiliários em mercados regulamentados, ex-
ceto os seguintes: a) ações e certificados de depósito de ações; ou b)
valores mobiliários que confiram ao titular o direito de adquirir os
títulos mencionados na alínea "a", em conseqüência de sua conver-

PAUL G. M A H O N E Y . Technology, Property Rights in Information, and Securities Regulation.


Washington: Washington University Law Quartely, v. 75, 1997, p. 815.
são ou do exercício dos direitos que lhes são inerentes, desde que
emitidos pelo próprio emissor das ações ou certificado de depósito de
ação ou por sociedade pertencente ao grudo do referido emissor123-124.
A partir de I o de janeiro de 2011, tanto os emissores registrados
na categoria A como os registrados na categoria B devem enviar à
Comissão de Valores Mobiliários as informações periódicas e even-
tuais, de acordo com as regras estabelecidas por essa Autarquia. Os
emissores registrados na categoria A, além da obrigatoriedade, tam-
bém imposta aos emissores da categoria B, de colocar e manter, em
sua sede, as informações periódicas e eventuais à disposição dos in-
vestidores pelo prazo de 3 (três) anos, são obrigados a colocar e a
manter essas informações em sua página na rede mundial de compu-
tadores, também pelo prazo de 3 (três) anos, contado da data da di-
vulgação 125 . Tendo em vista que todas as informações já são
disponibilizadas no site da Comissão de Valores Mobiliários, esse dever
tem por fim apenas facilitar o acesso do investidor às informações
periódicas e eventuais.
O emissor pode solicitar a conversão de uma categoria de regis-
tro em outra, ocasião em que deverá tomar todas as precauções e
medidas necessárias para que a conversão ocorra de forma transpa-
rente e organizada e sem causar interrupções nas negociações com os
valores mobiliários atingidos. O pedido de conversão da categoria B
para a categoria A deve ser instruído com os documentos referentes à
categoria A 126 . O pedido de conversão da categoria A para a categoria
B fica condicionado ao atendimento do requisito para cancelamento
de registro, nos termos das normas específicas sobre esse assunto

123 Art. 2° da Instrução CVM n° 480/201 D.


124 Em janeiro de 2010, a CVM, por meio do edital de 06.01.2010, divulgou uma relação com
a classificação dos emissores que obtiveram registro antes da entrada em vigor da Instrução
CVM n° 480/2010.
125 Art. 13, caput e §§ I o e 2 o , c/c art. 66 da Instrução CVM n° 480/2010.
126 Sobre os documentos referentes à categoria A, ver o Anexo 3 da Instrução CVM n° 480/
2009. Ver, também, o art. 9° da Instrução CVM n° 480/2009.
emitidas pela Comissão de Valores Mobiliários 127 . Tanto na hipótese
de conversão da categoria A para a categoria B como desta para a
categoria A, deverá ser apresenta a cópia do ato societário que delibe-
rou a conversão128.
Caso a companhia seja classificada na categoria B, o cancelamento
de seu registro está condicionado à comprovação das seguintes
condições: (i) inexistência de valores mobiliários em circulação; (ii)
resgate dos valores mobiliários em circulação; (iii) vencimento do prazo
para pagamento dos valores mobiliários em circulação; (iv) anuência de
todos os titulares dos valores mobiliários em circulação em relação ao
cancelamento do registro; ou (v) qualquer combinação das hipóteses
indicadas nas alíneas anteriores, desde que alcançada a totalidade dos
valores mobiliários129.
O cancelamento de registro na categoria A só será deferido mediante
a comprovação de que: (i) as condições constantes das alíneas "(i)" a
"(iv)" acima, referentes à categoria B, foram observadas em relação a
todos os valores mobiliários, exceto ações e certificados de depósito de
ações, que tenham sido distribuídos publicamente ou admitidos à
negociação em mercados regulamentados de valores mobiliários; e (ii)
foram atendidos os requisitos da oferta pública de aquisição de ações
para cancelamento de registro para negociação de ações no mercado130.

A NECESSIDADE DE ATUAÇÃO DOS UNDERWRITERS

A Lei das S.A. determina que a emissão pública de valores mo-


biliários deve ser necessariamente realizada com a intermediação de
instituição financeira (artigo 82 c/c artigo 170, § 5 o ). Estão habilita-

127 Art. 10 c/c art. 48 da Instrução C V M n° 480/2009.


128 Art. 9o e parágrafo único do art. 10 da Instrução C V M n° 480/2009.
129 Art. 47 da Instrução C V M n° 480/2010. Consta do § I o desse dispositivo que, caso ocorram
as hipóteses de resgate ou vencimento do prazo para pagamento dos valores mobiliários
em circulação, "sem que tenha sido paga a totalidade dos investidores, o emissor deverá
depositar o valor devido em banco comercial e deixá-lo à disposição dos investidores".
Art. 16 da Instrução C V M n° 361/2002, com as alterações introduzidas pela Instrução
CVM n° 487/2010.
das a atuar como underwriters as instituições financeiras integrantes
do sistema de distribuição de valores mobiliários, a saber: os bancos
de investimento; os bancos múltiplos com carteira de investimentos;
as sociedades corretoras; e as sociedades distribuidoras de títulos e
valores mobiliários131-132.
O contrato de underwriting pode ser firmado com uma ou com várias
instituições financeiras. Nessa última hipótese, caracteriza-se o consórcio
de underwriters, aplicando-se, consequentemente, as disposições constantes
dos artigos 278 e 279133. Há 3 (três) modalidades de underwriting, tendo
em-vista as obrigações assumidas pela instituição financeira: (i) firme; (ii)
com garantia de sobras; e (iii) de melhor esforço. No underwriting firme
ou com garantia de subscrição total, a instituição financeira compromete-
-se a subscrever todos os vaLores mobiliários emitidos pela companhia para,
posteriormente, vendê-los ao público; no caso, o underwriter assume o
risco integral da colocação, ou seja, subscreve os títulos, paga à companhia
o seu valor e depois passa a colocá-los no mercado. No underwriting com
garantia de sobras, a instituiçãofinanceiraassume a obrigação de subscrever
as sobras, após a colocação dos títulos no mercado. O underwriter realiza
um esforço de venda dos papéis, subscrevendo, posteriormente, aqueles
que não foram adquiridos pelo público. Já no underwriting de melhor
esforço, a instituiçãofinanceiranão garante a subscrição dos títulos emitidos
pela companhia; compromete-se apenas a realizar seus melhores esforços
para vender os papéis junto ao público, não tendo a obrigação de adquiri-
-los no caso de insucesso da colocação134.

131 Arts. 15 e 19, § 4 o , da Lei n° 6.385/1976 e art. 3 o , § 2°, da Instrução C V M n° 400/2003, com
a redação dada pela Instrução C V M n° 482/2010.
132 A distribuição pública de valores mobiliários sem a intermediação de instituição financeira
é considerada infração grave, de acordo com o art. 59, inciso III, da Instrução C V M n° 400/
2003, com as alterações introduzidas pelas Instruções C V M n1* 429/2006, 442/2006, 472/
2008, 482/2010 e 488/2010.
133 A respeito do consórcio de underwriters, ver os arts. 34 e 36 da Instrução C V M n° 400/
2003, com as alterações introduzidas pelas Instruções C V M n™. 429/2006, 442/2006, 472/
2008, 482/2010 e 488/2010.
134 Sobre underwriting, ver NELSON EIZIRIK, A R I Á D N A B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS
DE FREITAS HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico ..., p. 163-187.
A C O N S U L T A S O B R E A V I A B I L I D A D E DA O F E R T A E A C O L E T A DE I N T E N Ç Õ E S
DE INVESTIMENTO (BOOKBUILDINC)

Os procedimentos de consulta sobre a viabilidade de oferta a


potenciais investidores e de coletas de intenções de investimento con-
tribuem para a redução dos riscos existentes em toda oferta pública de
valores mobiliários, uma vez que permitem aferir a potencial deman-
da existente dos investidores e compatibilizar o preço e as condições
de remuneração dos títulos à situação do mercado 135 .
A Comissão de Valores Mobiliários permite a consulta a poten-
ciais investidores pelo ofertante e pela instituição líder da oferta para
apurar o interesse do mercado; no entanto, determina que ela não
poderá exceder de 50 (cinqüenta) investidores e deverá ter critérios
razoáveis para o controle da confidencialidade e do sigilo sobre a exis-
tência da oferta até a sua ampla e regular divulgação ao mercado 136 .
A consulta a potenciais investidores não poderá vincular as par-
tes, sob pena de caracterizar distribuição irregular de valores mobiliá-
rios, sendo vedada a realização ou aceitação de ofertas, bem como o
pagamento ou o recebimento de quaisquer valores, bens ou direitos
de parte a parte137.
A consulta destina-se apenas a auxiliar o ofertante e o coordena-
dor líder a analisarem a viabilidade da oferta, não se confundindo
com o processo de bookbuilding., que tem por finalidade servir de base
para a fixação do preço da oferta.
O bookbuilding constitui um sistema de aferição de interesse dos
potenciais compradores dos títulos, mediante a coleta de intenções de

135 Sobre os riscos do processo de oferta pública, ver N E L S O N EIZIRIK, "Negócio Jurídico de
Underwriting - Questões Contemporâneas". In: Ecio Perin Júnior, Daniel Kalansky e Luiz
Peyser (Coord.). Direito Empresarial. Aspectos Atuais de Direito Empresarial Brasileiro e
Comparado. São Paulo: Método, 2005, p. 249-263.
13 6 Art. 43, caput e § 2°, da Instrução C V M n° 400/2003, com a redação que lhe foi dada pela
Instrução C V M n° 482/2010.
137 Art. 43, § I o , da Instrução C V M n° 400/2003.
investimento, com ou sem o recebimento de reservas, a partir da
divulgação do prospecto preliminar e do protocolo do pedido de registro
de distribuição junto ã Comissão de Valores Mobiliários138. Por meio
do referido procedimento, os underwriters buscam identificar a demanda
pelostítulos,aferindo o interesse do mercado pela nova emissão mediante
as diversas propostas de compra recebidas dos potenciais destinatários139.
De posse de tais informações, os underwriters, em conjunto com a
companhia emissora, fixam o preço de lançamento das ações140.
O valor apurado no procedimento de bookbuilding vem sendo
considerado, na prática, como indicativo do preço de mercado para as
ações que ainda não são negociadas no mercado secundário, razão
pela qual a fixação do preço de emissão das ações com base em tal
procedimento atenderia ao disposto no artigo 170, § I o . A adequação
do valor apurado no procedimento de bookbuilding ao critério estabe-
lecido no inciso III do artigo 170 - cotação das ações em Bolsa de
Valores ou no mercado de balcão organizado — constitui uma presun-
ção relativa, podendo ser elidida mediante prova em contrário. Ape-
sar do bookbuilding fundamentar-se nas intenções de investimento
apresentadas pelos investidores consultados pelo coordenador líder,
este dispõe de ampla discricionariedade no momento de escolher as
propostas que serão levadas em consideração para a fixação do preço
final, uma vez que a regulação vigente não determina os critérios que
deverão orientar tal decisão.
Diante da falta de parâmetros legais ou regulamentares, pode ocorrer
a manipulação do procedimento de bookbuilding por parte do
underwriter. E possível que o processo de bookbuilding conduza à fixação

138 Art. 44, capul, da instrução C V M n° 400/2003.


139 HUBERT DE VAUPLANE e JEAN-PIERRE BORNET. Droit de Ia Bourse. Paris: Litec, 1994,
p. 230.
Ver a Instrução C V M n° 400/2003, alterada pelas Instruções C V M n " 429/2006, 442/
2006, 472/2008, 482/2010 e 488/2010. Sobre esse assunto, ver, também, N E L S O N EIZIRIK,
A R I Á D N A B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e M A R C U S DE FREITAS HENRIQUES. Mercado de
Capitais - Regime Jurídico ..., p. 187-190.
de um preço subvalorizado dos valores mobiliários emitidos em uma
oferta pública primária ( u n d e r p r i c i n g ) , favorecendo o underwriter e seus
clientes e, em contrapartida, prejudicando os interesses da companhia
emissora e de seus acionistas, que, em tese, poderiam arrecadar um maior
volume de recursos na oferta pública.
Assim, a Comissão de Valores Mobiliários deve exigir ampla
transparência do coordenador líder na utilização do processo de
bookbuilding, a fim de evitar que este possa ser eventualmente
manipulado. A seleção das propostas deve ser realizada a partir de critérios
de qualidade e de estabilidade do investimento, para assegurar uma
evolução equilibrada da cotação do papel na fase posterior à oferta141-142.
A s OFERTAS PÚBLICAS OBRIGATÓRIAS DO ARTIGO 4 O

A oferta pública de aquisição de ações, conhecida no mercado


pela sigla OPA, constitui uma declaração unilateral de vontade por
meio da qual o proponente manifesta, por determinado prazo, seu
compromisso de adquirir um bloco de ações a um preço determinado
e segundo cláusulas e condições previamente estabelecidas143.
O procedimento da OPA visa a assegurar que qualquer pessoa
que pretenda ou esteja obrigada a adquirir quantidade substancial de
ações emitidas por uma companhia aberta somente possa fazê-lo caso
ofereça a todos os acionistas titulares de ações da mesma espécie e
classe a oportunidade de venderem as suas ações144.

141 A L E J A N D R O F E R N A N D E S D E A R A O Z , "Deberes de La Entidad Directora". In: Fernando


Sánchez Calero (Org.). Régimen Jurídico de Ias Emisiones y Ofertas Públicas de Venta
(OPVs) de Valores. Madrid: Centro de Documentácion Bancaria y Bursatil, 1995, p. S55.
142 N E L S O N E I Z I R I K , A R I Á D N A B. C A A L , F L Á V I A P A R E N T E e M A R C U S D E F R E I T A S
H E N R I Q U E S . Mercado de Capitais - Regime Jurídico ..., p. 187-190.
1 43 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Oferta Pública de Aquisição de Ações. Rio de Janeiro: IBMEC,
1979, p. 24.
1 44 Nesse sentido, o art. 4 o , incisos I e II, da Instrução C V M n° 361/2002, com a redação dada
pela Instrução C V M n° 487/2010, expressamente estabelece que "a OPA será sempre
dirigida indistintamente aos titulares de ações da mesma espécie e classe daquelas que sejam
objeto da OPA, assegurado o rateio entre os aceitantes de OPA parcial", bem como será
realizada de maneira a assegurar tratamento equitativo aos destinatários, permitir-lhes a
O artigo 4 o , com a nova redação que lhe foi dada pela Lei n°
10.303/2001, disciplinou 2 (duas) situações em que é obrigatória a
realização da OPA: (i) o cancelamento de registro de companhia aber-
ta (artigo 4 o , § 4 o ); e (ii) o aumento da participação do acionista con-
trolador de companhia aberta que impeça a liquidez de mercado das
ações remanescentes (artigo 4 o , § 6 o ).
Todas as modalidades de OPA, sejam elas obrigatórias ou volun-
tárias, estejam ou não sujeitas a prévio registro na Comissão de Valo-
res Mobiliários, devem observar, naquilo que lhes for aplicável, o
procedimento geral por ela estabelecido 145 , além de se submeterem a
requisitos e procedimentos adicionais, previstos na lei e na regula-
mentação administrativa editada pela Comissão 1 4 6 .

1 - O P A PARA C A N C E L A M E N T O DE R E G I S T R O DE C O M P A N H I A A B E R T A

O cancelamento de registro de companhia aberta está disciplina-


do no artigo 4 o , §§ 4 o e 5 o e artigo 4 o -A. O cancelamento de registro,
também denominado, na terminologia do mercado, de "fechamento
de capital", constitui o procedimento mediante o qual uma companhia
aberta torna-se fechada, inviabilizando a negociação dos valores mobi-
liários de sua emissão em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão.
A decisão sobre a abertura ou fechamento de capital de uma
companhia é de caráter eminentemente privado, cabendo unicamen-
te aos seus acionistas decidir sobre a matéria.
A condição de companhia aberta implica uma série de custos
para a companhia, como, por exemplo, a contratação de auditoria in-
dependente, a publicação e divulgação de fatos relevantes, comunica-

adequada informação quanto à companhia objeto e ao ofertante, e dotá-los dos elementos


necessários à tomada de uma decisão refletida e independente quanto à aceitação da
OPA".
Instrução C V M n° 361/2002, com as alterações introduzidas pelas Instruções C V M n" 436/
2006, 430/2009, 487/2010 e 492/2011.
Para uma análise detalhada dos procedimentos gerais aplicáveis à OPA, ver N E L S O N
EIZIRIK, A R I Á D N A B. G A A L , FLAVIA PARENTE e M A R C U S DE FREITAS H E N R I Q U E S .
Mercado de Capitais - Regime Jurídico ..., p. 551-563.
dos e outras informações aos acionistas e ao mercado, a manutenção
de um departamento de relações com investidores, o pagamento das
taxas e emolumentos cobrados pela Comissão de Valores Mobiliários
e pela Bolsa de Valores, etc.
D a ponderação de fatores acima elencados decorre a decisão
empresarial de abertura ou fechamento do capital da companhia, não
cabendo à Comissão de Valores Mobiliários intervir ou opinar sobre
o mérito desta decisão.
Até o advento da L e i n° 10.303/2001, os procedimentos exigi-
dos para a realização da operação de fechamento de capital não esta-
vam disciplinados em lei, mas apenas em atos normativos expedidos
pela Comissão de Valores Mobiliários, que visavam à tutela dos inte-
resses dos acionistas minoritários.
Para que o acionista minoritário não fosse compelido a se man-
ter acionista de uma companhia fechada, procurou-se assegurar-lhe a
possibilidade de alienar suas ações por ocasião do fechamento de ca-
pital por valor conveniente, bem como o direito de evitar o cancela-
mento de registro de companhia aberta, caso os acionistas contrários
a tal medida representassem u m a parcela substancial das ações em
circulação no mercado 1 4 7 .
As Instruções editadas pela Comissão de Valores Mobiliários sem-
pre estabeleceram o princípio de que, para que o registro de companhia
aberta fosse cancelado, o acionista controlador deveria promover oferta
pública para a aquisição das ações em circulação no mercado, que deve-
ria ser aceita por percentual relevante dos acionistas minoritários. Justi-
fica-se a obrigatoriedade da O P A , pois, no fechamento de capital, os
acionistas minoritários são alijados do processo de crescimento e ex-
pansão da companhia ou perdem a liquidez de suas ações 148 .

Nota Explicativa C V M n° 08/1978.


C A R L O S A U G U S T O J U N Q U E I R A D E S I Q U E I R A . Fechamento do Capital Social - Oferta
Publica de Aquisição de Ações e Outras Modalidades. Ribeirão Preto: Migalhas, 2010,
Tal princípio foi mantido pela Lei n° 10.303/2001, que incluiu,
no artigo 4 o , dispositivo condicionando expressamente o cancelamento
de registro de companhia aberta à prévia realização de oferta pública
para a aquisição da totalidade das ações em circulação no mercado.
O dispositivo, ademais, admite que a oferta pública para fechar o
capital seja promovida pela própria companhia aberta. Esta possibilida-
de constitui inovação em relação ao sistema anterior, visto que todas as
Instruções até então editadas pela Comissão de Valores Mobiliários
eram expressas no sentido de que a oferta pública deveria ser promovi-
da pelo acionista controlador, o qual estava, inclusive, proibido de re-
passar os custos da oferta para a companhia.
A autorização legal para que a companhia promova oferta públi-
ca de cancelamento de seu registro deve ser interpretada em conso-
nância com o princípio da integridade do capital social; assim, a
aquisição de ações de própria emissão está condicionada à existência
de lucros ou reservas disponíveis.
A companhia emissora somente poderá promover a oferta pú-
blica de fechamento de capital caso o valor total das ações a serem
adquiridas não ultrapasse o saldo dos lucros ou reservas disponíveis e
não implique diminuição do valor do capital social, conforme pres-
creve o artigo 30, § I o , alínea "b" 149 - 150 .

p. 54 e seguintes; A L F R E D O LAMY FILHO. Temas de S.A. Rio de Janeiro: Renovar, 2007,


p. 219-221.
149 A C V M condicionou o registro da oferta pública promovida pela companhia emissora à
existência de lucros ou reservas disponíveis, tanto que o art. 20, inciso IV, da Instrução
C V M n° 361/2002/com a redação que lhe foi dada pela Instrução C V M n° 487/2010,
expressamente determina que deve constar do instrumento de O P A lançada pela compa-
nhia a "referência à existência das reservas exigidas por lei". Nos termos da Instrução C V M
n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções C V M n» 100/1989, 268/
1997 e 390/2003, consideram -se disponíveis todas as reservas de lucros ou de capital
com exceção das seguintes: (i) legal; (ii) de lucros a realizar; (iii) de reavaliação, (iv) de
correção monetária do capital realizado; e (v) especial de dividendo obrigatório não
distribuído (art. 7 o ).
150 M O D E S T O C A R V A L H O S A e N E L S O N EIZIRIK. A Nova Lei das S.A. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 60.
1 . 1 - NECESSIDADE DE ACEITAÇÃO DA OFERTA PÚBLICA POR MAIS DE 2 / 3
(DOIS TERÇOS) DAS AÇÕES EM CIRCULAÇÃO

Um dos objetivos essenciais das normas que regulam os proce-


dimentos de fechamento de capital, além de assegurar o direito de
saída, é o de conferir aos minoritários titulares de percentual relevan-
te das ações em circulação no mercado a possibilidade de impedir o
cancelamento de registro de companhia aberta.
A pessoa que investe em determinada companhia aberta tem a
expectativa de que os valores mobiliários adquiridos poderão ser, a
qualquer momento, negociados no mercado. Logo, seria extremamen-
te prejudicial ao próprio desenvolvimento do mercado de capitais se
tal expectativa pudesse ser frustrada por decisão discricionária dos
acionistas controladores ou dos administradores da companhia.
Assim, a Comissão de Valores Mobiliários só autoriza o cance-
lamento do registro para negociação de ações caso, na oferta pública,
formulada pelo acionista controlador ou pela própria companhia, se-
jam observados os seguintes requisitos: (i) preço justo, na forma esta-
belecida no § 4 o do artigo 4 o ; e (ii) aceitação da oferta ou manifestação
expressa de concordância com o cancelamento do registro por acio-
nistas titulares de mais de 2/3 (dois terços) das ações em circulação151.

Nos Lermos do inciso II do art. 16 da Instrução C V M n° 361/2002 consideram-se ações em


circulação, apenas as ações cujos titulares concordarem expressamente com o cancelamento
de registro ou se habilitarem para o leilão de O P A , na forma do art. 22. D e acordo com o
parágrafo único do art. 16, a verificação do atendimento ao requisito de que mais de 2/3 (dois
terços) das ações em circulação aceitaram a oferta ou concordaram com o fechamento de
capital não se faz exatamente sobre a totalidade das ações em circulação no mercado, mas
apenas sobre aquelas detidas pelos acionistas que se credenciarem para participar da oferta
pública. Logo, se o número de ações de propriedade dos acionistas aceitantes ou concordan-
tes for superior a 2/3 (dois terços) do total de ações de titularidade dos acionistas credenciados,
a C V M estará obrigada a cancelar o registro de companhia aberta. Caso contrário, a companhia
manter-se-á como companhia aberta. Note-se, no entanto, que esses acionistas que não
tenham se habilitado para participar do leilão da oferta pública poderão, ainda, exercer a
faculdade de alienar suas ações pelo mesmo preço do leilão, observando, para tanto, o prazo
de 3 (três) meses da data da realização do leilão, nos termos do art. 21, § 2 o , combinado com
o art. 10, § 2°, da Instrução C V M n° 361/2002, com a redação dada pela Instrução C V M n°
487/2010. Ver, também, N E L S O N EIZIRIK, A R I Á D N A B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e M A R C U S
D E FREITAS HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico ..., p. 559-560.
1 . 2 - CRITÉRIOS PARA D E T E R M I N A Ç Ã O D O P R E Ç O DA O F E R T A P Ú B L I C A

O legislador, ao editar a Lei n° 10.303/2001, que incluiu o novo


§ 4 o no artigo 4o, optou por não estabelecer um único critério aplicá-
vel a todas as companhias, mas por relacionar uma série de parâme-
tros que podem ser adotados, isolada ou cumulativamente, na fixação
do preço proposto para as ofertas públicas de cancelamento de regis-
tro de companhia aberta.
O que se exige é que o acionista controlador ou a própria compa-
nhia emissora, ao promoverem a oferta pública de cancelamento de
registro de companhia aberta, fundamentem o preço oferecido em
um dos parâmetros elencados no § 4 o . O preço deve ser ao menos
igual ao valor de avaliação da companhia, apurado com base nos cri-
térios adotados, de forma isolada ou combinada, de patrimônio líqui-
do contábil, de patrimônio líquido avaliado a preço de mercado, de
fluxo de caixa descontado, de comparação por múltiplos, de cotação
das ações no mercado de valores mobiliários - ou, ainda, em outro
critério eventualmente aceito pela Comissão de Valores Mobiliários.
O ofertante devefixaro valor proposto com base em laudo de avaliação
independente, permitindo que os destinatários da OPA tenham mais
elementos para auxiliá-los na tomada de decisão quanto à sua aceitação
ou não, bem como tornando mais fácil a possibilidade de os minoritários
descontentes eventualmente questionarem o valor proposto152.
O acionista controlador ou a companhia emissora, apesar de não
estarem vinculados a um único critério de avaliação, ao definirem o
preço da oferta pública, devem escolher o parâmetro mais compatível
com a situação da companhia e das ações de sua emissão. Assim, o
critério da "cotação das ações no mercado" será utilizado se as ações
forem dotadas de efetiva liquidez no mercado secundário; o critério

Sobre a competência da C V M para manifestar-se a respeito do laudo de avaliação, ver


C A R L O S A U G U S T O J U N Q U E I R A DE SIQUEIRA. Fechamento do Capital Social - Oferta
Pública de Aquisição de Ações e Outras Modalidades ..., p. 568 e seguintes.
de "comparação por múltiplos" não poderá ser usado se não houver
companhias que possam ser objeto de comparação; o critério de "flu-
xo de caixa descontado" não é adequado para empresas cíclicas, ou
que estejam envolvidas em processos de reestruturação 153 .
Para fundamentar o preço a ser oferecido aos acionistas minori-
tários, deve-se contratar a elaboração de laudo de avaliação das ações
objeto da oferta que contenha os critérios de avaliação e os métodos
de comparação adotados e indique o valor da companhia segundo o
critério escolhido para a definição do "preço justo" referido no § 4 o .
Dessa forma, o acionista controlador ou a companhia emissora,
ao proporem a realização da oferta pública para cancelamento de re-
gistro de companhia aberta, devem não apenas divulgar o preço que
se dispõem a pagar pelas ações dos acionistas minoritários, mas tam-
bém informar qual o parâmetro adotado para a definição do "preço
justo" de tais ações e, ainda, colocar à disposição dos interessados o
laudo de avaliação que fundamentou a fixação do referido preço 154 .

1 . 3 - A REVISÃO DO PREÇO DA OFERTA PÚBLICA

Quando o valor da oferta pública for fixado com base em um dos


parâmetros relacionados no § 4 o e fundamentado em laudo de avalia-
ção elaborado de acordo com as regras editadas pela Comissão de Va-
lores Mobiliários 1 5 5 , ela não poderá indeferir o registro da oferta de

!53 Sobre o conceito d e fluxo de c a i x a , ver J O S É L U I Z B U L H Õ E S P E D R E I R A . Finanças e


Demonstrações Financeiras da Companhia. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 513-526.
1 54 A C V M , no julgamento do Processo C V M n° RJ 2005/391 7, Rei. Pres. Marcelo Trindade, j.
em 06.12.2005, introduziu importante inovação na disciplina da O P A para cancelamento
de registro ao permitir que o ofertante praticasse preços diferenciados para as ações ordiná-
rias e as preferenciais. O Colegiado da C V M entendeu que o "preço justo" pode ser fixado
em valores diferentes de acordo com a classe ou espécie de ações, desde que a distinção
provenha de elementos objetivos ponderados no laudo de avaliação, como, por exemplo,
diferentes direitos patrimoniais atribuídos às classes de ações preferenciais ou a existência
de diferentes valores de cotações em Bolsa de Valores para as ações ordinárias e preferen-
ciais. O posicionamento manifestado pela C V M nesta decisão foi objeto de questionamento
pela doutrina. Ver, a respeito, C A R L O S A U G U S T O J U N Q U E I R A D E S I Q U E I R A , " D o i s
Preços?", Revista Capital Aberto. n° 35, julho, 2006, p. 60-61.
1
55 Art. 8 o da Instrução C V M n° 361/2002, com a redação dada pela Instrução C V M n° 487/2010.
fechamento de capital por entender que o critério adotado não é ade-
quado ou que o preço nao e justo
A Lei das S.A. não conferiu à Comissão de Valores Mobiliários
poderes para questionar o preço oferecido nas ofertas públicas de fe-
chamento de capital, mas apenas para obrigar o acionista controlador
a fundamentar o referido preço e a prestar todas as informações ne-
cessárias para que os acionistas minoritários tenham condições de
avaliar se ele é efetivamente "justo".
Os acionistas minoritários que sejam titulares de, no mínimo,
10% (dez por cento) das ações em circulação no mercado podem re-
querer a convocação de assembleia especial, a fim de deliberar sobre a
realização de uma segunda avaliação da companhia, por outro ou pelo
mesmo critério. Assim, tais acionistas podem obstaculizar a decisão
do acionista controlador de proceder ao fechamento de capital da
companhia. D e acordo com o § 2 o do artigo 4 o - A , consideram-se em
circulação no mercado todas as ações do capital da companhia, me-
nos as de propriedade do acionista controlador, de diretores, de con-
selheiros de administração e as em tesouraria 157 .
O requerimento para a convocação da assembleia especial de revi-
são deve ser apresentado no prazo de 15 (quinze) dias, contados da data
em que for publicado o fato relevante informando ao mercado que o
laudo de avaliação elaborado para fundamentar o valor da oferta públi-
ca encontra-se à disposição dos acionistas 158 . Tal requerimento sus-
pende o curso do processo de registro da O P A ou, já tendo sido este
concedido, o prazo de edital da OPA, adiando-se o respectivo leilão.

156 Sobre a revisão do preço da oferta pública, ver C A R L O S A U G U S T O J U N Q U E I R A DE


SIQUEIRA. Fechamento do Capital Social - Oferta Pública de Aquisição de Ações e Outras
Modalidades ..., p. 160 e seguintes.
157 A CVM, no art. 3 o , inciso III, da Instrução C V M n° 361/2002, estabelece que são conside-
radas em circulação no mercado todas as ações do capital da companhia, menos as de
propriedade do acionista controlador e de pessoas a ele vinculadas, as detidas pelos
administradores e as mantidas em tesouraria.
158 Art. 24, § I o , da Instrução C V M n° 361/2002.
O pedido de revisão do preço da oferta pública apresentado pelos
minoritários deve ser devidamente fundamentado. A fim de evitar
que o direito de requerer a revisão do preço transforme-se em instru-
mento de abuso das minorias, o § I o exige que seja ele acompanhado
de elementos de convicção que demonstrem a existência de falha ou
imprecisão no emprego da metodologia de cálculo ou no critério de
avaliação adotado. Na prática, é bastante remota a possibilidade de o
ofertante recusar-se a convocar a assembleia especial sob o argumen-
to de que o pedido não está devidamente fundamentado. A não ser
em casos extremos de abuso por parte dos minoritários, o ofertante
não terá interesse em questionar a regularidade da fundamentação do
pedido de convocação, pois isso fatalmente suspenderia, por prazo
indeterminado, o curso do processo de registro e realização da OPA.
Convocada a assembleia especial, os titulares de ações em circula-
ção no mercado, incluindo os detentores de ações sem direito a voto,
deverão deliberar, por maioria absoluta de votos dos presentes, conforme
determina o artigo 129, se rejeitam ou aprovam pedido de revisão do
preço oferecido pelo acionista controlador ou pela companhia emissora.
Caso seja aprovado o pedido de revisão, caberá à assembleia es-
pecial nomear a empresa especializada responsável pela elaboração
do novo laudo de avaliação das ações objeto da oferta pública, bem
como aprovar sua remuneração, e estabelecer o prazo, não superior a
30 (trinta) dias, para que ele seja concluído159.
Se o novo valor for inferior ou igual ao preço original da oferta
pública, esta poderá prosseguir de acordo com o preço inicialmente
proposto e os acionistas que requereram a realização da nova avalia-
ção e aqueles que votaram a seu favor deverão ressarcir a companhia
pelos custos incorridos, nos termos do disposto no artigo 4 o -A, § 3 o160 .

159
Art. 24, § 3 o , da Instrução C V M n° 361/2002.
De acordo com o § 7 o do art. 24 da Instrução C V M n° 361/2002, "a ata da assembleia
especial a que se refere este artigo indicará, necessariamente, o nome dos acionistas que
Se a nova avaliação resultar em valor superior ao originalmente ofe-
recido, não poderá prosseguir a oferta pública nas condições originais;
porém, o ofertante não terá a obrigação de adquirir as ações de emissão
da companhia por um preço superior ao que se dispusera a pagar.
Na hipótese acima, o ofertante deverá informar, mediante publi-
cação de fato relevante no prazo de 5 (cinco) dias, contados da apre-
sentação do laudo de revisão, se concorda em pagar o valor apurado
na nova avaliação ou se desiste da oferta pública e, consequentemen-
te, do fechamento de capital da companhia161.
1 . 4 - RESGATE DAS AÇÕES REMANESCENTES APÓS
o CANCELAMENTO DO REGISTRO

Uma das principais vantagens do procedimento de fechamento


de capital é a possibilidade de, após a realização da oferta pública e
uma vez cancelado o registro de companhia aberta, ser promovido o
resgate de ações que remanescerem em circulação, desde que tais ações
representem menos de 5% (cinco por cento) do total de ações emiti-
das pela companhia e que seja depositado, em favor dos seus titulares,
o valor praticado na oferta pública de cancelamento de registro, con-
forme determina o § 5o162.
No Direito Comparado, é bastante comum a existência de nor-
mas desse tipo ( c o m p u l s o r y buy out) nas diversas modalidades de OPA's,

votarem a favor da proposta de realização de uma nova avaliação, para efeito de eventual
aplicação do § 3o do art. 4°-A da Lei 6.404/1976".
161 Art. 24, inciso IV, da Instrução C V M n° 361/2002.
162 O art. 25-A, incluído na Instrução C V M n° 361/2002 pela Instrução CVM n° 487/2010,
determina que: "O preço do resgate de que trata o § 5o do art. 4° da Lei n" 6.404, de 1976,
deverá ser acrescido de juros à taxa Selic, ou, caso deixe de ser calculada, outra taxa que venha
a substituí-la, desde a data da liquidação da OPA até a data do depósito do resgate. § Io Nas
ofertas para cancelamento de registro cuja contraprestação incluir valores mobiliários: I - o
pagamento do resgate deve ser feito em valores mobiliários da mesma espécie e classe daqueles
oferecidos na OPA; e II - havendo contraprestação também em moeda corrente, o pagamento
do resgate compreenderá: a) a mesma quantidade por ação de valores mobiliários oferecidos
na OPA; e b) o valor em moeda corrente por ação oferecido na OPA, acrescido de juros, nos
termos do caput".
normalmente após a aquisição de 90% (noventa por cento) ou 95%
(noventa e cinco por cento) das ações da companhia163.
Assim, permite-se que a assembleia geral delibere o resgate ape-
nas das ações pertencentes aos acionistas minoritários, permanecen-
do o acionista controlador com a titularidade de suas ações, visto que
estas não são consideradas ações em circulação.
O resgate previsto no § 5 o não depende de aprovação em assem-
bleia especial das ações resgatadas, uma vez que a norma expressamen-
te afastou a incidência do § 6 o do artigo 44. Dessa forma, o § 5 o instituiu
uma nova modalidade de resgate; ao contrário das operações realizadas
com fundamento no artigo 44, são resgatadas as ações pertencentes
apenas aos acionistas minoritários remanescentes, sem sorteio.
A intenção do legislador foi a de permitir que a companhia que
cancelou o registro como aberta não seja obrigada a manter, indefini-
damente, nos seus quadros sociais, uma quantidade muito pequena de
acionistas, possuidores de menos de 5% (cinco por cento) do capital, o
que poderia representar custos desnecessários para a companhia fecha-
da, com serviços de emissão e registro, transferência e guarda de ações.
Tal modalidade de resgate pode ser aprovada, conforme previsto
no § 5 o , após a realização da oferta pública de cancelamento de regis-
tro de companhia aberta e desde que tal oferta tenha efetivamente
resultado no fechamento de capital da companhia164.

2 - O P A POR AUMENTO DE PARTICIPAÇÃO

A expressão "fechamento branco" de capital é utilizada na práti-


ca do mercado para designar os casos em que o acionista controlador

1 63 RE1NIER K R A A K M A N , PAUL DAVIES, H E N R Y H A N S M A N N , C E R A R D HERTIG, K L A U S HOPT,


HIDEKI K A N D A and E D W A R D R O C K . The Anatomy of Corporate Law - A Comparative and
Functional Approach. N e w York: Oxford University Press, 2007, p. 183-184.
1
64 Conforme entendimento da C V M , as companhias em que o percentual de ações em circula-
ção seja inferior a 5 % (cinco por cento) não podem implementar diretamente o referido
resgate, sem que antes seja realizada a oferta pública de fechamento de capital. Neste sentido,
inclusive, já se manifestou o Colegiado da Autarquia; veja-se o voto do Diretor Relator Luiz
Antônio de Sampaio Campos, proferido no Processo C V M n° RJ 2002/3430, j. em 11.02.2003.
adquire, paulatinamente, as ações em circulação no mercado emiti-
das pela companhia que controla, sem, no entanto, realizar uma ofer-
ta pública para cancelar o seu registro perante a Comissão de Valores
Mobiliários.
Esta prática pode ser prejudicial aos acionistas minoritários, na
medida em que, ao adquirir quantidade significativa das ações de
emissão de sua controlada, o acionista controlador reduz a liquidez
dos papéis, sem, no entanto, assegurar ao acionista minoritário as pro-
teções que lhe seriam conferidas caso a aquisição ocorresse por meio
de uma oferta pública de cancelamento de registro.
Reduzida a liquidez, o acionista controlador pode determinar o
preço e as condições em que as ações de sua controlada serão negocia-
das no mercado secundário, visto que, caso resolva alienar suas ações, o
acionista minoritário tem praticamente como único comprador poten-
cial o próprio acionista controlador.
O § 6 o disciplina a OPA por aumento de participação do acio-
nista controlador. O objetivo da norma é evitar que o acionista con-
trolador impeça a liquidez das ações de emissão de sua controlada no
mercado, em detrimento dos interesses dos acionistas minoritários.
Para que possa adquirir quantidades significativas de ações, o contro-
lador deverá observar todos os procedimentos previstos para as ofer-
tas públicas de cancelamento de registro de companhia aberta,
especialmente no que se refere à fixação do preço da oferta.
A Comissão de Valores Mobiliários previu 2 (duas) hipóteses em
que o acionista controlador fica obrigado a realizar oferta pública para
aquisição de todas as ações em circulação no mercado: (i) sempre que o
próprio, pessoa a ele vinculada e outras pessoas que atuem em conjunto
adquirirem, por outro meio que não uma OPA, ações que representem
mais de 1/3 (um terço) do total das ações de cada espécie e classe em
circulação; e (ii) quando o grupo controlador detiver mais de 50% (cin-
qüenta por cento) das ações daquela espécie ou classe e adquirir partici-
pação igual ou superior a 10% (dez por cento) de determinada espécie
ou classe, em período não superior a 12 (doze) meses155.
Em qualquer das 2 (duas) hipóteses, porém, o acionista contro-
lador não é obrigado a realizar a oferta pública caso o aumento de sua
participação em cada espécie ou classe de ações em percentual supe-
rior ao autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários ocorra em
virtude de subscrição de aumento de capital. Caso os acionistas mi-
noritários não exerçam integralmente seu direito de preferência nos
aumentos de capital da companhia, o controlador poderá aumentar
sua participação no capital de sua controlada por meio da subscrição
de sobras, sem que deva realizar oferta pública.
A OPA por aumento de participação está sujeita a todas as regras
incidentes sobre a OPA para cancelamento de registro, inclusive a pos-
sibilidade de revisão do preço da oferta, por deliberação aprovada em
assembleia especial das ações em circulação no mercado. No entanto, ao
contrário do que ocorre na OPA para fechamento de capital, o ofertante
não poderá simplesmente desistir da OPA caso o pedido de revisão re-
sulte na fixação de um valor superior ao que ele originalmente propôs.
Como as aquisições realizadas pelo controlador podem reduzir a
liquidez das ações remanescentes, ele somente se exime da obrigação
de promover a OPA caso aliene no mercado as ações por ele adquiri-
das e que excedam os percentuais estabelecidos pela Comissão de
Valores Mobiliários 166 .

1 65 Art. 26 da Instrução C V M n° 361/2002, com a redação dada pela Instrução C V M n° 487/


2010. De acordo com os §§ 5 o e 6° desse dispositivo, após a entrada em vigor da Instrução
C V M n° 487/2010, o limite de 1/3 (um terço) deverá ser calculado com base no número de
ações em circulação na data de encerramento da primeira oferta pública de distribuição de
ações da companhia ou, caso nenhuma oferta tenha sido realizada, na data da obtenção
do registro da companhia para negociação de ações em mercados regulamentados de
valores mobiliários e, uma vez ultrapassado o limite de 1/3 (um terço) das ações em
circulação, o controlador, pessoa a ele vinculada e outras pessoas que aluem em conjunto
com o mesmo ou pessoa a ele vinculada só poderão realizar novas aquisições de ações por
meio de O P A para aumento de participação.
166
Art. 26 da Instrução C V M n° 361/2002, com a redação dada pela Instrução C V M n° 487/
2010. Ver, também, o art. 28 da referida Instrução, segundo o qual será lícito no acionista
CAPÍTULO 11

CAPITAL SOCIAL

SEÇÃO I

VALOR

Fixação no estatuto e moeda


"Art. 5 o . O estatuto da companhia fixará o valor do capital social,
expresso em moeda nacional.

Parágrafo Único. A expressão monetária do valor do capital social


realizado será corrigida anualmente (artigo 167)."

O capital social constitui a parcela do valor das ações subscri-


tas - fixada no estatuto social - que os acionistas vinculam à con-
secução do objeto social, na constituição da companhia e nos seus
sucessivos aumentos 1 6 7 .

controlador solicitar à C V M autorização para não realizar a OPA por aumento de participa-
ção, desde que se comprometa a alienar, para pessoas que não sejam a ele vinculadas, o
excesso de participação no prazo de 3 (três) meses, a contar da ocorrência da aquisição. A
CVM poderá prorrogar uma única vez este prazo, caso verifique, a requerimento do interes-
sado, que a alienação de todo o bloco no prazo inicial poderá afetar significativamente as
cotações das ações na Bolsa de Valores ou no mercado de balcão organizado em que estejam
admitidas à negociação. Caso as ações não sejam alienadas no prazo e na forma previstos, o
acionista controlador deverá apresentar à C V M requerimento de registro de OPA por aumento
de participação no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do término do prazo de 3 (três) meses
acima referido, e, neste caso, poderá ser obrigado a promover a OPA independentemente do
valor eventualmente apontado no processo de revisão solicitado pelos minoritários.
Sobre a origem do conceito de capital social e o especial relevo que adquiriu no âmbito
das sociedades anônimas, T U L U O ASCARELLI. Problemas das Sociedades Anônimas e
Direito Comparado. São Paulo: Saraiva, 1969, p. 322-326, enfatiza que a "função econô-
mica da sociedade anônima, não pode ser preenchida, a não ser se reconhecida a respon-
sabilidade limitada dos sócios (...). Afinal, a constituição da pessoa jurídica e do patrimônio
separado representa apenas um meio técnico para que os sócios possam exercitar o comér-
cio com responsabilidade limitada (...). Avista, entretanto, da atividade da sociedade
anônima, o seu patrimônio não é estático, não sofre alterações apenas ocasionais, ou
excepcionais; sofre, ao contrário, variações diárias, sendo continuamente diverso seja na
Os princípios que norteiam o capital social são: (i) o da unidade, que
significa que o capital social é único, ainda que a companhia tenha diver-
sasfiliais;(ii) o da fixidez, pelo qual, uma vez definido o capital no estatu-
to social, só pode ser alterado nos casos taxativamente previstos na Lei
das S.A. (artigos 166,168,169,170 e 173); (iii) o da realidade, pelo qual o
capital estipulado no estatuto deve ser real, ou seja, efetivamente forma-
do no ativo da companhia mediante contribuição dos acionistas subscri-
tores das ações; e (iv) o da intangibilidade, segundo o qual os acionistas e
administradores não podem transferir bens do ativo social para o patri-
mônio dos sócios caso o montante do capital social aplicado no ativo
fique reduzido a valor inferior ao fixado no estatuto168.
No plano econômico, o capital pode ser considerado como o
conjunto de recursos com que conta a companhia para o desenvolvi-
mento de suas atividades169. Sob o aspecto contábil, o capital social é
uma conta integrante do patrimônio líquido; nesse sentido, determi-

sua composição, seja na sua importância. Por isso a constituição do patrimônio separado
levanta, nesta hipótese, problemas diversos dos peculiares ao direito comum tradicional:
estes problemas decorrem justamente do fato de, o patrimônio separado nas sociedades
anônimas, ser o instrumento de uma atividade comercial. Cumpre, portanto, de um lado,
proporcionar, aos terceiros, uma tutela no que respeita à gestão da sociedade, respeitada,
entretanto, a necessária elasticidade e liberdade de gestão. É por isso que, especialmente
nos sistemas romanísticos, foi-se elaborando o conceito de capital social, e foram-se
estabelecendo normas que respeitam a integridade deste. Estas normas não deixam de
aparecer nas outras sociedades, em que também, é conhecido o conceito de capital social,
mas adquirem particular relevo nas sociedades anônimas, justamente porque, nestas, os
sócios não respondem pelas dívidas sociais". M A U R O R O D R I G U E S P E N T E A D O . Aumen-
tos de Capital das Sociedades Anônimas. Saraiva: São Paulo, 1988, p. 13, fazendo referên-
cia a Ascarelli, obseiva que "o capital social aparece, assim, nos sistemas legais de filiação
romano-germânica, como um instituto destinado a tornar possível a limitação da responsa-
bilidade, mediante um conjunto de normas inderrogáveis, inclusive de natureza penal,
que visam tutelar aquele patrimônio especial, subtraído do conjunto geral de bens dos
sócios, para formar a base patrimonial da sociedade".
1
JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S P E D R E I R A . Finanças e Demonstrações Financeiras da Companhia;
Conceitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 2 a edição, 1989, p. 420-422. Ainda
sobre esse assunto, ver C A R L O S E D U A R D O B U L H Õ E S P E D R E I R A , "Capital Social da
Companhia", Revista de Direito Renovar. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, v. 35, maio-agosto,
2006, p. 41-43.
1
69 Sobre esse assunto, ver J. X. C A R V A L H O D E M E N D O N Ç A . Tratado de Direito C o m f ™ I
Brasileiro, v. III, 6 a edição, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1957, p. 29; J O R G E L O B O ,
"Fraude à Realidade e integridade do Capital Social das Sociedades Anônimas", Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo: Malheiros, v. 70,
abril-junho, 1988, p. 55.
na o artigo 182 que a conta do capital social discriminará o montante
subscrito e, por dedução, a parcela ainda não realizada.
A expressão "capital social" é utilizada com 2 (dois) significados
distintos: montante do capital social fixado no estatuto e capital social
aplicado no ativo patrimonial. Como montante do capital social fixado
no estatuto, é a quantidade de valor financeiro que os sócios declaram
submeter ao regime legal próprio do capital social e que deve existir no
ativo para que a sociedade possa reconhecer lucros e transferir bens do
seu patrimônio para o patrimônio dos sócios170; como capital social
aplicado no ativo patrimonial, constitui uma quota-parte ideal do patri-
mônio líquido, podendo, tal como ocorre com todo o patrimônio líqui-
do, variar e tornar-se inferior ao montante fixado no estatuto171.
Na vigente lei societária, o capital social não mais espelha o total
das prestações dos acionistas, pois nem todas as suas contribuições à
companhia destinam-se, obrigatoriamente, ao capital social, preven-
do a Lei das S.A. o instituto do ágio e definindo-o como a contribui-
ção do subscritor que ultrapassa o valor nominal das ações e que
constitui a reserva de capital (artigo 13, § 2 o ). Sob a égíde do Decre-
to-Lei n° 2.627/1940, as reservas constituídas por ágio de subscrição
tinham uma única destinação: a obrigatória incorporação ao capital
social. A Lei das S.A. permite que as reservas de capital sejam tam-
bém utilizadas para absorver prejuízos que ultrapassem os lucros acu-
mulados e as reservas de lucros, no resgate, reembolso ou compra de
ações, como, também, no resgate de partes beneficiárias e no paga-
mento de dividendo a ações preferenciais, quando essa vantagem lhes
for assegurada (artigo 200).
O capital social é formado de acordo com a modalidade das ações
- com ou sem valor nominal - e do seu preço de emissão, ou seja,

170 JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA. Finanças e Demonstrações Financeiras da Companhia;


Conceitos Fundamentais ..., p. 415.
171 JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA. Finanças e Demonstrações Financeiras da Companhia;
Conceitos Fundamentais ..., p. 416.
com ágio ou sem ágio nas ações com valor nominal (artigos 11, 13 e
14). Na companhia em que o estatuto prevê apenas a emissão de
ações com valor nominal, o capital reflete exatamente o valor nomi-
nal das ações emitidas172. Já nas sociedades que possuem somente
ações sem valor nominal, o capital social pode refletir apenas parte do
valor das entradas de capital, destinando-se a outra parte à formação
da reserva de capital173.
O capital social não se confunde com o patrimônio da companhia.
Nas sociedades em que o sócio não responde com seu patrimônio próprio
pelas dívidas da pessoa jurídica - como é o caso da sociedade anônima
- o capital social constituiu uma noção construída na prática mercantil
para possibilitar a garantia dos credores e o funcionamento da empresa.
O capital social, formado pela contribuição dos sócios e pelas reservas,
é representado por uma cifra constante do estatuto social, podendo ser
alterada pela assembleia geral nas hipóteses previstas em lei174.
Patrimônio, em sua acepção corrente, é o conjunto de bens, direitos e
obrigações da empresa175. O capital social é representado por uma cifra
permanente no estatuto — ressalvadas as modificações expressamente
previstas na Lei das S.A. — e é formado pela contribuição dos sócios e
pelas reservas geradas pela companhia, ao passo que o patrimônio é
dinâmico e está em constante processo de modificação.

1
72 N o entanto, se na formação do capital social ou em aumentos posteriores a sua constitui-
ção houver emissão dessas ações c o m ágio, o valor respectivo constituirá reserva de capital.
173 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 1, 5 a edição,
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 97-98. Ainda segundo esse autor, do fato de o capital social
não m a i s representar a s o m a de t o d a s as entradas de capital decorreram diversas
conseqüências, tais como: o capital social (i) passou a refletir apenas o número de ações
emitidas, (ii) não mais serve de referência para a emissão de ações preferenciais, e (m) nao
se presta mais a servir de base obrigatória para a distribuição de dividendos (p. 100).
17
4 A alteração do valor do capital social importa em reforma do estatuto social - exceto no
caso de companhia com capital autorizado - e, portanto, somente pode ser deliberado em
assembleia geral; após a f i x a ç ã o do capital no estatuto social, este sofre moditicaçoes
durante a existência da sociedade, em decorrência da capitalização de reservas e o ingresso
de novos recursos.
1
75 Sobre a evolução do significado de patrimônio, bem como sobre o seu conceito jurídico
£ financeiro, ver J O S É L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA. Finanças e Demonstrações Financeiras
da Companhia; Conceitos Fundamentais ..., p. 121-182.
Na constituição da companhia o capital e o patrimônio têm o
mesmo valor, porém, com o funcionamento da sociedade ocorre a sua
separação176; no ativo passa a ser registrado o valor representativo da
subscrição em bens ou dinheiro efetuada pelos acionistas com o fim
de realizar o objeto social; no passivo (na subconta do patrimônio
líquido) é registrado o capital social, por representar um débito da
sociedade para com os sócios177.
A noção de capital social como cifra fixa e imutável foi perdendo
relevância no atual sistema societário brasileiro178. No passado, com o
Decreto n° 434/1891179, as hipóteses de aumento de capital eram
taxativas e tratadas como casos excepcionais. Atualmente, face às
exigências impostas pela dinâmica dos negócios, o capital passou a ter
uma grande mobilidade. Os aumentos de capital - com a modificação,
portanto, de sua cifra — passaram a ser freqüentes em uma companhia.
Dessa forma, a função primordial do capital social é garantir à
sociedade os meios para realizar o seu fim. Na sociedade anônima,
como o sócio não responde com seu patrimônio próprio pelas dívidas
da pessoa jurídica e a sua responsabilidade é limitada ao preço de

176 T U L L I O A S C A R E L L I . Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado ...,


p. 325-326, ao comentar a diferença entre capital social e patrimônio, observa que,
"temos, de um lado, o conjunto dos bens da sociedade, isto é, o seu patrimônio; o valor
reai desses bens muda necessariamente com as oscilações do mercado e com o andamen-
to dos negócios; a sua avaliação, juntamente com a indicação do passivo, é fixada nos
balanços sociais; de outro lado, o capital social, resultante não só dos balanços, mas do
estatuto social e que não pode ser modificado a não ser observadas as normas a respeito.
Capital nominal e patrimônio líquido coincidem, às vezes, no início da vida da socieda-
de. Posteriormente, ao contrário, são diversos, dadas as oscilações de valor dos bens
sociais e os diversos resultados da gestão da sociedade".
177 Ver arts. 178 e 182 da Lei das S.A., com a nova redação que lhes foi dada pela Lei n°
11.638/2007.
178 MAURO RODRIGUES PENTEADO. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas ..., p. 12,
observa que, "o conceito de capital social, bem como a sua tutela jurídica estavam ligados, na
sua formulação original, à constituição desse patrimônio separado quando da criação das
sociedades em geral, procurando conciliar a limitação da responsabilidade dos sócios com a
garantia dos credores, constituindo, no âmbito das sociedades anônimas, tal como salientou
Ascarelli, 'Ia chiave di volta delle norme destinate a proteggere i creditori social'".
179 O art. 93 do Decreto n° 434/1891 determinava que: " O capital social não poderá ser
aumentado senão nos casos I" - de insuficiência do capital subscrito para o objeto da
sociedade, 2" - de acréscimo de obras, 3° - de ampliação de serviços ou operações sociais".
emissão das ações subscritas ou adquiridas, a estipulação do capital
social no estatuto define os direitos e obrigações dos sócios180, apre-
sentando, adicionalmente, fimção de instrumento de garantia dos
credores da companhia e de proteção ao crédito181.
Existem normas que tratam da realidade e da integridade do capi-
tal social, tais como: (i) as que proíbem a emissão de ações abaixo do
valor nominal, pois, caso contrário, deixaria de haver correspondência
entre o valor do capital fixado no estatuto e o existente no ativo da
companhia (artigo 13); (ii) as que regulam a irrevogabilidade das pres-
tações a que os sócios se obrigaram na integralização no capital, im-
possibilitando que lhes sejam devolvidos quaisquer valores, sem o
consentimento dos credores (artigos 106 e 107); (iii) as que estabele-
cem a necessidade de se avaliar os bens com que o acionista concorre
para o capital social, evitando o seu' aguamento" (artigo 8 o ); (iv) as que
determinam o depósito bancário da entrada, na subscrição em dinhei-
ro, quando da constituição da companhia, que asseguram à companhia
a cobrança das prestações devidas pelos acionistas (artigo 80, inciso II,
e artigo 81); (v) as que disciplinam, no interesse de terceiros, a redução
do capital social (artigo 174); (vi) as que impõem a responsabilidade do
cedente quanto à integralização da ação em caso de transferência de
ação não integralizada (artigo 108); (vii) as que vedam a distribuição de
dividendos sem lucros (artigo 201) 1 8 2 e a compra das próprias ações
pela companhia com redução do capital social (artigo 30, § I o , alínea
"b"); e (viii) as que disciplinam a elaboração anual das demonstrações
financeiras e a constituição da reserva legal (artigo 193).

180 Sobre esse assunto ver J O S É L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA. Finanças e Demonstrações Finan-


ceiras da C o m p a n h i a ; Conceitos Fundamentais ..., p. 418-422.
1
81 A Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, ao tratar do capital social, observa que o
"projeto mantém, na plenitude, a função do capital social, de garantir oscredor^^
companhia, conciliando a responsabilidade limitada dos acionistas ^
se possam associar, na mesma empresa, centenas ou milhares de soaos) a proteçac, ao
com lc
crédito, necessária ao funcionamento do sistema econômicoProcura, f P
tar e aperfeiçoar o regime legal que visa a preservar sua reahdade e integridade .
182
Sobre esse assunto, ver art. 177, § I o , inciso VI, do Código Penal.
A função do capital social como garantia dos credores, tal como
a sua noção de cifra fixa e imutável, passou por grandes transforma-
ções nas últimas décadas; entende-se presentemente que ele repre-
senta um complexo de valores dos quais uma sociedade deve ser dotada
para alcançar o equilíbrio econômico e financeiro que lhe propicie a
produção de lucros pretendida183. O capital não pode ter sua função
reduzida a uma mera garantia, pois ele constitui o conjunto de valores
designados pelos sócios para o exercício da atividade em comum, de
cuja potencialidade de gerar lucros advém a efetiva garantia dos cre-
dores184. O capital não é a única fonte de recurso utilizada pela com-
panhia para fazer frente às suas necessidades, pois ela pode socorrer-se
de empréstimos captados junto ao público e aos próprios acionistas
(como é o caso das debêntures) ou junto ao mercado financeiro.
No plano interno, o capital não mais regula os direitos dos acio-
nistas com base na contribuição de cada um, pois nem todo o valor
subscrito é destinado à sua formação, podendo parte deste ser destina-
da à constituição da reserva legal (artigos 13, § 2 o , e 14, parágrafo úni-
co). Externamente, o montante do capital social não mais constitui
única e exclusivamente a garantia dos credores da companhia, pois já
não representa o valor integral da contribuição dos acionistas. O capital
social passou a ter um valor meramente nominal, uma vez que pode ser
menor do que o capital efetivamente ingressado na companhia185.

183 Nesse sentido, JOSÉ A L E X A N D R E TAVARES GUERREIRO. Regime Jurídico do Capital Auto-
rizado. São Paulo: Saraiva: 1984, p. 28-29, afirma que a doutrina vem minimizando a
relevância da função do capital social como garantia dos credores, pois, fazendo referência
a Ascarelli, entende que "a garantia dos credores não é constituída pelo capital social, mas
pelo patrimônio da sociedade em sua inteireza. Já hoje ninguém duvida de que a cifra do
capital social assume valor essencialmente formal, não coincidente com o substrato patrimonial
real da empresa. É este, em suma, que garante os credores sociais". No mesmo sentido,
GIUSEPPE FERRI. Le Società. Torino: Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1971, p. 325,
sustenta que: "Questo però non deve indurre a ritenere che il capitale costituisca ia garanzia
dei creditori sociali: questa è costituita dal patrimônio e cioè daí beni reaii che rientrano in
questo patrimônio".
1 84 M A U R O R O D R I G U E S P E N T E A D O . Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas ...,
p. 34-57.
185 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas ..., v. 1, p. 99-101.
JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Regime Jurídico do Capital Autorizado ..., p. 25-26,
No entanto, como as regras relacionadas à realidade e à integri-
dade do capital social prendem-se, a princípio, à tutela de terceiros, o
seu descumprimento enseja, em alguns casos, sanções penais186.
O acionista, ao subscrever ações de uma companhia, contribuin-
do para formação do capital social, torna-se devedor dela, da impor-
tância com que se comprometeu a integralizá-lo, e deverá cumprir
com essa obrigação dentro do prazo determinado no ato de constitui-
ção ou, posteriormente, na assembleia geral que deliberar o seu au-
mento. Quando os acionistas já efetuaram as suas contribuições ao
capital social, tem-se o capital realizado ou integralizado, e, na hipó-
tese de o acionista ter se comprometido com uma determinada quan-
tia que ainda não pagou, tem-se o capital subscrito.
Se o acionista não cumprir com a sua obrigação de integralizar o
capital social dentro do prazo assinalado, a companhia poderá ajuizar
contra ele ação de execução para cobrar as importâncias devidas ou
mandar vender as ações em Bolsa de Valores, por conta e risco do
acionista remisso (artigos 106 e 107) 187 .

entende que "o capital social desempenha funções que transcendem a relação jurídico-
societária entre acionistas e sociedade, fazendo referência a função de produção, que
somente se pode explicar em termos econômicos, afirmando, inclusive que "essa fun-
ção produtiva do capital projeta reflexos de importância na qualificação jurídica do
instituto, na medida em se tem em mira a aplicação dos recursos próprios da empresa
nas atividades de produção, conforme o objeto social".
186 Ver art. 177 do Código Penal.
187 O art. 106 da Lei das S.A. determina que "o acionista é obrigado a realizar, nas condições
previstas no estatuto ou no boletim de subscrição, a prestação correspondente às ações
subscritas ou adquiridas. § 1°. Se o estatuto e o boletim forem omissos quanto ao
montante da prestação e ao prazo ou data do pagamento, caberá aos órgãos da adminis-
tração efetuar chamada, mediante avisos publicados na imprensa, por 3 (três) vezes, no
mínimo, fixando prazo, não inferior a 30 (trinta) dias, para o pagamento. § 2°. O acionista
que não fizer o pagamento nas condições previstas no estatuto ou boletim, ou na
chamada, ficará de pleno direito constituído em mora, sujeitando-se ao pagamento dos
juros, da correção monetária e da multa que o estatuto determinar, esta não superior a
10% (dez por cento) do valor da prestação". O art. 107, por sua vez, estabelece os
procedimentos a serem adotados na hipótese de mora do acionista remisso, determinan-
do que a companhia pode, à sua escolha: "I - promover contra o acionista, e os que com
ele forem solidaríamente responsáveis (art. 108), processo de execução para cobrar as
importâncias devidas, servindo o boletim de subscrição e o aviso de chamada como
títub extrajudicial nos termos do Código de Processo Civil; ou II - mandar vender as
ações em bolsa de valores, por conta e risco do acionista".
O capital inicial de uma sociedade é formado pela contribuição
(ou por parte dela) de todos os acionistas quando da subscrição e in-
tegralização de ações e deve ser expresso em moeda nacional, não
obstante poder ser constituído com qualquer espécie de bens, corpó-
reos ou incorpóreos, suscetíveis de avaliação em dinheiro e créditos.
Assim, o capital pode ser constituído só em dinheiro ou parte em
dinheiro e parte em bens, ou, ainda, somente em bens (artigo 7o).
Note-se, no entanto, que, face ao princípio da realidade do capital, os
bens transferidos pelos acionistas à companhia, a título de sua inte-
gralização, devem representar exatamente os valores que foram por
eles declarados188.
A Lei das S.A. não exige um capital mínimo na constituição da
companhia, pois a forma anônima não está restrita apenas às empre-
sas de grande porte189. Os acionistas têm ampla liberdade na fixação
do valor do capital social que, no entanto, deverá ser compatível com
a consecução do objeto social.
A Lei n° 6.385/1976 prevê que a Comissão de Valores Mobi-
liários poderá subordinar o registro de distribuição pública de valo-
res mobiliários a capital mínimo da emissora190, o que nunca foi
regulamentado. Da mesma forma, algumas leis, como, por exem-
plo, as que regulam as instituições financeiras, sociedades segura-
doras, sociedades de arrendamento mercantil e outras sujeitas à
disciplina especial requerem ou delegam a um órgão poderes para
fixar o seu capital mínimo, por exercerem tais empresas atividades

188 O art. 8 o da Lei das S.A. estabelece os procedimentos relativos à avaliação dos bens com
que os acionistas concorrem para formação do capital social. A formação do capital social
e a avaliação dos bens estão tratadas nos comentários aos arts. 7° e 8o.
189 Consta da Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, que "o Projeto não exige capita!
mínimo na constituição da companhia, porque não pretende reservar o modelo para as grandes
empresas. Entende que, embora muitas das pequenas companhias existentes no País pudessem
ser organizadas como sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, não há interesse em
limitar arbitrariamente a utilização da forma de companhia, que oferece maior proteção ao
crédito devido à publicidade dos atos societários e das demonstrações financeiras".
190 Art. 19, § 6o, da Lei nG 6.385/1976.
relacionadas à poupança do público em geral ou por envolverem
risco empresarial191.
Apesar de a Lei das S.A. não exigir capital mínimo na constitui-
ção da companhia, é obrigatória a realização como entrada de 10%
(dez por cento), no mínimo, do preço de emissão das ações subscritas
em dinheiro (artigo 80, inciso II). As instituições financeiras estão
sujeitas, na subscrição do capital inicial e na de seus aumentos, à rea-
lização de 50% (cinqüenta por cento) do valor subscrito192.
O parágrafo único do artigo 5 o foi revogado pela Lei n° 9.249/
1995, que suprimiu a correção monetária das demonstrações finan-
ceiras e instituiu a remuneração do capital próprio, a título de juros,
até o limite anual da taxa de juros de longo prazo - TJLP 1 9 3 .

Alteração

"Art. 6 o . O capital social somente poderá ser modificado com obser-


vância dos preceitos desta Lei e do estatuto social (artigos 166 a 174)."

Presentemente, a rigidez do capital não é mais absoluta, mas


relativa. Superado o caráter quase sacral que se atribuía à cifra do ca-
pital social, hoje o direito societário aceita e disciplina as operações de
aumento e redução do capital, observadas as normas legais.
Este artigo mantém o princípio da fixidez do capital social, pre-
vendo que seu aumento deve ser efetuado de acordo com as regras da
Lei das S.A., que visam a proteger os interesses dos acionistas. A
redução do capital, por sua vez, deve ser efetivada sem prejuízo dos
direitos dos credores da companhia 194 .

191 Ver o art. 4", inciso XIII, da Lei n° 4.595/1964; art. 1° da Lei n° 5.627/1970; art. 32 inaso
VI, do Decreto-Lei n° 73/1966, com a redação dada pela Lei Complementar n 126/2007,
Lei n° 6.099/1974, com as alterações introduzidas pela Lei n° 7.132/1983; e a Resolução
CMN n° 2.309/1996. Vide, também, os arts. 1.134 a 1.136 e 1.141 do Codigo Civil, que
tratam da sociedade estrangeira.
1
92 Art. 27 da Lei n° 4.595/1964.
193 Arts
- 4 o e 9 o da Lei n° 9.249/1995.
194
Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.
Estão previstas na Lei das S.A. as seguintes hipóteses de au-
mento do capital social: (i) conversão em ações de debêntures ou par-
tes beneficiárias (artigos 48, § 2 o , e 57); (ii) exercício de direitos
conferidos por bônus de subscrição (artigo 75, parágrafo único) ou
por opção de compra de ações; (iii) emissão de ações dentro do limite
autorizado no estatuto (artigo 168); (iv) capitalização de lucros ou de
reservas (artigo 169); e (v) por deliberação da assembleia geral extra-
ordinária convocada para decidir sobre a reforma do estatuto social,
no caso de inexistir autorização de aumento, ou de estar a mesma
esgotada (artigo 166, inciso IV)195.
A redução do capital social é uma das formas de sua modificação
que pode afetar os direitos dos credores; portanto, a sua deliberação,
mediante assembleia geral extraordinária, só é admitida em 2 (duas)
hipóteses: (i) se houver perda, quando a redução só poderá ser feita
até o montante dos prejuízos acumulados; e (ii) se o capital for exces-
sivo para a realização do objeto social196.
Estão ainda previstas na Lei das S.A. outras possibilidades de
redução do capital social que independem da vontade dos acionistas
e de deliberação da assembleia geral, que caberá apenas homologar o
novo valor do capital: (i) resgate de ações para retirá-las definitiva-
mente do mercado (artigo 44, § I o ); (ii) reembolso de ações, no caso
de não substituição do acionista cujas ações foram reembolsadas (ar-
tigo 45, § 6 o ); e (iii) mora do acionista - caso a sociedade não consiga
dele receber as importâncias não realizadas e se colocar as ações à
venda, não encontrar comprador (artigo 107, § 4 o ).
O capital social - conforme analisado nos comentários ao artigo
5 o — tem a função de instrumento de garantia dos credores da compa-
nhia e de proteção ao crédito, o que justifica a regra de que os credo-

195 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 166 da Lei das S.A.
196 Ver os comentários ao art. 173 da Lei das S.A.
res da companhia podem se opor à deliberação dos acionistas, toma-
da em assembleia geral, de sua redução197.

SEÇÃO II

FORMAÇÃO

Dinheiro e bens
"Art. 7 o . O capital social poderá ser formado com contribuições
em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avalia-
ção em dinheiro."

O capital social - conforme analisado nos comentários ao artigo


5 - deve ser obrigatoriamente expresso em moeda nacional e pode ser
o

constituído só em dinheiro ou parte em dinheiro e parte em bens, ou,


ainda, somente em bens198. Não obstante, algumas sociedades anôni-
mas, como, por exemplo, as instituições financeiras, só podem ter o seu
capital constituído em dinheiro, dada a natureza de sua atividade: a
intermediação do crédito, de forma habitual e profissional199-200.

197 Ver os comentários ao art. 174 da Lei das S.A.


198 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedade por Ações. v. I, Rio de Janeiro: Forense, 2 a
edição, 1953, p. 91, sustenta a impossibilidade de o capital ser expresso em moeda estran-
geira no fato de que, se assim fosse permitido pela Lei das S.A., haveria "necessidade, em cada
balanço, de convertê-la em moeda nacional à cotação do dia do encerramento do exercício
social. O capital apareceria, assim, ora maior, ora menor, contrariando o princípio da fíxidade do
capital". Ainda segundo a opinião desse autor, a moeda estrangeira em relação ao dinheiro
nacional é uma mercadoria, ou seja, entra na categoria de "bens", que só podem formar o
capital de uma companhia após serem previamente avaliados em moeda corrente nacional
(p. 91). No mesmo sentido, M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas, v. 1, 5 a edição, São Raulo: Saraiva, 2007, p. 114. Em sentido contrário, EGBERTO
LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ A L E X A N D R E TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades Anônimas
no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 142-143, que sustentam que "as
subscrições de capital com recursos advindos do exterior não tem propriamente natureza de
contribuição em bens mas, ao contrário, se processam através de um mecanismo de conversão
em moeda estrangeira ingressada no País (...). O que entra para a sociedade receptora do
investimento é, entretanto, o correspondente valor em moeda nacional".
199 Art
- 2 6 da Lei n° 4.595/1964.
200 Sobre a definição de instituição financeira, N E L S O N EIZIRIK, A R I Á D N A B. GAAL, FLÁVIA
PARENTE e MARCUS DE FREITAS HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2 a
«lição, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 5: "(...) o que caracteriza a instituição financeira é o
desenvolvimento cumulativo, não alternativo, das atividades de coleta, intermediação e aplicação
de recursos financeiros de terceiros; daí decore que o mero empréstimo de recursos próprios, sem
a prévia coleta ou intermediação, não constitui atividade privativa de instituição financeira".
A expressão "bens", para fins do disposto neste artigo, compre-
ende todas as coisas corpóreas ou incorpóreas, móveis ou imóveis,
desde que possam ser avaliadas em dinheiro201. Dinheiro é numerário
de curso forçado com que se exaurem as aquisições ou se liquidam
serviços e responsabilidades. Bem é tudo que pode ser objeto de rela-
ções jurídicas, quando apreciadas sob o ponto de vista da utilização
econômica. Avaliação de bem é o ato com o qual se estima seu valor,
expresso em moeda corrente202.
Os bens que servirão de elemento para a formação do capital
devem estar relacionados às atividades da companhia ou apresentar
uma utilidade efetiva203. Ainda que o bem seja adequado ao objeto
social, se ele não for economicamente viável, não deve compor o ca-
pital, que é a garantia dos credores e o piso para a medição dos resul-
tados periódicos dos negócios204. Assim, os bens, para serem conferidos
ao capital, além de serem suscetíveis de avaliação em dinheiro, deve-
rão ser atuais, penhoráveis e compatíveis com o interesse social205.
Dessa forma, é admitida no sistema societário brasileiro a integra-
lização de ações com máquinas, equipamentos, terrenos, edifícios, uten-
sílios, veículos, concessões minerárias, estabelecimento industrial ou
comercial, patentes de invenções e marcas de indústria ou comércio,
desde que sejam suscetíveis de avaliação e do interesse da companhia206.

201 Ver os comentários ao art. 8° da Lei das S.A.


202 P H I L O M E N O C O S T A . Anotações às Companhias, v. I, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1980, p. 148.
203 Essa assertiva é corroborada pela regra constante da alínea "h" do art. 117 da Lei das S.A.,
que determina como modalidade de exercício abusivo de poder a subscrição de ações pelo
acionista controlador com realização em bens estranhos ao objeto social da companhia.
204 P H I L O M E N O COSTA. Anotações às Companhias ..., v. I, p. 150.
205 Nesse sentido, ver M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas
..., v. 1, p. 111 e P H I L O M E N O COSTA. Anotações às Companhias .... v. I, p. 150.
D e acordo com P H I L O M E N O COSTA. Anotações às Companhias ..., v. I, p. 150, "são
suscetíveis da sua avaliação em dinheiro, ele próprio sendo estrangeiro, créditos, com as
restrições do parágrafo único do art. 10, títulos públicos ou particulares, com as mesmas
restrições, matérias-primas, mercadorias, estabelecimento comercial ou industrial, prédios ou
terrenos, navios, máquinas, processos de fabricação, promessa de venda ou qualquer outra
opção, ativo de uma sociedade dissolvida, concessões públicas ou direitos de mineração.
Não são avaliáveis com segurança em dinheiro: aparelhamento, clientela, direitos de autor.
Muito se discute sobre a possibilidade do know-how constituir elemen-
to de formação do capital social; por ser ele vinculado à pessoa que o
detém é intransmissível, não podendo assim ser utilizado para integra-
lizar o capital de uma sociedade anônima207. As prestações de serviço
em geral, por serem indissociáveis das pessoas, não podem representar
contribuição para o capital da companhia208.
Admite-se, ainda, que os bens gravados com ônus real sejam
conferidos à formação do capital, pois a hipoteca ou o penhor não
impedem a transferência do bem gravado para outro patrimônio209-210.
Os bens gravados deverão ser conferidos ao capital pelo seu valor

direitos da propriedade industrial ou segredo industrial". M O D E S T O C A R V A L H O S A . Co-


mentários à Lei de Sociedades Anônimas ..., v. 1, p. 113, ao analisar a questão da incorpo-
ração de bens intangíveis ao capital, sustenta que "a conferência dos bens intangíveis não
pode ser isoladamente admitida na sociedade. Assim, o valor potencial de um ponto comer-
cial, a clientela previsível desse mesmo ponto ou outros elementos não contabilizáveis.
Porém, se esses elementos intangíveis integram uma universalidade, como é o caso de um
estabelecimento mercantil em pleno funcionamento, os respectivos fatores intangíveis são
admissíveis na conferência e na composição do seu valor, tais como a propriedade comer-
cial (locação comercial), o ponto, a clientela, o aviamento, a capacidade de produção, os
contratos de fornecimento e o próprio mercado atual e potencial de seus produtos etc.".
207 Nesse sentido, T R A J A N O DE M I R A N D A VALVERDE. Sociedade por Ações ..., v. I, p. 93. JOSÉ
E D W A L D O TAVARES B O R B A . Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 218
sustenta que o "know-how ou a experiência acumulada é indissociável da pessoa que o
detém, sendo assim intransmissível a não ser como mera força de trabalho, o que a inviabiliza
para integralizar o capital de uma sociedade anônima; esta não admite ações de trabalho ou
indústria". Em sentido contrário, FRAN MARTINS. Comentários à Lei de Sociedades Anôni-
mas. v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 59, cujo entendimento é o de que o know-how,
por consistir em conhecimentos especializados sobre a utilização de uma técnica própria
para a exploração de certos produtos e ser um bem alienável é transmissível e pode, portanto,
constituir elemento de formação do capital social.
208 TRAJANO DE M I R A N D A VALVERDE. Sociedade por Ações ..., v. I, p. 93. De acordo com
W I L S O N CAMPOS DE S O U Z A BATALHA. Sociedade Anônima e Mercado de Capitais. Rio
de Janeiro: Forense, 1973, p. 179, "não se admite realização de ações subscritas com serviços
ou trabalhos a serem prestados, com a experiência ou tirocfnio de um sócio. Nada impede,
porém, que, nas sociedades já constituídas, o crédito de determinada pessoa resultante de
trabalhos já prestados seja solvido mediante entrega de ações (aumento de capital mediante
liberação do débito). (...) Em nosso direito atual, a atribuição de vantagens especiais a
fundadores, acionistas ou terceiros, que hajam prestado relevantes serviços à sociedade,
realiza-se através de partes beneficiárias, títulos negociáveis, sem valor nominal e estranhos
ao capital social, que conferem a seus titulares direito, não ao patrimônio social, nas apenas
direito de crédito eventual contra a sociedade, consistente em participação nos lucros
líquidos anuais que, segundo a lei e os estatutos, devem ser distribuídos pelos acionistas".
209 C A R L O S F U L G Ê N C I O DA C U N H A P E I X O T O . Sociedade por Ações. v. 1, São Paulo:
Saraiva, 1972, p. 56.
210 Ver os comentários aos arts. 39 e 40 da Lei das S.A.
ARTS. 7 O E 8O - A LEI DAS S / A COMENTADA

líquido, descontado o valor da dívida e dos juros. No caso do usufruto,


deve ser considerado o valor do bem deduzido dos frutos, que perten-
cem ao usufrutuário.
As contribuições para o capital podem, ainda, ser constituídas
por créditos211, respondendo o subscritor ou acionista pela solvência
do devedor (artigo 10, parágrafo único), pois o capital de uma socie-
dade anônima deve ser integralizado e corresponder, na sua expressão
em dinheiro, aos valores com que os subscritores contribuíram para a
sua formação. Não basta a garantia da simples existência do crédito;
contrariamente à regra comum nas cessões de crédito, o subscritor
responde pela solvência do devedor212. Evidentemente, na constitui-
ção da sociedade, serão apenas créditos de terceiros; no aumento de
capital, de terceiros ou de sócios.
Os créditos a serem utilizados na formação e integralização do
capital devem ser atuais, ou seja, devem efetivamente existir no mo-
mento de sua incorporação ao capital.
Não é compatível com o regime da Lei das S.A., a integralização
do capital social com créditos futuros, por não serem suscetíveis de
avaliação em dinheiro e face ao princípio da realidade do capital, que
se traduz na efetiva correspondência entre a sua cifra e o valor real
aportado à companhia213.

Avaliação

"Art. 8 o . A avaliação dos bens será feita por três peritos ou por
empresa especializada, nomeados em assembleia geral dos subs-

211 Ver Rjrecer CVM/SJU n° 131/1983: "Os bens a que se refere a lei, podem ser de qualquer
espécie, móveis, imóveis, corpóreos, incorpóreos. Entre os bens incorpóreos acham-se os
direitos ou créditos. Evidentemente, na constituição da sociedade, serão créditos de tercei-
ros; no aumento de capital, de terceiros ou de sócios".
212 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedade por Ações ..., v. I, p. 116.
213 A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 035/1995, se manifestou no sentido de que: "(...) não há
certeza nem liquidez em 'créditos futuros', os quais a bem da verdade, não existem, não
sendo admissível a subscrição com tais créditos de vez que não são suscetíveis de avaliação
em dinheiro".
crítores, convocada pela imprensa e presidida por um dos funda-
dores, instalando-se em primeira convocação com a presença de
subscritores que representem metade, pelo menos, do capital so-
cial, e em segunda convocação com qualquer número.

§ I o Os peritos ou a empresa avaliadora deverão apresentar laudo


fundamentado, com a indicação dos critérios de avaliação e dos
elementos de comparação adotados e instruído com os documen-
tos relativos aos bens avaliados, e estarão presentes à assembleia
que conhecer do laudo, a fim de prestarem as informações que
lhes forem solicitadas.

§ 2 o Se o subscritor aceitar o valor aprovado pela assembleia, os


bens incorporar-se-ão ao patrimônio da companhia, competin-
do aos primeiros diretores cumprir as formalidades necessárias à
respectiva transmissão.

§ 3 o Se a assembleia não aprovar a avaliação, ou o subscritor não


aceitar a avaliação aprovada, ficará sem efeito o projeto de consti-
tuição da companhia.

§ 4 o Os bens não poderão ser incorporados ao patrimônio da com-


panhia por valor acima do que lhes tiver dado o subscritor.

§ 5 o Aplica-se à assembleia referida neste artigo o disposto nos


§§ I o e 2 o do artigo 115.

§ 6 o Os avaliadores e o subscritor responderão perante a compa-


nhia, os acionistas e terceiros, pelos danos que lhes causarem por
culpa ou dolo na avaliação dos bens, sem prejuízo da responsabi-
lidade penal em que tenham incorrido. No caso de bens em con-
domínio, a responsabilidade dos subscritores é solidária."
O capital social pode ser constituído em dinheiro e/ou bens (ar-
tigo 7o). Quando a integralização das ações subscritas ocorre em di-
nheiro, o subscritor, no ato da constituição da companhia, paga pelo
menos 10% (dez por cento) do valor das ações subscritas e essa im-
portância é depositada no Banco do Brasil S.A. ou em outro estabe-
lecimento bancário autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários
(artigo 80, incisos II e III); e se o subscritor oferecer bens para paga-
mento das ações subscritas, esses deverão ser avaliados, pois o que
compõe o capital da companhia é o valor que lhes for atribuído.
A função primordial da avaliação de bens com que os subscri-
tores concorrem à formação do capital social e os acionistas na
integralização dos aumentos de capital (artigo 170), assim como
nos casos de incorporação e fusão de companhias (artigos 227, §
3 o , e 228, §§ I o e 2 o ), é a de assegurar a realidade e efetividade do
capital social214.
Os bens que servirão à formação e integralização do capital de-
vem obrigatoriamente ser avaliados a fim de que os credores da com-
panhia e aqueles que subscreveram ações em dinheiro recebam garantia
adicional contra eventuais fraudes, evitando a apresentação de bens
inúteis ou que sejam incorporados ao capital por valor superior ao
real215. A supervalorização dos bens pode lesar os acionistas ou subs-

214 Consta da Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, que o Projeto da Lei das S.A. não
reproduziu a norma do art. 60 do Decreto-Lei n° 2.627/1940, que dispensava a avaliação
de bens pertencentes em comum a todos os subscritores, porque essa dispensa, embora
justificável do ponto de vista do interesse dos subscritores, é incompatível com o requisito
da avaliação na sua função primordial de assegurar a realidade do capital social.
215 CARLOS F U L G È N C I O DA C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 1, São Paulo:
Saraiva, 1972, p. 81 -82, ao examinar as conseqüências que advêm da avaliação de bens,
observa que esta se reveste de grande importância para os sócios, para terceiros e para a
própria sociedade, pois os primeiros "participam de um autêntico valor, em dinheiro de
conta do, na expectativa de avaliação correta dos bens, em contrapartida. Um suas transações
com a sociedade, estranhos a ela, os terceiros somente se baseiam no capital; donde a
necessidade de que este seja sólido, isto é, isento de valores fictícios e falsos. E a avaliação
honesta é que dará essa garantia. Finalmente, a própria sociedade, que depende desses
valores para desenvolver seus negócios; uma boa avaliação será fator importante para, já de
início, fixar-se em melhor conceito".
critores que contribuíram em dinheiro, os investidores e os credores,
assim como prejudicar a continuidade normal da empresa216.
Os subscritores deverão informar no prospecto os bens que
pretendem transferir à companhia no ato de sua constituição e os
acionistas, no boletim de subscrição, os bens que pretendem
incorporar ao capital em seus aumentos217, como pagamento das
ações subscritas ou adquiridas, conforme o caso, e deverão, ainda,
atribuir-lhes um valor218. Dessa forma, a Lei das S.A. determina
que esses bens devem ser previamente avaliados por 3 (três) peritos
ou empresa especializada219-220.

21 6 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 1, 5 a edição,


São Paulo: Saraiva, 2007, p. 116. N o Direito Comparado, as ações supervalorizadas
são conhecidas como "ações aguadas" (ou wãtered stock). Sobre esse assunto, ver
H A R R Y G. H E N N and J O H N R. A L E X A N D E R . Laws of Corporations. St. Paul, Minn:
West Publishing Co., 1983, p. 3 1 4 e seguintes; M O D E L B U S I N E S S C O R P O R A T I O N
ACT, § 6.21 c/c o § 8.30; PAUL L. DAVIES. Gower and Davies: Principies of Modern
Company Law. 7th edition, London: Sweet and M a x w e l l , 2 0 0 3 , p. 240-243.
217 Sobre as regras aplicáveis ao aumento de capital mediante subscrição de ações, ver os
comentários ao art. 170 da Lei das S.A. A avaliação é dispensada e não se aplica, portanto,
a regra do art. 8 o da Lei das S.A. quando o acionista em aumentos de capital integraliza
ações com crédito, devidamente contabilizado, que detém contra a companhia. D e acordo
com W I L S O N DE S O U Z A C A M P O S BATALHA. Sociedades Anônimas e Mercado de Capi-
tais. v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1973, p. 170-206, estando o crédito contabilizado "a sua
incorporação ao capital social, mediante entrega de ações correspondentes ao credor, constitui
modalidade adequada de solução da dívida, ao mesmo tempo em que o patrimônio social é
acrescido pela liberação da responsabilidade pelo pagamento da mesma dívida". Esse é tam-
bém o entendimento da C V M , conforme se verifica do voto proferido no julgamento do
Processo Administrativo n° RJ 2004/5580, Rei. Diretora Norma Jonssen Parente, j. em
27.09.2005: "(...) o crédito só precisa passar pelo processo de avaliação de bens descrito no art
8° da Lei 6.404/76 quando existem dúvidas sobre a sua certeza, liquidez e exigibilidade, o que
não é o caso do crédito detido em face da própria companhia, reconhecido nas demonstrações
financeiras elaboradas por seus administradores e ratificado pelos auditores independentes".
218 T R A J A N O D E M I R A N D A VALVERDE. Sociedade por Ações. v. I, Rio de Janeiro: Forense,
1953, p. 96.
219 A Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, justifica a necessidade de em alguns casos
a avaliação ser efetuada por empresa especializada no fato de que muitas vezes apenas
"uma organização empresarial dispõe dos recursos e experiência necessários à avaliação de
conjuntos industriais, estabelecimentos ou patrimônios (art. 80)". D e acordo com
PH1LOMENO J. DA COSTA. Anotações às Companhias, v. I, São Raulo: Revista dos Tribu-
nais, 1980, p. 163, "empresa especializada em avaliação de bens - para os efeitos do
disposto no art. 8o-é aquela que se dedica economicamente à estima de bens em geral ou
e aquela que coincide de ter o mesmo objeto da companhia constituenda".
220 Sobre a natureza da conferência de bens à sociedade, ver JOSÉ A L E X A N D R E TAVARES
GUERREIRO, "Sobre a Conferência de Bens", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econô-
mico e Financeiro. São Raulo: Ed. Malheiros, v. 48, outubro-dezembro, 1982, p. 16-24.
A escolha dos peritos ou empresa especializada é feita livremen-
te pelos subscritores ou acionistas em assembleia geral, observada, no
entanto, a necessidade de serem nomeadas pessoas idôneas e dotadas
de conhecimento técnico que esteja de acordo com a natureza da
tarefa a ser desempenhada221-222. A assembleia geral de nomeação
dos peritos instala-se em primeira convocação com a presença de subs-
critores que representem metade, pelo menos, do capital social, e em
segunda convocação com qualquer número.
O quorum de instalação dessa assembleia geral apura-se levando
em consideração a parte do capital subscrita em dinheiro e em bens.
Aqueles que subscreveram o capital em bens estarão impedidos de
votar na nomeação dos peritos e na aprovação do laudo que tratar da
sua avaliação, por configurar conflito de interesses, nos termos do §
I o do artigo 115223-224

221 Sobre esse assunto,TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedade por Ações ..., v. I, p. 98,
esclarece que "a escolha dos peritos deve obedecer ao critério da competência técnica, não
se desprezando, evidentemente, sua idoneidade moral. Deverão ser pessoas estranhas à
organização da companhia, pois, do contrário, será possível o conflito de interesses." Acres-
centa, ainda, que "qualquer subscritor pode arguir, na assembléia, a suspeição de todos os
peritos ou de alguns deles. O incidente resolver-se-á pelo voto da maioria, da ata devendo
constar, para efeitos futuros, e minuciosamente, os motivos da suspeição".
222 A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 049/1985, firmou entendimento no sentido de que "a
especialização mínima, para um perito, obedecerá a legislação específica de sua profissão.
A CVM não pode se imiscuir no mérito de uma avaliação técnica e nem contestar laudo
aprovado por assembleia geral de acionistas". A 8n Câmara Cfvel do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, no julgamento da Apelação Cível n° 1.0024.05.728897-9/001,
Rei. Des. Teresa Cristina da Cunha Peixoto, j. em 06.04.2006, ao examinar a questão da
formação dos peritos, decidiu que: "A Lei n° 6.404/76 que dispõe sobre a sociedade por
ações, não exige que a avaliação de bens para fins de integralização do capital social da
sociedade seja feita apenas por engenheiros credenciados, determinando a sua realização
por três peritos ou por empresa especializada, desde que apresentem um laudo fundamen-
tado, o que restou evidenciado no caso em questão, sendo os peritos subscritores do laudo
capacitados tecnicamente, razão pela qual deve ser provido o recurso interposto em face
de decisão proferida em suscitação de dúvida, determinando-se o registro pretendido (...).
O art. 8o da Lei 6.404/76 não faz referência a formação exigida dos peritos, sendo de se
pressupor que deva ser realizada por pessoas que tenham conhecimento na área relativa ao
bem que se quer utilizar na integralização de capital. No caso dos autos, a perícia foi
realizada por um engenheiro, um contador e um corretor de imóveis. A idoneidade do
laudo de avaliação deverá ser analisada no caso concreto, pois, em tese, os peritos nome-
ados detêm conhecimentos na área imobiliária (...)".
223 O art. 115, § 1o, da Lei das S.A. determina que: "o acionista não poderá votar nas delibe-
rações da assembléia geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para
a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em
Apresentado o laudo pelos peritos será convocada uma nova as-
sembleia geral para deliberar sobre a sua aprovação ou rejeição, ocasião
em que eles estarão presentes para prestar os esclarecimentos que lhes
forem solicitados. No entanto, na prática, é realizada uma única assem-
bleia geral, na qual é deliberada a ratificação da nomeação dos peritos -
que já haviam sido previamente contratados pelos subscritores - e a
aprovação ou rejeição do laudo por eles apresentado.
Não existe uma regra específica sobre critérios de avaliação; o
que a Lei das S.A. determina no § I o é que o laudo deverá ser funda-
mentado, indicando os critérios de avaliação e os elementos de com-
paração adotados225. O valor do bem avaliado pelos peritos poderá ser
igual, superior ou inferior ao que lhe foi atribuído pelo subscritor. Se o
valor indicado pelo perito for idêntico ao do subscritor e a assembleia

quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse
conflitante com o da companhia".
224 No mesmo sentido, M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anôni-
mas ..., v. 1, p. 119; T R A J A N O D E M I R A N D A VALVERDE. Sociedade por Ações ..., v. I, p.
97-98; J O S É E D W A L D O TAVARES B O R B A . Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 222, C A R L O S F U L C Ê N C I O D A C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações ..., v. 1,
p. 72 e P H I L O M E N O J. D A C O S T A , Anotações às Companhias ..., v. I, p. 161 e 173. Em
sentido contrário, FRAN MARTINS, Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. I, Rio
de Janeiro: Forense, 1977, p. 65-66.
225 No mesmo sentido, P H I L O M E N O J. D A COSTA. Anotações às Companhias ..., v. I, p. 164;
JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, "Sobre a Conferência de Bens", Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro ..., v. 48, p. 19-20, ao sustentar que a lei
comercial não prescreve que os bens conferidos ao capital devam ser avaliados necessaria-
mente a preços de mercado e que (i) o § 1 o do art. 8 o apenas determina que o laudo deverá
indicar os critérios de avaliação, a significar que se admite, na espécie, mais de um critério,
desde que devidamente fundamentada sua aplicação; (ii) a lei quando impõe avaliação a
preços de mercado, fá-lo de modo expresso, como ocorre no procedimento de incorpora-
ção de companhia controlada, regulado pelo art. 264; e (iii) a única preocupação do
legislador é a de impedir as super-avaliações, por isso a regra constante do § 4 o do art. 8 o da
Lei das S.A. Não obstante esse entendimento, a 4 o Câmera Cível do Tribunal de Justiça do
Estado do Paraná, no julgamento da Apelação Cível n° 070658701, Rei. Des. Dilmar
Kessler, j. em 22.12.1999, decidiu que: "(...) não se pode olvidar a importância de que os
bens incorporados ao patrimônio da sociedade sejam pelo valor real de mercado. (...)
Existem múltiplos interesses de que os bens ingressem na sociedade pelo valor efetivo de
mercado (...): a) obrigar os demais acionistas a concorrer com quantia maior do que a
devida, no seu direito de preferência, a fim de manter o percentual de sua participação
acionária; b) dos futuros compradores de ações da empresa; c) dos credores que têm na
integridade do capital a sua garantia e no interesse social da preservação e desenvolvimento
da empresa, resguardando-a de riscos no mercado, inclusive de eventual quebra, o que
gera danos para toda a coletividade, com forte repercussão social, máxime o desemprego".
geral o aprovar, está consumada a incorporação do bem ao capital
social, cabendo aos administradores apenas adotar as formalidades
necessárias à transmissão do bem à sociedade.
No entanto, se o valor constante do laudo for inferior ao atri-
buído pelo subscritor, este deverá optar se concorda com os peritos
- ocasião em que deverá pagar à sociedade a diferença em dinheiro,
a fim de complementar o valor total das ações subscritas226 - ou se
discorda da avaliação. Na segunda hipótese, nos termos do § 3 o ,
ficará sem efeito o ato de subscrição de ações, seja na constituição
da companhia ou em futuro aumento de capital, pois o subscritor
não está obrigado a transferir um bem à companhia por valor infe-
rior ao pretendido227, salvo se os demais subscritores se manifesta-
rem no sentido de completar em dinheiro a quota dos bens objeto
da avaliação recusada pela assembleia ou pelo ofertante e essa pro-
posta for aprovada pela assembleia dos subscritores228.
Caso os peritos indiquem para o bem um valor superior ao que
lhe foi atribuído pelo subscritor, ele somente poderá ser incorporado

226 Sobre esse assunto, M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anôni-


mas ..., v. 1, p. 121, observa que "a cobertura da diferença é necessária porque já subscre-
vera determinado número de ações correspondentes ao v.abr provisório que atribuiu ao
bem. Sendo a subscrição irretratável, a falta de pagamento acarretará o malogro da socieda-
de. Isso porque não tem a maioria poderes para modificar o projeto de estatutos (art. 87)".
No mesmo sentido, T R A J A N O DE M I R A N D A VALVERDE. Sociedade por Ações ..., v. I, p.
101 e CARLOS F U L G Ê N C I O D A C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações ..., v. 1, p. 78.
227 Conforme JOSÉ A L E X A N D R E TAVARES GUERREIRO, "Sobre a Conferência de Bens", Revis-
ta de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro ..., v. 48, p. 16-24: "a tendên-
cia natural dos subscritores consiste na super-avaliação - e por isso a lei, em todos os sistemas
jurídicos, se orienta no sentido de contê-la. Por conseguinte, se os conferent.es de bens
concordam em lhes atribuir valores conservadores, com isso não objetivam qualquer objetivo
ilícito, no que tange às relações jurídicas de direito privado e às normas de ordem pública que
presidem a organização e o funcionamento das sociedades anônimas".
228 Sobre esse assunto, P H I L O M E N O J. DA COSTA. Anotações às Companhias ..., v. I, p. 168-
169, observa que "os dois extremos da avença a seu respeito, a oferta do bem de um lado
e a aceitação pela expressão monetária da avaliação de outro, não podem ser substituídos
pelos seus não participantes (estranhos até certo ponto). Se um dos dois recusa, a incorpo-
ração não se faz e então o equilíbrio geral dos componentes da constituição social se altera;
é necessária daí a recomposição em outras bases, recomeçando-se tudo de novo". Acrescen-
ta, ainda, que a redação do texto é infeliz e que "de jure condendo convirá que se
acrescentem, por exemplo, estas palavras ao final do § 3'salvo se houver recomposição
com a sua aprovação'. Esta aprovação será dos interessados diretos e sobretudo da assem-
bléia dos subscritores".
ao capital pelo valor que lhe tiver sido por este atribuído, conforme o
disposto no § 4 o . Embora a assembleia geral seja soberana na delibe-
ração de aprovar ou rejeitar o laudo de avaliação, não tem competên-
cia para alterá-lo e atribuir outro valor ao bem229.
O laudo apresentado pelos peritos deve ser único. A assembleia ge-
ral poderá aprovar ou não a avaliação, se houver unanimidade dos peritos
no valor atribuído aos bens ou no caso de contar o laudo com a concor-
dância de 2 (dois) peritos; na hipótese de divergência entre todos os peri-
tos, a assembleia poderá determinar que se proceda à nova perícia230.
A avaliação dos bens é necessária ainda que eles pertençam em
condomínio a todos os subscritores, pois o seu ingresso na compa-
nhia não interessa apenas aos acionistas, mas aos terceiros que irão
com ela negociar, sejam credores ou investidores; com efeito, a finali-
dade da norma que determina a avaliação de bens é assegurar a reali-
dade e efetividade do capital social231.

229 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas v. 1, p. 120-121.


No mesmo sentido, CARVALHO DE MENDONÇA. Tratado de Direito Comercial Brasileiro.
v. II, t. II, atualizado por Ruymar de Lima Nucci. Campinas: São Raulo, Bookseller, 2001, n°
982, p. 402, ao sustentar que, "se a assembléia não aprovar a avaliação, deixará de ter efeito
o projeto da sociedade. A assembléia não pode assumir o papel dos avaliadores, estabele-
cendo ou fixando valor superior ou inferior ao do laudo" e P H I L O M E N O J. DA COSTA.
Anotações às Companhias ..., v. I, p. 165. Em sentido contrário, W I L S O N DE CAMPOS
SOUZA BATALHA. Sociedades Anônimas e Mercado de Capitais ..., v. I, p. 183.
230 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedade por Ações ..., v. I, p. 99. PHILOMENO J.
DA COSTA. Anotações às Companhias ..., v. I, p. 165, entende que podem existir laudos
divergentes e até mesmo a apresentação de três laudos e não apenas um laudo único,
salientando que, quando o laudo for subscrito apenas pela maioria dos avaliadores, a
assembleia pode validamente nele apoiar-se, porque estaria completa a avaliação, mas que
não pode se basear e aprovar um laudo minoritário ou divergente e que, nesta hipótese, a
solução "será a rejeição admissível de ambos os laudos e a escolha de três novos peritos, se
se não quiser alterar o modo da avaliação, entregando-se a sua tarefa a empresa especializa-
da. Nada impede que isto ocorra ou vice-versa. (...) Resulta do exposto que a divergência
completa entre os três peritos determina a escolha de outros inteiramente diferentes". CARLOS
FULGÊNCIO DA C U N H A PEIXOTO, Sociedades por Ações ..., v. 1, p. 77, sustenta que é
possível^ a divergência entre os peritos e que neste caso é preciso diferenciar entre a
discordância dos três peritos e de apenas um. Na primeira hipótese, a avaliação estaria
completa, "competindo à assembléia aprová-la ou não. Na segunda, urge a eleição de novos
peritos, porque, de um lado, inexiste laudo, e do outro a assembléia não tem competência
para proceder a nova avaliação, razão porque não ê lícito, mesmo por unanimidade, suprir
a perícia ou dar aos bens valor diferente do atribuído pelos peritos".
O art. 115, § 2o, da Lei das S.A. determina que "se Iodos os subscritores forem condôminos
de bem com que concorreram para a formação do capital social, poderão aprovar o laudo,
O § 6 o determina que os avaliadores e os subscritores responde-
rão perante a companhia, os acionistas e terceiros pelos danos que
lhes causarem por culpa ou dolo na avaliação, sem prejuízo da res-
ponsabilidade penal em que tenham incorrido232-233; no caso de bens
em condomínio, a responsabilidade dos subscritores é solidária.
A responsabilidade do avaliador perante os acionistas e outros even-
tuais lesados pela avaliação realizada possui natureza tipicamente extra-
contratual, uma vez que ele é contratado apenas pela companhia ou pelo
titular do bem, não havendo nenhuma relação jurídica preexistente com
as demais pessoas que podem ser afetadas pelo resultado da avaliação.
Há certas obrigações cujo conteúdo consiste na atividade ou no
comportamento do devedor dirigido a um determinado resultado al-
mejado, o qual não está compreendido no vínculo obrigacional: são
as chamadas obrigações de meio. Nessas obrigações, considera-se que
o devedor tem a obrigação geral de prudência e de diligência que in-
cumbe ao bônus paterfamiliae. Assim, são de meio as obrigações as-
sumidas pelo médico e pelo advogado, por exemplo, em relação aos
seus clientes, na medida em que devem adotar todos os procedimen-
tos necessários para atendê-los da melhor forma possível, não se com-
prometendo, porém, com o resultado, qual seja, a efetiva cura de
determinado mal ou o sucesso numa disputa234.

sem prejuízo da responsabilidade de que Irala o § 6" do art 8o". D e acordo com EGBERTO
LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ A L E X A N D R E TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades Anônimas
no Direito Brasileiro, v. 1, São Raulo: José Bushatsky, 1979, p. 145, a Lei das S.A. "parte
do pressuposto de que não estão em jogo, na conferência de bens, apenas os interesses dos
acionistas subscritores, mas também os interesses de terceiros, principalmente de credores da
sociedade, que devem se louvar nas garantias patrimoniais que esta lhes oferece".
Consta da Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, que, para a maior segurança da
realidade do capita! formado em bens, o § 6 o do art. 8° faz o subscritor (além dos avaliado-
res) responsável pelos danos causados por culpa ou dolo na avaliação.
Consta do art. 177, caput, do Código Penal que está sujeito à reclusão de 1 (um) a 4
(quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime contra a economia popular, aquele que
"promover a fundação de sociedade por ações fazendo, em prospecto ou em comunicação
ao público ou à assembléia, afirmação falsa sobre a constituição da sociedade, ou ocultando
fraudulentamente fato a ela relativo".
N E L S O N EIZIRIK. Aspectos Modernos de Direito Societário. Rio de janeiro: Renovar,
1992, p. 50.
A inexecução de obrigações de meio caracteriza-se pelo desvio
dessa conduta diligente ou pela omissão de determinadas cautelas ine-
rentes à atividade a que o devedor se comprometeu. Ou seja, somente
haverá inadimplemento, e o conseqüente dever de indenizar, se o cre-
dor provar que o devedor não empregou a diligência a que se encontra-
va obrigado. Nas obrigações de resultado, por outro lado, a prestação
consiste em um resultado certo e determinado a ser produzido pelo
devedor. A inexecução caracteriza-se pela não produção do resultado
final prometido, isto é, a ausência deste configura o inadimplemento.
A obrigação assumida pelo avaliador é de meio, posto que a sua
responsabilidade pelos prejuízos causados aos acionistas e terceiros
depende da comprovação da existência de culpa ou dolo. O avaliador
não pode ser responsabilizado apenas em função do resultado de sua
avaliação, isto é, de ele ter apurado um valor distinto daqueles eventu-
almente obtidos por outro perito235. A avaliação de sociedades ou de
bens utilizados para formar o capital ou integralizar aumentos de ca-
pital não possui um único resultado certo e incontestável, pois de-
pende das premissas, metodologias e/ou projeções validamente
adotadas por cada avaliador.
Para que o avaliador possa ser responsabilizado por danos causa-
dos à companhia, aos acionistas, credores e/ou demais investidores é
necessário demonstrar que ele, ao preparar a avaliação, agiu de má-fé,
utilizou dados ou informações incorretos ou, ainda, fundamentou-se
em premissas que, tendo em vista as circunstâncias existentes, não
poderiam ser consideradas razoáveis.
A estas circunstâncias, vale ainda acrescentar a hipótese de ser
demonstrado que o avaliador não utilizou corretamente as técnicas e
as metodologias de cálculo usualmente reconhecidas como pertinen-
tes para a espécie de avaliação realizada236.

Sobre esse a natureza do dever imposto ao avaliador, ver N E L S O N EIZIRIK. Temas de Direito
Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 205-210.
NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário ..., p. 207-210.
Para os fins do disposto no § 6 o , o subscritor, cuja avaliação dos
bens foi maculada de dolo ou culpa, equipara-se ao avaliador, por ter
sido, em tese, por ela beneficiado.
Prescreve em um ano a ação contra peritos e subscritores para
deles haver reparação civil pela avaliação de bens, contado o prazo da
publicação da ata da assembleia geral que aprovar o laudo (artigo 287).

Transferência dos bens


"Art. 9 o Na falta de declaração expressa em contrário, os bens
transferem-se à companhia a título de propriedade."

A transferência de bem por incorporação ao capital de compa-


nhia constitui a mudança para ela da titularidade do direito real sobre
a coisa23'.
Os bens, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, podem
ser conferidos ao capital da companhia a título de propriedade ou de
usufruto238-239 e a Lei das S.A. determina que, na falta de declaração
em contrário, os bens transferem-se a título de propriedade. Por dis-
posição expressa do Código Civil, é vedada a transferência à compa-
nhia do direito real de uso, o qual somente pode ser constituído a
favor de pessoa natural240-241.
Em regra, portanto, os bens são incorporados ao capital a título
de propriedade pelo valor com que foram avaliados e aprovados pela

237 P H I L O M E N O J. D A COSTA. Anotações às Companhias, v. I, São Raulo: Revista dos Tribu-


nais, 1980, p. 177.
233 No mesmo sentido, M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários'à Lei de Sociedades Anôni-
mas. v. 1, 5 a edição, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1 2 4 ; T R A J A N O DE M I R A N D A VALVERDE.
Sociedade por Ações. v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 106; J. X. C A R V A L H O D E
M E N D O N Ç A . Tratado de Direito Comercial Brasileiro, v. Il/t. II, São Paulo: Bookseller,
2001, p. 45-47.
239 A esse respeito, ver o art 1.390 e seguintes do Código Civil e os comentários ao art. 40 da
Lei das S.A.
240 O art. 1.412 do Código Civil determina que "o usuário usará da coisa e perceberá seus
frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família".
241 Em sentido contrário, R U Y C A R N E I R O GUIMARÃES. Sociedades por Ações. v. I, Rio de
Janeiro: Forense, p. 95.
assembleia geral242. A transferência dos bens do patrimônio do
subscritor para o da companhia opera-se de acordo com as regras
referentes à natureza jurídica dos referidos bens. Se forem bens móveis,
basta a sua tradição243. Na hipótese de créditos ou direitos, o subscritor
deverá providenciar a sua cessão, o que poderá ocorrer na própria ata
da assembleia geral que aprovar o laudo de avaliação. No caso de bens
imóveis, o documento hábil para sua transferência é a transcrição no
Registro de Imóveis da certidão de arquivamento na Junta Comercial
da ata da assembleia geral ou da escritura de constituição da
companhia ou, ainda, da ata da assembleia geral de alteração do capital
social. Portanto, deverá constar da ata da assembleia geral que aprovar
a incorporação de bens imóveis a sua completa descrição a fim de se
efetuar a transcrição no Registro Público competente244. A mesma
regra aplica-se à cessão para a companhia de patente de invenção,
caso em que a certidão deverá ser apresentada ao Instituto Nacional
de Propriedade Industrial245.
A Lei das S.A. determina expressamente que a incorporação de
imóveis para a formação do capital social não exige escritura pública e
que a certidão dos atos constitutivos da companhia, passada pelo re-
gistro do comércio em que foram arquivados, será o documento hábil
para a transferência, por transcrição no registro público competente,
dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação do
capital (artigos 89 e 98, § 2 o ).
Na incorporação de bens imóveis ao capital social (i) não incide
o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles
Relativos (ITBI), salvo se a atividade preponderante da adquirente
for a compra e venda desses bens ou direitos, a locação de bens imó-

242 Ver os comentários aos arts. 7o e 8 o da Lei das S.A.


243 Art. 1.267 do Código Civil.
244 Art. 1.245 do Código Civil c/c arts. 167, inciso I, item 32, e art. 169 da Lei n° 6.015/1973
(Lei dos Registros Públicos), com as alterações introduzidas pela Lei n° 6.216/1975.
TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE, Sociedade por Ações ..., v. I, p. 107-108.
veis ou arrendamento mercantil246; e (ii) é indispensável, por expressa
disposição legal, a outorga uxória, salvo no caso de regime de separa-
ção absoluta de bens247.
No usufruto, a transferência opera-se de acordo com as regras ex-
pressamente previstas no Código Civil248. O subscritor não aliena a pro-
priedade do bem, apenas cede, por tempo determinado, o seu uso e gozo249.
O ato de transferência de bens do subscritor para a companhia é
de uma alienação, mas de natureza especial250. Não caracteriza uma
compra e venda propriamente dita, nem permuta, comunhão ou con-
domínio251. Não é alienação propriamente dita porque falta o requisito

246 O inciso I do § 2° do art. 156 da Constituição Federal de 1988 determina que o 1TB1 "não
incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica
em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão,
incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade
preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens
imóveis ou arrendamento mercantil".
247 O art. 1.647 do Código Civil determina que "ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum
dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I -
alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis (...)".
248 Arts. 1.390 e seguintes do Código Civil.
249 TRAJANO DE M I R A N D A VALVERDE. Sociedade por Ações ..., v. I, p. 108. O art. 1.393 do
Código Civil, por sua vez, determina que "não se pode transferir o usufruto por alienação,
mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso". Em sentido contrário,
M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas ..., v. 1, p. 125;
FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. I, Rio de janeiro; Forense,
p. 71 e C A R L O S F U L C Ê N C I O D A C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 1, São
Paulo: Saraiva, 1972, p. 89.
250 Sobre esse assunto, T R A J A N O D E M I R A N D A V A L V E R D E . Sociedade por Ações ..., v. I,
p. 112, observa que, "como o ato de subscrição em bens não se identifica com a venda
(n° 63), é manifesto que os princípios ou normas legais que regulam a efetivação dessas
garantias hão de seguir, na sua aplicação, os desvios, que a diversidade de natureza
jurídica e a finalidade dos dois atos determinam".
251 T R A J A N O D E M I R A N D A V A L V E R D E . Sociedade por Ações ..., v. I, p. 108 e C A R L O S
F U L G È N C I O D A C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações ..., v. 1, p. 89. Em sentido
contrário, P H I L O M E N O J. DA COSTA. Anotações às Companhias ..., v. I, p. 170 e 179-180,
sustenta que a contribuição com bem para o capital da anônima tem a natureza jurídica de
uma permuta, porque é o ato pelo qual 2 (duas) pessoas transferem reciprocamente a
propriedade de alguma coisa, no caso o bem contra ações. Rara M O D E S T O CARVALHOSA.
Comentários à Lei de Sociedades Anônimas ..., v. 1, p. 126-127, "o enfoque da questão
deve ser inteiramente outro....a conferência de bens ao capital social é simplesmente forma
de pagamento das ações subscritas pelo acionista. Por ter o estatuto estipulado que o
subscritor terá a faculdade de pagar a sua subscrição em dinheiro, ou em bens ou direitos,
caracteriza-se o ato como obrigação alternativa, ou seja, pode o devedor escolhera forma de
cumprira obrigação: pagamento em dinheiro ou em espécie. (...) Portanto, a transmissão da
propriedade do bem conferido se dá a título de pagamento da dívida contraída".
NELSON EIZIRIK-ARTS. 9 ° E 1 0

essencial do preço que, na compra e venda, encerra a relação jurídica


entre as partes; não é permuta, pelas mesmas razões, pois as ações que
o subscritor recebe pelo valor de seus bens não extinguem as relações
entre ele e a sociedade, ao contrário, pois surge um novo direito que é o
de acionista; não se trata de comunhão ou condomínio porque os bens
entram para o patrimônio da sociedade, que é juridicamente distinto do
patrimônio dos acionistas252.
Responsabilidade do subscritor

"Art. 10. A responsabilidade civil dos subscritores ou acionistas


que contribuírem com bens para a formação do capital será idên-
tica à do vendedor.

Parágrafo Único. Quando a entrada consistir em crédito, o subs-


critor ou acionista responderá pela solvência do devedor."

A subscrição de ações para a formação do capital social não


apresenta a natureza jurídica de uma compra e venda propriamente
dita, pois falta-lhe o requisito do preço; o ato de transferência de bens
do subscritor para a companhia é de alienação, mas de natureza
especial253-254. A Lei das S.A., ao estabelecer que a responsabilidade
civil dos subscritores ou acionistas que contribuíram com bens para a
formação do capital será idêntica à do vendedor, visou a garantir que
a sociedade seja por eles ressarcida nas hipóteses de evicção255 e vícios
redibitórios256 desses bens.

252 TRAI A N O D E M I R A N D A VALVERDE. Sociedade por Ações ..., v. I, p. 108-109 e C A R L O S


F U L G Ê N C I O D A C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações ..., v. 1, p. 89.
253 Sobre esse assunto, T R A J A N O DE M I R A N D A VALVERDE. Sociedade por Ações. v. I, Rio de
Janeiro: Forense, 1953, p. 112, conclui que "como o alo de subscrição em bens não $e
identifica com a venda (n° 63), é manifesto que os princípios ou normas legais que regulam
a efetivação dessas garantias hão de seguir, na sua aplicação, os desvios, que a diversidade
de natureza jurídica e a finalidade dos dois atos determinam".
254 Ver os comentários ao art. 9 o da Lei das S.A.
255 Ver arts. 447 a 457 do Código Civil.
256 Ver arts. 441 a 446 do Código Civil.
Este artigo visa a preservar a efetividade do capital social257. A
simples entrega do bem pelo subscritor à sociedade não garante a sua
efetividade. Por isso, a Lei das S.A. determina a responsabilidade do
subscritor se a alteração do valor do bem se der por fato que se origine
de vício anterior ã tradição.
Assim, respondem os subscritores ou acionistas que conferem
bens para a formação do capital social pelos vícios redibitórios - de-
feitos ocultos que tornam o bem impróprio para o uso a que se desti-
nou ou lhe diminuem o valor - e pela evicção - perturbação do bem
causada por terceiro.
Na existência de vícios ou defeitos ocultos existentes ao tempo
da tradição que ocasionem a diminuição do valor do bem, o acionista
fica obrigado a entregar à sociedade quantia em dinheiro equivalente
à diferença de valor entre o preço das ações por ele subscritas e o novo
valor do bem. Se os bens, por vícios ou defeitos, tornarem-se impres-
táveis ao uso a que se destinem, pode a sociedade rejeitá-los, com a
exclusão do acionista da companhia - que responderá por perdas e
danos. No entanto, pode o acionista receber os bens e efetuar em
dinheiro a sua entrada para a formação do capital258. Ou seja, na hi-
pótese de vício redibitório, pode a sociedade escolher a melhor forma
de se ressarcir: por meio da restituição das ações ao acionista ou em
dinheiro, sem prejuízo das perdas e danos cabíveis259.

257 D e acordo com P H I L O M E N O J. D A C O S T A . Anotações às Companhias, v. I, São Paulo:


Revista dos Tribunais, 1980, p. 184, "segundo o preceito disposto pelo art. 6° o capital
social é imutável; de conformidade com o preceito do art. 7 o o capital social deve ser real; na
forma do que determina o texto do art. 8" o capital social tem que ser apurado; e em
harmonia com o declarado no art. 10 o capital social há que ser efetivo".
258 TRAJANO D E M I R A N D A VALVERDE. Sociedade por Ações ..., v. I, p. 112.
259 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 1, 5 a edição,
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 130. O art. 450 do Código C i v i l determina que "salvo
estipulação em contrário, tem direito o evicto, além da restituição integral do preço ou das
quantias que pagou: 1 - à indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir; II - à
indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que diretamente resultarem da
evicção; III - às custas judiciais e aos honorários do advogado por ele constituído. Parágrafo
único. O preço, seja a evicção total ou parcial, será o do valor da coisa, na época em que se
evenceu, e proporcional ao desfalque sofrido, no caso de evicção parcial".
Quando se tratar de evicção, a simples restituição das ações à
companhia pode não compensar os prejuízos por ela sofridos. A
sociedade poderá pedir a restituição das ações, acrescida das perdas e
danos cabíveis, ou exigir do subscritor o pagamento em dinheiro do
valor das ações subscritas.
Para que a sociedade possa exercer o direito que da evicção lhe
resulta, deverá notificar do litígio o subscritor ou acionista, quando e
como lhe determinarem as leis do processo260.
Não é válido o acordo mediante o qual a sociedade e o subscritor
ou acionista convencionem que será de responsabilidade dela a evicção,
os vícios ou defeitos ocultos dos bens transferidos para a formação do
capital social, pois eqüivaleria a permitir que alguém se tornasse acionista
sem concorrer com coisa alguma para o capital da sociedade261.
A Lei das S.A. não menciona expressamente que o subscritor não
tem responsabilidade nos casos de versão do patrimônio líquido - como
os de incorporação ou fusão - ; no entanto, deve-se considerar excluída
essa responsabilidade, pois nessas hipóteses essa versão se dá em pro-
cedimentos especiais de reorganização da pessoa jurídica, nos quais a
responsabilidade do subscritor está necessariamente afastada em de-
corrência da extinção da sociedade incorporada ou fundida262.
Na hipótese de subscrição de ações com créditos, a Lei das S A.,
ao estabelecer que o subscritor ou acionista responderá pela solvência
do devedor, criou uma exceção à regra constante do Código Civil, me-
diante a qual, salvo estipulação em contrário, o cedente não responde

O art. 456 do Código Civil determina que, "para poder exercitar o direito que da evicção lhe
resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores,
quando e como lhe determinarem as leis do processo". Sobre esse assunto, ver M O D E S T O
CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas ..., v. 1, p. 130; T R A J A N O DE
M I R A N D A VALVERDE. Sociedade por Ações ..., v. I, p. 114; M O D E S T O C A R V A L H O S A .
Comentários à Lei de Sociedades Anônimas ..., v. 1, p. 131.
T R A J A N O DE M I R A N D A VALVERDE. Sociedade por Ações ..., v. I, p. 113. No mesmo
sentido, C A R L O S F U L C Ê N C I O DA C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 1, São
Paulo: Saraiva, 1972, p. 96; R U Y C A R N E I R O GUIMARÃES. Sociedades por Ações (Notas
de Doutrina e Jurisprudência), v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 106. Dessa forma,
não se aplica às sociedades anônimas a regra constante do art. 448 do Código Civil.
Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, Capítulo II, Seção II, alínea "í".
pela solvência do devedor263. E em função dessa regra da Lei das S.A.
que o subscritor responde não só pela solvência do devedor ao tempo da
subscrição, como, também, pela solvência futura, ou seja, quando hou-
ver vencimento da dívida; e deverá pagar o valor apurado pelos peritos e
aprovado em assembleia geral e não o valor do crédito264.
Para que a cessão de crédito do subscritor para a sociedade seja
eficaz em relação ao devedor, este deverá ser notificado265.
O crédito referido no parágrafo único deste artigo pode ser real (p. ex.,
hipoteca), pessoal (quirografário) ou título de crédito propriamente dito266.
Se o crédito não for pago no seu vencimento, a sociedade poderá
cobrar do subscritor o objeto da prestação ou a quantia em dinheiro
correspondente ao valor apurado pelos peritos. No entanto, a respon-
sabilidade por créditos é subsidiária e não solidária267. A sociedade
deverá executar o devedor e, na impossibilidade de receber dele, exigir
do subscritor ou acionista o pagamento, observado o valor pelo qual o
crédito foi avaliado pelos peritos e conferido ao capital.

263 ArL 296 do Código Civil. T R A J A N O DE M I R A N D A VALVERDE. Sociedade por Ações ..., v. I,
p. 116, observa que a razão da existência dessa regra (e exceção) na Lei das S.A. deve-se ao fato
de que nas sociedades anônimas o capital deve ser integralizado e corresponder, na sua
expressão em dinheiro, aos valores com que contribuíram os subscritores para a sua formação
e, em sendo assim, a lei não se podia contentar com a garantia da simples existência do
crédito. No mesmo sentido, C A R L O S F U L G Ê N C I O D A C U N H A PEIXOTO. Sociedades por
Ações ..., v. 1, p. 96.
264 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas ..., v. 1, p. 131,
observa que "se o crédito não for pago no seu vencimento, tem a companhia o direito de cobrar,
amigável ou judicialmente, o valor a ele atribuído pelos peritos, o que poderá não coincidir com
o seu exato valor. Se houver um deságio no valor do crédito para o efeito de sua conferência ao
capital, podem surgir problemas na sua cobrança junto ao subscritor. Atenção especial, portanto,
deve ser prestada na conferência de créditos a fim de se evitar a diferença entre o seu valor e o que
lhe foi atribuído (deságio) para efeito de conferência ao capital social". No mesmo sentido,
WILSON DE S O U Z A CAMPOS BATALHA. Sociedades Anônimas e Mercado de Capitais, v. I,
Rio de Janeiro: Forense, 1973, p. 192; R U Y CARNEIRO GUIMARÃES. Sociedades por Ações
(Notas de Doutrina e Jurisprudência) ..., v. I, p. 109.
265 De acordo com o art 290 do Código Civil, "a cessão de crédito não tem eficácia em relação
ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em
escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita".
266 P H I L O M E N O J. DA COSTA. Anotações às Companhias ..., v. I, p. 189.
267 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas ..., v. 1, p. 132;
W I L S O N DE S O U Z A C A M P O S BATALHA. Sociedades Anônimas e Mercado de Capitais
..., v. I, p. 189.
CAPÍTULO DM

AÇÕES

SEÇÃO I

NÚMERO E VALOR NOMINAL

Fixação no estatuto
'Art. 11. O estatuto fixará o número das ações em que se divide o
capital social e estabelecerá se as ações terão, ou não, valor nominal.

§ I o N a companhia com ações sem valor nominal, o estatuto po-


derá criar uma ou mais classes de ações preferenciais com valor
nominal.

§ 2 o O valor nominal será o mesmo para todas as ações da


companhia.

§ 3 o O valor nominal das ações de companhia aberta não poderá ser


inferior ao mínimo fixado pela Comissão de Valores Mobiliários."

A expressão "ação" no âmbito das companhias é empregada com


3 (três) significados distintos: (i) fração em que se divide o capital
social268 e que atribui, a seu titular, a qualidade de sócio; (ii) o conjun-
to de direitos e obrigações do acionista269; e (iii) o instrumento que
legitima a condição de sócio, isto é, o certificado que representa a

São exemplos os arts. I o (enuncia que a sociedade anônima terá o capital dividido em
ações), 28 (indivisibilidade da ação como fração mínima do capital), 30 (é vedado à
companhia, em princípio, negociar com as próprias ações) e 169 (alteração do valor
nominal da ação ou do seu número, devido ao aumento do capital com aproveitamento de
lucros ou reservas) da Lei das S.A.
São exemplos os arts. 45 (a sociedade ao pagar ao acionista dissidente o valor de suas
ações refere-se à soma de seus direitos e obrigações), 57 (a conversão da debênture em ação
ação ou o comprovante do lançamento a crédito do acionista das suas
ações pela instituição financeira encarregada de sua escrituração270-271.
A ação constitui uma unidade do capital e não pode ser fracio-
nada; assim, é indivisível em relação à sociedade (artigo 28).
Na sociedade por ações, os direitos de participação dos acionis-
tas são organizados em unidades padronizadas, ou quotas-partes iguais,
sem ter em conta o número ou o nome dos acionistas. A cada ação
correspondem iguais direitos de participação, em termos de porcen-
tagem ou de fração.
Quanto aos direitos que conferem, as ações são ordinárias, pre-
ferenciais, de gozo ou fruição (artigo 15). Quanto à forma, são nomi-
nativas, sejam registradas ou escriturais (artigos 20, 31 e 34). As ações
podem ser emitidas com ou sem valor nominal (artigos 14 e 15).
A Lei das S.A. admite 3 (três) espécies de ações - ordinárias,
preferenciais e de fruição - e mais de uma classe em cada espécie.
A igualdade dos direitos de participação compreendidos nas ações
da mesma classe é da essência da companhia, sendo exigida ape-
nas dentro de cada classe; a norma da Lei das S.A. que a impõe é
cogente e não admite disposição estatutária em contrário (artigo
109, § I o ) 272 .
Não obstante a palavra "ação" ter também sido utilizada para sig-
nificar o certificado que a representa, não é mais necessária a existên-
cia física de um documento para que o titular da ação exerça os seus

traduz a qualidade de credor debenturista em acionista com todos os direitos e obrigações


a ele inerentes), 107 - inciso II (a venda das ações em comisso representa a extinção da
qualidade de acionista) e 225 - inciso IV (o reembolso nas hipóteses de incorporação,
fusão ou cisão significa o cancelamento da qualidade de acionista) da Lei das S.A.
270 Vide os comentários aos arts. 24 e 35 da Lei das S.A.
271 Sobre esse assunto, ver PHILOMENO J. D A COSTA. Anotações às Companhias, v. I, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1980, p. 206-207; T R A J A N O DE M I R A N D A VALVERDE. Sociedade
por Ações. v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 119; C A R L O S F U L G Ê N C I O DA C U N H A
PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 1, São Paulo: Saraiva, 1972, p. 114; R U Y CARNEIRO
GUIMARÃES. Sociedade por Ações. v. 1, Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 111-112.
272 JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA e A L F R E D O LAMY FILHO. A Lei das S.A. (pressupostos,
elaboração, aplicação), v. II, 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 51-52.
direitos de acionista, como é o caso das ações nominativas273; para o
exercício de seus direitos, basta que o titular da ação tenha seu nome
inscrito no "Livro de Registro de Ações Nominativas" (artigo 31) ou,
no caso das ações escriturais, o registro na conta de depósito aberta
nos livros da instituição financeira depositária das ações (artigo 34).
A Lei n° 6.385/1976 estabeleceu que são valores mobiliários
sujeitos ao seu regime, entre outros, as ações, debêntures e bônus de
subscrição274.
As ações, como valores mobiliários, são bens móveis e obede-
cem, por isso, à lei de circulação desses bens, independentemente de
sua forma275: lançamento no livro competente, se nominativas, e lan-
çamento em contas, se escriturais276-277.
As ações, como bens móveis, circulam autonomamente; a auto-
nomia é essencial à certeza e segurança na circulação do direito, pois
coloca o adquirente de boa-fé a salvo das exceções oponíveis pelo

2 73 Com a extinção, pela Lei n° 8.021/1990, dos títulos ao portador e endossáveis, a única
forma de ação admitida pela Lei das S.A. é a nominativa. Assim, os certificados de ação
perderam a sua principal função que era a de instrumento que legitimava a condição de
sócio. Ver os comentários ao art. 20 da Lei das S.A.
274 Art. 2° da Lei n° 6.385/1976, com as alterações introduzidas pela Lei n° 10.303/2001.
Além das ações, debêntures e bônus de subscrição, são considerados pela Lei n° 6.385/
1976 como valores mobiliários: (i) os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados
de desdobramento; (ii) os certificados de depósito de valores mobiliários; (iii) as cédulas de
debêntures; (iv) as contas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes
de investimento em quaisquer ativos; (v) as notas comerciais; (vi) os contratos futuros, de
opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; (vii) outros
contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e (viii) quando ofertados
publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem
direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação
de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.
275 TULLIO ASCARELU. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Tradução de Nicolau Nazo, São
Paulo: Saraiva, 1943, p. 184; TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedade por Ações
..., v. I, p. 119 e 143; WILSON CAMPOS DE S O U Z A BATALHA. Sociedades Anônimas e
Mercado de Capitais, v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1973, p. 228.
276 ALFREDO LAMY FILHO, "Usucapião de Ações", Revista de Direito Bancário e do Mercado de
Capitais, São Riulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 26, outubro-dezembro, 2004, p. 184-185.
Sobre a definição legal de valor mobiliário no direito brasileiro e no direito compara-
do, ver CARLOS A U G U S T O DA SILVEIRA L O B O , "Os Valores Mobiliários", Revista de
Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 35,
janeiro-março, 2007, p. 27-42.
sujeito passivo da relação jurídica aos proprietários anteriores do títu-
lo, bem como da reivindicação por terceiros.
O valor mobiliário é materializado por um título que é o suporte
do direito. O título nominativo comprova a inscrição no registro de
transferência, que faz presumir a propriedade do titular com força pro-
bante absoluta. O título ao portador é a representação física do direito
que ali se encontra incorporado. N o entanto, os títulos corporificados
em instrumentos estão em via de desaparecimento em face das medi-
das de desmaterialização. E m sua nova acepção, a palavra título de-
signa um valor escriturai sem individualidade 278 .
A ação nominativa - registrada ou escriturai - é considerada títu-
lo de crédito279-280 (p scg) . E m sentido lato, título de crédito é o documen-

278 C E O R G E RIPERT. Traité de Droit Commercial, c o m René Roblot, t. 2, Paris: Librairie


Générale de Droit et de Jurisprudence, 1992, p. 5 e 8; W A L D Í R I O BULGARELL1. Manual
das Sociedades Anônimas. São Raulo: Atlas, 1993, p. 104-105, ao definir a ação como
título de crédito, observa que a "tendência dos negócios mercantis é de ir evitando sempre
que possível a representação física, através de documento em papel, para evitar os custos
não só de impressão, mas também de guarda, e, consequentemente, a transformação dos
títulos abstratos em causais, ou, ao menos, em dependentes ou incompletos, por se referirem
a outros documentos que os completam".
279 A L F R E D O L A M Y FILHO, "Usucapião de Ações", Revista de Direito Bancário e do Mercado
de Capitais,..., v. 26, p. 189, observa que a dúvida sobre a natureza da ação nominativa - se
seria ou não título de crédito - surgiu da má interpretação da definição de título de crédito
enunciada porVivante (Trattado di Diritto Commerciale. Lê Cose, 1914, v. III. p. 163, n°
953) quando afirmou que "título de crédito é o documento necessário para o exercício do
direito literal e autônomo nele mencionado" e "dessa definição deduziram alguns que só o
título ao portador satisfaria aos requisitos da definição, pelo que as ações nominativas (cujo
exercício do direito dispensa a posse do papel) não seriam título de crédito, pois o direito
estaria incorporado no papel. Contrariado com tal interpretação, explica Vivante no mesmo
texto, reportando-se à definição que enunciara: 'Este é conceito jurídico limitado, que deve
substituir a frase vulgar pela qual se ensina que o direito é incorporado no título. Quando o
título é destruído ou anulado cessa aquela chamada 'incorporação' e o direito pode ser
exercido sem ele'. Num dos excepcionais momentos (pelo menos ao que sabemos) em que
Vivante revela indignação com os colegas, acrescenta: 'tenho combatido várias vezes esta
frase fácil que, saída intuitivamente da configuração material de uma relação jurídica, foi
acolhida pelos juristas sem alentarem para a esterilidade dogmática'". No mesmo sentido,
JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA. A Lei das S.A. (pressupostos, elaboração, aplicação) ..., v.
II, p. 56; C A R L O S F U L G Ê N C I O D A C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações ..., v. 1, p.
116; F R A N MARTINS, Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 16 e 23;
C A R V A L H O D E M E N D O N Ç A . Tratado de Direito Comercial Brasileiro, v. II, t. II, São
Rjuio: Bookseller, 2001, n° 1.053 p. 467 e v. III, t. II, p. 63; T R A J A N O D E M I R A N D A
VALVERDE. Sociedade por Ações ..., v. I, p. 119; P O N T E S DE M I R A N D A . Tratado de
Direito Privado, v. XV, Rio de Janeiro: Borsoi, § 3.788, p. 273; E G B E R T O L A C E R D A
TEIXEIRA e JOSÉ A L E X A N D R E TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades
to que corporifica um direito que circula segundo regime próprio, dis-
tinto da cessão civil de direitos. Em sentido estrito, são títulos de crédi-
to apenas os que conferem direito de crédito, mas a expressão também
é utilizada para significar todo o gênero de documentos que desempe-
nham a função de corporificar direitos. Nesse gênero estão incluídos
os títulos que conferem: (i) direitos de crédito (como as letras de câm-
bio, notas promissórias, cheques, títulos da dívida pública, debênture,
warrant, certificados de depósito bancário, duplicatas, etc.); (ii) direitos
de propriedade sobre mercadorias (como o conhecimento de transpor-
te e o depósito em armazéns gerais); e (iii) direitos de participação (como
as ações, as partes beneficiárias e os bônus de subscrição)281.

Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 171; J O Ã O


EUNÁPIO BORGES. Curso de Direito Comercial Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1976,
p. 438; P. R. TAVARES PAES. Manual das Sociedades Anônimas. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1981, p. 21.
280 Sobre as diferenças fundamentais entre valores mobiliários e títulos de crédito stricto sensu,
ver FÁBIO K O N D E R C O M P A R A T O . Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio
de Janeiro: Forense, 1981, p. 16-20.
281 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA. A Lei das S.A. (pressupostos, elaboração, aplicação) ..., v. II,
p. 52. No mesmo sentido, C A R V A L H O D E M E N D O N Ç A . Tratado de Direito Comercial
Brasileiro ..., v. II, t. II, p. 467, ao sustentar que a ação é título de crédito, não somente sob o
ponto de vista dos direitos patrimoniais que lhe são inerentes, como sob o ponto de vista da
sua circulação, sendo objeto de transações e suscetível de alta e baixa na cotação da Bolsa
de Valores. Observa, ainda, que "o capita! representado é sempre vinculado ao fim social,
mas os possuidores dos títulos representativos deste capital podem livremente mudar-se em
cada instante, como se em cada instante coubesse aos sócios um incondicional direito de
retirada da sociedade". Não obstante, alguns autores têm negado às ações nominativas a
natureza de tftulos de crédito sob o argumento de que inexiste título representativo de
crédito e que não seriam bens móveis, não seriam fungíveis e que, face à sua natureza de
bens incorpóreos, não são objeto de compra e venda, mas de cessão e, por isso, não se
prestariam à tradição. Sobre esse assunto, JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA. A Lei das S.A.
(pressupostos, elaboração, aplicação) ..., v. II, p. 60, observa que as opiniões que negam
à ação nominativa a natureza de títulos de crédito (i) resultam, em geral, de confusões
conceituais decorrentes dos diferentes significados com que são empregadas as palavras
"ação" e "títulos de crédito" e (ii) "resultam do erro de considerar que o único modo de
objetivar um direito é sua inscrição em certificado autônomo e volante. Sob o aspecto da
corporificação do direito, não há nenhuma diferença essencial entre o título ao portador e o
nominativo: ela se processa, em ambas as hipóteses, mediante aposição de signos escritos em
documentos - o certificado do título ao portador, o livro de inscrição do título nominativo
(pode ser termo de transferência no livro de "Registro de Ações Nominativas" ou lançamento
feito pela instituição depositária em seus livros). O que varia é a forma de transferência do
direito: no caso de título ao portador, cujo documento é avulso e volante, a transferência do
direito corporificado opera-se pela tradição do documento; no de título nominativo, cuja
expressão material continua na posse da pessoa encarregada de manter o livro do registro, a
transferência opera-se mediante novo ato de corporificação, independentemente da tradi-
Com o desenvolvimento do mercado de capitais, alguns docu-
mentos caracterizaram-se como títulos de crédito sem que estivessem
relacionados a verdadeiras operações de crédito pecuniário, tendo as
normas que os regulam ultrapassado o campo do direito estritamente
creditório para abranger outros direitos que se beneficiam de suas re-
gras e o-arantias.
t> o

O Código Civil, na parte em que tratou dos títulos de crédito,


regulou os títulos ao portador, à ordem e nominativo; estabeleceu que
é título nominativo o emitido em favor de pessoa cujo nome conste
no registro do emitente e que este se transfere mediante termo, em
seu registro, assinado pelo proprietário e pelo adquirente282. Regulou,
também, os títulos escriturais, determinando que podem ser emitidos
a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equi-
valente e que constem da escrituração do emitente, observados os
requisitos mínimos da lei283.
O valor nominal exprime o montante da contribuição de cada
ação para o capital, ou seja, é a quantia expressa em dinheiro, fixada
no estatuto social e que corresponde ao preço mínimo que o subscri-
tor pagará pela ação. O § 2o determina que todas as ações devem ter
o mesmo valor nominal em respeito às regras de que as ações se igua-
lam na sua negociabilidade e que a cada uma cabe um voto nas deli-
berações sociais284, vedando - face ao princípio da realidade do capital
social - a emissão de ações por preço inferior ao seu valor nominal285.
Assim, o capital social é igual ao produto do número de ações pelo
seu valor nominal. Nas companhias em que as ações têm valor nomi-

ção do documento. (...) O fato de a transferência do direito depender de ato de inscrição


que compete a pessoa distinta do titular do direito evita que este possa transferir o mesmo
direito a duas pessoas diferentes (como ocorre na cessão civil) e permite submeter a transfe-
rência dos direitos a regime tão seguro (para o adquirente) quanto o baseado na tradição da
coisa móvel e dos títulos ao portador ou à ordem".
282 Arts. 921 e 922 do Código Civil.
233 Art. 889, § 3o, do Código Civil.
284 PHILOMENO J. DA COSTA. Anotações às Companhias ..., v. 1, p. 215.
285 Ver comentários ao art 13 da Lei das S.A.
nal, em face do vínculo existente entre o montante do capital social, o
número e o valor nominal das ações, o aumento do capital exige a
modificação do número total das ações ou do seu valor nominal ou,
ainda, de ambos.
A Lei das S.A. não fixa um valor mínimo para as ações com valor
nominal. Fica a critério dos fundadores o estabelecimento desse valor
mínimo, de acordo com os interesses da sociedade286. No entanto, nas
companhias abertas, consta do § 3 o que a Comissão de Valores Mobi-
liários poderá fixar o valor mínimo para as ações e que essas não pode-
rão ser emitidas por preço inferior a esse mínimo fixado287-288.
O valor nominal da ação é ilusório, pois não corresponde ao seu
real valor, nem à parte presumida do capital e tampouco ao patrimô-
nio líquido apurado em balanço. O patrimônio da companhia é dinâ-
mico e está em constante processo de modificação. Quando o acionista
busca conhecer, por seus meios, o váior de sua ação, ele verifica o
valor do patrimônio líquido e divide pela quantidade de ações que
possui, o que se aproxima mais da realidade. O valor nominal da ação
só tem sentido no momento da constituição da sociedade, pois a par-
tir daí o valor real flutua289, ou seja, a sua função é apenas determinar
o montante que, quando da emissão da ação, deve ser atribuído à
conta de capital290. No entanto, para o cumprimento dessa regra não

286 FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 1, Rio de Janeiro: Foren-
se, 1977, p. 87.
287 A C V M ainda não emitiu ato normativo regulamentando o valor mínimo das ações confor-
me o disposto no § 3 o do art. 11 da Lei das S.A.
288 Além do valor nominal, fixado no estatuto, as ações possuem outros valores: (i) valor de
emissão; (ii) valor contábil; (iii) valor de Bolsa de Valores; (iv) valor econômico; e (v) valor
de patrimônio líquido. Rara uma análise introdutória do valor da ação, ver FÁBIO U L H O A
C O E L H O , " O Cálculo do Valor do Reembolso". In: Jorge Lobo (Coord.). A Reforma da Lei
das S.A. São Paulo: Atlas, 1998, p. 57 e seguintes. Ver, também, os comentários ao art. 170
da Lei das S.A.
289 A L F R E D O LAMY FILHO, "A Reforma da Lei de Sociedades Anônimas", Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 7,
1972, p. 154.
JEAN-CLAUDE GISLING. La Valeur Nominale des Actions. Montreux: Imprimerie Ganguin
& Laubscher S.A., 1963, p. 73.
é indispensável o valor nominal da ação, basta que a lei determine, na
emissão de ações sem valor nominal, o montante da contribuição do
subscritor que será capitalizado (artigo 14, parágrafo único)291.
A Lei das S.A. instituiu no nosso regime societário as ações sem
valor nominal, com o fim de permitir maior flexibilidade às socieda-
des anônimas em seus aumentos de capital e viabilizar a captação de
recursos no mercado292. A ausência de valor nominal permite que o
preço de emissão das ações seja fixado de acordo com a realidade do
mercado, o que facilita o aumento de capital social, quando necessá-
rio aos interesses da companhia. Nesse caso, o aumento do capital
pode ser realizado sem modificação do número de ações e a alteração
do número dessas ações, no caso de desdobramento ou grupamento,
ocorre sem modificação do valor do capital (artigo 169, § I o ).
Nos aumentos de capital mediante subscrição de novas ações, a
Lei das SA. determina que o seu preço de emissão seja fixado, pela
assembleia geral ou pelo conselho de administração (artigos 166 e 170,
§ 2o), tendo em vista o seu valor real e-não o nominal - quando as ações
têm valor nominal293. Esse valor é apurado, alternativa ou conjunta-
mente, pelos critérios de avaliação das ações: perspectivas de rentabili-
dade, patrimônio líquido e/ou cotação no mercado, se existente.
Na hipótese do valor real das ações, determinado de acordo com
um ou mais dos 3 (três) critérios determinados pela Lei das S.A., ser
inferior ao valor nominal das ações existentes, deve ser observada a
norma de que é vedada a emissão de ações por preço inferior ao seu
valor nominal (artigo 13, caput).

291 FÁBIO KONDER COMPARATO. Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de Janeiro:
Forense, 1978, p. 100.
292 De acordo com a Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, as ações sem valor
nominal oferecem maior flexibilidade nos aumentos de capital e contribuem para diminuir
a importância injustificada que era atribuída, à época, ao valor nominal das ações pelos
participantes do mercado de capitais brasileiro, em prejuízo do seu funcionamento nor-
mal. Observou, ainda, que a inovação era recomendada tendo em vista a definição mais
estrita dos deveres e responsabilidades do acionista controlador e dos administradores.
293 Ver os comentários ao art. 170, § 1o, da Lei das S.A.
Em regra, todas as ações da companhia deverão ser emitidas com
ou sem valor nominal. No entanto, o § I o admite que, na companhia
com ações ordinárias sem valor nominal, possa ser criada uma ou mais
classes de ações preferenciais com valor nominal. Essa faculdade (de ter
ações com e sem valor nominal) foi útil durante o período inicial de
aplicação da Lei das S.A. - que instituiu as ações sem valor nominal
enquanto não era divulgado no mercado nacional o conhecimento e
funcionamento das companhias com ações sem valor nominal294.
Assim, o estatuto da companhia fixará o valor do capital social e a
categoria das ações em que o mesmo se divide, o que poderá ser feito de
diversas formas: (i) ações ordinárias e preferenciais com valor nominal;
(ii) ações ordinárias e preferenciais sem valor nominal; (iii) ações ordi-
nárias sem valor nominal e ações preferenciais com valor nominal; e
(iv) ações ordinárias sem valor nominal, uma classe de ações preferen-
ciais sem valor nominal e outra classe com valor nominal295.

Alteração
"Art. 1 2 . 0 número e o valor nominal das ações somente poderão
ser alterados nos casos de modificação do valor do capital social
ou da sua expressão monetária, de desdobramento ou grupamen-
to de ações, ou de cancelamento de ações autorizado nesta lei."

A norma visa a atender ao princípio da fixidez do capital social, a


qual se aplica tanto ao valor nominal das ações quanto ao número de
ações em que ele se divide296.
O estatuto social deve fixar, simultaneamente, o montante do
capital social, o valor nominal, se houver, e o número das ações; a
modificação de qualquer dessas 3 (três) variáveis requer a alteração de
ao menos uma das 2 (duas) outras.

294 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.


295 M O D E S T O CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 1, S'1 edição,
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 139.
296 Ver os comentários ao art. 5° da Lei das S.A.
Não obstante constar do dispositivo legal referência à modifica-
ção do valor nominal e ao número de ações na hipótese de alteração
da expressão monetária do capital, ou seja, sua correção monetária,
ela não mais existe, pois a indexação anual do capital foi extinta a
partir de I o de janeiro de 1996297.
O aumento de capital sem reforma do estatuto nas companhias
com capital autorizado importa aumento do número de ações e do
valor do capital social (artigo 168). No caso da capitalização de reser-
vas ou lucros, haverá aumento do número de ações ou do seu valor
nominal (artigo 169). Na companhia com ações sem valor nominal, a
capitalização de lucros ou de reservas poderá ser efetivada sem modi-
ficação do número de ações (artigo 169, § I o ). Há, ainda, os casos em
que a assembleia geral delibera aumentar o capital social depois de
realizados % (três quartos) no mínimo do capital, ocasião em que ha-
verá aumento do número de ações para subscrição pública ou particu-
lar. Na hipótese de redução do capital por ser o mesmo julgado
excessivo ou na ocorrência de perdas por prejuízos acumulados (arti-
go 173), ocorre a diminuição do valor nominal das ações, quando for
o caso.
Este artigo faz referência às hipóteses de desdobramento e gru-
pamento de ações; no entanto, deixou o legislador de disciplinar a
matéria, não regulando essas 2 (duas) operações. O desdobramento e
o grupamento de ações não implicam mudança do valor do capital.
Operam-se por simples cálculo aritmético, alterando-se apenas o nú-
mero de ações em que se divide o capital298. O desdobramento ou o
grupamento podem ocorrer com modificação do valor nominal e do
número das ações299-300 ses-\

297 Art. 4°, parágrafo único, da Lei nD 9.249/1995.


298 EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ A L E X A N D R E TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades
Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 174. •
299 N o direito americano, o desdobramento é definido segundo H E N R Y W I N T R O P
B A L L A N T I N E . Ballantine on Corporations. Chicago: Callaghan and Company, 1946,
p. 483, como: "A share or slock 'split up' is simply a dividing up of oulstanding shares by
Desdobramento de ação é sua divisão em 2 (duas) ou mais uni-
dades e corresponde a um aumento do número de ações, com propor-
cional diminuição do seu valor301-302. Por meio dessa operação, a
companhia substitui o número de ações existentes por uma quanti-
dade maior de ações com valor inferior, sem que haja modificação do
capital social.
O desdobramento foi muito utilizado como remédio para ade-
quar a distorção trazida pela desvalorização do poder aquisitivo, quando
era admitida a correção da expressão monetária do capital. Essa ope-
ração justifica-se também em função de conveniência do mercado de
valores mobiliários. Uma ação com valor muito alto, por exemplo,
pode ter pouca liquidez. Assim, sua divisão em um maior número e a
conseqüente diminuição de seu valor pode facilitar sua negociação; é
mais fácil negociar uma ação no valor de RS 1,00 (um real) do que
uma ação cujo valor é de RS 100,00 (cèm reais)303.

amendment of the articles of incorporation into a greater number of share units, like changing
a five dollars bill into 'ones'". H A R R Y H E N N . Handbook of the Law of Corporations and
other Business Entreprises. St. Raul, Minn.: West Publishing Co., 1961, n° 330, p. 512,
observa que o desdobramento é mera alteração do número de ações em que se divide o
capital social, pois: "involve no transfer from supplus to capital or any changes except
adjustments in par value or stated value per share".
300 De acordo com J O S É E D W A L D O TAVARES B O R B A . Direito Societário. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008, p. 253, o desdobramento e o grupamento de ações representam procedi-
mentos de natureza técnica destinados "a dar razoabilidade ao valor das ações quando este
se torna demasiadamente elevado ou extremamente diminuto. Um valor muito elevado
pode, em certas circunstâncias, até mesmo dificultar a negociação das ações".
301 Parecer CVM/SJU n° 004/1981.
302 JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA, "Desdobramento de Ações". In: Alfredo Lamy Filho e
José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplica-
ção). v. II, 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 65, observa que: "(...) o desdo-
bramento é mera divisão da ação, e produz, sempre e necessariamente, partes iguais que,
se forem remembradas, terão que recompor o mesmo todo de onde provieram. Como
ensina o dicionário do Aurélio, desdobrar é 'abrir ou estender o que está dobrado, dividir
em dois"'.
303 De acordo com o Parecer CVM/SJU n° 045/1984, "o desdobramento favorece não só a
liquidez das ações, como também está associado a um processo de alta na cotação das
ações, donde constituir-se como informação relevante, capaz de influir ponderavelmente na
cotação dos valores mobiliários, pelo que os diretores das companhias abertas, bem como
outras pessoas elencadas no § 1° do art. 155 da Lei n° 6.404/76 não devem negociar suas
ações em período anterior à sua plena divulgação".
A operação de desdobramento não causa prejuízo aos acionistas
minoritários. Ao contrário, eles se beneficiam do eventual aumento
da liquidez de suas ações304.
O grupamento é a operação inversa a do desdobramento. Tal
como o desdobramento, implica em alteração do número de ações
sem modificação do valor do capital social; a companhia substitui o
número de ações existentes por uma quantidade menor de ações com
o conseqüente aumento de seu valor nominal, quando for o caso.
Essa operação pode ser deliberada em companhias com ações com
valor nominal ou sem valor nominal305. O grupamento não implica
redução da participação dos acionistas no capital da companhia306-307.

304 A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 001/1986, manifestou-se no sentido de que os acionistas


devem conservar, na proporção de suas respectivas participações no capital social, a
propriedade sobre todo o produto do desdobramento, isto é, sobre os títulos a que seus
papéis, uma vez "desdobrados", deram origem.
305 No mesmo sentido, ECBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO.
Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro ..., v. 1, p. 183; P H I L O M E N O J. D A COSTA,
Anotações às Companhias, v. I, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 222-223, ao
comentar sobre a possibilidade de modificação do número, do valor nominal das ações ou
do capital social coexistindo aquelas sem valor, observa que, quando há grupamento ou
desdobramento de ações, a operação se realiza em 2 (duas) partes; desdobram-se ou se
agrupam as ações com valor nominal e atua-se semelhantemente em relação às ações sem
valor nominal. Esse foi, também, o entendimento da C V M no Parecer CVM/SJU n° 054/1982:
"Ora, a norma não distinguiu essas últimas, estabelecendo que apenas as ações com valor
nominal poderiam ser objeto de sua realização. Por conseguinte, o raciocínio há de ser o
mesmo: o número das ações sem ou com valor nominal, ou este, se houver, poderão ainda
ser modificados pelo desdobramento, grupamento ou cancelamento. Desde que possível a
alteração do número de ações sem valor nominal em virtude de se modificar o valor ou a
expressão monetária do capital, reveste-se de toda a legalidade a alteração desse tipo através
das outras operações previstas. A lei não distinguiu e ao intérprete não é lícito fazê-lo".
306 A CVM, no Parecer CVM/PJU n° 11/2000, se manifestou nesse sentido, concluindo que
"(...) cada ação representa um determinado percentual em relação ao todo que é o capital.
Assim, o número de ações detido pelo acionista é, na realidade, um determinado percentual
do capital social. (...) O valor mobiliário ação é parte representativa do capital social, é fração
do capital social; se um acionista detinha 10% do capital social não importa, em termos
patrimoniais, se esse percentual de participação é traduzido por uma ou por mil ações, o que
importa é que, qualquer que seja a alteração, mantenha ele o mesmo percentual do capital
social de que jã era proprietário".
307 O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento da Apelação n° 34.599-4/0,
Rei. Des. G. Pinheiro Franco, j. em 24.06.1997, decidiu que o grupamento de ações não
causa danos ao acionista: "Sociedade Anônima. Ação de indenização. Alegação de prejuízo
em face da realização de operação de grupamento de ações. Inexistência. Inteligência do
artigo 12 da Lei das Sociedades Anônimas. Hipótese em que houve mera adaptação do
número de ações ao valor do capital social do Bradesco, ante a necessidade dele figurar em
conformidade com a nova moeda de então (cruzado), pela exclusão de três zeros de sua
O grupamento visa a tornar mais econômicos os serviços presta-
dos pelo departamento de acionistas da companhia. O grupamento
pode também ter como finalidade reunir várias ações de valor irrisório
em uma só; podem ocorrer situações como, por exemplo, desvaloriza-
ção da moeda e alteração do padrão monetário que reduzam signifi-
cativamente o valor das ações. Nestas hipóteses, é conveniente grupar
ações, transformando, por exemplo, 1.000 (mil) ações em uma308.
O grupamento de ações deve ter por finalidade o interesse social,
e não o de privar o acionista de seu status socii309-310-311. Assim, não

expressão econômica. Evidência de que a participação do autor no capital do banco mante-


ve-se inalterada. Ação julgada improcedente. Apelo improvído".
300 Em função da edição do Plano Cruzado em fevereiro de 1986, a C V M baixou a Instrução
C V M n° 56/1986, que dispõe sobre o valor nominal mínimo e grupamento de ações
emitidas por companhias abertas, bem como sobre a padronização de certificados de
ações, dispondo que as ações de companhias abertas não poderiam ter valor nominal
inferior a C z $ 1,00 (um cruzado) (art. 1 o ) e determinando que as companhias abertas
deveriam "promover o grupamento das ações em que se divide o seu capital social na
proporção de 1.000 (mil) ações atualmente existentes para cada ação do capital após o
grupamento." (art. 2°). A Instrução C V M n° 56/1986 foi alterada, posteriormente, pelas
Instruções C V M n1» 62/1987 e 79/1988.
309 JOSÉ E D W A L D O TAVARES B O R B A . Direito Societário ..., p. 253, observa que: "(...) o
grupamento não deverá ser adotado jamais de má-fé, isto é, com o intuito de eliminar
acionistas que possam influir no controle e que não atinjam o número de ações necessário
à continuidade na companhia. O grupamento terá que encontrar justificativas no pequeno
valor das ações agrupadas, e o novo valor adotado para a ação não poderá discrepar dos
nfveis de razoabilidade. Sempre que alguma manobra abusiva estiver embutida na decisão de
grupar ações, poderão os acionistas prejudicados pleitear judicialmente a anulação do
grupamento. Observe-se, entretanto, que o grupamento que elimina ações de valor
inexpressivo, e que não tem qualquer relevância para o controle ou para o gozo de quaisquer
prerrogativas legais ou estatutárias, representa uma medida legítima e inatacável, desde que
fundada no já referido critério da razoabilidade". RENATO V E N T U R A RIBEIRO. Exclusão de
Sócios nas Sociedades Anônimas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 271, observa que
"cabe verificar se o grupamento não é abuso de maioria ou de poder de controle. Para tanto,
deverá o grupo majoritário demonstrar o interesse social para justificar exclusão de pequenos
acionistas. O ideal, para evitar problemas, é a regulação do procedimento de grupamento em
lei, como ocorre na França (Lei das Sociedades de 1966, art. 266-1). Se o grupamento não
objetivar interesse social e tiver por escopo privar acionistas de seu status socii
injustifícadamente, excedendo os limites impostos pelo seu fim econômico ou social (Código
Cr vil, art. 187) tem-se exercício abusivo de direito, justificando a nulidade da deliberação".
31 0 Sobre esse assunto, ver também M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Socieda-
des Anônimas, v. 1, 5 a edição, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 287; LUÍS L O R I A FLAKS,
Aspectos Societários do Resgate de Ações", Revista de Direito Mercantil, Econômico,
Industrial e Financeiro. São Paulo: Malheiros, v. 123, julho-setembro, 2001, p. 138.
311 Sobre o status socii, ver F R A N C I S C O A U G U S T O M O N T E SIMONATO. Tratado de Direito
Societário, v. I, R i 0 de Janeiro: Forense, 2009, p. 63-64; DANIELA R A M O S M A R Q U E S
.MARINO, "O Status Socii". In: Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França (Coord.). Direito
Societário Contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 163-182.
pode resultar na eliminação de acionistas que manifestam expressa-
mente o desejo de permanecer na condição de sócios312.
Quando em decorrência do grupamento resultar frações de ações,
a assembleia geral deverá deliberar o procedimento a ser adotado. Em
geral, abre-se um prazo para que os acionistas, comprando ou ven-
dendo ações, componham as suas frações.
Durante algum tempo, prevaleceu, no âmbito da Comissão de
Valores Mobiliários, o entendimento de que o acionista controlador
deveria doar uma ação "grupada" aos acionistas que ficassem com
ações em quantidade inferior ao fator de grupamento e que expres-
sassem a intenção de permanecer na companhia.
Tal entendimento, contudo, foi superado pela prática do merca-
do. Atualmente, considera-se legítima a realização do grupamento,
ainda que implique na exclusão de acionistas, desde que lhes seja con-
cedido prazo para que possam tomar as providências necessárias para
continuar no quadro acionário, caso essa seja a sua intenção, devendo
o acionista controlador, por sua vez, vender-lhes a quantidade de ações
necessárias para que possam continuar compondo a base acionária313.
O resgate consiste no pagamento do valor das ações para retirá-
las definitivamente de circulação314. A deliberação da assembleia ge-
ral de resgate de ações importa alteração do dispositivo estatutário
que fixa o número e, se for o caso, o valor nominal das ações. O resga-
te pode acarretar ou não a redução do capital; mantido o capital, será
atribuído novo valor nominal às ações remanescentes.

312 A Instrução C V M n° 323/2000, que define hipóteses de exercício abusivo do poder de


controle e de infração grave, no inciso XI do art. 1o, estabelece como modalidade de
exercício abusivo do poder de controle "a promoção de grupamento de ações que resulte
em eliminação de acionistas, sem que lhes seja assegurada, pelo acionista controlador, a
faculdade de permanecerem integrando o quadro acionário com, pelo menos, uma unidade
nova de capital, caso esses acionistas tenham manifestado tal intenção no prazo estabeleci-
do na assembléia geral que deliberou o grupamento".
313 Art. 1o, inciso XI, da Instrução CVM n° 323/2000.
314 Ver os comentários ao art. 44 da Lei das S.A.
O reembolso é a operação pela qual a companhia, nos casos pre-
vistos na Lei das S.A. (artigo 137), paga aos acionistas dissidentes de
deliberação de assembleia geral o valor de suas ações (artigo 45). Quan-
do o valor a ser reembolsado é pago à conta de capital, ocorre a sua
diminuição proporcional ao montante do valor pago ao acionista dissi-
dente, havendo redução do número de ações, pois as que foram objeto
de reembolso são extintas. No entanto, nem todo reembolso de ações
implica alteração do capital social, pois se o valor reembolsado for pago
à conta de lucros ou reservas, não haverá alteração do capital, do núme-
ro de ações e do seu valor nominal, se existente, pois as ações reembol-
sadas permanecerão em tesouraria (artigo 45, § 5o).
No caso de ações caídas em comisso, quando a companhia não
conseguir a sua integralização - por meio de processo de execução
movido contra o acionista remisso ou da venda de suas ações em
Bolsa de Valores e ela mesma não puder integralizá-las com lucros ou
reservas disponíveis - deverá, findo o prazo de um ano, convocar as-
sembleia geral pára deliberar sobre a redução do capital em importân-
cia correspondente ao valor não pago da subscrição (artigo 107, § 4 o )
e a conseqüente redução do número de ações em que se divide o
capital, pois aquelas serão extintas.
O estatuto das companhias com ações preferenciais pode regular
a conversão de ações de uma classe em ações de outra e em ações
ordinárias, e destas em preferenciais (artigo 19). A conversão de ações é
a operação pela qual as ações de uma espécie ou classe são substituídas
por ações de outra espécie ou classe, com modificações nos direitos e
obrigações dos acionistas315. A Lei das S.A. não contém qualquer
dispositivo a respeito da relação de troca em operações de conversão de
ações de uma espécie em outra; estabelece, apenas, que as condições da

TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedade por Ações. v. I, Rio de Janeiro: Forense,


1953, p. 133. No mesmo sentido, C A R L O S F U L G Ê N C I O DA C U N H A PEIXOTO. Socieda-
des por Ações. v. 1, São Paulo: Saraiva, 1972, p. 136.
conversão devem ser fixadas no estatuto social. E, portanto, plenamente
legal a fixação da relação de troca na conversão em proporção diferente
de um para um, o que não contraria a regra contida neste artigo - que
consagra o princípio da fixidez do capital social - ; a operação realiza-se
por meio do desaparecimento das ações convertidas e da sua substituição
por títulos representativos de outra espécie ou classe de ações.
A eventual alteração do número de ações em que se divide o
capital, decorrente da adoção de uma relação de troca diferenciada,
está expressamente autorizada pela regra contida no artigo 12316-317.
A conversão de ações com relação de troca diferenciada acarreta, tão
somente, a alteração do percentual representado pelas ações de pro-
priedade de determinado acionista em relação ao capital social.

S E Ç Ã O OS

P R E Ç O DE E M I S S Ã O

Ações com valor nominal


"Art. 13. E vedada a emissão de ações por preço inferior ao seu
valor nominal.

§ I o A infração do disposto neste artigo importará nulidade do


ato ou operação e responsabilidade dos infratores, sem prejuízo
da ação penal que no caso couber.

Nesse sentido, manifestou-se o Colegiado da CVM em decisão proferida no Processo Admi-


nistrativo CVM n° RJ 2007/0947, Rei. Presidente Marcelo fernandez Trindade, j. em 22.05.2007:
"O número de ações preferenciais; no caso concreto, e nos que a ele se assemelhem, seria
alterado pela conversão de ações ordinárias (e, portanto, por seu cancelamento), que é auto-
rizado pela lei tanto se estabelecido previamente no estatuto íarL 19) quanto se for deliberado
pela assembléia geral, e ratificado pela assembléia especial dos acionistas afetados. O falo de o
art. 12 não mencionar expressamente a conversão de ações não impede que esta hipótese de
cancelamento seja abrangida pela referência geral feita na norma às hipóteses de cancelamento
de ações autorizado nesta Lei. O mesmo ocorre com o resgate e a incorporação de ações (que
implicam no cancelamento posterior de ações), e nunca se discutiu a sua possibilidade".
Sobre a conversão de ações e a relação de troca diferenciada, ver os comentários ao art. 19
da Lei das S.A.
§ 2 o A contribuição do subscritor que ultrapassar o valor nominal
constituirá reserva de capital (artigo 182, § 1°)."

O valor nominal é fixado pelo estatuto, quando a sociedade tem


ações com valor nominal e deve ser igual para todas as ações da compa-
nhia. O preço de emissão é estabelecido por ocasião da emissão das ações,
na constituição da sociedade ou em eventuais aumentos de capital.
A Lei das S.A. veda a emissão de ações por preço inferior ao
valor nominal para preservar a integridade do capital social, tendo em
vista ser ele a garantia mínima dos credores318-319. O patrimônio da
sociedade não pode, por ocasião da sua constituição, ser inferior ao
seu capital nominal, pois os credores teriam a ilusão de uma solvabi-
lidade inexistente320. O mesmo princípio aplica-se aos aumentos de
capital; se as ações pudessem ser emitidas por valor inferior ao nomi-
nal, o capital não seria, efetivamente, integralizado. A sociedade teria
um capital "aparente", que seria o nominal, e um capital real inferior
ao aparente, o que poderia causar, nas pessoas que com ela negocias-
sem, a falsa impressão de que as garantias oferecidas nas suas opera-
ções fossem superiores às reais321.

A Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, em seu Capítulo III, Seção II dispõe que:
"No sistema do Projeto, ao contrário do que ocorre nas práticas atuais no nosso mercado, a
emissão de ações por preço superior ao valor nominal (ou seja, com ágio) deverá ser a regra,
e não a exceção, para maior proteção aos acionistas minoritários (art 171, § Io). O artigo 13
mantém a norma da lei em vigor que veda a emissão de ações por preço inferior ao valor
nominal, fundamental à preservação da realidade do capital social".
Ver os comentários ao art. 5 o da Lei das S.A.
T U L L I O ASCARELLI, "Sociedade por Ações - Preferência e Emissão Acima do Par", Revista
Forense. São Paulo: Ed. Forense, v. 98, abril, 1944, p. 280. FRAN MARTINS. Comentários
à Lei das Sociedades Anônimas, v. 1, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 91-92, observa que:
'(...) sendo, por acaso, emitidas ações por preço inferior ao seu valor nominal, não haveria
equivalência, quanto aos recursos entrados para a sociedade, entre o capital e a contribuição
efetiva dos sócios. Sendo o capital a garantia mínima dos credores, essa garantia não existiria,
visto não corresponderem ao capital as importâncias com que os sócios entraram efetivamen-
te para a sociedade".
FRANCISCO CAMPOS, "Sociedade por Ações - Emissão de Ações com Ágio ou Acima de
seu Valor Nominal", Revista Forense. São Paulo: Ed. Forense, v. 97, janeiro, 1944, p. 327.
No mesmo sentido, C A R L O S F U L G È N C I O DA C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações,
v. 1, São Paulo: Saraiva, 1972, p. 155-156.
Na hipótese de emissão de ações por preço inferior ao valor no-
minal, a lei determina a nulidade do ato ou operação e a emissão
jamais se convalida, por ser ineficaz e insuscetível de ratificação322.
Os terceiros prejudicados de boa-fé têm direito ao ressarcimento
dos danos sofridos, pois, como a Lei das S A . determina que haverá nu-
lidade do ato ou operação, considera-se inexistente a emissão de ações323.
Da nulidade do ato de emissão de ações decorre, ainda, a respon-
sabilidade civil e penal dos infratores. A responsabilidade civil abran-
ge os danos e prejuízos causados à companhia, aos seus acionistas e
credores. Em qualquer das hipóteses, respondem os acionistas - que
contribuíram com o seu voto para o ato nulo - , os fundadores, e os
administradores, conforme o caso.
A responsabilidade penal poderá ocorrer se verificada quaisquer
das hipóteses previstas no Código Penal, na parte que trata das frau-
des e abusos na fundação ou administração das sociedades por ações324.
No sistema da Lei das S.A, a emissão de ações por preço superior
ao valor nominal, ou seja, com ágio, deverá ser a regra e não a exce-
ção325. É por essa razão que a Lei das S.A determina que, nos aumen-
tos de capital por subscrição de ações, o preço de emissão deve ser fixado
de acordo com o valor real da ação, ou seja, deve ser abandonado o valor
nominal como parâmetro para determinar a contribuição do subscritor.
Nessas hipóteses, o preço de emissão deverá ser fixado tendo em vista,
alternativa ou conjuntamente, a perspectiva de rentabilidade da com-

322 Consta do art. 166, incisos V, VI e VII do Código Civil, que é nulo o ato jurídico quando
for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para sua validade ou tiver por
objetivo fraudar lei imperativa ou, ainda, quando a lei taxativamente o declara nulo.
323 P H I L O M E N O J. DA C O S T A . Anotações às Companhias, v. I, São Raulo: Revista dos Tribu-
nais, 1980, p. 241. N o mesmo sentido, C A R L O S EU.LGÊNCIO D A C U N H A PEIXOTO.
Sociedades por Ações ..., v. 1, p. 161 -162; E D U A R D O D E C A R V A L H O . Teoria e Prática das
Sociedades Anônimas, v. I, São Raulo: José Bushatsky, 1960, p. 68; W I L S O N CAMPOS DE
S O U Z A BATALHA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. I, Rio de Janeiro:
Forense, 1977, p. 182-183.
324 Vide art. 177 do Código Penal.
325 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.
panhia, o valor do patrimônio líquido da ação, e/ou a cotação de suas
ações em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão organizado, admi-
tindo ágio ou deságio em função das condições de mercado (artigo
170, § I o ). Mesmo na subscrição inicial, as ações podem ser emitidas
por valor superior ao nominal (artigo 84, inciso III).
O ágio aumenta as reservas da sociedade e contribui para o in-
cremento de valor do seu patrimônio; assim, constitui uma garantia
adicional para as atividades sociais326.
Na subscrição de ações, o ágio existe quando a ação emitida pela
companhia é subscrita por preço de emissão superior ao de sua con-
tribuição para a formação do capital social. Quando a ação tem valor
nominal, o ágio será a parte do preço de .emissão que exceder a esse
valor. Nas ações sem valor nominal, o ágio é a parte do preço de emis-
são que ultrapassa a importância destinada à formação do capital so-
cial fixada, na constituição da companhia, pelos fundadores, e no
aumento de capital, pela assembleia geral ou pelo conselho de admi-
nistração (artigo 14, caput).
Para o investidor, o ágio justifica-se sempre que as ações da com-
panhia apresentam boas perspectivas de rentabilidade. A lei determi-
na que o ágio na subscrição de ações deve ser registrado na escrituração
como reserva de capital327, ou seja, não constitui lucro328.
A reserva de capital, na qual é alocado o valor do ágio, somente
poderá ser utilizada para: (i) absorção de prejuízos que ultrapassarem

FRANCISCO CAMPOS, "Sociedade por Ações - Emissão de Ações com Ágio ou Acima de
seu Valor Nominal", Revista Forense ..., v. 97, p. 328-329. Sobre a justificativa para a
cobrança do ágio, ver A L O Y S I O LOPES PONTES, "Cobrança de Ágio em Aumentos de Capital
de Sociedades Anônimas", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro.
São Raulo: Ed. Malheiros, v. 11, 1973, p. 30; C A R V A L H O DE M E N D O N Ç A . Tratado de Direito
Comercial Brasileiro, v. II, t. II, São Paulo: Bookseller, 2001, n° 1.027, p. 444; C A R L O S
FULGENCIO DA C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações ..., v. 1, p. 158.
Vide comentários ao art. 182, § 1°, alínea "a", da Lei das S.A.
V i C E N Z O ALLEGRI, "SulTimpiego dei sopraprezzo d'emissione delle azioni", Rivista Delle
Società. Milano: Giuffrè, Ano X, 1965, p. 1.009-1.016; G I A N C A R L O FRÈ. Socità per
Azioni; Ciommentario dei Códice Civile a cura de Antonio Scialojà e Giuseppe Branca,
libro quinto-del lavoro, art. 2.325-2.461, Roma: Ed. Del Foro Italiano, 1982, p. 716.
os lucros acumulados e as reservas de lucros; (ii) resgate, reembolso
ou compra de ações; (iii) resgate de partes beneficiárias; (iv) incorpo-
ração ao capital social; e (v) pagamento de dividendo a ações prefe-
renciais, quando essa vantagem lhes for assegurada, (artigo 200).

Ações
j sem valor nominal
"Art. 14. O preço de emissão das ações sem valor nominal será
fixado, na constituição da companhia, pelos fundadores, e no au-
mento de capital, pela assembleia geral ou pelo conselho de admi-
nistração (artigos 166 e 170, § 2 o ).

Parágrafo único. O preço de emissão pode ser fixado com parte


destinada à formação de reserva de capital; na emissão de ações
preferenciais com prioridade no reembolso de capital, somente
a parcela que ultrapassar o valor de reembolso poderá ter essa
destinacão."

As ações sem valor nominal foram instituídas em nosso regime so-


cietário pela Lei das S.A. - sob influência do direito norte-americano -
com a finalidade de permitir maior flexibilidade às sociedades anônimas
em seus aumentos de capital e viabilizar a captação de recursos no mer-
cado, pois nas companhias com ações sem valor nominal a contribuição
representada por cada ação pode variar, novas emissões podem ser reali-
zadas por preço superior ou inferior às emissões anteriores329. A ausência
de valor nominal permite que o preço de emissão das ações seja fixado de
acordo com a realidade do mercado, o que facilita o aumento de capital
social, quando necessário aos interesses da companhia330-331.

329 D e acordo com a Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, as ações sem valor
nominal "oferecem maior flexibilidade nos aumentos de capital social, e cuja existência
contribuirá para diminuir a importância atribuída ao valor nominal das ações pelos participan-
tes do nosso mercado de capitais, em prejuízo do seu funcionamento normal".
330 Ver os comentários ao art. 11 da Lei das S.A.
331 Sobre esse assunto, ver M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas, v. 1, 5 a edição, São Raulo: Saraiva, 2007, p. 161.
A principal utilidade prática das ações sem valor nominal é a de
permitir a emissão de ações a preço inferior à contribuição para o
capital social das ações antigas. Na companhia com ações com valor
nominal, se a cotação das ações no mercado é inferior a esse valor, a
sociedade fica praticamente impedida de aumentar o capital, tendo
em vista que a Lei das S.A. veda, expressamente, a emissão de ações
por preço inferior ao seu valor nominal (artigo 13, caput)] não há ra-
zão para os investidores pagarem no mercado primário preço por ação
superior àquele pelo qual podem comprá-la no mercado secundário.
A ação sem valor nominal é de maior utilidade para a companhia,
pois ela tem flexibilidade para fixar o preço de emissão das novas ações
de acordo com as circunstâncias do mercado332.
A ação sem valor nominal não contém a expressão monetária da
sua participação no montante do capital social; é estimada, em prin-
cípio, como fração do capital e negociada a preços de mercado333.
Na constituição da companhia, o preço de emissão das ações
sem valor nominal é estabelecido pelos fundadores e estes não são
obrigados a observar um critério determinado para sua fixação; no
entanto, o prospecto deverá mencionar, com precisão e clareza, os
motivos que justifiquem a expectativa de bom êxito do empreendi-
mento, em especial o preço de emissão das ações (artigo 84, inciso
II), pois a responsabilidade dos acionistas será limitada ao preço de
emissão das ações subscritas334-335 (p- sesJ.

332 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, "Definição no Estatuto das Vantagens Ratrimoniais das Ações
Preferenciais". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.:
(pressupostos, elaboração, aplicação), v. II, 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 85.
333 PHILOMENO J. DA COSTA. Anotações às Companhias, v. I, São Raulo: Revista dos Tribu-
nais, 1980, p. 237 e 247; A L F R E D O LAMY FILHO. Temas de S.A. Rio de Janeiro: Renovar,
2007, p. 190.
334 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas ..., v. 1, p. 166,
lembra que "no valor de emissão devem-se levar em conta principalmente as necessidades
patrimoniais (capital de investimento) e operacionais (capital de giro) da companhia e,
subsidiariamente, as operações ensejadas pelos recursos da reserva de capital, notadamente
a de negociação da companhia com suas próprias ações (art. 200). Portanto, o valor de
emissão deve ser adequadamente dimensionado quanto ao seu valor total, e equilibrado
quanto à sua destinação".
Nos aumentos de capital, o preço de emissão das ações é fixado
pela assembleia geral ou pelo conselho de administração (artigos 168,
§ I o , alínea "b", e 170, § 2 o ), de acordo com o seu valor real, sem dilui-
ção injustificada da participação dos antigos acionistas, tendo em vista,
alternativa ou conjuntamente, a perspectiva de rentabilidade da com-
panhia, o valor do patrimônio líquido da ação, e/ou a cotação de suas
ações em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão organizado336.
O mesmo procedimento deve ser observado na hipótese de ca-
pital autorizado; a cada emissão cabe ao órgão que a autoriza fixar o
valor real da ação, de acordo com os critérios acima referidos.
Na companhia com ações sem valor nominal, a capitalização de
lucros ou reservas poderá ser efetivada sem modificação do número
de ações (artigo 169, § I o ).
A emissão de ações sem valor nominal com parte destinada à
formação de reserva de capital, ou seja, com sobrepreço, é expressa-
mente prevista no parágrafo único deste artigo.
O ágio existe quando a ação emitida pela companhia é subscrita
por preço de emissão superior ao de sua contribuição para a formação
do capital social. Quando a ação tem valor nominal, o ágio será a
parte do preço de emissão que exceder a esse valor337. Nas ações sem
valor nominal, o ágio é a parte do preço de emissão que ultrapassa a
importância destinada à formação do capital social338.
O ágio incrementa as reservas da sociedade e contribui para o
aumento de valor do seu patrimônio, constituindo uma garantia adi-
cional para as atividades sociais339.

335 Ver os comentários ao art. I o da Lei das S.A.


336 Ver os comentários ao art. 170, § 1°, da Lei das S.A.
337 Ver os comentários ao art. 13 da Lei das S.A.
338 JOSÉ E D W A L D O TAVARES B O R B A . Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2008,
p. 231, entende que, no caso das ações sem valor nominal, não se trata de ágio, mas de
"mero destaque de parcela do preço de emissão".
339 Sobre esse assunto, ver F R A N C I S C O CAMPOS, "Sociedade por Ações - Emissão de Ações
com Agio ou Acima de seu Valor Nominal", Revista Forense. São Paulo: Ed. Revista
Para o investidor, o ágio justifica-se sempre que as ações da
companhia apresentam boas perspectivas de rentabilidade. A Lei
das S.A. determina que o ágio na subscrição de ações deve ser regis-
trado na escrituração como reserva de capital340, ou seja, não consti-
tui lucro341.
A reserva de capital somente poderá ser utilizada para: (i) absor-
ção de prejuízos que ultrapassarem os lucros acumulados e as reservas
de lucros; (ii) resgate, reembolso ou compra de ações; (iii) resgate de
partes beneficiárias; (iv) incorporação ao capital social; e (v) paga-
mento de dividendo a ações preferenciais, quando essa vantagem lhes
for assegurada (artigo 200).
Com relação às ações preferenciais sem valor nominal emitidas
com prioridade no reembolso do capital (artigo 17, inciso II), a Lei
das S.A. determina que somente a parcela do preço de emissão rece-
bida dos subscritores que ultrapassar c:valor do reembolso, com prê-
mio ou sem ele, poderá ser destinada à reserva de capital342.
Assim, na determinação da parte do preço de emissão das ações
preferenciais sem valor nominal com prioridade no reembolso que
será destinada à conta de reserva de capital, deverá ser, previamente a
essa destinação, apurado o valor do reembolso, na época da emissão

Forense, v. 97, janeiro, 1944, p. 328-329. Sobre a razão da existência do ágio, ver
A L O Y S I O LOPES PONTES, "Cobrança de Ágio em Aumentos de Capitai de Sociedades
Anônimas", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Pau-
lo: Ed. Malheiros, v. 11, 1973, p. 30; C A R V A L H O D E M E N D O N Ç A . Tratado de Direito
Comercial Brasileiro, v. II, t. II, São Paulo: Bookseller, 2001, n° 1.027, p. 444; C A R L O S
F U L C Ê N C I O D A C U N H A P E I X O T O . Sociedades por Ações. v. 1, São Paulo: Saraiva,
1972, p. 158.
340 Ver comentários ao art. 182, § 1 o , alínea "a", da Lei das S.A.
341 Sobre esse assunto, ver V I C E N Z O A L L E G R I , "Sull'impiego dei sopraprezzo d'emissione
delle azioni", Rivista Delle Società. Milano: Giuffrè, A n o X, 1965, p. 1.009-1.016;
G1ANCARLO FRÈ. Socità per Azioni; Ciommentario dei Códice Civile a cura de Antonio
Scialojà e Giuseppe Branca, libro quinto-del lavoro, art. 2325-2461, Roma: Ed. Del Foro
Italiano, 1982, p. 716.
De acordo com a Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, "para proteger o interesse
dos demais acionistas, o parágrafo único do artigo 14 veda contribuição para formação do
capital social em montante inferior ao valor de reembolso assegurado prioritariamente a
ações preferenciais".
das ações. Somente a quantia que exceder esse valor poderá formar a
reserva de capital343-344.

SEÇÃO III

ESPÉCIES E C L A S S E S

Espécies
'Art. 15. As ações, conforme a natureza dos direitos ou vantagens que
confiram a seus titulares, são ordinárias, preferenciais ou de fruição.

§ I o As ações ordinárias da companhia fechada e as ações prefe-


renciais da companhia aberta e fechada poderão ser de uma ou
mais classes.

§ 2° O número de ações preferenciais sem direito a voto, ou sujei-


tas a restrição no exercício desse direito, não pode ultrapassar
50% (cinquentapor cento) do total das ações emitidas." (Redação
dada pela Lei n° 10.303/2001)

A Lei das S.A. regula 3 (três) espécies de ações: ordinárias, pre-


ferenciais e de fruição. O direito societário brasileiro não admite cate-
gorias de ações como as de prêmio ou favor, as industriais, as de
trabalho, etc., pois essas não representam valor incorporado ao capi-

343 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas ..., v. 1, p. 165.


344 Consta do Parecer CVM/SJU n° 038/1980 que "a ação preferencial, sem valor nominal, com
prioridade no reembolso do capital, pode ter o preço de emissão composto por duas partes:
a primeira, pelo valor destinado à contribuição do subscritor ao capital, a qual a Lei n° 6.404/
76 no artigo 14 parágrafo único denomina valor de reembolso, que é prioritário nos termos
da mesma lei, artigo 17, inciso II, e que corresponde ao resultado da divisão do valor do
capital social subscrito pelo número de ações da companhia no momento da emissão; a
segunda, pela parte destinada à formação da reserva de capital e que é parcela excedente à
primeira, como o determina o já mencionado artigo 14 em seu parágrafo único (...) tanto a
ação preferencial com valor nominal como a ação preferencial sem valor nominal, que gozem
de prioridade no reembolso do capital, tem a parcela do preço de emissão que se destinar à
formação do capital calculada como resultado da divisão do capital social subscrito pelo
número de ações e, então, o que exceder poderá ter a destinação de reserva de capital".
tal. A Lei das S.A. também não faz distinção entre as ações origina-
das de subscrição em dinheiro e as resultantes de subscrição em bens.
As ações ordinárias e preferenciais são os principais instrumen-
tos da companhia para obter capital próprio (capital social e reservas
de capital): é requisito essencial para a criação de ação que haja uma
contribuição para o capital social da companhia, igual ao valor nomi-
nal, ou - se a ação não tem valor nominal - ao preço de emissão da
ação ou à parte desse preço que os órgãos sociais definirem como
destinada à formação do capital social. Já as ações de fruição não cons-
tituem instrumentos de captação de recursos, pois são emitidas em
substituição de ações amortizadas345.
A ação ordinária é aquela cuja emissão é obrigatória em todas as
companhias, não tem preferências econômicas e dá ao seu titular o
poder político - mediante o exercício do direito de voto - de partici-
par na direção da sociedade346. -
Em regra, as ações ordinárias conferem iguais direitos a todos os
acionistas; no entanto, a Lei das S.A. admite que as ações ordinárias
da companhia fechada possam ser de classes diversas, conferindo di-
reitos desiguais, em função, exclusivamente, de (i) conversibilidade em
ações preferenciais; (ii) exigência de nacionalidade brasileira do acio-
nista347; ou (iii) direito de voto em separado para o preenchimento de
determinados cargos de órgãos administrativos (artigo 16)348. Na com-
panhia aberta, em que a divisão em classes não é permitida, todas as
ações ordinárias conferem os mesmos direitos a seus titulares.

345 JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA. Finanças e Demonstrações Financeiras da Companhia;


Conceitos Fundamentais. Rio de janeiro: Forense, 1989, p. 401-402.
346 Note -se que a BM&FBovespa exige como condição para que companhias abertas possam lazer
parte do segmento especial de negociação de valores mobiliários - o Novo Mercado - , que
tenha o seu capital social dividido apenas em ações ordinárias (item 3.1, (vii) do Regulamento
do Novo Mercado).
347 Sobre o conceito de sociedade brasileira, nacionalidade dos sócios e nacionalidade do
controle, ver os comentários ao art. 16 da Lei das S.A.
348 Note-se que a enumeração constante do art. 16 da Lei das S.A. é taxativa.
Os acionistas, sejam os titulares de ação ordinária ou de ação
preferencial, não podem ser privados dos direitos essenciais - de par-
ticipar dos lucros; do acervo da companhia em caso de sua liquida-
ção; de fiscalizar, na forma prevista na Lei das S.A., a gestão dos
negócios sociais; de preferência na subscrição de ações, partes bene-
ficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e
bônus de subscrição349 e de retirar-se da sociedade nos casos previstos
em lei - , nem por deliberação da assembleia geral, nem por disposi-
ção estatutária350.
A regra geral é a de que todas as ações da sociedade têm direito
de voto, que poderá, no entanto, ser limitado (artigo 110, § I o ), no
caso das ações ordinárias, e negado ou restrito, no caso das ações
preferenciais (artigo 111, caput).
A ação preferencial é aquela que tem por função principal servir
de instrumento para financiar o capital próprio da companhia, medi-
ante captação de recursos de pessoas que se dispõem a exercer a fun-
ção empresarial apenas no que diz respeito à aplicação de capital de
risco, mas que não desejam interferir na direção da empresa351.
A ação preferencial confere a seu titular determinadas preferên-
cias ou vantagens patrimoniais - em comparação com as ações ordi-
nárias - que podem consistir (i) em prioridade na distribuição de
dividendo, fixo ou mínimo; (ii) em prioridade no reembolso do capi-

349 No entanlo, o art. 172 da Lei das S.A., que trata da exclusão do direito de preferência,
determina que o estatuto da companhia aberta que contiver autorização para o aumento
do capital pode prever a emissão, sem clireito de preferência para os antigos acionistas, ou
com a redução do prazo de que trata o § 4 o do art. 171, de ações e debêntures conversíveis
em ações, ou bônus de subscrição, cuja colocação seja feita mediante venda em Bolsa de
Valores ou subscrição pública ou, ainda, permuta de ações em oferta pública de aquisiçao
de controle, nos termos dos arts. 257 e 263 da Lei das S.A. Estabelece, também, que o
estatuto da companhia, ainda que fechada, pode excluir o direito de preferência para
subscrição de ações nos lermos de lei especial sobre incentivos fiscais.
350 Ver os comentários ao art. 109 da Lei das S.A.
351 JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA. Finanças e Demonstrações Financeiras da Companhia;
Conceitos Fundamentais ..., p. 403. Sobre esse assunto, ver, também, EGBERTO LACERDA
TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades Anônimas no Direi-
to Brasileiro, v. 1, São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 188.
tal, com prêmio ou sem ele; ou (iii) na acumulação dessas 2 (duas)
preferências e vantagens.
Para que as ações preferenciais, sem direito de voto ou com
restrição ao exercício desse direito, emitidas por companhias abertas,
possam ser admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários,
o estatuto deve estabelecer pelo menos um dos 3 (três) tipos de
privilégios previstos no § I o do artigo 17, além de, facultativamente, o
direito de prioridade no recebimento do valor de reembolso na
liquidação da companhia, com prêmio ou sem ele332.
No entanto, para compensar as vantagens atribuídas às ações
preferenciais, elas podem ser privadas do exercício do direito de voto
(artigo 111, caput).Trata-se de uma troca de direitos patrimoniais por
políticos, que só permanece em vigor enquanto for assegurado aos
titulares dessa ação o pagamento do dividendo mínimo ou fixo, pois,
na falta desse pagamento, pelo prazò máximo de 3 (três) exercícios
consecutivos, as ações preferenciais adquirem o direito de voto333.
Não obstante a negação ou restrição do direito de voto aplicada
às ações preferenciais, (i) na constituição do conselho fiscal, os seus
titulares terão direito de eleger, em votação em separado, um membro
e respectivo suplente (artigo 161, § 4 o , alínea "a"); (ii) os titulares de
ação preferencial podem comparecer à assembleia geral e discutir a
matéria submetida à deliberação (artigo 125, parágrafo único); e (iii)
na liquidação da companhia essas ações gozam do direito de voto,
tornando-se ineficazes as restrições ou limitações porventura exis-
tentes; cessando o estado de liquidação, restaura-se a eficácia das res-
trições ou limitações relativas ao direito de voto (artigo 213, § I o ).

Sobre as preferências que devem constar do estatuto de uma companhia para que suas
ações preferenciais sejam negociadas no mercado de valores mobiliários, ver os comentá-
rios ao § 1 o do art. 17 da Lei das S.A. Note-se que, a distinção feita pela Lei n° 10.303/2001
foi entre as ações preferenciais negociadas no mercado de valores mobiliários e as ações
preferenciais que não são negociadas nesse mercado.
Ver os comentários ao art. 111 da Lei das S.A.
Não pode existir ação preferencial sem direito de voto caso não
lhe seja atribuído um privilégio econômico, na repartição dos lucros
ou no reembolso de capital3S4. A negação ou restrição ao direito de
voto às ações preferenciais depende de previsão estatutária clara e
expressa, uma vez que, em princípio, todas as ações têm direito de
voto. Na omissão do estatuto, os titulares de ações preferenciais go-
zam integralmente do direito de voto, sem qualquer restrição.
A Lei das S A . requer que o estatuto da companhia com ações
preferenciais declare as vantagens ou preferências atribuídas a cada
classe dessas ações e as restrições a que ficarão sujeitas (artigo 19) e,
entre essas restrições, autoriza expressamente a exclusão ou limitação
do direito de voto355.
As ações preferenciais podem ser de diversas classes, conforme
os direitos a elas atribuídos. E necessária a aprovação de acionistas
que representem metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se
maior quorum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações
não estejam admitidas à negociação em Bolsa de Valores ou no mer-
cado de balcão, para deliberação sobre alteração nas preferências, van-
tagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes
de ações preferenciais, salvo se já previsto ou autorizado pelo estatuto
(artigo 136, inciso II).
Não obstante, a eficácia dessa deliberação depende de prévia apro-
vação ou da ratificação, em prazo improrrogável de um ano, de titulares
de mais da metade de cada classe de ações preferenciais prejudicadas,
reunidos em assembleia especial convocada especificamente para esse
fim (artigo 136, § 2o). O acionista titular de ação preferencial dissidente

354 Sobre esse assunto, ver A L F R E D O L A M Y FILHO, "Doação de Ações Nominativas sem a
Assinatura do Termo no Livro Próprio". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira
(Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação), v. II, 2 a edição, Rio de
Janeiro: Renovar, 1996, p. 148; P H I L O M E N O J. DA COSTA, "Direito de Acionista Preferen-
cial", Revista dos Tribunais. São Rwlo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 478, agosto, 1975, p. 39.
355 Ver os comentários ao art. 111 da Lei das S.A.
da deliberação poderá retirar-se da sociedade, mediante reembolso do
valor de suas ações (artigo 137, caput e inciso I).
A ação de fruição, pouco comum na prática do mercado, é aque-
la distribuída ao acionista quando sua ação, ordinária ou preferencial,
é amortizada, ou seja, quando a sociedade distribui aos acionistas im-
portâncias que eles teriam direito a receber na liquidação da socieda-
de, o que somente pode ocorrer à conta de lucros ou reservas
disponíveis, portanto, sem redução do capital social (artigo 44, caput e
§ 2o)356.
O titular das ações de fruição continua acionista da companhia
e tem todos os direitos que lhe conferiam essas ações antes de sua
amortização, salvo o de participar do rateio em caso de liquidação357.
As ações amortizadas só concorrerão ao acervo líquido depois de
assegurado às ações não amortizadas valor igual ao da amortização
(artigo 44, § 5 o ). *
Na vigência do Decreto-Lei n° 2.627/1940, a emissão de ações
preferenciais sem direito de voto era limitada à metade do capital da
companhia. A Lei das S.A., no § 2 o do artigo 15, inovou ao determi-
nar que as ações preferenciais sem direito de voto ou com restrição a

356 P H I L O M E N O J. D A C O S T A . Anotações às Companhias, v. 1, São Raulo: Revista dos Tribu-


nais, 1980, p. 266, contesta a caracterização legal da ação de fruição como uma espécie
de ação, pois sustenta que, "a particularidade da devolução antecipada ao acionista da
porção atribuível à sua ação, como se liquidasse a sociedade, não é fator de criação, na
realidade da terceira espécie de ações. Não é em primeiro lugar, porque a ação substituta
subsiste com direitos, que a mantêm ou como ordinária ou preferencial, na divisão preexistente
de todas. Não é depois terceira espécie, porque existem ações, por exemplo, que não podem
corporificar-se na cártula (...) como aquelas escriturais (art. 34); há ações preferenciais, que
não perdem a sua especialidade, tenham ou não o direito de voto (art. 111). Se as ações
escriturais ou se as ações sem ou com voto não formam espécies novas em razão das
particularidades respectivas, subsistindo como ordinárias ou como preferenciais, a despeito
da supressão de alguns direitos, não há razão para se considerar como espécie distinta a ação
de fruição". ,
357 No mesmo sentido, F R A N MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 1,
Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 102; P H I L O M E N O J. DA COSTA. Anotações às Compa-
nhias ..., V. I, p. 265; JOSÉ E D W A L D O TAVARES B O R B A . Direito Societário. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008, p. 244. Em sentido contrário, M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à
Lei de Sociedades Anônimas, v. T, 5 a edição, São Ftiulo: Saraiva, 2007, p. 189; RUBENS
REQUIÃO. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas ..., v. 1, p. 144.
esse direito não poderiam ultrapassar 2/3 (dois terços) do total das
ações emitidas. A Lei n° 10.303/2001, no entanto, alterando a reda-
ção do § 2 o , limitou o número de ações preferenciais sem direito a
voto, ou sujeitas a restrição no exercício desse direito, à metade do
total das ações emitidas, ou seja, do total de todas as espécies de ações
criadas pela companhia e dividiu as sociedades anônimas em 2 (duas)
categorias: (i) a primeira, integrada pelas companhias que estão obri-
gadas a adotar o critério ou regime de paridade entre ações ordinárias
e preferenciais; e (ii) a segunda, formada pelas sociedades que podem
manter o critério de disparidade, permanecendo indefinidamente au-
torizadas a emitir ações sem direito a voto na proporção de até 2/3
(dois terços) do capital total358.
Estas são as 2 (duas) únicas hipóteses reguladas pelas disposições
transitórias constantes da Lei n° 10.303/2001, de modo que todas as
sociedades anônimas deveriam ser enquadradas ou em uma ou em
outra categoria e, de acordo com essa lei359, o critério de paridade entre
ações ordinárias preferenciais deveria ser compulsoriamente adotado
(i) pelas companhias abertas e fechadas que fossem constituídas após
avigência da Lei n° 10.303/2001, ou seja, após I o de março de 2002360;
e (ii) pelas companhias fechadas já constituídas que decidissem abrir
seu capital, com a emissão de ações preferenciais, após a vigência da
Lei n° 10.303/2001.
As companhias fechadas existentes continuam com a faculdade
de emitir até 2/3 (dois terços) de ações preferenciais sem direito a
voto e apenas 1/3 (um terço) de ordinárias. A possibilidade de manu-
tenção de até 2/3 (dois terços) do capital em ações sem direito a voto
subsistirá por todo o tempo em que a companhia se mantiver como
fechada, passando a ser obrigatória a adoção do regime de paridade
por ocasião da eventual abertura de seu capital.

