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Rio de Janeiro
2019
Copyright © 2019 by
Marcus Lívio Gomes
Luís Eduardo Schoueri
Produção Editorial
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
T822t
ISBN 978-85-519-1597-4
CDD 343
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
espaço de tempo, uma série de mazelas e inconsistências nas atuais regras de tri-
butação internacional, o que pode provocar resultados ineficazes e temerários.
As recomendações da OCDE, que agiu com mandato do G-20 no âmbito
do Projeto BEPS, causaram grande comoção no sentido de substanciais altera-
ções das atuais regras de tributação internacional. O Brasil, ainda que não seja
membro oficial da OCDE, como integrante do G-20 está diretamente envolvido
com o trabalho e interferiu em sua elaboração. Neste sentido, necessita estar
atento a tais discussões e mudanças de paradigma, pois as regras de tributação
internacional figuram como relevante vetor de atração de investimentos e como
uma das bases para o desenvolvimento de uma economia globalizada.
Contudo, mesmo em pleno século XXI, a ideia da implementação de tais
ações globais nos regimes tributários nacionais, área intimamente relacionada
à soberania nacional, é extremamente audaciosa. Nesse sentido, a análise dos
possíveis impactos do BEPS na legislação tributária nacional é pertinente tan-
to sob o ponto de vista estatal, quanto sob o ponto de vista dos contribuintes,
em especial às sociedades empresarias que realizam operações transnacio-
nais. As autoridades estatais precisam atentar para a forma de implementação
das ações, bem como os contribuintes precisam estar cientes do procedimento
prático de adequação às novas regras, respeitando seus direitos e garantias.
Um dos principais propósitos do Projeto BEPS é estabelecer a coerência
a nível internacional da tributação da renda das pessoas jurídicas. Apesar de
reconhecer que “a política tributária está no cerne da soberania dos países”, o
plano de ações sustenta que, como consequência da globalização, as políticas
tributárias domésticas não mais podem ser “desenhadas isoladamente”.
É questionável, contudo, se a soberania dos Estados está realmente sendo
levada em consideração no desenvolvimento do projeto. O BEPS tem a preten-
são de ser neutro no que diz respeito à discussão sobre a tributação na fonte
versus tributação na residência. Assim, alegadamente, não pretende restringir
o direito do Estado da fonte de tributar determinados rendimentos, nos casos
em que assim foi bilateralmente acordado. No entanto, sob o suposto intento
de se enfrentar o abuso, observa-se uma clara tendência de privilegiar a tribu-
tação na residência em detrimento da tributação na fonte.
Muitos são os exemplos de medidas propostas pelo BEPS que limitam a
capacidade do Estado da fonte de atrair investimentos. Clamando por meca-
nismos capazes de enfrentar as distorções causadas por instrumentos híbri-
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1 OECD, Addressing Base Erosion and Profit Shifting (OECD Publishing 2013), Disponível em:
http://www.oecd.org/tax/addressing-base-erosion-and-profit-shifting-9789264192744-en.htm.
Consulta em: 27/12/2015.
2 Final Reports. Disponível em: http://www.oecd.org/ctp/beps-2015-final-reports.htm. Consultado
em: 01/04/2016.
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3 É interessante o caso dos EUA, que pretendem adotar algumas, mas não todas as medidas. Isso
evidencia que esse país percebe que nem sempre tem a ganhar com o BEPS. Afinal, quando um país
de fonte evita BEPS e com isso aumenta sua tributação, os EUA, como país de residencia, acabam
por ter de dar maior crédito, por causa do maior imposto pago no exterior. Nesse sentido, há um
nítido conflito de interesses, a evidenciar que o BEPS será “digerido” de forma distinta pelos países
desenvolvidos vis-à-vis países em desenvolvimento.
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rede de tratados e legislação doméstica, bem como assegurar que uma even-
tual internalização de regras construídas e pensadas para ordenamentos dis-
tintos sejam internalizadas no Brasil sem um prévio juízo crítico, evitando-
-se inconstitucionalidades e ilegalidades e até mesmo o surgimento de novos
embates judiciais entre Fisco e contribuintes.
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>> Ação 11 do Projeto BEPS: As metodologias para coleta e análise de da-
dos sobre os fenômenos econômicos do BEPS.
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Essa nova sistemática fiscal é de difícil construção, porque sempre deve con-
siderar a fluidez da economia digital, ou seja, a mobilidade de diversos fatores,
como a dos intangíveis, em que o produto pode ser alterado ao longo do tempo;
a dos clientes, que não possuem barreiras para adquirir ou deixar de consumir
determinado produto ou serviço digital; e mobilidade do próprio negócio digital,
em que sua presença física é mínima e pode ser controlado de qualquer local.
O relatório desta ação apresenta os princípios da tributação diante da
economia digital e relata algumas situações de evasão de tributos pelos fatores
discorridos, apontando algumas soluções. Uma delas, a ampliação do con-
ceito de Estabelecimento Permanente, a abarcar o mercado consumidor, que
ordinariamente não é levado em consideração como elemento de conexão na
tributação internacional.
A legislação tributária atual mostra-se ineficiente para taxar a economia
digital de maneira satisfatória, não atingindo a capacidade contributiva dos
agentes. A estrutura em que ela se calcou falha nesses negócios justamente por
suas características de mobilidade e volubilidade. Agentes econômicos inter-
nacionais, além de poderem escapar da tributação no país da fonte, concorrem
com as empresas residentes, muitas vezes não sendo tributadas por paraísos
fiscais, o que causa distorção no mercado. Daí a necessidade de ampliação e
atualização do conceito de Estabelecimento Permanente.
Os Estados podem implementar medidas para forçar as empresas inter-
nacionais a se registrarem no país, através da retenção do tributo na fonte,
como uma norma indutora, uma vez que potencialmente é mais vantajoso
ser tributado como um residente a ter os lucros tributados, na integralidade, a
uma alíquota a certo ponto elevada.
Os países em desenvolvimento podem ser afetados por essas medidas, no
sentido de que eles dependem de um grande número de tratados contra a bitri-
butação firmados e com o conceito de Estabelecimento Permanente ajustado, ou
serem signatários de instrumentos multilaterais, o que não é comum em países
de Terceiro Mundo que passam por momento de abertura do mercado e não
possuem vasta gama de acordos firmados como os países de Primeiro Mundo.
Por outro lado, a ampliação do conceito de Estabelecimento Permanente
pode dificultar a presença de empresas de países emergentes em países desen-
volvidos, haja vista a diversidade da burocracia interna, o que pode represen-
tar reserva de mercado por parte dos países de Primeiro Mundo. Os membros
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4 Tribunal de Justiça da União Europeia, Processo C-196/04, 12/09/2006. Disponível em: http://curia.
europa.eu/juris/showPdf.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30db59f0bf58c61f4a26bedbfca4594cabc9.e34Kax
iLc3qMb40Rch0SaxuKc3v0?text=&docid=63874&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&o
cc=first&part=1&cid=76414. Consultado em: 01/04/2016.
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de juros, como é o caso do Brasil, sua eventual adoção deve ser precedida da
análise de algumas peculiaridades de nosso sistema: (1) a existência dos “juros
sobre capital próprio (JCP)”; (2) a efetividade das atuais regras de limitação de
dedutibilidade de juros, ainda mais rígidas em relação aos pagamentos efetu-
ados a jurisdições com tributação favorecida e regimes fiscais privilegiados; e
(3) a rígida repartição de competências tributárias, a exigir do legislador fede-
ral, na decisão sobre dedutibilidade, a conformação com o conceito de renda
espelhado no artigo 43 do Código Tributário Nacional.
Portanto, a adoção deste plano de ação pode impactar no investimento
estrangeiro em momento delicado da economia brasileira.
Clara Gomes Moreira, Frederico A. Fonseca, João Dácio Rolim e Kristal
Heine Schneeweiss relataram o Plano de Ação 5, cujo objeto são as práticas
tributárias prejudiciais. Destacam que a OCDE já havia endereçado o tema no
relatório Harmful Tax Competition, em 1998, não obstante agora se preten-
da atualizar estes trabalhos, propondo-se ênfase na transparência e substân-
cia nas operações transnacionais, em especial o intercâmbio de informações
numa escala global, sobretudo quanto aos regimes preferenciais, e a exigência
de atividade substancial para qualquer regime privilegiado.
No que concerne ao Plano de Ação 6, Carlos Renato Vieira, Flavio Eduardo
Carvalho e Pedro Augusto do Amaral Abujamra Asseis endereçam as conclusões
do relatório final desta ação, onde a OCDE recomenda que os países promovam
alterações em seus tratados de modo e prever uma regra geral anti-abuso baseada
no propósito principal das transações (PPT - Principal Purposes Test).
Tais normas servirão, na opinião da OCDE, para que os países possuam
instrumentos jurídicos a fim de impedir que os contribuintes utilizem de forma
abusiva os tratados, como se dá nos denominados casos de Treaty Shopping, onde
as evidências devem ser pesadas para determinar se é razoável concluir que um
arranjo ou transação foi realizado ou arranjado com tal propósito.
Em que pesem as recomendações da OCDE, deve-se ressaltar a neces-
sidade de que os ordenamentos jurídicos, e em especial o brasileiro que tem
as raízes da tributação fincadas na Constituição, tragam normas internas ex-
pressas sobre a forma de desconsideração de atos ou negócios jurídicos na se-
ara tributária, sob pena de os benefícios previstos nos tratados internacionais
se tornarem mais um fator de insegurança para os contribuintes em geral.
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Caso o Brasil adote a PPT rule em seus tratados, nos moldes sugeridos pela
OCDE, com baixo grau de determinação, sem que esteja acompanhada de nor-
mas internas que imponham mais transparência e previsibilidade nas relações
entre Fisco e contribuintes, permitir-se-á que essas novas normas internas con-
flitem com a legislação do outro país contratante e com os respectivos CDTRs.
Resta evidente que as mudanças sugeridas pela OCDE têm pontos positi-
vos e que serão necessários novos institutos jurídicos para promover o comba-
te aos planejamentos tributários abusivos. No entanto, o que deve pautar essas
modificações são, acima de tudo, a segurança jurídica e a igualdade material
dos contribuintes, evitando-se soluções paliativas ou medidas inapropriadas
à realidade brasileira.
Outra situação onde se observa uma clara discrepância entre o regramento
brasileiro e as práticas recomendadas pela OCDE pode ser identificada quando
analisamos as regras brasileiras de preços de transferência aplicáveis às commodi-
ties, que representam 65% do total de exportações do país5, tratadas nos Planos de
Ação 8, 9, 10 e 13. Este tema foi objeto das pesquisas realizadas por Débora Ottoni
Uébe Mansur, Doris Canen, Francisco Lisboa Moreira, Gabriel Gervason Resen-
de, Hugo Marcondes Rosestolato da Costa, Márcio Oliveira, Natália Barbosa Al-
ves, Paulo Arthur Cavalcante Koury, Paulo Ayres Barreto, Raphael Assef Lavez,
Roberto Codorniz Leite Pereira e Vinicius Bentolila de Almeida.
Sobre o tema, as diretrizes internacionais possuem clareza hialina no
sentido de que as contribuições prestadas por entidades vinculadas presentes
na cadeia de produção, distribuição e comercialização de commotities cotadas
em bolsa devem ser remuneradas de acordo com o princípio arm’s length.
Nesse particular, foi reconhecido que a utilização de traders, distribui-
dores, agentes e outros intermediários se mostram como lugar comum na
comercialização global de commodities, razão pela qual a forma pelas quais
tais intermediários devem ser remunerados é uma das questões centrais ao se
estudar o controle fiscal desse mesmo mercado.
Já no Brasil, por força de ato infralegal, publicado meses antes da divul-
gação dos resultados finais do Plano de Ação 10 do Projeto BEPS, que abordou
essa temática, a participação de traders, distribuidores e agentes foi absoluta-
5 Fonte: United Nations Conference on Trade and development. New York and Geneva, 2015. Disponível
em: http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/wir2015_en.pdf. Consultado em: 01/04/2016.
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sem uma adesão geral e massiva, a própria premissa e os benefícios que jus-
tificaram a transparência ficarão comprometidos. O sucesso deste plano de
ação dependerá da coordenação das jurisdições, o que se mostra muito difícil,
tenha-se como exemplo a própria União Europeia, onde as ações para a uni-
formização da tributação enfrentam grande resistência dos Estados.
A questão do planejamento tributário deve ser analisada e enfrentada,
se for o caso, no campo das alterações legislativas, como bem propõem sobre
o Plano de Ação 12 Fernando Daniel de Moura Fonseca, Mario Nascimento
Souza Neto, Michel Batista, Ricardo Lodi Ribeiro e Stéphanie Samaha.
Ressaltam os pesquisadores que deve ser intensificada a transparência
(mútua) entre fisco e contribuinte e do estabelecimento de um clima de coo-
peração entre administração e administrado. No entanto, a ausência de uma
definição sobre planejamento tributário agressivo leva as discussões em senti-
do oposto, pois gera insegurança jurídica e faz com que o contribuinte possa
apresentar resistência às regras de mandatory disclosure.
No que diz respeito à noção de transparência fiscal internacional, as dis-
cussões apresentadas neste plano de ação continuam sendo unilaterais, com
foco exclusivo nas necessidades das Administrações Tributárias, deixando as
demandas dos contribuintes à margem. Embora este Plano de Ação seja criti-
cável em alguns pontos, fato é que a sua tentativa de implementação no Brasil,
por intermédio da MP n° 685/2015, desrespeitou várias das recomendações
do relatório final, bem como o próprio ordenamento jurídico nacional, o que
corroborou com a perda de vigência deste ato normativo.
Assim, é preciso que se inclua na pauta de discussões a necessidade de
reduzir a complexidade dos sistemas tributários, repensar o número excessivo
de leis e de deveres instrumentais, melhorar a acessibilidade do contribuinte
às autoridades fiscais e incrementar a clareza e a consistência das interpreta-
ções sobre a legislação tributária.
Alina Miyake, Donovan Mazza Lessa, Fernando Raposo Franco e Prisci-
la Faricelli de Mendonça sindicaram o Plano de Ação 14, cujo objeto é o forta-
lecimento dos mecanismos de solução de conflitos. A preocupação da OCDE
com a solução de conflitos tributários é legítima e mostra-se muito alinhada
até mesmo com as questões domésticas brasileiras, pois é notório que os meios
postos à disposição do Fisco e contribuintes brasileiros não produzem solu-
ções satisfatórias às controvérsias tributárias.
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Parte I - Relatório Geral
e Coerência
1. O Projeto BEPS: ainda
uma Estratégia Militar
Luís Eduardo Schoueri
Professor Titular de Direito Tributário da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo. Vice-Presidente do
Instituto Brasileiro de Direito Tributário.
Resumo: O presente artigo evidencia a abordagem eminentemente mili-
tar trazida pelo Projeto BEPS da OCDE em relação ao fenômeno denominado
erosão da base tributária e transferência de lucros. Com efeito, argumenta-se
que o contribuinte é colocado como o inimigo a ser enfrentado, consolidan-
do-se uma aliança entre Estados que, na verdade, possuem interesses antagô-
nicos no presente contexto tributário internacional.
Palavras-chave: BEPS – Cooperação – Alocação de jurisdição.
Abstract: This article shows that the BEPS Project poses essentially a
military approach towards the so-called base erosion and profit shifting phe-
nomenon. In this context, it is sustained that the taxpayer is treated as the
enemy to be faced, giving rise to an alliance between States which, actually,
pursue antagonistic interests in the international tax scenario.
Keywords: BEPS – Cooperation – Allocation of taxing rights.
Introdução
Se a aceleração do processo de globalização tem sido, justificadamente,
motivo de júbilo da parte daqueles que veem na integração de economias e
diminuição de fronteiras um fator para o crescimento econômico e para o
desenvolvimento social, a existência de Estados encarregados da promoção
de objetivos nacionais impõe a dura realidade da necessidade de recursos fi-
nanceiros suficientes para custear exigências crescentes. No modelo de Estado
Fiscal (Steuerstaat), a tributação surge com a justificação do financiamento da
atuação dos entes públicos. Seus limites jurídicos se apresentam nos Ordena-
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a serem tomadas (OCDE, 2013, p. 10), as quais devem balizar as novas regras
internacionais a fim de garantir a coerência na tributação dos rendimentos
transnacionais (OCDE, 2013, p. 13).
Defendida a aliança, é o momento de se reconhecer que a existência de
um inimigo comum não implica uma total comunhão de interesses. Em ver-
dade, a análise mais detida do Projeto demonstra que, em muitos casos, con-
cretizou-se aliança em torno de assunto sobre o qual existe polarização. Daí
a necessidade de se regrar, de antemão, o fruto da pilhagem. Afinal, se desde
os mais remotos tempos se reconhece ao vencedor o direito de se apossar dos
bens (e, em tempos antigos, mesmo da pessoa) do vencido, não poderia ser
diferente num cenário de combate ao BEPS. É por isso que o Relatório nota o
receio de alguns países em relação a como as regras internacionais repartirão
as jurisdições tributárias entre os Estados da Fonte e os Estados de Residên-
cia. Diante de tais preocupações, a OCDE afirma que o Projeto BEPS não se
destina diretamente a mudanças aos padrões internacionais de atribuição de
jurisdição para tributar, mas concentra-se no combate ao BEPS (OCDE, 2013,
pp. 10-11). Conforme se verá, este posicionamento, que indica cautela na cons-
trução da aliança militar, pode vir a enfraquecer a própria estratégia eleita já
que, num cenário de guerra, baixas são inevitáveis, não sendo adequado de
antemão assegurar que não haverá perdas.
O sucesso de qualquer Plano Estratégico depende do conhecimento de
seus objetivos. De acordo com o Projeto BEPS, o foco não seria rechaçar todo
e qualquer tipo de não tributação ou de tributação reduzida, mas combater
aquelas "associadas a práticas que segregam artificialmente os rendimentos
tributáveis das atividades que os geram" (OCDE, 2013, p. 10). Ou seja, o Proje-
to BEPS pretende, a partir de mudanças nos padrões internacionais, reajustar
a tributação no intuito de restaurar os efeitos e os benefícios pretendidos pelas
regras internacionais, as quais não teriam acompanhado o ritmo do desenvol-
vimento dos negócios (OCDE, 2013, p. 13).
Definido o objeto, passa o Plano Estratégico a definir propriamente os pas-
sos a serem tomados dali em diante. Assim, o Projeto BEPS identifica 15 (quinze)
ações necessárias para enfrentar a erosão da base tributária e a transferência de
lucros, estabelecendo prazos e identificando recursos necessários e a metodologia
adequada para a implementação dessas ações (OCDE, 2013, p. 11).
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Não deixa de ser notável a afirmação de que essas ações teriam como
premissas a transparência, a segurança jurídica e a previsibilidade para o se-
tor privado (OCDE, 2013, p. 14). É bem verdade, porém, que esses pressupos-
tos foram entendidos como sinônimo de pressa, pois os prazos estabelecidos
para a publicação das ações foram de, no máximo, pouco mais de dois anos
(OCDE, 2013, pp. 24-25). Se no papel o Plano Estratégico parece funcionar, a
realidade da guerra não tarda a demonstrar que muitos invernos serão enfren-
tados pelos exércitos aliados, cabendo ao Alto Comando notar que não basta,
para vencer a guerra, contar com alto poder de fogo da artilharia (represen-
tada pela edição de leis): também a infantaria, representada pelas autoridades
tributárias, será necessária para as lutas corpo-a-corpo; a engenharia cons-
truirá pontes e outras vias (tratados multilaterais) para a marcha do exército,
sem falar na intendência, a quem caberá assegurar o tempestivo suprimento
de recursos (trocas de informações).
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submetidos a regras similares, o que não pode conviver com regimes tributá-
rios distintos. Afinal, é inegável que a economia digital aproxima fornecedores
dos consumidores, os quais têm imediato acesso aos produtos, em nada se di-
ferenciando, substancialmente, as compras físicas das virtuais. São as seguintes
características-chave da economia digital e seus modelos de negócios apontados
como relevantes sob a perspectiva tributária: mobilidade (com relação a intan-
gíveis, usuários e atividades econômicas); dependência de dados; a difusão de
modelos de negócios multilaterais; tendência ao monopólio e ao oligopólio; e
volatilidade devido às baixas barreiras para a entrada no mercado e também em
razão do rápido desenvolvimento tecnológico (OCDE, 2015a, p. 157).
Possivelmente o tema mais sensível identificado em uma das conclusões
presentes nesse Relatório Final é o próprio questionamento sobre a adequação
dos elementos de conexão hoje vigentes. Isso porque, ao reduzir a necessidade
de presença física, torna-se possível indagar se as regras que nela se baseiam
continuam adequadas (OCDE, 2015a, p. 147). Essa questão, se não resolvida no
âmbito do próprio Planejamento Estratégico, poderá inviabilizar a própria ba-
talha, diante do impasse dos exércitos aliados, todos temerosos de abrir mão de
terrenos já conquistados. A história das guerras revela que nem sempre a toma-
da de territórios é motivo de comemoração, podendo antes tornar-se um trans-
torno, se não planejada (impossível não se lembrar do fracasso napoleônico na
frente russa). Do mesmo modo, ao se assegurarem as conquistas na economia
material, deixam-se de lado os vastos e férteis terrenos da economia digital, cuja
conquista exige que se sacrifique parte dos terrenos antes tomados. No âmbito
do BEPS, deve-se ver que se os Estados fincam o pé nos atuais critérios de tri-
butação, baseados na presença física (estabelecimento permanente) e ao mesmo
tempo se propõem a não conferir tratamento diverso ao comércio virtual, então
a própria tributação da economia virtual se torna inviável.
Mais adequado seria estabelecerem-se novos critérios para a tributação,
desvinculados da presença física em um território e, uma vez definidos, es-
tendê-los ao comércio real. Não por outro motivo, o estranhamento da dou-
trina em relação à inserção, no âmbito do Projeto BEPS, da questão da aloca-
ção de jurisdição sobre a tributação na economia digital, é patente (BRAU-
NER e BAEZ, 2015, pp. 4-5; HONGLER E PISTONE, 2015, p. 2). Afinal, por
que há de ser tratado como abusivo o comportamento do contribuinte em
ambiente acerca do qual não existem regras definidas?
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No que se refere ao BEPS, é surpreendente que igual lógica não tenha sido
cogitada: não se encontra, no Relatório BEPS, indicação de mecanismos para
que os contribuintes passem a se interessar pelos problemas dos Estados e uns e
outros busquem saídas adequadas. Não parece razoável admitir que o universo
das empresas que atuam no comércio internacional seja formado por entidades
que, visando ao próprio interesse, deixem de lado as necessidades das comuni-
dades nas quais estão inseridas. Ao contrário, se uma regra deve ser estabeleci-
da, esta será no sentido de que as empresas, principalmente as de maior porte,
buscam cumprir suas obrigações. Aliás, não é diverso o que se observou no caso
do BEPS: não parece ser seu principal foco as empresas que atuam contraria-
mente às leis; ao contrário, o que se tem, no mais das vezes, são empresas que,
atuando dentro dos limites legais, acabam por otimizar sua carga tributária.
Em tal cenário, a lógica do confronto leva os contribuintes à defesa de
suas posições. Porque baseadas na legalidade, não há como censurar sua ati-
tude. Aos Estados, resta-lhes mudar as leis, criando-se, daí, um ambiente de
extrema mutação legislativa, cujo efeito pernicioso aos investimentos é ele-
mentar. Não se olvide, ademais, que o ambiente de confronto não permite ao
vencedor tranquilizar-se, já que continuará sob a ameaça de revide do venci-
do, o que somente se afastaria com seu aniquilamento.
É justamente neste ponto que se revela a necessidade de revisão da lógica
militar que reinou na consecução do Projeto BEPS: o aniquilamento do vencido
é impossível, já que os Estados dependem da saúde financeira de seus contri-
buintes, sem o que não há como exercerem sua pretensão tributária. Se é verda-
de que os contribuintes dependem dos Estados, também estes não podem viver
sem o concurso dos primeiros. A necessidade de cooperação se torna imediata.
A cooperação, por sua vez, pressupõe transparência. Não como medi-
da imposta, unilateralmente, por quem detenha mais força: a transparência
de todas as partes envolvidas é requisito para que surja a confiança, base de
qualquer cooperação. Se os Estados não confiam nos contribuintes, não há
razão para que estes se aproximem daqueles. Apenas com a confiança na ma-
nutenção das regras do jogo (segurança jurídica) é que se têm investimentos,
matéria prima para o surgimento da base tributável.
A cooperação não deve ser feita apenas no sentido vertical (fisco e con-
tribuinte): igual confiança se espera que os Estados tenham, uns nos outros.
Não se alcança bom termo quando os Estados têm medo de abrir mão de posi-
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Bibliografia
AVI-YONAH, Reuven S., “For Haven’s Sake: Reflections on Inversion Tran-
sactions, Tax Notes, vol. 95, 1793-1799, 2002.
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OCDE (2013), Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting, OECD Pu-
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__________. Arm’s Length: Beyond the Guidelines of the OECD. In. Bul-
letin for International Taxation, v. 69, nº 12. Amsterdam: IBFD, December
2015b, pp. 690-716.
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2. Combate às Práticas Fiscais Danosas
e a Soberania Fiscal dos Estados
Introdução
Esse artigo destina-se ao estudo do plano de ação n. 05 – “Combate mais
efetivo às práticas fiscais danosas, considerando a transparência e a substância”
(Countering harmful tax practices more effectively, taking into account trans-
parency and substance).
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6 “[…] combating harmful tax practices is an interest common to OECD and non-OECD member
countries alike.” [tradução livre]
7 “[...] countries retain their sovereignty over tax matters […], as long as they do not conflict with
countries’ international legal commitments.” [tradução livre]
8 “Practices of this sort can appropriately be labelled harmful tax competition as they do not reflect
different judgements about the appropriate level of taxes and public outlays or the appropriate mix
of taxes in a particular economy, which are aspects of every country’s sovereignty in fiscal matters,
but are, in effect, tailored to attract investment or savings originating elsewhere or to facilitate the
avoidance of other countries’ taxes.” [tradução livre]
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
aquela não está compreendida nessa. Em outras palavras, não é legítimo que
um Estado desenhe o seu sistema tributário para atrair os investimentos es-
trangeiros com o objetivo primeiro de erodir a base de tributável de outro
Estado. Isso em razão do efetivo deslocamento de capitais e/ou da facilitação
de comportamentos abusivos dos contribuintes com relação a esse segundo
Estado. Diferente é a hipótese em que o Estado meramente traça o seu regime
de tributação, compatibilizando as receitas tributárias e as não tributárias, e
as despesas a serem realizadas.
Por conseguinte, duas são as finalidades da tributação: uma “apropriada” e
“aceitável” finalidade arrecadatória ou fiscal, e uma finalidade competitiva abusiva.
Essa última finalidade pode possuir quatro perspectivas: (i) uma primeira
obrigatoriamente fiscal relativa à carga tributária a que estão sujeitas as pessoas ju-
rídicas contribuintes do imposto sobre a renda; (ii) uma segunda referente à trans-
parência e à segurança jurídica, em função da espontânea troca de informações e
da clareza e eficácia do Direito; (iii) uma terceira com relação à igualdade de trata-
mento entre os residentes e os não residentes; e (iv) uma quarta quanto à introdução
e aplicação das normas antiabusivas. Contudo, a delimitação de cada uma dessas
perspectivas é indeterminada, como se demonstrará.
Por todo o exposto, neste artigo, os questionamentos a serem enfrenta-
dos são dois: “O combate às práticas fiscais agressivas é um princípio geral de
direito reconhecido pelas nações civilizadas?” e “O combate às práticas fiscais
agressivas é compatível com a soberania fiscal dos Estados?”.
Esse estudo é dividido em três momentos. Em um primeiro, delimita-se
a “competição fiscal agressiva” tal como fundamentada nos aludidos trabalhos
da OCDE. Pretende-se demonstrar que os consensos sob os quais repousa
esse instituto são falsos e de falha percepção empírica. Longe de expressa-
rem um instituto uniforme entre os países. Em seguida, passa-se ao exame
dos PGDRNC. Um aprofundamento sobre a temática extrapola o objeto desse
estudo. Busca-se apenas demonstrar que a qualificação do combate à prática
fiscal danosa como um PGDRNC esbarra em elementos essenciais dessa fonte
de direito internacional. Por fim, enfrenta-se a possível violação da soberania
fiscal dos Estados, especialmente, daqueles em desenvolvimento. Dessa for-
ma, identificam-se quem são os beneficiários do plano de ação n. 05. Esse é o
debate entre o Estado da residência e o Estado da fonte.
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Neste artigo, pretende-se colaborar para uma análise mais profunda so-
bre os dogmas construídos na defesa contra as práticas fiscais consideradas
danosas e o seu confronto com a natureza cooperativa do Projeto BEPS. Acre-
dita-se que discutir com vigor sobre tal temática, de maneira a se coadunar o
combate a essas condutas e a soberania fiscal dos Estados seja uma condição
essencial para eventuais progressos nessa área.
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
enfatize-se, da perspectiva adotada por aquele que a faz – “Danoso com rela-
ção a quem?”. Isso será retomado nesse estudo mais à frente.
Antecipe-se que a imputação do caráter danoso a uma prática fiscal depende
da percepção de certos efeitos concretos, em consonância com a OCDE. Finalida-
de e efeito se somam para esses fins. Não é por outra razão a posição defendida
por Carlo Pinto (1998, p. 387), segundo o qual, a identificação da competição
fiscal danosa se dá pelo efeito econômico da “degradação fiscal” – a aptidão de um
Estado de provocar perdas em outro ou mesmo na livre economia global, em fun-
ção da sua atividade tributária agressiva. Como se verá, também essa concepção é
demasiadamente ampla não sendo de fácil percepção fática.
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
9 “This “regular” rate comes closer to the one that would have been chosen without the constraints
imposed by international tax competition […].” [tradução livre]
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Neste tocante, a OCDE (1998, p. 22) identifica basicamente três funções: (a)
viabilizar a manutenção de investimentos passivos de holding em seu território;
(b) guardar “papéis” de lucro, a demonstrar o descolamento entre a atividade eco-
nômica e a fonte de sua produção; e, por fim, (c) inviabilizar que as autoridades
fiscais do país da residência exerçam o controle sobre essas atividades, ou seja, fa-
cilitar os comportamentos evasivos e elisivos (abusivos). Ao que pese a relevância
do combate ao comportamento ilícito do contribuinte, vislumbre-se que muitas
dessas hipóteses não são de fácil percepção nem aferição.
Sobre essa estrutura finalística, Altshuler (2014, p. 362) afirma: “é inte-
ressante notar que os paraísos fiscais são em verdade “players” passivos em vários
planejamentos tributários”10. Posiciona-se, nesse estudo, de maneira diversa.
Não há passividade de um Estado, caso esse se proponha a desenvolver uma
estrutura jurídica favorecida direcionada a propiciar que a sua eleição seja um
instrumento para a consecução de planejamentos tributários ilícitos. Diversa é
a hipótese em que isso ocorre, a despeito de um comportamento, diriam alguns,
“regular” do Estado. Nesse caso, não há um nexo de causalidade entre os fatos.
Admite-se que esse comportamento médio não é objetivamente estabelecido.
10 “It is interesting to note that tax havens are actually passive players in many tax planning structures.”
[tradução livre]
11 “[…] as it is not always straightforward to identify tax provisions that are harmful.” [tradução livre]
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13 “If the OECD has its reasons for believing that some hundred years of academic tradition on the subject
of public finance are mistaken, it would be interesting to know what these reasons are.” [tradução livre]
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sujeitos a uma tributação inferior àquela praticada sobre os imóveis, sob pena
de não ser essa uma atividade tributária neutra.
(iv) Ademais, a redução da carga tributária, muitas vezes, não provoca
uma redução da receita tributária. Em verdade, inúmeros são os exemplos da
sua majoração consequente. E mais, a capacidade de o particular suportar os
tributos é limitada, sendo o ponto ideal da curva aquele que não inviabiliza a
atividade econômica.
Neste sentido, Keith Marsden (1998, p. 51) afirma: “A prova empírica é
clara. A competição fiscal não é danosa.”14. Isso sob o seguinte embasamento:
os Estados que reduziram a sua carga tributária possuíram um maior cresci-
mento econômico e uma elevação da sua arrecadação em relação aos demais.
Não se desconsidera que cada uma destas proposições reflete uma com-
preensão ideológica sobre os limites da intervenção estatal (e supranacional)
nessa matéria, não sendo possível traçar uma uniformidade de entendimen-
tos. Entretanto, reitere-se a finalidade desse ponto: questionar as bases empí-
ricas das posições defendidas pela OCDE.
14 “The empirical evidence is clear. Tax competition is not harmful.” [tradução livre]
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
ciais por meio dos seus sistemas tributários. Por assim dizer, “[...] a competição
fiscal pode ser entendida como uma batalha entre demandas que competem
entre si pela soberania fiscal.”15 (RING, 2009, p. 25).
Na esteira do supradescrito, a identificação dessa condição não é clara.
Não há uma uniformidade de entendimento sobre a extensão e o modo da
prestação de uma atividade tributária “regular”. O que se verifica, ao longo
destas páginas, é a existência apenas de indícios do caráter danoso de cer-
tos regimes fiscais. É ainda questionável, como se verá a seguir, a perspectiva
adotada. Explique-se: pergunta-se sobre quem são os reais beneficiados pela
introdução de medidas de combate às práticas fiscais abusivas.
No entanto, assumindo a possibilidade de identificação da competição
fiscal agressiva, o PGDRNC é uma manifestação do princípio da proibição
do abuso de direito derivado da boa-fé no exercício dos direitos (SCHOU-
ERI, 1995, p. 125). Nesse sentido, em consonância com Alexander C. Kiss
(SCHOUERI, 1995, p. 128), “um Estado exerc[e] um direito, seja de um modo
que impede o exercício pelos outros Estados de seus direitos, seja com um fim
diverso daquele para o qual o direito foi criado, a fim de ferir o outro Estado”.
Assim, na prática fiscal danosa, há um abuso da soberania fiscal.
Para seguir com essa explicação, expõem-se algumas considerações so-
bre o conceito e o conteúdo da soberania fiscal dos Estados. Isso com o objeti-
vo de questionar o aludido abuso de direito e de aferir a essência e a legitimi-
dade desse PGDRNC.
15 “[...] the tax competition debate could be understood as a battle of competing claims to tax
sovereignty.” [tradução livre]
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16 “[…] states do not exercise unimpeded control over tax policy choices […]” [tradução livre]
17 “Tax competition is a problem of sovereign states that cannot be regulated precisely because they
are sovereign states.” [tradução livre]
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Conclusão
Pretendeu-se ao largo destas páginas demonstrar não haver um concei-
to uniforme nem objetivo acerca das práticas fiscais danosas. A doutrina e a
OCDE não as definem de modo conclusivo. Não obstante, tal como descritas,
elas encerram, essencialmente, a tutela dos interesses dos Estados de residência.
Dessa feita, o reconhecimento de um PGDRN nesse caso decorre de um
“consenso” fruto dos poderes econômico e político de alguns países desenvol-
vidos, a refletirem na alteração do comportamento dos demais Estados, os
quais passaram, ainda que de maneira não uniforme, a incorporar medidas
de combate à competição fiscal agressiva.
A evolução dessa temática perpassará um aprofundamento das relações de
cooperação entre os Estados. Não se tratam de monólogos, mas sim de diálogos
entre os países, com vistas a aperfeiçoar os conceitos e as medidas de controle.
Bibliografia
75
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
PINTO, Carlo. UE and OECD to Fight Harmful Tax Competition: Has the
Right Path Been Undertaken? Intertax, v. 26, issue 12, Kluwer Law Interna-
tional, p. 386-410, 1998.
76
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
ROSEMBUJ, Tulio. Harmful Tax Competition. Intertax, v. 27, issue 10, Klu-
wer Law International, p. 316- 334, 1999.
KISS, Alexander C.. Abuse of Right (verbete). In: R. Bernhardt (org). Encyclo-
paedia of Public International Law. v. 7. Amsterdam: Elsevier Science Publi-
shers B. V., p. 1-5.
77
3. O Plano de Ação 4 do Projeto BEPS
da OCDE – Limites à erosão da base
tributária através da dedução de juros
e outras compensações financeiras
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Introdução
Estimulada por grave crise econômica, a opinião pública passou a pro-
testar ativamente contra planejamentos tributários internacionais de grandes
grupos multinacionais, os quais exploravam brechas e assimetrias existentes
em legislações de diferentes países para reduzir, expressivamente, a carga tri-
butária ou diferir o pagamento do imposto sobre a renda.
Estavam frente a frente os princípios da moralidade e capacidade con-
tributiva, consubstanciados na obrigação de pagar uma parcela justa de im-
posto, e os princípios da legalidade, segurança jurídica e livre exercício das
atividades econômicas, eis que se tratavam de planejamentos realizados em
conformidade com a lei.
Nesse cenário, os líderes das 19 maiores economias do mundo mais a
União Europeia, na reunião do G20 no México em 2012, solicitaram à Or-
ganização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ("OCDE") que
preparasse estudo com vistas ao combate à erosão da base tributária e a trans-
ferência de lucros para países com baixa ou nenhuma tributação, e sem ativi-
dade econômica substancial. Nascia ali o projeto BEPS (abreviatura do inglês
de base erosion and profit shifting).
A OCDE então apresentou relatório contendo um plano para o combate à
erosão da base e transferência de lucros, no qual identificou quinze planos de
ação necessários para enfrentar a questão; estabeleceu prazos; e identificou re-
cursos e metodologia necessários e adequados para a implementação das ações.
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caso não seja permitida a dedução dos juros pagos por uma entidade e os
mesmos sejam incluídos na base de cálculo do imposto sobre a renda devido
pela entidade que os recebe.
Ademais, é preocupação do plano de ação que as regras sejam objetivas,
de fácil entendimento e aplicação, a fim de que seja possível reduzir custos
com compliance e fiscalização, mas não tão simples a ponto de permitir abusos
ou até mesmo a não aplicação.
A aplicação de regras claras dá certeza dos resultados, sendo possível aos
grupos multinacionais se estruturarem e implementarem projetos de longa
duração, sem que sejam surpreendidos com mudanças de entendimentos da
administração pública. Esta segurança jurídica é benéfica, inclusive para ga-
rantir que entidades em condições idênticas sejam tratadas de forma igual.
Por fim, o plano de ação leva em consideração as liberdades e diretivas
da União Europeia, na medida em que uma regra que viole regra do bloco
europeu ficaria de imediato prejudicada pela impossibilidade de aplicação dos
países dele integrantes.
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O Fix Ratio rule foi adotado pela OCDE como regra geral, uma vez que
sua aplicação, aparentemente, é mais simples do que a regra de “Group ratio”,
a ser explicada adiante. Por se tratar de aplicação direta de um percentual so-
bre o EBITDA (tributário) é que a OCDE entende ser este método aquele que
atrairá menor complexidade reduzindo, portanto, o compliance, que no caso
do Brasil é um dos maiores do mundo.
Questão que surge relacionada à utilização da regra de percentual fixo
é a volatilidade econômica a ela relacionada. É de se imaginar que os resul-
tados de determinada companhia variem ao longo dos anos, podendo estes
serem positivos (lucros) ou negativos (prejuízos). Neste caso, na medida em
que uma empresa apure prejuízos seria impossível, inicialmente, a dedução
de juros para fins de imposto sobre a renda. Reconhecendo esta dificuldade é
que o plano de ação da OCDE permite que se aplique a regra de utilização de
compensação de prejuízos fiscais tanto futuros (carry-foward) como passado
(carry-back), esta não aplicável no caso do Brasil.
Como forma de mitigar eventual exposição relacionada à dedutibilidade
de juros com base na regra do percentual fixo, o plano de ação da OCDE traz
alternativas que podem aumentar o limite de dedutibilidade dos juros de acor-
do com o grau de dívida que um determinado grupo de companhias adotar.
Esta regra complementar é chamada de “Group Ratio rule”. A base para
a aplicação dessa regra é a comparação entre o total de endividamento líquido
com terceiros do grupo versus o endividamento da entidade legal domiciliada
naquele país. Portanto, uma vez estabelecida à relação percentual entre a dívi-
da líquida com terceiros do grupo e a comparando com a dívida local, tem-se
o limite de dedutibilidade para a companhia local.
Ainda é possível que determinados países adotem regras específicas para
endereçar a questão da dedutibilidade dos juros. Tais regras, chamadas de
“Target rules”, têm como objetivo atender as necessidades locais dos países,
podendo ser encaradas, inclusive, como regras parafiscais que irão variar de
acordo com o cenário macroeconômico existente em um determinado país
em um momento específico.
Desta sorte, regras como subcapitalização e/ou regras estabelecendo li-
mites de juros para fins de preço de transferência podem determinar o limite
de juros a serem deduzidos em determinado país influenciando diretamente o
nível de investimento estrangeiro num dado momento do tempo.
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podem isentar o respectivo grupo da fixed ratio rule ou group ratio rule sendo
desnecessário criar regras adicionais.
Já quando há risco de BEPS, os países devem implementar regras apro-
priadas para enfrentar a questão, levando em consideração o sistema tributário
e regulatório doméstico em vigor, além das particularidades de cada setor, de
modo a assegurar que grupos bancários e securitários não sejam prejudicados
por cumprirem os requisitos regulatórios quanto à sua estrutura de capital.
Por derradeiro, a OCDE atualmente está trabalhando na elaboração de
nota prática para auxiliar os países em conto lidar com a transferência de lu-
cros nos setores de mineração através de deduções excessivas de juros.
Práticas Domésticas
No Brasil, o corolário da aplicação da Ação 4 é a utilização das regras de
subcapitalização, bem como os impactos tributários mais severos aplicados
aos chamados paraísos fiscais.
Em suma, a utilização dos limites para dedutibilidade das despesas de
juros, decorrente de endividamento com partes relacionadas estrangeiras, fi-
cam proporcionalmente limitadas ao capital social mantido direta ou indi-
retamente em favor da empresa brasileira. Este foi o critério adotado pelas
regras de subcapitalização nacionais.
Mais precisamente, os artigos 24 e 25 da Lei nº 12.249/10 determinam
quais seriam os limites aplicáveis: até duas vezes o montante investido dire-
tamente, sem ultrapassar o valor de duas vezes o patrimônio líquido (equity).
Já em relação às regras para paraísos fiscais e regimes fiscais privilegiados
limitam a dedutibilidade dos juros ao endividamento que não ultrapasse o
percentual de 30% do patrimônio líquido da devedora.
Ou seja, as regras de thin capitalization locais restringem o total do en-
dividamento da empresa brasileiras. Por outro lado, as regras de preços de
transferência restringem os percentuais de juros aplicados para empréstimos
internacionais com partes relacionadas ou garantidos por partes relacionadas,
como previsto na lei nº 9.430/96.
Além das regras específicas para endividamentos internacionais e com
partes relacionadas, as regras de dedutibilidade geral ainda continuam sendo
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
aplicáveis para qualquer despesa de juros, nos termos do artigo 311 do Decre-
to nº 9.580/18 (“Regulamento do Imposto de Renda” – “RIR”).
Isso quer dizer que, independentemente das normas utilizadas em tran-
sações internacionais e/ou com partes relacionadas, caso as sociedades brasi-
leiras não consigam demonstrar a necessidade, usualidade e comprovação das
despesas incorridas a título de juros, tais despesas serão consideradas indedu-
tíveis, para fins de tributação sobre a renda.
Neste contexto é inevitável alguns questionamentos: o Fisco pode ava-
liar a capacidade de julgamento da administração da sociedade em captar
empréstimo ou capital? As despesas com juros podem ser classificadas como
necessária com base na destinação? Há necessidade de vínculo objetivo do
dinheiro com sua alocação?
Ao se elaborar este tipo de questionamento, também deve ser indagado
se há espaço para julgamento do agente fiscal. A destinação efetiva dos valores
possui relevância ou o impacto no fluxo de caixa que deve ser considerado
como o objetivo final da contratação do empréstimo.
Certamente, o pior cenário é o que deixa as pessoas jurídicas brasileiras
no cenário de insegurança. Análises que envolvam razoabilidade são deter-
minantes para a aplicação das normas fiscais.
Somada à esta regra geral do artigo 311 do RIR, ainda há a regras específicas
para sociedades nacionais que possuem investimentos em subsidiárias estrangei-
ras. Nos termos do §3° do artigo 1º, da lei nº 9.532/97, não são dedutíveis na deter-
minação do lucro real e da base de cálculo da CSLL os juros, relativos a emprésti-
mos, pagos ou creditados a empresa controlada ou coligada, independentemente
do local em que estejam situadas, incidentes sobre valor equivalente aos lucros não
disponibilizados por empresas controladas, domiciliadas no exterior.
No que diz respeito à jurisprudência brasileira, merece ser mencionado o
Caso Cogate-Kolynos (Processo n. 16327.001870/2001-42), caso no qual o em-
préstimo em que a controladora dispunha de recursos para integralizar o ca-
pital e preferiu servir-se da modalidade de dívida, ao dispor de fluxo de caixa
em favor da investida brasileiras. Foi neste caso que a análise da necessidade
da despesa com juros foi implementada pelas cortes fiscais administrativas.
Sem dúvidas, todas essas regras funcionam como um desestímulo ao uso de
capital de terceiros. Em uma economia com juros praticados nas casas dos dois
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Conclusão
Ante o exposto, conclui-se que o plano de ação da OCDE acerca da erosão
da base tributável e da transferência de lucros através da dedutibilidade exces-
siva de juros desperta críticas sobre o quão gravosas são as regras brasileiras.
Nesse sentido, espera-se que haja uma racionalização das regras domésti-
cas vis-à-vis a tendência global. No entanto, dado o atual momento econômico
em que se encontra o Brasil, ainda não descartamos a possibilidade de que as
autoridades fiscais brasileiras se valham da ação 4 para aumentar a arrecadação
federal, a partir da edição de novas normas ou alteração das já então existentes,
no que diz respeito à dedutibilidade de juros para fins de imposto sobre a renda.
A ação 4, em toda a sua simplicidade de entendimento, reveste-se de ime-
diata aplicação não só no Brasil, mas em outros países, e não por outra razão
que diversos países vem se manifestando acerca da sua imediata aplicabilida-
de, pois, conforme mencionado anteriormente, as regras contidas nesta ação
podem atrair ou afastar investimentos estrangeiros para os países.
Nesse sentindo, diversos membros da OCDE adotaram regras de limita-
ção de juros ou estão em processo de alinhar sua legislação interna com as re-
comendações da ação 4. Desde o início de 2019, todos os Estados Membros da
União Europeia, em linha com o pacote antielisão local20, passaram a aplicar
o “EBITDA tributário” para determinar o limite de juros a serem deduzidos e
tendo geralmente como parâmetro a porcentagem de 30%.
No entanto, convém destacar que até o momento da elaboração da pre-
sente conclusão não foi implementada na legislação brasileira nenhuma mu-
dança decorrente do plano de ação 4.
20 Ver “O Pacote Antielisão Fiscal da União Européia”, de Nathalia de Andrade Medeiros Tavares. In
Temas de tributação internacional: base Erosion and Profit Shifting: conceitos e estudo de casos /
coordenação [de] Marcus Lívio Gomes, Edgar Santos Gomes, Francisco Lisboa Moreira. – Rio de
Janeiro: Gramma, 2018.
96
4. O Projeto BEPS da OCDE e o Plano de
Ação 3: Fortalecimento das Regras de CFC
– suas atualizações no cenário global
1. Introdução
O Plano de Ação BEPS (base erosion and profit shifiting) criado pela
OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) foi
amplamente discutido nos 3 (três) primeiros volumes dessa coleção. Seus ob-
jetivos, os inúmeros debates e a consolidação das medidas foram tópicos es-
miuçados naqueles livros e, portanto, nesse momento, não há necessidade em
descrever novamente os pontos que já foram anteriormente abordados.
