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Verónicâ Galindez
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Doutora em Literatura Francesa pela
Universidade de São Paulo, onde ●í
ensinou (2004-2018) e desenvolveu
pesquisa sobre manuscritos de escri
tores franceses (Gustave Flaubert,
Pascal Quignard, Marcei Cohen e
Ivan Jablonka) e sobre as relações
entre a teoria da enunciaçâo de Émile
Benveniste e a literatura (coorganiza-
dora de Émile Benveniste: a gênese de
um
pensamento. Editora UnB, 2019).
Autora de Fogos de artifício: Flaubert e
a escritura(Annablume,2009)e tradu-
tora de Butes(Dobra Editorial,2013)e
Último reino (Hedra, 2013, com Leda
Cartum e Mario Sagayama),ambos de
Pascal Quignard,Atua como Professeur
Certifié de Lettres Modemes(Línguae
Literatura Francesa) na França, onde
reside atualmente.
A história é
uma
A,
Universidade de Brasília
Reitora Márcia Abrahão Moura
Vice-Reitor Enrique Huelva
EDITORA
UnB
Diretora
Germana Henriques Pereira
Conselho editorial
Germana Henriques Pereira (Presidente^
Fernando César Lima Leite ^
Beatriz Vargas Ramos Goncalve»; Ha d ^
Carlos José Souza de Alvaren™
Estevão Chaves de Rezende Martins
Flávia Millena Biroli Tokarski
Jorge Madeira Nogueira
Maria Lidia Bueno Fernandes
Rafael Sanzio Araújo dos Anjos
Sely Maria de Souza Costa
Verônica Moreira Amado
Ivan Jablonka
A história é
uma literatura
contemporânea
Manifesto pelas
ciências sociais
Tradução:
Verônica Galíndez
EDITORA
UnB
Equipe editorial
I ISBN 978-65-5846-031-2
COU 930
Impresso no Brasil
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Agmdlecimeínitos
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■UEmáridD
A história-tragédia 40
A história-eloquência 44
A história-panegírica 49
Contra a história de corte 53
Nascimento do escritor e da literatura 57
A história ou a “terceira cultura' 63
2.
O romance, pai da história? 69
Chateaubriand e a epopeia-história 70
Scott e o romance histórico 74
As guerras da verdade 81
O historiador-criador 86
Balzac e as ciências morais 92
3.
((
História-ciência e micróbios literários
4.
O retorno do recalcado literário 137
5.
Que é a história? 161
6.
A distância 211
A investigação 216
A comparação 222
Aprova 225
A refutação 231
O enunciado de verdade 236
O pós-realismo 289
A literatura não ficcional 296
Da ficção 299
Do factual 302
Do literário 310
Literatura e busca da verdade 316
10.
A história, uma literatura sob coerçâo? 321
11.
O texto-pesquisa 359
12.
exposição de museu.
de sua própria forma. É exatamente isso que me faz dizer que a lite
12
Modernizar as ciências sociais
13
A história é uma literatura contemporânea
14
Modernizar as ciências sociais
distanciamento crítico.
15
A história é uma literatura contemporânea
outros mortais que ele ou ela estuda. Isso permite evitar ao mesmo
16
Modernizar as ciências sociais
17
A história é uma literatura contemporânea
escrita, pois a escrita não é um problema, mas uma solução. Por outro
pode escapar ao império dos signos”, não posso mais aderir. Contra
com o que está fora do texto, ou seja, não somente com as provas
18
Modernizar as ciências sociais
mas também podemos considerar que esses espaços estão hoje bem
-se
desbravados, cada vez mais saturados, e que é possível aventurar
19
A história é uma literatura contemporânea
grands-parents [História dos avós que não tive] e Laètitia são explo
rações. Dipesh Chakrabarty propunha ‘ provincializar a Europa".
Quanto a mim, proponho sair do século XIX. É um terceiro con
tinente que se abre a nós, o da criação em ciências sociais - uma
Ivan Jablonka
Paris,junho de 2017.
20
ao mesmo tempo história
É possível imaginar textos que sejam
e literatura? Esse desafio só adquire sentido se faz nascer formas
livre, mais justa, mais original, mais reflexiva, não para abrandar a
está apta a dar conta do real. Assim como o pesquisador pode encar
22
A história é uma literatura contemporânea
“há tanto o que se dizer sobre essa matéria, que é preciso dizer o
mínimo aqui”.^ Pouco se perguntava o que as ciências sociais traziam
23
A história é uma literatura contemporânea
apetite voraz por parte dos pesquisadores, dos escritores, dos jor
24
A história é uma literatura contemporânea
Escrever a história
25
A história é uma literatura contemporânea
Paul Veyne, Comment on écrit Vhistoire. Essai d'épistémologie, Paris, Seuil, 1971,
p. 22[Como se escreve a história. Ensaio de epistemologia, Brasília, Editora Uni
versidade de Brasília, 1983.]
26
A história é uma literatura contemporânea
de que exista uma escrita técnica da história é uma prova; mas nem
27
A história é uma literatura contemporânea
28
J
A história é uma literatura contemporânea
29
A história é uma literatura contemporânea
texto, porque ela conta, expõe, explica, contradiz, prova, porque ela
 literatura do real
30
A história é uma literatura contemporânea
tais como são ; mas ninguém pode aceitar a ideia de que seu verbo
fruir) de nossa ruptura com o mundo. Por mais defeituoso que seja,
31
A história é uma literatura contemporânea
® Geertz Clifford, Ici et là-bas. Lanthropologue comme auteur, Paris, Métaillé, 1996,
p. 138-139.
’ Georges Perec. “Pour une littérature réaliste”, In L. G. Une aventure des années
soixante, Paris, Seuil, “La Librairie du XX"siècle”, 1992, p. 47-66.
32
A história é uma literatura contemporânea
e as grandes reportagens.
definir como uma não ficção. Ela não se resume a relatar fatos;
33
A história é uma literatura contemporânea
O texto-pesquísa
je ndipas eus [História dos avós que não tive], que refaz a trajetória de
um
casal de judeus poloneses comunistas, Matès e Idesa Jablonka,
a lançar mão de uma forma pirata, essa História dos avós que não
34
A história é uma literatura contemporânea
35
A história é uma literatura contemporânea
sociais: o problema não é saber se ele fala do real, mas se ele dispõe
dos meios para compreendê-lo.
tória que comove porque ela demonstra e que demonstra porque ela
se escreve.
uma investigação na qual se desvenda a vida dos homens,
uma forma híbrida que se pode chamar texto-pesquisa ou Creative
Jacques Rancière, Les noms de rhistoire. Essai de poétique du savoir, Paris, Seuil,
“La Librairie du XX'" siéde”, 1992.
36
1
1.
diferente daquele que lhe damos hoje. Mas seria errôneo concluir
A história-tragédia
40
Historiadores, oradores e escritores
bém das fábulas que ele dispensa, os muthoi que espalha. Aristóteles,
Diodoro e Estrabão consideram Histórias como uma teia de balelas.
41
A história é uma literatura contemporânea
42
Historiadores, oradores e escritores
dos inimigos eram abafados “pelos choros das mulheres e das crianças,
43
A história é uma literatura contemporânea
seu consulado fará com que o leitor passe por todos os estados:
A história-eloquência
44
Histoi'iadores, oradores e escritores
45
A história é uma literatura contemporânea
“verdade” a oferecer para além das lições de moral, ela traz o prazer
’’ Tite-Live, Histoire romaine. Livros I a V, op. cit., p. 152. Ver François Hartog,
Èvidence de Vhistoire..., op. cit., cap. II; e Adriana Zangara, Voir 1’histoire... op. cit.,
p. 91 sq.
46
Historiadores, oradores e escritores
Heródoto faz com que seu discurso “ganhe cores”, como quando
47
A história é uma literatura contemporânea
no decorrer da matéria”.
dade para aquele que queira relatar o que aconteceu. Seria preciso
48
Historiadores, oradores e escritores
A história-panegirica
49
A história é uma literatura contemporânea
no Panegírico de Trajano.
Este último não é menos culpado quando carrega nas tintas para
50
Historiadores, oradores e escritores
13
Polybe, VIII, 8-9.
i«i
Lucien de Samosate, Cojnment écrire l histoire, Paris, Les Belles Lettres, 2010.
§7,12 e 38-41.
15 Communications, n. 16, p. 172-223,
Ver Roland Barthes,“L’ancienne rhétorique
literária”, ver Adriana Zangara,
1970. Acerca da epideixis como ‘‘performance
VoirVhistoire... op. cit., p. 135 sq.
