Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Ãngela M. Alrneida
.,
REVOLUÇÃO E GUERRA CIVIL
1\ . NAESPANHA
"1
I Tot1BO _ : 45784
I
li/'
.~ I· ... ,
I .
;':
....
.: ~.
--
~3BD-FFLCH -USP
21000059332
fú51981
l \
~ -
I )~~?tL
Copyright © Ângela Mendes de Almeida --~ ,
Capa:
123 (Antigo 27)
. Artistas Gráficos
Revisão:
José E. Andrade
,
3o'lO C"'-f .,. ....c.__ ~;. I·~.
e..... e- t lNDICE
T'?)l~ C"'-"<._.~ - ~c-~
i
~
V. ~ i. .-I•• i. ,.,.,J..
-" o~:;personagens e o contexto 7
111
("J;,lpemilitar e insurreição operária 25
i <i Espanha na Europa ......................40
I ".ioverno Largo Caballero (setembro 1936 -maio
(j17) ..........•...•..••....•....•.....••• 51
I s..cvemo Juan Negrín (maio 1937 - março 1939) 75
ludicações para leitura 92
j[JJ
editora brasiliense s.a.
01223 - r. general jardim, 160
são paulo - brasil lt
?(-
"
OS PERSONAGENS E O CONTEXTO
I,
I I Ao LUIZ EDUARDO MERLINO, companheiro
'li A Espanha do início do século XX se encontrava
I inesquecível, assassinado por "desaparecimento" em
julho de 1971, e que poderia estar hoje conosco escre-
em completa defasagem com relação à maioria dos
I! países europeus. O atraso econômico e o seu isola-
I, vendo estes e outros livros. mento de toda a problemática vivida pela Europa nos
primeiros 2S anos do século faziam dela um país
I
'~I
11
sui-generis . As suas correntes conservadoras conce-
biam esse isolamento e a sua impermeabilidade às
modernas tendências de pensamento como a manu-
tenção da "hispanidade", isto é, das tradições espa-
1'1
nholas. Todas as inovações eram tidas como estran-
I geiras e alheias ao caráter espanhol.
Paradoxalmente esse p~s !fia_ ~er justamente g
palco da última revolução do período entre as duas
guerras-;-e- a ante.sala da segunda guerra mundial."
Pelo mecanismo da lei do desenvolvimento desigual e
combinado, os elementos de atraso da Espanha en-
trecruzaram-se com a atualidade européia da década
de 30, produzindo uma experiência social e política
-"--= __ -cc_ ==::::=== _.-.- __.-.,--
AIT - Assoclação Internacional do Trabalho, conhecida como Primeira Internacional, fundada em 1864,
onde coexistiram marxistas e anarquistas até 1872, quando os anarquistas, minoritários interna-
cionalmente, foram expulsos.
CNT Confederaeiôn Nacional dei Trabajo, central sindical anarquista fundada em 1910.
FAI - Federaciôn Anarquica Ibérica, formação política, fundada em 1927, cem o objetivo de manter
aceso dentro da CNT o espirito e os ideais anarquistas.
Falange Espaiíola Tradicionalista, grupo fundado por José Antonio Primo de Rivera, filho do ex-ditador Primo
de Rivera, que nas eleições de 1933, embora defendendo de uma maneira mais pura a ideologia VI
fascista, não tinha a importância que veio a garihar depois da vit6ria da esquerda em 1936. Õ
t"".
Falange, partido únicõ oficial, criado na zona nacionalista em 1938, e cujo chefe inconteste era o general Franco. :>
VI
ILP - Independent Labour Party, cisão à esquerda do Labour Party, que se tinha desligado também na
década de 30 da II Internacional, e que tinha contatos com o POUM, com trotskistas e com outras
formações que criticavam tanto o stalinismo como a social-democracia.
ISU - Juventudes Socialistas Unificadas, fusão das juventudes comunistas e socialistas, realizada em
1936, antes do inicio da guerra civil, e que passou a ser totalmente liderada pelos comunistas, com
Santiago Carrillo à cabeça.
PCE _ Partido Comunista Espaãol, fundado em 1921 pelos dissidentes do P~.OE que,a'7itaramas "~1
condições para a adesão à Internacional Comunista", como Mora, Oueiido e.~n~ll~O, aos quais
sejuntaram dissidentes da central anarquista CNT, como Andrés Nm e Juaquín aunn.
. ..' fu d d 1934 a partir de duas cisões do PCE, ocor-
POUM - Partido Obrero de Unificacl6n MarXista.. n. a o e~ .'. t aderido às criticas que
ridas em ocasiões diferentes e por motivos diversos: a primeira, p~r er d de: se
Trotski fazia à degeneração na União Soviética, com Andrés N.m e Juan"An ~a e, e, ad ,:
a rom eu or não aceitar a política sectária da IC, denominada ~o ter~erro peno o ,
~:d reval~eu 1928 à 1934, da qual faziam parte Julian Gorkin e Iuaq~m Maurm. I?e~de a sua
k
~m:ação, esse partido nunca teve q~~quer ligação formal com o trotskismo, e seu UnlCOponto
de convergência era ser contra o stalmlsmo.
_ Partido Socialista Obrero Espaiiol, fundado em ,1879 pelos "marxis~. autoritári~s" ~ ~inO~~
PSOE ex ulsa da AIT em 1872, já que na Espanha os anarquistas .eram maiona. Seus principais dírí
gentes foram, na ala moderada, Indalécio Prieto, e, na ala radical, Largo Caballlero.
PSUC _ Partido Socialista Unificado de Ia Cataluna, fusão dos sfocialistase dos co~:on~::::::e:~:~~~-
zada em 1936, antes da guerra civil, e que se trans ormou num par .
Uniôn General de los Trabajadores, central sindical socialista, fundada em 1888, e liderada por
UGT
Largo Caballero.
\
?I
I,
11
10
'{evolução e Guerra Civil na Espanha 11
. peculiar.
I ses mais adiantados. A crise mundial de 1929 atin-
I Tendo-se tornado uma nação e um estado mo- giu-a profundamente ..
I derno, e superado suas características feudais muito
I
Do ponto de vista político, a evolução da Espa-
antes da grande maioria dos outros países europeus nha constituiu um surdo debate entre liberais-inova-
)
(tal como Portugal), a Espanha se paralisou no tem-
I
dores e conservadores-tradicionalistas, que sepro-
po e não acompanhou o desenvolvimento geral da
longou desde a invasão de Napoleão, em 1808, até a
Europa. Às. vésperas da instauração -da república,
instauração da república, em 1931. Tendo-se ren-
II
;dé~~dá
durante de 20, ela era um país essencial- dido sem luta às tropas napoleônicas,. a monarquia
'I m-çnt~ agrícola: 70% de sua população ativadedi- perdeu quase todo o seu prestígio. A guerra de inde-
i cavam-se à agricultura, e com uma produtividade pendência trouxe novamente um Bourbon ao trono,
bastante baixa. A indústria havia-se desenvolvido mas desde então esteve em pauta a discussão sobre
. apenas no País basco (metalurgia) e na Catalunha uma Constituição liberal. Igreja e Exército, as duas
',I
(indústria têxtil). Como todos os países da Europa; instituições que haviam guardado um mínimo de
:~!I
I
atrasados economicamente neste início de século, a
.}.:.Espanha foi alvo do investimento de capitais estran-
geiros, europeus e americanos, e sua indústria era
profundamente dependente. Além disso a diferen-
credibilidade, opunham-se tenazmente a ela. Em
1834 a luta entre conservadores e liberais combinou-
se com a primeira "guerra carlista": D. Carlos, ,
irmão do rei Fernando, pretendeu o trono que havia
Ifi ciação social era extremamente acentuada. Numa
população ativa de 11 milhões, 8 milhões constituíam
sido ocupado por sua sobrinha Isabel. Apoiado pela
Ir Ij
o extrato inferior, aqueles que mal ganhavam para
sobreviver: pequenos artesãos, operários, mineiros,
Igreja e pelos senhores rurais regionalistas e conser-
vadores do Norte e do Nordeste, tendo como centro a
província de Navarra, o movimento carlista iniciou
~.trabalhadores rurais diaristas, rendeiros e pequenos
uma guerra que só terminou em 1839. Desde então
I I proprietários; 2 milhões compunham a classe média: várias "guerras carlistas" sucederam-se, misturando-
I camponeses médios e pequena burguesia urbana. e
I se à sucessão de pronunciamientos militares que
, 1 milhão constituía a classe privilegiada: funcioná-
expressavam a luta entre liberais e conservadores.
1'1' , rios, padres, militares, intelectuais, grandes proprie-
Em 1815 uma Constituição supostamente liberal foi
tários rurais e alta burguesia. Como todos os países outorgada aos espanhóis, e em 1890 foi instituído o
subdesenvolvidos, a Espanha conheceu uma certa voto universal masculino. Mas as fraudes éleitorais
prosperidade com os efeitos da guerra de 1914-1918, constantes lançaram a déinõêracia parlamentar no
mas como nos outros casos tal prosperidade desfez-se
rapidamente face à recuperação econômica dos paí-
mais amplo descréôitOaos olhos'aõpõvo:Essã sem"
é
dúvida umã-dãs'razões profundas dõ sucesSo -dã -
7 I•. -
i
'-
14 Ângela M. Almeid. Revolução e Guerra Civil na Espanha 15
viam lutado pela república dentro da perspectiva de damente sobre.uma ampla classe média. Ao contrá- .
sua transformação num Estado democrático burguês rio dos conservadores e de muitos republicanos libe-
tradicional. Embora o primeiro ministro, Alcalá Za- rais, a agitação .operâria não o fez virar-se para a di-
O<JIlora,e mais um ministro fossem católicos, a abso- reita; foi, sim, motivo a mais para que ele defendesse
luta maioria do resto do ministério caracterizava-se um programa de reformas capaz de suprir as neces-
SObretudo. pelo seu an.ticlericalismo. p.ara perceber a sidades mais vitais dos trabalhadores.
importância dessa componente política no governo é Quanto aos dois socialistas que participavam do
{ preci"so faiarütirPõüco dõpâpel da Igreja na Es- governo, eles encarnavam as duas' grandes correntes
panha. Praticamente identificãdã éoma-monarqúia que viriam a se manifestar de forma antagônica mais
e com os-cõiiServad,ores, a Igréjil entendia a Espariha tarde. Q mpvimento socialista espanhol possuía ca-
cõfuõ o domínio -do poder clerical. Poderosa econo- racterístíêâs especIficas que eram sobretudo deriva-
micamente; o ensino era seu monopôlio: suas escolas das do fato de ter permanecido durante muito tempo
haviam alfabetizado e educado mais de 5 milhões de como movimento minoritário da classe operária. Ao
adultos. Através desse instrumento ela pretendia _contrário do que aconte~~u Iws..Q.ulr~_Raíses-º-é\,El1-
guardar uiliCõntrole ldeófÓgfcosQQ.re~a grande maío- rOl1a, na Espanha os anarquistas eram maioria na
ria da população. - ~ -- Associl!Ç.~Jn~.Jnacional do Trabalh.!L(frimeira In-
Assim sendo, desde o século XIX o liberalismo ternacionall.-Assim...s.endn,,_e.mJ.872 foram.eles que
sempre foi, na E~pan'ha: sinônimo de antic1erica- Y expulsa...!"âUL os "aujoritáriSls=-marxistu,_ Q&. quais
lismo, e a república sempre esteve associada à idéia permaneceram sendo um pequeno grupo durante
de fim dos priyiiégios da Igreja. Quanto ao resto dos miiito.tempo. Em 1879 foi fundado o partido socia-
ministros do primeiro governo, pertenciam alguns ao lista e em 1888 a Unián General de los Trabajadores.
