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ISBN 85-08-10~
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_911788508 1
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editora ática.
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série G rincípios
N adine Habert
Professora de História, pesquisadora e educadora popular
A década de 70
Apogeu e crise da ditadura
militar brasileira
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DEDALUS - Acervo - FE
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III~III~II editora otíea
Compra/RUSP
2011.1.] 4890.1.4
© Nadine Habert
23/11!1lR$16,74
Diretor editorial adjunto Femando Paixão
Coordenadora editorial Gabriela Dias
Editor adjunto Carlos S. Mendes Rosa
Editora assistente Tatiana Corrêa Pimenta
Revisão Ivany Picasso Batista (coord.)
Estagiária B ianca Santana
ARTE
Edição Antonio Paulos
Assistente Claudemir Camargo
Capa e projeto gráfico Homem de Mello & Troia Design
Editoração eletrônica Moacir K. Matsusak:i
EDIÇÃO ORIGINAL
Editor Nelson dos Reis
Cj~~,Ob
Edição e preparação de texto
Edição de arte (miolo)
Ivany Picasso Batista
Milton Takeda H ~~çcl
CIP-BRASIL. CAT ALOGAÇÃO-NA·FONTE
L-j 2Jl
HIl9a
4.ed.
06-2338. CDD981.064
CDU 94 (81) "196411985"
I ~impressão
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Yangraf Gráfica e Editora Ltda.
1. Introdução 7
Os 70 que vieram de 64 7
2. Anos de chumbo 11
O "milagre econômico" 11
Na era do "Brasil Grande" 19
Em nome da Segurança Nacional 25
Resistências 32
3. Anos de transição 40
Crise e ditadura 40
Sob o império da "abertura" 47
Oposições e movimentos sociais 51
"Prendo e arrebento" 66
4. Anos de mudanças 69
Panorama 69
Diversidades culturais 74
Pelo mundo 78
5. Referências cronológicas 84
6. Vocabulário crítico 87
7. Bibliografia comentada 90
1 Introdução
Os 70 que vieram de 64
Potência Mundial". Enquanto isso, a dupla Don e Ravel moldes de expansão capitalista, nos quais a burguesia brasi-
cantava aquela música que tocava em todo canto, bem ao leira era compelida a uma integração e associação mais estreita
gosto do ufanismo verde-amarelo do regime militar: com o capital monopolista internacional.
O golpe militar no Brasil foi seguido por outros seme-
Eu te amo, meu Brasil, eu te amo,
lhantes em vários países da América Latina nos anos 60 e
Meu coração é verde, amarelo, branco, azul-anll
Eu te amo, meu Brasil, eu te amo, 70. Para o grande capital internacional e nacional, impu-
Ninguém segura a juventude do Brasil nha-se a derrubada das barreiras econômicas e políticas à
sua expansão, o esmagamento dos movimentos sociais con-
A retórica de então, autoritária e militarista, estava testatórios e a implantação de ditaduras militares que garan-
estampada na frase (copiada dos EUA) que os outdoors tissem as condições favoráveis à nova fase de acumulação
exibiam em letras garrafais: "Brasil: ame-o ou deixe-o".
capitalista.
A que o deboche popular acrescentara: " ... o último a sair Neste sentido, desde a sua implantação e ao longo dos
apague a luz". anos seguintes, o regime militar brasileiro tratou de montar
e garantir estas bases em estreita associação com a burgue-
A década de 70 esteve mergulhada numa ditadura mili- sia nacional e internacional.
tar que não começou e nem terminou naqueles anos. O As primeiras medidas do governo do general Castelo
governo Médici foi a consolidação de uma trajetória cujas Branco (1964-67) foram: intervenção nos sindicatos e nas
pontas mais próximas estavam no golpe civil e militar que entidades estudantis, proibição das greves, instauração da
depôs o presidente João Goulart (Jango) em março de 1964, censura, criação do SNI (Serviço Nacional de Informações),
instaurando uma ditadura militar que viria a durar 21anos. cassação de mandatos e suspensão por dez anos dos direi-
O golpe de 64 ocorreu num momento de crise da eco- tos políticos de parlamentares oposicionistas.
nomia brasileira e de grandes mobilizações operárias, estu- Paralelamente, implementou o arrocho salarial, garan-
dantis e camponesas em torno de reformas políticas e insti- tiu a livre entrada de capitais estrangeiros e a remessa de
tucionais de cunho nacionalista, defendidas pelo governo lucros, e criou instituições e mecanismos financeiros que
Jango, chamadas "reformas de base". favoreceram as grandes empresas nacionais e internacionais.
Os militares, associados aos interesses da grande burgue- O regime centralizou todo o poder e todas as decisões
sia nacional e internacional, incentivados e respaldados pelo no Executivo, governando na base de atos institucionais,
governo norte-americano, justificaram o golpe como' 'defesa decretos-leis e constituição outorgada. Foram suspensas as
da ordem e das instituições contra o perigo comunista". Na eleições diretas para governadores e presidente da República.
realidade, o acirramento da luta de classes estava no centro Foram fechados os partidos políticos existentes e criado,
do conflito. O golpe foi uma reação das classes dominantes por decreto, o bipartidarismo - Arena (Aliança Renova-
ao crescimento dos movimentos sociais mesmo tendo estes dora Nacional) e MDB (Movimento Democrático Brasileiro).
um caráter predominantemente nacional-reformista. Foi tam- Desde o início, todo este processo foi garantido por
bém resultado do impasse entre o esgotamento da política um aparato de repressão política que se abateu sobre todas
nacional-populista que orientara o desenvolvimento e a indus- as manifestações de oposição ao regime, tendo como alvo
trialização do país no pós-guerra e os imperativos de novos principal os movimentos operário, camponês, estudantil e
10
em 1971; 10,4010em 1972 e o recorde de 11,4010em 1973. de pessoas que compunham a PEA (População Economica-
Liderava este crescimento a produção industrial, tendo à mente Ativa), dois milhões foram vítimas de acidentes de
frente a indústria de bens de consumo duráveis. trabalho. Só no ano de 1974,no Estado de São Paulo, região
Na esteira deste processo, expandiam-se as cidades, o mais industrializada no País, um quarto da força de traba-
mercado interno, a construção civil, a de estradas e hidrelé- lho registrada foi atingida, considerando-se apenas os núme-
tricas, as operações nas Bolsas de Valores. Uma febre con- ros dos acidentes de trabalho que foram registrados (780
sumista parecia ter tomado conta das classes médias: com- mil casos).
pravam o "carro do ano" financiado em 36 meses; aparta- O ministro da Fazenda do período do "milagre", Del-
mentos "estilo mediterrâneo ou barroco" financiados pelo fim Neto, um dos mais conhecidos representantes da polí-
BNH (Banco Nacional de Habitação); o último aparelho tica econômica dos governos militares (foi também ministro
de som "três em um"; a recentíssima TV a cores e as ilu- nos governos Costa e Silva e João Figueiredo), explicava a
sões da última "novela das oito". economia como um "bolo que primeiro deveria crescer
Ao final de cada balanço econômico, o governo e a para depois ser dividido". O "bolo" cresceu, engalanado
burguesia parabenizavam-se pelos números, pelo "clima por uma das maiores concentrações de renda do mundo (em
de calma e tranqüilidade" que diziam existir no País e, é 1980, os mais ricos, apenas 1% da população, concentra-
claro, pelas altíssimas taxas de lucros obtidos. No País dos vam uma parcela da renda quase igual ao total da renda
recordes estatísticos, outros números desnudavam a face de 50% da população - os mais pobres). As declarações
real do "milagre" para a imensa massa de trabalhadores oficiais forneciam prato cheio para a caricatura política de
da cidade e do campo. Mais da metade dos assalariados então (quando conseguiam driblar a censura), como aquela
recebiam menos de um salário mínimo 2. famosa frase do presidente Médici: "A economia vai bem
Em matéria de subnutrição, mortalidade infantil e aci- mas o povo vai mal...".
dentes de trabalho, o Brasil estava entre os primeiros do
mundo.
Segundo dados de 1975,72 milhões de brasileiros (67% Um "milagre" sem mistérios
da população) eram subnutridos. A taxa de mortalidade
infantil aumentou não só nas regiões tradicionalmente atra- Na realidade, o crescimento da economia brasileira
sadas como também nas mais industrializadas. Em 1970, entre 1969 e 1973 nada tinha de milagroso. O período
de cada 1000 crianças nascidas vivas, 114 morriam em Médici representou a consolidação da expansão capitalista
menos de um ano, tendência esta crescentenos anos seguintes. nos moldes que já vinham se delineando, contando com as
Em meados da década, o Brasil foi considerado cam- bases econômicas e políticas anteriormente implantadas e
peão mundial em acidentes de trabalho. Os números são com a recuperação da economia mundial a partir de 1967-68.
sempre imprecisos, pois boa parte dos acidentes de trabalho O que se convencionou chamar de "milagre" tinha a
não é registrada pelas empresas. Estima-se que dos 36 milhões sustentá-Ia três pilares básicos: o aprofundamento da explo-
ração da classe trabalhadora submetida ao arrocho salarial,
às mais duras condições de trabalho e à repressão política;
2 Para os dados estatísticos foram consultadas as seguintes fontes: Revista
Retrato do Brasil, 1984; Camargo, 1976. a ação do Estado garantindo a expansão capitalista e a con-
14 15
dústria. Ao lado dos tradicionais capitais norte-americanos, ocupando terras antes destinadas à produção de alimentos
cresceu a presença dos capitais europeus e japoneses. básicos para o mercado interno, como arroz, feijão e milho.