Especificamente sobre o fortalecimento das regras de CFC, como a legis-
lação referente às empresas estrangeiras controladas (controlled foreign corpora-
tion) foi ganhando a atenção dos países nos últimos anos, em especial por es-
tar diretamente ligada aos planejamentos tributários considerados “agressivos”
pela comunidade internacional, reservou-se a ele o específico Plano de Ação
3. O documento final publicado pela OCDE foi intitulado como “Designing
Effective Controlled Foreign Company Rules – Final Report” e destacou os ele-
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26 https://www.denso.com/global/en/about-us/download/files/DENSO_brochure_en.pdf. Acesso em
17.05.2019.
27 Não se defende aqui que substância econômica e propósito negocial são sinônimos, mas é certo
que possuem conceitos parecidos, sendo certo que ambos estão ligados à relação de adequação da
estrutura das empresas às funções que efetivamente constituem os seus objetos sociais.
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28 Draft Bill pode ser definido como um projeto de lei emitido para consulta antes de ser formalmente
apresentado ao Parlamento, o que permite que as mudanças propostas sejam feitas antes da
introdução formal do projeto de lei.
29 https://www.eduskunta.fi/FI/vaski/KasittelytiedotValtiopaivaasia/Sivut/HE_218+2018.aspx.
Acesso em 17.05.2019.
30 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?qid=1454056413880&uri=COM:2016:23:FIN.
Acesso em 18.05.2019.
31 “The Anti- Tax Avoidance Directive3 lays down rules against tax avoidance practices that directly
affect the functioning of the internal market. The Anti-Tax Avoidance Directive responds to
the BEPS project as well as to demands from the European Parliament, several Member States,
businesses and civil society, and certain international partners for a stronger and more coherent EU
approach against corporate tax abuse. The schemes targeted by the Anti-Tax Avoidance Directive
involve situations where taxpayers act against the actual purpose of the law, taking advantage of
disparities between national tax systems, in order to reduce their tax bill.” in https://ec.europa.eu/
taxation_customs/sites/taxation/files/swd_2016_345_en.pdf.
32 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=uriserv:OJ.L _.2016.193.01.0001.01.
ENG&toc=OJ:L:2016:193:TOC. Acesso em 18.05.2019.
33 https://ec.europa.eu/taxation_customs/sites/taxation/files/com_2016_687_en.pdf e Acesso em 18.05.2019.
101
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
no more than EUR 75 000; or (b) of which the accounting profits amount to no more than 10 percent
of its operating costs for the tax period. For the purpose of point (b) of the first subparagraph, the
operating costs may not include the cost of goods sold outside the country where the entity is resident,
or the permanent establishment is situated, for tax purposes and payments to associated enterprises.
Article. 8. Computation of controlled foreign company income
1. Where point (a) of Article 7(2) applies, the income to be included in the tax base of the taxpayer
shall be calculated in accordance with the rules of the corporate tax law of the Member State where
the taxpayer is resident for tax purposes or situated. Losses of the entity or permanent establishment
shall not be included in the tax base but may be carried forward, according to national law, and
taken into account in subsequent tax periods.
2. Where point (b) of Article 7(2) applies, the income to be included in the tax base of the taxpayer
shall be limited to amounts generated through assets and risks which are linked to significant people
functions carried out by the controlling company. The attribution of controlled foreign company
income shall be calculated in accordance with the arm’s length principle.
3. The income to be included in the tax base shall be calculated in proportion to the taxpayer’s
participation in the entity as defined in point (a) of Article 7(1).
4. The income shall be included in the tax period of the taxpayer in which the tax year of the entity ends.
5. Where the entity distributes profits to the taxpayer, and those distributed profits are included
in the taxable income of the taxpayer, the amounts of income previously included in the tax base
pursuant to Article 7 shall be deducted from the tax base when calculating the amount of tax due on
the distributed profits, in order to ensure there is no double taxation.
6. Where the taxpayer disposes of its participation in the entity or of the business carried out by
the permanent establishment, and any part of the proceeds from the disposal previously has been
included in the tax base pursuant to Article 7, that amount shall be deducted from the tax base when
calculating the amount of tax due on those proceeds, in order to ensure there is no double taxation.
7. The Member State of the taxpayer shall allow a deduction of the tax paid by the entity or permanent
establishment from the tax liability of the taxpayer in its state of tax residence or location. The
deduction shall be calculated in accordance with national law
103
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
35 http://www.mondaq.com/x/135676/Income+Tax/Finnish+Supreme+Administrative+Court+Case
+Concerning+CFC+Legislation. Acesso em 19.05.2010.
104
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
deverão recolher aos cofres públicos os valores que deixaram de ser pagos em
razão de antiga isenção concedida na legislação doméstica de CFC36, uma vez
que tal benefício rompeu o equilíbrio fiscal entre os países-membros da UE.
Antes da revisão legislativa, existia a previsão da Group Finance Com-
pany Exemption (GFE), no qual as receitas de juros auferidas pelas subsidi-
árias offshore seriam isentas. Justamente em face dessa não tributação, a EU
considerou a GFE como uma ajuda estatal ilegal37, uma vez que não havia jus-
tificativa para esse tratamento privilegiado. Para escaparem do recolhimento
tributário, as multinacionais deverão demonstrar agora que há, com efeito,
um propósito legítimo para se estabelecerem no exterior.
Especificamente sobre a necessidade de reforço da sua legislação CFC, 2
(duas) específicas alterações foram efetivadas a partir de janeiro/2019. A primei-
ra, ligada ao conceito de controle, determina que uma empresa sediada no ex-
terior será considerada uma CFC no caso de uma empresa inglesa deter, direta
ou indiretamente (juntamente com suas associated enterprises), mais de 50% de
participação. A novidade é justamente a inserção das associated enterprises a per-
mitir o somatório para se atingir a proporção de 50% de participação38. A segunda
refere-se ao fortalecimento do conceito de “Significant People Functions” (SPFs)
que alterou o tratamento dado aos lucros financeiros não comerciais, eliminando,
consequentemente, a isenção que foi concedida pela legislação anterior.
Não se sabe ao certo até quando essa nova legislação produzirá efeitos na
Inglaterra. É ainda muito cedo para afirmar que, em eventual saída da UE, os dis-
positivos serão revogados ou substituídos por normas mais brandas. A tendência
é que, independentemente da situação em que se encontrar, os países continuem
fortalecendo as suas regras de CFC na tentativa de contenção do BEPS.
105
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
39 https://www.ey.com/Publication/vwLUAssets/2018_Gesetzgebung_Jahressteuergesetz/$FILE/
EY_Uebersicht_JStG_2018.pdf. Acesso em 19.05.2019.
106
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
107
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
44 Nesse patamar, o Brasil editou a Lei 9.249/1995, que regularizou a tributação da renda dos lucros
auferidos no exterior por empresa nacional, estabelecendo o critério da tributação das bases
universais em abandono ao critério da territorialidade.
108
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
45 Art. 74. Para fim de determinação da base de cálculo do imposto de renda e da CSLL, nos termos do art.
25 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e do art. 21 desta Medida Provisória, os lucros auferidos
por controlada ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controladora ou
coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados, na forma do regulamento.
Parágrafo único. Os lucros apurados por controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de
2001 serão considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002, salvo se ocorrida, antes desta
data, qualquer das hipóteses de disponibilização previstas na legislação em vigor.
46 Quadro exposto na Solução de Consulta Interna COSIT n°. 18, de 8 de agosto de 2013.
109
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
O segundo é que, nada obstante essa possibilidade ter sido ratificada pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) defi-
niu, em 24.04.2014, no julgamento do Recurso Especial nº 1.325.709, que os
lucros auferidos pelas empresas controladas devem ser tributados no país de
domicílio da controlada, considerando ser inaplicável a tributação antecipada,
prevista no artigo 74.
Como delimitado pelo Ministro-Relator Napoleão Nunes Maio Filho, a
decisão proferida no julgamento englobou “a situação de sociedades controla-
das, legalmente conceituadas como aquela na qual a controladora, diretamente
ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegu-
rem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e poder de
eleger a maioria dos administradores (art. 243, § 2º da Lei 6.404/76), diferente-
mente da situação julgada e definida pelo STF.
A decisão do STJ exaltou a prevalência dos Tratados Internacionais, res-
peitando o disposto no artigo 98 do CTN47, nos seguintes moldes:
RECURSO ESPECIAL TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MAN-
DADO DE SEGURANÇA DENEGADO NA ORIGEM. APELAÇÃO.
EFEITO APENAS DEVOLUTIVO. PRECEDENTE. NULIDADE DOS
ACÓRDÃOS RECORRIDOS POR IRREGULARIDADE NA CON-
VOCAÇÃO DE JUIZ FEDERAL. NÃO PREQUESTIONAMENTO.
SÚMULAS 282 E 356/STF. IRPJ E CSLL. LUCROS OBTIDOS POR
EMPRESAS CONTROLADAS NACIONAIS SEDIADAS EM PAÍSES
COM TRIBUTAÇÃO REGULADA. PREVALÊNCIA DOS TRATA-
DOS SOBRE BITRIBUTAÇÃO ASSINADOS PELO BRASIL COM
A BÉLGICA (DECRETO 72.542/73), A DINAMARCA (DECRE-
TO 75.106/74) E O PRINCIPADO DE LUXEMBURGO (DECRETO
85.051/80). EMPRESA CONTROLADA SEDIADA NAS BERMUDAS.
110
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
111
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
48 Esse tema está para ser definido pelo STF no julgamento do RE 460320.
49 Por exemplo, a tributação direta dos resultados auferidos pelas controladoras indiretas.
113
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
50 Hugo Marcondes Rosestolato. Lei nº. 12.973/14: a Nova Sistemática de Tributação dos Lucros de
Sociedades Estrangeiras Controladas por Empresas Domiciliadas no Brasil em Estudos de Tributação
Internacional. Volume 2. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
51 Nesse sentido verificar o Processo nº 16682.721067/2014-01
52 Processo Administrativo nº 16643.720059/2013-15.
53 As autoridades fiscais destacaram a necessidade de se computar na apuração do lucro real da Ambev,
os lucros auferidos nas seguintes empresas controladas no exterior: Labatt Holding ApS (Dinamarca);
114
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
O que se pode notar é que esse tema vem sendo discutido tanto no CARF,
como no âmbito judicial, sem que tenha uma previsão de consolidação do po-
sicionamento sobre a questão, ainda mais depois que o STF, ao analisar o caso
em 3 (três) oportunidades, quedou-se omisso em diversas questões.
Maltaria Pampa (Argentina); AmBev Internacional (Ilhas Cayman); Lambic AS (Argentina);
Hohneck Sociedad Anonima (Argentina); Dahlen S.A. (Uruguai); e Quilmes Industrial SA Quinsa (Luxemburgo).
54 file:///C:/Users/01474947/Downloads/Decisao_16643720059201315.PDF. Acesso em 20/02/2019.
115
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Conclusão
Tentou-se demonstrar no presente artigo a importância das regras de
CFC na contenção dos planejamentos tributários considerados “agressivos”
pela comunidade internacional, bem como na minimização (ou até mesmo a
eliminação) dos efeitos do BEPS. Pela sua importância, há um específico plano
de ação visando ao seu fortalecimento cujas recomendações foram delineadas
de forma a assegurar que os Estados implementassem suas normas de modo
a prevenir como um todo a transferência dos lucros das empresas para suas
subsidiárias no exterior.
Inúmeras mudanças já foram efetivadas por diversos países e alguns rele-
vantes exemplos foram aqui elencados. Tais alterações estão em linha com a ex-
pectativa da OCDE no sentido de que as jurisdições devem seguir maciçamente
as recomendações da Organização para que o Projeto BEPS seja bem-sucedido.
Com efeito, focar na necessidade de as estruturas internacionais possuí-
rem substância e um propósito negocial para se estabelecerem overseas é mais
importante do que editar normas genéricas e que visam a tributar a renda
auferida no exterior como um todo, como é o caso da legislação brasileira. A
criação de normas nesse sentido tem apenas o condão de aumentar o conten-
cioso tributário, tendo em vista a sua evidente inconstitucionalidade.
Se as normas brasileiras de CFC se ativessem ao fato de que a internacio-
nalização das empresas é fundamental para o desenvolvimento do país como
um todo talvez entenderiam que a tributação geral não trará uma maior arre-
cadação, mas, apenas, maiores litígios. Assim, é fundamental que a próxima
alteração legislativa esteja focada nos conceitos de “substância” e “propósito
negocial”, pois, apenas assim, se aproximaria do modelo proposto pela OCDE.
116
5. Dedutibilidade de Juros e Outros
Pagamentos Financeiros - A Ação 4 do BEPS
sob a Ótica dos Países em Desenvolvimento
117
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
and profit shifting, caused by the allocation of high levels of debt in high-tax juris-
dictions, by the proliferation of intra-group loans which create excessive interest
expenses, and by the use of debt to accrue exempt or deferred income. Our ap-
proach consists in (i) analyzing the challenges that surround the implementation
of Action 4, in light of its coordinated adoption with other BEPS Actions and
other techniques and mechanisms (denial of deductibility and withholding); (ii)
conducting a critical literature review related to Action 4; and (iii) contributing
to the debate, by understanding and describing important elements that shape
developing countries’ perspective with regard to BEPS Action 4.
Keywords: Base erosion and profit shifting (BEPS). OECD. Interest De-
ductions and Other Financial Payments. International tax law.
Introdução
Os objetivos deste artigo são (i) analisar os desafios na implementação
da Ação 4, à luz de sua adoção coordenada com outras Ações do BEPS, com
outras técnicas de limitação de dedutibilidade e com o instituto da retenção
na fonte; (2) revisar a literatura produzida sobre a Ação 4, particularmente de
posicionamentos críticos a ela; e (3) apresentar contribuições do autor para o
debate. Como pano de fundo, será adotada a perspectiva dos países em desen-
volvimento em relação à Ação 4 do BEPS.
O problema que a Ação 4 do BEPS (base erosion and profit shifting) obje-
tiva enfrentar é a utilização de juros ou pagamentos equivalentes, dedutíveis,
para obter vantagens fiscais. Essa prática envolve o ajuste dos níveis de dívida
entre entidades de um grupo, geralmente pela multiplicação do endividamen-
to das entidades individuais por meio do financiamento intragrupo, ou ainda
pelo emprego de instrumentos financeiros que possuem, formalmente, natu-
reza diversa dos juros, mas efeito econômico similar.
A OCDE lembra que a alta volatilidade dos recursos financeiros e a fa-
cilidade de migrar dívidas e pagamentos correspondentes, alocando-os de
forma a minimizar impactos fiscais, é uma das estratégias mais simples de
planejamento tributário internacional (OCDE, 2015, p. 15). Grande parte des-
sas oportunidades decorre do tratamento diferente conferido à dívida (debt) e
capital próprio (equity) na maioria dos países: os pagamentos dos rendimentos
118
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
relativos à dívida – tais como juros – são dedutíveis para o devedor e tribu-
táveis para o credor. Em contraste, os pagamentos oriundos de participações
societárias – como dividendos – não são dedutíveis, e em geral recebem deso-
neração tributária (tax relief) nas mãos de quem os percebe.
Esse tratamento diferenciado resulta numa distorção55 fiscal em favor do
financiamento por meio de dívida (tax-induced bias (...) towards debt finan-
cing) (OCDE, 2015, p. 15), especialmente no contexto transnacional. Isso afeta
tanto decisões de investimento e financiamento para o exterior (outbound)
quanto a atração desses fluxos para o país (inbound). Por decorrerem de um
tratamento tributário, essas distorções gerariam um desequilíbrio em favor
dos grupos que operam internacionalmente (multinacionais ou “MNE”) em
detrimento daqueles que operam apenas localmente, ferindo a neutralidade
fiscal. Por isso, o financiamento por meio de dívida seria mais intenso entre as
MNE, e a subcapitalização tenderia afetar mais fortemente países em desen-
volvimento (OCDE, 2015, p. 17).
Tudo isso acaba por gerar riscos de erosão de base tributável e migração
de lucros, os quais emergem de três cenários: (i) grupos alocando altos níveis de
dívidas com terceiros em países de alta tributação; (ii) grupos valendo-se de em-
préstimos intragrupo para criar despesas de juros maiores do que as reais (com
terceiros); e (iii) grupos empregando dívidas com terceiros ou intragrupo para
55 Essa distorção, aliás, é bastante profunda e abrangente. Ela induz a alavancagem exagerada e exacerba
riscos de insolvência, prejudica a captação de recursos por pequenos negócios e empresas inovadoras
e gera distorções na escolha de fontes de financiamento. Discorrendo sobre um cenário anterior às
reduções de carga tributária do governo Trump, Robert Pozen argumenta: “Therefore, Congress should
finance a substantial lowering of the U.S. corporate tax rate largely by reducing the tremendous bias in
the current tax code for debt and against equity. Most importantly, companies may deduct interest paid
on all their debt, but may not deduct any dividends paid on their shares. As a result, the effective tax
rate on corporate debt is negative 6.4%, as compared to positive 35% for corporate equity, according
to the Congressional Budget Office. This tax bias for debt has major negative implications for the US
economy. To begin with, this bias strongly encourages financial institutions and other firms to maximize
their leverage — their debt relative to their equity. High leverage increases the risk of bankruptcy and
magnifies any financial crisis because a business under pressure has little equity cushion to absorb losses.
The tax bias against equity makes it much more expensive for small businesses and knowledge-based
companies to raise capital. Because they do not have the hard assets sought by banks to collateralize
loans, such companies are forced to sell large chunks of their equity. More generally, the tax bias against
equity and for debt leads to substantial distortions in how projects are financed. Optimally, a company
would choose the most suitable form of financing for each project based on its economic features, not
tax benefits. But the huge difference in effective tax rates pushes companies to finance projects with debt
rather than equity whenever feasible.” (POZEN, 2015).
119
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
56 SCHOUERI (2013, p. 338) ensina que “a OCDE reafirma o princípio geral de que empréstimos efetuados
entre partes relacionadas devem ser remunerados por taxas que teriam sido cobradas em circunstâncias
similares, em uma transação entre partes independentes (arm’s length), considerando, outrossim,
situações especiais que devem ser reconhecidas (...) No que tange à taxa de juros arm’s length, a aplicação
do princípio exigiria que, em cada caso, a taxa fosse determinada de acordo com as condições vigentes
no mercado financeiro para empréstimos semelhantes, tendo em vista os valores e seus vencimentos; a
espécie de empréstimo (crédito comercial, capital de giro, crédito hipotecário, etc.); as moedas envolvidas;
os riscos cambiais do mutuante e o do mutuário; o título de crédito envolvido e a situação creditícia do
mutuário”. Sobre a interface entre a Ação 4 e (i) regras de preços de transferência no contexto das
próprias Ações do BEPS e (ii) as diretrizes da OCDE a respeito, ver item 1.5 a seguir.
57 Como notam AVI-YONAH & XU (2018), ao comentar a experiência chinesa relativa à Ação 4, “As
far as the BEPS Action 4 is concerned, Article 46 of the CITL of 2007 offers the thin capitalization
rule based on a fixed debt/equity ratio, by clarifying that the interest disbursement for any debt
investments and equity investments, which an enterprise accepts from its affiliates, in excess of the
123
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
prescribed criterion shall not be deducted in the calculation of the taxable amount of income. As the
thin capitalization is closely connected with the interest deduction, Article 46 could be considered
a general article on limiting base erosion involving interest deductions”.
124
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
58 “Future work will address the application of the transactional profit split method, the transfer
pricing aspects of financial transactions, and intra-group services.” OCDE. OECD Transfer Pricing
Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations 2017 (2017).
125
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Report Aligning Transfer Pricing Outcomes with Value Creation (OECD, 2015),
limit the amount of interest payable to group companies lacking appropriate
substance to no more than a risk-free return on the funding provided and
require group synergies to be taken into account when evaluating intragroup
financial payments.” (OCDE, 2017, p. 15).
126
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
(1) Cálculo das despesas líquidas de juros com dívidas contraídas com ter-
ceiros: esse valor deveria incluir todas as receitas e despesas financeiras com
juros pagos relativamente a créditos ou dívidas com terceiros. Para definir
esse montante, pode-se (i) extrai-lo das demonstrações financeiras consoli-
dadas sem ajuste, o que seria simples mas poderia gerar distorções entre (a)
os conceitos de juros e pagamentos equivalentes adotados pelo BEPS no Ca-
pítulo 2 da Ação 4, versus aqueles dos padrões da contabilidade; bem assim
(b) os níveis de informação publicados pelos grupos, dentro da margem de
discricionariedade das políticas contábeis adotadas; (ii) partir dos juros líqui-
dos constantes das demonstrações financeiras mas ajustá-los para incluir ou
excluir elementos de acordo com a definição de juros do BEPS; ou ainda (iii)
adotar a identificação direta de todos os elementos de juros com base no BEPS,
tendo a OCDE manifestado preferência pelas abordagens (ii) e (iii), quando
possível (OCDE, 2017, p. 126). Além disso, decisões relativas às políticas fiscais
locais de cada país podem levar a diferentes ajustes59 no cálculo de juros pagos
a terceiros, sem que isso contrarie a Ação 4 do BEPS. A OCDE destaca, porém,
que “a country should balance its domestic policy goals against the benefits of
a consistent approach to limiting net interest deductions across different coun-
tries.” (OCDE, 2017, p. 127).
(2) Cálculo do EBITDA do grupo: a utilização de EBITDA procura identi-
ficar “profit before tax after making adjustments to remove interest income and
expense, depreciation and amortisation.” (OCDE, 2017, p. 131). Porém, esse
conceito requer ajustes, no que se refere a: (i) receitas e despesas de juros: esses
itens devem ser removidos para se determinar o EBITDA do grupo, “in order
to ensure that a group’s earnings are measured without taking into account how
the group is funded. In other words, two comparable groups should have the
59 Dentre eles, a entidade menciona: (i) reconhecer questões práticas que podem impedir um grupo de
alinhar a despesa líquida de juros com o EBITDA, o que poderia ser resolvido com uma concessão
adicional (uplift) de até 10% ao nível de endividamento; (ii) evitar que a capacidade de pagamento de
juros dedutíveis (interest capacity) seja indevidamente majorada por pagamentos não-dedutíveis, o
que poderia ocorrer já que os cálculos do BEPS se baseiam em dados das demonstrações financeiras,
e não em valores de demonstrações fiscais (tax figures); (iii) combater o aumento indevido da
capacidade de pagamento de juros do grupo, causada por pagamentos a terceiros que são partes
relacionadas, mas não integrantes do grupo; (iv) promover ajustes relativos às despesas líquidas
de juros de JVs e afiliadas cujo EBTIDA integre as demonstrações consolidadas ou seja alcançado
por equivalência patrimonial (equity accounting principles); e (v) simplificar o cálculo da despesa
líquida de juros a terceiros, especialmente em face de elementos avaliados a valor justo, o que
poderia reduzir o custo de compliance fiscal das empresas. (OCDE, 2017, pp. 127-130).
127
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
same EBITDA irrespective of whether they are funded using equity, debt or a
combination of the two.” (id., ibid.).
Por isso, a OCDE sugere lidar tanto com as despesas de juros que são
capitalizadas (i.e. agregadas ao ativo e depois depreciadas ou amortizadas ao
longo de sua vida útil, ao invés de incorridas como despesas no exercício cor-
rente), bem como com ajustes específicos relativos à política fiscal do país em
questão; (ii) itens a serem incluídos no conceito de depreciação e amortização,
que semelhantemente aos juros devem ser excluídos do cômputo do EBITDA,
por retratarem a mera alocação do custo dos ativos não-circulantes do grupo
ao longo das respectivas vidas úteis; (iii) inclusão de dividendos e resultados
na participação em JVs e entidades afiliadas sujeitas a equivalência patrimo-
nial; (iii) inclusão de ganhos e perdas decorrentes de avaliação a valor justo
(fair value); (iv) tratamento de itens não-recorrentes, tais como ajustes de im-
pairment, write-offs e outros.
(3) Lidando com o impacto de entidades com EBITDA negativo na ope-
ração da regra de grupo: o relatório divide as situações em dois tipos, distin-
guindo (i) o tratamento de entidades quando o grupo tem um EBITDA posi-
tivo, que pode ser estruturado com (a) a exclusão da entidade com EBITDA
negativo do cálculo do EBITDA grupal; (b) a limitação da dedutibilidade dos
juros das entidades com EBITDA positivo, baseada numa porcentagem maior
que a da regra fixa; (c) a restrição à manutenção, em exercícios posteriores, da
capacidade não utilizada de pagamentos dedutíveis de juros (carry forward of
unused interest capacity); ou (ii) o tratamento de entidades quando o grupo
tem um EBITDA zero ou negativo, já que mesmo um grupo nessa situação
pode ter entidades individuais com EBITDA positivo. Um desafio é enfrentar
situações-limite e mudanças abruptas de tratamento (cliff-edge effect), pois um
grupo com um EBITDA positivo, mas muito baixo, poderia ter um tratamen-
to diferente de outro grupo similar, mas com EBITDA nulo ou ligeiramente
negativo. Embora a regra fixa sempre esteja disponível para uso em qualquer
caso, o problema da regra de grupo em cenários de EBITDA grupal negativo
pode ser enfrentado por meio da exclusão da entidade com EBITDA negativo
do cálculo do EBITDA do grupo, ou ainda pela concessão de uma exceção,
que permita às entidades com EBITDA positivo deduzir despesas de juros aci-
ma do que seria permitido pela regra fixa, sujeitas a determinadas restrições.
128
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
60 OCDE & IGF (2018). O trabalho traz uma série de estratégias tributárias empresariais, ilustradas
por estudos de casos, que levariam à erosão da base tributável de países em desenvolvimento ricos
em recursos minerais: “there are very real issues with the use of interest deductions to shift profits
away from capacity constrained developing countries.” Essas estratégias incluem debt push-down,
juros condicionados à existência de lucro tributável no país do investimento (com diferimento
na sua ausência), mark-up de taxas de juros no repasse do empréstimo externo, utilização de
instrumentos híbridos (notamos, aqui, a interação com a Ação 2), aquisição de ativos operacionais
de partes relacionadas com taxas de juros ocultas/embutidas. Acrescentamos que essas estratégias
também são adotadas em diversas outras indústrias, não apenas no setor minerário.
129
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
O autor nota que as regras atualmente existentes não seriam suficientes para
resolver, de forma efetiva ou adequada, a questão (alegadamente problemática) da
migração das receitas de juros. BRAUNER (2014, p. 90) ressalta a força simbólica
que um exemplo bem-sucedido de solução coordenada, convergente e efetiva no
âmbito do BEPS poderia trazer, no sentido de aplacar a noção de que os países
jamais abandonarão uma postura de máxima competição na seara fiscal. Em nos-
sa visão, o argumento de BRAUNER é um tanto otimista e deixa de considerar
elementos de Realpolitik que podem afetar os incentivos e a propensão dos países
– ou de parte deles – à adoção da Ação 4. Pode-se exemplificar com um caso de
teoria dos jogos, em que a desobediência das regras (não adoção da Ação 4 ou des-
vio, caso adotada) seja mais vantajosa que sua observância estrita. Neste exemplo,
a matriz resultante fará com que a resposta esperada seja defection, e os países
tendam a desobedecer e afastar-se da Ação 4.
BURNETT (2014, pp. 326-333) aponta que empréstimos podem ser uti-
lizados com a finalidade de promover tanto a erosão da base tributária (no
país da mutuária) quanto a migração ou desvio de lucros (sob a perspectiva da
mutuante), o que é muito fácil de lograr em se tratando de dívida intragrupo.
Ademais, para obter esse efeito BEPS, é suficiente que a mutuária esteja num
país com carga tributária mais elevada que o da mutuante. A autora lembra
que a OCDE rejeitou uma abordagem arm’s length na limitação à dedutibili-
dade de juros. Ela compara os méritos de uma regra fixa com os de uma regra
de grupo, e aponta que esta tem a vantagem de personalizar a limitação da
dedutibilidade a cada MNE, evitando o problema da regra fixa de subestimar
ou superestimar as despesas de juros dedutíveis. A regra de proporção fixa,
com seu “tamanho único”, não atende a todas as (e nem mesmo a maioria
das) situações, afetando tanto grupos grandes quanto pequenos e não apenas
MNE, mas grupos domésticos, com os matizes marcadamente diversos que
habitam suas diferenças setoriais.
A regra de proporção fixa permitiria a muitas MNE continuar deduzindo
altas quantias a título de juros, ao passo que as que caíssem na regra seriam
severamente penalizadas. Nestes casos, potencializa-se o risco de dupla tributa-
ção, pois a jurisdição da mutuante pode tributar os juros recebidos, ainda que
indedutíveis no país da remessa – a falta de interação entre os países nessa seara
catalisa o problema. Notamos que a OCDE parece não fornecer uma solução
satisfatória para esse problema, pois somente prevê a concessão de crédito pelo
130
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
país receptor dos juros no caso de retenção na fonte, mas nenhum tipo de cré-
dito ou não incidência em função da parcela considerada indedutível no país
do remetente. Isso demonstra a preocupação da Ação 4 em fechar portas para o
BEPS, mas pouca consideração em relação ao risco de aumento de carga tributá-
ria para os contribuintes. No mesmo sentido, deve-se mencionar o trabalho de
HEY (2014, p. 344, tradução livre), que defende expressamente haver uma pré-
-condição para as limitações à dedutibilidade das despesas de juros: “qualquer
limitação à dedução da despesa de juros no nível da mutuária no país da fonte
deve corresponder a uma isenção equivalente no nível da mutuante no país de
residência, de maneira a evitar a dupla tributação.”.
A regra de proporção de grupo, sustenta BURNETT (2014, p. 328), já
adotada na Alemanha, Austrália, Nova Zelândia e Finlândia, também aporta
flexibilidade ao modelo, permitindo acompanhar movimentos de subida ou
queda de juros. Para combate do BEPS utilizando uma regra de proporção de
grupo, reputa importante haver coordenação entre os países, para uma abor-
dagem consistente e convergente das regras, e afirma vivermos um tempo de
cooperação nunca antes vista entre os países, o que nos parece demasiada-
mente otimista e até certo ponto ingênuo, pois até aqui as Ações do BEPS
ainda estão em um estágio incipiente de implementação, sendo sua efetiva e
generalizada adoção a medida de seu “sucesso”, ao menos imediato. A autora
defende uma proporção baseada em lucros (EBITDA), e não em ativos, que
são mais difíceis de avaliar e não refletem tão bem a realidade econômica. Os
juros têm a vantagem de integrar o próprio cômputo do lucro, vinculando-se
à geração de lucros e atividade econômica.
BURNETT destaca ainda problemas relativos a juros e preços de trans-
ferência. Existiria apenas uma pequena quantidade de empréstimos não ga-
rantidos arm’s length por subsidiárias de MNE. A grande maioria utilizaria
garantias da empresa-mãe ou outras do grupo, ou mesmo tomaria recursos
captados de forma centralizada pela matriz (ou uma subsidiária de captação
de financiamento). Por isso, é difícil estimar a nota de crédito e a taxa de ju-
ros que se exigiria de uma subsidiária isolada de seu grupo e, ainda que fos-
se possível determiná-la, seria um processo custoso, com diversos laudos e
avaliações divergentes, já que a presunção relativa e a “contestabilidade” dos
valores-parâmetro gerariam insegurança jurídica.
131
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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63 Nesse sentido, apesar de não enfatizada nos relatórios oficiais da Ação 4, pode-se identificar
uma interação adicional relevante entre esta e a Ação 12, voltada à divulgação de planejamentos
tributários agressivos. Para uma análise aprofundada da Ação 12 e sua aplicação ao contexto
brasileiro, v. OLIVEIRA (2018).
64 No mesmo sentido, observa PALMER (2015, p. 636): “The debt ratio of a particular company is a
product of its investor base and its risk and market profile. The paper should not equate the presence of
high debt to equity ratio as being in place for purely aggressive tax planning as it is clear that there are
multiple reasons for a high debt equity ratio which include commercial, economic, and legal reasons.”
135
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65 “A crucial difference between the groupwide rules and the WDC approach in Section 4 is that the
former allocates interest deductions based on measures of economic activity rather than in a way
that is exogenous to firms’ behavior. This creates the potential for distortions in the location of
economic activity that do not exist under a WDC regime, as well as creating the potential for the
differential treatment of different MNC groups based on the location of their economic activity. The
OECD clearly acknowledges ‘minimizing distortions to the competitiveness of groups’ (OECD, 2014, p.
10) as being among its objectives, albeit subsidiary to the primary aim of reducing BEPS. Given that
one of the insights of our paper is that multiple-dip financing may in some circumstances promote
rather than undermine ownership neutrality, it is clear that there are some difficult tradeoffs to be
made in choosing among policies to combat BEPS in a principled manner.” (Op. cit., p. 28).
66 Voltadas a “limitar a dedução dos gastos de financiamento, uma vez que, pretende através da
contenção fiscal promover a desalavancagem financeira das empresas” (CAMPOS, 2017, p. 8).
140
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
141
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
67 Não analisaremos mais profundamente os JCP, que, como os juros, são dedutíveis para a pessoa jurídica
que os declara, mas, diferentemente dos dividendos no Brasil, são tributáveis para quem os percebe.
142
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
À teoria das falhas de mercado (market failure), que justificaria maior in-
tervencionismo e peso do Estado na economia, se contrapõe, de forma muito
acentuada no Brasil e nos países em desenvolvimento de forma geral, a teoria
das falhas de governo (government failure). Esta perspectiva advoga que agentes
governamentais estão propensos a diversos tipos de ineficiência, captura regu-
latória, assimetrias de informação, comportamentos oportunistas, corrupção,
desperdício, retrabalho, agendas conflitantes, compromissos eleitoreiros e ou-
tras práticas danosas que acabam por fazer com que recursos públicos sejam ad-
ministrados de forma muito menos competente do que recursos privados. Con-
fira-se a seguinte passagem: “o ponto é que não há teoria de governo (...) capaz de
descrever um mecanismo compatível com incentivos, para ação governamental,
que gere um Ótimo de Pareto sob equilíbrio. Agentes públicos, quer sejam eleitos
ou nomeados, não são guiados por uma ‘mão invisível’ organizacional a servir o
interesse público, em vez de servir a incentivos de reeleição e interesses privados
organizados. É importante notar que esta conclusão não depende de nenhuma
presunção de que os governantes sejam preguiçosos ou gananciosos.” (KEECH et
al., 2012, p. 14, tradução livre). Assim, dividido entre interesses próprios e elei-
toreiros, pressões de lobistas ou corruptores, e entraves burocráticos, o dinheiro
nas mãos do governo tende a ser maltratado e vilipendiado, podendo-se falar de
retornos negativos, ineficiências brutais, deseconomias de escala (quando deve-
ria ser o contrário, dado o tamanho e o inexplorado poder de barganha estatais)
e diversos outros problemas que assolam a gestão pública.
Ademais, no caso brasileiro deve-se apontar a falta de definição legal de
EBITDA, o que poderia dificultar a adoção de qualquer medida deste tipo no
país. É certo que existe a Instrução CVM nº 527, de 04 de outubro de 2012, que
rege a divulgação voluntária pelas companhias abertas do LAJIDA (EBITDA)68
e LAJIR (EBIT)69. Eles devem ser baseados em números apresentados nas de-
monstrações contábeis de propósito geral previstas no Pronunciamento Técni-
co CPC 26 (Apresentação das Demonstrações Contábeis), e também se admite
68 Resultado líquido do período, acrescido dos tributos sobre o lucro, das despesas financeiras líquidas
das receitas financeiras e das depreciações, amortizações e exaustões (art. 3º, I, da Instrução CVM
nº 527/2012).
69 Definição igual à anterior, mas sem o acréscimo da parte relativa às depreciações, amortizações e
exaustões (art. 3º, II, da Instrução CVM nº 527/2012).
144
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
a utilização de EBITDA e EBIT ajustados, dentre outros, “por outros itens que
contribuam para a informação sobre o potencial de geração bruta de caixa.”70.
Além de se aplicar, apenas de modo voluntário, somente a companhias
abertas, a norma também permite a divulgação de EBITDA e EBIT ajustados,
que podem refletir de forma mais precisa os resultados da empresa e seu po-
tencial aproximado de geração de caixa. Para que fosse passível de utilização
em uma eventual norma contra a dedutibilidade de juros em situações abusi-
vas, deveria haver uma uniformização do conceito de EBITDA para todos os
tipos de entidades, com imposição obrigatória, bem como ser afastada a possi-
bilidade de cálculo de EBITDA ou EBIT ajustados, ao menos para fins fiscais.
Em conclusão, ao denegar às empresas a devida dedução dos juros pagos
que, por sinal, são uma despesa legítima, os governos protegem sua base tribu-
tável mas sufocam a economia, tornando seus próprios contribuintes menos
competitivos, reduzindo o nível de atividade econômica, dos investimentos,
da geração de empregos etc. Uma regra que deveria coibir somente abusivida-
de e artificialismo, dependendo do nível dos índices adotados em uma regra
de proporção fixa, de grupo e regras direcionadas, bem como da infinidade
de subopções de política fiscal, acaba servindo de pretexto para aumento da
arrecadação. Se a questão fosse somente de neutralidade, bastaria tornar os
dividendos dedutíveis, que o efeito em termos de preferência por vias de fi-
nanciamento seria equalizado, sem gerar uma nefasta transferência de renda
dos particulares para o Estado. O objetivo abertamente arrecadatório deveria
ser assumido de forma mais transparente pela OCDE.
O Brasil já possui norma de subcapitalização com contornos bastante
objetivos, baseada na relação entre dívida e patrimônio líquido, voltada à li-
mitação do endividamento excessivo (Lei nº 12.249/2010, arts. 24 e 25). Tam-
bém possui regras de preços de transferência que se aplicam ao pagamento ou
creditamento de juros a pessoas vinculadas (Lei nº 9.430/1996, art. 22). Nos
parece assim desnecessário adotar a Ação 4 no Brasil, mas, caso fosse adota-
da, iria muito além do que existe hoje em termos legislativos. Seria preciso
equacionar essa ação com a legislação interna existente, que já limita o volume
de endividamento (subcapitalização) e as taxas de juros efetivamente pagas
70 Arts. 4º e 5º da Instrução CVM nº 527/2012. Mencione-se ainda EBIT e EBITDA normalizados, que
excluem itens não recorrentes.
145
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
71 A propria OCDE reconhece que “o Brasil é um Parceiro-Chave da OCDE, com quem a OCDE
mantém uma cooperação desde início dos anos 1990. O Conselho Ministerial da OECD adotou em
16 de maio de 2007 uma resolução fortalecendo a cooperação com o Brasil, assim como com a China,
Índia, Indonésia e África do Sul, (...), definindo estes países como ‘Parceiros-Chaves’ da OCDE. Como
um Parceiro-Chave, o Brasil tem a possibilidade de participar dos diferentes órgãos da OCDE, aderir
aos instrumentos legais da OCDE, se integrar aos informes estatísticos e revisões por pares de setores
específicos da OCDE, e tem sido convidado a participar de todas as reuniões Ministeriais da OCDE
desde 1999. O Brasil contribui para o trabalho dos Comitês da OCDE e participa em pé de igualdade
com os países membros da OCDE em diversos órgãos e projetos importantes da Organização. Lançado
em Novembro de 2015, o Programa de Trabalho Brasil-OCDE busca apoiar a agenda de reformas do
Brasil e fortalecer suas políticas públicas.” (OCDE, 2018).
72 “President Trump welcomed Brazil’s ongoing efforts regarding economic reforms, best practices, and
a regulatory framework in line with the standards of the Organization for Economic Cooperation
and Development (OECD). President Trump noted his support for Brazil initiating the accession
procedure to become a full member of the OECD.” (United States, 2019).
146
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
esse grupo não é representativo do restante das nações mais pobres, embora
conte com países em desenvolvimento entre seus integrantes. Afinal, somente
quatro dos membros do G-20 exibiram renda per capita abaixo de US$10.000
por ano em 2014: Índia e China (que têm populações enormes), Indonésia e
África do Sul. Atualmente, mais três países tiveram suas rendas per capita
reduzidas abaixo desse patamar: Turquia, México e Brasil. Apesar de algumas
alterações pontuais serem previsíveis, como a China passando a níveis cada
vez mais altos de PIB per capita e a Argentina sofrendo uma redução nos pró-
ximos anos, o fato é que todos os integrantes do G-20 são comparativamente
bastante ricos, representando, em conjunto, mais de 80% do PIB mundial73.
Da perspectiva de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, ape-
sar de a dicotomia entre países exportadores e importadores de capital ter se
enfraquecido, em razão da sofisticação e diversificação das pautas de investi-
mento e comerciais entre os países, é inegável que ainda existem importadores
e importadores líquidos de capital. Isso se pode verificar também na área de
juros e pagamentos similares. Na medida em que MNE optam por financiar
suas subsidiárias por meio de dívida, e que os países menos desenvolvidos
possuem menos recursos e fontes de financiamento, é natural que tenham
uma maior necessidade de recursos financeiros. Ademais, enfrentam taxas
de juros mais altas, em razão do maior risco, o que acaba por potencializar
a questão da erosão de base por meio de deduções, e incentivar a criação de
mecanismos de limitação na dedutibilidade dos juros ou tomada de emprés-
timos. Embora mais sujeitos à migração de dívidas, não parecem ter sido de-
vidamente incluídos nas discussões da Ação 4 ou contemplados, de maneira
apropriada, em suas necessidades específicas e reais interesses.
73 “As the ‘premier forum for international economic cooperation’ (…), representing more than 80%
of the global GDP, the G20 has made continuous efforts toward achieving robust global economic
growth” (G20, 2019).
147
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Bibliografia
BRAUNER, Yariv. “What the BEPS?”. Florida Tax Review, v. 16, n. 2. Gaines-
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UNITED STATES. The White House. “Joint Statement from President Do-
nald J. Trump and President Jair Bolsonaro”, issued on March 19, 2019. Dispo-
nível em https://www.whitehouse.gov/briefings-statements/joint-statement-
-president-donald-j-trump-president-jair-bolsonaro/. Acesso em 26.05.2019.
151
6. A Ação 2 do Projeto BEPS da OCDE
e seus Possíveis Efeitos no Brasil
Durval Portela
Mestre em Direito Econômico pela Universidade
Federal da Bahia – UFBA
Especialista em Direito Tributário pela PUC-SP
Advogado em São Paulo
153
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Sumário
1. Introdução; 2. A Ação 2 do BEPS: Neutralizando os Efeitos das Assi-
metrias Legais em Negócios Híbridos; 3. A Ação 2 do BEPS: Neutralizando os
Efeitos das Assimetrias Legais em Filiais; 4. Os Negócios Híbridos na Legislação
Tributária Brasileira; 5. Exemplos de Implementação da Ação 2 6. Conclusões
1. Introdução
Em seus mais de 50 anos de existência74 a OCDE desenvolveu uma histó-
ria de trabalho focado na harmonização de políticas econômicas dos diferen-
tes Estados com o objetivo de desenvolver a economia global. A harmonização
de certas leis tributárias, ainda que reconhecendo a autonomia de cada Esta-
do, também sempre fez parte deste árduo trabalho. De fato, quando de sua
criação, a OCDE deu continuidade aos estudos iniciados anteriormente pelo
“Fiscal Committee” criado em 1956 pela então existente OECE – Organiza-
ção Europeia para Cooperação Econômica, o que resultou na publicação, em
154
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
75 CARROLL, Peter; e KELLOW, Aynsley. The OECD: A Study of Organization Adaptation: Edward
Elgar Publishing, janeiro de 2011, p. 103.
76 Em substituição a, ou em complementação a convenções já assinadas com base no modelo preparado
pela Liga das Nações em 1921.
77 SCHOUERI, Luis Eduardo. Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro. 2. Ed. São
Paulo: Dialética, 2006, p. 260. Grifos nossos.
78 ROCHA, Sergio André. Tributação Internacional. São Paulo: Quartier Latin, 2013. P. 59.
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79 DAVIES, David R., Principles of International Juridical Double Taxation Relief. London: Sweet &
Maxwell, 1985, p. 6.
80 OECD, Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting, OECD Publishing. 2013. P. 08. http://dx.doi.
org/10.1787/9789264202719-en
156
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
81 OECD, Action 2 Final Report - Neutralising the Effects of Hybrid Mismatch Arrangements, 2015
Final Report disponível em:
https://www.oecd.org/ctp/neutralising-the-effects-of-hybrid-mismatch-arrangements-action-2-
2015-final-report-9789264241138-en.htm
82 OECD, Action 2 - Neutralising the Effects of Branch Mismatch Arrangements, 2017 disponível
em https://www.oecd.org/tax/beps/neutralising-the-effects-of-branch-mismatch-arrangements-
action-2-9789264278790-en.htm
83 Há já uma série de medidas incorporadas à própria Convenção Modelo ou a seus comentários
com o objetivo específico de atacar assimetrias como as que são foco da Ação 2, dentre as quais
destacam-se (i) o conceito de beneficiário efetivo e a negação de alívio à dupla tributação a operações
artificiais que aloquem renda a uma pessoa que não seja seu efetivo beneficiário; (ii) a regra prevista
na última parte do parágrafo 3 do artigo 10 (dividendos) da Convenção Modelo; (iii) a regra prevista
no comentário 32.3 ao artigo 23 da Convenção Modelo que, com o objetivo de evitar tratamentos
tributários indesejáveis resultantes de conflitos de qualificação, determina que o país de residência
deva acompanhar, na qualificação de uma renda, aquela dada pelo país da fonte, sempre que esta
seja feita com base nas provisões da Convenção Modelo, de seu próprio ordenamento jurídico, e
respeitando os princípios da Convenção de Viena; e (iv) a incorporação do “Partnership Report”
aos Comentários da OCDE à Convenção Modelo, que modula a aplicação da regra incluída no
comentário 32.3 ao artigo 23, mencionado anteriormente.
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(c) pessoas que possuem acordo que tem um impacto material sobre o
valor ou controle de determinados direitos e interesses;
(d) as pessoas cuja propriedade ou controle de determinados direitos e
interesses são geridos por uma mesma pessoa ou grupo de pessoas (ex-
ceto quando se trate de um gestor de investimentos que possa demons-
trar que a sua atuação é independente em relação a cada fundo gerido).
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B) Pagamentos Substitutos
Como dito anteriormente, os pagamentos substitutos estão presentes em
operações que versam sobre a transferência de um instrumento financeiro,
nas quais o pagamento pela transferência corresponde, total ou parcialmente,
ao retorno (rendimento) produzido pelo instrumento transferido. Nesses ca-
sos, a D/NI pode surgir em três situações, segundo a OCDE.
A primeira situação é aquela em que o vendedor obtém um resultado tribu-
tário melhor sobre o pagamento recebido pela transferência do instrumento do
que o que seria aplicado caso ele tivesse mantido o instrumento financeiro em seu
poder até o seu vencimento. Por exemplo, é possível que os rendimentos (finan-
ceiros) atrelados ao instrumento em questão sofram uma tributação maior do que
o preço (ganho de capital) auferido pela alienação do instrumento. Nesse caso,
pode surgir um descompasso entre o efeito tributário da dedução do pagamento
dos rendimentos pelo emissor do instrumento e o efeito tributário sobre o referido
preço recebido pelo adquirente original do mesmo instrumento (vendedor).
A segunda situação ocorre quando o comprador do instrumento finan-
ceiro pode deduzir o pagamento feito para a sua aquisição, mas o retorno atre-
lado ao instrumento adquirido goza de algum alívio fiscal. Nessa hipótese, a
substituição exclui a tributação do rendimento produzido pelo instrumento,
sem interferir na dedução da despesa para quem o emitiu.
Finalmente, na terceira situação, a transferência retira o instrumento
subjacente do âmbito de aplicação do BEPS 2. Em outras palavras, a operação
de transferência do instrumento faz com que uma situação de D/NI deixe
de existir formalmente, mas materialmente continue havendo uma redução
na carga tributária agregada da operação. Por ser a hipótese mais complexa,
apresentaremos um exemplo concreto em seguida.