partido radical, outros à corrente denominada Insti- (UGT). Só .!UI...fu>ocada I Guerra Mun.dial é q!l~_O
. tución Libre de Enseiianza, mas todos eles haviam-se soc~ljsmo stLtransformou num verdadeiro rnqri..
notabilizado pelo combate ao clero. Faziam também '!l~nJo. de ml!.§sas. Para isso muito contribuiu a ativi-
parte do governo dois socialistas: Indalecio Prieto e dade das suas casas dei pueblo, verdadeiros centros
Francisco Largo Caballero. Dentre os republicanos de propaganda e educação política que se dissemi-
anticlericais o homem que mais se destacaria como . naram por todas as aldeias espanholas. Em 1918 a
símbolo típico da mentalidade republicano-burguesa VGT, que no seu início tinha apenas 3000 filiados,
era[ Ma!lEel AZªQa:/J.ministro da guerra. Admirador contava já com 200 000.
da revolução francesa, ele tinha como meta uma No período imediatamente posterior à guerra,
república de ordem e de equilíbrio, assentada soli- o PSOE (Partido Socialista Obrero Espanhol) foi
16 Ângela M. Almeid. Revolução e Guerra Civil na Espanha 17
"I
I sacudido pela questão da adesão à Terceira Inter- meiro momento um projeto de .Çon~tH!ljc.ªo_ e!.treJl!é!-
. \
, \nacional. A maioria dos militantes estava fascinada mente ousado. De um lado pela sua fraseologia li-
I [com a experiência da revolução russa, que parecia beral e até-certo_poitto romântica~ típ!ça do libera-
} demonstrar que a via parlamentar não levava real- lismo utópico do século XIX. D~ outro lado, e esse
;,] mente a nada. Porém, finalmente, num congresso aspecto teve maior peso, pOLconter cláusulas radi-
r
extraordinário, uma pequena maioria decidiu não cais visando a cortar pela raiz o poderio da Igreja.
aceitar as "21 condições de adesão à Internacional Em dois anos deveria cessar o pagamento de salários
Comunista", aprovadas em 1920, no II Congresso da por parte do Estado aos padres, parte da compen-
'~I IC (8800 votos contrários à adesão e 6025 íavorâ-
'jl sação paga à Igreja pelo confisco de suas terras em
!;, veis)._9s lideresque defendiam a 11!~macional Co- 1837. Todas as ordens religiosas deveriam registrar-
r munista - Mora, Garcia Quejido, Anguiano - se no Ministério da Justiça e as que fossem conside-
I romperam, levando uma franja considerâvel de {ma: radas um perigo para o Estado seriam dissolvidas.
dos, -e formaram com outros militantes procedentes Nenhuma ordem podia possuir propriedade maior
II da central operária anarqiiista ., An-drês Nin, Joa- que a necessária à sua subsistência ou viver do co-
quim Maurin - o partido comunista. mércio. Outras cláusulas levavam à suspensão do
Ilr'i
-Largo Caballero e Indalecio Prieto representa- J ensino religioso. O divórcio, num país em que o vín-
ram desde se~;; as duãSêorreiites m~is importan- culo matrimonial era religioso, foi instituído. Essas
I,
II
tes do socialismo espanhoC Ô primeiro, ligadodire- cláusulas anticlericais provocaram celeuma no Parla-
tament:e-ao niõví'mentõ operário, era um reformista mentõe levaram muito naturalmente à demissão dos
!:; de tendência "autoritária", enquanto o segundo era . dois católicos do primeiro governo, portanto do pri-
I li mais ligado aos republicanos liberais. A primeira meiro-ministro, A1calá Zamora. Azafia...JLl!gm:.A.a
divergência entre eles manifestou-se na época da nova mentalidade republicª-.n--ªagticlerical,Joj convi-
ditadura de Primo de Rivera. A posição de Largo dado a formar um novo governo.
11·· Caballero, de colaboração com o governo, prevale- Enquanto isso, um problema crucjal par~ a Es~
ceu, e ele se tornou, embora por breve tempo, "con- panha,. a questão ªgrárill;, mereceu uma atenção
selheiro de Estado" do ditador. A experiência de muito secundária. Foi apenas em 1932 que o governo
participação no governo muito naturalmente se repe- apresentou ao Parlamento a Lei Agrária. A expro-.
tiu no primeiro governo da república, agora também priação com indenização das grandes propriedades
com a participação de Prieto. limitava-se à Andaluzia, Estremadura e 3 províncias
O primeiro governo republicano, fiel à sua ca- de Castela. Vma grande zona de Castela e a Galícia,
racterística arític1e~rical,encaminhou r desde o pri- cujos problemas eram tão graves como no sul, não foi
18 Ângela M. AlmeidalUllvolução e Guerra Civil na Espanha 19
nova coligação majoritária, a mais importante era a ambiguamente. Nova crise, nova queda do governo.
CEDA (Confederación de Derechas Autónomas). Dessa vez o movimento operário ameaçou com a
Constituindo uma frente de vários grupos católicos greve geral se a CEDA fosse chamada a participar do
1'
1·rd
monarquistas e republicanos; o seu cerne eram os governo. Lerroux foi novamente nomeado primeiro-
,I políticos agrupados em torno do jornal El Debate. ministro e incluiu 3 membros da CEDA no governo.
Esse grupo, surgido depois da fundação da repú- A isso o movimento operário respondeu em muitas
'~III'
:j
I
i blica, tinha a pretensão de canalizar a oposição bur-
guesa para uma via republicana e católica, impe-
dindo o monopólio dos monarquistas sobre a direita.
Tendiam a formar um partido democrata cristão,
províncias com a greve geral. Tanto em Madri como
em Barcelona - lugar onde a CNT não deu o seu
apoio e a luta foi conduzida principalmente pelos
autonomistas do governo -, como em outros luga-
ligado ao Vaticano. No entanto, o seu dirigente má- res, o movimento foi esmagado.
ximo, Gil Robles, começou a acalentar a idéia de A exceção foi Astú~ Lá a reação dos operá-
conformar um estado corporativo, não nos moldes rios adquiriu o carâter de 'uma insurreição popular
italiano ou alemão, cujo anticlericalismo desgos- organizada. Dirigida pelos mineiros da região, ela
tava-o, mas nos moldes do governo do ditador cle- conseguiu na prática fazer superar todas as diver-
I1 rical Dollfuss, da Áustria. Nessa altura a organização gências entre as div.ersas correntes do movimento
fascista propriamente dita ---:Falange Espaiiola Tra- operário: socialistas, anarquistas: -'comunÍstas e
l/r dicionalista -, liderada por José Antonio (filho de POuM._ o levant'efõrcüId'ãdosame;'te pr~paradõ em
I, Primo de Rivera), não tinha ainda nenhuma impor- toda a província. Alguns dias depois cada aldeia ou
\11
tância. cidade era controlada por um comitê revolucionário
1/ 'il' O novo governo era chefiado pelo radical Ler- formado por operários, que controlava todas as ques-
I roux, e a CEDA decidiu apoiâ-lo nas Cortes, mas não' tões de abastecimento e segurança. Os trabalhadores
participar diretamente do governo, tentando capita- entre 18 e 40 anos foram convocados para o "Exér-
lizar a próxima crise que viria. A ação do governo cito Vermelho"; em 10 dias 30000 homens foram
Lerroux foi dedicada a frear as reformas que haviam mobilizados; Os revolucionários adotaram a tática de
sido decididas pelo primeiro governo, especialmente continuar a combater e tinham o objetivo de expan-
as referentes à Igreja, e a anistiar os implicados no dir a sua revolução. Os comitês locais empenharam-
golpe de Sanjurjo, Isso estimulou os militares a reco- se em manter a disciplina. Mas em muitos pontos. a
meçarem a conspiração. Rapidamente Lerroux foi ira acumulada que os privilégios da Igreja haviam
substituído por um outro radical, como primeiro-mi- suscitado explodiu em incêndios de conventos e igre-
nistro: Samper. A CEDA permaneceu apoiando-o jas, e fuzilamentos de padres.
22" Angela M. Alme Revolução e Guerra Civil na Espanha 23
definida no seu VII Congresso. Os seus esforços, no superioridade numérica incontestável em termos de
entanto, iam no mesmo sentido do estado de ânimo deputados eleitos: 227 contra 132 da direita, e 32 do
que prevalecia entre os republicanos e os radicais centro. Os partidos do centro, dos quais faziam parte
que após Astúrias haviam deixado de lado a extrerrrã Lerroux e Portela Valladares, então primeiro-minis-
moderação que os havia caracterizado no início da tro, foram pulverizados nessas eleições. Dentre os
república. partidos de direita, o único que guardou certa força
O programa, da Frente Popular, formado de 8 parlamentar foi a CEDA. Dentro da Frente Popular
pontos, era na verdade um programa radical repu- os dois partidos majoritários eram o PSOE (90 depu-
blicano aceito pelos partidos operários. Continha ve- tados) e a Esquerda "Republicana de Azafía, c~m
lhas reivindicações republicanas como a reforma 84 deputados. -
agrária e o replanejamento do ensino, mas excluía O ato-eleitoral e seus resultados desencadearam
qualquer menção a medidas socialistas. Ele continha uma imediata' reação nas massas. Sem esperar o
entretanto uma cláusula destinada a servir de aglu- decreto de anistia, elas se jogaram às prisões para
tinador de todas as forças progressistas: a promessa libertar os insurretos de 1934. Isso aconteceu em
de anistia para os presos de 1934 (cerca de 30(00) e Valência, em Oviedo (nas Astúrias) e um pouco por
de sua reintegração no trabalho. Essa cláusula con- toda a Espanha. A essa libertação seguiram-se greves
dicionou a adesão à Frente Popular do POUM e da políticas generalizadas pedindo a reintegração ime-
facção socialista de Largo Caballero. Ela fez mais diata dos operários demitidos e o pagamento de salá-
ainda: por causa dela, e pela primeira vez na história rios atrasados. A elas se juntaram greves de caráter
do anarquismo espanhol, a CNT e a F AI omitiram-se mais reivindicativo, algumas longas. Os patrões res-
de lançar a sua habitual palavra de ordem No vota~ pondiam fechando as fábricas. No campo a situação
Avaliados normalmente em um milhão e meio os tornou-se ainda mais explosiva. Os camponeses ocu-
votos perdidos por efeito da campanha anarquista, param imediatamente as terras dos grandes proprie-
eles foram o fiel da balança nas eleições de fevereiro tários e começaram a cultivá-Ias. Isso aconteceu em
de 1936. Badajoz, Caceres, na Extremadura, na Andaluzia,
Dos 9,5 milhões de eleitores, 4838449 manifes- em Castella e em Navarra. Incidentes sangrentos
taram-se a favor da Frente Popular, :3 996 931 a favor verificaram-se entre trabalhadores rurais e a Guarda
da Frente Nacional (direita) e 449320 a favor da coli- Civil. Os patrões responderam não contratando ho-
gação de centro. Em função do mecanismo eleitoral mens para as colheitas, mesmo ao preço de substan-
1':1 que em 1933 havia favorecido a direita, a esquerda ciais perdas econômicas. Ao mesmo tempo a Igreja
obteve, através dessa escassa maioria de votos, uma tornou-se o alvo da ira popular: a qualquer boato
•......