O carro-chefe do "milagre" foi especialmente a indús- O processo de capitalização no campo, com a mecani-
tria de bens de consumo duráveis, destacando-se a de auto- zação da produção, o predomínio do trabalho assalariado
móveis, eletro-eletrônicos e construção civil. e a concentração da propriedade da terra, foi acompanhado
A indústria automobilística foi a que mais cresceu, che- por violenta expropriação e expulsão de milhões de peque-
gando à produção de 750 mil veículos em 1973, o que deixava nos proprietários e trabalhadores rurais das terras e das
bem distante a produção dos tempos de Juscelino Kubitschek, fazendas e pelo intenso êxodo para as cidades.
estimada em 130 mil em 19603. Não foi à toa que o petróleo Nos moldes em que a economia brasileira estava inse-
tornou-se elemento vital para o chamado "modelo brasileiro" . rida no sistema capitalista mundial, o chamado "milagre"
O País importava a maior parte do combustível que consumia, estava intimamente ligado à entrada maciça de capitais
a preços internacionais que mantiveram-se relativamente bai- estrangeiros, seja em forma de investimentos, seja em forma
xos até o início da crise do petróleo em 1973. de empréstimos, crescendo o endividamento externo.
A indústria da construção foi alimentada pelos imen- Bilhões de dólares foram tomados emprestados no exte-
sos recursos do BNH provenientes do FGTS. Em tese, o rior para sustentar a política financeira, os subsídios, os
BNH destinaria os recursos para a construção de casas financiamentos das estatais e das empresas privadas, os pro-
populares, mas, na prática, a maior parte serviu para finan- jetos faraônicos, os custos das importações, o pagamento
ciar imóveis para os setores de renda alta e média. dos juros e royalties.
A expansão do consumo dos bens duráveis foi impul- Por conta das garantias proporcionadas pelo regime
sionada pela criação de um moderno sistema de crédito ao político e pela certeza de lucros fabulosos, os bancos inter-
consumidor e pela intensa propaganda de produtos e servi- nacionais tinham dado "sinal verde" à liberação de crédi-
ços. A TV foi importante instrumento para a ampliação e tos ao "País do milagre". "Em 1972, o Brasil ultrapassou
unificação do mercado interno, verificando-se alterações o Japão como maior tomador de empréstimos do Export-
nos padrões de consumo dos assalariados. Import Bank dos Estados Unidos e tornou-se a maior nação
No campo, consolidou-se a grande empresa capitalista devedora do Banco Mundial" (Davis, 1978, p. 67).
favoreci da pela política de financiamento, isenções e incen- Entre 1969 e 1973, a dívida externa pulou de 4 a 12
tivos fiscais, créditos a juros baixos para aquisição de bilhões de dólares e continuou crescendo cada vez mais nos
máquinas e implementos agrícolas modernos. anos seguintes. No final da década estava em torno de 60
Na esteira do slogan "Exportar é a solução", imensas bilhões de dólares, saltando para 100 bilhões em 1984, uma
regiões foram ocupadas com programas de expansão agro- das maiores dívidas externas do mundo.
pecuária para exportação. Além dos produtos tradicionais
como café, algodão e açúcar, outros produtos encabeçaram
Milagre foi sobreviver
a lista das exportações, a exemplo da soja que, em poucos
anos, tomou conta de vastos territórios da região Sudeste, Em pleno "milagre econômico"(1972), 52,5% dos assa-
lariados recebiam menos de um salário mínimo, piorando a
3 Revista Retrato do Brasil, 1984, fascículo 22. situação nos anos seguintes. Em 1975, "para cobrir os gas-
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tos básicos, considerados mínimos, com nutrição, moradia, luz, calçamento, transporte, posto de saúde, creches, esco-
transporte, vestuário etc., o trabalhador que recebe salário las. É nestes verdadeiros acampamentos sem infra-estrutura
mínimo deveria atualmente trabalhar 466 horas e 34 minu- que moram operários da indústria e da construção, empre-
tos mensais, isto é, 15 horas e 55 minutos durante 30 dias gadas domésticas, ambulantes, office-boys, antigos e novos
por mês"(Camargo, 1976, p. 45). No esforço de garantir o migrantes, paus-de-arara e bóias-frias.
mínimo para sobreviver, os trabalhadores foram obrigados Para os migrantes que chegam expulsos do campo, a
a multiplicar as horas extras e mais membros da família cidade continua sendo o lugar onde há mais chances de
entraram no mercado de trabalho (mulheres e menores).
ericontrar trabalho, embora Ihes sejam destinados empre-
As mulheres acumulam a dupla jornada de trabalho gos sem qualificação e mal-remunerados. Muitos estão só
(dentro e fora de casa) e no emprego se defrontam com a
de passagem e moram em barracos improvisados enquanto
discriminação sexual e econômica - salários menores, difi-
dura o serviço incerto e temporário que arranjaram.
culdades de arrumar emprego para as casadas, demissão
Iguais a eles há muitos outros peregrinando no campo,
de gestantes, prepotêrrcia das chefias.
assalariados temporários, por dia ou por serviço.
Os filhos menores são obrigados a abandonar os estu-
dos e são impelidos para empregos mal-remunerados ou De lavoura em lavoura, de fazenda em fazenda, de cidade
para as ruas, engrossando o contingente dos que aprendem em cidade, milhares de trabalhadores rurais perseguem, com
a "se virar" no mundo marginal. Só na Grande São Paulo, incrível persistência, o calendário agrícola não só do Paraná
como também de São Paulo e do Mato Grosso do Sul, via-
em 1971, 20010 dos menores em idade escolar (dos 7 aos 14
jando às vezes mais de 300 quilômetros em busca de um
anos) estavam fora das escolas (cf. Camargo, 1976, p. 93).
novo trabalho. E cada vez que o ciclo se fecha, recomeçam
Na fábrica impera rígida disciplina imposta por nor- a caminhada porque um bóia-fria simplesmente não pode
mas draconianas de produção e pela permanente vigilância parar (Urban & Furtado, 1988, p. 22).
dos chefes. O clima é tenso e há um sistema ostensivo de
repressão contra qualquer forma de organização e manifes- A abundância no número e a ausência de qualquer direito
tação de rebeldia dos operários. A ausência de estabilidade trabalhista os tornam mão-de-obra muito barata. Dependem
no emprego aumenta a rotatividade, a insegurança e a com- do "gato" - o intermediário do empregador na contrata-
petição entre eles. A intensificação do ritmo de trabalho e ção - e do transporte no velho caminhão que vive despen-
as horas extras provocam desgaste físico e exaustão emocio- cando pelas estradas. Sua jornada de trabalho começa de
nal. A jornada de trabalho se estende para 14/15 horas, madrugada e na marmita levam a única refeição do dia: a
incluídas as horas passadas na condução, pois o desloca- bóia fria.
mento casa-emprega-casa ficou' cada vez mais longo. Os
ônibus e trens circulam em condições precárias e transpor-
tam o dobro da lotação máxima prevista. Dependurados Na era do "Brasil Grande"
nas portas, vão os "pingentes".
Obrigados a procurar moradia mais barata, a maioria Potência até 2000
dos trabalhadores mora em favelas e cortiços espalhados
pela cidade e nos distantes bairros da periferia. Ali, nas vilas Durante os anos do "milagre", o governo Médici procu-
e nos loteamentos clandestinos, falta tudo: água, esgoto, rou criar um clima de triunfalismo ufanista em torno da idéia
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laçadas: instrumento para ampliar e unificar o mercado extinto nos anos 80); e quanto ao Projeto Rondon, em pou-
consumidor; e veículo de controle político e de propaganda cos anos deixou de atrair estudantes. Com o fim do "mila-
ideológica sob o signo da "Segurança Nacional" e da "In- gre", com a inflação descontrolada e a crescente perda do
tegração Nacional". Na entrada dos anos 70, as bases já poder aquisitivo atingindo, inclusive, as classes médias, a
estavam montadas e foi no governo Médici, então, que se euforia do "Brasil Grande" se esvaziou juntamente com
deu o boom das comunicações, da televisão e seu uso pelo os projetos grandiosos do regime.
regime.
Talvez não tenha sido mera coincidência o fato de a
primeira edição do Jornal Nacional, da TV Globo, ter ido Em nome da Segurança Nacional
ao ar no dia da posse da Junta Militar (31 de agosto de
1969), a mesma que encaminhou a escolha do general
Médici dois meses depois. Em poucos anos, apoiada por o poder na ditadura
uma moderna estrutura e respaldada pelo governo, a TV
Aos anos do "milagre econômico" e do "Brasil Gran-
Globo constituiu uma poderosa rede que alcançou quase
de" correspondeu o período mais fechado e mais autoritá-
todos os cantos do País. Sua rápida escalada acompanhou
o clima do "milagre econômico", alardeando a ideologia rio do regime militar.