As regras propostas pela OCDE para neutralizar a assimetria tributária
são as mesmas regras específicas aplicáveis às transferências híbridas e aos
instrumentos financeiros híbridos: uma regra primária pela qual o país do
pagador (emissor ou comprador do instrumento, conforme o caso) nega a
dedução do pagamento; uma regra de defesa pela qual o país do recebedor
(adquirente original ou comprador do instrumento) tributa o valor recebido,
afastando o alívio fiscal existente, sempre que o país do pagador não aplique a
regra primária. Essas regras somente são aplicáveis a operações (i) entre partes
relacionadas, ou que (ii) configurem operações estruturadas.
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2.2.2.1.Entidade Híbrida
Transações envolvendo entidades híbridas podem dar ensejo à dupla
dedução quando a entidade é considerada opaca pelo país em que está esta-
belecida e transparente pelo país da sua controladora. Nesses casos, os pa-
gamentos feitos por essa entidade a terceiros é dedutível no seu país (que a
submete à tributação normalmente) e no país da controladora (por enxergar o
pagamento como tendo sido realizado pela controladora, ante a transparência
fiscal da entidade híbrida controlada).
Para contornar essa dupla dedução, a OCDE segue a mesma sistemática
de regra primária e regra de defesa. Com efeito, a Ação 2 recomenda a adoção
de uma regra primária pela qual o país da controladora deve negar a dedução
da despesa; e uma regra de defesa pela qual o país da entidade híbrida deve
negar a dedução da mesma despesa, quando o país da controladora não apli-
car a regra primária. O racional adotado é razoável, pois primeiro se nega
a dedução da despesa a uma pessoa que não incorreu diretamente naquele
gasto (a controladora, já que o pagamento foi feito efetivamente pela entidade
híbrida controlada), em uma tentativa de preservar a apuração fiscal daquele
que efetivamente suportou aquele custo (a entidade híbrida controlada, que
realizou o pagamento em questão).
Vale ressaltar que, mais uma vez, essas regras não devem ser aplicadas
caso existam receitas relacionadas com estes pagamentos que sejam dupla-
mente tributadas, ou seja, receitas que, por serem auferidas diretamente pela
entidade híbrida, serão tributadas tanto no seu país (que a enxerga como opa-
ca) quanto no país da controladora (que, por considerar a entidade transpa-
rente, entenderá que aquela receita foi auferida diretamente pela controlado-
ra). Não há limitação de escopo em relação à regra primária, mas a regra de
defesa somente se aplica se a operação é realizada entre integrantes de um
mesmo grupo de controle, ou no caso de operações estruturadas.
O exemplo abaixo pode facilitar a visualização da situação que acabamos
de descrever:
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se não houver acordo, a pessoa não deve poder se beneficiar de qualquer alívio
fiscal promovido pelas Convenções. Vejamos a comparação entre a redação
atual e a redação proposta pela OCDE:
Redação Atual:
“1. For the purposes of this Convention, the term “resident of a Con-
tracting State” means any person who, under the laws of that State, is
liable to tax therein by reason of his domicile, residence, place of ma-
nagement or any other criterion of a similar nature, and also includes
that State and any political subdivision or local authority thereof. This
term, however, does not include any person who is liable to tax in that
State in respect only of income from sources in that State or capital
situated therein.
(…)
3. Where by reason of the provisions of paragraph 1 a person other
than an individual is a resident of both Contracting States, then it shall
be deemed to be a resident only of the State in which its place of effec-
tive management is situated.”
Redação Proposta:
“3. Where by reason of the provisions of paragraph 1 a person other
than an individual is a resident of both Contracting States, the compe-
tent authorities of the Contracting States shall endeavour to determine
by mutual agreement the Contracting State of which such person shall
be deemed to be a resident for the purposes of the Convention, having
regard to its place of effective management, the place where it is incor-
porated or otherwise constituted and any other relevant factors. In the
absence of such agreement, such person shall not be entitled to any
relief or exemption from tax provided by this Convention except to the
extent and in such manner as may be agreed upon by the competent
authorities of the Contracting States.
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ACo realiza um empréstimo para a empresa do grupo CCo, estando as sociedades locali-
zadas em jurisdições distintas
O empréstimo é realizado através de uma filial de ACo residente em uma terceira jurisdi-
ção (B Filial).
A jurisdição de C Co permite a dedução fiscal de pagamentos feitos pela companhia em
relação ao empréstimo contraído
A jurisdição de ACo, por sua vez, não considera qualquer rendimento decorrente do em-
préstimo sujeito à tributação, pois atribui a transação de empréstimo à B Filial.
Caso a jurisdição onde B filial está localizada considere que a filial não tem presença su-
ficiente na jurisdição para estar sujeita à tributação, nenhuma tributação é imposta sobre
os rendimentos advindos da transação de empréstimo (NI), mesmo no caso de a transa-
ção ter resultado em deduções (D) na jurisdição de CCo.
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b) Pagamento “redirecionado”
O conceito de pagamento redirecionado (diverted branch payment) por
sua vez, reflete os casos em que a existência de uma filial em dada jurisdição
é reconhecida tanto pelas normas fiscais da jurisdição de sua matriz, quanto
pelas normas fiscais da jurisdição onde a filial está instalada. Contudo, cada
jurisdição (da matriz e da filial) possui regras distintas de alocação de receita
e despesas entre si.
ACo realiza um empréstimo para a empresa do grupo CCo, estando as sociedades locali-
zadas em jurisdições distintas
O empréstimo é realizado através de uma filial de ACo residente em uma terceira jurisdi-
ção (B Filial).
A jurisdição de ACo reconhece a existência de B Filial, e atribui a ela os pagamentos rece-
bidos em decorrência da transação de empréstimo com CCo.
A jurisdição de B Filial por sua vez também reconhece a existência, e consequentemente
presença tributária, de B filial.
jurisdição de C Co permite a dedução fiscal de pagamentos feitos pela companhia em
relação ao empréstimo contraído
A jurisdição de ACo, por sua vez, não considera qualquer rendimento decorrente do em-
préstimo sujeito à tributação, pois atribui a transação de empréstimo à B Filial.
Porém, as regras de alocação de receitas e despesas da jurisdição de B Filial são distintas
das regras presentes da legislaçãoda jurisdição de ACo, sendo que e a jurisdição de B
Filial atribui os pagamentos recebidos em decorrência da transação de empréstimo com
CCo para ACo, não tributando assim os resultados da transação.
190
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
A companhia ACo presta serviços a uma empresa não relacionada (CCo) através de sua
filial situada na jurisdição B.
Os serviços prestados por B Filial se utilizam de intangíveis, os quais B Filial entende
serem de propriedade de A Co. Assim, B Filial efetua pagamentos presumidos para A Co
como remuneração pelo uso do intangível, os quais são considerados dedutíveis na juris-
dição B Filial.
A jurisdição de ACo por sua vez entende que os intangíveis pertencem à B Filial, e desta
forma não consideram nenhuma receita tributável em decorrência do pagamento presu-
mido realizado por B Filial.
Ademais, o valor referente aos serviços recebidos pela filial não são tributados na jurisdi-
ção A, tendo em vista que os resultados são atribuidos à filial e os lucros da filial isentos
ou excluídos de tributação na jurisdição de ACo.
Neste contexto se materializa a assimetria de D/NI em transação dentro do mesmo grupo
econômico decorrente das diferenças nas normas de alocações entre matriz e filial.
192
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
193
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
194
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
85 https://www.oecd.org/tax/treaties/multilateral-convention-to-implement-tax-treaty-related-
measures-to-prevent-BEPS.pdf
86 Neste sentido, vide o protocolo ao Tratado com a Argentina, e os Tratados firmados com Suiça e Cingapura.
195
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
87 3. Action 2 calls for the development of “model treaty provisions and recommendations regarding
the design of domestic rules to neutralise the effects of hybrid instruments and entities.” The Action
Item states that this may include: (a) Changes to the OECD Model Tax Convention to ensure that
hybrid instruments and entities (as well as dual resident entities) are not used to obtain the benefits
of treaties unduly; (b) Domestic law provisions that prevent exemption or non-recognition for
payments that are deductible by the payer; (c) Domestic law provisions that deny a deduction for
a payment that is not includible in income by the recipient (and is not subject to taxation under
CFC or similar rules); (d) Domestic law provisions that deny a deduction for a payment that is
also deductible in another jurisdiction; and (e) Where necessary, guidance on co-ordination or tie-
breaker rules if more than one country seeks to apply such rules to a transaction or structure.
88 Part I recommendations
In terms of specific changes to domestic law, Chapters 2 and 5 of this report recommend
improvements to domestic law rules that:
(a) Deny a dividend exemption, or equivalent relief from economic double taxation, in respect of
deductible payments made under financial instruments.
(b) Introduce measures to prevent hybrid transfers being used to duplicate credits for taxes withheld
at source.
(c) Alter the effect of CFC and other offshore investment regimes to bring the income of hybrid
entities within the charge to taxation under the laws of the investor jurisdiction.
(d) Encourage countries to adopt appropriate information reporting and filing requirements in
respect of tax transparent entities established within their jurisdiction.
(e) Restrict the tax transparency of reverse hybrids that are members of a control group.
196
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
197
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
primeiro momento, pode-se cogitar de uma situação em que o Brasil não tribu-
te os rendimentos de um consórcio por enxergá-lo transparente, e a jurisdição
de um dos consorciados também não tribute os rendimentos do consorciado
por enxergar o consórcio como uma entidade opaca. Nesse caso, teríamos uma
situação em que o pagamento seria dedutível no Brasil pela pessoa que pagou
ao consórcio e o rendimento não seria tributado nem no Brasil nem no exterior
como renda do consorciado/beneficiário, configurando uma situação de D/NI.91
Vale ressaltar que as recomendações da Ação 2 pertinentes às entidades
híbridas não afetam apenas os países que divergem sobre a natureza (opaca ou
transparente) da entidade. Com efeito, há diversas situações em que essas re-
comendações alcançam contribuintes localizados em terceiros países e que se
relacionam com entidades cuja natureza é foco de divergência entre dois outros
países, como é o caso das entidades híbridas reversas. Dessa maneira, embo-
ra possam ser raros os casos em que o Brasil considera determinada entidade
como transparente para fins fiscais, isso não afasta a possibilidade de que ne-
gócios celebrados por residentes no país sejam atingidos pelas recomendações
da Ação 2, especialmente quando esse contribuinte se relacionar com entidades
estrangeiras às quais outros dois países atribuem naturezas diferentes.
Por outro lado, quanto aos negócios híbridos, especificamente aos instru-
mentos financeiros híbridos, com efeito se percebe presentes no Brasil alguns
instrumentos que podem ser assim classificados, tais como os Juros sobre o
Capital Próprio (JCP) – tido como o exemplo clássico de instrumento híbrido
brasileiro – as debêntures conversíveis e as debêntures de participação, as dí-
vidas subordinadas, as ações com dividendos mínimos fixos, as ações resgatá-
veis e os bonds de longo prazo ou perpétuos. Nesse cenário, as recomendações
da Ação 2 se revelam pertinentes à realidade brasileira.
Corroborando essa pertinência, a legislação brasileira passou, recen-
temente, a cuidar do tratamento tributário aplicável a alguns instrumentos
financeiros híbridos, para os quais a regra contábil poderia levar a uma qua-
lificação diversa daquela extraída das normas tributárias. Nos referimos à Lei
nº 12.973/2014, que determinou a prevalência da forma jurídica sobre a forma
91 Destaca-se que, ainda que imposto de renda na fonte possa ser aplicável a distribuições realizadas
por um consórcio a seus membros, o imposto de renda nao é, conforme mencionamos mais adiante
neste artigo, solução aceita pela OCDE como adequada para solucionar casos de assimetria por
tratamentos assimétricos.
198
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
92 A Lei nº 13.043/2014 também trouxe uma definição de pessoa vinculada para fins dos contratos
internacionais de afretamento marítimo (art. 106, §7º).
199
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
200
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
regra primária de indedutibilidade deve ser aplicada mesmo nos casos em que
a jurisdição da fonte também imponha a retenção de tributo sobre a remessa.
Isso porque, segundo a Ação 2, tributos retidos na fonte por si sós não neutra-
lizam assimetrias (hybrid mismatch), uma vez que, usualmente, as retenções
são impostas apenas sobre instrumentos de capital (dividendos)93.
Parece-nos que os comentários da Ação 2 acerca do imposto retido na
fonte levam em conta a realidade da União Europeia, onde o imposto de fon-
te é pouco utilizado. O Brasil, como já dito, aplica o imposto de fonte sobre
praticamente todas as remessas ao exterior, e não apenas sobre rendimentos
decorrentes de instrumento de capital, o que já demonstra a fragilidade das
observações contidas na Ação 2 em relação a determinadas jurisdições, como
é o caso da brasileira. Esse nos parece ser um dos principais pontos da Ação
2 que merecem melhor reflexão por parte da OCDE, e que não fora tratado
tampouco no relatório adicional referente às matrizes e filiais.
Além das considerações acima, pertinentes às características e elementos
contidos nas recomendações da Ação 2, duas observações gerais acerca do
Plano BEPS também merecem lugar.
Uma das questões suscitadas acerca do BEPS, de um modo geral, tra-
ta da sua imperatividade ou obrigatoriedade para os países não membros da
OCDE. Pode-se entender que apenas os países membros da OCDE estão dire-
tamente vinculados ao Plano BEPS, haja vista ser uma iniciativa dessa organi-
zação. Por outro lado, pode-se também entender que os países do G20, dentre
os quais o Brasil, também estariam vinculados, uma vez que contribuíram
ativamente para a formulação do Plano BEPS. Não pretendemos aqui esgotar
o assunto, mas apenas consignar a questão para reflexões mais aprofundadas.
Obviamente que, em um cenário em que o Brasil passa a buscar, formalmente,
sua acessao a OCDE, a adoção das recomendações minimas pode vir como
exigência para que o processo se efetive.
A outra questão que tem causado apreensão entre os brasileiros diz respei-
to a como será o comportamento da Receita Federal do Brasil – RFB no contex-
to do BEPS, haja vista a atual postura da RFB para com os contribuintes. Isso
93 The primary rule denying the deduction may apply in cases in which the payer jurisdiction also
imposes a withholding tax on the payment as it is still important to neutralise the hybrid mismatch
in those cases. Withholding taxes alone do not neutralise the hybrid mismatch as withholding taxes,
where applicable, often are imposed with respect to equity instruments. (parágrafo 407 da Ação 2).
201
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
porque o Plano BEPS, de um modo geral, apresenta, ao que nos parece, uma
inclinação pró-fiscalização e pró-arrecadação, tanto em termos de mecanismos
de arrecadação quanto de controle das informações e operações dos contribuin-
tes. Assim, existe um receio por parte dos contribuintes e profissionais brasilei-
ros de que a RFB passe a utilizar o Plano BEPS como pretexto ou subterfúgio
para impor regras e ônus fiscais ainda mais rígidos e gravosos. Nesse aspecto,
tivemos como exemplo o caso da Medida Provisória nº 685/2015, cujo art. 7º
e seguintes tratavam da comunicação dos planejamentos tributários, tema da
Ação 12, como um exemplo de mal-uso do Plano BEPS pelo Brasil, felizmente
afastado pelo Congresso Nacional na sua conversão em lei94.
É dizer, na opinião de considerável parte dos contribuintes e profissio-
nais brasileiros, a administração tributária brasileira não adota postura se-
melhante à das administrações tributárias dos países membros da OCDE, o
que pode distorcer a aplicação do Plano BEPS no Brasil. Essa diferença de
postura pode ser em razão de estarem as administrações tributárias sujeitas
a realidades econômicas distintas ou em razão de um histórico menor grau
de relacionamento institucional com os contribuintes por parte da adminis-
tração tributária brasileira, inobstante o crescente progresso que vem sendo
percebido neste sentido nos últimos anos. Irrelevantes as razões, o fato é que
há considerável temor de que o Plano BEPS seja utilizado pela administração
tributária brasileira para “oprimir” os contribuintes brasileiros.
94 Lei n. 13.202/15.
202
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
203
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
95 https://thesuite.pwc.com/insights/changes-to-rules-on-hybrid-and-other-mismatches-in-draft-
finance-bill-201819
96 Conforme estudos da PwC e da EY disponíveis em https://www.pwc.com/gx/en/services/tax/tax-
policy-administration/beps/hybrid-mismatch-arrangements.html e https://www.ey.com/gl/en/
services/tax/ey-oecd-base-erosion-and-profit-shifting-project-by-action-2
204
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
isenção para a receita das filiais estrangeiras evitando que uma dedução seja
concedida para pagamentos feitos por uma agência australiana de um banco
estrangeiro à sua matriz em determinadas circunstâncias, impedindo que cer-
tos pagamentos oriundos do exterior recebidos por uma entidade australiana
não sejam tributáveis se a sua totalidade ou parte der origem a uma dedução
do imposto sobre a renda no exterior.97
Igualmente, os EUA, recentemente, atraves da reforma implementada
via o Jobs Act and Tax Cut Act, tambem incorporou recomendacoes propos-
tas pela Acao 2 do BEPS. Neste sentido, destaca-se as recomendacoes focadas
a negativa de aplicacao de dispositivo que evita a tributacao de dividendos (di-
vidend received deduction, previso na Secao 245A) a rendimentos que tenham
sido objeto de deducao no seu pais de origem. Igualmente, regras foram im-
plementadas focadas na negativa de deducao de despesas de juros ou royalties
que sejam pagos a entidades ou transacoes hibridas98.
6. Conclusões
Como proposto na sua Introdução, este artigo busca elementos para con-
cluir se a aplicação dos relatórios da Ação 2, do BEPS, evitam, de fato, a erosão
da base tributária e o deslocamento de lucros suscetíveis de tributação nas
jurisdições envolvidas nas transações geradoras de riqueza tributável. Esse
objetivo, consoante a Ação 2, deverá ser atingido com a eliminação ou mini-
mização das assimetrias no tratamento tributário conferido por essas jurisdi-
ções à transação objeto de tributação. Não se descuida, porém, da finalidade
principal da Convenção Modelo que é a de evitar a dupla-tributação da renda
e os malefícios que esta traz, assim como da evasão fiscal. Dessa forma, é de
se registrar que o BEPS não abandona os instrumentos até hoje adotados com
a finalidade de afastar a subtração de riqueza à tributação, como é o caso das
regras voltadas à CFC, ao preço de transferência e outras, reforçando-as.
97 https://parlinfo.aph.gov.au/parlInfo/search/display/display.w3p;query=Id:%22legislation/
billhome/r6116%22
98 Neste sentido, vide comentarios mais detalhados em publicacao da EY em https://www.ey.com/
Publication/vwLUAssets/US_IRS_proposes_regulations_implementing_anti-hybrid_mismatch_
rules_and_expanding_scope_of_dual_consolidated_loss_regulations/$FILE/2019G_012722-
18Gbl_US%20-%20Regs%20proposed%20re%20anti-hybrid%20mismatch%20rules.pdf
205
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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209
Parte II – Substância e
Convenção Multilateral
7. From the Guiding Principle to the
Principal Purpose Test: the burden of
proof and legal consequences100
This article contains an analysis of the transition from the guiding princi-
ple to the principal purpose test (PPT) included in the Multilateral Instrument
(MLI) designed by the Organization for Economic Cooperation and Develo-
pment (OECD) as part of the (Base Erosion and Profit Shifting) BEPS Action
6 Final Report, “Preventing the Granting of Treaty Benefits in Inappropriate
Circumstances”. The main goal is to check the feasibility of its application and
implementation under the burden of proof and its legal consequences.
Keywords
Multilateral Instrument. Multilateral Convention. MLI. GAAR. Prin-
cipal Purpose Test. PPT. Guiding Principle. Base Erosion and Profit Shif-
ting. BEPS. Action 6. Action 15. Double Tax Agreement. DTA. Covered Tax
Agreement. CTA. Treaty Abuse. Tax Avoidance. Tax Evasion. Aggressive Tax
Planning. Treaty Shopping. Rule Shopping. The burden of Proof. Legal Con-
sequences. Interpretation. Implementation. Application. CVLT. Subjective
Scope. Objective Scope.
100 This article was originally writed to be published by IBFD for the publication of the reports on the
13th GREIT Conference “Multilateralism and International Tax Law” organized by Instituto de
Direito Econômico Financeiro e Fiscal da Faculdade de Direito de Lisboa. The author is Tax Law
Professor at the Rio de Janeiro State University, Faculty of Law, Associated Research Fellow at the
Institute of Advanced Legal Studies (University of London) and Federal Judge at the 2nd Federal
Court. Email: marcusliviogomes@gmail.com.
213
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
1. Introduction
The MLI is the result of Action 15 of the OECD/G20 BEPS project101 and
aims to implement the treaty-related BEPS measures in a swift, coordinated and
consistent manner in bilateral tax treaties of the participating jurisdictions. The
MLI entered into force on July 1, 2018, for Austria, the Isle of Man, Jersey, Po-
land and Slovenia, and also has entered into force as of 1 October 2018 in respect
of New Zealand, Serbia, Sweden and the United Kingdom. All this process is
supposed to be supported by the Inclusive Framework on BEPS.102
The object of this paper is to map the transition from the guiding princi-
ple to the principal purpose test to check the feasibility of its application and
implementation under the burden of proof and its legal consequences. Action
6 suggested the inclusion of Article 7.1, the Principal Purpose Test (PPT), in
tax treaties following the entry into force of the MLI: “Article 7 – Prevention
of Treaty Abuse. 1. Notwithstanding any provisions of a Covered Tax Agre-
ement, a benefit under the Covered Tax Agreement shall not be granted in
respect of an item of income or capital if it is reasonable to conclude, having
regard to all relevant facts and circumstances, that obtaining that benefit was
one of the principal purposes of any arrangement or transaction that resulted
directly or indirectly in that benefit, unless it is established that granting that
benefit in these circumstances would be in accordance with the object and
101 The final BEPS Action 15 report concluded that the development of a multilateral instrument was
both desirable and feasible. The MLI was negotiated by the non-permanent Ad Hoc Group, which
was not a formal OECD body, but convened under the auspices of the OECD and the G20 and was
served by the OECD secretariat. The Ad Hoc Group was established under a mandate drafted by the
OECD and supported by the G20.
102 OECD (2017), Inclusive Framework on BEPS, Progress Report July 2016–June 2017. Available at: http://
www.oecd.org/tax/beps/inclusive-framework-on-BEPS-progress-report-july-2016-june-2017.pdf
(accessed April 1, 2018).
214
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
103 OECD (2015), Preventing the Granting of Treaty Benefits in Inappropriate Circumstances.
104 When viewed from a policy perspective, it reflects a current legislative trend in international
taxation. In this sense, see Kavelaars, ‘EU and OECD: Fighting against Tax Avoidance’, 41 Intertax
10, p. 512 et seq. (2013), p. 507 et seq.; C. Palao Taboada, ‘OECD Base Erosion and Profit Shifting
Action 6: The General Anti-Abuse Rule’, 69 Bull. Intl. Taxn. 10, pp. 602-603 (2015); Erik Pinetz,
‘Final Report on Action 6 of the OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Initiative: Prevention
of Treaty Abuse’, Bull. Intl. Taxn. Jan/Feb. 2016, p. 115; Andréz Báez Moreno, ‘GAARs and Treaties:
From the Guiding Principle to the Principal Purpose Test. What Have We Gained from BEPS
Action 6?’ in Intertax, volume 45, issue 6 & 7, 2017, p. 435.
215
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
the Guiding Principle inserted in the 2003 Commentaries to the OECD Mo-
del 2003.105 In a nutshell, the OECD concerns the implementation of the PPT
as having little effect on existing tax treaties.106
Even before the Guiding Principle, the beneficial ownership requirement,
which was introduced in 1977 into the dividends,107 interest108 and royalties109
articles, was seen by many states as the initial response to treaty abuse. As hi-
ghlighted by Robert Danon110 “It is controversial, of course, whether beneficial
ownership was initially introduced in the OECD Model for this purpose and,
respectively, whether this requirement is a genuine SAAR or merely a condi-
tion of application of these distributive rules.” This author spells out that the
tax treaty practice of several countries, particularly those jurisdictions which
construe beneficial ownership in a broad economic fashion, relies on benefi-
cial ownership to tackle treaty shopping situations.
However, a broad economic interpretation of beneficial ownership does
not necessarily equate the tax policy of BEPS Action 6, particularly when such
policy is not combined with a principal purpose test as the minimum standard.
In the end, the author111 states that the predominant view is that beneficial ow-
216
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Commentaries, beneficial ownership must be construed narrowly. That is, the term only excludes
from the scope of treaty benefits persons acting as agents, nominees or, more broadly, those that are
constrained by a contractual or legal obligation to pass on the payment received to another person.
By contrast, beneficial ownership does not deal with conduit situat ions involving merely a factual
or functional connect ion between the income received and the item paid out. The current tax treaty
practice of several jurisdictions, however, departs from this formal interpretation and construes
beneficial ownership to include those conduit situations involving a mere economic and functional
connection between the streams of income. Yet, the need to include an intentional element or
purpose test in the analysis then becomes controversial as this subjective component is at odds
with the literal meaning of beneficial ownership. The second problem is that, even if it is construed
broadly, beneficial ownership is not capable of dealing with cases in which a potential abuse stems
from the mere assignment of rights to a resident.”
112 This is the case where the context of art. 3(2) of the OECD Model requires a different interpretation.
113 Indofood International Finance Ltd v. JP Morgan Chase Bank, London branch, 2006, EWCA Civ 158.
114 See a recent general scholarly contribution on the topic in A. Meindl-Ringler, Beneficial Ownership
in International Tax Law (Wolters Kluwer 2016).
115 See recent reviews of national case law in A. Meindl-Ringler, Beneficial Ownership in International
Tax Law (Wolters Kluwer 2016); E. Kemmeren, Preface to Articles 10 to 12, in Ekkehart Reimer &
Alexander Rust, Klaus Vogel on Double Taxation Conventions N 51 et seq. (4th ed., Kluwer Law
International 2015).
116 2003 OECD Comm. Art. 1, para. 9.5; 2015 OECD, Final Report on Treaty Abuse, para. 59
(Commentary in para. 14); 2017 OECD Comm, Art. 1, para. 61.
217
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
The nature and function of the guiding principle under the 2003 OECD
Commentaries is really controversial. There are two main possibilities, first be
considered as a treaty GAAR and second, by contrast, be considered as a general
standard which states are required to comply with when denying treaty benefits
on the basis of a domestic or a treaty GAAR, the latest may flow from the struc-
ture of the 2003 OECD Commentaries to Article 1 of the OECD Model.
Subsequently, the 2014 OECD Commentaries117 provide that: “It is im-
portant to note, however, that it should not be lightly assumed that a taxpayer
is entering into the type of abusive transactions referred to above. A guiding
principle is that the benefits of a double taxation convention should not be
available where a main purpose for entering into certain transactions or ar-
rangements was to secure a more favourable tax position and obtaining that
more favourable treatment in these circumstances would be contrary to the
object and purpose of the relevant provisions.”118 The same spelling was main-
tained in the 2017 OECD Commentaries.119
It should be noted that, in practice, general anti-abuse provisions are not
a common feature of tax treaties.120 The guiding principle was not able to work
as a general anti-abuse provision in the OECD Model pre the OECD/G20
BEPS initiative. The main issue was the remarkably diverse positions adopted
by states regarding the need and convenience for a general anti-abuse provi-
sion included in tax treaties besides the uncertainty surrounding the inter-
relationship between domestic anti-avoidance provisions and anti-avoidance
tax treaties provisions, resulting in an uncoordinated approach on the part
of states. The guidance in the Commentary on Article 1 of the OECD Model
through the guiding principle was an unsuccessful attempt to overcome all
these issues especially inasmuch as the non-binding nature of the Commen-
117 2014 OECD Model Tax Convention on Income and on Capital: Commentary.
118 OECD Model: Commentary on Article 1 para. 9.5 (2014).
119 Commentary; 2017 OECD Model Tax Convention on Income and on Capital: Commentary.
120 S. van Weeghel, General Report, in Tax treaties and tax avoidance: application of anti-avoidance
provisions sec. 3.3. (IFA Cahiers vol. 95A, 2010), Online Books IBFD, highlighted that States are
generally reluctant to insert general anti-abuse provisions into their tax treaties because this
inclusion could be construed as invalidating non-treaty-based approaches to withdrawing treaty
benefits in other tax treaties that lack such explicit provisions.
218
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
taries on the OECD Model and all controversies related to this issue in the
international tax literature.
The OECD proposal to implement the PPT has been strengthened by
this organization under the new anti-abuse provision; in effect, the condi-
tions for its application are identical to those features that were designed for
applying the Guiding Principle inserted in the 2003 Commentaries to the
OECD Model 2003.121 In a nutshell, the OECD concerns the implementation
of the PPT as having little effect on existing tax treaties, understanding that
the implementation of the PPT will not have a high impact, nor will it bring
on significant changes, within the current network of existing treaties.
Whereas the Guiding Principle poses the concept of abusive transactions
upon the circumstances that the benefits of a tax treaty have been made avai-
lable through a transaction in which the “main purpose” is to secure a more
favourable tax position to the taxpayer and obtaining that position would be
contrary to the object and purpose of the relevant provisions,122 the applica-
tion of the PPT relies on the circumstances that obtaining a treaty benefit was
“one of the main purposes” of the transaction that resulted directly or indi-
rectly in that benefit, aside from it’s being established that granting the benefit
in these circumstances would be in accordance with the object and purpose
of the relevant provisions of the Convention.
In this sense, the PPT rule as provided under articles 7(1) of the MLI and
29(9) of the 2017 OECD Model would not merely codify the guiding principle
embodied in paragraph 9.5 of the 2003 Commentary to Article 1123 as already
presented. Furthermore, there are main differences, as the burden of proof124,
scope and its legal consequences. Unlike the guiding principle, the PPT rule
219
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
125 V. Chand, The Interaction of Domestic Anti-Avoidance Rules with Tax Treaties: with special
references to the BEPS project, Schulthess, Tax Policy series, 2018, pp. 186/202.
126 2015 OECD, Final Report on Treaty Abuse, para. 59 (Commentary in para. 14).
127 2017 OECD Comm (Draft), Art. 1, para. 61; 2017 OECD Comm (Draft), Art. 29, para. 169.
128 In the same sense V. Chand, The Interaction of Domestic Anti-Avoidance Rules with Tax Treaties:
with special references to the BEPS project, Schulthess, Tax Policy series, 2018, pp. 186/202.
129 M. Lang, BEPS, ‘Action 6: Introducing an Antiabuse Rule in the Tax Treaties’, 74, Tax Notes Intl. 7, p.
659 (2014); L. De Broe & J. Luts, ‘BEPS Action 6: Tax Treaty Abuse’, 43 Intertax 137 (2015) on p. 132;
Andréz Báez Moreno, ‘GAARs and Treaties: From the Guiding Principle to the Principal Purpose
Test. What Have We Gained from BEPS Action 6?’ in Intertax, volume 45, issue 6 & 7, 2017, p. 435; V.
Chand, The Interaction of Domestic Anti-Avoidance Rules with Tax Treaties: with special references
to the BEPS project, Schulthess, Tax Policy series, 2018, pp. 186/202; Danon (2018) section 2.
130 Action 6 Final Report, at 55, OECD Model: Commentary on Article 29 para. 169 (2017).
131 OECD Model: Commentary on Article 1 para. 61 (2017).
220
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
the 2017 OECD Model and in some tax treaties further to the BEPS outcome, the
issue of the status and function of the guiding principle will be less important.
132 Regarding the EU approach, see Paolo Piantavigna, “The Role of the Subjective Element in Tax Abuse
and Aggressive Tax Planning,” World Tax Journal 10 (2018) (accessed March 15, 2018). This author
comments that, “The PPT rule also seems consistent with the language of the ATAD, stating that ‘a
Member State shall ignore an arrangement or a series of arrangements which, having been put into place
for the main purpose or one of the main purposes of obtaining a tax advantage that defeats the object or
purpose of the applicable tax law, are not genuine having regard to all relevant facts and circumstances’
(emphasis added),[119] and is also consistent with the GAAR inserted into the EU Parent-Subsidiary
Directive (PSD) of 23 July 1990, which was recast in 2011 and revised in July 2014 and January 2015.[…]
An anti-avoidance provision is also contained in the original text of the EU Merger Directive,[123][…]
In the EU Interest and Royalties Directive, the use of the word ‘motive’ is interesting:[…]”
133 See this taxonomy in Marcus Livio Gomes, “Implementation in Practice of the Principal
Purpose Test in the Multilateral Convention,” Intertax 46, nº 1 (2018): 45-57; Marcus L. Gomes,
“International Taxation and the Challenges for Multilateralism in the Context of the OECD
Multilateral Instrument,” Bulletin for International Taxation 72, no. 2 (2018); Cahiers de droit fiscal
international, Studies on International Fiscal Law by the International Fiscal Association, Volume
103a, Anti-avoidance measures of general nature and scope - GAAR and other rules General,
Reporters Paulo Rosenblatt (Brazil) and Manuel E. Tron (Mexico)(2018), p. 11. Others authors have
used similar features: Krever (2016) and Nabil Orow, General Anti-avoidance Rules: A Comparative
International Analysis (Bristol: Jordan, 2000), xxix-xxxix. Nabil Orow, “Structured Finance and the
Operation of General Anti Avoidance Rules,” British Tax Review (2004): 410-435.
134 Dominic de Cogan, “Tax, Discretion and the Rule of Law,” in The Delicate Balance: Tax, Discretion
and the Rule of Law, eds. Chris Evans, Judith Freedman and Richard Krever (Amsterdam:
International Bureau of Fiscal Documentation, 2011), 9-10.
221
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
135 Philip Gillett, “The Consultative Document on a General Anti-avoidance Rule for Direct Taxes: A
View from Business,” British Tax Review 1 (1999): 1-5.
136 Frederik Zimmer, “IFA General Report: Form and Substance in Tax Law,” in Cahiers de Droit Fiscal
International 87A (International Fiscal Association) (2002): 42. David Nelken, “Using the Concept
of Legal Cultures,” Australian Journal of Legal Philosophy 29 (2004): 1-3. Available at: http://www.
austlii.edu.au/au/journals/AUJlLegPhil/2004/11.pdf (accessed April 3, 2018). Livingston (2005),
121-122. Garbarino (2010), 765-790.
137 Malcolm Gammie, “The Judicial Approach to Avoidance: Some Reflections on BMBF and SPI,” in
Comparative Perspectives on Revenue Law: Essays in Honour of John Tiley, eds. John Avery Jones, Peter
Harris and David Oliver (Cambridge, UK; New York: Cambridge University Press, 2008), 25-39.
138 Jinyan Li, “Economic Substance”: Drawing the Line Between Legitimate Tax Minimization and
Abusive Tax Avoidance (2006) 54 Can. Tax. J. 1, 32-33. Brian Arnold, “Too Long, Slow, Steady
Demise of the General Anti-avoidance Rule,” Canadian Tax Law 52, no. 2 (2004): 504.
222
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
dance, shifting more power to tax authorities to investigate the result of the
scheme, arrangement or transaction. Considering that the primary elements
are not enough to provide a clear distinction between legitimate tax avoidan-
ce and aggressive tax planning, other secondary or ancillary elements such
as artificiality, contrivance, form and substance, economic substance, misuse
and abuse of right will all have to come into play. They are not essential and
have a circumstantial or ancillary nature, albeit important, for the operation
of anti-avoidance rules and doctrines.
This said the validity of these related concepts will be analyzed, seeking
to find workable standards for the burden of proof and the legal consequence
of its application.
4. Burden of Proof
This section focuses on procedural issues regarding the burden of proof
because commentators have controverted concerning which was established
by the PPT.139 One may say that the burden of proof of the PPT is unbalanced
and unreasonable140 in comparison to the guiding principle.141 Even though
the tax authorities will be required to undertake an objective analysis of the
139 See for whom the PPT has shift the burden of proof in favour tax authorities: E. Pinetz, Final Report
on Action 6 of the OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Initiative: Prevention of Treaty Abuse, 70
Bulletin for International Taxation 1/2, pp. 115–120 (2016); O. Koriak, The Principal Purpose Test
under BEPS Action 6: Is the OECD Proposal Compliant with EU Law?, 56 European Taxation 12, p.
557, (2016); Ch. Bergedahl, Anti-Abuse Measures in Tax Treaties Following the OECD Multilateral
Instrument – Part 1, 72 Bulletin for International Taxation 2, Published online: 9 January 2018,
section 3.2.1.3; R. Danon, Treaty Abuse in the Post-BEPS World: Analysis of the Policy Shift and
Impact of the Principal Purpose Test for MNE Groups, 72 Bulletin for International Taxation 1,
2018, Published online: 28 December 2017, section. 4.1. See for whom the PPT has not changed the
standard of reasonability and the burden of proof falls only at the beginning with the tax authorities:
Blazej Kuzniacki. Untangling the PPT’s burden of proof. http://kluwertaxblog.com/2018/01/22/
untangling-ppts-burden-proof/ accessed 01/03/2018; C. Palao Taboada, OECD Base Erosion and
Profit Shifting Action 6: The General Anti-Abuse Rule, 69 Bulletin for International Taxation 10,
p. 604–605 (2015); D. Weber, The Reasonableness Test of the Principal Purpose Test Rule in OECD
BEPS Action 6 (Tax Treaty Abuse) versus the EU Principle of Legal Certainty and the EU Abuse of
Law Case Law, 10 Erasmus Law Review 48, p. 51 (2017).
140 Chand The Principal Purpose Test in the Multilateral Convention: An in-depth Analysis, 2018, p.
18. De Broe & Luts, BEPS, at 132; De Broe, EU Law, at 216; Lang, PPT rule, at 660.
141 Chand The Principal Purpose Test in the Multilateral Convention: An in-depth Analysis, 2018, p.
18. De Broe & Luts, BEPS, at 132.
223
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
facts of the transaction, they only have to ‘reasonably’ conclude that the sub-
jective element is satisfied.142 This threshold seems to be low in comparison
to the burden assumed by the taxpayer wherein it is required to ‘establish’
convincingly that granting the benefit is in accordance with the object and
purpose of the relevant provisions of the tax treaty (objective element).143
Lang144 has claimed that tax authority must just furnish proof that one of
the main objectives of the taxpayer was to obtain the benefit, but alternative-
ly, “the taxpayer has no chance of fending off the accusation of abuse if it is up to
him to furnish evidence that benefiting from one or several treaty provisions was
not one of his primary motives”. De Broe and Luts145 follow the same path to say
that “Under the previous ‘guiding principle’, it was common ground that the
tax authorities of the State desiring to refuse treaty benefits carry the burden
of proving that both the subjective and objective element of abuse are fulfilled.
[(…)] Under the proposed PPT, the tax authorities are still obliged to ‘prove’ the
presence of the subjective element, but only this. [(…)] Rather, it suffices that
‘it is reasonable to conclude’ that such motives were present.” Chand146 is more
emphatic to say: “There is no doubt that the burden of proof of the PPT is unba-
lanced and unreasonable147 in comparison to the guiding principle.148
142 Chand The Principal Purpose Test in the Multilateral Convention: An in-depth Analysis, 2018, p.
18. De Broe & Luts, BEPS, at 132; Lang, PPT rule, at 659.
143 2015 OECD, Final Report on Treaty Abuse, para. 26 (Commentary in para. 2); 2017 OECD Comm
(Draft), Art. 29, para. 170.
144 See M. Lang, BEPS Action 6: Introducing an Antiabuse Rule in Tax Treaties, Tax Notes International,
May 19, pp. 658–659 (2014).
145 See De Broe & Luts (2015), pp. 132.
146 Vikram Chand. The Principal Purpose Test in the Multilateral Convention: An in-depth Analysis.
Intertax 2018 vol. 46. Issue 1. Section 2.
147 De Broe & Luts (2015), BEPS, at 132; De Broe, EU Law, at 216; Lang, PPT rule, at 660; Vikram
Chand. The Principal Purpose Test in the Multilateral Convention: An in-depth Analysis. Intertax
2018 vol. 46. Issue 1. Section 2.
148 Regarding the guiding principle, in the author’s point of view tax authorities assume the burden of proof.
In this sense, they have to prove that the transaction undertaken by the taxpayer satisfies the subjective
and objective elements. De Broe & Luts (2015), at 132; Vikram Chand. The Principal Purpose Test in the
Multilateral Convention: An in-depth Analysis. Intertax 2018 vol. 46. Issue 1. Section 2.
224
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
149 Blazej Kuzniacki. Untangling the PPT’s burden of proof. accessed http://kluwertaxblog.
com/2018/01/22/untangling-ppts-burden-proof/ accessed 01/03/2018.
150 See G. Marino, The Burden of Proof in Cross Border Situations in The Burden of Proof in Tax Law,
G. Meussen (ed.), IBFD (2013). section 4.1.
151 Para. 61 of the Commentary on Art. 1 of the 2017 OECD Model Convention, before para. 9.5 of the
Commentary on Art. 1 of the OECD Model Conventions as released in 2014, 2010, and 2003.
152 B. Kuź niacki, The Principal Purpose Test (PPT) in BEPS Action 6 and the MLI: Exploring Challenges
Arising from Its Legal Implementation and Practical Application, 10 World Tax J. (2018), World Tax
Journal IBFD (accessed 12 March 2018), p. 9.
225
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
153 See L. De Broe, International Tax Planning and Prevention of Abuse, Amsterdam, IBFD, 2008, 394.
This author highlighted: “The ECJ also consistently requires that the tax authorities carry the burden
of proving the alleged abuse (and a fortiori the two elements thereof”; B.J. Arnold, ‘Tax Treaties and
Tax Avoidance: The 2003 Revisions to the Commentary to the OECD Model’, BIT 2004, 247.
226
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Under the PPT, in contrast, it is enough to tax authorities just prove that
tax benefit exists and the subjective element or that one of the principal pur-
poses of the transaction or arrangement of the taxpayer was to obtain treaty
benefits to proceed to deny this advantage. The way to deny treaty benefits
appears to be shorter and easier under the PPT in comparison to the gui-
ding principle since a lower threshold was set in the sense that it is just requi-
red to establish beyond reasonable doubt (reasonable to conclude)154. On the
other hand, taxpayers will have to establish the benefit in these circumstances
would be in accordance with the object and purpose of the relevant provisions
of the particular treaty.155
The issue is if this framework does change the finding that both elements of
the PPT matter equally to denials of treaty benefits. It means that the burden of
proof will have to be shared between tax authorities at the beginning regarding
the subjective element and then to taxpayers in the second moment regarding
the objective element by gathering and demonstrating evidence to the existence
of core commercial activity driven preponderantly by non-tax purposes.
Nonetheless, it is unlikely that the tax authorities will not try to deny
treaty benefits by taking into account the second element of the PPT at the
concluding stage of their first element consideration, even though the wording
of the PPT does not require them to do so, which would also be supported
154 De Broe & Luts (2015), BEPS, at 132; M. Lang, BEPS Action 6: Introducing an Antiabuse Rule in Tax Treaties,
Tax Notes International, May 19, pp. 658–659 (2014), at 659; Vikram Chand. The Principal Purpose Test in
the Multilateral Convention: An in-depth Analysis. Intertax 2018 vol. 46. Issue 1. Section 2.
155 Vikram Chand. The Principal Purpose Test in the Multilateral Convention: An in-depth Analysis.
Intertax 2018 vol. 46. Issue 1. Section 2 recommends to see the approach of the Canadian Supreme
Court to interpret the Canadian GAAR in Canada Trust Co Mortgage Co v. Canada, 2005 SCC
54, 19 Oct. 2005, para. 30 to propose: “If the case goes for litigation before the Courts, as a starting
point the tax authorities will have to prove that a tax benefit exists and a principal purpose of
the transaction/ arrangement was to obtain that benefit. The taxpayer should then be given an
opportunity to refute or challenge the tax authorities claims by disputing the existence of a benefit
or showing that the transaction was driven by non-tax purposes. When the Court reasonably
concludes that the benefit is available and the subjective element is satisfied, the taxpayer should
be given the opportunity to demonstrate that he acts in accordance with the objective element (see
section 3.5). The tax authorities should then be given an opportunity to refute or challenge the
taxpayer’s claims. In the end, based on an objective analysis of the facts, the Court will have to
decide whether or not the transaction/arrangement satisfied the PPT. If the existence of ‘abuse’, ‘tax
avoidance’ or ‘artificial nature of the arrangement’ is not clear to the Court, then the benefit of the
doubt, in the author’s opinion, shall go to the taxpayer”.
227
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
by article 31(1) of the VCLT (1969).156 In this sense, one may say that only the
second part of the PPT will actually matter otherwise would not gain much
legal and pragmatic importance.157
Even if we consider that there will be a kind of unbalance, modern GAARs
seems to allow the burden to be switched, at least in the first moment, from tax
authorities to taxpayers.158 Otherwise, the subjective criterion would run the risk
of not gaining any significance in itself. The issue is devolving the first element on
the tax authorities and the second on the taxpayers does not change the finding
that both elements of the PPT matter equally to denials of treaty benefits?
Danon159 pointed out that “the examples provided in the 2017 updated
OECD Commentaries give nuance to the literal wording of the PPT rule and
suggest that (i) “one of the principal purposes” is less far-reaching, and (ii) the
rule is substance oriented. Therefore, treaty benefits are generally not denied
where genuine business activities are taking place. This conclusion is suppor-
ted by several passages of the 2017 updated OECD Commentaries.” In this
sense, it is fair to say that there is a divergence between the wording of the PPT
rule and the examples illustrating its application in the OECD Commentaries.
Even though the literal wording of the PPT suggests that the rule could be
given a broad meaning and could possibly impact transactions or arrangements
pursuing a core commercial activity, the 2017 updated OECD Commentaries
to the PPT rule clarify that the PPT rule is, in essence, a business reality test fo-
cusing on substance and “inextricably linked to a core commercial activity”.160
In the author’s point of view, the PPT was deliberated drafted with a nar-
row threshold in order to proposedly change the burden of proof, at least in the
156 B. Kuźniacki, The Principal Purpose Test (PPT) in BEPS Action 6 and the MLI: Exploring Challenges
Arising from Its Legal Implementation and Practical Application, 10 World Tax J. (2018), World Tax
Journal IBFD (accessed 12 March 2018), p. 10.
157 M. Lang, BEPS Action 6: Introducing an Antiabuse Rule in Tax Treaties, Tax Notes International,
pp. 655-664 (2014)), who was followed by L. De Broe & J. Luts, BEPS Action 6: Tax Treaty Abuse, 43
Intertax 2, p. 131/134 (2015).
158 See K-D. Drüen & D. Drissen, Burden of Proof and Anti-Abuse Provisions in The Burden of Proof
in Tax Law, G. Meussen (ed.), IBFD (2013), section 2.1.1; See Leidhammer, section 1.1.
159 R. Danon, Treaty Abuse in the Post-BEPS World: Analysis of the Policy Shift and Impact of the
Principal Purpose Test for MNE Groups, 72 Bulletin for International Taxation 1, 2018, Published
online: 28 December 2017, section 4.1.
160 Action 6 Final Report, at p. 58, OECD Model: Commentary on Article 29 para. 181 (2017).
228
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
161 Conversely, Carlos Palao Taboada (2015), section 2.2. Remarks that the burden of proof ultimately
fall on the tax authorities: “Doubts in this regard should, nevertheless, be dispelled, as the burden of
proof must undoubtedly ultimately fall on the tax authorities.”
162 Cf. comments of Taboada on Lang’s criticism regarding the PPT in Taboada, supra n.4, pp. 606–608 (2015).
163 L. De Broe, Tax Treaty and EU Law aspects of the LOB and PPT provision proposed by BEPS action
6, in Institute of Tax Law 203-204 (Kluwer/Schulthess 2017), p. 217; Lang, at 659.
