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ISSN 1413-7097
REVISTA DIALÉTICA
DE DIREITO TRIBUTÁRIO
(RDDT)
- do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (sob nº 7 - Despacho do Exmo. Sr. Juiz Diretor
da Revista do TRF da 5ª Região, publicado no DJU II de 9 de setembro de 1997, página 72372).
197
FEVEREIRO - 2012
REVISTA DIALÉTICA
DE DIREITO TRIBUTÁRIO
(RDDT)
ISSN 1413-7097
197
(FEVEREIRO - 2012) Marola Omartem
é o autor da obra reproduzida em
destaque na capa desta edição.
Diretores da Revista
Valdir de Oliveira Rocha
Francisco Lobello de Oliveira
Rocha (Adjunto) Na página inicial do site
www.dialetica.com.br
Diretores da Editora Dialética canto superior, esquerdo, pode-se
Lidia Lobello de Oliveira Rocha realizar BUSCA que possivelmente
facilitará muito a localização de textos
Valdir de Oliveira Rocha sobre assuntos de seu interesse.
Denise Lobello de Oliveira Rocha
A Editora mantém em estoque os
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Revista Dialética de Direito Tributário.
Projeto Gráfico inicial de Escrituras
Editora, com alterações procedidas por Complete sua coleção.
Mars e Dialética
Os acórdãos estampados na íntegra
Capa (fundo) correspondem às cópias obtidas nas
Detalhe da obra “100% Azul ou Quase”, Secretarias dos Tribunais ou se originam
de Marola Omartem de publicações oficiais de seus julgados.
Tiragem superior a 3.000 exemplares.
Distribuição em todo o País.
Ilustrações de faces dos autores
Fátima Lodo Andrade da Silva Os conceitos emitidos nos textos são
de responsabilidade de seus autores.
Impressão
Edições Loyola
César Augusto Di Natale Nobre - Juros sobre Capital Próprio (JCP), planejamento
tributário e a dupla alíquota zero de IOF/câmbio na recapitalização de JCP pagos
em operações internacionais
1. Introdução. 2. Da natureza jurídica dos JCP - juros ou dividendos lato sensu? 3. JCP e
planejamento tributário. 4. Da possibilidade de pagamento de JCP referente a períodos
pretéritos. 5. A capitalização dos JCP pagos e a respectiva dedutibilidade da base de cál-
culo do IRPJ e da CSLL. 6. O imposto sobre a renda incidente (IRRF). 7. O imposto so-
bre operações financeiras modalidade câmbio (IOF/câmbio) - Da incidência da alíquota
zero nas remessas fictas a não residentes. 8. Considerações finais. 12
João Dácio Rolim e Paulo Rosenblatt - Dez anos da norma geral antielisiva no
Brasil
1. O contexto da LC nº 104: a tendência de universalização da norma geral antielisiva. 2.
Abuso de direito: requisito da norma geral antielisiva (CTN) e instituto comum do Direi-
to brasileiro (Código Civil e lei de introdução às normas do Direito brasileiro). 3. A juris-
prudência administrativa brasileira e o emprego da simulação como abuso de direito. 4. Dez
anos da norma geral antielisiva brasileira: reflexões para uma nova regulamentação. 5. A
contrapartida: cláusulas de proteção à confiança do contribuinte. 6. Conclusões. 83
Leonardo Freitas de Moraes e Castro - Possibilidade de manutenção e utilização
de créditos de PIS/Cofins relativos a bens do ativo permanente na hipótese de
comodato/locação de maquinário para terceiros
1. Introdução. 2. Não cumulatividade do PIS e da Cofins. 3. Direito aos créditos relativos
aos bens do ativo imobilizado. 4. Entendimento da Receita Federal do Brasil sobre o tema.
5. Conclusão. 97
Onofre Alves Batista Júnior - Base de cálculo do ICMS na saída de minério para
estabelecimento do mesmo titular localizado em outro Estado
1. Introdução. 2. Base de cálculo excepcional do ICMS em transferências interestaduais.
3. A interpretação teleológica do art. 13, parágrafo 4º, da LC nº 87/1996. 4. A atividade
extrativa de minérios não pode ser considerada atividade industrial. 5. O minério de ferro
como produto primário. 116
Parecer
Sacha Calmon Navarro Coêlho - O direito de aproveitar o ICMS devido pelo con-
tribuinte que recebeu de outro Estado mercadorias com incentivo declarado in-
constitucional 158
Jurisprudência
1
Constituição Federal: “Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência dig-
na, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…)
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as
leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (…) Art. 179 - A Célio Armando
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempre-
Janczeski
sas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico di-
ferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações adminis- é Advogado em Santa
trativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução Catarina, Mestre em
destas por meio de lei.” Direito e Professor de
2
MARINS, James; e BERTOLDI, Marcelo M. Simples Nacional. São Paulo: RT, Direito Tributário da
2007, p. 70. Para os autores, “embora o regime especial criado pelo Simples Nacio-
nal esteja amplamente dedicado à disciplina material do tributo, seu conjunto nor- Faculdade Mater Dei,
mativo também contempla importante plexo de normas formais e processuais. En- da Escola Superior da
gendrou o legislador um microssistema que cria certo grupo de novas disposições OAB e da Escola
com relação a determinado número de tributos, de modo que esse regime se com- Superior da
ponha de uma mescla que contém estimações objetivas, reduções de base de cál-
Magistratura do
culo, isenções, reduções de alíquota e simplificações contábeis que ensejam a apli-
cação do princípio constitucional da diferenciação e favorecimento às microempre- Estado de Santa
sas e empresas de pequeno porte.” (Op. cit., p. 71) Catarina.
ral. Com a edição da Lei Complementar n. 123/2006, criou-se o denominado Sim-
ples Nacional, que abrange tributos de competência também dos Estados e Municí-
pios, para quem os recolhimentos e a apuração ficam obrigatoriamente unificados
(via documento único de arrecadação - art. 13 da LC n. 123/2006), bastando a op-
ção do contribuinte.
3
Prevê a Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006, em seu art. 29, a previsão de exclusão da empresa do
Simples Nacional: “Art. 29 - A exclusão de ofício das empresas optantes pelo Simples Nacional dar-se-á quando: I -
verificada a falta de comunicação de exclusão obrigatória; II - for oferecido embaraço à fiscalização, caracterizado
pela negativa não justificada de exibição de livros e documentos a que estiverem obrigadas, bem como pelo não for-
necimento de informações sobre bens, movimentação financeira, negócio ou atividade que estiverem intimadas a
apresentar, e nas demais hipóteses que autorizam a requisição de auxílio da força pública; III - for oferecida resistên-
cia à fiscalização, caracterizada pela negativa de acesso ao estabelecimento, ao domicílio fiscal ou a qualquer outro
local onde desenvolvam suas atividades ou se encontrem bens de sua propriedade; IV - a sua constituição ocorrer
por interpostas pessoas; V - tiver sido constatada prática reiterada de infração ao disposto nesta Lei Complementar;
VI - a empresa for declarada inapta, na forma dos arts. 81 e 82 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e altera-
ções posteriores; VII - comercializar mercadorias objeto de contrabando ou descaminho; VIII - houver falta de es-
crituração do livro-caixa ou não permitir a identificação da movimentação financeira, inclusive bancária; IX - for cons-
tatado que durante o ano-calendário o valor das despesas pagas supera em 20% (vinte por cento) o valor de ingres-
sos de recursos no mesmo período, excluído o ano de início de atividade; X - for constatado que durante o ano-
calendário o valor das aquisições de mercadorias para comercialização ou industrialização, ressalvadas hipó-
teses justificadas de aumento de estoque, for superior a 80% (oitenta por cento) dos ingressos de recursos no mesmo
período, excluído o ano de início de atividade. XI - houver descumprimento da obrigação contida no inciso I do
caput do art. 26 desta Lei Complementar; XII - omitir da folha de pagamento da empresa ou de documento de infor-
mações previsto pela legislação previdenciária, trabalhista ou tributária, segurado empregado, trabalhador avulso ou
contribuinte individual que lhe preste serviço.”
o direito de ser ouvido e de produzir provas. Como aduz Agustín Gordillo,4 ouvir o
interessado, antes de decidir algo que o vai afetar, não é apenas um princípio de jus-
tiça: é também um princípio de eficácia; porque indubitavelmente assegura um
melhor conhecimento dos fatos e, portanto, ajuda a uma melhor administração, ade-
mais de uma decisão mais justa.
A obediência da autoridade fiscal ao devido processo legal (due process of law),
engloba o procedural due process (garantia de cumprimento do procedimento) e o
substantive due process (garantia de que sejam ofertadas, asseguradas e levadas em
conta, todas as exceções e as circunstâncias de defesa no ato impositivo). A garan-
tia da ampla defesa não se contenta com o simples direito de defesa. O preceito sig-
nifica que é dado ao contribuinte se insurgir contra a imposição fiscal com todos os
meios e recursos, com efeito suspensivo e sem restrições.5
Ao se pronunciar acerca da restrição de direitos e garantia do due process of law,
o STF tem determinado que o Estado, em tema de punições disciplinares ou de res-
trição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer
a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de
sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legiti-
midade ético-jurídica de qualquer medida estatal - que importe em punição disci-
plinar ou em limitação de direitos - exige, ainda que se cuide de procedimento me-
ramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido
processo legal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a
essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que,
instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício,
pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administra-
tiva, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou na medida restritiva de direi-
tos.6
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região, sensível ao desrespeito com a ordem
constitucional, tem garantido ao contribuinte o direito de se defender em recurso
administrativo com efeito suspensivo antes do ato da exclusão do regime simplifi-
cado:
“Tributário. Exclusão da Empresa do Simples. Ausência de Prévia Oportunidade para
Defesa. Nulidade do Ato Declaratório Executivo. Aplicação Retroativa dos Efeitos da
Exclusão. Impossibilidade.
1. A oportunidade para o contribuinte se manifestar acerca do não preenchimento dos
requisitos para participação do Simples deve ocorrer antes do Ato Declaratório Exe-
cutivo - ADE de exclusão, já que se trata de restrição de direito, que deve obedecer ao
prévio devido processo legal.
4
GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. Tomo 2. Buenos Aires: Macchi, 1980, pp. 35/36. Para o
autor, o princípio de ouvir o interessado antes da tomada de decisão “se mantém incólume inclusive quando os fatos
sobre os quais se deve decidir parecem absolutamente claros, e a prova existente seja contundente e unívoca, por-
que, se a Administração tem em conta não apenas razões ou motivos de legitimidade, como também motivos de opor-
tunidade, mérito ou conveniência, então é meridiano que a voz do afetado, mesmo no mais claro dos casos, aporta
sempre um elemento mais de juízo a ter em conta para o julgamento do mérito ou oportunidade do ato.” (Idem)
5
Neste sentido: JANCZESKI, Célio Armando. Direito Tributário e Processo Tributário. Caxias do Sul: Plenum, 2011,
p. 236.
6
STF, 2ª Turma, Ag. Rg. AI n. 241.201-2/SC, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 1 de 20.9.2002, p. 109, publicado na
Revista Dialética de Direito Tributário n. 86. São Paulo: Dialética, novembro de 2002, p. 237.
2. O recurso administrativo contra o ato de exclusão do Simples possui efeito suspen-
sivo, somente produzindo seus efeitos a partir da decisão definitiva na esfera adminis-
trativa. Se esta ainda não foi proferida, não pode o ADE ser aplicado de imediato.
3. Apelação da Fazenda Nacional improvida.”7 (Destacou-se)
7
TRF da 5ª Região, AC n. 361411, Rel. Napoleão Maia Filho, DJ de 22.6.2009.
8
TRF da 5ª Região, AMS n. 86.409, Rel. Francisco Wildo, DJU de 25.2.2005.
9
TRF da 5ª Região, AMS n. 87.051, Rel. Paulo Gadelha, DJU de 3.8.2004.
10
A lavratura de auto de infração normalmente vem acompanhada de termo de arrolamento que objetiva garantir o
recebimento do valor notificado, prejudicando seriamente as transações corriqueiras com o imobilizado da empresa
que somente é liberado para ser transacionado quando houver a substituição do bem arrolado por outro de igual ou
maior valor (art. 10 da Instrução Normativa SRF n. 1.171/2011).
crédito tributário devido, independentemente do julgamento de eventual manifestação
de inconformidade contra o ato declaratório de exclusão.”11
Permitir-se que os valores sejam lançados antes do julgamento administrativo
definitivo acerca da exclusão ou não da empresa no Simples é olvidar-se dos prin-
cípios constitucionais acima realçados e desprezar o disposto no art. 33 do Decreto
n. 70.235/1972, que pressupõe o efeito suspensivo nas impugnações e os recursos
administrativos tributários:
“Art. 33. Da decisão caberá recurso voluntário, total ou parcial, com efeito suspensi-
vo, dentro dos trinta dias seguintes à ciência da decisão.” (Destacou-se)12
É também a orientação de James Marins e Marcelo M. Bertoldi, para quem “no
âmbito do Simples Nacional (...) a pena de exclusão deverá ser notificada regular-
mente ao contribuinte e ensejar a oportunidade de defesa através de processo admi-
nistrativo, com efeito suspensivo da declaração e da exclusão, e com todas as ga-
rantias a ele inerentes.”13
As impugnações e recursos administrativos em matéria tributária fazem parte
de um complexo de procedimentos que visam certificar a efetiva existência da situa-
ção atribuída ao sujeito passivo, seja quanto aos fatos que lhe dão nascimento, seja
quanto ao direito que se lhes aplica.14
Utilizar o pressuposto de que a empresa já encontra-se excluída definitivamen-
te do Simples, enquanto tal providência encontra-se suspensa por manifestação de
inconformismo, é inquinar de nulidade o processo administrativo, como orienta a
jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
“Tributário. Simples. Exclusão. Recurso Administrativo. Efeito Suspensivo. Cabimen-
to, Legislação que regula o Processo Tributário Administrativo. Decreto 70.235/72.
1. O recurso administrativo interposto em face de decisão que exclui o contribuinte do
Simples tem efeito suspensivo, nos termos das normas que regulam o processo tribu-
tário administrativo (Decreto 70.235/72).
2. Remessa Oficial e Apelação não providas.”15
4. Conclusão
Vale dizer: a exclusão da empresa do regime do Simples somente pode ser le-
vada a efeito depois de julgada definitivamente manifestação de inconformismo
eventualmente interposta, a qual deve ser recebida no efeito suspensivo, em obe-
diência à orientação constitucional dos princípios do devido processo legal, do con-
traditório e da ampla defesa (incisos LIV e LV do art. 5º da CF).
11
Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento em Florianópolis, Acórdão n. 07-24.936, 5ª Turma, Rel. Leila
Simone Monego, unânime, j. em 17.6.2011. No mesmo sentido: Acórdão n. 07-22.084, 3ª Turma, Rel. Éden Ricardo
Zanato, unânime j. em 12.10.2010.
12
Tal exegese inclusive é corroborada pelo disposto no parágrafo único do art. 23 da Instrução Normativa SRF n. 355,
de 29 de agosto de 2003, que ao tratar da exclusão da empresa do regime do Simples consigna que “a exclusão de
ofício dar-se-á mediante ADE da autoridade fiscal da Secretaria da Receita Federal que jurisdicione o contribuinte,
assegurado o contraditório e a ampla defesa, observada a legislação relativa ao processo administrativo fiscal da União,
de que trata o Decreto n. 70.235, de 06 de março de 1972.”
13
MARINS, James; e BERTOLDI, Marcelo M. Simples Nacional. São Paulo: RT, 2007, pp. 172/173.
14
Neste sentido a doutrina de OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. “Processo Administrativo Tributário”. In: MARTINS, Ives
Gandra da Silva (coord.). Processo Administrativo Tributário. Pesquisas Tributárias - Nova Série 5. 2ª ed. São Pau-
lo: RT, 2002, p. 199.
15
TRF da 3ª Região, AMS n. 2004.61.26.005820-3/SP, Rel. Wilson Zauhy, j. em 12.11.2010. No mesmo sentido: TRF
da 3ª Região, AMS n. 2004.61.26.005823-9/SP, Rel. Wilson Zauhy, j em 22.10.2010.
Juros sobre Capital Próprio (JCP),
Planejamento Tributário e a Dupla
Alíquota Zero de IOF/Câmbio na
Recapitalização de JCP Pagos em
Operações Internacionais
César Augusto Di Natale Nobre
1. Introdução
Os juros sobre o capital próprio (JCP) são instituto jurí-
dico peculiar do ordenamento jurídico brasileiro. Alguns os
interpretam como possuindo natureza de dividendo, uma vez
que remuneram os acionistas pelo seu investimento em so-
ciedades brasileiras, mas também são considerados pelas
autoridades fiscais como juros, uma vez que remuneram o
capital investido de acordo com a Taxa de Juros de Longo
César Augusto Prazo (TJLP) do período utilizado.
Di Natale Nobre Dessa forma, este instrumento híbrido é de difícil com-
é Mestrando em
preensão para investidores estrangeiros e os aspectos regu-
Direito do Estado
(PUC/SP), Professor latórios e tributários que circundam as relações jurídicas dos
Universitário de beneficiários dos juros sobre capital próprio e as instituições
Direito Tributário e pagadoras dos mesmos merecem estudo mais aprofundado.
Advogado em Para tanto, foram escolhidos alguns temas correlatos
São Paulo. para introduzir o leitor à problemática da tese central acer-
ca da utilização deste instituto como planejamento tributário, abrangendo também
a incidência à alíquota zero do IOF/Câmbio nas operações fictas de remessa para o
exterior e retorno para o Brasil dos juros sobre o capital próprio quando os investi-
dores não residentes desejam reinvestir estas remessas na sociedade pagadora para
aumento de capital.
1
Aprovado pelo Decreto 3.000/1999.
Assim, não existe no ordenamento jurídico qualquer referência a algum limite
temporal para o pagamento de JCP pela pessoa jurídica. Em outras palavras, os ad-
ministradores da sociedade podem deliberar o pagamento de JCP em períodos sub-
sequentes relativos a períodos pretéritos simplesmente porque não há qualquer veda-
ção para tanto. O fato de os administradores não terem pago JCP não implica re-
núncia de direito.
Entretanto, cabe ressaltar que uma vez deliberado acerca da distribuição de JCP
retroativos, deve-se utilizar os valores para o cálculo destes vigentes à época. Ou
seja, a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) a ser utilizada deverá ser aquela vi-
gente à época correspondente, assim como os valores do Patrimônio Líquido (PL)2
da pessoa jurídica a serem utilizados.
Neste sentido, vale citar o posicionamento da Primeira Câmara do Conselho de
Contribuintes no Processo 1847.001473/2006-47, em sessão de 29 de maio de 2008,
que demonstra claramente o entendimento deste órgão antecessor do atual Carf
(Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Este entendimento permanece inal-
terado.
Deve-se perceber novamente que a Lei que descreve os parâmetros que esta dis-
tribuição deve obedecer é a vigente à época da Assembleia que deliberar sobre a
distribuição de JCP retroativos, mas os valores a serem utilizados não podem ser
outros que não àqueles existentes no período pretérito. O próprio STJ recentemen-
te vem autorizando esta prática, contudo, deve-se observar que ainda inexiste juris-
prudência formada sobre o assunto, mas sim alguns julgados relevantes para de-
monstrar o incipiente entendimento da Corte (e.g., REsp 1.086.752/PR).3
Assim, o pagamento ou o crédito de JCP relativos a períodos pretéritos somen-
te pode ser tido como despesa dedutível da base de cálculo do Imposto de Renda
da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)
do período em que foi deliberada e aprovada a sua distribuição. Isto decorre do fato
de que ainda que os JCP tenham sido calculados com base em valores pretéritos (i.e.,
TJLP e valor do PL), esta despesa somente será incorrida de fato pela pessoa jurí-
dica no período da deliberação e aprovação do pagamento ou crédito.
Deve-se lembrar, contudo, que o pagamento de JCP retroativo não possuirá
impactos no Balanço Patrimonial da sociedade referente aos períodos pretéritos re-
lativos aos quais serão pagos ou creditados os JCP. Isto decorre do fato de este pa-
gamento ou crédito ter direta influência no PL da sociedade somente no ano em que
for pago ou creditado, não se alterando os balanços anteriores.
2
Vale lembrar o disposto no parágrafo 4º do art. 347 do RIR/1999:
“(...)
§ 4º Para os fins de cálculo da remuneração prevista neste artigo, não será considerado o valor de reserva de reavaliação
de bens ou direitos da pessoa jurídica, exceto se esta for adicionada na determinação da base de cálculo do imposto
de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido (Lei nº 9.249, de 1995, art. 9º, § 8º).”
3
REsp 1.086.752/PR; 2008/0193388-2.
4.1. Pagamento de JCP pretérito ainda que os lucros já tenham sido totalmente
distribuídos
A pessoa jurídica está autorizada a pagar JCP referente a exercício anterior cujo
Lucro Líquido (LL) já tenha sido 100% destinado e aprovado em AGO devido à
redação do art. 9º e de seu parágrafo 1º da Lei 9.249/1995:
“Art. 9º A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os
juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título
de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido
e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP.
§ 1º O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros,
computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros,
em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou cre-
ditados.” (Destaque nosso)
Assim, não necessariamente deverá ser debitada a conta de passivo relativa ao
“Lucro do Período” para o creditamento ou pagamento de JCP, permitindo a legis-
lação que este débito seja lançado a partir do somatório da conta “Lucros Acumu-
lados” e da de “Reserva de Lucros”4 e crédito em conta do exigível que represente
direito de crédito do acionista. Para finalizar este lançamento contábil, deverá ha-
ver a baixa desta obrigação contra “Caixa e Bancos”, conta de ativo circulante, no
momento do efetivo pagamento ou creditamento para os acionistas, registrando-se,
portanto, a “Despesa Financeira com JCP” como conta de resultado.
Em outras palavras, no caso da pessoa jurídica já ter dado destinação a todo o
lucro de determinado período, uma vez existente em período subsequente um saldo
credor em uma destas duas contas de PL, saldo este que necessariamente deve ser o
dobro dos JCP a serem pagos ou creditados, encontra-se autorizada a pessoa jurídi-
ca a efetuar esta operação.
Imaginemos um exemplo no qual houve distribuição de R$ 1.000.000,00 e des-
tinação de R$ 500.000,00 para a conta de “Reserva para a Retenção de Lucros”.
O art. 178, parágrafo 2º, III, Lei das Sociedades Anônimas (LSA - Lei
6.404/1976), prevê as contas de “Reservas de Lucros” como parcela integrante do
PL da sociedade e o art. 182, parágrafo 4º, c/c o art. 196, LSA, estabelece que a conta
de “Reserva para a Retenção de Lucros” integra este conceito delimitado por “Re-
servas de Lucros”. Assim, é de nosso entendimento que esta conta (prevista no art.
196 da LSA como conta de PL) pode ser considerada como abarcada no conceito
do parágrafo 1º do art. 9º da Lei 9.249/1995 para fins de apuração dos JCP a serem
pagos ou creditados.
Nestes termos, poderá a sociedade calcular a partir deste montante, i.e., R$
500.000,00, os JCP a serem pagos ou creditados.
Diante disso, verifica-se que a destinação do LL é importante para delimitar qual
será a base de cálculo a ser utilizada para a distribuição de JCP, estando no caso em
tela a empresa autorizada a distribuir JCP sobre este valor supramencionado.
Poderia surgir uma dúvida acerca de se os JCP referidos a períodos anteriores
não deveriam ser calculados com o lucro da época antes da destinação aqui mencio-
4
Art. 29 da Instrução Normativa SRF 93/1997.
nada. Contudo, isto não é uma condição necessária porque a própria legislação que
trata de JCP autoriza o débito não somente da conta “Lucro do Exercício”, mas tam-
bém do somatório das contas “Reservas de Lucros” e “Lucros Acumulados”. Ou
seja, ambas estas contas são abertas somente após a destinação do LL, o que torna
o entendimento da impossibilidade de cálculo dos JCP somente anteriormente a tal
destinação dos lucros fora de lugar.
Em outras palavras, há previsão de que JCP possam ser pagos após destinação
total do lucro, pois uma parcela deste lucro poderia ser distribuído como dividendo
e outra parcela destinada as contas de “Reservas de Lucros” e “Lucros Acumula-
dos” que também poderiam servir de base de cálculo para apuração de JCP; claro,
respeitando-se o Estatuto social e os direitos dos acionistas.
5
Redação revogada do dispositivo: “§ 9º À opção da pessoa jurídica, o valor dos juros a que se refere este artigo po-
derá ser incorporado ao capital social ou mantido em conta de reserva destinada a aumento de capital, garantida sua
dedutibilidade, desde que o Imposto de que trata o § 2º, assumido pela pessoa jurídica, seja recolhido no prazo de 15
dias contados a partir da data do encerramento do período-base em que tenha ocorrido a dedução dos referidos juros,
não sendo reajustável a base de cálculo nem dedutível o imposto pago para fins de apuração do lucro real e da base
de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido.”
sos a serem reinvestidos na empresa pagadora, assim como ocorre com o IOF/Câm-
bio, conforme demonstraremos a seguir.
6
Aprovado pelo Decreto 6.306/2007 e posteriores alterações.
A legislação, contudo, amenizou a situação. O inciso X do art. 15-A, RIOF, dis-
pôs que no pagamento de JCP a investidor não residente o IOF/Câmbio incide à alí-
quota zero.
Assim, teríamos na operação ora analisada que: (i) na saída dos JCP haveria
incidência de IOF/Câmbio à alíquota zero; mas (ii) na entrada deste mesmo mon-
tante a título de reinvestimento na mesma empresa pagadora, haveria IOF/Câmbio
a recolher (variando entre a alíquota de 0,38% para empresas não listadas em Bol-
sa de Valores e 2% ou 6% para companhias abertas, a depender do caso).
Cumpre-nos ressaltar que pela falta de regulamentação do art. 116 do Código
Tributário Nacional, as autoridades fiscais poderiam, ainda, interpretar que não se-
ria aplicável o disposto no inciso X acima tratado (ou seja, a aplicação de alíquota
zero no pagamento de JCP) porque a ratio deste dispositivo seria o pagamento fi-
nal dos JCP ao investidor como remuneração de seu investimento e, como este di-
nheiro é reinvestido pelo acionista na empresa, deveríamos interpretar a operação
como um todo e não em partes, o que poderia ensejar a aplicação de alíquota geral
de 0,38% tanto na saída como no retorno do dinheiro e, a depender do caso, 2% ou
6% no retorno do dinheiro. Ou, ainda, poder-se-ia questionar a dedutibilidade na
empresa dos valores pagos a título de JCP e reinvestidos na mesma empresa.
A interpretação correta da legislação, a nosso ver, é pela incidência sob alíquo-
ta zero de IOF/Câmbio nesta operação, tanto na saída dos recursos como na entra-
da (quando do reinvestimento), a partir da análise dos dispositivos abaixo transcri-
tos.
“Art. 15-A. A alíquota do IOF fica reduzida para trinta e oito centésimos por cento,
observadas as seguintes exceções:
(...)
XIX - na operação de compra de moeda estrangeira por instituição autorizada a ope-
rar no mercado de câmbio, contratada simultaneamente com uma operação de venda,
exclusivamente quando requeridas em disposição regulamentar, excetuadas as opera-
ções de que tratam os incisos XI, XII, XV, XVII, XVIII e XXII: zero.”
Em outras palavras, quando a obrigação de se fechar o câmbio para comprar
moeda estrangeira for contratada simultaneamente com a obrigação de se vender
esta moeda “recém comprada” por disposição regulamentar, há incidência de IOF/
Câmbio à alíquota zero, excetuadas as operações mencionadas.
Nossa interpretação é pela incidência de alíquota zero tanto no câmbio de com-
pra como no câmbio de venda de moeda estrangeira, neste caso analisado, por inci-
dência da regra insculpida no inciso XIX, e não pela regra insculpida no inciso X
(que prevê a alíquota zero somente para remessas a não residentes de JCP), pois esta
regra do inciso X parece-nos abarcar o caso de “pagamento definitivo” de JCP, ou
seja, não haverá reinvestimento na companhia pagadora ou, se houver, não é algo
já predeterminado quando do pagamento.
Para o nosso caso, interessa analisarmos a exceção à regra do inciso XIX que
consta no inciso XII (i.e., a hipótese de incidência a 6% quando houver “aplicação
no mercado financeiro e de capitais”), pois está expressamente prevista.
Entretanto, não necessariamente a empresa pagadora de JCP deve ter ações ne-
gociadas em ambiente bursátil ou submetidas à regulação do mercado financeiro e
de capitais. Neste momento, cumpre-nos firmar o entendimento de que nosso racio-
cínio abaixo pela dupla incidência de alíquota zero no IOF/Câmbio somente se apli-
ca a operações realizadas por empresas limitadas ou sociedades anônimas fechadas,
pois a exceção ao inciso XIX descrita acima da incidência de 6% para “aplicações
em mercado financeiro e de capitais” elimina qualquer possibilidade de outra inter-
pretação que não seja: caso o investidor reinvista o JCP pago no mercado financei-
ro ou de capitais, ainda que seja na mesma empresa que pagou os JCP, ele deverá
se submeter à alíquota majorada.
Contudo, quando se trata de empresas fechadas (sociedades anônimas fechadas
ou limitadas) pagadoras de JCP cujo montante pago é reinvestido na mesma empresa
pelo recebedor do JCP não residente, faz-se incidir na hipótese do inciso XIX, con-
forme demonstraremos a seguir.
A Circular do Banco Central do Brasil (Bacen) 3.545/2011 aprovou o novo
Regulamento do Mercado de Câmbio e de Capitais (RMCCI) que trouxe a previsão
justamente da hipótese ora tratada, uma vez que se autoriza o reinvestimento deste
montante na sociedade pagadora dos JCP em seu capital social:
“5. As seguintes disposições aplicam-se ao registro de investimento estrangeiro direto
nos termos deste capítulo:
(...)
c) as capitalizações de lucros e dividendos, de juros sobre capital próprio e de reser-
vas de lucros provenientes da parcela de capital registrada nos termos deste capítulo
devem ser registradas no módulo IED do RDE (...).”7 (Destaques nossos)
Quando o mesmo RMCCI regula o procedimento para tal reinvestimento, exis-
te a previsão da obrigatoriedade de uma operação de compra de moeda estrangeira
para a remessa ao investidor estrangeiro (sujeita a registro no Bacen). Vejamos:
“1. Esta seção dispõe sobre o registro, no módulo IED do RDE, das remessas ao exte-
rior de lucros e dividendos, de juros sobre capital próprio e de retorno de capital, re-
lativas a investimento estrangeiro no País.
2. A remessa a investidor estrangeiro de lucros, dividendos e juros sobre capital pró-
prio deve ser precedida do registro das respectivas distribuições no módulo IED do
RDE.”8
Nos mesmos termos, também há obrigatoriedade de uma operação de venda de
moeda estrangeira para fins do reinvestimento (também sujeita a registro no Bacen):
“1. São registradas no item investimento do módulo IED do RDE as capitalizações e
as aquisições com utilização de rendimentos auferidos e não capitalizados por investi-
dor não residente em empresas receptoras no País, oriundos de distribuição de lucros
ou de pagamento de juros sobre capital próprio.
2. O registro da reaplicação desses rendimentos em qualquer empresa no País deve
ser precedido pela realização de lançamento, com essa destinação, no registro de ori-
gem dos rendimentos auferidos.
3. O valor da contrapartida em moeda estrangeira do registro de que trata esta sub-
seção é calculado mediante aplicação da taxa cambial média disponível na opção 5
7
RMCCI. Título 3 - Capitais Estrangeiros no País; Capítulo 4 - Capital em moeda nacional - Lei nº 11.371/2006.
8
RMCCI. Título 3 - Capitais Estrangeiros no País; Capítulo 2 - Investimento Estrangeiro Direto; Seção 5 - Remessas
ao exterior de lucros e dividendos, de juros sobre o capital próprio e de retorno de capital.
da transação PTAX800 do Sisbacen, válida para o dia da integralização do capital ou
da aquisição de participação.”9
Assim, na medida em que o item 3, acima, se refere à conversão em reais do
valor reinvestido a uma taxa cambial ali estabelecida, ele está na verdade obrigan-
do o contribuinte não residente a realizar uma operação de compra de moeda es-
trangeira simultânea com uma de venda (ainda que simbólica).
Isso faz aplicar-se o dispositivo do RIOF supramencionado (inciso XIX) e, por-
tanto, gera incidência a alíquota zero tanto na saída dos recursos (ou remessa ao
exterior com a compra de moeda estrangeira) como na entrada, praticamente si-
multânea, dos mesmos recursos (com a venda de moeda estrangeira e compra de
reais) para o reinvestimento desta quantia na empresa pagadora.
A antiga regulação cambial sobre o tema possuía a exata mesma racionalidade.
O tema da capitalização de JCP pagos a investidor estrangeiro era antes regulado
pela Circular Bacen 2.722/1996, materialmente igual à regulação atual feita pelo
RMCCI atual, com poucas alterações de forma. Vale a pena conferir esta regulação
pretérita:
“Art. 2º A remessa de juros a investidor estrangeiro, a título de remuneração de capital
próprio, ou o registro das capitalizações desses juros, terão como limite o percentual
da participação registrada do investidor estrangeiro aplicado sobre a parcela paga, cre-
ditada ou capitalizada pela empresa receptora do investimento, não podendo exceder
os limites de dedutibilidade como despesa financeira fixados na legislação do impos-
to de renda das pessoas jurídicas.
Parágrafo único. O valor dos juros a que se refere este artigo, que de acordo com a
legislação em vigor pode ser incorporado ao capital social ou mantido em conta de
reserva destinada a aumento de capital, quando capitalizado será registrado como
reinvestimento. (...)
Art. 4º O valor em moeda estrangeira da remessa ou do reinvestimento será obtido: (...)
II. no caso do reinvestimento, pela conversão do valor reinvestido em reais a taxa de
venda constante da transação PTAX800/Opção 5/Cotações para Contabilidade do Sis-
tema de Informações Banco Central Sisbacen correspondente a data do aumento de
capital.” (Destaque nosso)
Em suma, tanto a Circular Bacen 2.722/1996 como o atual RMCCI, quando re-
gulam como se dará o reinvestimento de JCP pagos ou creditados a investidor não
residente na sociedade pagadora, podem ser considerados como “disposição regu-
lamentar” que obrigam o contribuinte de IOF (no caso, o investidor estrangeiro) a
contratar uma operação de compra de moeda estrangeira, simultaneamente com uma
operação de venda, o que por sua vez faria incidir o IOF a alíquota zero em ambas
as operações, nos termos do art. 15-A, XIX, do RIOF.
Vale destacar julgado de recurso repetitivo da seara do Ministro Luiz Fux do
Superior Tribunal de Justiça à época (e atualmente Ministro do Supremo Tribunal
Federal) que reconheceu a incidência tributária em operação simbólica de câmbio,
mas no que tange a antiga CPMF. Vejamos:
9
RMCCI. Título 3 - Capitais Estrangeiros no País; Capítulo 2 - Investimento Estrangeiro Direto; Seção 2 - Registro
de Investimento; Subseção 3 - Rendimentos auferidos por investidor não residente em empresas receptoras no País.
“5. Assim, a conversão dos créditos (oriundos de empréstimo) em investimento exter-
no direto concretiza-se mediante a realização de operações simultâneas de compra e
venda de moeda estrangeira (sem expedição de ordem de pagamento do ou para o ex-
terior), consubstanciadas em lançamentos fictícios de entrada e saída de recursos, a
saber: (i) a transferência, pela empresa brasileira receptora do investimento (devedora
do empréstimo), ao investidor não residente ou investidor externo (credor do emprés-
timo), do valor correspondente ao pagamento da dívida principal e juros, para quita-
ção e baixa na pendência; e (ii) o recebimento, pela empresa receptora (devedora na
primeira transação), da quantia, disponibilizada pelo investidor externo (credor naque-
la), para integrar o capital societário.”10
Neste julgado percebe-se que o Ministro admite tal incidência tributária sobre
remessas fictas, mas afasta a isenção no caso por inexistir previsão no que tangia à
CPMF. Outrossim, no caso ora analisado pelo presente estudo, o Regulamento do
IOF prevê a mesma incidência tributária nestas “remessas fictas”, não se está aqui
argumentando-se que estamos diante de hipótese de não incidência de IOF/Câmbio,
muito pelo contrário, concordamos com o Ministro; incidência há!
Entretanto, para o IOF a alíquota a ser aplicada é zero, o que gera a incidência
normativa da hipótese de incidência tributária, mas com a mutilação parcial do as-
pecto quantitativo do consequente normativo, tendo em vista que a alíquota a ser
aplicada seria zero. Consequentemente, não se gera obrigação tributária alguma,
logo, o crédito tributário sequer é constituído.
Ademais, cumpre destacar que tal entendimento se coaduna expressamente com
nossa Carta Magna de 1988 em seu art. 172, que dispõe: “a lei disciplinará, com
base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os
reinvestimentos e regulará a remessa de lucros.”
Ora, uma vez que temos uma incidência a alíquota zero de tributo com forte
caráter extrafiscal como o IOF, está-se, na verdade, incentivando que este capital seja
reinvestido no Brasil, exatamente o que se argumenta no presente estudo, já que por
se tratar de remessa ficta, os valores e haveres não deixarão fisicamente o Brasil,
mas serão reinvestidos na própria atividade empresarial.
Esta é a razão pela qual discordamos da incidência tributária de IRRF nesta
operação de remessa ficta. Pensamos que há disponibilidade jurídica do investidor
estrangeiro sobre estes haveres (já que é ele que decide se reinvestirá o montante
recebido ou não na empresa pagadora de JCP), e, logo, resta caracterizado o aspec-
to material da hipótese de incidência do Imposto sobre a Renda (IR), o que gera a
obrigação da retenção na fonte do IR devido. No entanto, como forma de incentivo
aos agentes internacionais a manterem seus recursos investidos no Brasil, deveria
haver política pública isentando a operação de reinvestimento deste IRRF para fins
de dar máxima concretude ao dispositivo constitucional ora citado, o art. 172 da
Carta Cidadã.
8. Considerações Finais
Ante o exposto, buscou-se demonstrar que o JCP é instituto jurídico que pode
ser muito utilizado pela administração das sociedades.
10
REsp 1.129.335/SP.
O recente posicionamento do STJ sobre o pagamento de JCP referentes a perío-
dos pretéritos pode ser utilizado a fim de reduzir significativamente a base de cál-
culo dos tributos incidentes sobre o lucro das empresas.
Além de tudo isso, conforme se tentou demonstrar, ainda que este pagamento
seja realizado a investidor não residente, deve incidir a dupla alíquota zero do IOF/
Câmbio nesta operação ficta de câmbio.
É importante, neste momento final da exposição, lembrar que a legislação que
regula o pagamento de JCP não obrigatoriamente exige que o JCP seja “pago” ao
acionista, mas ela dispõe clara e expressamente que o JCP deve ser “pago ou credi-
tado”.
Esta é uma diferença fundamental, pois o Fisco poderia argumentar, glosando
todas as deduções, que este dinheiro não foi de fato para a empresa recebedora, uma
vez que somente transitou pelo balanço de ambas as empresas, pagadora e recebe-
dora, nunca sequer saindo do saldo de “Contas a pagar” da empresa pagadora, por
exemplo.
Entretanto, quando a lei autoriza não só o “pagamento”, mas também o “credi-
tamento”, ela está colocando não a obrigação de pagar efetivamente à empresa, con-
tra “bancos” ou “caixa”, mas sim colocando uma opção entre o efetivo pagamento
desta forma, ou pelo creditamento como uma obrigação da empresa pagadora con-
tra a recebedora.
Em outras palavras, devemos nos atentar para a redação da Instrução Normati-
va SRF 93/1997 em seu art. 30 quando expressa que os JCP, para serem dedutíveis,
podem ser “pagos ou creditados”, o que gera na verdade a opção ao administrador
a utilizar quaisquer dos dois institutos jurídicos, o pagamento efetivo com saída de
caixa, ou o mero crédito, sem a respectiva saída de caixa, mas com o efetivo regis-
tro da obrigação. Em ambos os casos, de acordo com a Lei e com a Instrução Nor-
mativa, existe o direito a dedutibilidade.
Assim, cremos que se abre uma boa opção às empresas a utilização dos JCP
como forma de planejamento tributário.
Reconsiderações sobre a
Neutralidade Tributária*
Diego Marcel Bomfim
1. Introdução
É perceptível que a ciência do Direito Tributário no Bra-
sil vem passando, nos últimos anos, por profundas transfor-
mações. Há uma mudança de enfoque em curso1, sendo pos-
sível reconhecer-se uma preocupação maior com a função,
sem deixar de lado, no entanto, as ferramentas que a análise
estrutural do Direito propicia2.
Por isso mesmo, a função exercida pelos tributos passa
a ser reconhecida como elemento de extrema importância na
identificação das formas de incidência das regras e dos prin-
cípios constitucionais, sendo certa a existência de caminhos
diversos quando se está diante de uma tributação funcional-
mente identificada com a fiscalidade ou com a extrafiscali-
dade3, mesmo que se tenha em mente a necessidade de res-
peito ao regime tributário em ambos os casos4.
Essa guinada vem permitindo análises focadas na inte-
ração das normas tributárias com normas tradicionalmente
reputadas como pertencentes a outros ramos do Direito po-
sitivo, como dão conta estudos que passam a considerar
como critério de validade dos tributos a correta aplicação
constitucional dos recursos arrecadados5 (Direito Tributário
* Este artigo foi apresentado, originalmente, como exigência parcial para aprovação
na disciplina “Desenvolvimento Econômico e Tributação”, oferecida pelos Profes-
sores Luís Eduardo Schoueri e Paulo Ayres Barreto no âmbito do programa de pós-
graduação em Direito da Universidade de São Paulo. Sua publicação não deixa de Diego Marcel Bomfim
ser uma homenagem ao franco debate de ideias proporcionado, em que o argumento é Doutorando em
de autoridade não se fez presente, indicando-se a todos que ali, verdadeiramente, Direito Tributário pela
se fazia ciência. USP, Mestre em
1
Sobre a superação de paradigmas na ciência do Direito Tributário, cf. BOMFIM,
Direito Tributário pela
Diego. Tributação e Livre Concorrência. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 63-74.
2
BOBBIO, Norberto. Da Estrutura à Função: Novos Estudos de Teoria do Direito. PUC/SP, Professor
São Paulo: Manole, 2007, passim. Cf. também CARVALHO, Cristiano Rosa de. Substituto de
Teoria da Decisão Tributária. Tese (Livre-docência). São Paulo: Universidade de Legislação Tributária
São Paulo - USP, 2010, pp. 133-152. da Universidade
3
Nesse sentido, por todos, cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas Tributárias In-
dutoras e Intervenção Econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 225-326; e Federal da Bahia -
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, UFBA, Professor da
2008, pp. 347-354. Escola Paulista de
4
Cf. ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Direito - EPD e do
RT, 1968, pp. 156 e ss; e CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Lin-
Instituto Brasileiro de
guagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 241.
5
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Regime Jurídico, Destinação e Contro- Estudos Tributários -
le. São Paulo: Noeses, 2006, pp. 171 e ss. Ibet e Advogado.
e Direito Financeiro), a possibilidade de utilização da tributação como instrumento
de alcance da defesa do meio ambiente6 (Direito Tributário e Direito Ambiental) e,
no que mais interessa para fins de desenvolvimento deste trabalho, as relações da
tributação com o Direito Econômico, notadamente com o princípio da livre concor-
rência7 (Direito Tributário e Direito Econômico).
É, inclusive, nesse contexto de interação que se pautam os mais recentes estu-
dos sobre o chamado princípio da neutralidade tributária, sacado como conse-
quência direta da influência do princípio da livre concorrência sobre o exercício da
competência tributária.
O objetivo deste trabalho é repensar a amplitude da neutralidade tributária, in-
dicando sua definição, sua diferenciação com os princípios da igualdade e da livre
concorrência para, só então, e reunindo esse instrumental, propor um caminho coe-
rente para justificar sua aplicabilidade em razão das funções (fiscal ou extrafiscal)
exercidas pela tributação.
6
Sobre o tema, cf. diversos trabalhos colacionados em TÔRRES, Heleno Taveira (org.). Direito Tributário Ambien-
tal. São Paulo: Malheiros, 2005.
7
Sobre o assunto, cf. BRAZUNA, José Luis Ribeiro. Defesa da Concorrência e Tributação: à Luz do Artigo 146-A
da Constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2009, pp. 110 e ss. e o nosso BOMFIM, Diego. Tributação e Livre Con-
corrência. Op. cit., passim.
8
ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 97.
9
KAHN, Douglas A. “The Two Faces of Tax Neutrality: do They interact or are They Mutually Exclusive?” Northern
Kentucky Law Review v. 18, 1990, pp. 1-19 (1).
10
CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e Análise Econômica do Direito: uma Visão Crítica. Rio de Janeiro: Elsevier,
2009, p. 117.
traposição ao princípio da capacidade contributiva, para, por outro, prever mecanis-
mos expressos de utilização da tributação como veículo de intervenção do Estado
sobre o domínio econômico.
Além do impedimento do ponto de vista jurídico, a utilização da expressão nesse
sentido não se mantém, já que, como atesta Douglas A. Kahn11, “a imposição de um
sistema tributário influenciará algumas decisões de mercado, não importa como o
sistema seja estruturado”.
Se nesse sentido a expressão perde em operacionalidade, a pouca doutrina que
se dedicou ao tema no Brasil passa a requalificá-la, definindo-a de maneira mais ou
menos uniforme para indicá-la (i) como norma que “exige repercussão fiscal equâ-
nime entre os agentes econômicos”12; (ii) no sentido de “que produtos em condições
similares devem ser submetidos a mesma carga fiscal”13; (iii) como uma norma que
visa “garantir um ambiente de igualdade de condições competitivas”, impondo que
“produtos em condições similares devem ser submetidos à mesma carga fiscal”14; e
(iv) como “um elemento em favor da concorrência, que acaba garantindo a igual-
dade de oportunidades no mercado”15.
Passa-se a defender, portanto, a existência de uma acepção específica para o
termo neutralidade tributária, tomado como uma norma que impõe um tratamento
tributário pelo Estado em igualdade de condições, retirando-se fundamento para
tanto na neutralidade concorrencial do Estado que, como defende Eros Roberto
Grau16, é um dos sentidos de alcance do princípio da livre concorrência.
Essa acepção específica, portanto, tem de ser concatenada com o princípio da
livre concorrência, sob pena de encarar-se a neutralidade tributária como um novo
nome para designar-se o princípio da igualdade em matéria tributária, o que torna-
ria o emprego da expressão absolutamente despiciendo e desaconselhável. Essa ideia
também é percebida por Humberto Ávila17, quando afirma ser a neutralidade “uma
manifestação estipulada da própria igualdade na sua conexão com o princípio da
liberdade de concorrência” e por Luís Eduardo Schoueri18, para quem “tem-se, pois,
um sentido próprio para a neutralidade tributária, tendo em vista seu viés concor-
rencial”19.
11
No original: “the imposicion of a tax system will influence some market decisisons no matter how the system is de-
signed”. Cf. KAHN, Douglas A. “The Two Faces of Tax Neutrality: do They interact or are They Mutually Exclusi-
ve?” Op. cit., p. 11 (tradução livre). Cf., ainda, STIGLITZ, Joseph E. Economics of the Public Sector. 3ª ed. Nova
Iorque/Londres: W. W. Norton, 1999, pp. 462-463.
12
ZILVETTI, Fernando Aurelio. “Variações sobre o Princípio da Neutralidade no Direito Tributário Internacional”.
Direito Tributário Atual nº 19. São Paulo: Dialética, 2005, pp. 24-40 (27), 2005.
13
CALIENDO, Paulo. “Princípio da Neutralidade Fiscal: Conceito e Aplicação”. In: PIRES, Adilson Rodrigues; e
TÔRRES, Heleno Taveira (orgs.). Princípios de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp.
503-540 (537).
14
SCHOUERI, Luís Eduardo. “Livre Concorrência e Tributação”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes
Questões Atuais do Direito Tributário. V. 11. São Paulo: Dialética, 2007, pp. 241-271 (254).
15
ELALI, André. “Algumas Considerações sobre Neutralidade e Não-discriminação em Matéria de Tributação”. Re-
vista Tributária e de Finanças Públicas nº 85. São Paulo: RT, março/abril de 2009, pp. 26-40.
16
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 204.
17
ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. Op. cit., p. 99.
18
SCHOUERI, Luís Eduardo. “Livre Concorrência e Tributação”. Op. cit., p. 255.
19
Também no mesmo sentido de existência de uma ligação entre neutralidade tributária e o princípio da livre concor-
rência, cf. DERZI, Misabel Abreu Machado. “Não-cumulatividade, Neutralidade, PIS e Cofins e a Emenda Consti-
Nesse caso, ainda que se reconheça a estreita ligação entre neutralidade tribu-
tária e o princípio da livre concorrência, é importante esclarecer suas diferenças e
suas zonas de aplicabilidade, sob pena de se incorrer em contradições internas ou
afirmações vazias que nada contribuem para a correta interpretação do direito pos-
to.
tucional nº 42/03”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. V. 8.
São Paulo: Dialética, 2004, pp. 339-355 (346).
20
Como afirma Tércio Sampaio Ferraz Júnior, “não se contrapõem aos fundamentos da ordem, mas dão-lhes o seu es-
paço relativo. Cumpre ao Estado assegurar os fundamentos, a partir dos princípios. Não se pode, por isso, em nome
de qualquer deles eliminar a livre iniciativa nem desvalorizar o trabalho humano.” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sam-
paio. “Congelamento de Preços - Tabelamentos Oficiais”. Revista de Direito Público nº 91. São Paulo, 1989, pp.
76-86 (78))
Isso conduz à interpretação, assente na doutrina21 e confirmada pela legislação
ordinária22, que o princípio da livre concorrência não tutela um direito subjetivo dos
concorrentes, mas, antes disso, a preservação de um mercado ajustado que tenha o
condão de fomentar o alcance dos objetivos da ordem econômica. Por isso, fala-se
em livre concorrência como um princípio instrumental.
O mercado, tomado como patrimônio nacional23, portanto, é que deve ser pro-
tegido pelo princípio, sendo possível falar-se até mesmo na permissão de condutas
restritivas da concorrência quando, por outro lado, estiverem presentes benefícios
ao mercado como um todo. Como afirma Paula A. Forgioni24, “nossa lei antitruste,
assim como os sistemas norte-americano e europeu, também prevê sistema de via-
bilização de práticas que, embora restritivas da concorrência, encerram eficiências
compensatórias”.
Por isso mesmo, a Lei nº 8.884/1994 estabelece, em um primeiro momento (art.
20), que constitui infração à ordem econômica limitar, falsear ou de qualquer for-
ma prejudicar a livre concorrência para, em seguida (art. 54), determinar que os atos
que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência poderão
ser autorizados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica - Cade, desde
que:
i) tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente:
i.a) aumentar a produtividade;
i.b) melhorar a qualidade de bens e serviços; ou
i.c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico;
ii) gerem benefícios distribuídos de maneira equitativa entre os seus participan-
tes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro;
iii) não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de merca-
do relevante; e
iv) sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os obje-
tivos visados25.
Nessa linha, ainda que se extraia uma primeira definição do princípio da livre
concorrência tomado como um “princípio jurídico capaz de preservar uma compa-
tibilidade concorrencial entre os agentes econômicos, conduzindo-os a uma igual-
dade de condições de competir”26, é preciso entender que sua aplicabilidade é maior.
21
DUTOIT, Bernard. “O Direito da Concorrência Desleal e a Relação de Concorrência; Dupla Indissociável? Uma
Perspectiva Comparativa”. Revista dos Tribunais v. 717. São Paulo, 1995, pp. 7-18 (16); e FORGIONI, Paula A. Os
Fundamentos do Antitruste. 3ª ed. São Paulo: RT, 2008, pp. 190-191.
22
A Lei nº 8.884/1994, em seu art. 1º, parágrafo único, determina que a coletividade é a titular dos bens jurídicos pro-
tegidos pela lei de defesa concorrencial.
23
A Constituição Federal, em seu art. 219, determina que “o mercado interno integra o patrimônio nacional e será in-
centivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a auto-
nomia tecnológica do País, nos termos de lei federal”.
24
FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. Op. cit., pp. 190-191.
25
A lei permite ainda a substituição de um dos requisitos acima indicados pela demonstração de que o ato é necessário
por motivo preponderante da economia nacional e do bem comum, e desde que este não implique prejuízo ao consu-
midor ou usuário final.
26
BOMFIM, Diego. Tributação e Livre Concorrência. Op. cit., p. 179. No mesmo sentido, cf. BUNTE, Hermann-Jo-
sef. “La Tutela della Libertà di Concorrenza in Germania”. Costituzione Economica e Libertà di Concorrenza.
O dever de o Estado tratar os concorrentes em igualdade de condições27 (neutrali-
dade concorrencial), inclusive por meio do exercício da competência tributária (neu-
tralidade tributária), é apenas um dos sentidos do princípio da livre concorrência,
como já foi dito.
Desdobrado como uma faceta do princípio da livre concorrência, a neutralida-
de concorrencial do Estado tem como função garantir que o ente estatal não interfi-
ra negativamente na consecução ou preservação da livre concorrência.
Se um dos princípios retores da ordem econômica é justamente a livre concor-
rência, o próprio ente público deve se pautar em suas relações com os particulares
de modo a não ser um agente fomentador de desequilíbrios, uma vez que “se o prin-
cípio da livre concorrência é prestigiado pela Ordem Econômica, justificando as
normas tributárias que o procurem alcançar, é coerente admitir que não deve a mes-
ma norma tributária atuar em sentido diverso daquela meta”28.
É por essa razão que Tércio Sampaio Ferraz Júnior29 confirma que “da livre con-
corrência decorre, assim, a exigência de imparcialidade dos atos impositivos (sobe-
ranos) do Estado em face dos concorrentes”.
A neutralidade concorrencial do Estado, então, garante aos concorrentes um tra-
tamento estatal em igualdade de condições, o que faz nascer um dever de análise
dos efeitos concorrenciais que atos do Poder Público são capazes de gerar, já que
não devem funcionar como fomentadores de privilégios entre concorrentes.
No entanto, a existência de igualdade de condições entre dois concorrentes é,
reitere-se, apenas uma faceta do princípio da livre concorrência, sem que possa ser
feita uma correspondência biunívoca entre igualdade de condições (incluída a ne-
cessidade de repercussão fiscal equânime entre os agentes econômicos30 - neutrali-
dade tributária) e o princípio da livre concorrência31.
É preciso ficar claro que o princípio da livre concorrência, sendo um instrumento
para consecução dos fins últimos da ordem econômica, garante, inicialmente, um
tratamento dos concorrentes em igualdade de condições, impondo que produtos em
MEZZETI, Luca (org.). Torino: G. Giappichelli, 1994, pp. 3-34 (3); e GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na
Constituição de 1988. Op. cit., p. 210.
27
É preciso que fique clara a inexistência de autorização constitucional para que o princípio da livre concorrência seja
utilizado como fundamento de validade para que planificações entre concorrentes sejam realizadas pelo Estado, sob
pena de ofensa ao princípio da livre iniciativa. O princípio da livre concorrência, em um de seus sentidos, impõe que
o Estado trate os concorrentes em igualdade de condições, o que é muito diferente de impor a existência de igualda-
de entre os próprios concorrentes. A igualdade, portanto, é das condições de competitividade, nunca dos competido-
res, que poderão se destacar, seja pela redução de preços, melhores condições de pagamento, ou pela melhoria dos
produtos e serviços comercializados, tudo na tentativa de conquistar o mercado.
28
SCHOUERI, Luís Eduardo. “Livre Concorrência e Tributação”. Op. cit., p. 255.
29
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. “Obrigação Tributária Acessória e Limites de Imposição: Razoabilidade e Neu-
tralidade Concorrencial do Estado”. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Teoria Geral da Obrigação Tributária -
Estudos em Homenagem ao Professor José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 264-280 (277).
30
ZILVETTI, Fernando Aurelio. “Variações sobre o Princípio da Neutralidade no Direito Tributário Internacional”. Op.
cit., p. 27.
31
Como será visto a seguir, poderão existir situações, como nos casos de utilização pelo Estado da tributação com an-
seios extrafiscais, em que não se terá aplicabilidade da neutralidade tributária, devendo estar presente, no entanto, o
respeito ao princípio da livre concorrência.
condições similares sejam submetidos à mesma carga fiscal32 (neutralidade tribu-
tária).
Essa aproximação inicial, no entanto, pode e deve ser afastada - não havendo
mais que se falar em igualdade de condições (e, portanto, em qualquer tipo de neu-
tralidade), quando outros valores, também consagrados pelo texto constitucional, são
contrapostos de modo a legitimar a discriminação pretendida. Neste caso, não existe
neutralidade, já que ínsita uma postura aberta e fundamentada de discriminação e
tratamento diferenciado, entrando em cena, no entanto, o próprio princípio da livre
concorrência em sua acepção própria e completa, tomado como instrumento de pre-
servação do mercado (que é, na expressão do art. 219 da Constituição, patrimônio
nacional) de modo a garantir que a ordem econômica logre seu fim: assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, fundando-se, para isso,
na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa.