51
A história é uma literatura contemporânea
eo
panegírico. Luciano considera que é um erro grave” misturar
a história. Mas - eis um ponto capital- não lhe são exteriores; nao e
escolhidas por acaso,será literária. E a razão pela qual é tão fácil apontar
52
Historiadores, oradores e escritores
53
A história é uma literatura contemporânea
54
Historiadores, oradores e escritores
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A história é uma literatura contemporânea
poderosos da corte: seu vazio. A glória não pertence nem aos con-
dos Cíceros são as “marcas vãs daquilo que não é mais”.^^ O homem
56
Historiadores, oradores e escritores
“Não sou nem francês, nem alemão,nem inglês, nem espanhol, etc.
57
A história é uma literatura contemporânea
21
Voltaire, “Littérature”, Dictionnaire philosophique, in CEuvres complètes, Paris,
Crapelet, 1819(1765), v. 37, p. 136-139. Ver Philippe Caron,Des "Belles Lettres"
à la "Littérature". Une archéologie des signes du savoir profane en langue française
(1680-1760), Paris, Société pour Tlnformation Grammaticale, 1992.
22
Alain Viala, Naissance de Vécrivain. Sociologie de Ia littérature à lage dassiq ue,
Paris, Minuit, 1985, cap. IX.
58
Historiadores, oradores e escritores
59
A história é uma literatura contemporânea
60
Historiadores, oradores e escritores
61
A história é uma literatura contemporânea
geral dos eventos públicos”, sem nunca evocar a vida dos homens.
27
A moral só existe “em massa”, relativa aos povos e às nações.
27
Mme de Staèl, Essai sur les fictions, London, Colburn, 1813(1795), p. 37-41.
62
Historiadores, oradores e escritores
2a
Citado em Philippe Lacoue-Labarthe; Jean-Luc Nancy (dir.), Labsolu littéraire...
op. cit., p. 54.
63
A história é uma literatura contemporânea
29
Ver Philippe Caron, Des "Belles Lettres’’ à la “Littérature"... op. cit, p. 281 sq.
64
Historiadores, oradores e escritores
a seu espírito crítico, ao seu gosto pela exatidão. Para o jovem britâ
Abbé Batteux, Príncipes de la littérature, 5" éd., Paris, Saíllant et Nyon, 1774,
V. 4. p. 332-333.
Voltaire, carta ao abade Dubos(30 de outubro de 1738), in CEuvres complètes,
V. 43, Correspondance générale, t. II. Paris, Armand-Aubrée, 1830, p. 83.
65
A história é uma literatura contemporânea
nir uma arte de governar que estaria baseada nas melhores insti
32
Edward Gibbon, Essai sur letude de la littérature, London, Becket, 1762, p. 65
66
J
Historiadores, oradores e escritores
33
Acerca dessa divisão, ver Charles Snow, The Two Cultures and the Scientiflc Revo-
lution, Cambridge, Cambridge University Press, 1959; e Wolf Lepenies,Les trois
cultures. Entre Science et littérature, Vavènementde la sociologie. Paris, MSH,1990.
34
Louis de Bonald. "Sur la guerre des Sciences et des lettres”, Mélanges Litté-
raires, Politiques et Philosophiques, Paris, Le Clère, v. 2, p. 305-310, 1819. Ver
Jean-Luc Chappey,“De la science de rhomme aux Sciences humaines. enjeux
politiques d une configuration de savoir (1770-1808)”, Revue dWstoire des
Sciences Humaines, n. 15, p. 43-68, 2006.
67
A história é uma literatura contemporânea
68
2.
vez em 1623,
Ao editar a obra de Shakespeare pela primeira
ria; uma narrativa política, ritmada pela sucessão dos reis cris
as Crônicas de
tãos e ingleses. Esse ponto de vista contrasta com
Chateaubriand e a epopeia-história
70
0 romance, pai da história?
71
A história é uma literatura contemporânea
fôlego dos Mártires que, ainda que seja uma ficção, revela brusca
mente uma nova forma de escrever a história. Os detalhes fanta
72
o romance, pai da história?
àquele que passou a ser o patriarca das letras francesa; mas não
73
A história é uma literatura contemporânea
74
o romance, pai da história?
observa que
caminho
a história propriamente dita seguiu
aberto pelo romancista escocês. [...] Até então, a
história moderna não passara de um esqueleto des
carnado; Walter Scott, os senhores Barante e Thierry
conferiram-lhe músculos, carnes e cores.
^ Leslie Stephen, Hours in a Library [..■], Grosse Pointe, Scholaily Press, 1968
(1894), p. 220.
® J.-J. V. "De la réalité en littérature", LeMercureduXIX^siède, v. 11, p. 502-509,1825.
75
A história é uma literatura contemporânea
é precisamente incapaz.
76
o romance, pai da história?
77
A história é uma literatura contemporânea
78
o romance, pai da história?
79
A história é uma literatura contemporânea
realça “quatro figuras que são os tipos para seu século”: Frédégonde,
Ibid., prefácio de Récits des temps mérovingiens, op. cit., p, 7. Ver Marcei Gauchet,
"Les Lettres sur Vhistoire de France d'Augustin Thierry", in Pierre Nora (dir.),
Les lieux de mémoire, v. 2, La Nation, 1.1, Paris, Gallimard, 1986, p. 247-316.
80
0 romance, pai da história?
As guerras da verdade
81
A história é uma literatura contemporânea
82
o romance, pai da história?
história-eloquência ciceroniana.
83
A história é uma literatura contemporânea
teca Real de Paris. Vigny, que temia rebaixar sua arte ao nível do
Citado em Pascal Melka, Victor Hugo, un combat pour les opprimés, Paris,
La Compagnie Littéraire, 2008, p. 166-167.
84
o romance, pai da história?
Citado em Cicely Wedgwood, Jhe Sense ofthe Past, Cambridge, Cambridge Uni-
versity Press, 1957, p. 10-11.
en
François Guizot, Coiií-s ã'hÍstoire moderne. Histoire générale de la civÜisation
Europe, Bruxelles, Hauman, 1838(1828), p. 215.
20
Louis-Mathieu Molé. Réponse au discoiirs de M. le comteÁlfred de Vigny [...],
Paris, Firmin Didot, 1846.
85
A história é uma literatura contemporânea
O histoiriador-o-iador
ção literária. Para Vigny, a “crisálida do fato” só alça voo nas asas
que também podem ser criadores. Não que inventem seres de ficção;
21
Thomas Carlyle, Histoire de la Révolution Française, Paris, Baillière, 1867(1837),
V. 3, p. 325.
86
o romance, pai da história?
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A história é uma literatura contemporânea
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o romance, pai da história?
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A história é uma literatura contemporânea
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o romance, pai da história?
91
A história é uma literatura contemporânea
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o romance, pai da história?
93
A história é uma literatura contemporânea
28
Jérôme David, Une réalité à mi-hauteur’. Exemplarités littéraires et générali-
sations savantes au XIX" siècle”, Annales HSS, n. 2, p. 263-290, mars-avr. 2010.
94
o romance, pai da história?
XIX o que não foi possível para Roma, Egito, Pérsia ou índia, escavar,
e das coisas.
registrar, explicar, estabelecer a significação das ações
Não somente o escritor faz um trabalho mais difícil do que o do
95
A história é uma literatura contemporânea
96
o romance, pai da história?
aux
Sainte-Beuve, Panorama de la Uttérature française de Marguente de Navarre
frères Goncourt, Paris, LGF,“Le Livi-e de Poche". 2004, p. 1199 e p. 1213.
97
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3.
História-ciêstcia e
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micróbios literários
em
O termo “realismo”, nome do pavilhão onde Courbet expõe
uma coletânea
1885, título de uma revista dirigida por Duranty e de
assim como Eugène Sue se interessa pelo destino das classes baixas.
O método naturalista
segue chegar à verdade por meio da ciência. A partir dos anos 1850,
Flaubert profetiza que "a literatura ganhará cada vez mais contornos
100
História-ciência e “micróbios literários”
3 Paul Alexis, citado em Jules Huret, Enquête sur lévolution littéraire [...], Paris,
Charpentier, 1891, p, 188 sq.
■' Citado em Clémentine Gutron, ‘'Salammbô: une leçon darchéologie par Flaubert”,
in Alban Bensa; François PouiUon, Terrains decrivains. Littérature et ethnographie,
Toulouse, Anacharsis, 2012, p. 35-66.
