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A AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO, O

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA E A NOVA


HIPÓTESE DE AÇÃO RESCISÓRIA PREVISTA NO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
Juliana Furtado Costa Araujo1

Sumário: 1. Introdução – 2. Cumprimento versus execução de


sentença – 3. Das matérias a serem arguidas em impugnação:
da inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação – 4.
Da possibilidade de dispositivo da lei processual produzir efeitos
rescisórios sob decisão com coisa julgada – 5. Do alcance inter-
pretativo do art. 535, §5º, do CPC/2015: impugnação de sentença
com efeitos rescisórios – 6. Da nova hipótese de ação rescisória
para fins de desconstituição de título executivo em cumprimento
de sentença – 7. Conclusões.

1. Introdução

A análise do CPC/2015 sob a ótica do direito material e, no


que nos interessa, do direito tributário, faz-nos identificar al-
gumas alterações relevantes introduzidas pela nova legislação

1. Doutora em Direito Tributário pela PUC/SP. Professora do Mestrado Profissional


da FGV/Direito SP e dos cursos de pós-graduação do IBET e GVlaw. Procuradora
da Fazenda Nacional em São Paulo.
no sistema jurídico nacional com reflexos importantes no dia
a dia daqueles que atuam no contencioso judicial tributário.
Elegemos, como tema deste artigo, o cumprimento de
sentença que reconheça a obrigação de pagar quantia certa
pela Fazenda Pública, mais especificamente, a devolução de
valores reconhecidos como indevidamente recolhidos em de-
cisão com trânsito em julgado proferida em ação de repetição
de indébito.
Nesse ponto, o CPC/2015 aperfeiçoou a sistemática até
então vigente e inovou em vários aspectos: (i) introduziu o
sincretismo processual entre processo de conhecimento e de
execução; (ii) melhor definiu as hipóteses em que uma decisão
da Suprema Corte pode impactar a satisfação do título execu-
tivo; bem como (iii) previu a possibilidade de uma nova hipó-
tese de ação rescisória quando se está diante de uma decisão
contrária a um entendimento do STF.
Sobre estas questões é que nos debruçaremos neste ar-
tigo, tendo por objetivo demonstrar os reflexos dessas alte-
rações no cumprimento de sentença em face da Fazenda
Pública.