358 Art. 8 o , §§ 1° e 2°, da Lei n° 10.303/2001.


359 Art. 8o, incisos I e II do § 1°, da Lei n° 10.303/2001.
360 Art. 9 o da Lei n° 10.303/2001.
O novo limite de emissão de ações preferenciais sem direito a
voto, instituído pela Lei n° 10.303/2001, aplica-se unicamente às
sociedades constituídas após a vigência da nova lei e às companhias
fechadas no momento em que abrirem seu capital.
Em relação às companhias abertas preexistentes permanece em
vigor o regime legal anterior, que faculta a emissão de ações preferen-
ciais até o limite de 2/3 (dois terços) do total de ações emitidas. Isso
significa que tais companhias podem não apenas manter a proporção
de ações preferenciais já existentes, mas também emitir novas ações
sem direito a voto até o limite de 2/3 (dois terços) do seu capital social,
caso este ainda não tenha sido atingido anteriormente à vigência da
Lei n° 10.303/2001361-362.
A única hipótese em que as companhias abertas preexistentes
passam a estar sujeitas ao critério de paridade entre ações ordinárias e
preferenciais é quando elas voluntariamente optarem por se adequar
ao regime fixado pela Lei n° 10.303/2001. Neste caso, essas compa-
nhias ficam impedidas de retornar à proporção de 2/3 (dois terços) de
ações preferenciais sem direito a voto. No entanto, constitui condi-
ção para a aplicação de tal regra que a companhia aberta, com o obje-
tivo de se adaptar ao regime de paridade, promova aumento de capital
mediante emissão de ações ordinárias, a fim de reduzir o percentual
de ações preferenciais sem direito a voto363.
Atualmente, a tendência, nas companhias que estão abrindo o
seu capital, é a de emitir apenas ações ordinárias, para atender à exi-

361 M O D E S T O C A R V A L H O S A e N E L S O N EIZIRIK. A Nova Lei das S.A. São Paulo: Saraiva,


2002, p. 68-82.
362 No mesmo sentido, foi a decisão do Colegiado da C V M proferida no Processo C V M n° RJ
2001/12242, Rei. Luiz Anlonio Sampaio Campos, j. em 26.04.2002, que teve origem na
consulta da SEP/SER sobre aumento de capital em companhias abertas, considerando a
nova redação do art. 15, § 2 o , da Lei das S.A.: "(...) a nosso ver, em relação às companhias
abertas existentes anteriormente à vigência da Lei n° 10.303/2001, permanece o limite para
a emissão de ações preferenciais de até dois terços do total de ações emitidas, sendo certo
que tal regra se aplica, inclusive, àquelas companhias que ainda não atingiram tal limite".
363 Art. 8 o , § 2°, da Lei n° 10.303/2001.
gência da regulamentação do segmento especial de negociação de
valores mobiliários da BM&FBovespa 364 .
Ações ordinárias
"Art. 16. As ações ordinárias de companhia fechada poderão ser
de classes diversas, em função de:

I - conversibilidade em ações preferenciais; (Redação dada pela


Lei n° 9.457/1997)

II - exigência de nacionalidade brasileira do acionista; ou (Reda-


ção dada pela Lei n° 9.457/1997)

133—direito de voto em separado para o preenchimento de deter-


minados cargos de órgãos administrativos. (Redação dada pela
Lei n° 9.457/1997)

Parágrafo Único. A alteração do estatuto na parte em que regula


a diversidade de classes, se não for expressamente prevista e re-
gulada, requererá a concordância de todos os titulares das ações
atingidas."

A Lei das S.A., visando a conferir maior flexibilidade no desen-


volvimento dos negócios das companhias fechadas e a permitir a as-
sociação de várias sociedades em empreendimentos comuns, admitiu
a criação de ações ordinárias de classes diversas365.

364 Consta do Regulamento do Novo Mercado que o diretor geral da BM&FBovespa poderá
conceder autorização para negociação no Novo Mercado para a companhia que preencher
determinadas condições mínimas, estabelecendo, entre essas condições, que ela "tenha
seu capita! social dividido exclusivamente em ações ordinárias, exceto em casos de
desestatização, se se tratar de ações preferenciais de ciasse especial que tenham por fim
garantir direitos políticos diferenciados, sejam intransferíveis e de propriedade do ente
desestatizante, devendo referidos direitos ter sido objeto de análise prévia pela BOVESPA"
(item 3.1, inciso (vii)).
365 Consta da Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, que essa flexibilidade da Lei das
S.A. de admitir, nas companhias fechadas, mais de uma classe de ações ordinárias, seria
'N&sjoint ventiires, por exemplo, a flexibilidade prevista no artigo
16 é útil, em função, principalmente, do direito de voto em separado
para o preenchimento de determinados cargos de órgãos administra-
tivos. É possível, dessa forma, a repartição da gestão entre os diversos
grupos que se associam no empreendimento comum366-367.
O estatuto da companhia fechada deve regular as classes de ações
ordinárias em função de: (i) conversibilidade em ações preferenciais;
(ii) exigência de nacionalidade brasileira do acionista368; ou (iii) direito
de voto em separado para o preenchimento de determinados cargos de
órgãos administrativos. No silêncio do estatuto, as ações ordinárias se-
rão de classe única. A enumeração das classes de ações ordinárias cons-
tante dos incisos I a III é taxativa369; trata-se de norma que excepciona
a regra geral de que não há classes de ações ordinárias.

útil na associação de diversas sociedades em empreendimento c o m u m (joint veníure),


permitiria a composição ou conciliação de interesses e a proteção eficaz de condições
contratuais acordadas.
366 E C B E R T O L A C E R D A TEIXEIRA e JOSÉ A L E X A N D R E TAVARES G U E R R E I R O . Das Sociedades
Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 186.
367 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 1, 5 a edição,
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 192, observa que: "o dispositivo garante, de forma permanente
e irrevogável, a participação igualitária, minoritária ou mesmo majoritária de alguns acionistas
ou de seus prepostos na administração da companhia, independentemente do percentual
de capital que nela possuem".
368 Há uma distinção entre sociedade brasileira e a nacionalidade brasileira do acionista. Nos
termos do art. 1.126 do Código Civil, "é nacional a sociedade organizada de conformidade
com a lei brasileira e que tenha no País a sede de sua administração". A nacionalidade
brasileira da pessoa física é definida pela Constituição Federal, que determina, no art. 12,
que "são brasileiros: I-natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de
pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no
estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da
República Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe
brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a
residir na República Federativa do Brasil e opten), em qualquer tempo, depois de atingida a
maioridade, pela nacionalidade brasileira. II - naturalizados: a) os que, na forma da lei,
adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa
apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de qual-
quer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos
ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira". A
Constituição Federal exige, por exemplo, que as empresas jornalísticas e de radiodifusão
sonora e de sons e imagens sejam de propriedade privativa de brasileiros natos ou
naturalizados há mais de 10 (dez) anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sede no país (art. 222).
369 No mesmo sentido, P H I L O M E N O J. DA C O S T A . Anotações às Companhias, v. I, São Fíiulo:
Revista dos Tribunais, 1980, p. 284; E G B E R T O L A C E R D A TEIXEIRA e JOSÉ A L E X A N D R E
Dessa forma, determinado número de ações ordinárias poderá
ser conversível em ações preferenciais e o estatuto deverá estabelecer
as condições da conversão (artigo 22, caput). Será, ainda, imprescindí-
vel observar a norma legal que determina que o número de ações
preferenciais sem direito a voto, ou sujeitas a restrição no exercício
desse direito, não pode ultrapassar 50% (cinqüenta por cento) do to-
tal das ações emitidas (artigo 15, § 2 o ).
A Lei das S.A. permite que, nas companhias fechadas, um de-
terminado percentual do capital ou número de ações ordinárias seja
subscrito apenas por brasileiros. A princípio, a razão da existência dessa
classe de ações ordinárias é a de atribuir a brasileiros o poder de con-
trole de sociedades nacionais370-371.
Há, ainda, a distinção relativa ao direito de eleger determinados
membros do conselho de administração e da diretoria. Cabe ao esta-
tuto estabelecer se os titulares da ação ordinária terão direito de esco-
lher um número determinado de conselheiros e diretores e/ou cargos
específicos do conselho de administração e da diretoria.
A norma do parágrafo único deste artigo assegura a estabilidade
das relações criadas por meio da diversidade de classes de ações ordi-
nárias nas companhias fechadas e, por isso, exige a deliberação unâ-
nime dos acionistas atingidos para a modificação dos seus direitos
quando o estatuto não fixar outro quorum'11-.
Uma vez estabelecida uma classe de ações ordinárias, qualquer
alteração da mesma somente poderá ocorrer de acordo com o que for

TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro ..., v. 1, p. 186;


RUBENS REQUIÃO. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 1, São Raulo: Saraiva,
1980, p. 146; J O S É E D W A L D O TAVARES B O R B A . Direito Societário. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008, p. 237.
370 P H I L O M E N O J. DA COSTA. Anotações às Companhias ..., v. I, p. 287.
371 A Constituição Federal assegurou aos estrangeiros residentes no País o direito de proprie-
dade (art. 5°, caput e inciso XXII) e estabeleceu restrições quanto à propriedade rural (art.
190), à exploração de recursos minerais (art. 176, § 1 o ) e à participação em empresas
jornalísticas e de radiodifusão (art. 222, caput).
372 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.
expressamente regulado no estatuto ou, na sua omissão, mediante a
aprovação da unanimidade dos acionistas da classe atingida.
Não pode a maioria dos titulares de todas as classes de ações
ordinárias decidir pela alteração de uma determinada classe de ações
ordinárias373-374. É imprescindível a anuência de todos os titulares da.
classe afetada, seja previamente à deliberação dos acionistas em as-
sembleia geral, seja na própria assembleia ou, posteriormente, por meio
da ratificação das deliberações tomadas. O parágrafo único tem por
finalidade reforçar a segurança jurídica da diversidade de classes de
ações ordinárias elencadas no caput deste artigo, ou seja, visa a prote-
ger as condições acordadas e a amparar o direito das minorias375.

373 Nesse sentido se manifestou a 3'1 Turma do Tribunal Federal de Recursos no julgamento da
Apelação Cível n° 99.073-DF: "(...) nas sociedades cujo capital é constituído de classes de
ações ordinárias nominativas, a alteração dos direitos conferidos a uma classe, se não for
regulada no estatuto, há de contar com a prévia concorrência da unanimidade dos acionistas
da classe. Não pode a assembleia geral decidir sobre a modificação dos direitos de uma
classe sem o pressuposto daquela concordância. Pode o estatuto regular a hipótese preven-
do a tomada da decisão dos acionistas da classe por maioria. O que não pode é subsumir
na vontade da assembleia geral a vontade dos acionistas da classe atingida. Trata-se de
restrição à soberania da assembleia geral, prevista no parágrafo único do art. 16 da Lei
6.404/76. A regulamentação exigida é defensiva dos interesses do grupo de acionistas,
submetida a vontade da assembleia geral à vontade do grupo (...)". In: A R N O L D O WALD,
"Interpretação do art. 16 da Lei 6.404/76 - Descabimento de Assembleia Especial de
Acionistas Ordinários de Determinada Classe", Revista dos Tribunais. São fóulo: Ed. Revis-
ta dos Tribunais, v. 626, dezembro, 1987, p. 8.
374 Conforme M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas ..., v. 1,
p. 195, ao comentar que não pode "o estatuto prever que alterações futuras poderão ser
feitas independentemente da concordância dos titulares das classes atingidas, ou seja, por
maioria dos acionistas com a direito a voto. O que pode o estatuto determinar é a modifica-
ção futura em si mesma". Em sentido contrário, A R N O L D O W A L D , "Interpretação do art. 16
da Lei 6.404/76 - Descabimento de Assembleia Especial de Acionistas Ordinários de
Determinada Classe", Revista dos Tribunais ..., v. 626, p. 7-20. W I L S O N D E S O U Z A
C A M P O S B A T A L H A . Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. I, Rio de Janeiro:
Forense, 1977, p. 200, sustenta que "pode o estatuto da companhia fechada estabelecer
que a assembleia geral, mediante o quorum e a maioria que especificar, altere o estatuto na
parte em que regula a diversidade de classes de ações ordinárias".
3 75 L U I Z G A S T Ã O PAES D E B A R R O S LEÃES. Pareceres. v. I, São Raulo: Singular, 2004, p.
395-396, observa que "a exigência da concordância da totalidade dos que participam da
mesma classe de ações, para a aprovação do estatuto na parte em que regula a diversida-
de de classes, se justifica, pela razão óbvia de que o objetivo para a adoção de diversas
classes de ações ordinárias é o de permitir, numa companhia fechada, a composição ou
conciliação de interesses, assegurando a todos a imutabilidade das condições acordadas".
Ações preferenciais
"Art. 17. As preferências ou vantagens das ações preferenciais
podem consistir: (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

I - em prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo;


(Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

II - em prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem


ele; ou (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

III - na acumulação das preferências e vantagens de que tratam


os incisos I e II. (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ I o Independentemente do direito de receber ou não o valor de


reembolso do capital com prêmio ou sem ele, as ações preferenciais
sem direito de voto ou com restrição ao exercício deste direito, so-
mente serão admitidas à negociação no mercado de valores mobi-
liários se a elas for atribuída pelo menos uma das seguintes
preferências ouvantagens: (Redação dadapelaLein 0 10.303/2001)

I - direito de participar do dividendo a ser distribuído, correspon-


dente a, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líqui-
do do exercício, calculado naforma do artigo 202, de acordo com
o seguinte critério: (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

a) prioridade no recebimento dos dividendos mencionados neste


inciso correspondente a, no mínimo, 3% (três por cento) do valor
do patrimônio líquido da ação; e (Incluída pela Lei n° 10.303/2001)

b) direito de participar dos lucros distribuídos em igualdade de


condições com as ordinárias, depois de a estas assegurado divi-
dendo igual ao mínimo prioritário estabelecido em conformida-
de com a alínea a; ou (Incluída pela Lei n° 10.303/2001)
II - direito ao recebimento de dividendo, por ação preferencial,
pelo menos 10% (dez por cento) maior do que o atribuído a cada
ação ordinária; (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

III - direito de serem incluídas na oferta pública de alienação de


controle, nas condições previstas no artigo 254-A, assegurado o
dividendo pelo menos igual ao das ações ordinárias. (Incluído pela
Lei n° 10.303/2001)

§ 2 o Deverão constar do estatuto, com precisão e minúcia, outras


preferências ou vantagens que sejam atribuídas aos acionistas sem
direito a voto, ou com voto restrito, além das previstas neste arti-
go. (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

§ 3 o Os dividendos, ainda que fixos ou cumulativos, não poderão


ser distribuídos em prejuízo do capital social, salvo quando, em
caso de liquidação da companhia, essa vantagem tiver sido ex-
pressamente assegurada. (Redação dadapelaLein 0 10.303/2001)

§ 4 o Salvo disposição em contrário no estatuto, o dividendo prio-


ritário não é cumulativo, a ação com dividendo fixo não participa
dos lucros remanescentes e a ação com dividendo mínimo parti-
cipa dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as
ordinárias, depois de a estas assegurado dividendo igual ao míni-
mo. (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

§5° Salvo ó caso de ações com dividendo fixo, o estatuto não pode
excluir ou restringir o direito das ações preferenciais de participar
dos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas
ou lucros (artigo 169). (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

§ 6 o O estatuto pode conferir às ações preferenciais com priori-


dade na distribuição de dividendo cumulativo, o direito de rece-
bê-lo, no exercício em que o lucro for insuficiente, a conta das
reservas de capital de que trata o § I o do artigo 182. (Redação
dada pela Lei n° 10.303/2001)

§ 7 o Nas companhias objeto de desestatização poderá ser criada


ação preferencial de classe especial, de propriedade exclusiva do
ente desestatizante, à qual o estatuto social poderá conferir os
poderes que especificar, inclusive o poder de veto às deliberações
da assembleia geral nas matérias que especificar." (Incluído pela
Lein° 10.303/2001)

PREFERÊNCIAS OU VANTAGENS DAS AÇÕES PREFERENCIAIS

Após a promulgação da Lei n° 6.404/1976, os artigos 15 e 17


foram objeto de vários debates no que se refere à manutenção de ações
preferenciais sem direito a voto, à redução do limite máximo admitido
para a emissão dessas ações, ao prazo máximo para a reaquisição do
direito de voto e/ou à fixação de um dividendo prioritário, fixo ou míni-
mo, definido no estatuto social, com porcentagem definida na lei para
que essas ações fossem negociadas no mercado. Consequentemente, o
artigo 17 foi alterado pelas Leis nos 9.457/1997 e 10.303/2001.
Para a boa compreensão deste artigo e das alterações nele intro-
duzidas, no que se refere às vantagens e preferências que podem ser
conferidas às ações, é importante analisar os conceitos de prioridade
na distribuição de dividendos e de dividendo fixo e mínimo.
Prioridade na distribuição de dividendos significa a vantagem
que tem o acionista titular da ação preferencial de, conforme definido
no estatuto, receber sua parte dos lucros antes da atribuição de divi-
dendos aos titulares de ações ordinárias.
Dividendo fixo é a quantia do lucro previamente quantificada no
estatuto social que deve ser atribuída a cada ação preferencial com
base em (i) um valor certo em reais; ou (ii) percentual determinado do
valor nominal da ação preferencial ou, caso as ações não tenham va-
lor nominal, sobre o próprio capital social, ou, ainda, do patrimônio
líquido da companhia. As ações com dividendo fixo só participam do
lucro até o montante estatutariamente predeterminado, ou seja, não
participam do lucro remanescente que será integralmente atribuído
às ações preferenciais de outra classe eventualmente existente e às
ações ordinárias. Os dividendos fixos, portanto, assemelham-se a um
juro pré-fixado que é garantido aos acionistas sobre o capital por eles
investido, porém sujeito à condição de que a companhia tenha lucro
suficiente para pagá-los.
O dividendo mínimo, por sua vez, é aquele previamente definido
no estatuto social, com base nos mesmos critérios de cálculo do divi-
dendo fixo, acima referidos, e que dá ao titular da ação preferencial o
direito de receber prioritariamente uma parcela do lucro. Salvo dispo-
sição estatutária em contrário, somente após a atribuição do dividen-
do mínimo às ações preferenciais dé determinada classe, igual valor
deverá ser atribuído às ações ordinárias e às demais preferenciais, de
outra classe, eventualmente existente; o saldo remanescente do lucro,
se houver, será partilhado entre as ações ordinárias e preferenciais em
igualdade de condições. Ou seja, as ações preferenciais com dividen-
do mínimo têm o direito de receber prioritariamente uma parcela do
lucro, que deverá ser determinada no estatuto social. Após o paga-
mento do dividendo mínimo às ações preferenciais, igual valor deverá
ser atribuído às ações ordinárias. Por fim, o remanescente do lucro a
ser distribuído, se houver, será partilhado entre as ações ordinárias e
preferenciais em igualdade de condições376-377.
O traço em comum entre as ações preferenciais com dividendos
fixos e aquelas com dividendos mínimos é que ambas têm prioridade

N E L S O N EIZIRIK, "Ações Preferenciais. Não Pagamento de Dividendos. Aquisição do


Direito de Voto", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São
Paulo: Ed. Malheiros, v. 146, abril-junho, 2007, p. 24.
A respeito das ações preferenciais com dividendo mínimo participarem em igualdade de
condições com as ações ordinárias nos lucros remanescentes, salvo previsão estatutária em
contrário, ver decisão da 4 a Turma do Superior Tribunal de Justiça proferida nos autos do
no recebimento desses dividendos, ou seja, ambas têm a garantia de
que somente depois de lhes serem assegurados os dividendos míni-
mos ou fixos é que o eventual saldo remanescente será destinado ao
pagamento dos dividendos das ações ordinárias378-379-380.
Os dividendos fixos ou mínimos são expressamente regula-
dos pelo atual § 4 o , que determina que a ação com dividendo fixo
não participa nos lucros remanescentes e que a ação com dividen-
do mínimo participa dos lucros distribuídos em igualdade de con-
dições com as ordinárias, depois de assegurado a essas ações
dividendo igual ao mínimo.
Em princípio, todo o lucro apurado em cada exercício é destina-
do, em primeiro lugar, a pagar o dividendo, fixo ou mínimo, das ações
preferenciais, e somente o lucro remanescente pode ser atribuído às
ações ordinárias. A prioridade não tem muita relevância enquanto a
companhia realiza lucro suficiente para pagar o dividendo prioritário
das ações preferenciais e igual dividendo às ações ordinárias. No en-
tanto, nos exercícios sociais em que o lucro apurado é menor, a prio-
ridade se torna importante, pois as ações preferenciais têm o direito
de receber seu dividendo fixo ou mínimo e as ações ordinárias rece-
bem apenas o lucro remanescente, ou nenhum dividendo, se todo o
lucro for usado para pagar o dividendo prioritário381.

Recurso Especial n° 267.256-BA, Rei. Min. César Asfor Rocha, j. em 21.08.2001, publicada
no D J U em 05.11.2001, comentada por M A R Í L I A C A M A C H O , "Dividendos de Ações
Preferenciais", Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, v. 14, outubro-dezembro, 2001, p. 101-113.
378 M O D E S T O C A R V A L H O S A e N E L S O N EIZIRIK. A Nova Lei das S.A. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 87-88.
379 Sobre esse assunto, LUIZ C A S T Ã O PAES DE BARROS LEÃES, "Dividendos Mfnimos Cumulativos
e Participantes", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e financeiro. São Raulo: Ed.
Malheiros, v. 109, janeiro-março, 1998, p. 166-167, observa que: "o direito prioritário das ações
pode ser fixo ou mínimo, sendo que o fixo representa um teto, após o qual o acionista não participa
dos lucros remanescentes, e o mínimo, um piso, participando dos lucros remanescentes".
3 80 Sobre a definição de d i v i d e n d o fixo e m í n i m o , ver M A R I A T H E R E Z A W E R N E C K
M E L L O , "Sociedades por Ações", Estudo n° 17. São Paulo: Resenha Universitária,
1979, p. 1 . 0 8 5 - 1 . 0 9 1 .
381 JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA e A L F R E D O L A M Y FILHO, "Ações como ferticipação
Societária". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das
Companhias, v. i, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 252.
Não é garantido à ação preferencial o recebimento do dividendo
prioritário, fixo ou mínimo, pois este somente pode ser pago se hou-
ver lucro. No caso de ser assegurado a essa ação dividendo cumulati-
vo, o dividendo fixo ou mínimo que deixar de ser pago em um exercício
acumulará ao devido nos exercícios seguintes, e quando a companhia
voltar a realizar lucro a ação preferencial receberá integralmente seus
dividendos. Enquanto os dividendos cumulativos não forem integral-
mente liquidados, nenhum dividendo poderá ser pago aos titulares de
ação ordinária.
O montante do dividendo prioritário, fixo ou mínimo, deve ser
determinado ou determinável no estatuto. E juridicamente impossí-
vel o estatuto criar ação com dividendo prioritário não determinado
nem determinável. A estipulação estatutária que atribui às ações pre-
ferenciais prioridade na distribuição de dividendo sem definir seu
montante cria obrigação de objeto indeterminado382-383.
A Lei n° 9.457/1997 atribuiu às ações preferenciais que possuí-
am, como única vantagem, uma prioridade no reembolso de capital, o
direito a receber dividendos 10% (dez por cento) superiores aos que

382 JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA, "Ações Preferenciais", in: Alfredo Lamy Filho e José Luiz
Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação), v. II, T
edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 81.
383 Para uma obrigação ser válida, seu objeto há de ser determinado ou determinável. D e
acordo com M A R I A H E L E N A D I N I Z . Curso de Direito Civil: Teoria Geral das Obriga-
ções. v. 2, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 39, a obrigação é determinada quando houver
perfeita individuação do objeto da prestação desde a constituição da relação creditória
e "será determinável quando sua individuação for feita no momento de seu cumprimen-
to, mediante critérios estabelecidos no contrato ou na lei, baseados em caracteres co-
muns a outros bens, seja pela indicação do gênero e da quantidade (CC, art. 243),
denominando-se, por isso, obrigação genérica. A prestação de obrigação genérica deve
ser individualizada para que possa ser cumprida. A determinação dependerá da escolha
do devedor ou de terceiro, (...), convertendo-se, então, a obrigação genérica em obriga-
ção específica". D e acordo c o m C A I O M Á R I O D A SILVA P E R E I R A . Instituições de
Direito Civil. v. II, 22 a edição, atualizado por Maria Celina Bodin de Moraes, Rio de
Janeiro: Forense, 2008, p. 25, "o que não é possível, sob pena de equiparar-se à falta de
objeto e, pois, à ineficácia da obrigação, é a indeterminação definitiva, que importa na
própria negação do vínculo, por ausência de objetivação.Quando o objeto é
indeterminável, ou pela própria natureza, ou porque circunstâncias especiais obstam à
determinação, não há obrigação válida".
fossem pagos aos titulares de ações ordinárias384; esse direito era obri-
gatório para quaisquer ações preferenciais sem voto, desde que os es-
tatutos da companhia não lhes assegurassem dividendos fixos ou
mínimos.
A Lei n° 10.303/2001 estabeleceu nítida distinção entre o regi-
me de privilégios das ações preferenciais sem direito a voto ou com
voto restrito negociadas no mercado de valores mobiliários e as não
negociadas nesse mercado.
No que se refere às ações preferenciais sem direito a voto não
negociadas no mercado de valores mobiliários, emitidas por compa-
nhias abertas ou fechadas, a Lei n° 10.303/2001 restaurou o regime
que vigorava na redação original da Lei das S.A., no qual o estatuto
poderia estabelecer prioridade no reembolso do capital com ou sem
prêmio e, ainda, cumulativa ou alternativamente, determinar o divi-
dendo prioritário, fixo ou mínimo. Essas ações deixaram, indepen-
dentemente de previsão estatutária, de ter a garantia legal de um
dividendo no mínimo 10% (dez por cento) maior do que aquele pago
às ações ordinárias, quando o estatuto não lhes atribua dividendos
fixos ou mínimos385.
Com relação à prioridade no reembolso do capital, com ou sem
prêmio, é importante esclarecer que um dos direitos essenciais de to-
dos os acionistas é o de participar do acervo da companhia, em caso
de liquidação (artigo 109, inciso II). Dessa forma, sendo estabelecida
como vantagem das ações preferenciais a prioridade no reembolso do

384 Essa alteração foi introduzida na Lei das S.A. porque a prática empresarial demonstrou que
a prioridade no reembolso do capital não proporcionava ao preferencialista um benefício
patrimonial efetivo, uma vez que a vantagem a que ele fazia jus somente se verificava no
momento da liquidação da sociedade e, ainda assim, caso restasse algum patrimônio após
o pagamento dos credores da companhia ( N E L S O N EIZIRIK, "Ações Preferenciais. Não
Rigamento de Dividendos. Aquisição do Direito de Voto", Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro ..., v. 146, p. 24).
385 Em sentido contrário, C A R L O S A U G U S T O D A SILVEIRA L O B O , "Ações Preferenciais -
Inovações da Lei n° 10.303". In: Jorge Lobo (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades
Anônimas: Inovações e Questões Controvertidas da Lei n° 10.303, de 31.10.2001. Rio de
Janeiro: Forense, 2002, p. 108.
capital, o acervo líquido será rateado, em primeiro lugar, para essas
ações e apenas o saldo remanescente será atribuído às demais ações.
Portanto, se o acervo líquido for suficiente para reembolsar apenas
essas ações, os demais acionistas não recebem reembolso de capital.
Se as ações têm valor nominal, a definição estatutária da priorida-
de da ação preferencial requer apenas seu enunciado, uma vez que o
montante do capital a ser restituído prioritariamente é o valor nominal
Nas ações sem valor nominal, todavia, a atribuição de prioridade no
reembolso do capital requer a determinação, no próprio estatuto, do
valor do reembolso prioritário. Se o estatuto confere à preferencial ape-
nas prioridade no reembolso de ação sem valor nominal, mas não de-
termina a importância a reembolsar, não satisfaz ao requisito legal sobre
estipulação das vantagens ou preferências da ação preferencial386. Nes-
se caso, a ação preferencial se equipara à ação ordinária e terá, portanto,
direito de voto, pois não terá sido .a ela atribuída qualquer vantagem
patrimonial a justificar a exclusão ou limitação do direito de voto.
A emissão das ações preferenciais sem direito a voto pressupõe a
atribuição de uma vantagem de natureza patrimonial ou econômica,
vis-à-vis as ações ordinárias, como forma de compensar seus titulares
pela não participação no poder político da companhia. Não existe
ação preferencial sem a atribuição de uma vantagem patrimonial ao
acionista, visto que a subtração do direito de voto só é possível en-
quanto compensada por um privilégio econômico, na repartição dos
lucros ou no reembolso de capital. É por essa razão que a Lei das S.A.
dispõe, nos artigos 19 e 111, que o estatuto da companhia com ações
preferenciais declarará as vantagens ou preferências atribuídas a cada
classe dessas ações e as restrições a que ficarão sujeitas e poderá dei-
xar de conferir a essas ações algum ou alguns dos direitos reconheci-

JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA e A L F R E D O LAMY FILHO, "Ações como Participação


Societária". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das
Companhias v. I, p. 258.
dos às ações ordinárias, inclusive o de voto, ou conferi-lo com restri-
ções, observado o disposto no artigo 109.
Ainda com relação à prioridade no reembolso do capital, a Lei
das S.A. admite que a essa vantagem seja acrescido um prêmio. Veri-
fica-se o reembolso com prêmio quando o estatuto dispõe que, na
devolução do capital ao acionista, esse consistirá não no valor de sua
ação, mas em um valor superior, representando o prêmio a diferença
entre o valor da ação e o que o acionista deve receber. Se as ações têm
valor nominal, o prêmio pode ser fixado como uma porcentagem des-
se valor ou em quantidade de moeda; se não têm valor nominal, o
prêmio deve ser fixado em quantidade de moeda387.
As ações preferenciais com prioridade apenas no reembolso do
capital submetem-se às normas sobre dividendo obrigatório, na me-
dida em que não têm preferência na distribuição de dividendo. Divi-
dendo obrigatório é a parcela dos lucros determinada no estatuto que
os acionistas têm direito a receber em cada exercício; se o estatuto for
omisso, o dividendo obrigatório será determinado de acordo com as
regras constantes do artigo 202.
Para que as ações preferenciais emitidas por companhias abertas
possam ser admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários,
o estatuto deve estabelecer pelo menos um dos 3 (três) tipos de
privilégios previstos no § I o , além de, facultativamente, o direito de
prioridade no recebimento do valor de reembolso na liquidação da
companhia, com prêmio ou sem ele.
A distinção feita pela Lei n° 10.303/2001 foi entre as ações pre-
ferenciais negociadas no mercado de valores mobiliários e as ações
preferenciais que não são negociadas nesse mercado, não entre ações
preferenciais de companhia aberta e fechada. No caso de uma com-

387 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA e A L F R E D O LAMY FILHO, "Ações como Participação
Societária". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das
Companhias v. I, p. 259.
panhia ser aberta apenas em razão de emissão pública de debêntures,
por exemplo, não será obrigatória a observância dos privilégios míni-
mos para as ações preferenciais sem voto, pois não são negociadas no
mercado de valores mobiliários388.
Para que sejam admitidas à negociação no mercado de valores
mobiliários, as ações preferenciais sem voto das companhias abertas,
além do eventual direito de prioridade no reembolso do capital, de-
vem ter, obrigatoriamente, pelo menos um dos seguintes privilégios
mínimos, fixados em seu estatuto: (i) direito a participar numa parce-
la de pelo menos 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido do
exercício, apurado nos termos do artigo 202 — que regula o dividendo
obrigatório - , sendo que desse montante lhes será garantido um divi-
dendo prioritário de pelo menos 3% (três por cento) do valor do patri-
mônio líquido da ação, e, ainda, o direito de participar do eventual
saldo desses lucros distribuídos, em igualdade de condições com as
ordinárias, depois de a estas assegurado dividendo igual ao mínimo
prioritário; ou (ii) direito ao recebimento de um dividendo, por ação
preferencial, pelo menos 10% (dez por cento) maior do que o atribuído
a cada ação ordinária; ou (iii) direito de receber um dividendo pelo
menos igual ao das ações ordinárias e cumulativamente o direito de
serem incluídas na oferta pública de alienação de controle em igual-
dade de condições com as ações com direito a voto não integrantes
do bloco de controle (artigo 254-A) 389 .
As preferências previstas nas alíneas "a" e "b" do inciso I do § I o
são cumulativas, isto é: o acionista terá prioridade no recebimento de ao
menos 3% (três por cento) sobre o valor do patrimônio líquido da ação
e mais o direito de participar dos lucros eventualmente remanescentes

388 Sobre a alteração dos direitos existentes anteriormente à publicação da Lei n° 10.303/2001
e o prazo dentro do qual o estatuto social deveria ser adaptado para refletir os privilégios
das ações preferenciais negociadas no mercado de valores mobiliários, de acordo com a
nova redação do § 1 o do art. 17, ver MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova
Lei das S/A ..., p. 102-104.
MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A ..., p. 90-91.
em igualdade de condições com as ordinárias, depois de assegurado a
estas dividendo igual ao mínimo. Ou seja, não há, nesse caso, dividendo
fixo; trata-se de dividendo mínimo, pois essas ações têm direito de par-
ticipar no saldo dos lucros eventualmente remanescentes, após assegu-
rado às ações ordinárias um dividendo igual a esse mínimo390.
Nessa hipótese, o cálculo do dividendo mínimo deve ser efetuado
com base no valor do patrimônio líquido contábil da ação, calculado o
dividendo anual com base nas demonstrações financeiras levantadas
no encerramento do exercício social.
No que se refere aos dividendos intercalares, o percentual de 3%
(três por cento), previsto na alínea "a" do inciso I do § I o , deve ser
calculado com base nas demonstrações financeiras referentes ao pe-
ríodo em que os dividendos serão pagos, sejam elas mensais, trimes-
trais ou semestrais391.
O piso previsto na Lei das S.A., tanto para a parcela do lucro
líquido do exercício a ser distribuída a essas ações preferenciais (25%)
quanto para o dividendo mínimo a ser pago prioritariamente (3% do
valor de patrimônio líquido da ação), pode ser majorado.
Na hipótese de os acionistas titulares de ações preferenciais sem
direito a voto negociadas no mercado de valores mobiliários receberem
os dividendos calculados de acordo com o previsto no inciso I e o
lucro remanescente não for suficiente para garantir aos titulares de
ações ordinárias dividendo igual ao mínimo atribuído às preferenciais,
apenas a sobra lhes será distribuída.
A vantagem a que se refere o inciso II, ou seja, a atribuição às
ações preferenciais sem voto negociadas no mercado de valores mo-
biliários de dividendo, por ação, pelo menos 10% (dez por cento) maior

390 No mesmo sentido, L U I Z L E O N A R D O C A N T I D I A N O , "Características das Ações, Cancela-


mento de Registro e 'Tag Along'". In: Jorge Lobo (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades
Anônimas - Inovações e Questões Controvertidas da Lei n° 10.303, de 31.10.2001. Rio
de Janeiro: Forense, 2002, p. 70-71.
391 Sobre dividendos intercalares, ver os comentários ao art. 204 da Lei das S.A.
do que o atribuído a cada ação ordinária, consiste apenas em dividen-
do maior do que o das ações ordinárias, mas não assegura às preferen-
ciais a possibilidade de receber todo o lucro da companhia antes do
pagamento de dividendos às ações ordinárias, como ocorre quando
há prioridade de dividendo fixo ou mínimo392.
A terceira alternativa legal que as companhias abertas podem
adotar, quanto às vantagens e preferências atribuídas às ações prefe-
renciais sem direito a voto ou com restrição ao exercício desse direito,
como condição para negociá-las no mercado de valores mobiliários,
prevista no inciso III do § I o , consiste em conceder-lhes um dividen-
do pelo menos igual ao das ações ordinárias, cumulativamente com o
direito de alienar as suas ações, em caso de oferta pública de transfe-
rência do controle da companhia, nas mesmas condições oferecidas
aos titulares de ações ordinárias que não integram o bloco de contro-
le. Nessa hipótese, tal como para as ações ordinárias não integrantes
do bloco de controle, deverá ser oferecido às ações preferenciais um
preço de aquisição no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor
ofertado às ações integrantes do bloco de controle (artigo 254-A)393.
Caso seja oferecido às ações ordinárias não integrantes do bloco de
controle valor maior do que o mínimo fixado pela Lei das S.A., o
mesmo valor a maior deverá ser oferecido às ações preferenciais que
gozem da vantagem prevista no inciso III do § I o .
É vedado ao ofertante estabelecer tratamento discriminatório aos
titulares dessas ações preferenciais, seja com relação ao preço de aqui-

392 JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA e A L F R E D O LAMY FILHO, "Ações como Participação


Societária". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das
Companhias ..., v. 1, p. 257-258.
393 De acordo com o Regulamento de Práticas Diferenciadas de Governança Corporativa Nível
2 da BM&FBovespa, quando a companhia tiver ação preferencial sem direito a voto ou com
voto restrito, a oferta pública aos detentores de ações preferenciais deverá ser realizada
pelo mesmo valor oferecido aos detentores de ações ordinárias e nas mesmas condições.
(Seção VIII, item 8.1.2); o Regulamento de Práticas Diferenciadas de Governança Corporativa
do Novo Mercado, no item 8.1, da Seção VIII, assegura tratamento igualitário aos detento-
res de ações preferenciais àquele dado ao acionista controlador alienante em hipótese de
alienação de controle da companhia.
sição, como, também, a todas as demais condições de alienação pre-
vistas na oferta, tais como forma e prazo de pagamento; caso contrá-
rio, estar-se-ia diante de efetiva desvantagem das ações preferenciais
relativamente às ordinárias, em flagrante oposição ao princípio legal,
que é o de conceder uma vantagem às ações privadas do direito de
voto admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários.
Esses acionistas terão, ainda, a opção de permanecer na compa-
nhia mediante o recebimento de prêmio, caso essa alternativa seja
ofertada aos titulares de ações ordinárias não integrantes do bloco de
controle (artigo 254-A, § 4 o ).
Às ações preferenciais com direito a dividendo pelo menos igual
ao das ações ordinárias, cumulativamente com o direito de serem in-
cluídas em oferta pública de alienação de controle da companhia, nas
mesmas condições oferecidas aos titulares de ações ordinárias que
não integram o bloco de controle, deverá ser sempre assegurada -
além dessa vantagem - prioridade na distribuição de dividendo míni-
mo ou no reembolso do capital. Caso contrário, essas ações preferen-
ciais não possuirão vantagem patrimonial alguma e não poderão ser
privadas do direito de voto.
Nada impede que o estatuto da companhia, ao atribuir vanta-
gens adicionais às mínimas exigidas pelos incisos I ou II do § I o ,
confira às ações preferenciais sem direito de voto o direito de partici-
par da oferta pública de alienação de controle da sociedade. Nesse
caso, poderá o estatuto prever que os acionistas titulares dessas ações
participarão de eventual oferta pública de alienação de controle da
companhia em condições diferentes das oferecidas aos titulares de
ações ordinárias não integrantes do bloco de controle, pois o estatuto
já terá assegurado às ações preferenciais um dos privilégios mínimos
exigidos pelo § I o , sendo o privilégio da participação na oferta pública
de alienação de controle uma vantagem adicional e facultativa.
É possível a cumulação de algumas vantagens previstas no § I o ;
no entanto, não são cumuláveis as alternativas dos incisos I e II, por
serem incompatíveis a distribuição de dividendos em igualdade de con-
dições com as ordinárias e a distribuição de dividendos no mínimo 10%
(dez por cento) maiores do que os conferidos às ações ordinárias394.
O § 2 ° confere ampla autonomia para que o estatuto defina as
preferências ou vantagens adicionais às legalmente previstas para as
ações preferenciais sem direito de voto ou com restrição ao exercício
desse direito, desde que estas constem do seu texto com precisão e
minúcia. Dessa forma, as preferências ou vantagens elencadas neste
artigo não são exaustivas, ou seja, outras preferências ou vantagens,
além das previstas no cafut e nos incisos I, II e III do § I o , poderão
ser conferidas às ações preferenciais sem direito de voto, tanto no
caso daquelas negociadas no mercado de valores mobiliários como
daquelas não negociadas395.
Os dividendos das ações preferenciais, ainda que fixos ou cumu-
lativos, nos termos do § 3 o , não poderão ser distribuídos em prejuízo
do capital social, salvo quando, em caso de liquidação da companhia,
essa vantagem tiver sido expressamente assegurada. Ainda que o es-
tatuto disponha contrariamente, enquanto a sociedade não produzir
lucros os dividendos não podem ser distribuídos396. Essa regra, no en-

Sobre a adaptação estatutária decorrente das alterações introduzidas pela Lei n° 10.303/
2001 e o direito de recesso, ver M O D E S T O C A R V A L H O S A e N E L S O N EIZIRIK. A Nova Lei
das S/A ..., p. 100-108; P A U L O C E Z A R A R A C Ã O , "Ações Preferenciais. Adequação às
Regras Impostas pela Lei 10.303/2001", Revista do Direito Bancário, do Mercado de
Capitais e da Arbitragem. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 19, janeiro-março, 2003,
p. 56-72; Decisão da C V M nas Consultas sobre o art. 8° da Lei n° 10.303/2001 e o art. 17,
§ 1°, da Lei n° 6.404/1976, publicada na Revista do Direito Bancário, do Mercado de
Capitais e da Arbitragem. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 19, janeiro-março, 2003,
p. 169-175.
Sobre esse assunto, ver M A U R O R O D R I G U E S P E N T E A D O , "Ações Preferenciais". In: Jorge
Lobo (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas - Inovações e Questões Contro-
vertidas da Lei n° 10.303, de 31.10.2001. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 196.
Sobre esse assunto, P H I L O M E N O J. DA COSTA. Anotações às Companhias, v. I, São Raulo:
Revista dos Tribunais, 1980, p. 299: "há várias espécies de dividendos, mas não pode
nenhum ser declarado, se não houver lucros apurados antes. Este princípio, mesmo que não
constasse expressamente da lei, tinha que se considerar existente implicitamente. Não se
tanto, não prevalece para a sociedade em liquidação, caso o estatuto
assim disponha. Nessa hipótese, os credores não são prejudicados,
pois receberão seus créditos no processo de liquidação antes do rateio
do acervo líquido397.
A companhia somente pode pagar dividendos à conta de lucro líquido
do exercício e de reserva de lucros (artigo 201, caput), salvo a hipótese
expressamente prevista no § 6o, que permite que o estatuto confira às
ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendo cumulativo
o direito de recebê-lo, no exercício em que o lucro for insuficiente, à
conta das reservas de capital de que trata o § I o do artigo 182.
Somente os dividendos cumulativos podem ser pagos à conta de
reserva de capital e, ainda assim, no exercício em que o lucro apurado
for insuficiente; embora seja exceção ao princípio geral de que os
dividendos somente podem ser distribuídos à conta de lucros ou de
reservas de lucros, não prejudica os credores, que têm no capital social
a sua garantia398.
O § 4 o , que corresponde ao original § 2 o , contém norma supleti-
va de interpretação de disposições estatutárias, para evitar o induzi-
mento em erro de subscritores ou acionistas pela omissão ou má
redação do estatuto399. Se o estatuto estabelece que o dividendo é
cumulativo, o dividendo ou parte dele que deixar de ser pago em um
exercício, por insuficiência de lucro, acumulará para o exercício se-
guinte, e assim por diante, até o pagamento do total acumulado.

compreenderia que os acionistas corroessem o capital social com o recebimento de dividen-


dos, oriundos dele e não do incremento correspondente dos lucros; esvaído o primeiro,
dada a limitação da responsabilidade dos acionistas à perda da participação na sociedade de
cada um, os credores sociais seriam injustamente prejudicados com o não recebimento dos
seus créditos; a sua garantia - o montante alto normalmente do capital - teria desaparecido
com a satisfação reiterada dos dividendos sem lucros".
397 De acordo com JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA e ALFREDO LAMY FILHO, "Ações como
Participação Societária". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.).
Direito das Companhias ..., v. I, p. 257, "a norma do § 3" do artigo 17 implementa o
princípio da intangibilidade do capital social, que é a garantia dos credores".
398 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.
399 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.
A regra é a da não cumulatividade dos dividendos; portanto, a
sua cumulatividade exige disposição estatutária expressa, ou seja, na
omissão do estatuto, presume-se que o dividendo não é cumulativo.
O § 5 o , introduzido pela Lei n° 10.303/2001, admitiu, faculta-
tivamente, a supressão estatutária do direito das ações preferenciais
com dividendo fixo de participar das bonificações, ou seja, dos au-
mentos de capital mediante capitalização de reservas ou lucros. De
fato, não podem os titulares das ações preferenciais com dividendo
fixo receberem novas ações distribuídas em decorrência da capitali-
zação de lucros, uma vez que tais lucros não lhes caberiam se tives-
sem sido distribuídos como dividendos400. Portanto, se assim for
previsto no estatuto, tais ações sofrerão uma diluição legalmente
permitida de suas participações como resultado desses aumentos de
capital. Essa inovação não atinge as ações preferenciais negociadas
no mercado de valores mobiliários, as quais não podem ter dividen-
dos fixos401.
AÇÕES DE CLASSE ESPECIAL

O § 7 o , também inserido em nosso regime societário pela Lei n°


10.303/2001, introduziu na Lei das S.A. a previsão expressa das cha-
madas golden shares, ou ações de classe especial, que conferem aos
entes públicos desestatizantes - seus titulares - o direito de veto ou
privilégios sobre determinadas deliberações.
A criação dessas ações já era prevista na Lei n° 8.031/1990, que
instituiu o Programa Nacional de Desestatização das empresas con-
troladas pela União Federal, e no Decreto n° 99.463/1990, que a re-

400 C A R L O S A U G U S T O D A SILVEIRA L O B O , "Ações Preferenciais - Inovações da Lei n° 10.303".


In: Jorge Lobo (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas — Inovações e Questões
Controvertidas da Lei n° 10.303, de 31.10.2001 ..., p. 111.
401 M O D E S T O C A R V A L H O S A e N E L S O N EIZIRIK. A Nova Lei das S/A ..., p. 86. Sobre esse
assunto, ver, lambem, L U I Z L E O N A R D O C A N T I D I A N O . Reforma da Lei das S.A. Comen-
tada. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 62-82.
gulamentava402. Essa lei foi posteriormente revogada pela Lei n° 9.491/
1997, regulamentada pelo Decreto n° 2.594/1998403.
Mediante a Lei n° 10.303/2001, o instituto da golden share foi
estendido também às empresas privatizadas pelos Estados e Municí-
pios, já que as leis de privatização mencionadas limitavam-se às em-
presas desestatizadas pela União. Nos termos da Lei das S.A., a golden
share constitui necessariamente ação preferencial de classe especial,
não sendo mais possível a criação de golden share de espécie ordinária.
Em razão da exigência da Lei n° 10.303/2001 de que essas ações
de classe especial sejam ações preferenciais, o estatuto da companhia
deverá atribuir-lhes, independentemente dos diretos de veto e outros
eventualmente estabelecidos em favor do ente público, pelo menos
um dos privilégios patrimoniais mínimos previstos neste artigo.
A golden share, pode, ainda, conferir ao ente desestatizante não
apenas o direito de veto, no âmbito das deliberações da assembleia
geral e do conselho de administração, mas outros direitos que ve-
nham a ser especificados no estatuto, em conformidade com o pre-
visto no edital de privatização respectivo, tais como: (i) indicar membros
para os órgãos de administração da companhia; (ii) subordinar ao voto
favorável do ente público, titular da golden share\ (a) a mudança da
sede social; (b) a alteração do objeto social da companhia; (c) a altera-
ção da composição do conselho de administração; (d) a transferência
do controle acionário; (e) a realização de oferta pública; (f) a liquida-
ção da companhia; (g) o encerramento de atividades, etc.
A ação de classe especial será de propriedade exclusiva do ente
desestatizante que, portanto, não poderá transferir sua golden share a

402 O art. 8 o da Lei n° 3.031/1990 determinava que: "sempre que houver razões que o justifi-
quem, a União deterá, direta ou indiretamente, ações de classe especial do capital social de
empresas privatizadas, que lhe confiram poder de veto em determinadas matérias, as quais
deverão ser caracterizadas nos estatutos sociais das empresas, de acordo com o estabeleci-
do no art. 6°, inciso XIII e §§ Io e 2" desta lei".
403 A Lei n° 9.491/1997, revogando a Lei n" 8.031/1990, passou a prever para essas ações
"poderes especiais em determinadas matérias", o que ampliou os direitos que poderiam ser
conferidos às golden shares, antes limitados ao direito de veto.
terceiros particulares ou a outros entes públicos. Os poderes conferi-
dos ao ente público titular da golâen share deverão ser detalhadamen-
te especificados no edital de privatização e no contrato de concessão
ou permissão, se for o caso, onde deverá constar a minuta do estatuto
social relacionando minuciosamente tais poderes.
Aspecto importante a respeito da criação da golden share é o rela-
tivo às razões que justificam a outorga de direito de veto ou outros
privilégios ao ente público desestatizante em empresas privadas. Deve
o ente desestatizante apresentar as razões de interesse público que
justifiquem a criação dessas ações de classe especial, as quais deverão
constar do edital de privatização.
Embora o § 7 o não exija que a criação da golden share seja justifi-
cada pelo ente desestatizante, como o faziam as leis de privatizações
anteriores, não se poderia conceber a ingerência do Estado na proprie-
dade e em negócios privados, a não ser: em virtude de interesse público.
O direito de veto do ente público sobre determinadas matérias
acarreta uma diminuição no valor de mercado das empresas privatiza-
das, justificando-se, no entanto, pela prevalência do interesse público
no que se refere à manutenção das atividades empresariais privatizadas,
à qualidade dos serviços prestados ou à fixação de preços públicos.
Outro motivo de interesse público que pode justificar a criação da
golden share é a possibilidade de ocorrência de monopolização ou carte-
lização de determinados setores da atividade econômica, com prejuízo
ou obstrução da livre concorrência. Neste caso, o Estado pode exercer
uma função reguladora dos mercados, mantendo-se por período deter-
minado no controle de certas decisões estratégicas da empresa404.

404 M O D E S T O C A R V A L H O S A e N E L S O N EIZIR1K. A Nova Lei das S/A p. 109-117. Ver,


também, LUIS A N T O N I O S E M E G H I N I D E S O U Z A , " O Controle do Estado em Setores
Estratégicos", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo:
Ed.^Malheiros, v. 132, janeiro-março, 2003, p. 106-109; L U I Z A L B E R T O DA SILVA, "Trans-
ferência de Ações Ordinárias da Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. - Embraer dos
Acionistas Controladores da Companhia a Empresas Francesas", Revista de Direito Bancá-
rio, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Raulo: Ed. Malheiros, v. 8, abril-junho,
p. 197-217.
A golden share caracteriza-se como um instrumento direto de
política pública que pode substituir, em certa medida, as funções de
uma agência estatal reguladora. Esta age externamente à companhia,
enquanto a golden share permite ao Estado, mediante o controle in-
terno na própria sociedade privatizada, atuar nela em favor da coleti-
vidade e sobre o mercado40S-406.

Vantagens políticas
"Art. 1 8 . 0 estatuto pode assegurar a uma ou mais classes de ações
preferenciais o direito de eleger, em votação em separado, um ou
mais membros dos órgãos de administração.

Parágrafo único. O estatuto pode subordinar as alterações esta-


tutárias que especificar à aprovação, em assembleia especial, dos
titulares de uma ou mais classes de ações preferenciais."

O dispositivo autoriza que se conceda às ações preferenciais, além


das vantagens de ordem patrimonial, vantagens políticas, facultan-
do-se aos seus titulares, conforme determinado no estatuto social:
eleger um ou mais representantes para os órgãos de administração da
companhia e vetar determinadas alterações estatutárias.
O estatuto pode, por exemplo, estabelecer que todas as ações
preferenciais têm o direito de eleger um número determinado de
membros do conselho de administração e/ou da diretoria, ou que cer-
ta classe de ações preferenciais tem o direito de eleger um membro
para um cargo específico do conselho e/ou da diretoria.
O direito estatutariamente previsto dos acionistas titulares de ações
preferenciais de eleger membros dos órgãos de administração não pode
ser revogado, salvo se esses acionistas, reunidos em assembleia especial,

405 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A ..., p. 109-117.
406 Sobre esse assunto, ver as disposições constantes dos estatutos sociais quando da
privatização das seguintes companhias: Companhia Energética do Maranhão - Celmar,
Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. - Embraer e Vale S.A.
aprovarem ou ratificarem a alteração de suas vantagens (artigo 136,
inciso II e § Io)407, tendo os dissidentes, titulares de ações da classe
atingida, o direito de se retirar da sociedade (artigo 137, inciso I).
Como compete ao conselho de administração eleger e destituir
os diretores da companhia e fixar-lhes a remuneração, observado o
que a respeito dispuser o estatuto (artigo 142, inciso II), a destituição
do diretor eleito por titulares de ações preferenciais cujas ações pos-
suem esse direito deverá ser efetivada em assembleia geral, porém
mediante votação em separado dos acionistas que têm o direito de
eleger os administradores, e não pelo voto de todos os acionistas408-409.
O caput deste artigo autoriza a votação em separado dos titulares de
ações preferenciais para eleger determinado administrador, sem esta-
belecer que essa votação seja em assembleia especial, como previsto
no parágrafo único.

407 D e acordo corri o art. 136 da Lei das S.A., a eficácia d a deliberação depende de prévia
aprovação ou da ratificação, em prazo improrrogável de um ano, por titulares dè mais da
metade de cada classe de ações preferenciais prejudicadas, reunidos em assembleia espe-
cial convocada por administradores e instalada com as formalidades da Lei das S.A.
408 Nesse sentido, P H I L O M E N O J. D A C O S T A . Anotações às Companhias, v. I, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1980, p. 322; J O S É L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA, "Eleição de Adminis-
trador por Ações Preferenciais em 'Joint Venture' Organizada com a Forma de Companhia".
In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos,
elaboração, aplicação). Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 372-375; R U B E N S R E Q U I A O .
Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 1, São Raulo: Saraiva, 1980, p. 161. Em
sentido contrário, M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas,
v. 1, 5 a edição, São Raulo: Saraiva, 2007, p. 241.
409 JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA, "Eleição de Administrador por Ações Preferenciais em
'Joint Venture' Organizada com a Forma de Companhia". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz
Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação) ..., p. 373,
ao analisar o estatuto de uma companhia na qual se atribuiu ao conselho de administração
competência para eleger todos os diretores à exceção do diretor-superintendente e de outro
diretor inominado, que continuariam a ser eleitos pela assembleia geral pelo voto de uma
determinada classe de ações preferenciais, concluiu que essa regra "é compatível com o
sistema da lei porque embora as normas gerais do item I! do artigo 142 e do artigo 143
atribuam ao Conselho de Administração competência para eleger os diretores, o artigo 1S
(que autoriza o estatuto a assegurar às ações preferenciais o direito de eleger, em votação em
separado, um ou mais membros dos órgãos da administração) não distingue entre Conselho
de Administração e diretoria, nem entre sociedade administrada somente por diretores ou por
Conselho de Administração e diretores. O preceito do artigo 18, como norma especial,
prevalece, na hipótese que regula, sobre as normas gerais do item II do artigo 142 e do artigo
143. O estatuto da companhia com Conselho de Administração pode, portanto, atribuir às
ações preferenciais o direito de eleger um ou mais diretores mediante votação em separado
na Assembleia Geral".
Não obstante constar do dispositivo apenas a expressão "direito
de eleger", a interpretação sistemática da lei permite afirmar que, em
princípio, o administrador é destituído do mesmo modo que é eleito410.
Admitir que o administrador eleito em votação em separado, pelos titu-
lares de ações preferenciais, possa ser destituído de seu cargo por deli-
beração dos demais acionistas, implica negar aplicação ao disposto neste
artigo. Se o administrador eleito pelos titulares de ações preferenciais
pudesse ser destituído, a qualquer tempo, por outros acionistas, a vanta-
gem assegurada às ações preferenciais deixaria de existir.
O mesmo procedimento verifica-se na hipótese de renúncia do
administrador eleito por titulares de determinada classe de ações pre-
ferenciais; o cargo vago deverá ser preenchido por votação desses pre-
ferencialistas.
A eleição do administrador pelos titulares de ações preferenciais é
realizada em votação em separado, entre os próprios preferencialistas
que detêm essa faculdade, a qualquer tempo; ou seja, não é vinculada,
necessariamente, à eleição dos demais administradores da companhia.
A Lei das S.A., ao regular o voto múltiplo, assegura aos titulares
de ações preferenciais, sem direito a voto ou com voto restrito, de emis-
são de companhia aberta que representem, no mínimo, 10% (dez por
cento) do capital social, o direito de eleger e destituir um membro e seu
suplente do conselho de administração, em votação em separado na
assembleia geral; no entanto, ressalva, expressamente, que não terão
esse direito aqueles que houverem exercido a faculdade prevista no es-
tatuto em conformidade com este artigo (artigo 141, § 4 o , inciso II)411.

410 JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA, "Eleição de Administrador por Ações Preferenciais em


'Joint Venture' Organizada com a Forma de Companhia", In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz
Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação) ..., p. 379.
411 Sobre esse assunto, ver o Parecer C V M S/N, de 16.04.2001, proferido em consulta da
Ultrapar Participações S.A. sobre os procedimentos de eleição de membros do conselho de
administração após as alterações introduzidas pela Lei n° 10.303/2001, Rei. Luiz Antonio
de Sampaio Campos, publicado na Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro, v. 126, São Paulo: Ed. Malheiros, abril-junho, 2002, p. 193.
O parágrafo único admite que os titulares de uma ou mais clas-
ses de ações preferenciais possam, reunidos em assembleia especial,
vetar determinas alterações do estatuto social, nele expressamente
especificadas. Essa norma permite que seja assegurado aos preferen-
cialistas, que não possuem o direito de voto, a certeza de que determi-
nadas matérias previstas no estatuto não serão alteradas.
O estatuto pode prever, por exemplo, que uma classe de ações pre-
ferenciais tem o direito de veto relativamente a determinadas matérias
enquanto outra classe tem o mesmo direito para outras matérias. Nes-
sas hipóteses, há uma subordinação de algumas alterações estatutárias
à deliberação dos acionistas preferenciais, que, dessa forma, terão me-
lhor assegurados os seus direitos na companhia412.
A Lei das S.A. exige que o estatuto especifique as matérias cuja
alteração está subordinada à aprovação dos titulares de ações prefe-
renciais, portanto não é válida a regra estatutária genérica que sujeita
a eficácia de qualquer alteração à aprovação desses acionistas413.
As vantagens políticas das ações preferenciais são admitidas tan-
to na companhia fechada quanto na aberta. Essas vantagens são

412 FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. I, Rio de Janeiro: Forense,
1977, p. 117.
413 Sobre esse assunto, M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anôni-
mas ..., v, 1, p. 239, observa que "o direito de veto assegurado estatutariamente às preferen-
ciais não pode abranger todas as alterações estatutárias, sob pena de não restar à assembleia
geral nenhum poder constitutivo na companhia. Apenas alguns assuntos claramente deter-
minados poderão ser objeto dessa audiência dos titulares de ações preferenciais". A CVM,
no Parecer CVM/SJU n° 013/1996, ao analisar consulta sobre norma estatutária que estabe-
lecia depender da maioria dos titulares de ações preferenciais de determinada classe,
reunidos em assembleia especial, alteração estatutária ou decisão administrativa que impli-
casse em certas situações nela elencadas, ressalvou que o art. 139 prevê que as atribuições
e poderes conferidos por lei aos órgãos de administração não podem ser outorgados a
outro órgão, criado por lei ou pelo estatuto e que o parágrafo único do art. 18, protege os
acionistas preferenciais de alterações estatutárias que afetem seus direitos. Conclui, ainda,
que o art. 139 trata de matéria administrativa e que a administração da companhia é
conferida, por lei, ao conselho de administração e à diretoria, cujas respectivas competên-
cias são indelegáveis, ou seja, "é fundamentada a instituição do direito de veto à alteração
estatutária que venha a restringir direitos ou vantagens. Mas não é lógico que por isso possa
admitir o extremo (e até, pensamos, inviável) de o preferencialista poder ser imiscuir na gestão
da companhia, invadindo a competência legal de órgãos. /I dificuldade prática está em
separar-se o joio do trigo, qual seja, a matéria administrativa da estatutária".
admitidas como acréscimo às vantagens patrimoniais; no regime so-
cietário brasileiro não podem existir ações preferenciais que tenham
apenas vantagens políticas414. A emissão das ações preferenciais sem
direito a voto pressupõe a atribuição de uma vantagem de natureza
patrimonial ou econômica, vis-à-vis as ações ordinárias, como forma
de compensar seus titulares pela não participação no poder político
da companhia. Não existe ação preferencial sem a atribuição de uma
vantagem patrimonial ao acionista, visto que a subtração do direito
de voto só é possível enquanto compensada por um privilégio eco-
nômico, na repartição dos lucros ou no reembolso de capital. É por
essa razão que a Lei das S.A. dispõe, nos artigos 19 e 111, que o
estatuto da companhia com ações preferenciais declarará as vanta-
gens ou preferências atribuídas a cada classe dessas ações e as restri-
ções a que ficarão sujeitas e poderá deixar de conferir a essas ações
algum ou alguns dos direitos reconhecidos às ações ordinárias, in-
clusive o de voto, ou conferi-lo com restrições, observado o disposto
no artigo 109.
Os acionistas titulares de ações preferenciais sem direito a voto
ou com voto restrito, além da faculdade — prevista neste artigo - de ter
uma representação na administração da sociedade, têm o direito de
eleger, em votação em separado, um membro e respectivo suplente
para o conselho fiscal (artigo 161, § 4 o , alínea "a"). Nesse caso, não se
trata de uma faculdade a ser concedida ou não pelo estatuto social,
mas de uma imposição legal, pois se está diante do direito de fiscali-
zar a gestão dos negócios sociais, que constitui direito essencial de
todos os acionistas (artigo 109, inciso III).

414 No mesmo sentido, JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA e A L F R E D O LAMY FILHO, "Ação


como Participação Societária". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (CoorcL).
Direito das Companhias, v. I, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 260. Em sentido contrário,
LUIS C A S T Ã O PAES DE BARROS LEÃES, "Ações Preferenciais Exclusivamente com Vanta-
gens Políticas". In: Pareceres. v. II, São Paulo: Singular, 2004, p. 837-848.
Regulação no estatuto
"Art. 19. O estatuto da companhia com ações preferenciais de-
clarará as vantagens ou preferências atribuídas a cada classe des-
sas ações e as restrições a que ficarão sujeitas, e poderá prever o
resgate ou a amortização, a conversão de ações de uma classe em
ações de outra e em ordinárias, e destas em preferenciais, fixando
as respectivas condições."

As preferências e vantagens a que se refere este artigo são as


constantes dos artigos 17 e 18, nos quais a Lei das S.A. apenas men-
ciona em que podem elas consistir, cabendo ao estatuto especificar
claramente qual ou quais são conferidas às ações preferenciais415.
Com base nos artigos 17 e 18, várias combinações podem ser
feitas entre as diversas classes de ações preferenciais existentes na
companhia, razão pela qual deverão constar do estatuto, de forma
clara e precisa, as vantagens, direitos e preferências atribuídos a cada
classe de ações preferencias, sejam de ordem patrimonial ou política.
O mesmo procedimento deverá ser adotado na hipótese de a compa-
nhia possuir apenas uma classe de ações preferenciais.
Por "classe" entende-se o conjunto de ações que tem idênticos
direitos. Assim, por exemplo, o estatuto pode criar ações preferenciais
das classes A, B e C, cada uma das quais atribuindo dividendos ou
vantagens uniformes para os seus titulares416.
Além das vantagens e preferências, pode também o estatuto es-
pecificar as restrições a que as ações preferenciais ficarão sujeitas. Na
estipulação dessas restrições deverá ser observada a regra da Lei das
S.A., que determina que nem o estatuto social nem a assembleia geral
poderão privar o acionista dos direitos essenciais (artigo 109, caput). A

Ver os comentários aos arts. 17 e 18 da Lei das S.A.


No direito inglês, o Companies Act 2006 define ações de uma classe da seguinte forma: "oi
one dass if lhe ríghts attached to them are in ali respects uniform" (section 629 (1)).
Lei das S.A. não especifica quais são essas restrições; portanto o esta-
tuto deverá fixá-las expressamente por classe de ações, se houver.
O estatuto poderá, por exemplo, negar ou restringir o direito de
voto às ações preferenciais, o que constitui prática comum nas com-
panhias brasileiras417. O direito de voto não está incluído entre os
direitos essenciais do acionista, uma vez que a Lei das S.A. expressa-
mente autoriza que determinado percentual do capital social seja re-
presentado por ações preferenciais, sem direito de voto ou com voto
restrito (artigo 15, § 2 o ).
As ações preferenciais, que podem ser privadas do direito de voto,
conferem aos seus titulares, em contrapartida, além dos direitos essen-
ciais dos acionistas, vantagens patrimoniais e preferências especiais com
relação às ações ordinárias. Não pode existir ação preferencial sem di-
reito de voto caso não se lhe atribua um privilégio econômico, na repar-
tição dos lucros ou no reembolso de capital418.
Não obstante a negação ou restrição do direito de voto aplicada
às ações preferenciais, (i) na constituição do conselho fiscal, os seus
titulares terão direito de eleger, em votação em separado, um membro
e respectivo suplente (artigo 161, § 4 o , alínea "a"); (ii) os titulares de
ação preferencial podem comparecer à assembleia geral e discutir a
matéria submetida à deliberação (artigo 125, parágrafo único); e, (iii)
na liquidação da companhia, essas ações gozam do direito de voto,

417 Sobre a negação ou restrição ao direito de voto às ações preferenciais, ver os comentários
ao art. 111 da Lei das S.A.
418 Sobre o fato de não poder o estatuto privar as ações preferenciais do direito de voto sem
que haja uma adequada compensação pecuniária, ver os comentários aos arts. 17 e 18 da
Lei das S.A. Ver, também, N E L S O N EIZIRIK, "Ações Preferenciais. Não Pagamento de
Dividendos. Aquisição do Direito de Voto", Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Malheiros, v. 146, abril-junho, 2007, p. 23;
A L F R E D O LAMY FILHO, "Vantagem Patrimonial da Ação Preferencial". In: Alfredo Lamy
Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração,
aplicação), v. II, 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 148-153; P H I L O M E N O J. DA
COSTA, "Direito de Acionista Preferencial", Revista dos Tribunais. São Raulo: Ed. Revista
dos Tribunais, v. 478, agosto, 1975, p. 39. Em sentido contrário, LUIZ C A S T Ã O PAES DE
BARROS LEÃES, "Ações Preferenciais Exclusivamente com Vantagens Políticas". In: Piirece-
res. v. II, São Paulo: Singular, 2004, p. 837-848.
tornando-se ineficazes as restrições ou limitações porventura exis-
tentes; cessando o estado de liquidação, restaura-se a eficácia das res-
trições ou limitações relativas ao direito de voto (artigo 213, § I o ).
Poderá, ainda, o estatuto dispor sobre o resgate e/ou a amortiza-
ção das ações preferenciais e estabelecer o modo de proceder-se a
essas operações (artigo 44, caput). O resgate consiste no pagamento
do valor das ações para retirá-las definitivamente de circulação, com
redução ou não do capital social (artigo 44, § l 0 ) 419 . A amortização
consiste na distribuição aos acionistas, a título de antecipação e sem
redução do capital social, de quantias que lhes poderiam tocar em
caso de liquidação da companhia (artigo 44, § 2 o ).
Salvo disposição em contrário do estatuto social, o resgate de
ações de uma ou mais classes só será efetuado se, em assembleia es-
pecial convocada para deliberar essa matéria específica, for aprovado
por acionistas que representem, no mínimo, a metade das ações da(s)
classe(s) atingida(s) (artigo 44, § 6 o ).
Por fim, o estatuto pode regular a conversão de ações de uma clas-
se em ações de outra classe, ou ainda, de ações preferenciais em ações
ordinárias e de ações ordinárias em ações preferenciais. A conversão de
ações é a operação pela qual as ações de uma espécie ou classe são
substituídas por ações de outra espécie ou classe, com modificações
nos direitos e obrigações dos acionistas420. No caso da conversão de
ações preferenciais em ordinárias, o seu titular deixa de fazer jus às
preferências e vantagens econômicas na distribuição de dividendos ou
no reembolso de capital e passa a deter ações com direito a voto.

Sobre o conceito e a função do resgate das ações preferenciais, ver JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S


PEDREIRA, "Resgate de Ações" e A L F R E D O L A M Y FILHO, "Resgate de Ações Preferenciais
Mediante Alteração Estatutária". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.).
A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação) ..., v. II, p. 155-157 e 173-174,
respectivamente.
Sobre esse assunto, v e r T R A J A N O DE M I R A N D A VALVERDE. Sociedade por Ações. v. I, Rio
de Janeiro: Forense, 1953, p. 133 e C A R L O S F U L G Ê N C I O D A C U N H A PEIXOTO. Socie-
dades por Ações. v. 1, São Raulo: Saraiva, 1972, p. 136.
A conversão implica em alteração dos direitos e/ou obrigações
que as ações convertidas conferiam a seus titulares, portanto, o esta-
tuto deverá regular minuciosamente as condições e o procedimento
da conversão421. A conversão pode decorrer da vontade do acionista -
de acordo com as regras constantes do estatuto - , por iniciativa da
própria sociedade ou de imposição estatutária. O estatuto poderá dis-
por, por exemplo, que, implementadas ou verificadas determinadas
condições, a conversão de ações se efetivará automaticamente.
Estando a conversão prevista nos estatutos, nos termos deste
artigo, os acionistas terão que se conformar com as condições prees-
tabelecidas, desde que fielmente observadas422.
A conversão, total ou parcial, pode ocorrer por iniciativa da pró-
pria sociedade e sem previsão estatuária, isto é, por deliberação de
acionistas que representem metade, no mínimo, das ações com direi-
to a voto (artigo 136, inciso II)423-424. No entanto, recomenda-se que
seja previamente aprovada a alteração do estatuto para a inserção de
autorização da conversão, pois este artigo determina que ao estatuto
social caberá prever a conversão de ações de uma classe em ações de

421 Segundo M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 1, 5 a


edição, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 248, "não pode o estatuto declarar apenas generica-
mente a conversibilidade das ações preferenciais. Deve a lei interna especificar claramente as
classes que serão conversíveis em outras da mesma espécie ou em ordinárias e vice-versa".
422 T R A J A N O DE M I R A N D A VALVERDE. Sociedade por Ações ..., v. I, p. 133.
423 A CVM, em decisão proferida no Processo Administrativo n° RJ 2007/0947, Rei. Marcelo
Fernandez Trindade, j. em 22.05.2007, se manifestou no sentido de que "não é necessária
a prévia existência de cláusula estatutária prevendo a possibilidade de conversão de ações
preferenciais em ordinárias para que tal conversão possa ser deliberada pela assembleia geral,
sem prejuízo da necessidade de ratificação pela assembleia especial dos titulares de ações
preferenciais".
424 Sobre o quorum referente a essa deliberação, L U I Z G A S T Ã O PAES DE B A R R O S LEÃES,
"Conversão de Ações Preferenciais em Ordinárias". In: Pareceres ..., v. I, p. 441, observa que:
"importando a conversão em emissão de preferenciais, numa sociedade de preferenciais não
distribuídas em classes, ou em aumento da classe de preferenciais existentes, guardando
proporção com outras classes, ou, ainda, em criação de nova classe, mas menos favorecida,
a sua introdução no estatuto, por intermédio de assembleia extraordinária, não dependerá de
quorum qualificado de deliberação, e dispensará a aprovação por assembleia especial de
interessados. Prevalecerá, na hipótese, o quorum deliberativo ordinário, estabelecido pelo
art. 129 da lei, sendo apenas de destacar que, na instalação do conclave, deverá ser
observado o quorum de instalação do art. 135 (..)".
outra e em ordinárias, e destas em preferenciais, fixando as respecti-
vas condições425.
Tendo em vista que a conversão de ações ordinárias em prefe-
renciais, de uma classe de ações preferenciais em outra, ou de ações
preferenciais em ordinárias, implica, respectivamente, em criação, de
preferenciais, aumento das preferenciais existentes, ou alteração das
vantagens ou preferências, a eficácia da deliberação dependerá de pré-
via aprovação ou da ratificação, em prazo improrrogável de um ano,
por titulares de mais da metade de cada classe de ações preferenciais
prejudicadas, reunidos em assembleia especial convocada pelos ad-
ministradores e instalada com as formalidades da Lei das S.A. (artigo
136, § I o ). Os acionistas titulares de ações preferenciais da espécie ou
classe prejudicadas poderão dela se retirar, exercendo o direito de re-
cesso (artigos 136, inciso II, e 137, caput e inciso I)426.
A Lei das S.A. não contém qualquer íidispositivo a respeito da
relação de troca em operações de conversão de ações de uma espécie
em outra; estabelece, apenas, que as condições da conversão devem
ser fixadas no estatuto social. Em respeito ao princípio da autonomia

425 Sobre esse assunto, ver J O S É L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA, "Desdobramento de Ações". In:


Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos,
elaboração, aplicação) ..., v. II, p. 68-70; L U I Z C A S T Ã O PAES D E B A R R O S LEÃES, "Conver-
são de Ações Preferenciais em Ordinárias". In: Pareceres ..., v. I, p. 385-392.
426 A CVM, no Parecer CVM/PJU n° 005/2001, ao analisar consulta sobre a possibilidade de
extinção de ações preferenciais, mediante a sua conversão em ações ordinárias, por meio
de deliberação em assembleia geral em que foi concedido direito de retirada aos titulares
de ações preferenciais prejudicados com a deliberação, entendeu que, ainda que a mesma
fosse autorizada pelo estatuto, não poderia ter caráter compulsório sobre todos os titulares
de ações preferenciais, em especial sobre aqueles que não concordaram com a delibera-
ção. Anteriormente, no Parecer CVM/SJU n° 023/1987, essa mesma Autarquia havia se
manifestado no seguinte sentido: " O artigo 19 da Lei n° 6.404/76 determina a fixação de
condições de conversibilidade de ações no estatuto da companhia. Omisso o estatuto, será
modificado para nele se incluir a determinação legal, mediante reforma estatutária nos
termos^ do artigo 135 da Lei n° 6.404/76. Deliberação assemblear que vise alterar vantagens
atribuídas às ações preferenciais, depende de um quorum qualificado para sua aprovação
(art. 136, II) e enseja o exercício do direito de recesso (art. 137), assim como necessidade
de realização de Assembleia Especial de acionistas preferenciais interessados (art. 136, §
1 ) (...) a cláusula estatutária genérica (...) que admite a conversão de ações de uma classe
em outra, delegando toda a fixação de condições à Assembleia Ceral há de ser considera-
da, à luz da melhor doutrina, como omissa, e, consequentemente, inexistente".
privada, a Lei das S.A. deixa a critério dos acionistas a definição das
condições em que a conversão deverá se efetivar, dentre as quais se
inclui a relação de troca entre as diferentes espécies ou classes de
ações. É, portanto, plenamente válida a fixação da relação de troca
nas operações de conversão em proporção diferente de um para um.
No entanto, poder-se-ia eventualmente entender que essa rela-
ção de troca em proporção diferente de um para um, isto é, uma ação
ordinária para cada ação preferencial anteriormente emitida, contra-
riaria a regra contida no artigo 12, a qual consagra o princípio da
fbádez do capital social427. Como a operação de conversão não impli-
ca em modificação do valor do capital social nem está expressamente
mencionada naquele dispositivo, poder-se-ia concluir que ela deveria
ser necessariamente realizada com relação de troca de um para um,
pois, caso contrário, acarretaria alteração no número de ações em que
se divide o capital social fora das hipóteses legalmente autorizadas.
Tal entendimento, contudo, não se sustenta, visto que a conver-
são opera-se por meio do desaparecimento das ações convertidas e da
sua substituição por títulos representativos de outra espécie ou classe
de ações428. Ou seja, a conversão importa no cancelamento das ações
convertidas e a sua substituição por novos títulos, razão pela qual a
eventual alteração do número de ações em que se divide o capital,
decorrente da adoção de uma relação de troca diferenciada, está ex-
pressamente autorizada pela regra contida no artigo 12429.

427 Ver os comentários ao art. 12 da Lei das S.A.


428 FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 1, Rio de Janeiro: Foren-
se, 1977, p. 122.
429 Nesse sentido, manifestou-se o Colegiado da C V M em decisão proferida no Processo
Administrativo C V M n° RJ 2007/0947, Rei. Presidente Marcelo Fernandez Trindade, j. em
22.05.2007: "O numero de ações preferenciais, no caso concreto, e nos que a ele se
assemelhem, seria alterado pela conversão de ações ordinárias (e, portanto, por seu cance-
lamento), que é autorizado pela lei tanto se estabelecido previamente no estatuto (art. 19)
quanto se for deliberado pela assembleia geral, e ratificado pela assembleia especial dos
acionistas afetados. O fato de o art. 12 não mencionar expressamente a conversão de ações
não impede que esta hipótese de cancelamento seja abrangida pela referência geral feita na
norma às hipóteses de cancelamento de ações autorizado nesta Lei. O mesmo ocorre com o
Além disso, também se poderia eventualmente alegar que a fi-
xação de relação de troca diferente de um para um alteraria a parti-
cipação dos acionistas no patrimônio social, afetando, dessa forma,
o seu direito essencial à participação no acervo da companhia, em
caso de liquidação (artigo 109, inciso II). Esse argumento também
não procede, pois o acionista, ao adquirir a ação, não se torna pro-
prietário do patrimônio social, mas apenas passa a deter um valor
mobiliário que corporifica um complexo de direitos e obrigações
perante a companhia.
O patrimônio social pertence exclusivamente à própria compa-
nhia, razão pela qual não se pode entender que, durante a sua existên-
cia, o acionista tenha direito a receber uma parcela dos ativos sociais.
O direito dos acionistas de participarem do patrimônio social somen-
te passa a existir, concretamente, no momento em que a sociedade se
extingue, por meio da liquidação430. ;
A conversão de ações com relação de troca diferenciada acarreta,
tão somente, a alteração do percentual representado pelas ações de
propriedade de determinado acionista em relação ao capital social, o
que não afeta direito essencial do acionista. Por essa razão, não há
qualquer proibição a que o estatuto social, ao prever a conversão de
ações, fixe a relação de troca em proporção diferente de um para um.
E ainda possível combinar o direito de resgate com a conversão,
atribuindo ambas as vantagens às ações preferenciais, pois não se tra-
tam de prerrogativas incompatíveis. Ou seja, é legítima a emissão de
ação preferencial com direito ao resgate e, não sendo este efetuado
nas condições previamente fixadas, com a faculdade de seu titular
requisitar a conversão em ações ordinárias.

resgate e a incorporação de ações (que implicam no cancelamento posterior de ações), e


nunca se discutiu a sua possibilidade".
430 LUIZ C A S T Ã O PAES DE BARROS LEÃES, "Conversão de Ações e Relação de Substituição".
In: Pareceres ..., v. i, p. 448-449.
SEÇÃO IV

FORMA

"Art. 20. As ações devem ser nominativas." (Redação dada pela


Lei n° 8.021/1990)

A espécie da ação - que de acordo com a Lei das S.A. pode ser
ordinária, preferencial ou de fruição431 - determina os diferentes di-
reitos dos acionistas e a sua forma está vinculada ao seu modo de
transferência. Não importa de que espécie é a ação, ela será sempre
nominativa432.
A Lei das S.A., na sua redação original, admitia 3 (três) formas
para as ações: nominativas, endossáveis ou ao portador. No entanto, a
Lei n° 8.021/1990, extinguindo os títulos ao portador e os endossá-
veis, alterou a redação deste artigo e a única forma de ação atualmen-
te admitida pela Lei das S.A. é a nominativa.
A ação nominativa pode apresentar-se sob as formas registrada e
escriturai; é aquela em que o nome do seu titular está inscrito no "Livro
de Registro de Ações Nominativas" da companhia — no caso de ser ela
registrada (artigo 100, inciso I) - ou no registro na conta de depósito
das ações, aberta em nome do acionista nos livros da instituição finan-
ceira depositária de suas ações - no caso de ser ela escriturai (artigo 35).
A propriedade da ação nominativa presume-se pela inscrição do
nome do acionista no "Livro de Registro de Ações Nominativas" ou
pelo extrato fornecido pela instituição custodiante, na qualidade de
proprietária fiduciária das ações (artigo 31, caput). A presunção de
propriedade da ação é relativa {júris tantum), admitindo-se, portanto,
prova em contrário433.

431 Ver os comentários ao art. 15 da Lei das S.A.


432 Sobre a natureza jurídica da ação, ver os comentários aos arts. 11, 23 e 24 da Lei das S.A.
433 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 31 da Lei das S.A.
A transferência das ações nominativas registradas opera-se por
termo lavrado no "Livro de Transferência de Ações Nominativas"
(artigo 100, inciso II), datado e assinado pelo cedente e pelo cessio-
nário, ou seus legítimos representantes (artigo 31, § I o ). A transfe-
rência das ações escriturais opera-se por lançamento efetuado pela
instituição depositária em seus livros, a débito da conta de ações do
alienante e a crédito da conta de ações do adquirente, à vista de or-
dem escrita do alienante, ou de autorização ou ordem judicial, em
documento hábil que ficará em poder da instituição (artigo 35, § I o ).
Tendo em vista o modo como se prova a propriedade da ação
nominativa registrada e opera-se a sua transferência, não é necessária
a emissão de certificados, pois esses são inúteis ao titular da ação para
o exercício dos seus direitos434. Aquele cujo nome encontra-se regis-
trado no "Livro de Registro de Ações Nominativas" poderá exercer
os seus direitos de acionista. Para participar das assembleias gerais, os
acionistas titulares de ações nominativas registradas exibirão, se exi-
gido, documento hábil de sua identidade; e os titulares de ações escri-
turais, além do documento de identidade, exibirão ou depositarão na
companhia, se o estatuto exigir, comprovante expedido pela institui-
ção financeira depositária (artigo 126, incisos I e II). A ação nomina-
tiva escriturai, pela sua própria natureza, não comporta a emissão de
certificados435.
Os dividendos das ações nominativas poderão ser pagos à pes-
soa que, na data do ato de declaração do dividendo, estiver inscrita
como proprietária ou usufrutuária da ação, mediante cheque nomina-
tivo remetido por via postal para o endereço comunicado pelo acio-
nista à companhia, ou por meio de crédito em conta corrente aberta
em nome do acionista (artigo 205, caput e § I o ).

434 Sobre a inutilidade dos certificados de ação, ver os comentários ao art. 11 da Lei das S.A.
435 Ver os comentários ao art. 34 da Lei das S.A.
ARTS. 2 1 E 2 2 - A LEI DAS S / A COMENTADA

Ações não integraíizadas


"Art. 21. Além dos casos regulados em lei especial, as ações terão
obrigatoriamente forma nominativa ou endossável até o integral
pagamento do preço de emissão."

A Lei n° 8.021/1990, ao extinguir os títulos ao portador e en-


dossável e estabelecer a obrigatoriedade dos títulos nominativos, der-
rogou implicitamente o artigo 21.
O acionista é obrigado a realizar, nas condições previstas no esta-
tuto ou no boletim de subscrição, a prestação correspondente às ações
subscritas ou adquiridas (artigo 106, caput) e se não efetuar o pagamen-
to ficará, de pleno direito, constituído em mora, sujeitando-se à inci-
dência dos juros e da multa que o estatuto determinar, esta não superior
a 10% (dez por cento) do valor da prestação (artigo 106, § 2 o ) 436 .
A Lei das S . A não impede a negociação das ações não integraíiza-
das, apenas estabelece que as ações da companhia aberta somente pode-
rão ser negociadas depois de realizados 30% (trinta por cento) do preço de
emissão, importando a infração a essa regra na nulidade do ato (artigo 29).
Determina, também, a Lei das S.A. que, quando as ações são nego-
ciadas antes da sua total integralização, os alienantes continuam respon-
sáveis, solidariamente, com os adquirentes, pelo pagamento das prestações
que faltarem para integralizar as ações transferidas (artigo 108, capui).

Determinação no estatuto
"Art. 2 2 . 0 estatuto determinará a forma das ações e a conversi-
bilidade de uma em outra forma.

Parágrafo Único. As ações ordinárias da companhia aberta e ao


menos uma das classes de ações ordinárias da companhia fechada,
quando tiverem a forma ao portador, serão obrigatoriamente con-
versíveis, à vontade do acionista, em nominativas ou endossáveis."

436 Sobre as conseqüências da mora do acionista, ver os comentários ao art. 107 da Lei das S.A.
A Lei das S.A., na sua redação original, admitia 3 (três) formas
para as ações: (i) nominativas; (ii) endossáveis; ou (iii) ao portador.
No entanto, a Lei n° 8.021/1990, extinguindo os títulos ao portador
e os endossáveis, derrogou implicitamente o artigo 22. A única forma
de ação atualmente admitida pela Lei das S.A. é a nominativa.

SEÇÃO V

CERTIFICADOS

Emissão
"Art. 23. A emissão de certificado de ação somente será permiti-
da depois de cumpridas as formalidades necessárias ao funciona-
mento legal da companhia.

§ I o A infração do disposto neste artigo importa nulidade do cer-


tificado e responsabilidade dos infratores.

§ 2 o Os certificados das ações, cujas entradas não consistirem em


dinheiro, só poderão ser emitidos depois de cumpridas as formalida-
des necessárias à transmissão de bens, ou de realizados os créditos.

§ 3 o A companhia poderá cobrar o custo da substituição dos cer-


tificados, quando pedida pelo acionista."

Com a extinção dos títulos ao portador e endossáveis pela Lei n°


8.021/1990, a única forma de ação admitida pela Lei das S.A. é a
nominativa. Assim, os certificados de ação perderam a sua principal
função que era a de instrumento que legitimava a condição de sócio.
A propriedade da ação nominativa presume-se pela inscrição do
nome do acionista no "Livro de Registro de Ações Nominativas" ou
pelo extrato fornecido pela instituição custodiante, na qualidade de
proprietária fiduciária das ações (artigo 31, caput).
A transferência das ações nominativas registradas opera-se por
termo lavrado no "Livro de Transferência de Ações Nominativas"
(artigo 100, inciso II), datado e assinado pelo cedente e pelo cessio-
nário, ou seus legítimos representantes (artigo 31, § I o ). A transfe-
rência das ações escriturais opera-se por lançamento efetuado pela
instituição depositária em seus livros, a débito da conta de ações do
alienante e a crédito da conta de ações do adquirente, à vista de or-
dem escrita do alienante, ou de autorização ou ordem judicial, em
documento hábil que ficará em poder da instituição (artigo 35, § I o ).
Tendo em vista o modo como se prova a propriedade da ação
nominativa e realiza-se a sua transferência437, não é necessária a emis-
são de certificados, o qual é inútil ao titular da ação nominativa para o
exercício dos seus direitos438. A ação escriturai, face a sua própria na-
tureza, não comporta a emissão de certificados439.
Assim, após a extinção das ações ao portador e endossáveis, o
artigo 23 foi derrogado pelo desuso.

Requisitos
"Art. 24. Os certificados das ações serão escritos em vernáculo e
conterão as seguintes declarações:

I — denominação da companhia, sua sede e prazo de duração;

II - o valor do capital social, a data do ato que o tiver fixado, o


número de ações em que se divide e o valor nominal das ações, ou
a declaração de que não têm valor nominal;

III - nas companhias com capital autorizado, o limite da autori-


zação, em número de ações ou valor do capital social;

437 Vide os comentários aos arts. 20, 31 e 35, § 1°, da Lei das S.A.
438 Sobre a inutilidade dos certificados de ação, ver os comentários aos arts. 11 e 34 da Lei das S.A.
439 Ver os comentários ao art. 34 da Lei das S.A.
I V - o número de ações ordinárias e preferenciais das diversas clas-
ses, se houver, as vantagens ou preferências conferidas a cada clas-
se e as limitações ou restrições a que as ações estiverem sujeitas;

V - o número de ordem do certificado e da ação, e a espécie e


classe a que pertence;

VI - os direitos conferidos às partes beneficiárias, se houver;

VII - a época e o lugar da reunião da assembleia geral ordinária;

VIII - a data da constituição da companhia e do arquivamento e


publicação de seus atos constitutivos;

I X - o nome do acionista; (Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

X - o débito do acionista e a época e o lugar de seu pagamento,


se a ação não estiver integralizada; (Redação dada pela Lei n°
9.457/1997)

XI - a data da emissão do certificado e as assinaturas de dois dire-


tores, ou do agente emissor de certificados (artigo 27). (Redação
dada pela Lei n° 9.457/1997)

§ I o A omissão de qualquer dessas declarações dá ao acionista di-


reito a indenização por perdas e danos contra a companhia e os
diretores na gestão dos quais os certificados tenham sido emitidos.

§ 2o Os certificados de ações emitidas por companhias abertas po-


dem ser assinados por dois mandatários com poderes especiais, ou
autenticados por chancela mecânica, observadas as normas ex-
pedidas pela Comissão de Valores Mobiliários." (Redação dada
pela Lei n° 10.303/2001)
A Lei n° 8.021/1990, com o objetivo de identificar os contribuin-
tes que operam no mercado financeiro e de capitais, extinguiu os títu-
los ao portador e endossáveis, ocasionando o desaparecimento da função
dos certificados, qual seja, a sua circulação cambial em branco.
Dessa forma, o certificado de ação perdeu, também, a sua principal
função, que era a de instrumento que legitimava a condição de sócio.
Tendo em vista que a única forma de ação atualmente admitida pela
Lei das S.A. é a nominativa (artigo 20), o modo como se prova a
propriedade das ações nominativas registradas e opera-se a sua transferência,
a emissão de certificados é inútil ao titular dessas ações para o exercício
dos seus direitos440-441. Assim, o artigo 24 foi derrogado pelo desuso.
Não obstante, a Lei n° 10.303/2001 conferiu nova redação ao §
2 o deste artigo, simplesmente para excluir a formalidade relativa à
validade dos certificados de ações assinados por 2 (dois) mandatários
com poderes especiais, qual seja, o prévio depósito das procurações,
juntamente com o exemplar das assinaturas na Bolsa de Valores em
que a companhia tiver as ações negociadas.
No entanto, não tem a disposição contida neste artigo qualquer
aplicação.

Títulos múltiplos e cautelas


"Art. 25. A companhia poderá, satisfeitos os requisitos do artigo
24, emitir certificados de múltiplos de ações e, provisoriamente,
cautelas que as representem.

Parágrafo único. Os títulos múltiplos das companhias abertas


obedecerão à padronização de número de ações fixada pela Co-
missão de Valores Mobiliários."

440 Sobre a inutilidade dos certificados de ação, ver os comentários aos arts. 11 e 20 da Lei
das S.A.
441 Sobre o modo como se prova a propriedade e se opera a transferência da ação nominativa,
ver os comentários aos arts. 20, 31 e 35 da Lei das S.A.
Com a extinção, pela Lei n° 8.021/1990, dos títulos ao portador
e endossáveis, a única forma de ação admitida pela Lei das S.A. é a
nominativa. Assim, os certificados de ação perderam a sua principal
função que era a de instrumento que legitimava a condição de sócio.
Dessa forma, este artigo - assim como os artigos 21, 22, 23,24 e
26 - foi derrogado pelo desuso.
Cupões
"Art. 26. Aos certificados das ações ao portador podem ser ane-
xados cupões relativos a dividendos ou outros direitos.

Parágrafo único. Os cupões conterão a denominação da compa-


nhia, a indicação do lugar da sede, o número de ordem do certifi-
cado, a classe da ação e o número de ordem do cupão."

Esse artigo foi derrogado pela Lei n° 8.021/1990, pois, com a


extinção dos títulos ao portador e endossáveis, a única forma de ação
atualmente admitida pela Lei das S.A. é a nominativa.

Agente emissor de certificados


"Art. 27. A companhia pode contratar a escrituração e a guarda
dos livros de registro e transferência de ações e a emissão dos
certificados com instituição financeira autorizada pela Comissão
de Valores Mobiliários a manter esse serviço.

§ I o Contratado o serviço, somente o agente e m i s s o r poderá pra-


ticar os atos relativos aos registros e emitir certificados.

§ 2 o O nome do agente emissor constará das publicações e ofer-


tas públicas de valores mobiliários feitas pela companhia.

§ 3 o Os certificados de ações emitidos pelo agente emissor da


companhia deverão ser numerados seguidamente, mas a nume-
ração das ações será facultativa."
Com a extinção, pela Lei n° 8.021/1990, dos títulos ao portador
e endossáveis, a única forma de ação admitida pela Lei das S.A. é a
nominativa. Assim, os certificados de ação perderam a sua principal
função, que era a de instrumento que legitimava a condição de sócio,
tornando-se desnecessários ao titular da ação nominativa para o exer-
cício dos seus direitos442.
Não obstante a emissão de certificados de ações nominativas ter
sido derrogada pelo desuso, a companhia pode contratar, com insti-
tuição financeira autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários, a
escrituração e a guarda dos livros de registro e transferência de ações,
que independem da emissão dos certificados. Essa instituição finan-
ceira é denominada de "agente emissor".
Portanto, parte do caput do artigo 27 e os seus §§ I o e 2 o continuam
em vigor.
No caso de a companhia optar por contratar os serviços da insti-
tuição financeira, esta não poderá ser sua acionista (artigo 293, pará-
grafo único).
A Comissão de Valores Mobiliários, nos termos da Lei das S.A.,
pode autorizar as Bolsas de Valores a prestar os serviços de escritura-
ção e guarda dos livros de registro e transferência de ações (artigo
293, caput)443.
A Lei das S.A., ao admitir que esses serviços sejam prestados
por instituições financeiras, visou a facilitar o funcionamento e mini-
mizar os custos das companhias abertas, pois estas eram obrigadas a
manter um departamento próprio para administrar os serviços de

442 Sobre esse assunto, ver os comentários aos arts. 11 e 20 da Lei das S.A.
443. A Instrução C V M n° 89/1988, com as alterações introduzidas pelas Instruções C V M n<*
212/1994 e 261/1997, que dispõe sobre a autorização para prestação de serviços de ações
escriturais, de custódia de valores mobiliários e de agente emissor de certificados prevê, em
seu art. I o , que: "Art. Io. A prestação dos serviços de ações escriturais, de custódia de valores
mobiliários e de agente emissor de certificados depende de autorização da Comissão de
Valores Mobiliários".
emissão de certificados, escrituração e guarda dos livros de registro e
transferência de ações444.
Uma vez contratados os serviços do agente emissor, somente ele
poderá realizá-los e não mais a própria companhia, até mesmo por-
que os livros estarão sob a sua guarda.
Em princípio, cabe à companhia verificar a regularidade das trans-
ferências e da constituição de direitos ou ônus sobre os valores mobi-
liários de sua emissão; tais atribuições competem ao agente emissor,
quando contratados os seus serviços (artigo 103, caput). A responsa-
bilidade do agente emissor é apenas perante a companhia. Perante os
titulares de valores mobiliários responde a própria companhia pelos
prejuízos causados por vícios ou irregularidades verificadas nos livros
de "Registro de Ações Nominativas", "Transferência de Ações No-
minativas", "Registro de Partes Beneficiárias Nominativas" e "Trans-
ferência de Partes Beneficiárias Nominativas-' (artigo 104, caput).
As dúvidas suscitadas entre o acionista, ou qualquer interessado,
e a companhia, ou o agente emissor, a respeito das averbações orde-
nadas pela Lei das S.A., ou sobre anotações, lançamentos ou transfe-
rência de ações nos livros de registro ou transferência, serão dirimidas
pelo juiz competente para solucionar as questões levantadas pelos
oficiais dos registros públicos, excetuadas as questões atinentes à subs-
tância do direito (artigo 103, parágrafo único).
O agente emissor, além dos serviços de emissão de certificados,
escrituração e guarda dos livros de registro e transferência de ações,
está autorizado a emitir certificados de depósito de ações (artigo 43),
partes beneficiárias (artigo 50, § 2 o ), debêntures (artigo 63, § 2 o ) e
bônus de subscrição (artigo 78, parágrafo único).

De acordo com a Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, o objetivo do art. 27 foi


estimular a criação de instituições financeiras especializadas na escrituração de livros de
ações e na emissão de certificados que pudessem substituir, com as vantagens de menor
custo e maior segurança, os departamentos de acionistas que as companhias abertas eram
obrigadas a manter.
SEÇÃO V I

PROPRIEDADE E C I R C U L A Ç Ã O

Indivisibilidade
"Art. 28. A ação é indivisível em relação à companhia.

Parágrafo Único. Quando a ação pertencer a mais de uma pes-


soa, os direitos por ela conferidos serão exercidos pelo represen-
tante do condomínio."

O fracionamento de ações é vedado em nosso atual regime


societário. A indivisibilidade 445 não decorre da natureza da ação,
mas de determinação expressa neste dispositivo e está relacionada
com os direitos conferidos pela ação a seu titular.
Se o fracionamento de ações fosse admitido em nossa legislação
societária - como ocorria na vigência do Decreto n° 434/1891 - os fun-
dadores da sociedade poderiam conservar influência perpétua sobre ela,
guardando para si a maior parte das ações inteiras e dividindo o resto em
frações. Como os titulares das ações completas eram os únicos que vota-
vam, poderiam, assim, com pequeno capital, dominar a companhia446.
A indivisibilidade da ação significa que o acionista e a compa-
nhia não podem criar fração de ações possuídas por diferentes titula-
res ou dividir a ação de modo que alguns dos seus direitos sejam dela
destacados.
Os direitos que integram a ação não podem ser destacados do
conjunto e atribuídos a diferentes titulares. A única hipótese em que

445 De acordo com o art. 87 do Código Civil, "bens divisíveis são os que se podem .(racionar
sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que
se destina". O art. 88, por sua vez, dispõe que "os bens naturalmente divisíveis podem
tornar-se indivisíveis por determinação da lei ou por vontade das partes".
446 CARLOS FULGÊNCIO DA C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 1, São Paulo:
Saraiva, 1972, p. 142.
a Lei das S.A. admite titulares distintos de direitos que são elementos
da ação é a de constituição de usufruto.
No entanto, a incindibiJidade dos direitos que são elementos da
ação não impede a cessão dos direitos de crédito ao dividendo decla-
rado, à quota de rateio repartida, à preferência para subscrever valores
mobiliários em determinada emissão, e ao valor de reembolso nasci-
do do exercício do direito de retirada447.
Note-se que do grupamento de ações podem decorrer frações,
pois ele implica em alteração do número de ações sem modificação
do valor do capitaL social; a companhia substitui o número de ações
existentes por uma quantidade menor com o conseqüente aumento
de seu valor nominal, quando for o caso. Quando o grupamento oca-
sionar a existência de frações de ações, a assembleia geral deverá de-
liberar o procedimento a ser adotado. Em geral, abre-se um prazo
para que os acionistas, comprando ou vendendo ações, componham
as suas frações448.
Não obstante a regra da indivisibilidade, a Lei das S.A. admite que
as ações sejam objeto de propriedade em comum, por acordo entre os
acionistas, ato de disposição inter vivos ou por sucessão mortis causa.
O condomínio acionário rege-se, a princípio, pelas regras co-
muns do condomínio449.
Tratando-se de condomínio de ações, os direitos decorrentes da
copropriedade somente podem ser exercidos por uma única pessoa,
escolhida para ser o representante do condomínio. Os direitos decor-
rentes da qualidade de sócio, inclusive o de voto, não podem ser exerci-
dos individualmente por cada condômino, com relação a sua respectiva

A?f ^ BULHÕES PEDREIRA e ALFREDO LAMY FILHO, "Características da Ação". In:


Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio
de Janeiro: Forense, 2009, p. 209.
448 Sobre o grupamento de ações, ver os comentários ao art. 12 da Lei das S.A.
Arts. 1.314 e seguintes do Código Civil.
quota parte, visto que somente o representante da comunhão tem legi-
timidade, perante a companhia, para exercer tais direitos450.
O nome do representante do condomínio deve ser comunicado
à companhia para que seja reconhecido como a pessoa capaz de exer-
cer os direitos relativos às ações em condomínio. O representante
pode ser um condômino ou terceiro451-452. Na hipótese de o represen-
tante não ser um condômino, para que possa comparecer à assem-
bleia e votar, deverá preencher os requisitos da Lei das S.A. sobre
legitimação e representação (artigo 126, § I o ).
A pessoa designada como representante fica investida de to-
dos os direitos conferidos à ação; no entanto não pode alienar ou
gravar as ações objeto do condomínio, pois esses atos não são
relacionados aos direitos da ação453.
Na hipótese de comunhão por sucessão mortis causa, a represen-
tação legal durante o inventário cabe ao inventariante.
Não sendo indicado à companhia o representante dos condômi-
nos, estes ficam incapacitados de exercer os direitos inerentes às ações
de titularidade comum. Não pode a assembleia geral, com fundamento
no artigo 120, suspender o exercício dos direitos das ações em condo-
mínio, o que constituiria sanção incabível na hipótese454.

450 Sobre o condomínio da açao escriturai, ver A R N O L D O W A L D , "Contas Conjuntas de


Ações Escriturais", Revista dos Tribunais. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 753,
julho, 1983, p. 51 e os Pareceres CVM/SJU n'* 054/1983 e 102/1983.
451 No mesmo sentido, M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anôni-
mas. v. 1, 5 a edição, São Raulo: Saraiva, 2007, p. 289 e W I L S O N DE S O U Z A C A M P O S
BATALHA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 1, Rio de Janeiro: Forense,
1977, p. 239. Em sentido contrário, T R A J A N O D E M I R A N D A VALVERDE. Sociedades por
Ações. v. II, 2 a edição, Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 53 e C A R L O S F U L G Ê N C I O DA
C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações ..., v. II, p. 343.
452 Ver comentários ao art. 126 da Lei das S.A. O art. 1.323 do Código Civil estabelece que:
"Deliberando a maioria sobre a administração da coisa comum, escolherá o administrador, que
poderá ser estranho ao condomínio; resolvendo alugá-la, preferir-se-á, em condições iguais, o
condômino ao que não o é". O art. 1.325, por sua vez, determina que: "A maioria será
calculada pelo valor dos quinhões. § 1° As deliberações serão tomadas por maioria absoluta."
453 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações ..., v. I, p. 139.
454 No mesmo sentido, RUBENS REQUIÃO. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. São
Raulo: Saraiva, 1978, p. 207 e FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anôni-
mas. v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 171. Assinala ainda esse autor que "não nos
As deliberações dos condôminos são obrigatórias quando toma-
das por maioria absoluta; não sendo possível alcançá-la, decidirá o
juiz, a requerimento de qualquer condômino, ouvidos os demais455.
No que se refere às relações dos condôminos entre si, nada obsta
que sejam estabelecidas regras relativas ao voto a ser emitido pelo re-
presentante do condomínio na deliberação de determinadas matérias,
divisão futura de ações, partilha de direitos patrimoniais, etc. No entan-
to essas regras são estranhas à sociedade, para a qual é indiferente a
quota ideal atribuída a cada condômino na propriedade comum.
Na inexistência de convenção ou prévia manifestação dos con-
dôminos, o representante do condomínio pode exercer livremente o
voto nas assembleias gerais.
Enquanto as ações em condomínio não forem integralizadas,
cada condômino responde perante a companhia pelo pagamento da
totalidade da dívida456. ;

O condomínio não se extingue mesmo quando tem prazo prefi-


xado, ou excede o prazo legal. A sua temporariedade poderia fazer
crer que o advento do seu termo final, fixado em lei, seria uma de suas
causas extintivas, mas, não só este termo é suscetível de prorrogação
ulterior, como não acarreta a extinção automática do condomínio,

parece (...) que no caso de não ser feito o comunicado do representante do condomínio,
capacitado para exercer os direitos da ação, possa a assembleia deliberar que sejam suspensos
os direitos do acionista, pois, no caso, não há uma suspensão de direitos imposta pela
sociedade, mas simplesmente a incapacidade de serem exercidos tais direitos por falta de
escolha e comunicação à sociedade de um representante dos condôminos. (...) O caso nos
parece diverso da suspensão de direitos, que no nosso entender é pena imposta ao acionista
que não cumpriu certas obrigações em relação à companhia, obrigações essas no interesse da
companhia e não no interesse do condomínio." (grifos do autor). Em sentido contrário,
CARLOS FULGÊNCIO DA C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações ..., v. I, p. 143, T R A J A N O
DE MIRANDA VALVERDE. Sociedade por Ações ..., v. I, p. 138 e M O D E S T O CARVALHOSA.
Comentários à Lei de Sociedades Anônimas ..., v. I, p. 288, para os quais a companhia pode,
com fundamento nos arts. 120 e 122 da Lei das S.A., suspender o exercício dos direitos
relativos às ações em condomínio até que seja indicado um representante. Ver, também, os
comentários ao art. 120 da Lei das S.A.
Art. 1.325, § 2 o , do Código Civil.

Art. 259, caput, do Código Civil e art. 1.112, inciso IV, do Código de Processo Civil.
apenas libera os condôminos da restrição ao seu direito de exigir a
divisão da coisa comum. Decorrido o prazo acordado de vigência
do condomínio, cada qual poderá pedir a divisão ou a venda. O
condomínio se extinguirá, por conseguinte, com a alienação ou
divisão do bloco de ações457-458.
Na ausência de consenso unânime, o condomínio extingue-se
por ação de divisão459.
Não obstante a indivisibilidade da ação, admite-se a divisibilida-
de do lote de ações. Não se confunde o condomínio de uma ação
com o de um lote de ações, que é, por sua natureza, divisível460, mas
pode tornar-se indivisível por vontade das partes.

Negociabilidade
"Art. 29. As ações da companhia aberta somente poderão ser ne-
gociadas depois de realizados 30% (trinta por cento) do preço de
emissão.

Parágrafo TJnico. A infração do disposto neste artigo importa na


nulidade do ato."

457 O R L A N D O C O M E S . Direitos Reais. 19 a edição, atualizada por Luiz Edson Fachin, Rio de
Janeiro: Forense, 2008, p. 246.
458 D e acordo com a regra do art. 1.320 do Código Civil, podem os condôminos acordar que
fique indivisa a coisa c o m u m por prazo não superior a 5 (cinco) anos, suscetível de
prorrogação ulterior; o mesmo prazo deve ser observado quando a indivisibilidade for
determinada pelo doador ou testador (§§ 1 o e 2 o ).
459 Sobre a extinção de condomínio acionário e a necessidade de intimar todos os condôminos,
ver decisão proferida pela 2Q Turma do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recur-
so Extraordinário n° 88.822-RJ, Rei. Min. Leitão de Abreu, j. em Í2.09.1980.
460 Nesse sentido, M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas ...,
v. I, p. 290. A jurisprudência igualmente reconhece a possibilidade de divisão do lote de
ações, conforme se verifica da ementa do seguinte julgado: "Separação judicial - Partilha
dos bens não efetuada - Alienação a terceiro - Ação de Sociedade Anônima - Inteligência
dos artigos 1.139 do Código Civil e 28 da Lei n° 6.404/76. O disposto no art. 1.139 do
Código Civil não se aplica ao co-herdeiro e nem, tampouco, ao ex-cônjuge, Já que a
universalidade de bens antes da partilha não & impeditiva da alienação a terceiros, desde que
a coisa comum seja divisível. A indivisibilidade da ação, prevista no art. 28 da Lei n. 6.404/
76, refere-se à alienação de uma unidade, não prevalecendo quando se tratar de um grupo
de ações". ( N E L S O N EIZIRIK. Sociedades Anônimas, Jurisprudência, t. I, Rio de Janeiro:
Renovar, 1996, p. 321).
As ações da companhia aberta somente podem ser negociadas
depois de realizados 30% (trinta por cento) do preço de emissão das
ações subscritas pelo acionista. Não se trata da integralização de 30%
(trinta por cento) do capital social, pois o acionista é obrigado a pagar
o preço de emissão das ações subscritas461.
Verificado o pagamento de 30% (trinta por cento) do preço de
emissão das ações subscritas, o acionista pode livremente negociá-
-las, ainda que o capital social não esteja realizado nesse mesmo per-
centual. Por outro lado, ainda que o capital esteja integralizado em
30% (trinta por cento) do seu valor, as ações não integralizadas nesse
percentual não podem ser negociadas.
Essa norma representa uma limitação à negociabilidade das ações
da companhia aberta e tem como objetivos: (i) evitar a especulação
sobre elas quando da constituição da companhia e recente emissão
das ações; (ii) assegurar a integridade do capital social; e (iii) garantir
uma entrada regular do capital462.
O caput refere-se à negociação de ações, portanto não há obstá-
culo à sua transferência a título gratuito antes de verificada a realiza-
ção de 30% (trinta por cento) do preço de emissão das ações. O que a
Lei das S.A. proíbe é negociação e não a transferência das ações463.

FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. I, Rio de Janeiro: Forense,
1977, p. 172; J. X. C A R V A L H O D E M E N D O N Ç A . Tratado de Direito Comercial Brasileiro.
v. II, l. II, atualizado por Ruymar de Lima Nucci. Campinas: Bookseller, 2001, n° 1.087,
nota 4, p. 499; C A R L O S F U L G Ê N C I O DA C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 1,
São Paulo: Saraiva, 1972, p. 151.
TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. I, 2 a edição, Rio de Janeiro:
Forense, 1953, p. 145.
De acordo com CARLOS F U L G Ê N C I O D A C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações ..., v. 1,
p. 155-156, "a lei quis evitar a especulação, o lançamento de ações à venda, antes que a
sociedade se tivesse firmado ou ao calor das primeiras propagandas. Colocou-as fora do
comércio, mas não inalienáveis. Assim, as ações não podem ser negociadas, mas nada
impede que sejam doadas. Até porque esta forma de transferência não traz, quer para o
publico, quer para a sociedade, nenhum inconveniente, sabido que, na transferência gratui-
ta, não é possível a especulação e em toda a alienação o cedente fica responsável pelo
pagamento das entradas ou prestações que faltarem para integralizar as ações cedidas ou
transferidas. Desta maneira, é lícita a transferência da ação, embora mínimo o valor já pago,
se a titulo gratuito ou por sucessão causa mortis ou pelos meios judiciais, como sejam:
arrematação, adjudicação." Em sentido contrário, M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários
O percentual mínimo de 30% (trinta por cento) aplica-se apenas
às ações subscritas em dinheiro, pois a integralização em bens se efe-
tiva com o cumprimento das formalidades necessárias para sua trans-
missão à companhia464.
Se a ação for negociada em violação ao disposto no caput deste
artigo, o ato será nulo de pleno direito. A companhia poderá cobrar
do acionista a sua integralização ou vender as ações a terceiro na hi-
pótese de o acionista não efetuar o pagamento devido465.
As companhias fechadas não se aplica a regra deste artigo. As
ações podem ser negociadas após cumprido o requisito legal de reali-
zação, como entrada, de 10% (dez por cento), no mínimo, do preço de
emissão das ações subscritas em dinheiro, depositada em instituição
financeira (artigo 80, incisos I e II).
A Lei das S.A. determina que, ainda quando negociadas as ações,
os alienantes continuarão responsáveis solidariamente com os adqui-
rentes pelo pagamento das prestações que faltarem para integralizar
as ações transferidas. Essa responsabilidade cessará, em relação a cada
alienante, no fim de 2 (dois) anos a contar da data da transferência
das ações (artigo 108).

Negociação com as próprias ações


"Art. 30. A companhia não poderá negociar com as próprias ações.

à Lei de Sociedades Anônimas, v. 1, 5 a edição, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 303; F R A N


MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas ..., v. I, p. 173-174, é da opinião
de que "não deve ser permitida a doação a título gratuito de uma ação que não esteja com
o mínimo integraiizado, pois tal doação, ato voluntário, pode ocultar uma negociação, no
sentido oneroso, já que dificilmente se provará que não houve especulação, que a lei quer
evitar, na transação. Mas independendo a transferência da vontade expressa do acionista,
como no caso de sucessão mortis causa, nada pode impedir que a mesma seja realizada, pois
do contrário haveria flagrante prejuízo para o acionista (...) deve ser distinguida a transferên-
cia dependente de ato voluntário do acionista ou de ato imposto pela lei. Na última hipótese,
nada impede que, mesmo antes de ser integraiizado o mínimo estabelecido pela Lei, a ação
seja transferida, pois não há negociação".
464 Ver os comentários ao art. 7 o da Lei das S.A.
465 Ver os comentários aos arts. 106 e 107 da Lei das S.A.
§ I o Nessa proibição não se compreendem:

a) as operações de resgate, reembolso ou amortização previstas


em lei;

b) a aquisição, para permanência em tesouraria ou cancelamen-


to, desde que até o valor do saldo de lucros ou reservas, exceto a
legal, e sem diminuição do capital social, ou por doação;

c) a alienação das ações adquiridas nos termos da alínea "b" e man-


tidas em tesouraria;

d) a compra quando, resolvida a redução do capital mediante resti-


tuição, em dinheiro, de parte do valor das ações, o preço destas em
bolsa for inferior ou igual à importância que deve ser restituída.

§ 2 o A aquisição das próprias ações pela companhia aberta obede-


cerá, sob pena de nulidade, às normas expedidas pela Comissão
de Valores Mobiliários, que poderá subordiná-la a prévia autori-
zação em cada caso.

§ 3 o A companhia não poderá receber em garantia as próprias


ações, salvo para assegurar a gestão dos seus administradores.

§ 4 ° As ações adquiridas nos termos da alínea "b" do § I o , en-


quanto mantidas em tesouraria, não terão direito a dividendo nem
a voto.

§5° No caso da alínea "d" do § I o , as ações adquiridas serão reti-


radas definitivamente de circulação."

A negociação com as próprias ações, vedada em termos genéri-


cos, é admitida em determinadas operações. A principal modalidade
é a da recompra das ações, que constitui, do ponto de vista financeiro,
uma alternativa ao pagamento de dividendos. Ao regular a recompra,
a legislação societária visa a: manter a integridade do capital social; e
impedir a manipulação da cotação das ações e o insider trading prati-
cado pela companhia.
As principais vantagens que a recompra de ações pode apresen-
tar são: em companhias abertas, efeitos positivos de estabilização da
cotação de ações em Bolsa de Valores, de especial importância em
períodos de alta especulação ou de notícias negativas sobre os negó-
cios da companhia; em companhias fechadas constitui uma forma de
dar liquidez às ações.
Já os principais perigos da operação são os seguintes: para os
credores, pode importar em aumento de seus riscos, pois recursos lí-
quidos da companhia são utilizados para pagar o preço das ações;
pode ser utilizada pelos administradores da companhia para fazer frente
à tentativa de take-over.; e, também, para a prática do insider trading
pela própria companhia466.
Tendo em vista tais riscos, no Direito Comparado, usualmente,
a recompra de ações é objeto de disciplina tanto na legislação socie-
tária como na de mercado de capitais, o mesmo ocorrendo entre nós.
Há nítida tendência, no Direito Comunitário Europeu, no sentido
de tornar menos rígida a disciplina legal da recompra de ações. Nes-
se sentido, as regras atuais são mais favoráveis à sua utilização pelas
companhias, não mais sendo a operação considerada como uma for-
ma de dissolução parcial, mas sim como mais uma modalidade de
mecanismo financeiro destinado a distribuir aos acionistas o excesso
de caixa467.
Este artigo, ao vedar a negociação pela companhia de suas pró-
prias ações, tem por fim (i) preservar a integridade do capital social,

466 A N D R E A S C A H N and D A V I D C . D O N A L D . Comparative Company Law. Cambridge:


Cambridge University Press, 2010, p. 242-243.
.467 A N D R E A S C A H N and DAVI D C. D O N A L D . Comparative Company Law ..., p: 244.
tendo em vista a sua função de garantia dos credores468; e (ii) proteger
os investidores no mercado de ações contra a eventual manipulação
de preços469.
Não obstante a proibição genérica, consta do § I o uma relação
taxativa dos casos em que a companhia pode negociar com as suas
próprias ações, pois tais hipóteses não configuram ofensa ao capital
social, a saber: (i) operações de resgate, reembolso ou amortização;
(ii) aquisição das próprias ações para permanência em tesouraria ou
cancelamento - sendo a aquisição efetuada com lucros ou reservas
disponíveis, sem redução do capital social - , ou nos casos de doação e
a posterior alienação dessas ações; e (iii) compra das próprias ações
quando, resolvida a redução do capital social mediante a restituição,
em dinheiro, de parte do valor das ações, o seu preço em Bolsa de
Valores for inferior ou igual à importância a ser restituída.
O que a Lei das S.A. veda é a aquisição das próprias ações
mediante negócio de que resulte restituição do capital aos sócios sem
a prévia observância do disposto nos artigos 173 e 174 e a alienação
das ações adquiridas com violação dessas normas470.

468 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976. O Decreto-Lei n° 2.627/1940, no art. 15,


proibiu a negociação das próprias ações, ressalvadas as operações de resgate, reembolso,
amortização ou compra previstas na lei; e no art. 19 admitiu a compra em Bolsa de Valores
quando, resolvida a redução do capital, o preço fosse inferior ou igual à importância que
deveria ser restituída. A Lei n° 4.728/1965 regulou essa matéria no art. 47, estabelecendo que
as sociedades anônimas de capital autorizado somente poderiam adquirir as próprias ações
mediante a aplicação de lucros acumulados ou capital excedente, e sem redução do capital
subscrito, ou por doação, dispondo, ainda, que o capital em circulação da sociedade
correspondia ao subscrito menos as ações adquiridas e em tesouraria e que as ações em
tesouraria não teriam direito de voto enquanto não fossem novamente colocadas no mercado.
469 Sobre a evolução da matéria, especialmente no direito europeu, ver M A R I A VICTÓR1A
R O D R I G U E S V A Z FERREIRA DA R O C H A . Aquisição de Acções Próprias no Código das
Sociedades Comerciais. Coimbra: Livraria Almedina, 1994; B A R B A R A P O Z Z O . L'Acquisito
di Azioni Proprie; Ia storia di un problema in un'alisi di diritto comparato. Milano: Giuffrè
Editore, 2003.
470 JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA, "Incorporação de Sociedade Controladora pela sua Con-
trolada. Legalidade. Inaplicabilidade do Artigo 30 da Lei das S.A.". In: Alfredo Lamy Filho
e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplica-
ção). v. 2, 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 595, observa que: "Quando a
companhia que não tem lucro acumulado nem reservas compra, recebe em permuta ou em
pagamento ações de sua emissão, há - do ponto de vista financeiro - uma redução do
A Lei das S.A. (i) estabelece, na alínea "a", do § I o , que na proi-
bição da companhia de negociar com as próprias ações, não se com-
preendem as operações de resgate, reembolso ou amortização de ações;
e (ii) determina, no caput do artigo 44, que o estatuto ou a assembleia
geral extraordinária pode autorizar a aplicação de lucros ou reservas
no resgate e amortização de ações, fixando as condições e o modo de
proceder-se à operação. A mesma regra aplica-se ao reembolso de
ações (artigo 45, § 5 o ); no entanto, por ser o direito de recesso uma
faculdade do acionista - uma vez verificadas as condições previstas
na Lei das S.A. — o pagamento do valor do reembolso pode ser feito
também à conta do capital social quando a companhia não possui
reservas disponíveis ou suficientes para pagar o valor das ações. Nes-
se caso, as ações reembolsadas ficarão em tesouraria e, se no prazo de
120 (cento e vinte) dias, a contar da publicação da ata da assembleia,
não forem substituídos os acionistas cujas ações tenham sido reem-
bolsadas à conta do capital social, este considerar-se-á reduzido no
montante correspondente com a conseqüente extinção das ações,
cumprindo aos órgãos de administração convocar a assembleia geral,
dentro de 5 (cinco) dias, para tomar conhecimento daquela redução
(artigo 45, § 6 o ).
O exercício do direito de retirada pelo acionista que dissente das
deliberações enumeradas na Lei das S.A. constitui o único caso em
que a lei admite que o interesse do acionista prevaleça sobre o dos
credores, desde que não venha a ser declarada a falência da sociedade
(artigo 45, §§ 7° e 8o)471.

montante do capital social fixado no estatuto, pois o preço pago na compra das ações, o
bem dado em permuta das mesmas ou o crédito extinto mediante dação em pagamento são
substituídos no ativo por ações próprias; e como essas ações conferem direitos à valores do
patrimônio da própria companhia, o patrimônio líquido e o capital social ficam reduzidos no
montante do valor das ações adquiridas".
471 JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA, "Incorporação de Sociedade Controladora pela sua Con-
trolada. Legalidade. Inaplicabilidade do Artigo 30 da Lei das S.A.". In: Alfredo Lamy Filho
e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação)
v. II, p. 594-595.
A companhia pode utilizar também os lucros ou reservas dispo-
níveis para adquirir suas próprias ações - por meio de compra e venda,
permuta e dação em pagamento - para permanência em tesouraria
ou cancelamento, desde que a importância utilizada nessa aquisição
não ultrapasse o saldo desses lucros ou reservas, nos termos da alínea
"b" do § 1°.
A companhia pode, ainda, adquirir suas próprias ações mediante
doação sem encargos, pois nessa hipótese não há saída de recursos da
companhia e, portanto, risco de redução do capital social.
A Lei das S.A. determina que nessas aquisições de ações (opera-
ções de resgate, reembolso ou amortização e aquisição para perma-
nência em tesouraria ou cancelamento) sejam utilizadas apenas o saldo
de lucros ou reservas, exceto a legal, a fim de não comprometer o
capital, mas apenas a parcela do patrimônio líquido que o excede.
Podem ser utilizados o saldo da conta de reservas e o lucro do exercí-
cio em andamento, registrado na última demonstração, trimestral ou
semestral, pois o momento para verificar o atendimento aos limites
legais é o da compra das ações, não o da aprovação da operação472.
A reserva legal não pode ser usada pela companhia para a aqui-
sição das próprias ações porque a Lei das S.A. expressamente deter-
mina que ela tem por fim assegurar a integridade do capital social e
que somente poderá ser utilizada para compensar prejuízos ou au-

A CVM, no julgamento do Processo C V M n" RJ 2008/2535, Rei. Sérgio Eduardo Weguelin


Vieira, j. em 25.11.2008, aprovou a utilização de lucro do exercício em andamento para a
compra de ações da própria emissão da companhia. A SEP havia firmado entendimento no
sentido de que a companhia não dispunha, quando da deliberação do conselho de
administração que aprovou o programa de recompra de ações, de saldo de lucros ou
reservas suficientes e que não existiria a possibilidade de destinar lucros em formação ao
longo do exercício social senão para fins de pagamento de dividendos inlercalares ou nas
hipóteses previstas em legislação setorial específica. No entanto, o colegiado da C V M
entendeu legítima "a utilização de saldo da conta de reservas e lucro de exercício em
andamento, registrado na última demonstração, seja trimestral ou semestral da companhia,
para servir como lastro à aquisição de ações próprias". O diretor relator Sérgio Weguelin e os
diretores Marcos Pinto e Eliseu Martins, manifestaram-se no sentido de que o momento
para verificação de atendimento aos limites legais é o da compra de ações e não o da
aprovação da operação; ressalvaram apenas que a operação não poderia prejudicar a
distribuição de dividendos. Foi vencido o diretor Eli Loria.
mentar o capital (artigo 193, § 2 o ). Por outro lado, a reserva de capital
tem entre as suas finalidades a compra de ações de emissão da própria
companhia, o que não implica prejuízo para o capital social (artigo
200, inciso II).
São classificadas como reservas de capital as contas que registra-
rem (i) a contribuição do subscritor de ações que ultrapassar o valor
nominal e a parte do preço de emissão das ações sem valor nominal
que ultrapassar a importância destinada à formação do capital social,
inclusive nos casos de conversão em ações de debêntures ou partes
beneficiárias; e (ii) o produto da alienação de partes beneficiárias e
bônus de subscrição (artigo 182, § I o ).
O estatuto pode criar reservas estatutárias desde que para cada
uma (i) indique, de modo preciso e completo, a sua finalidade; (ii)
fixe os critérios para determinar a parcela anual dos lucros líquidos
que serão destinados à sua constituição; e (iii) estabeleça o seu limi-
te máximo (artigo 194). A Comissão de Valores Mobiliários, no que
se refere às contas patrimoniais originadoras dos recursos para os
programas de recompra de ações, considera como disponíveis todas
as contas de reserva de lucros e de capital da companhia, exceto as
seguintes: (i) reserva legal; (ii) reserva de lucros a realizar; (iii) reser-
va de reavaliação; e (iv) reserva especial de dividendos obrigatórios
não distribuídos473.
As ações adquiridas pela própria companhia poderão ser cance-
ladas ou mantidas em tesouraria, hipótese em que - nos termos do §

473 Art. 7 o da Instrução C V M n° 10/1980. Mediante o Ofício-Circular CVM/SEP n° 002/2009,


a C V M se manifestou no sentido de que "quanto à utilização dos saldos da conta de
reservas e lucro de exercício em andamento como lastro às transações de aquisição de ações
de emissão própria, apurados através de informações financeiras intermediárias, alertamos
que o Colegiado da CVM, na reunião realizada em 25.11.200S (disponível em http://
www.cvm.gov.br), entendeu procedente seu emprego, ao amparo da Lei n° 6.404/76". Para
tanto, a CVM determinou uma série de regras que deverão ser observadas pela administra-
ção da companhia, com o fim de assegurar que as operações de recompra efetivadas ao
longo de um exercício social e o pagamento dos dividendos obrigatórios, fixos ou míni-
mos, ao termo do mesmo, não ultrapassem o saldo de lucros ou reservas.
4o- não terão direito a dividendo nem a voto. No entanto, a compa-
nhia poderá colocar suas ações novamente em circulação; por isso a
Lei das S.A. expressamente admite como outra hipótese em que a
companhia pode negociar com as próprias ações a sua alienação quan-
do adquiridas para permanência em tesouraria.
As ações mantidas em tesouraria são muito utilizadas na (i) efe-
tivação de opções de compra de ações outorgadas a administradores,
empregados e a pessoas naturais que prestam serviços à companhia
ou à sociedade sob seu controle (artigo 168, § 3 o ); e (ii) incorporação
de sociedade ou parcela de patrimônio de sociedade cindida, para en-
trega aos sócios da sociedade incorporada ou cindida em substituição
de ações extintas.
Note-se que as companhias abertas deverão divulgar fato rele-
vante sempre que o conselho de administração autorizar a aquisição
de ações de sua própria emissão para permanência em tesouraria ou
cancelamento e a alienação das ações assim adquiridas474. Da ata da
reunião do conselho de administração que deliberar sobre a aquisição
das próprias ações deverá constar: (i) o objetivo da companhia na
operação; (ii) a quantidade de ações a serem compradas; (iii) o prazo
máximo para realização das aquisições, que não poderá ser superior a
365 (trezentos e sessenta e cinco) dias; (iv) a quantidade de ações em
circulação no mercado; e (v) o nome e endereço das instituições que
atuarão como intermediárias das operações. Essa ata deverá ser enca-
minhada à Comissão de Valores Mobiliários e às Bolsas de Valores
nas quais são negociados os valores mobiliários da companhia, bem
como publicada em jornais, nos termos da Lei das S.A. (artigo 289).
As aquisições de ações de própria emissão da companhia aberta
deverão ser realizadas em Bolsas de Valores, salvo se a companhia só
tiver registro para negociar em mercado de balcão, sendo vedadas as

Art. 2°, inciso XV, da Instrução C V M n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas
Instruções C V M n™ 369/2002 e 449/2007.
operações privadas475 e o preço de aquisição não poderá ser superior
ao valor de mercado das ações476. A alienação de ações em tesouraria,
em condições capazes de afetar substancialmente a formação de pre-
ço em mercado, está sujeita a procedimento especial de negociação
aprovado pela Comissão de Valores Mobiliários477.
A companhia, ainda que autorizada pelo seu conselho de admi-
nistração e atendidos os demais requisitos legais e regulamentares, es-
tará proibida de negociar com suas próprias ações quando: (i) a aquisição
de tais ações importar em diminuição do capital social ou envolver ações
não integralizadas ou pertencentes ao acionista controlador; (ii) dita
aquisição resultar na criação, por ação ou omissão, direta ou indireta-
mente, de condições artificiais de demanda, oferta ou preço das ações
ou envolver práticas não equitativas; e (iii) estiver em curso oferta pú-
blica de aquisição das ações de emissão da companhia478.
Além dessas hipóteses, também é vedada a negociação das próprias
ações (i) antes da divulgação ao mercado de fato ou ato relevante ocorrido
nos negócios da companhia; (ii) caso tenha sido celebrado qualquer
acordo ou contrato visando à transferência do controle acionário da
companhia ou houver sido outorgada opção ou mandato para o mesmo
fim ou se houver intenção de promover incorporação, cisão, fusão,
transformação ou reorganização societária na companhia, enquanto a
operação não for divulgada mediante a publicação de fato relevante; e
(iii) no período de 15 (quinze) dias antes da divulgação das informações

475 Art. 9° da Instrução C V M n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM
n°» 268/1997 e 390/2003. Sobre o procedimento de colocação no mercado das ações
adquiridas pela própria companhia e a exigência de ser realizada em Bolsa de Valores, ver
Memo CVM/SJU n° 010/1984.
476 Art.12 da Instrução C V M n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções
C V M n - 268/1997 e 390/2003.
477 Art. 15 da Instrução C V M n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções
C V M n1* 268/1997 e 390/2003. O art. 23 dispõe que, respeitado o disposto no art. 2 o , a
C V M poderá autorizar, previamente, operações da companhia com as próprias ações que
não se ajustarem às demais normas da Instrução.
478 Art. 2° da Instrução C V M n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções
C V M n» 268/1997 e 390/2003. Sobre esse assunto, ver Pareceres CVM/SJU n"> 050/1985
e 017/1994.
trimestrais e anuais da companhia479-480. A companhia aberta não pode
negociai" com as próprias ações quando estiver de posse de informação
relevante, não divulgada ao mercado481.
A Comissão de Valores Mobiliários estabelece, ainda, que as
companhias abertas somente podem manter em tesouraria ações de
sua própria emissão até o limite máximo de 10% (dez por cento) das
ações em circulação no mercado de cada espécie ou classe; entende-se
como em circulação no mercado todas as ações representativas do
capital, menos aquelas de propriedade do acionista controlador482-483.
A companhia deve manter registro de todas as operações reali-
zadas com suas próprias ações, no qual devem ser indicadas, separa-
damente, as aquisições e alienações, bem como as seguintes
informações: (i) data; (ii) classe e espécie das ações; (iii) quantidade
de ações adquiridas ou alienadas e o respectivo preço; (iv) a conta do
patrimônio líquido que deu origem aos recursos aplicados na aquisi-
ção; (v) o valor das despesas realizadas; e (vi) o resultado líquido apu-
rado com a alienação.

479 Arts. 13 e 14 da Instrução C V M n° 358/2002, com a redação dada pelas Instruções C V M


n" 369/2002 e 449/2007.
480 Sobre esse assunto, ver o Ofício-Circular CVM/SEP n° 002/2009.
481 A Instrução C V M n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instruções C V M n*
369/2002 e 449/2007, determina no art. 13 que: "Art. 13. Antes da divulgação ao mercado
de ato ou fato relevante ocorrido nos negócios da companhia, é vedada a negociação com
valores mobiliários de sua emissão, ou a eles referenciados, pela própria companhia aberta,
pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de
administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consulti-
vas, criados por disposição estatutária, ou por quem quer que, em virtude de seu cargo,
função ou posição na companhia aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas,
tenha conhecimento da informação relativa ao ato ou fato relevante".
482 Arts. 3 o e 5o da Instrução CVM n° 10/1980, com a alteração da Instrução C V M n° 268/1997.
483 O Colegiado da CVM, no julgamento do Processo Administrativo n° RJ 2009/5962,
Rei. Marcos Barbosa Pinto, j. em 23.06.2009, no qual analisou pedido de uma compa-
nhia para que fosse a ela concedida exceção ao disposto nos arts. 3 o e 9 o da Instrução
CVM n° 10/1980 (limitação em 10% do total de ações em circulação às ações mantidas
em tesouraria e proibição de operações fora da Bolsa de Valores), se manifestou no
sentido de conceder as autorizações solicitadas pela companhia, com as condições de
que (i) o preço de compra fosse igual à média ponderada da cotação em mercado nos
últimos 30 (trinta) pregões; (ii) a operação fosse divulgada ao mercado tão logo concre-
tizada; e (iii) após a operação, as ações que excedessem o limite de 10% (dez por
cento) fossem canceladas no prazo de 3 (três) meses.
As ações adquiridas e mantidas em tesouraria deverão ser desta-
cadas no balanço como dedução da conta do patrimônio líquido que
registrar a origem dos recursos aplicados na sua aquisição (artigo 182,
§ 5O)454_4S5_

A compra de ações para manutenção em tesouraria não afeta a


quantidade de ações em que se divide o capital social, mas reduz -
ainda que temporariamente - o patrimônio líquido da companhia. As
ações em tesouraria existem como bens do seu patrimônio sujeitos a
regime jurídico próprio, embora não registradas no ativo patrimonial,
e sim - por dedução do custo - na conta do patrimônio líquido de
origem dos recursos aplicados na aquisição. O montante do capital
próprio aplicado na aquisição dessas ações tem origem no patrimônio
líquido, que é então reduzido; como as ações em tesouraria podem ser
alienadas, essa redução é temporária. A compra de ações para perma-
nência em tesouraria não tem efeito, em princípio, sobre o valor patri-
monial das demais ações do capital, que somente será afetado quando
da alienação dessas ações e em função do preço praticado: se inferior
ao custo de aquisição, haverá perda patrimonial; se superior, haverá
valorização patrimonial486-487.

484 O art. 17 da Instrução C V M n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções


C V M n " 268/1997 e 390/2003, determina que as ações em tesouraria deverão ser destacadas
no balanço como dedução da conta do patrimônio líquido que registrar a origem dos
recursos aplicados na sua aquisição e contabilizadas pelo valor do custo desta operação.
485 A Deliberação C V M n° 649/2010 - que aprovou o Pronunciamento Técnico C P C 08(R1),
que trata, entre outros assuntos, da "contabilização da aquisição de ações de emissão
própria" - estabeleceu, nos itens 8 a 10, que (i) a aquisição das próprias ações e sua
alienação são também transações de capital da entidade com seus sócios e igualmente não
devem afetar o resultado da entidade; (ii) os custos de transação incorridos na aquisição
dessas ações devem ser tratados como acréscimo do seu custo de aquisição; e (iii) os custos
de transação incorridos na alienação de ações em tesouraria devem ser tratados como
redução do lucro ou acréscimo do prejuízo dessa transação, resultados esses contabilizados
diretamente no patrimônio líquido, na conta que houver sido utilizada como suporte à
aquisição de tais ações, não afetando o resultado da entidade.
486 C A R L O S E D U A R D O B U L H Õ E S . Opiniões Jurídicas. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.
35-36. Sobre a contabilização e apresentação no balanço das ações mantidas em tesou-
raria, ver A L F R E D O L A M Y F I L H O e JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA, "Ações". In: Alfredo
Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de
Janeiro: Forense, 2009, p. 556-558.
487 Ver art 7 o da Instrução C V M n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções
C V M n« 268/1997 e 390/2003.
Na aquisição gratuita das próprias ações para manutenção em
tesouraria, não há redução do patrimônio líquido nem da quantidade
de ações em que se divide o capital social, pois a companhia não apli-
ca reservas disponíveis na aquisição488.
A compra para cancelamento importa redução da quantidade
das ações representativas do capital social e do patrimônio líquido da
companhia489. Com o cancelamento o capital passa a ser representa-
do por menor quantidade de ações, no entanto, permanece inaltera-
do o percentual da participação societária de cada acionista. O
patrimônio líquido, por sua vez, é reduzido no montante das reservas
disponíveis aplicado na compra das ações canceladas; essa redução
pode afetar o valor patrimonial das ações remanescentes se o custo
de aquisição das ações canceladas tiver sido inferior ou superior ao
valor patrimonial, antes da compra. Na aquisição gratuita para cance-
lamento, também ocorre redução da quantidade das ações represen-
tativas do capital social, mas não do patrimônio líquido; o
cancelamento das ações adquiridas gratuitamente aumenta o valor
patrimonial das ações remanescentes490.
Para que o cancelamento de ações seja efetivado, é indispensável
a deliberação da assembleia geral com alteração do estatuto social,
salvo se o estatuto contiver regra fixando a competência do conselho
de administração para proceder à aquisição de ações para efeitos de
cancelamento ou alienação; na hipótese, deverá ser posteriormente
convocada uma assembleia geral para deliberar sobre a alteração do
estatuto no que se refere ao número de ações representativas do capi-

488 D e acordo com C A R L O S E D U A R D O B U L H Õ E S . Opiniões Jurídicas ..., p. 36, "nessa


hipótese, as ações adquiridas gratuitamente e não canceladas devem ser registradas no ativo
patrimonial sem custo de aquisição: se não forem canceladas, o valor das ações passa a
integrar o patrimônio da companhia, que para adquiri-las não incorreu em custo; se a
companhia vier a alienar as ações, o preço de alienação representará ganho de capital".
489 De acordo com o art. 12 da Lei das S.A., uma das hipóteses de alteração do estatuto é a de
cancelamento de ações autorizada na lei.
490 CARLOS E D U A R D O B U L H Õ E S . Opiniões Jurídicas ..., p. 34-35.
tal social491. Já a simples aquisição de ações para permanência em
tesouraria ou cancelamento não depende de prévia deliberação da as-
sembleia geral, é matéria da competência da administração, que, nas
companhias abertas, cabe ao conselho de administração492.
Caso a companhia aliene as ações adquiridas e mantidas em
tesouraria, nos termos da alínea "c" do § I o , o resultado líquido
proveniente da alienação será apurado com base no custo médio
ponderado na data da operação e contabilizado, se positivo, como
reserva de capital, a crédito de conta específica e, se negativo, a débito
das contas de reservas ou lucros que registrarem a origem dos recursos
aplicados em sua aquisição493.
Note-se que, para as companhias abertas, a Comissão de Valores
Mobiliários estabeleceu regra sobre alienação de ações mantidas em
tesouraria, no sentido de que essa operação deve ser efetuada em Bol-
sa, sendo vedadas, em princípio, as operações privadas494. A norma
regulamentar confere transparência às negociações com as próprias
ações e garante a igualdade de condições para todos os acionistas e
potenciais investidores.

491 A C V M , no julgamento do Processo Administrativo n° RJ 2008/9839, Rei. Eli Loria, j. em


11.11.2008, manifestou-se no sentido de que o procedimento ao qual o art. 1 o da Instru-
ção C V M n° 10/1980 faz referência "não é simplesmente o de comprar papéis da própria
companhia, mas também o de realizar os atos que se façam necessários para concretizar os
objetivos que essa compra visa (entre os quais, o cancelamento). Dessa forma, parece-me
correto o entendimento de que a Instrução CVM n° 10/80 permite que o Conselho de
Administração possa proceder ao cancelamento das ações já adquiridas, desde que, para
isso, seja autorizado pelo Estatuto (...). Contudo, a alteração do Estatuto Social, que con-
templará a mudança no número de ações da Companhia, apenas pode ocorrer por delibe-
ração da Assembleia, conforme disposto no art. 122, I, da Lei n° 6.404/76".
492 Sobre esse assunto, ver M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas, v. 1, 5 a edição, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 312; L U I Z G A S T Ã O PAES D E
B A R R O S L E Ã E S , " A q u i s i ç ã o de A ç õ e s do Próprio Capital para Cancelamento". In:
Pareceres. v. 1, São Paulo: Singular, 2004, p. 637-640. A Instrução C V M n° 10/1980,
com as alterações introduzidas pelas Instruções C V M n™ 100/1989, 268/1997 e 390/
2 0 0 3 , no art. 1 o , determina que poderão adquirir ações de sua própria emissão as
companhias abertas cujo estatuto social atribuir ao conselho de administração poderes
para autorizar tal procedimento.
493 Art. 18 da Instrução C V M n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções
C V M n™ 268/1997 e 390/2003.
494 Ver arts. 9 o e 23 da Instrução C V M n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas
Instruções C V M n05 268/1997 e 390/2003.
A igualdade de tratamento para acionistas e investidores é asse-
gurada pelo fato de as operações realizadas em Bolsa de Valores per-
mitirem a participação equitativa de todos os interessados, inclusive
dos próprios acionistas da companhia495.
A obrigatoriedade de realização da operação em Bolsa de Valo-
res dispensa a necessidade de aplicação do direito de preferência, vis-
to que tal mecanismo atinge o mesmo objetivo que seria alcançado
mediante a outorga da preferência: garantir que todos os acionistas
tenham os seus interesses igualitariamente preservados, sem que um
determinado grupo de acionistas seja privilegiado na aquisição das
ações mantidas em tesouraria496.
Existe, portanto, uma disciplina regulamentar estabelecida a res-
peito da alienação de ações em tesouraria por companhias abertas, a
qual, embora não outorgue aos acionistas o direito de preferência,
garante-lhes, em contrapartida, tratamento equitativo com a exigên-
cia de que tal operação seja feita em Bolsa de Valores.
Nas companhias fechadas, a alienação de ações mantidas em
tesouraria deverá necessariamente ser realizada por meio de opera-
ções privadas, razão pela qual deve ser assegurado aos acionistas, em
igualdade de condições, o direito de preferência - previsto como um
direito essencial do acionista (artigo 109, inciso IV) - na aquisição
dessas ações.
A eventual exclusão do direito de preferência permitiria que a
disciplina legal concernente à negociação de ações de própria emis-
são pudesse ser utilizada para tornar inócua a proteção que o direito

Sobre esse assunto, MARIA V I C T Ó R I A R O D I G U E S V A Z FERREIRA DA R O C H A . Aquisição


de Ações Próprias no Código das Sociedades Comerciais ..., p. 215, observa que "satisfaz
a igualdade de tratamento a aquisição realizada na bolsa (...). A igualdade de oportunidades
está, à partida, garantida, uma vez que todos os acionistas têm acesso igual ao mercado e a
sociedade adquire os títulos sem conhecer os alienantes dentro dos princípios de livre
concorrência e formação objetiva dos preços que caracterizam o mercado bolsista".
O art. 172 da Lei das S.A. prevê a realização de operações em Bolsa de Valores como uma
das hipóteses em que o direito de preferência pode ser afastado pelo estatuto social da
companhia aberta.
de preferência visa a outorgar ao acionista, qual seja, a possibilidade
de manter sua posição acionária na companhia e os direitos patrimo-
niais e políticos dela decorrentes.
Isso porque as ações mantidas em tesouraria, quando alienadas,
voltam a outorgar direito de voto e de recebimento de dividendos a
seus titulares, nos termos do § 4 o . Com isso, a participação econômi-
ca e política dos demais acionistas da companhia é consequentemente
diluída, tal como ocorre em virtude da emissão de novas ações em
aumento de capital.
Dessa forma, o direito de preferência constitui o único mecanis-
mo que, no âmbito das companhias fechadas, pode desempenhar o
mesmo papel que as operações em Bolsa de Valores exercem nas
companhias abertas, ao garantir que todos os acionistas, tanto con-
troladores como minoritários, tenham tratamento equitativo na alie-
nação pela companhia das suas próprias ações e lhes assegurar a
oportunidade de evitar a diluição de sua participação patrimonial e
política na sociedade497.
Outra hipótese em que a Lei das S.A. permite à companhia ne-
gociar com suas próprias ações é a regulada na alínea "d" do § I o , ou
seja, quando, resolvida a redução do capital social mediante restitui-
ção em dinheiro de parte do valor das ações, o preço dessas em Bolsa
for inferior ou igual à importância que deve ser restituída. Nesse caso,
as ações adquiridas serão retiradas definitivamente de circulação, con-
forme estabelece o § 5 o498 .

497 O Código das Sociedades Comerciais de Portugal prescreve, no art. 321, que as aquisições
e alienações das próprias ações devem respeitar o princípio do tratamento igualitário entre
os acionistas, "salvo se a tanto obstar a própria natureza do caso".
498 R U Y C A R N E I R O G U I M A R Ã E S . Sociedade por Ações (Notas de Doutrina e Jurisprudên-
cia). v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1960, p.168, ao comentar dispositivo do mesmo teor
constante do Decreto-Lei n° 2.627/1940 e citar a opinião de Gudesteu Pires, assinalou que
"quando a sociedade adquire suas ações pela forma traçada no artigo, isto é, por valor igual
ou inferior à importância que deva ser restituída, pratica operação evidentemente vantajosa,
pois, sem prejudicar a companhia, consegue reduzir o capital na importância prefixada,
despendendo menos do que o valor dessa redução".
Note-se que essa hipótese não causa a redução do capital social
da companhia, apenas efetiva deliberação tomada em assembleia ge-
ral no sentido de reduzir o capital, observados os requisitos impostos
pela Lei das S.A. (artigos 173 e 174). Nessa operação ocorre a redu-
ção da quantidade de ações em que se divide o capital e somente afeta
o valor de patrimônio líquido das ações remanescentes se o preço das
ações compradas em Bolsa de Valores for superior ao valor de patri-
mônio líquido de cada ação antes da compra499.
No entanto, a norma constante da alínea "d" do § I o é de pouca
ou nenhuma utilidade prática, pois nenhum acionista optaria pela
venda de suas ações por preço inferior ao que receberia da companhia
na redução do capital social500.
Essa alternativa aplica-se apenas às companhias abertas, devendo
ser observadas, portanto, as normas expedidas pela Comissão de Valo-
res Mobiliários, de acordo com o disposto" no § 2 o501 . O descumpri-
mento dessa regra importará na nulidade da operação, sem prejuízo da
responsabilidade dos administradores e acionistas controladores502.
De acordo com o § 3 o , é vedado à companhia receber em garan-
tia as suas próprias ações, salvo para assegurar a gestão dos seus admi-
nistradores. Ou seja, a companhia não pode receber como garantia
valores representativos de seu próprio patrimônio, pois não poderia

499 C A R L O S E D U A R D O B U L H Õ E S . Opiniões Jurídicas ..., p. 39, observa que "a operação de


redução do capital social mediante compra de ações em bolsa não se confunde com a da
alínea b do artigo 30 da Lei das S/A: a dessa alínea abrange qualquer espécie de negócio
jurídico de aquisição de ações, seja oneroso, seja gratuito, e pressupõe a aplicação de capital
próprio sem redução do capital e da reserva legal; a da alínea d, pelo contrário, pressupõe a
redução do capital mediante restituição em dinheiro aos acionistas".
500 Nesse sentido, C A R L O S F U L G Ê N C I O D A C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 1,
São Paulo: Saraiva, 1972, p. 212; A L F R E D O LAMY F I L H O e JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREI-
RA, "Ações". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das
Companhias ..., v. 1, p. 552.
501 A esse respeito ver as Instruções C V M n™ 10/1980, com as alterações introduzidas pelas
Instruções C V M n " 100/1989, 268/1997 e 390/2003, e 358/2002, tendo sido essa última
alterada pelas Instruções C V M n m 369/2002 e 449/2007.
502 Art. 23 da Instrução C V M n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções
C V M n« 268/1997 e 390/2003.
executar essa garantia, salvo mediante adjudicação - ocasião em que
se tomaria proprietária de suas próprias ações fora das hipóteses taxa-
tivamente previstas no § I o .
Está sujeito à pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e
multa o diretor ou gerente que, como garantia de crédito social, aceita
em penhor ou em caução ações da própria companhia503.
Conforme ò § 4 o , as ações adquiridas pela companhia e enquan-
to mantidas em tesouraria não terão direito a dividendo nem a voto;
se as ações adquiridas forem alienadas a terceiros, automaticamente
readquirem esses direitos.
A Lei das S.A. nada dispõe sobre os demais direitos inerentes à
ação, tais como o de fiscalização, preferência para subscrição de ações
em aumentos de capital, participação no acervo da companhia, em
caso de sua liquidação, e bonificação de ações por capitalização de
lucros ou reservas.
Ao regulamentar a matéria, a Comissão de Valores Mobiliários
determinou que as ações, enquanto mantidas em tesouraria, não te-
rão direitos patrimoniais ou políticos504. No passado, essa Autarquia
havia se manifestado no sentido de que as ações em tesouraria não
poderiam ser bonificadas sob o argumento de que a companhia se
tornaria sócia de si mesma505. Esse entendimento confundia lucro e

503 Art. 177, § I o , inciso V, do Código Penal.


504 Art 16 da Instrução C V M n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM
n" 268/1997 e 390/2003. Na Nota Explicativa C V M n° 16/1980, esta Autarquia observou
que "esía norma importa na suspensão de todos os direitos inerentes às ações, o que significa
a impossibiiidade temporária de seu exercício, em razão de expressa recomendação de lei. A
esterilidade temporária a que estão submetidas as ações em tesouraria tem por finalidade
erradicar qualquer possibilidade de a companhia vir a atuar como acionista de si mesma".
505 Na Nota Explicativa n° 16/1980, consta que a bonificação das ações em tesouraria não
oferece "dificuldades de solução, seja porque a mera alteração da expressão monetária do
capital, no caso da incorporação de reserva de correção monetária, não possui qualquer
significado patrimonial, seja porque o ganho inegável obtido pelos acionistas com a capita-
lização de lucros e reservas não seria de se estender à companhia, sob pena de torná-la sócia
de si mesma. De fato, nesta segunda circunstância, as reservas a serem incorporadas, cons-
tituem lucros líquidos, apurados em dinheiro que, por um período de tempo e em razão da
necessidade econômica da companhia, foram desviados da natural finalidade de distribuição
direito a dividendo, e a Lei das S.A. não nega às ações em tesouraria
o direito de receber bonificação, pois a incorporação de lucros ou re-
servas ao capital não gera direito de crédito para o acionista como
resulta da deliberação de distribuição de dividendo. A Lei das S.A.
confere aos acionistas direito sobre a parcela do lucro líquido do exer-
cício fixado no estatuto social e não sobre o lucro da companhia. O
saldo remanescente do lucro líquido tem a destinação dada pela as-
sembleia geral, que pode ser a constituição de reservas ou a sua reten-
ção para atender a orçamento de capital previamente aprovado506.
A bonificação das ações mantidas em tesouraria não contraria a
Lei das S.A., os atos normativos expedidos pela Comissão de Valores
Mobiliários ou o interesse dos acionistas, uma vez que (i) não repre-
senta transferência de valor da companhia para o acionista — pois a
reserva de lucro é revertida ao capital social — nem renda da ação507;
(ii) constitui mera operação contábil, aumentando-se a cifra do capi-
tal social em contrapartida à redução da reserva de lucros; e (iii) as
novas ações decorrentes da capitalização do capital não representam
distribuição de lucro508.
A finalidade da Lei das S.A. na capitalização de lucros ou reser-
vas é manter a participação dos acionistas no capital; esse objetivo
só é alcançado se todas as ações da companhia receberem o mesmo

à conta de dividendo. Logicamente, bonificar as ações em tesouraria, em decorrência da


capitalização de lucros e reservas, importaria permitir que a companhia participasse dos
lucros sociais".
506 C A R L O S E D U A R D O B U L H Õ E S . Opiniões Jurídicas ..., p. 53; T U L L I O A S C A R E L L I .
Problema das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. São Paulo: Saraiva, 1969,
p. 443-445.
507 Sobre a bonificação como uma extensão da propriedade das próprias ações, ver L U I Z
G A S T Ã O PAES DE BARROS LEÃES, "Doação e Regime Jurídico das Ações Bonificadas".
In: Pareceres ..., v. 1, p. 325-331; A L F R E D O L A M Y F I L H O e JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREI-
RA. A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação), v. I, Rio de Janeiro: Renovar,
1992, p. 169.
Conforme entendimento da C V M manifestado no Processo Administrativo C V M n° RJ
2008/6446, originado de consulta do U n i b a n c o - U n i ã o de Bancos Brasileiros S.A.
sobre a possibilidade de bonificação de ações em tesouraria, j. em 25.11.2008, Rei. Eli
Lona. Esse entendimento foi, posteriormente, ratificado no item 20 do Ofício-Circular
C V M n° 002/2009.
tratamento - tanto as ações em circulação quanto as que estão em
tesouraria.
A companhia, como titular de ações em tesouraria, não tem os
direitos de (i) fiscalização - pois esse direito seria exercido pelos pró-
prios fiscalizados; (ii) preferência para subscrição de ações em au-
mentos de capital - pois não haveria efetivo ingresso de recursos no
seu patrimônio; e (iii) participação no seu acervo em caso de sua li-
quidação - pois a quota de rateio pertence ao acionista e não pode ser
transferida para a própria companhia, que se extinguira ao final do
processo de liquidação509-510.
A Lei das S.A. veda, em princípio, participações recíprocas entre a
companhia e suas coligadas e controladas (artigo 244, caput). No en-
tanto, a própria Lei das S.A. determina que essa regra não se aplica ao
caso em que ao menos uma das sociedades participa de outra com ob-
servância das condições nela fixadas em que, nos termos do § I o , alínea
"b", autoriza a aquisição das próprias ações (artigo 244, § 1°)S11-512.
Quando uma sociedade participa do capital da outra e ambas
decidem realizar operação de incorporação de sociedades, ao consoli-

509 Sobre esse assunto, ver C A R L O S E D U A R D O B U L H Õ E S . Opiniões Jurídicas ..., p. 45-52;


A L F R E D O L A M Y F I L H O e J O S É L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA, "Ações". In: Alfredo Lamy Filho
e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias ..., v. 1, p. 555.
510 R A U L V E N T U R A . Estudos Vários sobre Sociedades Anônimas, Comentário ao Código das
Sociedades Anônimas. Coimbra: Livraria Almedina, 1992, p. 360, sobre a impossibilidade
da companhia, como titular da ação em tesouraria participar no acervo líquido, em caso de
liquidação, observa que: "apurando o valor da ação pelo valor que lhe corresponderia no
saldo de liquidação, ocorrendo esta no momento em que o valor da ação for apurado, é
evidente que a ação própria não tem valor autônomo. Na verdade, há neste ponto uma real
impossibilidade lógico-jurídica, mesmo que o legislador nada providenciasse a tal respeito, de
as ações próprias atribuir fosse o que fosse, no saldo da liquidação; se a sociedade se
extingue pela liquidação, não pode ficar titular a qualquer titulo de parte do seu patrimônio.
Para os efeitos da liquidação, as ações próprias deduzem-se no número de ações em que o
capital se reparte e todo o saldo será partilhado entre os outros acionistas, os quais, neste
aspecto, não sofrem prejuízo algum pelo fato de a sociedade ter adquirido ações próprias".
511 A CVM, por meio do art. 22 da Instrução C V M n° 10/1980, com as alterações introduzidas
pelas Instruções C V M n m 268/1997 e 390/2003, estabeleceu que as suas disposições
aplicam-se, no que couber, ã "aquisição de ações de companhia aberta por suas coligadas
e controladas com o fim de mantê-las em tesouraria, bem como à alienação destas ações".
512 Ver Memo CVM/GJL n° 137/1983.
darem os seus patrimônios, a incorporadora passará a ser titular de
ações de sua própria emissão, caso essas ações não sejam extintas no
ato de incorporação. No entanto, essa forma de aquisição das próprias
ações é distinta daquelas que são vedadas pelo artigo 30, pois, na in-
corporação de uma sociedade que possui ações da outra, todos os ele-
mentos patrimoniais de ambas as companhias são consolidados no
patrimônio da incorporadora e continuam a nele existir, sem que ne-
nhuma parte dele seja transferida para os acionistas; não há, portan-
to, redução do capital que garante os credores das sociedades513.
A incorporação de sociedades que tenham participações recí-
procas é expressamente admitida pela Lei das S.A., que, ao regular os
requisitos do protocolo de incorporação, exige que ele defina a solu-
ção a ser adotada quanto às ações ou quotas do capital de uma das
sociedades possuídas por outra (artigo 224, Inciso IV) e estabelece
que as ações ou quotas do capital da sociedade a ser incorporada que
forem de propriedade da companhia incorporadora poderão, confor-
me dispuser o protocolo de incorporação, ser extintas, ou substituídas
por ações em tesouraria da incorporadora, até o limite dos lucros acu-
mulados e reservas, exceto a legal (artigo 226, § lo)514-515. A aquisição
das próprias ações nessas operações de incorporação, bem como nas
de fusão e cisão de sociedades, resulta da sucessão universal em patri-
mônio ou parcela dele e não de sucessão singular em ações.

513 JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA, "Incorporação de Sociedade Controladora pela sua Con-


trolada. Legalidade. Inaplicabilidade do Artigo 30 da Lei das S.A.". in: Alfredo Lamy Filho
e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação)
..., v. II, p. 597.
514 O art. 264 da Lei das S.A. trata especificamente da incorporação, pela controladora, de
companhia controlada.
515 Sobre esse assunto, ver J O S É L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA, "Incorporação de Sociedade
Controladora pela sua Controlada. Legalidade. Inaplicabilidade do Artigo 30 da Lei das
S . A " . In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.:
(pressupostos, elaboração, aplicação) ..., v. II, p. 592-607; T R A J A N O D E M I R A N D A
VALVERDE. Sociedades por Ações. v. 1, 2 n edição, Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 151;
RUY C A R N E I R O GUIMARÃES. Sociedade por Ações (Notas de Doutrina e Jurisprudên-
cia) ..., V. I, p. 152-153; F R A N C E S C O C A R B O N E T T I . L'Acquisito di Azioni Proprie.
Milano: Giuffrè, 1988, p. 88-89.
A R T . 3 1 - A LEI DAS S / A COMENTADA

Ações nominativas
"Art. 31. A propriedade das ações nominativas presume-se pela
i n s c r i ç ã o do nome do acionista no livro de 'Registro de A ç õ e s
Nominativas' ou pelo extrato que seja fornecido pela instituição
custodiante, na qualidade de proprietária fiduciária das ações.
(Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

§ I o A transferência das ações nominativas opera-se por termo


lavrado no livro de 'Transferência de Ações Nominativas', data-
do e assinado pelo cedente e pelo cessionário, ou seus legítimos
representantes.

§ 2 o A transferência das ações nominativas em virtude de trans-


missão por sucessão universal ou legado, de arrematação, adju-
dicação ou outro ato judicial, ou por qualquer outro título,
somente se fará mediante averbação no livro de 'Registro de
Ações Nominativas', avista de documento hábil, que ficará em
poder da companhia.

§ 3 o N a transferência das ações nominativas adquiridas em bolsa


de valores, o cessionário será representado, independentemente
de instrumento de procuração, pela sociedade corretora, ou pela
caixa de liquidação da bolsa de valores."

A Lei das S.A., na sua redação original, admitia 3 (três) formas


para as ações: nominativas, endossáveis ou ao portador. No entanto, a
Lei n° 8.021/1990, extinguindo os títulos ao portador e os endossá-
veis, alterou a redação do artigo 20 e a única forma de ação atualmen-
te admitida pela Lei das S.A. é a nominativa.
Ação Nominativa é aquela em que o nome do seu titular está
inscrito no "Livro de Registro de Ações Nominativas" (artigo 100,
inciso I) da companhia - no caso de ser ela registrada - ou no registro
na conta de depósito das ações, aberta em nome do acionista nos
livros da instituição financeira depositária de suas ações (artigo 35) -
no caso de ser ela escriturai. Os certificados de ação, com a extinção,
pela Lei n° 8.021/1990, dos títulos ao portador e endossáveis, perde-
ram a sua principal função que era a de instrumento que legitimava a
condição de sócio e materializava os direitos inerentes à propriedade
da ação. A propriedade das ações nominativas não decorre da emis-
são dos certificados e de sua posse, mas da inscrição do nome do
acionista no "Livro de Registro de Ações Nominativas" ou no extrato
emitido pela instituição custodiante516. Tendo em vista o modo como
se prova a propriedade da ação nominativa e opera-se a sua transfe-
rência, não é necessária a emissão de certificado, o qual é irrelevante
ao titular da ação nominativa para o exercício de seus direitos517.
A parte final do caput do artigo 31 foi introduzida pela Lei n°
10.303/2001 para, consolidando mecanismo que já estava sendo ado-
tado pela Comissão de Valores Mobiliários518, determinar expressamente
que o extrato fornecido pela instituição custodiante, na qualidade de
proprietária fiduciária das ações, também constitui documento hábil
para caracterizar a presunção de propriedade das ações nominativas e
dos ônus reais que incidem sobre as ações (artigos 39 e 40). Outra no-
vidade introduzida no caput deste artigo foi a qualidade de proprietária
fiduciária conferida à instituição custodiante para instrumentalizar as
transferências de ações nos sistemas computadorizados das institui-
ções financeiras519. A propriedade fiduciária encontra-se regulada no

Ver decisão da 9a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro proferida
nos autos da Apelação Cível n° 2002.001.18426, Rei. Des. Laerson Mauro, j. em 17.12.2002.
Ver os comentários ao art. 23 da Lei das S.A.
A Instrução CVM n° 115/1990 dispõe sobre a prestação de serviço de custódia fungível de
ações nominativas. Nos termos do art. 6 o , o acionista pode exercer seus direitos em
assembleia geral simplesmente apresentando um comprovante emitido pela instituição
prestadora dos serviços de custódia. No art. 7 o , por sua vez, há a previsão de que a
instituição custodiante, "por ocasião do exercício do direito de voto, exercício de direito de
preferência, distribuição de dividendos ou bonificações e em qualquer caso, no último dia
útil de cada trimestre civil", deverá fornecer à companhia a lista dos titulares de ações em
custódia. Ou seja: a lista emitida pela instituição custodiante servirá para a companhia
conhecer seus próprios acionistas.
Ver os comentários ao art. 41 da Lei das S.A.
artigo 41 e a transferência das ações à instituição depositária, desde que
expressamente autorizada pelo depositante, serve apenas para o fim de
permitir a guarda, o controle, a administração e a viabilização da nego-
ciação dos valores depositados, sem a alteração dos registros da compa-
nhia a cada transferência autorizada520. A propriedade dos valores
mobiliários depositados somente é transferida de volta ao depositante
nos registros da companhia quando extinta a custódia, pelo equivalen-
te ao saldo remanescente na sua conta de depósito521.
A presunção de propriedade de que trata este artigo é relativa
(júris tantum), ou seja admite-se prova em contrário522. Essa presun-
ção somente pode ser elidida após decisão judicial que declare a nuli-
dade do registro no "Livro de Registro de Ações Nominativas" ou do
extrato emitido pela instituição custodiante523.
O acionista só pode exercer os direitos de participar das delibera-
ções sociais, votar e receber dividendos se o seu nome estiver inscrito
no "Livro de Registro de Ações Nominativas" ou no extrato emitido
pela instituição custodiante524. Por isso, pode a companhia exigir do

520 Sobre o funcionamento da custódia de títulos e valores mobiliários, ver V A L D I R C A R L O S


PEREIRA F I L H O , "Clearing Houses: Aspectos Jurídicos Relevantes e seu Papel no Merca-
do de Capitais e no Sistema de Pagamentos Brasileiro", Revista de Direito Bancário, do
Mercado de Capitais e da Arbitragem. S ã o Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 27,
janeiro-março, 2005, p. 76-77. Ver, também, o caderno da C V M sobre "Os Serviços de
Custódia de Ações Escriturais", abril de 1999. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/
port/protinv/caderno2.asp>.
521 Ver os comentários ao art 41 da Lei das S.A.
522 Sobre a presunção relativa de que trata o art. 31 da Lei das S.A., ver acórdão proferido
pela 15 a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, na Apelação
Cfvel n° 0101862-07.2003.8.19.0001, H e l d a Lima Meirelles, j. em 20.05.2008.
523 M O D E S T O C A R V A L H O S A e N E L S O N EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 122.
524 C o m relação ao recebimento de dividendos, a C V M , mediante o Parecer CVM/SJU n° 025/
1980, firmou entendimento de que "7. As ações nominativas ou escriturais são negociadas
'cheias', isto é, com direitos até a data do ato da declaração dos dividendos; 2. De acordo
com o artigo 31 da Lei n° 6.404/76, a propriedade das ações nominativas presume-se pela
inscrição do nome do acionista no livro 'Registro de Ações Nominativas'. Tal presunção,
contudo, é RF.1ATIVA, prevalecendo tão somente até que se lhe oponha prova em contrário;
3. Aos cessionários das ações leiloadas, e cuja transferência não tenha sido realizada, por
culpa da companhia, cabe ação de perdas e danos contra a mesma, dentro do prazo
disposto no artigo 287 II da Lei de Sociedades por Ações; 4. A atuação da CVM, em face das
ações de perdas e danos, limita-se a, de acordo com o artigo 31 da Lei n" 6.385/76, com a
acionista, como condição para o exercício dos seus direitos, a respec-
tiva identidade, a fim de verificar se aquele que se apresentou como
titular de ação de sua emissão é a mesma pessoa cujo nome consta do
registro (artigo 126, incisos I e II)525.
Aquele cuja ação for indevidamente registrada em nome de ter-
ceiros pode pleitear a anulação do ato, sem prejuízo das sanções pe-
nais cabíveis e do pedido de indenização das perdas e danos sofridos
contra a companhia, quando provada a sua culpa526-527-528.

redação dada pela Lei n" 6.616/78, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos em juízo,
depois de ler sido intimada; 5. A cláusula pela qual os adquirentes das ações ofertadas
somente teriam direito a dividendos e bonificações novas a partir da efetiva transferência
dos títulos, nos termos do artigo 31 § Io da Lei n° 6.404, é ilegal, de vez que pretende
modificar a própria lei, através de uma distorção interpretativa. Cabe à CVM mandar
retirá-la dos editais, com base no artigo 20 inciso III da Resolução n° 39". Vide também
o Parecer CVM/SJU n° 034/1980, por meio do qual essa Autarquia se manifestou no
sentido de que "o acionista que adquiriu ações ordinárias nominativas antes da declara-
ção de dividendos pela Assembleia Geral da companhia, é o titular deste direito, ainda
que seu nome não esteja inscrito no livro de 'Registro de Ações Nominativas'. O não
recebimento de dividendos cuja responsabilidade caiba à Bolsa de Valores e à corretora que
intermediou a operação, enseja direito de ação do acionista prejudicado contra qualquer das
duas, ou ainda, contra o fundo de Garantia, a fim de ressarcir-se de seus prejuízos".
525 É em decorrência dessa identificação do acionista que consta do § 1 o do art. 205 que os
dividendos poderão ser pagos por cheque nominativo remetido por via postal para o
endereço comunicado pelo acionista à companhia, ou mediante crédito em conla bancá-
ria aberta em seu nome.
526 Consta do art. 167 do Código Civil que "é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsis-
tirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma". O § 1 o determina que
"haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir
direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II -
contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III - os instrumen-
tos particulares forem antedatados, ou pós-datados". O § 2° dispõe que são ressalvados os
direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraenles do negócio jurídico simulado.
527 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 1, 5 a edição,
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 328; E G B E R T O L A C E R D A TEIXEIRA e J O S É A L E X A N D R E
TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São Paulo:
José Bushalsky, 1979, p. 232.
528 CARLOS F U L G È N C I O D A C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 1, São Paulo: Sarai-
va, 1972, p. 255, observa que a sociedade não pode, de modo próprio ou por solicitação de
apenas um dos interessados, fazer substituição da inscrição, sob a alegação do título não
pertencer àquele, cujo nome figura no livro. A modificação só é efetivada: ou com o
consentimento das 2 (duas) partes ou em virtude de decisão judicial. Com relação ao terceiro
adquirente de boa-fé, esse autor entende que cumpre dar "toda força probante ao registro
antes de retificado e, portanto, garantir os negócios realizados por terceiros de boa fé, durante
o tempo em que o registro foi inatacado". Sobre a anulação do registro e a condição do
lerceiro^adquirente de boa-fé, ver, também, TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades
por Ações. v. I, 2 a edição, Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 186-187.
A companhia é responsável pelos prejuízos que causar aos inte-
ressados por vícios ou irregularidades existentes nos livros de "Regis-
tro e Transferência de Ações Nominativas" (artigo 104, caput), uma
vez que a ela cabe verificar a regularidade das transferências e da cons-
tituição de direitos ou ônus sobre os valores mobiliários de sua emis-
são. As dúvidas suscitadas entre o acionista ou qualquer interessado e
a companhia a respeito das averbações ordenadas pela Lei das S.A.
nos livros de "Registro e Transferência de Ações" serão dirimidas pelo
juiz competente para solucionar as dúvidas levantadas pelos oficiais
dos registros públicos, excetuadas as questões atinentes à substância
do direito529.
Os ônus que gravam as ações nominativas, bem como qualquer
circunstância que limite ou impossibilite a sua livre circulação, deve-
rão ser averbados no "Livro de Registro de Ações Nominativas" como
condição, inclusive, para serem oponíveis perante terceiros (artigos
39, caput e § I o , 40 e 100, inciso I, alínea "f").
A transferência das ações nominativas registradas opera-se so-
mente por termo lavrado no "Livro de Transferência de Ações No-
minativas", datado e assinado pelo cedente e pelo cessionário, ou seus
legítimos representantes530. Mas o lançamento do termo de cessão
nesse livro não é suficiente para que o cessionário exerça os seus di-
reitos de acionista; com base nesse termo será efetuada a averbação
da transferência e o lançamento do nome do cessionário no "Livro

529 Ver os comentários ao art. 103 da Lei das S.A.


530 D e acordo com E G B E R T O L A C E R D A TEIXEIRA e JOSÉ A L E X A N D R E TAVARES GUERREI-
RO. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro ..., v. 1, p. 232, "não é apenas por
ser bilateral a transferência que a lei exige tanto a assinatura do cedente quanto a do
cessionário. Este, na verdade, assume obrigações não apenas perante o cedente (paga-
mento do preço da transferência) como perante a própria sociedade (obrigação de realizar
o capital). Ademais, é preciso que o cessionário manifeste formalmente - e a formalidade
aqui é da essência do ato - sua adesão às regras que governam a sociedade que passa a ser
acionista. Em uma palavra, é necessário que o adquirente das ações expresse e reconheça
sua qualidade de acionista, seus status socii, de que derivam direitos e obrigações para
com a companhia". Ver, também, T R A J A N O DE M I R A N D A V A L V E R D E . Sociedades por
Ações ..., v. I, p. 192.
de Registro de Ações Nominativas", pois essa inscrição é essencial à
presunção de que ele é o proprietário das ações.
Na hipótese de não constar do termo de transferência a assina-
tura do cedente e do cessionário, o ato não produz efeitos legais331-532.
Não basta a declaração de vontade ou o contrato de compra e venda
celebrado entre as partes, pois a Lei das S.A. expressamente declara
que a transferência das ações nominativas opera-se por termo lavrado
no "Livro de Transferência de Ações Nominativas", datado e assina-
do pelo cedente e pelo cessionário533-534.
A transferência de ações por sucessão universal535 ou legado, ar-
rematação, adjudicação ou outro ato judicial, ou por qualquer outro
título extrajudicial, somente se efetiva mediante a averbação no "Li-
vro de Registro de Ações Nominativas" de documento hábil, que fi-
cará em poder da companhia536-537 (p- seã)\ O formal de partilha, alvará

531 No mesmo sentido, M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas


..., v. 1, p. 328-329; C A R L O S F U L G Ê N C I O D A C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações ...,
v. 1, p. 281; TRAJANO DE M I R A N D A VALVERDE. Sociedades por Ações ..., v. I, p. 191.
532 Sobre esse assunto, ver acórdãos proferidos pela 8 a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, Apelação Cível n" 2.840, j. em 28.09.76; I a Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível n° 30.069, j. em 16.05.78, In:
N E L S O N EIZIRIK. Mercado de Capitais e S.A. - Jurisprudência, v. I, Rio de Janeiro: Reno-
var, 1987, p. 259.
533 Ver A L F R E D O LAMY FILHO, "Doação de Ações Nominativas sem a Assinatura do Termo
no Livro Próprio". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das
S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação), v. 2, 2" edição. Rio de Janeiro: Renovar,
1996, p. 37-45.
534 O Superior Tribunal de Justiça decidiu, no julgamento do Recurso Especial n° 61.091-5/SP,
j. em 30.10.1995, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, que o boletim de subscrição e integralização
de aumento de capital em ações de outra companhia não é documento suficiente para a
transferência nos termos do art. 31, § 1°, sendo indispensável o termo em livro próprio:
"Sociedade Anônima. Transferência de ações nominativas para integrar o capitaI de outra
sociedade. Inexistência de violação da lei ao entender-se que aquela haverá de fazer-se com
a lavratura de termo no livro próprio".
535 Sobre a necessidade da averbação da transferência da propriedade das ações no "Livro
de Registro de Ações Nominativas" nos casos de sucessão causa mortis, ver decisão da
7 a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, publicada na LEX,
JTJSP, V. 228, 2000, p. 77.
536 Consta da Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, que, o § 2 o do art. 31 foi incluído
na Lei das S.A. a fim de tornar possível a transferência de ações nominativas mediante
averbação, no "Livro de Registro de Ações Nominativas", de qualquer título, e não apenas
de atos judiciais. A solução teve por fim eliminar, sem prejuízo da segurança da proprieda-
de das ações (baseada, em qualquer caso, na inscrição no Livro de Registro), os inconve-
ARTS. 3 1 , 3 2 E 3 3 - A LEI DAS S / A COMENTADA

judicial, auto de arrematação, carta de adjudicação ou outro docu-


mento competente será arquivado na sede da companhia para que se
possa, através dele, provar a transferência das ações, uma vez que nas
hipóteses acima não há termo lavrado no "Livro de Transferência de
Ações Nominativas"538-539.
Na transferência de ações nominativas adquiridas em Bolsa de
Valores, é necessária a assinatura pelo cedente, ou seu representante
legal, do termo lavrado no "Livro de Transferência de Ações Nomi-
nativas". Com relação ao cessionário - adquirente das ações - , basta a
assinatura do termo pela sociedade corretora, que intermediou a aqui-
sição das ações, ou pela Bolsa de Valores, independentemente de pro-
curação do adquirente. Esse procedimento tem por fim facilitar e
agilizar o processo de transferência das ações adquiridas em Bolsa de
Valores, pois não é necessária a assinatura do termo pelo cessionário
nem a constituição de outro mandatário para firmar o mesmo.

Ações endossáveis
"Art. 32 (Revogado pela Lei n° 8.021/1990)"

Ações ao portador
"Art. 33 (Revogado pela Lei n° 8.021/1990)"

nieníes do regime anterior, e m que havia dúvidas sobre o assunto, tendo vários autores
sustentado que a transferência por ato extrajudicial somente era permitida mediante termo
lavrado no "Livro de Transferência de Ações Nominativas", o que importava submeter as
ações nominativas a regime de registro de propriedade mais formal do que o próprio
Registro de Imóveis.
537 Ver decisão da 3 a Turma do Superior Tribunal de Justiça proferida nos autos do Recurso
Especial n° 40.276-0-RJ, Min. Eduardo Ribeiro, j. em 07.12.1993, publicado no D J U em
07.03.1994.
538 Sobre a transferência de ações nominativas resultantes de negociação privada, ver os Pareceres
CVM/SJU n"5 048/1983 e 062/1984. Neste último, a C V M afirma que "atentos ao princípio de
que a lei não emprega palavras inúteis, incluimo-nos na corrente daqueles que admitem, sem
qualquer dúvida, a possibilidade legal de se procederem transferências de propriedade de ações
nominativas pela simples averbação de títulos extrajudiciais no livro competente, desde que
estes, obviamente, atendam aos requisitos impostos pela legislação aplicável".
Ver decisão da 3 a Turma do Superior Tribunal de Justiça proferida nos autos do Recurso
Especial n° 40.276-0-RJ, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, j. em 07.12.1993, publicado no D j U
em 07.03.1994, In: Revista do Superior Tribunal de Justiça, v. 57, Brasília, 1989, p. 435.
A Lei das S.A., na sua redação original, admitia 3 (três) formas
para as ações: nominativas; endossáveis; e ao portador. As ações en-
dossáveis foram introduzidas em nosso ordenamento jurídico pela
Lei n° 4.728/1965 e os dispositivos que tratavam dessa matéria540
foram posteriormente revogados pela Lei n° 6.404/1976, que regulou
essas ações no artigo 32. As ações ao portador, por sua vez, eram re-
guladas pelo Decreto-Lei n° 2.627/1940 e foram mantidas pelo arti-
go 33 da Lei das S.A.
No entanto, a Lei n° 8.021/1990, extinguindo os títulos ao por-
tador e os endossáveis, alterou a redação do artigo 20 da Lei das S . A ,
e a única forma de ação atualmente admitida é a nominativa341.
Ações escriturais
"Art. 3 4 . 0 estatuto da companhia pode autorizar ou estabelecer
que todas as ações da companhia, ou uma ou mais classes delas,
sejam mantidas em contas de depósito, em nome de seus titula-
res, na instituição que designar, sem emissão de certificados.

§ I o No caso de alteração estatutária, a conversão em ação escri-


tural depende da apresentação e do cancelamento do respectivo
certificado em circulação.

§ 2 o Somente as instituições financeiras autorizadas pela Comis-


são de Valores Mobiliários podem manter serviços de ações es-
criturais.

§ 3 o A companhia responde pelas perdas e danos causados aos


interessados por erros ou irregularidades no serviço de ações es-
criturais, sem prejuízo do eventual direito de regresso contra a
instituição depositária."

540 Arts. 32 a 39 da Lei n° 4.728/1965.


541 Arts. 4 o e 13 da Lei n° 8.021/1990.
Um dos objetivos da disciplina das companhias é garantir segu-
rança às transferências dos valores mobiliários por elas emitidos, re-
duzindo os custos de transação para alienante e adquirente.
A ação escriturai foi instituída com o objetivo de conciliar a se-
gurança das ações nominativas com a facilidade de circulação, pro-
porcionada pela transferência mediante ordem à instituição financeira
e mero registro contábil542; partiu-se da premissa de que o sistema
deveria ser descentralizado e nos moldes do depósito bancário de di-
nheiro movimentável mediante cheque543-544.
A ação escriturai constitui uma subforma da ação nominativa,
cuja propriedade presume-se pelo registro na conta de depósito das
ações aberta em nome do acionista, nos livros da instituição deposi-
tária, e a transferência opera-se pelo lançamento por ela efetuado em
seus livros343. Devido à sua própria natureza, a ação escriturai não
comporta a emissão de certificados346.

o42 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.


543 JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S P E D R E I R A , "Natureza de Título de Crédito da Ação Escriturai". In:
Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos,
elaboração, aplicação), v. II, 2' edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 47 e 62-63.
544 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 1, 5 a edição,
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 347; R U B E N S R E Q U I Ã O . Comentários à Lei das Sociedades
Anônimas, v. 1, São fòulo: Saraiva, 1980, p. 245; e E G B E R T O L A C E R D A TEIXEIRA e JOSÉ
A L E X A N D R E TAVARES G U E R R E I R O . Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1,
São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 2 1 7 - 2 1 8 , criticaram o fato de a Lei das S.A. ter
regulado as ações escriturais como modalidade de contrato de depósito; A L F R E D O LAMY
F I L H O e JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA, "Valores Mobiliários". In: Alfredo Lamy Filho e
José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 528, entendem que "a escolha do contrato de depósito para regular o negócio de
cr/ação de títulos escriturais resulta do reconhecimento da natureza de bem corpóreo móvel
das ações (...). Na abertura da conta de depósito de títulos nominativos, embora não haja
entrega de certificado que os represente, a conversão em ação escriturai dá-se por averbação
no Livro de Registro de títulos nominativos. Os títulos que tomam forma escriturai são,
portanto, 'recebidos' da companhia, posto que a instituição financeira somente pode
corporificá-los em sua escrituração quando recebe autorização da companhia, o que
corresponde à tradição de bens corpóreos; o significado jurídico desse 'recebimento' das
ações é o mesmo, quer sejam entregues sob a forma de título ao portador ou endossável
(cancelados quando da conversão em forma escriturai), quer mediante averbação no Livro
de Registro de títulos nominativos". No mesmo sentido, FRAN MARTINS. Comentários à Lei
das Sociedades Anônimas, v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 200-201.
545 Ver os comentários ao art. 35 da Lei das S.A.
546 Ver os comentários ao art. 20 da Lei das S . A
A Lei das S.A., ao regular a forma escriturai, implantou um sis-
tema de registros e de custódia que, documentando as ações escritu-
rais, substituiu as entregas materiais dos títulos por anotações contábeis,
caracterizando-as como valores fungíveis para garantir sua negocia-
ção sem a manipulação física de papéis, mas com toda a segurança da
existência do bem assegurada nos assentamentos contábeis547. Trata-se,
aliás, de sistema amplamente aceito na prática do mercado, particu-
larmente por parte das companhias abertas.
As companhias abertas ou fechadas têm ampla liberdade para
adotar a forma escriturai, seja na sua constituição ou durante o seu
funcionamento, mas só podem criar ações escriturais se houver ex-
pressa previsão no estatuto social, que deverá estabelecer que todas as
ações, ou uma ou mais classe delas, sejam mantidas em contas de
depósito na instituição financeira que designar. Caso ocorra, median-
te deliberação da assembleia geral, alteração estatutária ou conversão
de ações para a subforma escriturai, a companhia ou os titulares das
ações deverão transferir para a instituição depositária os certificados
em circulação que serão cancelados, conforme determina o § I o . Como
atualmente a única forma de ação admitida na Lei das S.A. é a nomi-
nativa, a conversão de ação registrada para escriturai pode ser efetiva-
da por meio da entrega, pela companhia, da relação dos titulares de
ações; os certificados, se houver, devem ser cancelados.
Em uma mesma companhia podem coexistir ações nominativas
registradas e escriturais - porém de diferentes classes - e os acionistas

MIGUEL REALE e J U D I T H MARTINS COSTA, "Da Prescrição Aquisitiva de Ações Escriturais",


Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribu-
nais, V. 27, janeiro-março, 2005, p. 18. Sobre esse assunto, LUIZ G A S T Ã O PAES D E
BARROS LEÃES. Estudos e Pareceres sobre Sociedades Anônimas. São Raulo: Revista dos
Tribunais, 1989, p. 58, observa que "embora a noção de documento tenha sempre se
baseado no papel como suporte da materialidade do falo, é perfeitamente possível que se
admita que esse fato se materialize em outro suporte. A fita magnética, por exemplo, se
constitui num material plenamente apto a produzir um documento, tão válido e eficaz
quanto o é o papel; nem poderia ser de outra forma, o que importa, evidentemente, não ê
o tipoye material empregado na constituição de um determinado documento, mas sim a sua
aptidão para representar, com autenticidade, uma declaração de vontade positiva ou nega-
tiva, um certo fato ou ainda um direito".
não podem se opor à conversão de ações existentes em escriturais,
pois esse ato não depende da sua vontade, mas unicamente da socie-
dadeS4S-549. Ao acionista dissidente não cabe o direito de se retirar da
companhia, pois essa hipótese não acarreta prejuízo ou fere qualquer
direito dos acionistas.
A instituição financeira que manterá as ações em depósito não
pode ser acionista da companhia (artigo 293, parágrafo único) e deve
ser autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários a prestar servi-
ços de ações escriturais, conforme determina o § 2 o 550 -551. O § 3 o , por
sua vez, determina que, perante os interessados, a responsabilidade
pelas perdas ou danos causados por erros ou irregularidades na pres-
tação desses serviços é da companhia, pois é com ela que eles contra-
tam e não com a instituição depositária. A companhia é que, em
decorrência de autorização estatutária, contrata com a instituição fi-
nanceira a manutenção das suas ações em contas de depósito, no
nome dos seus titulares552. No entanto, sendo o contrato celebrado
entre a companhia e a instituição depositária, esta responde perante a

548 Sobre a impossibilidade de coexistência de ações escriturais e registradas dentro de uma


mesma classe, ver Parecer CVM/SJU n° 100/1978.
549 O art. 19 da Lei das S.A. regula a conversão de ações ao determinar que o estatuto da
companhia com ações preferenciais deverá prever a conversão de ações de uma classe em
outra e em ações ordinárias.
550 A CVM, por meio do Parecer CVM/SJU n° 027/1987, se manifestou no sentido de que "a
lei alcança lambém as relações acionárias indiretas em que, por interposta pessoa jurídica, a
instituição financeira prestadora dos serviços seja controladora e, portanto, em última análise
acionista da companhia beneficiária. (...) O que a lei veda é que a instituição financeira preste
serviços de ações escriturais a companhia cuja composição acionária seja do seu interesse.
Assim, a lei presume interessada a instituição financeira que participe, direta ou por interposta
pessoa, do capital da companhia beneficiária de tais serviços".
551 A autorização para prestação de serviços de ações escriturais é regulada pela Instrução
C V M n° 89/1988, com as alterações introduzidas pelas Instruções n - 212/1994 e 261/
1997. Consta do art. 2° que estão habilitadas à prestação desses serviços os bancos
comerciais e de investimento, as sociedades corretoras e distribuidoras, outras entidades
equiparadas e as Bolsas de Valores, desde que comprovem possuir condições técnicas,
operacionais e econõmico-financeiras. As sociedades corretoras de títulos e valores mobi-
liários foram autorizadas a manter serviços de ações escriturais pela Resolução C M N n°
1.655/1989 (art. 2", inciso X).
552 Nesse sentido, M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas...,
V. 1, p. 350; F R A N MARTINS. Novos Estudos de Direito Societário: Sociedades Anônimas
e Sociedades por Quotas. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 70-71; RUBENS R E Q U I Ã O . Comen-
tários à Lei das Sociedades Anônimas..., v. 1, p. 248.
companhia pelos erros ou irregularidades verificados na prestação dos
seus serviços.
A Lei das S.A. determina que as dúvidas suscitadas entre o
acionista ou qualquer interessado, e a companhia ou a instituição
financeira depositária, a respeito das averbações por ela ordenadas, ou
sobre anotações, lançamentos ou transferência de ações, nos livros de
registro ou transferência, serão dirimidas pelo juiz competente para
solucionar dúvidas levantadas pelos oficiais dos registros públicos,
excetuadas as questões atinentes à substância do direito (artigo 103,
parágrafo único).
A instituição depositária de ações escriturais deverá fornecer à
companhia, ao menos uma vez por ano, cópia dos extratos das contas
de depósito das ações e a lista dos acionistas com a quantidade das
respectivas ações, que serão encadernadas em livros autenticados no
Registro Público de Empresas Mercantis è arquivados na instituição
financeira (artigo 102). A instituição depositária tem também a obri-
gação de fornecer ao acionista extrato da conta de depósito das ações
escriturais, sempre que solicitado, ao término de todo mês em que for
movimentada e, ainda que não haja movimentação, ao menos uma
vez por ano (artigo 35, § 2 o ).

"Art. 35. A propriedade da ação escriturai presume-se pelo regis-


tro na conta de depósito das ações, aberta em nome do acionista
nos livros da instituição depositária.

§ I o A transferência da ação escriturai opera-se pelo lançamento


efetuado pela instituição depositária em seus livros, a débito da conta
de ações do alienante e a crédito da conta de ações do adquirente, à
vista de ordem escrita do alienante, ou de autorização ou ordem
judicial, em documento hábil que ficará em poder da instituição.

§ 2° A instituição depositária fornecerá ao acionista extrato da


conta de depósito das ações escriturais, sempre que solicitado, ao
término de todo o mês em que for movimentada e, ainda que não
haja movimentação, ao menos uma vez por ano.

§ 3 o O estatuto pode autorizar a instituição depositária a cobrar


do acionista o custo do serviço de transferência da propriedade
das ações escriturais, observados os limites máximos fixados pela
Comissão de Valores Mobiliários."

A propriedade das ações escriturais decorre do registro na conta


de depósito das ações, aberta em nome do acionista nos livros da ins-
tituição depositária; o extrato por ela emitido, tal como a inscrição do
nome do acionista no "Livro de Registro de Ações Nominativas" -
no caso de ações nominativas registradas —, constitui documento há-
bil para caracterizar a presunção de propriedade das ações escriturais.
A presunção de que trata este artigo, tal qual a abrangida pelo
artigo 31, é relativa (júris tantum), ou seja, admite-se prova em contrá-
rio. Essa presunção de propriedade somente pode ser elidida após deci-
são judicial que declare a nulidade do registro no extrato emitido pela
instituição depositária553.
Para efetuar a transferência das ações escriturais, a Lei das S.A. re-
quer, no § I o , ordem escrita do alienante, autorização ou ordem judicial
em documento hábil que ficará em poder da instituição depositária que,
por sua vez, efetuará lançamento contábil em seus livros, a débito da
conta de ações do alienante e a crédito da conta de ações do adquirente;
ou, se for o caso, pela abertura de uma nova conta para acionista novo e/
ou fechamento da antiga, se ocorrer a venda da totalidade das ações.
As operações com ações escriturais dependem de ordem escrita
do alienante e expressa em documento hábil, o qual tem por fim preen-
cher a mesma função do termo lavrado no "Livro de Transferência de
Ações Nominativas".

553 Ver os comentários ao art. 31 da Lei das S.A.


A instituição depositária das ações tem o dever de fiscalizar a
regularidade das transferências e da constituição de ônus e gravames
relativos às ações escriturais, pois é nos seus livros que são feitos os
lançamentos relativos à movimentação das ações554-555-556. Por isso,
nas operações de transferência de ações escriturais, a instituição de-
positária (i) deve receber ordem escrita do alienante, autorização ou
ordem judicial em documento hábil que ficará em seu poder; e (ii)
responde, perante a companhia com que contratou o depósito, por
erros ou irregularidades nessa transferência.
A companhia, que escolheu e contratou a instituição depositá-
ria, responde diretamente frente aos interessados pelas perdas e da-
nos causados por erros ou irregularidades no serviço de ações
escriturais, sem prejuízo do direito de regresso contra a instituição
depositária (artigo 34, § 3o)557-558-559 <p- «&).