O presidente Médici governava por decretos-leis,
do "Brasil Grande" e não poupando elogios às realizações
do regime militar. apoiando-se quase que exclusivamente no CNS (Conselho
Foi dentro deste clima geral criado pela propaganda de Segurança Nacional), cercado e protegido pelas mura-
eufórica que fatos como a conquista do tricampeonato mun- lhas do AI-5, da Lei de Segurança Nacional, da censura e
dial de futebol na Copa de 70, no México, ou a extensão do pesado aparato repressivo.
do mar territorial para 200 milhas estabelecida por decreto Um exemplo desta grande centralização de poder auto-
em 1970 foram muito explorados pelo governo e computa- ritário foi o decreto, baixado em 1971, que permitia ao Pre-
dos como prova cabal da predestinação brasileira ao triunfo, sidente assinar decretos secretos, cujo conteúdo era do exclu-
a caminho do ano 2000. sivo conhecimento das altas esferas do poder, publicando-
Também não faltavam promessas de melhorias sociais se apenas seu número no Diário Oficial.
quando foram lançados projetos considerados de "impacto Nem o Presidente e nem os ministros prestavam contas
social", como o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabeti- de suas determinações seja ao Legislativo ou a quem quer
zação) e o Projeto Rondon, atraindo jovens estudantes e que fosse. O general Médici, em todo o seu governo, deu
procurando envolvê-Ias na ideologia do "Brasil Grande". uma única entrevista coletiva à imprensa e, mesmo assim,
O primeiro prometia reduzir drasticamente o analfabetismo lendo respostas a perguntas que lhe foram previamente entre-
no Brasil até o fim da década. O segundo, coordenado pelo gues. Nenhuma autoridade respondia às denúncias de pri-
Exército, pretendia levar assistência médica e social a popu- sões, torturas e assassinatos de presos políticos e comuns.
lações carentes do interior. Quanto aos resultados destes A aplicação das decisões ficava a cargo de uma tecno-
projetos, a realidade falou alto anos depois: em 1980 o Bra- burocracia civil e militar que se tornou um setor decisivo
sil ainda tinha 32,8 milhões de analfabetos (o Mobral foi na administração dos assuntos econômicos e políticos e no
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estreitamento das relações entre o governo e a burguesia. de Deputados e de 2/3 do Senado, a Arena obteve a maio-
Significativamente, a presença dos militares .. cresceu em ria dos votos computados, mas os 30070 de votos nulos foram
todos os setores, particularmente na direção de autarquias, bastante significativos e revelaram que aquele resultado
de empresas estatais e privadas, inclusive de multinacionais, estava longe de representar um apoio popular ao regime.
e nas universidades.
O Congresso, desfigurado pelo bipartidarismo forçado
A máquina da repressão
e pelas sucessivas cassações de parlamentares oposicionistas,
tornara-se órgão meramente homologador das decisões do Sinto-me feliz todas as noites, quando ligo a televisão para
Executivo. A Arena, partido do governo, era caixa de res- assistir ao jornal. Enquanto as notícias dão conta das gre-
sonância das decisões governamentais, respaldando a polí- ves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do
tica da ditadura. O MDB, partido da oposição consentida, mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento.
atuava dentro dos limites estabelecidos. Um grupo de par- É como se eu tomasse um tranqüilizante, após um dia de tra-
balho (Pres. Médici, 22/3/1973).
lamentares, conhecido como o "Grupo dos Autênticos" do
MDB, procurava denunciar as prisões, os atentados aos A viabilização do projeto ditatorial implicou a monta-
direitos humanos e às liberdades democráticas. gem, desde os primeiros dias do golpe de 64, de uma com-
Entre as regras do funcionamento parlamentar, vigora- plexa e ampla máquina de repressão política. Esta máquina,
vam o decurso de prazo (os projetos do governo eram eufemisticamente denominada "comunidade de informa-
automaticamente aprovados se não fossem votados num ções", era encabeçada e centralizada pelo SNI (Serviço
prazo determinado); o voto de liderança (os parlamentares Nacional de Informações), envolvendo diversos organismos
deviam votar de acordo com as decisões do líder de seu par- militares e policiais como os centros de informação das For-
tido); e afidelidade partidária (os parlamentares não podiam ças Armadas - CISA (Centro de Informação Social da
emitir opiniões contrárias às de seu partido). Aeronáutica), Cenimar (Centro de Informação da Marinha)
Eliminadas as eleições diretas para presidente e gover- e CIE (Centro de Informação do Exército) -, a Polícia
nadores, restaram as eleições para as prefeituras do interior Federal e as polícias civis e militares estaduais.
(os prefeitos das capitais e das "Áreas de Segurança Nacio- Desde o início, todo o seu peso foi jogado no sentido
nal" eram nomeados) e para os cargos parlamentares. O de impedir e desarticular qualquer manifestação de oposi-
calendário eleitoral de 1970 a 1974 foi mantido ou adiado ção ao regime, tendo como alvo principal as organizações
conforme o caso, como aconteceu com as eleições para de esquerda. O chamado "combate à subversão" passou a
governadores previstas para serem diretas em 1974, adiadas justificar a total liberdade de ação desta máquina repres-
para 1978 e novamente adiadas para 1982. A realização siva, espalhando o terror sobre a sociedade.
das eleições dava-se dentro dos estreitos limites estabeleci- Em 1969, sob o comando do 11 Exército, em São
dos pela ditadura, que procurava aparentar uma fachada Paulo, surgiu a OBAN (Operação Bandeirante), cuja finali-
de normalidade para efeito de imagem interna e externa. dade era centralizar o combate às esquerdas, criada com
Até 1974, a Arena era maioria no Congresso e estava à recursos de órgãos já existentes e com contribuições finan-
frente da quase totalidade das prefeituras e dos governos ceiras de grupos empresariais nacionais e multinacionais.
estaduais. Nas eleições de 1970, para renovação da Câmara A OBAN transformou-se num dos mais conhecidos centros
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de tortura do País e serviu de modelo aos DOI-CODls (De- da ação do grupo. Na época, os esquadrões da morte cho-
partamento de Operações Internas - Centro de Operações caram a opinião pública nacional e internacional.
de Defesa Interna), o primeiro em São Paulo, outros depois
implantados em várias cidades. Não é proibido proibir
Ser preso por qualquer um desses órgãos significava,
invariavelmente, a tortura e, para muitos, a morte. Os assas- Complemento indispensável ao projeto econômico,
sinatos eram encobertos com versões falsas de "atropela- político e ideológico da ditadura, a censura estendeu suá
mentos" ou "morte em tiroteio" que eram divulgadas pelos ação em todas as áreas - jornais, revistas, livros, rádio,
meios de comunicação. Ou simplesmente as autoridades TV, filmes, teatro, músicas, ensino - sob a alegação de
negavam ter feito as prisões. Ainda hoje, pais e parentes preservar "a segurança nacional" e "a moral da família
procuram seus familiares "desaparecidos", mortos e enter- brasileira" .
rados em locais ignorados. O uso permanente de instrumentos como o AI-5, e
Ao fim do governo Médici, a quase totalidade das outros decretos que ampliavam o alcance da censura, com-
organizações de esquerda que, entre 1969 e 1974, empreen- binava-se a vários outros mecanismos de repressão, coerção
deram a luta armada contra o regime havia sido destruída e vigilância permanente que criou um clima de terror e auto-
ou desarticulada e a ação repressiva deixava um saldo de censura.
vítimas cujo número não se conhece com precisão até hoje. Censores da Polícia Federal estavam presentes nas
A arbitrariedade e a violência do Estado ditatorial não redações de jornais e revistas, nas emissoras de rádio e TV.
se limitaram ao combate à esquerda organizada, operários, O noticiário e as novelas de TV foram superfiltrados e
estudantes e intelectuais, projetando-se sobre outros setores
maquiados com imagens pasteurizadas de "paz, prosperi-
da sociedade e espalhando um clima de medo, insegurança
e intranqüilidade. dade e tranqüilidade social". Havia uma longa lista de pala-
vras e assuntos proibidos e sobre certos temas as redações
Um dos exemplos marcantes foi o surgimento de
recebiam as versões oficiais já prontas. A censura também
esquadrões da morte, grupos parapoliciais que prendiam e
atingiu a grande imprensa, provocando conflitos e em sinal
executavam, com requintes de crueldade, pessoas suspeitas
de protesto alguns grandes jornais e revistas utilizavam
de crimes comuns, tivessem ou não sido julgadas ou conde-
nadas. Embora estes grupos não fossem oficialmente reco- estratagemas para denunciar as tesouradas. O jornal O
nhecidos pelo regime, funcionavam com o beneplácito das Estado de S. Paulo, por exemplo, preenchia os espaços cen-
autoridades e seus crimes ficavam impunes. Em São Paulo, surados com trechos do poema "Os lusíadas", de Camões;
o delegado Sérgio Paranhos Fleury, que fazia parte do o Jornal da Tarde com receitas de "Doces e salgados"; a
esquema de repressão política, era conhecido como um dos revista Veja com o logotipo da Editora Abril.
chefes do Esquadrão. Muitos destes fatos vieram à tona Se com a grande imprensa - mesmo conhecida mente
quando da publicação, em 1976, do corajoso livro de Hélio conservadora - a censura foi ostensiva, ela foi implacável
Bicudo, Meu depoimento sobre o Esquadrão da Morte. com a chamada imprensa alternativa, objeto de marcação
Hélio Bicudo fora promotor público em São Paulo e basea- cerrada e de permanente perseguição política. Jornais como
do em centenas de provas trouxe a público todo o alcance O Pasquim e Opinião travaram um verdadeiro corpo-a-
30 31
corpo com a censura, tiveram várias edições retiradas das A intervenção no ensino foi ainda mais longe. Além
bancas e constantes prisões de seus editores, jornalistas e das medidas que favoreceram a privatização do ensino, a
colaboradores. sua estrutura sofreu drásticas reformas (era então ministro
Vista como ameaça ao regime, a criação artística e inte- da Educação o coronel Jarbas Passarinho). Entre elas, foi
lectual também ficou na mira da "segurança nacional". estendido o tempo de escolaridade básica para oito anos
Dezenas e dezenas de peças de teatro, filmes, músicas, livros (1? grau) e o 2? grau tornou-se compulsoriamente profissio-
foram proibidos, mutilados integral ou parcialmente. Inúme- nalizante. De uma forma geral, o conjunto da política edu-
ros autores, artistas e professores sofreram toda sorte de pres- cacional do regime agravou a seletividade e o analfabetismo,
sões, incluindo prisões e processos. Diretamente perseguidos reforçou o controle ideológico e político sobre o ensino e
ou sem clima para produzir, renomados artistas e intelectuais provocou um profundo rebaixamento da sua qualidade,
retirando-lhe seu caráter mais universal e crítico em benefí-
brasileiros partiram temporariamente em exílio forçado ou
cio da formação de uma mão-de-obra mais adaptada aos
voluntário: compositores como Caetano Veloso, Gilberto
interesses das empresas e do regime.
