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O presente volume propõe uma definição de «exclusão social» que encara a noção
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(de raiz anglo-saxóniea) de «pobreza» e o conceito (originariamente francês) de “ 1
«exclusão spciál» como complementares. Realça o facto de se tratar de um problema' ’■i
complexo e heterogéneo, pelo que se justifica falar em «exclusões sociais», no plural.
A definição proposta é ilustrada com a abordagem de cinco formas de exclusão: í
pobroza. desemprego/emprego precário, minorias étnico-culturais, idosos e a situação
de sem-abrigo. 1
O estudo procura, sobretudo, contribuir para uma melhor compreensão destes
problemas sociais, para melhor fundamentação das acçõcs. preventivas c curativas,
’ de lula contra a exclusão.

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Titulo do original Alfredo Bruto da Costa
Exclusões Sociais

Alfredo Bruto da Costa Nascido em 1938. em Goa. Após o ensino primário


Fundação Mário Soares (em português), e o curso secundário (cm inglês),
Gradiva Publicações. Ida.
tirou os preparatórios de engenharia na Universidade
Revisão dc texto de Bombaim. Em 1957, ingressou no
Paulo da Cos.a Domingos
Design
Instituto Superior Técnico, de Lisboa, onde tirou
i Alfredo Bruto da Costa
Atelicr Henrique Cayatte o curso de engenharia civil.
Colaboração
João Palm:; e Ana Miranda Trabalhou como engenheiro durante um ano.
Exclusões Sociais
FotoJiros
Multitipo
Em 1967. ingressou no órgão central de planeamento
Impressão c acabamento económico, onde fez a sua carreira profissional.
Tipografia Guerra - Viseu
Entre 1974 e 1980 foi Provedor da Santa Casa
Reservados todos os direitos por ir
Fundação Mário Soares da Misericórdia de Lisboa.
Gradlva Publicações, Ida. Em 1979, foi Ministro dos Assuntos Sociais
Rua Almeida e Sousa, 21. r/c. csq.
1350 Lisboa do V Governo Constitucional, chefiado por
Ttl: 397.40.67/8
e-mail: www.coleccaolaip.pt Maria de Lourdes Pintasilgo. ■ii •
Em 1993, doutorou-se pela Universidade de Bath
P edição
Maio 1998 (Reino Unido), com tese intitulada

ISBN: 972-662-612-9 O Paradoxo da Pobreza - Portugal 1980-1989.


Depósito legal Entre 1990 e 1994 foi consultor da Comissão
J23 028/98
Europeia, para o programa «Pobreza 3».
Capa Actualmente, mantém actividade docente
Correntes / Soporset Offset 200g/m e de investigação, mormente cm domínios ligados
Miolo
Correntes /Soporset Ofjnt 80 g/m à pobreza e exclusão social. É membro da Comissão
Composição
F GotJtie i Finies e Joanna de Peritos Independentes da Carta Social Europeia,
Impressão \
do Conselho de Europa. ■
Qff-sel

f Í2
Fracftiras

cadernos democráticos
DIR.ECÇÃO
Xr MÁRIO SOARES

Alfredo Bruto da Costa


Exclusões Sociais

COI.ECÇÀO

FUNDAÇÃO
MÁRIO SOARES
DESIGN
*T£l_IER HENRIQUE CAYATTE

EDIÇÃO

gradiva
A memória do meu Pai
Homem livre,
dos mais livres quejá conheci,
na palavra e no gesto,
em tempo e contratempo,
indiferente à força dos poderosos
e ao sentido dos ventos.

Não conheceu ouro nem prata,


nem mundana glória.

A sua vida foi um bom combate,


cristalino,
frontal,
pela dignidade das pessoas e do seu povo.

Prática quotidiana
de integridade, coerência e coragem,
espantosamente simples, de tão natural.

A minha Mãe
Esquecimento persistente de si mesma.
Presença discreta e total.
Amor e afecto pressupostos, como o ar.
Vigília no sono, para descanso do nosso.
Mina inesgotável de serenidade.
Agilidade pelo tempo intocada.
Na aparência frágil, escora e suporte.

Na concha das suas mãos coloco estasfolhas


soltas
do meu outono.

20 de Janeiro de 1998
i
I Apresentação

Escrito quase ao correr da pena - isto é, ao saltar das


teclas do computador - este trabalho contém algumas
noções e ideias que tenho vindo a elaborar no decurso dos
últimos anos, sobre a «exclusão social». Por se tratar de
texto inserido num número dos Cadernos Democráticos,
procurei ensaiar, porventura sem grande êxito, uma
reflexão sobre a relação daquele fenómeno com as noções
de cidadania e de democracia, relação porventura evi­
dente no plano da filosofia política, mas raramente abor­
dada na perspectiva das ciências sociais. De modo geral,
as «exclusões» são reconhecidas como problemas sociais,
realidades que reclamam acções e políticas de integração
(ou inclusão) social, mas é raro serem analisadas na pers­
pectiva dos direitos humanos fundamentais. No plano
político, já vem de longe a noção de que a democracia
política é apenas uma das dimensões do que se entende
por «sociedade democrática», sendo necessário juntar-lhe
a democracia económica e social. Mais tarde, entendeu-se
conveniente autonomizar a dimensão cultural, porventura
anteriormente implícita no termo «social». Mais recente­
mente, tem-se afirmado a «indivisibilidade» dos direitos
humanos, para realçar a ideia da inter-ligação dos diver­
sos domínios em que esses direitos se situam. Não se trata
de um conjunto de direitos dispersos ou avulsos, mas de
um conjunto coerente e coeso, que deve ser compreendido
como um todo indivisível.
Mesmo que possa ser pacífica na óptica da filosofia polí­
tica, aquela perspectiva parece carecer, de alguma funda­
mentação no plano das ciências sociais. Seria pretencioso
procurar essa fundamentação no âmbito do presente texto, o
que não impede que se faça um esforço inicial nesse sentido.
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Conceito(s) de «exclusão social»

«No final do percurso, a noção de excluído está a cami­


nho de sofrer o destino da maior parte dos termos que
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foram consagrados, nos nossos dias, pela mediocridade
dos modos intelectuais e universitários: está saturada
de sentidos, de não-sentidos e de contra-sentidos.»'
4-
É preciso que evitemos que isso venha a acontecer.
A expressão «exclusão social» entrou no discurso políti­
co nacional há cerca de cinco anos, ou menos. E hoje
uma expressão de uso generalizado, embora não esteja
seguro de que todos quantos a utilizam tenham ideia
clara do que significa. Acresce que, mesmo entre os
especialistas, não existe unanimidade quanto ao sentido
í: da expressão. Impõe-se, pois, que aqui indique, mesmo
que em termos sucintos, o significado que lhe atribuo
neste contexto.
A noção de «exclusão social» pertence à perspectiva
própria da tradição francesa na análise de pessoas e grupos
desfavorecidos. Em termos simplificados, Robert Castel -
uma das principais referências nesta matéria - define
Exclusões Pobreza Dos emprego Minorias 0» sem-abrigo Idosos Conclusão
sociais emprego étnlco-
e trabalho ■culturals

io|j 1 Alfredo Bruto da Costa


Exclusões Sociais

«exclusão social» como a fase extrema do processo de consistia, então, no essencial, a «exclusão social»? Em
«marginalização», entendido este como um percurso quê seria esse conceito distinto do de «pobreza»? Seria
«descendente», ao longo do qual se verificam sucessivas cientificamente aceitável que a expressão viesse a subs­
rupturas na relação do indivíduo com a sociedade. Um tituir o termo «pobreza»? Com o intuito de debater estas
ponto relevante desse percurso corresponde à ruptura em e outras questões conexas, teve lugar, em 1990, em
relação ao mercado de trabalho, a qual se traduz em Alghero (Itália), um seminário europeu, organizado pela
desemprego (sobretudo desemprego prolongado) ou Comissão, e no qual participaram especialistas das vá­
mesmo num «desligamento» irreversível face a esse mer­ rias tradições europeias de ciências sociais.3 Em meu
cado. A fase extrema - a da «exclusão social» - é carac- entender, o seminário pouca luz lançou sobre a questão.
terizada não só pela ruptura com o mercado de trabalho, Entretanto, veio a consolidar-se a utilização da expres­
mas por rupturas familiares, afectivas e de amizade.2 são «exclusão social» em documentos oficiais da Comu­
Neste entendimento, pode haver pobreza sem exclusão nidade (agora União) Europeia.
social, como acontecia aos pobres do ancien régime, em Uma vez colocada no plano europeu, a noção de «ex­
que os servos eram pobres, mas encontravam-se integra­ clusão social» passou a constituir um tema científico a
dos numa rede de relações de grupo ou comunidade. nível europeu. Sabia-se qual era o sentido original da
Algo de semelhante pode passar-se hoje com os pobres expressão na tradição científica francesa, mas tal não
do meio rural. Pobreza e exclusão social são, portanto, implicava que todas as restantes escolas de pensamen­
na perspectiva exposta, realidades distintas e que nem to europeias tivessem de adoptar a mesma definição.
sempre coexistem. Assim, o tema entrou no âmbito das preocupações
Em princípios dos anos noventa, a Comissão Europeia, científicas da União e, mais tarde, foi colocado no
por razões científicas discutíveis e razões políticas com­ plano mundial, através de trabalhos realizados ou pro­
preensíveis, introduziu a expressão «exclusão social» no movidos pelo Instituto Internacional de Estudos de
discurso comunitário europeu, designadamente em tex­ Desenvolvimento, da OIT.4 O objectivo destes traba­
tos formalmente submetidos ao Conselho Europeu, para lhos era o de verificar se, e em que medida, o conceito
aprovação ou adopção. Porém, deu-lhe um sentido dife­ de exclusão social, que acabava de ser adoptado na
rente do original, em dois sentidos. Em primeiro lugar, Europa, poderia ter utilidade no estudo de situações
pretendeu que a expressão substituísse o termo e a noção que se verificam em países em vias de desenvolvimen­
de «pobreza» (o que, como vimos, não era a intenção to. Para o efeito, realizaram-se reflexões teóricas e
inicial); em segundo lugar, designou por «exclusão análises empíricas da situação em dez países espalha­
social» não apenas a fase «terminal» de um processo, dos pelo mundo, uns em vias de desenvolvimento e
mas o próprio processo de «marginalização». outros das chamadas «economias em transição».
Não tardou que surgissem interrogações fundamentais, Presenlemente, o tema está em pleno debate e longe de
de natureza conceptual, a respeito da expressão. Em que qualquer consenso.
Exclusões Pobioza Desemprego Minorias Os sem-abrigo Idosos Conclusão
sociais emprego étnlco-
e trabalho -cutturals

12| 1 i Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

Creio que Graham Room traz um contributo positivo ao


debate, quando afirma que o que distingue a «tradição» Ministros da CEE-10, segundo a qual são pobres «os indi­
britânica da «escola» francesa, no estudo da situação dos víduos ou famílias cujos recursos são tão escassos que os
indivíduos e grupos desfavorecidos é que a primeira se excluem do modo de vida mínimo aceitável no Estado
membro em que vivem».7 Foi esta a definição política que
ocupa sobretudo de aspectos distributivos (pobreza), ao
serviu de referência à definição da linha de pobreza uti­
passo que a francesa se interessa mais pelos aspectos rela­
lizada no primeiro estudo quantificado da pobreza na
cionais (exclusão social).5 Esta distinção parece ter algum
Comunidade. Numa perspectiva científica, temos a
fundamento, e tem a ver com os conceitos de sociedade
noção expressa por Townsend, quando afirmou que, no
subjacentes a cada uma daquelas tradições. No caso
estado de pobreza, «Os seus recursos [dos pobres] ficam
britânico, a «visão liberal de sociedade, segundo a qual a
tão seriamente abaixo dos controlados pelo indivíduo ou
sociedade era vista, pelas elites intelectuais e políticas re­ família médios, que eles são de facto excluídos dos
levantes, como uma massa de indivíduos atomizados, padrões de vida, costumes e actividades corrrentes».8
envolvidos na competição no âmbito do mercado», ao Sendo extremamente ricas as duas principais tradições
passo que no caso francês, «A sociedade é vista, pelas respeitantes ao estudo dos indivíduos e famílias mais
elites intelectuais e políticas, como uma hierarquia de desfavorecidos - a britânica e a francesa seria dese­
estatuto ou como um número de colectividades, ligadas jável resolver a questão terminológico-conceptual acima
por conjuntos de direitos e obrigações mútuos que estão referida de modo a preservar a originalidade de ambas
enraizados nalguma ordem moral mais ampla».6 essas tradições, levando, do mesmo passo, cada uma
Penso que a verdadeira diferença entre as duas «tra­ delas a olhar com maior atenção os aspectos mais e me­
dições» deve ser entendida mais como uma diferença de I
! lhor analisados pela outra. O ensejo que tive de participar
ênfase do que uma atenção exclusiva a um ou outro em dois estudos europeus relacionados com o assunto 9
daqueles aspectos. Seria incorrecto concluir que a esco­ permitiram estabelecer um conceito de «exclusão social»
la britânica tivesse ignorado a dimensão relacional do que abarca a noção de «pobreza» e inclui outras situações
problema, ou que a tradição francesa tivesse omitido as que, embora não sendo de pobreza, são caracterizadas
questões distributivas. por rupturas ao nível das relações sociais. E essa a pers­
A meu ver, a substituição do termo «pobreza» pela ex­ pectiva que a seguir se apresenta.10 10 Esta
abordagem
pressão «exclusão social» seria prejudicial, quer para a Antes do mais, deve notar-se que a noção de «exclusão» foi elaborada
ciência quer para os grupos desfavorecidos, mormente suscita, desde logo, a pergunta «excluído de quê?», ou com a
nos países em que a pobreza ainda reveste carácter massi- seja, implica a existência de um contexto de referência, colaboração de
vo, como acontece em Portugal. Por outro lado, deve do qual se é, ou se está, excluído. A qualificação de Isabel(CESIS)
Baptista

notar-se que a própria noção de exclusão está contida nal­ «social» permite interpretá-la como estando relacionada
gumas definições de pobreza. É o caso da definição políti­ com a sociedade. Neste entendimento, a exclusão tem a
ca de «pobreza» estabelecida, em 1974, pelo Conselho de ver com a cidadania.
Exclusões Pobtcu Desemprego Minorias Os sem-obrigo Idosos Conclusão
sociais emprego étnlco-
e trabalho -cutturals

14| I S Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

De igual modo, ao definirmos «exclusão social» é pre­ países com elevadas taxas de desemprego e os que man­
ciso ter, implícita ou explicitamente, uma ideia do que têm taxas de desemprego relativamente baixas à custa
significa o seu oposto, correntemente designado por das condições de trabalho (designadamente, o salário).
«inclusão social», «integração social» ou «inserção Argumenta-se que, precisamente por causa do papel de
social», situação que não tentaremos aqui caracterizar, integração social inerente ao trabalho, um emprego,
não só pela sua complexidade, mas também porque a mesmo quando precário e com salário baixo, é preferí­
sua definição relevará, em certa medida, do que disser­ vel ao desemprego, mesmo quando lhe corresponde um
mos acerca da «exclusão». subsídio de desemprego razoável.
Pode considerar-se que o exercício pleno da cidadania Os três principais tipos de sistemas no domínio eco­
implica e traduz-se no acesso a um conjunto de sistemas nómico são os mecanismos geradores de recursos, o
sociais básicos, acesso que deve entender-se corno uma mercado de bens e serviços (incluindo os financeiros,
forma de relação}' Aquele conjunto de sistemas pode como os respeitantes ao crédito) e o sistema de
ser mais ou menos amplo, consoante o conceito de poupanças. Os mecanismos geradores de recursos
cidadania que esteja subjacente. Parece possível agru­ incluem o mercado de trabalho (salários), o sistema de
par os sistemas sociais básicos nos cinco seguintes segurança social (designadamente, pelas pensões), e
domínios: o social, o económico, o institucional, o ter­ os activos. O mercado de bens e serviços não carece
ritorial e o das referências simbólicas. de comentário, uma vez que é sabido que, nas econo­
A área social é caracterizada pelo conjunto de sistemas mias de mercado, o acesso àquele mercado é condição
(grupos, comunidades e redes sociais) em que uma pes­ normal para se dispor da maior parte dos bens e
soa se encontra inserida, desde os mais imediatos e serviços que as pessoas e as famílias precisam para
restritos - tais como a família, ou a vizinhança - pas­ viver. A inclusão da poupança no conjunto de sistemas
sando pelas intermédias - de que são exemplo a peque­ sociais básicos pode, à primeira vista, parecer exage­
na empresa, a associação desportiva e cultural, o grupo rada. Todavia, importa reconhecer que um certo, grau
de amigos, ou a comunidade cultural —, até às mais de segurança em relação ao futuro, designadamente
amplas — como a comunidade local, o mercado de tra­ para se poder fazer face a eventualidades imprevisí­
balho, ou a comunidade política. É sobretudo nesta área veis ou excepcionais e não cobertas pelo sistema de
que reside a maior parle dos laços sociais analisados segurança ou protecção social, é uma necessidade que
pela escola francesa. Note-se que o mercado de trabalho deve considerar-se normal.
aparece aqui não enquanto fonte-de-rendimentos (neste O domínio institucional abrange dois tipos de sistemas.
aspecto, esse sistema pertence ao domínio económico), Por um lado, inclui os sistemas prestadores de serviços
mas na sua qualidade de local e factor de socialização e que, mesmo nas economias de mercado, as sociedades
integração social. Esta característica do mercado de tra­ mantêm parcial ou totalmente protegidos em relação aos
balho tem sido realçada sobretudo na comparação entre mecanismos do mercado, com vista a que o acesso a
Exclusões Pobreza Desemprego Minorias Os sem-abrigo Idosos Conclusão J
sociais emprego étnico
o trabalho -culturais Í
16|i7 Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