Nessa linha, para que seja configurada o que se nomeia de ofensa própria ao
princípio da livre concorrência é necessário mais do que a constatação da presença
de condições desiguais entre os concorrentes, não podendo o princípio ser tomado,
estritamente, como um princípio garantidor de igualdade de parâmetros aos agen-
tes econômicos. Para que se caracterize ofensa própria ao princípio, é necessário que
a vantagem competitiva (que pode ou não ser gerada pelo exercício da competên-
cia tributária) seja de tão alto grau, que gere, ou seja capaz de gerar, uma restrição
ao exercício de atividade econômica por parte de determinado concorrente, malfe-
rindo, em última análise, a livre iniciativa, o mercado e a sociedade como um todo,
já que, como já foi abordado, o princípio da livre concorrência tem caráter instru-
mental.
Conclui-se, então, pela necessidade de demarcar com rigor os limites e ampli-
tudes do princípio da livre concorrência, de um lado, e da neutralidade concorren-
cial e seu corolário em matéria fiscal, a neutralidade tributária, de outro.
O princípio da livre concorrência em matéria tributária pode se manifestar im-
pondo aos entes detentores de competência tributária limites negativos, ora impe-
dindo um tratamento não igualitário no âmbito da tributação com função fiscal (neu-
tralidade tributária), ora servindo como um dos parâmetros de avaliação da juridi-
cidade da discriminação empreendida por uma tributação com anseios extrafiscais,
além de legitimar a tomada de posturas positivas pela utilização de normas tributá-
rias indutoras que tenham como fundamento a preservação da livre concorrência.
Os campos de aplicabilidade são diversos, sendo, por isso, salutar manter-se o em-
prego das duas expressões, desde que fixados os seus sentidos conforme se preten-
deu realizar.
32
SCHOUERI, Luís Eduardo. “Livre Concorrência e Tributação”. Op. cit., p. 254.
Enquanto a neutralidade tributária impõe, nos termos, inclusive, do que a dou-
trina propugna, uma necessidade de tratamento por parte do Estado em igualdade
de condições para agentes em condições similares, o princípio da livre concorrên-
cia aplicado em matéria tributária é avaliado de outra forma, impedindo que a tri-
butação seja um elemento causador de prejuízos efetivos à livre iniciativa de alguns,
prejudicando o mercado.
Daí decorre a premissa fundamental na interpretação deste princípio atrelado às
normas tributárias: a simples constatação de regimes tributários diferenciados não
legitima que se fale, a priori, em ofensa ao princípio da livre concorrência. Dife-
renciar, portanto, entre neutralidade tributária e livre concorrência é fundamental
porque quando se exige neutralidade tributária, a mera demonstração de existência
de cargas tributárias diversas é elemento capaz de demonstrar ofensa ao ditame
normativo, o que não ocorre quando a questão é contraposta ao princípio da livre
concorrência.
O princípio da neutralidade tributária deve ser entendido como um delineador
do exercício da competência tributária com anseios fiscais, impondo a realização da
neutralidade concorrencial do Estado, tendo em vista o dever estatal de tratar com
imparcialidade os agentes econômicos alocados numa mesma situação, não geran-
do, portanto, por meio de seus tributos, privilégios desarrazoados que possam ferir
o princípio da livre concorrência, tomado aqui como princípio jurídico que garante
a igualdade de condições para os agentes econômicos, competidores de um mesmo
mercado. Esse dever será alcançado pela instituição de uma tributação com respei-
to ao princípio da igualdade e seu corolário, o princípio da capacidade contributi-
va.
É que no caso do exercício da competência tributária, funcionalmente identifi-
cada com anseios fiscais, não há, em jogo, qualquer outro valor, traduzido por um
princípio jurídico, que possa ser contraposto a uma possível constatação de desigual-
dade entre concorrentes. Em matéria de tributação com anseios fiscais, a própria
Constituição Federal impôs o critério de discrímen que deve ser utilizado na dife-
renciação e, portanto, na realização do próprio princípio da igualdade. Trata-se da
capacidade econômica dos contribuintes.
Aqui, o objetivo principal e destacado da tributação é angariar recursos, não
havendo, pelo menos não intencionalmente, pretensões indutoras. Há, portanto,
nesse caso, uma aproximação entre o princípio da neutralidade tributária e o prin-
cípio da igualdade.
Uma tributação com anseios fiscais respeitará o princípio da neutralidade tribu-
tária na medida em que se mostrar condizente com o princípio da igualdade tribu-
tária, não havendo diferenciações tributárias injustificadas ou não homologadas pelo
sistema normativo.
A neutralidade tributária, então, é, em última análise, tomada com uma regra
jurídica que impede a utilização da tributação como instrumento de indução com-
portamental sem que existam justificativas, também prescritas pelo ordenamento,
para tanto (quando se passaria à seara da extrafiscalidade). Trata-se de um critério
objetivo prescrito pelo texto constitucional para a própria aplicação da igualdade
tributária, conformando, na expressão de Humberto Ávila, numa espécie de igual-
dade-regra33. Essa interpretação da neutralidade é relevante do ponto de vista jurí-
dico porque, em primeiro lugar, indica esse critério como elemento objetivo e defi-
nitivo, devendo ser levado em consideração pelo legislador sem chances de sopesa-
mentos (natureza de regra), depois, porque trabalha com a diferenciação entre neu-
tralidade e livre concorrência, contribuindo para que afirmações vazias de ofensa à
livre concorrência não sejam realizadas apenas para fins retóricos, quando, em ver-
dade, a tributação (nesse caso, em vista de possuir fins fiscais) deveria ser analisa-
da apenas através deste instrumento que é a neutralidade tributária.
Ainda que reconheça uma maior importância deste aspecto negativo da neutra-
lidade tributária (como limite ao exercício da competência tributária), parte da dou-
trina entende pela existência de um aspecto positivo, de onde seria extraído funda-
mento de validade para que os tributos fossem utilizados como instrumentos de
equalização pelo Estado de eventuais distúrbios concorrenciais.
Sobre este aspecto positivo, Gerd Rothmann34 afirma que “os impostos devem
ajudar a frear e, na medida do possível, eliminar tendências enfraquecedoras da
concorrência e, ainda, ajudar a fomentar todas as tendências que aumentam a con-
corrência”. Não há equívoco na frase. Os tributos podem ser utilizados como ins-
trumentos de indução comportamental, podendo buscar fundamento de validade na
ordem econômica que, em vista de expressa prescrição constitucional, indica a li-
vre concorrência como um dos princípios.
A utilização da tributação como instrumento de promoção da concorrência, no
entanto, encontra limites muito rígidos. É que, como vem sendo exposto, o ordena-
mento não impõe uma igualdade ou planificação dos agentes econômicos, mas ape-
nas que sejam oferecidas condições de igualdade, inclusive quando a óptica é o tra-
tamento tributário ditado pelo ente estatal. Em assim sendo, uma atuação positiva
do Estado como instrumento de correção da concorrência, ainda que em tese seja
possível, deve ser altamente fundamentada, sob pena de se instalar no Brasil um
dirigismo fiscal não homologado pelo texto constitucional35. É preciso lembrar que
a tributação não pode ser individualizada, mas geral, ponto que afasta o uso da tri-
butação como instrumento de correção concorrencial em um grande volume de ca-
sos.
É de se afirmar que, ainda que tais distúrbios advenham de práticas abusivas
empreendidas por agentes de mercado, gerando distúrbios concorrenciais endóge-
nos36, a tributação será incapaz de intervir, sob pena de transmudar-se o tributo em
sanção, fato que contraria frontalmente o Código Tributário Nacional, bem como o
regime jurídico tributário prescrito pela Constituição Federal.
33
ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. Op. cit., p. 136.
34
Cf. ROTHMANN, Gerd Willi. “Tributação, Sonegação e Livre Concorrência”. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Prin-
cípios e Limites da Tributação 2: os Princípios da Ordem Econômica e a Tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2009,
pp. 331-371 (342).
35
Cf. FERRAZ, Roberto. “Intervenção do Estado na Economia por Meio da Tributação: a Necessária Motivação dos
Textos Legais”. Direito Tributário Atual nº 20. São Paulo: Dialética, 2006, pp. 238-252.
36
Para uma diferenciação entre distúrbios concorrenciais endógenos e exógenos, cf. BOMFIM, Diego. Tributação e
Livre Concorrência. Op. cit., pp. 192-196.
A tributação, em verdade, deve funcionar como um instrumento de fomento para
que distúrbios concorrenciais exógenos (causados pela própria atuação do Estado)
sejam afastados, o que implica oferecer tratamento em igualdade de condições, ainda
que pela adoção de posturas positivas, sem que, no entanto, seja possível fundamen-
tar tal emprego da tributação como elemento de planificação entre os concorrentes-
contribuintes.
37
Cf. item 2 supra.
38
ZILVETI, Fernando Aurelio. “Variações sobre o Princípio da Neutralidade no Direito Tributário Internacional. Op.
cit., p. 26.
gual (seja por agravamentos ou incentivos), mas sim pela admissão de sopesamen-
to do próprio princípio da livre concorrência com os demais princípios constitucio-
nais utilizados na fundamentação da extrafiscalidade.
Essa forma de apresentar a matéria tem a vantagem de indicar que, numa tribu-
tação funcionalmente identificada com a fiscalidade, o tratamento sempre (como
uma consequência definitiva) deverá respeitar a regra da neutralidade, não havendo
possibilidades de sopesamentos ou flexibilizações interpretativas. Trata-se, em uma
classificação baseada no modo final de aplicação das normas39, de uma regra, não
de um princípio, de um parâmetro inafastável de aplicação do princípio da igualda-
de toda vez que se estiver diante de uma tributação funcionalmente identificada com
a fiscalidade.
A tributação, nestas hipóteses, não poderá de forma alguma servir como elemen-
to de discriminação entre contribuintes que estejam na mesma situação, não podendo
servir como instrumento de desequilíbrio concorrencial. Aqui, o critério de discri-
minação que pode ser utilizado já foi eleito pelo texto constitucional: a capacidade
contributiva de cada um dos contribuintes.
Diversamente, na extrafiscalidade, tem-se um tratamento em desigualdade de
condições sem que, infalivelmente, possa falar-se em ofensa ao princípio da igual-
dade. Uma coisa é impor ao ente detentor de competência tributária um dever de
tratamento tributário (de bens ou pessoas) em igualdade de condições, outra bem
diferente é impor a este mesmo ente o respeito ao princípio da igualdade tributária.
O primeiro limite (tomado como regra) deve estar sempre presente apenas numa
tributação voltada à fiscalidade ( já que um tratamento diferenciado na extrafiscali-
dade é evidente), o segundo, por sua vez, tomado como autêntico princípio, deve ser
sempre levado em consideração, sendo aplicado em sua máxima medida de acordo
com as condições fáticas e jurídicas do caso concreto.
Um exemplo pode esclarecer o comentário. O texto constitucional prevê uma
clara possibilidade de manejo da tributação com anseios extrafiscais, permitindo em
seu art. 151, inciso I, “a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o
equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País”.
Nesse caso, instituído dado incentivo fiscal, não haverá que se falar em identi-
dade de cargas fiscais (acepção em que se toma a neutralidade tributária como aci-
ma indicado). A indução, neste caso, pressupõe o tratamento desigual. Por certo que
o princípio da igualdade estará preservado, em vista de que a discriminação foi rea-
lizada com base em um critério constitucionalmente indicado como relevante pela
Constituição (tratamento favorecido com o objetivo de promover o equilíbrio so-
cioeconômico das diferentes regiões do País), não sendo certo falar-se, no entanto,
na necessidade de tratamento dos bens ou dos contribuintes em igualdade de con-
dições (com a mesma carga fiscal). Como já afirmamos em outra oportunidade,
39
Sobre o tema, cf. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São
Paulo: Malheiros, 2008, passim; SILVA, Virgílio Afonso. Direitos Fundamentais: Conteúdo Essencial, Restrições
e Eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009; e ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da Definição à Aplicação dos
Princípios Jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
“na tributação extrafiscal, o princípio da livre concorrência não será alcançado pela via
da neutralidade tributária, já que pressuposto o tratamento tributário desigual (seja por
agravamento ou incentivos), e sim pela admissão de sopesamento do próprio do pró-
prio princípio da livre concorrência com os demais princípios constitucionais utiliza-
dos na fundamentação da extrafiscalidade”40.
Em conclusão, se a neutralidade tributária for tomada como necessidade de
igualdade de condições ou, o que é o mesmo, como uma norma que visa “garantir
um ambiente de igualdade de condições competitivas”, indicando que “produtos em
condições similares devem ser submetidos à mesma carga fiscal”41, deve ser reco-
nhecida também sua inaplicabilidade nos casos em que se estiver diante de uma tri-
butação indutora ou voltada a fins extrafiscais, como no exemplo acima indicado.
Nestes casos, o princípio da livre concorrência encontra forte campo de atua-
ção, não sendo correto falar-se, neste ponto, em livre concorrência como um prin-
cípio que prescreve um tratamento em igualdade de condições (neutralidade tribu-
tária). Esta é apenas uma de suas facetas que perde sentido na tributação extrafis-
cal. Neste ponto, o próprio princípio da livre concorrência (e não apenas uma de suas
facetas, a neutralidade concorrencial derivando a neutralidade tributária) deve en-
trar em cena, devendo ser sopesado com os demais princípios indicados pelo texto
constitucional para fins de validação da tributação indutora.
No exemplo dado, o tratamento diferenciado outorgado às empresas situadas nas
regiões menos desenvolvidas do País não pode ser questionado perante a igualdade
ou perante uma pretensa neutralidade tributária (que, claramente, não se mostra pre-
sente), mas pode e deve ser sopesado ante o princípio da livre concorrência. Deve-
rá ser ponderada, de um lado, a necessidade de desenvolvimento das regiões mais
carentes do País, sendo, de outro, levada em conta a proteção da livre concorrência.
Não há de se confundir, então, o princípio da livre concorrência em sua especí-
fica aplicação às normas tributárias com o princípio da igualdade tributária, partin-
do do raciocínio simplório de que todas as implicações entre tributação e livre con-
corrência poderiam ser dirimidas em função do princípio da igualdade.
Não é assim. O princípio da livre concorrência mantém íntima ligação como o
princípio da igualdade, mas com ele não se confunde, sendo muito mais específico
em sua zona de aplicabilidade.
Esses princípios são programados pela Constituição Federal levando-se em con-
sideração zonas de aplicabilidades diferentes, sendo certo que o próprio direito po-
sitivo é quem determina os critérios que podem ser utilizados para discriminação
em cada situação.
A fixação da diferença entre o princípio da livre concorrência e seus desdobra-
mentos - igualdade de condições para competir, princípio da neutralidade concor-
rencial do Estado e princípio da neutralidade tributária - é de extrema importância
porque o princípio da livre concorrência atua de maneira diversa sobre a tributação
na dependência da função que está sendo por essa exercida, devendo o intérprete
estar atento a isto.
40
BOMFIM, Diego. Tributação e Livre Concorrência. Op. cit., p. 199.
41
SCHOUERI, Luís Eduardo. “Livre Concorrência e Tributação”. Op. cit., pp. 241-271 (254).
Esta diferenciação pode impedir, por exemplo, que sejam levantados argumen-
tos (absolutamente vazios) de ofensa à livre concorrência ante a existência de regi-
mes tributários diferenciados ou de que a neutralidade tributária (que impõe trata-
mento em igualdade de condições) legitima a utilização da tributação como instru-
mento de planificação entre concorrentes (o que, claramente, ofende a livre inicia-
tiva). Posições que, certamente, contaminam o discurso jurídico, colocando ainda
mais névoa neste assunto ainda tão pouco explorado na dogmática brasileira.
6. Conclusões
Ao final do discurso, é possível afirmar que o estudo da neutralidade tributária
no Brasil ainda se mostra carente de uma sistematização mais atenta, quando resta-
ria indicada sua amplitude, distinguindo-a dos princípios da igualdade tributária e
da livre concorrência.
Apesar disso, é possível verificar uma clara evolução doutrinária no sentido de
não tomar a expressão como representativa de inexistência de não afetação dos com-
portamentos dos agentes econômicos pela tributação. Estudos recentes publicados
no Brasil vêm aprimorando a ideia de uma correlação entre tributação e Direito
Econômico, descobrindo a importância de se estudar o Direito do ponto de vista
funcional.
Inserido nesse contexto, este artigo procurou demonstrar que só tem sentido
falar-se em neutralidade tributária, tomada como uma das vertentes do princípio da
livre concorrência que impõe um tratamento em igualdade de condições, quando se
estiver diante de uma tributação voltada a anseios fiscais, em vista de que uma tri-
butação neutra e, portanto, não distorciva da concorrência, será aquela que respeite
a igualdade tributária e, por isso, o princípio da capacidade contributiva. A neutra-
lidade, então, é vista e interpretada como um elemento objetivo restritivo de apli-
cação da igualdade tributária, como uma regra jurídica que impede a utilização da
tributação como instrumento de indução comportamental sem que existam justifi-
cativas para tanto.
Diversamente, quando se está diante de uma tributação voltada à extrafiscalidade
(o que pressupõe a existência de fundamentos constitucionais válidos que susten-
tem tal atuação), não haverá que se falar em igualdade de condições, mas no pró-
prio princípio da livre concorrência, tomado como instrumento de consecução dos
fins perseguidos pela ordem econômica, sendo este - e não uma mera faceta de neu-
tralidade - sopesado no caso concreto, quando restarão exorcizados argumentos no
sentido de que a mera constatação de tratamento desigual já é capaz, a priori, de
levar à conclusão de ofensa própria à livre concorrência.
A Ilegitimidade da Vedação à
Compensação de Créditos de Contribuição
Previdenciária com Débitos de
Outros Tributos Administrados pela
Receita Federal do Brasil
Diogo Ferraz
1. Introdução
É sabido que os contribuintes que prestam serviços que
envolvem a cessão de mão de obra sujeitam-se à retenção de
11% sobre as notas fiscais por eles emitidas aos seus contra-
tantes, os quais recolhem o valor equivalente diretamente ao
Fisco federal, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24
de julho de 1991.
Segundo o parágrafo 1º daquele mesmo art. 31 da Lei nº
8.212/1991, o valor retido pelos contratantes serve como
antecipação da contribuição previdenciária devida pelo con-
tribuinte e é “compensado (...) quando do recolhimento das
contribuições destinadas à Seguridade Social devidas sobre
a folha de pagamento dos segurados a seu serviço”.
Acontece que, não raro, as quantias retidas pelos contra-
tantes superam em muito o montante da contribuição previ-
denciária devida pelo contribuinte ao final de cada período
de apuração, de modo que nada resta a ser recolhido, surgin-
do um crédito a favor do contribuinte perante o Fisco.
Para contornar situações como esta, o art. 31, parágrafo
2º, da Lei nº 8.212/1991 prevê que o saldo remanescente
(= valor retido - contribuição efetivamente devida) será ob-
jeto de restituição.
Não obstante, essa possível restituição, que também no-
toriamente é enormemente dificultada/procrastinada pelo
Fisco federal, não é o único meio possível para que os con-
tribuintes recebam de volta os valores retidos que superaram
ou vierem a superar a contribuição previdenciária ordina-
riamente devida, pois a interpretação sistemática e confor-
me à Constituição da legislação aplicável revela o cabimen-
Diogo Ferraz to da compensação desses créditos com débitos de outros tri-
é Doutorando em butos que não as próprias contribuições previdenciárias,
Direito Financeiro e como procuraremos demonstrar.
Tributário na
Universitat de 2. A Estrutura Arrecadatória Federal e a Ilegítima
Barcelona, Mestre em Vedação à Compensação
Direito Público pela Antes do advento da Lei nº 11.457, de 16 de março de
Uerj e Advogado no 2007, havia uma forte segregação entre a gestão governa-
Rio de Janeiro e em mental das contribuições previdenciárias e a dos demais tri-
São Paulo. butos federais:
a) as contribuições previdenciárias eram fiscalizadas, arrecadadas e cobradas
pela Secretaria da Receita Previdenciária (SRP), vinculada ao INSS, e seus
débitos eram executados pela Procuradoria desta autarquia; e
b) os demais tributos federais eram fiscalizados, arrecadados e cobrados pela
Secretaria da Receita Federal (SRF) e seus débitos eram executados pela Pro-
curadoria-Geral da Fazenda Nacional.
A mencionada Lei nº 11.457/2007, no entanto, inseriu uma profunda modifica-
ção neste quadro, do que resultou o seguinte:
a) a SRF passou a se chamar Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB)
(art. 1º);
b) a RFB detém todas as competências da SRF e, também, a competência de
“tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento das contribui-
ções sociais previstas nas alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’ do parágrafo único do art. 11 da
Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991”, anteriormente exercida SRP (art. 2º,
parágrafo 1º);
c) a SRP foi extinta (art. 2º, parágrafo 4º);
d) todos os processos administrativos-fiscais referentes às contribuições pre-
videnciárias, que anteriormente ficavam a cargo da SRP, foram transferidos
para a RFB (art. 4º); e
e) a execução dos débitos de contribuições previdenciárias foi transferida da
Procuradoria-Geral Federal vinculada ao INSS para a Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional (art. 16).
Como se vê, o diploma legal em apreço unificou integralmente a administração
de todos os tributos federais em um só órgão: a Secretaria da Receita Federal (SRF),
que apenas passou a se chamar Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).
A consequência lógica da incorporação da SRP pela SRF/RFB é que as atribui-
ções da primeira passam a se submeter às legislações e regulamentações da última.
Nesse sentido, é bem de ver que o art. 74, caput, da Lei nº 9.430, de 27 de de-
zembro de 1996, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 10.637, de 30 de de-
zembro de 2002, assim dispõe:
“Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em
julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita
Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensa-
ção de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados
por aquele Órgão.” (Destaques nossos)
Desse dispositivo, extrai-se que, caso o contribuinte possua créditos de tributos
então administrados pela SRF e passíveis de restituição, poderá, em vez de postu-
lar essa restituição, proceder à compensação com outros débitos de tributos tam-
bém administrados pela SRF.
Ora, a partir do momento em que as contribuições previdenciárias passam a ser
administradas pela SRF, órgão que apenas teve a sua denominação modificada para
RFB, fica evidente que também a elas seria aplicável o procedimento previsto do
supra transcrito dispositivo legal.
Entender que este dispositivo não alcançaria a RFB, pois que menciona expres-
samente a SRF, é de um formalismo incompatível com a racionalidade e desprovi-
do de razoabilidade, na medida em que não se pode cogitar que a simples alteração
da denominação de qualquer pessoa, seja de direito público ou de direito privado,
possa ter o condão de alterar as relações jurídicas com ela mantidas.
No entanto, ao arrepio da lógica acima, o legislador ordinário se valeu da tática
chamada “Cavalo-de-Troia”, ao inserir, em um capítulo da mesma Lei nº 11.457/2007
completamente estranho à matéria da compensação (“Do Processo Administrativo-
fiscal”), a previsão de que o art. 74 da Lei nº 9.430/1996 não se aplicaria às contri-
buições cuja administração foi transferida para a SRF/RFB:
“Art. 26. O valor correspondente à compensação de débitos relativos às contribuições
de que trata o art. 2º desta Lei será repassado ao Fundo do Regime Geral de Previdên-
cia Social no máximo 2 (dois) dias úteis após a data em que ela for promovida de ofí-
cio ou em que for deferido o respectivo requerimento.
Parágrafo único. O disposto no art. 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996,
não se aplica às contribuições sociais a que se refere o art. 2º desta Lei.” (Destaques
nossos)
Esta insinceridade do legislador deve ser repelida pelo aplicador do Direito, pois
afronta a um dos mais basilares princípios constitucionais: o da igualdade.
1
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros, 1995,
p. 9. Destacou-se.
2
ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 129. Destacou-se.
créditos de Cofins e não permiti-la em relação a créditos de contribuição previden-
ciária não encontra respaldo em qualquer fundamentação razoável - e é contraditó-
rio às próprias decisões (logicamente) anteriores do legislador no que concerne a
compensação tributária.
Nem mesmo a eventual alegação de que os recursos da contribuição previden-
ciária são destinados a finalidades específicas, cujo controle orçamentário poderia
ser mais complexo e sensível a variações no recebimento efetivo de recursos, pro-
cede: a uma, porque a Cofins e outras contribuições também têm o produto da sua
arrecadação vinculado e nem por isso são excluídas da sistemática geral da compen-
sação; a duas, porque estamos falando de créditos “contra” a previdência social, ou
seja, um valor que deixará de sair dos seus cofres mediante a compensação com
débitos de outros tributos, e não de débitos “a favor” da previdência que deixarão
de ingressar nos cofres públicos previdenciários.
Há, ainda, uma segunda aproximação a ser feita ao caso concreto. No que con-
cerne à possibilidade de compensação tributária, contribuinte e Fisco estão em si-
tuações absolutamente iguais:
a) se o contribuinte possuir créditos e débitos para com o Fisco, é de seu inte-
resse efetuar a compensação, para não ter de efetivamente desembolsar nenhum
valor, ou para que esse desembolso seja reduzido;
b) se o Fisco possuir créditos e débitos para com o contribuinte, é de seu inte-
resse efetuar a compensação, para não ter de efetivamente desembolsar nenhum
valor, ou para que esse desembolso seja reduzido.
Acontece que ambas as situações vêm recebendo um tratamento legal ilegitima-
mente diferenciado, porque o art. 7º, parágrafo 2º, do Decreto-lei nº 2.287, de 23
de julho de 1986, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.196, de 21 de no-
vembro de 2005, permite a compensação entre créditos de tributos administrados
pela SRF/RFB com débitos de contribuições previdenciárias, a exclusivo critério do
Fisco:
“Art. 7º A Receita Federal do Brasil, antes de proceder à restituição ou ao ressarci-
mento de tributos, deverá verificar se o contribuinte é devedor à Fazenda Nacional.
(...)
§ 2º Existindo, nos termos da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, débito em nome
do contribuinte, em relação às contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do
parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, ou às contribui-
ções instituídas a título de substituição e em relação à Dívida Ativa do Instituto Na-
cional do Seguro Social - INSS, o valor da restituição ou ressarcimento será compen-
sado, total ou parcialmente, com o valor do débito.” (Destaques nossos)
Ou seja, mesmo na época em que os tributos eram administrados por órgãos
absolutamente diferentes do ponto de vista estrutural, já era possível ao Fisco va-
ler-se de créditos devidos ao contribuinte e referentes a tributos que não a contri-
buição previdenciária para compensá-los com débitos devidos pelo contribuinte e
relativos a esta última contribuição. Vê-se, portanto, que duas situações iguais são
tratadas pelo legislador com absoluta desigualdade:
a) se o contribuinte possui créditos e débitos para com o Fisco e pretende
efetuar uma compensação já prevista em Lei (art. 74 da Lei nº 9.430/1996),
em vez da restituição, isto é vedado (art. 26, parágrafo único, da Lei nº
11.457/2007);
b) se o Fisco possui créditos e débitos para com o contribuinte e pretende efe-
tuar a compensação, em vez de proceder à restituição ao contribuinte, isto é
permitido (art. 7º, parágrafo 2º, do Decreto-lei nº 2.287/1986).
Talvez seja difícil imaginar uma ofensa tão cristalina ao princípio da igualda-
de, salvo as de conteúdo racial, religioso etc., pois é inconcebível que se admita a
compensação entre tributos administrados pela SRF/RFB e a contribuição previden-
ciária, quando de interesse do Fisco, mas não se possibilite a mesma compensação,
quando de interesse do contribuinte.
Não há critério de discrímen razoável ou minimamente conforme à CF/1988
para essa diferenciação. Ela significa simplesmente dizer que o Estado pode; o con-
tribuinte, não. E um pode apenas porque é o Estado; o outro não pode somente por-
que é o particular. Simples assim e ponto final.
Não, juridicamente não é simples assim e muito menos pode ser o ponto final,
sob pena de se abrir um precedente que validará toda e qualquer diferenciação de
tratamento entre o Estado e o particular, ainda que desprovida de qualquer funda-
mento fático ou jurídico.
4. Conclusão
Por todos esses motivos, concluímos que:
a) a vedação à compensação de créditos da contribuição previdenciária com
débitos de outros tributos administrados pela RFB, prevista no art. 26, pará-
grafo único, da Lei nº 11.457/2007, decorre de uma insinceridade do legisla-
dor que ofende o art. 5º, caput, da CF/1988;
b) essa ofensa resulta da constatação de que a vedação contradiz e é incoeren-
te em relação a toda a normativa legislativa concernente a compensação tribu-
tária, que há muitos anos solidificou-se de forma ampla, desde que os tributos
cujos débitos e créditos seriam compensados fossem administrados pelo mes-
mo órgão estatal, como ocorre hoje em dia com a contribuição previdenciária
e os demais tributos administrados pela RFB (igualdade sistemática);
c) a vedação à compensação também não se sustenta a partir do momento em
que se constata a existência de tratamentos diferenciados a situações mate-
rialmente iguais, uma vez que ao Fisco é garantido o direito de impor ao con-
tribuinte a compensação de créditos de outros tributos com débitos de contri-
buição previdenciária, mas o contribuinte não pode se valer dessa mesma fa-
culdade; e
d) consequentemente, é imprescindível que o Poder Judiciário declare a incons-
titucionalidade do art. 26, parágrafo único, da Lei nº 11.457/2007, por violação
ao princípio da igualdade, e garanta a aplicação do art. 74 da Lei nº 9.430/1996
a todos os tributos administrados pela RFB, sem qualquer limitação.
A Inclusão das Pessoas com Deficiência e
as Problemáticas Isenções do ICMS na
Compra de Veículos Automotores
Francysco Pablo Feitosa Gonçalves
1. Considerações Primeiras
As pessoas com deficiência são um dos grupos vulnerá-
veis que mais sofreram preconceito ao longo da história.1
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
tística - IBGE, cerca de 14,5% da população brasileira pos-
sui alguma deficiência. Vale lembrar que no Censo 2000
havia quase 170 milhões de pessoas habitando o Brasil, nú-
mero que aumentou para mais de 190 milhões, de acordo
com o censo de 2010. Um cálculo simples nos revela que,
hoje, cerca de 27.550.000 pessoas teriam alguma deficiên-
cia no Brasil.2 Isso faz com que essas pessoas sejam “nossa
maior minoria”.3
Mais de 27 milhões e meio de brasileiros com alguma
deficiência e, por conta disso, em condição de vulnerabili-
dade social, lutando pelo reconhecimento e afirmação de
seus direitos. O presente trabalho pretende contribuir para o
debate em torno dos direitos dessas pessoas, abordando o
Direito Tributário e, mais especificamente, analisando os
problemas das isenções do ICMS na compra de veículos
automotores, quando empregadas visando a promoção da
inclusão social das pessoas com deficiência.
Para a consecução desse objetivo, abordaremos breve-
mente as questões referentes à inclusão das pessoas com
deficiência, tentando estabelecer os conceitos e premissas
que nos guiarão na efetiva análise das isenções. Na sequên-
cia, faremos a análise das isenções do ICMS quando da com-
Francysco Pablo
Feitosa Gonçalves 1
Poderíamos trazer inúmeros autores embasando nossa afirmativa. Apenas a título
é Mestre em Direito de exemplo, citamos Damien Hazard, que diz que “a deficiência denota uma longa
pela Universidade história de discriminação e de exclusão” (“Os Direitos das Pessoas Portadoras de
Católica de Deficiência”. In: MOSER, Cláudio; e RECH, Daniel (orgs.). Direitos Humanos no
Pernambuco (Unicap), Brasil. Rio de Janeiro: Ceris, 2003, p. 408) e Nelson Kilpp, para quem “As pessoas
com deficiência talvez tenham sido as mais afetadas por preconceito religioso e
Professor na discriminação social na história da humanidade.” (Espiritualidade e Compromis-
Faculdade Estácio do so. São Leopoldo: Sinodal, 2008, p. 70)
Recife (Estácio - FIR) 2
Cf. http://www.direitoshumanos.gov.br/pessoas-com-deficiencia-1/censo/censo-
e na Faculdade 2010.
3
SANTOS, Wederson Rufino dos. “Pessoas com Deficiência: nossa Maior Minoria”.
Integrada de
Physis: Revista de Saúde Coletiva nº 3. Vol.18. Rio de Janeiro, setembro de 2008.
Pernambuco (Facipe) Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-73312008000300008&
e Advogado. script=sci_arttext.
pra de automóveis, procurando avaliar de forma crítica os problemas práticos que
tais isenções ocasionam, bem como as soluções que a jurisprudência vem dando aos
mesmos.
A forma de abordagem permanece a mesma de trabalhos anteriores que reali-
zamos no Direito Tributário. Continuamos considerando a tributação um fenôme-
no demasiado complexo para ser visto pelo jurista apenas em seu aspecto normati-
vo, devendo considerar, igualmente, os efeitos que ela provoca na sociedade. Nessa
perspectiva, antes de passar ao conteúdo do trabalho propriamente dito, convém re-
gistrar que, diante da complexidade dos temas que estamos abordando, não temos
a menor pretensão de exauri-los em um trabalho tão breve como o presente. Nosso
objetivo é, tão somente, contribuir para o debate em torno deles.
4
ARAUJO, Luiz Alberto David de. A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília: Cor-
de, p. 17.
5
Como exemplos de pessoas eficientes apesar das suas limitações, mencionamos: Stephen Hawking, uma das mentes
mais brilhantes de todos os tempos que, embora praticamente imobilizado, consegue ser extremamente eficiente; a
fiamos quem apresenta os argumentos contrários a questionar seus próprios
(pre)conceitos e, sobretudo, ao quê suas opiniões se vinculam.
Sim, porque nenhum discurso provém de um vácuo social nem é nele proferi-
do.6 Todos os nossos discursos provêm de nossas (pré-)compreensões e são recepcio-
nados pelos nossos interlocutores a partir de suas próprias (pré-)compreensões. Todo
discurso acaba se vinculando a um estado de coisas e pretendemos vincular o nos-
so à causa da inclusão de todas as pessoas, independentemente de suas característi-
cas. É nesse ponto que deixamos a pergunta: será que um discurso que rejeita a de-
ficiência como construção social não é um discurso vinculável ao preconceito e à
exclusão?
Acreditamos, portanto, que a forma mais adequada de compreender a deficiên-
cia é a partir de um modelo social.7 Nesse sentido, se uma sociedade normal e or-
ganizada “é aquela que consegue estabelecer um sistema que, razoável e eficiente-
mente adaptado ao meio físico, também permite aos seus componentes a sobrevi-
vência e o cumprimento das tarefas geralmente entendidas como necessárias, dese-
jáveis ou simplesmente toleradas pelo grupo”,8 então parece razoável contrapor o
modelo social de deficiência a um modelo, também social, de eficiência.
Num mundo povoado por cerca de seis bilhões de pessoas humanas - onde ine-
xistem duas sequer que sejam rigorosamente iguais em tudo - habitando socieda-
des extremamente complexas, parece adequado afirmar que todos são, simultanea-
mente, capazes de fazer determinadas coisas e incapazes de fazer outras. Todos são
deficientes em relação a determinadas coisas e situações, da mesma forma como são
eficientes em relação a outras.
Não por acaso, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Defi-
ciência registra expressamente em seu preâmbulo que os Estados-partes, no ato da
sua assinatura, estavam:
“Reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência re-
sulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras atitudinais e ambientais
que impedem sua plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de oportuni-
dades com as demais pessoas.”9
A partir do que viemos refletindo até o presente momento em relação à questão
da deficiência - um estigma que acaba representando alguma forma de exclusão
qualidade da obra do escritor argentino Jorge Luis Borges parece ter melhorado à medida em que ele perdia a visão;
Tony Meléndez, embora tenha nascido sem braços, é um grande violonista, tocando o instrumento com os pés. Po-
deríamos seguir exemplificando indefinidamente, mas neste momento o próprio leitor provavelmente já deve estar
lembrando de outros tantos casos em que pessoas se mostram eficientes em detrimento de suas deficiências.
6
Essa concepção, evidente a quem tem familiaridade com os estudos da linguagem, às vezes passa despercebida aos
juristas mais formalistas. Para um aprofundamento, recomendamos: COLARES, Virginia (org.). Direito, Linguagem
e Sociedade. Recife: Appodi, 2011, passim, esp. p. 405.
7
Para a reflexão sobre o modelo social em oposição ao modelo médico de deficiência, recomendamos a dissertação
de Cristiane Pasqua Prumes (Ser Deficiente, ser Envelhescente, ser Desejante. Curso de Mestrado em Gerontologia.
São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007, 104 f.).
8
ROSA, Felippe Augusto de Miranda. Patologia Social: uma Introdução ao Estudo da Desorganização Social. Rio
de Janeiro: Zahar, 1978, pp. 28-29.
9
Organização das Nações Unidas. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela Assem-
bleia Geral das Nações Unidas, no dia 6 de dezembro de 2006, através da Resolução A/61/611. Como é notório, a
referida Convenção ingressou no nosso ordenamento com status de Emenda à Constituição.
social -, pela via oposta, concluímos que é exatamente nisso que consiste a inclu-
são, na ideia de se construir uma sociedade apta a receber todas as pessoas, em to-
das as suas especificidades,10 proporcionando a tais pessoas os meios necessários
para que elas possam contribuir eficientemente para a própria sociedade. A cons-
trução dessa sociedade inclusiva passa, necessariamente, por uma reformulação do
nosso modo de pensar a deficiência e das políticas públicas, inclusive tributárias.
Nesse ponto é conveniente trazer mais um excerto da Convenção sobre os Di-
reitos das Pessoas com Deficiência, porquanto os Estados-partes estavam:
“Reconhecendo as valiosas contribuições existentes e potenciais das pessoas com de-
ficiência ao bem-estar comum e à diversidade de suas comunidades, e que a promo-
ção do pleno desfrute, por pessoas com deficiência, de seus direitos humanos e liber-
dades fundamentais e sua plena participação na sociedade resultará na elevação do seu
senso de fazerem parte da sociedade e no significativo avanço do desenvolvimento
humano, social e econômico da sociedade, bem como na erradicação da pobreza.”11
Convém notar que a inclusão, conforme a concebemos, possui íntima ligação
com a ideia de direitos humanos. Qualquer discurso que pregue a universalidade dos
direitos humanos, aliás, vai ser um discurso que direta ou indiretamente trata da
questão da inclusão. A inclusão se vincula, e também com muita intimidade, à de-
mocracia, enquanto valor e enquanto procedimento. João Maurício Adeodato nos
lembra que “As democracias vivem a partir da domesticação da intolerância, pois a
democracia significa inclusão, regras comuns, reconhecimento do outro, fragmen-
tação do poder.”12
Nossa concepção de inclusão, em suma, não pretende ser algo inédito ou ino-
vador, pretende, muito mais, reafirmar os ideais de todos que, anteriormente, defen-
deram a construção de uma sociedade para todos. Dito isso, passamos à análise das
isenções do ICMS.
10
Cf. SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma Sociedade para Todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997.
11
Idem.
12
ADEODATO, João Maurício. “Função Retórica do Direito na Construção das Fronteiras da Tolerância”. In: CAS-
TRO JÚNIOR, Torquato da Silva (coord.). Anuário dos Cursos de Pós-graduação em Direito nº 17, de 2007. Reci-
fe: Edufpe, 2008, p. 11.
rior a dois mil centímetros cúbicos, de no mínimo quatro portas inclusive a de acesso
ao bagageiro, movidos a combustíveis de origem renovável ou sistema reversível de
combustão, quando adquiridos por: (…)
IV - pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou
autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal;
§ 1º Para a concessão do benefício previsto no art. 1º é considerada também pessoa
portadora de deficiência física aquela que apresenta alteração completa ou parcial de
um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função
física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monopa-
resia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputa-
ção ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita
ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para
o desempenho de funções.
§ 2º Para a concessão do benefício previsto no art. 1º é considerada pessoa portadora
de deficiência visual aquela que apresenta acuidade visual igual ou menor que 20/200
(tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior
a 20º, ou ocorrência simultânea de ambas as situações.”13
Interessante perceber que, ao selecionar o que são as deficiências para fins de
concessão da isenção, a norma acaba confirmando a nossa tese de que a deficiência
é uma construção social e uma questão contextual. Nesse caso, para fins de obten-
ção da isenção, o legislador estabelece a fronteira entre a eficiência e a deficiência.
De posse dessas informações, podemos voltar à cláusula primeira do Convênio
ICMS 03/2007. Ela estabelece, em seus parágrafos, uma série de exigências e for-
malidades que são exigidas para a concessão da isenção. Este é um primeiro aspec-
to para o qual temos necessariamente de atentar, a cláusula supratranscrita estabe-
leceu um procedimento burocrático complexo para a concessão do benefício.
Estas referidas exigências e formalidades parecem se destinar a assegurar um
pretenso telos da norma. Melhor explicando, se a isenção tem por finalidade favo-
recer a aquisição de veículos por pessoas com deficiência e, com isso, facilitar a sua
inclusão social, devem existir requisitos e instrumentos de controle a fim de garan-
tir que ela não seja usufruída por pessoas sem deficiência, pessoas que, portanto, não
precisem da isenção em questão. Como exemplo temos o parágrafo 3º, I, “b”, da
cláusula primeira, anteriormente mencionada, que exige a apresentação de laudo de
perícia médica, fornecido pelo Detran do domicílio do interessado, que “discrimi-
ne as características específicas necessárias para que o motorista portador de defi-
ciência física possa dirigir o veículo”.
Por características específicas no veículo, pressupõe-se que o mesmo seja adap-
tado para as pessoas com deficiência. Esta exigência, que à primeira vista parece ser
razoável - quem pode dirigir um veículo normal precisaria da isenção? - pode,
na prática, se tornar injusta. É que as montadoras nem sempre se preocupam em dis-
ponibilizar adaptações para os veículos de acordo com as deficiências reconhecidas
em lei. Além disso, em alguns Estados, são poucas as oficinas que adaptam veícu-
los para pessoas com deficiência. A jurisprudência, entretanto, vem sinalizando no
sentido de que a direção hidráulica ou modificações no câmbio dos veículos pode-
13
Brasil. Lei nº 8.989, de 24 de fevereiro de 1995.
riam ser consideradas adaptações para fins de concessão da isenção. Sobre o tema
separamos a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:
“Tributário. ICMS. Isenção. Motorista com Deficiência Física. Estado da Paraíba.
Enquanto esteve em vigor o Convênio ICMS nº 43/94, o portador de deficiência física
tinha o direito de adquirir um veículo com direção hidráulica e câmbio automático, ou
com a alavanca manual adaptada, sem o pagamento do Imposto sobre Operações Re-
lativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços; já a isenção do Imposto
sobre a Propriedade de Veículos Automotores só aproveita ao portador de deficiência
física se o veículo, de fabricação nacional, foi especialmente adaptado (Lei nº 5.698,
de 29 de dezembro de 1992, do Estado da Paraíba, art. 9º, VII). Recurso ordinário pro-
vido em parte.”14
Outro problema decorre da exigência de que o veículo se destine a ser dirigido
por motorista portador de deficiência física - vide o caput da cláusula anteriormente
mencionada -, sendo exigido inclusive que a pessoa apresente cópia da Carteira
Nacional de Habilitação, sendo feita exceção apenas quando a aquisição do veículo
se destinar à obtenção da referida carteira, nos termos do parágrafo 5º da mesma
cláusula.
Essa exigência, que provavelmente se destina a impedir que pessoas sem defi-
ciência se aproveitem de pessoas com deficiência para adquirir veículos com isen-
ção, eventualmente se torna injusta. Primeiro porque nem sempre é fácil às pessoas
com deficiência, sobretudo as que residem no interior dos Estados, obterem a CNH
- seja por falta de autoescolas com instrutores e veículos adequados, seja pelo fato
de os próprios Departamentos de Trânsito instituírem poucas comissões para ava-
liar tais pessoas.
Além disso, e ainda mais grave, é que pessoas que tenham uma deficiência tão
incapacitante que não possam, elas mesmas, dirigir um automóvel, podem ser pre-
judicadas, na medida em precisem de um. Exemplificando, pensemos em uma pes-
soa com tetraplegia que precise de um automóvel para ir à fisioterapia ou alguém
com deficiência visual total que precise de um automóvel para ser conduzida à es-
cola ou ao trabalho. Em ambos os casos, se a norma que estamos analisando for
aplicada de forma pretensamente literal, o veículo que seria instrumento facilitador
da inclusão será negado a quem mais necessita.
Agora vamos imaginar alguém que, porventura, tenha perdido um dedo de uma
das mãos e que, por conta disso, somente possa guiar um carro que tenha direção
hidráulica. Esse alguém, eventualmente, poderá precisar menos da isenção do que
as pessoas do exemplo anterior e ainda assim obtê-la, ao passo que, se as disposi-
ções do convênio forem seguidas à risca, as pessoas com deficiência que por algu-
ma razão estejam incapacitadas de dirigir não poderiam obter a isenção, por mais
que necessitem dela para ter acesso a uma vida digna.
Desconhecemos qualquer julgado dessa natureza, referente ao ICMS, no âmbi-
to do STJ, havendo, contudo, interessante precedente referente ao IPI:
“Constitucional. Tributário. IPI. Isenção na Compra de Automóveis. Deficiente Fí-
sico Impossibilitado de dirigir. Ação Afirmativa. Lei 8.989/95 Alterada pela Lei nº
10.754/2003. Princípio da Retroatividade da Lex Mitior.
14
RMS 9.051/PB, Rel. Ministro Ari Pargendler, Segunda Turma, julgado em 3.12.1998, DJ de 22.2.1999, p. 88.
1. A ratio legis do benefício fiscal conferido aos deficientes físicos indicia que indefe-
rir requerimento formulado com o fim de adquirir um veículo para que outrem o diri-
ja, à míngua de condições de adaptá-lo, afronta ao fim colimado pelo legislador ao
aprovar a norma visando facilitar a locomoção de pessoa portadora de deficiência fí-
sica, possibilitando-lhe a aquisição de veículo para seu uso, independentemente do
pagamento do IPI. Consectariamente, revela-se inaceitável privar a Recorrente de um
benefício legal que coadjuva às suas razões finais a motivos humanitários, posto de
sabença que os deficientes físicos enfrentam inúmeras dificuldades, tais como o pre-
conceito, a discriminação, a comiseração exagerada, acesso ao mercado de trabalho,
os obstáculos físicos, constatações que conduziram à consagração das denominadas
ações afirmativas, como esta que se pretende empreender.
(...)
12. Recurso especial provido para conceder à recorrente a isenção do IPI nos termos
do art. 1º, § 1º, da Lei nº 8.989/95, com a novel redação dada pela Lei 10.754, de
31.10.2003, na aquisição de automóvel a ser dirigido, em seu prol, por outrem.”15
Se esse precedente não garante que casos semelhantes referentes ao ICMS re-
cebam o mesmo tratamento, ele - assim como o outro anteriormente transcrito - si-
naliza que o STJ é sensível à causa das pessoas com deficiência quando elas se de-
param com a aplicação injusta de uma norma tributária. Nesse ponto, os mais afei-
tos ao formalismo, lembrariam do art. 111 do CTN, que dispõe o seguinte:
“Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II - outorga de isenção;
III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.”
Paulo de Barros Carvalho16 entende que o dispositivo em questão é inócuo e que
não é possível, em virtude da semântica e da pragmática, prescrever uma interpre-
tação meramente literal. Não há texto sem contexto e uma norma não pode ser pen-
sada isoladamente em detrimento do restante da ordem jurídica, principalmente em
detrimento das normas hierarquicamente superiores.
Acrescentamos que as isenções tributárias devem ser interpretadas em conso-
nância com a Constituição Federal assim como, da mesma forma, o próprio art. 111
também deve ser compreendido à luz da Constituição. Desse modo, qualquer inter-
pretação pretensamente literal de leis tributárias - no que estas se refiram à suspen-
são ou exclusão do crédito tributário, à dispensa do cumprimento de obrigações tri-
butárias acessórias, ou à outorga de isenção - não pode levar a uma afronta à Cons-
tituição.17
Voltando ao ICMS, e em diálogo com as questões referentes à problemática da
interpretação, os Tribunais de Justiça estaduais e os juízos de primeira instância
contêm farta jurisprudência no sentido de conceder a isenção às pessoas com defi-
ciência impossibilitadas de dirigir. A título de exemplo, citamos, pelo seu teor, a
seguinte decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
15
REsp 567.873/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 10.2.2004, DJ de 25.2.2004, p. 120.
16
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
17
Uma forma interessante de problematizar essa busca por uma interpretação literal seria a partir das questões da tex-
tura aberta da linguagem e da pré-compreensão. São reflexões que intencionamos desenvolver em outras ocasiões.
“Ementa: Remessa oficial e apelação cível voluntária. Ação de mandado de seguran-
ça. Deficiência visual. Lei estadual nº 15.757, de 2005. Isenção de ICMS. Admissibi-
lidade. Segurança concedida. Sentença confirmada. 1. A Lei estadual nº 15.757, de
2005, autoriza o Poder Executivo a isentar do ICMS a aquisição de veículo automotor
por pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda e au-
tistas. 2. A lei tributária não admite interpretação extensiva. A tipicidade do tributo, em
face do nosso sistema constitucional, congrega o concurso da Constituição, das leis
complementares e das leis ordinárias. O perfil típico de um tributo é normativo, para
atingi-lo é necessário o exame de várias leis, inclusive das que concedem isenções. 3.
O Estado deve propiciar meios que atenuem a carência de oportunidades dos deficientes
físicos e visuais. 4. Deve preponderar o princípio da proteção aos deficientes, porque
os interesses sociais mais relevantes devem prevalecer sobre os interesses econômicos
menos significantes. 5. Assim, a Lei estadual nº 15.757, de 2005, que é mais abran-
gente, deve ser interpretada em conjunto com o Convênio Confaz nº 3, de 2007, para
conceder a isenção de ICMS às pessoas mencionadas. 6. Remessa oficial a apelação
voluntária conhecidas. 7. Sentença que concedeu a segurança confirmada em reexa-
me necessário, prejudicado o recurso voluntário.”18
Como já foi registrado, entendemos que não conceder a isenção às pessoas com
deficiência que não podem guiar automóvel poderá consistir - e em regra consistirá
- em uma discriminação injusta. Resta, entretanto, o problema do controle para que
as isenções sejam concedidas apenas em benefício das pessoas com deficiência, e
sobre isso temos algumas ponderações a fazer.
Claro que não estamos nos referindo apenas ao controle realizado pelo Judiciá-
rio, quando as isenções forem negadas, até porque, temos alguma ressalva à judi-
cialização excessiva de questões políticas. Temos de observar que a dependência ex-
clusiva do Judiciário pode representar uma demora e um desgaste desnecessário a
quem precisa das isenções; além disso, acreditamos que podem existir alternativas
mais coerentes e eficazes, que tornam desnecessárias as medidas discriminatórias
e injustas de que já tratamos.
Se tais medidas e exigências - que, na prática, podem resultar em verdadeiras
políticas de exclusão - se destinam a evitar fraudes e irregularidades na concessão
da isenção, primeiramente temos que considerar que não se pode simplesmente pre-
sumir que todas as pessoas sem deficiência irão tentar adquirir a isenção em ques-
18
Número do processo 1.0702.07.383858-4/001(1), numeração única 3838584-05.2007.8.13.0702, Relator Caetano
Levi Lopes, data do julgamento 2.12.2008, data da publicação 9.1.2009.
Do mesmo Tribunal, apresentamos também o seguinte julgado, tornando mais justa a concessão das isenções do
ICMS: “Ementa: Mandado de Segurança - Aquisição de Veículo por Menor, Portador de Paralisia Cerebral - Lei
Estadual nº 15.757/2005 - Isenção de ICMS - Admissibilidade. Cabe ao Estado propiciar condições hábeis de forma
a atenuar a carência dos deficientes físicos, preponderando o princípio da sua proteção, pois os interesses sociais mais
relevantes devem prevalecer sobre os interesses econômicos de menor significado. A Lei Estadual nº 15.757/2005
deve ser interpretada em conjunto com o Convênio Confaz nº 03/2007, admitindo a isenção de ICMS para as pes-
soas ali mencionadas. Se a própria lei admite que um portador de paralisia cerebral, sem nenhuma condição de diri-
gir veículo possa adquiri-lo com redução da carga tributária, é inadmissível que se indefira o pedido por falta de amparo
legal. Negar tal direito é criar exclusão social das mais severas. Súmula: confirmaram a Sentença, no Reexame Ne-
cessário, Vencido o Relator.” (Número do processo 1.0105.08.272840-0/001(1), numeração única: 2728400-
10.2008.8.13.0105, Relator Edivaldo George dos Santos, data do julgamento 15.9.2009, data da publicação
27.11.2009)
tão nem, muito menos, podemos sequer supor que as pessoas com deficiência irão
compactuar com tal aquisição indevida. Em suma, não podemos supor, simplesmen-
te, que todas as pessoas estão interessadas em fraudar o benefício.
A segunda é que, mesmo em relação à minoria que poderia tentar obter o bene-
fício indevidamente, é possível controlar a aquisição e o uso do automóvel em be-
nefício das pessoas com deficiência sem recorrer a requisitos que na prática obsta-
culizem e segreguem pessoas que estejam impossibilitadas de dirigir. Algumas das
cláusulas seguintes do Convênio ICMS 03/2007, aliás já se prestam a esse controle:
“Cláusula segunda: O adquirente deverá recolher o imposto, com atualização monetá-
ria e acréscimos legais, a contar da data da aquisição constante no documento fiscal
de venda, nos termos da legislação vigente e sem prejuízo das sanções penais cabíveis,
na hipótese de:
I - transmissão do veículo, a qualquer título, dentro do prazo de 3 (três) anos da data
da aquisição, a pessoa que não faça jus ao mesmo tratamento fiscal;
II - modificação das características do veículo, para lhe retirar o caráter de especial-
mente adaptado;
III - emprego do veículo em finalidade que não seja a que justificou a isenção;
IV - não atender ao disposto no § 8º da cláusula primeira.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso I desta cláusula nas hipóteses de:
I - transmissão para a seguradora nos casos de roubo, furto ou perda total do veículo;
II - transmissão do veículo em virtude do falecimento do beneficiário;
III - alienação fiduciária em garantia.
Cláusula terceira: O estabelecimento que efetuar a operação isenta deverá fazer cons-
tar no documento fiscal de venda do veículo:
I - o número de inscrição do adquirente no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério
da Fazenda - CPF;
II - o valor correspondente ao imposto não recolhido;
III - as declarações de que:
a) a operação é isenta de ICMS nos termos deste convênio;
b) nos primeiros 3 (três) anos, contados da data da aquisição, o veículo não poderá ser
alienado sem autorização do fisco.”
Além disso, diversas outras medidas poderiam ser tomadas para o controle e
coerção de eventuais fraudes na venda e utilização dos veículos destinados a pes-
soas com deficiência. Uma primeira medida possível - e extrema - seria tipificar es-
pecificamente a fraude em questão.19 Outras medidas possíveis, e diga-se de passa-
gem tão simples como viáveis, seriam o registro nos documentos do veículo da des-
tinação a que ele se presta, desde eventual registro na nota fiscal, até nos certifica-
dos de registro e de licenciamento, bem como registro na CNH daquele que conduz
o veículo da pessoa com deficiência - a exemplo, aliás, da observação que já é feita
na CNH das pessoas com deficiência. Enfim, existem várias possibilidades, penais
e administrativas, que seriam mais efetivas do que as medidas discriminatórias pre-
sentes na cláusula primeira do Convênio ICMS 03/2007.
19
A rigor, dependendo de como se proceda para obter indevidamente a isenção em questão, estar-se-á incorrendo num
dos tipos previstos na Lei nº 8.137/1990, definidora dos crimes contra a ordem tributária. Quando falamos em tipifi-
car, nos referimos à criação de infração, penal se for o caso, com atribuição de sanção severa aos fraudadores às isen-
ções do ICMS concedidas às pessoas com deficiência, criminalização esta que, a nosso ver, poderia se prestar à pro-
teção de tais pessoas.
4. Considerações Finais
Nas linhas anteriores do presente trabalho apresentamos brevemente a nossa
compreensão do que é deficiência e inclusão social, e procuramos defender, sobre-
tudo, a concepção de inclusão enquanto construção de uma sociedade para todos.
Posteriormente, analisamos as isenções do ICMS direcionadas à aquisição de veí-
culos automotores por pessoas com deficiência, e tivemos a oportunidade de verifi-
car alguns problemas referentes às normas isentivas e sua aplicação, bem como a
sua correção pelo Judiciário.
Aproveitamos para relembrar que os temas abordados não foram aqui exauri-
dos e permanecem merecendo outros estudos, por exemplo, no que concerne à re-
lação entre isenção e seletividade, à isenção de outros bens que promovam a inclu-
são da pessoa com deficiência, às próprias questões relativas à deficiência, teorias
da isenção e da interpretação tributária etc. São temas que pretendemos retomar no
futuro mas que, sobretudo, gostaríamos de ver abordados por outros estudiosos do
Direito Tributário. As questões relacionadas ao potencial inclusivo da política tri-
butária, sobretudo, não nos parece ter despertado o devido interesse dos estudiosos
da matéria.
Para encerrar, lembramos que no início do presente trabalho trouxemos o registro
de que 14,5% da população brasileira possui alguma deficiência, um número con-
siderável de brasileiros. Quantas destas pessoas teriam uma vida mais digna se pu-
dessem adquirir um veículo automotor? Quantas deixam de fazê-lo em decorrência
da aplicação equivocada da cláusula primeira anteriormente transcrita? Não temos
como responder a estas perguntas, mas estamos convencidos de que elas merecem
ser refletidas. Se parece haver um consenso no sentido de que a política tributária
brasileira deve ser revista, gostaríamos de acrescentar mais uma variável à equação:
a política tributária brasileira deveria ser mais inclusiva.