Gil, Chico Buarque de Holanda, Geraldo Vandré; autores e
diretores de teatro como José Celso e Augusto Boal; poetas
como Ferreira GuIlar; cineastas como Gláuber Rocha; profes- "Não bateram na porta I arrombaram" 5
dida pela polícia e a obra "subversiva" ser repentinamente grupos operanos, populares, estudantis, intelectuais, artis-
suspensa sem qualquer explicação. tas, setores da Igreja, parlamentares de oposição.
Na fábrica, conversa de dois podia parecer comício.
"Você não podia nem ir pro banheiro, porque talvez tives- Resistência armada
sem te ouvindo, te olhando 6."
Um tempo de sufoco! Entre 1969 e 1974, diversos grupos e organizações de
O clima de terror que a ditadura impôs foi mais inten- esquerda empreenderam a luta armada contra a ditadura.
samente vivido por aqueles setores e pessoas que se opuse- Embora guardassem diferenças nas suas origens, análi-
ram ao regime. A maioria não sabia o que estava aconte- ses e propostas, a maioria destas organizações nasceu nos
cendo, muitos acreditavam no "milagre" que criara expec- anos 60 em meio ao intenso debate político e ideológico
tativas de ascensão social. que envolveu o campo da esquerda brasileira e cujos temas
De qualquer forma, a violência que se vive não vem centrais foram a atualidade da revolução socialista no Bra-
apenas da repressão política direcionada. O Estado autoritá- sil e o papel da luta armada no processo revolucionário.
rio estende um manto de violência e de prepotência que O processo de surgimento das novas organizações de
recobre as mais amplas camadas da população. A intran- esquerda foi contemporâneo ao conflito sino-soviético, às
qüilidade entranha-se no cotidiano, principalmente daque- experiências das revoluções cubana e chinesa, à guerra do
les para quem a liberdade e os direitos nunca chegaram. Vietnã, às guerrilhas latino-americanas, aChe Guevara, às
Nos bairros da periferia, o medo dos assaltos mistura-se idéias do "foco guerrilheiro" defendidas por Régis Debray,
ao medo da arbitrariedade policial. Em qualquer canto, às críticas ao stalinismo.
há a humilhação do cidadão sem direitos. De repente, um Permeando este debate, estavam as críticas às concep-
homem grita a célebre frase: "- Sabe com quem está ções e trajetória políticas do PCB (Partido Comunista Bra-
falando?" . sileiro), que até o início dos anos 60 fora a principal e pra-
ticamente única organização de esquerda do País (em 1962
surgira o PC do B (Partido Comunista do Brasil), de linha
Resistências chinesa). Ainda que partindo de várias óticas e origens, as
críticas dirigiam-se às análises sobre a realidade brasileira
Embora a ofensiva repressiva do governo Médici e o e às propostas políticas do PCB, consideradas legalistas,
pesado clima de terror que o Estado impôs tenham provo- gradualistas e de conciliação de classes, não implicando
cado um refluxo dos movimentos sociais e uma situação mudanças revolucionárias.
de passiva expectativa em diversos setores, a luta contra a Estas polêmicas e divergências políticas acentuaram-
ditadura não parou. se entre 1964-68 provocando cisões nas organizações existen-
Ao longo daqueles anos manifestaram-se várias formas tes e o surgimento de novas. Com o fechamento total do
de resistências empreendidas por organizações de esquerda, regime em 1968 e o recrudescimento da repressão, a maio-
ria das organizações (como ALN, VPR, MR-8, PCBR,
6 Depoimento de um operário metalúrgico (Faria, 1986, p. 149). PC do B, Var-Palmares, POC, entre outras) defendeu o
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caminho da luta armada imediata para o combate à dita- da retração dos movimentos sociais e as sucessivas dissen-
dura e desenvolvimento da luta revolucionária, através de sões e fracionamentos que as atingiram.
guerrilha rural, guerrilha urbana ou da criação do "foco Nos anos seguintes, a resistência das esquerdas se
guerrilheiro". Estas propostas tiveram maior penetração expressou de formas diferenciadas, através de grupos rema-
no meio estudantil universitário, então principal campo de nescentes, de novas organizações que surgiram e de militan-
debate das idéias e dos projetos políticos de esquerda e de tes dispersos. Sua atuação, marcada pelo apoio e pelas ini-
onde sairia a maior parte dos militantes destas organizações. ciativas nas lutas e na organização de base dos trabalhado-
Entre 1969 e 1974, paralelamente às tentativas de orga- res nos seus locais de trabalho e de moradia, teve impor-
nização de movimentos de guerrilha na zona rural, diversas tante papel nos movimentos popular e operário dos anos 70.
ações de guerrilha urbana foram empreendidas, como o
seqüestro de diplomatas estrangeiros em troca da libertação Por dentro das fábricas e dos bairros
de presos políticos e assaltos a bancos e quartéis para obten-
ção de dinheiro e armas para a causa revolucionária. Nos primeiros anos da década de 70, o movimento sin-
Ao longo do governo Médici, todo o peso do aparato dical viveu o período de maior desmobilização desde 1964.
repressivo foi utilizado no combate às organizações de Mais do que nunca o movimento operário estava desarticu-
esquerda revolucionária, alvos principais de verdadeiras lado e os trabalhadores submetidos a um pesado controle
operações de caça e extermínio. Seus militantes foram obri- nos locais de trabalho. A estrutura e a legislação sindicais
gados a viver na mais absoluta clandestinidade. Prisões funcionavam como verdadeiras camisas-de-força e pratica-
seguidas de torturas e assassinatos tornaram-se sistemáticas. mente todos os sindicatos estavam controlados por direto-
Entre 1969 e 1971 muitos deles tombaram vítimas desta rias imobilistas e pelegas.
repressão como Carlos MarighelIa e Carlos Lamarca, entre Mas a resistência operária, naqueles anos, não parou,
tantos outros. expressando a atuação, geralmente clandestina ou semiclan-
O conhecimento do que efetivamente acontecia nos destina, de militantes operários (da Pastoral Operária, opo-
porões da ditadura ficava bastante restrito devido à censura. sições sindicais, organizações de esquerda) que se organiza-
A maioria das prisões nem era revelada oficialmente. A exis- vam e atuavam principalmente nas fábricas e nos bairros
tência da guerrilha no Araguaia, empreendida pelo PC do B dos grandes centros fabris.
entre 1972 e 1974, só veio a público em 1978 embora tives- A resistência nas fábricas naqueles anos traduziu-se
sem sido realizadas na região verdadeiras operações de nas pequenas lutas por melhorias salariais e das condições
guerra por parte das Forças Armadas. de trabalho. Várias foram as formas: "operações tartaru-
Ao fim do governo Médici, a maioria das organiza- ga" (diminuição do ritmo de trabalho), pequenas paralisa-
ções de esquerda voltadas para a luta armada tinha sido ções, recusa em fazer horas extras, abaixo-assinados, produ-
dizimada ou tinha se desagregado. Questão decisiva neste ção de pequenos boletins mimeografados e jornais operá-
processo foi a violenta repressão que se abateu sobre elas. rios distribuídos de mão em mão, e formação de pequenos
Pesou, também, significativamente, o isolamento político grupos de fábrica. Todas estas iniciativas eram feitas em
e social em que estas organizações se encontraram diante condições muito difíceis, duramente reprimidas quando des-
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cobertas, tendo sido constantes as prisões e morte de mili- rencial pelos pobres". Da evolução destas posições surgiria
tantes operários. a corrente da Teologia da Libertação.