229
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
quo” is not possible164, which seems to be confirmed by the MLI since this ins-
trument includes an optional clause as a discretionary relief in the art. 7.4.165
Regarding domestic approach, comparative law demonstrates that also the
intended that tax benefits will not be granted, the question of the consequences
of GAAR are either ignored or dealt with by granting the tax authorities ample
discretional powers to determine such consequences. Generally speaking, these
questions are dealt with, more or less precisely, in GAARs whose consequence is
identified with the reconstruction of an appropriate and not abusive fictive fact
pattern, being classified as GAARs with unlimited/expanded effects.166
The Canadian GAAR167 provides that the tax consequences of denying a
benefit that would result, but for the rule, directly or indirectly, from an avoi-
dance transaction should be determined according to what is reasonable in the
circumstances. This law grants the tax authorities ample power to allow or di-
sallow deductions or exemptions, to allocate these to any person, to recharac-
terize payments or amounts, or to ignore the tax effects that would otherwise
result from the application of other provisions of the Canadian Income Tax Act.
164 R. Danon, Treaty Abuse in the Post-BEPS World: Analysis of the Policy Shift and Impact of the
Principal Purpose Test for MNE Groups, 72 Bulletin for International Taxation 1, 2018, Published
online: 28 December 2017, p. 50.
165 http://www.oecd.org/tax/treaties/multilateral-convention-to-implement-tax-treaty-related-
measures-to-prevent-BEPS.pdf Article 7. 4. Where a benefit under a Covered Tax Agreement is
denied to a person under provisions of the Covered Tax Agreement (as it may be modified by this
Convention) that deny all or part of the benefits that would otherwise be provided under the Covered
Tax Agreement where the principal purpose or one of the principal purposes of any arrangement
or transaction, or of any person concerned with an arrangement or transaction, was to obtain those
benefits, the competent authority of the Contracting Jurisdiction that would otherwise have granted
this benefit shall nevertheless treat that person as being entitled to this benefit, or to different benefits
with respect to a specific item of income or capital, if such competent authority, upon request from
that person and after consideration of the relevant facts and circumstances, determines that such
benefits would have been granted to that person in the absence of the transaction or arrangement.
The competent authority of the Contracting Jurisdiction to which a request has been made under
this paragraph by a resident of the other Contracting Jurisdiction shall consult with the competent
authority of that other Contracting Jurisdiction before rejecting the request.
166 Andres Moreno, section 4.2.
167 Canadian General Anti-Avoidance Rule, Section 245 of the Income Tax Act (IC88-2 October 21, 1988)
Subsection 245(2) states that where a transaction is an avoidance transaction, the tax consequences to
a person shall be determined as is reasonable in the circumstances in order to deny a tax benefit that
would result from that transaction or from a series of transactions that includes that transaction.
230
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
168 Art. 1 PSD Directive 2015 amending art. 1 (2); similarly, art. 6 ATAD 2016. R. Danon, Treaty Abuse
in the Post-BEPS World: Analysis of the Policy Shift and Impact of the Principal Purpose Test for
MNE Groups, 72 Bulletin for International Taxation 1, 2018, Published online: 28 December 2017, p.
52, argues that: “For example, in the Halifax case, the ECJ held that “[i]t must also be borne in mind
that a finding of abusive practice must not lead to a penalty, for which a clear and unambiguous
legal basis would be necessary”223 and “it follows that transactions involved in an abusive practice
must be redefined so as to re-establish the situation that would have prevailed in the absence of
the transactions constituting that abusive practice”.224 This reasoning was again reaffirmed in the
Cussens case recently decided by the ECJ.225 The interpretation advocated by this study, therefore,
is the most compatible with EU law.”
231
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
In the PPT this silence was criticized169 inasmuch as neither this pro-
vision itself nor the Explanatory Statement170 and neither Commentary171 on
the Model Convention offers any guideline whether treaty benefits that would
otherwise have been granted in the absence of the questionable transaction or
arrangement172 may automatically be claimed. The PPT just stated that, when
it applies, treaty benefits “shall not be granted”173 suggesting that another fa-
vourable position would not have been granted, being able to be classified
as a GAAR with limited effects. This simple setting hides considerable legal
problems which are familiar to all GAARs.174
As observed by De Broe & Lutz175 many issues will arise: “Will a taxpayer
be denied only some or all treaty benefits? When the treaty abuse relates to the
characterisation of the taxable object (e.g., conversion of a dividend to a capital
gain), will the taxpayer still be able to enjoy treaty benefits related to the cha-
racterisation deemed ‘non-abusive’ (dividend)? When the treaty abuse concerns
the interposition of a person (treaty shopping), will the ultimate taxpayer still
be protected under the treaty of his Residence State with the source State, if any?
Moreover, how does the application of the PPT by the source State affect the
treaty obligations of the Residence State to give relief for double taxation under
169 Danon 4.7; Lang, at 661; De Broe & Luts, 2015 at 133–134; Another issue is highlighted by
Palao Taboada, section 2.4: “One relevant question that is not addressed by the PTT rule or its
commentary is the effect in the residence state of the application of the PTT rule by the source
state. If, for example, on the basis of the PPT rule, the source state recharacterizes a payment as
interest instead of dividends, thereby increasing its withholding tax powers, should the residence
state credit the higher amount withheld? The residence state should do so if it considers that the
PPT rule was correctly applied by the source state. But what if the residence state disagrees with
the application of the PTT rule? In this case, the dispute, which refers to the interpretation of the
PPT rule, could only be resolved through a mutual agreement procedure (MAP). This is similar to
a discrepancy concerning the corresponding adjustment of profits of associated enterprises ((Art.
9(2) OECD Model (2014) and para. 11 OECD Model: Commentary on Article 9 (2014)) or to a
conflict of qualification ((Para. 32.5 OECD Model: Commentary on Articles 23A and 23B (2014)).
170 http://www.oecd.org/tax/treaties/explanatory-statement-multilateral-convention-to-implement-
tax-treaty-related-measures-to-prevent-BEPS.pdf accessed 10 Octuber 2018.
171 Commentaries OECD Tax Model.
172 See De Broe, at p. 217; Lang, at 659. For example, a 15% residual tax treaty rate instead of a 0%
residual rate in a rule shopping situation.
173 Action 6 Final Report, at p. 58, OECD Model: Commentary on Article 29 para. 181 (2017).
174 The fact that this problem is general to all GAARs has been recognized by Lang, at 663.
175 De Broe & Lutz. 2015 section 2.2.3
232
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
176 See also M. Lang, ‘BEPS Action 6: Introducing an Antiabuse Rule in Tax Treaties’, TNI 2014, 661–663.
177 Andres Moreno, section 4.2.
178 Andres Moreno, section 4.2, states that “This issue was not clear in older comparative studies
on domestic GAARS: F. Zimmer, General Report, in IFA Cahiers 2002 – Volume 87 A. Form
and Substance in Tax Law 50– 54 (IFA 2002). In the conference General Anti-Avoidance Rules
(GAARs) – A Key Element of Tax Systems in the Post-BEPS Tax World? celebrated in Rust (Austria)
in 2014 most of the national reporters described their respective domestic GAARs as unlimited or
expanded in their legal effects.”
179 As highlighted by Andres Moreno: “This might be the case if the treaty is not applied by the source
State, refusing therefore, not only the application of the distributive rule pretended by the taxpayer,
233
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
effects might generate additional tax burdens for those taxpayers involved in
abusive schemes180 what Lang calls as “penalising effects” of the PPT.181
Danon remarks that under the mechanism of the “discretionary relief
clause” the question of whether alternative treaty benefits should be gran-
ted is left to the discretion of the competent authority to which the request is
made182, which would be supported by 2017 updated OECD Commentaries183
It suggests a reconstruction based on “economic substance” as proposed in
but also any other distributive rule that could be applicable. In order for this double taxation to
be generated, it is also necessary that the Residence State refuses to credit or exempt the tax paid
in the Source State. It is likely that the Residence State would refuse to apply Article 23 by either
maintaining that the PPT was not properly applied by the Source State or defending that the PPT
might also be applicable by the Residence State.”
180 Andres Moreno exemplifies: “A GAAR with limited effects might generate additional tax burdens
for those taxpayers involved in abusive schemes. The non-correction of double taxation, as
explained above, puts these taxpayers at a disadvantage in relation to those other taxpayers that
did not arrange their transactions in an abusive manner. This may be better understood with a
simple example, already mentioned in this article: A, resident in State A, owns shares of Company
B, resident in State B. A can sell the shares free of capital gains tax and it sells the shares to C,
resident in the State B, some days before the distribution of dividends. Just after the distribution
of dividends, A buys the shares back for a price set in advance which considers the value of the
dividend distributed. If the Tax Authorities of State B react to these arrangements applying the PPT,
the benefits of the treaty (exemption for capital gains according to Article 13(5) of the OECD Model)
would be denied. According to the limited effects of the PPT, the benefits of the treaty (withholding
tax limits according to Article 10 (2) of the OECD Model) will not be applied and the dividends will
be taxed according to the domestic withholding tax rates for dividends in B; additionally, it would
be rather unlikely that State A corrects double taxation applying Article 23 of the treaty. However, if
A had been paid the dividends directly by B, Article 10(2) of the treaty between A and B would have
been applicable and A would have eliminated double taxation applying Article 23.
181 M. Lang, BEPS Action 6: Introducing an Antiabuse Rule in Tax Treaties, 655 Tax Notes Int’l 658–
661 (2014), at 662.
182 Danon section 4.7.2; Action 6 Final Report, at 19, 64-65; OECD Model: Commentary on Article 29
para. 185 (2017).
183 Action 6 Final Report, at 19, 64-65; OECD Model Commentary on Article 29 para. 185 (2017): “The
provision does require, however, that the competent authority must consider the relevant facts and
circumstances before reaching a decision and must consult the competent authority of the other
Contracting State before rejecting a request to grant benefits if that request was made by a resident
of that other State. The first requirement seeks to ensure that the competent authority will consider
each request on its own merits whilst the requirement that the competent authority of the other
Contracting State be consulted if the request is made by a resident of that other State should ensure
that Contracting States treat similar cases in a consistent manner and can justify their decision
on the basis of the facts and circumstances of the particular case. This consultation process does
not, however, require that the competent authority to which the request was presented obtain the
agreement of the competent authority that is consulted.
234
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
184 Danon exemplifies: “The application of this rule is illustrated through a classical rule shopping
situation. An individual who is a resident of state R and who owns shares in a company resident in
state S assigns the right to receive dividends declared by that company to another company resident
in state R which owns more than 10% of the capital of the paying company for the principal purpose
of obtaining the reduced rate of source taxation provided for in article 10(2)(a). In such a case,
if it is determined that the benefit of article 10(2)(a) should be denied pursuant to the PPT rule,
this discretionary relief mechanism would then allow the competent authority of state S to grant
the benefit of the reduced rate of 15% provided under article 10(2)(b) if that competent authority
determined that such benefit would have been granted in the absence of the assignment to another
company of the right to receive dividends.217 From a policy perspective, this conclusion is obviously
correct. However, this interpretation does not flow clearly from the text of article 7(4) of the MLI.
The wording of this provision indeed suggests that the person to whom alternative treaty benefits
may be granted (“treat that person…would have been granted to that person”) should be the same
as the one to whom the treaty benefits claimed are denied pursuant to the PPT rule (“denied to a
person”). However, as shown by the foregoing example, and where a recharacterization takes place,
alternative treaty benefits are often granted by reference to another taxpayer (i.e. typically to the
initial owner of the shares in an abusive restructuring). For these reasons, as will be suggested, a
rule not referring to a specific taxpayer would have been preferable.”
185 Moreno, at 440 et seq. Danon refuses this point of view to say: “…this position may not be supported
for several reasons. First of all, the expression “shall not be granted” must be read in relation to
the “principal purposes of any arrangement or transaction that resulted directly or indirectly in
that benefit”. Where, however, treaty benefits are granted on the basis of a recharacterized fact
pattern (for example, a 15% residual tax treaty rate instead of a 0% residual rate in a rule shopping
situation),219 these benefits are no longer linked to an abusive arrangement. Therefore, the PPT
rule may not restrict these latter benefits.…the object and purpose of the PPT does not contradicts
this interpretation. Second, the systematic argument contending that, if a discretionary relief
mechanism is not included into the tax treaty, it may then be inferred that the PPT rule prevents
the state of source from granting treaty benefits on the basis of a recharacterized fact pattern is, in
the author’s opinion, not a valid one. Indeed, a systematic argument may only be put forward where
one provision that is actually included into the tax treaty is used to elucidate the scope of another
provision. Accordingly, where the discretionary relief mechanism does not form part of the relevant
tax treaty, the scope of the PPT rule should solely be determined on the basis of its literal wording,
object and purpose and relationship with other provisions of this treaty. Last but not least, as the
BEPS outcome expressly provides for the possibility of granting treaty benefits on the basis of the
facts as they would be in the absence of an abuse, it must be considered that states wishing to do
so - either on the basis of their practice or an express discretionary relief mechanism – still meet the
minimum standard provided by BEPS Action 6.
235
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
In the author’s opinion, the application of the PPT will demand the recon-
figuration of the tax treatment of the scheme, transaction or arrangement on the
basis of a recharacterized fact pattern of the situation as it could rely on genuine
business activity. The author claims that when applying the PPT provision and
denying treaty benefits, a jurisdiction may still grant treaty benefits, even if such
jurisdiction has reserved the right not to include the discretionary relief mecha-
nism provided under article 7(4) of the MLI in its CTAs. One main reason sup-
ports this claim; the discretionary relief mechanism provided under article 7(4)
on the MLI is not mandatory but optional so a fortiori States will be able to grant
treaty benefits when opting out this provision.186 The case is more complicated in
situations involving three or more states187 , but it out of the scope of this research.
Indeed, the silence regarding the legal consequences of the PPT will
open large discretionary powers to tax administration, difficulties to courts to
confine its discretion and increase the burden of proof against taxpayers. The
very prevision would be able to provide a balance between protecting the tax
base and safeguarding taxpayers right.
186 Danon aggregate much more arguments in this way: “First of all, the expression “shall not be granted”
must be read in relation to the “principal purposes of any arrangement or transaction that resulted
directly or indirectly in that benefit”. Where, however, treaty benefits are granted on the basis of a
recharacterized fact pattern (for example, a 15% residual tax treaty rate instead of a 0% residual rate in
a rule shopping situation), these benefits are no longer linked to an abusive arrangement. Therefore,
the PPT rule may not restrict these latter benefits. In the author’s view, the object and purpose of the
PPT does not contradict this interpretation. Second, the systematic argument contending that, if a
discretionary relief mechanism is not included into the tax treaty, it may then be inferred that the
PPT rule prevents the state of source from granting treaty benefits on the basis of a recharacterized
fact pattern is, in the author’s opinion, not a valid one. Indeed, a systematic argument may only be put
forward where one provision that is actually included into the tax treaty is used to elucidate the scope
of another provision. Accordingly, where the discretionary relief mechanism does not form part of
the relevant tax treaty, the scope of the PPT rule should solely be determined on the basis of its literal
wording, object and purpose and relationship with other provisions of this treaty. Last but not least,
as the BEPS outcome expressly provides for the possibility of granting treaty benefits on the basis of
the facts as they would be in the absence of an abuse, it must be considered that states wishing to do
so - either on the basis of their practice or an express discretionary relief mechanism – still meet the
minimum standard provided by BEPS Action 6.”
187 Lang, who postulates the following dilemma: “either the PTT rule is an order to abolish specific
treaty benefits in one state, and then it leads to double taxation and has penalizing effects, or it
creates a fiction that goes beyond the arrangement considered appropriate. If the latter alternative
is chosen, the question next arises as to “how far this fiction reaches and when it will be replaced
again by the real facts”. Lang (2014) adds that “[r]eestablishing the actual facts of taxation will lead
to seemingly arbitrary and thus unsatisfactory consequences”.
236
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Conclusions
The PPT reflects modern GAARs implying a certain degree of indetermi-
nacy and the transfer of discretionary powers over to the tax authorities, giving
the flexibility to react to new tax planning and abusive structures as the concept
of tax avoidance cannot be totally formalised or objectified. Therefore, such ine-
vitable indeterminacy is not a conclusive argument against the adoption of the
PPT as a GAAR in tax treaties. Furthermore, the main feature of the PPT, like
other modern GAARs, relies on these indefinite and open concepts to target
the broadest possible range of treaty avoidance and abusive practices, playing a
supplementary role to specific anti-treaty abuse provisions.
A balanced approach may be reached through the doctrine of “core com-
mercial activity” or “bona fide purpose,” to be constructed by national courts.
In the end, States may not give the PPT rule an interpretation that exceeds, in
essence, business reality or bona fide tests focused on substance. In this sense,
the PPT may apply to both abusive restructurings and conduit situations not
“inextricably linked to a core commercial activity.”
The PPT was deliberated drafted with a narrow threshold in order to
proposedly change the burden of proof, at least in the beginning, as it was
established in the guiding principle. The burden of proof in the PPT must un-
doubtedly ultimately be balanced on the tax authorities and taxpayers equally
but it will never be the same as the guiding principle approach.
The application of the PPT will demand the reconfiguration of the tax tre-
atment of the scheme, transaction or arrangement on the basis of a recharacte-
rized fact pattern of the situation as it could rely on genuine business activity.
Indeed, the silence regarding the legal consequences of the PPT will open con-
siderable discretionary powers to tax administration, difficulties to courts to
confine its discretion and increase the burden of proof against taxpayers.
237
8. Intangíveis na Esfera do Transfer
Pricing Âmbito do BEPS e Direito
Brasileiro: uma nova Era
Márcio Oliveira
Sócio Líder do Centro de Energia da EY Brasil, com especializa-
ção em Preços de Transferência; Mestre em Ciências Contábeis pelo
FUCAPE. MBA em Gestão Negócios em Petróleo e Gás pela FGV; e
Economista pela UFRJ. Professor do IBMEC-RJ, PUC-RJ e FUCAPE.
Doris Canen
LLM em Direito Tributário Internacional pela King’s College
London (Bolsista Chevening). Pós Graduada em Direito Tributário pela
FGV-Rio. Mestre e Bacharel em Direito pela UCAM. Advogada. Mem-
bro do Grupo de Pesquisa de Direito e Novas Tecnologias da FGV-SP.
1 – Introdução
Ao longo das últimas três décadas as relações econômicas baseadas em
transações envolvendo ativos tangíveis vem cedendo espaço para um modelo
econômico baseado na criação de valor através da inovação tecnológica e da
239
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
240
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
2 – Conceito de Intangíveis
O IAS188 38 define ativo intangível como “ativo não monetário identifi-
cável, sem substância física.” Essa mesma definição foi incorporada pelo Pro-
nunciamento CPC189 04, o qual estabelece três condições para o reconheci-
mento contábil de um ativo dessa natureza:
• Identificabilidade: essa característica é importante para diferenciá-lo
do ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura (goodwill). O
ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura (goodwill), reco-
nhecido em uma combinação de negócios, é um ativo que representa
benefícios econômicos futuros gerados por outros ativos adquiridos
em uma combinação de negócios, que não são identificados individu-
almente e reconhecidos separadamente. Tais benefícios econômicos
futuros podem advir da sinergia entre os ativos identificáveis adquiri-
dos ou de ativos que, individualmente, não se qualificam para reconhe-
cimento em separado nas demonstrações contábeis.
241
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
242
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
243
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
190 tradução livre - “something which is not a physical or financial asset, which is capable of being owned
or controlled for use in commercial activities, and whose use or transfer would be compensated had it
occurred in a transaction between independent parties in comparable circumstances”
191 tradução livre: “6.7 - Intangibles that are important to consider for transfer pricing purposes are
not always recognised as intangible assets for accounting purposes. For example, costs associated
244
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Vale frisar que o relatório (OCDE, 2015 A, p. 72) deixa claro que a in-
tenção das definições apresentadas é sua aplicação tão somente para fins de
preços de transferência e que tais definições não devem afetar outras áreas
do direito tributário, tais como definições de royalties, questões relativas a
amortização, dentre outras.
with developing intangibles internally through expenditures such as research and development
and advertising are sometimes expensed rather than capitalized for accounting purposes and the
intangibles resulting from such expenditures therefore are not always reflected on the balance sheet.
Such intangibles may nevertheless be used to generate significant economic value and may need to
be considered for transfer pricing purposes. Furthermore, the enhancement to value that may arise
from the complementary nature of a collection of intangibles when exploited together is not always
reflected on the balance sheet. Accordingly, whether an item should be considered to be an intangible
for transfer pricing purposes under Article 9 of the OECD Model Tax Convention can be informed
by its characterization for accounting purposes, but will not be determined by such characterization
only. Furthermore, the determination that an item should be regarded as an intangible for transfer
pricing purposes does not determine or follow from its characterization for general tax purposes, as,
for example, an expense or an amortizable asset.”
192 tradução livre: “An intangible (within the meaning of paragraph 6.6) that relates to marketing activities,
aids in the commercial exploitation of a product or service, and/or has an important promotional
value for the product concerned. Depending on the context, marketing intangibles may include, for
example, trademarks, trade names, customer lists, customer relationships, and proprietary market
and customer data that is used or aids in marketing and selling goods or services to customers.”
245
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
246
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
193 tradução livre: “Tax administrations are given new tools to tackle the problem of information
asymmetry to assist in determining the appropriate pricing arrangements for intangibles, and
valuation techniques are recognised as useful tools when pricing transactions involving intangibles.
194 tradução livre: “6.57 Because it may be difficult to find comparable transactions involving the
outsourcing of such important functions, it may be necessary to utilize transfer pricing methods not
directly based on comparables, including transactional profit split methods and ex ante valuation
techniques, to appropriately reward the performance of those important functions”.
247
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
248
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
195 Definidos como “intangibles or rights in intangibles for which, at the time of their transfer in a
transaction between associated enterprises, no sufficiently reliable comparables exist, and there
is a lack of reliable projections of future cash flows or income expected to be derived from the
transferred intangible, or the assumptions used in valuing the intangible are highly uncertain.”
Transfer Pricing Guidelines, parágrafo 6.189
196 OECD: Guidance for Tax Administrations on the Application of the Approach to Hard-to-Value
Intangibles - BEPS Action 8, Disponível em: https://www.oecd.org/tax/beps/guidance-for-tax-
administrations-on-the-application-of-the-approach-to-hard-to-value-intangibles-beps-action-8.
htm, consulta em 26/05/2019
197 EY, Global Tax Alert, 27 June 2018: OECD releases guidance for tax administrations on application
of approach to hard-to-value intangibles, Disponível em: https://www.ey.com/gl/en/services/
tax/international-tax/alert--oecd-releases-guidance-for-tax-administrations-on-application-of-
approach-to-hard-to-value-intangibles, consulta em 26/05/2019.
249
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
198 No Brasil o Procedimento Amigável está regulado pela Instrução Normativa 1.846 de 28 de
Novembro de 2018 e pela Portaria COSIT 12, de 14 de dezembro de 2018. Todos os tratados
brasileiros têm previsão de tal procedimento (embora não conste cláusula de arbitragem)
199 Conforme palestra no evento “Impactos da Nova Diretiva da União Europeia: tendências da
tributação da economia digital” do grupo de estudos de Tributação e Novas Tecnologias da FGV,
disponível em: https://direitosp.fgv.br/nucleo-de-pesquisas/nucleo-de-direito-tribut%C3%A1rio-
do-mestrado-profissional, apresentação: https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/
arquivos/estabelecimento_permanente_e_tratados.pdf, acesso em 28/05/2019
250
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
200 Conforme palestra em sessão plenária da IFA ocorrida em agosto de 2017 no Rio de Janeiro
201 European Union, Fair Taxation of the Digital Economy, disponível em: https://ec.europa.eu/
taxation_customs/business/company-tax/fair-taxation-digital-economy_en, acesso em 28/05/2019
251
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
202 A Declaração País a País está regulada na Instrução Normativa 1.681 de 28 de dezembro de 2016.
252
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203 Receita Federal inicia intercâmbio da Declaração País-a-País (DPP), disponível em: http://
receita.economia.gov.br/noticias/ascom/2018/novembro/receita-federal-inicia-intercambio-da-
declaracao-pais-a-pais-dpp, consulta em 27/05/2019
253
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
204 No caso do PVEx somente é possível o uso de comparáveis decorrentes de exportações provenientes
do Brasil, ainda que realizadas por terceiros.
254
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
7. Conclusões
Embora do Projeto BEPS deva ser comemorado como uma importante con-
tribuição para a discussão de Preços de Transferência envolvendo ativos intangí-
veis, ainda restam desafios importantes, dentre os quais destacamos alguns:
• Dificuldade na obtenção de comparáveis
• Dificuldade em isolar o impacto de um intangível específico na renda
do grupo;
• Mensuração do peso de cada uma das funções DEMPE, quando essas
forem desempenhadas concomitantemente por diversas empresas do
grupo com alto grau de integração entre elas;
• Descasamentos entre os momento das contribuições dadas para a
constituição de um intangível e o momentos dos retornos financeiros
decorrentes dessas mesmas contribuições;
• Como quantificar a transferência/compra de intangíveis que ainda es-
tão em fase de desenvolvimento.
255
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
205 “Brazil provides for an approach in its domestic legislation that makes use of fixed margins derived
from industry practices and considers this in line with arm´s length principle. Brazil will continue
to apply this approach and will use the guidance in this report in this context. When Brazil´s Tax
treaties contain Article 9, paragraph 1 of the OECD and UN Model Tax Conventions and a case of
double taxation arises that is captured by this Treaty provision, Brazil will provide access to MAP
in line with the minimum standard of Action 14.”
256
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Bibliografia
BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2007.
EY, Global Tax Alert, 27 June 2018: OECD releases guidance for tax adminis-
trations on application of approach to hard-to-value intangibles, https://www.
ey.com/gl/en/services/tax/international-tax/alert--oecd-releases-guidance-
-for-tax-administrations-on-application-of-approach-to-hard-to-value-in-
tangibles International Accounting Standards, IAS 38
257
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project Aligning Transfer Pri-
cing Outcomes with Value Creation, Actions 8-10, Final reports, 2015 A
SCHWARZ, Jonathan, Are legal rights irrelevant for transfer pricing after
BEPS Actions 8, 9 and 10?, Kluwer Tax Blog, http://www.kluwertaxlawblog.
com/blog/2015/11/15/are-legal-rights-irrelevant-for-transfer-pricing-after-
-beps-actions-8-9-and-10/
258
9. Beps: para quem?Avaliando o Projeto da
OCDE a partir do Princípio Arm’s Length
259
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
bal approach of the proposed measures. For this reason, it will be analyzed both
their coherence, it means, their alignment to the fundaments they are allegedly
to be based on, and the convenience of their adoption by developing countries,
usually out of the OECD forums. To reach this, it will be discussed the Actions
09, 08 and 10, related to transfer pricing aspects, since they present a new stan-
dard – the so-called “value creation” –, whose alignment to the arm’s length
standard will be analyzed. In this sense, this article focuses on three aspects of
the final report on these actions, whose departure from the arm’s length stan-
dard is proposes as a hypothesis: the group synergy, the recharacterization of
contractual arrangements and the proposals on intangibles. As a conclusion, it
will be demonstrated the absence of alignment between this parameter of “va-
lue creation”, mainly applied to these three situations, and the concept of arm’s
length standard usually defined by scholars and by OECD itself.
Keywords: Transfer pricing, Beps, Arm’s length, Intangibles.
Introdução
No final de 2015, foram publicados os relatórios finais do Plano de Ação
do Projeto Beps após mais de dois anos de drafts e debates acerca das quinze
ações que o compõe. Trata-se, portanto, de momento ideal para avaliação dos
resultados alcançados até aqui, especialmente a consistência e conveniência
das orientações ou best practices propostas ao longo do Plano de Ação.
Nesse contexto, portanto, justifica-se avaliar se e em que medida as pro-
postas veiculadas nos relatórios do Projetos Beps correspondem ao chamado
dos líderes do G20, no sentido de uma solução global para problemas relacio-
nados ao planejamento tributário internacional – ou se, por outro lado, tradu-
zem a captura de interesses próprios de seus países-membros ou das vozes que
mais se fizeram ressonar em seus fóruns.
De fato, o Projeto Beps já é realidade e vem sendo, inclusive, posto em
prática mesmo por países que não são membros da OCDE – como é o caso
da Colômbia, que se noticia ter firmado acordo de dupla tributação com a
França em que se inseriu a redação sugerida de preâmbulo constante da Ação
06 (Abuso de tratados) do Projeto Beps. No Brasil, as influências do projeto
já se fazem notórias: além da frustrada tentativa de instituição, via medida
260
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
261
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
cia de lucros entre jurisdições (profit shifting); cruciais, porque tais esquemas
decorreram de verdadeira cumplicidade entre Administrações fiscais e con-
tribuintes, no sentido de permitir e até mesmo estimular essa tax arbitrage
(PICHHADZE, 2015, p. 102-106). Por essa razão, conveniente investigar para
qual sentido apontam as orientações da OCDE, principalmente na medida
em que traz novo rumo em matéria de preços de transferência, colocando no
centro do debate um inovador critério: a criação de valor.
Por tudo quanto colocado até aqui, o método eleito abordará, basica-
mente, a análise dos principais aspectos do relatório final das Ações 08-10
para confrontá-los, de imediato, com o próprio princípio arm’s length, a fim
de verificar (i) sua pertinência e consistência frente a tal princípio; e (ii) even-
tuais limitações que o princípio imponha a tais soluções.
O plano do trabalho, portanto, partirá da estipulação do conceito a que
se denominou arm’s length, assente na premissa de que não se trata da atri-
buição de qualquer significado possível, mas da identificação de um conteúdo
que seja suportado pela justificação subjacente às regras de preços de trans-
ferência. Em seguida, serão expostos os três aspectos do relatório final a se-
rem explorados: (i) a alocação dos ganhos de sinergia; (ii) a desconsideração
de arranjos contratuais irracionais ou não usuais; e (iii) os intangíveis, par-
ticularmente quanto à questão da criação de valor (e seu reflexos em situa-
ções como rateios de custos e economias regionais). Ao cabo, após verificar a
(manutenção da) importância do princípio arm’s length nos dias atuais, serão
apresentadas algumas conclusões quanto ao multilateralismo e cooperativis-
mo propostos pelo Projeto Beps à luz do caso escolhido para estudo.
262
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
263
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
264
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
de tal resultado, o que logo traz questões quanto à identificação dessa sinergia, sua
quantificação e, principalmente, o estabelecimento do grau de contribuição de
cada entidade do grupo na sua geração (OCDE, 2015, §§ 1.159-1.162).
O relatório traz interessante exemplo que permite identificar essa distin-
ção proposta pela OCDE. No primeiro caso, é apresentada uma subsidiária (S)
de determinado grupo multinacional que contrata, com parte independente,
um empréstimo cuja notação de crédito (AAA) foi superior àquela que a sub-
sidiária obteria (Baa) se fosse levado em conta, exclusivamente, seu balanço
individual, em razão dos esforços da matriz (P) na elaboração de demons-
trações financeiras. Simultaneamente, a subsidiária (S) contrata empréstimo
do mesmo montante com outra entidade do grupo (T), com juros equivalen-
tes à notação AAA. De acordo com a OCDE, os juros contratados entre as
subsidiárias devem ser considerados arm’s length, porque não apenas eram
equivalentes (dada a notação do crédito) com aqueles praticados em operação
independente, mas também porque nenhum ajuste quanto ao ganho de siner-
gia seria devido, uma vez que a notação obtida pela subsidiária (AAA) teria
decorrido de sua condição de membro do grupo multinacional, e não da ação
coordenada e deliberada de algum outro membro.
Distinta, contudo, seria a situação em que a subsidiária (S) apenas obti-
vesse notação de crédito elevada (AAA) em razão da inclusão da matriz (P)
como garantidora do empréstimo. Nesse caso, sugere a OCDE que seja reali-
zada uma compensação que permita atribuir o ganho de sinergia (correspon-
dente à diferença entre a taxa de juros de uma notação de crédito AAA para
aquela aplicável à notação Baa) à matriz (P), cuja inclusão como garantidora
evidenciou uma ação deliberada e coordenada para assegurá-lo.
Curiosa a distinção, uma vez que a descrição da primeira hipótese deixa
claro os esforços da matriz (P) em elaborar demonstrações financeiras tais que
assegurassem a notação de crédito elevada no grupo206. O risco de tal aproxi-
mação é a constatação de que, no limite, toda sinergia poderia ser atribuída à
matriz de acordo com esse critério, se tomado de forma extrema, uma vez que
a própria organização na forma de grupo econômico.
206 “P is the parent company of an MNE group engaging in a financial services business. The strength
of the group’s consolidated balance sheet makes it possible for P to maintain an AAA credit rating
on a consistent basis” (OECD, 2015, §1.164).
265
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rio: (i) certas transações podem não estar refletidas ou não estar refletidas
adequadamente nos instrumentos contratuais apresentados pelo contribuinte
(OCDE, 2015, § 1.49); (ii) a conduta das partes dependentes pode diferir da-
quela expressada pelo instrumento contratual (OCDE, 2015, § 1.46); e (iii) os
arranjos contratuais podem diferir daqueles que seriam adotados por partes
independentes atuando de maneira comercialmente racional em circunstân-
cias comparáveis (OCDE, 2015, §§ 1.122-1.125).
Nas duas primeiras situações, a orientação do relatório é no sentido da
consideração das condutas efetivamente praticadas pelas partes dependentes
– o que não deve, a princípio, causar maiores problemas, uma vez que é certo
que a inexistência de instrumento contratual não importa a inexistência de
transação financeira ou relação jurídica, bem como o descompasso entre a
vontade declarada no instrumento contratual e a conduta dos contratantes
(típica situação de dissimulação) implica a consideração, para fins de direito,
da segunda em detrimento da primeira.
A terceira situação, por outro lado, implica a excepcional medida de des-
consideração do arranjo contratual efetivamente levado a efeito por partes
dependentes. De fato, reconhece o relatório sua excepcionalidade, uma vez
que tal desconsideração é fonte provável de dupla tributação (OCDE, 2015, §
1.122), daí porque não pode ser considerada uma alternativa para as Adminis-
trações fiscais diante da mera dificuldade em determinar as condições at arm’s
length da transação. Segundo o relatório, portanto, o elemento chave para a
avaliar a viabilidade da desconsideração é a ausência, na transação controla-
da, da racionalidade comercial de arranjos contratuais que poderiam ter sido
firmados por partes não relacionadas em circunstâncias econômicas compa-
ráveis, levando-se em consideração as “opções efetivamente disponíveis” às
partes vinculadas. Não observado esse critério, aponta o relatório, qualquer
intento de desconsideração redundará em arbitrariedade por parte da Autori-
dade fiscal. O fundamento da desconsideração reside no fato de que, ausente
a mínima racionalidade comercial na transação controlada, será inviável sua
comparação com qualquer outra operação que se daria entre partes não rela-
cionadas, ainda que procedidos ajustes de comparabilidade, pelo singelo fato
de que tal transação sequer existiria numa relação de mercado.
Dois exemplos são trazidos pelo relatório para ilustrar as hipóteses de
desconsideração do arranjo contratual. Na primeira situação, descreve-se
270
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
uma companhia (S1) que desenvolve atividade industrial com relevantes in-
vestimentos em estoque e maquinário, mantidos numa área de recorrentes
enchentes nos últimos anos. Por essa razão, não há mercado ativo de segu-
radoras contra riscos naquela área, o que leva a companhia (S1) a contratar
parte relacionada (S2) para assegurar os estoques e maquinários de riscos,
em contrapartida de um prêmio anual correspondente a 80% do valor dos
ativos segurados. Segundo o relatório final, referida transação é desprovida de
qualquer racionalidade econômica, dada a inexistência de mercado ativo de
seguros em razão da elevada probabilidade de ocorrência do sinistro, além de
se verificarem alternativas mais atrativas e realistas à companhia (S1), como
a transferência dos ativos para outra região ou, simplesmente, a assunção dos
riscos de perda em razão de enchentes. Dado esse contexto, a transação re-
alizada entre as companhias (S1 e S2) não deve ser considerada para fins de
aplicação das regras de preços de transferência.
O segundo exemplo relata uma companhia (S1) que realiza pesquisas
para o desenvolvimento de intangíveis utilizados na criação de novos produ-
tos a serem manufaturados e vendidos. Mediante o recebimento de parcela
única e imediata, a companhia (S1) acorda transferir para outra companhia
associada (S2) direito ilimitado de exploração dos intangíveis que vierem a ser
desenvolvidos. Segundo o relatório, essa operação não seria comercialmente
racional, na medida em que a imprevisibilidade da produção da companhia
(S1) tornaria impossível avaliar a compensação do valor recebido em troca de
resultados futuros de sua pesquisa, razão pela qual alguns ajustes deveriam
ser feitos, requalificando a transação seja como espécie de financiamento da
companhia (S1), seja como licença à companhia (S2), o que ensejaria compen-
sações periódicas pela exploração dos intangíveis.
Quanto aos exemplos do relatório, logo numa primeira análise, deve-se
apontar sua relativa simplicidade e, especialmente com relação ao segundo, a
falta de informação que permitiria uma análise mais acurada. Isso porque, no
segundo caso, o contexto em que a transação se inseriu é crucial para a aná-
lise de sua racionalidade comercial (bem como da existência de alternativas
efetivamente disponíveis) e dos critérios eleitos para requalificação de relações
contratuais. O primeiro caso, por sua vez, serve de ponto de partida para uma
relevante questão: confundem-se irracionalidade comercial e dissimulação?
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tas, vão muito além da excepcionalidade pretendida nos termos postos acima.
De fato, se adotadas as limitações ali discutidas, baseadas no rigoroso ônus de
prova da Autoridade fiscal, tem-se, ao cabo, que as situações admitidas para a
requalificação serão tão somente aquelas em que a irracionalidade assume um
grau tão extremo que se tem a própria desnaturação do negócio jurídico cele-
brado vis-à-vis ao tipo contratual eleito, como é o caso do primeiro exemplo.
E nem poderia ser diferente. Realmente, da leitura do Artigo 9(1) da Con-
venção-Modelo da OCDE, base normativa para a aplicação do princípio arm’s
length no contexto dos acordos de bitributação, é determinado o ajuste de pre-
ços de transferência quando estabelecidas condições entre partes dependentes
que difiram daquelas que teriam sido estabelecidas entre partes independen-
te, e não na hipótese em que difiram daquelas que teriam sido estabelecidas
entre partes independentes que atuassem de maneira comercialmente racional
(LANGE, LANKHORST e HAFKENSCHEID, 2015, p. 9). Por outro lado, cri-
térios baseados na racionalidade econômica e na existência de alternativas viá-
veis mais favoráveis, da forma como exposta pela OCDE, parece pressupor que
transações entre partes independentes se deem, necessariamente, com o fito do
lucro meramente financeiro (cerne do seu conceito de racionalidade comercial)
– o que é controverso e vai além, portanto, do princípio arm’s length.
Não se pode olvidar, nesse ponto, que a noção do contrato como instru-
mento de troca de riquezas, numa perspectiva ótima, isto é, de maximização
de ganhos de ambas as partes (KOOMEN, 2015, p. 4) é, para dizer o mínimo,
mitigada com a constatação da existência de falhas de mercado, notadamente
assimetrias de informação e externalidades não monetarizadas (SCHOUERI,
2015a, p. 42-45). De outra banda, tampouco é verdadeiro que partes indepen-
dentes sempre atuarão de modo comercialmente racional, mesmo porque é pró-
prio do comportamento humano traços de limitada racionalidade e, no mais
das vezes, de oportunismo. Analisando a questão sob a perspectiva de teorias de
negociação e de tomada de decisões, evidencia-se uma série de situações em que,
diante do conflito próprio da contratação entre partes independentes, os nego-
ciantes tendem a chegar a um resultado não ótimo (LANGE, LANKHORST e
HAFKENSCHEID, 2015, p. 11), como bem exemplifica o “dilema do prisionei-
ro” e outros problemas da teoria de jogos (PAREKH, 2015, p. 306).
Outro aspecto essencial para a identificação da racionalidade comercial
como um critério que vai além do arm’s length é a constatação de que nem
276
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207 Há, de todo modo, algumas exceções e essa orientação, basicamente relacionadas (i) ao fornecimento
de detalhada informação pelos contribuintes acerca das circunstâncias da precificação à época
da transferência; (ii) à existência de eventos futuros imprevisíveis à época da transação; (iii) à
existência de acordos de precificação com Administrações fiscais; e (iv) à fixação de safe harbors
quantitativas (20% de diferença) e temporal (cinco anos de exploração comercial compatível com a
precificação da transação) (OCDE, 2015, § 6.193).
281
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6. Conclusões
Das considerações trazidas até aqui, demonstrou-se o relativo descolamento
das orientações da OCDE, no contexto do Projeto Beps, do princípio arm’s leng-
th, consagrado nas convenções para evitar a dupla tributação, particularmente se
entendido como realização da igualdade tributária. Afastar-se de tal parâmetro,
além de tornar as regras de preços de transferência carentes de embasamento ju-
rídico, potencializa a ocorrência de dupla tributação, na medida em que se per-
dem critérios apriorísticos de avaliação das operações controladas por parâmetros
próprios de política fiscal, menos voltados à comparação entre contribuintes que
287
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
à alocação de bases imponíveis entre os estados, com base num critério simples-
mente fruto de uma escolha política (criação de valor).
Elege-se como critério a criação de valor, assim entendida como o desenvol-
vimento do intangível de cuja exploração derivam os resultados econômicos da
atividade. Fica preterida, como evidenciado, a relevância do mercado na agrega-
ção de valor à atividade econômica, premissa dificilmente refutável e que não se
fez presente no relatório final da OCDE em matéria de preços de transferência.
Sob tais perspectivas, resta claro que a mudança de rumos da política fis-
cal pretendida pela OCDE (ao menos em matéria de preços de transferência) não
apenas se apresenta inconsistente com o princípio arm’s length, como também sua
adoção pode revelar-se inconveniente para países em desenvolvimento, na medi-
da em que tendem a ficar alijados desse peculiar conceito de “criação de valor”.
Referências Bibliográficas
LANGE, Martijn de, LANKHORST, Paul (2014). “The Impact of Location Ad-
vantages on the Transfer Pricing of Multinationals: On the Chinese Love for
European Designer Handbags and Lower Production Costs in India”. In: In-
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ERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurélio (coords). Direito tributário: Estu-
dos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, pp. 60-70.
290
10. BEPS e o Plano de Ação n. 10:
Considerações sobre Serviços de Baixo Valor
Agregado, Método de Commodities e o
Método da Divisão de Lucros Transacionais
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lian Law will be analyzed. Considering this scenario, the conclusions reached
regarding the three main points of the Final Report on Action Plan 10 (low
value-adding intragroup services, commodities method and profit-split me-
thod) will be analyzed, as well as their relations to the Brazilian context.
Key-Words: BEPS, Action Plan 10, transfer pricing, commodities.
Introdução
Visando combater o agravamento do problema da erosão da base tribu-
tável das nações em razão de planejamentos tributários internacionais tidos
como agressivos, a Organization for Economic Co-operation and Develop-
ment (“OECD”) publicou em 12 de fevereiro de 2013, por provocação do G20,
estudo intitulado “Endereçando a erosão da base tributável e a transferência
artificial de lucros” (OECD, 2013).
Nesse documento, que gerou grande repercussão no plano internacional,
foi intentado o dimensionamento das perdas enfrentadas pelos estados em
decorrência do que se convencionou denominar de BEPS (Base Erosion and
Profit Shiffting).
Em uma análise, ainda que circunstancial, acerca da real extensão do
problema, é indicado que em 2010 Barbados, Bermudas e Ilhas Virgens Britâ-
nicas receberam, em conjunto, 5,11% do total global de Investimento Externo
Direto (“IED”), ao passo que países como Alemanha e Japão, conhecidos pela
representatividade na indústria mundial, receberam, respectivamente, 4,77%
e 3,76% do IED global (OCDE, 2013, p. 17).
Também chamam a atenção dados referentes a investimentos realizados
através de sociedades de propósito específico208 (“SPE”), residentes em países de
baixa ou nenhuma tributação, atuando com função de holding ou de prestação
de serviços financeiros intragrupo. Em 2011, por exemplo, o total de investi-
208 A OECD define SPEs como sendo empresas que atendam aos seguintes requisitos: (i) ser formalmente
registrada e sujeita as obrigações fiscais e legais do país onde é residente; (ii) ser, em última análise,
controlada, direta ou indiretamente, por empresas domiciliadas em outras jurisdições; (iii) ter
poucos ou nenhum empregado e pouca ou nenhuma produção no país de residência, além de pouca
ou nenhuma presença física; (iv) ter quase a totalidade de seus ativos e riscos representados por
investimentos internacionais; (v) ter como função principal o desempenho de atividade de holding
ou de prestação de serviços financeiros intragrupo. (OECD, 2013, p. 22).
292
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
mentos recebidos pela Holanda foi de USD 3,2 bilhões, ao passo que os investi-
mentos recebidos através de SPEs foram de USD 2,6 bilhões (OECD, 2013, p. 18).
Como um dos principais fatores do agravamento deste problema, que se
tornou mais evidente com a globalização, o estudo apontou que as regras uni-
laterais, bilaterais e multilaterais de tributação internacional não foram capa-
zes de acompanhar o crescente nível de integração econômica internacional.
Isto se deu em função do fato de que, hodiernamente, as empresas multi-
nacionais (Multinational Enterprises – “MNEs”) estão estruturadas com base
em matrizes organizacionais e gerenciais globais, com cadeias de suprimentos
e produção mundialmente integradas e com a centralização de diversas fun-
ções em níveis regionais ou mesmo globais, existindo fluxos de decisão que
transcendem a estrutura legal e geográfica das empresas. Deste modo, as en-
tidades do grupo, localizadas nas mais diversas jurisdições, conseguem atuar
de forma integrada na busca por objetivos empresariais comuns.
Delineada a problemática em apreço, em 19 de julho de 2013 a OECD
publicou os Planos de Ação que pretendia elaborar para o enfrentamento do
fenômeno BEPS, entre os quais destacamos aqueles que se voltam para a atu-
alização das regras de preços de transferência, que são ações 8, 9 e 10, as quais
têm por escopo garantir que a aplicação de tais regras estejam em linha com a
cadeia de geração de valor.
Nesse contexto, o presente trabalho tem por objetivo a apreciação do Plano de
Ação número 10, que teve seu relatório final publicado em 05 de outubro de 2015.
“Ação 10 – Outras transações de alto risco
Desenvolver regras para evitar BEPS em transações que não ocorre-
riam, ou que dificilmente ocorreriam entre partes relacionadas. Será
necessário adotar regras de preços de transferência ou medidas espe-
ciais para: (i) dar maior clareza as circunstâncias nas quais transações
podem ser requalificadas; (ii) aclarar a aplicação dos métodos de preços
de transferência, em particular o de divisão de lucros, no contexto das
cadeias globais de geração de valor; e (iii) prover proteção contra tipos
comuns de pagamentos que ocasionam a erosão de base de cálculo,
como, por exemplo, taxas de gestão e custos do controlador.” (OECD,
2013, p 20-21). (Tradução Livre)
293
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
tenham acesso a todas as informações que possam ser relevantes para que a
mesma exerça suas competências tributárias da forma mais eficiente possível.
Tal preocupação, todavia, deve ser também associada ao reconhecimento
da importância de se garantir segurança jurídica aos agentes internacionais, se-
gurança essa que é um elemento necessário para fomentar e resguardar o exer-
cício da atividade econômica, tanto em escala nacional quanto internacional.
296
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
209 Geração de valor, conforme acima exposto, que é entendida pela OCDE como estando vinculada
exclusivamente à atuação dos agentes econômicos, não restando espaço para qualquer apreciação
do poder de produção de riqueza que deriva da existência de mercados consumidores.