O Princípio da Legalidade como Limitação
Constitucional ao Poder de tributar
Hugo de Brito Machado
1. Introdução
Temos afirmado repetidas vezes que o Direito é um sis-
tema de limites do poder. E o poder de tributar é inerente ao
Estado, pois, nas palavras de Aliomar Baleeiro, “o tributo é
vetusta e fiel sombra do poder político há mais de 20 sécu-
los. Onde se ergue um governante, ela se projeta sobre o solo
de sua dominação. Inúmeros testemunhos, desde a Antigüi-
dade até hoje, excluem qualquer dúvida.”1 Assim, podemos
afirmar que o poder de tributar sempre foi exercido, sem lei
ou nos termos desta.
Com o surgimento e a evolução dos sistemas jurídicos,
então, podemos afirmar com segurança que o Direito funcio-
na como um sistema de limites e que as regras jurídicas que
cuidam da tributação constituem limitações ao poder de tri-
butar. Entretanto, neste estudo, tal expressão tem um senti-
do restrito. Abrange apenas as regras jurídicas que estão em
nossa Constituição Federal, que ao tratar da Tributação e do
Orçamento, tem um capítulo dispondo sobre o Sistema Tri-
butário Nacional, dividido em seções, a segunda das quais
trata das Limitações do Poder de tributar. Assim, as limita-
ções ao poder de tributar, às quais aqui nos referimos, são so-
mente aquelas que estão nos arts. 150 a 152, da vigente
Constituição Federal, que compõem a seção em referência.
Entre essas limitações encontra-se o denominado prin-
cípio da legalidade tributária, expresso no art. 150, inciso I,
segundo o qual “sem prejuízo de outras garantias assegura-
das ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Dis-
trito Federal e aos Municípios, exigir ou aumentar tributo
sem lei que o estabeleça”.
Começaremos estudando a distinção entre princípio e
norma. Em seguida examinaremos os significados e a ori-
gem do princípio da legalidade, a distinção entre legalidade
e tipicidade, para finalmente examinarmos o princípio da
Hugo de Brito legalidade tributária como foi posto nas constituições brasi-
Machado leiras.
é Professor Titular de
Direito Tributário da
UFC e Presidente do
Instituto Cearense de 1
Aliomar Baleeiro, Limitações Constitucionais ao Poder de tributar, 7ª edição, Rio
Estudos Tributários. de Janeiro, Forense, 1997, p. 1.
2. O Princípio da Legalidade
2.1. O princípio e a norma
Constitui ponto pacífico, atualmente, a assertiva segundo a qual a relação de tri-
butação é uma relação jurídica e não uma relação simplesmente de poder. Assim,
submetida que está a relação de tributação ao disciplinamento jurídico, tem-se que
examinar, em primeiro plano, as prescrições jurídicas mais importantes no discipli-
namento dessa relação, as quais são geralmente designadas como princípios jurídi-
cos da tributação.
Não há, é certo, consenso doutrinário em torno da questão de saber o que é um
princípio jurídico. Terá o princípio a mesma natureza da norma?
A resposta evidentemente varia, de acordo com a postura jusfilosófica de cada
um. Para os jusnaturalistas, não obstante divididos estes em várias correntes, é pos-
sível afirmar-se que os princípios jurídicos constituem o fundamento do Direito
Positivo. Neste sentido, portanto, o princípio é algo que integra o chamado Direito
Natural. Para os positivistas, o princípio jurídico nada mais é do que uma norma
jurídica. Não uma norma jurídica qualquer, mas uma norma que se distingue das
demais pela importância que tem no sistema jurídico. Essa importância decorre de
ser o princípio uma norma dotada de grande abrangência, vale dizer, de universali-
dade, e de perenidade. Os princípios jurídicos constituem, por isto mesmo, a estru-
tura do sistema jurídico. São os princípios jurídicos os vetores do sistema. Daí por
que, no dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello, desobedecer a um princípio é
muito mais grave do que desobedecer a uma simples norma.
Por isto mesmo o princípio jurídico tem grande importância como diretriz para
o hermeneuta. Na valoração e na aplicação dos princípios jurídicos é que o jurista
se distingue do leigo que tenta interpretar a norma jurídica com conhecimento sim-
plesmente empírico.
Doutrina Souto Borges, com inteira propriedade:
“Ora, a violação de um princípio constitucional importa em ruptura da própria Cons-
tituição, representando por isso mesmo uma inconstitucionalidade de conseqüências
muito mais graves do que a violação de uma simples norma, mesmo constitucional.
A doutrina vem insistindo na acentuação da importância dos princípios para iluminar
a exegese dos mandamentos constitucionais.
Salientou, com propriedade e clareza, jovem mestre paulista, (refere-se a Celso Antô-
nio Bandeira de Mello, como se vê da nota de rodapé, nº 9) que o princípio deve ser
entendido como a disposição expressa ou implícita, de natureza categorial em um sis-
tema, pelo que conforma o sentido das normas interpretadas em uma dada ordenação
jurídica. E mais: que o princípio é um mandamento nuclear de um sistema, verdadei-
ro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, com-
pondo-lhes o espírito e servindo de critério para a exata compreensão e inteligência
delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, con-
ferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico, donde poder concluir-se pela rele-
vância do princípio e da sua supremacia até sobre as próprias normas constitucionais.
Por todas as considerações antecedentes, impõe-se a conclusão pela eficácia eminente
dos princípios na interpretação das normas constitucionais. É o princípio que ilumi-
nará a inteligência da simples norma; que esclarecerá o conteúdo e os limites da eficá-
cia de normas constitucionais esparsas, as quais têm que harmonizar-se com ele.”2
2
José Souto Maior Borges, Lei Complementar Tributária, São Paulo, RT, 1975, pp. 13/14.
É relevante notar que a concepção jusnaturalista de princípio jurídico não ex-
clui e em nada prejudica a concepção positivista. A questão que se pode colocar é a
de saber se um princípio, como, por exemplo, o princípio da capacidade contributi-
va, há de ser observado, ou não, pelo legislador tributário, mesmo que não conste
da Constituição. Parece-nos que essa não é bem uma questão específica do Direito
Tributário, mas uma questão situada no âmbito da Filosofia do Direito, exatamente
a mesma questão de saber se existem, ou não, normas de Direito Natural, cuja in-
vocação é possível utilmente, tenham sido, ou não, consagradas pelo Direito Posi-
tivo.
O exame dessa questão, no plano da Filosofia do Direito, evidentemente não se
comporta nos estreitos limites destes comentários, de sorte que não a enfrentaremos,
embora a consideremos de notável importância, e sobre ela se tenha de adotar uma
posição em qualquer estudo jurídico, com ou sem fundamentação explícita.
Examinaremos a seguir o princípio da legalidade da tributação.
3
Cf. Victor Uckmar, Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário, São Paulo, RT, 1976, pp. 9/20.
4
Cf. Fábio Fanucchi, Curso de Direito Tributário Brasileiro, vol. I, São Paulo, coedição Ibet/Resenha Tributária, 1986,
p. 54.
5
Cláudio Pacheco, Tratado das Constituições Brasileiras, vol. III, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1965, p. 393.
6
Cláudio Pacheco, Tratado das Constituições Brasileiras, vol. III, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1965, p. 393.
po das imposições fiscais, quando ainda não era bem patente sua finalidade de inte-
resse público e saíam a cobrá-las a ordem e agentes de soberanos que precisavam de
recursos para seus confortos, seus luxos, suas ostentações, para a realização de seus
interesses dinásticos e para as suas guerras de pendor pessoal ou de conquista”.7
Alberto Xavier, fugindo embora à abordagem do tema das origens históricas do
princípio da legalidade, assevera que o mesmo
“surgiu ligado à idéia de que os impostos só podem ser criados através das assembléias
representativas e, portanto, à idéia de sacrifício coletivamente consentido, ou seja, à
autotributação”.8
O princípio da legalidade, outrossim, é a forma de preservação da segurança.
Ainda que a lei não represente a vontade do povo, e por isto não se possa afirmar
que o tributo é consentido por ter sido instituído em lei, ainda assim, tem-se que o
ser instituído em lei garante maior grau de segurança nas relações jurídicas.
Adotado o princípio da legalidade, pode-se afirmar, pelo menos, que a relação
de tributação não é uma relação simplesmente de poder, mas uma relação jurídica.
Isto evidentemente não basta, mas é alguma coisa, menos ruim que o arbítrio. Não
garante que o tributo seja consentido, mas preserva de algum modo a segurança.
É oportuno lembrar a diferença que existe entre uma relação simplesmente de
poder e uma relação jurídica. A relação simplesmente de poder nasce, desenvolve-
se e se extingue sem qualquer ligação com normas, enquanto a relação jurídica nas-
ce, desenvolve-se e se extingue nos termos das previsões normativas. Quem atua
numa relação simplesmente de poder não se submete a nenhuma norma. Submete-
se somente às limitações não normativas, tais como as de ordem física, psicológi-
ca, moral, religiosa, mas não se submete a nenhum limite decorrente de norma ju-
rídica. Quem atua numa relação jurídica, diversamente, está submetido a normas.
Submete-se a todas as limitações normativas.
Reportando-se à relação tributária como relação jurídica, Rubén O. Asorey en-
sina, com inteira propriedade:
“El Derecho tributario debe, en forma substancial, su desarrollo y evolución al esque-
ma esencial de la relación jurídica tributaria. Los enfoques dinámicos o procedimen-
talistas aparecidos a partir de la década del sesenta no pudieron relativizar el papel
transcendental de esa relación dentro de la teoria general del Derecho tributario.
Esse núcleo esencial, objeto de los más profundos análisis y disquisiciones intelectua-
les, permitió la incorporación legislativa de la juridicidad de tales desarrollos dogmá-
ticos, convirtiendo en anatema el principio de subordinación del administrado a un
poder estatal situado en un plano superior y consagrando la plena sumisión de los dos
sujetos de la relación al mismo plano de igualdad.”9
É certo que as limitações normativas constituem limites do dever ser. Por isto
mesmo às vezes não são respeitadas, mas isto não retira o caráter jurídico da rela-
ção. Pelo contrário, a não observância da norma que disciplina a relação ressalta o
7
Cláudio Pacheco, Tratado das Constituições Brasileiras, vol. III, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1965, p. 393.
8
Alberto Xavier, Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação, São Paulo, RT, 1978, p. 7.
9
Rubén O. Asorey, “Protección Constitucional de los Contribuyentes frente a la Arbitrariedad de las Administracio-
nes Tributarias”, Protección Constitucional de los Contribuyentes, livro de autoria coletiva, dirigido pelo referido
autor, Madrid/Barcelona, Educa/Marcial Pons, 2000, p. 25.
caráter jurídico desta na medida em que faz presente a possibilidade de sanção. A
relação é jurídica precisamente porque os atos que na mesma estão envolvidos de-
vem ser praticados com observância das normas que a regulam.
A distância entre o que deve ser, segundo a Constituição, e o que na verdade é
na prática da relação tributária, é uma questão de eficácia da Constituição que, como
a questão da eficácia das normas jurídicas em geral, depende da crença que nelas
se tenha. Infelizmente a conduta das autoridades em geral contribui para a descren-
ça, mas temos de lutar contra isto e o caminho nos é oferecido pelo próprio ordena-
mento jurídico. Na medida em que um número maior de pessoas passa a utilizar-se
dos instrumentos de defesa de seus direitos a eficácia da ordem jurídica tende a se
fortalecer.
10
José Luis Pérez de Ayala, Montesquieu y el Derecho Tributario Moderno, Madri, Dykinson, 2001, p. 49.
11
Eusébio González Garcia, “Principio de Legalidad Tributaria en La Constitución de 1978”, Seis Estudios sobre De-
recho Constitucional e Internacional Tributario, Madri, Editorial de Derecho Financiero, 1980, pp. 62/63.
adotado, e não para regular em sua totalidade os elementos fundamentais do tribu-
to, ou no sentido de reserva legal, vale dizer, no sentido de que só a lei pode regular
os elementos fundamentais do tributo. Essa reserva legal, por seu turno, divide-se
em reserva absoluta, e reserva relativa. Para ele, a doutrina que tem estudado o prin-
cípio da reserva está sempre de acordo, com algumas exceções, em que sempre que
se exige lei para criar um tributo, na verdade não se exige que a lei regule todos os
elementos do tributo, mas apenas os essenciais, como os sujeitos da relação e o seu
fato gerador, não tendo de ser precisa a regulação de outros elementos, como, por
exemplo, a base de cálculo e a alíquota.12
Dejalma de Campos esclarece, com inteira propriedade, que o princípio da le-
galidade há de ser examinado tanto em razão da fonte produtora de normas, como
em razão do grau de determinação da conduta. Em razão da fonte produtora das
normas, tem-se uma reserva de lei material, e uma reserva de lei formal. No primeiro
caso, “basta simplesmente que a conduta da Administração seja autorizada por qual-
quer norma geral e abstrata, podendo ser tanto uma norma constitucional, ordinária
ou mesmo um regulamento”. Já no segundo caso, é “necessário que o fundamento
legal do executivo seja uma norma emanada do legislativo”. Por outro lado, no que
pertine ao grau de determinação da conduta, tem-se a reserva legal absoluta, e a re-
serva legal relativa, conforme esteja a conduta da Administração inteiramente esta-
belecida na lei, ou apenas nesta tenha fundamento, podendo desenvolver-se com
relativa liberdade.13
Como geralmente acontece com as divergências em temas jurídicos, a questão
essencial também aqui reside nos conceitos. Aqui a verdadeira questão está na de-
terminação do significado da palavra lei, e da expressão criar ou aumentar tributo.
Sabendo-se o que significa a palavra lei tem-se resolvida a questão de saber se a
reserva legal há de ser simplesmente material, ou também formal. Sabendo-se o que
quer dizer criar ou aumentar um tributo tem-se resolvida a questão de saber se a
reserva legal há de ser relativa ou absoluta. Em face da importância dessas questões,
voltaremos a elas mais adiante.
Há quem se oponha à prevalência do princípio da legalidade absoluta, com o
argumento segundo o qual esse princípio impede a utilização de instrumentos de
política econômica, embaraçando o desenvolvimento. Tal argumento é falso. “O
princípio da legalidade, como reserva absoluta de lei, não só não se revela incom-
patível com as modernas políticas econômicas, como é o que melhor se coaduna com
os princípios em que assenta uma livre economia de mercado.”14
Não se pode confundir medidas de política econômica com improvisações, posto
que as primeiras caracterizam-se pelo planejamento, enquanto estas últimas carac-
terizam-se pela ausência deste, revelada muita vez pelos retrocessos, pelas mudan-
ças bruscas, que incutem no empresário a insegurança inibidora de suas iniciativas.
12
Eusébio González Garcia, “Principio de Legalidad Tributaria en La Constitución de 1978”, Seis Estudios sobre De-
recho Constitucional e Internacional Tributario, Madri, Editorial de Derecho Financiero, 1980, pp. 63/64.
13
Dejalma de Campos, “O Princípio da Legalidade no Direito Tributário”, Caderno de Pesquisas Tributárias, São Paulo,
Ceeu/Resenha Tributária, 1981, pp. 217/219.
14
Alberto Xavier, Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação, São Paulo, RT, 1978, p. 53.
Como assevera Alberto Xavier, com apoio em Nissen e Sainz de Bujanda,
“a livre iniciativa exerce-se através de planos econômicos elaborados pelos empresá-
rios para um dado período e nos quais se realiza uma previsão, mais ou menos empíri-
ca, dos custos da produção, do volume dos investimentos adequados à obtenção de dado
produto e da capacidade de absorção do mercado. Tal previsão não pode deixar de
assentar na presunção de um mínimo de condições de estabilidade, dentro do que a
normal margem de riscos e incertezas razoavelmente comporte para o horizonte de
planejamento a que respeita. O planejamento empresarial, por que a iniciativa privada
se concretiza, supõe assim uma possibilidade de previsão objetiva e esta exige, por seu
turno, uma segurança quanto aos elementos que a afetam. É sabido que o volume dos
tributos - dado o papel que assumem na economia global - representa para a empresa
não só elevada percentagem dos seus custos de produção, como determina as disponi-
bilidades que, no mercado representam procura para os seus produtos. Um sistema que
autorize a Administração a criar tributos ou a alterar os elementos essenciais de tribu-
tos já existentes, viria do mesmo passo a criar condições adicionais de insegurança
jurídica e econômica, obrigando a uma constante revisão dos planos individuais, à qual
a livre iniciativa não poderia resistir. Pelo contrário, um sistema alicerçado numa re-
serva absoluta de lei em matéria de impostos confere aos sujeitos econômicos a capa-
cidade de prever objetivamente os seus encargos tributários, dando assim as indispen-
sáveis garantias requeridas por uma iniciativa econômica livre e responsável.”15
15
Alberto Xavier, Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação, São Paulo, RT, 1978, pp. 53/54.
16
Cf. Cláudio Pacheco, Tratado das Constituições Brasileiras, vol. XI, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1965, p. 267.
17
Constituição de 1891, art. 72, parágrafo 30.
18
Constituição de 1934, art. 17, inciso VII.
19
Constituição de 1937, art. 13.
20
Constituição de 1946, art. 141, parágrafo 34.
21
Emenda Constitucional nº 18, art. 2º, inciso I.
impostos sobre o comércio exterior (importação e exportação), e o imposto sobre
operações financeiras, podiam ter suas alíquotas e bases de cálculo alteradas, nas
condições e nos limites estabelecidos em lei, por ato do Poder Executivo.22
A Constituição de 1967, que regulou pela primeira vez em capítulo específico
o sistema tributário, incorporando normas da Emenda Constitucional nº 18/1965,
estabeleceu como limitação constitucional da competência tributária da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o princípio da legalidade, ao dispor
que a tais pessoas é vedado instituir ou aumentar tributo sem que a lei estabeleça,
ressalvados os casos nela previstos.23 Tais ressalvas dizem respeito aos impostos
sobre o comércio exterior, e ao imposto sobre operações financeiras, relativamente
aos quais tinha o Poder Executivo a faculdade de alterar as alíquotas e bases de cál-
culo, nas condições e nos limites estabelecidos em lei,24 pelas razões que adiante
examinaremos. Além disto, reproduziu, entre os direitos e garantias individuais, o
dispositivo da Constituição de 1946 segundo o qual nenhum tributo será exigido ou
aumentado sem que a lei o estabeleça.25
A Emenda Constitucional nº 1, de 1969, manteve o dispositivo vedando à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, instituir ou aumentar tributo sem
que a lei o estabeleça, com as ressalvas nela previstas, as quais, reguladas agora
mediante técnica legislativa diversa, eis que mencionadas nos próprios dispositivos
definidores da competência da União, passaram a abranger, além dos impostos so-
bre o comércio exterior, o Imposto sobre Produtos Industrializados,26 deixando, to-
davia, de abranger o imposto sobre operações financeiras.27 Manteve, outrossim,
entre os direitos e garantias individuais, o dispositivo pelo qual nenhum tributo será
exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça.28
22
Emenda Constitucional nº 18, arts. 7º, parágrafo 1º, e 14, parágrafo 1º.
23
Constituição de 1967, art. 20, inciso I.
24
Constituição de 1967, art. 22, parágrafo 2º.
25
Constituição de 1967, art. 150, parágrafo 29.
26
Constituição de 1969, art. 21, incisos I, II e V.
27
Constituição de 1969, art. 21, inciso VI.
28
Constituição de 1969, art. 153, parágrafo 29.
29
Constituição Federal de 1988, art. 49, inciso V.
b) a que revoga, a partir de 180 dias da promulgação da Constituição, sujeito
este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou
deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constitui-
ção ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a ação normativa.30 Por
outro lado, também fortaleceram o princípio da legalidade tributária o fato de
haver sido proibida a delegação de competência na matéria reservada à lei com-
plementar31 e o fato de haver deixado de ser da competência privativa do Pre-
sidente da República a iniciativa das leis sobre matéria tributária. Na verdade,
só restou na competência privativa do Presidente da República a iniciativa das
leis em matéria tributária relativamente aos Territórios.32
Registre-se que o princípio da legalidade tributária sofre restrições a seu alcan-
ce. Não no que pertine à instituição dos tributos, que somente por lei pode ocorrer,
mas quanto à majoração destes, em certos casos. Majoração que somente nos limi-
tes e nas condições fixados em lei poderá ocorrer.
Nestes termos, as restrições ao princípio da legalidade são as mencionadas no
parágrafo 1º do art. 153, que faculta ao Poder Executivo, atendidas as condições e
os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos sobre: (a) impor-
tação de produtos estrangeiros; (b) exportação, para o exterior, de produtos nacio-
nais ou nacionalizados; (c) produtos industrializados; e (d) operações de crédito,
câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários. E ainda, aquelas re-
lativas às contribuições de intervenção no domínio econômico, decorrentes do pa-
rágrafo 4º, inserido no art. 177 da Constituição pela Emenda nº 33, de 11 de dezem-
bro de 2001.
Destaque-se que essa faculdade concedida ao Poder Executivo refere-se apenas
a alíquotas. Na Constituição anterior ela compreendia também a alteração das ba-
ses de cálculo. Aliás, desde a Emenda nº 18 à Constituição de 1946, foi atribuída
ao Poder Executivo a faculdade de alterar as alíquotas e as bases de cálculo de al-
guns impostos, que por isto mesmo passaram a ser conhecidos como impostos fle-
xíveis. Na vigência da referida Emenda, com fundamento na qual foi elaborado o
Código Tributário Nacional, eram flexíveis os impostos de importação, de exporta-
ção (art. 7º, parágrafo 1º), e sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relati-
vas a títulos ou valores mobiliários (art. 14, parágrafo 1º). Não o imposto sobre pro-
dutos industrializados. Com a Constituição de 1967, passou a ser flexível o impos-
to sobre produtos industrializados, mas perdeu essa qualificação o imposto sobre
operações de crédito, câmbio e seguro ou relativa a títulos e valores mobiliários.
Com a Emenda nº 1, de 1969, tornaram-se flexíveis esses quatro impostos.
Não se há de confundir as restrições ao princípio da legalidade com as exceções
ao princípio da anterioridade. As primeiras estão previstas no parágrafo 1º do art.
153, enquanto as últimas estão estabelecidas no parágrafo 1º do art. 150. Realmen-
te, ao formular exceção ao princípio da legalidade, a norma do parágrafo 1º do art.
153, facultou aumentos de impostos por instrumento diverso da lei. O elemento re-
30
Art. 25, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
31
Constituição Federal de 1988, art. 68, parágrafo 1º.
32
Constituição Federal de 1988, art. 61, parágrafo 1º, inciso II, letra “b”.
levante, nessa norma considerado, foi o instrumento, e não o tempo. Já a norma do
parágrafo 1º do art. 150, ao formular exceção ao princípio da anterioridade, afastou
exigência relativa ao tempo, vedou a cobrança do tributo no mesmo exercício em que
tenha sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou.
Destaque-se que o imposto extraordinário de guerra não figura como exceção
ao princípio da legalidade, o que reforça o entendimento por nós há muito tempo
sustentado de que ele pode ser instituído por medida provisória. Figura, todavia,
entre as exceções ao princípio da anterioridade, posto que as próprias circunstân-
cias que autorizam sua instituição indicam sua incompatibilidade com tal princí-
pio.
É importante notar que a Constituição Federal de 1988, ao estabelecer a possi-
bilidade da adoção de medidas provisórias, pelo Presidente da República, corrigiu
o defeito técnico consistente na falta de previsão da forma de instituição do impos-
to extraordinário de guerra e do empréstimo compulsório para atender a despesas
extraordinárias decorrentes de guerra externa ou calamidade pública. As Constitui-
ções anteriores eram omissas neste ponto. É certo que, na vigência da Constituição
anterior, já o problema encontrava solução na possibilidade de edição de decreto-
lei pelo Presidente da República. De todo modo, a fórmula adotada pela Constitui-
ção de 1988 é tecnicamente mais adequada.
Realmente, a situação de guerra externa, ou sua iminência, é exemplo típico de
situação que justifica o uso, pelo Presidente da República, de sua competência para
editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62 da vigente Cons-
tituição.
A faculdade atribuída ao Poder Executivo, de alterar as alíquotas dos mencio-
nados impostos, não consubstancia poder discricionário. O ato pelo qual é exerci-
tada é plenamente vinculado, posto que deve ser praticado “atendidas as condições
e os limites estabelecidos em lei”. Primeiro, é preciso que a lei estabeleça as condi-
ções que ensejam modificação de alíquotas e determine os limites dentro dos quais
essa alteração é admitida. Sem lei, o Poder Executivo não poderá exercer a facul-
dade em referência.
Prescrição de Créditos Escriturais
Iuri Engel Francescutti
Iuri Engel
Francescutti 1
REsp nº 1.178.930/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em
é Advogado. 20.5.2010, DJe de 31.5.2010.
“Tendo por fim extinguir as ações, ela foi criada como medida de ordem pública, para
que a instabilidade do direito não viesse a perpetuar-se, com sacrifício da harmonia so-
cial, que é a base fundamental do equilíbrio sobre que se assenta a ordem pública.
O não cumprimento de uma obrigação, a ameaça ou violação de um direito, são esta-
dos antijurídicos que perturbam a harmonia social, e a ação foi instituída como meio
reintegratório dessa harmonia, fazendo cessar o desequilíbrio provocado pela ofensa
ao direito. Se o titular deste, porém, se conserva inativo, deixando de protegê-lo pela
ação, e cooperando, assim, para a permanência do desequilíbrio antijurídico, ao Esta-
do compete remover essa situação e restabelecer o equilíbrio, por uma providência que
corrija a inércia do titular do direito. E essa providência de ordem pública foi que o
Estado teve em vista e procurou realizar pela prescrição, tornando a ação inoperante,
declarando-a extinta, e privando o titular, por essa forma, de seu direito, como justa
consequência de sua prolongada inércia, e, por esse meio, restabelecendo a estabili-
dade do direito, pela cessação de sua incerteza.”2
Algumas exceções a essa regra estão expressamente previstas na Constituição
Federal, como a ação de ressarcimento ao Erário3, o crime de racismo4 e o direito à
pensão especial a ex-combatentes das Forças Armadas que tenham participado de
operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial5, ou decorrem de uma inter-
pretação pós-positivista dos direitos fundamentais e se escoram no princípio da dig-
nidade da pessoa humana, como a ação de investigação de paternidade6 e a ação
indenizatória por atos praticados durante o regime de exceção (ditadura militar)7.
A inércia prolongada no tempo, do titular do direito, não mereceu tratamento
diferenciando no campo do Direito Tributário.
Assim é que existe um prazo prescricional para que a Fazenda Pública leve a
juízo a cobrança de uma dívida definitivamente constituída, bem como para que, de
outro lado, o contribuinte exerça o seu direito de crédito em face da Fazenda Públi-
ca. Interessa-nos, para este estudo, o prazo prescricional a que se sujeitam os con-
tribuintes no exercício de seus direitos.
Pela sistemática adotada pelo legislador no Código Tributário Nacional, o pra-
zo prescricional para a repetição de um indébito tributário é, atualmente, de cinco
anos8.
No caso de créditos resultantes de pagamento a maior, esse prazo prescricional
quinquenal tem início na data do efetivo pagamento9. E a partir dessa data até a sua
efetiva restituição, o crédito do contribuinte é atualizado monetariamente.
A hipótese sob exame, entretanto, não se confunde com um pagamento a maior.
Os créditos de PIS e Cofins têm natureza escritural e, portanto, são créditos mera-
mente contábeis, o que lhes nega, por exemplo, a aplicação de correção monetária10.
2
Da Prescrição e da Decadência. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 30.
3
Constituição Federal, art. 37, parágrafo 5º.
4
Constituição Federal, art. 5º, inciso XLII.
5
ADCT, art. 53, inciso II.
6
RE nº 71.088, Rel. Ministro Thompson Flores, Segunda Turma do STF, julgado em 6.8.1972.
7
AgRg no REsp nº 1.056.333, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma do STJ, julgado em 25.5.2010.
8
Código Tributário Nacional, art. 168.
9
Salvo nas ações de repetição ajuizadas antes do término da vacatio legis da Lei Complementar nº 118/2005, confor-
me decidiu o STF no julgamento do RE nº 566.621.
10
No caso do PIS e da Cofins a própria lei nega a aplicação da correção monetária.
Trata-se apenas do resultado de uma técnica de contabilização para a equação entre
débitos e créditos do contribuinte, a fim de fazer valer o princípio da não cumulati-
vidade11.
No julgamento do RE nº 195.643, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal
sinalizou no sentido de que o saldo escritural de ICMS em favor do contribuinte não
revela uma obrigação do Estado, mas tão somente a inexistência de um débito fis-
cal, daí por que a correção monetária seria incabível na espécie12.
Mas como compatibilizar essa jurisprudência, que nega a existência da obriga-
ção estatal, com a autorização legal, no caso do ICMS, de que os créditos escritu-
rais decorrentes de exportação sejam transferidos a terceiros13?
Ou como compatibilizar a citada jurisprudência com a autorização legal de que
créditos acumulados de PIS e Cofins decorrentes de exportação sejam compensa-
dos com débitos relativos a outros tributos administrados pela Receita Federal ou,
ainda, na sua impossibilidade, sejam ressarcidos em dinheiro ao contribuinte14?
Ou, ainda, como fazer a compatibilidade entre o entendimento jurisprudencial
e a possibilidade prevista em lei de que os créditos acumulados de IPI, inclusive
aqueles decorrentes da industrialização de produtos isentos ou tributados à alíquo-
ta zero, sejam utilizados na compensação de outros tributos administrados pela
Receita Federal15?
A Receita Federal, por exemplo, entende que o uso do crédito escritural acumu-
lado de IPI na compensação com outros tributos depende de prévia autorização (em-
bora essa exigência não conste da lei), que, uma vez concedida, os transformaria em
créditos de natureza financeira:
“Os créditos de natureza escritural só podem ser esgotados na redução do imposto
devido na saída das mercadorias. Compensá-los com débitos de outros tributos e con-
tribuições, que não o IPI, exige prévia autorização da Secretaria da Receita Federal que,
ao concedê-la, os transforma em créditos de natureza financeira.”16
Essa alteração da natureza jurídica do crédito explicaria, segundo a Receita Fe-
deral, as possibilidades legais de utilização de créditos escriturais acumulados para
outras finalidades que não aquelas originariamente previstas.
A questão ainda merece melhor exame pela jurisprudência e pela doutrina. O
fato certo, porém, é que a lei não autoriza que os créditos escriturais acumulados
de PIS e Cofins que não estejam vinculados à exportação sejam utilizados pelo con-
11
Neste sentido, ver RE nº 205.453, Rel. Ministro Maurício Correa, Segunda Turma do STF, julgado em 3.11.1997
12
RE nº 195.643, Rel. Ministro Ilmar Galvão, Primeira Turma do STF, julgado em 24.4.1998.
13
Lei Complementar nº 87/1996, art. 25, parágrafo 1º, inciso II.
14
Lei nº 10.833/2003, art. 6, parágrafos 1º e 2º: “§ 1º Na hipótese deste artigo, a pessoa jurídica vendedora poderá uti-
lizar o crédito apurado na forma do art. 3º, para fins de:
I - dedução do valor da contribuição a recolher, decorrente das demais operações no mercado interno;
II - compensação com débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos e contribuições administrados
pela Secretaria da Receita Federal, observada a legislação específica aplicável à matéria.
§ 2º A pessoa jurídica que, até o final de cada trimestre do ano civil, não conseguir utilizar o crédito por qualquer das
formas previstas no § 1º poderá solicitar o seu ressarcimento em dinheiro, observada a legislação específica aplicá-
vel à matéria.”
15
Lei nº 9.779/1999, art. 11.
16
Acórdão nº 09-2570/2002, Delegacia da Receita Federal de Julgamento de Juiz de Fora.
tribuinte com outros propósitos17. Somente se admite seu uso na compensação de
débitos escriturais das próprias contribuições, valendo a premissa fixada pelo STF
de que eles não representam uma obrigação estatal.
Assim, surge uma nova pergunta: é possível a fluência do prazo prescricional
para uso do crédito enquanto o contribuinte não tem meios hábeis para fazê-lo, ou
melhor, durante o tempo em que o contribuinte não apura em sua atividade débitos
suficientes para esgotá-lo?
A resposta a essa indagação deve ser negativa.
De fato, seria absurdo e inconciliável com o instituto da prescrição condicionar
o uso do crédito já escriturado a um limite temporal. Isto porque a prescrição, se-
gundo doutrina e jurisprudência, tem como pressupostos básicos a existência de uma
ação exercitável e a inércia do titular da ação durante certo lapso de tempo.
Se o contribuinte não tem condições de utilizar esse crédito mediante compen-
sação, não haveria como lhe imputar qualquer inércia, muito menos impor-lhe a
perda de um direito que está, na prática, impossibilitado de exercer. Entender de
forma contrária seria aceitar que o prazo prescricional possa fluir independentemente
de estarem preenchidos os seus pressupostos elementares. Nas palavras de Câmara
Leal:
“Sem exigibilidade do direito, quando ameaçado ou violado, ou não satisfeita sua obri-
gação correlata, não há ação a ser exercitada; e, sem o nascimento desta, pela necessi-
dade de garantia e proteção ao direito, não pode haver prescrição, porque esta tem por
condição primária a existência da ação.”18
O próprio STJ proferiu diversos julgados no sentido de que a prescrição está
intimamente ligada à inércia do titular do direito e que se a demora no seu uso não
é imputável ao seu titular, então não se lhe pode impor os ônus da prescrição.
Além disso, para a fluência do prazo prescricional é preciso que não exista qual-
quer óbice fático ao uso do direito, o que caracterizaria uma condição suspensiva:
“(...) 1. A perda da pretensão tributária pelo decurso de tempo depende da inércia do
credor, que não se verifica quando a demora na citação do executado decorre unica-
mente do aparelho judiciário. Inteligência da Súmula 106/STJ. (...)” (AgRg nos EDcl
no Ag nº 1.248.816/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em
22.6.2010, DJe de 1º.7.2010)
17
Lei nº 10.833/2003, art. 6º, parágrafo 3º: “O disposto nos §§ 1º e 2º aplica-se somente aos créditos apurados em rela-
ção a custos, despesas e encargos vinculados à receita de exportação, observado o disposto nos §§ 8º e 9º do art. 3º.”
18
Op. cit., p. 25.
No último julgado acima, o STJ faz referência a atos ou fatos a que a lei atribua
eficácia suspensiva. Mas a única interpretação possível dessa regra é a que qualquer
ato ou fato, lato sensu, que impeça o uso do direito também impedirá que o prazo
prescricional corra, porque a teleologia por trás dela é que ninguém pode ser pena-
lizado pela prescrição se não tinha possibilidade de exercer o seu direito e, portan-
to, não pode ser responsabilizado pela demora.
Assim, pelo que se expôs até aqui, a única conclusão a que se pode chegar é que
o direito do contribuinte ao uso dos créditos escriturais de PIS e Cofins acumula-
dos não está sujeito à prescrição enquanto ele estiver, na prática, impossibilitado de
utilizá-los, pela inexistência de débitos suficientes a serem compensados.
Em outras palavras, o direito ao uso do crédito está sujeito à prescrição de cin-
co anos, mas a fluência desse prazo depende da existência de uma inércia prolon-
gada no tempo. Não se verificando inércia, não se pode cogitar de prescrição.
Incabível, assim, a baixa de créditos do ativo, mesmo que passados os cinco anos
desde a sua escrituração, se não tenha sido possível ao contribuinte usar os crédi-
tos, em face da inexistência de débitos a serem compensados. Repita-se: na impos-
sibilidade de uso do crédito, não há como se entender que esteja fluindo o prazo de
prescrição.
Na verdade, permito-me ir além no reconhecimento do direito do contribuinte,
embora com isso corra o risco de trilhar um terreno ainda nebuloso do ordenamen-
to jurídico.
De fato, a jurisprudência tem entendido de forma uníssona que os créditos es-
criturais estão sujeitos à prescrição, aplicando-se, neste caso, o prazo prescricional
previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/193219, também de cinco anos:
“Tributário - ICMS - Crédito Escritural - Prescrição - Decreto 20.910/32 - Preceden-
tes.
1. O prazo para o exercício do creditamento extemporâneo de créditos escriturais de
ICMS é de 5 anos, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/32.
2. Recurso especial provido.” (REsp nº 1.178.930/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon,
Segunda Turma, julgado em 20.5.2010, DJe de 31.5.2010)
Mas qual direito seria atingido pela prescrição: o direito ao creditamento escri-
tural ou o direito ao uso do crédito mediante compensação?
Salvo melhor juízo, entendo que o direito atingido pela prescrição é aquele vin-
culado ao creditamento escritural do imposto; ou seja, o contribuinte tem o prazo
de cinco anos para registrar em seus livros fiscais o crédito do imposto e, em não o
fazendo, perde esse direito.
Em outras palavras, o creditamento somente seria admitido dentro dos cinco
anos da emissão do documento fiscal, em atenção ao princípio da segurança jurídi-
ca, mas o uso desse crédito, mediante compensação com outros débitos, não estaria
condicionado a limite temporal, pois o crédito, uma vez escriturado, passa a inte-
grar o ativo da empresa, como qualquer outro, numa conta fungível em que é im-
possível discernir, a priori, a origem temporal de cada elemento.
19
“Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra
a fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do
ato ou fato do qual se originarem.”
Com efeito, seja na conta de tributos diferidos do balanço patrimonial, seja no
somatório do saldo acumulado de períodos anteriores constante dos livros de apu-
ração do PIS e da Cofins, não é possível definir, prima facie, a origem temporal dos
créditos acumulados.
Esta, portanto, se afiguraria a melhor interpretação das decisões judiciais que
tratam da matéria.
Muitos doutrinadores defendem a tese acima exposta. Por exemplo, “Aroldo
Gomes de Mattos entende que o mencionado prazo é para o contribuinte registrar o
crédito na escrita contábil, sendo imprescritível o direito de utilizá-lo, ou seja, apro-
veitá-lo (...).”20
No mesmo sentido, José Cassiano Borges e Maria Lucia Américo dos Reis afir-
mam que
“o contribuinte tem o prazo de 5 (cinco) dias, contado da data da entrada da mercado-
ria em seu estabelecimento, para efetuar o registro do documento nos livros fiscais.
Contudo, o direito ao lançamento do crédito fiscal somente prescreve em 5 (cinco) anos.
Assim, durante o prazo de mais de 5 (cinco) dias, e menos de 5 (cinco) anos da data
da entrada da mercadoria em seu estabelecimento, o contribuinte poderá aproveitar o
crédito fiscal do IPI e/ou do ICMS.”21
Hugo de Brito Machado, por sua vez, argumenta que o direito ao crédito seria
peculiar, porque
“somente se completa com a ocorrência do débito do imposto, não se podendo, por-
tanto, antes disso, cogitar de decadência. (...) A norma do art. 23, parágrafo único, da
Lei Complementar nº 87/96, portanto, há de ser interpretada no sentido de que o pra-
zo extintivo por ela instituído somente começa a correr no momento em que o contri-
buinte deixa de usar o crédito do ICMS relativo a operações de entrada de mercadoria
ou do recebimento de serviços tributáveis, tendo como fazê-lo em face da realização
de operações que ensejam débito desse imposto.”22
O tema ainda merece melhor exame pelo Superior Tribunal de Justiça. Quando
do julgamento do AgRg no REsp nº 518.777, a Relatora, Ministra Eliana Calmon,
esclareceu que “é qüinqüenal a prescrição da ação que pretende reconhecer o direi-
to ao creditamento escritural”. Também existem alguns precedentes tratando de cré-
dito-prêmio de IPI em que o STJ negou o direito ao reconhecimento de crédito an-
terior aos cinco anos que antecederam a propositura da ação. Em nenhum dos ca-
sos, entretanto, aquele Tribunal tratou da matéria sob a ótica de créditos já escritu-
rados.
Aliás, a experiência parece revelar que as empresas, diante da acirrada repres-
são fiscal a respeito desta matéria específica, buscaram ver reconhecido em juízo
seu direito antes de escriturar tais créditos, evitando, com isso, autuações fiscais.
Além disso, vale lembrar que a legislação autoriza que o contribuinte utilize
créditos acumulados de IPI (mesmo que decorrentes de saídas isentas ou tributadas
com alíquota zero) na compensação de débitos relativos a outros tributos adminis-
20
ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 17ª ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003, p. 1.023, nota de rodapé 241.
21
O ICMS ao Alcance de Todos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 423.
22
Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética, 1997, p. 147.
trados pela Receita Federal, previsão legal inexistente em relação aos créditos da
contribuição ao PIS e da Cofins que não sejam decorrentes de exportação.
Logo, em relação ao IPI é possível restar configurada a inércia do contribuinte
- já que ele pode, em tese, compensar os créditos acumulados - e, consequentemen-
te, o direito ao uso do crédito desse imposto estaria sujeito à prescrição, ao contrá-
rio do que ocorre em relação ao PIS e à Cofins em geral.
O Ministro José Delgado, no julgamento do AgRg no REsp nº 507.313, enten-
deu que o tratamento dado aos créditos escriturais acumulados de IPI deveria ser o
mesmo conferido à restituição de crédito-prêmio:
“A questão foi tratada como se fosse restituição do crédito-prêmio do IPI. No entanto,
versa a mesma de crédito acumulado em escritura fiscal, relativo às entradas de insu-
mos tributados para a fabricação de produtos tributados à alíquota zero.
Assim, nessa parte, corrijo a decisão ora impugnada.
Porém, o decisório hostilizado, com relação ao prazo prescricional, não merece refor-
ma. Mantenho-o pelos seus próprios fundamentos. Para tanto, mister se faz a sua trans-
crição, litteratim: (...)
Com relação à irresignação da parte agravante, neste aspecto, não vislumbro qual-
quer novidade em seu agravo modificadora dos fundamentos supra-referenciados,
denotando-se, pois, razão para a manutenção do ‘decisum’ agravado, pelo que nada
tenho a acrescentar.
Restou perfeitamente demonstrado que a pacífica jurisprudência desta Corte é no sen-
tido de que, para as ações objetivando o recebimento de creditamento do IPI (crédito
acumulado em escritura fiscal, relativo às entradas de insumos tributados para a fabri-
cação de produtos tributados à alíquota zero), a prescrição atinge apenas as prestações
vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação (Súmula nº 85/STJ).”23
Parece-me, entretanto, que em sede de agravo regimental não foi dada à maté-
ria o exame necessário. Até mesmo porque todos os precedentes que supostamente
fundamentariam o acórdão tratam do prazo prescricional para se reconhecer o di-
reito ao creditamento escritural do imposto e não sobre o prazo para utilização de
créditos já escriturados. E ainda fica a dúvida sobre o que seria exatamente “rece-
bimento de creditamento”.
Em geral, no que se refere ao ICMS e ao IPI, o Superior Tribunal de Justiça tem
examinado a questão sob a ótica do contribuinte que busca ver reconhecido o direi-
to ao creditamento em si, e não o direito à compensação do crédito escriturado. Isso
parece revelar que o exercício do direito - e, consequentemente, a inércia - está mais
ligado à escrituração do que ao encontro financeiro de contas (compensação):
“Processual Civil e Tributário - Embargos de Declaração - Créditos Escriturais do
ICMS - Aproveitamento Pretérito - Prazo Decadencial e não Prescricional.
1. Não merecem acolhida embargos de declaração que não se amoldam às previsões
constantes do art. 535 do CPC.
2. O creditamento escritural do ICMS a posteriori não pode ser equiparado à repeti-
ção de indébito, por não haver naquele crédito no sentido autônomo, oponível ao Fis-
co, mas sim pretensão de aproveitamento de créditos escriturais pretéritos para cálcu-
lo do imposto devido, em respeito ao princípio da não-cumulatividade.
23
AgRg no REsp nº 507.313, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma do STJ, julgado em 7.8.2003, publicado no
DJ de 22.9.2003, p. 272.
3. Aplica-se aos créditos escriturais o prazo decadencial de cinco anos, contados a partir
da emissão do documento fiscal do qual decorre o débito do ICMS, conforme precei-
tua o art. 23, caput e parágrafo único da Lei Complementar 87/96.
4. Embargos de declaração rejeitados.” (EDcl no REsp nº 278.884, Rel. Ministra Elia-
na Calmon, Segunda Turma do STJ, DJ de 12.3.2002)
“Processual Civil - Tributário - IPI - Agravo Regimental - Questões que não foram
Objeto do Decisum Agravado - Não Conhecimento do Recurso - Creditamento - Aqui-
sição de Insumos, Matéria-Prima e/ou Produtos Intermediários Isentos ou com Alíquota
Zero - Prescrição Qüinqüenal - Decreto 20.910/32 - Correção Monetária.
1. Não se conhece do agravo regimental quanto a questões que não foram objeto da
decisão agravada.
2. É qüinqüenal a prescrição da ação que pretende reconhecer o direito ao creditamento
escritural.
3. É pacífico o entendimento desta Corte quanto à impossibilidade da correção mone-
tária dos créditos escriturais do IPI.
4. Agravo regimental conhecido em parte e, nessa parte, improvido.” (AgRg no REsp
nº 518.777/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 18.8.2005,
DJ de 19.12.2005, p. 312)
24
Súmula nº 411 do STJ: “É devida a correção monetária ao creditamento do IPI quando há oposição ao seu aproveita-
mento decorrente de resistência ilegítima do Fisco.”
crituração dos créditos e não ao seu aproveitamento em si, mediante o confronto com
débitos. E, mesmo que assim não fosse, tal gravame jamais poderia prejudicar o
contribuinte que está, na prática, impedido de usar os créditos, ante a inexistência
de débitos compensáveis, já que, neste caso, não há inércia.
Além disso, a tarefa de datar os créditos acumulados de PIS e Cofins deve sem-
pre levar em consideração o método de mensuração de estoques utilizado pelo con-
tribuinte, ou, na falta deste, o critério PEPS, cuja adequação, por sua racionalidade,
pode ser extraída de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico.
Fundo de Comércio e Sucessão Tributária
em Transferência de Locação
Ives Gandra da Silva Martins
1
18 de novembro de 2011, no Centro de Extensão Universitária, São Paulo.
2
Às páginas 243/244 do livro Da Ação Renovatória, Alfredo Buzaid entende por fundo de comércio o conjunto de
todos os bens corpóreos e incorpóreos de uma empresa: “A generalidade dos autores costuma classificar os elemen-
tos que compõem o fundo de comércio em duas categorias fundamentais, que reúnem espécies variáveis e de nature-
za diversa, consoante a importância do ramo e da atividade mercantil: a) direitos ou coisas incorpóreas: I - o direito
à renovação judicial do contrato de arrendamento; II - o nome comercial, compreendendo a firma e a denominação;
o título e a insígnia do estabelecimento; a expressão ou sinal de propaganda; as marcas de indústria e de comércio;
as recompensas industriais; as invenções e os privilégios; os modelos de utilidade, os desenhos e os modelos indus-
triais; III - os direitos autorais e os de resguardo do nome ou pseudônimo contra os seus usurpadores; IV o aviamen-
to; a freguesia e sua defesa contra a concorrência desleal; b) coisas corpóreas: I - os imóveis, a saber, terrenos, cons-
truções, edifícios, fábricas, armazéns, depósitos, com tudo neles intencionalmente empregado em sua exploração
industrial, aformoseamento ou comodidade, irretiráveis sem fratura ou dano; II - os móveis, i.e., as instalações, o
mobiliário, os utensílios, veículos, máquinas, maquinismo, acessórios e pertences, a matéria-prima, os produtos
manufaturados ou semimanufaturados, as mercadorias, ou fazendas em geral, os títulos ou efeitos do comércio.” (Da
Ação Renovatória. São Paulo: Saraiva, pp. 243/4)
Com efeito, reza o art. 133 do CTN o seguinte:
“Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por
qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou pro-
fissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou
sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabele-
cimento adquirido, devidos até à data do ato:
I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;
II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar den-
tro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro
ramo de comércio, indústria ou profissão.”
O corpo do art. 133 prevê a responsabilidade sucessória na alienação das em-
presas dentro das seguintes ideias centrais:
“1) O sucessor poderá ser pessoa natural ou jurídica;
2) A pessoa jurídica só poderá ser de direito privado;
3) Qualquer que seja o tipo de transferência implicará a responsabilidade sucessória
(aquisição por qualquer título);
4) O bem adquirido poderá ser o fundo de comércio ou qualquer estabelecimento co-
mercial, industrial e profissional;
5) A responsabilidade estará vinculada à continuação da exploração do objeto do ne-
gócio;
6) O rótulo sob o qual a exploração for continuada (mesma ou outra razão social e fir-
ma ou nome individual) será irrelevante para a aplicabilidade do artigo analisado nos
casos concretos de sucessão;
7) A responsabilidade estará limitada aos tributos devidos pelo sucedido e até a data
do ato traslativo.”
A responsabilidade criada pelo art. 133, poderá, ainda, ter dupla característica:
a) ser integral, no caso de o alienante cessar suas atividades; e
b) ser apenas subsidiária do alienante, se este continuar suas atividades no
ramo, no próprio ou em outro negócio, até seis meses da data da alienação.
A primeira ideia-base é a de que o sucessor poderá ser uma pessoa natural (físi-
ca) ou jurídica (empresa). Empresa a firma, individual ou coletiva, que explora o
comércio, indústria ou atividade profissional com o intuito de lucro ou remunera-
ção. Não cuidou, o legislador, da pessoa física, exceção feita à firma individual, pela
impossibilidade de quem não o seja ou não venha a sê-lo, em decorrência da aqui-
sição, poder suceder, fundos de comércio ou estabelecimento.
Se o sucessor for pessoa jurídica, a sua responsabilidade tributária só existirá se
de Direito Privado. Pessoa jurídica de Direito Público não se responsabiliza pelos
tributos que deva o sucedido.
O princípio é facilmente explicável se a pessoa jurídica de Direito Público for a
própria titular do crédito tributário, porque este estará compensado pela confusão,
em uma única pessoa, do credor e devedor. Quando o sucessor não é o titular do
crédito, a exclusão, na intenção legislativa, deveu-se, em minha opinião, ao fato de
a sucessão, normalmente, decorrer dos elevados interesses do Estado, não sendo
desejável sejam os seus objetivos prejudicados pela sub-rogação nos ônus sucessó-
rios.
Nesses casos, o princípio não me parece o mais justo, por colocar o Estado em
condições privilegiadas de concorrência e intervenção no mercado privado, sendo,
todavia, o princípio da atual legislação.
Creio mesmo que fere o art. 173, parágrafos 1º e 2º, da Constituição Federal,
assim redigido:
“§ 1º A empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explo-
rem atividade econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas priva-
das, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias.
§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de
privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.”
Entendo, também, nesses casos, que, não havendo transferência de responsabi-
lidade tributária, será suportada integral e exclusivamente pelo sucedido, o que con-
traria o princípio defendido por civilistas e comercialistas insignes, antes do advento
do Código Tributário.
O terceiro comando do art. 133 do CTN cuida da forma traslativa da alienação,
a qualquer título, do bem por parte do sucedido ao sucessor. O dispositivo fala em
aquisição no caput e em alienação nos itens I e II, entendendo-se expressões equi-
valentes, conforme seja vista a transferência da óptica do sucessor ou do sucedido.
O conceito fundamental da alienação envolve a ideia de transmissão de direito
de um determinado patrimônio, que em virtude dela é desfalcado, para outro, que
aumenta.
Na expressão “a qualquer título” está contida a intenção legislativa de abranger
qualquer espécie, sem exceção, de transferência.
O bem alienável ou adquirível só poderá ser de duas espécies: (a) fundo comér-
cio; e (b) estabelecimento comercial, industrial ou profissional, sendo o primeiro o
conjunto dos bens da empresa ou do profissional, inclusive neles de ordem imate-
rial (clientela), e o segundo apenas uma unidade muitas vezes, poderá ser a única
operativa.
Estranhamente, tratou, o legislador, de três tipos de estabelecimentos (profis-
sional, comercial ou industrial), não cuidando de estabelecimentos agrícolas.
Entendo que, sendo a lei analisada taxativa para os estabelecimentos agrícolas,
os sucessores não assumirão a responsabilidade tributária dos sucedidos.
A legislação italiana também menciona apenas a responsabilidade tributária para
a sucessão nos estabelecimentos comerciais e industriais:
“La stessa responsabilità solidade é stabilita nel conffronti del sucessore a qualsiasi
titolo, por atto fra vivi, in un ‘azienda industriale o commerciale por il pagamento.”
Nem profissionais, nem agrícolas.
Restrição compreensível é aquela decorrente de a responsabilidade estar vincu-
lada apenas à continuação da respectiva exploração. Evita-se, com isso, dificultar a
alienação de estabelecimentos que possam servir para outras finalidades. Até por-
que, nesses casos, não haveria sucessão da empresa, mas a mera alienação de seus
bens.
E agora entro a analisar uma das características que mais interpretações diver-
gentes tem acarretado na aplicação do dispositivo em estudo, reconhecendo ser
minha interpretação minoritária.
Pretendeu o legislador evitar, na caracterização da figura sucessória, qualquer
forma de desresponsabilização. Por essa razão, desde que continuada a exploração
do negócio, seja com outra razão social, seja em nome individual, o sucessor estará
automaticamente sujeito à responsabilidade tributária do sucedido.
Pergunta-se agora: a mera alteração do controle acionário configuraria a suces-
são tributária?
Entendo que sim, mesmo que a direção da empresa não seja transformada, já que
simples delegada dos grupos detentores da maioria das ações.
Tivesse o legislador a intenção de não considerar o fato mencionado como in-
cluso na responsabilização tributária, a expressão “mesma razão social” teria sido
excluída.
Numa economia de raízes capitalistas, como é a brasileira, cujo mecanismo
exige, todavia, nas sociedades por ações, constantes remanejamentos, a exegese
acima tem acarretado inúmeros problemas práticos, principalmente em face da le-
gislação específica, em que a sucessão empresarial, implicando certas responsabi-
lidades tributárias, não acarreta, porém, assunção de todas elas.
A extensão dessa responsabilidade está limitada aos tributos, pelo princípio da
personalização da pena, conforme variadas decisões judiciais atrás citadas.
Aliomar Baleeiro, na 2ª edição de seu livro Direito Tributário Brasileiro (Fo-
rense), contesta o princípio rebatendo minha opinião, posição, todavia, anterior à
avalanche de decisões no sentido da transferência apenas da responsabilidade por
tributos e anterior ao próprio livro Direito Tributário 1, em que discuti seus funda-
mentos. Com o tempo, rendeu-se ao argumento, tendo, como Ministro do Supremo
Tribunal Federal, assim decidido:
“o problema reside na cláusula ‘responde pelos tributos’ sem multas ou penalidades.
O v. acórdão inclinou-se pela interpretação estrita, por ser a peculiar ao Direito Tribu-
tário, que gira em torno do princípio da reserva da lei: a criação de qualquer obriga-
ção tributária há de ser rigidamente circunscrita aos termos expressos da lei. E a multa
é uma obrigação tributária sujeita à reserva da lei (CTN, art. 97, V). Essa interpreta-
ção não é razoável mas já teve consagração no RE 76.153 de 30/11/73 e no AI 9.333,
relator Orosimbo, Jurisprudência do STF, 1941, III, p. 183. E admissível também uma
interpretação larga, a despeito de o art. 133, mencionar apenas ‘tributos’, sem mencio-
nar multas. Eu próprio já me inclinei a aceitá-la, embora hoje não me pareça a melhor,
p. 8.041 (RE 71.471 - Resenha Tributária 4.2, n. 34/75, p. 796/807).”
Finalmente, a respeito das duas hipóteses de responsabilidade integral e subsi-
diária do sucessor, expostas nos dois itens do art. 133 do CTN, assim explica Alio-
mar Baleeiro: “O Fisco exigirá diretamente os débitos anteriores à alienação ao
adquirente se o alienante retirar-se do negócio ou atividade e não iniciar outra nos
6 meses seguintes; mas os exigirá diretamente do próprio alienante em caso contrá-
rio, reservando-se a cobrá-los do adquirente se aquele for insolvente, desaparecer,
ou tornar impraticável a cobrança.”
Esta, em minha inteligência, a interpretação mais correta do texto examinado3.
Feitas tais considerações, parece-me claro que, na hipótese considerada, ou seja,
nas locações, não há qualquer aquisição de “fundo de comércio” ou “estabelecimen-
to comercial”, visto que o primeiro é um conjunto de atributos, inexistente na mera
transferência de um contrato de locação. Por outro lado, entendo que a mera trans-
3
Comentários ao Código Tributário Nacional. Vol. 2. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 267/271.
ferência de um contrato de locação não constitui alienação de um estabelecimento
comercial, nem a alienação por quem o recebe, de estabelecimento.
A própria hipótese de responsabilidade integral, no caso de cessação de ativi-
dades pela empresa alienadora ou subsidiária do adquirente, se houver continuida-
de em outro local daquela atividade ou início em três meses, não se pode aplicar às
hipóteses, visto que transferência de locação não é aquisição de estabelecimento ou
fundo de comércio4.