esses serviços não esteja dependente dos meios de que possam cair em novas formas de exclusão (por vezes,
as pessoas e as famílias dispõem. É o caso dos sistemas também de tipo territorial) na sociedade de destino.
educativo, de saúde, de justiça e, nalguns casos, de Final mente, o domínio das referências simbólicas, tam­
habitação. Por outro lado, abarca instituições mais direc- bém muito valorizadas pela escola francesa, tem a ver
tamente relacionadas com direitos cívicos e políticos, fundamentalmente com uma dimensão subjectiva da
tais como o sistema burocrático e as diversas instituições exclusão. Respeita a todo um conjunto de «perdas» que
ligadas à participação política. o excluído sofre, e que se agravam com a permanência na
O reconhecimento da relevância do domínio territorial, situação de exclusão, no campo das referências: perda de
no estudo da exclusão social, é recente, e tem a ver com identidade social,12 de auto-estima, de auto-confiança,
o facto de existirem certas situações em que a exclusão de perspectivas de futuro, de capacidade de iniciativa,
diz respeito não apenas às pessoas e famílias, mas a todo de motivações, do sentido de pertença à sociedade, etc.
um território. É este o caso dos bairros de lata e outros Importa acrescentar alguns comentários ao esquema
!,
tipos de bairros degradados, e de certas freguesias ou que acaba de apresentar-se. Em primeiro lugar, note-se
concelhos rurais, em que as condições de vida das famí­ que os sistemas sociais básicos considerados não são
lias dificilmente podem melhorar se não se tomarem independentes uns dos outros. Esses sistemas são forte­
medidas que promovam o progresso de todo o espaço, mente interdependentes, e, nalguns casos, até se sobre­
nos domínios da habitação, dos equipamentos sociais, põem. O mesmo se diga dos cinco domínios em que os
das acessibilidades, e até de actividades económicas. sistemas foram agrupados. É evidente que uma pessoa
E uma situação em que todo o território está excluído sem recursos suficientes não tem acesso ao mercado de
da cidade (no caso de um bairro) ou do país (caso do bens e serviços, vê dificultado o seu acesso à saúde e
concelho) a que pertence. vedado o acesso ao sistema de crédito. Um exemplo
Por analogia, este critério de exclusão pode aplicar-se a expressivo de sobreposição dos domínios é o do desem­
nível mundial, em que países inteiros podem ver-se ex­ prego, que, como se assinalou, por um lado, acarreta
cluídos das condições de vida e de progresso existentes perda de rendimentos normais (domínio económico),
no resto do mundo. por outro, afecta as relações sociais (domínio social) e,
Situa-sc, também, na área territorial o problema das por outro, ainda, atinge o excluído na sua identidade
migrações, na medida em que estas podem ser entendi­ I social (domínio das referências).
das como uma reacção dos excluídos, expressa através Em segundo lugar, deve ter-se em atenção que a questão
da sua migração das zonas excluídas (rurais, por exem­ 1 não se põe, necessariamente, em termos de ter ou não
plo) para meios mais desenvolvidos (centros urbanos, ter acesso aos sistemas. Existem níveis mais ou menos
por exemplo), ou, a nível mundial, de países excluídos satisfatórios de acesso, os quais configuram graus
para países prósperos. Em certo sentido, é o fechar do diversos de exclusão. Mesmo no caso dos laços familia­
ciclo da exclusão territorial, se bem que os migrantes res, podem existir situações cm que esses laços estão
Exclusões Pobreza Desemprego Minorias Os sem-abrigo Idosos Conclusão
sociais emprego étnico-
e trabalho -culturais
í
18| J 9 Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

enfraquecidos, mesmo quando não exista uma ruptura situação dinâmica de privação, por falta de recursos.
b
completa. A noção de «graus de exclusão» também Ambas essas condições - privação e falta de recursos -
ajuda a compreender que nem toda a forma de exclusão são necessárias à definição. Daqui resulta, por exemplo,
traduz falta de acesso a todos os sistemas sociais bási­ que uma situação de privação que não resulte da falta de
cos. Uma pessoa ou família pode ser excluída de alguns recursos não significa «pobreza», mesmo que possa
daqueles sistemas sociais, embora não o seja em relação constituir um problema social grave. Da mesma
a outros sistemas sociais. definição decorre também que, para resolver uma situa­
Relaciona-se com o ponto anterior o facto de a exclusão ção de pobreza, não basta resolver a privação. É preciso
social constituir um processo. Recorde-se que, na inter­ que, além de vencer a privação, o pobre passe, também,
pretação de Robert Castel, se bem que com outra termi­ a ser auto-suficiente em matéria de recursos, ganhando a
nologia,13 o fenómeno assemelha-se a um plano inclina­ ? vida através de um dos meios de vida correntes na
do, em que vão ocorrendo sucessivas rupturas, sendo o sociedade a que pertence.14
extremo caracterizado pela ruptura dos laços familiares Assim definida, a «pobreza» apresenta-se como uma
e afectivos. Uma das rupturas intermédias mais impor­ forma de «exclusão social», na medida em que o pobre
tantes é, certamente, a respeitante ao mercado de traba­ é excluído de alguns dos sistemas sociais básicos em
lho. Também, neste caso, não é a simples situação de relação aos quais se definiu a «exclusão social». Deste
desempregado que representa uma ruptura com o mer­ modo, poderemos conservar, quer o acervo de conheci­
cado de trabalho. O desemprego de longa-duração pode­ mentos trazido pelos estudos sobre a «pobreza» (na
ria ser indício daquela situação, embora só se possa falar perspectiva anglo-saxónica), quer o contributo, não
em ruptura numa situação de «desligamento» - em menos valioso, da noção de «exclusão social» (desen­
/
princípio, irreversível - em relação àquele mercado. volvida sobretudo pela tradição francesa).
Em terceiro lugar, merece destaque o facto de este mo­
delo valorizar o domínio dos laços sociais tanto quanto i
a teoria francesa. A diferença está em que, na perspecti­
va que apresentámos, essa não é a única dimensão da
exclusão. A exclusão de um indivíduo (ou grupo), em
relação à sociedade em que vive, pode também verificar-
-se noutros domínios, tal como procurámos mostrar.
Importa, por último, relacionar a noção dc «exclusão
social» acima exposta com o conceito de «pobreza». 1
Como se sabe, também este termo tem diversas defi­
nições, cuja abordagem está fora do âmbito deste ensaio.
Tal como a entendemos, a «pobreza» consiste numa
•?

f Exclusões sociais

O que fica dito justifica que se fale em «exclusões so­


ciais», no plural, como aparece no título deste caderno.
Com efeito, a exclusão social apresenla-se, na prática,
-
t como um fenómeno de tal modo complexo e heterogé­
neo, que pode, com razão, falar-se em diversos tipos de
exclusão. Um dos critérios para essa classificação é o
das causas imediatas - por oposição às causas intermé­
dias e às causas estruturais 15 - da situação. Este critério
é particularmente importante, uma vez que, estando rela­
cionado com as causas, dá indicação sobre o tipo de
soluções necessárias. Nesta perspectiva podem identi­
ficar-se os seguintes tipos de exclusão social:
a) De tipo económico. Trata-se, fundamentalmente de
«pobreza», entendida, como se disse, como uma situa­
ção de privação múltipla, por falta de recursos. Esta
forma de exclusão é normalmente caracterizada por más
condições de vida, baixos níveis de instrução e qualifi­
cação profissional, emprego precário (instável, sem con­
trato, mal remunerado e/ou em más condições de trabalho),
actividade no domínio da economia informal, etc.
ConceittX») Pobreza Desemprego Minorias 0» fconvabrigo Idoaos Conclusão
di -exctuvso W’ emprego étnico-
social- o trabalho -culturais

22|2i Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

Quando se trate de pobreza de longa duração; reflectir- psicológica ou mental. Por vezes, as rupturas familiares
-se-á em características psicológicas, culturais e com- » são originadas por problemas psicológicos ou mentais.
portamentais próprias. No extremo, esta forma de Uma das causas de certas situações de sem-abrigo na
exclusão social pode conduzir à situação de «sem-abri­ Europa está na mudança de política dos hospitais
go», que é, sem dúvida, a forma mais grave e complexa psiquiátricos, que passaram a privilegiar o tratamento
de pobreza e exclusão. ambulatório de doentes anteriormente tratados em regime
b) De tipo social. Neste caso, a própria causa de exclusão de internamento. Acontece que alguns desses doentes não
situa-se no domínio dos laços sociais. E uma situação de têm casa ou, tendo-a, não são aceites pelos familiares, por
privação de tipo relacional, caracterizada pelo isolamen­ terem comportamentos violentos que tomam insustentá­
to, por vezes associada à falta de auto-suficiência e vel a sua presença no lar.
autonomia pessoal. Exemplos típicos são os dos idosos As situações patológicas, acima referidas como factores
que vivem na solidão, dos deficientes que não têm quem ! conducentes a rupturas familiares, também podem
os apoie, dos doentes crónicos ou acamados, que pre­ aparecer como consequências da situação de «sem-abri­
cisam de cuidados que lhes são negados. í go». Só o estudo de cada caso poderá permitir esclarecer
Este tipo de exclusão pode não ter qualquer relação com qual é a causa e qual o efeito.
a falta de recursos, e resultar do estilo de vida de fami­ e) Por comportamentos auto-destrutivos. Algumas
liares e amigos, da falta de serviços de bem-estar (wel- pessoas encontram-se em situação de exclusão social ou
fare), ou de uma cultura individualista e pouco sensível à I de auto-exclusão, em consequência de comportamentos
solidariedade. Todavia, este tipo de exclusão pode tam­ auto-destrutivos. Trata-se de comportamentos relaciona­
bém dever-se à falta de recursos, caso em que teremos L dos com a toxicodependência, o alcoolismo, a prostitui­
uma situação de exclusão de tipo social sobreposta à ção, etc. Também aqui, não raro, estas causas imediatas
exclusão de tipo económico, ou mesmo decorrente desta. têm por detrás problemas de pobreza.
c) De tipo cultural. A exclusão social pode também Alguns destes comportamentos também aparecem asso­
dever-se a factores de ordem cultural. Como se sabe, ciados à situação de «sem-abrigo», e tanto podem ser
fenómenos como o racismo, a xenofobia ou certas for­ causas como consequências dessa situação.
mas de nacionalismo podem, só por si, dar origem à Como facilmente se depreende, estes tipos de exclusão
exclusão social dc minorias étnico-culturais. Também social muitas vezes aparecem sobrepostos na prática.
podem ser de natureza cultural os motivos que levam a E a sua análise mais aprofundada conduz, por vezes, à
sociedade a dificultar a integração social de ex-reclu- verificação de que uma forma de exclusão pode ser, em
sos, por exemplo. determinados casos, consequência de outra forma de
d) De origem patológica. Um tipo de causas que pode exclusão. Para dar um'exemplo, a situação de pobreza
estar subjacente a situações de exclusão social diz respei­ e/ou de más condições de habitação pode agravar o modo
to a factores patológicos, designadamente de natureza como a família é afectada por certo tipo de problemas, a
Cooceltojj) . gffirr-,* Pobreza Desemprego Mlnorlns Os sem-abrigo Idosos Conclusão I
do -exclusão emprego étnlco-
SOClAl- o trabalho -culturals

íí
24|25 Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

í
ponto de conduzir a rupturas relacionais que não exis­ nitária); final mente, os sem-abrigo representam a forma
tiriam em condições «normais». O desemprego, con­ mais extrema e complexa de exclusão. Estes exemplos
duzindo à pobreza, pode impedir o pagamento da renda de permitirão, pela sua própria natureza, ilustrar os cinco
casa e, assim, colocar o indivíduo ou família na situação de domínios de exclusão atrás referidos e facultarão ensejo
sem-abrigo. O caso do toxicodependente que abandona o de reconhecer as inúmeras sobreposições que ocorrem
lar de origem e cai na miséria é outro exemplo de na prática.
sobreposição dos tipos de exclusão social.
As sociedades europeias debatem-se, presentemente,
com alguns tipos de problemas sociais que têm vindo a
preocupar crescentemente os poderes públicos e os
cidadãos em geral. Apresentarei, de seguida, alguns des­ <í
ses problemas, designadamente, os respeitantes à
pobreza, às minorias culturais, aos idosos, ao desem­
prego e aos sem-abrigo. Escolho estes tipos de exclusão,
não por serem os mais importantes ou os únicos que
merecem atenção, mas porque, além de serem, em si,
relevantes, servem bem para ilustrar os aspectos concep­ *
tuais atrás apresentados. A pobreza é, certamente, a
forma de exclusão social mais generalizada entre nós; o
problema das minorias étnico-culturais coloca, hoje, um
dos problemas mais complexos que se deparam às
sociedades europeias; a situação dos idosos, além de
constituir já um problema social grave, tende a agravar-
-se, designadamente com o progressivo envelhecimento
da população e as mudanças sociais que ocorrem sobre­
tudo no mercado do trabalho; a importância do desem­
prego está patente no facto de ser o único problema
social oficialmente reconhecido pela União Europeia
como merecedor de uma acção a nível europeu (diversa­
mente do que acontece com os restantes problemas so­
ciais, entre os quais a pobreza, que são considerados
como pertencendo ao âmbito de intervenção de cada
Estado-membro, não justificando uma acção comu-
©Rl
J.,, I

Pobreza

3.1. Algumas características da pobreza

Apresentámos, atrás-, uma definição de pobreza que será


o ponto de partida para esta secção: situação de pri­
vação resultante defalta de recursos. Esta definição tem
duas partes que interessa sublinhar: privação e falta de
recursos, termos entre os quais existe uma relação de
causa e efeito.
A privação traduz-se, antes do mais, em más condições
de vida. Este é, porventura, o lado mais visível da pri­
vação e da própria pobreza. Nomalmente, trata-se de
privação múltipla, isto é, em diversos domínios das
necessidades básicas: alimentação, vestuário, condições
habitacionais, transportes, comunicações, condições de
trabalho, possibilidades de escolha, saúde e cuidados de
saúde, educação, formação profissional, cultura, partici­
pação na vida social e política, etc. No caso de algumas
destas carências, é possível verificar que umas suscitam
outras, como acontece, por exemplo, com as más con­
dições de salubridade na habitação e o seu reflexo sobre


! Coneehoí») Exclusões Desemprego Minorias Os sem-abrigo Idosos Conclusão
I de exdusão sociais emprego étnlco-
I sociu'1 o trabalho -cutturals

28|2*> .Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

a saúde, ou com o baixo nível de instrução e sua relação No que respeita aos sistemas do domínio institucional, é
com o acesso à cultura. Noutros casos, é mais difícil fácil inferir que o acesso de uma família pobre aos
identificar a relação causal, mas é empiricamente veri­ serviços de saúde ou ao sistema educativo e de formação
ficável que uma carência raramente ocorre isoladamente. profissional, à habitação social, à justiça ou aos serviços
De modo geral, uma situação de privação é caracterizada públicos em geral estará vedado ou será insatisfatório.
por privação múltipla. Importa aqui realçar que por acesso deve entender-se
Com o passar do tempo, este contexto de vida vai afectan- não apenas o ingresso, mas também as possibilidades de
do o pobre em aspectos da sua personalidade. Efeito este sucesso. Por razões óbvias, a participação cívica e políti­
tanto mais profundo quanto mais tempo durar (persistên­ ca será particularmente fraca ou mesmo nula.
cia) e mais profunda for (intensidade) a situação de pri­ O pobre, pelo facto de ser pobre, está limitado no domí­
vação. Modificam-se os hábitos, surgem novos comporta­ nio das relações sociais. Sobretudo nos centros urbanos,
mentos, alteram-se os valores, transforma-se a cultura, estará excluído dos meios sociais correntes da socie­
ensaiam-se estratégias de sobrevivência, a revolta inicial dade, e terá um círculo de convivência muito restrito,
vai cedendo o lugar ao conformismo, vai baixando o nível circunscrito à família, aos vizinhos que vivam em con­
de aspirações, esbate-se a capacidade de iniciativa, enfra­ dições semelhantes, aos colegas de trabalho. Se for
quece a auto-confiança, modifica-se a rede de relações, desempregado, verá a sua rede de relações ainda mais
ocorre a perda de identidade social e, eventualmente, a limitada, perdendo, como atrás se disse, uma parte sig­
perda de identidade pessoal. Naturalmente, esta não é a nificativa da sua identidade social e um dos principais
história de todos os pobres, mas o percurso a que a pri­ mecanismos de integração social (o emprego). Por outro
vação profunda e persistente pode levar. lado, as más condições habitacionais e a pobreza em
Como se disse, a condição do pobre é também caracteri­ geral poderão suscitar tensões e rupturas familiares, caso
zada pela «exclusão» de maior ou menor número de sis­ que poderá eventualmente levar a comportamentos auto-
temas sociais básicos a que nos referimos quando destrutivos, como o do alcoolismo, e, em última instân­
procurámos definir a «exclusão social». Pelo que respei­ cia, à situação de sem-abrigo.
ta aos sistemas do domínio económico, não terá acesso (ou Nos meios rurais, as consequências da pobreza no do­
tê-lo-á em grau insatisfatório) aos sistemas geradores de mínio das relações sociais são, em princípio, menos gra­
rendimento, ao mercado de trabalho; a falta de recursos ves, por efeito das solidariedades informais que existem
impedirá, naluralmenle, ou limitará fortemente, o acesso nesses meios. Todavia, é evidente que, até nesses meios,
ao mercado de bens e serviços; o acesso ao sistema (insti­ a rede de relações sociais é mais restrita, quer em ampli­
tuições) de crédito estará totalmente vedado, restando-lhe, tude quer em proximidade inter-pessoal, do que a do
quando muito, a hipótese de recorrer a pequenos emprés­ cidadão comum.
timos de familiares ou amigos, ou de comprar a crédito Ao que acaba de expor-se, podem sobrevir os efeitos da
bens essenciais (alimentares, por exemplo). exclusão territorial, entendida como situação em que não
Concclto(s} Exclusões Desemprego Minorias Os som-abrigo Idosos Conclusão
de -exclusão sociais emprego étnico-
social- o trabalho ■culturais

