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Questão de Direito
Novos rumos para a citação eletrônica
João Ricardo Camargo
quinta-feira, 3 de novembro de 2022
Atualizado às 07:39
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O revogado art. 246, §1º do CPC previa que empresas públicas e privadas - exceto as
microempresas e empresas de pequeno porte -, deveriam cadastrar-se - incluindo um
e-mail - nos sistemas de processamento dos autos eletrônicos, para efeitos de
recebimento de citações e intimações eletrônicas. Essa regra também se aplicava e
continua se aplicando à União, aos Estados e ao Distrito Federal, aos Municípios, e suas
respectivas entidades da administração indireta (art. 246, §2º do CPC).
Esse cadastro deveria ser realizado no prazo de 30 dias pelas empresas já constituídas,
contados a partir da entrada em vigor do CPC e, para aquelas que vierem a ser
constituídas, contados da inscrição do ato constitutivo da pessoa jurídica (art. 1.051 do
CPC), perante o juízo em que tenham sede ou filial.
O tempo mostrou, no entanto, que a ausência de sanção em caso de descumprimento
da regra e, sobretudo, a falta de um sistema apto a viabilizar o cadastro, tornaram essas
normas, até agora, "letras mortas".6
Isso, entretanto, começou a mudar com as alterações promovidas pela Lei 14.195/2021,
que modificou vários artigos do CPC, e, sobretudo, com a recente regulamentação
através da resolução 455 do CNJ.
A lei 14.195/2021 nasceu da conversão da Medida Provisória 1.040/2021. Essa Medida
Provisória (MP) versava, originariamente, apenas sobre desburocratização e
modernização do ambiente negocial, como estratégia de recuperação econômica pós-
pandemia.
Ocorre que, no curso do procedimento de conversão em lei, no Congresso Nacional, a
MP sofreu inúmeras emendas parlamentares, que ampliaram o seu objeto.7-8
Com as mudanças trazidas pela lei 14.195/2021, o CPC passou a impor às partes e aos
interessados o dever de informar e manter os dados cadastrais atualizados, incluindo,
evidentemente, os dados eletrônicos. Não se trata, rigorosamente, de uma inovação
que tenha sido introduzida pela nova lei. Trata-se, a nosso ver, em verdade, de um
reforço à regra que já existia (art. 77, V do CPC), segundo a qual é dever de todos
aqueles que participam do processo declinar, no primeiro momento que lhes couber
falar nos autos, o endereço residencial ou profissional, bem como o eletrônico, por
meio dos quais poderão vir a receber intimações. Aliás, o dever de atualizar essas
informações se estende ao longo do processo e, inclusive, no caso de cumprimento de
sentença, após o trânsito em julgado9, cabendo àqueles que dele participam informar
nos autos qualquer modificação de seu endereço, seja temporária ou definitiva.
O dever, daqueles que participam do processo, de manter seus dados atualizados é
corolário dos princípios da cooperação e da boa-fé objetiva processual, e está
intimamente ligado à garantia de que os atos de comunicação no processo se deem
de forma, ao mesmo tempo, célere e confiável. O seu descumprimento poderá
acarretar em multa por litigância de má-fé (art. 80, IV do CPC), entre 1 e 10% sobre o
valor atualizado da causa, bem como dever de indenizar a outra parte pelos prejuízos
causados e arcar com os honorários sucumbenciais.