554 Ver os comentários ao art. 103 da Lei das S.A.


555 Sobre a responsabilidade das corretoras e das instituições depositárias, ver FRAN MARTINS,
"Ações Escriturais. Negociação. Responsabilidade das Sociedades Corretoras e das Institui-
ções Financeiras Depositárias". In: Novos Estudos de Direito Societário: Sociedades Anô-
nimas e Sociedades por Quotas. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 65-79; H A R O L D O MALHEIROS
D U C L E R C V E R Ç O S A , " O que é a 'ordem escrita do alienante' na venda de ações escriturais
e conseqüências do seu descumprimento", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econô-
mico e Financeiro. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 80, outubro-dezembro, 1990,
p. 43 e seguintes; O R L A N D O G O M E S . Contratos. 26 a edição, atualizada por Antonio
Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino, Rio de Janeiro: Forense,
2008, p. 477.
556 A CVM, mediante o Parecer CVM/SJU n° 038/1988, se manifestou no sentido de que "a
sociedade corretora tem responsabilidade pela regularidade da transferência de ações escriturais,
decorrente de negócios realizados em Bolsa de Valores, através de sua intermediação". No
mesmo sentido, os Rareceres C V M n " 111/1983 e 022/1989.
557 Art. 15 da Instrução C V M n° 89/1988, com as alterações introduzidas pelas Instruções
C V M n K 212/1994 e 261/1997. Consta do § 2 o do art. 15 que "os possuidores de valores
mobiliários e terceiros interessados poderão, querendo, acionar diretamente a instituição
prestadora de serviços, nas mesmas hipóteses, nos termos do art. 159 do Código Civil".
Consta dos arts. 186 e 927 do Código Civil que: (i) "Art. 186. Aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar diteito e causar dano a outrem, ainda
que exclusivamente moral, comete ato ilícito"; e (ii) "firt. 927. Aquele que, por ato ilícito
(arts. 186 e 187), causar dano à outrem, fica obrígadd a repará-lo".
558 A 4 a Turma do Superior Tribunal de Justiça já prç/feriu decisão no sentido de que a
companhia, a distribuidora e a corretora são solidáriamente responsáveis pela irregular
transferência de ações: Recurso Especial n° 70608-SP, Rei. Min. Ruy Rousado de Aguiar, j.
em 30.10.1995, publicado no DJU em 18.12.95: "Bolsa de Valores. Ações Escriturais.
Procuração Falsa. Responsabilidade. A sociedade emitente das ações escriturais que, ao
etetuar o bloqueio das ações para posterior venda. na bolsa, negligencia no exame da
As dúvidas suscitadas entre o acionista, ou qualquer interessado,
e a companhia ou a instituição depositária, a respeito das averbações
ordenadas pela Lei das S.A., ou sobre anotações, lançamentos ou
transferência das ações escriturais, serão dirimidas pelo juiz compe-
tente para solucionar as dúvidas levantadas pelos oficiais dos regis-
tros públicos, excetuadas as questões atinentes à substância do direito
(artigo 103, parágrafo único).
O titular de ação indevidamente registrada em nome de terceiro
• pode pleitear a nulidade do ato, conforme o caso, sem prejuízo das
sanções penais cabíveis e do pedido de indenização das perdas e da-
nos sofridos contra a companhia, quando provada a sua culpa560.
A conta de depósito das ações escriturais é movimentada por
meio de compra e venda dessas ações e a instituição depositária for-

autenticidade do instrumento do mandato passado em nome do titular das ações, responde


pela sua culpa perante o prejudicado. Não viola disposição legal o acórdão que reconhece
a responsabilidade solidária da companhia emitente (banco), da distribuidora e da corretora.
Lei 6.404/76. Recurso não conhecido". No mesmo sentido é decisão da 9 n Câmara Cível,
na Apelação Cível n° 10.586/03, Rei. Des. Laerson Mauro, j. em 24.06.2003: "7. A
instituição financeira, contratada para escriturar e guardar as ações de sociedade anônima,
presta serviço autorizado pela CVM, cabendo-lhe a responsabilidade solidária com a Corretora,
a qual, necessariamente, deve representar o cessionário das ações, se houver qualquer
irregularidade que possa causar prejuízo ao acionista. 2. Se foi realizada venda de grande
número de ações com a utilização de procurações onde a assinatura dos acionistas foi
falsificada, a responsabilidade cabe tanto às corretoras, que, obrigatoriamente, devem parti-
cipar do negócio, quanto da instituição financeira, a quem, também, cabe verificar a lisura da
negociação. 3. De outro modo, responde a sociedade anônima também porque os atos ou
omissões de seu contratado, no concernente a transferência das ações para terceiros, empe-
nha a sua responsabilidade, de acordo com a teoria da representação".
559 Na Apelação Cível n" 3.280/86-RJ, Rei. Des. Narciso Pinto, j. em 14.10.1986, o Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro se manifestou no sentido de que, nos termos do art.
103 da Lei das S.A., "quem tinha o dever de verificar a regularidade da transferência era a
entidade escrituradora e não o titular das ações. Ora, se a verificação da regularidade da
> transferência incumbia à entidade financeira, dúvida não há de que a fraude para retirar as
ações da autora foi praticada contra a pessoa do acionista. Como é de primeira evidência,
pela indevida subtração há de responder quem tinha o dever de verificar e escriturar, respon-
sabilidade essa encampada pela companhia emissora, a teor do disposto no § 3o do art. 34
da Lei n° 6.404, de 1976 (...)".
560 Consta do art. 167 do Código Civil que "é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá
o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma". O § 1 o determina que "haverá
simulação nos negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a
pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II - contiverem
declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III - os instrumentos particula-
res forem antedatados, ou pós-datados". O § 2o dispõe que são ressalvados os direitos de
terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.
necerá extratos ao acionista (i) sempre que solicitado; (ii) no final de
cada-mês em que a conta for movimentada; e (iii) se não houver mo-
vimentação, ao menos uma vez por ano, nos termos do § 2 o561 . E
necessário, portanto, que o acionista mantenha sempre atualizado o
seu endereço junto ã instituição depositária. Determina, também, a
Lei das S.A. que a instituição depositária de ações escriturais deverá
fornecer à companhia, ao menos uma vez por ano, além da cópia dos
extratos das contas de depósito das ações, a lista atualizada dos acio-
nistas com a quantidade das respectivas ações, que serão encaderna-
das em livros autenticados pela Junta Comercial e arquivados na
instituição financeira (artigo 102).
De acordo com o § 3 o , autorizada pelo estatuto e nos limites
máximos fixados pela Comissão de Valores Mobiliários, a instituição
depositária poderá cobrar do acionista o custo do serviço de transfe-
rência de ações escriturais562. "
O acionista só pode exercer os direitos de participar das delibera-
ções sociais, votar e receber dividendos se o seu nome estiver inscrito
no extrato emitido pela instituição depositária563-564. Por isso, pode a
companhia exigir do acionista, como condição para o exercício dos
seus direitos, além do extrato - que deverá ser depositado na compa-
nhia, se o estatuto assim exigir - , a respectiva identidade (artigo 126,

Ver art. 13 da Instrução C V M n° 89/1988, com as alterações introduzidas pelas Instruções


CVM n« 212/1994 e 261/1997.
De acordo com a Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, cabe à C V M fixar esses
limites, devido à dificuldade para determinar, em cada caso, o custo do serviço. A C V M
ainda não emitiu ato normativo regulando essa matéria.
A Instrução CVM n° 115/1990 dispõe sobre a prestação de serviço de custódia fungível de
ações nominativas. Nos termos do art. 6 o , o acionista pode exercer seus direitos em
assembleia geral simplesmente apresentando um comprovante emitido pela instituição
prestadora dos serviços de custódia. No art. 7 o , por sua vez, há a previsão de que a
instituição custodiante, "por ocasião do exercício do direito de voto, exercício de direito de
preferência, distribuição de dividendos ou bonificações e em qualquer caso, no último dia
útil de cada trimestre civil", deverá fornecer à companhia a lista dos titulares de ações em
custódia. Ou seja: a lista emitida pela instituição custodiante servirá para a companhia
conhecer seus próprios acionistas.
Com relação ao recebimento de dividendos, ver os Pareceres CVM/SJU n " 025/1980 e
034/1980.
inciso IV). A bonificação em ação, o desdobramento, o grupamento
e até mesmo os dividendos são registrados, em regra, automatica-
mente nas contas de depósito das ações escriturais565.
A ação escriturai, tal como a registrada, pode ser objeto de cons-
tituição de penhor e outros gravames, como o usufruto, o fideicomis-
so e a alienação fiduciária em garantia, e quaisquer cláusulas ou ônus
que gravem essas ações deverão ser averbadas nos livros da institui-
ção depositária, que os anotará no extrato da conta de depósito forne-
cida ao acionista (artigos 39 e 40).

Limitações à circulação
"Art. 36. O estatuto da companhia fechada pode impor limita-
ções à circulação das ações nominativas, contanto que regule
minuciosamente tais limitações e não impeça a negociação, nem
sujeite o acionista ao arbítrio dos órgãos de administração da
companhia ou da maioria dos acionistas.

Parágrafo Único. A limitação à circulação criada por alteração


estatutária somente se aplicará às ações cujos titulares com ela
expressamente concordarem, mediante pedido de averbação no
livro de 'Registro de Ações Nominativas'."

Uma das características fundamentais da sociedade anônima é a


da livre transferência das ações que emite. Assim, os riscos dos acio-
nistas podem ser transferidos a outros que tenham interesse em assu-
mi-los, sem que tal transmissão acarrete qualquer alteração na estrutura
da companhia.
O princípio consagrado na Lei das S.A. é o da transmissibilida-
de das ações. Nas companhias abertas, a livre circulação é regra abso-
luta que não comporta exceções, sendo nula qualquer disposição do

Ver informações no site: <http://www.cvm.gov.br/port/protinv/caderno2.asp>.


estatuto que crie restrições à sua transferência566. A Lei das S.A. veda
qualquer restrição à circulação de ações das companhias abertas em
prol do adequado funcionamento do mercado de capitais.
Na companhia fechada é permitido que o estatuto estabeleça li-
mitações ã circulação das ações567-568, que deverão observar as seguin-
tes condições: (i) elas devem ser reguladas de forma minuciosa e taxativa;
(ii) não podem impedir o acionista de alienar as suas ações, pois não se
admite a sua intransferibilidade absoluta, mas apenas a especificação
de algumas condições sob as quais a transferência pode ser efetivada569;
e (iii) não podem sujeitar o acionista ao arbítrio dos órgãos de adminis-
tração da companhia ou da maioria dos acionistas570.

566 Sobre esse assunto, a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 059/1980, se manifestou no sentido de
que "a necessidade de submeter, à aprovação prévia de terceiros, alteração na composição
acionária de sociedade anônima, constitui limitação à circulação de suas ações. Somente às
companhias fechadas, e desde que regulada minuciosamente no estatuto, é admissível a
imposição de limitações à circulação de ações nominativas (art. 36, Lei n" 6.404/76). Ê
ineficaz a cláusula contratual que produza efeitos contrários ã lei. A inclusão, em edital de
oferta pública de ações, de condições à habilitação na oferta, impostas por cláusula ineficaz,
importa em fornecimento de informação inexata ao público-investidor".
567 ALBERTO MUSSO. La Rilevanza Esterna dei Socio nelle Società di Capitali. Milano: Giuffrè,
1996, p. 14, salienta que "in ogni caso, 1'ammissibilità delle clausola di gradimento e delle
clausola de prelazione, ache nella società per azioni, consentono di configurare una tipologia
societaria siffata avente connotazioni de intuitus personae, che si discosta validamente dal
carattere eminentemente capitalistico previsto dal modello legale, a prescindere dalle variegate
tesisui limiti e sullefficacia deipatti in questione, sopra ricordate".
568 RUBENS REQUIÃO. Aspectos Modernos de Direito Comercial (estudos e pareceres). v. 3,
São Paulo: Saraiva, 1977, p. 244, observa que "essa faculdade de restringira negociabilidade
das ações da companhia fechada dá-lhe o nítido sabor de sociedade constituída com
intuitus personae, na qual os sócios escolhem os seus companheiros. A norma impede o
ingresso de estranhos à sociedade tendo em vista a confiança mútua ou os laços familiares
dos sócios, que os ligam. A affectio societatis surge nessas sociedades com toda a nitidez,
como em qualquer outra das sociedades de tipo personalista. Seus interesses estão, pois,
regulados pelo contrato, o que explica a pouca ingerência da fiscalização de órgãos públicos
em seus negócios".
569 Sobre esse assunto, T R A J A N O D E M I R A N D A VALVERDE. Sociedades por Ações. v. 1, 2 a
edição, Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 198, observa que "as disposições restritivas são
licitas todas as vezes que não tiverem por efeito impedir a transferência das ações, tornando,
por assim dizer, o acionista prisioneiro do seu título, mas simplesmente o de regulamentar o
exercício desse direito, rodeando-o de garantias e precauções".
570 Na opinião de FÁBIO K O N D E R COMPARATO. O Poder de Controle na Sociedade Anôni-
ma. 4 a edição, Rio de janeiro: Forense, 2005, p. 146-147, a violação de disposições
estatutárias que contenham limitação à circulação de ações não implica nulidade do
negócio de transferência, mas a sua ineficácia em relação à sociedade.
As disposições estatutárias que criam limitação à circulação de
ações contêm normas de natureza contratual que excepcionam o
princípio da livre transmissibilidade da ação e devem, portanto, ser
interpretadas restritivamente. Essas restrições são lícitas apenas
quando não tiverem por fim impedir a negociação das ações571. As
limitações à circulação de ações são especificadas, em regra, em fun-
ção de condições pessoais dos acionistas. Não obstante ser a socie-
dade anônima classificada como uma sociedade de capitais, pode,
na sociedade fechada, predominar o intuitu personae, pois, em al-
guns casos, a identidade e/ou as características dos acionistas po-
dem ser essenciais ao desenvolvimento dos negócios sociais. Em
algumas companhias, a restrição à circulação de ações tem por fim
garantir a estabilidade da sua administração572 e a manutenção do
controle societário5'3.
Uma das formas mais comuns no direito societário de limitação
da circulação das ações é a que determina o direito de preferência dos
demais acionistas no caso de alienação de ações. No entanto, é veda-
do ao estatuto subordinar a transferência de ações à simples aprova-
ção dos demais acionistas, uma vez que a Lei das S.A. é expressa ao
determinar que o estatuto não pode submeter o acionista ao arbítrio
dos órgãos de administração ou da maioria dos acionistas. O estatuto
deverá regular detalhadamente os procedimentos relativos ao exercí-
cio do direito de preferência pelos demais acionistas e pela própria

571 T R A J A N O D E M I R A N D A V A L V E R D E . Sociedade por Ações..., v. I, p. 198. N o mesmo


sentido, E C B E R T O L A C E R D A T E I X E I R A e J O S É A L E X A N D R E TAVARES G U E R R E I R O . Das
Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 236;
FÁBIO K O N D E R C O M P A R A T O . O Poder de Controle na Sociedade Anônima..., p. 148; e
A L F R E D O LAMY FILHO. Temas de S.A. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 246.
572 T R A J A N O D E M I R A N D A VALVERDE. Sociedade por Ações..., v. I, p. 201, assinala que "ê
um meio indireto de impedir que a sociedade, de um momento para outro, caia nas mãos de
concorrentes, ou de pessoas que não se preocupam senão com o lucro imediato".
573 F Á B I O K O N D E R C O M P A R A T O . O Poder de Controle na S o c i e d a d e Anônima..., p.
141. N o mesmo sentido, R E N A T O V E N T U R A R I B E I R O , "A Lei das Sociedades por
Ações e as Companhias Intuitu Personae". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro & Leandro
Santos Aragão (Coord.). Sociedade Anônima - 30 Anos da Lei 6 . 4 0 4 / 7 6 . São Paulo:
Quartier Latin, 2007, p. 203.
sociedade, se for o caso, bem como determinar os critérios de fixação
do preço de alienação das ações574.
Outras restrições também são admitidas, como, por exemplo, as
que exigem certa qualidade para ser sócio, determinada profissão, na-
cionalidade, as cláusulas de opção de compra de ações, etc.; o impor-
tante é que as limitações à circulação das ações não impeçam a sua
transferência e sejam rigorosamente especificadas e reguladas no es-
tatuto social.
As cláusulas restritivas da transmissão de ações estendem-se a
todos os tipos de transferência, quer seja voluntária, por sucessão le-
gítima, testamentária ou por execução forçada, pois nem o cedente
pode transferir melhor direito do que tem, nem o cessionário melho-
rar a sua situação pelo fato de não ter participado da constituição da
companhia e não ter aderido a seus estatutos voluntariamente575.
A limitação à circulação das ações pode ser inserida no estatuto
social no momento da constituição da companhia ou mediante a sua
alteração, hipótese em que, nos termos do parágrafo único, alcançará
apenas as ações cujos titulares com ela expressamente concordarem,
mediante pedido de averbação no livro de "Registro de Ações
Nominativas". A Lei das S.A., ao subordinar à concordância do titular
da ação a aplicação de limitações criadas em decorrência de alteração
do estatuto, teve por fim coibir os abusos da maioria, permitindo ao
acionista que não concordar com essa restrição o direito de conservar
os direitos que lhe foram originalmente garantidos576.

574 O Código Civil, ao tratar no art. 122 "Da Condição, Do Termo e Do Encargo", determina
que: "são lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos
bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o
negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes". No art. 489, ao tratar
especificamente "Da Compra e Venda", estabelece que "nulo é o contrato de compra e
venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço".
575 C A R L O S F U L G Ê N C I O D A C U N H A P E I X O T O . Sociedades por Ações. v. 1, São Raulo:
Saraiva, 1972, p. 313.
576 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.
As restrições à circulação das ações podem decorrer, também, de
acordos de acionistas, mediante pacto denominado "acordo de blo-
queio", mediante o qual os acionistas obrigam-se a não transferir as
suas ações a terceiros sem a anuência dos demais pactuantes ou sem
antes dar a estes o direito de preferência na aquisição de ações577.
Para que essa restrição seja oponível perante terceiros, deverá ser aver-
bada no "Livro de Registro de Ações Nominativas" ou nos livros da
instituição financeira o qual será anotado no extrato da conta de
depósito fornecido ao acionista - e, após essa averbação, as ações
objeto do acordo de acionistas não poderão ser negociadas em Bolsa
de Valores ou no mercado de balcão (artigo 118, §§ I o e 4 o ). Tendo
em vista que o acordo de acionistas obriga apenas as partes contra-
tantes, nada obsta a que os "acordos de bloqueio" sejam pactuados
em companhias abertas. Neste caso, a limitação à circulação de ações
não decorrerá de regra estatutária, prevalecendo, portanto, a liberda-
de de contratar.

Suspensão dos serviços de certificados


"Art. 37. A companhia aberta pode, mediante comunicação às
bolsas de valores em que suas ações forem negociadas e publica-
ção de anúncio, suspender, por período que não ultrapassem, cada
um, 15 (quinze) dias, nem o total de 90 (noventa) dias durante o
ano, os serviços de transferência, conversão e desdobramento de
certificados.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não prejudicará o regis-


tro da transferência das ações negociadas em bolsa anteriormen-
te ao início do período de suspensão."

Com a extinção, pela Lei n° 8.021/1990, dos títulos ao portador


e endossáveis, a única forma de ação admitida em nosso ordenamen-

Ver os comentários ao art. 118 da Lei das S.A.


to jurídico é a nominativa. Assim, os certificados de ação perderam a
sua principal função, que era a de instrumento que legitimava a con-
dição de sócio.
Tendo em vista o modo como se prova a propriedade da ação
nominativa e opera-se a sua transferência578, não é necessária a emis-
são de certificado, o qual é inútil ao titular da ação nominativa para o
exercício dos seus direitos579. A ação escriturai, face a sua própria na-
tureza, não comporta a emissão de certificado.
A suspensão dos serviços de transferência aplica-se também às
ações nominativas, registradas e escriturais580-581. Trata-se, porém, de
medida excepcional, devendo ser objeto de expressa justificação por
parte da companhia.

578 Ver os comentários aos arts. 20, 31 e 35, § I o , da Lei das S.A.
579 Sobre a inutilidade dos certificados de ação, ver os comentários aos arts. 11 e 20 da Lei
das S.A.
580 A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 100/1978, manifestou-se no sentido de que "deve-se
observar que, embora o já referido artigo 37 da Lei 6.404/76, ao mencionar 'serviços de
transferência, conversão e desdobramento. de certificados' pudesse dar a entender que a
suspensão sú se referisse a ações representadas por certificados, a doutrina, percebendo que
aquela redação não foi das mais felizes, propôs que o dispositivo fosse entendido como se
referindo a 'serviços de transferência e conversão de ações e desdobramento de certificados'.
(...) Essa distinção é importante para afastar dúvidas quanto ao fato de o dispositivo ser
também aplicável às. ações escriturais. Além dessa interpretação doutrinária, a suspensão dos
serviços de registro também pode atingir as ações escriturais pelo fato de vários dos motivos
justificadores daquela suspensão também permanecerem quando as ações da companhia
forem escriturais. Assim, a suspensão dos serviços de registro pode atingir as ações nominativas,
as ações escriturais e as ações endossáveis (a transferência das duas primeiras opera-se pelo
registro, a das últimas é apenas averbada para ter eficácia perante a companhia)". No mesmo
sentido é a opinião de M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas, v. 1, 5 n edição, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 367, ao mencionar que "não
obstante, a supressão dos certificados, pelo desuso conseqüente de sua incompatibilidade
com o ordenamento, não retira, de forma alguma, a vigência do art. 37, pois outro é o seu
objetivo. Trata-se ele, com efeito, da suspensão do direito material de transferência e desdo-
bramento de ações negociadas em Bolsa".
581 A Lei n° 4.728/1965, ao introduzir no nosso ordenamento a regra constante do art. 37 da
Lei das S.A., dispunha, nos §§ 11 e 12 do art. 34, que: "§ 11. As sociedades por ações são
obrigadas a comunicar, às Bolsas nas quais os seus títulos são negociados, a suspensão
transitória de transferência de ações no livro competente, com 15 (quinze) dias de antece-
dência, aceitando o registro das transferências que lhes forem apresentadas com data ante-
rior. § 12. É facultado as sociedades por ações o direito de suspender os serviços de
conversão, transferência e desdobramento de ações, para atender a determinações de
assembleia-geral, não podendo fazê-lo, porém, por mais de 90 (noventa) dias intercalados
durante o ano, nem por mais de 15 (quinze) dias consecutivos".
Dessa forma, a companhia, antes da realização da assembleia
geral, pode suspender os serviços de registros relacionados à transfe-
rência de suas ações, desde que: (i) o faça por um breve período, não
superior, cada um, a 15 (quinze) dias, nem ao total de 90 (noventa)
dias durante o ano; (ii) comunique o fato à Bolsa de Valores; e (iii)
providencie a publicação de anúncios em jornais.
Tendo em vista a redação objeto do caput deste artigo, o qual
restringe a aplicação do dispositivo às "companhias abertas" e se refe-
re à necessidade de "publicação de anúncio" e "comunicação às bol-
sas de valores", a suspensão dos serviços de transferência de ações
abrange, essencialmente, as negociações com ações realizadas no
âmbito das Bolsas de Valores, não atingindo, portanto, as ações re-
presentativas do controle acionário da companhia582.
Este artigo estabelece apenas uma faculdade em benefício da
companhia, que pode, durante períodos determinados e desde que
tenha previamente informado os acionistas e a Bolsa de Valores, abs-
ter-se de promover os registros das transferências de propriedade das
ações realizadas em Bolsa. Tal faculdade configura medida de inte-
resse interno da sociedade, pois visa a facilitar a organização das as-
sembléias gerais e de outros eventos societários das companhias
abertas583. Com a suspensão dos serviços de transferências de ações
negociadas em Bolsa de Valores, torna-se possível determinar, com
antecedência, o colégio acionário votante nas assembleias gerais584.

582 Nesse sentido é o entendimento de M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de


Sociedades Anônimas..., v. 1, p. 366-367.
583 Sobre esse assunto, FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. I, Rio de
Janeiro: Forense, 1977, p. 217, observa que: "Assim, por exemplo, nos momentos que antece-
dem as assembleias gerais, seja para a eleição dos órgãos administradores da sociedade, seja para
aprovação de contas e declaração de dividendos, tais serviços são costumeiramente suspensos,
para não só evitar a participação de pessoas não desejadas nas referidas assembleias, como para
_ não cumular os trabalhos internos da sociedade, então às voltas com a ordenação dos documen-
tos que deverão ser apresentados aos acionistas. As medidas são, assim, de interesse interno da
sociedade, e já no direito anterior era admitida a suspensão de transferências, conversões e
desdobramentos de ações, em certos períodos devidamente anunciados pela sociedade".
584 D e acordo com M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas...,
v. 1, p. 369, "a suspensão dos serviços com ações tem de ser plenamente justificável. Dentre
A suspensão permite que as companhias possam identificar, an-
tecipadamente, quem são os seus acionistas e com quais quantidades
de ações cada um deles comparecerá à assembleia geral, impedindo
que se instaure qualquer dúvida sobre a legitimidade das deliberações
tomadas com base no voto de tais acionistas.
A possibilidade de as ações negociadas em Bolsas de Valores serem
transacionadas inúmeras vezes por dia poderia acarretar dificuldades inter-
nas para a organização e determinação do colégio votante das assembleias
gerais, caso a sociedade fosse obrigada a registrar todas as transferências de
ações ocorridas às vésperas da realização de tais conclaves.
Não obstante, se houver pedido de transferência em data anterior
ao início do período de suspensão, o novo acionista poderá participar e
votar na assembleia geral, pois determina o parágrafo único que o disposto
no caput deste artigo não prejudicará o registro da transferência das ações
negociadas em Bolsa anteriormente ao início do período de suspensão.

Perda ou extravio

"Art. 3 8 . 0 titular d e certificado perdido o u extraviado de ação


ao portador o u endossável poderá, j u s t i f i c a n d o a propriedade e
a perda o u extravio, promover, n a f o r m a da lei processual, o pro-
cedimento d e anulação e substituição p a r a obter a expedição de
novo certificado.

§ I o . S o m e n t e será admitida a anulação e substituição de certifi-


cado ao portador o u endossado e m branco à vista da prova, pro-
duzida pelo titular, d a destruição o u inutilização do certificado a
ser substituído.

§ 2 o . A t é que o certificado seja recuperado ou substituído, as trans-


ferências poderão ser averbadas sob condição, cabendo à compa-

as razões que geralmente são aceitas para essa medida, encontra-se comumente a de permitir
determinar o colégio acionário votante em assembleia geral. Outro fundamento aceito é o de
permitir organizar os serviços de pagamento de dividendos".
nhia exigir do titular, p a r a satisfazer dividendo e demais direitos,
garantia idônea d e sua eventual restituição."

A L e i n ° 8 . 0 2 1 / 1 9 9 0 , c o m o o b j e t i v o d e i d e n t i f i c a r os
contribuintes que o p e r a m n o m e r c a d o f i n a n c e i r o e d e capitais,
extinguiu os títulos ao portador e endossáveis 5 8 5 . A s s i m , o certificado
d e ação p e r d e u , t a m b é m , a s u a p r i n c i p a l f u n ç ã o , que era a de
instrumento que legitimava a condição de sócio.
D e s s a forma, o artigo 38 foi derrogado pelo desuso.

SEÇÃO VII

C O N S T I T U I Ç Ã O DE D I R E I T O S REAIS E O U T R O S ÔNUS

Penhor
"Art. 3 9 . 0 p e n h o r OIL c a u ç ã o d e ações se constitui p e l a averbação
do respectivo i n s t r u m e n t o n o livro d e R e g i s t r o de A ç õ e s N o m i -
nativas. ( R e d a ç ã o d a d a p e l a L e i n ° 9 . 4 5 7 / 1 9 9 7 )

§ I o O penhor d a ação escriturai se constitui pela averbação do


respectivo instrumento nos livros d a instituição financeira, a qual
será anotada n o extrato d a conta d e depósito fornecido a o acionista.

§ 2 o E m qualquer caso, a companhia, o u a instituição financeira,


tem o direito d e exigir, p a r a seu arquivo, u m exemplar do instru-
mento d e penhor."

A s ações, como valores mobiliários 5 8 6 , qualquer que seja a sua


forma, são bens móveis 5 8 7 - 5 8 8 ( p - ^ e sujeitam-se, portanto, à constitui-

585 Arts. 4 o e 13 da Lei n° 8.021/1990.


586 Art. 2 o , inciso I, da Lei n° 6.385/1976, com a redação dada pela Lei n° 10.303/2001.
587 Ver os comentários ao art. 11 da Lei das S.A. O Código Civil, no art. 82, define como bens
móveis os suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração
ção de direitos reais e outros ônus, tais como o penhor, o usufruto, o
fideicomisso, a alienação fiduciária em garantia e a inalienabilidade,
constituída por ato inter vivos ou mortis causa.
O penhor é o contrato segundo o qual uma pessoa dá à outra
coisa móvel ou mobilizável em garantia do pagamento de u m a dívi-
da, própria ou de terceiro 589 . A relação jurídica de penhor pressupõe,
portanto, a existência de um direito de crédito, limitando-se a au-
mentar a probabilidade de que a obrigação seja cumprida, daí a sua
natureza acessória 590 - 591 .
O direito do penhor, além de acessório, é indivisível. O paga-
mento de uma ou mais parcelas da dívida não importa exoneração
correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens,
salvo disposição expressa no título ou na quitação 5 9 2 .
A s principais conseqüências jurídicas da natureza real do penhor
são o direito de preferência e o direito de "seqüela; o credor pignoratí-

da substância ou da destinação econômico-social e o art. 83, inciso III, considera móveis,


para os efeitos legais, os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.
588 Há, na doutrina, discussão sobre a natureza das ações escriturais, pois alguns autores não as
consideram como bens móveis. MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas, v. 1, 5 a edição, São Raulo: Saraiva, 2007, p. 350, sustenta que "apesar da natureza
incorpórea, as ações escriturais - por criação legal (arts. 39 e 40) - podem ser objeto de negócios
cuja essência é a mobilidade do bem, como penhor e alienação fiduciária em garantia"; EGBERTO
LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades Anônimas
no Direito Brasileiro, v. 1, São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 225, entendem que "as ações
(com exceção das ações escriturais) integram a categoria dos bens móveis, sujeitando-se a
disciplina do direito das coisas."; OSMAR BRINA CORRÊA LIMA, "O Penhor de Ações de
Companhias e a Bonificação de Ações", Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, v. 624, outubro, 1987, p. 262, fazendo referência a Caio Mario da Silva Pereira,
conclui que todas as ações, inclusive as escriturais, "são bens móveis imateriais, enquadráveis
naquela categoria prevista no art. 48, II, do CC, segundo o qual são considerados móveis 'os
direitos de obrigação e as ações respectivas', já os certificados de propriedade de ações são
considerados coisas móveis. Nessa perspectiva, poderíamos concluir que as ações escriturais,
por não se fazerem representar por certificados, são bens móveis, mas não são coisas móveis".
589 Art. 1.419 do Código Civil.

590 O R L A N D O GOMES. Direitos Reais. 19° edição, atualizada por Luiz Edson Fachin, Rio de
Janeiro: Forense, 2008, p. 391-392.
Sobre as diferenças e vantanges entre o penhor de ações e a alienação fiduciária em
591
garantia, ver os comentários ao art. 40 da Lei das S.A.
Art. 1.421 do Código Civil. Consta do art. 1.434 do Código Civil que "o credor não pode ser
constrangido a devolver a coisa empenhada, ou uma parte dela, antes de ser integralmente
pago, podendo o juiz, a requerimento do proprietário, determinar que seja vendida apenas
uma das coisas, ou parte da coisa empenhada, suficiente para o pagamento do credor".
cio tem (i) direito a excutir a coisa empenhada e preferir, no paga-
mento, a outros credores 5 9 3 ; e (ii) a faculdade de buscar o bem grava-
do com direito real de penhor da mão de quem quer que ele esteja
para satisfação de seu crédito 5 9 4 .
O penhor de ações constitui modalidade de penhor especial re-
gulado por este artigo, aplicando-se-lhe subsidiariamente as regras
do C ó d i g o Civil 5 9 5 .
N o que diz respeito às ações, caução e penhor são vocábulos
sinônimos. T e n d o em vista que somente os bens sujeitos à alienação
p o d e m ser penhorados ou caucionados, não é possível dar em garan-
tia as ações gravadas c o m cláusula de inalienabilidade e as ações de
companhia aberta antes de realizados os 30% (trinta por cento) do
preço de emissão (artigo 29) S 9 6 .

O penhor de ações é de natureza convencional, formalizando-se


mediante instrumento público ou particular, que deverá ser averbado,
quando se tratar de ações registradas, no "Livro de Registro de Ações
Nominativas" da companhia e, no caso de ações escriturais, nos livros
da instituição financeira o u da B o l s a de Valores depositária, o qual
será anotado no extrato d a conta de depósito fornecido ao acionista,
nos termos do caput e do § I o deste artigo. A averbação no livro pró-
prio constitui ato necessário para a existência e validade do penhor de
ações, tanto entre as partes c o m o perante terceiros; assim, antes da
averbação do penhor, não existe direito real de garantia.

593 Art. 1.422 do Código Civil.


594 Art. 1.419 do Código Civil.
595 Sobre esse assunto, ver M A U R O BARDAW1L PENTEADO. O Penhor de Ações no Direito
Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 155.
596 Sobre esse assunto, ver o Parecer CVM/PJU n° 007/2001 que contém manifestação no
sentido de que: "A caução ou penhor, como espécies de direito real em garantia, têm como
principais características a vinculação da coisa móvel ao cumprimento da obrigação assumida
e a necessidade que essa coisa seja, por sua própria natureza, passível de livre alienação (...)
sob pena de se inviabilizar o direito do credor de requerer a venda judicia! do bem, satisfazen-
do, assim, o seu crédito".
D e acordo com o § 2 o , a companhia ou a instituição financeira
depositária das ações tem o direito de exigir, para seu arquivo, u m
exemplar do instrumento de penhor, mediante o qual poderá verificar,
por exemplo, o que ficou acordado entre o devedor e o credor pigno-
ratício sobre o direito de voto e de recebimento de dividendos.
O exercício do direito de voto não se transfere ao credor pigno-
ratício. O penhor da ação não impede o acionista de exercer o direito
de voto, mas pode-se estabelecer que o acionista não poderá, sem o
consentimento do credor pignoratício, votar em certas deliberações
(artigo 113, caput,)597-598.
O direito ao dividendo também não é transferido ao credor pigno-
ratício em decorrência do contrato de penhor, mas nada impede que o
devedor lhe atribua essa prerrogativa. Se o contrato de penhor não re-
gular a qual das partes cabe o recebimento de dividendos, estes deverão
ser pagos àquele em nome do qual as ações estão r e g i s t r a d a s 5 9 9 - 6 0 0 \

597 MAURO BARDAWIL PENTEADO. O Penhor de Ações no Direito Brasileiro..., p. 172-174,


observa que "{...) o legislador outorgou a possibilidade de o credor não consentir com a
aprovação de certas matérias tendo por fundamento o escopo de garantia, isto é, visando
proteger a sua posição de credor. Portanto, e seguindo as lições de Giuseppe Ferri, o
exercício desse poder pelo credor pignoratício deverá sempre ser realizado com vistas à
realização desse fim de garantia, qual seja, conservação do valor econômico do bem dado
em segurança. (...) não pode o credor pignoratício não consentir com a emissão do voto do
acionista com o único objetivo de prejudicá-lo, pois nesse caso estaria incorrendo naquilo
que as doutrinas italiana e espanhola denominam de voto in odium debitoris (com a ressalva
de que no Brasil seria uma espécie de veto in odium debitorisi. A emissão do consentimento
pelo credor pignoratício deve ser realizada com base em critérios objetivos e em função da
finalidade correspondente à natureza do direito real, sob pena de não-emissão do consen-
timento ser considerada abusiva (...) responderá o credor pignoratício por perdas e danos
com base nos arts. 187 e 927 do Código Civil (...)".
598 Sobre esse assunto, FÁBIO KONDER COMPARATO e CALIXTO SALOMÃO FILHO. O Poder
de Controle na Sociedade Anônima. 4 a edição, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 91,
observam que o credor pignoratfcio pode "tal a extensão e o alcance das estipulações de
voto no contrato de caução, assumir uma posição predominante na sociedade, como
autêntico conUolador. É mesmo possível que o crédito só tenha sido concedido em função
dessa caução das ações de controle, e na perspectiva de sua provável excussão, com o
inadimplemento da obrigação garantida. Mesmo sem essa caução das ações de controle, os
maiores credores de uma sociedade em situação financeira difícil podem assumir o controle
de façtq. impondo condições para a renovação de empréstimos ou a reforma de dívidas, tais
como a reorganização empresarial e o remanejamento da administração social".
599 Consta do caput do art. 205 da Lei das S.A. que "a companhia pagará o dividendo de ações
nominativas à pessoa que, na data do ato de declaração do dividendo, estiver inscrita como
proprietária ou usufrutuária da ação".
O credor pignoratício que, por força do contrato de penhor, rece-
ber os dividendos das ações empenhadas deverá restituí-los ao acio-
nista, pois o penhor é u m direito real que tem fundamento no valor
da ação, não nos seus frutos 6 0 1 - 6 0 2 . N o entanto, nada impede seja con-
vencionado que o credor receberá os dividendos como pagamento de
parte da dívida e que deverá liberar do gravame a quantidade de ações
empenhadas correspondente ao valor recebido.
A s eventuais cláusulas sobre o prévio consentimento do credor
para o exercício do direito de voto em determinadas matérias e/ou a
prerrogativa para o recebimento de dividendos deverão ser, por caute-
la, averbadas no "Livro de Registro de A ç õ e s Nominativas" da com-
panhia ou nos livros da instituição financeira depositária das ações,
conforme o caso.
O penhor, salvo estipulação e m contrário, estende-se às ações
bonificadas 6 0 3 , visto que o valor dessas ações não p o d e ser tratado

600 No mesmo sentido, M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anôni-


mas..., v. 1, p. 377; PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. XX, 3 a edição,
Rio de Janeiro: Borsoi, 1969, p. 402; L U I Z C A S T Ã O PAES DE BARROS LEÃES. Direito do
Acionista ao Dividendo. São Paulo: Obelisco, 1969, p. 330-334. Em sentido contrário,
W I L S O N DE S O U Z A CAMPOS BATALHA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v.
1, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 280; C A R L O S F U L G Ê N C I O D A C U N H A PEIXOTO.
Sociedades por Ações. v. 1, São Paulo: Saraiva, 1972, p. 325.
601 FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. I, Rio de Janeiro: Forense,
1977, p. 228, observa que na hipótese do credor pignoratício receber os dividendos, o
devedor poderá exigir dele a sua devolução, concluindo que "(...) do contrário, haveria um
enriquecimento indevido, uma vez que a constituição do penhor tem por fim garantir uma
dívida pelo valor intrínseco do objeto, não pelo que ele poderá produzir".
602 O Código Civil determina, no art. 1.435, inciso IV, que o credor pignoratício é obrigado a,
uma vez paga a dívida, restituir o bem empenhado com os respectivos frutos e acessões.
603 No mesmo sentido, JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito Societário. 11a edição, Rio de
Janeiro: Renovar, 2008, p. 271, para o qual "as bonificações, por terem a natureza de acessão e
não de rendimento, integram a caução"; OSMAR BRINA CORRÊA LIMA, "O Penhor de Ações de
Companhias e a Bonificação de Ações", Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, v. 624, outubro, 1987, p. 262-266. Em sentido contrário, M A U R O BARDAW1L
PENTEADO. O Penhor de Ações no Direito Brasileiro..., p. 190, ao sustentar que "(...) parece
correto afirmar que, em linha com o que o legislador societário fez com os dividendos, em se
tratando de bonificação, ele foi expresso ao enumerar, taxativamente, os tipos de gravames que
se estenderiam às ações bonificadas. E nesse verdadeiro numerus clausus não foi feita referência
ao penhor, ao contrário do que se fez com o usufruto, fideicomisso, inalienabilidade e
incomunicabilidade. Por conseguinte, se o credor pignoratício desejar que sua garantia se
estenda às ações bonificadas, ele terá que fazer constar isso do contrato de penhor de ações"; e
FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas..., v. I, p. 228-229.
como renda. O investidor, ao receber ações bonificadas, não suporta
custo que possa ser acrescido ao de aquisição da participação societá-
ria 604 . Note-se que, relativamente ao usufruto, ao fideicomisso, à ina-
lienabilidade e à incomunicabilidade, a L e i das S . A . determina,
expressamente, que esses gravames se estendem às ações distribuídas
em decorrência de aumento de capital mediante capitalização de lu-
cros ou de reservas, salvo cláusula em contrário dos instrumentos que
os tenham constituído (artigo 169, § 2 o ) .

O direito de preferência continua a ser u m a prerrogativa do acio-


nista devedor, sendo facultado às partes convencionar que cabe ao cre-
dor pignoratício exercer esse direito, p o r é m em n o m e e por conta do
acionista devedor.
N o caso de amortização de ações, caberá ao credor pignoratício
receber as importâncias amortizadas, extinguindo-se a garantia se a
amortização for total - salvo se a quantia recebida for inferior à dívi-
da, ocasião em que deverá ser oferecido outro b e m e m garantia do
saldo restante 6 0 5 - ou reduzindo-se o valor d a importância garantida,
se a amortização for parcial.

O penhor extingue-se com (i) a extinção da obrigação; (ii) a re-


núncia do credor pignoratício; (iii) a confusão na m e s m a pessoa do
credor e devedor; e (iv) a adjudicação ou a venda das ações empenha-
das, feita pelo credor ou por ele autorizada 6 0 6 . A extinção para produzir
efeitos deverá ser averbada no "Livro de Registro de Ações Nominati-

604 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA. Finanças e Demonstrações Financeiras da Companhia


(Conceitos Fundamentais). 2 a edição, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 347.
605 Sobre esse assunto, FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas..., v. I,
p. 229, observa que na hipótese de amortização total em que as importâncias recebidas
pelo credor pignoratício são inferiores à da dívida contraída, deverá ser oferecido outro
bem para a continuação do penhor, porque as ações amortizadas darão lugar apenas à
percepção de dividendos, não tendo elas valor real, e os dividendos, em princípio, devem
ser do proprietário das ações, não do credor pignoratício. Sugere, ainda, que "as ações
amortizadas devem ser devolvidas ao seu legítimo proprietário, substituídas, se for o caso, por
outra garantia real, para que não haja prejuízos para o credor".
606 Art. 1.436 do Código Civil.
vas" da companhia ou nos livros da instituição financeira depositária,
conforme o caso.
0 instituto do penhor de ações, b e m c o m o as respectivas regras,
aplicam-se, também, às partes beneficiárias, às debêntures e aos b ô -
nus de subscrição 6 0 7 .

O u t r o s direitos e ônus

A r t . 4 0 . 0 usufruto, o fideicomisso, a alienação fiduciária e m g a -


rantia e quaisquer cláusulas o u ô n u s q u e gravarem a ação deverão
ser averbados:

1 - se nominativa, n o livro d e " R e g i s t r o d e A ç õ e s N o m i n a t i v a s " ;

I I - se escriturai, n o s livros d a instituição financeira, que os ano-


tará n o extrato d a c o n t a d e d e p ó s i t o f o r n e c i d a a o acionista. ( R e -
dação d a d a pela L e i n ° 9 . 4 5 7 / 1 9 9 7 )

P a r á g r a f o único. M e d i a n t e averbação n o s t e r m o s deste artigo, a


p r o m e s s a d e v e n d a d a ação e o direito d e preferência à s u a aquisi-
ção são oponíveis a terceiros."

O usufruto constitui direito real temporário de desfrutar u m b e m


alheio como se fosse próprio, s e m alterar, contudo, a sua substância.
O titular desse direito - usufrutuário - não t e m a propriedade do bem,
que pertence ao nu proprietário 6 0 8 . A s s i m , o conteúdo econômico do
usufruto é constituído pelo poder temporário de fruir as utilidades e
os frutos do bem, sem que exista a transferência de sua propriedade.
O usufruto é tido como u m direito restringente, u m a vez que o dono

607 Os arts. 50, 63 e 78, parágrafo único, respectivamente, da Lei das S.A. determinam que
aplica-se às partes beneficiárias, às debêntures e aos bônus de subscrição, no que couber,
o disposto nas Seções V a VII do Capítulo III da Lei das S.A.
608 Ver arts. 1.390 e seguintes do Código Civil. O Código Civil de 1916 conceituava o
usufruto no art. 713 como "direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, enquanto
temporariamente destacado da propriedade".
fica privado de usar e fruir, atividades que, em princípio, são típicas do
exercício do domínio 609 .
O fideicomisso resulta de uma disposição pela qual alguém - o
fideicomitente - institui herdeiros ou legatários, impondo a u m deles
- o fiduciário - a obrigação de, por sua morte, a certo tempo ou sob
certa condição, transmitir ao outro, que se chama fideicomissário, a
herança ou o legado 610 - 611 - 612 .
A alienação fiduciária em garantia constitui-se por meio da trans-
ferência ao credor do domínio, independentemente de sua tradição,
em garantia do pagamento de u m a obrigação. O direito do credor
sobre o bem resolve-se com o pagamento da dívida garantida 6 1 3 .
O instituto da alienação fiduciária em garantia de bens móveis
foi inserido em nosso ordenamento jurídico pela L e i n° 4.728/1965 6 1 4
que foi, posteriormente, alterada pelo D e c r e t o - L e i n° 911/1969. A
propriedade fiduciária foi regulada pelo C ó d i g o Civil de 2002 6 1 5 , no
entanto, ao contrário da L e i n ° 4 . 7 2 8 / 1 9 6 5 , o C ó d i g o Civil não limi-
tou a sua utilização ao mercado de capitais. Posteriormente, a L e i n°
10.931/2004 6 1 6 alterou o Decreto-Lei n° 9 1 1 / 1 9 6 9 e as Leis n os 4.591/

609 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. XIX, 3 a edição, São Raulo: Revista
dos Tribunais, 1983, p. 13.
610 O R L A N D O GOMES. Direitos Reais. 19 a edição, atualizada por Luiz Edson Fachin, Rio de
Janeiro: Forense, 2008, p. 336.
611 O art. 1.951 do Código Civil determina que "pode o testador instituir herdeiros ou legatá-
rios, estabelecendo que, por ocasião de sua morte, a herança ou o legado se transmita ao
fiduciário, reso!vendo-se o direito deste, por sua morte, a certo tempo ou sob certa condição,
em favor de outrem, que se qualifica de fideicomissário". O art. 1.952 estabelece que a
substituição fideicomissária somente se permite em favor dos não concebidos ao tempo da
morte do testador; se o fideicomissário já tiver nascido ao tempo da morte do testador, ele
adquirirá a propriedade do bem fideicometido, convertendo-se em usufruto o direito do
fiduciário. Ver, também, arts. 1.953 e seguintes do Código Civil.
612 Sobre o fideicomisso, ver CLOVIS BEVILAQUA. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil
Comentado, v. 6, Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1955, p. 161-170.
613 CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA. Instituições de Direito Civil. v. IV, 19a edição, Rio de
Janeiro: Forense, 2008, p. 426.
614 Art. 66 da Lei n° 4.728/1965, revogado pela Lei n° 10.931/2004.
615 Arts. 1.361 a 1.368 do Código Civil.
616 A Lei n" 10.931/2004 dispôs sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias,
Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário e Cédula de Crédito Bancário.
1964, 4.728/1965 - na qual introduziu o artigo 6 6 - B , definindo os
critérios da constituição da propriedade fiduciária em garantia no
âmbito do mercado de capitais - e 1 0 . 4 0 6 / 2 0 0 2 ( C ó d i g o Civil) - ao
qual acrescentou o artigo 1 . 3 6 8 - A , segundo o qual as demais espécies
de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à
disciplina específica das respectivas leis especiais, aplicando-se as re-
gras do C ó d i g o Civil naquilo que não for incompatível c o m a legisla-
ção especial 617 - 618 - 619

617 Consta do art. 55 da Lei n° 10.931/2004 que a Seção XIV da Lei n° 4.728/1965 passa a
vigorar com a seguinte redação: "Alienação Fiduciária em Garantia no Âmbito do Mercado
Financeiro e de Capitais: Art. 66-B. O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito
do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários,
deverá conter, além dos requisitos definidos na Lei n" 10.406, de 10 de janeiro de 2002 -
Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver,
e as demais comissões e encargos. § 1° Se a coisa objeto de propriedade fiduciária não se
identifica por números, marcas e sinais no contrato de alienação fiduciária, cabe ao proprie-
tário fiduciário o ônus da prova, contra terceiros, da identificação dos bens do seu domínio
que se encontram em poder do devedor. § 2° O devedor que alienar, ou der em garantia a
terceiros, coisa que já alienara fiduciariamente em garantia, ficará sujeito à pena prevista no
art 171, § 2°, I, do Código Penal. § 3a É admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e
a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, hipóteses
em que, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da proprieda-
de fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída ao credor, que,
em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a terceiros o
bem objeto da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou qualquer
outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pagamento do
seu crédito e das despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor o
saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada. § 4" No tocante
à cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou sobre títulos de crédito aplica-se,
também, o disposto nos arts. 18 a 20 da Lei n" 9.514, de 20 de novembro de 1997. § 5o
Aplicam-se à alienação fiduciária e à cessão fiduciária de que trata esta Lei os arts. 1.421,
1.425, 1.426, 1.435 e 1.436 da Lei n" 10.406, de 10 .de janeiro de 2002. § 6° Não se aplica
à alienação fiduciária e à cessão fiduciária de que trata esta Lei o disposto no art. 644 da Lei
n" 10.406, de 10 de janeiro de 2002". Relativamente aos aspectos processuais, a Lei n°
10.931/2004, no art. 56, também alterou a redação dos arts 3 o e 8 o do Decreto-Lei n°
911/1969, determinado, ainda, que "o procedimento judicial disposto neste Decreto-Lei
aplica-se exclusivamente às hipóteses da Seção XIV da Lei no 4.728, de 14 de julho de
1965, ou quando o ônus da propriedade fiduciária tiver sido constituído para fins de
garantia de débito fiscal ou previdenciário" (Art. 8°-A).
61 8 Sobre esse assunto, MELHIN NAMF.M C H A L H U B . Negócio Fiduciário - Alienação Fiduciária.
4a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 155, assinala que: "existem no direito positivo
brasileiro duas espécies de propriedade fiduciária de bens móveis, para fins de garantia: uma
de aplicação geral como garantia de dívida, sem restrições quanto à pessoa do credor,
regulamentada pelos arts. 1.361 a 1.638 do Código Civil, e outra exclusivamente para
garantia de créditos constituídos no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como
do fisco e da previdência social, caracterizada pelas disposições especiais definidas pelo art.
66B e seus parágrafos pela Lei n° 4.728/65. Quanto às normas processuais, a mesma Lei n"
10.931/2004 alterou os procedimentos relativos à busca e apreensão do bem objeto da
O Código Civil regula a propriedade fiduciária de coisa móvel
infiingível para fins de garantia do cumprimento de uma obrigação.
As suas disposições não se aplicam, por exemplo, à propriedade fidu-
ciária de que tratam os artigos 41 e 42 da Lei das S.A., pois esta não
tem por fim a garantia, mas a guarda, o controle, a administração e a
viabilização de negociação com valores mobiliários 6 2 0 .
Outras cláusulas e ônus podem gravar as ações, tais como a pe-
nhora, o arresto, o seqüestro, as cláusulas de inalienabilidade, inco-
municabilidade, impenhorabilidade, etc.
O s ônus e direitos que gravam as ações para ter validade perante
terceiros e a própria companhia emissora deverão ser averbados: se as
ações forem nominativas, no livro de "Registro de Ações Nominati-
vas" 621 ; se forem escriturais, nos livros da instituição financeira.
Embora tenha surgido c o m finalidade de caráter basicamente
alimentar, o usufruto transformou-se em instituto de conteúdo mais
amplo, podendo ter inclusive natureza mercantil, como ocorre com o
usufruto de ações, que se transformou em instrumento relevante de
operações comerciais e bancárias 6 2 2 . N e s s e tipo de usufruto, o usufru-

propriedade fiduciária, dando nova redação ao art. 3" do Decreto-Lei n" 91 i/69 e restringin-
do esse procedimento de busca e apreensão às operações do mercado financeiro e de
capitais e às garantias dos créditos fiscais e previdenciários. Assim, de acordo com essa
legislação, dois são os procedimentos aplicáveis à propriedade fiduciária de bens móveis: a
ação de reintegração de posse, de que tratam os arts. 926 e seguintes do Código de Processo
Civil, e a ação autônoma de busca e apreensão, de que trata o art. 3° do Decreto-Lein°9n/
69, sendo que para esta última só estão legitimadas as pessoas jurídicas de direito privado
integrantes do mercado financeiro e de capitais e as pessoas jurídicas de direito público
titulares de créditos fiscais e previdenciários".
619 Sobre a alienação fiduciária em garantia, ver ANDRÉ CARVALHO NOGUEIRA, "Proprieda-
de Fiduciária em Garantia: o Sistema Dicotômico da Propriedade no Brasil", Revista de
Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo: Afiliada, v. 39, janeiro-março,
2008, p. 56-78.
620 Ver os comentários ao art. 41 da Lei das S.A.
621 A Lei das S.A., no art. 100, inciso I, alfnea "(", expressamente determina que no livro de Registro
de Ações Nominativas deverão ser averbados o penhor, o usufruto, o fideicomisso, a alienação
fiduciária em garantia ou qualquer ônus que grave as ações ou obste sua negociação.
A R N O L D O WALD, "Do Regime Jurídico do Usufruto de Cotas de Sociedade de Res-
ponsabilidade Limitada e de Ações de Sociedades Anônimas", Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
v. 77, janeiro-março, 1990, p. 7.
tuário não tem a propriedade das ações - que é do nu proprietário
mas tem o direito de receber os dividendos delas decorrentes 6 2 3 . A d -
mite-se que o direito de voto da ação gravada c o m usufruto seja regu-
lado no ato de constituição do gravame, e, caso isso não ocorra,
somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprie-
tário e o usufrutuário 6 2 4 . D e s s a forma, é de todo recomendável que
também se averbe o acordo entre proprietário e usufrutuário, relativo
ao exercício do direito de voto, no livro de "Registro de A ç õ e s N o m i -
nativas", ou nos livros da instituição financeira depositária, conforme
sejam as ações registradas ou escriturais.
N o fideicomisso, tal c o m o no usufruto, ocorre a utilização e frui-
ção do bem, em caráter temporário. C o m a morte do fiduciário, o
decurso do prazo fixado pelo testador o u a realização da condição por
ele imposta, a propriedade transfere-se ao fideicomissário. N o caso
do fideicomisso acionário, as ações são transferidas ao fiduciário, que
as recebe na qualidade de proprietário - e m b o r a a propriedade seja
resolúvel - , investido dos direitos d e u s o e fruição 6 2 5 . C a b e a ele, por-
tanto, não só o direito ao recebimento dos dividendos, c o m o também
o direito de voto 6 2 6 .

623 O art. 205 da Lei das S.A. estabelece que "a companhia pagará o dividendo de ações
nominativas à pessoa que, na data do ato de declaração do dividendo, estiver inscrita como
proprietária ou usufrutuária da ação".
624 Ver os comentários ao art. 114 da Lei das S.A.
625 De acordo com C A I O M A R I O DA SILVA PEREIRA. Instituições de Direito Civil..., v. IV,
p. 22, a posse, em nosso direito positivo, não exige "a intenção do dono, e nem reclama
o poder físico sobre a coisa. É relação de fato entre a pessoa e a coisa, tendo em vista a
utilização econômica desta. É a exteriorização da conduta de quem procede como normal-
mente age o dono. É a visibilidade do domínio (Código Civil, art 1.196)". Determina o art.
1.204 do Código Civil que "adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível
o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade".
626 No mesmo sentido, FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. I, Rio
de Janeiro: Forense, 1977, p. 232; E C B E R T O L A C E R D A TEIXEIRA e JOSÉ A L E X A N D R E
TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São Paulo:
Ed. José Bushatsky, 1979, p. 248; JOSÉ W A L D E C Y LUCENA. Das Sociedades Anônimas -
Comentários à Lei (arts. 1 o a 120). v. I, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 413; CARLOS
FULGÊNCIO DA C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 1, São Paulo: Saraiva, 1972,
p. 329. Em sentido contrário, WILSON CAMPOS DE S O U Z A BATALHA. Comentários à Lei
das Sociedades Anônimas, v. I, Rio de Janeiro: Forense, p. 290.
O usufrutuário e o nu-proprietário são titulares simultâneos de
direitos, embora este último não tenha os direitos de uso e fruição do
bem; fiduciário e fideicomissário são titulares sucessivos dos direitos,
pois o fiduciário tem a plena propriedade do bem, até o momento em
que se dá o evento translatício, quando, então, passa o bem ao fidei-
comissário 627 .
N a alienação fiduciária em garantia, o adquirente do bem (credor
fiduciário) não é o seu pleno proprietário; detém a propriedade resolú-
vel e deve respeitar o direito de uso do alienante (devedor fiducian-
te)628-629. O devedor fiduciante conserva a posse direta do bem. Assim,
o credor fiduciário não tem direito ao recebimento dos dividendos 630
nem ao exercício do direito de voto. A propósito, a Lei das S.A. deter-
mina expressamente que o credor garantido por alienação fiduciária da
ação não poderá exercer o direito de voto e que o devedor poderá exer-
cê-lo nos termos do contrato (artigo 113, parágrafo único).
A alienação fiduciária em garantia, comparativamente ao penhor
de ações, tem sido, na prática, mais utilizada. N o penhor, o credor
pignoratício tem (i) u m direito real sobre coisa alheia; (ii) o direito de
excutir a coisa empenhada e preferir, no pagamento, a outros credo-
res 631 ; e (iii) a faculdade de buscar o bem gravado da mão de quem
quer que ele esteja para satisfação de seu crédito 632 . O s bens empe-

627 CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA. Instituições de Direito Civil..., v. IV, p. 291.
628 Determina o § 2 o do art. 1.361 do Código Civil que "com a constituição da propriedade
fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tomando-se o devedor possuidor direto da
coisa." E o art. 1.363 estabelece que "antes de vencida a dívida, o devedor, a suas expensas
e risco, pode usar a coisa, segundo sua destinaçâo, sendo obrigado como depositário: I - a
empregar na guarda da coisa a diligência exigida por sua natureza; li-a entregá-la ao credbr,
se a dívida não for paga no vencimento".
629 Sobre esse assunto, ver O R L A N D O GOMES. Direitos Reais..., p. 386-390; CAIO MARIO
DA SILVA PEREIRA. Instituições de Direito Civil..., v. IV, p. 434.
63 0 No mesmo sentido, EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUER-
REIRO. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro..., v. 1, p. 249; JOSÉ E D W A L D O
TAVARES B O R B A . Direito Societário. 11 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2008,
p. 273. Em sentido contrário, FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades
Anônimas..., v. I, p. 232-233.
631 Art. 1.422 do Código Civil.
632 Art. 1.419 do Código Civil.
nhados continuam no patrimônio do devedor e sujeitam-se, portan-
to, aos efeitos da recuperação judicial de empresas 6 3 3 . N a alienação
fiduciária em garantia, o devedor transmite ao credor a propriedade
resolúvel do bem, tendo ele, portanto, direito real sobre coisa própria.
O bem dado em garantia é excluído do patrimônio do devedor e inse-
rido no patrimônio do credor, embora c o m as restrições próprias à
natureza fiduciária da transmissão 6 3 4 . O credor fiduciário, por adquirir
a propriedade do b e m (ainda que resolúvel e vinculada a u m a deter-
minada finalidade), fica imune contra eventuais riscos patrimoniais
do devedor, m e s m o no caso de sua insolvência, falência ou recupera-
ção judicial 6 3 S - 6 3 6 .
Q u a n t o às demais cláusulas ou ônus, é necessário examinar a
sua natureza para conhecer os seus efeitos sobre a livre transferibili-

633 Sobre esse assunto, ver o § 5° do art. 49 da Lei n° 11.101/2005: "Tratando-se de crédito
garantido por penhor sobre títulos de crédito, direitos creditórios, aplicações financeiras ou
valores mobiliários, poderão ser substituídas ou renovadas as garantias liquidadas ou vencidas
durante a recuperação judicial e, enquanto não renovadas ou substituídas, o valor eventu-
almente recebido em pagamento das garantias permanecerá em conta vinculada durante o
período de suspensão de que trata o § 4o do art. 6° desta Lei".
634 MELHIN NAMEM C H A L H U B . Negócio Fiduciário - Alienação Fiduciária..., p. 107-108.
635 A Lei n° 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do
empresário e da sociedade empresária, excluiu dos efeitos da insolvência os bens objeto de
propriedade fiduciária em geral e os integrantes do patrimônio de afetação, conforme consta
do § 3 o do art. 49 e do inciso IX do art. 119: "Art. 49. § 3°. Tratando-se de credor titular da
posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de
proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham
cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias,
ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se
submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade
sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitin-
do, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4° do art. 6o desta Lei, a venda
ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade
empresarial."; "Art. 119. Nas relações contratuais a seguir mencionadas prevalecerão as
seguintes regras: (...) IX - os patrimônios de afetação, constituídos para cumprimento de
destinação específica, obedecerão ao disposto na legislação respectiva, permanecendo seus
bens, direitos e obrigações separados dos do falido até o advento do respectivo termo ou até
o cumprimento de sua finalidade, ocasião em que o administrador judicial arrecadará o saldo
a favor da massa falida ou inscreverá na classe própria o crédito que contra ela remanescer".
636 Sobre esse assunto, MELHIN NAMEM C H A L H U B , "A cessão fiduciária e a recuperação
judicial". Valor Econômico. Rio de Janeiro, Legislação e Tributos, p. E4, publicado em
24.07.2009, observa que: "(...) é preciso ter presente que a desvinculação dos bens objeto de
propriedade fiduciária dos efeitos da recuperação judicial confere segurança jurídica inigualável
a essa garantia, tornando-a um elemento catalisador do desenvolvimento econômico e social,
por conta do efeito do aumento da oferta de crédito e da redução do custo do dinheiro".
dade das ações. A s cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e
incomunicabilidade constituem restrições impostas pelo testador ou
doador ao direito de propriedade do herdeiro, legatário ou donatário, e
visam, respectivamente, a proibir a alienação do bem gravado, a im-
pedir a sua penhora por dívidas contraídas por seu titular ou a evitar
que ele venha a integrar o patrimônio comum, no caso de o proprie-
tário casar-se sob o regime de comunhão de bens 6 3 7 .
Tais cláusulas implicam evidente restrição ao direito de proprie-
dade, pois retiram do titular u m dos seus atributos básicos, qual seja, a
possibilidade de dispor da coisa. Ademais, prejudicam a plena realiza-
ção de um dos princípios fundamentais da atividade econômica, pois
impedem a livre circulação dos bens gravados 6 3 8 .
O caráter excepcional destas limitações ao direito de proprieda-
de foi consagrado no C ó d i g o Civil, que condiciona os gravames de
inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade atribuídos
aos bens da legítima à existência de justa causa 6 3 9 . O u seja, a imposi-
ção pelo testador de ônus de tão graves conseqüências somente será
possível se houver indicação de u m a justa causa 6 4 0 .
Face ao seu caráter excepcional, as cláusulas de inalienabilidade,
impenhorabilidade e incomunicabilidade devem ser interpretadas res-
tritivamente, a fim de limitar o seu alcance para não contrariarem os
interesses legítimos dos próprios donatários, legatários ou herdeiros,
em benefício dos quais foram instituídas.

637 Consta do art. 1.911 do Código Civil que "a cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens
por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade".
638 Sobre as críticas à instituição da cláusula de inalienabilidade, ver SILVIO RODRIGUES.
Direito Civil. v. 7, 25 a edição, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 191; A N A LUIZA MAIA
NEVARES, "As Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabilidade e Incomunicabilidade
sob a Ótica Civil-Constitucional", Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro:
Padma, Ano 2, v. 5, janeiro-março, 2001, p. 235.
639 O Código Civil dispõe no art. 1.848 que "salvo se houver justa causa, declarada no
testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade,
e de incomunicabilidade sobre os bens da legítima".
Sobre esse assunto, ver G1SELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONA. Comentários ao
Código Civil. V. 20, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 258-259.
Aliás, u m dos princípios que deve informar a matéria reside
justamente na finalidade a ser alcançada quando da instituição das
cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabili-
dade. Via de regra, os doadores ou testadores, ao estabelecerem tais
cláusulas, visam à proteção dos beneficiários. B u s c a m , mediante es-
tas limitações ao direito de propriedade, proporcionar-lhes mais segu-
rança. A aposição de tais gravames denota a preocupação dos doadores
e testadores de garantir, no futuro, bem-estar aos beneficiários.

Contudo, os benefícios em favor dos donatários e legatários de-


vem ser superiores às restrições que lhes f o r a m impostas, sob pena de,
ao invés de lhes protegerem, i m p o r e m ônus excessivos e descabidos.

A s s i m , as cláusulas d e inalienabilidade, impenhorabilidade e in-


comunicabilidade devem ser atenuadas, se estiverem i m p e d i n d o a
exploração do b e m gravado de maneira a proporcionar aos beneficiá-
rios o melhor aproveitamento do patrimônio recebido 6 4 1 - 6 4 2 . É neces-
sário, no entanto, analisar o instrumento que contém essas cláusulas
a fim de verificar e conhecer a vontade das partes ao instituí-las 6 4 3 .

641 O s Tribunais, em julgados sobre o cancelamento das cláusulas de inalienabilidade,


impenhorabilidade e incomunicabilidade, têm procurado relativizar o rigor destes gravames,
consoante se depreende dos seguintes acórdãos: (i) Apelação Cível n° 70020707279, 20 a
Câmara Cível do Tribunal de Justiça Estado do Rio Grande do Sul, Rei. Des. Carlos Cini
Marchionatti, j. em 19.12.2007; (ii) Apelação Cível n° 70005352174, 7° Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado do. Rio Grande do Sul, Rei. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. em
11.12.2002; (iii) Apelação Cível n° 70009365214, 19a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul, Rei. Des. Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil, j. em 29.03.2005;
(iv) Apelação Cível n° 70004768305, 7a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, Rei. Des. Maria Berenice Dias, j. em 18.09.2002; (v) Agravo de Instrumento n°
551/96, Processo n° 1996.002.00551, 3 a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro, Rei. Des. Humberto Perri, j. em 30.04.1996; (vi) Apelação Cível n° 504.225-4,
3 a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Fàulo, j. em 24.06.2008.
642 O Superior Tribunal de Justiça também adotou orientação no sentido de atenuar o rigor das
cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, permitindo sua
desconstituição, visando a proporcionar aos beneficiários melhor aproveitamento do patrimônio
recebido: (i) Recurso Especial n° 34744/SP, 4 a Turma do Superior Tribunal de Justiça, Rei. Min.
César Asfor Rocha, j. em 15.10.1996; (ii) Recurso Especial n° 303.424-G0, 4 a Turma do
Superior Tribunal de Justiça; Rei. Min. Aldir Passarinho Júnior; j. em 02.09.2004; (iii) Recurso
Especial n° 10.020-SP, 4a Turma do Superior Tribunal de Justiça, Rei. Min. César Asfor Rocha,
publicado no DJU em 14.10.1996; e (iv) Recurso Especial n° 89.792/MG, 4 a Turma do
Superior Tribunal de Justiça; Rei. Min. Barros Monteiro, publicado no DJU em 21.08.2000.
643 De acordo com o art. 112 do Código Civil, "nas declarações de vontade se atenderá mais
ã intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem". Consta, também,
A cláusula de inalienabilidade não pode ser estendida aos frutos
dos bens gravados, sendo, no entanto, legítima a estipulação que
torna tais frutos impenhoráveis e incomunicáveis 6 4 4 - 6 4 5 . S e os fru-
tos também pudessem ser considerados inalienáveis, os bens não
teriam qualquer utilidade econômica para seu titular, o qual estaria
impedido de aproveitar todos os atributos da propriedade 6 4 6 .
À s ações novas distribuídas em decorrência do aumento do
capital mediante capitalização de lucros ou reservas estender-se-
-ão, salvo cláusula em contrário dos instrumentos que os tenham
constituído, o usufruto, o fideicomisso, a inalienabilidade e a inco-
municabilidade que, porventura, gravarem as ações de que elas fo-

do art 1.899 que "quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferen-
tes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador".
644 Os frutos podem ser definidos como todo bem ou utilidade que provém diretamente de
uma coisa cuja percepção mantém intacta'a substância desta; constituem frutos as rique-
zas normalmente produzidas pela coisa, sem alteração de sua substância. Sobre os
requisitos essenciais para a caracterização dos frutos, ver O R L A N D O GOMES. Introdu-
ção ao Direito Civil. 19a edição, atualizada por Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de
Brito, Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 232; e sobre a classificação dos frutos, ver MARIA
HELENA DINIZ. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 1, 20 a edição, São Raulo: Saraiva,
1993, p. 169.
645 Sobre esse assunto, C L O V I S B E V I L A Q U A . Código Civil dos Estados Unidos do Brasil
Comentado, v. 6, Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1955, p. 188, observa que: "A
inalienabilidade não se estende aos frutos dos bens da legítima, os quais, consequentemente,
podem ser penhorados, seqüestrados ou arrestados, por dívidas do herdeiro. O destino
próprio dos frutos e rendimentos é serem consumidos e aplicados na satisfação das
necessidades do proprietário, que, sendo possível, acumularia as sobras, para aumento do
seu patrimônio. Se aos frutos e rendimentos se estendesse a inalienabilidade, seriam eles,
de todo inúteis ao herdeiro, e inúteis o legado e a herança sujeitos a essa cláusula. Mas, se
o testador, determinar que os frutos e rendimentos dos bens que submeteu à condição de
inalienabilidade ficarão isentos de execuções pendentes e futuras, ficarão eles impenhoráveis,
não obstante serem alienáveis, por atos voluntários do herdeiro". No mesmo sentido,
CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA. Instituições de Direito Civil..., v. IV, p. 109, também
concluiu que a inalienabilidade não deve atingir os frutos ou rendimentos dos bens
principais, admitindo-se, entretanto, que sobre eles possam incidir as cláusulas de
incomunicabilidade e impenhorabilidade.
646 Sobre esse assunto, C A I O MÁRIO DA SILVA PEREIRA. Instituições de Direito Civil..., v.
IV, p. 109, observa que: "(...) retirada ao dominus a faculdade de dispor dos frutos da
coisa, além de se lhe recusar a sua disponibilidade, a propriedade se esvazia de conteúdo
a tal ponto, que se converte em nada. Além disso, sob o aspecto social é inconveniente,
porque o bem, que não pode ser alienado e de que se não utilizam os frutos, ê elemento
negativo como riqueza coletiva". Esse é também o entendimento do Supremo Tribunal
Federal, conforme consta do voto proferido pelo Ministro Lafayette de Andrade no
Recurso Extraordinário n° 19.653, j. em 30.10.1951.
rem derivadas (artigo 169, § 2 o ) . A s ações "bonificadas" constituem
extensão do bem, não frutos; assim, as ações novas são atribuídas
ao proprietário das ações primitivas c o m os gravames que elas j á
apresentavam.
A L e i das S . A . determina expressamente que, no usufruto e no
fideicomisso, o direito de preferência à subscrição de ações, quando
não exercido pelo acionista até 10 (dez) dias antes do vencimento
do prazo, p o d e r á sê-lo pelo usufrutuário ou fideicomissário 6 4 7 . A s -
sim, as p e s s o a s l e g i t i m a d a s à subscrever as ações s ã o o n u - p r o p r i -
etário e o fiduciário, m a s casos estes n ã o e x e r ç a m o seu direito de
preferência dentro d o p r a z o a s s i n a l a d o p e l a L e i d a S . A . , esse di-
reito p o d e r á ser exercido p e l o u s u f r u t u á r i o o u f i d e i c o m i s s á r i o , que
subscreverão as ações e m n o m e p r ó p r i o , s e n d o , p o r t a n t o , auto-
m a t i c a m e n t e , os seus titulares 64 ®.
S e as ações f o r e m subscritas p e l o nu-proprietário, salvo esti-
pulação e m contrário n o ato de instituição do usufruto, este adqui-
rirá as novas ações s e m restrições, p o r q u e elas i n t e g r a m o seu capital.
N o caso de serem subscritas p e l o fiduciário, as ações deverão ser,
posteriormente, entregues ao fideicomissário, pois admitir-se o con-
trário seria aceitar que o f i d e i c o m i s s á r i o , q u e originariamente teria
direito de receber ações representativas d e u m determinado per-
centual de participação n o capital d e u m a c o m p a n h i a , recebesse
u m percentual inferior 6 4 9 .

647 Ver os comentários ao art. 171, § 5 o , da Lei das S.A.


648 Em sentido contrário, JOSÉ W A L D E C Y LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários
à Lei (arts. 1 o a 120)..., v. I, p. 411, ao sustentar que "as ações, ainda que subscritas
onerosamente pelo usufrutuário, pertencerão ao nu-proprietário. É que visou ele auferir
proveito próprio fv.g.. dividendos compensadores), já de antemão sabendo que as ações
pertenceriam, uma vez subscritas, ao nu-proprietário. Mas, para evitar o enriquecimento sem
causa, tal como ocorre, a nosso juízo, com o fideicomisso, pode o usufrutuário, em provan-
do que a subscrição trouxe benefícios ao dono das ações, em prejuízo seu, e obviamente se
o caso, pleitear a respectiva indenização".
649 No mesmo sentido, JOSÉ W A L D E C Y LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à
Lei (arts. 1° a 120)..., v. I, p. 411 e 414. Em sentido contrário, JOSÉ E D W A L D O TAVARES
BORBA. Direito Societário..., p. 272,
O direito de subscrever ações em aumento de capital é indispen-
sável à manutenção do status socii6S0-651 e, por essa razão, é tratado
pela Lei das S.A. como um direito essencial do acionista, do qual
nem o estatuto social nem a assembleia geral poderão privá-lo. O
objetivo da Lei das S.A., ao inserir o direito de preferência como di-
reito essencial do acionista, foi o de permitir a manutenção de sua
posição acionária por ocasião do aumento do capital 652 .
O direito de preferência à subscrição de novas ações em au-
mentos de capital não é u m fruto das ações j á emitidas, pois, além
de não decorrer diretamente destas, ele não p o d e ser separado da
posição acionária do acionista s e m reduzir-lhe a substância 6 5 3 . N a
realidade, constitui u m acréscimo que sobrevém às ações c o m o
parte acessória do capital 6 5 4 - 6 5 5 .
Assim, o fiduciário, ao exercer o direito de preferência na subs-
crição de novas ações, adquire-as, c o m o gravame do fideicomisso.

650 Sobre esse assunto, ver FÁBIO K O N D E R C O M P A R A T O , " O Direito de Subscrição em


Aumento de Capital, no Fideicomisso Acionário", Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 40, outubro-dezembro,
1980 , p. 66.
651 Sobre o conceito de status soai, ver FRANCISCO A U G U S T O MONTE SIMONATO. Tratado
de Direito Societário, v. I, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 63-64; DANIELA RAMOS
MARQUES MARINO, "O Status Socii". In: Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França (Coord.).
Direito Societário Contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 163-182.
652 Sobre o direito de preferência como direito essencial do acionista, ver os comentários ao
art. 109 da Lei das S.A.
653 A interpretação sistemática do disposto no art. 1.394 do Código Civil e do estabelecido no
art. 171, § 5o, da Lei das S.A. não deixa dúvida quanto à impossibilidade de se considerar
como frutos as ações subscritas em direito de preferência.
654 FÁBIO KONDER COMPARATO, "Fideicomisso Acionário e Direito de Subscrição em Au-
mentos de Capital". In: Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de Janeiro:
Forense, 1981, p. 183, enfatiza que: "Ora, o direito de opção do acionista à subscrição de
novas ações de aumento de capital não é um fruto das ações por ele já possuídas. O
acionista não os percebe como bem reprodutível sem diminuição do capital acionário, à
maneira dos dividendos. Ao contrário, tendo em vista a sua função jurídica já longamente
explanada, o direito de subscrição do acionista é elemento integrante do capital acionário, é
parte de sua substância; de tal forma que, não exercida a opção de subscrever, a posição
jurídica do acionista vê-se reduzida em quantidade e valor".
655 Sobre esse assunto, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anôni-
mas. v. 3, 4 a edição, São Raulo: Saraiva, 2009, p. 508, observa que: "Em regra, não há
divergência, na doutrina, a respeito de ter o direito de preferência natureza de capital e não
de frutos, razão pela qual, originariamente ou pela ordem, cabe a preferência ao proprietário
da ação e não ao usufrutuário ou fideicomissário".
C a s o contrário, o fideicomissário não receberia as ações originais na
sua plena extensão patrimonial 6 5 6 - 6 5 7 . O C ó d i g o Civil, a propósito,
determina que o fideicomissário, ao aceitar a herança ou legado, terá
direito à parte que, ao fiduciário, em qualquer tempo acrescer 658 .
U m a outra discussão relativa ao usufruto de ações refere-se ao
titular dos dividendos quando esses são declarados posteriormente à
sua extinção, mas correspondentes a exercícios em que o usufruto
estava em vigor. O direito de crédito dos acionistas ao dividendo não
surge do balanço de encerramento do exercício, mas da sua aprova-
ção pela assembleia geral e da deliberação de destinar os lucros, ou
parte deles, ao p a g a m e n t o de dividendos. A L e i das S . A . estabelece
que a companhia pagará o dividendo de ações nominativas à pessoa
que, na data do ato de sua declaração, estiver inscrita c o m o proprietá-
ria ou usufhituária da ação (artigo 2 0 5 ) .

N ã o obstante o C ó d i g o Civil definir que os frutos civis, vencidos


na data inicial do usufruto, pertencem ao proprietário, e ao usufrutuário
os vencidos na data em que cessa o usufruto 6 5 9 , os dividendos declarados
posteriormente à extinção do usufruto, ainda que relativos a exercício
social em que estava em vigor, deverão ser pagos ao nu-proprietário (que

656 Conforme observa FÁBIO K O N D E R COMPARATO, " O Direito de Subscrição em Aumento


de Capital, no Fideicomisso Acionário", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômi-
co e Financeiro..., v. 40, p. 74, "iratando-se de ações de sociedade anônima, o intérprete
não pode deixar de indagar qual a posição sócio-econômica que o testador objetivou
transmitir em fideicomisso. Desejou transferir, simplesmente, um capital rentável, ou quis
preservar uma posição de mando ou controle empresarial? É óbvio que, na primeira hipótese
é possível e mesmo aconselhável, por vezes, substituir as ações fideicomitidas por outras, que
apresentem rentabilidade maior. Na segunda hipótese, porém, não só deve o fiduciário
abster-se de qualquer alienação, como está proibido, sob pena de grave infração ao
princípio da boa fé, de aproveitar-se da situação de titularidade temporária das ações, para
apropriar-se do controle empresarial, de modo a esvaziar a fortuna que lhe foi confiada de
sua verdadeira substância econômica".
657 De acordo com PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. LVIII, edição, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 191, "a herança ou parte da herança fideicometida
traía-se como patrimônio (universalidade de direito) ou bens destinados a certo fim. Não só
quanto ao valor como quanto â substância. Para o fiduciário vale o preceito: I Iti frui salva
substantia rerum. Os bens do fideicomisso, como unidade, devem ir ao fideicomissário, sem
alterações substanciais: consideram-se e zelam-se como organismo vivo".
658 Art. 1.956 do Código Civil.
659 Art. 1.398 do Código Civil.
com a extinção do usufruto passou a ser o pleno proprietário das ações),
pelas razões acima e pelo fato de constituírem os dispositivos da Lei das
S.A. normas de natureza especial e prevalecerem, necessariamente, sobre
a regulação geral do instituto do usufruto pelo Código Civil 660 .
D e acordo com o parágrafo único, a promessa de compra e venda de
ações e o direito de preferência ã sua aquisição são oponíveis a terceiros
quando averbados no livro de "Registro de Ações Nominativas" ou nos
livros da instituição financeira, conforme sejam as ações registradas ou
escriturais. Por essa razão, determina a L e i das S.A. que os acordos de
acionistas sobre a compra e venda de ações, preferência para adquiri-las,
exercício do direito de voto, ou do poder de controle deverão ser observa-
dos pela companhia quando arquivados na sua sede (artigo 118, caput).

SEÇÃO VIIS

C U S T Ó D I A DE A Ç Õ E S FUNGÍVEIS

"Art. 41. A instituição autorizada pela C o m i s s ã o de Valores M o -


biliários a prestar serviços d e custódia d e ações fungíveis p o d e
contratar custódia em que as ações de cada espécie e classe da
companhia sejam recebidas em depósito como valores fungíveis,
adquirindo a instituição depositária a propriedade fiduciária das
ações. (Redação dada pela L e i n ° 10.303/2001)

§ I o A instituição depositária não pode dispor das ações e fica obri-


gada a devolver ao depositante a quantidade de ações recebidas,
com as modificações resultantes de alterações no capital social ou
no número de ações da companhia emissora, independentemente
do número de ordem das ações ou dos certificados recebidos em
depósito. (Redação dada pela L e i n ° 10.303/2001)

ALFREDO LAMY FILHO, "Titular dos Dividendos em Caso de Extinção do Usufruto de


Ações Após o Encerramento do Exercício". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões
Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação), v. II, 2 a edição, Rio
de Janeiro: Renovar, 1996, p. 506-510.
§ 2 o Aplica-se o disposto neste artigo, n o que couber, aos demais
valores mobiliários. (Incluído pela L e i n ° 1 0 . 3 0 3 / 2 0 0 1 )

§ 30 A instituição depositária ficará obrigada a comunicar à c o m -


panhia emissora: (Incluído pela L e i n ° 1 0 . 3 0 3 / 2 0 0 1 )

I —imediatamente, o n o m e d o proprietário efetivo q u a n d o h o u -


ver qualquer evento societário q u e exija a s u a identificação; e (In-
cluído pela L e i n ° 1 0 . 3 0 3 / 2 0 0 1 )

I I - no p r a z o d e até 10 (dez) dias, a contratação d a custódia e a


criação d e ônus o u g r a v a m e s s o b r e as ações. (Incluído pela L e i n °
10.303/2001)

§ 4 o A p r o p r i e d a d e das ações e m c u s t ó d i a f u n g í v e l será provada


pelo contrato firmado entre o proprietário d a s ações e a institui-
ção depositária.

§ 5 o A instituição t e m as o b r i g a ç õ e s d e depositária e r e s p o n d e
perante o acionista e terceiros pelo d e s c u m p r i m e n t o d e suas obri-
g a ç õ e s . " (Incluído pela L e i n ° 1 0 . 3 0 3 / 2 0 0 1 )

O s bens fungíveis são definidos n o C ó d i g o Civil como os móveis


que p o d e m substituir-se por outros da m e s m a espécie, qualidade e quan-
tidade 661 . A s s i m , a custódia de ações fungíveis constitui modalidade de
depósito mediante a qual a instituição financeira depositária não é obri-
gada a devolver ao depositante as mesmas ações que recebeu em depó-
sito; poderá devolver outras ações desde que sejam de emissão da mesma
companhia e na m e s m a quantidade, espécie e classe, com as modifica-
ções decorrentes de alterações no capital social ou no número de ações 662 ,
independentemente do número de ordem das ações ou dos certifica-

661 Art- 85 do Código Civil.


662 Essas modificações referem-se a desdobramento, grupamento e emissão de novas ações.
dos recebidos em depósito 663 - 664 - 665 . A s ações são consideradas fungí-
veis apenas para os fins do depósito e da sua restituição ao depositante.
O Código Civil regula a propriedade fiduciária de coisa móvel
infungível para fins de garantia do cumprimento de uma obriga-
ção 666 . A s suas disposições não se aplicam à propriedade fiduciária
de que tratam este e o artigo 42, pois não serve esta de garantia nem
configura modalidade de direito real de garantia 667 - 668 . A proprieda-
de fiduciária regulada neste artigo tem por escopo viabilizar a pres-
tação de serviços de custódia de ações fungíveis: a sua guarda,
controle, administração e negociação.

663 Sobre a origem das ações em custódia, ALFREDO LAMY FILHO e JOSÉ LUIZ BULHÕES
PEDREIRA, In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das
Companhias, v. I, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 535, observam que: "Antes da LSA, as
ações em circulação no mercado em regra tinham a forma ao portadorsalvo aquelas que,
por exigência legal, deviam ser nominativas, e os acionistas mantinham essas ações em
custódia em bancos para evitar os riscos de extravio ou destruição de certificados; e como a
lei exigia que dos certificados de ações ao portador constasse o número de ordem das ações,
o banco depositário era obrigado a restituir ao depositante o mesmo certificado recebido em
depósito, o que implicava elevados custos administrativos. O depósito de ações fungíveis foi
criado com o objetivo de reduzir esses custos, ao permitir que o banco considere como
coisas fungíveis todas as ações da mesma espécie, classe e companhia recebidas de diversos
depositantes, e mantenha, portanto, apenas o controle do número total das ações recebidas
com o que pode restituir a cada depositante a quantidade de ações dele recebidas em
quaisquer certificados, e não. nos mesmos certificados recebidos".
664 Consta da Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, que "os artigos 41 e 42, com o
objetivo de reduzir os custos de administração de carteiras de títulos, regulam modalidade de
serviços de custódia de instituições financeiras que dispensará o registro e manipulação, em
separado, dos certificados recebidos de cada depositante. Como os valores mobiliários são
títulos de massa, que conferem - dentro de cada espécie e classe - iguais direitos, não há
inconvenientes em que a instituição depositária devolva aos custodiantes, ação igual, embo-
ra com outro número de ordem e representada por certificado diverso".
665 A Lei n° 6.385/1976 determina no parágrafo único do artigo 24 que: "Considera-se custó-
dia de valores mobiliários o depósito para guarda, recebimento de dividendos e bonificações,
resgate, amortização ou reembolso, e exercício de direitos de subscrição, sem que o deposi-
tário tenha poderes, salvo autorização expressa do depositante em cada caso, para alienar os
valores mobiliários depositados ou reaplicar as importâncias recebidas".
666 Arts. 1.361 a 1.368-A do Código Civil. Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 40
da Lei das S.A.
667 Sobre esse assunto, ver JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, "Propriedade Fiduciária
de Ações". In: JORGE L O B O (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas: Inovações
e Questões Controvertidas da Lei n° 10.303, de 31.10.2001. Rio de Janeiro: Forense,
2002, p. 51-59.
668 Ainda sobre esse assunto, MELHIM NAMEM CHALHUB, "Propriedade Fiduciária de Bens
Móveis em Garantia", Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitra-
gem. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 21, julho-setembro, 2003, p. 302-303,
informa que "(...) o Código Civil regulamentou apenas uma espécie de propriedade fiduciária
A s disposições sobre custódia de ações fungíveis, de acordo com
o § 2 o , aplicam-se, no que couber, aos demais valores mobiliários:
debêntures, bônus de subscrição e quotas de fundos de investimentos
em ações.
E s t e artigo foi alterado pela L e i n ° 1 0 . 3 0 3 / 2 0 0 1 , que deu nova
redação ao antigo parágrafo único: renumerou-o para § I o e acres-
centou a este dispositivo os § § 2 ° a 5 o . E s s a alteração instituiu a pro-
priedade fiduciária de ações, modificando a natureza da custódia de
ações fungíveis, que passou a ter características híbridas de proprieda-
de fiduciária e de depósito, mantendo, no entanto, o regime de indis-
ponibilidade das ações custodiadas. N a realidade, a L e i n° 10.303/
2 0 0 1 apenas incorporou à L e i das S . A . u m sistema de custódia que já
havia sido adotado na prática pelo M ó d u l o N a c i o n a l de Debêntures —
S N D , atual denominação do Sistema N a c i o n a l de Debêntures - S N D .
N a vigência da L e i das S . A . , foi criado o M ó d u l o Nacional de
Debêntures — S N D —, concebido p a r a processar eletronicamente o
registro, a custódia e a liquidação financeira das operações c o m de-
bêntures.

E s t e sistema permite a transferência dos valores mobiliários por


via eletrônica, s e m que se tenha que alterar, nos livros da companhia,
o proprietário dos títulos a cada transferência 6 6 9 . A s s i m , a propriedade
fiduciária dos títulos negociados n o S N D só é alterada quando o titu-
lar resolve retirar suas debêntures (ou outros títulos) das negociações
no âmbito da C E T I P S A . Balcão O r g a n i z a d o de Ativos e Derivati-

(a propriedade de bens móveis, em garantia), mas não tratou do gênero propriedade


fiduciária e nem cuidou das outras espécies, que, embora estruturada sob os mesmos
fundamentos, têm funções distintas daquela que o Código contemplou. (...) As leis que
regulamentam cada uma dessas figuras e o Código Civil têm a mesma hierarquia e não são
excludentes; o Código não as contraria, não veda a constituição de outras formas de
propriedade fiduciária e nem dispõe sobre elas de maneira diversa da que estão regulamen-
tadas; também não declarou expressamente a revogação e nem regulamentou inteiramente
a matéria (...)."
O S N D registra as debêntures para que sejam negociadas por meio do seu sistema eletrô-
nico. A CETIP mantém à disposição da companhia emissora de debêntures, de seu
preposto ou agente fiduciário a relação dos participantes que detenham debêntures ou
direitos a ela referentes.
vos. O sistema opera toda a administração dos direitos inerentes a
esses títulos; faz pagamentos, recolhe os juros, notifica o custodiado
que estiver em mora, etc. 670 .
O serviço de custódia de ações fungíveis só pode ser prestado
pelas instituições financeiras e pelas entidades de compensação e li-
quidação expressamente autorizadas pela Comissão de Valores M o -
biliários 671 , que regulou a prestação do serviço e a transferência da
propriedade fiduciária das ações à instituição depositária 672 . A s insti-
tuições financeiras não poderão ser acionistas das companhias a que
prestarem serviços de custódia de ações (artigo 293, parágrafo único).
Tendo em vista que a propriedade da ação nominativa presume-se
pela inscrição do nome do seu titular no "Livro de Registro de Ações
Nominativas" da companhia 6 7 3 , para os fins da custódia de ações fun-
gíveis, é indispensável a sua transferência à instituição depositária,
mediante a lavratura do termo de transferência e a inscrição do seu
nome no livro de "Registro de Ações Nominativas" 6 7 4 .

670 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Raulo: Saraiva,
2002, p. 124-29.
671 Art. 293, caput, da Lei das S.A. c/c o art. 24 da Lei n° 6.385/1976, com a redação dada pelo
Decreto n° 3.995/2001. Este Decreto retirou as Bolsas de Valores do rol dos autorizados a
exercer a custódia e acrescentou em seu lugar as entidades de compensação e liquidação,
incorporando normas da Resolução do Conselho Monetário Nacional n" 2.690/2000 (art 74)
e da Instrução CVM n° 115/1990 que, no parágrafo único do art. I o , estabeleceu que tão logo
fosse implementado o sistema de compensação e liquidação de operações previsto no art. 74
do Regulamento Anexo à Resolução n° 1.656/1989, as Bolsas de Valores deveriam transferir
para sociedade anônima, que fosse constitufda com essa finalidade, a prestação do serviço de
custódia para guarda, controle e administração de ações fungíveis. No caso da Bolsa de Valores
de Sao Paulo, a sociedade, à época, criada para operar esse sistema foi a CBLC que, posterior-
mente (em 28.11.2008), foi incorporada pela BM&FBovespa. Consta da atual redação do art.
24 da Lei n° 6.385/1976, com a alteração introduzida pelo Decreto n° 3.995/2001, que
"compete à Comissão autorizar a atividade de custódia de valores mobiliários, cujo exercício será
privativo das instituições financeiras e das entidades de compensação e liquidação."
672 Instrução CVM n° 115/1990 que dispõe sobre a prestação de serviço de custódia fungível de
ações nominativas. Ver, também, a (i) Instrução CVM n° 310/1999, com as alterações introduzidas
pela Instrução CVM n° 441/2006, que versa sobre as obrigações do custodiante e subcuslodiante
de valores mobiliários; e (ii) Deliberação CVM n° 472/2004, que trata dos registros mantidos
pelas instituições autorizadas pela CVM a prestar serviços de custódia de ações fungíveis.
673 Ver os comentários ao art. 31 da Lei das S.A.
674 No que se refere à ação escriturai, o art. 31 da Lei das S.A., com a redação dada pela Lei n°
10.303/2001, expressamente determina que a sua propriedade presume-se pelo extrato
fornecido pela instituição depositária, na qualidade de proprietária fiduciária.
A propriedade adquirida pela instituição depositária é limitada e
resolúvel, pois (i) a transferência t e m por f i m apenas a guarda, o
controle, a administração e a viabilização das operações com valores
mobiliários depositados n o â m b i t o dos sistemas de negociação e
liquidação, ou seja, o fiduciário não p o d e dispor das ações; e (ii) pode
ser extinta a qualquer tempo, mediante a rescisão do contrato pelo
depositante, retornando a ação, ou outro valor mobiliário depositado,
ao seu p a t r i m ô n i o . A s s i m , os valores m o b i l i á r i o s transferidos à
instituição depositária, durante o prazo e m que vigorar a custódia,
não integram, para quaisquer fins, o seu patrimônio 6 7 5 . A instituição
depositária, a despeito de receber a propriedade fiduciária dos valores
custodiados, terá as m e s m a s obrigações do depositário, de acordo com
o regulado pelo C ó d i g o Civil 6 7 6 - 6 7 7 .

O d e p ó s i t o d e coisas f u n g í v e i s , e m q u e o depositário se obri-


g a a restituir o b j e t o s d o m e s m o g ê n e r o , q u a l i d a d e e q u a n t i d a d e ,
regular-se-á, de a c o r d o c o m o C ó d i g o Civil, pelo d i s p o s t o acerca
do mútuo 6 7 8 ; nesse t i p o d e n e g ó c i o , o m u t u á r i o adquire a livre dis-
posição dos b e n s m u t u a d o s 6 7 9 . N o entanto, c o n s t a expressamente
do § I o que a i n s t i t u i ç ã o a u t o r i z a d a p e l a C o m i s s ã o d e Valores
M o b i l i á r i o s a prestar serviços d e c u s t ó d i a de ações fungíveis a d -
quire a p r o p r i e d a d e fiduciária d a s ações e n ã o p o d e delas dispor.
A s s i m , não o b s t a n t e a d e s i g n a ç ã o " c u s t ó d i a de ações fungíveis",
d a d a pela L e i da S . A . , t r a t a - s e d e d e p ó s i t o regular 6 8 0 .

675 Art. 2 o , § 1 o , da Instrução C V M n° 115/1990.


676 Arts. 629, 633, 638, 640 e 642 do Código Civil.
677 M O D E S T O C A R V A L H O S A e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A ..., p. 132.
678 Art. 645 do Código Civil.
679 Art. 587 do Código Civil.
680 Sobre esse assunto, a C V M no Rarecer PJU n° 001/2000 se manifestou no sentido de que
a "custódia fungível de ações é depósito regular por disposição legal, porque, apesar de
receber as ações como valores fungíveis (art. 41 da Lei n" 6.404/76), o depositário não pode
dispor das ações depositadas e fica obrigado a restituir ao depositante a mesma quantidade
de ações recebidas (...). Destaca-se que é irrelevante para a configuração do depósito como
regular que as ações sejam recebidas na custódia como coisas fungíveis, porque fora dela
mantém a sua infungibilidade. (...) Na relação que se estabelece, apenas a posse imediata
A custódia de valores mobiliários implica o dever do custodiante
de guarda e de administração da coisa depositada, que inclui a viabili-
zação das negociações autorizadas pelo depositante. Este dever pres-
supõe que o titular do direito de propriedade sobre o b e m depositado
seja o depositante. Se o depositário tivesse a propriedade irrestrita da
coisa durante o prazo da custódia, como ocorre no depósito irregular 681 e
no mútuo 682 , não se poderia falar em administração dos valores mobi-
liários depositados em favor do depositante, pois o uso que o deposi-
tário faria dos referidos valores mobiliários seria em proveito próprio e
ele teria a livre disposição desses bens.
A propriedade fiduciária transmitida à instituição depositária, desde
que expressamente autorizada pelo depositante, serve apenas para o
fim de permitir a guarda, o controle, a administração e a viabilização
da negociação dos valores depositados, sem a alteração dos registros
da companhia a cada transferência autorizada 6 8 3 . A propriedade dos

das ações é transferida ao depositário, que não pode obstar o exercício do direito de
propriedade do depositante".
681 CAIO MÁRIO D A SILVA PEREIRA. Instituições de Direito Civil. Contratos, vol. III. 14 a
edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 32, observa que "o depósito é regular quando tem
por objeto coisas não fungíveis, obrigando-se o depositário a restituir especificadamente a
própria coisa depositada, que se identifica pelos seus caracteres individuais. Chama-se irregu-
lar, quando incide sobre coisas fungíveis, obrigando-se o depositário a restituir objetos do
mesmo gênero, qualidade e quantidade - tantumdem eiusdem generis. Há, neste caso,
transferência de domínio da coisa depositada, regulando-se o contrato pelas disposições
relativas ao mútuo (Código Civil, artigo 645), cuja dogmática atrai, embora as duas espécies
contratuais continuem passíveis de distinção. Mas não é sempre que a fungibilidade do
objeto cria o depósito irregular. Se ficar caracterizada a obrigação de devolver a mesma coisa,
embora fungível, o depósito é regular. Para que se tenha como irregular, é mister que ocorram
dois fatores, que se apuram em razão da destinação econômica do contrato: o primeiro
material, é a faculdade concedida ao depositário de consumir a coisa; o segundo, anímico,
é o propósito de beneficiar o depositário. Sem perder de vista que o depósito se presume
regular, deve o interessado dar prova que o ilida, podendo demonstrar o seu caráter irregular
por vários meios, como sejam a profissão do depositário, o modo de sua realização etc.".
682 O Código Civil, no art. 586, define o mútuo como o empréstimo de coisas fungíveis em
que o mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo
gênero, qualidade e quantidade.
683 Sobre o funcionamento da custódia de títulos e valores mobiliários, ver VALDIR CARLOS
PEREIRA FILHO, "Clearing Houses: Aspectos Jurídicos Relevantes e seu Papel no Merca-
do de Capitais e no Sistema de Pagamentos Brasileiro", Revista de Direito Bancário, do
Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 27,
janeiro-março, 2005, p.76-77. Ver, também: Comissão de Valores Mobiliários (CVM),
"Os Serviços de Custódia de Ações Escriturais", abril de 1999. Disponível em: chltp://
www.cvm.gov.br/portyprotinv/caderno2.asp>.
valores mobiliários depositados somente é transferida de volta ao de-
positante nos registros da companhia quando extinta a custódia, pelo
equivalente ao saldo remanescente na sua conta de depósito 6 8 4 .
A custódia de ações fungíveis t a m b é m transfere à instituição fi-
nanceira depositária, e m caráter provisório, independentemente de
procuração, o direito de receber, em n o m e do efetivo titular, dividen-
dos, bonificações e o de exercer o direito de preferência para a subs-
crição de ações (artigo 42, caput). N o entanto, a transferência da
propriedade fiduciária não outorga às instituições depositárias o direi-
to de votar c o m as ações custodiadas (artigo 126, inciso II) 6 8 5 .
A instituição financeira t e m as obrigações de depositária e res-
ponde perante o acionista e terceiros pelo seu descumprimento, con-
forme estabelece o § 5 o . A c o m p a n h i a emissora não tem qualquer
responsabilidade pelo contrato de prestação de serviços de custódia
fungível, que é celebrado apenas entre o acionista, n a qualidade de
depositante, e a instituição financeira ou a entidade de compensação
e liquidação, na qualidade de depositária 6 8 6 . N ã o obstante, a institui-
ção depositária, de acordo c o m o § 3 o , é obrigada a comunicar à com-
panhia emissora das ações: (i) imediatamente, o n o m e do proprietário
efetivo quando houver qualquer evento societário que exija a sua iden-
tificação, tais c o m o a subscrição de ações, a realização de assembleia
geral e o recebimento de dividendos 6 8 7 ; e (ii) no prazo de até 10 (dez)

634 MODESTO C A R V A L H O S A e N E L S O N EIZIRIK. A Nova Lei das S/A..., p. 133-134.


635 Conta do art. 6 o da Instrução C V M n° 115/1990 que os titulares efetivos de ações em
custódia poderão "participar das assembleias gerais das companhias emissoras das ações
custodiadas ou nelas se fazer representar, e exercer o direito de voto exibindo ou depositan-
do na companhia, se o estatuto o exigir, comprovante expedido pela Bolsa de Valores".
686 De acordo com o § 3 o do art 42, "a companhia não responde perante o acionista nem
terceiros pelos atos da instituição depositária das ações". No mesmo sentido é a regra
constante do art. 10 da Instrução C V M n° 115/1990.
637 Consta do art. 7 o da Instrução C V M n c 115/1990 que a instituição depositária "fornecerá,
ã companhia, a listas dos titulares de ações em custódia, assim como a quantidade de ações
de que cada um deles é titular, sempre que solicitado, por ocasião do exercício do direito de
voto, exercício do direito de preferência, distribuição de dividendos ou bonificações, e, em
qualquer caso, no último dia útil de cada trimestre civil".
dias, a contratação da custódia e a criação de ônus ou gravames sobre
as ações 688 .
A Lei das S.A. dispõe que há presunção de propriedade das ações
nominativas com a inscrição do nome do acionista no "Livro de Re-
gistro de Ações Nominativas" ou no extrato emitido pela instituição
depositária, na qualidade de proprietária fiduciária das ações 689 . E n -
tretanto, de acordo com o § 4 o , a propriedade das ações em custódia
fungível é provada pelo contrato firmado entre o proprietário das ações
e a instituição depositária. Deverá existir, necessariamente, u m con-
trato escrito celebrado entre essas 2 (duas) partes, cujo modelo deve
ser aprovado pela Comissão de Valores Mobiliários 6 9 0 .
O serviço de custódia de ações fungíveis distingue-se do serviço
de ações escriturais de que trata o artigo 34. N o que se refere ao servi-
ço de ações escriturais, a L e i das S.A. implantou u m sistema de regis-
tros que, documentando as ações escriturais, substituiu as entregas
materiais dos títulos por anotações contábeis, caracterizando-as como
valores fungíveis para garantir sua negociação sem a manipulação
física de papéis. O artigo 4 1 instituiu a propriedade fiduciária de ações,
que passou a ter características híbridas de propriedade fiduciária e de
depósito; este tem por escopo a prestação de serviços de custódia de
ações fungíveis: a sua guarda, controle, administração e negociação.

Representação e responsabilidade
"Art. 42. A instituição financeira representa, perante a compa-
nhia, os titulares das ações recebidas em custódia nos termos do
artigo 41, para receber dividendos e ações bonificadas e exercer
direito de preferência para subscrição de ações.

688 Sobre as regras relativas ao registro, o controle e a publicidade do penhor, usufruto,


fideicomisso, alienação fiduciária em garantia e quaisquer cláusulas ou ônus que gravarem
as ações sob a propriedade fiduciária das instituições autorizadas pela C V M a prestar
serviços de custódia de ações fungíveis, ver a Deliberação CVM n° 472/2004.
689 Ver os comentários ao art. 31 da Lei das S.A.
690 Art. 2o, §§ 1° e 2", da Instrução CVM ti> 115/1990.
§ I o Sempre que houver distribuição de dividendos oubonificação
de ações e, em qualquer caso, ao menos u m a vez por ano, a institui-
ção financeira fornecerá à companhia a lista dos depositantes de
ações recebidas nos termos deste artigo, assim como a quantidade
de ações de cada u m . (Redação d a d a pela L e i n ° 9.457/1997)

§ 2 o O depositante p o d e , a qualquer t e m p o , extinguir a custódia e


pedir a devolução d o s certificados d e suas ações.

§ 3 o A c o m p a n h i a n ã o r e s p o n d e perante o acionista n e m tercei-


ros pelos atos d a instituição depositária d a s ações."

A instituição depositária t e m a propriedade fiduciária das ações


custodiadas, mas possui as obrigações de depositária (artigo 41, § 5 o ),
de acordo com o regulado pelo C ó d i g o Civil 6 9 1 . Por essa razão, é obri-
gada a ter na guarda das ações custodiadas o cuidado e diligência que
emprega nos bens que lhe pertencem e restituí-las, c o m todos os fru-
tos (dividendos e bonificações) e acrescidos (resultantes do exercício
do direito de preferência n a subscrição de novas ações), quando o
exigir o depositante 6 9 2 .

A propriedade fiduciária transmitida à instituição depositária serve


apenas para o fim de permitir a guarda, o controle, a administração e
a negociação dos valores mobiliários depositados, sem a necessidade
de alteração dos registros da companhia ou nos registros da institui-
ção financeira que presta serviço de ações escriturais a cada transfe-
rência autorizada pelo depositante 6 9 3 .
A L e i n ° 1 0 . 3 0 3 / 2 0 0 1 incluiu o § 2 o no artigo 4 1 da L e i das S.A.
para deixar claro que as disposições sobre custódia de ações fungíveis
aplicam-se, no que couber, aos demais valores mobiliários. A s s i m , não

691 A ris. 629, 633, 638, 640 e 642 do Código Civil.


692 Art. 629 do Código Civil.
693 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 41 da Lei das S.A.
obstante o legislador não ter alterado a redação dos artigos 42 e 43
para harmonizá-los com o artigo 41, as suas regras aplicam-se, tam-
bém, às hipóteses de custódia de debêntures, partes beneficiárias, bô-
nus de subscrição, ou qualquer outro valor mobiliário.
Mediante a custódia de ações fungíveis a instituição depositária
passa a representar, perante a companhia, independentemente de pro-
curação, os seus titulares, nos termos do artigo 41, para receber divi-
dendos 6 9 4 , ações bonificadas e exercer direito de preferência para
subscrição de ações. A s bonificações, o desdobramento e o grupa-
mento de ações e o recebimento de dividendos são processados auto-
maticamente nas contas de custódia dos clientes da instituição
depositária. J á o exercício do direito de preferência para a subscrição
de ações só pode ser exercido por meio de solicitação do depositante,
que deverá fornecer os recursos necessários ao pagamento do preço de
emissão das ações. A instituição depositária também pode representar
o titular das ações custodiadas nas operações de resgate, amortização
ou reembolso; não tem poderes, no entanto, salvo autorização expressa
do depositante, em cada caso, para alienar os valores mobiliários depo-
sitados ou reaplicar as importâncias recebidas 695 .
A representação exercida pela instituição depositária limita-se
aos direitos patrimoniais 6 9 6 ; a transferência da propriedade fiduciária
não lhe outorga o direito de votar com as ações custodiadas 697 . O s
titulares de ações em custódia, para participarem da assembleia geral

694 A Lei das S.A. determi na no § 2 o do art. 205 que "os dividendos das ações em custódia
bancária ou em depósito nos Lermos dos arts. 41 e 43 serão pagos pela companhia à
instituição financeira depositária, que será responsável pela sua entrega aos titulares das
ações depositadas".
695 Art. 24, parágrafo único, da Lei n° 6.385/1976.
696 Consta da Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, que, "para evitar que as institui-
ções financeiras depositárias possam influir sobre a orientação das companhias exercendo,
sem mandato expresso, o direito de voto correspondente às ações de que são depositárias,
o artigo 42 limita seus poderes de representação ao exercício de direitos patrimoniais".
A Lei n° 6.385/1976, no art. 25, determinou que, "salvo mandato expresso com prazo não
superior a um ano, o administrador de carteira e o depositário de valores mobiliários não
podem exercer o direito de voto que couber às ações sob sua administração ou custódia".
da companhia emissora, além do documento de identidade, exibirão
ou depositarão na companhia, se o estatuto o exigir, comprovante
expedido pela instituição depositária (artigo 126, inciso H) 698 - 699 .
Sempre que houver distribuição de dividendos ou bonificação de
ações e, em qualquer caso, ao menos u m a vez por ano, a instituição
depositária fornecerá à companhia a lista dos depositantes de ações,
assim como a quantidade de ações de cada um, nos termos do § I o . A
instituição depositária t a m b é m é obrigada a comunicar à companhia
emissora: (i) imediatamente, o n o m e do proprietário efetivo quando
houver qualquer evento societário que exija a sua identificação, como
a subscrição de ações e a realização de assembleia geral; e (ii) no pra-
zo de até 10 (dez) dias, a contratação da custódia e a criação de ônus
ou gravames sobre as ações (artigo 41, § 3 o ) 7 0 0 .

O contrato de prestação de serviços de custódia fungível é cele-


brado apenas entre o acionista, na qualidade de depositante, e a insti-
tuição financeira ou a entidade d e c o m p e n s a ç ã o e liquidação, na
qualidade de depositária, e p o d e ser rescindido a qualquer momento
pelo depositante, nos termos do § 2 o , retornando a ação ao seu patri-
mônio, acrescida das bonificações e das demais ações subscritas em
aumentos de capital 7 0 1 . O s valores mobiliários transferidos à institui-

698 A Instrução C V M n° 115/1990 dispõe, no art. 6° que os titulares de ações em custódia


poderão "participar das assembleias gerais das companhias emissoras das ações custodiadas
ou nelas se fazer representar, e exercer o direito de voto, exibindo ou depositando na
companhia, se o estatuto o exigir, comprovante expedido pela Bolsa de Valores".
599 Consta da Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, que "o conhecimento, pela
companhia, da identidade dos acionistas, é assegurado através do dever da instituição
financeira de fornecer listas dos depositantes de ações (...)"•
700 A Instrução C V M n° 115/1990, estabeleceu, no art. 7", que a instituição depositária
"fornecerá, à companhia, a listas dos titulares de ações em custódia, assim como a quantida-
de de ações de que cada um deles é titular, sempre que solicitado, por ocasião do exercício
do direito de voto, exercício do direito de preferência, distribuição de dividendos ou
bonificações, e, em qualquer caso, no último dia útil de cada trimestre civil".
701 De acordo com MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas,
v. 1, 5 a edição, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 405, "a custódia não é espécie de depósito.
Na realidade, constitui o próprio conteúdo deste. É o que se estipula no contrato de
depósito sobre o que deve fazer o depositário para devolver ao depositante a coisa
depositada na sua plena integridade física e jurídica. (...) A custódia significa dever de
prestação que o custodiante assume perante o depositante".
ção depositária, durante o prazo em que vigorar a custódia, não inte-
gram para quaisquer fins o seu patrimônio 702 .
A companhia não responde, de acordo como o § 3 o , perante o
acionista nem terceiros pelos atos da instituição depositária das ações 703 .
A instituição financeira e a entidade de compensação e liquidação têm
as obrigações de depositária e respondem perante o acionista e tercei-
ros pelo descumprimento de suas obrigações (artigo 41, § 5 o ).
A s instituições depositárias não podem ser acionistas da compa-
nhia a que prestarem serviço de custódia de ações fungíveis (artigo
293, parágrafo único).

S E Ç Ã O BX

C E R T I F I C A D O DE D E P Ó S I T O D E A Ç Õ E S

"Art. 43. A instituição financeira autorizada a funcionar como


agente emissor de certificados (artigo 27) pode emitir título re-
presentativo das ações que receber em depósito, do qual consta-
rão: (Redação dada pela L e i n ° 9.457/1997)

I - o local e a data da emissão;

II - o n o m e d a instituição emitente e as assinaturas d e seus


representantes;

III - a denominação "Certificado de D e p ó s i t o de Ações";

I V - a especificação das ações depositadas;

702 Art. 2o, § 1», da Instrução CVM n" 115/1990.


703 A Instrução C V M n° 115/1990 contém dispositivo no mesmo sentido: "A companhia
emissora das ações objeto da custódia não responde perante o depositante e terceiros, pelos
atos praticados pela Bolsa de Valores custodiante".
V — a declaração de que as ações depositadas, seus rendimentos e o
valor recebido nos casos de resgate o u amortização somente serão en-
tregues ao titular d o certificado de depósito, contra apresentação deste;

V I - o n o m e e a qualificação d o d e p o s i t a n t e ;

V I I - o p r e ç o d o d e p ó s i t o c o b r a d o pelo b a n c o , se devido n a entre-


g a d a s ações d e p o s i t a d a s ;

V I I I — o lugar da entrega do objeto d o depósito.

§ I o A instituição financeira r e s p o n d e p e l a o r i g e m e autenticida-


d e d o s certificados d a s a ç õ e s d e p o s i t a d a s .

§ 2 o E m i t i d o o certificado d e d e p ó s i t o , a s a ç õ e s d e p o s i t a d a s , seus
rendimentos, o valor de resgate o u de amortização não poderão
ser objeto d e p e n h o r a , arresto, s e q ü e s t r o , b u s c a o u a p r e e n s ã o , o u
q u a l q u e r o u t r o e m b a r a ç o q u e i m p e ç a s u a e n t r e g a a o titular d o
certificado, m a s e s t e p o d e r á ser o b j e t o d e p e n h o r a o u d e qualquer
m e d i d a cautelar p o r o b r i g a ç ã o d o s e u titular.

§ 3 o O s certificados d e d e p ó s i t o d e a ç õ e s s e r ã o n o m i n a t i v o s , p o -
d e n d o ser m a n t i d o s s o b o s i s t e m a escriturai. ( R e d a ç ã o d a d a p e l a
Lei n° 9.457/1997)

§ 4 o O s certificados d e d e p ó s i t o d e ações p o d e r ã o , a p e d i d o d o seu


titular, e p o r s u a conta, ser d e s d o b r a d o s o u g r u p a d o s .

§ 5 o A p l i c a m - s e ao e n d o s s o d o certificado, n o q u e couber, as n o r -
m a s q u e r e g u l a m o e n d o s s o d e títulos c a m b i á r i o s . "

O certificado d e depósito foi instituído e m nosso regime socie-


tário pela L e i n ° 4 . 7 2 8 / 1 9 6 5 que admitia a emissão de certificados de
depósito e m garantia, relativos a ações preferenciais, obrigações, de-
bêntures ou títulos cambiais emitidos por sociedade interessada em
negociá-los em mercados externos, ou no Brasil 704 .
A Lei das S.A., com o fim de substituir o certificado de depósito
em garantia - que não teve utilidade, devido a dúvidas que surgiram
sobre a possibilidade dele ser penhorado por eventuais dívidas do de-
positante - criou o certificado de depósito de ação. Constitui, assim,
título emitido por instituição financeira, representativo de valores
mobiliários por ela recebidos em depósito.
A redação original do caput deste artigo fazia referência apenas
às ações endossáveis e ao portador, excluídas as ações nominativas
por incompatibilidade, tendo em vista o modo como se opera a sua
transferência 705 . C o m a promulgação da L e i n° 8.021/1990, que ex-
tinguiu os títulos ao portador e endossáveis, este artigo foi derrogado.
A Lei n° 9.457/1997 deu nova redação ao artigo 43 — com a
alteração do caput e do § 3 o - a fim de regular a emissão do certificado
de depósito de ações nominativas, que deverá conter: (i) o local e a
data da emissão; (ii) o nome da instituição emitente e as assinaturas de
seus representantes; (iii) a denominação "Certificado de Depósito de
Ações"; (iv) a especificação das ações depositadas; (v) a declaração de
que as ações depositadas, seus rendimentos e o valor recebido nos ca-
sos de resgate ou amortização somente serão entregues ao titular do
certificado de depósito, contra apresentação deste; (vi) o nome e a
qualificação do depositante; (vii) o preço do depósito cobrado pelo
banco, se devido na entrega das ações depositadas; e (viii) o lugar da
entrega do objeto do depósito.
O agente emissor, além dos serviços de emissão de certificados,
escrituração e guarda dos livros de registro e transferência de ações 706 ,
está autorizado a emitir certificado de depósito de ações, partes bene-

704 Art. 31 da Lei n° 4.728/1965.


705 Ver os comentários aos arts. 31 e 35 da Lei das S.A.
706 Ver os comentários ao art. 27 da Lei das S.A.
ficiárias (artigo 50, § 2 o ), debêntures (artigo 63, § I o ) e bônus de subs-
crição (artigo 78, parágrafo único). P o d e m funcionar como agentes
emissores de certificados representativos das ações que receberem em
depósito, além das instituições financeiras, autorizadas pela C o m i s -
são de Valores Mobiliários, as Bolsas de Valores (artigo 293, caput)707.
O s certificados de depósito de ações são utilizados na colocação
de Units no Brasil e no exterior e t a m b é m na criação dos American
Depositary Receipts ( A D R s ) e Brazilian Depositary Receipts ( B D R s )
que circulam como títulos representativos de ações de companhias
abertas emitidos por instituições financeiras depositárias dessas ações.
Units constituem certificados de depósito de valores mobiliários que
representam a união de ações ordinárias e preferenciais, por exemplo,
em u m único papel e que são negociadas e m conjunto 7 0 8 . A D R s são
certificados de ações, emitidos por instituições financeiras norte-ame-
ricanas, com lastro em papéis de companhias de outros países. B D R s
são certificados representativos de valores mobiliários de emissão de
companhia aberta, ou assemelhada, c o m sede no exterior e emitidos
por instituição depositária n o Brasil' 0 9 .

707 Ver o art. 24 da Lei n° 6.385/1976, com a redação dada pelo Decreto n° 3.995/2001. Este
Decreto retirou as Bolsas de Valores do rol dos autorizados a exercer a custódia e acrescen-
tou em seu lugar as entidades de compensação e liquidação, adaptando a lei à realidade
do mercado e incorporando normas da Resolução do C M N n° 2.690/2000 (art. 74) e da
Instrução C V M n° 115/1990, que, no parágrafo único do art. I o , estabeleceu que tão logo
fosse implementado o sistema de compensação e liquidação de operações previsto no art.
74 do Regulamento Anexo à Resolução n° 1.656/1989, as Bolsas de Valores deveriam
transferir para sociedade anônima, que fosse constituída com essa finalidade, a prestação
do serviço de custódia para guarda, controle e administração de ações fungíveis. No caso
da Bolsa de Valores de São Pãuío, a sociedade, à época, criada para operar esse sistema foi
a C B L C que, posteriormente (em 28.11.2008), foi incorporada pela BM&FBovespa. Dessa
forma, consta da atual redação do art. 24 da Lei n° 6.385/1976 que "compete à Comissão
autorizar a atividade de custódia de valores mobiliários, cujo exercício será privativo das
instituições financeiras e das entidades de compensação e liquidação".
703 De 2cordo com a BM&FBovespa, "Units são ativos compostos por mais de uma classe de
valores mobiliários, como uma ação ordinária e um bônus de subscrição, por exemplo,
negociados em conjunto. As units são compradas e/ou vendidas no mercado como uma
unidade". Disponível em: <http://www.bovespa.com.br/mercado/rendavariavel>. Sobre esse
assumo, ver a decisão proferida pela CVM no Processo Administrativo n° RJ 2009/7176, j".
em 18.08.2009, que analisou a oferta pública de units do Banco Santander S.A.
709 Até o final de 2010, o mercado brasileiro só tinha BDRs não patrocinados, ou seja, trazidos
por instituições financeiras depositárias no Brasil. Sobre os certificados de depósito de
D e acordo com o § 1°, a instituição financeira depositária res-
ponde perante o titular do certificado de depósito de ações pela sua
origem e autenticidade. O § 2 o determina que as ações depositadas,
seus rendimentos, o valor de resgate ou amortização não podem, du-
rante a existência dos certificados, ser objeto de penhora, arresto, se-
qüestro, busca ou apreensão, mas que os certificados podem ser objeto
de penhora ou de qualquer outra medida cautelar por obrigação do
seu titular.

Valores Mobiliários - BDRs, vera Instrução CVM n° 332/2000, com as alterações introduzidas
pelas Instruções CVM nos 431/2006, 456/2007, 480/2009 e 493/2001. A CVM, por meio
da Instrução CVM n" 493/2011, flexibilizou a aplicação em BDRs nfvel 1 - certificados
com lastro em ações de companhia com sede no exterior, permitindo que esses tftulos
sejam negociados tanto por entidades de previdência complementar como por pessoas
físicas ou jurídicas com investimento superior a R$ 1 milhão. A Instrução C V M n° 332/
2000, em seu art. I o , inciso I, define como BDRs "os certificados representativos de valores
mobiliários de emissão de companhia aberta, ou assemelhada, com sede no exterior e
emitidos por instituição depositária no Brasil" e (i) no inciso III, com a redação dada pela
Instrução CVM n° 431/2006, a instituição depositária como "a instituição que emitir, no
Brasil, o correspondente certificado de depósito, com base nos valores mobiliários custodiados
no exterior"; (ii) no inciso IV, a empresa patrocinadora como "a companhia aberta, ou
assemelhada, com sede no exterior, emissora dos valores mobiliários objeto do certificado de
depósito, e que seja sujeita à supervisão e fiscalização de entidade ou órgão similar á CVM";
e (iii) no inciso V, programas de BDRs como "a classificação dos BDRs, de acordo com suas
características de divulgação de informações, distribuição e negociação e a existência, ou
não, de patrocínio das empresas emissoras dos valores mobiliários objeto do certificado de
depósito." De acordo com o § 1° do art. 3 o da Instrução C V M n° 332/2000, com as
alterações introduzidas pela Instrução C V M n° 456/2007 e 493/2011, o "programa de BDR
patrocinado caracteriza-se por ser instituído por uma única instituição depositária, contrata-
da pela companhia emissora dos valores mobiliários objeto do certificado de depósito,
podendo ser classificado nos seguintes níveis: I - BDR Patrocinado Nível I - caracteriza-se
por: a) negociação em mercado de balcão não organizado ou em segmentos específicos
para BDR Nível I de entidade de mercado de balcão organizado ou bolsa de valores; b)
divulgação, no Brasil, das informações que a companhia emissora está obrigada a divulgar em
seu país de origem, acrescida daquelas mencionadas no § 3°; c) dispensa de registro de
companhia, na CVM; e d) aquisição exclusiva por: 1. instituições financeiras; 2. fundos de
investimento; 3. administradores de carteira e consultores de valores mobiliários autorizados
pela CVM, em reiação a seus recursos próprios; 4. empregados da empresa patrocinadora ou
de outra empresa integrante do mesmo grupo econômico; 5. entidades fechadas de previ-
dência complementar; e 6. pessoas físicas ou jurídicas com investimentos financeiros
superiores a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); II - BDR Patrocinado Nível li -
caracteriza-se por: a) admissão à negociação em bolsa de valores ou em mercado de
balcão organizado; e b) registro de companhia, na CVM. III - BDR Patrocinado Nível III -
caracteriza-se por: a) distribuição pública no mercado; b) admissão à negociação em bolsa
de valores ou em mercado de balcão organizado; e c) registro de companhia, na CVM."
Nos termos do § 2°, caracteriza-se por BDR não patrocinado "o programa instituído por
uma ou mais instituições depositárias emissoras de certificado, sem um acordo com a
companhia emissora dos valores mobiliários objeto do certificado de depósito, somente
admitindo negociação nos moldes do BDR Patrocinado Nível I."
O s certificados de depósito de ações são nominativos e podem,
nos termos do § 3 o , ser mantidos sob o sistema escriturai. Poderão,
também, a pedido do seu titular e por sua conta, ser desdobrados ou
grupados, o que implica a unificação ou separação de registros, seja
no "Livro de Registro de A ç õ e s Nominativas" ou nas contas de de-
pósito de certificados de ações escriturais. N o s termos do § 5 o , as
normas que regulam o endosso de títulos cambiários aplicam-se, no
que couber, ao endosso do certificado de depósito de ações 7 1 0 .
A s disposições sobre o certificado de depósito de ações constan-
tes deste artigo aplicam-se a todos os valores mobiliários e não ape-
nas às ações 7 1 1 .

SEÇÃO X

RESGATE, AMORTIZAÇÃO E REEMBOLSO

Resgate e amortização
"Art. 4 4 . O estatuto o u a a s s e m b l e i a g e r a l extraordinária p o d e
autorizar a aplicação d e lucros o u reservas n o resgate o u n a a m o r -
tização de ações, d e t e r m i n a n d o as c o n d i ç õ e s e o m o d o de proce-
der-se à operação.

§ I o O resgate consiste n o p a g a m e n t o d o valor das ações para


retirá-las definitivamente d e circulação, c o m redução o u n ã o do

710 Sobre esse assunto, FÁBIO U L H O A C O E L H O . Curso de Direito Comercial, v. 2, 13'1 edição,
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 134-135, observa que "a instituição financeira que atua como
agente emissor de certificado pode emitir em favor do acionista o CDA (certificado de depósito
de ações). Trata-se de valor mobiliário que comporta circulação por endosso em preto (LSA,
art 43, § 5°; Lei n. 8.088/90, art 79, § 2o). Sua finalidade é instrumentalizar a negociação das
ações nominativas, cujo registro se encontra a cargo do banco emitente. Assim, o acionista,
quando alienar a sua participação societária, poderá simplesmente endossar o CDA para o
adquirente.Quem vende a ação depositada é o endossante do certificado de depósito; quem
compra, o endossatário. Este último, por sua vez, exibindo o CDA endossado em seu favor à
instituição financeira que o emitiu, pode solicitar desta a atualização dos registros nos livros de
transferência de ações, de modo que passe a constar em seu nome a participação societária."
711 A Lei n° 6.385/1976, no inciso III do art. 2 o , com a redação que lhe foi dada pela Lei n°
10.303/2001, determina que são valores mobiliários sujeitos ao regime da lei os certifica-
dos de depósito de valores mobiliários.
capital social, mantido o mesmo capital, será atribuído, quando
for o caso, novo valor nominal às ações remanescentes.

§ 2 o A amortização consiste na distribuição aos acionistas, a títu-


lo de antecipação e sem redução do capital social, de quantias que
lhes poderiam tocar em caso de liquidação da companhia.

§ 3 o A amortização pode ser integral ou parcial e abranger todas


as classes de ações ou só u m a delas.

§ 4 o O resgate e a amortização que não abrangerem a totalidade das


ações de uma mesma classe serão feitos mediante sorteio; sorteadas
ações custodiadas nos termos do artigo 41, a instituição financeira
especificará, mediante rateio, as resgatadas ou amortizadas, se outra
forma não estiver prevista no contrato de custódia.

§ 5 o A s ações integralmente amortizadas poderão ser substituí-


das por ações de fruição, c o m as restrições fixadas pelo estatuto
ou pela assembleia geral que deliberar a amortização; em qual-
quer caso, ocorrendo liquidação da companhia, as ações amorti-
zadas só concorrerão ao acervo líquido depois de assegurado às
ações não amortizadas valor igual ao da amortização, corrigido
monetariamente.

§ 6 o Salvo disposição em contrário do estatuto social, o resgate de


ações de u m a ou mais classes só será efetuado se, em assembleia
especial convocada para deliberar essa matéria específica, for apro-
vado por acionistas que representem, no mínimo, a metade das
ações da(s) classe(s) atingida(s)." (Incluído pela Lei n ° 10.303/2001)

Resgate
O resgate consiste na operação pela qual a companhia paga ao
acionista o valor de suas ações, retirando-as definitivamente de circu-
lação. Assim, constitui modo de extinção da ação.
Trata-se de modalidade de negócio jurídico unilateral, ou seja,
aquele que contém manifestação de vontade de apenas u m a parte e
cujas conseqüências jurídicas são sofridas pela outra parte, indepen-
dentemente de sua vontade 7 1 2 - 7 1 3 .
D e acordo com a redação original deste artigo, o resgate poderia
ser aprovado exclusivamente pela assembleia geral extraordinária da
companhia, submetendo-se os acionistas a tal manifestação unilate-
ral da sociedade. N o entanto, a L e i n ° 1 0 . 3 0 3 / 2 0 0 1 , ao acrescentar o
§ 6 o ao artigo 44, passou a condicionar a eficácia do resgate de deter-
minada classe de ações à aprovação, e m assembleia especial, por titu-
lares de, no mínimo, 5 0 % (cinqüenta p o r cento) das ações da classe
atingida. A realização d a assembleia especial das ações resgatadas
somente p o d e ser dispensada nas hipóteses e m que exista previsão
estatutária expressa nesse sentido. -

E m função de sua causa, e d o p o n t o de vista d a companhia, po-


dem ser identificadas 2 (duas) m o d a l i d a d e s de resgate: (i) voluntário;
e (ii) compulsório 7 1 4 .

O resgate voluntário ocorre por decisão da assembleia geral extra-


ordinária da companhia ou por determinação estatutária que autorize a
sociedade a promovê-lo a qualquer tempo. Trata-se de prerrogativa da
companhia, que pode, observado o disposto no § 6 o ou no estatuto
social, conforme o caso, determinar o m o m e n t o e as condições do res-
gate. S e a companhia se reserva o direito de resgatar as ações nas con-

712 N E L S O N EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar,


1992, p. 99.
713 Sobre a função do resgate, ver WALTER D O U G L A S STUBER, " O Lançamento de Ações Resga-
táveis como Modalidade de Captação de Recursos", Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 65, janeiro-março, 1987, p.
82-33; J O S É T A D E U DE CHIARA, "Resgate de Ações", Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 48, outubro-dezembro,
1987, p. 60-67; e O S M A R BRINA C O R R Ê A LIMA, "Resgate de Ações de Sociedade Anôni-
ma", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, v. 68, outubro-dezembro, 1987, p. 7-16.
71 4 Sobre esse assunto, ver Parecer sobre "Resgate de Ações", Revista da Comissão de Valores
Mobiliários, v. 1, n° 3, Rio de Janeiro, setembro-dezembro, 1983, p. 26, que teve origem
no Parecer CVM/SJU n° 091/1982.
dições fixadas no estatuto, poderá exercê-lo mediante deliberação da
assembleia, observadas as referidas condições, e o acionista titular des-
sas ações não poderá se opor ã deliberação. O u seja, o resgate é volun-
tário para a companhia, mas obrigatório para o acionista.
O resgate compulsório (sempre do ponto de vista da companhia)
é aquele previsto desde a emissão da ação, que, por esta razão, é co-
nhecida como "ação resgatável". N o caso, a companhia obriga-se a
resgatar uma determinada classe de ações criada com essa finalidade,
dentro das condições estabelecidas no estatuto. O resgate estipulado
no estatuto ao tempo da criação da ação integra o conjunto de seus
direitos e obrigações.
Nessa segunda hipótese, o resgate deixa de ser u m a faculdade da
companhia para se tornar u m a obrigação perante o acionista titular
da ação resgatável que exerce a opção de resgatá-la na forma prevista
no estatuto. Nesse caso, é compulsório para a companhia, mas facul-
tativo para o acionista.
A possibilidade de u m a companhia emitir ações resgatáveis está
expressamente prevista na L e i das S.A. que, ao tratar da regulação
pelo estatuto das vantagens ou preferências atribuídas a cada classe
de ações preferenciais, estabelece que o estatuto poderá prever o res-
gate ou a amortização e deverá fixar as respectivas condições (artigo
19). N ã o obstante ser mais comum o resgate de ações preferenciais,
quaisquer espécies e classes de ações podem ser resgatadas 715 .
Se a ação foi emitida com cláusula estatutária de resgate, cria-se
uma situação jurídica própria, tanto para a companhia quanto para o
acionista. A cláusula de resgate integra a definição dos direitos que a
ação confere a seu titular, sendo ineficaz, por força do artigo 136,
inciso II, e § I o , qualquer deliberação de assembleia geral que, sem

No mesmo sentido, CARLOS EDUARDO BULHÕES. Opiniões Jurídicas. Rio de Janeiro:


Forense, 2002, p. 50. Em sentido contrário, LUIZ LEONARDO CANTIDIANO. Reforma da
Lei das S.A. Comentada. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 98-99.
concordância da maioria dos titulares das ações resgatáveis, tenha
por objeto a modificação das condições do resgate 7 1 6 .
O acionista não p o d e exigir da companhia condições de resgate
diferentes das estipuladas no estatuto social, j á que seus direitos fo-
ram previamente definidos e por ele aceitos no m o m e n t o da subscri-
ção ou aquisição das ações.
A ação resgatável confere ao seu titular u m a vantagem adicional:
o direito a u m crédito eventual, de exigir a recompra das ações de sua
propriedade nas hipóteses e m que a companhia possua, na data previa-
mente estabelecida para o resgate, os lucros e reservas disponíveis para
tanto, ou, na sua inexistência, mediante redução do capital 717 .
N o s termos do § I o , o resgate p o d e ocorrer sem ou c o m redução
do capital social. N a primeira hipótese, a companhia efetua o paga-
mento do valor de resgate mediante a utilização de lucros ou reservas
integrantes de seu patrimônio; por meio do resgate, a companhia pro-
move a transferência dos recursos correspondentes a tais lucros ou re-
servas para os titulares das ações resgatadas e m a n t é m o m e s m o capital,
ocasião em que será atribuído novo valor nominal às ações remanes-
centes, se for o caso, e/ou alterado o número de ações existentes. Tendo
em vista a previsão expressa do § I o , não há c o m o se negar a possibili-
dade de a companhia, não possuindo lucros ou reservas, efetuar o res-
gate com fundamento em recursos que c o m p õ e m o capital social. O u
seja, o resgate pode ser feito à conta de recursos que integram o capital
social, u m a v e z que tal possibilidade consta expressamente do texto
legal 718 . Ocorrendo redução do capital, a efetivação do resgate eqüivale

716 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário..., p. 105.


717 Nesse sentido se manifestou a C V M no Parecer sobre "Resgate de Ações", Revista da
Comissão de Valores Mobiliários..., v. 1, n° 3, p. 20: "É interessante notar, entretanto, que
o fato de a companhia emitir ações que podem ser resgatadas, a critério do acionista, em
determinada data, não assegura senão um direito de crédito eventual e sujeito à existência de
reservas ou lucros por ocasião da data estabelecida para o resgate".
71 8 Diversos autores manifestam-se expressamente a respeito da legalidade do resgate por meio
de redução de capital, como é o caso de: M O D E S T O CARVALHOSA. Comentários à Lei de
Sociedades Anônimas, v. 1, 5 a edição, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 426; FRAN MARTIN5.
a uma devolução aos acionistas de valores dele integrantes, razão pela
qual ela pressupõe a observância dos procedimentos estabelecidos nos
artigos 173 e 174 para a operação de redução de capital com restituição
de parte do patrimônio social aos acionistas 719 .
D e acordo com o artigo 174, os credores quirografários por títu-
los anteriores à data de publicação da ata da assembleia geral que tiver
deliberado a redução do capital têm direito de se opor à medida, me-
diante notificação encaminhada à companhia, no prazo decadenciai
de 60 (sessenta) dias contados da publicação da referida ata.
Enquanto tal prazo não tiver transcorrido, a ata da assembleia ge-
ral não poderá ser arquivada e, consequentemente, a redução de capital
não se tornará efetiva. Havendo oposição de credores durante o perío-
do de 60 (sessenta) dias, a redução de capital não poderá ser consuma-
da, a não ser que a companhia demonstre ter pago os créditos dos
opositores ou depositado judicialmente as respectivas importâncias.
Embora o artigo 173 regule apenas 2 (duas) hipóteses de redu-
ção do capital social - quando a companhia possuir prejuízos acumu-
lados ou o capital for julgado excessivo em relação às atividades por
ela desenvolvidas - , a própria L e i das S . A . expressamente prevê ou-
tras situações em que o capital pode, ou deve, ser reduzido, as quais
não estão diretamente relacionadas às 2 (duas) modalidades tratadas
no artigo 173. U m a destas hipóteses adicionais de redução do capital
contempladas pela Lei das S.A. é, justamente, a que ocorre em razão
da operação de resgate de ações 720 .

Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 256;
TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. 1. Rio de Janeiro; Forense,
1953, p. 153; e PHILOMENO J. COSTA. Operações da Anônima com as Ações de seu
Capital..., p. 92. Em sentido contrário, ALFREDO LAMY FILHO e JÒSÉ LUIZ BULHÕES
PEDREIRA, "Ação como Participação Societária". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões
Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 267.
LUIS^ LORIA FLAKS, "Aspectos Societários do Resgate de Ações", Revista de Direito Mer-
cantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 123,
julho-setembro, 2001, p. 135.
As outras hipóteses em que pode haver redução de capital sem que, necessariamente, se
enquadrem nas 2 (duas) modalidades previstas no art. 173 da Lei das S.A. são as reguladas
A L e i das S . A . refere-se genericamente à aplicação de lucros ou
reservas no resgate ou na amortização de ações. Portanto, é possível a
utilização dos lucros do exercício, b e m c o m o das reservas estatutárias
de lucros criadas para esse fim (artigo 194) e das reservas de capital
(artigo 200, inciso II) 7 2 1 . A reserva legal não p o d e ser utilizada, pois -
nos termos da L e i das S . A . - tem por fim assegurar a integridade do
capital social e só p o d e ser aplicada para compensar prejuízos ou au-
mentar o capital (artigo 193, § 2 o ) . A i n d a que seja previsto no estatu-
to u m a reserva específica para o resgate de ações, esta não poderá ser
constituída, em cada exercício, e m prejuízo d o dividendo obrigatório
e do dividendo das ações preferenciais (artigos 2 0 2 e 2 0 3 ) .

A L e i das S . A . , embora tenha estabelecido o valor do reembolso


de ações e, de certa forma, o da amortização, foi omissa sobre o valor
do resgate, deixando, portanto, a sua fixação a critério da companhia.
Apesar da omissão do texto legal, a companhia deve observar deter-
minados parâmetros mínimos na definição do valor de resgate, a fim de
evitar que tal operação prejudique indevidamente quer os titulares das
ações resgatadas, quer a própria companhia e seus demais acionistas 722 .

nos arts. (i) 45, § 6o, que trata da operação de reembolso e estipula que, "se no prazo de 120
(cento e vinte) dias, a contar da publicação da ata da assembleia, não forem substituídos os
acionistas cujas ações tenham sido reembolsadas à conta do capital social, este considerar-se-á
reduzido no montante correspondente, cumprindo aos órgãos da administração convocar a
assembleia geral, dentro de 5 (cinco) dias, para tomar conhecimento daquela operação"; e (ii)
107, § 4o, que estabelece a possibilidade de redução do capital nos casos em que o acionista
não cumprir a obrigação de integralizar suas ações e a companhia não conseguir, por
qualquer dos meios previstos na Lei das S.A., promover tal integralização.
721 Sobre a possibilidade de o resgate ser efetivado mediante a utilização de reservas de reavaliação,
a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 052/1985, se manifestou no sentido de que "a reserva de
reavaliação não configura uma reserva de lucros no sentido técnico-jurídico. Registra tão
somente ganhos potenciais de natureza não operacional ainda não realizados econômica e
financeiramente. Não pode, em conseqüência, ser utilizada no resgate de ações". A Lei n°
11.638/2007, em seu art 6o, proibiu que novas reavaliações fossem feitas a partir do início de
2008. A partir de 01.01.2008, devem ser classificadas como Ajustes de Avaliação Patrimonial,
enquanto não computadas no resultado do exercício em obediência ao regime de competên-
cia, as contrapartidas de aumentos ou diminuições de valor atribuído a elementos do ativo e
do passivo, em decorrência da sua avaliação a preço de mercado, conforme § 3 o do art. 182
da Lei das S.A. Sobre esse assunto, ver os comentários aos arts. 176 e 182 da Lei das S.A.
722 MODESTO C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas..., v. 1, p. 428;
EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades
Nesse sentido, por analogia ao artigo 170, § I o , o valor do resga-
te não pode ser inferior ao resultante da aplicação, isolada ou cumula-
tivamente, dos 3 (três) parâmetros que devem ser utilizados para a
fixação do preço de emissão em aumento de capital: (i) valor de patri-
mônio líquido da ação; (ii) cotação em Bolsa de Valores ou mercado
de balcão organizado; ou (iii) valor de suas perspectivas de rentabili-
dade 723 . O preço de resgate pode corresponder ao valor real da ação,
apurado de acordo com a sua cotação no mercado secundário 7 2 4 ou,
ainda, com base em avaliação a preços de mercado do patrimônio
da companhia 7 2 5 - 7 2 6 .
D a d o o caráter cogente do resgate, para o acionista, a compa-
nhia pode estabelecer u m valor que compense a perda por ele sofrida,
nele embutindo um prêmio pela perda compulsória de sua condição
de acionista 727 . Tal prêmio não é obrigatório, pois poderia prejudicar
os acionistas cujas ações não são objeto do resgate.

Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São FSulo: José Bushatsky, 1979, p. 255; FÁBIO
KONDER COMPARATO, "Funções e Disfunções do Resgate Acionário", Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 73,
janeiro-março, 1989, p. 71.
723 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas..., v. 1, p. 428.
724 EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades
Anônimas no Direito Brasileiro..., v. 1, p. 255.
725 FÁBIO KONDER COMPARATO, "Funções e Disfunções do Resgate Acionário", Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro..., p. 71.
72 6 Nesse sentido é a decisão do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso
Especial n° 68.378-5-PR, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, j. em 08.08.1995. Disponível em:
<http:www.stj.gov.br>: "Sociedade Anônima - Resgate. Não contraria a lei a decisão que, à
míngua de disposição estatutária, determinou que o preço tivesse em conta o patrimônio
líquido, não simplesmente por sua expressão contábil, mas como apurado, em vista dos
valores reais, consoante o mercado. (...) O invocado artigo 170, que subsidiariamente se
admite aplicável, nem mesmo se refere a patrimônio líquido, tal apurado em balanço, como
o faz, por exemplo, o artigo 45, § 1°, a o cuidar do reembolso. /I expropriação das ações -
que a tanto corresponde o resgate - há de fazer-se sem prejuízo para o acionista, o que
ocorreria, caso o preço se baseasse em elementos alheios à realidade. Isso só se poderá
verificar havendo determinação estatutária, na medida em que seja lícito entender que o
acionista deu ao procedimento anuência prévia. Na hipótese em julgamento o estatuto só
contêm disposição genérica, não se impondo o exame de tal possibilidade e dos tempera-
mentos que, mesmo a aí, se possam fazer admissíveis".
727 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário..., p. 112.
O s entendimentos doutrinários, no sentido de se estabelecer
parâmetros mínimos para a fixação do valor de resgate, têm por fun-
damento a preocupação em proteger os acionistas minoritários con-
tra eventuais abusos praticados pela companhia, evitando que esta
possa atribuir valor iníquo às ações a serem resgatadas 7 2 8 .
N o entanto, tal preocupação somente se justifica nas hipóteses
de resgate não previsto no estatuto social, em que a assembleia geral
fixa as suas condições, inclusive o preço, no m o m e n t o em que a ope-
ração é efetivada. N o s casos e m que as ações são emitidas e subscritas
com direito ao resgate e as condições de sua implementação são pré-
via e detalhadamente fixadas no estatuto social, não há que se cogitar
a possibilidade de abuso perpetrado contra o titular das ações resgatá-
veis, pois o investidor j á possui prévio conhecimento das condições
em que se efetivará a operação, tendo c o m elas aquiescido ao subscre-
ver ou adquirir a ação resgatável, razão pela qual ele não poderá alegar
prejuízo no m o m e n t o da concretização do resgate.

A s s i m , as condições do resgate compulsório p o d e m ser livremente


fixadas no estatuto social, não estando a c o m p a n h i a obrigada a ob-
servar qualquer parâmetro 7 2 9 - 7 3 0 - 7 3 1 .

C o m o o resgate constitui u m a recompra de ações, e m princípio,


ele deve ser efetivado mediante p a g a m e n t o e m dinheiro, em obser-

728 Ver Merno CVM/SEP/GEA-4 n° 019/2007.


729 Sobre esse assunto, ver P H I L O M E N O J. DA COSTA. Operações da Sociedade Anônima com
as Ações de seu Capital..., p. 82.
730 Nesse sentido é, também, a opinião de C A R L O S E D U A R D O BULHÕES. Opiniões Jurídi-
cas..., p. 66: "O valor do resgate pode ser inferior, igual ou superior ao de emissão de novas
ações. A lei não define o valor de resgate, não cabendo ao intérprete fazê-lo. É o valor
ajustado quando da criação das ações emitidas com cláusula de resgate, aceito pelo subscritor;
ou aquele fixado pela assembleia geral que aprovar a operação de resgate. Nessa hipótese, em
geral, recorre-se a um dos critérios do artigo 170 para fixar o valor do resgate, embora nenhum
desses critérios seja imposto pela lei".
731 A C V M já manifestou entendimento de que apenas os casos de resgate voluntário podem
dar origem à fixação arbitrária e prejudicial do valor de resgate, ao passo que as hipóteses
de resgate compulsório não podem dar margem à discussão por parte do titular da ação
resgatável, na medida em que os critérios para a determinação do valor do resgate já eram
por ele conhecidos quando da aquisição da ação (Ver Parecer sobre "Resgate de Ações",
Revista da Comissão de Valores Mobiliários..., v. 1, n° 3, p. 20).
vância à regra geral de que o credor de um contrato de compra e
venda tem direito a receber seu crédito em moeda corrente 732 .
N o entanto, nada impede que o credor, titular da ação resgatada,
concorde expressamente em receber o valor de suas ações por meio
de outra moeda de pagamento, que não dinheiro. A concordância por
parte do credor pode ser dada tanto no momento de receber o valor
de resgate, hipótese em que, de acordo com o C ó d i g o Civil 733 , se ve-
rificaria uma dação em pagamento, como previamente, o que ocorre
no caso de o estatuto social prever a possibilidade do resgate de de-
terminada classe de ações ser efetivado em bens e o investidor subs-
crever ou adquirir ações de tal classe, aderindo, consequentemente, à
previsão contida no estatuto social.
N a hipótese em que o acionista concorda previamente, ao aderir
ao estatuto social, com o recebimento em bens do valor das suas ações,
há uma operação de permuta 7 3 4 . Note-se que, entre as condições do
resgate que devem ser fixadas no estatuto social, conforme dispõe a
Lei das S.A. (artigo 19), encontra-se a forma de pagamento do valor
das ações. Se é perfeitamente legítimo que a companhia efetue o p a -
gamento de dividendos in natura, isto é, e m outra espécie de bens que
não dinheiro, não há evidentemente qualquer impedimento para que
o valor integral da ação também seja pago em outros bens, especial-
mente na hipótese desta possibilidade constar expressamente do es-
tatuto social e, portanto, com ela ter previamente concordado o titular
da ação.

De acordo com o art. 481 do Código Civil, "pelo contrato de compra e venda, um dos
contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço
em dinheiro".
O Código Civil, no art. 356, estabelece que: "O credor pode consentir em receber prestação
diversa da que lhe é devida".
Consta do art. 533 do Código Civil que: "Aplicam-se à troca as disposições referentes à
compra e venda, com as seguintes modificações: I - salvo disposição em contrário, cada um
dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento de troca; U- éanulável
a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos
outros descendentes e do cônjuge do alienante".
D e acordo com o § 4 o , o resgate deve, em regra, abranger a tota-
lidade das ações de u m a m e s m a espécie ou classe e, no caso de resga-
te parcial, ocorre mediante sorteio. O u seja, a própria L e i das S.A.
expressamente prevê a hipótese de o resgate não atingir simultanea-
mente todas as ações de u m a m e s m a espécie ou classe, determinando
que tal situação seja solucionada mediante sorteio realizado pela com-
panhia, cujo objetivo é assegurar o caráter impessoal do resgate, im-
pedindo que o instituto seja utilizado para possibilitar a exclusão de
determinados acionistas da companhia 7 3 5 - 7 3 6 . D e acordo c o m a L e i
das S.A., a instituição financeira autorizada pela C o m i s s ã o de Valo-
res Mobiliários a prestar serviços de custódia de ações fungíveis pode
contratar custódia e m que as ações de cada espécie e classe sejam
recebidas em depósito c o m o valores fungíveis 7 3 7 ; assim, nos termos
da parte final do § 4 o deste artigo, sorteadas as ações custodiadas, a
instituição financeira depositária especificará, mediante rateio, quais
as que serão resgatadas, se outra f o r m a não estiver prevista no contra-
to de custódia.

O § 6 o , acrescentado pela L e i n ° 1 0 . 3 0 3 / 2 0 0 1 , determina que o


resgate de ações de u m a ou mais classes, salvo disposição em contrá-
rio do estatuto social, deverá ser aprovado e m assembleia especial con-
vocada p a r a deliberar essa m a t é r i a específica, p o r acionistas que
representem a metade das ações da classe atingida. A s s i m , a compa-
nhia não t e m mais o poder de resgatar determinadas classes de ações,

735 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário..., p. 113.


736 A C V M ao se manifestar em consulta sobre a possibilidade de (i) o conselho de administração
aprovar novo procedimento de resgate, tendo em vista o disposto no § 6 o do art. 44 da Lei das
S.A., e (ii) realização do resgate de ações mediante leilão, face ao disposto no § 4 o do mesmo
artigo, concluiu, por meio do Parecer CVM/PJU n° 017/2002, que: "(i) a aprovação de
procedimento de resgate antecipado de ações, quando não previsto no estatuto social - ou
quando previsto em condições diversas - depende de deliberação em Assembleia Especial, por
parte de acionistas que representem mais da metade das ações da classe atingida (...); (ii) uma
vez deliberada a realização do resgate, o mesmo terá que se efetivar mediante sorteio, não
somente pelo fato de ser este o procedimento determinado em lei, mas porque, conforme
demonstrado, o resgate, uma vez aprovado, vincula a sociedade e os acionistasque não
podem furtar-se à sua realização se verificadas as condições que o autorizam".
737 Ver os comentários ao art. 41 da Lei das S.A.
salvo se a previsão constar expressamente do estatuto social. N ã o exis-
tindo previsão estatutária de resgate, a operação deverá ser aprovada,
em assembleia especial, mediante o voto favorável de, no mínimo,
50% (cinqüenta por cento) dos titulares das ações das classes atingi-
das. Nessa assembleia será deliberado também o valor do resgate, ob-
servado os parâmetros estabelecidos no artigo 170, § I o 7 3 8 .
A autorização estatutária de resgate não pode ser abstrata, de-
vendo o estatuto social ou a assembleia geral especificar, no momen-
to da criação da ação resgatável, quais as classes de ações que serão
resgatáveis. A autorização abstrata tornaria sem efeito a regra do § 6 o ,
na medida em que a companhia teria a faculdade - como vigia no
regime societário anterior à L e i n° 10.303/2001 — de dispor compul-
soriamente de determinadas classes de ações, ou seja, poderia delibe-
rar o resgate independentemente da vontade do acionista.
O acionista controlador e titular de ações objeto do resgate não
está impedido de votar na assembleia especial de que trata o § 6 o , pois
essa norma não foi instituída em defesa dos direitos dos minoritários.
O interesse envolvido nessa hipótese é de natureza patrimonial, abran-
gendo tanto as ações dos controladores como as dos minoritários. O
fato de os acionistas controladores deliberarem previamente em as-
sembleia geral a favor do resgate não caracteriza conflito de interes-
ses, desde que a operação seja realizada c o m base em valores
compatíveis com os parâmetros constantes do artigo 170, § I o . N ã o
obstante, poderá haver abuso do controlador tanto na assembleia ge-
ral como na especial em que também participará, na medida em que o
valor do resgate não seja equitativo 739 - 740 .
O § 6 o deste artigo não se aplica ao resgate efetuado quando,
terminado o prazo da oferta pública de cancelamento de registro de

MODESTO CARVALHOSA e N E L S O N EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Raulo: Saraiva,
2002, p. 137-138.
Ver os comentários ao § 1°, alínea "c", do art. 117 da Lei das S.A.
MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A..., p. 141-142.
companhia aberta fixado na regulamentação da C o m i s s ã o de Valores
Mobiliários, remanescerem em circulação menos de 5% (cinco por
cento) do total das ações emitidas pela companhia, conforme consta,
expressamente, do § 5 o do artigo 4 o .

AMORTIZAÇÃO

A amortização, de rara ocorrência em nossa prática societária 741 ,


consiste na operação pela qual a companhia aplica lucros ou reservas
para pagar antecipadamente aos acionistas, s e m redução do capital
social, as quantias que lhes poderiam tocar n o caso de sua liquidação.
Constitui u m direito essencial do acionista participar do acervo da
companhia em caso de sua liquidação (artigo 109, inciso II). N a liqui-
dação da companhia, em primeiro lugar paga-se os credores e, posteri-
ormente, partilha-se, entre os acionistas, o acervo remanescente. O
acionista que teve suas ações amortizadas poderá receber, em substitui-
ção, conforme estabelecido no estatuto ou deliberado pela assembleia
geral, ações de fruição; continuará, de qualquer forma, acionista da com-
panhia, com as restrições fixadas pelo estatuto ou pela assembleia geral
que deliberar a amortização. Possuirá, e m princípio, todos os direitos
que lhe conferiam as suas ações originais, salvo o de participar do rateio
em caso de liquidação 742 - 743 . A s ações amortizadas, conforme dispõe o
§ 5 o , só concorrerão ao acervo líquido depois de assegurado às ações
não amortizadas valor igual ao da amortização.

741 Sobre esse assunto, A L F R E D O LAMY F I L H O e JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA, "Ação


como Participação Societária", in: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.).
Direito das Companhias..., v. I, p. 268, observam que: "A amortização de ações foi pratica-
da entre nós com o fim de obter economia do imposto de renda, que incidia sobre dividen-
dos mas não sobre a restituição de capital; mas, depois que a lei tributária submeteu as
importâncias distribuídas a título de amortização ao mesmo imposto de renda dos dividen-
dos, é instituto em desuso".
742 No mesmo sentido, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anôni-
mas..., v. 1, p. 189; FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 1, Rio
de Janeiro: Forense, 1977, p. 102; PHILOMENO J. DA COSTA. Anotações às Companhias,
v. I, São Raulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 265; JOSÉ E D W A L D O TAVARES BORBA.
Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 244. Em sentido contrário, RUBENS
REQUIÃO. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas..., v. 1, p. 144.
743 Ver os comentários ao art. 15 da Lei das S.A.
Assim como ocorre no resgate, a amortização poderá, na consti-
tuição da companhia, ser regulada no estatuto, que deverá estabelecer
as condições e o modo de se proceder à operação. Poderá, ainda, ser
autorizada mediante deliberação da assembleia geral, ocasião em que
não se aplica a norma constante do § 6 o , pois a amortização constitui
uma vantagem para o titular das ações amortizadas 7 4 4 .
Apenas os lucros ou as reservas disponíveis - as mesmas que são
admitidas para o resgate - p o d e m ser utilizados na amortização de
ações; esta pode consistir no pagamento integral do valor da ação ou
apenas parte dele e abranger todas as classes de ações ou só u m a
delas, conforme estabelece o § 3 o . A amortização integral da ação é o
pagamento a título de antecipação de todo o rateio que lhe caberia
em caso de liquidação da companhia; na amortização parcial é efetuado
o pagamento de apenas parte desse rateio.
D e acordo com o § 4 o , a amortização que não abranger a totali-
dade das ações de uma classe será feita mediante sorteio e, uma vez
sorteadas ações custodiadas, assim como ocorre no resgate, a institui-
ção financeira especificará, mediante rateio, as amortizadas, se outra
forma não estiver prevista no contrato de custódia.

Reembolso

"Art. 4 5 . 0 reembolso é a operação pela qual, nos casos previstos


em lei, a companhia p a g a aos acionistas dissidentes de delibera-
ção da assembleia geral o valor d e suas ações.

§ I o O estatuto pode estabelecer normas para a determinação do


valor de reembolso, que, entretanto, somente poderá ser inferior
ao valor de patrimônio líquido constante do último balanço apro-
vado pela assembleia geral, observado o disposto no § 2 o , se estipu-

No mesmo sentido, ALFREDO LAMY FILHO e JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, "Ação
como Participação Societária". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.).
Direito das Companhias..., v. I, p. 269.
lado com base no valor econômico d a companhia, a ser apurado em
avaliação (§ § 3 o e 4 o ) . (Redação d a d a pela L e i n° 9.457/1997)

§ 2 o S e a deliberação d a assembleia geral ocorrer mais de 60 (ses-


senta) dias depois d a d a t a do último balanço aprovado, será facul-
tado ao acionista dissidente pedir, j u n t a m e n t e c o m o reembolso,
levantamento de balanço especial e m d a t a que atenda àquele pra-
zo. N e s s e caso, a c o m p a n h i a p a g a r á i m e d i a t a m e n t e 80% (oitenta
p o r cento) do valor d e r e e m b o l s o calculado c o m b a s e n o último
balanço e, levantado o b a l a n ç o especial, p a g a r á o saldo n o prazo
de 120 (cento e vinte) dias, a contar d a d a t a d a deliberação d a
assembleia geral.

§ 3 o S e o estatuto determinar a avaliação d a ação p a r a efeito de


reembolso, o valor será o d e t e r m i n a d o p o r três peritos o u empre-
sa especializada, m e d i a n t e l a u d o q u e satisfaça os requisitos do §
I o do artigo 8 o e c o m a r e s p o n s a b i l i d a d e prevista n o § 6 o do m e s -
m o artigo. ( R e d a ç ã o d a d a p e l a L e i n ° 9 . 4 5 7 / 1 9 9 7 )

§ 4 o O s peritos o u e m p r e s a especializada serão indicados e m lista


sêxtupla o u tríplice, respectivamente, pelo conselho de adminis-
tração ou, se n ã o houver, pela diretoria, e escolhidos pela assem-
bleia geral e m deliberação t o m a d a p o r m a i o r i a absoluta d e votos,
não se c o m p u t a n d o os v o t o s e m b r a n c o , cabendo a cada ação,
independentemente d e s u a espécie o u classe, o direito a u m voto.
( R e d a ç ã o d a d a pela L e i n ° 9 . 4 5 7 / 1 9 9 7 )

§ 5 o O valor d e reembolso p o d e r á ser p a g o à conta de lucros ou


reservas, exceto a legal, e nesse c a s o as ações reembolsadas fica-
rão e m tesouraria. ( R e d a ç ã o d a d a pela L e i n ° 9 . 4 5 7 / 1 9 9 7 )

§ 6 ° Se, no prazo d e cento e vinte dias, a contar d a publicação da


ata da assembleia, não forem substituídos os acionistas cujas ações
tenham sido reembolsadas à conta do capital social, este conside-
rar-se-á reduzido no m o n t a n t e correspondente, cumprindo aos
órgãos d a administração convocar a assembleia geral, dentro de
cinco dias, para tomar conhecimento daquela redução. (Redação
dada pela L e i n ° 9 . 4 5 7 / 1 9 9 7 )

§ 7 o S e sobrevier a falência d a sociedade, o s acionistas dissiden-


tes, credores pelo reembolso de suas ações, serão classificados a
anteriormente à data d a publicação d a ata d a assembleia. A s quan-
tias assim atribuídas aos créditos m a i s antigos não se deduzirão
dos créditos dos ex-acionistas, q u e subsistirão integralmente para
serem satisfeitos pelos b e n s d a m a s s a , depois de p a g o s os primei-
ros. (Incluído pela L e i n ° 9 . 4 5 7 / 1 9 9 7 )

§ 8 o Se, q u a n d o ocorrer a falência, j á se houver efetuado, à conta


do capital social, o r e e m b o l s o d o s ex-acionistas, estes não tiverem
sido substituídos, e a m a s s a não bastar p a r a o p a g a m e n t o dos cré-
ditos mais antigos, caberá ação re^ocatória p a r a restituição d o
reembolso p a g o c o m redução d o capital social, até a concorrência
do que remanescer dessa parte d o passivo. A restituição será ha-
vida, na m e s m a proporção, de t o d o s os acionistas cujas ações te-
n h a m sido reembolsadas." (Incluído pela L e i n ° 9 . 4 5 7 / 1 9 9 7 )

O reembolso é a operação pela qual a companhia paga aos acio-


nistas dissidentes de determinada deliberação da assembleia geral o valor
de suas ações. Constitui o reembolso u m a recompra compulsória pela
companhia de ações de sua emissão, nos casos em que o acionista exer-
ce o direito de recesso 745 . Trata-se, com efeito, de u m a das hipóteses em
que, excepcionalmente, a companhia está autorizada a adquirir suas
próprias ações (artigo 30, § I o , alínea "a").

As seguintes matérias, constantes da Lei das S.A., quando aprovadas em assembleia geral,
autorizam o acionista dissidente da deliberação a exercer o direito de recesso: (i) Art. 137,
caput - criação de ações preferenciais ou aumento de classe existente, sem guardar propor-
ção com as demais espécies e classes; alteração nas preferências, vantagens e condições de
resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova
A operação de reembolso decorre de manifestação unilateral de
vontade do acionista dissidente nas hipóteses de exercício do direito
de recesso previstas na L e i das S . A . e/ou no estatuto social e tem por
objeto, em princípio, todas as ações do capital social da companhia de
titularidade desse acionista 7 4 6 .
O critério para a determinação do valor de reembolso, de acordo
com as novas regras fixadas pela L e i n ° 9.457/1997, que alterou o
artigo 4 5 - está estabelecido, em princípio, no § I o deste artigo, ao
estipular que este deve corresponder ao valor de patrimônio líquido da
companhia, conforme apurado no último balanço aprovado pela as-
sembleia geral. T a l critério somente p o d e ser afastado caso o estatuto
social tenha previsto expressamente a possibilidade de o valor de re-
embolso ser calculado c o m base no valor econômico da companhia 7 4 7 ,
hipótese em que o montante devido aos acionistas dissidentes deverá
ser aferido por meio de avaliação realizada na f o r m a estabelecida nos
§§ 3 o e 4 o . Inexistindo previsão estatutária expressa, mantém-se o
cálculo do reembolso c o m base no valor de patrimônio líquido 7 4 8 .

T e n d o o estatuto estabelecido regra para a determinação do va-


lor de reembolso, é possível deliberação da assembleia geral no senti-
do de alterar o critério fixado. N o entanto, a companhia não poderá,

classe mais favorecida; redução do dividendo obrigatório; fusão da companhia ou sua incorpo-
ração em outra; participação em grupo de sociedades (art 265); mudança do objeto da compa-
nhia; e cisão da companhia; (ii) Art 252, §§ I o e 2° - incorporação de todas as ações do capital
social ao patrimônio de outra companhia brasileira, para convertê-la em sua subsidiária integral;
(iii) Art. 256, § 2° - a compra, por companhia aberta, do controle de qualquer sociedade
mercantil se o preço de aquisição ultrapassar uma vez e meia o maior dos 3 (três) valores de que
trata o inciso li do caput desse artigo; e (iv) Art. 264, § 3 o - incorporação, pela controladora, de
companhia controlada, se as relações de substituição das ações dos acionistas não controladores,
previstas no protocolo de incoiporação, forem menos vantajosas que as resultantes da compa-
ração prevista no próprio art. 264. Outras hipóteses em que o acionista pode pedir o reembolso
de suas ações são; (i) art. 223, § 4 o - quando na incorporação, fusão, ou cisão envolvendo
companhia aberta, as sociedades que a sucederem não providenciarem o registro de companhia
aberta e/ou não promoverem a admissão de negociação das novas ações no mercado secundá-
rio, no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, contados da data da assembleia geral que
aprovar a operação; e (ii) Art. 236, parágrafo único - quando a pessoa jurfdica de direito público
adquirir, por desapropriação, o controle de companhia em funcionamento.
746 Ver os comentários ao art. 137 da Lei das S.A.
747 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 17G, § I o , da Lei das S.A. x
748 NELSON EIZIRIK. Reforma das S/A e do Mercado de Capitais. 2 a edição, Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 84.
no prazo de 1 (um) ano, após a referida alteração estatutária, aprovar
operação que enseje direito de recesso sendo o valor de reembolso
menor ao que teriam direito os acionistas dissidentes se considerado
o critério anterior, sob pena de ser caracterizado o exercício abusivo
do poder de controle e infração grave nos termos do artigo 11, § 3 o ,
da Lei n° 6.385/1976 7 4 9 .
O balanço a ser adotado para efeitos de se apurar o valor de re-
embolso é o último aprovado pela assembleia geral da companhia;
corresponde àquele levantado ao final de cada exercício social e que,
na forma prevista na L e i das S.A. (artigo 132), deve ser submetido à
apreciação da assembleia geral ordinária, a ser realizada nos 4 (qua-
tro) primeiros meses do exercício subsequente.
O fato de a Lei das S.A. referir-se no § I o ao " ú l t i m o balanço
aprovado pela assembleia geral', deixa claro que, em regra, não se faz
necessário o levantamento de balanço especial para se apurar o valor
de reembolso devido aos acionistas dissidentes.
A única hipótese em que a L e i das S.A. faculta a elaboração de
balanço especial é a prevista no § 2 ° desse artigo. O u seja, se a delibe-
ração que der ensejo ao exercício do direito de retirada ocorrer mais
de 60 (sessenta) dias após a data do último balanço da companhia, os
acionistas dissidentes poderão requerer o levantamento de balanço
especial para a determinação do valor de reembolso.
Tal regra visa a possibilitar que o valor de reembolso retrate, com
mais fidelidade, a situação patrimonial da companhia no momento
em que o acionista exerce o direito de recesso, de forma que ele possa
abranger, por exemplo, eventuais lucros aferidos pela companhia en-
tre a data do último balanço aprovado pela assembleia geral e a data
em que for deliberada a operação ensejadora do direito de retirada.
O balanço especial a que se refere o § 2 o deve ser elaborado com
base nos mesmos requisitos e procedimentos utilizados para a ela-

Art. I o , inciso IX, da Instrução CVM n° 323/2000. Sobre o abuso do poder de controle, ver
os comentários ao art. 116 da Lei das S.A.
boração do balanço ordinário da companhia, isto é, aquele levantado
ao final de cada exercício social. N ã o faria sentido que os critérios
estabelecidos pela Lei das S.A., como regra geral, para determinar o
valor de reembolso, isto é, aqueles utilizados para a elaboração do úl-
timo balanço ordinário, fossem alterados apenas pelo fato de haver
um lapso de tempo superior a 60 (sessenta) dias desde o levantamen-
to do balanço ordinário 750 . O caráter especial do balanço refere-se
apenas à data extraordinária em que ele deve ser levantado 751 .
Caso o acionista solicite, juntamente com o reembolso, o levan-
tamento de balanço especial, nos termos do § 2 o , a companhia paga-
rá imediatamente a ele 80% (oitenta por cento) do valor de reembolso,
calculado com base no último balanço e, levantado o balanço especial,
pagará o saldo no prazo de 120 (cento e vinte) dias, a contar da data
da deliberação da assembleia geral. N a hipótese de ser constatado,
após o levantamento do balanço especial, que os 80% (oitenta por
cento) do valor de reembolso antecipadamente recebido pelo acio-
nista dissidente constituem valor superior ao efetivamente devido, ele
deverá devolver à companhia a diferença.
D e acordo com os § § 3 o e 4?, na hipótese de o estatuto determinar
a avaliação da ação para efeito de pagamento do valor de reembolso,
deverão ser indicados 3 (três) peritos ou empresa especializada, por
meio de lista sêxtupla ou tríplice, respectivamente, pelo conselho de
administração ou, se não houver, pela diretoria, e escolhidos pela
assembleia geral em deliberação tomada por maioria absoluta de votos,
não se c o m p u t a n d o os votos em branco, cabendo a cada ação,
independentemente de sua espécie ou classe, o direito a um voto 752 .
O l a u d o dos peritos ou da e m p r e s a e s p e c i a l i z a d a deverá ser
fundamentado, com a indicação dos critérios de avaliação e dos

750 A N NA LUIZA PRISCO PARAÍSO. O Direito de Retirada na Sociedade Anônima. Rio de


Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 160.
751 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 1, 51 edição,
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 451.
752 Sobre a especialização mínima para um perito, ver o Parecer CVM/SJU n° 049/1985.
elementos de comparação adotados e instruído com os documentos
relativos aos bens avaliados, e os peritos deverão estar presentes à
assembleia que conhecer do laudo, a fim de prestarem as informações
que lhes forem solicitadas, nos termos do § I o do artigo 8 o . Ademais,
os avaliadores responderão perante a companhia, os acionistas e
terceiros pelos danos que lhes causarem por culpa ou dolo na avaliação,
sem prejuízo da responsabilidade penal em que tenham incorrido, de
acordo com o previsto no § 6 o do mesmo artigo 753 .
O s fundos que a companhia pode utilizar para efetuar o paga-
mento do valor de reembolso, bem como as conseqüências de sua
utilização, estão previstos nos §§ 5 o e 6 o deste artigo. A L e i das S.A.
permite que o vaior de reembolso seja pago com recursos originários
dos lucros acumulados ou das reservas possuídas pela companhia.
Entre as reservas, podem ser utilizadas tanto as reservas de capital
(artigo 200, inciso II) quanto as de lucro, com exceção da reserva
legal e da reserva especial de dividendos (artigo 202, § 5 o ).
Caso o pagamento ao acionista dissidente seja feito com base
em recursos provenientes de lucros ou reservas registrados pela com-
panhia, as ações reembolsadas serão mantidas em tesouraria e, con-
sequentemente, poderão ser posteriormente alienadas, observadas as
regras estabelecidas na L e i das S.A. (artigo 200, inciso II) e pela C o -
missão de Valores Mobiliários 7 5 4 .
O § 5 o , à primeira vista, parece indicar que, à exceção da reserva
legal, quaisquer outras reservas registradas pela companhia poderiam
ser utilizadas para o pagamento do valor de reembolso, inclusive a
reserva especial de dividendos não distribuídos. N o entanto, para se
confirmar, ou não, tal conclusão, faz-se necessário analisar a natureza
da mencionada reserva especial de dividendos não distribuídos. Note-
-se que uma das principais inovações da Lei das S.A. consistiu na

Ver os comentários ao art. 8o da Lei das S.A.


Ver Instrução CVM n° 10/1980, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n<*
100/1989, 268/1997 e 390/2003.
criação do sistema do dividendo obrigatório, o qual visou a garantir a
efetividade do direito do acionista à participação nos lucros, impedin-
do que estes fossem permanentemente capitalizados, em detrimento
da distribuição de dividendos.
Assim, a partir do advento da L e i n° 6.404/1976, as companhias
passaram a estar obrigadas a, havendo lucros no exercício, destinarem
aos acionistas, a título de dividendo obrigatório, a parcela estabeleci-
da no estatuto social. O pagamento do dividendo obrigatório passou
a constituir a quitação de u m a obrigação por parte da companhia,
cujo cumprimento os acionistas têm o direito de exigir, desde que a
sociedade apresente lucros no exercício social 755 .
A única hipótese em que as companhias abertas com ações nego-
ciadas no mercado, mesmo tendo apurado lucro no exercício social,
podem deixar de distribuir o dividendo obrigatório é a prevista no § 4 o
do artigo 202, de acordo com o qual o pagamento do referido dividendo
deixará de ser obrigatório nos exercícios em que "os órgãos de adminis-
tração informarem à assembleia geral ordinária ser ele incompatível com a
situação financeira da companhia . O u seja, a Lei das S.A., para evitar
que a obrigação de pagar dividendos a seus acionistas pudesse prejudi-
car a situação financeira da companhia, admitiu que, excepcionalmen-
te, o dividendo obrigatório deixasse de ser distribuído.
Nesse caso, os valores correspondentes ao dividendo obrigatório
a que fariam jus os acionistas, mas que não foram distribuídos em
razão da incompatibilidade com a situação financeira da companhia,
devem ser registrados como reserva especial e, caso não sejam absor-
vidos por prejuízos registrados em exercícios subsequentes, devem ser
distribuídos assim que possível (artigo 202, § 5 o ). O s recursos regis-
trados nessa reserva especial representam uma dívida da companhia

755 ALFREDO LAMY FILHO, "Regularidade de Dividendos Ragos 'In Natura'". In: Alfredo Lamy
Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração,
aplicação), v. II, 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 501.
para com os acionistas que deixaram de receber o dividendo obrigató-
rio, a qual deve ser quitada assim que sua situação financeira permitir.
Tratando-se, portanto, de u m a reserva que a própria L e i das S . A . vin-
culou a uma destinação específica, não se pode equipará-la às demais
reservas de lucros possuídas pela companhia nem utilizá-la para ou-
tras finalidades, que não aquelas expressamente admitidas no dispo-
sitivo legal que autoriza a sua constituição.
D e acordo com o § 5 o , possuindo a companhia lucros ou reservas
disponíveis em montante suficiente para o pagamento do valor de re-
embolso, tal alternativa deve ser adotada, a fim de evitar que o exercício
do direito de recesso acarrete a redução do capital social 756 . Porém, se a
companhia não tiver lucros ou reservas disponíveis em montante sufi-
ciente para fazer face ao pagamento do valor de reembolso, este deverá
ser feito tendo como contrapartida o capital social. Nessa hipótese, o §
6 o ainda concede à companhia o prazo de 120 (cento e vinte) dias para
que ela aliene as ações reembolsadas, a fim de que os antigos acionistas
dissidentes sejam substituídos, sem necessidade de redução do capital
social. N ã o sendo possível à companhia vender as ações nesse prazo, o
capital social deverá ser automática e compulsoriamente reduzido no
montante correspondente ao valor das ações reembolsadas e não alie-
nadas. Caberá, então, aos administradores da companhia, convocar, no
prazo de 5 (cinco) dias, a assembleia geral para tomar conhecimento da
situação e homologar a redução do capital.

O s §§ 7 o e 8 o estabelecem o princípio de que, ocorrendo a falên-


cia da companhia, os acionistas não p o d e m ser reembolsados do va-
lor de suas ações antes do pagamento integral dos seus credores. O §
7 o regula a situação do acionista dissidente que ainda não recebeu o
valor de suas ações no caso de falência da companhia, determinando
que o acionista será classificado como quirografário e que as quantias

No mesmo sentido, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anôni-


mas..., V. 1, p. 452; ANNA LUIZA PRISCO PARAÍSO. O Direito de Retirada na Sociedade
Anônima..., p. 166.
atribuídas aos créditos mais antigos não se deduzirão dos créditos dos
ex-acionistas, que subsistirão integralmente para serem satisfeitos pelos
bens da massa, depois de pagos os primeiros.
N o entanto, a L e i de Recuperação e Falência de Empresas - Lei
n° 11.101/2005 - classificou como créditos subordinados "os créditos
dos sócios e dos administradores sem •vínculo empregatício"7S1. Assim, o
crédito, pelo valor de reembolso, do acionista dissidente é considera-
do subordinado e, portanto, será p a g o posteriormente aos créditos
quirografários da massa falida. D e s s a forma, o § 7 o foi derrogado pelo
artigo 83 da L e i n° 11.101/2005 7 S S . N o t e - s e que essa mesma lei de-
termina, expressamente, que a decretação da falência suspende o exer-
cício do direito de retirada ou de recebimento do valor de reembolso
por parte dos acionistas da companhia falida 7 S 9 .
N a hipótese regulada no § 8 o , em que, ocorrendo a falência, (i) os
ex-acionistas tenham recebido o valor de reembolso de suas ações, à
conta do capital social; (ii) não tenham sido substituídos, nem tenham
sido satisfeitos os créditos mais antigos; e (iii) a massa não bastar para o
pagamento desses créditos, caberá ação revocatória para restituição do
reembolso pago com redução do capital social 760 - 761 , até a concorrência

757 Art. 83, inciso VIII, alínea "b", da Lei n° 11.101/2005.


758 Sobre esse assunto, ver M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas..., v. 1, p. 440.
759 Art. 116, inciso II, da Lei n° 11.101/2005.
760 De acordo com SÉRGIO CAMPINHO. Falência e Recuperação de Empresa. O Novo Regi-
me da Insolvência Empresarial. 4-1 edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 371: "Visa,
pois, a ação revocatória fazer voltar a certos atos praticados pelo devedor para torná-los
inoponfveis à massa falida. Em regra, vai identificar e atingir aqueles atos realizados anterior-
mente à decretação da falência, mas, excepcionalmente, pode vir a vincular alguns pratica-
dos após a sentença de quebra (art. 129, inciso VII). É, em essência, uma ação de reintegra-
ção do patrimônio do devedor, posta em favor dos seus credores, a fim de que não se
chancele a subtração de bens que o compõem, em prejuízo da massa falida. Não se trata de
buscar a declaração de nulidade ou promover a anulação do ato. Nem se cogita da sua
invalidade entre as partes que o praticaram, podendo, entre elas, até permanecer válido. Não
se investigam, necessariamente, vícios capazes de anular o ato. O que se pretende é tomar
o ato inoponível à massa e, tão-somente, em relação a ela".
761 ftira o ajuizamento da ação revocatória de que trata este artigo deverá ser observado o
disposto no art 129 da Lei n° 11.101/2005.
do que remanescer dessa parte do passivo; a restituição será havida, na
mesma proporção, de todos os acionistas cujas ações tenham sido re-
embolsadas 762 .
Caso o montante do valor devido aos acionistas que exerçam o
direito de retirada seja excessivo, a obrigação de pagar o reembolso pode
acarretar a descapitalização da companhia e, com isso, prejudicar a con-
tinuidade de suas atividades e projetos de desenvolvimento. Reconhe-
cendo tal situação, a L e i das S.A. permite que a companhia reconsidere
a decisão que motivou o exercício do direito de recesso, caso seus acio-
nistas entendam que o pagamento do valor de reembolso pode acarre-
tar riscos à sua estabilidade financeira (artigo 137, § 3 o ).

762 FÁBIO U L H O A C O E L H O . Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de


Empresas (Lei n° 11.101, de 9-2-2005). 6" edição, São Raulo: Saraiva, 2009, p. 350, ao
comentar o art. 129 da Lei 11.101/2005, que trata da ineficácia e da revogação de atos
praticados antes da falência, observa que: " O reembolso, à conta do capital social, quando
o acionista dissidente não foi substituído, em relação aos credores da sociedade falida
anteriores à retirada é uma hipótese de ineficácia de ato perante a massa falida prevista em
legislação societária (LSA, art. 45, § 8o). Embora prevista em norma abrigada fora da lei
falimentar, a ineficácia do reembolso submete-se, quanto ao mais, á disciplina dessa lei. Sua
declaração, assim, é feita segundo os preceitos estabelecidos para a dos demais atos objeti-
vamente ineficazes. Quer dizer, ela independe de ação revocatória. (...) uma vez substituído
o acionista desligado, reingressam na companhia recursos em montante equivalente aos do
reembolso, superando-se, assim, o aumento do risco. Não se verificando a substituição e
sobrevindo a falência, o acionista deverá restituir à massa falida o recebido a título de
reembolso, para satisfação dos credores existentes à data do exercício do direito de retirada
(que comporão, para esse efeito, um quadro em separado)".
CAPÍTULO SV

PARTES BENEFICIÁRIAS

Características

"Art. 46. A companhia p o d e criar, a qualquer tempo, títulos ne-


gociáveis, sem valor nominal e estranhos a o capital social, deno-
minados 'partes beneficiárias'.

§ I o A s partes beneficiárias conferirão aos seus titulares direito


de crédito eventual contra a companhia, consistente na partici-
pação nos lucros anuais (artigo 190).

§ 2 o A participação atribuída às partes beneficiárias, inclusive para


formação de reserva p a r a resgate, se houver, não ultrapassará 0,1
(um décimo) dos lucros.

§ 3 o E vedado conferir às partes beneficiárias qualquer direito


privativo de acionista, salvo o de fiscalizar, nos termos desta L e i ,
os atos dos administradores.

§ 4 o E proibida a criação de mais de u m a classe ou série de partes


beneficiárias."

A s partes beneficiárias constituem títulos que asseguram aos seus


titulares vantagens usualmente incompatíveis com sua contribuição
ao progresso da companhia, estando, assim, em fase de extinção. C o m
efeito, na prática do mercado, é cada vez mais rara a emissão de par-
tes beneficiárias.
A s partes beneficiárias são títulos emitidos pela companhia, sem
valor nominal e estranhos ao capital social, que conferem a seus ti-
tulares direito de crédito eventual contra a companhia, consistente
na participação nos lucros anuais em percentual prefixado763-764.
O direito de participação nos lucros atribuído às partes beneficiárias
deve constar dos estatutos da companhia, não podendo ultrapassar 0,1
(um décimo) dos lucros. Na hipótese de possuírem direito a resgate, a
companhia deverá criar reserva especial para esse fim específico que
será formada com o mesmo percentual de participação dos lucros de,
no máximo, 10% (dez por cento).
A base de cálculo da participação das partes beneficiárias no lu-
cro é o resultado do exercício, dele deduzindo os prejuízos acumula-
dos, se houver, a provisão para o imposto de renda, as participações
estatutárias dos empregados e administradores765-766.
Os titulares das partes beneficiárias não são acionistas da com-
panhia. É expressamente vedado conferir às partes beneficiárias qual-
quer direito privativo de acionista, salvo o de fiscalizar, nos termos da
Lei das S.A., os atos dos administradores. Assim, podem os titulares
de partes beneficiárias: (i) propor medidas judiciais contra os admi-
nistradores por atos praticados com violação da lei ou do estatuto que
lhes causem danos; e (ii) impugnar judicialmente o balanço, se irre-
gular. Havendo previsão estatutária, podem comparecer à assembleia
geral, porém sem direito de voto.

763 Sobre a origem das partes beneficiárias, crítica a esses títulos negociais e a sua regulação no
direito comparado, ver MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anô-
nimas. v. 1, 5 a edição, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 461-482.
764 . A Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, ao tratar das parles beneficiárias, dispôs
que "o Projeto mantém as partes beneficiárias, por sua utilidade na composição de interesses
quando a empresa requer contribuição especial, distinta da dos demais acionistas, principal-
mente se consiste em bem cujo valor somente pode ser realizado pelo seu uso; mas introduz
na legislação em vigor diversas inovações destinadas a evitar abusos da maioria na criação de
partes beneficiárias (...)".
765 O art. 189 da Lei das S.A. determina que "do resultado do exercício serão deduzidos, antes
de qualquer participação, os prejuízos acumulados e a provisão para o Imposto sobre a
Renda".
766 Estabelece o art. 190 da Lei das S.A. que "as participações estatutárias de empregados, adminis-
tradores e partes beneficiárias serão determinadas, sucessivamente e nessa ordem, com base nos
lucros que remanescerem depois de deduzida a participação anteriormente calculada".
Todas as partes beneficiárias emitidas por uma companhia asse-
o-uram iaaiais
í> o
direitos, isto é, não podem ter características _diferentes
umas das outras. Constituem, portanto, uma classe única. E por essa
razão que a Lei das S.A. expressamente determina que é proibida a
criação de mais de uma classe ou série de partes beneficiárias.
As partes beneficiárias estão em desuso, tendo em vista que a
sua existência reduz o valor das companhias no mercado, sem qual-
quer contrapartida financeira, quando atribuídas gratuitamente767-768.
Emissão
"Art. 47. As partes beneficiárias poderão ser alienadas pela com-
panhia, nas condições determinadas pelo estatuto ou pela assem-
bleia geral, ou atribuídas a fundadores, acionistas ou terceiros,
como remuneração de serviços prestados à companhia.

Parágrafo único. E vedado às companhias abertas emitir partes


beneficiárias." (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

A companhia pode criar partes beneficiárias na sua constituição


ou a qualquer tempo, mediante alteração do estatuto social, por meio
de deliberação da assembleia geral, sendo vedada, no entanto, a criação
de mais de uma classe ou série de partes beneficiárias (artigo 46, § 4o).
A deliberação da assembleia geral de emissão de partes beneficiárias
deverá ser aprovada por acionistas que representem metade, no mínimo,
das ações com direito a voto, salvo se o estatuto da sociedade fechada
exigir maior quorum (artigo 122, inciso VII, c/c artigo 136, inciso VIII).
Deverão constar do estatuto social ou da assembleia geral as condições
e procedimentos da emissão de partes beneficiárias.

767 De acordo com ALFREDO LAMY FILHO, "Partes Beneficiárias. Extinção Mediante Compra
para Posterior Capitalização dos Créditos - Voto dos Portadores dos Títulos - e Controladores
- na Assembleia Geral que Deliberou a Matéria". In: Temas de S.A. Rio de Janeiro: Renovar,
2007, p. 267, há "hoje uma forte tendência pela extinção das partes beneficiárias pelas
companhias que desejam seguir o rumo da modernização, atraindo investidores".
768 Ver os comentários ao art. 47 da Lei das S.A.
De acordo com o disposto no caput deste artigo, as partes bene-
ficiárias podem ser alienadas pela companhia, nas condições fixadas
pelo estatuto ou pela assembleia geral ou, ainda, atribuídas a funda-
dores, acionistas ou terceiros, como remuneração de serviços presta-
dos à companhia769. Na hipótese de serem alienadas pela companhia,
o produto da alienação deverá ser registrado como reserva de capital,
nos termos determinados pela Lei das S.A.770. E indispensável que a
atribuição de partes beneficiárias a fundadores, acionistas ou terceiros
seja feita a título de contraprestação de serviços prestados à compa-
nhia, sob pena de se caracterizar ato de liberalidade e abuso de poder.
De acordo com a redação original do parágrafo único, a criação
das partes beneficiárias em companhias abertas somente poderia ocorrer
para alienação onerosa. O único caso de atribuição gratuita nas
companhias abertas era o de cessão a sociedades ou fundações
beneficentes de seus empregados. Nas sociedades fechadas admitia-se
tanto a atribuição gratuita como a alienação onerosa de partes
beneficiárias. No entanto, a Lei n° 10.303/2001, dando nova redação
ao parágrafo único do artigo 47, proibiu a emissão de partes beneficiárias
pelas companhias abertas.
A Lei das S.A. confere o direito de preferência para subscrição
de partes beneficiárias conversíveis para alienação onerosa (artigo 171,
§ 3o), o que não ocorre na emissão gratuita desses títulos, em decor-

ROMANO CRiSTIANO. Características e Títulos da S.A. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1981, p. 95, ao tecer críticas sobre a existência das partes beneficiárias, observa que: "A
atribuição de partes beneficiárias a diretores (...) desvirtua o instituto, uma vez que o trabalho
dos diretores não pode em qualquer hipótese ser classificado como contribuição especial, e
permite seja burlada a lei na parte em que estabelece limites a remunerações mensais e gratifica-
ções anuais. A atribuição de partes beneficiárias a empregados ou a sociedades e fundações
benefícentes de empregados pode tornar-se incompatível - no sentido de prejudicial para a
empresa - com o reconhecimento legislativo, cada vez maior e mais preciso, do direito de cada
empregado a participar, individualmente, dos lucros da empresa. Por derradeiro, não se enten-
de, também, a emissão de partes beneficiárias para venda. Precisando de capitais, não tem a
empresa inúmeros outros meios para obtê-los, inclusive junto ao grande público?".
Consta da alínea "b" do § 1 o do art. 182 da Lei das S.A. que serão classificadas como
reservas de capital as contas que registrarem: "o produto da alienação de partes beneficiárias
e bônus de subscrição". Sobre esse assunto e a compatibilidade com as normas do IFRS, ver
os comentários ao art. 182 da Lei das S.A.
rência da natureza especial de tais negócios. Na emissão gratuita, as
partes beneficiárias são atribuídas a fundadores, acionistas ou tercei-
ros como remuneração de serviços prestados.
Resgate e conversão
"Art. 4 8 . 0 estatutofixaráo prazo de duração das partes beneficiá-
rias e, sempre que estipular resgate, deverá criar reserva especial
para esse fim.

§ I o O prazo de duração das partes beneficiárias atribuídas gra-


tuitamente, salvo as destinadas a sociedades ou fundações benefi-
centes dos empregados da companhia, não poderá ultrapassar 10
(dez) anos.

§ 2 o O estatuto poderá prever a conversão das partes beneficiárias


em ações, mediante capitalização de reserva criada para esse fim.

§ 3 o No caso de liquidação da companhia, solvido o passivo exigí-


vel, os titulares das partes beneficiárias terão direito de preferên-
cia sobre o que restar do ativo até a importância da reserva para
resgate ou conversão."

O estatuto deve fixar o prazo de duração das partes beneficiárias,


o qual não poderá ser superior a 10 (dez) anos quando elas forem
atribuídas gratuitamente, salvo as destinadas a sociedades ou funda-
ções beneficentes dos empregados da companhia. Ou seja, quando
gratuitas, não poderão ultrapassar 10 (dez) anos; e, quando alienadas
ou atribuídas a sociedades ou fundações beneficentes dos emprega-
dos da companhia, terão seu prazo de duração livremente fixado pelo
estatuto da companhia. No entanto, não podem, em nenhuma hipó-
tese, ter prazo indeterminado.
A parte beneficiária se extingue (i) pelo decurso de seu prazo,
ocasião em que cessa o seu direito de participação nos lucros da
sociedade; (ii) por meio do resgate; (iii) pela sua conversão em ações;
(iv) em conseqüência da liquidação da companhia; ou (v) por meio
de transação771.
Caso seja conferido às partes beneficiárias direito a resgate, a
companhia deverá criar reserva especial para esse fim específico (arti-
go 200, inciso III), que será formada com o mesmo percentual de
participação dos lucros de, no máximo, 10% (dez por cento)772-773. A '
Lei das S.A. prevê, também, que a reserva constituída com o produto
da venda de partes beneficiárias poderá ser destinada ao resgate des-
ses títulos (artigo 200, parágrafo único). Uma vez efetuado o resgate
de partes beneficiárias, deverá ser providenciado o cancelamento dos
certificados774, se houver, bem como dos registros constantes nos li-
vros próprios da companhia (artigo 50, § I o ) ou junto à instituição
depositária (artigo 50, § 2 o ).
De acordo com o § 2 o , o estatuto poderá, também, prever a con-
versão das partes beneficiárias em ações, mediante a capitalização da
reserva especial constituída para esse fim775. E indispensável à con-
versão a existência da reserva especial em montante suficiente ao aten-

771 Sobre a extinção das partes beneficiárias, ver LUIZ G A S T Ã O PAES DE BARROS LEÃES,
"Extinção Extraordinária de Parles Beneficiárias". In: Pareceres. v. I, São fciulo: Singular,
2004, p. 672-675.
772 Ver os comentários ao art. 46 da Lei das S.A.
773 Sobre o resgate, T R A J A N O DE M I R A N D A VALVERDE. Sociedades por Ações. v. I, 2 a
edição, Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 220, observa que: "com o objetivo de impedir que
as partes beneficiárias pesem, indefinidamente, sobre a sociedade anônima, manda a lei que
os estatutos criem um fundo de resgate delas, fixando as respectivas condições. Os estatutos,
portanto, seja ao se constituir a sociedade, seja em virtude de sua reforma deverão estabele-
cer: a) a percentagem que dos lucros há de ser retirada para a constituição do fundo de
resgate; b) o prazo para o resgate das partes beneficiárias; c) o preço dele, ou mediante que
elementos será o mesmo fixado; d) se o resgate se fará por meio de sorteio ou deverão, em
certa data, ser resgatadas todas as partes beneficiárias'".
774 Ver os comentários ao art. 49 da Lei das S.A.
775 Sobre a reserva para conversão de parles beneficiárias, a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 109/
1983, entendeu que "a reserva para conversão não está limitada pelo percentual máximo de
participação nos lucros determinado para a 'reserva de resgate' indicado na Lei n" 6.404/76
em seu artigo 46, § 2", mas está balizada pela disposição da lei societária em seu artigo 194,
inciso III, que disciplina os parâmetros para as reservas estatutárias, e pelas normas dos artigos
198 e 203 dessa lei, os quais impedem a apropriação dos lucros em prejuízo do dividendo
obrigatório e do dividendo da ação preferencial".
dimento do preço de emissão das ações776-777. Com a capitalização da
reserva haverá aumento do capital social com a conseqüente emissão
de novas ações; os antigos acionistas terão direito de preferência para
a subscrição das partes beneficiárias conversíveis em ações emitidas
para alienação onerosa; no entanto, não haverá direito de preferência
na conversão desses títulos em ações (artigo 171, § 3o)778.
0 § 3 o , por sua vez, determina que, no caso de liquidação da com-
panhia, solvido o passivo exigível, os titulares das partes beneficiárias
terão direito de preferência sobre o que restar do ativo até a importância
da reserva para resgate ou conversão. Portanto, se a companhia entra
em liquidação e existe reserva de resgate constituída para esse fim, os
titulares das partes beneficiárias possuirão direito de preferência sobre a
sobra do ativo até a importância dessa reserva.
Certificados

"Art. 49. Os certificados das partes beneficiárias conterão:

1 - a denominação 'Parte Beneficiária';

II - a denominação da companhia, sua sede e prazo de duração;

m - o valor do capital social, a data do ato que o fixou e o número


de ações em que se divide;

7/6 Sobre esse assunto, ver P H I L O M E N O J. DA COSTA. As Partes Beneficiárias. São Paulo:
Saraiva, 1965, p. 94.
777 Consta da Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, que "a conversão em capital
pressupõe a constituição de reserva com esse fim e será procedida mediante capitalização
dessa reserva".
778 Sobre a conversão de partes beneficiárias, JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Das Debên-
tures. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 228, conclui que: "(...) a conversão não depende
da vontade do titular da parte beneficiária; ademais, somente poderá ocorrer se a reserva para
tanto destinada acumular recursos bastantes; o custo das ações será o que corresponder ao
efetivo preço de emissão na data da conversão, pelo que o montante destinado ao resgate
será dividido pelo preço de emissão, de modo a determinar o número de ações por parte
beneficiária. A parte beneficiária conversível não ê, pois, um título de subscrição de ações (...).
A subscrição envolve um ato de vontade do subscritor, o que, nesta hipótese, inocorre. As
ações destinadas à conversão das partes beneficiárias serão distribuídas pela sociedade,
independentemente de subscrição, mediante a capitalização da reserva destinada ao resgate".
IV - o número de partes beneficiárias criadas pela companhia e o
respectivo número de ordem;

V - os direitos que lhes são atribuídos pelo estatuto, o prazo de


duração e as condições de resgate, se houver;

VI - a data da constituição da companhia e do arquivamento e


publicação dos seus atos constitutivos;

VII - o nome do beneficiário; (Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

VIII - a data da emissão do certificado e as assinaturas de dois


diretores." (Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

Face à extinção pela Lei n° 8.021/1990 dos títulos endossáveis e


ao portador, a Lei n° 9.457/1997 alterou o artigo 49 para eliminar a
referência à clausula ao portador e à possibilidade de transferência da
parte beneficiária por endosso.
Assim, tal como o certificado de ações779, o certificado de partes
beneficiárias foi derrogado pelo desuso780.
Não obstante, as partes beneficiárias podem ser objeto de certifi-
cados que as representem emitidos pela companhia e do qual consta-
rão: (i) a denominação "Parte Beneficiária"; (ii) a denominação da
companhia, sua sede e prazo de duração; (iii) o valor do capital social,
a data do ato que o fixou e o número de ações em que se divide; (iv) o
número de partes beneficiárias criadas pela companhia e o respectivo

Ver os comentários ao art. 23 da Lei das S.A.


Conforme observa MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anôni-
mas. v. 1, 5 a edição, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 545-546, "o certificado das partes
beneficiárias nominativas registradas (cf. art. 31) tem apenas existência no mundo da arte
grática, sem validade e eficácia para os efeitos de provar a propriedade e permitir a
negociabilidade do título. E também como já se viu, no capítulo das ações (arts. 23 e 24), as
partes beneficiárias (nominativasI escriturais (art 34) não podem incorporar-se num certifica-
do, pela sua própria natureza jurídica. Não se concebe aplicar a essa subforma de título
nominativo os elementos de literalidade que se conteriam num certificado eficaz".
número de ordem; (v) os direitos que lhes são atribuídos pelo estatu-
to, o prazo de duração e as condições de resgate, se houver; (vi) a data
da constituição da companhia e do arquivamento e publicação dos
seus atos constitutivos; (vii) o nome do beneficiário; e (viii) a data da
emissão do certificado e as assinaturas de 2 (dois) diretores.
Forma, propriedade, circulação e ônus
"Art. 50. As partes beneficiárias serão nominativas e a elas se apli-
ca, no que couber, o disposto nas seções V a VII do Capítulo III.
(Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

§ I o As partes beneficiárias serão registradas em livros próprios,


mantidos pela companhia. (Redação dada pela Lein° 9.457/1997)

§ 2 o As partes beneficiárias podem ser objeto de depósito com


emissão de certificado, nos termos do artigo 43."