30] 31 Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

só as pessoas e as famílias são excluídas, mas o próprio visão essencialmente negativa do poder, via na utilização
território onde vivem. É o caso dos bairros degradados, deste como uma chave de leitura da sociedade um cami­
periféricos ou nos centros históricos das grandes cidades nho certo para uma compreensão distorcida da vida
- com más condições de habitação e urbanismo, falta de social. A reflexão que venho fazendo sobre o fenómeno
equipamentos sociais e colectivos ou zonas rurais da pobreza e da exclusão social, mormente sobre a sua
atrasadas, que não participam do progresso que pode natureza e suas causas, levou-me a rever a minha posição
estar a verificar-se no resto do país. São zonas caracteri- de apriorística aversão ao tema. Mantenho a convicção
zadas por forte emigração dos mais jovens e capazes, e de que a compreensão que resulta da leitura da sociedade
pela pobreza da maior parte dos que ficam. exclusivamente à luz do poder é redutora, e, nesse senti­
Finalmente, pelo que respeita às referências simbólicas, do, aquela afirmação de Hawley é, a meu ver, exagerada.
é de notar que algumas «perdas» que o pobre sofre Porém, adquiri a consciência de que é igualmente redu­
neste domínio podem ocorrer na pobreza recente, ao tora a compreensão da pobreza e da exclusão, se ignorar­
passo que outras o vão afectando em grau crescente mos totalmente a dimensão do poder.
com a persistência e a intensidade da situação: perda de A análise da pobreza na perspectiva do poder traz
identidade social e do sentimento de pertença à so­ achegas importantes à compreensão do fenómeno e dá
ciedade, abaixamento do nível de aspirações, perda de uma noção menos incompleta do que é necessário fazer
auto-confiança, descrença na capacidade de ultrapassar e mudar para a combater eficazmente. Do lado do pobre,
a situação, conformismo, enfim, progressivamente, até como disse, é importante reconhecer que a sua condição
à eventual perda de identidade pessoal e à ruptura dos é marcada, além do mais, pela total ausência de poder, a
laços familiares e afectivos. ponto de nem sequer ter poder para reivindicar os seus
Do mesmo passo, o pobre pode ser definido como direitos mais elementares. É desse reconhecimento que
alguém total mente deslituido de poder. Daí que o com­ decorre o critério de «devolução do poder» como um
bate à pobreza implique, além do mais, a devolução do dos que terão de informar qualquer acção eficaz de luta
poder ao pobre. Refiro-me ao poder em todas as suas contra a pobreza. Por outro lado, verifico que todo o
formas: poder político, económico, social, cultural, de cidadão - mais precisamente, a maior parte dos cidadãos
influência, de pressão social, etc. - detém alguma forma de poder, numa ou mais das for­
Para Hawley, «Todo o acto social é um exercício do mas acima referidas. Nestas condições, quem esteja
poder, todo o relacionamento social é uma equação do interessado no combate à pobreza porá ao serviço da
poder, c (odo o grupo ou sistema social é uma organiza­ causa dos pobres e dos excluídos o poder de que dispõe.
ção de poder».16 Anos atrás, uma afirmação como esta Do mesmo passo, ao subestimar a relevância do papel
talvez tivesse suscitado em mim uma imediata reacção de do poder na sociedade, cada um reduz a possibilidade
rejeição. A análise da sociedade na pcrspectiva do poder que, efectivamente, tem de contribuir para a erradicação
sempre me pareceu redutora. Mais: influenciado por uma ou redução substancial da pobreza e da exclusão.
Conceltofs) Exclusões Desomprego Minorias Os Bom-abrigo Ido*o» Conclusão
dc -exclusão sociais emprego étnico-
soclal- o trabalho -culturais

32)33 Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

A Constituição da República Portuguesa, inclusiva­ que a justifiquem. No contexto do presente trabalho, é a


mente após a recente revisão aprovada pela Lei própria natureza da pobreza, o seu carácter de privação
Constitucional n° 1/97, de 20 de Setembro, contém afir­ múltipla, por falta de recursos, traduzida numa situação
mações de princípio fundamentais de que se não chega a de carências simultâneas nos mais diversos aspectos,
tirar todas as consequências, designadamente nas materiais, sociais, culturais, psicológicos, etc., que apon­
matérias que aqui nos interessam directamente. Uma ta para a indivisibilidade dos direitos. As carências são
dessas afirmações consta do artigo 108°: «o poder políti­ interdependentes, a exclusão de um sistema social básico
co pertence ao povo (...)».17 Estamos habituados a inter­ acarreta a exclusão de outros sistemas sociais. A eficácia
pretar afirmações básicas como esta no sentido de uma do respeito por um direito fica muito reduzida, e pode
orientação genérica que não é fonte de exigências que mesmo ser anulada, se um conjunto de outros direitos
vão além do que está estabelecido pela prática corrente. não for igualmente respeitado. Por outro lado, o trabalho
O que se disse atrás acerca da natureza da pobreza re­ analítico de desdobrar o fenómeno nas suas diversas
vela que uma atitude conformista a este respeito tende a dimensões pode levar a conclusões menos correctas se
esvaziar aqueles princípios do seu sentido mais profun­ não for completado pela visão de síntese, que nos leva a
do, que é, precisamente, o de constituir uma exigência compreender que, em última instância, o que está em
do seu cumprimento para aquela parte do povo que, de causa é todo o conjunto de condições de existência.
outro modo, estaria - está - privada do poder político Neste entendimento, é um sinal de inegável progresso o
que, segundo a Constituição, lhe pertence. facto de o Conselho de Europa ter incluído, na Carta
Com efeito, associando as duas perspectivas, a da exclusão i Social Europeia Revista, adoptada em 2 de Abril de 1996,
dos sistemas sociais básicos e a da perda de poder, creio o «Direito de protecção contra a pobreza e a exclusão
que somos necessariamente levados a concluir que a social» (artigo 30o),18 introduzido por influência do
pobreza (e o mesmo se pode dizer de algumas das outras Mouvement International ATD Quart Monde. O preâm­
formas de exclusão social) constitui, além do mais, um bulo do documento recorda a necessidade de «preservar
problema de cidadania. Uma pessoa privada do acesso a natureza indivisível de todos os direitos humanos,
àqueles sistemas sociais e destituída de toda a forma de sejam cívicos, políticos, económicos, sociais ou cultu­
poder está, inevitavelmente, impedida de exercitar a rais», e revela, entre outros, o objectivo de «actualizar e
cidadania. Também por isso, a pobreza e algumas outras adaptar o conteúdo substantivo da carta, de modo a ter
formas de exclusão social constituem um verdadeiro e re­ em conta, em particular, as mudanças sociais fundamen­
levante problema político. Não se trata, pois, de um pro­ tais ocorridas desde que o texto foi adoptado».'9 A ver­
blema periférico da sociedade, mas uma questão central são original da Carta, de 1961, não ignorava o carácter
para um conceito moderno de democracia. multidimensional da pobreza, mas não continha nenhum
E relativamente recente a noção da indivisibilidade dos artigo tão claramente transversal como o citado artigo
direitos humanos. Poderá haver razões dc filosofia política 30° da Carta Revista.
1

E-Xciusàea Desemprego Minorias Os sem-abrigo Idoso» Conclusão


Concclto(s)
de -e.-clusãoi sociais emprego ótnlco-
social- o trabalho ■cuttural*

34|.5$ Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

Diversamente do que acontece com os órgãos respon­ «3. As condições de vida de pessoas e grupos severa­
sáveis da União Europeia, que, por razões que se adivi­ mente desfavorecidos constituem uma flagrante vio­
nham, abordam a questão da pobreza e da exclusão fun­ lação dos direitos humanos, minando o direito funda­
damentalmente na perspectiva de políticas e medidas, o mental de cidadania, i.e., o direito de cada pessoa ou
Conselho de Europa tem vindo a tratar o tema na pers­ grupo juntar-se a outros na construção e gestão de um
pectiva dos direitos. O que acima se disse ilustra esta mundo partilhado. (...)
orientação, como, aliás, outras iniciativas, que merecem «5. Os direitos cívicos, políticos, económicos, sociais e
destaque. A primeira respeita ao projecto de investi­ culturais fundamentais são interdependentes, porque
gação, presentemente em curso, sob a designação de decorrem de raíses comuns. (...)»
«Dignidade Humana e Exclusão Social», que, através de A tradicional grelha de leitura das classes sociais - o tra­
estudos de alguns países-membros do Conselho, procura balho e o capital -, se bem que ainda válida na sociedade
abordar o problema da exclusão social como atentatória portuguesa, não é, só por si, suficiente para compreender­
da dignidade humana e dos direitos humanos fundamen­ mos as clivagens da actual sociedade. O desenvolvimen­
tais. A metodologia utilizada consiste em cruzar um tra­ to do sector dos serviços e do peso dos chamados «colari­
balho de investigação com depoimentos de pessoas e nhos brancos», basicamente interessados em reproduzir o
grupos directamente envolvidos em projectos e activi- paradigma dos mais afluentes, tende a deslocar o limiar
dades de luta contra a exclusão. do poder da fronteira entre capital e trabalho para o li­
A segunda iniciativa, cronologicamente anterior, con­ miar de pobreza. Sem dúvida, uma das principais cli­
cerne à Conferência Internacional «Europa 1992-2000 ! vagens actuais mais importantes é a que separa os pobres
- As Municipalidades Europeias e a Democracia: a dos não pobres. É uma divisão que tem de ser contraria­
Exclusão da Pobreza através da Cidadania», realizada da, antes do mais, pelo que significa para os pobres, mas
em Charleroi (Bélgica), em Fevereiro de 1992, da qual também pelo tem de ameaçador à estabilidade e coesão
í
saiu a Declaração de Charleroi. Do capítulo contendo sociais, que todos desejamos e a todos beneficiam.
algumas observações e considerações gerais, desta­
cam-se as seguintes:
«1. Nas cidades e municipalidades europeias de todos 3.2. Elementos para a compreensão da pobreza
os Estados membros do Conselho de Europa, ainda
existem, em 1992, bolsas de inaceitável pobreza e A definição de um problema constitui, em si mesma,
condições altamente precárias, para sectores significa­ uma contribuição para a sua compreensão. Neste enten­
tivos da população residente. dimento, o que dissemos acima, quanto ao modo como
«2. A corrente forma que tal pobreza extrema toma é entendemos a exclusão social e a pobreza terá facultado
principalmente a da exclusão - económica, social, cul­ alguma matéria útil à compreensão destes fenómenos
tural, legal c política (...). sociais. Importa, no entanto, aprofundar um pouco mais
Detemprego Mlnortas Os Mm-nbrtgo ldo«o» Corel u*4o
1 Concettofe) |I EiclutÕM
j da -esciusõo | sociais emprego étnico
<i trabalho -culturais
| social-

Alfredo Bruto da Cosia Exclusões Sociais


Jé|37

esta questão. Afinal, o modo como olhamos para um A importância do pape! da opinião pública justifica o
problema e procuramos combatê-lo depende do modo recurso aos inquéritos sobre a percepção da sociedade
como o compreendemos. É certo que o assunto é dema­
siado complexo para que se façam afirmações simplistas
neste campo. Mas parece haver fundamento para se
í acerca da exclusão e da pobreza. Essa percepção pode
não trazer informação científica acerca da exclusão e da
pobreza, mas reflecte o modo como a sociedade as com­
recear que muito do esforço feito no país, com vista à preende, constituindo, por isso, um elemento da maior
redução da exclusão social e da pobreza, seja pouco efi­ importância para quem queira delinear uma política
caz por uma compreensão menos profunda (eventual­ realista de combate a esses males sociais.
mente, menos correcta) do problema. O mesmo se diga Não é este o lugar para incursões de natureza histórica,
do modo como a opinião pública percebe aqueles fenó­
menos, sendo certo que a percepção da opinião pública
pode ser decisiva, quer no sentido de fomentai* a adopção
mas importa lembrar que a pobreza foi vista, no decurso
da história, de diversos modos. Houve tempo em que se
distinguia dois tipos de pobres: os incapazes de trabalhar
I
de medidas e práticas correctas e eficazes, quer para as (por deficiência física ou idade, por exemplo) e os que
dificultar ou, mesmo, impedir. podiam (ou pareciam poder) trabalhar. Os primeiros
Uma primera questão que a todos interessa pode formu­ eram considerados como merecedores de compaixão, e
lar-se do seguinte modo: quem deve ser responsabiliza­ surgiram diversas instituições para os ajudar. O próprio
do pela existência da exclusão social? O excluído, a poder público também se preocupava com eles e man­
sociedade ou ambos? E em quem pensamos quando tinha serviços de assistência. Estes eram os «verdadeiros
falamos de «sociedade»? Do Estado, da sociedade civil, pobres», os pobres «merecedores» de assistência. Os ou­
ou das comunidades locais? Será que cada um de nós, o tros, os que eram «classificados» como capazes de tra­
leitor e eu, temos algo a ver com a assunto? Será que, balhar, eram os «não merecedores», e tinham de se
nalguma medida, o problema também é nosso? i sujeitar às normas da altura, aceitando ser servo dalgum
Não creio que seja fácil responder a estas questões. Penso, senhor. Eram tempos em que, de modo geral, se linha
também, que as respostas não dependem apenas do modo uma noção muito imperfeita de «dignidade humana», e
como compreendemos a exclusão social. Parece, todavia, a ordem estabelecida não era posta em causa. Qualquer
que a «postura» da sociedade perante o problema também «dissidente» da organização social então vigente não
depende dessa compreensão. Acresce que, por se tratar de tinha alternativa que não fosse a errância e, em última
um problema que vem de longe e tem uma forte carga instância, a vagabundagem e a mendicidade.
humana e considerável expressão social, todos senti­ É evidente que, hoje, os tempos são outros, e a huma­
mos necessidade de falar dele, sentimo-nos capazes de nidade progrediu imenso na compreensão de que a dig­
ter sobre o assunto uma «opinião». Contrariamente ao nidade humana é um valor exigente. Exige do próprio
que acontece com os problemas da física, matéria em e exige dos outros. Entendemos que a sociedade de
que é mais fácil reconhecermos o nosso desconhecimento. «senhores e servos» era menos humana. Temos hoje

t
Concerteis) Exclusões Desemprego Minorias Os sem-abrigo Idosos Conclui ão
de -excluía» sociais emprego étnico
scclal- o trabalho ■culturais

38|39 Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

uma noção mais exigente de «justiça». O nosso olhar ser assimilados a simples joguetes das forças e dos
sobre a pobreza mudou, em conformidade com todo mecanismos sociais em jogo, integral mente destituídos
esse progresso cultural que a história regista. Todavia, de liberdade. Quero apenas salientar que existem situa­
creio que, em certa medida, ainda persistem duas ções existenciais em que a liberdade é limitada e, até,
semelhanças com aquela maneira de pensar doutros fortemente coarctada, e em que as condições necessárias
séculos. Por um lado, não nos libertámos totalmente da ao progresso pessoal são negadas, gerando-se uma teia
tendência de classificar os pobres e excluídos em L de círculos viciosos que se reforçam mutuamente e
«merecedores» e «não merecedores». Por outro, conti­ impedem que o pobre e o excluído se libertem da condi­
nuamos a ver o problema centrado nos excluídos. ção em que se encontram.
É mais raro pensarmos que se trata de um problema da A minha tese é, pois, a de que os principais factores
í
sociedade. Dito por outras palavras, focamos a atenção explicativos da pobreza e da exclusão se devem procurar
nos pobres e nos excluídos (indivíduos), e reflectimos na sociedade: no modo como a sociedade se encontra
menos na pobreza e na exclusão social (fenómenos organizada e funciona, no estilo de vida e na cultura
sociais). É evidente que, em última análise, o que nos dominantes, na estrutura de poder (político, económico,
deve preocupar são os pobres e os excluídos, as pessoas social e cultural) - tudo factores que se traduzem em
concretas que sófrem em consequência da sua situação mecanismos sociais que geram e perpetuam a pobreza e
de pobreza e de exclusão. Porém, não chegaremos a a exclusão. Neste entendimento, a solução do problema
compreender o problema dessas pessoas se o âmbito da requer a eliminação desses mecanismos, o que se não
nossa reflexão não abarcar a própria sociedade. faz sem mudanças sociais.
É corrente dizer-se que a pobreza e a exclusão cons­ Gostaria que este texto fosse de leitura fácil ao comum
tituem problemas sociais. O adjeclivo «social» pode ter dos leitores não familiarizados com a matéria. Por isso,
diversos significados. Pode significar que se trata de um procurarei ilustrar aquela afirmação, sobre os factores
problema rclalivamente vasto, abrangendo um número explicativos da pobreza, sem recurso a considerações
apreciável de pessoas, ou que constitui um problema que demasiado especializadas.
toca, de alguma forma (porventura, por incomodar), a Antes do mais, quando verificamos que cerca de dois mi­
sociedade cm geral. Sem rejeitar estes significados, qua­ lhões de portugueses (ou quinze milhões de europeus da
lifico de «social» um problema cujas causas se encon­ UE) são pobres, é difícil conceber que tanta gente seja
tram na sociedade e, portanto, cuja solução requer vítima da preguiça, imprevidência ou desgoverno dos que
mudanças sociais. É sobretudo neste sentido que a representam as respectivas famílias. E se assim fosse,
pobreza e a exclusão constituem, a meu ver, problemas teríamos de procurar alguma causa social para os chefes
sociais. Não quero com isto dizer que se deva ignorar o das famílias portuguesas estarem afectados por o que
papel que podem ter, no processo, mais nuns casos do seria uma verdadeira «epidemia de irresponsabilidade».
que noutros, os próprios excluídos, como se devessem Acontece, porém, que, quando procuramos saber que
Conceito!») Exclusões j Desemprego Minorias Os sem-abrigo Idosos Conclusão
de -exclusão sociais i emprego étnico-
social- o trabalho -culturais

40|-tl Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

famílias são essas, verificamos que, na primeira metade Quadro 1: Famílias pobres, por estatuto sócio-económico do repre­
dos anos 90, os três principais grupos eram constituídos sentante (1989-90)
por famílias de pensionistas, de trabalhadores emprega­ í ; Estatuto %
dos e de trabalhadores por conta própria, e verificamos, 37.7
' Empregado com profissão civil
também, que a maior parte das famílias pobres eram . Membro das Forças Armadas 0.6
í
pequenas (uma ou duas pessoas) ou médias, ou seja, que ; Desempregado (1° primeiro) 0
a dimensão da família não explicava a pobreza (Figuras 1, 1 Desempregado (novo emprego) 1.7
; Doméstica________________ 2.8
2 e 3 e Quadros 1, 2 e 3).
? Reformado___________ _ ___ 56.1
j Deficiente_________________ 0.9
• Outros___________________ 0.3
Total 100

■ Fonte: Bruto da Costa, A. (1993), The Paradox of Poverly -


; Portugal 1980-1989, tese de doutoramento, apresentada na
. Universidade de Bath (Reino Unido), p. 213.