28 Ângela M. Almeid. Ullvolução e Guerra Civil na Espanha 29
sobre uma "conspiração de padres", conventos e um "revolucionalismo infantil" que abria o caminho
igrejas eram incendiados. para um golpe fascista. Caballero, ao contrário,
Face ao impacto da vitória da Frente Popular, partia de um ponto de vista oposto: tendo encarado a
consubstanciada claramente na ofensiva das massas participação na Frente Popular apenas como um re-
que a ela se seguiu, o primeiro-ministro Valladares curso eleitoral, considerava que cabia aos republi-
demitiu-se, e Alcalá Zamora, que havia sido no- canos burgueses, e SÓ a eles, aplicar o programa bu
meado presidentes indicou Manuel Ázafia. O novo-, guês da Frente. O papel dos socialistas era o de fazer
. governo era composto apenas de republicanos bur- oposição, tanto mais que Caballero encarava o resul-
gueses, já que oS,.so.cialistas,apoiados na posição da tado eleitoral como uma demonstração de que a revo-
facção de ~aballero, não aceitaram participar. O lução estava às portas. Os comunistas, interessados
~ em galvanizar a radicalização dos socialistas de Ca-
primeiro ato de Azafia foi o decreto de anistia, que
abrangia também os líderes socialistas, anarquistas e ballero, incentivaram o título que lhe foi então atri-
os autonomistas catalães. Em seguida ele determinou buído de "Lênin espanhol". As duas facções socia-
a reintegração dos despedidos em 1934. Recolocou listas tinham, cada uma delas, o seu jornal: Clari-\
ainda em pauta duas questões-chave para a Espa- dad, de Caballero, e El Socialista de Prieto. A linha
.nha: a reforma agrária e a autonomia das províncias. seguida pelo PCE naquele momento aproximava-os
Enquanto o estatuto de autonomia catalã foi restau- mais da facção de Prieto,' mas era entre os caballe-
rado, o da autonomia basca começou a ser estudado. ristas que eles tinham chances de recrutar massiva-
.Em maio Azafia foi substituído por Casares Quiroga, mente e de superar seu estágio de partido minúsculo.
e o primeiro ato desse segundo governo foi a desti- Socialistas de Caballero e anarquistas coinci-
tuição do presidente Zamora, pouco querido dos diam em se colocar. em oposição ao governo refor-
republicanos de esquerda, e sua substituição pelo mista republicano, e em pretender impulsionar as
próprio Azafia. lutas na base, mas divergiam sobre o tipo de ação
O governo tornava-se assim homogêneo, dentro grevista a levar a cabo. A UGT e a CNT chegaram a
de uma linha estrita de reformas burguesas. Ficava grandes .confrontações nesse período, que muito fre-
fora dele apenas a facção do PSOE que defendia a qüentemente degeneraram em lutas com armas de
linha de Indalecio Prieto. Com efeito, nesse momento fogo e com saldoem mortos.
os socialistas constituíam verdadeiramente dois par- Mas a violência materializada num grande nú-
tidos com estratégias radicalmente opostas. Talcomo mero de mortos e feridos, e de edifícios e locais dani-
o governo, Prieto considerava que greves, manifes- ficados, não era de responsabilidade principalniente
tações e desordens naquele momento significavam dos anarquistas, como acusava Gil Robles, líder da
;I
30 Ângela M. Almeid41 U,'volução e Guerra Civil na Espanha 31
ÇEDA. Na verdade a maioria dos atentados era pro- dessa medida foi o de permitir que os conspiradores
vocada pela Falange, que a partir de então assumiu se organizassem melhor, estreitando laços com a di-
plenamente o seu caráter de tropa de choque fas- reita civil e com os carlistas.
cista. Os ataques visavam os militantes operários e O governo, sempre a par de todos os passos, fez
seus simpatizantes, mas a estratégia geral pretendia pouca coisa para impedir o golpe. Prendeu alguns
criar um clima tal que todos aqueles que aspirassem falangistas, inclusive José Antonio, e tentou timida-
à tranqüilidade prefeririam, a ele, uma ditadura. mente dificultar a conspiração. Os republicanos bur-
Nesse período os jovens militantes da CEDA e até os gueses, acossados pela direita e pela esquerda, não
radicais de Lerroux voltavam-se para a Falange como
queriam e não podiam admitir a inevitabilidade da
uma alternativa. Gil Robleshavia perdido seu lugar
guerra civil, naquela Espanha que já estava dividida
de porta-voz da direita para Calvo Sotelo, mais
em dois campos radicalmente opostos.
agressivo que ele. Todos estavam convencidos que
Azafía representava na Espanha o papel de Kerenski.
Mas o perigo principal não vinha da Falange e.
sim do Exército, que tramava mais ou menos aber-
o início da guerra civil
tamente ~m golpe contra a Repúblicg .. Desde o mo- A tensão subia na Espanha, a violência crescia
mento da vitória da Frente Popular o general Franco, dia a dia. Madri tornou-se o epicentro da guerra
"pacificador das Astúrias", juntamente com o gene- civil, não declarada, que já estava em curso. Todos
ral Goded, havia proposto ao primeiro-ministro Por- os setores profissionais engajaram-se em greves, mes-
tela Valladares a anulação das eleições. Dias depois mo aqueles mais conservadores, como, por exemplo,
foi a vez de Calvo Sotelo fazer-lhe a mesma proposta. os garçons de bares. A UGT, antes dominando a
Mas Valladares preferiu demitir-se. Informado des- capital, assistiu ao crescimento vertiginoso dos filia-
sas iniciativas, o governo de Azafia limitou-se a trans- dos à CNT, No setor da construção civil os. ar.ar-
ferir alguns generais como Franco, Goded e Mola quistas criaram um poderoso sindicato que desenca-
para regiões distantes. Tais medidas, entretanto, não deou, a partir de I? de junho, uma greve ilimitada,
afetaram em absoluto a marcha da conspiração. San- apoiada também pela UGT. Os patrões não faziam
jurjo,exilado em Lisboa, viajou à Alemanha para concessões. Desesperados e já sem dinheiro os ope-
buscar apoio para o golpe. Um primeiro plano, com rários começaram a obrigar os comerciantes a servi-
data para abril, foi substituído por outro, com data Ias, e a comer nos restaurantes sem pagar. Os falan-
para julho, pois o governo, tomando conhecimento gistas viram na greve a ocasião de aplicar a sua vio-
dele, havia feito novas transferências. O único efeito lência contra-revolucionária: atacavam grupos isola-
\
32 Angela M. Almei./Wtlolução e Guerra Civil na Espanha 33
I,'·I/!II
H', dos e operários. A CNT organizou então a autodefesa toda a colônia africana estava nas' mãos dos gol-
v<.armada. O governo conseguiu dos patrões, em 4 de pistas. Franco viajou de Las Palmas para o Marro-
1,llill
' julho, certas concessões, o que levou a UGT a defen-
der o fim da greve. Mas a CNT, pretendendo uma
cos, para assumir o comando. Antes disso já havia
sido lançada uma proclamação: "O Exército decidiu
I
r: '
: n, '
prova de força com o poder, propôs a continuação. restabelecer a ordem na Espanha. (. .. ) O general
l~< Incidentes e conflitos explodiram entre os operários Franco foi colocado à cabeça do Movimiento e apela
)'das duas centrais, entre grevistas e não grevistas. para o sentimento republicano de todos os espa-
Nestas condições explosivas, um outro episódio nhóis". No segundo dia, o Marrocos estava total-
veio galvanizar os ânimos já exaltados. O sucessivo mente dominado, enquanto a sublevação se estendia
assassinato, pelos falangistas, de dois membros dos pela Espanha a partir de Málaga e de Sevilha.
guardas de asalto, o capitão Faraudo e o tenente' No primeiro momento o governo tentou negar a
Castillo, levou a corporação, ncsegundo caso, a existência daquilo que, num comunicado, chamava
tentar fazer vingança com suas próprias mãos. O de "conjura absurda". Rejeitou todos os pedidos da
alvo escolhido foi nada menos que o líder civil da CNT e da UGT de armar os operários, argumen-
oposição: Calvo Sotelo. Em 13 de julho um grupo de tando que "a ação do governo seria suficiente para
asaltos, tendo à cabeça o tenente Moreno e acom- restabelecer a ordem". Mas na noite de 18 para 19 as
panhado do comandante da guarda civil Condés, duas centrais operárias lançaram a palavra de ordem
apresentou-se para prender Calvo Sotelo. Ele ainda de greve geral. Diante disso o primeiro-ministro Ca-
. tentou verificar pelo telefone se a ordem era certa, sares Quiroga demitiu-se. Azafía, o presidente, ape- .
mas os militares haviam cortado 'Os fios. Algumas lou então a Martinez Barrio, "o arcebispo dos acor- ~.
horas mais tarde seria encontrado o cadáver do líder dos", para que tentasse negociar com os generais"'
conservador, crivado de balas. Os dois enterros - o rebelados. Consultado em Pamplona, o general Mola
do tenente Castillo i o de Calvo Sotelo - constituí- teria recusado qualquer negociação em nome dos
ram quase que uma declaração aberta de guerra de sublevados. Mas a notícia da nomeação de Martinez
dois campos opostos. ' Barrio, com o fim de chegar a um compromisso, foi
A conspiração militar teve início apenas alguns recebida pelas massas' como a de uma "traição". Mi-
dias depois, em 17 de julho. Ela partiu de Melilla, no lhares de manifestantes foram ao centro, até a Puerta
Marrocos espanhol, terreno seguro dos rebeldes, dei Sol, e pediam "armas, 'armas, armas". Já não
onde os oficiais já se saudavam nas ruas com o grito restava outra coisa ao governo senão aceitar a decla-
li":! "CAFÉ", abreviação da palavra de ordem: Cama- ração de guerra dos fascistas e arma\ro povo. Como
radas, arriba Falange espaiiola, No dia seguinte, 18, Martinez Barrio se recusasse a ser o executor dessa
, -~-
-li(il!