2. Cumprimento versus execução de sentença

Relativamente à obrigação da Fazenda Pública de pagar


quantia certa, vemos no CPC/2015 a intenção do legislador em
adotar um modelo processual sincrético, onde em um único
processo se reconhece o direito, que é judicialmente pleite-
ado, bem como já se prevê, nos mesmos autos, a satisfação
deste mesmo direito. Esta tendência, já presente nas execu-
ções oriundas de ações instaladas entre particulares na legis-
lação processual anterior, foi estendida às hipóteses em que a
Fazenda Pública ocupa o polo passivo da relação jurídica de
pagar quantia certa.
Passamos a ter um único processo que pode ser dividi-
do em duas etapas: a primeira, dita fase cognitiva, quando se
envida esforços para convencer o juiz a reconhecer o direito
daquele que buscou a tutela jurisdicional (o autor) ou daquele
que foi demandado na mesma lide (o réu); e a segunda, nome-
ada fase de cumprimento da decisão então prolatada, onde o
juiz irá satisfazer o direito reconhecido.
É por conta desta opção de continuidade no processo de
conhecimento da antiga etapa de execução que houve alte-
ração na nomenclatura utilizada na legislação processual.
Antes, utilizava-se a expressão execução de sentença, pois a
fase executiva, com a apresentação dos valores a serem devol-
vidos, dava-se em autos apartados, formando-se uma nova re-
lação processual, oportunizando ao executado apresentar em-
bargos à execução no prazo de 30 (trinta) dias. No CPC/2015,
a expressão eleita é cumprimento de sentença, uma vez que a
satisfação do direito dar-se-á nos próprios autos em que este
foi reconhecido, sendo dada, ao devedor, a opção de apresen-
tar impugnação no mesmo prazo trintenal.
Podemos nos perguntar qual seria a razão que levou o
legislador a adotar a ideia do processo sincrético na fase de
satisfação e realização do indébito tributário. A resposta pa-
rece ser bem simples: manter a coerência da lei processual
quanto à concretização de um dos seus principais pilares,
que é a garantia da instrumentalidade. E diga-se: instrumen-
talidade aliada à duração razoável do processo. Sem dúvida,
aposta-se na celeridade da entrega da prestação jurisdicional,
retirando a imprescindibilidade de instauração de uma nova
relação processual (o “velho” processo executivo) quando a
realização do direito pode ocorrer nos mesmos autos em que
o indébito tributário foi reconhecido.
Apesar da mudança de rumo noticiada, na prática, os
efeitos daí provenientes não devem alterar significativamente
a atuação das partes em juízo, uma vez que o direito de defesa
do Fisco, que ocupa o polo passivo da relação jurídica obje-
to de cumprimento, foi mantido no mesmo prazo trintenal,
sendo ainda reconhecida a possibilidade de condenação em
verba honorária a favor da parte que se sair vitoriosa, ainda
que em cumprimento de sentença, nos termos do art. 85, §1º
do CPC/2015.2
Com o trânsito em julgado da decisão que reconhece o di-
reito à repetição do indébito, cabe ao autor, titular dos valores
indevidamente recolhidos, apresentar a memória discrimina-
da de cálculos, com todas as informações capazes de garantir
o cumprimento da sentença que, como dito, poderá ser objeto
de impugnação por parte da fazenda pública. Portanto, cabe
ao contribuinte dar andamento ao pedido de satisfação de seu
direito então reconhecido, sendo imprescindível atender a to-
dos os requisitos do art. 534 do CPC/2015.3
A identificação precisa dos valores a serem devolvidos é
devida, pois, no momento seguinte (o da impugnação), cabe
ao Fisco se insurgir contra eles, apresentando razões fun-
damentadas que demonstrem a inadequação dos valores
apresentados.
Um grande avanço do CPC/2015 deu-se em relação à im-
prescindibilidade de que o Fisco, caso alegue em impugna-
ção excesso de execução por parte do contribuinte, declare
de imediato os valores que entende corretos, sob pena de sua
arguição não ser conhecida.

2. Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado


do vencedor.
§ 1o São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento
de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos
recursos interpostos, cumulativamente.
3. Art. 534. No cumprimento de sentença que impuser à Fazenda Pública o dever
de pagar quantia certa, o exequente apresentará demonstrativo discriminado e atu-
alizado do crédito contendo:
I – o nome completo e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no
Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do exequente;
II – o índice de correção monetária adotado;
III – os juros aplicados e as respectivas taxas;
IV – o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados;
V – a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso;
VI – a especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados.
[...].
Apesar do STJ já possuir entendimento neste sentido por
meio do recurso representativo de controvérsia 1.387.248,4 tal
exigência foi afastada pelo Poder Judiciário na específica hi-
pótese em que a fazenda pública estivesse ocupando a posição
de impugnante. Isto porque seria aplicado, no caso, o prin-
cípio da indisponibilidade do interesse público, reforçado,
ainda, pela ausência de previsão normativa neste sentido no
art. 741 do CPC/73, que dispunha sobre os fundamentos que
podiam ser invocados nos embargos à execução opostos pela
Fazenda Pública.
Portanto, era real a possibilidade da Fazenda Pública se
insurgir contra os valores objeto de execução além do prazo
concedido para embargar as contas apresentadas, em espe-
cial naquelas hipóteses em que a conferência do indébito de-
pendia de atuação da autoridade administrativa responsável
pelo lançamento.

4. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA – PROCESSU-


AL CIVIL – BRASIL TELECOM S/A – CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINAN-
CEIRA – COMPLEMENTAÇÃO DE AÇÕES – IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO
DE SENTENÇA – ILIQUIDEZ DO TÍTULO – MATÉRIA PRECLUSA – EXCESSO
DE EXECUÇÃO. INDEFERIMENTO LIMINAR – CABIMENTO – ART. 475-L, § 2º,
DO CPC/73 – MULTA DO ART. 475-J DO CPC/73 – ÓBICE DA SÚMULA 283/STF.
1. Para fins do art. 543-C do CPC/73: “Na hipótese do art. 475-L, §2º, do CP/73C, é
indispensável apontar, na petição de impugnação ao cumprimento de sentença, a
parcela incontroversa do débito, bem como as incorreções encontradas nos cálculos
do credor, sob pena de rejeição liminar da petição, não se admitindo emenda à ini-
cial”.
2. Caso concreto:
2.1 Impossibilidade de se reiterar, em impugnação ao cumprimento de sentença,
matéria já preclusa no curso da execução. Precedentes.
2.2 “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta
em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles” (Súmula
283/STF).
2.3 Aplicação da tese firmada no item 1, supra, ao caso concreto.
2.4 Inviabilidade de revisão de honorários advocatícios em sede de recurso espe-
cial, em razão do óbice na súmula 7/STJ, que somente pode ser afastado quando
exorbitante ou irrisório o valor arbitrado, o que não ocorre na espécie.
3. RECURSO Especial conhecido, em parte, e desprovido.
(REsp 1387248/SC, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Corte Especial, j.
07.05.2014, DJe 19.05.2014).
Tal situação muda completamente com o disposto no
art. 535, §2o do CPC/2015 que prescreve o seguinte: “Quando
se alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia
quantia superior à resultante do título, cumprirá à executada
declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de
não conhecimento da arguição”.
Portanto, ou a Fazenda Pública se insurge motivada-
mente acerca do excesso de execução ou sua impugnação se-
quer será conhecida, permitindo o cumprimento imediato da
sentença.
Dentre as matérias passíveis de arguição pela Fazenda
Pública em contraposição ao título executivo, objeto de cum-
primento, estão as elencadas no art. 535 do CPC/2015, que as-
sim dispõe:

Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu re-


presentante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico,
para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos,
impugnar a execução, podendo arguir:
I – falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o
processo correu à revelia;
II – ilegitimidade de parte;
III – inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;
IV – excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;
V – incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;
VI – qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como
pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição,
desde que supervenientes ao trânsito em julgado da sentença.
[...].

Interessa-nos, particularmente, neste texto, a hipótese


prevista no inciso III do artigo referido: inexequibilidade do
título ou inexigibilidade da obrigação.
3. Das matérias a serem arguidas em impugnação:
da inexequibilidade do título ou inexigibilidade da
obrigação

Um dos pontos da impugnação do Fisco pode se referir a


vícios no título executivo e na obrigação nele consubstancia-
da. Neste sentido, Cassio Scarpinella Bueno afirma:

a inexequibilidade do título relaciona-se a eventuais defeitos do


próprio título executivo, considerado em seu aspecto formal. A
inexigibilidade da obrigação nele retratada, diz respeito, em har-
monia com a previsão do art. 783, à falta de um dos atributos do
título executivo e deve ser analisada na perspectiva do direito
material.5

A inexigibilidade da obrigação, na dicção da legislação


processual, abre oportunidade à Fazenda Pública de rescin-
dir os efeitos do título executivo, caso haja decisão do STF em
sentido contrário àquele contido no título executivo objeto de
cumprimento.
Neste contexto, o art. 535, §5º da nova legislação considera

[...] inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judi-


cial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucio-
nal pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação
ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo
Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal,
em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

Neste ponto, identificamos certa impropriedade da legis-


lação. Na verdade, o título é em princípio eficaz, mas passível
de ter sua desconstituição decretada pelo juízo, dada sua in-
compatibilidade com posição firmada pela Corte Suprema. A
obrigação, por sua vez, seria inexigível quando não possa ser
objeto de cumprimento, pois há ainda termo ou condição a
ser cumprida, o que não ocorreria nesta específica situação.

5. BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. Volume único. 2ª


ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 449.
Esta aparente atecnia do legislador não nos impede, porém,
de adentrarmos e fixarmos o real conteúdo do dispositivo.
Evidente a intenção do CPC/2015 em fazer prevalecer o
entendimento do STF, admitindo a desconstituição do título,
ainda que já operada a coisa julgada material, após manifes-
tação do juízo responsável pela sua satisfação. Haverá a con-
frontação entre a decisão presente no título e aquela exarada
pelo STF sobre o mesmo tema, sendo possível que a autorida-
de judicial mantenha ou não o comando condenatório então
dotado de amplos efeitos.
Este dispositivo praticamente repete o disposto no art.
6
741, parágrafo único, do CPC/1973. Acrescenta, porém, a pos-
sibilidade de a decisão do STF ter sido proferida tanto em con-
trole difuso quanto em controle concentrado de constitucio-
nalidade. Também determina o momento em que a mudança
de entendimento do STF pode ser arguida, se em impugnação
ou em ação rescisória específica, como veremos adiante.
Quanto ao primeiro ponto, acreditamos que ao se referir
ao controle difuso, o referido dispositivo não abarca toda e
qualquer decisão do STF proferida na resolução dos recursos
extraordinários sob sua competência. Encampa somente as
decisões submetidas à sistemática de julgamento de recursos
extraordinários repetitivos, prevista nos arts. 1.036 e seguin-
tes do CPC/2015 e que, nos termos do art. 927, apresentam
efeito vinculativo a todo o Poder Judiciário.
Quanto aos julgados em sede de controle concentrado de
constitucionalidade, não há nenhuma novidade comparativa-
mente à legislação processual anterior, uma vez que as deci-
sões do STF proferidas neste ambiente, por força constitucio-
nal, sempre apresentaram efeito vinculativo e erga omnes.

6. Art. 741, parágrafo único, do CPC/73: “Para efeito do disposto no inciso II do


caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundamento em
lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal,
ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supre-
mo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.”
Relativamente à vinculação do entendimento do STF em
controle difuso, pensamos que o CPC/2015 segue a linha por
ele traçada de uniformização do entendimento jurispruden-
cial e a criação da figura dos precedentes vinculantes. Em
outras palavras, faz-se necessário que o Poder Judiciário re-
solva os conflitos que lhes são apresentados segundo deter-
minados padrões de condutas que sirvam de parâmetro para
toda a sociedade. Para tanto, necessita apresentar a mesma
solução jurídica para controvérsias que se identificam. E,
nesse contexto da novel legislação processual civil, cabe aos
Tribunais de piso e juízes seguirem o entendimento do STF,
que tem a função de interpretar, em última instância, a Carta
Constitucional.
E isto não seria diferente em se tratando de cumprimen-
to de sentença, quando efetivamente será realizado o direito
reconhecido em decisão previamente construída na fase de
conhecimento do processo.
Há, porém, aqui, um dado relevante e que não pode ser
esquecido. A decisão que pretende ser rescindida em fase de
impugnação fez coisa julgada, sendo imprescindível adentrar-
mos nesta seara, diante da possibilidade de o Código indicar
que a coisa julgada pode ter sua supremacia maculada no
contexto do cumprimento de sentença.