101
A história é uma literatura contemporânea
ção. Cada um de seus romances abre espaço para uma longa prepara
redige fichas) as obras dos grandes alienistas de seu tempo,o que lhe
102
História-ciència e “micróbios literários”
103
A história é uma literatura contemporânea
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História-ciênda e “micróbios literários”
105
A história é uma literatura contemporânea
documentos são traços, graças aos quais o historiador pode recuar até
os fatos hoje desaparecidos. Nesse campo,os franceses e os amenca-
nos
se valem dos eruditos alemães, Niebuhr, Bõckh, Ranke, Harnadc,
Gervinus, Mommsen,Waitz, e se inspiram de suas grandes coleções
Ver Georg Iggers, “The Image of Ranke in American and German Historical
Thought”, History and Theory, v. 2, n. 1. p. 17-40,1962; e mais especificamente
Peter Novick, That Noble Dream. The “Objectivity Question’and the American
Historical Profession, Cambridge, Cambridge University Press, 1988 cap 1-3
106
História-ciência e "micróbios literários'
'' Ver Charles-Olivier Carbonell,Histoire et historiens. Une ?nutatíon idéologique des histo-
ríensfiançais,1865-1885,Toulouse,Privat,1976; e mais espedficamente, Chnstophe
Charle; Jacques Verger. Histoire des universités. Paris,PUF,2012,cap. V e VI.
107
A história é uma literatura contemporânea
10
Edmond e Jules de Goncourt(24 octobre 1864), Journal, v. 1. Paris, Robert
Laffont, “Bouquins”, p. 1112.
Émile Zola, “Premier plan remis à Lacrobc”, in Les Rougon-Macquart [...], v. 5,
Paris, Gallimard, "Bibliothèque de la Pléiade”, 1967, p. 1757.
Annales internationales d'histoire. Congrès de Paris. 1900, Paris, Armand Colin
1901, p.7.
108
História-ciéncia e “micróbios literários
liga sua obra a seu autor: “Herodias é a Judeia trinta anos após J.C.,
a Judeia real. [...] Você tem toda razão de me dizer que hoje a his
opinião, “ele deve, em sua criação, imitar Deus em seu ato, ou seja:
209
A história é uma literatura contemporânea
fazer e calar”.^® Para Zola, não é o escritor que fala, mas os fatos, as leis
mas também porque ele é não ciência. Posto que a química e a astro¬
Numa Denis Fustel de Coulanges, “Comment il faut lire les auteurs anciens”,
in Camille JuUian,Extraits des historiens français du XIX‘= siècle, Paris, Hachette,
1908, p. 659 sq.
110
História-ciência e “micróbios literários'
tudo de uma só vez. Essa visão geral é uma das marcas de fábrica
zas da alma; mas, como o romancista, ele sabe sempre mais do que
111
A história é uma literatura contemporânea
uma imensa casa de vidro” que nada consegue esconder aos olha¬
19
Guy de Maupassant, “Le roman” (1887), in Pierre etJean, Paris, Ollendorff,
1888. Ver Philippe Haraon, “Zola, romancier de la transparence”, Europe,
n. 468-469, p. 385-391, avr.-mai 1968.
112
História-ciência e “micróbios literários
20
Ver Gérard Genette; Todorov Tzvetan (dir.), Littérature et réalité. Paris, Seuil,
1982, principalmente Roland Barthes, “L’effet de réel” (1968), p. 81-90, e
Philippe Hamon,“Un discours contraint , p. 119-181.
113
A história é uma literatura contemporânea
A história metódica
não é um pensamento da prova. Tem-se ali
lhes nos quais se exibe seu virtuosismo técnico, eles pintam como
eruditos. A exatidão se esconde até mesmo nos botões de polainas.
114
História-ciência e “micróbios literários"
não somente para tornar obsoleta essa forma de pintar, mas para
derrubar o sistema da Academia. A universidade francesa, por
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A história é uma literatura contemporânea
116
História-ciência e “micróbios literários
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A história é uma literatura contemporânea
conflito. O poeta leva uma vida boêmia, exibe seu desprezo pelas
118
História-ciênda e “'micróbios literários
119
A história é uma literatura contemporânea
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História-ciência e “micróbios literários
121
A história é uma literatura contemporânea
29
Gabriel Monod,“Du progrès des études historiques en France depuis le XVP
siède”, Revue Historique, 1.1, p. 5-38,jan.-juin. 1876, p. 29-30.
30
Gabriel Monod,Les Maítres de Ihistoire. Renan, Taine,
Michelet, Paris, Calmann-Lévy
1894, p. 181. Ver Yann Potin,“Les fantômes de Gabriel Monod. Papiers et paroles
de Jules Michelet,érudit et prophète”, Revue Historique, n. 664,p.803-836 2012
122
História-ciência e "micróbios literários
com a cor, movidos pelo entusiasmo. Aquele que não busca extrair
fatos está condenado a errar nas neblinas da imaginação. A norma
123
A história é uma literatura contemporânea
33
nele “um amador algo fantasioso”, Ainda mais raros são os eru-
Esse repúdio, como uma vergonha das origens, desfere o golpe fatal
no sistema das belas-letras.
33
Lucien Febvre,“Les morts de l’histoire vivante: Gaston Roupnel,Annales ESC
n.4,p. 479-481, 1947.
Élisée Reclus, carta ao seu editor, citada em Histoire d’une montagne, Gollion
Infolio, 2011(1880), p. 18-19.
124
História-ciência e '‘micróbios literários”
res. Seja fazer literatura e alcançar o grande público, mas sua escrita,
os metódicos a
Mas não é porque denunciam a literatura que
Henri Franck, “Henri Houssaye”, in La danse devant Varche, Paris, NRF, 1912,
p. 219-222.
125
A história é uma literatura contemporânea
36
Jacques Rancière, Les noms de Vhistoire..., op. cit., p. 21.
126
História-ciência e "micróbios literários
127
A história é uma literatura contemporânea
40
Alice Gérard, “Philippe Sagnac revu et corrige par Ernest Lavisse: un modèle
de censure discrète”, Revue d'Histoire Moderne et Contemporaine, v. 48, n. 4,
p. 123-159, oct.-déc. 2001.
128
História-ciência e "micróbios literários
129
A história é uma literatura contemporânea
130
História-ciência e “micróbios Hterários”
131
A história é uma literatura contemporânea
132
História-ciênda e “micróbios literários"
cias sociais para contar a vida, para dizer a verdade dos homens.
Em Buddenbrook: decadência de uma família (1901), Thomas Mann
133
A história é uma literatura contemporânea
44
Citado em Wolf Lepenies, Les Trois Cultures..., op. cit., p. 296.
134
História-ciência e “micróbios literários'
135
1
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4,
Carl Becker, “Everyman His Own Historian”, American Historical Review, v. 37,
n.2,p. 221-236,1931.
A história é uma literatura contemporânea
138
o retorno do recalcado literário
O “escândalo” narrativista
139
A história é uma literatura contemporânea
Isso porque a análise de Stone não exclui quase nada das déca¬
140
o retorno do recalcado literário
bém porque se deixa levar pelo tedioso vai e vem entre ciência e
141
A história é uma literatura contemporânea
resta dúvida de que Renan e Duby optaram por uma forma mais
“literária” que os demais.
A “virada retórica'
ideológica(anarquismo,radicalismo,conservadorismo ou liberalismo).
142
o retorno do recalcado literário
sofo grego ativo por volta de 300 a.C„ é considerado como um dos
143
A história é uma literatura contemporânea
rentes versões dos fatos. Incapaz de certeza, ela deve ser contentar
144
0 retorno do recalcado literário
145
A história é uma literatura contemporânea
12
Ibid., p. 176.
13
Arnaldo Momigliano,'‘Tlie Rhetoric of History and the History of Rhetoric: on
Hayden White’s Tropes”(1981),Settimo contributo alia storia degli studi classici e
dei mondo antico, Rome, Edizioni di storia e letteratura, 1984, p. 49-59; e Roger
Chartier, Au bordde la falaise. Vhistoire entre certitudes et inquiétude, Paris, Albin
Michel, 1998, cap. III e IV.
146
J
r
14
li
K
o retorno do recalcado literário
n
gás não passam de um “discurso”. Suas últimas trocas com os
14
historiadores girarão, por sinal, em torno do genocídio. '
t
S
If
1
Ver Saul Friedlànder (ed.), Probing the Limits ofRepresentation: Nazism and the
"Final Solution", Cambridge, Harvard University Press, 1992, príncipalmente >
4
Cario Ginzburg, “Just One Witness , p- 82-96.
í,
147
I
A história é uma literatura contemporânea
148
0 retorno do recalcado literário
149
A história é uma literatura contemporânea
150
li
*4>
o retorno do recalcado literário
com
O escritor responde a essa condescendência invejosa
16
Jean-Jacques Rousseau, Les Confessions, in CEuvres complètes, v. 1. P^^is,
Gallimard, “Bibliothèque de la Pléiade . 1959, p. 278.
l'
151
L
A história é uma literatura contemporânea
histórias que todo mundo sabe que não são "verdadeiras”, dizem
17
Milan Kundera, Vartdu roman, Paris, Gallimard, 1986, p. 17-18 e p. 138-139.