Estas formas de resistência, embora localizadas e dis- Com o maior fechamento político do regime militar
persas, foram experiências importantes nas quais se forja- em 1968, começou a prevalecer na CNBB (Conferência
ram novos laços de solidariedade e confiança mútua entre Nacional dos Bispos do Brasil) o setor mais atuante da
os trabalhadores, assim como novas idéias, práticas e lide- Igreja, que adotou posições de duras críticas ao governo
ranças sindicais, que se expressariam nas lutas operárias militar, colocando-se na defesa dos direitos humanos e
que tomaram conta do cenário nacional a partir de 1977-78. denunciando a situação de injustiça social em que vivia o
Também foi no início da década de 70 que os morado- povo brasileiro. Entre os representantes desta ala da Igreja,
res dos bairros da periferia começaram a se organizar, ini-
destacaram-se nomes como os de D. Paulo Evaristo Arns,
cialmente nas grandes cidades como São Paulo, Rio de
D. Pedro Casaldáliga, D. Balduíno, D. Mauro Morelli, D.
Janeiro e Belo Horizonte, em torno da obtenção de melho-
Helder Câmara, entre outros.
rias urbanas como água, luz, asfalto, transporte. Os mora-
A partir de um novo tipo de engajamento, a Igreja
dores reuniam-se e discutiam seus problemas nas paróquias,
ampliou, no início da década, a sua atuação através das
nos Clubes de Mães, nas SABs (Sociedades Amigos de Bair-
paróquias, das Comissões Pastorais (operária, da juventude,
ros), nas CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), nos gru-
da terra, do índio) e das CEBs (Comunidades Eclesiais de
pos de jovens - espaços onde se articulava a atuação de
Base), pequenos agrupamentos voluntários de cristãos lei-
militantes católicos e de organizações de esquerda. Iniciati-
vas como pequenas assembléias e abaixo-assinados levando gos para a atuação na comunidade local. Destacou-se no
suas reivindicações às autoridades acabaram dando origem incentivo e no respaldo aos movimentos populares nos bair-
a movimentos mais amplos. Por exemplo, foi por iniciativa ros da periferia das grandes cidades, na defesa dos direitos
das mulheres de alguns Clubes de Mães em São Paulo que humanos, na denúncia das torturas e assassinatos de presos
começou a surgir, em 1973, o Movimento Contra o Custo políticos, da violência contra posseiros, índios, trabalhado-
de Vida, que ganhou expressão nacional na segunda metade res rurais e, posteriormente, na campanha pela anistia.
da década de 70. Estes posicionamentos acarretaram ao longo da década
Teve particular destaque neste processo a atuação dos muitos atritos com os governos militares e os grandes pro-
setores da Igreja Católica brasileira mais comprometidos prietários rurais e muitos militantes cristãos, padres e bis-
com as causas populares, atuação que expressava um endosso pos sofreram perseguições políticas - processos, expulsão
às novas orientações definidas pela II Celam (Conferência do País, ameaças, atentados, seqüestros, assassinatos.
Episcopal Latino-Americana), realizada em 1968 na cidade
de Medelín, Colômbia. Estas orientações redefiniam o posi- Nas linhas e entrelinhas
cionamento e o papel da Igreja frente à realidade de misé-
ria social no continente, criticavam as estruturas sociais Com o recuo geral dos movimentos de massa e a
opressoras e defendiam "uma presença mais intensa e reno- repressão às organizações de esquerda no meio universitário,
vada da Igreja na atual transformação da América Latina" o movimento estudantil ficou muito exposto às brutalida-
(Sader, 1988, p. 152 et seqs.) assumindo uma "opção prefe- des do terror do Estado e viveu um grande refluxo.
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Embora a repressão tivesse silenciado a vida universitá- Outra frente de resistência foi a imprensa alternativa.
ria e a mobilização estudantil, setores mais atuantes empre- Os "nanicos" - como eram chamados - eram jornais
enderam diversas iniciativas no sentido de denunciar as pri- de pequeno porte, tanto nos recursos econômicos de que
sões e torturas e de promover ações de solidariedade aos dispunham quanto no formato tablóide (publicados sema-
presos políticos; de criar espaços e instrumentos para a nal, quinzenal ou mensalmente ou quando conseguiam sair),
divulgação de informações e textos proibidos; de construir que mantiveram posição de forte e corajosa contestação à
entidades livres - contrapondo-se às entidades estudantis ditadura e tiveram papel importante na veiculação das
oficiais que o governo tentava impor - a exemplo da cria- informações, que o regime procurava esconder a todo custo,
ção, em 1973, do I DCE (Diretório Central dos Estudantes) e no debate de ampla gama de assuntos políticos, econômi-
Livre Alexandre Vanucchi Leme, nome que homenageava cos e culturais.
o estudante morto pelos órgãos de repressão. Estas ativida- O humor e a sátira foram afiados instrumentos de crí-
des, ainda que não atingissem áreas mais amplas, serviram tica e, nesta linha, marcaram época nomes como os de Mil-
para manter um estado de espírito de solidariedade e de lor, Henfil, Jaguar, Ziraldo, entre outros, e O Pasquim
resistência em alguns setores estudantis. "(desde 1969), que inaugurou um estilo jornalístico, debo-
Na segunda metade da década de 70, os estudantes chado e satírico, atacando e ridicularizando os descalabros
começariam a se reorganizar não só em torno de reivindica- e o obscurantismo do regime. Outro importante jornal
ções específicas como, também, engrossando os movimen- alternativo do início da década foi o semanário Opinião
tos contra a ditadura e pelas liberdades democráticas. (1972-77), que reunia conhecidos intelectuais na análise crí-
No que diz respeito à produção cultural, várias foram tica de problemas nacionais e internacionais.
as formas de resistência que os autores críticos usaram para Inovando a forma e o conteúdo, diferentes em suas
se contrapor à política e ideologia do regime e para fazer linhas editoriais e no tratamento dos mais diversos temas,
chegar ao público suas mensagens, driblando a tesoura e o outros jornais alternativos foram surgindo ao longo da
camburão num jogo de gato-e-rato. Entrelinhas, duplos sen- década como Bondinho, EX, Movimento, Versus, Em
tidos, trocadilhos, mensagens cifradas: para bom entende- Tempo, entre tantos outros. Outros ainda surgiram em torno
dor meia palavra tinha de bastar. das lutas dos movimentos feminista (Brasil Mulher, Nós
Foram produzidas - e proibidas - várias obras críti- Mulheres), negro (Tição), homossexual (Lampião).
cas que versavam sobre os problemas sociais, o sufoco e a
repressão daqueles tempos. Como exemplos, são da pri-
meira metade da década peças teatrais como" Um grito
parado no ar, de Gianfrancesco Guarnieri; Abajur lilás,
de Plínio Marcos; Calabar - o elogio da traição, de Chico
Buarque de Holanda e Rui Guerra; músicas como "Sinal
fechado", de Paulinho da Viola, "Construção" e "Apesar
de você", de Chico Buarque de Holanda (que chegou a
assinar várias composições com o nome fictício de Julinho
da Adelaide, para tentar escapar à censura).
41
peras da crise, 70 por cento do transporte de mercadorias Halles, Copersucar, Banco Econômico, entre outros). A
e 96 por cento do de passageiros se faziam por veículos inflação rompeu as amarras artificiais e estourou chegando
movidos a derivados de petróleo" (Kucinsky, 1982, p. 25-6). a atingir 110% em 1980. Subiu o custo de vida e o valor
Pagar o petróleo em 1974 significava gastar sete vezes mais real do salário mínimo atingiu o nível mais baixo dos últi-
do que em 1972. mos 20 anos. O arrocho salarial, as demissões e o desem-
Fundamentais ao chamado "modelo" como um todo, prego foram crescendo a cada ano. A crise, que se configu-
os empréstimos externos continuavam sendo feitos. Não rou mais fortemente a partir de 1976, veio a atingir o seu
só. Com a crise, o mercado financeiro internacional aumen- auge na recessão de 1981-83.
tou os juros dos empréstimos, elevando vertiginosamente
o montante da dívida a ser paga.
O carro-chefe do "milagre", a indústria de bens de "Lenta, gradual e segura"
consumo duráveis, retraiu-se com a crise.
O fim do "milagre" e a crise econômica aprofundaram
Enfim, a crise expôs rapidamente os pés-de-barro do
as contradições sociais e políticas geradas pelo sistema capi-
que havia se convencionado chamar de "milagre brasileiro"
e as contradições do desenvolvimento capitalista brasileiro. talista e pela ditadura.
Garantir a continuidade do regime frente à situação
Embora a crise já estivesse se manifestando quando o
de crise exigiu algumas iniciativas políticas por parte dos
general Geisel tomou posse, o seu plano econômico (Il
PND) continuava mantendo as mesmas expectativas dos militares e da burguesia que lhes permitissem administrar
anos anteriores: altas taxas de crescimento econômico e con- a crise, os interesses dos vários setores da burguesia, o des-
trole da inflação. Priorizava a diminuição das importações gaste de um governo que se mantinha à base da repressão
e previa grandes investimentos estatais no setor de bens de e da censura, e controlar o crescimento das insatisfações e
produção e em gigantescos projetos como Itaipu, a Ferro- manifestações de oposição que começaram a surgir.
via do Aço, programas para fontes alternativas de petróleo Embora a escolha do general Geisel, um militar da
(Acordo Nuclear com a Alemanha Ocidental, os "contra- chamada "linha castelista" para substituir Médici que era
tos de risco", o Programa Pró-Álcool). da "linha dura", não representasse qualquer mudança subs-
Mas a realidade não tardou a desmentir as projeções tancial do regime, evidenciou na época a reacomodação
oficiais. Na segunda metade dos anos 70, as taxas de cresci- de posições dentro da cúpula do poder frente à crise econô-
mento econômico caíram de 9,8070 em 1974 para 4,8% em mica, social e política.