Figura . 1: Agregados domésticos pobres, por


estatuto sócio-económico do representante (1989)(%)

Outros Figura 2: Agregados domésticos pobres, por estatuto sócio-económico


do representante (1993)(%)

Outros
15%

Empregados
Reformados
56% Reformados
Trabalhador por l 36%
conta de outrém ;
16% 1

Patrão ou trabalhador x. Fonte: EUROSTAT


por conta própria (dados provisórios)
Fonte: Bruto da Costa, A. (1993)
33%
Conccitofs) Exclusões Desemprego Minorias Os scm-abrlgo Idosos Conclusão
do -exclusão sociais emprego étnico-
social- o trabalho -culturais

I_______ 1_______
4Z|-Í3 Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

1 20,0% Figura 3: Agregados domésticos pobres, por dimensão


2 34,0% da família (1989-90) ! Quadro 3: Agregados domésticos pobres, por dimensão do agregado '
3 16,3% j(1989-90)
4 13,9% 35.0
5 8,1%
• .......................................... -- —Í,
%

1
í; Dimensão
6 7,5% 30,0 i , 1 pessoa 20.0
25.0 • i 2 pessoas 34ÃT
; 3 pessoas 16,3
20,0 -r™-
4 pessoas 13.9
E 15,0 5 pessoas 8,1
& 10,0
a 6+ pessoas JA
S 5.0 Total 100
2
Fonte: Bruto da Cosia, A. (1993), op. cit., p. 149.
0,0
s *

Dimensão da família (n° de pessoas)


Fonte: Bruto da Costa, A. (1993)

Quadro 2: Famílias pobres, por estatuto sócio-económico do


representante (1993)
Estatuto %
Patrão ou trabalhador por conta própria 32.6
Trabalhador por conta d'outrcm______ 16,4
Trabalhador doméstico 2.7
Desempregado_________ 1.8
Estudante em formação ou aprendizagem 0.1
Reformado __________ 35.6
Doméstico __________ 5.0
Outros______________ _ 4.0
Em falta 2.1
Total_______ 100
Fonte; EUROSTAT. resultados provisórios da análise da Ia vaga
(1993) do Painel dos Agregados Domésticos da Comunidade
i Europeia.
Concdtols) Exclusões Desemprego Minorias Os sem-abrigo Idosos Conclusão
do -exclusão sociais emprego o étnlco-
social- trabalho •culturals

|_____
44|i$ Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

Devemos, então, perguntar por que razão o pensionista, Deve, todavia, notar-se que os pais de 25% dos inquiri­
o empregado ou o trabalhador por conta própria é dos não tinham sido pobres. O que quer dizer que, para
pobre. No primeiro caso, é, naturalmente, o valor da além da transmissão de uma geração a outra, existem
pensão; no segundo, o nível do salário; e no terceiro, os outros «caminhos» que podem levar à pobreza.
baixos rendimentos provenientes de uma actividade Por vezes, a palavra «pobreza» é tomada apenas na sua
por conta própria, porventura para superar uma situa­ manifestação extrema de «miséria». O mesmo se diga de
ção de desemprego.20 Quem conheça o nosso sistema «exclusão social». Assim, quando se ouve dizer que
de pensões, o mercado de trabalho, o sistema de existem no país cerca de dois milhões de pobres (cerca
salários e o carácter precário de algumas actividades de um quinto da população), o número parece exagera­
por conta própria (vendedores ambulantes, pequenas do ou mesmo inverosímil. É, pois, útil recordar o que se
oficinas, etc.), saberá que, com estes tipos de sistemas, disse atrás quanto a graus de exclusão (e pobreza). Entre
é forçoso que haja pobreza em Portugal. A montante a situação de «não-pobreza» e de «miséria», existem
dos sistemas referidos, encontra-se o sistema educativo diversos graus de privação e dependência. Daí a
e de formação profissional, onde, em certa medida, importância do indicador que se designa por intensidade
começa e termina o círculo vicioso da pobreza. O sis­ da pobreza, que nos dá precisamente ideia de quanto
tema educativo é, também, uma das principais pontes falta a cada pobre, indivíduo ou família, para atingir o
de transmissão da pobreza de uma geração a outra. limiar e deixar de ser pobre. A intensidade de pobreza é
Num estudo realizado entre nós,21 em 1985, cerca de um dos critérios para a definição de prioridades nas
75% dos pobres inquiridos disseram que seus pais tam­ acções e medidas de luta contra a pobreza.
bém tinham sido pobres. Essa proporção indicia a Numa tentativa de permitir uma visão esquemática do
existência de fortes factores de rigidez que impedem a que se acaba de dizer, procurei construir um modelo grá­
mobilidade social na sociedade portuguesa. Também fico que condensa os principais aspectos dos mecanis­
cerca de 75% dos inquiridos admitiram que tinham mos acima descritos, e poderá ajudar o leitor a ter uma
sido pobres no decurso de toda a sua vida - um indi­ percepção mais concreta dalguns processos que levam à
cador da dificuldade que as pessoas encontram em sair pobreza (Figura 4).
da pobreza, uma vez nela nascidas. A estas duas for­
mas de persistência da pobreza - a que se verifica
durante o ciclo de vida e a que se reflecte na transmis­
são intergeracional da pobreza - deve juntar-se uma
outra: a da persistência da pobreza enquanto fenómeno
social. Apesar dos esforços desenvolvidos durante
séculos, no combate à pobreza, o fenómeno persiste,
ainda, em larga escala, no país.
1
| Conceltofs) Exclusões Desemprego Minorias Os sem-abrigo Idosos Conclusão
I íc -exclusão sociais emprego o étnico-
i social- trabalho -culturais

46|47 Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

Educação c Mercado Sistema


Economia Segurança
, formação de de Habitação
informal social
profissional trabalho salários Problemas Problemas
psicológicos conjugais c/ou
ou mentais familiares

Gí0ffi?3 J
ggj
í
Çíiv1^i.-Il!,ii

| Toxicodependcncia. alcoolismo, etc - |


Sem abrigo
FMendicidade, prostituição

Condições Estilo de Relações Cultura Auto- Projecto


Recursos Motivações
de vida vida sociais c valores ■estitna de vida
Figura 4: Ciclo de pobreza
làlucâç&i
Hábitose Compor­ Identidade Sentido de
c fúrmAÇàu Saúde Participação Aspirações
costumes tamentos social vida
pfvfeRKlfUl

Laços Capacidade
Identidade
Poder Habitação familiares Participação dc
pessoal
e afeclivos iniciativa

Uma das características das pessoas pobres está no seu trabalhador só conseguir emprego num sector onde os
baixo nível de instrução. Comecemos, pois, pelo sistema salários médios são comparativamente mais baixos. Pelas
educativo e deformação profissional a análise da Figura 4. mesmas razões, o indivíduo estará mais sujeito a con­
Do nível de instrução e formação profissional depende o seguir empregos precários e será mais vulnerável ao
tipo e nível de qualificação profissional. Este atributo desemprego. Neste entendimento, terá um salário baixo, o
condiciona fortemente um certo número de factores de qual, caso seja insuficiente para sustentai* a família (tendo
sucesso/insucesso profissional. Por um lado, conjugado em conta os outros rendimentos familiares), poderá tra­
com a situação do mercado de trabalho c com o sistema duzir-se em pobreza. É o caso dos «pobres trabalhadores»
de salários, determina o sector económico em que o indi­ (working poor).
víduo consegue empregar-se, sendo certo que, quando é Por outro lado, caso esteja no desemprego e não tenha
baixo o nível de qualificação, é alta a probabilidade de o direito ao subsídio de desemprego, cairá, igualmente,
i ■ ■

Concolto(s) II Exelusõea Dosompiogo Minorias Os sem-abrigo Idosoí Conclusão


de -exclusãoJ| loclals emprego o étnico
social- trabalho -culturais

48(49 Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

na pobreza. O mesmo acontecerá se o valor do subsí­ que as famílias cujos rendimentos dependem da pensão
dio de desemprego for insuficiente. Ainda neste caso, de reforma sejam particularmente vulneráveis à pobreza.
a baixa qualificação profissional poderá dificultar a A faixa inferior da Figura 4 indica algumas consequên­
reconversão profissional eventualmente necessária cias da pobreza. Como se pode observar, trata-se de
para conseguir novo emprego e tenderá a prolongar a handicaps que o pobre sofre, cuja gravidade aumenta
duração do desemprego. Assim, entrando na situação com a intensidade e o tempo de permanência na pobreza,
de «desempregado de longa duração», terá cada vez podendo chegar a afectar, em termos extremamente
maior dificuldade em tornar a empregar-se, e passará graves, a própria personalidade do pobre. São «desvanta­
o período máximo pelo qual é pago o subsídio de gens» ou «perdas» no domínio das condições de vida, no
desemprego. Nesta última situação, estará depen­ respeitante à participação na vida da sociedade, no
dente do subsídio social de desemprego ou de outra campo das relações sociais, no domínio psicológico, até
prestação social possivelmente de valor inferior ao à situação-Iimite de perda da identidade pessoal. Estas
limiar de pobreza. «perdas» funcionam como factores de amarração do
Uma outra área em que o trabalhador não qualificado ou pobre à pobreza. Quanto mais intensa é a pobreza e mais
de baixo nível de qualificação está sujeito a situar-se é a prolongado o tempo de permanência na pobreza, tanto
da economia informal. Quer por via dos salários, quer mais esses factores dificultam a saída dessa situação. Daí
pela de outras formas de rendimento nesse sector (tra­ que a luta contra a pobreza de longa duração seja muito
balho por conta própria, por exemplo), é elevado o risco mais complexa e difícil do que a erradicação da pobreza
de cair na pobreza. Com a agravante de que não con­ recente. Em ambos os casos são necessárias medidas de
tribuirá para a segurança social, arrastando, assim, a vul­ política e mudanças sociais. Porém, no caso da pobreza
nerabilidade da situação para o tempo de reforma. de longa duração, é necessária, também, uma acção indi­
Finalmente, como se disse acima, uma parte elevada da vidualizada que ajude o pobre a readquirir os atributos
pobreza no início dos anos noventa, em Portugal, era perdidos. Trata-se, além do mais, de um verdadeiro tra­
devida ao baixo valor das pensões de reforma. Como se balho de reabilitação psicológica e social.
sabe, o montante da reforma é determinado, fundamen­ Uma das consequências dos handicaps que a pobreza
talmente, por três tipos de factores: a política de segu­ implica consiste na transmissão da pobreza e dos hand­
rança social, o período de contribuições e o valor das icaps à geração seguinte (faixa esquerda da Figura 4).
contribuições. Não é raro, entre nós, verificar-se que da Naturalmente, os filhos dos pobres começam por nas­
conjugação desses três factores resultam pensões parti- cer na pobreza, isto é, numa situação caracterizada pela
cularmente baixas, ao ponto de se ter julgado necessário privação e pelo conjunto de handicaps por que a
estabelecer, por via administrativa, o valor da pensão família está marcada. Esta é, em si mesma, uma situa­
mínima, ao qual são elevadas as que, estalutariamente ção de risco. Ao chegar à idade escolar, essas crianças
atingem valores inferiores. Não deverá surpreender, pois, deveriam encontrar no sistema educativo a possibili-
Concettofs) I EjcIusõos Ocsemprcgo Minorias Os som-abrigo Idosos Conclu»õo
I Oe -cicfusãi sociais emprego o étnico-
| social- j trabalho culturais

so|s i Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

dade de quebrar o ciclo vicioso da pobreza. Com efei­ como, aliás, da pobreza em geral é que, para se com­
to, vimos atrás que o baixo nível de instrução constitui preender o problema e definir uma estratégia de inter­
um factor de elevada vulnerabilidade à pobreza. venção eficaz, não basta a análise estática da situação
Porém, mesmo que tenham assegurado o acesso ao sis­ em que a pessoa se encontra em dado momento do
tema educativo, as crianças pobres estão ainda longe tempo. É, igualmente, necessário analisar a «trajectória»
de ter, na escola, as necessárias condições de sucesso. percorrida até chegar a essa situação. Esta deve ser
De modo geral, o sistema educativo reproduz as desi­ entendida como parte, ou etapa, de um processo cuja
gualdades sociais, aproveitando em medida muito compreensão é indispensável para se dispor de base sufi­
escassa a imensa potencialidade que, em princípio, tem cientemente sólida para se definir um projecto ou pro­
de quebrar o ciclo da pobreza. Para tanto, seria precisa grama de intervenção eficaz.
uma reforma profunda da escola, designadamente na
filosofia educativa, nos métodos pedagógicos, nos con­
teúdos e na formação dos docentes. 3.3 Algumas considerações sobre as
Por último, um breve comentário às situações referidas medidas de luta contra a pobreza
na faixa direita da Figura 4. Aí se inclui um conjunto he­
terogéneo de situações, com relevo para os «sem-abrigo» Não cabe neste ensaio um tratamento desenvolvido das
e os mendigos e para os comportamentos auto-destru­ características de que deverá revestir-se um programa de
tivos relacionados com a toxicodependência, o alcoolis­ luta contra a pobreza. Aliás, a diversidade de formas de
mo e a prostituição, entre outros. Como a Figura 4 pobreza impede que se pense num único tipo de acção
mostra, a relação de causa e efeito entre estas situações e para todos os tipos de situações. Nestas condições, pro­
a pobreza pode verificar-se em ambos os sentidos. Essas curarei, no que se segue, enumerar apenas um conjunto
situações podem resultar da pobreza como podem ser de princípios orientadores. Naturalmente, a sua apli­
causa da pobreza. Também pode ser em ambos os senti­ cação prática pressupõe que se tenha em conta as carac­
dos a relação de causa e efeito entre aquelas situações e terísticas próprias de cada tipo de situação.
aspectos com os quais por vezes se encontram associa­ 1. O primeiro ponto a considerar é o da distinção entre
dos: falta de habitação, problemas psicológicos ou privação (situação de carência) e pobreza (privação por
doenças mentais e problemas conjugais e/ou familiares. falta de recursos). A privação (por exemplo, a fome)
São situações cm que só o estudo individualizado de cada constitui, em si, um problema real, que, as mais das
caso permite identificar as suas verdadeiras causas, vezes, requer medidas de emergência. Medidas e acçòes
sendo indispensável, como atrás se assinalou, a distinção para resolver a privação são necessárias. Todavia, a
entre as causas imediatas, as intermédias e as estruturais. acção desenvolvida só resolverá o problema da pobreza
Um aspecto que merece ser sublinhado, a propósito dos se, além de resolver a privação, conduzir o pobre a uma
«sem-abrigo» e dos comportamentos auto-destrutivos - situação de auto-suficiência em matéria de recursos, isto
I
Desemprego Mlnorias Os som-abrlgo Idoso* Conclusão
Coocettot») Exclusões
do -exclusão sociais emprego e étnlco-
soclai- trabxlho ■culturals

52|S i Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

é, quando o pobre puder ganhar a vida através de uma independentes, mas de uma acção concertada e coe­
das formas correntes na sociedade em que vive. Em rente, subordinada a objectivos comuns e a uma
certo sentido, a eficácia de uma acção de luta contra a estratégia comum.
pobreza mede-se pela sua capacidade de, a certa altura, 6. Pelas mesmas razões, a acção de luta contra a pobreza
se tomar desnecessária. terá de dispor de uma equipa interdisciplinar, o que exige
2. Uma outra distinção fundamental reside no carácter a prévia identificação dos domínios científicos que podem
preventivo ou curativo da acção. No primeiro caso contribuir para compreender e resolver o problema.
(acção preventiva), trata-se de eliminar, por anteci­ 7. O projecto de luta contra a pobreza terá de assumir-se
pação, as causas da pobreza (emprego, nível dos como um «agente» de mudança social. Para este efeito,
salários, insuficiência das pensões e de outras transfe­ terá de compreender a situação de modo a identificar o
rências, nível educativo e de qualificação profissional, sentido das mudanças necessárias.
acesso a cuidados de saúde, acesso à segurança social, 8. Qualquer programa ou projecto de luta contra a
etc.). No segundo caso (acção curativa), a intervenção terá pobreza terá em vista, além do mais, devolver aos
de resolver três tipos de problemas: a) a privação (carên­ pobres o poder que perderam (empowerment), para que
cias); b) as consequências da pobreza («perdas» psicoló­ tenham condições para o pleno exercício da cidadania.
gicas e sociais, hábitos e comportamentos, etc.); e c) as Isto implica, designadamente, que o programa/projecto
causas da pobreza (atrás referidas). Não se trata de uma atribua elevado grau de importância à participação dos
ordem cronológica. Em princípio, as intervenções nos pobres em todo o programa/projecto.
três domínios terão de ser simultâneas. 9. Num país como Portugal, parece que as entidades
4. Deve ter-se em atenção o facto de a privação ser, públicas e particulares empenhadas na luta contra a
normalmente, múltipla (em educação, saúde, ha­ pobreza conseguiriam aumentar consideravelmente a
bitação, alimentação, vestuário, transportes, etc.). eficácia das respectivas intervenções, se valorizassem
Neste entendimento, requer-se uma acção multidimen- mais a necessidade de aprofundar o conhecimento cien­
sional. A intervenção numa frente será muito menos tífico da pobreza e recorrer aos meios e métodos que esse
eficaz, e poderá ser totalmente ineficaz, se não for conhecimento aconselhasse. Seria lamentável que o con­
acompanhada de intervenções nas restantes frentes. tributo que as ciências sociais e humanas têm trazido à
A natureza multidimensional da intervenção é re­ compreensão da pobreza não fosse utilizado para melhor
forçada pela consideração das consequências e das combater esse mal social.
causas da pobreza. Um aspecto que pode passar despercebido na análise da
5. A expressão institucional da multidimensionalidade da pobreza, e no qual podem residir importantes factores
acção é a parceria entre as diversas instituições, organi­ explicativos da situação, respeita à «trajectória* que
zações e outros actores sociais cuja contribuição é conduziu a pessoa (ou família) à pobreza. O conheci­
necessária. Não se trata de uma justaposição de iniciativas mento dessa trajeclória pode ser decisivo para que a
| Conceltojs) j Exclusões Desemprego Minorias Os som-abrigo Idoso» Conclusão
I dc -sxcíumo I sociais emprego o étnlco-
I social- ; trabalho -culturals