152
o retorno do recalcado literário
sem ter que prestar contas à verdade, pois faz literatura (entendida
><ois
153
A história é uma literatura contemporânea
exemplos, ilustrações. Ela se torna uma “fonte”, ainda que deva ser
retificada dizendo exagerar ou enganar-se. No início de Histoire de
154
o retorno do recalcado literário
20
Louis Chevalier, Classes laborieuses et classes dangereuses à Pans pendant la pre-
mière moitié du XIX'-' siècle, Paris Hachette, “Pluriel”, 1984(1954), p. 19-21.
21
Roland Barthes, "Histoire ou littérature?’’, in Sur Racme, Paris, Semi, 1963,
ver
p. 145-167. Acerca desse movimento de “re-historicização do literário
o número especial dos Amales HSS. “Littérature et Histoire”, organizado por
Christian Jouhaud, v. 49, n. 2, mar.-avr. 1994.
155
A história é uma literatura contemporânea
22
Ver Catherine Bidou-Zachariasen, Proust sociologue. De la maison aristocratique
au salon bourgeois, Paris, Descartes, 1997; e Jacques Dubois, Pour Albertine
Proust et le sens du social, Paris, Seuil, 1997.
23
Mona Ozouf, “Récit des romanciers, récit des historiens”, Le Débat, n. 165
p. 13-25, mai-aoüt 2011.
24
Ver o número especial dos Annales HSS,“Savoirs de la Littérature”, organizado
por Étienne Anheim e Antoine Lilti, v. 65, n. 2, mar.-avr. 2010.
156
o retorno do recalcado literário
ciências sociais por volta de 1930, mas com a crença de que a nâo
257
o raci^dm© laistoric®
5.
ou do teórico da virada
Coloquemo-nos no lugar do semioticista
Os efeitos de verdade
Por exemplo, pode ocorrer que Zola desdobre seu modelo, presente
ao mesmo tempo sob sua forma real e uma forma fictícia. A com¬
162
Que é a história?
que ele carregava sua “cabeça, a qual levava pendurada pelas mãos
»4
à guisa de lanterna sua descrição é ao mesmo tempo realista e
Dante Alighieri, La Divine Comédie, Paris, Diane de Selliers, 2008, canto XXVIIl,
p. 158.
163
A história é uma literatura contemporânea
164
.J
Que é a história?
165
A história é uma literatura contemporânea
dade, aquilo que buscava era uma expiação voluntária. Nunca teria
que “acima dos copos nos quais bebiam, a morte invisível já cruzava
seus dedos descarnados”.
166
Que é a história?
cista sabe tudo, mas destila e sugere seu saber. Um mostra sua
167
1
para chegar até nós “tal qual”. Daí a força dos analecta: evocações,
alusões, relatos, detalhes verdadeiros.
que não têm nenhum interesse porque são banais, cheios de clichês,
168
Que é a históina?
deiras: que De Gaulle era partidário dos blindados, que foi a Argel
169
A história é uma literatui-a contemporânea
Da mimese à gnose
170
Que é a história?
por que digo isso, como sei disso, com quais provas, qual contexto,
ção, os fatos não valem muita coisa; eles são, no melhor dos casos,
a partir de algo real, ele fabricou algo falso. É claro que sentimos
171
A história é uma litei'atura contemporânea
derá, ao contrário, a ideia de que todo homem pode ser seu próprio
iü
Marcei Detienne, Les maitres de vérité àans la Grèce archàique, Paris, “Le Livre
de Poche", 2006(1967).
172
Que é a história?
pode aplicá-la a sua própria vida, à vida dos seus familiares, à dos
seus desaparecidos, ou, o que acaba sendo a mesma coisa, à dos seres
vivem fora
que ele não conheceu, porque já estão mortos ou porque
173
A história é uma literatura contemporânea
várias implicações.
174
Que é a história?
175
A história é uma literatura contemporânea
falam menos daquilo que aconteceu do que daquilo que foi feito,
176
Que é a história?
177
A história é uma literatura contemporânea
ainda não passou tem um valor heurístico: esse passado que os his
toriadores estudam vibra ainda
no presente, no nosso presente,sob
Marc Bloch, Les caractères originaux de Vhistoire rurale française, Oslo, Instituto
de Estudos Comparativos das Civilizações, 1931, p. 250.
178
Que é a história?
ciência? Muitos
Que é preciso para que a história seja uma
179
A história é uma literatura contemporânea
leis, pode-se explicá-lo. Hempel não oferece exemplos para sua teo¬
ria, com exceção da explosão de um radiador de carro durante uma
aqueles que ameaçam seu poder” ou que “aquele que viveu pela lei
do talião morrerá pela lei do talião”. Por outro lado, ainda que as
180
Que é a história?
Políbio. III, 6.
20
Henri Lancelot-Voisin de La Popelinière Vhistoire cies histoires, avec Vidée de
. 94-95.
1’histoire accomplie [...], Paris, Fayard 1989(1599), v. 2. p
181
A história é uma literatura contemporânea
sentido. Pois, no final das contas, será que a Shoah tem causas”?
“compreender” o universo, uma vez que faz parte dele. Mais ampla
21
Ver Clifford Geertz,“La description dense”, op. cit, p. 8.
182
Que é a história?
22
em resolver problemas.
da mesma epistemologia, que consiste
não “passar de" literatura. No fundo,a única coisa que conta é que
183
A história é uma literatura contemporânea
filandrosa, sem pé nem cabeça, que atira para todos os lados, nao
é uma narrativa. Assim,
a narrativa não é a camisa de força da
23
Paul Ricceur, Temps et récit, v. 1, op. cit., p. 339. Ver ainda Arthur Danto, Ana-
lytical Philosophy ofHistory, op. cit., cap. VII.
2-1
François Hartog,Le miroir d'Hérodote. Essai sur la représentation de 1'autre, Paris
Gallimard,"Folio histoire”, 2001(1980), p. 72.
184
Que é a história?
185
6.
Os escritores da história-ciência
podería ser uma ciência porque não tem um método e visa apenas o
rotina de difamação. Mas ela não deve ser considerada como uma
certidão de nascimento da história-ciência; trata-se, melhor, do
188
Os escritores da história-ciência
189
A história é uma literatura contemporânea
190
Os escritores da história-ciência
191
A história é uma literatura contemporânea
sas. Ele não se apaga, como Tucídides, diante de uma história que
fala sozinha, mas assume seu status de pesquisador. Ele não se con
tenta em descrever, mas revela suas dificuldades. Ele se engana,sem
dúvida, mas não cessa de refletir sobre suas fontes, sobre o direito
que tem de afirmar algo. Seus “acredito que”, seus “segundo meu
ver” e seus “no que me diz respeito” não selam o estatuto pré-cien-
192
Os escritores da história-ciência
VIII agindo sob as ordens do papa Etienne II, que buscava estabele
cer seu poder temporal. Da falsa e mentirosa doação de Constantino
10 de Constantin”, in Rapports de
Cario Ginzburg,“Lorenzo Valia et la donation
force..., op. cit., p. 57-70.
193
A história é uma literatura contemporânea
regras da história. Quais são elas? Não dizer nada falso; dizer toda
194
Os escritores da história-ciência
195
A história é uma literatura contemporânea
ticada por filólogos como Valia e Budé e por juristas como Bodin,
13
Bernard Guenée, “Histoires, annaJes, chroniques. Essai sur les genres histo
riques au Moyen Âge”,Annales ESC, v. 28, n. 4, p. 997-1016, 1973.
14
Ernest Renan, ViedeJésus, Paris, Lévy, 1863, p. LII.
196
Os escritores da história-ciência
Marc Fumaroli. Lage de Véloquence..., op. cit, p. 489 sq. e p. 686 sq.
Philippe Desan,Penser 1'histoire à la Renaissance, Caen,Paradigme, 1993,cap. V.
IG
197
A história é uma literatura contemporânea
17
F. Smith Fussner, The Historical Revolution: English Historical Writing and
Jhought, 1580-1640, London, 1962; e G. Wylie Sypher, “Similarities Between
the Scientific and the Historical Revolutions at the End of the Renaissance”
Journal ofthe History ofIdeas, v. 26, n. 3, p. 353-368,jul.-set.1965.
18
Henri Lancelot-Voisin de La Popelinière, VidéedeVhistoireaccomplie..., v. 2. op.
cit., p. 258.
298
Os escritores da história-ciéncia
Ele cultiva um ódio cego aos bastardos do rei, a sua antiga governanta
199
A história é uma literatura contemporânea
raciocínio histórico tal como forjado no século XVI: recorrer aos tes
seja ‘ditado pela verdade nua para bem ou para mal”, impedir que a
O espirito de 1690
20
René Descartes, carta a Hogelande(8 de fevereiro de 1640), citada em Yvon
Belaval, Leibniz critique de Descartes, Paris, Gallimard, 1978, p. 91.