1978. A dívida externa - um poço sem fundo - pulou O governo Geisel iniciou um projeto de "distensão"
de 12,5 bilhões de dólares em 1974 para 43 bilhões em 1978 ou "abertura política" que combinava a manutenção dos
e já estava em torno de 60 bilhões em 1980. A maior do principais mecanismos de repressão e controle com a progres-
mundo. As importações continuaram aumentando e a capa- siva institucionalização do regime. Isto é, ao mesmo tempo
cidade de pagá-Ias reduziu-se. Cresceram os gastos e o défi- que continuava usando - e fartamente - o AI-5, a Lei
cit públicos. As taxas de juros internas subiram cada vez de Segurança Nacional, o aparelho repressivo, promovia
mais, a especulação financeira fez sua orgia e os "escânda- algumas reformas políticas nas instituições do poder como
los financeiros" começaram a se tornar públicos (Banco a reordenação do papel do Congresso e dos partidos e a
44 45
reformulação da legislação autoritária, substituindo progres- ticas à "demasiada centralização das decisões" e à forte
sivamente os chamados "atos de exceção" por outras leis presença do Estado na economia, defendendo em seu dis-
que mantinham o conteúdo principal da dominação política. curso a "livre iniciativa" em oposição ao que chamavam
Nos discursos oficiais, as palavras "abertura" ou "dis- de "estatização da economia".
tensão" vinham sempre acompanhadas das expressões "len- A resultante deste processo nos anos posteriores foi
ta", "gradual" e "segura", reveladoras de uma reacomo- que a burguesia avançou no sentido de aumentar a sua
dação do regime feita de cima para baixo, controlada pelo influência .mais direta nas decisões, procurando canais mais
poder, dentro da ordem e para manter a ordem da classe efetivos de participação na gestão do Estado e da economia,
dominante. diminuindo a intermediação dos militares e da tecnocracia.
Entre os militares, este projeto, defendido pelo "grupo Expressão deste processo foi o fortalecimento de suas insti-
castelista" (do qual faziam parte Geisel e Golbery do Couto tuições de classe (como por exemplo a Fiesp - Federação
e Silva, um dos principais mentores do projeto), não tinha das Indústrias do Estado de São Paulo), a reordenação do
apoio unânime, encontrando resistências no grupo da "li- Congresso e dos partidos políticos (o MDB foi politica-
nha dura" para o qual a ditadura militar devia se manter· mente reforçado), a defesa do "Estado de Direito" por
inalterada "em nome da Segurança Nacional". A realização parte de seus setores mais liberais. Limitando ou reduzindo
do projeto de "abertura" implicava a diminuição da influên- a sustentação incondicional que sempre emprestara ao regime
cia dos "duros" no governo, sem contudo desmontar o apa- militar, a burguesia passou a tomar iniciativas mais diretas
rato repressivo ocupado por militares deste grupo. Em geral, no sentido de "regenerar" o sistema político, pela via insti-
os embates entre "castelistas" e "duros" foram travados tucional e sem riscos de rupturas, procurando delimitar,
nos bastidores do poder e pelo menos em duas ocasiões assim, o estreito caminho por onde deveria passar qualquer
expressaram-se mais abertamente: nos assassinatos sob tortu- oposição à ditadura.
ras dos presos políticos Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho Em suma, o processo chamado de "abertura lenta,
e na sucessão presidencial de Geisel por Figueiredo. gradual e segura", abarcou um período que iniciou no
Em relação à burguesia, beneficiada pelas facilidades governo Geisel (1974-79) e continuou no de Figueiredo
e pelos altos lucros acumulados nos anos anteriores, esta (1979-85). No seu conjunto, englobando a estratégia e a
foi atingida em graus diferentes pela crise e pela política atuação dos militares e da burguesia, representou uma tran-
econômica do governo. sição do regime militar para uma dominação mais aberta,
Embora o Estado salvaguardasse os seus interesses de conteúdo conservador, na qual a classe dominante man-
como um todo, a situação de crise e perspectivas de reces- teve a sua hegemonia e cujo desdobramento viria a ser a
são aumentaram as disputas entre os vários setores da bur- chamada "Nova República" em 1985 (eleição indireta de
guesia pelas partes do "bolo" e as exigências de medidas Tancredo Neves e governo Sarney - 1985-89).
que atendessem os vários interesses setoriais em jogo, o Esta trajetória não se deu de forma linear mas dentro
que implicou a necessidade de influenciar mais diretamente de uma dinâmica cheia de vaivéns, onde uma sucessão de
as decisões econômicas e políticas do governo. Já em fatos foi acirrando as contradições de classes e desenca-
1973-74, alguns setores empresariais manifestavam suas crí- deando pressões sociais dentro de um quadro de crise, de
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aprovação das emendas constitucionais bastava maioria São Paulo, o jornalista Vladimir Herzog (out. 1975) e o
absoluta dos votos do Congresso (não mais 2/3 mas 50070 operário metalúrgico Manoel Fiel Filho (jan. 1976). Nos
mais um); um terço dos senadores seriam eleitos indireta- dias seguintes à morte de Herzog, o comando do 11 Exér-
mente - os senadores "biônicos" como ficaram conheci- cito exibiu fotos montadas e laudo médico falsificado para
dos; adiamento das eleições diretas para governadores de apresentar a versão de "suicídio", acobertando a morte
Estado para 1982 (anteriormente previstas para 78); aumento sob torturas.
do mandato presidencial de cinco para seis anos para o pró- Numa época em que as pessoas começavam a resistir
ximo presidente, que continuaria a ser eleito indiretamente. mais abertamente à ditadura, a morte de Herzog provocou
O "Pacotão de Abril" ajudou a garantir a continui- uma grande indignação e revolta e um amplo movimento
dade do controle da "distensão" e a neutralizar os resulta- de protesto. Um culto ecumênico realizado em sua homena-
dos das eleições parlamentares de 1978, nas quais o MDB gem reuniu mais de 8 mil pessoas, abarrotando o interior
obteve novamente uma grande votação. e as escadarias da Catedral da Sé, em São Paulo. Um forte
Ao longo de seu governo, Geisellançou mão sistemati- aparato repressivo e barreiras policiais tinham sido monta-
camente do AI-S. Além de usá-lo para fechar o Congresso dos para impedir o acesso ao centro da cidade, mas não
em 1977, foi acionado várias vezes no decorrer do seu conseguiram impedir que este acontecimento se transfor-
governo para cassar o mandato de parlamentares do MDB masse na primeira manifestação pública de maior enverga-
sob acusação de proferirem "discursos subversivos" ou de dura desde 1968, dando novo alento aos movimentos de
serem apoiados por partidos de esquerda. resistência à ditadura.
Três meses depois morria o metalúrgico Manoel Fiel
"Choram Marias e Clarices" 1
Filho, também sob torturas. A repercussão das mortes de
Herzog e Fiel Filho forçou Geisel a substituir o comandante
O governo Geisel manteve ativo o aparato repressivo do II Exército, general Ednardo D'Ávila MeIo, pelo gene-
policial e militar. Acionada pela "linha dura" do regime, ral Dilermando Gomes Monteiro e a aumentar o controle
foi desencadeada uma verdadeira "caça às bruxas" direcio- sobre a "linha dura" encrustada nos órgãos de repressão.
nada contra as organizações da esquerda tradicional - Par- Os assassinatos de Herzog e Fiel Filho continuaram a
tido Comunista Brasileiro e Partido Comunista do Brasil. ser denunciados e as respectivas famílias abriram processos
Entre 1974 e 1976, foi desferida uma violenta onda de pri- judiciais incriminando o Estado pelas suas mortes, junto à
sões, torturas, processos políticos e assassinatos de militan- campanha da anistia que tomou fôlego na segunda metade
tes destes partidos, a exemplo do caso das gráficas clandes- dos anos 70. No fim da década, por decisão judicial, a
tinas (PCB), no Rio de Janeiro, e da Chacina da Lapa (PC União foi responsabilizada por estas mortes, mas os tortu-
do B), em São Paulo. radores nunca foram punidos.
Foi em meio a esta onda repressiva que foram presos Simultaneamente às perseguições políticas e à repres-
e mortos sob torturas, nas dependências do DOI-CODI em são aos movimentos estudantil e popular que começavam
a se reartircular, intensificaram-se, a partir de 1976, os aten-
I Versos da música "O bêbado e o equilibrista", de João Bosco e Aldir
tados terroristas praticados por grupos e organizações de
Blanc. direita como seqüestros de padres e juristas, ameaças a líde-
so 51
res e militantes sindicais, explosões de bombas como as que Congresso no decorrer do segundo semestre de 1978 uma
atingiram as sedes da ABI (Associação Brasileira de Impren- série de reformas políticas que, aprovadas no fim daquele
sa) e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), sindica- ano, significaram o "fim parcial" do AI-5 ou a sua substi-
tos, redações de jornais alternativos e bancas que vendiam tuição por um conjunto de medidas denominadas "salva-
estas publicações. O governo dizia apurar as responsabilida- guardas constitucionais". A reforma revogava o AI-5 e
des, porém os atentados permaneceram impunes e se multi- algumas leis mais ostensivas da ditadura - como as que ins-
plicaram chegando a atingir a amplitude do atentado no tituíram a pena de morte, a prisão perpétua, o banimento
Centro de Convenções Riocentro em 1981, durante o show político, a censura prévia, as cassações de mandatos, a sus-
comemorativo do I? de Maio. pensão dos direitos políticos - mas mantinha a Lei de Segu-
rança Nacional, a Lei de Greve, o SNI, o aparato repressivo,
AI-5 por "salvaguardas" a legislação sindical. As "salvaguardas constitucionais" que
substituíram o AI-5 eram medidas que permitiam ao Execu-
Faces de uma mesma moeda, as medidas políticas da ~ tivo instituir o "Estado de Emergência" em casos de "Segu-
"abertura lenta e gradual" transitavam entre a repressão ;t rança Nacional", durante o qual o governo poderia, entre
e a progressiva substituição dos mecanismos mais ostensi- várias atribuições, suspender as garantias individuais e públi-
vos da legislação autoritária como, por exemplo, a censura cas e atribuir amplos poderes às Forças Armadas.
e o AI-S.