A principal mudança promovida pela lei 14.195/21 diz respeito à forma como deve,
preferencialmente, ocorrer a citação. Além de a citação eletrônica passar a ser, em
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paralelo àquela realizada por correio, a regra geral (art. 247, caput, com redação dada
pela lei 14.195/21), o art. 246, caput, deixa claro que a citação deve se dar,
preferencialmente, pelo meio eletrônico. Ou seja: se houver endereço eletrônico
cadastrado, deve-se, em detrimento da citação por correio, optar pela citação
eletrônica.10
2 Da justificativa do projeto de lei que levou à edição da lei de informatização do processo judicial (lei
11.419/2006), é possível extrair a preocupação ainda com a substituição das máquinas de datilografia
pelos computadores e com a integração às novas tecnologias disponíveis. No Diário da Câmara dos
Deputados, da 5ª Sessão Legislativa Extraordinária, publicado em 29 de dezembro de 2001, ficou
consignado o seguinte: "Como justificativa para a proposição, atos praticados, bem como dos acessos
efetuados na realçamos que - quando se trata da questão judiciária no Brasil - é consenso que os mais
graves problemas se situam no terreno da velocidade com que o cidadão recebe a resposta final à sua
demanda. (.) Evidentemente, a informatização aqui não se refere somente à aquisição de computadores
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para utilização como substitutos mais eficientes das velhas máquinas de datilografia. (.) É necessário
agora - simultaneamente ao término desta fase de aquisição de equipamentos nas unidades restantes -
avançar em direção à integração de todos os atores que intervêm em um processo judicial (Varas,
Ministério Público, Advocacia Pública, escritórios de Advocacia), de modo a que crescentemente os
procedimentos judiciais utilizem ao máximo os avanços tecnológicos disponíveis", p. 68.191.
3 A linguagem utilizada pelo legislador é tecnologicamente arcaica. Apesar disso, é importante ressaltar
a preocupação e a boa intenção do legislador em informatizar os atos processuais.
4 Considerando que não compensaria, do ponto de vista logístico e financeiro, migrar para um sistema
só, o CNJ adotou, acertadamente, a iniciativa de integrar os mais diversos sistemas espalhados pelo país
numa plataforma só.
5 Estão dispensadas, porque já existe e-mail cadastrado, as micro e pequenas empresas que estiverem
integradas à REDESIM (Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e
Negócios). A REDESIM é um sistema nacional informatizado que visa à desburocratização para abertura
de empresas, bem como simplifica a prática de atos corriqueiros, como, por exemplo, alterações de
dados da pessoa jurídica.
7 Inseriu-se, na Lei de Sociedades Anônimas, por exemplo, o denominado "voto plural", classe de ação
ordinária que pode dar direito de controle a um acionista (geralmente os fundadores), ainda que ele não
detenha a maioria das ações ordinárias (com direito a voto). A prescrição intercorrente, instituto
amplamente admitido pela doutrina e jurisprudência, recebeu um artigo próprio no Código Civil (art. 206-
A).
8 É importante destacar que o Partido Social Democrático Brasileiro (PSDB) ajuizou Ação Direta de
Inconstitucionalidade, sob nº 7.005, impugnando os arts. 44 e 57, XXXII, da Lei 14.195/21, que alteraram os
dispositivos do CPC. A PGR já se manifestou pela declaração de inconstitucionalidade dos mencionados
dispositivos. O relator é o Min. Luís Roberto Barroso, que ainda não se pronunciou sobre o pedido de
medida liminar. O fundamento da ADI nº 7.005 é o de que a Lei 14.195/21 transbordou a temática da
Medida Provisória 1.040/21, que lhe serviu de origem. Não é demais lembrar que o STF, em 15/10/2015,
no julgamento da ADI 5127, reconheceu que essa prática - de editar emendas parlamentares que
alterem o objeto ou, inclusive, o sentido da Medida Provisória - não é vedada expressamente pela
Constituição, embora, nos termos do voto do relator para acórdão, Min. Edson Fachin: "o fato de a
Constituic¸a~o na~o ter expressamente disposto no art. 62 a impossibilidade de se transbordar a
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tema'tica da Medida Proviso'ria, na~o significa que o exerci'cio da faculdade de emendar pelo Congresso
Nacional seja incondicionado". O STF optou, na ocasião, pela técnica da sinalização, a fim de preservar as
Medidas Provisórias que tivessem sido convertidas em lei com emendas parlamentares sem pertinência
temática. O STF sinalizou que essa prática legislativa, dali para frente, seria reputada inconstitucional,
vez que se trata de um atalho procedimental do qual o legislador lança mão para não submeter seus
projetos a um escrutínio mais democrático e participativo. Uma vez que, até o momento da publicação
deste breve artigo, não houve pronunciamento do STF quanto à concessão de liminar na ADI 7.005, a lei
14.195/21 está em vigor.