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210 Muito embora existam métodos como o de Preços Independentes Comparados e o do Preço de
Venda nas Exportações, onde se buscam comparáveis em operações praticadas com partes não
vinculadas, nos parece restar claro que a sistemática brasileira, onde não prevalece a regra do best
method, guarda divergências expressivas com as recomendações da OCDE.
299
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
211 Cabendo destacar que, mesmo que o fizesse, ainda estaria bastante distante da realidade brasileira,
uma vez que tais métodos requerem uma análise de elementos de alocação (quantidade de empregados,
intangíveis utilizados, ativos empregados, etc) para definição da distribuição de lucros entre as
jurisdições envolvidas. Com isso, nota-se que até mesmo o método do Formulary Apportionment,
rechaçado pela OECD por não buscar traduzir uma realidade de mercado, não poderia ser comparado
com os diversos métodos de margens pré-fixadas existentes na legislação brasileira.
212 Consta do relatório final das Ações 8, 9 e 10 do BEPS que:“When Brazil’s Tax Treaties contain
Article 9, paragraph 1 of the OECD and UN Model Tax Conventions and a case of double taxation
arises that is captured by this Treaty provision, Brazil will provide access to MAP in line with the
minimum standard of Action 14”. OECD, Aligning Transfer Pricing Outcomes with Value -
ACTIONS 8-10: 2015 Final Reports (OECD Publishing 2015), p. 185. Disponível em: http://www.
oecd.org/tax/aligning-transfer-pricing-outcomes-with-value-creation-actions-8-10-2015-final-
reports-9789264241244-en.htm. Consulta em 27/12/2015.
300
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301
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Nesse caso, a empresa X teria que realizar uma adição (R$20) na apu-
ração de seu imposto de renda para incluir a diferença entre o preço pago
(R$100) e o valor máximo dedutível para fins fiscais (R$80). Esse ajuste, rea-
lizado apenas na base de cálculo do imposto de renda da empresa X, em nada
contamina o resultado contábil da empresa Y (que não é reduzido dos mesmos
R$20 que foram adicionados a base tributável da empresa A).
Ocorre que, como a empresa X está sujeita a tributação da renda em ba-
ses universais no Brasil, ela deve reconhecer como renda tributável, em 31
de dezembro de cada ano, o valor do lucro contábil de suas controladas no
exterior. Ao fazê-lo, os mesmos R$20, que já foram oferecidos à tributação no
Brasil em razão das regras de preços de transferência, são novamente tributa-
dos: dessa vez em razão das regras de tributação em bases universais.
Visando corrigir esse desvio normativo, que afronta os princípios da iso-
nomia e da capacidade contributiva, o legislador previu que podem ser dedu-
zidos do lucro das controladas no exterior os ajustes de preços de transferência
espontaneamente realizados pelas controladoras brasileiras213. Todavia, junta-
mente com essa permissão, constam diversas limitações, entre as quais destaca-
mos a de que o valor a ser deduzido está limitado ao valor do imposto de renda
e da CSLL devidos no Brasil em razão do ajuste de preço de transferência214.
Retomando o exemplo acima traçado, a empresa X, quando for tributar
os lucros auferidos pela empresa Y na sistemática prevista na Lei n.º 12.973/14,
não poderá deduzir o valor (R$20) do ajuste de preços de transferência ante-
riormente realizado. Nessa hipótese, o valor máximo a ser deduzido, atendidas
as demais condições impostas pela legislação215, será de R$ 6,8 (34% de R$ 20).
Em outras palavras, a empresa X teve de adicionar R$ 20 ao seu lucro tri-
butável, tributará novamente os mesmos R$ 20 quando reconhecer os lucros
contábeis auferidos pela empresa Y, apenas sendo admitida a dedução de R$ 6,8.
Em resumo, nesse exemplo, haverá dupla tributação sobre o valor de R$ 13,2.
Aqui, mais uma vez, temos um distanciamento entre a legislação brasileira
e os objetivos traçados pelo BEPS, onde a preocupação com a dupla tributação
deveria ser tida como tão importante quanto o combate a dupla não tributação.
213 Art. 86, da Lei n.º 12.973/14 e art. 23, da Instrução Normativa n.º 1.520/14.
214 Art. 86, §1º, IV da Lei n.º 12.973/14 e 23, §2º, IV da Instrução Normativa n.º 1.520/14.
215 Art. 86, §1,º da Lei n.º 12.973/14 e Art. 23, §1º, §2º e §3º, da Instrução Normativa RFB nr.º 1.520/14.
302
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
216 A própria OCDE admite o fato de que suas recomendações apenas poderão alcançar seus respectivos
objetivos caso sejam adotadas em larga escala geográfica, demonstrando preocupação com os
possíveis conflitos que a nova sistemática pode gerar. Foi essa a razão pela qual essa organização
admitiu a necessidade de estudos complementares para viabilizar a implementação do método
simplificado, os quais devem ter início já em 2016.
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217 OECD, Action 10: Discussion Draft on the Transfer Pricing Aspects of Cross-Border Commodity
Transactions, disponível em http://www.oecd.org/tax/beps-reports.htm. Consultado em 27/12/2015.
218 Comentários públicos disponíveis em: http://www.oecd.org/ctp/transfer-pricing/public-
consultation-action-8-10-transfer-pricing-matters.htm. Consultado em 27/12/2015.
305
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219 A Instrução Normativa nr. 1.312/12 sofreu ainda diversas outras alterações, sendo, contudo,
mantida como base de toda regulamentação em matéria de preços de transferência.
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220 Esse ajuste já era previsto nas Instruções Normativas n.º 38/97, n.º 32/01 e n.º 243/02, foi mantido
no artigo 22 da Instrução Normativa n.º 1.312/12 e, posteriormente, estendido para fins de PCI
e o PECEX pela Instrução Normativa n.º 1.395/13, com previsão expressa de que esse deveria ser
apurado com base em operações realizadas com partes não vinculadas, ou, na ausência dessas, em
laudos que atendessem aos requisitos legais.
221 Vide carta enviada pelo Comitê de Indústria e Negócios da OECD (BIAC), que, em carta enviada
para OECD no dia 06 de fevereiro de 2015, onde foi destacado que: “Mercados de commodities são
sobremaneira complexos e envolvem participação de diversos agentes econômicos na cadeia de
fornecimento até que o produto seja entregue ao cliente final (ex. produtores, corretores, distribuidores,
comerciantes, etc), sendo que nessa cadeia os distribuidores assumem um papel crítico, assumindo
uma ampla gama de riscos e funções inerentes à comercialização internacional de commodities. Por
essa razão, a compreensão dessa realidade por parte das autoridades tributárias é elemento crucial das
discussões acerca de preços de transferência nas operações com commodities. (Tradução livre)”.
309
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
223 Sem contar a ofensa aos limites da competência tributária da União, que decorre de pretender
tributar algo que renda não é, a ofensa ao princípio da isonomia também é patente, uma vez que o
ajuste a título de custos de intermediação aplicável a todas as demais exportações e importações foi
deformado, única e exclusivamente, para fins do PECEX e do PCI.
311
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
224 Vide Capítulo II, Parte III, Seção C das Orientações de Preços de Transferência da OECD.
225 Sobre o tema, o relatório aponta que: “Alguns comentários recebidos com no Draft para discussão
de Dezembro sugeriram que contribuições “únicas” sejam entendidas como aquelas que não podem
ser comparadas com outras verificadas entre partes não relacionadas, e que contribuições “valiosas”
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
II. Falta de definição quanto ao que se deve entender por “atividades altamen-
te integradas”226, que teriam o condão de justificar a aplicação do método;
III. Dificuldade prática de aplicação do método pelos contribuintes e de
fiscalização do método pelas Autoridades Fiscais;
IV. Dificuldade na definição dos pesos a serem atribuídos aos critérios de
alocação de resultados227;
V. Aplicação do método em casos onde a repartição dos lucros não seria
capaz de apontar uma realidade arm’s length; e
VI. Utilizar o método na ausência de comparáveis confiáveis sem, contudo,
avaliar se o método em si seria aplicável.
sejam definidas como aquelas que geram a expectativa de geração de benefícios econômicos futuros.
Outros foram além, propondo que contribuições “valiosas” poderiam ser aquelas que dão ensejo
a vantagens competitivas. Várias entidades que enviaram comentários com relação ao Draft para
discussão de Dezembro defenderam a noção de que o compartilhamento de riscos significantes
consiste em uma contribuição “única e valiosa” e, portanto, poderiam resultar na conclusão de
que o método de divisão do lucro transacional poderia ser o mais apropriado frente a essas
circunstâncias.” OECD, Aligning Transfer Pricing Outcomes with Value - ACTIONS 8-10: 2015
Final Reports (OECD Publishing 2015), p. 58. Disponível em: http://www.oecd.org/tax/aligning-
transfer-pricing-outcomes-with-value-creation-actions-8-10-2015-final-reports-9789264241244-
en.htm. Consulta em 27/12/2015.
226 “(...) integração, por si só, pode não ser suficiente para justificar a escolha do método. Todos os
grupos multinacionais são integrados em maior ou menor escala e, portanto, não é claro como o
critério de ‘altamente integrados’ deve ser aplicado.” Ibid. p. 58.
227 O relatório final apontou que: “Apesar de haver um consenso geral de que os critérios de divisão de
lucros devem ser baseados numa análise das funções desempenhadas pelas partes, os mecanismos
pelos quais tais contribuições são quantificadas não são sempre claros. Possíveis critérios que são
utilizados na prática em diversas medidas são o valor do capital investido, os custos, pesquisas
de contribuições funcionais, sopesamento de fatores, bem como expectativas de retorno
equalizadas. Comentadores observaram vantagens e desvantagens nesses mecanismos, baseados
em questões como a disponibilidade de informação, possibilidade de mensuração, subjetividade e
praticabilidade, sendo enfatizada a atual falta de orientações com relação aos critérios para divisão
de resultados – como esses podem ser divididos.” Ibid. P. 59.
313
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
10. Conclusões
Os estudos desenvolvidos no bojo do Plano de Ação n. 10, como não poderia
deixar de ser, estão umbilicalmente vinculados à sistemática de preços de transfe-
rência proposta pela OECD, gravitando em torno do princípio arm’s length. Com
efeito, o relatório final visa a efetuar modificações nos Guidelines na OECD, que
funcionam como comentários ao art. 9º da Convenção Modelo da entidade.
Nesse sentido, faz-se necessária uma análise cum grano salis acerca da
aplicabilidade desses mesmos estudos às normas brasileiras sobre preços de
transferência, que possuem uma série de particularidades a serem considera-
das, dentre as quais a de estarem inseridas em um ordenamento jurídico onde
as competências tributárias são delineadas por conceitos determinados.
Não é dizer que não exista muito a ser aprendido com os estudos recen-
temente publicados pela OECD, mas apenas que esses, para serem aplicados
no Brasil, precisam ser avaliados a luz do direito pátrio.
De qualquer modo, também é de fulcral relevância que as recomendações
traçadas no contexto dos estudos acerca do BEPS devem ser entendidas em con-
junto, uma vez que fazem parte de um intrincado sistema de normas antielisivas.
Isso não significa dizer que a adoção de uma das muitas diretrizes obrigaria
o Brasil a seguir todas as demais, mas apenas que é de suma importância uma de-
tida avaliação acerca: (i) das possíveis incompatibilidades das recomendações com
o sistema constitucional tributário brasileiro e (ii) do contexto no qual tal diretriz
foi traçada e das outras recomendações que com ela se vinculam.
Sem isso, corre-se o risco de se desvirtuar a lógica das aludidas dire-
trizes, transformando regras antielisivas que tinham o objetivo de evitar a
erosão da base tributável e a alocação artificial de lucros em instrumentos
meramente arrecadatórios, que podem até mesmo levar a dupla tributação.
Aqui, o risco maior que se vislumbra é que, no atual momento de arro-
cho orçamentário, o Fisco brasileiro, que é o grande formulador das políticas
tributárias nacionais, opte por incorporar as recomendações da OECD de for-
ma pontual e distorcida, usando a existência de um movimento internacional
de combate ao BEPS apenas para incrementar a arrecadação de tributos.
Caso isso venha, de fato, a ocorrer, perdem todos. Perdem os contribuin-
tes brasileiros, que terão sua competitividade internacional severamente re-
314
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Bibliografia
315
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
tion-plan-on-base-erosion-and-profit-shifting-9789264202719-en.htm. Con-
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316
11. Os Serviços Intragrupo no Plano de Ação
10 do Projeto BEPS e o Contexto Brasileiro
Resumo
O presente artigo visa a analisar a relevância que se pode imprimir às
conclusões do Relatório Final do Projeto BEPS sobre o Plano de Ação 10 acer-
ca dos serviços intragrupo em face do ordenamento jurídico brasileiro. Para
tanto, expor-se-ão as conclusões do relatório acerca da manutenção do padrão
arm´s length, sobre o regime geral de preços de transferência aplicável aos ser-
viços intragrupo e o regime simplificado e eletivo proposto para os serviços
intragrupo de baixo valor adicionado, bem como as diferenças em relação à
identificação e ao tratamento dos cost contribution agreements. Em seguida,
serão analisadas as possíveis relevâncias dessas conclusões em relação ao Bra-
sil em três diferentes níveis argumentativos, a saber: a) no nível pré-legislativo;
b) no nível de interpretação dos tratados já firmados; c) no nível de interpreta-
ção da lei interna e qualificação de fatos.
PALAVRAS-CHAVE: BEPS, Brasil, Preços de Transferência, Serviços
Intragrupo.
Abstract
The present article aims to analyze the relevance one can attribute to
the conclusions derived by the Final Report on Action Plan 10 of the BEPS
Project concerning intra-group services in regard to Brazilian Law. In order
to address this, the article will describe the Report´s conclusions on the sup-
228 Doutorando e Mestre em Direito Tributário pela USP. MBA em IFRS (normas internacionais de
contabilidade) pela Fipecafi. Especialista em Direito Tributário pelo Ibet. Bacharel em Direito pela
UFPa, com período cursado na Univeristy of Florida. Advogado em São Paulo. Professor convidado
nos cursos de especialização do Ibdt e Ibet. E-mail: paulo.arthur@airesbarreto.adv.br.
317
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
229 A distinção entre direito e moral é apenas uma das vertentes possíveis do positivismo. (TROPER,
2003, p. 19).
230 Para MACCORMICK (2006, p. 313), a distinção entre a descrição e a apreciação avaliatória do
direito, pautada no programa positivista, continuam fundamentais para a doutrina jurídica.
318
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325
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
ço poderá ter sido liquidado: a) por meio de cobrança direta (direct-charge me-
thod), quando ocorre a cobrança ordinária de um valor em moeda; b) por meio
de cobrança indireta (indirect-charge method), como alocação e rateio de custos;
c) embutida nos custos de outras transferências (OECD, 2015, pp. 147-149).
Em seguida, o relatório recomenda a aplicação de um dos métodos acei-
tos para o cálculo do preço de transferência, sendo recomendado o método de
preços independentes comparados (comparable uncontrolled price - CUP) ou
um método baseado em custos como o método custo mais lucro (cost-plus me-
thod - CPM) ou o método transacional não tradicional das margens líquidas
de lucro (transactional net-margin method - TNMM). Em todo caso, poderá
ser necessária uma análise funcional completa dos ativos, riscos e funções
envolvidos (OECD, 2015, pp. 150-151).
A breve exposição do tratamento ordinário dispendido aos serviços intra-
grupo pela nova versão do Capítulo VII dos Guidelines da OCDE, após as mo-
dificações empreendidas pelo Relatório Final das Ações 8-10 do Projeto BEPS,
embora não tenha modificado muito o tratamento anterior, teve por fito deixar
clara a abrangência do novo tratamento simplificado e eletivo para os serviços
intragrupo de baixo valor adicionado, sobre o qual se passa a discorrer.
326
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
231 Uma definição intensional, conotativa ou por designação, consiste na enumeração das características
definitórias que deve ter um elemento para pertencer a uma classe, enquanto que uma definição
extensional ou denotativa consiste na enumeração de elementos que pertencem a uma classe
(GUIBOURG; GHIGLIANI; GUARINONI, 2000, pp. 58-59).
327
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
328
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
de um mesmo grupo para uma outra empresa também vinculada estará sob o
escopo do Capítulo VII dos referidos Guidelines revistos (intra-group services).
Essa distinção importa uma consequência muito importante. Enquanto
nos serviços intra-grupo, na sistemática do Projeto BEPS, haverá a perquiri-
ção da efetividade do serviço prestado (benefit test), seguida da determinação
do preço arm´s length, que envolve uma margem de lucro para a entidade do
grupo que presta o serviço, no caso dos CCAs a sistemática é distinta.
Uma vez identificado um CCA, o arm´s length será utilizado para deter-
minar o valor da contribuição de cada participante, com base no valor que por
ela seria pago por partes independentes em condições comparáveis (OECD,
2015, p. 170). Os CCAs, como se percebe, pressupõem uma contribuição ma-
terial e não meramente de pagamento. O passo, seguinte, então, consiste em
balancear as contribuições, de modo que o valor arm´s length das contribui-
ções de cada participante seja equivalente aos benefícios individualmente es-
perados do acordo (OECD, 2015, p. 172).
330
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
232 Conforme essa teoria, defendida no Brasil por SCHOEURI (2013, pp. 97-116), a circunstância de um
tratado ser adotado pelo direito interno de um país não faz com que o instrumento perca a natureza
de direito internacional. O tratado, assim, fixaria a jurisdição do Estado.
233 Em conformidade com essa teoria, os tratados internacionais são incorporados ao direito interno
após o processo de ratificação, como direito interno. Nessa linha, cf. BARRETO (2001, pp. 164-167).
333
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
não membros da OCDE (o que costuma ser o caso dos países em desenvolvimen-
to). A esse respeito, VOGEL (1986, p. 42), referindo-se aos comentários existentes
quando da conclusão do tratado, afirma que estes serão relevantes para países não
membros tão-somente quando o enunciado do tratado coincidir com a Conven-
ção Modelo da OCDE e seu contexto não sugerir outra interpretação.
Essas considerações, contudo, não se aplicam no caso de modifica-
ção subsequente à conclusão do tratado. Nesses casos, vale a advertência de
SCHOUERI (2013, p. 412), conforme a qual a frequente mudança de posição
da OCDE consubstancia relevante argumento para que suas conclusões sejam
tomadas com cautela. Com efeito, para um país que não é membro da OCDE,
mudança posterior de comentários ou dos Guidelines sobre preços de transfe-
rência terá pouca ou nenhuma relevância interpretativa.
Todavia, em se tratando de mudança levada a efeito no contexto do Projeto
BEPS, poder-se-ia cogitar de uma relevância maior. Com efeito, o Brasil é mem-
bro do G20 e participou do projeto, de modo que as conclusões do Relatório
Final poderiam ser tomadas como “prática seguida posteriormente na aplicação
do tratado”, na forma do art. 31, 3 “b”, da Convenção de Viena ou como regras
de soft law aplicáveis, na forma do art. 31, 3 “c”, da referida convenção.
Nessa linha, o Brasil fez constar nota do referido Relatório Final, segun-
do a qual continuará aplicando sua legislação baseada em margens fixas de
lucro e usará as recomendações do relatório nesse contexto (OECD, 2015, p.
185). Logo, percebe-se que, embora tenha ressalvado a aplicação de sua legis-
lação de margens fixas, o Brasil concordou em seguir as recomendações do
relatório. Ainda que não se possa considerar esse um “acordo posterior entre as
partes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições”,
na forma do art. 31, 3 “a”, da Convenção de Viena, uma vez que não houve um
compromisso formal, a declaração parece confirmar certa relevância inter-
pretativa das conclusões do relatório, que poderá ser reconduzida ao art. 31, 3
“b” ou “c”, da Convenção de Viena.
Especificamente no que respeita ao tratamento ordinário dos serviços
intragrupo, o Relatório Final manteve, em linhas gerais, as recomendações
já constantes das versões anteriores dos Guidelines, de modo que restou re-
forçada a relevância do padrão arm´s length e sua concretização por meio de
comparações baseadas nos métodos da OCDE, para fins de aplicação do art.
9º da Convenção Modelo.
335
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
234 Cf. Acórdão 108-09.763, Sessão 13/11/2008 e Acórdão 1401-000.801, Sessão 12/06/2012.
235 TRF-3, Apelação Cível nº 0001368-09.2010.4.03.6100/SP, DJ 16/05/2016.
236 Sobre o uso de margens fixas como standardização, ver Schoueri (2016, pp. 35-37).
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Considerações finais
Em face do quanto exposto, conclui-se que, sob a perspectiva dos países
em desenvolvimento, em especial do Brasil, deve-se analisar cuidadosamente
a possível relevância que se pode imprimir às conclusões do Plano de Ação 10
do Projeto BEPS. Para tanto, mostra-se profícua a segregação dessas influên-
cias em níveis argumentativos distintos, a saber:
a) no nível pré-legislativo as conclusões do Relatório Final do Projeto BEPS
acerca da compatibilidade entre o regime eletivo e simplificado para serviços
intragrupo de baixo valor agregado, pautado em margem fixa, e o arm´s length,
associadas à relevância do discurso de legitimação do BEPS para qualquer me-
dida legislativa doméstica nele inspirada, vislumbra-se relevante oportunidade
para que se introduza, claramente e por via legislativa, uma maior flexibilidade
no modelo brasileiro, admitindo-se prova em contrário das margens da legisla-
ção ou facultando ao contribuinte o uso de outros métodos.
b) no nível de interpretação dos tratados já firmados, parece-nos que,
em função de o Brasil ser membro do G20 e ter declarado que utilizará as
recomendações do relatório no contexto de sua própria legislação interna, é
possível dar relevância à circunstância de ter o Relatório Final ressaltado que
o art. 9º da Convenção Modelo, que determina o uso do padrão arm´s length,
é compatível com o uso de presunções baseadas em margens fixas de lucro,
desde que essa forma de aferição dos preços de transferência seja eletiva para
340
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Bibliografia
AARNIO, Aulis. Essays on the Doctrinal Study of Law. Heidelberg: Springer, 2011.
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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HAGE, Jaap C. Reasoning with Rules – an Essay on Legal Reasoning and its
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
ROBILLARD, Robert. ‘BEPS: Is the OECD Now at the Gates of Global For-
mulary Apportionment?’. Intertax, v. 43, n. 6/7. Alphen aan Den Rijn: Kluwer
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VOGEL, Klaus. Double Tax Treaties and Their Interpretation. Berkeley Jour-
nal of International Law. V. 4, 1986.
344
12. O Controle de Preços de Transferência
em Operações com Intangíveis no
Contexto do BEPS e a Perda da
Hegemonia do Princípio Arm’s Length
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Introdução
Em julho de 2013, a OCDE, através da publicação do relatório denomi-
nado Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting, traçou as linhas gerais de
um ambicioso plano de combate ao fenômeno da erosão de bases imponíveis e
da alocação de lucros em países estratégicos com finalidade de redução da car-
ga tributária – o que se convencionou chamar de Base Erosion and Profit Shif-
ting (BEPS) –, devidamente detalhado em relatório denominado Addressing
Base Erosion and Profit Shifting publicado poucos meses antes. Desde então,
têm sido intensos os debates sobre cada um dos 15 planos de ação propostos.
O foco das atenções internacionais, a par de se evitar a dupla tributação
da renda como forma destinada a favorecer o livre fluxo de capitais no mundo,
passou a ser, mais do que nunca, evitar a dupla não tributação da renda. Pas-
346
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
admitir um regime híbrido em que ora será aplicado o princípio arm’s length
desde que haja operações comparáveis no mercado para tanto, ora será reco-
nhecida competência tributária aos países na medida da sua participação para
a agregação de valor através de outros métodos que já não serão arm’s length.
O principal obstáculo para a validade deste possível regime híbrido é, a
nosso ver, o fato de o princípio arm’s length possuir status de obrigação de Direi-
to Internacional Público, de natureza tanto convencional (i.e., prevista no artigo
9º dos tratados celebrados para evitar a dupla tributação da renda), quanto não
convencional (i.e., trata-se de um verdadeiro costume internacional).
Por fim, para estes últimos casos, criticaremos a análise funcional pro-
posta pela OCDE na medida em que ela desconsidera o mercado como fator
de agregação de valor aos intangíveis.
Esclarecemos, ainda, que, por ocasião da publicação da segunda edição
da presente obra, algumas das ponderações presentes na primeira edição fo-
ram objeto de uma reflexão maior da nossa parte, de modo que o leitor se
deparará com novas considerações – ou, ainda, a própria reformulação de
algumas das nossas opiniões presentes no artigo publicado na edição ante-
rior – sem, no entanto, que o cerne do nosso posicionamento, anteriormente
defendido, tenha sido alterado.
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
238 No original: “Develop rules to prevent BEPS by moving intangibles among group members. This will
involve: (i) adopting a broad and clearly delineated definition of intangibles; (ii) ensuring that profits
associated with the transfer and use of intangibles are appropriately allocated in accordance with (rather
than divorced from) value creation; (iii) developing transfer pricing rules or special measures for transfers
of hard-to-value intangibles; and (iv) updating the guidance on cost contribution arrangements.”
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
medida da sua participação para a agregação de valor aos intangíveis. Via de regra,
os países que mais contribuem para a formação dos intangíveis são desenvolvidos.
Antes mesmo da publicação do relatório final, ao analisarem o relatório
parcial sobre intangíveis, Carlo Garbarino e Mario D’Avossa (2015, p. 14) ma-
nifestaram o entendimento de que o novo enfoque da OCDE trouxe, essencial-
mente, duas inovações de maior importância em relação à abordagem anterior:
(i) primeiramente, o conceito de propriedade jurídica do intangível foi relativiza-
do mediante a adoção de um conceito de propriedade econômica antes presente
nas guidelines da OCDE apenas de modo embrionário e que, a partir do presente
momento, passou a exigir participação econômica mais substancial por parte do
titular jurídico do intangível para que a jurisdição da sua residência fizesse jus à
tributação da integralidade dos resultados dele decorrentes; (ii) em segundo lugar,
a própria análise funcional, tal como exposta acima.
A OCDE (2015, p. 78-79) não exige, no entanto, que o proprietário jurí-
dico sempre desempenhe todas as funções relativas ao desenvolvimento, apri-
moramento, manutenção, proteção e exploração do intangível. A organização
admite que, alternativamente, a entidade venha a contar com a contribuição
de terceiros independentes para tanto ou, ainda, de partes vinculadas, desde
que, tais partes venham a ser remuneradas em condições arm’s length. No
caso de delegação do exercício de funções para partes independentes, será
fundamental, também, a caracterização de controle sobre as funções desem-
penhadas (control analysis) ao passo em que, caso a delegação seja para partes
vinculadas, ou bem o controle far-se-á igualmente presente ou bem, acaso ou-
tra entidade venha a exercer o controle, deverá o titular jurídico do intangível
remunerá-la em condições arm’s length (OCDE, 2015, p. 78-79).
Assim, se a entidade que detiver os direitos de propriedade do intangível
não desempenhar as funções apontadas acima (teste da análise funcional) e
nem exercer o controle do seu exercício nos termos apontados (teste da análise
de controle), a sua jurisdição de residência não fará jus à tributação da integra-
lidade dos resultados que o intangível vier a gerar sendo-lhe negada, portanto,
competência tributária.
Um exemplo pode ilustrar o foco das atenções da organização e como as
análises funcional e de controle podem contribuir para a correta aplicação das
regras de preços de transferência em transações envolvendo intangíveis. Imagi-
ne-se que a determinada empresa “A Corp.”, situada em país de baixa tributação
354
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Neste caso, o risco que a OCDE visa a evitar é que à jurisdição de “A Corp.”
venham a ser imputados todos os resultados futuros decorrentes da explora-
ção do intangível desenvolvido, em prejuízo às pretensões fiscais das jurisdi-
ções de residência de “B Corp.” e “C Corp.”, aos quais seria imputada, quando
muito, a remuneração pelo desenvolvimento do intangível, mas não os lucros
decorrentes da sua exploração. A aplicação das regras de preços de transferên-
cia, seguindo-se o princípio da criação de valor, deve resultar na atribuição de
competência tributária aos países de “B Corp.” e “C Corp.”, na exata medida da
sua contribuição para a agregação de valor ao intangível, evitando-se a alocação
futura dos resultados no país de residência de “A Corp.” (de baixa pressão fiscal).
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
2. Os planos de ação nº 9 e 10
Antes, no entanto, importa chamar atenção para dois outros planos de
ação que, não obstante não sejam o objeto específico do presente estudo, com
ele possuem identidade no tocante à finalidade a ser buscada: alinhar a tri-
butação decorrente do controle de preços de transferência com a criação de
valor. Trata-se dos planos de ação nº 9 e 10.
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
239 No original: “Develop rules to prevent BEPS by transferring risks among, or allocating excessive
capital to, group members. This will involve adopting transfer pricing rules or special measures to
ensure that inappropriate returns will not accrue to an entity solely because it has contractually
assumed risks or has provided capital. The rules to be developed will also require alignment of returns
with value creation. This work will be co-ordinated with the work on interest expense deductions and
other financial payments.”
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
240 No original: “Develop rules to prevent BEPS by engaging in transactions which would not, or would
only very rarely, occur between third parties. This will involve adopting transfer pricing rules or special
measures to: (i) clarify the circumstances in which transactions can be recharacterised; (ii) clarify the
application of transfer pricing methods, in particular profit splits, in the context of global value chains;
and (iii) provide protection against common types of base eroding payments, such as management fees
and head office expenses.”
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241 No original: “Develop rules regarding transfer pricing documentation to enhance transparency for tax
administration, taking into consideration the compliance costs for business. The rules to be developed
will include a requirement that MNE’s provide all relevant governments with needed information on
their global allocation of the income, economic activity and taxes paid among countries according to
a common template.”
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
nização ao não abrir mão da hegemonia do princípio arm’s length como pa-
radigma orientador das políticas internacionais de preços de transferência
(BRAUNER, 2015, p. 83).
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nal Público já que grande parte dos tratados internacionais celebrados para
evitar a dupla tributação corporificam o referido princípio. Desse modo, o
autor sustenta que seria no mínimo questionável qualquer tentativa por porte
dos países no sentido de adotar um método de determinação de preços de
transferência que fosse contrário ao referido princípio (AVI-YONAH, 2007,
p. 113). Mais adiante, ao analisarmos a natureza jurídica do princípio arm’s
length, retornaremos a este ponto, bastando, por ora, apenas pontuarmos este
importante aspecto que permeia o presente debate.
Não obstante o autor reconheça que o princípio arm’s length não poderia
ser substituído por outro, ele defende que – sobretudo, em operações envolvendo
intangíveis – a parcela residual de lucros não repartida através dos métodos tra-
dicionais de preços de transferência seja dividida entre as empresas vinculadas de
modo casuístico (AVI-YONAH, 2007, p. 117). Parece-nos, neste ponto, que o autor
admite soluções que não sejam arm’s length propriamente ditas com a finalidade
de alcançar a parcela residual dos lucros não repartidos pelos métodos tradicio-
nais o que, ao fim e ao cabo, o torna um defensor de um regime híbrido.
Yariv Brauner (2014, p 98), por sua vez, entende que os desafios exterio-
rizados pelos planos de ação aqui tratados exigem “soluções inovadoras” o que
significa reconhecer os limites do princípio arm’s length nas situações descritas e
adotar elementos de formulary apportionment como mecanismo eficaz para ali-
nhar a tributação decorrente do controle de preços de transferência com a criação
de valor. Desse modo, o princípio do arm’s length teria perdido a sua hegemonia
para o princípio da criação de valor o qual requer outras aproximações para a sua
concretização que não sejam arm’s length (BRAUNER, 2015, p. 84).
Como se vê, a presente linha teórica defende uma solução híbrida, espe-
cialmente, para casos, tais como aqueles envolvendo operações com intangí-
veis, em que uma grande parcela residual de lucros deixará ser repartida entre
os países através da aplicação dos métodos tradicionais – i.e., métodos arm’s
length - de determinação de preços de transferência.
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Conclusões
Os desafios narrados pela OCDE através dos seus planos de ação nº 8, 9 e
10 de fato demandam dos formuladores de políticas tributárias nacionais a to-
mada de uma decisão. Esta decisão não é nada fácil: ou bem se aceita o princípio
arm’s length com todos os seus problemas e virtudes admitindo-se, também, que
parcela da renda decorrente de transações realizadas entre partes vinculadas em
grupos transnacionais deixe de ser tributada; ou bem se devem reconhecer as
falhas do referido princípio, buscando solucioná-las, seja pontualmente, no que
teríamos um regime híbrido, seja de um modo mais radical substituindo-o por
completo por outros métodos, como é o caso do formulary apportionment.
É muito improvável que os desafios encontrados no contexto do projeto
de combate ao BEPS sejam capazes de levar ao afastamento do princípio arm’s
length que até então norteou a elaboração de políticas tributárias no tocante
377
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
378
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Referências bibliográficas
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ROBILLARD, Robert. BEPS: Is the OECD Now at the Gates of Global Formu-
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SCHOUERI, Luís Eduardo. Arm’s Length: Beyond the Guidelines of the OECD.
In: Bulletin for International Taxation. Amsterdam: IBFD, 2015 (December).
381
13. Desenvolvimento de um instrumento
multilateral: Ação 15 do Projeto BEPS
I – Introdução
O processo da globalização alterou de forma substancial o modo de organiza-
ção dos negócios ao redor do mundo. Empresas, antes adstritas aos seus respectivos
mercados nacionais, passaram a investir cada vez mais de maneira internacional e
no desenvolvimento de novas tecnologias, em muito ligadas a bens intangíveis.
A evolução do mercado internacional, impulsionada pela referida globa-
lização, proporcionou às empresas a possibilidade de se organizar em cadeias
produtivas multinacionais, estendendo as diversas etapas de produção por vá-
rios países diferentes, conforme os benefícios de infraestrutura, localização
geográfica e, também, carga tributária oferecidos pelos mesmos.
O progresso legislativo no âmbito do direito tributário internacional, no
entanto, não acompanhou o ritmo dessa evolução e tal descompasso fez com
surgissem oportunidades para que as empresas multinacionais reduzissem
substancialmente (ou até mesmo evitassem) a tributação a que estavam sujei-
tas. Essa prática foi denominada internacionalmente como Base Erosion Profit
Shifting245 (“BEPS”) e consiste em transferir e realocar os lucros tributáveis e pa-
242 Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/RJ). Sócio do Brigagão Duque-
Estrada Advogados.
243 Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/RJ). Advanced LL.M. (Master
of Laws) em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Leiden, Holanda. Gerente de
Planejamento Fiscal-Brasil na Vale S.A.
244 Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Advanced LL.M. (Master of
Laws) em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Leiden, Holanda. Especialista de
Tributação Internacional na Embraer S.A.
245 Tradução livre: Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros
383
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
246 Grupo formado pelos ministros de finanças das 19 maiores economias do mundo e, ainda, pela
União Europeia.
247 GOMES, Marcus Lívio. SCHOUERI, Luís Eduardo (orgs). A tributação internacional na era pós-
BEPS: soluções globais e peculiaridades de países em desenvolvimento. Volumes I, II e III. 1ª ed. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
384
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
foi a existência de uma ampla rede de tratados bilaterais em vigor, que dificul-
taria imprimir celeridade aos procedimentos de renegociação individualizada
de todos os acordos pelos países signatários.
Segundo a Organização, o MLI, além de desejável, seria perfeitamente
alcançável e permitiria que países em desenvolvimento se beneficiassem das
medidas desenvolvidas no Projeto BEPS, já que estes países, em especial, po-
deriam enfrentar dificuldades na renegociação de seus tratados. A adoção de
um instrumento multilateral garantiria, também, a coesão internacional das
medidas desenvolvidas e a consistência na forma de implementação, evitan-
do o descompasso em uma hipotética implementação unilateral e individual
pelos países e o possível surgimento de novas oportunidades para BEPS ou,
ainda, situações de dupla tributação.
Com base nesse entendimento, a OCDE desenvolveu o MLI como um
instrumento coexistente com os tratados em vigor, alterando ou inserindo
cláusulas nesses acordos, de forma vinculante para os países que o ratifica-
ram. Nada obstante, há hipóteses de flexibilização criadas como maneira de
incentivar os países a aderirem ao instrumento, como, por exemplo, a pos-
sibilidade de fazerem reservas à aplicação de determinadas cláusulas ou de
optarem por cláusulas alternativas.
Inicialmente, o MLI foi desenvolvido tendo por objeto apenas as medi-
das desenvolvidas ao longo do Projeto BEPS que resultaram em alterações
dos tratados internacionais baseados na Convenção Modelo (CM) da OCDE,
a saber: instrumentos híbridos (objeto da Ação 2), prevenção do abuso dos
tratados (Ação 6), revisão do conceito de estabelecimento permanente (Ação
7) e revisão dos mecanismos de solução de conflitos (Ação 14), como será dis-
cutido de forma pormenorizada adiante.
Isso não impede, todavia, que ele seja atualizado no futuro, de modo a
comportar novos dispositivos, inserindo outras medidas decorrentes do Pro-
jeto BEPS e, também, da experiência internacional decorrente da implemen-
tação das medidas após o fim do projeto, caso assim desejem seus signatários.
O MLI é atualmente dividido em 7 (sete) grandes partes, quais sejam:
Parte I – escopo e interpretação; Parte II – instrumentos híbridos; Parte III
– abuso dos tratados; Parte IV – evasão do status de estabelecimento perma-
nente; Parte V – melhoria na resolução de disputas; Parte VI – arbitragem; e
Parte VII – disposições finais. Ele deve ser considerado um instrumento fle-
385
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
xível e somente será aplicado aos tratados e disposições indicados pelos países
signatários, com exceção de alguns minimum standards, que são obrigatórios,
como no caso da cláusula PPT (principal purpose test), e que os países signatá-
rios devem necessariamente se comprometer a implementar.
Como se pode notar das considerações gerais acima, o MLI é, na ver-
dade, uma máscara que, quando aplicável, se sobrepõe ao texto original dos
tratados, devendo ser interpretado de forma coordenada com os tratados e
dispositivos em vigor indicados pelos países como covered tax agreements248
quando da sua adesão.
O conceito de covered tax agreements é também o ponto de partida para
determinar se um tratado específico foi alterado pelo MLI. Isto é, deve-se em
primeiro lugar verificar se ambos os países são signatários do instrumento
e se indicaram o tratado sob análise em sua lista de convenções quando da
adesão. Em caso positivo, passa-se à análise dos dispositivos do MLI aos quais
tais países aderiram. Caso se verifique que ambos listaram o tratado, bem
como aderiram ao dispositivo aplicável ao caso concreto em questão sem fazer
reservas, tal tratado pode ser considerado devidamente alterado no que diz
respeito àquela disposição específica.
248 Um covered tax agreement nada mais é do que um tratado igualmente indicado por ambos os países
que o haviam firmado bilateralmente no passado (ou multilateralmente, conforme o caso) e que
agora são signatários do MLI.
386
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
249 A própria OCDE destacou que a Convenção observou as seguintes ações do Plano BEPS: The MLI
helps the fight against BEPS by implementing the tax treaty-related measures developed through the
BEPS Project in existing bilateral tax treaties in a synchronized and efficient manner. These measures
will prevent treaty abuse, improve dispute resolution, prevent the artificial avoidance of permanent
establishment status and neutralise the effects of hybrid mismatch arrangements.
250 https://www.conjur.com.br/2018-mai-16/consultor-tributario-convencao-multilateral-ocde-
protocolo-mendoza#author. Acesso em 08.05.2019.
251 1. For the purposes of a Covered Tax Agreement, income derived by or through an entity or
arrangement that is treated as wholly or partly fiscally transparent under the tax law of either
Contracting Jurisdiction shall be considered to be income of a resident of a Contracting Jurisdiction
but only to the extent that the income is treated, for purposes of taxation by that Contracting
Jurisdiction, as the income of a resident of that Contracting Jurisdiction.
252 https://read.oecd-ilibrary.org/taxation/the-application-of-the-oecd-model-tax-convention-to-
partnerships_9789264173316-en#page3. Acesso em 13.05.2019.
387
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Como o art. 3º não requer a sua total observância, mas apenas um mini-
mum standard, inúmeras jurisdições optaram por não ratificá-lo na sua tota-
lidade. É o caso, por exemplo, da Índia, da Suécia, da França e de Cingapura.
O art. 4º analisa as entidades com dupla residência (dual resident
entities)253, questão muito discutida pela OCDE, uma vez que foi verificado
que em inúmeras situações a dupla residência era utilizada pelas companhias
na intenção de obter uma vantagem fiscal. Com efeito, como a regra de desem-
pate (ou o tie breaker rule) era facilmente manipulada, restou definido pelo
MLI que a residência fiscal dos contribuintes será determinada pelo Mutual
Agreement Procedure (MAP) ou o denominado Procedimento Amigável.
Caso não haja um acordo entre as partes contratantes, a entidade com
dupla residência fiscal não fará jus aos benefícios do tratado. França, Suécia,
Luxemburgo e Cingapura são exemplos de jurisdições que não observarão o
art. 4º e, portanto, o tie breaker rule previsto na Convenção Modelo da OCDE
continuará sendo observado.
Por fim, o art. 5º fornece três alternativas às partes contratantes no que
tange à aplicação dos métodos para eliminar a dupla tributação. No caso de
não ser possível uma escolha em comum, cada jurisdição aplicará o método
selecionado apenas para os seus residentes254.
A primeira opção (Option A) destaca a impossibilidade de aplicar o méto-
do isenção ao rendimento que não seja de fato tributado. No caso de haver reco-
lhimento de imposto no Estado Fonte, o outro Estado Contratante, por conse-
guinte, concederá crédito pelo imposto pago anteriormente pelo contribuinte.
A segunda opção (Option B) traz a impossibilidade de aplicação do método de
253 1. Where by reason of the provisions of a Covered Tax Agreement a person other than an individual
is a resident of more than one Contracting Jurisdiction, the competent authorities of the Contracting
Jurisdictions shall endeavour to determine by mutual agreement the Contracting Jurisdiction of which
such person shall be deemed to be a resident for the purposes of the Covered Tax Agreement, having
regard to its place of effective management, the place where it is incorporated or otherwise constituted
and any other relevant factors. In the absence of such agreement, such person shall not be entitled to any
relief or exemption from tax provided by the Covered Tax Agreement except to the extent and in such
manner as may be agreed upon by the competent authorities of the Contracting Jurisdictions.
254 1. A Party may choose to apply either paragraphs 2 and 3 (Option A), paragraphs 4 and 5 (Option B), or
paragraphs 6 and 7 (Option C), or may choose to apply none of the Options. Where each Contracting
Jurisdiction to a Covered Tax Agreement chooses a different Option (or where one Contracting
Jurisdiction chooses to apply an Option and the other chooses to apply none of the Options), the
Option chosen by each Contracting Jurisdiction shall apply with respect to its own residents.
388
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
isenção aos dividendos que foram tratados como despesas dedutíveis no outro
Estado Contratante e, por último, a terceira opção (Option C) sugere a substitui-
ção do método de isenção como um todo pelo método da concessão de crédito.
A preferência pela utilização do método de crédito pelo imposto pago
em detrimento da escolha pela isenção não é novidade com as discussões do
BEPS. No entanto, ainda que a isenção na tributação de determinada renda
possa aumentar os riscos de uma dupla não tributação, não significa que as
jurisdições não possam optar por ela, como destacado no próprio art. 5º.
Como esse dispositivo não requer a sua total observância, mas sim, al-
gumas exigências mínimas, inúmeros Estados optaram pela não ratificação.
É o caso, por exemplo, do Egito, da Holanda, de Luxemburgo, da Malásia, da
Bélgica, da Índia e da Suíça.
389
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
forma mais simplificada. De acordo com estudo realizado pela KPMG256, to-
dos os países optaram pelo PPT na tentativa de conter o abuso dos tratados.
Apenas 12 (doze) jurisdições, tais como Argentina, Chile, Colômbia, México,
Uruguai, Índia e Indonésia escolheram a opção 2. No que tange ao Tratado
celebrado com os EUA, como os norte-americanos não assinaram o MLI, o
PPT e a SLOB não serão observados pela Índia.
256 https://home.kpmg/us/en/home/insights/2017/06/tnf-kpmg-analysis-mli-implementing-treaty-
related-beps.html. Acesso em 13.05.2019.
257 2. Notwithstanding the provisions of a Covered Tax Agreement that define the term “permanent
establishment”, the term “permanent establishment” shall be deemed not to include: a) the activities
specifically listed in the Covered Tax Agreement (prior to modification by this Convention) as activities
deemed not to constitute a permanent establishment, whether or not that exception from permanent
establishment status is contingent on the activity being of a preparatory or auxiliary character; b) the
maintenance of a fixed place of business solely for the purpose of carrying on, for the enterprise, any
activity not described in subparagraph a); c) the maintenance of a fixed place of business solely for any
combination of activities mentioned in subparagraphs a) and b), provided that such activity or, in the case of
subparagraph c), the overall activity of the fixed place of business, is of a preparatory or auxiliary character.
258 3. Notwithstanding the provisions of a Covered Tax Agreement that define the term “permanent
establishment”, the term “permanent establishment” shall be deemed not to include: a) the activities
390
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
specifically listed in the Covered Tax Agreement (prior to modification by this Convention) as
activities deemed not to constitute a permanent establishment, whether or not that exception from
permanent establishment status is contingent on the activity being of a preparatory or auxiliary
character, except to the extent that the relevant provision of the Covered Tax Agreement provides
explicitly that a specific activity shall be deemed not to constitute a permanent establishment
provided that the activity is of a preparatory or auxiliary character; 21 b) the maintenance of a
fixed place of business solely for the purpose of carrying on, for the enterprise, any activity not
described in subparagraph a), provided that this activity is of a preparatory or auxiliary character;
c) the maintenance of a fixed place of business solely for any combination of activities mentioned
in subparagraphs a) and b), provided that the overall activity of the fixed place of business resulting
from this combination is of a preparatory or auxiliary character.
391
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
259 Andorra, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Fiji, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Irlanda,
Itália, Japão, Liechtenstein, Luxemburgo, Malta, Holanda, Nova Zelândia, Portugal, Cingapura,
Eslovênia, Espanha, Suécia, Suíça e Inglaterra.
260 Multilateral Convention for the Avoidance of Double Taxation of Copyright Royalties. Disponível em: https://
treaties.un.org/pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=XXVIII-1&chapter=28&lang=en.
Consulta em 18/05/2019. Esta convenção continha dispositivo condicionando sua vigência à ratificação
pelo décimo país, o que nunca ocorreu.
392
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
261 Até a publicação do presente artigo 87 países aderiram ao MLI e outros 6 manifestaram sua
intenção de também aderir. https://www.oecd.org/tax/treaties/beps-mli-signatories-and-parties.
pdf. Consulta em 18/05/219.
262 São elas, em ordem decrescente, de acordo com o World Economic Outlook do Fundo Monetário
Internacional de abril de 2018: Estados Unidos, China, Japão, Alemanha, Reino Unido, Índia,
França, Brasil, Itália, Canadá, Coréia do Sul, Rússia, Austrália, Espanha, México, Indonésia,
Turquia, Holanda, Arábia Saudita e Suíça. https://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2018/01/
weodata/index.aspx. Consulta em 18/05/2019.
393
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
instrumento não será impeditivo para sua aplicabilidade prática, diante do signifi-
cativo número de adesões e da representatividade econômica dos países aderentes.
V – O Brasil e o MLI
O Brasil, como antecipado acima, não aderiu ao MLI. A justificativa
brasileira para essa não adesão foi a de que a complexidade do instrumen-
to provocaria prolongadas discussões no Congresso Nacional, que precisaria
aprovar o seu texto para internalizá-lo em nosso ordenamento jurídico, o que
atrasaria a implementação efetiva das mudanças necessárias. 263
Além disso, considerando o baixo número de tratados contra dupla tri-
butação firmados pelo Brasil se comparado a outros países264 permitiria ao
Brasil renegociar seus tratados para ajustá-los às conclusões do projeto BEPS
com maior facilidade, bem como inserir dispositivos no mesmo sentido em
novos tratados que venham a ser firmados.