Entre 1975 e 1978 a censura prévia à imprensa foi len-
tamente suspensa. Inicialmente para os grandes jornais - Oposições e movimentos sociais
o Estado de S. Paulo foi o primeiro beneficiado - e só
depois de 1978 para os da imprensa alternativa, sem que No decorrer da segunda metade da década de 70, foram
isto significasse o fim do controle e das perseguições políticas. se multiplicando atos de contestação e de protesto, passea-
Embora os discursos oficiais prometessem o fim da tas e manifestações amplas de oposição; as ruas foram
censura, o ministro da Justiça assinou dezenas de portarias tomadas pelos movimentos estudantil, popular, operário,
de censura às artes e espetáculos. Como exemplo da sín- de mulheres, alargando o espaço da abertura e revelando
drome obscurantista do regime, em 1976 foi proibida a que havia não só uma crescente opinião pública contrária
apresentação pela TV de uma gravação do Balé Bolshoi! ao regime em geral, como também uma diversidade de inte-
Este foi um período de muitos atritos entre a censura e os resses e reivindicações específicas, de formas de expressão
artistas: idas a Brasília, manifestações, abaixo-assinados. e de organização dos vários setores da sociedade.
Autores e artistas enfrentaram verdadeiras epopéias nas Mais ainda. As oposições expressavam um amplo leque
quais sucediam-se determinações que proibiam-liberavam- de forças diferenciadas social, política e ideologicamente,
proibiam-liberavam (ou de novo proibiam) filmes, músicas, indo da burguesia liberal às esquerdas. No campo das
peças de teatro ... esquerdas, existiam visões e projetos políticos diferentes em
Em relação ao AI-5, cuja extinção era exigida por relação ao caráter da abertura, ao caminho da luta contra
todos os movimentos oposicionistas, o governo enviou ao a ditadura e das transformações da sociedade. A polarização
<ACULDADE DE EDUCAÇAO DA USP
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girava em torno de questões como o reforço ou o combate dida na "Carta aos Brasileiros" lida em manifestação
ao projeto burguês da abertura; a prioridade da ação no pública no Largo São Francisco, em São Paulo, em 1977.
campo institucional ou no campo das lutas e do enfrenta- Cronologicamente, foram os estudantes os primeiros
mento de classes; a formação de uma frente de alianças de a ocuparem as ruas a partir de 1975. O movimentoressur-
forças democráticas com a burguesia, ou o fortalecimento giu não só em torno de reivindicações específicas (mais ver-
da independência de classe dos trabalhadores; um projeto bas para a educação, melhoria e gratuidade do ensino, redu-
de democracia burguesa ou a construção de um projeto alter- ção das mensalidades das escolas privadas, liberdade de
nativo de sociedade na perspectiva do socialismo. organização estudantil etc.), como também em torno das
A polarização entre os projetos políticos perpassava questões gerais contra a ditadura. Nestes anos, os estudan-
as esquerdas, traduzia-se em diferentes propostas e estava tes promoveram greves em várias cidades, encontros nacio-
presente em todos os campos seja no dos movimentos nais para a reorganização da UNE (União Nacional dos
sociais, seja no partidário. Estudantes) - o primeiro deles em 1976 -, passeatas e
manifestações públicas de protesto duramente reprimidas,
a exemplo da passeata estudantil de 10 mil pessoas no cen-
Muitas oposições
tro de São Paulo, em junho de 1977. Quatro meses depois,
sob o comando do então secretário de Segurança Pública,
Campo geral em que estavam inicialmente inseridas
coronel Erasmo Dias, a polícia invadiu a PUC (Pontifícia
diversas manifestações oposicionistas foi o da luta pelas
Universidade Católica) e dissolveu a bombas de gás lacrimo-
liberdades democráticas - fim dos governos militares, do
gêneo e cassetetes o Ill Encontro Nacional dos Estudantes.
AI-5, da censura, das cassações, das torturas, pelos direitos
A UNE seria reorganizada em 1979, no XXXI Congresso
humanos, anistia, eleições livres, convocação de uma
da UNE realizado em Salvador.
Assembléia Nacional Constituinte. Envolveram diversos
Uma das bandeiras de luta que naqueles anos ganhou
setores da sociedade, particularmente das classes médias
amplitude social e política nacional foi a da anistia aos pre-
urbanas e diversas correntes liberais e de esquerda: estudan- sos, cassados, banidos, exilados e perseguidos políticos.
tes, intelectuais, artistas, setores progressistas do MDB e Em 1975 foi criado o Movimento Feminino pela Anis-
da Igreja, entidades como a OAB e a ABI. No plano eleito- tia, com a participação de mães e familiares de "desapare-
ral e parlamentar, expressavam-se geralmente através do cidos", presos políticos e exilados. Nos anos seguintes,
MDB, transformado em legenda eleitoral para o voto de em meio ao crescimento dos movimentos sociais, a luta
protesto nas eleições parlamentares de 1974 e em legenda pela anistia envolveu amplos setores da sociedade e, em
de frente oposicionista heterogênea, liderada por setores 1978, com o apoio da Igreja, da OAB e da ABI foi fun-
da burguesia, nas eleições de 1978. dado o CBA (Comitê Brasileiro pela Anistia), no Rio de
A Igreja teve atuação destacada e sistemática na denún- Janeiro. Em pouco tempo multiplicaram-se comitês de anis-
cia das violências e assassinatos e na defesa dos direitos tia em vários estados do País e a campanha tomou fôlego
humanos, campanha encabeçada pela Comissão de Justiça em torno da bandeira da "anistia ampla, geral e irrestrita",
e Paz e pela OAB. Esta encampara também a palavra de passando a ser incluída nas plataformas de luta de todos
ordem "pela volta ao Estado de Direito", bandeira defen- os movimentos sociais.
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passeatas, atos públicos, bloqueios de ruas, acampamentos para receber o abaixo-assinado. Tampouco qualquer autori-
em frente a órgãos públicos. No seu enfrentamento com o dade recebeu a comissão que foi levar o abaixo-assinado a
Estado, chocaram-se ora com a violência da força policial, Brasília.
ora com a indiferença das autoridades e a morosidade da Esse movimento só veio a perder o seu potencial de
burocracia. Mas foi através de suas lutas que várias reivin- mobilização quando a eclosão das grandes greves operárias
dicações foram conquistadas. de 1978 deslocou o centro de referência da contestação
Os movimentos populares apresentaram um caráter de popular para o movimento sindical.
massa, socialmente heterogêneo e imediatista. Foram se poli-
tizando no processo de enfrentamento com o Estado e, prin-
cipalmente, nas relações que estabeleceram com o movi-
o novo sindicalismo
mento operário que eclodiu em 1978 apresentando um forte
A nova classe operária
caráter de classe.
O primeiro movimento popular que ocupou as ruas A classe operária que ocupou o centro dos aconteci-
no meio da década de 70 foi o MCV (Movimento do Custo mentos nacionais a partir de 1978 apresentava característi-
de Vida), que rapidamente ganhou expressão maciça e nacio-
cas novas, sinal das profundas mudanças ocorridas nos
nal. Sua origem remonta ao início da década, a partir das
anos da ditadura.
iniciativas de Clubes de Mães em São Paulo denunciando o
Uma delas foi o seu crescimento: o operariado indus-
alto custo de vida e as péssimas condições de vida das famí-
trial havia praticamente duplicado em dez anos, passando
lias trabalhadoras; evoluiu, entre 1975 e 1978, para a realiza-
de 5,5 milhões em 1970 para 11 milhões em 1980, represen-
ção de grandes assembléias e comícios mobilizando milhares
tando 80% do conjunto do proletariado brasileiro (traba-
de pessoas, incorporando reivindicações mais amplas e rece-
lhadores da cidade e do campo), estimado em 14 milhões.
bendo o apoio de vários setores sociais e entidades.
Crescimento e concentração geográfica e setorial: quase
Em 1978, o MCV aprovou a realização de uma grande
campanha de coleta de assinaturas em torno de três reivin- 700/0dos operários estavam concentrados nos grandes cen-
dicações principais a serem encaminhadas ao governo: con- tros industriais da região Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro
gelamento dos preços dos gêneros de primeira necessidade, e Minas Gerais), a maioria trabalhando nas grandes empre-
concessão de um abono salarial de 20% para todos os tra- sas dos setores mais recentes e modernos da indústria. Em
balhadores e aumentos salariais acima do custo de vida. São Paulo, a concentração maior estava na região da
O MCV (que depois teve seu nome mudado para Grande São Paulo (capital, Osasco, Guarulhos) e na do
Movimento Contra a Carestia) expandiu-se para vários ABC (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caeta-
estados, recebeu a adesão de outras entidades e movimen- no) onde enormes indústrias automobilísticas reuniam 38
tos, coletou 1,3 milhão de assinaturas, culminando com mil trabalhadores (como na Volkswagen) e 25 mil (na Ford).
uma grande manifestação de 20 mil pessoas na Praça da Foram exatamente os operários das chamadas "indús-
Sé, em São Paulo, cercada por policiais armados, no dia trias de ponta", como os metalúrgicos de São Bernardo
27 de agosto de 1978, marcado como Dia Nacional de Luta do Campo e de São Paulo, que encabeçaram os movimen-
Contra a Carestia. Nenhuma autoridade estava presente tos grevistas a partir de 1978.
58 59
Do ponto de vista da faixa etária, quase metade da cidos representantes do tipo de sindicalismo que prevaleceu
classe operária era constituída por jovens de 18 a 24 anos. nos anos da ditadura, o "Joaquinzão".