200
Os escritores da história-ciência
201
A história é uma literatura contemporânea
202
Os escritores da história-ciéncia
203
A história é uma literatura contemporânea
22
Mabillon, Brèves réfiexions sur quelques règles de Vhistoire, Paris, POL, 1990.
204
Os escritores da história-ciência
23
Arnaldo Momigliano,“L’histoire ancienne et 1’antiquaire (1950),in Problèmes
d'historiographie ancienne et moderne, op. cit., p. 244-293; e Marc Fumaroli,
Gilbert Gadoffre
“Historiographie et épistémologie à lepoque classique , in
(dir.), Certitudes et incertitudes de Vhistoire, Paris, PUF, 1987, p. 87-104.
24
Anthony Grafton, Les origines tragiques de lerudition. Une histoire de Ia note en
bas de page, Paris, Seuil, “La Librairie du XX'^ siècle , 1998.
205
A história é uma literatura contemporânea
A cólera da verdade
206
Os escritores da história-ciência
25
Olivier Dumoulin, “Les historiens”, in Michel Drouin (dir.), L'Affaire Dreyfus,
Paris, Flammarion, 2006, p. 389-396.
207
A história é uma literatura contemporânea
208
Os escritores da história-ciència
ceu, aquilo que ocorreu, aquilo que aconteceu conosco, aquilo que
27
Augustin Thierry, préface à Dix ans cietudeshistoriques, op. cit., p. 353.
28 . 245-246.
Primo Levi, La trêve, Paris, Grasset,“Le Livre de Poche , 1966, p
209
A história é uma literatura contemporânea
29
Paul Ricoeur, Histoire et vérité, Paris. Seuil, "Essais' 1955, p. 32-39.
210
7.
As operações de veridição
A distância
distância? A distância
Como o pesquisador faz para tomar
212
As operações de veridiçào
ues,
2 Ver Pierre Bourdieu et al, Le métier de sodologue. Préalables épistémologiq
Berlin; New York, Mouton de Gruyter, 2005(1968).
3 Henri-Irénée Marrou. De la connaissance historique. Paris, Seuil, 1954, p. 132 sq.
213
A história é uma literatura contemporânea
214
As operações de veridição
as
Esse postulado tem duas consequências importantes: todas
215
A história é uma literatura contemporânea
216
As operações de veridiçao
arquivo; mas isso não deve deixar de lado o fato de que o arquivo está
Charlotte Beradt, Rêversous le Troisième Reich, Paris, Payot & Rivages, 2002.
autre histoire” (1949), in
A citação encontra-se em Lucien Febvre, Vers une
Combats pour Vhistoire, op. cit., p. 419-438.
217
A história é uma literatui'a contemporânea
218
As operações de veridição
a um
racional, pensado, ao longo do qual os indícios coletados um
9
Michel Brunet, D’Abel à Toumat Nômade, chercheur dos, Paris. Odile Jacob,
2006, p. 60-61 e p. 124-125.
219
A história é uma literatura contemporânea
220
As operações de veridição
221
A história é uma literatura contemporânea
A comparação
distância, que as ciências sociais podem ser uma aventura, uma busca
na qual investimos todo
nosso ser. Pesquisar, viajar, dedicar-se,
descobrir,investigar, historei: a etimologia nos relembra que a histó-
ria se faz indo
ver pessoalmente, coletando, reconstituindo pedaço
222
As operações de veridição
223
A história é uma literatura contemporân ea
cular pelo mundo,para ser capaz de contar toda a história. Não existe
224
As operações de veridição
. Na elo-
Chegamos ao fundo do raciocínio histórico: provar
le meilleur chevalier du
Faço alusão a Georges Duby, Guillaume le Maréchal ou
. Vunivers d'un
monde. Paris, Fayard, 1984; Cario Ginzburg,Le fromage et les vers
meunier du XVP siècle, Paris, Flammarion, 1980; Emmanuel Le Roy Ladune,
Saint-Simon ou le système de la cour. Paris, Fayard, 1997; Jean Fourastié. Les
Trente Glorieuses ou la révolution invísible de 1946 à 1975, Paris. Fayard, 1979,
assim como a dois de meus livros: Enfants en exU. Transfert de pupilles réunionnais
en métropole, 1963-1982, Paris, Seuil, 2007; e Histoire desgrands-parents queje
n’ai pas eus. Une enquête, Paris, Seuil. “La Librairie du XXP siècle”, 2012.
225
A história é uma literatura contemporânea
Certos encadeamentos do
raciocínio foram, portanto, silen-
ciados, pois julgados evidentes(de uma “evidência” que deveria ser
contestada, é claro). Ainda que rigorosas, as ciências sociais recor
226
As operações de veridiçao
ção, mas entre um texto científico e qualquer outro texto. Ela está
13
Políbio, III, 33.
14
Voltaire, “Histoire”, in Encydopédie, op. cit.
15 3*= éd., Rotterdam,
Pierre Bayle,“Épicure”, in Dictionnaire historique et critique.
Bohm,1720, v. 2, p. 1077, nota E.
16
Jorge Luís Borges,“Deux livres", in Enquêtes, Paris, Gallimard,"Folio", 1967;
p. 169.
227
A história é uma literatura contemporânea
228
As operações de veridição
escreve Seignobos:
229
A história é uma literatura contemporânea
19
Emest Labrousse,Esquisse du mouvement des prix et des revenus en France au XVIIF
siède, V. 2, Paris, Éditions des Archives Contemporaines, 1989(1933) p 315
230
As operações de veridição
231
A história é uma literatura contemporânea
avós em 1943, tive que formular três hipóteses para poder criti
cá-las uma a uma:
- se foram
presos pela polícia municipal do seu
bairro, em represália a um atentado ocorrido dias
antes,como explicar que todos os habitantes judeus
do prédio não tenham sido levados?
- se foram presos enquanto resistentes ou comu
nistas, como explicar que as Brigadas Especiais não
tenham sido mobilizadas?
22
Ivan Jablonka,Ni père ni mère. Histoire des enfants de 1’Assistance Publique. 1874-
1939, Paris, Seuil, 2006,cap. I.
232
As operações de veridição
233
A história é uma literatura contemporânea
23
Francesco d’Errico, "Nassarius Kraussianus Shell Beads from Biombos Cave:
Evidence for Symbolic Behaviour in the Middle Stone Age”. Journal ofHuman
Evolution, n. 48, p. 3-24, 2005.
234
As operações de veridiçâo
Pierre Bayle. carta a seu irmão Joseph (30 de janeiro de 1675), disponível em
http;//bayle-correspondance.univ-st-etienne.fr/.
Karl Popper, Misère de Vhistorkisme, Paris, Presses Pocket,"Agora”. 1988(1945),
p. 168-169.
235
A história é uma literatura contemporânea
O enunciado de verdade
27
íd., La logique de la découverte scientifique, op. cit., p. 287.
236
As operações de verídição
28
Pierre Bayle, “Dissertation”(1692), in Dictionnaire historique et critique, 3'éd.,
Rotterdam, Bohm,1720, v. 4, p. 2983-2984.
237
A história é uma literatura contemporânea
238
As operações de veridição
239
A história é uma literatura contemporânea
240
As operações de veridição
241
A história é uma literatura contemporânea
o
conjunto dos conhecimentos disponíveis não nos contradigam.
Se a história é uma luta contra o erro, a mentira, o esquecimento.
242
mÊT
8.
Status da ficção
ela mesma: ela cria seu próprio mundo com auxílio de todo tipo
dadeira nem falsa, ela é outra coisa. Não se pode esperar qualquer
elucidação ou esclarecimento vindo dela. Como escreve Barthes,
em um texto tudo deve ser desenredado, mas nada deve ser deci
frado”.^ A leitura intransitiva reúne,em dois séculos, os românticos
de lena,
os parnasianos, os críticos pós-saussurianos de Barthes a
244
As ficções de método
se
alucinações coletivas, uma espécie de “efeito Werther que teria
245
A história é uma literatura contemporânea
246
As ficções de método
247
A história é uma literatura contemporânea
: ''
incrível se encontra até mesmo na ficção científica: os romances
248
As ficções de método
ces são tão poderosos que levam o efeito de real a um grau inédito.
Eles fazem nascer personagens larger than life que habitam nossa vida
como se os tivéssemos realmente conhecido. A relação entre o refe
249
A história é uma literatura contemporânea
Victor
Hugo,La légenàe des sièdes, Paris, Gallimard,“BibÜothèque de la Pléiade”.