De fato, parece ter sido esta a posição adotada pelo Brasil, não só no dis-
curso de justificativa para não aderir ao MLI, mas também na prática, como se
pode notar dos novos tratados assinados com a Suíça, Singapura e Emirados
Árabes Unidos, bem como dos protocolos de emenda às convenções firmadas
com a Argentina e com a Suécia.
Nesses novos acordos, pode-se notar os reflexos do projeto BEPS, mere-
cendo destaque o preâmbulo dessas convenções que agora, prevê expressamente
que a eliminação da dupla tributação não deve conduzir a uma situação de du-
pla não-tributação, em linha com o que dispõe o Artigo 6.1 do MLI, in verbis:
“Visando eliminar a dupla tributação com relação aos tributos abran-
gidos por este acordo sem criar oportunidades para dupla não-tri-
butação ou tributação reduzida através de evasão ou elisão tributária
(incluindo através da prática de treaty shopping com objetivo de obter
263 Como mencionado por Roberto Duque Estrada, um dos autores do presente artigo, em https://
www.conjur.com.br/2018-mai-16/consultor-tributario-convencao-multilateral-ocde-protocolo-
mendoza. Consulta em 18/05/2019.
264 Até a publicação do presente o Brasil tem 33 tratados contra dupla tributação em vigor, considerando
que o tratado com a Alemanha foi por esta denunciado em 2005.
394
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
VI – O Protocolo de Mendoza
Em 2018, o Brasil firmou três novos tratados contra a bitributação (Suíça,
Singapura e Emirados Árabes Unidos), bem como alterou o protocolo de emenda
ao Tratado Brasil-Argentina. Em 2019, o Brasil também firmou novo protocolo de
emenda ao Tratado Brasil-Suécia. Esses acordos revelaram a intenção do país em
adotar nos seus tratados muitas das medidas aprovadas nos relatórios do Projeto
BEPS. Ponto comum nesses textos foi a aprovação de medidas para evitar a utili-
265 Tradução livre do texto original: “Intending to eliminate double taxation with respect to the taxes
covered by this agreement without creating opportunities for non-taxation or reduced taxation through
tax evasion or avoidance (including through treaty-shopping arrangements aimed at obtaining reliefs
provided in this agreement for the indirect benefit of residents of third jurisdictions)”. Disponível
em https://www.oecd.org/tax/treaties/multilateral-convention-to-implement-tax-treaty-related-
measures-to-prevent-BEPS.pdf. Acesso em 18.05.2019.
395
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
zação abusiva dos tratados, bem como uma ampliação do conceito de estabeleci-
mento permanente, alargando a possibilidade de tributação na fonte.
Além disso, incluiu-se nos tratados com a Suíça, Singapura e Emirados Ára-
bes Unidos, e no protocolo de emenda com a Suécia, um artigo para possibilitar a
tributação na fonte da renda derivada da prestação de serviços técnicos. Esse dispo-
sitivo não é propriamente derivado do Projeto BEPS, mas sim de uma atualização da
Convenção Modelo da ONU, consistindo em um efetivo instrumento para anular
a dupla (não) tributação da renda nesses casos. Cláusula semelhante, curiosamente,
não foi acordada no protocolo ao acordo entre o Brasil e a Argentina.
O primeiro tratado a ser ajustado às novas medidas preconizadas pela OCDE
foi justamente o firmado pelo Brasil com a Argentina. A Argentina, é bom que se
diga, foi uma das 67 (sessenta e sete) jurisdições266 que assinaram o MLI durante
a cerimônia organizada pelo Grupo em Paris, em junho de 2017, demonstrando
o compromisso daquele país em adotar as propostas originadas no Projeto BEPS,
até como uma forma de planejar e preparar o seu ingresso na Organização267.
O protocolo de emenda ao tratado foi assinado em 24.07.2017, na cida-
de de Mendoza, e introduziu uma série de modificações ao tratado original de
17.05.1980. Posteriormente, o Decreto nº 9.482/2018 ratificou referida emenda
(Protocolo de Mendoza) destinado a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão
fiscal em matéria de imposto sobre a renda. Composto de 28 (vinte e oito) artigos,
o Decreto foi publicado no dia 27.08.2018 e entrou em vigor na mesma data.
Muitos dos pontos defendidos no Projeto BEPS e duplicados no MLI não
foram abordados no Protocolo de Mendoza, como, por exemplo, o artigo 4
daquele instrumento, pelo qual havendo reconhecimento de dupla residência
fiscal as partes devem resolver a questão por meio do MAP.
Como o protocolo de emenda ao tratado com a Argentina foi o texto
inaugural da nova política tributária a ser praticada pelo Brasil no período
pós-BEPS, a sua análise é importante para compreender a abordagem que será
empreendida pelo país nas convenções e nos protocolos que seguirão.
266 Global Tax Alert – EY. Argentina and 67 other jurisdictions signed the Multilateral Convention to
Implement Tax Treaty Related Measures to Prevent BEPS. Disponível em: https://www.ey.com/gl/
en/services/tax/international-tax/alert--argentina-signs-multilateral-convention-to-implement-
tax-treaty-related-measures-to-prevent-beps. Acesso em 22.05.2019.
267 Estadão. Brasil perde terreno na OCDE para Argentina. Disponível em: https://economia.estadao.com.
br/noticias/geral,brasil-perde-terreno-na-ocde-para-argentina,70001979060. Acesso em 22.05.2019.
396
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
268 “Treaty shopping” refere-se a uma situação em que uma pessoa, que é residente em um país e obtém
renda ou ganhos de capital de outro país, é capaz de se beneficiar de um tratado tributário firmado
entre o país da fonte e um terceiro país. Essa situação surge frequentemente quando uma pessoa é
residente em um país que não tem um tratado contra a bitributação com o país da fonte.
269 Brazil’s absence from the Multilateral BEPS Convention and the new amending protocol signed
between Brazil and Argentina. Disponível em: http://kluwertaxblog.com/2017/09/05/brazils-absence-
multilateral-beps-convention-new-amending-protocol-signed-brazil-argentina. Acesso em 23.05.2019.
397
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
270 3. Não obstante as disposições dos parágrafos 1 e 2, uma entidade legal residente de um Estado
Contratante e que obtenha rendimentos de fontes no outro Estado Contratante não terá direito nesse
outro Estado Contratante aos benefícios da presente Convenção se mais de cinquenta por cento da
participação efetiva nessa entidade (ou, no caso de uma sociedade, mais de cinquenta por cento do
valor agregado das ações com direito a voto e das ações em geral da sociedade) for de propriedade,
direta ou indiretamente, de qualquer combinação de uma ou mais pessoas que não sejam residentes
do primeiro Estado Contratante. Todavia, esta disposição não se aplicará se essa entidade exercer,
no Estado Contratante do qual for residente, uma atividade comercial de substância que não seja a
mera detenção de títulos ou quaisquer outros ativos, ou a mera prestação de atividades auxiliares,
preparatórias ou quaisquer outras atividades similares com respeito a outras entidades associadas.
398
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
399
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
400
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
VI.3 – Juros
Registra-se que a redação original do tratado entre Brasil e Argentina
não estabelecia, no artigo 11, um limite para a retenção de juros na fonte. A
redação proposta pelo novo protocolo estipula que a alíquota, nesse caso, deve
ser limitada a 15%.
Importante destacar que nem o acordo original nem o protocolo de emen-
da dispuseram a respeito da submissão a essa cláusula dos juros sobre o capital
próprio. Com efeito, o Brasil tem sustentado que tais remunerações revestem
a natureza de “juros” e assim devem ser tratados para efeitos de aplicação das
convenções, tendo, inclusive, feito tal assimilação nos tratados mais recentes.
401
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
VI.4 – Royalties
A redação original do tratado firmado entre Brasil e Argentina também
não previa um limite para a retenção de royalties na fonte. A redação proposta
pelo novo protocolo estipula que a alíquota, nesse caso, deve ser limitada a
15% do seu montante bruto, na hipótese de eles estarem relacionados ao uso
ou à concessão do uso de marcas de indústria ou de comércio; ou a 10%, em
todos os demais casos. Foi adicionada, ainda, uma nova redação ao item 7 do
protocolo original, para deixar claro que as rendas provenientes do uso ou da
concessão de uso de software serão classificadas como royalties.
271 Nesse ponto específico é bom que se diga que a Receita Federal fazia ouvidos moucos ao tratado,
afirmando constantemente que o Brasil tributa parcela equivalente do ajuste do valor do investimento
em controlada no exterior, não surtindo qualquer efeito a cláusula de isenção de dividendos prevista
no tratado firmado entre o Brasil e a Argentina (Ver, p.ex., Solução de Consulta Cosit n, 400/2017).
402
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
403
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
munidade internacional, já que não é de hoje que o país não vem cooperando
internacionalmente com medidas multilaterais visando a evitar a bitributação.
Nada obstante alguns atos internos cooperativos promulgados pelo país,
como, por exemplo, o já citado FATCA, em dezembro/2017, o Presidente Do-
nald Trump promulgou o Tax Cut and Jobs Act (TCJA), tendo sido destacado
pela Casa Branca como “the most significant Federal tax reform enacted in the
United States in decades”273. O TCJA reduziu a alíquota do Imposto de Renda
corporativo de 35% para 21%274 e destacou 4 (quatro) principais objetivos: (i)
redução da carga tributária para as denominadas “middle-income families”;
(ii) simplificação do imposto e suas obrigações para as pessoas físicas; (iii)
crescimento econômico; e (iv) repatriação do lucro auferido no exterior.
Nada obstante tais medidas unilaterais terem sido editadas com o obje-
tivo de evitar a erosão da base tributária, como, por exemplo, a limitação da
dedutibilidade dos juros para 30%, a nova sistemática de tributação dos lucros
auferidos no exterior275, há alguns pontos no TCJA que são prejudiciais aos
tratados celebrados pelos EUA. É o caso do novo imposto criado, o Base Ero-
sion Anti-Abuse Tax (BEAT)276 que permite a tributação sobre os pagamen-
tos feitos por empresas norte-americanas para partes relacionadas situadas
no exterior. Com essa possibilidade, há agora nítida violação aos dispositivos
relacionados ao Princípio da Não Discriminação estabelecidos nos tratados
273 h t t p s : / / w w w . w h i t e h o u s e . g o v / w p c o n t e n t / u p l o a d s / 2 0 1 8 / 0 2 / W H _
CuttingTaxesForAmericanWorkers_Feb2018.pdf. Acesso em 05.05.2019.
274 Essa nova alíquota está muito próxima da média da alíquota nominal de IR corporativo da OCDE,
tornando os Estados Unidos ainda mais atrativo para investidores nacionais e internacionais.
275 A nova legislação determinou que a pessoa jurídica norte-americana seja tributada sobre os lucros
acumulados entre 1987 e 2017 auferidos por suas controladas estrangeiras e por algumas outras
sociedades estrangeiras. Assim, no caso de PJ com lucros mantidos no exterior em caixa haverá a
tributação à alíquota de 15,5%. Já em relação aos períodos de apuração a partir de 2018, os lucros
das controladas estrangeiras sujeitam-se a uma tributação de 10,5% sobre determinados sócios
qualificados, se tais valores estiverem sujeitos a uma tributação efetiva no exterior de pelo menos
13,125%. No entanto, quando uma empresa norte-americana possuir uma subsidiária estrangeira
com efetiva atividade em outro local, os seus lucros não estarão sujeitos à tributação nos Estados
Unidos, com exceção se estiverem sujeitos a uma alíquota estrangeira reduzida.
276 O BEAT é um imposto sobre os pagamentos realizados pelos norte-americanos para empresas
overseas. Para maiores explicações sobre essa nova tributação, verificar: http://www.roedl.net/
us/en/tax_reform/key_business_tax_provisions/base_erosion_and_anti_abuse_tax_beat.html.
Acesso em 05.05.2019.
404
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
277 No início de dezembro, os Ministros das Finanças de cinco países europeus (Alemanha, França,
Inglaterra, Espanha e Itália) escreveram para o secretário do Tesouro Steven Mnuchin na tentativa
de demonstrarem sua insatisfação com a reforma tributária no país. Para maiores informações:
https://www.reuters.com/article/usa-tax-europe-letter/european-finance-ministers-call-for-u-s-
tax-reform-rethink-idUSA5N1JY023. Acesso em 06.05.2019.
278 https://www.bna.com/treasury-official-explains-n73014453413/. Acesso em 06.05.2019.
405
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
406
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
407
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
VIII – Conclusão
Como visto, o MLI é um instrumento que visa garantir maior coesão
nos parâmetros adotados pelos países no âmbito da tributação internacional,
mas que ainda está em desenvolvimento. Sua implementação prática desde a
publicação do relatório final da Ação 15 do Projeto BEPS tem ocorrido de for-
ma mais tranquila e com indícios de sucesso do que inicialmente se esperava,
inclusive contrariando o que se mencionou na primeira edição do presente
artigo com base nas experiências anteriores de convenções multilaterais.
A adoção e implementação deste instrumento multilateral é altamente re-
comendável para garantir a coesão supracitada, tendo em vista a ampla rede de
tratados bilaterais atualmente em vigor. Com o MLI, as jurisdições provavelmente
conseguiriam implementar as medidas desenvolvidas ao longo do Projeto BEPS
de forma coordenada, eis que consolidadas em um único documento. Tal coor-
denação ajudaria a evitar os descompassos gerados por eventuais implementações
unilaterais, que poderiam levar ao surgimento de novas oportunidades para a
erosão da base tributária ou, ainda, a situações de dupla tributação.
O presente artigo buscou demonstrar essa importância do MLI, bem como
a necessidade de adesão das diversas jurisdições para, assim, o objetivo da OCDE
ser atingido. Apesar de ainda haver um longo caminho pela frente até que se possa
afirmar que sua implementação foi bem sucedida, é certo que, atualmente, por
haver um maciço interesse na adoção de medidas coordenadas em escala global
para a contenção do BEPS, as chances de êxito são grandes. O elevado número de
países que já aderiram ao MLI corrobora esse ponto.
Embora o instrumento não tenha ainda sido ratificado pelos Estados
Unidos e pelo Brasil, os indicativos, até o momento, são de que a necessidade
de adesão maciça ao MLI não será impeditivo para sua aplicabilidade prática,
já sendo estimado pela OCDE que mais de 1200 tratados bilaterais são atual-
mente alcançados pelo MLI.284
284 https://www.oecd.org/tax/treaties/multilateral-instrument-BEPS-tax-treaty-information-
brochure.pdf. Acesso em 30.05.2019.
408
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
409
Parte III – Transparência e
Economia Digital
14. O Conceito de Estabelecimento
Permanente – Evolução do Conceito
e as Alterações Propostas pelo
Plano de Ação 7 do BEPS
Ronaldo Apelbaum
Mestrando em Direito Tributário pela Universidade de São
Paulo (USP). Vice-Presidente de Turma na 1ª Seção do Conse-
lho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF – MF). Advogado
licenciado em São Paulo – SP.
Resumo
O presente artigo analisará os impactos das mudanças propostas pela
Ação 7 do Plano BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), trabalho coordena-
do pela OCDE e que visa inserir alterações no Modelo-Convenção e em seus
comentários, decorrentes das alterações nas formas de praticar negócios e da
experiência dos planejamentos tributários observados nos últimos anos. Esse
Plano, especificamente, trata do conceito de Estabelecimento Permanente (PE),
tão relevante para a consecução da tributação regulada por esses instrumentos.
Esse trabalho discorrerá sobre o histórico evolutivo do conceito de PE, a
visão da doutrina e dos países-membro da OCDE, além dos tribunais, sobre
o conceito e os novos contornos pretendidos. Veremos, ainda, se de fato as
mudanças propostas terão o condão de alterar o tratamento fiscal atinente às
atividades exercidas em países que não a residência fiscal dos contribuintes ou
se somente ampliaremos as discussões que hoje permeiam o conceito de PE.
Palavras-chave: BEPS – Estabelecimento Permanente – contratos com
agentes e comissionários - países em desenvolvimento.
413
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Abstract
The present article will analyze of the impacts of BEPS Action 7 Plan
proposed changes. The mentioned Plan was prepared under the coordination
of OCDE and the main objective is to amend the Model Tax Convention and
its comments, derived from the changes in then way business has been con-
ducted in the last years, as well as tax planning initiatives. This Plan´s theme
is the concept of Permanent Establishment (PE), such a relevant issue of the
proper taxation of instruments regulated under the Convention Model.
This paper will address the historic evolution of PE concept, doctrinal
construction and country´s authority´s vision, besides the Courts. Still, will be
also put under discussion if the proposed changes will really bring a new taxa-
tion era for the companies´ business rendered around the globe or if the new
proposals will only enhance all actual discussions around PE´s characterization.
KEYWORDS: BEPS – Permanent Establishment – agency and commis-
sionaire agreements – developing countries.
414
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
rias”, além do papel das pessoas e instalações em cada uma das jurisdições.
Ressalta a necessidade de se rediscutir o nexo e a caracterização de atividades
digitais e outras atividades intangíveis (STEWART, 2015, pp.399-400).
Não se trata de assunto novo trazido pela OCDE somente nos Planos de
Ação do BEPS. Em 1988, a própria OCDE já reconhecia a influência da Eco-
nomia Digital no cenário global285, conforme reporte resultante do encontro
em Ottawa em 1998, com discussões sobre o papel dos Estabelecimentos nessa
perspectiva. O papel da presença física na determinação da tributação, nesse
contexto, é um crescente anacronismo (BRAUNER; BAEZ, 2015, p.4).
Ainda segundo BRAUNER, o contexto econômico atual também acom-
panha as necessidades de revisão do modelo derivadas da economia digital
(BRAUNER, 2014, p.63). Retração econômica dos países ricos e dominantes
da OCDE e crescimento de economias que representam grandes fontes de pa-
gamento também é elemento direcionador dos Planos de Ação.
É nesse contexto de análise das mudanças na atividade econômica e na
rediscussão sobre a distribuição dos recursos que as mudanças devem ser
compreendidas. E na própria Ação 1 do BEPS o conceito de PE já é explorado,
mostrando que é impossível dissociar as mudanças propostas nessa Ação da-
quelas previstas na Ação 7, que trata do novo conceito de PE.
285 ‘”1. Electronic commerce has the potential to be one of the great economic developments of the 21st
century. The information and communication technologies which underlie this new of doing business
open up opportunities to improve global quality of life and economic well-being. Electronic commerce
has the potential to spur growth and employment in industrialized, emerging and developing
countries.” In A borderless world: realizing the potential of electronic commerce, October 1998.
415
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
416
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
286 “(…) The real centre of management, affiliated companies, branches, factories, agencies, warehouses,
offices, depots, shall be regarded as permanent establishments”
417
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
parte da doutrina (TORRES, 2001, p.217) (VOGEL, 1991, pp. 199-200), o con-
ceito de PE atua como limitação e condição para exercício do poder tributante
de determinado Estado.
A partir das mudanças promovidas aos Comentários em 1994 e 2002,
os contornos das discussões atuais enfrentadas pelos Planos do BEPS foram
estabelecidos: o threshold de 12 meses, noção de autoridade para conclusão de
contratos, dentre outros. Em conjunto com essa evolução, temos também as
mudanças no panorama dos negócios, especialmente trazidos pelos ventos da
tecnologia da informação. Os conceitos de participação nas conclusões de ne-
gócios também foram alterados e impactaram de forma relevante o trabalho
realizado pelos especialistas na matéria (CALIENDO, 2005, p. 567).
Essas mudanças devem ser consideradas também com a noção de territo-
rialidade, tão relevante para a tributação, especialmente na determinação dos
limites do poder tributante. A noção de território também se ampliou e, embora
pouco explorada no Plano de Ação 7, como veremos mais adiante, é um dos ali-
cerces para essa discussão. A relativização do conceito de território, inclusive, já
havia sido apontada por e carregou consigo novas discussões sobre tributação e
soberania, como apontou LUIS EDUARDO SCHOUERI (2005, p. 336).
Fato é, entretanto, que não é possível construir um conceito fechado de
PE. Não há nos Modelos trabalhados pela Liga das Nações ou OCDE um con-
ceito unívoco, fechado, do que é um PE. Essa regra, limitadora da competên-
cia impositiva ao país fonte dos rendimentos, é naturalmente influenciada pe-
los conceitos de direito interno e pela interpretação jurisprudencial do tema.
Para CALIENDO e TÖRRES, a regra básica veio perigosamente sendo
ampliada ao longo do tempo, como quando da inclusão de filiais e sucursais no
conceito de PE. Tal amplitude, porém, não pode ser atribuída somente às dele-
gações que, convocadas pela OCDE parra esses fins, revisam os critérios. Como
mencionado, a jurisprudência acerca do tema acaba por resultar na ampliação
do conceito. Alguns casos relevantes, como os mencionados abaixo, mostram a
evolução do tema (CALIENDO, 2005, p. 231) (TÖRRES, 2001, p. 248).
418
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
419
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
288 Processo 10925, julgado pela Corte Suprema da Itália e que concluiu pela existência de uma PE da
empresa na Itália independente do preenchimento dos requisitos constantes do Art. 5º do Tratado
EUA-Itália, nos moldes do Modelo OCDE
420
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
no caso “BS SPA”. Nesse caso, a prova de que a empresa estabelecida na Itália (BS
S.p.a) tinha independência para fechar contratos de forma independente da em-
presa holandesa (BS B.V.) foi suficiente para descaracterizar a existência de PE em
território italiano, critério não adotado em julgamentos anteriores289.
O que se percebe, nas decisões da Corte Suprema Italiana, é que a ine-
xistência de um PE em casos de total independência foi somente reconhecida
muitos anos depois de outros países, demonstrando a dificuldade de transfor-
mação de conceitos a partir da experiência de outros países.
As situações e decisões acima descritas mostram as diversas interpre-
tações sobre o conceito de PE e que independem das disposições constantes
dos Modelos OCDE ou ONU. Cabe à Organização reconhecer tais decisões e
procurar adaptar suas disposições às discussões, decisões e avanços que im-
pactam o conceito de PE adotado pelos países.
289 Maiores detalhes sobre essa mudança de paradigma estão na página da euitalianinternationaltax.
com. Acesso em http://www.euitalianinternationaltax.com/2012/11/articles/international-
taxation/italian-supreme-court-reverses-course-on-permanent-establishment-issue/
290 “(...) nowadays it is possible to be heavily involved in the economic life of another country, e.g. by doing
business with customers located in that country via the internet, without having a taxable presence
therein (such as substantial physical presence or a dependent agent). In an era where non-resident
taxpayers can derive substantial profits from transactions with customers located in another country,
421
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
questions are being raised as to whether the current rules ensure a fair allocation of taxing rights on
business profits, especially where the profits from such transactions go untaxed anywhere.”
291 A revisão do conceito de Estabelecimento Permanente deveria trazer mais certeza acerca do
conceito, e não abrir o conceito de forma que as incertezas aumentem. Essa é a mensagem do
Boletim Joint AOTCA/CFE Opinion Statement FC 1/2015 on the OECD 2014 Public Discussion Draft
on Preventing the Artificial Avoidance of PE Status (BEPS Action 7), p.1
422
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
292 1. For the purposes of this Convention, the term “permanent establishment” means a fixed place of
business through which the business of an enterprise is wholly or partly carried on. (…)
3. A building site or construction or installation project constitutes a permanent establishment only if
it lasts more than twelve months.
293 3. The BEPS Report and the BEPS Action Plan recognize that the current definition of permanent
establishment must be changed in order to address BEPS strategies. OECD/G20 BASE EROSION
AND PROFIT SHIFTING PROJECT, ACTION 7, 2015 FINAL REPORT, P. 14
423
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
424
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
294 Como no caso do parágrafo 4.1, que esclarece a necessidade de análise conjunta das atividades
desenvolvidas por um ou mais estabelecimentos (b) the overall activity resulting from the combination
of the activities carried on by the two enterprises at the same place, or by the same enterprise or closely
related enterprises at the two places, is not of a preparatory or auxiliary character, provided that the
business activities carried on by the two enterprises at the same place, or by the same enterprise or
closely related enterprises at the two places, constitute complementary functions that are part of a
cohesive business operation.) Ob. Cit., p. 33
295 Podemos perceber, na revisão dos parágrafos, a inclusão de exemplos cotidianos para tentar explicitar
os conceitos. A depender do destinatário da mensagem, os exmplos podem server não apenas para
explicitar, mas também para criar conceitos cerrados do que a regra geral procurou atingir. Assim
menciona a nova redação do Comentário 21.2: (…) Where, for example, a construction enterprise
trains its employees at one place before these employees are sent to work at remote work sites located in
other countries, the training that takes place at the first location constitutes a preparatory activity for
that enterprise. An activity that has an auxiliary character, on the other hand, generally corresponds
to an activity that is carried on to support, without being part of, the essential and significant part
of the activity of the enterprise as a whole. It is unlikely that an activity that requires a significant
proportion of the assets or employees of the enterprise could be considered as having an auxiliary
character. Ob. Cit., p. 26
425
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
296 Vejamos o exemplo específico do armazém mencionado no parágrafo 22: Where, for example,
an enterprise of State R maintains in State S a very large warehouse in which a significant number
of employees work for the main purpose of storing and delivering goods owned by the enterprise that
the enterprise sells online to customers in State S, paragraph 4 will not apply to that warehouse since
the storage and delivery activities that are performed through that warehouse, which represents an
important asset and requires a number of employees, constitute an essential part of the enterprise’s sale/
distribution business and do not have, therefore, a preparatory or auxiliary character. Ob. Cit, p. 26 e 27
297 22.5 The first part of subparagraph d) relates to the case where premises are used solely for the purpose of
purchasing goods or merchandise for the enterprise. Since this exception only applies if that activity has
a preparatory or auxiliary character, it will typically not apply in the case of a fixed place of business used
for the purchase of goods or merchandise where the overall activity of the enterprise consists in selling
these goods and where purchasing is a core function in the business of the enterprise (…) Ob.Cit., p. 28
426
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
298 A nova regra antifragmentação traz esclarecimento sobre a caracterização de PE no caso de mais
de um estabelecimento associado ao mesmo grupo econômico. Esclarece que tal caracterização
somente se efetivaria caso fique comprovada que as atividades, mesmo conjugadas, não são
meramente auxiliaries ou preparatórias:
30.2 The purpose of paragraph 4.1 is to prevent an enterprise or a group of closely related enterprises
from fragmenting a cohesive business operation into several small operations in order to argue that
each is merely engaged in a preparatory or auxiliary activity. Under paragraph 4.1, the exceptions
provided for by paragraph 4 do not apply to a place of business that would otherwise constitute a
permanent establishment where the activities carried on at that place and other activities of the same
enterprise or of closely related enterprises exercised at that place or at another place in the same State
constitute complementary functions that are part of a cohesive business operation. For paragraph
4.1 to apply, however, at least one of the places where these activities are exercised must constitute a
permanent establishment or, if that is not the case, the overall activity resulting from the combination
of the relevant activities must go beyond what is merely preparatory or auxiliary.(…)
Ob. Cit., p. 34
427
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
contratante) ou por meio de agentes (que não atuam em nome próprio, apenas
angariam negócios para seu contratante).
De acordo com o conceito adotado pela OCDE, um comissionário pode
ser definido como um arranjo em que uma pessoa vende produtos em nome
próprio, mas por conta de uma empresa estrangeira titular dos direitos sobre
aquele produto. A interpretação das regras relativas ao PE permite que contra-
tos para venda de mercadorias pertencentes a uma empresa estrangeira sejam
negociados e concluídos em um país sem que os lucros dessa transação sejam
tributados da mesma forma caso a venda tivesse ocorrido por meio de um dis-
tribuidor. Os contratos de comissionários permitem assim a transferência do
lucro do país em que o contrato é celebrado para o país da empresa estrangeira.
Esse conceito foi sendo construído a partir das revisões da OCDE e da
jurisprudência bastante relevante sobre o tema. No caso Zimmer, empresa de
produtos ortopédicos originária do Reino Unido e que comercializava seus pro-
dutos no mercado francês através de uma empresa distribuidora (Zimmer Sas).
Em 1996, a Zimmer Sas foi convertida em um agente comissionado da Zimmer
Ltd, o que foi considerado abusivo pelas autoridades fiscais francesas, caracteri-
zando tal estabelecimento como PE. Essa decisão está em compasso com as con-
siderações da OCDE nas propostas de mudança constantes do Plano de Ação 7.
Conforme poderá ser verificado dos novos parágrafos 5 e 6 propostos, o
Plano de Ação BEPS “informaliza” a relação jurídica do Comissionário para
atribuir capacidade ampliada mesmo àqueles que, do ponto de vista jurídico,
não estão legitimados a agir como verdadeiros representantes legais da empre-
sa estrangeira no país.
Em outras palavras, há substituição de expressões como “authority to
conclude contracts” e “so called dependent agents” por outras como “habitually
concludes contracts” e “act on behalf of the enterprise”. Não há nada de sutil
nessa proposta; há uma profunda mudança de status da pessoa que realiza a
negociação de contratos. De mero agente, passa a ser verdadeiro representante
da empresa estrangeira299.
299 A redação proposta para o novo Art. 5º retira parte da formalidade antes aplicada para a
caracterização do PE a partir da figura do agente e comissionário, como podemos ver no seguinte
trecho: “5.(…) in doing so, habitually concludes contracts, or habitually plays the principal role
leading to the conclusion of contracts that are routinely concluded without material modification by
the enterprise, and these contracts are a) in the name of the enterprise, or
428
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
b) for the transfer of the ownership of, or for the granting of the right to use, property owned by that
enterprise or that the enterprise has the right to use, or
c) for the provision of services by that enterprise, (…)
Ob. Cit., p. 15
300 Senão vejamos, na nova redação proposta para o Parágrafo 33.1 dos Comentários ao art. 5º:
33.1 The requirement that an agent must “habitually” exercise an authority to conclude contracts or
play the principal role leading to the conclusion of contracts that are routinely concluded
without material modification by the enterprise reflects the underlying principle in Article 5 that
the presence which an enterprise maintains in a Contracting State should be more than merely
transitory if the enterprise is to be regarded as maintaining a permanent establishment, and thus
a taxable presence, in that State. The extent and frequency of activity necessary to conclude that
the agent is “habitually exercising” concluding contracts or playing the principal role leading to
the conclusion of contracts that are routinely concluded without material modification by the
enterprise contracting authority will depend on the nature of the contracts and the business of
the principal. It is not possible to lay down a precise frequency test. Nonetheless, the same sorts of
factors considered in paragraph 6 would be relevant in making that determination. Ob. Cit., p. 19
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
301 Essa proposta visa demonstrar que situações como a existência de diversos contraltos para
uma determinada empreitada, ainda que limitadas a menos de 12 meses, não devem ser assim
consideradas se forem atividades conexas e realizadas por empresas relacionadas, São expressões
como “connected activities” e “closely related enterprises” amplamente utilizadas nesses parágrafos
e que demonstram tal relativização
302 The fact that a company which is a resident of a Contracting State controls or is controlled by a
company which is a resident of the other Contracting State, or which carries on business in that other
State (whether through a permanent establishment or otherwise), shall not of itself constitute either
company a permanent establishment of the other.
430
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
431
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
432
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Bibliografia
BRAUNER, Yariv. ‘What the BEPS?’ Florida Tax Review, v. 16, n. 2. Gainesvil-
le: Universidade da Florida, 201
433
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
DE BROE, Luc; LUTS, Joris. BEPS Action 6: tax treaty abuse. Intertax, vol. 43,
n. 2. The Netherlands: Kluwer Law International, 2015.
434
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
435
15. O Plano de Ação 13 do BEPS:
Reflexões sobre o seu Conteúdo e
Aplicação à Realidade Brasileira
Vinicius Bentolila304
Francisco Lisboa Moreira305
1. Introdução
O tema central desta obra é a análise do projeto Base Erosion and Profit
Shifting, ou Erosão das Bases Tributárias e Transferência de Lucros. Trata-se
de projeto de escopo altamente amplo, que teve início após uma demanda
dos membros306 da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimen-
to Econômico) e, posteriormente, foi ampliado com o ingresso dos países do
G-20307, e que objetivava fornecer as diretrizes para um combate coordenado
aos planejamentos tributários tidos como abusivos.
304 Advogado. Bacharel em Direito pela UFRJ. Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP. Professor
do IBET. Gerente Tributário Sênior para a América Latina do Departamento Corporativo da
thyssenkrupp Brasil.
305 Advogado. LLM em Tributação Internacional pela NYU. Mestrando em Direito Econômico,
Financeiro e Tributário na Universidade de São Paulo. Sócio de Bocater, Camargo, Costa e Silva,
Rodrigues Advogados.
306 Atualmente são 34 países membros: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canada, Chile, Coréia do
Sul, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Eslovênia, Finlândia, França, Grécia, Holanda,
Hungria, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Nova Zelândia, Noruega,
Polônia, Portugal, República Checa, República Eslovaca, Reino Unido, Suécia, Suíça e Turquia.
307 A página do Banco Central do Brasil traz as seguintes informações acerca do G-20: “O G-20 é um
fórum informal que promove debate aberto e construtivo entre países industrializados e emergentes
sobre assuntos-chave relacionados à estabilidade econômica global. O G-20 apoia o crescimento e
o desenvolvimento mundial por meio do fortalecimento da arquitetura financeira internacional e
via oportunidades de diálogo sobre políticas nacionais, cooperação internacional e instituições
econômico-financeiras internacionais.
Criado em resposta às crises financeiras do final dos anos 90, o G-20 reflete mais adequadamente a
diversidade de interesses das economias industrializadas e emergentes, possuindo assim maior
representatividade e legitimidade. O Grupo conta com a participação de Chefes de Estado, Ministros
de Finanças e Presidentes de Bancos Centrais de 19 países: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita,
437
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia,
Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia. A União Europeia também faz parte do Grupo,
representada pela presidência rotativa do Conselho da União Europeia e pelo Banco Central Europeu.
Ainda, para garantir o trabalho simultâneo com instituições internacionais, o Diretor-Gerente do Fundo
Monetário Internacional (FMI) e o Presidente do Banco Mundial também participam das reuniões.
Desde o advento da última crise, o G-20 passou também a trabalhar em iniciativas diversas com outros
organismos, países convidados e fóruns internacionais, como o BIS, FSB, OCDE, dentre outros. Ainda,
a ocasião trouxe a separação da pauta do G-20 em duas trilhas: financeira, a cargo dos ministérios
das finanças e bancos centrais dos países-membros; e de desenvolvimento, sob a responsabilidade dos
ministérios de relações exteriores.” (http://www.bcb.gov.br/?G20, acesso em 14/02/2016).
308 Existe uma discussão doutrinária importante acerca da existência de um ˜sistema tributário
internacional” ou um “regime tributário internacional”. Para o Professor Yariv Brauner, a melhor
terminologia seria um “regime tributário mundial”, por melhor refletir a função de uma cooperação
internacional entre diversos sistemas domésticos internacionais. BRAUNER, Yariv. An International
Tax Regime in Crystallization. Tax Law Review, New York, n. 56, pp. 259-328. p. 261. 2003.
438
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
309 Os planos de ação do BEPS são os seguintes: Plano de ação 01: “Endereçando os desafios da economia
digital” (Address the tax challenges of the digital economy); Plano de ação 02: “Neutralizando os
efeitos de instrumentos híbridos” (Neutralising the Effects of Hybrid Mismatch Arrangements); Plano
de ação 03: “Fortalecimento das regras CFC” (Strengthening CFC Rules): Recomendações aos países
para o fortalecimento e maior eficácia das normas de tributação dos lucros auferidos no exterior; Plano
de ação 04: “Limitação da erosão da base tributável através da deduções de juros e outros pagamentos
financeiros” (Limit base erosion via interest deductions and other financial payments); Plano de
ação 05: “Combatendo práticas tributárias abusivas, levando em consideração a transparência e a
substância” (Countering Harmful Tax Practices More Effectively, Taking into Account Transparency
and Substance); Plano de ação 06: “´Prevenção ao abuso dos acordos” (Preventing Treaty Abuse); Plano
de ação 07: “Prevenção à exclusão artificiosa do status de Estabelecimento Permanente” (Prevent the
artificial avoidance of PE status); Planos de ação 08, 09 e 10: “Assegurar que os resultados de preços de
transferência estejam em linha com o local da criação de valor” (Assure that transfer pricing outcomes
are in line with value creation: Intangibles, Risk and Capital e Other high-risk transactions); Plano de
ação 11: “Estabelecer uma metodologia para a coleta e análise de dados sobre BEPS e os resultados das
ações para combatê-lo” (Establish methodologies to collect and analyse data on BEPS and the actions
to address it); Plano de ação 12: “Requerer aos contribuintes que divulguem os seus planejamentos
tributários agressivos” (Require taxpayers to disclose their aggressive tax planning arrangements);
Plano de ação 13: “Reexaminar a documentação de preços de transferência” (Re-examine transfer
pricing documentation); Plano de ação 14: “Tornar os mecanismos de resolução de disputas mais
efetivos” (Make dispute resolution mechanisms more effective); e Plano de ação 15: “Desenvolvimento
de um Instrumento Multilateral para modificar os acordos bilaterais” (Developing a Multilateral
Instrument to Modify Bilateral Tax Treaties).
310 OECD (2015), Transfer Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting, Action 13 –
2015 Final Report, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, Paris.
http://dx.doi.org/10.1787/9789264241480-en, pg. 3
311 OECD (2015), Op. Cit., Pg. 3
312 OECD (2015), Op. Cit., Pg. 3.
439
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321 Sobre o assunto, vide Avi-Yonah, Reuven S. e Benshalom, Ilan “Formulary Apportionment: Myths
and Prospects - Promoting Better International Policy and Utilizing the Misunderstood and Under-
Theorized Formulary Alternative.” World Tax J. 3, no. 3 (2011). Pg 371-98.
446
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
ment – TIEA) ou um Acordo para Evitar a Dupla Tributação que atenda aos
padrões internacionais de requisição de informações revisados pelo Fórum Glo-
bal de Transparência e Intercâmbio de Informações em Matéria Tributária.”323
Nesse sentido, é importante notar que o Brasil foi considerado como lar-
gely compliant, nos termos em que definidos pelo Fórum Global de Intercâmbio
de Informações da OECD324, tendo sido a menor nota do país atribuída para o
item “Rights and Safeguards” (direitos e salvaguardas), onde o país foi considerado
“Partially Compliant” (parcialmente em conformidade). Reforçando as razões de
direito constitucional pelas quais, provavelmente, o Brasil recebeu tal avaliação,
vale citar as palavras do Professor Luís Eduardo Schoueri, onde afirmou que “the
Supreme Court may confirm its approach that bank secrecy is constitutionally pro-
tected and a breach of secrecy forbidden is without a judicial writ”325.
Em paralelo, no que compete à aplicação da convenção-modelo para tro-
ca de informações da OCDE, o parágrafo primeiro do seu art. 21 determina
que “nada nesta Convenção afetará os direitos e as salvaguardas garantidas a
pessoas pelas leis ou pelas práticas administrativas do Estado solicitado”326.
Sobre o tema, também compartilhamos com a opinião do professor Sérgio
André Rocha que, baseado no art. 199 do Código Tributário Nacional, no
seu parágrafo 1o,327 concluiu que “os tratados bilaterais celebrados pelo Brasil
448
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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332 BORGES, Alexandre Siciliano e TAKANO, Caio Augusto. Op. Cit., p. 380.
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
333 Conforme é possível verificar no item 12 da exposição de motivos da Lei 9.430/96, nos seguintes
termos: “12. As normas contidas nos arts. 18 a 24 representam significativo avanço da legislação
nacional face ao ingente processo de globalização experimentado pelas economias contemporâneas.
No caso específico, em conformidade com regras adotadas nos países integrantes da OCDE, são
propostas normas que possibilitam o controle dos denominados ‘Preços de Transferência’, de
forma a evitar a prática, lesiva aos interesses nacionais, de transferência de recursos para o exterior,
mediante a manipulação dos preços pactuados nas importações ou exportações de bens, serviços ou
direitos, em operações com pessoas vinculadas, residentes ou domiciliadas no exterior”.
334 A OCDE apresenta, no glossário dos seus TP Guidelines, a seguinte definição para o verbete Arm’s
length principle: “The international standard that OECD Member countries have agreed should
be used for determining transfer prices for tax purposes. It is set forth in Article 9 of the OECD
Model Tax Convention as follows: ‘conditions are made or imposed between the two enterprises
in their commercial or financial relations which differ from those which would be made between
independent enterprises, then any profits which would, but for those conditions, have accrued to
one of the enterprises, but, by any reason of those conditions, have not so accrued, may be included
in the profits of that enterprise and taxed accordingly’” (Cf. OCDE. Transfer Pricing Guidelines for
Multinational Enterprises and Tax Administrations. Paris: OCDE, 2017).
335 Em seus TP Guidelines, a OCDE apresenta uma série de circunstâncias que devem ser consideradas
para a aplicação arm’s length, quais sejam: (i) indetificação das relações comerciais e financeiras
sob análise; (ii) identificação das reais operações realizadas, que quer significar que, em regra,
451
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
operações com a mesma configuração/estrutura devem ser comparadas; (iii) análise das perdas
nas operações, justificada pela presunção de que sucessivas perdas podem indicar práticas não
desejáveis no contexto arm’s length; (iv) efeito das políticas governamentais, tendo em vista a
significativa interferência que o Estado pode ter na economia; (v) utilização da valoração aduaneira,
recomendando a cooperação entre as autoridades fiscais e aduaneiras; (vi) características
pertinentes à localização geográfica da operação; (vii) características da mão de obra utilizada
na operação; (viii) sinergias inerentes aos conglomerados multinacionais analisados. (Cf. OCDE.
Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. Paris: OCDE,
2017 (parágrafos 1.33 a 1.73).
452
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
mais variados elementos que venham a interferir na formação dos preços por
eles praticados (tais como, as funções e os riscos assumidos por cada unidade
do Grupo, ou ainda um pacote de propostas econômicas apresentadas pelos
governos das jurisdições pelas quais se desdobram as atividades analisadas,
como também o comportamento do mercado consumidor, em cada região a
ser considerada), todos estes sendo merecedores de comprovação, suscitam a
elaboração de um arcabouço documental robusto. Daí a amplitude semântica
do tema documentação, quando estamos diante de estudos de preços de trans-
ferência pautados pelas diretrizes da OCDE.
453
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
336 Conforme o § 4º , do art. 15 da IN SRF 1.312/12: § 4º Poderão ser utilizados dados da própria
unidade fornecedora ou de unidades produtoras de outras pessoas jurídicas, localizadas no país de
origem do bem, serviço ou direito.
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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338 Nas palavras do professor: “Tratando-se de publicações técnicas, por outro lado, devem elas atender
os requisitos do inciso II in fine do artigo 21 da Lei no 9.430/96: é necessário que se especifique o setor,
o período, as empresas pesquisadas e a margem encontrada, bem assim identifique, por empresa,
os dados coletados e trabalhados. O excesso de zelo do legislador pode levar à inaplicabilidade
prática de tal permissivo, já que, no mais das vezes, as publicações apenas apresentam os resultados
das pesquisas levadas a feito, raramente chegando ao ponto de fornecer as informações obtidas,
por empresa. Por essa ser uma exigência legal, outrossim, não há como dispensar o requisito, não
valendo de prova de custos e preços médios as publicações que não desçam a tais detalhes” (Preços
de Transferência no Direito Tributário Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2013, p. 136).
457
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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16. Desafios à implementação global
das regras de mandatory disclosure
Stéphanie Samaha
Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela
Universidade de São Paulo (USP).
Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de
Direito Tributário (IBDT).
Advogada em São Paulo.
459
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Introdução
O presente artigo tem por objetivo analisar o Plano de Ação n° 12 do
Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), que versa sobre o regime de
declaração obrigatória (mandatory disclosure rules) de planejamentos tribu-
tários. Para tanto, serão examinadas, em primeiro lugar, as recomendações
finais apresentadas pela OCDE em outubro de 2015 sobre os objetivos e carac-
terísticas das regras de mandatory disclosure que tenham como alvo os plane-
jamentos tributários internacionais.
Com base no referencial acima, serão examinadas as razões pelas quais
existe uma insegurança jurídica conceitual em matéria de planejamento tri-
butário e, para tanto, serão trazidas questões que envolvem a atual influência
dos debates sobre a moralidade em matéria tributária e a necessidade de se
discutir a noção de planejamento tributário agressivo.
Por fim, será questionado se a abordagem da OCDE em relação às regras
de mandatory disclosure e aos debates de transparência fiscal a ela inerentes
são de fato holísticas, não só sob perspectiva da relação entre fisco e contri-
buinte, mas também sob a perspectiva da relação entre os países desenvolvi-
dos e em desenvolvimento.
460
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alocam os seus lucros, ainda que, muitas vezes, não se esteja diante de práticas
ilegais (WEEGHEL; EMMERINK, 2013, p. 435).
Tal medida merece críticas, uma vez que grande parte das estratégias de pla-
nejamento tributário internacional é baseada em práticas antigas e de total conhe-
cimento das autoridades fiscais. Ao invés de revisitarem as bases que elas mesmas
endossaram por quase um século, implementarem alterações na legislação domésti-
ca para coibir os planejamentos tributário ou desenvolverem outros mecanismos de
compliance, as autoridades fiscais optaram por constranger o contribuinte.
Retira-se, com tal prática, o debate do planejamento tributário do cam-
po jurídico – que lhe é pertinente por essência – imprimindo-lhe um teor
ético ou relacionado à suposta moralidade das empresas que, certamente, não
contribui para seu aperfeiçoamento. Não se trata, portanto, de uma medida
adequada, porquanto a questão do planejamento tributário deve ser analisada
e enfrentada, se for o caso, no campo das alterações legislativas, da intensifi-
cação da transparência (mútua) entre fisco e contribuinte, do estabelecimento
de um clima de cooperação entre administração e administrado e, eventu-
almente, das adaptações jurisprudenciais; e não através de boicotes e danos
reputacionais (ESSERS, 2014, p. 65).
Nesse ponto, as propostas apresentadas pela OCDE no Plano de Ação nº
12 merecem elogios na medida em que se distanciam de práticas de “naming
and shaming” e concentram esforços em coibir a práticas de planejamentos
tributários através de mudanças legislativas necessárias para minimizar as-
simetrias entre legislações tributárias, fechar as brechas encontradas pelo
contribuinte, acabar com dúvidas interpretativas, entre outras medidas. No
entanto, como será demostrado abaixo, a OCDE erra ao não trazer uma defi-
nição de planejamento tributário agressivo, reforçando a insegurança concei-
tual em matéria tributária.
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butário. E, em segundo lugar, o referido estudo não aponta qual seria o grau de
incerteza na aplicação da legislação tributária necessário para que determinada
operação que se valha de tal imprecisão caracterize um planejamento abusivo.
Como sugere Baker (2015, p. 86), suspeita-se que, na realidade, ao im-
plementar regimes de mandatory disclosure, as autoridades fiscais pretendem
combater aqueles arranjos comercializados em massa que, pelo seu volume,
trazem um impacto relevante na arrecadação dos Estados, bem como aqueles
que, apesar de não serem comercializados em massa, resultam em uma redu-
ção individual expressiva na carga tributária devida pelo contribuinte.
O Plano de Ação nº 12 perpetua a referida indefinição ao não estabelecer
um conceito de planejamento tributário agressivo. Como já mencionado, a
OCDE recomenda que as regras de mandatory disclosure sejam estruturadas
de forma a permitir que a administração tributária tenha flexibilidade para
escolher os filtros que serão utilizados para identificar as transações alvo da
sua política de combate. Ao exemplificar quais seriam considerados bons fil-
tros – a previsão de confidencialidade do esquema; o pagamento de prêmio ou
“êxito”; a proteção contratual contra riscos de esquemas de prateleira, monta-
dos e comercializados em massa – é possível notar a intenção da OCDE de coi-
bir a comercialização de planejamentos tributários, sem discutir, no entanto, a
materialidade dos planejamentos tributários a serem combatidos.