4. Da possibilidade de dispositivo da lei processual


produzir efeitos rescisórios sob decisão com coisa
julgada

Sabe-se que o instituto da coisa julgada é garantido pelo


texto constitucional. Apesar disto, cabe ao legislador infra-
constitucional regular seu regime e impor limites objetivos e
subjetivos, sempre dentro de padrões constitucionais pré-es-
tabelecidos, como a segurança jurídica, o contraditório, a pro-
porcionalidade, dentre outros.
Quando se identifica que o sopesamento de princípios
constitucionais na órbita legal autoriza tal relativização, apa-
rece a figura da lei infraconstitucional dando contorno ao
tema. É o que ocorre, por exemplo, quando se estabelece a
possibilidade de ajuizamento de ação rescisória nas hipóteses
legais previamente definidas (art. 966 do CPC/2015), que tam-
bém privilegiam princípios constitucionais, mas que em de-
terminado contexto, merecem sobrepor-se à ideia da garantia
absoluta à manutenção de decisão final de mérito, introduzi-
da no sistema pelo Poder Judiciário, em favor de outro valor
constitucional que se sobrepõe.
O mesmo ocorre quando se vê a possibilidade de impug-
nação a cumprimento de sentença com efeitos rescisórios. É
a lei delimitando o regime da coisa julgada, por um objetivo
maior: garantir uniformidade e isonomia dentre aqueles que
buscam a satisfação jurisdicional de seus conflitos.
Esta questão foi levada à apreciação do STF por meio da
ADI 2418.7 Vários questionamentos foram levantados, sendo,
ao que nos interessa, o de maior importância, tratou da possi-
bilidade da coisa julgada ser desconstituída por meio de em-
bargos à execução de sentença, tal qual disposto no parágrafo
único do art. 741 do CPC/73, cujo tratamento normativo no
CPC/2015, em seu art. 535, §5º, foi semelhante, embora não
igual, como demonstrado acima.
Em recente posicionamento, já após a vigência do
CPC/2015, a Corte Suprema manifestou-se pela constitucio-
nalidade do dispositivo, entendendo, inclusive, que o fato do
dispositivo apreciado ter sido revogado pelo CPC/2015 não
prejudicaria a apreciação, considerando a relativa identidade
entre eles quanto ao objeto discutido na ADI.
Entendeu, o STF, que a sobrevalorização do princípio da
manutenção da coisa julgada não pode ir de encontro a outros
princípios, como o da supremacia da própria Constituição

7. Disponível em: <https://goo.gl/oL94lZ>. Acesso em: 06 out. 2016.


Federal. Por outro lado, ainda, afirmou o STF, que não é pos-
sível, também, que se elasteça aos extremos a possibilidade de
rescisão da coisa julgada, sob pena de ser deixado de lado um
dos principais efeitos da coisa julgada formada no processo no
que diz respeito à relação material conflituosa, a pacificação
social com a eliminação de controvérsias.
Em resumo: cabe ao legislador estabelecer situações que
podem impactar os efeitos de uma decisão já anteriormente
objeto de apreciação pelo Poder Judiciário, sendo imprescin-
dível, porém, que se identifiquem, cabalmente, as condições e
limites deste efeito rescisório.
Passemos, então, à análise do art. 535, §5º, do CPC/2015.