S4|S5 Alfredo Bruio da Costa Exclusões Sociais

acção curativa atinja as verdadeiras causas do problema. Os projectos locais deverão ter a preocupação de não
10. Na perspectiva curativa, a luta contra a pobreza contribuir para iludir a necessidade de mudanças sociais,
requer intervenções a diversos níveis: pessoal, familiar, de natureza estrutural e âmbito nacional (ou suprana­
local, nacional, europeu e mundial. A intervenção a nível cional). As potencialidades locais, que são imensas,
pessoal tem a ver, sobretudo com a «reabilitação» do não dispensam intervenções ao nível nacional e
pobre nos aspectos em que está marcado pela pobreza europeu. E faz parte do papel dos projectos locais dar
(referências simbólicas, aspectos de saúde, etc.). Esta visibilidade a estes aspectos que lhes transcendem e
reabilitação, além de ter valor próprio, é um dos meios suscitar as intervenções das instâncias competentes.
necessários para garantir a eficácia das restantes inter­ 11. A luta contra a pobreza, independentemente do nível
venções (prestações pecuniárias, por exemplo). O nível em que se desenrole, requer a sensibilização dos actores
local é particularmente rico em recursos (materiais, hu­ sociais e da opinião pública em geral. Deve mobilizar os
manos, institucionais e outros) e potencialidades que que se manifestam predispostos a contribuir para o seu
devem ser mobilizadas na luta contra a pobreza e a sucesso, e esclarecer os restantes - entre os quais poderá
exclusão social. A estanquicidade que marca as políticas existir mesmo quem se oponha - quanto ao sentido
de nível nacional - de que a descoordenação entre as humano, social e político da mudança pretendida e ao
políticas económicas, sociais e culturais é um exemplo - contributo que daí virá para a construção de uma
é mais facilmente evitável a nível local. O mesmo se sociedade mais justa, mais solidária, enfim, mais humana.
diga da maior facilidade em criar, a nível local, o senti­ 12. Em caso de «pobreza espacial», ou seja, quando se
mento da «causa comum», um elemento fundamental trata não apenas de pessoas e famílias pobres, mas de
para o êxito de qualquer projecto. No entanto - e este todo um território pobre (certos concelhos rurais, por
ponto também é importante a acção local tem limites, exemplo), além das acções dirigidas às pessoas e às
na medida em que alguns dos problemas têm origem em famílias, são necessárias acções visando o progresso da
mecanismos ou políticas nacionais, e só a este nível própria região, as quais podem ter de tomar a forma de
poderão ser resolvidos. Neste entendimento, os agentes um plano de desenvolvimento local. Neste caso, a orien­
de acção local deverão ser capazes de distinguir os ver­ tação do plano não deverá servir para reproduzir, a nível
dadeiros problemas locais — problemas cujas causas são local, a sociedade nacional, mas, antes, introduzir as
locais e cuja solução pode ter âmbito local - daqueles mudanças sociais para que o «progresso local» seja
outros problemas que são apenas manifestações locais amplamente partilhado pela população, designadamente
de problemas nacionais (ou supranacionais). Nestes pelos pobres. A redução (ou eliminação) da pobreza terá
casos, é preciso que o projecto local tenha forma de os de ser um objectivo prioritário do plano e um critério
identificar e transmitir às instâncias competentes, uti­ fundamental para a sua avaliação.
lizando os meios de que disponha para suscitar a tomada 13. Está implícito no que se disse, mas vale a pena
das medidas necessárias a nível nacional (ou europeu). realçá-lo, que o problema da pobreza se não resolve
Conceltols) Eichisõei Desemprego Mlnorim Os som-abrlgo Idosos Conclusão
de e»clusoo socais emprego e étnico-
social* trabalho ■culturals

56157 Ai&edo Bruto da Costa Exclusões Sociais

apenas através de medidas redistributivas, por mais


importantes que estas sejam. A importância das medi­
das redistributivas é evidente, quer na perspectiva
preventiva, quer na acção curativa. Como se apon­
tou, uma proporção considerável de pobreza na
primeira metade da década de 90 era constituída por
pensionistas. O aumento do valor das pensões cons­
tituiria, portanto, uma medida preventiva, no sentido
de evitar a pobreza dos pensionistas futuros. Uma tal
medida seria também necessária numa perspectiva cura­
tiva, para que os pensionistas pobres de hoje dis­
pusessem de recursos iguais ou superiores ao limiar de Desemprego, emprego e trabalho
pobreza. O rendimento mínimo garantido representa um
outro tipo de medida redistributiva necessária ao com­ O desemprego aparece, de certo modo, como uma forma
bate à pobreza (perspectiva curativa). O que distingue paradigmática de exclusão social na Europa. Em pri­
as duas perspectivas - a preventiva e a curativa - é o meiro lugar, porque o emprego é um dos principais
facto de que, no primeiro caso, essa medida, além de mecanismos de integração social nas sociedades euro­
necessária, é suficiente, ao passo que, na acção curativa, peias contemporâneas. Estar desempregado não é só
a medida terá de ser acompanhada de outras medidas estar privado da fonte normal de rendimento. Também é
complementares (formação profissional, criação de perder um dos vínculos mais importantes de ligação à
empregos, restituição da auto-confiança, etc.), tanto sociedade, à rede de relações interpessoais que o emprego
mais necessárias quanto mais profundo seja o estado de proporciona e, ainda, ao sentimento, que do mesmo
pobreza e mais longa a sua duração. Por outras advém, de participar na vida económica do país.
palavras, na acção curativa, as medidas redistributivas Em segundo lugar, o elevado número de desempregados
são necessárias, mas não suficientes. presentemente existentes na União Europeia colocou o
Por outro lado, se se tiver em conta que, como se disse, desemprego no tabuleiro das grandes preocupações
uma parte, também considerável, das famílias pobres era políticas da União, certamente pelos desempregados e.
constituída por famílias de activos empregados (por porventura, também porque altas taxas de desemprego
conta d’oulrcm ou por conta própria), conclui-se que o podem ameaçar a estabilidade social e confirmar os indí­
combate à pobreza também tem a ver com a repartição cios que alguns encontram de «fracturas» no tecido
primária do rendimento (e dos recursos). social europeu.
Em terceiro lugar, a gravidade do desemprego não é uni­
forme. Há desempregados com subsídio de desemprego
I
Concetto(s)
de -exclusão
social-
Exclusões
sociais
Pobrwa
;... i Minorias
úinlco-
■ culturais
Os sem-abrigo Idoso* Conclusão

58|S9 Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

satisfatório, outros com subsídio insuficiente, outros, Todavia, tem sido dito que a noção de «pleno em­
ainda, sem subsídio. E existe, também, a classificação prego» não pode hoje ser entendida no sentido keyne-
do desemprego em função da duração. Sabe-se que a siano. Verificam-se mudanças sociais significativas
situação dos desempregados de «longa duração»22 é a de que podem alterar substancialmente o modo de equa­
mais difícil resolução, admitindo-se que uma parte cionar o problema.23
destes não mais possa regressar ao mercado de trabalho. Como se sabe, uma das características da globalização
Finalmente, um outro critério que leva a eleger o desem­ consiste na deslocação da concorrência, do nível
prego como um dos problemas sociais politicamente nacional ou regional, para o âmbito mundial. Pelo que
prioritários resulta do facto de um dos grupos mais respeita, em particular, à mão-de-obra, uma consequên­
fortemente atingidos pelo fenómeno ser o dos jovens. cia directa desse alargamento do espaço de concorrência
Sem subestimar a particular gravidade da situação de é a de que as vantagens/desvantagens comparativas do
desemprego, parece hoje evidente que as fragilidades do custo e nível de qualificação da mão-de-obra têm de ser
mercado de trabalho não podem ser avaliadas apenas avaliadas à escala mundial. Por exemplo, nos princípios
com base nesse indicador. O quadro só se completa dos anos oitenta, Portugal temia a concorrência da tec­
quando o desemprego é analisado a par com um conjun­ nologia e da produtividade da mão-de-obra dos países
to de outras situações de emprego precário, tais como o europeus mais avançados, do mesmo passo que estes
emprego com contrato a termo, a tempo parcial involun­ temiam a concorrência dos baixos salários portugueses.
tário, sem contrato (o chamado sistema do «recibo Hoje, num contexto de globalização, uns e outros têm a temer
verde»), de baixos salários, com más condições de tra­ a concorrência de custos mais baixos, indiferentemente da
balho e segurança, etc. Todas estas formas de emprego região do globo onde se verifiquem. E conhecida a dimen­
configuram situações de exclusão social ou, pelo menos, são do fenómeno de encerramento de fábricas economi­
de risco de exclusão. Retomando a definição de exclu­ camente inviáveis, em países europeus, por força da
são social atrás apresentada, poderá dizer-se que se trata concorrência global, quer por via directa, quer através
de situações em que o vínculo com o sistema social de­ do processo da construção europeia, situado nesse con­
signado por «mercado de trabalho» se encontra quebra­ texto. O desenvolvimento dos transportes e das comuni­
do ou é frágil. cações encurtou drasticamente as distâncias, a ponto de
Não parece haver razões de dúvida de que uma parte uma mesma empresa poder desdobrar-se em diversos
desta situação que, por razões dc simplicidade desig­ módulos espalhados pelo globo, da forma que entender
narei por «desemprego/emprego precário», poderá ser mais conveniente.
resolvida através de medidas que fomentem a formação Há quem pense que as vantagens que alguns países do
profissional dos trabalhadores, a sua eventual reconver­ hemisfério sul (designadamente, do sudeste asiático) apre­
são, e criação de novos postos dc trabalho, quer por sentam hoje, por virtude dos custos particulannente baixos
conta d’outrcm quer por conta própria. da mão-de-obra, são transitórias. Cedo ou tarde, dizem, o
I
) Conceltofs) | Exclusões Mino rios Os sem-abrigo Idosos Conclmào
I de -exclusão I sociais étnico-
social- I -culturais

60|ól Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

progresso nesses países fará pressão no sentido de elevar conjunto de operações que considera indispensáveis,
os salários, com a progressiva redução da vantagem relati­ descentralizando as restantes (fabrico de componentes,
va de que gozam na fase inicial. Para outros, a análise da por exemplo) para uma rede de empresas de menor
história recente do mercado de trabalho na Europa parece dimensão, em regime de subcontratação. É fácil imaginar
mostrar que os grandes perdedores neste processo de o grau de «agilidade» e «flexibilidade» — da empresa, que
mudanças são os trabalhadores pouco qualificados, não apenas da mão-de-obra - exigido a estas pequenas
estando a chave da resposta, por um lado, na qualificação empresas, para fazer face às variações da procura e das
profissional e, por outro, em políticas macroeconómicas mudanças tecnológicas, com evidentes consequências
que incentivem a criação de postos de trabalho.24 na dimensão e qualificações da mão-de-obra.
Para além deste tipo de análises, cuja relevância não Com referência a estas duas grandes linhas de mudança,
deve subestimar-se, parece, todavia, haver um conjunto têm sido apresentados alguns cenários quanto ao futuro
de mudanças que se verificam ou se esboçam, e que (com horizonte temporal impreciso) da mão-de-obra.
podem aconselhar uma reflexão complementar noutras Um desses cenários baseia-se na hipótese de que as con­
direcções. no entendimento de que uma parte do sequências que as referidas mudanças presentemente
«desemprego/emprego precário» que hoje se regista terá têm sobre a mão-de-obra serão passageiras. Neste enten­
de encontrar soluções de outra natureza. dimento, o desemprego acabará por ser reabsorvido pela
A primeira dessas mudanças tem a ver com os efeitos expansão de novas actividades económicas, à semelhança
do progreso tecnológico e dos novos métodos de orga­ do que aconteceu no passado, com a agricultura e,
nização e gestão de empresas, sobre o trabalho humano. depois, com a indústria. Mesmo nesta hipótese opti-
O que se observa é que um e outros contribuem para a mista, os problemas de qualificação e reconversão profis­
redução da mão-de-obra nas empresas. Uma boa parte sional continuarão a ser decisivos.
do que, entre nós, se tem designado por «moderniza­ Pode situar-se nesta hipótese, embora seja válida tam­
ção» da indústria vai nesse sentido. De modo mais bém para hipóteses menos optimistas, a transferência de
geral, parece haver uma tendência de fundo no sentido uma parle do trabalho por conta d ’outrem para trabalho
da progressiva substituição do trabalho humano pelo por conta própria. O Livro Verde para a Política Social
trabalho da máquina. Assim, reduzem-se os custos, - Opções para a União alude àquela progressiva trans­
encurtam-se os tempos e melhora-se a qualidade da pro­ ferência em termos de uma «mudança de civilização»,
dução - três factores particularmente valorizados pela que requer uma «mudança de cultura».25 De facto, uma
economia contemporânea. cultura que coloque sobre cada um a responsabilidade e
A segunda mudança diz respeito ao processo produtivo. a tarefa de criar o seu próprio emprego terá de ser forço­
Do sistema de produção cm linha, passou-se ao sistema samente diferente da que, como a vigente, assenta no
descentralizado, cm que a empresa principal, normal­ pressuposto de que alguém mais irá criar (ou terá criado)
mente de grande dimensão, reserva para si própria um o posto de trabalho de que cada um precisa. Trata-se de
Conceltn(s) Exclusões Pobrcia Minorias Os sem-abrigo Idosos Conclusão
do -exclusão social» étnico-
social- -culturais

62|6J Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

cultura enquanto atitude perante a vida profissional, mas da relação entre o médico e o doente, cujo sentido inter-
também de exigência de formação que fomente aquela -pessoal se veio esbatendo à medida que a função médica
atitude e desenvolva qualidades de iniciativa e os co­ desenvolveu a componente técnica. Não se pretende, evi­
nhecimentos necessários à criação e gestão de empre­ dentemente, que a medicina abrande o seu progresso
sas. A preocupação de promover estas qualidades terá de científico, mas que a aplicação desse progresso se faça
atravessar todo o sistema de ensino. num contexto relacional mais humanizado. Esta prática
Um outro cenário admite a persistência de uma certa poderá, eventualmente, levar a rever o próprio conceito
laxa de desemprego, como característica estrutural da de «produtividade». Acrescem as propostas no sentido da
sociedade futura. Todavia, este desemprego apresentaria partilha dos empregos existentes, o que implica a redu­
duas diferenças fundamentais em relação ao desem­ ção das horas de trabalho de cada trabalhador(a) e novas
prego actual: a) seria rotativo (isto é, todos os trabalha­ formas de organização do trabalho para manter (ou
dores passariam, rotativamente, por um período de aumentar, onde necessário) os níveis de produtividade.
desemprego): b) seria remunerado, com um salário infe­ Numa hipótese mais «forte», poderá ter-se de encarar a
rior ao normal, uma vez que esse período se assemelha­ necessidade de distinguir as noções de trabalho e de
ria ao período «sabático», que o trabalhador utilizaria emprego (trabalho remunerado), hoje praticamente
para se actual izar, em proveito próprio. Neste sentido, sobrepostas. Em princípio, nada obriga a associar o tra­
tratar-se-ia de um desemprego «programado». balho a fonte de rendimento e, menos ainda, a única
Finalmente, parece terminado o tempo do «emprego- fonte de rendimento. O trabalho é, em si, uma dimen­
-para-a-vida», em que o corrente era cada um manter-se são fundamental da existência humana, mas é possível
ao longo da vida no seu primeiro emprego. Até mesmo concebê-lo de modo a que a relação trabalho-rendi­
num país como o Japão, onde esse princípio constituía mento não exista ou não seja rígida, e existam fontes
um elemento da cultura da sociedade, parece haver sinais alternativas de rendimento. A disseminação do capital
de mudança neste aspecto. Uma ou duas mudanças de poderia constituir uma dessas alternativas, assim como
emprego, no decurso da vida activa, poderão vir a ser certas transferências de natureza redistributiva. O salário,
prática mais corrente do que aclualmente, porventura o rendimento do capital e as transferências constituiriam,
exigindo não só a passagem para outra empresa, mas assim, tipos distintos e complementares de rendimen­
também mudança do perfil e conteúdo das funções. tos familiares. A distinção entre trabalho e emprego
Entre as sugestões no sentido de criar novos empregos, viria, igualmente, permitir a integração social, através
contam-se, por exemplo, a do mercado social de traba­ do trabalho, dos reformados, cada vez mais necessária,
lho, cm curso de aplicação no país, e o de revalorizar a quer por representarem uma proporção crescente da
dimensão humana de certas funções que, por razões téc­ população, quer pela extensão do período de reforma e
nicas ou económicas, foram perdendo o seu carácter emi- de manutenção das capacidades físicas e intelectuais
nenlcmenle humano. E este último, por exemplo, o caso dos reformados.
Conceltofs) | Exclusões
Pobre» Minorias Os sem-abrigo Idosos Conclusão
de -exclusão| sociais étnico-
| sociai- i -culturais