Essa postura da OCDE confere às autoridades fiscais uma enorme discri-
cionariedade para definir os contornos do que seria planejamento tributário
e potencializa a insegurança jurídica do sistema (ESSERS, 2014, p. 57). Isso
porque a segurança jurídica não é garantida pela existência de leis per se, não
sendo algo inerente ao Direito, mas algo a ser buscado pelo Direito. De acordo
com a teoria desenvolvida por Ávila (2012, p. 327), a segurança jurídica cor-
responde à soma de três noções parciais, a saber, cognoscibilidade, confiabili-
dade e calculabilidade. Pela sua exigência de cognoscibilidade, o princípio da
segurança jurídica tem como objetivo servir de instrumento de orientação ao
contribuinte, de modo a impedir que este, baseando suas ações na legislação
vigente, se engane em relação ao que faz. Já o ideal de confiabilidade se destina
a garantir a estabilidade do Direito, preservando o passado no presente e evi-
tando que o contribuinte seja frustrado em relação ao que já fez. A calculabili-
dade, por sua vez, favorece a continuidade do Direito, resguardando o futuro
no presente e impedindo que o contribuinte seja surpreendido em relação ao
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que está fazendo e ao que está por fazer. Se, conforme aponta Ávila, a segu-
rança jurídica, ao afastar o engano, a frustração e a surpresa, corporifica a res-
peitabilidade do contribuinte, a discricionariedade aponta em sentido oposto.
Nesse sentido, a insegurança conceitual em matéria de planejamento tri-
butário, reforçada pela OCDE, permite que os países tentem aprovar medidas
confusas e imprecisas de combate a tais esquemas. Nesse contexto, é possível
mencionar a Medida Provisória n° 685, de 21 de julho de 2015. O art. 7º da
supracitada Medida Provisória estabeleceu a obrigação do contribuinte de in-
formar à Receita Federal sobre atos ou negócios jurídicos que acarretem su-
pressão, redução ou diferimento de tributo, sempre que tais atos ou negócios
jurídicos (i) “não possuam razões extratributárias relevantes”; ou (ii) quando
“a forma adotada não for usual” ou utilizem-se de “negócio jurídico indireto”
ou contenham “cláusula que desnature, ainda que parcialmente, os efeitos de
um contrato típico”; ou, por fim, (iii) tratem-se de “atos ou negócios jurídicos
específicos previstos em ato da Secretaria da Receita Federal do Brasil”.
A Medida Provisória nº 685/15 se valeu de termos genéricos, sem defini-
ção na atual legislação tributária brasileira, tais como “razões extratributárias
relevantes” e “formas não usuais”, sem uma definição objetiva de quais ope-
rações e/ou atos ou negócios jurídicos deveriam ou não ser obrigatoriamente
informados ao fisco. Ainda que os dispositivos da referida medida provisória
que dispunham sobre a declaração obrigatória tenham sido vetados, é preciso
ressaltar que ela representa, em âmbito nacional, a tendência de manutenção
do padrão de insegurança jurídica em matéria de planejamento tributário.
Dessa forma, conclui-se que, se por um lado, práticas como as de “na-
ming and shaming” não endereçam corretamente os problemas decorrentes
dos planejamentos tributários, pois são baseadas em critérios de moralidade
em detrimento da legalidade, as medidas propostas pela OCDE através do
Plano de Ação nº 12 conferem às autoridades fiscais uma enorme discricio-
nariedade para definir os contornos do que considerariam planejamento tri-
butário e potencializam a insegurança jurídica vivida pelo contribuinte, tam-
bém se afastando da legalidade e, sobretudo, da segurança jurídica.
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mento nos seus custos de conformidade. O esforço que o contribuinte faz para
interpretar e aplicar a lei representa uma “insegurança jurídica fantasiada de
legalidade” (SANTI et al., 2012, p. 1).
Interessante notar que o Plano de Ação n° 12 reconhece que a obtenção
de informações tempestivas, abrangentes, relevantes e precisas sobre esque-
mas de planejamento tributário deve ser seguida de medidas que garantam
segurança jurídica e previsibilidade para os negócios. No entanto, a análise do
referido plano leva à conclusão de que os principais esforços da OCDE foram
direcionados quase que exclusivamente para a primeira parte da proposta, em
detrimento da segunda.
Assim sendo, é preciso reiterar que a noção de transparência nas rela-
ções entre fisco e contribuinte não se limita à discussão acerca do sigilo de
dados do contribuinte, uma vez que também exige reciprocidade, referindo-se
ao próprio Estado e ao sistema tributário que o sustenta (SCHOUERI; GA-
LENDI JUNIOR, 2015, p. 248-249). O combate ao planejamento tributário
agressivo passa por uma série de discussões, tais como os limites do planeja-
mento tributário lícito, competição fiscal danosa, alta complexidade dos sis-
temas tributários, pressão social, sigilo bancário, troca de informações, apri-
moramento da relação entre os Estados, proteção aos direitos fundamentais
dos contribuintes, existência de regras gerais antielisivas (GAARs) e regras
específicas antielisivas (SAARs), abuso de tratados, entre outras (WEEGHEL;
EMMERINK, 2013, p. 428).
Sob essa perspectiva, se as discussões sobre planejamento tributário par-
tirem da premissa de que os problemas de erosão da base tributável e de trans-
ferência de lucros são gerados exclusivamente pelo fato de que os contribuin-
tes distorcem as regras do sistema para escapar de suas obrigações tributárias,
a situação não será corretamente endereçada. É preciso incluir na pauta de
discussões a necessidade de reduzir a complexidade dos sistemas tributários,
repensar o número excessivo de leis e de deveres instrumentais; aprimorar a
acessibilidade do contribuinte às autoridades fiscais e incrementar a clareza
e consistência das interpretações sobre a legislação tributária, permitindo-se
uma ampla divulgação de tais interpretações e de autos de infração. Apenas
assim estaríamos diante de uma abordagem realmente holística.
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Conclusões
Em razão da grande notoriedade que adquiriram os esquemas de pla-
nejamento tributário relacionados a multinacionais, especialmente após a
exposição de tais estruturas pela mídia, o G20 incumbiu a OCDE de desen-
volver uma política de realinhamento das práticas fiscais internacionais com
o objetivo de coibir a utilização de estruturas que tenham como propósito a
erosão da base tributável e a transferência de lucros, bem como de restaurar a
confiança no sistema tributário internacional.
Ocorre que a confiança no sistema tributário internacional, principalmen-
te no que diz respeito ao combate aos planejamentos tributários agressivos, não
será restaurada enquanto não houver um diálogo verdadeiro entre autoridades
ficais e contribuintes e entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Os debates sobre planejamento tributário pertencem ao campo jurídico.
Conferir-lhes um teor ético ou relacionado à suposta moralidade das empresas
certamente não contribui para o aperfeiçoamento do sistema. A questão do pla-
nejamento tributário deve ser analisada e enfrentada, se for o caso, no campo
das alterações legislativas, como bem propõe o Plano de Ação nº 12, assim como
através da intensificação da transparência (mútua) entre fisco e contribuinte e
do estabelecimento de um clima de cooperação entre administração e adminis-
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Bibliografia
OCDE. Model Mandatory Disclosure Rules for Addressing CRS Avoidance Ar-
rangements and Opaque Offshore Structures. Paris, 2018. Disponível em: https://
www.oecd.org/tax/exchange-of-tax-information/model-mandatory-disclosu-
re-rules-for-crs-avoidance-arrangements-and-opaque-offshore-structures.pdf
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17. O Plano de Ação n° 12 do BEPS e seus
Reflexos na Política Fiscal Brasileira
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Introdução
O Projeto BEPS - Base Erosion Profit Shifting Action Plan339 foi lançado
em 2013 pela OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico e é fruto da preocupação dos países membros do G-20 em comba-
ter a erosão das bases tributárias e a transferência de lucros entre jurisdições.
Dentre os vários assuntos abordados pelo Projeto, encontra-se o da criação de
regimes de divulgação compulsória de operações de planejamento tributário,
dispostos no Plano de Ação n° 12. Aparentemente, o principal objetivo busca-
do com a introdução desse tipo de legislação é o aumento da transparência nas
relações entre contribuintes e autoridades fiscais, permitindo a estas o acesso
tempestivo às informações relacionadas a arranjos tributários potencialmente
agressivos ou abusivos (OECD, 2015a, p. 33).
Muito embora se trate de finalidade inegavelmente louvável, a sua implan-
tação pode levar a resultados que contrariam os objetivos gerais do próprio Pro-
jeto BEPS, de modo que os seus diversos aspectos devem ser cuidadosamente
avaliados. De antemão, é preciso alertar que não se deve ignorar o risco de que
as recomendações propostas pela Ação n° 12 elevem o grau de assimetria entre
os sistemas tributários, ao invés de aumentar a sua harmonização.
339 Em tradução livre, “plano de ações sobre erosão da base e transferência de lucros”.
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340 As observações aqui formuladas não estão vinculadas exclusivamente ao texto da MP n° 685/2015,
sendo aplicáveis a qualquer legislação que siga linha semelhante.
341 “A facilitação da circulação de pessoas e capitais, entretanto, surpreende como novo limite às
pretensões tributárias dos Estados nacionais. O incremento na gama de possibilidades para a
estruturação dos modelos operacionais das empresas, sobretudo, das multinacionais implica
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também os modelos operacionais próprios de cada país cederem lugar a modelos globais, cujas
estruturas são baseadas em escala regional e mundial (OCDE, 2013, p. 7)” (SCHOUERI, 2016, p. 29).
342 “Neste sentido, explica o relatório de apresentação do Projeto BEPS (OCDE, 2013, pp.7-8), o intenso
crescimento da economia digital, além de permitir que os negócios tenham várias atividades
produtivas longe da localização de seus clientes, também teria contribuído para que especialistas
explorassem os limites do planejamento tributário, proporcionando às multinacionais mais confiança
na tomada de posições fiscais audaciosas (não supreendentemente, identificadas pelo Alto Comando
como ‘agressivas’). Consequentemente, as multinacionais conseguem reduzir de forma significativa a
sua carga tributária o que, segundo o relatório, teria gerado tensão social relativa a questões de justiça
tributária. Resultado: a erosão da base tributária e a transferência de lucros (BEPS) acabariam por
prejudicar os governos, os contribuintes e os negócios” (SCHOUERI, 2016, p. 31).
343 “Importante registrar que a inquietação do Projeto BEPS da OCDE/G20 com o compartilhamento
de informações sobre arranjos, transações e estruturas de minimização tributária entre as
administrações fiscais não se restringiu aos planejamentos tributários internacionais. Uma das
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344 “O conceito utilizado para este termo consta em relatórios anteriores da OCDE. Em um
relatório datado de 2008, por exemplo, sobre o papel dos intermediários (Study into the Role of
Tax Intermediaries), a definição proposta abrangia duas situações distintas: (i) planejamentos
envolvendo posições tributárias sustentáveis mas geradoras de receitas tributárias não intencionais
e inesperadas; e (ii) planejamentos nos quais se assume uma posição fiscal que é favorável ao
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contribuinte sem revelar abertamente que há insegurança sobre questões relevantes de acordo
com a lei, ou seja, que há aproveitamento de ‘áreas cinzentas’ da lei. Em suas perguntas e respostas
sobre o BEPS, a OCDE menciona a adoção de ‘estratégias de planejamento tributário que exploram
lacunas e desajustes nas regras tributárias para fazer os lucros desaparecerem para fins tributários
ou que enviam lucros para locações onde há pouca ou nenhuma atividade real, mas a tributação é
menor’” (LEÃO, 2018, p. 285).
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345 Promoters são os agentes que estruturam as operações de planejamento tributário, em oposição aos
customers, que são os usuários dos arranjos. Na realidade brasileira, os promoters assumem a figura
dos consultores tributários, enquanto que os customers representam as empresas que colocam em
prática as operações.
346 Esta questão ganha contornos ainda mais relevantes quando o acesso e divulgação de dados se opera
entre países distintos. Em tais circunstâncias, para além da quebra de sigilo em si, questiona-se a
própria noção de soberania, refletida no exercício da jurisdição (SCHOUERI, 2013, p. 516).
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347 “É dizer, ao invés de ocupar-se tão somente com o polêmico disclosure das transações e dados
particulares dos contribuintes, a noção de transparência deveria ser estendida ao próprio Estado e
dizer respeito ao sistema tributário como um todo. Esse ponto é bem observado por Ricardo Lobo
Torres, cuja ampla noção de transparência fiscal, dirigida ‘ao Estado com à sociedade’, indica que
‘a atividade financeira deve se desenvolver segundo os ditames da clareza, abertura e simplicidade’,
de modo a superar os ‘riscos fiscais derivados do descontrole orçamentário, da gestão irresponsável
de recursos públicos, da corrupção dos agentes do Estado’, entre outros [...] A transparência fiscal,
entretanto, vai além de seu relevantíssimo efeito político; ela é condição para a eficiência do sistema
tributário. Especialmente em economias abertas, nas quais os investidores se encontram livres
para decidir onde depositar suas economias, importa assegurar-lhes amplo conhecimento da carga
tributária a que estarão sujeitos” (SCHOUERI; BARBOSA, 2013, pp. 520-521).
348 “A constrição da base tributária é fenômeno que se explica pela conjunção de diversos fatores. A
responsabilidade dos próprios Estados não pode ser negada, pois em muitos casos os contribuintes
nada mais fazem, senão valerem-se de alternativas que os ordenamentos tributários apresentam,
seja de modo explícito (incentivos fiscais os mais variados), seja em virtude de falhas e lacunas,
paradoxalmente surgidas em virtude do excessivo detalhamento das legislações. Ademais, não se
pode perder de vista terem os Estados deixado de lado os objetivos de transparência da política
tributária, afastando o clima de previsibilidade e segurança jurídica, requisitos indispensáveis
para a atuação sadia da iniciativa provada (SCHOUERI e BARBOSA, 2013). Desestimulada
esta, a consequência imediata é a ainda menor base econômica para a tributação. Some-se, por
fim, a opacidade dos gastos públicos, e ter-se-á criado um clima de antagonismo entre Estado e
contribuinte, tornando improvável qualquer cooperação entre ambos” (SCHOUERI, 2016, p. 30).
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349 “É possível, ainda, notar a abissal distância entre as principais correntes que se digladiam sobre o
tema. Tal fato decorre, em grande parte, dos principais pontos de partida das correntes doutrinárias
apresentadas. Há, também, distintas visões sobre os efeitos das normas de direito privado sobre o
Direito Tributário. Verifica-se, sobretudo, um importante descompasso no sopesamento de valores
constitucionalmente plasmados. Valores que apontam em sentidos diversos e que são considerados,
com maior ou menor ênfase, por uma ou outra correntes, produzem propostas interpretativas
radicalmente díspares. Qual a melhor? A quem assiste razão? Com quem estão os melhores
argumentos?” (BARRETO, 2016, p. 175).
350 Para ilustrar, cita-se a seguinte passagem: “[n]esse tocante, temos, para nós, que o art. 116,
parágrafo único do CTN inseriu norma gera tributária antiabuso no Direito Tributário pátrio,
nos moldes semelhantes a uma combinação das doutrinas estrangeiras do substance over form
(prevalência da substância sobre a forma) e da step transaction doctrine, com o intuito de coibir
a prática de atos e negócios jurídicos sequenciais, por parte do contribuinte que, apesar de lícitos
na esfera do Direito Privado, estejam desprovidos de causa e, cumulativamente, visem obter
vantagem ou economia fiscal de forma indireta e, portanto abusiva exclusivamente sobre a ótica
tributária” (CASTRO, 2015, p. 315).
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as atividades por ele exercidas, podendo ele lançar mão de estruturas jurídicas
que tenham o condão de minorar, ou até mesmo de suprimir, a incidência do
tributo, desde que por meio lícitos.
Pautando-se na própria concepção do Estado de Direito, o dever de in-
correr em despesas estatais por meio da tributação só pode decorrer de pre-
visão legal, respeitando-se a estrutura de segurança jurídica e previsibiidade
concebidas constitucionalmente. A estipulação de contornos rígidos às regras
de competência tributária e a imposição de limitações ao poder de tributar
associados às garantias de liberdade asseguradas aos contribuintes permitem
afirmar que a Constituição bem reconhece a existência de um direito funda-
mental à economia de tributos, o que, por certo, já viabiliza a prática de plane-
jamentos lícitos, cuja finalidade seja a redução do ônus tributário351.
Apesar de o direito ao planejamento tributário encontrar abrigo incon-
troverso no texto constitucional, ainda assim o Fisco tem feito oposição fer-
renha a sua utilização sob a alegada existência de um dever fundamental de
pagar tributos calcado em noções como solidariedade, isonomia e capacidade
contributiva e na alegada supremacia do interesse público.352 A tese largamen-
te utilizada pelas autoridades administrativas sustenta que um planejamento
tributário válido deve ter uma finalidade/motivação não tributária – o que se
351 “O reconhecimento deste direito assegurado pela Constituição torna inconstitucional qualquer
legislação que o viole. Isso significa dizer que a lei não tem o poder de tornar ilícita a atuação
econômica por motivação tributária. Seria um contrassenso reconhecer funções extrafiscais políticas,
sociais e econômicas aos tributos, mas, ao mesmo tempo, desconsiderar a sua influência como fator
a ser considerado nas decisões econômicas. A motivação tributária é natural de uma sociedade de
mercado e não se confunde, necessariamente, com uma conduta abusiva. Assim, embora seja evidente
que elas possam em determinada situação andar juntas, a falta de uma motivação extratributária não
implica automaticamente uma situação abusiva ou fraudulenta” (LEÃO, 2018, p. 307).
352 “Boa parte dessas ideias no Brasil decorre também da aplicação da doutrina, cunhada por
Nabais, acerca do dever fundamental de pagar impostos. Conforme já referido, para o autor, o
pagamento de impostos (e tributo em geral) seria verdadeiro dever fundamental, o que excluiria,
consequentemente, qualquer direito de não pagar impostos. Vale referir que antes dele a ideia de
dever de contribuir como um dever fundamental, vinculado à solidariedade, foi desenvolvida na
Espanha por Escribano. Para o autor, o dever de contribuir seria um princípio fundamental de base
não individualista que a Constituição protegeria e ampararia: uma específica concreção do dever
de solidariedade que marcaria o quadro jurídico promocional da Constituição na medida em que
constituiria um dos elementos fundamentais para sua realização. Daí a defesa de que o interesse
fiscal não seria um interesse da Administração estatal, mas, sim, um interesse particularmente
diferenciado que, atendendo ao regular funcionamento dos serviços necessários à vida em
comunidade, condicionaria a sua própria existência” (LEÃO, 2018, p. 169).
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353 “Com relação ao planejamento tributário internacional, a problemática fiscal na esfera internacional
surge de forma natural, com as diferenças de filosofia entre cada país, nomeadamente em relação
à identificação dos sujeitos passivos dos tributos, ao tipo de tributo (direto, sobretudo imposto
sobre a renda, ou indireto) e ao quantum debeatur (aspecto quantitativo). Esta diferenciação na
interpretação e aplicação de sistemas tributários distintos, por Estados soberanos, tem como
resultado que empresas competidoras possam vir a ser tratadas de forma substancialmente
diferente, resultando em carga tributária desigual entre elas” (CASTRO, 2015, p. 312).
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354 A Exposição de Motivos da MP° 685/2015 assim estipulou: “[n]esta linha, o Plano de Ação sobre
Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros (Plano de Ação BEPS, OCDE, 2013), projeto
desenvolvido no âmbito da OCDE/G20 e que conta com a participação do Brasil, reconheceu,
com base na experiência de diversos países (EUA, Reino Unido, Portugal, África do Sul, Canadá
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357 “Art. 62. [...]; § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I - relativa a: [...]; b) direito
penal, processual penal e processual civil.”
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apenas destas expressões, chega-se a uma zona cinzenta acerca de quais planeja-
mentos tributários eram considerados abusivos e quais eram lícitos358.
Aqui também se verifica mais uma contradição em relação ao Relatório
Final da Ação n° 12. Um dos princípios que guiam o regime proposto dita que
as regras de divulgação compulsória devem ser o mais claras e fáceis de se en-
tender possíveis, permitindo que o contribuinte saiba com certeza o que é re-
querido pela legislação. Sabe-se que tais diretrizes não foram observadas pelo
próprio Projeto. Ainda assim, a ausência destas características pode acarretar
a falha inadvertida em divulgar – e a consequente imposição de penalidades
–, o que pode levar ao incremento da resistência em relação às regras por parte
dos contribuintes ou à entrega de informações de baixa qualidade ou irrele-
vantes (OECD, 2015, p. 19).
Por fim, como já mencionado, o planejamento fiscal é inerente à livre
iniciativa e à livre concorrência. Tais normas violariam esses princípios, na
medida em que não permitiriam aos contribuintes estruturar seus próprios
negócios da forma mais eficiente. A conduta adotada para a economia exclu-
siva de tributos é tão negocial quanto qualquer outra, e se insere no âmbito da
liberdade econômica e no direito de se diferenciar de concorrentes na busca
por maior eficiência. Em verdade, é dever do empresário e do administrador
gerir os negócios de forma diligente, com zelo e eficiência, o que implica to-
mar todas as medidas não vedadas pela lei, para maximizar os lucros, satisfei-
tas as exigências do bem público e da função social da empresa359.
De toda maneira, o problema reside, justamente, na utilização do teste
do propósito negocial sem que haja uma definição de “abuso” na legislação
tributária brasileira e, portanto, sem que haja uma cláusula geral antielisiva,
a qual a doutrina internacional denomina GAAR (general anti-antiavoidance
rule) (UTUMI, 2015). Desta forma, o próprio teste do propósito negocial não
possui respaldo normativo.
358 “A regra não era muito clara sobre situações onde a divulgação completa seria necessária. Por
conseguinte, não parece adequado caracterizar todas as situações em que o contribuinte não comunicou
uma transação ou uma estrutura como uma forma de fraude fiscal” (ROCHA, 2017, p. 280).
359 Trata-se do denominado business judgment rule, concebido como um padrão de atuação de
administradores, o que envolve agir com boa-fé, de acordo com o melhor interesse da corporação,
de modo objetivo e impessoal, sem ocasionar dilapidação patrimonial.
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360 “De outro lado, observamos os conceitos fechados que se caracterizam por denotar o objeto através
de notas irrenunciáveis, fixas e rígidas, determinantes de uma forma de pensar seccionadora da
realidade, para a qual é básica a relação de exclusão ‘ou ... ou’ [...] O conceito determinado e fechado
(tipo no sentido impróprio), ao contrário, significa um reforço à segurança jurídica, à primazia da
lei, à uniformidade no tratamento dos casos isolados, em prejuízo da igualdade, da funcionalidade
e adaptação da estrutura normativa às mutações socioeconômicas” (DERZI, 2018, p. 106).
361 “Os termos constitucionais exprimem significados, sendo as definições a mera explicitação desses
significados, com a finalidade de torná-los mais precisos, mas nunca exatos. Desse modo, o fato
de a Constituição ter atribuído à lei complementar a função de definir tributos, suas espécies e
seus elementos não quer dizer que eles não tenham sido conceituados nem definidos, expressa ou
implicitamente, direta ou indiretamente, pela própria Constituição” (ÁVILA, 2018, p. 10).
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dado que possui como único objetivo considerar inoponível ao Fisco o esque-
ma negocial lícito urdido com fins exclusivamente fiscais.
Adicionalmente, é possível verificar que a Medida Provisória n° 685/2015
desconsiderou completamente as recomendações insculpidas no Capítulo 3 do
Relatório Final, concernentes a planejamentos tributários internacionais. Por
exemplo, é recomendada a adoção de indicadores específicos endereçados a
identificar operações com efeitos transfronteiriços, (OECD, 2015c, p. 71) tais
como os pagamentos dedutíveis feitos a membros do mesmo grupo econômi-
co que estejam situados em jurisdições que não tributam determinado tipo de
rendimento ou arranjos que provocam conflitos de propriedade de um ativo,
que tem como resultado contribuintes em diferentes jurisdições reivindicando
abatimento fiscal em razão da depreciação ou amortização de um mesmo ativo
ou isenção de dupla tributação em relação a um mesmo item de receita. Contu-
do, não havia nada na Medida que buscasse alcançar operações internacionais.
Outra recomendação sumariamente ignorada pela iniciativa brasileira
foi o uso de uma definição de arranjo suficientemente abrangente e robusta
para capturar operações internacionais (OECD, 2015c, p. 72). Por exemplo, no
contexto de financiamento (ou refinanciamento) dentro de um mesmo grupo
econômico, a definição de arranjo declarável deveria incluir todos os passos
do fluxo financeiro, desde a introdução do capital novo, além das transações
intragrupo subsequentes, até o resultado final da sua distribuição nas empre-
sas situadas em diferentes jurisdições tributárias. No entanto, repise-se, a MP
n° 685/2015 não adotou sequer uma recomendação deste ponto tão essencial
ao Plano de Ação n° 12.
Portanto, a primeira tentativa brasileira não se coaduna com o objetivo
principal da Ação n° 12, que é o de encurtar o tempo entre a colocação em prá-
tica de uma operação de planejamento tributário e o seu conhecimento pelas
autoridades. De modo oposto, a Medida Provisória sob análise pareceu focar
na imposição de penalidades, seja como simples medida de ampliação da ar-
recadação, seja como método de intimidação dos contribuintes. Ainda que a
previsão de declaração compulsória constante no art. 7º, da MP nº 685/2015
não tenha sido convertida em lei, e que, até o presente momento, não haja
notícias de tentativas a ela similares, o estudo de seus possíveis impactos na
política fiscal brasileira se revela essencial, pois aponta para graves violações
506
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
362 Tão logo a Medida Provisória nº 685/2015 fora publicada, o Partido Socialista Brasileiro propôs a
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.366, questionando a constitucionalidade da divulgação
obrigatória de planejamentos tributários, disciplinada pelo art. 7º e seguintes do mencionado
diploma. Um dos principais argumentos aduzidos foi a impossibilidade de medidas provisórias
versarem sobre direito penal. Posteriormente, a MP nº 685/2015 foi convertida na Lei nº
13.202/2015. No entanto, como os dispositivos contestados não foram convertidos, a ADI perdeu
seu objeto. Ainda assim, a sua propositura apenas retrata a incompatibilidade destas normas com o
ordenamento jurídico vigente.
363 “Finalmente, as discussões durante o trâmite legislativo da Medida Provisória nº 685/2015, a
propositura de ações judiciais para questionar a legalidade e/ou constitucionalidade de seus
dispositivos, bem como as várias críticas efetuadas pela doutrina evidenciam que, na hipótese de
eventual nova legislação sobre o assunto, o regime anteriormente adotado deve ser modificado.
Senão vários argumentos jurídicos suscitados, ao menos para que essa legislação seja aprovada
com maior facilidade (ou melhor, sem tantas dificuldades), de maneira a que o instrumento possa,
em breve, ser utilizado no combate aos planejamentos tributários [verdadeiramente] ‘agressivos’”
(OLIVEIRA, 2018, p. 414).
507
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
3. Conclusão.
O Projeto BEPS representa a reação de países membros da OCDE e do
G20 contra a perda de arrecadação tributária, em virtude da erosão das bases
tributárias e da transferência de lucros. Portanto, consiste também em uma
tentativa de modernizar as regras de Direito Tributário internacional para
melhor responder à atuação cada vez mais global das empresas.
Uma vez estabelecidos os objetivos gerais norteadores, é preciso que to-
dos os Planos de Ação contribuam para o seu alcance, estabelecendo uma
coerência básica para a mudança pretendida. Neste cenário, denota-se que o
Plano de Ação n° 12 oferece risco de contrariar os próprios objetivos do Proje-
to, pois, para além de sua indeterminação e unilateralidade, incluiria mais um
elemento de assimetria nas diferentes jurisdições tributárias ao redor do glo-
bo. Ademais, entendemos que pouco foco foi dado ao terceiro pilar da Ação n°
12, relativo ao desenvolvimento de uma plataforma de cooperação para troca
de informações entre diferentes autoridades fiscais.
Embora o Plano de Ação n° 12 seja criticável em alguns pontos, fato é que a
sua tentativa de implementação no Brasil, por intermédio da MP n° 685/2015, des-
respeitou várias das recomendações da Ação, bem como do próprio ordenamento
jurídico nacional. A principal violação é negativa ao direito do contribuinte à li-
berdade de ação, desde que respeitados os limites da licitude. A utilização do teste
de propósito negocial não possui previsão legal e, portanto, não pode ser aceita
como fundamento apto à censura e descaracterização de planejamentos tributá-
rios que não violem a legislação. A motivação tributária não pode ser desconside-
rada como causa legítima à consecução de determinada operação.
Bibliografia
508
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
BRAUNER, Yariv. What the BEPS? Florida Tax Review, v. 16, n. 2, p. 55-115, 2014.
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dra da Silva (Coord.). Caderno de Pesquisas Tributárias nº 13. São Paulo:
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GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 3 ed. São Paulo: Dialética, 2011.
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GOMES, Marcus Lívio; SCHOUERI, Luís Eduardo (Coords.). Transparência
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<http://www.kluwertaxlawblog.com/blog/2015/08/04/brazil-and-beps-ac-
tion-12/>. Acesso em: 30 de novembro de 2015.
511
18. Os Problemas Relacionados à Ação
nº 11 para o Combate ao BEPS
513
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Introdução
É difícil de imaginar o mundo sem países, vivendo em paz, sem ganância
ou fome, vivendo como um só e de maneira compartilhada (Música. Imagine.
Álbum. Imagine, John Lennon, 1971), como preconiza John Lennon em sua
famosa canção “Imagine”. Entretanto podemos dizer que, sob certos aspectos,
podemos imaginar que a ideia de compartilhamento do mundo é cada vez
mais presente, corolário do processo de globalização.
E é dentro deste mundo globalizado que se procurou “compartilhar” o
tema da erosão da base tributária e do deslocamento do lucro – Base Ero-
sion and Profit Shifiting (BEPS) – matéria sensível a todas as nações, já que
se relaciona com a eficiência da arrecadação tributária, motivo de especial
preocupação do grupo formado pelos ministros de finanças e chefes de bancos
centrais das dezenove maiores economias do mundo mais a União Europeia
– G 20 – o que ensejou o pedido à Organização para a Cooperação e Desen-
volvimento Econômico (doravante apenas OCDE) que elaborasse um plano
de ações para enfrentar este problema.
Com esta missão, a OCDE elaborou um plano de 15 ações, divididos
em quatros temas-chave para abordar o BEPS, na tentativa de evitá-lo, quais
sejam: (i) estabelecer a coerência internacional em relação ao imposto de ren-
da das pessoas jurídicas; (ii) restaurar plenamente os efeitos e benefícios dos
padrões internacionais – quanto à substância; (iii) assegurar a transparência
promovendo simultaneamente maior segurança e previsibilidade; e, (iv) de
estabelecer políticas aprovadas à legislação tributária: a necessidade de uma
rápida implementação das medidas – no que se refere à necessidade de criação
de um instrumento multilateral.
O presente trabalho pretende tratar dos problemas relativos ao tema da
transparência, especialmente das questões concernentes ao Plano de Ação nº
11 que tem por objetivo “Estabelecer metodologias para a coleta e análise dos
dados sobre o BEPS e as ações para o seu combate”.
514
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
364 “Establish methodologies to collect and analyze data on BEPS and the actions to address it. Specifically
to: Develop recommendations regarding indicators of the scale and economic impact of BEPS and
ensure that tools are available to monitor and evaluate the effectiveness and economic impact of the
actions taken to address BEPS on an ongoing basis. This will involve developing an economic analysis
of the scale and impact of BEPS (including spillover effects across countries) and actions to address
it. The work will also involve assessing a range of existing data sources, identifying new types of data
that should be collected, and developing methodologies based on both aggregate (e.g. FDI and balance
of payments data) and micro-level data (e.g. from financial statements and tax returns), taking
into consideration the need to respect taxpayer confidentiality and the administrative costs for tax
administrations and businesses.”
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3. Da praticabilidade tributária
A própria OCDE reconhece ao tratar desta mencionada ação que a sim-
ples troca ou divulgação de informações não solucionaria ou conduziria a efe-
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Neste diapasão, é possível identificar que cada nação considera tal pro-
teção ao sigilo ao seu próprio modo, entretanto é possível afirmar, conforme
reconhece o relatório da Ação nº 11, o acesso completo aos dados detalhados
fiscais das empresas é geralmente restrito às autoridades, disponibilizados
muitas vezes com pedido específico, sendo certo que alguns países tais dados
permanecem em condições de estrita confidencialidade.
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365 Ver Comentários 19 e 19.2 ao artigo 26 do Modelo de Convenção Modelo da OCDE, versão 2014.
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Como pode ser visualizado nas palavras do acima mencionado autor, com-
preende-se que o futuro relacionado com o manejo de informações fiscais e os
embates entre fisco e contribuinte, principalmente na área judicial, serão campo
fértil para a análise da aplicação da proporcionalidade em matéria fiscal no ce-
nário nacional, considerando que não se mostra adequada, já que o fisco dispõe
de outros meios que não violem os direitos fundamentais do contribuinte.
Dessa maneira, por todos os ângulos que se aborde a questão da divul-
gação das informações relativas ao combate da erosão da base tributária e
transferência dos lucros é possível encontrar empecilhos em relação à pro-
teção da confidencialidade dos dados do contribuinte – sigilo fiscal – dentro
das legislações nacionais, como também os exemplos de vazamentos de dados
indesejados, o que, novamente, dificulta o sucesso da Ação nº 11.
Conclusões
Frente a todas estas considerações, conclui-se que a Ação nº 11 da OCDE,
relativa à transparência, leia-se, que pretende estabelecer metodologias para
a coleta e análise dos dados sobre a erosão da base tributária e transferência
de lucros, bem como fomentar ações para o seu combate, padece de diversas
inconsistências que poderão representar obstáculos ao resultado pretendido,
ou seja, o combate efetivo ao BEPS.
As razões expostas no presente trabalho demonstram que assim como
o plano de 15 ações, a Ação nº 11 necessita de grande aceitação e assinatura
dos países dos G 20 e também dos membros da OCDE, como ainda de outras
jurisdições, pois sem uma adesão geral e massiva, a própria premissa e os be-
nefícios que justificaram a transparência ficarão comprometidos.
528
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
529
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Bibliografia
ARNDT, Hans. Praktikabilität und Effizienz, 1ª ed. , Köln, Otto Schmidt KG, 1983.
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OECD, Improving the Analysis of Beps, OECD/G20 Base Erosion and Profit
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OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Sigilo Bancário e Fiscal. In: SARAIVA FILHO,
Oswaldo Othon de Pontes, GUIMARÃES, Vasco Branco (coord.). Sigilos ban-
cário e fiscal. Belo Horizonte: Fórum, 2011. P.311-312.
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SIDOU, J.M.A natureza social do tributo. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1978.
533
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
534
19. O Conflito de Competência entre o ISS
e o ICMS à Luz do RE 688223/PR - BEPS
1. Introdução
O conflito de competência entre o ISS e o ICMS consiste em um dos
temas mais relevantes do Direito Tributário, ao menos nos últimos cinquenta
anos. Fonte inesgotável de artigos de doutrina e de produção jurisprudencial,
a controvérsia ainda se mostra longe do fim. Classicamente solucionada atra-
vés da dicotomia entre obrigações de fazer e de dar, à luz do Direito Romano,
o tradicional critério de resolução de controvérsias não parece suficiente para
esgotar o tema, especialmente diante dos bens intangíveis.
A tributação da Internet representa uma nova fronteira no Direito Tributá-
rio. Com leis, via de regra, produzidas de forma lenta e que não têm se mostrado
suficiente para gerar estabilidade institucional, as questões referentes à economia
digital deverão ser decididas, em cada caso concreto, pelo Poder Judiciário.
Nesse contexto, insere-se o RE 688223/PR, cuja repercussão geral foi re-
conhecida, em que se discute qual imposto incide sobre o licenciamento ou
cessão de direito de programa de computador (software), em serviço perso-
nalizado366. Paralelamente a esse recurso extraordinário, existem ações dire-
tas de inconstitucionalidade especificas sobre a matéria, quais sejam, as ADIs
1945/MT, 5576/SP, 5659/MG e 5958/DF.
A Constituição Federal de 1988 conferiu à lei complementar um papel de
destaque, prevendo que cabe a ela dispor sobre conflitos de competência, assim
como definir as hipóteses tributárias e bases de cálculo (SCHOUERI, 2015, p.
275). No âmbito da tributação sobre o consumo, não há uma lei complementar
366 Destaque-se que o chamado software livre, que é usualmente distribuído por meio de uma licença
de software livre, de modo a tornar o código fonte do programa disponível, não será objeto deste
trabalho. Disponível em: <http://www.softwarelivre.gov.br/tire-suas-duvidas/o-que-e-software-
livre>. Acesso em: 27 set. 2015.
535
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
536
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Aduz a impetrante que o item 1.05 da lista anexa à LC 116/2003 seria in-
constitucional, visto que a hipótese traduzir-se-ia em mera obrigação de dar,
violando a noção de serviço. Segundo sustenta, o conceito constitucional de
serviço pressuporia a existência de obrigação de fazer, submetida a um regime
de direito privado, embora não trabalhista, e prestada em caráter negocial.
Dentro dessa ordem de ideias, enfatiza que há prestação de serviço ape-
nas na elaboração de jogos de computador, conforme previsão do item 1.04 da
lista anexa à LC 116/2003. Contudo, exaurida esta etapa, há a mera autoriza-
ção para a utilização do programa de computador, pelo que invoca a necessá-
ria aplicação, por analogia, do regime jurídico dos contratos de locação, que,
conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal, não gera a incidência de
ISS367. Salienta que a Lei 9609/98, por meio de seu art. 9º, previu que o uso de
programas de computador, no Brasil, será objeto de contrato de licença, o que
afastaria a configuração de um serviço.
Defende, outrossim, que não seria admissível a incidência do ISS sobre
os contratos referidos, pois eles seriam provenientes do exterior. Assevera que
o art. 1º, § 1º da LC 116/03 seria inconstitucional, visto que, à exceção do IPI,
todos os tributos que recaem sobre a importação o fazem segundo expressa
previsão constitucional.
Ademais, ressalta que a cessão e o licenciamento de programas de com-
putador inserem-se na seara das telecomunicações, em que o art. 150, § 3º,
CRFB ressalvou que apenas seriam admissíveis a incidência do ICMS, do im-
posto de importação (II) e do imposto de exportação (IE).
No entanto, embora defenda que a hipótese é de operação de telecomuni-
cação, e, em princípio, passível de tributação pelo ICMS, entende que os con-
tratos de cessão e licenciamento de programas de computador consubstancia-
ram atividades-meio de telecomunicações. Com esta afirmação, a impetrante
parece sugerir que tampouco o ICMS poderia onerar os contratos de licença e
cessão de programas de computador que, segundo esta linha, estariam inseri-
dos na competência residual da União, decorrente do art. 154, I, CRFB.
367 Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante 31. É inconstitucional a incidência do
Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1286>.
Acesso em: 23 set. 2015.
537
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368 Observe-se que o entendimento reiterado do STF quanto à matéria deu ensejo à edição da Súmula
Vinculante 31, conforme já destacado, o que, entretanto, vem sendo parcialmente revisto pela
Corte, como será exposto à frente.
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369 Este posicionamento do STF, que já havia sido veiculado na ADI 4389 MC/DF, parece superar
a tradicional jurisprudência do STJ, materializada na Súmula 156: “A prestação de serviço
de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, ainda que envolva fornecimento de
mercadorias, está sujeita, apenas, ao ISS”.
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375 AgRg no REsp 1447225/GO, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, Julgamento
24/02/2015, DJe 07/05/2015.
376 REsp 1041127/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, Julgamento 04/12/2008, DJe 17/12/2008.
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377 Observa-se, pois, diante do caráter defensivo da jurisprudência do STJ, que, além da repercussão
geral que ora se estuda neste trabalho, outras também estão pendentes de apreciação pelo STF, como
a referente à tributação dos remédios de manipulação (RE 605552 RG/RS), das operações de rádio-
chamada (RE 660970 RG/RJ) e dos contratos de franquia (RE 603136 RG/RJ).
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378 A interpretação do art. 109, CTN, consoante o exposto neste trabalho, não é unânime na doutrina.
A este propósito, a fim de mostrar outros possíveis entendimentos, seguem as lições do professor
Luciano Amaro, para quem: “O preceito refere-se a situações nas quais a norma tributária
utiliza um instituto, um conceito ou uma forma jurídica pertinente ao direito privado e, a partir
desse enunciado, estatui certos efeitos tributários. [...] Em suma, o instituto de direito privado
é ‘importado’ pelo direito tributário com a mesma conformação que lhe dá o direito privado,
sem deformações, nem transfigurações. [...] Não obstante tais princípios comandem a definição
dos efeitos jurídicos privados, as consequências tributárias (efeitos jurídicos tributários) são
determinadas sem submissão àqueles princípios”. (AMARO, 2008, p. 217-219).
379 Em contraponto ao posicionamento doutrinário que ora se expõe, cumpre transcrever as lições do
professor Paulo de Barros Carvalho, que defende que o art. 110, CTN consiste em imposição lógica da
hierarquia do sistema jurídico. Consoante leciona: “O empenho do constituinte cairia em solo estéril
se a lei infraconstitucional pudesse ampliar, modificar ou restringir os conceitos utilizados naqueles
diplomas para desenhar as faixas de competências oferecidas às pessoas políticas. A rígida discriminação
de campos materiais para o exercício da atividade legislativa dos entes tributantes, tendo estatura
constitucional, por si só já determina essa inalterabilidade”. (CARVALHO, 2009, p. 106).
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380 Destaque-se a posição de Marcus Lívio Gomes, para quem a unidade do ordenamento jurídico é
conferida pela própria Constituição. (GOMES, 2010, p. 56).
381 Uma das mais contundentes críticas à interpretação econômica do fato gerador é feita pelo professor
Luciano Amaro, nos seguintes termos: “Alfredo Augusto Becker faz severa crítica a essa doutrina,
porque, entre outras razões, destrói a certeza e a praticabilidade do direito, negando ao direito
tributário exatamente o que ele tem de jurídico. Para refutar a alegação de que duas situações com
igual capacidade contributiva devem ambas ser tributadas, ainda que apenas uma esteja prevista
na lei, Becker cita o exemplo dado por Berliri: se instituído um tributo sobre cães, a interpretação
econômica levaria a tributar também os gatos, dada a circunstância de, em ambas as situações,
demonstrar-se análoga capacidade contributiva”. (AMARO, 2008, p. 225).
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382 Destaque-se que, ainda no que concerne à diferença entre conceito e tipo, Larenz ressalta que os
conceitos permitem a aplicação do método subsuntivo, ao passo que os tipos, pela sua própria
abertura, estão voltados à concretização de valores.
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
CRFB – pelo qual foi conferido à lei complementar o papel de definir os fatos
geradores, bases de cálculo e contribuintes – demonstra que o constituinte
tinha consciência de que ele próprio não conceituara os elementos essenciais
dos impostos previstos383 (SCHOUERI, 2015, p. 276).
No entanto, o reconhecimento de que a Constituição valeu-se de lingua-
gem tipológica e potencialmente aberta não conduz a que a lei complementar
possa dispor livremente sobre os impostos previstos na Constituição. Nesta li-
nha, conforme vem reconhecendo a doutrina, o legislador fica vinculado aos
sentidos mínimos que são extraídos das locuções empregadas pelo Texto Cons-
titucional na definição da competência tributária (OLIVEIRA, G., 2014, p. 199).
Dentro dessa ordem de ideias, o professor Gustavo da Gama Vital de
Oliveira defende que, muito embora a materialidade dos impostos pressupo-
nha o reconhecimento de conceitos mínimos, o processo de definição de qual
imposto deverá incidir no caso concreto384 deve tomar como ponto de partida
a solução oferecida pela lei complementar, nos seguintes termos:
A nosso ver, o processo de definição precisa começar pelo exame da
solução oferecida pela lei complementar, instrumento eleito pela CF
para “demarcação das fronteiras” de cada um dos impostos men-
cionados na CF. É evidente que a solução oferecida pela lei comple-
mentar não pode ser soberana, insindicável à apreciação da jurisdição
constitucional. Todavia, a superação do critério adotado pela lei com-
plementar deve exigir ônus argumentativo reforçado, capaz de com-
provar o manifesto descompasso do critério adotado pelo Legislador e
a materialidade econômica indicada na CF. A lei complementar tribu-
tária que disciplina conflito de competência deve desfrutar de uma
espécie de dupla presunção de constitucionalidade. [Grifos nossos].
(OLIVEIRA, G., 2014, p. 199-200).
383 Dentro dessa ordem de ideias, Luís Eduardo Schoueri defende a evolução dos tipos, que acompanha
a evolução dos fenômenos econômicos.
384 Observe-se que, no ponto, o professor Gustavo da Gama tratava especificamente sobre possíveis
conflitos de competência envolvendo o IPI, o ICMS e o ISS.
552
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385 Convenção da OCDE, de 14 de dezembro de 1960: “Os governos signatários acordaram com as
seguintes cláusulas para a reconstituição da Organização para a Cooperação Econômica Europeia como
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico”. [Tradução nossa]. Texto original:
“Have therefore agreed on the following provisions for the reconstitution of the Organisation for European
Economic Cooperation as the Organisation for Economic Cooperation and Development”.
386 Artigo 1. Os objetivos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
(de agora em diante chamada de “Organização”) deve ser a de promover as políticas designadas:
(a) Para atingir o mais alto crescimento econômico e desenvolvimento sustentável e um crescente
padrão de vida nos países membros, ao mesmo tempo em que se mantém a estabilidade financeira.
Por conseguinte, busca-se contribuir com o desenvolvimento da economia mundial;
(b) Para contribuir com a expansão econômica nos países membros e não membros no processo de
desenvolvimento econômico e
(c) Para contribuir com a expansão do comércio mundial em uma base multilateral e não-
discriminatória, de acordo com as obrigações internacionais. [Tradução nossa]. Texto original:
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Article 1. “The aims of the Organisation for Economic Cooperation and Development (hereinafter
called the “Organisation”) shall be to promote policies designed:
(a) to achieve the highest sustainable economic growth and employment and a rising standard of living
in Member countries, while maintaining financial stability, and thus to contribute to the development
of the world economy;
(b) to contribute to sound economic expansion in Member as well as nonmember countries in the
process of economic development; and
(c) to contribute to the expansion of world trade on a multilateral, nondiscriminatory basis in
accordance with international obligations”.
387 Cf. os atuais países membros da OCDE. Disponível em: <http://www.oecd.org/about/membersandpartners>.
Acesso em: 01 jun. 2019.
388 Cf. a palestra do professor Luís Eduardo Schoueri, ministrada no II Seminário de Direito Tributário,
em 2014, organizado pela OAB/MG, em que o professor Schoueri critica esta visão da OCDE. Em
acréscimo, ele propõe seja editado um décimo sexto plano de ação, que seria a transparência do
Estado, e não apenas a transparência do contribuinte. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=6nn2lRTA8YY>. Acesso em: 01 jun. 2019.
554
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555
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jugado com estes princípios, foi remarcado o papel da equidade, seja no plano
horizontal, a designar que contribuintes em situação semelhante devem arcar
com análoga carga tributária, seja no plano vertical, que se relaciona com o
conceito de capacidade contributiva (OCDE, 2015, p. 20).
A equidade também se aplica através do princípio da equidade entre nações,
que regula a alocação de perdas e ganhos no contexto internacional, bem como a
distribuição da receita tributária nas referidas transações. Defende a OCDE seja
adotado, no contexto de repartição de receitas entre os países de origem e de des-
tino, o princípio do país de destino, conforme será descrito no item seguinte.