Ora, tal posição do Ministro Moreira Alves e minha foi aprovada pelo Plenário
do referido Simpósio com a seguinte redação, tendo havido apenas um voto contrá-
rio. Eis a conclusão da Comissão de Redação presidida pelo Professor Alcides Jor-
ge Costa, com a colaboração de Fátima Fernandes Rodrigues de Souza e Rodrigo
Rebouças5:
“Fundo de comércio é o conjunto dos elementos materiais e imateriais que compõem
a atividade de uma empresa. Não ocorre sucessão tributária na hipótese de transferên-
cia da locação de um imóvel de uma empresa para outra do mesmo ramo de atividade,
permanecendo a primeira em plena exploração de seu objeto social em outro endere-
ço, por não se caracterizar a transferência de todos os elementos que compõem o fun-
do de comércio, exceto o local.” (18 de novembro de 2011)
4
“Processo REsp 108.873/SP
Recurso Especial
1996/0060339-1
Relator: Ministro Ari Pargendler
Órgão Julgador: T2 - Segunda Turma
Data do Julgamento: 04/03/1999
Data da Publicação/Fonte: DJ 12/04/1999, p. 111
Ementa
Tributário. Responsabilidade por Sucessão. Não Ocorrência.
A responsabilidade prevista no artigo 133 do Código Tributário Nacional só se manifesta quando uma pessoa natu-
ral ou jurídica adquire de outra o fundo de comércio ou o estabelecimento comercial, industrial ou profissional; a
circunstância de que tenha se instalado em prédio antes alugado à devedora, não transforma quem veio a ocupá-lo
posteriormente, também por força de locação, em sucessor para os efeitos tributários. Recurso Especial não conhe-
cido.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça,
na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, no conhecer do recurso, nos termos
do voto do Sr. Ministro-Relator. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Aldir Passarinho Júnior, Helio Mosi-
mann e Peçanha Martins.” (Revista Fórum de Direito Tributário nº 36. Ano 6. Belo Horizonte, novembro/dezembro
de 2008, pp. 9/26 - destaques meus)
5
Escreveram para o Simpósio os seguintes autores: Ives Gandra da Silva Martins, Hugo de Brito Machado, Sacha
Calmon Navarro Coêlho, Kiyoshi Harada, Yoshiaki Ichihara, Luís Eduardo Schoueri, Vittorio Cassone, Jorge de
Oliveira Vargas, Carlos Henrique Abrão, Carlos Valder do Nascimento, Marilene Talarico Martins Rodrigues, José
Eduardo Soares de Melo, Douglas Yamashita, Agostinho Toffoli Tavolaro, Luís Antonio Flora, Leonel Cesarino
Pessoa, Maria Odete Duque Bertasi, Ricardo Mariz de Oliveira, Bruno Fajersztajn e Cláudia Vit de Carvalho, Edi-
son Carlos Fernandes, Elidie Palma Bifano, Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho, Octavio Campos Fischer, Vi-
nicius T. Campanile, Fernando L. Lobo d’Eça, Moisés Akselrad, Angela Maria da Motta Pacheco, Schubert de Fa-
rias Machado, Dirceu Antonio Pastorello, Melford Vaughn Neto, Mario Luiz Oliveira da Costa, Ana Regina Cam-
pos de Sica, Roberto Ferraz e Nelson Souza Neto, Maria Helena Tavares de Pinho Tinoco Soares, André Elali e Fer-
nando Lucena Jr., André Portella, tendo as Comissões temáticas sido presididas por Marcelo Borghi (1ª), Rogério
Gandra Martins (2ª) e Cláudia Pavan (3ª), com a colaboração de Miguel Gutierrez, Adib Sad, Soraya Locatelli, Thais
Folgosi, Fatima Haidar e Fernanda Hernandez.
Dez Anos da Norma Geral
Antielisiva no Brasil
João Dácio Rolim
Paulo Rosenblatt
1
A expressão elisão fiscal é multívoca e geralmente definida negativamente. Cf.
BAKER, Philip. “Tax Avoidance, Tax Evasion & Tax Mitigation”. Londres: Gray’s
Inn Tax Chambers Articles, 2000, disponível em www.taxbar.com/documents/
Paulo Rosenblatt
tax_avoidance_tax_mitigationPhilip_Baker.pdf, acesso em 8.3.2011. Para evitar os
equívocos do critério temporal, utilizaremos as consequências dos atos e negócios é Doutorando em
jurídicos como elemento diferenciador. Então, evasão fiscal se refere à conduta ti- Direito Tributário no
pificada como crime (ineficaz, ilícita e sujeita a consequências penais, civis e tri- Institute of Advanced
butárias), elisão fiscal à supressão, redução ou postergação do pagamento do tri- Legal Studies
buto (lícita civilmente, mas ineficaz quanto à sua finalidade econômico-fiscal), e
planejamento tributário à economia lícita de tributo (eficaz em relação à finalidade University of London,
tributária). Mestre em Direito
2
IRC v. Duke of Westminster [1936] AC 1 (HL). Público pela UFPE,
3
ARNOLD, Brian. “A Comparison of Statutory General Anti-avoidance Rules and Graduado pela UFPE
Judicial General Anti-avoidance Doctrines as a Means of controlling Tax Avoidan-
e Procurador do
ce: Which is Better?” In: JONES, J. A.; HARRIS, P. et al (ed.). Comparative Pers-
pectives on Revenue Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, pp. 2-3. Estado de
4
Gregory v. Helvering 293 US 465 (1935). Pernambuco.
um ônus fiscal “justo”5. O planejamento tributário é reconhecido, nesses países,
como meio lícito de economia de tributos, desde que não abusivo ou artificioso.
A economia de tributos não ocorre apenas pela organização dos negócios pelo
contribuinte, mas pela exploração por este da letra da lei ou de operações artificiais
e sem finalidade empresarial. E a própria lei estimula a opção por formas fiscalmente
menos onerosas, como o financiamento para utilização de um bem (compra e ven-
da a prazo, financiamento de terceiros, arrendamento mercantil), ou investimentos
em diferentes instrumentos financeiros ou bens de capital.
Para preservar a certeza formalista-conceptual de que apenas fatos previstos em
lei sofrem a incidência tributária, e ao mesmo tempo combater artificialismos cria-
dos para gerar benefícios fiscais sem propósito econômico, os Estados passaram a
editar normas antielisivas específicas. Porém, essa estratégia demonstrou ter limi-
tado sucesso, dada a impossibilidade de prever os esquemas criados para contornar
as regras de tributação e até mesmo as normas antielisão6, e o fato de que o aumen-
to da quantidade e complexidade das normas (denominada de hyperlexis pela dou-
trina americana) cria novas oportunidades para a elisão fiscal.
A Alemanha e a Itália do Estado intervencionista substituíram esse conceptua-
lismo pela interpretação econômica ou funcional, com a adoção de normas gerais
que primam pelo resultado econômico em detrimento da liberdade negocial7. Criti-
cada essa concepção no mundo todo, a resistência dos países em adotar normas ge-
rais antielisão não impediu o Fisco e os Tribunais deles em coibir abusos através de
figuras do Direito Civil (simulação, fraude à lei e abuso de formas, em países de civil
law), ou de doutrinas judiciais (forma sobre substância, propósito negocial, artifi-
cialidade, descaracterização de operações circulares ou de etapas inseridas sem fi-
nalidade empresarial, nos de common law)8.
As normas gerais antielisão passaram a ser vistas sob a perspectiva de que o
combate à elisão fiscal com clareza (e não necessariamente certeza) é mais vanta-
joso do que as táticas fluidas e imprevisíveis do Fisco e das Cortes, porque aquelas
fixam critérios e procedimentos para a sua aplicação9. A elisão não pode ser enfren-
5
MURPHY, Liam; e NAGEL, Thomas. The Myth of Ownership: Taxes and Justice. Oxford: Oxford University Press,
2002, pp. 1-4. No Brasil, sobre as consideradas três fases do debate sobre o planejamento tributário (liberdade salvo
simulação na primeira fase, liberdade salvo abuso de direito e fraude à lei como segunda fase, e a terceira como li-
berdade com capacidade contributiva), vide GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialéti-
ca, 2004, caps. VII a XIII.
6
No Reino Unido, apelidou-se de “avoidance karate” (“karatê elisivo”) as estratégias utilizadas pelo contribuinte para
contornar as próprias normas específicas antielisão (cf. SANDFORD, Cedric. Why Tax Systems differ. EVANS, C.
(atual.). Bath: Fiscal, 2000, cap. 11, no prelo) e de “creative compliance” (“adimplemento criativo”) a busca de al-
ternativas para obter vantagens fiscais quando novos limites são legalmente estabelecidos (cf. FREEDMAN, Judith;
LOOMER, G.; et al. “Moving Beyond Avoidance?”Beyond Boundaries: Developing Approaches to Tax Avoidance
and Tax Risk Management. FREEDMAN, Judith (ed.). Oxford: Oxford University Centre for Business Taxation, 2008,
p. 115).
7
TORRES, Ricardo Lobo, “Normas Gerais Antielisivas”. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico,
2005, disponível em www.direitodoestado.com.br, acesso em 31.3.2011, pp. 1-6.
8
ZIMMER, Frederik. “General Report”. Form and Substance in Tax Law. International Fiscal Association - IFA.
Cahiers v. 87a, 2002, pp. 37-38. TORRES, Ricardo Lobo. Ibidem, pp. 1-6.
9
GODOI, Marciano Seabra de. “Uma Proposta de Compreensão e Controle dos Limites da Elisão Fiscal no Direito
Tributário Brasileiro e Estudos de Casos”. Planejamento Tributário à Luz da Jurisprudência. YAMASHITA, Dou-
tada apenas com interpretação, nem uma norma geral é sua única solução. Ela não
exclui outras técnicas, mas é importante por promover a interpretação teleológica
pelo Judiciário e conferir poderes descaracterizadores à Administração10. As normas
gerais antielisivas, contudo, estão longe de ser um consenso.
Na década de 1990, organismos multilaterais, como a OCDE11, recomendaram
a adoção e o reforço de medidas antielisivas para combater a concorrência fiscal
prejudicial12. Mesmo países não integrantes dessas organizações, como o Brasil,
foram compelidos a adotar essas regras13. Nos Estados Unidos, ante o sucesso de
doutrinas judiciais antiabuso, ainda há resistência a uma norma geral antielisiva,
embora muitas doutrinas tenham sido incorporadas à legislação14 para afastar incon-
sistências na jurisprudência e tentar unir as doutrinas da substância sobre a forma
com a da business purpose15. E no Reino Unido, ante as incertezas das doutrinas
judiciais dos casos Ramsay16 e Furniss e Dawson17 pela Casa dos Lordes - que as
consideram meros princípios de interpretação18-, discute-se há anos a introdução de
uma norma geral antielisão19.
Nesse contexto, em 2001, o Brasil editou a Lei Complementar nº 104, para in-
cluir o parágrafo único ao art. 116 do CTN, saindo de uma situação de liberdade do
contribuinte na estruturação de seus negócios, para restringir o planejamento tribu-
tário abusivo20. Sem inovar, a LC nº 104 se inspirou no modelo francês21 do art. 64
glas (org.). São Paulo: Lex, 2007, pp. 249-57; ALMENDRAL, Violeta Ruiz. Tax Avoidance and the European Court
of Justice. Londres: Intertax v. 33, n. 12, 2005, pp. 560-1.
10
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., p. 15; ALMENDRAL, Violeta Ruiz. Op. cit., pp. 560-1.
11
OCDE. “Harmful Tax Competition: an Emerging Global Issue”. Disponível em http://www.oecd.org/dataoecd/33/
0/1904176.pdf, acesso em 1º.12.2009.
12
Assim, vários Estados adotaram normas gerais antielisão: Itália (1990), Bélgica (1993), Suécia, Finlândia e Espanha
(1995), e Portugal (1999). Cf. THURONYI, Victor. Comparative Tax Law. Londres: Kluwer Law International, 2003,
p. 195. No mesmo sentido, ZIMMER, Frederik. Op. cit., pp. 37-38.
13
AVI-YONAH, Reuven S. International Tax as International Law: an Analysis of the International Tax Regime. Cam-
bridge: Cambridge University Press, 2007, pp. 1-3.
14
JENSEN, Erik. “The US Legislative and Regulatory Approach to Tax Avoidance”. Comparative Perspectives on
Revenue Law. JONES, J. A.; HARRIS, P.; et al (ed.). Cambridge: Cambridge University Press, 2008, pp. 99-118;
PICKUP, David. “In Relation to General Anti-avoidance Provisions: a Comparative Study of the Legal Frameworks
used by Different Countries to protect their Tax Revenues”. Beyond Boundaries: Developing Approaches to Tax
Avoidance and Tax Risk Management. FREEDMAN, J. (ed.). Oxford: Oxford University Centre for Business Taxa-
tion, 2008, pp. 9-21; e GRECO, Marco Aurélio. Op. cit., pp 325-343.
15
Enquanto os tribunais federais e dos terceiro, quinto, décimo e décimo primeiro circuitos concordam com o teste
conjuntivo (de aplicar concomitantemente as duas doutrinas), o tribunal do quarto circuito aplica qualquer uma de-
las apenas como requisito para validar as transações do contribuinte. Cf. International Tax Review, maio de 2009. O
Health Care and Eduaction Affordability Act de 31 de março de 2010 incluiu o Code section 7701(o) codificando as
duas doutrinas e considerando que uma transação teria substância econômica somente se (1) ela muda significada-
mente a posição econômica do contribuinte exceto pelos efeitos fiscais federais, e (2) se há um propósito substancial
que não apenas fiscal.
16
WT Ramsay Ltd. v. Inland Revenue Commissioners [1982] A.C. 300 (HL).
17
Furniss (Inspector of Taxes) v. Dawson [1984] A.C. 474 (HL).
18
HOFFMAN, Leonard. “Tax Avoidance”. British Tax Review nº 2. Londres, pp. 197-206; e HALKYARD, Andrew.
“Common Law and Tax Avoidance: Back to the Future?” Revenue Law Journal v. 14, nº 1. Londres, pp. 30-1.
19
HM TREASURY. The New Approach to Tax Policy Making: a Response to the Consultation. Londres, 2010, pp. 1-20.
20
SCHOUERI, Luís Eduardo. “O Desafio do Planejamento Tributário”. Planejamento Tributário e o “Propósito Ne-
gocial”. SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.); FREITAS, Rodrigo de (org.). São Paulo: Quartier Latin, 2010, pp. 15-6.
21
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 2005, pp. 5-6. Vide também ROLIM, João Dácio. Normas Antielisivas Tributá-
rias. São Paulo: Dialética, 2001, p. 240.
do Livro de Procedimentos Fiscais vigente à época22, que cuida dos procedimentos
de abuso de direito, e tinha como elementos centrais o instituto civilista do abuso
de direito de um lado, e, de outro, a expressão vaga e imprecisa dissimulação23.
Parte da doutrina mais formalista brasileira24 ignora o verdadeiro propósito da
regra e defende que ou a norma é inconstitucional, ante os princípios da legalidade
estrita e tipicidade fechada25, ou que se trata de uma norma antievasiva, sob o en-
tendimento de que dissimulação seria simulação relativa e ao argumento de inexis-
tência na tradição brasileira do instituto do abuso do direito no campo tributário26.
Na Exposição de Motivos da LC nº 104, a norma antielisão seria “um instrumento
eficaz para o combate aos procedimentos de planejamento tributário praticados com
abuso de forma ou de direito”. É, pois, norma geral antielisiva (e não antievasiva ou
antissimulação), cujo escopo é o abuso de direito, tão comum em vários sistemas.
22
“Art. 64. Não podem ser opostos à administração fiscal atos que dissimulem o verdadeiro significado de um contra-
to ou acordo (...). A Administração tem o direito de requalificar a verdadeira característica da operação litigiosa. Em
caso de desacordo sobre a retificação notificada com base nesse artigo, o litígio deverá, a pedido do contribuinte, ser
submetido à opinião do Comitê Consultivo para a repressão do abuso de direito. A Administração também pode igual-
mente submeter o litígio à opinião da comissão, cujo parecer será objeto de um relatório anual.” (Tradução dos auto-
res)
23
Na França, cujo modelo foi adotado no Brasil, houve uma alteração do dispositivo do art. 64 pela Lei nº 2008-1443,
de 30 de dezembro de 2008, que suprimiu a expressão dissimulação, conforme será discutido adiante.
24
Por todos, XAVIER, Alberto. Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001,
p. 68.
25
Tramita perante STF, desde 2001, a ADIn nº 2.588-1 em face do parágrafo único do art. 116 do CT, mas que até hoje
se encontra aguardando julgamento tanto do pedido liminar, quanto do principal. Em nenhuma jurisdição houve a
declaração de inconstitucionalidade de uma norma geral antielisiva.
26
Sobre a função nova do art. 116, parágrafo único, do CTN e sua desnecessidade para eventualmente aplicar as figu-
ras da simulação, abuso de direito e fraude a lei, ver GRECO, Marco Aurélio. Op. cit., pp. 403 e seguintes.
27
FREEDMAN, Judith. Beyond Boundaries: developing Approaches to Tax Avoidance and Tax Risk Management.
FREEDMAN, Judith (org.). Oxford: Oxford University Centre for Business Taxation, 2008, p. 1; e ALMENDRAL,
Violeta Ruiz. Op. cit., p. 560-1.
28
ROLIM, João Dácio. “Reflexões sobre Normas Gerais Antielisivas na Jurisprudência”. Planejamento Tributário à
Luz da Jurisprudência. YAMASHITA, Douglas (org.). São Paulo: Lex, 2007, pp. 166-179.
à Administração certa liberdade valorativa, mas não discricionariedade29. Ao deci-
dir, por exemplo, se há ou não motivo extratributário, artificialismo ou propósito
negocial, o Fisco tem apenas uma decisão de duas possíveis, sim ou não, não ca-
bendo gradações ou valorações. O princípio da legalidade não impede a utilização
de conceitos indeterminados, e eles são largamente utilizados no Direito Tributário
brasileiro30.
Conforme visto, a LC nº 104 se baseou no modelo francês. Apesar da ausência
de cautela no transplante de legislação estrangeira e da má técnica legislativa utili-
zada, o fato é que o conceito indeterminado de abuso de direito é o elemento cen-
tral do parágrafo único do art. 116 do CTN. E mais, o abuso de direito foi poste-
riormente posto no art. 187 do Código Civil de 2002. Não significa que o instituto
deva ser aplicado indistintamente, já que as consequências civilísticas (a declaração
de nulidade e anulabilidade dependente de um ato judicial) são diversas das tribu-
tárias (a desconsideração ou inoponibilidade fiscal do ato elisivo pela autoridade tri-
butária não depende de decisão de um juiz, mas pode ser revisto pelo Judiciário).
Verifica-se certa coerência do ordenamento jurídico na utilização do instituto comum
do abuso de direito.
A relação entre o Direito Civil e o Tributário não é de prevalência, mas de auto-
nomia relativa (arts. 109 e 110 do CTN), e de sobreposição, porque “a tributação se
assenta sobre atos ou negócios jurídicos primeiramente disciplinados pelo Direito
Privado”31. O abuso de direito do CC/2002 apenas sinaliza que esta figura passou a
ser indiscutivelmente um instituto comum do Direito brasileiro, o que se confirma
com a alteração da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº 4.657/1942),
para Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei nº 12.376/2010). Não
foi só uma nova redação de ementa, mas a alteração da lei para compreender todo o
Direito brasileiro sem exceção. Disto se infere uma maior aproximação entre o Di-
reito Civil e o Direito Tributário, e no campo da elisão, a comunicação da figura do
abuso de direito.
A LC nº 104 fixou como a chave da norma geral antielisiva o abuso de direito32,
embora há quem defenda a fraude à lei como a sua base33. A dissimulação e a simu-
lação (nela incluída a simulação relativa do art. 102 do CC/2002) não se confundem.
Esta tem por consequência a revisão do lançamento (art. 149, VII, do CTN), enquan-
to aquela autoriza a desconsideração do ato ou negócio elisivo, quando dissimula-
do o fato gerador ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária34.
29
FALCÃO, Amílcar. Fato Gerador da Obrigação Tributária. NOVELLI, Flávio Bauer (atual.). Rio de Janeiro: Fo-
rense, 2002, pp. 61-2; GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros,
2003, p. 203; e OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. “Legalidade Tributária - O Princípio da Proporcionalidade
e a Tipicidade Aberta”. Revista de Direito Tributário nº 70. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 112.
30
ROSENBLATT, Paulo. Competência Regulamentar no Direito Tributário Brasileiro: Legalidade, Delegações Le-
gislativas e Controle Judicial. São Paulo: MP, 2009, pp. 178-85.
31
YAMASHITA, Douglas. “Limites a Economia de Tributos: da Teoria Legal à Prática Jurisprudencial”. Planejamen-
to Tributário à Luz da Jurisprudência. YAMASHITA, Douglas (org.). São Paulo: Lex, 2007, p. 73.
32
ROLIM, João Dácio. Op. cit., pp. 166-179.
33
GODOI, Marciano Seabra de. Op. cit., pp. 249-257.
34
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., pp. 23-33.
Relevante ainda a distinção entre abuso do direito como princípio jurídico geral e
simulação, quando se trata da interposição de pessoas ou de declaração falsa, que
tenham eventualmente uma motivação fiscal. A presença deste elemento objetivo de
obtenção de uma vantagem fiscal por si só não é suficiente para caracterizar ou o
abuso ou a simulação, mas sim o requisito da artificialidade (artifício irreal ou fal-
so, não dotado de qualquer significância econômica, ou excesso no exercício de um
direito) no primeiro caso ou o da falsidade estrita no segundo nas hipóteses ali ex-
pressamente previstas (art. 167, parágrafo 1º, do CC/2002). A necessidade ou con-
veniência de uma reorganização societária evidentemente não pode obrigar o con-
tribuinte a optar pela forma jurídica mais onerosa dentro das várias possíveis.
A doutrina do abuso de direitos teve origem na construção jurisprudencial fran-
cesa e depois se tornou norma legislada, sob a concepção do exercício de um direi-
to por alguém com propósitos impróprios. Esse instituto foi adaptado por várias
jurisdições35, no plano tributário, para se referir a uma estratégia cuidadosamente
estruturada pelo contribuinte de organização dos fatos e da base legal das operações,
mas que exerce seu direito apenas para reduzir ou suprimir a obrigação tributária
ou obter um benefício fiscal. Assemelha-se, em larga medida, à doutrina norte-ame-
ricana do business purpose (propósito negocial)36.
O abuso de direito tem se firmado como princípio do Direito comunitário euro-
peu. Ele foi aplicado pela Corte de Justiça Europeia no caso Halifax37, que tratou
de operações elisivas de imposto sobre valor agregado (Value Added Tax - VAT, em
inglês), mas depois foi aplicado a outros tributos38, e está fundado em dois pilares:
(i) a transação, apesar de ter preenchido os requisitos previstos na regra comunitá-
ria e na legislação nacional, resulta em um benefício fiscal contrário à intenção dos
dispositivos normativos; e (ii) torna-se aparente, por meio de uma série de fatores
objetivos, que a finalidade essencial da transação é obter a vantagem fiscal39.
A cláusula geral antielisiva da LC nº 104, baseada no abuso de direito, deve ter
como requisitos a ausência de propósito negocial (finalidade econômica principal
ou única a obtenção de uma vantagem fiscal), e a manifesta artificialidade da ope-
ração40. Não é uma regra baseada na substância sobre a forma, a qual, em geral, usa
da analogia para afastar a forma eleita pelo contribuinte para adequar a operação aos
fins econômicos pretendidos pelo Fisco.
Assim como a norma antielisão, a discussão dos seus critérios é um assunto
polêmico. Dentre eles, o propósito negocial não esconde a dificuldade na sua defi-
nição e aplicação. Isto porque não há decisão negocial em que o contribuinte não
35
“Dada a generalidade do conceito, não é surpresa que tenha sido aplicado de forma tão diferente nos países de Civil
Law.” (THURONYI, Victor. Op. cit., p. 159, tradução dos autores)
36
Tax Law Review Committee. Tax Avoidance. Londres: Institute for Fiscal Studies, 2007, p. 6.
37
Halifax plc and others v. Customs and Excise Commissioners (C-255/02), [2006] STC 919 [ECJ].
38
Vide Cadbury Schweppes Overseas Ltd v. Commissioners of Inland Revenue (196/04), [2004] [ECJ].
39
O’SHEA, Tom. EU Tax Law and Double Tax Conventions. Londres: Avoir Fiscal, 2008, p. 119; PICKUP, David.
Op. cit., pp. 9-21; e BOWLER, Tracey. “Countering Tax Avoidance in the UK: Which Way Forward?” Tax Law
Review Committee. Londres, 2009, pp. 39-40.
40
ROLIM, João Dácio. Op. cit., p. 166-179.
tome o aspecto tributário como relevante41. Porém, o propósito negocial do art. 116,
parágrafo único não deve se referir à intenção subjetiva, mas à causa objetiva do
negócio jurídico, ou seja, a finalidade única ou preponderante de atingir um benefí-
cio fiscal, ausente a relevância da operação para o negócio celebrado (artificialida-
de)42.
41
DERZI, Misabel Abreu Machado. “O Princípio da Preservação das Empresas e o Direito à Economia de Imposto”.
Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. V. 10. São Paulo: Dialética, 2006, p. 355; e SCHOUERI, Luís Eduar-
do. Op. cit., pp. 13-6.
42
ROLIM, João Dácio. Op. cit., pp. 166-79; FREITAS, Rodrigo de. “É Legítimo economizar Tributos? Propósito Ne-
gocial, Causa do Negócio Jurídico e Análise das Decisões do Antigo Conselho de Contribuinte”. Planejamento Tri-
butário e o “Propósito Negocial”. SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.); FREITAS, Rodrigo de (org.). São Paulo:
Quartier Latin, 2010, pp. 441-490.
43
“Operação Ágio - Simulação Relativa - As operações estruturadas, realizadas em prazo ínfimo, de aporte de capital
com ágio, capitalização e alienação, constituem-se em simulação relativa, cujo ato verdadeiro dissimulado foi a alie-
nação das ações. Seu único propósito foi evitar a incidência de ganho de capital.” (Ac. nº 101-96.087, julgado em
29.3.2007, DRJ-RJ, 2ª Turma)
“Simulação. Caracterizada a simulação, os atos praticados com o objetivo de reduzir artificialmente os tributos não
são oponíveis ao fisco, que pode desconsiderá-los. Operação Ágio - Subscrição de Participação com Ágio e Subse-
qüente Cisão - Verdadeira Alienção de Participação - Se os atos formalmente praticados, analisados pelo seu todo,
demonstram não terem as partes outro objetivo que não se livrar de uma tributação específica, e seus substratos es-
tão alheios às finalidades dos institutos utilizados ou não correspondem a uma verdadeira vivência dos riscos envol-
vidos no negócio escolhido, tais atos não são oponíveis ao fisco, devendo merecer o tratamento tributário que o ver-
dadeiro ato dissimulado produz. Subscrição de participação com ágio, seguida de imediata cisão e entrega dos valo-
res monetários referentes ao ágio, traduz verdadeira alienação de participação societária.” (Ac. nº 101.95.537, julga-
do em 24.5.2006, DRJ-RJ, 2ª Turma)
44
“Simulação - Conjunto Probatório - Se o conjunto probatório evidencia que os atos formais praticados (reorganiza-
ção societária) divergiam da real intenção subjacente (compra e venda), caracteriza-se a simulação, cujo elemento
principal não é a ocultação do objetivo real, mas sim a existência de objetivo diverso daquele configurado pelos atos
praticados, seja ele claro ou oculto. Operações Estruturadas em Sequência - O fato de cada uma das transações,
isoladamente e do ponto de vista formal, ostentar legalidade, não garante a legitimidade do conjunto de operações,
quando fica comprovado que os atos praticados tinham objetivo diverso daquele que lhes é próprio. Ausência de
Motivação Extratributária - O princípio da liberdade de auto-organização, mitigado que foi pelos princípios cons-
titucionais da isonomia tributária e da capacidade contributiva, não mais endossa a prática de atos sem motiva-
A partir da análise dos fatos e das transações como um todo, fazendo referên-
cia expressa à doutrina do step transaction do common law, o Carf verifica o efeito
realizado pelo conjunto das operações e se estas operações, se analisadas isolada-
mente ou em conjunto, apresentam outras justificativas negociais que não a estrita
redução da carga fiscal. Caso não sejam apontadas outras justificativas para a reali-
zação da reorganização societária, elas tendem a ser desconsideradas pelo Fisco,
sendo anulados os efeitos tributários delas advindos45.
Na maioria dos casos, o Carf desconsiderou reorganizações societárias, decla-
rando haver simulação relativa por ausência de propósito negocial46. Há uma ten-
dência de perquirir, além da validade dos atos e negócios jurídicos, a substância
econômica deles. Não se trata de mera aplicação da teoria econômica do Direito
Tributário, da analogia em matéria tributária ou de institutos típicos de países de
common law (substance over form, step transaction, business purpose), mas não se
pode olvidar que essas doutrinas têm influenciado, ainda que indiretamente, os jul-
gados do Conselho.
Outra fonte de inspiração para a jurisprudência administrativa brasileira pare-
cem ser os comentários da OCDE sobre as normas antielisivas, para a qual o sim-
ples fato de se buscar a economia de tributos, por si só, não caracteriza um business
purpose para efeitos de validade do planejamento tributário47. Essa posição é refor-
çada pela análise dos comentários do Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE, que
avaliou a questão do uso de empresas-veículo sob a ótica dos tratados de dupla tri-
butação. Em resumo, aquele Comitê vem entendendo que, no uso impróprio dos tra-
tados, quando uma pessoa (residente ou não em um Estado contratante) age através
de uma empresa-veículo (conduit-companies) criada em um outro Estado somente
com o objetivo de aproveitar as vantagens do tratado, que não seriam possíveis caso
a operação fosse feita diretamente com essa pessoa, a regra perseguida através des-
ção negocial, sob o argumento de exercício de planejamento tributário.” (Ac. nº 10421498, Proc.
11080008023200478, 2006, destacou-se) No mesmo sentido, Ac. nº 10617149, Proc. 18471001589200686, 2008.
Ressaltando o prazo ínfimo em que as operações foram realizadas, vide Ac. nº 10196087, Proc. 10940002633200428,
2007.
45
“Planejamento Tributário, Simulação. Negócio Jurídico Indireto. A simulação existe quando a vontade declarada no
negócio jurídico não se coaduna com a realidade do negócio firmado, para se identificar a natureza do negócio prati-
cado pelo contribuinte, deve ser identificada qual é a sua causalidade, ainda que esta causalidade seja verificada na
sucessão de vários negócios intermediários sem causa, na estruturação das chamadas step transactions. Assim,
negócio jurídico sem causa não pode ser caracterizado como negócio jurídico indireto. O fato gerador decorre da
identificação da realidade e dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos, e não de vontades formalmente declaradas
pelas partes contratantes ou pelos contribuintes. Simulação. A subscrição de novas ações de uma sociedade anôni-
ma, com a sua integralização em dinheiro e registro de ágio, para subseqüente retirada da sociedade da sócia originá-
ria, com resgate das ações para guarda e posterior cancelamento caracteriza simulação de venda da participação so-
cietária.” (Ac. nº 140100155, Proc. 19515001895200711, 2010, destacou-se)
46
Algumas decisões do Conselho de Contribuintes já aplicaram a doutrina do abuso de direito, como a seguinte: “140.
Em suma, não há dúvida de que a interessada tem o direito, previsto na Constituição Federal, de organizar sua vida
da maneira que melhor julgar. Porém, o exercício deste direito supõe a existência de causas reais que levem a tal ati-
tude. A auto-organização com a finalidade predominante de pagar menos imposto configura abuso de direito. Como
tal, uma vez provado tratar-se de operação com esta razão principal, como penso restou provado nestes autos pelos
motivos por mim expostos neste voto, pode o Fisco recusar-se a aceitar seus efeitos no âmbito tributário de modo a
neutralizar os efeitos fiscais do excesso abusivo.” (Ac. nº 103-23.290, 2007)
47
OECD. Model Tax Convention on Income and Capital. [S.l.], 2000. v. 2, Cap. Double Taxation Conventions and the
Use of Conduit Companies, p. 616.
sa “empresa-veículo” seria desconsiderada para fins fiscais e a operação seria tri-
butada como se ela não existisse. Entretanto, o simples fato de existir uma empresa
veículo, como se infere dos referidos comentários da OCDE, não significa que há
abuso, sendo necessários outros testes como os da bona fide commercial purpose
ou outras justificativas econômicas para a sua existência48.
Em resumo, a jurisprudência administrativa do Carf passou a verificar se tran-
sações ou reorganizações empresariais seriam válidas do ponto de vista tributário,
com base principalmente nos seguintes aspectos: (a) propósito negocial: neste caso
o Conselho entende que é necessária a análise dos motivos não tributários para rea-
lizar a operação - um dos fatores determinantes de validade do planejamento tribu-
tário é a consideração dos “motivos” que levaram os contribuintes a praticar a ope-
ração, i.e., o chamado “propósito negocial” (business purpose); (b) operações es-
truturadas em sequência: o Carf considera que, ao analisar operações realizadas em
sequência, o intérprete deve avaliar os efeitos produzidos pelo conjunto de opera-
ções, não devendo analisar cada uma de um modo isolado (step transaction)49; (c)
uso de sociedades: o Carf verifica a real existência das sociedades envolvidas nas
operações, ou se elas são sociedades constituídas com a finalidade exclusiva de via-
bilizar a simulação de atos jurídicos (com relação a esse último ponto, alguns acór-
dãos alertam para a existência de “empresas veículo”, instituídas apenas para que
se realize o trânsito do patrimônio ou do dinheiro, sem que as referidas empresas
tenham alguma função real e efetiva dentro do contexto do grupo empresarial); e
(d) operações entre partes relacionadas: esse aspecto é caracterizado quando a ope-
ração ocasiona um efeito tributário dentro de um grupo econômico e não produz
efeitos no mercado - nessas operações, a composição patrimonial consolidada do
grupo econômico permanece inalterada, sendo que a única consequência relevante
da reorganização societária será uma redução da carga fiscal.
4. Dez Anos da Norma Geral Antielisiva Brasileira: Reflexões para uma Nova
Regulamentação
Promulgada há dez anos, a LC nº 104 carece de regulamentação e aplicação. A
regra é tecnicamente de má qualidade e precisaria de maior detalhamento para afas-
tar a controvérsia. Na verdade, não se sabe qual corrente prevalecerá quanto ao seu
conteúdo, quer seja uma norma antielisiva, quer seja uma norma antievasiva ou an-
tissimulação, ou ainda, na primeira hipótese, quer se trate de abuso de direito, frau-
de à lei, negócio indireto ou simulação relativa.
48
OECD. Idem. Vide, no âmbito de operações de fusão, incorporação e aquisições de empresas, o art. 11 da Diretiva
da Comunidade Europeia nº 434, de 23 de julho de 1990, que exige válidas razões econômicas que não sejam predo-
minantemente fiscais para a neutralidade daquelas operações, e o caso Leur-Bloem (C-28/95, do Tribunal de Justiça
Europeu) em que se confirma o entendimento de simplesmente, por haver uma vantagem ou benefício fiscal, não
significa que há válidas razões econômicas (business purpose) para serem reconhecidos os efeitos fiscais daquelas
mesmas operações.
49
De inspiração inglesa e norte-americana, a doutrina da step transaction pode ser vista como uma das mais importan-
tes regras antielisivas e que consiste no fato de que “etapas intermediárias numa cadeia preordenada de transações
podem ser desconsideradas, ou a cadeia toda ser tratada como um ato único, se as etapas forem evidentemente desig-
nadas para produzir um resultado que, se levado a efeito diretamente, incidiria imposto” (ROLIM, João Dácio. Op.
cit., p. 176).
O parágrafo único do art. 116 do CTN exige a edição de lei ordinária para esta-
belecer os procedimentos administrativos. Cabe à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios editar a sua lei ordinária própria estabelecendo as normas
procedimentais especiais que suas Administrações Tributárias deverão seguir na
desconsideração dos atos e negócios jurídicos elisivos. A previsão de procedimen-
tos especiais para aplicação dessa regra não é uma inovação brasileira, estando pre-
vista em quase todos os ordenamentos que adotaram uma norma antielisiva legisla-
da50.
No plano federal, houve a rejeição da Medida Provisória nº 66/2002, na parte
em que pretendia atender a esse comando regulamentar e, até o momento, não hou-
ve a edição de nova lei. Provavelmente, os demais entes da Federação aguardam a
lei federal para seguir de modelo. Esta situação tem levado à aplicação da norma
sem consistência pelo Fisco.
Como visto, por falta de regulamentação e compreensão da norma, as autorida-
des fiscais têm alegado a simulação para descaracterizar atos e negócios jurídicos,
não raro, com a lavratura de autos de infração e a imposição de multas, e às vezes
acompanhadas da propositura de ação penal por sonegação51. Caso utilizada a nor-
ma antielisiva, a operação seria descaracterizada, mas nenhuma multa ou pena pri-
vativa de liberdade seria aplicada, por ausência de previsão legal.
A MP nº 66/2002, nos arts. 13 a 19, visava à regulamentação do parágrafo úni-
co do art. 116 do CTN, e excluía do seu alcance os atos de evasão fiscal, relaciona-
dos a dolo, fraude ou simulação. Os elementos previstos para a aplicação da norma
eram a falta de propósito negocial ou o abuso de forma. A norma ainda previa os
procedimentos especiais a serem seguidos pelo Fisco federal. A rejeição parcial da
MP nº 66/2002 deixou uma lacuna na legislação52. Em todo caso, os dispositivos
rejeitados eram discutíveis quanto ao seguinte: a aplicação de multa; a ausência de
previsão de uniformização da norma, em proteção do contribuinte; a confusão de
conceitos, como dissimulação e negócio indireto; o tratamento do abuso de direito
e do propósito negocial como elementos diferentes, e não o segundo como um dos
critérios para concretizar o primeiro.
O Congresso Nacional poderia ter aperfeiçoado as regras ou as substituído por
regras mais adequadas, ao invés de simplesmente rejeitar tal MP. Contudo, o maior
equívoco da MP nº 66/2002 é que, à exceção das regras procedimentais, todas as
demais normas substantivas eram matéria reservada à lei complementar, por versa-
rem sobre normas gerais de Direito Tributário. Assim é que a previsão dos critérios
de propósito negocial e artificialidade deveriam ter sido inseridos no CTN por meio
da LC nº 104, e não por medida provisória. Melhor seria fosse editada uma nova lei
complementar para aperfeiçoar o texto do parágrafo único do art. 116 do CTN, até
mesmo criando mais de um parágrafo para detalhar os requisitos e critérios de sua
aplicação.
50
A Lei Geral Tributária portuguesa, por exemplo, prevê um processo especial para aplicação das normas antiabuso
(art. 28, nº 2, introduzido pela Lei nº 100/1999).
51
YAMASHITA, Douglas. Op. cit., p. 73.
52
YAMASHITA, Douglas. Op. cit., p. 73.
Conforme dito, até mesmo a França, em cujo modelo o legislador brasileiro se
baseou, aperfeiçoou o art. 64 do Livro de Procedimentos Fiscais53 - o qual versa
sobre os procedimentos de abuso de direito -, e suprimiu a referência à equívoca
expressão dissimulação, provavelmente por influência das decisões do Tribunal de
Justiça Europeu. O dispositivo se referia a abuso de direito, mas também à dissimu-
lação, que na alteração do final de 2008 foi totalmente suprimida.
O mesmo caminho pode trilhar o legislador brasileiro, já que a exposição de
motivos da LC nº 104 já fala em abuso de direito, mas o texto da norma lançou ape-
nas de dissimulação. Nesse caso, uma nova lei complementar poderia seguir o exem-
plo francês, suprimindo a referência à dissimulação e a substituindo simplesmente
pelo conceito indeterminado de abuso de direito, embora com a redução teleológi-
ca por meio dos seguintes requisitos: a ausência de propósito negocial e a artificia-
lidade. A simples referência a abuso de direito não é suficiente para dotar a lei de
clareza, sendo necessário, então, conter esses elementos objetivos.
As normas gerais antielisivas têm longa história em várias jurisdições, algumas
com mais de cem anos, como Nova Zelândia e Austrália54, mas que passaram por
mudanças ao longo dos anos para se adaptarem às circunstâncias, e até mesmo no-
vas versões da regra foram editadas para substituir as anteriores que não obtiveram
os resultados almejados. Na Austrália, a antiga norma geral foi modificada em 1981;
a Nova Zelândia introduziu uma nova norma em 1994; na África do Sul, a norma
de 1941, verdadeira letra-morta, foi substituída em 2006; e no Canadá, a norma foi
introduzida em 1988 e logo modificada em 200555. E nenhum dos países que intro-
duziu a regra demonstrou qualquer sinal de que pretende abrir mão dela56.
Portanto, não há demérito em reconhecer que o parágrafo único do art. 116 do
CTN possui falhas, não atingiu a finalidade para a qual foi previsto há dez anos, que
a tentativa de sua regulamentação não foi aprovada no Congresso Nacional, e que o
seu conteúdo e alcance estão longe de atingir um mínimo de consenso doutrinário.
Esse reconhecimento é necessário para que, na linha de outras nações, possa o Bra-
sil editar uma nova norma geral antielisiva mais clara e até mesmo buscando inspi-
ração em sistemas nos quais a aplicação da norma obteve algum sucesso.
53
“Artigo 64. Para restaurar o seu verdadeiro caráter, a administração tem o direito de rejeitar, como não sendo oponí-
vel a ela, os atos que constituam um abuso de direito, quer esses atos tinham um caráter fictício, quer busquem o
benefício de uma aplicação literal dos textos ou decisões em relação aos objetivos perseguidos por seus autores, que
não sejam inspirados por outro motivo que o de evitar ou atenuar a carga fiscal que o interessado, se esses atos não
tivessem sido aprovadas ou realizados, normalmente teria incorrido, independentemente de sua localização ou de suas
atividades atuais.” (Dispositivo alterado pela Lei nº 2008-1443, de 30 de dezembro de 2008 - art. 35 (V). Tradução
dos autores)
54
ARNOLD, Brian. “A Comparison of Statutory General Anti-avoidance Rules and Judicial General Anti-avoidance
Doctrines as a Means of controlling Tax Avoidance: Which is Better? (What would John Tiley think?)”. In: JONES,
John Avery; HARRIS, Peter et al (ed.). Comparative Perspectives on Revenue Law: Essays in Honour of John Tiley.
Cambridge: Cambridge University Press, 2008, pp. 11-15.
55
CASHMERE, Maurice. “A Gaar for the United Kingdom? The Australian Experience”. British Tax Review v. 2.
Londres, 2008, pp. 125-159; PICKUP, David. Op. cit., pp. 9-21; ARNOLD, Brian. “The Canadian Experience with a
General Anti-avoidance Rule”. Beyond Boundaries: Developing Approaches to Tax Avoidance and Tax Risk
Management. FREEDMAN, Judith (ed.). Oxford: Oxford University Centre for Business Taxation, 2008, pp. 29-35.
56
FREEDMAN, Judith. Op. cit., 2008, pp. 2-3.
5. A Contrapartida: Cláusulas de Proteção à Confiança do Contribuinte
A criação de uma norma antielisiva, nos moldes apontados, é uma vantagem ao
contribuinte. Sem um texto claro, a Administração buscará meios para coibir práti-
cas que considere abusivas, enquanto os Tribunais encontrarão argumentos para in-
validar os atos e negócios que entendam contrários aos propósitos da legislação e
dos princípios constitucionais, o que ocorre caso a caso e gera insegurança jurídica
para o Fisco e para os contribuintes. A norma geral antielisiva, na maioria dos paí-
ses, foi uma resposta à proliferação de esquemas elisivos, e a ausência de um con-
trole judicial efetivo dessas operações57. Por outro lado, em países nos quais preva-
lecem doutrinas judiciais, verifica-se uma tendência dos contribuintes em pressio-
nar pela edição de uma cláusula antiabuso que limite o ativismo dos tribunais e guie
a Administração Tributária58. O interesse em uma norma geral antielisiva clara deve
ser comum do contribuinte e do Erário.
A aplicação da norma exige uma ponderação entre o interesse público de pre-
servar a base tributária e o legítimo interesse dos contribuintes nos seus assuntos
privados e empresariais. Por outro lado se “justiça e segurança estão em conflito”59
com relação à elisão fiscal, instrumentos adequados a atender de uma forma mais
harmoniosa possível aqueles valores, num desejável grau de otimização dos interes-
ses legítimos em jogo, devem ser implementados e aplicados mediante uma ponde-
ração ou teste de razoabilidade e proporcionalidade60. Para isto, deve-se assegurar
que a norma geral antielisiva seja orientada para as situações abusivas, e não de pla-
nejamento tributário como expressão do direito de organização dos próprios negó-
cios. E dada a utilização inevitável de conceitos indeterminados na redação de nor-
mas antielisivas, é necessário apor uma série de salvaguardas procedimentais para,
de um lado, coibir abusos e evitar a discricionariedade subjetiva pelo Fisco, e de
outro lado, não se tornar um empecilho às regras de livre mercado. Essas medidas
visam promover a transparência na relação Fisco-contribuinte e respeitar direitos
constitucionais. Trata-se de uma contrapartida do Estado ao contribuinte por con-
ceder um instrumento tão poderoso à Administração Tributária.
Ao tratar da consulta administrativa, no âmbito federal, o art. 48 e seguintes da
Lei nº 9.430/1996, prevê um sistema concentrado de solução de consultas, em ins-
57
No Canadá, a introdução da norma geral antielisiva foi uma reação à decisão da Suprema Corte que rejeitou a aplica-
ção da doutrina do propósito negocial em 1984, no caso Stubart (Stubart Investments Ltd. v. The Queen, [1984] CTC
294 (SCC)). Cf. ARNOLD, Brian. “The Long, Slow, Steady Demise of the General Anti-avoidance Rule”. Canadian
Tax Journal/Revue Fiscal Canadienne v. 52, n. 2, 2004, p. 488.
58
ARNOLD, Brian. “A Comparison of Statutory General Anti-avoidance Rules and Judicial General Anti-avoidance
Doctrines as a Means of controlling Tax Avoidance: Which is Better?” In: JONES, J. A.; HARRIS, P. et al (ed.).
Comparative Perspectives on Revenue Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, pp. 11-15.
59
“Tax equity demands that artificial tax avoidance schemes should be of no effect, yet certainty demands that the tax
laws should be such that an individual can arrange affairs in the expectation that he will not have to pay tax.” (TI-
LEY, John. Revenue Law. 5ª ed. Hart, 2005, pp.101-02)
60
Sobre o uso de lei retroativa para combater elisão abusiva, mas submetida a um teste de razoabilidade ou de propor-
cionalidade, vide nos Estados Unidos Milliken v. US [1931] 283 US 15, US v. Carlton [1994] 512 U.S. 26, Nichols
v. Coolidge [1927] 274 US 531, Boldgett v. Holden [1928] 275 U.S. 142, e Untermayer v. Anderson [1928] 276 U.S.
440; e na União Europeia o uso da doutrina do abuso de direito, submetido a um teste de proporcionalidade, os casos
mencionados Halifax (C-255/02), e Leur-Bloem (C-28/95), e De Lasteyrie du Saillant Case C-9/02.
tância única, como forma de promover a uniformidade de entendimentos61. Estru-
tura similar poderia ser utilizada para a norma geral antielisiva da LC nº 104, com
um órgão especializado central para analisar as operações e decidir pela desconsi-
deração ou não dos atos e negócios jurídicos. Isto permitiria soluções homogêneas
sobre questões complexas, dando-se maior segurança para o contribuinte.
Deverá o Poder Executivo de cada ente da Federação regulamentar via Decreto
a lei que estabelecer os procedimentos de aplicação da norma geral antielisiva, com
fundamento no art. 84, IV, da CF/1988, de modo a, sobretudo, uniformizar a inter-
pretação e aplicação da lei por sua Administração Tributária62. E para reduzir esse
grau de incerteza, pode-se prever exceções ou “portos seguros” (statutory safe har-
bours63), no que se refere ao planejamento tributário lícito, como as condutas dese-
jadas, induzidas ou autorizadas (por exemplo, a opção conferida ao contribuinte
pessoa física entre a declaração completa com as deduções ou o desconto simplifi-
cado, e à pessoa jurídica entre a tributação sobre o lucro real ou presumido).
Enfim, é necessário que a norma antielisão seja acompanhada de um de estatu-
to que proteja a confiança do contribuinte, com regras que tenham por finalidade:
(i) definir os procedimentos pelos quais a autoridade fiscal irá recaracterizar os atos
e negócios elisivos; (ii) centralizar as decisões acerca da aplicação dessa norma, para
assegurar interpretação uniforme e simétrica; (iii) definir sobre quem recai o ônus
da prova - a Administração Pública ou o contribuinte; (iv) enumerar as hipóteses de
presunções e ficções legais admissíveis, e o valor das provas documentais; (v) esta-
belecer um procedimento especial e célere de consulta administrativa; (vi) prever
penalidades para os casos de aplicação arbitrária pela autoridade fiscal.
6. Conclusões
A norma geral antielisiva brasileira surgiu formalmente, há dez anos, com o
parágrafo único no art. 116 do CTN (LC nº 104/2001). Sem um desenvolvimento
jurisprudencial ou doutrinário próprio, o Brasil transplantou o modelo francês, o qual
há muito havia se mostrado ineficaz no seu próprio país de origem. Na sua redação
original, o requisito requalificador francês centrava-se na figura imprecisa da dissi-
mulação, posteriormente afastado. O mérito do exemplo francês, contudo, é a utili-
zação do abuso de direito como elemento principal da norma antielisiva, com in-
fluência em muitos países e no Direito comunitário europeu.
Apesar de a exposição de motivos da LC nº 104 falar em abuso de direito, a re-
gra do art. 116, parágrafo único, do CTN, não é expressa. Cumpre contextualizar a
norma para compreender que tal figura se tornou não só requisito da cláusula antie-
lisão, mas um instituto comum do Direito brasileiro, com a edição do CC/2002 e a
alteração da LICC em Lei de Introdução das Normas Brasileiras.
A norma geral antielisiva não é apenas um objeto de desejo dos Fiscos, mas aten-
de aos interesses do contribuinte, porque evita, em certa medida, estratégias indire-
61
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., pp. 9-10.
62
ROSENBLATT, Paulo. Op. cit., pp. 88-104. Sobre a necessidade de lei de cada ente federado, vide dentre outros
GRECO, Marco Aurélio. Op. cit., p. 429.
63
BOWLER, Tracey. Ibidem, pp. 33-4.
tas e mais gravosas de combate à elisão pela Administração Tributária, como a ca-
racterização dos atos e negócios elisivos como simulados, a aplicação de elevadas
multas e até mesmo a persecução penal.
Em muitos países, o insucesso de normas gerais antielisivas não foi motivo para
desistir desse instrumento. Ao contrário, a experiência demonstrou novos caminhos
para que as regras fossem aprimoradas ou substituídas. O Brasil deveria seguir esse
exemplo, em especial o da França, que claramente inspirou a LC nº 104, e que re-
forçou na alteração da sua regra antielisão o abuso de direito como seu elemento
central, suprimindo a figura incômoda da dissimulação.
A melhor opção seria tornar o abuso de direito explícito da norma geral antieli-
siva do CTN, e incluir um rol de requisitos legais, dentre os quais, a ausência de
propósito negocial e a artificialidade dos atos e negócios jurídicos. Tudo isto preci-
sa estar previsto na própria Lei Complementar, haja vista cuidar de norma geral de
Direito Tributário (art. 146 da CF/1988). À Lei Ordinária de cada ente da Federa-
ção cabe regulamentar os procedimentos de aplicação, atentando-se para criar um
ambiente de proteção à confiança do contribuinte.
Não se pretende aqui transplantar a concepção de abuso de direito de outros
ordenamentos jurídicos, mas de encontrar alternativas com os recursos e instrumen-
tos legais e constitucionais próprios do ordenamento brasileiro adaptados aos casos
concretos. Não há qualquer lei ou princípio jurídico que obrigue o contribuinte a
escolher a forma jurídica mais onerosa fiscalmente. Entretanto, se a atividade ou
operação específica em si mesmo for absolutamente artificial, aí sim poderia ser
considerada abusiva e desconsiderada para efeito fiscal, devendo-se a sua “existên-
cia” a uma exclusiva vantagem fiscal artificiosa. E aqui pode se referir não neces-
sária e somente à figura do abuso de direito tal como positivada no art. 187 do
CC/2002, mas sim a um instituto principiológico comum a todo ordenamento ou que
teria a sua especificação na figura da dissimulação do parágrafo único do art. 116
do CTN. O requisito para se configurar abuso de direito, no caso o direito de gerir
os próprios negócios de uma maneira mais econômica possível inclusive do ponto
de vista fiscal, impede que o contribuinte seja vedado a atuar também com razões
fiscais, pois nesta hipótese não estaria ultrapassando aquele limite, pois um dos fins
econômicos e sociais do direito de planejar e gerenciar as próprias atividades é a
racionalização ou a busca da eficiência na assunção do ônus tributário.
Finalmente, é verdade que a norma geral antielisiva não é a solução para todos
os casos de abuso no planejamento tributário, nem substitui outros instrumentos de
combate à elisão fiscal, como as normas específicas antielisivas. Essas normas não
são mutuamente excludentes, cada uma tem a sua importância para a preservação
da base dos sistemas tributários, e são uma das formas de se perseguir, dependendo
de como sejam positivadas e aplicadas, um razoável equilíbrio entre a igualdade, a
eficiência, a equidade e a segurança na tributação.
Possibilidade de Manutenção e
Utilização de Créditos de PIS/Cofins
Relativos a Bens do Ativo Permanente
na Hipótese de Comodato/Locação de
Maquinário para Terceiros
Leonardo Freitas de Moraes e Castro
1. Introdução
O presente artigo tem por escopo analisar a possibilidade
de manutenção e utilização de créditos da contribuição para
os Programas de Integração Social (PIS) e de Formação do
Patrimônio do Servidor Público (Pasep) e da Contribuição
para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) relati-
vos a bens do ativo permanente na hipótese de comodato/
locação de maquinário para terceiros.
No dia a dia empresarial é comum a celebração de con-
tratos de comodato (cessão gratuita de bens) e contratos de
locação (cessão onerosa de bens) de máquinas e equipamen-
tos de propriedade de uma companhia para seus clientes. De
acordo com a estrutura de venda de determinados produtos,
faz-se necessário o uso exclusivo das máquinas e equipa-
mentos locados e cedidos pela companhia aos clientes.
Essas companhias (comodantes) normalmente contabi-
lizam tais máquinas e equipamentos como bens de seu ati-
vo permanente (imobilizado), e utilizam os créditos de PIS
e de Cofins pagos por razão de sua importação, mesmo após
a locação ou o comodato dos equipamentos ser feito ao
cliente.
Diante do presente cenário, passamos a tecer nossos co-
mentários sobre a possibilidade de manutenção e utilização,
por companhias, dos créditos de PIS e de Cofins relativos aos
bens do ativo permanente, considerando que tais bens estão
locados/cedidos a um terceiro. Leonardo Freitas de
Moraes e Castro
2. Não Cumulatividade do PIS e da Cofins é Mestrando em
Assim como o ICMS e o IPI, para as empresas sujeitas ao Direito Tributário pela
USP, Master of Laws
Imposto de Renda sobre o lucro real, bem como nos casos
(LL.M.) in Taxation
expressos nas Leis Ordinárias nos 10.637/2002 e 10.833/2003, pela Georgetown Law,
o PIS e a Cofins são atualmente tributos não cumulativos. Professor de Direito
Cabe ressaltar que não se trata, propriamente, de não Tributário
cumulatividade, mas de mero abatimento, eis que este insti- e Advogado em
tuto apresenta nítidos delineamentos que, uma vez desaten- São Paulo.
didos, desvirtuam completamente a finalidade para a qual foi instituído. Aires Bar-
reto, diante dos impropérios praticados pelo legislador na edição dos referidos di-
plomas legais, destaca que nesta sistemática “não se terá tributo não cumulativo, mas
tributo parcialmente não cumulativo ou, da perspectiva diversa, tributo parcialmente
cumulativo, contrariando o propósito perseguido pelo sistema”1.
Esta é a razão pela qual a sistemática aplicada às contribuições ao PIS e à Co-
fins não elimina total ou adequadamente o indesejável “efeito cascata”, uma vez que
a técnica escolhida pelo legislador não se coaduna com o fim supostamente colima-
do.
Apesar de serem tributos incidentes sobre a receita bruta das pessoas jurídicas,
sejam elas industriais ou comerciais, a legislação específica dessas contribuições foi
buscar o conceito de insumos e a origem do direito ao creditamento no quadro nor-
mativo do IPI2, tributo este que atinge atividades industriais.
De acordo com Ricardo Mariz de Oliveira3, no regime da não cumulatividade
do ICMS e IPI, diferentemente do que acontece no regime de não cumulatividade
do PIS e da Cofins, o que se tem é o creditamento, nas respectivas escriturações fis-
cais, dos valores que vêm destacados nas notas fiscais que acompanham as entra-
das dos bens que de alguma forma sofrerão nova incidência em etapa posterior da
cadeia produtiva. Por esta razão, quando as saídas desses bens forem isentas de um
desses impostos, os respectivos créditos de entrada devem ser estornados.