64p$ Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

Se bem que sejam patentes algumas mudanças profun­ lugar, o próprio conteúdo dalgumas etapas se encontra
das no domínio do mercado de trabalho, não é possível inserido num processo de contínuas modificações.
fazer afirmações quanto ao futuro, nem no que respeita O prolongamento da educação básica e de crescentes
ao cenário mais provável no caso português, nem relati­ taxas de participação dos jovens em níveis de ensino
vamente ao ritmo em que as transformações poderão vir mais elevados veio alargar consideravelmente o tempo
a ocorrer. É evidente que algumas das mudanças por­ de duração da primeira etapa. Do mesmo passo, as ac-
ventura necessárias assumem carácter mais complexo tuais exigências de qualificação, actualização e, even­
em sociedades onde os salários são baixos e a segurança tualmente, reconversão transformam a formação numa
social é incipiente, como acontece em Portugal. O que tarefa que deixa de estar circunscrita a um determina­
parece, no entanto, útil é não perder de vista essas pos­ do período, passando a atravessar todo o ciclo de vida.
síveis mudanças, para que se não corra o risco de procu­ A etapa da vida economicamente activa ficará, assim,
rar soluções em aparentes caminhos que não são mais do encurtada a montante e terá de integrar uma compo­
que becos sem saída. nente formativa permanente. Por outro lado, tudo quanto
Temos de reconhecer que as transformações a que nos se disse atrás, a respeito das transformações do mercado
vimos referindo não são de fácil aceitação. Mais difícil, de trabalho irão, naturalmente, afectar este período do
ainda, é estarmos abertos à necessidade de mudanças ciclo de vida.
profundas que a sociedade e a economia poderão vir a Os esquemas de reformas antecipadas (uma prática que
requerer, para se adaptarem àquelas transformações. poderá ser transitória) reduz a duração do período de
Todavia, o que parece de todo inaceitável é entrarmos vida activa a jusante, contribuindo para alargar o perío­
pelo caminho simplista de «fazermos de conta» que do de reforma. Por outro lado, o aumento da esperança
nada disso irá acontecer. de vida e a melhoria da qualidade de vida que o pro­
Com vista a deixar o quadro um pouco menos incom­ gresso da medicina vem possibilitando colocam novas
pleto, importa chamar a atenção para as modificações exigências a esse período: as pessoas vivem mais anos e
que estão a occorrer no ciclo de vida do comum dos mantêm durante mais tempo a sua autonomia, e as suas
cidadãos. Até há pouco, este ciclo era composto por capacidades físicas e faculdades intelectuais. Trata-se,
três etapas nítidas, e autónomas: o período de for­ portanto, de um período cujo significado ganha novas
mação, a etapa de vida economicamente activa e o dimensões, designadamente no sentido de se criarem
tempo de reforma. Estas três etapas vêm sofrendo mo­ novas formas de participação dos reformados na socie­
dificações em diversos sentidos. Por um lado, a dade, através de uma ctividade pessoalmente gratifi-
duração de cada etapa varia em medida considerável. cante e socialmenle útil e uma inserção plena na vida
Em segundo lugar, as fronteiras entre as etapas • social. Relaciona-se com este aspecto uma das causas da
deixaram de ser precisas, havendo corno que uma exclusão social dos idosos nas sociedades europeias,
invasão de umas etapas pelas outras. Em terceiro tema que adiante abordaremos mais desenvolvidamente.
Minorias etnico-cuiturais

Escrevem Tomasi e Miller que «Não existe assunto mais


importante no horizonte europeu do que a questão da
imigração».26 Creio que os autores não exageram. Não
só pelo fenómeno do racismo e xenofobia que vem pre­
ocupando a União Europeia, a ponto de o ano de 1997
ter sido declarado o Ano Europeu contra o Racismo, no
decurso do qual têm tido lugar diversas iniciativas euro­
peias, mas também, e sobretudo, porque a Europa é já, e
tudo indica que continuará a ser, palco de problemas
complexos de convivência entre diversas culturas.
País de emigração até finais da década de 60, Portugal é,
desde os primeiros anos da década de 70, mas sobretudo
após a descolonização que se seguiu à Revolução de
Abril de 1974, também um país de imigração. Entre nós,
como nalguns outros países europeus, colocam-se diver­
sos problemas relacionados com direitos dos cidadãos
de países terceiros. É a política de entradas, quer relati­
va aos países da Europa central e do leste quer respei­
tante a imigrantes provindos de outros continentes, são
os direitos a conceder ou não aos imigrantes que, legal

b
Conceito!»] Exclusões Pobreza Desemprego Os sem-abrigo Idosos Conclusão
do -exclusão sociais emprego
soclot- o trabalho

68]69 Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

ou ilegal mente, já se encontram na União Europeia no sentido da identificação dos imigrantes com a cultura
(reunião da família, cidadania, residência permanente, da sociedade de destino.
nacionalidade dos filhos nascidos nos países de acolhi­ Esta última noção de «integração» continuou em vigor
mento, etc.). As soluções que venham a ser adoptadas mesmo mais tarde, quando surgiu a imigração por
não serão indiferentes ao sentimento de insegurança razões económicas. O seu número, embora já mais sig­
que algumas sociedades europeias acusam.27 Porém, nificativo, era ainda facilmente comportável. Além
não é destes problemas que me irei ocupar no que se disso, nessa altura, os países europeus enfrentavam
segue, emborâ existam nestas questões imensos poten­ uma situação de falta de mão-de-obra não especializa­
ciais factores de exclusão social. Também não me da, além de que os imigrantes se dispunham a realizar
referirei aos aspectos de exclusão por pobreza a que trabalhos que os naturais desses países não estavam
considerável parte dos imigrantes está sujeita. Pro­ interessados em executar. Perante este conjunto de fac-
ponho-me abordar mn outro aspecto de exclusão: o que tores, a imigração era considerada como desejável para
’■ dê.corvo~dd~factoi'es cw/^raÍ5,_porventura a dimensão os países de acolhimento, e benéfica às respectivas
í- < mais difícil da problemática de inclusão social das economias nacionais.
j étnico-culturais. Presentemêjqte, a situação é diversa em vários aspectos
Como se sabe, o fenómeno da imigração de minorias importantes. Num contexto de desemprego em larga
étnico-culturais não é novo na Europa. Desde longa data escala, que afecta quer os nacionais quer os imigrantes,
que se deslocavam para a Europa, designadamente para o imigrantgjájjassa a ser visto como um rival indese­
os países colonizadores, pessoas isoladas das colónias jável, com a agravante de que os imigrantes porvezes
europeias noutros continentes. Normalmente, eram pes­ aceitam salários inferiores aos mínimos nacionais, pelo
soas de elevado nível cultural, que desejavam prosseguir que a concorrência, além dejidajpor desleal, enfraquece
os estudos em Universidades europeias, por falta de o poder de reivindicação salarial-dos..nacionais. São
escolas superiores nas colónias de origem ou interessa­ razões que contribuem, porventura só em parle, para
dos em cursos de melhor nível académico. Nesse tempo, que, nalguns países, tenham surgido e estejam em cresci­
o problema da integração social não tinha significado, mento, reacções marcadas por ultra-nacionalismos, iso-
mormente por três razões. Em primeiro lugar, esses lacionismo, xenofobia ou racismo.
estudantes já vinham marcados por forte influência da Acontece, por outro lado, que, contrariamente ao que
cultura europeia, e, porventura, predispostos a se «euro­ se verificava nas décadas passadas, a imigraçãojcm_
peizarem», ou até interessados nisso; em segundo lugar, hoje carácter massivo. Não se trata de algumas pessoas
eram, como se disse, pessoas de elevado nível cultural, isoladas, nem de um número limitado de famílias, mas
mesmo para os padrões das sociedades de acolhimento; de números consideráveis de pessoas e famílias, com
em terceiro lugar, tratava-se de indivíduos isolados, pelo expressão demográfica e sociológica. O problema da
que o problema da «integração» era naturalmente visto «integração» já sc não põe em lermos de indivíduos ou
Desemprego ia Oseem-nbrfgo
Conceito, s) Exclusão» Pobrcja Idosos Conclusão
de -esclusÃo sociais emprego ; j
socM- • trabalho S

teMbMw
70|71 Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

de umas poucas famílias, mas de comunidades inteiras. ligados por laços de parentesco, amizade, vizinhança,
Comunidades que passaram a ser fonte de alguns medos: etc. Por outro lado, por razões de instabilidade política e
de culturas e costumes sociais diferentes; de atitudes guerras civis, alguns dos países de independência recente
religiosas fundamentalistas; de acções terroristas; do vivem em permanente clima de insegurança. Para além
tráfico de droga; da delinquência organizada; da dis­ do que exista na linha de divergências políticas entre as
seminação da SfDA.28 diversas forças em campo, há um elemento de natureza
E sabido que o movimento migratório dos países do geográfica cujas consequências presentes e futuras é difí­
hemisfério sul para os do norte é, além do mais, um cil avaliar: o facto de as actuais fronteiras dos países
movimento de populações colonizadas para os países africanos corresponder aos limites das antigas colónias,
colonizadores.29 Este movimento tem de ser entendido os quais, nalguns casos, não têm fundamento sociológico
como a outra face da colonização, ou, como alguém lhe ou antropológico. A convivência «pacífica» de comu­
chamou, o movimento do «regresso_das_caravelas». nidades diversas, aparentemente conseguida sob o domí­
Trala-se de um movimento com fundamento histórico nio colonial tem agora de encontrar uma base autêntica
que se não pode ignorar. A Europa pós-colonial não de convivência que ofereça um suporte sólido à unidade
pode colocar-se na postura pré-colonial, pela simples política. Parece, pois, haver razões para admitir que o
razão de que, entre os dois momentos, existiu todo o ■ movimento migratório dos países do hemisfério sul para
período colonial. E este período tem implicações para o hemisfério norte continuará a verificar-se.
o futuro. Um deles, a meu ver natural, é o do movi­ Naturalmente, este conjunto de circunstâncias é atraves­
mento populacional das antigas colónias para os anti­ sado pelas gritantes desigualdades existentes entre o
gos países colonizadores. norte e o sul do planeta. Desigualdades já de si intole­
Acresce que esse movimento não é apenas no sentido da ráveis e que tendem a aumentar.30 Como se sabe, o nível
busca de um nível de vida melhor. É por razões de das ajudas internacionais está muito aquém do neces­
sobrevivência, o que, por um lado, quer dizer que a sário, e tudo parece levar a crer que a gravidade da si­
motivação é muito forte, e, por outro, pode querer dizer tuação se não compadece com perspectivas de melhorias
que irá continuar por algum tempo mais, sejam quais graduais, progressivas e paulatinas. Porque, como se
forem as retrições legais e/ou físicas que venham a disse, trata-se de uma desigualdade que significa fome,
vigorar. O futuro da imigração para a Europa não é pre­ miséria e doença para muita gente. Só medidas extraor­
visível. Sabe-se, no entanto, que a_sjiugrações irão afec- dinárias poderão modificar a situação em termos substan­
tar consideravelmente o futuro da Europa. ciais. E este tempo de viragem das últimas páginas do
Antes do mais, deve notar-se que já vivem na Europa século e do milénio poderia constituir uma oportunidade
milhões de imigrantes vindos de outros continentes há particularmente favorável à tomada de decisões que cor­
uma, duas ou mais gerações. Este facto, além dc expres­ respondam à gravidade da situação. O desenvolvimento
sivo, em si, é um faclor de atraeção dc novos imigrantes, dos países pobres é a única verdadeira solução para o
r’ ~
Cooceltcfí) ' Exclusões Pobreza Desemprego Os sem-abrigo Idosos Conclusão
do •exclusão sociais emprego
social- e trabalho

72(7 S Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

1
problema das migrações massivas, motivadas mais pelo
«efeito de repulsão» (push effect) dos países de origem
I. O mundo de hoje é palco de dois movimentos aparente­
mente opostos. Por um lado, o de uma certa convergência
do que pelo «efeito de atraeção» (pull effect) dos países de culturas, por efeito de frequentes contactos entre
de destino. Não que se deva prever uma situação povos de culturas diversas, favorecidos pelos transportes
mundial sem migrações. Um cenário assim é impensável e comunicações, pelas telecomunicações, por relações
num mundo «globalizado», transformado na chamada de natureza económica, etc. Contactamos com pessoas
«aldeia global». e povos de outras sociedades, com outras culturas, outras
Entretanto, a Europa reconhece, como um facto, a sua
condição de sociedade multi-cultural. A escolha entre í maneiras de olhar o mundo. Aprendemos a compreender
melhor os outros nas suas diferenças. Por outro lado, a
ser ou não multicultural está ultrapassada pelos factos. afirmação das culturas próprias, que deve considerar-
O problema em aberto, e que é urgente resolver, é o de -se natural por parte de povos que, por força da colo­
saber que tipo de sociedade multicultural a Europa pre­ nização, tiveram as suas culturas próprias asfixiadas
tende ser. A dimensão cultural é, sem dúvida, a mais com­ durante o período colonial. Culturas que eram consideradas
plexa de quantas é composto o problema das minorias como intrinsecamente inferiores pelo mundo então
étnico-culturais na Europa. No caso português, uma pro­ dominado pelos valores e critérios da cultura europeia
porção considerável dessas minorias sofre de dois ou três
tipos de exclusão: a pobreza (privação por falta de recur­
rII (ou ocidental). A afirmação das culturas locais deve ser
entendida como afirmação da personalidade colectiva, de
sos), exclusão de tipo territorial (quando vivem em bairros auto-estima das sociedades de independência recente.
onde se concentra sobretudo a população imigrante); e Destes dois movimentos, o segundo - o da afinnaçãQ_das
cultural (mesmo quando não tomem a forma de racismo, cultuxas-pxóprías - é o quemais coniplexjttorna^a relação
os aspectos culturais suscitam relevantes problemas de entre os imigrantes e as sociedades de^acolhimento.
integração). É deste último que procurarei tratar, de seguida, A vontade de afirmar a sua cultura e a dimensão quan­
de forma um pouco mais desenvolvida. titativamente relevante dos grupos imigrantes colocam
Mesmo que não existisse qualquer tipo de preconceito questões difíceis de resolver, quer do ponto de vista
racial, o problema do convívio entre culturas permane­ social, quer do ponto de vista cultural. A situação toma-
ceria um problema real na Europa, que, a meu ver, está -se simbolicamente extrema em regiões onde a maioria
longe de uma solução amadurecida, e, por isso, merece da população é composta por imigrantes. O que é inte­
uma reflexão profunda. É ccrtamenle um campo em que gração cultural neste caso? Integrar a maioria imigrante
a boa vontade é necessária. Mas a boa vontade sem uma na cultura da minoria local? Integrar a minoria local na
reflexão profunda poderá ser demasiado superficial com­ cultura da maioria estrangeira? Com que legitimidade
parativamente com o que é exigido a homens e mulheres uma comunidade «estranha» pode reivindicar o direito
deste tempo da globalização não apenas económica, de praticar a sua cultura em território alheio? E com que
mas também social c cultural. legitimidade a sociedade local pode impedir aos imigrantes
Conceito),) EicJusõcs Pobreza Dosomprego 0» aem-abrlgo IdOMl Conclusão
de -eiclusão sociais emprego
social- e trabalho

74|7r> Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

que vivam a sua cultura? Onde começam e onde terminam mesmo tempo, põe em contacto, uns com os outros, povos
os direitos dos povos ao território? São estas algumas das e culturas de todo o mundo.
questões a que parece não ser possível fugir se quisermos O desafio que o nosso tempo nos coloca não é novo, mas
construir o futuro das sociedades europeias. é uma expressão nova de um desafio antigo: o de sabermos
Dantes, a «integração social» dos imigrantes pressupunha valorizar a diferença, e reconhecermos que a diferença
que os imigrantes abandonassem a sua cultura de origem distingue mas não divide, que o encontro e a unidade na
e tomassem a cultura do país de acolhimento. Hoje, essa diferença enriquece, ao passo que a unidade uniformi-
noção de «integração» não parece aplicável nem dese­ zadora empobrece.
jável. A noção que ocorre é a de «sociedade pluricultu- O verdadeiro desafio cultural para a Europa do futuro
ral», que implique o diálogo entre culturas, em vez de parece estar na escolha entre uma sociedade multicul-
repressão de uma cultura sobre a outra. Um diálogo em tural - em que as diferentes culturas convivem no mútuo
que cada cultura saiba reconhecer que o diferente não é respeito e na solidariedade - e uma sociedade intercul-
necessariamente inferior - pode ser igual, ou mesmo tural, em que as culturas se não limitam a uma con­
superior. Um diálogo em que, de parte a parte, se vivência pacífica, mas interactuam umas nas outras,
respeite, no outro, o direito de ser diferente, um direito através do diálogo, do conhecimento mútuo, da abertura
que até os xenófobos aceitarão, desde que cada um seja ao universal, sem prejuízo da originalidade própria.
diferente na sua própria terra... Por aqui se vê que o direito Daqui poderá emergir uma nova cultura-síntese, que
à diferença só ganha relevância quando se trata de o participa de diversas culturas mas não se identifica inte­
exercer «em terra alheia». gralmente com nenhuma delas. Creio que a realidade
Creio que não poderemos equacionar devidamente este levará a que a opção - porventura mais por omissão do
problema sem uma noção esclarecida dos direitos. Em que por escolha - venha a recair na coexistência de
certo sentido, estamos num novo ciclo da história. O ciclo ambas aquelas hipóteses.
pós-colonial. Não falo apenas do colonialismo político, Em qualquer caso, uma questão importante neste contexto
mas também do social, do cultural e do económico. O fim está em saber qual é o núcleo essencial de cada cultura que
do colonialismo político não eliminou as consequências queira preservar-se, sem se fechar nem se descaracterizar.
mais duradouras do colonialismo social e cultural, e criou
novas formas de colonialismo económico. E a imigração
para a Europa é, em certo sentido, a continuação e a con­ í

sequência natural do cicio colonial. Em certo sentido, é o


«regresso das caravelas». Temos de compreender, com
serenidade e justiça, este ciclo da história. E temos, tam­
bém, de o inserir no profundo movimento de globalização,
que beneficia mais os fortes do que os fracos, e, ao
Os sem-abrigo

É difícil estimar o número de pessoas vivendo em situa­


ção de sem-abrigo. Por exemplo, no caso da cidade de
Lisboa, uma das estimativas para os meados da década
de 90 aponta o número de 2500,31 ao passo que outra su­
gere uma banda entre os 2000 e os 3500.32 Em termos
gerais, pode dizer-se que as duas estimativas se situam
na mesma ordem de grandeza.
A análise dos dois referidos estudos permite identificar
alguns aspectos que facultam uma ideia geral dos sem-
-abrigo em Lisboa.