Ademais, deve-se destacar que a OCDE adotou o entendimento de que a
economia digital não deve ser compreendida de forma apartada do restante da
economia, considerando, inclusive, o atual fenômeno de intensa digitalização
das atividades tradicionais. Ressalte-se que este entendimento já havia sido
previamente adotado no cenário internacional, através da referida Conferên-
cia de Ottawa, de 1998.
Finalmente, cumpre observar que, através do Interim Report, de 2018392, a
OCDE identificou que, desde a publicação da Ação 1, novas tecnologias emergi-
ram, como a Internet das Coisas, as criptomoedas, a economia compartilhada,
a impressão 3 D, a robótica avançada e as informações governamentais abertas.
Esse relatório intermediário descreve diversas diferenças de opinião entre
países, que são apresentadas com o intuito de identificar pontos de divergência
e estabelecer bases para futuros trabalhos, com o objetivo de se chegar a uma
solução consensual no Relatório Final de 2020 (ROCHA, CASTRO, 2018, p. 27).
Entretanto, o reconhecimento de que a economia digital se insere no
quadro geral da economia não afasta a identificação das suas peculiaridades,
como demonstrado anteriormente. Feitos os esclarecimentos anteriores, mos-
tra-se importante estudar as relações entre a Action 1 e a tributação indireta.
558
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
559
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
aspecto, o VAT difere de um retail sales tax (imposto sobre a venda) que onera
o consumo em uma única etapa, normalmente ao final da venda.
No caso da incidência internacional do VAT, e não meramente interna,
destaca a OCDE a necessidade de adoção do critério de destino, pelo qual o
imposto seria devido apenas ao Estado ao qual a mercadoria é dirigida. Defen-
de a OCDE, inclusive no Interim Report de 2018, que se trata de mecanismo
que consagra o princípio na neutralidade no comércio internacional, vez que
não haveria vantagem em comprar nem em países com baixa tributação ou
em que haja isenções, nem em países de alta carga tributária.
Ao contrário, caso a tributação fosse feita na origem, cada jurisdição co-
braria o VAT pelo valor vigente nas suas fronteiras, ou seja, os países expor-
tadores tributariam a exportação da mesma forma que o fazem em relação
aos seus produtos domésticos (OCDE, 2014a, p. 41). No entanto, a referida
sistemática sujeita-se a críticas doutrinárias, conforme leciona Alberto Xavier:
Os impostos de consumo sobre as transações são geralmente lançados
no país consumidor, revertendo em benefício dos Estados nos quais
são consumidos os bens sobre que incidem. Precisamente por isso, o
país de origem, isto é, o país no qual o bem foi produzido, procede
normalmente à restituição ou isenção do imposto no momento da ex-
portação; e, por razões simétricas, o país de destino, onde o bem irá ser
consumido, institui um encargo compensatório sobre as mercadorias
importadas, em ordem a colocá-las ao menos em pé de igualdade com
os produtos nacionais.
(...)
Mas se, de um lado, o Estado do destino estabelece tributos compensa-
tórios mais gravosos do que os que incidem sobre produtos nacionais, e
se – de outro lado, os Estados de origem conferem, a título de reembol-
so, importâncias superiores aos impostos que oneram as mercadorias
exportadas, falseiam-se do mesmo passo as condições de concorrên-
cia, criando disparidades “artificiais” no comércio internacional.
[Grifo nosso]. (XAVIER, 2007, p. 264-265).
560
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
395 Os exemplos citados pela OCDE para “on-the-spot supplies” são dos serviços de cabeleireiro,
massagem e psicoterapia.
561
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
O Final Report, por sua vez, reforça a ideia anterior, através das chama-
das B2C Guidelines396 (OCDE, 2015, p. 223), propondo que, para que os re-
feridos fornecedores procedam ao lançamento e à arrecadação, os países de
residência dos consumidores se empenhem na simplificação das suas regras
tributárias, como verdadeiro mecanismo de cooperação internacional, para
facilitar a arrecadação dos impostos indiretos (OCDE, 2015, p. 126). Final-
mente, no âmbito do Interim Report, de 2018, a OCDE destaca que mais de
cem estados, jurisdições e organizações internacionais já aprovaram as suas
recomendações, que também servem como referência para que outros países
procedam a mudanças nas suas legislações (OCDE, 2018, p. 91, 102-105).
Diante do exposto, verifica-se que, em tempos em que se discute um mo-
delo de reforma tributária para o Brasil e se passa a vislumbrar a criação de
um IBS, o conjunto de princípios norteadores da economia digital – nomea-
damente a cooperação e a simplificação – devem orientar os debates para uma
possível reformulação da tributação indireta. Contudo, enquanto esses objeti-
vos ainda não são alcançados, analisa-se, no item seguinte, as peculiaridades
da tributação sobre o consumo na tributação do software.
396 Observe-se, de outro lado, que a OCDE procura distinguir as hipóteses de venda a um consumidor
(B2C) daquelas outras transações, que envolvem relações empresariais (B2B). Enquanto a primeira
destina-se ao consumo final, a segunda pressupõe uma cadeia para, apenas no seu extremo, ser
dirigida ao consumo. Dessa forma, no cenário internacional, a OCDE afirma que a tributação pode
vir a ser diferenciada no caso das operações B2B para as operações B2C, embora haja jurisdições
que não o façam. Segundo defende, o objetivo da tributação nas operações B2B deve ser o de facilitar
o fluxo da carga tributária, de tal forma que o lugar da tributação deve ser o do atual lugar de uso
dos negócios (“the actual place of business use”), o que torna a tributação mais complexa. Ademais,
a OCDE destaca que, no contexto de avança da economia digital, os fluxos de operações entre
consumidores (C2C) vêm ganhando espaço.
562
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
de software, sobre o qual versa a repercussão geral ora em análise. Antes, porém,
cumpre esclarecer o tratamento legislativo conferido ao software no Brasil.
Os softwares são “elaborações intelectuais de programas que possibilitam o
funcionamento e a utilização de um equipamento, consistente em um sistema
de rotinas e funções que permite disseminar ideias através do seu suporte físico”
(BARRETO, 2012, p. 412). Enquanto, em sentido estrito, o software coincide com
o programa de computador (corpus mysticum), em sentido amplo, compreende o
suporte magnético, o manual de instruções e a documentação acessória (corpus
mechanicum) (PAESANI, 2014, p. 11-12)397. Contudo, atualmente, os mais recen-
tes decretos legislativos da Europa preferem não definir juridicamente a noção de
software, considerando as constantes evoluções do setor e a progressiva desvincu-
lação do software em relação aos suportes físicos.
Na esteira da legislação de outros países, como França e Japão, que pro-
tegeram o software pelo regime de direito do autor (PAESANI, 2014, p. 53),
o Brasil editou a Lei 9609/98, que, em seu art. 2º, estendeu aos programas
de computador a proteção dos direitos autorais. De outro lado, dispôs que o
uso de programa de computador será objeto de contrato de licença, conforme
previsão em seu art. 9º.
Através do contrato de licença, o titular (licenciador) autoriza a explo-
ração econômica e o uso da obra, nas condições ajustadas, mediante remune-
ração e pelo prazo convencionado (PAESANI, 2014, p. 85). As licenças de uso
de software seriam, pois, espécie contratual pela qual o proprietário de um
programa de computador permite a utilização deste pelo licenciado (usuário)
(MACEDO, 2013, p. 133).
O contrato de licença parece haver sido tratado de forma indiscriminada
em relação ao contrato de cessão de uso, a tal ponto que a LC 116/03 referiu-se
a ambos indistintamente. No entanto, a cessão singulariza-se pela transferên-
cia, total ou parcial, dos direitos decorrentes de sua criação. Nesse caso, ape-
nas os direitos patrimoniais podem vir a ser transferidos, uma vez que o di-
reito moral, de caráter personalíssimo, é inalienável (FRANCO, 2013, p. 438).
397 Conforme destaca a autora, no Computer Soft Act 1980, dos Estados Unidos, software é definido como “um
conjunto de declarações ou instruções a serem usados de forma direta ou indireta em um computador, de
forma a produzirem certo resultado”. [Tradução nossa]. Texto original: “a set of statements or instructions
to be used directly or indirectly in a computer in order to bring about a certain result”.
563
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Por conseguinte, ainda que, pela redação literal do art. 9º, Lei 9609/98, o
software seja comercializado por meio de contrato de licença há, em verdade,
contrato de cessão (SOUTO, 2013, p. 23), abrindo-se ao cessionário a possibi-
lidade de titularidade sobre os direitos patrimoniais, nos termos do art. 49, Lei
9610/98 (ASSUNÇÃO, 2009, p. 19).
Entretanto, independente da caracterização do contrato envolvendo sof-
tware como licença ou cessão, certo é que há inequívoca transferência eletrô-
nica de dados através do mesmo – como, inclusive, já reconheceu o Supremo
Tribunal Federal e será exposto a seguir – permitindo ao adquirente o acesso
e utilização de tecnologias.
564
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Por meio deste recurso especial, o Estado de São Paulo pretendeu fosse de-
clarada a incidência de ICMS sobre os contratos de licença de uso de programas
de computador, sob o fundamento de que os mesmos são reproduzidos em escala
industrial e colocados à venda em lojas, tornando-se mercadorias circuláveis.
Alegou-se violação à disciplina constante do art. 8º, §§ 1º e 2º, DL 406/68,
uma vez que o referido decreto-lei previa a incidência de ISS apenas sobre serviços,
e os programas de computador não estavam arrolados de forma expressa na sua
lista anexa. De outro lado, entendeu-se que também restariam vulnerados os arts.
1º, 24, 25 e 27 da Lei 7646/87 (diploma normativo que antecedeu a Lei 9609/98),
visto que a legislação previu a possibilidade de comercialização de software.
Todavia, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o programa de compu-
tador consistia em um bem imaterial, o que, na sua visão, afastaria a possibilidade
de ser compreendido como mercadoria. Concluiu, pois, que o programa de com-
putador era um serviço, atraindo a incidência exclusiva do ISS398.
No ano de 1994, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça profe-
riu novo julgamento, em que manteve as conclusões anteriormente firmadas399.
Contudo, a partir do ano de 1996, através do Recurso Ordinário interposto no
398 Destaque-se que no voto condutor do referido julgado, conduzido pelo Min. Garcia Vieira, firmou-se o
entendimento de que, embora a locução “programa de computador” não estivesse expressa na lista anexa
ao DL 406/68, ela poderia ser inferida dos seus itens 22 – este item havia sido vetado – e 24, verbis:
“22. Assessoria ou consultoria de qualquer natureza, não contida em outros incisos desta lista,
organização, programação, planejamento, assessoria, processamento de dados, consultoria técnica,
financeira ou administrativa (vetado); [...]
24. Análises, inclusive de sistemas, exames, pesquisas e informações, coleta e processamento de
dados de qualquer natureza”.
399 TRIBUTÁRIO – ISS – PROGRAMAS DE COMPUTADOR – LEI 7.649, ART. 27 – DECRETO-LEI
406/68, LISTA DE SERVIÇOS – ITEM 24.
1. Os Sistemas de computação, constituídos de programas, exprimem o resultado de atividade
intelectual, de sorte que configuram bem imaterial e não mercadoria, a afastar a hipótese de
incidência do ICMS.
2. A exploração econômica de programas de computador, mediante contratos de licença ou de
cessão, se sujeita à cobrança do ISS (item 24, da Lista de Serviços, Anexa ao Decreto-Lei 406/68).
3. Recurso desprovido. (REsp 39457/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, Primeira
Turma, Julgamento 13/08/1994, DJ 05/09/1994).
565
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
A Primeira Turma, por sua vez, a partir de 1997, mudou o seu entendi-
mento400, passando a seguir o mesmo posicionamento adotado pela Segunda
Turma, no sentido de distinguir a tributação a partir do tipo de programa de
computador em questão. Desde então, a jurisprudência do STJ tem se firmado
566
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
em igual direção401, com precedentes recentes402, ainda que a sua Corte Espe-
cial não se tenha manifestado quanto à hipótese.
Já o Supremo Tribunal Federal, embora igualmente distinga a tributação
no caso de software de prateleira e de software por encomenda, utiliza-se de
argumentação ligeiramente diversa. No tocante ao software de prateleira, a
Corte Suprema distingue a ocorrência de dois negócios jurídicos, quais sejam,
a aquisição de um exemplar, de um lado, e a cessão de direito de uso, de ou-
tro, para concluir que no âmbito da cessão não seria possível a incidência do
ICMS. É o que se depreende do aresto que segue:
I. Recurso extraordinário: prequestionamento mediante embargos de
declaração (Súm. 356). A teor da Súmula 356, o que se reputa não pre-
questionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primiti-
vo sobre o qual “não foram opostos embargos declaratórios”. Mas se,
opostos, o Tribunal a quo se recuse a suprir a omissão, por entendê-la
inexistente, nada mais se pode exigir da parte (RE 210.638, Pertence,
DJ 19.6.98). II. RE: questão constitucional: âmbito de incidência possí-
vel dos impostos previstos na Constituição: ICMS e mercadoria. Sendo
a mercadoria o objeto material da norma de competência dos Estados
para tributar-lhe a circulação, a controvérsia sobre se determinado
bem constitui mercadoria é questão constitucional em que se pode
fundar o recurso extraordinário. III. Programa de computador (“sof-
tware”): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por
objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as opera-
ções de “licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de
computador” “ matéria exclusiva da lide “, efetivamente não podem
os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não
resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitu-
cional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares
dos programas de computador produzidos em série e comerciali-
567
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Ainda que não haja sido julgado o mérito da ADI 1945-MT, quando do
seu julgamento liminar404, entendeu o STF, a partir do voto do Min. Nelson
403 Destaque-se que o acórdão a seguir cuidou da operação de compra e venda de disquetes, nos quais
o software estava incorporado, mas não da cessão de uso de programas de computador. Ou seja,
ainda que implicitamente, adotou-se, uma vez mais, a análise dicotômica proposta pelo professor
Rui Saavedra, verbis:
TRIBUTÁRIO. ESTADO DE SÃO PAULO. ICMS. PROGRAMAS DE COMPUTADOR
(SOFTWARE). COMERCIALIZAÇÃO. No julgamento do RE 176.626, Min. Sepúlveda Pertence,
assentou a Primeira Turma do STF a distinção, para efeitos tributários, entre um exemplar standard
de programa de computador, também chamado “de prateleira”, e o licenciamento ou cessão do
direito de uso de software. A produção em massa para comercialização e a revenda de exemplares do
corpus mechanicum da obra intelectual que nele se materializa não caracterizam licenciamento ou
cessão de direitos de uso da obra, mas genuínas operações de circulação de mercadorias, sujeitas ao
ICMS. Recurso conhecido e provido. (RE 199464/SP, rel. Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma,
Julgamento 02/03/1999, DJ 30/04/1999).
No mesmo sentido foi o julgamento do RE 285870 AgR/SP, rel. Min. EROS GRAU, Segunda
Turma, Julgamento 17/06/2008, DJe 01/08/2008, em que o STF se reportou aos precedentes
anteriores, ainda que não tenha conhecido do referido recurso extraordinário.
404 Ação Direta de Inconstitucionalidade. Direito Tributário. ICMS. 2. Lei Estadual 7.098, de 30 de
dezembro de 1998, do Estado de Mato Grosso. Inconstitucionalidade formal. Matéria reservada à
disciplina de lei complementar. Inexistência. Lei complementar federal (não estadual) é a exigida
pela Constituição (arts. 146, III, e 155, § 2º, XII) como elo indispensável entre os princípios nela
contidos e as normas de direito local. 3. Competência do Supremo Tribunal para realizar controle
abstrato de constitucionalidade. Lei que dá efetividade a comando da Constituição Federal pela
disciplina de normas específicas para o Estado-membro. 4. Restituição de valores cobrados em
substituição tributária e fixação de critérios para o cálculo do imposto (arts. 13, § 4º, e 22, par.
569
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Único, da Lei impugnada). Delegação a decreto de matérias albergadas sob o manto da reserva
legal. Existência de fumus boni iuris. 5. Discriminação do pagamento antecipado a determinado
setor produtivo (art. 3º, § 3º, da Lei impugnada). Razoabilidade do critério objetivo em que repousa
a distinção. Inexistência de violação ao princípio da isonomia. 6. Previsão de incidência do ICMS
sobre “prestações onerosas de serviços de comunicações, por qualquer meio” (art. 2º, § 2º, da Lei
impugnada). Dispositivo cuja redação pouco destoa da determinação constitucional (art. 155, II).
Ausência de relevância jurídica na fundamentação para o deferimento da liminar. 7. Previsão de
incidência de ICMS sobre serviço de comunicação “iniciado fora do território mato-grossense” (arts.
16, § 2º, e 2º, § 3º, da Lei impugnada). Inexistência, em juízo preliminar, de interpretação extensiva
a violar o regime constitucional de competências. 8. ICMS. Incidência sobre softwares adquiridos
por meio de transferência eletrônica de dados (art. 2º, § 1º, item 6, e art. 6º, § 6º, ambos da Lei
impugnada). Possibilidade. Inexistência de bem corpóreo ou mercadoria em sentido estrito.
Irrelevância. O Tribunal não pode se furtar a abarcar situações novas, consequências concretas
do mundo real, com base em premissas jurídicas que não são mais totalmente corretas. O
apego a tais diretrizes jurídicas acaba por enfraquecer o texto constitucional, pois não permite
que a abertura dos dispositivos da Constituição possa se adaptar aos novos tempos, antes
imprevisíveis. 9. Medida liminar parcialmente deferida, para suspender a expressão “observados os
demais critérios determinados pelo regulamento”, presente no parágrafo 4º do art. 13, assim como
o inteiro teor do parágrafo único do art. 22, ambos da Lei 7.098/98, do Estado de Mato Grosso.
[Grifo nosso]. (ADI 1945 MC/MT - MATO GROSSO, rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno,
Julgamento 26/05/2010, DJe 14/03/2011).
570
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Sob esta ótica, o conceito de prestação de serviços não tem por premissa
a configuração dada pelo Direito Civil, estando relacionada ao oferecimento
de uma utilidade para outrem, a partir de um conjunto de atividades imate-
riais, prestados com habitualidade e intuito de lucro, podendo estar conjugada
ou não com a entrega de bens ao tomador (OLIVEIRA, A., 2014, p. 95 e 109)405.
Dessa forma, é possível compreender que a cessão de uso de software pre-
vista no item 1.05 da lista anexa à LC 116/2003 é constitucional. Entretanto,
embora o referido dispositivo seja a priori constitucional, há hipóteses em que
a cessão de uso de software não se traduz em prestação de serviço. Explica-se.
Conforme desenvolvido ao longo deste trabalho, os programas de compu-
tador revestem-se da posição de serviços nos casos dos softwares personalizados,
ou seja, aqueles feitos por encomenda ou adaptados ao cliente, em que há ver-
dadeira atividade direcionada ao adquirente. No entanto, no caso do chamado
software de prateleira, não se está diante de um serviço, mas sim de mercadoria.
Com efeito, as mercadorias consistem em bens móveis, materiais ou
imateriais, destinados à atividade mercantil, o que pressupõe necessariamen-
te a habitualidade. De outro lado, embora prepondere no cenário nacional
o entendimento de que, para fins de circulação de mercadoria, deve haver a
transferência de propriedade do bem, não se pode olvidar que a EC 18/65, ao
substituir o antigo imposto sobre vendas e consignações (IVC) pelo imposto
sobre circulação de mercadoria (ICM) deixou de utilizar institutos do direito
privado para caracterizar o fato gerador do imposto (RIBEIRO, 2011, p. 4).
Nessa linha, entende-se que o elemento caracterizador da circulação de
mercadorias consiste na sua circulação econômica, compreendida pela evolu-
ção da mercadoria na cadeia produtiva, da fonte produtora até o consumidor
final (RIBEIRO, 2011, p. 3). Ademais, segundo Ricardo Lobo Torres (2007, p.
244), o fato gerador do ICMS prescinde da realização de negócios de venda ou
consignação, como ocorria no direito anterior, sendo indiferente, que haja, ou
não, a transferência de domínio.
Assim, conforme adverte Ricardo Lodi Ribeiro (2011, p. 4), não importa
o negócio jurídico pelo qual se promova a circulação econômica, mas sim o
405 Embora transborde dos limites deste trabalho, cabe fazer referência, conforme destacado pelo
autor, que o próprio entendimento do STF, veiculado na Súmula Vinculante 31, parece estar
sendo relativizado em julgados posteriores, como o RE nº 592.905/SC, Rel. Min. Eros Grau, Pleno,
Julgamento 02/12/09, DJe 05/03/10.
573
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
impulso que movimenta a mercadoria em cada uma das suas fases econômi-
cas, desde que não se trate de mera saída física do bem.
Portanto, no caso específico da cessão de uso de software de prateleira,
está-se diante de hipótese de circulação de mercadoria, apta a ensejar a inci-
dência do ICMS. Não merece prosperar, pois, o argumento segundo o qual
a ausência da transferência de propriedade sobre o bem imaterial, diante da
regra do art. 37, Lei 9610/98, seria óbice à incidência do imposto.
Conforme amplamente explanado, a cessão de uso de software de pra-
teleira implica inequívoca transferência eletrônica de dados, de modo que a
ocorrência ou não de tradição, nos termos em que delineada pelo Direito Civil
e autorizada pelo art. 49, Lei 9610/98, não constitui o elemento preponderante
para fins de se aferir a ocorrência do fato gerador do imposto.
De outro lado, a assertiva de que a tributação de programas de compu-
tador pressuporia, necessariamente, a existência de suporte físico, tampouco
parece se coadunar com a constante evolução da era virtual, de crescente des-
materialização dos bens (ASSUNÇÃO, 2009, p. 29-31). Dessa forma, entende-
-se que a tributação sobre o consumo prescinde do corpus mechanicum, alcan-
çando diretamente as transferências digitais.
Por conseguinte, conclui-se que no âmbito do RE 688223-PR, em que
houve a cessão de software personalizado para o contribuinte, deverá haver a
incidência do ISS, em face da manifesta prestação de serviço406. Contudo, caso
a mesma importação fosse de software standard, a hipótese seria, em tese, de
incidência do ICMS407.
406 Reitere-se que não se está aqui a cuidar da possibilidade ou não de incidência de ISS sobre a
importação, mas apenas da constitucionalidade, em tese, do item 1.05 da lista anexa à LC 116/2003.
407 Observe-se que o entendimento ora adotado é o de que, na hipótese do RE 688223/PR, não se trata
de tributação sobre telecomunicações, como pretendeu a recorrente, uma vez que a importação do
software não se insere nas etapas do processo comunicacional.
574
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
6. Conclusão
Tendo em vista o exposto ao longo do presente trabalho, é possível ex-
trair as seguintes proposições:
1. O conflito de competência entre o ISS e o ICMS não pode ser equacio-
nado meramente à luz da contraposição entre os critérios de obrigações
de fazer e de dar, sendo necessária a análise de conceitos econômicos,
mormente diante da Era da Informática.
2. A economia digital, na qual se incluem os negócios jurídicos envolvendo o
software, não deve ser estudada de forma apartada do restante da economia.
3. O conceito de mercadoria não está restrito aos bens corpóreos, alcan-
çando, inclusive, bens incorpóreos.
4. A existência ou não de suporte físico para armazenar os bens intangíveis
não pode ser critério determinante para fins de tributação do ICMS.
5. O item 1.05 da LC 116/03, que previu a incidência do ISS sobre o con-
trato de licença ou cessão de uso de software, deve ser interpretado
conforme a Constituição, para que se entenda que, quando estiver em
jogo software personalizado, deverá haver a incidência do ISS. De outro
lado, quando se tratar de software de prateleira (ou standard) deverá
haver a incidência de ICMS.
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SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
579
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
580
20. A Ação 12 do BEPS e o
Fracasso da MP nº 685
Sumário
Globalização, concorrência tributária internacional e transparência fis-
cal. II) A Ação 12 do Projeto BEPS e as Mandatory Disclosure Rules. III) A
obrigação de comunicar o planejamento fiscal à Receita Federal do Brasil. IV)
O Dever de Informar como Cláusula Antielisiva. V) Conclusão
581
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Parece assistir razão Dani Rodrik quando afirma que Estado-nação, de-
mocracia e globalização constituem um trio instável no século XXI, devendo
um dos três ceder aos outros dois, pelo menos em parte.410
408 BECK, Ulrich. O que é Globalização? – Equívocos do Globalismo, Reposta à Globalização. Trad.
André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 26 e 46.
409 BECK, Ulrich. O que é Globalização?,p. 46.
410 RODRIK, Dani. The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the Worrld Economy. New
York: Norton, 2011, apud: PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Trad. Mônica Baumgarten
de Bolle. Rio de Janeiro: Intríseca, 2014, p. 633, nota 35.
582
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
583
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
584
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
417 OCDE (2014), Plano de ação para o combate à erosão da base tributária e à transferência de lucros,
OECD Publishing. http://dx.doi.org/10.1787/9789264207790-pt, p. 24.
418 OECD. Public Discussion Draft: Beps Action 12: Mandatory Disclosure Rules. Maio 2015. Acesso em:<
http://www.oecd.org/ctp/aggressive/discussion-draft-action-12-mandatory-disclosure-rules.pdf.>.
419 OECD. Mandatory Disclosure Rules. Final Report. Outubro 2015. Acesso em: <https://www.oecd.
org/tax/mandatory-disclosure-rules-action-12-2015-final-report-9789264241442-en.htm>.
420 OCDE. Plano de ação para o combate à erosão da base tributária e à transferência de lucros, p. 14.
585
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
586
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
que os países não exijam informações que possam ter repercussões cri-
minais, em atenção ao princípio de vedação da autoincriminação.
f) Como usar as informações coletadas? As normas que exigirem a
comunicação devem determinar que sejam fornecidas relevantes in-
formações sobre esquemas de planejamento abusivo, além de definir o
âmbito de aplicação de tais regras em relação ao seu uso.
421 Avançando no tema, a OCDE publicou em março de 2018 o “Model Mandatory Disclosure Rules for
CRS Avoidance Arrangements and Opaque Offshore Structures”. Acesso em: <https://www.oecd.
org/tax/beps/model-mandatory-disclosure-rules-for-crs-avoidance-arrangements-and-opaque-
offshore-structures.htm>.
587
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
588
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
nal que, por óbvio, não foi alterado por este que não tem sequer a validade de
um tratado internacional, só sendo, por isso, internalizado no direito interno
nos termos e nos limites que devem ser observados pela legislação ordinária
que, sob sua inspiração, é agora introduzida. Tal análise ainda é relevante a
fim de compreender os limites e possibilidades à introdução do instituto das
Mandatory Disclouse Rules no Brasil.
422 Art. 7º O conjunto de operações realizadas no ano-calendário anterior que envolva atos ou negócios
jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo deverá ser declarado pelo
sujeito passivo à Secretaria da Receita Federal do Brasil, até 30 de setembro de cada ano, quando:
I - os atos ou negócios jurídicos praticados não possuírem razões extratributárias relevantes;
II - a forma adotada não for usual, utilizar-se de negócio jurídico indireto ou contiver cláusula
que desnature, ainda que parcialmente, os efeitos de um contrato típico; ou III - tratar de atos ou
negócios jurídicos específicos previstos em ato da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Parágrafo único. O sujeito passivo apresentará uma declaração para cada conjunto de operações
executadas de forma interligada, nos termos da regulamentação.”
589
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
423 “Art. 12. O descumprimento do disposto no art. 7º ou a ocorrência de alguma das situações previstas
no art. 11 caracteriza omissão dolosa do sujeito passivo com intuito de sonegação ou fraude e os
tributos devidos serão cobrados acrescidos de juros de mora e da multa prevista no 1996.”
590
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
das à tributação da renda, não havia qualquer clareza sobre o que deveria ser
informado. Ao contrário, qualquer operação que viesse a ser imputada com
os rótulos do abuso de forma e da ausência de propósito negocial deveriam
ser informadas. Sem falar da previsão em branco para que a Receita Federal
estabelecesse outros casos de obrigatoriedade de comunicação.
Por outro lado, tal amplitude era ainda mais agravada em um ambiente
de grave insegurança jurídica, que passou a imperar no Direito Tributário
brasileiro após a rejeição pelo Congresso Nacional da MP nº 66/02, e de con-
fusão jurisprudencial entre as figuras da evasão, da elusão e da elisão fiscal, a
partir da absorção das duas últimas pela primeira em qualquer caso em que
estejam presentes, ainda que isoladamente, um dos elementos necessários à
configuração do abuso de direito.
Esse fenômeno ainda é mais preocupante em um ordenamento jurídico
que criminaliza a ilicitude fiscal, o que acaba por ampliar o raio de atuação do
Direito Penal como forma de viabilizar juridicamente a exigência do tributo,
uma vez que, nesse ambiente de indefinição das fronteiras entre o ato ilícito, o
abuso de direito e o ato eficaz, a legitimação da cobrança da exação vai sem-
pre depender da criminalização do planejamento fiscal não chancelado pela
administração tributária.
Como já vimos, a tipificação penal de ilícitos fiscais, a partir da extensão
artificial do conceito de evasão fiscal, acaba por transformar a comunicação
do planejamento fiscal em uma conduta potencialmente autoincriminatória.
Deste modo, a divulgação obrigatória de atos que possam ser caracterizados
como dolo, fraude sonegação ou simulação vai exigir que o sujeito passivo
produza prova contra si mesmo, com o que resta violado o princípio da não
autoincriminação (nemo tenetur se detegere), fundado no artigo 5º, LXIII, CF
e no artigo 8º, §2º, g, do Pacto de San José da Costa Rica, que estabeleceu a
Convenção Interamericana de Direitos Humanos, incorporada em nosso or-
denamento jurídico pelo Decreto nº 678/1992.
Em nossa Constituição Federal, o aludido princípio aparece no direito
ao silêncio, nos seguintes termos:
“LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de perma-
necer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;”
591
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
424 STF, 2ª Turma, HC nº 94.601/CE, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 11/09/09.
425 STF, Pleno, HC nº 80.584/PA, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU 06/04/2001, p. 69.
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
instrumental de informar algo que não se sabe de antemão que precisa ser infor-
mado, especialmente à luz de um perspectiva fazendária que considera atípicas
ou estranhas condutas há muito praticadas no mercado. Aqui subverteu-se a
lógica do devido processo legal, com o contribuinte tendo o dever de prever se
a Fazenda Pública poderia enquadrar a sua atividade em qualquer roupagem
definida a posteriori como agressiva aos seus interesses. Ou seja, pretendia-se
qualificar o contribuinte como criminoso por descumprir o dever de informar
fixado genericamente por norma que não identifica o que deve ser informado.
Por outro lado, mesmo em relação aos casos em que não restava caracte-
rizado o crime fiscal, não seria razoável exigir que o sujeito passivo declarasse
que as operações por ele praticadas estariam eivadas de vícios que poderiam
ensejar a sua invalidade perante o Fisco, salvo se a norma legal já declinasse
quais operações não seriam consideradas válidas. Do contrário, seria forço-
so admitir a existência de um padrão oficial de atuação empresarial para os
agentes privados, o que contraria o princípio da livre iniciativa, por fundar-se
em dirigismo estatal na economia privada que não é passível de ser assimilado
pelo discurso constitucional senão por uma roupagem obsoleta do princípio
da supremacia do interesse público426, a partir da sua utilização utilitarista vio-
ladora dos direitos fundamentais dos contribuintes.
É que a centralidade dos direitos fundamentais no Estado Social e De-
mocrático de Direito não autoriza que o desenvolvimento das atividades em-
presariais tenha que se adequar a uma roupagem pré-estabelecida pelo Esta-
do. Nessa seara, em que inexiste a prática de ato ilícito, não é tarefa fácil, tam-
pouco segura, caracterizar, por ocasião da realização dos negócios jurídicos,
e, portanto, antes de qualquer atividade estatal, se a conduta será considerada
pelo Fisco como normal ou atípica. Se tem propósito econômico ou se visa
apenas a economia do tributo. Se constitui exercício regular ou abusivo de
direito. Surge daí a importância de o normativo legal identificar as práticas
que precisariam ser declaradas.
426 Para a crítica à existência do referido princípio da ordem constitucional brasileira, vide: SARMENTO,
Daniel. “Interesses públicos vs. interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia constitucional.”
In: Daniel Sarmento. (Org.). Interesses públicos versus interesses privados: descontruindo o princípio
da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 23-116.
593
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
427 A Medida Provisória nº 685, editada em 26.07.2015, foi objeto de questionamento no STF, a
partir do ajuizamento da ADI 5.366, pelo Partido Socialista Brasileiro, em 19.08.2015. No parecer
apresentado pela PGR, foi recomendado o conhecimento da ação e a sua parcial procedência,
verificando a abusividade da multa prevista no artigo 12 da MP. Em julgamento monocrático, o
Rel. Min. Luiz Fux destacou a prejudicialidade da ADI, visto as alterações introduzidas pela Lei nº
13.202/2015 quando da conversão da MP nº 685/2015. Extinto o processo sem resolução de mérito,
houve o trânsito em julgado em 03.02.2016.
594
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
428 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2003, p 145-146.
429 De acordo com o civilista lusitano, a “eficácia se acha fundamentalmente dependente da
conformidade ou harmonia entre a vontade na sua manifestação e a lei. É justamente essa
595
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
conformidade ou harmonia entre vontade e lei que nos deu a noção de ato ou negócio jurídico.
Se uma tal conformidade existe, diz-se do ato ou da vontade que eles são juridicamente eficazes e
válidos. Se tal conformidade se não dá, diz-se que eles não são válidos ou são ineficazes. A validade
e a eficácia de que aqui falamos, não são produto exclusivamente da vontade, nem exclusivamente da
lei, mas da colaboração das duas na realização do direito. ” (Lições de Direito Civil. 4. ed. Coimbra:
Almedina, 1995, p. 706).
430 ROSEMBUJ. El Fraude de Ley, La Simulación, y El abuso de Las Formas en Derecho Tributario. 2.ed.
Barcelona: Marcial Pons, 1999, p. 103.
431 TORRES, Ricardo Lobo. “A Chamada “Interpretação Econômica do Direito Tributário”, a Lei
Complementar nº 104 e os Limites Atuais do Planejamento Tributário”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira
(Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 240.
432 ROSEMBUJ. El Fraude de Ley, La Simulación, y El abuso de Las Formas en Derecho Tributario, p. 102.
596
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Por último, mas não menos importante, aparece como quinto requisito
a economia fiscal representada pela diferença a maior entre o pagamento do
imposto na forma do fato gerador previsto em lei e o negócio escolhido pelo
contribuinte. Sem esse requisito, não há o dano à Fazenda Pública, pressupos-
to para a aceitação do abuso de direito na teoria geral da ciência jurídica.
Contudo, ao contrário do que exige nosso ordenamento constitucional,
a medida provisória em questão se contenta, para a desconsideração dos atos
praticados pelo sujeito passivo, com a existência de apenas um desses elementos:
a ausência de propósito negocial relevante, isoladamente considerada. Ou ainda
com um conceito que vai muito além do abuso de forma, que é a utilização de
forma atípica ou pouco usual. E até com qualquer outro motivo escolhido pela
Receita Federal que, espera-se, seja ao menos baseado no abuso de direito.
Vale destacar que a ocorrência de qualquer desses pressupostos estabe-
lecidos pela medida provisória, quando isoladamente considerados, é insu-
ficiente para a caracterização do abuso de direito, pois um negócio jurídico
pode ser atípico ou pouco usual justamente para se adequar aos propósitos
negociais específicos das partes envolvidas. Ou pode ter como escopo prepon-
derante a economia de tributo, mas sem que a sua efetivação seja realizada
com a completa harmonia entre os seus elementos constitutivos.
É que, como observa Ernest Höhn,433 o abuso de direito no planejamento
fiscal não ocorre no âmbito do direito tributário, mas no do próprio direito
privado, na medida em que o contribuinte, utilizando-se de um negócio jurí-
dico admitido por lei, não atende às finalidades almejadas pelo legislador civil,
mas a outras, que constituem objeto da hipótese de incidência tributária. Por
isso, a simples motivação na economia fiscal não caracteriza esse desarranjo
entre os elementos do negócio jurídico.
Tendo a MP nº 685, a exemplo do que já havia sido feito pela também
rejeitada MP nº 66/02, estabelecido o abuso de forma e a ausência de propó-
sito negocial como requisitos suficientes para, cada um de per si, legitimar a
caracterização do planejamento fiscal agressivo, vale discorrer, ainda que bre-
433 HÖHN, Ernest. “Evasão do Imposto e Tributação segundo os Princípios do Estado de Direito”.
In: Brandão Machado (coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo:
Saraiva, 1984, p. 298.
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434 FALCÃO, Amílcar. Fato Gerador da Obrigação Tributária. 4.ed. Anotada e atualizada por Geraldo
Ataliba. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 71.
598
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435 Por todos, DE LA VEGA (Teoría, Aplicación, y Eficacia en las Normas del Código Civil, p. 232, apud
ROSEMBUJ, El Fraude de Ley, La Simulación, y El abuso de Las Formas en Derecho Tributario, p. 41).
436 Pela desnecessidade de uma norma de cobertura na fraude à lei, manifestam-se ESTÉVEZ, José
Lois. Fraude Contra Derecho. Madrid: Civitas, 2001, p. 189 e RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. v.1.
10. ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 222.
437 Registre-se que o próprio Amílcar Falcão considerava ser o abuso de forma uma modalidade de
fraude à lei: FALCÃO, Amílcar. Fato Gerador da Obrigação Tributária, p. 73.
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438 Sobre a distinção entre consideração econômica do fato gerador e interpretação econômica do fato
gerador, vide: RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária, p. 119-120.
600
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
439 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, p. 450.
440 CTN: “Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I - da validade
jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como
da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos. ”
601
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
reconhecer, para fins tributários, as operações declaradas, o sujeito passivo será intimado a recolher ou a
parcelar, no prazo de trinta dias, os tributos devidos acrescidos apenas de juros de mora.
445 FERRARA, Francisco. La Simulación de los negocios jurídico. Madrid, 1991, p. 55.
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446 ROSEMBUJ. El Fraude de Ley, La Simulación, y El abuso de Las Formas en Derecho Tributario, p. 53.
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447 “Art. 9º. Na hipótese de a Secretaria da Receita Federal do Brasil não reconhecer, para fins
tributários, as operações declaradas nos termos do art. 7º, o sujeito passivo será intimado a recolher
ou a parcelar, no prazo de trinta dias, os tributos devidos acrescidos apenas de juros de mora.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às operações que estejam sob procedimento de
fiscalização quando da apresentação da declaração.”
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
tível com a Constituição Federal, mas atenderia aos objetivos do Plano BEPS
de combater o planejamento agressivo garantindo a segurança e previsibilida-
de para os contribuintes.
V) Conclusão
Como é comum aos momentos de transição, a passagem de um modelo
tributário alicerçado no formalismo jurídico e no amplo espaço para qualquer
elisão que não se escorrace na prática de um ato ilícito, para um sistema aber-
to onde é possível a desconsideração do ato praticado com abuso de direito, a
partir da dissimulação do fato gerador por uma conduta que não se traduza
necessariamente em sonegação, fraude ou simulação, não se fez sem exageros
por parte dos aplicadores do direito. Esses exageros muito se devem à insistên-
cia da doutrina formalista em recusar qualquer mecanismo de combate à eli-
são tributária, em detrimento da pesquisa dos limites à atuação da autoridade
administrativa nessa tarefa, que é inerente à função fiscal.
Tais exageros muitas vezes se fizeram presentes na sistemática desconsi-
deração dos atos dos contribuintes, sem qualquer preocupação em pesquisar se
houve a prática de atos abusivos, mas apenas verificar a existência da economia
do imposto ou da forma pouco usual. Agora, quando esses equívocos foram
praticados pela MP nº 685/15, a preocupação quanto às violações à segurança
jurídica dos contribuintes havia ganho um grau bem mais elevado. Por isso, é
positiva a rejeição dos artigos 7º a 13 da MP nº 685 pelo Congresso Nacional.
Modelo muito mais eficaz e respeitador das garantias constitucionais
dos contribuintes é a regulamentação direta do parágrafo único do artigo
116 do CTN, de forma a estabelecer um procedimento, anterior ao lançamen-
to, em que seja assegurado o contraditório e a ampla defesa, em relação aos
procedimentos fiscais que apontarem indícios da prática de abuso de direi-
to no planejamento fiscal, admitindo-se o pagamento do tributo sem multa
nos casos em que as autoridades julgadoras entenderem pela inexistência de
dolo, fraude, ou simulação, a despeito da desconsideração do negócio jurídi-
co praticado com abuso de direito. Com a edição da Lei Complementar nº
104/01, que introduziu em nosso ordenamento jurídico a cláusula geral antie-
lisiva no parágrafo único do art. 116 do CTN, a maior parte da doutrina pro-
curou desqualificar a adoção da nova medida como violadora da legalidade
606
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
448 Para o estudo das várias posições doutrinárias sobre a introdução do instrumento em nosso direito
tributário, vide: RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária, p. 162-170.
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21. Economia Digital e
Estabelecimento Permanente Virtual
– Considerações sobre a Ação 1
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Introdução
A intensificação das relações negociais por meio da internet tem revelado
maior preocupação dos países quanto à arrecadação. A valorização dos intan-
gíveis e a redução dos custos de transação nas operações virtuais promovem a
pulverização das transações globalmente e tornam as regras atuais de tributa-
ção desatualizadas para se garantir a igualdade tributária.
Não obstante, apesar de alguns países terem produzido normas espe-
cíficas sobre a tributação dos negócios pela internet, normas unilaterais não
bastam para alcançar as manifestações de riqueza em tais operações globais.
Nesse contexto, a OCDE elencou como objeto de apreciação dos BEPS a eco-
nomia digital na Ação 1. Antes de tratar sobre tributação, o relatório da ação
traz análise importante sobre os negócios digitais em si, suas características,
classificação, negócios emergentes e potenciais que devem ser observados em
razão de sua mutabilidade e dificuldade de estabelecimento de normas de tri-
butação sobre tais atividades. Em realidade, essa parte do estudo deve ser ob-
servada, a partir de agora, por todos os Estados que pretendam desenvolver
normas de tributação sobre os negócios digitais, independentemente de envol-
ver transações internacionais ou não, uma vez que os pontos lançados no rela-
tório realmente estruturam e explicam os fundamentos da economia digital.
A tributação da economia digital é assunto complexo. Poderia ser dividi-
do em diversos temas, como a questão das moedas virtuais, exploração de di-
reitos autorais x serviços de entretenimento, negócios tradicionais x negócios
virtuais. Neste artigo prestigiou-se o do estabelecimento permanente, explo-
rando a conexão entre a manifestação de riqueza no plano virtual e o vínculo
que enseja a tributação. Não obstante, como será demonstrado, outras ações
do BEPS também englobam economia digital, o que indica que o assunto ape-
nas tem um ponto de partida na Ação 1.
No tópico I, expõe-se as principais manifestações contidas no relatório da
OCDE. No tópico II são tecidas considerações acerca do Estabelecimento Per-
manente e sua relação com a economia digital. Por fim, no tópico III comenta-se
sobre a proposta da OCDE e o respectivo impacto nos países emergentes.
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I. Delineamentos da economia
digital na perspectiva da OCDE
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Conclusão
O aprimoramento da tecnologia e o barateamento dos equipamentos
de informática permitiram a inclusão digital de pessoas por todo o mundo,
e novas formas de relacionamento econômico vêm surgindo a cada dia. Os
agentes se colocam em posições diversas, como clientes de uma empresa ou
até mesmo colaboradores indiretos. Manifestações de riqueza assumem novas
formas, e a lei tributária, para garantir a justiça, a isonomia e a capacidade
contributiva, precisa ser repensada.
Essa nova sistemática fiscal é de difícil construção, porque sempre deve
considerar a fluidez da economia digital, ou seja, a mobilidade de diversos
fatores, como a dos intangíveis, em que o produto pode ser alterado ao longo
do tempo; a dos clientes, que não possuem barreiras para adquirir ou deixar
de consumir determinado produto ou serviço digital, o que nos remete ao
conceito de negócios escaláveis, em que uma mesma estrutura pode atender
demanda em quantidade variável sem o proporcional incremento em sua es-
trutura; e mobilidade do próprio negócio digital, em que sua presença física é
mínima e pode ser controlado de qualquer local.
Na economia digital a geração de riqueza não se dá apenas pela prestação
de serviço, mas por outros fatores como a interação entre seus usuários e a
alimentação de um banco de dados. Podem gerar efeitos positivos ou nega-
tivos a determinados grupos, conforme sua utilização, o que deve ser consi-
derado, inclusive, nas questões de tributação indutora. Também os negócios
da economia digital tendem ao monopólio (o usuário acabará optando por
centralizar todos os seus serviços com uma única empresa) e são voláteis, pois
não há necessidade de grande aporte de capital para iniciar um negócio, nem
pagamento de preço elevado para fruir do bem/serviço, de modo que as em-
presas tendem a crescer rapidamente e ocupar espaço no mercado, mas que é
cotidianamente atacado pelo surgimento de novos negócios.
O relatório da ação 1 apresenta os princípios da tributação diante da eco-
nomia digital, e relata algumas situações de evasão de tributos pelos fatores
discorridos neste artigo, apontando algumas soluções. Uma delas, a ampliação
do conceito de Estabelecimento Permanente, é objeto de análise neste artigo.
A legislação tributária atual mostra-se ineficiente para taxar a economia
digital de maneira satisfatória, não atingindo a capacidade contributiva dos
628
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
agentes. A estrutura em que ela se calcou falha nesses negócios justamente por
suas características de mobilidade e volubilidade. Agentes econômicos inter-
nacionais, além de poderem escapar da tributação no país da fonte, concor-
rem com as empresas residentes, muitas vezes sendo tributados por paraísos
fiscais, o que causa distorção no mercado. Daí a necessidade de ampliação e
atualização do conceito de Estabelecimento Permanente.
Importante ter em mente que Estabelecimento Permanente é uma ficção
jurídica, uma equiparação de um conjunto de bens organizados a uma pessoa
jurídica. Apesar de ter conceito assemelhado ao de Estabelecimento Comer-
cial, com ele não se confunde. São institutos de natureza distinta. Enquanto
o primeiro busca identificar situação específica para limitação da tributação
ao país da fonte e sujeição de regime de residente, o outro regula as diversas
relações possíveis desse conjunto de bens nas áreas do direito. Pelo princípio
da legalidade, o mero ajuste no conceito de Estabelecimento Permanente não
permite que o Estado da fonte o tribute como um residente sem que haja a
respectiva previsão pela lei interna. No caso da economia digital, entende-se
que a lei brasileira precisa ser aprimorada para abrigar um conceito de Esta-
belecimento Comercial Virtual.
O relatório da OCDE aponta novos critérios para definição de Estabeleci-
mento Permanente que revelam a participação da empresa em economia de de-
terminado país. Sem levar em consideração a suposta dificuldade para obter os
dados necessários, essa medida seria de grande valia, pois representa captação da
capacidade contributiva absoluta/objetiva. Deve-se, entretanto, ter a noção de que
os Estados somente terão êxito nessa medida se aproximarem a legislação interna,
equilibrando a qualificação das receitas e ampliando seu rol de acordos contra a
bitributação e procedimentos multilaterais, especialmente versando sobre troca
de informações. A lei também não deve discriminar a tributação dos negócios
digitais aos dos negócios tradicionais, uma vez que as próprias empresas da eco-
nomia tradicional se modernizaram e essa linha seria muito tênue. A reforma da
lei tributária, para esse fim, deve ser mais ampla e profunda.
Os Estados podem implementar medidas para forçar as empresas inter-
nacionais a se registrarem no país, através da retenção do tributo na fonte,
como uma norma indutora, uma vez que, é, potencialmente, mais vantajoso
ser tributado como um residente a ter os lucros tributados, na integralidade, a
uma alíquota, a certo ponto, elevada. De outro lado, estando respaldados pela
629
A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
Referências Bibliográficas
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A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS
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