Contudo, o mesmo autor adverte que:
“Tudo isso é diferente quanto às contribuições sobre receitas, a propósito das quais a
Constituição nada exige e tudo transfere para a lei comum, e cujas leis apenas permi-
tem determinadas deduções dos valores das mesmas. Mesmo a inexistência de previ-
são legal relativa a estornos de valores deduzidos, que subsistiu nas Leis nº 10.637 e
10.833 até que a Lei nº 10.865 a previu em determinadas situações específicas, demons-
tra a diferença entre os sistemas dessas contribuições e os do IPI e do ICMS.”4
Precisamente por este motivo é que, no âmbito da legislação infraconstitucio-
nal, não há que se confundir regras de cálculos dos créditos relativos a estas contri-
buições com as regras pertinentes aos créditos do IPI e do ICMS.
Ressalte-se aqui que a chamada “não cumulatividade” de tais contribuições é
somente parcial, e não plena, tampouco perfeita. Isto se extrai das próprias normas
veiculadas pelas leis ordinárias, que não atribuem o creditamento a todos os valo-
res já onerados anteriormente, nem correspondentes aos exatos valores que ante-
riormente o tenham sido.
1
BARRETO, Aires F. “A Nova Cofins: Primeiros Apontamentos”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 103. São
Paulo: Dialética, 2004, p. 9.
2
A Constituição Federal, em seu artigo 153, parágrafo 3º, II, dispõe que o IPI “será cumulativo, compensando-se o
que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”. Da mesma, forma temos o CTN, em seu
artigo 49, elencando que “o imposto é não cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da
diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o
pago relativamente aos produtos nele entrados”.
3
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. “Aspectos Relacionados à ‘Não-cumulatividade’ da Cofins e da Contribuição ao PIS”.
In: FISCHER, Octavio Campos; e PEIXOTO, Marcelo Magalhães (coords.). PIS-Cofins: Questões Atuais e Polêmi-
cas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 39.
4
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. cit., p. 39.
Ademais, o crédito dos valores de PIS e de Cofins não é apoiado em valores de
tributos destacados em notas fiscais de operações anteriores, assim como ocorre com
o IPI e o ICMS.
Uma constatação importante é que as listas dos insumos que dão direito a cré-
dito, veiculadas nas Leis nos 10.637/2002 e 10.833/20035, são consideradas pelo
Fisco federal como numerus clausus, isto é, são taxativas6, não comportando adi-
ções e, embora a abrangência de algumas delas seja extensa, ainda assim são inde-
vidamente restritivas.
Portanto, a sistemática aplicada ao PIS e à Cofins não elimina o indesejável
“efeito cascata”, uma vez que a técnica escolhida pelo legislador não se coaduna com
o fim supostamente colimado. Com efeito, as Leis nos 10.637/2002 e 10.833/2003
determinam que o montante de crédito será calculado mediante a aplicação das alí-
quotas de 1,65% e 7,6% sobre o valor dos bens, serviços e despesas incorridos, con-
forme se trate de contribuição ao PIS/Pasep7 ou à Cofins8, respectivamente. Para tal
creditamento, é irrelevante o fato de as entradas terem se sujeitado a alíquotas infe-
riores ou sequer terem sofrido a incidência desses tributos nas etapas antecedentes
do ciclo, diferentemente do que ocorre para o ICMS9 e para o IPI10.
Adicionalmente, por incidirem sobre a receita bruta, o conceito de insumos para
essas contribuições deveria ser certamente mais amplo, relacionando-se com toda
5
Os artigos 3º da Lei 10.687/2002 e 3º da Lei 10.833/2003 listam os insumos que geram direito ao crédito para a con-
tribuição social ao PIS e à Cofins.
6
Contribuindo com argumentos contrários à taxatividade, mas, neste caso, com relação à impossibilidade de empre-
sas prestadoras de serviços poderem optar pelo regime não cumulativo, vide a Apelação Cível nº 2004.71.08.010633-8/
RS, Rel. Leandro Paulsen, publicada em 26 de abril de 2007, que traz à baila a “redução teleológica” de Karl Larenz
como argumento, com o qual concordamos plenamente:
“Esse rol não é exaustivo, nem pode sê-lo, porque o universo das empresas prestadoras de serviços é crescente e quase
inesgotável (é, provavelmente, o setor da economia em maior crescimento) e o critério adotado pelo legislador leva,
inevitavelmente, a lacunas de regulamentação. A hipótese é da chamada lacuna oculta de regulamentação que ocor-
re, no dizer de Karl Larenz, naqueles casos ‘em que se faz sentir a falta na lei duma ‘ordenação de vigência negati-
va’, portanto, duma regra restritiva. A lacuna não é aqui patente, mas está oculta, porque existe uma regra positiva
dentro da qual cabe a situação de facto; falta todavia a esperada restrição da regra, que dela exceptua a situação’ (em
Metodologia da Ciência do Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2ª ed., 1969, p. 434). Lacuna cujo su-
primento se faz por redução teleológica, ‘pelo aditamento da restrição postulada, de harmonia com o sentido da lei’
(id., p. 451).”
7
Lei nº 10.637/2002: “Art. 2º Para determinação do valor da contribuição para o PIS/Pasep aplicar-se-á, sobre a base
de cálculo apurada conforme o disposto no art. 1º, a alíquota de 1,65%.”
8
Lei nº 10.833/2003: “Art. 2º Para determinação do valor da Cofins aplicar-se-á, sobre a base de cálculo apurada con-
forme o disposto no art. 1º, a alíquota de 7,6%.”
9
“Tributário. ICMS. Base de Cálculo Reduzida. Isenção Parcial. Crédito Proporcional. Agravo Improvido. I - A Cor-
te reformulou seu entendimento quanto à matéria em debate e passou a equiparar a redução da base de cálculo do
ICMS à isenção parcial do imposto, para fins de aplicação da vedação ao crédito prevista no art. 155, § 2º, II, b, da
Constituição Federal (RE 174.178/SP, Redator para o acórdão Min. Cezar Peluso). II - Ressalvada a existência de
legislação dispondo que o crédito será maior, o direito ao crédito de ICMS deverá ser proporcional à base de cálculo
reduzida. Precedentes. III - Agravo regimental improvido.” (STF, AI-AgR nº 614.072, Rel. Min. Ricardo Lewan-
dowski, 1ª Turma, julgado em 30.6.2009)
10
“Tributário. IPI. Insumos Isentos, Não-tributados ou Sujeitos à Alíquota Zero. Inexistência de Direito aos Créditos.
Decisão com Fundamento em Precedentes do Plenário. 1. A decisão recorrida está em consonância com a jurispru-
dência do Plenário desta Corte (RE 370.682/SC e RE 353.657/RS), no sentido de que não há direito à utilização dos
créditos do IPI no que tange às aquisições insumos isentos, não-tributados ou sujeitos à alíquota zero. 2. Agravo re-
gimental improvido.” (STF, RE nº 566.551 AgR, Rel. Ministra Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 30.4.2010)
a atividade produtora de receita bruta desempenhada pelo contribuinte, e não res-
tringir-se apenas à atividade industrial desenvolvida pelo contribuinte.
Com relação aos bens do ativo fixo, a legislação sofreu diversas alterações em
um curto espaço de tempo, gerando bastante polêmica e insegurança jurídica, ora
mudando a sistemática de créditos, ora restringindo a utilização desses créditos.
Abaixo comentamos o regime de aproveitamento de créditos dessas contribui-
ções para bens do ativo fixo, para o caso sob análise.
“Lei nº 10.833/03:
Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar crédi-
tos calculados em relação a:
(...)
VI - máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado, adqui-
ridos ou fabricados para locação a terceiros, ou para utilização na produção de bens
destinados à venda ou na prestação de serviços.”
Com o fim de regulamentar o aproveitamento de tais créditos, a secretaria da
Receita Federal editou a Instrução Normativa nº 457/2004 (IN nº 457/2004), a qual
estabelece regras gerais para o aproveitamento dos créditos aqui discutidos.
Com relação a bens do ativo fixo adquiridos a partir de maio de 2004, de acor-
do com o artigo 1º da IN nº 457/2004, as pessoas jurídicas sujeitas à incidência não
cumulativa das contribuições para o PIS e a Cofins, em relação aos serviços e bens
adquiridos no País ou no exterior a partir de 1º de maio de 2004, podem descontar
créditos calculados sobre os encargos de depreciação dos bens do ativo fixo, tais
como:
a) máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado
para utilização na produção de bens destinados a venda ou na prestação de ser-
viços; e
b) edificações e benfeitorias em imóveis próprios ou de terceiros, utilizados nas
atividades da empresa.
Como se observa, o requisito para o direito ao crédito de PIS e de Cofins nas
aquisições de máquinas e equipamentos, isto é, bens do ativo imobilizado, é que
estes sejam utilizados na venda dos bens do contribuinte. Tal requisito, para tais
contribuições, é mais amplo e abrangente, em sintonia com a natureza e o fato ge-
rador de tais tributos, que incidem não sobre o preço da mercadoria ou produto, mas,
sim, sobre as receitas decorrentes da atividade do contribuinte.
Cumpre estabelecer que a própria IN nº 457/2004 estabelece quais são os crité-
rios para a apropriação da parcela de depreciação, especificando que os encargos que
devem ser tomados mediante a aplicação da taxa de depreciação determinada pela
Receita Federal em função do prazo de vida útil do bem, nos termos das Instruções
Normativas nos 162/1998 e 130/1999. Tais normas estabelecem o prazo de vida útil
de bens relativos ao ativo imobilizado, seguindo o critério geral de classificação
contábil.
Opcionalmente, para fins de determinação dos créditos de PIS e de Cofins, é
facultado ao contribuinte a apuração dos créditos sobre o valor de aquisição dos bens
do ativo imobilizado no prazo de quatro anos (relativos a qualquer bem do ativo
imobilizado) ou dois anos (relativo a bens específicos listados nos Decretos nos
4.955/2004, 5.173/2004 e 5.222/2004), conforme estabelecido no artigo 1º, parágra-
fo 2º, da IN nº 457/2004. Vejamos:
“Art. 1º As pessoas jurídicas sujeitas à incidência não-cumulativa da Contribuição para
o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins),
em relação aos serviços e bens adquiridos no País ou no exterior a partir de 1º de maio
de 2004, observado, no que couber, o disposto no art. 69 da Lei nº 3.470, de 1958, e
no art. 57 da Lei nº 4.506, de 1964, podem descontar créditos calculados sobre os en-
cargos de depreciação de:
I - máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado para uti-
lização na produção de bens destinados a venda ou na prestação de serviços; e
II - edificações e benfeitorias em imóveis próprios ou de terceiros, utilizados nas ati-
vidades da empresa.
§ 1º Os encargos de depreciação de que trata o caput e seus incisos devem ser deter-
minados mediante a aplicação da taxa de depreciação fixada pela Secretaria da Recei-
ta Federal (SRF) em função do prazo de vida útil do bem, nos termos das Instruções
Normativas SRF nº 162, de 31 de dezembro de 1998, e nº 130, de 10 de novembro de
1999.
§ 2º Opcionalmente ao disposto no § 1º, para fins de apuração da Contribuição para
o PIS/Pasep e da Cofins, o contribuinte pode calcular créditos sobre o valor de aqui-
sição de bens referidos no caput deste artigo no prazo de:
I - 4 (quatro) anos, no caso de máquinas e equipamentos destinados ao ativo imobili-
zado; ou
II - 2 (dois) anos, no caso de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos, no-
vos, relacionados nos Decretos nº 4.955, de 15 de janeiro de 2004, e nº 5.173, de 6 de
agosto de 2004, conforme disposição constante do Decreto nº 5.222, de 30 de setem-
bro de 2004, adquiridos a partir de 1º de outubro de 2004, destinados ao ativo imobi-
lizado e empregados em processo industrial do adquirente.” (Destaques nossos)
Os créditos relativos aos bens acima listados deverão ser calculados mediante a
aplicação, em cada período, dos seguintes fatores: 1,65% para o PIS, e 7,6% para a
Cofins, sobre o valor dos encargos de depreciação incorridos no mês.
4. Entendimento da Receita Federal do Brasil sobre o Tema
A partir das decisões administrativas emanadas pela Receita Federal do Brasil,
considerando a questão de aproveitamento de crédito de bens do ativo imobilizado
locados ou cedidos a terceiros e sua depreciação para fins de apuração do PIS e da
Cofins, podemos concluir que o Fisco Federal permite tal aproveitamento, sendo
irrelevante que os bens estejam fisicamente na sede do contribuinte ou de seu cliente.
Observe-se:
“Processo de Consulta nº 196/09
Órgão: Superintendência Regional da Receita Federal - SRRF/8ª Região Fiscal
Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins. Ementa:
Bens do Ativo Imobilizado. Locação. Crédito. A depreciação de máquinas, equipamen-
tos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado, adquiridos após 1º de maio de
2004 para locação a terceiros, pode ser descontada como crédito na apuração da
Cofins não-cumulativa no período posterior a 01 de dezembro de 2005. Dispositivos
Legais: Lei nº 10.833, de 2003, art. 3º, VI, e § 1º, III, com a redação da Lei nº 11.196/
2005, art. 45. Assunto: Contribuição para o PIS/Pasep. Ementa: Bens do Ativo Imobi-
lizado. Locação. Crédito. A depreciação de máquinas, equipamentos e outros bens
incorporados ao ativo imobilizado, adquiridos para locação a terceiros, pode ser des-
contada como crédito na apuração da contribuição para o PIS/Pasep não-cumulativa
apenas no período de 01 de janeiro de 2003 até 31 de janeiro de 2004, e, para os bens
adquiridos após 1º de maio de 2004, o direito de crédito ocorre a partir de 01 de de-
zembro de 2005.”
11
Vide ROLIM, João Dácio; e MARTINS, Daniela Couto. “ICMS - Manutenção de Créditos Relativos a Bens do Ati-
vo Permanente na Hipótese de Comodato”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 127. São Paulo: Dialética, 2006,
p. 54.
12
Processo de Consulta nº 204/2008, Superintendência Regional da Receita Federal - SRRF/8ª Região Fiscal, data da
decisão: 2 de julho de 2008.
desde que a receita tributável de tal contribuinte esteja relacionada a tal atividade
de locação ou derive/dependa de tal comodato, como ocorre no caso ora tratado.
Não obstante, se não houver remuneração pela locação, isto é, se esta for gra-
tuita (comodato), as receitas de aluguéis não serão o motivo que ensejaria o direito
a crédito das máquinas/equipamentos, mas sim, a venda de produtos per se.
Note-se que a diferença seria apenas quanto à justificativa do direito ao crédito,
mas em ambos os casos é permitido o aproveitamento dos créditos decorrentes de
aquisição com bens do ativo imobilizado.
Ressalte-se que, em razão da base de cálculo de tais contribuições ser a “recei-
13
ta” , isto é, relacionando-se à riqueza auferida pelo contribuinte e não sobre o va-
lor dos bens e serviços em si (como ocorre com o ICMS14, IPI15 e ISS16), a interpre-
tação tanto do conceito de insumo como de ativo imobilizado, para fins de direito à
crédito do PIS e da Cofins, deve ser mais ampla e abranger todos os bens que con-
tribuam para a geração da receita bruta decorrente da própria atividade do contri-
buinte.
É o que, por exemplo, aponta Natanael Martins:
“no caso da Contribuição ao PIS e da Cofins, a materialidade do tributo vai além da
atividade meramente mercantil, fabril ou de serviços, alcançando todo o universo de
receitas auferidas pela pessoa jurídica (...) o conceito de insumo erigido pela nova
sistemática do PIS e da Cofins não guarda simetria com aquele delineado pelas legis-
lações do IPI e do ICMS, visto não estar limitado apenas a operações realizadas com
mercadorias ou produtos industrializados, sendo, inclusive, aplicado aos prestadores
de serviços.”17
5. Conclusão
Uma vez que o requisito para o direito a crédito para fins de apuração das con-
tribuições para o PIS e para a Cofins, no que tange à aquisição de máquinas e equi-
pamentos é simplesmente de que estes bens sejam “adquiridos ou fabricados para
locação a terceiros, ou para utilização na produção de bens destinados à venda ou
na prestação de serviços” (conforme artigo 3º, VI, das Leis nos 10.637/2002 e 10.833/
2003), entendemos que a condição em análise é de que tais máquinas e equipamen-
tos contribuam de forma essencial para a geração da receita bruta, ensejando o pa-
gamento de tais contribuições por parte do contribuinte sobre tal base de cálculo.
13
“Receita não é todo e qualquer ingresso, mas tão somente aquele que, efetivamente, se incorpora ao patrimônio do
contribuinte.” (CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. “Tratamento Tributário Aplicável aos Contratos de Rateio/
Compartilhamento de Custos e Despesas (Cost Sharing Agreements): IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, ISS e Critérios para
Dedutibilidade de Despesas”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 177. São Paulo: Dialética, 2010, pp. 90-102.
14
A base de cálculo do imposto é o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria (Código Tributário Nacio-
nal, artigo 53, I, e Lei Complementar nº 87/1996, artigo 13, I).
15
A base de cálculo do imposto é o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria (Código Tributário Nacio-
nal, artigo 47, II, a, e Decreto nº 7.212/2010, artigo 190, II).
16
A base de cálculo do imposto é o preço do serviço (Código Tributário Nacional, artigo 72 e artigo 7º da Lei Comple-
mentar nº 116/2003).
17
MARTINS, Natanael. “O Conceito de Insumos na Sistemática Não-cumulativa do PIS e da Cofins”. In: FISCHER,
Octavio Campos; e PEIXOTO, Marcelo Magalhães (coords.). PIS-Cofins: Questões Atuais e Polêmicas. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 204.
Havendo qualquer restrição no que tange ao aproveitamento ou utilização dos
créditos de PIS e de Cofins relacionados a bens do ativo permanente temporariamen-
te locados ou dados em comodato a terceiros, desde que tais bens tenham partici-
pado na produção/geração dos bens ou na prestação dos serviços objeto da ativida-
de empresarial desenvolvida contribuinte (e, desta forma, contribuído para a gera-
ção da receita objeto da tributação por tais contribuições sociais), cabe a este pro-
curar ingressar com medida judicial cabível para ver satisfeito seu direito, ampara-
do na Constituição Federal e nas leis ordinárias que veicularam tais contribuições
sociais.
Ação Rescisória em Matéria Tributária
e os seus Reflexos em Relação ao
Crédito Tributário
Luana Vargas Macedo
1
“Acolhida a ação rescisória, a conseqüência natural é desfazer a coisa julgada material. Sendo a rescisória uma ação
constitutiva, sua eficácia é, em princípio, ex nunc, podendo, por expressa previsão legal, conter efeitos ex tunc.”
(PARÁ FILHO, Tomás. Estudo sobre a Sentença Constitutiva. São Paulo: Obelisco, 1973, p.139)
2
Na clássica lição do Professor Cândido Rangel Dinamarco: “Como afirmação que é, toda declaração tem sempre por
objeto fatos passados ou direitos e obrigações também preexistentes a ela, sendo natural que a eficácia das sentenças
declaratórias se reporte à situação existente no momento em que o fato ocorreu ou seu efeito jurídico-material se
produziu. Elas têm eficácia ex tunc, colhendo as realidades desse passado e assim prevalecendo quanto aos atos e
fatos ocorridos depois. Se o contrato é nulo, ele o é desde quando foi realizado (vício de formação). Se A é filho de
B, ele o é desde quando nasceu.” (Instituições de Direito Processual Civil. Vol. III. São Paulo: Malheiros, 2005, pp.
225-226)
3
Em respaldo ao que se disse sobre a natureza declaratória e a eficácia ex tunc das decisões (rectius: dos capítulos
dessas decisões) que, em juízo rescisório, julgam improcedentes os pedidos deduzidos na demanda originária, con-
fira-se o ensinamento do Professor Ernane Fidélis dos Santos: “O pedido que se pode cumular ao de rescisão é ape-
nas o de novo julgamento da causa. Não se comporta, na rescisória, pedido específico de condenação à devolução de
coisa, dinheiro, indenização por serviço prestado etc., quando já tiver havido execução da sentença ou acórdão res-
cindendos. Mas, na consideração de que, declarada a rescisão do ato jurídico judicial, tudo volta ao estado ante-
rior, o iudicium rescissorium poderá gerar efeitos secundários que também autorizam execução. O autor da resci-
sória fora condenado, como réu, a pagar quantia em dinheiro, ou a entregar imóvel que tinha em sua posse. No novo
Miranda, “a execução ou cumprimento da sentença rescindenda, se advém a resci-
são com a desconstituição completa, não pode beneficiar a quem recebeu algo do
efeito sentencial”4.
Essa natureza declaratória da decisão que, em juízo rescisório, julga proceden-
te a ação rescisória, seguida pela eficácia retroativa que lhe é própria, poderia, a
princípio, e especificamente no que tange ao campo do Direito Tributário, conduzir
à conclusão de que a rescisão de decisão judicial que havia declarado inexistente
determinada relação jurídica tributária, com a sua substituição por outra decisão,
agora julgando improcedente a ação originária, autoriza a exigência, pelo Fisco,
de tudo o que deixou de ser pago pelo contribuinte durante todo o período em que
estavam em vigor os efeitos da decisão rescindida. Ora, cobrar o valor que deixou
de ser pago no passado, pelo contribuinte, em razão dos efeitos da decisão rescin-
dida seria, justamente, a decorrência direta da natureza declaratória e da eficácia
retroativa que marcam a decisão de procedência da ação rescisória, em seu capítu-
lo atinente ao juízo rescisório.
Entretanto, a questão não é tão simples assim. É que, embora seja certo que a
procedência da ação rescisória opera, quanto ao juízo rescisório, efeitos retroativos
- o que permitiria, a princípio, a cobrança do valor que deixou de ser pago pelo con-
tribuinte durante o período de vigência da decisão rescindida -, é igualmente certo,
por outro lado, que a exigência tributária pressupõe a existência de crédito tributá-
rio constituído dentro do prazo decadencial previsto em lei.
Exatamente por isso, a cobrança, pelo Fisco, do que deixou de ser pago pelo
contribuinte durante o período de vigência dos efeitos da decisão rescindida não
pode ser efetivada sem que sejam observadas, em cada caso, as limitações atinen-
tes ao prazo decadencial incidente. Assim é que, num segundo passo rumo ao des-
linde do objeto deste artigo, serão lançadas breves considerações acerca do institu-
to da decadência.
julgamento, o acórdão da rescisória deu pela improcedência do pedido condenatório, ou ao de reivindicação. Como
efeito secundário da decisão, que é declaratória, muito lógico que, já tendo havido execução, por outra se façam
voltar as coisas ao estado anterior, isto é, que se permita ao autor fazer, através do processo executório, o imóvel
voltar a sua posse, e a se reembolsar da quantia que pagou indevidamente, em execução, com os acessórios que lhe
são peculiares.” (Manual de Direito Processual Civil. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2006, pp. 762/763)
4
Tratado da Ação Rescisória. São Paulo: Borsoi, 2003, pp. 539-540.
5
Instituições de Direito Civil. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 68.
Veja-se que a afirmação contida na alínea (ii) acima merece atenção especial. É
que o sentido nela contido, de que o prazo decadencial tem sobrestado seu curso
enquanto existir óbice ao exercício do direito, parece estar em choque com outra
afirmação, bastante frequente, aliás, segundo a qual os prazos decadenciais não se
suspendem nem se interrompem. O choque, de fato, existe, mas é de se dizer, des-
de já, e sem pretender, aqui, esgotar a questão, que a tão propagada impossibilida-
de de suspensão e/ou interrupção dos prazos decadenciais não se sustenta em bases
sólidas, merecendo, portanto, ser revista.
Com efeito, embora se saiba que o prazo decadencial não se sujeita às hipóte-
ses ordinárias de suspensão e de interrupção do prazo prescricional, sabe-se, tam-
bém, que assim como ocorre com a prescrição, a decadência, para se consumar, pres-
supõe a inércia do titular do direito, que, podendo, deixa de exercê-lo. Assim, a inér-
cia está para o conceito de decadência como seu elemento integrante e anteceden-
te, sem o qual o seu respectivo consequente, a saber, a extinção do direito, não se
verifica.
Ora, não está inerte quem, por fatores externos, impositivos, que não se acham
à sua disposição, está impedido de exercer o direito. É por isso que se diz que, em-
bora o prazo decadencial não se sujeite às regras usuais de suspensão e de interrup-
ção da prescrição, esse mesmo prazo deixará de fluir - restará verdadeiramente sus-
penso - caso sobrevenha fator impeditivo ao exercício do direito, e isso simplesmente
porque, nesse caso, não haverá a inércia, indispensável à configuração da decadên-
cia.
Demonstrando a necessidade de superação da assertiva de que os prazos deca-
denciais não se suspendem nem se interrompem, vale conferir o ensinamento do i.
Ministro do STJ, Teori Albino Zavascki:
“É possível que entre a data da concessão da liminar e a da sua revogação tenha de-
corrido o prazo prescricional ou decadencial para o exercício de ação ou de direito
fundado em norma cuja vigência fora suspensa e posteriormente restabelecida. Por
exemplo, é possível que, entre o trânsito em julgado da sentença no caso concreto e a
revogação da liminar na ação de controle concentrado, tenha transcorrido período de
tempo superior ao previsto para o ajuizamento da ação rescisória. Terá o interessado,
que se submeteu ao comando liminar, perdido o direito de promover a ação? Esta ques-
tão há que ser examinada e resolvida à luz do princípio, acima anotado, do não-prejuízo
a quem obedeceu a liminar, por força do qual devem ser asseguradas ao jurisdiciona-
do, integralmente, todas as faculdades e pretensões que poderia ter exercido não fosse
o comando impeditivo da medida judicial. À luz de tal princípio, deve-se entender que
o prazo para o ajuizamento da ação rescisória terá como termo inicial a data do trânsi-
to em julgado, não da sentença do caso concreto, mas do acórdão ou da decisão que,
na ação de controle concentrado, revogou a liminar.
Dir-se-á que se trata de prazo decadencial, não sujeito a suspensão ou interrupção. A
objeção não procede. Não se pode ter por absoluta, como demonstrado em doutrina
[MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, 4ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos
Tribunais, 1974, tomo VI, p.141; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Di-
reito Civil, 14ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1993, vol. I, p. 479, nota 23], a regra de
que o prazo de decadência não comporta incidências que alterem o seu curso. A pen-
dência de demanda judicial, por exemplo, é causa de interrupção não apenas dos pra-
zos prescricionais (CPC, art. 219), mas igualmente dos prazos extintivos do direito
(CPC, art. 220), nos quais se incluem, conforme a jurisprudência [STJ, REsp 1.450,
3ª Turma, Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 18.12.89, p. 18.475; REsp 50.363, 4ª Turma,
Min. Torreão Braz, DJ de 21.11.94, p. 31.773; REsp 63.732, 1ª Turma, Min. César
Asfor Rocha, DJ de 14.08.95, p. 23.993; REsp 63.751, 1ª Turma, Min. Humberto
Gomes de Barros, DJ de 02.10.95, p. 32.333; REsp 72.660, 1ª Turma, Min. Cesar As-
for Rocha, DJ de 05.02.96, p. 1.365; REsp 90.164, 6ª Turma, Min. Luiz Vicente Cer-
nichiaro, DJ de 16.12.96, p. 50.970; REsp 11.106, 2ª Turma, Min. Adhemar Maciel,
DJ de 10.11.97, p. 57.731; REsp 89.522, 2ª Turma, Min. Peçanha Martins, DJ de
25.02.98, p. 37], também os de natureza decadencial. Ora, regime jurídico semelhan-
te não se poderia negar à situação aqui enfocada. Na verdade, a medida antecipatória
deferida nas ações de controle concentrado importa a suspensão da eficácia do precei-
to normativo questionado, ou a imposição dela (o que significa, também, inibição da
eficácia de eventual norma em sentido diferente). Ou seja, a liminar atua inclusive no
plano da incidência da norma, inibindo, assim, não apenas o exercício dos direitos
eventualmente sujeitos a prazos decadenciais, mas o próprio surgimento deles.
Suspensa a incidência, não tem sequer início o prazo (decadencial) para o exercício
do direito. Por outro lado, quando a liminar for deferida após a incidência da norma
objeto da ação, inibe-se o exercício de eventual direito daí decorrente, e, portanto, fica
suspenso o curso do respectivo prazo decadencial. Assim, qualquer que seja a hipóte-
se, não há como computar-se no prazo decadencial o período de vigência da liminar
deferida na ação de controle concentrado. Daí afirmar-se que, nas situações acima
enfocadas, o termo inicial do prazo para ajuizamento da ação rescisória é o do trânsito
em julgado do acórdão que revogou a liminar.
A mesma solução é aplicável a todas as demais situações em que, no interregno de
vigência da liminar revogada, tenha transcorrido período de tempo superior ao do prazo
de prescrição ou de decadência. O princípio do não-prejuízo impõe que, com a revo-
gação da liminar, haja reposição integral da situação jurídica de quem ficou submeti-
do ao seu comando, inclusive no que se refere aos prazos para exercício dos direitos,
das ações e das pretensões. Conseqüentemente, não se pode incluir no cômputo dos
prazos de decadência ou de prescrição [STJ, REsp 158.004, 5ª Turma, Ministro José
Dantas, DJ de 18.05.1998, com a seguinte ementa: ‘Administrativo. Ação. Prescrição.
Em conta o princípio da actio nata e da modernidade do Direito, há de compreender-
se ao lado do vetusto rol numerus clausus do art. 169 do Código Civil a causa suspen-
siva da prescrição da ação fundada na lei suspensa nos seus efeitos por liminar do Su-
premo Tribunal Federal, concedida em ação direta de inconstitucionalidade’], inclusi-
ve os que tem o Fisco para efetuar o lançamento e a cobrança dos tributos, o período
de vigência da liminar. Tais prazos somente terão início ou retomarão seu curso na data
do trânsito em julgado do acórdão ou da decisão que, na ação de controle concentrado
de constitucionalidade, tiver revogado a medida liminar.”6
Veja-se que todas essas noções gerais acerca do instituto da decadência se apli-
cam, naturalmente, à decadência em Direito Tributário. Nessa específica seara, a
decadência se refere ao exercício, pelo Fisco, do direito subjetivo de efetuar o lan-
çamento para a constituição do crédito tributário - não exercido, no prazo legal, o
direito de lançar, este restará fulminado pela decadência.
Ainda na esteira das balizas gerais acima expostas, e trazendo-as para o campo
do Direito Tributário, é de se dizer que o prazo decadencial somente começa a fluir
6
Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional. São Paulo: RT, 2001, pp. 74-76.
a partir do momento em que o correspondente direito de lançar puder ser exercido;
e esse momento se verifica quando, ocorrido o fato gerador previsto na norma de
incidência tributária, nasce a respectiva relação jurídica tributária7. É dessa relação
jurídica tributária que surge, para o Fisco, o direito de lançar o crédito tributário em
face do sujeito passivo. Diz-se, portanto, que ocorrido o fato gerador, e nascida a
correspondente relação jurídica tributária, passa a correr, a partir desse momento, o
prazo decadencial para o Fisco efetuar o lançamento tributário.
Daí se segue que se (i) a relação jurídica tributária não nasce, seja por que a
correspondente norma tributária não incide, seja por que não ocorre o fato gerador
previsto nessa norma, não surge, para o Fisco, o direito potestativo de lançar: con-
sequência disso é que o respectivo prazo decadencial não inicia seu curso. Da mes-
ma forma, se (ii), após iniciado o fluxo do prazo decadencial, o direito de lançar,
por motivo qualquer, restar realmente obstado, o fluxo de tal prazo será sobrestado,
somente retomando seu curso quando removido o óbice ao exercício do direito em
tela.
Coloca-se como exemplo da primeira hipótese a situação em que determinada
norma de incidência tributária é considerada inconstitucional, por decisão judicial
transitada em julgado. Nesse caso, essa norma, tida por inconstitucional, não inci-
de, não nascendo, portanto, a relação jurídica tributária correspondente. Decorre daí
a inexistência, para o Fisco, do direito potestativo de lançar, e, por conseguinte, a
não fluência do respectivo prazo decadencial.
Como exemplo da segunda hipótese, cita-se a situação, não muito usual, em que
é proferida determinação judicial vedando expressamente o exercício do direito de
lançar pelo Fisco. Essa decisão, embora equivocada (a decisão poderia, quando
muito, impedir a inscrição em dívida ativa e a cobrança judicial do crédito tributá-
rio, mas, jamais, a sua constituição), enquanto em vigor, deve ser cumprida pelos
seus destinatários, sob pena de os mesmos incidirem em crime de desobediência,
previsto no art. 330 do CP. Sendo assim, determinação judicial nesse sentido confi-
gura fator verdadeiramente impeditivo do direito de lançar, de modo que, durante a
sua vigência, não deve fluir o prazo decadencial.
Veja-se que, embora tal situação felizmente seja pouco usual, nada impede a sua
ocorrência na prática; assim é que o E. STJ, ao se deparar com tal hipótese, deci-
diu, em recente julgado, exatamente no sentido aqui defendido: o curso do prazo
decadencial para a constituição do crédito tributário fica suspenso durante o perío-
do em que o Fisco não efetua o lançamento tributário por estar impedido de fazê-
lo. Confira-se:
“Tributário. Suspensão da Exigibilidade do Crédito Tributário. Decadência do Direito
de o Fisco lançar. Existência de Óbice Judicial à Constituição do Crédito. Inércia do
Fisco. Não Configuração. Ocorrência do Lançamento antes do Decurso do Lustro
Decadencial.
1. As causas supervenientes suspensivas do crédito tributário não inibem a Fazenda
Pública de providenciar a sua constituição, posto atividade administrativa vinculada e
7
É o que se extrai do art. 173, I, do CTN, que traz a regra geral em tema de decadência tributária (“Art. 173. O direito
de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I - do primeiro dia do
exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado”).
obrigatória. É que a Administração Ativa deve lançar o crédito tributário a fim de evi-
tar a ocorrência da decadência, possibilitando sua cobrança após encerrada a causa
suspensiva de exigibilidade (Precedente da Primeira Seção: EREsp 572.603/PR, Rel.
Ministro Castro Meira, julgado em 08.06.2005, DJ 05.09.2005).
2. Entrementes, impende ressaltar que a decadência, assim como a prescrição, nasce
em razão da realização do fato jurídico de omissão no exercício de um direito subjetivo.
3. In casu: (i) cuida-se de tributo sujeito a lançamento por homologação (ICMS); (ii)
por força de liminar deferida em 21.07.1994, em sede de ação cautelar, o contribuin-
te, a partir de março de 1995, passou a creditar, em sua escrita fiscal, a correção mo-
netária de créditos escriturais excedentes de ICMS; (iii) em 30.03.1999, o contribuin-
te teve contra si lavrado o Auto de Lançamento nº 001241664, no qual a autoridade
coatora cobrava os valores creditados em sua escrita fiscal; (iv) em 19.01.2000, após a
discussão na esfera administrativa, o contribuinte impetrou mandado de segurança
preventivo, com pedido de liminar, visando a anulação do Auto de Lançamento lavra-
do pelo Fisco; (v) em 21.06.2002, restou provido recurso extraordinário interposto pelo
Fisco, tendo sido reformadas as decisões que favoreciam a impetrante; (vi) em
18.12.2003, transitou em julgado o mandado de segurança, que reconhecera o direito
do contribuinte em ver anulado o auto de lançamento, por afronta à decisão judicial
que lhe autorizara a utilização da correção do saldo credor de ICMS; (vii) em
23.09.2004, o Fisco Estadual efetuou novo lançamento (nº 0013875825), objetivando
a cobrança do valor aproveitado a partir do ano de 1995.
4. Desta sorte, malgrado a jurisprudência pacífica do STJ no sentido de que a suspen-
são da exigibilidade do crédito tributário não impede o lançamento, no caso sub exa-
mine, restou obstado o exercício, pelo Fisco, do seu dever de constituir o crédito tribu-
tário enquanto vigorasse a liminar deferida no âmbito de mandado de segurança, o que
ocasionou a desconstituição de anterior auto de lançamento lavrado tempestivamente
(por desobediência à aludida ordem judicial), razão pela qual não fluiu o lustro deca-
dencial, uma vez que não se caracterizou a inércia do sujeito ativo, que, com a cassa-
ção da decisão impeditiva, pelo STF, em 21.06.2002, procedeu ao lançamento antes
do decurso do prazo qüinqüenal, em 23.09.2004.
5. Recurso especial desprovido.” (REsp n. 849.273/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJU de
7.5.2008)
De qualquer forma, ressalte-se que, nas duas hipóteses acima lançadas (i e ii),
não se pode dizer que o Fisco estava inerte quanto ao exercício do seu direito de
lançar. Exatamente por isso é que, em ambas as hipóteses, não há fluência de prazo
decadencial.
1. Introdução
Pobres Estados-Membros e Municípios, no federalismo
brasileiro! Sofre o Rio de Janeiro com o petróleo; sofre Mi-
nas Gerais com os buracos resultantes da exploração de mi-
nérios! A terra vermelha que suja... O ar que fica empoeira-
do... O verde que se transforma em montanhas de buracos...
As estradas destruídas... Como sofrem as Minas Gerais!
Por certo, a questão da base de cálculo do ICMS nas
transferências interestaduais de minério de ferro precisa ser
revisitada. Essa é a proposta das linhas que se seguem.
1
Nesse sentido, vale conferir o Recurso Especial nº 1.109.298/RS (2008/0279009-9) da 2ª Turma do STJ (Relator
Ministro Castro Meira, Recorrente Nestlé Brasil Ltda., Recorrido Estado do Rio Grande do Sul, julgado em 26.4.2011),
que traz a seguinte ementa: “Processual civil e tributário. ICMS. Base de cálculo. Estabelecimentos. Mesmo titular.
Transferência entre fábrica e centro de distribuição. Artigo 13, § 4º, da LC 87/96.”
gócio jurídico praticado (art. 13 da LC nº 87/1996). No entanto, o parágrafo 4º do
referido dispositivo prevê base de cálculo específica para a situação de saída de
mercadoria pertencente ao mesmo titular para estabelecimento em outro Estado.
O Tribunal Superior, no citado acórdão, decidiu que a interpretação do art. 13,
parágrafo 4º, da LC nº 87/1996 deve ser restritiva, porque o parágrafo estabelece
bases de cálculos específicas. Em outras palavras, a interpretação deve ser restriti-
va para não se alargarem as exceções da base de cálculo do ICMS mercantil posta
como regra geral no caput do art. 13, uma vez que o parágrafo 4º do art. 13 estabe-
leceu bases de cálculo a serem adotadas em situações excepcionais, estratificando
o quantum. Entretanto, a hipótese estabelecida para aplicação do parágrafo 4º do art.
13 vem bem demarcada na LC nº 87/1996, ou seja, deve o dispositivo ser aplicado
quando se tratar de saída de mercadoria para estabelecimento localizado em outro
Estado, pertencente ao mesmo titular. Frise-se, assim, que, nesses casos, irrefuta-
velmente, deve ser aplicado o dispositivo.
O STJ, da mesma forma, marca, no acórdão, que os incisos do art. 13, parágrafo
4º estão conectados às atividades do sujeito passivo. Nesse compasso, os incisos do
parágrafo 4º fazem expressa referência à atividade desenvolvida pelo sujeito passi-
vo: no inciso I, mercantil; no II, a industrial e; no III, a relativa a produtos primá-
rios.
2
Cf. ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito - Introdução e Teoria Geral. 10ª ed. Coimbra: Almedina, 1997, p. 408.
Como observa Hugo de Brito Machado (Curso de Direito Tributário. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 77),
todo o direito tende a um fim, tem uma finalidade, e esta finalidade deve ser considerada na interpretação, de sorte
que o intérprete não extraia do texto um significado incompatível com o fim visado pelo legislador.
3
Cf. ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito - Introdução e Teoria Geral. Op. cit., pp. 410-411.
4
Cf. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, pp. 153 e
157.
Direito’; grande fator, portanto; um dos mais eficientes da exegese moderna. (...) Se é
certo que o juiz deve buscar o verdadeiro sentido e alcance do texto; todavia este al-
cance e aquele sentido não podem estar em desacordo com o fim colimado pela legis-
lação - o bem social.”
A interpretação, antes de tudo, deve ter em conta o elemento teleológico, em
especial porque a lei deve assegurar a função social do Direito.5 A consideração do
elemento teleológico da interpretação, portanto, que deriva da exigência de busca
da finalidade social da lei, faz-se necessária para trazer à consideração do intérpre-
te os valores materiais básicos estabelecidos no ordenamento jurídico, que se encon-
tram esculpidos, sobretudo, na Constituição.6
Trazido para a seara tributária, o elemento teleológico traduz a exigência de
busca da finalidade social da lei impositiva, que deverá, no processo hermenêutico,
iluminar e orientar o intérprete da lei. Por certo, nesse elemento teleológico, inar-
redável para uma adequada interpretação da norma, deve-se perquirir a essência da
norma tributária, sua razão de ser, a finalidade social perseguida pela lei. Daí por
que ao Direito Tributário não basta a pesquisa da palavra, da letra, trabalho este do
especialista em gramática, mas deve-se buscar o sentido da norma, sua essência. No
caso do ICMS, portanto, não se pode interpretar a norma sem apreender a lógica do
tributo e os fins sociais buscados pela lei impositiva. Nesse compasso é que se deve
buscar o sentido dos dispositivos da LC nº 87/1996.
No caso em tela, em operações comerciais nas quais a pessoa jurídica é a mes-
ma, de fato, não faz sentido tomar o “preço” ou “valor da operação” como critério
determinante da base de cálculo do ICMS, como em regra deve-se fazer, porque
não se verifica a transferência da titularidade jurídica da mercadoria (posse ou pro-
priedade).7 Exatamente por isso é que o inciso I do art. 13, parágrafo 4º, da LC nº
87/1996, firma a expressão “entrada mais recente”.
Corroborando esse pensamento, o STJ firmou o entendimento de que o inciso I
diz respeito a operações nas quais o titular do estabelecimento compra os produtos,
isto é, aplica-se o dispositivo quando o titular do estabelecimento adquire-os de ter-
ceiros em operações empresariais típicas, e depois os transfere a estabelecimento
dele próprio localizado em outro Estado.
No que diz respeito ao inciso II, a expressão “custo da mercadoria produzida”
refere-se ao valor das operações em que o titular do estabelecimento fabrica os pro-
dutos. Neste caso, a base de cálculo é sempre o custo da mercadoria produzida (soma
do custo da matéria-prima, do material secundário, mão de obra e acondicionamen-
to), sem qualquer agregação de valor (plus).
O inciso II deve ser aplicado quando se trata de estabelecimento industrial. Não
faz sentido tomar a “entrada mais recente” porque o inciso trata de estabelecimen-
5
Como avalia Lúcio Flávio de Vasconcellos Naves (Abuso no Exercício do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.
260), “a função social do Direito é sua razão de existir. É a sua alma. É sua forma substancial. É, em última análise,
o espírito que lhe dá vida.”
6
Daí a importância da “Interpretação conforme a Constituição”, que trataremos linhas a frente.
7
Nesse sentido, SOUZA, Fátima Fernandes Rodrigues de. Curso de Direito Tributário. 10ª ed. Coordenação de MAR-
TINS, Ives Gandra da Silva. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 770.
to industrial, que, usualmente, dá entrada a diversos produtos que compõem a ca-
deia produtiva e os industrializa. O inciso II não poderia mesmo utilizar o “preço”
porque se está, como no inciso I, diante de operações realizadas entre estabeleci-
mentos do mesmo titular.
O critério legal do inciso II marca, assim, que, no caso de estabelecimento in-
dustrial, deve-se tomar o custo da mercadoria produzida. De fato, se tomado o “va-
lor final de venda do produto industrializado”, incorporando-se o plus valorativo de
toda a cadeia de circulação econômica ainda no Estado de origem (no qual se deu a
industrialização), aconteceria uma espécie de “substituição tributária inversa”. Em
uma visão mais genérica, se assim disciplinasse a LC nº 87/1996, os Estados de
origem mais industrializados, onde se situassem as indústrias, como São Paulo, fi-
cariam com todo o ICMS da cadeia produtiva.
No caso do inciso II, a LC nº 87/1996, ao fazer a transferência entre estabeleci-
mentos do mesmo titular ao valor de custo do produto industrializado, faz com que
o ICMS seja recolhido, em essência, no Estado de destino. Basta verificar que, no
estabelecimento industrial (estabelecimento origem), o crédito dos insumos com-
pensa o valor lançado na saída (nos termos do inciso II), portanto, em geral, o valor
agregado (o plus) é tributado no Estado de destino. Entretanto, a indústria, em re-
gra, se instala onde existem insumos para a transformação industrial. Nesse senti-
do, o Estado de origem, geralmente, contará com o ICMS cobrado dos insumos. Em
síntese, o Estado de origem, que tem a indústria, em geral, recebe o tributo cobrado
dos insumos, mas não fica com o tributo da operação com o produto industrializa-
do, que fica com o Estado de destino.
Por outro giro, o inciso III deve ser aplicado quando não se está perante estabe-
lecimento industrial, nem se tratar de operação empresarial típica de comércio. O
dispositivo, como se pode verificar, tem especial aplicação para o caso de ativida-
de extrativa. No caso da atividade extrativa, o valor a ser lançado na saída é o “pre-
ço corrente no mercado atacadista do estabelecimento remetente”.
No caso de produtos industrializados (inciso II), a LC nº 87/1996 privilegia, por
certo, o Estado de destino, que efetivamente fica com o tributo incidente sobre o
plus; no caso da atividade extrativa (inciso III), a LC nº 87/1996 privilegia o Esta-
do de origem. Nesse compasso, os dois incisos estabelecem tratamentos absoluta-
mente opostos para a questão.
Se observado o arcabouço constitucional, poder-se-ia verificar que, ao privile-
giar o Estado de destino no inciso II, a LC estará favorecendo, em regra, evidente-
mente, os Estados menos industrializados. Nesse sentido, de alguma forma, o dis-
positivo estaria em sintonia com o art. 3º, II, da CRFB/1988, que determina que
constituem objetivos fundamentais da República reduzir as desigualdades sociais
e regionais. Entretanto, como visto, o Estado de origem (no qual se localiza a in-
dústria), em regra, conta com o ICMS incidente sobre os insumos.
Em sentido contrário, quando se está perante atividade extrativa, o inciso III da
LC nº 87/1996 favorece o Estado de origem. Em primeiro lugar, como é consabido,
na atividade extrativa, em regra, o ICMS referente aos insumos não é (e nem pode-
ria ser) significativo, pela própria natureza da atividade. Em segundo lugar, como
ressabido, a extração causa problemas severos ao Estado que a efetua. Exatamente
por isso é que, se o art. 20, IX, da CRFB/1988 prevê que são bens da União os re-
cursos minerais, inclusive os do subsolo, o parágrafo 1º do mesmo artigo, assegura
aos Estados participação, como compensação financeira pela exploração (royalties,
a propósito, insignificantes para minério). É sabido que, os danos ambientais são
elevados; a degradação de reservas é significativa; a geração de empregos não é ele-
vada, em regra, como na indústria etc.
Indústria, afinal, é toda atividade humana que, através do trabalho, transforma
matéria-prima em outros produtos, que, em seguida, podem ser, ou não, comercia-
lizados.8 Por outro giro, o extrativismo, que é a mais antiga atividade humana, con-
siste na retirada de recursos da natureza pelo homem. Em outras palavras, se o es-
tabelecimento industrial, na essência de sua atividade, transforma matéria-prima em
produtos industrializados, o estabelecimento (não industrial) voltado para o extra-
tivismo, essencialmente, em sua atividade, promove a retirada de recursos naturais
(do solo).
É sabido que a extração de recursos não renováveis, como é o caso dos mine-
rais, causa danos à natureza, degrada o meio ambiente, e a riqueza do Estado se vai
junto com o minério. O mesmo não ocorre com a indústria que, recebendo a maté-
ria-prima, produz o produto industrializado, gerando riqueza que sempre se reno-
va.
Nessa direção, não faz sentido, uma empresa abrir jazidas e “buracos” no Esta-
do de Minas Gerais, retirando a maior de todas as riquezas do Estado, sem que o
povo desse Estado nada receba de tributos. As estradas usadas pela empresa e pelos
empregados dela são as mineiras; os filhos dos mineiros estudam em escolas públi-
cas mineiras; a segurança nas cidades é feita pela Polícia Militar mineira etc. No
local de exploração das jazidas de minério sequer gado pode pastar por entre má-
quinas de grande porte; sequer plantações rasteiras podem ser cultivadas. Seria
mesmo descabido extrair minérios em Minas Gerais e pagar o ICMS no Estado de
São Paulo, ou em qualquer outro Estado, apenas porque a empresa resolveu abrir
um escritório nesse Estado!
Esse é o entendimento que deve prevalecer para a questão; essa é a única inter-
pretação plausível para a LC nº 87/1996 lastreada em uma lógica que toca a finali-
dade social da lei. O aspecto teleológico da lei, assim, apenas pode ser devidamen-
te capturado à luz da diferença essencial que as duas atividades propiciam para os
Estados que tributam.
Não fosse esse o entendimento, no final, em situação completamente injusta e
legalmente desvirtuada, o Estado de destino acabaria ficando com todo o imposto
do Estado extrator, e o Estado de origem, que sofreu com a exploração de suas jazi-
das, apenas com o dever de admitir a ocupação de vastas áreas de seu território e
compensar os créditos do contribuinte.
A letra do inciso III permite, claramente, o entendimento posto. Exatamente por
isso é que a LC nº 87/1996 determina que o inciso I se aplica para o comércio; o
inciso II para a indústria; e o inciso III se aplica para atividades não industriais. A
8
Cf. COELHO, Marcos de Amorim; e TERRA, Lygia. Geografia Geral. 4ª ed. São Paulo: Moderna, 2003, p. 310.
essência da atividade, sua natureza e seus efeitos, como apontado acima, à luz da
finalidade social da lei, são decisivos para se determinar o dispositivo que incide.
9
Essencialmente, no capítulo, a avaliação acerca da consideração do minério como produto primário, foi lastreada no
Parecer Dolt/Sutri, de 25 de maio de 2011, da lavra de Kalil Said de Souza Jabour.
10
Cf. JABOUR, Kalil Said de Souza. Parecer Dolt/Sutri, de 25 de maio de 2011.
As classificações nacionais devem ser interpretadas tomando-se por base a ideia
de necessária compatibilidade destas para com as classificações internacionais. Em
especial para produtos que circulam no mercado internacional, como no caso do
minério de ferro, a compatibilização é uma necessidade inarredável do comércio
internacional.
Nesse sentido, como bem avalia Kalil Jabour,11 o Instituto Brasileiro de Geogra-
fia e Estatística (IBGE) efetivamente compatibiliza as classificações nacionais com
as internacionais. Nesse sentido, a classificação nacional das atividades econômi-
cas trazida no CNAE deve ser verificada em sintonia com o padrão internacional
posto pela International Standard Industrial Classification (Isic 2) desenvolvida pela
Divisão de Estatísticas da Organização das Nações Unidas. A questão vem assim
posta pela Classificação Internacional da Organização das Nações Unidas (Interna-
tional Standard Industrial Classification of All Economic Activities):
“Section: B - Mining and quarrying
This Section is divided into the following Divisions:
05 - Mining of coal and lignite
06 - Extraction of crude petroleum and natural gas
07 - Mining of metal ores
08 - Other mining and quarrying
09 - Mining support service activities
This section includes the extraction of minerals occurring naturally as solids (coal and
ores), liquids (petroleum) or gases (natural gas). Extraction can be achieved by different
methods such as underground or surface mining, well operation, seabed mining etc.
This section also includes supplementary activities aimed at preparing the crude ma-
terials for marketing, for example, crushing, grinding, cleaning, drying, sorting, con-
centrating ores, liquefaction of natural gas and agglomeration of solid fuels. These
operations are often carried out by the units that extracted the resource and/or others
located nearby.
Mining activities are classified into divisions, groups and classes on the basis of the
principal mineral produced. Divisions 05, 06 are concerned with mining and quarrying
of fossil fuels (coal, lignite, petroleum, gas); divisions 07, 08 concern metal ores,
various minerals and quarry products.
Some of the technical operations of this section, particularly related to the extraction
of hydrocarbons, may also be carried out for third parties by specialized units as an
industrial service, which is reflected in division 09.
This section excludes the processing of the extracted materials (see section C -
Manufacturing), which also covers the bottling of natural spring and mineral waters
at springs and wells (see class 1104) or the crushing, grinding or otherwise treating
certain earths, rocks and minerals not carried out in conjunction with mining and
quarrying (see class 2399). This section also excludes the usage of the extracted
materials without a further transformation for construction purposes (see section F -
Construction), the collection, purification and distribution of water (see class 3600),
separate site preparation activities for mining (see class 4312) and geophysical,
geologic and seismic surveying activities (see class 7110).”
11
Cf. JABOUR, Kalil Said de Souza. Parecer Dolt/Sutri, de 25 de maio de 2011.
Como se pode verificar, a atividade extrativa não é qualificada como “indústria”.
A propósito, o próprio IBGE determina expressamente que “o padrão de relaciona-
mento seguido pela CNAE é o seguinte: nos dois primeiros níveis hierárquicos -
seções e divisões - a CNAE adota estrutura da Ciiu/Isic, inclusive na definição dos
códigos”.12 Nesse sentido, a mineração aparece como atividade de produção primá-
ria na International Classification of Activities for Time-use Statistics, como se pode
facilmente verificar:
“02 - Work for household in primary production activities.
021 - Core activities: working time in primary production activities
0211 - Working time in primary production activities
02111 - Growing of crops and trees; kitchen gardening
02112 - Farming of animals; production of animal products; animal husbandry servi-
ces
02113 - Hunting, trapping and production of animal skins
02114 - Gathering of wild products, woodcutting, gathering firewood and other fores-
try activities
02115 - Fishing and fish/aquatic farming
02116 - Mining and quarrying
02117 - Collecting water
02118 - Training and studies in relation to work in primary production activities of
households
0211x - Working time in primary production activities n.f.d.”
Enfim, se a essência da atividade extrativa não se confunde com a essência da
atividade tipicamente industrial, como visto, a atividade extrativa de minérios se-
quer pode ser considerada atividade industrial. Em outras palavras, a extração de
minério de ferro, à toda evidência, não configura atividade industrial para fins tri-
butários, daí cabe a aplicação do inciso III, do parágrafo 4º do art. 13 da LC nº
87/1996 (mercadoria não industrializada).
12
Extraído em 1º de junho de 2011. Disponível em www.ibge.gov.br/concla/pub/revisao2007.
27 - Crude fertilizers, other than those of Division 56, and crude minerals (excluding
coal, petroleum and precious stones)
28 - Metalliferous ores and metal scrap
29 - Crude animal and vegetable materials, n.e.s.
13
Cf. JABOUR, Kalil Said de Souza. Parecer Dolt/Sutri, de 25 de maio de 2011.
14
Cf. JABOUR, Kalil Said de Souza. Parecer Dolt/Sutri, de 25 de maio de 2011.
15
Extraído em 2 de maio de 2011. Disponível em www.unesco.org. Da mesma forma, vale conferir em JABOUR, Ka-
lil Said de Souza. Parecer Dolt/Sutri, de 25 de maio de 2011.
“Primary goods or products - for example, iron ore, diamonds, wheat, copper, oil, or
coffee-that are used or sold as they are found in nature. They are also called commo-
dities.”
Quanto à legislação tributária brasileira, a questão fica muito bem elucidada na
legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Basta verificar que o
IPI não incide sobre a extração mineral e suas atividades complementares. A pro-
pósito, o IPI jamais incidiu sobre a indústria extrativa de minérios, seja por ocasião
da incidência do antigo Imposto Único sobre Mineirais, seja na égide da atual CRFB/
1988, que estabelece a não incidência do IPI nessa atividade. Nesse sentido, a toda
evidência, a legislação tributária mais especializada em industrialização não tem a
extração mineral e suas atividades complementares como modalidades de industria-
lização.
Em síntese, tal como o IBGE e os órgãos internacionais competentes, a legisla-
ção do IPI não considera o processo de lavra como industrialização, nem o estabe-
lecimento extrator como industrial. Na realidade, o processo produtivo de extração
visa obter o produto mineral (pertencente à concessionária) a partir do recurso ou
substância mineral (que pertence à União). O processo de beneficiamento a que se
submete o minério não o descaracteriza como produto primário.16 O produto resul-
tante da extração mineral é que é aproveitado como matéria-prima em processos
ulteriores, estes sim industriais.
Em síntese, de forma inequívoca, a extração mineral e suas atividades comple-
mentares não são processos de industrialização, portanto, a elas cabe a aplicação do
inciso III do parágrafo 4º do art. 13 da LC nº 87/1996 (mercadoria não industriali-
zada). Em outras palavras, nas transferências interestaduais de produtos primários,
como é o caso em análise, a base de cálculo do ICMS é o preço corrente da merca-
doria ou de sua similar no mercado atacadista do local da operação, caso o reme-
tente seja produtor, extrator ou gerador.