1950(1859), p. 5.
250
As ficções de método
neve sangrenta,/ Ela cai, e tudo vira cor púrpura. Pode-se dizer
não é tão pueril quanto parece: essa é a razão pela qual Platão não
251
A história é uma literatura contemporânea
literal, assim como um cão que quebra o osso para lamber o “subs-
252
As ficções de método
perfeitamente comprovado.
253
A história é uma literatura contemporânea
254
As ficções de método
Julian Barnes, Une histoire du monde en 10 chapitres Paris, Stock, 1989, p.318.
255
A história é uma literatura contemporânea
ainda mais força; elas não são lúdicas nem arbitrárias, mas coman
256
As ficções de método
esses hábitos,
aquilo que conhecemos de cor? Para lutar contra
consiste em
pode-se iniciar um processo de desfamiliarizaçao, que
o estranhamento do
desarraigar-se voluntariamente, organizar
reabilitado pelos
mundo ou a bizarrice do passado. Antes de ser
formalistas russos nos anos 1920, o estranhamento foi praticado
de Huron
pelos satiristas como Voltaire (por meio do olhar ingênuo
se empenhava
ou do Cândido) e de poetas como Wordsworth (que
em “conferir o charme da novidade às coisas de todos os dias e de
18
Como narra seu amigo Samuel Coleridge em Biographia literaria(1817). cap. XIV,
■ . Ver Cario Ginzburg,
disponível em http;//w\v\v.gulenberg.org/cbooks/608l
, in À distance. Neufessais
“Lestrangement. Préhistoire d’un procédé littéváire
surle pointde vue en histoire, Paris, Gallimard, 2001, p. 15-36.
Ver François Hartog, Le miroir d'Héroàote..., op. cit, p. 364.
257
A história é uma literatura contemporânea
258
As ficções de método
por cima e pelos esgotos por baixo, a rua se torna uma experiência
; 21
em si. Essas experiências fundam uma antropologia do infraor-
A plausibilidade
259
A história é uma literatura contemporânea
260
As ficções de método
dor enuncia não somente aquilo que aconteceu, mas o que pode ter
261
A história é uma literatura contemporânea
mais universal, não teria valor de prova. Ele não passa de cenário
muito possível, uma hipótese não somente moldada na realidade,
mas
tributária dela e comandada pelas fontes das quais dispomos;
Conceitos e teorias
mente a existência de um fato (aquele que adota finge que o que foi
adotado vem dele) ou ainda elas negam que exista(o testamento de
um cidadão morto em cativeiro é valido e, no entanto,seu cativeiro
Yan Thomas, Fictio legis. Lempire de la fiction romaine et ses limites médié-
vales”, Droits. Revue Française de Théorie Juhdique, n, 21. p. 17-63,1995.
262
As ficções de método
2S
Max Weber, Économie etsociété, Paris, Plon,“Pocket”, 1995 (1925), v. 1, p. 51.
26
Reinhart Koselleck, Le futurpassé. Contribution à Ia sérnantique des temps histo-
riques, Paris, Éditions de l’EHESS, 1990(1979), cap. V.
263
A história é uma literatura contemporânea
264
As ficções de método
ração um fato que se sabe, com pertinência, ser falso ou não tendo
tese que não precisa ser testada, pois foi introduzida de cara como
Jesus vive ainda muitos anos, ele atrai milhares de discípulos, morre
265
A história é uma literatura contemporânea
caçao, por meio do qual o historiador tenta "dizer algo certo com
28
Todos
„ . esses exemplos
, foram extraídos de Robert Oowley (ed.), More tVftíJt/f?
B^nentastcnanslmagine WhatMightHa.eBeen. Londcn, Macmillan, 2002.
Ver Quentm Deluermoz; Pierre Singaravélou, Explorer le champ des possibles.
Approches contrefactuelles et futurs
,, , ^ advenus en histoire”, Revue á'Histoire
Moderne et Contemporaine, n. 59, p. 70-95, 2012
29
Antoine Prost. Douze leçons sur Vhistoire, Paris, Seuil, “Points Inédit Histoire”
1996, p. 280. Ver Nicole Loraux,“Êloge de 1'anachronisme en histoire", Le Genre
Humain, n. 27, p. 23-39,1993.
266
As ficções de método
Procedimentos narrativos
mar.-avr. 1989.
267
A história é uma literatura contemporânea
268
As ficções de método
269
A história é uma literatura contemporânea
270
As ficções de método
Ativar a ficção
Essa visão de conjunto nos ensina que certas ficções têm uma
271
A história é uma literatura contemporânea
272
As ficções de método
Eles são claramente seres de ficção, mas também podem ser con
humana, não é porque ela seja muito realista, nem porque exponha
32
Nathalie Richard, Hippolyte Taine..., op. cit., p. 248-250.
273
A história é uma literatura contemporânea
quiser ter algo de verdadeiro, ela não pode viver em autarquia, mundo
274
As ficções de método
275
A história é uma literatura contemporânea
Por menor que seja, a ficção está inscrita em um raciocínio que ele
ativa, ao ponto que IV pode ser lido como uma pesquisa de arquivos
276
As ficções de método
Fogo, mas a uma busca dos traços dos desaparecidos e de seu filho
dos naufragados (os sommersi, como diz Primo Levi). Aquele que
30.
Maurice Olender, Matériau du rêve, Abbaye dArdenne,IMEC, 2010, p.
277
A história é uma literatura contemporânea
de ficções não ficcionais cujo objetivo seria dar a ver o real? Se for
o caso, não há certeza de que ela ainda tenha seu lugar entre as
narrativas “factuais”.
34
Ckude Lanzmann,"Le lieu et la parole"(1985); e “Hier ist kein warum"(1988),
in Michel Deguy (dir.), Au sujet de "Shoah". le fUm de Claude Lanzmarm, Paris,
Belin, 1990.
278
Literatura e ciências sociais
I
I
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V. I
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f*
■‘.1,-r'.-
9.
Da snã® fiicçã® à literatuBBra-TCardade
O desafio consiste
em inventar novas formas literárias para as
ciências sociais e graças às ciências
sociais, sem regredir na direção
das belas-letras, nem derreter
no banho ácido da virada linguística.
Antes de querer retornar
a uma época em que a história não era
uma disciplina, antes de renunciar
a qualquer regra, tento desviar
282
Da não ficção à literatura-verdade
À zona de extratei:s'itorialidade
283
A história é uma literatura contemporânea
implica. Elas têm por única identidade a bastardia, por meio da qual
a literatura
se torna uma ferramenta de explicação-compreensão
do mundo,um texto carregado de raciocínio. Eis uma tentativa de
284
Da não ficção à literatura-verdade
que ninguém escuta, ela confere uma dignidade aos pobres, aos
das coisas: “Se pudesse, não escrevería nada neste ponto. Havería
285
A história é uma literatura contemporânea
James Agee; Walker Evans, Louofjs maintenant lesgrands hommes. Paris, Pocket,
“Terre humaine / Poche”, 2002 (1939), p. 30.
286
Da não ficção à literatura-verdade
287
A história é uma literatura contemporânea
288
Da não ficção à literatura-verdade
289
A história é uma literatura contemporânea
290
Da nào ficção à literatura-verdade
melodia das “coisas como elas são”. O poeta é sincero quando não
quando ele diz “as chaminés das fábricas”, “os montes de tijolos e de
a desconfiança da ficção.
se
Chalamov é um bom representante disso. Operário que
tornou grande jornalista, durante certo tempo membro de um
da “literatura factual” de um
grupo trotskista, ele se aproximou
291
A história é uma literatura contemporânea
292
Da não ficção à literatura-verdade
Seu primeiro livro será As coisas (1965), que muitos críticos lerão
293
A história é uma literatura contemporânea
294
Da não ficção à literatura-verdade
lida pelo que é: um poema,e não uma janela aberta para o passado.
A forma como essa literatura recusa a ficção (por vezes assimi
295
A história é uma literatura contemporânea
296
Da não ficção à literatura-verdade
B. S. Johnson,ArentYouRatherYoungtobeWritingYourMemoirs?, London,
Hutchinson, 1973, p. 14.
297
A história é uma literatura contemporânea
Nova York dos anos 1980, ecoa Feira das vaidades de Ihacheray e
Citado em Florence Noiville, “Le siècle de Tom Wolfe”,Le Monde des Livres 12
avr. 2013.
298
Da não ficção à literatura-verdade
Da ficção
13
Barbara Lounsberry,“'The Realtors”. in JheArt ofthe Fact: Contemporary Artists
of Nonfiction, Westport, Greenwood Press, 1990, p. XI sq.
Lee Gutkind,"The Creative Nonfiction Police?”, in In Fact: The Best of Creative
Nonfiction, New York, Norton & Co, 2005.