9 Inclusive após o trânsito em julgado de sentença, se pendente o seu cumprimento. A respeito, veja-se
relevante acórdão do STJ, de cuja ementa extraem-se os seguintes trechos: "(.)Tanto na vigência do
CPC/73 (art. 238, parágrafo único, introduzido pela Lei nº 11.382/2006), como no CPC/15 (art. 274,
parágrafo único), serão consideradas válidas as intimações fictamente efetivadas no endereço informado
pela parte no processo, cabendo-lhe comunicar o juízo sempre que houver alteração de seu endereço.
O fato de ter transcorrido significativo lapso temporal entre o trânsito em julgado e o início do
cumprimento de sentença pelo credor não afasta a incidência do art. 274, parágrafo único, do CPC/15, na
medida em que a regra do art. 513, § 4º, do CPC/15, admite como válida a intimação fictamente realizada
no endereço declinado na fase de conhecimento também nessa hipótese. A regra do art. 513, § 4º, do
CPC/15, assentada nos deveres de boa-fé e de cooperação, está situada nas 'Disposições Gerais' do
cumprimento de sentença, razão pela qual se aplica indistintamente a todas as modalidades de
cumprimento disciplinadas pelo CPC (obrigação de pagar quantia certa, de fazer, de não fazer, de
entregar coisa), salvo se incompatível com regra prevista para o cumprimento de alguma espécie
específica de obrigação. (.) o devedor está obrigado a comunicar ao juízo qualquer modificação de seu
endereço, de modo a facilitar a sua célere localização, mesmo após o trânsito em julgado da sentença e,
sobretudo, nas relações de trato sucessivo, como é a hipótese da pensão alimentícia. Ordem denegada,
revogando-se a liminar anteriormente concedida". (STJ, HC 691.631/PR, 3ª T., j. 29.03.2022, rel. Min. Nancy
Andrighi, DJe 01.04.2022).
11 Esse prazo é, evidentemente, impróprio. O seu descumprimento não acarretará qualquer sanção.
12 Antes da entrada em vigor da lei 14.195/21 e da regulamentação dada pelo CNJ, através da Resolução
455/2022, as microempresas e as empresas de pequeno porte não estavam obrigadas a realizar o
cadastro para recebimento de citação e intimação eletrônicas. De acordo com a nova versão do art. 246,
§1º do CPC, dada pela lei 14.195/21, todas as pessoas jurídicas públicas e privadas estão obrigadas a
manter cadastro no banco de dados do Poder Judiciário, para efeito de recebimento de citações e
intimações eletrônica. O art. 17 da Resolução 455/2022 impõe às microempresas e às empresas de
pequeno porte que não possuírem endereço eletrônico cadastrado no sistema integrado da Rede
Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim), o dever
de se cadastrarem. Aquelas que já possuírem endereço cadastrado na Redesim, este será utilizado para
fins de citação eletrônica.
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15 Do último informativo lançado pelo CNJ, datado de 2/9/2022, extrai-se que dos 91 Tribunais, 71 já
estão integrando o PDPJ.
16 O Diário de Justiça Eletrônico Nacional (DJEN) está substituindo os meios de publicação oficial do
Poder Judiciário, como os diários de justiça eletrônicos dos tribunais.
18 Para que as demandas não ficassem paralisadas durante a pandemia de COVID-19, à espera de
citação, os Tribunais autorizaram, em situações especiais, que o ato fosse realizado por WhatsApp, por
exemplo, quando as ações envolviam a prática de crimes previstos na Lei 11.340/2006 (Lei Maria da
Penha). De modo exemplificativo, confira-se acórdão do STJ que reconheceu a validade da citação por
meio do WhatsApp: "RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 24-A DA LEI MARIA DA PENHA.