Pelo que respeita à composição, verifica-se o seguinte:33


. Uma larga maioria era constituída por homens (75-80%;
embora pareça que as instituições que trabalham com
os sem-abrigo identificam um número comparativa­
mente menor).-34
. Os homens eram mais jovens do que as mulheres (idades
médias de 48 anos e de 54 anos, respectivamente). A pro­
porção de jovens (25 ou menos anos) era relativamente
pequena (5-7%), mas a dos adultos jovens (idades até 45
anos) cra considerável (41-43%); tinham mais de 65 anos
1
Conceito!*) Ejchrtóes PotHCU Docmprogo Minorias Conclusão
de -exclujõo sociais emprego étnico-
social- e trabalho •culturais

|_____ !
78|/9 Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

entre 11 e 19%, e mais de 55 anos cerca de 43%, de acor­ mental, alcoolismo ou toxicodependência era de 82%.36
do com Figueira et al. (32% conforme Bento et al.). . A grande maioria dorme na rua (75%). Os restantes
. De modo geral, o nível de qualificações era baixo: cerca 25% pernoitam em diversos sítios: escadas, edifícios,
de 20% eram analfabetos ou não tinham frequentado a automóveis ou camionetas, estações, e uma pequena
escola e 78% não tinham mais do que a 4a classe. Porém, proporção (7%) em abrigos para os sem-abrigo.
13% tinham estudos secundários ou médios.35 A situação . Pelo que respeita ao quadro da vida anterior, 30% dos
das mulheres era comparativamente mais desfavorável. homens viviam isolados (a percentagem era nula no
A percentagem dos sem-abrigo com alguma forma de caso das mulheres); viviam com os pais 17% de homens
formação profissional não excedia os 25%. e 13% das mulheres; viviam acompanhados (casados ou
. Indivíduos pertencentes a minorias étnicas, mormente em união de facto) 34% das mulheres e 21% dos homens;
das ex-colónias portuguesas, representavam cerca de 21% das mulheres viviam com filhos (só 1% no caso
14%. Embora superior à percentagem na população dos homens).
total, esta proporção não parece particularmente signi­ . Metade dos inquiridos vivia anteriormente numa casa
ficativa (pelo menos 85% das pessoas eram brancas, (desconhece-se o tipo de habitat). Cerca de 13% viviam
correspondendo 1-2 pontos percentuais a indivíduos em pensão, 8% num quarto, 8% numa barraca e 1% em
dos Estados-membros da UE). casa clandestina.
. Cerca de 60% eram solteiros, 20% casados ou em situa­ . Quanto ao factor que, em sua opinião, conduziu à situa­
ção de união de facto, 9% divorciados e 8% viúvos(as). ção presente, as respostas variam, sendo as mais repre­
A percentagem de solteiros era maior entre homens do sentativas as seguintes: despejo (11%), desemprego
que entre mulheres (65% e 43%, respectivamente), ao (19%) e problemas familiares (11%).37 É interessante
passo que a proporção de viúvas era superior à dos notar as percentagens relativamente baixas de casos de
viúvos (20% e 5%, respectivamente). saídas de hospitais psiquiátricos (menos de 1%), toxico­
. Cerca de 1/3 dos inquiridos não tinha bilhete de iden­ dependência (4%), alcoolismo (2%), e ex-reclusão (3%).
tidade (35% entre homens e 19% entre mulheres). Esta descrição não permite compreender os factores de
. 80% estavam desempregados, 12% eram reformados, 5% risco que geram e reforçam situações de sem-abrigo. Os
tinham um emprego temporário e só 4% um emprego dois estudos utilizados para caracterizar a situação desse
permanente. A maioria (61%) tinha tido um emprego grupo social levam a concluir que, de acordo com os
irregular no ano anterior. próprios inquiridos, os factores que mais frequente­
. Cerca de 50% consideravam não estar de boa saúde, e mente conduzem à situação de sem-abrigo situam-se nas
13% tinham alguma deficiência. Em média, cerca de 30% áreas da saúde, desemprego, problemas familiares e
sofriam de doença mental (47% no caso das mulheres). relacionais. A relevância da toxicodependência não é
. De acordo com o estudo de Bento e outros, a percen­ clara (aparece como factor frequente num estudo, mas
tagem conjunta de inquiridos que sofriam de doença não noutros). Na maior parte dos casos, a pobreza parece
Concetto(s) Eicimóes Pobre»» Desemprego Minorias Concluiu'
Oe ‘exclusão sociais emprego étnlco-
social' o trabalho -cutturals

80|gl Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

constituir o fundo sobre o qual os referidos factores con­ -confiança, expectativas de poder ultrapassar a situação.
duziram à situação de sem-abrigo. Das entrevistas realizadas por jornalistas para programas
Hoje em dia, a maior parte das vezes em que se fala de de televisão, recordo-me de duas afirmações para mim
pobreza ou exclusão, tem-se em mente a situação dos inesperadas. Dizia um: «Não sei quem sou.» O outro, >
sem-abrigo. Compreende-se que assim seja, uma vez quando inquirido sobre o que julgava necessário para sair i
que essa é, efectivamente, uma das formas mais extre­ da situação, respondeu, simplesmente: «Um foguetão.»
mas de exclusão social, por vezes uma das mais visíveis, Quer isto dizer que um dos instrumentos indispensáveis
aquela em que o carácter de privação múltipla é patente à compreensão do problema dos sem-abrigo é o da
e, por vezes, contrasta fortemente com o meio ambiente história de vida, que permita analisar o percurso de cada
erp que se apresenta (baixa lisboeta, por exemplo). Também um, a percepção subjectiva que tem da sua própria situação,
do ponto de vista técnico, é uma das formas mais com­ das suas necessidades, hábitos e costumes, problemas,
plexas e mais difíceis de resolver. capacidades, motivações, etc. A outra linha de análise
Trata-se, de facto, de uma situação de pobreza e exclu­ respeita ao estudo objectivo da situação. Informação dos
são em muitos aspectos paradigmática. Além do mais, técnicos, instituições e/ou serviços com quem tenham
pela sua profunda heterogeneidade. Ocorre dizer que não tido contactos, exames médicos e psicológicos, situação
há duas situações de sem-abrigo iguais, no que as caracte- quanto aos rendimentos, emprego, laços familiares, rede
riza, no percurso que as antecedeu, no tipo de carências, de amigos, etc.
no tipo de medidas necessárias. Não quer isto dizer que A primeira ideia que, por vezes, ocorre, perante uma
não existam traços comuns entre os sem-abrigo, mas pessoa em situação de sem-abrigo, é a da falta de casa.
apenas que é, também, grande o peso dos aspectos indi­ E a carência mais evidente de quem pernoita nos bancos
viduais de cada caso. do jardim ou nos vãos de alguma escada. Essa inferên­
Em segundo lugar, é nestas situações que melhor se reco­ cia é correcta, se a entendermos como uma carência que
nhece que as medidas de emergência, que visam ocorrer a requer uma solução de emergência, desejavelmente tran­
carências mais urgentes, são tão necessárias quanto as sitória. Não, porém, se considerarmos que o único problema
medidas de fundo. A distinção entre as causas próximas, a resolver é o de falta de habitação. Na maior parte dos casos,
intermédias e estruturais é aqui fundamental. Por outro os sem-abrigo têm casa. O que acontece é que lá não vivem,
lado, também é mais fácil verificar o erro de colocar as por corte de relações familiares (entre marido e mulher,
medidas de emergência e as de fundo em termos alterna­ entre filho e pais, por exemplo). Subestimar a importância
tivos. Umas e outras são indispensáveis (o peixe e a cana). do abrigo temporário, como medida de emergência, seria
Em terceiro lugar, é porventura nestes casos que se torna tão errado como entendê-la como solução completa para
mais fácil identificar a degradação psicológica a que a o problema do sem-abrigo.
pobreza e a exclusão podem conduzir, em termos de Por outras palavras, o abandono da casa pode não ser
identidade social e pessoal, motivações, iniciativa, auto- mais do que uma consequência do verdadeiro problema,
Conceito! s) '
de -esclusão
Exclusões
sociais
Pobreza Dosomprogo
emprego
Minorias
étnico-
Idoto* Conclutõo
J
socUM- o trabalho ■culturais

______
82|SJ Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

que pode estar, por exemplo, no desentendimento no Nestas condições, estaremos perante um quadro de
seio do casal ou da família. Este teria de ser, assim, o carências múltiplas, que requerem uma acção multidi-
segundo aspecto que uma estratégia de «reintegração mensional, pluridisciplinar e inter-institucional, que
social» teria de abordar. Existem tantas razões para seja capaz de resolver não apenas as causas que, em
rupturas conjugais e familiares quantas a psicologia e última instância, conduziram à situação de sem-abrigo

a sociologia conhecem. Não faria sentido listá-las aqui. (pobreza, más condições habitacionais, etc.), mas aos
O problema que nos pode interessar está em querer novos problemas surgidos em sua consequência (rupturas
compreender a razão por que, de tantos lares desfeitos, de laços familiares e afectivos, de vizinhança, etc.).
só uma pequena percentagem se traduz em situações Por aqui se vê, como, aliás, em diversas outras formas de
de sem-abrigo. pobreza, que, de modo geral, a acção curativa é. mais
A resposta a esta questão poderá levar-nos a encontrar complexa do que a preventiva. Nesta última, trata-se
algum outro factor que, conjugado com o desentendi­ de evitar a pobreza. A acção curativa tem de resolver
mento entre as pessoas, leva a essas situações. Um desses as causas da pobreza e as consequências desta sobre
factores é, de facto, a situação habitacional, as condições as pessoas e as famílias.’
habitacionais em que o casal ou família vivia. Sabe-se Como se disse, existem outros quadros em que a situação
que más condições de habitação - espaço exíguo, falta de dos sem-abrigo tem outro tipo de explicações. A própria
privacidade, más condições de higiene e salubridade, pobreza pode conduzir a isso por outros percursos. Um
falta de condições mínimas de conforto - geram tensões dos mais simples é o da pessoa que caiu no desemprego
- o designado stress habitacional - que agudizam os de longa duração, não pôde, consequentemente, pagar a
problemas relacionais correntes, que a maioria das renda de casa e, por isso, passou a residir na rua. Um
famílias e casais resolvem sem grandes dificuldades, quadro diverso é o de doentes mentais que não preenchem
transformando-os em problemas graves que podem as condições técnicas e legais para serem internados e. por
levar a rupturas. Vcrifica-se, assim, que a habitação, que não terem onde morar (ou estarem incompatibilizados
poderia constituir uma medida preventiva eficaz, deixou com os familiares, por razão da própria doença), caem na
de ter o mesmo papel depois de desencadeado o processo situação de sem-abrigo. E uma situação que merece uma
de ruptura familiar. atenção especial dos poderes públicos responsáveis pelos
Presume-se que as referidas más condições habitacio­ sectores da saúde e da justiça.
nais resultam, por sua vez, da pobreza (privação por Uma causa por vezes apontada como principal expli­
falta de recursos). Esta situação, além de explicar as más cação para algumas situações de sem-abrigo é a do
condições habitacionais, é, em si mesma, factor gerador alcoolismo. Trata-se de uma situação a analisar com
de doenças, tensões psicológicas, sentimentos de angústia, cuidado, em cada caso. O alcoolismo pode ser causa
insegurança, ausência de futuro, que podem também da situação, como pode ser consequência. Nesta última
estar na origem de rupturas conjugais e familiares. hipótese, pode ler sido induzido pela condição de
Conccltofs) Exclusões Pobrox» Deaemprefio Minorias Idotoa Conclm 5o
do -exclusõo sociais empícgo étnlco-
social- o trabalho -culturtó

84|85 Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

sem-abrigo ou, anteriormente, por uma situação de


pobreza ou miséria.
O caso dos toxicodependentes, normalmente jovens, é
I
especial. Em certa medida, parece válido neste caso o
raciocínio que fizemos acerca do alcoolismo. Com
efeito, embora se saiba que a toxicodependência é, por
11 i
vezes, a sequência de experiências inicialmente avulsas
e sem qualquer motivação específica que não seja a de
«experimentar», pode acontecer que estejam, por detrás,
estados de ansiedade, insegurança, falta de projecto pessoal Idosos
ou mesmo do sentido de vida, que terão de ser identifi­
cados, compreendidos e resolvidos. Uma das vantagens da perspectiva adoptada na definição
de exclusão social atrás apresentada está no facto de per­
mitir analisar nessa perspectiva (de exclusão) o problema
social dos idosos, certamente um dos mais graves proble­
mas sociais da sociedade portuguesa. A meu ver, a maior
parte das «soluções» em vigor é insatisfatória e contribui
para criar nas pessoas e na opinião pública a ilusão de que
o problema vem sendo resolvido.
É certo que, entre nós, o problema da idade muitas vezes
coexiste com o problema da pobreza. Num estudo realizado
com base em dados de 1989-1990, verificava-se que a taxa
de pobreza era de cerca de 22% para o conjunto das
famílias e de 39% (quase o dobro) para as famílias que tinham
por representante uma pessoa idosa. Refira-se que a vul­
nerabilidade dos idosos à pobreza revelava algum progresso
em relação ao início da década de 80 (altura em que a taxa
de pobreza entre famílias representadas por idosos era de
43%). No entanto, o aspecto que me proponho aqui analisar
é o do lugar do idoso na sociedade.
Fenómeno que, até há pouco, passava despercebido à
opinião púbica em geral, o envelhecimento é hoje apon­
tado, com relativa frequência, como um dos aspectos a
86|S7
Coocelto< s)
de -exclusão
social-
ExclusõM
lociads

Alfredo Bruto da Costa


Pobreza Desemprego
emprego
e trabalho
Minorias
étnlco-
-cutturals

ztl
Exclusões Sociais
Conclua ão

Figura 5: Envelhecimento da população portuguesa (HM)(%)

IS1

E
ter em conta na definição das políticas de médio e longo o
M
<3 w
prazo. No caso português, deve acrescentar-se que tam­ S 6'1

bém para políticas de curto prazo, e, nalguns aspectos, E


£ -
mesmo para medidas urgentes. Fala-se em três tipos de 0

envelhecimento: envelhecimento individual, devido à 60+ 65+ 75+ 60+ 65+ 75+ 60+ 65+ 75+

longevidade; envelhecimento populacional, no sentido


de que existem mais pessoas nos grupos de idade mais r ......... .. .. ........... . ■ ........... ................. - ~ --------- ------------- --
elevada^ e envelhecimento activo, associado ao início Quadro 4: Envelhecimenlo da população portuguesa (%)
Homens e Mulheres
mais tardio da vida activa e às reformas precoces.38 Os
Ano 60+ anos 65+ anos 75+ anos
dois tipos que mais directamente interessam a esta
reflexão são o do envelhecimento individual e o do 1970 14.4 9.7 3.2
1991 19.0 13,6 5.4
envelhecimento da população. Resumidamente, estes 2010 23.4 17.6 8.3
dois tipos de envelhecimento dizem-nos que as pessoas
vivem mais tempo, o que quer dizer que a «velhice» é Fonte: Carrilho, Maria José (1993), O Processo de envelheci­
menos definida pela idade do que pelas faculdades e mento em Portugal: que perspectivas, Estudos Demográficos,
n°31, INE, Lisboa, pp. 75-98
capacidades pessoais, ao passo que o segundo sublinha i? . ..... ... . j

que a população idosa é cada vez mais numerosa e, por­


tanto, não poderá ser encarada como se tratasse de um
grupo «residual». A população com 60 e mais anos de Daqui se conclui que um dos critérios pelo qual se terá
idade representava 14.4% em 1970 e passará a represen­ de avaliar o grau de «humanidade» da sociedade é o do
tar 23.4% em 2010. No mesmo período, a proporção da lugar e do papel que reserva aos idosos na vida social.
população com 65 e mais anos passará de 9.7% para Em certa medida, será essa a pedra de toque do «huma­
17.6% e a de 75 e mais anos, de 3.2% para 8.3%. Por ou­ nismo» europeu.
tras palavras, a população idosa é uma parte cada vez mais O que hoje se verifica abona pouco em favor desse
significativa da população total (Figura 5 e Quadro 4). humanismo. Quer a sociedade quer o quotidiano das
pessoas estão organizados de tal modo que os idosos
não têm lugar nem papel na vida social. Nos casos
extremos, que infelizmente não são raros entre nós,
essa exclusão social pode tomar a forma de total
solidão. É uma forma de exclusão social e de privação
que pode não ter qualquer relação com a falta de recur­
sos, e, portanto, com a pobreza (embora, como se disse,
possa coexistir com esta).
Cooceito(s) Exclusões Pobrera Desemprego Mlnorias Os sem-abrigo (J Conclusão
dc -exclusão sociais emprego étnico-
soclal- e trabalho -cufturals

