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A Resolução remete à análise dos dados do Relatório Justiça em Números 2023 (ano-base
2022), que aponta mais uma vez as execuções fiscais como um dos principais fatores de
morosidade do Poder Judiciário, correspondendo a 34% do acervo pendente, com taxa de
congestionamento de 88% e tempo médio de tramitação de 6 anos e 7 meses até a baixa.
O mesmo levantamento estimou que 52,3% das execuções fiscais têm valor de
ajuizamento inferior a R$10.000,00, enquanto o custo mínimo de uma execução fiscal
alcança a quantia de R$9.277,00 (Cf. Notas Técnicas 06 e 08 de 2023, do Núcleo de
Processos Estruturais e Complexos do STF).2
Nesse contexto, a norma administrativa legítima, em seu art. 1°, a extinção do feito
executivo de baixo valor sob fundamento da inexistência de interesse de agir, desde que
o valor seja inferior ao valor de R$10.000,00, quando da data do ajuizamento da
execução, observados, para apuração, a soma de valores de processos apensados e ações
propostas em face do mesmo executado (§2º). A extinção depende da inexistência de
"movimentação útil" há mais de um ano sem citação do executado ou, ainda que citado o
devedor, que não conste notícia de localização de bens penhoráveis (§1º) sendo possível
ao ente requerer suspensão do feito por 90 (noventa) dias, caso demonstrada a
possibilidade de localização de bens do devedor (§5º).3
O ajuizamento da execução fiscal de baixo valor, a teor do disposto no art. 2°, dependerá
do atendimento de dois requisitos cumulativos. O primeiro é a prévia tentativa de
conciliação ou a adoção de solução administrativa do conflito. A resolução estabelece que
a existência de lei geral de parcelamento ou oferecimento de vantagem na via
administrativa é suficiente para caracterizar a tentativa de conciliação (§1º). Tal
circunstância não exclui a possibilidade de atuação dos tabeliães de notas na conciliação,
como previsto no art. 7º-A, II, da lei 8.935/94, incluído pela lei 14.711/23, previsão que
tornaria mais eficaz o propósito de evitar o ajuizamento da demanda.4 A adoção de
solução administrativa resta configurada pela simples notificação do executado para
pagamento antes do ajuizamento da ação (§2º), situação que já acontece. Ademais, caso
a providência tomada pelo ente exequente esteja prevista em ato normativo do ente,
opera-se presunção de cumprimento desses requisitos.5
O texto normativo poderia ter terminado aqui. Porém, o último artigo da resolução dispõe:
"Art. 4º. Os cartórios de notas e de registro de imóveis deverão comunicar às respectivas
Prefeituras, em periodicidade não superior a 60, todas as mudanças na titularidade de
imóveis realizadas no período, a fim de permitir a atualização cadastral dos contribuintes
das Fazendas Municipais".
Salta mais uma conexão com o extrajudicial, agora com os tabelionatos de notas e os
registros de imóveis, envolvendo compartilhamento de dados. Gize-se que o ato de
comunicação de "todas as mudanças na titularidade de imóveis" [sic.] caracteriza
tratamento de dados pessoais, a teor do disposto no art. 5º, inc. X, da lei 13.709/18,
podendo a situação ser enquadrada como operação de transmissão ou distribuição, sujeita
aos princípios norteadores das atividades de tratamento, entre eles, o da finalidade, da
adequação, e da necessidade.7
De acordo com o art. 23, caput, da LGPD, o tratamento de dados pessoais por pessoas
jurídicas de direito público e pelos notários e registradores deverá ser realizado para o
atendimento da finalidade pública, persecução do interesse público, execução das
competências legais ou cumprimento das atribuições legais do serviço público, além de
observar os princípios insculpidos nos incisos do art. 6º, logicamente.8
Da leitura do art. 4º, caput, da Resolução extrai-se que, em suma, o tratamento previsto
consistente na transmissão dos dados pessoais pelos notários e registradores, tem por
finalidade a atualização cadastral dos contribuintes das Fazendas Municipais. De início,
constata-se a inobservância ao princípio da finalidade, na medida em que a norma não
delimitou o escopo do tratamento, ou seja, não define como será feita a transmissão dos
dados, aliás, sequer indicou quais são os dados pessoais que seriam objeto da
comunicação, o que tem reflexo direto em outro princípio da LGPD: o da necessidade.