As partes beneficiárias podiam adotar a forma nominativa, endos-


sável e ao portador. No entanto, como a Lei n° 8.021/1990 extinguiu
os títulos ao portador e endossáveis, as partes beneficiárias, assim como
os valores mobiliários'81, só podem ser nominativas ou escriturais.
A Lei das S.A. determina que a companhia deve manter o "Livro
de Registro de Partes Beneficiárias Nominativas" e o de "Transferência
de Partes Beneficiárias Nominativas" (artigo 100, inciso III). Assim
como ocorre com as ações nominativas, a propriedade desses títulos
presume-se pela inscrição do nome do seu titular no "Livro de Registro
de Partes Beneficiárias"782; ou pelo registro na conta de depósito de
partes beneficiárias aberta em nome do seu titular nos livros da
instituição depositária783, no caso de serem escriturais. A transferência

781 A Lei n° 10.303/2001, ao dar nova redação ao art. 2 o da Lei n° 6.383/1976, eliminou do
inciso l as partes beneficiárias, excluindo-as, assim, do rol de valores mobiliários sujeitos
ao regime dessa lei.
732 Ver os comentários ao art. 31 da Lei das S.A.
783 Ver os comentários ao art. 35 da Lei das S.A.
desses títulos opera-se por termo lavrado no "Livro de Transferência
de Partes Beneficiárias Nominativas", datado e assinado pelo cedente
e pelo cessionário, ou seus legítimos representantes (artigo 31, § I o );
pelo lançamento efetuado pela instituição depositária em seus livros,
a débito da conta de partes beneficiárias do alienante e a crédito da
conta do adquirente, à vista de ordem escrita do alienante, ou de
autorização ou ordem judicial (artigo 35, § I o ); ou, ainda, na hipótese
de transferência em virtude de transmissão por sucessão universal ou
legado, de arrematação, adjudicação ou outro ato judicial, ou por
qualquer outro título, mediante averbação no "Livro de Registro de
Partes Beneficiárias Nominativas" (artigo 31, § 2 o ).
As dúvidas suscitadas a respeito das averbações ordenadas pela
Lei das S.A., ou sobre anotações, lançamentos ou transferências de
partes beneficiárias nos "Livros de Registro e Transferência de Partes
Beneficiárias", serão dirimidas pelo juiz competente para solucionar as
dúvidas levantadas pelos oficiais dos registros públicos, excetuadas as
questões atinentes à substância do direito (artigo 103, parágrafo único).
As partes beneficiárias podem ser objeto de depósito com emis-
são de certificados, nos termos do artigo 43.
Por disposição expressa do caput deste artigo, aplicam-se às par-
tes beneficiárias as normas da Lei das S.A. objeto dos artigos 39 e 40
sobre a constituição de direitos reais e outros ônus sobre as ações
nominativas.

Modificação dos direitos


"Art. 51. A reforma do estatuto que modificar ou reduzir as van-
tagens conferidas às partes beneficiárias só terá eficácia quando
aprovada pela metade, no mínimo, dos seus titulares, reunidos
em assembleia geral especial.

§ I o A assembleia será convocada, através da imprensa, de acor-


do com as exigências para convocação das assembleias de acio-
nistas, com 1 (um) mês de antecedência, no mínimo. Se, após 2
(duas) convocações, deixar de instalar-se por falta de número,
somente 6 (seis) meses depois outra poderá ser convocada.

§ 2 o Cada parte beneficiária dá direito a 1 (um) voto, não poden-


do a companhia votar com os títulos que possuir em tesouraria.

§ 3 o A emissão de partes beneficiárias poderá ser feita com a no-


meação de agente fiduciário dos seus titulares, observado no que
couber, o disposto nos artigos 66 a 71."

A companhia, ao criar partes beneficiárias — seja na sua consti-


tuição ou em assembleia geral - , deve estabelecer os direitos que se-
rão a elas atribuídos. Caso, posteriormente, deseje modificar esses
direitos e vantagens, dependerá da aprovação de metade, no mínimo,
dos respectivos titulares reunidos em assembleia especial.
Na convocação da assembleia especial deverão ser observadas as
regras constantes do estatuto e da Lei das S.A. sobre o modo de con-
vocação784. A assembleia especial poderá ser convocada pela compa-
nhia, pelo agente fiduciário, se houver, ou por portadores de 10% (dez
por cento), no mínimo, dos titulares de partes beneficiárias (artigo 71,
§ I o ). A primeira convocação deve ser feita com, no mínimo, 30 (trin-
ta) dias de antecedência; caso a assembleia não se realize, será publi-
cado novo anúncio de segunda convocação. Na hipótese de também
não se realizar em segunda convocação, somente 6 (seis) meses de-
pois poderá ser convocada outra assembleia.
Nas deliberações em assembleia especial, cada parte beneficiária
terá direito a um voto e a companhia não pode votar com os títulos
que possuir em tesouraria.

784 Ver os comentários ao art. 124 da Lei das S.A.


O § 3 o permite que a emissão de partes beneficiárias seja feita
com a nomeação de agente fiduciário dos seus titulares, observa-
do, no que couber, o disposto nos artigos 66 a 71. Ou seja, os titu-
lares de partes beneficiárias podem ter o agente fiduciário como
seu representante, tornando mais simples e eficaz o exercício de
seus direitos. As atribuições dos agentes fiduciários serão as mes-
mas constantes da Lei das S.A. sobre os agentes fiduciários dos
debenturistas785.

785 Ver os comentários aos arts. 66 a 71 da Lei das S.A.


CAPÍTULO V

DEBÊNTURES

Características
"Art. 52. A companhia poderá emitir debêntures que conferirão
aos seus titulares direito de crédito contra ela, nas condições cons-
tantes da escritura de emissão e, se houver, do certificado." (Re-
dação dada pela Lei n° 10.303/2001)

A companhia pode obter os recursos necessários ao desenvolvi-


mento de suas atividades de várias formas: (i) autocapitalização; (ii)
emissão de ações; (iii) empréstimos junto ao sistema financeiro; e (iv)
empréstimos mediante a emissão de títulos de dívida, como são as
debêntures.
A Lei da S.A., ao disciplinar a matéria, visa a conciliar a necessá-
ria flexibilidade para a companhia na emissão das debêntures com a
defesa dos interesses dos tomadores dos títulos, os debenturistas.
A debênture confere ao seu titular um direito de crédito contra a
companhia emissora, cujas condições devem ser objeto de precisa
estipulação na escritura de emissão e no certificado, se houver. Tra-
ta-se de valor mobiliário que pode ser negociado no mercado de capi-
tais786-787-788

736 Art 2o, inciso I, da Lei n° 6.385/1976, com a redação dada pela Lei n° 10.303/2001.
787 Sobre a debênture como valor mobiliário, ver o Parecer CVM/PJU n° 019/2002.
783 Em 27.06.2011, entrou em vigor a Lei n° 12.431/2011 que, dentre outras providências,
alterou a redação dos seguintes dispositivos que tratam das debêntures: art 55, §§ 1° a 4o;
art. 59, §§ I o a 4o; e art. 66, § 3o, alfnea "a". De acordo com o edital de audiência pública
SDM n° 01/2011 da CVM, a Medida Provisória n° 517/2010, que deu origem à Lei n°
12.431/2011, teve por fim adequar o regime legal ao qual as debêntures estão sujeitas a
processos mais flexíveis de emissão e viabilizar a formação de um mercado secundário mais
dinâmico para esses título. Assim esclareceu que: "As alterações têm o intuito, principalmen-
te, de simplificar o processo de emissão de debêntures pelas companhias, oferecendo mais
flexibilidade na utilização de tais instrumentos, tornando possível a administração de riscos de
mercado e melhorando as condições para a sua negociação em mercados secundários. Os
principais objetivos da MP, no que diz respeito à Lei das S/A, são: i. flexibilizar a recompra de
A palavra "debênture", ainda que decorrente da prática financeira
inglesa, é de procedência latina, designando o devere, a dívida pecuniá-
ria; trata-se a debênture de documento comprobatório de uma dívida da
companhia789. Assim, designa o direito de crédito de seutitularcontra a
companhia emissora, em razão de um empréstimo por ela contraído790.
As debêntures, embora constituindo títulos há muito regulados
entre nós (desde 1893, mediante o Decreto n° 177-A) passaram a ser,
a partir da promulgação da Lei das S.A., utilizadas cada vez mais
intensamente pelas companhias no processo de financiamento de
suas atividades791.
A Lei n° 10.303/2001 alterou a redação do artigo 52 apenas para
deixar expresso que a emissão do certificado de debêntures é faculta-
tiva. Com a extinção, pela Lei n° 8.021/1990, dos títulos ao portador
e endossáveis, só se admite na Lei das S.A. debêntures nominativas
ou escriturais792. Assim, os certificados perderam a sua função, que
era a de materializar a titularidade das debêntures e os direitos de
crédito por elas conferidos793.

debêntures pelo emissor, permitindo uma melhor administração da exposição deste ao mer-
cado e de seu padrão de endividamento; ii. estabelecer a competência do conselho de
administração para a deliberação sobre emissão de debêntures de qualquer espécie, aí
incluídas as debêntures conversíveis, às quais se aplicarão as regras de capital autorizado
iii. permitir a realização de emissões concomitantemente, facultando um aproveitamen-
to mais eficiente, pelo emissor, de janelas de oportunidade para papéis com diferentes
características; (...) v. permitir a contratação de um mesmo agente fiduciário para diferentes
emissões de uma mesma companhia, nos termos da regulamentação a ser expedida pela
Comissão de Valores Mobiliários. Hoje, a demanda do mercado é maior do que a real oferta
de tais serviços, já havendo a CVM se deparado, por mais de uma vez, com pleitos de
flexibilização do regime."
789 Sobre a origem da expressão "debênture" e a sua história, ver WALDEMAR FERREIRA.
Tratado das Debêntures. v. I, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1944, p. 23 e seguintes.
790 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar,
1992, p. 86.
791 De acordo com a Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, o Projeto reformulou
inteiramente o instituto da debênture regulado pelo Decreto n° 177-A/1893, "expedido em
reação ao encilhamento de 1891, e cuja rigidez contribuiu para a pouca utilização, entre
nós, dessa modalidade de valor mobiliário como instrumento de financiamento da compa-
nhia mediante empréstimos distribuídos no mercado de capitais".
792 Ver os comentários ao art. 63 da Lei das S.A.
793 Sobre esse assunto, ver os comentários aos arts. 64 e 65 da Lei das S.A.
A propriedade da debênture nominativa presume-se pela inscri-
ção do nome do debenturista no "Livro de Registro de Debêntures
Nominativas" - embora este não esteja expressamente regulado pelo
artigo 100 - e a sua transferência ocorre por meio de termo assinado
no "Livro de Transferência de Debêntures Nominativas"; por essa
razão, o certificado não tem utilidade. As debêntures escriturais são
registradas nos livros da instituição financeira contratada para prestar
esse serviço e não comportam a emissão de certificados.
Atualmente, as debêntures constituem valores mobiliários de larga
utilização por parte das companhias abertas no processo de captação
de recursos do público investidor. Tal se deve ao adequado tratamento
que foi conferido à sua regulação, contido na Lei das S.A. e em al-
guns dispositivos da Lei n° 6.385/1976, assim como às vantagens
econômicas que usualmente apresentam para a companhia emissora:
taxas de juros inferiores às cobradas pelos bancos e maior prazo para
pagamento do mútuo794.
A debênture resulta de uma declaração unilateral de vontade da
companhia, manifestada por meio da escritura de emissão de debên-
tures'95-796 e, enquanto esses títulos não forem colocados em circula-
ção, têm eficácia restrita.
No momento em que são adquiridas por terceiros, a companhia
passa a ter uma dívida para com os tomadores das debêntures e estes

794 No que se refere à contabilização das debêntures, as companhias abertas devem observar
os seguintes Pronunciamentos Contábeis: (i) CPC 08 (RI) - "Custos de Transação e Prêmios
na Emissão de Títulos e Valores Mobiliários", aprovado pela Deliberação C V M n° 649/
2010; (ii) CPC 38 - "Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração", aprovado
pela Deliberação CVM n° 604/2009; (iii) CPC 39 - "Instrumentos Financeiros: Apresenta-
ção", aprovado pela Deliberação C V M n° 604/2009; e (iv) CPC 40 - "Instrumentos Finan-
ceiros: Evidenciação", aprovado pela Deliberação C V M n° 604/2009.
795 Ver os comentários ao art. 61 da Lei das S.A.
796 Sobre esse assunto, a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 037/1982, observou que: "(...) a
debênture, na sua criação, não nasce de um acordo bilateral em que as partes pudessem
convencionar garantias ou quaisquer cláusulas. Mas, configurando uma declaração unilate-
ral de vontade, a do emissor, o qual deve, na escritura de emissão, estabelecer as caracterís-
ticas, condições, garantias do papel, faculta a este determinar as cláusulas que melhor lhe
convenham. Cabe, ao tomador, avaliar o risco do papel, em face da capacidade da empresa
emissora e das garantias oferecidas".
um crédito contra a companhia, de acordo com as condições cons-
tantes da escritura de emissão.
A finalidade econômica da debênture consiste em possibilitar o
financiamento da companhia emissora, mediante empréstimo con-
traído junto a restrito círculo de pessoas (quando se trata de uma
emissão privada) ou mediante apelo à poupança popular (no caso de
emissão pública colocada no mercado de capitais). E uma forma de a
companhia contrair um empréstimo junto ao público, quando neces-
sita de recursos e não deseja recorrer às instituições financeiras nem
aumentar o seu capital social, com a emissão de novas ações, pois
essa alternativa pode não ser do interesse dos acionistas, tanto pelo
fato de não terem a intenção de subscrever ações quanto o de permi-
tir o ingresso de terceiros no capital da companhia79'.
Tendo em vista que as debêntures têm como finalidade econô-
mica proporcionar o financiamento da companhia emissora, a dou-
trina brasileira798 e estrangeira799 são praticamente unânimes em

797 Sobre esse assunto,. FRANCISCO JOSÉ PINHEIRO GUIMARAES, "Debêntures". In: Alfredo
Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de
Janeiro: Forense, 2009, p. 582, observa que: "As condições de mercado, o destino a ser dado
aos recursos captados, a expectativa de retorno do investimento ou, ainda, o excesso de capita!
de risco na composição do capital total da companhia são alguns dos fatores que podem
justificar o desinteresse dos acionistas em aportar capital de risco adicional na companhia. Por
outro lado, as características financeiras do empréstimo pretendido pela companhia -geralmen-
te por prazo mais longo e a juros mais baixos do que os empréstimos bancários tradicionais -
podem não ser suficientemente atrativos para as instituições financeiras". De acordo com JOSÉ
EDWALDO TAVARES BORBA. Das Debêntures. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 7-8, a
debênture é uma alternativa à "contratação de um empréstimo bancário. Sendo, ordinariamen-
te, um título de longo prazo, presta-se a debênture a atender às necessidades de investimento
da sociedade, mediante a captação da poupança privada. 7\s taxas de juros das debêntures
flutuam, via de regra, muito abaixo das praticadas pelas instituições financeiras, e as condições
gerais da operação são normalmente mais flexíveis (...), as companhias emitem debêntures com
o objetivo de financiar os seus projetos de expansão e crescimento, ou até mesmo para reciclar
os seus débitos, substituindo dívidas mais onerosas e de curto prazo, por títulos com encargos
menores e prazos mais confortáveis".
798 J.X. CARVALHO DE MENDONÇA. Tratado de Direito Comercial Brasileiro, v. III, t. 3,
atualizado por Ruymar de Lima Nucci. Campinas: Bookseller, 2001, p. 123; WALDEMAR
FERREIRA. Tratado das Debêntures..., v. I, p. 225; FRAN MARTINS. Comentários à Lei das
Sociedades Anônimas, v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 302; ECBERTO LACERDA
TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades Anônimas no Direito
Brasileiro, v. 1, São Raulo: Ed. José Bushatsky, 1979, p. 346.
799 ANTONIO BRUNETTI. Trattado dei Diritto delle Società. v. II, 2" edição, Milão: A. Giuífre,
1948, p. 432; FRANCESCO GALGANO. La Società per Azioni, Lc Altre Società de Capitali,
caracterizá-las como um contrato de mútuo mercantil. Trata-se, na
realidade, de um mútuo de natureza especial, uma vez que a quantia
mutuada é dividida em frações, correspondentes ao número de de-
bêntures subscritas800.
Como a criação da debênture é negócio jurídico unilateral, a sua
emissão pode ser motivada por negócio distinto do mútuo, tal como
os de permuta e dação em pagamento. E possível que uma mesma
série tenha a sua colocação motivada por negócios jurídicos distintos,
como, por exemplo: uma parte da série é destinada a uma efetiva cap-
tação de recursos para a sociedade, outra parte a garantir suas obriga-
ções e, ainda, uma última parte à efetivação de doação a uma fundação
de empregados801. Assim, o mútuo não é a única hipótese a dar causa
a uma emissão de debêntures, que poderá originar-se, também, de ope-
rações de novação, transação, dação em pagamento, tendo por base a
quitação de dívidas anteriormente assumidas pela companhia ou obri-
gações contratuais. Pode, ainda, a emissão ter como causa a liquidação
de debêntures anteriormente emitidas e colocadas em circulação802.
As debêntures encontram-se, assim, vinculadas a um contrato
subjacente, cujos termos constam da escritura de emissão e dos pró-
prios certificados, se existentes. O titular da debênture é credor efeti-
vo e incondicional da companhia emissora, exceto nos casos de
debêntures com participação nos lucros803.

Le Cooperative. Bolonha: Zanichelli, 1981, p. 197; CIUSEPPE FERRI. Manuale di Diritto


Commerciale. 5 a ed., Torino: Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1980, p. 325; JEAN
GUYÉNOT. Cours de Droit Commercial. v. 2, Paris: Librairie du Jornal des Notaires ei des
Avocats, 1977, p. 634.
800 EDMUR DE ANDRADE NUNES PEREIRA NETO. Aspectos Jurídicos da Emissão de Debên-
tures Conversíveis em Ações. Dissertação de Mestrado da Faculdade de Direito da Univer-
sidade de São Paulo, 1986, p. 35 e seguintes.
801 JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Das Debêntures..., p. 20.
302 No mesmo sentido, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anôni-
mas. v. 1, 5 a edição, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 577; JOSÉ WALDECY LUCENA. Das
Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 1o a 120). v. I, Rio de Janeiro: Renovar,
2009, p. 527.
803 Ver os comentários ao art. 56 da Lei das S.A.
Não obstante consubstanciar a emissão de debêntures um único
débito, este é fracionado em títulos que conferem a seus titulares di-
reitos autônomos. Assim, a cada detentor das debêntures cabe um
direito singular de crédito perante a companhia emitente, na propor-
ção do valor com que tal fração concorre para o mútuo formado pela
comunhão de todos os tomadores804.
Embora cada debênture seja um título autônomo, há uma vincu-
lação aos demais títulos da mesma série ou emissão relativamente aos
privilégios, garantias e comunhão de interesses. Uma das principais
características do empréstimo debenturístico é a de ser unitário. Os
debenturistas são vinculados por uma comunhão de interesses, que tem
por fim a realização dos direitos de crédito decorrentes do mútuo, que
deverá ser sempre unitariamente considerado805. O agente fiduciário
representa a comunhão dos debenturistas perante a companhia emis-
sora806. Ademais, os debenturistas podem reunir-se em assembleia ge-
ral para deliberar sobre matéria de seu interesse comum (artigo 71).
Tendo em vista as suas características, as debêntures são incluí-
das na categoria dos títulos de crédito807. O Código de Processo Civil,
também evidencia, de maneira inequívoca, a natureza jurídica da de-
bênture como um título de crédito, ao listá-la como título executivo
extrajudicial ao lado da letra de câmbio, da nota promissória, da dupli-
cata e do cheque808.

804 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas..., v. 1, p. 578.


805 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas..., v. 1, p. 567.
806 Sobre os deveres e atribuições do agente fiduciário, ver os comentários ao art. 68 da Lei das S.A.
807 Sobre esse assunto, WILSON DE S O U Z A CAMPOS BATALHA. Sociedades Anônimas e
Mercado de Capitais, v. 1, Rio de Janeiro: Forense, 1973, p. 335, entende que "a debên-
ture constituí título de crédito representativo de parcela de empréstimo. O empréstimo é um
só, embora cada credor tenha um título negociável, representando parcela desse emprésti-
mo. A subscrição da debênture forma o contraio de empréstimo entre o debenturista e a
sociedade." No mesmo sentido, EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSI: ALEXANDRE TAVARES
GUERREIRO. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro..., v. 1, p. 348; e JOÃO LUIZ
COELHO DA ROCHA e MARCELLE FONSECA LIMA, "Os Valores Mobiliários como Títulos
de Crédito", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo:
Malheiros, v. 119, julho-setembro, 2000, p. 139.
808 Art. 585, inciso i, do Código de Processo Civil, com as alterações introduzidas pela Lei nD
8.953/1994.
A caracterização da debênture como título de crédito não terá
que observar, necessariamente, o processo tradicional de cartulariza-
ção. De fato, com a desmaterialização dos títulos de crédito, a cártula
de papel foi substituída pela cártula eletrônica ou registraria. A de-
bênture escriturai está compreendida nesse processo de desmateriali-
zação dos títulos de crédito, entendendo-se que a sua cartularidade
corresponde ao lançamento estampado nos sistemas de registro809-810.
Não obstante a debênture escriturai apresentar a condição de
um título imaterial, ela preserva todas as prerrogativas próprias de um
título de crédito, inclusive a de ser um título executivo extrajudicial.
Os tribunais, inclusive, já reconheceram que a inexistência do certifi-
cado não afeta a natureza jurídica da debênture como um título de
crédito com eficácia executiva811.
As debêntures são, portanto, títulos de crédito emitidos em mas-
sa e fungíveis. Cada debênture é título distinto; no entanto, as debên-
tures da mesma série têm igual valor nominal e conferem a seus
titulares os mesmos direitos (artigo 53, parágrafo único).
As debêntures distinguem-se das ações porque estas represen-
tam frações em que se divide o capital social e o conjunto de direitos
e obrigações do acionista; já as debêntures representam uma dívida
da companhia e conferem a seus titulares um crédito contra ela. Os
acionistas apenas recebem dividendos se a companhia possuir lucro
disponível; a debênture possui, em princípio, renda prefixada e deve
ser liquidada na data de seu vencimento. As debêntures diferem tam-
bém das partes beneficiárias, pois, embora ambas sejam títulos estra-
nhos ao capital social e confiram aos seus titulares um direito de crédito

809 Sobre a desmaterialização dos títulos de crédito, ver NELSON EIZIRIK. Temas de Direito
Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 413-419.
810 JOSÉ EDWALDO TAVARES. Das Debêntures..., p. 126.
811 Ver decisão da 3 a Turma do Superior Tribunal de Justiça proferida no julgamento do Agravo
Regimental ao Agravo de Instrumento n° 107.738-SP, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, j. em
14.10.1997, publicado no DJU em 09.12.1997.
contra a companhia, o crédito das partes beneficiárias é eventual, tendo
em vista o pagamento depender da existência de lucros; o crédito das
debêntures é certo, pois no seu vencimento deverão ser resgatadas
pela companhia.
A Lei das S.A. distingue 2 (dois) momentos no negócio jurídico da
debênture: a emissão, enquanto manifestação de vontade da companhia
(artigos 53,59 e 60) e a subscrição (artigo 57, § I o ), enquanto manifesta-
ção, por parte dos tomadores, da aceitação da oferta da companhia812.
De todos os tipos de sociedades, civis e comerciais, somente as
sociedades anônimas e comanditas por ações (artigo 280 c/c artigo
283) podem emitir debêntures. E vedado às instituições financeiras a
emissão de debêntures813-814 (p-se&); aquelas que não recebem depósitos

812 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art.-53 da Lei das S.A.
813 Não obstante a vedação da emissão de debêntures por parte das instituições financeiras, foi
promulgada a Lei n° 12.249/2010 decorrente da conversão da Medida Provisória n° 472/2009,
que trata, entre outros assuntos, da letra financeira. Os arts. 37 a 43 dispõem que: "Ari 37. As
instituições financeiras podem emitir Letra Financeira - LF, título de crédito que consiste em
promessa de pagamento em dinheiro, nominativo, transferível e de livre negociação. Art. 38. A
Letra Financeiraserá emitida exclusivamente sob a forma escriturai, mediante registro em sistema de
registro e de liquidação financeira de ativos autorizado pelo Banco Central do Brasil, com as
seguintes características: I - a denominação Letra Financeira; II -o nome da instituição financeira
emitente; III-o número de ordem, o locale a data de emissão; IV-o valor nominal; V- a taxa de
juros, fixa ou flutuante, admitida a capitalização; VI-a cláusula de correção pela variação cambial,
quando houver; VII - outras formas de remuneração, inclusive baseadas em índices ou taxas de
conhecimento público, quando houver; VIII - a cláusula de subordinação, quando houver; IX
-a data de vencimento; X-o local de pagamento; XI-o nome da pessoa a quem se deve pagar;
Xtl - a descrição da garantia real ou fidejussória, quando houver; XIII - a cláusula de pagamento
periódico dos rendimentos, quando houver. § i" A Letra Financeira é título executivo extrajudicial,
que pode ser executado independentemente de protesto, com base em certidão de inteiro teor
dos dados informados no registro, emitida pela entidade administradora do sistema referido no
caput § 2° A Letra Financeira pode, dependendo dos critérios de remuneração, gerar valor de
resgate inferior ao valor de sua emissão. § 3° A transferência de titularidade da Letra Financeira
efetiva-se por meio do sistema referido no caput deste artigo, que manterá registro da seqüência
histórica das negociações. Art. 39. A distribuição pública de Letra Financeira observará o disposto
pela Comissão de Valores Mobiliários. An 40. A Letra Financeira pode ser emitida com cláusula de
subordinação aos credores quirografários, preferindo apenas aos acionistas no ativo remanescen-
te, se houver, na hipótese de liquidação ou falência da instituição emissora. Parágrafo único. A
Letra Financeira de que trata o caput pode ser utilizada como instrumento de dívida, para fins de
composição do capital da instituição emissora, nas condições especificadas em regulamento do
CMN. Art. 41. Incumbe ao CMN a disciplina das condições de emissão da Letra Financeira, em
espec/a / os seguintes aspectos: I -o tipo de instituição financeira autorizada à sua emissão; II-a
utilização de índices, taxas ou metodologias de remuneração; III - o prazo de vencimento, não
inferior a 1 (um) ano; IV - as condições de resgate antecipado do título, que somente poderá
ocorrerem ambiente de negociação competitivo, observado o prazo mínimo de vencimento; e V
- os limites de emissão, considerados em função do tipo de instituição financeira. Art. 42.
do público podem emitir debêntures, desde que previamente autori-
zadas pelo Banco Central do Brasil, em cada caso815. As companhias
securitizadoras de créditos financeiros podem emitir, para distribui-
ção pública, debêntures simples, de acordo com as normas da Comis-
são de Valores Mobiliários816.
Enquanto a companhia visa, por meio da emissão de debêntu-
res, a captar recursos para financiar suas atividades, o debenturista, ao
subscrever as debêntures e pagar à companhia o preço de emissão,

Aplica-se à Letra Financeira, no que não contrariar o disposto nesta Lei, a legislação cambial.
Parágrafo único. O Banco Central do Brasil produzirá e divulgará, para acesso público por
meio da internet, relatório anual sobre a negociação de Letras Financeiras, com informações
sobre os mercados primário e secundário do título, condições financeiras de negociação,
prazos, perfil dos investidores e indicadores de risco, quando houver. Ari 43. As instituições
financeiras podem emitir Certificado de Operações Estruturadas, representativo de operações
realizadas com base em instrumentos financeiros derivativos, nas condições especificadas em
regulamento do CMN." Sobre a Letra Financeira, ver, também, as Instruções C V M n™ (i) 400/
2003, art. 13-A; (ii) 476/2009; e (iii) 480/2009, art. 7°. A CVM, em 16.12.2010, editou a
Instrução C V M n° 488/2010, que alterou e acrescentou artigos às Instruções CVM n™ 400/
2003, 476/2009 e 480/2009, com o objetivo de regulamentar as ofertas públicas de
distribuição de Letras Financeiras.
81 4 A Resolução CMN n° 3.836/2010 dispõe sobre a emissão de Letra Financeira por parte das
instituições financeiras que especifica, informando que se trata de uma espécie de debên-
ture das instituições financeiras, pois constitui instrumento de captação de recursos de
longo prazo. É um título de crédito que consiste em promessa de pagamento em dinheiro,
nominativo, transferível e de livre negociação e pode ser emitida com cláusula de subordi-
nação aos credores quirografários, preferindo apenas aos acionistas no ativo remanescente,
se houver, na hipótese de liquidação ou falência da instituição emissora. Estão autorizados
a emitir Letras Financeiras: (i) os bancos múltiplos, (ii) os bancos comerciais, (iii) os bancos
de investimento, (iv) as sociedades de crédito, financiamento e investimento, (v) as caixas
econômicas, (vi) as companhias hipotecárias e (vii) as sociedades de crédito imobiliário. A
Letra Financeira tem prazo mínimo de 2 (dois) anos, vedado o resgate, total ou parcial,
antes do vencimento pactuado, e com valor nominal unitário mínimo de R$ 300.000,00
(trezentos mil reais). A Letra Financeira pode ter como remuneração taxa de juros prefixada,
combinada ou não com taxas flutuantes, sendo vedada a emissão com cláusula de variação
cambial. É admitido o pagamento periódico de rendimentos em intervalos de, no mínimo,
180 (cento e oitenta) dias. A Resolução CMN n° 3.933/2010, regulou a emissão de Letra
Financeira pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
815 Art. 35, parágrafo único, da Lei n° 4.595/1964, com a redação dada pelo Decreto-Lei n°
2.290/1986.
81 6 Instrução CVM n° 281/1998, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n05 307/
1999 e 480/2009. Constam do Anexo 32 - II da Instrução C V M n° 480/2009 regras
específicas para securitizadoras, determinando que os emissores que tenham como objeto
a securitização de créditos devem acrescentar ao formulário de informações trimestrais -
1TR e ao formulário de demonstrações financeiras padronizadas - DFP, "as informações
financeiras independentes relativas a cada um dos patrimônios separados por emissão de
certificados de recebiveis ou debêntures em regime fiduciário." (art. I o , inciso II).
tem a expectativa de receber determinada remuneração. Na data de
vencimento das debêntures, a companhia deverá resgatá-las, pagan-
do o valor devido aos debenturistas, com o objetivo de devolver o
dinheiro que lhe foi emprestado.
Normalmente a debênture atribui uma remuneração ao seu titular,
que. consiste no pagamento de correção monetária (artigo 54, § I o ) 817 e
determinada taxa de juros, fixa ou variável, especificada na escritura de
emissão818; no entanto, é possível a emissão de debêntures que assegu-
rem apenas participação nos lucros e prêmio de reembolso819. As com-
panhias podem emitir debêntures com a finalidade de mantê-las em
tesouraria e, posteriormente, definir o momento mais adequado para
colocá-las em circulação; enquanto permanecerem em tesouraria, não
terão os direitos das debêntures já lançadas, tais como: amortização, o
de votar em assembleia de debenturistas e o de receber remuneração.
Todas as debêntures têm valor nominal expresso em moeda
nacional, salvo o caso de obrigação que tenha o pagamento estipulado
em moeda estrangeira820, e podem ser emitidas por companhias abertas
ou fechadas. As companhias fechadas podem emitir debêntures, desde
que não sejam conversíveis ou permutáveis por ações, destinadas a
agentes financeiros específicos ou por meio de subscrição pública.
A Comissão de Valores Mobiliários, ao regular as ofertas públi-
cas de valores mobiliários distribuídas com esforços restritos, deter-
minou que (i) estão dispensadas do registro de distribuição de que
trata o artigo 19 da Lei n° 6.385/1976 e a elas não se aplicam as
normas da Autarquia relativas ao procedimento de distribuição de

817 A Lei n° 12.431/2011, com o fim de solucionar uma distorção que já havia sido identificada
pelo mercado, tratou da correção monetária das debêntures nos seguintes termos: "Art. 8o
As debêntures e as letras financeiras podem sofrer correção monetária em periodicidade igual
àquela estipulada para o pagamento periódico de juros, ainda que em periodicidade inferior
a um ano".
818 Ver os comentários aos arts. 54 e 61 da Lei das S.A.
819 Ver os comentários ao art. 56 da Lei das S.A.
820 Ver os comentários ao art. 54 da Lei das S.A.
valores mobiliários821; (ii) deverão ser destinadas exclusivamente a in-
vestidores qualificados e intermediadas por integrantes do sistema de
distribuição de valores mobiliários822; (iii) será admitida a procura de,
no máximo, 50 (cinqüenta) investidores qualificados e as debêntures
ofertadas deverão ser subscritas por, no máximo, 20 (vinte)823. Ade-
mais, tais companhias fechadas ficam sujeitas a: (i) submeter suas
demonstrações financeiras a auditoria, por auditor registrado na Co-
missão de Valores Mobiliários; (ii) divulgar suas demonstrações fi-
nanceiras, acompanhadas de notas explicativas e parecer dos auditores
independentes; (iii) observar as regras sobre dever de sigilo e vedação
às negociações824; e (iv) divulgar por meio da rede mundial de com-
putadores a ocorrência de fato relevante, comunicando imediatamente
ao intermediário líder da oferta825.
A emissão de debêntures pode ser pública ou particular. Na hi-
pótese de emissão pública, a companhia deve observar as disposições
legais e regulamentares sobre o seu registro na Comissão de Valores
Mobiliários826-827 e fica submetida às normas que regulam as ofertas

821 Arts. 5 o e 6 o da Instrução C V M n° 476/2009, com as alterações introduzidas pelas Instru-


ções C V M n w 482/2010 e 488/2010. Consta do § 1 o do art. I o que essa Instrução se aplica
exclusivamente às ofertas públicas de (i) notas comerciais; (ii) cédulas de crédito bancário
que não sejam de responsabilidade de instituição financeira; (iii) debêntures não conver-
síveis ou não permutáveis por ações; (iv) cotas de fundos de investimento fechados; (v)
certificados de recebfveis imobiliários ou do agronegócio; e (vi) letra financeira.
822 Art. 2° da Instrução C V M n° 476/2009.
823 Art, 3 o da Instrução C V M n° 476/2009, com a redação dada pela Instrução CVM n° 482/
2010. De acordo com o art. 15 e seu § 1°, incluído pela Instrução CVM n° 482/2010, os
valores mobiliários ofertados nos termos da Instrução C V M n° 476/2009 só poderão ser
negociados entre investidores qualificados, mas essa restrição deixará de ser aplicável "caso
o emissor tenha ou venha a obter o registro de que trata o art. 21 da Lei n° 6.385, de 1976".
824 Instrução CVM n" 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n" 369/
2002 e 449/2007.
825 Art. 17 da Instrução C V M n° 476/2009, com as alterações introduzidas pelas Instruções
CVM n» 482/2010 e 488/2010.
826 Consta do § I o do art. 4 o da Lei das S.A. que "somente os valores mobiliários de emissão de
companhia registrada na Comissão de Valores Mobiliários podem ser negociados no merca-
do de valores mobiliários". O art. 19 da Lei n° 6.385/1976 dispõe que "nenhuma emissão
pública de valores mobiliários será distribuída no mercado sem prévio registro na Comissão".
327 Sobre esse assunto, ver a Instrução C V M n° 480/2009, com as alterações introduzidas pela
Instrução CVM n° 488/2010, que dispõe sobre o registro de emissores de valores mobiliá-
rios admitidos à negociação em mercados regulamentados de valores mobiliários. Consta
públicas de distribuição de valores mobiliários828, salvo na hipótese de
ofertas públicas de valores mobiliários distribuídas com esforços res-
tritos, conforme acima analisado829. Essa Autarquia, no exercício de
suas atribuições, expediu normas sobre a obrigatoriedade para a com-
panhia que emitir debêntures para colocação pública de, além de re-
gistrar a emissão, prestar informações eventuais, periódicas830 e nomear
agente fiduciário dos debenturistas831.
A Comissão de Valores Mobiliários criou, em 2004, as debêntu-
res padronizadas com a finalidade de: (i) estimular o desenvolvimen-
to de um mercado transparente e líquido para títulos privados de renda
fixa; (ii) assegurar o acesso irrestrito dos investidores às ofertas de
distribuição desses títulos; e (iii) estabelecer as bases para que esse
mercado permita às companhias abertas a gestão eficiente do fluxo
de caixa, a qualquer tempo, ao custo financeiro mais adequado à per-
cepção do seu risco de crédito pelos investidores832. Tais títulos (i)

do art. 2° dessa Instrução que o emissor pode requerer o registro na C V M na categoria A ou B.


O registro na categoria A autoriza a negociação de quaisquer valores mobiliários do emissor em
mercados regulamentados de valores mobiliários. O registro na categoria B autoriza a negocia-
ção de valores mobiliários do emissor em mercados regulamentados de valores mobiliários,
exceto os seguintes valores mobiliários: "I - ações e certificados de depósito de ações; ou II -
valores mobiliários que confiram a seu titular o direito de adquirir os valores mobiliários menciona-
dos no inciso I, em conseqüência da sua conversão ou do exercício dos direitos que lhes são
inerentes, desde que emitidos pelo próprio emissor dos valores mobiliários referidos no inciso I ou
por uma sociedade pertencente ao grupo do referido emissor." (art. 2o).
828 Instrução C V M n° 400/2003, com as alterações introduzidas pelas Instruções C V M n« 429/
2006, 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 488/2010.
829 Não se aplicam às ofertas públicas distribuídas com esforços restritos a Instrução C V M
n° 400/2003, bem como as alterações introduzidas pelas Instruções C V M n° s 429/
2006, 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 488/2010, e as demais normas da C V M
relativas ao procedimento de distribuição de valores mobiliários específicos (art. 5 o da
Instrução C V M n° 476/2009).
830 Arts. 13 a 19, 21, 30, incisos I a IV e XVIII e 31, incisos I, III, IV e VIII, da Instrução C V M
n° 480/2009, com as alterações introduzidas pela Instrução C V M n° 488/2010.
831 Instrução C V M n° 28/1983, com as alterações introduzidas pelas Instruções C V M n"5 123/
1990 e 490/2011. Esta Instrução determina que da escritura de emissão pública de debên-
tures deverá constar, obrigatoriamente, a nomeação de um agente fiduciário para represen-
tar a comunhão dos debenturistas (art. 1o).
832 Instrução C V M n° 404/2004, que dispõe sobre o procedimento simplificado de registro e
padrões de cláusulas e condições que devem ser adotados nas escrituras de emissão de
debêntures destinadas à negociação em segmento especial de Bolsas de Valores ou entidades
do mercado de balcão organizado (ver art. I o , parágrafo único). De acordo com a Nota
Explicativa à Instrução CVM n° 404/2004, "um mercado com tais características pode auxiliar as
adotam o padrão de escritura de emissão estabelecido pela própria
Comissão de Valores Mobiliários - na qual é obrigatória a forma es-
criturai e que as debêntures sejam da espécie subordinada ou sem
preferência; (ii) são admitidos à negociação em segmento especial da
Bolsa de Valores ou entidade do mercado de balcão organizado833;
(iii) têm instituição financeira nomeada para a função de agente fi-
duciário dos debenturistas; e (iv) são objeto de atividade permanente
por parte dos formadores de mercado834-835.
A Comissão de Valores Mobiliários poderá deferir o registro de
distribuição pública das debêntures padronizadas mediante análise
simplificada dos documentos e das informações fornecidas. Ademais,
o exame dos requisitos para a distribuição pública dessas debêntures é
realizado por essa Autarquia de forma mais célere, ocorrendo o seu

companhias emissoras a reduzir sua vulnerabilidade às flutuações dos mercados internacio-


nais, na medida em que possam obter os recursos de longo prazo que necessitam no
mercado de capitais doméstico. Requisito básico para esse objetivo é a existência de um título
e de um mercado que, em face da simplicidade e uniformidade, permitam aos agentes
econômicos prescindir de complexas interpretações contratuais e cálculos sofisticados para
negociar. (...) 4 padronização das cláusulas reduzirá, substancialmente, o período de tempo
em que, anteriormente a cada negócio, os investidores e intermediários terão que dedicar à
leitura e compreensão das escrituras, não raro com necessidade do assessoramento de
especialistas. A familiaridade generalizada com esse contrato padronizado possibilitará a
realização de negócios no mercado secundário com a atenção concentrada no retorno
financeiro frente ao risco de crédito da empresa emissora".
833 O art. 6 o da Instrução C V M n° 404/2004 estabelece que as debêntures padronizadas são
negociadas em segmento especial de Bolsa de Valores ou entidade de mercado de balcão
organizado, que: (i) ofereça, de modo transparente, mecanismos de formação de preço
com amplo acesso dos investidores; (ii) promova cotações em percentual do valor do
principal dos títulos; e (iii) esteja integrado a câmaras de liquidação e custódia autoriza-
das a funcionar no País.
834 Nos termos do art. 2 o , inciso I, da Instrução CVM n° 404/2004, a escritura de emissão de
debêntures padronizadas deverá observar o padrão constante do seu Anexo I.
835 A Instrução C V M n° 404/2004 ao determinar que as debêntures padronizadas devem ser
objeto de "atividade permanente por parte dos formadores de mercado" visa à incrementação
do mercado secundário desses títulos, na medida em que o objetivo primordial dos market
makers é fomentar a liquidez de valores mobiliários negociados publicamente, mediante a
garantia de oferta de compra e venda de tais ativos. A atuação obrigatória de formadores de
mercado tem como finalidade propiciar a existência permanente de um valor indicativo
para a realização de negócios com as debêntures padronizadas. A atividade de formador de
mercado está regulada na Instrução CVM n° 384/2003 e deve, nos termos do art. 2", ser
exercida por pessoas jurídicas cadastradas junto às Bolsas de Valores e às entidades de
mercado de balcão organizado. A atuação do formador de mercado nos mercados de renda
fixa administrado pela BM&FBovespa está disciplinada na sua Resolução n° 300/2004-CA.
deferimento em, no máximo, 5 (cinco) dias úteis a contar da data do
protocolo do pedido836.

SEÇÃO B

DIREITO DOS DEBENTURISTAS

Emissões e séries
"Art. 53. A companhia poderá efetuar mais de uma emissão de
debêntures, e cada emissão pode ser dividida em séries.

Parágrafo único. As debêntures da mesma série terão igual valor


nominal e conferirão a seus titulares os mesmos direitos."

O negócio jurídico da debênture comporta 2 (duas) fases: (i) a


emissão propriamente dita, na qual produz-se uma manifestação de
vontade da companhia, formada de acordo com as normas legais e es-
tatutárias, cujo momento essencial é o da deliberação da assembleia
geral ou do conselho de administração, conforme o caso (artigo 59, §§
I o e 2o); e (ii) a subscrição, na qual os tomadores dos títulos manifestam
sua aceitação à oferta da companhia emissora, pagando o preço e tor-
nando-se, a partir daquele momento, credores da companhia837-838.
A emissão das debêntures constitui a sua criação e oferta aos
interessados. A palavra emissão (do latim emissione) significa o ato de

836 N E L S O N EIZIRIK, A R I Á D N A B. G A A L , F L Á V I A PARENTE e M A R C U S DE FREITAS


HENR1QUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2a edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 72.
837 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar,
1992, p. 86-89; NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS DE
FREITAS HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2a edição, Rio de Janeiro:
Renovar, 2008, p. 66. No mesmo sentido, LUIS DE A N G U L O RODRIGUES. La Financiación
de Empresas Mediante Tipos Especiales de Obligaciones. Bolonha: Real Colégio de Espana,
1968, p. 14 e seguintes.
838 Fiara TULLIO ASCAREILI. Sutidi in Tema di Società. Milano: Giuffrè, 1951, p. 33, porém, a
manifestação da empresa de emitir as debêntures constitui uma oferta ao público e a
subscrição uma aceitação da oferta, momento em que se aperfeiçoa o negócio de emissão.
produzir e mandar para fora, designando, portanto, o ato da compa-
nhia de criar debêntures e colocá-las à venda. Já a subscrição das de-
bêntures designa o ato mediante o qual os tomadores dos títulos
manifestam a sua aceitação, assinando o boletim de subscrição, tor-
nando-se, a partir daquele momento, debenturistas.
Assim, a assembleia geral ou o conselho de administração, con-
forme o caso, autoriza a emissão de debêntures e estabelece as suas
características839 e a escritura de emissão dá existência jurídica a esses
títulos. No entanto, para que as debêntures sejam colocadas em cir-
culação, é necessário o registro das garantias reais, se existentes, o
registro da própria escritura na Junta Comercial, e, tratando-se de
emissão pública, o registro na Comissão de Valores Mobiliários840.
A companhia pode efetuar mais de uma emissão de debêntures e
cada emissão pode ocorrer em série única ou em 2 (duas) ou mais séries.
As emissões podem ser concomitantes, ou seja, não há mais a obrigato-
riedade de colocação de todas as debêntures das séries de emissão ante-
rior e o cancelamento das séries não colocadas como condição para a
realização de uma nova emissão (artigo 59). As emissões concomitantes
foram introduzidas em nosso ordenamento jurídico por meio da Lei n°
12.431/2011 — que alterou o artigo 59 - , a fim de conferir um aproveita-
mento mais eficiente, pela companhia, face à oportunidade de emitir
títulos com diferentes características. A redação original do artigo 59
vedava a realização de uma nova emissão antes de colocadas todas as
debêntures das séries de emissão anterior ou canceladas as séries não
colocadas. Não era possível, também, negociar nova série da mesma
emissão antes de colocada a anterior ou cancelado o saldo não colocado.
Cada emissão de debêntures representa uma nova dívida contraí-
da pela sociedade. As séries são conjuntos de debêntures da mesma

839 Ver os comentários ao art. 59 da Lei das S.A.


840 Sobre a escritura de emissão e a obrigatoriedade de seu registro, ver os comentários aos arts.
61 e 62 da Lei das S.A.
emissão, porém representam títulos diferenciados. A emissão de de-
bêntures em séries decorre da decisão da companhia de obter recursos
à medida que julgá-los necessários aos seus interesses.
A Lei das S.A. determina que as debêntures da mesma série te-
rão igual valor nominal e conferirão a seus titulares os mesmos direi-
tos841. É obrigatória a igualdade de direitos dentro da série e não entre
as séries de uma mesma emissão. Ou seja, podem ser estabelecidas
diferentes condições para as várias séries, porém dentro de uma mes-
ma série as debêntures possuem idêntico valor nominal, a mesma
taxa de juros, prêmio de reembolso, participação no lucro ou conver-
sibilidade em ações, as mesmas condições de vencimento, amortiza-
ção e resgate842. Assim, cada nova série da mesma emissão será objeto
de aditamento à respectiva escritura (artigo 61, § 2 o ).
Valor nominal
"Art. 54. A debênture terá valor nominal expresso em moeda
nacional, salvo nos casos de obrigação que, nos termos da legislação
em vigor, possa ter o pagamento estipulado em moeda estrangeira.

§ I o A debênture poderá conter cláusula de correção monetária, com


base nos coeficientesfixadospara correção detítulosda dívida públi-
ca, na variação da taxa cambial ou em outros referenciais não expres-
samente vedados em lei. (Redação dada pela Lein° 10.303/2001)

§2° A escritura de debênture poderá assegurar ao debenturista a


opção de escolher receber o pagamento do principal e acessórios,
quando do vencimento, amortização ou resgate, em moeda ou

Sobre a unicidade do empréstimo na emissão de debêntures, ver J. X. C A R V A L H O DE


MENDONÇA. Tratado de Direito Comercial Brasileiro, v. II, t. 3, I. II, atualizado por
Ruymar de Lima Nucci. Campinas: Bookseller, 2001, p. 122.
JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Das Debêntures. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 32,
conclui que "as debêntures de uma série distinguem-se apenas quanto ao número seqüencial
que ostentam, o qual serve exatamente para identificá-las dentro da série de que participam".
em bens avaliados nos termos do artigo 8 o ." (Incluído pela Lei n°
10.303/2001)

As debêntures têm, obrigatoriamente, valor nominal. Este re-


presenta a quantia em que foi dividido o empréstimo contraído pela
companhia e o valor que a companhia pagará ao debenturista quando
da liquidação da debênture, acrescido da correção monetária, se hou-
ver843. As debêntures podem ser negociadas no mercado por valor
inferior ao nominal, mas serão sempre resgatadas pelo seu valor no-
minal, salvo quando previsto o prêmio de reembolso844-845. A coloca-
ção de debêntures por valor superior ao nominal não tem, em princípio,
qualquer atrativo econômico, pois um investidor dificilmente teria in-
teresse em pagar por uma debênture um valor maior do que aquele
que receberá quando do seu vencimento, amortização ou resgate. No
entanto, na hipótese de serem emitidas debêntures com participação
nos lucros ou conversíveis em ações, pode haver uma justificativa para
que sejam colocadas no mercado por preço superior ao nominal846.
O valor nominal não é o mesmo para todas as debêntures emitidas
pela companhia; o que determina a Lei das S.A. é que as debêntures da
mesma série terão igual valor nominal e conferirão aos seus titulares os
mesmos direitos (artigo 53, parágrafo único). A assembleia geral poderá
deliberar que a emissão terá valor e número de séries indeterminados,

843 A Lei n° 12.431/2011 tratou da correção monetária das debêntures nos seguintes termos:
"Art. 8° As debêntures e as letras financeiras podem sofrer correção monetária em periodici-
dade igual àquela estipulada para o pagamento periódico de juros, ainda que em periodici-
dade inferior a um ano".
844 Sobre o prêmio de reembolso das debêntures, ver os comentários ao art. 56 da Lei das S.A.
845 Quando o valor nominal é idêntico ao valor de emissão das debêntures, diz-se que as
debêntures foram emitidas "ao par" e quando o valor de emissão é inferior ao valor
nominal, diz-se que foram emitidas "abaixo do par".
Nesse sentido, LUIZ C A S T Ã O PAES DE BARROS LEÃES. Comentários à Lei das Sociedades
Anônimas, v. 2, São Paulo: Saraiva, 1978, p. 19; ERANCISCO JOSÉ PINHEIRO GUIMA-
RÃES, "Debêntures". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito
das Companhias, v. 1, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 588; JOSÉ WALDECY LUCENA.
Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 1° a 120). v. í, Rio de Janeiro: Renovar,
2009, p. 551. Em sentido contrário, FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades
Anônimas, v. |, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 322-323.
dentro dos limites por ela fixados (artigo 59, § 3o)847. A Lei das S . A
não fixou um valor mínimo para as debêntures, cabendo à assembleia
geral ou ao conselho de administração, quando for o caso, estabelecer o
valor que julgar conveniente.
O valor nominal deverá ser expresso em moeda nacional, salvo
nos casos de obrigação que, nos termos da legislação em vigor, possa
ter o pagamento estipulado em moeda estrangeira. São nulos de pleno
direito os contratos, títulos, obrigações e quaisquer documentos que,
exeqüíveis no Brasil, estipulem pagamento em moeda estrangeira848.
Essa vedação não se aplica, por expressa disposição legal, aos
empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor
seja pessoa residente e domiciliada no exterior849-850. Dessa forma,
uma emissão de debêntures que seja destinada à colocação no exterior
poderá ter seu valor nominal expresso em moeda estrangeira851. A

847 A CVM, por meio da Instrução C V M n° 194/1992, alterou o valor nominal unitário mínimo
para emissão de debêntures com cláusula de variação cambial previsto na Resolução C M N
n° 1.833/1991.
848 Art. I o do Decreto-Lei 857/1969, que consolidou a legislação sobre moeda de pagamen-
to de obrigações exeqüíveis no Brasil. Também tratam desse assunto as Leis n°s: (i) 7.801/
1989 (expediu normas de ajustamento do Programa de Estabilização Econômica, de que
trata a Lei n° 7.730/1989), art. 4 o , § 2 o ; (ii) 8.880/1994 (dispõe sobre o Programa de
Estabilização Econômica e o Sistema Monetário Nacional e instituiu a Unidade Real de
Valor), art. 6 o ; (iii) 9.069/1995 (que dispõe sobre o Plano Real, o Sistema Monetário
Nacional e estabelece regras e condições de emissão do Real e os critérios para conversão
das obrigações para o Real), art. 27; e (iv) 10.192/2001 (dispõe sobre medidas complemen-
tares ao Plano Real), art. 1 o , parágrafo único.
849 Consta do art. 2 o do Decreto-Lei n° 857/1969 que a vedação constante do art 1 o não se aplica
"I - aos contratos e títulos referentes a importação ou exportação de mercadorias; II - aos
contratos de financiamento ou de prestação de garantias relativos às operações de exportação de
bens de produção nacional, vendidos a crédito para o exterior; III - aos contratos de compra e
venda de câmbio em geral; IV — aos empréstimos e quaisquer outras obrigaçoes cujo credor ou
devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior, excetuados os contratos de locação de
imóveis situados no território nacional; V - aos contratos que tenham por objeto a cessão,
transferência, delegação, assunção ou modificação das obrigações referidas no item anterior,
ainda que ambas as partes contratantes sejam pessoas residentes ou domiciliadas no país.
Parágrafo único. Os contratos de locação de bens móveis que estipulem pagamento em moeda
estrangeira ficam sujeitos, para sua validade a registro prévio no Banco Central do Brasil".
850 O Código Civil dispõe no art. 318 que "são nulas as convenções de pagamento em ouro ou
em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da
moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial".
851 No mesmo sentido, EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREI-
RO. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São Raulo: Ed. José Bushatsky,
1979, p. 349-350; JOSÉ E D W A L D O TAVARES BORBA. Das Debêntures. Rio de Janeiro:
Lei das S.A. determina que as companhias brasileiras dependem de
prévia aprovação do Banco Central do Brasil para emitir debêntures
no exterior com garantia real ou flutuante de bens situados no País e
que, em qualquer caso, somente poderão ser remetidos para o exterior
o principal e os encargos de debêntures registradas nessa Autarquia
(artigo 73, uijnit e § 2 o ).
A Lei das S.A. permite, no § I o , a correção monetária do valor
nominal, desde que essa disposição conste da escritura de emissão
(artigo 59, inciso IV). O fundamento da correção monetária é o de
evitar prejuízo ao debenturista em função da desvalorização da moe-
da852-853. A Lei n° 10.303/2001 renumerou o parágrafo único desse
artigo para o atual § I o e deu ao mesmo nova redação, passando a
permitir a correção monetária do valor nominal das debêntures com
base em índices não expressamente vedados em lei854. Dessa forma, a

Renovar, 2005, p. 34. Este autor observa que a hipótese da debênture emitida em moeda
estrangeira não se confunde com a correção cambial do título: " O título emitido em moeda
estrangeira será resgatado na própria moeda de emissão, mediante o competente fechamen-
to do câmbio. Convém lembrar que a colocação desses títulos, tendo sido efetuada no
exterior, gerara, na oportunidade da colocação, um ingresso de divisas no país, com o
competente registro desse investimento no Banco Central do Brasil. Essa colocação de
debêntures no exterior poderá se fazer inclusive através do sistema de ADR's".
A correção monetária das debêntures foi inserida em nosso ordenamento jurídico por meio
da Lei n° 4.728/1965, cujo art. 26 determinava que: "As sociedades por ações poderão
emitir debêntures, ou obrigações ao portador ou nominativas endossáveis, com cláusula de
correção monetária, desde que observadas as seguintes condições: I - prazo de vencimento
igual ou superior a um ano; li - correção efetuada em períodos não inferiores a três meses,
segundo os coeficientes aprovados pelo Conselho Nacional de Economia para a correção
dos créditos fiscais; III - subscrição por instituições financeiras especialmente autorizadas
pelo Banco Central, ou colocação no mercado de capitais com a intermediação dessas
instituições." A Lei n° 12.431/2011, no art. 8o, tratou da correção monetária das debêntures
determinando que podem ser corrigidas monetariamente em periodicidade igual àquela
estipulada para o pagamento de juros, ainda que inferior a um ano.
853 A CVM, no ftirecer CVM/SJU n° 42/1982, se manifestou no sentido de que: "Ainda que não
estipulado o pagamento de juros, a debênture não pode deixar de oferecer uma vantagem
pecuniária ao debenturista, tendo em vista que a remuneração do capital é da própria
essência do empréstimo comercial. A debênture poderá deixar de prever a correção monetá-
ria do valor nominal das debêntures. Ê vedada a prefixação da correção monetária do valor
nominal das debêntures." No mesmo sentido é o Rarecer CVM/SJU n° 057/1982: "Constitu-
indo-se em faculdade, pode a debênture deixar de assegurar ao debenturista a sua liquidação
pelo valor nominal corrigido monetariamente."
Anteriormente à Lei n° 10.303/2001, várias discussões ocorreram sobre a permissão da corre-
ção monetária das debêntures com base na variação cambial e a periodicidade do .reajuste.
debênture poderá conter cláusula de correção monetária, com base
nos coeficientes fixados para correção de títulos da dívida pública, na
variação da taxa cambial ou em outros referenciais não expressamen-
te vedados em lei, tendo a companhia ampla liberdade na fixação
desses índices855; a periodicidade poderá ser igual à estipulada para
pagamento de juros, ainda que com freqüência inferior a um ano856.
A Lei n° 10.303/2001 também acrescentou o § 2 o a este artigo,
criando a opção em favor dos debenturistas, a ser estabelecida na
escritura de emissão, quando do vencimento, amortização ou resgate,
de receber o pagamento da obrigação representada pelas debêntures
em dinheiro ou bens avaliados por 3 (três) peritos ou empresa
especializada, nos termos do artigo 8 o da Lei das S.A. 857 . A razão da
avaliação é a necessidade de verificar a correspondência entre o valor
dos bens e o da dívida assumida pela companhia, a fim de que os
debenturistas possam exercer a opção quanto à moeda de pagamento.
A Lei das S.A. não determinou o momento da avaliação dos bens.
Cabe à assembleia geral ou ao conselho de administração, conforme o
caso, ao deliberar sobre a emissão de debêntures, definir, por exemplo,
os peritos ou a empresa especializada que procederá à avaliação dos

Sobre esses assuntos, ver M O D E S T O CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A.
São Paulo: Saraiva, 2002, p. 159-164.
855 A C V M e o BACEN, ao tratarem da remuneração das debêntures de distribuição pública,
determinaram na Decisão-Conjunta Bacen/CVM n° 013/2003 que alternativamente a uma
taxa de juros prefixada, taxa referencial - TR, taxa de juros de longo prazo - TJLP, taxa
básica financeira - T B F ou taxa flutuante, "é admitida a emissão de debêntures com cláusula
de correção, com base nos coeficientes fixados para correção de títulos da dívida pública
federal, na variação da taxa cambial ou em índices de preços, ajustada, para mais ou para
menos, por taxa fixa." (art. 2o). Determinou, ainda, no parágrafo único do mesmo artigo que
"na emissão de debêntures com cláusula de correção monetária com base em índice de
preços, deve ser atendido o prazo mínimo de um ano para vencimento ou repactuação e
observado que: I - o índice de preços deve ter série regularmente calculada e ser de
conhecimento público; II - a periodicidade de aplicação da cláusula de correção monetária
não pode ser inferior a um ano; III - o pagamento do valor correspondente à correção
monetária somente pode ocorrer por ocasião do vencimento ou da repactuação das debên-
tures; e IV -o pagamen to de juros e a amortização realizados em períodos inferiores a um ano
devem ter como base de cálculo o valor nominal das debêntures, sem considerar a correção
monetária de período inferior a um ano."
856 Art. 8o da Lei n° 12.431/2011.
857 Sobre a avaliação de bens, ver os comentários ao art. 8 o da Lei das S.A.
bens, ou determinar que os avaliadores serão indicados pelo agente
fiduciário, ou escolhidos pelos próprios debenturistas reunidos em
assembleia especial. A regra sobre a nomeação dos peritos, bem como
o momento em que a avaliação será realizada, deverá constar da escritura
de emissão, assim como a especificação dos bens que serão objeto do
pagamento das debêntures, à opção do debenturista. A avaliação pode
ser efetuada em momento imediatamente antecedente ao vencimento,
amortização ou resgate das debêntures858.
O laudo de avaliação dos bens objeto do pagamento das debên-
tures deverá ser aprovado em assembleia geral de acionistas, nos ter-
mos do/artigo 8o. Após a aprovação do laudo, cada debenturista terá a
opção entre receber o valor do seu crédito em moeda ou em bens e
direitos.
O § 2 o , acrescentado à Lei das S.A. pela Lei n° 10.303/2001,
apenas tornou expressa uma prática já difundida no mercado por meio
das chamadas "debêntures imobiliárias". Esses títulos já eram emitidos
no financiamento de grandes empreendimentos imobiliários, como
shopping centers que contam com investimentos de fundos de pensão.
Esses fundos, estando obrigados a observar certas limitações quanto
a tipos de ativos e montantes a serem investidos, adquirem essas
debêntures com a faculdade de, na data do vencimento, optar pelo
recebimento em dinheiro ou em unidades imobiliárias decorrentes
do empreendimento. Essa prática também era adotada pelo BNDES
Participações S.A. - BNDESPar, com a emissão das chamadas
"debêntures transformáveis". Os titulares dessas debêntures, na data
do vencimento, podem optar por receber seu pagamento em dinheiro
ou em ações de outra companhia, conforme estipulado na escritura
de emissão859.

858 No mesmo senlido, LUIZ L E O N A R D O CANTID1ANO. Reforma da Lei das S.A. Comentada.
Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 111-112; JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades
Anônimas - Comentários à Lei (arts. I o a 120)..., v. I, p. 549.
859 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A..., p. 165.
A opção quanto ao objeto do pagamento constitui obrigação al-
ternativa da companhia860. Constando a opção da moeda de paga-
mento da escritura de emissão, o debenturista terá o direito potestativo
de escolher, quando do vencimento, amortização ou resgate das de-
bêntures, como receberá o seu crédito: em dinheiro ou em bens, indi-
cados na escritura e avaliados pelos peritos861.
Vencimento, amortização e resgate
"Art. 55. A época de vencimento da debênture deverá constar da
escritura de emissão e do certificado, podendo a companhia esti-
pular amortizações parciais de cada série, criar fundo de amorti-
zação e reservar-se o direito de resgate antecipado, parcial ou total,
dos títulos da mesma série.

§ I o A amortização de debêntures da mesma série deve ser feita


mediante rateio. (Redação dada pela Lei n° 12.431/2011).

§ 2 o O resgate parcial de debêntures da mesma série deve ser


feito: (Redação dada pela Lei n° 12.431/2011).

I - mediante sorteio; ou (Incluído pela Lei n° 12.431/2011).

II—se as debêntures estiverem cotadas por preço inferior ao valor


nominal, por compra no mercado organizado de valores
mobiliários, observadas as regras expedidas pela Comissão de
Valores Mobiliários. (Incluído pela Lei n° 12.431/2011).

§ 3 o É facultado à companhia adquirir debêntures de sua emis-


são: (Redação dada pela Lei n° 12.431/2011).

860 O art. 252 do Código Civil, ao tratar de obrigações alternativas, dispõe que a escolha do
objeto do pagamento caberá ao devedor, salvo estipulação em contrário. Por sua vez, o §
2 o do art. 54 da Lei das S.A., incluído pela Lei n° 10.303/2001, determina que cabe ao
credor debenturista a escolha.
Consta do caput do art. 61 da Lei das S.A. que "a companhia fará constar da escritura de emissão
os direitos conferidos pelas debêntures, suas garantias e demais cláusulas ou condições".
I - por valor igual ou inferior ao nominal, devendo o fato constar
do relatório da administração e das demonstrações financeiras;
ou (Incluído pela Lei n° 12.431/2011).

II - por valor superior ao nominal, desde que observe as regras


expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários. (Incluído pela
Lein° 12.431/2011).

§ 4 o A companhia poderá emitir debêntures cujo vencimento


somente ocorra nos casos de inadimplência da obrigação de pa-
gar juros e dissolução da companhia, ou de outras condições pre-
vistas no título."

O vencimento, a amortização e o resgate são modos de extinção


das debêntures.
O vencimento da debênture constitui elemento essencial do ne-
gócio jurídico e deve, obrigatoriamente, constar da escritura de emis-
são, pois é a data estabelecida no contrato para a extinção da obrigação862.
A data de vencimento deve ser certa e determinada, à exceção das de-
bêntures perpétuas de que trata o § 4 o , pois é o momento em que o
pagamento pode ser exigido. Vencido o prazo para o pagamento das
debêntures e não pago o valor devido, o debenturista passa a ter o direi-
to de executar a companhia. Assim, o vencimento determina o início
da fluência dos juros de mora, fixa o termo inicial do prazo de prescri-
ção e permite a execução da dívida eventualmente não paga863.
A escritura de emissão poderá, ainda, prever a amortização e o res-
gate antecipado das debêntures, pois pode ser do interesse da companhia
liquidar o empréstimo de forma parcelada, periódica ou antecipada. Es-

862 Consta do art. 59, inciso VI, da Lei das S.A. que, na deliberação sobre emissão de debên-
tures deverá ser determinado, observado o que a respeito dispuser o estatuto, "a época e as
condições de vencimento, amortização ou resgate".
863 Sobre o prazo de prescrição para cobrança da dívida debenturística, ver os comentários ao
art. 287 da Lei das S.A.
sas operações, em geral, constam das escrituras de emissão, pois evitam o
desembolso pela companhia de quantias vultosas no momento do ven-
cimento das debêntures. Por meio da amortização e do resgate a compa-
nhia pode liberar-se antecipadamente das obrigações representadas pelas
debêntures, em épocas e nas condições fixadas na escritura de emissão.
A amortização é a operação mediante a qual a companhia efetua
pagamentos parcelados das debêntures antes do seu vencimento. A amor-
tização é parcial em relação ao valor da debênture e integral em relação
à série, pois se fosse relativamente ao valor do título, eqüivaleria ao res-
gate864. As debêntures amortizadas devem ser canceladas. A compa-
nhia pode, a seu critério, constituir um fundo de amortização para as
debêntures, que deverá constar da escritura de emissão, o qual é destina-
do a cobrir as despesas com o seu pagamento, de acordo com o crono-
grama de amortização865.
O resgate antecipado é o negócio jurídico por meio do qual a com-
panhia retira as debêntures de circulação antes do seu vencimento,
mediante o pagamento do seu valor. O resgate pode ser total ou parcial
das debêntures de uma série. O resgate é em relação ao valor integral da
debênture e pode alcançar somente uma parte da série, quando for par-
cial, ou toda a série, quando total. Ao contrário da amortização, o resga-
te é integral em relação à debênture e parcial em relação à série866.

864 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 1, 5 a edição,


Sao Paulo: Saraiva, 2007, p. 641, observa que a amortização parcial de debêntures é de
uso consagrado nas emissões de longo prazo, pois "seria pouco atrativo o título que previsse
o pagamento apenas ao final do prazo".
865 De acordo com F R A N C I S C O JOSÉ P I N H E I R O GUIMARÃES, "Debêntures". In: Alfredo
Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de
Janeiro: Forense, 2009, p. 592, "os procedimentos de constituição e funcionamento do
fundo de amortização devem ser descritos na escritura de emissão que especificará, entre
outros aspectos, a instituição financeira na qual será mantido o fundo de amortização, as
restrições de movimentação a que os recursos depositados no fundo de amortização ficarão
sujeitos, a periodicidade e o montante das contribuições para o fundo a serem feitas pela
companhia emissora, o montante total a ser depositado no fundo e o prazo para constitui-
ção desse montante."
866 JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 1° a 120). v. I,
Rio de Janeiro: Reno\ar, 2009, p. 554, ao tratar das diferenças entre a amortização e o resgate,
observa que: "Diferem-se em que a amortização é sempre referente a uma parle do valor do título
A escritura de emissão de debêntures em séries pode regular a
amortização e o resgate antecipado de apenas uma série ou estipular
condições diferentes de amortização e resgate para as diversas séries,
observada as regras do (i) § I o , no sentido de que a amortização de
debêntures da mesma série deve ser feita mediante rateio; e (ii) § 2 o ,
que estabelece que o resgate parcial de debêntures da mesma série
deve ser feito mediante sorteio ou, se as debêntures estiverem cotadas
por preço inferior ao valor nominal, por compra no mercado organi-
zado de valores mobiliários, observadas as regras expedidas pela Co-
missão de Valores Mobiliários867.
As cláusulas de amortização e resgate antecipado não são de es-
tipulação obrigatória e o debenturista não está compelido a aceitá-las,
caso não estejam expressamente reguladas na escritura de emissão.
Em princípio, a amortização e o resgate fixados na escritura de emis-
são são compulsórios para o debenturista, que, ao subscrever as de-
bêntures, aceita as suas condições. No entanto, é possível deixar ao
debenturista a opção de ter ou não seus títulos resgatados ou amorti-
zados na época acordada.
De acordo com a redação original do § I o , a amortização de de-
bêntures da mesma série que não tivessem vencimentos anuais dis-
tintos deveria ser realizada mediante sorteio, para que não ocorresse
discriminação entre os debenturistas. Porém, nos termos da Lei das
S.A. (artigo 53, parágrafo único), as debêntures da mesma série con-
ferem aos seus titulares os mesmos direitos, razão pela qual o venci-
mento é idêntico para todas as debêntures de uma mesma série868. Na

e integral (ou parcial) em relação à série; enquanto o resgate refere-se ao valor integral do
título, mas alcançando somente uma parte da série (resgate parcial), embora possa também
alcançar toda a série (resgate total). Daí que a amortização não pode ser do valor integral da
debênture, porquanto isso seria resgate; nem pode o resgate ser do valor parcial da debên-
ture, já que isso seria amortização. Ou seja, amortização - valor parcial da debênture e série
integral ou parcial; resgate = valor integral do título e série parcial ou integral."
367 Até setembro de 2011 a C V M não havia emitido ato normativo regulando o disposto no
inciso II, § 2o, do art. 55 da Lei das S.A.
868 Sobre esse assunto, JOSÉ E D W A L D O TAVARES BORBA. Das Debêntures. Rio de janeiro:
Renovar, 2005, p. 64, entende que o legislador no § 1° do art. 55 da Lei das S.A. "utilizou
hipótese de constar da escritura a amortização parcial de uma série
mediante o pagamento de um percentual de parte das debêntures em
circulação, o pagamento de cada parcela da amortização seria deter-
minado mediante sorteio869. Quando ocorresse a amortização de to-
das as debêntures de uma série, não haveria necessidade de sorteio,
pois a companhia pagaria igual valor a cada uma.
Ocorre que, em 27.06.2011, entrou em vigor a Lei n° 12.431/2011,
que alterou o disposto no § I o deste artigo, determinando que a amorti-
zação de debêntures da mesma série deve ser feita mediante rateio.
Ainda conforme a redação original do § I o , a mesma regra da
amortização aplicava-se ao resgate parcial de uma série: as debêntures
a serem resgatadas eram determinadas mediante sorteio, salvo se esti-
vessem cotadas por preço inferior ao valor nominal, hipótese em que a
companhia poderia efetuar o resgate antecipado por compra em Bolsa.
O sorteio tem por fim assegurar o tratamento igualitário aos debentu-
ristas; como será resgatada parte das debêntures de uma mesma série,
realiza-se o sorteio para definir quais os títulos serão objeto de resgate.
Com a promulgação da Lei n° 12.431/2011, parte da regra que
constava do § I o foi transferida para o novo § 2 o . Com efeito, a única
modificação introduzida no § 2 o foi a de que devem ser observadas as
regras expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários na hipótese
de resgate parcial das debêntures da mesma série mediante compra

terminologia inadequada, posto que, ao reportar a 'vencimentos anuais distintos', pretendia


na verdade, referir-se à série de debêntures cuja amortização se proceda mediante o paga-
mento anual, a cada debenturista, de uma parcela do valor de sua debênture. Nesse caso,
como a amortização aproveita todas as debêntures da série, o sorteio seria desnecessário. Os
'vencimentos anuais distintos' correspondem portanto às amortizações anuais de percentuais
de todos e de cada título da série. As amortizações que não alcançarem, de forma igualitária,
todas as debêntures da série, mas apenas uma parte, estas é que dependeriam de sorteio, de
modo a preservar o princípio da igualdade".
Consta do Parecer CVM/SJU n° 074/1982 que: " O parágrafo 1o do artigo 55 refere-se à
amortização de debêntures da mesma série que não tenham vencimentos anuais distintos.
Ora, se elas são da mesma série, terão o mesmo vencimento. Parece que a lei quis dizer
vencimentos anuais distintos para as amortizações estipuladas, o que se entenderia como
amortização de parte da série, isto é, apenas uma porcentagem das debêntures teria um
percentual de seu valor devolvido; explica-se o sorteio, mas não a compra em bolsa. Esta
apenas se justifica para o resgate que alcança o valor do título inteiro".
no mercado organizado de valores mobiliários, quando estiverem cota-
das por preço inferior ao seu valor nominal (inciso II).
De acordo com o disposto no antigo § 2 o , facultava-se à compa-
nhia adquirir debêntures de sua própria emissão, desde que por valor
io-ual ou inferior ao nominal, devendo o fato constar do relatório da
administração e das demonstrações financeiras. Esta regra foi inte-
gralmente reiterada pela Lei n° 12.431/2011 e consolidada no inciso
I do novo § 3 o . Essa aquisição independe de sorteio ou de previsão na
escritura de emissão; é uma faculdade concedida à companhia de,
possuindo recursos suficientes e disponíveis, diminuir o valor da sua
dívida, mas não obriga o debenturista à sua aceitação870-871-872.
Essas debêntures podem ser canceladas ou recolocadas em
circulação873-874(pseg). No caso de a companhia adquirir suas próprias

870 A CVM, no Fàrecer CVM/SJU n° 074/1982, em resposta à consulta sobre aquisição facul-
tativa de debêntures, se manifestou no sentido de que: "Facultativa para a companhia essa
forma de aquisição prevista no § 2° do artigo 55 da Lei n" 6.404/76 não precisa ser
dausulada na escritura de emissão, constitui negócio bilateral consensual, não obrigando o
debenturista à sua aceitação".
871 Sobre esse assunto, EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREI-
RO. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São Raulo: Ed. José Bushatsky,
1979, p. 351-352, observam que: "Silenciou a lei quanto à necessidade de dita aquisição
compreender todas as debêntures emitidas, de processar-se mediante sorteio ou compra em
bolsa e de efetuar-se à conta de lucros líquidos. Diante da omissão do legislador, presume-se
que tais requisitos não necessitem ser cumpridos, muito embora o princípio de igualdade de
tratamento a todos os debenturistas dentro da mesma série recomende, pelo menos o sorteio
ou a compra em bolsa, como meio de evitar fraudes, quando a aquisição não abranja todas
as debêntures emitidas ou todas da mesma classe. A lei, porém, contentou-se com exigir que
o fato conste do relatório da administração e das demonstrações financeiras".
872 Conforme observa FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. I, Rio
de Janeiro: Forense, 1977, p. 330, "a aquisição das debêntures pela sociedade também não
prejudica os acionistas, pois os juros que referidas debêntures deveriam vencer seriam tira-
dos, naturalmente, dos lucros sociais, em princípio distributíveis aos acionistas, não houvesse
esse encargo da sociedade".
873 Nesse sentido, JOSÉ E D W A L D O TAVARES BORBA, "Debêntures", Revista de Direito Mer-
cantil Industrial Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 26,
1977, p. 141, conclui que: "A aquisição distingue-se fundamentalmente do resgate, pois
que não extingue o título como este. A debênture adquirida nos termos do § 2o do art. 55
poderá ser recolocada no mercado pela sociedade quando lhe for oportuno. A aquisição
representa um bom instrumento para a sustentação do valor das debêntures no mercado.";
]OSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. I o a
120)..., v. I, p. 567. Em sentido contrário, FRAN MARTINS. Comentários à Lei das
Sociedades Anônimas..., v. I, p. 330, para quem essas debêntures devem ser, obrigatoria-
mente, canceladas.
debêntures por valor igual ou inferior ao nominal, a única exigência
legal é a de que a aquisição se revista de publicidade e divulgação; por
essa razão, a companhia deve fazer constar a aquisição de suas próprias
debêntures no relatório da administração e nas demonstrações con-
tábeis, uma vez que esses títulos constituem uma obrigação da com-
panhia, figuram em conta específica do seu passivo e a sua aquisição
implica redução dessa conta.
A Lei n° 12.431/2011 inovou acerca da aquisição, pela compa-
nhia, de debêntures de sua própria emissão, ao acrescentar o inciso II
ao novo § 3 o , admitindo tal aquisição inclusive por valor superior ao
nominal, desde que observadas as regras expedidas pela Comissão de
Valores Mobiliários875.
Na hipótese de recolocação das debêntures adquiridas pela com-
panhia, elas manterão as mesmas condições constantes da escritura
de emissão que lhes deram origem, pois não se trata de uma nova
emissão. A única alteração que pode ocorrer é nas condições de re-
muneração das debêntures, como, por exemplo, modificação da taxa
de juros876, pois este pode ter sido, inclusive, o motivo pelo qual a

874 Sobre esse assunto, a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 074/1982, entendeu que: "Estariam
deste modo juridicamente admitidas as situações de compra das suas debêntures pela
companhia, eis que a lei o permite expressamente, e a recolocação no mercado, posto que
a legislação reguladora dos títulos de crédito a faculta e a lei societária não a proíbe; antes,
remete a disciplina dos títulos para aquela legislação específica".
875 Até setembro de 2011 a C V M não havia editado ato normativo regulando o § 3 o , inciso II,
do art. 55 da Lei das S.A.
876 A C V M , no Parecer CVM/PJU n° 006/2001, ao analisar consulta sobre aquisição de
debêntures pela própria companhia para realização de alterações nas condições originai?
de emissão, se manifestou no sentido de que: "Não obstante expressamente autorizada por
lei a hipótese de aquisição de debêntures pela própria companhia emissora, não sendo
vedado que esta, concomitantemente como debenturista única, aprove alterações substan-
ciais nas condições da emissão, somente o registro próprio (e não mera 'atualização') dessa
outra emissão na CVM garante a efetiva e transparente divulgação de informações ao público
investidor, preservando os interesses e a credibilidade do mercado dc valores mobiliários. (...)
Entendemos, porém, que ao adquirir todas as debêntures e deliberar pela modificação das
condições da emissão, alterando prazo de vencimento e outras disposições, tudo com o
objetivo de, posteriormente, recolocar os valores mobiliários no mercado secundário em
condições que entende mais convenientes, a companhia esta*, na prática, incorrendo em
uma nova emissão pública, gerando, por conseqüência, a exigência do novo registro, à luz
do art. 19 da Lei ri" 6.385, de 1976, com vistas ao atendimento do caráter instrumental da
atuação da CVM, preconizado por Eizirik".
companhia adquiriu suas próprias debêntures: o debenturista pode
ter recusado a repactuação da taxa de juros877. A companhia, ao ad-
quirir suas próprias debêntures, pode encontrar, posteriormente, in-
vestidores interessados em comprá-las nas condições oferecidas aos
debenturistas e que não foram por eles aceitas878.
As debêntures adquiridas pela companhia podem ser objeto de
locação a terceiros; porém, como são títulos fora de circulação, não
poderão ser negociadas pelo locatário879.
O antigo § 3 o foi renumerado para § 4 o pela Lei n° 12.431/
2011. De acordo com este dispositivo é possível a emissão de debên-
tures cujo vencimento somente ocorra nos casos de inadimplemento
da obrigação de pagar juros e dissolução da companhia, ou de outras
condições previstas no título. São as -denominadas debêntures perpé-
tuas ou permanentes. O seu vencimento não é determinado, mas de-
terminável a sua ocorrência face à verificação de um dos casos
previstos na Lei das S.A. — inadimplemento da obrigação de pagar
juros e dissolução da companhia — ou outras hipóteses expressamen-
te definidas na escritura de emissão880.

877 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 56 da Lei das S.A.
878 Sobre a recolocação das debêntures, a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 074/1982, se mani-
festou no sentido de que essa operação "poderia efetivar-se a qualquer momento, como
negócio em mercado, por assim dizer espontâneo; ou, como se tem visto em cláusulas de
escritura de emissão de algumas companhias, associando-se o mecanismo àquele de altera-
ção nas condições de remuneração, pela variação das taxas de juros. Neste caso, quando o
debenturista não aceita as alterações propostas, a companhia se verá adstrita a adquirir seus
títulos, como forma de devolver-lhe o capital investido. (...) Desta forma, o mecanismo de
recolocação das debêntures, pela companhia que as tenha comprado, torna-se visível no
mercado, pelo sistema de publicidade e informação que a lei previu, prescindindo do exame
de mérito ou análise dos pressupostos financeiros da operação, os quais serão avaliados
pelos interessados à vista das informações prestadas pela emissora".
879 Conforme observa M O D E S T O CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anôni-
mas..., v. 1, p. 650, esses títulos "prestam-se a operações de locação a terceiros, que
necessitam caucioná-los em certames públicos ou destiná-los a qualquer outro fim lícito. Essa
prática de largo uso, tem trazido receitas adicionais à companhia emissora, correspondentes
ao valor dessa mesma locação. (...) não pode o locatário colocá-las em circulação, devendo
necessariamente retê-las em seu patrimônio. E por isso não podem esses títulos, enquanto
locados, ser apresentados para pagamento ou resgate ou ao exercício de quaisquer direitos
que não sejam aqueles de estrita conservação de direitos".
880 Assim se manifestou também a CVM no Rsrecer CVM/SJU n° 015/1988.
Juros e outros direitos
"Art. 56. A debênture poderá assegurar ao seu titular juros, fixos
ou variáveis, participação no lucro da companhia e prêmio de
reembolso."

A Lei das S.A. atribui à companhia a decisão quanto à definição


dos rendimentos que serão atribuídos às debêntures de sua emissão e
que deverão constar expressamente da escritura de emissão881. A com-
panhia pode optar pela fixação de uma taxa de juros, fixos ou variá-
veis, atribuir às debêntures apenas uma participação nos seus lucros,
ou, ainda, definir tão somente um prêmio de reembolso882.
Os rendimentos que a companhia pode atribuir às debêntures de
sua emissão - juros, participação no lucro e prêmio de reembolso - são
facultativos; não são, portanto, cumulativos ou obrigatórios. Poderão
ser atribuídas às debêntures todas as vantagens previstas neste artigo
ou apenas uma delas883. Ademais, nada impede que sejam estipuladas
outras vantagens às debêntures além das previstas neste artigo884.

881 Consta do inciso VII do art. 59 da Lei das S.A. que a assembleia geral deverá fixar,
observado o que a respeito dispuser o estatuto, "a época e as condições de pagamento dos
juros, da participação nos lucros e do prêmio de reembolso, se houver".
882 De acordo com a Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, "os artigos 53 a 57
asseguram à companhia ampla liberdade na definição das vantagens conferidas pelas debên-
tures aos seus titulares".
883 Nesse sentido, JOSÉ E D W A L D O TAVARES BORBA. Das Debêntures. Rio de Janeiro: Renovar,
2005, p. 45-46, ao observar que a Lei das S.A. utiliza no art. 56 a expressão "a debênture
poderá assegurai, conclui que: "Vê-se, portanto, que os juros, a participação nos lucros e o
prêmio de reembolso não são cumulativa ou alternativamente obrigatórios. Caberá, por conse-
guinte, à escritura de emissão escolher todas as vantagens a que se refere a lei, ou algumas delas
em conjunto, ou qualquer delas isoladamente." No mesmo sentido, M A R C O S S H I G U E O
TAKATA, "Debêntures, Inconfundibilidade com Mútuo: Natureza e Caracteres Jurídicos,
Alguns Aspectos Tributários". In: Roberto Quiroga Mosquera (Coord.). O Direito Tributário e
o Mercado Financeiro e de Capitais. São Raulo: Dialética, 2009, p. 347; JOSÉ W A L D E C Y
LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 1° a 120). v. I, Rio de Janeiro:
Renovar, 2009, p. 588-589. A C V M também se manifestou nesse sentido, no Rjrecer CVM/
SJU n° 057/1982. Em sentido contrário - entendendo que às debêntures devem sempre ser
atribuídos juros MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas,
v. 1, 5 a edição, São Raulo: Saraiva, 2007, p. 659; FRAN MARTINS. Comentários à Lei das
Sociedades Anônimas, v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 332.
884 Nesse sentido manifestou-se a C V M no Parecer CVM/SJU n° 042/1982: "Assim, ainda que
não se estipule juros, a debênture deve atribuir a seus tomadores outras vantagens pecuniárias,
como as enumeradas no artigo 56 da Lei das Sociedades por Ações - participação no lucro
Os juros constituem a remuneração do capital investido na aqui-
sição das debêntures e podem ser atribuídos a critério da companhia,
fixos ou variáveis. Os juros fixos são aqueles que definem um percen-
tual determinado, tendo a data de sua fluência definida na escritura
de emissão de debêntures. Os juros variáveis, por sua vez, são aqueles
que dependem da ocorrência de um evento futuro. Uma vez atribuí-
dos juros fixos às debêntures, deverá constar clara e expressamente da
escritura de emissão a taxa e a sua periodicidade e, na hipótese dos
juros variáveis, o modo de sua determinação885.
Tendo em vista que a debênture é um título de longo prazo e que
as taxas de juros no mercado sofrem mutações, 2 (duas) hipóteses po-
dem ocorrer: (i) a repactuação da taxa de juros; ou (ii) a previsão, na
escritura de emissão, de ajuste periódico dos juros. A repactuação cons-
titui renegociação da taxa de juros a cada período, ou seja, consta da
escritura de emissão uma taxa de juros que vigerá por um período deter-
minado e, a cada novo período, a companhia emissora fixará, de acordo
com os seus critérios, uma nova taxa de juros, a qual cada um dos de-
benturistas, poderá, de acordo com sua conveniência e interesse, aceitar
ou recusar, solicitando, nesse caso, o resgate antecipado de suas debên-
tures. O ajuste periódico das debêntures deve ser objeto de cláusula ex-
pressa na escritura de emissão, na qual a fórmula e as condições do

da companhia e/ou prêmio de reembolso. (...) Inexistindo na regulação pátria impedimento


legal, cabe a assertiva de que é permitida a atribuição de outras vantagens aos titulares de
debêntures, que a tornem mais atrativa e de mais fácil colocação no mercado." No mesmo
sentido é o Parecer CVM/SJU n° 057/1982.
885 Sobre a incidência de juros variáveis, a CVM, no Rarecer CVM/SJU n° 061/1980, manifestou-
se no sentido de que "(...) por ser de nossa tradição a certeza na determinação dos juros e para
que não fique ao arbítrio da companhia emissora a apuração de taxa ou para que a flexibi-
lidade não acabe por retirar do título a vantagem da remuneração do capital, que é um direito
dos debenturistas, seria conveniente: 1. A estipuiação de taxa ou índice mínimo, a partir do
qual haveria variação. 2. Indicação precisa dos índices a serem praticados de acordo com a
praxe do mercado. 3. Divulgação ampla das informações sobre essa modalidade de estipuia-
ção de juros. (...) A CONCLUSÃO à vista do exposto, põe-se em que a debênture. poderá
assegurar ao seu titular juros variáveis, devendo a assembleia geral fixar as condições de
pagamento dos juros, que constarão dos certificados, assim nada obsta a estipuiação de juros
com taxa apurada semestralmente de acordo com os índices praticados pelo mercado através
de cláusula clara, inequívoca e factível pela determinação da taxa ou índice mínimo (piso),
isto é, que resulte efetivamente em remuneração do capital aplicado na debênture".
ajuste encontram-se determinadas. Portanto, a nova taxa não é fixada
de acordo com um critério discricionário da companhia, mas tendo em
vista os parâmetros previamente fixados e aceitos pelos debenturistas.
Quando o mútuo tem fins econômicos, presumem-se devidos
juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa que
estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à
Fazenda Nacional886. Assim, na eventual e improvável hipótese de
não serem atribuídos juros às debêntures, é recomendável que esse
fato conste expressamente da escritura de emissão, pois uma vez
omitido, presumir-se-á que foi acordada a incidência da taxa legal887.
As debêntures destinadas à distribuição pública somente podem
ter (i) taxa de juros prefixada; e (ii) uma das seguintes remunerações
básicas, ajustada para mais ou para menos, por taxa fixa: (a) Taxa Re-
ferencial - T R ou Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP; (b) Taxa
Básica Financeira - TBF, que só pode ser adotada nas emissões de
debêntures efetuadas por sociedades de arrendamento mercantil e pelas
companhias hipotecárias; e (c) taxas flutuantes888.
A debênture poderá assegurar ao seu titular, além dos juros, fixos
ou variáveis, participação no lucro da companhia ou apenas essa modali-
dade de rendimento889. A debênture, a qual é atribuída apenas partici-
pação no lucro da companhia, tem um rendimento eventual e incerto,
vinculado à existência de lucro. É sobre o lucro do exercício que será

886 Art. 406 c/c o art. 591 do Código Civil.


887 Nesse sentido, JOSÉ W A L D E C Y LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei
(arts. I o a 120)...., v. I, p. 576.
888 Decisão-Conjunta BCB/CVM n° 13/2003. Com relação às taxas flutuantes, consta da Deci-
são-Conjunta que deverão ser atendidas as disposições constantes da Resolução C M N n°
1.143/1986, "observado que a taxa utilizada como referencial deve: 1. ser regularmente calcu-
lada e de conhecimento público; 2. Basear-se em operações contratadas a taxas de mercado
prefixadas, com prazo não inferior ao período de reajuste estipulado contratualmente".
889 Sobre a possibilidade de serem emitidas debêntures perpétuas e com participação nos lucros,
a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 015/1988, manifestou-se no sentido de que "(...) para tanto
mister é que a debênture tenha previsto seu vencimento apenas na hipótese de dissolução da
sociedade e que a sua remuneração, calculada sobre os lucros societários, não preveja nenhu-
ma compensação financeira na hipótese de prejuízo, o que caracterizaria taxa de juros, nem
tao pouco cumulatividade para o próximo exercício lucrativo. Esses fatores seriam suficientes
para desnaturar o risco e manterá debênture como forma ordinária de crédito."
apurada a participação das debêntures, observados o percentual e as
condições constantes da escritura de emissão.
A companhia tem ampla liberdade para estabelecer na escritura
de emissão como calculará os lucros a serem distribuídos aos deben-
turistas; poderá determinar como base de cálculo, por exemplo, o lu-
cro da companhia ou apenas o resultante de determinadas atividades.
No entanto, a regra para o cálculo dos lucros deverá constar clara e
expressamente da escritura de emissão.
A Lei das S.A. determina que (i) a demonstração do resultado
do exercício discriminará, entre outros, a as participações das debêntu-
res, empregados, administradores e partes beneficiárias mesmo na forma
de instrumentos financeiros, e de instituições ou fundos de assistência ou
previdência de empregados, que não se caracterizem como despesa' (arti-
go 187, inciso VI); (ii) 11 do resultado do exercício serão deduzidos, antes
de qualquer outra participação, os prejuízos acumulados e a provisão para
o Imposto sobre a Renda (artigo 189, caput). No entanto, a Lei das
S.A., ao tratar especificamente das líparticipações', estabelece que "as
participações estatutárias de empregados, administradores e partes bene-
ficiárias serão determinadas sucessivamente e nessa ordem, com base nos
lucros que remanescerem, depois de deduzida a participação anterior-
mente calculada' (artigo 190, caput). Por outro lado, o artigo 191 dis-
põe que o "'lucro líquido do exercício éo resultado do exercício que remanescer
depois de deduzidas as participações de que trata o artigo 190."
Está claro, portanto, que quando a Lei das S.A., no artigo 189,
faz referência a " qualquer outra participação', está abrangendo apenas
as participações de que trata o artigo 190, ou seja: participações esta-
tutárias de empregados, administradores e partes beneficiárias. As-
sim, a participação das debêntures é calculada antes da dedução dos
prejuízos acumulados e da provisão para o imposto de renda890-S91(p-scs ).

890 Nesse sentido, FRANCISCO JOSÉ PINHEIRO GUIMARÃES, "Debêntures". In: Alfredo Lamy
Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 594. Em sentido contrário, LUIZ MÉLEGA. Direito Societário: Lei das
Outro rendimento que pode ser atribuído às debêntures, tam-
bém regulado nesse artigo, é o prêmio de reembolso, pago quando do
vencimento, amortização ou resgate antecipado da debênture e equi-
valente a uma quantia fixa em moeda corrente nacional ou a um per-
centual determinado sobre o valor nominal da debênture, devendo
constar expressamente da escritura de emissão892.
0 prêmio de resgate é uma modalidade do prêmio de reembolso
que não se confunde com o ágio na emissão da debênture. Na emis-
são de debêntures com deságio, ou seja, abaixo do par, a diferença
entre o valor pago pela debênture e aquele pelo qual o título será re-
embolsado, resgatado ou amortizado é denominado "prêmio de emis-
são". O prêmio de resgate constitui uma vantagem adicional que,
estando prevista na escritura de emissão, acresce ao valor nominal do
título na hipótese de seu resgate antecipado.

Conversibilidade em ações
"Art. 57. A debênture poderá ser conversível em ações nas condi-
ções constantes da escritura de emissão, que especificará:

1 - as bases da conversão, seja em número de ações em que poderá


ser convertida cada debênture, seja como relação entre o valor
nominal da debênture e o preço de emissão das ações;

Sociedades por Ações. São Raulo: LTr, 2000, p. 33; M A R C O S S H I C U E O TAKATA, "Debên-
tures, Inconfundibilidade com Mútuo: Natureza e Caracteres Jurídicos, Alguns Aspectos
Tributários". In: Roberto Quiroga Mosquera (Coord.). O Direito Tributário e o Mercado
Financeiro e de Capitais..., p. 348-349.
JOSÉ E D W A L D O TAVARES BORBA. Das Debêntures..., p. 56, entende que: "Com relação
ao imposto de renda, a sua prévia provisão afigura-se pertinente, porquanto, sendo o
imposto um gravame que atinge o lucro do exercício, a sua incidência, sob o aspecto
material, representa um redutor desse lucro. Os prejuízos acumulados, que provêm de outros
exercícios, não poderão, contudo, reduzir'a base de cálculo das participações dos
debenturistas, uma vez que estas têm por pressuposto o lucro do exercício. (...) Os
debenturistas são credores da sociedade, e, nessa qualidade, participam do lucro produzido
pela companhia no exercício-base referenciado; os prejuízos de exercícios anteriores não
poderão atingi-los, posto que são estranhos à sua condição jurídica."
Sobre o valor do prêmio de reembolso, a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 057/1982, manifes-
tou-se no sentido de que: " O valor do prêmio de reembolso, a ser pago ao debenturista
quando do resgate ou amortização de debêntures, juntamente com a devolução da quantia
mutuada, não está limitado na lei cabendo à companhia estabelecê-lo na deliberação
assemblear que decidir sobre o lançamento das debêntures".
II - a espécie e a classe das ações em que poderá ser convertida;

III — o prazo ou época para o exercício do direito à conversão;

I V - as demais condições a que a conversão acaso fique sujeita.

§ I o Os acionistas terão direito de preferência para subscrever a


emissão de debêntures com cláusula de conversibilidade em ações,
observado o disposto nos artigos 171 e 172.

§ 2 o Enquanto puder ser exercido o direito à conversão, de-


penderá de prévia aprovação dos debenturistas, em assembleia
especial, ou de seu agente fiduciário, a alteração do estatuto
para:

a) mudar o objeto da companhia;

b) criar ações preferenciais ou modificar as vantagens das existen-


tes, em prejuízo das ações em que são conversíveis as debêntures.

As debêntures conversíveis em ações constituem um "pacote fi-


nanceiro", em que há 3 (três) elementos: o título e sua remuneração;
a opção de convertê-lo; e a comparação entre a taxa de juros praticada
no mercado e aquela prevista na debênture.
Quais as razões para a emissão de debêntures conversíveis? Do
ponto de vista econômico, entende-se que há 2 (duas) razões prin-
cipais: (i) como se trata, na realidade, de um título de dívida, a con-
versão funciona como um "adoçante", uma vantagem conferida ao
seu tomador que permite à companhia emissora reduzir a taxa de
juros; e (ii) a administração pode desejar captar recursos via emissão
de ações, mas, como entende que sua cotação no mercado está bai-
xa, com as debêntures conversíveis pode esperar que ela aumente,
quando então "forçará" a conversão, mediante o resgate ou a amor-
tização dos títulos893.
As debêntures com cláusula de conversibilidade asseguram a seu
titular a faculdade de ter os seus títulos convertidos em ações da com-
panhia emitente nas condições estabelecidas na escritura de emissão.
O titular das debêntures conversíveis tem a opção de conservar a sua
debênture até o vencimento ou de passar do status de credor a acio-
nista da companhia, mediante a conversão das debêntures em ações.
Assim, elas asseguram ao debenturista 2 (dois) direitos: o de crédito e
o de subscrição de ações da companhia.
A debênture conversível permite à companhia captar recursos sem
a necessidade de emitir imediatamente ações representativas de seu
capital e, face à opção que tem o debenturista de se manter titular das
debêntures até o seu vencimento ou convertê-las em ações, a compa-
nhia pode praticar taxas de juros mais baixas comparativamente aos
juros das debêntures simples. O titular da debênture, por sua vez, dis-
põe da oportunidade de analisar, durante um longo período, os resulta-
dos da companhia e o comportamento de suas ações no mercado e
decidir o que lhe é mais conveniente: tornar-se acionista - na hipótese
do valor da conversão das ações ser inferior ao seu valor de mercado ou
na expectativa de que os dividendos ou a valorização das ações serão
superiores aos juros das debêntures - ou manter-se credor - na hipó-
tese e/ou expectativa inversa894.

893 V I C T O R B R U D N E Y and M A R V I N A. C H I R E L S T E I N . Corporate Finance - Cases and


Materials. New York: The Foundation Press, 1987, p. 289.
894 Sobre o tratamento contábil das debêntures conversíveis, ver o Pronunciamento Contábil
CPC n° 039 - "Instrumentos Financeiros: Apresentação", aprovado pela Deliberação CVM
n° 604/2009. Consta dos itens 28, 29 e 30 do C P C n° 039 que: "28. O emitente de
instrumento financeiro não derivativo deve avaliar os termos do instrumento financeiro para
determinar se ele contém tanto um passivo quanto um componente de patrimônio liquido.
Tais componentes devem ser classificados separadamente como passivos financeiros, ativos
financeiros ou instrumentos patrimoniais de acordo com o item 15. 29. entidade deve
reconhecer separadamente os componentes de instrumento financeiro que (a) crie um
passivo financeiro da entidade e (b) conceda opção ao titular do instrumento de convertê-
lo em instrumento patrimonial da entidade. Por exemplo, um titulo ou instrumento similar
As debêntures conversíveis implicam em obrigação da compa-
nhia de emitir ações de seu capital no momento em que o debentu-
rista, a seu exclusivo critério, exerce a opção de conversão de suas
debêntures em ações895-896. A decisão de conversão é do debenturista,
observadas as condições constantes da escritura de emissão, ou seja, é
uma decisão individual e que independe de deliberação em assem-
bleia de debenturistas897. A conversão constitui, assim, um direito po-
testativo do debenturista898.
O debenturista tem a faculdade de exercer a conversão até a
data do vencimento das debêntures; após esse prazo não poderá
mais ser exercido esse direito, salvo estipulação em contrário na es-
critura de emissão. A data em que o debenturista exerce a opção

conversível pelo titular em um número fixo de ações ordinárias da entidade é um instru-


mento financeiro composto. Sob a perspectiva da entidade, tal instrumento compreende
dois componentes: um passivo financeiro (acordo contratual de entregar caixa ou outro
ativo financeiro) e um instrumento patrimonial (opção de compra concedendo ao titular o
direito, por período específico de tempo, de convertê-la em número fixo de ações ordinárias
da entidade). (...) Assim, em todos os casos, a entidade deve apresentar o passivo e os
componentes do patrimônio líquido separadamente nas suas demonstrações contábeis de
encerramento do período ou exercício. 30. A classificação dos componentes do passivo e do
patrimônio líquido de um instrumento conversível não é revisada como resultado de altera-
ção na possibilidade da opção conversível ser exercida, mesmo quando o exercício da opção
parecer ter se tornado uma vantagem econômica a alguns titulares. Titulares podem nem
sempre agir de forma que se espera porque, por exemplo, os efeitos fiscais resultantes da
conversão podem ser diferentes entre os titulares. Além disso, a possibilidade de conversão
muda de tempos em tempos. A obrigação contratual da entidade de efetuar pagamentos
futuros permanece pendente até que seja extinta por intermédio de conversão, vencimento
do instrumento ou qualquer outra operação".
895 Em sentido contrário, A L F R E D O LAMY FILHO. Temas de S.A. Rio de Janeiro: Renovar,
2007, p. 305-307, entende que não há qualquer impedimento a que a opção pela
conversão de debêntures em ações seja atribuída à livre escolha da companhia emissora. A
propósito, a Delaware General Corporate Law autoriza a emissão de títulos de dívida nos
quais o direito à conversão é atribuído à companhia emissora (§ 151 (e)J.
896 A CVM, ao ser consultada sobre a emissão de debêntures conversíveis em ações pré-exislen-
tes, manifestou-se no sentido de sua impossibilidade, conforme consta do Parecer CVM/SJU
n° 003/1989.
897 Sobre esse assunto, ver ROSSELLA C A V A L L O BORGIA. Le Obligazione Convertible in
Azione. Ginfrè: Milano, 1978, p. 246-249; IVES SERPA, "Le Droit de Convertion des
Obrigations Convertibles à Tout Moment", Revue Trimestriel de Droit Commercial.
Paris: Dalloz, t. XXIV, 1971, p. 571-572; L U I Z G A S T Ã O PAES DE B A R R O S LEAES,
"Debêntures Conversíveis em Ações". In: Pareceres. v. II, São Paulo: Editora Singular,
2004, p. 777-783.
898 Sobre a definição de direito potestativo, ver KARL LARENZ. Derecho Civil. Parte General.
Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1978, p. 281-282.
pela conversão é a que prevalece para efeitos de emissão do corres-
pondente número de ações.
O preço das ações adquiridas é liquidado com a entrega das de-
bêntures. O debenturista não pode efetuar o pagamento do preço das
ações emitidas e permanecer titular das debêntures899.
O pagamento das debêntures é devido na data do seu vencimen-
to. No entanto, a escritura de emissão pode estipular, nas datas e valo-
res que estabelecer, a amortização do valor nominal das debêntures
antes do vencimento (artigo 55, § I o ). A companhia, ao amortizar a
debênture, paga parcialmente o valor do título, amortizando, portan-
to, a dívida e reduzindo o seu valor nominal. E m regra, até a data da
amortização o debenturista tem a opção de escolher entre converter
as suas debêntures em ações ou receber o seu valor nominal; ao optar
pela amortização, fica reduzido o valor nominal das debêntures e, após
esta data, só terá a opção de converter o saldo restante. Há, em qual-
quer hipótese, uma conexão entre o valor nominal da debênture e o
preço de emissão das ações em que é convertida.
As bases de conversão, a espécie e a classe das ações em que
poderá ser convertida, o prazo ou a época para o exercício do direito à
conversão e as demais condições para o exercício desse direito devem
constar expressamente da escritura de emissão.
A base da conversão deverá ser determinada em função do nú-
mero de ações em que poderá ser convertida cada debênture ou da
relação entre o valor nominal da debênture e o preço de emissão das
ações, observado o disposto no § I o do artigo 170. Após a emissão

A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 075/1975, ao tratar de consulta sobre a possibilidade da


companhia emissora converter em ações as debêntures que possui em tesouraria, entendeu
que: "Em qualquer caso, as debêntures, enquanto em tesouraria, tal como ocorre com as
ações em tesouraria, não tem direitos patrimoniais, ou seja, no caso de debêntures, deixam
de receber os juros e outros direitos a que fariam jus. Parece-nos que, dentre os direitos
suspensos, encontra-se o de converter as debêntures em ações. (...) Ora, não se pode
admitir que a companhia emissora possa deter um crédito contra si própria, não sendo,
portanto, razoável que se permita a conversibilidade das debêntures em ações, com a
conseqüente eliminação do débito, visto não existir tal débito".
das debêntures, eventuais alterações na estrutura de capital da com-
panhia- tais como, grupamento, desdobramento, redução ou aumento
do capital e modificações das espécies e classes de ações - podem
afetar a base de conversão pactuada na escritura de emissão. E reco-
mendável, portanto, que conste da escritura de emissão regra sobre o
ajuste da base de conversão na hipótese de alteração do capital. Caso
as ações objeto da conversão tenham valor nominal, deverá ser obser-
vada a regra da Lei das S.A. no sentido de que é vedada a emissão de
ações por preço inferior ao seu valor nominal (artigo 13).
As debêntures podem ser emitidas com cláusula de conversão
em ações ordinárias, preferenciais ou em determinada classe de ações
especialmente criada para esse fim. Com relação às ações preferenciais,
deverá ser observada a regra de que o número de ações dessa espécie,
sem direito a voto ou restrição no exercício desse direito, não pode
ultrapassar 50% (cinqüenta por cento) do total das ações emitidas
(artigo 15, § 2 o ).
O prazo ou a época para o exercício do direito à conversão deverá
ser expressamente regulado na escritura de emissão. A companhia emis-
sora podefixarum prazo para a conversão, limitar a conversibilidade das
debêntures em ações a períodos predeterminados, como, também, não
especificar o prazo ou a época para conversão - hipótese em que poderá
ser exercida em qualquer momento até o vencimento da debênture. A
companhia pode livremente regular na escritura de emissão as regras
relativas ao prazo ou à época para o exercício da conversão.
Há ainda várias outras condições que podem ser reguladas na
escritura de emissão, como, por exemplo: debênture conversível com
cláusula de resgate antecipado, direito aos juros do exercício em curso
e anteriores à data da conversão, direito aos dividendos do exercício
em curso, etc.900. A propósito, é recomendável que as questões relati-

900 Sobre o resgate antecipado da debênture conversível, ver JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA.
Das Debêntures. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 234-238.
vas à incidência da taxa de juros e o direito à percepção de dividendos
sejam reguladas na escritura de emissão, pois, na data em que o de-
benturista exerce o direito ã conversão de suas debêntures em ação,
ele deixa de ser credor e passa a ser acionista da companhia. N a omis-
são da escritura, tendo em vista que os lucros enquanto não delibera-
da a sua distribuição pertencem à companhia, o novo acionista terá
direito à plena participação nos dividendos que vierem a ser delibera-
dos; já os juros vincendos não mais serão devidos após a data do exer-
cício da conversão.
A Lei das S.A. prevê expressamente como modalidade de au-
mento de capital a conversão em ações de debêntures ou partes bene-
ficiárias e o exercício de direitos conferidos por bônus de subscrição
ou de opção de compra de ações (artigo 166, inciso IH). O direito à
conversão de debêntures em ações, o seu exercício e o conseqüente
aumento de capital é, por disposição legal, previamente aprovado na
assembleia geral que deliberar sobre a criação de debêntures conver-
síveis ou, na companhia aberta, pelo conselho de administração, des-
de que dentro dos limites do capital autorizado e quando permitido
pelo estatuto social, que deverá, nessa hipótese, especificar o limite do
aumento de capital decorrente da conversão das debêntures em valor
do capital ou em número de ações e as espécies e classes de ações que
poderão ser emitidas (artigo 59, § 2 o ). De qualquer forma, as condi-
ções da conversão devem ser expressamente reguladas na escritura de
emissão dessas debêntures901. O aumento de capital decorrente da
conversão de debêntures em ações é automático e não depende de

Determina a Lei das S.A., no inciso IV do art. 122, que compete privativamente à
assembleia geral, autorizar a emissão de debêntures. Consta, também, do art. 59, inciso
V, que a "deliberação sobre emissão de debêntures é da competência privativa da assembleia
geral, que deverá deliberar, observado o que a respeito dispuser o estatuto" sobre "a
conversibilidade ou não em ações e as condições a serem observadas sobre a emissão".
A Lei n° 12.431/2011 alterou o art. 59 da Lei das S.A. atribuindo ao conselho de
administração das companhias abertas poder para aprovar emissões de debêntures de
qualquer espécie, inclusive as conversíveis em ações. Ver os comentários ao art. 59 da
Lei das S.A.
deliberação de assembleia geral902-903. Dentro dos 30 (trinta) dias sub-
sequentes à efetivação do aumento, a companhia requererá ao Regis-
tro Público de Empresas Mercantis a sua averbação (artigo 166, §
I o ); na primeira assembleia geral subsequente à conversão deverá ser
ajustado o estatuto para refletir o real capital social.
O § I o determina que os acionistas da companhia emitente
têm direito de preferência para subscrever a emissão de debêntu-
res conversíveis em ações, observado o disposto nos artigos 171 e
172 da Lei das S.A. 904 .

902 No mesmo sentido, M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anôni-


mas. v. 1, 5'1 edição, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 680; M A U R O RODRIGUES PENTEADO.
Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas. São Paulo; Saraiva, 1988, p. 98. MAURO
B R A N D Ã O LOPES. S.A.: Títulos e Contratos Novos. São Ffeulo: Ed. Revista dos Tribunais,
1978, p. 87-88; JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei
(arts. 1 o a 120). v. I, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 604; FRANCISCO JOSÉ PINHEIRO
GUIMARÃES, "Debêntures". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.).
Direito das Companhias, v. 1, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 599, observa que: "Sujeitar
os titulares de debêntures conversíveis à deliberação assemblear para o efetivo exercício dos
seus direitos de conversão previstos na escritura de emissão seria negar o direito conferido
pela cláusula de conversão". Em sentido contrário, entendendo que apenas nas sociedades
de capital autorizado não se faz necessária a assembleia geral para deliberar o aumento:
L U I Z G A S T Ã O PAES DE B A R R O S LEÃES, "A Conversão de Debêntures em Ações e o
Correspondente Aumento do Capital Social". In: Pareceres. v. I, São Paulo: Singular, 2004,
p. 107-112; EGBERTO LACERDA TEIXEIRA, "A Conversão de Debêntures em Ações e o
Aumento do Capital Social", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Finan-
ceiro. São Paulo: Malheiros, v. 54, abril-junho, 1984, p. 131-133.
903 No direito societário brasileiro, desde a Lei n° 4.728/1965, que disciplina o mercado de
capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento, a conversão da debênture em
ações resulta de ato unilateral do seu titular. De acordo com o § 4° do art. 44 da Lei n°
4.728/1965, a conversão independia de nova assembleia geral e seria efetivada pela
Diretoria face a pedido escrito do debenturista.
904 Sobre o direito de preferência quando o acionista não é titular de número de ações
suficientes à subscrição de uma debênture, a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 030/1985,
entendeu que: "ínsito a cada ação como representação da participação no capital social,
constitui direito essencial do acionista, que nem o estatuto nem a assembleia geral poderão
afastar. Requer-se, pois, um planejamento, quando da emissão dos títulos, para se ter um
número que atenda aos percentuais de participação do acionista. Qualquer procedimento
uülizado pela companhia deve respeitar ainda o prazo pra exercício do direito de preferência,
a liberdade e o tempo de conversão, conforme se dispõe na escritura de emissão. (...) f: de
se observar, embora pareça trivial, que os direitos essenciais do acionista, enumerados no
artigo 109, incorporam-se a cada ação, ínsitos que são ao título participativo; daí basta que
alguém seja titular de uma ação para tê-los assegurados. Hipótese de exclusão do direito de
preferência são aquelas referidas no artigo 172, bem caracterizadas em situações perfeita-
mente definidas, fora do contexto ali descrito, não se admite qualquer artifício que subtraia
ao acionista o exercício desse direito." Ver, também, o Parecer CVM/SJU n° 039/1984.
O objetivo da Lei das S.A., ao inserir o direito de preferência
como direito essencial do acionista (artigo 109), é o de permitir-liie a
manutenção de sua posição acionária por ocasião do aumento de ca-
pital: a conservação de tal posição repercute não só nos seus direitos
patrimoniais como também nos políticos, uma vez que a Lei das S A .
exige percentuais mínimos para o exercício de determinados direitos
de participação em colégios eleitorais, bem como nos direitos pessoais,
para a propositura de medidas judiciais. O direito de preferência pode
ser estatutariamente suprimido, ou ter seu prazo de exercício reduzi-
do, nas companhias abertas de capital autorizado, quando a coloca-
ção dos valores mobiliários for realizada mediante: venda em Bolsa
de Valores; subscrição pública; permuta por ações, em oferta pública
de aquisição de controle905.
Na conversão de debêntures em ações não haverá direito de pre-
ferência (artigo 171, § 3 o ). O direito de preferência deve ser exercido
no momento da emissão das debêntures conversíveis, não no mo-
mento da conversão pelo titular da debênture906-907.
De acordo com o § 2 o , durante o período em que puder ser
exercido o direito à conversão, a alteração do estatuto para a (i) mo-
dificação do objeto social; (ii) criação de ações preferenciais; ou (iii)
mudança das vantagens das ações preferenciais existentes, com pre-
juízo das ações em que são conversíveis as debêntures, estará sujeita
à prévia aprovação dos debenturistas, em assembleia especial, ou de
seu agente fiduciário908. Esta matéria é tratada no direito norte-ame-
ricano como antidilution provisions909, uma vez que se objetiva, com

905 Ver os comentários ao art. 1 72 da Lei das S.A.


906 O § 3 o do art. 171 da Lei das S.A. excluiu do direito de preferência apenas a opção de
compra de ações e as partes beneficiárias emitidas para distribuição não onerosa.
907 Nesse sentido é o Parecer CVM/SJU n° 030/1985.
908 Sobre a assembleia especial dos debenturistas e a atuação do agente fiduciário, ver os
comentários aos arts. 71 e 66 a 70 da Lei das S.A., respectivamente.
HARRY G. HENN and J O H N R. ALEXANDER. Law of Corporations. St. Paul, Minn: West
Publishing Co., 1983, p. 407-408.
a norma, impedir a diluição da posição dos debenturistas que conver-
tem seus títulos em ações.

SEÇÃO 01

ESPÉCIES

"Art. 58. A debênture poderá, conforme dispuser a escritura


de emissão, ter garantia real ou garantia flutuante, não gozar
de preferência ou ser subordinada aos demais credores da
companhia.

§ I o A garantia flutuante assegura à debênture privilégio geral


sobre o ativo da companhia, mas não impede a negociação dos
bens que compõem esse ativo.

§ 2 o As garantias poderão ser constituídas cumulativamente.

§ 3 o As debêntures com garantia flutuante de nova emissão são


preferidas pelas de emissão ou emissões anteriores, e a priori-
dade se estabelece pela data da inscrição da escritura de emis-
são; mas dentro da mesma emissão, as séries concorrem em
igualdade.

§ 4 o A debênture que não gozar de garantia poderá conter cláu-


sula de subordinação aos credores quirografários, preferindo ape-
nas aos acionistas no ativo remanescentes, se houver, em caso de
liquidação da companhia.

§ 5 o A obrigação de não alienar ou onerar bem imóvel ou outro


bem sujeito a registro de propriedade, assumida pela companhia
na escritura de emissão, é oponível a terceiros, desde que averba-
da no competente registro.
§ 6 o As debêntures emitidas por companhia integrante de grupo
de sociedades (artigo 265) poderão ter garantia flutuante do ativo
de 2 (duas) ou mais sociedades do grupo."

A aceitação das debêntures de uma companhia no mercado está


relacionada à estabilidade da companhia, à sua rentabilidade, e às ga-
rantias por ela oferecidas.
De acordo com a garantia oferecida a seus titulares, as debêntu-
res podem ser de 4 (quatro) espécies: (i) com garantia real, por meio
da qual o crédito é garantido por direito real de garantia sobre deter-
minado bem; (ii) com garantia flutuante, que assegura privilégio geral
sobre o ativo da companhia; (iii) sem preferência ou quirografária,
quando o debenturista concorre na massa falida com os demais cre-
dores sem garantia; e (iv) subordinada ou subquirografária, cujo titu-
lar tem preferência somente sobre os acionistas da companhia
emissora, no caso de falência, ou seja, o crédito é subordinado aos
demais credores da companhia emissora910.
Nas debêntures com garantia real há um determinado bem dire-
tamente vinculado ao cumprimento da obrigação garantida911. Tais
títulos asseguram ao seu titular o direito de (i) cobrar o seu crédito
vencido e não pago por meio da execução do bem gravado; e (ii) prefe-

De acordo com o art. 83 da Lei n° 11.101/2005 - Lei de Recuperação e Falência de


Empresas - a classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: (i) créditos
trabalhistas; (ii) créditos com garantia real, até o limite do valor do bem onerado; (iii)
créditos fiscais; (iv) créditos com privilégio especial, a saber: a) os previstos no art. 964 do
Código Civil; b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição em
contrário da Lei n° 11.101/2005; e c) aqueles cujos titulares a lei confira o direito de
retenção sobre a coisa dada em garantia; (v) créditos com privilégio geral, a saber: a) os
previstos no art. 965 do Código Civil; e b) os previstos no parágrafo único do art. 67 da Lei
n° 11.101/2005; (vi) créditos quirografários; (vii) as multas contratuais e as penas pecuniárias
por infração das leis penais ou administrativas, inclusive multas tributárias; (viii) créditos
subordinados, a saber: a) os assim previstos em lei ou em contrato; b) os créditos dos sócios
e dos administradores sem vínculo empregatício. Nos termos do § 2° do art. 83, "não são
oponíveis à massa os valores decorrentes de direito de sócio ao recebimento de sua parcela
do capital social na liquidação da sociedade".
Consta do art. 1.419 do Código Civil que "nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou
hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação".
rir os demais credores da companhia - ou do terceiro garantidor -
relativamente ao valor do bem.
Os direitos reais de garantia - penhor912, alienação fiduciária em
garantia913-914, hipoteca915 e anticrese916 - podem ser constituídos so-
bre bens integrantes do ativo da companhia emissora e/ou de tercei-
ros garantidores, tais como do acionista controlador e de empresas
integrantes do mesmo grupo da companhia emissora917.
Os titulares de debêntures com garantia real fazem parte da ca-
tegoria de credores não sujeitos a rateio, ou seja, o seu crédito é satis-
feito prioritariamente com o produto da venda dos bens sobre os quais
recai a garantia.
A preferência do debenturista, titular de debêntures com garan-
tia real, se exerce até o valor dos bens dados em garantia, sejam eles
da própria companhia ou de propriedade de terceiros. No caso de ser
a debênture garantida com bens de terceiro, a preferência é sobre os
credores desse terceiro e até o valor dos bens objeto da garantia. Na
hipótese de o produto da venda do bem vinculado à satisfação do
crédito não ser suficiente para o seu pagamento, esse crédito é reclas-

912 Art. 1.431 do Código Civil: "Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que,
em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele,
de uma coisa móvel, suscetível de alienação".
913 Art. 1.361 do Código Civil: "Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel
infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor".
914 A alienação Fiduciária em garantia constitui-se por meio da transferência ao credor do
domínio, independentemente de sua tradição, em garantia do pagamento de uma obriga-
ção. O direito do credor sobre o bem resolve-se com o pagamento da dívida garantida.
Sobre esse assunto, ver CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA. Instituições de Direito Civil. v. IV,
19a edição, Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 426.
915 Arts. 1.473 a 1.501 do Código Civil.
916 Arts. 1.506 a 1.510 do Código Civil.
91 7 Sobre a constituição de caução de ações como garantia real de emissão de debêntures, ver
o Parecer CVM/PJU n° 007/2001, por meio do qual essa autarquia manifestou-se no
sentido de que: "I. Não existe óbice legal ã constituição de caução ou penhor de ações
como garantia real de emissão de debêntures, já que se trata de hipótese expressamente
prevista em lei (...); II - A caução e o penhor, como espécies de direito real em garantia, têm
como principais características a vinculação da coisa móvel ao cumprimento da obrigação
assumida, e a necessidade que essa coisa seja, por sua própria natureza, passível de livre
alienação (...), sob pena de se inviabilizar o direito do credor de requerer a venda judicial do
bem, satisfazendo assim o seu crédito (...)".
sificado como quirografário contra a companhia emissora e concor-
rerá com os demais credores dessa natureza. O bem dado em garantia
fica vinculado à dívida da companhia mesmo na hipótese dela (ou do
terceiro garantidor) alienar o bem gravado a terceiro918.
Admite-se a constituição de garantia em valor inferior ao das
debêntures emitidas e por ela garantidas. E imprescindível, no entan-
to, que esse fato conste expressamente da escritura de emissão919. As
garantias reais podem ser destinadas a assegurar o cumprimento da
obrigação de todas as séries de uma emissão ou especificamente a
uma ou mais séries. Em qualquer situação, é sempre necessária a ava-
liação dos bens dados em garantia das debêntures920.
A garantia real é constituída por documento próprio ou pela es-
critura de emissão; de qualquer forma deverá constar da própria escri-
tura a garantia, se houver (artigo 59, inciso III). Ademais, a Lei das
S.A. determina que nenhuma emissão de debêntures será feita sem
que tenham sido satisfeitos os seguintes requisitos: (i) arquivamento,

91 8 Sobre esse assunto, FÁBIO U L H O A C O E L H O . Comentários à Nova Lei de Falências e de


Recuperação de Empresas (Lei n" 11.101, de 9-2-2005). 6a edição, São Fàulo: Saraiva,
2009, p. 218-219, observa que: "Quando o bem dado em garantia é vendido em separado,
não há dificuldade para mensurar as parcelas do crédito que concorrerão com os fiscais ou
com os quirografários. Mas na hipótese de alienação da empresa ou venda de bens engloba-
dos, pode ser impossível identificar o específico valor alcançado pelo objeto da garantia. Se
for esse o caso, o administrador judicial deverá considerar o valor de avaliação do bem
onerado. Esse valor, contudo, deverá ser aumentado ou diminuído na mesma proporção em
que variou o bloco de bens com o qual foi vendido. (...) Há uma hipótese em que o credor
com garantia real, a despeito de ter sido o bem onerado vendido por valor que supera o seu
crédito, não é pago na falência. Verifica-se quando o produto da venda dos bens foi
inteiramente consumido no atendimento dos créditos extraconcursais e dos empregados e
equiparados. Quando isso ocorre, em razão da preferência desses beneficiários de pagamen-
to, o crédito com garantia real não é satisfeito".
919 A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 037/1983, entendeu que: "Do ponto de vista jurídico, seja
quanto ao regime legal comum das obrigações e seu pagamento, seja quanto à natureza
especial da debênture como obrigação por declaração unilateral de vontade ou quanto à sua
disciplina legal, não existem óbices a que se garanta uma emissão destes títulos com direitos
reais sobre bens cujo valor não alcança o total da emissão".
920 Nesse sentido, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v.
3, 4a edição, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 694; JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades
Anônimas - Comentários à Lei (arts. I o a 120). v. I, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 613.
A C V M também já se manifestou nesse sentido no Parecer CVM/SJU n° 037/1983. Em
sentido contrário, FRANCISCO JOSÉ PINHEIRO GUIMARÃES, "Debêntures". In: Alfredo
Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de
Janeiro: Forense, 2009, p. 603.
na Junta Comercial, e publicação da ata da assembleia geral, ou do
conselho de administração, que deliberou sobre a emissão; (ii) inscri-
ção da escritura de emissão na Junta Comercial; e (iii) constituição
das garantias reais, se for o caso (artigo 62, caput)921. A inscrição do
ônus reais, conforme a natureza do bem onerado, móvel ou imóvel,
deverá ser efetuada no registro próprio922.
É pratica comum no mercado atribuir como garantia na emissão
de debêntures o "penhor de recebíveis". São créditos de uma compa-
nhia decorrentes de suas operações normais, mas não constituem tí-
tulos de crédito923. Os créditos que serão apenhados devem existir na
data da constituição do gravame; caso contrário não haverá penhor,
mas promessa de penhor, sem efeitos reais924.
A garantia flutuante, nos termos do § I o , assegura à debênture
privilégio geral sobre os ativos da companhia que se encontrarem li-
vres de ônus ou gravames. Essa garantia é denominada de flutuante
porque não recai sobre um bem específico da companhia e não impe-
de a negociação dos bens que compõem o seu ativo, podendo a com-
panhia aliená-los ou onerá-los925. No entanto, pode constar da escritura
de emissão cláusula no sentido de que a companhia emissora se obriga
a não alienar ou onerar bens de seu ativo, ou, ainda, a apenas aliená-los
nas condições previstas na escritura de emissão, nos termos do § 5o.
Os credores com privilégio geral são sujeitos a rateio, assim como
os credores quirografários. Isso significa que, na falência da companhia,

921 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 62 da Lei das S.A.
922 Dispõe o art. 1.492 do Código Civil que: "As hipotecas serão registradas no cartório do
lugar do imóvel, ou no de cada um deles, se o título se referir a mais de um. Parágrafo único.
Compete aos interessados, exibindo o título, requerer o registro da hipoteca". Se a garantia
real for a hipoteca, é necessário a averbação no Registro de Imóveis; se o penhor for de
coisa móvel o registro deverá ser feito em Cartório de Títulos e Documentos.
923 Sobre o penhor de direitos creditórios, ver o Parecer CVM/SJU n° 013/1996 e o Parecer
CVM/PjU n° 007/2001. Sobre o penhor de créditos ordinários, portanto, eventuais e
incertos, ver o Parecer CVM/SJU n° 056/1981.
924 JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Das Debêntures. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 73.
925 Sobre a garantia flutuante, ver LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, "Debêntures". In:
Estudos e Pareceres sobre Sociedades Anônimas. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
1989, p. 82-94.
se o dinheiro em caixa for insuficiente à satisfação do total devido aos
credores de determinada classe, o pagamento deverá ser feito parcial e
proporcionalmente ao crédito de cada credor. Na hipótese de falência
da companhia emissora, os titulares de debêntures com garantia flutuante
preferem aos credores sem garantia ou preferência. No entanto, os
credores trabalhistas, fiscais, os que possuem garantia real e privilégio
especial, preferem aos que possuem créditos com privilégio geral.
Os credores com direitos reais constituídos após a emissão das
debêntures flutuantes preferem os titulares dessas debêntures até o
valor da excussão dos bens gravados.
De acordo com o § 3 o , as debêntures com garantia flutuante de
nova emissão são preferidas pelas de emissão ou emissões anteriores,
e a prioridade se estabelece pela data da inscrição da escritura de emis-
são na Junta Comercial; já dentro da mesma emissão as séries con-
correm em igualdade.
A companhia pode efetuar mais de uma emissão de debêntures
e cada emissão pode ocorrer em série única ou em 2 (duas) ou mais
séries. As emissões podem ser concomitantes, ou seja, não há mais a
obrigatoriedade de colocação de todas as debêntures das séries de
emissão anterior e o cancelamento das séries não colocadas como
condição para a realização de uma nova emissão926.
A Lei das S.A., no § 6 o , admite que as debêntures emitidas por
companhia integrante de grupo de sociedades, constituído de acordo
com o artigo 265, tenham garantia flutuante do ativo de 2 (duas) ou
mais sociedades do grupo. Nessa hipótese, o privilégio geral assegu-
rado pela garantia flutuante do ativo de outra companhia integrante

As emissões concomitantes foram introduzidas em nosso ordenamento jurídico por meio


da Lei n° 12.431/2011 - que alterou o art. 59 da Lei das S.A. - , a fim de conferir um
aproveitamento mais eficiente, pela companhia, face à oportunidade de emitir títulos com
diferentes características. A redação original do art. 59 da Lei das S.A. vedava a realização
de uma nova emissão antes de colocadas todas as debêntures das séries de emissão anterior
ou canceladas as séries não colocadas. Não era possível, também, negociar nova série da
mesma emissão antes de colocada a anterior ou cancelado o saldo não colocado.
do mesmo grupo é relativo aos credores dessa outra companhia. Dado
o seu caráter excepcional, a norma aplica-se apenas aos grupos de
direito (artigo 265), não aos grupos de fato.
As debêntures sem preferência ou quirografárias têm como ga-
rantia a totalidade do patrimônio da companhia, livre e desembaraça-
do de ônus ou gravame, sem qualquer bem garantindo especificamente
o crédito ou privilégio geral sobre o ativo da companhia. A fim de
evitar que uma eventual deterioração da situação econômica da com-
panhia possa prejudicar a liquidação dessas debêntures, pode ser in-
cluída na escritura de emissão cláusula no sentido de que é vedado à
companhia onerar ou alienar bens do seu ativo927. A propósito, consta
do § 5 o que a obrigação de não alienar ou onerar bem imóvel ou outro
bem sujeito a registro de propriedade, assumida pela companhia na
escritura de emissão, é oponível a terceiros, desde que averbada no
competente registro. Os titulares dessas debêntures se enquadram na
classe dos credores quirografários, integrantes da categoria dos credo-
res sujeitos a rateio.
De acordo com o § 4 o , a debênture que não gozar de garantia
poderá conter cláusula de subordinação aos credores quirografários,
preferindo apenas aos acionistas no ativo remanescente, se houver,
em caso de liquidação da companhia. Assim, a debênture subordina-
da ou subquirografária é aquela que não goza de garantia e relativa-
mente à qual consta da escritura de emissão cláusula de subordinação
aos credores quirografários.
A principal diferença das debêntures subordinadas em relação às
demais se configura na hipótese de falência da sociedade emissora.
Os credores da companhia serão classificados, numa ordem de prefe-
rência, de acordo com a espécié de suas debêntures. As debêntures
subordinadas somente gozam do direito de participar do saldo rema-
nescente da liquidação da companhia após satisfeitas todas as dívidas

927 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.


sociais. Ou seja, os créditos decorrentes dessas debêntures somente
serão reembolsados se tiverem sido liquidados integralmente os cré-
ditos quirografários e existir saldo remanescente na massa falida928.
As debêntures subordinadas não afetam os direitos dos credores
da companhia; portanto, a sua emissão justifica-se quando a compa-
nhia necessita de recursos adicionais, o aumento de capital não é con-
veniente e/ou em decorrência de empréstimos anteriores à emissão
dessas debêntures a companhia esteja impedida de contratar emprés-
timos dando bens em garantia do seu pagamento. Aplica-se, tam-
bém, a essas debêntures a regra contida no § 5 o , pois há sempre o
risco de diminuição dos ativos da companhia emissora que garantem
o crédito das debêntures.
Embora as garantias pessoais não estejam previstas na Lei das
S.A., nada obsta que sejam adotadas na escritura de emissão de de-
bêntures. Não se trata especificamente de uma espécie de garantia,
mas de uma condição adicional da. emissão que pode ser atribuída a
qualquer espécie de debênture, tais como: a garantia fidejussória, a
fiança bancária, fiança comum, etc.
De acordo com o § 2 o , as garantias podem ser constituídas cu-
mulativamente. Ou seja, permite a Lei das S.A. que a companhia
emita, por exemplo, debêntures com garantia real e flutuante. Assim,
os titulares dessas debêntures terão, no recebimento do seu crédito,
preferência sobre os demais credores da companhia emissora até o
valor das garantias reais e o crédito remanescente preferirá aos crédi-
tos quirografários e aos subordinados. Não se admite, no entanto,

De acordo com FÁBIO U L H O A C O E L H O . Comentários à Nova Lei de Falências e de


Recuperação de Empresas (Lei n° 11.101, de 9-2-2005)..., p. 228, pertencem à classe dos
credores subordinados da falida, "os debenturistas titulares de debêntures subordinadas, na
falência da sociedade anônima emissora (...), e os diretores ou administradores da sociedade
falida sem vínculo empregatício, bem como sócios da sociedade limitada ou acionista da
anônima por créditos de qualquer natureza. Por exemplo, se quem titulariza o poder de
controle de uma companhia, em vez de aportar nela, como capital social, os recursos
necessários à exploração do objeto social, opta por emprestá-los, em sobrevindo a falência
da mutuaria, o crédito do controlador é classificado como subordinado".
uma debênture subordinada e ao mesmo tempo garantida, pois, exis-
tindo uma garantia real, não há subordinação929. O próprio § 4 o dis-
põe que pode conter cláusula de subordinação "a debênture que não
a-ozar de o garantia".
A substituição dos bens dados em garantia, quando autorizada na
escritura de emissão, dependerá da concordância do agente fiduciário
(artigo 70, caput). Cabe ao agente fiduciário verificar a regularidade da
constituição de garantias reais, flutuantes e fidejussórias, o valor dos
bens dados em garantia, examinar a proposta de substituição desses
bens, bem como intimar a companhia a reforçar a garantia dada, na
hipótese de sua deterioração ou depreciação930.
A Lei das S.A. determina que a redução do capital social da com-
panhia que tenha emitido debêntures fica subordinada à prévia aprova-
ção pela maioria dos debenturistas, reunidos em assembleia especial
(artigo 174, § 3 o ). Essa norma deve ser interpretada em consonância
com a regra que admite possam opor-se à redução apenas os "credores
quirografários por títulos anteriores â data da publicação da ata" (artigo
174, § I o ). Portanto, na companhia que tenha emitido apenas debên-
tures com garantia real, a redução do capital poderá ser efetivada sem
prévia aprovação dos debenturistas.

929 No mesmo sentido, JOSÉ E D W A L D O TAVARES BORBA. Das Debêntures..., p. 79, observa
que: "Não admite a lei uma debênture de natureza híbrida, ao mesmo tempo garantida e
subordinada. Ainda que a garantia seja outorgada por terceiras, a hipótese será a de um título
com garantia, o que lhe retirará o pressuposto da subordinação (...) Algumas emissões de
debêntures subordinadas têm sido lastreadas, a despeito da subordinação, com determina-
das garantias, como, por exemplo, um penhor de ações outorgado por terceiro. Trata-se de
anomalia cuja conseqüência deverá ser a conversão do título, que deixará de ser uma
debênture subordinada para tornar-se uma debênture com garantia real."; JOSÉ WALDECY
LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 1o a 120)..., v. I, p. 616. Em
sentido contrário, GUILHERME R1ZZIERI DE G O D O Y FERREIRA, "Debêntures Subordina-
das com Garantia Real e Falência", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
financeiro. São Fiaulo: Ed. Malheiros, v. 130, abril-junho, 2003, p. 121.
930 Art. 12, incisos IX, X e XI, da Instrução CVM n° 28/1983, com as alterações introduzidas
pelas Instruções CVM n " 123/1990 e 490/20-11, que dispõe sobre o exercício da função
de agente fiduciário do debenturista.
S E Ç Ã O S5J

CRIAÇÃO E EMISSÃO

Competência
"Art. 59. A deliberação sobre emissão de debêntures é da compe-
tência privativa da assembleia geral, que deverá fixar, observado o
que a respeito dispuser o estatuto:

I - o valor da emissão ou os critérios de determinação do seu limi-


te, e a sua divisão em séries, se for o caso;

II - o número e o valor nominal das debêntures;

III - as garantias reais ou a garantia flutuante, se houver;

I V - as condições de correção monetária, se houver;

V - a conversibilidade ou não em ações e as condicões a serem


> >
observadas na conversão;

VI—a época e as condições de vencimento, amortização ou resgate;

V I I - a época e as condições do pagamento dos juros, da partici-


pação nos lucros e do prêmio de reembolso, se houver;

VIII - o modo de subscrição ou colocação, e o tipo das debêntures.

§ I o Na companhia aberta, o conselho de administração pode


deliberar sobre a emissão de debêntures não conversíveis em
ações, salvo disposição estatutária em contrário. (Redação dada
pela Lei n° 12.431/2011).
§ 2 o O estatuto da companhia aberta poderá autorizar o conselho
de administração a, dentro dos limites do capital autorizado, deli-
berar sobre a emissão de debêntures conversíveis em ações, espe-
cificando o limite do aumento de capital decorrente da conversão
das debêntures, em valor do capital social ou em número de ações,
e as espécies e classes das ações que poderão ser emitidas. (Reda-
ção dada pela Lei n° 12.431/2011).

§ 3 o A assembleia geral pode deliberar que a emissão terá valor e


número de série indeterminados, dentro dos limites por ela fixa-
dos. (Redação dada pela Lei n° 12.431/2011).

§ 4 o Nos casos não previstos nos §§ I o e 2 o , a assembleia geral


pode delegar ao conselho de administração a deliberação sobre as
condições de que tratam os incisos VI a VIII do caput e sobre a
oportunidade de emissão." (Incluído pela Lei n° 12.431/2011)

Compete privativamente à assembleia geral autorizar a emissão


de debêntures, observado o disposto no §§ I o , 2 o e 4 o deste artigo
(artigo 122, inciso IV).
A deliberação sobre a emissão de debêntures deverá ser tomada
por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em bran-
co, salvo no caso de companhias fechadas, se quorum maior for esta-
belecido pelo estatuto social (artigo 129, caput e § I o ) 931 .
O acionista dissidente da deliberação sobre a emissão de debên-
tures não tem direito de retirar-se da sociedade, tendo em vista que "o
financiamento da companhia mediante a emissão de debêntures não se
diferencia, sob o aspecto da repercussão sobre os direitos e interesses dos
acionistas, das demais modalidades de empréstimos a longoprazP%1. Ade-
mais, os acionistas têm direito de preferência para subscrever debên-

931 Sobre o quorum de instalação e deliberaçao da assembleia geral, ver os comentários aos
arts. 125 e 129, respectivamente, da Lei das S.A.
932 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.
tures com cláusula de conversibilidade em ações, observado o dispos-
to nos artigos 171 e 172933.
A assembleia geral, ao deliberar a emissão de debêntures, deverá
observar as regras constantes do estatuto social e definir (i) o valor da
emissão, os critérios de determinação do seu limite, se a emissão será
em série única ou em várias séries; (ii) o número e o valor nominal das
debêntures; (iii) as garantias, reais ou a garantia flutuante, se houver;
(iv) as condições de correção monetária, se for o caso; (v) as condi-
ções de conversibilidade, se as debêntures forem conversíveis em
ação934; (vi) a época e as condições de vencimento, amortização e
resgate; (vii) a época e as condições do pagamento de juros, da parti-
cipação nos lucros e do prêmio de reembolso, se houver; e (viii) o
modo de subscrição oü colocação e o tipo das debêntures.
O antigo § I o deste artigo foi renumerado, pela Lei n° 12.431/
2011, com poucas adaptações, para § 4 o , segundo o qual, nos casos de
emissão de debêntures simples e sem garantia real, as deliberações
referentes (i) à época e às condições de vencimento, amortização ou

933 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 57 da Lei das S.A.
934 De acordo com o art. 15 da Instrução CVM n° 481/2009, "sempre que a assembleia geral for
convocada para deliberar sobre a emissão de debêntures ou bônus de subscrição, a compa-
nhia deve fornecer, no mínimo, as informações indicadas no Anexo 15 à presente Instrução".
Segundo o Anexo 15, em caso de emissão de debêntures a companhia deverá: "a. Informar
o valor máximo da emissão; b. Informar se a emissão será dividida em séries; c. Informar o
número e o valor nominal das debêntures de cada série; d. Informar a destinação dos
recursos; e. Explicar, pormenorizadamente, as razões da emissão e suas conseqüências; f.
Informar a remuneração das debêntures; g. Informar a espécie das debêntures a serem
emitidas e descrever as garantias, se houver; h. Informar o prazo e as condições de vencimen-
to, amortização e resgate, inclusive as hipóteses de vencimento antecipado, se houver; i.
Informar se a subscrição será pública ou particular; j. Informar as matérias cuja definição será
delegada ao conselho de administração; k. Identificar o agente fiduciário; I. Informar a
classificação de risco da emissão, se houver; m. Informar o mercado secundário em que as
debêntures serão negociadas, se for o caso; n. Em caso de emissão de debêntures conversí-
veis: (i) Informar a relação de conversão; (ii) justificar, pormenorizadamente, os aspectos
econômicos que determinaram a fixação da relação de conversão; (iii) Fornecer opinião dos
administradores sobre os efeitos do aumento de capital, sobretudo no que se refere à
diluição provocada pelo aumento; (iv) Fornecer cópia de todos os laudos e estudos que
subsidiaram a fixação da relação de conversão; (v) Informar os termos e condições a que está
sujeita a conversão; (vi) Descrever os direitos, vantagens e restrições das ações resultantes da
conversão; (vii) Informar se os acionistas terão direito de preferência para subscrever as
debêntures, detalhando os termos e condições a que esse direito está sujeito; e (viii) Apre-
sentar percentual de diluição potencial resultante da emissão".
resgate das debêntures; (ii) à época e as condições do pagamento dos
juros, da participação nos lucros e do prêmio de reembolso, se houver;
e (iii) ao modo de subscrição ou colocação, e o tipo das debêntures935,
podem ser definidas pela própria assembleia geral ou delegadas ao
conselho de administração.
Além disso, o § 4 o também permite que se delegue ao conselho
de administração, nas hipóteses acima, a deliberação sobre a oportu-
nidade da emissão. Quando isso ocorre, a assembleia geral aprova a
emissão, fixando as características básicas das debêntures, que estão
elencadas nos incisos I a V do caput; caberá ao conselho de adminis-
tração decidir qual o momento mais adequado para proceder à efetiva
emissão e colocação das debêntures, tendo em vista as condições do
mercado. A delegação ao conselho de administração da deliberação
sobre o momento mais oportuno para proceder à efetiva criação e
colocação dos papéis constitui praxe bastante comum, flexibilizando
o processo decisório e permitindo à companhia escolher, com maior
rapidez, qual o timing mais adequado para o sucesso da operação.
O § I o original já havia sido alterado pela Lei n° 10.303/2001
que outorgou competência originária e concorrente ao conselho de
administração para deliberar sobre a emissão de debêntures simples,
não conversíveis em ação e sem garantia real936. Ocorre que a Lei n°

935 Sobre a expressão "tipo das debêntures", a CVM, no Parecer publicado na Revista da CVM,
v. 2, setembro-dezembro, 1984, p. 31-35, se manifestou no sentido de que: "Cumpre
observar que, ao se referir, no inciso Vill, ao tipo de debêntures, a lei não definiu o que seria
tipo. Alguns doutrinadores e o próprio mercado passaram a entender, à falta de definição no
texto legal, que tipo se referia à emissão com ágio ou deságio. (...) Aurélio Buarque de
Holanda, em Novo Dicionário, define: 'Tipo Ido Cr. Typosl; cunho, molde, sinal. s.m. 1.
Aquilo que inspira fé como modelo. 2. Coisa que reúne em si os caracteres distintivos de uma
classe; símbolo. 3. Exemplar, modelo...' Quer nos parecer que o legislador, ao empregar o
termo tipo, quis se referir exatamente a exemplar, modelo. (...) Quer nos parecer que, ao se
referir a tipo das debêntures, a lei societária quis abranger os diversos modelos com que os
títulos podem se apresentar, motivo pelo qual pode-se entender que o tipo a que se refere o
inciso VIII do art. 59 abrange também a forma das debêntures."
936 Essa alteração foi refletida também no art. 122 da Lei das S.A., que trata das matérias de
competência privativa da assembleia geral. O novo inciso IV desse artigo, também alterado
pela Lei nc 10.303/2001, passou a ressalvar a competência do conselho de administração
para os casos previstos no § 1o do art. 59.
12.431/2011, além de renumerá-lo para § 4 o , deu nova redação ao §
I o para conferir ao conselho de administração de companhia aberta
competência para deliberar sobre a emissão de debêntures não con-
versíveis em ações, salvo disposição estatutária em contrário. Trata-se
de competência originária decorrente da lei, que, entretanto, pode ser
afastada pelo estatuto social. Essa competência não se confunde com
a faculdade acima analisada, regulada no atual § 4 o , de delegação de
poderes da assembleia geral ao conselho de administração, já prevista
na redação original da Lei n° 6.404/1976 e mantida pelas Leis nos
10.303/2001 e 12.431/2011.
A competência originária - porém não exclusiva — outorgada
ao conselho de administração restringe-se à deliberação sobre a
emissão de debêntures não conversíveis em ação, salvo disposi-
ção estatutária em contrário. A autorização para emissão de de-
bêntures conversíveis, a seu turno, depende de previsão expressa
do estatuto social, nos termos do § 2 o .
A Lei n° 12.431/2011 também deu nova redação ao § 2 o ,
atribuindo ao conselho, de administração, quando autorizado pelo
estatuto da companhia aberta, dentro dos limites do capital autorizado,
competência para deliberar sobre a emissão de debêntures conversíveis
em ações, especificando o limite do aumento de capital decorrente da
conversão de debêntures, em valor do capital ou em número de ações,
e as espécies e classes de ações que poderão ser emitidas. Assim, o
conselho de administração passou a ter competência para deliberar
sobre a emissão de debêntures conversíveis em ações, o que,
anteriormente à entrada em vigor da Lei n° 12.431/2011, só podia
ser feito pela assembleia geral.
Nas companhias abertas, a competência para deliberar sobre a
emissão de debêntures é privativa da assembleia geral na hipótese de
emissão de debêntures conversíveis em ações e caso não conste do
estatuto social autorização para o conselho de administração sobre ela
deliberar. Assim, a partir da edição da Lei n° 12.431/2011, nas compa-
nhias abertas, o conselho de administração pode ter competência para
deliberar sobre a emissão de debêntures de qualquer espécie.
Até a entrada em vigor da Lei n° 12.431/2011, a competência
outorgada ao conselho de administração restringia-se à deliberação
sobre a emissão de debêntures (i) simples, (ii) não conversíveis em
ação e (iii) sem garantia real. Por debêntures simples, entende-se aque-
las sem garantia flutuante, ou seja, sem o privilégio geral sobre o ativo
da companhia. Não possuem preferência no recebimento de seu cré-
dito em caso de liquidação da sociedade e podem ser equiparadas aos
credores quirografários ou serem subordinadas a esses credores, so-
mente preferindo aos acionistas no eventual ativo remanescente. Es-
sas condições eram cumulativas. Na ausência de quaisquer delas, a
deliberação sobre a emissão de debêntures competia à assembleia geral.
A companhia pode assumir na escritura de emissão das debêntu-
res simples, não conversíveis em ação e sem garantia real, a obrigação
de não alienar ou onerar bem imóvel ou outro bem sujeito a registro de
propriedade (artigo 58, § 5 o ), pois esse direito não confere aos titulares
dessas debêntures qualquer privilégio ou garantia concreta; o exercício
desse direito tem por fim evitar que uma eventual dilapidação do patri-
mônio da companhia possa prejudicar a liquidação dessas debêntures.
Há 2 (dois) momentos no negócio jurídico da debênture: a emissão,
enquanto manifestação de vontade da companhia e a subscrição, en-
quanto manifestação, por parte dos tomadores, da aceitação da oferta da
companhia937. A emissão das debêntures constitui a sua criação e oferta
aos interessados. A subscrição designa o ato mediante o qual os tomado-
res dos títulos manifestam a sua aceitação, assinando o boletim de subs-
crição e tornando-se, a partir daquele momento, debenturistas938. Assim,

937 Sobre as 2 (duas) fases do negócio jurídico da debênture, ver os comentários ao art. 53 da
Lei das S.A.
938 NELSON EIZIRIK, "Emissão de Debêntures", Revista dos Tribunais. São Raulo: Ed. Revista dos
Tribunais, v. 721, novembro, 1995, p. 53 ou na Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 101, janeiro-março, 1996,
p. 37-48.
a assembleia geral ou o conselho de administração, conforme o caso,
autoriza a emissão de debêntures e estabelece as suas características e a
escritura de emissão dá existência jurídica a esses títulos. No entanto,
para que as debêntures sejam colocadas em circulação, são necessários os
seguintes registros: (i) das garantias reais, se existentes; (ii) da própria
escritura na Junta Comercial; e, (iii) tratando-se de emissão pública, na
Comissão de Valores Mobiliários, além da interveniência do agente fi-
duciário na escritura de emissão939-940.
A subscrição de debêntures pode ser realizada à vista ou parcela-
damente. No passado, entendia-se que o pagamento das debêntures
deveria ocorrer obrigatoriamente à vista. Tal concepção decorria basi-
camente do fato de serem as debêntures títulos ao portador. Vedada a
emissão de títulos ao portador, com o advento da Lei n° 8.021/1990,
não há, em princípio, impedimento à colocação de debêntures nomi-
nativas ou escriturais com pagamento parcelado. Deve a companhia,
porém, por razões de cautela, promover a transferência gradual da
propriedade das debêntures, condicionando-a ao efetivo pagamento
das parcelas por parte do adquirente.
Assim, admite-se em emissões de debêntures divididas em séries,
que o pagamento seja feito parceladamente - por exemplo: podem
ser emitidas debêntures das séries A, B e C, integralizadas as da série
A à vista, no ato da subscrição, e as demais em datas futuras, fixadas
na escritura de emissão. Em emissões de debêntures destinadas ao
financiamento de empreendimentos imobiliários (construção de
shopping centers, hotéis, hospitais, etc.) tem sido utilizado o expediente

939 Consta do caput e do § 1o do art. 61 da Lei das S.A. que: "A companhia fará constar da
escritura de emissão os direitos conferidos pelas debêntures, suas garantias e demais cláusu-
las ou condições. § Io A escritura de emissão, por instrumento público ou particular, de
debêntures distribuídas ou admitidas à negociação no mercado, terá obrigatoriamente a
intervenção de agente fiduciário dos debenturistas (art. 66 a 70)." O art. 66 da Lei das S.A.,
por sua vez, estabelece que o "agente fiduciário será nomeado e deverá aceitar a função na
escritura de emissão de debêntures."
Sobre os requisitos indispensáveis à emissão de debêntures, ver os comentários ao arl. 62
da Lei das S.A.
de emitir-se várias séries de debêntures, cuja subscrição ocorre de
forma vinculada ao cumprimento do cronograma de execução de obras.
A emissão de debêntures pode ser pública ou privada. A emissão
privada é efetuada de forma direta pela companhia emissora e não se
destina ao público. A emissão pública implica em captação de recur-
sos junto a investidores individuais e institucionais941. A companhia
para proceder a uma emissão pública de debêntures, deve registrá-la
na Comissão de Valores Mobiliários942. Nos termos da Lei das S.A.
(artigo 4 o , § I o ), somente os valores mobiliários das companhias re-
gistradas na Comissão de Valores Mobiliários, ou seja, das compa-
nhias abertas, podem ser objeto de distribuição no mercado e de
negociação em Bolsa de Valores e no mercado de balcão943. O regis-
tro da emissão pública de debêntuxes objetiva basicamente proteger
os tomadores dos valores mobiliários, impondo à companhia a obri-
gação de prestar as informações previstas na Lei das S.A. e na regula-
mentação administrativa da Comissão de Valores Mobiliários.
A Comissão de Valores Mobiliários pode indeferir o pedido de
registro da emissão pública apenas nas hipóteses de (i) a companhia
não apresentar as informações consideradas necessárias à correta ava-
liação, por parte dos investidores, sobre o mérito do empreendimento,
as quais estão minuciosamente descritas nas normas administrativas
por ela baixadas, ou caso a companhia apresente tais informações de

941 Sobre a diferenciação entre a emissão pública e privada de valores mobiliários e a sua
colocação, ver os comentários ao art. 4o da Lei das S.A. Ver, lambem, NELSON EIZIRIK,
ARIÁDNA B. GAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS DE FREITAS l-IENRIQUES. Mercado de
Capitais - Regime Jurídico. 2a edição, Rio de Janeiro; Renovar, 2008, p. 135-162. Ver,
também, o art. 3 o da Instrução CVM n° 400/2003, com as alterações introduzidas pelas
Instruções CVM n« 482/201 0.
942 Art. 19 da Lei n° 6.385/1976.
943 Note-se que a CVM, ao regular, por meio da Instrução CVM n° 476/2009, com as alterações
introduzidas pelas Instruções CVM nm 482/2010, 488/2010 e 500/2011, as ofertas públi-
cas de valores mobiliários distribuídas com esforços restritos, determinou, no art. 5o, que a
elas não se aplicam a Instrução CVM n° 400/2003, bem como as alterações introduzidas
pelas Instruções CVM n05 429/2006, 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 488/2010, e as
demais normas da CVM relativas ao procedimento de distribuição de valores mobiliários
específicos. Assim, as sociedades fechadas podem, por exemplo, realizar uma emissão
pública de debêntures. Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 52 da Lei das S.A.
maneira incompleta ou insatisfatória944; e (ii) o estatuto da compa-
nhia conter dispositivos ilegais, ou os atos societários que precederem
a emissão serem irregulares ou viciados. Em tais casos, o deferimento
do pedido do registro é condicionado ao atendimento das exigênci-
as formuladas pela Comissão de Valores Mobiliários, inclusive quan-
to às necessárias alterações no estatuto social da companhia para
adaptá-lo à Lei das S.A. 945 .
A Comissão de Valores Mobiliários pode aprovar padrões de clá-
usulas e condições que devem, obrigatoriamente, ser adotados nas
escrituras de emissão de debêntures destinadas à negociação em Bol-
sa de Valores ou no mercado de balcão, e recusar a admissão ao mer-
cado da emissão que não satisfaça a esses padrões (artigo 61, § 3 o ).
O ato da Comissão de Valores Mobiliários de aprovar ou desa-
provar o pedido de emissão pública de debêntures é necessariamente
vinculado, uma vez que a Lei das S.A. e a regulamentação adminis-
trativa estabelecem os requisitos e as condições para a sua prática.
Não há, no caso, poder discricionário da Comissão de Valores Mobi-
liários; não pode essa Autarquia indeferir o pedido de registro da emis-
são por razões de conveniência ou oportunidade.
Caso uma emissão pública de debêntures não seja registrada, a
Comissão de Valores Mobiliários pode determinar a sua suspensão.
Idêntica providência pode ser adotada por essa Autarquia na hipótese
em que, embora registrada a emissão, seja ela fraudulenta ou ilegal,
ou ainda estejam a oferta, a promoção e os anúncios publicitários
ocorrendo em condições diversas daquelas constantes do registro946.
Tratando-se de emissão pública sem o necessário registro, entende-
se que o ato de subscrição é nulo. A nulidade, no caso, decorre da

944 Instrução CVM n° 400/2003, com as allerações introduzidas pelas Instruções CVM n" 429/
2006, 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 488/2010, Anexos I e II, com a alteração da
Instrução CVM n° 429/2006, e art. 16.
945 Art. 16, § I o , da Instrução CVM n° 400/2003.
946 Art. 20 da Lei n° 6.385/1976.
preterição de formalidade essencial - o registro na Comissão de
Valores Mobiliários - à realização de uma oferta pública de títulos
no mercado de capitais, com a captação da poupança popular947.
Caracterizada a emissão pública sem registro, a Comissão de
Valores Mobiliários pode determinar a instauração de inquérito
administrativo para apurar a responsabilidade disciplinar das
pessoas envolvidas, como os administradores, acionista
controlador e underwriters.
Nenhuma emissão pública de debêntures pode ser realizada sem a
participação de uma instituiçãofinanceiraatuando como underwriter, res-
salvadas as hipóteses de dispensa pela Comissão de Valores Mobiliários948.
A própria Lei das S A. determina que a emissão pública de valores mobiliá-
rios deve ser necessariamente realizada com a intermediação de instituição
financeira (artigo 82). Estão habilitadas a atuar como underwriters as ins-
tituiçõesfinanceirasintegrantes do sistema de distribuição de valores mo-
biliários, a saber, os bancos de investimento; os bancos múltiplos com
carteira de investimentos; as sociedades corretoras; e as sociedades distri-
buidoras de títulos e valores mobiliários949-950.
O contrato de underwriting pode ser firmado com 1 (uma) ou
com várias instituições financeiras. Nessa última hipótese, caracteri-
za-se o consórcio de underwriters, aplicando-se, consequentemente,
as disposições constantes dos artigos 278 e 279. Há 3 (três) modali-
dades de underwriting, tendo em vista as obrigações assumidas pela
instituição financeira: (i) firme; (ii) com garantia de sobras; e (iii) de

947 Sobre esse assunto, ver o Parecer CVM/SJU n° 088/1979.


943 Art 3°, § 2 o (última parte), c/c art. 4o e art. 59, inciso III, da Instrução CVM n° 400/2003,
com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n" 429/2006, 442/2006, 472/2008,
482/2010 e 488/2010.
949 Arts. 15 e 19, § 4o, da Lei n° 6.385/1976 e art. 3o, § 2o, da Instrução CVM n° 400/2003, com
a redação dada pela Instrução CVM n° 482/2010.
950 A distribuição pública de valores mobiliários sem a intermediação de instituição financeira
é considerada infração grave, de acordo com o art. 59 da Instrução CVM n° 400/2003, com
as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n™ 429/2006, 442/2006, 472/2008, 482/
2010 e 488/2010.
melhor esforço. No underwriting firme ou com garantia de subscri-
ção total, a instituição financeira compromete-se a subscrever todos
os valores mobiliários emitidos pela companhia para, posteriormente,
vendê-los ao público. No caso, o underwriter assume o risco integral
da colocação; subscreve os títulos, paga à companhia o seu valor e
depois passa a colocá-los no mercado. No underwriting com garantia
de sobras a instituição financeira assume a obrigação de subscrever as
sobras, após a colocação dos títulos no mercado. O underwriter reali-
za um esforço de venda dos papéis, subscrevendo, posteriormente,
aqueles que não foram adquiridos pelo público. Já no underwriting de
melhor esforço a instituição financeira não garante a subscrição dos
títulos emitidos pela companhia; compromete-se apenas a realizar seus
melhores esforços para vender os papéis junto ao público, não tendo a
obrigação de adquiri-los no caso de insucesso da colocação951.
Uma vez registradas na Comissão de Valores Mobiliários, as de-
bêntures podem ser objeto de livre e irrestrita negociação no mercado
de capitais. O mercado de debêntures (primário e secundário) é cons-
tituído predominantemente por investidores institucionais, notada-
mente pelos fundos fechados de previdência privada (os fundos de
pensão); não é muito expressivo o numero de investidores individuais
ativos nesse mercado.
Embora a Lei das S.A. mencione expressamente a possibilida-
de de serem as debêntures transacionadas em Bolsa de Valores (arti-
gos 60, § 3 o , 61, § 3 o , e 67, parágrafo único), na prática do mercado
brasileiro tais títulos são negociados no mercado de balcão, que cons-
titui um mercado secundário de valores mobiliários, fora das Bolsas
de Valores, com a intermediação de instituições financeiras integran-
tes do sistema de distribuição952. A negociação das debêntures no

951 Sobre underwriting, ver NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA B. CAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS
DE FREITAS HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico..., p. 163-191,
952 Art. 21, § 4°, da Lei n° 6.385/1976, com a redação dada pela Lei n° 9.457/1997.
mercado ocorre basicamente no Módulo Nacional de Debêntures -
SND953. Trata-se de um sistema automatizado de negociação, custódia
e liquidação financeira de debêntures, que funciona, em termos nacio-
nais, por meio da rede de terminais de computadores da CETIP S.A.
Balcão Organizado de Ativos e Derivativos954. O SND consiste em
um sistema mediante o qual são processados eletronicamente o regis-
tro, a custódia, a negociação e a liquidação financeira das operações
com debêntures realizadas no mercado secundário; nesse sistema as
debêntures são negociadas via computador e são processados automa-
ticamente todos os eventos a elas relativos, tais como pagamento de
juros, repactuação, resgate, etc., sendo os recursos creditados ou debita-
dos diretamente na conta dos participantes. O SND acata diretamente
as negociações realizadas no mercado de balcão, bem como as transa-
ções fechadas na plataforma de negociação da Cetipnet - Sistema de
Negociação Eletrônica de Títulos, cujo propósito é servir como portal
de negociação com títulos públicos e privados.
O Módulo de Distribuição de Títulos - SDT, também adminis-
trado pela CETIP, permite a colocação de debêntures no mercado
primário, mediante o processamento eletrônico das operações. Os sis-
temas SND e S D T proporcionaram, a partir de sua implantação, ocor-
rida em 1988, maior segurança às negociações com debêntures, tanto
no mercado primário como no mercado secundário. O S D T simplifi-
cou o processo de colocação primária de debêntures, permitindo a
liquidação financeira das operações via reserva bancária das institui-

953 O SND foi constituído em 1988 sob a denominação Sistema Nacional de Debêntures,
como fruto de uma parceria entre a Associação Nacional das Instituições do Mercado
Financeiro (ANDIMA) - antiga denominação da Associação Brasileira das Entidades dos
Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA) - e a CETIP S.A. Balcão organizado de Ativos
e Derivativos.
954 A CETIP constitui uma câmara de compensação e liquidação que efetua a custódia
escriturai de ativos e contratos, registra operações realizadas no mercado de balcão,
processa a liquidação financeira e oferece ao mercado uma plataforma eletrônica para a
realização de diversos tipos de operações online, tais como: leilões e negociação de
títulos públicos, privados e valores mobiliários de renda fixa. A CETIP também é respon-
sável pelos serviços de custódia prestados aos investidores dentro do SND e do Módulo
de Distribuição de Títulos - SDT.
ções financeiras participantes, sem a necessidade de assinatura de
cheques e preenchimento de boletins de subscrição, os quais são
emitidos automaticamente pelo próprio Sistema955-956.
As debêntures têm obrigatoriamente valor nominal957; determi-
na a Lei das S.A. que as debêntures da mesma série terão igual valor
nominal e conferirão aos seus titulares os mesmos direitos (artigo 53,
parágrafo único). No entanto, de acordo com o § 3 o deste artigo, com
a redação dada pela Lei n° 12.431/2011, a assembleia geral pode de-
liberar que a emissão terá valor e número de série indeterminados,
dentro dos limites por ela fixados. Não obstante, o artigo 60 estabele-
ce a regra de que o valor total das emissões de debêntures, excetuados
os casos previstos em lei especial, não pode ultrapassar o capital social
da companhia e que esse limite pode ser excedido até alcançar (i)
80% (oitenta por cento) do valor dos bens gravados, próprios ou de
terceiros, no caso de debêntures com garantia real; e (ii) 70% (setenta
por cento) do valor contábil do ativo da companhia, diminuído do
montante das suas dívidas garantidas por direitos reais, no caso de
debêntures com garantia flutuante.
A Lei das S.A. não fixou um valor mínimo para as debêntures,
cabendo à assembleia geral ou ao conselho de administração, confor-
me o caso, estabelecer o valor que julgar conveniente aos interesses
da companhia958.
Ao longo de sua existência, a companhia pode realizar o número
de emissões de debêntures que julgar conveniente. Trata-se de deci-

955 Os sistemas SND e SDT são disciplinados mediante normas de auto-regulação, de conteú-
do corporativo, contidas nos respectivos Regulamentos de Operações. O SND foi oficial-
mente reconhecido pelas autoridades fiscais e monetárias com a edição da Instrução
Normativa da SRF n" 56/1988 e da Resolução CMN n" 1.883/1991.
956 Sobre o SND, ver LUIZ CASTÃO PAES DE BARROS LEAES, "O Regulamento do Sistema
Nacional de Debêntures". In: Pareceres. v. II, São Paulo: Editora Singular, 2004, p.
1.111-1.129.
957 Sobre o valor nominal das debêntures, ver os comentários ao art. 54 da Lei das S.A.
958 A CVM, por meio da instrução CVM n° 194/1992, alterou o valor nominal unitário mfnimo
para emissão de debêntures com cláusula de variação cambial previsto na revogada Reso-
lução CMN n° 1.833/1991.
são interna corporis, relativa ao grau de endividamento considerado
adequado pelos acionistas e administradores. A companhia pode rea-
lizar emissões de debêntures de forma concomitante; ou seja, não
precisa mais colocar todas as debêntures de uma emissão ou toda a
série - se a emissão for dividida em séries - ou, ainda, cancelar a emis-
são anterior ou as séries não colocadas para proceder a uma nova
emissão de debêntures. O dispositivo que continha essa regra - § 3 o
da redação original deste artigo - foi substituído e alterado pela Lei
n° 12.431/2011.
Na hipótese de uma emissão ou série de debêntures não ser inte-
gralmente subscrita, a companhia não poderá desistir da colocação
dos títulos e devolver aos subscritores o valor pago, salvo se a desis-
tência for expressamente regulada na escritura de emissão; caso con-
trário, a colocação deverá ser feita no volume subscrito, pois a
subscrição é a manifestação, por parte dos tomadores, da aceitação da
oferta da companhia, que fica a ela vinculada.
Limite de emissão
'Art. 60. Excetuados os casos previstos em lei especial, o valor
total das emissões de debêntures não poderá ultrapassar o capital
social da companhia.

§ I o Esse limite pode ser excedido até alcançar:

a) 80% (oitenta por cento) do valor dos bens gravados, próprios


ou de terceiros, no caso de debêntures com garantia real;

b) 70% (setenta por cento) do valor contábil do ativo da compa-


nhia, diminuído do montante das suas dívidas garantidas por di-
reitos reais, no caso de debêntures com g a r a n t i a flutuante.

§2° O limite estabelecido na alínea a do § I o poderá ser determi-


nado em relação à situação do patrimônio da companhia depois
de investido o produto da emissão; neste caso, os recursos ficarão
sob controle do agente fiduciário dos debenturistas e serão entre-
gues à companhia, observados os limites do § I o , à medida em
que for sendo aumentado o valor das garantias.

§ 3 o A Comissão de Valores Mobiliários poderáfixaroutros limi-


tes para emissões de debêntures negociadas em bolsa ou no bal-
cão, ou a serem distribuídas no mercado.

§ 4 o Os limites previstos neste artigo não se aplicam à emissão de


debêntures subordinadas."

A companhia, ao longo de sua existência, pode efetuar emissões


de debêntures em quantidade que julgar conveniente; trata-se de de-
cisão interna corporis, relativa ao grau de endividamento considerado
adequado pelos acionistas e administradores, mas deverá observar os
limites estabelecidos neste artigo.
A regra geral é a de que o valor total das emissões de debêntures
de uma companhia não pode ultrapassar o seu capital social. Assim, a
cada nova emissão de debêntures, deverá ser somado o seu valor ao
das demais emissões não extintas, a fim de verificar se o saldo deve-
dor está dentro do valor do capital social.
O limite para o valor total das emissões de debêntures - o capital
social da companhia - é o mesmo do Decreto n° 177-A/l882. Várias
críticas foram feitas à manutenção, na Lei das S.A., do capital social
como referência, tendo em vista que este não reflete a situação patri-
monial da companhia. A vigente Lei das S.A., porém, manteve o
capital como um limite genérico de emissão.
O § I o prevê casos em que, em função da garantia, o valor do
capital social pode ser excedido, a saber:
(a) as debêntures com garantia real podem ultrapassar o valor do
capital social desde que não excedam 80% (oitenta por cento) do valor
dos bens gravados, próprios ou de terceiros959. A Lei das S.A., no § 2 o ,
permite que o limite dessas debêntures (com garantia real) possa ser
determinado em relação à situação do patrimônio da companhia de-
pois de investido o produto da emissão. Nesse caso, os recursos ficarão
sob controle do agente fiduciário dos debenturistas e serão entregues à
companhia, observado o limite de 80% (oitenta por cento) das garan-
tias constituídas, na medida em que for aumentando o valor das ga-
rantias. Ou seja, a Lei das S.A. admite que esse limite acompanhe o
aumento do valor da garantia decorrente da valorização do bem one-
rado em virtude do investimento do produto da emissão. E a chamada
"garantia progressiva"960. O objetivo dessa norma é permitir que as
debêntures possam ser usadas como instrumento do financiamento
de projeto de investimento, cujos bens sejam a garantia do emprésti-
mo961-962. Essa solução é necessária porque, em geral, a execução de
grandes projetos se processa ao longo de alguns anos, e a companhia,
para iniciá-los, precisa ter recursos financeiros suficientes à sua com-
pleta execução. A emissão de debêntures em séries sucessivas, durante
o prazo de execução do projeto, depende das condições do mercado
no momento da emissão de cada série, o que não garante a disponibi-
lidade de recursos antes do início da sua execução.
(b) as debêntures com garantia flutuante podem alcançar até 70%
(setenta por cento) do valor contábil do ativo da companhia, diminuído
do montante das suas dívidas garantidas por direitos reais. Os créditos

959 Sobre a necessidade de avaliação dos bens dados em garantia das debêntures, ver os
comentários ao art. 58 da Lei das S.A.
960 A expressão "garantia progressiva" é utilizada por JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA.
Direito Societário. 11a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 293.
961 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.
962 Sobre o § 2° do art. 60 da Lei das S.A., a CVM, no Rarecer CVM/SJU n° 056/1981,
manifestou-se no sentido de que o significado dessa regra "é facultar à companhia prometer
dar em garantia real bens de seu ativo a serem adquiridos mediante investimento dos recursos
captados junto aos tomadores das debêntures. Esta a razão de ficarem os referidos recursos
sob o controle do agente fiduciário, que só os poderá liberar, sob pena de responsabilidade,
para a aquisição de bens (investimentos) aptos a serem, de imediato, dados em garantia real
da emissão, respeitando o limite de 80% dos bens gravados."
com garantia real preferem às debêntures com garantia flutuante. A
determinação da Lei das S.A. é a de, nesse caso, deduzir do ativo todas
as dívidas da companhia garantidas por direitos reais e não apenas as
debêntures com garantia real. O limite é calculado sobre o valor do
ativo após a colocação da emissão, na hipótese desta acrescer ao ativo.
Se a companhia emissora integrar grupo de sociedades - constituído
de acordo com o artigo 265 - e a garantia flutuante abranger os ativos
de 2 (duas) ou mais sociedades do grupo963, o limite da emissão deverá
considerar o conjunto de ativos que constitui a garantia.
A emissão de debêntures subordinadas, de acordo com o § 4 o , não
está sujeita a qualquer limite, porque os seus titulares, na hipótese de
liquidação da companhia, preferem apenas aos acionistas964. Neste caso,
poderá a companhia emitir debêntures (subordinadas) no limite que
julgar conveniente aos seus interesses, ressalvado o disposto no § 3 o .
Assim, caso a companhia emita (i) debêntures sem preferência,
prevalecerá o valor do capital social. O limite do capital social prevalece
para a totalidade das emissões, ou seja, se a companhia efetuar várias
emissões, o valor total delas não poderá ser superior ao valor do capital
social; (ii) debêntures com garantia real, o limite constituído pelo capital
social poderá ser ultrapassado até alcançar 80% (oitenta por cento) do
valor dos bens gravados, próprios ou de terceiros; (iii) debêntures com
garantia flutuante, a regra geral também poderá ser ultrapassada até atingir
70% (setenta por cento) do valor contábil do ativo da companhia, dimi-
nuído do montante das suas dívidas garantidas por direitos reais; (iv)
debêntures subordinadas, a emissão não estará sujeita a qualquer limite;
(v) debêntures com garantia flutuante e sem preferência, o somatório
das várias emissões terá como limite máximo o da garantia flutuante -
70% (setenta por cento) do valor contábil do ativo da companhia, dimi-
nuído do montante das suas dívidas garantidas por direitos reais. O limi-

963 Sobre esse assunto, ver os comenlários ao art. 58 da Lei das S.A.
964 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 58 da Lei das S.A.
te será o valor do capital social, se o valor contábil do ativo for inferior a
ele; (vi) debêntures com garantia flutuante e com garantia real, o limite
será estabelecido em função da garantia flutuante, pois a Lei das S.A.
determina que se subtraia do percentual de 70% (setenta por cento) do
valor do ativo contábil, as dívidas da companhia garantidas com direitos
reais965-966; e (vii) debêntures sem preferência e realize outra emissão de
debêntures com garantia, o valor da emissão destas últimas será a dife-
rença entre as debêntures sem preferência já emitidas e o limite das
debêntures com garantia real ou flutuante, conforme o caso.
Uma companhia que tenha emitido debêntures com garantia só
poderá, posteriormente, emitir debêntures sem preferência, se o limi-
te da espécie das debêntures garantidas (real ou flutuante) não tiver
sido ultrapassado, pois este deverá ser respeitado.
Assim, por exemplo, uma companhia com capital social de RS
80 milhões que tenha emitido debêntures no valor de R$ 200 mi-
lhões com garantia real de bem avaliado em RS 300 milhões, somen-
te poderia fazer uma emissão de debêntures sem preferência até o
valor de R$ 40 milhões, pois o total das emissões corresponderia a RS
240 milhões, que é equivalente a 80% (oitenta por cento) do valor do
bem dado em garantia.

965 O art. 58, § 2 o , da Lei das S.A. admite a constituição das garantias reais e flutuante
cumulativamente para a mesma emissão.
966 Sobre esse assunto, a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 037/1983, entendeu que: "A garantia
flutuante alcança todos os bens do ativo da empresa, deixando, porém todos eles livres para
irem e virem, vale dizer, flutuar. Isto significa que os bens dados em privilégio geral (sinônimo
da garantia flutuante) podem ser alienados e, consequentemente, podem ser gravados com
ônus reais. (...) Na ordem de preferência, o credor garantido por ônus real precede o que
tem privilégio especial e geral. A cumulação das garantias não acarreta um acréscimo em
quantidade, por assim dizer, do patrimônio afetado à obrigação, mas altera a ordem de
preferência no concurso creditório, quando ele se instalar. Introduz, desta forma, uma
mudança de qualidade relevante para o credor, capaz de tornar mais atrativo, para ele, a
debênture. (...) A eficácia da cumulação, do ponto de vista econômico, torna-se evidente
quando se atenta para o fato de que, caso a garantia real seja insuficiente, perdura o privilégio
geral que alcança todos os demais bens. (...) Se cada série, ou cada emissão tiver garantias
diferentes, flutuante e real, por ex., o limite será estabelecido em função da garantia flutuante,
uma vez que a lei determina que se diminuam do percentual de 70% do valor do ativo
contábil, as dívidas da companhia garantidas com direitos reais. Nesta hipótese, o limite da
emissão total definida pelo valor do ativo contábil deve ser fixado levando em conta todas as
emissões já efetivadas, as quais devem ser computadas para se obter o valor global permitido."
Na hipótese de serem emitidas debêntures com garantia real so-
bre bens com valor inferior ao do total da emissão, prevalece a regra
geral de que o valor total das emissões de debêntures não poderá ul-
trapassar o capital social da companhia967.
Algumas leis especiais podem estabelecer que a emissão de de-
bêntures seja efetuada acima do valor do capital social ou determi-
nar restrições à emissão, como, por exemplo, a Lei n° 4.595/1964,
cujo artigo 35 veda a emissão de debêntures por parte das institui-
ções financeiras, salvo as que não recebem depósito do público e
desde que previamente autorizadas pelo Banco Central do Brasil,
em cada caso968.
Nos termos do § 3 o , a Comissão de Valores Mobiliários poderá
fixar outros limites para emissões de debêntures negociadas em Bolsa
de Valores ou no Balcão, ou a serem distribuídas no mercado. Essa
regra tem por fim proteger os investidores do mercado, pois o grau de
segurança dos credores varia conforme o tipo de atividade ou empre-
endimento da companhia emissora e da espécie dos bens que garan-
tem as debêntures. Portanto, o Emite geral de emissão fixado na Lei
das S.A., se inadequado em algumas hipóteses, pode ser substituído
mediante normas específicas expedidas pela Comissão de Valores Mo-
biliários. Os limites estabelecidos por essa Autarquia, não obstante o
disposto no § 4 o , podem alcançar as debêntures subordinadas, tendo
em vista que o § 3 o preyê a possibilidade de fixação de outros limites
para emissões de debêntures negociadas em Bolsa de Valores ou no
mercado de balcão.

A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 037/1983, observa que: "(...), em razão da determinação


do § 1o, alínea a do artigo 60 da Lei 6.404/76, só é possível garantir uma emissão de
debêntures parcialmente, com ônus reais, se o seu total não ultrapassa o valor do capital
social. Porque, para que se possa utilizar o valor do bem onerado como parâmetro de valor
da emissão, considera-se um percentual dele, 80%, não o seu valor global. A garantia, no
caso, será de fato excedente em relação à obrigação, fato que demonstra a preocupação do
legislador em assegurar não só a garantia do credor, mas também a solvência da empresa,
evitando um endividamento excessivo e desproporcional a seu patrimônio."
Redação dada pelo Decreto-Lei n° 2.290/1986.
ART. 61 - A LEI DAS S / A COMENTADA

Escritura de emissão
"Art. 61. A companhia fará constar da escritura de emissão os di-
reitos conferidos pelas debêntures, suas garantias e demais cláusu-
las ou condições.

§ I o A escritura de emissão, por instrumento público ou particu-


lar, de debêntures distribuídas ou admitidas à negociação no mer-
cado, terá obrigatoriamente a intervenção de agente fiduciário
dos debenturistas (artigos 66 a 70).

§ 2 o Cada nova série da mesma emissão será objeto de aditamen-


to à respectiva escritura.

§ 3 o A Comissão de Valores Mobiliários poderá aprovar padrões


de cláusulas e condições que devam ser adotados nas escrituras de
emissão de debêntures destinadas à negociação em bolsa ou no
mercado de balcão, e recusar a admissão ao mercado da emissão
que não satisfaça a esses padrões."

As debêntures não nascem de um acordo bilateral de vontade


em que as partes negociam suas cláusulas e condições, mas de uma
declaração unilateral de vontade da companhia emissora, objeto de
deliberação em assembleia geral ou em reunião do conselho de admi-
nistração, conforme o caso969. A assembleia geral ou o conselho de
administração autoriza a emissão de debêntures e estabelece as suas
características e a escritura de emissão dá existência jurídica a esses
títulos. No entanto, para que as debêntures sejam colocadas em cir-
culação, são necessários os seguintes registros: (i) das garantias reais,
se existentes; (ii) da própria escritura naJunta Comercial; e, (iii) tra-
tando-se de emissão pública, na Comissão de Valores Mobiliários,

969 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 59 da Lei das S.A.
além da interveniência do agente fiduciário na referida escritura de
emissão970.
Uma vez aprovada a emissão de debêntures, deverá ser providen-
ciada a escritura de emissão, que é o instrumento por meio do qual a
companhia estabelece os direitos conferidos pelas debêntures, suas
garantias e demais cláusulas e condições.
Deverão constar da escritura de emissão todas as condições que
tiverem sido deliberadas pela assembleia geral ou pelo conselho de
administração, conforme o caso, além de outras características das
debêntures, uma vez que os direitos e garantias dos debenturistas dela
decorrem. Os termos da escritura de emissão devem regular as rela-
ções jurídicas entre a companhia e a comunhão de debenturistas des-
de a emissão até o vencimento ou resgate dos títulos, ressalvado o
interesse da companhia emissora de modificar as condições previstas
na escritura ao longo desse período.
O órgão competente deverá, obrigatoriamente, fixar (i) o valor
da emissão ou os critérios de determinação do seu limite, e a sua
divisão em séries, se for o caso; (ii) o número e o valor nominal das
debêntures; (iii) as garantias reais ou flutuante, se houver; (iv) as
condições de correção monetária, se houver; (v) a conversibilidade
ou não em ações e as condições a serem observadas na conversão;
(vi) a época e as condições de vencimento, amortização ou resgate;
(vii) a época e as condições do pagamento dos juros, da participação
nos lucros e do prêmio de reembolso, se houver; (viii) o modo de
subscrição ou colocação e o tipo das debêntures.
Além dessas condições básicas, também deverão constar da es-
critura de emissão as regras sobre a nomeação e substituição do agen-
te fiduciário, seus deveres e atribuições, as regras sobre a convocação
e deliberação das assembleias de debenturistas, bem como todas as

970 Sobre os requisitos indispensáveis à emissão de debêntures, ver os comentários ao art. 62


da Lei das S.A.
demais obrigações a que a companhia emissora estará sujeita971-972. O
descumprimento de quaisquer das obrigações constantes da escritura
de emissão poderá acarretar o vencimento antecipado das debêntures
(artigo 68, § 3 o ).
O § I o autoriza a escritura de emissão por instrumento público
ou particular e determina, ainda, que aquela que for distribuída ou
admitida à negociação no mercado terá obrigatoriamente a inter-
venção de agente fiduciário dos debenturistas, que deverá aceitar a
função na escritura de emissão (artigo 66, caput). Assim, como ne-
gócio unilateral, a escritura de emissão é assinada (i) pela compa-
nhia emissora, por meio de seus representantes; (ii) pelo agente
fiduciário dos debenturistas, quando for o caso, para aceitar a no-
meação e concordar com as cláusulas e condições; e (iii) pelo tercei-
ro garantidor, se houver.
De acordo com o § 2 o , cada nova série de emissão será objeto de
aditamento à respectiva escritura. Não obstante, a escritura de emis-
são pode prever um número determinado de séries e regular as condi-
ções de cada uma, o que evitará o aditamento da escritura com a
finalidade de incluir uma nova série.
A Comissão de Valores Mobiliários poderá aprovar padrões de
cláusulas e condições que devam ser adotados nas escrituras de emis-

971 A Lei das S.A. delermina no § 5o do art. 71 que a "escritura de emissão estabelecerá a maioria
necessária, que não será inferior à metade das debêntures em circulação, para aprovar
modificação nas condições das debêntures."
972 JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Das Debêntures. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.
100, cita como exemplos de obrigações da companhia que também podem constar da
escritura de emissão, "a de não elevar o seu endividamento acima de determinado teto, a de
promover a venda de determinados ativos estranhos ao foco do negócio, a de submeter
certas despesas à prévia autorização do agente fiduciário, (...), restrições à venda de bens
integrantes do ativo permanente, foro de eleição, e, mediante a interveniência dos
controladores, regras sobre a manutenção do controle da sociedade, assim como limitações
á distribuição de dividendos, ressalvado naturalmente o dividendo obrigatório. (...) Uma
outra obrigação especial, que merece destacada preferência, é a condição 'pari pasu', muito
comum no direito francês, e que se destina a impedir, durante a vigência das debêntures, que
a outros débitos ou obrigações da emissora sejam conferidas garantias ou privilégios que nao
sejam também outorgados às debêntures da emissão ou série considerada."
são de debêntures destinadas à negociação em Bolsa ou no mercado
de balcão e recusar a admissão ao mercado da emissão que não satis-
faça a esses padrões, conforme estabelece o § 3°973-974. Com base nessa
regra, a Comissão de Valores Mobiliários criou as debêntures padro-
nizadas, estabelecendo padrões de cláusulas e condições que devem
ser adotados nas suas escrituras de emissão975-976.
De acordo com o modelo de escritura de emissão estabelecido
pela Comissão de Valores Mobiliários, as debêntures padronizadas
devem, obrigatoriamente, adotar a forma escriturai e ser da espécie
subordinada ou sem preferência. Elas são admitidas à negociação em
segmento especial da Bolsa de Valores ou entidade do mercado de
balcão organizado; são objeto de atividade permanente por parte dos

973 De acordo com a Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, "os artigos 61 e 62


regulam a escritura e os registros de emissão de debêntures, com os requisitos necessários
para a proteção dos credores e segundo a nossa técnica de registros públicos. Como a
emissão de debêntures é ato unilateral, para proteger os investidores do mercado o § 3o do
artigo 61 atribuiu à Comissão de Valores Mobiliários competência para estabelecer padrões
de cláusulas e condições que devam ser adotados nas escrituras de emissão de debêntures
distribuídas no mercado, podendo recusar a admissão ao mercado da emissão que não
satisfaça a esses padrões."
974 Sobre as exigências que podem ser impostas às companhias com base no § 3 o do art. 61
da Lei das S.A., a CVM, no Parecer CVM/SJU n° 018/1981, se manifestou no sentido de
que: "De modo a tornar mais efetiva a garantia oferecida pela sociedade controladora
estrangeira pode a CVM, estribada no permissivo legal do artigo 61, § 3o da Lei n" 6.404/
76, impor determinadas exigências a tais sociedades, que deverão constar, obrigatoria-
mente, da escritura de emissão das debêntures. Tais exigências seriam basicamente: a)
foro do contrato em comarca situada no Brasil; b) nomeação pela sociedade estrangeira
garantidora de procurador domiciliado na sede da companhia emissora, com poderes
para receber citação; c) utilização de instrumento semelhante ao affidavit norte-america-
no; d) reconhecimento, pela sociedade estrangeira garantidora, do agente fiduciário dos
debenturistas como legítimo representante destes para eventual cobrança das garantias
prestadas."
97 5 Instrução CVM n° 404/2004. De acordo com a Nota Explicativa a essa Instrução, ela tem
"por objetivo estabelecer bases para o desenvolvimento, no País, de um mercado dinâmico
de títulos de renda fixa de emissão de companhias abertas. Um mercado com tais caracterís-
ticas pode auxiliar as companhias emissoras a reduzir sua vulnerabilidade às flutuações dos
mercados internacionais, na medida em que possam obter os recursos de longo prazo que
necessitam no mercado de capitais doméstico. Requisito básico para esse objetivo é a
existência de um título e de um mercado que, em face da simplicidade e uniformidade,
permitam aos agentes econômicos prescindir de complexas interpretações contratuais e
cálculos sofisticados para negociar."
9/6 Sobre as debêntures padronizadas, ver, também, os comentários ao art. 52 da Lei das S.A.
formadores de mercado e devem ter instituição financeira nomeada
para a função de agente fiduciário dos debenturistas977-978-979.
Registro
"Art. 62. Nenhuma emissão de debêntures será feita sem que te-
nham sido satisfeitos os seguintes requisitos: (Redação dada pela
Lei n° 10.303/2001)

I - arquivamento, no registro do comércio, e publicação da ata da


assembleia geral, ou do conselho de administração, que deliberou
sobre a emissão; (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

II - inscrição da escritura de emissão no registro do comércio;


(Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

III - constituição das garantias reais, se for o caso.

§ I o Os administradores da companhia respondem pelas per-


das e danos causados à companhia ou a terceiros por infração
deste artigo.

977 O art. da Instrução CVM n° 404/2004 estabelece que as debêntures padronizadas são
negociadas em segmento especial da Bolsa de Valores ou entidade de mercado de balcão
organizado, que: (í) ofereça, de modo transparente, mecanismos de formação de preço com
amplo acesso dos investidores; (ii) promova cotações em percentual do valor do principal
dos títulos; e (iii) esteja integrado a câmaras de liquidação e custódia autorizadas a
funcionar no Raís.
973 A Instrução CVM n° 404/2004, ao determinar, no art. 2°, inciso IV, que as debêntures
padronizadas devem ser objeto de "atividade permanente por parte dos formadores de
mercado" visa à incrementação do mercado secundário desses títulos, na medida em que
o objetivo primordial dos market makers é fomentar a liquidez de valores mobiliários
negociados publicamente, mediante a garantia de oferta de compra e venda de tais
ativos. A atuação obrigatória de formadores de mercado tem como finalidade propiciar a
existência permanente de um valor indicativo para a realização de negócios com as
debêntures padronizadas. A atividade de formador de mercado está regulada na Instru-
ção CVM n° 384/2003 e deve, nos termos do art. 2", ser exercida por pessoas jurídicas
cadastradas junto às Bolsas de Valores e às entidades de mercado de balcão organizado.
A sua atuação nos mercados de renda fixa administrados pela BM&FBovespa está disci-
plinada na Resolução n° 300/2004-CA.
979 Sobre a emissão pública e privada de debêntures e o registro da emissão na Comissão de
Valores Mobiliários, ver os comentários ao art. 59 da Lei das S.A.
§ 2 o O agente fiduciário e qualquer debenturista poderão promo-
ver os registros requeridos neste artigo e sanar as lacunas e irre-
gularidades porventura existentes nos registros promovidos pelos
administradores da companhia; neste caso, o oficial do registro
notificará a administração da companhia para que lhe forneça as
indicações e documentos necessários.

§ 3 o Os aditamentos à escritura de emissão serão averbados nos


mesmos registros.

§ 4 o Os registros do comércio manterão livro especial para ins-


crição das emissões de debêntures, no qual serão anotadas as con-
dições essenciais de cada emissão." (Redação dada pela Lei n°
10.303/2001)

Para que as debêntures sejam colocadas em circulação, é neces-


sário adotar os seguintes procedimentos: o registro das garantias re-
ais, se existentes; a inscrição da escritura e o arquivamento da ata da
assembleia geral, ou do conselho de administração, que deliberou so-
bre a emissão na Junta Comercial; e, tratando-se de emissão pública,
o registro na Comissão de Valores Mobiliários, além da interveniên-
cia do agente fiduciário na referida escritura de emissão, sob pena de
os administradores, nos termos do § I o , responderem pelas perdas e
danos causados à companhia ou a terceiros.
De acordo com este artigo, a ata da assembleia geral, ou do conselho
de administração, que deliberar sobre a emissão deverá ser obrigatoria-
mente arquivada no Registro Público de Empresas Mercantis - que é
exercido no âmbito estadual pelas Juntas Comerciais - e publicada9S0. A

Determina a Lei n° 8.934/1994, que disciplina o Registro Público de Empresas Mercantis e


Atividades Afins, no art. 3o, que: "Os serviços do Registro Público de Empresas Mercantis e
Atividades Afins serão exercidos, em todo o território nacional, de maneira uniforme, harmôni-
ca e interdependente, pelo Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis (Sinrem),
composto pelos seguintes órgãos: I - o Departamento Nacional de Registro do Comércio,
órgão central Sinrem, com funções supervisora, orientadora, coordenadora e normativa, no
escritura de emissão de debêntures, após assinada, também deverá
ser inscrita na Junta Comercial do Estado em que se localiza a sede
da emissora a fim de tornar regular a emissão e conferir publicidade
ao ato.
As garantias, se houver, também deverão ser registradas previa-
mente à colocação das debêntures. A garantia é constituída por do-
cumento próprio ou pela escritura de emissão; se for constituída por
documento próprio, este também deverá ser levado a registro na Jun-
ta Comercial e, tratando-se de bem imóvel, no Registro de Imóveis.
Os incisos I e II foram alterados pela Lei n° 10.303/2001. O inci-
so I originalmente previa apenas o arquivamento no Registro Público
de Empresas Mercantis (denominado Registro do Comércio anterior-
mente à entrada em vigor da Lei n° 8.935/1994) e publicação da ata da
assembleia geral que tivesse deliberado sobre a emissão de debêntures.
A Lei n° 10.303/2001 alterou a redação desse inciso para incluir o
arquivamento no Registro Público de Empresas Mercantis da ata do
conselho de administração que aprovar a emissão de debêntures, quan-
do for o caso. Constava da redação original do inciso II a obrigatorieda-
de de inscrição da escritura de emissão no Registro de Imóveis,
independentemente da existência de garantias reais ou flutuantes, sen-
do obrigatório mesmo para as emissões de debêntures que não gozas-
sem de qualquer garantia, privilégio geral ou cláusula de inalienabilidade.
A Lei n° 10.303/2001 acertadamente alterou no inciso II a competên-
cia para o registro da emissão de debêntures, substituindo a do Registro
de Imóveis pela do Registro Público de Empresas Mercantis.
A partir da Lei n° 10.303/2001 serão levadas à averbação no
Registro de Imóveis apenas as escrituras de emissão quando nelas
forem constituídas garantias reais, observado o disposto na Lei de
Registro Público, ou delas constarem cláusula de inalienabilidade ou

plano técnico; e supletiva, no plano administrativo; II - as juntas Comerciais, como órgãos


locais, com funções executora e administradora dos serviços de registro."
de não oneração de bem imóvel981. A própria Lei das S.A. determina
que u a obrigação de não alienar ou onerar bem imóvel ou outro bem sujei-
to a registro de propriedade, assumida pela companhia na escritura de
emissão, é oponível a terceiros, desde que averbada no competente regis-
tro" (artigo 58, § 5°).
A obrigatoriedade de registro público da emissão das debêntures
fundamenta-se na necessidade de se conferir autenticidade, segurança
e eficácia ã escritura de emissão. A inscrição na Junta Comercial justi-
fica-se, por exemplo, no caso das debêntures com garantia flutuante,
tendo em vista que as de nova emissão são preferidas pelas de emissão
ou emissões anteriores e a prioridade se estabelece pela data da inscri-
ção da escritura de emissão na Junta Comercial (artigo 58, § 3 o ). A
autenticidade e segurança da escritura de emissão são importantes, tam-
bém, aos demais credores da companhia, bem como a terceiros que
com ela venham a se relacionar. Somente após o cumprimento dos
requisitos de autenticidade e segurança da escritura, por meio do regis-
tro público, é que estará o ato de emissão apto a produzir efeitos982.
Caso os administradores da companhia emissora não providenci-
em os registros exigidos neste artigo ou o façam com alguma irregula-
ridade, poderão responder pelas perdas e danos causados à companhia,
conforme determina o § I o . O agente fiduciário e qualquer debenturis-
ta poderão promover os registros requeridos neste artigo e sanar as la-
cunas e irregularidades porventura existentes caso em que o oficial do
registro notificará a administração da companhia para que lhe forneça
as indicações e documentos necessários, nos termos do § 2o983.

981 De acordo com o art 167, inciso I, itens 2, 4 e 11, da Lei n° 6.015/1973 - que dispõe sobre
os registros públicos - , serão registrados no Registro de Imóveis as (i) hipotecas legais,
judiciais e convencionais; (ii) o penhor de máquinas e de aparelhos utilizados na indústria
e em funcionamento, com os respectivos pertences ou sem eles; e (iii) a anlicrese.
982 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Raulo: Saraiva,
2002, p. 173.
983 Determina a Lei das S.A., no § 1 o , alínea " a " , do art. 68, que s ã o deveres d o agente fiduciário
"proteger os direitos e interesses dos debenturistas, empregando no exercício da função o
cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de
De acordo com o § 3 o , os aditamentos à escritura de emissão
devem ser averbados nos mesmos registros; ou seja, o aditamento
não pode ser feito por meio de registro autônomo, só à margem do
registro inicial da emissão. A substituição, em caráter permanente, do
agente fiduciário, por exemplo, será objeto de aditamento à escritura
de emissão, que deverá ser averbado na Junta Comercial na qual foi a
mesma registrada984.
O Registro Público de Empresas Mercantis deve manter livro
especial para inscrição das emissões de debêntures, no qual serão ano-
tadas as condições essenciais de cada emissão. O § 4 o teve a sua reda-
ção original modificada pela Lei n° 10.303/2001, apenas para
determinar que a obrigação de manter livro especial é, em decorrên-
cia da alteração do inciso II deste artigo, do Registro Público de Em-
presas Mercantis e não mais do Registro de Imóveis.