__Jk___ -
88|89 Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

Esta exclusão verifica-se, antes do mais, ao nívelfamiliar. caminhos de integração social dos idosos passarão pela
Abandonado que foi o modelo de família alargada, em família, pelo trabalho e pela comunidade local. A chamada
que conviviam coabitando pelo menos três gerações, «Política de 3a Idade», que hoje tem, necessariamente, de
passou-se para o da família nuclear, composta por duas abarcar também a «4a idade», tem de orientar-se no sen­
gerações (pais e filhos). O estilo de vida actualmente tido de reduzir a sua componente institucional, fomentando
predominante fragmentou até a família nuclear, toman­ a sua permanência ou regresso ao seio da família. Para o
do por vezes difícil a possibilidade diária de pais e filhos efeito, esta poderá precisar de apoios, financeiro e em
se encontrarem e conviverem. Tenho designado este tipo espécie (sobretudo serviços). Por outro lado, é imperioso
de sociedade por sociedade atomizada. E um estilo de que as mudanças sociais relacionadas com o mercado de
vida onde o idoso não cabe, não tem lugar. trabalho sejam geridas de modo a facultar aos idosos a
Como se sabe, as soluções mais frequentes vão na linha possibilidade de exercerem actividades socialmente úteis
dos «lares para idosos», e de algumas formas de ocupação e compatíveis com as suas capacidades, mesmo que não
do tempo, tais como os «centros de dia para idosos», os remuneradas. Finalmente, a solidariedade da comu­
«passeios para idosos», as «colónias de férias para nidade local poderá ter um papel particularmente impor­
idosos», enfim, o «turismo para idosos». Quanto a essas tante, quer na oferta e enquadramento de locais de trabalho,
actividades, é de notar que as mesmas tendem a agravar a quer no que respeita à convivialidade, devendo esta
«ghetização» dos idosos, ao desintegrá-los do resto da assentar cada vez mais em convivência entre diversas
sociedade. Pondo-os a conviverem entre si, poderão ate­ gerações e menos em iniciativas circunscritas apenas a
nuar a solidão, mas não proporcionam a possibilidade de pessoas idosas.
conviverem com as outras idades, como é próprio da vida.
Pelo que respeita aos lares, é conhecida a situação em
que o sector se encontra no país. Os lares públicos e das
Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS)
escasseiam, e sobre o sector lucrativo os meios de comu­
nicação social têm feito relatos tenebrosos. Todavia, para
além disso, que não é pouco, subsiste um problema cen­
tral: uma sociedade que tenha de lançar mão de lares para
idosos, por melhores que sejam, revela desrespeito pelo
passado e desumanidade para com o presente. Impõe-se
que tenhamos consciência de que ninguém nasceu para
viver em lar, e que tiremos as consequências desse facto.
Mas, como se disse, a exclusão dos idosos verifica-se
também ao nível da sociedade. Creio que os principais
Conclusão

Comparativamente com o que se passa nalguns países


europeus, a investigação científica no domínio da pobreza
é recente entre nós. Os primeiros estudos nessa área
datam do início da década de oitenta. Com a entrada do
país na Comunidade Europeia, a reflexão sistemática pro­
grediu consideravelmente, primeiro, no âmbito do 2o pro­
grama europeu de luta contra a pobreza, já em curso em
1986, e, logo a seguir, com o 3o (e, por enquanto, último)
programa europeu, mais conhecido por Pobreza 3. A esses
dois programas se devem estímulos e apoios técnicos e
financeiros muito importantes para o progresso da prática
em matéria de luta contra a pobreza. Sou muito crítico do
atraso em que se encontra o processo de convergência real
dos Estados-membros da União Europeia, e, em particu­
lar, o progresso da dimensão social do projecto europeu.
4 Creio, todavia, que não pode negar-se que a entrada do

1 país na Comunidade possibilitou um «salto qualitativo»


na compreensão da pobreza e uma melhoria sensível nas
práticas utilizadas para a combater. As noções de multidi-
mensionalidade do fenómeno da pobreza, da parceria
entre os sectores público, particular e privado, entre insti­
tuições trabalhando em domínios distintos mas comple­
mentares, e entre os diversos níveis de intervenção (local,
Conceitofs) Exclusões Pobfcza Desemprego Minorias Os sem-nbrtgo
de -exclusão sociais emprego étnlco-
e trabalho -culturals

92|95 Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

regional e nacional), e da participação, designadamente


dos pobres, nos projectos - foram eleitos como princípios
-v A compreensão da «pobreza» como uma forma de
«exclusão social» permitiu, a nosso ver, associar os
básicos a que os projectos deveriam obedecer. O progra­ dois conceitos.
ma Pobreza 3 também se preocupou em identificar as Ao colocar o problema da «exclusão social» em termos
chamadas «implicações políticas», isto é, as medidas que defalta de acesso a sistemas sociais básicos, a definição
transcendiam o âmbito do projecto e que teriam de ser proposta ajuda a identificar os mecanismos de exclusão
tomadas a nível nacional. A atenção dedicada a todos que a sociedade comporta, dando indicação do sentido
estes aspectos, no decurso do programa, não só contribuiu r das mudanças sociais necessárias para eliminar (ou
para que esses princípios fossem valorizados pelos pro­ reduzir substancialmente) o problema. Por outro lado, a
jectos, mas ainda lançou as sementes de uma nova «cul­ mesma definição valoriza as consequências da exclusão
tura», um novo modo de conceber a luta contra a pobreza, social sobre os indivíduos excluídos, as quais podem
entre nós. Para isso também contribuiu a ampla troca de chegar, no extremo, a levar à perda de identidade pes­
experiências que foi possível levar a efeito entre os cerca soal. Toma-se, assim, claro que o combate à exclusão
de cinquenta projectos abrangidos peio programa. social requer actuações aos mais diversos níveis, desde
A introdução da noção de «exclusão social» em textos o individual até ao nacional (ou supranacional).
oficiais da União, possivelmente devida à circunstância Como se disse atrás, no combate à pobreza, as medidas
conjuntural do predomínio de franceses na condução das r de natureza redistributiva, se bem que necessárias, não
iniciativas comunitárias nesta área, veio colocar novas são suficientes. Aquelas medidas têm de ser acompanha­
questões teóricas, do mesmo passo que alargou o âmbito •t das de acções de «reabilitação» humana e social. Por
das preocupações, juntando à pobreza outras formas de outro lado, exceptuando o caso dos reformados, uma
exclusão que vêm ganhando crescente relevância social no intervenção correctamente delineada e bem sucedida
espaço comunitário. O desafio teórico resulta precisa­ conduzirá a uma situação em que o apoio pecuniário
mente do facto de que, ao entrar no discurso europeu, a deixa de ser necessário, por o pobre ter atingido a auto-
expressão «exclusão social» deixou de pertencer exclusi­ -suficiência em matéria de recursos. Tal situação implica
vamente ao pensamento da tradição francesa, onde nasceu, - como consequência, se não, também, como causa - uma
para passar a ser trabalhada por todas as escolas europeias. 1 alteração na repartição (pessoal) primária do rendimento.
O conceito que atrás apresentei procura, em certa medida, Estes conceitos - de repartição primária e de redis-
oferecer uma possível definição, que procura reter a tribuição - também podem ser utilizados, por analogia,
riqueza da tradição anglo-saxónica- que se ocupou, sobre­ com respeito ao poder. Entendendo a pobreza e algumas
tudo, da noção de «pobreza» -, aproveitando, do mesmo outras formas de exclusão social como situações de falta
passo, a abertura aos novos e importantes problemas so­ de poder, a (re)integração social implica a devolução do
ciais que a perspcctiva relacional e de pertença, mais poder aos pobres e aos excluídos. A situação daí resul­
patente na noção de «exclusão social», permite abarcar. tante apresentará, forçosamente, uma nova distribuição
Concclto(s) Exclusões Poòrcza Desemprego Minorias Oi sem-abrigo
de -exclusão sociais emprego ótnlco-
socUd- o trabalho -culturals

94|9$ Alfredo Bruto da Costa Exclusões Sociais

dO poder na sociedade. Em princípio, pode considerar-se dessa perspectiva. Portugal tem a vantagem de ser membro
pertencer ao sistema democrático assegurar uma correc- de ambas essas organizações. Aliás, é significativo que
ta «distribuição primária» do poder. O esforço «redis- um dos «considerandos» acrescentados ao tratado da
tributivo» traduz-se no empenhamento com que os que União em Amsterdam foi, precisamente, no sentido de
detêm alguma forma de poder (político, económico, confirmar o «apego aos direitos sociais fundamentais»,
social ou cultural) o colocam, prioritariamente, ao tal como definidos, designadamente, na «Carta Social
serviço dos pobres e dos excluídos. Creio que está aqui Europeia, assinada em Turim, em 18 de Outubro de
um poderoso vector de mudança social. 1961», ou seja, a Carta Social do Conselho de Europa.
A Europa do final do segundo milénio já viu gestos Ao procurar reflectir sobre a pobreza e a exclusão, o pre­
expressivos como o da sessão parlamentar simbólica em sente ensaio não pôde evitar de realçar a complexidade
que mulheres, pelo simples facto de o serem, ocuparam e a heterogeneidade daqueles fenómenos. Nessa medida,
o lugar dos deputados eleitos pelo povo. O mesmo acon­ corre o risco de ser desencorajador e paralizante para o
teceu com pessoas portadoras de deficiência. Ocorre leitor menos prevenido. «Se é, assim, tão complicado -
perguntar se não será chegado o momento para algo de poderá pensar - nada se pode fazer.» É evidente que
semelhante se passar com os pobres e os excluídos da lamentaria se viesse a contribuir para suscitar atitudes de
sociedade, e se isso não poderá vir a acontecer ainda passividade derrotista. Penso, todavia, que não é menor
antes do ano 2000. o risco, que poderemos estar a correr de facto, de des­
As duas grandes organizações europeias, a União Europeia perdiçar boas-vontades, empenhamento e meios, colo­
e o Conselho de Europa, têm, em matéria de pobreza e cando-os na linha de perspectivas demasiado simplistas.
exclusão, perspectivas distintas e complementares. Por Gostaria que este caderno pudesse constituir um
razões óbvias, a União encara aqueles problemas sobretu­ pequeno contributo para aumentar a eficácia da preocupa­
do na perspectiva das políticas e acções. Sendo importante, ção social e da solidariedade que a sociedade portuguesa
esta perspectiva é, igualmente, inibidora de progresso. tem sido capaz de mobilizar, ao longo de séculos, em favor
O facto de a União ter abandonado os programas de luta dos pobres e dos excluídos.
contra a pobreza e a exclusão social, com o argumento Creio que uma das ilações do que fica dito consiste em
formal de se tratar de área da competência dos Estados- que o interesse da sociedade pela pobreza e a exclusão,
-membros, revela bem a dificuldade de progredir nesta normalmente motivado pelo desejo de ser «parte da
matéria. Diversamente, o Conselho de Europa adopta a solução», terá de ser completado pela consciência de
perspectiva dos direitos humanos. Por não ter, no também ser «parte do problema».
domínio da pobreza e exclusão social, competência
imperativa, os avanços são, natural mente, mais lentos.
Porém, será também por isso que os Estados-membros -
não todos - permitem sujeitar-se aos exigentes ditames
96 p7

Notas quando somos apresentados a outra pessoa, é normal indicar dois ele­
mentos:-o nome e a profissão. Quer isto dizer que a profissão é um ele­
' Freund, Julien (1996?), Prefácio, in Xiberras, Martine (1996?), As mento de identidade social. Ora, um desempregado está privado desse
Teorias da Exclusão - Para unia Construção do Imaginário do Desvio, elemento e, portanto, encontra-se afectado na sua identidade social.
Instituto Piaget, Lisboa, p. 12. Original de 1993. 13 Como se disse, Castel designa o processo por «marginalização» e
2 Castel. Robert (1990), Extreme Cases of Marginalisation, from apenas o grau extremo por «exclusão social».
Vulnerability to Disajfiliation, comunicação apresentada no European 14 É frequente ouvir dizer que «em vez do peixe, deve-se dar a cana»,
Seminar on Social Exclusion, realizado em Alghero (Itália), em Abril citando erradamente um pensamento chinês. A meu ver, o erro está em
de 1990. colocar como alternativas duas necessidades que, de facto, são com­
5 European Seminar on Social Exclusion, 1990, Alghero (Itália). plementares. Por outras palavras, é preciso dar o peixe e a cana.
4 Veja-se, por exemplo, Rodger, G., Gore, C. & Figueiredo, J. (Eds.) 15 Ver Avramov, Dragana (1995). Homelessness in the European Union
(1995), Social Exclusion: Rethoríc, Reality, Responses, International - Social and Legal Context of Housing Exclusion in the 1990s, Fourth
Institute for Labour Studies, Geneva. Research Report of the European Observatory on Homelessness,
5 Room, Graham (1995), Poverty and Social Exclusion: the New FEANTSA, Bruxelas.
European Agenda for Policy and Research, in Room, Graham (Edit.), 16 Hawley (1963), citado em Olsen & Marger (Eds.) (1993), p.l.
Beyond the Threshold: The measurement and analysis ofsocial exclu­ 17 Constituição da República Portuguesa (actualizada 1997),
sion, The Polity Press, Bristol, UK. Almedina, Coimbra. 1997.
6 Ibidem, pp. 5-6 18 Council of Europe, Revised European Social Chárter and
7 Cit. em Commission of the European Communities (1981), Final Explanatory Report, Council of Europe Publishing, Estrasburgo, 1996.
Reportfrom the Commission to the Council on the First Programme of 19 Ibidem,
Pilot Schemes and Studies to Combat Poverty, Bruxelas, p. 8. 20 O peso deste grupo entre as famílias pobres subiu muito entre 1989
* Towsend, Peter (1979). Poverty in the United Kingdom - A Survey of e 1994.
Household Resources and Standards of Living, Peguin Books, 21 Bruto da Costa, A. e Silva, Manuela (Coord.). Pereirinha, J. e Matos,
Inglaterra, p. 31. Madalena (1985), A Pobreza em Portugal, Caritas, Lisboa.
Bruto da Costa, A. (Coord.), Anderson, J., Chigot, C., Duffy, K., 22 Normalmente assim considerado quando a duração é de 1 ano ou mais.
Mancho, S. & Memagh, M. (1995), Pauvreté ou exclusion?, Service 23 As considerações que se seguem foram já apresentadas em diversas
Social dans le Monde. 1&2 - 1995, pp. 6-16 e Bruto da Costa, A. comunicações anteriores, designadamente num artigo, em vias de pu­
(Coord.) Baptista, Isabel & Queiroz, Isabel (1997), Non-Monetary blicação, para a Revista de Estatística, do 1NE. Lisboa.
Indicators of Social Exclusion (estudo realizado para EUROSTAT, 24 Veja-se VUGA (1996). Employment and social policies under interna-
Comissão Europeia, Luxemburgo). tional constraints - Executive summary. VUGA, Gravenhage. Holanda.
“ Veja-se, por exemplo, Xiberas, Martine (1993), Les Thèories de l'Ex- 25 Commission of the European Communities (1993), European Social
clusion, Méridiens Klincksieck, Paris, p. 26. Existe tradução portuguesa. Policy - Options for the Union (Green Paper), Bruxelas.
12 Notava alguém, num seminário europeu sobre a política social, que, 26 Tomasi, Lydio F. & Miller. Mark J. (1993), Post-Cold War International
98|*9

Migration to Western Europe: Neither Fortress nor Invasion, in Rocha-


-Trindade, M. Beatriz (Coord.) (1993), Recent Migration Trends in
Europe - Europe's New «Architecture», Universidade Aberta / Instituto
de Estudos para o Desenvolvimento. Lisboa.
27 Veja-se, a propósito, Rocha-Trindade, M. Beatriz (Coord.) (1993),
Recent Migration Trends in Europe - Europe's New «Architecture»,
Universidade Aberta / Instituto de Estudos para o Desenvolvimento,
Lisboa.
M Veja-se Rocha-Trindade, M. Beatriz (Coord.) (1993), op. cit.
29 Deve notar-se que as migrações nem sempre se integram na relação
colonizado-colonizador, como é, por exemplo, o caso dos imigrantes
argelinos na Alemanha.
50 Veja-se Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) (1994), Relatório do Desenvolvimento Humano 1994,
índice
Tricontinental Editora, Lisboa.
51 FEANTSA, 1993, citado em Bento, António, Barreto, Elias and Pires Apresentação 7
Teresa (1996), Os Sem-Abrigo nas Ruas de Lisboa, Santa Casa da (T) Conceito(s) de «exclusão social», 9
Misericórdia de Lisboa, Lisboa.
(2) Exclusões sociais 21
52 Bento, António. Barreio, Elias and Pires Teresa (1996), Os Sem-Abrigo
nas Ruas de Lisboa, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Lisboa. (3) Pobreza 27
” Os parágrafos que se seguem foram extraídos do estudo por mim
3.1. Algumas caracteríslicas da pobreza
realizado para a FEANTSA - Federation Europeene d*Associations
Nationales Travaillant avec les Sans-Abri (Bruxelas), em 1997. 3.2. Elementos para a compreensão da pobreza
34 Figueira et al., op. cit. 3.3. Algumas considerações sobre as medidas de luta contra a pobreza
“ No caso dos níveis secundário e superior, as percentagens obtidas
(4) Desemprego, emprego e trabalho. 57
por Bento et al. são mais baixas. Em ambos os estudos, a percentagem
de não-respostas nesta questão é elevada (entre 24 e 34%). (S) Minorias étnico-culturais 67
v' Não é claro que não haja duplas contagens por sobreposição de situações.
(g) Os sem-abrigo 77
” Outros 6% referem «problemas relacionais», e outros 5% «proble­
mas comportamentais», não sendo claro se também se devem incluir (7) Idosos 85
nos «problemas familiares». 91
(8) Conclusão
“ OECD (1996), Aging in OECD Countries - A Criticai Policy
Notas. 96
Challenge, OECD. Social Policy Studies n° 20, Paris.

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