NULIDADE. CITAÇÃO POR WHATSAPP. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO PROCESSO. CONSTITUIÇÃO DE
DEFENSOR. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF.
CONCORDÂNCIA COM O FORMATO ADOTADO. COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. NEMO POTEST
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS NÃO PROVIDO. 1. A
nulidade de atos processuais penal leva em consideração a necessidade de respeito às garantias
constitucionais, de modo que o reconhecimento do vício depende de demonstração de prejuízo
experimentado pela parte em razão da inobservância das formalidades, nos termos do art. 563 do
Código de Processo Penal e do princípio pas de nullité sans grief. 2. Neste caso, o paciente foi citado por
meio de aplicativo instantâneo de troca de mensagens por telefone celular (WhatsApp). Esse formato foi
adotado pelo Tribunal a quo, sobretudo em razão da emergência sanitária causada pela pandemia do
novo coronavírus. 3. Neste caso, verifica-se que o paciente aderiu de forma voluntária à realização do ato
na forma aqui questionada. Ademais, não há dúvida quanto à sua ciência da existência de processo
criminal movido em seu desfavor, tendo em vista que manifestou interesse em ser patrocinado pela
Defensoria Pública, não se constatando qualquer prejuízo às garantias constitucionais do paciente. 4.
Além disso, o comportamento do acusado viola a proibição do venire contra factum proprium, pois, em
um primeiro momento, o acusado ter concordado com a realização do ato processual para, em seguida,
questionar a forma em que a citação se aperfeiçoou. 5. Recurso ordinário em habeas corpus não
provido". (STJ, RHC 140.752/DF, 5ª T., j. 09.03.2021, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 15.03.2021)
(g. n.).
pelo Jui´zo (art. 351 do CPP), de^ cie^ncia remota ao citando da imputac¸a~o penal, inclusive por interme
´dio de dia´logo mantido em aplicativo de mensagem, desde que o procedimento adotado pelo
serventua´rio seja apto a atestar, com suficiente grau de certeza, a identidade do citando e que sejam
observadas as diretrizes estabelecidas no art.357 do CPP, de forma a afastar a existe^ncia de prejui´zo
concreto a` defesa. 2.No caso, o contexto verificado recomenda a renovac¸a~o da dilige^ncia, pois a
citac¸a~o por aplicativo de mensagem (whatsapp) foi efetivada sem nenhuma cautela por parte do
serventua´rio (Oficial de Justic¸a), apta a atestar, com o grau de certeza necessa´rio, a identidade do
citando, nem mesmo subsequentemente, sendo que, cumprida a dilige^ncia, o citando na~o subscreveu
procurac¸a~o ao defensor de sua confianc¸a, circunsta^ncia essa que ensejou a nomeac¸a~o de Defensor
Pu´blico, que arguiu a nulidade do ato oportunamente. 3. O andamento processual, obtido em consulta
ao portal eletro^nico do Tribunal de Justic¸a do Distrito Federal e dos Territo´rios, indica que ainda na~o
foi designada audie^ncia de instruc¸a~o em julgamento, ou seja, o re´u ainda na~o compareceu
pessoalmente ao Jui´zo, circunsta^ncia que, caso verificada, poderia ensejar a aplicac¸a~o do art. 563 do
CPP. 4. Ordem concedida para declarar a nulidade do ato de citac¸a~o e aqueles subsequentes, devendo
a dilige^ncia (citac¸a~o por mandado) ser renovada mediante adoc¸a~o de procedimentos aptos a atestar,
com suficiente grau de certeza, a identidade do citando e com observa^ncia das diretrizes previstas no
art. 357 do CPP". (STJ, HC 652.068/DF, 6ª T., j. 24.08.2021, rel. Min. Sebastia~o Reis Ju´nior, DJe 30.08.2021)
(g. n.).
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