SEÇÃO SV

F O R M A , PROPRIEDADE, C I R C U L A Ç Ã O E Ô N U S

"Art. 63. As debêntures serão nominativas, aplicando-se, no que


couber, o disposto nas seções V a VII do Capítulo III. (Redação
dada pela Lei n° 9.457/1997)

§ I a As debêntures podem ser objeto de depósito com emissão de


certificado, nos termos do artigo 43. (Redação dada pela Lei n°
10.303/2001)

seus próprios bens." A CVM, por sua vez, por meio da Instrução CVM n° 28/1983 - que
dispõe sobre o exercício da função de agente fiduciário dos debenturistas com as
alterações introduzidas pelas Instruções CVM n" 123/1990 e 490/2011, determinou, no
art. 12, inciso VI, que são deveres do agente fiduciário "promover nos competentes órgãos,
caso a companhia não o faça, o registro da escritura de emissão e respectivos aditamentos,
sanando as lacunas e irregularidades porventura neles existentes; neste caso, o oficial do
registro notificará a administração da companhia para que esta lhe forneça as indicações e
documentos necessários".
984 Art. 5o da Instrução CVM n° 28/1983, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM
n" 123/1990 e 490/2011.
§ 2o A escritura de emissão pode estabelecer que as debêntures
sejam mantidas em contas de custódia, em nome de seus titula-
res, na instituição que designar, sem emissão de certificados, apli-
cando-se, no que couber, o disposto no artigo 41." (Incluído pela
Lei n° 10.303/2001)"

O primeiro diploma legal a disciplinar a matéria - Decreto n°


177-A/l893 - , estabelecia, em seu artigo I o , que as companhias ou
sociedades anônimas poderiam emitir empréstimos em obrigações
ao portador (debêntures). Com a edição da Lei n° 4.728/1965, o nosso
sistema legal passou a admitir, além das debêntures ao portador,
também a emissão de debêntures endossáveis. A Lei das S.A., na
redação original do artigo 63, determinava que as debêntures poderiam
ser "aoportador ou endossáveis, aplicando-se, no que couber, o disposto nas
seções Va VII do capítulo III''. Embora não mencionasse as debêntures
nominativas e escriturais, a remissão constante deste artigo às Seções
V a VII do Capítulo III (artigos 23 a 40) permitia que se concluísse
que eram, igualmente, admitidas, em nosso direito, as debêntures
nominativas (registradas e escriturais). Como, além da remissão às
Seções V a VII do Capítulo III contida neste artigo, a parte final do
caput do artigo 74 faz expressa referência às debêntures escriturais,
sempre se entendeu que o nosso direito admitia, antes da edição da
Lei n° 8.021/1990, não apenas as debêntures ao portador e endossá-
veis, como também as escriturais.
A Comissão de Valores Mobiliários, inclusive, já se manifestou no
sentido da admissão, em nosso sistema jurídico, das debêntures escri-
turais985. Assim, antes da edição da Lei n° 8.021/1990, admitia-se a

A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 009/1991, se manifestou no sentido de que: "A debênture


escriturai é valor mobiliário existente e eficaz, nos termos da Lei n° 6.404/76, art. 63,
combinado com o art. 34 e, ainda, art. 74, mantido pelo registro do direito creditório que
representa em conta de instituição financeira autorizada, em nome do titular". Sobre esse
assunto, ver, também, os Fàreceres CVM/SJU n" 100/1978 e 16/1981, e o Parecer sobre
debêntures nominativas e escriturais, publicado na Revista da CVM. Rio de Janeiro: Comis-
são de Valores Mobiliários, v. 2, n° 6, setembro-dezembro,1984, p. 31-35.
existência das debêntures sob as seguintes formas: ao portador, endos-
sáveis e nominativas (registradas e escriturais). A Lei n° 8.021/1990
extinguiu os títulos ao portador e endossáveis, alterando a redação do
artigo 20 da Lei das S.A., e a única forma de ação atualmente admitida
é a nominativa. Por esse mesmo motivo, quanto às formas de circula-
ção, as debêntures somente podem ser nominativas, sob a forma regis-
trada e escriturai. Em decorrência da extinção dos títulos ao portador e
endossáveis, o caput deste artigo foi alterado pela Lei n° 9.457/1997,
para expressamente consignar que as debêntures são nominativas.
A debênture nominativa é aquela em que o nome do seu titular
está inscrito no "Livro de Registro de Debêntures Nominativas" da
companhia - no caso de ser ela registrada - ou no registro na conta
de depósito das debêntures, aberta em nome do debenturista nos li-
vros da instituição financeira depositária (artigo 35) — no caso de ser
ela escriturai.
A propriedade das debêntures nominativas não decorre da emis-
são dos certificados e de sua posse, mas da inscrição do nome do
debenturista no "Livro de Registro de Debêntures Nominativas" ou
no extrato emitido pela instituição depositária986. Tendo em vista o
modo como se prova a propriedade da debênture nominativa e opera-
se a sua transferência, não é necessária a emissão de certificado, o
qual é irrelevante ao titular do título para o exercício dos seus direi-
tos9S/. Embora os "Livros de Registro e Transferência de Debêntures
Nominativas" não estejam expressamente previstos na Lei das S.A.,
devem ser criados de acordo com as regras dos livros utilizados para
ações nominativas (artigo 100, incisos I e II), tendo em vista que às
debêntures nominativas aplica-se, no que couber, o disposto nas Se-
ções V a VII do Capítulo III, ou seja, as normas relativas aos certifi-

986 Ver decisão da 9a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro proferida
nas autos da Apelação Cível n° 2002.001.18426, Rei. Des. Laerson Mauro, j. em
17.12.2002, publicado no DORJ em 24.02.2003, disponível em: <www.tj.rj.gov.br>.
987 Ver os comentários aos arts. 23 e 31 da Lei das S.A.
cados, propriedade e circulação, constituição de direitos reais e outros
ônus sobre as ações988.
A Lei n° 10.303/2001 renumerou o antigo parágrafo único do
artigo 63 para o atual § I o . De acordo com o § I o , as debêntures
podem ser objeto de depósito com emissão de certificado989. Ocorre
que, com a extinção pela Lei n° 8.021/1990 dos títulos ao portador e
endossáveis, tornou-se dispensável a emissão de certificados que re-
presentem as debêntures nominativas registradas e impossível a re-
presentação por certificados das debêntures escriturais.
Os títulos escriturais têm sua existência apenas na forma de re-
gistros, em livros ou em meios magnéticos, mantidos por instituições
financeiras ou sistemas eletrônicos de negociação, e constituem uma
modalidade de títulos nominativos990. Os títulos nominativos regis-
trados, por sua vez, podem ser ou não corporificados em cártulas ou
certificados. Assim, os títulos cartulares são aqueles que se encon-
tram consubstanciados em documentos físicos. Os títulos escriturais
e os sistemas de negociação e registros de ativos financeiros são cada
vez mais utilizados na prática comercial, tendo em vista a rapidez
com que os negócios se desenvolvem e a segurança que os registros
eletrônicos oferecem aos contratantes.
A Lei das S.A., ao regular a forma escriturai, implantou um siste-
ma de registros e de custódia que, documentando os valores mobiliários
escriturais, substituiu as entregas materiais dos títulos por anotações
contábeis, caracterizando-os como valores fungíveis para garantir sua
negociação sem a manipulação física de papéis, mas com toda a segu-
rança da existência do bem assegurada nos assentamentos contábeis991.

988 Ver os comentários aos arts. 23, 31, 34, 35, 39 e 40 da Lei das S.A.
989 Sobre o certificado de debêntures, ver os comentários ao art. 64 da Lei das S.A.
990 Ver os comentários aos arts. 34 e 35 da Lei das S.A.
991 MIGUEL REALE e JUDITH MARTINS COSTA, "Da Prescrição Aquisitiva de Ações Escriturais",
Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 27,
janeiro-março, 2005, p. 18. Sobre esse assunto, LUIZ GASTÃO PAES DE 3ARROS LEÃES.
A desmaterialização dos títulos de créditos, substituídos pelos re-
gistros eletrônicos, constitui uma nítida tendência nos dias atuais, indi-
cando a necessidade de uma nova disciplina jurídica condizente com a
realidade tecnológica que ora se apresenta992. Impõe-se, em especial,
disciplinar a cobrança dos referidos títulos. Os títulos de crédito são tra-
dicionalmente instrumentos que, preenchidas as formalidades legais,
possibilitam a execução imediata do crédito neles corporificado, dispen-
sando o procedimento probatório que busque atestar a existência do
negócio jurídico que originou o crédito. De acordo com o Código de
Processo Civil, o credor deve instruir a ação executiva com o próprio
título de crédito993. A interpretação restritiva de tal dispositivo impediria,
a princípio, a cobrança judicial do título escriturai, que não se encontra
consubstanciado em um suporte físico, não estando materializado em
um certificado ou cártula. No entanto, a definição clássica dos títulos de
crédito não se coaduna com os modernos sistemas de negociação de
títulos, cada vez mais emitidos sob a forma escriturai. Da desmateriali-
zação dos títulos de crédito decorre a atribuição de importância relativa
ao requisito da cartularidade994-995. O Código Civil, ao disciplinar os tí-

Esfudos e Pareceres sobre Sociedades Anônimas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 58,
entende que "embora a noção de documento tenha sempre se baseado no papel como suporte
da materialidade do fato, é perfeitamente possível que se admita que esse fato se materialize em
outro suporte. A fita magnética, por exemplo, se constitui num material plenamente apto a
produzir um documento, tão válido e eficaz quanto oéo papel; nem poderia ser de outra forma,
o que importa, evidentemente, não é o tipo de material empregado na constituição de um
determinado documento, mas sim a sua aptidão para representar, com autenticidade, uma
declaração de vontade positiva ou negativa, um certo fato ou ainda um direito."
992 Nesse sentido, FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comercial, v. 1. São Paulo:
Saraiva, 2000, p. 378-379; e PAULO SALVADOR FRONTINI, "Títulos de Crédito e Títulos
Circulatórios: O Que a Informática lhes Reserva", Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, v. 730, agosto, 1996, p.. 50-67.
993 Art 614, inciso 1, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei n° 11.382/2006.
994 A Lei n° 9.492/1997 regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros
documentos de dívida. No parágrafo único do art. 8o permite o protesto das duplicatas
mercantis e de prestação de serviços por meio magnético ou de gravação eletrônica de
dados, respondendo o apresentante pelos dados fornecidos ao cartório de protestos e
devendo constar do instrumento de protesto as indicações feitas. O parágrafo único do art.
22 da Lei n° 9.492/1997, por sua vez, dispensa, no registro e no instrumento de protesto,
a transcrição literal do título ou documento de dívida, quando o tabelião de protesto
conservar em seus arquivos gravação eletrônica da imagem, cópia reprográfica ou micrográfica
do título ou documento de dívida.
995 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 407-420.
tulos de crédito, prevê a possibilidade de sua emissão a partir de caracte-
res criados em computador ou meio técnico equivalente. Assim, as de-
bêntures escriturais têm natureza de título executivo996-997-998.
O § 2 o foi introduzido pela Lei n° 10.303/2001 a fim de permitir
que as debêntures sejam mantidas em conta de custódia, nos termos
do artigo 41 da Lei das S.A., o qual também foi objeto de alteração da
Lei n° 10.303/2001 ao instituir um novo sistema legal de custódia de
ações fungíveis999. De acordo com as alterações introduzidas por essa
lei na Lei das S.A., o custodiante passou a ser considerado proprietá-

996 Art. 889, § 3o, do Código Civil.


997 Sobre a importância relativa da cartularidade dos títulos de crédito, ver a decisão proferida
pela 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça nos autos do Agravo Regimental no Agravo de
Instrumento n° 107738-SP, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, j. em 14.10.1997, publicada no
DJU em 09.12.1997: "Não expedidos os certificados, o que cumpria fosse feito pela compa-
nhia, não há como pretender que, para a cobrança dos valores correspondentes às debên-
tures, sejam eles exibidos. Constando da escritura de emissão a obrigação de pagar, com as
especificações necessárias, e sendo completada com os recibos e boletins de subscrição,
permitindo a identificação dos credores, não se pode negar a natureza de títulos executivos.
(...) Obviamente, se não existem os certificados não se pode pretender sejam exibidos. E a
escritura constitui título executivo, pois dela consta a obrigação de pagar com as especificações
necessárias. Naturalmente que isso se completa com os recibos e boletins de subscrição que
permitem identificar os credores." No mesmo sentido, as seguintes decisões: (i) 3 a Turma do
Superior Tribunal de Justiça proferida nos autos do Recurso Especial n° 32.444-RJ, Rei.
Min. Costa Leite, j. em 11.11.1997, publicada no DJU em 19.12.1997; (ii) I a Seção do
Superior Tribunal de Justiça proferida nos autos do Mandado de Segurança n° 5277-DF,
Rei. Min. José Delgado, j. em 16.12.1997, publicada no DJU em 25.05.1998; (iii) 1a
Câmara Cível do Tribunal de Alçada de São Paulo proferida nos autos do Agravo de
Instrumento n° 803.628-6, Rei. Des. Ademir Benedito, j. em 10.08.1998, In: Revista dos
Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 670, fevereiro, 1999, p. 281-283.
998 GUSTAVO TAVARES BORBA, "A Desmaterialização dos Títulos de Crédito", Revista Renovar.
Rio de Janeiro: Ed. Renovar, v. 14, maio-agosto, 1999, p. 96, ressalta a existência de corrente
que defende a emissão, nos casos de títulos escriturais, de cártula eletrônica: "(...) apesar de
o título escriturai não possuir um documento corpóreo (título em papel) onde os direitos nele
contidos estão expressos, ele possui todas essas informações no sistema computadorizado
onde está registrado. Destarte, em virtude da impossibilidade de levar o próprio sistema de
registro para o juízo, devem os documentos dele extraídos serem considerados idôneos para
embasar uma ação executiva, em virtude de serem os únicos documentos materiais existentes."
999 JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Das Debêntures. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,
p. 127-128, observa que: "O legislador, na verdade, misturou o chamado 'depósito escriturai'
com a 'custódia fungível', que são conceitos totalmente distintos, inclusive porque o
primeiro é contratado com a emissora (art. 34) e o segundo com os titulares dos papéis (art.
41). A custódia fungível, prevista no art. 41, não depende da emissora, posto que se trata
de negócio jurídico celebrado entre o debenturista e a instituição custodiante, que respon-
de perante o debenturista, jamais perante a companhia, 'pelo descumprimento de suas
obrigações' (§ 5° do art. 41). A escritura de emissão não poderá, pois, estabelecer que as
debêntures sejam mantidas em conta de custódia, matéria que não lhe diz respeito, mas sim
em 'depósito escriturai', assim definindo a sua forma de circulação."
rio fiduciário dos valores mobiliários custodiados. Na realidade, a Lei
n° 10.303/2001 apenas incorporou à Lei das S.A. um sistema de cus-
tódia que já havia sido adotado, na prática, pelo Módulo Nacional de
Debêntures - SND 1000 .
A propriedade adquirida pela instituição depositária é limitada e
resolúvel, pois (i) a transferência tem por fim apenas a guarda, o controle,
a administração e a viabilização das operações com valores mobiliários
depositados no âmbito dos sistemas de negociação e liquidação, sem a
alteração dos registros da companhia a cada transferência autorizada,
não podendo o fiduciário dispor dos valores mobiliários1001; e (ii) pode
ser extinta a qualquer tempo, mediante a rescisão do contrato pelo
depositante, retornando o título depositado ao seu patrimônio. Assim,
os valores mobiliários transferidos à instituição depositária não integram
para quaisquer fins o seu patrimônio1002.

SEÇÃO V

CERTIFICADOS

Requisitos

"Art. 64. Os certificados das debêntures conterão:

I—a denominação, sede, prazo de duração e objeto da companhia;

II - a data da constituição da companhia e do arquivamento e


publicação dos seus atos constitutivos;

1 000 Sobre o SND, ver os comentários ao art. 59 da Lei das S.A.


1 001 Sobre o funcionamento da custódia de tftulos e valores mobiliários, ver VALDIR CARLOS
PEREIRA FILHO, "Clearing Houses: Aspectos Jurfdicos Relevantes e seu Papel no Mercado de
Capitais e no Sistema de Pagamentos Brasileiro", Revista de Direito Bancário, do Mercado de
Capitais e da Arbitragem. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 27, janeiro-março, 2005,
p. 76-77. Ver, também, o Caderno da CVM sobre "Os Serviços de Custódia de Ações
Escriturais", abril, 1999, disponível em: <http://www.cvm.gov.br/porl/protinv/caderno2.asp>.
1002 ArL 2o, § 1 o , da Instrução CVM n° 115/1990, que dispõe sobre a prestação de serviço de
custódia fungível de ações nominativas.
III—a data da publicação da ata da assembleia geral que deliberou
sobre a emissão;

IV - a data e ofício do registro de imóveis em que foi inscrita a


emissão;

V — a denominação "Debênture" e a indicação da sua espécie,


pelas palavras "com garantia real", "com garantia flutuante", "sem
preferência" ou "subordinada";

VI — a designação da emissão e da série;

VII — o número de ordem;

VIII - o valor nominal e a cláusula de correção monetária, se


houver, as condições de vencimento, amortização, resgate, juros,
participação no lucro ou prêmio de reembolso, e a época em que
serão devidos;

IX—as condições de conversibilidade em ações, se for o caso;

X - o nome do debenturista; (Redação dada pela Lei n° 9.457/


1997)

XI - o nome do agente fiduciário dos debenturistas, se houver;


(Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

XII - a data da emissão do certificado e a assinatura de dois dire-


tores da companhia; (Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

XIII - a autenticação do agente fiduciário, se for o caso." (Reda-


ção dada pela Lei n° 9.457/1997)
Com a extinção dos títulos ao portador e endossáveis pela Lei n°
8.021/1990, a única forma de debênture admitida pela Lei das S.A. é
a nominativa. Assim, os certificados de debêntures perderam a sua
principal função, que era a de instrumento que materializava as obri-
eacões das debêntures.
A propriedade da debênture nominativa presume-se pela ins-
crição do nome do debenturista no "Livro de Registro de Debêntu-
res Nominativas" ou pelo extrato fornecido pela instituição
custodiante, na qualidade de proprietária fiduciária das debêntures
(artigo 31, caput).
A transferência das debêntures nominativas registradas opera-se
por termo lavrado no "Livro de Transferência de Debêntures Nomina-
tivas", datado e assinado pelo cedente e pelo cessionário, ou seus legíti-
mos representantes (artigo 31, § I o ). A transferência das debêntures
escriturais opera-se por lançamento efetuado pela instituição depositá-
ria em seus livros, a débito da conta do alienante e a crédito da conta do
adquirente, à vista de ordem escrita do alienante, ou de autorização ou
ordem judicial, em documento hábil que ficará em poder da instituição
(artigo 35, § I o ). Não obstante os Livros de Registro e Transferência de
Debêntures Nominativas não estarem expressamente previstos na Lei
das S.A., devem ser criados, de acordo com as regras dos livros utili-
zados pelas ações nominativas (artigo 100, incisos I e II), tendo em
vista que às debêntures nominativas aplica-se, no que couber, o dis-
posto nas Seções V a VII do Capítulo III, ou seja, as normas relativas
aos certificados, propriedade e circulação, constituição de direitos re-
ais e outros ônus sobre as ações1003.
Tendo em vista o modo como se prova a propriedade da debêntu-
re nominativa e opera-se a sua transferência, não é necessária a emis-
são de certificados, o qual é inútil ao titular da debênture nominativa

1 003 Ver os comentários aos arts. 23, 31, 34, 35, 39 e 40 da Lei das S.A.
para o exercício dos seus direitos1004-1005. A debênture escriturai, face à
sua própria natureza, não comporta a emissão de certificados1006.
Assim, após a extinção das debêntures ao portador e endossáveis,
o artigo 64 foi derrogado pelo desuso, pois os certificados passaram a
ser desnecessários1007. De qualquer forma, uma vez emitidos para as
debêntures nominativas registradas, deverão observar os requisitos cons-
tantes deste artigo. Note-se, no entanto, que o inciso IV determina que
deverá constar do certificado "a data e ofício do registro de imóveis em que
foi inscrita a emissão". Ocorre que a Lei n° 10.303/2001 alterou, no
inciso II do artigo 62, a competência para o registro da emissão de
debêntures, substituindo a competência do Registro de Imóveis pela
do Registro Público de Empresas Mercantis1008. Assim, face a essa al-
teração, passou a ser obrigatória a inscrição da escritura de emissão no
Registro Público de Empresas Mercantis1009. No Registro de Imóveis,
a partir da Lei n° 10.303/2001, serão averbadas apenas as escrituras de
emissão quando nelas forem constituídas garantias reais, observado o
disposto na Lei de Registro Público, ou delas constarem cláusula de
inalienabilidade ou de não oneração de bem imóvel1010.

1 004 Ver os comentários aos arts. 20, 31 e 35, § I o , da Lei das S.A.
1005 Sobre a inutilidade dos certificados de ação, ver os comentários aos arts. 11 e 34 da Lei das S.A.
1 006 Ver os comentários aos arts. 34 e 63 da Lei das S.A.
1 007 Sobre os certificados de debêntures, a 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça no julga-
mento do Agravo Regimental n° 107.738-SP, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, j. em 14.10.1997,
publicado no DJU em 09.12.1997, assim se manifestou: "Debêntures. Não expedidos os
certificados, o que cumpria fosse feito pela companhia, não há como pretender que, para
cobrança dos valores correspondentes às debêntures, sejam eles exibidos. Constando da
escritura de emissão a obrigação de pagar, com as especificações necessárias, e sendo
completada com os recibos e boletins de subscrição, permitindo a identificação dos credo-
res, não se pode negar a natureza de título executivo."
1 008 Consta da alínea "e" do inciso II do art. 32 da Lei n° 8.934/1994, que disciplina o Registro
Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, que o registro compreende o arquiva-
mento "de atos ou documentos que, por determinação legal, sejam atribuídos ao Registro
Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins ou daqueles que possam interessar ao
empresário e às empresas mercantis".
1009 Ver os comentários ao art. 62 da Lei das S.A.
1010 De acordo com o art. 167, inciso I, itens 2, 4 e 11 da Lei n° 6.015/1973 - que dispõe sobre
os registros públicos serão registrados no Registro de Imóveis: (i) as hipotecas legais,
judiciais e convencionais; (ii) o penhor de máquinas e de aparelhos utilizados na indústria
e em funcionamento, com os respectivos pertences ou sem eles; e (iii) a anticrese.
ARTS. 6 5 E 6 6 - A LEI DAS S / A COMENTADA

Títulos múltiplos e cautelas


"Art. 65. A companhia poderá emitir certificados de múltiplos de
debêntures e, provisoriamente, cautelas que as representem, sa-
tisfeitos os requisitos do artigo 64.

§ I o Os títulos múltiplos de debêntures das companhias abertas


obedecerão à padronização de quantidade fixada pela Comissão
de Valores Mobiliários.

§ 2 o Nas condições previstas na escritura de emissão com no-


meação de agente fiduciário, os certificados poderão ser substi-
tuídos, desdobrados ou grupados."

Com a extinção, pela Lei n° 8.021/1990, dos títulos ao portador e


endossáveis, a única forma de debênture admitida pela Lei das S.A. é a
nominativa. Assim, os certificados de debêntures, bem como os títulos
múltiplos - que representam 2 (duas) ou mais debêntures - e cautelas
perderam a sua função de instrumento que materializava as obrigações
das debêntures e facilitava a sua circulação, respectivamente1011.
Dessa forma, o artigo 65 — assim como os artigos 21, 22, 23, 24,
26 e 64 da Lei das S.A. - foi derrogado pelo desuso.

SEÇÃO V I

A G E N T E F I D U C I Á R I O D O S DEBENTURISTAS

Requisitos e incompatibilidades
"Art. 66. O agente fiduciário será nomeado e deverá aceitar a
função na escritura de emissão das debêntures.

§ I o Somente podem ser nomeados agentes fiduciários as pessoas


naturais que satisfaçam aos requisitos para o exercício de cargo em

1011 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 64 da Lei das S.A.
órgão de administração da companhia e as instituições financeiras
que, especialmente autorizadas pelo Banco Central do Brasil, te-
nham por objeto a administração ou a custódia de bens de terceiros.

§ 2 o A Comissão de Valores Mobiliários poderá estabelecer que


nas emissões de debêntures negociadas no mercado o agente fidu-
ciário, ou um dos agentes fiduciários, seja instituição financeira.

§ 3 o Não pode ser agente fiduciário:

a) pessoa que já exerça a função em outra emissão da mesma com-


panhia, a menos que autorizado, nos termos das normas expedidas
pela Comissão de Valores Mobiliários; (Redação dada pela Lei n°
12.431/2011).

b) instituição financeira coligada à companhia emissora ou à en-


tidade que subscreva a emissão para distribuí-la no mercado, e
qualquer sociedade por elas controlada;

c) credor, por qualquer título, da sociedade emissora, ou socieda-


de por ele controlada;

d) instituição financeira cujos administradores tenham interesse


na companhia emissora;

e) pessoa que, de qualquer outro modo, se coloque em situação de


conflito de interesses pelo exercício da função.

§ 4 o O agente fiduciário que, por circunstâncias posteriores à


emissão, ficar impedido de continuar a exercer a função deverá
comunicar imediatamente o fato aos debenturistas e pedir sua
substituição."
A função essencial do agente fiduciário é a de representar o inte-
resse comum dos debenturistas, zelando pela defesa de seus direitos.
Trata-se de uma figura comum no Direito Comparado, que visa a su-
perar as dificuldades técnicas e financeiras que ocorreriam caso cada
um dos debenturistas tivesse que defender seus interesses individuais1012.
O agente fiduciário dos debenturistas é pessoa indicada nos ter-
mos da Lei das S.A. (artigos 66 a 70) e da escritura de emissão, cuja
nomeação é obrigatória nas emissões distribuídas ou admitidas à ne-
gociação no mercado e que representa a comunhão dos debenturistas
perante a companhia emissora (artigo 68, caput)1013. Incumbe ao agen-
te fiduciário fiscalizar o cumprimento das obrigações assumidas pela
companhia, utilizando de qualquer ação para proteger os direitos e
interesses dos debenturistas (artigo 68, § 3 o ) e empregar no exercício
da função o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo cos-
tuma empregar na administração de seus bens (artigo 68, § 1°)1014.
Para a eficiente proteção dos direitos e interesses dos debentu-
ristas, a Lei das S.A. regulou a função do agente fiduciário, tomando
por modelo o trustee do direito anglo-saxão e adaptando-o à técnica
jurídica brasileira1015. Na prática, algumas instituições financeiras se
especializaram no desempenho da atividade de agentefiduciário,sendo
raros os casos do exercício da função por pessoa física.
A Lei das S.A. obriga o agente fiduciário a observar o interesse
da comunhão e não os interesses individuais de cada debenturista.

1012 PAUL L. DAVIES. Gower and Davies: Principies of Modern Company Law. 7a' edition,
London: Sweet and Maxwell, 2003, p. 810.
1013 De acordo com o § 1 ° do art. 61 da Lei das S.A., "a escritura de emissão, por instrumento
público ou particular, de debêntures distribuídas ou admitidas à negociação no mercado
terá obrigatoriamente a intervenção de agente fiduciário dos debenturistas (arts. 66 a
70)." Por serem consideradas ofertas públicas, é obrigatória a nomeação de agente
fiduciário nas emissões de debêntures não conversíveis distribuídas com esforços restri-
tos de que trata a Instrução CVM n° 476/2009, com as alterações introduzidas pelas
Instruções CVM n<* 482/2010, 488/2010 e 500/2011.
1014 Tal dever também está inserido no art. 12 da Instrução CVM n° 028/1983, que disciplina
o exercício da função de agente fiduciário dos debenturistas, com as alterações introduzidas
pela Instrução CVM n° 490/2011.
1015 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.
É ele o representante legal da vontade da comunhão perante tercei-
ros por manifestação de vontade da assembleia de debenturistas, ór-
gão coletivo de deliberação1016.
Na emissão pública de debêntures, o exercício individual dos direitos
de cada debenturista é, em princípio, mais difícil, tendo em vista os
diversos interesses de cada um; por isso o agente fiduciário assume
papel relevante. A obrigatoriedade de nomeação de agente fiduciário
dos debenturistas somente se configura na hipótese de emissão pública
de debêntures a serem distribuídas no mercado de valores mobiliários
(artigo 61, § lo)1017-1018. Assim, nas emissões particulares a indicação
do agente fiduciário é facultativa; uma vez indicado, a ele caberá a
proteção e defesa dos interesses dos debenturistas. Na ausência de
indicação do agente fiduciário, qualquer debenturista, individualmente,
tem legitimidade para agir em juízo diante do inadimplemento da
companhia emissora.
Deverão assinar a escritura de emissão, além da companhia emis-
sora, por meio de seus representantes e do terceiro garantidor, se hou-
ver, o agente fiduciário, para aceitar a nomeação e concordar com
suas cláusulas e condições, tendo em vista, inclusive, que as suas res-
ponsabilidades e remuneração encontram-se nela determinadas1019.
A proteção eficiente dos direitos e interesses dos debenturistas
requer fiscalização permanente por pessoa habilitada, com as respon-
sabilidades de administrador de bens de terceiro, independente da
companhia devedora e dos demais interessados na distribuição de

1016 Ver os comentários ao art. 71 da Lei das S.A.


1 01 7 Art. 1o da Instrução CVM n° 028/1983, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM
n™ 123/1990 e 490/2011. Consta do art. 1o que: "Da escritura de emissão pública de
debêntures constará, obrigatoriamente, a nomeação de um agente fiduciário para representar
a comunhão dos debenturistas, devendo, também, dela constar a sua aceitação para o
exercício das funções."
1018 De acordo com a Nota Explicativa CVM n° 27/1983, "a presença do agente fiduciário nas
emissões públicas deve ser contínua, de forma a propiciar uma atuação permanente e
ininterrupta, visando à proteção continuada dos direitos daqueles que representa."
1019 Ver os comentários ao art. 61 da Lei das S.A.
debêntures e que não tenha interesses conflitantes com os dos de-
benturistas, cujos direitos e interesses deve proteger1020-1021.
Nos termos do § I o , somente podem ser nomeados agentes fidu-
ciários (i) as instituições financeiras especialmente autorizadas pelo
Banco Central do Brasil e que tenham por objeto a administração ou
custódia de bens de terceiros, observados os impedimentos constantes
do § 3o1022; e (ii) as pessoas naturais que satisfaçam aos requisitos para
o exercício de cargo em órgão de administração da companhia (artigo
146, caput). São inelegíveis para os cargos de administração (i) as pessoas
impedidas por lei especial, ou condenadas por crime falimentar de pre-
varicação, peita ou suborno, concussão, peculato, contra a economia
popular, a fé pública ou a propriedade, ou a pena criminal que vede,
ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; (ii) as que se
encontram em situação de conflito de interesses em face do exercício
da função; e (iii) nas companhias abertas, as pessoas declaradas inabili-
tadas por ato da Comissão de Valores Mobiliários, ou que tiverem sido
declaradas inabilitadas para o exercício de cargo de administrador ou
para exercer funções em órgãos consultivos, fiscais ou semelhantes em
instituições financeiras, por ato do Banco Central (artigo 147, §§. I o e
2o), além das impedidas por força do disposto nas alíneas (i) e (ii)1023.
De acordo com o § 2 o , a Comissão de Valores Mobiliários pode
estabelecer que, nas emissões de debêntures negociadas no mercado,
o agente fiduciário, ou um dos agentes fiduciários, seja instituição

1020 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.


1021 Em alguns países, como na Inglaterra, não se admite que os bancos possam atuar como
agentes fiduciários, dados os potenciais conflitos de interesse. Em geral, desempenham tal
função as trust corporations, como são as companhias seguradoras, ou trustee companies,
formadas por alguns bancos (PAUL L. DAVIES. Gower and Davies: Principies of Modem
Company Law..., p. 810).
1022 Nos termos da redação original do inciso ll do art. 7° da Instrução CVM n° 28/1983, o
Banco Central deveria autorizar, em cada emissão, o exercício da função de agente fiduciário
por uma instituição financeira. A Instrução CVM n° 123/1990 alterou a redação deste
dispositivo, permitindo que fossem nomeadas agentes fiduciários as instituições financei-
ras previamente autorizadas para tanto pelo Banco Central.
1023 Art 9o da Instrução CVM n° 28/1983, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM
n« 123/1990 e 490/2011.
financeira. A Comissão de Valores Mobiliários exige, a fim de dotar
os debenturistas de proteção mais efetiva, que o agente fiduciário, nas
emissões públicas, seja uma instituição financeira (i) sempre que a
garantia for caução; ou (ii) quando o valor da emissão ultrapassar o
capital social, exceto se as debêntures forem subordinadas1024. Se a
companhia efetuar mais de 1 (uma) emissão de debêntures, poderá
haver mais de um agente fiduciário ou, então, um mesmo agente fi-
duciário para as diversas emissões; o mesmo poderá ocorrer nas diver-
sas séries da mesma emissão, pois o § 3 o , na alínea "a", com a redação
dada pela Lei n° 12.431/2011, determina que o agente fiduciário que
já exerça a função em outra emissão da mesma companhia pode tam-
bém exercê-la em nova emissão desde que autorizado, nos termos das
normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários.
Para que a função seja exercida com total isenção, o § 3 o estabe-
leceu algumas incompatibilidades e restrições, determinando que não
pode ser agente fiduciário: (i) pessoa que já exerça a função em outra
emissão da mesma companhia, a menos que autorizado, nos termos
das normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários; (ii) ins-
tituição financeira coligada à companhia emissora ou à entidade que
subscreva a emissão para distribuí-la no mercado, e qualquer socieda-
de por elas controlada; (iii) credor, por qualquer título, da sociedade
emissora, ou sociedade por ele controlada; (iv) instituição financeira
cujos administradores tenham interesse na companhia emissora; ou
(v) pessoa que, de qualquer outro modo, se coloque em situação de
conflito de interesses pelo exercício da função1025.

1024 Art. 8o da Instrução CVM n° 28/1983, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM
n"" 123/1990 e 490/2011.
1025 A CVM, por meio da Instrução CVM n° 28/1983, com as alterações introduzidas pela
Instrução CVM n° 490/2011, ao tratar das incompatibilidades e restrições, determinou no
art. 10 que: "Art. 10. Não pode ser agente fiduciário: I - pessoa natural ou instituição
financeira: a) que já exerça a função em outra emissão da mesma companhia; b) que exerça
cargo ou função, ou preste auditoria ou assessoria de qualquer natureza à companhia
emissora, sua coligada, controlada ou controladora, ou sociedade integrante do mesmo
grupo; c) que seja associada a outra que já exerça as funções de agente fiduciário• nas
condições previstas nas alíneas anteriores; d) que, de qualquer outro modo, se coloque em
A configuração de conflito de interesses no exercício da função de
agente fiduciário depende de uma análise caso a caso, com o objetivo
de verificar a existência de circunstância em que o interesse do agente
fiduciário se oponha ao interesse da comunhão dos debenturistas1026.
A Comissão de Valores Mobiliários estabeleceu uma relação
exemplificativa de hipóteses em que pode existir algum conflito de
interesses que impeça o exercício da função de agente fiduciário, a
saber1027: 1. pessoa natural ou instituição financeira que: (i) exerça
cargo ou função, ou preste auditoria ou assessoria de qualquer nature-
za a companhia emissora, sua coligada, controlada ou controladora,
ou sociedade integrante do mesmo grupo1028; (ii) seja associada a ou-

situação de conflito de interesses pelo exercfcio da função. II - instituição financeira coligada à


companhia emissora ou ã entidade que subscreva a emissão para distribuí-la no mercado, e
qualquer sociedade por ela controlada; III - credor, por qualquer título, da sociedade emissora,
ou sociedade por ela controlada; IV - instituição financeira: a) cujos administradores tenham
interesse na companhia; b) cujo capital votante pertença, na proporção de 10% (dez por cento)
ou mais, à companhia emissora, a seu administrador ou sócio; c) que direta ou indiretamente
controle ou que seja direta ou indiretamente controlada pela companhia emissora."
1026 Nesse sentido já se manifestou a CVM no Parecer CVM/SJU n° 044/1984. Ainda sobre o
conflito de interesses, essa Autarquia, no ftirecer CVM/SJU n° 148/1979, firmou entendimento
no sentido de que: "O agente fiduciário é o representante dos debenturistas perante a compa-
nhia. Não se admite a concomitância no exercício das funções por instituição financeira, de
Agente Fiduciário e underwriter, em relação à mesma companhia. Tal procedi-mento poderá
gerar conflito, em decorrência de interesses conflitantes no exercício das duas funções." No
Parecer CVM/SJU n° 032/1981, entendeu que: "O conflito de interesses pelo exercício da
função de agente fiduciário de debenturistas de duas companhias pela mesma pessoa não pode
ser alegado simplesmente por manterem, as companhias emissoras, qualquer tipo de relação. É
necessário que se caracterize plenamente que o agente não guarda independência devida para
defender os interesses dos debenturistas." No mesmo sentido, o fòrecer CVM/SJU n° 039/1982.
1027 De acordo com a Nota Explicativa CVM n° 27/1983, "com a enunciação das incompatibilida-
des e restrições contidas no art. 10 da Instrução, pretendeu-se afastar a possibilidade de
ocorrência de conflitos de interesses. Esta expressão, porém, é capaz de abranger situações que
dificilmente poderiam ser taxativamente listadas, em razão da diversidade de hipóteses suscetí-
veis de configurá-la. Assim, a determinação do que sejam interesses conflitantes não se esgota
no âmbito do rol apresentado no art. 10, mas dependerá da análise da possibilidade de
ocorrência de circunstância em que interesses próprios do agente fiduciário - pessoa natural ou
instituição financeira - possam opor-se aos interesses dos debenturistas. É a estes interesses que
incumbe, prioritariamente, ao agente fiduciário defender e proteger, empregando nesse mister,
o cuidado e diligência que 'todo homem ativo e probo' aplica na administração de seus
próprios bens." Parte da Instrução CVM n° 28/1983 não mais se aplica, tendo em vista a
alteração introduzida pela Lei n° 12.431/2011 à alínea "a" do § 3o do art. 66 da Lei das S.A.
1028 A Nota Explicativa CVM n° 27/1983 observa que a expressão "prestar assessoria de qual-
quer natureza" engloba o exercício de atividade de assessoria "a qualquer título, seja como
assessor jurídico, econômico, financeiro, consultor, analista e outros, não importando a
qualificação que se lhe dê, mas a natureza de sua ligação com a companhia emissora. E esta
tra que já exerça as funções de agente fiduciário nas condições previs-
tas nas alíneas anteriores1029; e (iii) de qualquer outro modo, se colo-
que em situação de conflito de interesses pelo exercício da função; 2.
instituição financeira coligada à companhia emissora ou à entidade
que subscreva a emissão para distribuí-la no mercado, e qualquer so-
ciedade por ela controlada; 3. credor, por qualquer título, da sociedade
emissora, ou sociedade por ela controlada; e 4. instituição financeira:
(i) cujos administradores tenham interesse na companhia; (ii) cujo
capital votante pertença, na proporção de 10% (dez por cento) ou
mais, à companhia emissora, a seu administrador ou sócio; ou (iii)
que direta ou indiretamente controle ou que seja direta ou indireta-
mente controlada pela companhia emissora1030.
A presença do agente fiduciário nas emissões públicas de de-
bêntures deve ser permanente, visando à proteção dos direitos dos
debenturistas. Por essa razão, consta do § 4 o regra no sentido de que
o agente fiduciário que, por circunstâncias posteriores à emissão, ficar
impedido de continuar a exercer a função, deverá comunicar imedia-
tamente o fato aos debenturistas e pedir sua substituição. A Lei das
S.A. também determina expressamente que devem constar da escri-
tura de emissão as condições de substituição do agente fiduciário;

ligação, lenha ela caráter permanente ou eventual, que se apresenta como caracterizadora
de interdependência, inconciliável com a posição de 'independente da companhia emissora'
pretendida pelo legislador da Lei n° 6.404/76."
1029 Com relação à palavra "associada", obseiva a Nota Explicativa CVM n° 27/1983 que ela "refere-
se ao sócio, ao membro de uma sociedade, à pessoa que se agregou a uma sociedade. Portanto,
encontram-se aqui incluídas as pessoas que fazem parte, como membro, como sócio, de uma
mesma organização, da qual outro membro ou sócio já esteja exercendo a função de agente
fiduciário de debêntures emitidas por uma mesma companhia ou por companhia a ela coligada,
por ela controlada, que. a controle ou ainda, que integre o mesmo grupo societário, de fato ou
de direito. O objetivo dessa regra foi o de vedar o exercício das funções de agente fiduciário a
escritórios ou sociedades de profissionais em cada um dos sócios assume individualmente a
posição de agente fiduciário em mais de uma emissão de debêntures da mesma companhia ou de
companhia coligada, controlada, controladora ou integrante do mesmo grupo societário. Na
verdade é o escritório ou a sociedade de profissio-nais que está atuando como agente fiduciário,
apenas o nome do agente é que se modifica em cada emissão ou em cada série, obviando, desta
forma, a vedação expressa contida no an. 66, § 3o, 'a' da Lei 6.404/76."
1030 Art. 10 da Instrução CVM n° 28/1983, com as alterações introduzidas pela Instrução CVM
n° 490/2011.
ocorrendo algum fato que o impeça de continuar a exercer a sua fun-
ção, deverá ser convocada a assembleia de debenturistas para esco-
lher e nomear um novo agente fiduciário1031-1032.
Substituição, remuneração e fiscalização
"Art. 67. A escritura de emissão estabelecerá as condições de subs-
tituição e remuneração do agente fiduciário, observadas as nor-
mas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários.

Parágrafo único. A Comissão de Valores Mobiliários fiscalizará


o exercício da função de agente fiduciário das emissões distribuí-
das no mercado, ou de debêntures negociadas em bolsa ou no
mercado de balcão, podendo:

a) nomear substituto provisório, nos casos de vacância;

b) suspender o agente fiduciário de suas funções e dar-lhe substi-


tuto, se deixar de cumprir os seus deveres."

O agente fiduciário exerce as suas funções a partir da data da


assinatura da escritura de emissão de debêntures ou, quando for o
caso, da data da assinatura do seu aditamento, e permanece no exer-
cício até a sua efetiva substituição1033. A partir da assinatura da escri-

1 031 Ver os comentários ao art. 67 da Lei das S.A.


1032 A CVM, no art. 2 o da Instrução CVM n° 028/1983, com as alterações introduzidas pela
Instrução CVM n° 490/2011, determina que: "A escritura de emissão deverá estabelecer,
expressamente, as condições de substituição do agente fiduciário, nas hipóteses de
ausência e impedimentos temporários, renúncia, morte, ou qualquer outro caso de
vacância, podendo, desde logo, prever substituto para todas ou algumas dessas hipóte-
ses. § 1° Em nenhuma hipótese a função de agente fiduciário poderá ficar vaga por
período superior a 30 (trinta) dias, dentro do qual deverá ser realizada assembleia dos
debenturistas para a escolha do novo agente fiduciário. (...) § 3o A CVM poderá nomear
substituto provisório nos casos de vacância."
1033 Consta do art. 6 o da Instrução CVM n° 028/1983, com as alterações introduzidas pelas
Instruções CVM nra 123/1990 e 490/2011, que: "O agente fiduciário entra no exercício de
suas funções a partir da data da escritura de emissão ou do aditamento relativo à substituição
(art. 5o), devendo permanecer no exercício de suas funções até sua efetiva substituição.
tara ou do aditamento, se houver, até a sua efetiva substituição, ele é
responsável pelos atos que praticar1034.
Determina o caput deste artigo que a escritura de emissão esta-
belecerá as condições de remuneração e substituição do agente fidu-
ciário. A Comissão de Valores Mobiliários determina que a escritura
estipulará o montante, o modo de atualização, a periodicidade e as
condições de pagamento a serem atribuídos ao agente fiduciário e a
seu eventual substituto, devendo essa remuneração ser compatível com
as responsabilidades e com o grau de dedicação e diligência exigidos
para o exercício da função1035. O pagamento da remuneração do agente
fiduciário é de responsabilidade da companhia emissora. Caso ela deixe
de pagá-la, poderá ser caracterizada a sua inadimplência, cabendo,
inclusive, ao agente fiduciário declarar o vencimento antecipado das
debêntures. As disposições constantes da escritura de emissão relati-
vas à remuneração do agente fiduciário não podem ser modificadas
pela comunhão de debenturistas, pois estes, ao subscreverem as de-
bêntures, aderiram às cláusulas da escritura. Não obstante, nada im-
pede que a assembleia de debenturistas delibere pela redução da
remuneração; a deliberação de aumentá-la não tem cabimento, pois
haveria, nessa hipótese, um aumento de custo para a companhia1036.
O agente fiduciário é inicialmente nomeado pela companhia
emissora na escritura de emissão, ou seja, no momento de sua no-
meação não há a participação dos debenturistas. Dessa forma, a Comis-

1034 A CVM, no Fàrecer PFE/CVM n° 005/2003, manifestou-se no sentido da permanência do


primitivo agente fiduciário até a sua efetiva substituição. A Instrução CVM n° 028/1983,
com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n» 123/1990 e 490/2011, consagra
o princípio da continuidade do agente fiduciário até que seja efetivamente substituído.
1035 Art. 11 da Instrução CVM n° 028/1983, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM
n™ 123/1990 e 490/2011. Sobre a remuneração do agente fiduciário, a Nota Explicativa
CVM n° 27/1983 observou que: "Tendo em vista que a atuação do agente fiduciário se
prolonga no tempo, perdurando até o vencimento ou o resgate de todas as debêntures de uma
emissão, e considerando, ainda, a possibilidade de substituição do agente fiduciário, a Instru-
ção preceitua que a escritura de emissão deve estipular não só o montante global da remune-
ração pelo exercício das funções de agente fiduciário, como também especificar com clareza,
a forma e as condições pelas quais a companhia realizará pagamento daqueles dispêndios."
1036 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 1, 5'' edição,
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 800.
são de Valores Mobiliários, tendo em vista o disposto neste artigo,
facultou aos debenturistas, após o encerramento do prazo para a dis-
tribuição das debêntures no mercado, proceder ã substituição do agente
fiduciário e à indicação de seu eventual substituto, em assembleia es-
pecialmente convocada para esse fim1037. Assim, além da previsão da
substituição do agente fiduciário no caso de o mesmo encontrar-se
impedido de exercer as suas funções, de atuar com desvio de poder ou
não cumprir com os seus deveres, é possível a sua substituição por
única e exclusiva opção dos debenturistas. Estes poderão, a qualquer
momento, substituir o agente fiduciário, desde que seja deliberado
por debenturistas que representem mais da metade dos títulos em
circulação, observado o disposto na escritura de emissão1038.
A escritura de emissão deve estabelecer as condições de substitui-
ção do agente fiduciário nas hipóteses de ausência e impedimentos
temporários, renúncia, morte, ou qualquer outro caso de vacância, po-
dendo prever substituto para todas essas hipóteses ou para apenas algu-
mas delas1039. A substituição do agente fiduciário, na emissão pública
de debêntures, fica sujeita à prévia comunicação à Comissão de Valores
Mobiliários e à sua manifestação sobre o atendimento dos requisitos
relativos à capacitação do novo agente fiduciário para o exercício de
suas funções, bem como ao aditamento da escritura de emissão, que
deverá ser inscrita no Registro Público de Empresas Mercantis1040-1041.
A presença do agente fiduciário nas emissões públicas de de-
bêntures deve ser permanente, visando à proteção dos direitos dos
debenturistas; por essa razão, a Lei das S.A. determina que o agente
fiduciário que, por circunstâncias posteriores à emissão, ficar impedi-

1037 Art. 3 o da Instrução CVM n° 028/1983, com as alterações introduzidas pelas Instruções
CVM n™ 123/1990 e 490/2011.
1038 Sobre a assembleia de debenturistas, sua convocação, instalação e deliberação, ver os
comentários ao art. 71 da Lei das S.A.
1 039 Art. 2° da Instrução CVM n° 028/1983, com as alterações introduzidas pela Instrução CVM
n° 490/2011.
1 040 Art. 4° c/c art. 8o da Instrução CVM n° 028/1983.
1 041 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 62 da Lei das S.A.
do de continuar a exercer a função deverá comunicar imediatamente
o fato aos debenturistas e pedir sua substituição (artigo 66, § 4 o ). O
agente fiduciário não pode abandonar de imediato as suas funções,
devendo aguardar a nomeação de seu sucessor1042.
Determina a Comissão de Valores Mobiliários que (i) sob hipóte-
se alguma a função do agente fiduciário poderá ficar vaga por período
superior a 30 (trinta) dias e que dentro desse prazo deverá ser realizada
assembleia dos debenturistas para a escolha do novo agente fiduciário;
(ii) a assembleia de debenturistas pode ser convocada pelo próprio agente
fiduciário a ser substituído, pela companhia emissora, por debenturistas
que representem 10% (dez por cento), no mínimo, dos títulos em circu-
lação, ou pela própria Autarquia; e (iii) nos casos de vacância ela poderá
nomear substituto provisório1043. Essa última hipótese está expres-
samente prevista no parágrafo único, que determina, também, que a
Comissão de Valores Mobiliários fiscalizará o exercício da função
de agente fiduciário das emissões distribuídas no mercado, ou de de-
bêntures negociadas em Bolsa ou no mercado de balcão, podendo,
além de nomear substituto provisório, nos casos de vacância, sus-
pender o agente fiduciário de suas funções e nomear-lhe substituto,
se deixar de cumprir os seus deveres.

1 042 Sobre esse assunto, a CVM, no Rarecer PFE/CVM n° 005/2003, se manifestou no sentido de que:
"(...) o agente fiduciário que se tome irregular por motivo superveniente, continua a exercer seu
munus, até que outro venha a substituí-lo. Não deixa ele de ser o representante dos debenturistas,
nem de defender os seus interesses. (...) O próprio art. 71, § 1°, da Lei n" 6.404/76, concede ao
agente fiduciário a faculdade de convocar assembleia de debenturistas para a deliberação de sua
substituição, o que denota, mais uma vez, a permanência do mesmo em suas funções." Por outro
lado, consta da Nota Explicativa CVM n° 27/1983 que: "Com o intuito de bem delimitar o
período durante o qual se configura a responsabilidade de cada agente fiduciário, o art. 6° da
Instrução estabelece o termo inicial para o exercício de suas funções: a data da escritura de
emissão, ou, quando for o caso, a data em que se efetivou o aditamento à escritura, relativo à
subitituição do agente. A partir desse momento, até sua efetiva substituição, isto é, até que outro
agente fiduciário inicie o exercício de suas funções, será ele responsável pelos atos que praticar. Para
evitar interpretações tendentes a isentar de responsabilidade o agente fiduciário durante o interregno
que medeia entre as tratativas para a escolha de novo agente e a assunção das funções pelo agente
fiduciário escolhido, a Instrução impõe ao agente fiduciário o dever de permanecer no exercício de
suas funções até sua efetiva substituição." No mesmo sentido, MODESTO CARVALHOSA. Co-
mentários à Lei de Sociedades Anônimas..., v. 1, p. 802-803.
1 043 Art. 2°, §§ I o , 2o e 3o, da Instrução CVM n° 028/1983, com as alterações introduzidas pelas
Instrução CVM n° 490/2011.
Assim, no acompanhamento e fiscalização do exercício das fun-
ções do agente fiduciário, a Comissão de Valores Mobiliários poderá,
se ele deixar de cumprir com seus deveres, suspendê-lo, cautelarmente,
de suas funções e nomear substituto ou, até mesmo, destituí-lo, ocasião
em que também nomeará um substituto até que os debenturistas reu-
nidos em assembleia elejam um novo agente fiduciário1044-1045.

Deveres e atribuições
"Art. 68. O agente fiduciário representa, nos termos desta Lei e
da escritura de emissão, a comunhão dos debenturistas perante a
companhia emissora.

§ I o São deveres do agente fiduciário:

a) proteger os direitos e interesses dos debenturistas, empregando


no exercício da função o cuidado e a diligência que todo homem ativo
e probo costuma empregar na administração de seus próprios bens;

b) elaborar relatório e colocá-lo anualmente à disposição dos de-


benturistas, dentro de 4 (quatro) meses do encerramento do exer-
cício social da companhia, informando os fatos relevantes
ocorridos durante o exercício, relativos à execução das obriga-
ções assumidas pela companhia, aos bens garantidores das de-
bêntures e à constituição e aplicação do fundo de amortização, se
houver, do relatório constará, ainda, declaração do agente sobre
sua aptidão para continuar no exercício da função;

1044 Sobre os deveres e atribuições do agente fiduciário, ver os comentários aos arts. 68 e 69 da
Lei das S.A.
1045 Art. 18 da Instrução CVM n° 028/1983. Consta do art. 19, com a redação dada pela
instrução CVM n° 490/2011, que: "Considera-se infração grave, para efeito do disposto no
art 11, § 3", da Lei n" 6.385, de 1976, o descumprimento do disposto nos arts. 7"; 8°; 10;
12, incisos I a XVIII e XXI a XXV; e 13 desta Instrução". Consta, ainda, do art. 9o, inciso V,
da Lei n° 6.385/1976, com a redação dada pela Lei n° 10.303/2001, que a CVM poderá,
observado o disposto no § 2 o do art. 15, "apurar, mediante processo administrativo, atos
ilegais e práticas não equitativas de administradores, membros do conselho fiscal e acionistas
de companhias abertas, dos intermediários e dos demais participantes do mercado."
c) notificar os debenturistas, no prazo máximo de 60 (sessenta)
dias, de qualquer inadimplemento, pela companhia, de obriga-
ções assumidas na escritura da emissão. (Redação dada pela Lei
n° 10.303/2001)

§ 2 o A escritura de emissão disporá sobre o modo de cumprimen-


to dos deveres de que tratam as alíneas b e c do parágrafo anterior.

§ 3 o O agente fiduciário pode usar de qualquer ação para proteger


direitos ou defender interesses dos debenturistas, sendo-lhe espe-
cialmente facultado, no caso de inadimplemento da companhia:

a) declarar, observadas as condições da escritura de emissão, antecipa-


damente vencidas as debêntures e cobrar o seu principal e acessórios;

b) executar garantias reais, receber o produto da cobrança e apli-


cá-lo no pagamento, integral ou proporcional, dos debenturistas;

c) requerer a falência da companhia emissora, se não existirem


garantias reais;

d) representar os debenturistas em processos de falência, concorda-


ta, intervenção ou liquidação extrajudicial da companhia emissora,
salvo deliberação em contrário da assembleia dos debenturistas;

e) tomar qualquer providência necessária para que os debenturis-


tas realizem os seus créditos.

§ 4 o O agentefiduciárioresponde perante os debenturistas pelos pre-


juízos que lhes causar por culpa ou dolo no exercício das suas funções.

§ 5 o O crédito do agentefiduciáriopor despesas que tenha feito para


proteger direitos e interesses ou realizar créditos dos debenturistas
será acrescido à dívida da companhia emissora, gozará das mesmas
garantias das debêntures e preferirá a estas na ordem de pagamento.
4 1 7
§ 6 o Serão reputadas não-escritas as cláusulas da escritura de
emissão que restringirem os deveres, atribuições e responsabili-
dade do agente fiduciário previstos neste artigo."

O agentefiduciário,nos termos do caput deste artigo, é o represen-


tante da comunhão dos debenturistas perante a companhia. Assim, deve
observar o interesse da comunhão e não os interesses individuais de cada
debenturista. A vontade da comunhão origina-se da assembleia de de-
benturistas, órgão coletivo de deliberação que, no entanto, não pode re-
presentar a comunhão perante terceiros, pois ela compete legalmente ao
agentefiduciário.Dessa forma, a vontade da comunhão dos debenturis-
tas é manifestada em assembleia, cabendo ao agentefiduciáriorepresen-
tá-la e providenciar as medidas cabíveis ao seu cumprimento1046.
Para a eficiente proteção dos direitos e interesses dos debentu-
ristas, a Lei das S.A. regulou a função do agente fiduciário, cuja no-
meação é obrigatória nas emissões públicas de debêntures. A defesa
dos direitos dos debenturistas requer fiscalização permanente por pes-
soa habilitada, com as responsabilidades de administrador de bens de
terceiro, independente da companhia e dos demais interessados na
distribuição de debêntures e que não tenha interesses conflitantes
com os dos debenturistas, cujos direitos e interesses deve proteger1047.
Assim, a principal função do agente fiduciário é a de proteger os di-
reitos e interesses dos debenturistas e a de fiscalizar a companhia
emissora, a fim de que cumpra com as obrigações que assumiu na
escritura de emissão. Por essa razão, a Lei das S.A. também regulou
os requisitos e incompatibilidades referentes ao exercício da função
de agente fiduciário, bem como os seus deveres e atribuições10 .
De acordo com o § I o , são deveres do agente fiduciário: (i) pro-
teger os direitos e interesses dos debenturistas; (ii) empregar no exercí-

1 046 Sobre a assembleia de debenturistas, ver os comentários ao art. 71 da Lei das S..
1047 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.
1 048 Ver os comentários ao art. 66 da Lei das S.A.
cio da função o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo
costuma empregar na administração de seus próprios bens; (iii) elabo-
rar relatório e colocá-lo anualmente ã disposição dos debenturistas; e
(iv) notificar os debenturistas, no caso de inadimplemento pela compa-
nhia, de obrigações assumidas na escritura da emissão. O elenco dos
deveres do agente fiduciário, previstos na Lei das S.A., não é taxativo; a
Comissão de Valores Mobiliários adicionou diversos deveres a essa re-
lação e outros ainda poderão ser atribuídos na escritura de
emissão1049-1050tp'ses")-1051íp'ses':i. Os deveres, atribuições e responsabilida-
des do agente fiduciário estabelecidos pela Lei das S.A. e pelas normas
regulamentares da Comissão de Valores Mobiliários são de ordem pú-

1 049 Determina a CVM, no art. 12 da Instrução CVM n° 28/1983, com as alterações introduzidas
pela instrução CVM n° 490/2011, que também são deveres do agente fiduciário: (i) renun-
ciar à função, na hipótese da superveniência de conflito de interesses ou de qualquer outra
modalidade de inaptidão; (ii) conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondên-
cia e demais papéis relacionados com o exercício de suas funções; (iii) verificar, no
momento de aceitar a função, a veracidade das informações contidas na escritura de
emissão, diligenciando no sentido de que sejam sanadas as omissões, falhas ou defeitos de
que tenha conhecimento; (iv) promover nos competentes órgãos, caso a companhia não o
faça, o registro da escritura de emissão e respectivos aditamentos, sanando as lacunas e
irregularidades porventura neles existentes; (v) acompanhar a observância da periodicida-
de na prestação das informações obrigatórias, alertando os debenturistas acerca de eventu-
ais omissões ou inverdades constantes de tais informações; (vi) emitir parecer sobre a
suficiência das informações constantes das propostas de modificações nas condições das
debêntures; (vii) verificar a regularidade da constituição das garantias reais, flutuantes e
fidejussórias, bem como o valor dos bens dados em.garantia, observando a manutenção de
sua suficiência e exequibilidade; (viii) examinar a proposta de substituição de bens dados
em garantia, quando esta estiver autorizada pela escritura de emissão, manifestando a sua
expressa e justificada concordância; (ix) intimar a companhia a reforçar a garantia dada, na
hipótese de sua deterioração ou depreciação; (x) solicitar, quando julgar necessário para o
fiel desempenho de suas funções, certidões atualizadas dos distribuidores cíveis, das Varas
de Fazenda Pública, cartórios de protesto, Juntas de Conciliação e Julgamento, Procurado-
ria da Fazenda Pública, onde se localiza a sede do estabelecimento principal da compa-
nhia emissora e, também, da localidade onde se situe o imóvel hipotecado; (xi) solicitar,
quando considerar necessário, auditoria extraordinária na empresa; (xii) examinar, enquan-
to puder ser exercido o direito à conversão de debêntures em ações, a alteração do estatuto
da companhia emissora que objetive mudar o objeto da companhia, ou criar ações prefe-
renciais ou modificar as vantagens das existentes, em prejuízo das ações em que são
conversíveis as debêntures, cumprindo-lhe convocar assembleia especial dos debenturistas
para deliberar acerca da matéria ou aprovar a alteração proposta, nos termos do § 2" do art.
57 da Lei das S.A.; (xiii) convocar, quando necessário, a assembleia de debenturistas, por
meio de anúncio publicado, pelo menos por 3 (três) vezes, nos órgãos de imprensa onde
a companhia emissora deve efetuar suas publicações; (xiv) comparecer à assembleia dos
debenturistas a fim de prestar as informações que lhe forem solicitadas; (xv) publicar, nos
órgãos da imprensa onde a companhia emissora deva efetuar suas publicações, anúncio
comunicando aos debenturistas que o relatório se encontra à sua disposição; (xvi) manter
blica; por essa razão, o § 6 o não admite na escritura de emissão cláusu-
las que possam restringi-los. Na hipótese de constar da escritura algu-
ma cláusula nesse sentido, será reputada como não escrita1052.
Nos termos da alínea "a" do § I o , o agente fiduciário deve agir
como se fosse o titular de todas as debêntures, adotando a postura dili-
gente que todo homem ativo e probo empregaria na administração de
seus próprios bens. Aplicam-se ao agente fiduciário os princípios refe-
rentes ao dever de diligência do administrador da companhia1053.
O relatório anual elaborado pelo agente fiduciário tem por fim
informar aos debenturistas os fatos relevantes ocorridos com as debên-
tures durante o exercício e deverá ser colocado à sua disposição dentro
de 4 (quatro) meses contados do término do exercício social, ao menos,
nos seguintes locais: (i) na sede da companhia; (ii) no seu escritório ou,
quando instituição financeira, no local por ela indicado; (iii) na Comis-
são de Valores Mobiliários; (iv) nas Bolsas de Valores, quando for o
caso; e (v) na instituição que liderou a colocação das debêntures1054.
Constarão do relatório anual informações relativas (i) à execução
das obrigações assumidas pela companhia; (ii) aos bens garantidores
das debêntures; (iii) à constituição e aplicação do fundo de amortiza-

atualizada a relação dos debenturistas e seus endereços, mediante, inclusive, gestões junto
à companhia emissora; (xvii) coordenar o sorteio das debêntures a serem resgatadas ou
amortizadas, inutilizando os certificados correspondentes às debêntures resgatadas; e (xviii)
fiscalizar o cumprimento das cláusulas constantes da escritura de emissão, especialmente
daquelas impositivas de obrigações de fazer e de não fazer.
1 050 Ver os comentários ao art. 69 da Lei das S.A.
1051 Consta da Nota Explicativa CVM nD 27/1983 que a Instrução CVM n° 28/1983 adotou no
art. 12 "a política de arrolar os deveres básicos que considera indispensáveis ao fiel e eficaz
desempenho da função de agente fiduciário. Tais deveres agregam aqueles que se encon-
tram especificados na Lei n" 6.404/76 a outros que a vivência da matéria indica como
necessários a uma atuação positiva e eficiente. Esta listagem, porém, não pretende esgotar o
elenco de atribuições que o agente fiduciário pode vir a ser solicitado a executar, visando ao
atingimento de seu objetivo principal: a defesa dos direitos e dos interesses dos debenturistas."
1 052 A mesma regra consta do art. 16 da Instrução CVM n°28/1983, com as alterações introduzidas
pelas Instruções CVM n m 123/1990 e 490/2011.
1053 Ver os comentários ao art. 153 da Lei das S.A.
1054 Art. 12, incisos XVIII e XIX, da Instrução CVM n° 28/1983, com as alterações introduzidas
pela Instrução CVM n" 490/2011.
ção, se houver; e (iv) à declaração do agente sobre sua aptidão para
continuar no exercício da função, ou seja, de que não ocorreu nenhum
fato que tenha criado impedimento ou incompatibilidade para ele.
Na elaboração do relatório anual, o agente fiduciário deve revisar
criticamente as informações que receber da companhia, para atender
ao dever de diligência.
A Lei das S.A. prevê, no § 2 o , que a escritura de emissão deve
dispor sobre o modo de cumprimento do dever de elaborar o relatório
anual. A Comissão de Valores Mobiliários determinou que o relatório
deverá conter, além do disposto no parágrafo acima, no mínimo, as
seguintes informações: (i) eventual omissão ou inverdade, de que o
agente fiduciário tenha conhecimento, contida nas informações
divulgadas pela companhia ou, ainda, o inadimplemento ou atraso na
obrigatória prestação de informações pela companhia; (ii) alterações
estatutárias ocorridas no período; (iii) comentários sobre as
demonstrações financeiras da companhia, enfocando os indicadores
econômicos,financeirose de estrutura de capital da empresa; (iv) posição
da distribuição ou colocação das debêntures no mercado; (v) resgate,
amortização, conversão, repactuação e pagamento de juros das
debêntures realizados no período, bem como aquisições e vendas de
debêntures efetuadas pela companhia emissora; (vi) acompanhamento
da destinação dos recursos captados por meio da emissão de debêntures,
de acordo com os dados obtidos junto aos administradores da companhia
emissora; (vii) relação dos bens e valores entregues à sua administração;
(viii) cumprimento de outras obrigações assumidas pela companhia na
escritura de emissão; (ix) declaração acerca da suficiência e
exequibilidade das garantias das debêntures; e (x) existência de outras
emissões de debêntures, públicas ou privadas, feitas por sociedade
coligada, controlada, controladora ou integrante do mesmo grupo da
emissora em que tenha atuado como agente fiduciário no período, bem
como as seguintes informações sobre tais emissões: a) eventual omissão
ou inverdade, de que tenha conhecimento, contida nas informações
divulgadas pela companhia ou, ainda, o inadimplemento ou atraso na
obrigatória prestação de informações pela companhia; b) alterações
estatutárias ocorridas no período; c) comentários sobre as demonstrações
financeiras da companhia, enfocando os indicadores econômicos,
financeiros e de estrutura de capital da empresa; d) posição da distribuição
ou colocação das debêntures no mercado; e) resgate, amortização,
conversão, repactuação e pagamento de juros das debêntures realizados
no período, bem como aquisições e vendas de debêntures efetuadas pela
companhia emissora; f) constituição e aplicações do fundo de amortização
de debêntures, quando for o caso; g) acompanhamento da destinação
dos recursos captados por meio da emissão de debêntures, de acordo com
os dados obtidos junto aos administradores da companhia emissora; h)
relação dos bens e valores entregues à sua administração; i) cumprimento
de outras obrigações assumidas pela companhia na escritura de emissão;
j) declaração acerca da suficiência e exequibilidade das garantias das
debêntures; k) existência de outras emissões de debêntures, públicas ou
privadas, feitas por sociedade coligada, controlada, controladora ou
integrante do mesmo grupo da emissora em que tenha atuado como
agente fiduciário no período, bem como os seguintes dados sobre tais
emissões: 1. denominação da companhia ofertante; 2. valor da emissão;
3. quantidade de debêntures emitidas; 4. espécie; 5. prazo de vencimento
das debêntures; 6. tipo e valor dos bens dados em garantia e denominação
dos garantidores; 7. eventos de resgate, amortização, conversão,
repactuação e inadimplemento no período; e 1) declaração sobre sua
aptidão para continuar exercendo a função de agente fiduciário1055.
O agente fiduciário também é obrigado, nos termos da alínea "c"
do § I o , a notificar os debenturistas, no prazo máximo de 60 (sessen-
ta) dias, de qualquer inadimplemento, pela companhia, de obrigações

1055 Art. 12, inciso XVII, da Instrução CVM n° 28/1983, com as alterações introduzidas pela
Instrução CVM n° 490/2011. As informações sobre a existência de outras emissões de
debêntures, públicas ou privadas, feitas por sociedade coligada, controlada, controladora
ou integrante do mesmo grupo da emissora em que tenha atuado como agente fiduciário no
período, deverão ser, nos termos do inciso XXV do art. 12, divulgadas pelo agente fiduciário
em sua página na rede mundial de computadores tão logo delas tenha conhecimento.
assumidas na escritura de emissão. Algumas obrigações constantes
da escritura de emissão são do imediato conhecimento dos deben-
turistas, quando descumpridas pela companhia emissora, tal como o
não cumprimento do dever de pagar juros. No entanto, o conheci-
mento do inadimplemento de outras obrigações depende do exercí-
cio de fiscalização por parte do agente fiduciário.
A Lei n° 10.303/2001 alterou a redação original da alínea "c" do
§ I para diminuir de 90 (noventa) para 60 (sessenta) dias o prazo
o

máximo que o agente fiduciário possui para notificar os debenturistas


do inadimplemento de qualquer obrigação estipulada na escritura de
emissão por parte da companhia emissora, tendo em vista as moder-
nas tecnologias e facilidades de processamento da comunicação e da
administração de debêntures por meio de sistemas informatizados,
tal como o Módulo Nacional de Debêntures - SND 1056 . Não obstan-
te, o agente fiduciário deve diligenciar para, conforme o caso, infor-
mar ao debenturista sobre o inadimplemento da companhia emissora
dentro do menor prazo possível, pois em alguns casos, a sua demora
impede a comunhão de tomar as providências necessárias à garantia
e satisfação de seu crédito1057. O § 2 o também determina que deverá
constar da escritura de emissão o modo de cumprimento do dever de
notificar os debenturistas sobre o eventual inadimplemento da com-
panhia de qualquer obrigação por ela assumida.
A Lei das S.A., no § 3 o , atribuiu capacidade processual ao agen-
te fiduciário para se utilizar de toda e qualquer ação visando a prote-
ção dos direitos e a defesa dos interesses dos debenturistas. Assim,
configurado o descumprimento de quaisquer dos deveres constantes
do § 3 o e dos estabelecidos pela Comissão de Valores Mobiliários, o
agente fiduciário fica obrigado a agir, sob pena de ser responsabiliza-
do pelos prejuízos que, por culpa ou dolo, causar aos debenturistas,

1056 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 59 da Lei das S.A.
1057 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Raulo: Saraiva,
2002, p. 176-177.
conforme expressamente previsto no § 4o1058. O que se exige do agente
fiduciário é uma atuação diligente, pois sua inércia ou omissão acar-
retará a sua responsabilidade pelos prejuízos daí resultantes1059. A Co-
missão de Valores Mobiliários não tem competência para imiscuir-se
na escolha do meio a ser utilizado pelo agente fiduciário na cobrança
do crédito debenturístico1060.
O agente fiduciário é o próprio autor da ação quando visa à
proteção dos direitos e interesses da comunhão dos debenturistas.
Ou seja, atua, nesse caso, como substituto processual, sendo a sua
legitimação extraordinária e exclusiva1061-1062-1063. Como substituto
processual, o agente fiduciário não depende da deliberação dos de-
benturistas para decidir sobre as medidas judiciais que serão adota-
das na hipótese de inadimplemento da companhia emissora. Nesse

1058 Art. 12 da Instrução CVM n° 028/1983, com as alterações introduzidas pela Instrução
CVM n° 490/2011. De acordo com o art. 19, considera-se infração grave para o efeito do
disposto no art 11, § 3°, da Lei n° 6.385/1976, o descumprimento do disposto no art. 12,
incisos i a XVIII e XXI a XXV.
1059 Nota Explicativa CVM n° 27/1983.
1060 Sobre esse assunto, assim se manifestou a CVM no fórecer CVM/PJU n° 015/2002: "A CVM
não possui competência para determinar ao agente fiduciário a escolha do melhor meio de
cobrança do crédito debenturístico, podendo, entretanto, aplicar-lhe sanção administrativa,
caso verifique que tal escolha representa maior ônus aos seus representados, por constituir
violação do seu dever de diligência."
1061 A CVM já se manifestou, nesse sentido, no ftirecer PFE/CVM n° 005/2003.
1062 Consta do art. 6o do Código de Processo Civil que: "Ninguém poderá pleitear, em nome
próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei." De acordo com CÂNDIDO RANGEL
DINAMARCO. Instituições de Direito Processual Civil. v. II, 5a edição, São fòulo: Malheiros,
2005, p. 310-311, "substituto processual é a pessoa que recebe da lei legitimidade para aluar
em juízo no interesse alheio, como parte principal, não figurando na relação jurídico-material
controvertida. Atuar como parte é fazê-lo em nome próprio, ou seja, não como representante.
O representante não é parte no processo, mas o substituo processual o é (...). /I locução
substituição processual, muito usual em doutrina, não indica a sucessão de partes nem traz em
si qualquer idéia de um movimento consistente em pessoa que sai e pessoa que entra na
relação processual (...): substituto processual é o legitimado extraordinário.(...) Diz-se extraor-
dinária essa legitimidade, em oposição à legitimidade ordinária, porque ela é outorgada em
caráter excepcional e não comporta ampliações."
1063 Em sentido contrário, JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários
à Lei (arts. 1 o a 120). v. I, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 712-713, ao entender que o
agente fiduciário é representante ex lege da comunhão de debenturistas, não podendo ser
considerado substituto processual e nem tem legitimação extraordinária. No mesmo senti-
do, MARIO ENCLER PINTO JÚNIOR, "Debêntures. Direitos de Debenturistas. Comunhão
e Assembleia. Agente Fiduciário", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 48, outubro-dezembro, 1982, p. 27.
caso, o agente fiduciário poderá declarar o vencimento antecipado
das debêntures e promover a execução do principal e dos juros a que
fazem jus. O procedimento de cobrança das debêntures inclui a ex-
cussão das garantias, se houver. Na ausência de outros meios para a
realização do crédito debenturístico, o agente fiduciário poderá re-
querer a falência da companhia emissora1064.
O debenturista não tem individualmente legitimidade para ajuizar
ação contra a companhia emissora na hipótese de descumprimento
das obrigações por ela assumidas na escritura de emissão, a qual é ex-
clusiva do agente fiduciário, exceto na emissão privada de debêntures
em que não for nomeado agente fiduciário1065-1066-1067; nesse caso, qual-

1064 O art. 97 da Lei ri" 11.101/2005 - Lei dé Recuperação e Falência de Empresas - determina,
no inciso IV, que qualquer credor, pessoa física ou jurídica, pode requerer a falência do
devedor.
1065 Nesse sentido, já se manifestou a I a Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Rio
Grande do Sul, no julgamento do Agravo de Instrumento n° 186.055.737, Rei. Des. Luiz Felipe
Azevedo Gomes, j. em 30.09.1986: "Agente Fiduciário. Legitimação Ativa. Responsabilidade
Perante os Debenturistas. No sistema da Lei n. 6.404 de 1976, o agente fiduciário representa em
juízo a comunhão dos debenturistas, sendo o único legitimado a promover a execução das
garantias reais dadas pela companhia inadimplente. Permanecendo inerte, responde perante os
debenturistas pelos prejuízos decorrentes de sua omissão." No mesmo sentido é a decisão desse
mesmo tribunal no julgamento da Apelação Cível n° 186.065.652, Rei. Des. João Andrades
Carvalho, j. em 20.01.1988. Em sentido contrário é a decisão da 6a Câmera Cível do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro no julgamento da Apelação Cível n° 1998.001.13796, Rei.
Des. Walter felippe DAgostino, j. em 05.08.1999, publicada no DORJ em 18.08.1999.
1 066 Sobre esse assunto, JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Das Debêntures. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, p. 160-161, observa que: "A doutrina e a jurisprudência não são uniformes
quanto ã exclusividade da legitimação. Entretanto, pode-se afirmar que esta decorre da
natureza do direito e da instrumentalidade da substituição. O direito, por ser coletivo,
compete à comunhão, que não pode ser representada por um debenturista isolado, tanto
que lhe falta a necessária legitimação. Além disso, a lógica do sistema, cujo objetivo é evitar
a dispersão de providências e a precipitação de determinadas ações, milita em favor da
exclusividade. O agente fiduciário detém a exclusividade da legitimação porque somente ele
recebeu da lei a faculdade de agir no interesse da coletividade." MARIO ENGLER PINTO
JÚNIOR, "Debêntures. Direitos de Debenturistas. Comunhão e Assembleia. Agente
Fiduciário", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro..., v. 48, p. 30,
entende que a possibilidade de ações individuais por parte de cada debenturista "fica restrita
aos casos de lesão de caráter particular, verbi gratia, quando, a sociedade se recusa ao
pagamento do crédito de determinado obrigacionista, não o fazendo em relação aos demais."
1067 No mesmo sentido, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anôni-
mas. v. 1, 5a edição, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 820-821; FÁBIO ULHOA COELHO.
Curso de Direito Comercial, v. 2, 13a edição, São Riulo: Saraiva, 2009, p. 156. Em sentido
contrário, SÉRGIO CAMP1NHO, "Notas Breves sobre o Agente Fiduciário dos Debenturistas
e a sua Legitimação Processual", Revista Semestral de Direito Empresarial. Rio de Janeiro:
Renovar, v. 2, janeiro-junho, 2008, p. 64; PAULO CEZAR ARAGÃO, "Aspectos Processuais
quer debenturista poderá ingressar em juízo. No entanto, face ao prin-
cípio da unicidade do mútuo debenturístico, se executar a companhia
emissora, terá que cobrar toda a dívida debenturístáca; ou seja, a ação
compreenderá não apenas o seu crédito, mas o de todas as debêntures
da mesma emissão ou série, sem qualquer privilégio ou preferência para
o debenturista autor da ação1068.
Assim, o debenturista só pode agir individualmente contra a com-
panhia (i) nas emissões privadas em que não seja nomeado agente
fiduciário; (ii) quando ela lhe causar um prejuízo particular, não rela-
cionado à comunhão de debenturistas1069; ou (iii) na hipótese previs-
ta na alínea "d" do § 3 o , ou seja, quando a assembleia de debenturistas
deliberar retirar do agente fiduciário a representação da comunhão
em processos de falência, recuperação judicial, intervenção ou liqui-
dação extrajudicial da companhia emissora1070.
Consta do § 3 o que é especialmente facultado ao agente fiduciário
no caso de inadimplemento da companhia: (i) declarar, observadas as
condições da escritura de emissão, antecipadamente vencidas as
debêntures e cobrar o seu principal e acessórios1071; (ii) executar garantias
reais, receber o produto da cobrança e aplicá-lo no pagamento, integral
ou proporcional, dos debenturistas; (iii) requerer a falência da companhia

da Legislação Socielária", Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v.
641, março, 1989, p. 68; PAULO FERNANDO CAMPOS SALLES DE TOLEDO, "Recupe-
ração Judicial - Sociedades Anônimas - Assembleia Geral de Credores - Liberdade de
Associação - Boa Fé Objetiva - Abuso de Direito - Cram Down - Par Condido
Creditorum", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São
Paulo: Ed. Malheiros, v. 142, abril-junho, 2006, p. 268.
1 068 Nesse sentido, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas....
v. 1, p. 821-822; JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Das Debêntures..., p. 163-164.
1 069 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 71 da Lei das S.A.
1070 Sobre esse assunto, JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Das Debêntures..., p. 157, observa
que: "O legislador inibiu a ação individual nas matérias de interesse da coletividade, a fim de
melhor tutelar esses interesses. A precipitação de um debenturista, ao requerer a falência da
emissora, ou ao promover a inoportuna execução das garantias poderia trazer grandes prejuízos
para a comunhão, na medida em que, eventualmente, comprometeria, de forma irremediável,
a capacidade de pagamento da emissora e a conseqüente realização dos créditos."
1071 Ver a decisão do Colegiado da CVM proferida no Processo Administrativo Sancionador
CVM n° RJ 2003/5137, Rei. Dír. Sérgio Weguelim, j. em 29.03.2006.
emissora, se não existirem garantias reais; (iv) tomar qualquer providência
necessária para que os debenturistas realizem os seus créditos; (v)
representar os debenturistas em processos de falência, recuperação judicial,
intervenção ou liquidação extrajudicial da companhia emissora, salvo
deliberação em contrário da assembleia dos debenturistas. As atribuições
do agentefiduciárioconstantes da Lei das S.A. são exemplificativas, pois,
conforme o disposto na alínea "e" do § 3 o , ele deve "tomar qualquer
providência necessária para que os debenturistas realizem os seus créditos
De acordo com a Comissão de Valores Mobiliários, o agente fidu-
ciário (i) somente se eximirá da responsabilidade pela não adoção das
medidas previstas nas alíneas "(i)" a "(iv)" acima se, convocada a assem-
bleia dos debenturistas, ele assim for autorizado por deliberação toma-
da pela unanimidade dos titulares de debêntures em circulação, pois o
crédito de cada debenturista tem caráter pessoal e autônomo; assim, a
decisão de não executá-lo somente pode ser tomada pelo próprio cre-
dor; e (ii) poderá deixar de representar os debenturistas em processos de
falência, recuperação judicial, intervenção ou liquidação extrajudicial
da companhia emissora na hipótese de deliberação tomada nesse sen-
tido pela maioria dos titulares de debêntures em circulação1072. Nesse
caso, cada credor representará os seus próprios interesses perante a fa-
lida ou a empresa sob recuperação, intervenção ou liquidação.
As despesas da emissão de debêntures, inclusive as relativas à
remuneração do agente fiduciário e as necessárias à proteção dos di-
reitos e interesses dos debenturistas são suportadas pela compa-
nhia1073-1074. O agente fiduciário não é obrigado a arcar com os seus

1072 Sobre as hipóteses em que é necessária a deliberação unânime ou majoritária dos


debenturistas, ver os comentários ao art. 71 da Lei das S.A. Ver, também, o art. 13 da
Instrução CVM n° 28/1983, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n" 123/
1990 e 490/2011 e a Nota Explicativa CVM n° 27/1983.
1073 Sobre a remuneração do agente fiduciário, ver os comentários ao art. 67 da Lei das S.A.
1074 Art. 14 da Instrução CVM n° 28/1983, com as alterações introduzidas pelas Instruções
CVM n" 123/1990 e 490/2011. Consta do § 1o deste artigo que o agente fiduciário prestará
contas à companhia emissora das despesas que incorrer na defesa dos direitos e interesses
dos debenturistas para o fim de ser, imediatamente, por ela ressarcido.
próprios recursos. Ele poderá, no entanto, a fim de cumprir com os
seus deveres e responsabilidades, assim agir, como, por exemplo, na
hipótese de adotar medidas relacionadas à cobrança do crédito de-
benturístico. Por essa razão, o § 5 o determina que o crédito do agente
fiduciário decorrente do pagamento dessas despesas será acrescido à
dívida da companhia emissora e gozará das mesmas garantias das
debêntures, preferindo a estas na ordem de pagamento. Se a com-
panhia emissora deixar de pagar as despesas incorridas pelo agen-
te fiduciário no cumprimento de suas funções, poderá ser
caracterizada a sua inadimplência, cabendo a declaração de venci-
mento antecipado das debêntures.

Outras funções
'Art. 69. A escritura de emissão poderá ainda atribuir ao agente fidu-
ciário as funções de autenticar os certificados de debêntures, admi-
nistrar o fundo de amortização, manter em custódia bens dados em
garantia e efetuar os pagamentos de juros, amortização e resgate."

Os deveres e atribuições do agente fiduciário definidos no artigo


68 e nas normas regulamentares da Comissão de Valores Mobiliários
são de ordem pública e, por isso, não podem ser restringidos. Assim,
reputam-se não escritas as cláusulas da escritura de emissão que os
limitem ou restrinjam1075.
Há outras funções que podem ser, facultativa e adicionalmente,
atribuídas ao agente fiduciário na escritura de emissão, tais como: (i)
autenticar os certificados de debêntures; (ii) administrar o fundo de
amortização; (iii) manter em custódia bens dados em garantia; e (iv)
efetuar os pagamentos de juros, amortização e resgate.
A função de autenticar os certificados de debêntures ficou em
desuso após a extinção, pela Lei n° 8.021/1990, dos títulos ao porta-

1075 Ver os comentários ao art. 68 da Lei das S.A.


dor e endossáveis. Atualmente, a única forma de debênture admitida
pela Lei das S.A. é a nominativa. Assim, os certificados de debêntu-
res perderam a sua principal função que era a de instrumento que
materializava as obrigações das debêntures1076. Para as debêntures
nominativas registradas, o certificado não tem nenhuma utilidade e,
para as escriturais, é de impossível emissão. No entanto, uma vez
emitidos os certificados para as debêntures nominativas registradas
deverão ser observados os requisitos constantes do artigo 64.
O fundo de amortização não é obrigatório, mas, quando consti-
tuído, é destinado a cobrir as despesas com o pagamento dos juros e
amortização das debêntures1077. A Lei das S.A. permite que a escritu-
ra de emissão estabeleça que a sua administração será atribuída ao
agente fiduciário, que terá liberdade para decidir questões relaciona-
das à sua aplicação. As regras sobre a constituição e funcionamento
do fundo devem ser especificadas na escritura de emissão, tais como:
as restrições de movimentação, aplicação de seus recursos, o valor das
contribuições da companhia emissora para o fundo, bem como todos
os deveres do agente fiduciário diretamente relacionados ao fundo10/S.
Por meio do fundo de amortização, a companhia emissora pode esta-
belecer um cronograma para amortizar o valor da sua dívida durante o
prazo de sua duração1079-1080.
Pode também a escritura de emissão determinar que os agentes
fiduciários mantenham em custódia os bens dados em garantia real

1 076 Sobre os certificados d e debêntures, ver o s comentários a o art. 64 da Lei d a s S.A.


1077 Ver os comentários a o art. 5 5 da Lei d a s S.A.
1 078 D e acordo c o m a alínea " b " d o § 1 o d o art. 6 8 da Lei das S.A., deverá constar d o relatório
a n u a l , q u e d e v e ser e l a b o r a d o p e l o a g e n t e f i d u c i á r i o e c o l o c a d o à d i s p o s i ç ã o d o s
debenturistas, informação s o b r e a constituição e a p l i c a ç ã o d o fundo d e amortização.
1 079 Consta d o art. 1 9 4 da Lei d a s S.A. q u e o estatuto poderá criar reservas d e s d e que, para c a d a
uma: "/ - indique, de modo preciso e completo, a sua finalidade; II - fixe os critérios para
determinar a parcela anual dos lucros líquidos que serão destinados à sua constituição; e; III
- estabeleça o limite máximo da reserva."
1080 S o b r e e s s e assunto, a E x p o s i ç ã o d e Motivos n° 1 9 6 , d e 2 4 . 0 6 . 1 9 7 6 , informa q u e : "A
amortização de cada série poderá ser parcelada, com ou sem fundo de amortização, e a
companhia poderá reservar-se o direito de resgate antecipado, parcial ou total."
pela companhia emissora para assegurar o cumprimento de suas obri-
gações. Nessa hipótese, tratar-se-á sempre de garantia real, uma vez
que a garantia flutuante compreende o ativo da companhia emissora
que inclui bens que podem ser por ela negociados e que, por essa
razão, não podem ficar sob a custódia do agente fiduciário1081.
Outra função que pode ser facultativamente atribuída ao agente
fiduciário é a de efetuar os pagamentos de juros, amortização e resga-
te das debêntures. Assim, o agente fiduciário passa a ter um meio
mais eficiente de controlar a regularidade das obrigações assumidas
pela companhia.
Face à natureza e à complexidade inerentes às atividades de cus-
tódia de bens dados em garantia e ao pagamento dos juros, amortiza-
ção e resgate, elas só poderão ser atribuídas a agentes fiduciários que
sejam instituições financeiras1082.
Este artigo regula algumas funções de gestão e administração
adicionais que podem ser atribuídas ao agente fiduciário. Não obs-
tante, a escritura de emissão de debêntures pode regular diversas ou-
tras, relacionadas aos interesses da comunhão dos debenturistas.

Substituição de garantias e modificação da escritura


"Art. 70. A substituição de bens dados em garantia, quando auto-
rizada na escritura de emissão, dependerá da concordância do
agente fiduciário.

Parágrafo único. O agente fiduciário não tem poderes para acor-


dar na modificação das cláusulas e condições da emissão."

A Lei das S.A. admite que a escritura de emissão de debêntures


autorize a substituição dos bens dados em garantia. Trata-se,

1 081 Sobre as garantias das debêntures, ver os comentários a o art. 5 8 da Lei das S.A.
1082 Art. 15 da Instrução CVM n° 2 8 / 1 9 8 3 , c o m as alterações introduzidas pelas Instruções
CVM n'* 123/1990 e 4 9 0 / 2 0 1 1 , e Nota Explicativa CVM n° 27/1983.
logicamente, de bens dados em garantia real, uma vez que a garantia
flutuante compreende o ativo da companhia emissora que inclui
bens que podem ser por ela negociados a qualquer momento1083.
Assim, desde que previsto na escritura, ou aprovado pela companhia
emissora e pela comunhão de debenturistas, os bens dados em
garantia poderão ser substituídos. No entanto, a previsão da
substituição não gera para a companhia e para os debenturistas
nenhum direito ou obrigação. Trata-se apenas de uma possibilidade
prevista na escritura de emissão.
A substituição, contudo, depende da concordância do agente fi-
duciário, que deverá (i) verificar se o bem dado em substituição possui
o mesmo valor e liquidez do bem substituído; e (ii) apresentar uma
justificativa econômica e jurídica para aceitar a substituição, ou para
recusá-la1084. Não é necessário que ós bens possuam a mesma nature-
za1085. O agente fiduciário deverá, ainda, praticar os atos necessários à
constituição da garantia sobre o novo bem e à liberação do gravame
incidente sobre o bem substituído1086.
Uma vez aceita a substituição, será assinado o termo aditivo à
escritura de emissão, que deverá ser, a fim de tornar regular o instru-
mento e conferir publicidade ao ato, averbado no Registro Público
de Empresas Mercantis — que é exercido no âmbito estadual pelas

1 083 Ver o s comentários a o art. 5 8 d a Lei d a s S.A.


1084 A CVM, no art. 12, inciso X, da Instrução CVM n° 2 8 / 1 9 8 3 , c o m a s alterações introduzidas
p e l a Instrução C V M n° 4 9 0 / 2 0 1 1 , determina q u e o a g e n t e fiduciário d e v e "examinar a
proposta de substituição de bens dados em garantia, quando esta estiver autorizada pela
escritura de emissão, manifestando a sua expressa e justificada concordância."
1085 D e a c o r d o c o m o art. 12, inciso IX, d a Instrução C V M n° 2 8 / 1 9 8 3 , c o m as alterações
introduzidas pela Instrução CVM n° 4 9 0 / 2 0 1 1 , o agente fiduciário d e v e verificar o "valor
dos bens dados em garantia, observando a manutenção de sua suficiência e exequibilidade."
1086 C o n s t a d o art. 1 2 , i n c i s o VI, d a I n s t r u ç ã o C V M n ° 2 8 / 1 9 8 3 , c o m a s a l t e r a ç õ e s
introduzidas p e l a Instrução C V M n° 4 9 0 / 2 0 1 1 , q u e é dever d o a g e n t e fiduciário "pro-
mover nos competentes órgãos, caso a companhia não o faça, o registro da escritura de
emissão e respectivos aditamentos, sanando as lacunas e irregularidades porventura
neles existentes; neste caso, o oficial do registro notificará a administração da compa-
nhia para que esta lhe forneça as indicações e documentos necessários". A mesma regra
está prevista no § 2- d o art. 62 da Lei d a s S.A.
Juntas Comerciais. Serão levados à averbação no Registro de Imó-
veis apenas os termos aditivos nos quais forem constituídas garan-
tias reais sobre bens imóveis, observado o disposto na Lei de Registro
Público1087.
Caso a companhia não aceite as justificativas do agente fiduciá-
rio para recusar a substituição dos bens dados em garantia, poderá
convocar a assembleia de debenturistas para deliberar sobre essa ma-
téria, cuja decisão, relativamente à comunhão, é soberana, ficando o
agente fiduciário a ela vinculado1088. O Poder Judiciário não pode su-
prir a eventual manifestação do agente fiduciário ou da assembleia de
debenturistas no sentido da não concordância com a substituição dos
bens dados em garantia1089.
Conforme o disposto no parágrafo único, o agente fiduciário não
tem poderes para acordar na modificação das cláusulas e condições
da emissão, as quais dependerão da concordância expressa da comu-
nhão de debenturistas, reunidos em assembleia e observado o quorum
de deliberação previsto na escritura de emissão1090. A Lei das S.A.
determina que a escritura de emissão estabelecerá a maioria necessá-
ria para aprovar as modificações nas condições das debêntures, que
não será inferior à metade dos títulos em circulação (artigo 71, § 5o).

1 087 S o b r e e s s e assunto, ver o s c o m e n t á r i o s a o art. 6 2 d a Lei d a s S.A.


1088 D e t e r m i n a a Lei d a s S.A., no art. 7 1 , § 1 o , q u e a a s s e m b l e i a d e debenturistas p o d e ser
c o n v o c a d a pelo a g e n t e fiduciário, p e l a c o m p a n h i a e m i s s o r a , pela C V M e pelos debenturistas
q u e representem, no m í n i m o , 1 0 % (dez por cento) d a s debêntures em circulação.
1089 N o m e s m o sentido, M O D E S T O CARVALHOSA. C o m e n t á r i o s à Lei de S o c i e d a d e s A n ô n i -
m a s . v. 1, 5 a e d i ç ã o , S ã o Paulo: S a r a i v a , 2 0 0 7 , p. 8 2 9 - 8 3 0 . S o b r e e s s e a s s u n t o , J O S É
WALDECY LUCENA. D a s S o c i e d a d e s A n ô n i m a s - C o m e n t á r i o s à Lei (arts. 1 o a 120). v. I,
Rio d e Janeiro: Renovar, 2 0 0 9 , p. 7 2 4 , observa que: "Calha lembrar que a não-concordân-
cia com a substituição proposta, emanada do agente fiduciário e da assembleia de
debenturistas, não pode ser suprida pelo Poder Judiciário. Trata-se de matéria interna corporis
em que a assembleia de debenturistas decide soberanamente, segundo a conveniência e os
interesses da comunhão, não podendo, de conseguinte, esse ato de vontade ser judicial-
mente suprido, ou seja não pode o juiz substituir-se ao agente fiduciário ou à assembleia,
emitindo a concordância negada."
SEÇÃO V I I

ASSEMBLEIA DE DEBENTURISTAS

"Art. 71. Os titulares de debêntures da mesma emissão ou série


podem, a qualquer tempo, reunir-se em assembleia a fim de deli-
berar sobre matéria de interesse da comunhão dos debenturistas.

§ l°Aassembleia de debenturistas pode ser convocada pelo agente


fiduciário, pela companhia emissora, por debenturistas que re-
presentem 10% (dez por cento), no mínimo, dos títulos em circu-
lação, e pela Comissão de Valores Mobiliários.

§ 2 o Aplica-se à assembleia de debenturistas, no que couber, o


disposto nesta Lei sobre a assembleia-geral de acionistas.

§ 3 o A assembleia se instalará, em primeira convocação, com a


presença de debenturistas que representem metade, no mínimo,
das debêntures em circulação, e, em segunda convocação, com
qualquer número.

§ 4 o O agente fiduciário deverá comparecer à assembleia e pres-


tar aos debenturistas as informações que lhe forem solicitadas.

§ 5 o A escritura de emissão estabelecerá a maioria necessária, que


não será inferior à metade das debêntures em circulação, para
aprovar modificação nas condições das debêntures.

§ 6 o Nas deliberações da assembleia, a cada debênture caberá


um voto."

Ao subscrever debêntures, o seu titular não se torna apenas credor da


companhia, mas também membro de um grupo ligado por interesses e
objetivos comuns. Há, com isso, a criação da comunhão de debenturistas.
Reconhecendo a existência dessa comunhão de interesses entre
os debenturistas, este artigo concedeu aos titulares de debêntures de
uma mesma emissão ou série o direito de reunirem-se em assembleia
para deliberar sobre matérias de interesse comum. A assembleia de
debenturistas tem por base a formação da vontade da comunhão dos
detentores de debêntures, por meio do confronto de suas vontades
individuais, assim como ocorre com os acionistas na assembleia ge-
ral. A assembleia constitui, portanto, órgão indispensável para a co-
munhão de debenturistas, possibilitando a formação de uma vontade
conjunta e autônoma em relação às diversas vontades individuais.
A assembleia de debenturistas, por ser um órgão decisório da
comunhão, não pode representá-la perante a companhia emissora e
terceiros, o que compete ao agente fiduciário. Dessa forma, a vontade
da comunhão dos debenturistas é manifestada em assembleia, cabendo
ao agente fiduciário representá-la e providenciar as medidas cabíveis ao
seu cumprimento1091. Em geral, enquanto a companhia está adimplente
com as obrigações assumidas na escritura de emissão, os debenturistas
não realizam assembleias. Assim, ressalvados os casos de reorganizações
societárias - tais como a incorporação, cisão e fusão —, em que a Lei das
S.A. determina que seja previamente obtida a aprovação dos
debenturistas sem garantia1092, reunidos em assembleia especialmente
convocada para esse fim (artigo 231, caput)im, essas assembleias apenas

1091 Sobre o agente fiduciário, ver os comentários a o art. 6 8 d a Lei d a s S.A.


1092 Ver os comentários a o art. 1 7 4 da Lei d a s S.A.
1093 Consta do § I o do art. 231 da Lei das S.A. que: "Será dispensada a aprovação pela
assembleia se for assegurado aos debenturistas que o desejarem, durante o prazo mínimo de
6 (seis) meses a contar da data da publicação das atas das assembleias relativas à operação,
o resgate das debêntures de que forem titulares." Sobre a possibilidade de renúncia aos
direitos e s t a b e l e c i d o s no art. 2 3 1 , a C V M , no Parecer CVM/PJU n° 0 1 6 / 2 0 0 2 , assim s e
manifestou: "o artigo 231 impõe à sociedade anônima a observância de garantias mínimas
conferidas aos debenturistas. Não há espaço, como se sente, para qualquer tipo de dispo-
sição sobre os direitos conferidos aos debenturistas e aos deveres impostos à sociedade
anônima. (...) não há como os debenturistas impedirem a reorganização societária, posto se
tratar de verdadeira decisão política e interna corporis. Conseguintemente, a melhor interpre-
tação é no sentido de que 'tomando a sociedade envolvida na reorganização a iniciativa de
resgatar as debêntures, na medida em que seja solicitada por qualquer debenturista (dentro
do prazo de seis meses), dispensa-se a realização da assembleia especial dos debenturistas
se realizam quando há necessidade de tratar da responsabilidade do
agentefiduciário,da sua substituição, do inadimplemento da companhia
emissora ou de modificações nas condições das debêntures.
Não obstante a Lei das S.A. definir como competência privativa
da assembleia de debenturistas apenas as hipóteses de (i) modificação
nas condições das debêntures; (ii) incorporação, cisão e fusão; e (iii)
redução de capital por debêntures sem garantia, a escritura de emissão
pode estabelecer outras em que é necessária a deliberação dos
debenturistas. A Lei das S.A., ao tratar da conversibilidade de debêntures
em ações, estabelece, no § 2° do artigo 57, que, enquanto puder ser
exercido o direito à conversão, dependerá de prévia aprovação dos
debenturistas, em assembleia especial, ou de seu agente fiduciário, a
alteração do estatuto para: (i) mudar o objeto social da companhia; e
(ii) criar ações preferenciais ou modificar as vantagens das existentes,
em prejuízo das ações em que são conversíveis as debêntures. Portanto,
essa é mais uma hipótese em que se faz necessária a reunião dos
debenturistas em assembleia, salvo se for aprovado pelo agente fiduciário,
conforme permite o artigo 57. De qualquer forma, os debenturistas
podem se reunir em assembleia, sempre que necessário, para deliberar
sobre matéria de interesse da comunhão e, conforme o disposto no §
2 o , a ela se aplicam, no que couber, as disposições da Lei das S.A.
referentes à assembleia geral de acionistas1094.

(art. 71). Ou seja, a norma em testilha confere somente dois caminhos: ou a sociedade
devedora envolvida na reorganização promete, no protocolo (art. 224), resgatar os
debenturistas que assim o desejarem, no prazo legal consignado, ou se submete à exigência
dos debenturistas de resgate total dessas debêntures, anteriormente à consumação do
negócio reorganizativo. Notamos, portanto, que o fim da lei é assegurar a preservação da
proteção do patrimônio da sociedade, que é justamente a garantia da dívida. Ou seja, trata-
se de uma garantia mínima que a lei concede aos debenturistas, justamente para preservar o
instituto (debênture), visualizando, à ciência certa, a segurança jurídica. E, por exprimir um
princípio cuja manutenção é necessária à ordem social, qual seja a proteção da poupança
popular, a mencionac/a norma é de ordem pública e, por conseguinte, imperativa e cogente."
1094 Sobre a aplicação à assembleia de debenturistas das disposições da Lei das S.A. referentes à
assembleia geral de acionistas, a I a Câmara Cível d o Tribunal de Alçada do Estado do Rio
Grande do Sul, no julgamento do Agravo de Instrumento n° 186.055.737, Rei. Des. Luiz Felipe
Na hipótese de emissão de debêntures com mais de 1 (uma) sé-
rie, em que o assunto a ser deliberado não for comum a toda emissão,
a assembleia de debenturistas deverá ser realizada por série, ou seja,
não será uma única assembleia de todos os debenturistas da mesma
emissão. No caso de envolver matérias de interesse comum da emis-
são e questões particulares de algumas séries, poderá ser realizada uma
única assembleia de debenturistas e as deliberações ocorrerão em se-
parado, sendo a ata dividida em seções, devendo constar de cada uma
delas o respectivo quorum de instalação e deliberação1095.
Conforme consta do § I o , a assembleia de debenturistas pode ser
convocada pelo agente fiduciário, pela companhia emissora, por de-
benturistas que representem 10% (dez por cento), no mínimo, dos títu-
los em circulação, e pela Comissão de Valores Mobiliários. A convocação,
salvo disposição em contrário da escritura de emissão, far-se-á median-
te anúncio publicado por 3 (três) vezes, no mínimo, contendo, além do
local, data e hora da assembleia, a ordem do dia (artigo 124, caput). Na
companhia fechada, a primeira convocação deverá ser feita com 8 (oito)
dias de antecedência, no mínimo, contado o prazo da publicação do
primeiro anúncio; não se realizando a assembleia, será publicado novo
anúncio, de segunda convocação, com antecedência mínima de 5 (cin-
co) dias. Na companhia aberta, o prazo de antecedência da primeira
convocação será de 15 (quinze) dias e o da segunda convocação de 8
(oito) dias (artigo 124, § I o ). Os anúncios indicarão, com clareza, o
lugar da reunião, que não poderá ser realizada fora da localidade da sede
da companhia emissora (artigo 124, § 2 o ).
De acordo com o § 3 o , a assembleia se instalará, em primeira
convocação, com a presença de debenturistas que representem meta-

A z e v e d o G o m e s , j. em 3 0 . 0 9 . 1 9 8 6 , publicado no D O R G S em 3 0 . 0 9 . 1 9 8 6 , assim s e mani-


festou: "Como anota Mário Engler Pinto Ir., 'a invocação subsidiária contida no § 2° do art. 71
só pode ser aproveitada em assuntos referentes ao modo de convocação, à forma de funcio-
namento, à representação do debenturista e a outros de natureza procedimental' (...)•"
1095 JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Das Debêntures. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 139.
de, no mínimo, das debêntures em circulação, e, em segunda convo-
cação, com qualquer número1096. Consideram-se em circulação as de-
bêntures colocadas pela companhia emissora, ressalvadas as que se
encontrarem em tesouraria1097. Será considerada regular a assembleia
a que comparecerem todos os debenturistas. As pessoas presentes à
assembleia deverão provar a qualidade de debenturistas, observadas
as seguintes normas: (i) os titulares de debêntures registradas exibi-
rão, se exigido, documento hábil de sua identidade; (ii) os titulares de
debêntures escriturais, além do documento de identidade, exibirão
comprovante expedido pela instituição financeira depositária (artigo
126, caput). Os debenturistas podem ser representados na assembleia
por procurador constituído há menos de 1 (um) ano, que seja deben-
turista ou advogado, não cabendo a representação por administrador
da companhia; na companhia aberta, o procurador pode, ainda, ser
instituição financeira (artigo 126, § I o ).
Os debenturistas presentes à assembleia assinarão o "Livro de
Presença", indicando o seu nome, nacionalidade e residência, bem
como a quantidade de debêntures de que forem titulares (artigo 127).
Os trabalhos da assembleia serão dirigidos por mesa composta, salvo
disposição diversa do estatuto, de presidente e secretário, escolhidos
pelos debenturistas presentes. Dos trabalhos e deliberações da assem-
bleia será lavrada, em livro próprio, ata assinada pelos membros da
mesa e pelos debenturistas presentes. Para validade da ata, é suficien-
te a assinatura de quantos bastem para constituir a maioria necessária
para as deliberações tomadas na assembleia (artigo 130, caput). A com-
panhia não pode participar do conclave com as debêntures que man-
tém em sua carteira. O agente fiduciário, nos termos do § 4 o , deverá

1096 De acordo c o m JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. D a s Debêntures..., p. 140, o quorum


de instalação "deverá ser apurado relativamente à emissão ou á série, segundo a pauta se
refira a matéria de interesse da totalidade da emissão ou de alguma série em particular. Poderá
não haver quorum para a assembleia geral da emissão, mas haver para a de determinada série,
que estaria assim em condições de validamente instalar-se."'
1 097 Ver os comentários a o art. 52 da Lei das S.A.
comparecer à assembleia e prestar aos debenturistas as informações
que lhe forem solicitadas.
O § 6 o estabelece que, nas deliberações da assembleia de deben-
turistas, a cada debênture caberá 1 (um) voto, não sendo possível,
portanto, a existência de debêntures sem voto. As deliberações serão
tomadas, ressalvadas as exceções previstas na Lei das S.A. e na escri-
tura de emissão, por maioria absoluta de votos, não se computando os
votos em branco (artigo 129, caput)im. Consta do § 5 o que a escritura
de emissão estabelecerá a maioria necessária, que não será inferior à
metade das debêntures em circulação, para aprovar modificação nas
condições das debêntures.
Não cabe direito de retirada ao debenturista dissidente das deli-
berações de assembleia que aprova modificações nas condições das
debêntures, por evidente falta de previsão legal1099. Esse direito é as-
segurado apenas aos acionistas dissidentes, de acordo com o disposto
no artigo 1371100.
Os direitos conferidos pelas debêntures, suas garantias e demais
cláusulas e condições deverão constar da escritura de emissão1101, que
deve regular as relações jurídicas entre a companhia e a comunhão de
debenturistas desde a emissão até o resgate final dos títulos. Entre-
tanto, poderá ser do interesse da companhia emissora modificar as
condições previstas na escritura ao longo deste período. Como as

1098 Sobre a oponibilidade da d e l i b e r a ç ã o majoritária sobre os debenturistas individuais, ver o


a c ó r d ã o proferido pela 9 a C â m a r a Cível d o Tribunal d e Justiça d o Estado d o Rio de Janeiro
nos autos da A p e l a ç ã o Cível n° 1 9 9 9 . 0 0 1 . 9 9 6 7 , Rei. Des. Laerson Mauro, j. em 3 1 . 0 8 . 1 9 9 9 ,
In: NELSON EIZIRIK. S o c i e d a d e s A n ô n i m a s : Jurisprudência. 3 o tomo, v. 2, Rio d e Janeiro:
Renovar, 2 0 0 8 , p. 2 . 2 2 5 - 2 . 2 2 9 .
1099 N e s s e sentido, já s e manifestou a CVM no Eferecer CVM/SJU n° 0 1 7 / 1 9 8 6 .
1100 Sobre esse assunto, a 4 a C â m a r a Cível d o Tribunal de Justiça d o Estado do Rio Grande d o
Sul, no julgamento d o Agravo de Instrumento n° 5 8 6 . 0 3 8 . 6 3 0 , Rei. Des. O s w a l d o Proen-
ça, j. e m 1 0 . 1 2 . 1 9 8 6 , p u b l i c a d o no D O R G S e m 1 0 . 1 2 . 1 9 8 6 , assim decidiu: "Assembleia
de Debenturistas. Direitos do Debenturista. O disposto na Lei 6404, art. 71, parag. 2°,
destina-se a regular a assembleia de debenturistas, mas não garante aos debenturistas os
mesmos direitos que os acionistas têm assegurados pelo art. 137 da mesma lei."
debêntures configuram um contrato de mútuo de natureza especial
entre a companhia emissora e a comunhão de debenturistas1102,
quaisquer modificações previstas originalmente na escritura de emis-
são exigem, para a sua validade, dupla manifestação de vontade: apro-
vação pelo órgão societário da emissora competente para a matéria,
segundo a Lei das S.A. ou o estatuto (assembleia geral ou conselho de
administração, conforme o caso)1103; e deliberação da assembleia de
debenturistas, manifestando a concordância da comunhão em rela-
ção à alteração pretendida.
A escritura de emissão constitui declaração unilateral de vonta-
de da companhia emissora, mas, a partir do momento em que os títu-
los são subscritos pelos debenturistas, configura-se uma relação
bilateral entre a companhia e os titulares das debêntures em circula-
ção; assim, toda modificação da escritura depende de um acordo de
vontade entre a emissora e a comunhão de debenturistas.
Havendo a aprovação das modificações pretendidas tanto pela
assembleia de debenturistas quanto pelo órgão societário compe-
tente, deve ser firmado um aditamento à escritura de emissão pela
companhia emissora. A Lei das S.A., no § 5 o deste artigo, expressa-
mente admite a possibilidade da modificação das condições origi-
nalmente previstas e, por essa razão, determina que o quorum mínimo
de aprovação de tais modificações, na assembleia de debenturistas,
é de metade das debêntures em circulação1104.
O debenturista, ao exercer o seu direito de voto, deverá observar
o interesse da comunhão e as regras da Lei das S.A. sobre abuso do

1102 Ver os comentários a o art. 5 2 da Lei d a s S . A .


11 0 3 Ver os comentários a o art. 5 9 da Lei das S.A.
1104 A CVM, no Parecer CVM/SJU n° 0 3 2 / 1 9 8 7 , entendeu q u e : "As condições originais de
emissão de debêntures podem ser modificadas por Assembleia Gera! de Debenturistas,
inclusive no tocante ao respectivo valor de resgate. O valor de resgate acordado em Assembleia
Gera! de Debenturistas, alterando o valor previsto quando do lançamento das debêntures,
será o valor pelo qual serão contabilizadas as debêntures relativas aos debenturistas ausentes
da assembleia geral enquanto não forem por esses resgatados nas condições da A.G.D."
direito de voto1105 e conflito de interesses (artigo 115)1106. Assim, por
exemplo, os titulares de debêntures que também sejam controladores
da companhia emissora ou de pessoas a ela ligada, direta ou indireta-
mente, não poderão votar em assembleias de debenturistas que te-
nham por objeto a modificação nas condições das debêntures.
Embora a Lei das S.A. não estabeleça distinções entre as modifi-
cações nas condições das debêntures, a doutrina questiona se a as-
sembleia de debenturistas teria competência para alterar toda e qualquer
condição da emissão ou se haveria alguma limitação material ao poder
deliberativo da assembleia de debenturistas1107. De fato, há o entendi-
mento de que existem modificações nas condições de emissão que
somente podem ser aprovadas por decisão unânime dos debenturistas.
Esse entendimento baseia-se na noção de que determinadas condi-
ções de emissão das debêntures inserem-se no âmbito dos interesses
comuns dos debenturistas e, portanto, podem ser alteradas por delibe-
ração majoritária, ao passo que outras estão vinculadas de forma mais

1105 Determina o art. 187 do Código Civil que: "Também comete ato ilícito o titular de um direito
que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."
1106 MARIO ENGLER P I N T O J Ú N I O R , " D e b ê n t u r e s . Direitos d e Debenturistas. C o m u n h ã o e
Assembleia. Agente Fiduciário", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Finan-
c e i r o . S ã o Paulo: Ed. Revista d o s Tribunais, v. 4 8 , o u t u b r o - d e z e m b r o , 1 9 8 2 , p. 3 2 - 3 3 ,
observa que: "O debenturista não está obrigado a votar conforme o interesse social. Entretan-
to, tem dever de fidelidade aos interesses da comunhão a que pertence, podendo ser respon-
sabilizado pelo abuso no exercício do direito de voto, com fundamento em princípio jurídico
consagrado no direito comum. A aplicação subsidiária dos dispositivos que regem a assembleia
geral dos acionistas (art. 71, § 2") também corrobora este entendimento, diante da previsão
contida no art 115 da Lei acionária. (...) A situação conflituosa, capaz de gerar obstáculo ao
exercício do voto por parte do debenturista, não deve ter como parâmetro o interesse social,
mas o interesse da própria categoria. Este é o verdadeiro bem jurídico a ser tutelado."
1107 S o b r e e s s e assunto, ver MARIO ENGLER PINTO J Ú N I O R , " D e b ê n t u r e s . Direitos d e
Debenturistas. C o m u n h ã o e Assembleia. Agente Fiduciário", Revista de Direito Mercantil,
Industrial, E c o n ô m i c o e Financeiro..., v. 4 8 , p. 33-35; JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA.
D a s Debêntures..., p. 145-148; PAULO FERNANDO CAMPOS SALLES DE TOLEDO, "Recu-
peração Judicial - S o c i e d a d e s A n ô n i m a s - A s s e m b l e i a Geral d e Credores - Liberdade de
Associação - Boa Fé Objetiva - Abuso de Direito - Cram Down - Par Condido Creditorum",
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Malheiros,
V. 1 4 2 , abril-junho, 2 0 0 6 , p. 2 6 7 - 2 6 9 ; A R N O L D O WALD, " O Regime Jurídico da Comu-
nhão de Debenturistas e as C o n d i ç õ e s d e Validade e Oponibilidade das Deliberações
Assembleares", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São
Raulo: Ed. Revista d o s Tribunais, v. 9 4 , abril-junho, 1 9 9 4 , p. 6-9. Esse último autor fez,
inclusive, uma c o m p a r a ç ã o entre os direitos essenciais dos acionistas e dos debenturistas.
acentuada ao interesse individual de cada credor, somente podendo
ser modificada com o consentimento unânime dos debenturistas1108.
A fim de identificar os limites ao poder da assembleia de deben-
turistas de alterar, por deliberação majoritária, as condições de emis-
são das debêntures previstas na escritura, deve-se distinguir as
condições substanciais das condições acessórias. As condições subs-
tanciais, por pertencerem à órbita dos direitos individuais dos titula-
res das debêntures, são modificáveis apenas mediante a manifestação
unânime dos debenturistas. Já as condições acessórias, que se relacio-
nam com os interesses da comunhão de debenturistas, podem ser
alteradas com a aprovação do quorum mínimo previsto no § 5o1109.
As condições substanciais são aquelas relacionadas à própria es-
sência do direito de crédito conferido pelas debêntures, representada
pelo seu conteúdo patrimonial básico, como é o seu valor, ao passo
que as condições acessórias dizem respeito aos elementos que com-
plementam este direito de crédito, como é o caso das cláusulas que
definem prazos, garantias e formas de exercício do direito1110-1111(p seg).

1108 MARIO ENGLER PINTO J Ú N I O R , " D e b ê n t u r e s . Direitos d e Debenturistas. C o m u n h ã o e


Assembleia. Agente Fiduciário", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro..., v. 48, p. 34.
1109 A CVM, no parágrafo único d o art. 13 da Instrução CVM n° 2 8 / 1 9 8 3 , c o m a s alterações
introduzidas pelas Instruções C V M n 05 1 2 3 / 1 9 9 0 e 4 9 0 / 2 0 1 1 , expressamente determina a s
hipóteses em que é necessária a deliberação da maioria e as que dependem da unanimidade
das debêntures em circulação. Consta da Nota Explicativa CVM n° 27/1983 que: "Explica-se a
exigência do consentimento unânime dos titulares das debêntures em circulação, arredando-se
o princípio majoritário adotado pela Lei n° 6.404/76 para as decisões assembleares, em face
da própria natureza do objeto da deliberação a ser tomada. Na verdade, o crédito de cada
debenturista tem caráter pessoal e autônomo; por conseguinte, a decisão de não executá-lo,
quando devido, somente poderá ser tomado pelo próprio credor. Assim, a fim de que cada
debenturista possa decidir acerca çfa conveniência da tomada de medidas que digam respeito
diretamente à realização de seus créditos pessoais, é que a Instrução impôs que tais decisões
somente podem ser tomadas pela unanimidade dos titulares das debêntures em circulação.
Porém, na hipótese prevista no inciso V do mesmo artigo - representar os debenturistas em
processo de falência, concordata, intervenção ou liquidação extrajudicial da companhia emis-
sora - o agente fiduciário, como representante ex lege dos debenturistas, deverá exercer aqueles
misteres, salvo se, como enunciado no art. 68, § 3o, 'd' da Lei n° 6.404/76, a assembleia de
debenturistas, por maioria simples, deliberar em contrário." Em sentido contrário, MODESTO
CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 1, 5'1 edição, São Raulo:
Saraiva, 2 0 0 7 , p. 817-819 e JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comen-
tários à Lei (arts. I o a 120). v. I, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 710-711.
1110 JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. D a s Debêntures..., p. 147-148.
SEÇÃO V O i

C É D U L A DE D E B Ê N T U R E S

"Art. 72. As instituiçõesfinanceirasautorizadas pelo Banco Central


do Brasil a efetuar esse tipo de operação poderão emitir cédulas las-
treadas em debêntures, com garantia própria, que conferirão a seus
titulares direito de crédito contra o emitente, pelo valor nominal e os
juros nela estipulados. (Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

§ I o A cédula será nominativa, escriturai ounão. (Redação dadapela


Lei n° 9.457/1997)

§ 2 o O certificado da cédula conterá as seguintes declarações:

a) o nome da instituição financeira emitente e as assinaturas dos


seus representantes;

b) o número de ordem, o local e a data da emissão;

c) a denominação Cédula de Debêntures; (Redação dada pela Lei


n° 9.457/1-997)

d) o valor nominal e a data do vencimento;

iííl A 4 a Turma d o Superior Tribunal d e Justiça, no julgamento do Recurso Especial n° 303.825-SP,


Rei. Min. Ruy R o s a d o d e Aguiar, j. e m 1 9 . 0 6 . 2 0 0 1 , p u b l i c a d o no DJU em 2 9 . 1 0 . 2 0 0 1 ,
firmou entendimento no sentido de que: "O valor das debêntures não é condição que
possa, ser alterada por decisão da assembleia geral, nos termos do disposto no art. 71, § 5 ,
da Lei 6404/76, pois diz com a própria essência dos títulos, assim como ficou bem explicado
no respeitável acórdão, do qual extraio parle da fundamentação do voto vencedor do ilustre
Des. Ivan Sartori: 'No merecimento, tem-se por inconcusso que o valor das debêntures não
diz com suas condições, mas com a própria essência dessa modalidade titular, que sem
aquele não pode existir. Por conseguinte, não é possível a redução de que trata a assembleia
em que se funda a autora, limitada que está a possibilidade de alteração às condições (art
71, § 5", da Lei Acionária)!"
e) os juros, que poderão ser fixos ou variáveis, e as épocas do seu
pagamento;

f ) o lugar do pagamento do principal e dos juros;

g) a identificação das debêntures-lastro, do seu valor e da garantia

constituída; (Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

h) o nome do agente fiduciário dos debenturistas;

i) a cláusula de correção monetária, se houver;

j) o nome do titular." (Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)


A redação original deste artigo disciplinava a "cédula pignoratí-
cia de debêntures". Ela foi criada pela Lei das S.A. como um título ao
portador ou endossável que poderia ser emitido por instituições fi-
nanceiras com garantia pignoratícia por meio de debêntures e que
conferia a seu titular um direito de crédito contra o emitente pelo
valor nominal e os juros nela estipulado. Com as diversas críticas ao
seu funcionamento e a extinção, pela Lei n° 8.021/1990, dos títulos
ao portador e endossáveis, a Lei n° 9.457/1997 alterou a redação do
artigo 72 para estabelecer que as cédulas de debêntures são nomina-
tivas e que as instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central
do Brasil poderão emitir esses títulos lastreados em debêntures, com
garantia própria, que conferirão a seus titulares direito de crédito con-
tra a emitente, pelo valor nominal e os juros nela estipulados. Ou seja,
foi retirada das debêntures a função de garantia pignoratícia das cé-
dulas emitidas por instituições financeiras. As cédulas passaram a ser
lastreadas em debêntures, mas com garantia própria dada pela insti-
tuição financeira emitente.
A Lei n° 10.303/2001 expressamente incluiu as cédulas de de-
bêntures no rol dos valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei n°
6.385/19761112; assim, esses títulos, quando destinam-se à oferta públi-
ca, estão sujeitos à regulação da Comissão de Valores Mobiliários1113-1114.
Mediante a emissão de debêntures, a companhia emissora capta
recursos diretamente junto ao público investidor; quando as condi-
ções do mercado não recomendam a distribuição imediata dos títu-
los, a instituição financeira pode subscrever a emissão, mantendo-a
em carteira para distribuí-la quando julgar oportuno e conveniente.
No entanto, durante esse período poderá dispor das cédulas de de-
bêntures para captar recursos no mercado m s , tornando-se devedora
do valor delas constantes, viabilizando, na prática, títulos com prazos
inferiores aos das debêntures1116-1117. Assim, as debêntures devem in-

1112 Art. 2 ° i n c i s o IV, d a Lei n° 6 . 3 8 5 / 1 9 7 6 , c o m a s a l t e r a ç õ e s i n t r o d u z i d a s p e l a Lei n°


10.303/2001.
1113 D e a c o r d o c o m o art. 1 9 d a Lei n° 6 . 3 8 5 / 1 9 7 6 , n e n h u m a e m i s s ã o p ú b l i c a d e valores
mobiliários será distribuída no m e r c a d o s e m o prévio registro na CVM.
1114 Sobre esse assunto, o C o l e g i a d o da CVM, nos autos d o Processo Administrativo n° RJ 2006/
8 5 6 6 , Rei. Dir. Maria Helena Santana, j. e m 2 6 . 0 2 . 2 0 0 7 , decidiu que: "(...) a Lei 10.303/01
claramente deu tratamento particular às cédulas de debêntures, muito provavelmente por elas
manterem estreita relação com as debêntures, títulos tradicionalmente negociados no merca-
do de capitais, e expressamente submetidos à supervisão da CVM, mesmo quando emitidos
por instituições financeiras. Consoante a atual redação dada ao art. 72 da Lei 6.404/76 pela
Lei 9.457/97, as cédulas de debêntures têm nas debêntures o lastro para a sua emissão, ainda
que as debêntures não sejam prestadas como garantia das cédulas. (...) Nesse passo, a
identificação da sujeição ou não ao regime da Lei 6.385/76 dependerá do exame dos meios
utilizados para a colocação das cédulas de debêntures, como ocorre com todos os valores
mobiliários. As cédulas se sujeitarão ao poder regulatório da CVM desde que sua colocação
caracterize oferta pública. Nada diferente, aliás, do que acontece às ações e às debêntures,
cuja colocação pode ser pública ou privada, interessando à CVM apenas a pública."
1115 E x p o s i ç ã o d e Motivos n° 1 9 6 , d e 2 4 . 0 6 . 1 9 7 6 .
1116 O B a n c o Central d o Brasil, por m e i o da R e s o l u ç ã o C M N n° 1 . 8 2 5 / 1 9 9 1 , determinou as
seguintes c o n d i ç õ e s q u e d e v e r i a m ser o b s e r v a d a s na e m i s s ã o d e c é d u l a s pignoratícias de
debêntures: "I - prazo de vencimento compreendido entre o mínimo de 60 (sessenta) dias
contados da data da emissão respectiva, e o máximo equivalente ao das debêntures empe-
nhadas; II - valor igual ou inferior a 90% (noventa por cento) do valor de face das
debêntures empenhadas; III - bloqueio à negociação das debêntures empenhadas no
correspondente sistema administrado pela central de custódia e de liquidação financeira de
títulos (Cetip), ou sua custódia em instituição autorizada à prestação desse serviço pela
comissão de valores mobiliários ou em bolsa de valores, vedada tal prática por parle da
própria instituição emissora."
1117 O B a n c o Central d o Brasil, p o r m e i o da Circular n° 1 . 9 6 7 / 1 9 9 1 , autorizou os b a n c o s
múltiplos c o m carteira c o m e r c i a l , d e investimento o u d e d e s e n v o l v i m e n t o , o s b a n c o s
comerciais, o s b a n c o s de investimento e os b a n c o s d e desenvolvimento a emitirem cédulas
pignoratícias d e debêntures c o m as características e respeitados os requisitos definidos no
art. 72 da Lei d a s S.A. e no art. 1 o da Resolução C M N n° 1 . 8 2 5 / 1 9 9 1 .
tegrar o patrimônio da instituição financeira emitente das cédulas,
pois servem de lastro à operação. Por essa razão, a instituição finan-
ceira deve manter a correlação entre a quantidade de debêntures em
carteira e o montante de cédulas em circulação. O tomador da cédula
não tem nenhuma relação com a companhia emissora das respecti-
vas debêntures; os seus direitos de credor são exercidos junto à insti-
tuição financeira.
As cédulas podem ser emitidas isoladamente ou em série, caso
em que todas as cédulas da mesma série terão igual valor nominal e
conferirão aos seus titulares os mesmos direitos (artigo 53, parágra-
fo único).
Com a extinção dos títulos ao portador e endossáveis pela Lei n°
8.021/1990, a única forma de cédula admitida pela Lei das S.A., nos
termos do § I o , é a nominativa. Assim, o certificado perdeu a sua
função de provar a propriedade da cédula, sendo facultativo para as
cédulas registradas - cuja propriedade presume-se pela inscrição do
nome do credor em livro da instituição financeira emitente — e inviá-
vel para as escriturais - cuja propriedade presume-se pelo extrato for-
necido pela instituição financeira ou por outra contratada para prestar
esse serviço. Como a negociação das cédulas de debêntures emitidas
pelas instituições financeiras ocorre basicamente no Módulo Nacio-
nal de Debêntures - SND, que é um sistema automatizado de regis-
tro, negociação, custódia e liquidação financeira de operações com
debêntures no mercado secundário e que funciona, em termos nacio-
nais, por meio da CETIP S.A. Balcão Organizado de Ativos e Deri-
vativos1118, não há, na prática, a emissão de cédulas registradas, mas
apenas escriturais.
Se for emitido o certificado, ele deverá conter, conforme o disposto
no § 2 o , as seguintes declarações: (i) o nome da instituição financeira
emitente e as assinaturas dos seus representantes; (ii) o número de

1118 Sobre esse assunto, ver os comentários a o art. 5 9 da Lei das S.A.
ordem, o local e a data da emissão; (iii) a denominação Cédula de
Debêntures; (iv) o valor nominal e a data do vencimento; (v) os juros,
que poderão ser fixos ou variáveis, e as épocas do seu pagamento; (vi)
o lugar do pagamento do principal e dos juros; (vii) a identificação
das debêntures-lastro, do seu valor e da garantia constituída; (viii) o
nome do agente fiduciário dos debenturistas; (ix) a cláusula de correção
monetária, se houver; e (x) o nome do titular.

SEÇÃO J X

E M I S S Ã O DE D E B Ê N T U R E S N O ESTRANGEIRO

"Art. 73. Somente com a prévia aprovação do Banco Central do


Brasil as companhias brasileiras poderão emitir debêntures no
exterior com garantia real ou flutuante de bens situados no País.

§ I o Os credores por obrigações contraídas no Brasil terão prefe-


rência sobre os créditos por debêntures emitidas no exterior por
companhias estrangeiras autorizadas a funcionar no País, salvo
se a emissão tiver sido previamente autorizada pelo Banco Cen-
tral do Brasil e o seu produto aplicado em estabelecimento situa-
do no território nacional.

§ 2 o E m qualquer caso, somente poderão ser remetidos para o


exterior o principal e os encargos de debêntures registradas no
Banco Central do Brasil.

§ 3 o A emissão de debêntures no estrangeiro, além de observar os


requisitos do artigo 62, requer a inscrição, no registro de imóveis,
do local da sede ou do estabelecimento, dos demais documentos
exigidos pelas leis do lugar da emissão, autenticadas de acordo
com alei aplicável, legalizadas pelo consulado brasileiro no exte-
rior e acompanhados de tradução em vernáculo, feita por tradu-
tor público juramentado; e, no caso de companhia estrangeira, o
arquivamento no registro do comércio e publicação do ato que,
de acordo com o estatuto social e a lei do local da sede, tenha
autorizado a emissão.

§ 4 o A negociação, no mercado de capitais do Brasil, de debêntu-


res emitidas no estrangeiro, depende de prévia autorização da
Comissão de Valores Mobiliários."

São brasileiras as debêntures cuja escritura de emissão tenha sido


celebrada no País, ainda que se destinem à colocação no exterior.
Quando emitidas no Brasil, para colocação no exterior as normas a
serem observadas são as nacionais. No caso de debêntures emitidas
no exterior, deverá ser observada a legislação do local em que ela ocor-
rer; no entanto, no que se refere à competência para emissão (artigo
59), deverá ser observada a legislação da sede da companhia emisso-
ra, hipótese em que os títulos serão estrangeiros, porém de responsa-
bilidade de companhia brasileira. Ou seja, relativamente ao título
adota-se a legislação do país em que é emitido, mas os requisitos so-
cietários para a sua emissão referem-se à companhia emissora e por
isso subordinam-se à legislação de seu domicílio1119.
O valor nominal da debênture é expresso em moeda nacional,
salvo nos casos de obrigação que, nos termos da legislação em vigor,
possa ter o pagamento estipulado em moeda estrangeira. De acordo
com o nosso ordenamento jurídico, são nulos de pleno direito os con-
tratos, títulos, obrigações e quaisquer documentos que, exeqüíveis no
Brasil, estipulem pagamento em moeda estrangeira1120. Essa vedação

1119 Consta do art. 9 o da Lei de Introdução às Normas d o Direito Brasileiro que: "Art. 9°. Para
qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. § I Destinando-
se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta obsenmda,
admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. § 2o. A
obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente."
1120 Art. I o do Decreto-Lei n° 8 5 7 / 1 9 6 9 que consolidou a legislação sobre moeda d e pagamen-
to de obrigações exeqüíveis no Brasil. Também tratam desse assunto a s Leis n'": (i) 7.801/
1 9 8 9 (expediu normas de ajustamento d o Programa de Estabilização Econômica, d e que
não se aplica, por expressa disposição legal, aos empréstimos e quais-
quer outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e
domiciliada no exterior1121-1122. Dessa forma, uma emissão de debên-
tures no Brasil destinada à colocação no exterior poderá ter seu valor
nominal expresso em moeda estrangeira1123-1124.
No mercado norte-americano, em geral, a colocação de debên-
tures é feita por meio dos American Depositary Receipts - ADRs, que
são certificados de valores mobiliários, emitidos por instituições fi-
nanceiras americanas, com lastro em papéis de companhias estran-
geiras1125. A vantagem da emissão dos ADRs é que a instituição
financeira que faz a intermediação da operação - o underwriter -
figura como o titular das debêntures cujos ADRs são adquiridos pe-
los investidores. Assim, é o underwriter quem representa esses inves-

trata a Lei n° 7 . 7 3 0 / 1 9 8 9 ) , art. 4 o , § 2 ° ; (ii) 8 . 8 8 0 / 1 9 9 4 ( d i s p õ e s o b r e o P r o g r a m a d e


E s t a b i l i z a ç ã o E c o n ô m i c a e o S i s t e m a M o n e t á r i o N a c i o n a l e instituiu a U n i d a d e Real d e
Valor), art. 6 ° ; (iii) 9 . 0 6 9 / 1 9 9 5 ( q u e d i s p õ e s o b r e o P l a n o Real, o S i s t e m a M o n e t á r i o
N a c i o n a l e e s t a b e l e c e regras e c o n d i ç õ e s d e e m i s s ã o d o Real e os critérios para conversão
d a s o b r i g a ç õ e s para o Real), art. 2 7 ; e (iv) 1 0 . 1 9 2 / 2 0 0 1 (dispõe sobre medidas complemen-
tares a o Plano Real), a r t 1°, p a r á g r a f o único.
1121 Consta d o art. 2° d o Decreto-Lei n° 8 5 7 / 1 9 6 9 , q u e a v e d a ç ã o constante d o art. I o não se
aplica "I - aos contratos e títulos referentes a Importação ou exportação de mercadorias; II -
aos contratos de financiamento ou de prestação de garantias relativos às operações de
exportação de bens de produção nacional, vendidos a crédito para o exterior; III - aos
contratos de compra e venda de câmbio em geral; IV- aos empréstimos e quaisquer outras
obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior, excetuados
os contratos de locação de imóveis situados no território nacional; V - aos contratos que
tenham por objeto a cessão, transferência, delegação, assunção ou modificação das obriga-
ções referidas no item anterior, ainda que ambas as partes contratantes sejam pessoas
residentes ou domiciliadas no pafs. Parágrafo único. Os contratos de locação de bens móveis
que estipulem pagamento em moeda estrangeira ficam sujeitos, para sua validade a registro
prévio no Banco Central do Brasil."
1122 O Código Civil dispõe no art. 318 que "são nulas as convenções de pagamento em ouro ou
em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da
moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial."
1123 N o m e s m o sentido, EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e J O S É ALEXANDRE TAVARES GUERREI-
RO. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, S ã o Paulo: Ed. J o s é Bushatsky,
1 9 7 9 , p. 3 4 9 - 3 5 0 ; J O S É E D W A L D O TAVARES B O R B A . Das Debêntures. Rio d e Janeiro:
Renovar, 2 0 0 5 , p. 3 4 . Este autor observa q u e a hipótese da debênture emitida e m moeda
estrangeira n ã o s e c o n f u n d e c o m a c o r r e ç ã o cambial d o título: "O título emitido em moeda
estrangeira será resgatado na própria moeda de emissão, mediante o competente fechamen-
to do câmbio. Convém lembrar que a colocação desses títulos, tendo sido efetuada no
exterior, gerará, na oportunidade da colocação, um ingresso de divisas no país, com o
competente registro desse investimento no Banco Central do Brasil."
1124 Sobre o valor nominal d a s debêntures, ver os comentários a o art. 54 da Lei das S.A.
tidores perante a companhia emissora das debêntures; ou seja, eles
não precisarão entrar em contato com uma empresa estrangeira para
exercer os seus direitos, o que confere mais praticidade ã emissão de
debêntures no estrangeiro1126.
De acordo com o caput deste artigo, somente mediante prévia
aprovação do Banco Central do Brasil as companhias brasileiras po-
derão emitir debêntures no exterior com garantia real ou flutuante de
bens situados no País. Essas garantias, conforme a natureza do bem
onerado, móvel ou imóvel, deverão ser inscritas no registro próprio.
Se a garantia real for a hipoteca, é necessária a averbação no Registro
de Imóveis1127; se o penhor for de coisa móvel, o registro deverá ser
feito em Cartório de Títulos e Documentos1128.
A partir da Lei n° 10.303/2001 passaram a ser levadas à averbação
no Registro de Imóveis apenas as escrituras de emissão de debêntures
com garantias reais, observado o disposto na Lei de Registro Público,
ou se delas constarem cláusula de inalienabilidade ou de não oneracão
de bem imóvel1129. A própria Lei das S.A. determina que "a obrigação de
não alienar ou onerar bem imóvel ou outro bem sujeito a registro de proprie-
dade, assumida pela companhia na escritura de emissão, é oponível a, tercei-
ros, desde que averbada no competente registro" (artigo 58, § 5o).
A
garantia flutuante depende de inscrição na Junta Comercial,
tendo em vista que as debêntures de nova emissão são preferidas pe-
las de emissão ou emissões anteriores e a prioridade se estabelece pela
data da inscrição da escritura de emissão, ou similar, na Junta Comer-
cial (artigo 58, § 3 o ). Assim, quando as debêntures são emitidas no

1126 Sobre esse assunto, ver JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Das Debêntures..., p. 187.
1127 Dispõe o art. 1.492 do Código Civil: "As hipotecas serão registradas no cartório do lugar do
imóvel, ou no de cada um deles, se o título se referir a mais de um. Parágrafo único. Compete
aos interessados, exibindo o título, requerer o registro da hipoteca."
1128 Sobre esse assunto, ver os comentários a o art. 5 8 da Lei das S.A.
1129 D e acordo c o m o art. 167, inciso I, itens 2, 4 e 11, da Lei n° 6 . 0 1 5 / 1 9 7 3 - q u e dispõe sobre
o s registros públicos - , serão registrados no Registro de Imóveis: (i) a s hipotecas legais,
judiciais e convencionais; (ii) o penhor de máquinas e d e aparelhos utilizados na indústria
e em funcionamento, com os respectivos pertences ou sem e l e s ; , e (iii) a anticrese.
exterior, é necessário o registro na Junta Comercial do documento
equivalente à escritura de emissão, observado o disposto no § 3°.
De acordo com a regra do caput, além do registro das garantias, é
indispensável a prévia aprovação do Banco Central do Brasil para
que as companhias brasileiras possam emitir debêntures no exterior,
com garantia real ou flutuante de bens situados no País; o que não se
aplica quando as debêntures são emitidas no Brasil para colocação no
exterior, caso em que bastará o simples registro da emissão no Banco
Central do Brasil.
O registro da emissão de debêntures no Banco Central do Brasil
justifica-se, inclusive, em função da regra constante do § 2 o , pois é
condição para que seja possível o pagamento e remessa em moeda
estrangeira, por companhia brasileira ou estrangeira autorizada a fun-
cionar no País, do valor das debêntures emitidas no exterior, dos juros
e eventuais amortizações a elas correspondentes.
Este artigo visa também a proteger o credor da companhia es-
trangeira por obrigações contraídas no País1130, evitando que os bens
dessa companhia sirvam de garantia dos credores externos em prejuízo
dos credores nacionais, ressalvada a hipótese de os recursos captados
no exterior serem aplicados em suas atividades no Brasil. Assim, os
credores por obrigações contraídas no Brasil têm preferência sobre os
créditos de debêntures emitidas no exterior por companhia estran-
geira autorizada a funcionar no País; porém, nos termos do § I o , essa
regra não se aplica na hipótese de prévia autorização pelo Banco Cen-
tral do Brasil e de o produto da emissão ser aplicado em estabeleci-
mento situado em território nacional.
Estabelece o § 3° que a emissão de debêntures no exterior por
companhia brasileira deverá observar o requisito de arquivamento na
Junta Comercial dos seguintes documentos: (i) ata da assembleia ge-
ral ou do conselho de administração que deliberou sobre a emissão e
sua respectiva publicação (artigo 62, inciso I); (ii) escritura de emissão
ou documento equivalente lavrado no exterior, observadas as exigên-
cias da legislação local (artigo 62, inciso II); e (iii) todos os que forem
exigidos pelas leis do lugar da emissão1131. Esses documentos deverão
ser autenticados de acordo com as exigências do país de origem, lega-
lizados pelo consulado brasileiro no exterior e traduzidos por tradutor
público juramentado. Aplica-se também essa regra para a hipótese de
a emissão ser efetuada no exterior por companhia estrangeira autori-
zada a funcionar no País.
De acordo com o § 4 o , as debêntures emitidas no exterior, por
empresa brasileira ou estrangeira, dependem de prévia autorização da
Comissão de Valores Mobiliários para serem negociadas no País. Essa
Autarquia analisará a legalidade da emissão e as suas condições para
permitir o registro da distribuição. A emissão e colocação de debên-
tures no exterior não dependem de nenhuma manifestação da Co-
missão de Valores Mobiliários.

SEÇÃO X

EXTINÇÃO

"Art. 74. A companhia emissora fará, nos livros próprios, as ano-


tações referentes à extinção das debêntures, e manterá arquiva-
dos, pelo prazo de 5 (cinco) anos, juntamente com os documentos
relativos à extinção, os certificados cancelados ou os recibos dos
titulares das contas das debêntures escriturais.

Consta da redação d o § 3 o d o art. 73, por equívoco, a expressão "Registro de Imóveis". A


Lei n° 10.303/2001 alterou, no inciso II d o art. 62 da Lei das S.A., a competência para o
registro da emissão de debêntures, substituindo a d o Registro de Imóveis pela do Registro
Público d e Empresas Mercantis.
§ I o Se a emissão tiver agente fiduciário, caberá a este fiscalizar o
cancelamento dos certificados.

§ 2 o Os administradores da companhia responderão solidaria-


mente pelas perdas e danos decorrentes da infração do disposto
neste artigo."

A extinção das debêntures, em regra, decorre da liquidação, pela


companhia emissora, do débito debenturístico mediante o pagamen-
to do seu valor ao titular dos títulos. O pagamento pode ocorrer, de
acordo com o previsto na escritura de emissão: (i) na data de venci-
mento das debêntures; (ii) por amortizações programadas; ou (iii)
antecipadamente. O pagamento antecipado decorre do resgate ou do
inadimplemento da companhia emissora no cumprimento de suas
obrigações (artigo 55).
Não obstante, a extinção das debêntures também pode decorrer,
entre outras hipóteses, da sua aquisição pela companhia emissora (ar-
tigo 55, § 2 o ) e o conseqüente cancelamento dos títulos, de processo
de reestruturação societária, de novação, etc.
Ocorrendo a extinção das debêntures, a companhia emissora
deverá: (i) efetuar anotação no "Livro de Registro de Debêntures
Nominativas", no caso de serem registradas, ou solicitar os recibos
dos titulares das contas de depósito, tratando-se de debêntures
escriturais; e (ii) manter esses documentos arquivados, pelo prazo de
5 (cinco) anos, juntamente com todos os demais relativos à extinção,
tais como: os certificados cancelados, as correspondências enviadas à
instituição financeira depositária, ao agente fiduciário, à Comissão de
Valores Mobiliários, à Bolsa de Valores, etc.1132. Assim, a companhia

1132 D e a c o r d o c o m FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. I, Rio de


Janeiro: Forense, 1 9 7 7 , p. 4 5 8 , o prazo de 5 (cinco) anos para o arquivamento dos certifica-
dos cancelados tem por fim "dotar a companhia emissora dos documentos comprobatórios da
liquidação dos títulos, pelo período durante o qual podem ser movidas ações contra a socie-
dade a respeito das obrigações assumidas por esta através dos mesmos." O prazo de 5 (cinco)
emissora terá, durante o prazo em que podem ser contra ela movidas
ações decorrentes das obrigações por ela assumidas, os documentos
comprobatórios da liquidação das debêntures.
A companhia emissora deverá, ainda, (i) formalizar a extinção
das debêntures mediante reunião do conselho de administração ou
da diretoria, conforme o caso; (ii) arquivar a ata na Junta Comercial
(artigo 62, § 4 o ) e no Registro de Imóveis, se for o caso, para o cance-
lamento de eventual garantia hipotecária; e (iii) enviar a ata à Bolsa
de Valores e à Comissão de Valores Mobiliários. Cabe ao agente fi-
duciário, se houver, fiscalizar o cancelamento dos certificados, se emi-
tidos, respondendo pelos prejuízos que causar aos debenturistas por
culpa ou dolo no exercício de suas funções (artigo 68, § 4o)ii33_ii34_
Na hipótese de descumprimento das obrigações acima referidas,
os administradores da companhia emissora responderão solidariamen-
te pelas perdas e danos dele decorrentes, conforme determina o § 2 o .

a n o s é e x c e s s i v o , t e n d o e m vista q u e o C ó d i g o Civil reduziu o s p r a z o s prescricionais


referentes às matérias d e ordem societária para 1 (um) a n o e 3 (anos), conforme consta do
art. 206: "Art. 206. Prescreve: § 1o Em 1 (um) ano: (...) IV- a pretensão contra os peritos,
pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima,
contado da publicação da ata da assembleia que aprovar o laudo; V - a pretensão dos
credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da
publicação da ala de encerramento da liquidação da sociedade. (...) § 3°. Em 3 (três) anos:
(...) III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias,
pagáveis em períodos não maiores de 1 (um) ano, com capitalização ou sem ela; (...) VI - a
pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da
data em que foi deliberada a distribuição; VII - a pretensão contra as pessoas em seguida
indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo: a) para os fundadores, da
publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima; b) para os administradores, ou
fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação
tenha sido praticada, ou da reunião ou assembleia geral que dela deva tomar conhecimento;
c) para os liquidantes, da primeira assembleia semestral posterior à violação; (...)"•
Sobre a inutilidade dos certificados de debêntures, ver os comentários a o art. 64 da Lei das
S.A.
Sobre os deveres e atribuições d o agente fiduciário, ver o s comentários a o art. 68 da Lei
das S.A.
CAPÍTULO V I

BÔNUS DE SUBSCRIÇÃO

Características
"Art. 75. A companhia poderá emitir, dentro do limite de aumen-
to de capital autorizado no estatuto (artigo 168), títulos negociá-
veis denominados 'Bônus de Subscrição'.

Parágrafo único. Os bônus de subscrição conferirão aos seus titu-


lares, nas condições constantes do certificado, direito de subscre-
ver ações do capital social, que será exercido mediante apresentação
do título à companhia e pagamento do preço de emissão das ações."

Os bônus de subscrição são títulos negociáveis e autônomos de


emissão exclusiva das companhias de capital autorizado e que atribuem
a seus titulares o direito de, nas condições previstas no ato de sua criação,
subscrever ações da companhia, mediante o pagamento do respectivo
preço. Nos termos do artigo 168, as sociedades anônimas podem
utilizar-se do capital autorizado, hipótese em que o estatuto deverá conter
autorização para aumento do capital social independentemente de
reforma estatutária. A competência para deliberar o aumento e a emissão
de novas ações que, em regra, é da assembleia geral, pode, até o limite
do capital autorizado, ser atribuída ao conselho de administração da
companhia (artigo 168, § I o , alínea "b").
Os bônus de subscrição conferem a seus titulares o direito de subs-
crever ações da companhia emissora dentro de um certo prazo, por um
valor de emissão determinado ou determinável, nas condições previa-
mente estabelecidas na deliberação da assembleia geral ou do conselho
de administração que aprovou a sua criação (artigo 76)113S.

1135 M A U R O B R A N D Ã O LOPES. S.A.: Títulos e Contratos Novos. S ã o Paulo: Revista dos


Tribunais, 1 9 7 8 , p. 8 5 .
Para a emissão de bônus de subscrição, a companhia deve dispor
de autorização estatutária para a realização de aumento de capital,
independentemente de reforma do estatuto. Assim, quando o titular
do bônus exercer o seu direito de subscrever ações da companhia, não
haverá a necessidade de observar as formalidades legais de aumento
de capital em assembleia geral e de alteração do estatuto.
A Lei das S.A. estabelece, no artigo 166, 4 (quatro) modos de
aumento do capital social, sendo o aumento por conversão em ações
de debêntures ou partes beneficiárias, pelo exercício de direitos con-
feridos por bônus de subscrição, ou de opção de compra de ações (in-
ciso III), as únicas hipóteses em que não se exige nenhuma deliberação,
pois ela já terá sido tomada pela assembleia geral ou pelo conselho de
administração quando da decisão sobre a emissão de tais títulos1136-1137.
O grande atrativo desse título, do ponto de vista do investidor,
está no fato de ele conferir o direito de subscrever ações a um preço
previamente estabelecido. Assim, ao subscrever o bônus, o investidor
tem a expectativa de que, no momento do seu exercício, as ações de
emissão da companhia estarão sendo negociadas por valor superior
ao preço de exercício fixado no ato de emissão do bônus. Caso tal
expectativa não se confirme, o direito conferido pelo bônus não será
exercido, pois o investidor poderá adquirir, no mercado, ações de emis-
são da companhia a preços inferiores. É da própria natureza do título
que a subscrição de ações a que ele dá direito seja feita por preço
inferior ao valor de mercado da ação no momento do exercício.
Há uma distinção entre o preço de subscrição dos bônus e o das
ações. O primeiro é pago no momento da aquisição dos bônus e o
segundo no momento da subscrição das ações.

1136 No mesmo sentido, M A U R O BRANDÃO LOPES. S.A.: Títulos e Contratos Novos..., p. 85;
MARIA LÚCIA DE ARAÚJO CINTRA. A s p e c t o s l u r í d i c o s d o B ô n u s d e S u b s c r i ç ã o . S ã o
Paulo: Universidade d e São fculo, 1980, p. 102.
Assim se manifestou, também, a CVM no Parecer CVM/SJU n° 0 2 7 / 1 9 8 6 . Nesse parecer, a
CVM a o tratar d a s sobras d e b ô n u s de s u b s c r i ç ã o não adquiridos, concluiu q u e "extin-
guem-se automaticamente quando do efetivo aumento de capital a que se referirem."
O preço do bônus não foi regulado pela Lei das S.A., podendo,
portanto, ser fixado de acordo com projeções e estudos financeiros
elaborados pela companhia. A Lei das S.A. apenas determina que
será classificada como reserva de capital a conta que registrar o pro-
duto da alienação de bônus de subscrição (artigo 182, § I o ).
O preço pelo qual as ações poderão ser subscritas ou os critérios
para a sua determinação deverão ser fixados no momento em que a
assembleia geral, ou o conselho de administração, deliberar sobre a
emissão dos bônus, sem diluição injustificada da participação dos an-
tigos acionistas, observado o disposto no § I o do artigo 170: perspec-
tiva de rentabilidade da companhia; patrimônio líquido da ação; e/ou
cotação das ações em Bolsa de Valores ou mercado de balcão organi-
zado. Em geral, o preço é fixado em valor superior à cotação das ações
da companhia no mercado no momento da emissão dos bônus, tendo
em vista o seu prazo de vigência e as suas condições. É recomendável,
a fim de evitar divergências entre a companhia e os titulares dos bô-
nus, que o preço de emissão seja claramente fixado e não apenas os
critérios para a sua determinação quando da subscrição de ações.
Para a companhia emissora, os bônus de subscrição podem ser-
vir para a captação de recursos junto a terceiros ou para estimular a
colocação de outros valores mobiliários de sua emissão1138. São emiti-
dos para alienação onerosa ou para serem atribuídos como vantagem
adicional aos subscritores de ações ou debêntures da companhia (ar-
tigo 77, capui)\ quando negociados separadamente da emissão de ações
ou debêntures terão sempre caráter oneroso1139.
Ao direito subjetivo do proprietário do bônus de subscrever ações
de emissão da companhia corresponde o dever jurídico desta, por oca-

1133 D e a c o r d o c o m a E x p o s i ç ã o d e Motivos n° 1 9 6 , d e 2 4 . 0 6 . 1 9 7 6 , "o bônus de subscrição


emitido para alienação poderá ser útil à companhia na mobilização de recursos em certas
conjunturas do mercado; e atribuído como vantagem na subscrição de outros valores
mobiliários, poderá ajudar na sua. colocação."
sião do exercício do direito, de proceder ao aumento de capital para emi-
tir as ações correspondentes e entregá-las ao detentor do título. O bônus
de subscrição representa, assim, um direito de crédito de seu titular, con-
sistente na faculdade de exigir a prestação do devedor, nele especificada.
Embora seja caracterizado como título de legitimação, na medida
em que legitima o seu proprietário a tomar-se acionista da companhia, o
bônus de subscrição possui natureza jurídica de título de crédito1140. O
fato de o bônus de subscrição não ser representado por um certificado,
tendo em vista revestir-se necessariamente da forma nominativa, regis-
trada ou escriturai (artigo 78), não lhe retira a natureza de título de crédito.
O objetivo essencial dos títulos de crédito é conferir segurança e certeza à
circulação dos direitos por eles representados1141. A incorporação em um
certificado constitui apenas o expediente, consagrado pelo ordenamento
jurídico, para preservar tal segurança e certeza na circulação do direito,
evitando que mais de uma pessoa possa se declarar seu titular. Tratando-
-se de títulos nominativos, registrados ou escriturais, a mesma segurança
é garantida pela inscrição do nome do efetivo proprietário nos livros da
companhia emissora ou da instituição depositária. Com efeito, o fato de a
transferência do direito depender de ato de competência de pessoa distin-
ta do titular evita que este possa transferi-lo a 2 (duas) pessoas diferentes,
ficando o adquirente protegido por um regime de circulação tão seguro
quanto se o título estivesse representado por um certificado1142.

1140 Nesse sentido, M O D E S T O CARVALHOSA. C o m e n t á r i o s à Lei de Sociedades Anônimas, v.


2, 4 a edição, São Raulo: Saraiva, 2 0 0 8 , p. 17-18; WALDIRIO BULGARELLI. Questões de
D i r e i t o S o c i e t á r i o . S ã o Paulo: Revista d o s Tribunais, 1 9 8 3 , p. 6 0 ; MARIA LÚCIA DE
ARAÚJO CINTRA. Aspectos Jurídicos do Bônus de Subscrição..., p. 57; M A U R O BRANDÃO
LOPES. S.A.: Títulos e Contratos Novos..., p. 78; JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO.
Regime Jurídico do Capital Autorizado. S ã o Paulo: Saraiva, 1 9 8 4 , p. 119-124; CLÁUDIO
KOHLER, " B ô n u s d e Subscrição", Revista dos Tribunais. S ã o Fíaulo: Ed. Revista dos Tribu-
nais, v. 641, março, 1989, p. 1 0 1 - 1 0 2 ; JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA e ALFREDO LAMY
FILHO, "Bônus d e Subscrição". In: Alfredo Lamy Filho e J o s é Luiz Bulhões Pedreira (Coord.).
Direito das Companhias, v. I, Rio de Janeiro: Forense, 2 0 0 9 , p. 647.
1141 WALDIRIO BULGARELLI. Q u e s t õ e s de D i r e i t o Societário. S ã o Paulo: Revista dos Tribu-
nais , 1 9 8 3 , p. 4 5 .
1142 JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, "Natureza de Título d e Crédito da A ç ã o Escriturai". In:
Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos,
elaboração, aplicação), v. 2, 2 a edição, Rio d e Janeiro: Renovar, 1996, p. 59-60.
Em função de sua natureza jurídica de título de crédito e, conse-
quentemente, da necessidade de se conferir certeza e segurança à sua
circulação, não se aplicam, aos bônus de subscrição, princípios inter-
pretativos propnos de negócios jurídicos bilaterais, que se caracteri-
zam pela existência de uma relação direta entre as partes. A fim de
assegurar a necessária segurança à circulação do título, as condições
previstas na deliberação que aprova a emissão dos bônus de subscri-
ção devem ser interpretadas literalmente, sem se restringir ou esten-
der o significado das disposições que regulam o exercício do direito1143.
Os bônus de subscrição, tendo em vista a sua natureza de títu-
lo de crédito, outorgam a seus titulares direito autônomo quanto ao
crédito neles declarados. Isso significa que o direito contido no tí-
tulo apresenta autonomia em relação ao negócio que lhe deu cau-
sa, ou seja, cada aquisição do bônus é uma aquisição a título
originário, independente das relações entre a companhia emissora
e os anteriores detentores do título1144. A autonomia constitui ca-
racterística essencial para garantir a certeza e segurança jurídica na
circulação do direito incorporado ao título, visto que coloca o ad-
quirente de boa-fé a salvo das exceções eventualmente oponíveis
por possuidores anteriores.
Outra característica essencial do bônus de subscrição é a
negociabilidade, conforme expressamente previsto no caput deste
artigo, constituindo, assim, título cuja finalidade é corporificar um
direito de crédito, assegurando que tal direito possa ser livremente
negociado, em condições de certeza e segurança jurídica. Nos termos
do artigo 2 o , inciso I, da Lei n° 6.385/1976, os bônus de subscrição
constituem valores m obiliários, ou seja, títulos que podem ser emitidos
em série e passíveis de negociação no mercado de capitais, estando,

1143 N e s s e sentido, C L Á U D I O KOHLER, " B ô n u s d e S u b s c r i ç ã o " , Revista dos Tribunais..., v.


6 4 1 , p. 102, ressalta q u e o s direitos conferidos pelos bônus d e subscrição somente podem
ser exercidos nas c o n d i ç õ e s que neles constarem, não havendo " o que interpretar ou o que
aclarai", pois as "condições devem estar claramente fixadas para um entendimento literal."
1144 M O D E S T O CARVALHOSA. C o m e n t á r i o s à Lei de Sociedades Anônimas..., v. 2, p. 18.
quando distribuídos publicamente, sujeitos ao prévio registro na
Comissão de Valores Mobiliários.
O bônus de subscrição também apresenta a característica da litera-
lidade, ou seja, o conteúdo, a extensão e as condições de exercício do
direito devem estar expressamente fixados no título ou na deliberação do
órgão competente (assembleia geral ou conselho de administração) que
aprovou a sua emissão (artigo 79). Em decorrência do princípio dalitera-
lidade, o detentor do bônus tem o direito de exigir da companhia exata-
mente o que está mencionado na deliberação que aprovou a sua emissão,
não podendo esta restringir as condições que lá estão expressas.
A fim de proteger os interesses dos acionistas da companhia emis-
sora, a Lei das S.A. expressamente assegura o direito de preferência
para a subscrição dos bônus emitidos (artigo 77, parágrafo único, c/c
artigos 109, inciso IV, e 171, § 3 o ). É um direito essencial do acionista,
do qual nem o estatuto nem a assembleia geral podem privá-lo. A com-
panhia, ao colocar os bônus no mercado - seja a título oneroso, seja
atribuindo-os gratuitamente a subscritores de ações ou debêntures como
vantagem adicional - já deve ter atendido a todas as formalidades para
a emissão das ações, inclusive o direito de preferência dos acionistas.
O bônus confere ao seu titular o direito de conversão em ações
mediante o pagamento do seu preço de emissão. Por essa razão, o
direito de preferência dos antigos acionistas deve ser exercido no
momento da emissão do bônus, não podendo eles exigir que lhes
seja outorgada nova oportunidade de subscrição preferencial na épo-
ca do exercício dos direitos conferidos (artigo 171, § 3 o , parte final).
Não há direito de preferência na conversão dos bônus em ações
(artigo 171, § 3 o , parte final). Esse direito poderá, ainda, ser excluído
(i) por disposição estatutária, no caso de companhia aberta que con-
tiver autorização para o aumento do capital e cuja colocação dos
bônus seja feita por meio de venda em Bolsa de Valores ou subscri-
ção pública, ou, ainda, permuta por ações em oferta pública de aqui-
sição de controle (artigos 257 a 263); e (ii) por disposição estatutária,
ainda que companhia fechada, nos termos de lei especial sobre in-
centivos fiscais (artigo, 172, parágrafo único)1145.
O órgão competente (assembleia geral ou conselho de adminis-
tração) para deliberar sobre o bônus de subscrição (artigo 76) deve, ao
aprovar a emissão, estabelecer todas as condições que disciplinarão o
exercício dos direitos por ele assegurados, dentre as quais: (i) o núme-
ro, a espécie e classe de ações em que eles poderão ser convertidos; (ii)
o prazo para o exercício do direito; (iii) o preço de emissão das ações;
e (iv) a época em que o direito de subscrição pode ser exercido e a data
do término do prazo para esse exercício (artigo 79, incisos IV e V),
não admitindo-se, portanto, bônus perpétuos.
Além dessas condições básicas, é usual que a assembleia geral ou
o conselho de administração estabeleçam "cláusulas de ajustamen-
to", isto é, disposições que visam a proteger os interesses dos titulares
dos bônus contra eventos posteriores que possam afetar os direitos
assegurados por tais títulos. Assim, por exemplo, podem ser estabele-
cidas regras (i) para aumentar o número de ações a cuja subscrição os
bônus dão direito em caso de aumento de capital da companhia; (ii)
que subordinam a realização de determinadas operações societárias,
como incorporação, fusão e cisão, à aprovação dos titulares de bônus
de subscrição, à semelhança do direito que a Lei das S.A. confere aos
debenturistas (artigo 231); e (iii) que regulem a redução do preço de
exercício do bônus na hipótese de emissão de ações a valor inferior ao
preço de exercício originalmente estabelecido1146. Pode ser assegura-
do aos titulares dos bônus de subscrição o direito ao "ajustamento' 'do
preço de exercício na hipótese de aumento de capital, mediante emis-
são pública ou privada de novas ações, em que o preço de emissão seja
inferior ao valor convencionado para o exercício dos direitos conferi-

1145 Sobre e s s e assunto, ver o Parecer CVM/SJU n° 0 3 8 / 1 9 8 9 .


1146 Sobre e s s e assunto, ver MARIA LÚCIA DE ARAÚJO CINTRA. Aspectos Jurídicos do Bônus
de S u b s c r i ç ã o . . . , p. 1 5 0 .
dos pelo bônus. Assim, havendo aumento de capital, nessas condi-
ções, os detentores de bônus passam a ter o direito adquirido a subs-
crever ações pelo valor ajustado. O direito ao ajuste do preço de
exercício passa a integrar o patrimônio dos proprietários do bônus,
não podendo ser negado pela companhia emissora1147.
É facultado à companhia adquirir, no mercado secundário, bônus
de subscrição de sua própria emissão para permanência em tesouraria
ou cancelamento, observadas as regras constantes do artigo 30 e as
estabelecidas pela Comissão de Valores Mobiliários1148. Essa Autar-
quia veda às companhias negociar com direitos de subscrição relativos
a ações de sua própria emissão1149. Essa vedação compreende somente
o direito de preferência à subscrição de que trata o artigo 171, pois não
faz sentido admitir que a companhia adquirira direito de preferência
para subscrição de aumento de capital, uma vez que não pode subscre-
ver ações de sua própria emissão1150. Ademais, consta do parágrafo úni-
co do artigo 78 que "aplica-se ao bônus de subscrição, no que couber, o
disposto nas Seções Va VII do Capítulo III\ na qual se inclui a Seção VI,
que trata da negociação com as próprias ações (artigo 30). Esse dispo-
sitivo aplica-se, portanto, por analogia, aos bônus de subscrição.
O parágrafo único estabelece que o bônus de subscrição confere
ao seu titular o direito de subscrever ações do capital social, que será

1147 NELSON EIZIRIK. Temas de D i r e i t o Societário. Rio d e Janeiro: Renovar, 2 0 0 5 , p. 449-463.


1148 Ver o s c o m e n t á r i o s a o art. 3 0 da Lei d a s S.A. e a Instrução C V M n° 1 0 / 1 9 8 0 , c o m as
alterações introduzidas p e l a s Instruções C V M n° ! 1 0 0 / 1 9 8 9 , 2 6 8 / 1 9 9 7 e 3 9 0 / 2 0 0 3 .
1149 Art. 6 o da Instrução CVM n c 1 0 / 1 9 8 0 , c o m a s alterações introduzidas pelas Instruções CVM
n 05 2 6 8 / 1 9 9 7 e 3 9 0 / 2 0 0 3 .
1150 Nesse sentido foi a decisão d o Colegiado da CVM proferida nos autos do Processo Adminis-
trativo CVM n° RJ 2 0 0 3 / 1 1 1 7 7 , Rei. Dir. Luiz Antonio d e Sampaio Campos, j. em 04.11.2003:
"(...) os recursos da companhia não devem ser usados para subscrever valores mobiliários de
sua própria emissão (mercado primário) ou direitas de subscrição a estes valores mobiliários,
pois que a emissão de valores mobiliários pressupõe a atração de novos recursos, ainda que
pela conversão de créditos. E nessa hipótese que entendo se aplicar a vedação do art. 6° da
Instrução CVM n° 10/80 (...) E a aquisição de bônus de subscrição no mercado secundário
pode fazer, do ponto de vista da companhia, segundo as circunstâncias, tanto ou mais
sentido do que a aquisição de ações, conforme o preço de exercício e eventuais restrições à
companhia que eles possam trazer e não vejo qualquer razão para não ser permitido, desde
que obedecidas as condições gerais previstas na Instrução CVM n" 10/80."
exercido mediante a apresentação do título à companhia e o paga-
mento do preço de emissão das ações. No entanto, com a extinção,
pela Lei n° 8.021/1990, dos títulos ao portador e endossável, não há
que se falar em "apresentação do título à companhia"; os bônus de
subscrição terão, obrigatoriamente, a forma nominativa (artigo 78) e
o nome do seu titular será inscrito no "Livro de Registro de Bônus de
Subscrição Nominativos" ou na conta da instituição depositária, con-
forme seja registrado ou escriturai. O seu titular exercerá o direito de
subscrever ações mediante prova de sua identidade.
O bônus de subscrição pode ser comparado com a opção de com-
pra de ações (artigo 168, § 3 o ), uma vez que ambos são exclusivos do
regime do capital autorizado e asseguram ao seu titular o direito de
subscrever futuramente ações da companhia por um preço previa-
mente estabelecido. Entretanto, eles não se confundem, especial-
mente porque a opção de compra de ações não apresenta a natureza
de valor mobiliário.
A Lei das S.A. conferiu um tratamento diferenciado e específico
às opções, as quais não se destinam, como os valores mobiliários elen-
cados no artigo 2 o da Lei n° 6.385/1976, à livre circulação nem se
colocam no âmbito das relações externas da companhia. A opção de
compra de ações não constitui, portanto, um título autônomo e desti-
nado à circulação no mercado1131. Distingue-se, também, dos bônus
porque na outorga e no exercício de opção de compra de ações não há
direito de preferência (artigo 171, § 3 o ). Já os bônus de subscrição
constituem valores mobiliários e, na sua emissão, a Lei das S.A. asse-
gura o direito de preferência para os antigos acionistas. A sua utiliza-
ção visa a captar recursos junto a terceiros ou a estimular a colocação
de outros valores mobiliários de emissão da companhia. Já a outorga
de opção de compra de ações tem por fim possibilitar que os adminis-
tradores, empregados ou prestadores de serviços possam participar
dos lucros da companhia e da valorização das ações de sua emissão
no mercado; é uma vantagem atribuída aos administradores e empre-
gados, objetivando incentivar sua permanência na companhia-ou pre-
miar os seus esforços. Daí decorre que a opção de compra é concedida
intuitu personae, enquanto o bônus constitui um título livremente
negociável. Ademais, o bônus de subscrição, quando negociado sepa-
radamente da emissão de ações ou debêntures, tem caráter oneroso e
a opção de compra de ações tem caráter gratuito, nada sendo cobra-
do, na sua outorga, aos administradores ou empregados1152.

Competência
"Art. 76. A deliberação sobre emissão de bônus de subscrição
compete à assembleia-geral, se o estatuto não a atribuir ao conse-
lho de administração."

Os bônus de subscrição são emitidos por deliberação da assem-


bleia geral. No entanto, o estatuto pode atribuir essa competência ao
conselho de administração. Assim, na omissão do estatuto, a compe-
tência é da assembleia geral.
E obrigatória a existência de capital autorizado para que uma
sociedade, aberta ou fechada, possa emitir bônus de subscrição.
Sociedade de capital autorizado é aquela que contém, em seu estatuto,
autorização para aumento do capital independentemente de reforma
estatutária (artigo 168, caput). Estabelecendo o estatuto autorização
para aumento do capital a companhia pode, por deliberação do
conselho de administração, efetivar o aumento dentro do limite nele
previsto. A autorização deve especificar, também, o limite do aumento,

11 5 2 Sobre esse assunto, ver PAULO CÉSAR ARAGÃO, " O p ç õ e s de Compra de Ações e Bônus de
Subscrição", Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 631, maio, 1988,
p. 63-70; C L Á U D I O KOHLER, " B ô n u s d e S u b s c r i ç ã o " , Revista dos Tribunais..., v. 6 4 1 ,
p. 104-105; MARIA LÚCIA DE ARAÚJO CINTRA. Aspectos Jurídicos do Bônus de Subscri-
ção..., p. 54-81; MAURO BRANDÃO LOPES. S.A.: Títulos e Contratos Novos..., p. 77-92.
em valor do capital ou em número de ações e as espécies e classes de
ações que poderão ser emitidas (artigo 168, § I o , alínea "a"). Daí decorre
que a quantidade de bônus de subscrição a ser emitida pela companhia
dependerá do número e valor das ações correspondentes ao limite do
capital autorizado previsto no estatuto.
A assembleia competente para aprovar a emissão de bônus é a
extraordinária (artigo 131), cuja instalação não depende de quorum
especial, pois não tem por objeto a reforma do estatuto (artigo 135),
deliberando por maioria absoluta de votos (artigo 129), salvo se maior
quorum for previsto no estatuto da companhia fechada (artigo 129, §
I o ). A matéria deverá constar expressamente do edital de convocação
e os acionistas dissidentes não têm direito de recesso1153.
Se a competência para deliberar sobre a emissão dos bônus de
subscrição for do conselho de administração, a decisão será tomada
por maioria de votos, podendo o estatuto estabelecer quorum qualifi-
cado (artigo 140, inciso IV). A ata da reunião do conselho de admi-
nistração que deliberar sobre a emissão de bônus deverá ser arquivada
na Junta Comercial e publicada (artigo 142, § I o ).
O conselho fiscal, se em funcionamento, deverá opinar sobre a
proposta de emissão de bônus de subscrição e um de seus membros
deverá comparecer à assembleia geral ou à reunião do conselho de

1153 De acordo com o art. 15 da Instrução CVM n° 481/2009, "sempre que a assembleia geral for
convocada para deliberar sobre a emissão de debêntures ou bônus de subscrição, a compa-
nhia deve fornecer, no mínimo, as informações indicadas no Anexo 15 ã presente Instrução".
Segundo o Anexo 15, em c a s o de emissão de bônus de subscrição a companhia deverá: "a.
Informar o número de bônus a serem emitidos; b. Explicar, pormenorizadamente, as razões da
emissão e suas conseqüências; c. Informar o preço de emissão e o preço de exercício dos
bônus; d. Informar o critério utilizado para a determinação do preço de emissão e do preço de
exercício, justificando, pormenorizadamente, os aspectos econômicos que determinaram a sua
escolha; e. Fornecer opinião dos administradores sobre os efeitos do aumento de capital,
sobretudo no que se refere à diluição provocada pelo aumento; f. Fornecer cópia de todos os
laudos e estudos que subsidiaram a fixação do preço de emissão e preço de exercício; g.
informar os termos e condições a que está sujeito o exercício do bônus; h. Informar se os
acionistas terão direito de preferência para subscrever os bônus, detalhando os termos e
condições a que esse direito está sujeito; /'. Informar se a subscrição será pública ou particular;
j. Informar as matérias cuja definição poderá ser delegada ao conselho de administração; k.
Informar o mercado secundário em que os bônus serão negociados, se for o caso; I. Descrever
os direitos, vantagens e restrições das ações resultantes do exercício do bônus de subscrição;
m. Apresentar percentual de diluição potencial resultante da emissão."
administração para responder aos eventuais pedidos de informação
(artigo 164, capuí).
O titular dos bônus tem o direito de conversão do título em
ações mediante o pagamento do seu preço de emissão. Assim, quan-
do do exercício do direito de subscrever as ações, não será neces-
sário observar as formalidades legais de aumento de capital em
assembleia geral e de alteração do estatuto, pois essa deliberação
foi tomada quando da decisão sobre a emissão dos bônus1154.
Emissão
"Art. 77. Os bônus de subscrição serão alienados pela companhia
ou por ela atribuídos, como vantagem adicional, aos subscritores
de emissões de suas ações ou debêntures.

Parágrafo único. Os acionistas da companhia gozarão, nos ter-


mos dos artigos 171 e 172, de preferência para subscrever a emis-
são de bônus."

A sociedade de capital autorizado, aberta ou fechada, pode


emitir bônus de subscrição para (i) alienação onerosa; ou (ii) se-
rem atribuídos como vantagem adicional aos subscritores de ações
ou debêntures da companhia. O titular dos bônus poderá exercer
os direitos por eles conferidos, subscrevendo ações da companhia
por um preço previamente fixado. O debenturista, por sua vez,
possuirá 2 (dois) direitos independentes e autônomos: o direito
de crédito contra a companhia, decorrente da debênture; e o de
subscrever ações de seu capital mediante o exercício dos direitos
conferidos pelos bônus.
Os bônus de subscrição, quando negociados separadamente da
emissão de ações ou debêntures, terão sempre caráter oneroso. Ou
seja, somente poderão ser conferidos gratuitamente quando forem
atribuídos como uma vantagem adicional à subscrição de ações ou
debêntures, representando um incentivo ã aquisição desses valores
mobiliários. A atribuição gratuita de bônus de subscrição deve sem-
pre, no entanto, representar uma vantagem para a companhia: a cap-
tação de recursos mediante a emissão de ações ou debêntures. Quando
a companhia aliena bônus de subscrição, ela o faz com a certeza de
que esses títulos representam um atrativo para os investidores, que
terão a expectativa de subscrever ações da companhia por valor infe-
rior ao de mercado em função de uma eventual valorização.
O parágrafo único dispõe que os acionistas da companhia têm
preferência na subscrição de bônus, nos termos dos artigos 171 e 172.
A Lei das S.A., no § 3 o do artigo 171, determina que "os acionistas
terão preferência para subscrição das emissões de debêntures conversíveis
em ações, bônus de subscrição e partes beneficiárias conversíveis em ações
emitidas para alienação onerosa; mas na conversão desses títulos em ações,
ou na outorga e no exercício de opção de compra de ações não haverá direi-
to de preferência
A preferência para subscrição de bônus é um direito essencial do
acionista (artigo 109, inciso IV) que não pode ser suprimido nem
pela assembleia geral nem pelo estatuto social (artigo 109, caput). Esse
direito de preferência compreende tanto os bônus para alienação
onerosa como os bônus atribuídos gratuitamente como vantagem
adicional aos subscritores de emissões de suas ações ou debêntures. A
referência à expressão "emitidas para alienação onerosa", constante
da primeira parte do § 3 o do artigo 171, aplica-se somente às partes
beneficiárias conversíveis em ações, pois, caso abrangesse os bônus, a
regra contida naquele artigo seria inócua1155.

11 5 5 Sobre esse assunto, ver os comentários a o art. 171 da Lei das S.A. Ver, também, MAURO
B R A N D Ã O LOPES. S.A.: T í t u l o s e C o n t r a t o s Novos. S ã o Paulo: Revista dos Tribunais,
1 9 7 8 , p. 8 2 - 8 4 .
Tendo em vista o disposto no § 3 o do artigo 171 e o fato de que
os bônus conferem ao seu titular o direito de conversão em ações
mediante o pagamento do seu preço de emissão, o direito de prefe-
rência dos antigos acionistas deve ser exercido no momento da emis-
são do título; não podem eles exigir que lhes seja outorgada nova
oportunidade de subscrição preferencial na época do exercício dos
direitos conferidos pelos bônus. Assim, de acordo com o § 4 o do arti-
go 171, o órgão competente (assembleia geral ou conselho de admi-
nistração) que aprovar a emissão dos bônus deverá fixar prazo, não
inferior a 30 (trinta) dias, para o exercício do direito de preferência,
observado o disposto no artigo 172.
O artigo 172, por sua vez, trata da exclusão do direito de prefe-
rência que, no caso dos bônus de subscrição, somente ocorrerá nas
seguintes hipóteses: (i) por disposição estatutária, na companhia aberta
que contiver autorização para o aumento do capital e cuja colocação
dos bônus seja feita por meio de venda em Bolsa de Valores ou subs-
crição pública, ou, ainda, permuta por ações em oferta pública de aqui-
sição de controle (artigo 172 c/c artigos 257 a 263); e (ii) por disposição
estatutária, ainda que companhia fechada, nos termos de lei especial
sobre incentivos fiscais (artigo 172, parágrafo único). Na conversão
de bônus de subscrição em ações não há direito de preferência (artigo
171, § 3 o , parte final).

Forma, propriedade e circulação


"Art. 78. Os bônus de subscrição terão a forma nominativa. (Re-
dação dada pela Lei n° 9.457/1997)

Parágrafo Único. Aplica-se aos bônus de subscrição, no que cou-


ber, o disposto nas Seções V a VII do Capítulo III."

A Lei das S.A. previa, originalmente, que os bônus de subscrição


poderiam adotar a forma endossável ou ao portador. Com a extinção,
pela Lei n° 8.021/1990, dessas formas, a Lei n° 9.457/1997 alterou a
redação do artigo, de sorte que os bônus de subscrição terão a forma
nominativa, registrada ou escriturai.
De acordo com o parágrafo único, aplicam-se aos bônus, no que
couber, o disposto na Lei das S.A. sobre certificados (artigos 23 a 27),
propriedade e circulação de ações (artigos 28 a 38) e constituição de
direitos reais e outros ônus (artigos 39 e 40).
A propriedade dos bônus de subscrição não decorre da emissão
dos certificados e de sua posse, mas da inscrição do nome do titular
no "Livro de Registro de Bônus de Subscrição Nominativos", ou no
extrato emitido pela instituição depositária. Tendo em vista o modo
como se prova a propriedade dos bônus de subscrição e opera-se a sua
transferência, não é necessária a emissão de certificado, o qual é inútil
ao titular para o exercício dos seus' direitos1156. Não obstante os "Li-
vros de Registro e Transferência de Bônus de Subscrição Nominati-
vos" não estarem expressamente previstos na Lei das S.A., devem ser
criados, por analogia, de acordo com as regras dos livros utilizados
para as ações nominativas (artigo 100, incisos I e II), uma vez que aos
bônus de subscrição nominativos aplica-se, no que couber, o disposto
nas seções V a VII do Capítulo III1157.
Os bônus de subscrição podem ser objeto de penhor ou caução,
usufruto, fideicomisso, alienação fiduciária em garantia, cláusula de
inalienabilidade e incomunicabilidade, bem como de qualquer outro
ônus ou encargo, observadas as disposições constantes dos artigos 39
e 40. Assim, o gravame deverá ser averbado no "Livro de Registro de
Bônus de Subscrição Nominativos" ou nos livros da instituição depo-
sitária, que o anotará no extrato da conta de depósito, conforme se-
jam os bônus registrados ou escriturais.

1156 Ver os comentários aos arts. 23 e 31 da Lei das S.A.


1157 Ver os comentários a o s arts. 23, 31, 3 4 , 35, 3 9 e 4 0 da Lei das S.A.
Certificados
"Art. 7 9 . 0 certificado de bônus de subscrição conterá as seguin-
tes declarações:

I - as previstas nos números I a IV do artigo 24;

II — a denominação 'Bônus de Subscrição';

III - o número de ordem;

I V - o número, a espécie e a classe das ações que poderão ser subs-


critas, o preço de emissão ou os critérios para sua determinação;

V— a época em que o direito de subscrição poderá ser exercido e a


data do término do prazo para esse exercício;

VI - o nome do titular; (Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

VII - a data da emissão do certificado e as assinaturas de dois


diretores." (Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

Com a extinção dos títulos ao portador e endossáveis pela Lei n°


8.021/1990, a única forma de bônus de subscrição admitida pela Lei
das S.A. é a nominativa (artigo 78). Assim, os certificados perderam a
sua principal função, que era a de instrumento que materializava as
obrigações dos bônus.
A propriedade do bônus de subscrição presume-se pela inscrição
do nome do seu titular no "Livro de Registro de Bônus de Subscrição
Nominativos", ou no extrato emitido pela instituição depositária11-"18.
A transferência do bônus de subscrição nominativo registrado opera-
-se por termo lavrado no "Livro de Transferência de Bônus de Subs-
crição Nominativos", datado e assinado pelo cedente e pelo cessioná-
rio, ou seus legítimos representantes (artigo 31, § I o ). A transferência
do bônus nominativo escriturai opera-se por lançamento efetuado
pela instituição depositária em seus livros, a débito da conta do alie-
nante e a crédito da conta do adquirente, à vista de ordem escrita do
alienante, ou de autorização ou ordem judicial, em documento hábil
que ficará em poder da instituição (artigo 35, § l 0 ) 1159 .
Tendo em vista o modo como se prova a propriedade do bônus de
subscrição nominativo registrado e realiza-se a sua transferência, não é
necessária a emissão de certificado, o qual é irrelevante ao titular para o
exercício dos seus direitos1160-1161. O bônus de subscrição escriturai, face
à sua própria natureza, não comporta a emissão de certificados1162.
Assim, após a extinção dos títulos ao portador e endossáveis, o
artigo 79 foi derrogado pelo desuso, pois os certificados passaram a
ser inúteis. De qualquer forma, uma vez emitidos para os bônus de
subscrição registrados, deverão ser observados os requisitos constan-
tes deste artigo.

1159 Ver os comentários a o art. 78 da Lei das S.A.


1160 Ver os comentários aos arts. 20, 31 e 3 5 , § I o , da Lei das S.A.
1161 Sobre a inutilidade dos certificados de ação, ver os comentários aos arts. 11 e 34 da Lei das S.A.
1162 Ver os comentários ao art 3 4 da Lei das S.A.
CAPÍTULO V I I

CONSTITUIÇÃO DA COMPANHIA

SEÇÃO I

R E Q U I S I T O S PRELIMINARES

"Art. 80. A constituição da companhia depende do cumprimento


dos seguintes requisitos preliminares:

I - subscrição, pelo menos por 2 (duas) pessoas, de todas as ações


em que se divide o capital social fixado no estatuto;

II - realização, como entrada, de 10% (dez por cento), no míni-


mo, do preço de emissão das ações subscritas em dinheiro;

III - depósito, no Banco do Brasil S/A, ou em outro estabeleci-


mento bancário autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários,
da parte do capital realizado em dinheiro.

Parágrafo único. O disposto no número II não se aplica às com-


panhias para as quais a lei exige realização inicial de parte maior
do capital social."

Para a constituição da companhia, as partes manifestam sua


vontade nesse sentido, aprovando o estatuto e obrigando-se a
contribuir com dinheiro ou bens para a formação do capital social.
Deverão ser observadas, na sua constituição, as regras da validade
dos negócios jurídicos: (i) agente capaz; (ii) objeto lícito; e (iii)
forma prescrita em lei1163.

1163 O Código Civil, no art. 166, determina que: "É nulo o negócio jurídico quando: I -
celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o
Ainda que o regime jurídico das sociedades anônimas no Brasil
oscile entre o contratualismo e o institucionalismo, prevalece entre nós
a orientação do primeiro: a sociedade é definida como um contrato,
mediante o qual as partes obrigam-se a combinar seus esforços e recur-
sos para lograr um fim comum"64-1165. Consta do artigo 83 que "opro-
jeto de estatuto deverá satisfazer todos os requisitos exigidos para os contratos
das sociedades mercantis em geral e aos peculiares às companhias, e conterá
as normas pelas quais se regerá a companhia". O contrato de companhia é
(i) nominado, pois as regras que o disciplinam são previstas em lei; (ii)
associativo, pois as partes contratantes podem ser substituídas median-
te transferência de suas ações; (iii) de formação sucessiva, pois, uma vez
celebrado, pode ser modificado por deliberação da maioria dos contra-
tantes; e (iv) solene, tendo em vista prescrever a lei forma especial e os
requisitos específicos para a sua constituição.
A companhia pode ser constituída por subscrição pública (arti-
gos 82 a 87) ou por subscrição particular (artigo 88). Na constituição
da companhia, alguns procedimentos iniciais devem ser observados,
na seguinte ordem: (i) elaboração, pelos fundadores, do projeto do
estatuto social (artigo 83) e da lista ou boletim de subscrição (artigos
85 e 88, § I o ) ou da escritura pública. Se a companhia for constituída
por subscrição pública, será necessário o prévio registro da emissão na
Comissão de Valores Mobiliários e a subscrição só poderá ser efetua-
da com a intermediação de instituição financeira (artigo 82, caput)-,
(ii) assinatura desses 2 (dois) documentos - projeto do estatuto social
e lista ou boletim de subscrição - pelos subscritores das ações; (üi)

seu objeto; III -o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV-não revestir
a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para
a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar
nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção."
11 6 4 Sobre esse assunto e a plurilateralidade desse contrato, ver TULLIO ASCARELU. Problemas
das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. São Raulo: Bookseller, 2001, p. 372-452.
11 6 5 Rara um b o m resumo d o confronto entre institucionalismo e contratualismo, ver CALIXTO
S A L O M Ã O FILHO. O N o v o D i r e i t o Societário. 3 " e d i ç ã o , S ã o Paulo: Malheiros, 2 0 0 6 ,
p. 2 5 - 4 9 .
pagamento da entrada; (iv) depósito bancário da parte do capital rea-
lizado em dinheiro; (v) realização da assembleia geral de constituição
ou assinatura da escritura pública aprovando o projeto de estatuto
social, declarando constituída a companhia e nomeando os primeiros
administradores; (vi) arquivamento dos atos constitutivos no Regis-
tro Público de Empresas Mercantis - que é exercido no âmbito esta-
dual pelas Juntas Comerciais1166-, mediante o qual a sociedade adquire
personalidade jurídica. Se a companhia for constituída por escritura
pública, bastará o arquivamento da sua certidão (artigo 96); e (vii) os
administradores eleitos deverão providenciar, nos 30 (trinta) dias sub-
sequentes ao arquivamento, a publicação dos atos constitutivos, bem
como da certidão emitida pela Junta Comercial, no órgão oficial do
local da sede da companhia (artigo 98).
Um exemplar da publicação também deverá ser arquivado na
Junta Comercial e a certidão dos atos constitutivos, passada por esse
órgão, será o documento hábil para a transferência, no Registro Pú-
blico competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído
para a formação do capital social (artigo 98, §§ I o e 2o)1167.
A companhia pode ter mais de um fundador, podendo exercer
essa função tanto a pessoa física como a jurídica, bem como
empreendedores, atuando profissionalmente e sendo, portanto,
remunerados pelos serviços que prestarem nessa qualidade. A Lei das
S.A. estabelece que, na constituição por subscrição pública, o prospecto
deverá mencionar as vantagens particulares a que terão direito os

1166 Determina a Lei n° 8 . 9 3 4 / 1 9 9 4 , q u e disciplina o Registro Público d e Empresas Mercantis


e Atividades Afins, no art. 3 o que: "Os serviços do Registro Público de Empresas Mercantis
e Atividades Afins serão exercidos, em todo o território nacional, de maneira uniforme,
harmônica e interdependente, pelo Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis
(Sinrem), composto pelos seguintes órgãos: I - o Departamento Nacional de Registro do
Comércio, órgão central Sinrem, com funções supervisora, orientadora, coordenadora e
normativa, no plano técnico; e supletiva, no plano administrativo; II - as Juntas Comerciais,
como órgãos locais, com funções executora e administradora dos serviços de registro." Sobre
o Registro Público de Empresas Mercantis, ver os comentários ao art. 94 da Lei das S.A.
11 6 7 Sobre a formação do capital social e m dinheiro e bens e a sua avaliação, ver os comentários
aos arts. 7 o e 8" da Lei das S.A.
fundadores (artigo 84, inciso VI)1168, mas, nenhuma remuneração
poderá ser efetuada por conta do capital da companhia1169. As
despesas necessárias à sua constituição são de responsabilidade
dos fundadores que poderão ser, posteriormente, por ela
reembolsados. Na hipótese da companhia não se constituir, os
fundadores perdem as importâncias despendidas.
A Lei das S.A. não conceituou a figura do "fundador" - aquele
que pratica atos necessários à constituição da companhia - mas deter-
minou os seus deveres e responsabilidades, ao estabelecer que (i) deve-
rão entregar aos primeiros administradores eleitos todos os documentos,
livros ou papéis relativos à constituição da companhia ou a esta per-
tencentes (artigo 93); (ii) quando participarem da constituição por subs-
crição pública responderão pelos prejuízos resultantes da inobservância
dos preceitos legais (artigo 92, caput)-, e (iii) responderão, solidariamente,
pelos prejuízos decorrentes de culpa ou dolo em atos ou operações
anteriores à constituição (artigo 92, parágrafo único).
O fundador tem alguma utilidade na constituição de companhia
por subscrição pública, de raríssima ocorrência na prática, na qual
deverá providenciar (i) o estudo de viabilidade econômica e financei-
ra do empreendimento e o projeto do estatuto social; (ii) organizar o
prospecto; (iii) escolher a instituição financeira que intermediará a
subscrição; (iv) requerer o registro da emissão na Comissão de Valo-
res Mobiliários (artigo 82); (v) receber as quantias dos subscritores e
depositá-las em nome deles (artigo 81); e (vi) convocar a assembleia
de constituição (artigo 86) e presidi-la (artigo 87, § I o ). No entanto,
não tem qualquer importância na constituição por subscrição parti-
cular, que pode ser feita por deliberação dos subscritores reunidos em

11 6 8 Sobre esse assunto e sobre as despesas de constituição da companhia, verTULLIO ASCARELU,


" D e s p e s a s de Constituição e Capital Social", Revista dos Tribunais. São Raulo: Publicação
Oficial d o s Trabalhadores d o Tribunal d e A p e l a ç ã o d e S ã o Paulo, v. CXLIV, Ano XXXII,
1 9 4 3 , p. 4 3 7 - 4 4 4 .
11 69 TU LU O ASCARELLI. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado..., p. 671-673.
assembleia geral ou mediante escritura pública, considerando-se fun-
dadores todos os subscritores (artigo 88)1170.
Na realidade, o fundador constitui figura anacrônica, tanto em
nosso sistema legal como no Direito Comparado, não sendo mais
praticamente encontrado nas sociedades por ações1171.
Os fundadores não têm nenhuma responsabilidade caso a com-
panhia não se constitua, por insuficiência ou ausência de subscrições,
pois a sua obrigação é de meio e não de resultado1172.
O presente artigo trata dos requisitos preliminares à constituição
da companhia, ou seja, a forma prescrita na Lei das S.A. para que a
manifestação de vontade das partes possa ser considerada perfeita e
acabada, a saber: (i) subscrição por, pelo menos, 2 (duas) pessoas de
todas as ações em que se divide o capital social; (ii) pagamento, como
entrada, de 10% (dez por cento), no mínimo, do preço de emissão das
ações subscritas em dinheiro; e (iii) depósito, no Banco do Brasil S.A.,

1170 • Determina a Lei das S.A., no § 1° do art. 3 o , que "o nome do fundador, acionista, ou pessoa
que por qualquer outro modo tenha concorrido para o êxito da empresa, poderá figurar na
denominação." N o m e s m o sentido é o parágrafo único d o art. 1 . 1 6 0 d o Código Civil.
1171 C o n f o r m e PAUL DAVIES. G o w e r a n d D a v i e s : P r i n c i p i e s o f M o d e r n C o m p a n y L a w . 71'1
edition, London: Sweet and Maxwell, 2 0 0 3 , p. 90, em b e m humorada observação sobre a
figura d o company promoter, equivalente à d o nosso "fundador": "If, in a psychoanalysfs
Consulting room, we were asked to say what picture formed in our minds at the mention of the
expression 'company promoter', most of us would probably confess that we envisaged a
character of dubious repute and antecedents who infests the commercial demi-monde with
a menagerie of bulls, bears, stags and sharks as his familiars, and who, after rising to affluence
by preying on the susceptibilities of a guliible public, finally redres from the scene in the
blaze of a sensationa! suicide or Old Bailey Trial. In other words, we should envisage
someone whose profession it was to form bogus companies and foist them ofi on the public
to the /atter's detriment and his own profit. Such figures have existed and it is probably too
much to hope that they will ever be entirely eradicated, but event in their Edwardian heyday
they formed only minutest fraction of those whom the Law classifies as promoters."
1172 O Código Penal, nos arts. 177 e 168, tipifica c o m o crime (i) de fraude e abuso, por parte
dos fundadores, "promover a fundação de sociedade por ações fazendo, em prospecto ou
em comunicação ao público ou à assembleia, afirmação falsa sobre a constituição da socie-
dade, ou ocultando fraudulentamente fato a ela relativo", prevendo para esse crime pena
de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão e multa, se o fato não constitui crime contra a
economia popular (art. 177); e (ii) d e apropriação indébita, "apropriar-se de coisa alheia
móvel, de que tem a posse ou a detenção", também prevendo a pena de reclusão de I (um)
a 4 (quatro) anos e multa. A pena é aumentada em 1/3 (um terço) quando o agente recebe
a coisa em depósito necessário, em razão de ofício, emprego ou profissão (art. 168).
ou em outro estabelecimento bancário autorizado pela Comissão de
Valores Mobiliários, da parte do capital realizado em dinheiro.
O estatuto da companhia fixará o valor do capital social, expres-
so em moeda nacional, bem como o número das ações em que se
divide, estabelecendo se terão, ou não, valor nominal (artigos 5 o e 11).
Assim, conforme o disposto no inciso I, todas as ações em que se
divide o capital deverão ser subscritas por, ao menos, 2 (duas) pessoas.
O requisito da subscrição da totalidade das ações justifica-se na
medida em que, no plano econômico, o capital pode ser considerado
como o conjunto de recursos com que conta a companhia para o
desenvolvimento de suas atividades1173. Nas sociedades em que o só-
cio não responde com o seu patrimônio próprio pelas dívidas da com-
panhia - como é o caso das sociedades anônimas - o capital social
constitui uma noção construída na prática mercantil para possibilitar
a garantia dos credores e o funcionamento da empresa. A função
primordial do capital social é garantir à sociedade os meios para reali-
zar o seu fim1174. Na sociedade anônima, como o sócio não responde
com seu patrimônio próprio pelas dívidas da pessoa jurídica e a sua
responsabilidade é limitada ao preço de emissão das ações subscritas
ou adquiridas (artigo I o ), a estipuiação do capital social no estatuto
define os direitos e obrigações dos sócios1175-1176. Como as regras re-
lacionadas à realidade e integridade do capital destinam-se, a princí-
pio, à tutela de terceiros, o seu descumprimento enseja, em alguns

11 7 3 S o b r e e s s e assunto, ver J. X. C A R V A L H O DE M E N D O N Ç A . Tratado de Direito C o m e r c i a l


B r a s i l e i r o , v. III, 6 a e d i ç ã o , Rio d e J a n e i r o : Freitas B a s t o s , 1 9 5 7 , p. 2 9 ; J O R G E L O B O ,
" F r a u d e à R e a l i d a d e e Integridade d o Capital Social d a s S o c i e d a d e s A n ô n i m a s " , Revista de
D i r e i t o M e r c a n t i l , I n d u s t r i a l , E c o n ô m i c o e F i n a n c e i r o . S ã o Paulo: Ed. Malheiros, v. 70,
a b r i l - j u n h o , 1 9 8 8 , p. 5 5 .
11 7 4 S o b r e a f u n ç ã o d o capital social, ver o s c o m e n t á r i o s a o art. 5 o d a Lei d a s S.A.
11 7 5 S o b r e e s s e assunto, ver J O S É LUIZ B U L H Õ E S PEDREIRA. F i n a n ç a s e D e m o n s t r a ç õ e s Finan-
ceiras d a C o m p a n h i a ( C o n c e i t o s Fundamentais). 2 a e d i ç ã o , Rio d e Janeiro: Forense, 1989,
p. 4 1 8 - 4 2 2 .
11 7 6 S o b r e e s s e assunto, ver o s comentários a o art. 5 C da Lei d a s S.A.
casos, sanções penais1177. Assim, não é possível a constituição de uma
companhia com a subscrição apenas parcial de seu capital1178.
Ao subscrever ações de uma companhia, contribuindo para for-
mação do capital social, o acionista torna-se devedor dela da impor-
tância com que se comprometeu a integralizá-lo e deverá cumprir
com essa obrigação dentro do prazo determinado no ato de constitui-
ção ou, posteriormente, na assembleia geral que deliberar o seu au-
mento. Quando os acionistas já efetuaram as suas contribuições ao
capital social, tem-se o capital realizado ou integraiizado, e, na hipó-
tese de o acionista ter se comprometido com uma determinada quan-
tia que ainda não pagou, tem-se o capital subscrito.
A obrigatoriedade de ao menos 2 (duas) pessoas subscreverem a
totalidade das ações vincula-se à natureza contratual da constituição
da companhia. Nesse sentido, a Lei das S.A. determina que a compa-
nhia se dissolverá de pleno direito pela existência de um único acio-
nista, verificada em assembleia geral ordinária, se o mínimo de 2 (dois)
não for reconstituído até a assembleia do ano seguinte (artigo 206,
inciso I, alínea "d"). A única exceção à regra do inciso I, em que é
admitida a constituição de companhia com um único subscritor, é a
da subsidiária integral, pois a Lei das S.A. prevê que a "companhia
pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo corno único acio-
nista sociedade brasileira" (artigo 251).
O inciso II estabelece a obrigatoriedade da realização, como en-
trada, de 10% (dez por cento), no mínimo, do preço de emissão das
ações subscritas em dinheiro. Verifica-se, assim, que a Lei das S.A.
exige a subscrição da totalidade das ações, mas a realização pode ser
parcial, isto é, de no mínimo 10% (dez por cento) do preço de emissão
das ações subscritas em dinheiro.