5. Do alcance interpretativo do art. 535, §5º, do CPC/2015:


impugnação de sentença com efeitos rescisórios

Em uma leitura apressada do art. 535, §5º, do CPC/2015,


poderíamos chegar à conclusão de que apenas decisões do
STF que declarassem de alguma forma a inconstitucionalida-
de de lei ou qualquer outro ato normativo poderiam ser opos-
tas pelo Fisco para fins de rescisão do título executivo. Isto
porque é esta a literalidade do preceito normativo.
Este, inclusive, foi o entendimento contemplado pelo
STJ no recurso representativo de controvérsia 1.189.619/PE,
ao analisar o alcance do art. 741, parágrafo único, do CPC/73.
Entendeu a Corte que por se estar diante de uma norma que
excepciona o princípio da imutabilidade da coisa julgada, sua
interpretação deve ser feita de forma restrita, abarcando, tão
somente, as sentenças fundadas em norma inconstitucional,
assim consideradas as que: (a) aplicaram norma declarada in-
constitucional; (b) aplicaram norma em situação tida por in-
constitucional; ou (c) aplicaram norma com um sentido tido
por inconstitucional.
Este posicionamento, porém, retira toda eficácia do dis-
positivo e, inclusive, sua razão de existir.
Em primeiro lugar, não podemos esquecer que estamos
diante de uma norma cuja aplicação se restringe ao cum-
primento de sentença de pagar quantia certa pela Fazenda
Pública. Portanto, no mínimo, a interpretação de seu alcance
deve se dar dentro deste contexto de devolução de valores in-
devidamente pagos por aquele que buscou o reconhecimento
da tutela jurisdicional.
Se estamos diante de um título executivo que reconhece
o direito do sujeito passivo da relação jurídica tributária em
repetir valores concernentes a créditos tributários indevida-
mente pagos, forçoso reconhecer que esta específica situação
só ocorre uma vez que a decisão judicial de determinação do
crédito baseou-se na impossibilidade de cobrança do tributo
e, portanto, na eventual inconstitucionalidade da lei que ser-
viu de fundamento para sua exigência. Um entendimento do
STF que pudesse ser contraposto a tal decisão, deveria, a con-
trario sensu, reconhecer que a lei que fulcra o crédito tributá-
rio seria constitucional, daí porque devido seu recolhimento,
sendo imprópria a determinação judicial que autorizasse sua
repetição.
Portanto, em repetição do indébito, pensamos que referi-
do preceito deve ser interpretado de forma a considerar que
o entendimento do STF deve ser contrário àquele sedimenta-
do no título judicial, independentemente de assumir o viés da
constitucionalidade ou inconstitucionalidade, mas sim por re-
fletir um título que se mostra incompatível com a orientação
firmada pelo STF acerca do texto constitucional.
Devemos levar em consideração que quando a Suprema
Corte conclui que uma lei instituidora de um determinado
tributo é constitucional está embutida, neste entendimen-
to, a “outra face desta moeda” que é o reconhecimento do
afastamento da inconstitucionalidade. Neste sentido, é que
interpretamos este dispositivo, de forma a ser minimamen-
te possível seguir o espírito da nova legislação processual,
que é a de uniformizar os entendimentos jurisprudenciais,
ainda mais quando digam respeito ao alcance de um preceito
constitucional.
O STF parece ter seguido esta linha na ADI referida,
quando reconheceu que se há um vício qualificado de incons-
titucionalidade no título, este deve ser rescindido. Assim, o
título executivo se mostra passível de rescisão quando retrata
a aplicação de norma jurídica cuja constitucionalidade da lei
que o embasa vem a ser confirmada pela Suprema Corte.
Do voto do Ministro Teori Zavascki pode-se retirar a se-
guinte conclusão:

Considerando o atual sistema de controle de constitucionalida-


de e dos efeitos das sentenças do STF dele decorrentes, não há
como negar que há outra situação, nele implícita, que autoriza
a invocação da inexigibilidade da obrigação contida no título
executivo judicial: é quando a sentença exequenda reconhe-
ceu a inconstitucionalidade – ou, o que dá no mesmo (Súmula
Vinculante 10/STF), simplesmente deixou de aplicar – norma
que o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional. Essa
hipótese, embora não explicitada nos dispositivos processuais,
decorre necessariamente de interpretação sistemática. Com efei-
to, afirmar ou negar judicialmente a constitucionalidade de uma
norma são duas faces da mesma moeda. É que a eficácia decla-
rativa decorrente das sentenças opera com a mesma intensidade
em sentido positivo ou negativo, produzindo, em qualquer caso
e com idêntica marca da imutabilidade, coisa julgada material.
Aliás, é inerente ao sistema de processo a natural eficácia dúpli-
ce da sentença de mérito, que favorece a posição do demandante,
quando afirma a existência da situação jurídica afirmada como
base para o seu pedido, mas que, com intensidade semelhante e
com a mesma eficácia de coisa julgada material, favorece a posi-
ção do demandado, em caso de improcedência. Tratando-se de
decisão do STF no âmbito do controle de constitucionalidade,
essa eficácia dúplice está enfaticamente acentuada em texto nor-
mativo (Lei 9.868/99, art. 23), justamente porque tal controle tem
a finalidade de propiciar, a um tempo, a preservação do sistema
normativo legitimamente estabelecido (o que enseja juízos posi-
tivos de constitucionalidade) e a sua autopurificação em relação
a normas inconstitucionais nele porventura incrustadas (o que
enseja juízos negativos de validade).
Em outras palavras: o que é relevante é a constatação da
ofensa à supremacia do texto constitucional, consubstanciada
em um título que não reflete o entendimento majoritário do
STF e não a literalidade do texto ao se referir unicamente à
palavra “inconstitucionalidade”.
Desta feita, entendemos que se faz necessária a revi-
são do entendimento até então prevalente no STJ sobre o
tema (recurso representativo de controvérsia 1.189.619/PE).
Sustentamos esta posição não apenas pelos argumentos acima
expostos, mas, também, pela entrada em vigor do CPC/2015
que, além de ter promovido uma alteração profunda no re-
gime de “execução” de sentença, no regime do CPC/73, ao
eliminar o processo de execução contra a Fazenda Pública e
prever o cumprimento de sentença (sincretização entre pro-
cesso de conhecimento que reconhece a obrigação de pagar
quantia certa e antigo processo executivo) – o que por si só
já é suficiente a ensejar uma reinterpretação do dispositivo
–, tem por diretriz garantir a uniformidade jurisprudencial,
por meio da ideia do precedente vinculativo (é o princípio da
isonomia sendo elevado à mais alta potência no âmbito in-
fralegal, para dar efetividade ao direito do cidadão à isonomia
perante a lei). E é justamente esta uniformidade, na aplicação
da lei (isonomia material), que se busca com a possibilidade
de feitos rescisórios à impugnação do Fisco em cumprimento
de sentença.
Importante aduzir, neste contexto, que o CPC/2015, no §7o
de seu art. 535, especificou que o efeito rescisório da impug-
nação estará presente apenas na hipótese da decisão do STF
ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão ob-
jeto de cumprimento. Ou seja, quando da formação do título
executivo já deve existir posição do STF em sentido contrário
àquele espelhado na decisão proferida na fase cognitiva.
O passo a mais, dado pela nova legislação, consiste na pre-
visão de rescisão dos efeitos do título executivo também na hi-
pótese de alteração de entendimento da Suprema Corte, ocor-
rido após trânsito em julgado da decisão de reconhecimento
do indébito, por meio de ação própria, cujos delineamentos
são imprescindíveis para que se evite ofensa à segurança
jurídica.