16
Como bem afirma Kalil Said de Souza Jabour (Parecer Dolt/Sutri, de 25 de maio de 2011), o beneficiamento a que
se refere o Código de Mineração (Decreto-lei nº 227/1967) é uma atividade complementar à extração, como descrita
na Classificação Nacional de Atividades Econômicas e, literalmente, na International Standard Industrial Classifi-
cation of All Economic Activities. Nesse sentido, o processo de beneficiamento de minerais é entendido como ativi-
dade complementar à extração, realizada por fragmentação, pulverização, classificação, concentração, separação
magnética, flotação, homogeneização, aglomeração ou aglutinação, briquetagem, nodulação, sinterização, pelotiza-
ção, ativação, coqueificação, calcinação, desaguamento, inclusive secagem, desidratação, filtragem, levigação, bem
como qualquer outro processo, ainda que exija adição ou retirada de outras substâncias, desde que não resulte na
descaracterização mineralógica das substâncias minerais processadas ou que não implique sua inclusão no campo de
incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), nos termos do art. 14 do Decreto federal nº 01/1991.
Tais processos não se confundem com o beneficiamento considerado como modalidade de industrialização de que
trata o art. 4º do Regulamento do IPI (Decreto nº 7.212/2010).
Responsabilidade Tributária de
Terceiros - O Art. 135 do CTN
Renato Lopes Becho
I - Colocação do Tema
O art. 135 do Código Tributário Nacional, que estabele-
ce a responsabilidade tributária de terceiros, tem sido reco-
nhecido como de difícil compreensão. Eis a sua redação:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos cor-
respondentes a obrigações tributárias resultantes de atos pra-
ticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato
social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurí-
dicas de direito privado.”
A jurisprudência que o aplica parece estar sendo conso-
lidada na responsabilização do sócio-gerente nos casos de
dissolução irregular da sociedade. Entretanto, não nos pare-
ce clara que a conclusão obtida pelos tribunais tenha ocorri-
do a partir da leitura do dispositivo legal. Assim, em princí-
pio, não há evidente subsunção do fato à norma.
Na tentativa acadêmica de avançar na compreensão dos
fatos resumidamente apresentados, abordaremos brevemente
(i) a aplicação que o art. 135 tem recebido pelo Superior
Tribunal de Justiça; (ii) apontaremos algumas lições de nos-
sos grandes mestres; e, por fim, (iii) apresentaremos nossa
interpretação para o dispositivo legal citado.
1
Recurso Especial 1.101.728-SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, STJ, 1ª seção, unânime, j. em 11.3.2009, DJe de
23.3.2009.
2
Diário da Justiça Eletrônico n. 576. Brasília, 12.5.2010. Publicado em 13.5.2010. Disponível em http:www.stj.jus.br,
acesso em 8.4.2010.
i) o responsável tributário pratica atos com infração de lei, contrato social ou
estatuto que gera faturamento para a pessoa jurídica, sobre o qual haverá inci-
dência de PIS/Cofins;
ii) a pessoa jurídica não poderá ser obrigada a recolher a exação; e
iii) nesse caso, o terceiro responderá sozinho pelo crédito tributário.
Essa exposição pode provocar uma objeção: a pessoa jurídica se beneficia com
a geração do faturamento e se eximirá do recolhimento do tributo, que será exigido
do terceiro (que não se beneficiou do fato imponível e não possui, necessariamen-
te, a mesma capacidade contributiva da empresa).
Para enfrentar esses pontos, vejamos as lições de alguns expoentes de nossa
dogmática.
3
Curso de Direito Tributário. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 160.
4
Curso de Direito Tributário. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 162-163.
3. a atuação tanto da norma básica (que disciplina a obrigação tributária em sentido
restrito) quanto da norma secundária (constante do art. 135 e que determina a respon-
sabilidade do terceiro, pela prática do ilícito).
A peculiaridade do art. 135 está em que os atos ilícitos ali mencionados, que geram a
responsabilidade do terceiro que os pratica, são causa (embora externa) do nascimen-
to da obrigação tributária, contraída em nome do contribuinte; mas contrariamente a
seus interesses. São, assim, do ponto de vista temporal, antes concomitantes ao acon-
tecimento do fato gerador da norma básica, que dá origem à obrigação. Por isso, o
dispositivo menciona ‘obrigações resultantes de atos praticados com excesso de po-
deres, infração de lei, contrato social ou estatuto’.”5
A única objeção que fazemos diz respeito à necessidade (nossa) de melhor re-
ferência a quais atos ilícitos trata o texto legal. Salvo melhor juízo, o que está esta-
belecido no art. 135 do CTN não se refere à prática genérica de ilícitos, mas a atos
lícitos contrários aos interesses do contribuinte (aqui está o ilícito). Assim, voltan-
do à citação de Derzi, ela menciona ilícito tanto no item 1 quanto no item 2, assim
como parece indicar o ilícito na norma básica quanto na norma secundária. Consi-
derando que, para nós, os atos ilícitos não são tributáveis,6 supomos que, no primeiro
momento (norma fiscal básica), o fato gerador (fato imponível) realizado era lícito.
O ilícito é no animus do agente (responsável), que contraria os interesses do contri-
buinte. Além da intributabilidade dos atos ilícitos, a prática de atos ilícitos, em ge-
ral, pelo responsável, deve ser tipificada no art. 137 do CTN, cujo estudo vai além
do aqui desejado.
Melhor esclarecendo, quando o legislador estabeleceu, no caput do art. 135, que
este dispositivo se aplica à responsabilidade “pelos créditos correspondentes a obri-
gações tributárias resultantes de atos praticados”, podemos visualizar, efetivamen-
te, duas regras-matrizes tributárias, uma lícita, outra ilícita. A primeira, para pros-
seguirmos no exemplo aventado, gera faturamento para a pessoa jurídica, o que é
lícito. Todavia, como o faturamento gerado decorreu da prática de atos com infra-
ção de lei, contrato social e estatuto, há a segunda regra-matriz. Esta decorre de um
ilícito não tributário, mas que gera efeitos fiscais: a imputação da responsabilidade
ao terceiro e não mais ao contribuinte.
Ives Gandra da Silva Martins,7 de seu turno, ao explicar o mesmo texto legal,
asseverou:
“O elemento, todavia, fundamental reside no fato de cuidar, o artigo, de atos pratica-
dos de forma dolosa contra os interesses dos contribuintes representados, com o que
houve por bem o legislador considerar responsável não os representados, mas exclusi-
vamente os representantes.
Por essa razão, julgou legítima a solidariedade quanto aos atos culposos, porque pra-
ticados com imperícia, negligência, imprudência ou mesmo omitidos, e limitou essa
responsabilidade (art. 134). As mesmas pessoas, no entanto, praticando atos lesivos ao
Fisco, dolosamente, se procurarem responsabilizar seus representados, tal responsabi-
5
Direito Tributário Brasileiro, de Aliomar Baleeiro. 11ª ed., rev. e ampl. por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de
Janeiro: Forense, 2000, p. 757.
6
Vide nosso Lições de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 68-94.
7
Ives Gandra da Silva Martins. Comentários ao Código Tributário Nacional. V. 2. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 253.
lização inviabilizar-se-à pela clara formulação legal, fazendo-os pessoalmente respon-
sáveis e excluindo as outras pessoas da relação jurídico-tributária, por decorrência,
criada.”8
Os comentários nos parecem muito bons e ilustrativos da decisão acolhida pelo
legislador. Contudo, identificamos que, no primeiro parágrafo citado, o autor afir-
ma que os atos tipificados no art. 135 foram cometidos “contra os interesses dos
contribuintes representados”, enquanto, no parágrafo seguinte, Ives Gandra da Sil-
va Martins faz alusão à prática de “atos lesivos ao Fisco”. Assim, salvo melhor juí-
zo, não ficou claro se os atos juridicizados são cometidos contra o contribuinte ou
contra o Fisco, fazendo com que aprofundemos mais ainda a pesquisa dos indigita-
dos dispositivos.
Vejamos, pois, o caminho trilhado na formulação do texto legal. Cuidemos, ain-
da que brevemente, dos antecedentes históricos do art. 135 do CTN.
O Anteprojeto de Código Tributário Nacional, de autoria de Rubens Gomes de
Sousa, “serviu de base aos trabalhos da Comissão Especial” que sugeriu o respecti-
vo Projeto de CTN.9 Nele, colhemos o seguinte dispositivo, que nos parece correla-
to ao atual art. 135:
“Art. 247. As pessoas naturais ou jurídicas são pessoalmente responsáveis, nos termos
do disposto no art. 230, pelos créditos correspondentes a obrigações decorrentes de atos
regularmente praticados por seus mandatários, funcionários, prepostos ou empregados.
Parágrafo único. Quanto às pessoas jurídicas de direito privado, o disposto neste arti-
go aplica-se às obrigações tributárias decorrentes de atos praticados pelos respectivos
diretores, gerentes ou administradores, ainda que com excesso de poderes ou infração
de lei, contrato social ou estatuto.”10-11
A proposta recebeu críticas, mas foi mantida pelo jurista e aprovada pela Co-
missão Especial que elaborou o Projeto de CTN. No relatório apresentado por Go-
mes de Sousa,12 o professor justifica sua opção com o seguinte comentário:
“O art. 171, oriundo do art. 247 do Anteprojeto, consagra o princípio pacífico em
matéria de responsabilidade tributária pelos atos praticados no exercício regular de
mandato, cargo ou emprego. Todavia, no § 1º, abre-se exceção à regra, para determi-
nar que as pessoas jurídicas respondem pelas consequências tributárias dos atos prati-
cados por seus diretores, gerentes ou administradores com excesso de poderes ou in-
fração de lei, contrato social ou estatutos. Visou-se com isso derrogar expressamente,
8
Comentários ao Código Tributário Nacional. V. 2. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 271.
9
Brasil. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Fazenda, 1954,
p. 263.
10
Brasil. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Fazenda, 1954,
pp. 328-329.
11
Por sua vez, o mencionado art. 230, que compunha o título dedicado às garantias do crédito tributário, possuía a
seguinte redação: “Art. 230. Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, previstos neste Códi-
go ou em lei tributária, responde pelo pagamento do crédito tributário a totalidade dos bens e rendas, de qualquer
natureza, do contribuinte, ou do seu espólio ou massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de ina-
lienabilidade, incomunicabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula,
excetuados unicamente os bens e rendas que este Código declara absolutamente impenhoráveis.” (Brasil. Trabalhos
da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Fazenda, 1954, p. 325)
12
Brasil. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Fazenda, 1954,
p. 79.
para efeitos fiscais, a regra do art. 121 da Lei das Sociedades por Ações (decreto-lei n.
2.627 de 1940), que consagra, em tais casos, a responsabilidade pessoal dos diretores
para com os terceiros prejudicados: além de não se poder considerar o fisco como um
terceiro no tocante aos efeitos tributários dos atos de direito privado, a exceção é ne-
cessária para impedir que, na prática, a pessoa jurídica se pudesse exonerar de respon-
sabilidade por manobras de evasão ou de fraude concertadas, em benefício daquela,
pelos seus próprios administradores. Em consonância com esse fundamento, foi rejei-
tada a sugestão 773, ficando outrossim prejudicada a sugestão 1.002. No § 2º, foi en-
tretanto aberta exceção, omissa no Antreprojeto, ao princípio da objetividade das in-
frações (infra: 125).”13
Assim, em relação ao atual art. 135, Rubens Gomes de Sousa pretendeu abar-
car duas hipóteses. A primeira, no sentido habitual de que a pessoa jurídica respon-
de por atos regulares de seus administradores. Esse aspecto é tão comum ao Direi-
to obrigacional que os legisladores não o mantiveram no CTN. A segunda previsão
de Sousa foi estabelecida no sentido de que também a pessoa jurídica responderia
pelos atos irregulares (contrários ao direito ou à extensão dos mandatos conferidos)
praticados pelos administradores de empresas. Nos termos como expressamente
afirmado pelo jurista em seu relatório, visou-se “derrogar expressamente” uma nor-
ma da Lei das Sociedades por Ações.
13
Brasil. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Fazenda, 1954,
p. 243.
14
Brasil. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Fazenda, 1954,
p. 243.
§ 2º Quando os estatutos criarem qualquer órgão com funções técnicas ou destinado a
orientar ou aconselhar os diretores, a responsabilidade civil de seus membros apurar-
se-á na conformidade das regras deste capítulo.”
Esse texto legal é muito parecido com o art. 135 do CTN.
Conforme pode ser conferido, o princípio que rege a responsabilidade de admi-
nistradores e da pessoa jurídica foi no sentido já apresentado: os atos lícitos prati-
cados pelos administradores, em nome da pessoa jurídica, são por essa suportados.
Os atos praticados, em nome da empresa, que firam o ordenamento interno ou a le-
gislação geral são suportados pelos administradores enquanto pessoas físicas.
Trajano de Miranda Valverde, com a autoridade de quem elaborou o Anteproje-
to da Lei das Sociedades por Ações de 1940, afirmava que a regra citada vinha do
art. 108 do Decreto 434, de 1891, e estipulava o que supomos poder chamar de prin-
cípio norteador da responsabilidade:
“(...) Pessoalmente, não respondem os diretores pelas obrigações que contraírem em no-
me da sociedade e em virtude de ato regular de gestão. É a pessoa jurídica, que se
obriga ao entrar em relação com terceiros.”15
Em relação ao parágrafo 1º, ponto de nosso maior interesse no momento, asse-
verava:
“Trata o § 1º da responsabilidade civil dos diretores pelos prejuízos que, no exercício
das suas funções, causarem à sociedade, aos acionistas ou a terceiros. E distingue,
quanto à causa dos prejuízos, duas ordens de atos: os que são praticados pelo diretor,
dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo, e os que positivam violação
da lei ou dos estatutos. Os prejuízos decorrentes de ações ou omissões da segunda ca-
tegoria prescindem de prova da culpa do diretor, tomado o termo culpa em sentido lato,
compreendendo o dolo ou a má-fé. Os prejuízos, que se originarem de atos ou opera-
ções praticados pelo diretor, dentro de suas atribuições e poderes, somente são repará-
veis mediante a prova da sua culpa ou dolo.”16
Em seguida, Valverde aborda a questão da culpa do administrador, aduzindo que
o “princípio da inversão da prova, que a lei alemã de 1937, § 84, n. 2, generalizou”
somente foi acolhido pelo legislador nas situações de “prejuízos derivantes de ações
ou omissões infringentes da lei ou dos estatutos”.17 A regra é que os diretores ajam
com as diligências “que todo homem ativo e probo costuma empregar na adminis-
tração dos seus próprios negócios” (Decreto-lei 2.627/1940, art. 116, parágrafo 7º),
acrescentando: “Os casos, que podem determinar a responsabilidade civil dos dire-
tores, alicerçada em atos culposos ou dolosos, praticados dentro de suas atribuições
e poderes, variam ao infinito.”18
Diversos fatores impedem a antecipação de atos que podem levar à responsabi-
lização do dirigente, notadamente os diversos tipos de objeto social e as variações
na atuação de cada diretor, mas abrangem as escolhas de auxiliares (culpa in eligen-
do) ou em deficiências de fiscalização e vigilância (culpa in vigilando),19 acrescen-
tando:
15
Sociedade por Ações. V. II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 318.
16
Sociedade por Ações. V. II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1953, pp. 318-319.
17
Sociedade por Ações. V. II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 319.
18
Sociedade por Ações. V. II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 320.
19
Sociedade por Ações. V. II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1953, pp. 320-321.
“Todavia, a responsabilidade civil por ações ou omissões dos auxiliares, empregados,
prepostos, etc., há de ser apurada, tendo-se em consideração as circunstâncias de cada
caso, as atribuições dos diretores, os seus conhecimentos técnicos em relação às fun-
ções de que estava encarregado o subordinado, a malícia ou os artifícios usados por
este, para a prática ou ocultação de atos ilícitos.”20
Ensina Valverde, também, que, apesar de o prejuízo à sociedade ser elemento
essencial da responsabilização do diretor, considerando os riscos da atividade ne-
gocial, outro elemento essencial é a anormalidade das operações levadas a cabo pelo
profissional sujeito à responsabilização. Os juízes deverão apurar a responsabilida-
de, portanto, “em cada caso”.21 Lembra o mestre, ainda, que o administrador não
pode se escusar ao argumento de que desconhecia a lei, o que é um princípio bási-
co do Direito.
Importante para a compreensão do dispositivo comentado são alguns exemplos
- ainda que estejamos atentos para a infinidade de possibilidades já indicada - apre-
sentados por Valverde:
“(...) São ações ou omissões, na maior parte das vezes voluntárias, envolvendo, em
muitos casos, a responsabilidade penal dos administradores, como na distribuição de
dividendos fictícios, na aceitação em penhor ou caução de ações da própria socieda-
de, na ocultação de interesses opostos aos da sociedade em qualquer operação social.”22
Outro comentador da vetusta legislação corrobora esse entendimento. Assim,
Eduardo de Carvalho aduzia:
“Ao adquirir personalidade jurídica, a sociedade pratica atos e operações através de seus
administradores, que a representam na sua vida econômico-social. É evidente que as
consequências desses atos e operações devem ser suportadas pela pessoa jurídica, a qual
se obriga, assim, diretamente com os terceiros com quem contrata ou negocial.
Não há, portanto, responsabilidade pessoal dos diretores nas obrigações que contraí-
rem em nome da sociedade. Desde, porém, que decorram tais obrigações de ato regu-
lar de gestão.
O ato regular de gestão torna-se, dessa forma, a pedra de toque aferidora da legalida-
de da operação praticada pelo diretor, em nome da sociedade. Daí, o preceito do § 1º:
se o ato não for regular, isto é, conforme à lei e aos estatutos, ou exceder as suas atri-
buições ou poderes por culpa ou dolo, - torna-se o diretor responsável civilmente pe-
los prejuízos que causar à sociedade, a qualquer de seus componentes ou, por fim, a
terceiros.”23
Após explicar o que é culpa e dolo, além de abordar questões de prova, que não
serão, aqui, desenvolvidas, continuou Eduardo de Carvalho:
“As reflexões são diferentes, contudo, quando os prejuízos resultarem de atos pratica-
dos pelos diretores com violação da lei ou dos estatutos.
O conhecimento dos textos legais e dos princípios estatutários, pelo administrador de
uma sociedade, é presunção imposta pelos cânones de direito, - aplicação de velha
parêmia romana transformada em preceito de legislação. Ainda aqui, a violação da lei
20
Sociedade por Ações. V. II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 321.
21
Sociedade por Ações. V. II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 321.
22
Sociedade por Ações. V. II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 322.
23
Teoria e Prática das Sociedades por Ações. São Paulo: José Bushatsky, 1960, p. 535.
se entende no sentido lato, estendendo-se a todos os dispositivos legais atinentes, quer
da lei societária, quer das leis especiais em cada caso.”24
O autor exemplificou duas hipóteses em que considerava tipificadas na condu-
ta descrita normativamente: “se [o administrador] emitiu ações ao portador antes de
estarem integralizadas (art. 23, § 1º), [ou] títulos que foram transferidos por sim-
ples tradição, em prejuízo da sociedade”.25
A legislação acima apresentada (Decreto-lei 2.627/1940) vigia à época da ela-
boração do Anteprojeto de CTN. Vejamos como a legislação comercial trata do in-
digitado tema nos dias que correm.
Na Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, o mesmo assunto é nomeado por
“Responsabilidade dos Administradores”, estabelecendo que:
“Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que con-
trair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém,
civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:
I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
II - com violação da lei ou do estatuto.
§ 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo
se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conheci-
mento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o ad-
ministrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão
de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao ór-
gão da administração, no conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia-ge-
ral.
§ 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em
virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funciona-
mento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a to-
dos eles.
§ 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o § 2º ficará restrita, res-
salvado o disposto no § 4º, aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham
atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres.
§ 4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento desses deveres por
seu predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do § 3º, deixar de co-
municar o fato a assembléia-geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável.
§ 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter van-
tagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou
do estatuto.”
A doutrina mais recente mostra que os comercialistas consultados continuam
indicando o caminho válido para a análise do instituto abordado. Confira-se, por
exemplo, com Rubens Requião.26
A comparação entre os dois comandos mostra como eles são similares.27 A afir-
mação de Rubens Gomes de Sousa de que pretendia derrogar a regra de responsa-
24
Teoria e Prática das Sociedades por Ações. São Paulo: José Bushatsky, 1960, p. 536.
25
Teoria e Prática das Sociedades por Ações. São Paulo: José Bushatsky, 1960, p. 537.
26
Curso de Direito Comercial. V. 2. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988, pp. 182-186.
27
No corpo do texto, citamos o art. 247 do Anteprojeto de CTN. Agora, no intuito de auxiliar na comparação entre o
que está na legislação tributária e o que está na legislação comercial, citamos o dispositivo correlato do Projeto de
bilização de administradores de empresa, para fins tributários, não foi, contudo,
acolhida pelo legislador. O estudo do Direito Comercial, todavia, pôde nos ajudar a
entender a regra tributária.28
Entretanto, considerando que o legislador foi além do Direito Comercial, pois
estabeleceu, no inciso I do art. 135, que o comando do caput será aplicável a todas
as pessoas referidas no art. 134, fez com que a regra da legislação comercial fosse
ampliada, para fins fiscais, a pessoas diversas, como pais em relação a tributos de-
vidos por filhos menores etc.
Voltando ao art. 135, os exemplos colhidos em Rubens Requião ajudam na nossa
compreensão do texto analisado. O comercialista indica um caso de abuso da ra-
zão social que tipificaria a conduta prevista no art. 158 da Lei 6.404/1976: “quan-
do o administrador, nas sociedades de pessoa ou mesmo nas sociedades de capitais,
viola o estatuto praticando atos que este lhe vedava, como conceder fianças ou
avais”.29 Como é sabido, a concessão de fianças ou avais é lícita. Mas, nas socieda-
des anônimas, pode contrariar seus estatutos. Essa violação estatutária terá efeitos
fiscais, como, por hipótese, a incidência de algum tributo que tenha por fato gera-
dor (fato imponível) justamente as fianças ou avais.
Essa interpretação nos permite compreender, integralmente, o art. 135 do CTN.
Firmando nossa atenção no conteúdo do inciso III do mandamento legal, quando
diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas realizarem atos tributáveis
contra os interesses das empresas, tais como emitirem fianças ou avais em nome
daquelas - mas contra seus interesses, repetimos - o contribuinte habitual (a pessoa
jurídica) poderá objetar-se à cobrança, afirmando que a obrigação é de responsabi-
lidade pessoal do terceiro. Ao que nos parece, diante de fatos praticados por seus
administradores, mas contra seus interesses, as pessoas jurídicas irão denunciá-los
e buscarão a responsabilização apenas (responsabilidade pessoal) da pessoa física
que os praticou.
Esse quadro, ainda que nos permita uma boa leitura do indigitado dispositivo
legal, não encontra eco na aplicação dada pela jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça. Ao que nos parece, a interpretação aceita pelo Tribunal da Cidadania não
está baseada na legislação.30
CTN: “Art. 171. As pessoas naturais ou jurídicas são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a
obrigações tributárias decorrentes de atos regularmente praticados por seus mandatários, prepostos ou empregados.
§ 1º Quanto às pessoas jurídicas de direito privado, o disposto neste artigo aplica-se às obrigações tributárias decor-
rentes de atos praticados pelos respectivos diretores, gerentes ou administradores, ainda que com excesso de pode-
res ou infração de lei, contrato social ou estatutos. § 2º Nos casos previstos neste artigo e no parágrafo anterior, ob-
servar-se-á, quanto à responsabilidade por infrações, o disposto na alínea III do art. 173.” (Brasil. Trabalhos da Co-
missão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Fazenda, 1954, p. 69)
28
Anotamos, por oportuno, que Paulo Vital Olivo comparou os dispositivos da legislação comercial com o art. 135 do
CTN, ainda que não tenha alcançado quer o Anteprojeto, quer o Projeto de CTN, conforme estamos fazendo. Confi-
ra-se: Ato Anormal de Gestão e Tributação: Identificação, Controle. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Programa de Pós-gradução. Inédito, 2011, pp. 80 e 175.
29
Curso de Direito Comercial. V. 2. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 186.
30
Vide nosso “A Responsabilidade Tributária dos Sócios de Empresas Comerciais tem Fundamento Legal?” Revista
Dialética de Direito Tributário n. 182. São Paulo: Dialética, 2010, pp. 107-126.
V - Conclusão
Conforme exposto no presente estudo, entendemos que a melhor compreensão
para o art. 135 é considerá-lo correlato ao art. 158 da Lei 6.404/1976 (Lei das Socie-
dades Anônimas). Significa dizer que, quando os responsáveis tributários realiza-
rem atos lícitos contra o interesse do contribuinte e que signifiquem descumprimen-
to da legislação que liga um e outro (contribuinte e responsável), esses responderão
pessoalmente pelos créditos tributários decorrentes de seus atos. Nos termos como
positivado pelo legislador, como o responsável terá agido contra os interesses do
contribuinte, este será excluído da ação de cobrança (responsabilidade pessoal do
terceiro).
Essa compreensão - assim como a interpretação dada por juristas de escol - não
encontra ressonância na jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça. Essa
assertiva reforça a ideia, anteriormente explorada, de que a responsabilidade tribu-
tária, como está sendo aplicada, não possui correlação com o que foi decidido pelo
legislador quando da elaboração do Código Tributário Nacional.
Cabimento e Dimensionamento das
Penalidades por Planejamentos Fiscais
Inaceitáveis (Breves Notas)
Ricardo Mariz de Oliveira
2
A respeito de incertezas, inclusive destas, veja-se meu texto “Incertezas Tributárias que entravam o Desenvolvimen-
to”, na coletânea Tributação em Desenvolvimento: Estudos em Homenagem ao Prof. Aires Fernandino Barreto, coor-
denação de SANTI, Eurico Marcos Diniz de. São Paulo: Quartier Latin, 2011.
Não se pode ignorar, também, que aceitar ou não aceitar algo como bom ou
como ruim em matéria de organização tributária depende imensamente do ser hu-
mano que emita um juízo desta natureza, inclusive da atividade a que essa pessoa
se dedique e da sua formação.
Realmente, para um agente do Fisco, a tendência será sempre de um julgamen-
to mais desconfiado de que a pessoa praticante do planejamento poderá estar fugindo
de obrigações tributárias das quais não poderia ter se esquivado. Porém, para a em-
presa e o titular de um patrimônio passíveis de incidências fiscais, o planejamento
não passa de um ato de estruturação ou reestruturação patrimonial e negocial que
tem o tributo como mais um custo a ser necessariamente considerado, tanto quanto
muitos outros fatores econômicos devem ser sopesados, tais como onde localizar o
estabelecimento ou efetuar o negócio, de que fonte se suprir para a obtenção de in-
sumos e outros recursos, como ser mais eficiente na atividade com menores custos
etc.
Igualmente influentes no juízo de valor sobre a qualidade do planejamento são
os graus de especialização técnico-teórica e de vivência prática do emitente de um
tal juízo. Isto é assim mesmo quando juristas estejam envolvidos, mas principalmen-
te quando leigos tenham que tomar uma decisão ou assumir uma posição.
Realmente, é certo que muitas vezes Marco Aurélio e Ricardo Mariz dissentem
sobre pontos teóricos do planejamento, o que, ao analisarem casos concretos, vai
conduzi-los a diferentes posições sobre quais sejam aceitáveis e quais não sejam.
O que não dizer de um homem de negócios não formado em ciências jurídicas?
A vida tem exposto situações dramáticas, de autos de infração caracterizando
como fraudulentos, por conseguinte sujeitos à multa qualificada e representação
criminal, casos em que pessoas naturais ou jurídicas foram orientadas por profissio-
nais experientes, cujos contribuintes manifestaram genuína surpresa pela ação fis-
cal e pela extensão da mesma, algumas vezes comprometendo a própria sobrevivên-
cia da empresa ou o patrimônio antes amealhado justamente. Há casos em que os
próprios profissionais criadores ou aprovadores do planejamento não entenderam a
simples possibilidade da acusação fiscal, tanta era a sua convicção pessoal sobre a
validade da prática adotada.
Estas observações são uma advertência contra qualquer precipitada catalogação
de um planejamento como inaceitável, e uma proposta de parcimônia na aprecia-
ção do tema em concreto, principalmente pelos órgãos julgadores, e certamente
quando da aplicação de penalidades.
Não obstante, para superar a impossibilidade de apresentação de critérios que
delimitem o ponto a partir do qual os planejamentos seriam inaceitáveis, podemos
adotar uma posição teórica razoável, embora extrema.
Quer dizer, se não há critérios gerais para aquele mister, que sejam técnicos,
objetivos, razoáveis, proporcionais, adequados, capazes de assegurar a certeza jurí-
dica, em uma palavra, que possam ser considerados juridicamente justos e válidos,
para não se restar no terreno incerto dos subjetivismos, em que um dado planeja-
mento será inaceitável para uma pessoa, ou algumas pessoas, mas aceitável para
outras, segundo suas inclinações pessoais, profissionais e ideológicas, somente se
pode admitir a pecha de inaceitável para o procedimento que viole frontalmente a
lei e cuja ilegalidade seja plena e inquestionavelmente perceptível ao seu próprio
autor.
Não se trata de um critério qualificador, mas da intuição de que, nestas circuns-
tâncias, no mínimo é possível dizer que o ato é inaceitável porque a própria pessoa
o sabe ilegal, tanto quanto qualquer outro indivíduo o saberia através do emprego
de um mero raciocínio sensato, sensato segundo a sensatez do homem comum, e não
segundo os caminhos conflituosos da interpretação jurídica.
Disse que esta solução se me apresenta razoável, porém é extrema,3 porque na
prática as situações concretas em que será possível afirmar principalmente o cará-
ter de plena consciência da ilegalidade ficarão reduzidas aos casos em que, a todo
rigor, nem se pode dizer que se trata de planejamento tributário, porque são casos
de deslavadas fraudes.
São casos, entre outros, de notas fiscais frias ou espelhadas, de reiterada práti-
ca de declarações de valores inferiores aos reais, de movimentação de recursos fi-
nanceiros à margem da escrituração ou das contas declaradas ao Fisco, de declara-
ção de que a empresa está inativa quando opera regularmente, de negócio através
de “laranja”.
São casos, verifica-se, em que o agente indubitavelmente conhece (não há como
dizer que não conhece) a natureza ilegal e fraudulenta da sua ação, não sendo mini-
mamente crível que ele possa não ter esta percepção.
Mas eles não são casos de planejamento tributário, pois este - distingo eu - é
composto por uma atividade consciente que tem o intuito de obter a economia fis-
cal que seja possível por meios legais, ou que o planificador supõe ser legal com base
em fundamentos conducentes a uma razoável interpretação da lei.
Portanto, a atividade de planificação da economia fiscal, tanto quanto a sua im-
plementação, está muito distante daquilo que indubitavelmente pode ser classifica-
do como inaceitável.
Há, sim, na vida empresarial principalmente, mas também na vida patrimonial
individual, “planejamentos” que devem ser colocados entre aspas porque a expe-
riência profissional, ou mesmo de vida das pessoas que os praticam, é suficiente para
que elas saibam que estarão cometendo uma ilegalidade. São casos mais sofistica-
dos do que os anteriormente exemplificados, para os quais, contudo, a identifica-
ção com estes é perigosa na realidade prática, pois depende da aplicação de crité-
rios seguros e suficientes para apreciar a capacidade de avaliação das pessoas en-
volvidas.
Não obstante, é possível.
Apenas a título tentativo de exemplificação, podemos imaginar uma situação de
inexistência absoluta de qualquer movimento patrimonial, mas em que algum “mo-
vimento” produtor de economia fiscal seja arquitetado e representado em documen-
tos e lançamentos contábeis que, se fossem relativos a uma situação real, produzi-
riam efetivamente aquele efeito fiscal. Não creio que qualquer homem instruído e
sensato possa sequer imaginar que uma ação deste jaez seja correta, mas ressalvo
3
E tem que ser, face às gravíssimas consequências que o juízo acarreta.
que esta é uma crença pessoal, como também ressalvo que o seu transporte para
qualquer caso concreto depende de uma criteriosa análise dos fatos, inclusive cir-
cunstanciais.
Verdadeiros planejamentos tributários, entretanto, têm por pressupostos a pes-
quisa de dados, a coleta de informações, o sopesamento de opiniões, a ponderação
de possibilidades, limites e riscos, que fazem dela uma atividade normal e necessá-
ria na vida econômica de todos, de legítima procura dos menores ônus possíveis,
tanto os fiscais quanto os não fiscais.4 Destarte, ainda que possa haver enganos es-
cusáveis ou erros mais graves, neste âmbito não há planejamentos inaceitáveis.
Também para exemplificar, realizar efetivamente um negócio através de uma
estrutura jurídica que se supõe acarretar menor tributação, ainda que não se logre
esse resultado por alguma razão contrária, é muito diferente do que, não havendo
qualquer negócio, alguém conscientemente simular a sua existência para obter van-
tagem tributária.5
Neste passo, transpondo-nos para o aspecto das penalidades, pode-se dizer que
as situações realmente inaceitáveis, como aquelas acima alinhadas a título de exem-
plo, e que sequer podem ser referidas como de planejamento fiscal, são suscetíveis
das penas pecuniárias e criminais as mais graves que a lei preveja, pois tudo nelas
revela a consciência e a vontade de agir à margem da lei, de modo que aquele que
as pratica é um “fora da lei”.
As mesmas penas não são necessariamente aplicáveis aos ditos “planejamentos”
entre aspas, a menos que as provas disponíveis, materiais ou indiciárias, sejam su-
ficientes para desvendar a sapiência, pelos respectivos autores, da ilegalidade que
estão a praticar e sua vontade de ir adiante em detrimento do Fisco.
Já os verdadeiros planejamentos não podem chegar ao mesmo nível de punição,
mesmo quando agressivos ou situados na proximidade da linha divisória entre a eli-
são e a evasão fiscal, dado que eles são plasmados pela legitimidade intrínseca (cons-
titucional) da planificação fiscal e pela autolimitação das ações aos espaços que se
supõem sejam os da lei.
É, portanto, possível afastar a pecha de inaceitáveis para estes planejamentos,
assim como se deve ter presente que a aceitabilidade deve ser encarada como a re-
gra, dela somente sendo exceções situações como as ventiladas anteriormente, para
as quais foi inclusive descartada a propriedade da utilização da expressão “planeja-
mento fiscal”.
A regra geral de aceitabilidade, porém, não implica dizer que todos os planeja-
mentos tributários sejam necessariamente válidos, pois erros e enganos, inclusive
quanto à qualificação jurídica dos atos, podem ser cometidos, mesmo em boa-fé. A
4
Como se explicaria um administrador que contratasse cem empregados para fazer o que dez poderiam fazer com maior
eficiência? Certamente seria demitido!
5
A respeito da discutida questão da ausência de “business purpose”, tenho feito a distinção entre ausência de motiva-
ção negocial ou de “business purpose” e ausência de negócio ou de “business”. A inexistência de “business” é simu-
lação absoluta. Já o planejamento tributário válido acarreta mudança no patrimônio ou no estado operacional do in-
divíduo ou da empresa, ainda que tenha sido motivado pela economia tributária que pode acarretar. Em outras pala-
vras, o planejamento correto produz um resultado verificável na vida da pessoa física ou jurídica, no seu patrimônio
ou no seu modo de realizar suas atividades.
regra, portanto, somente se impõe para, primeiramente, exigir exame mais profun-
do de cada caso no intuito de demonstrar sua validade ou não, com base em funda-
mentos válidos e observado o devido processo legal, além de, em segundo lugar,
afastar a penalização mais radical da lei para aqueles que forem julgados inválidos,
mas que não possam ser equiparados às atitudes indubitavelmente inaceitáveis.
Quanto a isto, vale lembrar ponderação do Professor Miguel Reale, que demons-
tra que a equiparação entre os casos dolosos e os demais, além de injusta no plano
ético, seria ilegal no plano jurídico:6
“Hoje em dia - superada a visão penalística do Direito - a sanção é, sabidamente, a parte
da norma jurídica que expressa a conseqüência resultante, do adimplemento do pre-
ceito normativo (sanção premial, como, por exemplo, no caso de concessão de um
desconto no tributo exigível) ou, então, o seu inadimplemento (sanção penal, que im-
porta a aplicação de uma pena ou a perda de um direito).
Integrada no contexto da estrutura normativa, a sanção guarda natural equilíbrio entre
o valor daquilo que é preceituado, e o desvalor representado pela transgressão, haven-
do sempre entre o preceito e a sanção uma adequada proporcionalidade.”
Outrossim, a referida regra geral de aceitabilidade dos planejamentos tributários
é uma imposição do momento histórico em que vivemos, acima retratado em suas
linhas principais, no qual se destacam a ausência de norma legal prescritora dos li-
mites no exercício do direito à planificação fiscal, as peripécias da jurisprudência e
as controvérsias entre juristas especializados.
Com razão, o planejamento dos encargos tributários representa um direito (cons-
titucional) da pessoa que ainda não adentrou na situação configuradora de alguma
obrigação tributária, mas não há norma que regule o eventual abuso no exercício
desse direito, que seria uma norma geral antielusão. Destarte, e ressalvadas hipóte-
ses em que haja alguma norma particular aplicável, o exercício desse direito fica
dentro dos limites da regularidade dos atos e negócios jurídicos pelos quais ele se
concretiza.
Muito diferente, portanto, é a situação do momento presente, não somente quan-
to ao julgamento de regularidade ou não do planejamento em si, mas também quanto
à aplicação de penalidades eventualmente cabíveis, de uma situação a ocorrer em
um tempo futuro à promulgação de uma norma antielusão, ou antiabuso no campo
tributário.
Ao lado disso, principalmente quanto à penalização da evasão praticada, há que
distinguir situações em que o direito aplicável esteja incontroverso na doutrina e na
jurisprudência assentada, das situações em que haja disputas doutrinárias, em que
não haja jurisprudência firmada ou em que a jurisprudência tenha sido alterada.
Ainda no aspecto das penas, há um outro fator que não pode ser olvidado, o qual
está situado na “fatalidade” que representa um julgamento administrativo definiti-
vo e mantenedor de autuação com multa agravada e representação para fins penais.
Realmente, a partir dessa decisão desencadeiam-se ônus econômicos gigantescos e
inúmeros óbices à atividade normal, muitas vezes insuportáveis, além do prossegui-
mento dos procedimentos criminais contra a pessoa. Ora, uma situação tão drásti-
6
REALE, Miguel. Parecer publicado em O Estado de São Paulo de 4 de junho de 1989.
ca, num verdadeiro Estado de Direito, somente é tolerável se houver agentes públi-
cos responsáveis e tribunais administrativos capacitados e independentes, qualida-
des que infelizmente (mas precisa ser dito) não estão garantidas nos dias atuais.7
Em suma, erros e enganos na planificação fiscal são partes da natureza das pes-
soas e das próprias coisas objeto de atuações, os quais estão sujeitos a serem corri-
gidos através do devido processo legal, com reposição do prejuízo causado ao Erá-
rio público, mas não com a imposição das penalidades aplicáveis às situações para
as quais se possa dizer, sem um mínimo de dúvida, que o planejamento foi inacei-
tável, ou que a atitude tomada sequer represente um verdadeiro planejamento.
No plano do Direito posto, não encontramos normas que sejam colidentes com
os conceitos teóricos expostos até aqui.
Realmente, em primeiro lugar temos o art. 136 do Código Tributário Nacional,
segundo o qual “salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por in-
frações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsá-
vel e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato”.
Emana desse dispositivo a norma legal da responsabilidade pelas infrações in-
dependentemente da intenção do agente ou responsável, no que podemos vislum-
brar uma espécie de responsabilidade objetiva.
Todavia, a mesma norma legal, que assim estatui em caráter geral, abre exce-
ção para as hipóteses em que haja disposição de lei em contrário, ou seja, em que
exista uma regra legal prevendo situações nas quais a responsabilidade pelas infra-
ções depende da intenção da pessoa.8
Ao lado dessa disposição do CTN, nas situações duvidosas é imperiosa a apli-
cação da norma do art. 112 do CTN, que prescreve a interpretação mais favorável
para a imposição de penalidades quando houver dúvida quanto à capitulação legal
do fato, à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou exten-
são dos seus efeitos, à autoria, imputabilidade ou punibilidade, à natureza da pena-
lidade aplicável, ou à sua graduação.9
Portanto, nos planejamentos tributários imperfeitos por qualquer motivo jurídi-
co, se o art. 112 não chega a conduzir ao total cancelamento de lançamentos fiscais
contra eles promovidos, certamente impede a aplicação da multa em sua graduação
mais elevada.
Esses arts. 136 e 112 fixam diretrizes superiores tanto para o exercício da ativi-
dade de lançamento quanto para a judicante, especialmente para esta, tendo em vista
7
Sobre isto, veja-se especialmente a introdução da minha contribuição, juntamente com FAJERSZTAJN, Bruno; e
CARVALHO, Cláudia Vit de. “Responsabilidade Tributária”, para o XXXVI Simpósio Nacional de Direito Tributá-
rio do Centro de Extensão Universitária, relativo à Responsabilidade Tributária, e respectivo livro Pesquisas Tribu-
tárias - Nova Série n. 17, coordenação de MARTINS, Ives Gandra da Silva, coedição Centro de Extensão Universi-
tária/Saraiva, 2011.
8
Para os efeitos destes comentários, e nos seus limites, não interessa adentrar nos outros aspectos - efetividade, natu-
reza e extensão dos efeitos do ato - colacionados pelo art. 136.
9
“Art. 112 - A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável
ao acusado, em caso de dúvida quanto: I - à capitulação legal do fato; ou dúvida quanto; II - à natureza ou às circuns-
tâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; ou dúvida quanto; III - à autoria, imputabilida-
de, ou punibilidade; IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.”
as gravíssimas consequências desses atos oficiais, principalmente para o sujeito
passivo e para seus representantes, que podem arrostar sanções pessoais.
Pois vamos encontrar a repercussão dessas diretrizes na legislação ordinária,
inclusive quanto ao aspecto da intenção.
Realmente, um exemplo efetivo em que a intenção deve estar presente, portan-
to, em exceção ao caráter objetivo da responsabilidade por infrações, está no art. 44
da Lei Federal n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996, dispositivo este que passou por
sucessivas alterações, mas sempre manteve a distinção de punição para as hipóte-
ses em que haja ou não a intenção fraudulenta, agravando a penalidade apenas nes-
ta última.
A redação atual do art. 44 é a seguinte, dada pelo art. 14 da Lei n. 11.488, de 15
de junho de 2005:
“Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas:
I - de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de tributo, nos
casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declara-
ção inexata;
II - de 50% (cinqüenta por cento), exigida isoladamente, sobre o valor do pagamento
mensal: (...)
(...)
Parágrafo 1º O percentual de multa de que trata o inciso I do ‘caput’ será duplicado
nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei n. 4.502, de 1964, independentemente
de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.”
No passado, contudo, vigorou a seguinte redação:
“Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas so-
bre a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição:
I - de setenta e cinco por cento, nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, pa-
gamento ou recolhimento após o vencimento do prazo, sem o acréscimo de multa
moratória, de falta de declaração e nos de declaração inexata, excetuada a hipótese do
inciso seguinte;
II - cento e cinqüenta por cento, nos casos de evidente intuito de fraude, definido nos
arts. 71, 72 e 73 da Lei n. 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de
outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.”
A alocução inicial do art. 136 do CTN - “salvo disposição de lei em contrário”
- está plenamente refletida nessas disposições, que exigem distinguir a situação sub-
metida à multa de 75%, devida objetivamente, independentemente da vontade, do
conhecimento da infração ou de qualquer outro fator subjetivo, da situação sujeita
à multa de 150%, que exige o elemento subjetivo da intenção de fraude.
Portanto, em qualquer tempo o art. 44 da lei federal sempre reservou penalida-
de agravada para os casos de fraude previstos nos arts. 71 a 73 da Lei n. 4.502, com
a diferença redacional de que:
- antes, o art. 44 declarava textualmente que tais casos correspondiam a evi-
dente intuito de fraude, adotando a dicção de que o evidente intuito de fraude
era definido naqueles artigos da Lei n. 4.502;
- agora, o mesmo artigo omite essa declaração textual, simplesmente referin-
do-se aos casos dos mesmos dispositivos da mesma Lei n. 4.502.
Seja como for, por uma ou por outra redação, o agravamento somente tem ca-
bimento se o fato for enquadrável em um dos referidos dispositivos da lei de 1964.
A mudança redacional feita no art. 44 procurou contornar uma jurisprudência
pacificada nos Conselhos de Contribuintes,10 que não via evidência de intuito de
fraude em inúmeras situações nas quais os autos de infração eram mantidos quanto
ao principal, mas tinham afastado o agravamento da penalidade.
Porém, no fundo, a norma continua a mesma.
Com razão, até a Lei n. 11.488 a multa qualificada somente podia ser cobrada
se houvesse evidente intuito de fraude, assim considerada a situação em que os fa-
tos se subsumissem a uma das hipóteses dos arts. 71 a 73 da Lei n. 4.502, que elen-
cam situações em que esteja presente o dolo (veja-se os destaques), pois dizem eles:
“Art. 71. Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total
ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária:
I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou cir-
cunstâncias materiais;
II - das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária
principal ou o crédito tributário correspondente.”11
“Art. 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total
ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a
excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante
do imposto devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento.”12
“Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas,
visando qualquer dos efeitos referidos nos artigos 71 e 72.”13
A leitura criteriosa do conjunto desses dispositivos e do art. 44 da Lei n. 9.430,
este em sua redação anterior, revela que o intuito doloso sempre foi pré-requisito
para a aplicação da multa majorada, eis que:
- o art. 44, inciso II, da Lei n. 9.430 reservava essa penalidade mais onerosa
aos “casos de evidente intuito de fraude”, ou seja, não aos casos de simples ile-
galidades praticadas pelos contribuintes, mas apenas aos casos de ilegalidades
que tivessem sido cometidas sob o impulso de intuito fraudulento;
- somente neste caso o art. 44 remetia a penalização do contribuinte para a mul-
ta agravada, mas a reservava para as hipóteses dos arts. 71, 72 e 73 da Lei n.
4.502, ou seja, a multa qualificada somente era cabível se houvesse o evidente
10
O mesmo esforço fora feito pelo Governo Federal através da Medida Provisória n. 303, a qual, contudo, perdeu efi-
cácia por decurso de tempo, sem aprovação pelo Poder Legislativo.
11
Este artigo, pois, trata da sonegação não no sentido de deixar de pagar tributo por via dolosa, mas por dolosamente
serem criados embaraços para a fiscalização tomar conhecimento do fato gerador e de todos os seus aspectos.
12
Já este artigo trata do próprio fato gerador, cuja ocorrência se impede ou retarda por modo doloso, vale dizer, por via
sabidamente ilegal e que adultere a realidade do fato gerador ou dos seus elementos, podendo consistir em simula-
ção absoluta ou relativa. Mas não impede o exercício regular do direito à elisão, que também visa, por meios legais,
impedir ou retardar a ocorrência do fato gerador ou praticar ato que não corresponda às características essenciais deste.
Na elisão sequer ocorre alteração das características do fato gerador, porque este nem chega a ser completar. Neste
sentido, lembre-se a visão de Luciano da Silva Amaro, de que a elisão não se resume a fazer algo antes da ocorrência
do fato gerador, mas fazer algo “em vez” do fato gerador.
13
O art. 73 não tem vida autônoma, pois se refere às hipóteses anteriores quando praticadas por mais de uma pessoa.
Portanto, nele, além da necessidade de dolo nas ações abrangidas pelos arts. 71 e 72, também é necessário o pacto
doloso.
intuito de fraude porque a situação se subsumia a um dos tipos infracionais
descritos nesses outros dispositivos legais;
- os arts. 71, 72 e 73 da Lei n. 4.502 referiam-se exclusivamente à situações
em que o dolo estivesse presente, pois os dois primeiros referiam-se à “ação
ou omissão dolosa” e o terceiro a “ajuste doloso”.
Portanto, nas três modalidades de evidente intuito de fraude, constantes desses
dispositivos - sonegação, fraude e conluio -, o traço característico e comum a elas
era o dolo, e, por isso mesmo, o art. 44 as considerava como caracterizadoras de
evidente intuito de fraude.
Por conseguinte, toda e qualquer modalidade de evidente intuito de fraude, que
em tese por si já carrega dolo, requeria o componente doloso.
Tanto era assim, que o inciso II do art. 44 declarava textualmente que o eviden-
te intuito de fraude era definido pelos arts. 71 a 73 da lei de 1964, “in verbis”: “(...)
nos casos de evidente intuito de fraude, definido nos arts. 71, 72 e 73 da Lei n. 4.502
(...)”.
Ou seja, o evidente intuito de fraude era definido pelos três dispositivos, ou, em
outras palavras, tudo o que estivesse abarcado por eles seria considerado como evi-
dente intuito de fraude.
Já o que não pudesse ser enquadrado nessa normatização da fraude ficaria sub-
metido à penalidade normal.
Daí a sapiência da remansada jurisprudência que, não à toa, surgiu em passado
antigo e se firmou ao longo dos anos.
O rigoroso Marco Aurélio Greco está de acordo com isto:14
“Outra observação a ser feita é a de que a incidência do inciso II do artigo 44 Lei n.
9.430/96, que leva à multa mais onerosa, supõe a ocorrência inequívoca de intuito frau-
dulento.
Vale dizer, não é toda e qualquer hipótese de falta de pagamento etc. prevista no inci-
so I que vai levar à multa em dobro.
Se não houve intuito de enganar, esconder, iludir, mas se, pelo contrário, o contribuin-
te agiu de forma clara, deixando explícitos seus atos e negócios, de modo a permitir a
ampla fiscalização pela autoridade fazendária, e se agiu na convicção e certeza de que
seus atos tinham determinado perfil legalmente protegido - que levava ao enquadra-
mento em regime ou previsão legal tributariamente mais favorável - não se trata de caso
regulado pelo inciso II do artigo 44, mas sim de divergência de qualificação jurídica
dos fatos; hipótese completamente distinta da fraude a que se refere o dispositivo.”
(Destaque do original)
Tanto este componente qualificador era necessário que o art. 44 da Lei n. 9.430
foi alterado pela Lei n. 11.488, numa tentativa do Poder Executivo de tornar a pu-
nição mais rigorosa aplicável em situações de menor evidência da intenção.
Com efeito, observa-se que o autor da nova redação do art. 44 retirou dele a
expressão “evidente intuito de fraude”, que ao longo do tempo exerceu capital im-
portância nos julgamentos administrativos.
Todavia, a evidência de fraude nunca foi decorrência de uma visão física ou de
uma outra percepção sensorial de natureza pessoal, pois era descrita objetivamente
14
GRECO, Marco Aurélio, Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, pp. 230/1.
nos arts. 71 a 73, e o enquadramento de cada caso num desses dispositivos depen-
dia de provas seguras.
Destarte, a omissão daquela expressão na nova redação do art. 44 não altera a
norma, porque não altera os pressupostos dos arts. 71, 72 e 73, os quais continuam
os mesmos, de modo que o agravamento da multa continua a depender de, em cada
caso, haver ou não a subsunção dos fatos às regras constantes dos três artigos, sen-
do que em todos eles o agravamento da pena é sempre reservado para uma “ação
ou omissão dolosa tendente” a produzir algum efeito fiscal ilegal, onde, portanto, o
dolo é requisito participante das hipóteses legais.
Não é esta a primeira vez em que se assiste no Brasil a uma pretensão governa-
mental de alterar a realidade das coisas e das normas através de meros artifícios lin-
guísticos que, contudo, não são hábeis a modificar aquela realidade.15
Por conseguinte, para que seja cabível a multa maior, não é suficiente a lei ter
deixado de dizer que ela somente cabe quando houver evidente intuito de fraude
definido pelos arts. 71 a 73 da Lei n. 4.502, se ela continua a penalizar com a mes-
ma intensidade as mesmas situações subsumidas a esses dispositivos, os quais, por
sua vez, descrevem apenas situações dolosas.
Quer dizer, não interessa ficar discutindo se, em dado caso, há ou não evidente
intuito de fraude, porque o relevante é ir diretamente às hipóteses de dolo descritas
nos arts. 71 a 73, que requerem a prova da existência do dolo, e não da mera culpa.
De qualquer modo, as mesmas situações continuam a evidenciar o intuito de
fraude, isto porque a lei, na sua redação pretérita, o dizia com todas as letras, e os
fatos hipoteticamente referidos na lei continuam a ser os mesmos.
De mais a mais, o dispositivo legal contém a norma, mas não é a norma, a qual
decorre de todas as disposições contidas na lei.
Já por isto se pode afirmar que a singela alteração redacional introduzida no art.
44 não alterou a substância da norma, inclusive porque os arts. 71 a 73 não podem
ser isolados de outras disposições que estão contidas num conjunto normativo cons-
tante da Lei n. 4.502, de modo que, ao serem adotados aqueles artigos especifica-
mente mencionados no art. 44, eles o foram dentro do contexto normativo de que
fazem parte.
Em outras palavras, a adoção dos arts. 71 a 73 da Lei n. 4.502, pela Lei n. 9.430,
importa em adoção de todo o conjunto normativo que trata da graduação das pena-
lidades, constante daquela lei.
Realmente, os arts. 71, 72 e 72 fazem parte duma sistemática baixada pela Lei
n. 4.502 que não se reduz a eles dois, eis que vem desde o art. 67 e passa pelo art.
68, que assim dispõem:
“Art. 67. Compete à autoridade julgadora, atendendo aos antecedentes do infrator,
aos motivos determinantes da infração e à gravidade de suas conseqüências efetivas
ou potenciais;
I - determinar a pena ou as penas aplicáveis ao infrator;
II - fixar, dentro dos limites legais, a quantidade da pena aplicável.”
15
Ainda recentemente, tivemos a norma pretensamente interpretativa baixada pela Lei Complementar n. 118 para ten-
tar derrubar retroativamente a interpretação que o Superior Tribunal de Justiça dava à matéria, tentativa esta frustra-
da pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso Extraordinário n. 566.621/RS.
“Art. 68. A autoridade fixará a pena de multa partindo da pena básica estabelecida
para a infração, como se atenuantes houvesse, só a majorando em razão das circuns-
tâncias agravantes ou qualificativas provadas no processo.
§ 1º São circunstâncias agravantes:
I - a reincidência;
II - o fato de o imposto, não lançado ou lançado a menos, referir-se a produto cuja tri-
butação e classificação fiscal já tenham sido objeto de decisão passada em julgado,
proferida em consulta formulada pelo infrator;
III - a inobservância de instruções dos agentes fiscalizadores sobre a obrigação viola-
da, anotada nos livros e documentos fiscais do sujeito passivo;
IV - qualquer circunstância que demonstre a existência de artifício doloso na prática
da infração, ou que importe em agravar as suas conseqüências ou em retardar o seu
conhecimento pela autoridade fazendária.
§ 2º São circunstâncias qualificativas a sonegação, a fraude e o conluio.”
A seguir, então, especialmente para dar eficácia ao parágrafo 2º do art. 68, vêm
as definições de sonegação, fraude e conluio, dadas pelos arts. 71 a 73.
As disposições dos arts. 67 e 68, que estão em vigor tanto quanto os arts. 71 a
73,16 ajustam-se às duas referidas graduações de penalidades17 previstas no art. 44
da Lei n. 9.430, e requerem que a autoridade julgadora distinga as situações e parta
da menor graduação, sob a presunção de apenas haver atenuantes para o contribuinte
ter cometido a infração, “só a majorando em razão das circunstâncias agravantes ou
qualificativas provadas no processo”.
Porém, essas circunstâncias agravantes ou qualificativas, além de precisarem
estar provadas, não são de livre eleição pelo julgador, já que as agravantes estão
relacionadas no parágrafo 1º do art. 69 e as qualificativas no parágrafo 2º.
Ora, estas últimas são exatamente as descritas nos arts. 71 a 73, de modo que a
distinção entre as situações não dolosas e as dolosas vem na própria estrutura da
disciplina legal das multas e da sua graduação, mais uma vez a afastar qualquer efei-
to concreto na supressão da expressão “evidente intuito de fraude” que o art. 44
empregava originalmente.
Já que adentramos na sistemática legal para aplicação das penalidades, impõe-
se observar o que dizem mais dois dispositivos da mesma Lei, a saber:
“Art. 76. Não serão aplicadas penalidades:
I - aos que, antes de qualquer procedimento fiscal, procurarem espontaneamente, a
repartição fazendária competente, para denunciar a falta e sanar a irregularidade, res-
salvados os casos previstos no art. 81, nos incisos I e II do art. 83 e nos incisos I, Il e
III do art. 87;
II - enquanto prevalecer o entendimento - aos que tiverem agido ou pago o imposto:
a) de acordo com interpretação fiscal constante de decisão irrecorrível de última ins-
tância administrativa, proferida em processo fiscal, inclusive de consulta, seja ou não
parte o interessado;
16
A provar isto, a Lei n. 11.488, que alterou o art. 44 da Lei n. 9.430, revogou apenas o art. 69 da Lei n. 4.502, que até
então integrava a sistemática de graduação de penalidades.
17
Na verdade, há uma terceira graduação aqui não tratada por ser irrelevante. Com efeito, o parágrafo 2º do art. 44 (com
a redação da Lei n. 11.488, de 15 de junho de 2007) prescreve o agravamento, em mais metade, tanto da porcenta-
gem de 75% quanto da de 150%, se o sujeito passivo não atender, no prazo marcado, intimações da fiscalização para
a entrega de informações e dados relacionados em suas alíneas.
b) de acordo com interpretação fiscal constante de decisão de primeira instância, pro-
ferida em processo fiscal, inclusive de consulta, em que o interessado for parte;
c) de acordo com interpretação fiscal constante de circulares instruções, portarias, or-
dens de serviço e outros atos interpretativos baixados pelas autoridades fazendárias
competentes.”