299
A história é uma literatura contemporânea
300
Da nâo ficção à literatura-verdade
Ele sentia que isso ia acontecer, e havia algum tempo, sem dizer
nada, ele se preparava para viver sua última aventura. Seria pre
301
A história é uma literatura contemporânea
historiador pode dar voz a vários narradores que não ele mesmo.
Do factual
302
Da não ficção à literatura-verdade
18
John Searle, "Le statut logique du discours de la fiction” (1975), in Sens et
expression. Étudesde théorie des actes de langage, Paris, Minuit,1982, p. 101-119;
e John Austin, Quand dire, c'est faire, Paris, Seuil, “Points Essais”, 1970, princi-
palmente p. 55 e p. 116.
303
A história é uma literatura contemporânea
verdadeiras, mas não falam dos “fatos” como quem fala do tempo
fatos (ou, como diz Tom Wolfe, passar um mês “em qualquer canto
dos Estados Unidos ). Essa é também a ilusão de certo naturalismo,
304
Da nào ficção à literatura-verdade
305
A história é uma literatura contemporânea
de sair do texto para verificar aquilo que se afirma. Elas aceitam encai-
xar
seu objeto em um conjunto mais vasto, chamado comparação ou
rão definir uma sucessão, uma série, uma famíHa, um grupo. A vida
de minha avó não tem grande interesse se não está inscrita em uma
306
Da não ficção à literatura-verdade
307
A história é uma literatura contemporânea
É por isso que é melhor ler um bom romance do que um mau livro
308
Da não ficção à literatura-verdade
parecimento, ela busca aquilo que falta, persegue esse vazio que
21
talha nossas vidas como o “cânion do não Colorado”, Seria vão
309
A história é uma literatura contemporânea
Do literário
310
Da não ficção á literatura-verdade
311
A história é uma literatura contemporânea
22
Lionel RuffeI, "Un réalisme contemporain: les narrations documcntaires”,
Littérature, n. 166, p. 13-25, 2012; e Marie-Jeanne Zenetti, Factographies.
Pratiques et réception des formes de Venregistrement littéraire à Vépoque contem-
poraine, tese de literatura comparada, Universidade de Paris VIII, 2011.
Jean-Louis Jeannelle, Écrireses mémoires auXX"siècle. Déclin etrenouveau, Paris
Gallimard, 2008, p. 321-324.
312
-verdade
Da não ficção à literatura
ser qualificados de
A que título os escritos do real poderiam
de “litera-
literários? Acabamos de nos questionar acerca da noção
mas aquele que inventa ficções(a ideia será retomada por Furetiere
24
Gérard Genette, Fiction etdiction, op. cit., p. 91 e p. 105.
313
A história é uma literatura contemporânea
314
Da nâo ficção à literatura-verdade
315
A história é uma literatura contemporânea
Sendo que essas pistas são bem mais perspectivas do que bifur
cações, podendo ser agrupadas todas juntas: é literário um texto
considerado como tal e que, por meio de uma forma, produz uma emoção.
Essa definição, por mais criticável que seja, tem dois méritos: sua
316
Da não ficção à literatura-verdade
hoje o gênero dominante é uma situação que não deve ter nenhuma
dá voz aos sem voz e porque é movida pela ira da verdade, capaz
317
A história é uma literatura contemporânea
318
Da não ficção à literatura-verdade
319
A história é uma literatura contemporânea
uma literatura definida não por sua ambição realista, mas por seu
320
10.
Gosto da regra
As regras libertadoras
modelo Essa sorte de não mais estar sujeito a nada condiz com 0
mento ficcional e verbal que provocam as regras que ele se fixa (ele
as explica em Como escreví alguns de meus livros). Para Michel Leiris,
o fato de se assujeitar voluntariamente a uma “regra complicada e
322
A história, uma literatura sob coerção?
é mais livre do que o poeta que escreve aquilo que passa pela sua
323
A história é uma literatura contemporânea
crê não ter mestre e uma autonomia consciente de suas leis, ou seja,
= David Lodge, The Art of Fiction: lllustrated trem Classic and Modern Texts.
London, Penguin Books, 1992, p. 94.
324
A história, uma literatura sob coerção?
325
A história é uma literatura contemporânea
326
A história, uma literatura sob coerção?
tenha se situado mais no estilo ático. Para Luciano, que escreve seis
evento está no seu devido lugar, onde cada coisa é designada pelo
327
A história é uma literatura contemporânea
328
A história, uma literatura sob coerção?
Primo Levi talvez seja o mais ático dentre eles. Seu modelo não
o ‘relatório semanal’ que se faz nas fábricas; ele deve ser preciso,
329
A história é uma literatura contemporânea
Dentre nós, DAgata era o único cujo inimigo era concreto, pre
sente, tangível, suscetível de ser
combatido, atingido, esmagado
12
contra uma parede.’
Essa literatura analítica, que nada tem da
jamais falavam sem uma chama, aceita a ideia de que "não se deve
330
A história, uma literatura sob coerção?
331
A história é uma literatura contemporânea
332
A história, uma literatura sob coerção?
333
A história é uma literatura contemporânea
Ver Michael Katz, The Irony ofEarly School Reform: Educational Innovation in
i
Mid-Nineteenth-CenturyMassachusetts, Boston, Beacon Press, 1968.
334
A história, uma literatura sob coerção?
os outros? Para Aristóteles, o discurso não deve ser nem raso nem
livre, como esse resistente que escreve, alguns dias antes de engolir
335
A história é uma literatura contemporânea
da história-tragédia ou da história-eloquência.
336
A história, uma literatura sob coerção?
337
A história é uma literatura contemporânea
Mas certos livros de Bloch são, por sua vez, mesquinhos quanto
338
r
própria imaginação.
339
A história é uma literatura contemporânea
uma ocultação que revela que o escritor não quer dever nada a
340
A história, uma literatura sob coerção?
livro: “A investigação, tal como narrada por você,tem mais a ver com
21
Citado em Maryline Heck e Raphaèlle Guidée (dir.), Patrick Modiano, Paris,
UHerne, 2012, p. 186.
2S
Michel de Certeavi, Lecriture de 1'histoire, op. cit., p. 130.
26
Pierre Bayle, prefácio da primeira edição (1696). Dictionnaire historique et a i-
tique, V. 16, Paris, Desoer, 1820, v. 16, p. 6.
341
A história é uma literatura contemporânea
342
Ta».
-t
*»
A história, uma literatura sob coerçâo?
'5
um comentário sarcástico, estabelecer uma cumplicidade com o lei
27
Edward Gibbon,Histoire du déclin et de la chute de VEmpire Romain, Paris, Robert k
Laffont,“Bouquins”, 1983(1776), p. 504.
343 u
L
A história é uma literatura contemporânea
344
A história, uma literatura sob coerção?
345
A história é uma literatura contemporânea
não para aumentar a ilusão realista, mas para incorporar seu sis-
tema de comprovação no próprio texto. Obteríamos outras formas
de contar, de debater, de aludir ao
que está fora do texto. Seguem
alguns exemplos.
346
A história, uma literatura sob coerção?
347
A história é uma literatura contemporânea
não é mais necessário usar nota para citar: um link permite abrir
348
A história, uma literatura sob coerção?
explicam, o real. Essa obra total será, certamente, a forma que ado
tarão as ciências sociais no século XXI, modernizando o culto que
349
A história é uma literatura contemporânea
Por que a história não foi afetada pelo cinema nem pelo romance
moderno como na época dos Waverly novels? Isso talvez esteja rela-
30
Laurence Sterne, La vie et les opinions de Tristram Shandy. gentleman. Paris
Gallimard Folio classique", 2012, p. 101.[A ^ida e as opiniões do cavaleiro
Tristram Shandy. tradução da José Paulo Paes, São Paulo, Cia das Letras, 1988.]
31
Jacques Rancière,"Histoire des mots, mots de Fhistoire"(1994),in Et tant pis
pour lesgens fatigués. Entretiens, Paris, Amsterdam, 2009, p.76.
32
OscatLevAs.LesenfantsdeSánchez.AutobiographiedanefamiHemexicaine.Paris.
Gallimard, 1963, p. 14.
350
A história, uma literatura sob coerção?
351
A história é uma literatura contemporânea
352
A história, uma literatura sob coerçâo?
353
A história é uma literatura contemporânea
cos do século XIX(a sociedade grega ainda não tinha o “gosto pela
35
Amédée Hauvette, Hérodote..., op. cit., p. 505.
36
Rainer Maria Rilke, citado em Françoise Cachin etal, Cézanne. Paris, Galeries
Nationales du Grand PaJais [...], Paris, RMN,1995, p 172
354
A história, uma literatura sob coerçâo?