Segundo o princípio, o tratamento deverá ser limitado ao mínimo necessário à realização
de suas finalidades, abrangendo os dados (i) pertinentes, (ii) proporcionais e (iii) não
excessivos em relação a ela. Mais do que isso. Nas palavras da própria ANPD: "Da mesma
forma, esse princípio desaconselha o próprio tratamento de dados pessoais quando a
finalidade que se almeja pode ser atingida por outros meios menos gravosos ao titular de
dados.". 10
É justamente aqui que a atenção fica voltada, pois tal comunicação, na forma prevista, é
desnecessária e inadequada. Desnecessária, porque a finalidade apontada da norma pode
ser alcançada por outros meios menos gravosos, na exata medida em que os sistemas
utilizados pelas Prefeituras armazenam as informações relativas às transmissões de
titularidade de imóveis antes mesmo do ato notarial ou do registro do título. Inadequada,
porque consequentemente inexiste compatibilidade do tratamento com as finalidades
almejadas, mormente em razão dos dados serem coletados na ponta, pela própria
municipalidade.
Explica-se: para lavrar uma escritura pública que tenha por objeto a transmissão de direito
real sobre bem imóvel, a lei determina que seja apresentado ao tabelião de notas o
comprovante do recolhimento do imposto de transmissão, o que será consignado no ato
notarial (Cf. lei 7.433/85).11 No caso de transmissões onerosas, inter vivos, as partes
interessadas declaram o valor do imóvel e o município procede à avaliação, sendo essa a
base de cálculo para cobrança do imposto de transmissão. O tabelião preenche o
formulário para avaliação do bem objeto da transmissão, informando dados do
adquirente, do transmitente, nome completo e número do CPF, e do imóvel, tudo no
sistema do próprio município, que depois de apurado o valor, gera uma guia de
recolhimento. Somente após o pagamento da guia é que a escritura será lavrada e
registrada no Registro de Imóveis.
Outro aspecto a ser observado é que, assim como os tabeliães formalizam títulos aptos ao
registro para transmissão da propriedade, também são títulos as sentenças judiciais, as
cartas de arrematação, de adjudicação, os formais de partilha. Se a intenção é obter ter
acesso aos dados de transmissão de titularidade, o mesmo dever de comunicação deveria
recair sobre o Poder Judiciário.
Com efeito, jargões do gênero "quanto mais melhor" fortalecem velhos ideais
enciclopédicos, que podem não mais corresponder à eficiência da máquina pública; ao
contrário, podem ensejar a criação de procedimentos onerosos e riscos
desnecessários. Não à toa o sociólogo Ulrich Beck sinalizava os riscos da exposição
demasiada de dados pessoais em um estado de vigilância.12 O tratamento previsto no art.
4º, caput, da Resolução 457 do CNJ é inadequado, na medida que duplicará os dados nos
sistemas dos municípios, podendo gerar redundância não controlada e assíncrona,
lembrando que os mesmos dados serão tratados quando do preenchimento do formulário
de avaliação pela Prefeitura para gerar a guia, pelo tabelião de notas quando da lavratura
da escritura e pelo registrador de imóveis quando do registro, aumentando o risco de
incidente de segurança e exigindo a adoção de medidas de segurança, técnicas e
administrativas adequadas para proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e
de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão
tanto pelos notários e registradores quanto pelos municípios. Sob a perspectiva da
eficiência da administração pública (art. 37, CF), sobrecarregar o sistema com
informações já existentes nos bancos de dados do município é um contrassenso e uma
exposição desnecessária.
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1 STF. Tema 1184. Extinção de execução fiscal de baixo valor, por falta de interesse de
agir [...]. Disponível aqui.
4 Art. 7º-A Aos tabeliães de notas também compete, sem exclusividade, entre outras
atividades: [...] II - atuar como mediador ou conciliador. In: BRASIL. Lei 8.935, de 18 de
novembro de 1994. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre
serviços notariais e de registro. (Lei dos cartórios). Disponível aqui.
7 Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se: [...] X - tratamento: toda operação realizada
com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação,
utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento,
armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação,
comunicação, transferência, difusão ou extração. In: BRASIL. Lei 13.709, de 14 de
agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível aqui.
8 BRASIL. Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
(LGPD). Disponível aqui.
9 ANPD. Guia Orientativo: Tratamento de dados pessoais pelo Poder Público. Versão 2.0.
Jun/2023. Disponível aqui.
10 ANPD. Guia Orientativo: Tratamento de dados pessoais pelo Poder Público. Versão
2.0. Jun/2023. Disponível aqui.
12 BECK, Ulrich. A metamorfose do mundo: novos conceitos para uma nova realidade.
Tradução Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2018, p. 193: "em vez de
procurar uma só agulha no palheiro, a abordagem era 'vamos recolher o palheiro todo'".
Epa! Vimos que você copiou o texto. Sem problemas, desde que cite o link:
https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/402873/execucoes-
fiscais-e-as-comunicacoes-da-resolucao-547-do-cnj