34 I~evolução e Guerra Civil na Espanha 3S
Marrocos
Pamplona e também em Burgos, pelas unidades
paramilitares carlistas, os requetés, de boina verme-
a lha e braçadeira verde com uma cruz.[ O processo Surgos - Capital do Governo de, Franco
~pelo qual a resistência operária foi primeiro ludi- Valência - Capital do Governo de Frente Popular
!! briada pelas promessas de fidelidade ao governo, e
v depois esmagada em sangui) repetiu-se na Andalu-
zia, em Algeciras, Cadiz, Córdoba, Huelva, Sevilha, ram na proclamação solene do coronel Aranda, chefe
onde a repressão fez nessa ocasião cerca de 9000 da guarnição, de apoio à república. Decidiram assim
mortos, e na cidade de Saragoça, na província de responder ao pedido de reforços que chegava de
Aragão, onde 'os operários eram numerosos. Em Madri. A reação da facção caballerista e dos comu-
Oviedo, coração das Astúrias, os mineiros acredita- nistas ante a atitude estranha de Aranda chegou
36 Ângela M. Almei Revolução e Guerra Civil na Espanha 37
que deveria ser dirigido pelo general Goded, foi apli- '::
cado rigorosamente. Apesar de favorável à república, "
-§'"
o governo dos autonomistas catalães recusou dar ar- ~
.~
mas aos operários. Foram os asa/tos que, favoráveis t::
ao lado republicano, distribuíram armas às massas. ~
Precariamente armados, mas cheios de coragem, os
operários tomaram a iniciativa e lançaram-se ao
assalto dos quartéis. Diante de uma multidão que
não tinha medo de se contrapor desarmada ao fogo
das metralhadoras, o moral das tropas fascistas va-
cilou. A adesão de soldados profissionais reforçou o
lado operário. Em 20 de julho o general Goded,
cercado, içou a bandeira branca. Como na maior
parte dos casos, os oficiais foram fuzilados no local. auomCay'8y
Goded dirigiu uma mensagem aos sublevados afir-
• 1 )...,:;.'\~
38 Ângelo M. Almeidi volução e Guerra Civil na Espanha 39
lil mando que estava preso: "Digo-o a todos aqueles finida). Pequenos combates de rua, quase que "ope-
que não querem continuar a luta. Estão,. daqui em rações de limpeza", continuavam a ter lugar, mas já
11 111 diante, desligados de qualquer compromisso para estavam delimitados dois territórios. E estava abolido
comigo". A essa rendição seguiram-se motins em mito da invencibilidade dos militares em luta con-
'I diversos quartéis da região. Os oficiais eram fuzi- tra os civis.
lados, ou em alguns casos preferiam suicidar-se.
Em Madri o 'Chefe militar, F anjul, vacilava, dis-
cursava, fazia proclamações. Isso deu tempo aos ope-
rários de se organizarem. As notícias da rendição de
Goded tiveram um efeito de ânimo. Somente em 20
de julho é que os quartéis foram atacados. Os mili-
tares logo se renderam. Colunas improvisadas lan-
çaram-se então ao ataque das guarnições sublevadas
em torno de Madri, em Guadalajara, Toledo e Alcalá,
e pretendiam continuar em direção à província de
Aragão.
Em Málaga, um dos primeiros lugares tomados, .
as tropas recolheram-se ao quartel por decisão do
general Patxot. Os trabalhadores aproveitaram-se
disso para cercar o quartel, incendiaram-no e dina-
mitaram-no, conseguindo assim a rendição. No País
Basco, em Bilbau, Santander e Guipuzcoa, os ope-
rários dominaram as guarnições valendo-se da vaci-
lação dos militares. Em Valência, o chefe da guar-
nição militar, Monje, nem aderia aos rebeldes, nem à
república. Um Comitê Executivo Popular, formado
pela Frente Popular e pela CNT, tomou conta da
cidade, mas só atacou os quartéis bem mais tarde,
em agosto.
Assim, por volta de 20 de julho já existiam duas
Espanhas (só a situação de Valência continuavainde-
lt
Revolução e Guerra Civil na Espanha 41
., t !I....-
42 Ângela M. Almeidaj Ul'volução e Guerra Civil na Espanha 43
cista (Itália-Alemanha), evitando a expansão dos com o levante, e a guerra na Espanha serviu para
"vermelhos". A guerra civil na Espanha veio definir redimensionar as relações entre ela e a Alemanha.
alguns contornosamoa pouco claros nessa geografia, Desde 1932 um: partidário de Sanjurjo, o aviador
preparailãO" o terreno para a 11(Juetra, Mundial. Ansaldo, havia feito contato com os fascistas italia-
-Desde-os primeiros dias o governo-Gif'li dirigiu- nos, que prometeram o seu apoio. Os contatos foram
se ao governo Bluffi'para pedir armas e aviões. Esse renovados em 1933, e desta vez Sanjurjo estava
pedido era mais do.que natural; não derivava do fato acompanhado de Calvo Sotelo. A intervenção ita-
de serem ambos governos de Frente Popular eleitos liana se concretizou logo nos primeiros dias. Em 31
recentemente, e sim de um tratado comercial ante- de julho a aterrissagem acidental de aviões Savóia-
rior pelo qual a França tinha o monopólio do forne- Marchetti no Marrocos francês tornou-a pública. Na
cimento de material bélico à Espanha. Num primeiro aliança entre franquistas e mussolinistas as consi-
momento Blum não teve nenhuma hesitação: prepa- derações ideológicas - o "combate ao bo1chevismo"
rava-se para enviar armas ao governo legal da Es- _ não eram o essencial. Mussolini tinha em vista a
panha. Mas logo em seguida ele constatou que aquilo hipótese de estabelecer bases estratégicas na Es-
que lhe parecia óbvio era visto pelo governo inglês panha, na ilha de Maiorca, visando a dominar o I
..
46 Ângela M. Alme. Revolução e Guerra Civil na Espanha 47
. bélico. Os nazistas estimaram as dívidas espanholas tado a comentar o que se passava na Espanha a
em cerca de 265 milhões de marcos, e Franco pagou partir do advento da república, afirmara então:
disso apenas uma pequena parte. Berlim tentou tam- "uma greve parcial pode ter maior importância para
bém obter vantagens para os capitais alemães inves- a classe operária internacional do que esse gênero de
tidos nas minas espanholas, o que foi motivo de 'revolução' à espanhola, sem partido comunista e
atrito entre as duas partes. proletariado que exerçam sua missão dirigente".
Apoiados ....por dois países mais desenvolvidos Como país "semicolonial':'J.Es.llanha encontr.a..v:.a-
industrialmente que a Espanha, os fascistas puderam ~e, segundo os comunistas.i.na etapa da.J'revolução
sustentar o esforço de guerra durante três anos. De democrático- burguesa" _e.. não. P9.Qeria saltar ~ara
outro lado, do lado republicano, nenhuma ajuda a uma etapa socialista. Com o tournant da IC, concre-
não ser a da União Soviética. Sem ela a resistência tizadono seu VII Congresso, em 1934, o partido es-
republicana não teria ultrapassado o ano de 1936. panhol pôde abandonar a política sectária de com-
Entretanto ela foi insuficiente para fazer ganhar a bate ao "social-fascismo", e defender a formação das
guerra. E, como veremos, condicionou decisivamente "frentes populares". Mas essa frente, exatamente
toda a evolução política da zona republicana. por ser "popular" e não "operária" ,.retomava a idéia
de-quea Esjiãiiliá só poderia se encontrar na etapa
da "revolução democrático-burguesa", Diante disso
A ajuda soviética é evidente que Stalin não poderia interessar-se em
apoiar uma revolução cujo impulso vinha dos anar-
Durante julho e agosto de 1936 a União Sovié- quistas da CNT, dos socialistas de esquerda da UGT
tica apoiou e pôs em prática com extremado zelo a e dos militantes do POUM.
política de "não intervenção" proposta por Blum] É Entretanto, no começo de setembro os soviéticos
preciso considerar que inicialmente a Espanha não mudaram radicalmente de posição. Isso se deu em
tinha nenhuma importância para os soviéticos, quer função de dois fatores. De um lado a intervenção
do ponto de vista da geopolítica dos blocos diplomá- maciça italiana e alemã, já então tornada pública,
ticos e militares (país pequeno e marginal na Europa, mostrava o caráter falacioso dos acordos de "não in-
não pesando em nenhuma aliança), quer do ponto de tervenção", deixando claro que a república espa-
vista político mais geral. Com efeito, a direção da nhola estava abandonada. De outro lado, a emoção
Internacional Comunista considerava a Espanha causada na opinião pública progressista no mundo
como parte do. mundo "colonial e semícolonial'" todo pressionava a URSS a agir. Os protestos sovié-
Manuilski, um dos seus dirigentes na época, solici- ticos de defesa da democracia contra os ataques do
48 Ângelo M. Almeida volução e Guerra Civil na Espanha 49
. ./
fascismo ficariam desmoralizados se eles não ajudas- e isso seria motivo de grandes controvérsias após a
sem os republicanos. Mas os stalinistas viram nessa guerra. Em termos de homens a ajuda militar russa
ajuda a possibilidade de obter um resultado político foi numericamente' muito pequena: calcula-se que
suplementar, mas de grande valor. Em agosto desse nunca houve mais de 1000 homens. Mas a qualidade
ano havia-se desenrolado o primeiro processo contra dessa ajuda advinha da presença dos chamados "téc-
a velha guarda bolchevique (muitos outros se segui- nicos russos": diplomatas com funções políticas
riam), em que Zinoviev, Kamenev e mais 14 réus como M. Rosenberg, Antonov-Ovseenko, Stachevs-
foram levados a se auto-incriminarem, reproduzindo ki, ou o jornalista Koltsov: conselheiros militares
na "pátria do socialismo" a inquisição medieval. A como Goriev e Berzine; e finalmente os agentes do
condenação à morte desses bolcheviques, acusados NKVD - Comissariado do Povo para os Assuntos
de "agentes da Gestapo", havia causado um enorme Internos -, a polícia política russa que o stalinismo
impacto negativo. Stalin percebeu que poderia com- instalou na Espanha: entre eles Orlov e Erno Gerõe.
prar, com a ajuda aos republicanos, o silêncio cons- Mas a ajuda russa em homens concretizou-se
ciente dos simpatizantes comunistas e compagnos de através da mobilização de voluntários de várias na-
route. De fato, enquanto André Gide voltava de cionalidades, feita pela IC, que formaram as bri-
Moscou denunciando as pressões que se exerceram gadas internacionais. Nelas os comunistas eram a
sobre ele em nome dos revolucionários espanhóis grande maioria, mas havia socialistas como Pietro
para que não denunciasse o que se passava na Rús- Nenni, militantes independentes como, os irmãos
sia, inúmeros outros intelectuais como André Mal- Rosseli, simpatizantes dos anarquistas, como Simone
raux, Louis Fischer, Romain Roland, Bertolt Brecht Weil, e sobretudo membros das oposições comunis-
e outros apoiaram os processos de Moscou sob o pre- tas que em geral ligavam-se ao POUM. Em termos
texto de ajudar a resistência ao fascismo. numéricos combateram nas brigadas cerca de 45000
A partir de outubro chegou aos republicanos o estrangeiros, entre os quais predominavam os fran-
material bélico russo: gasolina, caminhões, tanques; ceses.