6. Da nova hipótese de ação rescisória para fins de des-


constituição de título executivo em cumprimento de
sentença

Como aduzido, caso o posicionamento do STF, contrário


àquele espelhado no título objeto de cumprimento, já exista
à época do aperfeiçoamento do título, caberá ao isco alegar
tal fato quando da apresentação da impugnação aos valores
trazidos à apreciação do juízo.
Na hipótese do entendimento do STF se formar após o
trânsito em julgado da decisão que consubstancia o título exe-
cutivo, deverá, a Fazenda Pública, se utilizar de ação rescisó-
ria, nos termos do §8º do art. 535 do CPC/2015.
Este dispositivo prescreve que “se a decisão referida
no §5º for proferida após o trânsito em julgado da decisão
exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado
do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal”.
A intenção do legislador, mais uma vez, parece se rela-
cionar com a imprescindibilidade do respeito às posições do
STF, ainda que estas tenham sido fixadas após a formação do
título executivo.
Este dispositivo, porém, dá abertura para discussões re-
lativas à garantia da segurança jurídica do sistema como um
todo. Isto porque estabelece o prazo inicial da nova hipótese
de ação rescisória com o trânsito em julgado da decisão pro-
ferida pelo STF e que vai de encontro com o entendimento
materializado no título executivo.
Uma interpretação literal do artigo pode levar à conclusão
– diga-se precipitada – de que a mudança de entendimento do
STF pode ensejar, a qualquer tempo, a possibilidade de pro-
positura de ação rescisória com o objetivo de fazer prevalecer
a posição da Corte Suprema, ainda que o direito garantido
pelo título executivo já tenha sido objeto de satisfação.
Isto levaria a uma sensação de insegurança enorme, sem
qualquer dúvida. Pensamos, dentro da linha que vem sendo
defendida neste artigo, que a interpretação do dispositivo
deve ocorrer de forma sistemática e não literal. Se a norma
está contemplada em capítulo que trata do cumprimento de
sentença em face da Fazenda Pública, a eventual ação rescisó-
ria será cabível caso haja uma mudança de entendimento do
STF enquanto ainda não se perfez de forma definitiva o cum-
primento do título. Em outras palavras: a posição do STF em
sentido contrário àquela presente no título há de ser introdu-
zida no mundo jurídico enquanto ainda se discutem os valo-
res que devem ser devolvidos ao credor pela Fazenda Pública.
Caso a obrigação de restituir já tenha ocorrido, não há
que se falar em possibilidade de rescisão do título, sob pena
de se conferir, à ação rescisória, um efeito eterno que não se
coaduna com os demais princípios que regem o sistema.
Relevante, porém, definir quando se considera satisfeita
a obrigação. Ainda que seja possível que se alegue que a obri-
gação só estará satisfeita com o efetivo pagamento dos valores
devidos pela via do precatório e, sabemos, isto pode consu-
mir anos a depender do ente estatal que é responsável pelo
adimplemento, entendemos que a ação rescisória fundada na
mudança de entendimento do STF poderá ser proposta até
o momento em que forem fixados, em definitivo, os valores
devidos, encerrando-se a discussão iniciada por meio da im-
pugnação aos valores apresentados pelo credor.
Com o trânsito em julgado da decisão que resolve a im-
pugnação, já há a definição dos valores devidos, sendo confor-
mada uma situação jurídica que agora só passa a depender de
trâmites administrativos: a requisição do precatório e o efeti-
vo pagamento.
Pensamos que desta forma é possível garantir que o en-
tendimento do STF prevaleça sem macular uma eventual si-
tuação jurídica que já esteja consolidada.

7. Conclusões

Por todo o exposto, fica claro que o CPC/2015 imprimiu ao


capítulo que trata do cumprimento de sentença que reconhe-
ça a obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública a
mesma ideia que permeia toda a nova legislação: a necessida-
de de se garantir julgamentos uniformes, fazendo prevalecer,
especificamente na hipótese, posição do STF em controle di-
fuso ou concentrado de constitucionalidade.
Logicamente que os requisitos para que se imponha a
posição da Suprema Corte necessitam estar muito bem de-
limitados, pois se está diante de autorização legislativa para
se rescindir a coisa julgada. E, neste ponto, concluímos pela
possibilidade de tal rescisão se dar tanto pela (i) via da im-
pugnação como da (ii) nova hipótese de ação rescisória, acres-
centando que a posição do STF, em se tratando de controle
difuso de constitucionalidade, necessita ter sido submetida à
sistemática dos recursos extraordinários repetitivos.
Quanto à nova hipótese de ação rescisória, o CPC/2015,
neste particular, verdadeiramente inovou. Faz-se necessário,
porém, imprimir limites a uma interpretação estrita e apres-
sada do dispositivo. Se a possibilidade de ação rescisória
em face de uma mudança de entendimento do STF vem ao
encontro da necessária uniformidade dos posicionamentos
jurisdicionais, só faz sentido que o título executivo seja des-
constituído caso ainda se estiver em fase de determinação dos
valores devidos.
Se a obrigação do Fisco já foi quantificada definitivamen-
te e, quiçá, já paga, eventual ação rescisória por mudança de
entendimento da Corte Suprema geraria apenas insegurança,
tudo o que o novo sistema processual procura afastar.

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