1177 Art. 177 do C ó d i g o Penal.


1178 N o entanto, admile-se a h o m o l o g a ç ã o d e a u m e n t o d e capital c o m s u b s c r i ç ã o parcial.
Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 170 da Lei das S.A.
O preço de emissão é fixado por ocasião da emissão das ações,
seja na constituição da sociedade ou em eventuais aumentos de capi-
tal, constituindo o valor que o subscritor paga ou se obriga a pagar por
ação subscrita. Na constituição da companhia, o preço de emissão
das ações sem valor nominal é estabelecido pelos fundadores e estes
não são obrigados a observar um critério determinado para sua fixa-
ção; no entanto, no caso de constituição por subscrição pública, o
prospecto deverá mencionar, com precisão e clareza, as bases da com-
panhia e os motivos que justifiquem a expectativa de bom êxito do
empreendimento, em especial o preço de emissão das ações (artigo
81, inciso H), pois a responsabilidade dos acionistas será limitada ao
preço de emissão das ações subscritas1179. Nas companhias com ações
com valor nominal, a Lei das S.A. veda sua a emissão por preço infe-
rior ao valor nominal1180-1181-1182.
Na subscrição inicial, as ações podem ser emitidas por preço
superior ao valor nominal (artigo 84, inciso III) ou, no caso de
ações sem valor nominal, com parte destinada à formação de re-
serva de capital, ou seja, com ágio. Assim, o preço de emissão até
o valor nominal integra o capital; a parte que o excede é o ágio. O
ágio aumenta as reservas da sociedade e contribui para o aumento
de valor do seu patrimônio; assim, constitui uma garantia adicio-
nal para as atividades sociais1183.
Na subscrição de ações, o ágio existe quando a ação emitida pela
companhia é subscrita por preço de emissão superior ao de sua con-
tribuição para a formação do capital social. Quando a ação tem valor
nominal, o ágio será a parte do preço de emissão que exceder a esse
valor. Nas ações sem valor nominal, o ágio é a parte do preço de emis-

n 79 Ver os comentários a o art. I o da Lei das S.A.


1180 Exposição d e Motivos n° 1 9 6 , de 2 4 . 0 6 . 1 9 7 6 .
1181 Ver os comentários a o art. 5 o da Lei das S.A.
1182 Ver os comentários a o art. 13 Lei das S.A
1183 Ver os comentários aos arts. 13 e 14 da Lei das S.A.
são que ultrapassa a importância destinada à formação do capital so-
cial fixada, na constituição da companhia, pelos fundadores, e no au-
mento de capital, pela assembleia geral ou pelo conselho de
administração (artigo 14).
Para o investidor, o ágio justifica-se sempre que as ações da com-
panhia apresentam boas perspectivas de rentabilidade. A Lei das S.A.
determina que o ágio na subscrição de ações deve ser registrado na
escrituração como reserva de capital, ou seja, não constitui lucro1184.
A reserva de capital, na qual é alocado o valor do ágio, por dispo-
sição legal (artigo 200), somente poderá ser utilizada para: (i) absor-
ção de prejuízos que ultrapassarem os lucros acumulados e as reservas
de lucros; (ii) resgate, reembolso ou compra de ações de emissão da
companhia; (iii) resgate de partes beneficiárias; (iv) incorporação ao
capital social; e (v) pagamento de dividendo a ações preferenciais,
quando essa vantagem lhes for assegurada.
É obrigatória a realização, como entrada, de 10% (dez por cen-
to), no mínimo, do preço de emissão das ações subscritas em dinhei-
ro. O parágrafo único estabelece que essa exigência não se aplica às
companhias para as quais a lei exige realização inicial de parte maior
do capital social, como é o caso, por exemplo, das instituições finan-
ceiras, que estão sujeitas, na subscrição do capital inicial e na de seus
aumentos, à realização de 50% (cinqüenta por cento) do valor subs-
crito1185. Nada impede que conste do prospecto exigência de realiza-
ção, como entrada, de valor superior a 10% (dez por cento) ou, até
mesmo, da totalidade do preço de emissão. Pode o acionista, não obs-
tante a fixação do percentual mínimo, realizar a entrada em valor su-
perior ao estabelecido.

11 84 Ver os comentários a o art. 182, § 1°, alínea "a", da Lei das S.A.
1185 Art. 2 7 da Lei n° 4 . 5 9 5 / 1 9 6 4 . Sobre esse assunto, ver a Resolução C M N n° 2 . 6 0 7 / 1 9 9 9 ,
q u e estabelece limites mínimos d e capital realizado e patrimônio líquido das instituições
financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.
O preço de emissão das ações subscritas em dinheiro deverá ser
realizado em moeda corrente ou cheque. Esse requisito não se aplica
à subscrição em bens, pois, nessa hipótese, as respectivas ações são
integralmente realizadas após a avaliação dos bens e a sua aprovação
pela assembleia geral1186-1187. O percentual mínimo de realização, como
entrada, do preço de emissão das ações subscritas em dinheiro, refe-
re-se a cada ação e não ao total do capital subscrito em dinheiro1188.
De acordo com o inciso III, a constituição da companhia de-
pende, ainda, do depósito, da parte do capital realizado em dinheiro,
no Banco do Brasil S.A., ou em outro estabelecimento bancário au-
torizado pela Comissão de Valores Mobiliários. Ou seja, toda a quan-
tia paga no ato da subscrição de ações deve ser depositada e não apenas
o percentual mínimo de 10% (dez por cento), de que trata o inciso II.
A Comissão de Valores Mobiliários autorizou todos os bancos
comerciais a receber em depósito a realização inicial, em dinheiro, do
capital da companhia por ocasião de sua constituição1189, o que se
aplica apenas às companhias abertas; as sociedades fechadas conti-
nuam obrigadas a efetuar esse depósito no Banco do Brasil S.A.
Os fundadores deverão providenciar o depósito da parte do ca-
pital realizado em dinheiro no prazo de 5 (cinco) dias contado do
recebimento das quantias, em nome do subscritor e a favor da socie-
dade em organização, que somente após adquirir personalidade

n 86 Sobre a a v a l i a ç ã o de bens, ver o s comentários a o art. 8 o da Lei das S.A.


11 8 7 S o b r e e s s e assunto, ver ALFREDO PUJOL, "Constituição d e S o c i e d a d e s Anônimas - O
Depósito da D é c i m a Rarte d o Capital Subscrito - Admissão a C o t a ç ã o das Ações nas Bolsas
d e Títulos", Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 794, dezembro,
2001, p. 749-757.
1188 CARLOS F U L G Ê N C I O DA C U N H A PEIXOTO. S o c i e d a d e s por A ç õ e s . v. 2, S ã o Paulo:
Saraiva, 1972, p. 14, observa que: "Não é possível, pois, fazer uma compensação entre as
ações inteiramente liberadas por determinados subscritores e as que não o são. Assim ê que,
se o projeto dos estatutos facultar aos subscritores pagarem importância superior à porcen-
tagem exigida por lei e ele, utilizando-se dessa permissão, integralizar o total de suas ações, no
valor de duzentos mil cruzeiros em um capital de um milhão, nem por isso os fundadores
podem dispensar os demais a desembolsarem a percentagem que lhes toca.
jurídica poderá levantá-lo. Caso a companhia não se constitua, o banco
restituirá as quantias depositadas diretamente aos subscritores (artigo 81).
A observância dos requisitos preliminares é essencial à forma-
ção do contrato de constituição da companhia.
A Lei das S.A. determina, no artigo 285, que a ação para anular a
constituição da companhia, por vício ou defeito, prescreve em 1 (um)
ano, contado da publicação dos atos constitutivos. No entanto, mesmo
após a propositura da ação, é lícito à companhia, por deliberação da
assembleia geral, providenciar para que seja sanado o vício ou defeito.
Depósito da entrada
"Art. 81. O depósito referido no número III do artigo 80 deverá
ser feito pelo fundador, no prazo de 5 (cinco) dias contados do
recebimento das quantias, em nome do subscritor e a favor da
sociedade em organização, que só poderá levantá-lo após haver
adquirido personalidade jurídica.

Parágrafo único. Caso a companhia não se constitua dentro de 6


(seis) meses da data do depósito, o banco restituirá as quantias
depositadas diretamente aos subscritores."

E dos fundadores a responsabilidade pelo depósito, no Branco


do Brasil, da parte do capital realizado em dinheiro, tratando-se de
sociedade fechada, ou em outro estabelecimento bancário autorizado
pela Comissão de Valores Mobiliários, no caso de companhia aber-
ta (artigo 80, inciso III)1190-1191-1192. O depósito deverá ser efetuado
no prazo de 5 (cinco) dias contado do recebimento das quantias, em
nome do subscritor e a favor da sociedade em organização. O valor
depositado deverá ser aplicado em fundos de pronta liquidez a fim

1190 Ato Declaratório CVM n° 0 2 / 1 9 7 8 .


1191 Sobre a distinção entre sociedade anônima aberta e fechada, ver os comentários ao art. 4 o
da Lei das S.A.
1192 Sobre a figura d o fundador, ver os comentários a o art. 8 0 da Lei das S.A.
de manter o seu poder aquisitivo e a companhia somente poderá le-
vantá-lo após adquirir personalidade jurídica.
Os fundadores, na hipótese de subtração dos valores deposita-
dos, responderão pelo crime de apropriação indébita. O Código Penal
prevê pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa para aque-
le que apropriar-se de coisa alheia móvel de que tem a posse ou de-
tenção. Essa pena é aumentada em 1/3 (um terço) quando o agente
tiver recebido a coisa em razão de ofício, emprego ou profissão1193.
A Lei das S.A. não contém norma sobre o momento a partir do
qual a companhia adquire personalidade jurídica, limitando-se a esta-
belecer que (i) "nenhuma companhia poderá funcionar sem que sejam ar-
quivados epublicados seus atos constitutivos' (artigo 94); (ii) "a companhia
não responde pelos atos ou operações praticados pelos primeiros administra-
dores antes de cumpridas as formalidades de constituição, mas a assembleia
geral poderá deliberar em contrário' (artigo 99, parágrafo único); e (iii)
"nos atos epublicações referentes a companhia em constituição, sua denomi-
nação deverá ser aditada da cláusula 'em organização(artigo 91).
De acordo com o Código Civil, a existência legal das pessoas
jurídicas de direito privado começa com a inscrição de seus atos cons-
titutivos no respectivo registro1194-1195. Ao regular o registro de socie-
dades, o Código determina que os documentos necessários ao registro

1193 Art. 1 6 8 d o C ó d i g o Penal.


1194 Art. 4 5 d o C ó d i g o Civil. C o n s t a , t a m b é m , d o art. 9 8 5 d o C ó d i g o q u e : "Art. 985. A
sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no regislro próprio e na forma da
lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150)." Por sua vez, determina o arl. 1.150 que:
"Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de
Empresas Mercantis a cargo das luntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil de
Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele regislro, se a
sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária." De acordo com ANDREAS
CAHN and DAVI D DONALD. Comparative C o m p a n y Law. Cambridge: Cambridge Universily
Press, 2 0 1 0 , p. 134-137, idêntica situação verifica-se nos Estados Unidos (na generalidade
das leis societárias estaduais, segundo o modelo da Lei de Delaware), na Alemanha JB no
Reino Unido, países nos quais a existência legal da companhia começa com a inscrição de
s e u s atos constitutivos na autoridade competente.
1195 Em sentido contrário, JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito Societário. 11 a edição,
Rio de Janeiro: Renovar, 2 0 0 8 , p. 211-212, entende que uma vez realizada a assembleia de
constituição, a s o c i e d a d e adquire personalidade.
deverão ser apresentados no prazo de 30 (trinta) dias, contado da la-
vratura dos atos respectivos, e que, na hipótese de ser requerido após
esse prazo, somente produzirá efeito a partir de sua concessão1196. As-
sim, se o requerimento de registro dos atos constitutivos de uma com-
panhia é efetuado dentro de 30 (trinta) dias da sua lavratura, uma vez
efetivado o mesmo, a sociedade adquire personalidade jurídica desde
a data do ato de constituição, ou seja, o efeito do registro é retroativo.
No entanto, na hipótese de ser requerido o arquivamento após o pra-
zo de 30 (trinta) dias, a companhia adquire personalidade jurídica so-
mente após a data do despacho que o conceder1197.
Depois de adquirir personalidade jurídica, a companhia poderá le-
vantar o depósito efetuado, pelos fundadores, a seu favor. Caso a compa-
nhia não se constitua dentro de 6 (seis) meses da data do depósito, o
banco restituirá as quantias depositadas diretamente aos subscritores,
juntamente com os rendimentos decorrentes do valor depositado; sendo
constituída, serão a ela transferidas tais quantias e os rendimentos deve-
rão ser registrados como reservas de capital (artigo 182, § I o , alínea "a").
Na hipótese de ser a companhia constituída dentro do prazo de 6
(seis) meses da data do depósito e os administradores não cumprirem
as exigências legais complementares à sua constituição - publicação
dos atos constitutivos e da certidão emitida pela Junta Comercial no
órgão oficial do local da sede da companhia (artigos 98 e 289); arquiva-
mento de um exemplar da publicação na Junta Comercial; cumpri-
mento de eventuais exigências feitas pela Junta Comercial1198-1199(p'seg );

1196 Art. 1.151, §§ 1° e 2 o , d o Código Civil.


1197 D e a c o r d o c o m o art. 3 6 da Lei n° 8 . 9 3 4 / 1 9 9 4 , q u e d i s p õ e sobre Registro Público d e
Empresas Mercantis e Atividades Afins, os d o c u m e n t o s relativos à constituição das socie-
dades mercantis "deverão ser apresentados a arquivamento na junta, dentro de 30 (trinta)
dias contados de sua assinatura, a cuja data retroagirão os efeitos do arquivamento; fora
desse prazo, o arquivamento só terá eficácia a partir do despacho que o conceder."
1198 Em sentido contrário, FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. I,
Rio d e Janeiro: Forense, 1977, p. 4 9 0 - 4 9 1 ; e JOSÉ WALDECY LUCENA. D a s Sociedades
Anônimas - Comentários à Lei (arts. 1 o a 120). v. I, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 821,
para os quais vencido o prazo de 6 (seis) meses sem que sejam satisfeitas as exigências da
Junta Comercial, os subscritores poderão levantar o depósito, pois nesse c a s o a sociedade
não teria adquirido personalidade jurídica.
e transferência para a companhia, no Registro Público competente,
dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação do
capital social (artigo 98, §§ I o e 2 o ) - , o depósito não será restituído aos
subscritores. Caberá a qualquer deles adotar as medidas cabíveis a fim
de que os administradores cumpram suas obrigações; os primeiros ad-
ministradores poderão responder solidariamente perante a sociedade
pelos prejuízos decorrentes da demora no cumprimento das formalida-
des complementares à sua constituição (artigo 99).

SEÇÃO LI

CONSTITUIÇÃO POR SUBSCRIÇÃO PÚBLICA

Registro da emissão
"Art. 82. A constituição de companhia por subscrição pública
depende do prévio registro da emissão na Comissão de Valores
Mobiliários, e a subscrição somente poderá ser efetuada com a
intermediação de instituição financeira.

§ I o O pedido de registro de emissão obedecerá às normas expe-


didas pela Comissão de Valores Mobiliários e será instruído com:

a) o estudo de viabilidade econômica e financeira do empreendi-


mento;

b) o projeto do estatuto social;

c) o prospecto, organizado e assinado pelos fundadores e pela ins-


tituição financeira intermediária.

1199 Sobre os vícios sanáveis, insanáveis e as suas conseqüências, ver os comentários ao art. 97
da Lei das S.A.
§ 2 o A Comissão de Valores Mobiliários poderá condicionar o
registro a modificações no estatuto ou no prospecto e denegá-lo
por inviabilidade ou temeridade do empreendimento, ou inido-
neidade dos fundadores."

A companhia pode ser constituída por subscrição pública ou par-


ticular. A subscrição particular pode realizar-se por assembleia geral
ou escritura pública (artigo 88) e a subscrição pública apenas por as-
sembleia (artigo 87).
Na constituição por subscrição pública, de raríssima ocorrência
em nossa prática empresarial, os fundadores vêm a público para que
terceiros possam aderir ao projeto por eles apresentado e, posterior-
mente, aprová-lo em assembleia geral. Assim, a companhia se cons-
titui já fazendo um apelo à poupança popular, mediante a emissão
pública de suas ações; ou seja, já "nasce" como uma companhia aber-
ta. E necessário, no entanto, o prévio registro da emissão na Comis-
são de Valores Mobiliários, pois a essa Autarquia compete editar
normas sobre os registros e autorizações necessários ao exercício de
atividades no mercado e regular e administrar o registro de distribui-
ção de ações mediante subscrição pública1200-1201-1202.
A Lei das S.A. determina que "somente os valores mobiliários de
emissão de companhia registrada na Comissão de Valores Mobiliários po-

1200 Segundo a Lei n° 6 . 3 8 5 / 1 9 7 6 , c o m a s alterações introduzidas pelas Leis n " 1 0 . 3 0 3 / 2 0 0 1 ,


1 0 . 4 1 1 / 2 0 0 2 e 1 1 . 6 3 8 / 2 0 0 7 : (i) c o m p e t e à CVM editar normas gerais sobre as condições
para obter autorização ou registro necessário à distribuição d e e m i s s ã o no mercado (art. 18,
inciso I, alínea " a " , c/c art. 16, inciso I); (ii) nenhuma e m i s s ã o pública d e valores mobiliá-
rios p o d e ser distribuída no mercado sem o prévio registro na CVM (art. 19, capul); e (iii)
a subscrição de valores mobiliários é ato d e distribuição (art 19, § 1 o ).
1201 A CVM, no uso d e sua competência, editou a Instrução CVM n° 400/2003, posteriormente
alterada pelas Instruções CVM n05 4 2 9 / 2 0 0 6 , 4 4 2 / 2 0 0 6 , 4 7 2 / 2 0 0 8 , 4 8 2 / 2 0 1 0 e 488/2010,
que regula as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, nos mercados primário
ou secundário, e assegura a proteção dos interesses d o público investidor e do mercado em
geral, por meio d o tratamento equitativo aos ofertados e d e requisitos de ampla, transparente
e a d e q u a d a divulgação d e informações sobre a oferta, os valores mobiliários ofertados, a
companhia emissora, o ofertante e demais pessoas envolvidas (art. 1 o ).
1202 Sobre os requisitos preliminares à constituição da companhia, ver os comentários aos arts.
80 e 81 da Lei das S.A. O s requisitos gerais e as formalidades complementares à constitui-
ç ã o são tratados nos arts. 89 a 99 da Lei das S.A.
dem ser negociados no mercado de valores mobiliários' e que nenhuma
distribuição pública de valores mobiliários será efetivada no mercado
sem o prévio registro nessa Autarquia (artigo 4o, §§ 1° e 2o). A Lei n°
6.385/1976, apesar de não definir emissão pública e privada de valo-
res mobiliários, enumera determinadas situações que podem confi-
gurar a emissão pública1203.
Da mesma forma, a Comissão de Valores Mobiliários apenas
elencou determinados elementos objetivos que podem configurar a
distribuição pública, a saber: (i) a utilização de listas ou boletins de
venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios, destinados ao
público, por qualquer meio ou forma; (ii) a procura de subscritores por
meio de empregados, representantes, agentes ou quaisquer pessoas
naturais ou jurídicas, integrantes ou não do sistema de distribuição de
valores mobiliários; (iii) a negociação feita em loja, escritório ou esta-
belecimento aberto ao público, destinada a subscritores ou adquiren-
tes indeterminados; ou (iv) a utilização de publicidade, oral ou escrita,
cartas, anúncios, avisos, especialmente através de meios de comuni-
cação de massa ou eletrônicos, ou seja, qualquer forma de comunica-
ção dirigida ao público em geral com o fim de promover a subscrição
de valores mobiliários1204.
Para a caracterização da distribuição como pública ou privada,
embora sejam relevantes os meios utilizados na colocação dos títulos,
o elemento essencial e decisivo refere-se à situação dos ofertados.
Independentemente dos meios utilizados no processo de oferta, de-
terminada distribuição de valores mobiliários não deve ser considera-
da pública se os ofertados, além de pessoas certas ou determinadas,

1203 Consta do art. 19, § 3o, da Lei n° 6.385/1976 que: "Caracterizam a emissão pública: I -a
utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios
destinados ao público; II - a procura de subscritores ou adquirentes para os títulos por meio
de empregados, agentes ou corretores; III - a negociação feita em loja, escritório ou estabe-
lecimento aberto ao público, ou com a utilização dos serviços públicos de comunicação.
1204 Art. 3 o da Instrução CVM n° 4 0 0 / 2 0 0 3 , com as alterações introduzidas pela Instrução CVM
n° 4 8 2 / 2 0 1 0.
forem investidores qualificados e, em função de suas relações com a
companhia emissora ou do fato de deterem "poder de barganha" pe-
rante esta, tiverem acesso ao mesmo tipo de informação que seria
exigido em decorrência do registro1205-1206-1207.
A subscrição pública na constituição de companhia somente
poderá ser efetuada com a intermediação de instituição financeira,
conforme o disposto no caput deste artigo. A própria Lei das S.A.
estabelece que o prospecto deverá mencionar "a instituição financeira
intermediária do lançamento, em cujo poder ficarão depositados os origi-
nais do prospecto e do projeto de estatuto, com os documentos a que fizerem
menção, para exame de qualquer interessado' (artigo 84, inciso XII).
De acordo com a Lei n° 6.385/1976, as instituições financeiras
intermediárias são aquelas que têm por objeto distribuir emissão de
valores mobiliários como agentes dos fundadores ou da companhia
emissora ou, ainda, por conta própria, subscrevendo ou comprando a
emissão para colocá-la no mercado1208. A atuação das instituições fi-

1205 Sobre os e l e m e n t o s c a r a c t e r i z a d o r e s d a distribuição p ú b l i c a d e v a l o r e s mobiliários, ver


N E L S O N EIZIRIK, A R I Á D N A B. G A A L , FLÁVIA P A R E N T E e M A R C U S DE FREITAS
HENRIQUES. M e r c a d o d e Capitais - R e g i m e Jurídico. 2 a e d i ç ã o , Rio d e Janeiro: Renovar,
2 0 0 8 , p. 1 3 9 - 1 5 2 . Ver, t a m b é m , o art. 4 o d a Instrução C V M n° 4 0 0 / 2 0 0 3 , c o m as alterações
introduzidas p e l a Instrução C V M n° 4 8 2 / 2 0 1 0 .
1206 Sobre e s s e assunto, ver os comentários a o art. 4 o da Lei d a s S.A.
1207 A Instrução CVM n° 4 0 9 / 2 0 0 4 , c o m as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n "
4 1 1 / 2 0 0 4 , 4 1 3 / 2 0 0 4 , 4 5 0 / 2 0 0 7 , 4 5 6 / 2 0 0 7 e 4 6 5 / 2 0 0 8 , e m seu art. 109, considera c o m o
investidores qualificados: (i) as instituições financeiras; (ii) as c o m p a n h i a s seguradoras e
sociedades d e capitalização; (iii) as entidades abertas e f e c h a d a s d e previdência complemen-
tar; (iv) a s p e s s o a s físicas ou jurídicas q u e p o s s u a m investimentos financeiros em valor
superior a R$ 3 0 0 . 0 0 0 , 0 0 (trezentos mil reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua
condição de investidor qualificado mediante termo próprio; (v) os fundos d e investimento
destinados exclusivamente a investidores qualificados; (vi) os administradores d e carteira e
consultores d e valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios;
e (vii) regimes próprios d e previdência social instituídos pela União, pelos Estados, pelo
Distrito Federai ou por Municípios. A Instrução C V M n° 4 7 6 / 2 0 0 9 , c o m as alterações
introduzidas p e l a s Instruções CVM n o s 4 8 2 / 2 0 1 0 , 4 8 8 / 2 0 1 0 e 5 0 0 / 2 0 1 1 , por sua vez,
estabelece, no art. 4°, que "consideram-se investidores qualificados os referidos no art. 109
da Instrução CVM n" 409, de 18 de agosto de 2004, observado que: I - todos os fundos de
investimento serão considerados investidores qualificados, mesmo que se destinem a inves-
tidores não-qualificados; e II - as pessoas naturais ou jurídicas mencionadas no inciso IV do
art. 109 da Instrução CVM n" 409 de 2004, deverão subscrever ou adquirir, no âmbito da
oferta, valores mobiliários no montante mínimo de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais)."
1208. Art. 15, inciso 1, e § 1 o da Lei n° 6.385/1976, com a redação dada pelo Decreto n° 3.995/2001.
nanceiras na intermediação da captação de recursos para as compa-
nhias é negócio jurídico denominado unâerwriting2^.
A instituição financeira intermediária participa, junto com os fun-
dadores, de todos os procedimentos da constituição, por subscrição
pública, de uma companhia, assessorando-os especificamente no estu-
do de viabilidade econômica e financeira do empreendimento; na ela-
boração do projeto do estatuto social e do prospecto1210; no requerimento
de registro da emissão na Comissão de Valores Mobiliários1211; no cum-
primento de eventuais exigências formuladas por essa Autarquia; nos
anúncios de início e encerramento da distribuição; na obtenção de subs-
critores, podendo inclusive assumir o compromisso de subscrever as
ações emitidas pela companhia; na- autenticação de boletins ou listas
de subscrição, recebimento das entradas dos subscritores, etc.
Os fundadores celebrarão com a instituição financeira interme-
diária contrato de distribuição de valores mobiliários, que deverá con-
ter, entre outras, (i) regras sobre as condições de revenda dos valores
mobiliários, (ii) a descrição do procedimento adotado para distribui-
ção; e (iii) menção a contratos de estabilização de preços e de garan-
tia de liquidez, se houver1212. Assim, deverá constar do contrato se a
obrigação assumida pela instituição financeira intermediária é: (i) fir-
me ou com garantia de subscrição total, em que a instituição finan-
ceira compromete-se a subscrever todos os valores mobiliários emitidos

1 209 Sobre o underwriting, ver os comentários a o art. 5 9 da Lei das S.A. Ver, também, NELSON
EIZIRIK, ARIÁDNA B. C A A L , FLÁVIA PARENTE e M A R C U S DE FREITAS HENRIQUES.
M e r c a d o de Capitais - R e g i m e Jurídico..., p. 1 6 3 - 1 9 1 . A distribuição pública de valores
mobiliários sem a intermediação de instituição financeira é considerada infração grave, de
a c o r d o c o m o art. 5 9 da Instrução CVM n° 4 0 0 / 2 0 0 3 , c o m as alterações introduzidas pelas
Instruções C V M n"" 4 2 9 / 2 0 0 6 , 4 4 2 / 2 0 0 6 , 4 7 2 / 2 0 0 8 , 4 8 2 / 2 0 1 0 e 4 8 8 / 2 0 1 0 .
1210 Art. 3 8 da Instrução CVM n° 4 0 0 / 2 0 0 3 , c o m as alterações introduzidas pelas Instruções
CVM n1» 4 2 9 / 2 0 0 6 , 442/2006, 472/2008 e 482/2010 e 488/2010.
1211 Art. 7° da Instrução C V M n° 4 0 0 / 2 0 0 3 , c o m as alterações introduzidas pelas Instruções
CVM n » 4 2 9 / 2 0 0 6 , 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 488/2010.
1212 Art. 3 3 da Instrução CVM n° 4 0 0 / 2 0 0 3 , c o m a s alterações introduzidas pela Instrução
CVM n° 4 8 8 / 2 0 1 0 . Sobre as cláusulas obrigatórias d o contrato de distribuição de valores
mobiliários, ver os Anexos VI e VIII dessa Instrução, com a redação que lhe foi dada pela
Instrução CVM n° 4 8 2 / 2 0 1 0 .
pela companhia para, posteriormente, vendê-los ao público; (ii) com
garantia de sobras, na qual a instituição financeira assume a obriga-
ção de subscrever as sobras, após a colocação dos títulos no merca-
do; ou (iii) de melhor esforço, em que a instituição financeira não
garante a subscrição dos títulos emitidos pela companhia, compro-
metendo-se apenas a realizar seus melhores esforços para vender os
papéis junto ao público, não sendo obrigada a adquiri-los no caso
de insucesso da colocação.
As instituições financeiras intermediárias poderão se organizar
sob a forma de consórcio, com o fim específico de distribuir ações no
mercado e/ou garantir a subscrição da emissão. As cláusulas relativas
ao consórcio deverão ser formalizadas no mesmo instrumento do
contrato de distribuição1213-1214.
A Lei das S.A. determina que os fundadores e as instituições
financeiras intermediárias são responsáveis, de acordo com as respec-
tivas atribuições, pelos prejuízos resultantes da inobservância dos pre-
ceitos legais (artigo 92). A Instituição financeira intermediária deverá
tomar todas as cautelas, respondendo pela falta de diligência ou omis-
são, para assegurar que as informações constantes do estudo de viabi-
lidade econômico-financeira do empreendimento são corretas,
suficientes, verdadeiras e consistentes, permitindo aos investidores a
tomada de decisão fundamentada a respeito da oferta1215. De acordo
com o Código Penal, é crime de fraude e abuso promover a fundação
de sociedade por ações fazendo, em prospecto ou em comunicação
ao público ou à assembleia, afirmação falsa sobre a constituição da
sociedade, ou ocultando fraudulentamente fato a ela relativo1216.

1213 Art. 3 4 da Instrução CVM n° 4 0 0 / 2 0 0 3 , c o m a s alterações introduzidas pelas Instruções


CVM n « 4 2 9 / 2 0 0 6 , 4 4 2 / 2 0 0 6 , 4 7 2 / 2 0 0 8 , 4 8 2 / 2 0 1 0 e 4 8 8 / 2 0 1 0 .
1214 Sobre underwriting, ver NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA B. CAAL, FLÁVIA PARENTE e MARCUS
DE FREITAS HENR1QUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico..., p. 163-191.
1215 Art. 56, caput e § I o , da Instrução CVM n° 4 0 0 / 2 0 0 3 , c o m as alterações introduzidas pelas
Instruções CVM n " 4 2 9 / 2 0 0 6 , 4 4 2 / 2 0 0 6 , 4 7 2 / 2 0 0 8 , 4 8 2 / 2 0 1 0 e 4 8 8 / 2 0 1 0 .
1216 Art. 177 d o Código Penal.
Nos termos do § I o , o pedido de registro da emissão na Comis-
são de Valores Mobiliários, a fim de que a constituição de companhia
ocorra por subscrição pública, deve ser encaminhado pelos fundado-
res, por intermédio da instituição financeira por eles contratada para
intermediar a subscrição, e deverá ser instruído com os seguintes do-
cumentos: (i) estudo de viabilidade econômico-fmanceira do empre-
endimento1217; (ii) projeto do estatuto social (artigo 83); e (iii)
prospecto, organizado e assinado pelos fundadores e pela instituição
financeira intermediária1218.
A Comissão de Valores Mobiliários terá o prazo de 20 (vinte)
dias úteis, contados do protocolo, para se manifestar sobre o pedido
de registro, que será automaticamente obtido se não houver manifes-
tação dessa Autarquia no prazo assinalado. O prazo de 20 (vinte) dias
somente começará a fluir com a apresentação de todos os documen-
tos e informações exigidos pela Comissão de Valores Mobiliários1219.
De acordo com o § 2 o , o deferimento do registro poderá ser con-
dicionado a modificações no estatuto ou no prospecto. Quando se
tratar de constituição de companhia, o indeferimento pode ocorrer
por inviabilidade ou temeridade do empreendimento ou inidoneida-
de dos fundadores ou quando não forem cumpridas as exigências for-
muladas pela Comissão de Valores Mobiliários, nos prazos por ela

1217 A CVM, por m e i o d o art. 3 2 d a Instrução C V M n° 4 0 0 / 2 0 0 3 , c o m a r e d a ç ã o q u e lhe foi


d a d a pela Instrução C V M n° 4 8 2 / 2 0 1 0 , determinou q u e o p e d i d o d e registro de oferta
pública d e valores mobiliários d e v e ser instruído c o m estudo d e viabilidade e c o n õ m i c o -
-financeira d a e m i s s o r a q u a n d o : "I - a oferta Lenha por objeto a constituição da emissora;
II - a emissora esteja em fase prê-operacionai; ou III - os recursos captados na oferta
sejam preponderantemente destinados a investimentos em atividades ainda não desen-
volvidas pela emissora". C o n s t a , t a m b é m , no item 3.7.1 do A n e x o III q u e o estudo de
v i a b i l i d a d e e c o n õ m i c o - f i n a n c e i r a é obrigatório nos c a s o s indicados no art. 32 e facul-
tativo nos d e m a i s c a s o s .
1218 Sobre os documentos adicionais exigidos pela CVM, ver o Anexo II da Instrução CVM n°
4 0 0 / 2 0 0 3 , c o m as alterações introduzidas pela Instrução CVM n° 4 2 9 / 2 0 0 6 . Ver, também,
os comentários a o art. 84 da Lei das S.A.
1219 Art. 8 o da Instrução CVM n° 4 0 0 / 2 0 0 3 , c o m as alterações introduzidas pelas Instruções
CVM n " 4 2 9 / 2 0 0 6 , 4 4 2 / 2 0 0 6 , 4 7 2 / 2 0 0 8 , 4 8 2 / 2 0 1 0 e 4 8 8 / 2 0 1 0 . Sobre a interrupção d o
prazo, ver os arts. 9 o e 1 0 dessa mesma Instrução.
assinalados1220. Apenas na constituição por subscrição pública pode a
Comissão de Valores indeferir pedido de registro com fundamento
na inviabilidade ou temeridade do empreendimento ou inidoneidade
dos fundadores, tendo em vista que, nesse caso, não há informações
sobre o passado da companhia, que está em fase de organização.
A distribuição pública de valores mobiliários sem prévio registro
na Comissão de Valores Mobiliários ou efetivada sem a intermedia-
ção de instituição financeira é considerada infração grave, sujeitan-
do os infratores às penalidades previstas nas Leis nos 7.492/1986 e
6.385/19761221, exceto nos casos permitidos em lei ou por dispensa
dessa Autarquia.
A constituição de companhias por subscrição pública não é, pra-
ticamente, utilizada entre nós, em função da morosidade de todo o
processo, da sua complexidade e, em especial, pelo risco que correm
os fundadores de ter o registro indeferido por inviabilidade ou temeri-
dade do empreendimento, ou, ainda, por serem considerados inidô-
neos pela Comissão de Valores Mobiliários.
O que se verifica, na prática, é a constituição de companhia por
subscrição particular e a posterior abertura do seu capital com a oferta
de ações ao público em geral. De qualquer forma, em ambos os mo-
dos - subscrição pública ou particular - , a constituição depende do
atendimento dos requisitos preliminares: (i) subscrição por, pelo me-

1220 Consta do art. 16, caput, da Instrução C V M n° 400/2003, com as alterações introduzidas
pelas Instruções CVM n™ 429/2006, 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 488/2010, que:
"O pedido de registro pode ser indeferido nas seguintes hipóteses: I - por inviabilidade ou
temeridade do empreendimento ou inidoneidade dos fundadores, quando se tratar de
constituição de companhia; ou II - quando não forem cumpridas as exigências formuladas
pela CVM, nos prazos previstos nesta Instrução."
1221 De acordo com o art. 7°, inciso II, da Lei n° 7.492/1986, que define os crimes contra o
sistema financeiro nacional, está sujeito à pena de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos e
multa aquele que emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores
mobiliários "sem registro prévio de emissão junto ã autoridade competente, em condi-
ções divergentes das constantes do registro ou irregularmente registrados". A distribuição
pública de valores mobiliários sem prévio registro na CVM ou efetivada sem a intermediação
de instituição financeira é considerada infração grave nos termos do art. 11, § 3o, da Lei
n° 6.385/1976, com a redação dada pela Lei n° 9.457/1997.
nos, 2 (duas) pessoas de todas as ações em que se divide o capital
social; (ii) pagamento, como entrada, de 10% (dez por cento), no mí-
nimo, do preço de emissão das ações subscritas em dinheiro; e (iii)
depósito, no Banco do Brasil S.A., ou em outro estabelecimento ban-
cário autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários, da parte do
capital realizado em dinheiro (artigo 80, caput).
Projeto de estatuto

"Art. 8 3 . 0 projeto de estatuto deverá satisfazer a todos os requi-


sitos exigidos para os contratos das sociedades mercantis em ge-
ral e aos peculiares às companhias, e conterá as normas pelas quais
se regerá a companhia."

O estatuto social integra o ato constitutivo da companhia e é


essencial tanto na constituição por subscrição pública (artigo 82) quan-
to por subscrição particular (artigo 88). E por meio do estatuto social
que se estabelecem as normas indispensáveis ao funcionamento da
companhia após a sua constituição, sendo obrigatório, na sua elabo-
ração, observar os requisitos exigidos para os contratos das socieda-
des em geral e os peculiares às sociedades por ações, nos termos da
Lei das S.A.
Na fase de organização da sociedade, os fundadores elaboram
um projeto de estatuto social, que se tornará definitivo apenas com a
sua constituição. Na constituição por subscrição particular, em geral,
todos os subscritores discutem as cláusulas do estatuto; na constitui-
ção por subscrição pública, raríssima na prática dos negócios, ao con-
trário, os subscritores não discutem as suas regras, que são fixadas
exclusivamente pelos fundadores com o auxílio da instituição finan-
ceira intermediária, sendo que a Comissão de Valores Mobiliários pode
determinar modificações no projeto (artigo 82, § 2o).
Os subscritores, ao aderirem às cláusulas do projeto de estatuto
que antecede a constituição da companhia, não contraem qualquer
obrigação para com os demais subscritores. As regras constantes do
projeto de estatuto e por eles aprovadas em assembleia geral de cons-
tituição aplicam-se a todos os subscritores, bem como aos futuros
acionistas que venham a ingressar na companhia já constituída e aos
terceiros que com ela se relacionarem1222.
Na assembleia de constituição, a maioria dos subscritores pre-
sentes não tem poder para alterar o projeto de estatuto (artigo 87, §
2o). No entanto, durante a existência da companhia, os seus estatutos
podem ser modificados pela assembleia geral (artigo 122, inciso I),
observados (i) o quorum da maioria absoluta de votos (artigo 129),
salvo se maior quorum for estabelecido no estatuto da companhia fe-
chada para aprovação de determinadas matérias (artigo 129, § I o ); e
(ii) a proibição de se restringir os direitos essenciais dos acionistas
(artigo 109).
O ESTATUTO S O C I A L

Verifica-se na maioria dos sistemas jurídicos que as leis societá-


rias, embora nem sempre distingam o ato constitutivo da sociedade
do seu estatuto, usualmente determinam um conteúdo mínimo e in-
derrogável para este último1223.
A Lei das S.A., contrariamente ao que fez com o prospecto (arti-
go 84), não definiu o estatuto nem o distinguiu formalmente do ato
constitutivo, limitando-se a estabelecer que deverá satisfazer a todos os
requisitos exigidos para os contratos das sociedades em geral e aos pe-
culiares às sociedades por ações. Assim, devem constar do estatuto, de
acordo com o Código Civil e em consonância com a Lei das S.A.: (i) a
denominação (artigo 3o); (ii) o objeto social (artigo 2o); (iii) a sede; (iv)
o capital social, expresso em moeda corrente; (artigo 5o); (v) o prazo de
duração da sociedade; (vi) a administração (artigo 138 e seguintes);

1 222 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. I, 2 a edição, Rio de Janeiro:
Forense, 1953, p. 241.
1223 RICARDO OLIVERA GARCfA. Estúdios de Derecho Societário. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni
Editora, 2005, p. 549 e seguintes.
(vii) a participação dos sócios nos lucros e nas perdas; e (viii) a demons-
tração de lucros ou prejuízos acumulados (artigos 186 e seguintes)1224.
Além dos requisitos gerais exigidos para todas as sociedades, tam-
bém deverão ser inseridas no estatuto social normas indispensáveis
às companhias, tais como: (i) determinação do número de ações em
que se divide o capital (artigo 11); (ii) espécies e classes de ações (ar-
tigo 15); (iii) assembleia geral (artigos 121 e 135); (iv) conselho de
administração e diretoria, ou apenas diretoria, conforme o caso (arti-
gos 138, 140 e 142); (v) conselho fiscal (artigo 161); (vi) exercício
social e demonstrações financeiras (artigos 175 e 176); (vii) dissolu-
ção e liquidação da companhia (artigos 206 a 218); e (viii) distribui-
ção de dividendos (artigo 202).
O estatuto não pode alterar normas obrigatórias previstas na Lei
das S.A., nem limitar ou privar os acionistas de seus direitos essenciais
(artigo 109). Poderá, no entanto, estabelecer, adicionalmente, outras
cláusulas - facultativas —, desde que não sejam contrárias à lei e às
normas regulamentares do Registro Público de Empresas Mercantis
e da Comissão de Valores Mobiliários, no caso de companhias abertas,
como, por exemplo: (i) vantagens e preferências atribuídas aos
acionistas titulares de ações preferenciais (artigos 17 e 18); (ii) resgate
e amortização de ações (artigo 44); (iii) partes beneficiárias, apenas
nas companhias fechadas (artigos 46 a 51); (iv) bônus de subscrição
(artigos 75 a 79); (v) solução de conflitos por arbitragem (artigo 109,
§ 3 o ); (vi) participação dos administradores no lucro da companhia
(artigo 152, § I o ); (vii) criação de órgãos técnicos e consultivos (artigo
160); (viii) declaração de dividendos intermediários (artigo 204, § 2o);
(ix) transformação da companhia (artigo 221), etc.
À exceção da sede e do prazo de duração, os demais requisitos
obrigatórios ante elencados são expressamente regulados pela Lei das

1224 Art. 997, incisas II, III, VI e VII, do Código Civil. Os demais incisos desse artigo não se
aplicam às sociedades anônimas.
S.A. Relativamente à sede, é no local onde está situada a da companhia
que são cumpridas as formalidades exigidas pela Lei das S.A, tais como:
(i) arquivamento dos atos constitutivos na Junta Comercial (artigo 94);
(ii) publicações em Diário Oficial e em jornal de grande circulação
(artigos 98 e 289); (iii) arquivamento de acordos de acionistas (artigo
118); (iv) realização de assembleia geral (artigo 124, § 2 o ); (v)
disponibilização de documentos pertinentes à matéria a ser debatida
em assembleia geral extraordinária (artigo 135, § 3o); (vi) arquivamento
dos documentos comprobatórios dos requisitos exigidos em lei para a
investidura em cargo de administração de companhia (artigo 147, caput),
etc. O Código Civil estabelece que o domicílio das pessoas jurídicas é o
lugar onde funciona a sua administração ou onde elegerem domicílio
especial no seu estatuto social1225. Por sua vez, o Código de Processo
Civil estabelece que é competente o foro do lugar onde está a sede da
pessoa jurídica para a ação em que ela for ré e onde se acha a sua sucursal
quanto às obrigações que ela contraiu1226. Assim, se a companhia tiver
filiais em diferentes lugares, cada um deles será considerado domicílio
para os atos nele praticados.
A mudança da sede da companhia implica em reforma do esta-
tuto social mediante deliberação de acionistas reunidos em assem-
bleia geral extraordinária (artigo 122, inciso I, c/c artigo 132).
No que se refere ao prazo, a Lei das S.A. não exige que o estatu-
to fixe o prazo de duração da companhia, que poderá ser por tempo
determinado ou indeterminado; no silêncio do estatuto, será consi-

1 225 Art. 75, inciso IV, do Código Civil. De acordo com os §§ I o e 2 o desse artigo: "§ 1° Tendo
a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será
considerado domicílio para os atos nele praticados. § 2o. Se a administração, ou diretoria,
tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às
obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento sito no
Brasil, a que ela corresponder."
1226 Art. 100, inciso IV, alíneas "a" e "b", do Código de Processo Civil. Sobre esse assunto, o
Supremo Tribunal Federal editou a Súmula n° 363, do seguinte teor: "a pessoa jurídica de
direito privado pode ser demandada no domicílio da agência, ou estabelecimento, em que se
praticou o ato."
derado indeterminado1227. Findo o prazo de duração, se não houver
prorrogação, a sociedade se dissolverá, de pleno direito (artigo 206,
inciso I, alínea "a"). O prazo indeterminado não causa dano algum
aos acionistas, que podem retirar-se da companhia mediante a alie-
nação de suas ações.
As sociedades de prazo determinado e indeterminado podem, an-
tes da expiração de seu prazo de duração ou a qualquer tempo, extin-
guir-se: I - de pleno direito (i) nos casos previstos no estatuto; (ii) por
deliberação da assembleia geral (artigo 136, inciso X); (iii) pela exis-
tência de um único acionista, verificada em assembleia geral ordiná-
ria, se o mínimo de 2 (dois) não for reconstituído até à do ano seguinte;
ou (iv) pela extinção, na forma da lei, da autorização para funcionar; II
- por decisão judicial (i) quando anulada a sua constituição, em ação
proposta por qualquer acionista; (ii) quando provado que não pode
preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que represen-
tem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social; ou (iii) em caso de
falência; e III - por decisão da autoridade administrativa competente,
nos casos e na forma previstos em lei especial (artigo 206).
Assim, deverão constar do estatuto normas sobre os direitos e
obrigações dos acionistas, a relação jurídica entre eles e todas as re-
gras pelas quais se regerá a companhia; poderá, ainda, prever um regi-
mento interno com o fim de definir, por exemplo, as atribuições dos
diretores e dos empregados.
O estatuto aprovado pelos acionistas constitui o contrato que
regulará a vida interna da companhia; tendo em conta os preceitos
legais, prevê um direito interno, particular, característico da entidade de
direito privado, de acordo com a vontade de seus integrantes1228. Essa

1227 O Código Civil determina, no art. 997, inciso II, que o contrato da sociedade deverá
mencionar, além das cláusulas estipuladas pelas partes, o seu prazo de duração.
1228 De acordo com J. X. CARVALHO DE MENDONÇA. Tratado de Direito Comercial Brasilei-
ro. v. II, t. II, atualizado por Ruymar de Lima Nucci. Campinas: Bookseller, 2001, p. 356:
"A carta que rege a sociedade anônima e da qual não se pode esta afastar, em outros termos,
as bases, cláusulas e condições do respectivo contrato são formulados em uma peça ou
vontade que deu origem à criação da sociedade e determinou a estrutura
de seu ato constitutivo vai também indicar a maneira segundo a qual se
desenvolverão as atividades para as quais foi instituída, informando todo
o seu funcionamento.
As normas estabelecidas no estatuto das sociedades integram
sua disciplina interna e possuem força de direito inerente ao agrupa-
mento, devendo ser observadas, permanentemente, por todos os seus
integrantes; assim, o regime fixado no ato constitutivo das entidades
apresenta caráter cogente.
Em relação ao conteúdo das normas estatutárias, não havendo
vedação legal ou constitucional, vigora o princípio da plena liberdade
de contratar; pode-se regular tudo o que não for contrário às normas
legais. Por essa razão, não existe uma padronização para o estatuto
social. Existem preceitos obrigatórios, impostos por lei, mas cada com-
panhia há de considerar na elaboração de sua "lei interna" os dados
fundamentais de sua constituição como fatores de ordenamento de
sua atividade, especialmente no que se refere ao funcionamento de
seus órgãos.
O poder de livre auto-organização no estatuto decorre do exercí-
cio da autonomia privada das pessoas jurídicas. O conceito de auto-
nomia encontra-se relacionado à faculdade que determinadas
entidades detêm de se organizar juridicamente, criando direito pró-
prio, isto é, de se autorregularem. O âmbito conferido pelo direito
para os indivíduos autorregularem seus interesses particulares, crian-
do para si próprias normas individuais, contudo, não é ilimitado, de-
vendo ser exercido tendo em vista as normas legais existentes; a
atividade normativa dos particulares retira o seu fundamento de vali-
dade do ordenamento legal, que deve ser obedecido para que o exercí-
cio do poder individual de criar normas singulares seja lícito.

documento denominado estatutos. Estes formam a lei fundamental reguladora da atividade


social; são a primeira e a mais solene manifestação da sociedade. Podem, também constar
do próprio pacto social, se a sociedade anônima se constitui por escritura pública."
Assim, o nosso sistema jurídico permite que, dentro dos limites
legais, as sociedades estipulem, em seus atos constitutivos, normas
próprias e específicas, que acabam por formar o seu "direito inter-
no". As regras previstas no estatuto social de uma companhia, por
serem cogentes, deverão ser sempre observadas por seus acionistas,
sob pena de invalidação dos atos praticados sem o seu atendimento.
Estabelecidos os contornos gerais do estatuto social, cabe ana-
lisar a sua natureza jurídica, assim como suas características estru-
turais e sua qualificação no ordenamento societário.
Ainda que o estatuto social se origine do ato constitutivo da
sociedade, seja mediante a escritura pública, seja mediante as-
sembleia geral, é inquestionável que dele posteriormente se sepa-
ra, passando a constituir instituto com feições e objetivos próprios.
Enquanto o ato constitutivo esgota-se com o início do funciona-
mento da companhia, o estatuto acompanha e regula toda a sua
existência. O ato constitutivo estabelece apenas uma relação jurí-
dica entre os sócios; o estatuto contém as regras corporativas ne-
cessárias para o funcionamento da sociedade, quaisquer que sejam
os acionistas.
O estatuto apresenta uma natureza biface: é, no seu nasci-
mento, contrato plurilateral, de regramento das relações entre os
acionistas; e constitui também, ao longo da existência da compa-
nhia, ordenamento corporativo, integrante do sistema jurídico-
-societário das relações dos acionistas com a sociedade e com seus
órgãos de administração.
Sob o aspecto estrutural, o estatuto constitui um contrato plurila-
teral, de comunhão de escopo, de colaboração. Diferentemente do que
ocorre nos contratos de permuta, em que há contraposição de interes-
ses, no contrato plurilateral, ou de associação, as partes têm um fim e
interesse comum, consistente na exploração do objeto social com fina-
lidade lucrativa. No contrato plurilateral, o elemento que identifica a
pluralidade de interesses é precisamente a finalidade comum dos
acionistas1229.
No contrato associativo, as partes - os sócios - estão no mesmo
polo da relação contratual, sem contraposição entre si, não podendo
nenhuma delas eximir-se de suas obrigações sob a alegação de que a
outra (o sócio) não cumpriu as dela.
Ademais, o contrato plurilateral de companhia caracteriza-se por
uma estrutura aberta, permitindo a variação do número de participan-
tes. Assim, a adesão de novos sócios ocorre sem a necessidade de ser
alterado o estatuto1230.
Outro aspecto fundamental do estatuto é o fato de apresentar a
feição de um contrato organizativo.
Presentemente, vem se acentuando uma constante tendência
de conceituar o contrato social não só como associativo, mas tam-
bém como um "contrato de organização". Identifica-se que o fim
comum percebido pelos sócios não é apenas o de perseguir o lucro,
mas também o de organizar da melhor maneira possível a exploração
do objeto social e de solucionar os conflitos existentes entre eles. O
interesse da empresa deve ser relacionado à criação de uma organiza-
ção capaz de estruturar de forma mais eficiente as relações jurídicas
que envolverem a sociedade1231.
A teoria do contrato organizativo, desenvolvida originalmente
na Alemanha, considera o fator "organização" como o elemento es-
sencial do contrato de sociedade. O transcorrer da atividade empresa-
rial é dinâmico, ocorre ao longo do tempo, fazendo-se imprescindível
que se determine, a priori, as pautas de atuação em cada momento.

1229 TULLIO ASCARELLI. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. 2'' edi-
ção, São Paulo: Saraiva, 1969, p. 271-272.
1230 RACHEL SZTAJN. Contrato de Sociedade e Formas Societárias. São Pauto: Saraiva, 1989,
p. 41.
1231 CALIXTO SALOMÃO FILHO. O Novo Direito Societário. 2 a edição, São Paulo: Malheiros,
2006, p. 42.
Assim, as partes não se obrigam umas frente às outras, mas buscam,
no estatuto, estabelecer um complexo de normas e de procedimentos
que disciplinam a organização com a qual desenvolverão a atividade
economica1 .
Foi também a doutrina alemã que desenvolveu a análise mais
adequada à qualificação jurídica do estatuto, a chamada "teoria nor-
mativa modificada" ( m o d i f i z i e r t e Normentheorie), segundo a qual,
embora o ato constitutivo da sociedade possa ser qualificado como
um negócio jurídico, as normas reguladoras da companhia devem ser
tratadas como direito objetivo1233.
Estamos, assim, frente a um "contrato normativo", que, como
forma de organização privada, é fonte de produção de normas obriga-
tórias, criando direitos e impondo deveres1234.
Assim, o estatuto apresenta um caráter normativo, que se verifi-
ca, aliás, na sua própria redação, uma vez que é normalmente com-
posto de artigos, parágrafos, alíneas, como na lei ou num regulamento.
Trata-se de um conjunto de normas jurídicas, integrantes do ordena-
mento societário, embora limitadas, em sua eficácia, à regulação de
uma determinada companhia.
O ordenamento jurídico apresenta uma estrutura hierárquica (a
célebre "pirâmide" de Hans Kelsen) e escalonada de normas. Dessa
forma, as normas que compõem o ordenamento não estão todas no
mesmo plano, há normas superiores e inferiores. As normas inferio-
res dependem das normas superiores, delas retirando o fundamento
de sua validade. Com efeito, as normas inferiores valem como nor-
mas jurídicas na medida em que retiram seu fundamento das normas

1232 ALFREDO ÁVILA DE LA TORRE. La Modificación de Estatutos en la Sociedad Anônima.


Valencia: Tirant Io Blanchi, 2001, p. 74 e seguintes.
1233 ALFREDO ÁVILA DE LA TORRE. La Modificación de Estatutos en la Sociedad Anônima...,
p. 53 e 135.
1234 RACHEL SZTAJN. Contrato de Sociedade e Formas Societárias..., p. 44.
superiores, que disciplinam o processo de sua formação, isto é, indi-
cam quais os órgãos competentes para criá-las1235.
O estatuto constitui um ordenamento, um conjunto de normas ju-
rídicas, de eficácia limitada à disciplina de uma companhia, cujo funda-
mento de validade é retirado da Lei das S.A., norma hierarquicamente
superior, que determina como devem ser produzidas as normas estatutá-
rias. Assim, o contrato normativo - o estatuto - obriga seus destinatários
(acionistas, administradores, fiscais e empregados) se e na medida em
que as regras nele contidas são produzidas na forma indicada na norma
superior - a Lei das S.A. - e com ela não apresentam nenhuma contra-
dição. As regras estatutárias valem como normas jurídicas quando o ór-
gão que as produz — a assembleia geral - tem competência para tanto e
conduziu o processo de sua criação - convocação, reunião, deliberação,
quorum, etc. - conforme as disposições da norma superior. Caso o pro-
cesso normativo das disposições estatutárias não obedeça à norma supe-
rior, elas podem ser anuladas. Ademais, padecem de nulidade absoluta as
disposições estatutárias que contrariam as normas superiores e seus prin-
cípios, contidos em lei, uma vez que, havendo antinomia entre norma
inferior e norma superior, prevalece esta última1236.
Assim, o estatuto pode ser conceituado como o contrato normati-
vo de organização, composto de normas jurídicas que, em conformida-
de com a Lei das S.A., obrigam seus destinatários, podendo seu
descumprimento acarretar-lhes a aplicação de sanções1237.
Prospecto

"Art. 8 4 . 0 prospecto deverá mencionar, com precisão e clareza,


as bases da companhia e os motivos que justifiquem a expectativa
de b o m êxito do empreendimento, e em especial:

1235 NORBERTO BOBBIO. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: UNB, 1999, p. 48 e


seguintes.
1236 Ver os comentários ao art. 285 da Lei das S.A.
I - o valor do capital social a ser subscrito, o modo de sua realiza-
ção e a existência ou não de autorização para aumento futuro;

II - a parte do capital a ser formada com bens, a discriminação


desses bens e o valor a eles atribuído pelos fundadores;

III — o numero, as espécies e classes de ações em que se dividirá o


capital; o valor nominal das ações, e o preço da emissão das ações;

I V - a importância da entrada a ser realizada no ato da subscrição;

V - as obrigações assumidas pelos fundadores, os contratos assi-


nados no interesse da futura companhia e as quantias já despen-
didas e por despender;

VI - as vantagens particulares, a que terão direito os fundadores


ou terceiros, e o dispositivo do projeto do estatuto que as regula;

VII - a autorização governamental para constituir-se a compa-


nhia, se necessária;

VIII - as datas de início e término da subscrição e as instituições


autorizadas a receber as entradas;

IX - a solução prevista para o caso de excesso de subscrição;

X - o prazo dentro do qual deverá realizar-se a assembleia de cons-


tituição da companhia, ou a preliminar para avaliação dos bens,
se for o caso;

XI - o nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência


dos fundadores, ou, se pessoa jurídica, a firma ou denominação,
nacionalidade e sede, bem como o número e espécie de ações que
cada u m houver subscrito,

X I I - a instituição financeira intermediária do lançamento, em


cujo poder ficarão depositados os originais do prospecto e do pro-
jeto de estatuto, c o m os documentos a que fizerem menção, para
exame de qualquer interessado."

O prospecto é o documento por meio do qual os fundadores pro-


movem uma oferta de subscrição de ações de uma companhia que
está sendo constituída por subscrição pública.
A função do prospecto, assim como a do projeto do estatuto
social, é a de permitir que terceiros possam tomar a decisão de subs-
crever ou não ações da companhia que está sendo constituída1238.
Por essa razão, a Lei das S.A. determina, neste artigo, que o pros-
pecto deverá mencionar, com precisão e clareza, as bases da compa-
nhia, os motivos que justificam a expectativa de bom êxito do
empreendimento e, em especial, os requisitos constantes dos inci-
sos I a X3I.
O prospecto deve ser assinado pelos fundadores, pela instituição
financeira intermediária e ser submetido à aprovação da Comissão de
Valores Mobiliários juntamente com o pedido de registro da emissão,
podendo essa Autarquia exigir modificações em seu conteúdo a fim
de que as informações sejam claras e capazes de refletir com exatidão
as características da companhia em organização.

1238 Consta do art. 38 da Instrução CVM n° 400/2003, com as alterações introduzidas pelas
Instruções C V M n® 429/2006, 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 488/2010, que o
"prospecto é o documento elaborado em conjunto com a instituição líder da distribui-
ção, obrigatório nas oíertas públicas de distribuição de que trata esta Instrução, e que
contém informação completa, precisa, verdadeira, atual, clara, objetiva e necessária, em
linguagem acessível, de modo que os investidores possam formar criteriosamente a sua
decisão de investimento." Não obstante, as regras específicas sobre prospecto editadas
pela CVM aplicam-se apenas às ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários
(arts. 39 a 42 da Instrução CVM n° 400/2003, com a redação que lhe foi dada pelas
Instruções CVM n™ 482/2010 e 488/2010).
O deferimento do pedido de registro pela Comissão de Valores
Mobiliários poderá ser condicionado a modificações no estatuto so-
cial, assim como no prospecto (artigo 82, § 2 o ). Quando se tratar de
constituição de companhia, o indeferimento pode ocorrer por invia-
bilidade ou temeridade do empreendimento ou inidoneidade dos fun-
dadores ou, ainda, quando não forem cumpridas as exigências
formuladas pela Comissão de Valores Mobiliários, nos prazos por ela
assinalados1239. Trata-se da única hipótese em que a Comissão de Va-
lores Mobiliários pode indeferir o registro por inviabilidade do em-
preendimento ou inidoneidade das partes1240.
Este artigo elenca 12 (doze) requisitos que deverão, obrigatoria-
mente, constar do prospecto1241:
a) o valor do capital social a ser subscrito, o modo de sua realiza-
ção, que poderá ser em dinheiro ou bens, e a existência ou não de
capital autorizado, devendo também constar do prospecto o limite da
autorização, as espécies e classes de ações que poderão ser emitidas,
bem como o órgão competente para deliberar sobre o aumento (as-
sembleia geral ou conselho de administração). Esse requisito justifi-
ca-se face à possibilidade de os subscritores terem a sua posição
acionária modificada em decorrência do aumento do capital;
b) a parte do capital a ser formada com bens, a discriminação
desses bens, quando são de propriedade dos fundadores, e o valor a
eles e por eles atribuído. Os subscritores que não forem fundadores
somente poderão integralizar suas ações em bens se o prospecto
expressamente admitir e deverão negociar essa possibilidade com

1239 Consta do art. 16, caput, da Instrução CVM n° 400/2003, com as alterações introduzidas
pelas Instruções CVM n™ 429/2006, 442/2006, 472/2008, 482/2010 e 488/2010, que:
"O pedido de registro pode ser indeferido nas seguintes hipóteses: I - por inviabilidade ou
temeridade do empreendimento ou inidoneidade dos fundadores, quando se tratar de
constituição de companhia; ou II - quando não forem cumpridas as exigências formuladas
pela CVM, nos prazos previstos nesta Instrução."
1240 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 82 da Lei das S.A.
1241 As regras sobre prospecto constantes da Instrução CVM n° 400/2003 também se aplicam,
no que couber, ao prospecto de constituição de companhia por subscrição pública.
os fundadores previamente à subscrição pública das ações. Os bens
que servirão de pagamento das ações subscritas deverão ser avalia-
dos, pois o que compõe o capital da companhia é o valor atribuído
aos bens1242;
c) o número, as espécies e classes de ações em que se dividirá o
capital, o valor nominal das ações, se for o caso, e o preço de emissão
das ações1243. O prospecto deverá, ainda, especificar as vantagens e
preferências das ações preferenciais, se houver,
d) a importância da entrada a ser realizada no ato da subscrição.
A Lei das S.A. exige a subscrição da totalidade das ações, mas a rea-
lização pode ser parcial, isto é, de no mínimo 10% (dez por cento) do
preço de emissão das ações subscritas em dinheiro (artigo 80, inciso
II)1244. No entanto, o prospecto pode fixar uma entrada superior a
10% (dez por cento);
e) as obrigações assumidas pelos fundadores, os contratos assi-
nados no interesse da futura companhia e as quantias já despendidas
e por despender. Essa exigência justifica-se por dar mais transparên-
cia ao ato constitutivo, evitando que os subscritores tomem conheci-
mento desses fatos e documentos e, em conseqüência, dos direitos e
obrigações que caberão à companhia apenas após a sua constituição.
Os fundadores podem fazer constar do prospecto que, não se consti-
tuindo a companhia, as quantias já despendidas serão rateadas entre
os subscritores. Caso não conste do prospecto essa declaração, todas
as despesas correrão por conta dos fundadores1245;

1242 Sobre a avaliação de bens com que com que os subscritores concorrem ã formação do
capital social, ver os comentários ao art. 8 o da Lei das S.A.
1 243 Sobre esse assunto, ver os comentários aos arts. 11 a 17 da Lei das S.A.
1244 Sobre esse assunto, ver os comentários ao arl. 80 da Lei das S.A.
1 245 No mesmo sentido, TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. I,
211 edição, Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 268. Em senlido contrário, MODESTO
CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2, 4'1 edição, São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 123; JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comen-
tários à Lei (arts. 1" a 120). v. I, Rio dejaneiro: Renovar, 2009, p. 846; CARLOS FULCÊNCIO
DA CUNHA PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 1, São Paulo: Saraiva, 1972, p. 41.
f) as vantagens particulares a que terão direito os fundadores ou
terceiros, e o dispositivo do projeto do estatuto que as regula. Os fun-
dadores podem exercer a sua função profissionalmente, sendo, por-
tanto, remunerados pelos serviços que prestarem nessa qualidade após
a constituição da companhia. Por essa razão, a Lei das S.A. estabele-
ce que o prospecto deverá mencionar as vantagens particulares a que
terão direito os fundadores1246-1247. Mas nenhuma remuneração po-
derá ser efetuada por conta do capital da companhia1248. As compa-
nhias abertas, com a edição da Lei n° 10.303/2001 foram proibidas
de emitir partes beneficiárias, razão pela qual os fundadores não po-
derão ser por elas remunerados;
g) a autorização governamental para constituir-se a companhia,
se necessária. Algumas companhias brasileiras dependem de autori-
zação governamental, tais como as instituições financeiras e as segu-
radoras, hipótese em que tal permissão deverá constar do prospecto1249;
h) as datas de início e término da subscrição e as instituições
autorizadas a receber as entradas. Os fundadores devem estabelecer
as datas inicial e final da subscrição. A data do término é fundamen-
tal, pois o subscritor, ao aceitar ingressar na companhia, tem a expec-
tativa de que ela se constitua dentro de determinado prazo; esgotado
o prazo, o subscritor poderá requerer a devolução do depósito efetua-

1 246 Sobre esse assunto e sobre as despesas de constituição da companhia, verTULLIO ASCARELLI,
"Despesas de Constituição e Capital Social", Revista dos Tribunais. São Paulo: Publicação
Oficial dos Trabalhadores do Tribunal de Apelação de São Paulo, v. CXLIV, Ano XXXII,
1943, p. 437-444.
1247 Sobre a remuneração dos fundadores, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de
Sociedades Anônimas..., v. 2, p. 123, entende que, em decorrência da proibição das
companhias abertas emitirem partes beneficiárias, o inciso VI do art. 84 foi derrogado,
ficando, portanto, revogadas todas as vantagens que podiam ser atribuídas aos fundadores.
1248 TULLIO ASCARELLI. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. São
Fciulo: Bookseller, 2001, p. 674.
1249 Consta do art. 1.132 do Código Civil que: "Art. 1.132. As sociedades anônimas nacionais,
que dependam de autorização do Poder Executivo para funcionar, não se constituirão sem
obtê-la, quando seus fundadores pretenderem recorrer a subscrição pública para a forma-
ção do capital. § 1° Os fundadores deverão juntar ao requerimento cópias autênticas do
projeto do estatuto e do prospecto. § 2o Obtida a autorização e constituída a sociedade,
proceder-se-á à inscrição dos seus atos constitutivos".
do. Caso a companhia não seja constituída dentro de 6 (seis) meses
da data do depósito, o banco restituirá as quantias depositadas direta-
mente aos subscritores junto com os rendimentos decorrentes do va-
lor depositado (artigo 81, parágrafo único). Também deverá constar
do prospecto o nome da instituição financeira autorizada a receber as
entradas. A Comissão de Valores Mobiliários autorizou todos os bancos
comerciais a receber em depósito a realização inicial, em dinheiro, do
capital da companhia por ocasião de sua constituição1250;
i) a solução prevista para o caso de excesso de subscrição. Deve-
rão constar do prospecto os procedimentos que serão adotados na
hipótese de excesso de subscrição, como, por exemplo, a prevalência
da ordem cronológica, do rateio entre todos os subscritores, com a
devolução a eles do excesso e a conseqüente redução de suas partici-
pações no capital da companhia, ou da limitação da participação de
cada um. Não se admite o aumento do capital fixado no estatuto e
constante do prospecto para aproveitar as subscrições que excederam
o valor neles estabelecidos. E importante, a fim de evitar discussões
sobre o momento em que os valores objeto do excesso serão devolvi-
dos aos subscritores, que o prospecto estabeleça que esses valores se-
rão por eles levantados junto à instituição financeira depositária,
mediante ofício do presidente da assembleia de constituição acom-
panhado de cópia da respectiva ata, na qual constará a deliberação
sobre essa matéria;
j) o prazo dentro do qual deverá realizar-se a assembleia de cons-
tituição da companhia, ou a assembleia preliminar para avaliação dos
bens, se for o caso. Assim, é possível, inicialmente, uma assembleia
geral de avaliação dos bens com que os subscritores pretendem con-
tribuir para a formação do capital. No entanto, na prática, é realizada
uma única assembleia, a de constituição da companhia, na qual é
deliberada a ratificação da nomeação dos peritos - que já haviam sido

1250 Ato Declaratório CVM n° 02/1978.


previamente contratados — e a aprovação ou rejeição do laudo por eles
apresentado1251. A companhia deverá ser constituída dentro do prazo
de 6 (seis) meses, contado da data do depósito efetuado pelos subscri-
tores, caso contrário a instituição financeira deverá restituí-lo direta-
mente (artigo 81, parágrafo único);
k) o nome, a nacionalidade, o estado civil, a profissão e a residên-
cia dos fundadores, ou, se pessoa jurídica, a firma ou denominação, a
nacionalidade e a sede, bem como o número e a espécie de ações que
cada um houver subscrito. A identificação dos fundadores permite
aos subscritores avaliar a sua idoneidade e a qualificação torna possí-
vel a sua responsabilização;
1) a instituição financeira intermediária do lançamento, em cujo
poder ficarão depositados os originais do prospecto e do projeto de
estatuto, com os documentos a que fizerem menção, para exame de
qualquer interessado. A Lei das S.A. estabelece a obrigatoriedade, na
constituição de companhia por subscrição pública, da intermediação
de instituição financeira (artigo 82, caput). A fim de facilitar o acesso
pelos interessados, deverão constar do prospecto o endereço e o tele-
fone dessa instituição.
Considera-se infração grave, para os efeitos da Lei n° 6.385/
1976, a distribuição de valores mobiliários com prestação de informa-
ções falsas ou tendenciosas no prospecto1252.
Lista, boletim e entrada

"Art. 85. N o ato da subscrição das ações a serem realizadas em


dinheiro, o subscritor pagará a entrada e assinará a lista ou o bole-
tim individual autenticados pela instituição autorizada a receber
as entradas, qualificando-se pelo nome, nacionalidade, residên-

1 251 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 8o da Lei das S.A.
1252 Art. 11, § 3o, da Lei n° 6.385/1976, com a redação dada pela Lei n° 9.457/1997, e art.
59 da Instrução CVM n° 400/2003, com a redação que lhe foi dada pela Instrução
CVM n° 482/2010.
cia, estado civil, profissão e documento de identidade, ou, se pes-
soa jurídica, pela firma o u denominação, nacionalidade e sede,
devendo especificar o número das ações subscritas, a sua espécie
e classe, se houver mais de u m a , e o total d a entrada.

Parágrafo único. A subscrição p o d e r á ser feita, nas condições


previstas no prospecto, p o r carta à instituição, c o m as declara-
ções prescritas neste artigo e o p a g a m e n t o d a entrada."

A subscrição de ações constituí declaração unilateral e irretratá-


vel de vontade, pela qual uma pessoa obriga-se a fazer parte da socie-
dade, quer a constituição da companhia ocorra por subscrição pública,
quer por subscrição particular. Ao subscrever ações, o subscritor deve
especificar a quantidade, espécie e classe de ações, se houver, que está
subscrevendo e compromete-se a integralizá-las de acordo com as
regras constantes do prospecto e do estatuto social.
Para ser acionista de uma companhia, o subscritor deverá, obri-
gatoriamente, estar no pleno gozo da capacidade civil e não se en-
contrar impedido de participar de uma sociedade1253. Os absolutamente
e os relativamente incapazes não podem ser acionistas de sociedade
anônima, salvo se forem representados ou assistidos, respectivamen-
te, por seus pais, tutores ou curadores"54-1255.

1 253 Determina o Código Civil no art. 972 que: "Podem exercer a atividade de empresário os que
estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos." Estabelece,
ainda, no art. 104, inciso I, que a validade do negócio jurídico requer agente capaz.
1254 De acordo com o art. 3 o do Código Civil são absolutamente incapazes de exercer pessoal-
mente os atos da vida civil: "I os menores de 16 (dezesseis anos); II - os que, por
enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática
desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade."
Já o art. 4 o estabelece que: "São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os
exercer: l - os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos; II - os ébrios
habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento
reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos." A
menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, podendo o menor com 16 (dezesseis)
anos ser emancipado (art. 5°, caput e parágrafo único, inciso I, do Código Civil).
1 255 Sobre o exercício da tutela e da curalela, ver, respectivamente, os arts. 1.740 e seguintes e
1.767 a 1.783 do Código Civil.
O subscritor, no ato da subscrição das ações a serem realizadas
em dinheiro, pagará a entrada e assinará a lista ou o boletim autentica-
dos pela instituição autorizada a receber as entradas, qualificando-se
pelo nome, nacionalidade, residência, estado civil, profissão e docu-
mento de identidade, ou, se pessoa jurídica, pela firma ou denomina-
ção, nacionalidade e sede, devendo especificar o número das ações
subscritas, a sua espécie e classe, se houver mais de uma, e o total da
entrada. Essa exigência justifica-se na medida em que é fundamental
identificar o subscritor a fim de tornar possível a sua execução, na
hipótese de ser verificada a mora (artigo 107) e impedir fraudes na
subscrição de ações.
Na ausência de assinatura do subscritor no boletim de subscri-
ção e/ou de pagamento da entrada, a subscrição é nula, pois a Lei das
S.A. prescreve a obrigatoriedade desses requisitos. De acordo com o
Código Civil: (i) a validade do negócio jurídico requer agente capaz,
objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei; e (ii) é nulo o
negócio jurídico quando não revestir a forma prescrita em lei1256. Sendo
o negócio jurídico nulo, ele não é suscetível de confirmação nem con-
valesce pelo decurso do tempo1257.
Na subscrição em bens, não se realiza entrada no ato de subscri-
ção, portanto, o subscritor apenas assinará a lista ou o boletim de
subscrição, observadas as exigências previstas no caput deste artigo e
acima mencionadas, e especificará os bens com que realizará as ações
subscritas. Esses bens serão avaliados e o respectivo laudo será sub-
metido à aprovação da assembleia geral dos subscritores1258.
A fim de facilitar a subscrição de ações em dinheiro, a Lei das
S.A. permite, no parágrafo único, que ela seja efetuada por carta diri-
gida à instituição financeira, nas condições previstas no prospecto,

1256 Arts. 104 e 166, inciso IV, do Código Civil.


1257 Art. 169 do Código Civil.
1258 Sobre a avaliação de bens e a aprovação do respectivo laudo, ver os comentários ao art. 8o
da Lei das S.A.
com o pagamento da entrada e observados os requisitos exigidos para
o boletim de subscrição.
Assim, o interessado pode subscrever ações de uma companhia
pessoalmente, por meio de seu procurador ou mediante carta dirigida
à instituição autorizada a receber as entradas (artigo 84, inciso VIII),
desde que essa possibilidade conste expressamente do prospecto. Na
representação devem ser observadas as regras do direito civil. O pro-
curador responderá pelos atos praticados com excesso de poder, salvo
se for expressa ou inequivocamente ratificado pelo mandante1259. Se
não houver ratificação, o mandatário será considerado subscritor.
Tendo em vista que a constituição da sociedade depende da subs-
crição integral de seu capital, não cabe o arrependimento do subscri-
tor que assinou a lista ou o boletim de subscrição1260. No entanto, ele
poderá comparecer à assembleia geral e votar contra a constituição da
companhia; uma vez constituída, o subscritor é obrigado a realizar,
nas condições previstas no estatuto ou no boletim de subscrição, a
prestação correspondente às ações subscritas ou adquiridas (artigo 106,
caput). Aquele que não fizer o pagamento nas condições previstas fi-
cará de pleno direito constituído em mora, sujeitando-se ao pagamento
dos juros e da multa que o estatuto determinar, que não poderá ser
superior a 10% (dez por cento) do valor da prestação (artigo 106, § 2o).
O subscritor não é obrigado a comparecer à assembleia de
constituição. Para se tornar acionista, é suficiente a assinatura da lista
ou do boletim de subscrição, desde que a companhia seja constituída.
Por essa razão, a Lei das S.A. estabelece a regra de que a assembleia
de constituição instala-se em primeira convocação com a presença
de subscritores que representem, metade, no mínimo, do capital social

1 259 Consta do art. 662 do Código Civii que: "Os atos praticados por quem não tenha mandato,
ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram
praticados, salvo se este os ratificar. Parágrafo único. A ratificação há de ser expressa, ou
resultar de ato inequívoco, e retroagirá à data do ato."
1 260 Nesse sentido, TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. I, 2" edição,
Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 276.
e, em segunda convocação, com qualquer número. Cada ação dá direito
a um voto e a maioria não tem o poder de alterar o projeto de estatuto.
Não havendo oposição de subscritores que representem mais da
metade do capital social e verificando-se que foram observadas as
formalidades legais, a sociedade é declarada constituída (artigo 87,
caput e §§ 2 o e 3 o ).
De acordo com a Lei das S.A., a ação para anular a constituição
da companhia, por vício ou defeito, prescreve em 1 (um) ano, contado
da publicação dos seus atos constitutivos (artigo 285, caput).
Convocação d e assembleia

"Art. 86. E n c e r r a d a a subscrição e havendo sido subscrito todo


0 capital social, os f u n d a d o r e s convocarão a assembleia geral
que deverá:

1 - promover a avaliação d o s bens, se for o caso (artigo 8 o );

I I — deliberar sobre a constituição d a companhia.

Parágrafo único. O s anúncios d e convocação mencionarão hora,


dia e local da reunião e serão inseridos nos jornais em que houver
sido feita a publicidade d a oferta de subscrição."

Após o encerramento da fase de subscrição, os fundadores devem


verificar, por meio dos boletins de subscrição ou das cartas enviadas às
instituições financeiras responsáveis pelo recebimento das entradas, se
as ações foram (i) integralmente subscritas; ou (ii) parcialmente subs-
critas, hipótese em que a companhia não será constituída, devendo os
fundadores informar esse fato à instituição financeira intermediária a
fim de que os valores depositados sejam devolvidos aos subscritores

1261 Sobre a subscrição parcial e o requisito da subscrição da totalidade das ações, ver os
comentários ao art. 80 da Lei das S.A. e o Parecer de Orientação CVM n° 08/1981.
No caso de excesso de subscrição, deverão ser observadas as re-
gras previstas no prospecto (artigo 84, inciso IX), como, por exemplo,
a prevalência da ordem cronológica - as subscrições mais antigas - ,
do rateio entre todos os subscritores, com a devolução a eles do exces-
so e a conseqüente redução de suas participações no capital da com-
panhia, ou da limitação da participação de cada um. Não se admite o
aumento do capital fixado no estatuto e constante do prospecto para
aproveitar as subscrições que excederam o valor neles estabelecidos1262.
Verificado o atendimento dos requisitos preliminares (artigos 80
a 82), com a subscrição de todas as ações em que se divide o capital
social, seguir-se-á a fase da constituição da companhia propriamente
dita. Os fundadores convocarão a assembleia geral, dentro do prazo
estabelecido no prospecto (artigo 84, inciso X), mediante anúncio
publicado por 3 (três) vezes, no mínimo, que deverá conter o local, a
data, a hora da assembleia e a indicação da ordem do dia, ou seja,
deliberar sobre: (i) a avaliação dos bens com que os subscritores tive-
rem contribuído para a formação do'capital, se for o caso; ou, na hipó-
tese de subscrição apenas em dinheiro; (ii) a constituição da companhia,
com a conseqüente aprovação do projeto do estatuto social (artigo
124, caput). Na hipótese de os fundadores não convocarem a assem-
bleia de constituição, os subscritores poderão fazê-lo.
No caso de subscrição em bens, a sua avaliação será efetuada de
acordo com as regras do artigo 8o e a assembleia de constituição deverá
ser precedida de uma outra com a finalidade de nomear os peritos ou a
empresa especializada1263. Na prática, porém, previamente à assembleia
de constituição, os fundadores contratam os peritos ou a empresa espe-
cializada e solicitam a avaliação dos bens. Assim, é realizada uma única
assembleia para ratificar a nomeação dos peritos, aprovar os laudos, que
já haviam sido por eles elaborados, e a constituição da companhia.

1262 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 84 da Lei das S.A.
1263 Sobre a avaliação dos bens, ver os comentários ao art. 8o da Lei das S.A.
Tratando-se de subscrição pública, o prazo de antecedência da
primeira convocação para a assembleia será de 15 (quinze) dias, con-
tado da publicação do primeiro anúncio, e o da segunda convocação
com antecedência de 8 (oito) dias. Na hipótese de subscrição particu-
lar, a convocação será feita com 8 (oito) dias de antecedência e a se-
gunda com no mínimo 5 (cinco) dias (artigo 124, § I o ) 1264 .
Na assembleia de constituição, todos os subscritores têm direito
de voto, não importando a espécie de suas ações. A companhia so-
mente deixará de ser constituída se houver oposição de subscritores
que representem mais da metade do capital social (artigo 87, § 3o),
não tendo a maioria poder para alterar o projeto de estatuto (artigo
87, §2°).
Caso a companhia não se constitua dentro do prazo de 6 (seis)
meses da data do depósito, a instituição financeira restituirá as quan-
tias depositadas diretamente aos subscritores (artigo 81, parágrafo
único), sem prejuízo da responsabilidade dos fundadores pelos even-
tuais danos causados.

A s s e m b l e i a de constituição

"Art. 87. A assembleia de constituição instalar-se-á, e m primeira


convocação, c o m a presença de subscritores que representem, no
mínimo, metade do capital social, e, em segunda convocação, com
qualquer número.

§ I o N a assembleia, p r e s i d i d a p o r u m dos f u n d a d o r e s e secre-


t a r i a d a p o r subscritor, será lido o recibo de depósito de que
trata o n ú m e r o I I I do artigo 80, b e m c o m o discutido e votado
o projeto de estatuto.

1264 Na convocação, serão observadas as regras do art. 289, além daquelas constantes do
art. 124, § 1o, da Lei das S.A., com as alterações que lhes foram introduzidas pelas Leis
n™ 9.457/1997 e 10.303/2001,
§ 2 o C a d a ação, independentemente de sua espécie ou classe, dá
direito a u m voto; a maioria não tem poder para alterar o projeto
de estatuto.

§ 3 o Verificando-se que foram observadas as formalidades legais e


não havendo oposição de subscritores que representem mais da me-
tade do capital social, o presidente declarará constituída a compa-
nhia, procedendo-se, a seguir, à eleição dos administradores e fiscais.

§ 4 o A ata da reunião, lavrada e m duplicata, depois d e lida e apro-


vada pela assembleia, será assinada p o r todos os subscritores pre-
sentes, o u p o r quantos b a s t e m à validade das deliberações; u m
exemplar ficará e m p o d e r da c o m p a n h i a e o outro será destinado
ao registro do comércio."

A constituição por subscrição particular pode realizar-se por as-


sembleia geral ou escritura pública (artigo 88) e a subscrição pública
apenas mediante assembleia. Assim, verificando-se o atendimento
de todos os requisitos preliminares (artigos 80 a 82) e encerrada a
subscrição, os fundadores deverão convocar a assembleia geral, que se
instalará, em primeira convocação, com a presença de subscritores
que representem, no mínimo, metade do capital social, e, em segunda
convocação, com qualquer número1265.
Para apurar o quorum de instalação e verificar a titularidade das
ações, os subscritores deverão (i) assinar a folha de presença, anotan-
do a quantidade de ações subscritas; e (ii) exibir o recibo de depósito
da entrada inicial (artigo 80, inciso II) e o documento hábil de sua
identidade. O subscritor poderá ser representado por procurador com
poderes especiais (artigo 90) e não se requer que ele também seja
subscritor. Não havendo quorum para instalação da assembleia, pro-

1 265 Sobre a convocação da assembleia geral de constituição, ver os comentários ao art. 86 da


Lei das S.A.
cede-se à segunda convocação, ocasião em que será instalada com
qualquer número.
Instalada a assembleia, o presidente será um dos fundadores e
convidará um dos subscritores para secretário1266. O secretário não
poderá ser ao mesmo tempo subscritor e fundador, pois a análise dos
contratos e dos atos relativos à constituição da companhia deve ser
efetuada com imparcialidade. Composta a mesa que dirigirá os traba-
lhos, será (i) lido o recibo do depósito da parte do capital realizado em
dinheiro, efetuado no Banco do Brasil S.A. ou em outro estabeleci-
mento bancário autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários,
(artigo 80, inciso III); (ii) verificado o eventual excesso de subscrição,
com a conseqüente deliberação sobre essa matéria; (iii) votado o lau-
do dos peritos, se for o caso; e (iv) discutido e votado o projeto do
estatuto social.
No caso de excesso de subscrição, a assembleia deverá deliberar
sobre a sua devolução aos subscritores e a conseqüente redução de
suas participações no capital da companhia, observadas as regras pre-
vistas no prospecto (artigo 84, inciso IX), como, por exemplo, a pre-
valência da ordem cronológica - as subscrições mais antigas - , do
rateio entre todos os subscritores ou da limitação da participação de
cada um. Não se admite o aumento do capital fixado no estatuto e
constante do prospecto para aproveitar as subscrições que excederam
o valor neles estabelecidos1267.
Na hipótese de subscrição em bens, a sua avaliação será efetuada
de acordo com as regras do artigo 8 o e a assembleia de constituição
deverá ser precedida de uma outra, com a finalidade de nomear os
peritos ou a empresa especializada1268. Na prática, porém, previamen-
te à assembleia de constituição, os fundadores contratam os peritos

1266 CARLOS FULGÊNCIO DA C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 1, São Paulo:


Saraiva, 1972, p. 70-71.
1267 Ver os comentários ao art. 84 da Lei das S.A.
1268 Sobre a avaliação dos bens, ver os comentários ao art. 8o da Lei das S.A.
ou a empresa especializada e solicitam a avaliação dos bens. Assim, é
realizada uma única assembleia para ratificar a nomeação dos peritos,
aprovar os laudos, que já haviam sido por eles elaborados, e a consti-
tuição da companhia.
Além da deliberação sobre o projeto do estatuto social, haverá
também a aprovação, ou não, dos atos praticados pelos fundadores na
fase que antecedeu a assembleia.
Na assembleia de constituição, de acordo com o § 2 o , cada ação dá
direito a 1 (um) voto, independentemente da espécie e classe da ação.
Assim, o titular de ações preferenciais sem direito a voto terá, nessa
assembleia, o direito de votar. A maioria não tem poder para modificar
o projeto de estatuto, exceto quando se tratar de alteração destinada a
sanar irregularidades eventualmente existentes, tais como cláusulas con-
trárias à lei, à ordem pública e aos bons costumes1269. Tendo em vista
que os subscritores concordaram em fazer parte de uma companhia
nos exatos termos constantes do projeto do estatuto social e do pros-
pecto, o projeto de estatuto somente pode ser alterado por deliberação
unânime e com a presença de todos eles. Portanto, o estatuto social
deve ser aprovado da forma como foi projetado, salvo acordo da unani-
midade dos subscritores e não apenas dos presentes à assembleia.
Verificando-se que foram observadas as formalidades legais e não
havendo oposição de subscritores que representem mais da metade
do capital social, o presidente da assembleia declara constituída a com-
panhia. Na realização da assembleia em segunda convocação e, por-
tanto, com a presença de subscritores representando menos da metade

1269 Sobre esse assunto, TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. I, 2 J
edição, Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 285, observa que: "(...) não se poderá considerar
como alteração, modificação ou derrogação de cláusulas ou artigos dos estatutos, as emen-
das e correções destinadas a sanar faltas ou irregularidades. Assim, como é possível, após a
constituição da sociedade, e por força de exigência do Registro do Comércio (...), sanar
defeitos ou vícios dos estatutos, com razão maior, positivada a falta ou a irregularidade, antes
da constituição da sociedade, pode a assembleia, por deliberação de subscritores, que
representem metade, no mínimo, do capital social, aprovar as emendas e correções necessá-
rias. Uma disposição estatutária que ferisse a lei, ou contrariasse preceito de ordem pública,
não poderia, é evidente, ser mantida."
do capital social, a companhia poderá ser declarada constituída ainda
que a maioria dos presentes vote contra a constituição1270.
A subscrição de ações é declaração unilateral e irretratável de
vontade, mas o subscritor pode comparecer à assembleia geral e votar
contra a constituição da companhia. No entanto, uma vez constituí-
da, é obrigado a realizar, nas condições previstas no estatuto ou no
boletim de subscrição, a prestação correspondente às ações subscritas
ou a d q L i i r i d a s (artigos 85 e 106, capui).
Declarada a constituição, procede-se à eleição dos primeiros
administradores e, se for o caso, dosfiscais,com afixaçãodos respectivos
honorários, observadas as regras do estatuto social, pois, nesse momento,
a companhia já foi declarada constituída e o estatuto social aprovado.
Deverão ser observadas, também, as normas da Lei das S.A. sobre o
exercício do voto e a eleição em separado dos membros do conselho de
administração (artigo 141), os requisitos e impedimentos dos
administradores (artigos 146 e 147) e dos membros do conselho fiscal
(artigo 162).
Na eleição do conselho fiscal deverão ser observadas as regras
do artigo 161. Assim, os seus membros serão eleitos apenas na hipó-
tese de o estatuto regular o seu funcionamento de modo permanente
ou a pedido de subscritores que representem ao menos 10% (dez por
cento) das ações com direito a voto ou 5% (cinco por cento) das ações
sem direito a voto.
Não havendo mais deliberações a serem tomadas, lavrar-se-á a
ata, em duplicata, que será, nos termos do § 4 o , depois de lida e apro-
vada, assinada por todos os subscritores presentes, ou por quantos
bastem à validade das deliberações. Um exemplar ficará em poder da
companhia e o outro deverá ser levado a registro na Junta Comercial.

1 270 No mesmo sentido, CARLOS AUGUSTO DA SILVEIRA LOBO, "Assembleia de Constituição".


In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I,
Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 694.
Os fundadores entregarão aos administradores eleitos todos os
documentos, livros ou papéis relativos à constituição da companhia
ou a esta pertencentes (artigo 93). Após a constituição, para que a
companhia possa funcionar, deverão ser arquivados na Junta Comer-
cial do lugar da sede: (i) um exemplar do estatuto social assinado por
todos os subscritores, ou, se a subscrição houver sido pública, os origi-
nais do estatuto e do prospecto assinados pelos fundadores, bem como
do jornal em que tiverem sido publicados; (ii) a relação completa e
autenticada pelos fundadores, ou pelo presidente da assembleia, dos
subscritores do capital social, com a qualificação, número das ações e
o total da entrada de cada subscritor; (iii) o recibo do depósito das
entradas em dinheiro; (iv) duplicata da ata da assembleia realizada
para avaliação dos bens, quando for o caso; e (v) duplicata da ata da
assembleia geral de constituição da companhia (artigo 95).

S E Ç Ã O III

C O N S T I T U I Ç Ã O POR S U B S C R I Ç Ã O PARTICULAR

"Art. 88. A constituição d a c o m p a n h i a p o r subscrição particular


do capital p o d e fazer-se p o r deliberação dos subscritores em as-
sembleia geral o u p o r escritura pública, considerando-se f u n d a -
dores todos os subscritores.

§ I o S e a forma escolhida for a de assembleia geral, observar-se-á o


disposto nos artigos 86 e 87, devendo ser entregues à assembleia o
projeto do estatuto, assinado e m duplicata por todos os subscrito-
res do capital, e as listas ou boletins de subscrição de todas as ações.

§ 2 o Preferida a escritura pública, será ela assinada p o r todos os


subscritores, e conterá:

a) a qualificação dos subscritores, nos termos do artigo 85;


b) o estatuto da companhia;

c) a relação das ações tomadas pelos subscritores e a importância


das entradas pagas;

d) a transcrição do recibo do depósito referido no número I I I do


artigo 80;

e) a transcrição do laudo d e avaliação dos peritos, caso tenha ha-


vido subscrição do capital social e m bens (artigo 8 o );

f ) a nomeação dos primeiros administradores e, quando for o caso,


dos fiscais."

A Lei das S.A. regula 2 (duas) formas de constituição de compa-


nhia: por subscrição pública (artigos 82 a 87) e por subscrição parti-
cular. A constituição mediante subscrição pública realiza-se apenas
por deliberação em assembleia geral dos subscritores (artigo 87), en-
quanto a subscrição particular pode realizar-se por assembleia geral
ou escritura pública.
O fundador tem utilidade apenas na constituição de companhia
por subscrição pública, praticamente inexistente, na prática dos ne-
gócios, na qual deverá: (i) providenciar o estudo de viabilidade econô-
mica e financeira do empreendimento e o projeto do estatuto social;
(ii) organizar o prospecto; (iii) escolher a instituição financeira que
intermediará a subscrição; (iv) requerer o registro da emissão na Co-
missão de Valores Mobiliários (artigo 82); (v) receber as quantias dos
subscritores e depositá-las em nome deles (artigo 81); e (vi) convocar
a assembleia de constituição (artigo 86) e presidi-la (artigo 87, § I o ).
No entanto, ele não tem nenhuma importância na constituição por
subscrição particular; por essa razão, a Lei das S.A., no caput deste
artigo, considera como fundadores todos os subscritores1271. Nadaobs-
ta, porém, que seja atribuída a apenas alguns deles a qualidade de
fundadores, uma vez que, em certos casos, somente alguns subscrito-
res dedicam-se à constituição da sociedade, enquanto os outros limi-
tam-se a assinar o boletim de subscrição1272.
A constituição de companhia por subscrição pública é de rara
ocorrência em razão da morosidade de todo o processo, da sua com-
plexidade e, em especial, pelo risco que correm os fundadores de ter o
registro na Comissão de Valores Mobiliários indeferido por inviabili-
dade ou temeridade do empreendimento ou por serem considerados
inidôneos1273. Assim, usualmente, as companhias constituem-se por
subscrição particular e, posteriormente, procedem à abertura de seu
capital com a oferta de ações ao público em geral.
Na subscrição particular por assembleia, determina o § I o que
seja observado o disposto nos artigos 86 e 87, ou seja, as normas rela-
tivas à convocação e realização da assembleia de constituição. A con-
vocação por anúncio publicado em jornal poderá ser dispensada se
todos os subscritores estiverem presentes à assembleia, aplicando-se,
no que couber, o disposto no artigo 124. Nessa modalidade de cons-
tituição, o projeto do estatuto deve ser entregue à assembleia, assina-
do em 2 (duas) vias por todos os subscritores, para ser anexado à ata
juntamente com as listas ou boletins de subscrição de todas as ações.

1271 Sobre a figura do "fundador", ver os comentários ao art. 80 da Lei das S.A.
1272 No mesmo sentido, CARLOS A U G U S T O DA SILVEIRA LOBO, "Constituição por Subscri-
ção Particular". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das
Companhias, v. I, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 698, observa que: "Na prática se vê
com freqüência, em constituições de companhias por subscrição particular, subscritores
que nada mais fazem do que assinar o boletim de subscrição, aceitando passivamente
participar da constituição da companhia, confiados na idoneidade daqueles que realmen-
te exerceram as funções de fundador. (...) Cabe responsabilizar solidariamente todos os
subscritores pelos atos e omissões dolosos ou culposos dos que efetivamente funcionaram
como fundadores da companhia? A nosso ver a presunção constante da parte final do
artigo 88 é relativa, pois também na subscrição particular são os fatos que identificam a
qualidade de fundador."
1273 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 82 da Lei das S.A.
Além das regras previstas nos artigos 86 e 87, devem ser cumpri-
dos, tanto na subscrição pública como na particular - seja por assem-
bleia geral ou escritura pública - , os requisitos preliminares constantes
dos artigos 80 e 81, a saber: (i) subscrição por, pelo menos, 2 (duas)
pessoas de todas as ações em que se divide o capital social; (ii) paga-
mento, como entrada, de 10% (dez por cento), no mínimo, do preço
de emissão das ações subscritas em dinheiro; e (iii) depósito, no Ban-
co do Brasil S.A., ou em outro estabelecimento bancário autorizado
pela Comissão de Valores Mobiliários, da parte do capital realizado
em dinheiro, que deverá ser feito pelo fundador, em nome do subscri-
tor e a favor da sociedade em organização, no prazo de 5 (cinco) dias,
contado do recebimento das quantias.
Na constituição particular por escritura pública, o § 2 o estabele-
ce os elementos indispensáveis: (i) a assinatura de todos os subscrito-
res, o que implica no seu consentimento para a constituição da
companhia; (ii) a qualificação dos subscritores, nos termos do artigo
85; (iii) o inteiro teor do estatuto da companhia, que nesse caso não
precisa ser assinado pelos subscritores; (iv) a relação das ações toma-
das pelos subscritores — com a especificação do número, espécie e
classe - e a importância das entradas pagas; (v) a transcrição do reci-
bo do depósito da parte do capital realizado em dinheiro (artigo 80,
inciso III); (vi) a transcrição do laudo de avaliação dos peritos, caso
tenha havido subscrição do capital social em bens (artigo 8o), o que
dispensa as assembleias preliminares; e (vii) a nomeação dos primei-
ros administradores e, quando for o caso, dos fiscais, com a fixação
dos respectivos honorários e especificação do término dos mandatos.
O subscritor pode fazer-se representar na assembleia geral de
constituição ou escritura pública por procurador com poderes especiais
(artigo 90). Para a eficácia da constituição da companhia, todos os
subscritores ou seus respectivos procuradores, quando for o caso,
deverão assinar a escritura, ao contrário do que ocorre com a ata da
assembleia geral, para a qual é suficiente a assinatura dos subscritores
presentes ou de quantos bastem à validade das deliberações (artigo
87, § 4°).
Os fundadores entregarão aos administradores eleitos todos os
documentos, livros ou papéis relativos à constituição da companhia
ou a esta pertencentes (artigo 93). Como nenhuma companhia po-
derá funcionar sem que sejam arquivados e publicados os seus atos
constitutivos (artigo 94), na constituição por assembleia deverão ser
observadas as formalidades complementares constantes do artigo 95
e na constituição por escritura pública bastará o arquivamento da cer-
tidão do instrumento (artigo 96)1274. Arquivados os documentos rela-
tivos à constituição da companhia, os seus administradores deverão
providenciar, nos 30 (trinta) dias subsequentes, a publicação deles,
bem como a da certidão do arquivamento, em órgão oficial do local
de sua sede. Também deverá ser arquivado na Junta Comercial um
exemplar do órgão oficial (artigo 98, caput e § I o ).
A certidão dos atos constitutivos após o arquivamento na Jun-
ta Comercial será o documento hábil para a transferência, por trans-
crição no registro público competente, dos bens com que o
subscritor tiver contribuído para a formação do capital social (arti-
go 98, § 2°).

SEÇÃO IV

DISPOSIÇÕES GERAIS

"Art. 89. A incorporação de imóveis para formação do capital


social não exige escritura pública."

A Lei das S.A. prevê que o capital social pode ser formado com
contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetí-
veis de avaliação em dinheiro (artigo 7 o ) e, na falta de declaração ex-

Sobre esse assunto, ver, também, os comentários ao art. 87 da Lei das S.A.
pressa em contrário, os bens transferem-se à companhia a título de
propriedade (artigo 9o).
Quando a integralização das ações subscritas ocorre em dinhei-
ro, o subscritor, no ato da constituição da companhia, paga pelo me-
nos 10% (dez por cento) do valor das ações subscritas e essa
importância é depositada no Banco do Brasil S.A. ou em outro esta-
belecimento bancário autorizado pela Comissão de Valores Mobiliá-
rios (artigo 80). No entanto, se o subscritor oferecer bens para
pagamento das ações subscritas, esses deverão ser avaliados, pois o
que compõe o capital da companhia é o valor atribuído aos bens1275.
Na incorporação de imóveis com que os subscritores tiverem con-
tribuído para a formação do capital social, dispensa-se a formalidade da
escritura pública para a sua conferência. A ata da assembleia geral com
a identificação do bem é suficiente. O dispositivo excepciona a regra do
Código Civil, que estabelece que "não dispondo a lei em contrário, a es-
critura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à
constituição, tranfierência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre
imóveis de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vi-
gente no País."u7e. Na hipótese de a companhia ser constituída por es-
critura pública, este dispositivo não se aplica, pois já estará nela regulada
a transferência do imóvel do subscritor para a companhia1277.
Para a efetiva transferência e registro do imóvel em nome da
companhia, é indispensável a certidão dos seus atos constitutivos pas-
sada pela Junta Comercial em que tiverem sido arquivados: esse é o
documento hábil para a transferência, por transcrição, no registro
público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído
para a formação do capital social. A ata da assembleia geral que apro-

1 275 Sobre a avaliação de bens, ver os comentários ao art. 8o da Lei das S.A.
1276 Art. 108 do Código Civil.
1277 Consta do art. 215, caput, do Código Civil que: "Art. 215. A escritura pública, lavrada em
notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena."
var a incorporação de bens ao capital deverá identificá-los com preci-
são, mas poderá descrevê-los sumariamente, desde que seja suple-
mentada por declaração, assinada pelo subscritor, contendo todos os
elementos necessários à transcrição no registro público (artigo 98, §§
]0 e 2O)1278_1279_

Os primeiros administradores deverão, após o arquivamento dos


atos constitutivos da companhia, providenciar a transferência, por
transcrição no registro público competente, dos bens conferidos à
realização do capital, sob pena de serem solidariamente responsá-
veis perante a companhia pelos prejuízos causados pela demora no
cumprimento das formalidades complementares à constituição (ar-
tigo 99, caput).
Quando os bens imóveis são transferidos à companhia como
contribuição para o capital social, em regra, não há incidência do im-
posto de transmissão inter vivos, por expressa disposição da Consti-
tuição Federal1280.

1278 Sobre esse assunto, o art. 221 da Lei n° 6.015/1973, com as alterações introduzidas pelas
Leis n05 6.216/1975 e 12.424/2011, determina que: "Art. 221. Somente são admitidos a
registro: I - escrituras públicas, inclusive as lavradas em consulados brasileiros; II - escritos
particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhe-
cidas, dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades
vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação; III - atos autênticos de países estrangeiros,
com força de instrumento público, legalizados e traduzidos na forma da lei, e registrados no
cartório do Registro de Títulos e Documentos, assim como sentenças proferidas por tribu-
nais estrangeiros após homologação pelo Supremo Tribunal Federal; IV - cartas de sentença,
formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos de processo; e V-contratos ou
termos administrativos, assinados com a União, Estados e Municípios no âmbito de progra-
mas de regularização fundiária, dispensado o reconhecimento de firma."
1279 Consta dos arts. 35 e 64 da Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de
Empresas Mercantis e Atividades Afins, que: (i) "Ari 35. Não podem ser arquivados: (...) VII -
os contratos sociais ou suas alterações em que haja incorporação de imóveis à sociedade, por
instrumento particular, quando do instrumento não constar: a) a descrição e identificação do
imóvel, sua área, dados relativos ã sua titulação, bem como o número da matrícula no registro
imobiliário; b) a outorga uxória ou marítal, quando necessária."; (ii) "Art. 64. A certidão dos atos
de constituição e de alteração de sociedades mercantis, passada pelas juntas comerciais em que
foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro
público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou
aumento do capital social." Ver, também, o art. 53 do Decreto n° 1.800/1996, com as alterações
introduzidas pelo Decreto n° 3.344/2000.
1280 Sobre esse assunto, a Constituição Federal, no art. 156, § 2o, inciso I, determina que o
imposto de transmissão inter vivos, de que trata o inciso II do caput desse artigo, "não incide
"Art. 9 0 . 0 subscritor pode fazer-se representar na assembleia ge-
ral ou na escritura pública por procurador com poderes especiais."

O subscritor, para ser representado na assembleia geral de constitui-


ção ou na escritura pública, deve outorgar procuração com poderes espe-
ciais, pois, de acordo com o Código Civil, o mandato em termos gerais
só confere poderes de administração e a constituição da companhia não
configura ato de administração do patrimônio do subscritor1281-1282.
A procuração apenas com poder de subscrever ações não autoriza
o mandatário a representar o subscritor em assembleia geral ou na es-
critura pública de constituição de companhia.
O instrumento de procuração pode revestir a forma pública ou
particular e a Lei das S.A. não exige que dele conste a relação dos
atos a serem praticados pelo procurador na assembleia geral ou na
escritura pública, sendo suficiente o poder de representar o subscritor
para que possa praticar os atos necessários à constituição da compa-
nhia, salvo eventual limitação constante do mandato. No entanto, o
procurador somente poderá manifestar-se contra a constituição da
companhia mediante expressa previsão no instrumento de procura-
ção1283-1284. Assim, é recomendável que dele constem poderes para o

sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em


realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de íusão,
incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade
preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens
imóveis ou arrendamento mercantil."
1281 Sobre a representação, o Código Civil determina que: (i) "Art. 115. Os poderes de represen-
tação conferem-se por lei ou pelo interessado"; (ii) "Art. 116. A manifestação de vontade
pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao representado";
e (iii) "Art. 653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu
nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato."
1282 Art. 661 do Código Civil.
1283 Sobre esse assunto, CARLOS FULGÊNCIO DA C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações.
V. 2, São Raulo: Saraiva, 1972, p. 90, observa que: "De fato, se os poderes são apenas para
representar o subscritor na assembleia de constituição da sociedade ou na escritura pública
de sua formação, presume-se haver ele desejado manter a subscrição e a constituição da
sociedade. Para o arrependimento impõe-se manifestação expressa, não valendo, nesta
hipótese, as instruções verbais ministradas ao procurador."
1284 Em sentido contrário, TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. I,
2° edição. Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 292-293, para o qual o procurador que recebe
mandatário (i) concordar ou discordar de proposta de alteração do
projeto de estatuto social, no caso de constituição por subscrição par-
ticular; e (ii) orientação sobre a eleição de administradores e fiscais.
Caso o mandatário pratique atos que exorbitem os poderes que
lhe foram conferidos, o mandante poderá ratificá-los, desde que a
ratificação seja expressa ou resulte de ato inequívoco, a qual retroagirá
à data do ato12SS.
Não se exige que o procurador seja também subscritor. Não se
aplica à assembleia de constituição e à escritura pública o disposto no
§ I o do artigo 126 - segundo o qual o acionista só pode ser represen-
tado em assembleia geral por acionista, administrador da companhia
ou advogado —, pois não se pode confundir o acionista com o subscri-
tor. Somente após a constituição da companhia justifica-se a proibi-
ção de que terceiros a ela estranhos participem das assembleias gerais.
Se a companhia for constituída por escritura pública, o instru-
mento de procuração deverá ser entregue ao tabelião, para que seja
registrado no cartório; se a constituição se der em assembleia geral, o
instrumento deverá ser exibido aos fundadores para ser arquivado jun-
tamente com os atos constitutivos da companhia.

"Art. 91. N o s atos e publicações referentes à companhia em cons-


tituição, sua denominação deverá ser aditada d a cláusula 'em or-
ganização'."

Para que terceiros que venham a se relacionar com a companhia


na fase de organização tenham pleno conhecimento de seu estado, a
Lei das S.A. determinou, neste artigo, que, nos atos e publicações
referentes à companhia em constituição, sua denominação seja acom-
panhada da expressão "em organização", sob pena de os fundadores

poderes para representar o subscritor na assembleia geral ou na escritura fica autorizado a


tomar as medidas necessárias ao fim do mandato.
1285 Art. 662 do Código Civil.
responderem solidariamente pelos prejuízos causados aos subscrito-
res e terceiros (artigo 92, parágrafo único).
A norma aplica-se tanto à constituição por subscrição pública
como à por subscrição particular. A companhia pode encontrar-se
em 3 (três) situações distintas: (i) em organização; (ii) em funciona-
mento; ou (iii) em liquidação. Na liquidação, a Lei das S.A. também
determina que, em todos os atos ou operações, o liquidante deverá
usar a denominação seguida das palavras "em liquidação" (artigo 212).
Assim, caso a denominação não seja acompanhada das expressões
"em organização", ou "em liquidação", é porque a companhia encon-
tra-se constituída e em pleno funcionamento.
Depois da constituição da companhia por assembleia geral ou
escritura pública, não mais se exige que as palavras "em organização"
sejam seguidas da denominação social, não obstante a companhia
adquirir personalidade jurídica somente após o arquivamento dos atos
constitutivos no Registro Público de Empresas Mercantis - , que é
exercido no âmbito estadual pelas Juntas Comerciais1286.
A Lei das S.A. determina expressamente que nenhuma compa-
nhia poderá funcionar sem que sejam arquivados e publicados seus atos
constitutivos (artigo 94). Estabelece, também, que, na assembleia de
constituição, não havendo oposição de subscritores que representem
mais da metade do capital social, o presidente da mesa declarará cons-
tituída a companhia e procederá, em seguida, à eleição dos administra-
dores e fiscais (artigo 87, § 3 o ). Os fundadores entregarão aos
administradores eleitos todos os documentos, livros ou papéis relativos
à constituição da companhia ou a esta pertencentes (artigo 93) e estes

1286 Determina a Lei n° 8.934/1994, que disciplina o Registro Público de Empresas Mercantis e
Atividades Afins, no art. 3 o que: "Os serviços do Registro Público de Empresas Mercantis e
Atividades Afins serão exercidos, em todo o território nacional, de maneira uniforme, harmôni-.
ca e interdependente, pelo Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis (Sihrem),
composto pelos seguintes órgãos: I - o Departamento Nacional de Registro do Comércio,
órgão central Sinrem, com funções supervisora, orientadora, coordenadora e normativa, no
plano técnico; e supletiva, no plano administrativo; II - as juntas Comerciais, como órgãos
locais, com funções executora e administradora dos serviços de registro."
deverão providenciar o arquivamento, na Junta Comercial, de todos os
atos constitutivos, nos termos dos artigos 95, 96 e 98.
Assim, os administradores é que passam a ser solidariamente res-
ponsáveis perante a companhia pelos prejuízos causados pela demora
no cumprimento das formalidades complementares à constituição e
a companhia não responde pelos atos ou operações praticados pelos
primeiros administradores antes de cumpridas essas formalidades, salvo
deliberação em sentido contrário da assembleia geral (artigo 99).

"Art. 92. Os fundadores e as instituições financeiras que partici-


parem da constituição por subscrição pública responderão, no
âmbito das respectivas atribuições, pelos prejuízos resultantes da
inobservância de preceitos legais.

Parágrafo único. Os fundadores responderão, solidariamente,


pelo prejuízo decorrente de culpa ou dolo em atos ou operações
anteriores à constituição."

Este artigo trata da responsabilidade dos fundadores pelos prejuí-


zos resultantes de 2 (dois) atos distintos: (i) os de execução das forma-
lidades, nos casos de constituição de companhia por subscrição pública,
de raríssima ocorrência entre nós, para o qual deverão observar as dis-
posições legais; e (ii) os relativos a compromissos e obrigações assumi-
dos no interesse da companhia anteriormente à sua constituição, seja
por subscrição pública ou particular. No caso de subscrição particular,
consideram-se fundadores todos os subscritores (artigo 88, capui).
O caput trata da responsabilidade dos fundadores e das institui-
ções financeiras intermediárias que participarem da áonstituição da
companhia por subscrição pública, pelos prejuízos decorrentes da
inobservância de preceitos legais, hipótese em que não se exige a com-
provação de culpa ou dolo1287. Os fundadores e as instituições finan-

1 287 Sobre a figura do "fundador", ver os comenlários ao arl. 80 da Lei das S.A.
ceiras, no âmbito das respectivas atribuições, são responsáveis inde-
pendentemente do prejuízo decorrente da sua conduta ter causado
ou não a anulação da constituição da companhia.
A subscrição de ações na constituição de companhia por subs-
crição pública somente poderá ser efetuada com a intermediação de
instituição financeira (artigo 82)1288. Por isso, a responsabilidade dela
foi expressamente prevista no caput deste artigo, com a ressalva de
que os fundadores e as instituições financeiras que participarem da
constituição por subscrição pública responderão no âmbito das res-
pectivas atribuições.
Os fundadores, de acordo com o parágrafo único, são solidaria-
mente responsáveis pelos prejuízos decorrentes de culpa ou dolo em
atos ou operações anteriores à constituição da companhia, tais como:
(i) a omissão das palavras "em organização" após a denominação da
companhia que está em fase de constituição (artigo 91); (ii) as despe-
sas incorridas durante essa fase; (iii) os contratos celebrados com ter-
ceiros em benefício da futura companhia; (iv) as obrigações assumidas
por conta da sociedade; e (v) as declarações constantes do prospecto,
etc.1289. Ou seja, os fundadores não respondem apenas pelos prejuí-
zos resultantes da inobservância dos preceitos legais, mas, também,
por aqueles que resultarem de atos anteriores à constituição, desde
que provada a sua culpa ou dolo. Nessa hipótese, todos os fundadores
podem ser responsabilizados, independentemente de terem partici-
pado ou não do ato culposo ou doloso, cabendo ação de regresso1290.

1288 Sobre as instituições financeiras intermediárias e a constituição por subscrição pública, ver
os comentários ao art. 82 da Lei das S.A.
1289 FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. I, Rio de Janeiro: Forense,
1977, p. 530, observa que: "Essa solidariedade decorre do fato de que os fundadores,
estando investido de poderes para a constituição da sociedade e realização de atos ou
operações em favor da mesma, devem praticar tais atos ou operações de comum acordo.
Seria, de fato, se não impossível mas pelo menos muito difícil estipular quais os atos que
poderiam ser praticados exclusivamente por certos fundadores, não por outros."
1290 CARLOS FULGÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 2, São Paulo: Sarai-
va, 1972, p. 95-96, observa que: "A solidariedade imposta pela lei aos fundadores tem sua
razão de ser, pois a vigilância de um poderia evitar o ato lesivo ou contrário à lei. De falo,
A solidariedade entre os fundadores é de ordem pública e, por-
tanto, é nula qualquer disposição estatutária ou deliberação da assem-
bleia geral que disponha em sentido contrário1291.
Devem constar do prospecto as obrigações assumidas pelos fun-
dadores, os contratos assinados no interesse da futura companhia e
as quantias já despendidas e por despender (artigo 84, inciso V). Essa
exigência tem por fim dar maior transparência ao ato constitutivo,
permitindo que os subscritores tomem conhecimento desses fatos e
documentos e, em conseqüência, dos direitos e obrigações que cabe-
rão à companhia apenas após a sua constituição.
Assim, os fundadores não poderão ser responsabilizados pelas
obrigações assumidas anteriormente à constituição da companhia se
elas constarem expressamente da ata da assembleia geral ou da escri-
tura pública, no caso de constituição por subscrição particular, ou do
prospecto, na hipótese de constituição por subscrição pública.
Cabe à companhia, por deliberação da assembleia geral extraor-
dinária1292, decidir se promoverá a ação de responsabilidade civil con-
tra os fundadores e a instituição financeira intermediária, se for o caso,
sem prejuízo dessa medida ser tomada pelos acionistas ou terceiros
diretamente prejudicados.
Na hipótese do arquivamento dos atos constitutivos da compa-
nhia ser negado por inobservância de prescrição ou exigência legal,
os primeiros administradores deverão convocar imediatamente a as-
sembleia geral para sanar a falta ou a irregularidade e deliberar se a
companhia deverá promover a responsabilidade civil dos fundadores
(artigo 97, § I o ). Prescreve em 3 (três) anos a ação contra os fundado-

o erro de todos foi cometido pela negligência de um só, pois a vigilância de um seria suficiente
para impedir o erro. Daí ser cada um responsável pelo todo."
1291 De acordo com TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. I, 2 a edição,
Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 298, "nenhum valor teria a disposição estatutária ou a
resolução da assembleia geral que declarasse isentos os fundadores da responsabilidade previs-
ta nesse dispositivo. É preceito de ordem pública, que a vontade das partes não pode elidir."
1292 Sobre a assembleia geral extraordinária, ver os comentários aos arls. 131 e 135 da Lei das S.A.
res para deles haver reparação civil por atos culposos ou dolosos, no
caso de violação da lei ou do estatuto, contado o prazo da data da
publicação dos atos constitutivos da companhia (artigo 287, inciso II,
alínea "b"). Ou seja, mesmo após ter sido sanada a irregularidade de-
corrente da inobservância de preceitos legais, a companhia pode pro-
mover a ação de responsabilidade civil contra os fundadores1293.
Com a constituição da companhia, cessam as funções dos fun-
dadores, que deverão entregar aos primeiros administradores eleitos
todos os documentos, livros ou papéis relativos à sua constituição ou
a ela pertencentes (artigo 93) e esses passam a ser solidariamente
responsáveis perante a companhia pelos prejuízos causados pela de-
mora no cumprimento das formalidades complementares à consti-
tuição (artigo 99, caput).
"Art. 93. O s fundadores entregarão aos primeiros administrado-
res eleitos todos os documentos, livros o u papéis relativos à cons-
tituição da companhia o u a esta pertencentes."

Com a constituição da companhia e a eleição dos primeiros ad-


ministradores, extingue-se a função dos fundadores1294. Todavia, eles
continuam obrigados a entregar aos primeiros administradores elei-
tos todos os documentos, livros ou papéis relativos à constituição da
companhia ou a esta pertencentes, a qual deve ser imediata e sem
nenhuma condição.

1293 Além da responsabilidade civil, cabe, também, conforme o caso, responsabilidade penal.
O Código Penal tipifica como crime (i) de fraude e abuso, por parte dos fundadores,
"promover a fundação de sociedade por ações fazendo, em prospecto ou em comunicação
ao público ou à assembleia, afirmação falsa sobre a constituição da sociedade, ou ocultando
fraudulentamente fato a ela relativo", prevendo para esse crime pena de 1 (um) a 4 (quatro)
anos de reclusão e multa, se o fato não constitui crime contra a economia popular (art. 177,
caput); e (ii) de apropriação indébita, "apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a
posse ou a detenção", também prevendo a pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e
multa (art. 168). Sobre o crime de fraude e abuso, ver PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR.
Direito Penal Societário. 3 a edição, São Paulo: Perfil, 2005, p. 33-49. O fundador incorre
no crime de apropriação indébita quando, por exemplo, se apropria dos valores que
recebeu dos subscritores em dinheiro a título de integralização de suas ações, não efetuan-
do o depósito no Banco do Brasil S.A,, nos termos do art. 80 da Lei das S.A.
1294 Sobre as funções dos fundadores, ver os comentários ao art. 80 da Lei das S.A.
Como nenhuma companhia pode funcionar sem que sejam arqui-
vados e publicados os seus atos constitutivos (artigo 94), os primeiros
administradores deverão, na constituição por assembleia, observar as for-
malidades complementares constantes do artigo 951295 e , na constituição
por escritura pública, efetuar o registro, na Junta Comercial, da certidão
do instrumento (artigo 96). Arquivados os documentos relativos à cons-
tituição da companhia, deverão, ainda, providenciar, nos 30 (trinta) dias
subsequentes, a sua publicação, bem como a da certidão do arquivamen-
to, em órgão oficial do local de sua sede. Também deverá ser arquivado na
Junta Comercial um exemplar do órgão oficial (artigo 98, caput e § I o ).
A certidão dos atos constitutivos após o arquivamento na Junta
Comercial será o documento hábil para a transferência, por transcri-
ção, no registro público competente, dos bens com que o subscritor
tiver contribuído para a formação do capital social (artigo 98, § 2 o ).
Assim, após a constituição da companhia, os administradores é que
passam a ser solidariamente responsáveis perante ela pelos prejuízos
causados pela demora no cumprimento das formalidades complementares
e a companhia não responde pelos atos ou operações praticados pelos
primeiros administradores antes de cumpridas essas formalidades, salvo
deliberação em sentido contrário da assembleia geral (artigo 99).
Não obstante a extinção da figura do fundador, ele continua res-
ponsável pelos atos praticados anteriormente à constituição da compa-
nhia (artigo 92). Na hipótese de os fundadores retardarem a entrega ou
se recusarem a entregar aos primeiros administradores os documentos
relativos à constituição da companhia, caberá ação de busca e
apreensão1296 e, no caso de prejuízos para a companhia, ação de indeni-
zação, pois, por meio da assembleia geral ou da escritura, a companhia
é constituída, mas só adquire personalidade jurídica com o arquiva-
mento dos seus atos constitutivos na Junta Comercial.

1 295 Sobre esse assunto, ver, também, os comentários ao arl. 87 da Lei das S.A.
1 296 Determina o Código de Processo Civil, no art. 839, que: "Art. 839. O juiz pode decretar a
busca e apreensão de pessoas ou de coisas.".
CAPÍTULO V I U

FORMALIDADES COMPLEMENTARES DA CONSTITUIÇÃO

Arquivamento e publicação
"Art. 94. N e n h u m a companhia p o d e r á funcionar sem que sejam
arquivados e publicados seus atos constitutivos."

Com a constituirão da companhia, os fundadores devem entre-


gar aos primeiros administradores eleitos todos os documentos, livros
ou papéis relativos à constituição ou pertencentes à companhia, a fim
de que possam promover as formalidades complementares que com-
preendem: (i) o arquivamento, na Junta Comercial, dos atos constitu-
tivos, se constituída por assembleia (artigo 95), ou certidão do
instrumento, se constituída por escritura pública (artigo 96); (ii) a
publicação desses atos e da certidão do Registro Público de Empresas
Mercantis, em órgão oficial do local da sede da companhia (artigo 98,
caput e § I o ); e (iii) a transferência no Registro Público competente
dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação do
capital social (artigo 98, § 20)1297.
As formalidades complementares à constituição têm por fim atri-
buir personalidade jurídica à companhia, dar publicidade dos atos cons-
titutivos a terceiros, bem como conferir autenticidade, segurança e
eficácia a esses atos1298.

1297 Sobre esse assunto, JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Sociedades Anônimas - Comentários à
Lei (arts. 1 o a 120). v. I, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 899, observa que: "A declaração
de que a sociedade encontra-se constiluida, proferida pelo presidente da assembleia (art. 87,
§ 3°), ou lançada na escritura pública de constituição pelos subscritores-fundadores, sim-
plesmente encerra a fase conclusiva, para dar início à fase personificativa."
1298 A Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e
Atividades Afins, estabelece no art. 1o que: "Art. 1". O Registro Público de Empresas
Mercantis e Atividades Afins, subordinado às normas gerais prescritas nesta lei, será exerci-
do em todo o território nacional, de forma sistêmica, por órgãos federais e estaduais, com
as seguintes finalidades: I - dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia
A companhia só adquire personalidade jurídica com o registro
dos seus atos constitutivos no Registro Público de Empresas Mer-
cantis1299. Além disso, o registro tem efeito comprobatório, pois prova
a existência e veracidade do ato. Por isso, a companhia não pode fun-
cionar sem que sejam arquivados e publicados seus atos constitutivos.
Ou seja, os primeiros administradores não deverão praticar atos para
a consecução do objeto social antes que os atos constitutivos estejam
arquivados e publicados.
O Registro Público de Empresas Mercantis é exercido em todo
o território nacional pelo Sistema Nacional de Registro de Empresas
Mercantis (Sinrem), que é composto (i) pelo Departamento Nacio-
nal de Registro do Comércio (DNRC), órgão central do Sinrem, com
funções supervisora, orientadora, coordenadora e normativa, no pla-
no técnico; e supletiva, no plano administrativo; e (ii) pelas Juntas
Comerciais, como órgãos estaduais, com funções de executar e admi-
nistrar os serviços de registro1300.

aos atos jurídicos das empresas mercantis, submetidos a registro na forma desta lei; II -
cadastrar as empresas nacionais e estrangeiras em funcionamento no País e manter atualizadas
as informações pertinentes; III - proceder à matrícula dos agentes auxiliarei do comércio,
bem como ao seu cancelamento." Por sua vez, consta do art. 2° que: "Art. 2o. Os atos das
firmas mercantis individuais e das sociedades mercantis serão arquivados no Registro Público
de Empresas Mercantis e Atividades Afins, independentemente de seu objeto, salvo as
exceções previstas em lei. Parágrafo único. Fica instituído o Número de Identificação do
Registro de Empresas (NIRE), o qual será atribuído a todo ato constitutivo de empresa,
devendo ser compatibilizado com os números adotados pelos demais cadastros federais, na
forma de regulamentação do Poder Executivo."
1 299 O Código Civil, no caput do art. 45, estabelece que: "Art. 45. Começa a existência legal das
pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro
(...)." Consta do art. 985 que: "A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição,
no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos. (...)" O art. 1.150, por sua
vez, determina que: "Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao
Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples
ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele
registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária."
1300 Art. 3 o da Lei n° 8.934/1994. Sobre o DNRC, consta do art. 4o que esse órgão lem por
finalidade: "I - supervisionar e coordenar, no plano técnico, os órgãos incumbidos da execu-
ção dos serviços de Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Alins; II - estabelecer
e consolidar, com exclusividade, as normas e diretrizes gerais do Registro Público de Empresas
Mercantis e Atividades Afins; III - solucionar dúvidas ocorrentes na interpretação das leis,
regulamentos e demais normas relacionadas com o registro de empresas mercantis, baixando
Há uma Junta Comercial em cada unidade federativa, com sede
na capital e jurisdição na área da circunscrição territorial respectiva -
subordinada, administrativamente, ao governo da unidade federativa
de sua jurisdição e, tecnicamente, ao Departamento Nacional de Re-
o-istro do Comércio. Incumbe à Junta Comercial, entre outras com-
O
petências, arquivar: (i) os documentos relativos à constituição, alteração,
dissolução e extinção de sociedade individual, sociedades empresárias
e cooperativas; (ii) os atos relativos a consórcio e grupo de sociedade
de que trata a Lei das S.A.; (iii) os atos concernentes a sociedades
estrangeiras autorizadas a funcionar no País; (iv) as declarações de
microempresa; e (v) os documentos que, por determinação legal, se-
jam atribuídos ao Registro Público de Empresas Mercantis ou da-
queles que possam interessar às sociedades1301.
Os atos constitutivos, após registrados, tornam-se públicos, ou seja,
acessíveis a todos os interessados1302. Assim, qualquer pessoa pode ob-

instruções para esse fim; IV-prestar orientação às Juntas Comerciais, com vistas à solução de
consultas e à observância das normas legais e regulamentares do Registro Público de Empre-
sas Mercantis e Atividades Afins; V - exercer ampla fiscalização jurídica sobre os órgãos
incumbidos do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, representando
para os devidos fins âs autoridades administrativas contra abusos e infrações das respectivas
normas, e requerendo tudo o que se afigurar necessário ao cumprimento dessas normas; VI
- estabelecer normas procedimentais de arquivamento de atos de firmas mercantis individuais
e sociedades mercantis de qualquer natureza; VII promover ou providenciar, supletivamente,
as medidas tendentes a suprir ou corrigir as ausências, falhas ou deficiências dos serviços de
Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins; VIII - prestar colaboração técnica
e financeira às juntas comerciais para a melhoria dos serviços pertinentes ao Registro Público
de Empresas Mercantis e Atividades Afins; IX - organizar e manter atualizado o cadastro
nacional das empresas mercantis em funcionamento no País, com a cooperação das juntas
comerciais; X - instruir, examinar e encaminhar os processos e recursos a serem decididos
pelo Ministro de Estado da Indústria, do Comércio e do Turismo, inclusive os pedidos de
autorização para nacionalização ou instalação de filial, agência, sucursal ou estabelecimento
no País, por sociedade estrangeira, sem prejuízo da competência de outros órgãos federais;
XI - promover e efetuar estudos, reuniões e publicações sobre assuntos pertinentes ao
Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins."
1301 Arts. 5°, 6 o e 8 o c/c art. 32, inciso li, da Lei n° 8.934/1994.
13 02 De acordo com o art 29 da Lei n° 8.934/1994, "qualquer pessoa, sem necessidade de provar
interesse, poderá consultar os assentamentos existentes nas juntas comerciais e obter certidões,
mediante pagamento do preço devido." O art. 54 dessa lei, por sua vez, estabelece que: "A
prova da publicidade de atos societários, quando exigida em lei, será feita mediante anotação
nos registros da junta comercial à vista da apresentação da folha do Diário Oficial, ou do jornal
onde foi feita a publicação, dispensada a juntada da mencionada folha."
ter certidão do seu conteúdo, sem necessidade de justificar a razão e
terceiros não podem alegar que não têm conhecimento de tais atos1303.
Os documentos necessários ao registro deverão ser arquivados na
Junta Comercial no prazo de 30 (trinta) dias, contado dalavratura da ata
da assembleia geral de constituição ou da escritura pública, a cuja data
retroagirão os efeitos do arquivamento. Requerido o registro após esse
prazo, somente produzirá efeito a partir da data de sua concessão1304.
O registro tem, ainda, a função de dar autenticidade, segurança e
eficácia aos atos jurídicos das companhias, conservando-os a fim de
evitar a sua deterioração.
Enquanto a sociedade encontrar-se legalmente constituída, mas
sem o arquivamento de seus atos constitutivos na Junta Comercial,
ela não fica subordinada às regras da sociedade em comum, confor-
me disposição expressa do Código Civil1305. Assim, no que se refere à
responsabilidade perante terceiros, os primeiros administradores são
solidariamente responsáveis perante a companhia pelos prejuízos de-
correntes da demora no cumprimento das formalidades complemen-
tares à sua constituição (artigo 99, caput). A companhia não responde
pelos atos ou operações praticados pelos primeiros administradores
antes de cumpridas as formalidades de constituição, salvo deliberação
em contrário da assembleia geral (artigo 99, parágrafo único).

1303 O Código Civil, no art. 1.154, determina que: "Art. 1.154. O ato sujeito a registro, ressalva-
das disposições especiais da lei, não pode, antes do cumprimento das respectivas formalida-
des, ser oposto a terceiro, salvo prova de que este o conhecia. Parágrafo único. O terceiro
não pode alegar ignorância, desde que cumpridas as referidas formalidades."
1304 Determina o Código Civil, nos §§ 1 o a 3 o do art. 1.151, que: "Art. 1.151. (...) § 1° Os
documentos necessários ao registro deverão ser apresentados no prazo de trinta dias, con-
tado da lavratura dos atos respectivos. § 2" Requerido além do prazo previsto neste artigo,
o registro somente produzirá efeito a partir da data de sua concessão. § 3o As pessoas
obrigadas a requerer o registro responderão por perdas e danos, em caso de omissão ou
demora." No mesmo sentido, o art. 36 da Lei n° 8.934/1994 e o art. 33 do Decreto n°
1.800/1996.
1305 O Código Civil, ao tratar da sociedade não personificada, estabelece, no art. 986, que:
"Art. 986. Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto por
ações em organização, pelo disposto neste Capitulo, observadas, subsidiariamente e no
que com ele forem compatíveis, as normas da sociedade simples."
Assim, no período compreendido entre a constituição da com-
panhia e o arquivamento e publicação de seus atos constitutivos, ela
encontra-se regularmente constituída, porém não pode funcionar, por
não ter, ainda, adquirido personalidade jurídica1306.
Companhia constituída por assembleia
"Art. 95. S e a companhia houver sido constituída por deliberação
em assembleia geral, deverão ser arquivados no registro do co-
mércio do lugar da sede:

I—um exemplar do estatuto social, assinado por todos os subscri-


tores (artigo 88, § I o ) ou, se a subscrição houver sido pública, os
originais do estatuto e do prospecto, assinados pelos fundadores,
b e m c o m o do j o r n a l e m que tiverem sido publicados;

II—a relação completa, autenticada pelos fundadores ou pelo pre-


sidente d a assembleia, d o s subscritores do capital social, com a
qualificação, número das ações e o total d a entrada de cada subs-
critor (artigo 85);

I I I — o recibo do d e p ó s i t o a q u e s e refere o n ú m e r o I I I do arti-


g o 80;

I V - duplicata das atas das assembleias realizadas para a avaliação


d e bens quando for o caso (artigo 8 o ) ;

V - duplicata d a ata da assembleia geral dos subscritores que hou-


ver deliberado a constituição da companhia (artigo 87)."

1306 De acordo com FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 4 a edição,
revista e atualizada por Roberto Papini, Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 328: "Não se
trata, na verdade, de uma sociedade de fato mas de uma sociedade em vias de regulariza-
ção, cujo funcionamento normal ainda não se verifica pelo motivo de ser a constituição
sucessiva, exigindo a lei uma série de atos para o reconhecimento da personalidade jurídica."
O Registro do Comércio teve a sua denominação alterada, pela
Lei n° 8.934/1994, para Registro Público de Empresas Mercantis1307.
A Lei das S.A. determinou que nenhuma companhia pode funcionar
sem que sejam arquivados e publicados os seus atos constitutivos (ar-
tigo 94)1308. A Lei n° 8.934/1994 e o Decreto n° 1.800/1996 estabe-
leceram os procedimentos que devem ser adotados no arquivamento.
Este artigo elencou os documentos que, na hipótese da compa-
nhia ter se constituído por assembleia geral, seja na subscrição pública
ou particular, deverão ser apresentados à Junta Comercial: (i) um exem-
plar do estatuto social, assinado por todos os subscritores (artigo 88, §
I o ), se a constituição for particular; (ii) os originais do estatuto e do
prospecto, assinados pelos fundadores, bem como do jornal em que
tiverem sido publicados, se a constituição for pública; (iii) a relação com-
pleta, autenticada pelos fundadores ou pelo presidente da assembleia,
dos subscritores do capital social, com a qualificação, número das ações
e o total da entrada de cada subscritor (artigo 85); (iv) o recibo do depó-
sito a que se refere o inciso III do artigo 80; (v) 2 (duas) vias das atas das
assembleias realizadas para a avaliação de bens quando for o caso (arti-
go 8o); e (vi) 2 (duas) vias da ata da assembleia geral dos subscritores
que houver deliberado a constituição da companhia (artigo 87).
O prazo para apresentação, à Junta Comercial, dos documentos
referidos neste artigo é de 30 (trinta) dias, contado da lavratura da ata
da assembleia geral de constituição ou da escritura pública, a cuja data
retroagirão os efeitos do arquivamento. Requerido o registro após esse
prazo, somente produzirá efeito a partir da data de sua concessão1309.

1307 Sobre o Registro Público de Empresas Mercantis, suas atribuições e competências, ver os
comentários ao art. 94 da Lei das S.A.
1308 O Código Civil, no art. 1.150, determina que: "Art. 1.150. O empresário e a sociedade
empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas
Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil de Pessoas jurídicas, o qual deverá
obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos
tipos de sociedade empresária."
1309 Determina o Código Civil, nos §§ 1 o a 3 o do art. 1.151, que: "Art. 1.151. (...) § 1° Os
documentos necessários ao registro deverão ser apresentados no prazo de trinta dias, con-
Para que os atos constitutivos possam ser arquivados, é necessário
que tenham o visto de um advogado1310 e sejam apresentados em con-
junto com (i) um requerimento dirigido ao presidente da Junta Comer-
cial, assinado por um procurador1311; (ii) a declaração dos administradores,
firmada sob as penas da lei, de que não estão impedidos de exercer o
comércio ou a administração de sociedade mercantil1312; (iii) a ficha do
Cadastro Nacional de Empresas Mercantis - CNE, de acordo com o
modelo aprovado pelo Departamento Nacional do Registro do Comér-
cio (DNRC)1313; (iv) o comprovante de pagamento das custas devidas1314;
e (v) a prova de identidade dos titulares e dos administradores1315-1316.

tado da lavratura dos atos respectivos. § 2o Requerido além do prazo previsto neste artigo, o
registro somente produzirá efeito a partir da data de sua concessão. § 3o As pessoas obrigadas
a requerer o registro responderão por perdas e danos, em caso de omissão ou demora." No
mesmo sentido, o art. 36 da Lei n° 8.934/1994 e o art. 33 do Decreto n° 1.800/1996.
1310 A Lei n° 8.906/1999, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados
do Brasil, determina, no § 2° do art. 1o, que: "Os atos e contratos constitutivos de pessoas
jurídicas, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes,
quando visados por advogados." Consta, também, do art. 36 do Decreto n° 1.800/1996
que: "O ato constitutivo de sociedade mercantil e de cooperativa somente poderá ser
arquivado se visado por advogado, com a indicação do nome e número de inscrição na
respectiva Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil."
1311 Art. 33 do Decreto n° 1.800/1996, que regulamenta a Lei n° 8.934/1994.
1312 Art. 37, inciso II, da Lei n° 8.934/1994, com a redação que lhe foi dada pela Lei n°
10.194/2001.
1313 Art. 37, inciso III, da Lei n° 8.934/1994.
1314 Art. 37, inciso IV, da Lei n° 8.934/1994.
1315 Art. 37, inciso V, da Lei n° 8.934/1994.
1316 Os documentos apresentados a arquivamento não poderão conter emendas, rasuras e
entrelinhas, admitida a ressalva expressa no próprio instrumento ou certidão, com a assina-
tura das partes ou do tabelião, conforme o caso - assembleia geral ou escritura pública. Os
atos levados a arquivamento são dispensados de reconhecimento de firma, exceto quando se
tratar de procuração por instrumento particular ou de documentos oriundos do exterior, se,
neste caso, tal formalidade não tiver sido cumprida no consulado brasileiro, nos termos dos
arts. 35 e 39 do Decreto n° 1.800/1996. De acordo com o art. 35 da Lei n° 8.934/1994, não
podem ser arquivados: "I - os documentos que não obedecerem às prescrições legais ou
regulamentares ou que contiverem matéria contrária aos bons costumes ou à ordem pública,
bem como os que colidirem com o respectivo estatuto ou contrato não modificado anterior-
mente; II - os documentos de constituição ou alteração de empresas mercantis de qualquer
espécie ou modalidade em que figure como titular ou administrador pessoa que esteja conde-
nada pela prática de crime cuja pena vede o acesso à atividade mercantil; III - os atos
constitutivos de empresas mercantis que, além das cláusulas exigidas em lei, não designarem o
respectivo capital, bem como a declaração precisa de seu objeto, cuja indicação no nome
empresarial é facultativa; IV - a prorrogação do contraio social, depois de findo o prazo nele
fixado; V - os atos de empresas mercantis com nome idêntico ou semelhante a outro já
existente; VI - a alteração contratual, por deliberação majoritária do capital social, quando
houver cláusula restritiva; VII - os contratos sociais ou suas alterações em que haja incorpo-
De posse desses documentos, a Junta Comercial examinará se as
prescrições legais foram observadas na constituição da companhia e
se no estatuto existem cláusulas contrárias à lei, à ordem pública e aos
bons costumes (artigo 97). Proferido o arquivamento, os administra-
dores providenciarão, nos 30 (trinta) dias subsequentes, a publicação
da sua certidão e dos atos constitutivos, em órgão oficial do local de
sua sede (artigo 98, capui). Após o cumprimento dessas formalidades,
a companhia estará apta a entrar em funcionamento.
Os primeiros administradores são solidariamente responsáveis
perante a companhia pelos prejuízos causados pela demora no cum-
primento dessa formalidade, que é complementar à constituição (ar-
tigo 99, capui).

C o m p a n h i a constituída p o r escritura pública

"Art. 96. S e a c o m p a n h i a tiver sido constituída p o r escritura pú-


blica, bastará o arquivamento de certidão do instrumento."

Preferida a constituição da companhia por escritura pública, de-


verão ser observados os requisitos indispensáveis constantes do § 2 o
do artigo 88, a saber: (i) qualificação dos subscritores, nos termos do
artigo 85; (ii) o estatuto da companhia; (iii) a relação das ações subs-
critas e a importância das entradas pagas; (iv) a transcrição do recibo
do depósito de que trata o inciso III do artigo 80; (v) a transcrição do
laudo de avaliação dos peritos, se for o caso, e da assembleia geral que
o aprovou1317; e (vi) a nomeação dos primeiros administradores e dos
ficais, se for o caso.

ração de imóveis à sociedade, por instrumento particular, quando do instrumento não


constar: a) a descrição e identificação do imóvel, sua área, dados relativos á sua titulação,
bem como o número da matrícula no registro imobiliário; b) a outorga uxória ou marital,
quando necessária; VIII - os contratos ou estatutos de sociedades mercantis, ainda não
aprovados pelo Governo, nos casos em que for necessária essa aprovação, bem como as
posteriores alterações, antes de igualmente aprovadas."
1317 Sobre a subscrição em bens e a assembleia de avaliação dos bens conferidos ao capital, ver
os comentários ao art. 8o da Lei das S.A.
Para o atendimento do requisito do arquivamento dos atos cons-
titutivos, a fim de que a companhia possa funcionar (artigo 94), bas-
tará a certidão da escritura, pois o tabelião possui fé pública, o que
dispensa a apresentação, à Junta Comercial, de todos os atos que já
foram levados à sua presença por ocasião da lavratura da escritura.
Os procedimentos que deverão ser observados no arquivamento
são determinados pela Lei n° 8.934/1994 e pelo Decreto n° 1.800/
1996 e encontram-se descritos nos comentários aos artigos 94 e 95.
Registro do comércio

"Art. 97. C u m p r e ao registro do comércio examinar se as prescri-


ções legais f o r a m observadas n a constituição d a companhia, bem
c o m o se n o estatuto existem cláusulas contrárias à lei, à ordem
pública e aos b o n s costumes.

§ I o S e o arquivamento for negado, p o r inobservância de prescri-


ção ou exigência legal ou p o r irregularidade verificada na consti-
tuição d a c o m p a n h i a , os p r i m e i r o s a d m i n i s t r a d o r e s deverão
convocar imediatamente a assembleia geral p a r a sanar a falta ou
irregularidade, ou autorizar as providências que se fizerem ne-
cessárias. A instalação e f u n c i o n a m e n t o d a assembleia obedece-
rão ao disposto no artigo 87, devendo a deliberação ser tomada
por acionistas que representem, no m í n i m o , metade do capital
social. S e a falta for do estatuto, poderá ser sanada na mesma
assembleia, a qual deliberará, ainda, sobre se a companhia deve
promover a responsabilidade civil dos fundadores (artigo 92).

§ 2 o C o m a 2 a via da ata da assembleia e a prova de ter sido sanada


a falta o u irregularidade, o registro do comércio procederá ao ar-
quivamento dos atos constitutivos da companhia.

§ 3 o A criação de sucursais, filiais ou agências, observado o dis-


posto no estatuto, será arquivada no registro do comércio."
O Registro do Comércio teve a sua denominação alterada pela
Lei n° 8.934/1994 para Registro Público de Empresas Mercantis, no
âmbito estadual representado pelas Juntas Comerciais - órgão que
possui funções de executar e administrar os serviços de registro1318-1319.
Todo o ato ou documento apresentado a arquivamento à Junta
Comercial será objeto de exame do cumprimento das formalidades e
prescrições legais aplicáveis, no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis,
contado a partir do seu recebimento. O exame da Junta Comercial é
formal, não lhe cabendo analisar o mérito e a conveniência dos atos
constitutivos ou interferir na manifestação de vontade dos acionistas,
mas, tão somente, verificar se as disposições legais foram observadas
na constituição da companhia e se no estatuto existem cláusulas con-
trárias à lei, à ordem pública e aos bons costumes1320-1321. Verificada a
existência de vício ou irregularidade insanável, o requerimento será
indeferido; quando for sanável, o processo será colocado em exigên-

1318 Sobre o Registro Público de Empresas Mercantis, suas atribuições e competências, bem
como os procedimentos que devem ser adotados no arquivamento dos atos constitutivos,
ver os comentários aos arts. 94 e 95 da Lei das S.A.
1319 O Código Civil, no art. 1.150, determina que: "Art. 1.150. O empresário e a sociedade
empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas
Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas, o qual deverá
obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos
tipos de sociedade empresária."
1320 Sobre esse assunto, CARLOS AUGUSTO DA SILVEIRA LOBO, "Formalidades Complementa-
res". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias,
v. I, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 748, observa que: "Em suma, o controle da legalidade
dos atos levados a registro pelas juntas comerciais ê limitado porque: 'deve ater-se aos dados
constantes dos documentos apresentados, não lhe cabendo fazer investigação de provas
outras; (ii) não se arvora em solucionar matérias controvertidas de fato ou de direito (PETIPIERRE
SAUVIN, 1976, p. 128); e (iii) não pode ingressar no exame da extensão e da validade dos
direitos subjetivos dos participantes dos atos levados a registro'."
1 321 Citem-se os seguintes exemplos de formalidades legais que devem ser objeto de análise do
Registro Público de Empresas Mercantis: (i) se as assembleias foram regularmente convocadas;
(ii) se foi observado o quorum de deliberação determinado na Lei das S.A.; (iii) o atendi-
mento dos requisitos constantes dos arts. 80 e 81 da Lei das S.A.; (iv) se todos os subscritores
assinaram o estatuto e o boletim de subscrição, no caso de subscrição particular; (v) se o
estatuto e o prospecto foram assinados por todos os fundadores, no caso de subscrição
pública; (vi) se a companhia constituída por subscrição pública foi previamente registrada
na CVM; (vii) se foi apresentado e devidamente aprovado o laudo dos peritos, no caso de
conferência de bens para o capital social; (viii) se constam da escritura pública todas as
prescrições legais, conforme estabelecido no § 2 o do art. 88 da Lei das S.A.
cia1322. As exigências formuladas pela Junta Comercial deverão ser
cumpridas no prazo de 30 (trinta) dias, contado do dia subsequente
àquele em que o interessado delas tomou ciência ou da publicação do
despacho. Decorrido esse prazo sem que a companhia se manifeste,
será considerado como novo pedido de arquivamento, sujeito ao pa-
gamento de novas custas1323.
Vícios ou irregularidades insanáveis são aqueles que impedem a
constituição da companhia, como, por exemplo, quando ela é consti-
tuída para exercer atividades ilícitas, contrárias à lei, à ordem pública e
aos bons costumes1324.
Estando os primeiros administradores de acordo com a exigên-
cia formulada, convocarão imediatamente a assembleia geral para sa-
nar a falta ou irregularidade apontada, ou autorizar as providências
que se fizerem necessárias, independentemente de a companhia ter
sido constituída por assembleia ou escritura pública, pois a Lei das
S.A. não fez essa distinção.
Na convocação da assembleia deverão ser observadas as normas
da Lei das S.A. sobre o modo e local de convocação: (i) por anúncio
publicado por 3 (três) vezes, no mínimo, com a indicação do local,
data e hora da assembleia geral e a ordem do dia; (ii) a primeira con-

1322 De acordo com o § 2 o do art. 57 do Decreto n° 1.800/1996, "o indeferimento ou a


formulação de exigência pela Junta Comercial deverá ser fundamentada com o respectivo
dispositivo legal ou regulamentar."
1323 Art. 40 da Lei n° 8.934/1994. Consta do § 4o do art. 57 do Decreto n° 1.800/1996 que: "O
processo em exigência será entregue completo ao interessado; devolvido após o prazo
previsto no parágrafo anterior, será considerado como novo pedido de arquivamento, sujeito
ao pagamento dos preços dos serviços correspondentes, salvo devolução do prazo, no
curso do mesmo, em razão de ato dependente de órgão da administração pública."
1324 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. I, 2 a edição, Rio de Janeiro:
Forense, 1953, p. 321-322, observa que: "Não se compreende uma sociedade anônima
constituída para explorar objeto ilícito ou exercer atividade nociva ou contrária à ordem
pública ou aos bons costumes. Mas, como não é impossível (art. 167), negado o arquivamen-
to, por esse motivo, não pode a assembleia dos acionistas sanar o vício ou defeito, que
contamina, integralmente a sociedade. Pois não se trata de cláusula ou condição, e, sim, do
próprio objeto da companhia. (...) Assim, uma sociedade anônima, que se constituísse para
explorar o chamado jogo do bicho, ou qualquer outra atividade proibida, não podia conva-
lescer, ainda mesmo que resolvessem os acionistas alterar ou mudar o objeto de exploração."
vocação deverá ser feita na companhia fechada, com 8 (oito) dias de
antecedência, no mínimo, contado do prazo da publicação do primei-
ro anúncio; não se realizando a assembleia, será publicado novo anún-
cio, de segunda convocação, com antecedência mínima de 5 (cinco)
dias; na companhia aberta, o prazo de antecedência da primeira con-
vocação será de 15 (quinze) dias e o da segunda convocação de 8
(oito) dias; e (iii) será considerada regular a assembleia, independen-
temente de convocação, se comparecerem todos os acionistas (artigo
124, §§ 1° e 4°).
De acordo com o § I o , na instalação e funcionamento da assem-
bleia geral serão observadas as normas do artigo 87; no entanto, a
assembleia só será válida se contar com a presença de acionistas que
representem, no mínimo, metade do capital social, tendo em vista ser
esse o quorum de deliberação determinado pelo § I o .
Se a falta for do estatuto, poderá ser sanada na mesma assembleia,
a qual deliberará, ainda, se a companhia deve promover a responsabili-
dade civil dos fundadores (artigo 92). Cada ação, independentemente
de sua espécie ou classe, dá direito a 1 (um) voto (artigo 87). O quorum
previsto neste artigo, da metade, no mínimo, do capital social, aplica-se
para as deliberações que tenham por fim sanar a irregularidade ou a
falta objeto de exigência formulada pela Junta Comercial. Não será
observada a regra constante do § 2 o do artigo 87 que determina que na
assembleia de constituição a maioria não tem poder para alterar o pro-
jeto do estatuto, pois, quando da realização da assembleia que delibera
sobre eventual falta ou irregularidade dos atos constitutivos, não há
mais projeto e sim estatuto social, uma vez que a companhia encontra-se
constituída e o estatuto aprovado; está apenas aguardando o arquiva-
mento de seus atos constitutivos para adquirir personalidade jurídica e
a publicação dos mesmos para começar a funcionar1325.

1325 Em sentido contrário, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anôni-


mas. V. 2, 4a edição, São Raulo: Saraiva, 2008, p. 195; CARLOS AUGUSTO DA SILVEIRA
A Junta Comercial, de posse da ata da assembleia e da prova de
ter sido sanada a falta ou irregularidade por ela anteriormente apon-
tada, procederá ao arquivamento dos atos constitutivos da compa-
nhia1326. A função do registro é de mera fiscalização, para que as
sociedades não entrem em funcionamento sem suporte legal. Se o
funcionário do Registro Público de Empresas Mercantis foi negli-
gente da primeira vez, não se justifica que estejam sanados todos os
defeitos não apontados.
Após a efetivação do registro, ainda é possível, tratando-se de
vícios ou defeitos, o ajuizamento de ação de anulação da constituição.
Essa ação prescreve em 1 (um) ano, contado da publicação dos atos
constitutivos. Entretanto, ainda depois de proposta a ação, é lícito à
companhia, por deliberação em assembleia geral, providenciar para
que seja sanado o vício ou defeito (artigo 285).
Se os primeiros administradores não estiverem de acordo com as
exigências formuladas pela Junta Comercial, poderão protocolar pe-
dido de reconsideração do despacho da Turma que negou o arquiva-
mento, dirigido ao presidente da Junta, dentro do prazo de 30 (trinta)
dias concedido para o cumprimento da exigência1327. O registro dos
atos constitutivos de companhia, as atas de assembleias gerais e de-
mais atos relativos às sociedades anônimas estão sujeitos ao regime
de decisão colegiada das Juntas Comerciais. Da decisão definitiva da
Turma cabe recurso ao Plenário, que deverá ser decidido no prazo
máximo de 30 (trinta) dias, contado da data do recebimento do recur-
so. Das decisões do Plenário cabe, ainda, recurso ao Ministro de Es-
tado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, como última

LOBO, "Formalidades Complementares". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedrei-
ra (Coord.). Direito das Companhias..., v. I, p. 744-745; JOSÉ WALDECY LUCENA. Das
Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. I o a 120). v. I, Rio de Janeiro: Renovar,
2009, p. 911; FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 4 a edição,
revista e atualizada por Roberto Ffeipini, Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 333.
1326 CARLOS F U L C Ê N C I O DA C U N H A PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 2, São Paulo:
Saraiva, 1972, p. 146.
1 327 Art. 44, inciso I, da Lei n° 8.934/1994 e arts. 64, inciso I, e 65 do Decreto n° 1.800/1996.
instância administrativa1328. Os recursos não têm efeito suspensivo e
devem ser interpostos no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis, a con-
tar da data em que a companhia tomou ciência do despacho ou de
sua publicação1329.
O pedido de reconsideração suspende o prazo para cumprimen-
to das exigências formuladas; a sua contagem recomeça a partir do
dia subsequente à data da ciência pela companhia ou da publicação
do despacho que mantiver a exigência, no todo ou em parte1330.
Os primeiros administradores, quando entenderem que o inde-
ferimento do registro, ou a exigência formulada, excede a competên-
cia da análise formal dos atos constitutivos que cabe às Juntas
Comerciais, poderão, também, impetrar, perante a Justiça Federal,
mandado de segurança contra o despacho da Turma ou a decisão do
Plenário e do Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior que indeferir pedido de arquivamento1331. Assim,
relativamente ao controle da legalidade dos atos constitutivos, há 2
(dois) órgãos competentes: o Registro Público de Empresas Mercan-
tis e o Poder Judiciário.
Com o registro dos atos constitutivos pela Junta Comercial, a
companhia adquire personalidade jurídica, mas só poderá entrar em
funcionamento após a sua publicação (artigo 94)1332. Assim, os pri-
meiros administradores são solidariamente responsáveis perante a

1328 Art. 41 da Lei ri0 8.934/1994. Consta do art. 23 do Decreto n° 1.800/1996, que compete
às Turmas julgar, originariamente, os pedidos de arquivamento dos atos sujeitos ao regime
de decisão colegiada, bem como julgar os pedidos de reconsideração de seus despachos
(incisos l e II). Ao Plenário compete, entre outros, julgar os recursos interpostos das
decisões definitivas, singulares ou colegiadas (art. 21, inciso I). Sobre o processo decisório,
ver, também, os arts. 49 a 52 e 65 do Decreto n° 1.800/1996.
1329 Arts 46, 47, 49 e 50 da Lei n° 8.934/1994. Ver, também, o art. 69 do Decreto n° 1.800/1996,
com a redação que lhe foi dada pelo Decreto n° 3.395/2000, bem como os arts. 73 e 74.
1330 Art. 65, § 2o, do Decreto n° 1.800/1996.
1331 De acordo com o Supremo Tribunal Federai, a competência para o julgamento de ação
ordinária de anulação de concessão de registro ou de mandado de segurança é da Justiça
Federal, conforme decisão da I a Turma proferida nos autos do Recurso Extraordinário n°
199793-RS, Rei. Min. Octavio Gallotti, j. em 04.04.2000, publicada no DJU em 18.08.2000.
1 332 Sobre a aquisição da personalidade jurídica, ver os comentários ao art. 81 da Lei das S.A.
companhia pelos prejuízos causados pela demora no cumprimento
das formalidades complementares à constituição (artigo 99).
Determina o § 3 o que a criação de sucursais, filiais ou agências,
mediante deliberação da assembleia geral, do conselho de adminis-
tração ou da diretoria, conforme o disposto no estatuto social, será
arquivada no Registro Público de Empresas Mercantis. Se a filial for
instalada no próprio local da sede da companhia, basta o arquiva-
mento da ata na mesma Junta Comercial em que foram registrados
os seus atos constitutivos; se for instalada em outra jurisdição, a ata
será arquivada, inicialmente, na Junta Comercial do local da sede da
companhia e, em seguida, de posse da certidão desse arquivamento,
deverá ser providenciado o seu registro na Junta Comercial do local
onde for instalada a filial1333. O mesmo procedimento deve ser adota-
do no caso de criação de sucursais ou agências1334.

1333 Sobre esse assunto, ver os itens 8 a 10 da Instrução Normativa D N R C n° 100/2006, que
aprovou o "Manual de Atos e Registro Mercantil das Sociedades Anônimas".
1334 Sobre filial, sucursal e agência, FÁBIO U L H O A C O E L H O . Curso de Direito Comercial,
v. 1, 14a edição, São Raulo: Saraiva, 2010, p. 100, observa que: "A sociedade empresária
pode ser titular de mais de um estabelecimento. Nesse caso, aquele que ela considerar mais
importante será a sede, e o outro ou outros as filiais ou sucursais (para as instituições
financeiras, usa-se a expressão 'agência', para mencionar os diversos estabelecimentos). Em
relação a cada um dos seus estabelecimentos, a sociedade empresária exerce os mesmos
direitos, sendo irrelevante a distinção entre sede e filiais, para o direito comercial. Para os
objetivos das regras de competência judicial, no entanto, ganha relevo a identificação da
categoria própria do estabelecimento, porque a ação contra a sociedade empresária deve ser
proposta no foro do lugar de sua sede, ou no de sua filial, segundo a origem da obrigação
(CPC, art. 100, IV, a e b;. Quando se trata, por outro lado, de pedido de falência ou de
recuperação judicial, o juízo competente será o do principal estabelecimento da sociedade
devedora, sob o ponto de vista econômico, independentemente de ser a sede ou uma filial
(LF, art. 3o). A distinção, por conseguinte, entre as duas espécies de estabelecimento do
mesmo empresário (sede ou filial), abstraídos os aspectos pertinentes à competência judicial,
nao apresenta maiores desdobramentos para o direito" LUIZ TZIRULNIK. Empresas e
Empresários no Novo Código Civil. 2 a edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.
32, por sua vez, observa que: "luridicamente, filial é definida como sociedade empresarial
que, embora atue sob a direção e a administração de outra, a matriz, mantém a sua
personalidade jurídica e o seu patrimônio, porém preservando a sua autonomia diante da lei
e do publico, motivo pelo qual não há de ser confundida com sucursal nem com agência.
Agencia, em essência, refere-se à empresa especializada em prestação de serviços, cuja
tunçao e eminentemente a de intermediária. Sucursal, por sua vez, refere-se a estabelecimen-
to empresarial acessório e distinto do estabelecimento principal, a cuja administração esta
ligada, sem, contudo, constituir nem filial nem agência"
Publicação e transferência de bens
"Art. 98. Arquivados os documentos relativos à constituição da
companhia, os seus administradores providenciarão, nos 30 (trin-
ta) dias subsequentes, a publicação deles, bem como a de certidão
do arquivamento, em órgão oficial do local de sua sede.

§ I o Um exemplar do órgão oficial deverá ser arquivado no regis-


tro do comércio.

§ 2 o A certidão dos atos constitutivos da companhia, passada pelo


registro do comércio em que foram arquivados, será o documen-
to hábil para a transferência, por transcrição no registro público
competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para
a formação do capital social (artigo 8 o , § 2 o ).

§ 3 o A ata da assembleia geral que aprovar a incorporação deverá


identificar o bem com precisão, mas poderá descrevê-lo sumaria-
mente, desde que seja suplementadapor declaração, assinada pelo
subscritor, contendo todos os elementos necessários para a trans-
crição no registro público."

Tendo em vista que a Lei das S.A., no artigo 94, determina que
nenhuma companhia poderá funcionar sem que sejam arquivados e
publicados seus atos constitutivos, este artigo estabelece, no caput,
que, uma vez arquivados, de acordo com o previsto no artigo 97, os
primeiros administradores providenciarão, nos 30 (trinta) dias subse-
quentes, a sua publicação em órgão oficial do local da sede da compa-
nhia, bem como da certidão do arquivamento1335.

Relativamente à nova denominação do Registro do Comércio, às suas atribuições e compe-


tências, aos procedimentos para arquivamento de atos constitutivos e à sua análise pelo
Registro Público de Empresas Mercantis, remetemos o leitor aos comentários dos arts. 94,
95 e 97 da Lei das S.A.
O prazo de 30 (trinta) dias é fixado apenas para efeito da respon-
sabilidade dos primeiros administradores na hipótese de a demora
causar prejuízo à companhia (artigo 99), pois não há nenhuma san-
ção prevista em lei para o seu descumprimento.
O § I o trata da publicidade dos atos constitutivos, estabelecen-
do que um exemplar do órgão oficial também deverá ser arquivado
na Junta Comercial. Ainda que na publicação dos atos constitutivos
não seja observado o prazo de 30 (trinta) dias de que trata o caput, a
Junta Comercial não poderá recusar o arquivamento do exemplar do
órgão oficial.
Este dispositivo está em harmonia com o § 5 o do artigo 289, que
estabelece que todas as publicações ordenadas na Lei das S.A. deve-
rão ser arquivadas no Registro Público de Empresas Mercantis. No
entanto, o caput deste artigo excepciona a regra de que as publicações
sejam feitas no órgão oficial e em outro jornal de grande circulação
editado na localidade em que está situada a sede da companhia (arti-
go 289, capui), pois determina que os atos constitutivos sejam publi-
cados apenas em órgão oficial. Mas, se no lugar em que estiver situada
a sede da companhia não for editado jornal, a publicação deverá ser
feita em órgão de grande circulação local (artigo 289, § 2 o ).
Não obstante os atos constitutivos tornarem-se públicos após
registrados, ou seja, acessíveis a todos os interessados, uma vez que
qualquer pessoa pode obter certidão do seu conteúdo, sem necessi-
dade de justificar a razão1336, a Lei das S.A. determinou que os atos
societários que visem a produzir efeitos perante terceiros sejam pu-
blicados. Assim, tantos os acionistas quanto terceiros que se rela-

De acordo com o art. 29 da Lei n° 8.934/1994, que disciplina o Registro Público de Empresas
Mercantis e Atividades Afins, "qualquer pessoa, sem necessidade de provar interesse, poderá
consultar os assentamentos existentes nas juntas comerciais e obter certidões, mediante
pagamento do preço devido." O art. 54, por sua vez, estabelece que: "A prova da publicidade
de atos societários, quando exigida em lei, será íeita mediante anotação nos registros da junta
comercial à vista da apresentação da folha do Diário Oficial, ou do jornal onde foi feita a
pubhcaçao, dispensada a juntada da mencionada folha "
cionam com a companhia não podem alegar que não têm conhe-
cimento do ato1337-1338.
Os §§ 2 o e 3 o tratam do registro e transferência dos bens com
que os subscritores tiverem contribuído para a formação do capital
social. De acordo com o artigo 89, não se exige escritura pública na
incorporação de imóveis com que os subscritores tiverem contribuído
para a formação do capital social. Este dispositivo excepciona a regra
do Código Civil que estabelece que "não dispondo a lei em contrário, a
escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à
constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais so-
bre imóveis de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo
vigente no País"1339.
Nos termos do § 2 o , para a efetiva transferência e registro do
bem em nome da companhia, é indispensável que a certidão dos seus
atos constitutivos passada pela Junta Comercial (artigo 97) seja ar-
quivada no Registro Público competente, pois é o documento hábil
para a transferência, por transcrição, nesse órgão, dos bens com que o
subscritor tiver contribuído para a formação do capital social.
Tratando-se, por exemplo, de bem imóvel, a certidão dos atos
constitutivos emitida pela Junta Comercial será registrada, pelo oficial
do Registro de Imóveis, junto à respectiva matrícula do referido
bem1340-1341. Tratando-se de bens móveis, deve-se observar as regras do

1337 O Código Civil, no art. 1.154, determina que: "Art 1.154. O ato sujeito a registro, ressalva-
das disposições especiais da lei, não pode, antes do cumprimento das respectivas formalida-
des, ser oposto a terceiro, salvo prova de que este o conhecia. Parágrafo único. O terceiro
não pode alegar ignorância, desde que cumpridas as referidas formalidades."
133 8 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 94 da Lei das S.A.
1339 Art. 108 do Código Civil.
1340 A Lei n" 6.015/1973 (Lei dos Registros Públicos) estabelece no item 32 do inciso I do art.
167, com a redação dada pela Lei n° 6.216/1975, que, no Registro de Imóveis, além da
matrícula, serão feitos registros "da transferência de imóvel a sociedade, quando integrar
quota social".
1341 O Código Civil, ao tratar da aquisição da propriedade imóvel, determina, nos arts. 1.245
e 1.246, que: "Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título
translativo no Registro de Imóveis (...) Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em
que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo."
direito comum e, para outros, as regras que decorrem de leis especiais,
como é o caso das patentes de invenção; o pedido de averbação da
transferência, acompanhado da certidão dos atos constitutivos emitida
pela Junta Comercial, deverá ser formulado ao Instituto Nacional de
Propriedade Industrial1342-
Por essa razão, determina o § 3 o que a ata da assembleia geral
que aprovar a incorporação de bens ao capital deverá identificá-los
com precisão. Admite também a norma a descrição sumária do bem,
mas exige, nessa hipótese, que ela seja suplementada por declaração,
assinada pelo subscritor, contendo todos os elementos necessários à
transcrição no registro público1343-1344.

1342 A Lei n° 9.279/1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial,
determina, nos arts. 58, 59 e 60, que: "Art. 58. O pedido de patente ou a patente, ambos
de conteúdo indivisível, poderão ser cedidos, total ou parcialmente. Art. 59. O INPI fará as
seguintes anotações: I - da cessão, fazendo constar a qualificação completa do cessionário;
II - de qualquer limitação ou ônus que recaia sobre o pedido ou a patente; e III - das
alterações de nome, sede ou endereço do depositante ou titular. Art. 60. As anotações
produzirão efeito em relação a terceiros a partir da data de sua publicação."
1343 Sobre esse assunto, o art. 221 da Lei n° 6.015/1973, com as alterações introduzidas pelas Leis
n™ 6.216/1975 e 12.424/2011, determina que: "Art 221. Somente são admitidos a registro:
I - escrituras públicas, inclusive as lavradas em consulados brasileiros; II - escritos particulares
autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas, dispen-
sado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao Sistema
Financeiro da Habitação; III - atos autênticos de países estrangeiros, com força de instrumento
público, legalizados e traduzidos na forma da lei, e registrados no cartório do Registro de Títulos
e Documentos, assim como sentenças proferidas por tribunais estrangeiros após homologação
pelo Supremo Tribunal Federal; IV - cartas de sentença, formais de partilha, certidões e manda-
dos extraídos de autos de processo; eV - contratos ou termos administrativos, assinados com a
União, Estados e Municípios no âmbito de programas de regularização fundiária e de programas
habitacionais de interesse social, dispensado o reconhecimento de firma." Consta, também, do
art. 225, com a redação dada pela Lei n° 6.216/1975, que: "Os tabeliães, escrivães e juizes farão
com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característi-
cos, as confrontações.e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes
e, ainda, quando se tratar só de terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro,
em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos
interessados certidão do registro imobiliário."
1344 Consta dos arts. 35 e 64 da Lei n° 8.934/1994 que: (i) "Art. 35. Não podem ser arquivados:
(...) VII - os contratos sociais ou suas alterações em que haja incorporação de imóveis t
sociedade, por instrumento particular, quando do instrumento não constar: a) a descrição e
identificação do imóvel, sua área, dados relativos à sua titulação, bem como o número da
matrícula no registro imobiliário; b) a outorga uxória ou marital, quando necessária."; (ii) "Ari.
64. A certidão dos atos de constituição e de alteração de sociedades mercantis, passada
pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferên-
cia, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver
contribuído para a formação ou aumento do capital social." Ver, também, o art. 53 do
Decreto n° 1.800/1996, com a redação dada pelo Decreto n° 3.344/2000.
Assim, os primeiros administradores deverão, após o arquivamento
dos atos constitutivos da companhia, providenciar a transferência, por
transcrição, no registro público competente, dos bens conferidos ã reali-
zação do capital, sob pena de serem solidariamente responsáveis peran-
te a companhia pelos prejuízos causados pela demora no cumprimento
das formalidades complementares à constituição (artigo 99, caput).
Responsabilidade dos primeiros administradores
"Art. 99. Os primeiros administradores são solidariamente res-
ponsáveis perante a companhia pelos prejuízos causados pela
demora no cumprimento das formalidades complementares à
sua constituição.

Parágrafo único. A companhia não responde pelos atos ou ope-


rações praticados pelos primeiros administradores antes de cum-
pridas as formalidades de constituição, mas a assembleia geral
poderá deliberar em contrário."

De acordo com o artigo 92, os fundadores são responsáveis pelos


prejuízos resultantes da inobservância das disposições legais e de com-
promissos e obrigações assumidos no interesse da companhia anterior-
mente à sua constituição.
Com a constituição da companhia, cessam as funções dos fun-
dadores, que deverão entregar aos primeiros administradores eleitos
todos os documentos, livros ou papéis relativos à sua constituição ou
a ela pertencentes (artigo 93) para que possam cumprir as formalida-
des complementares: (i) o arquivamento, na Junta Comercial, dos atos
constitutivos, se constituída por assembleia (artigo 95), ou da certidão
do instrumento, se constituída por escritura pública (artigo 96); (ii) a
publicação desses atos e da certidão passada pelo Registro Público de
Empresas Mercantis, em órgão oficial do local da sede da companhia
(artigo 98, caput e § I o ); e (iii) a transferência no Registro Público
competente dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a
formação do capital social (artigo 98, § 2o).
Os documentos sujeitos a arquivamento - elencados nos artigos
95 e 96 _ devem ser apresentados à Junta Comercial, no prazo de 30
(trinta) dias, contado da lavratura da ata da assembleia geral de cons-
tituição ou da escritura pública, a cuja data retroagirão os seus efeitos.
Requerido o registro após esse prazo, somente produzirá efeito a par-
tir da data de sua concessão1345.
As formalidades complementares têm por fim atribuir persona-
l i d a d e jurídica à companhia, permitir que ela entre em funcionamen-

to, dar publicidade dos atos constitutivos a terceiros, bem como conferir
autenticidade, segurança e eficácia a esses atos1346.
Por essa razão, os primeiros administradores são solidariamente
responsáveis perante a companhia pelos prejuízos causados pela de-
mora no cumprimento das formalidades complementares à sua cons-
tituição. A solidariedade decorre do fato de que qualquer um deles
pode praticar os atos necessários ao funcionamento regular da com-
panhia. Assim, enquanto a sociedade encontrar-se legalmente cons-
tituída, mas sem o arquivamento de seus atos constitutivos na Junta
Comercial, ela não fica subordinada ao regime das sociedades em
comum, conforme o previsto no caput deste artigo e disposição ex-
pressa do Código Civil1347.
No intervalo entre a constituição, o arquivamento e publicação
dos atos constitutivos na Junta Comercial, os primeiros administra-
dores, não obstante já eleitos, não têm, ainda, a presentação da com-

1345 Determina o Código Civil, nos §§ I o a 3 o do art. 1.151, que: "Art. 1.151. (...) § 1° Os
documentos necessários ao registro deverão ser apresentados no prazo de trinta dias, con-
tado da lavratura dos atos respectivos. § 2° Requerido além do prazo previsto neste artigo,
o registro somente produzirá efeito a partir da data de sua concessão. § 3° As pessoas
obrigadas a requerer o registro responderão por perdas e danos, em caso de omissão ou
demora." No mesmo sentido, o art. 36 da Lei n° 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro
Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, e o art. 33 do Decreto n° 1.800/1996.
1346 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 94 da Lei das S.A.
1347 O Código Civil, ao tratar da sociedade não personificada, estabelece, no art. 986, que:
"Art. 986. Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto por
ações em organização, pelo disposto neste Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que
com ele forem compatíveis, as normas da sociedade simples."
panhia, uma vez que ela ainda não adquiriu personalidade jurídica.
Assim, não podem praticar atos para a consecução do seu objeto so-
cial até que os documentos relativos à constituição estejam arquiva-
dos e publicados (artigo 94). Nesse sentido, o parágrafo único
determina que a companhia não responde pelos atos ou operações
praticados pelos primeiros administradores antes de cumpridas as for-
malidades de constituição, salvo deliberação em contrário da assem-
bleia geral.
Tendo em vista que o efeito do arquivamento retroage à data da
constituição, se ele for providenciado dentro do prazo de 30 (trinta)
dias, os atos praticados pelos primeiros administradores, no intervalo
entre a constituição e o arquivamento dos atos constitutivos, serão le-
gítimos. Ou seja, nessa hipótese, a companhia assumirá os atos ou ope-
rações por eles praticados, salvo se tiverem agido com culpa ou dolo, ou
com violação da lei ou do estatuto. A responsabilidade dos primeiros
administradores é a mesma determinada pela Lei das S.A. em seu arti-
go 158, à exceção da solidariedade entre eles prevista neste artigo.
Na hipótese dos primeiros administradores requererem o arqui-
vamento dos atos constitutivos após decorrido o prazo de 30 (trinta)
dias de sua lavratura e a assembleia geral aprovar os atos e operações
por eles praticados - ainda que de forma genérica, ou seja, sem espe-
cificar cada um deles - a companhia passa a ser responsável por tais
atos. Não há, nesse caso, que se falar em ratificação ou consolidação
das operações praticadas, mas de substituição da responsabilidade dos
administradores pela companhia.
CAPÍTULO I X

LIVROS SOCIAIS

"Art. 100. A companhia deve ter, além dos livros obrigatórios


para qualquer comerciante, os seguintes, revestidos das mesmas
formalidades legais:

I - o livro de Registro de Ações Nominativas, para inscrição, ano-


tação ou averbação: (Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

a) do nome do acionista e do número das suas ações;

b) das entradas ou prestações de capital realizado;

c) das conversões de ações, de uma em outra espécie ou classe;


(Redação dada pela Lei n° 9.457/1997)

d) do resgate, reembolso e amortização das ações, ou de sua aqui-


sição pela companhia;

e) das mutações operadas pela alienação ou transferência de ações;

f ) do penhor, usufruto, fideicomisso, da alienação fiduciária em


garantia ou de qualquer ônus que grave as ações ou obste sua ne-
gociação.

II - o livro de 'Transferência de Ações Nominativas', para lança-


mento dos termos de transferência, que deverão ser assinados
pelo cedente e pelo cessionário ou seus legítimos representantes;

III — o livro de 'Registro de Partes Beneficiárias Nominativas' e o


de 'Transferência de Partes Beneficiárias Nominativas', se tive-
rem sido emitidas, observando-se, em ambos, no que couber, o
disposto nos números I e II deste artigo;

IV - o livro de Atas das Assembleias Gerais; (Redação dada pela


Lein° 9.457/1997)

V - o livro de Presença dos Acionistas; (Redação dada pela. Lei n°


9.457/1997)

VI - os livros de Atas das Reuniões do Conselho de Administração,


> /

se houver, e de Atas das Reuniões de Diretoria (Redação dada pela


Lei n° 9.457/1997);

VII - o livro de Atas e Pareceres do Conselho Fiscal (Redação dada


pela Lei n° 9.457/1997)

§ I o A qualquer pessoa, desde que se destinem a defesa de direitos


e esclarecimento de situações de interesse pessoal ou dos acionis-
tas ou do mercado de valores mobiliários, serão dadas certidões
dos assentamentos constantes dos livros mencionados nos inci-
sos I a III, e por elas a companhia poderá cobrar o custo do servi-
ço, cabendo, do indeferimento do pedido por parte da companhia,
recurso à Comissão de Valores Mobiliários. (Redação dada pela
Lei n° 9.457/1997)

§ 2 o Nas companhias abertas, os livros referidos nos incisos IaVdo


caput deste artigo poderão ser substituídos, observadas as normas
expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, por registros me-
canizados ou eletrônicos." (Redação dada pela Lei n° 12.431/2011)

As companhias devem manter livros para o registro de ações,


debêntures, bônus de subscrição e partes beneficiárias de sua emis-
são, bem como dos atos de seus órgãos sociais: assembleia geral, con-
selho de administração, diretoria e conselho fiscal, além do "Livro de
Presença dos Acionistas"1348-1349. Esses livros devem ser autenticados
pelo Registro Público de Empresas Mercantis1350-1351-1352.
Embora os "Livros de Registro e Transferência de Debêntures e
Bônus de Subscrição Nominativos" não estejam expressamente pre-
vistos neste artigo, devem ser criados, de acordo com as regras dos
livros utilizados para as ações nominativas, tendo em vista que às de-
bêntures e aos bônus de subscrição nominativos aplica-se, no que
couber, o disposto nas Seções V a VII do Capítulo III, ou seja, as
normas relativas aos certificados, propriedade e circulação, constitui-
ção de direitos reais e outros ônus sobre as ações1353.
A propriedade da ação nominativa presume-se pela inscrição
do nome do acionista no "Livro de Registro de Ações Nominativas"
ou pelo extrato fornecido pela instituição custodiante, na qualidade
de proprietária fiduciária das ações (artigo 31, caput). A presunção
de propriedade da ação é relativa (júris tantum), admitindo-se prova
em contrário1354.
A transferência das ações nominativas registradas opera-se por
termo lavrado no "Livro de Transferência de Ações Nominativas",
datado e assinado pelo cedente e pelo cessionário, ou seus legítimos

1348 Consta do art. 149 da Lei das S.A. que: "Os conselheiros e diretores serão investidos nos
seus cargos mediante assinatura de termo de posse no livro de atas do conselho de adminis-
tração ou da diretoria, conforme o caso."
1349 A Lei das S.A. determina no art. 127 que: "Antes de abrir-se a assembleia, os acionistas
assinarão o 'Livro de Presença', indicando o seu nome, nacionalidade e residência, bem
como a quantidade, espécie e classe das ações de que forem titulares."
1350 O Código Civil, no art. 1.181, estabelece que: "Salvo disposição especial de lei, os livros
obrigatórios e, se for o caso, as fichas, antes de postos em uso, devem ser autenticados no
Registro Público de Empresas Mercantis."
1351 Sobre os livros obrigatórios da sociedade empresária, ver os arts. 1.179 a 1.195 do Código
Civil e arts. 378 e 379 do Código de Processo Civil.
1352 Sobre esse assunto, ver a Instrução Normativa D N R C n° 107/2008 que trata dos procedi-
mentos para a validade e eficácia dos instrumentos de escrituração dos empresários,
sociedades empresárias, leiloeiros, tradutores públicos e intérpretes. O s arts. 12 a 15 dessa
Instrução tratam especificamente da autenticação de livros em papel, fichas ou folhas
contínuas e avulsas.
1353 Sobre esse assunto, ver os comentários aos arts. 63 e 75 da Lei das S.A.
1354 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 31 da Lei das S.A.
representantes (artigo 31, § I o ). A mesma regra aplica-se às partes
beneficiárias (artigo 50), às debêntures (artigo 63) e aos bônus de subs-
crição (artigo 78). A transferência das ações escriturais opera-se por
lançamento efetuado pela instituição depositária em seus livros, a
débito da conta de ações do alienante e a crédito da conta de ações do
adquirente, à vista de ordem escrita do alienante, ou de autorização
ou ordem judicial, em documento hábil que ficará em poder da insti-
tuição (artigo 35, § I o ).
Os registros constantes dos livros enumerados nos incisos I a III
podem produzir efeitos perante terceiros, tendo, portanto, esses livros
caráter de registro público; os demais livros, relacionados nos incisos
IV a VII, referem-se à administração da companhia. Por essa razão, o
§ I o estabelece que qualquer pessoa pode requerer certidões dos as-
sentamentos constantes dos "Livros de Registro e Transferência de
Ações Nominativas, Partes Beneficiárias Nominativas e Debêntures
Nominativas", desde que se destinem à defesa de direitos e esclareci-
mento de situações de interesse pessoal ou dos acionistas ou do mer-
cado de valores mobiliários. A companhia poderá cobrar o custo desse
serviço e, caso entenda que é descabido o motivo alegado para o re-
querimento da certidão, poderá negá-lo, cabendo, do indeferimento
do pedido, recurso à Comissão de Valores Mobiliários, se for o caso1355.
Tanto os acionistas das companhias abertas quanto os das socieda-
des fechadas poderão ajuizar ação, com pedido de tutela antecipada,
com o intuito de obter a certidão.
Tratando-se de ações escriturais, em que os registros são efetua-
dos pela instituição depositária, esta é que deverá fornecer as certi-
dões dos extratos das contas de depósito.

1 355 Sobre a emissão da certidão dos assentamentos dos livros da companhia, ver o Parecer de
Orientação C V M n" 30/1996 e a decisão da 3 a Turma do Superior Tribunal de Justiça
proferida nos autos do Recurso Especial n° 238.618-SP, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em
15.10.2001, publicada no D J U em 18.02.2002.
Relativamente às informações que devem ser fornecidas pela
companhia ou pela instituição depositária, a Comissão de Valores
Mobiliários já se manifestou no sentido de que são apenas aquelas
objeto do "Livro de Registro de Ações Nominativas" e constantes
das alíneas "a" a "f" do inciso I, a saber: (i) o nome do acionista e o
número das suas ações; (ii) as entradas ou prestações de capital reali-
zado; (iii) as conversões de ações, de uma em outra espécie ou classe;
(iv) o resgate, reembolso e amortização das ações, ou de sua aquisição
pela companhia; (v) as mutações operadas pela alienação ou transfe-
rência de ações; e (vi) o penhor, usufruto, fideicomisso, a alienação
fiduciária em garantia ou qualquer ônus que grave as ações ou obste
sua negociação. Esclareceu, ainda, essa Autarquia que a companhia
não é obrigada a fornecer o endereço dos acionistas ou quaisquer ou-
tros dados cadastrais que são para uso da sociedade, ressalvada a hi-
pótese de que trata o § 3 o do artigo 126 em que acionista titular de
ações, com ou sem voto, que represente mais de 5% (cinco por cento)
do capital social pode solicitar a relação de endereço dos acionistas
aos quais a companhia enviou pedidos de procuração1356-1357 (P-

1356 ftrecer de Orientaçao C V M n° 30/1996. O Colegiado da C V M , chamado a se manifestar


diversas vezes sobre a legitimidade do pedido de lista de acionista c o m base no § I o do art.
100 da Lei das S.A., proferiu decisões que atribuem ao disposto neste dispositivo interpre-
tação ora restritiva, ora ampliativa sobre o pedido formulado por acionista a fim de mobi-
lizar-se com outros acionistas para discutir assuntos relativos à companhia e traçar estraté-
gias comuns de atuação em assembleias gerais. N o julgamento do Processo Administrativo
C V M n° RJ 2010/6865, Rei. Eli Loria, j. em 21.09.2010, se manifestou no sentido de que:
"O que se postula no art. 100, § Io, é a defesa de um direito que tenha sido violado ou esteja
sendo ameaçado, ou de esclarecer situação de especial gravame, não tendo a finalidade de
servir ã mobilização de acionistas com vistas a discutir temas ligados à companhia e a
participar de assembleias gerais. Assim, tem cabida quando os acionistas necessitam atuar
conjuntamente para defender algum direito comum, em razão da lei ou o estatuto estabele-
cer quorum mínimo para a postulação perante o Poder judiciário, a Administração Pública
ou os órgãos da companhia, ou bem quando o acionista tem legitimidade para agir individual-
mente para a defesa de um direito que pertence a todo e qualquer acionista (defesa de um
direito individual homogêneo). Por via de conseqüência, fora dos casos de defesa de
direitos, a esfera de mobilização dos acionistas tem muito maior conexão com o art. 126 da
Lei n" 6.404/76. Com efeito, em conformidade com o postulado no § 4o do art. 126, a lista
de endereços dos acionistas só pode ser solicitada para o envio de posterior pedido de
procuração (inclusive particular) aos acionistas da companhia." N o mesmo sentido foi a
decisão proferida nos autos do Processo Administrativo C V M n° RJ 2009/5356, Rei. Eli
Loria, j. em 08.12.2009, que firmou, ainda, entendimento no sentido de que o pedido
formulado com base no § I o do art. 100 da Lei das S.A. "deve apresentar fundamentação
Não cabe qualquer interpretação que amplie o escopo do § I o ,
uma vez que a norma visa a proteger, especificamente, um direito tu-
telado ou ameaçado, não a servir ao "ativismo" de investidores inte-
ressados em discutir temas relacionados à gestão dos negócios sociais
ou em mobilizar acionistas em favor de suas teses. Assim, o pedido de
informações nele fundamentado deve demonstrar: (i) o direito a ser
defendido e qual a ameaça que sobre ele paira; e (ii) em que medida a
divulgação dos assentamentos dos livros sociais será necessária à de-
fesa do direito ameaçado ou para o esclarecimento de situação de in-
teresse pessoal dos acionistas ou do mercado de valores mobiliários.
A Lei das S.A., face à natureza pública dos livros relacionados
nos incisos I a III deste artigo, determina que as dúvidas suscitadas
entre o acionista ou qualquer interessado e a companhia sobre as aver-

especffica, ainda que sucinta, para legitimar o seu deferimento> devendo tal justificativa identi-
ficar (i) o direito a ser defendido ou a situação de interesse pessoal a ser esclarecida, e (ii) em
que medida a divulgação dos assentamentos dos livros sociais é necessária para o esclarecimen-
to da situação de interesse pessoal ou defesa do direito em questão. A companhia está
obrigada a fornecer certidão dos assentamentos quando forem necessários e suficientes para o
esclarecimento da situação de interesse pessoal ou a defesa do direito identificado no pedido.
O fornecimento da lista integral dos acionistas, com base no disposto no § 1° do art. 100 da
LSA, só se impõe nos casos em que estiver devidamente justificado que o direito violado ou em
vias de ser violado é inerente â qualidade de acionista, sendo a sua defesa de interesse de todos
os acionistas." Essa mesma decisão cita, exemplificativamente, as seguintes hipóteses em que
cabe o fornecimento da lista integral de acionistas com base no § I o do art. 100 da Lei das
S.A., por configurarem casos em que os acionistas devem atuar conjuntamente para defender
algum direito: (i) ação de responsabilidade a ser proposta por acionistas (art. 159, § 1°); (ii)
ação de exibição integral dos livros da companhia (art. 105, § 4 o ); e (iii) o pedido de lista
voltado a facilitar a formação de quorum necessário à convocação da assembleia geral, desde
que seja demonstrado que a deliberação a ser incluída na ordem do dia tenha o nítido caráter
de defesa de direitos. N o mesmo sentido são as seguintes decisões: (i) Processo Administra-
tivo C V M n° RJ 2003/0023, Rei. Dir. Waldimir Castelo Branco Castro, j. em 10.06.2003; (ii)
Processo Administrativo C V M n° RJ 2006/8588, Rei. Dir. Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j.
em 19.12.2006; (iii) Processo Administrativo C V M n° 2007/1488, Rei. Dir. Maria Helena
Santana, j. em 28.06.2007; (iv) Processo Administrativo C V M n° SP 2006/0162, Rei. Dir.
Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j. em 03.07.2007; (v) Processo Administrativo C V M n° RJ
2007/13822, Rei. Dir. Sérgio Weguelin, j. em 25.03.2008; e (vi) Processo Administrativo
C V M n° RJ 2010/2689, Rei. Dir. Marcos Barbosa Pinto, j. em 20.07.2010.
1357 Em sentido contrário, ou seja, da legitimidade do pedido de lista de acionista com base no §
I o do art. 100 da Lei das S.A., com o fim de discutir assuntos relativos à companhia e traçar
estratégias comuns de atuação em assembleias gerais, foram as seguintes decisões: (i) Processo
Administrativo C V M n° RJ 2001/10680, Rei. Dir. Waldimir Castelo Branco Castro, j. 29.10.2002;
(ii) Processo Administrativo C V M n° 2003/6440, Rei. Dir. Norma Jonssen Parente, j. em
31.03.2004; (iii) Processo Administrativo C V M n° RJ 2004/0203, Rei. Dir. Wladimir Castelo
Branco Castro, j. em 16.04.2004; e (iv) Processo Administrativo RJ n° 2004/0712, Rei. Dir.
Wladimir Castelo Branco Castro, j. em 29.04.2004.
bações por ela ordenadas, ou sobre anotações, lançamentos ou trans-
ferência de ações, partes beneficiárias, debêntures ou bônus de subs-
crição, nos livros de registro ou transferência, serão dirimidas pelo
juiz competente para solucionar as dúvidas levantadas pelos oficiais
dos registros públicos, excetuadas as questões atinentes à substância
do direito (artigo 103, parágrafo único).
Nas companhias abertas, os livros referidos nos incisos I a V do
caput deste artigo poderão ser substituídos, observadas as normas expe-
didas pela Comissão de Valores Mobiliários, por registros mecanizados
ou eletrônicos, nos termos do § 2 o , com a redação dada pela Lei n°
12.431/2011. Os bancos comerciais e de investimento, as sociedades
corretoras e distribuidoras, outras entidades equiparadas e as Bolsas de
Valores são autorizados, pela Comissão de Valores Mobiliários, a pres-
tar serviços de ações escriturais, custódia de valores mobiliários e de
agente emissor de certificados, desde que comprovem possuir condi-
ções técnicas, operacionais e econômico-financeiras adequadas1358.

Escrituração do agente emissor


"Art. 101.0 agente emissor de certificados (artigo 27) poderá subs-
tituir os livros referidos nos incisos I a III do artigo 100 pela sua
escrituração e manter, mediante sistemas adequados, aprovados
pela Comissão de Valores Mobiliários, os registros de propriedade
das ações, partes beneficiárias, debêntures e bônus de subscrição,
devendo uma vez por ano preparar lista dos seus titulares, com o
número dos títulos de cada um, a qual será encadernada, autentica-
da no registro do comércio e arquivada na companhia. (Redação
dada pela Lei n° 9.457/1997)

§ I o Os termos de transferência de ações nominativas perante o


agente emissor poderão ser lavrados em folhas soltas, à vista do

1358 Instrução C V M n° 89/1988, com as alterações introduzidas pelas Instruções C V M n°5 212/1994
e 261/1997.
certificado da ação, no qual serão averbados a transferência e o
nome e qualificação do adquirente.

§ 2 o Os termos de transferência em folhas soltas serão encader-


nados em ordem cronológica, em livros autenticados no registro
do comércio e arquivados no agente emissor."

Com a extinção, pela Lei n° 8.021/1990, dos títulos ao portador


e endossáveis, a única forma de ação admitida pela Lei das S.A. é a
nominativa. Assim, o certificado de ação perdeu a sua principal fun-
ção, que era a de instrumento que legitimava a condição de sócio,
tornando-se desnecessário ao titular da ação nominativa para o exer-
cício dos seus direitos1359.
Não obstante a emissão de certificados de ações nominativas ter
sido derrogada pelo desuso, a companhia pode, nos termos do artigo
27, contratar, com instituição financeira autorizada pela Comissão de
Valores Mobiliários, a escrituração e a guarda dos livros de registro e
transferência de ações, que independem da emissão dos certificados.
Essa instituição financeira é denominada de "agente emissor".
A Lei das S.A., ao admitir que esses serviços sejam prestados
por instituições financeiras, visou a facilitar o funcionamento e a mi-
nimizar os custos das companhias abertas, que eram obrigadas a man-
ter um departamento próprio para administrar os serviços de emissão
de certificados, escrituração e guarda dos livros de registro e transfe-
rência de ações1360.

1359 Sobre esse assunto, ver os comentários aos arts. 11 e 20 da Lei das S.A.
13 60 D e acordo com a Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, as instituições financeiras
especializadas na escrituração de livros de ações e na emissão de certificados substituem,
com as vantagens de menor custo e maior segurança, os departamentos de acionistas que
as companhias abertas eram obrigadas a manter. Observa, ainda, que os arts. 101 e 102 da
Lei das S.A. simplificam formalidades e autorizam a adoção de métodos de escrituração
mais econômicos.
Uma vez contratados os serviços do agente emissor, somente ele
poderá realizá-los e não mais a própria companhia, até mesmo por-
que os livros estarão sob a sua guarda1361.
O agente emissor deve (i) manter os registros de propriedade das
ações, partes beneficiárias, debêntures e bônus de subscrição mediante
sistemas adequados e aprovados pela Comissão de Valores
Mobiliários1362; e (ii) preparar, anualmente, lista dos seus titulares, com
o número dos títulos de cada um, a qual será encadernada, autenticada
no Registro Público de Empresas Mercantis e arquivada na companhia,
sem prejuízo de ser por essa requerida quando julgar conveniente. Essa
lista tem a mesma finalidade do livro e é prova júris tantum de
propriedade das ações.
A escrituração do agente emissor deve ser efetuada de acordo com
as regras editadas pela Comissão de Valores Mobiliários. Ele deve dili-
genciar para que os atos de emissão e substituição de certificados, de
transferência e averbação nos livros sejam praticados no menor prazo
possível, não excedentes a 60 (sessenta) dias da data: (i) da homologação
do aumento de capital, nos casos de subscrição de valores mobiliários; e
(ii) do recebimento dos documentos pertinentes, nos demais casos1363.
A companhia responde diretamente perante os titulares de valo-
res mobiliários e terceiros interessados por erro ou irregularidade na
prestação de serviços do agente emissor (artigos 34, § 3 o , e 104), porém
tem direito de regresso contra a instituição prestadora dos serviços. No
entanto, os titulares de valores mobiliários da companhia e terceiros
interessados poderão acionar diretamente a instituição financeira1364-1365-

13 61 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 27 da Lei das S.A.