canhões, vários tipos de armas e sobretudo aviões O fato -de que a União Soviética era o único
(mais de 50% dos que foram utilizados pelos repu- fornecedor de armas dos republicanos iria determi-
blicanos). Esses fornecimentos também constituíam nar profundamente o curso da evolução política na
uma venda e não uma doação; o governo republicano zona republicana. Os soviéticos estavam disQostos a
pretendia pagar com o ouro depositado no Banco de ajudar o governo rií)Ublk~no l~aLmente con.llituído,
Espanha. No final da guerra, temendo o confisco mas não a revolução. Além disso a manutenção da
dele por Franco, o governo Negrín enviou-o à Rússia, legalidade rePübliêãna era um argumento de peso
50 Ângela M. Almei
fazer propaganda do seu anseio de liquidar com os diversosLcom!!.Ç;llocais, provinciais, regionais, que
"vermelhos". Em 30 de julho Franco declarou a um adotaram os mais variados nomes (central, popular,
jornal inglês que se fosse necessário faria "fuzilar de guerra, de defesa, executivo, revolucionário, anti-
metade da Espanha" . fascista, operário, de salvação pública, etc.). Os co-
A repressão à resistência operária havia sido, em mitês constituíam, nesse primeiro momento, o verda-
todos os locais, sangrenta. Mas foi pouco a pouco se deiro poder exercido descentralizadamente. A ma-
estruturando: os fuzilamentos em massa foram subs- neira pela qual eles fomm formados também variava
tituídos pela "instrução sumária", julgamento um de caso para caso. Em geral eleitos por uma assem-
pouco mais formal, e depois pela ação dos conselhos bléia geral, nele podiam estar representados os par-
de guerra. Os organismos policiais multiplicaram-se tidos e sindicatos existentes no local, de forma pari-
e o estado de sitio era um instrumento importante de tária ou proporcional, O que todos· esses comitês
controle da população. Realizou-se também uma de- tinham em comum é que todos haviam assumido o
puração em profundidade em todos os organismos poder local, atribuindo-se tanto funções legislativas
estatais, demitindo-se os suspeitos de simpatias repu- como executivas, decidindo sobre a manutenção da
blicanas. Naturalmente sindicatos e partidos operá- ordem, o controle dos preços, a intervenção nas em-
rios e republicanos haviam sido banidos desde o pri- presas, .a coletivização das terras, a expropriação da
meiro momento. Mas para se estabelecer uma força burguesia e do clero, a organização da informação,
política hegemônica, firmando a liderança de Franco as questões de habitação e assistência social, etc.
e superando as divergências entre os conservadores A base da força dos comitês eram os operários
rnonârquicos e os falangistas, partidários de um "Es- em armas. De fato, os operários não se separavam de
tado novo", foi preciso criar um partido único, à suas armas nem nos restaurantes ou nas salas de
semelhança da Alemanha e da Itália. O Movimiento espetáculo. Foi no primeiro impulso de autodefesa
tornou-se assim a Falange, "movimento inspirador e que se criaram, por iniciativa dos partidos e dos
base do Estado espanhol". Essa evolução ganhou sindicatos, as milícias. Os chefes das milícias eram
formas mais ou menos definitivas em 1938. em geral militantes e sindicalistas, e a massa dos
Do lado da Espanha republicana, não existia milicianos ignorava o manejo de armas. Os critérios
apenas um poder, mas, num primeiro momento, de cada coluna de milicianos derivavam assim de sua
uma verdadeira situação de duplo poder, caracterís- . opção partidária.
tica dos períodos revolucionários. O governo legal, A variedade também caracterizava as formas
sem condições de governar, subsistia. Paralelamente pelas quais os trabalhadores assumiram o controle
criava-se um novo poder que governava realmente: os das empresas. As duas formas pelas quais isso se deu
Revolução e Guerra Civil na Espanha 55
54 Ângela M. Almei
') / I 'acli....
I A revolução na zona republicana caracterizou-se
foram a incautacion, na qual os trabalhadores apode- também por aquilo que os seus adversários chama-
ravam-se da empresa e de seus capitais, e a inter- ram de "terror vermelho". A explosão revolucionária
vención, na qual assumiam a gestão delegados dos libertou e colocou em movimento rancores acumu-
operários e representantes oficiais. As primeiras se- lados durante todos os anos anteriores. No geral
riam num segundo momento as empresas coletivi- tratava-se de um verdadeiro "terrorismo de massa".
zadas e as segundas, jis nacionalizadas. A partir daí Oficiais, guardas, falangistas, jovens ricos eram aba-
cada .empresa reformulava a sua organização in- tidos e seus bens saqueados, desde que não houvesse
terna, tendo como objetivo o aumento de salários, o um militante responsável para o impedir. Os boatos e
seu nivelamento, a diminuição das cadências, a abo- notícias de massacres por parte das forças fascistas
lição dos controles sobre o rendimento, o aumento do levavam às vezes a multidão a se apoderar de prisio-
período de férias, a adoção pela coletividade dos tra- neiros e executá-los. Muitas vezes os soldados inimi-
balhadores da manutenção dos operários doentes e gos eram liquidados porque não havia como mantê-
inválidos, a construção de escolas e do serviço mé- 10s presos. Todos os partidos e sindicatos criaram
dico, etc. O nivelamento dos salários, entretanto, organismos de investigação aos quais deram o nome
nunca atingiu as mulheres, que em média continua- de "checa", lembrando a revolução russa. Aos pou-
ram a ter salários mais baixos que os homens. Mas o cos essa repressão iria se organizar sob a forma de
fato de que essa reformulação da organização interna umpaseo: os suspeitos de terem no passado atacado
de cada empresa se fizesse sem nenhum plano geral, os operários eram presos em suas casas e seus cadá-
levou em pouco tempo a uma desigualdade conside- veres eram encontrados mais tarde. Essa prática
rável entre os operários. Quando a fábrica possuía transformou-se num verdadeiro ajuste de contas,
reservas monetárias, os operários podiam redistribuí- muitas vezes pessoal. O seu caráter pernicioso bem
Ias e aumentar os salários; quando ela não as pos- cedo despertou protesto em todos os partidos, inclu-
suía, a produção via-se, prejudicada, bem como o sive dos anarquistas, acusados de serem mais fre-
pagamento de salários. No campo a situação era qüentemente os autores dessas vinganças. E os par-
ainda mais complicada, pois, como freqüentemente tidos começaram a coibir toda e qualquer execução
se acusou depois, muitas das coletivizações de terras arbitrária e individual. O alvo mais generalizado da
teriam sido impostas pela força. O fato é que os ira popular foram as igrejas e conventos, e os padres
camponeses, pressionados pela guerra, e sem maqui- t, e freiras. Com esses ataques os operários e campo-
naria adequada, temendo sempre a volta do antigo neses visavam não apenas a destruir o símbolo do
regime, pouco puderam fazer para provar a vitali- , ooderic do clero, mas tudo o que encarnava na Es-
dade do novo sistema de exploração da terra.
56 Ângela M. Almei
Revolução e Guerra Civil na Espanha 57
blemas de organização e de disciplina militar, e so- argumentava, contra o postulado de base libertário
bretudo, no nível geral, a falta de uma estratégia de antiestatal, que não era possível abandonar às outras
combate global, começaram a se fazer sentir. Ade- organizações o exercício do poder. Discutiam a for-
mais as milícias, sendo partidárias, dispunham cada mação de uma Junta de Defesa Nacional, com base
W:naae uma concepção ideológica sob-reas-Uã luiiÇãõ na CNT e na UGT, o que não estava muito longe do
édeveres~ edlsputavam entre si as honrãs .de caaa "governo operário" proposto por Caballero.
batalha vencida. Cada..partido e cada sindicato tinha Por seu lado Indalecio Prieto fazia-se porta-voz,
seus l\lr6prios quartéis militares, seus serviços de junto aos socialistas de direita-e- aos republicanos, de
abastecimento, de transporte, etc] O problema da uma solução aparentemente contraditória com o seu
indisciplina, generalizado em todas as milícias, assu- ponto de vista: a demissão de Giral e sua substituição
miu um caráter de questão de princípio para as por Caballero, seu inimigo político, aquele que ele
milícias anarquistas, para quem a obediência à disci- considerava "um imbecil que se quer fazer passar
plina constituía uma concessão à concepção autori- por esperto, (. .. ) um homem capaz de levar tudo e
. tária. Mas os efeitos perniciosos da falta de disciplina todos à ruína" (conforme declarou então ao jorna-
e de coordenação eram tão evidentes, sobretudo du- lista russo Koltsov). É que ele compreendia que só
ranteo avanço das tropas de Franco em direção a Caballero podia ser um representante aceitável para
Madri, entre agosto e setembro, que os próprios os comitês nascidos da revolução, e portanto formar
anarquistas começaram a defender a sua necessi- um governo que consolidasse sua autoridade na re-
dade, enquanto certos setores ainda combatiam esse volução. Os comunistas aderiram facilmente tam-
"revisionismo", . . bém a essa proposição. Den.tro-d-a-sua linha de revo-
As derrotas do mês de agosto e setembro tam- luçij.Q...~_etapas, a luta na Es~ha _em-apetias
bém influíram decisivamente na definição do duplo contra o fascismo enãopelosocialismo, de modo que
poder. Largo Caballero e os socialistas de esquerda 'êfes_~elíaviam transformado em fiéis defensores da
começaram a pensar que era neçessário assumir o re~º-licª !2.!gguesa. Arem do mais, o argumento da
poder diante da incapacidad~.do gQ.Y~r..nº-Qk.al.Mas: continuidade do gõVerno legal face ao estrangeiro era
para eles o poder deveria ter a forma de um "governo também central para eles. Um governo Caballero
operário" apoiado sobre os comitês. Por seu lado os preenchia esses requisitos.
anarquistas, diante de todos os novos problemas O grande problema que ainda se colocava era a
criados pela situação, aprofundavam, não sem con- forma de governo: enquanto republicanos, socialistas
tradições, o seu "revisionisrno". Estavam ou não dis- 'de direita e comunistas pretendiam que Caballero
postos a tomar o poder? Uma corrente importante assumisse o lugar de Giral, este defendia uma rup-
~ r
60 Ângela M. Almeidl I~evoluçãoe Guerra Civil na Espanha 61
tura com a legalidade republicana e um "governo Juan Peiró (que se haviam oposto à participação), '
operário" baseado em partidos e sindicatos, excluin- e Juan Lopez.