“Art. 77. A aplicação da penalidade fiscal e o seu cumprimento não dispensam, em caso
algum, o pagamento do imposto devido, nem prejudicam a aplicação das penas comi-
nadas para o mesmo fato pela legislação criminal, e vice versa.”
Enquanto o art. 77 da Lei n. 4.502 consagra a regra de que a penalidade fiscal
não exclui sanções criminais que sejam cabíveis, o que vem repetido no art. 44 da
Lei n. 9.430, o art. 76 vai adiante ao prescrever as hipóteses em que a penalidade
fiscal não deverá ser aplicada, havendo-se que se notar a hipótese de pagamento de
imposto ou de ação (que pode ser até a ação de não pagamento de imposto, ou de
se organizar para não adentrar no fato gerador) do contribuinte que esteja de acor-
do com decisão administrativa de última instância, ainda não alterada, mesmo que
em processo do qual ele não seja parte.18
Portanto, repito, a inaplicabilidade de multa agravada a planejamentos tributá-
rios equivocados, mas não dolosos, não é apenas uma imposição de critérios de jus-
tiça ínsitos ao ordenamento jurídico, mas uma decorrência de normas expressas no
direito positivado.
De mais a mais, em matéria de Direito Penal (inclusive Direito Penal Tributá-
rio, qualquer que seja a espécie da pena), é bem apropriado o conceito de erro de
proibição, existente no Direito Penal quanto à punibilidade do próprio ato crimino-
so, e perfeitamente aplicável no Direito Tributário quanto à graduação da penalida-
de.
O erro de proibição existe quando o autor do ilícito supõe estar agindo dentro
da lei.
Julio Fabbrini Mirabete ensina com clareza total:19
18
Principalmente o dispositivo do inciso II, letra “a” suscita algumas surpresas, além do fato de que ainda esteja em
vigor. Vale comentar que as exceções referidas na parte final do inciso I do art. 76 são pertinentes à infrações graves
e também ao pagamento espontâneo após o prazo legal, que tinha multas especificamente previstas no art. 81, o qual,
entretanto, fora revogado já em 1979 pelo Decreto-lei n. 1.736, tendo a hipótese passado a ser regida por legislação
posterior. E, quanto à letra “a” do inciso II do mesmo art. 76, seu aparente choque com o disposto no art. 100 do
CTN, superveniente a ele, pode ser explicado pelo fato de que o CTN é lei nacional que se impõe à União, aos Esta-
dos, ao Distrito Federal e aos Municípios, mas não impede que qualquer dessas unidades estabeleçam regras mais
favoráveis aos contribuintes, em homenagem ao preceito da confiança dos administrados na Administração Pública,
tão defendido pelo Professor Ruy Barbosa Nogueira. Além disso, a letra “a” do inciso II do art. 76 não se incompa-
tibiliza com o art. 100, cujo inciso II considera como legislação complementar as decisões de órgão singular ou co-
letivo de jurisdição administrativa a que a lei atribua eficácia normativa, que, em última análise, é a decorrência do
disposto no art. 67, inciso II, letra “a” (também da letra “b”), da Lei n. 4.502. Neste particular, deve-se ter em conta
que, após o CTN, a Lei n. 4.502 passou por alterações introduzidas pelo Decreto-lei n. 34, ajustando-se, pois, ao
Código, de modo que a manutenção do art. 67 após esse decreto-lei deve ser entendida como explicitadora da sua
consonância com o disposto no art. 100, pois foi mantido pelo decreto-lei apesar de este ter mexido em outras dispo-
sições desse mesmo conjunto normativo. Destarte, quanto a tributos federais, e no contexto do planejamento tributá-
rio, percebe-se a importância da jurisprudência administrativa para a apreciação de casos futuros, enquanto ela se
sustenha.
19
MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. Vol. 1. 23ª ed. Parte Geral. São Paulo: Atlas, p. 197.
“O erro de proibição, por sua vez, não diz respeito à tipicidade, ao tipo penal, mas a
sua antijuridicidade. Não existe, na hipótese de erro de proibição, a consciência da ili-
citude (atual ou parcial) do fato, que é um pressuposto ou elemento da culpabilidade.
(...)
Foi visto que, para existir culpabilidade, necessário se torna que haja no sujeito ao
menos a possibilidade de conhecimento da antijuridicidade do fato. Quando o agente
não tem ou não lhe é possível esse conhecimento, ocorre o denominado erro de proi-
bição. Há, portanto, erro de proibição quando o agente supõe, por erro, que seu com-
portamento é lícito.
(...)
O agente, no erro de proibição, faz um juízo equivocado sobre aquilo que lhe é permi-
tido fazer na vida em sociedade. Evidentemente, não se exige de todas as pessoas que
conheçam todos os dispositivos legais, mas o erro só é justificável quando sujeito não
tem condições de conhecer a ilicitude de seu comportamento. Não se trata, aliás, de
um juízo técnico-jurídico, que somente se poderia exigir dos mais renomados juristas,
mas de um juízo ‘leigo’, ‘profano’, que é emitido de acordo com a opinião dominante
no meio social.”
São conceitos e ensinamentos perfeitamente adequados a planejamentos tribu-
tários cercados das circunstâncias referidas por esse autor, como inclusive se cons-
tatou em alguns julgados do 1º Conselho de Contribuintes, dentre os quais vale des-
taque para o Acórdão n. 101-95537, de 24 de maio de 2006, em que se lê o seguin-
te:
“Aplica-se à espécie, sem pretensões de maiores conhecimentos no campo de Direito
Penal, o denominado erro de proibição, a afastar, pela razoabilidade do desconheci-
mento da ilicitude do ato praticado, punibilidade diversa daquela do simples retardar
no recolhimento do tributo, ou seja, a multa de lançamento de ofício de 75%.”
A seguir, esse acórdão transcreve escólio doutrinário de Luiz Regis Prado,20 do
qual se destaca a seguinte passagem:
“Trata-se de erro que tem por objeto proibição jurídica do fato. É dizer: o agente per-
de, em decorrência de erro de proibição, a compreensão da ilicitude do fato. Constitui
o lado oposto da consciência do injusto: supõe erroneamente que atua de forma lícita
(...).”
E arremata o seu julgamento dizendo:
“Perceba-se a justificativa que tem um contribuinte, ao pesquisar a jurisprudência va-
cilante e a doutrina divergente, em considerar que estava agindo licitamente. Há pou-
co tempo, inclusive, prevalecia o entendimento de que a adoção de formas lícitas era
suficiente a garantir a economia tributária visada com a seqüência de atos, indepen-
dentemente do seu tempo ou ausência de qualquer outro propósito negocial.
Inaceitável a qualificação da multa, principalmente para os atos praticados há muitos
anos, quando ainda incipientes as discussões a respeito das patologias que tornam não
oponível ao fisco determinado planejamento tributário.”
Portanto, a multa qualificada pressupõe ciência da ilicitude e intuito de fraudar
a lei através de ato que se sabe ser ilícito, o que está muito distante das situações
em que haja mero erro de conduta por erro de direito, isto é, na qualificação jurídi-
ca do ato, ou em que a invalidade do planejamento praticado derive de outras falhas
não cercadas de dolo.
20
PRADO, Luiz Regis. Elementos do Direito Penal. Vol. 1. São Paulo: RT, 2005, p. 132.
Outro não deve ser o enquadramento dos fatos no terreno das sanções criminais,
segundo a disciplina da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que arrola vários
tipos penais, todos eles de natureza dolosa. Vale ler o que consta dessa lei, para se
perceber sem dificuldade que ela está ajustada a tudo quanto antes foi dito a respei-
to das sanções tributárias de natureza pecuniária:
“Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou con-
tribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo opera-
ção de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro
documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva sa-
ber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equi-
valente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realiza-
da, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
(...)
Art. 2º Constitui crime da mesma natureza:
I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empre-
gar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, des-
contado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria reco-
lher aos cofres públicos;
III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer per-
centagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como
incentivo fiscal;
IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou
parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;
V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito
passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por
lei, fornecida à Fazenda Pública.”
É notável como todos os tipos penais descritos correspondem à situações que
não têm qualquer similitude com aquelas em que se pode dizer haver planejamento
tributário, ainda que equivocado, pois, ao contrário, todos os tipos arrolados corres-
pondem aos exemplos de fraudes inequívocas, sabidas como fraudes por qualquer
pessoa.
Por isso mesmo, também são notáveis as palavras pelas quais o Supremo Tri-
bunal Federal afastou a existência de crime em caso no qual um contribuinte credi-
tou erroneamente determinada parcela de ICMS. Disse a Corte:21
“A fraude pressupõe a vontade livre e consciente. Longe fica de configurá-la, tal como
tipificada no inciso II do art. 1º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o lança-
mento de crédito, considerada a diferença das alíquotas praticadas no Estado de desti-
no e no de origem. Descabe confundir interpretação errônea de normas tributárias,
passível de ocorrer quer por parte do contribuinte ou da Fazenda, com o ato penalmente
21
Habeas Corpus n. 72.584-8/RS, 2ª Turma, em 17 de outubro de 1995.
glosado, em que sempre se presume o consentimento viciado e o objetivo de alcançar
proveito sabidamente ilícito.”
Em conclusão, a legislação ordinária federal confirma que os casos que não
podem ser considerados planejamentos tributários estão sujeitos às mais graves san-
ções pecuniárias e restritivas da liberdade. Também confirma que a graduação das
penalidades deve partir do pressuposto de inexistência de circunstâncias que auto-
rizem o agravamento das multas, o que, em matéria de planejamento, ratifica a vi-
são de que a regra geral é da sua aceitabilidade, somente sendo invalidado median-
te prova da sua incorreção (multa menor, independente de intenção) ou, quando for
o caso, mediante prova inequívoca da noção da ilegalidade pelo respectivo autor, a
despeito da qual este tenha persistido em praticá-la por meios dolosos (multa maior,
dependente da intenção).
Neste quadro, qualquer planejamento tributário requer prudência e moderação:
- do consultor e do contribuinte, quanto a praticá-lo;
- do auditor fiscal, quando da atividade de fiscalização e de lançamento; e
- do órgão judicante, quando da decisão a ser proferida com o devido tempe-
ramento da justiça (“cum grano salis”).
Contribuição sobre o Aviso
Prévio Indenizado
Wladimir Novaes Martinez
1
Comentários à CLT, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2000, p. 514.
O rol dos montantes percebidos pelos trabalhadores, entre remuneratórios e não
remuneratórios, chegam a mais de 1.000, e praticamente todo mês surge uma nova
modalidade de retribuição do trabalho humano.
Valores reconhecidamente não integrantes do salário de contribuição não fazem
parte dessa lista, como é o caso da guelta, da quebra de caixa, da remuneração do
aviado amazonense, do pagamento a desoptante do ex-IAPC e assim por diante, taxa
de vexame, taxa de rampa, taxa de chuva e auxílio-paletó etc. (sic)
O caput de um artigo - uma norma geral - pode ser quebrado pela norma espe-
cial, constante de parágrafo, inciso ou da alínea abaixo dele postadas e, então, não
há dúvidas quanto a todas as letras do parágrafo 9º do art. 28. Trata-se de disposi-
ção comissiva. Entretanto, por omissão ou pelo raciocínio do a contrario sensu, nem
sempre a conclusão é possível.
Ausente dessa enorme lista, comporta interpretação e será preciso recorrer ao
caput, em que o aviso prévio indenizado não tem abrigo.
Quer dizer, embora não faça parte do parágrafo 9º (relação de valores não inte-
grantes do salário de contribuição) necessariamente não estão sujeitos à exação se-
curitária.2
Assim ajuizaram Irany Ferrari,3 Almir Pazzianotto Pinto,4 e José Pittas.5
2
Comentários à Lei Básica da Previdência Social, tomo I, 8ª ed., São Paulo, LTr, 2010, p. 380.
3
“Aviso Prévio Indenizado - Incidência Previdenciária”, Suplemento Trabalhista n. 50/81, São Paulo: LTr, 1981.
4
“Indenização Adicional e Aviso Prévio”, Suplemento Trabalhista n. 10/81, São Paulo: LTr, 1981.
5
“Juiz do Trabalho comenta sobre as Verbas Isentas da Contribuição Previdenciária”, Revista BIT, março de 1998,
pp. 43/445.
PA R E C E R
O Direito de aproveitar o ICMS Devido
pelo Contribuinte que recebeu de Outro
Estado Mercadorias com Incentivo
Declarado Inconstitucional
Sacha Calmon Navarro Coêlho
Exórdio
Chamo à colação o que juridicamente é importante. O princí-
pio constitucional do crédito do ICMS assumido pelo adquirente
de boa-fé (estorno impossível de ICMS incentivado noutro Esta-
do). Segurança jurídica do contribuinte. Irretroatividade da lei, do
ato administrativo normativo e das sentenças e acórdãos judiciais
relativamente à pessoa do contribuinte, como corolários do prin-
cípio da segurança jurídica.
1) A tomada de crédito do ICMS pelo adquirente da mercado-
ria ou serviço. Quando, for esse o caso, é direito subjetivo de na-
tureza constitucional do sujeito passivo da obrigação tributária.
Reza a Constituição:
“Art. 155. (...)
§ 2º O imposto previsto no inciso I, ‘b’ atenderá ao seguinte:
I - será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada
Sacha Calmon operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de ser-
Navarro Coêlho viços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou ou-
é Professor Titular de tro Estado ou pelo Distrito Federal.”
Direito Tributário da
Sendo um direito subjetivo de radicação constitucional não
UFRJ (Faculdade
pode ser minimizada por lei, ato administrativo ou sentença judi-
Nacional de Direito),
cial, pois a Constituição impõe-se aos três Poderes da República.
ex-Professor Titular de
As restrições ao direito de creditamento são unicamente os
Direito Tributário e
constantes da Constituição, “verbis”:
“Art. 155. (...)
Financeiro da UFMG,
§ 2º O imposto previsto no inciso I, ‘b’ atenderá ao seguinte:
Doutor em Direito II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário
Público pela UFMG, da legislação:
Presidente Honorário a) não implicará crédito para compensação com o montante devi-
da Abradt e Presidente do nas operações ou prestações seguintes;
da ABDF. b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores.”
Nem mesmo a lei complementar pode restringir a Constituição que é, em si, neste pon-
to, bastante “self enforcing” ou autoaplicável, para lembrar Pontes de Miranda.
Com efeito, cabe à lei complementar “disciplinar” a tomada de crédito, não, porém,
impedi-la, sob pena de inconstitucionalidade.
Confira-se:
“Art. 155. (...)
§ 2º (...)
XII - cabe à lei complementar:
c) disciplinar o regime de compensação do imposto.”
2) Fixado o direito público subjetivo do contribuinte do ICMS ao creditamento do im-
posto incidente nas operações anteriores (o ter sido pago ou não, reduzido ou não, financia-
do ou não é “res inter alios”), cabe examinar a atividade ilícita de qualquer Estado-membro
da Federação em relação aos demais, na concessão ilícita de benefícios ou incentivos fiscais
envolvendo o ICMS.
Dispõe a Constituição:
“Art. 155. (...)
§ 2º (...)
XII - cabe à lei complementar:
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, in-
centivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.”
A lei complementar, à sua vez, diz que somente mediante convênio de Estados-mem-
bros isenções e outros benefícios poderão ser validamente concedidos, como é de geral sa-
bença.
Abrem-se então perante o intérprete duas realidades jurídicas, quais sejam:
a) a existência de isenções e outros incentivos válidos; e
b) a existência de isenções e benefícios inválidos.
Na primeira hipótese, a isenção implica o não creditamento do ICMS das operações
anteriores, a teor da Constituição, salvo disposição em contrário da legislação convenial
concessiva. Parece-nos que o constituinte quis tornar oneroso e desinteressante o uso extra-
fiscal do ICMS, como vimos de ver, sem êxito. Os Estados preferiram os incentivos ilegais,
tidos por legais com apoio na teoria da aparência. Os benefícios legais só traziam ônus para
suas políticas extrafiscais de atração de investimentos e não seduziam os contribuintes.
Este ponto merece explicação. É que a teor da Constituição, a isenção e demais incenti-
vos fiscais, para serem alcançados, exigiam que os outros Estados concordassem mediante
convênios. Ademais disso, a lei do incentivo, fosse isenção ou redução de base de cálculo
ou crédito presumido, tinha que dizer expressamente que o crédito das operações anteriores
estava mantido em prol do contribuinte incentivado e que o recebente sito noutro estado po-
dia aproveitar o crédito - evidentemente presumido - porque a operação anterior, reduzia ou
eliminava o ICMS devido. Ora, a fórmula jamais funcionou. Então o que fizeram os Esta-
dos? Passaram a dar incentivos unilateralmente mediante regimes especiais, por decretos e
portarias, usando a técnica do crédito presumido, de modo a anular o ICMS que deveria ter
sido pago e que constava nas notas fiscais do contribuinte incentivado, fazendo com que o
ônus do imposto constasse do preço exigido do contribuinte comprador, ubicado noutro
Estado da Federação. A guerra fiscal, dessarte, generalizou-se em todo o País.
Na segunda hipótese, seja por desconhecer a secreta norma concessiva do benefício ou
por supô-la válida - por isso o Poder Público e seus atos gozam da presunção de legitimi-
dade e de eticidade - o contribuinte/adquirente da mercadoria ou serviços tem direito subje-
tivo ao crédito. Não lhe compete vigiar e julgar a legislação ou sua ausência em todos os
Estados da Federação. Basta-lhe os dizeres da Constituição. Aliás, é exatamente por essa
razão que a Suprema Corte decidiu que os Estados não poderiam glosar ou estornar os cré-
ditos do ICMS, tidos por ilegais, unilateralmente, prejudicando os terceiros de boa-fé. De-
veriam, os Estados, pleitear a anulação da lei ou ato normativo concessivo para depois pro-
mover a anulação dos créditos indevidos (medidas concedidas pelo STF e que, além disso,
considerou de repercussão geral a matéria em exame).
3) A questão das isenções e benefícios fiscais ilícitos ocorre sempre no plano das rela-
ções interestaduais. Um Estado concede - à socapa - o benefício e o outro Estado não que-
rendo arcar com o crédito do ICMS (que teoricamente teria sido pago ao outro Estado mas
não o foi, total ou parcialmente) por ato administrativo unilateral impede ou estorna a cré-
dito do imposto constante da nota fiscal do contribuinte sob sua jurisdição (“guerra fiscal”
entre os Estados da Federação).
4) Coloca-se a questão de saber se as decisões declaratórias e, portanto, não condenató-
rias, tomadas no âmbito do controle abstrato das leis e atos normativos, entre dois Estados
federados, têm o condão de atingir, retroativamente, terceiros de boa-fé que se creditaram
do imposto no pretérito, com espeque na presunção de constitucionalidade da lei e na cren-
ça da conduta ética dos Estados-federados. Ancorado no seu direito subjetivo, de cariz cons-
titucional, de aproveitamento do imposto devido nas operações anteriores, conforme desta-
cado na nota fiscal, o contribuinte, comprovando que pagou o preço estampado na nota fis-
cal (o ICMS é por dentro), tem o direito líquido e certo de opor-se ao estorno a destempo,
após a decisão de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal, daí a razão da irre-
troatividade das decisões judiciais em casos que tais. Vejamos a razoabilidade de suas argu-
mentações.
A uma, o seu direito é de radicação constitucional e, portanto, intangível. A duas, não
praticou ato algum que contribuísse para a ilegitimidade do incentivo fiscal. A três, o ato é
de terceiro. A quatro, a “quaestio juris” não lhe diz respeito, é “res inter alios”, entre deman-
dantes qualificados (dois ou mais Estados-membros da Federação). A cinco, os efeitos das
declarações de inconstitucionalidade são despidos de caráter condenatório imputando-lhe
condutas determinadas. A seis, não se pode sofrer dano por fato de terceiro, de natureza es-
tatal. A sete, ele pagou o ICMS destacado na nota fiscal interestadual corretamente. A oito,
não praticou ilicitude. É evidente que a glosa do crédito acarretará, para os contribuintes de
boa-fé, passivos fiscais significativos a onerar o caixa das empresas de maneira injusta e inju-
rídica. Espera-se que o STF cumpra o dever de interpretar a Constituição sistematicamente,
garantindo-lhe a supremacia.
Dir-se-á que não se trata disso, mas dos efeitos da declaração de constitucionalidade em
relação aos Estados concedentes do benefício írrito e seus contribuintes beneficiados e tam-
bém em relação ao Estado reclamante e seus contribuintes, que aproveitaram o ICMS des-
tacado na nota fiscal interestadual conforme prescreve a Constituição. Assim sendo, a lei e
tais atos normativos jamais entraram no sistema jurídico e portanto não poderiam produzir
efeitos (como se dizia nos primórdios do Constitucionalismo norte-americano, com a inge-
nuidade que lhe é ínsita). Ora essa, no caso do Brasil, os incentivos são concedidos por por-
taria dos secretários da Fazenda, por meros atos administrativos.
5) A colocação da questão nos termos acima delineados está profundamente equivoca-
da. Quer no controle difuso, “inter partes”, da constitucionalidade das leis e de atos norma-
tivos do Estado Administração, quer no controle concentrado, o Supremo Tribunal pode -
desnecessário citar os dispositivos legais - modular os efeitos das declarações de inconstitu-
cionalidade de lei, artigo de lei, ou atos normativos que concedem contra a Constituição isen-
ções e benefícios fiscais relativos ao ICMS. Se não o faz, não se pode deduzir que o ICMS
aproveitado - e pago - pelo adquirente deve ser estornado. O emissor da nota fiscal é que
deve ser chamado a recolher o imposto que não pagou mas repercutiu. A novidade não é o
poder que o STF tem de modular os efeitos de suas próprias decisões, mas os limites que
lhe são impostos pela Constituição. Ele não pode substituir o constituinte originário, caso
contrário assumiria o papel de revisor permanente do texto e do contexto constitucional,
tornando-os flexíveis jurisdicionalmente ao invés de rígidos, como quis o constituinte. É por
isso que o STF, com extrema coerência, não impõe o estorno, aos contribuintes dos Estados
que se creditaram do ICMS (isento ou incentivado) oriundo dos contribuintes sitos no Esta-
do infrator. O STF apenas declara que a isenção ou o incentivo é írrito perante a Constitui-
ção. O Estado infrator não poderá mais utilizar a legislação eivada de inconstitucionalidade
e o Estado reclamante, a partir da decisão do STF, tem o direito pleno de desconsiderar os
créditos do ICMS tomados pelos seus contribuintes, da data da decisão em diante.
6) O “punctum dolens” da questão em análise diz respeito ao direito de créditos dos
contribuintes que antes da decisão da Suprema Corte, de natureza declaratória, aproveita-
ram o ICMS na conta-corrente fiscal. É que em razão dos princípios da presunção de cons-
titucionalidade das leis e atos normativos e da boa-fé, eles agiram corretamente. A inconsti-
tucionalidade é superveniente, mas esses contribuintes passam a ser agredidos pelo Estado
que reclamou perante o STF a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, a exigir-lhes
com multas e correção monetária os créditos aproveitados. Ora, em relação a esses terceiros
de boa-fé, a decisão do Supremo tem efeitos evidentemente “ex nunc”, pois a ilicitude não
lhes pode ser irrogada se não ao Estado infrator perante o Estado prejudicado. O STF deci-
de a relação interestatal de Direito Público interno, entre Estados-membros da Federação. É
disso que se trata. Vamos além. Declarada a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, o
Estado da situação do contribuinte emitente da nota fiscal não pode mais utilizar-se deles
sob pena de intervenção federal. Os seus contribuintes emitentes ficam obrigados a recolher
o ICMS que não recolheram em homenagem aos princípios da legalidade, da não cumulati-
vidade e da boa-fé, por isso que os contribuintes noutro Estado, os contribuintes recebentes,
despenderam dinheiro próprio e o entregaram aos vendedores beneficiados sitos no Estado
de origem (enriquecimento ilícito). Ato contínuo, aproveitaram os contribuintes recebentes
das mercadorias os respectivos créditos advindos do ICMS que lhes foram repercutidos. O
efeito “ex tunc”, é claro, endereça-se aos infratores e não aos terceiros de boa-fé, com a res-
salva de que após a declaração de inconstitucionalidade esses terceiros adquirentes ficam
impedidos da alegação de ignorância da lei declarada inconstitucional. O que acabo de di-
zer tem o respaldo, por todos, de Weida Zancaner: “Com efeito, atos inválidos geram con-
seqüências jurídicas, pois se não gerassem não haveria qualquer razão para nos preocupar-
mos com eles.” (Destaques nossos)
E, prossegue: “Com base em tais atos certas situações terão sido instauradas e na dinâ-
mica da realidade podem converter-se em situações merecedoras de proteção (...) de modo
que fique vedado à Administração Pública o exercício do dever de invalidar, pois fazê-lo
causaria ainda maiores agravos ao Direito, por afrontar à segurança jurídica e a boa fé.”1
7) Alguns intérpretes pedestres do ICMS alegam que existe lei complementar prevendo
dupla sanção, anulando no Estado de origem o incentivo ou isenção eivados de inconstitu-
cionalidade e predicando a efetiva cobrança do ICMS dispensado, mas impondo no Estado
do destino, ao contribuinte recebente de boa-fé, o estorno do crédito, embora este último
tenha pago o valor do ICMS destacado na nota fiscal. A Lei Complementar nº 24 dispõe:
“Art. 8º A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:
I - a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da
mercadoria;
Il - a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda
remissão do débito correspondente.”
Ora, o art. 8º implica cobrar de quem não pagou e logo negar o crédito de quem sofreu
a repercussão onerosa do imposto (que desfalcou o seu “caixa”). A negativa do crédito é
incoerente e inconstitucional.
1
Weida Zancaner. Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993,
pp. 61/62.
É sabido que tanto as emendas à Constituição quando as leis complementares estão su-
jeitadas ao controle de constitucionalidade. No caso em exame as disposições complemen-
tares acima mencionadas na parte que sanciona o terceiro de boa fé são claramente incons-
titucionais, por vários motivos:
a) ferem o princípio da não cumulatividade;
b) desprezam o princípio da boa-fé;
c) implementam a aplicação retroativa da lei e da sentença judicial;
d) criam danos ao princípio da segurança jurídica;
e) vulneram o princípio do não confisco; e
f ) agridem o princípio da moralidade (ditos dispositivos desafiam mandado de segu-
rança ou quando nada ação anulatória precedida de cautelar).
Em situação superior postam-se os grandes princípios jurídicos que orientam o “ordo
juris” e aconselham a aplicação do direito aos casos concretos, em qualquer ramo do Direito.
Para encerrar o presente ensaio - nesses tempos de eloquentes erros retóricos - dou à
estampa o entendimento de Nery Junior:2
“Hoje em dia a boa-fé exigível do Poder Público tem alcançado foros de máxima importância.
Nos ordenamentos mais modernos a boa-fé objetiva aplicável aos poderes públicos tem magni-
tude constitucional, caracterizada como expressa garantia fundamental do cidadão (Grundrecht)[3]
como se pode comprovar pelo exame do art. 9º da Constituição Federal da Suíça, verbis: ‘Cada
pessoa tem o direito de exigir dos órgãos estatais tratamento sem arbitrariedade e segundo a boa-
fé.’[4]
Vemos no direito suíço, de forma perfeitamente delineada, a distinção entre princípio e regra,
identificada a partir da experiência trazida e demonstrada por Dworkin: a boa-fé é um princípio
constitucional positivado enquanto que o direito de exigir que os órgãos públicos se conduzam
segundo a boa-fé é uma garantia fundamental.
Como princípio constitucional, agora sim relativamente à maioria dos ordenamentos democrá-
ticos ocidentais - aqui incluído o Brasil -, o da boa-fé dos órgãos públicos é provido de supere-
ficácia, porque supernorma positivada de Direito[5].
A Constituição suíça é expressa e clara quanto à exigência de os poderes públicos portarem-se
com boa-fé e atribui direito fundamental ao cidadão e jurisdicionado de exigir que essa conduta
seja exteriorizada conforme o texto constitucional (Constituição suíça, art. 9º). No Brasil esse
preceito é, igualmente, garantia fundamental prevista na Constituição, muito embora não esteja
tão claramente expresso no texto constitucional como ocorre no direito suíço.
Referimo-nos à boa-fé como manifestação clara dos princípios do Estado Democrático de Di-
reito (CF 1º caput), da segurança jurídica (CF 1º caput; 5º caput [‘...direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade...’]; 5º XXXVI [irretroatividade]), da legalidade e da
moralidade administrativa (CF 37 caput) que, interpretados sistemática e finalisticamente, im-
plicam a conclusão de que é direito fundamental de todos exigir que os poderes públicos, por
meio de todos os órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em suas funções típi-
cas e atípicas, ajam de conformidade com a segurança jurídica, da qual a boa-fé objetiva é ins-
trumento de atuação. Trata-se, portanto, de direito fundamental previsto na CF brasileira.”
O contribuinte brasileiro tem o direito liquido e certo de exigir que o Estado atue de boa-
fé e respeite - tão importante quanto - a sua boa-fé.
É o que nos parece.
2
Tércio Sampaio Ferraz Junior, Roque Antonio Carrazza e Nelson Nery Junior. Efeito ex Nunc e as Decisões do STJ.
Barueri: Manole, 2008.
3
Tratando a boa-fé no Direito Constitucional suíço como direito fundamental, cujo objetivo é a proteção da confian-
ça: Elisabeth Chiariello. Treu und Glauben als Grundrecht nach Art. 9 der Schweizerischen Bundesverfassung. Bern:
Stampfli, 2003, n. 3.3, pp. 110 et seq.
4
“Art. 9º Jede Person hat Anspruch darauf, von den staatlichen Organen ohne Willkür und nach Treu und Glauben
behandelt zu werden” - art. 9º da Constituição da Confederação Suíça de 18 de abril de 1999.
5
Carlos Ayres Britto. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, n. 5.2, pp. 178 et seq.
JURISPRUDÊNCIA
Íntegras de Acórdãos
COFINS E PIS - REGIME DE TRIBUTAÇÃO - CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE
SERVIÇO A PREÇO DETERMINADO FIRMADOS ANTES DE 31.10.2003 - IN 468/2004 -
AUMENTO REFLEXO DE ALÍQUOTA - VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Ementa
Tributário. Cofins. Regime de Contribuição. Lei n. 10.833/03. Instrução Normativa n. 468/2004.
Violação do Princípio da Legalidade.
1. Cuida-se de recurso especial interposto pelo contribuinte, questionando o poder regulamentar
da Secretaria da Receita Federal, na edição da Instrução Normativa n. 468/04, que regulamentou
o art. 10 da Lei n. 10.833/03.
2. O art. 10, inciso XI, da Lei n. 10.833/03 determina que os contratos de prestação de serviço
firmados a preço determinado antes de 31.10.2003, e com prazo superior a 1 (um) ano, perma-
necem sujeitos ao regime tributário da cumulatividade para a incidência da Cofins. (Grifo meu)
3. A Secretaria da Receita Federal, por meio da Instrução Normativa n. 468/04, ao definir o que
é “preço predeterminado”, estabeleceu que “o caráter predeterminado do preço subsiste somen-
te até a implementação da primeira alteração de preços” e, assim, acabou por conferir, de for-
ma reflexa, aumento das alíquotas do PIS (de 0,65% para 1,65%) e da Cofins (de 3% para 7,6%).
4. Somente é possível a alteração, aumento ou fixação de alíquota tributária por meio de lei, sen-
do inviável a utilização de ato infralegal para este fim, sob pena de violação do princípio da le-
galidade tributária.
5. No mesmo sentido do voto que eu proferi, o Ministério Público Federal entendeu que houve
ilegalidade na regulamentação da lei pela Secretaria da Receita Federal, pois “a simples aplica-
ção da cláusula de reajuste prevista em contrato firmado anteriormente a 31.10.2003 não con-
figura, por si só, causa de indeterminação de preço, uma vez que não muda a natureza do valor
inicialmente fixado, mas tão somente repõe, com fim na preservação do equilíbrio econômico-
financeiro entre as partes, a desvalorização da moeda frente à inflação.” (Fls. 335, grifo meu)
Mantenho o voto apresentado, no sentido de dar provimento ao recurso especial.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros
da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista
do Sr. Ministro Castro Meira, acompanhando o Sr. Ministro Humberto Martins, a Turma, por unani-
midade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator.” Os Srs. Ministros
Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Cesar Asfor Rocha e Castro Meira (voto-vista) vota-
ram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 18 de outubro de 2011 (Data do Julgamento).
Ministro Humberto Martins
Relator
Relatório
O Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto por Megadata Computações Ltda. com fundamento na[s]
alínea[s] “a” e “c” do permissivo constitucional contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª
Região, nos termos da seguinte ementa (fls. 210/211e):
“Tributário. Cofins. Lei nº 10.833/2003. Instrução Normativa nº 468/2004 que regula o Disposto
em Lei. Possibilidade.
1. A questão posta nos autos cinge-se a esclarecer se a receita advinda do contrato firmado en-
tre a impetrante (ora apelada) e a Fenaseg, por ser anterior a 31 de outubro de 2003, estaria
alcançado pelo comando dos artigos 10 e 15 da Lei nº 10.833/2003, em razão da Instrução
Normativa nº 468/2004, aplicando-se, portanto, a sistemática da não-cumulatividade.
2. O artigo 10, inciso XI, alínea b, da Lei nº 10.833, de 2003, estabelece que as disposições acerca
da nova sistemática de não-cumulatividade, prevista nos artigos 1º a 8º, não se aplicam aos con-
tratos firmados anteriormente a 31 de outubro de 2003, desde que com prazo superior a 01 ano,
preço predeterminado, seja de bens ou serviços.
3. A Instrução Normativa nº 468, de 08 de novembro de 2004, da Secretaria da Receita Federal,
regulou a incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e para a Cofins, sobre as receitas rela-
tivas a contratos firmados anteriormente a 31 de outubro de 2003, definindo, entre outras pro-
vidências, o conceito de preço determinado, para efeito de aplicação da regra excepcionada pela
Lei nº 10.833/03.
4. A Instrução Normativa nº 468/2004 encontra-se em conformidade com o CTN, na medida em
que apenas explicita que, havendo majoração do preço antes pré-fixado, ficam os contribuintes
que apuram o Imposto de Renda com base no lucro real, obrigados a incluírem as receitas de-
correntes desse contrato (em que os preços ajustados deixaram de ser prefixados), e a apura-
rem a Cofins de forma não cumulativa, na forma da Lei nº 10.833/2003.
5. A IN nº 468/2004 apenas retoma o que está disposto na alínea ‘b’, do inciso XI, do artigo 10
da Lei nº 10.833/2003, ou seja, somente permanecem tributadas no regime da cumulatividade
as receitas advindas de contratos com validade superior a um ano e firmados anteriormente a
31.10.2003.
6. Apelo e remessa a que se dá provimento.”
Nas razões do recurso especial, a recorrente sustenta, além de dissídio jurisprudencial, que o acór-
dão recorrido negou vigência aos arts. 10, XI e XXVI, e 15, V, da Lei n. 10.833/2003, bem como os
arts. 97 e 110 do CTN, porquanto reconheceu a legalidade à Instrução Normativa n. 468/2004 da SRF
para alterar a sistemática de apuração cumulativa do contrato firmado anterior a 31.12.2003 para não
cumulativo, ante o advento de reajuste do contrato.
Apresentadas as contrarrazões às fls. 274/286e, sobreveio o juízo de admissibilidade positivo da
instância de origem (fls. 291/293e).
Parecer do Ministério Público Federal no sentido de dar provimento ao recurso especial, conforme
ementa que transcrevo:
“Tributário e Administrativo. Cofins e PIS. Regime de Tributação. Lei n. 10.833/03, Inciso XI,
Art. 10. Receita Advinda de Contrato Firmado anteriormente a 31/10/2003, com Predetermina-
ção de Preço. Submissão Excepcional ao Regime Cumulativo. Alteração de Conceito de Preço
Predeterminado, por Instrução Normativa da SRF. Restrição Injusta ao Benefício Fiscal Cumu-
lativo, em Face unicamente de Cláusula de Reajuste Prevista no Contrato. Limitação Ilegal do
Alcance da Norma.
- A simples aplicação da cláusula de reajuste prevista em contrato firmado anteriormente a
31.10.2003 não configura, por si só, causa de indeterminação de preço, uma vez que não muda
a natureza do valor inicialmente fixado, mas tão somente repõe, com fim na preservação do equi-
líbrio econômico-financeiro entre as partes, a desvalorização da moeda frente à inflação.
- Parecer pelo conhecimento e provimento do presente recurso.”
É, no essencial, o relatório.
Ementa
Tributário. Cofins. Regime de Contribuição. Lei n. 10.833/03. Instrução Normativa n. 468/2004.
Extrapolação do Poder Regulamentar. Aumento de Alíquota. Observância do Princípio da Lega-
lidade. Cláusula de Reajuste. Manutenção do Equilíbrio Econômico e Financeiro do Contrato.
Obrigatoriedade. Não Ocorrência de Alteração Contratual.
1. O art. 10, inciso XI, da Lei n. 10.833/03, determina que os contratos de prestação de serviço
firmados a preço determinado, antes de 31.10.2003, e com prazo superior a 1 (um) ano, perma-
necem sujeitos ao regime tributário da cumulatividade para a incidência da Cofins.
2. A Instrução Normativa n. 468/2004 da Secretaria da Receita Federal, com intuito de concei-
tuar o termo “preço determinado”, ultrapassou seu poder regulamentar porque, ao definir a cláu-
sula de reajuste como marco temporal para modificação do caráter predeterminado do preço,
acabou por conferir, de forma reflexa, aumento das alíquotas do PIS e da Cofins.
3. O entendimento jurisprudencial desta Corte Especial só admite alteração, aumento ou fixação
de alíquota tributária por meio de lei, sendo inviável a utilização de ato infralegal para este fim,
sob pena de violação do princípio da legalidade tributária.
4. A legislação federal em comento não previu alteração do regime de contribuição por aplica-
ção de cláusula de reajuste nos contratos firmados, não podendo instrumento normativo hierar-
quicamente inferior determinar a alteração do regime tributário, em observância do princípio da
legalidade.
5. “Às portarias, aos regulamentos, decretos e instruções normativas não é dado inovar a or-
dem jurídica, mas apenas conferir executoriedade às leis, nos estritos limites estabelecidos por
elas.” (REsp 872.169/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 23.4.2009, DJe
13.5.2009)
6. A introdução de cláusula de reajuste nos contratos administrativos visa assegurar às partes a
manutenção do equilíbrio econômico e financeiro da avença, e deve constar tanto do instrumen-
to contratual, bem como do próprio ato convocatório do processo de licitação, conforme estabe-
lecidos nos arts. 40, XI, e 55, III, da Lei n. 8.666/93.
7. A aplicação de cláusula de reajuste não provoca alteração contratual, conforme dispõe o § 8º
do art. 65 da Lei de Licitações, pois “as modificações incidentais acaso introduzidas não ino-
vam o acordado; ao contrário, confirmam o seu sentido e conteúdo, apenas adaptando-os às
circunstâncias que envolvem a execução das respectivas prestações.” (Pereira Junior, Jessé Tor-
res. Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública. 8ª ed. rev., atual.
e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2009)
Recurso especial provido.
Voto
O Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins (Relator):
Ocorrido o prequestionamento e demonstrado o dissídio jurisprudencial, conheço do recurso espe-
cial pela alínea “c”. Passo à análise do recurso especial.
Aduz a recorrente que a Secretária da Receita Federal ultrapassou seu poder regulamentar ao con-
ceituar preço predeterminado no art. 2º, § 2º, da Instrução Normativa n. 468/04, pois acabou por alte-
rar, substancialmente, o alcance do benefício concedido pelos art. 10 da Lei n. 10.833/03, prejudican-
do a recorrente.
Preliminarmente, para aclarar a exposição, os preditos dispositivos, in verbis:
“Lei n. 10.833/03
(...)
Art. 10. Permanecem sujeitas às normas da legislação da Cofins, vigentes anteriormente a esta
Lei, não se lhes aplicando as disposições dos arts. 1º a 8º:
(...)
XI - as receitas relativas a contratos firmados anteriormente a 31 de outubro de 2003:
(...)
b) com prazo superior a 1 (um) ano, de construção por empreitada ou de fornecimento, a preço
predeterminado, de bens ou serviços.”
“IN 468/2004
Art. 1º Permanecem tributadas no regime da cumulatividade, ainda que a pessoa jurídica esteja
sujeita à incidência não-cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social - Cofins, as receitas por ela auferidas relativas a contratos
firmados anteriormente a 31 de outubro de 2003:
(...)
II - com prazo superior a 1 (um) ano, de construção por empreitada ou de fornecimento, a preço
predeterminado, de bens ou serviços; e
(...)
Art. 2º Para efeito desta Instrução Normativa, preço predeterminado é aquele fixado em moeda
nacional como remuneração da totalidade do objeto do contrato.
§ 1º Considera-se também preço predeterminado aquele fixado em moeda nacional por unidade
de produto ou por período de execução.
§ 2º Se estipulada no contrato cláusula de aplicação de reajuste, periódico ou não, o caráter
predeterminado do preço subsiste somente até a implementação da primeira alteração de pre-
ços verificada após a data mencionada no art. 1º (...)”
Observa-se que o art. 2º, § 2º, da IN 468/04, ao conceituar o termo “preço determinado”, estipula
que a existência de cláusula de reajuste o descaracteriza, alterando, consequentemente, a situação da
pessoa jurídica do regime tributário da cumulatividade para o não cumulativo.
Entendo que a referida instrução normativa ultrapassou o poder regulamentar, conforme aduz a
recorrente. Isto porque, ao definir a cláusula de reajuste como marco temporal para modificação do
caráter predeterminado do preço, acabou por conferir, de forma reflexa, aumento das alíquotas do PIS
(de 0,65% para 1,65%) e da Cofins (de 3% para 7,6%).
Cumpre asseverar que o entendimento jurisprudencial desta Corte Especial só admite alteração,
aumento ou fixação de alíquota tributária por meio de lei, sendo inviável a utilização de ato infralegal
para este fim, sob pena de violação ao princípio da legalidade tributária.
Neste sentido:
“Processual Civil. Tributário. Violação ao Art. 535 do CPC. Inocorrência. Ausência de Preques-
tionamento. Súmula 211/STJ. Fusex. Natureza Tributária. Fixação da Alíquota por Portaria. Im-
possibilidade. Lançamento de Ofício. Prescrição Quinquenal.
1. É entendimento sedimentado o de não haver omissão no acórdão que, com fundamentação
suficiente, ainda que não exatamente a invocada pelas partes, decide de modo integral a con-
trovérsia posta.
2. ‘Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos de-
claratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo.’ (Súmula 211/STJ)
3. ‘O Fundo de Saúde do Ministério do Exército (Fusex) é custeado pelos próprios militares que
gozam, juntamente com seus dependentes, de assistência médico-hospitalar. A contribuição de
custeio, tendo em vista seu caráter compulsório, tem natureza jurídica tributária, sujeitando-se
ao princípio da legalidade. Precedente: REsp 789.260/PR, Ministro Francisco Falcão, Primei-
ra Turma, DJ 19.06.2006.’ (REsp 761.421/PR, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 01.03.2007)
4. ‘(...) por se tratar de lançamento de ofício, o prazo prescricional a ser aplicado às ações de
repetição de indébito de contribuições ao Fusex é o qüinqüenal, nos termos do art. 168, I, do
CTN.’ (REsp 1.068.895/RS, 1ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJe de 20/10/2008)
5. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 857.464/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki,
Primeira Turma, julgado em 17.2.2009, DJe 2.3.2009)
Certidão de Julgamento
Segunda Turma
Número Registro: 2008/0205608-2 Processo Eletrônico REsp 1.089.998/RJ
Número Origem: 200551010035134
Pauta: 21/10/2010 Julgado: 21/10/2010
Relator
Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos
Secretária
Bela. Valéria Alvim Dusi
Autuação
Recorrente: Megadata Computações Ltda.
Advogado: Carolina de Oliveira Loureiro
Advogada: Luisa Amaral Ferreira e Outro(s)
Recorrido: Fazenda Nacional
Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Assunto: Direito Tributário - Contribuições - Contribuições Sociais
Sustentação Oral
Dr(a). Rafael Amaral Amador dos Santos (Mandato ex lege Procuradoria da Fazenda Nacional), pela
parte Recorrida: Fazenda Nacional.
Certidão
Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta
data, proferiu a seguinte decisão:
“Após o voto do Sr. Ministro-Relator, dando provimento ao recurso, pediu vista dos autos, anteci-
padamente, o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques.”
Aguardam os Srs. Ministros Herman Benjamin, Cesar Asfor Rocha e Castro Meira.
Brasília, 21 de outubro de 2010.
Valéria Alvim Dusi
Secretária
Ementa
Tributário e Processual Civil. Contribuição ao PIS e Cofins. Não-cumulatividade. Regra de
Transição. Art. 10, Inc. XI, Alínea “b”, da Lei n. 10.833/03. Regulamentação. Secretaria da
Receita Federal. Art. 92 da Lei n. 10.833/03. Conceito de “Preço Predeterminado”. Art. 2º, § 2º,
da IN/SRF n. 468/04. Escolha de Critério Válido e Razoável. Ilegalidade. Inexistência. Revoga-
ção. Ausência de Prequestionamento. Súmula n. 211 do STJ.
1. A Lei n. 10.833/03 prescreve que permanecem sujeitas às normas tributárias vigentes anterior-
mente (cumulatividade) as receitas relativas a contratos firmados antes de 31.10.2003, com pra-
zo superior a 1 (um) ano, de construção por empreitada ou de fornecimento, a preço predeter-
minado, de bens ou serviços.
2. Os atos regulamentares infralegais não podem contrariar o disposto em norma de hierarquia
superior, sob pena se incidirem em vício de ilegalidade. Com efeito, “as Instruções Normativas,
editadas por Órgão competente da Administração Tributária, constituem espécies jurídicas de
carácter secundário, cuja validade e eficácia resultam, imediatamente, de sua estrita observân-
cia dos limites impostos pelas leis, tratados, convenções internacionais, ou decretos presiden-
ciais, de que devem constituir normas complementares” (ADI 531 AgR, Re. Min. Celso de Mello,
Tribunal Pleno, julgado em 11.12.1991, DJ 03-04-1992, pp-04288, Ement. Vol-01656-01,
pp-00095, RTJ Vol-00139-01, pp-00067).
3. A regulamentação da Lei n. 10.833/03 pela Instrução Normativa SRF n. 468/04 não incorreu
em ilegalidade, porque os limites da norma legal foram respeitados, não havendo improprieda-
de alguma na atividade promovida pela Secretaria da Receita Federal, que apenas definiu o al-
cance da expressão “preço predeterminado”.
4. O art. 92 da Lei n. 10.833/03 conferiu à Secretaria da Receita Federal a competência para edi-
tar as normas necessárias à aplicação da referida lei. Dessa forma, não existindo no campo do
Direito Administrativo disposição que estabeleça expressamente o sentido da referida expressão,
definiu-se “preço predeterminado”, para fins tributários, como sendo apenas “aquele fixado em
moeda nacional como remuneração da totalidade do objeto do contrato” ou “aquele fixado em
moeda nacional por unidade de produto ou por período de execução” (art. 2º, caput e § 1º, da
IN/SRF n. 468/04). Em seguida, o regulamento especificou que o caráter predeterminado do preço
subsistiria somente até a implementação da primeira alteração de preços verificada após a vigência
da lei nova (art. 2º, § 2º, da IN/SRF n. 468/04).
5. A partir da publicação da MP n. 135/03 (31.10.2003), os preços reajustados não são mais pre-
determinados em relação ao regime da não-cumulatividade instituído pela referida MP, mas, sim,
pós-determinados, de molde a não se subsumirem mais à regra do art. 10, inc. XI, “b”, da Lei n.
10.833/03, restrita, repita-se, aos casos de preços predeterminados.
6. Ao definir o preço determinado como sendo apenas aquele fixado inicialmente (anterior ao rea-
juste), afastando essa característica com a superveniência de sua alteração, a Administração Fa-
zendária, autorizada expressamente por lei, elegeu um critério razoável e válido para conferir os
contornos necessários à aplicação da regra nova, sem ofender qualquer outra disposição norma-
tiva.
7. Configura-se irrecusável a aplicação, ao caso, do sentido consagrado no art. 111, inc. II, do
CTN, que prescreve a interpretação literal da legislação tributária em hipóteses semelhantes.
8. A Lei de Licitações dispõe de mecanismos suficientes para proteger a equação econômico-fi-
nanceira do contrato, afastando qualquer prejuízo às partes contratantes diante de modificação
superveniente na esfera tributária que tenha repercussão no contrato (arts. 65, inc. II, “d”, e § 5º,
da Lei n. 8.666/93).
9. Desta forma, o art. 2º, § 2º, da IN/SRF n. 468/04 atendeu ao disposto nos arts. 97, inc. II, 99 e
100, inc. I, do CTN, na medida em que a regulamentação a cargo da Secretaria da Receita Fede-
ral não teve o condão de extrapolar os limites legais estabelecidos, tampouco ensejou majoração
de tributo.
10. Quanto à tese de que a IN/SRF n. 468/2004 teria sido revogada pela IN/SRF n. 658/06, não
se depreende do acórdão recorrido o necessário prequestionamento da referida tese jurídica, dei-
xando de atender, no ponto, ao comando constitucional que exige a presença de causa decidida
como requisito para a interposição do apelo nobre (art. 105, inc. III, da CR/88). Incidência, pois,
da Súmula n. 211 desta Corte.
11. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
Voto-vista
O Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Dando prosseguimento ao julgamento, passo a
fazer uma breve síntese da controvérsia debatida nos autos.
A Lei n. 10.833/03, decorrente da conversão da MP n. 135/03, instituiu o regime da não-cumulati-
vidade para a Cofins, produzindo efeitos a partir de 1º.2.2004. Em seu art. 15, essa disciplina foi es-
tendida à contribuição ao PIS.
O cerne da controvérsia consiste em definir se a regulamentação do art. 10, inc. XI, alínea “b”, da
Lei n. 10.833/03, operada pelo art. 2º, § 2º, da Instrução Normativa SRF n. 468/04, extrapolou os li-
mites legalmente traçados para a cobrança da contribuição relativa ao PIS e à Cofins.
A referida lei prescreve que permanecem sujeitas às normas tributárias vigentes anteriormente (cu-
mulatividade) as receitas relativas a contratos firmados antes de 31.10.2003, com prazo superior a 1
(um) ano, de construção por empreitada ou de fornecimento, a preço predeterminado, de bens ou ser-
viços.
A IN/SRF n. 468/04, por sua vez, dispõe que, estipulada no contrato cláusula de aplicação de rea-
juste, periódico ou não, o caráter predeterminado do preço subsiste somente até a implementação da
primeira alteração de preços verificada após 31.10.2003, data em que a legislação nova passou a vi-
ger. A partir daí - alteração posterior a 31.10.2003 -, o novo regime da não-cumulatividade passa a ser
de observância obrigatória.
Esta a redação dos dispositivos em discussão:
Lei n. 10.833/03.
Art. 10. Permanecem sujeitas às normas da legislação da Cofins, vigentes anteriormente a esta
Lei, não se lhes aplicando as disposições dos arts. 1º a 8º:
(...)
XI - as receitas relativas a contratos firmados anteriormente a 31 de outubro de 2003:
a) com prazo superior a 1 (um) ano, de administradoras de planos de consórcios de bens móveis
e imóveis, regularmente autorizadas a funcionar pelo Banco Central;
b) com prazo superior a 1 (um) ano, de construção por empreitada ou de fornecimento, a preço
predeterminado, de bens ou serviços;
c) de construção por empreitada ou de fornecimento, a preço predeterminado, de bens ou servi-
ços contratados com pessoa jurídica de direito público, empresa pública, sociedade de economia
mista ou suas subsidiárias, bem como os contratos posteriormente firmados decorrentes de pro-
postas apresentadas, em processo licitatório, até aquela data;
Certidão de Julgamento
Segunda Turma
Número Registro: 2008/0205608-2 Processo Eletrônico REsp 1.089.998/RJ
Número Origem: 200551010035134
Pauta: 01/03/2011 Julgado: 01/03/2011
Relator
Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. Luciano Mariz Maia
Secretária
Bela. Valéria Alvim Dusi
Autuação
Recorrente: Megadata Computações Ltda.
Advogado: Carolina de Oliveira Loureiro
Advogada: Luisa Amaral Ferreira e Outro(s)
Recorrido: Fazenda Nacional
Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Assunto: Direito Tributário - Contribuições - Contribuições Sociais
Certidão
Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta
data, proferiu a seguinte decisão:
“Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, di-
vergindo do Sr. Ministro-Relator, conhecendo em parte do recurso e, nessa parte, negando-lhe provi-
mento, pediu vista regimental dos autos o Sr. Ministro Humberto Martins.”
Aguardam os Srs. Ministros Herman Benjamin, Cesar Asfor Rocha e Castro Meira.
Voto-vista Regimental
O Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto pelo contribuinte, questionando o poder regulamentar da
Secretaria da Receita Federal, na edição da Instrução Normativa n. 468/04, que regulamentou o art.
10 da Lei n. 10.833/03.
Para melhor ilustração do caso, transcrevo os citados dispositivos legais:
“Lei n. 10.833/03
Art. 10. Permanecem sujeitas às normas da legislação da Cofins, vigentes anteriormente a esta
Lei, não se lhes aplicando as disposições dos arts. 1º a 8º: (...)
XI - as receitas relativas a contratos firmados anteriormente a 31 de outubro de 2003: (...)
b) com prazo superior a 1 (um) ano, de construção por empreitada ou de fornecimento, a preço
predeterminado, de bens ou serviços;
IN 468/2004
Art. 1º Permanecem tributadas no regime da cumulatividade, ainda que a pessoa jurídica esteja
sujeita à incidência não-cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social - Cofins, as receitas por ela auferidas relativas a contratos
firmados anteriormente a 31 de outubro de 2003: (...)
II - com prazo superior a 1 (um) ano, de construção por empreitada ou de fornecimento, a preço
predeterminado, de bens ou serviços; e
(...)
Art. 2º Para efeito desta Instrução Normativa, preço predeterminado é aquele fixado em moeda
nacional como remuneração da totalidade do objeto do contrato.
§ 1º Considera-se também preço predeterminado aquele fixado em moeda nacional por unidade
de produto ou por período de execução.
§ 2º Se estipulada no contrato cláusula de aplicação de reajuste, periódico ou não, o caráter
predeterminado do preço subsiste somente até a implementação da primeira alteração de pre-
ços verificada após a data mencionada no art. 1º (...).”
O Ministro Mauro Campbell Marques, em judicioso voto-vista, entendeu que a Instrução Norma-
tiva n. 468/04 não é ilegal, pois a Secretaria da Receita Federal, “ao definir o preço determinado como
sendo apenas aquele fixado inicialmente (anterior ao reajuste), afastando essa característica com a
superveniência de sua alteração, a Administração Fazendária, autorizada expressamente por lei, ele-
geu um critério razoável e válido para conferir os contornos necessários à aplicação da regra nova,
sem ofender qualquer outra disposição normativa”.
Manifestei meu voto no sentido de que a Instrução Normativa n. 468/2004 da Secretaria da Recei-
ta Federal ultrapassou seu poder regulamentar porque, ao definir a cláusula de reajuste como marco
temporal para modificação do caráter predeterminado do preço, acabou por conferir, de forma refle-
xa, aumento das alíquotas do PIS e da Cofins.
E, como é sabido, só se admite alteração, aumento ou fixação de alíquota tributária por meio de lei,
sendo inviável a utilização de ato infralegal para este fim, sob pena de violação do princípio da legali-
dade tributária.
No mesmo sentido do voto que eu proferi, o Ministério Público Federal entendeu que houve ilega-
lidade na regulamentação da lei pela Secretaria da Receita Federal, pois “a simples aplicação da cláu-
sula de reajuste prevista em contrato firmado anteriormente a 31.10.2003 não configura, por si só,
causa de indeterminação de preço, uma vez que não muda a natureza do valor inicialmente fixado,
mas tão somente repõe, com fim na preservação do equilíbrio econômico-financeiro entre as par-
tes, a desvalorização da moeda frente à inflação” (fls. 335, grifo meu).
Com efeito, a Secretaria da Receita Federal, ao definir o que é “preço predeterminado”, determi-
nou que “o caráter predeterminado do preço subsiste somente até a implementação da primeira al-
teração de preços”, e acabou por conferir, de forma reflexa, aumento das alíquotas do PIS (de 0,65%
para 1,65%) e da Cofins (de 3% para 7,6%).
Em outro giro verbal, o preço fixado em contrato não se altera em razão do reajuste dos índices de
correção monetária, que apenas preservam o valor original. Por esse motivo, o marco inicial para se
considerar os benefícios da Lei 10.833/03 é o do contrato firmado e não o do reajuste do contrato, fei-
to tão somente para manter o valor contratado.
Portanto, a regulamentação feita pela Secretaria da Receita Federal extrapola os limites legais ao
fixar que o benefício da lei tributária se encerra no primeiro reajuste do contrato, pois acaba, como dito,
aumentando as alíquotas do PIS e da Cofins por via reflexa.