1362 Instrução C V M n° 89/1988, com as alterações introduzidas pelas Instruções C V M n" 212/1994
e 261/1997.
1363 Art. 14, caput, da Instrução C V M n° 89/1988, com as alterações introduzidas pelas Instru-
ções C V M n™ 212/1994 e 261/1997.
1364 Art. 15 da Instrução C V M n c 89/1988, com as alterações introduzidas pelas Instruções
C V M n™ 212/1994 e 261/1997.
1365 Determina o Código Civil, no art. 927, que: "Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186
e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigaçao
De acordo com os §§ I o e 2 o , os termos de transferência de ações
nominativas firmados perante o agente emissor poderão, no lugar do
"Livro de Transferência de Ações Nominativas", ser lavrados em fo-
lhas soltas, que deverão ser encadernadas em ordem cronológica, em
livros autenticados no Registro Público de Empresas Mercantis e ar-
quivados no agente emissor.

Ações escriturais
"Art. 102. A instituição financeira depositária de ações escritu-
rais deverá fornecer à companhia, ao menos uma vez por ano,
cópia dos extratos das contas de depósito das ações e a lista dos
acionistas com a quantidade das respectivas ações, que serão en-
cadernadas em livros autenticados no registro do comércio e ar-
quivados na instituição financeira."

A ação escriturai foi instituída com o objetivo de conciliar a se-


gurança das ações nominativas com a facilidade de circulação, pro-
porcionada pela transferência mediante ordem à instituição financeira
e mero registro contábil1366-1367. Somente as instituições financeiras
autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários podem manter ser-
viços de ações escriturais e a companhia responde pelas perdas e da-
nos causados aos interessados por erros ou irregularidades no serviço
dessas ações, sem prejuízo do eventual direito de regresso contra a
instituição depositária (artigo 34, §§ 2 o e 3 o ).
A propriedade das ações escriturais presume-se pelo registro na
conta de depósito das ações aberta em nome do acionista, nos livros
da instituição depositária, e a transferência opera-se pelo lançamento

de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando


a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos
para os direitos de outrem."
1366 Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976.
1 367 Sobre a ação escriturai, ver os comentários ao art. 34 da Lei das S.A.
por ela efetuado em seus livros (artigo 35). Devido à sua própria natu-
reza, a ação escriturai não comporta a emissão de certificados1368.
A instituição depositária de ações escriturais deverá fornecer à
companhia, ao menos 1 (uma) vez por ano, cópia dos extratos das
contas de depósito das ações e a lista dos acionistas com a quantidade
das respectivas ações, que serão encadernadas em livros autenticados
no Registro Público de Empresas Mercantis e arquivados na institui-
ção financeira. A instituição depositária tem também a obrigação de
fornecer ao acionista extrato da conta de depósito das ações escritu-
rais, sempre que solicitado, ao término de todo mês em que for movi-
mentada e, ainda que não haja movimentação, ao menos 1 (uma) vez
por ano (artigo 35, § 2 o ).
Fiscalização e dúvidas no registro
"Art. 103. Cabe à companhia verificar a regularidade das transfe-
rências e da constituição de direitos ou ônus sobre os valores mo-
biliários de sua emissão; nos casos dos artigos 27 e 34, essa
atribuição compete, respectivamente, ao agente emissor de certi-
ficados e à instituição financeira depositária das ações escriturais.

Parágrafo único. As dúvidas suscitadas entre o acionista, ou qual-


quer interessado, e a companhia, o agente emissor de certificados
ou a instituição financeira depositária das ações escriturais, a res-
peito das averbações ordenadas por esta Lei, ou sobre anotações,
lançamentos ou transferências de ações, partes beneficiárias, de-
bêntures, ou bônus de subscrição, nos livros de registro ou trans-
ferência, serão dirimidas pelo juiz competente para solucionar as
dúvidas levantadas pelos oficiais dos registros públicos, excetua-
das as questões atinentes à substância do direito."

Determina a Lei das S . A . que cabe à companhia verificar eventuais


irregularidades nas transferências e na constituição de direitos ou ônus

1 368 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 20 da Lei das S.A.
sobre os valores mobiliários de sua emissão e estende essa responsabilidade
ao agente emissor de certificados e à instituiçãofinanceiradepositária das
ações escriturais, nos termos dos artigos 27 e 34, respectivamente1369-1370.
Essa regra justifica-se na medida em que a propriedade das ações
nominativas presume-se pela inscrição do nome do acionista no "Livro
de Registro de Ações Nominativas" ou pelo extrato fornecido pela
instituição custodiante, na qualidade de proprietária fiduciária das ações
(artigo 31, caput). Assim, a presunção de propriedade é relativa {júris
tantum), admitindo-se prova em contrário1371.
Os assentamentos constantes dos livros da companhia servem de
prova perante terceiros e junto aos titulares de valores mobiliários de sua
emissão; por essa razão, a Lei das S.A. permite que qualquer pessoa,
desde que se destine à defesa de direitos e esclarecimentos de situações de
interesse pessoal ou dos acionistas ou do mercado de valores mobiliários,
possa requerer certidões das averbações constantes dos "Livros de Re-
gistro e Transferência de Ações Nominativas, Partes Beneficiárias No-
minativas, Debêntures e Bônus de Subscrição" (artigo 100, § Io)1372.

1369 Constava da Lei n° 4.728/1965, que disciplinava o mercado de capitais, que: "Art. 36. A
sociedade emitente fiscalizará, por ocasião da averbação ou emissão do novo certificado, a
regularidade das transferências e dos direitos constituídos sôbre a ação. § J ° As dúvidas
suscitadas entre a sociedade emitente e o titular da ação ou qualquer interessado, a
respeito das emissões ou averbações previstas nos artigos anteriores, serão dirimidas pelo
juiz competente para solucionar as dúvidas levantadas pelos oficiais dos registros públi-
cos, excetuadas as questões atinentes à substância do direito. (...) § 3o Nas transferências
feitas por procurador ou representante legal do cedenle, a sociedade emitente fiscalizará a
regularidade da representação e arquivará o respectivo instrumento."
1370 Sobre a custódia de valores mobiliários e suas características, ver os comentários aos arts.
31 e 41 da Lei das S.A.
1371 A C V M , nos arts. 6 o e 7 o da Instrução C V M n° 115/1990, determina que: "Art. 6° Os titulares
de ações em custódia nos termos desta Instrução poderão participar das assembleias gerais
das companhias emissoras das ações custodiadas ou nelas se fazer representar, e exercer o
direito de voto, exibindo ou depositando na companhia, se o estatuto o exigir, comprovante
expedido pela Bolsa de Valores. Art. 7 o A Bolsa de Valores depositária fornecerá, à compa-
nhia, a lista dos titulares de ações em custódia, assim como a quantidade de ações de que
cada um deles é titular, sempre que solicitado, por ocasião do exercício do direito de voto,
exercício do direito de preferência, distribuição de dividendos ou bonificações, e, em qual-
quer caso, no último dia útil de cada trimestre civil."
1372 Não obstante os Livros de Registro e Transferência de Debêntures e Bônus de Subscrição
Nominativos não estarem expressamente previstos no art. 100 da Lei das S.A., devem ser
criados, de acordo com as regras dos livros utilizados pelas ações nominativas, tendo em
vista que às debêntures e aos bônus de subscrição Nominativos aplica-se, no que couber,
Ainda que a companhia delegue poderes para a prática de atos
relativos à averbação e transferência de ações nominativas, ela será
sempre responsável perante os acionistas e terceiros pela regularidade
desses atos. Em qualquer caso, a companhia tem ação regressiva con-
tra os agentes emissores de certificados ou, relativamente às ações
escriturais, contra as instituições financeiras depositárias dessas
ações1373. Assim, os agentes emissores e as instituições financeiras
depositárias respondem apenas perante a companhia.
Os assentamentos efetuados nos livros societários e nos livros da
instituição financeira depositária das ações escriturais têm caráter de
registro público. Assim, as dúvidas suscitadas entre o acionista, ou
qualquer interessado, e a companhia, o agente emissor de certificados
ou a instituição financeira depositária das ações escriturais, a respeito
das averbações ordenadas pela Lei das S.A., ou sobre anotações,
lançamentos ou transferências de ações, partes beneficiárias, debêntures,
ou bônus de subscrição, nos "Livros de Registro ou Transferência", serão
dirimidas pelo juiz competente para solucionar as dúvidas levantadas
pelos oficiais dos registros públicos1374.

o disposto nas seções V a VII do Capítulo III, ou seja, as normas relativas aos certificados,
propriedade e circulação, constituição de direitos reais e outros ônus sobre as ações. Sobre
esse assunto, ver os comentários aos arts. 63 e 75 da Lei das S.A.
1373 Sobre o "agente emissor" e a instituição financeira depositária, ver os comentários aos
arts. 2 7 e 34 da Lei das S.A; e sobre a constituição de direitos ou ônus sobre valores
mobiliários, ver os comentários aos arts. 39 e 4 0 da Lei das S.A.
1374 Consta do art. 198 da Lei n° 6.015/1973, com a redação que lhe foi dada pela Lei nD 6.216/
1975, que: "Art 198. Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não
se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer,
será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competen-
te para dirimí-la, obedecendo-se ao seguinte: I - no Protocolo, anotará o oficial, à margem da
prenotação, a ocorrência da dúvida; II - após certificar, no título, a prenotação e a suscitação
da dúvida, rubricará o oficial todas as suas folhas; III - em seguida, o oficial dará ciência dos
termos da dúvida ao apresentante, fornecendo-lhe cópia da suscitação e notificando-o para
impugná-la, perante o juízo competente, no prazo de 15 (quinze) dias; IV - certificado o
cumprimento do disposto no item anterior, remeter-se-ão ao juízo competente, mediante
carga, as razões da dúvida, acompanhadas do título." Por sua vez, o caput do art. 204 do
mesmo diploma legal, com a redação que lhe foi dada pela Lei n° 6.216/1975, determina
que: "Art. 204. A decisão da dúvida tem natureza administrativa e não impede o uso do
processo contencioso competente."
No entanto, a solução de tais dúvidas limita-se à análise dos docu-
mentos apresentados à companhia para verificar se são suficientes e sa-
tisfatórios ao fim a que se destinam. O juiz da Vara de Registros Públicos
não tem competência para julgar questões referentes à substância do
direito; a análise do mérito compete ao juiz da Vara Cível.
Responsabilidade da companhia
"Art. 104. A companhia é responsável pelos prejuízos que causar
aos interessados, por vícios ou irregularidades verificados nos li-
vros de que tratam os incisos I a III do artigo 100. (Redação dada
pela Lei n° 9.457/1997)

Parágrafo único. A companhia deverá diligenciar para que os atos


de emissão e substituição de certificados, e de transferências e aver-
bações nos livros sociais, sejam praticados no menor prazo possí-
vel, não excedente dofixadopela Comissão de Valores Mobiliários,
respondendo perante acionistas e terceiros pelos prejuízos decor-
rentes de atrasos culposos."

Os assentamentos efetuados nos "Livros de Registro e Transfe-


rência de Ações, Partes Beneficiárias, Debêntures e Bônus de Subs-
crição Nominativos", bem como nos livros da instituição financeira
depositária dos valores mobiliários, interessam não apenas aos acio-
nistas, como também a terceiros, pois contêm anotações referentes
aos titulares de valores mobiliários e dos ônus que gravam os mes-
mos, impedindo ou restringindo a sua circulação. Por isso, a compa-
nhia responde pelos prejuízos que causar aos interessados por vícios
ou irregularidades verificados nesses livros.
A companhia poderá, provada a culpa ou o dolo de seus admi-
nistradores, contra eles mover ação social para haver os prejuízos de-
correntes dos valores pagos a terceiros1375. Se o vício ou irregularidade

1375 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 158 da Lei das S.A.
for causado pelo agente emissor (artigo 27) ou pela instituição depo-
sitária de ações escriturais (artigo 34), a companhia continuará res-
ponsável perante os acionistas e terceiros interessados, mas terá ação
regressiva contra aqueles1376.
Determina o parágrafo único que a companhia deve diligenciar
para que os atos de emissão e substituição de certificados e de trans-
ferências e averbações nos livros sociais sejam praticados no menor
prazo possível, não excedendo o fixado pela Comissão de Valores
Mobiliários, respondendo perante acionistas e terceiros pelos prejuí-
zos decorrentes de atrasos culposos1377. Assim, não basta o atraso no
registro
O
de emissão ou na transferência dos valores mobiliários; faz-se 7

necessário ao acionista ou terceiro interessado provar que os admi-


nistradores não foram diligentes. Cabe também à companhia, ação
regressiva contra os administradores, agente emissor ou instituição
financeira depositária, conforme o caso, responsáveis pelos prejuízos
decorrentes de atrasos culposos.

Exibição dos livros


"Art. 105. A exibição por inteiro dos livros da companhia pode
ser ordenada judicialmente sempre que, a requerimento de acio-
nistas que representem, pelo menos, 5% (cinco por cento) do ca-
pital social, sejam apontados atos violadores da lei ou do estatuto,
ou haja fundada suspeita de graves irregularidades praticadas por
qualquer dos órgãos da companhia."

A exibição de livros é uma das formas que o acionista tem para


exercer o seu direito essencial de fiscalizar, na forma prevista na Lei

13 76 Sobre esse assunto, ver os comentários aos arts. 34 e 103 da Lei das S.A.
1377 A C V M , por meio da Instrução C V M n° 89/1988, com as alterações introduzidas pelas
Instruções C V M n05 212/1994 e 261/1997, estabeleceu, no art. 14, que o agente emissor
deve diligenciar a fim de que os atos de transferência e averbações nos livros sejam
praticados no menor prazo possível, não excedente a 60 (sessenta) dias da data (i) da
homologação do aumento de capital, nos casos de subscrição de valores mobiliários; ou
(ii) do recebimento dos documentos pertinentes, nos demais casos.
das S. A., a gestão dos negócios sociais (artigo 109, inciso III). Em-
bora seja titular desse direito, o acionista não tem total liberdade
para escolher o meio mediante o qual o exercerá, posto que os
instrumentos de fiscalização são exclusivamente aqueles previstos
na Lei das S.A.: (i) participação na assembleia geral (artigo 121);
(ii) recebimento de informações financeiras (artigos 133 e 135, §
3 o ); (iii) funcionamento do conselho fiscal (artigo 161); (iv) aces-
so aos livros da companhia (artigos 100, § I o , e 105); (v) auditoria
independente (artigo 177, § 3 o ); e (vi) acesso às informações refe-
rentes a fatos relevantes e operações realizadas pelos administra-
dores (artigo 157, §§ I o e 4 o ) 1378 .
Embora o pedido de exibição judicial de livros possa ser pro-
posto como medida preventiva1379, nada impede que constitua ação
principal, posto que caracteriza pretensão de direito material autô-
noma que visa à assegurar ao acionista demandante o seu direito de
fiscalizar os negócios sociais1380.
Não obstante constituir uma das formas do exercício do direito
de fiscalização do acionista, a exibição de livros tem caráter
excepcional, tendo em vista que a regra geral deve ser a da proteção
do sigilo negociai1381.
Para requerer a exibição de livros, é indispensável que sejam apon-
tados atos violadores da lei ou do estatuto, ou haja fundada suspeita
de graves irregularidades praticadas por qualquer dos órgãos da com-
panhia. Atendidos esses pressupostos, o acionista ou o grupo de acio-
nistas que representem, no mínimo, 5% (cinco por cento) do capital
social, poderá solicitar judicialmente a exibição por inteiro dos livros

1378 Ver os comentários ao art. 109 da Lei das S.A.


1379 Ver, a propósito, a Súmula n° 390 do Supremo Tribunal Federal, assim redigida: "A exibição
judicial de livros comerciais pode ser requerida como medida preventiva."
1 380 IOSÉ W A L D E C Y L U C E N A . Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. 1° a 120).
v. I, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 954.
1381 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2, 4 a edição,
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 241.
da companhia. A "exibição por inteiro" compreende os livros sociais e
os documentos relativos ã escrituração da sociedade.
Não há necessidade de provar os atos violadores da lei ou do
estatuto ou as irregularidades praticadas por qualquer órgão da com-
panhia para que seja ordenada a exibição judicial dos livros sociais.
Basta o requerente indicar esses atos ou a fundada suspeita de irre-
gularidades praticadas, pois a prova só poderá ser feita após o exame
dos livros.
A Lei das S.A. não especifica a espécie de ações que o requerente
deve possuir, limitando-se a determinar que deve ser titular de, pelo
menos, 5% (cinco por cento) do capital social. Assim, podem as suas
ações ser ordinárias e/ou preferenciais. A exigência de um percentual
mínimo de 5% (cinco por cento) para ser requerida a medida judicial
busca conciliar o direito de fiscalizar com o interesse social e a dinâmi-
ca da gestão empresarial, minimizando a atuação ad terrorem de acio-
nistas minoritários. Nas companhias abertas, esse percentual pode ser
reduzido por ato da Comissão de Valores Mobiliários (artigo 291, ca-
put) face à pulverização do capital1382.
Na hipótese de usufruto, ao usufrutuário é que caberá o requeri-
mento de exibição dos livros. Os titulares de debêntures conversíveis
em ação não têm o direito de requerer a exibição dos livros sociais,
pois enquanto não convertem as debêntures não são acionistas1383.

1382 N o entanto, até novembro de 2 0 1 1 , a C V M ainda não havia emitido ato normativo
regulando essa matéria,
1383 Nesse sentido, F R A N M A R T I N S . Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 4° edição,
revista e atualizada por Roberto Rapini, Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 354.
CAPÍTULO X

ACIONISTAS

SEÇÃO fl

O B R I G A Ç Ã O DE REALIZAR O CAPITAL

Condições e mora
"Art. 1 0 6 . 0 acionista é obrigado a realizar, nas condições previs-
tas no estatuto ou no boletim de subscrição, a prestação corres-
pondente às ações subscritas ou adquiridas.

§ I o Se o estatuto e o boletim forem omissos quanto ao montante


da prestação e ao prazo ou data do pagamento, caberá aos órgãos
da administração efetuar chamada, mediante avisos publicados
na imprensa, por 3 (três) vezes, no mínimo, fixando prazo, não
inferior a 30 (trinta) dias, para o pagamento.

§ 2 o O acionista que não fizer o pagamento nas condições previs-


tas no estatuto ou boletim, ou na chamada, ficará de pleno direito
constituído em mora, sujeitando-se ao pagamento dos juros, da
correção monetária e da multa que o estatuto determinar, esta
não superior a 10% (dez por cento) do valor da prestação."

O capital inicial de uma sociedade é formado pela contribuição


(ou por parte dela) de todos os acionistas quando da subscrição e in-
tegralização de ações e deve ser expresso em moeda nacional, poden-
do também ser constituído com qualquer espécie de bens, corpóreos
ou incorpóreos, suscetíveis de avaliação em dinheiro e créditos (artigo
7o). Face ao princípio da realidade do capital, os bens transferidos
pelos acionistas à companhia, a título de integralização do capital
social, devem representar exatamente os valores que foram por eles
declarados.
As condições de realização do capital são, em princípio, fixadas
livremente pela companhia, observado o requisito previsto na Lei das
S A . da entrada de 10% (dez por cento), no mínimo, do preço de
emissão das ações subscritas em dinheiro (artigo 80, inciso II), ressal-
vadas as companhias nas quais a Lei das S.A. exige realização inicial
de parte maior do capital social (artigo 80, parágrafo único). O saldo
restante pode ser realizado em parcelas em prazo determinado, con-
forme previsto no boletim de subscrição ou no estatuto social. O subs-
critor pode integralizar o capital subscrito por compensação, caso tenha
um crédito contra a companhia que seja líquido e exigível1384.
A companhia deve anotar no "Livro de Registro de Ações No-
minativas" as entradas ou prestações de capital realizado pelos acio-
nistas (artigo 100, inciso I, alínea "b").
Ao subscrever ações de uma companhia, assinando o boletim de
subscrição e contribuindo, portanto, para a formação do capital soci-
al, o acionista toma-se devedor da importância com que se compro-
meteu a integralizar e deverá cumprir com essa obrigação dentro do
prazo determinado no boletim de subscrição - tratando-se de subs-
crição pública, no prospecto (artigo 84, incisos I e IV) - ou no estatu-
to social. Quando os acionistas já efetuaram as suas contribuições ao
capital social, tem-se o capital realizado ou integraiizado, e, na hipó-
tese de o acionista ter se comprometido com uma determinada quan-
tia que ainda não pagou, tem-se o capital subscrito1385.
Assim, ao assinar o boletim de subscrição, o acionista comprome-
te-se, em caráter irretratável, a realizar a prestação correspondente às
ações subscritas ou adquiridas1386. Por essa razão, inclusive, a Lei das

1384 Consta dos arts. 368 e 369 do Código Civil que: "Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo
tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compen-
sarem. Art. 369. A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis."
1385 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 5° da Lei das S.A. Sobre a subscrição, ver,
também, os comentários ao art. 80 da Lei das S.A.
1 386 Sobre a obrigação de integralização das ações na constituição da companhia e nos aumen-
tos de capital, ver os comentários aos arts. 80 e 166 da Lei das S.A.
S.A. determina que o acionista, ao alienar as ações por ele subscritas,
fica responsável, solidariamente com os adquirentes, pelo pagamento
das prestações que faltarem para integralizar as ações (artigo 108, caput).
Caso as condições do pagamento do preço de emissão das ações -
como o montante de cada parcela e o prazo de vencimento — não se-
jam reguladas no boletim de subscrição ou no estatuto social, a assem-
bleia geral, ou o conselho de administração, na hipótese de capital
autorizado, deverá deliberar sobre o assunto, e se fará a chamada - ou
seja, um "convite" para a realização do capital subscrito -, nos termos
do § I o , mediante avisos publicados no Diário Oficial e em outro jornal
de grande circulação editado na localidade em que está situada a sede
da companhia (artigo 289).
O § 2 o estabelece que o acionista que não fizer o pagamento nas
condições previstas no estatuto ou boletim, ou na chamada, ficará de
pleno direito constituído em mora, sujeitando-se ao pagamento dos
juros, da correção monetária e da multa que o estatuto determinar,
esta não superior a 10% (dez por cento) do valor da prestação. Assim,
a constituição em mora não depende de notificação judicial ou extra-
judicial, conforme prevê o Código Civil1387, pois é caracterizada a par-
tir do vencimento do prazo fixado no estatuto ou no boletim de
subscrição e, no caso de chamada, após vencido o prazo constante da
publicação.
Além dos juros, da correção monetária e da multa que o estatuto
eventualmente determinar, o acionista remisso - isto é, aquele que ficou
em mora com a obrigação de realizar o capital - estará, também, sujeito
a ter suspenso o exercício dos direitos da ação enquanto não pagar as
prestações devidas1388, à ação de execução ou à venda de suas ações em

1387 De acordo com o art. 397 do Código Civil, "o inadimplemento da obrigação, positiva e
líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Parágrafo único. Não
havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial."
1388 Sobre a suspensão dos direitos dos acionistas constituídos em mora, ver os comentários ao
art. 120 da Lei das S.A.
Bolsa de Valores (artigo 107), bem como ao pagamento das despesas
que a companhia vier a incorrer para a satisfação do seu crédito.
Com relação à correção monetária, aplica-se ao estatuto das com-
panhias a norma prevista na Lei n° 9.069/1995, que vedou a cláusula
de correção monetária com periodicidade inferior a 1 (um) ano1389.
A assembleia geral pode alterar as condições previstas no estatuto
referentes ao montante da prestação e ao prazo ou data do pagamento
das ações subscritas, desde que observado o quorum previsto no artigo
135 para a sua alteração; a assembleia geral extraordinária somente se
instalará em primeira convocação com a presença de acionistas que
representem 2/3 (dois terços), no mínimo, do capital com direito a voto1390.
A companhia não pode cobrar do acionista a integralização das ações
subscritas antes do seu vencimento, nem tem ele a faculdade de anteci-
par as importâncias a que se obrigou a pagar, salvo disposição em contrá-
rio no estatuto, pois o prazo foi fixado de acordo com a conveniência da
companhia Na hipótese de a companhia aceitar o pagamento antecipa-
do, não poderá tratar de modo diferenciado os acionistas que integraliza-
ram as suas ações e os que ainda não integralizaram, inclusive para efeito
de pagamento de dividendos, uma vez que esses são distribuídos de acor-
do com a participação do acionista no capital da companhia1391.

1389 Consta do § 1 o d o art. 2 8 d a Lei n° 9 . 0 6 9 / 1 9 9 5 q u e "é nula de pleno direito e não surtirá
nenhum efeito cláusula de correção monetária cuja periodicidade seja inferior a um ano."
1390 N o mesmo sentido, J O S É W A L D E C Y L U C E N A . Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei
(arts. I o a 120). v. I, Rio de Janeiro: Renovar, 2 0 0 9 , p. 967; e m sentido contrário, M A R C E L O
B A R B O S A , "Obrigações dos Acionistas", in: Alfredo L a m y Filho e José L u i z Bulhões Pedreira
(Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 286.
1391 Sobre esse assunto, E G B E R T O L A C E R D A T E I X E I R A e J O S É A L E X A N D R E T A V A R E S G U E R R E I -
R O . Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São Raulo: José Bushatsky, 1979,
observam que: "Ora, no silêncio dos estatutos e na falta de resolução clara e prévia da
assembleia geral, reconhecer às ações integralizadas o direito a dividendo maior que o
destinado às ações não integralizadas (porém não constituídas em mora) é, de outro modo,
criar preferência não desejada pelos acionistas, nem autorizada pela sistemática legal. Assim,
a diversidade de dividendos somente seria admissível, em nosso entender, quando expressa-
mente prevista pelos estatutos. A regra da igualdade de tratamento dos acionistas não
permite, salvo previsão estatutária, conceder maior dividendo às ações espontaneamente
integralizadas das que se sujeitaram ao limite da chamada feita pela administração".
Havendo mora do acionista na integralização das ações subscritas
e existindo previsão estatutária expressa, nada obsta que seja dado tra-
tamento diferenciado aos acionistas que integralizaram as suas ações e
aos que se tornaram remissos, inclusive no que se refere ao pagamento
de dividendos1392. Na ausência de regra estatutária, é inadmissível o
tratamento diferenciado1393; poderá a companhia, nessa hipótese, com
base no artigo 120, suspender o exercício dos direitos do acionista. O
acionista, no entanto, não pode ficar à espera, indefinidamente, que a
assembleia decida aplicar-lhe a penalidade de suspensão de direitos.
Assim, no silêncio do estatuto, deve a deliberação ser adotada na pri-
meira assembleia geral extraordinária realizada após a constatação do
ato praticado em violação da lei ou do estatuto, sob pena de precluir a
possibilidade de ser aplicada a sanção1394.

Acionista remisso
"Art. 107. Verificada a mora do acionista, a companhia pode, à
sua escolha:

I - promover contra o acionista, e os que com ele forem solidaria-


mente responsáveis (artigo 108), processo de execução para cobrar
as importâncias devidas, servindo o boletim de subscrição e o aviso
de chamada como título extrajudicialnos termos do Código de Pro-
cesso Civil; ou

1392 A participação do acionista na companhia decorre do número de ações de que é titular e


não do percentual do preço de emissão das ações já integralizadas. Sobre o dividendo de
ações integralizadas e não integralizadas, ver os comentários ao art. 205 da Lei das S.A.
1393 Sobre esse assunto, L U I Z C A R L O S PIVA, "ftigamento de Dividendos". In: Alfredo Lamy
Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. II, Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 1.730, observa que: "Todos os direitos dos acionistas, inclusive o de voto,
são em regra definidos em função do número de ações de acionista, sem distinguir entre
ações total ou parcialmente integralizadas. A doutrina entende, todavia, que os estatutos
podem estabelecer que os dividendos em cada ano sejam ajustados ao valor integralizado de
cada ação, mas essa distinção pressupõe dispositivo expresso rio estatuto. Na falta desse
dispositivo, o lucro destinado a dividendos sem cada exercício é dividido em partes iguais
por todas as ações existentes."
II - mandar vender as ações em bolsa de valores, por conta e risco
do acionista.

§ I o Será havida como não escrita, relativamente à companhia,


qualquer estipulação do estatuto ou do boletim de subscrição que
exclua ou limite o exercício da opção prevista neste artigo, mas o
subscritor de boa-fé terá ação, contra os responsáveis pela estipu-
lação, para haver perdas e danos sofridos, sem prejuízo da res-
ponsabilidade penal que no caso couber.

§ 2 o A venda será feita em leilão especial na bolsa de valores do


lugar da sede social, ou, se não houver, na mais próxima, depois de
publicado aviso, por 3 (três) vezes, com antecedência mínima de
3 (três) dias. D o produto da venda serão deduzidos as despesas
com a operação e, se previstos no estatuto, os juros, correção
monetária e multa, ficando o saldo à disposição do ex-acionista,
na sede da sociedade.

§ 3 o É facultado à companhia, mesmo após iniciada a cobrança


judicial, mandar vender a ação em bolsa de valores; a companhia
poderá também promover a cobrança judicial se as ações ofereci-
das em bolsa não encontrarem tomador, ou se o preço apurado
não bastar para pagar os débitos do acionista.

§ 4 o Se a companhia não conseguir, por qualquer dos meios pre-


vistos neste artigo, a integralização das ações, poderá declará-las
caducas e fazer suas as entradas realizadas, integralizando-as com
lucros ou reservas, exceto a legal; se não tiver lucros e reservas
suficientes, terá o prazo de 1 (um) ano para colocar as ações caí-
das em comisso, findo o qual, não tendo sido encontrado com-
prador, a assembleia geral deliberará sobre a redução do capital
em importância correspondente."

O acionista é obrigado a realizar, nas condições previstas no esta-


tuto ou no boletim de subscrição, a prestação correspondente às ações
subscritas ou adquiridas (artigo 106, caput). Se chamado a efetuar as
entradas não cumprir com a sua obrigação no prazo devido, será consi-
derado "acionista remisso" e ficará de pleno direito constituído em mora,
sujeitando-se ao pagamento dos juros, da correção monetária e da multa
que o estatuto determinar, esta não superior a 10% (dez por cento) do
valor da prestação (artigo 106, § 2o)1395. A companhia terá, contra o
acionista remisso, além da faculdade de suspender o exercício dos direi-
tos da ação1396, 2 (duas) alternativas de sua livre escolha: (i) mover con-
tra ele, e os que com ele forem solidariamente responsáveis, processo
de execução para cobrar as importâncias devidas; e (ii) mandar vender
as ações em Bolsa de Valores, por sua conta e risco.
A Lei das S.A. não regulou a questão do subscritor que integra-
liza o valor de suas ações com bens móveis e não os entrega à socie-
dade, hipótese em que não se trata de cobrança do preço das ações -
pois o título constitutivo da propriedade da companhia já se acha
formado -, mas de reivindicação dos bens que já passaram a perten-
cer à companhia emissora1397.
Preferindo a companhia executar o acionista remisso, o boletim
de subscrição e o aviso de chamada servirão como título extrajudicial,
nos termos do Código de Processo Civil1398. E recomendável que a
companhia determine no boletim de subscrição - e para as subscrições
públicas, no prospecto - o foro para a propositura da ação de execução
em caso de inadimplemento do acionista, pois, de acordo com a lei, é
competente o foro do lugar onde a obrigação deve ser satisfeita1399.

1395 D e acordo com o arí. 394 do Código Civil, "considera-se em mora o devedor que não
efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei
ou a convenção estabelecer."
1396 Ver os comentários ao art. 120 da Lei das S.A.
1397 P A U L O C E Z A R A R A G Ã O , "Aspectos Processuais da Legislação Societária", Revista dos
Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 641, março, 1989, p. 69.
1398 Determina o Código de Processo Civil no art. 585, inciso VIII, incluído pela Lei n° 11.382/
2006, que são títulos executivos extrajudiciais todos aqueles a que a lei atribui expressa-
mente força executiva.
1399 Art. 100, inciso IV, alínea "d", do Código de Processo Civil.
Caso a companhia opte pela venda das ações em Bolsa de Va-
lores, deverá, conforme determina o § 2°, publicar aviso, por 3 (três)
vezes, com antecedência mínima de 3 (três) dias, no Diário Oficial
e em outro jornal de grande circulação (artigo 289). Caso o acionis-
ta não efetue o pagamento devido, a companhia providenciará a
venda das ações em leilão especial na Bolsa de Valores do lugar da
sede social, ou, se não houver, na mais próxima1400. O acionista po-
derá, antes de realizado o leilão especial, purgar a mora e requerer o
cancelamento do leilão, mantendo, assim, o seu status socii. O can-
celamento do leilão só será possível se o acionista remisso pagar
todos os valores em atraso, bem como o montante integral das des-
pesas incorridas pela companhia para satisfazer o seu crédito e, se
previstos no estatuto, juros e multa.
Não se aplica ao leilão especial para a venda de ações na Bolsa de
Valores o requisito do registro prévio da emissão na Comissão de Valo-
res Mobiliários, pois se trata, nessa hipótese, de cobrança pela compa-
nhia de crédito decorrente do inadimplemento de acionista remisso.
Do produto da venda serão deduzidas as despesas com a operação e, se
previstos no estatuto, os juros, correção monetária e multa, ficando o
saldo à disposição do ex-acionista, na sede da sociedade.
A liberdade que tem a companhia de optar entre executar o acio-
nista remisso ou mandar vender as ações em Bolsa de Valores não pode
ser excluída ou limitada pelo estatuto ou boletim de subscrição. Ou seja,
não se admite estipulação que assegure ao subscritor, em caso de inadim-
plemento da obrigação de integralizar o capital, o direito de não ser
executado e/ou de não ter as suas ações vendidas em Bolsa. Nos ter-
mos do § I o , o subscritor de boa-fé terá ação contra os fundadores,
administradores ou acionistas controladores, conforme o caso, por qual-

1400 A CVM, por mejo da Instrução C V M n° 160/1991 - que dispõe sobre operações sujeitas a
procedimentos especiais nas Bolsas de Valores - , com as alterações introduzidas pela
instrução C V M n° 252/1996, determina, no inciso III do art. 2°, que as Bolsas de Valores
deverão adotar procedimentos especiais para as operações que envolvam venda de ações
de acionistas em mora.
quer estipulação nesse sentido, para haver perdas e danos sofridos, sem
prejuízo da responsabilidade penal que no caso couber.
Ainda que a companhia exerça uma das alternativas prevista
no caput, poderá, conforme lhe faculta o § 3 o , mesmo após iniciada
a cobrança judicial, mandar vender a ação em Bolsa de Valores; po-
derá, também, ou promover a cobrança judicial se as ações ofereci-
das em Bolsa não encontrarem tomador, ou se o preço apurado não
bastar para pagar os débitos do acionista1401.
Na hipótese de a companhia não conseguir efetuar a integraliza-
ção das ações por qualquer dos meios previstos no caput, poderá decla-
rar caduco o direito do acionista de integralizá-las e fazer suas as entradas
realizadas. Assim, o acionista remisso deixa de ter participação no capi-
tal da companhia, proporcional ao montante das ações não integraliza-
das; não terá mais oportunidade de quitar a sua dívida e perderá as
importâncias que pagou a título de entrada e realizações posteriores.
A companhia não pode fazer suas as entradas com a simples
verificação da mora do acionista remisso; é necessário adotar um dos
procedimentos objeto do caput e apenas se não obtiver êxito declarará
caduco o direito do acionista remisso. A companhia não é obrigada a
adotar os 2 (dois) procedimentos previstos na Lei das S.A. - isto é, a
execução judicial e o leilão especial - para declarar caducas as ações,
pois pode agir de uma forma ou de outra ou, ainda, adotar ambos os
procedimento s1402.
Estabelece o § 4 o uma exceção à proibição da companhia de
negociar com as próprias ações (artigo 30, § I o , alínea "b"), tendo em
vista que lhe faculta integralizar ações do acionista remisso com lu-

1401 A L F R E D O SÉRGIO L A Z Z A R E S C H I NETO. Lei das Sociedades por Ações Anotada. 3 a edição,
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 143, observa que: "A companhia tem ampla liberdade para
tomar as medidas que entender cabíveis, bem como desistir daquelas já tomadas e decidir
pela adoção de outras. A lei objetiva garantir a total integralização do capital social."
1402 No mesmo sentido, JOSÉ W A L D E C Y L U C E N A . Das Sociedades Anônimas - Comentários à
Lei (arts. 1o a 120). v. I, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 978. Em sentido contrário, FRAN
MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 4" edição, revista e atualizada por
Roberto Papini, Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 362.
cros ou reservas disponíveis, exceto a legal. As ações permanecerão
em tesouraria ou serão canceladas, sem diminuição do capital social.
Caso a companhia não tenha lucros e reservas disponíveis para
adquirir as ações ou sendo insuficiente o seu valor, terá o prazo de 1
(um) ano para vender a terceiros as ações caídas em comisso. Findo
esse prazo e não tendo sido encontrado comprador, a assembleia geral
deliberará sobre a redução do capital em importância correspondente.
Tendo em vista que não se trata, nessa hipótese, de redução
voluntária do capital social, mas de redução compulsória, não de-
pende de deliberação assemblear, pois decorre da lei, embora deva
ser homologada em assembleia geral, visando a legalizar uma situa-
ção, de fato, já ocorrida1403.
Por essa razão, a Lei das S.A., ao regular a redução do capital
social com restituição aos acionistas de parte do valor das ações e
estabelecer que só se tomará efetiva 60 (sessenta) dias após a realiza-
ção da assembleia geral (artigo 174), ressalva, expressamente, as hi-
póteses de ações caídas em comisso e de reembolso das ações dos
acionistas que exerceram o direito de recesso (artigo 45).

Responsabilidade dos alienantes


"Art. 108. Ainda quando negociadas as ações, os alienantes con-
tinuarão responsáveis, solidariamente com os adquirentes, pelo
pagamento das prestações que faltarem para integralizar as ações
transferidas.

Parágrafo único. Tal responsabilidade cessará, em relação a cada


alienante, no fim de 2 (dois) anos a contar da data da transferên-
cia das ações."

Nas sociedades anônimas os sócios não respondem com seu


patrimônio próprio pelas dívidas da pessoa jurídica, pois a sua respon-
' sabilidade é limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou ad-
quiridas. A estipulação do capital social no estatuto define os direitos
e obrigações dos sócios, sendo relevante, ainda, em virtude da sua
função de instrumento de garantia dos credores da companhia e de
proteção ao crédito1404. Assim, a Lei das S.A. estabeleceu normas que
tratam da realidade e integridade do capital social, tais como as que
determinam (i) que o acionista é obrigado a realizar, nas condições
previstas no estatuto ou no boletim de subscrição, a prestação corres-
pondente às ações subscritas ou adquiridas (artigo 106); e (ii) a res-
ponsabilidade solidária do alienante e do adquirente pelo pagamento
das prestações que faltarem para integralizar as ações1405.
A regra prevista no caput deste artigo é de ordem pública e não
pode ser afastada por disposição estatutária. O seu objetivo é o de obter
a total integralização do capital social, uma vez que não há óbice à
transferência de ações parcialmente -integralizadas, observadas as re-
gras (i) da realização, como entrada, de 10% (dez por cento), no míni-
mo, do preço de emissão das ações subscritas em dinheiro (artigo 80,
inciso II); e (ii) de que as ações da companhia aberta somente podem
ser negociadas depois de realizados 30% (trinta por cento) do preço de
emissão das ações subscritas. Não se trata da integralização de 30%
(trinta por cento) do capital social, pois o acionista é obrigado a pagar o
preço de emissão das ações subscritas. Verificado o pagamento de 30%
(trinta por cento) do preço de emissão das ações subscritas, o acionista
pode livremente negociá-las, ainda que o capital social não esteja rea-

1404 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 5 o da Lei das S.A.
1405 A Lei das S.A. prevê em diversos outros artigos normas que tratam da realidade e integridade
do capital social, tais como: (i) as que proíbem a emissão de ações abaixo do valor nominal
(art. 13); (ii) as que regulam a irrevogabilidade das prestações a que os sócios se obrigaram
na integralização no capital (arts. 106 e 107); (iii) as que estabelecem a necessidade de se
avaliar os bens com que o acionista concorre para o capital social (art. 8 o ); (iv) as que
determinam o depósito bancário da entrada, na subscrição em dinheiro, quando da cons-
tituição da companhia (arts. 80, inciso II, e 81); (v) as que disciplinam no interesse de
terceiros a redução do capital social (art. 174); (vi) as que vedam a distribuição de dividen-
dos sem lucros (art. 201) e a compra das próprias ações pela companhia com redução do
capital social (art. 30, § I o , alínea "b"); e (vii) as que disciplinam a elaboração anual das
demonstrações financeiras e a constituição da reserva legal (art. 193).
lizado nesse mesmo percentual. Por outro lado, ainda que o capital es-
teja integraiizado em 30% (trinta por cento) do seu valor, as ações não
integralizadas nesse percentual não podem ser negociadas1406.
Tratando-se de responsabilidade solidária, a sociedade pode exi-
gir de qualquer um dos adquirentes das ações, ou de todos conjunta-
mente, o pagamento das prestações devidas1407. Aquele que efetuar o
pagamento terá direito de regresso e somente poderá cobrar o valor
pago dos adquirentes posteriores e não dos que lhe antecederam1408.
A responsabilidade de cada alienante cessa ao fim de 2 (dois)
anos a contar da data da transferência das ações. Assim, o acionista
que ainda não integralizou as suas ações, ao aliená-las, continua res-
ponsável pelo pagamento das prestações que faltarem para integrali-
zar as ações transferidas pelo prazo de 2 (dois) anos, contado, no caso
de ações registradas, da data do termo de cessão lavrado no "Livro de
Transferência de Ações Nominativas"; tratando-se de ações escritu-
rais, da data constante dos livros da instituição financeira depositária.
Esse prazo é de decadência, portanto, não está sujeito à suspensão ou
interrupção1409-1410.

1406 Ver os comentários ao art. 29 da Lei das S.A.


1407 O Código Civil, no art. 275, determina que: "Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber
de um oü de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento
tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.
Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor
contra um ou alguns dos devedores." O art. 285, por sua vez, estabelece que: "Art. 285. Se
a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores, responderá este por toda ela
para com aquele que pagar."
1 408 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2 a edição, Rio de Janeiro:
Forense, 1953, p. 19-20.
1409 D e acordo c o m o art. 207 do Código Civil, "salvo disposição legal em contrário, não se
aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição."
1410 Sobre esse assunto, F R A N M A R T I N S . Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 4"
edição, revista e atualizada por Roberto Rapini, Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 364-365,
observa que: " O prazo de dois anos representa um lapso de tempo em que, naturalmente,
a sociedade deve ter realizado todas as chamadas para integralização do capital. Não fixa a
lei as épocas das chamadas, como o fez para a constituição da sociedade (...) deixando a
critério da administração determiná-las, se o estatuto ou prospecto nada dispuserem a
respeito (...). Essa liberalidade em favor da administração é feita Lendo em vista que os
administradores, mais que qualquer outro órgão social, sabem quando a sociedade vai Ler
necessidade de recursos para as atividades sociais."
Verificando-se a mora no caso de condomínio de ações, a com-
panhia poderá exigir de qualquer condômino o pagamento devido.
Na hipótese de usufruto, as prestações em atraso devem ser cobradas
do nu-proprietário e, no fideicomisso, do fiduciário. No penhor, o va-
lor das ações não integralizadas deve ser cobrado do seu proprietário,
não obstante o direito do credor pignoratício de efetuar o pagamento.

SEÇÃO I I

DIREITOS ESSENCIAIS

"Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembleia-geralpoderão


privar o acionista dos direitos de:

I - participar dos lucros sociais;

II - participar do acervo da companhia, em caso de liquidação;

III - fiscalizar, na forma prevista nesta Lei, a gestão dos negócios


sociais;

IV - preferência para a subscrição de ações, partes beneficiárias


conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus
de subscrição, observado o disposto nos artigos 171 e 172;

V — retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta Lei.

§ I o As ações de cada classe conferirão iguais direitos aos seus


titulares.

§2° Os meios, processos ou ações que a lei confere ao acionista


para assegurar os seus direitos não podem ser elididos pelo esta-
tuto ou pela assembleia geral.
§ 3 o O estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências
entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas contro-
ladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionadas
mediante arbitragem, nos termos em que especificar." (Incluído
pela Lei n° 10.303/2001) '

A Lei das S.A., ao disciplinar os direitos essenciais dos acionis-


tas, praticamente repetiu as disposições do artigo 78 e parágrafo úni-
co do Decreto-Lei n° 2.627/1940, com alguns aperfeiçoamentos de
técnica legislativa. Acresceu o § I o , nos termos do qual as ações de
cada classe conferirão direitos iguais aos seus titulares. Já a reforma
instituída mediante a Lei n° 10.303/2001 incluiu o § 3 o , que prevê a
solução de conflitos entre os acionistas minoritários e a companhia
ou entre minoritários e controladores mediante arbitragem.
O modelo legal de sociedade anônima foi desenvolvido para con-
ciliar 2 (dois) problemas essenciais na prática dos negócios: o finan-
ciamento de empreendimentos de maior monta; e a participação de
um grande número de investidores, cuja responsabilidade é limitada
ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas1411.
Do ponto de vista econômico, os acionistas não controladores
são investidores "passivos", na medida em que não detêm influência
dominante na gestão da empresa. Os acionistas distinguem-se dos
credores da companhia pela maior vulnerabilidade de sua posição: (i)
não têm garantias; (ii) não têm direito à remuneração fixa do capital
investido, sob a forma de juros; e (iii) o retorno de seu investimento
está diretamente relacionado à eficiência e honestidade dos adminis-
tradores na gestão da empresa.
Há um potencial conflito de interesses entre os acionistas minori-
tários e os gestores da empresa (controladores e administradores). Os
minoritários usualmente priorizam o retorno do capital investido, seja
sob a forma de dividendos, seja sob a forma de ganhos de capital Já os
controladores e administradores podem ter outros interesses: (i) man-
ter as suas posições de comando; (ii) aumentar suas remunerações; (iii)
utilizar os lucros unicamente para o autofinanciamento da empresa,
visando à alienação futura do controle; e (iv) obter outras formas de
benefícios, que podem ocorrer quando a companhia integra um grupo
societário, por meio de contratos de fornecimento, assistência técnica,
empréstimos entre as companhias, etc.
Tais conflitos de interesses podem ser reduzidos mediante cláu-
sulas estatutárias que protejam os acionistas não controladores. Con-
sidera-se que um dos objetivos fundamentais da Lei das S.A. é o de
reduzir os custos que seriam resultantes da negociação caso a caso de
cláusulas estatutárias, mediante a previsão legal genérica dos direitos
dos quais os acionistas não podem ser privados1412.
A disciplina legal da sociedade anônima, em suas feições bási-
cas, "importou" o modelo constitucional na divisão de poderes entre
assembleia e órgãos de execução e de fiscalização, bem como na defi-
nição dos direitos essenciais dos acionistas1413.
A Lei das S.A. vigente, repetindo o sistema anterior, e sob evi-
dente inspiração no modelo constitucional dos direitos individuais
dos cidadãos, estabeleceu determinados direitos essenciais dos acio-
nistas, que funcionam como limite ao poder majoritário, uma vez que
deles não podem ser privados por deliberação da assembleia geral ou
por dispositivo estatutário. Tais direitos integram as bases essenciais
do contrato de sociedade, que não podem ser alteradas por delibera-
ção da assembleia, posto que decorrentes do "estado de acionista"1414.

1412 R I C H A R D A. POSNER. Economic Analysis of the Law. 5"' edition, New York: Aspen Law &
Business, 1995, p. 452.
1413 MELVIN A R O N EISENBERC. The Structure of the Corporation - A Legal Analysis. Boston:
Little Brown and Company, 1976, p. 2 e seguintes.
1414 Sobre o "status socii", ver D A N I E L A R A M O S M A R Q U E S M A R I N O , " O Status Socii". In:
Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França (Coord.). Direito Societário Contemporâneo I.
São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 163-182.
A expressão "estado de acionista" designa a relação entre o
acionista e a sociedade, tendo sido consagrada pela doutrina italiana,
em evidente equiparação ao "estado de cidadão". Embora incorporada
à linguagem jurídico-societária, é discutível, uma vez que difere a
situação do cidadão da situação do acionista: a qualidade do primeiro
é obrigatória, a do sócio voluntária; para o acionista, os direitos e
obrigações criam o seu estado, diversamente do que ocorre com o
cidadão, cujos direitos e obrigações decorrem do seu estado1415.
Existem outros direitos previstos na Lei das S.A. que são igual-
mente inderrogáveis1416. A relação prevista neste artigo não é exausti-
va, mas apenas enumera aqueles direitos que constituem as bases
essenciais do contrato social. Assim, por exemplo, são igualmente
prerrogativas individuais dos acionistas, das quais não podem ser pri-
vados por deliberação da assembleia ou por previsão estatutária, as de:
(i) ter sua responsabilidade limitada ao preço de emissão das ações
subscritas ou adquiridas, em todas as companhias1417; (ii) transferir
livremente suas ações, no caso das companhias abertas1418; (iii) parti-
cipar na oferta pública por ocasião da alienação do controle acionário
de companhia aberta1419; (iv) convocar a assembleia quando os admi-
nistradores retardarem a sua convocação1420; e (v) propor ação de res-
ponsabilidade contra os administradores1421.
Ao assegurar aos acionistas certos direitos essenciais, objetiva a
Lei das S.A. garantir a estabilização nas relações de poder internas à
companhia: o poder do controlador não é exercido ilimitadamente; e

1415 I S A A C H A L P E R I N e J Ú L I O C . O T A E G U I . Sociedades Anônimas. 2 a edição, Buenos Aires:


Depalma, 1998, p. 391.
141 6 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2, 4 a edição,
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 341.
1417 Ver os comentários ao art. 1 o da Lei das S.A.
1418 Ver os comentários ao art. 36 da Lei das S.A.
1 419 Ver os comentários ao art. 254-A da Lei das S.A.
1420 Ver os comentários ao art. 123 da Lei das S.A.
1421 Ver os comentários ao art. 159 da Lei das S.A.
os minoritários podem zelar por seus interesses, mas sem prejudicar o
desenvolvimento regular do empreendimento.
Ademais, os direitos essenciais são irrenunciáveis: o acionista pode
não exercer o seu direito, ou renunciar ao seu exercício em determinada
situação (defiscalizarou de subscrever novas ações, por exemplo), mas
resultaria inteiramente ineficaz a renúncia em abstrato ao direito. Com
efeito, o fato de não exercer a prerrogativa não implica renúncia, nem
pode ser tido como consentimento tácito à derrogação do direito, que
permanecerá intangível1422. A impossibilidade de renúncia ao direito
decorre do fato de serem as ações essencialmente títulos negociáveis,
não podendo o acionista praticar um ato que repercutirá negativamen-
te sobre o patrimônio de acionista futuro.
Algumas vezes o exercício de determinados direitos tidos como
essenciais verifica-se diante da ação de um grupo de acionistas minori-
tários; daí ter sido consagrada, pelo uso, a expressão "direitos dos acio-
nistas minoritários".
Os direitos essenciais não se confundem com a tutela dos acionistas
minoritários. Os direitos previstos no dispositivo legal são individuais,
ou seja, de cada um dos acionistas, e não de um grupo minoritário de
acionistas. Dentre os direitos tidos como essenciais, apenas o de fiscalizar
a gestão dos negócios sociais pode, em certas circunstâncias, demandar
um percentual determinado de ações, como ocorre para a eleição de
membro do conselhofiscal1423ou para requerer a exibição dos livros da
companhia1424. Todos os demais são atribuídos a cada acionista,
singularmente considerado, independentemente de integrar o grupo
minoritário ou o grupo controlador.
A previsão legal dos direitos essenciais do acionista frente à compa-
nhia visa a garanti-los, mantendo intocável o seu "status' de acionista e

1422 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas..., v. 2, p. 340.


1423 Ver os comentários ao art. 161 da Lei das S.A.
1424 Ver os comentários ao art. 105 da Lei das S.A.
possibilitando-lhe a defesa de seus interesses individuais frente ao grupo
controlador ou aos administradores. Já os direitos conferidos às minorias
acionárias objetivam permitir que elas possam intervir na vida societária
e impedir manobras dos controladores prejudiciais aos seus interesses1425.
Os direitos individuais, também chamados de essenciais ou in-
tangíveis, são conferidos a todos os acionistas, podendo ser conside-
rados, assim, como atributos das ações1426. Já os direitos dos acionistas
minoritários decorrem da posição que eles ocupam no quadro acio-
nário. Com efeito, minoria é uma situação, que pode ser transitória;
assim, o acionista não é minoria, mas está em minoria, num momen-
to determinado, podendo tal situação alterar-se, caso ele passe a inte-
grar o grupo majoritário1427.
Como se podem definir os acionistas minoritários? Não há um
conceito ontológico do que seja a minoria acionária, da mesma forma
como ocorre com o controle acionário, que é definido por meio da
identificação do grupo que dirige os negócios sociais e faz a compa-
nhia realizar seus objetivos.
Uma minoria acionária somente pode ser identificada concreta-
mente, numa dada situação, tendo em vista uma determinada estru-
tura de poder; não se pode reconhecer uma minoria acionária senão
por oposição ao grupo controlador1428. Daí decorre que são (ou "es-
tão") acionistas minoritários todos aqueles que não integram o grupo
de controle, independentemente de suas motivações pessoais, inte-
resse maior ou menor na gestão social. São irrelevantes, atualmente,

1425 W A L D I R I O BULGARELLI. Regime Jurídico da Proteção às Minorias nas S/A. Rio de Janei-
ro: Renovar, 1998, p. 40.
1426 G E O R G E RIPERT. Traité Élementaire de Droit Commercial. fòris: Librairie Générale de
Droit et de Jurisprudence R. Pichon, 1951, p. 439, ao analisar os direitos individuais dos
acionistas, assinala que: "A comparação da sociedade a um estado de constituição demo-
crática permite atribuir outro fundamento aos direitos do acionista; assim como existem
direitos do homem e do cidadão que o poder público deve respeitaro acionista tem direitos
individuais que o poder constituído da sociedade não pode suprimir ou afetar".
1427 W A L D Í R I O BULGARELLI. Regime Jurídico da Proteção às Minorias nas S/A..., p. 40.
1428 D O M I N I Q U E SCHMIDT. Les Droits de Ia Minorité dans Ia Société Anonyme. Paris: Sirey,
1970, p. 3.
para efeitos legais, classificações doutrinárias de acionistas minoritá-
rios tendo em vista os objetivos de seu investimento na sociedade
("rendeiros" ou "capitalistas"), a motivação de sua participação ("acio-
nistas especuladores" ou "acionistas empresários"), ou, ainda, sua maior
ou menor organização ("minorias orgânicas" ou "anômicas").
Da mesma forma, hoje já não tem maiores conseqüências práti-
cas a discussão sobre a qualificação de acionistas minoritários como
sendo apenas os titulares de ações ordinárias ou todos os acionistas,
votantes ou não, exceto no que diz respeito à composição do conse-
lho fiscal (artigo 161), no qual há membros indicados pelos preferen-
cialistas e pelos minoritários com direito a voto1429.
Assim, são considerados acionistas minoritários, em princípio,
todos aqueles que não fazem parte do grupo controlador, ou, na dic-
ção da Lei das S.A., os titulares das ações em circulação no mercado
(artigo 4 o , § 4o); portanto, acionista minoritário é sinônimo de acio-
nista não controlador.
Este artigo regula os seguintes direitos como essenciais: (i) par-
ticipar dos lucros sociais; (ii) participar do acervo, no caso de liquida-
ção; (iii) fiscalizar a gestão dos negócios sociais; (iv) preferência para
subscrição de ações e demais valores mobiliários conversíveis em ações;
e (v) retirar-se da sociedade nos casos previstos na Lei das S.A.

A) DIREITO DE PARTICIPAR DOS LUCROS

A causa do contrato de sociedade advém de sua função econô-


mica, que apresenta dupla vertente: a realização dos lucros e a sua
distribuição entre os acionistas. Ao constituírem uma companhia, os

1429 A discussão, na doutrina e na jurisprudência, sobre o conceito legal de acionista minoritário


foi de grande importância quando da vigência do art. 254, contido na redação original
da Lei das S.A., tendo em vista a definição dos destinatários da oferta pública de
aquisição de ações na alienação do controle acionário. Sobre esse assunto, ver N E L S O N
EIZIRIK. Reforma das S/A e do Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 83
e seguintes. C o m a atual redação do art. 2 5 4 - A , tal discussão foi superada. Ver os
comentários ao art. 254-A.
acionistas obrigam-se a dotá-la de um patrimônio, constituído, no
primeiro momento, do capital aportado, o qual deve ser administrado
de modo a produzir lucros. Assim, a finalidade da sociedade é a gera-
ção de lucros visando à sua repartição entre os sócios. A geração de
lucros e a sua repartição constituem uma característica essencial da
sociedade, o motivo típico do contrato, daí decorrendo a impossibili-
dade de as partes disporem de modo diferente1430.
Nesse sentido, a Lei das S.A. contempla como hipótese de dis-
solução judicial da companhia a pedido de acionistas o fato de não
poder preencher o seu fim1431. Ou seja, em princípio, se a companhia
não produz lucros para distribuí-los entre os acionistas, não está atin-
gindo o seu fim, cabendo a sua dissolução. Tal dispositivo, ainda que
possa trazer conseqüências radicais, se aplicado em toda a sua exten-
são, constitui uma espécie de "válvula de escape" para o acionista, que
não pode ficar eternamente vinculado a um empreendimento que
não produz lucros1432-1433-1434.

1430 M A N O E L A N T O N I O PITA. Direito aos Lucros. C o i m b r a : A l m e d i n a , 1989, p. 112.


1431 Ver os comentários a o art. 2 0 6 da Lei das S.A.
1 432 M A U R O R O D R I G U E S P E N T E A D O . Dissolução e Liquidação de Sociedades. Brasília: Li-
vraria e Editora Brasília Jurídica, 1995, p. 184.
1433 O Supremo Tribunal Federal, e m decisão sempre lembrada, entendeu ser cabível a dissolu-
ç ã o j u d i c i a l d e s o c i e d a d e a n ô n i m a que, sistematicamente, não v i n h a dando lucros aos
seus acionistas, f i c a n d o c o n s i g n a d o na sua e m e n t a q u e "o fim lucrativo é essencial à
sociedade anônima" (Recurso Especial n° 20.023, I a Turma, j. em 28.04.1952, In: Revista
Forense. Rio de Janeiro: Ed. Forense, v. 155, setembro-outubro, 1954, p. 166). N o julga-
mento do Recurso Especial n° 164.125-RJ, a 3 a Turma do Superior Tribunal de Justiça, Rei.
Min. Costa Leite, j. e m 2 6 . 0 5 . 1 9 9 8 , decidiu que é incontestável que a falta de lucratividade
"ajusta-se à hipótese legal de dissolução que se acha em causa, desde que reponte o malogro
no intento de lucro, que move as sociedades comerciais". N o mesmo sentido, a decisão
proferida pela 4 a Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n° 111.294-PR,
Rei. Min. César Asfor Rocha, j. em 19.09.2000 que, ao analisar a dissolução de sociedade
anônima familiar, decidiu que "a quebra da affectio societatis conjugada à inexistência de
lucros e de distribuição de dividendos, por longos anos, pode se constituir em elemento
ensejador da dissolução parcial da sociedade, pois seria injusto manter o acionista prisioneiro
da sociedade, com seu investimento improdutivo." (publicada na Revista de Direito Banca-
rio, Mercado de Capitais e Arbitragem. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 13, julho-
-setembro, 2 0 0 1 , p. 129, c o m comentários de Luiza Rangel de Moraes e Adriana Achuí).
Nesse sentido foi também a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, no julga-
mento do Recurso Especial n° 6 5 1 . 7 2 2 - P R , j. em 2 5 . 0 9 . 2 0 0 6 .
1 434 D e acordo c o m M A U R O B R A N D Ã O L O P E S , "Tipicidade e Dissolução da Sociedade Anô-
nima", Estudo n" 18. São Paulo: Res. Universitária, 1979, p. 1.232, "a não-distribuição de
Constitui fim essencial da companhia gerar lucros e distribuí-los
entre os acionistas. Na companhia, o interesse econômico imediato é
a repartição periódica dos lucros, sob a forma de dividendos, como
uma espécie de frutos civis dos contingentes do capital de cada um
dos acionistas1435.
Um dos aspectos mais relevantes na execução do contrato so-
cial é o da distribuição dos lucros, no qual se realiza o interesse indi-
vidual dos acionistas. Os sócios que participam da assembleia de
deliberação da distribuição dos resultados devem comportar-se ten-
do em vista o princípio da boa-fé, o qual exige que, preservada a
continuação do empreendimento econômico, devem os lucros ser
divididos entre eles1436.
Ademais, a Lei n° 6.385/1976 determina que a Comissão de
Valores Mobiliários deverá, em suas atividades de regulação do mer-
cado, dar prioridade à fiscalização das companhias abertas que não
apresentem lucro em balanço e às que deixem de pagar o dividendo
mínimo obrigatório1437.
O exercício do direito aos dividendos depende da existência de
lucros, que constitui pressuposto necessário à sua distribuição1438. Em-
bora o resultado positivo da companhia, constituído pelo ganho fi-
nanceiro nela ingressado em razão de suas atividades, seja denominado
genericamente "lucro", o direito do acionista refere-se à distribuição
do lucro líquido do exercício (artigo 191): aquele que remanesce de-
pois da dedução do imposto de renda e de todas as modalidades de

dividendos não implica o nâo-preenchimento do objeto social pela sociedade. A prova, a ser
feita na ação de dissolução com fundamento no art. 206, II, b, é da incapacidade de a
sociedade produzir lucros, na consecução de seu objeto, e não da não-distribuição de
dividendos. Esta não-distribuição, quando não tem apoio estatutário, deve ser objeto de ação
judicial, por parte de acionista, para anular a deliberação a respeito, que fira a lei ou estatuto."
1435 H E R N A N I ESTRELA. Direito Comercial (Estudos). Rio de Janeiro: José Konfino Editor,
1969, p. 190.
1436 GIUSEPPE FERRI. Le Società. Torino: Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1971, p. 414.
1437 Art. 8 o , inciso V, da Lei n° 6.385/1976.
participação no lucro a que tenham direito os debenturistas, empre-
gados, administradores, etc.1439 (artigos 189, 190 e 201).
Não existe, em nosso sistema jurídico, o chamado "dividendo de
lealdade", que constitui aquele pago aos acionistas fiéis à companhia,
que aceitam nela permanecer em troca de dividendos superiores ao
Wal
O
ou estatutário1440.
Caso a situação financeira da companhia não permita a distri-
buição de dividendos, em razão de prejuízos acumulados ou apurados
no exercício social, não obstante o acionista não possa exercer na-
quele período o seu direito de participar nos lucros, o mesmo perma-
nece inalterado, por força de disposição expressa da Lei das S.A. (artigo
202, § 5 o ). Assim, se não houver lucro a ser distribuído aos acionistas,
o direito ao dividendo permanece íntegro, tornando-se exigível quan-
do houver "lucro", inclusive em relação aos períodos em que se man-
teve suspenso1441.
Uma vez levantado e aprovado o balanço e verificada a existên-
cia de lucro líquido, apurado na forma da Lei das S.A.1442, o acionista,
que já detinha o direito potencial de receber os lucros, adquire, a partir
desse momento, o direito ao seu exercício. Trata-se de um direito sub-
jetivo do acionista, correspondente à obrigação da companhia de per-
seguir um fim lucrativo1443.
O direito ao dividendo constitui um direito expectativo, não uma
mera expectativa de direito1444, ou seja, já integra o universo jurídico,
da mesma forma que ocorre com o direito de preferência à subscrição

1439 Sobre esse assunto, ver J O S É L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA. Finanças e Demonstrações Finan-


ceiras da Companhia (Conceitos Fundamentais). 2" edição, Rio de Janeiro: Forense, 1989,
p. 449.
1440 J O R G E L O B O . Direitos dos Acionistas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 188.
1441 N E L S O N EIZIRIK. Reforma das S/A e do Mercado de Capitais..., p. 34.
1442 Ver os comentários aos arts. 190 e 191 da Lei das S.A.
1443 L U I Z G A S T Ã O PAES D E B A R R O S LEÃES. Direito do Acionista ao Dividendo. São Paulo:
Obelisco, 1969, p. 305-307.
1444 P O N T E S D E M I R A N D A . Tratado de Direito Privado, t. V, 4 a edição, São fóulo: Borsoi,
1983, § 576, p. 264.
de novas ações. Havendo lucro, fixado pelo balanço e determinando a
assembleia o quantum e a maneira de sua distribuição, caso os estatutos
já não o tenham feito, deixa de haver o direito expectativo para nascer o
direito expectado ao dividendo1445, passando o acionista à posição de
credor da companhia, do denominado "crédito dividendual"1446. Embora
o direito de crédito surja no âmbito da relação social, destaca-se dela,
criando-se, assim, uma situação de ilegitimidade da sociedade para
revogar a distribuição de dividendos. Uma deliberação da assembleia de
tal natureza, por atingir direitos de acionista enquanto terceiros -
credores - seria absolutamente ineficaz1447.
Assim, o direito ao dividendo apresenta as seguintes característi-
cas essenciais: é direito subjetivo, individual, de conteúdo econômico,
irrenunciável e irrevogável do acionista, que se converte em direito de
crédito contra a companhia quando a assembleia geral delibera sua
distribuição1448.

B) DIREITO DE PARTICIPAR DO ACERVO EM CASO DE LIQUIDAÇÃO

Também é considerado um direito essencial do acionista o de


participar do acervo da companhia em caso de liquidação, ou seja, o
de participar da partilha do patrimônio remanescente após o paga-
mento dos credores quando se dissolve a sociedade1449.
Em princípio, todos os acionistas participam do acervo rema-
nescente em igualdade de condições, exceto se houver previsão esta-
tutária estabelecendo a prioridade dos titulares de ações preferenciais
no reembolso do capital.

1 445 L U I Z C A S T Ã O PAES D E B A R R O S LEÃES. Estudos e Pareceres sobre Sociedades Anônimas.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 114; F Á B I O K O N D E R C O M P A R A T O . Novos
Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 177.
1 446 W A L D I R I O B U L G A R E L L I . Manual das Sociedades Anônimas. 7-1 edição, São Paulo: Atlas,
1993, p. 191.
1447 C U I D O ROSSI, "Diritto Agli Utili e Diritto alia Quota di Liquidazione", Rivista delle
Società. Milano: Giuffrè, v. 2, Ano II, 1957, p. 287.
1448 JORGE LOBO. Direitos dos Acionistas..., p. 180.
Tratando-se o direito de participar no acervo da companhia de
um direito condicional, que depende da sua liquidação, não é ele opo-
nível à companhia se não for verificada a condição.
c ) DIREITO DE FISCALIZAR

Embora seja titular do direito de fiscalizar, o acionista não tem


liberdade para escolher o meio mediante o qual o exercerá, posto que os
instrumentos de fiscalização são exclusivamente aqueles previstos na
Lei das S.A. (artigos 100, § I o , 105,121,133,157, §§ I o e4°, 161 e 177,
§ 3o). E inadmissível nas sociedades anônimas - modelo jurídico con-
cebido para um grande número de sócios - o direito à fiscalização da
gestão dos negócios sociais por seus acionistas de maneira irrestrita1450.
Com efeito, a atribuição de poderes ilimitados aos acionistas para
fiscalizar a gestão dos negócios sociais poderia resultar, em situações
extremas, na paralisia dos administradores, impedindo a companhia de
atingir suas finalidades e cumprir seu objeto social. Assim, não pode o
acionista, para exercer seu direito de fiscalizar, assistir às reuniões da
diretoria, ter acesso a documentos e a negociações em curso, etc.1451.
O direito à informação funciona como instrumento para o efeti-
vo exercício do direito à fiscalização conferido aos acionistas da com-
panhia, já que, para fiscalizar, os acionistas devem ter razoável
conhecimento sobre os negócios da sociedade. A propósito, fiscalizar
o desconhecido é impossível.
O acionista pode fiscalizar a gestão dos negócios sociais por meio
de: (i) participação na assembleia geral (artigo 121); (ii) recebimento
de informações financeiras - balanço e relatórios - (artigos 133 e
135, § 3 o ); (iii) funcionamento do conselho fiscal (artigo 161); (iv)
acesso aos livros da companhia (artigos 100, § I o , e 105); (v) auditoria

1450 OSMAR ERINA CORRÊA LIMA. O Acionista Minoritário no Direito Brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, 1994, p. 29; J O R G E L O B O . Direitos dos Acionistas..., p. 159.
1451 FÁBIO U L H O A C O E L H O . Curso de Direito Comercial, v. 2, 6 a edição, São Paulo: Saraiva,
2003, p. 291.
independente (artigo 177, § 3o); e (vi) acesso às informações referen-
tes a fatos relevantes e operações realizadas pelos administradores
(artigo 157, §§ I o e 4 o ).
Mediante participação na assembleia geral ordinária, podem os
acionistas fiscalizar a gestão dos negócios sociais. Os titulares de ações
preferenciais, embora não dispondo do direito de voto, podem com-
parecer à assembleia, consultar as demonstrações financeiras e mes-
mo discuti-las no conclave1452, tendo ainda ampla liberdade para pedir
esclarecimentos aos administradores e aos auditores. Havendo ne-
cessidade de esclarecimentos adicionais, pode a deliberação sobre a
aprovação das contas ser adiada e ordenada diligência para atender às
solicitações de informações dos acionistas1453. Os titulares de ações
ordinárias não só detêm os direitos acima, como também o de apro-
var, com ou sem ressalvas, as demonstrações financeiras ou rejeitá-las.
A aprovação das contas constitui uma declaração de vontade por par-
te da assembleia geral ordinária, não se restringindo, pois, ao mero
atendimento de formalidade legal, uma vez que os acionistas têm um
poder discricionário em relação à sua apreciação1454. A aprovação sem
reservas opera a desoneração da responsabilidade dos administrado-
res e membros do conselho fiscal1455.
Constitui elemento essencial do direito de fiscalizar o exame dos
documentos que devem ser colocados à disposição de todos os acio-
nistas antes da realização da assembleia geral ordinária: (i) relatório
da administração; (ii) cópia das demonstrações financeiras; (iii) pare-

1 452 Ver os comentários ao art. 133 da Lei das S.A. '


1453 Ver os comentários ao art. 134 da Lei das S.A.
1454 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 109.
Sobre a aprovação das demonstrações financeiras e a tomada de contas dos administrado-
res, ver, também, JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA e L U I Z A L B E R T O C O L O N N A ROSMAN,
"Aprovação das Demonstrações Financeiras, Tomada de Contas dos Administradores e seus
Efeitos. Necessidade de Prévia Anulação da Deliberação que Aprovou as Contas dos
Administradores para Propositura de Ação de Responsabilidade". In: Rodrigo R. Monteiro
de Castro e Leandro Santos de Aragão (Coord.). Sociedade Anônima - 30 Anos da Lei
6.404/76. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 42-63.
cer dos auditores, se houver; (iv) parecer do conselho fiscal; e (v) de-
mais documentos pertinentes a assuntos incluídos na ordem do dia1456.
Tanto o relatório da administração como as demonstrações financei-
ras têm como objetivo informar os acionistas sobre os resultados do
exercício e devem ser apreciados pelos acionistas em conjunto, ao
tomarem as contas da administração1457.
Outros dispositivos da Lei das S.A., também relacionados ao
direito de informação, impõem à companhia a obrigação de elaborar
e colocar à disposição de seus acionistas determinados documentos
contendo informações sobre os negócios sociais (artigos 118, § 5 o ,
202, § 4°, 224 e 225).
Na sistemática da Lei das S.A., a competência para solicitar in-
formações a respeito dos negócios da companhia deve ser exercida
pelo conselho fiscal, não pelos acionistas diretamente.
O conselho fiscal pode constituir instrumento de fiscalização
eficaz, desde que sua atuação seja, de fato, independente, o que, infe-
lizmente, não é a regra em nossa prática empresarial. Em muitos ca-
sos, o órgão é "aparelhado" pelo acionista controlador, servindo apenas
para coonestar o funcionamento da administração; em outros, é utili-
zado pelos acionistas minoritários, quando logram eleger membros,
com a finalidade de forçar o controlador a adquirir suas ações, por
meio de uma oposição obstinada a todas as decisões empresariais1458.
A companhia deve ter sempre um conselho fiscal, ainda que o
estatuto nada disponha a respeito, e seu funcionamento poderá ser
permanente ou eventual, nos exercícios em que for instalado14S9.
A finalidade principal do conselho fiscal é a de exercer permanen-
te vigilância sobre os órgãos de administração, relativamente às contas

1456 Ver os comentários ao art. 133 da Lei das S.A.


1457 A L B E R T O XAVIER. Administradores de Sociedades. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979,
p. 92.
1458 Ver os comentários ao art. 165 da Lei das S.A.
1459 Ver os comentários ao art. 161 da Lei das S.A.
e à legalidade e regularidade dos atos de gestão, sem imiscuir-se, porém,
no exame do mérito da condução dos negócios sociais1460. A própria
Lei das S.A. determina, expressamente, que os conselheiros somente
podem solicitar à administração da sociedade esclarecimentos e infor-
mações relativos à sua função fiscalizadora (artigo 163, § 2o)1461.
Assim, no exercício de seu poder-dever defiscalização,o conselho
fiscal não poderá exceder os limites legais necessários à consecução de
suas funções. Compete aos conselheiros analisar as demonstrações fi-
nanceiras da sociedade e as contas dos administradores e verificar se
eles estão agindo dentro dos limites legais e estatutários, cumprindo
com o seu dever de diligência e atuando no interesse da companhia.
Ou seja, a fiscalização a ser exercida pelo conselho fiscal deve restrin-
gir-se à legitimidade dos atos praticados pelos administradores e à re-
gularidade das contas por eles apresentadas.
A atuação do órgão é basicamente instrumental, posto que deve
transmitir aos acionistas as informações de que necessitam para exer-
cerem o direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, com conhe-
cimento de causa. Nesse sentido, a Comissão de Valores Mobiliários
entende que os membros do conselho fiscal devem ter acesso a toda
informação que influencie na apreciação da regularidade das demons-
trações financeiras da sociedade1462. Os requerimentos de informações
que não estejam relacionadas às demonstrações financeiras da compa-
nhia e que digam respeito apenas à conveniência das decisões tomadas
pelos administradores podem ser legitimamente recusadas.
O acesso por inteiro aos livros da companhia pode ser
judicialmente ordenado quando: for requerido por acionistas que

1460 Ver os comentários ao art. 163 da Lei das S.A.


1461 Sobre esse assunto, ver (i) a decisão do Colegiado da C V M proferida no Processo Administra-
tivo C V M n° RJ 2005/2734, Rei. Sérgio Weguelin, j. em 30.08.2005; e (ii) NELSON EIZIRIK,
"Limites à Atuação do Conselho Fiscal", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 84, outubro-dezembro, 1991, p. 13-18.
1462 Decisão do Colegiado da C V M proferida no Processo Administrativo C V M n° RJ 2005/2734,
Rei. Sérgio Weguelin, j. em 30.08.2005.
representem, pelo menos, 5% (cinco por cento) do capital social,
votante ou não votante, e tenham sido apontados atos violadores da
lei ou do estatuto ou exista fundada suspeita de graves irregularidades
praticadas por órgão da companhia1463. A exigência de um percentual
mínimo de 5% (cinco por cento) das ações para ser requerida a medida
judicial busca conciliar o direito de fiscalizar com o interesse social e
a dinâmica da gestão empresarial, minimizando a atuação ad terrorem
de acionistas minoritários.
A auditoria independente, obrigatória nas companhias abertas e
nas sociedades de grande porte, pode constituir elemento essencial
na fiscalização da administração, uma vez que o exame das demons-
trações financeiras é tarefa cada vez mais complexa, demandando a
atuação de profissionais especializados1464-1465-1466.
A auditoria das demonstrações financeiras constitui o conjunto
de procedimentos técnicos que visa à emissão do parecer do auditor
sobre a adequação com que elas representam, num dado período: a
posição patrimonial e financeira; os resultados das operações da com-
panhia; as mutações do patrimônio líquido; a demonstração dos flu-
xos de caixa e do valor adicionado (artigos 176 e 188). O auditor
independente exerce uma função de grande importância na regula-

1463 Ver os comentários ao art. 105 da Lei das S.A.


1464 A C V M , através da Instrução C V M n° 308/1999, que dispõe sobre o registro da atividade
de auditoria independente no âmbito do mercado de valores mobiliários e define os
deveres e as responsabilidades dos administradores das entidades auditadas no relaciona-
mento c o m os auditores independentes, determinou, no art. 31, que o auditor indepen-
dente (pessoa ffsica ou jurfdíca) não pode prestar serviço para uma mesma empresa por
prazo superior a 5 (cinco) anos consecutivos e exigiu um intervalo mínimo de 3 (três) anos
para a sua recontratação.
1465 A Lei n° 11.638/2007 define a sociedade de grande porte, no parágrafo único do art. 3 o , como
"a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver; no exercício social
anterior,: ativo lotai superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou
receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais)." N o caput do
o
art. 3 estabelece que "aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas
sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de
1976, sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de
auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários."
ção das companhias, na medida em que confere credibilidade às suas
demonstrações financeiras. Ao analisar as contas da companhia deve
ele, em seu parecer, concluir se foram observados os dispositivos le-
gais aplicáveis, assim como atendidos os princípios de contabilidade
geralmente aceitos, os quais constituem normas técnicas aplicadas
consensualmente pelos profissionais da contabilidade, consagradas
pelo uso dominante em seu meio profissional1467.
O auditor independente, quando contratado pela companhia, seja
aberta ou fechada, tem o dever de estar presente à assembleia geral
ordinária para atender aos pedidos de esclarecimentos dos acionistas,
não podendo recusar-se a respondê-los, invocando o sigilo profissional,
sob pena de ficar caracterizado o cerceamento do direito essencial do
acionista de fiscalizar a gestão dos negócios sociais1468.
A prerrogativa de requerer informações sobre questões essenciais
da companhia e de seus administradores também integra o direito de
fiscalizar, sendo de particular importância no caso das companhias
abertas. Ao direito subjetivo à informação corresponde o dever jurídico
dos administradores de prestá-las, em atenção ao princípio do disclosure

1467 N E L S O N EIZIRIK. Temas de Direito Societário..., p. 159 e seguintes.


1 468 Ver os comentários ao art. 134, § 1 o , da Lei das S.A. Ver, a propósito, a decisão da 4 a Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro proferida nos autos da Apelação
Cível n° 18.215/2005 (Proc. n° 0037100-45.2004.8.19.0001), Rei. Des. Fernando Cabral,
j. em 28.09.2005, publicada no D O R J em 17.10.2005, cuja ementa está assim redigida:
"Direito Empresarial. Acionista minoritária. Direito de acesso às informações provenientes do
trabalho de auditoria independente realizado pela ré. Existência de relação jurídica entre as
partes. Alegação de violação de sigilo profissional. Inocorrência. Art. 134, par. 1o da LSA.
É direito da sociedade autora ter acesso às informações relativas às contas e demonstrações
financeiras da empresa da qual é acionista, porquanto existe relação jurídica a ensejar o
pedido. Estando a empresa de auditoria independente, por força de lei, obrigada a se fazer
representar perante a Assembleia dos acionistas, com a finalidade de prestar esclarecimentos a
estes, a respeito do trabalho de auditagem, permitindo-lhes a exala compreensão sobre as
demonstrações financeiras, sua adequação e veracidade, a recusa injustificada de fazê-lo, na
ocasião oportuna, faz nascer o direito de o acionista exigir, posteriormente, dos auditores
independentes, diretamente, que sejam condenados a prestar as informações recusadas, na
Assembleia seguinte. Obrigação legal que une as partes, legitimando-as para o processo. Não
configura a quebra do dever de sigilo a prestação de informações relacionadas ao trabalho de
auditagem ao acionista, conforme determina a lei, que não pode ser considerado, neste caso,
como terceiro. Interesse processual evidenciado para lide, sendo irrelevante que a obrigação
perseguida tenha sido cumprida por força da decisão que antecipou a tutela de mérito, a qual
deve ser confirmada ou não, em decisão final. Recurso desprovido."
(transparência), quer se refiram a informações sobre a companhia ou
sobre os valores mobiliários por ela emitidos.
Incumbe aos administradores de companhia aberta comunicar à
Bolsa de Valores e à Comissão de Valores Mobiliários e divulgar pela
imprensa qualquer deliberação da assembleia ou dos órgãos de admi-
nistração, ou fato relevante ocorrido em seus negócios que possa i n f l u i r
na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou
a eles referenciados e na decisão dos investidores de comprar, vender
ou manter aqueles valores mobiliários; e de exercer quaisquer direitos
inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela com-
panhia ou a eles referenciados1469-1470. A divulgação deve ocorrer sem-
pre que se verifica um "fato relevante", que é aquele que pode ser levado
em consideração pelo investidor em sua tomada de decisão sobre a
compra, venda ou manutenção de valores mobiliários1471.
O administrador deve declarar, quando de sua investidura, os
valores mobiliários de emissão da companhia e de sociedades
controladas ou do mesmo grupo de que seja titular, bem como informar
à Comissão de Valores Mobiliários e às entidades autorreguladoras
do mercado as modificações em suas posições acionárias1472. Ademais,
a pedido da assembleia geral ou de acionistas que representem mais
de 5% (cinco por cento) do capital social deve revelar: (i) os valores
mobiliários de emissão da companhia ou de sociedades do mesmo
grupo que tiverem adquirido ou alienado no exercício anterior; (ii) as
opções de compra de ações que tiver contratado ou exercido; (iii) os
benefícios ou vantagens indiretas ou complementares que tenha

1469 Art. 2 ° da Instrução C V M n° 358/2002, c o m as alterações introduzidas pelas Instruções


C V M n°" 369/2002 e 449/2007.
1470 Ver os comentários ao art 157, § 4 o , da Lei das S.A.
1471 O parágrafo único do art. 2° da Instrução C V M n° 358/2002, com as alterações introduzidas
pelas Instruções C V M n 05 369/2002 e 449/2007, relaciona, exemplificativamente, os
atos ou fatos potencialmente relevantes e que devem, portanto, ser objeto de divulgaçao
pela companhia.
recebido ou esteja recebendo da companhia e de sociedades coligadas,
controladas ou do mesmo grupo; (iv) as condições dos contratos de
trabalho com diretores e empregados de alto nível; e (v) quaisquer
atos ou fatos relevantes nos negócios da companhia1473.
A prestação de tais informações por parte dos administradores
permite aos acionistas não só tomarem suas decisões de investimen-
to com conhecimento de causa, como também fiscalizarem a condu-
ção dos negócios sociais e a diligência e lealdade dos administradores
em suas atividades de gestão.
D) DIREITO DE PREFERÊNCIA NA SUBSCRIÇÃO DE NOVAS AÇÕES

Também é considerado um direito essencial dos acionistas o de


preferência para subscrição de ações, debêntures conversíveis, bônus
de subscrição e partes beneficiárias conversíveis1474. Atualmente, são
poucas as legislações societárias mais avançadas que o impõem de
modo absoluto, proibindo derrogações estatutárias1475. No direito so-
cietário norte-americano, por exemplo, o direito de preferência não
decorre da lei, mas de previsão estatutária. Ademais, são raros os ca-
sos em que os estatutos de companhias com ações publicamente ne-
gociadas outorgam aos acionistas o direito de preferência; tal direito
existe em algumas companhias fechadas, visando à proteção de acio-
nistas de eventuais modificações na estrutura de poder1476.
O objetivo da Lei das S.A., ao inserir o direito de preferência
como direito essencial do acionista, é o de permitir-lhe a manutenção
de sua posição acionária por ocasião do aumento de capital; a conser-
vação de tal posição repercute não só nos seus direitos patrimoniais
como também nos políticos, uma vez que a Lei das S.A. exige per-

1473 Ver os comentários ao art. 157, § I o , da Lei das S.A.


1474 Ver os comentários ao art. 171, caput e § 3 o , da Lei das S.A.
1 475 JOSE A L E X A N D R E TAVARES G U E R R E I R O . Regime Jurídico do Capital Autorizado. São
Paulo: Saraiva, 1984, p. 107. Conforme o Model Business Corporation Acl, em seu § 6.30
(a), salvo previsão estatutária, os acionistas não têm direito de preferência para adquirir
novas ações ou ações mantidas em tesouraria.
1476 ROBERT CHARLES CLARK. Corporate Law. Boston: Liltle, Brown and Company, 1986, p. 719.
centuais mínimos para o exercício de determinados direitos de parti-
cipação em colégios eleitorais, bem como nos direitos pessoais, para a
propositura de medidas judiciais.
Com referência aos direitos patrimoniais, até o advento da Lei n°
6.404/1976, poder-se-ia defender a manutenção do direito de prefe-
rência pelo fato de ser prática consagrada a emissão de ações pelo valor
nominal, mesmo quando a cotação em Bolsa de Valores era muito su-
perior, inexistindo a obrigatoriedade da emissão com base no valor real
(artigo 170, § I o ), sem o direito de preferência, os acionistas poderiam
ter suas posições acionárias diluídas. Após a promulgação da Lei n°
6.404/1976, que instituiu, dentre tantas outras medidas positivas, o prin-
cípio de que as novas ações devem ser emitidas pelo seu valor real, ve-
dadas as emissões que ocasionem a diluição injustificada da participação
dos antigos acionistas, não mais se justifica a manutenção do direito de
preferência, particularmente nas companhias abertas. O direito de pre-
ferência para a subscrição de valores mobiliários negociados no merca-
do constitui um fator inibidor para o seu desenvolvimento, uma vez
que reduz as possibilidades de novos investidores subscreverem os títu-
los e retarda o processo de capitalização das companhias.
Mesmo após as reformas legislativas de 1997 e de 2001, manteve-se a
classificação do direito de preferência como direito essencial, do qual, em
princípio, os acionistas não podem ser privados pelo estatuto ou por
deliberação da assembleia geral. A manutenção do direito de preferência
visa à proteção dos direitos políticos e pessoais do acionista. Considera-se,
a propósito, que o direito de preferência funciona como um limite potencial
à liberdade dos gestores para modificar o balanceamento de poder
mediante a emissão de novas ações com direito de voto1477.
A preferência é direito expectado que assegura ao acionista re-
servar, para subscrição no aumento de capital, novas ações, em nú-

1477 P A U L L. DAVIES. Modem Company Law. 7"' edition, London: Sweet & Maxwell, 2003,
p. 632.
mero proporcional ao percentual de ações de que seja titular, de forma
a manter a sua posição no capital social após o seu aumento. O objeto
do direito não é uma quantidade determinada de ações, mas a manu-
tenção de determinada participação acionária.
Idêntico direito é assegurado à subscrição de debêntures conver-
síveis em ações, bônus de subscrição e partes beneficiárias conversí-
veis em ações (artigo 171, § 3 o ), sob o mesmo fundamento de impedir
a diluição da participação dos antigos acionistas.
O direito de preferência pode ser estatutariamente suprimido, ou
ter o seu prazo de exercício reduzido, nas companhias abertas de ca-
pital autorizado, quando a colocação dos valores mobiliários for reali-
zada mediante: venda em Bolsa de Valores; subscrição pública;
permuta por ações, em oferta pública de aquisição de controle1478.
Na conversão de debêntures e partes beneficiárias em ações, ou
na outorga e no exercício de opção de compra de ações, não haverá
direito de preferência (artigo 171, § 3 o ).
Os acionistas podem livremente ceder o seu direito de preferên-
cia. Trata-se, portanto, de um direito que pode ser transacionado au-
tonomamente, constituindo um valor mobiliário1479 dotado de livre
negociabilidade no mercado de capitais.

E) DIREITO DE RECESSO

O direito de recesso consiste em prerrogativa conferida ao acio-


nista de, não concordando com determinadas deliberações da assem-
bleia geral, nas hipóteses previstas na Lei das S.A. e/ou no estatuto
social, retirar-se da sociedade, mediante o recebimento do valor de
suas ações1480. Fundamenta-se na necessidade de conciliar o princí-
pio majoritário, que permite à maioria do capital votante aprovar qual-

1478 Ver os comentários ao art. 172 da Lei das S.A.


1479 Art. 2°, inciso II, da Lei n° 6.385/1976, com a redação dada pela Lei n° 10.303/2001.
1480 Ver os comentários aos arts. 45 e 137 da Lei das S.A.
quer matéria de interesse da companhia, com a proteção aos acionis-
tas dissidentes, que não podem ser obrigados a aceitar restrições em
seus direitos de participação ou permanecerem sócios de uma com-
panhia essencialmente distinta daquela na qual ingressaram.
Quando a decisão majoritária contraria os interesses dos acio-
nistas minoritários, podem eles, nos casos previstos na Lei das S.A.
e/ou no estatuto social, retirar-se da companhia, com o reembolso do
valor de suas ações. O ato contrário aos interesses dos acionistas dele
discordantes não é ilícito1481. O direito de recesso, ao criar para a com-
panhia a obrigação de pagar o preço do reembolso das ações dos dis-
sidentes, calculado nos termos do artigo 45, significa a compensação
dos interesses particulares sacrificados legitimamente em favor do
interesse social1482.
O direito de retirada apresenta natureza excepcional, uma vez
que, (i) como é a própria companhia que deve arcar com o pagamento
do reembolso devido ao acionista dissidente, o seu exercício pode co-
locar em risco a saúde financeira da sociedade, além de impedir ou
dificultar mudanças estruturais necessárias ao desenvolvimento da
empresa1483; e (ii) constitui medida que privilegia o interesse indivi-
dual do acionista dissidente em detrimento do interesse social.
As hipóteses em que se considera sacrificado o interesse do acio-
nista e que ensejam o direito de recesso são enumeradas na Lei das
S.A. (artigos 136 e 137), admitindo-se que o estatuto discipline ou-
tras matérias não previstas em lei1484.
A Lei das S.A. prevê, atualmente, 13 (treze) hipóteses que podem
ensejar o direito de recesso: (i) criação de ações preferenciais ou aumento
de classes de ações preferenciais sem guardar proporção com as demais

1481 FÁBIO K O N D E R C O M P A R A T O , "Valor de Reembolso no Recesso Acionário", Revista dos


Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 563, setembro, 1982, p. 50.
1482 N E L S O N E1ZIRK. Temas de Direito Societário..., p. 248.
1483 A. V E L A S C O A L O N S O . La Separación dei Accionista. Madrid: Edersa, 1976, p. 7.
1484 Ver os comentários ao art. 137 da Lei das S.A.
classes de ações preferenciais, salvo se já autorizado pelo estatuto social
(artigo 136, inciso I); (ii) alteração nas preferências, vantagens e
condições de resgate ou amortização de 1 (uma) ou mais classes de
ações preferenciais (artigo 136, inciso II); (iii) criação de nova classe de
ações preferenciais mais favorecida (artigo 136, inciso II); (iv) redução
do dividendo obrigatório (artigo 136, inciso III); (v) fusão da companhia
ou sua incorporação em outra (artigo 136, inciso IV); (vi) participação
em grupo de sociedades (artigo 136, inciso V); (vii) mudança do objeto
da companhia (artigo 136, inciso VI); (viii) cisão da companhia, se
importar mudança do objeto social, redução do dividendo obrigatório
ou participação em grupo de sociedades (artigo 136, inciso IX, c/c artigo
137, inciso III); (ix) transformação em outro tipo societário (artigo 221);
(x) não abertura de capital de sociedade sucessora de companhia aberta
envolvida em processo de fusão, incorporação ou cisão (artigo 223, §
4o); (xi) aquisição do controle acionário por pessoa jurídica de direito
público em virtude de desapropriação de ações (artigo 236, parágrafo
único); (xii) incorporação de ações (artigo 252, § I o ); e (xiii) aquisição
do controle de outra sociedade mercantil quando o preço de aquisição
ultrapassar os parâmetros previstos na Lei das S.A. (artigo 256, § 2o).
As hipóteses que asseguram o direito de recesso podem, assim, ser
divididas em 2 (dois) grupos: aquelas que visam a proteger os acionistas
contra deliberações que reduzem os seus direitos de participação (itens
(i) a (iv)) e aquelas que visam a protegê-los de deliberações que alterem
profundamente a organização da companhia (itens (v) a (xiii)). Nas
hipóteses enquadradas no primeiro grupo, a existência de prejuízos é
condição indispensável para o exercício do direito de recesso; já nas do
segundo grupo, há uma presunção de que tais deliberações, por altera-
rem profundamente a estrutura da companhia, podem prejudicar os
interesses dos acionistas delas discordantes.
Para exercer o direito de recesso, deve o acionista: (i) ser titular
das ações na data da primeira publicação do edital de convocação da
assembleia, ou na data da comunicação do fato relevante objeto da
deliberação, se anterior (artigo 137, § I o ); (ii) não ter votado favora-
velmente à deliberação que enseja o recesso (artigo 137, § 2 o ); e (iii)
manifestar a dissidência no prazo de 30 (trinta) dias da publicação da
ata da assembleia geral (artigo 137, inciso IV).
BGUALDADE DE DIREITOS E MEIOS PARA O SEU EXERCÍCIO

O § I o estabelece que as ações de cada classe conferirão iguais


direitos aos seus titulares148S. A classe, no âmbito do direito societário,
constitui o conjunto de ações cujo conteúdo jurídico atribui os mes-
mos direitos, diversos daqueles atribuídos aos titulares de ações de
outras classes.
O princípio da igualdade não é absoluto, significa apenas que o
estatuto pode criar ações de classes diversas, tendo em vista os direi-
tos atribuídos a cada uma delas, não podendo estabelecer tratamento
privilegiado para acionistas integrantes da mesma classe.
O âmbito de aplicação do princípio da igualdade entre os acionistas
de uma mesma classe deve ser apreciado sob 2 (duas) perspectivas: a
igualdade formal de direitos incorporados à ação e atribuídos ao acionista
e a igualdade substancial, que impede o tratamento discriminatório.
Enquanto o princípio da igualdade formal centra-se no plano dos direitos
que cada uma das ações confere ao seu titular, o da igualdade substancial
de tratamento volta-se para a maneira como a sociedade trata os
acionistas concretamente, em determinadas situações, como, por
exemplo, no exercício do direito de preferência, na compra das próprias
ações e em operações de reorganização societária1486.
Nos termos do § 2 o , a Lei das S.A. confere ao acionista meios,
processos ou ações para assegurar os seus direitos, de sorte que não
podem ser elididos pelo estatuto ou por deliberação da assembleia geral.

1485 Ver os comentários aos arts. 16 e 17 da Lei das S.A.


1486 A N A B E L E N C A M P U Z A N O LAGU1LLO. Las Clases de Acciones en Ia Sociedad AnSnima.
Madrid: Civitas Ediciones, 2000, p. 168 e seguintes.
A norma significa simplesmente que os processos judiciais, extrajudiciais
e administrativos assecuratórios dos direitos conferidos na Lei das S.A
aos acionistas são inderrogáveis. Não pode, assim, o estatuto social, por
exemplo, vedar aos acionistas o ajuizamento de medidas judiciais para
responsabilizar os administradores pelos prejuízos causados à
companhia, nem impedi-los, tratando-se de companhia aberta, de
apresentar reclamação à Comissão de Valores Mobiliários.
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ESTATUTÁRIA -
A ARBITRAGEM NA COMPANHIA

A Lei n° 10.303/2001 inseriu na Lei das S.A. o § 3 o do artigo 109,


tomando explícita a possibilidade de o estatuto social conter cláusula
compromissória, convenção apta a instituir procedimento arbitrai para
dirimir, dentre outras, divergências entre os acionistas e a companhia
ou entre acionistas controladores e minoritários.
A arbitragem constitui uma forma extrajudicial de resolução de
conflitos que ocorre mediante a outorga de competência, pela vontade
das partes, a um terceiro que resolverá definitivamente o litígio que lhe
foi submetido, quando este envolver direito patrimonial disponível. Da
mesma forma que a jurisdição exercida pelo Estado, a arbitragem goza,
no direito brasileiro, de características próprias da jurisdição: a substitu-
tividade da vontade das partes, a inércia e a definitividade1487.
A competência conferida ao árbitro decorre da vontade das partes,
manifestada na forma de convenção de arbitragem1488. A via arbitrai
difere da jurisdição estatal quanto às características da inafastabilidade,
da inevitabilidade e da indelegabilidade1489.

1487 Sobre as características da jurisdição, ver A N T Ô N I O C A R L O S D E A R A Ú J O CINTRA, C Â N -


D I D O R A N G E L D I N A M A R C O e A D A PELLEGRINI G R I N O V E R . Teoria Geral do Processo.
São Paulo: Malheiros, 2001, p. 132-137.
1488 Cláusula compromissória e compromisso arbitrai são espécies do gênero "convenção de
arbitragem", como consignado no art. 3 o da Lei n° 9.307/1996.
1489 A N T Ô N I O CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, C Â N D I D O RANGEL D I N A M A R C O e A D A
PELLEGRINI G R I N O V E R . Teoria Geral do Processo..., p. 132-137.
Ainda que se possa discutir a natureza jurídica da arbitragem -
se contrato, pois o poder de decidir do árbitro é corolário da autono-
mia da vontade das partes, ou se jurisdição, em virtude da resolução
definitiva da controvérsia1490-, segundo a Lei n° 9.307/1996, a arbi-
tragem revela inegáveis contornos jurisdicionais, uma vez que: (i) o
árbitro é equiparado ao juiz de fato e de direito1491-1492 e (ii) ao laudo
arbitrai é atribuída a força de sentença1493.
A arbitragem usualmente apresenta algumas vantagens em rela-
ção à jurisdição estatal, especialmente nos litígios de natureza comer-
cial, os quais, em regra, envolvem direito patrimonial disponível - um
dos pressupostos para regular a formação do juízo arbitrai1494. Dentre
tais vantagens, podem ser citadas a agilidade e a informalidade na
resolução da controvérsia, a especialização do julgador e a confiden-
cialidade do processo1495-1496.

1490 fâra um resumo e exposição das principais correntes existentes sobre a divergência acerca
da natureza jurídica da arbitragem, vide J A C O B D O L I N G E R e C A R M E N T I B U R C I O . Direito
Internacional Privado: Arbitragem Comercial Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003,
p. 9 4 - 9 7 . A mesma divergência encontra-se no direito c o m p a r a d o , c o m o demonstram
A L A N S C O T T R A U e C A T H E R I N E P É D A M O N , La contractualisation de 1'arbitrage: le
modèle américain, 2 0 0 1 . Disponível em: <http://wvvw.kluwerarbitration.com/arbitration/
arb/home/ipn/defauIt.asp?ipn=22649>, publicado originalmente na Revue de 1'Arbitrage:
"La double nature de 1'arbitrage est parfaitement admise dans le système américain comme
dans Ia plupart des pays européens. C'est à Ia fois un accord conventionnel entre des parties
qui organisent librement le règlement de leurs conflils et l'exercice d'un pouvoir juridictionnel
par un juge privé. Toute résolution de litiges par la voie de 1'arbitrage reflète Ia tension entre
Ia nature conventionnelle et la nature juridictionnelle de l'institution".
1491 Art. 18 da Lei n° 9.307/1996.
1492 Sobre esse assunto, ver M A R C E L O D I A S G O N Ç A L V E S V I L E L A . Arbitragem no Direito
Societário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 191-192.
1493 Art. 31 da Lei n° 9.307/1996.
1494 Art. 1 o da Lei n° 9.307/1996.
1495 A especialização do julgador é apontada como uma das vantagens que ensejam a diminui-
ção dos custos do processo, tanto ao se considerar o seu tempo de duração como o seu
custo financeiro ( B R U C E L. B E N S O N . Arbitration,1999, In: Encyplopedia of Law and
Economics, versão on-line. Disponível em: < h t t p : / / e n c y c l o . f i n d l a w . c o m / t a b l e b i b . h t m l > .
1496 As sociedades anônimas abertas, sujeitas ao controle e fiscalização da C V M , permanecem
obrigadas a divulgar fatos relevantes conforme definidos em lei (art. 157, § 4 o , da Lei das
S.A. e Instrução C V M n° 358/2002, alterada pelas Instruções C V M n " 369/2002 e 449/
2007), devendo essa regra se sobrepor à da confidencialidade do processo arbitrai. O art. 2 o ,
parágrafo único, da Instrução C V M n° 358/2002, arrola uma série de exemplos do conceito
de fato relevante, dentre os quais figura a "propositura de ação judicial que possa vir a
afetar a situação econômico-financeira da companhia".
Especificamente quanto aos litígios societários, a arbitragem pode
propiciar a permanência da harmonia nas relações entre os sócios, em
virtude de ser um meio de solução de controvérsias reconhecidamente
menos litigioso que a jurisdição estatal1497. Com efeito, a arbitragem
guarda um elemento cooperativo, o que auxilia a conservação de outras
relações jurídicas não controversas existentes entre as partes.
Visando a dar concreção e viabilidade à instauração do juízo arbitrai,
é recomendável que a câmara arbitrai seja indicada na cláusula estatutá-
ria, mediante a chamada "cláusula compromissória cheia"1498. Tal cláusu-
la toma inquestionável a competência da câmara e evita discussões que
podem inviabilizar, na prática, a solução do conflito pela via arbitraL
Ainda que os atributos da arbitragem sejam reconhecidos como
boas práticas da chamada "governança corporativa" para resolver litígios
interna corporis, nem todas as companhias, mesmo as abertas, têm
adotado a arbitragem em seus estatutos sociais1499. No mesmo sentido,
verifica-se no direito comparado uma utilização da via arbitrai
preponderantemente para a solução dos litígios em sociedades de caráter
personalista, onde a figura do sócio é mais visível, prevalecendo sobre o
caráter capitalista1500.

1 497 J A C O B D O L 1 N G E R e C A R M E N T I B U R C I O . Direito Internacional Privado: Arbitragem


Comercial Internacional..., p. 205; O L I V I E R C A P R A S S E . Les Sociétés et Arbitrage. Rarís:
Emile Bruylant, 2002, p. 148; JOSÉ M A R I A M U N O Z PLANAS, "Problemas de Arbitraje en
Matéria de Sociedades Mercantiles", Estúdios de Derecho Mercantil en Homenaje a Rodrigo
Uría. Madrid: Civitas, 1978, p. 383-384.
1498 Sobre esse assunto, ver SELMA FERREIRA LEMES, "Cláusulas Arbitrais Ambíguas ou Contra-
ditórias e a Interpretação da Vontade das Fartes". In: José Maria Rossani Garcez, Pero A.
Batista Martins (Coord.). Reflexões sobre Arbitragem - In Memoriam do Desembargador
Cláudio Vianna de Lima. São Paulo: Ltr, 2002 p. 188-208.
1499 Assim, no final de 2010, além das companhias listadas nos níveis diferenciados de governança
corporativa da BM&FBovespa que exigem arbitragem em seu estatuto - isto é, Nível II (total
de 18 companhias listadas), Nível I (total de 38 companhias listadas), Novo Mercado (total
de 116 companhias listadas) e na Bovespa Mais (1 companhia listada) a Petrobrás e a
Gradiente, que não estão listadas em nenhum desses segmentos, são companhias que
também têm cláusula compromissória estatutária. Totalizam, portanto, 175 companhias
abertas que notoriamente têm convenção de arbitragem em seu estatuto. O percentual de
adoção da arbitragem é pequeno se considerar que, no final de 2010, cerca de 663
companhias mantinham seus registros como companhias abertas na C V M e, destas, cerca
de 448 tinham ações de sua emissão negociadas na BOVESPA.
1500 J O S É M A R I A M U f c l O Z - P L A N A S , "Problemas de Arbitraje en Matéria de Sociedades
Mercantiles", Estúdios de Derecho Mercantil en Homenaje a Rodrigo Uría..., p. 381-383,
Essa preponderância da arbitragem em sociedades marcadas pelo
caráter pessoal tem uma razão: a vinculação à cláusula compromissó-
ria estatutária é muito mais clara, prescindindo, na maior parte das
vezes, de uma pesquisa sobre a real manifestação de vontade quanto à
adesão ao pacto arbitrai. Como o número de sócios é menor e a sua
condição pessoal, em regra, foi considerada ao admiti-los na socieda-
de, a negociação para a inclusão da cláusula e a ciência de sua exis-
tência no estatuto pode ser mais facilmente provada. A propósito,
vale observar que a reforma do direito societário italiano, ocorrida em
2003, mediante a qual incluiu-se um título sobre a convenção de ar-
bitragem em atos constitutivos de sociedades, expressamente excluiu
aquelas que recorrem ao mercado de capitais1501.
A reforma da legislação italiana demonstra como a manifestação
de vontade para a submissão à arbitragem inserida em estatuto social
demanda cautela. Mesmo com a arbitragem só podendo ser adotada por
sociedades fechadas, foram previstos quorum qualificado para a delibe-
ração de sua inclusão e direito de recesso para quem dela dissente1502.
As 2 (duas) principais discussões sobre arbitragem em direito
societário são: a arbitrabilidade objetiva, ou ratione materiae, que consiste
em verificar que matérias podem ser objeto de arbitragem; e a arbitra-

relata que na Espanha, França, Suíça e Alemanha há predileção pelo uso da arbitragem em
sociedades personalistas.
1501 Decreto Legislativo n° 5/2003, art. 34, n. 1 "Cli a ti/ costitutivi delle società, ad eccezione di
quelle che fanno ricorso al mercato dei capitale di rischio a norma deífarticolo 2325-bis dei
códice civile, possono, mediante c/auso/e compromissorie, prevedere Ia devoluzione ad
arbitri di alcune ovvero di tutte le controversie insorgenti tra i soei ovvero tra i soei e la società'
che abbiano ad oggetto diritti disponibili relativi al rapporto sociale". F I L I P P O D A N O V I ,
; L'arbitrato nella Riforma dei Diritto Processuale Societário, 2 2 . 0 7 . 2 0 0 4 , disponível em:
< h t t p : / / w w w j u d i c i u m . o r g / n e w s / i n s _ 2 2 _ 0 6 _ 0 4 / d a n o v L p r o c _ s o c . h t m l > , ao comentar so-
bre a exclusão das companhias abertas, observa que: "La ratio di tale esclusione è stata
individuata in ciò che la fisionomia delia partecipazione a tali società è radicalmente diversa da
quanto avviene tradizionalmente, poiché riguarda terzi investitori che non hanno alcun
interesse al concreto funzionamento delia società, bensi unicamente aWandamenlo delia
stessa sul mercato, conseguentemente, essi si preoccupano soltanto di tale ultimo aspetto e
di rego/a non compiono alcuna indagine suíVatto costitutivo o sullo statuto".
1 502 O Decreto Legislativo n° 5/2003, no art. 34, n° 6, prevê que: "Le modifiche dell'aUo
costitutivo mlroduttive o soppressive di clausole compromissorie, devono essere approvate
so
° che rappresentino almeno i due terzi dei capitale sociale. I soei assenti o dissenzienti
possono, entro , successivi novanta giorni, esercitare il diritto di recesso."
bilidade subjetiva, ou rationepersonae, que consiste na identificação das
pessoas que estão sujeitas à cláusula compromissória estatutária.
Com relação à arbitrabilidade objetiva, a Lei n° 9.307/1996 es-
tabeleceu que podem ser dirimidas pela via arbitrai questões relativas
a "direitos patrimoniais disponíveis"1503. No mesmo sentido, dispõe o
Código Civil ser vedado o compromisso para solução de conflitos de
Estado, de direito pessoal de família e de outros que não tenham ca-
ráter estritamente patrimonial1504.
Embora não exista uniformidade no Direito Comparado no tra-
tamento da matéria, o sistema jurídico brasileiro adotou os critérios
da patrimonialidade e da disponibilidade para a definição da arbitra-
bilidade objetiva. Ou seja, conflitos envolvendo direitos com conteú-
do patrimonial e que podem ser objeto de disposição por parte de seu
titular são passíveis de solução pela via arbitrai1505.
A disponibilidade do direito caracteriza-se pela suficiência da
vontade do titular do patrimônio para dele dispor com exclusividade,
pois nele não se mesclam outros interesses que não os dele próprio1506.
A incidência de norma de ordem pública sobre a matéria não im-
pede a utilização da arbitragem, uma vez que o árbitro, da mesma forma
que ocorre com o juiz, submete-se à ordem pública. Assim, por exem-
plo, se a Lei das S.A. não permite que um órgão, criado pelo estatuto, se
substitua nas atribuições conferidas aos órgãos nela previstos (artigo
139), o árbitro estará obrigado a dar cumprimento ao mandamento da
norma imperativa, reconhecendo como nulas as cláusulas estatutárias
que disponham em sentido contrário à Lei das S.A

1503 Art. I o da Lei n° 9.307/1996.


1 504 Art. 852 do Código Civil.
1 505 NELSON EIZIRIK, "Arbitrabilidade Objetiva nas Sociedades Anônimas e Instituições Finan-
ceiras". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leandro Santos de Aragão (Coord.). Direito
Societário. Desafios Atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 34. Também publicado em
M O D E S T O C A R V A L H O S A e N E L S O N EIZIRIK. Estudos de Direito Empresarial. São RJUIO:
Saraiva, 2010, p. 19.
1506 M O D E S T O C A R V A L H O S A e N E L S O N EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Raulo: Saraiva,
2002, p. 182.
Como o objetivo principal das companhias é a produção de lu-
cros e a sua repartição entre os acionistas, em princípio todas as ques-
tões societárias referem-se a direitos patrimoniais. Nem todos eles,
porém, são disponíveis no âmbito da companhia, uma vez que podem
abranger direitos de terceiros, não vinculados à cláusula compromis-
sória estatutária, como pode ocorrer, por exemplo, em conflito envol-
vendo operação de incorporação de uma companhia por outra.
Pode-se entender como arbitráveis todas as questões relaciona-
das às decisões de assembleias gerais, uma vez que tratam de direitos
que não só caracterizam-se como patrimoniais, como, também, são
disponíveis no âmbito interno da companhia. Assim, todas as maté-
rias que podem ser validamente decididas pela companhia são arbi-
tráveis, pois se referem à sua autonomia privada.
O direito de voto, embora tido como "político", apresenta uma
natureza patrimonial, já que, além de consistir em atributo que acres-
centa valor à ação, usualmente é exercido tendo em vista os interesses
do acionista na eficiência da gestão empresarial, que redundará na
maior geração de lucros. Ao exercer o seu direito de voto, não está o
acionista, em princípio, cumprindo um dever de cidadania, mas vi-
sando à otimização do retorno de seu investimento. Daí decorre a
arbitrabilidade de questões ligadas ao direito de voto, como são, por
exemplo, aquelas relacionadas ao seu exercício em situações de con-
flitos de interesse ou de abuso do poder de controle1507.
Com a adoção do princípio de que são arbitráveis todas as questões
que podem ser decididas por assembleia geral, e levando-se em conta
que o árbitro pode aplicar normas de caráter imperativo, admite-se,
por exemplo, a arbitrabilidade de: impugnação de decisão de assembleia
geral; impugnação de decisão de outros órgãos societários, como o
conselho de administração, a diretoria e o conselho fiscal; conflitos

507 Ver os comentários aos arts. 115 e 117 da Lei das S.A.
ligados ao exercício do direito de recesso; interpretação de cláusulas
estatutárias; questões relacionadas ao pagamento de dividendos;
operações de reestruturação societária, resguardados os direitos de
terceiros1508. Também podem ser objeto de arbitragem litígios
envolvendo o ressarcimento de perdas e danos sofridos por acionistas
minoritários em decorrência do exercício abusivo do poder de controle
e de atos ilegais da companhia.
Embora a Lei das S.A. mencione apenas as divergências entre
os acionistas e a companhia, ou entre acionistas controladores e os
minoritários, nada impede que o estatuto social relacione outros con-
flitos como passíveis de solução mediante a via arbitrai. Assim, even-
tuais divergências entre integrantes do mesmo bloco de controle ou
entre 2 (dois) grupos de acionistas minoritários, ou entre administra-
dores e acionistas, ou entre o conselho de administração e o conselho
fiscal, ou mesmo entre membros de um mesmo órgão de administra-
ção, desde que exista previsão expressa no estatuto, poderão ser obje-
to de arbitragem. O dispositivo legal deve ser interpretado tendo em
vista o princípio favor arbitratis: se os acionistas decidiram submeter
determinados litígios à arbitragem, mediante cláusula compromissó-
ria estatutária, tal vontade deve ser respeitada.
A arbitrabilidade subjetiva no âmbito societário refere-se à iden-
tificação daqueles que estão vinculados à cláusula compromissória
estatutária.
Um dos maiores problemas para a utilização da arbitragem em
matéria societária diz respeito ao consentimento, à exposição da von-
tade em subtrair da apreciação judicial os litígios que venham a surgir
com outros acionistas ou com a sociedade.

1508 Sobre a questão dos direitos de terceiros: A R N O L D O W A L D , " O Direito Societário e a


Arbitragem". In: Rafaella Ferraz e Joaquim de Raiva Muniz (Coord.). Arbitragem Doméstica
e Internacional: Estudos em Homenagem ao Prof. Theóphilo de Azeredo Santos. Rio de
Janeiro: Forense, 2008, p. 49.
A própria lei de arbitragem requer dos contratantes a observân-
cia de um requisito formal para a cláusula compromissória: a necessi-
dade de ela ser por escrito1509. O elemento volitivo, como fundamento
da competência dos árbitros, deve estar presente para legitimar o pro-
cesso arbitrai, uma vez que compreende uma renúncia à jurisdição
estatal. Diversamente da regra geral dos contratos, que podem ser
celebrados sem a forma escrita, a arbitragem necessita de clareza para
ser convencionada1510-1511.
Quando a cláusula compromissória estiver incluída no estatuto
social na constituição da companhia, inequivocamente vincula todos
os acionistas fundadores.
Os acionistas que posteriormente subscrevem ou adquirem ações
da companhia também vinculam-se à cláusula compromissória, que
integra o elenco de direitos e deveres dos acionistas, na medida em
que aderem a um contrato organizativo, em todas as suas cláusulas1512.
Ainda que não tenham consentido expressamente com a cláusula
compromissória, ao subscrever, comprar ou receber as ações, sob qual-
quer modalidade, estão tais acionistas praticando ato de ratificação do
estatuto social e concordando tacitamente corn os seus termos.
Tal ocorre, por exemplo, tanto quando a condição de acionista é
adquirida em conseqüência da subscrição de ações em aumento de
capital como no caso em que se dá mediante a compra das ações no
mercado. Nessa última hipótese, a novação subjetiva na pessoa do

1509 Art. 4 o , § I o , da Lei n° 9.307/1996.


1510 A liberdade de contratar, ainda que limitada pela função social do contrato e pelos ditames
da boa-fé objetiva, subsiste no ordenamento jurídico brasileiro, inaugurando o Título V do
Código Civil, enunciada no seu art. 421.
1511 Uma cláusula ambígua ou contraditória, como pode ocorrer c o m as cláusulas de arbitra-
gem seguidas de cláusula de eleição de foro, ao ser interpretada restritivamente, como
manda a tradicional regra de hermenêutica, poderá induzir à sua nulidade, devolvendo a
apreciação do litígio à Jurisdição estatal. Sobre o assunto, ver SELMA FERREIRA LEMES,
"Cláusulas Arbitrais Ambíguas ou Contraditórias e a Interpretação da Vontade das Partes".
In: José Maria Rossani Garcez e Pero A. Batista Martins (Coord.). Reflexões sobre Arbitra-
gem..., p. 188-208.
1512 Sobre o estatuto como contrato organizativo, ver os comentários ao art. 83 da Lei das S.A.
acionista provoca uma sub-rogação, produzindo a vinculaçao do novo
acionista à cláusula compromissória1513.
A questão torna-se mais complexa quando se delibera alterar o
estatuto social para incluir a cláusula compromissória. Estariam vin-
culados automaticamente todos os acionistas, inclusive os que ex-
pressamente discordarem da deliberação?
Vale observar que não se pode imputar à cláusula de arbitragem
tratamento jurídico idêntico ao dispensado às outras cláusulas constan-
tes do estatuto social, as quais se impõem obrigatoriamente a todos os
acionistas, mesmo os discordantes, gozando de caráter mandatório. Ten-
do em vista que a legitimidade da arbitragem repousa no princípio fun-
damental da autonomia da vontade, não se pode obrigar os acionistas
que expressamente votaram contra a inclusão de cláusula compromissó-
ria no estatuto. Com efeito, se o acionista manifesta-se no sentido de
que não quer ter a solução de conflitos futuros submetidos à arbitragem,
evidentemente não cabe a imposição do juízo arbitrai, cujo principal fun-
damento de validade repousa na manifestação de vontade das partes.
Estarão vinculados à cláusula compromissória estatutária todos os
demais acionistas: os que votaram favoravelmente, os que se abstiveram
e os que não compareceram à assembleia. Os acionistas titulares de ações
preferenciais que não se manifestaram na assembleia geral contraria-
mente à cláusula compromissória, ou a ela não compareceram, estarão
vinculados ao compromisso arbitrai. Recomenda-se, portanto, fazer cons-
tar essa orientação do edital de convocação da assembleia geral.
Com efeito, não cabe exigir, sob pena de se negar ao estatuto
social o caráter de contrato organizativo, a aprovação expressa de to-
dos os acionistas para a cláusula compromissória1514.

1513 MARIA JOSÉ C A R A Z O LIÉBANA. El Arbitraje Societário. Madrid: Marcial Pons Ediciones
Jurídicas e Sociales, 2005, p. 221.
1514 Em sentido contrário, a Procuradoria da Junta Comercial do Estado de São Paulo, ao
analisar, nos autos do Processo n° 1240125/08-2, j. em 23.09.2008, consulta feita pela 6 a
Turma de Vogais, referente à legalidade de dispositivo estatutário, objeto de deliberação de
acionistas em assembleia geral extraordinária em cujo conclave foi, por maioria, aprovada
A prática vem demonstrando que a arbitragem apresenta inú-
meras vantagens sobre o contencioso judicial, particularmente no di-
reito societário, que demanda soluções rápidas e tecnicamente
consistentes. A solução aqui preconizada concilia a necessidade de
ser preservada a vontade das partes com a possibilidade de utilização
crescente e segura da arbitragem na solução dos conflitos societários.
Há manifestações, majoritárias na doutrina, propugnando que
a regra geral da prevalência da deliberação majoritária não deve ser
excepcionada no caso de decisão de inclusão de cláusula compro-
missória estatutária1515-1516, sob o argumento de que a arbitragem
estatutária não representa uma situação especial que comporte tra-
tamento jurídico, diferenciado das outras relações jurídicas privadas
onde a cláusula possa ser encontrada1517.

a reforma do estatuto social para inserir cláusula segundo a qual todos os litígios decorren-
tes da relação jurídica societária passariam a ser dirimidos por arbitragem, se manifestou no
sentido de que a cláusula compromissória "somente pode vingar se o acionista expressa-
mente abrir mão dos meios garantidos pelo Estado. (...) o principio da maioria vigente na
sociedade anônima não pode reduzir um direito essencial subjetivo. (...) sem a adesão de
todos os acionistas não há a possibilidade de uma alteração estatutária introduzir no estatuto
a cláusula compromissória de arbitragem (...)."
1515 P E D R O A. BATISTA MARTINS, "A Arbitragem nas Sociedades de Responsabilidade Limitada".
In: josé Maria Rossani Garcez e Pedro A. Batista Martins (Coord.). Reflexões sobre Arbitragem
- In Memoriam do Desembargador Cláudio Vianna de Lima. São Paulo: Ltr, 2002 e no mesmo
trabalho republicado na Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São
ftulo: Ed. Malheiros, v. 126, abril-junho, 2002; P A U L O C E Z A R A R A G Ã O , "A Arbitragem na
Lei das Sociedades Anônimas", palestra proferida no âmbito do 1 o Ciclo de Palestras sobre
arbitragem, realizada pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas-Rio (FCV-RJ) e pela
Câmara de Arbitragem da FGV, Rio de Janeiro, realizada em 20.08.2003; LUIS LORIA FLAKS,
"A Arbitragem na Reforma da Lei das S.A.", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico
e Financeiro. Sao Paulo: Ed. Malheiros, v. 131, julho-setembro, 2003, p. 100-121; DANIELA
BESSONE BARBOSA MOREIRA, "A Convenção Arbitrai em Estatutos e Contratos Sociais". In:
Ricardo Ramalho Almeida (Coord.). Arbitragem Interna e Internacional (Questões de Doutrina
e da Prática). Rio de Janeiro: Renovar, 2003; JOSÉ V I R G Í L I O LOPES ENEI, "A Arbitragem nas
Sociedades Anônimas", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São
Raulo: Ed. Malheiros, v. 129, janeiro-março, 2003, p. 136-173; M A R C E L O DIAS GONÇALVES
VILELA. Arbitragem no Direito Societário..., p. 200-202; M A R C E L O FORTES BARBOSA FI-
LHO. Sociedade Anônima Atual. São Raulo: Atual, 2004, p. 110.
1516 DANIELA BESSONE B A R B O S A MOREIRA, "A Convenção Arbitrai em Estatutos e Contratos
Sociais", In: Ricardo Ramalho Almeida (Coord.). Arbitragem Interna e Internacional (Ques-
tões de Doutrina e da Prática)..., p. 3 7 0 , não vê " c o m o se possa opor a cláusula
compromissória ao acionista dissidente, assim entendido aquele que tenha manifestado
expressamente discordância quanto ã sua inclusão no contraio social."
1517 J U L I A N A K R U E G E R PELA, "Notas sobre a Eficácia da Cláusula Compromissória Estatutária",
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Raulo: Ed. Malheiros,
v. 126, abril-junho, 2002, p. 129-139.
A solução do direito italiano deveria inspirar nosso legislador,
permitindo a inclusão de cláusula compromissória no estatuto, po-
rém conferindo aos dissidentes o direito de recesso. Em tal sistema,
a cláusula vincula a todos, menos aos que manifestarem o seu dese-
jo de retirada, mediante o recebimento do valor de suas ações. Pre-
sume-se que os acionistas remanescentes não se opõem à alteração
do estatuto, vinculando-se, portanto, à cláusula compromissória.

SEÇÃO IO

D I R E I T O DE V O T O

"Art. 110. A cada ação ordinária corresponde um voto nas de-


liberações da assembleia geral.

§ I o O estatuto pode estabelecer limitação ao número devotos de


cada acionista.

§ 2 o É vedado atribuir voto plural a qualquer classe de ações."

O acionista, preocupado com a gestão dos negócios sociais, tem


2 (duas) possibilidades: vender as suas ações; ou manifestar sua insa-
tisfação sobre a administração da companhia. Trata-se de opção "voz
e saída" (voice and exit), a primeira constituindo solução política, a
segunda a solução econômica1518.
A Lei das S.A., repetindo o preceito do artigo 80 do Decreto-
-Lei n° 2.627/1940, consagrou a solução política apenas para os
titulares de ações ordinárias e estabeleceu o princípio da igualdade
entre os acionistas votantes.

1518 A N D R E A S C A H N and DAVI D C. D O N A L D . Comparative Company Law. Cambridge:


Cambridge University Press, 2010, p. 467.
O direito de voto é uma das características mais marcantes das
companhias, visto que constitui o meio de se chegar às decisões
não previstas no contrato social, ou de delegar aos administradores
poderes para adotá-las 1519 - 1520 .
Do ponto de vista econômico, o poder de comandar as ativida-
des da companhia deve ser exercido por aqueles que têm direito de
receber os lucros do empreendimento, uma vez que tais pessoas, em
princípio, utilizarão seu poder para monitorar o desempenho dos ad-
ministradores no sentido de maximizarem a atividade lucrativa1521-1522.
O voto constitui a manifestação do direito conferido a cada indiví-
duo de participar da formação da vontade de determinado grupo. Tratan-
do-se de uma pretensão juridicamente exigível diante dos demais
componentes do grupo, o direito de voto é direito subjetivo, ou seja, de-
corre de uma situação tida como legítima para fundamentar a participa-
ção de alguém na formação da vontade coletiva. Ou seja, é um elemento
constitutivo da ação ordinária, integrante do status socii de seu titular.
Diversas são as fundamentações para legitimar o direito de voto,
de acordo com o contexto no qual se encontra inserido tal direito.
N a esfera do Direito Público, a condição de cidadão, atendidos
os requisitos da lei 1523 , garante a participação na escolha dos mem-
bros dos Poderes Executivo e Legislativo, bem como em plebiscitos
e referendos. J á na esfera do Direito Privado, especialmente do di-
reito societário, cujos princípios possuem cunho essencialmente

1519 F R A N K H. E A S T E R B R O O K and D A N I E L R. FISCHEL. The Economic Structure of Corporate


Law. Cambridge: Harvard University Press, 1991, p. 63.
1520 F R A N K H. E A S T E R B R O O K and D A N I E L R. FISCHEL. The Economic Structure of Corporate
Law ..., p. 66.
1521 A L C H I A N & DEMSETZ, "Production, Information Costs and Economic Organization", The
American Economic Review. Nashville: American Economic Association, v. 62, december,
1972, p. 777-795.
1522 Essa é, inclusive, a orientação da BM&FBovespa ao proibir o acesso ao segmento especial
do mercado de ações (Novo Mercado) de companhias aberlas cujo estatuto social não
contemple a emissão exclusiva de ações ordinárias (item 3.1, inciso (vii) do Regulamento
do Novo Mercado).
patrimonialista, é a propriedade do quinhão social que legitima a
manifestação na formação da vontade coletiva.
Na sociedade anônima, o voto do acionista é proporcional à
sua participação no capital total da companhia, ou, caso seja ne-
gado no estatuto o direito de voto às ações preferenciais, à sua
participação no capital votante.
A cada ação ordinária corresponde 1 (um) voto nas deliberações
da assembleia geral. O voto proporcional ao número de ações permite
uma melhor conciliação entre o poder e o incentivo para monitorar e
fiscalizar o desempenho da empresa1524.
A Lei das S.A., no § 2 o , proíbe expressamente o voto plural a
qualquer classe de ações, consagrando, assim, o princípio da proporcio-
nalidade dos votos à participação no capital social. Trata-se de princípio
geral do direito societário; como tal, possui não apenas função supleti-
va, mas atua como fundamento da própria ordem jurídico-societária,
orientando, inclusive, o trabalho interpretativo1525.
O voto plural tem como objetivo assegurar a determinadas ca-
tegorias de acionistas, usualmente os fundadores, uma influência
preponderante na direção da companhia, desproporcional ao capital
que representam e é repudiado, face ao seu caráter antidemocrático,
por quase todas as legislações societárias1526.

1 524 ROBERT CHARLES CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, p. 390.
1 525 Nos Estados Unidos, desde meados de 1850, quase todas as legislações estaduais adota-
ram o princípio do "one share, one vote". A propósito: C. A. D U N L A V Y e M A D I S O N ,
"Corporate Covernance in Late 19 Century Europe and the U.S.: the Case of Shareholder
Voting Rights". In: Klaus J. Hopt, Hideki Kanda, Mark J. Roe, Eddy Wymeersch and Stefan
Prigge (Coord.). Comparative Corporate Governance - The State of the Art and Emerging
Research. New York: Oxford University Press, 1998, p. 27 e seguintes.
1526 Sobre a distinção entre o voto plural e o voto privilegiado, T R A J A N O DE M I R A N D A
VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2'1 edição, Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 56-57,
observa que "(...) as de voto privilegiado são freqüentemente chamadas ações de voto
múltiplo ou de voto plural. Mas a sinonfmia é inexata, já que, como no direito brasileiro
atual, podem haver ações com ou sem direito de voto. E, coexistindo, embora em categoria
ou classes diferentes, constitui, evidentemente, um privilégio o direito de voto exercido
pelos titulares de ações ordinárias ou comuns, ou pelos acionistas preferenciais de uma
classe, se os de outra não o têm. Ações de voto privilegiado é a designação genérica, que
Na Argentina, onde é aceita a instituição do voto plural, a lei esta-
belece uma série de restrições à sua emissão, entre as quais: deve ser
suprimido o voto plural das companhias que emitem publicamente suas
ações; limitação da pluralidade a 5 (cinco) votos por ação; às ações pre-
ferenciais deve ser outorgado o direito de voto em certas deliberações.
No Brasil, a legislação societária não aceita o voto plural, que não se
confunde com o voto múltiplo e nem com a golden share, pois esta última
é ação de classe especial - inserida em nosso regime societário (artigo 17,
§ 7o) pela Lei n° 10.303/2001 - que confere aos entes públicos desesta-
tizantes (seus titulares) o direito de veto ou privilégios sobre determina-
das deliberações. A Lei das S.A. previu, além do procedimento ordinário,
a eleição pelo processo do voto múltiplo, por meio da qual se atribui a
cada ação tantos votos quantos sejam os membros do conselho de admi-
nistração, reconhecido ao acionista o direito de cumular os votos num só
candidato ou distribuí-los entre vários1527. O voto múltiplo foi introduzi-
do pela Lei das S A . com o objetivo de viabilizar a eleição de representan-
tes dos acionistas minoritários no conselho de administração.
Assim, a Lei das S.A. segue orientação dominante em quase
todos os sistemas jurídicos: todas as ações ordinárias votam e todos
os votos têm o mesmo peso.
E interessante notar que, nos Estados Unidos, onde a matéria é
regulada pelas leis estaduais, a lei societária de Delaware permite às
companhias estabelecerem livremente, em seus estatutos, a discipli-
na do voto1528: (i) podem conferir a cada ação qualquer número de

ser/e para assinalar toda e qualquer desigualdade no direito de voto, pelo que abrange as
numerosas variedades ou combinações sobre o direito de voto: ações de voto plural,
múltiplo, desigual, de direção, ações maiores, etc., designações nem sempre, é verdade,
apropriadas." Ainda sobre os conceitos de voto privilegiado, voto plural, voto duplo e
voto múltiplo, ver R E N A T O V E N T U R A RIBEIRO. Direito de Voto Nas Sociedades Anôni-
mas. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 235-249.
1527 Ver os comentários ao art. 141 da Lei das S.A.
1523 Ver General Corporation Law, Title 8, Cbapter 1, Subchapter VII, § 212, disponível em:
<http://delcode.delaware.gov:>, que determina que: "unless otherwise providedin the certificate
oí incorporation and subject to § 213 of this title, each stockholder shall be entitled to 1 vote
votos, ou negar-lhes o direito; (ii) podem atribuir o direito de voto aos
debenturistas; (iii) os votos podem ser cumulativos ou não; (iv) os
acionistas podem votar pessoalmente ou mediante procuração; e (v)
podem ainda estabelecer super-maiorias para determinadas matérias.
No entanto, as companhias seguem, quase todas, o mesmo modelo:
cada ação tem direito a 1 (um) voto e só os acionistas votam; em com-
panhias abertas praticamente não se verifica a adoção do voto plural,
nem a emissão de ações sem direito de voto ou com voto restrito1529.
O direito de voto constitui o meio mediante o qual os acionistas
participam das deliberações das assembleias gerais, colaborando para
a formação da vontade social, o que pressupõe, em princípio, ação
orientada para o fim e no interesse da companhia1530.
A natureza jurídica do direito de voto é objeto de grande discus-
são doutrinária: ora é tido como um direito próprio do acionista, a ser
exercido no seu interesse individual, ora como um direito social, em-
bora exercido individualmente pelo acionista1531. Se constituir um di-
reito próprio pode ser exercido no interesse direto de cada acionista,
em seu benefício pessoal e exclusivo. Tratando-se, por outro lado, de
um direito social, deve ser exercido para beneficiar diretamente a com-
panhia, contribuindo para a formação da vontade social.

for each share of capital stock held by such stockholder. If the certificate of incorporation
provides for more or less than 7 vote for any share, on any matter, every reference in this
chapter to a majority or other proportion of stock, voting stock or shares shall refer to such
majority or other proportion of the votes of such stock, votfng stock or shares."
1529 DANIEL R. FISCHEL, "Organized Exchanges and the Regulation of Dual Class Common
Stock", Chicago University Law Review. v. 54, 1987, p. 119; JOEL SELIGMAN, "Equal
Protection in Shareholder Voting Rights: The One Common Share, One Vote Controversy".
Georgetown Washington Law Review. v. 54, 1986, p. 687.
1530 ALFREDO LAMY FILHO e JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, "Abuso do Poder de Controle
em Aumento do Capital Social de Banco Comercial". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz
Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação), v. 2,
2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 228.
1531 Sobre esse assunto, ver T R A J A N O DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. v. I,
2 a edição, Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 55; D O M I N I Q U E SCHMIDT. Les Droits de
Ia Minorité dans la Société Anonyme. Paris: Sirey, 1970, p. 38-39.
A Lei das S.A., ao dispor, no artigo 115, que o acionista deve
exercer o direito de voto no interesse da companhia, considerando
abusivo o voto exercido com o fim de obter vantagem a que não faz
jus e de que resulte ou possa resultar prejuízo para a companhia ou
para os demais acionistas, inequivocamente consagrou o princípio de
que o voto deve ser exercido no interesse social. O interesse da com-
panhia não constitui um somatório dos interesses privados dos acio-
nistas, nem um interesse autônomo, desvinculado dos interesses dos
sócios, mas o interesse dos sócios, em tal qualidade, norteado no sen-
tido da realização lucrativa do objeto social1532. Assim, a Lei das S.A.
prevê sanções decorrentes do exercício do voto no interesse exclusivo
do acionista, quando conflitante com o interesse da sociedade1533-1534.
O exercício do direito de voto não se dá unicamente pela ma-
nifestação monossilábica do "sim" ou "não", pois nele se compreen-
dem: o ingresso e a presença na assembleia geral; a palavra; a

1532 L U I Z C A S T Ã O PAES D E B A R R O S LEÃES, "Proibição de Voto e Conflito de Interesse nas


Assembleias Gerais". In: Pareceres. v. I, São Paulo: Singular, 2004, p. 176.
1533 Ver os comentários ao art. 115 da Lei das S.A.
1534 Sobre o interesse social, ver E D U A R D O S E C C H I M O N H O Z , "Desafios do direito societário
brasileiro na disciplina da companhia aberta: avaliação dos sistemas de controle diluído e
concentrado". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leandro Santos de Aragão (Coord.).
Direito Societário - Desafios Atuais. São Raulo: Quartier Latin, 2009, p. 132-135; FRAN
M A R T I N S . Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. II, Rio de Janeiro: Forense,
1978, p. 76-77; PIER G. JAECER. L'lnteresse Sociale. Milano: Giuffrè, 1972; FÁBIO K O N D E R
C O M P A R A T O e C A L I X T O S A L O M Ã O FILHO. O Poder de Controle na Sociedade Anôni-
ma. 4 a edição, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 373-384; J. S C H A P I R A , "L'lntérêt Social
et le Fonctionnement de Ia Société Anonyme", Revue Trimestrielles de Droit Commercial.
Paris: D a l l o z , 1971, p. 957; R O D R I G O F E R R A Z PIMENTA D A C U N H A . Estrutura de
Interesses nas Sociedades Anônimas - Hierarquia e Conflitos. São ftulo: Quartier Latin,
2007, p. 110-130; J O S É A L E X A N D R E TAVARES G U E R R E I R O , "Conflitos de Interesse entre
Sociedade Controladora e Controlada e entre Coligadas, no Exercício do Voto em Assembleias
Gerais e Reuniões Sociais", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financei-
ro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 51, julho-setembro, 1983, p. 31; E D U A R D O
M E L L O L U C A S C O E L H O . A Formação das Deliberações Sociais: Assembleia Geral das
Sociedades Anônimas. Coimbra: Coimbra, 1994, p. 75-76; R E N A T O V E N T U R A RIBEIRO.
Direito deVoto nas Sociedades Anônimas..., p. 105-124; C A L I X T O S A L O M Ã O FILHO. O
Novo Direito Societário. 3 a edição, São Paulo: Malheiros, 2006, p. 25-50; E R A S M O
V A L L A D Ã O A Z E V E D O E NOVAES FRANÇA. Conflito de Interesses nas Assembleias de S.A.
São Paulo: Malheiros, 1993, p. 54-67.
proposição; o protesto; o pedido de informações à mesa ou à admi-
nistração; a expressão do voto, verbalmente ou por escrito1535.
O direito de voto não foi incluído entre os direitos essenciais previs-
tos no artigo 109. Tal ausência é explicada pelo fato de se permitir que o
estatuto deixe de atribuí-lo aos titulares de ações preferenciais ou o con-
fira com restrições1536. Assim, seguindo o sistema anterior, o direito de
voto inclui-se na categoria dos direitos reservados a certos acionistas1537.
Uma vez conferido o direito de voto a determinada classe de
acionistas, normalmente os titulares de ações ordinárias, passa a cons-
tituir um direito inderrogável, não podendo ser suprimido ou ter o seu
exercício impedido por deliberação assemblear ou por ato de órgão de
administração, exceto na hipótese prevista no artigo 120, quando o
acionista deixa de cumprir obrigação legal ou estatutária.
O direito de voto, em nosso vigente sistema de direito societário,
não é indisponível1538. Com efeito, o acionista pode ceder o exercício
do direito de voto, quando for parte em acordo de acionistas, à comu-
nhão dos integrantes do acordo - seja de acionistas minoritários, seja
de controladores - , outorgando a um representante (síndico) da co-
munhão poderes para proferir voto em assembleia geral. O voto pro-
ferido com infração ao acordo não será computado e a parte prejudicada
pode votar com as ações do acionista infrator1539.
A cessão do exercício do direito de voto, desde que não seja perpé-
tua, é perfeitamente válida em nosso sistema, nos termos da disciplina
legal do acordo de acionistas. Ela pode ser observada, na prática, nos

1535 W A L D E M A R FERREIRA. Tratado de Direito Comercial, v. 4, São Paulo: Saraiva 1963,


p. 810.
1536 Ver os comentários ao art. 111 da Lei das S.A.
1537 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações..., v. II, p. 55.
1538 Mesmo no sistema anterior, admitia-se a validade das convenções que estabeleciam a
vinculação temporária do direito de voto, desde que visassem ao interesse da companhia.
Sobre esse assunto, ver TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações..., v. II,
p. 61-62.
acordos de acionistas que instituem o "acordo de voto em bloco",
mediante o qual, na respectiva convenção, os signatários criam um
órgão deliberativo interno, normalmente designado "reunião pré-
via", cuja função é a de permitir que os convenentes decidam ante-
cipadamente a maneira como irão votar todas as ações componentes
do bloco nas assembleias gerais.
Embora sejam comuns os acordos de voto, que operam uma au-
tolimitação ao exercício desse direito, é vedado o seu comércio. A
alienação do direito de voto pressupõe a venda da ação1540 e não se
confunde, portanto, com a cessão do voto no âmbito do acordo-de
acionistas. O fundamento econômico da proibição à venda do voto
reside no fato de que a separação entre voto e ação cria uma despro-
porção entre custo e benefício: se, por exemplo, o titular de 20% (vin-
te por cento) das ações adquirir todos os votos, seu incentivo para tomar
todas as medidas visando a melhorar a empresa é de apenas 1/5 (um
quinto) do valor de suas decisões. Assim, não se verá tão disposto a
maximizar os lucros, pois terá que reparti-los com os demais acionis-
tas, que não incorrem nos custos da tomada de decisões1541.
Nos Estados Unidos, as leis estaduais buscam evitar fraudes à
proibição da venda de voto mediante: limites à outorga de procuração
irrevogável e estabelecimento de prazos para o voting trust, que cons-
titui uma modalidade de procuração irrevogável, mediante a qual di-
versos acionistas, usualmente de companhias fechadas, confiam suas
ações e respectivos direitos de voto para um trustee, que com elas vota
em bloco, de acordo com as instruções dos acionistas1542-1543.

1540 Model Business Corporation Act, § 7.30. O Código Penal, no art. 177, § 2 o , dispõe que
"incorre na pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, o acionista que,
a fim de obter vantagem para si ou para outrem, negocia o voto nas deliberações de
assembleia geral". D a mesma forma, a lei societária de Nova Iorque proíbe a venda de votos
(N.Y. Bus. Corp Law 609 (e)).
1541 F R A N K H. E A S T E R B R O O L and D A N I E L R. FISHEL. The Economic Slructure of Corporate
Law ..., p. 74.
1542 A Lei de Delaware, por exemplo, estabelece o prazo máximo de 10 (dez) anos {§ 218).
1543 F R A N K H. E A S T E R B R O O K and DANIEL R. FISHEL. The Economic Structure of Corporate
Law ..., p. 65.
A Lei das S.A. expressamente admite que os acionistas nomeiem
procuradores, acionistas ou não, para exercerem, em seu nome, o direito
de voto. No entanto, o procurador deverá ser, obrigatoriamente,
acionista, administrador da companhia ou advogado; nas companhias
abertas o procurador poderá ser instituição financeira (artigo 126, §
I o ). Nessa hipótese não há cessão, mas mera representação para o
exercício do direito de voto.
Ademais, de acordo com o § I o , o estatuto pode estabelecer limi-
tação ao número máximo de votos de cada acionista. Visa o dispositi-
vo a instituir procedimento altamente benéfico para as minorias
acionárias, minimizando o poder do bloco de controle e incentivando
a "pulverização" de ações, o que é salutar nas companhias abertas1544.
Não consta da Lei das S.A. o tipo de limite de votos que pode
ser estabelecido no estatuto. As modalidades mais utilizadas são:
(i) número absoluto de votos que podem ser manifestados por cada
acionista; (ii) número de ações determinado pelo respectivo valor
nominal, ou por determinada porcentagem do valor do capital so-
cial; (iii) porcentagem do número total de ações votantes da com-
panhia ou das ações votantes cujos titulares estejam presentes ou
representados na assembleia; e (iv) relação decrescente com o nú-
mero de ações de que o acionista é titular1545.

1 544 A limitação ao número de votos de cada acionista foi introduzida no estatuto de algumas
companhias abertas brasileiras que pulverizaram o seu controle acionário, tais como a
Embraer - Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (Ver art. 4 o , III, letra "a", do Estatuto Social,
disponível em: <http://www.embraer.com.br> e lojas Renner S.A. (ver art. 10, § 3°, do
Estatuto Social, disponível em <http://www.lojasrenner.com.br/ri>. Sobre esse assunto, ver
N E L S O N E I Z I R I K , A R I Á D N A B. G A A L , F L Á V I A P A R E N T E e M A R C U S DE FREITAS
HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2a edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 380-383; LUIZA RANGEL DE MORAES, "A Pulverização do Controle Acionário",
Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribu-
nais, V. 32, abril-junho, 2006, p. 49-84. A BM&FBovespa também inseriu em seu estatuto
social cláusula regulando a limitação do exercício do direito de voto (ver art. 7° do Estatuto
Social, disponível em: <http://www.bmfbovespa.com.br/ri>).
1 545 JOSÉ L U I Z BULHÕES PEDREIRA, "Limite Estatutário do Direito de Voto". In: Alfredo Lamy
Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração,
aplicação)..., v. 2, p. 75.
Vale ressaltar que, face ao disposto no § I o do artigo 109, a
limitação ao número de votos de cada acionista não pode ser apli-
cada apenas a determinados acionistas, mas a todos os titulares de
ações da mesma classe.

Ações preferenciais
"Art. 1 1 1 . 0 estatuto poderá deixar de conferir às ações preferen-
ciais algum ou alguns dos direitos reconhecidos às ações ordiná-
rias, inclusive o de voto, ou conferi-lo com restrições, observado
o disposto no artigo 109.

§ I o A s ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exer-


cício desse direito se a companhia, pelo prazo previsto no estatu-
to, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos, deixar de pagar
os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que con-
servarão até o pagamento, se tais dividendos não forem cumula-
tivos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso.

§ 2 o N a mesmahipótese e sob a mesma condição do § I o , as ações


preferenciais com direito devoto restrito terão suspensas as limi-
tações ao exercício desse direito.

§ 3 o O estatuto poderá estipular que o disposto nos §§ I o e 2 o


vigorará a partir do término da implantação do empreendimento
inicial da companhia."

O artigo 109 disciplina os direitos essenciais e inderrogáveis dos


acionistas, dos quais eles não podem ser privados, nem por delibera-
ção da assembleia geral nem por disposição estatutária. O direito de
voto não está incluído entre os direitos essenciais do acionista, uma
vez que a Lei das S.A. expressamente autoriza que determinado per-
centual do capital social seja representado por ações preferenciais,
sem direito de voto ou com voto restrito (artigo 15, § 2 o ).
As ações preferenciais, que podem ser privadas do direito devoto,
conferem aos seus titulares, em contrapartida, além dos direitos es-
senciais dos acionistas, vantagens patrimoniais e preferências especiais
com relação às ações ordinárias. Não pode existir ação preferencial
sem direito de voto caso não se lhe atribua um privilégio econômico,
na repartição dos lucros ou no reembolso de capital1546-1547.
A Lei das S.A. repetiu o preceito do artigo 81 do Decreto-Lei
n° 2.627/1940, ao dispor que o estatuto pode deixar de conferir às
ações preferenciais algum ou alguns dos direitos reconhecidos às ações
ordinárias. Assim, as restrições estatutárias podem versar não apenas
sobre o direito de voto, mas também sobre outros direitos assegura-
dos às ações ordinárias, desde que não alcancem quaisquer daqueles
considerados essenciais pelo artigo 109. Pode o estatuto social, por
exemplo, conferir às ações ordinárias, ou a uma classe delas, se a com-
panhia for fechada, o direito de seu titular' de resgatá-las1548, sem que
idêntico direito seja estendido aos titulares de ações preferenciais. Pode
também ser emitida ação ordinária com previsão de amortização, sem
que os titulares de ações preferenciais tenham o mesmo direito.
A negação ou restrição ao direito de voto às ações preferenciais
depende de previsão estatutária clara e expressa, uma vez que, em
princípio, todas as ações têm direito de voto1549. Na omissão do es-
tatuto, os titulares de ações preferenciais gozam integralmente do
direito de voto, sem nenhuma restrição.
O voto pode ser negado ou restringido aos preferencialistas. Na pri-
meira hipótese, os titulares de ações preferenciais não têm o direito de

1546 Ver os comentários ao art. 17 da Lei das S.A.


1547 Sobre esse assunto, ver NELSON EIZIRIK, "Ações Preferenciais. Não Pagamento de Dividendos.
Aquisição do Direito de Voto", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financei-
ro. São Paulo: Ed. Malheiros, v. 146, abril-junho, 2007, p. 23-29; ALFREDO LAMY FILHO,
"Vantagem Patrimonial da Ação Preferencial". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões
Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação), v. 2, 2'" edição, Rio de
laneiro: Renovar, 1996, p. 148; PHILOMENO J. DA COSTA, "Direito de Acionista Preferenci-
al", Revista dos Tribunais. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 478, agosto, 1975, p. 39
1548 Ver os comentários ao art. 44 da Lei das S.A.
1549 Sobre esse assunto, ver os comentários ao art. 19 da Lei das S.A.
voto, exceto nos casos expressamente previstos na Lei das S.A., como
ocorre, por exemplo, na eleição de membros do conselho fiscal (artigo
161, § 4o) ou do conselho de administração (artigo 141, §§ 4o e 5o).
A cláusula estatutária não pode dar margem a dúvidas: havendo
obscuridade de redação, presume-se que os titulares de ações preferen-
ciais gozam do direito de voto da mesma forma que os titulares de
ações ordinárias.
A restrição ao direito de voto deve alcançar hipóteses expressa-
mente definidas, como é o caso de determinadas matérias submeti-
das à deliberação assemblear (reorganização societária, emissão de
debêntures ou de commercialpapers, por exemplo)1550. Tratando-se de
regra limitativa de direitos, deve ser interpretada restritivamente. Com
relação a todas as demais hipóteses, os preferencialistas têm o direito
de voto, em igualdade de condições com os ordinaristas.
Não se confunde a restrição ao direito de voto com a limitação
ao número de votos, prevista no artigo 110, uma vez que a primeira
existe ratione materiae enquanto que a segunda constitui restrição
ratio personaelssl.
O § I o prevê que, não sendo conferida, durante determinado perío-
do, a vantagem patrimonial estatutariamente assegurada aos titulares
de ações preferenciais com prioridade no recebimento de dividendos
fixos ou mínimos, adquirirão eles o direito de voto. O Decreto-Lei

1550 D e acordo com o item 4.1, inciso (vi), do Regulamento de Práticas Diferenciadas de
G o v e r n a n ç a C o r p o r a t i v a N í v e l 2 d a B M & F B o v e s p a , d i s p o n í v e l em: chttp://
www.bovespa.com.br/ri>, as companhias abertas listadas nesse segmento que tiverem emi-
tido ações preferenciais devem conferir direito de voto a essas espécies de ações, no mínimo,
nas seguintes hipóteses: (i) transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia; (ii)
aprovação de contratos entre a companhia e o acionista controlador, diretamente ou por
meio de terceiros, assim como de outras sociedades nas quais o acionista controlador tenha
interesse, sempre que, por força de disposição legal ou estatutária, sejam deliberados em
assembleia geral; (iii) avaliação de bens destinados à integralização de aumento de capital
da companhia; (iv) escolha de empresa especializada para determinação do valor econômi-
co da companhia; e (v) alteração ou revogação de dispositivos estatutários que alterem ou
modifiquem quaisquer das exigências previstas no item 4.1 do Regulamento.
1551 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2, 4 a edição,
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 413.
n° 2.627/1940 dispunha que as ações preferenciais adquiririam o direi-
to de voto quando deixassem de ser pagos os dividendos fixos1552, não
mencionando os dividendos mínimos, que foram introduzidos em nosso
ordenamento jurídico com a promulgação da Lei das S.A.
Este dispositivo justifica-se na medida em que, não se concreti-
zando a vantagem econômica que deveria ser auferida pelos titulares
de ações preferenciais, não mais cabe a restrição política a que esta-
vam submetidos. Assim, aqueles acionistas que foram privados do
direito de voto poderão participar ativamente nas deliberações sociais
e nos esforços para a recuperação financeira da companhia.
Qual o fundamento econômico da norma?1553 Para a teoria do
mercado perfeito, o pagamento de dividendos não afeta o valor da
empresa, cujas ações são negociadas no mercado, que é determina-
do pela política de investimentos, devendo ser pagos dividendos
quando não existe a alternativa de reinvestimento nos negócios so-
ciais. Quando os lucros são reinvestidos, as ações valorizam-se no
mercado. O importante não é o pagamento de dividendos, mas sim
a política de investimentos da companhia1554.
Já para a teoria do mercado imperfeito1555, o valor da ação fundamen-
ta-se, basicamente, nas expectativas futuras de pagamento de dividendos,
que refletem a operação da empresa. Ademais, os acionistas podem não
confiar na administração da companhia, preferindo receber os dividendos
a delegar aos administradores a política de reinvestimento dos lucros1356.
A Lei das S.A. adota posição semelhante à da teoria do mercado
imperfeito, condicionando a restrição ao direito de voto ao pagamento

1552 Art. 81 do Decrelo-Lei n° 2.627/1940.


1553 Ver os comentários ao art. 17 da Lei das S.A.
1554 M. H. MILLER and F. M. M O D I G L I A N I , "Dividend Policy, Crowth and the Valuation of
Shares", Journal of Business, v. 34, Oclober, 1961, p. 411.
1555 M. J. G O R D O N , "Dividends, Earnings and Stock Prices", Review of Economics and Statistics.
Cambridge: Harvard University, v. 41, May, 1959, p. 99.
1556 A N T O N I O FREITAS, "A Política de Dividendos e o Valor das Ações", Revista. Informe
SENN. n° 20, novembro-dezembro,1993, p. 8.
de dividendos, e não à valorização das ações no mercado, decorrente
do reinvestimento dos lucros. No caso das ações preferenciais sem
direito de voto, há, do ponto de vista econômico, um "contrato" entre
seu titular e os administradores e/ou acionistas controladores, medi-
ante o qual o primeiro delega os mais amplos poderes de gestão, desde
que receba os dividendos previstos. Caso não haja o pagamento de
dividendos fixos ou mínimos, pelo prazo previsto no estatuto, não su-
perior a 3 (três) exercícios consecutivos, seja pela inexistência de lu-
cros, ou pela decisão de reinvesti-los, cessa automaticamente a delegação,
recuperando os acionistas o seu direito de voto1557.
Como se depreende do texto legal, somente adquirem o direito
de voto os titulares de ações preferenciais cujas vantagens patrimo-
niais consistam em prioridade no recebimento de dividendos fixos
ou mínimos1558-1559(pses-}. Qualquer outra interpretação, estendendo

1557 Sobre esse assunto, ver as seguintes decisões: (i) da 3 a Câmara do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, nos autos da Apelação Cfvel n° 277.760-4/9-00, Rei. Des. Alfredo
Migliore, j. em 31.08.2004; (ii) da 4 a Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferida nos
autos do Recurso Especial n° 267.256-BA, Rei. Min. César Asfor Rocha, j. em 21.08.2001,
publicada no D J U em 05.11.2001; (iii) da 5 a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro, proferida nos autos da Apelação Cível n° 1.250/97 (Proc.0000349-
09.1997.8.19.0000), Rei. Des. Carlos Ferrari, j. em 11.11.1997, publicada no D O R J em
21.11.1997; (iv) da 4 a Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferida nos autos do Recurso
Especial n° 137.339-SP, Rei. Min. Barras Monteiro, j. em 02.10.2003, publicada no DJU em
15.12.2003; (v) da 3 a Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São fàulo, proferida nos
autos da Apelação Cível n° 242.840-4/3-00, Rei. Des. Alfredo Migliore, j. em 31.08.2004.
Em sentido contrário, ver a decisão da 3 a Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferida nos
autos da Medida Cautelar n° 3.623-RJ, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 12.06.2001, publicada
no DJU em 10.09.2001 (In: N E L S O N EIZIRIK. Sociedades Anônimas - Jurisprudência, v. I, l.
III, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 184; 580; 1191; 1195; 1.200; e 1.215).

1558 Esse é o entendimento da C V M , conforme Parecer de sua Procuradoria Jurídica, cuja


ementa está assim redigida: "Onde o legislador distinguiu, não cabe ao intérprete unificar
os significados. O conceito de dividendo obrigatório e mínimo são distintos. Assim, o § 1
do art. 111 da Lei de Sociedades por Ações só é aplicável às ações preferenciais cuja classe
admita o pagamento prioritário de dividendos fixos ou mínimos". Tal entendimento foi
seguido pelo Colegiado da C V M , Ata da Reunião do Colegiado n° 14 de 17.04.2003,
"Aquisição de Direito de Voto de Ações Preferenciais cuja Vantagem seja a Prioridade no
Reembolso do Capital", Rei. Luiz Antonio de Sampaio Campos, j. em 08.01.2003. O
Relator do Processo, Diretor Luiz Antonio de Sampaio Campos, em fundamentado voto,
concluiu que, por falta de disposição legal, a proteção do § 1 o do art. 111 não se aplica às
ações preferenciais que não detenham dividendo fixo ou mínimo como vantagem. Nesse
sentido também se manifestou o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso
Especial n° 818.506-SP, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 17.12.2009, publicado no DJU
de 17.03.2010. No mesmo sentido, P A U L O A F O N S O DE SAMPAIO AMARAL. S/A - Como
tal medida protetiva às ações preferenciais sem dividendo frxo ou mí-
nimo seria contra legem. De acordo com a boa hermenêutica jurídica,
devem-se compreender as palavras da lei como tendo alguma eficácia
(verba cum e f f e c t u , sunt accipienda), visto que, em princípio, não exis-
tem palavras inúteis no texto legal. Assim, não cabe ao intérprete
ignorar os termos empregados pelo legislador, especialmente quando
utilizados em seu sentido técnico-jurídico, como ocorre com o § I o .
O legislador especificou no § I o apenas 2 (duas) dentre as diferen-
tes modalidades de vantagens patrimoniais que a Lei das S.A. admitiu
sejam conferidas às ações preferenciais. Caso fosse intenção do legisla-
dor conferir a todas as ações preferenciais a possibilidade de adquirir o
exercício desse direito não teria ele mencionado expressamente qual-
quer vantagem, permitindo, assim, ao intérprete legitimamente con-
cluir que todas as modalidades de privilégios estariam ali incluídas.
Corroborando tal entendimento, cumpre ainda mencionar as 2
(duas) reformas a que a Lei das S.A. foi submetida após ter entrado
em vigor. A primeira, implementada com base na Lei n° 9.457/1997,
criou o dividendo majorado de 10% (dez por cento) em relação às
ações ordinárias, o qual deveria ser conferido a todas as ações prefe-
renciais sem direito de voto que tivessem como único privilégio a

Era, como Ficou Após a Lei n° 9.457/97. São Raulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 48-49; LUIZ
L E O N A R D O C A N T I D I A N O , "A Reforma da Lei das Sociedades por Ações", Revista Forense.
São Raulo: Ed. Forense, v. 340, outubro-dezembro, 1997, p 134; FÁBIO U L H O A COELHO.
Curso de Direito Comercial, v. 2, 6 a edição, São Fíaulo: Saraiva, 2003, p. 103; LESLIE
AMENDOLARA. Os Direitos dos Acionistas Minoritários. São Raulo: STS, 1998, p. 55.
1 559 Em sentido contrário, A L F R E D O L A M Y F I L H O . Temas de S.A. Rio de Janeiro: Renovar,
2007, p. 317-319; J O R G E L O B O , " D o Exercício do Direito d e V o t o das Ações Prefe-
renciais com Dividendo Diferenciado", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econô-
mico e Financeiro. São Paulo: Ed. Malheiros, v. 133, janeiro-março, 2004, p. 77-SO;
A R N O L D O W A L D , "Do Direito d e V o t o dos Titulares de Ações Preferenciais Após o
Decurso de Três Exercícios sem Pagamento de Dividendos", Revista dos Tribunais. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 634, agosto, 1988, p. 10. Este autor manifestou
novamente a sua opinião em artigo denominado " D a Aquisição do Direito de Voto
pelas Ações Preferenciais por Falta de Pagamento dos Dividendos, Interpretação do
art. 111 e seu § I o da Lei 6.404/76", Revista de Direito Bancário, do Mercado de
Capitais e da Arbitragem. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 12, abril-junho,
2001, p. 41-42.
prioridade no reembolso do capital em caso de liquidação da compa-
nhia. Ao criar esta nova modalidade de vantagem patrimonial, o
legislador não a incluiu no texto do § I o , o que reforça a interpreta-
ção de que não teve a intenção de conferir às ações preferenciais
com dividendo majorado a possibilidade de adquirirem o direito de
voto no caso da não distribuição de lucros por prazo determinado
no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos.
Durante a tramitação do anteprojeto que resultou na segunda re-
forma da Lei das S.A. (Lei n° 10.303/2001), foi amplamente discutida
a possibilidade de se incluir no texto do § I o os titulares de ações prefe-
renciais com vantagens não consistentes em prioridade no recebimen-
to de dividendos fixos ou mínimos. O Deputado Emerson Kapaz, ao
relatar o substitutivo ao Projeto de Lei n° 3.115/1997, de autoria do
Deputado Luiz Carlos Hauly, propôs que o § I o passasse a ser aplicável
no caso de não pagamento de quaisquer dividendos às ações preferen-
ciais. No entanto, o referido substitutivo recebeu emendas visando a
suprimir a alteração proposta pelo Relator, a qual foi aceita por ele, con-
cluindo que "a obtenção de voto quando não houver distribuição de divi-
dendos só deve ser permitida às ações com dividendo fixo ou mínimo"15®.
A única interpretação possível do § I o é a de que os acionistas
titulares de ações preferenciais sem direito de voto, cuja vantagem
patrimonial não consiste no recebimento de dividendos fixos ou
mínimos, não adquirirão o direito de voto no caso de ficarem sem
receber dividendos por 3 (três) exercícios consecutivos.
Os titulares de ações preferenciais que tenham como vantagem
patrimonial a prioridade no reembolso do capital em caso de liquidação
da companhia, ou o direito ao recebimento do dividendo majorado1561,

1560 O Projeto de Lei n° 3.488/2008, de autoria do Deputado Leandro Sampaio, que tratava
especificamente da alteração do § I o do art. 111 da Lei das S.A., com o fim de eliminar da
redação original a expressão "dividendos fixos ou mínimos", foi vetado pelo Relator do
processo, Deputado Guilherme Campos, na Câmara dos Deputados.
não adquirirão o direito de voto, ainda que a companhia passe mais de
3 (três) exercícios sociais sem distribuir dividendos.
Caso a companhia regule em seu estatuto o direito ao recebi-
mento do dividendo obrigatório (artigo 202), que não se confunde
com o dividendo prioritário - fixo ou mínimo - , o seu não pagamento
por mais de 3 (três) exercícios igualmente não acarretará a aplicação
do § I o . Com efeito, o dividendo obrigatório não é equivalente ao
dividendo prioritário previsto no artigo 17, pois constitui um direito
assegurado a todas as espécies de ações, não podendo ser considera-
do, portanto, um privilégio das ações preferenciais.
É perfeitamente possível, assim, que numa mesma companhia,
algumas classes de ações preferenciais adquiram o direito de voto,
outras não. Por exemplo, a companhia X emite ações preferenciais de
3 (três) classes: A com direito a dividendo fixo de 8% (oito por cento)
sobre o valor do capital; B com direito ao dividendo mínimo de 3%
(três por cento) sobre o patrimônio líquido; e C com direito ao divi-
dendo majorado. Caso a companhia passe mais de 3 (três) exercícios
sem pagar quaisquer dividendos, adquirirão o direito de voto os titula-
res das preferenciais A e B, que têm direito a dividendos fixos e míni-
mos, respectivamente, mas não os da classe C, que não os têm.
Com relação ao prazo para a aquisição do direito de voto, a Lei
das S.A. é clara no sentido de que o estatuto poderá estabelecer o
prazo máximo de 3 (três) exercícios consecutivos. Norma estatutária
que eventualmente estabeleça prazo superior é inteiramente ineficaz,
por contrária a disposição legal expressa.
Como o direito de voto faz parte das prerrogativas de todos os
acionistas, a negação ou a restrição ao seu exercício deve ser objeto de
normas estatutárias claras e inequívocas. Assim, o estatuto deve ser
expresso a respeito do prazo, seguindo o máximo previsto na Lei das
S.A. ou estabelecendo um prazo menor. Na omissão do estatuto, ca-
racterizado o fato gerador da aquisição do direito ao voto - a não
distribuição de dividendos fixos ou mínimos o acionista pode
exercê-lo de imediato . Com efeito, a norma do § I o , no que se
1562

refere ao prazo, não é supletiva, ou de tolerância, mas restritiva ao


estabelecer que é limitada a discricionariedade da companhia na
fixação estatutária do período máximo de tempo.
A Lei das S.A. menciona o prazo estatutário máximo de 3 (três)
anos sem pagamento de dividendo fixo ou mínimo. Dúvidas podem even-
tualmente surgir com relação aos dividendos intercalares e intermediários,
havendo respeitável entendimento no sentido de que o prazo aquisitivo
do direito de voto será contado a partir da sua não distribuição1563.
A Lei das S.A. prevê a possibilidade de distribuição de dividen-
dos em periodicidade semestral ou menor, com base em balanços le-
vantados nos respectivos períodos (artigo 204). Embora mencione
apenas os dividendos intermediários, entende-se que o artigo 204 tam-
bém refere-se aos dividendos intercalares. No primeiro caso, existe
prévia aprovação do balanço pela assembleia geral, enquanto que, no
segundo, tal aprovação prévia não é exigida1564.
O dividendo intermediário não constitui mera antecipação do
dividendo anual; uma vez distribuído torna-se definitivo, não estando
sujeito a nenhuma confirmação no balanço anual.

1562 No mesmo sentido, M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anôni-


mas..., v. 2, p. 417; P H I L O M E N O J. D A C O S T A , "Direito de Acionista Preferencial", Revista
dos Tribunais..., v. 478, p. 37-42; C A R L O S A U G U S T O D A SILVEIRA L O B O , "Aquisição do
Exercício do Direito de Voto pelas Ações Preferenciais (Omissão do Estatuto Social Quanto
ao Prazo Previsto no § I o do Artigo 111 da Lei n° 6.404/76)", Revista de Direito Renovar.
Rio de Janeiro: Ed. Renovar, v. 16, janeiro-abril, 2000, p. 81-88; J O S É E D W A L D O TAVARES
B O R B A . Direito Societário. 11 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 340; F R A N
MARTINS. Novos Estudos de Direito Societário: Sociedades Anônimas e Sociedades por
Quotas. São Raulo: Saraiva, 1988, p. 85-95; A R N O L D O W A L D , " D a Aquisição do Direito
de Voto pelas Ações Preferenciais por Falta de Pagamento dos Dividendos, Interpretação
do Art. 111 e seu § 1 o da Lei 6.404/76", Revista de Direito Bancário, do Mercado de
Capitais e da Arbitragem v. 12, p. 41; L U I Z L E O N A R D O C A N T I D I A N O , "A Reforma da
Lei das Sociedades por Ações", Revista Forense..., v. 340, p. 137. A Superintendência
Jurídica da C V M também se manifestou nesse sentido, conforme se pode verificar no
Parecer CVM/SJU n° 129/1983.
1563 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas..., v. 2, p. 415.
Outra característica essencial dos dividendos intermediários consis-
te no fato de serem eles mera faculdade atribuída pelo estatuto à admi-
nistração, a qual pode deliberar ou não a sua distribuição. Isso significa
que os órgãos de administração podem, a seu exclusivo critério, distribuir
os dividendos intermediários. Cabe aos administradores avaliar, em cada
situação específica, a oportunidade e conveniência de distribuí-los, ao
contrário do que ocorre com os dividendos anuais. Dessa forma, não
podem os acionistas exigir a distribuição dos dividendos intermediários,
sem que dita distribuição seja deliberada pelos órgãos de administração.
O fato de o estatuto conter uma autorização genérica para a distribuição
do dividendo intermediário não o torna exigível, uma vez que não se trata
de obrigação, mas de mera faculdade da administração1565.
Como os dividendos intermediários estatutariamente previstos
não são exigíveis, a sua não distribuição não constitui fato gerador
da aquisição do direito de voto.
O fato gerador da aquisição do direito de voto é a declaração do
não pagamento do dividendo fixo ou mínimo pela assembleia ou a
verificação da inexistência de lucros a serem distribuídos, o que ocor-
rer antes. Também constitui fato gerador o não pagamento dentro do
prazo legal (60 dias após a declaração, ou outro prazo que venha a ser
fixado pela assembleia geral, sempre dentro do exercício social)1566.
A Lei das S.A. não estabelece nenhuma formalidade para a aqui-
sição do direito de voto por parte dos preferencialistas, muito menos a
necessidade de ser declarada essa aquisição pela companhia, ou por
seus órgãos de administração. Assim, o preferencialista adquire, auto-
maticamente, o direito de voto na hipótese prevista na Lei das S.A.
Tratando-se de companhia aberta, deverá ser divulgada informação
ao mercado, por constituir fato relevante1567.

1565 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 276-277.
1566 Ver os comentários ao art. 205 da Lei das S.A.
1567 Art. 2 o da Instrução CVM n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instruções
C V M n " 369/2002 e 449/2007.
O direito de voto é temporário, persistindo até o pagamento dos
dividendos fixos ou mínimos devidos ou, se forem cumulativos, até o seu
pagamento junto com os cumulativos em atraso. Embora temporário, o
direito de voto é pleno, não se aceitando qualquer tratamento discrimi-
natório com relação aos titulares das ações preferenciais votantes1568-1569.
Uma vez pagos os dividendos devidos cessa automaticamen-
te o direito de voto, sem a necessidade de atender-se a qualquer
formalidade. Tanto a aquisição como a cessação do direito de voto
decorrem da Lei das S.A., não de qualquer ato jurídico praticado
pelo acionista ou pela companhia.
A aquisição e a cessação do direito de voto pleno às ações
preferenciais com voto restrito obedecem em todos os seus aspec-
tos aos mesmos princípios aplicáveis às ações preferenciais sem
direito de voto, nos termos do § 2 o .
O § 3 o , por sua vez, prevê uma possibilidade de grande relevância
prática para projetos de maior vulto, que, por suas características, de-
mandam investimentos cujo retorno não ocorrerá no curto prazo, tor-
nando impossível, pois, o pagamento de dividendos: a de dispor o
estatuto que o prazo de 3 (três) anos somente passará a contar a partir
do término da implantação do empreendimento inicial da companhia.
Tal alternativa, por obrigar a todos os acionistas, confere maior
segurança do que aquela, muitas vezes utilizada, de se estabelecer em
acordo de acionistas que as partes somente aprovarão a distribuição
de dividendos após o término da implantação do empreendimento.
E conveniente que o estatuto estabeleça, com razoável precisão, a
data ou o exercício em que terminará a implantação do empreendimento

1568 D a í decorre a ilegalidade da norma contida no art. 29 da Instrução C V M n° 361/2002, com


as alterações introduzidas pela Instrução C V M n° 487/2010, que exclui da Oferta Pública
de Aquisição (art. 2 5 4 - A ) as ações preferenciais que adquiriram o direito de voto nos
termos do § I o do art. 111 da Lei das S.A.
1569 Ver os comentários ao art. 254-A da Lei das S.A. Ver, também, N E L S O N EIZIRIK. Temas de
Direito Societário..., p. 244.
inicial da companhia, para que eventuais manobras protelatórias do acio-
nista controlador e da administração não fraudem o disposto no § I o .
Não exercício de voto pelas ações ao portador
"Art. 112. Somente os titulares de ações nominativas, endossáveis
e escriturais poderão exercer o direito de voto.

Parágrafo único. Os titulares de ações preferenciais ao portador


que adquirirem direito de voto de acordo com o disposto nos §§
I o e 2 o do artigo 111, e enquanto dele gozarem, poderão conver-
ter as ações em nominativas ou endossáveis, independentemente
de autorização estatutária."

A Lei n° 8.021/1990, em seu artigo 2 o , inciso II, visando a com-


bater a evasão fiscal, vedou a emissão de títulos e a captação de depó-
sitos ou aplicações ao portador ou nominativo-endossáveis15/0-1:,7:1.
Assim, o artigo 20 da Lei das S.A., que admitia a emissão de ações
nominativas, endossáveis ou ao portador, passou a permitir apenas a
emissão de ações nominativas1572.
O artigo 112 está revogado por ser inteiramente incompatível
com o novo regime instituído pela Lei n° 8.021/1990, que proibiu a
emissão de todos e quaisquer títulos ao portador.
No atual sistema societário, admitem-se apenas ações nominativas,
seja sob a forma registrada ou escriturai1573.

1570 O art. 5 o da Lei n° 8.021/1990 estabeleceu um prazo de 2 (dois) anos para que as
companhias adaptassem seus estatutos de forma a deles conslar apenas referência às ações
nominativas.
1 571 O Código Civil, nos arts. 904 e seguintes, regula os títulos ao portador, no entanto, no art.
903 ressalva os títulos regidos por lei especial, como ê o caso das ações, que somente
podem ser emitidas na forma nominativa.
1572 O art. 4o da Lei n° 8.021/1990 deu nova redação ao art. 20 da Lei das S.A., determinando
que "as ações devem ser nominativas".
As antigas ações ao portador, que não foram convertidas em
nominativas e enquanto não o forem, permanecem impedidas de
exercer quaisquer direitos perante a companhia.

Voto das ações empenhadas e alienadas fiduciariamente


"Art. 113. O penhor da ação não impede o acionista de exercer
o direito de voto; será lícito, todavia, estabelecer, no contrato,
que o acionista não poderá, sem o consentimento do credor
pignoratício, votar em certas deliberações.

Parágrafo único. O credor garantido por alienação fiduciária da


ação não poderá exercer o direito de voto; o devedor somente
poderá exercê-lo nos termos do contrato."

As ações das sociedades anônimas, como valores mobiliários1574,


são bens móveis e podem ser objeto de relações jurídicas diversas,
inclusive decorrentes da constituição de direitos reais sobre elas1575.
A Lei das S.A. reproduziu o disposto no artigo 83 do Decreto-
-Lei n° 2.627/1940, acrescentando apenas a disciplina da garantia
por alienação fiduciária, inexistente à época.

1574 A r t 2°, inciso I, da Lei n° 6.385/1976, c o m a redação dada pela Lei n° 10.303/2001.
1575 Há, na doutrina, discussão sobre a natureza das ações escriturais, pois alguns autores não as
consideram como bens móveis. M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Socieda-
des Anônimas, v. 1, 5 a edição, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 350, sustenta que "apesar da
natureza incorpórea, as ações escriturais - por criação legal (arts. 39 e 40) - podem ser objeto
de negócios cuja essência é a mobilidade do bem, como penhor e alienação fiduciária em
garantia."; E C B E R T O L A C E R D A TEIXEIRA e J O S É A L E X A N D R E TAVARES GUERREIRO. Das
Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 225,
entendem que "as ações (com exceção das ações escriturais) integram a categoria dos bens
móveis, sujeitando-se a disciplina do direito das coisas."; O S M A R BRINA C O R R Ê A LIMA, " O
Penhor de A ç õ e s de Companhias e a Bonificação de Ações", Revista dos Tribunais. São
Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 624, outubro, 1987, p. 262, fazendo referência a Caio
Mario da Silva Pereira, conclui que todas as ações, inclusive as escriturais, "são bens móveis
imateriais, enquadráveis naquela categoria prevista no art 48, II, do CC, segundo o qual são
considerados móveis 'os direitos de obrigação e as ações respectivas', já os certificados de
propriedade de ações são considerados coisas móveis. Nessa perspectiva, poderíamos concluir
que as ações escriturais, por não se fazerem representar por certificados, são bens móveis, mas
não são coisas móveis."
O penhor constitui-se pela transferência efetiva da posse de coisa
móvel, suscetível de alienação, que o devedor faz ao credor, em garantia
de seu débito1576. O que distingue o penhor civil do mercantil é a natu-
reza da obrigação a que o objeto do penhor serve de garantia, não ha-
vendo, além disso, diferenças relevantes entre as 2 (duas) modalidades1577.
O instrumento de penhor deve ser levado a registro e qualquer
um dos contratantes pode fazê-lo. O penhor ou caução de ações, para
ser eficaz perante a companhia, deve ser averbado no "Livro de Re-
gistros de Ações Nominativas" (artigo 100, inciso I, alínea T'); no
caso das ações escriturais, constitui-se pela averbação do respectivo
instrumento nos livros da instituição financeira, a qual será anotada
no extrato da conta de depósito fornecido ao acionista (artigo 39).
Este artigo declara que o penhor da ação não impede o acionista
de exercer o direito de voto. O direito de voto não constitui um dos
direitos essenciais do acionista1578. Com efeito, o estatuto pode limi-
tá-lo ou mesmo suprimi-lo. Não admitindo, em regra, a dissociação
entre o direito de voto e a ação (exceto no caso dos acordos de voto e
do usufruto de ações)1579, a Lei das S.A. estabelece o princípio de que
a propriedade da ação é requisito para o exercício do direito de voto.
Esta é a razão pela qual, no caso do penhor, o exercício do di-
reito de voto cabe, em princípio, ao devedor pignoratício1580. O di-
reito de voto continua, portanto, a ser de titularidade do proprietário
da ação empenhada, não operando o penhor a sua transferência para
o credor pignoratício. Isso ocorre porque a Lei das S.A. não reco-
nhece no penhor de ações uma alienação.

1576 Art. 1.431 do Código Civil.


1577 OSMAR BRINA C O R R Ê A LIMA, " O Penhor de Ações de Companhias e a Bonificação de
Ações", Revista dos Tribunais..., v. 624, p. 263.
1 578 Ver os comentários ao art. 110 da Lei das S.A.
1579 Sobre o direito de voto no usufruto, ver os comentários ao art. 114 da Lei das S.A.
1580 L U I Z G A S T Ã O PAES DE B A R R O S LEAES, " O Direito de Voto de Ações Gravadas com
Usufruto Vidual". In: Pareceres. v. II, São Paulo: Editora Singular, 2004, p. 1.362.
Nada impede, porém, que as partes convencionem legitimamente
que o acionista não poderá votar em determinadas matérias sem o con-
sentimento do credor pignoratício. O direito de voto continua a ser do
proprietário da ação, não produzindo cláusula de tal natureza sua trans-
ferência para o credor. Trata-se de convenção que submete o exercício
do voto, em determinadas matérias, ao prévio consentimento do cre-
dor. Visa a norma constante deste artigo a permitir que seja dada mais
eficácia à garantia, impedindo o devedor de exercer o direito de voto de
forma que opere o seu desfalque ou enfraquecimento.
Ainda que o acionista não vote em conformidade com o que
ficou acordado com o credor, a ele é facultado o direito de comparecer
à assembleia geral e discutir a matéria submetida à deliberação1581.
Como o voto deve ser sempre exercido tendo em vista o interesse
social, que é definido pelos acionistas (e não pelos seus credores), a vali-
dade das cláusulas que exigem o consentimento prévio do credor está
condicionada aos objetivos de sua instituição: não permitir o desfalque
da garantia1582-1583. Ou seja, o acordo feito com o credor pignoratício não

1581 T R A J A N O D E M I R A N D A V A L V E R D E . Sociedades por Ações. v. II, 2 a edição, Rio de Janeiro:


Forense, 1953, p. 72.
1582 M A U R O B A R D A W I L P E N T E A D O . O Penhor de Ações no Direito Brasileiro. São Paulo:
Malheíros Editores, 2008, p. 172-174, observa que "(...) o legislador outorgou a possibili-
dade de o credor não consentir com a aprovação de certas matérias tendo por fundamento
o escopo de garantia, isto é, visando proteger a sua posição de credor. Portanto, e seguindo
as lições de Ciuseppe Ferri, o exercício desse poder pelo credor pignoratício deverá sempre
ser realizado com vistas ã realização desse fim de garantia, qual seja, conservação do valor
econômico do bem dado em segurança. (...) não pode o credor pignoratício não consentir
com a emissão do voto do acionista com o único objetivo de prejudicá-lo, pois nesse caso
estaria incorrendo naquilo que as doutrinas italiana e espanhola denominam de voto in
odium debitoris (com a ressalva de que no Brasil seria uma espécie de veto in odium
debitorisj. A emissão do consentimento pelo credor pignoratício deve ser realizada com
base em critérios objetivos e em função da finalidade correspondente à natureza do direito
real, sob pena de não-emíssão do consentimento ser considerada abusiva (...) responderá
o credor pignoratício por perdas e danos com base nos arts. 187 e 927 do Código Civil
(...)."
1583 Sobre esse assunto, F Á B I O K O N D E R C O M P A R A T O e C A L I X T O S A L O M Ã O FILHO. O Poder
de Controle na Sociedade Anônima. 4'1 edição, Rio de Janeiro: Forense, 2005, .p. 91,
observam que o credor pignoratício pode, "tal a extensão e o alcance das estipulações de
voto no contrato de caução, assumir uma posição predominante na sociedade, como
autêntico controlador. É mesmo possível que o crédito só lenha sido concedido em função
dessa caução das ações de controle, e na perspectiva de sua provável excussão, com o
pode abranger toda e qualquer matéria sujeita à deliberação da as-
sembleia geral, mas apenas as que são de seu interesse direto1584.
Somente as matérias que possam modificar o estado patrimonial
ou institucional da companhia é que podem ser objeto do consenti-
mento do credor, tais como: (i) alteração do dividendo; (ii) mudança
do objeto social; (iii) sua incorporação, fusão, cisão, dissolução, cessa-
ção do estado de liquidação, incorporação de suas ações; e (iv) aquelas
referentes à venda ou oneração de bens do patrimônio social e aquisi-
ção de bens ou realização de investimentos cujo valor possa pôr em
risco a situação financeira da companhia. Não se admite cláusula de
prévio consentimento do credor, por exemplo, na eleição dos mem-
bros do conselho de administração, da diretoria e do conselho fiscal,
bem como na assembleia anual de aprovação das contas1585.
Seria possível exigir-se o consentimento prévio do credor no
caso de aumento de capital? Trata-se de matéria de grande relevân-
cia prática, existindo entendimento doutrinário no sentido de que
tal cláusula não teria cabimento, por ter como objeto atos relativos à
expansão da companhia1586.

inadimplemento da obrigação garantida. Mesmo sem essa caução das ações de controle, os
maiores credores de uma sociedade em situação financeira difícil podem assumir o contro-
le de facto, impondo condições para a renovação de empréstimos ou a reforma de dívidas,
tais como a reorganização empresarial e o remanejamento da administração social."
1584 C A R L O S F U L G Ê N C I O D A C U N H A P E I X O T O . Sociedades por Ações. v. 2, São Raulo:
Saraiva, 1972, p. 367, observa que "estas convenções não só devem restringir aos interes-
ses diretos do credor, como se coadunar aos direitos da sociedade e não ofender os
impostergáveis do acionista." TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações...,
v. II, p. 72, entende que "é fora de dúvida, que não valeria a cláusula ou convenção, que
proibisse o acionista de votar nas deliberações da assembleia geral ordinária, sem o con-
sentimento do credor, ou que obrigasse o acionista a votar nesse ou naquele sentido, em
qualquer outra assembleia geral. Não valeria a proibição, no primeiro caso, porque, na
assembleia geral ordinária, os interesses sociais predominam sobre quaisquer outros. Não
valeria no segundo, porque a lei só permite cláusulas ou convenções, que discriminem as
matérias sobre as quais não poderá manifestar-se o acionista, pelo voto, sem prévio consen-
timento do credor."
1585 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v, 2, 4 a edição,
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 437.
1586 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas..., v. 2, p. 114.
O aumento de capital pode ocasionar a diluição, ainda que justi-
ficada, da participação do acionista que não subscreve as novas ações
emitidas15S7, ocasionando uma redução da garantia. Assim, em prin-
cípio, é lícita a exigência de prévio consentimento do credor para de-
liberação relativa a essa matéria. Na hipótese de sua eventual recusa,
esta deve ser fundamentada de modo a demonstrar que haverá dilui-
ção na participação do acionista devedor no patrimônio social com o
conseqüente desfalque na garantia de seu crédito.
O devedor - proprietário das ações - poderá, no instrumento de
constituição de penhor, acordar quais as matérias a serem deliberadas
em assembleia geral que necessitarão do consentimento do credor,
mas não poderá, nesse documento, outorgar procuração para que ele
vote nas assembleias gerais com as ações empenhadas. Nada impede,
no entanto, que a procuração seja outorgada ao credor caso a caso e
desde que contenha a expressa orientação de voto do devedor1588.
Ainda que a redação do parágrafo único não seja explícita, à
alienação fiduciária da ação aplicam-se rigorosamente os mesmos
princípios acima expostos. O devedor mantém o direito de voto e
pode haver no contrato previsão de consentimento do credor para
determinadas matérias. No silêncio do contrato, conserva o deve-
dor íntegro o seu direito de voto.

Voto das ações gravadas c o m usufruto

"Art. 1 1 4 . 0 direito de voto da ação gravada com usufruto, se


não for regulado no ato de constituição do gravame, somente

1587 Ver os comentários ao art. 170 da Lei das S.A.


1588 Sobre esse assunto, M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anôni-
mas..., v. 2, p. 435, observa que: "não pode o credor pignoratício ou proprietário fiduciário
votar em nome do acionista devedor, na qualidade de procurador deste. O impedimento e
absoluto, em face do manifesto conflito de interesses entre credor e devedor. Não pode,
portanto, o credor contornar o preceito proibitivo de voto de jure próprio, mediante o
expediente da obtenção de mandato do acionista devedor, para votar em nome deste."
Sustenta, ainda, este autor que "deve-se evitar que o controle da sociedade possa ser
empolgado pelos credores dos acionistas." Em sentido contrário, FRAN MARTINS. Comen-
tários à Lei de Sociedades Anônimas, v. II, Rio de Janeiro: Forense, 1978, v. 2, p. 69.
poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprie-
tário e o usufrutuário."

O usufruto constitui um direito real limitado, mediante o qual o


proprietário (nu-proprietário) da coisa atribui a alguém (o usufrutuá-
rio) a sua posse, uso, administração e percepção dos frutos1589. Assim,
o conteúdo econômico do usufruto é constituído pelo poder tempo-
rário de fruir as utilidades e os frutos do bem, sem que exista a trans-
ferência de sua propriedade. O usufruto é tido como um direito
restringente, uma vez que o dono fica privado de usar e fruir, ativida-
des que, em princípio, são típicas do exercício do domínio1590.
Embora tenha surgido com finalidade de caráter basicamente
alimentar, o usufruto transformou-se em instituto de conteúdo
mais amplo, podendo ter inclusive natureza mercantil, como ocorre
com o usufruto de ações1591, que constitui instrumento relevante
de operações comerciais e bancárias1592.
Além deste artigo, a Lei das S.A. estabelece as seguintes normas
sobre o usufruto de ações: (i) a que determina a sua averbação nos
livros da companhia, quando se tratar de ações nominativas ou, no
caso de ações escriturais, no livro das instituições financeiras (artigo
40); (ii) a que estende às ações decorrentes do aumento de capital,
mediante capitalização de lucros ou de reservas, o usufruto que onera
as ações das quais elas forem derivadas, salvo convenção em contrá-
rio (artigo 169, § 2 o ); (iii) o direito de preferência para a subscrição de

1589 O art. 1.390 do Código Civil estabelece que o usufruto pode recair em 1 (um) ou mais
bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no
todo ou em parte, os frutos e utilidades.
1590 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. XIX, 3 a edição, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1983, § 2.253, p. 13-16.
1591 Ver os comentários ao art. 40 da Lei das S.A.
1 592 A R N O L D O WALD, "Do Regime Jurídico do Usufruto de Cotas de Sociedade de Responsa-
bilidade Limitada e de Ações de Sociedades Anônimas", Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 77, janeiro-
março, 1990, p. 7.
ações, que poderá ser exercido pelo nu-proprietário até 10 (dez) dias
antes do vencimento do prazo e, se ele não o fizer, pelo usufrutuário
(artio-o 171, § 5o); e (iv) a que estabelece que a companhia pagará
dividendos à pessoa que, na data do ato de declaração do dividendo,
estiver inscrita como proprietária ou usufrutuária da ação (artigo 205).
A questão da titularidade para o exercício do direito de voto das
ações gravadas com usufruto é das mais controversas no âmbito do
direito societário. A Lei das S.A., seguindo o que dispunha o artigo
84 do Decreto-Lei n° 2.627/1940, exige o prévio acordo entre o pro-
prietário e o usufrutuário para que seja exercido o direito de voto, no
instrumento de constituição do usufruto ou em outro documento,
inclusive em acordo de acionistas. O voto será livremente pactuado:
poderá ser exercido por uma das partes em todas as matérias, ou em
algumas delas pelo nu-proprietário e em outras pelo usufrutuário.
O artigo 40 prevê a averbação do usufruto no livro próprio, sendo
de todo recomendável que se averbe também o acordo entre proprie-
tário e usufrutuário relativo ao exercício do direito de voto.
Ao exigir o prévio acordo das partes, impedindo o exercício do
direito de voto na sua ausência, a Lei das S.A. levou em consideração
o conflito de interesses que pode existir entre usufrutuário e nu-pro-
prietário: o primeiro desejoso de receber dividendos e o segundo inte-
ressado no reinvestimento dos lucros nas atividades empresariais.
A posição do legislador nacional é singular e reflete o dissídio
no direito comparado: em algumas legislações, o voto cabe ao nu-
-proprietário; em outras ao usufrutuário; em outras, ainda, a ambos,
atribuindo-se ao usufrutuário o voto em assuntos administrativos e
ao nu-proprietário nos demais1S93.

1593 L U I Z C A S T Ã O PAES D E B A R R O S LEÃES, " O Direito de Voto de Ações Gravadas com


Usufruto Vidual". In: Pareceres. v. il, São ftulo: Singular, 2004, p. 1.362.
Do ponto de vista econômico, a solução adotada pela Lei das S.A. é
passível de críticas, por não definir claramente os direitos de propriedade.
A teoria econômica confere à expressão "direitos de proprieda-
de" (property rights) um sentido mais amplo do que aquele atribuído
pelo direito. São considerados direitos de propriedade as expectativas
que uma pessoa tem de que suas decisões sobre o uso de certos recur-
sos serão efetivas. Quanto mais tais expectativas forem cumpridas,
seja pelo costume, por sanções sociais ou legais aos infratores, mais
efetivos serão os direitos de propriedade1594. Assim, esses direitos per-
mitem ao indivíduo prever razoavelmente o que ele pode obter em
suas relações com os demais membros da sociedade1595.
O direito de propriedade privada constitui a faculdade do seu titular
de utilizar o bem como desejar e de transferi-lo livremente. A teoria eco-
nômica, a propósito, enfatiza que a exclusividade do controle privado dos
bens constitui a base do sistema de economia de mercado, sendo 2 (dois)
os elementos fundamentais da propriedade privada: a exclusividade do
direito de uso e a possibilidade de livremente transferir tal direito.
A livre transferência dos bens significa que apenas comprador e
vendedor estão aptos a aprová-la, sem interferência de terceiros. Já a
exclusividade do direito significa que uma pessoa tem o direito de pro-
priedade privada sobre um bem quando todas as decisões sobre o uso
de tal bem são por ela tomadas, não por terceiros. A pessoa que contro-
la as decisões sobre todos os atributos ou usos do bem é chamada "pro-
prietário". Se todos os custos do uso do bem são incorridos apenas pelo
proprietário, há uma identidade entre custos privados e sociais, uma vez
que o proprietário não causa qualquer custo aos demais indivíduos1"196.

1594 ARMEN A. A L C H I A N A N D EILLIAM R. ALLEN. Exchange and Production - Theory in Use.


Belmont: Wadswoeth Publishing Company, 1969, p. 158.
1595 H A R O L D DEMSETZ, "Toward a Theory of Property Rights", American Economic Revievv.
v. 57, n° 2, Papers and Proceedings of the American Economic Association, May, 1967.
1 596 ARMEN A. A L C H I A N A N D EILLIAM R. ALLEN. Exchange and Production - Theory in Use
..., p. 158.
Entende-se que o mercado funciona mais eficientemente quan-
do há exclusividade de direitos sobre os bens e quando tais bens po-
dem ser trocados a custos reduzidos. É fundamental, portanto, que os
direitos de propriedade sejam definidos com clareza e que os custos
de transação sejam reduzidos, para que o processo de formação de
preços no mercado ocorra eficientemente.
Ao não determinar, inexistindo acordo prévio entre as partes, quem
é o titular do direito de voto, o dispositivo legal não define com clareza os
direitos de propriedade, introduzindo um elemento de ineficiência no
processo de formação de preço do bem, a ação gravada com usufruto.
Porém, diante do caráter imperativo do preceito, é inegável que,
inexistindo prévio acordo entre nu-proprietário e usufrutuário, às ações
gravadas não é atribuído o direito de voto1597.
Por outro lado, há um evidente interesse social na preservação,
tanto quanto possível, da comunhão de escopo entre os acionistas, que
se verifica mediante o exercício do direito de voto. Ademais, é desejável,
economicamente, que os direitos atribuídos às ações, como direitos de
propriedade, sejam definidos e exercidos o mais amplamente possível.
É provável que surjam controvérsias entre nu-proprietário e usu-
frutuário sobre quem está legitimado a exercer o direito de voto,
uma vez que seguidamente tal gravame é instituído no bojo de pla-
nejamentos sucessórios complexos, instituídos mediante diversos
documentos formalmente autônomos.