do os republicanos. Teria sido então o embaixador ~.J.ro:efa..p-.rl~~~_<2..!W'..9-governo era a de in.s,.
soviético, Rosenberg, que em longas discussões teria titusional-iza~rganismos de Estado em todos--º
convencido os socialistas de esquerda a trocarem um escalões, destruindo os respechvos comitês locais. As
"governo operário" por um "governo de Frente Po- difiêUlOaCIescom-o-s-mi:trfãiífê"s que se opunham ao
pular" que incluísse 9S republicanos. Seus argumen- fim dos comitês seriam contornadas de forma inte-
tos: as conseqüências graves, no plano da possível ligente: seriam os próprios membros de cada comitê
ajuda internacional, da ruptura com o governo legal- a ocupar os postos no organismo regular criado a
mente constituído, e o apoio concreto de material nível local, às vezes apenas com pequenas modifi-
bélico russo que já estava encaminhado. (Esta é a cações na composição. Em muitos casos os comitês
versão mais verossímel, dada pela republicana Clara foram conservados, depois de suas funções terem
Campoamor.) Diante da ameaça que pesava sobre sido atribuídas a outro organismo. Paralelamente era
Madri, eram argumentos convincentes. Assim, em 4 necessário legalizar as conquistas revolucionárias,
de setembro é anunciada a formação do governo de enquadrando-as na ordem vigente. O Ministério da
L. Caballero. Indústria era ocupado pelo anarquista Juan Peiró,
Num primeiro momento os anarquistas não par- que propôs a Caballero a coletivização de todas as
ticipavam. Caballero queria integrá-los, mas ao mes- empresas por decreto. Com o argumento de que tal
mo tempo lhes oferecia apenas um posto no minis- medida poderia dificultar a ajuda das democracias
~\ tério, o que não tinha nenhuma relação com a verda- ocidentais, o governo negou-a. Finalmente o decreto
deira força que eles exerciam. Entre eles o debate limitar-se-ia a definir a intervenção do governo. Des-
continuava, até que em novembro, finalmente, tendo se modo as coletivizaçõese nacionalizações viram-se
decidido pela participação, passaram a ocupar 4 mi- bloqueadas. No campo apenas uma parte das expro-
nistérios. Essa decisão ao nível do Estado espanhol priações foi legalizada e a incerteza tomou conta de
foi precedida de duas participações em governos lo- milhares de camponeses. Afinal a ação do governo (
cais: na Catalunha, em fins de setembro, quando o Caballero teve primordialmente o efeito de, ao insti-
autonomista Companys obteve a dissolução do Co- tucionalizar o processo revolucionário, estancâ-lo.
mitê Central das Milícias, e a integração dos seus Mas o problema crucial a enfrentar era o da
membros no governo da Generalitat; e na província unificação do comando militar e o do estabeleci-
de Aragão, no fim de outubro. Os ministros anar- mento de uma estratégia de guerra global. As der-
quistas eram: Federica Montseny, Garcia Oliver, rotas militares recentes e a ameaça sobre Madri indi-
Ãngela M. Almei'" Revolução e Guerra Civil na Espanha 63
Para defender Madri foi criada, por decisão do formação de comitês a todos os níveis com poderes
Conselho de Ministros, uma "Junta de Defesa", e o bastante amplos, e a retomada dos tribunais popu-
comando militar foi confiado ao general Miaja, que lares através dos quais se procurava coibir a ação da
até então não parecia ser um republicano ardoroso. "quinta coluna", agentes franquistas agindo dentro
Essa Junta, embora tivesse teoricamente representa- de Madri. La Pasionaria (Dolores Ibarruri) organi-
ção de todas as organizações políticas e sindicais, zava passeatas de mulheres em que se popularizaram
estava inteiramente dominada pelos comunistas.' A palavras de ordem como "mais vale morrer de pé do
defesa de Madri foi portanto assumida pelo partido que viver de joelhos" e No pasaran!, que davam
comunista e pela URSS como obra sua. Todos os conta do entusiasmo com que o povo enfrentava o
recursos materiais (armas) e humanos (conselheiros cerc~ De novembro de 1936 a março de 1937 as
militares e políticos) foram canalizados para a defesa tropas franquistas tentaram várias táticas: penetrar
da capital. Goriev seria o oficial russo a verdadei- em Madri a partir de vários pontos; desmoralizar a
ramente organizar a resistência, auxiliado por "Pav- população com bombardeios sucessivos; cercar a ci-
lov", "Douglas" e "Carlos Contreras" (Vidali). Kolt- dade por todos os lados. Todas as tentativas fracassa-
sov assumiria, junto com o embaixador Rosenberg, ram. A última cartada foi a batalha de Guadalajara,
o papel de dirigente político. A ajuda russa seria tão ao norte de Madri, em março, em que as tropas
importante que manifestações de rua aclamariam: bem equipadas de Mussolini empenharam-se deci-
Vivan los rusos! Ê em Madri também que iriam sivamente. Contra os soldados fascistas as brigadas
.aparecer as primeiras brigadas internacionais. internacionais e as tropas republicanas aplicaram
A defesa de Madri mobilizou todas as forças e a tática do derrotismo revolucionário, apelando à
partidos, e todos pensavam que aí se cavavaf túmulo deserção. Os "camisas' negras" fugiram em massa,
do fascismo. Durante uma primeira fase, portanto, ou aderiram aos republicanos, e isso constituiu não
a Junta de Defesa adotou uma atitude absolutamente apenas uma grande vitória dos antifascistas, mas
fraternal e solidária com as outras forças políticas também marcou o fim do assédio a Madri.
(os homens da coluna anarquista de Durruti, vindos Entretanto, dentro da cidade sitiada, a correla- .
de Aragão, foram entusiasticamente aclamados; não cão de forças modificou-se bem rapidamente; AI
se sonegava armas a ninguém). Além disso a Junta Junta de Defesa abandonou logo a sua atitude ini-
deixou provisoriamente de lado os discursos sobre a cial. Tentando ao mesmo tempo controlar os comi-
"legalidade" e o "respeito à propriedade". Métodos tês, ou então dissolvê-Ios, ela começou também a
tipicamente revolucionários foram readmitidos e até discriminar os anarquistas e .o POUM na distribui-
incentivados, como o armamento geral do povo, a ção de armas. Paralelamente a imprensa desses se-
68 Ângela M. Almeida 69
Revolução e Guerra Civil na Espanha
gente havia sido misteriosamente abatido em com- ziguamento, com a promessa de que nenhum ataque
bate, mas pelas costas, durante o cerco a Madri), seria feito contra os operários. Garcia Oliver e Fede-
e um grupo liderado pelo velho anarquista italiano rica Montseny foram de Valência a Barcelona con-
Berneri, que editava o jornal em língua italiana clamar os operários a deporem as armas. Três dias
Guerra di Classe. Sintomaticamente havia sido ape- depois a calma estava restabelecida: SOO mortos, cer-
nas este jornal e os do POUM que haviam ousado ca de 1000 feridos, algumas execuções sumárias,
denunciar a farsa dos processos de Moscou contra a entre as quais a do grande anarquista italiano Ber-
velha guarda bolchevique. Em fevereiro formou-se neri e a do jovem líder anarquista Alfredo Mar-
como resposta a esse estado de ânimo oposicionista a tinez.
Frente da Juventude Revolucionária, contra a qual se Mas enquanto as cúpulas anarquistas se esfor-
colocaram logo os jovens comunistas. A oposição çavam por minimizar o alcance das jornadas de maio
estava localizada essencialmente na Catalunha. em Barcelona, a imprensa comunista, em Madri e
Pois foi lá, em Barcelona, que os comunistas em Valência, seus dirigentes e seus ministros, pe-
reiniciaram a sua campanha para desalojar os anar- diam agora abertamente a repressão. Era, segundo
quistas e o POUM das posições que ainda ocupavam:' eles, a luta contra o triplo inimigo, tal qual o Pravda
Depois de alguns incidentes durante o mês de abril, já havia defendido meses antes: contra os franquis-
o comissário da Ordem Pública, Rodriguez Salas, do tas, contra os "trotskistas" (POUM) e contra os "in- . I.
PSUC, atacou, em 3 de maio, a Central TelefônicJ controláveis" (os anarquistas). Em IS de maio os
que vinha funcionando desde julho de 1936 sob ~ ministros comunistas Uribe e Jesús Hernandez pe-
direção de um comitê UGT-CNT, no qual.predomi- diram solenemente em reunião do Conselho de Mi-
navam os anarquistas. A resistência, que se iniciou nistros a dissolução do POUM. Caballero, secun-
como combates entre os andares de Cima e os de dado pelos ministros anarquistas, recusou também
baixo, generalizou-se rapidamente e de forma total- solenemente aplicar uma medida contra qualquer
mente espontânea em toda a cidade. Os operários organização operária, apenas digna segundo ele de
entraram em greve e ergueram barricadas contra o um governo Gil Robles ou Lerroux. Os ministros co-
governo. A 26:'- divisão, dominada pela CNT, e a munistas retiraram-se então do recinto. Ingenua-
29:'-, pelo POUM, marchavam já sobre Barcelona mente Caballero acreditava que o governo conti-
para defender os operários insurretos. Era a guerra nuava. Mas Prieto, em nome dos socialistas mode-
Civil dentro da coligação antifascista, Os dirigentes rados e dos republicanos, demonstrou-lhe que era ele
máximos do movimento anarquista, em primeiro quem tinha saído do governo. Mais tarde Jesús Her-
lugar os ministros, optaram então pela tática de apa- nandez diria que os comunistas espanhóis (ele e José
74 Ângela M. Almeidi
radores mais próximos, como Carlos de Baraibar e taria marítima no Mediterrâneo. O primeiro navio
Araquistain, foram sendo afastados dos postos-chave alemão, atingido por engano pelos republicanos,
que ocupavam, enquanto ele foi perdendo o controle provocou uma resposta inusitada dos alemães: eles
dos jornais que tinha até então: Claridad, Adelante, simplesmente bombardearam o porto de Almeria,
La Correspondencia de Valencia. Em outubro de em maio de 1937. Data daí, portanto do começo do
1937 Caballero decidiu apelar às massas. O seu dis- governo Negrín, as primeiras diferenças que iriam
curso em Madri causon um tal impacto popular que surgir entre ele e Prieto. É que, ao ataque alemão,
o governo Negrín decidiu reagir. Quando em viagem Prieto propôs que se respondesse com um ataque à
para um novo comício em Alicante, Caballero foi esquadra alemã, o que significaria uma declaração
preso e passou a ficar sob residência vigiada em de guerra à Alemanha e a possibilidade de uma
Valência. Seu único protesto: uma carta aberta às conflagração mundial. Já então, em maio de 1937,
Cortes. Desde então terminou a carreira política do Prieto acreditava que a única chance de salvar a
grande lutador. Quatro caballeristas aderiram ao república espanhola era a de encadear a sua guerra
governo Negrín e passaram a integrá-lo. com a guerra mundial. Mas todos foram contra as
propostas de Prieto, sobretudo os militares comunis-
tas; além disso França e Inglaterra consideraram o
Sem oposição - Prieto contra Negrín fato como sem importância. A União Soviética viu
então com clareza que estava só na defesa dos repu-
Durante o segundo semestre de 1937 toda a blicanos, que nada faria a Inglaterra e a França
oposição foi definitivamente esmagada. A situação mexerem-se para ajudar a' república '~spanhola. Co-
oeNêgf"ín era tão segura que" ele fez" transferir o meçou aí o seu ponto de ruptura com a atitude que
governo, ministérios, etc., para Barcelona, onde a havia adotado a partir de setembro de 1936.