Nesse sentido, citei, em meu voto, precedente de ambas as Turmas de Direito Público.
Vale reiterar que a Primeira Turma, quando do julgamento do REsp 1.109.034/PR, relatoria do Min.
Benedito Gonçalves (DJe 6.5.2009), reafirmou o entendimento desta Corte nesse sentido, ao asseve-
rar que as “Instruções Normativas constituem espécies jurídicas de caráter secundário, cuja valida-
de e eficácia resultam, imediatamente, de sua estrita observância dos limites impostos pelas leis. De
consequência, à luz dos arts. 97 e 99 do Código Tributário Nacional, Instruções Normativas não po-
dem modificar Lei a pretexto de estarem regulando o aproveitamento do crédito presumido do IPI.”
A Segunda Turma dispôs: “Às portarias, aos regulamentos, decretos e instruções normativas não
é dado inovar a ordem jurídica, mas apenas conferir executoriedade às leis, nos estritos limites esta-
belecidos por elas. A sistemática criada pela referida portaria (Portaria do Ministério da Fazenda n.
238/840 [sic]), portanto, ofende o princípio da legalidade, segundo o qual apenas a lei pode criar e
modificar obrigações, pois ela não estava prevista em nenhum dos artigos do Decreto-lei 2.052/83,
extrapolando os contornos delineados por este.” (REsp 872.169/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Se-
gunda Turma, julgado em 23.4.2009, DJe 13.5.2009)
Assim, não obstante os relevantes fundamentos do voto-vista divergente, apresentado pelo eminente
Ministro Mauro Campbell Marques, mantenho o meu posicionamento inicial, para dar provimento ao
recurso especial.
É como penso. É como voto.
Ministro Humberto Martins
Relator
Retificação de Voto
O Senhor Ministro Mauro Campbell Marques:
Realinho o meu entendimento, aderindo, neste julgamento, aos argumentos do Sr. Ministro Rela-
tor, para dar provimento ao recurso especial do contribuinte.
Por conseguinte, torno sem efeito o voto-vista anteriormente proferido.
Certidão de Julgamento
Segunda Turma
Número Registro: 2008/0205608-2 Processo Eletrônico REsp 1.089.998/RJ
Número Origem: 200551010035134
Pauta: 20/09/2011 Julgado: 20/09/2011
Relator
Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. Eugênio José Guilherme de Aragão
Secretária
Bela. Valéria Alvim Dusi
Autuação
Recorrente: Megadata Computações Ltda.
Advogado: Carolina de Oliveira Loureiro
Advogada: Luisa Amaral Ferreira e Outro(s)
Recorrido: Fazenda Nacional
Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Assunto: Direito Tributário - Contribuições - Contribuições Sociais
Certidão
Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta
data, proferiu a seguinte decisão:
“Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista regimental do Sr. Ministro Humberto Martins,
dando provimento ao recurso e da retificação de voto do Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, acom-
panhando o Sr. Ministro-Relator, pediu vista dos autos, antecipadamente, o Sr. Ministro Castro Mei-
ra.”
Aguardam os Srs. Ministros Herman Benjamin e Cesar Asfor Rocha.
Voto-vista
O Senhor Ministro Castro Meira: Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão proferido
pelo egr. TRF da 2ª Região que reformou a sentença que concedera a segurança com o objetivo de obstar
a aplicação dos §§ 2º e 3º da IN nº 468/04-SRF, expedida para a aplicação do art. 10, XI, “b”, da Lei
10.833/03, em relação a contrato de processamento de dados.
Após o voto do Relator, Min. Humberto Martins, e do Min. Mauro Campbell Marques pelo provi-
mento do recurso, pedi vista para analisar a espécie.
Examino o teor do dispositivo supracitado:
Art. 10 - Permanecem sujeitas às normas da legislação da Cofins, vigentes anteriormente a esta
Lei, não se lhes aplicando as disposições dos arts. 1º e 8º:
(...)
XI - as receitas relativas a contratos firmados anteriormente a 31 de outubro de 2003:
(...)
b) com prazo superior a 1 (um) ano, de construção por empreitada ou de fornecimento, a preço
predeterminado, de bens ou serviços (e-STJ fl. 131).
Por seu turno, assim orienta a IN, nas disposições ora referidas:
Art. 2º
Para efeito desta Instrução Normativa, preço predeterminado é aquele fixado em moeda nacio-
nal como remuneração da totalidade do objeto do contrato.
(...)
§ 2º Se estipulada no contrato cláusula de aplicação de reajuste, periódico ou não, o caráter pre-
determinado do preço subsiste somente até a implementação da primeira alteração de preços
verificada após a data mencionada no art. 1º.
§ 3º Se o contrato estiver sujeito a regra de ajuste para manutenção do equilíbrio econômico-fi-
nanceiro, nos termos dos arts. 57, 58 e 65 da Lei nº 8.666, de 231 de junho de 1993, o caráter
predeterminado do preço subsiste até a eventual implementação da primeira alteração nela fun-
dada após a data mencionada no art. 1º. (e-STJ fl. 131)
Para o acórdão recorrido, haveria incidência da interpretação consagrada na IN 468/2004, eis que
se cuida de norma complementar tributária, expedida nos termos do art. 100 do Código Tributário
Nacional. Em consequência, como o contrato celebrado pela recorrente com a Fenaseg tem duração
superior a um ano, seria inarredável a incidência do § 2º do art. 2º, da norma complementar em foco.
Desse modo, havendo cláusula de reajuste, o caráter prefixado do preço permaneceria apenas a ocor-
rência da primeira alteração por tratar-se de contrato com prazo superior a um ano, firmado antes de
31.10.2003.
Discute-se a subsistência da restrição normativa em face do que dispõe ao disposto no art. 10 da
Lei 10.833/2003, que manteve para os contratos celebrados antes de sua vigência a sistemática de apu-
ração da Cofins do sistema anterior (Lei nº 10.637/02, preservando-os das alterações ocorridas após a
sua celebração, em observância, entre outras, ao princípio da não surpresa.
Concluo que há grande descompasso entre a previsão legal e a norma complementar que culmina
por causar gravames inesperado[s] à recorrente, considerando que, após o primeiro reajuste, deveria
passar a observar a sistemática da lei então vigente. Em uma palavra, a indigitada Instrução Normati-
va restringe a garantia assegurada pelo dispositivo legal, assim também vulnerando o art. 99 do CTN,
por interpretação extensiva.
Em abono ao meu convencimento, trago a seguinte passagem do judicioso pronunciamento do
Subprocurador-Geral da República Dr. Fernando H. O. de Macedo:
Com efeito, parece-nos que a tese defendida pela Parte ora Recorrente é que mais se coaduna com
os princípios da irretroatividade da lei tributária, da segurança jurídica e da inalterabilidade dos
atos jurídicos perfeitos, estampados nos arts. 150, inciso III e 5º, XXXVI, da Constituição Fede-
ral ora vigente, motivo esse pelo qual optamos por encampar a idéia ali expressa, e nos firmar-
mos no entendimento de que a Instrução Normativa SFR nº 468 de 2004 pode ter vindo, de fato,
a restringir o alcance dado pela regra de exceção prevista na da Lei nº 10.833, já que a regra ali
exposta excluiu da incidência daquela norma excepcional, receitas elencadas pela própria Lei, e
isto mediante o entendimento de desconfiguração do caráter de predeterminação do preço, em
face de mera aplicação de cláusula de reajuste prevista no contrato.
Ora, a lei tributária deve ser anterior ao conjunto de fatos que constituem o pressuposto da inci-
dência de seus efeitos (ainda que de tais fatos decorram atos de trato sucessivo no tempo), para
que se possa, a partir daí, estabelecer os encargos decorrentes da intervenção do Estado na esfe-
ra econômica do Particular, sob pena, de resto, de ofensa às exigências da segurança jurídica e
ao inafastável direito subjetivo ao conhecimento prévio das regras fiscais aplicáveis. Daí porque
se entender que as receitas relativas a contratos de fornecimentos de bens ou serviços, a preço
determinado, com prazo superior a 1 ano, firmado anteriormente a 31 de outubro de 2003, não
devem se sujeitar às alterações promovidas pela nova sistemática de cálculo e apuração das con-
tribuições ao PIS e Cofins, pois que celebrados levando-se em consideração o sistema normati-
vo à época aplicável e os respectivos impactos na operacionalização do negócio, de forma que,
não se contemplando hipótese de efetiva alteração do preço e das condições pactuadas no con-
trato ou de qualquer forma de recomposição de custos (ressaltando que a correção monetária do
preço ajustado nada mais é do que mera preservação do valor real da moeda frente aos efeitos do
desgaste inflacionário ao longo do tempo, nada alterando quanto ao caráter predeterminado do
preço originariamente idealizado pelas partes), não há que se cogitar da repercussão econômica
da majoração da alíquota associada à implantação da não-acumulatividade do novo regime de
tributação, e tudo, de resto, tanto por força do disposto na alínea “b” do inciso XI do art. 10 da
Lei nº 10.833/2003, como da inafastável obediência ao princípio da irretroatividade da lei tribu-
tária. (e-STJ fl. 337)
Com essas considerações, também sigo o bem elaborado voto apresentado pelo ilustre Relator
para dar provimento ao recurso especial.
É o voto.
Certidão de Julgamento
Segunda Turma
Número Registro: 2008/0205608-2 Processo Eletrônico REsp 1.089.998/RJ
Número Origem: 200551010035134
Pauta: 18/10/2011 Julgado: 18/10/2011
Relator
Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. Maria Caetana Cintra Santos
Secretária
Bela. Valéria Alvim Dusi
Autuação
Recorrente: Megadata Computações Ltda.
Advogado: Carolina de Oliveira Loureiro
Advogada: Luisa Amaral Ferreira e Outro(s)
Recorrido: Fazenda Nacional
Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Assunto: Direito Tributário - Contribuições - Contribuições Sociais
Certidão
Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta
data, proferiu a seguinte decisão:
“Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Castro Meira, acompanhando
o Sr. Ministro Humberto Martins, a Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos
do voto do Sr. Ministro-Relator.”
Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Cesar Asfor Rocha e Castro Mei-
ra (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.
NOTA DA DIALÉTICA
A ementa do acórdão acima reproduzido foi publicada no DJe de 30.11.2011.
Relatório
O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com
pedido de liminar, proposta pelo Governador do Estado de Santa Catarina, contra a Lei Estadual nº
11.393, de 03 de maio de 2000, que possui a seguinte redação:
“Art. 1º Ficam canceladas as notificações fiscais emitidas com base na Declaração de Informa-
ções Econômico-Fiscais Dief, ano base 1998.
Art. 2º O Poder Executivo fica obrigado a restituir, no prazo de trinta dias, os valores eventual-
mente recolhidos aos cofres públicos, decorrentes das notificações fiscais ora canceladas.
Art. 3º O disposto nesta Lei aplica-se igualmente às notificações fiscais emitidas pela falta de en-
trega da Dief.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário.”
Os dispositivos destinam-se, portanto, ao “cancelamento de notificações fiscais emitidas com base
na declaração de informações econômico-fiscais - Dief, ano-base 1998.” (fls. 03) O Requerente ale-
ga que “a benevolência do legislador estadual, com a generosa renúncia de receita, contudo, revela-
se contrária ao ordenamento jurídico, ofendendo a Constituição Federal quanto ao disposto nos ar-
tigos 1º, 2º, 61, parágrafo 1º, inciso II, alínea ‘b’, e 155, parágrafo 2º, inciso XII, alínea ‘g’” (fls. 04),
todos da Constituição Federal, uma vez que institui benefícios fiscais sem autorização do Confaz (fls.
12). Afirma, nesse sentido, que a concessão de incentivos tributários (bem como isenções e benefícios)
em matéria de ICMS deve, por imperativo constitucional, ser precedida da celebração de convênio entre
todos os Estados e o Distrito Federal.
Aduz, ainda, vício de iniciativa da Lei impugnada, “por ser ela originária de projeto de lei de ini-
ciativa parlamentar” (fls. 12), já que, “em matéria tributária, a competência para a iniciativa de pro-
jetos de lei é privativa do Chefe do Poder Executivo, consoante entendimento consolidado na juris-
prudência do Supremo Tribunal Federal” (fls. 11).
Pede, diante disso, “seja julgado o mérito da presente ação, declarando-se inconstitucional a Lei
impugnada” (fls. 14).
2. A Corte deferiu a medida liminar, em decisão unânime, nos termos do voto do Min. Relator,
Sydney Sanches, suspendendo a eficácia da Lei catarinense nº 11.393/2000 (fls. 136-155).
3. A Advocacia-Geral da União, após opinar pela inexistência de vício de iniciativa, já que o art.
61, § 1º, II, “b”, se refere exclusivamente à competência do Chefe do Poder Executivo Federal para
dispor sobre matéria tributária no âmbito dos “territórios federais”, posicionou-se, às fls. 159-163,
pela procedência do pedido, em razão da ofensa ao art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição.
4. A Procuradoria-Geral da República, no mesmo sentido, opinou pela procedência da ação, em
parecer de fls. 165-170.
É o relatório.
Voto
O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. O caso é de nítida procedência da ação, não pelo
argumento da inconstitucionalidade formal (vício de iniciativa), mas pelo argumento da inconstitucio-
nalidade material.
Explico-me.
2. Não há vício de inconstitucionalidade formal, no caso, pois a Lei nº 11.393, de 03 de maio de
2000, do Estado de Santa Catarina, e ora impugnada, trata de matéria tributária (benefício fiscal), a
qual, segundo consolidada jurisprudência desta Corte, é de iniciativa comum concorrente, não haven-
do falar em iniciativa parlamentar reservada ao Chefe do Poder Executivo. Nesse sentido, os seguin-
tes precedentes: ADI 3.809, Rel. Min. Eros Grau, DJe 14/09/2007; ADI 2.464, Rel. Min. Ellen Gra-
cie, DJe 25/05/2007; ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 17/11/2006; ADI 2.659, Rel. Min.
Nelson Jobim, DJ 06/02/2004.
Passo, então, à analise da alegação do vício de inconstitucionalidade material.
3. A Lei impugnada prevê a concessão, unilateral e ilegítima, de incentivo fiscal de ICMS. O can-
celamento de notificações fiscais e, inequivocamente, benefício tributário, como anota o parecer do
Procurador-Geral da República: “avulta a ilegalidade constitucional que está a macular a Lei nº
11.393, de 03 de maio de 2000, do Estado de Santa Catarina. Analisando-se o teor do diploma esta-
dual impugnado pode-se inferir que, em patente descompasso com o estatuído na Constituição da
República, ele versa sobre concessão de benefício fiscal” (fls. 87).
O benefício, porém, não tem respaldo em Convênio do Confaz, e, por isso, afronta o disposto nos
artigos 150, § 6º e 155, § 2º, inc. XII, “g”, todos da Constituição Federal, donde lhe vem a patente
inconstitucionalidade. É o que, aliás, tem decidido o Plenário, por votação unânime, em casos seme-
lhantes:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Tributário. ICMS. Benefício Fiscal. Redução da Carga
Tributária Condicionada à Origem da Industrialização da Mercadoria. Saídas Internas com Café
Torrado ou Moído. Decreto de [sic] 35.528/2004 do Estado do Rio de Janeiro. Violação do Art.
152 da Constituição. O Decreto 35.528/2004, do estado do Rio de Janeiro, ao estabelecer um
regime diferenciado de tributação para as operações das quais resultem a saída interna de café
torrado ou moído, em função da procedência ou do destino de tal operação, viola o art. 152 da
Constituição. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida e julgada procedente.” (ADI nº
3.389, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 03.03.2006)
Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, Ministro Cezar Peluso
(Presidente), julgou procedente a ação direta. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Cel-
so de Mello e Dias Toffoli e, licenciado, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Plenário, 30.06.2011.
Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso. Presentes à sessão os Senhores Ministros Marco
Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
Vice-Procuradora-Geral da República, Dra. Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira.
p/ Luiz Tomimatsu
Secretário
NOTA DA DIALÉTICA
A ementa do acórdão acima reproduzido foi publicada no DJe de 5.8.2011, p. 74, e antecipada na
RDDT 195:222.
Ementa
Processual Civil e Tributário. Agravo Regimental no Agravo Regimental no Agravo de Instru-
mento. Mandado de Segurança. ISS. Construção Civil. Base de Cálculo. Abatimento dos Mate-
riais Empregados e das Subempreitadas. Possibilidade. Entendimento do Supremo Tribunal Fe-
deral.
1. O STF, por ocasião do julgamento do RE 603.497/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 16/9/2010,
reconheceu a repercussão geral sobre o tema, consoante regra do art. 543-B, do CPC, e firmou
entendimento no sentido da possibilidade da dedução da base de cálculo do ISS dos materiais
empregados na construção civil.
2. No mesmo sentido, o eminente Ministro Carlos Ayres Britto, no Agravo Regimental no RE
599.582/RJ, DJ de 29/6/2011, assentou: “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme
no sentido de que o art. 9º do Decreto-lei 406/1968 foi recepcionado pela Constituição Federal
de 1988. Pelo que é possível a dedução da base de cálculo do ISS dos valores dos materiais uti-
lizados em construção civil e das subempreitadas.”
3. Este Tribunal já emitiu pronunciamento, respaldado na linha de pensar adotada pela Corte Su-
prema, confira-se: REsp 976.486/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 10/8/2011 e AgRg
no AgRg no REsp 1.228.175/MG, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 1/9/2011.
4. Agravo regimental não provido.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros
da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo re-
gimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima e Na-
poleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki.
Licenciado o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília (DF), 18 de outubro de 2011 (Data do Julgamento).
Ministro Benedito Gonçalves
Relator
Relatório
O Senhor Ministro Benedito Gonçalves (Relator): Cuida-se de agravo regimental interposto pelo
Município de Bento Gonçalves contra decisão que recebeu a seguinte ementa:
Processual Civil e Tributário. Agravo Regimental no Recurso Especial. Juízo de Retratação. Man-
dado de Segurança. ISS. Construção Civil. Base de Cálculo. Abatimento dos Materiais e Subem-
preitadas. Possibilidade. Entendimento do STF. Reconsideração da Decisão Agravada para dar
Provimento ao Recurso Especial.
O agravante defende a impossibilidade de dedução das parcelas dos materiais fornecidos pelo pres-
tador de serviços e do valor das subempreitadas na base de cálculo do ISS.
Por fim, requer a reconsideração da decisão agravada ou então que seja o feito submetido a julga-
mento no colegiado da Primeira Turma.
É o relatório.
Voto
O Senhor Ministro Benedito Gonçalves (Relator): O agravo regimental não merece prosperar.
Com efeito, a jurisprudência de ambas as Turmas que compõem a Primeira Seção do STJ era firme
no sentido do não cabimento da dedução dos materiais empregados na prestação do serviço de cons-
trução civil na base de cálculo do ISS, consoante interpretação dada aos artigos 9º, § 2º, do Decreto
Lei 406/68 e 7º, § 2º, da Lei Complementar 116/2003.
A propósito:
Tributário. Agravo Regimental no Recurso Especial. Construção Civil. ISS. Base de Cálculo. De-
dução dos Valores Referentes aos Materiais Empregados e às Subempreitadas. Impossibilidade.
Agravo não Provido.
1. “A jurisprudência do STJ pacificou o entendimento de que, em se tratando de empresas do ramo
de construção civil, a base de cálculo do ISS é o custo integral do serviço, não sendo admitida a
dedução do montante relativo às subempreitadas e aos materiais utilizados na obra” (AgRg no
Ag 1.257.286/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 8/6/10).
2. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1.209.472/SC, Rel. Ministro Arnaldo Este-
ves Lima, Primeira Turma, DJe 23/02/2011)
Tributário. Imposto sobre Serviços - ISS. Base de Cálculo. Serviço de Concretagem. Dedução
do Valor dos Materiais. Impossibilidade.
1. Não é cabível a dedução, da base de cálculo do ISS, do valor dos materiais empregados na pres-
tação do serviço de concretagem da construção civil. Precedentes das duas Turmas de Direto
Público.
2. Recurso especial provido. (REsp 1.051.383/SP, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, jul-
gado em 24.6.2008, DJe 12.8.2008)
Tributário. ISS. Serviços de Concretagem. Dedução da Base de Cálculo do Valor Relativo a Ma-
teriais. Impossibilidade. Súmula nº 167/STJ e Incidência de ICMS. Deficiência de Fundamen-
tação. Súmula nº 284 do STF.
I - Não houve qualquer pronunciamento na decisão agravada acerca do enunciado sumular nº 167
desta Corte, bem como sobre a incidência de ICMS sobre a operação discutida, razão pela qual
a impugnação da agravante quanto a tais matérias revela-se deficiência de fundamentação, atrain-
do a aplicação, por analogia, do óbice sumular nº 284/STF.
II - O v. acórdão recorrido encontra-se em consonância com o entendimento esposado no âmbi-
to desta Corte acerca do assunto, no sentido de que as empresas do ramo da construção civil são
contribuintes do ISS, não sendo admitido subtrair da base de cálculo do tributo o montante refe-
rente aos materiais utilizados.
Precedentes: REsp nº 828.879/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 31/08/2006; REsp nº
779.515/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 03/08/2006 e REsp nº 577.356/MG, Relatora
Ministra Denise Arruda, DJ de 30/05/2004.
III - Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 921.804/MG, Rel. Min. Francisco Falcão,
Primeira Turma, julgado em 17.5.2007, DJ 31.5.2007, p. 408)
Tributário. Imposto sobre Serviço. Serviço de Concretagem. Dedução do Valor dos Materiais da
Base de Cálculo. Impossibilidade.
1. Não é cabível a dedução, da base de cálculo do ISS, do valor dos materiais empregados na pres-
tação do serviço de concretagem da construção civil. REsp 622.385/MG, 2ª T., Min. Eliana Cal-
mon, DJ de 28.06.2006; AgRg no REsp 621.484/SP, 1ª T., Min. Denise Arruda, DJ de 14.11.2005;
AgRg no REsp 661.163/SP, 1ª T., Min. Francisco Falcão, DJ de 19.12.2005 e REsp 603.761/PR,
1ª T., Min. José Delgado, DJ de 05.04.2004.
2. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 828.879/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavas-
cki, Primeira Turma, julgado em 17.8.2006, DJ 31.8.2006, p. 255, REPDJ 16.10.2006, p. 312)
Certidão de Julgamento
Primeira Turma
Número Registro: 2011/0101992-7 AgRg no AgRg no Ag 1.410.608/RS
Números Origem: 10800053906 70033475666 70035545920 70036736940 70039060496
Em Mesa Julgado: 18/10/2011
Relator
Exmo. Sr. Ministro Benedito Gonçalves
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro Benedito Gonçalves
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Fonseca da Silva
Secretária
Bela. Márcia Araujo Ribeiro (em substituição)
Autuação
Agravante: Construtora Poletto Ltda.
Advogado: Roberta Adami Otton e Outro(s)
Agravado: Município de Bento Gonçalves
Advogado: Thaís Pellicioli Brun e Outro(s)
Assunto: Direito Tributário - Impostos - ISS/Imposto sobre Serviços
Agravo Regimental
Agravante: Município de Bento Gonçalves
Procurador: Thaís Pellicioli Brun e Outro(s)
Agravado: Construtora Poletto Ltda.
Advogado: Roberta Adami Otton e Outro(s)
Certidão
Certifico que a egrégia Primeira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta
data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Minis-
tro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki.
Licenciado o Sr. Ministro Francisco Falcão.
NOTAS DA DIALÉTICA
1) A ementa do acórdão acima reproduzido foi publicada no DJe de 21.10.2011, e antecipada na RDDT
196:230.
2) Vide textos de Doutrina de Fernando Osorio de Almeida Junior e Luciano Gomes Filippo (RDDT
152:147) e de Ricardo Almeida Ribeiro da Silva (RDDT 110:80), Íntegra de Acórdão do STF - 2ª
Turma (RDDT 91:156), Decisões dos Ministros Carlos Velloso, do STF (RDDT 82:197), Joaquim
Barbosa, do STF (RDDT 138:194) e Eliana Calmon, do STJ (RDDT 138:195), e Acórdãos do STF -
2ª Turma (RDDT 89:237, 90:235 e 188:228) e do STJ - 2ª Turma (RDDT 144:229, 159:235 e 163:233).
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros
da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista
regimental do Sr. Ministro Herman Benjamin, a Turma, por unanimidade, conheceu em parte do re-
curso e, nessa parte, deu-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator.” Os Srs.
Ministros Mauro Campbell Marques, Cesar Asfor Rocha, Castro Meira e Humberto Martins votaram
com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 20 de outubro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Herman Benjamin
Relator
Certidão de Julgamento
Segunda Turma
Número Registro: 2011/0019397-6 Processo Eletrônico REsp 1.237.312/SP
Números Origem: 128004 1280053040210092 12802004 20041280 200900363190 5270345
5270345103 5270345600 5270345801 53040210092
Pauta: 15/09/2011 Julgado: 15/09/2011
Relator
Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. José Flaubert Machado Araújo
Secretária
Bela. Valéria Alvim Dusi
Autuação
Recorrente: Saúde ABC Planos de Saúde Ltda.
Advogados: Pedro Luciano Marrey Junior e Outro(s)
Flávio Mifano e Outro(s)
Marcos Joaquim Gonçalves Alves e Outro(s)
Recorrido: Município de São Paulo
Advogado: Danilo de Arruda Guazeli Paiva e Outro(s)
Assunto: Direito Tributário - Impostos - ISS/Imposto sobre Serviços
Sustentação Oral
Dr(a). Ariane Costa Guimarães, pela parte Recorrente: Saúde ABC Planos de Saúde Ltda.
Pronunciamento Oral do Subprocurador-geral da República, Dr. José Flaubert Machado Araújo
Certidão
Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta
data, proferiu a seguinte decisão:
“Após a sustentação oral, pediu vista regimental dos autos o Sr. Ministro-Relator.”
Aguardam os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Cesar Asfor Rocha, Castro Meira e Hum-
berto Martins.
Relatório
O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto, com
fundamento no art. 105, III, “a”, da Constituição da República, contra acórdão assim ementado:
Ação declaratória de inexistência de relação jurídica - ISSQN - Planos de Saúde - Preliminares
de inépcia da petição inicial e cerceamento de defesa afastadas - Operadora de planos de saúde -
Atividade que não se confunde com seguro-saúde, ausentes os requisitos do Decreto-lei nº 73/66 -
Caracterizada a prestação de serviço constante na Lista de Serviços anexa ò Lei Complementar
116/03 - Imposto devido - Sentença reformada - Recurso provido (fl. 293).
Os Embargos de Declaração foram rejeitados (fl. 314).
A recorrente alega violação dos arts. 535, I e II, do Código de Processo Civil; 1º e 7º da Lei Com-
plementar 116/2003. Afirma:
a) “O r. Acórdão ao dispor que a base de cálculo aplicável ao caso seria a ‘totalidade do preço mensal
pago pelos associados’, omitiu-se quanto ao disposto no artigo 7º da LC nº 116/2003, que estabelece
que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, ou seja, nunca pode incidir sobre as mensalidades
pagas pelos associados” (fl. 345);
b) “sendo o ISS imposto que incide sobre a efetiva prestação de serviços (obrigação de fazer), fazê-
lo incidir sobre pagamentos mensais (prêmios), que se destinam a garantir uma futura e incerta cober-
tura de despesas médicas/hospitalares, como quis o v. Acórdão recorrido, é sem dúvida alguma negar
aplicação ao quanto disposto no artigo 1ª, da LC nº 116/2003, que determina que o fato gerador do
ISS é, tão somente, a efetiva ‘prestação de serviço’” (fl. 347);
c) “na operação de planos de saúde não há qualquer prestação de serviços, mas apenas uma garan-
tia de colocar à disposição dos associados eventuais serviços médicos, o que não guarda relação com
o fato gerador descrito na legislação de regência” (fl. 348).
Requer, ao final, seja reconhecida “a não incidência do ISS nas operações de plano de saúde, por
não haver qualquer prestação de serviços que se amolde ao fato gerador previsto no artigo 1º da Lei
Complementar 116/2003, sendo as mensalidades pagas pelos associados, critério quantitativo totalmen-
te estranho no artigo 7º da Lei 116/2003” (fl. 351).
Contra-razões apresentadas às fls. 376-391.
Anulei a decisão monocrática, determinando a inclusão do processo em pauta, em vista da relevância
da matéria e do recente debate na Segunda Turma.
É o relatório.
Voto
O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Discute-se a validade da cobrança do ISS so-
bre planos de saúde e sua base de cálculo.
O Tribunal de origem aferiu que a contribuinte efetivamente presta serviço de plano de saúde (e não
simples seguro-saúde). Ademais, ratificou a base de cálculo adotada pelo Fisco, qual seja, os valores
pagos pelos consumidores. Transcrevo trecho do acórdão recorrido (fls. 296-297):
De sorte que a empresa encontra-se adstrita à legislação que regulamenta a atividade de plano de
saúde, e nesta condição, atua a autora como intermediária, disponibilizando seus serviços aos
usuários que, na hipótese, caracterizam-se como obrigação de fazer, aptos a ensejar a incidência
do ISSQN.
Assim, observam-se duas relações distintas: uma é a do consumidor com a empresa, que se obri-
ga a prestar os serviços contratados, outra é a da empresa com o médico ou entidade hospitalar,
que receberá um valor determinado pelo serviço prestado.
Cada qual tem a tributação prevista na norma, não podendo misturar as relações jurídicas para
daí tirar conclusão que implique em escape ã [sic] tributação.
(...)
De forma que a obrigação de fazer é imanente à atividade desenvolvida pela empresa de planos
de saúde, tendo como base de cálculo a “totalidade do preço mensal pago pelos seus associados,
isto é, pela receita bruta sem qualquer desconto”.
A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535
do CPC.
Em relação à incidência do ISS sobre os planos de saúde, inexiste, a rigor, discussão quanto à legisla-
ção federal, que prevê expressamente a exação, nos itens 4.22 e 4.23 da Lista Anexa à LC 116/2003:
4.22 - Planos de medicina de grupo ou individual e convênios para prestação de assistência mé-
dica, hospitalar, odontológica e congêneres.
4.23 - Outros planos de saúde que se cumpram através de serviços de terceiros contratados, cre-
denciados, cooperados ou apenas pagos pelo operador do plano mediante indicação do beneficiá-
rio.
A contribuinte analisa a natureza jurídica do serviço com o intuito de desqualificar essa disposição
legal específica. O TJ-SP afastou a inconstitucionalidade nos seguintes termos (fls. 297-298):
Fixando-se essas premissas, verifica-se que nenhuma inconstitucionalidade ou ilegalidade exis-
te em norma que exige o pagamento do ISSQN de empresa de plano de saúde, pois, a atividade
por ela desenvolvida enquadra-se na condição de prestação de serviço.
Por fim, não se pode olvidar que desde a edição da Lei Complementar nº 56/87, os Planos de
Saúde foram incluídos na Lista de Serviços tributáveis pelo ISSQN, assim permanecendo na lis-
ta anexa à Lei Complementar nº 116/03, o que tornou possível aos municípios exercitar sua com-
petência tributária e exigir o imposto nos termos do art. 156, III da CF.
Não compete ao STJ reexaminar a constitucionalidade da norma em Recurso Especial, à luz do
conceito de serviço, sob pena de ofensa à competência do egrégio STF.
Processual Civil. Tributário. Agravo Regimental. ISS. Empresa Franqueada que presta Serviços
Postais e Telemáticos. Período Posterior à Edição da LC 116/03. Incidência. Prestação de Servi-
ço. Conceito. Pressuposto pela Constituição Federal de 1988. Competência do Supremo Tribu-
nal Federal.
(...)
3. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a discussão em torno do conceito
de serviço para fins de incidência do ISS é de cunho eminentemente constitucional (art. 156,
inciso III, da Constituição Federal), descabendo a esta Corte, por meio da via recursal eleita, tal
apreciação, sob pena de usurpação da competência conferida, tão-somente, ao Supremo Tribu-
nal Federal.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1.191.465/ES, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julga-
do em 17/02/2011, DJe 10/03/2011)
Ainda que não seja possível acolher integralmente o pedido principal da contribuinte (não incidên-
cia do ISS sobre planos de saúde), é preciso reconhecer parcialmente o seu pleito, quanto à base de
cálculo da exação.
No que se refere à base de cálculo, o TJ-SP a definiu como a “totalidade do preço mensal pago pelos
seus associados, isto é, pela receita bruta sem qualquer desconto” (fl. 297).
Esse entendimento foi por mim defendido na Segunda Turma, mas acabei vencido.
O Colegiado ratificou a jurisprudência da Primeira Turma, no sentido de que a base de cálculo do
ISS sobre planos de saúde é o preço pago pelos consumidores, diminuído dos repasses feitos pela con-
tribuinte aos demais prestadores de serviços de saúde (hospitais, clínicas, laboratórios, médicos etc. -
REsp 1.137.234/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 14.6.2011.
Cito precedentes:
Agravo Regimental em Agravo de Instrumento. Tributário. Artigo 535 do Código de Processo
Civil. Omissão. Inexistência. ISSQN. Serviços Médico-hospitalares. Empresa Gestora de Plano
de Saúde. Base de Cálculo do Tributo. Preço do “Serviço” Prestado pela Operadora de Plano de
Saúde. Receita Auferida sobre a Diferença entre o Valor Recebido pelo Contratante e o que é
Repassado para os Terceiros.
(...)
2. “A base de cálculo do ISS incidente sobre as operações decorrentes de contrato de seguro-saúde
não abrange o valor bruto entregue à empresa que intermedeia a transação, mas, sim, a comis-
são, vale dizer: a receita auferida sobre a diferença entre o valor recebido pelo contratante e o
que é repassado para os terceiros efetivamente prestadores dos serviços (EDcl no REsp 227.293/RJ,
Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julga-
do em 09.08.2005, DJ 19.09.2005).” (REsp nº 1.041.127/RS, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira
Turma, in DJe 17/12/2008).
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 1.288.850/ES, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, julgado em
19/10/2010, DJe 06/12/2010)
Tributário. ISS. Planos de Saúde. Prescrição Intercorrente. Demora dos Serviços do Judiciário
não pode ser Imputada à Parte. Súmula 106/STJ. Verificação da Inércia. Impossibilidade. Súmu-
la 7/STJ. Oferta de Serviços Médico-hospitalar. Previsão em Lei Municipal. Possibilidade. Base
de Cálculo. Valor Líquido. Precedentes.
(...)
5. O ISS deve ser calculado pelo valor líquido; ou seja, devem ser excluídos da base de cálculo
os valores repassados aos profissionais que efetivamente prestaram os serviços médicos.
6. Precedentes: REsp 1.211.002/MS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, decisão monocrática, jul-
gada em 12.11.2010; REsp 885.944/MG, Rel Min. Castro Meira, decisão monocrática, julgada
em 12.4.2010; REsp 1.041.127/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 4.12.2008,
DJe 17.12.2008.
Agravo regimental parcialmente provido.
(AgRg no REsp 1.122.424/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em
15/02/2011, DJe 22/02/2011)
A contribuinte pretende afastar a tributação, pelo argumento de que a base de cálculo reconhecida
pelo TJ-SP (preço pago pelo consumidor, sem abatimento) é indevida.
O pleito merece ser parcialmente provido, pois, embora devida a cobrança, o cálculo deve ser feito
sobre base menor.
Saliento que não se trata de decisão extra petita, como aventado pelo Município (fl. 604), mas sim
de deferimento em parte do pedido.
Diante do exposto, conheço parcialmente do Recurso Especial e, nessa parte, dou-lhe parcial pro-
vimento.
É como voto.
Certidão de Julgamento
Segunda Turma
Número Registro: 2011/0019397-6 Processo Eletrônico REsp 1.237.312/SP
Números Origem: 128004 1280053040210092 12802004 20041280 200900363190 5270345
5270345103 5270345600 5270345801 53040210092
Pauta: 20/10/2011 Julgado: 20/10/2011
Relator
Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. Maria Caetana Cintra Santos
Secretária
Bela. Valéria Alvim Dusi
Autuação
Recorrente: Saúde ABC Planos de Saúde Ltda.
Advogados: Pedro Luciano Marrey Junior e Outro(s)
Flávio Mifano e Outro(s)
Marcos Joaquim Gonçalves Alves e Outro(s)
Recorrido: Município de São Paulo
Advogado: Danilo de Arruda Guazeli Paiva e Outro(s)
Assunto: Direito Tributário - Impostos - ISS/Imposto sobre Serviços
Certidão
Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta
data, proferiu a seguinte decisão:
“Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista regimental do Sr. Ministro Herman Benjamin,
a Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, deu-lhe parcial provimento,
nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator.”
Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Cesar Asfor Rocha, Castro Meira e Humberto Mar-
tins votaram com o Sr. Ministro Relator.
NOTAS DA DIALÉTICA
1) A ementa do acórdão acima reproduzido foi publicada no DJe de 24.10.2011.
2) Vide Íntegra de Acórdão do STJ - 2ª Turma (RDDT 190:168), e Acórdãos do STJ - 1ª Turma (RDDT
186:222) e do STJ - 2ª Turma (RDDT 195:231).
Sentença
IMPOSTO DE RENDA - TELECOMUNICAÇÕES - REMESSA AO EXTERIOR DE
VALORES REFERENTES A LIGAÇÕES INTERNACIONAIS - ISENÇÃO
(Sentença do Juiz Marcelo Mesquita Saraiva, da 15ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo)
TIM Celular S/A (SP034128 - Eliana Alonso Moyses e SP 257.314 - Camila Alonso Lotito) x Dele-
gado Especial de Assuntos Internacionais - Deain/SP.
Mandado de Segurança
Impetrante: TIM Celular S/A.
Impetrado: Delegado Especial de Assuntos Internacionais - Deain/SP
Sentença Tipo A Vistos, etc. TIM Celular S/A impetra o presente mandado de segurança, com pe-
dido de medida liminar, contra ato do Delegado Especial de Assuntos Internacionais - Deain/SP, vi-
sando obter o provimento judicial de modo a não ser compelida ao recolhimento de Imposto de Ren-
da Retido na Fonte - IRRF sobre os valores remetidos ao exterior à Telecom Itália, referentes às liga-
ções internacionais que utilizam a sua prestação de serviço de telecomunicação internacional. A peti-
ção inicial veio instruída com os documentos de fls. 18/339. Decisão do Juízo às fls. 346 postergando
a apreciação do pedido de liminar para após a vinda das informações. O Sr. Delegado da Receita Fe-
deral do Brasil de Administração Tributária em São Paulo, devidamente notificado, apresentou infor-
mações às fls. 354/361, propugnando pela sua ilegitimidade passiva ad causam, esclarecendo que a
competência para tratar do assunto trazido aos autos seria da Delegacia Especial de Assuntos Interna-
cionais - Deain. Às fls. 362 foi determinado à impetrante que se manifestasse acerca da ilegitimidade
passiva arguida pela autoridade impetrada. A impetrante, através da petição de fls. 369/371, defendeu
a legalidade da permanência do Senhor Delegado da Receita Federal de Administração Tributária em
São Paulo no pólo passivo, requerendo, alternativamente, o deferimento de emenda à inicial visando
a retificação do pólo passivo, passando a figurar como autoridade impetrada o Senhor Delegado da
Delegacia Especial de Assuntos Internacionais - Deain. Às fls. 372/375, foi deferido o pedido de emen-
da à inicial, passando a figurar como autoridade impetrada o Ilmo. Senhor Delegado da Delegacia
Especial de Assuntos Internacionais - Deain, em substituição ao Sr. Delegado da Receita Federal do
Brasil de Administração Tributária em São Paulo. Devidamente notificado, o Sr. Delegado da Delega-
cia Especial de Assuntos Internacionais - Deain, prestou informações às fls. 382/404 defendendo a
legalidade de sua conduta e combatendo a pretensão da impetrante. Decisão às fls. 410/414 deferindo
a medida liminar pleiteada. Petição da União informando da interposição do Agravo de Instrumento
nº 2009.03.00.028289-4 contra a decisão liminar deferida (fls. 426/454). Petição do Ministério Públi-
co Federal às fls. 456/457, informando não haver interesse público a justificar parecer de mérito do
Parquet nos presentes autos, requerendo o prosseguimento do feito. É o relatório.
Decido. Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, visando ao afastamento da co-
brança de Imposto de Renda sobre o pagamento de preço pelo serviço prestado por sociedade domici-
liado na Itália. A questão posta nos autos já foi devidamente enfrentada pelo egrégio Tribunal Regio-
nal Federal da 2ª Região, ao exame da Apelação em Mandado de Segurança nº 2003.51.01.012799-8,
conforme se verifica da seguinte ementa de acórdão:
Constitucional, Tributário e Internacional Público - Constituição e Convenção da União Inter-
nacional de Telecomunicações (UIT) - Regulamento Administrativo de Melbourne - Isenção Tri-
butária - Decreto Legislativo nº 67/98 e Decreto nº 2.962/99. 1. Mandado de segurança objeti-
vando garantir alegado direito líquido e certo de não recolher imposto de renda na fonte sobre as
remessas feitas à empresa domiciliada em país membro da Convenção da União Internacional das
Telecomunicações (UIT), como contraprestação pela cessão de redes de telefonia de que a im-
petrante se utiliza fora do território nacional, para completar as ligações efetuadas do Brasil para
o exterior (tráfego sainte), com base no Decreto Legislativo nº 67/98 e no Decreto nº 2.962/99.
2. Compete privativamente ao Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos in-
ternacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional, ao qual compete, exclusivamente, re-
solver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional (CF/88, arts. 84, VIII, e 49, I). 3. A Constitui-
ção e a Convenção da União Internacional de Telecomunicações, aprovadas em Genebra, em
1992, e Quioto, em 1994, foram incorporadas ao nosso ordenamento jurídico através do Decre-
to Legislativo nº 67, de 15.10.98, e do Decreto Presidencial nº 2.962, de 23.02.99. 4. São instru-
mentos da UIT a sua constituição, convenção e os regulamentos administrativos, ficando seus
membros obrigados a aterem-se às suas disposições, conforme dispõem seus artigos 4, item 29.1;
6, item 37.1; 54, itens 215.1 e 216.2. 5. O Regulamento Administrativo de Melbourne, de 1988,
é parte integrante da UIT, o qual prevê em seu art. 45, item 6.1.3, isenção tributária às despesas
com o denominado tráfego sainte. 6. Sendo parte integrante da UIT, o Regulamento Administrati-
vo de Melbourne teve sua aplicação no direito interno garantida pelo Decreto Legislativo nº 67/98
e pelo Decreto nº 2.962/99, não se tratando de ajuste complementar. 7. O art. 98 do Código Tri-
butário Nacional prevê a primazia dos tratados e convenções internacionais sobre a legislação
tributária interna. 8. Apelação provida. (Origem: TRF-2. Classe: AMS - Apelação em Mandado
de Segurança - 54.461 Processo: 2003.51.01.012799-8. UF: RJ. Órgão Julgador: Terceira Turma
Especializada. Data Decisão: 13/12/2006. Documento: TRF-200160709. DJU - Data: 28/02/2007
- Página: 92. Desembargador Federal Paulo Barata).
Pede-se a devida vênia para transcrever parte do voto proferido pelo eminente relator o Exmo. Se-
nhor Desembargador Federal, Paulo Freitas Barata, por demais elucidativo da questão principal, se-
não vejamos:
Para que o tratado tenha validade no ordenamento pátrio é necessário portanto, a sua aprovação pelo
Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo, a sua retificação pelo Chefe do Executivo, e pos-
terior promulgação, através de decreto presidencial, e publicação. A Constituição e a Convenção da
União Internacional de Telecomunicações, aprovadas em Genebra, em 1992, e Quioto, em 1994, fo-
ram incorporadas ao nosso ordenamento jurídico através do Decreto Legislativo nº 67, de 15.10.98, e
do Decreto Presidencial nº 2.962, de 23.02.99, assim redigidos: Aprova os textos (*) [sic] dos Atos
Finais da Conferência de Plenipotenciários Adicional, da União Internacional de Telecomunicações -
UIT, aprovados pelos países membros em Genebra, em 22 de dezembro de 1992, e dos Atos Finais da
Conferência de Plenipotenciários, da União Internacional de Telecomunicações - UIT, aprovados pe-
los países membros, em Quioto, em 13 de outubro de 1994. O Congresso Nacional decreta: Art. 1º
São aprovados os textos dos Atos Finais da Conferência Adicional de Plenipotenciários de Genebra,
ocorrida em 1992, e da Conferência de Plenipotenciários de Quioto, ocorrida em 1994, da União In-
ternacional de Telecomunicações - UIT. Parágrafo único. São sujeitos à aprovação do Congresso Na-
cional quaisquer atos que alterem os referidos Protocolos, assim como quaisquer ajustes complemen-
tares que, nos termos do art. 49, I, da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gra-
vosos ao patrimônio nacional. Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publica-
ção (fls. 65). Promulga a Constituição e a Convenção da União Internacional de Telecomunicações,
concluídas em Genebra, em 22 de dezembro de 1992, e seu instrumento de Emenda aprovado em
Quioto, em 14 de outubro de 1994. Art. 1º A Constituição e a Convenção da União Internacional de
Telecomunicações, concluídas em Genebra, em 22 de dezembro de 1992, e seu Instrumento de Emenda
aprovado em Quioto, em 14 de outubro de 1994, apensos por cópia a este Decreto, deverão ser execu-
tados e cumpridos tão inteiramente como neles se contém. Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data
de sua publicação (fls. 209). São instrumentos da UIT a sua constituição, convenção e os regulamen-
tos administrativos, ficando seus membros obrigados a aterem-se às suas disposições, conforme dis-
põe seus artigos 4, item 29.1, e 6, item 37.1. Seu artigo 54 (itens 215.1 e 216.2), dispondo sobre os
regulamentos administrativos, estabelece que: 215.1. Os Regulamentos Administrativos mencionados
no artigo 4 da presente Constituição são instrumentos internacionais obrigatórios e estarão sujeitos às
disposições desta última e da Convenção. 216.2 A ratificação, aceitação ou aprovação da presente
Constituição e da Convenção e da Convenção [sic] ou a adesão às mesmas, em razão dos artigos 52 e
53 da presente Constituição, inclui também o consentimento de obrigar-se pelos Regulamentos Ad-
ministrativos, adotados pelas Conferências Mundiais competentes antes da data da assinatura da pre-
sente Constituição e da Convenção. Tal consentimento se entende como sujeição a toda reserva mani-
festada no momento da assinatura dos citados Regulamentos ou a qualquer revisão posterior dos mes-
mos, sempre e quando ele se mantenha no momento de depositar o correspondente instrumento de
ratificação, de aceitação, de aprovação ou de adesão (fls. 75). Como se pode ver dos dispositivos aci-
ma transcritos, o Regulamento Administrativo de Melbourne, de 1998, é parte integrante da UIT, o qual
prevê em seu art. 45, item 6.1.3, isenção tributária às despesas com o denominado tráfego sainte, nos
seguintes termos: 6.1.3. Quando a legislação nacional de um país preveja a aplicação de um tributo
sobre a tarifa de percepção, pelo provimento de serviços internacionais de telecomunicações, esse tri-
buto somente se aplicará aos serviços internacionais de telecomunicações faturados a clientes desse
país, a menos que seja acordado o contrário, para atender a circunstâncias especiais. Sendo parte inte-
grante da UIT, o Regulamento Administrativo de Melbourne teve sua aplicação no direito interno ga-
rantida pelo Decreto Legislativo nº 67/98 e pelo Decreto nº 2.962/99, não se tratando de ajuste com-
plementar, como entendeu o juiz de 1º grau. Portanto, a ressalva feita no parágrafo único do art. 1º do
Decreto Legislativo nº 67 não se refere a compromissos futuros que venham a criar encargos gravosos
ao patrimônio nacional. O Ministério Público Federal, com propriedade, salienta que: Percebe-se, as-
sim, que o decreto legislativo apenas sujeitou à aprovação do Congresso duas espécies de atos: aque-
les que alterem os referidos Protocolos - o que não corresponde à hipótese in casu, uma vez que o
Regulamento das Telecomunicações Internacionais (ou Tratado de Melobourne) é anterior à Consti-
tuição da UIT e sua aplicação é prevista na mesma - é [sic] os ajustes complementares que, nos ter-
mos do artigo 49, I, da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patri-
mônio nacional. Com relação a esta última situação, cabe salientar que, ainda que a isenção tributária
prevista importe em renúncia de receita e, portanto, configure-se como gravosa ao patrimônio nacio-
nal, não se trata de ajuste complementar, uma vez que há dispositivo na Constituição da UIT que pre-
vê não só a aplicação integral do Regulamento que, em seu artigo 6º, determina tal isenção, mas tam-
bém a vinculação a este regulamento e sua obrigatoriedade. Configura-se, portanto, não como ques-
tão complementar, mas essencial a tal documento. Na verdade, é razoável imaginar que as cláusulas
dos Regulamentos só não foram transcritas na Convenção por estarem organizadas em documento
anterior, sendo, portanto, desnecessário tal procedimento. Assim, a aprovação do Congresso Nacional
do texto da Constituição e Convenção da UIT, passa necessariamente pela aprovação destes artigos que
a integram, transcritos e melhor analisados infra. No que se refere ao decreto presidencial, sua sim-
ples leitura permite perceber que foi determinada, sem qualquer ressalva, a integral aplicação das dis-
posições da Convenção e Constituição da UIT, que deve ter por base o texto levado à publicação no
Diário Oficial juntamente com o referido decreto (728). Quanto à isenção pleiteada, o CTN prevê a
primazia dos tratados e convenções internacionais sobre a legislação tributária interna, nos termos do
seu art. 98. Por compartilhar inteiramente com os fundamentos acima expostos pelo eminente Desem-
bargador Federal Paulo Freitas Barata e sendo certo que os mesmos esgotam o exame das questões
postas nos autos, adoto-os como razão de decidir para reconhecer a existência do direito líquido e cer-
to buscado pela impetrante.
Isto posto, concedo a segurança e confirmo a liminar anteriormente deferida para determinar que
autoridade impetrada se abstenha de exigir o IRRF nas remessas de recursos feitas pela impetrante à
Telecom Itália, em função da prestação de serviços de telecomunicação internacional. Sem condena-
ção em honorários advocatícios, a teor do artigo 25 da Lei nº 12.016, de 07 de agosto de 2009. Sen-
tença sujeita ao reexame obrigatório. Desta forma, decorrido o prazo para interposição de recurso, re-
metam-se os autos ao egrégio do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com as cautelas de estilo.
Oficie(m)-se à(s) autoridade(s) impetrada(s) cientificando-a(s) do teor da presente decisão, bem como
ao (à) Exmo(a). Senhor(a) Desembargador(a) Federal relator(a) do Agravo de Instrumento nº 0006004-
48.2011.4.03.0000, dando-lhe ciência da presente decisão. Custas ex lege. P.R.I.C.
(DEJF da 3ª R. de 20.10.2011, pp. 117/9)
Decisão
RECLAMAÇÃO - MODULAÇÃO DE EFEITOS - MATÉRIA JULGADA
INCONSTITUCIONAL - AUSÊNCIA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA
DO STF - BOA-FÉ DO PARTICULAR AMPARADO POR DECISÃO JUDICIAL
TRANSITADA EM JULGADO
(Ministro Luiz Fux, do STF)
Decisão: Cuida-se de Reclamação Constitucional proposta pela União Federal contra decisão do
Plenário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no julgamento da Ação Rescisória nº
2008.05.00.060637-7, que julgou procedente, em parte, a referida ação, proposta pela ora Reclaman-
te, reconhecendo como devida a revogação da isenção concedida pela Lei Complementar n. 70/91,
determinando, todavia, que o recolhimento da referida contribuição somente deveria ser efetuado a
partir daquele julgamento.
A decisão reclamada foi ementada da seguinte forma:
Processo Civil. Ação Rescisória. Tributário. Preliminar de Intempestividade. Isenção Concedida
através do Art. 6º, II, da Lei Complementar nº 70/91. Revogação pelo Art. 56 da Lei nº 9.3430/96 [sic].
Súmula 343 do STF. Modulação de Efeitos. Precedente do STF.
- O cômputo para aferição da tempestividade da ação rescisória, nos termos do art. 495 do CPC
deve levar em consideração a data do trânsito em julgado da última decisão efetivamente profe-
rida nos autos, independentemente se ali restou decidida a inadmissibilidade de recurso outrora
interposto.
- O Supremo Tribunal Federal já se manifestou em inúmeros julgados, sendo favorável à possi-
bilidade de revogação da isenção concedida através do art. 6º, II, da Lei Complementar nº 70/91
pelo art. 56 da Lei nº 9.3430/96 [sic]. Tratando-se de matéria de cunho constitucional, afasta-se
a aplicabilidade da Súmula 343 do STF à espécie.
- Aplicação da modulação dos efeitos da decisão, no sentido de que o recolhimento da Cofins
deva ser efetivado, tão-somente, a partir da data deste julgamento.
- Precedente do STF. (RE-AgR 295.563/RS, Rel. Ministro Cezar Peluso, DJ 07.10.2008)
- Ação Rescisória julgada parcialmente procedente.
Alega o Reclamante que a decisão supratranscrita usurpou a competência deste Tribunal para pro-
ceder à modulação de efeitos de decisões judiciais, previsto no art. 27 da Lei nº 9.868/99. Afirma, ain-
da, que houve afronta à decisão proferida por esta Corte no julgamento da ADI nº 4.071 AgR, onde se
teria negado a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão que declarou a constitucionalidade
da revogação da Cofins às sociedades civis prestadoras de serviços pelo art. 56 da Lei nº 9.430/96. Eis
a ementa do julgamento do regimental:
Ementa: Agravo regimental. Ação direta de inconstitucionalidade manifestamente improceden-
te. Indeferimento da petição inicial pelo Relator. Art. 4º da Lei nº 9.868/99. 1. É manifestamente
improcedente a ação direta de inconstitucionalidade que verse sobre norma (art. 56 da Lei nº
9.430/96) cuja constitucionalidade foi expressamente declarada pelo Plenário do Supremo Tri-
bunal Federal, mesmo que em recurso extraordinário. 2. Aplicação do art. 4º da Lei nº 9.868/99,
segundo o qual “a petição inicial inepta, não fundamentada e a manifestamente improcedente
serão liminarmente indeferidas pelo relator”. 3. A alteração da jurisprudência pressupõe a ocor-
rência de significativas modificações de ordem jurídica, social ou econômica, ou, quando muito,
a superveniência de argumentos nitidamente mais relevantes do que aqueles antes prevalecentes,
o que não se verifica no caso. 4. O amicus curiae somente pode demandar a sua intervenção até
a data em que o Relator liberar o processo para pauta. 5. Agravo regimental a que se nega provi-
mento. (ADI 4.071 AgR, Relator(a): Min. Menezes Direito, Tribunal Pleno, julgado em 22/04/2009,
DJe-195, Divulg. 15-10-2009, Public. 16-10-2009, Ement. Vol-02378-01, pp-00085, RTJ Vol-
00210-01, pp-00207)
O Reclamante registra, ainda, que em decisão monocrática, confirmada pelo Pleno, proferida nos
autos da ADI nº 4.071, o Min. Menezes Direito pleiteia, com base nesses argumentos, liminar para a
cassação, ou, subsidiariamente, para a suspensão da eficácia da decisão reclamada, na parte em que
conferiu efeitos ex nunc ao acórdão, e, ao final, a sua cassação definitiva.
NOTA DA DIALÉTICA
Vide textos de Doutrina de Andrei Pitten Velloso (RDDT 157:7), de Célio Armando Janczeski (RDDT
157:17), de Celso de Albuquerque Silva (RDDT 155:7), de Diego Diniz Ribeiro (RDDT 178:25), de
Fábio Martins de Andrade (RDDT 166:61, 172:34 e 178:45), de Renata Elaine Silva (RDDT 170:52),
de Selma Ciminelli (RDDT 159:115) e de Tiago Cappi Janini (RDDT 159:123), Íntegra de Acórdão
do STF - 2ª Turma (RDDT 135:174), Nota de Julgamento do STF - Pleno (RDDT 155:177), e Acór-
dãos do STF - Pleno (RDDT 160:203 e 162:237), do STF - 1ª Turma (RDDT 185:193) e do STF - 2ª
Turma (RDDT 134:240 e 144:228).
Ementário de Acórdãos
Observação: a Equipe Técnica da Revista Dialética de Direito Tributário
não fornece cópias de íntegras de acórdãos publicados neste Ementário.
Quando os reputa muito relevantes, publica-os na íntegra.
Acórdão
ICMS - ALÍQUOTA - SABONETES - Vistos, relatados e discutidos esses autos em que
PRODUTOS DE HIGIENE OU DE são partes as acima indicadas, acordam os Minis-
TOUCADOR tros da Segunda Turma do Superior Tribunal de
Justiça, na conformidade dos votos e das notas
Recurso Especial nº 1.249.361-MG taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:
(2011/0053161-8) “A Turma, por unanimidade, deu provimento ao
recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Re-
Relator: Ministro Mauro Campbell Marques lator, sem destaque.”
Recorrente: Natura Cosméticos S/A Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Castro
Advogados: Julio M. de Oliveira e Outro(s) Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin
Daniel Lacasa Maya e Outro(s) (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Recorrido: Estado de Minas Gerais Brasília (DF), 08 de novembro de 2011.
Procurador: Marco Tulio Caldeira Gomes e (DJe de 17.11.2011)
Outro(s)