159/ A C V M , no forecer CVM/SJU n° 005/1980, emitiu opinião no sentido de que "o direito de
voto da ação gravada com usufruto, se não for regulado no ato da constituição do gravame,
somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprietário da ação e o
usufrutuário (art. 114 Lei n" 6.404/76). Na ausência de prévio acordo, se ocorrer dissensão
entre nu-proprietário e usufrutuário, as ações gravadas terão seu direito de voto suspenso."
T R A J A N O D E M I R A N D A VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2° edição, Rio de Janeiro:
Forense, 1953, p. 75, ao comentar o art. 84 do Decreto-Lei n° 2.627/1940, afirmou que o
nu-proprietário e o usufrutuário poderão estipular o que entenderem sobre o direito de
voto e se não chegam a um acordo, nenhum deles terá qualidade para exercer o voto. De
acordo com esse autor, o "legislador partiu da hipótese mais simples: a de que ambos,
proprietário e usufrutuário, estão interessados no funcionamento normal da sociedade e,
por conseguinte, hao de encontrar sempre uma fórmula de conciliação para a defesa dos
seus direitos. Se o conflito estala, somente o Judiciário poderá resolvê-lo."
Deve-se, em tais ocasiões, fazer todo o esforço para preservar os
votos, tendo em vista o interesse social no seu exercício, mediante inter-
pretação sistemática que privilegie a verdadeira intenção das partes1598.
O acordo entre nu-proprietário e usufrutuário pode ser verbal ou
tácito, ou seja, não precisa estar contido em instrumento formal Ine-
xistindo ajuste por escrito, é fundamental verificar o comportamento
das partes nas atividades sociais e no exercício de seus direitos. Assim,
se o usufrutuário recebe durante vários anos os dividendos, sem opor
qualquer ressalva ao direito de voto exercido pelo acionista nu-proprie-
tário, pode-se inferir a existência de um acordo tácito entre eles, sendo
legítimas as deliberações sociais tomadas com tais votos1599.
Quando o usufruto abrange a totalidade dos direitos, econômi-
cos e políticos, considera-se que o usufrutuário equipara-se ao acio-
nista, mantendo o nu-proprietário a titularidade de alguns direitos
futuros, como o de subscrever aumentos de capital e de consolidar a
propriedade plena no momento da extinção do usufruto, assumindo a
posição de fideicomissário em relação às ações1600-1601.
Dessa forma, é nulo, por não satisfazer o requisito essencial do
negócio jurídico, o usufruto constituído sobre a ação com declaração de
que abrange apenas o exercício do direito de voto, pois é da essência do

1598 Determina o art. 112 do Código Civil que: "Nas declarações de vontade se atenderá mais
à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem".
1599 L U I Z G A S T Ã O PAES DE BARROS LEAES. Pareceres..., v. 2, p. 1.367.
1 600 A R N O L D O WALD, "Do Regime Jurídico do Usufruto de Cotas de Sociedade de Responsa-
bilidade Limitada e de Ações de Sociedades Anônimas", Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro..., v. 77, p. 11.
1 601 Sobre o exercício do direito de voto pelo usufrutuário, FÁBIO K O N D E R COMPARATO,
"Usufruto Acionário e Quase-Usufruto. Limites aos Direitos do Usufrutuário". In: Ensaios e
Pareceres de Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 88, assinala que, no
usufruto acionário, "como observou Ascarelli, ainda que o exercício do direito de voto
compita unicamente ao usufrutuário, não se pode impedir ou dificultar o comparecimento
do nu-proprietário acionista à Assembleia Geral, onde poderá se manifestar, tomar parte
nas discussões e, até mesmo, lavrar o seu protesto. O reconhecimento desse direito de
comparecimento, como ressaltou, torna praticamente mais difícil o abuso no exercício do
voto, pelo usufrutuário."
usufruto o direito do usufrutuário aos frutos da coisa gravada1602. No usu-
fruto constituído sobre a ação, o único fruto é o dividendo. O voto não é
fruto da ação, é exercício de direito nela contido como instrumento para
que o acionista contribua para a formação da vontade social.
Ademais, o nu-proprietário e o usufrutuário, conforme acima
exposto, podem acordar o exercício do direito de voto, pois o usufru-
tuário tem interesse legítimo em participar das deliberações sociais.
O usufrutuário de ações pode, em alguns casos, ser considerado
"acionista controlador", ao apresentar-se como titular de direitos de
voto que lhe asseguram, de modo permanente, a maioria das delibe-
rações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos adminis-
tradores da companhia, e usar efetivamente seu poder para dirigir as
atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da compa-
nhia. A Lei das S.A. inclui no conceito de acionista controlador -
constante do artigo 1 1 6 - 0 usufrutuário que exerce o direito devoto1603.

Abuso do direito devoto e conflito de interesses


"Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse
da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o
fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de

1602 W A S H I N G T O N M O N T E I R O D E B A R R O S . Curso de Direito Civil - Parte Geral. 34" edi-


ção, São Raulo: Saraiva, 1996, p. 181, ao analisar os negócios jurídicos, classificou os seus
elementos em essenciais, naturais e acidentais e definiu como essenciais à estrutura do ato
aqueles que lhe formam a substância e sem os quais o ato não existe. Cila, como exemplo,
a compra e venda, apontando que nesta os elementos essenciais são a coisa, o preço e o
consentimento (res pretium et consensus) e que "faltando um deles, o ato não existe". Para
GIUSEPPE SOLEI. Teoria dei Negocio Jurício. Madri: Rivista dei Derecho Privado, 1959,
p. 16, "os elementos essenciais (...) são aqueles que devem necessariamente coexistir para
dar vida a um negócio jurídico em geral ou a um determinado negócio jurídico em
particular; de modo que as partes não podem acordar na exclusão de todos ou de alguns
sem impedir a própria constituição do negócio."
1 603 FÁBIO K O N D E R C O M P A R A T O e C A L I X T O S A L O M Ã O F I L H O . O Poder de Controle na
Sociedade Anônima. 4 a edição, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 85, observam que: "lei
fala, sabiamente, em 'titular de direitos de sócio' e não, apenas, em 'acionistas' porque,
como veremos amiudadamente, a natureza jurídica de coisa dos valores mobiliários enseja
a possibilidade de dissociação entre a titularidade, ou pertinência subjetiva das ações, e a
titularidade de direitos destacados dela, como o de voto, segundo ocorre no usufruto, ou
na alienação fiduciária em garantia. Em tais hipóteses, controlador é quem tem os votos
decisivos, não o proprietário das ações."
obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de
que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para
outros acionistas. (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

§ I o O acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia


geralrelativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a
formação do capital social e à aprovação de suas contas como admi-
nistrador, nem em quaisquer outras quepuderembenefidá-lo demodo
particular, ou em quetiverinteresse conflitante com o da companhia.

§ 2 o Se todos os subscritores forem condôminos de bem com


que concorreram para a formação do capital social, poderão
aprovar o laudo, sem prejuízo da responsabilidade de que trata
o § 6 o do artigo 8 o .

§ 3 o O acionista responde pelos danos causados pelo exercício abu-


sivo do direito devoto, ainda que seu voto não haja prevalecido.

§ 4 o A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista


que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o
acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a
transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido.

§ 5 o (Vetado) (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 6° (Vetado) (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 7° (Vetado) (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 8 o (Vetado) (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 9 o (Vetado) (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 10° (Vetado)" (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)


A Lei das S.A., da mesma forma que se verifica no Direito Com-
parado, disciplina os casos em que ocorrem negociações entre partes
relacionadas, seja para proibir o direito de voto, em determinados ca-
sos, seja para prever a reparação dos danos causados por aqueles que
votam em situações de conflito de interesses.
As operações podem ocorrer entre os acionistas controladores e a
companhia ou entre os administradores e a companhia, sendo seme-
lhantes os standards legais que visam a evitar ou minimizar os conflitos
de interesses em tais situações.
Na visão tradicional, particularmente no direito anglo-saxão,
entendia-se que os administradores e acionistas controladores estariam
proibidos de negociar com a companhia, o que decorreria de sua po-
sição fiduciária, de gestores de recursos de terceiros1604.
Atualmente, são consideradas válidas tais negociações, por razões
de ordem prática: em muitos casos, os controladores e administradores
são os únicos com quem a companhia pode negociar (particularmente se
for um pequeno empreendimento), ou porque eles podem melhor avaliar
a companhia ou porque negociar com terceiros implicaria a revelação de
segredos comerciais; tais operações podem ser mais lucrativas do que as
que seriam realizadas com pessoas que não conhecem bem o negócio e
consequentemente não estão informadas sobre o seu real valor.
Assim, o que se verifica no Direito Comparado é a aceitação de
negociações entre partes relacionadas, porém a legislação societária
submete-as a determinadas limitações, cujo objetivo básico é o de im-
pedir que tais negócios sejam realizados em condições menos favorá-
veis para a companhia do que ocorreria se firmados com terceiros1605.

1 604 PAUL DAVIES. Cower and Davies: Principies of Modern Company Law. 7"' edition, United
Kingdom: Sweet and Maxwell, 2003, p. 393.
1605 REINIER K R A A K M A N , PAUL DAVIES, H E N R Y H A N S M A N N , G E R A R D H E R T I C , K L A U S
H O P T , H I D E K I K A N D A and E D W A R D R O C K . The Anatomy of Corporate Law - A
Comparative and Functional Approach. New York: Oxford University Press, 2007, p. 101.
Em nosso sistema de direito societário verifica-se idêntica ori-
entação. A Lei das S.A. admite a contratação entre o acionista con-
trolador e a companhia, desde que em condições equitativas, sem
favorecimento (artigo 117, § I o , alínea "f"). No grupo de sociedades
"de fato" podem ser realizadas operações entre companhia controla-
dora e controlada, desde que em condições estritamente comutativas,
ou com pagamento compensatório adequado (artigo 245). Também
o administrador pode contratar com a companhia, se em condições
razoáveis ou equitativas, idênticas as que prevalecem no mercado ou
em que a companhia contrataria com terceiros (artigo 156, § I o ).
Dessa forma, não são proibidas nem condicionadas à autorização
de qualquer órgão as negociações entre o acionista controlador ou o
administrador e a companhia, desde que concluídas em bases equitati-
vas, semelhantes às que ocorreriam em contratos com terceiros.
O direito de voto deve ser exercido no interesse da compa-
nhia. Prevalece o interesse social sobre o interesse individual dos
acionistas. Embora os objetivos dos acionistas possam ser diver-
sos e mesmo conflitantes, o acionista vota na condição de mem-
bro de determinada comunidade acionária, não com vistas ao
atendimento de interesses que a ela são estranhos. Havendo even-
tual conflito entre o interesse do acionista enquanto sócio e do
acionista enquanto terceiro, o primeiro deve ser privilegiado.
O acionista não é obrigado a votar, nem a comparecer à assem-
bleia geral; mas, se comparece e vota, tem o dever de fazê-lo visando
ao interesse da companhia. Trata-se, assim, de um direito-fimção, li-
mitado à consecução do objeto social1606.
Ainda que os interesses dos acionistas ao longo da existência da
companhia sejam distintos e mesmo conflitantes, eles têm, enquanto

1 606 R O D R I G O FERRAZ PIMENTA DA C U N H A , " O Exercício de Voto na Sociedade Anônima".


In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leandro Santos de Aragão (Coord.). Direito Societário.
Desafios Atuais. São Raulo: Quartier Latin, 2009, p. 249.
sócios do mesmo empreendimento, um interesse comum: a realiza-
ção do escopo social, que constitui o interesse social. Com efeito, sem
a convergência dos interesses individuais para um interesse comum
não se poderia falar em sociedade1607.
O interesse social não constitui mero somatório dos interesses
dos acionistas, nem é inteiramente autônomo dos interesses deles,
estando vinculado a 2 (dois) elementos básicos: (i) a consecução do
objeto social, ou seja, a realização das atividades empresariais para as
quais a companhia foi constituída; e (ii) a produção de lucros a serem
repartidos entre os acionistas.
Embora se possa argumentar que a deliberação assemblear não
expressa a "vontade social", porque a pessoa jurídica não tem vonta-
de, é inegável que a deliberação é imputável à sociedade, tanto que é
ela quem responde em ação de anulação das deliberações, não a
assembleia ou a maioria dos acionistas1608.
O voto abusivo é vedado pela Lei das S.A., que estabelece alguns
standards genéricos para a sua caracterização. Assim, de acordo com o
caput deste artigo, é abusivo o voto exercido com o fim de causar dano
à companhia ou a outros acionistas; ou aquele mediante o qual o acio-
nista visa à obtenção de vantagem a que não faz jus e de que resulte ou
possa resultar prejuízo para a companhia ou para os outros acionistas.
Tais padrões gerais são exemplificativos, podendo ocorrer, na prática,
diversas situações em que se caracterize o abuso no direito de voto.
A Lei das S.A. nitidamente inspirou-se na figura do abuso de
direito ao regular o direito de voto1609. Embora o voto constitua um

1 607 L U I Z G A S T Ã O PAES D E B A R R O S LEAES, "Proibição do Voto e Conflito de Interesse nas


Assembleias Gerais". In: Pareceres. v, I, São Raulo: Singular, 2004, p. 176.
1 608 E R A S M O V A L L A D Ã O A Z E V E D O E N O V A E S F R A N Ç A . Invalidade das Deliberações de
Assembleia das S/A. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 45.
1609 O Código Civil, em seu art. 187, disciplina a figura do abuso do direito como modalidade
de ato i Ifeito ao dispor que: "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social,
pela boa-fé ou pelos bons costumes."
direito do acionista, não pode ser exercido com fim diverso daquele
para o qual é reconhecido, posto que sua legitimidade decorre da con-
formidade com o interesse social. Assim, o abuso do direito de voto
consiste na desconformidade entre a finalidade do direito e a do seu
exercício diante de um caso concreto.
O abuso no direito de voto pode ser praticado tanto pelo acionis-
ta controlador como pelo acionista minoritário. Com efeito, a Lei das
S.A. não faz distinção ao tratar do voto abusivo, aplicando-se a nor-
ma a qualquer acionista que exerça o direito de voto, em qualquer
espécie de assembleia geral: ordinária, extraordinária, ou especial.
O voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou aos
demais acionistas é aquele ditado pelo espírito de emulação, no qual o
acionista busca unicamente prejudicá-los.
Também se considera abusivo o voto mediante o qual o acionista
visa a obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que
resulte ou possa resultar prejuízo para a companhia ou para os outros
acionistas. No caso, o voto constitui, ao mesmo tempo, uma distorção
dolosa da sua finalidade — o interesse social — e uma conduta voltada à
obtenção de vantagem individual ilegítima1610.
A Lei das S.A., no § I o , estabelece 3 (três) hipóteses de delibera-
ção em que o acionista está proibido de votar e nas quais há uma
vedação absoluta, pois presume-se a existência de um conflito de in-
teresses formal entre o acionista e a companhia: (i) a relativa ao laudo
de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital
social; (ii) aprovação das suas contas como administrador; e (iii) a que
possa beneficiá-lo de modo particular.
A norma não deve ser objeto de interpretação ampliativa ou
analógica; constituindo o direito de voto o elemento essencial para

1610 MARCELO LAMY REGO, "Direito de Voto". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões
Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de Janeiro: Forense, p. 418.
a deliberação assemblear, mediante a qual se manifesta o interesse
social, não se pode, a não ser quando expressamente estabelecido na
Lei das S.A., negar ao acionista a possibilidade de exercê-lo.
Nas 3 (três) hipóteses anteriormente mencionadas, o voto do acio-
nista é vedado. Se exercido, será tido como viciado, desde que presente a
"prova de resistência" da deliberação, consistente no fato de ter sido o
voto determinante para a formação da maioria1611. Caracterizado o vício
do voto, tendo ele sido decisivo para que se formasse a maioria, a delibe-
ração é anulável1612; não cabe a sanção de nulidade, uma vez que se en-
contram em jogo unicamente interesses dos acionistas e tal remédio (a
anulabilidade) não compromete a estabilidade dos atos societários1613.
A proibição de voto não importa em impedimento de compare-
cer à assembleia e discutir as matérias postas para deliberação. O im-
pedimento é de voto, ratione materiae, não de comparecimento e
manifestação de opinião sobre as matérias objeto da ordem do dia.
Ademais, as ações do acionista impedido são contadas para o número
mínimo de ações necessário à instalação da assembleia, uma vez que
não se confunde o quorum de instalação com o voto1614.
A primeira hipótese de proibição do voto, de acordo com o § I o ,
ocorre na assembleia que delibera sobre o laudo de avaliação de bens do
acionista, com os quais deseja concorrer para o capital social. Há uma
presunção absoluta de que o acionista, no caso, não tem isenção para
votar, quer na escolha dos peritos, quer no laudo por eles elaborado.
Tal vedação visa a preservar a realidade do capital, impedindo o
acionista de utilizar o seu direito de voto para aprovar laudo que possa

1 611 E R A S M O V A L L A D Â O A Z E V E D O E N O V A E S F R A N Ç A . Invalidade das Deliberações de


Assembleia das S/A..., p. 85; V A S C O D A C A M A L O B O XAVIER. Anulação de Deliberação
Social e Deliberações Conexas. Coimbra: Atlântida, 1976, p. 47.
1612 Ver os comentários ao art. 286 da Lei das S.A.
1613 E R A S M O V A L L A D Â O A Z E V E D O E N O V A E S F R A N Ç A . Invalidade das Deliberações de
Assembleia das S/A..., p. 117. Retificamos posição anteriormente assumida, em que men-
cionávamos que a deliberação seria nula ( N E L S O N EIZIRIK. Reforma das S/A e do Mercado
de Capitais. 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 107).
1 61 4 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2, 4 a edição,
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 473.
supervalorizar os seus bens. Como a vedação é absoluta, é irrelevante
a intenção do acionista ou o conteúdo do seu voto.
Caso todos os subscritores sejam condôminos do bem com que
concorrerem para o capital, nos termos do § 2 o , não estarão impedi-
dos de votar na nomeação dos peritos e aprovação do laudo, sem pre-
juízo da responsabilidade solidária perante terceiros pelos danos
causados, por culpa ou dolo, nessa avaliação1615. Se os acionistas con-
dôminos estivessem proibidos de votar, não haveria possibilidade de
aprovação do laudo nem existiria assembleia.
A segunda hipótese de impedimento, prevista no § I o , refere-se à
aprovação das contas, quando o acionista também é administrador da
companhia. A Lei das S.A. igualmente veda que, nessa hipótese, os
administradores votem como acionistas ou procuradores (artigo 134, §
I o ). A vedação é absoluta, dado o princípio de que ninguém pode julgar
em causa própria; como o acionista não pode separar os 2 (dois) papéis
que desempenha, a Lei das S.A. o impede de votar.
Se alguém é controlador de sociedade que é acionista da compa-
nhia por ele administrada, não existe o impedimento a que exerça o seu
direito de voto; a proibição somente se aplica à pessoa física que seja, ao
mesmo tempo, acionista e administrador, dado o princípio da separação
entre a pessoa jurídica e seus membros1616. Caso o administrador consti-
tua uma nova sociedade pouco antes da assembleia e para ela transfira

1615 Ver os comentários ao art. 8 o da Lei das S.A.


1 61 6 L U I Z G A S T Ã O PAES D E BARROS LEÃES, "Proibição de Voto e Conflito de Interesse nas
Assembleias Gerais". In: Pareceres...., v. I, p. 181; RUBENS REQUIÃO. Aspectos Modernos
de Direito Comercial (estudos e pareceres). v. 1, São Paulo: Saraiva, 1977, p. 264. A
jurisprudência não é uniforme; em alguns acórdãos entendeu-se que haveria impedimento
de voto, em outros não. No sentido de que há impedimento de voto, ver decisões proferidas
pelas (i) 7 a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no
julgamento da Apelação Cível n° 039.796-4/6-00, Rei. Des. Leite Cintra, j. em 03.06.1998;
(ii) 10a Câmara de Direito Privado, também do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no
julgamento da Apelação Cível n° 263.964-1, Rei. Des. Maurício Vidigal, j. em 01.10.1996.
Já no sentido contrário, de que não há impedimento de voto, ver as decisões proferidas pela
(i) 4 a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do ESraná, no julgamento
da Apelação Cível n° 0070658-7/01, Rei. Des. Dilmar Kessler, j. em 22.12.1999; (ii) 3 a
Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Raulo, no julgamento da
Apelação Cível n° 129414-1, Rei. Des. Toledo César, j. em 04.12.1990.
suas ações a fim de que ela vote para aprovar as suas contas, ficará carac-
terizada a manobra fraudulenta1617 . Porém, se a pessoa jurídica não foi
criada com o objetivo de fraudar a Lei das SA., deve ser respeitada a
separação da pessoa jurídica de seus sócios e admitido o voto.
A terceira hipótese de impedimento absoluto de voto é a que
ocorre quando a deliberação puder beneficiar o acionista de modo
particular. A Lei das S.A. repetiu idêntica expressão existente no
regime legal anterior1618, remanescendo dúvidas sobre o alcance do
que sejam os "benefícios particulares", assim como sua distinção do
"interesse conflitante", dada a imprecisão dos conceitos.
O benefício particular é aquele que atende ao interesse do acio-
nista distinto dos interesses dos demais. Assim, o seu interesse indi-
vidual não abrange aqueles interesses que afetam todos os acionistas,
como o existente na distribuição de dividendos, por exemplo, mas tão
somente a sua situação própria1619.
O entendimento dominante entre nós, tanto no regime anterior
como no atual, da mesma forma que ocorre nos sistemas jurídicos
francês e alemão, é no sentido de que o benefício particular consti-
tui uma vantagem lícita, um favor concedido ao beneficiário, em

1617 Sobre esse assunto, ver a decisão proferida pela 5° Câmara de Direito Privado do Tribunal
de justiça do Estado de São Paulo, no julgamento da Apelação Cível n° 85.120-1, Rei. Des.
Ralpho Waldo, j. em 07.05.1987, In: Revista dos Tribunais. São Fàulo: Ed. Revista dos
Tribunais, v. 624, outubro, 1987, p. 76-80.
1618 O art. 82 do Decreto-Lei n° 2.627/1940 assim dispunha: "o acionista não pode votar nas
deliberações da assembleia geral relativas ao laudo de avaliação dos bens com que concor-
rer para a formação do capital social, nem nas que venham a beneficiá-lo de modo
particular". Já o Art. 95 do mesmo diploma legal dispunha que: "responderá por perdas e
danos o acionista que tendo em uma operação interesses contrários ao da sociedade, votar
deliberação que determine com o seu voto a maioria necessária". E G B E R T O L A C E R D A
T E I X E I R A . Das Sociedades por Q u o t a s de Responsabilidade Limitada - atualizado de
acordo com o Novo Código Civil, atualizadores Syllas Tozzini e Renato Berger. 2" edição,
São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 176, critica a sua redação, observando que: "Terá o
legislador, a nosso ver, andado mais acertadamente não apadrinhando a distinção sutil e
perigosa entre 'benefício particular' e 'interesses contrários aos da sociedade•' porque na
verdade os dois vícios podem facilmente confundir-se, modalidades que são do 'auto-
contrato' ou 'contrato consigo mesmo'".
1 619 RENATO V E N T U R A RIBEIRO. Direito deVoto nas Sociedades Anônimas. São Paulo: Quartier
Latin, 2009, p. 369.
sua condição de acionista, mas que rompe o princípio da igualdade
entre os acionistas. Tal vantagem pode ser outorgada estatutariamen-
te, mas o acionista beneficiário não pode votar, pois ela lhe trará be-
nefícios "particulares", não conferidos aos demais acionistas1620. Se a
sociedade resolve atribuir uma bonificação a determinado acionista,
ele não poderá votar naquela deliberação, pois ela estará a beneficiá-
-lo de modo particular, quebrando a regra de igualdade entre todos os
acionistas1621. Da mesma forma, constituem exemplos de benefícios
particulares: a concessão de opções de compra ou partes beneficiárias, a
criação de planos de aposentadoria, e outras hipóteses em que se ca-
racterize o favor a determinados acionistas, mas não a outros.
Assim, há benefício particular quando o tratamento dado a
determinado acionista não é equitativo, ainda que admitido pelo
estatuto social1622, daí decorrendo a proibição absoluta de voto para
o acionista beneficiário1623.

1 620 ERASMO V A L L A D Ã O A Z E V E D O E N O V A E S F R A N Ç A , " O Conceito de 'Benefício Articu-


lar' e o Parecer de Orientação 34 da CVM". In: Temas de Direito Societário, Falimentar e
Teoria da Empresa. São Raulo: Malheiros, 2009, p. 568 e seguintes.
1 621 T R A J A N O DE M I R A N D A VALVERDE. Sociedades por Ações. v. II, 2 a edição, Rio de Janeiro:
Forense, 1953, p. 67.
1 622 ERASMO V A L L A D Ã O A Z E V E D O E N O V A E S FRANÇA, " O Conceito de 'Benefício Particu-
lar' e o Rarecer de Orientação 34 da CVM". In: Temas de Direito Societário, Falimentar e
Teoria da Empresa..., p. 577.
1 623 A CVM, em seu Parecer de Orientação n° 34/2006, conferiu uma interpretação ampliatiYa
à expressão "benefício particular", a nosso ver, sem fundamento legal. Nesse sentido,
previu 4 (quatro) situações de impedimento de voto nos casos de incorporação de contro-
lada ou de suas ações, no seu entendimento decorrentes de uma situação que considera ser
um "benefício particular": "Em situações em que se vise à unificação das espécies de ações
da companhia ou à migração para segmentos especiais de listagem em que as ações do
acionista controlador, ou do proponente da operação, sejam detidas por sociedade cujo
único ativo, ou único ativo relevante, sejam essas mesmas ações (Sociedade Holding), e
seja submetida à aprovação da assembleia a deliberação de incorporação (ou incorporação
reversa) da Companhia, ou de suas ações, na Sociedade Holding, a Sociedade Holding e
os seus acionistas (caso detenham participação direta na Companhia) estarão impedidos
de votar, na forma do art. 115, § 1°, da Lei 0.404/76, caso a proposta de incorporação (ou
incorporação reversa) da Companhia, ou de suas ações, considere uma relação de troca
que atribua valor diferente às ações de emissão da Companhia que sejam de propriedade
da Sociedade Holding, e às demais ações da mesma espécie e classe de emissão da
Companhia." Para uma bem fundamentada crítica ao referido Parecer, ver E R A S M O
V A L L A D Ã O A Z E V E D O E NOVAES F R A N Ç A , "Ainda o Conceito de Benefício Particular:
Anotações ao Julgamento do Processa CVM n° RJ 2009/5811", Revista de Direito Mercan-
til, Industrial, Econômico e Financeiro. São Rjulo: Ed. Malheiros, v. 149, janeiro-dezem-
bro, 2008, p. 293-322.
Nas 3 (três) hipóteses acima mencionadas, o acionista não pode
votar, independentemente da sua intenção ou do mérito da deliberação.
Caso manifeste o seu voto, o presidente da mesa não o computará; a
deliberação assemblear, tomada com seu concurso, se necessário o voto
para formar a maioria, será anulável. O Código Civil Italiano, em seu
artigo 2.373, somente admite a impugnação da deliberação se há dano
para a companhia. Em nosso sistema legal, não há necessidade de prova
do dano, uma vez que a Lei das S.A. prevê a possibilidade de ser anulada
a deliberação. Assim, a deliberação tomada com voto proibido pode ser
anulada, mesmo que não ocorra dano à companhia, sendo a invalidade
autônoma em relação à ocorrência de prejuízos1624.
A Lei das S.A. estabelece, ainda, na parte final do § I o , que o
acionista não pode votar quando tiver interesse conflitante com o da
companhia, o que tem gerado discussão doutrinária e na esfera admi-
nistrativa da Comissão de Valores Mobiliários sobre a natureza da
proibição, se seria uma proibição absoluta, tal como ocorre nas 3 (três)
outras hipóteses, ou se seria necessário analisar o mérito da decisão.
Tratando-se de uma proibição absoluta, o conflito de interesses
seria formal, verificado ex ante, pela simples posição ocupada pelo
acionista e a companhia em determinada relação jurídica; entenden-
do -se, por outro lado, ser necessário analisar o mérito da deliberação,
o conflito seria de natureza substancial1625-1626^81^.

1624 J O S É A L E X A N D R E T A V A R E S G U E R R E I R O , " C o n f l i t o s de Interesse entre S o c i e d a d e


Controladora e Controlada e entre Coligadas, no Exercício do Voto em Assembleias Gerais
e Reuniões Sociais", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São
feulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 51, julho-setembro, 1983, p. 29-32.
1625 Entendendo que se trata de conflito de interesses formal: M O D E S T O C A R V A L H O S A .
Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2..., p. 470; N O R M A PARENTE, conforme
voto manifestado no Inquérito Administrativo C V M n° T A RJ 2001/4977, j. em 19.12.2001,
e artigo publicado em Direito Empresarial: Aspectos Atuais de Direito Empresarial Brasilei-
ro e Comparado. São Paulo: Método, 2005, p. 329-343. Considerando que se trata de
conflito substancial: LUIZ G A S T Ã O PAES D E B A R R O S LEÃES, "Conflito de Interesses". In:
Estudos e Pareceres sobre Sociedades Anônimas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989,
p. 25-26; F Á B I O K O N D E R C O M P A R A T O , "Controle Conjunto, A b u s o no Exercício do
Voto Acionário e Alienação Indireta de Controle Empresarial". In: Direito Empresarial:
Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 91; E R A S M O V A L L A D Â O A Z E V E D O E
Caracteriza-se o conflito quando o acionista é portador, diante
de determinada deliberação, de 2 (dois) interesses inconciliáveis: um

NOVAES FRANÇA, "Conflito de Interesses: Formal ou Substancial? Nova Decisão da C V M


sobre a Questão"; Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São
Paulo: Ed. Malheiros, v. 128, outubro-dezembro, 2002, p. 259; T R A J A N O DE M I R A N D A
VALVERDE. Sociedades por Ações... v. II, p. 116 e 315; C A R L O S F U L G Ê N C I O DA C U N H A
PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 3, São Raulo: Saraiva, 1972, p. 81; EGBERTO LACERDA
TEIXEIRA e JOSÉ A L E X A N D R E TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades Anônimas no Direi-
to Brasileiro, v. 1, São Raulo: José Bushatsky, 1979, p. 278; P E D R O A. BATISTA MARTINS,
"Responsabilidade de Acionista Controlador - Considerações Doutrinária e Jurisprudencial",
Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribu-
nais, v. 27, janeiro-março, 2005, p. 58-63. Sobre esse assunto, ver, também, LU1ZA RANGEL
DE MORAES, "A Jurisprudência no Tocante aos Conflitos de Interesse no Exercício do Voto
em Sociedades Anônimas", Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e Arbitra-
gem. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 11, janeiro-março, 2001, p. 281-288; JAIRO
S A D D l , "Conflitos de Interesse no Mercado de Capitais". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro
& Leandro Santos de Aragão (Coord.). Sociedade Anônima - 30 Anos da Lei 6.404/76. São
Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 344-346. A controvérsia foi resumida na matéria "Um
conflito de Interesses Formal Basta para Impedir o Acionista ou o Conselheiro de Votar?",
na Seção Antítese, Revista Capital Aberto. n° 89, janeiro, 2011, p. 30-31.
1626 A jurisprudência administrativa da C V M é contraditória. N o Inquérito Administrativo n° TA
RJ 2001/4977, j. em 19.12.2001, a Dir. Rei. Norma Rarente se manifestou no sentido de
que o conflito seria formal, ao decidir que: "Na presente hipótese, é inquestionável, a meu
ver, que o benefício do controlador decorre do próprio contrato por figurar ele nos dois
lados, razão pela qual deveria abster-se de votar independentemente de o contrato ser ou
não equitativo. Trata-se de negociação consigo próprio. Ao referir-se a deliberações que
puderem beneficiar o acionista, a lei não pressupõe que o acionista está contratando com
a companhia contra o interesse social. Por outro lado, o conflito de interesses não pressu-
põe que os interesses sejam opostos mas que o acionista tenha duplo interesse. O conflito
de interesses, na verdade, se estabelece na medida em que o acionista não apenas tem
interesse direto no negócio da companhia mas também interesse próprio no negócio que
independe de sua condição de acionista por figurar na contraparte do negócio. Não
precisa o conflito ser divergente ou oposto ou que haja vantagem para um e prejuízo para
outro. A lei emprega a palavra conflito em sentido lato abrangendo qualquer situação em
que o acionista estiver negociando com a sociedade." Posteriormente, no Inquérito Admi-
nistrativo n° TA RJ 2002/1153, j. em 06.11.2002, por meio do voto vencedor do Dir. Luiz
Antonio Sampaio Campos, firmou-se o entendimento de que o conflito de interesses seria
substancial: "A linha que afinal veio a prevalecer para a hipótese de conflito de interesse,
como ficará demonstrado abaixo, foi aquela para o qual o conflito de interesse deveria ser
apreciado no caso concreto e específico, de forma substancial e não formal, e a meu ver é
aquela que melhor defende os valores da sociedade e se integra no sistema do anonimato.
Esse entendimento, conforme já tive a oportunidade de expor, é majoritário tanto no Brasil
quanto fora dele, sendo mesmo raro quem sustente o contrário, notadamente no Brasil. (...)
No Brasil, o assunto também não ficou esquecido. A opinião sempre foi no sentido de que
o conflito de interesses seria uma questão de fato, a ser examinada caso a caso, e que o
conflito precisaria resultar evidente, colidente, estridente, inconciliável." No mesmo senti-
do foi o julgamento do Processo Administrativo C V M n° RJ 2004/5494. Já o Conselho de
Recursos do Sistema Financeiro Nacional - CRFSN, no acórdão n° 4706/2004, entendeu
que o conflito seria formal, pois, ao analisar o § 1 o do art. 115 da Lei das S.A., concluiu
que: "A interpretação mais adequada para a parte final do dispositivo em tela - que trata do
benefício particular ou interesse conflitante deve ser a que conclui que o voto do acionista
que se considerar em conflito é vedado a priori, mas apenas no caso de esse acionista
enquanto indivíduo, singularmente considerado; outro enquanto
membro de determinada comunidade acionária. Assim, o seu inte-
resse particular é incompatível com o interesse social, não podendo
um deles ser atendido sem o sacrifício do outro.
O conflito formal de interesses existe em todo negócio jurídico
bilateral em que o acionista e a companhia são partes contratantes.
Com efeito, é da essência do negócio bilateral a existência de interes-
ses diversos entre as partes. Assim, sempre haverá conflito formal,
ainda que o negócio jurídico acarrete benefícios equitativos para a
companhia e seu acionista1627.
J á o conflito substancial ficará caracterizado quando o voto for
utilizado com desvio de finalidade, para promover interesses do acio-
nista incompatíveis com o interesse social. O conflito substancial
pode verificar-se direta ou indiretamente. No primeiro caso, o acio-
nista contrata com a companhia em condições mais favoráveis (para
ele) do que as existentes no mercado. No segundo, a companhia
contrata com uma concorrente que é controlada pelo seu acionista e
que tem na segunda interesse maior do que na primeira. E m tais
hipóteses é ilícito o voto do acionista, uma vez que estará sacrifican-
do o interesse social em favor do seu próprio interesse.
E m princípio, não faz sentido proibir-se, em termos absolutos, o
voto quando há uma situação de potencial conflito de interesses. T á
entendimento acarretaria a proibição de voto em todo e qualquer negó-
cio jurídico entre a companhia e o acionista, sob a presunção de sua

votante, em seu juízo de valor, se verificar na situação de conflito. (...) A questão fulcral é
que, havendo, como havia, interesse da coligada externa e indiretamente de sua controla-
da e ora apelante na celebração do contrato, essa deveria ter se abstido de votar, com o que
teria evitado a materialização do conflito." Em nova mudança de posição, a C V M , no
julgamento do Processo Administrativo C V M n° RJ 2009/13179, em que foi Relator o
Diretor Alexsandro Broedel Lopes, j. em 09.09.2010, voltou a se manifestar no sentido de
que o conflito seria formal. Nesse julgamento foi vencido o Dir. Eli Loria, que entendeu
que o conflito de interesses só pode ser verificado após a realização da assembleia e
mediante prova do prejuízo ocasionado à companhia.
1 627 N E L S O N EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.72.
ilegitimidade, o que contraria o princípio legal de que a companhia
pode contratar com o acionista, inclusive o controlador, desde que em
condições equitativas (artigo 117, § I o , alínea "f"). Assim, deve ser de-
monstrado que o interesse do acionista apresenta um conflito efetivo
com o interesse social, não meramente hipotético ou eventual.
Ademais, o acionista pode, em situação de conflito de interes-
ses, votar no interesse da sociedade, ou por razões altruístas, ou por-
que, dada a relevância de sua participação acionária, obterá maior
benefício privilegiando o interesse da companhia do que o seu indi-
vidual. Em tal hipótese, evidentemente, o voto é regular. Por que,
então, vedá-lo previamente à sua manifestação?
Assim, a Lei das S.A., ao mencionar genericamente o "inte-
resse conflitante", está se referindo a uma situação de conflito subs-
tancial, na qual o acionista vota privilegiando o seu interesse e
sacrificando o interesse social, o que somente pode ser verificado
posteriormente, mediante a análise do mérito da deliberação e o
seu impacto sobre os negócios sociais.
Ê o fato de o acionista votar visando a obter vantagem indivi-
dual a que não faz jus, aliado ao dano atual ou potencial para a com-
panhia que caracteriza o conflito de interesses capaz de determinar
o impedimento de voto do acionista1628.
Portanto, o ato ilícito fica caracterizado quando o acionista exer-
ce o direito de voto em situação de conflito substancial com a compa-
nhia, o que somente pode ser apurado mediante um exame do
conteúdo da deliberação e das suas conseqüências para a sociedade.
Para a anulação da deliberação é indispensável a demonstração (i)
do conflito de interesses; (ii) da prova do dano, atual ou potencial, sofrido

1628 ERASMO V A L L A D Ã O A Z E V E D O E NOVAES F R A N Ç A , "Conflito de interesse Formal ou


Substancial? Nova Decisão da C V M sobre a Questão", Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e financeiro..., v. 128, p. 225.
pela companhia; e (iii) de que o voto do acionista com interesse confli-
tante tenha sido determinante para a formação da maioria1629.
O voto dado em situação de conflito de interesses é computado,
uma vez que, no momento em que foi proferido, ainda não se poderia
concluir pelo seu caráter abusivo, porém, a deliberação, provados os
elementos anteriormente mencionados, é anulável.
Tanto no caso do voto proferido quando estava proibido quanto
na situação de conflito de interesses substancial, o acionista responde
pelos danos causados. A hipótese de responsabilidade pelos danos
ainda que o voto não tenha prevalecido também existe, embora seja
difícil a sua configuração na prática dos negócios.
E m qualquer dos casos a deliberação é anulável. No caso do
voto vedado, não há necessidade de se provar o dano, pois a proibi-
ção é absoluta; já na situação de conflito de interesses, é necessária
a demonstração dos danos, atuais ou potenciais. Ao invés da via
judicial, descoberto o voto ilícito, pode a assembleia geral reunir-se
e anular a sua própria deliberação1630.

SEÇÃO IV

ACIONISTA CONTROLADOR

Deveres
"Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natu-
ral ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de
voto, ou sob controle comum, que:

a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo perma-


nente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o
poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e

1 629 Sobre esse assunto, ver A L F R E D O S É R G I O L A Z Z A R E S C H I NETO. Lei das Sociedades por
Ações Anotada. São Raulo: Saraiva, 2010, p. 174.
1630 T R A J A N O D E M I R A N D A VALVERDE. Sociedades por Ações..., v. II, p. 69.
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e
orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

P a r á g r a f o único. O acionista controlador deve usar o poder


c o m o f i m de fazer a c o m p a n h i a realizar o seu objeto e cumprir
s u a f u n ç ã o social, e t e m deveres e responsabilidades p a r a c o m
os d e m a i s acionistas d a e m p r e s a , os que nela trabalham e para
c o m a c o m u n i d a d e e m que atua, cujos direitos e interesses deve
lealmente respeitar e atender."

"Art. 116-A. O acionista controlador da companhia aberta e os


acionistas, ou grupo de acionistas, que elegerem membro do con-
selho de administração ou membro do conselhofiscal,deverão in-
formar imediatamente as modificações em sua posição acionária
na companhia à Comissão de Valores Mobiliários e às Bolsas de
Valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os
valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à
negociação, nas condições e na forma determinadas pela Comis-
são de Valores Mobiliários." (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

CARACTERIZAÇÃO D O A C I O N I S T A C O N T R O L A D O R

A Lei das S.A. reconhece a existência do poder de controle acioná-


rio nas sociedades anônimas, definindo-o não em função da titulari-
dade da maioria do capital votante, mas essencialmente em virtude
do efetivo exercício da direção das atividades sociais1631-1632.
Nos termos do caput deste artigo, a caracterização do acionista
controlador requer a observância cumulativa dos 3 (três) requisitos

1631 N E L S O N EIZIRIK, "Oferta Pública de Aquisição de Controle de Companhia Aberta". In:


Jairo Saddi (Org.). Fusões e Aquisições: Aspectos Jurídicos e Econômicos. São Paulo: IOB,
2002, p. 236.
1632 Sobre a imprescindibilidade da disciplina jurfdica do acionista controlador em nosso
regime societário, ver A L F R E D O LAMY FILHO, " O Acionista Controlador na Nova Lei das
S.A". In: Temas de S.A. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 149-165.
mencionados nas alíneas "a" e "b": (i) a maioria dos votos nas deli-
berações da assembleia geral; (ii) o poder de eleger a maioria dos
administradores da companhia; e (iii) o uso efetivo do poder de
controle para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento
dos órgãos da companhia.
Tal conceito foi praticamente repetido no § 2 o do artigo 243, que
estabelece ser controlada a sociedade na qual a controladora, direta-
mente ou por meio de outras controladas, é titular de direitos de sócio
que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas delibe-
rações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores1633.
E possível, também, a existência de "controle externo", não
acionário, exercido mediante uma influência dominante, o qual, po-
rém, não está previsto na Lei das S.A. A influência dominante cons-
titui um controle externo quando se estende a toda a atividade
desenvolvida pela empresa "controlada", em caráter duradouro, sem
que esta última possa subtrair-se à influência, sem séria ameaça de
sofrer grave prejuízo econômico1634-1635-1636.

1 633 O Código Civil, no art. 1.098, inciso I, segue o mesmo conceito de controle estabelecido
na Lei das S.A., ao dispor que é controlada a sociedade de cujo capital outra sociedade
possua a maioria dos votos nas deliberações dos cotistas ou da assembleia geral e o poder
de eleger a maioria dos administradores.
1 634 Nesse sentido, FÁBIO K O N D E R C O M P A R A T O e C A L I X T O S A L O M Ã O FILHO. O Poder de
Controle na Sociedade Anônima. 4 a edição, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 39 e 89-103;
G U I L H E R M E D O R I N G C U N H A PEREIRA. Alienação do Poder de Controle Acionário. São
Paulo: Saraiva, 1995, p. 14; R I C A R D O FERREIRA D E M A C E D O . Controle Não Societário.
Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 123 e seguintes.
1635 O art. 249 da Lei das S.A. trata da influência dominante - muito embora não tenha citado
essa expressão - ao determinar na alínea "a" do parágrafo único que a C V M poderá expedir
normas sobre as sociedades cujas demonstrações devam ser abrangidas na consolidação e
"determinar a inclusão de sociedades que, embora não controladas, sejam financeira ou
administrativamente dependentes da companhia."
1 636 A Lei n° 11.941/2009, ao alterar o § 1 o do art. 243 das. Lei das S.A., introduziu, em nosso
regime societário, o conceito de "influência significativa" para definir que "são coligadas as
sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa"• No § 4 o - por ela
acrescentado ao art. 243 ~ determinou que "há influência significativa quando a investido-
ra detém ou exerce o poder de participar nas decisões das políticas financeira ou operacional
da investida, sem controlá-la" e no § 5 o - também por ela acrescentado ao art. 243 -
estabeleceu que "é presumida a influência significativa quando a investidora^ for titular de
20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la".
Assim, o "controle externo" não decorre do exercício do direito de
voto, mas de fatores exógenos, como, por exemplo, de relações contra-
tuais. O endividamento, em alguns casos, pode representar um meca-
nismo jurídico de transferência, para a credora, da direção dos negócios
da devedora1637-1638. A Lei das S.A., inclusive, ao regular o voto das
ações empenhadas (artigo 39) determinou, expressamente, que é lícito
estabelecer no contrato que o acionista não poderá, sem o consenti-
mento do credor pignoratício, votar em certas deliberações (artigo 113,
caput). A mesma regra foi prevista para o titular das ações alienadas
fiduciariamente (artigo 40), ao estabelecer a Lei das S.A que o credor
não poderá exercer o direito de voto e que o devedor somente poderá
fazê-lo nos termos do contrato (artigo 113, parágrafo único). Portan-
to, o credor pignoratício e o garantido por alienação fiduciária da ação
poderão, conforme as disposições sobre acordo de voto constantes do
contrato, assumir uma posição dominante na companhia, agindo como
verdadeiros "controladores". Nessas hipóteses, o controlador não é
acionista da companhia, mas um terceiro que tem uma "influência
dominante" e exerce o poder de controle ab extra1639.
O "controle externo", exercido mediante situações fáticas ou vín-
culos contratuais não previstos na Lei das S.A., não se caracteriza como
controle acionário. Assim, da sua configuração, não decorre qualquer
conseqüência na esfera do direito societário, muito menos a responsa-
bilidade pela eventual infração a qualquer das modalidades de abuso de
poder previstas na Lei das S.A. (artigo 117, § l0)1640-1641^5-0.

1 637 FÁBIO U L H O A C O E L H O , " O Conceito de Poder de Controle na Disciplina Jurídica da


Concorrência", Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. São Raulo: Revista dos
Tribunais, n° 3, janeiro-junho, 1999, p. 23-24.
1638 Sobre esse assunto, ver FÁBIO K O N D E R C O M P A R A T O e CALIXTO S A L O M Ã O FILHO. O
Poder de Controle na Sociedade Anônima..., p. 39 e 91; JOSIÍ E D W A L D O TAVARES
BORBA. Direito Societário. 11n edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 347.
1 639 Sobre esse assunto, ver FÁBIO K O N D E R C O M P A R A T O e CALIXTO S A L O M Ã O FILHO. O
Poder de Controle na Sociedade Anônima..., p. 81-89.
1640 A 3 a Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n° 15.247-RJ,
Rei. Min. Dias Trindade, j. em 10.12.1991, publicado no DJU em 17.02.1992, p. 1377,
O legislador optou por não exigir a propriedade de percentual
mínimo de ações votantes para caracterizar a figura do acionista con-
trolador. Assim, deve ser examinada cada situação em particular para
que possa ser detectado quem é o titular do controle acionário.
A Lei das S.A. considera como acionista controlador aquele que,
de fato, comanda os negócios sociais, fazendo prevalecer, de modo
permanente, sua vontade nas deliberações assembleares, elegendo a
maioria dos administradores da companhia e utilizando o seu poder
para determinar, efetivamente, os rumos da sociedade. Tal preponde-
rância da vontade do acionista controlador pode ocorrer diretamente,
quando ele é acionista da companhia, ou indiretamente, quando ele é
acionista controlador da sociedade controladora.
O controle da sociedade anônima constitui um poder de fato,
não um poder jurídico, visto que não há norma que o assegure. O
acionista controlador não é sujeito ativo do poder de controle, mas o
tem enquanto for titular de direitos de voto em número suficiente
para obter a maioria nas deliberações assembleares1642.
A caracterização do poder de controle não prescinde da cir-
cunstância fática de que ele seja efetivamente exercido. Além de
titular dos direitos de sócio que lhe permitam dirigir ou eleger quem
dirigirá a companhia, o acionista controlador deve efetivamente
dirigi-la e eleger a maioria dos administradores 1643 - 1644 ^ 51 ^.

rejeitou a tese, fundamentada e m Parecer de F Á B I O K O N D E R C O M P A R A T O ("Grupo


Societário Fundado em Controle Contratual e Abuso de Poder do Controlador", In: Direito
Empresarial: Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 270-291), de que seria
possível caracterizar como acionista controladora e responsabilizá-la, nos termos do art.
117 da Lei das S.A., empresa que exercia o controle externo, sem participação acionária, na
"controlada".
1641 Sobre o controle externo, as suas modalidades e a responsabilidade do controlador externo
contratual, ver J O Ã O H E N R I Q U E G U I D U G L I . Controle Externo Contratual - O Desenvol-
vimento da Empresa e os Grupos de Contratos sob o Direito Societário. São Paulo:
Quartier Latin, 2006.
1642 JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA, "Cessão de Quotas de 'Holding' de Companhia Aberta".
In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). A Lei das S.A.: (pressupostos,
elaboração, aplicação), v. II, 2 ' edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 620.
1 643 ROBERTA N I O A C P R A D O . Oferta Pública de Ações Obrigatórias nas S.A. - Tag Along. Sao
Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 126.
Dessa forma, não será considerado acionista controlador, para os
efeitos da Lei das S.A., a pessoa que, embora detendo quantidade de
ações que, em tese, lhe assegura a maioria dos votos em assembleia geral,
não utiliza efetivamente tal poder para impor sua vontade na condução
direta dos negócios sociais e na eleição da maioria dos administradores.
A Lei das S.A., na alínea "a" do caput deste artigo, vincula o
conceito de acionista controlador ao exercício dos direitos de sócio
que assegurem, de modo "permanente", a maioria dos votos na as-
sembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores. Não
fixando o dispositivo os contornos do que se deva entender como
"permanente", pode ser seguido o parâmetro estabelecido por ocasião
da edição da Resolução n° 401/1976, do Conselho Monetário Nacio-
nal, hoje revogada, expressamente, pela Resolução n° 2.927/2002. O
item IV daquela Resolução considerava como controlador o acionis-
ta titular de ações que assegurassem a maioria absoluta dos votos dos
acionistas presentes nas 3 (três) últimas assembleias gerais1645.

1644 A Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, ao tratar do art. 116, menciona expressamente
que a caracterização do acionista controlador pressupõe, além da maioria dos votos, o efetivo
exercício do poder de controle. O Regulamento de Listagem do Novo Mercado da BM&FBovespa
define o poder de controle como aquele efetivamente utilizado de dirigir as atividades sociais
e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia, de forma direta ou indireta, de fato ou
de direito e estabelece que "há presunção relativa de titularidade do controle em relação à
pessoa ou ao grupo de pessoas vinculado por acordo de acionistas ou sob controle comum
('grupo e controle') que seja titular de ações que lhe tenham assegurado a maioria absoluta dos
votos dos acionistas presentes nas três últimas assembleias gerais da companhia, ainda que não
seja titular das ações que lhe assegurem a maioria absoluta do capital votante."
1 645 De acordo com a decisão do Colegiado da C V M no julgamento do Processo Administrativo
C V M n° RJ 2005/4069, Rei. Dir. Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j. em 11.04.2006, a
identificação do exercício do poder de controle está relacionada aos critérios de continuida-
de, estabilidade e permanência. Consta, ainda, dessa decisão que em razão do requisito da
permanência, "vencer uma eleição ou preponderar em uma decisão, não é suficiente. E
necessário que esse acionista possa, juridicamente, fazer prevalecer sua vontade sempre que
desejar (excluídas por óbvio, as votações especiais entre acionistas sem direito a voto ou de
determinada classe ou espécie, ou mesmo a votação em conjunto de ações ordinárias e
preferenciais, quando o estatuto estabelecer matérias específicas). Por esse motivo, em uma
companhia com ampla dispersão ou que tenha um acionista, titular de mais de 50% das ações,
que seja omisso nas votações e orientações da companhia, eventual acionista que consiga
preponderar sempre, não está sujeito aos deveres e responsabilidades do acionista controlador,
uma vez que prepondera por questões fáticas das assembléias, não preenchendo o requisito
da alínea 'a'do art. 116, embora preencha o da alínea 'b'. Esse acionista seria considerado, para
determinação de sua responsabilidade, como um acionista normal (sujeito, portanto, ao regime
do art 115)."
MODALIDADES DE CONTROLE ACIONÁRIO

Podemos identificar, em nossa prática societária, as seguintes mo-


dalidades de controle acionário: (a) majoritário; (b) compartilhado; e
(c) minoritário.
O controle majoritário caracteriza-se quando um acionista, pes-
soa física ou jurídica, ou uma família, detém a maioria das ações com
direito de voto. Trata-se, mesmo no caso das companhias abertas, da
modalidade mais comum de controle acionário, dada a extrema con-
centração acionária entre nós verificada. E m tais companhias, muitas
vezes, nota-se uma sobreposição entre a propriedade das ações que
asseguram o poder de controle e as funções executivas, particular-
mente aquelas atribuídas ao conselho de administração.
Já o "controle compartilhado" é aquele exercido por várias pessoas
em conjunto, usualmente como signatários de acordo de acionistas, que
se obrigam a votar em bloco nas matérias atinentes ao exercício do poder
de controle. Embora nenhum dos signatários do acordo detenha, indivi-
dualmente, a maioria das ações votantes, a união das suas ações assegura
o controle acionário, mediante o chamado "bloco de controle". Os acor-
dos de acionistas são da espécie "acordo de voto em bloco" quando seus
integrantes instituem um "órgão" deliberativo interno, designado "reu-
nião prévia", na qual a deliberação será tomada por maioria absoluta dos
convenentes e vinculará todos eles (artigo 118, §§ 8 o e 9o).
O mais das vezes, caracterizam o controle compartilhado a com-
binação de algumas das seguintes modalidades de cláusulas constantes
do acordo de acionistas: (i) acordo de voto conjunto para determinadas
matérias, que somente podem ser objeto de aprovação, em assembleia
geral ou em reunião de conselho de administração, se aprovadas em
reunião prévia dos integrantes do acordo de acionistas; (ii) direito de
preferência para aquisição das ações do signatário que deseja retirar-se
da companhia; (iii) direito de eleger um número determinado de mem-
bros da diretoria e do conselho de administração; (iv) necessidade de
aprovação, por parte de todos ou de maioria qualificada dos signatários,
para o ingresso de novos sócios; e (v) direito de veto sobre matérias
relevantes para o desenvolvimento dos negócios da companhia, como
aumento de capital, distribuição de dividendos, investimentos ou em-
préstimos acima de certo valor, incorporação, fusão e cisão, e tc. 1646J647 .
No entanto, o simples fato de existir um acordo de voto entre
um acionista ou grupo majoritário e um acionista minoritário re-
levante, a fim de assegurar determinados direitos especiais a tal
minoritário, não implica necessariamente que o controle esteja
sendo exercido de forma compartilhada. Para que o acordo de acio-
nistas possa configurar hipótese de controle compartilhado com o
acionista minoritário é imprescindível que, em função dos direitos
que lhe são atribuídos, fique claro que o grupo controlador abriu
mão de seu poder de determinar, isoladamente, as decisões da as-
sembleia geral e de eleger a maioria dos administradores1643.
Já o controle minoritário caracteriza-se quando, dada a dispersão
das ações da companhia no mercado, um acionista ou grupo de acionis-
tas exerce o poder de controle com menos da metade do capital votante,
uma vez que nenhum outro acionista ou grupo está organizado ou de-
tém maior volume de ações com direito de voto. A Lei das S A., ao não
exigir, neste artigo, um percentual mínimo de ações para definir o con-
trole acionário, admitiu implicitamente o controle minoritário.
CONTROLE PULVERIZADO E POÍSON PILLS

Verificou-se, a partir de 2006, a adoção, por companhias aber-


tas brasileiras, do modelo denominado de "controle pulverizado",

1 646 N E L S O N EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 234.
1647 N E L S O N E I Z I R I K , A R I Á D N A B. G A A L , F L Á V I A P A R E N T E e M A R C U S D E FREITAS
HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2'1 edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 379.
1 648 Nesse mesmo sentido, manifestou-se o Colegiado da C V M na decisão proferida no Proces-
so Administrativo C V M n° RJ2001/7547, Rei. Dir. Wladimir Castelo Branco Castro, j. em
16.07.2002.
também chamado "controle gerencial", no qual não se identifica a
1 J 1649 1650_1651
figura do acionista controlador
No modelo de "controle pulverizado", a direção efetiva dos
neo-ócios sociais é realizada por administradores profissionais, mem-
bros do conselho de administração e da diretoria, no exercício de
suas funções legais e estatutárias, sem que exista um bloco de ações
que assegure o poder de controle.
Para tanto, a companhia emite apenas ações com direito de voto,
podendo ainda restringir, estatutariamente, o número máximo de votos
de cada acionista, ou grupo de acionistas, nas deliberações da assem-
bleia geral (por exemplo, em 5% do capital social) independentemente

1 649 Sobre a tendência de desaparecer o acionista controlador, M O D E S T O C A R V A L H O S A , "A


Dispersão do Controle A c i o n á r i o e o D e s a p a r e c i m e n t o d a Figura do Controlador". In:
Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik. Estudos de Direito Empresarial. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 11.
1 650 D e acordo com dados da O r g a n i z a ç ã o para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
- O C D E , em estudo divulgado e m 2003, mais da metade das ações das 459 companhias
abertas pesquisadas estavam e m mãos de um único acionista, sendo que 6 5 % (sessenta e
cinco por cento) das ações eram detidas pelos 3 (três) maiores acionistas (FÁBIO K O N D E R
C O M P A R A T O e C A L I X T O S A L O M Ã O F I L H O . O Poder de Controle na Sociedade Anôni-
ma..., p. 75). N o mesmo sentido, o mais recente e sistemático estudo de R I C A R D O P. C.
LEAL e A N D R É L. C A R V A L H A L D A SILVA, "Corporate Governance and Value in Brazil (and
in Chile), Inter-American Development Bank, Research Network W o r k i n g Paper #R-514",
outubro, 2 0 0 5 . D i s p o n í v e l e m : < h t t p : / / w w w . p a p e r s . s s r n . c o m / s o l 3 > , a c e s s a d o em:
08.09.2009, demonstra igualmente que a estrutura de controle acionário nas companhias
brasileiras apresenta grande concentração, o que é atribuído, em grande parte, à emissão de
ações preferenciais sem direito de voto. Tais dados não apresentam evolução muito signi-
ficativa com relação aos obtidos pela C V M , e m 1985, segundo os quais, nas 456 maiores
companhias abertas pesquisadas, o acionista majoritário detinha quase 7 0 % (setenta por
cento) das ações c o m direito de voto; em apenas 1 5 % (quinze por cento) o controle era
exercido com menos de 5 0 % (cinqüenta por cento) do capital votante, caindo tal percentual
para 1,10% nos casos em que o controle era exercido c o m menos de 2 0 % (vinte por cento)
das ações votantes ( N E L S O N EIZIRIK, " O Mito do 'Controle Gerencial' - Alguns Dados
Empíricos", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, v. 66, abril-junho, 1987, p. 103-106). A importante evolução do
Novo Mercado da BM&FBovespa e o aumento de emissões públicas de ações com direito
de voto têm contribufdo para alterar a significativa concentração de propriedade acionária
nas mãos do acionista controlador.

1 651 Para uma análise das companhias listadas no segmento especial do N o v o Mercado vs. a
existência de acionista controlador, ver ER1CA G O R C A , "Changing the Paradigm of Stock
Uwnersrup: from Concentrated Towards Dispersed Ownership? Evidence from Brazil and
Consequences for Emerging Coutries". In: American Law & Association Annual Meetings.
rear 2U08, paper 76, disponível em: <http://law.bepress.com/alea/18th/art76>.
da participação acionária por eles detida, o que é permitido pela Lei das
S.A.1652. Assim, mesmo que determinado acionista possua participa-
ção acionária de 15% (quinze por cento), por exemplo, não poderá vo-
tar com mais de 5% (cinco por cento) do capital social.
No modelo de "controle pulverizado", nenhum acionista tem
condições de, em caráter permanente, eleger a maior parte dos admi-
nistradores e impor a sua vontade nas deliberações da assembleia ge-
ral da companhia, não existindo, assim, os elementos exigidos por
este artigo para a caracterização do acionista controlador1653.
Trata-se de modelo dominante nos Estados Unidos e no Reino
Unido, países onde se verifica, nas grandes companhias, uma separa-
ção entre propriedade e controle. Em tais empresas, dada a grande
dispersão das ações no mercado, o "controle" (não acionário, ou "ge-
rencial") é exercido de fato pelos administradores (managers), que não
detêm lotes significativos de ações. Já nos demais países europeus, na
maioria das companhias ainda ocorre o controle acionário.
Também são traços característicos do modelo de controle pul-
verizado: (i) a existência de um conselho de administração cujos
membros são efetivamente independentes; e (ii) uma relativa pas-
sividade dos acionistas, que quase não participam nas decisões sobre
os negócios sociais16S4.
Em nossa prática de Direito Societário, algumas companhias que
adotam o modelo de controle pulverizado têm introduzido em seus

1 652 Ver os comentários ao art. 110, § I o , da l e i das S.A.


1 653 Sobre a relação entre controle pulverizado e a eficiência das companhias, ver R O N A L D J.
GILSON, Corporate Governance and Economic Efficiency: When do Institutions Matter?.
Washington University Law Quaterly 74, 1996, p. 327.
1654 Para revisão da literatura e análise das causas da emergência do controle pulverizado, J O H N C
COFFEE JR., "Dispersed Ownership: the Theories, the Evidence and the Enduring Tension
Between 'Lumpers' and 'Splilters', The Center for Law and Economias Studies", Working Fiiper
n° 363. Columbia University School of Law, fevereiro de 2010, disponível em <http://ssm.cony
abstract=1532922>. Para uma análise da discussão teórica sobre a separação entre proprieda-
de e controle, ver NELSON EIZIRIK. Questões de Direito Societário e Mercado de Capitais. Rio
de Janeiro: Forense, 1987, p. 3-27. Para uma análise do Controle gerencial: R O D R I G O R.
MONTEIRO DE CASTRO. Controle Gerencia). São Paulo: Quartier Latin, 2010.
estatutos, além da restrição ao número máximo de votos por acionis-
ta, dispositivos que visam a impedir ou a dificultar a aquisição do seu
controle acionário, como os seguintes: (i) obrigatoriedade de divulga-
ção de aquisição acionária, de modo que todo acionista ou grupo de
acionistas que aumentar a sua participação em 1% (um por cento) do
capital social, por exemplo, deve comunicar tal fato à companhia e ao
mercado; e (ii) obrigatoriedade de realização de oferta pública (OPA)
pelo acionista ou grupo de acionistas que adquirir participação acio-
nária superior a determinado percentual, de maneira que, sempre que
o limite de participação estabelecido no estatuto (por exemplo, 30%
do capital) for ultrapassado, é obrigatória a realização de oferta públi-
ca de aquisição das ações detidas pelos demais acionistas, por preço a
ser fixado conforme as regras do estatuto (valor de mercado, valor
econômico, múltiplos de EBITDÃ)1655 acrescido de prêmio.
Essas cláusulas são denominadas poison pills e têm como obje-
tivo manter a dispersão das ações no mercado, na medida em que a
aquisição de ações além do percentual determinado no estatuto so-
cial obriga o adquirente a comprar as demais ações por preço supe-
rior ao valor de mercado. Os principais benefícios das cláusulas de
poison pills são: (i) promover um tratamento relativamente igualitá-
rio entre os acionistas; (ii) protegê-los contra ofertas coercitivas; e
(iii) aumentar o seu poder de barganha 1656 - 1657 - 1658 ^ 5 ^.

1 655 EBITDA é a abreviação de "earnings before interest, taxes, depreciation and amortization",
lambem c o n h e c i d o c o m o L A J I D A (lucros anles de juros, impostos, depreciação e
amortização).
1656 Sobre esse assunto, ver o Memorando dos Diretores da C V M , Marcos Barbosa Pinto e
Otávio Yazbek, de 14.04.2008, e o Relatório de Análise da Audiência Pública n° 03/2009.
1 657 M O D E S T O C A R V A L H O S A e ERICA C O R G A , em Estudo Jurídico denominado "Apresenta-
ção à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre a regulação das cláusulas estatutárias
poison pills no direito brasileiro", elaborado em 30.01.2009, observam que "aquilo que o
mercado brasileiro tem denominado de poison pills, não é o mesmo instituto jurídico
correspondente às poison pills no direito norte-americano. Para o mercado brasileiro, as ditas
poison pills constituem uma variação da oferta obrigatória de aquisição de controle já
tipificada no artigo 254-A da Lei das S.A. (...) a denominada poison pill brasileira exige,
semelhantemente, a obrigação de realização de oferta pública aos demais acionistas sem
que, no entanto, tenha havido a alienação do controle societário propriamente dita,
Além das cláusulas de proteção à dispersão acionária, algumas
companhias com controle pulverizado introduziram em seus estatutos
regra impondo penalidades aos acionistas que (i) descumprirem a obri-
gação estatutária de realização de oferta quando adquirirem participa-
ção acionária superior a determinado percentual, ou seja, o acionista ou
grupo de acionistas infratores ficam sujeitos a ter suspenso, por delibe-
ração da assembleia geral, o exercício de determinados direitos conferi-
dos pelas ações de sua propriedade, inclusive o devoto, conforme permite
a Lei das S.A.1659; e (ii) votarem favoravelmente à supressão ou à alte-
ração das cláusulas de poisou pills, caso em que deverão realizar oferta
pública para a aquisição das ações dos demais acionistas.
Essa última penalidade configura uma verdadeira "cláusula pé-
trea", sendo ilegal, na medida em que, praticamente, impede o acionis-
ta de exercer o direito de voto em consonância com o interesse social,
ao impor-lhe sanção draconiana. Nesse sentido, manifestou-se, tam-
bém, a Comissão de Valores Mobiliários ao firmar o entendimento de
que a aplicação da cláusula pétrea não se compatibiliza com os princí-
pios e normas da Lei das S.A., em especial com os artigos 115, 121,
122, inciso I, e 129, e que, por essa razão, não aplicaria penalidades aos
acionistas que votassem pela supressão ou alteração da cláusula pétrea,
ainda quando não realizassem a oferta pública prevista nos estatutos1660.

bastando que seja atingido um número percentual de ações definido no estatuto social,
adquiridas em diversas operações de compra e venda, que não configuram alienação do
poder de controle."
1658 Estudo de ERICA G O R G A , "Changing the Paradigm of Stock Ownership: from Concentrated
Towards Dispersed Ownership? Evidence from Brazil and Consequences for Emerging Coutries".
In: American Law & Association Annual Meetings..., identificou 84 companhias sem acionis-
ta controlador majoritário, das quais 47 se utilizam de cláusulas de poison pills; 5 6 % das
companhias sem acionista controlador majoritário, listadas nos segmentos de Governança
Corporativa do Novo Mercado da BM&FBovespa se utilizam de cláusulas de poison pills;
3 6 % das companhias sem acionista controlador majoritário, listadas nos segmentos de
Governança Corporativa do Novo Mercado da BM&FBovespa se utilizam de cláusulas de
poison pills apenas do tipo "A"; apenas 4 companhias, dentre as 47 que possuem cláusulas de
poison pills, u t i l i z a m apenas as do tipo "B"; e 1 4 , 3 % das c o m p a n h i a s utilizam
concomitantemente os tipos "A" e "B".
1 659 Ver os comentários ao art. 120 da Lei das S.A.
A conjugação da elevada dispersão acionária com a introdução
de normas estatutárias destinadas a evitar o surgimento de uma nova
maioria política permanente na companhia faz com que a direção
efetiva dos negócios sociais seja realizada pelos administradores pro-
fissionais, membros do conselho de administração e da diretoria, no
exercício de suas funções legais e estatutárias, sem que exista um
bloco de ações que assegure o poder de controle.
Como não existe, nas companhias com controle pulverizado, a
figura do acionista controlador, não são aplicáveis os dispositivos da
Lei das S.A. que tratam da sua responsabilidade (artigos 116, pará-
grafo único, e 117), da alienação do controle acionário (artigo 254-A),
bem como do procedimento de votação em separado para eleição de
membros do conselho de administração (artigo 141, § 4 o ).
O fato de não se aplicarem as disposições referentes à respon-
sabilidade dos controladores não significa que os acionistas e de-
mais grupos que possam ser atingidos pelos atos praticados pela
companhia — os denominados stakeholders — fiquem sem qualquer
proteção frente a abusos praticados pela sociedade sob controle ge-
rencial. Nestas hipóteses, a responsabilidade civil e administrativa
deverá recair sobre os administradores que conduzem as atividades
sociais, com fundamento nos artigos 153 a 159.

C O N T R O L E E ASSEMBLEIA GERAL

O poder de comando sobre as atividades desenvolvidas pela com-


panhia, de eleger a maioria dos administradores e determinar a ação
da sociedade, é usualmente exteriorizado na assembleia geral, órgão
que manifesta a vontade social1661.

ALFREDO LAMY FILHO, "Caracterização da Empresa Brasileira de Capital Nacional a que


se Kelere o Art. 177 da Constituição". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedre.ra
t^oorcl.). A Le. das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação)..., v. II, p. 195.
Verificamos, atualmente, no entanto, um gradual "esvaziamento"
da assembleia geral como o locus onde se exerce, de fato, o poder de
controle. Ainda que legalmente continue a ser o órgão que expressa a
vontade social, seus poderes vêm sendo "transferidos" cada vez mais
para o conselho de administração, nas companhias abertas, assim como
para a chamada "reunião prévia" dos acionistas integrantes de acordos
de acionistas, que se caracteriza como "órgão" não institucionalizado,
mas de fundamental importância no processo decisório das compa-
nhias que apresentam uma estrutura de controle compartilhado. Cons-
tatamos, ademais, uma tendência no sentido até mesmo de eliminar-se
a obrigatoriedade de assembleia geral, como ocorre nas sociedades li-
mitadas com reduzido número de sócios1662, assim como para micro-
empresas e sociedades de pequeno porte, visando a reduzir os custos e a
"desburocratizar" o seu processo decisório1663.

DEVER DO ACIONISTA CONTROLADOR

Em princípio, o exercício do poder de comandar os negócios so-


ciais é lícito e legítimo, exercendo o acionista controlador a soberania
societária e expressando a vontade da companhia.
O poder de controle na sociedade anônima é atribuído ao seu
titular para a consecução de determinadas finalidades1664, constituin-
do assim um "direito-fiinção". Como ele não constitui um poder ab-
soluto, o legislador estabeleceu determinadas regras visando a prevenir
e reprimir eventuais abusos praticados pelo acionista controlador. Nesse
sentido, o parágrafo único deste artigo dispõe, expressamente, que o

1662 o § I o do art. 1.072 do Código Civil estabelece a obrigatoriedade de deliberação em


assembleia geral somente se o número de sócios for superior a 10 (dez).
1663 A Lei Complementar no 123, em vigor desde 15.12.2006, que instituiu o Novo Estatuto
Nacional da Micro Empresa e Empresa de Pequeno Porte, em seu art. 70, desobriga-as de
realizarem reuniões e assembleias, que serão substituídas por deliberações do sócio
controlador.
1 664 FÁBIO K O N D E R C O M P A R A T O e C A I J X T O S A L O M Ã O FILHO. O Poder de Controle na
Sociedade Anônima..., p. 363.
acionista controlador deve usar o seu poder para fazer a companhia
realizar o seu objeto e cumprir a sua fionção social.
O poder de controle constitui, com efeito, um poder vinculado ao
objetivo de "fazer a companhia realizar seu objeto e cumprir sua função
social'166S, tendo o controlador deveres e responsabilidades para com os
demais acionistas, para com os empregados e para com a comunidade1566.
O interesse social não pode ser reduzido ao interesse de cada um
dos acionistas, mas sim ao seu interesse comum de realização do escopo
social1667. A especificidade da comunhão de interesses na sociedade
anônima consiste no fato de ser ela uma comunhão voluntária de
interesses. Os sócios reúnem-se para realizar um propósito comum,
cujo objetivo final é a produção de lucros e sua repartição entre eles.

1 665 A função social da empresa é u m desdobramento d a função social d a propriedade cuja


teoria, no Brasil, surgiu c o m a Constituição de 1 9 3 4 , ao estabelecer que é garantido o
direito de propriedade e que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo.
Mas, foi na Constituição de 1 9 6 7 e na Emenda Constitucional de 1 9 6 9 que se utilizou,
pela primeira v e z , a expressão função social da propriedade. A Constituição Federal de
1988 trata da função social da propriedade nos arts. 5 o , inciso III; 170, inciso III; 182, § 2 o ;
e 186. N o Código Civil, o princípio d a função social é a c o l h i d o nos arts. 421 e 1.228, §
I o . Posteriormente, c o m a Lei das S.A., a expressão "função social" passou a ser utilizada
em nosso regime societário, conforme estabelecido no parágrafo ú n i c o do Art. 116 e no
Art. 154. D e acordo c o m A N A F R A Z Ã O D E A Z E V E D O L O P E S . Empresa e Propriedade -
Função Social e Abuso d e Poder Econômico. S ã o Paulo: Quartier Latin, 2 0 0 6 , p. 119,
"além do reconhecimento expresso da função social, a Lei das S/A representou uma das
primeiras tentativas de definir a empresa não apenas sob o seu aspecto econômico, mas
também sob o seu aspecto institucional. Tanto é assim que afirma, no artigo já citado, que
os deveres e responsabilidades do acionista controlador não se restringem aos demais
acionistas, mas igualmente aos trabalhadores e à comunidade. A empresa é vista como
instituição cuja importância transcende à esfera econômica e passa a abarcar interesses
sociais dos mais relevantes, como a própria sobrevivência e o bem estar dos trabalhadores
que para ela prestam seus serviços e dos demais cidadãos que dividem com ela o mesmo
espaço social."
1666 Consta da Exposição de Motivos n° 196, de 2 4 . 0 6 . 1 9 7 6 , que "o princípio básico adotado
pelo Projeto, e que constitui o padrão para apreciar o comportamento do acionista
controlador, é o de que o exercício do poder de controle só é legítimo para fazer a
companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e enquanto respeita e atende
lealmente aos direitos e interesses de todos aqueles vinculados à empresa - os que nela
trabalham, os acionistas minoritários, os investidores do mercado e os membros da comu-
nidade em que atua."
1667 Sobre esse assunto, ver as decisões proferidas, respectivamente, pelas 4° e 8 a Câmaras do
Tribunal de Justiça do Estado de S ã o Raulo, no j u l g a m e n t o das A p e l a ç õ e s Cíveis n"s
448.309-4/2-00, Rei. Des. Teixeira Leite, j. e m 0 1 . 0 3 . 2 0 0 7 e 306.044.4/6-00, Rei. Des.
João Carlos Saletli, j. em 26.01.2005.
Ao acionista controlador compete, mais do que a qualquer outro só-
cio, o dever de atuar visando a alcançar tal finalidade, não só median-
te o exercício do voto, mas também definindo a política empresarial e
promovendo a sua aplicação pelos órgãos de administração1668.
A empresa, como unidade de produção, não congrega apenas
os interesses dos sócios da companhia, mas também os dos forne-
cedores, empregados, consumidores e de toda a comunidade na qual
exerce as suas atividades1669. A função social implica, portanto, em
um poder-dever do acionista controlador de dirigir a empresa para a
realização dos interesses coletivos1670.
Portanto, poderá configurar abuso por parte do acionista contro-
lador qualquer ato em que fique caracterizada a utilização de seu po-
der para atender a fins pessoais, em prejuízo dos interesses da sociedade
ou dos demais interesses que ele tem o dever de preservar.
O exercício do poder de controle não pode implicar beneficio uni-
lateral e exclusivo ao acionista controlador, mas deve levar em conside-
ração os interesses da companhia e da coletividade de seus acionistas.
O abuso de poder de controle caracteriza-se pela prática de
uma infração no exercício da prerrogativa legal de controle acio-
nário. Tendo em vista que o acionista controlador tem o dever de
usar o seu poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu

1 668 FÁBIO K O N D E R C O M P A R A T O e C A L I X T O S A L O M Ã O FILHO. O Poder de Controle na


Sociedade Anônima..., p. 382.
1 669 De acordo com EGBERTO L A C E R D A TEIXEIRA e JOSÉ A L E X A N D R E TAVARES GUERREIRO.
Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São Raulo: Ed. José Busliatsky, 1979,
p. 297, "não é apenas sob o aspecto da captação de poupanças junto ao público investi-
dor que se revela a função social da companhia. Como unidade de produção, a empresa
se insere no quadro econômico de uma nação como um veículo de riquezas, mobilizando
matérias-primas e produtos intermediários, comprando e vendendo, prestando serviços,
recolhendo tributos, assalariando empregados, enfim, contribuindo para o desenvolvi-
mento geral da comunidade."
1 670 Sobre esse assunto, ver E L O Y PEREIRA LEMOS J Ú N I O R . Empresa & Função Social. Curitiba:
Juruá, 2009, p. 152-179.
objeto e cumprir sua fruição social, a sua omissão também pode
configurar abuso de poder de controle1671.
Uma vez caracterizado o abuso no exercício do poder de comandar
os negócios sociais, deve o acionista controlador responder pelos danos
causados por sua conduta, conforme estabelece o caput do artigo 117.
Artigo 116-A
O artigo 116-A foi acrescentado à Lei das S.A. pela Lei n° 10.303/
2001 que consolidou o princípio do dever de informar atribuído a
determinados acionistas, que era, anteriormente, previsto em ato nor-
mativo da Comissão de Valores Mobiliários 1672 e nas regras do Novo
Mercado da BM&FBovespa 1 6 7 3 .
Assim, foi introduzido na Lei das S.A. o dever do acionista
controlador de companhia aberta e dos acionistas ou grupo de acio-
nistas que elegerem membro do conselho de administração ou do
conselho fiscal de informar à Comissão de Valores Mobiliários ou
entidades do mercado de balcão organizado, conforme o caso, qual-
quer modificação de suas participações acionárias.
Com relação aos acionistas, a Lei n° 10.303/2001 ampliou as hi-
póteses do dever de informar previstas na regulamentação da Comis-
são de Valores Mobiliários. Com a introdução do artigo 116-A, os

1671 Nesse sentido, R E N A T O V E N T U R A R I B E I R O . Direito d e Voto nas Sociedades Anônimas.


São Paujo: Quartier Latin, 2 0 0 9 , p. 3 6 2 ; F Á B I O K O N D E R C O M P A R A T O e C A L I X T O
S A L O M A O F I L H O . O Poder de Controle na Sociedade Anônima..., p. 364.
1672 Instrução C V M n° 299/1999, alterada pela instrução C V M n° 345/2000, estabelecia em
seu art. 6 o que a ocorrência de aumento, efetivo o u potencial (debêntures conversíveis,
bônus de subscrição, etc.), de 5 % (cinco por cento) na participação de acionista controlador
de companhia aberta deveria ser imediatamente c o m u n i c a d a , pelo mesmo controlador, à
C V M e às Bolsas de Valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os
valores mobiliários de emissão da companhia estivessem admitidos à negociação. O art. 7"
da Instrução n° 2 9 9 / 2 0 0 9 atribuía esse m e s m o dever, também, aos administradores e
membros do conselho fiscal, nos termos do referido art. 6 o .
1673 O Regulamento do N o v o Mercado, nos itens 9.1 e 9.1.1, estabelece que o acionista
controlador fica obrigado a comunicar à B M & F B o v e s p a a quantidade e as características
dos valores mobiliários de emissão da companhia de que seja titular direta ou indiretamen-
te, inclusive seus derivativos, bem como quaisquer negociações que vierem a ser efetuadas
relativas a tais valores mobiliários e seus derivativos, de forma detalhada.
aumentos superiores a 5% (cinco por cento) devem ser imediatamente
informados à Comissão de Valores Mobiliários e às Bolsas de Valores
ou às entidades do mercado de balcão organizado nas quais os valores
mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação.
De acordo com o artigo 116-A, passaram a ter o dever de informar
sobre a modificação de suas posições acionárias não apenas o acionista
controlador da companhia aberta, mas, também, os acionistas ou grupo
de acionistas que elegerem membro do conselho de administração ou do
conselho fiscal. Essa norma facilita a fiscalização e o combate ao insider
trading pela Comissão de Valores Mobiliários e pelas Bolsas de Valores
ou entidades do mercado de balcão organizado, que passam a receber
diretamente do acionista controlador e dos acionistas ou grupo de acio-
nistas que elegerem membro do conselho de administração ou do con-
selho fiscal informações sobre os negócios que tenham realizado1674.
As comunicações à Comissão de Valores Mobiliários e às Bol-
sas de Valores ou entidades do mercado de balcão organizado de-
verão ser realizadas nas condições e na forma estabelecida pela
própria Comissão de Valores Mobiliários1675-1676.
De acordo com a Lei das S.A., além dos acionistas (por força do
artigo 116-A), os sujeitos passivos do dever de informar são, também,
os administradores (artigo 157, § 6 o ) e membros do conselho fiscal
(artigo 165-A), pelo fato de também estarem sujeitos às penalidades
decorrentes da prática do insider trading^677.

1674 Sobre esse assunto, ver L U I Z L E O N A R D O C A N T I D I A N O . Reforma da Lei das S.A. Comen-
tada. Rio de janeiro: Renovar, 2002, p. 126.
1 675 Ver a Instrução C V M n° 358/2002, com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM n'N
369/2002 e 449/2007.
1676 M O D E S T O C A R V A L H O S A e N E L S O N EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Raulo: Saraiva,
2002, p. 207-209.
1677 Ver, também, o art. 13 da Instrução C V M n° 358/2002 e as alterações que lhe foram
introduzidas pelas Instruções C V M n " 369/2002 e 449/2007.
A R T . 1 1 7 - A LEI DAS S / A COMENTADA

Responsabilidade
"Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causa-
dos por atos praticados com abuso de poder.

§ I o São modalidades de exercício abusivo de poder:

a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou


lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra socieda-
de, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acio-
nistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da
economia nacional;

b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transfor-


mação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de
obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo
dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos in-
vestidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;

c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários


ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o inte-
resse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minori-
tários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em
valores mobiliários emitidos pela companhia;

d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecni-


camente;

e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar


ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e
no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua
ratificação pela assembleia geral;
f ) contratar com a companhia, diretamente ou através de ou-
trem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de
favorecimento ou não equitativas;

g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administrado-


res, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia
que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique funda-
da suspeita de irregularidade.

h) subscrever ações, para os fins do disposto no artigo 170, com


a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia.
(Incluída pela Lei n° 9.457/1997)

§ 2 o No caso da alínea edo § I o , o administrador oufiscalque praticar


o ato ilegal responde solidariamente com o acionista controlador.

§ 3 o O acionista controlador que exerce cargo de administrador ou


fiscal tem também os deveres e responsabilidades próprios do cargo."

RESPONSABILIDADE D O ACIONISTA CONTROLADOR

O exercício do poder de comandar os negócios sociais é lícito e


legítimo, exercendo o acionista controlador a soberania societária e
expressando a vontade da companhia.
O poder de controle na sociedade anônima, na medida em que
constitui um "direito-fúnção", é atribuído ao seu titular para a con-
secução de determinadas finalidades1678. Como ele não constitui um
poder absoluto, o legislador estabeleceu determinadas regras visan-
do a prevenir e reprimir eventuais abusos praticados pelo acionista
controlador. Além da norma que determina expressamente que o

1 678 FÁBIO K O N D E R C O M P A R A T O e C A L I X T O S A L O M Ã O FILHO. O Poder de Controle na


Sociedade Anônima. 4 a edição, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 363.
acionista controlador deve usar o seu poder para fazer a companhia rea-
lizar o seu objeto e cumprir sua função social (artigo 116, parágrafo úni-
co), a Lei das S.A., neste artigo, estabeleceu que o acionista controlador
responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.
Tanto a Lei das S.A. como a regulamentação expedida pela Co-
missão de Valores Mobiliários1679 estabelecem o princípio básico de
que constitui abuso de poder de controle qualquer decisão que não
tenha por finalidade o interesse social, mas que vise a beneficiar ex-
clusivamente o acionista controlador, em detrimento da sociedade,
dos acionistas minoritários e de terceiros.
Poderá configurar abuso por parte do acionista controlador qual-
quer medida em que fique caracterizada a utilização de seu poder para
atender a fins pessoais, em prejuízo dos interesses da sociedade ou
dos demais interesses que ele tem o dever de preservar1680-1681.
O exercício do poder de controle não pode implicar benefício
unilateral e exclusivo ao acionista controlador, devendo privilegiar os
interesses da companhia e da coletividade de seus acionistas.
Uma vez caracterizado o abuso no exercício do poder de coman-
dar os negócios sociais, deve o acionista controlador responder pelos
danos causados por sua conduta, conforme estabelece o caput deste
artigo. A sanção prevista para o abuso no poder de controle, salvo

1 679 Instrução C V M n° 323/2000.


1 680 JOSÉ E D W A L D O TAVARES B O R B A . Direito Societário. 11 a edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2 0 0 8 , p. 350.
1681 O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n° 113.446-1-RJ,
Rei. Min. Moreira Alves, j. em 14.10.1998, publicado no D J U em 16.12.1988, In: NEL-
S O N E I Z I R I K . S o c i e d a d e s Anônimas - Jurisprudência. Rio de Janeiro: Renovar, 1996,
p. 132, assim definiu o abuso do poder de controle: " O abuso do poder de controle resulta
da causa ilegítima de decisões tomadas com a única finalidade de prejudicar uma categoria
de acionistas ou para satisfazer os interesses exclusivamente pessoais de alguns deles.
Nessa hipótese, o controle é desviado de suas finalidades legítimas que são de assegurar a
acumulação do patrimônio social e a prosperidade da empresa. Adotando-se essa posição,
bastante razoável, o abuso de poder se traduziria em uma causa ilegítima dos atos pratica-
dos, com alguma dessas finalidades: a) prejudicar uma categoria de acionistas; b) satisfazer
exclusivamente interesses pessoais de alguns deles."
quando ocorre na assembleia geral, hipótese em que há previsão da
anulabilidade da deliberação tomada em decorrência do voto do acio-
nista em situação conflitante com o interesse da companhia (artigo
115, § 4 o ), é apenas a de perdas e danos, não existindo previsão legal
de desconstituição do ato abusivo.
Para que fique caracterizada a atuação abusiva do acionista con-
trolador, seja na esfera civil, seja na esfera administrativa, no curso de
processo administrativo sancionador instaurado pela Comissão de Va-
lores Mobiliários, deve haver a prova do dano efetivo1682 por ele causa-
do à sociedade ou a seus acionistas, devendo a lesão ser concreta e
atual, não meramente possível ou hipotética1683-1684-1685.
A jurisprudência, em reiteradas decisões, tem exigido a efetiva com-
provação do dano causado pelo acionista controlador para a caracteriza-
ção de sua responsabilidade, não podendo a mera configuração do abuso,
sem a prova correspondente dos danos sofridos pelo autor da ação, ense-
jar a condenação ao pagamento de indenização1686-1687; requer-se a pro-
va do abuso de poder e da ocorrência do dano efetivo, concreto e atual,
patrimonialmente ressarcível, cujo ônus cabe ao autor da ação1688. Mes-
mo que o controlador tenha incidido em uma das modalidades previs-
tas como abuso de poder, se não houver dano concreto, não será ele

1682 Sobre esse assunto, ver o Parecer CVM/SJU n° 022/1980.


1 683 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2, 4 a edição,
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 507.
1 684 Ver decisão proferida pelo Superior Tribunal de justiça no julgamento do Recurso Especial
n° 798.264-SP, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes de Direito, j. em 06.02.2007.
1 685 Sobre esse assunto, ver L U I Z C A S T Ã O PAES DE BARROS LEÃES. Comentários à Lei das S.A.
v. 2, Rio de Janeiro: Saraiva, 1980, p. 257.
1686 Ver decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Raulo no julgamento dos Embargos
Infringentes n° 29.481-1, Rei. Des. Mareio Bonilha, j. em 28.03.1985, e do Superior Tribunal
de Justiça no julgamento do Recurso Especial n c 10.836, Rei. Min. Cláudio Santos, j. em
04.02.1992, in: N E L S O N EIZIRIK. Sociedades Anônimas - Jurisprudência..., p. 89 e 157.
1 687 Ver decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial
n° 798.264-SP, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes de Direito, j. em 06.02.2007.
1 688 Ver decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Raulo, proferida no julgamento dos
Embargos Infringentes n° 29.481-1, Rei. Des. Mareio Bonilha, j. em 28.03.1985, N E L S O N
EIZIRIK. Sociedades Anônimas - Jurisprudência..., p. 89.
responsabilizado1689. Ademais, a demonstração da inconveniência de
certas deliberações e da excelência de outras, não adotadas, mas acei-
tas pela maioria do capital votante, não basta para configurar o abuso
de poder da controladora1690.
Assim, a orientação dos Tribunais, diversamente do que ocorre com
a Comissão de Valores Mobiliários, de cujas decisões sobre a matéria não
se pode extrair um entendimento uniforme1691, define o abuso de poder
de controle como a conduta do acionista controlador na direção dos ne-
gócios contrária ao interesse social, da qual resultem prejuízos concretos
e atuais para a sociedade, para seus acionistas ou para terceiros.
A jurisprudência judicial tem sido bastante cautelosa na apre-
ciação da responsabilidade civil do acionista controlador pelas se-
guintes razões: (i) o seu caráter excepcional, uma vez que sempre
prevaleceu, em nosso ordenamento societário, o princípio da res-
ponsabilidade limitada dos acionistas (artigo I o ); (ii) a dificuldade
de os tribunais analisarem a gestão empresarial, devendo-se presu-
mir a sua legitimidade, até prova em contrário; e (iii) a necessidade
de ficarem comprovados os danos concretos causados à companhia
pela ação abusiva do controlador. Nesse sentido, já se manifestou o
entendimento de que, quando os choques entre os controladores e
minoritários põem em risco a sobrevivência da companhia, cabe à
maioria acionária exercer a gestão empresarial. Não pode o controle
da legalidade dos atos da administração e da assembleia, criado para

1689 Ver decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, proferida no julgamento da
A p e l a ç ã o C í v e l n° 2 0 0 1 . 0 0 1 . 1 0 2 9 6 , Rei. D e s . Mauro Fonseca Pinto Nogueira, j. em
28.08.2001.
1690 Voto do Ministro Moreira Alves, no Recurso Extraordinário n° 113.446-RJ, relatado por ele
mesmo, j. em 14.10.1988, In: N E L S O N EIZIRIK. Sociedades Anônimas - Jurisprudência...,
p. 132.
1 691 O s membros do C o i e g i a d o da C V M , e m alguns processos sancionadores, analisam os
danos concretos ou "potenciais" causados pela conduta do controlador; em outros, não
consideram necessário demonstrar os danos, passando ao largo da questão. Embora o
abuso de poder do controlador seja invocado em vários processos sancionadores, a juris-
prudência administrativa da C V M sobre a matéria ainda não possibilita a identificação de
orientações consistentes e uniformes.
se evitar a violação da lei, não para dotar a minoria de um poder
soberano, impedir a marcha normal dos negócios sociais1692.
MODALIDADES DE ABUSO DE PODER DE CONTROLE ACIONÁRIO

No § I o , a Lei das S.A. enumera, exemplificativamente1693, as


seguintes modalidades de abuso de poder de controle acionário1694-1695:
"a) orientar a companhiaparafim estranho ao objeto social oulesivo ao
interesse nacional, oulevá-laafavorecer outra sociedade, brasileira ou
estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários
nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional".

A alínea "a" descreve 3 (três) modalidades de comportamento


abusivo do controlador: (i) orientar a companhia para fim estra-
nho ao objeto social; (ii) orientá-la para fim "lesivo ao interesse
nacional"; e (iii) levá-la a favorecer outra sociedade, em prejuízo
dos minoritários ou da "economia nacional".
As expressões "interesse nacional" e "economia nacional" cons-
tituem "topoi.", ou seja, lugares-comuns, expressões de certa forma
vazias, que permitem ao aplicador das normas o poder de "preenchê-las",
diante de casos concretos e conforme a sua vontade. Na realidade,
tais padrões de conduta são de remota aplicação, uma vez que deveria

1 692 Ver decisão da 4 o Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo no julgamento do A g r a v o Regimental n° 1 0 5 . 0 6 0 - 4 / 5 - 0 1 , Rei. Des. Barbosa
Pereira, j. em 17.12.1998.
1693 A Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, ao tratar do § 1 o do art. 117 da Lei das
S.A., informou que a relação dele constante trata de "modalidades mais freqüentes de
exercício abusivo do poder pelo controlador" e que o "Projeto não exclui outras hipóteses,
que a vida e a aplicação da lei se incumbirão de evidenciar."
1 694 Sobre esse assunto, ver P E D R O A . BATISTA MARTINS, "Responsabilidade de Acionista
Controlador - Considerações Doutrinária e Jurisprudencial", Revista de Direito Bancário e do
Mercado de Capitais. São Raulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 27, janeiro-março, 2005, p. 42-63.
1 695 L U I Z G A S T Ã O PAES D E B A R R O S LEÃES, "Conflito de Interesses". In: Estudos e Parece-
res sobre Sociedades Anônimas. São Paulo: RT, 1989, p. 16, observa que ocorre o
ab uso de direito quando o agente desconsidera "a finalidade social para a qual o
direito subjetivo foi concedido" ou quando ele o "exerce sem qualquer interesse
legítimo. O abuso de direito ê, em suma, um desvio no seu exercício regular, seja por
faltar ao titular legítimo interesse para exercê-lo daquele modo; seja porque a sua
destinação econômica e social tenha sido frustrada."
o Ministério Público, legitimado para propor a ação, demonstrar a
lesão ao interesse ou à economia nacional, bem como os danos con-
cretos causados pelo comportamento abusivo1696.
O abuso de poder consistente em orientar a companhia para fim
estranho ao objeto social ocorre quando o acionista controlador vota
em assembleia geral ou orienta a atuação dos administradores no sen-
tido de desviar os negócios da companhia para outros fins, não pre-
vistos estatutariamente como integrantes de seu objeto social1697.
Tal modalidade de abuso - desvio do objeto social - não se
confunde com a alteração estatutária do objeto social, objeto de de-
liberação válida pela assembleia geral, e da qual pode decorrer, por
parte dos acionistas dissidentes, o exercício do direito de recesso
(artigos 136, inciso VI, e 137).
A modalidade também prevista na alínea "a", consistente em levar a
companhia a favorecer outra sociedade em prejuízo da participação dos
acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, é das mais
relevantes, ocorrendo muitas vezes na prática dos negócios, particularmen-
te em grupos de sociedades "de fato", nos quais não há, como nos grupos
de direito, uma convenção de grupo (artigo 265). A administração geral do
grupo de direito pode adotar legitimamente medidas contrárias ao interes-
se dos acionistas minoritários de cada companhia que o integra, desde que
previstas na convenção (artigo 276). Já no caso dos "grupos de fato" (ex-
pressão não utilizada na Lei das S.A.), as sociedades integrantes encon-
tram-se vinculadas apenas por meio de participação acionária, mediante
relação de controle ou de coligação, sem uma convenção de grupo, preser-
vando cada companhia sua plena autonomia, sem qualquer subordinação
aos interesses gerais do grupo ou da sociedade controladora1698.

1696 Art. 129 da Constituição Federal.


1 697 N E L S O N EIZIRIK, A R I Á D N A B. G A A L , F L Á V I A PARENTE e M A R C U S D E FREITAS HENRIQUES.
Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 389.
1 698 Sobre esse assunto, ver os acórdãos proferidos na Apelação Cível n° 2006.001.2005, da I a
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Rei. Des. Cláudio Mello
Tavares, j. em 22.03.2006; na Apelação Cfvel n° 69.230.4/9-SP, do Tribunal de Justiça do
As relações mantidas entre as sociedades integrantes do "grupo
de fato" devem obedecer a condições estritamente comutatlvas, res-
pondendo a sociedade controladora por atos praticados com abuso de
poder (artigos 245 e 246). Tais sociedades devem manter a sua plena
autonomia, sua independência nas respectivas políticas empresariais,
evitando a confusão patrimonial entre controladora e controlada e,
principalmente, a manipulação do patrimônio da segunda em favor
da primeira, prática caracterizadora do abuso de poder de controle1699.
Não são proibidas as operações entre sociedade controladora e
controlada, desde que observadas condições estritamente comutati-
vas, ou com pagamento compensatório adequado (artigo 245). O ca-
ráter comutativo das relações entre sociedade controladora e controlada
assegura a existência de uma "via dupla", de modo que a primeira não
favoreça nem prejudique a segunda. Por comutatividade, deve enten-
der-se a equivalência entre as prestações das partes. Assim, são co-
mutativas as relações equilibradas, existentes quando cada uma das
partes compromete-se a dar ou fazer algo equivalente ao que recebe.
O Direito Societário tem buscado identificar alguns critérios para
aferir a legitimidade do comportamento do controlador, tendo em vista a
configuração do caráter comutativo das relações mantidas com a contro-
lada. Há 2 (dois) testes básicos para a aferição do comportamento equita-
tivo do acionista controlador: comparação da operação com outra,
hipotética; ou com outras similares, realizadas no mercado1'00.
Conforme o primeiro teste, denominado no direito norte-ameri-
cano arms-length bargain comparison, a decisão não será considerada

Estado de São Raulo, Rei. Des. Ruiter Oliveira, j. em 23.06.1998; e Decisão do Colegiado
da C V M no julgamento do Inquérito Administrativo C V M n" 04/1999, Rei. Dir. Norma
Parente, j. em 17.04.2002.
1699 N E L S O N E I Z I R I K , A R I Á D N A B. G A A L , F L Á V I A P A R E N T E e M A R C U S D E FREITAS
HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico..., p. 390.
1 700 N E L S O N EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 130 e
seguintes.
equitativa se o resultado da operação, para a companhia controlada, for
menos vantajoso do que seria caso tivesse sido tomada por uma pessoa
independente, sem qualquer conflito de interesses. D e acordo com o
segundo teste (o fairness test), a decisão será tida como ilegítima se o
resultado da operação for menos vantajoso para a companhia do que o
verificado em outras, realizadas no mercado por partes independentes1701.
Tais testes são particularmente relevantes quando as companhias en-
volvidas têm administradores comuns iinterlocking directors)\ em tal si-
tuação é necessário examinar se os negócios seriam celebrados ainda
que não houvesse nenhuma relação entre as partes envolvidas1702.
O acionista controlador e os administradores das companhias
devem considerar não apenas se o negócio será equitativo, mas
também se a operação está atendendo aos melhores interesses das
sociedades envolvidas.
Assim, pode ficar caracterizada a responsabilidade do acionista
controlador se ficar demonstrado que o negócio: (i) ocorreu fora dos
padrões geralmente adotados no mercado em operações semelhan-
tes; (ii) não foi realizado de forma a atender aos melhores interesses
da companhia; e (iii) não teria sido concluído se as partes fossem
independentes ou não interessadas 1703 .

"b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transfor-


mação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de
obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo
dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos in-
vestidores em valores mobiliários emitidos pela companhia".

1701 R O B E R T C . C L A R K . Corporate Law. Boston: Litlle, Brown and Company, 1986, p. 147
e seguintes.
1702 R O B E R T W. H A M I L T O N . The Law of Corporations in a Nutshell. St. Paul: West Group,
2 0 0 0 , p. 4 8 6 - 4 8 8 .
A norma visa a proteger os diversos interesses que podem ser
afetados pela atuação do acionista controlador: os dos acionistas mi-
noritários, os dos empregados e os dos investidores da companhia.
A liquidação de companhia próspera, assim como as diversas
modalidades de reestruturação societária - transformação, incorpora-
ção, fusão ou cisão não podem ser realizadas se de interesse exclu-
sivo do acionista controlador, em prejuízo dos demais acionistas,
empregados e investidores.
Aplicam-se os mesmos princípios e testes acima enunciados,
tendo em vista a apuração do caráter comutativo da operação. Parti-
cularmente no caso de operação de reestruturação societária entre
companhia controladora e controlada, ou companhias sob controle
comum, é fundamental perquirir sobre o atendimento ao interesse
social das companhias envolvidas, estabelecendo a Lei das S.A. pro-
teção adicional aos acionistas minoritários em operações de incor-
poração, incorporação de ações e fusão (artigo 264).
Quando a operação é realizada entre sociedade controladora e
controlada, não se verifica o caráter bilateral que assegura os inte-
resses dos minoritários das companhias envolvidas, visto que o mes-
mo acionista controlador decide pelos 2 (dois) lados da operação,
daí justificando-se o regime especial — determinado pela Lei das
S.A. - de proteção dos minoritários1704.
Em tal hipótese, a legitimidade da operação decorrerá de seu ca-
ráter comutativo, se forem atendidos os interesses de todas as socie-
dades envolvidas, sem a geração de benefícios econômicos indevidos
para o acionista controlador. Para reduzir o risco da responsabilidade,
é recomendável a apresentação de estudo que demonstre as vanta-
gens econômicas e financeiras da operação para as sociedades envol-
vidas, como a redução de custos, a ocorrência de sinergias na integração
das atividades, a possibilidade de captar mais facilmente recursos no
mercado de capitais, o aumento na capacidade de competição, etc.
"c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários
ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o inte-
resse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritá-
rios, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores
mobiliários emitidos pela companhia".

Presume-se a legitimidade dos atos praticados no exercício do poder


de controle, dada a prevalência do princípio majoritário. O acionista
controlador poderá ser responsabilizado pelos danos quando deliberar
alterar o estatuto, emitir valores mobiliários, ou adotar políticas ou deci-
sões que: (i) não tenham por fim o interesse da companhia; e (ii) visem
a causar prejuízo aos acionistas minoritários, aos empregados ou aos
investidores em títulos emitidos pela companhia 1705 .
A Lei das S.A. claramente exige a existência cumulativa dos requi-
sitos constantes das alíneas "(i)" e "(ii)" acima. Ocorrendo dano real, em
virtude da orientação dada pelo controlador, desde que na decisão tenha
havido desvio de finalidade, é suficiente para que se caracterize a respon-
sabilidade, uma vez que presentes: a ação; a culpa (uso abusivo do poder
de controle); a relação de causalidade; e o dano sofrido pela vítima1706.
Isso não significa que o acionista controlador possa ser respon-
sabilizado quando adotar uma decisão que posteriormente revele-se
inadequada, causando danos à companhia. Assim, por exemplo, se
resolve investir parcela significativa dos recursos na companhia em

1705 D e a c o r d o c o m W A L F R I D O J O R G E W A R D E J Ú N I O R . Responsabilidade dos Sócios: a


Crise da Limitação e a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Belo Hori-
zonte: Del Rey, 2007, p. 312, a transferência de propriedade, da sociedade para os sócios,
de quaisquer bens e elementos do ativo, sem que decorram da dissolução e liquidação da
sociedade, ou da retirada ou exclusão do sócio, pode configurar a apropriação, por parte
dos sócios, de meios de produção da sociedade, e, portanto, conforme recente doutrina,
o que se pode chamar de pagamento indevido de dividendos.
1 706 F E R N A N D O B O I T E A U X . Responsabilidade Civil do Acionista Controlador e da Sociedade
Controladora. R i o de Janeiro: Forense, 1988, p. 72.
determinado empreendimento, inserido no objeto social, que não
produz os resultados esperados, não poderá ser responsabilizado por
tal fato, exceto se ficar demonstrado que tomou tal decisão não no
interesse social, mas em seu interesse próprio.
Ademais, a decisão ilegal, para ensejar a responsabilidade do con-
trolador, deve estar inserida em sua esfera de atuação. Eventuais atos
ilegais praticados por administradores, nos limites de sua competên-
cia, não podem ser imputados ao acionista controlador, exceto se ficar
demonstrado que se originaram de determinação sua1707.
A adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o
interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas mino-
ritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores
mobiliários emitidos pela companhia, só configurará exercício abusi-
vo do poder de controle quando, além desse ato do controlador, os
órgãos sociais adotarem e colocarem em prática essa política170S.

"d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou


tecnicamente".

O acionista controlador responde por eleger membro do conselho


de administração ou da diretoria, assim como membro do conselho fis-
cal, que sabe, ou deveria saber, se exercesse um mínimo de diligência,
incapacitado, por razões técnicas ou morais, para o exercício de tais car-
gos. A falta de aptidão deve ser conhecida, ou passível de ser descoberta,

1707 No Processo Administrativo Sancionador C V M n° RJ 10/2003, Rei. Dir. Norma Rirente, j. em


08.12.2005, em que se discutia a eventual ilegalidade da contratação do diretor-presidente de
uma companhia aberta, a C V M decidiu que não caberia a responsabilização do controlador por
fatos que, ainda que ilegais, estavam na esfera de atuação exclusiva do conselho de administração.
1 708 Sobre esse assunto, A L F R E D O LAMY FILHO e JOSÉ L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA, "Modalida-
des do Abuso do Poder do Controle" In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira
(Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 850, observam que:
"O abuso do poder do controlador somente pode existir, ser conhecido e ter efeitos jurídicos,
quando se manifesta sob a forma de atos dos órgãos sociais: a Lei não dispõe sobre iiicitude de
uma política, considerada abstratamente, ou apenas formulada, mas de atos concretos que são
ilícitos porque orientados para fins extrassociais; o caput do artigo 117 é expresso em declarar
que o acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de
poder, e não pela formulação de políticas globais cuja execução ou adoção não se manifesta
sob a forma de atos ilícitos."
para que se caracterize a responsabilidade do controlador em indenizar
os prejuízos decorrentes de sua culpa in eligendo.
A Lei das S.A. determina que, "quando a lei exigir certos requisitos
para a investidura em cargo de administração da companhia, a assembleia
geral somente poderá eleger quem tenha exibido os necessários comprovantes''
(artigo 147, capui). Estabelece, ainda, que são inelegíveis para os cargos
de administração as "'pessoas impedidas por lei especial, ou condenadas por
crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concessão, peculato, con-
tra a economia popular, a f é pública ou a propriedade, ou a pena criminal que
vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos' (artigo 147, §
I ). Na companhia aberta, são também inelegíveis as pessoas declaradas
o

inabilitadas pela Comissão de Valores Mobiliários (artigo 147, § 2 o ).


O conselheiro deve ter reputação ilibada e, salvo dispensa da as-
sembleia geral, não podem ser eleitos aqueles que: (i) ocuparem cargos
em sociedades que possam ser consideradas concorrentes no mercado,
em especial, em conselhos consultivos, de administração ou fiscal; e (ii)
tiverem interesse conflitante com a sociedade (artigo 147, § 3 o ).
A Lei das S.A. estabelece também que somente podem ser eleitos
para o conselho fiscal "pessoas naturais, residentes no País, diplomadas
em curso de nível universitário, ou que tenham exercido por prazo mínimo
de 3 (três) anos, cargo de administrador de empresa ou de conselheiro fiscal'
(artigo 162, caput), sendo vedada a eleição das pessoas acima mencio-
nadas de administradores e empregados da companhia ou de socieda-
de controlada ou do mesmo grupo e o cônjuge ou parente até o terceiro
grau, de administrador da companhia (artigo 162, § 2 o ).
O simples insucesso na condução dos negócios não induz a
responsabilidade do controlador referentemente à inaptidão do ad-
ministrador ou membro do conselho fiscal 1709 .

1 709 F E R N A N D O B O I T E A U X . Responsabilidade Civil do Acionista Controlador e da Sociedade


Controladora..., p. 72.
"e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar
ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no
estatuto, promover, contra o interesse da companliia, sua ratifi-
cação pela assembleia geral".

O dispositivo visa a coibir 2 (duas) modalidades de práticas abusi-


vas: (i) a de induzir ou tentar induzir membro do conselho de adminis-
tração, diretor ou membro do conselho fiscal a praticar ato ilegal1710; e
(ii) a de promover a ratificação de atos ilegais por eles praticados, contra
o interesse da companhia.
O objetivo da norma é evitar que o poder de eleger redunde no
poder de corromper, presumindo a Lei das S.A. que o acionista contro-
lador abusa da sua posição de força quando induz ou tenta induzir o
administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou quando promove, contra
o interesse social, sua ratificação pela assembleia geral. Assim, configu-
ram o abuso tanto a prática do ato ilegal em nome da companhia como
a sua suposta convalidação pela assembleia geral1711.
Quando o administrador ou fiscal pratica o ato ilegal, responde
solidariamente com o acionista controlador pelos danos dele decorren-
tes, no termos do § 2 o1712 .
"f) contratar com a companhia, diretamente ou através de ou-
trem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de
favorecimento ou não equitativas".

1710 N o Processo Administrativo Sancionador C V M n° RJ 02/2003, Rei. Dir. Maria Helena


Santana, j. em 2 4 . 0 7 . 2 0 0 7 , a C V M puniu o acionista controlador por ter induzido o
diretor de relações com os investidores a não publicar fato relevante referente à decisão de
realizar oferta pública de aquisição das ações dos minoritários para promover o cancela-
mento do registro de companhia aberta. N o caso, entendeu-se que o dano decorrente da
conduta do controlador ficara demonstrado, uma vez que haviam sido prejudicados os
acionistas da companhia que venderam as suas ações sem saber dos planos para o "fecha-
mento de capital".
1 711 E G B E R T O L A C E R D A TEIXEIRA e JOSÉ A L E X A N D R E TAVARES G U E R R E I R O . Das Sociedades
Anônimas no Direito Brasileiro, v. 1, São Raulo: José Bushatsky, 1979, p. 300.
1 712 N o mesmo sentido é o § 5 o do art. 158 da Lei das S.A., ao determinar que "responderá
solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para
outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto." Ver, também,
os comentários ao art. 165 da Lei das S.A.
A princípio, não está o acionista controlador proibido de contra-
tar com a companhia, direta ou indiretamente, desde que o faça em
condições equitativas, sem obter nenhum tratamento benéfico. O
fundamento da restrição está no fato de que existe, em tal hipótese,
situação assemelhada à do contrato consigo mesmo 1713 .
Para que se possa verificar o caráter equitativo da contratação,
devem ser aplicados os mesmos testes e princípios antes menciona-
dos, nos comentários à alínea "a".
Não há proibição, em princípio, a que o controlador contrate com
a companhia, por exemplo, a prestação de determinados serviços. Os
serviços, porém, devem ser necessários ou úteis à companhia, obser-
vando as condições existentes no mercado para contratos da mesma
natureza, com relação a preço, condições de pagamento, hipóteses de
rescisão, etc.1714. É recomendável que a deliberação do órgão compe-
tente que aprovar a contratação demonstre, se possível com estudos
independentes, que estão sendo observadas as condições de mercado.

"g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administrado-


res, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que
saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada sus-
peita de irregularidade".

A norma prevê 2 (duas) modalidades de atos abusivos: (i) a apro-


vação de contas para acobertar atos irregulares ou ilegais dos admi-
nistradores; e (ii) a o m i s s ã o na apuração de denúncias de
irregularidades da administração.
A primeira hipótese é de grande relevância prática, uma vez que, nos
termos da Lei das S.A., a aprovação das demonstrações financeiras acarre-
ta a exoneração da responsabilidade dos administradores (artigo 134, § 3o).

1 713 FAB I O K O N D E R C O M P A R A T O e C A L I X T O S A L O M Ã O F I L H O . O Poder de Controle na


Sociedade Anônima..., p. 403.
1 714 Sobre a divulgação de operações entre "partes relacionadas" no âmbito das demonstrações
financeiras, ver o C P C 05 ( R I ) - "Divulgação sobre Partes Relacionadas", aprovado pela
Deliberação C V M n° 642/2010.
Com efeito, a aprovação das contas, sem reservas, apresenta efi-
cácia liberatória dos administradores, significando que a companhia
renuncia a exigir-lhes responsabilidade por eventuais danos causados
ao seu patrimônio ms . Uma vez deliberada pela assembleia a aprovação
das contas, a exoneração da responsabilidade não pode ser desconstituí-
da por simples ato posterior da própria sociedade, cabendo-lhe ir ao Judi-
ciário para que seja reconhecido o vício que invalida a deliberação1716.
Ao aprovar ou fazer aprovar contas irregulares dos administra-
dores, o controlador acoberta atos ilegais e libera a responsabilidade
dos administradores por sua prática, impedindo a companhia de co-
brar deles os prejuízos causados ao patrimônio social, incorrendo na
prática de abuso de poder1717.
A segunda modalidade prevista na alínea "g" consiste na omissão
propositada na apuração de denúncias, que o acionista controlador sabe
ou devia saber, atuando com diligência, procedentes. Ao não apurar as
denúncias, o acionista controlador obstrui o direito da companhia de
propor ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos pre-
juízos causados ao seu patrimônio1718.
"h) subscrever ações, para os fins do disposto no artigo 170, com
a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia".

Trata-se de modalidade de comportamento abusivo acrescentada


pela Lei n° 9.457/1997, consistente na integralização do capital, por ocasião
de seu aumento, com bens estranhos ao objeto social da companhia.

1715 ALBERTO XAVIER. Administradores de Sociedades. São Paulo: RT, 1979, p. 107; NELSON
EIZIRIK. Temas de Direito Societário..., p. 112.
1716 ALFREDO LAMY FILHO. Temas de S.A. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 288.
1717 D e acordo com o arl. 177, § 1 o , inciso VII, do Código Penal, o acionista controlador
poderá responder como coautor em ação penal, se aprovar ou fizer aprovar contas irregu-
lares do administrador. Determina esse dispositivo que incorrem na pena de reclusão, de 1
(um) a 4 (quatro) anos, se o fato não constitui crime contra a economia popular, "o diretor,
gerente ou fiscal que, por interposta pessoa, ou conluiado com acionista, consegue a
aprovação de conta ou parecer".
Assim, por exemplo, se a companhia tem por objeto a produção
de ligas metálicas e o controlador subscreve ações em aumento de
capital com maquinário destinado à produção de tecidos, fica carac-
terizado o abuso do poder, pois tais bens são estranhos ao objeto social.
Por outro lado, há casos em que o bem entregue pelo controlador a
título de integralização do capital é, por exemplo, uma máquina que
pode ser utilizada pela companhia no desenvolvimento de suas ativi-
dades sociais e o aumento de capital pode ser considerado abusivo,
uma vez que a companhia pode não necessitar, naquele momento, de
expandir a sua capacidade de produção, ou então, a máquina, por ra-
zões técnicas, não atende aos interesses da companhia1719.
E m alguns casos, os bens objeto da integralização do capital,
por parte do acionista controlador, não estão diretamente relacio-
nados ao objeto social, mas são compatíveis com o interesse social
e, por isso, não se caracteriza o abuso 1720 .
De acordo com o § 2 o , também responde solidariamente com o
acionista controlador o administrador ou membro do conselho fiscal que
praticar atò ilegal. O administrador não é pessoalmente responsável pe-
las obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato
regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que cau-
sar, quando proceder (i) dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa
ou dolo; e (ii) com violação da lei ou do estatuto (artigo 158, capui).
Os membros do conselho fiscal também respondem pelos da-
nos decorrentes de omissão no cumprimento de seus deveres e de

1719 A L F R E D O L A M Y F I L H O e J O S É L U I Z B U L H Õ E S P E D R E I R A , "Modalidades de Abuso do


Poder do Controle" In: Alfredo Lamy Filho e José L u i z Bulhões Pedreira (Coord.). Direito
das Companhias..., v. I, p. 851.
1720 Sobre esse assunto, J O S É E D W A L D O TAVARES B O R B A . Direito Societário..., p. 351, observa
que "os bens não são estranhos ou pertinentes ao objeto social, mas sim compatíveis ou não
com o interesse social. Um imóvel, por exemplo, pode ser ou não do interesse da companhia,
independentemente de tratar-se de uma empresa imobiliária. A integralização 'de capital com
créditos, semelhantemente, poderá interessar à sociedade, ainda que não se cuide de uma
instituição financeira."
atos praticados com culpa ou dolo, ou com violação da Lei das S.A.
ou do estatuto (artigo 165, caput)1721.
Nos termos do § 3 o , se o acionista controlador exercer cargo de
administrador ou membro do conselho fiscal da companhia, terá, adi-
cionalmente, os deveres e responsabilidades próprios do cargo defini-
dos em outros artigos da Lei das S.A.1722.
A Comissão de Valores Mobiliários promulgou ato normativo
que adicionou, para o caso das companhias abertas, também exem-
plificativamente, modalidades de condutas abusivas do acionista
controlador1723-1724-1725.
No que se refere às operações de incorporação, fusão e cisão en-
volvendo companhia aberta, a Comissão de Valores Mobiliários, sem
prejuízo de outras disposições legais ou regulamentares, também elen-
cou diversas hipóteses de exercício abusivo do poder de controle1726.

1 721 De acordo com o art. 2 o , § I o , da Instrução C V M n° 323/2000, também responde solidariamen-


te com o controlador, além dos administradores, fiscais e integrantes de órgãos consultivos
da companhia, as pessoas naturais ou jurídicas que tenham concorrido para a prática do
exercício abusivo do poder de controle.
1 722 Ver os comentários ao arts. 158, 159 e 165 da Lei das S.A.
1723 A Lei n° 6.385/1976, no inciso IV, alínea "b", do art. 4°, determinou que a C V M exercerá
as atribuições previstas na lei para proteger os titulares de valores mobiliários e os investi-
dores do mercado contra "atos ilegais de administradores e acionistas controladores das
companhias abertas, ou de administradores de carteira de valores mobiliários". No art. 9 o ,
inciso V, por sua vez, com a redação dada pela Lei n° 10.303/2001, dispôs que compete
à C V M "apurar, mediante processo administrativo, atos ilegais e práticas não equitativas de
administradores, membros do conselho fiscal e acionistas de companhias abertas, dos
intermediários e dos demais participantes do mercado".
1724 Instrução C V M n° 323/2000. Tendo em vista que praticamente todas as modalidades de
condutas abusivas elencadas pela C V M já estão previstas como standards de conduta, no
§ 1° do art. 117, essa norma regulamentar pouco contribuiu para a melhor disciplina da
conduta do acionista controlador.
1725 N E L S O N E I Z I R I K , A R I Á D N A B. G A A L , F L Á V I A P A R E N T E e M A R C U S D E FREITAS
FIENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico..., p. 388-400.
1726 Ver o art. 15 da Instrução C V M n° 319/1999, com as alterações introduzidas pelas Instru-
ções C V M n " 320/1999 e 349/2001.
SEÇÃO V

A C O R D O DE ACIONISTAS

"Art. 118. O s acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas


ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou
do poder de controle deverão ser observados pela companhia quan-
do arquivados na sua sede. (Redação dada pela Lei n° 10.303/2001)

§ I o A s obrigações ou ônus decorrentes desses acordos somente


serão oponíveis a terceiros, depois de averbados nos livros de re-
gistro e nos certificados das ações, se emitidos.

§ 2 o Esses acordos não poderão ser invocados para eximir o acio-


nista de responsabilidade no exercício do direito de voto (artigo
115) ou do poder de controle (artigos 116 e 117).

§ 3 o N a s condições previstas no acordo, os acionistas podem pro-


mover a execução específica das obrigações assumidas.

§ 4 o A s ações averbadas nos termos deste artigo não poderão ser


negociadas e m bolsa ou n o mercado de balcão.

§ 5 o N o relatório anual, os órgãos d a administração da compa-


nhia aberta informarão à assembleia-geral as disposições sobre
política de reinvestimento de lucros e distribuição de dividendos,
constantes de acordos de acionistas arquivados na companhia.

§ 6 o O acordo de acionistas cujo prazo for fixado em função de


termo ou condição resolutiva somente p o d e ser denunciado se-
gundo suas estipulações. (Incluído pela L e i n ° 10.303/2001)

§ 7 o O mandato outorgado nos termos de acordo de acionistas


para proferir, em assembleia-geral ou especial, voto contra ou a
favor de determinada deliberação, poderá prever prazo superior
ao constante do § I a do artigo 126 desta Lei. (Incluído pela Lei n°
10.303/2001)

§ 8 o O presidente da assembleia ou do órgão colegiado de delibe-


ração da companhia não computará o voto proferido com infra-
ção de acordo de acionistas devidamente arquivado. (Incluído pela
Lei n° 10.303/2001)

§ 9 o O não comparecimento à assembleia ou às reuniões dos ór-


gãos de administração da companhia, bem como as abstenções de
voto de qualquer parte de acordo de acionistas ou de membros do
conselho de administração eleitos nos termos de acordo de acio-
nistas, assegura à parte prejudicada o direito de votar com as ações
pertencentes ao acionista ausente ou omisso e, no caso de membro
do conselho de administração, pelo conselheiro eleito com os vo-
tos da parte prejudicada. (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 10 Os acionistas vinculados a acordo de acionistas deverão in-


dicar, no ato de arquivamento, representante para comunicar-se
com a companhia, para prestar ou receber informações, quando
solicitadas. (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

§ 1 1 A companhia poderá solicitar aos membros do acordo escla-


recimento sobre suas cláusulas." (Incluído pela Lei n° 10.303/2001)

O acordo de acionistas, que anteriormente à Lei das S.A. não era


regulado em nosso direito societário, constitui instrumento de enorme
utilidade na prática dos negócios, adotado em grande número de com-
panhias, abertas ou fechadas1727. No regime do Decreto-Lei n° 2.647/

1 727 Nos Estados Unidos, os acordos de acionistas são utilizados basicamente em companhias
fechadas, conforme R O B E R T C. C L A R K . Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company,
1986, p. 763 e seguintes.
1940, ainda que em algumas companhias seus acionistas firmassem
acordos, a falta de disciplina legal não lhes conferia maior seguran-
ça. A Lei das S.A. não só supriu a omissão legislativa como também
regulou com bastante propriedade a matéria, permitindo a utiliza-
ção do acordo como instrumento dotado da necessária flexibilidade
e eficácia para conciliar os interesses dos acionistas signatários.
O acordo de acionistas constitui um contrato celebrado entre
acionistas de determinada companhia visando à composição de seus
interesses individuais e ao estabelecimento de normas de atuação na
sociedade, harmonizando seus interesses próprios ao interesse social.
Embora disciplinado na Lei das S.A., o acordo de acionistas é um
contrato, submetido, assim, às normas comuns de validade dos negócios
jurídicos de direito privado. Como negócio jurídico, requer, para sua vali-
dade, agentes capazes — acionistas de uma mesma companhia - , objeto
lícito e forma escrita1728. A sua inclusão na disciplina societária objetivou
apenas estabelecer os pressupostos necessários a que tais contratos sejam
observados pela companhia e produzam efeitos perante terceiros.
Na interpretação do acordo de acionistas, 2 (dois) princípios funda-
mentais do direito obrigadonal devem ser priorizados: (i) autonomia da
vontade; e (ii) obrigatoriedade da convenção. A autonomia da vontade
apresenta-se sob duplo aspecto: a liberdade de contratar, que constitui a
faculdade de concluir ou não determinado contrato; e a liberdade contra-
tual, que é a possibilidade de as partes estabelecerem o conteúdo do con-
trato. Já o princípio da obrigatoriedade da convenção, limitado apenas
pela escusa do caso fortuito, da força maior e da imprevisão1729, significa
que as partes devem fielmente cumprir o pactuado, como se fosse lei, do

1723 O Código Civil, no art. 104, determina que: "A validade do negócio jurídico requer: I -
agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita
ou não defesa em lei."
1729 Consta do art. 393 do C ó d i g o C i v i l que: "O devedor não responde pelos prejuízos
resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles
responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato
necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir."
qual decorre importante conseqüência: a relatividade das obrigações, que
alcançam apenas e tão somente os contratantes. Não há, em princípio,
normas de ordem pública aplicáveis, mesmo no caso de o acordo versar
sobre ações de companhia aberta, uma vez que são apenas os interesses
patrimoniais dos acionistas contratantes que estão em jogo.
Os acionistas são inteiramente livres para convencionar ou não o
acordo, assim como para estabelecer o seu conteúdo, uma vez que a Lei
das S.A. não esgota a relação de matérias que dele podem constar, os
limites são apenas a licitude do objeto e a conformidade ao interesse
social. O pactuado entre as partes - e somente entre elas — deve ser
fielmente seguido, o que justifica a previsão legal de sua execução espe-
cífica. Assim, na interpretação dos acordos de acionistas devem ser
enfatizados (i) o cumprimento das obrigações pactuadas, já que o fo-
ram livremente; e (ii) a aplicação de seus termos apenas às partes con-
tratantes, exceto no caso do acordo de controle, que pode gerar efeitos
para outras companhias, "em cascata", mais adiante analisados.
Apenas os acionistas da companhia podem ser partes no contrato,
sejam titulares de ações ordinárias ou de ações preferenciais. A qualidade
de acionista, para os efeitos da aplicação deste artigo, deve ser compreen-
dida de modo extensivo, abrangendo, também, o usufrutuário a quem
tenha sido atribuído o direito de voto 1730 - 1731 . O acordo pode ter 2 (duas)
ou mais partes, 2 (dois) ou mais centros de interesse, cada um deles cons-
tituído por vários sujeitos. É comum que acordos sejam firmados por
distintos "grupos" de acionistas, integrados cada um por diversos sujeitos.
O acordo de acionistas possui natureza acessória em relação ao es-
tatuto social; embora celebrado entre os acionistas, sua eficácia depende
da existência da pessoa jurídica, em cuja esfera ocorrerá sua execução. Na

1 730 CARLOS A U G U S T O DA SILVEIRA L O B O , "Acordo de Acionistas". In: Alfredo Lamy Filho o


José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias, v. I, Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 442.
1 731 Ver os comentários ao art. 114 da Lei das S.A.
prática dos negócios, muitas vezes assina-se documento - denomina-
do pelas partes "acordo de acionistas" - antes da constituição da socie-
dade, que se tornará eficaz com a existência da pessoa jurídica.
Do caráter acessório do acordo e do fato de regular extrassocial-
mente a composição dos interesses individuais dos acionistas decorre a
sua classificação doutrinária como um "contrato parassocial"1732. Tra-
ta-se, com efeito, de contrato posicionado à margem ou paralelamente
ao contrato social, embora dele dependa, pois a criação da sociedade o
precede, juridicamente1733; porém, o acordo não se vincula aos seus atos
constitutivos, uma vez que as declarações de vontade dele constantes
têm conteúdo diverso do contrato social e usualmente não são comuns
a todos os acionistas. Constitui, ademais, um contrato (i) típico ou no-
minado, pois previsto na Lei das S.A.; (ii) preliminar, uma vez que con-
tém normas de declaração futura de vontade — como, por exemplo, o
voto na assembleia geral — ou promessa de contratar futura compra e
venda de ações; e (iii) de trato sucessivo, uma vez que sua solução não
se implementa de uma só vez, mas ao longo do tempo, a cada realiza-
ção de assembleia geral ou a cada exercício do direito de preferência1734.

Sob a designação "acordo de acionistas" abriga-se uma categoria


de negócios jurídicos de diferentes espécies, que tem em comum o
fato de as partes assumirem obrigações sobre o modo de exercerem os
direitos conferidos pelas ações da companhia; com efeito, não esta-
mos diante de um negócio jurídico que apresenta sempre a mesma
natureza, estrutura e modalidades de prestações1735.

1 732 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Acordo de Acionistas. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 37; G I O R C I O


O P P O . Contratti Parassociali. Milano: Vilardi, 1942.
1 733 L U I Z G A S T Ã O PAES D E B A R R O S LEÃES. Estudos e Pareceres sobre Sociedades Anônimas.
São Raulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 2 1 5 - 2 1 6 .
1734 C E L S O B A R B I F I L H O , " A c o r d o de Acionistas: Panorama Atual do Instituto no Direito
Brasileiro e Propostas para a Reforma de sua Disciplina Legal", Revista de Direito Mercan-
til, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 121, São Paulo: Ed. Malheiros, janeiro-março,
2001, p..30-55.
1735 A L F R E D O L A M Y F I L H O e J O S É L U I Z B U L H Õ E S PEDREIRA, "Acordo de Acionistas Sobre
Exercício do Direito deVoto". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.).
A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação), v. II, 2 a edição, Rio de Janeiro:
Renovar, 1996, p. 287.
Quando o acordo versa sobre o voto ou sobre o exercício do poder
de controle, há uma comunhão de escopo entre as partes, caracterizan-
do-se, então, como um contrato plurilateral, no qual os interesses dos
signatários não são opostos, mas dirigem-se a uma finalidade comum;
há entre eles a affectio societatis, consistente na vontade continuada de
colaboração. Por outro lado, se o acordo trata de restrições à alienação
de ações - direito de preferência, opção de compra ou venda, por exem-
plo - não existe uma comunhão de escopo, caracterizando-se ele como
um contrato bilateral, em que os interesses não são confluentes. Tal
distinção é fundamental para o deslinde de 2 (duas) questões, mais
adiante analisadas: a possibilidade de resilição unilateral dos acordos
sem prazo determinado e a resolução por quebra da affectio.
A companhia não é parte no acordo de acionistas, embora possa
figurar como interveniente; dado o princípio da relatividade dos con-
tratos, ele gera direitos e obrigações apenas para os acionistas conve-
nentes. Como a companhia é parte ilegítima a figurar no acordo de
acionistas ela não pode estar obrigada por tal instrumento. Assim,
são inteiramente ineficazes cláusulas às vezes "importadas" da prática
contratual norte-americana e inseridas em acordos de acionistas re-
gulados pela lei brasileira, como, por exemplo: obrigação da compa-
nhia de adquirir as próprias ações, mediante o exercício de opção de
venda atribuída a alguns acionistas; obrigação de resgate das ações de
um grupo de acionistas; "recesso contratual" (retire arrangement)
mediante o qual se pretende obrigar a companhia a reembolsar as
ações de determinados acionistas caso não realize determinado ato,
como a abertura de seu capital, num prazo determinado1736.
Embora a sociedade seja parte estranha ao acordo de acionis-
tas, ele pode produzir efeitos no seu âmbito. A Lei das S.A. insti-
tuiu o procedimento do arquivamento do acordo na sede social,

1736 N E L S O N EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 2 e


seguintes.
conferindo-lhe publicidade e obrigando a companhia a observá-lo se
estiverem presentes, cumulativamente, os seguintes requisitos: (i) o ar-
quivamento em sua sede; e (ii) versar ele sobre compra e venda de ações,
preferência para adquiri-las ou exercício do voto ou do poder de controle
As obrigações criadas mediante o acordo somente serão oponí-
veis a terceiros depois de sua averbação no "Livro de Registro de Ações
Nominativas" ou na instituição financeira que presta o serviço de ações
escriturais. Assim, o terceiro que desejar comprar ações vinculadas a
acordo com direito de preferência para os demais acionistas signatá-
rios poderá tomar conhecimento da existência de restrições a livre
circulação de tais valores mobiliários. Ademais, tais ações, por esta-
rem despidas do atributo da livre circulação, ainda que tenham sido
emitidas por companhia aberta, não podem ser negociadas em mer-
cado secundário, seja de Bolsa de Valores, seja de balcão organizado.
O acordo pode tratar da compra e venda das ações, do direito de
preferência para adquiri-las, do exercício do voto e do poder de contro-
le. Também pode disciplinar outras matérias, caso em que a companhia
não estará obrigada a observá-las. Ou seja, dada a redação do caput, a
enumeração é exaustiva para a companhia e liberada para os acionistas.
A obrigação da companhia é de dar cumprimento ao acordo relativa-
mente às matérias previstas no caput deste artigo, assegurando a obser-
vância dos direitos e obrigações pactuados entre os acionistas
convenentes, o que não a torna parte; deve, assim, impedir a transfe-
rência das ações de uma das partes em violação ao acordo, ou não com-
putar o voto proferido em sentido contrário ao previamente pactuado.
Na prática, os acordos são utilizados, principalmente, para regu-
lar o exercício do direito de voto, do poder de controle, a compra e
venda das ações e o direito de preferência.
I . A C O R D O DE V O T O

Mediante o acordo de voto, os acionistas obrigam-se a respeito


de como irão exercer tal direito, tendo em vista a determinação do
conteúdo do voto. A cláusula mais comum é a obrigação de votarem
os convenentes em bloco na assembleia geral, a favor ou contra cada
deliberação. O sentido do voto é determinado em reunião prévia dos
participantes do acordo, que constitui uma espécie de "assembleia
antecipada", usualmente mediante a adoção do princípio majoritário.
Assim, convocada a assembleia geral, os acionistas deliberam, na reu-
nião prévia, como será o voto que proferirão, em bloco, sobre cada
uma das decisões a serem tomadas no conclave. O decidido na reu-
nião prévia vincula todos os membros do acordo, inclusive os dissi-
dentes, ausentes e abstinentes, devendo votar todos na assembleia
geral no mesmo sentido. A deliberação adotada na reunião prévia é
válida, uma vez que não significa alienação do direito de voto, que é
vedada por lei1737, mas expressão da vontade de votar em bloco, em
todas ou em determinadas matérias.
Pode também o acordo de voto estabelecer que os seus membros
votarão em conjunto para eleger uma chapa de membros do conselho
de administração, ou que cada parte terá o direito de eleger determina-
dos administradores, de sorte que todos os votos do bloco serão direcio-
nados naquele sentido. Assim, por exemplo, pode-se estipular em acordo
com 3 (três) partes que cada uma delas terá o direito de eleger 2 (dois)
membros do conselho de administração; na assembleia geral, todos os
votos do bloco serão dados para cada um dos candidatos escolhidos na
reunião prévia. Pode também o acordo dispor que uma das partes terá o
direito de eleger o diretor financeiro e a outra o diretor presidente, por
exemplo, hipótese em que os membros do conselho de administração
eleitos pelo bloco deverão votar em tal sentido. Para a manifestação do
voto em bloco na assembleia, os membros do acordo outorgam man-
dato a um deles ou a um terceiro, para representá-los e votar com todas
as ações, da forma decidida na reunião prévia.

Consta do § 2° do art. 177 do Código Penal que: "Art. 177. § 2°. Incorre na pena de
detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, o acionista que, a fím obter vantagem
para si ou para outrem, negocia o voto nas deliberações da assembleia geral."
Também verificamos, na prática dos negócios, acordos firmados
entre o controlador e minoritários tidos como "estratégicos", medi-
ante os quais o primeiro obriga-se a não votar em determinadas ma-
térias sem a concordância prévia do minoritário, que passa a ter um
direito de veto a respeito de tais deliberações.
Há também acordos firmados apenas entre acionistas minoritá-
rios - os "acordos de defesa" - visando ao exercício conjunto de deter-
minados direitos que exigem um percentual mínimo de participação
acionária para o seu exercício, como o voto múltiplo, a exibição judi-
cial de livros e a eleição de membro para o conselho fiscal.
Podem ainda os acordos de voto estabelecer determinados objeti-
vos a serem alcançados pelos signatários, votando eles sempre naquele
sentido, como, por exemplo: eleger administradores independentes e
com sólida reputação; maximizar a distribuição de dividendos; ou privi-
legiar a política de reinvestimento na companhia. Tratando-se de com-
panhia aberta, os órgãos de administração deverão, no relatório anual,
informar à assembleia geral as disposições do acordo que tratam da
política de reinvestimento dos lucros ou de distribuição de dividendos
disciplinados em acordos nela arquivados. Tal informação é relevante
para o processo de tomada de decisão dos investidores sobre a compra
ou venda dos valores mobiliários emitidos pela companhia.
Não há restrições ao elenco de matérias que podem ser discipli-
nadas no acordo de voto, sendo necessário, porém, que elas constem
expressamente do ajuste, uma vez que não se admite os acordos de
voto em aberto, que implicariam, na prática, em alienação do direito
de voto dos minoritários pactuantes do acordo.
Também seria nula a cláusula mediante a qual os acionistas se
obrigassem a exercer o direito de voto para aprovar as propostas da ad-
ministração da companhia, pois implicaria renúncia prévia a conhece-
rem e discutirem tais matérias, votando no sentido determinado por
terceiros - os administradores ficando caracterizada uma transferên-
cia do exercício do direito de voto para quem não é acionista1738.
O interesse social deve ser preservado tanto nos termos do acordo
como na sua execução, o qual não é incompatível com o interesse co-
mum dos acionistas convenentes. Assim, presume-se que a orientação
adotada na reunião prévia está em consonância com o interesse social
Por outro lado, o acordo de voto não serve como escusa para o seu
integrante votar contra o interesse social1739. Da mesma forma, o acio-
nista que integra o bloco de controle é responsável pelos atos causados
com abuso do poder de controle1740. Em qualquer das situações, exime-se
de responsabilidade o acionista que vota contra a deliberação ilegal ou
abusiva tomada na reunião prévia, deixando consignada sua posição na
ata. Ainda que suas ações sejam utilizadas para integrar o bloco do
acordo, não pode ser tido como responsável por eventuais abusos prati-
cados contra a sua vontade. Idêntica é a situação do administrador que,
por força do deliberado em reunião prévia, é obrigado a votar ou decidir
naquele sentido; deixando ele consignada sua divergência exime-se de
responsabilidade pessoal (artigo 158, § I o ).
Os signatários do acordo também podem, ficando caracteri-
zado erro, fraude ou qualquer outro vício na reunião prévia, buscar
a anulação da deliberação adotada. Não lhes cabe, porém, pleitear
a anulação da deliberação tomada na forma do acordo por dela
discordar por razões pessoais ou negociais.

L 1 . ACORDO DE CONTROLE

A Lei n° 10.303/2001 acrescentou ao rol de matérias que po-


dem ser objeto de acordo de acionistas, expressamente previstas no

1738 ALFREDO LAMY FILHO e JOSÉ L U I Z BULHÕES PEDREIRA, "Acordo de Acionistas Sobre
Exercício do Direito deVoto". In: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.).
A Lei das S.A.: (pressupostos, elaboração, aplicação) ..., v. II, p. 295.
1 739 Ver os comentários ao art. 115 da Lei das S.A.
1 740 Ver os comentários ao art. 117 da Lei das S.A.
caput deste artigo, o exercício do poder de controle, institucionalizan-
do e conferindo mais eficácia a uma modalidade de ajuste que já vi-
nha sendo firmado antes de sua vigência. O acordo de controle congrega
os acionistas que, em conjunto, compõem o bloco de controle, ou seja,
detêm quantidade de ações que lhes asseguram o poder de eleger a
maioria dos administradores e a preponderância nas deliberações da
assembleia geral, bem como usam tal poder para dirigir os negócios
sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia1741.
Trata-se de uma modalidade de acordo de voto, visando ao exer-
cício do controle comum; para tanto, os convenentes formam um
bloco de ações e, em reuniões prévias, decidem como votarão, em
conjunto, no exercício do poder de controle.
Grande parte dos acordos de controle ocorre nas companhias
que apresentam o controle compartilhado1742, nas quais nenhuma
das partes, isoladamente, pode exercer o poder de controle, mas, so-
mando as suas participações acionárias e votando em conjunto, ca-
racterizam-se como um bloco de controle. E m companhias que
apresentam tal modalidade de controle, usualmente a escolha dos
membros do conselho de administração ou da diretoria não é deci-
dida por maioria dos votos na reunião prévia, mas cada parte do
acordo tem o poder de indicar um ou mais administradores, que
serão eleitos pelo grupo controlador, como um bloco.
Também pode ocorrer que as deliberações em reunião prévia confi-
ram eficácia ao exercício do poder de controle sobre um grupo de socie-
dades de fato, "em cascata", pelos órgãos sociais das sociedades sob controle.
No acordo de voto, seja ou não para o exercício do controle,
usualmente é indicado um síndico, representante da comunhão,
como mandatário dos integrantes do acordo, para proferir o voto

1 741 Ver os comentários ao art. 116 da Lei das S.A.


1 742 Ver os comentários ao art. 116 da Lei das S.A.
nas assembleias. Trata-se de mandato irrevogável1743, pelo prazo nele
assinalado, em geral coincidente com o do acordo, ou seja, não ne-
cessita ser de menos de um ano1744. Assim, o mandatário, ou síndico
do acordo, vota com todas as ações do bloco nas assembleias, não
podendo seu mandato ser revogado por nenhum dos convenentes1745.
O síndico do acordo também é instituído, na prática, como repre-
sentante da comunhão para comunicar-se com a companhia, receben-
do ou prestando informações, assim como os esclarecimentos
necessários sobre as cláusulas do acordo. É recomendável que o síndico
tenha formação técnica, de preferência com conhecimentos jurídicos,
para prestar informações de tal natureza, uma vez que as interpretações
que apresentar, desde que tenha poderes para tanto, vincularão os con-
venentes, presumindo-se que expressam a vontade de todos os partici-
pantes do acordo. Suas manifestações constituem, assim, interpretação
autêntica das disposições do acordo de acionistas.
Na ausência de nomeação prévia do mandatário, a representa-
ção da comunhão dos integrantes do acordo será feita pelos conve-
nentes que formarem a vontade majoritária na reunião prévia. A
representação da vontade dos participantes do acordo de voto dar-se-á,
nas reuniões dos órgãos da companhia (conselho de administração
ou diretoria, se for o caso), pelos administradores eleitos nos termos
do acordo, os quais deverão implementar a vontade manifestada na
reunião prévia da comunhão dos membros do acordo. O síndico ou a
maioria dos convenentes e os administradores assim eleitos devem
agir no interesse da comunhão dos signatários do acordo1746, o qual
se presume seja coincidente com o interesse social.

1743 Nos lermos do disposto no parágrafo único do art. 686 do Código Civil, o mandato é
irrevogável quando constituir meio de cumprir uma obrigação contratada.
1 744 Ver os comentários ao art. 126 da Lei das S.A.
1 745 M O D E S T O C A R V A L H O S A e N E L S O N EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São fòulo: Saraiva,
2002, p. 223.
1 746 M O D E S T O CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2, 4 a edição,
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 540.
BB. A C O R D O S DE B L O Q U E I O

Além dos acordos de voto e de exercício do poder de controle, a


Lei das S.A. prevê expressamente os acordos sobre compra e venda
de ações e de preferência para adquiri-las. São os chamados "acordos
de bloqueio", que usualmente estabelecem regras visando a maior efi-
cácia dos acordos de voto, dos quais constituem cstipulação acessória,
para evitar que uma das partes frustre o objetivo do voto comum me-
diante a transferência de suas ações para terceiro. Também são utili-
zados os acordos de bloqueio para evitar o ingresso de terceiros
indesejáveis ou eventuais competidores na companhia. Tais acordos,
em geral, prevêem restrições à livre circulação das ações, que constitui
uma das características essenciais da companhia 1747 , devendo, por-
tanto, em princípio, ser objeto de interpretação restritiva.
Com efeito, restrições de tal natureza não devem impedir por in-
teiro a negociação das ações, seja porque afetariam um dos requisitos
básicos do direito de propriedade - a possibilidade de alienar o bem - ,
seja porque a livre transferência das ações aumenta, em princípio, a
eficiência do mercado. H á alguns requisitos essenciais para a validade
de tais cláusulas: (i) livre consentimento das partes no estabelecimento
das restrições; (ii) possibilidade de razoavelmente prever como se daria
a sua execução1748; e (iii) o fato de nenhuma das partes ficar na inteira
dependência da outra para poder alienar suas ações, o que caracterizaria
a condição potestativa, vedada em nosso sistema jurídico1749.

I I . 1 . A C O R D O SOBRE C O M P R A E V E N D A DE A Ç Õ E S

A primeira modalidade prevista é a da compra e venda de ações,


que constitui um contrato preliminar, mediante o qual uma das partes

1 747 Ver os comentários ao art. 36 da Lei das S A


1 748 ROBERT C. CLARK. Corporate Law ..., p. 764.
1749 o Código Civil veda a condição potestativa, ao dispor em seu art. 122 que: "São lícitas, em
geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre
as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o
sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes".
obriga-se a vender suas ações à outra, que por sua vez obriga-se a
comprá-las, por preço determinado ou determinável segundo as re-
gras do acordo. O acordo, enquanto promessa bilateral de contratar, deve
conter todos os requisitos do contrato a ser celebrado; não prevendo
cláusula de arrependimento, qualquer das partes pode exigir a celebração
do contrato definitivo, nos termos pactuados1750. Visando a facilitar a
implementação do acordo, é recomendável que o preço seja determina-
do; caso não seja possível ou desejável, dado o longo interregno para a
celebração do contrato definitivo, o acordo deve prever minuciosamente
como se calculará o preço das ações, evitando-se critérios alternativos,
que podem gerar incertezas, como, por exemplo: o valor de mercado ou o
valor de patrimônio líquido ou o valor econômico.
Outra espécie de acordo é a de opção de compra (calt) ou venda
iput) das ações, que se inicia mediante a manifestação de uma das
partes de sua intenção de comprar ou vender, ficando a outra, imple-
mentada determinada condição ou transcorrido o prazo acordado, com
a faculdade de completar a formação do contrato mediante sua mani-
festação de compra ou de venda. Assim, o contrato se consuma me-
diante o exercício da opção e se executa mediante a realização das
prestações: transferência das ações e pagamento do preço1751.

1750 Aplicam-se os arts. 462 a 465 do Código Civil, que assim dispõem: "Art. 462. O contrato
preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a
ser celebrado. Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no
artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das
partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que
o efetive. Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.
Art. 464. Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da
parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se
opuser a natureza da obrigação. Art. 465. Se o estipulante não der execução ao contrato
preliminar, poderá a outra parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos."
1751 CARLOS A U G U S T O DA SILVEIRA LOBO, "Acordo de Acionistas". In: Alfredo Lamy Filho e
José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias ..., v. I, p. 469. Aplicam-se os
arts. 427 e seguintes do Código Civil, que assim dispõem: "Art. 427. A proposta de
contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do
negócio, ou das circunstâncias do caso. Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta: 1 - se,
feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-Se também
presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante; II -
se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta
S I . 2 . A C O R D O S DE PREFERÊNCIA

São também muito utilizados na prática dos negócios os acordos


de preferência {right o f f i r s t refusal, como consagrado no sistema nor-
te-americano). Nesses acordos, aparte que desejar vender as suas ações
deve antes oferecê-las aos demais signatários do mesmo ou à compa-
nhia, se fechada, que poderá adquiri-las se dispuser de reservas livres
para tanto1752. Comumente as disposições são também aplicáveis no
caso de cessão do direito de preferência de subscrição de ações em
aumento de capital. Ademais, seguidamente, veda-se a caução das
ações sem o prévio consentimento dos demais convenentes.
Usualmente, a cláusula estabelece que, caso um dos acionistas re-
ceba uma oferta de terceiro, deverá notificar os demais, informando as
condições da oferta; no prazo estabelecido no acordo, terão eles prefe-
rência para adquirir as ações, em igualdade de condições com o terceiro
ofertante. Caso os demais acionistas não se manifestem no prazo pre-
visto, o que recebeu a oferta do terceiro estará livre para alienar suas
ações. Quando são diversas as partes do acordo, é recomendável que se
discipline com detalhe (i) o prazo para o exercício do direito de prefe-
rência; (ii) se haverá uma ordem entre os acionistas ou não; (iii) se cada
um exercerá o direito na proporção de suas ações; (iv) como se dará o
rateio de eventuais sobras; (v) se incidirá ou não o direito de preferência
quando a transferência se der para parte relacionada; e, ainda, (vi) se há
período de carência para que se possa alienar as ações a terceiros. Tais
disposições contratuais devem ser redigidas com a máxima clareza, pois
muitas vezes são fonte de disputas, principalmente quando há nume-
rosas partes, cada uma delas formada por vários sujeitos.

ao conhecimento do proponente; III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a
resposta dentro do prazo dado; IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhe-
cimento da outra parte a retratação do proponente. (...)"
Tratando-se de companhia aberta, as ações deverão ser adquiridas em Bolsa de Valores e
somente de acionistas que não integrem o bloco de controle. Ver os comenlários ao art. 30
da Lei das S.A.
Também há acordos em que se prevê que, além do direito de
preferência, os acionistas, caso não o exerçam, têm o direito de venda
conjunta com o alienante {tag along). Assim, por exemplo, se o acio-
nista A recebe uma proposta de compra de um terceiro, deverá ofere-
cer aos demais integrantes do acordo - B, C e D - o direito de
preferência para comprarem, nas mesmas condições, suas ações. B, C
e D, se não quiserem exercer o direito de preferência, poderão vender
em conjunto com A suas ações para o terceiro, usualmente estabele-
cendo a cláusula do rateio, caso a proposta não contemple todas as
ações integrantes do acordo. Pode ainda o acordo prever que a parte
vendedora tem o direito de obrigar os demais convenentes a vender
as suas ações (drag along); a inserção da cláusula deve ser objeto de
cuidadosa análise, não sendo conveniente sua inclusão no acordo
quando os acionistas integrantes fizerem investimentos de vulto na
companhia, pois, nesse caso, poderão ser obrigados a alienar suas ações
a preços não compensatórios.
Existem ainda acordos, firmados intuitu personae, normalmen-
te em companhias fechadas, nos quais se estabelece que qualquer
das partes somente pode vender suas ações a terceiro não vetado
pelos demais signatários. Cláusula de tal natureza somente é legíti-
ma se não deixar a parte vendedora ao inteiro arbítrio das demais; a
recusa à entrada de terceiro deve ser fundamentada, mediante crité-
rios objetivos, previamente estabelecidos no acordo, para que não se
caracterize a condição potestativa1753.
Podem ainda os acordos estabelecer a cláusula de compra ou venda
no caso de impasse [buy or sell), mediante a qual, havendo divergên-
cia séria entre os signatários, qualquer um deles pode declarar, nos
termos do acordo, que deseja comprar as ações do outro, por um pre-
ço determinado, podendo o outro vender ou comprar pelo mesmo

1 753 O Código Civil Italiano, em seu art. 2.355-bis, admite a cláusula desde que, em caso de
veto, seja aceita a compra por preço justo.
preço. Tal modalidade de cláusula, útil para a resolução de conflitos
que impeçam a permanência das partes no acordo, é de difícil execu-
ção em companhias abertas, uma vez que pode acarretar a alienação
do controle, com a obrigatoriedade de promover oferta pública para
aquisição das ações dos acionistas minoritários1754. Assim, sua utili-
zação é recomendável apenas no caso de companhias fechadas.

EXECUÇÃO ESPECÍFICA

A Lei das S.A. prevê que os acionistas integrantes do acordo,


nas condições nele previstas, podem promover a execução específica
das obrigações pactuadas. Assim, busca-se dar eficácia aos acordos de
acionistas, para que do descumprimento de suas cláusulas não resulte
apenas a obrigação de indenizar.
A execução dos acordos de voto e de exercício do poder de con-
trole pode ocorrer na própria companhia, sem necessidade de tutela
jurisdicional, uma vez que são objeto de autotutela, conforme os §§
8 o e 9 o , mais adiante analisados. Para tais casos, a execução específica
será raramente utilizada, ficando esvaziada a discussão doutrinária sobre
a possibilidade de a sentença substituir uma declaração de vontade,
como é o voto, existente antes da vigência da Lei n° 10.303/2001 17S5 .
Para a execução do acordo de venda de ações, de direito de pre-
ferência e de outros que não possam ser objeto de autotutela, apli-
ca-se a lei processual, que prevê a execução específica, desde que
não se trate de uma obrigação personalíssima, que somente pode
ser cumprida por uma pessoa determinada 1756 . Trata-se de execução

1 754 Ver os comentários ao art. 2 5 4 - A da Lei das S.A.


1755 J O S E A L E X A N D R E T A V A R E S G U E R R E I R O , "Execução Específica do Acordo de Acionistas",
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, v. 41, janeiro-março, 1981, p. 65.
1 756 J O Ã O L U I Z C O E L H O D A R O C H A , " O s Compromissos de Voto nos Acordos de Acionistas
e sua Eficácia Executiva", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financei-
ro. São Paulo: Ed. Malheiros, v. 127, julho-setembro, 2002, p. 63.
de obrigação de contratar - firmar o contrato definitivo de compra e
venda de ações - ou de fazer, consistente no assegurar à outra parte o
exercício de seu direito de preferência. No primeiro caso, havendo
definição do bem e do preço, a sentença substitui o contrato definiti-
vo. No segundo, substitui a obrigação de fazer, consistente no abrir o
prazo para o exercício do direito de preferência. Assim, por exemplo,
se a parte que estiver obrigada a assegurar às demais o direito de pre-
ferência quando houver oferta de terceiro descumpre o acordo, po-
dem as demais promover, judicialmente, a sua execução específica,
produzindo a sentença o mesmo efeito do contrato infringido1757.
É indiscutível que a jurisdição alcança o melhor resultado prático
possível quando restaura a situação jurídica violada; assim, se a obriga-
ção é de fazer ou de não fazer, o ideal é que se faça o que não se fez, ou
se fez de forma imperfeita ou incompleta, ou que se desfaça o que se fez
indevidamente. O processo civil consagra a tutela específica da obriga-
ção, autorizando o juiz a ordenar-lhe o cumprimento, para que ocorra
como se fosse implementada voluntariamente. Pode ainda o juiz deter-
minar a providência que melhor equivalha à prestação. Assim, o artigo
461 do Código de Processo Civil transforma a tutela específica em
regra, convertendo-se a prestação em indenização por perdas e danos
se for impossível conceder a medida de tutela direta ou a de mesmo
resultado prático, ou se requerida pelo autor1758-1759.

1 757 O art. 466-B do Código de Processo Civil, incluído pela Lei n° 11.232/2005, assim dispõe:
"Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigaçao, a outra
parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que
produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado".
1758 O art. 461 do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei n° 8.952/1994, assim
dispõe: "Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou nao razer,
O juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinara
providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. :> A
Obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ouse impossível
a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. (...)"•
1759 SÉRGIO BERMUDES. As Reformas do Código de Processo Civil. 3' edição, Rio de Janeiro:
Saraiva, 2010, p. 126.
P R A Z O DE V I G Ê N C I A E D E N U N C I A

Com relação ao prazo, pode o acordo ser firmado: (i) por pra-
zo indeterminado; ou (ii) com prazo determinado em função de
termo ou condição resolutiva.
Com a inclusão do § 6 o pela Lei n° 10.303/2001, ficou expresso
que, se houver termo ou condição resolutiva, o acordo somente pode
ser denunciado segundo as suas estipulações. O termo pode ser certo,
quando fixada a data de sua vigência; ou incerto, quando depender de
um evento, que não se sabe quando ocorrerá. A condição resolutiva,
enquanto não se realizar, mantém em vigor o negócio jurídico. No pri-
meiro caso, o acordo existirá até a data de seu termo: fixado em 10 (dez)
anos, por exemplo, extingue-se alcançado seu termo. No segundo caso,
de termo incerto, o acordo permanecerá vigente enquanto o evento
não ocorrer, sendo mais comuns os casos de ajustes fixados enquanto
estiverem vivos os signatários ou enquanto não for extinta a sociedade.
Com relação à condição resolutiva, vigorará o acordo enquanto
ela não se verificar; sobrevindo ela, extingue-se o acordo1760. Assim,
por exemplo, pode o acordo de exercício do poder de controle dispor
que, enquanto as partes, em conjunto, controlarem a companhia, ele
vigerá. No mesmo sentido, pode o acordo de voto prever que, en-
quanto as partes mantiverem uma participação acionária acima de
determinado percentual, o acordo permanecerá em vigor.
Ou seja, no caso do acordo fixado com prazo determinado, ele
será extinto quando de seu término. Se o termo for incerto, vigorará
até a ocorrência do evento que o vincula, e, quando sujeito à condição

1760 O s arts. 127 e 128 do Código Civil assim dispõem: "Art. 127. Se for resolutiva a condição,
enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a
conclusão deste o direito por ele estabelecido. Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva,
extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio
de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário,
não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da
condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé".
resolutiva, até que ela se verifique. Tanto no termo incerto como na
condição resolutiva, embora não haja prazo determinado, existe um
tempo de duração determinável.
No caso do acordo por prazo indeterminado, existe grande con-
trovérsia doutrinária e jurisprudencial sobre a possibilidade de sua re-
silição unilateral, sem causa, ou seja, mediante a denominada "denúncia
vazia". Num primeiro momento, entendeu-se que, como o acordo de
acionistas constitui um contrato e como é juridicamente impossível a
vinculação eterna dos signatários, qualquer deles, a qualquer tempo,
poderia denunciá-lo. Posteriormente, e esta é hoje a corrente majori-
tária, passou-se a exigir a "denúncia cheia", ou seja, mediante justa
causa, visando à preservação do pacto firmado e à manutenção da
estabilidade dos negócios jurídicos1761-1762.
Ora, a questão somente pode ser resolvida satisfatoriamente se
atentarmos para o tipo de acordo de acionistas em discussão. Tra-
tando-se de um acordo de voto ou de exercício do poder de controle,
típico contrato plurilateral, em que se manifesta a ajfectio societatis,
não cabe a "denúncia vazia", uma vez que os signatários compro-
meteram-se a envidar esforços e colaborar para alcançar objetivo
comum, vinculado ao interesse social. Ademais, em tais casos, os
acionistas seguidamente investem recursos de vulto no empreendi-
mento, dedicam a ele seu tempo, não fazendo sentido que um deles

1761 Rara uma análise das 2 (duas) correntes, na doutrina e na jurisprudência: JOSÉ VVALDECY
L U C E N A . Das Sociedades Anônimas - Comentários à Lei (arts. I o a 120). v. I, Rio de
Janeiro: Renovar, 2009, p. 1.148 e seguintes; MARIA ISABEL D E ALMEIDA ALVARENGA,
"Impossibilidade de Resilição Unilateral de Acordo de Acionistas por Prazo Indeterminado",
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Malheiros,
v. 108, outubro-dezembro, 1997, p. 186-196.
1 762 Solução intermediária - e interessante - é aventada por A R N O L D O VVALD, " D o
Descabimento de Denúncia Unilateral de Pacto Parassocial que Estrutura o Grupo Societário",
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, v. 81, janeiro-março, 1991, p. 20, ao propor que o signatário de acordo por
prazo indeterminado que desejar desvincular-se deve encetar previamente um esforço de
negociação, para evitar que sua retirada caracterize abuso de direito; caso não se chegue a
um entendimento, devem ser fixados prazos compatfveis com os interesses das partes,
tendo em conta a duração que o contrato já teve.
possa, a qualquer momento, por uma tecnicalidade jurídica, perder uma
posição de integrante do bloco de controle ou de minoria significativa
Já no caso de acordo para a compra ou venda de ações, exercício
do direito de preferência e qualquer outro em que não se manifeste a
comunhão de escopo, inexistindo termo certo ou tempo de duração
determinável, não se pode obrigar a parte a permanecer vinculada a um
ajuste bilateral que restringe o seu direito de dispor das ações, pela eter-
nidade. Assim, qualquer das partes pode retirar-se unilateralmente, con-
tinuando o contrato vigente com relação aos demais signatários. Caso
eles tenham feito investimentos consideráveis para a execução do acor-
do, a denúncia unilateral somente produzirá seus efeitos após o decurso
de prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos1763.
Mediante a aplicação do mesmo raciocínio, pode-se chegar a
uma solução razoável da questão referente à possibilidade de se resol-
ver o acordo por quebra da a f f e c t i o societatis.
Quando o acordo não versa sobre voto ou exercício do poder de
controle, não está presente, em princípio, o dever de colaboração
para se alcançar uma finalidade comum. Assim, não cabe resolução
por quebra de a f f e c t i o , no caso inexistente, mas apenas rescisão se
uma das partes não cumprir sua obrigação, ou denúncia unilateral,
se for o ajuste por prazo indeterminado.
Já quando o acordo for caracterizado como um contrato plurilate-
ral, presente a comunhão de escopo, o dever de colaborar para que se
logre um objetivo comum, demonstrado o rompimento da affectio, com
a conseqüente impossibilidade de convivência entre as partes, cabe a

1 763 A propósito, o C ó d i g o Civil no art. 473 dispõe que: "Art. 473. A resilição unilateral, nos
casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notifi-
cada à outra parte. Parágrafo Único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das
partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral
só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos
investimentos." Ver também: E V E L Y N B A L A S S I A N O , "Acordo de Acionistas: Possibilidade
de Resilição Unilateral e suas Restrições", Revista Trimestral de Direito Civil. São Paulo: Ed.
fedma, v. 30, abril-junho, 2007, p. 27 e seguintes.
sua resolução, seja por prazo determinado ou não. Com efeito, a exis-
tência de sérias desavenças entre os signatários, particularmente quan-
do versa o acordo sobre o exercício do poder de controle, pode trazer
conseqüências negativas para a gestão da companhia, atuando a sua
permanência contra o interesse social, não em seu favor.
Com efeito, quando se constata que o acordo não mais cumpre o
seu objetivo de regular, harmonicamente, o controle compartilhado
entre os signatários, trazendo a discórdia, com efeitos danosos para a
companhia, cabe a sua dissolução1764.
Ainda que a dinâmica empresarial possa por vezes exigir solu-
ções rápidas, a necessária segurança jurídica buscada pelas partes ao
firmarem o acordo impõe que sua denúncia somente possa ocorrer
pela via judicial ou arbitrai. Admitir a denúncia extrajudicial, fundada
na infração ao dever de colaboração, significaria excepcionar indevi-
damente o princípio da obrigatoriedade da convenção1765.
Se as partes realizaram investimentos consideráveis, o que segui-
damente ocorre em acordos para o exercício do poder de controle, deve-se
ponderar o interesse de uma das partes de libertar-se do vínculo com o
da outra de recuperar os investimentos feitos, aplicando-se, por analo-
gia, o disposto no artigo 473, parágrafo único, do Código Civil.
E X E C U Ç Ã O INTERNA CORPOMS- §§ 8O E 9O

Conforme antes referido, a Lei n° 10.303/2001 incluiu o exer-


cício do poder de controle como matéria típica de acordos de

1 764 ALEXANDRE DE M. WALD, "Acordo de acionistas e Interesses Sociais". In: Amoldo Wald
e Rodrigo Garcia da Fonseca (Coord.). A Empresa no Terceiro Milênio: Aspectos Jurídicos.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, p. 91.
1765 Em sentido contrário, importante precedente da 4'1 Turma do Superior Tribunal de Justiça,
no julgamento do Recurso Especial n" 388.423-RS, Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. em
13.05.2003, publicado no DJU em 04.08.2003, publicado na Revista Trimestral de Direi-
to Civil. Rio de Janeiro: Ed. Padma, v. 23, jullio-setembro, 2005, p. 141-152, com comen-
tários de M A U R Í C I O MOREIRA M E N D O N Ç A DE MENEZES, "Resolução de Acordo de
Acionistas com Base na Quebra da Afíeclio Societatís", Revista Trimestral de Direito Civil.
Rio de Janeiro: Ed. Padma, v. 23, julho-selembro, 2005, p. 153-167.
acionistas, reconhecendo a eficácia, diante da sociedade, dos chama-
dos "acordos de voto em bloco" ( p o o l i n g agreements da prática contra-
tual norte-americana). Tal conceito foi desenvolvido nos Estados Unidos
como uma forma de se obrigar os acionistas acordantes a exercer o voto
num sentido único, a ser determinado em conformidade com procedi-
mento estabelecido no próprio acordo. Para tal finalidade, os conve-
nentes formam um bloco de ações que deverá adotar um sentido
uniforme para os votos a serem por eles proferidos nas assembleias,
assim como pelos administradores eleitos em virtude do acordo, nas
reuniões dos órgãos de que participem. Não há qualquer limitação legal
no que respeita à forma que se determinará o sentido do voto em bloco,
porém usualmente os acionistas convencionam que votarão de acordo
com o decidido pela maioria das partes integrantes do acordo.
O acordo de voto em bloco geralmente disciplina o procedimen-
to da "reunião prévia", órgão deliberativo interno do acordo, a cujas
decisões todos os convenentes ficam vinculados. Assim, na reunião
prévia os contratantes decidem como votarão com todas as ações
integrantes do acordo de controle nas assembleias gerais, ainda que
alguns deles não concordem com o sentido do voto 1766 .
C o m o não há disciplina legal da reunião prévia, recomenda-se
que o acordo de acionistas que a institua regule detalhadamente o seu
funcionamento, em todos os aspectos relevantes: convocação; ordem
do dia; procedimento de contagem dos votos; matérias que podem
ser objeto de maiorias especiais ou de direito de veto; procedimentos
a serem adotados caso haja empate nas deliberações; organização,
secretariado e presidência das reuniões; representação nas assembleias
dos integrantes do acordo. E conveniente que se evite, ao máximo, a
criação de situações de impasse nas deliberações da reunião prévia,
principalmente quando se trata de acordo para o exercício do poder

1766 M O D E S T O C A R V A L H O S A e N E L S O N EIZIRIK. A Nova Lei das S/A ..., p. 218.


de controle, para que não fique prejudicado o desenvolvimento regu-
lar das atividades empresariais. Nesse sentido, cláusulas que condicio-
nem a decisão da reunião prévia de acordo de controle ao voto favorável
de todas as partes, por ensejarem a criação de situações em que não é
possível a deliberação, devem ser interpretadas restritivamente, pois
podem impedir o exercício do poder-dever de controle.
As eventuais lacunas do acordo, no que toca às reuniões prévias,
deverão ser colmatadas mediante a aplicação supletiva das normas da
Lei das S.A., na seguinte ordem: em primeiro lugar, as referentes às
reuniões do conselho de administração, pela sua maiorflexibilidade;e,
em segundo lugar, as que disciplinam a assembleia geral de acionistas.
No direito norte-americano entende-se que o pooling agreement ins-
titui um mandato recíproco e irrevogável para as partes, de sorte que os
convenentes que logrem, em reunião prévia, alcançar o direcionamento
do voto em bloco de controle ficam investidos de poderes para votar com
todas as ações, ainda que nela tenha havido votos discordantes1767. A Lei
n° 10.303/2001, ao alterar o disposto neste artigo, acrescentando-lhe novos
parágrafos, também reconheceu, no acordo de voto em bloco, a existên-
cia de um mandato legal, conferido independentemente de expressa es-
tipulação no acordo, que permite ao acionista prejudicado votar com as
ações do ausente ou abstinente1768. Tratando-se de um mandato recípro-
co, conferido como meio para que os signatários possam implementar o
acordo de acionistas, a ele se aplica a cláusula de irrevogabilidade, perma-
necendo em vigor enquanto durar o acordo1769-1770(p ses) .

1 767 H A R R Y G. H E N N and J O H N R. A L E X A N D E R . Laws of Corporations. St. ftiul, Minn: West


Publishing Co., 1983, p. 518; W I L L I A N L. CARY, M E I V I N A R O N EISENBERG. Cases and
Materials on Corporations. 6"1 edition, New York; The Foundation Press, 1988, p. 349.
1 768 P A U L O C E Z A R A R A G Ã O , "A Disciplina do Acordo de Acionistas na Reforma da Lei das
Sociedades por Ações (Lei n° 10.303, de 2001)". In; Jorge Lobo (Coord.). Reforma da Lei das
Sociedades Anônimas - Inovações e Questões Controvertidas da Lei n° 10.303, de 31.10.2001,
Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 373; MIGUEL TORNOVSKY, "Acordos de Acionistas sobre
o Exercício do Poder de Controle", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro. São Paulo: Ed. Malheiros, v. 127, julho-setembro, 2002, p. 100.
1769 O art. 684 do Código Civil assim dispõe: "Quando a cláusula de irrevogabilidade for
condição de um negócio bilateral, ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do
mandatário, a revogação do mandato será ineficaz".
A introdução dos §§ 8 o e 9 o , mediante a promulgação da Lei
n° 10.303/2001, significou o reconhecimento, por parte do legisla-
dor, de que a execução específica das obrigações assumidas no acor-
do, embora necessária, não constitui condição suficiente para assegurar
a plena eficácia de suas disposições. Assim, visou-se a garantir a ple-
na coercibilidade das normas contidas no acordo, possibilitando-se a
sua execução interna corporis, mediante atuação direta das partes, evi-
tando-se, assim, longas discussões judiciais que prejudicavam a eficá-
cia dos acordos, particularmente no que toca ao voto em bloco.
O § 8 o , ao reconhecer expressamente a obrigação do presidente
da assembleia geral de não computar o voto proferido em desconformi-
dade com o convencionado no acordo, explicitou entendimento dou-
trinário anterior, no sentido de que tal dever incluía-se na regra de que
a companhia está obrigada a observar os termos e condições dos con-
tratos entre acionistas arquivados em sua sede1771. Com base na norma
legal, os votos contrários ao convencionado não poderão ser computa-
dos, ficando o presidente da assembleia geral responsável por verificar a
conformidade entre o voto manifestado no conclave e aquele que havia
sido preestabelecido no acordo de acionistas ou na reunião prévia. Para
permitir a atuação do presidente em conformidade ao disposto no acordo
de acionistas, a companhia pode, quando do seu arquivamento em sua
sede, ou posteriormente, solicitar às partes integrantes do acordo ou ao
seu mandatário todos os esclarecimentos a respeito de suas cláusulas,
conforme o § 11. Embora na prática tal procedimento não seja utiliza-
do com muita freqüência, é recomendável que todas as dúvidas que
possam ser suscitadas com a aplicação do acordo sejam apresentadas às

1770 M O D E S T O C A R V A L H O S A , " D a Irrevogabitidade d o Mandato em Acordo de Acionistas",


Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 601, novembro, 1985, p. 10.
1771 M O D E S T O C A R V A L H O S A . Acordo de Acionistas ..., p. 265; C E L S O D E A L B U Q U E R Q U E
B A R R E T O . Acordo de Acionistas. R i o de Janeiro: Forense, 1982, p. 73; J O S E A L E X A N D R E
T A V A R E S G U E R R E I R O , "Execução Especifica do Acordo de Acionistas", Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro ..., v. 31, p- 63.
partes e por elas respondidas por escrito à companhia, antes que con-
trovérsias surjam na assembleia geral.
O presidente da assembleia, porém, não pode suprir a vontade
do acionista que manifesta seu voto em sentido contrário à decisão
da reunião prévia, cumprindo-lhe apenas não computá-lo. Assim,
por exemplo, se nenhuma das partes do acordo detiver mais de 50%
(cinqüenta por cento) do capital votante, é necessário, para a apro-
vação de matérias em que a Lei das S.A. exige o quorum qualificado,
que todos os convenentes compareçam à assembleia e votem a fa-
vor da deliberação, não bastando a simples desconsideração do voto
em contrário. Para que a parte prejudicada não seja obrigada a re-
correr ao Poder Judiciário para obter uma decisão que supra a vonta-
de da parte inadimplente, o § 9 o assegura-lhe o direito de votar com
as ações do acionista ausente ou omisso.
O § 9 o , assim, admitiu que existe um mandato inerente ao acor-
do do voto em bloco, que outorga ao acionista poderes para que, na
hipótese de ausência ou abstenção de voto por um dos signatários do
acordo, vote pelo ausente ou abstinente, em conformidade com a di-
reção do voto previamente pactuada. A norma atribui, portanto, uma
legitimidade substitutiva aos acionistas prejudicados, visando a con-
ferir-lhes um meio eficaz de assegurar o acordo caso algum signatário
recalcitrante procure obstruir a deliberação pela ausência ou absten-
ção de voto. Por força da previsão legal, o acionista prejudicado fica
autorizado a votar em nome do ausente ou abstinente, expressando a
vontade que este havia manifestado quando da celebração do acordo.
A regra prevista no § 9 o introduziu em nosso direito societário
uma hipótese excepcional de autotutela. Embora o Estado detenha o
monopólio do poder coercitivo, o moderno direito processual tem pre-
visto meios alternativos de acesso à justiça, uma vez que a morosidade
da tutela jurisdicional estatal pode causar danos irreparáveis à parte que
se comporta licitamente. É o que ocorre, por exemplo, na resolução da
sociedade com relação ao sócio minoritário1772, com o direito de re-
tenção1773, com o desforço imediato nas ações possessórias1774, assim
como no caso do penhor legal1775. A norma inseriu mais uma hipóte-
se de autotutela: o direito dos convenentes prejudicados pelo des-
cumprimento da obrigação do voto em bloco pactuada em acordo de
acionistas de votarem no lugar do contratante inadimplente nas as-
sembleias ou em substituição aos representantes destes nas reuniões
dos órgãos de administração da companhia1776.
o § 9 o , ao criar esta nova modalidade de autoexecução dos acor-
dos de acionistas, não infringiu o princípio constitucional da inafas-
tabilidade da tutela jurisdicional (artigo 5 o , inciso XXXV, da
Constituição Federal), promovendo apenas uma inversão de papéis; a
parte prejudicada pelo des cumprimento do acordo de voto em bloco,
que anteriormente figuraria como autora na demanda para obter a
execução específica do acordo, passa a figurar na condição de ré na
eventual ação proposta pela parte inadimplente que se considera pre-
judicada pela utilização da prerrogativa contida na norma1777.
A norma contida no § 9 o refere-se aos casos de ausência ou abs-
tenção de voto, não prevendo expressamente a hipótese de o acionis-
ta prejudicado votar em lugar do inadimplente quando este está
presente à assembleia geral e, ao invés de se abster, vota em sentido
contrário ao determinado na reunião prévia. A introdução dos §§ 8 o e
9 o teve por finalidade assegurar a coercibilidade imediata dos acordos

1772 Art. 1.085 do Código Civil.


1773 Arts. 571, parágrafo único, 644, 664 e 681 do C ó d i g o Civil.
1774 Art. 1.210, § 1 o , do C ó d i g o Civil.
1775 Art. 1.467 do C ó d i g o C i v i l .
1 776 M O D E S T O C A R V A L H O S A e N E L S O N EIZIRIK. A Nova Lei das S/A ..., p. 231-232; M O D E S -
T O C A R V A L H O S A . Comentários à Lei de Sociedades Anônimas ..., v. 2, p. 546; DANIEL
M O R E I R A D O P A T R O C Í N I O , "Autotutela do Acordo de Acionistas - Novo Regime Estabe-
l e c i d o pela Lei 1 0 . 3 0 3 / 2 0 0 1 " , Revista d e Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro. São Paulo: Ed. Malheiros, v. 135, julho-setembro, 2004, p. 194 e seguintes.
1 777 Em sentido contrário, considerando que o § 9° é inconstitucional: M A R C E L O M. BERTOLDI.
Acordo de Acionistas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 124.
de voto em bloco, evitando que determinado convenente possa im-
pedir a aprovação das matérias deliberadas em reunião prévia. Interpre-
tando-se sistematicamente os 2 (dois) parágrafos e tendo em -risa a sua
finalidade comum, pode-se concluir que: na hipótese em que alguém
pretende descumprir o acordo de acionistas comparecendo à assem-
bleia e votando contra o decidido na reunião prévia, deve tal voto ser
desconsiderado pelo presidente do conclave, com fundamento no § 8o,
tal como se o acionista tivesse se abstido de votar, consequentemente,
os acionistas prejudicados estarão legitimados, com base no § 9o, a vo-
tar em nome do acionista inadimplente. Ou seja, o voto contrário ao
deliberado na reunião prévia e não computado equipara-se à abstenção
de voto, permitindo-se que o acionista prejudicado possa conferir eficá-
cia ao acordo de voto em bloco, determinando o sentido do voto profe-
rido pelas ações do acionista que descumpriu o avençado1778.
No regime original da Lei das S.A., a vinculação das delibera-
ções dos administradores ao acordo era considerada uma cláusula aces-
sória, não oponível à sociedade; as sanções decorrentes de seu
descumprimento davam-se apenas entre as partes, eram externas à
companhia. Com a entrada em vigor da Lei n° 10.303/2001, a Lei
das S.A. passou a dispor que o acordo arquivado na sede da compa-
nhia vincula não apenas o exercício do direito de voto pelos acionis-
tas, mas também os administradores indicados por tais acionistas, no
que respeita às deliberações do órgão de que participam1'79.

1778 N E L S O N EIZIRIK, "Interpretação dos §§ 8° e 9 o do Art. 118 da Lei das S/A", Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Fàulo: Ed. Malheiros, v. 139,
julho-setembro, 2005, p. 155. No mesmo sentido: JOSÉ WALDECY LUCENA. Das Socieda-
des Anônimas - Comentários à Lei (arts. 1° a 120) ..., v. I, p. 1.164; P A U L O C E Z A R
A R A C Ã O , "A Disciplina do Acordo de Acionistas na Reforma da Lei das Sociedades por
Ações (Lei n° 10.303, de 2001)". In: Jorge Lobo (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades
Anônimas - Inovações e Questões Controvertidas da Lei n° 10.303, de 31.10.2001 ...,
p. 373; MIGUEL T O R N O V S K Y , "Acordos de Acionistas sobre o Exercício do Poder de
Controle", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro ..., v. 127, p.
100; CARLOS A U G U S T O DA SILVEIRA LOBO, "Acordo de Acionistas". In: Alfredo Lamy
Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord.). Direito das Companhias ..., v. I, p. 446.
1 779 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário ..., p. 32. Em sentido contrário: J O Ã O L A U D O
C A M A R G O e MARIA ISABEL D O P R A D O BOCATER, "Conselho de Administração: seu
Com efeito, o atual § 9 o obriga o presidente do conselho de
administração ou o diretor presidente a não computar o voto profe-
rido pelo conselheiro ou pelo diretor em desacordo com o direcio-
namento de voto dado pelo bloco de controle, bem como permite
ao conselheiro ou diretor eleito em virtude do acordo votar pelo ad-
ministrador ausente ou abstinente. Assim, a cláusula que vincula os
administradores aos termos do acordo deixou de ter caráter acessó-
rio, passando a ser vinculativa para a companhia, que deverá obser-
vá-la nas reuniões do conselho de administração e da diretoria.
A observância às disposições do acordo pelos administradores
constitui conseqüência do reconhecimento do poder de controle
como matéria nele constante e que vincula a sociedade. De modo
geral, o poder de controle é exercido primeiro nos órgãos de admi-
nistração, depois na assembleia geral; com efeito, é nas instâncias
administrativas que são tomadas deliberações fundamentais para a
companhia, para serem diretamente implementadas ou para sua pro-
posição à assembleia geral. Dessa forma, seria inócuo o acordo que
disciplinasse o poder de controle sem vincular a atuação dos admi-
nistradores eleitos pelos integrantes do bloco de controle.
Não existe incompatibilidade entre o dever de independência
do administrador, previsto no § I o do artigo 154, e o acatamento
das decisões adotadas em reunião prévia, uma vez que os acordos de
voto em bloco devem visar à consecução do interesse social; ade-
mais, é do interesse da companhia que o poder de controle seja exer-
cido de f o r m a coerente e h a r m ô n i c a . A s s i m , não pode o

F u n c i o n a m e n t o e P a r t i c i p a ç ã o de M e m b r o s I n d i c a d o s por A c i o n i s t a s Minoritários e
Preferencia listas". In: Jorge Lobo (coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas - Inova-
ções e Q u e s t õ e s Controvertidas da Lei n° 10.303, de 31.10.2001. Rio de Janeiro: Forense,
2 0 0 2 , p. 3 9 2 - 3 9 4 ; P A U L O F E R N A N D O C A M P O S S A L L E S D E T O L E D O , "Modificações
Introduzidas na Lei das Sociedades por Ações, quanto à Disciplina da Administração das
Companhias". In: Jorge Lobo (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas - Inovaçoes
e Questões Controvertidas da Lei n° 10.303, de 31.10.2001. Rio de Janeiro: Forense, 2002,
p. 4 2 6 - 4 2 8 .
administrador eleito pelo bloco de controle obstruir o exercício do
poder de controle estabelecido no acordo.
"ACORDOS EM CASCATA"

Os efeitos do acordo podem estender-se às sociedades controla-


das por aquela da qual são as partes acionistas. Trata-se dos chama-
dos "acordos em cascata", aqueles celebrados em holdings para
produzirem efeitos em companhias direta ou indiretamente contro-
ladas, bastante utilizados na prática dos negócios.
Uma das conseqüências de ter a Lei n° 10.303/2001 inserido o
exercício do poder de controle como matéria típica dos acordos de
acionistas foi o reconhecimento expresso da possibilidade deles pro-
duzirem efeitos em relação às sociedades controladas direta ou in-
diretamente por seus signatários. Ademais, a mesma lei também
vinculou os administradores eleitos pelas partes às disposições dos
acordos, o que reforça o entendimento de que podem eles produzir
efeitos perante as sociedades controladas.
O poder de controle sobre as sociedades controladas é exerci-
do mediante a atuação dos administradores da controladora, que
possuem legitimidade para manifestar a vontade desta no âmbito
da controlada. Por estarem obrigados a observar as disposições do
acordo, os administradores da controladora, quando atuam como
seus representantes perante os órgãos sociais da controlada, não
podem contrariar o pactuado naquele instrumento contratual. Ou
seja, ao manifestar a vontade da controladora nos órgãos sociais
da controlada, o administrador deve votar no sentido do voto de-
terminado no bloco de controle, de forma que os efeitos do acordo
serão estendidos, "em cascata", para as sociedades controladas.
SEÇÃO VI

REPRESENTAÇÃO DE A C I O N I S T A RESIDENTE

o u DOMICILIADO NO EXTERIOR

"Art. 119. O acionista residente ou domiciliado no exterior deverá


manter, no País, representante com poderes para receber citação em
ações contra ele, propostas com fundamento nos preceito desta Lei.

Parágrafo único. O exercício, no Brasil, de qualquer dos direitos de


acionista, confere ao mandatário ou representante legal qualidade
para receber citação judicial."

O dispositivo preencheu uma lacuna do regime legal anterior, no


qual o autor de ação contra o acionista residente ou domiciliado no
exterior tinha que utilizar-se de carta rogatória para citar o demanda-
do, com todas as dificuldades inerentes a tal procedimento.
Qualquer acionista, controlador ou minoritário, deve manter no Brasil
representante com poderes para receber citação em ações fundadas na
Lei das S.A. 1780 . A nomeação do representante usualmente é feita medi-
ante procuração outorgada pelos administradores da sociedade estran-
geira, se pessoa jurídica. Para votar nas assembleias, o procurador não
precisa ser acionista, administrador da companhia ou advogado - requi-
sito constante do artigo 126 - , tendo em vista ser ele o representante da
companhia estrangeira no Brasil1781. Caso a sociedade não mantenha

1780 A Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, a propósito, menciona apenas os acionis-


tas controladores residentes ou domiciliados no exterior, omitindo-se com relaçao aos
demais acionistas, evidentemente também incluídos no preceito, pois a Lei das S.A. nao
estabelece qualquer distinção.
1781 Ver os comentários ao art. 126 da Lei das S.A. Em sentido contrário, a decisão da 3 o Turma
do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n° 649711-BA, Rei.
Min. Carlos Alberto Menezes de Direito, j. em 0 6 . 0 6 . 2 0 0 6 , publicada no D J U em
07.08.2006, não admitindo a nomeação por procurador, bem como exigindo que o
representante seja advogado, acionista ou administrador da sociedade estrangeira, con-
trariamente ao consagrado na prática dos negócios.
representante no País com tais poderes, descumprindo o preceito, cabe
a sua citação mediante edital.
Nos termos do parágrafo único, presume-se que o exercício de qual-
quer dos direitos de acionista confere ao mandatário ou representante
legal poderes para receber citação judicial. Assim, se o mandatário foi
constituído para votar em assembleia geral ou para receber dividendos
devidos ao mandante, poderá receber citação judicial1782. Trata-se de re-
presentação que decorre da lei, não da vontade das partes. A norma ex-
cepciona 3 (três) princípios: (i) o da representatividade, pelo qual o
mandatário é representante por vontade do mandante-, (ii) o da necessi-
dade de que o mandato contenha poderes expressos para receber cita-
ção1783; e (iii) o da competência, pois, ao permitir que a citação seja feita
na pessoa do representante legal, possibilita que a ação seja proposta não
no domicílio do réu, que é a regra geral1784, mas no domicílio da compa-
nhia. Assim, não pode ser objeto de interpretação ampliativa ou analógi-
ca, aplicando-se apenas às ações judiciais fundadas na Lei das S.A. O
dispositivo não pode ser invocado em processos administrativos sancio-
nadores instaurados pela Comissão de Valores Mobiliários, que deverá
promover a intimação do acionista indiciado em seu domicílio.

SEÇÃO V I I

SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DE DIREITOS

"Art. 120 A assembleia geral poderá suspender o exercício dos direi-


tos do acionista que deixar de cumprir obrigação imposta pela lei ou
pelo estatuto, cessando a suspensão logo que cumprida a obrigação."

1 782 A propósito, consta da Exposição de Motivos n° 196, de 24.06.1976, que, o disposto no


parágrafo único, "presume a existência desses poderes no representante de acionista estran-
geiro que exercer quaisquer direitos societários no Pafs (votar, receber dividendos, pedir
reembolso, etc.)"
1 783 Art. 661, § 1°, do Código Civil.
1 784 O Código de Processo Civil, em seu art. 94, assim dispõe: "A ação fundada em direito
pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no
foro do domicilio do réu."
A Lei das S.A. tratou da matéria com maior precisão do que
ocorria no regime anterior (artigo 85 do Decreto-Lei n° 2.627/
1940), que também permitia a suspensão de direitos do acionista,
além das hipóteses previstas na norma vigente, quando ele adei-
xasse de executar medida de interesse coletivo".
A norma prevê uma sanção, na esfera interna da companhia,
quando ocorrer infração a disposição legal ou estatutária. Não se con-
funde, assim, com os preceitos legais que tratam da proibição do di-
reito de voto em determinadas deliberações em que o acionista tenha
interesses conflitantes com os da companhia. A proibição de voto
ocorre nas situações em que a Lei das S.A. estabelece uma presunção
absoluta de conflito de interesses do acionista com os da companhia,
não constituindo uma sanção, mas uma medida para preservar o in-
teresse social. Diversa é a situação prevista neste artigo, em que se
prevê a aplicação de uma penalidade por um ato já praticado pelo
acionista, contrário à lei ou ao estatuto1785.
Na interpretação da norma, deve-se atentar para a sua feição
de preceito que contém sanção disciplinar, uma vez que sua aplica-
ção trará conseqüências relevantes na esfera dos direitos do acio-
nista. Devem-se, assim, observar, devidamente "temperados", dada
a maior flexibilidade do direito societário, as garantias materiais e
processuais existentes no ordenamento jurídico sancionador, prin-
cipalmente as seguintes: (i) o princípio da legalidade, não se poden-
do suspender os direitos do acionista quando não há prévia norma
legal ou estatutária proibindo o comportamento; (ii) o princípio do
contraditório, assegurando-se ao acionista o direito de defesa; (iii) o
princípio da irretroatividade, não sendo possível a aplicação da san-
ção a comportamento verificado antes da introdução de norma le-
gal ou estatutária que o vede; (iv) a presunção de inocência, que
demanda à companhia provar o fato; (v) a motivação da decisão tomada
na assembleia, a qual deve descrever as razões e os fundamentos da deli-
beração, bem como as penalidades aplicadas, que não podem ser genéri-
cas, de todos os direitos; (vi) a individualização da sanção, aplicável apenas
ao infrator; (vii) a proibição do bis in iãem, não se podendo suspender
mais de um direito por infração verificada; e (viii) a proporcionalidade
entre a falta e a sanção, dosando-se a pena à gravidade do ilícito1786.
O acionista não pode ficar indefinidamente à espera que a assem-
bleia decida aplicar-lhe a penalidade de suspensão de direitos. Assim,
no silêncio do estatuto, deve a deliberação ser adotada na primeira as-
sembleia geral extraordinária realizada após a constatação do ato prati-
cado em violação da lei ou do estatuto, sob pena de precluir a possibilidade
de ser aplicada a sanção. Tal decorre da segurança jurídica necessária às
relações societárias, não se admitindo que atos praticados pelo acionis-
ta fiquem perenemente sob a ameaça de potencial sanção.
A suspensão somente pode ser deliberada em assembleia ge-
ral extraordinária, constando a matéria da ordem do dia, com a
indicação do nome do acionista acusado, para que ele possa com-
parecer e exercer o direito de defesa.
A Lei das S.A. prevê, no artigo 109, um elenco limitado de
direitos dos quais os acionistas não podem ser privados, nem pelo
estatuto nem por deliberação da assembleia geral, a saber: (i) parti-
cipação nos lucros sociais; (ii) participação no acervo da compa-
nhia, em caso de liquidação; (iii) fiscalização, na forma da lei, da
gestão dos negócios sociais; (iv) preferência para subscrição de ações,
partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis
em ações e bônus de subscrição; e (v) retirar-se da companhia, nos
casos nela previstos. Tal elenco não é exaustivo, existindo outros

1786 N E L S O N E I Z I R I K , A R I Á D N A B. C A A L , F L Á V I A PARENTE e M A R C U S DE FREITAS


HENRIQUES. Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2 a edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 334-336.
direitos não mencionados na norma específica que também são es-
senciais, como o de ter a responsabilidade limitada ao preço de emis-
são das ações subscritas ou adquiridas; por outro lado, há direitos,
como o de preferência, que podem ser negados ao acionista.
Daí resulta que os direitos ditos essenciais podem ser excepcional-
mente atingidos pela deliberação da assembleia geral. Caso contrário,
não só a norma que prevê a sanção seria inóqua, como existiria grande
incerteza jurídica sobre quais direitos poderiam ser objeto de suspensão.
As regras estatutárias são válidas - no sentido de criarem direitos
e obrigações - na medida em que estiverem em conformidade às nor-
mas e princípios contidos na Lei das S.A. Com efeito, tratando-se de
normas hierarquicamente inferiores às legais, não podem contradizê-
-las, pois delas retiram o fundamento de sua validade. Também não
podem ser contrárias aos princípios estabelecidos na Lei das S.A.; os
princípios também constituem normas, embora de um tipo especial,
que recepcionam valores e que ordenam que algo deve ser cumprido
da melhor maneira possível, apresentando-se como a busca do ótimo.
Assim, por exemplo, se uma disposição estatutária estabelece, para
determinadas deliberações, o consentimento unânime dos acionis-
tas, estará infringindo o princípio majoritário, consagrado no direito
societário, sendo tal regra inválida para a produção de quaisquer efei-
tos jurídicos. D a mesma forma, se uma regra estatutária de compa-
nhia aberta proíbe os acionistas de venderem suas ações a terceiros
sem autorização da assembleia, estará em contradição com o princí-
pio da livre circulação das ações; o acionista que a descumpre não
poderá sofrer qualquer sanção, dada a sua invalidade.
Temos verificado, notadamente a partir de 2006, a inserção, nos
estatutos de companhias abertas integrantes do Novo Mercado da
BM&FBovespa, de cláusulas assemelhadas às poison pills da prática
do mercado norte-americano. Tais cláusulas têm como objetivo, em
geral, manter a dispersão do capital no mercado, obrigando o adqui-
rente de ações acima do percentual nelas estabelecido a comprar as
demais ações a um preço superior ao de mercado. Assim, visam a
promover um tratamento igualitário entre os acionistas e a protegê-los
de ofertas coercitivas. Algumas companhias, porém, introduziram em
seus estatutos regras impondo penalidades aos acionistas que vota-
rem favoravelmente à supressão ou à alteração das cláusulas de-poison
pills, obrigando-os a realizar uma oferta pública para aquisição das
ações dos demais acionistas, sob pena de terem suspenso o seu direito
de voto. Trata-se de uma verdadeira "cláusula pétrea", que impede o
acionista de livremente exercer o seu direito de voto1787.
Tais "cláusulas pétreas" são ilegítimas, na medida em que sua
utilização visa a proteger os interesses dos acionistas controladores
ou administradores que desejam se perpetuar no comando da compa-
nhia, e ilegais, uma vez que inibem injustificadamente o exercício de
direito de voto1788-1789.
A "infração" a cláusulas estatutárias ilegais, contrárias às normas e
princípios contidos na Lei das S.A., evidentemente não pode acarretar
a aplicação de sanções aos acionistas, uma vez que elas não produzem
qualquer efeito jurídico. As disposições estatutárias que contrariam as
normas e os princípios contidos na Lei das S.A, hierarquicamente su-
perior, não têm validade jurídica, sendo incapazes de gerar efeitos1/9°.

1 787 Ver os comentários ao art. 116 da Lei das S.A.


1 788 Sobre esse assunto, ver M O D E S T O CARVALHOSA, "As 'poison pills' Estatutárias na Prática
Brasileira - Alguns Aspectos de sua Legalidade". In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e
Leandro Santos de Aragão (Coord.). Direito Societário. Desafios Atuais. São Paulo: Quartier
Latin, 2009, p. 19,
1 789 Ver o Parecer de Orientação C V M n° 36/2009.
1 790 Ver os comentários ao art. 83 da Lei das S.A.
ESTE UVRO FOI COMPOSTO F.M FONTE ACAST.ON SEGUIA* 12/16
E IMPRESSO EM-PAPEL PÓLEN 70 G/M?/;NAS? OFICINAS: DA
PROL GKÁFICA '
A LEI DAS S/A
COMENTADA
VOLUME I

ARTIGOS 1 O A 1 2 0

Direito Societário e a Nova Lei de Falências e


Recuperação de Empresas
Coordenação:
Rodrigo R. Monteiro de Castro
Leandro Santos de Aragão

Direito Tributário Internacional


Aplicado - Volumes I a V
Coordenação:
Heleno Taveira Torres

Direito Tributário, Societário


e a Reforma da Lei das S/A - Volumes I e II
Inovações da Lei 11.638
Coordenação:
Sérgio André Rocha

Ação de Dissolução de Sociedades


Samantha Lopes Alvares

Crédito e Judiciário no Brasil


Uma análise de Direito & Economia
lairo Saddi

Temas de Regulação Financeira


lairo Saddi

Direito do Consumidor - 2' edição


Newton De Lucca

Das Fontes às Normas


Riccardo Cuastini
Prefácio:
Heleno Taveira Torres

Dissolução Parcial, Exclusão de Sócio


c Apuração de Haveres
nas Sociedades Limitadas
Márcio Tadeu Guimarães Nunes

Direito de Voto nas Sociedades Anônimas


Renato Ventura Ribeiro

Da Concordata no Concurso de Credores -


O precedente romano do "paclum ut
minus solvatur"
Eduardo C. Silveira Marchi
A LEI DAS S/A COMENTADA VOLUME I

A presente obra apresenta uma análise sistemática e


funcional dos dispositivos da Lei das S/A, com todas as alterações
legislativas que ocorreram desde sua promulgação, em 1976, e com
as necessárias integrações ao novo Código Civil. Ademais, contém
as contribuições doutrinárias e jurisprudenciais, bem como as
decisões e regulamentações da Comissão de Valores Mobiliários,
que "sedimentam" a Lei 6404/76, de forma rigorosamente
atualizada, até novembro de 2011.
A experiência prática do Autor, professor, advogado e jurista
especializado em Direito Societário e em Mercado de Capitais,
contribuiu decisivamente por torná-la um material de consulta
indispensável não só aos estudantes, como também a todos aqueles
que, em suas atividades profissionais, devem aplicar e seguir os
preceitos da legislação societária.
Neste primeiro volume, privilegiou-se o exame dos seguintes
aspectos da Lei das S/A: características das sociedades por ações;
seu objeto social; distinção entre companhia aberta e fechada;
capital social; valores mobiliários de sua emissão; direito de voto
dos acionistas; vantagens das ações preferenciais; caracterização e
deveres do acionista controlador; acordo de acionistas; direitos
essenciais dos acionistas; arbitragem em direito societário.

Q U A R T I E R LATIN

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