CNT já não poderia perturbá-Ia. Mas a pirataria continuou. Os seus executores
Entretanto a situação militar evoluía também. eram agora já evidentes: os submarinos alemães e
Durante o ano de 1937 o .fato mais ilustrativo da italianos que atacavam a frota republicana e os na-
situação da Espanha no tabuleiro de xadrez europeu vios russos a pedido de Franco. Ela só cessou quando
foi a aprovação, finalmente, em abril, de um plano um navio inglês foi ameaçado e a Inglaterra tomou
de não intervenção, obra da varinha mágica da "neu- uma atitude de firmeza. Nesse momento, apesar das
tralidade" da diplomacia inglesa, plano cuja elabo- pressões de Franco que visava o bloqueio marítimo à
!~..
11~1
ração durou 7· meses. Apenas entrado em vigor co- república, a pirataria terminou. Estas questões pro-
meçaram a ter Iugar uma série de incidentes de pira- vocaram em fins de 1937 a queda do primeiro go-
84 Ângela M. Almeid. Revolução e Guerra Civil na Espanha 85
verno Blum, e na Inglaterra o afastamento dos libe- ciso negociar. E concebia a Inglaterra como um in-
rais que, como Anthony Eden, não viam com bons N' termediário privilegiado para abordar os franquistas.
Todos então se rebelavam contra os russos e contra fugitivos dirigiam-se desesperadamente ao mar. Cer-
os comunistas. A aliança em torno de Casado parla- ca de 200 000 refugiados foram para a Françã,e
mentou com o governo Negrín, reentrado na Espa- 150000 para a Âmérica Latina.
nha. Mas Negrín optou, em março de 1939, por uma t>?: Entretanto Franco soube tirar materialmente as
solução onde prevalecia ainda mais a força dos comu- lições da guerra. Percebeu que a única chance de
nistas. Ele tinha para o apoiar vários corpos do Exér- manter a sua estabilidade no país destruído era rnan-
cito dominados por eornunistas. O que aconteceu ,x:.. ter-se neutro. Abandonou aqueles que o ajudaram -
então foi um golpe de Estado da "Junta Casado" Hitler e Mussolini - e se voltou para aquela que o
contraNegrín. Este preferiu então renunciar, mas o tinha sempre favorecido discretamente, a Inglaterra.
golpe degenerou em mais uma pequena guerra civil Os vencedores na Espanhà foram a reação, isto é,
no campo republicano, da qual Franco aproveitou-se .,ia Igreja e o Exércio. A repressão foi incalculável:
para fazer avançar suas tropas. Nessas semanas a uma grande parte dos combatentes que não fugiram
...;guerra civil no seu todo fez 2000 mortos. Os anti- passaram dezenas de anos na cadeia. A guerra levou
comunistas ajustavam velhas contas com os comu- cerca de 600 000 pessoas à morte. Mas o franquismo
nistas que se haviam prevalecido de suas posições de resistiu à 11 Guerra Mundial, à derrota do fascismo
mando na. polícia. Negrín, Alvarez del Vayoe alguns na Europa, assistiu à industrialização e à moderni-
líderes comunistas c9mo La Pasionaria, Lister, Vri- zação da Espanha, e deu-se ao luxo de, a partir de
be, e Hidalgo de Cisneros fugiram por decisão pró- 1975, 36 anos depois, encenar a farsa da transição
pria, e nãõõ"o parhdo, para a Françã, enquãIi1oJOsé pacífica do fascismo à monarquia constitucional de
..
'
Diaz', '!esusHernandez,
gadasinte!nacionais,
Castro Delgado, e, pelas bri:
<::TaudIn e-Togliatti, fICaram
Suarez e do rei Juan Carlos.
de Caballero a vacilarem sempre diante da enormi- os republicanos, simbolizados por Azafia, e os socia-
dade dá pressão que constituíam as necessidades da listas moderados, cujo melhor exemplo é Prieto. Os
guerra, a hipotética ajuda da França e da Inglaterra, comunistas exerciam, desse lado da barricada, um
e a realidade da ajuda russa. Foram os primeiros a papel contraditório: na base e nassrísadas interna-
serem pulverizados ideologicamente. Os anarquistas cionais, eles lutavam para criar uma outra "pátria do
sofreram também a enorme pressão das necessidades socialismo", tão socialista como então acreditavam
da guerra, materializadas na ajuda russa, mas a que a União Soviética fosse. Ao cumprir as diretivas
sofreram dilacerados entre os seus princípios e as da direção eles acreditavam lutar por esse objetivo.
intrincadas questões que a participação no exercício Na cúpula do PCE, que por sua vez recebia instru-
do poder. e durante uma guerra, lhes colocaram. ções diretas. dos "conselheiros soviéticos", que por
Muitos anarquistas, ao romper com seus "princípios sua vez recebiam. ordens estritas de Stalin, do que se
libertários", caíram na maior confusão e chegaram a tratava era de colocar o conflito espanhol a serviço
colaborar lealmente com a direita da zona republi- dos interesses de Estado, particulares e cambiantes,
cana. A grande maioria, porém, sofreu angustiada e da URSS.
impotente diante dos dilemas não resolvidos que o
exercício da democracia e sua operacionalidade co- * * *
locaram. Os militantes do POUM foram os que, na
sua "pobre" teoria de grupo minoritário, mais pró- Os leitores brasileiros dispõem de muito poucos
ximos estiveram de apontar algumas soluções. E livros sobre a guerra civil espanhola. Trata-se, em
foram, pela sua audácia, aqueles que mais brutal- primeiro lugar, do. conhecido livro do historiador
mente foram massacrados pela dupla força reacio- inglês Hugh Thomas, A Guerra Civil Espanhola,
nária do fascismo e do stalinismo. Se eles colabo- editado pela Civilização Brasileira em 1964. Obra
raram, cheios de preocupações revolucionárias, com minuciosa e muito bem documentada, em dois gros-
o governo Caballero, na sua quase totalidade eles não sos volumes, elaborada segundo os mais rígidos pre-
colaboraram com o governo Negrín e a repressão que ceitos de "neutralidade" e "objetividade" histórica,
o caracterizou. ela tem o defeito de terminar por apresentar a guerra
Do outro lado da barricada da zona republicana espanhola como uma lutasem outro motivo aparente
havia aqueles que apenas defendiam uma república que a natureza belicosa do povo espanhol, onde cla~
burguesa democrática, que abolisse de fato todo o ses, seus partidos e suas idéias não foram os Pi1n-
obscurantismo que a Igreja e o Exército haviam até cipaismoforesdTIütr- .- . -
então imposto, por meio da monarquia, à Espanha: . O leitor brasileiro dispõe ainda de poucas e par-
96 Ângela M. Almeida I Revolução e Guerra Civil na Espanha 97
ciais obras editadas no Brasil. A Guerra Civil na mentado por Apolônio de Carvalho na edição fran-
Espanha, que é constituída de alguns discursos de cesa). Essa edição viria a preencher uma grande
Andrés Nin e de uma breve nota introdutória biográ- lacuna. O livro é uma história muito bem documen-
fica, editada pela Laemmert, Rio de Janeiro, 1969; tada, mas escrita por um historiador que não se
Um Brasileiro na Guerra Espanhola, de José Gay da pretende "objetivo", e que quer ilustrar uma tese.
Cunha (Editora Globo, 1946), relato da experiência .Mostrando com grande riqueza todos os dilemas vi-
pessoal de um dos cerca de 16 brasileiros que che- vidos pelos anarco-sindicalistas, ao confrontarem
garam à Espanha apenas em meados de 1937, e seus princípios com as duras necessidades da guerra
escrito conforme o ponto de vista oficial do comu- civil e da revolução, ele tem a intenção explícita de
nismo da época. Mais recentemente Pedro Rodrigues demonstrar o trabalho de sabotagem da revolução
publicou na revista Temas de Ciências Humanas (n? feito pelos comunistas e pela URSS. Seu único de-
9, 1980), um artigo bem documentado, "Brasileiros feito é comentar os acontecimentos quase que apenas
na Espanha", levantamento da trajetória dos com- até a queda de Caballero, em maio de 1937.
batentes brasileiros que lutaram na Espanha. A Existe uma outra ótima história da revolução e
maioria deles eram militantes comunistas, como por da guerra espanhola traduzi da e editada recente-
exemplo o dirigente do PCB, David Capistrano, de- mente em Lisboa, de Pierre Broué e Émile Témine,
saparecido, provavelmente assassinado no Brasil em A Revolução e a Guerra de Espanha (Editora Textos
1974, ou o também dirigente do PCB, mas que rom- para uma Cultura Popular, 1976). Trata-se de duas
peu na década de 60, Apolônio de Carvalho, que obras que se complementam nos temas tratados. O
lutou também na "resistência francesa". Outros primeiro autor, Broué, conhecido militante de uma
eram apenas simpatizantes comunistas. Quase todos das correntes trotskistas francesas, a OCI-AJS, já
.eles haviam já tido experiência militar. Recente- provou suas amplas qualidades de historiador minu-
.mente também o próprio Apolônio de Carvalho es- cioso e inteligente, que toma partido do ponto de
creveu no jornal Leia Livros (n? 23, abril-maio 1980) vista da classe operária, sem nunca permitir que sua
um breve comentário sobre a Espanha a partir de 4 filiação partidária o faça perder a sua "objetividade
obras editadas recentemente na França, Espanha e operária". Seu livro Révolution en Allemagne -
Itália. 1917-1923 é uma obra primorosa, e este seu estudo
Há entretanto projetos de publicação, pela Edi- sobre a Espanha, tanto quanto o de Témine, con-
tora Semente, do livro do antigo correspondente da segue situar o leitor no grande emaranhado de pro-
United Press, o simpatizante anarquista americano blemas enfrentados pelos revolucionários.