37
Entrevista com Patrick Modiano, Madame Figaro, 9-10 nov. 2012.
355
A história é uma literatura contemporânea
doze anos, que não emperra, mas, pelo contrário, encoraja aborda¬
gens mais distanciadas. Rabelais não dizia a mesma coisa? É possí
lida, porque ela seria nova e cativante, mas também porque con-
356
A história, uma literatura sob coerção?
universal. Talvez seja o que conseguem fazer os Uvros que são lidos
como romances , e isso, sabemos, não implica recorrer ao pathos
ver “um livro de ciência pura, instrutivo para aqueles que buscam,
38
Pierre Bayle, prefácio da primeira edição (1696), op. cit., p. 2; e Dissertation
(1692), op. cít.,p.2979.
39
Augustin Thierry, prefácio de Récits des temps mérovingietis, op. cit., p. 5.
357
A história é uma literatura contemporânea
quais não se deve hesitar em abraçar um tema que nos toca pessoal
358
11.
o text®-pesquaisa
Histoire des grands-parents [História dos avós que não tive]d Esse livro
A situação do pesquisador
360
o texto-pesquisa
intimista,impudico,complacente,autocentrado,o eu-parcialidade da
361
A história é uma literatura contemporânea
relação a suas fontes, nem com relação a suas convicções. Por não
retrato tão exato, tão conforme ao modelo, sem que o artista não
362
o texto-pesquisa
= Richard Brown, Clefs pour une poétique de la sociologie, Aries. Actes Sud, 1989
(1977), p. 85.
363
A história é uma literatura contemporânea
364
o texto-pesquisa
acerca daquilo
Carl Becker nos anos 1930, fazemos história não
que é importante em si, mas acerca daquilo que nos toca, que nos
história é
impressiona, que resiste a nossa inteligência. Já que a
365
A história é uma literatura contemporânea
criou sozinha, que não tem que prestar contas a ninguém, que só
herdou de Shakespeare ou de Rimbaud.
366
o texto-pesquisa
É uma pena que Bourdieu não tenha aplicado esse “programa antro
367
A história é uma literatura contemporânea
368
o texto-pesquisa
Ainda que seu uso seja antigo, o “eu” poderia ser considerado
uma equipe médica quando descreve seu protocolo). Ele serve para
os
expor a razão histórica; argumentar o por e o contra, pesar
369
A história é uma literatura contemporânea
da pesquisa, ele não sinta nada, não se surpreenda com nada, não
aprenda nada. Por que não falar dessas infradescobertas sobre
as quais repousa o resultado final”? Por que não admitir que foi
tocado por uma paisagem, perturbado por um encontro, cons
370
o texto-pesquisa
que nos ultrapassa. Não o “eu, eu, eu”, mas o “ele-eu enquanto eu
371
A história é uma literatura contemporânea
lançou numa busca, pesquisou, viu, sentiu. Não é mais a História que
372
o texto-pesquisa
mos fazer aqui? Na esperança de quê? Com qual objetivo? Que vem
se infiltre a melan-
a ser uma pesquisa etnográfica?” Ele deixa que
373
A história é uma literatura contemporânea
que o sustente, não teria muito interesse, ainda que fosse “verda
deiro”. Como diz Perec citando Marx no final de As coisas: “Os meios
374
o texto-pesquisa
375
A história é uma literatura contemporânea
376
o texto-pesquisa
377
A história é uma literatura contemporânea
feitos por ele para decifrar, ou em uma palavra, sua batalha para
378
o texto-pesquisa
e de falha, seus limites.0 esforço ps-ra não esconder nada, que nada
379
A história é uma literatura contemporânea
nho, Salústio do fundo de seu retiro. Em Por que vocês são pobres?,
louvou até o fim o Grande Salto para Frente: “Meu pesar quando
16
da morte do meu pai não abalou minha confiança no Partido.'
Yang Jisheng, Stèles. La grande famine en Chine, 1958-1961, Paris, Seuil, 2012,
p. 14-16.
17
Citado em MauriceOlender,“Lesilencedunegénération”,inRacesanshistoire,
Paris, Seuil, “Points Essais”, p. 249-291.
380
o texto-pesquisa
381
A história é uma literatura contemporânea
demais humanos fazem; esses homens nos tempos que ele estuda
aquilo que nos permite ligar-nos aos outros, tanto aos nossos filhos
3S2
o texto-pesquisa
pria narração.
bado sua obra, o pesquisador está ligado a seu tema por mil fios
um eu de pesquisa e de um contra-eu.
383
A história é uma literatui'a contemporânea
384
o texto-pesquisa
com o público. A sala, despida de toda magia, não cria mais nenhum
si
ri e 0 presente “essa distância que o historiador assume diante dos
385
A história é uma literatura contemporânea
compreendido - um pouco.
386
12.
388
Da literatura no século XXI
Isso não significa que Perec seja igual a Friedlãnder e que Bourdieu
seja igual a Faulkner. Isso significa apenas que a literatura faz bem
às ciências sociais e que as ciências sociais fazem bem à literatura.
Uma pós-disciplinaridade herdeira da revolução metódica
poderia parecer com o que segue: conciliar, em um texto, diferentes
experiências de saber e de escrita; praticar não uma história que se
tomaria “literária” como quem veste adereços (ou como um asceta
se autoriza, finalmente,a olhar para as mulheres), mas uma história
rariedade. Quando digo uma história mais literária, quero dizer mais
rigorosa, mais transparente, mais reflexiva, mais honesta consigo
mesma.Porque a história é mais científica na medida em que é literária.
Se a narrativa história vai até hoje, se a história não tem rela
3S9
A história é uma literatura contemporânea
390
Da literatura no século XXI
Ele nunca mais publicou. Por quê? Porque, para Rivet, a literatura é
391
A história é uma literatura contemporânea
torial de 1989. Não digo que seja necessário, superior; digo ape
híbrido - uma forma instável, um texto não definido, que pode ser
Por um neociceronismo
392
Da literatura no século XXI
historiador deveria tocar seu leitor? Sua atividade racional não tem
não seria uma violência para com o leitor? No entanto, cabe dizer que
393
A história é uma literatura contemporânea
394
Da literatura no século XXI
aflição que nele circulam. Dessa forma,o sublime (para falar como
própria pesquisa.
Essa trindade neociceroniana poderia ajudar as ciências sociais
395
A história é uma literatura contemporânea
Uma contraliteratuara
relação com o mundo. Essa literatura não se define pelo seu objeto
(os “fatos”) nem pela falta dele (a "não ficção”), mas pelo seu desejo
a respeito do mundo.
uma literatura que quebra todo efeito de real, que sabe do que é feita,
396
Da literatura no século XXI
R-Effekt. Para fazer história e literatura de outra forma, pode ser que
Para escrever, não mais ser escritor, mas ser químico,jornalista, padre,
397
A história é uma literatura contemporânea
diz Primo Levi, alguém que exerce uma profissão, redige relatórios,
398
Da literatura no século XXI
zado pela Villa Gillet, que reúne artistas e pensadores das ciências
399
A história é uma literatura contemporânea
400
Da literatura no século XXI
401
A história é uma literatura contemporânea
sua vez, não o acompanha: cabe a nós criar novos objetos intelec
O espirito de resistência
plexidade, suas saídas. Elas fazem ouvir uma palavra livre, razão
pela qual, assim como a nota de rodapé, elas têm origens “trágicas”.
ainda mais forte sob uma tirania, como bem o lembra Vidal-Naquet
402
Da literatura no século XXI
É por isso mesmo que não é certeza de que o perigo seja, hoje,
a opressão política ou religiosa. As ciências sociais devem resistir
a algo menos visível, mais insidioso: a ordem das coisas. o con¬
sentimento cego, a evidência espalhada, mas também as palavras
403
A história é uma literatura contemporânea
404
Da literatura no século XXI
405
Este livro foi composto em Chaparral e impresso no
sistema offset, sobre papel pólen soft 80g/m^, com capa
em papel-cartâo supremo 250 g/m^
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com nos são algumas das expressões presentes nas obras mais . ●»
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i;v recentes de Ivan Jablonka. Como escrever a filiação no momento y.
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historiador? Como dizer o desamparo (tanto dos pais quanto dos ■■ p; i-r t
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filhos)? É possível dar voz aos que estão à margem da sociedade?
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(sua avó Idesa Jablonka, comunista e assassinada em Auschwitz,
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a jovem Thérèse e a imigração forçada que a conduz à loucura, a
jovem Laétitia e seu corpo desmembrado). Assim, o leitor se depara
●5
●4 : ; com ensaios, romances e o chamado “terceiro continente”: os “tex- 1
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ISBN 978-65-5846-031-2
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