Burnett Bolloten, The Great Camouflage (aliás co- Antes de comentar as obras mais importantes
98 Revolução e Guerra Civil na Espanha 99
dos principais protagonistas da 'luta na Espanha, totalmente incompreensível para Trotsky, como ele
provavelmente não disponíveis ao leitor brasileiro, é tampouco pode avaliar o trabalho de repressão do
preciso dizer algumas palavras sobre os Escritos so- NKVD na Espanha, cuja maior vítima foi Andrés
bre Espana, de Trotsky, traduzidos em quase todas Nin. Os paralelismos com a revolução russa, em
as línguas, e talvez de fácil acesso ao leitor no Brasil. relação à Espanha, tornam-se, pois, grosseiros. Estes
O valor deles se encontra em um ponto de frontal escritos de Trotsky não têm nenhuma importância
oposição com o valor <tosEscritos sobre a Alemanha nem para a Espanha, nem para a sua obra global; e
de 1930 a 1933, de Trotsky. Sobre a Alemanha ele não é sem dúvida por outra razão que o seu biógrafo,
escrevia em Prinkipo, na Turquia, seu melhor exílio. Deutscher, dedica poucas linhas a um fato de tal
Nessas análises, apesar de usar e abusar do velho forma crucial para a Europa como a guerra da
cacoete introduzido por Lênin, de analisar a situação I Espanha.
alemã pelo prisma da seqüência cronológica e bio- Quanto aos livros e depoimentos dos contem-
gráfica da revolução russa, Trotsky provou ser aquele porâneos, apresentamos aqui uma pequena seleção
que melhor entendeu na época o que se passava na do que nos pareceu mais significativo. O ponto de
Alemanha e o verdadeiro significado histórico da vista comunista oficial pode ser encontrado em: José
derrotada classe operária alemã, sem resistência, Diaz, Tres anos de luchas, reeditado na Espanha
diante do nazismo em 1933. Quanto à Espanha é recentemente; nas diversas obras de Dolores Ibarruri
outro Trotsky que escreve. "Encarcerado" na sua (La Pasionaria), também reeditadas; e além disso
fortaleza murada de Coyoacan, no México, auxiliado numa história escrita por uma comissão coletiva do
apenas por jovens e então inexperientes intelectuais, PCE, da qual fazia parte D. Ibarruri, Guerra y revo-
bons tradutores e datilógrafos, mas péssimos polí- luciôn en Espana (Moscou, 1966). Mais interessante
ticos e piores militares, informado sobre o que se é no entanto ler as impressões de três grandes diri-
passava na Espanha através da França por outro gentes comunistas que romperam com Stalin: "EI
grupo de jovens cujo líder era o agente da NKVD Campesino", Comunista en Espana y anti-stalinista
Marc Zborowski ("Etienne"), Trotskyescreve sobre em Ia URSS, México, 1952; Enrique Castro Del-
um país que nunca existiu, e que nadatinha a ver gado, J'ai 'perdu Ia foi à Moscou, Paris, 1950; e
com a Espanha de 1936 a 1939. Suas críticas sectá- principalmente Jesús Hernandez, Yo fue un ministro
rias ao POUM foram um dos motivos de ruptura com de Stalin, México, 1946, ao qual se deve a descrição
alguns dos seus seguidores de peso como o holandês detalhada das torturas, e da resistência de Andrés
Sneevliet, o belga Vereeken, e com o famoso Victor Nin.
Serge. O fenômeno do anarquismo espanhol era Outros comunistas não espanhóis escreveram,
."" . '.
Ângela M. Almeida IRevolução e Guerra Civil na Espanha 101
100
~
depois de romper com o stalinismo, sobre a Espanha: escreveu La guerre d 'Espagne, reeditado pela Mas-
o jornalista inglês Louis Fischer dedica alguns capí- pero em 1959.
tulos à Espanha em Men and Politics, Londres, Os anarquistas protagonistas escreveram muito
1941; Arthur Koestler, Spanish Testament, Londres, sobre a Espanha: José Peirats, Los anarquistas en Ia
1937; Walter Krivisky, ex-agente dos serviços de crisis política espaiiola, Buenos Aires, Diego Abad
espionagem russos, fala muito do que era a Espanha de Santillan, Por que perdimos Ia guerra, Buenos
para a URSS em In -Stalin 's Secret Service, Nova Aires, 1940, e EI Organismo Economico de Ia Revo-
lorque, 1939. Katia Landau descreveu os métodos de lucion, publicado em português pela Brasiliense,
interrogàtório e as torturas dos agentes do NKVD em 1980. Dentro do ponto de vista do POUM, Julian
Le stalinisme, bourreau de Ia révolution espagnole, Gorkin escreveu Canibalespoliticos, México, 1941, e
Paris, Spartacus, 1971. O ponto de vista oficial George Orwell escreveu um livro traduzido no Brasil,
comunista, escrito por estrangeiros, pode ser lido em Lutando na Espanha, Civilização Brasileira, 1967.
Luigi Longo, Le Brigate Internazionali in Spagna, Além disso muitas análises, novas revelações e
1956, e em Ercoli (Togliatti), The spanish revolution, comentários aparecem em histórias do movimento
Nova lorque, 1938, reeditado tanto na Itália como comunista ou em memórias. Destacamos aqui ape-
na Espanha. As análises do jornalista russo, desapa- nas três: a obra magistral de Fernando Claudín, La
recido nas purgas dos anos 30, Koltsov, foram reedi- Crisis dei movimiento comunista (Paris, Ruedo '1be-
tadas na década de 60 pela Ruedo Ibérico, Diario de rico, 1970), escrita por um líder comunista expulso
Ia guerra de Espana, Paris, 1963. do PCE nos anos 60; o livro de um ex-simpatizante
O ponto de vista de Caballero aparece no seu anarquista, Heleno Sana, La Internacional Comu-
livro Mis recuerdos, México, 1954, e no de Luis nista, 1919-1945 (Madri, 1972), onde o autor acu-
Araquistain, EI comunismo y Ia guerra de Espana, mula uma dose volumosa de informações sobre os
Carmaux, 1939. Prieto escreveu, entre outras coisas, crimes do stalinismo na Espanha; e a interessante
Como y por que salí dei ministério de Ia defensa Autobiografia de Frederico Sanchez, dê Jorge Sem-
1:\[1
nacional, México, 1940. O ponto de vista dos repu- prún, expulso na mesma época que Claudín (o livro
blicanos mais citado aparece em Clara Campoamor, foi editado no Brasil pela Paz e Terra, 1979).
La révolution espagnole vue par une republicaine, Os romances mais famosos sobre a Espanha
Paris, 1937; e o dos socialistas moderados em Ramos foram o de Ernest Hemingway, Por quem os sinos
Oliveira, Economics, politics, and men of modern dobram, e de André Malraux, L 'espoir . No Brasil
Spain, Londres, 1946, mais num ângulo favorável a Êrico Veríssimo escreveu Saga, cuja ação se passa
Negrín. Entre os socialistas estrangeiros Pietro Nenni durante a guerra civil espanhola.
li --~~
COLEÇÃO TUDO :f: HISTÓRIA
1. As independências na América Latina . Leon Pomer 2. A crise do escravismo e a
grande imigração· P. Beígueiman 3. A luta contra a metrópole (Ásia e África) " M
Yedda Linhares 4. O populismo na América Latina - M. Ligia Prado 5. A revolução
chinesa > O. Aarão Reis Filho 6. O cangaço . Cartas A. 06ria 7. Mercantilismo e
transição - Francisco FaIcon 8. As revoluções burguesas - M. Florenzano 9. Paris
1968: as barricadas do desejo >Olgária C. F. Matos 10. Nordeste insurgente (1850-
1890) - Hamilton M. Monteiro 11. A revolução industrial - Francisco lglésias 12. Os
quilombos e a rebelião negra - Clóvis Moura 13. O corone1ismo - M. de Lourdes
[anotti 14. O governo J. Kubitschek - Ricardo Maranhão 15. O movimento de 1932 -
Maria H. Capelato 16. A América. pré-colombiana - C. Flamarion Cardoso 17. A
abolição da escravidão - Suely R. R. de Queiroz 18. A Proclamação da República -
I. Enio Casalecchi 19. A revolta de Princesa - Inês C. Rodrigues 20. História política
do futebol brasileiro - I. Ruiino dos Santos 21. A Nicarágua sandinista - Marisa
~ Marega 22. O iluminismo e os reis filósofos - L. R. Salinas Fortes 23. Movimento
estudantil no Brasil· Antonio Mendes Ir. 24. A comuna de Paris - H. Gonzâlez.
25. A rebelião Praieira - lzabel Marson 26. A primavera de Praga - Sonia Goldieder
27. A construção do socialismo na China - D. Aarão Reis Filho 28. Opulência e
miséria nas Minas Gerais - Loura Vergueiro 29. A burguesia brasileira - [acob Gorender
30. O governo Iânio Quadros - M. Yictôria Mesquita Benevides 31. Revolução e
guerra civil espanhola - Angela M. Almeida 32. A legislação trabalhista no Brasil -
Kazumi Munakata 33. Os crimes da Paixão - Mariza Corrêa.
A SAIR:
Sobre a Autora
• A Balaiada - M. de Lourdes [anotti • A Cabanagem - Dulce H. P. Ramos. A
crise de 1929 - Alberto Marson • A cultura na era de Vargas - C. Guilherme Motta
• A democracia ateniense - F. M. Pires/Paulo P. Castro • A economia caíeeira .
Ângela Mendes de Almeida nasceu em São Paulo, em 17.12.1938; [, R. Amaral Lapa •. A guerra civil americana - Peter Eisenberg • A guerra fria
é formada em Ciências Sociais pela USP e doutorada em Ciências Polí- - Oéa Fenelon • A históHa--<lo espetáculo e encenação - Fernando Peixoto • A
história do trabalho fabril -"Edgar de Decca • A Independência dos EUA - Suzan
ticas pela Universidade de Paris VIII - Saint-Dennis, com uma tese Anne Semler • A industrialização brasileira - Francisco Iglésias • A inquisição no
sobre a história da Internacional Comunista. Exerceu a função de pro- Brasil - Anita Novinsky • A questão árabe - M. Yedda Linhares • A revolta da
fessora universitária em várias faculdades de Lisboa e Porto durante os Chibata - Marcos A. da Silva • A revolta da Vacina 'Obrigatória - Sílvia Bassetto
anos de 1976-79. Atualmente leciona na Faculdade de Educação da
Unicamp.
• A revolta de 1817 - Carlos G. Mal/ti.
.i
A revolução de 1930 - Italo Tranca.
revolução de 1935 -"P. Sergio Pinheiro • A revolução mexicana - Ana M. Martinez
Correa . A revolução russa - Théo Santiago A 11 Guerra Mundial - [oel Silveira
• A tragédia do negro nos EUA - Clôvis Moura - A unificação italiana e alemã - M.
Florenzano • As entradas e bandeiras .• Carlos Davidojj • As internacionais operárias
A
_I I
Ciro F. Cardoso ., O tráfico negreiro - [, Ruiino dos Santos • Os caipiras de São
Jr -
Paulo - C. R. Brandão • Os movimentos de -cultura popular no Brasil - C. R. Bran-
dão • Padre Cícero, o milagreiro - Carlos A. Dôria • Previdência Social no Brasil
- Amélia Cohn • Revolução dos cravos - Mauro de Mello Leonel Ir."