A presença de mulheres no trabalho industrial havia aumen- Agrupando militantes operários de diversas origens (se-
tado consideravelmente. As condições de vida e de trabalho tores da esquerda, da Igreja Católica e independentes), que
haviam piorado tremendamente com o arrocho salarial e a viam a necessidade de organizar os trabalhadores nas fábri-
inflação. Reinava um clima de insatisfação e rebeldia. cas, a Oposição Sindical Metalúrgica nasceu no contexto
Boa parte desta jovem classe operária praticamente de uma profunda crítica à estrutura sindical cupulista e à
não tinha experiência sindical e política anterior. Os longos política de conciliação de classes predominantes no sindica-
anos de ditadura, a função meramente assistencialista e o lismo vigente. Estas posições críticas combinadas com uma
funcionamento burocrático dos sindicatos, alheios à luta visão anticapitalista de transformação da sociedade e com
dos trabalhadores, a predominância de cúpulas pelegas e a recuperação de experiências operárias de organização de
policialescas em quase todos eles, tinham afastado os traba- base (como as Comissões de Fábricas) resultaram na formu-
lhadores da vida sindical. lação de novas idéias, propostas e ações contínuas, em
No entanto, quando o movimento sindical ressurgiu defesa da construção de um sindicalismo classista, indepen-
foi com uma qualidade totalmente nova, revelando que nos dente do Estado e dos patrões, construído na base pelos tra-
anos da ditadura haviam se desenvolvido novas experiên- balhadores e na prática da democracia operária.
cias de resistência, organização e solidariedade operárias, Ao longo dos anos 70, a Oposição Sindical Metalúr-
novas concepções, práticas e novas lideranças sindicais. gica manteve-se permanentemente atuante priorizando a
organização e as lutas de resistência dos trabalhadores nas
fábricas e nos bairros operários, combinando esta ação com
As raízes do novo sindicalismo uma atuação nas assembléias e na vida do sindicato, acumu-
lando experiências fora da estrutura sindical e em contínuo
Duas formas de acumulação, duas vertentes sindicais
confronto com ela.
com histórias e matrizes ideológicas diferentes, foram as
Nos movimentos metalúrgicos em São Paulo de 1978-79
principais referências que convergiram no novo movimento
esta acumulação se evidenciou nas greves por fábrica, na
sindical dos últimos anos da década: a das "oposições sin- conquista de diversas comissões de fábrica em várias empre-
dicais" e a dos "sindicalistas autênticos". Ambas se desen- sas, nas greves gerais da categoria dirigi das por comandos
volveram inicialmente entre os metalúrgicos, a primeira de greve eleitos nas bases, no fato de ter sido, na prática,
em São Paulo, a segunda em São Bernardo do Campo. direção real da categoria nestas lutas.
A primeira acumulação, a das "oposições sindicais", Esta oposição serviu de referência para o surgimento
teve como principal expressão na década de 70 a Oposição e atuação de diversas oposições sindicais em várias catego-
Sindical Metalúrgica de São Paulo. rias e regiões, muitas das quais vieram a ganhar eleições sin-
Esta oposição nasceu em 1967, inicialmente em torno dicais a partir dos fins da década de 70, reforçando a rnobi-
da formação de chapa de oposição para disputar as elei- lização e a luta dos trabalhadores.
ções no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Este sin- A segunda acumulação, a dos "sindicalistas autênti-
dicato era encabeçado, desde 1965, por um dos mais conhe- cos", desenvolveu-se por dentro da estrutura sindical
60 61
tal, que assumiram a representação dos trabalhadores nas de apoio popular à sua volta, principalmente nos bairros
negociações por fábrica (posteriormente, as comissões foram da periferia, a exemplo dos fundos de greve. E deu uma
desmanteladas pela ação patronal e de diretorias pelegas). extraordinária demonstração de garra e coragem ao enfren-
O movimento grevista continuou e nova onda de gre- tar a violenta repressão do governo e dos patrões.
ves metalúrgicas eclodiu em outubro daquele ano em São Passada a surpresa das primeiras greves, estes prepara-
Paulo, Osasco e Guarulhos, também liderada pelas oposi- ram-se para conter o movimento com ações que combina-
ções sindicais, desta vez greves gerais de categoria (as pri- vam demissões, pressões e list-as negras, com o uso da legis-
meiras greves gerais de metalúrgicos desde 1964, greves estas lação autoritária e da repressão policial e militar.
inauguradas um pouco antes pelos ceramistas de Itu e pro- Nas greves, os trabalhadores enfrentaram toda sorte de
fessores de São Paulo). violências, a polícia cercando as fábricas e dissolvendo os
O ano de 1979 assistiu à generalização do movimento piquetes e as manifestações com gás lacrimogêneo, cassetetes
grevista por praticamente todos os estados do País envol- e tiros. Centenas de trabalhadores foram presos e três operá-
vendo milhões de trabalhadores da cidade e do campo. rios foram mortos nestes confrontos: Orocílio Martins Gon-
Além dos metalúrgicos, pararam motoristas e cobradores çalves (greve dos trabalhadores da construção civil de Belo
de ônibus, professores, funcionários públicos, lixeiros, Horizonte), Benedito Gonçalves (greve dos metalúrgicos de
médicos e enfermeiros, jornalistas, trabalhadores da cons- Divinópolis) e Santo Dias da Silva (greve dos metalúrgicos
trução civil, mineiros, bancários, canavieiros etc. Segundo de São Paulo). Sindicatos combativos sofreram intervenções
o Dieese, neste ano mobilizaram-se 3,2415 milhões de traba- e as diretorias foram cassadas, como aconteceu no Sindicato
lhadores, num total de 430 greves em todo o País (cf. Leite, dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e no dos Ban-
1987, p. 59). Foram greves gerais de categoria, maciças e cários em Belo Horizonte e Porto Alegre. Dirigentes sindi-
de longa duração, reivindicando aumento salarial, 40 horas cais foram presos e incursos na Lei de Segurança Nacional.
semanais, estabilidade no emprego, direito de greve e de Embora as conquistas econômicas tenham sido parciais
organização nos locais de trabalho, liberdade e autonomia devido à violenta repressão, as lutas dos trabalhadores tive-
sindicais, anistia, fim da ditadura militar. ram saldos políticos e organizativos significantes. Com as
O movimento naquele ano inaugurou a greve dos suas lutas, os trabalhadores resistiram ao arrocho, ganharam
piquetes e as enormes assembléias no Estádio de Vila Eucli- na prática o direito de greve, avançaram na sua participação
des, em São Bernardo, com 80 e 100 mil metalúrgicos, afir- e organização de base, exerceram práticas de solidariedade
mando nacionalmente a liderança de Lula e tornando o e de democracia operárias, avançaram no combate à velha
movimento fato político nacional. estrutura sindical e na construção de um novo sindicalismo
Na capital e na região da Grande São Paulo, sob a combativo e, ponto fundamental, foram personagens princi-
direção das oposições sindicais, generalizaram-se as greves pais e os próprios agentes de seus interesses de classe.
dos piquetões (grandes piquetes que percorriam as regiões Todo este movimento politizou rapidamente os traba-
fabris, alguns chegando a juntar 10 mil operários) e dos lhadores e foi a base para que parcelas significativas deles
comandos de greve, eleitos na base. vissem a necessidade da construção de um partido político
Em toda parte, o movimento dos trabalhadores mobi- próprio (PT) e de uma central única para unificar as suas
lizou e expandiu uma formidável rede de solidariedade e lutas (CUT).
64 65
No decorrer de todas as lutas tornou-se cada vez mais que passaria a chamar-se, em 1986, CGT (Central Geral
evidente a existência de visões diferentes no movimento sin- dos Trabalhadores).
dical, e que vieram a se constituir em dois blocos (e, mais
tarde, em duas centrais sindicais) diametralmente opostos
A grande jornada
nas suas concepções, propostas e práticas.
Um dos blocos, representando o novo sindicalismo,
A mais longa greve do período estourou em abril de
reunia os "sindicalistas autênticos" e as "oposições sindi-
1980 em São Bernardo, ficou conhecida como a "greve dos
cais". Combatia a estrutura sindical oficial e defendia a
41 dias" e centralizou a atenção de todo o País.
construção de um sindicalismo independente, classista, de
Uma dura reação e um esquema policial-militar de
base e democrático. Suas propostas de organização e mobi-
grandes proporções foram acionados pelo governo e pelos
lização amplas e diretas dos trabalhadores apontavam o
empresários: foi decretada a ilegalidade da greve; houve
caminho das lutas para a conquista dos seus interesses de
intervenção nos sindicatos de São Bernardo e Santo André,
classe. Apresentava um forte cunho crítico ao caráter explo-
e Lula e outros dirigentes foram presos e incursos na Lei
ratório do sistema capitalista e ao caminho conservador
da "abertura" política dirigida pelo governo e pelas clas- de Segurança Nacional; as assembléias foram proibidas e
ses dominantes, e afirmava o papel decisivo das classes tra- São Bernardo foi ocupada por forças policiais e militares,
balhadoras na transformação da sociedade. O desenvolvi- vivendo um verdadeiro clima de guerra. Mesmo assim, a
mento da prática sindical e dos debates no interior deste greve se manteve, apoiada por uma rede de solidariedade
bloco constituíram as bases nas quais nasceram a CUT política e material, organizada nacionalmente, jamais vista.
(Central Única dos Trabalhadores), em agosto de 1983, e O dia I? de maio, 31? dia da greve, transformou-se
o PT (Partido dos Trabalhadores), em 1979-80. na maior manifestação de apoio e solidariedade à greve e
O outro bloco reunia pelegos tradicionais, represen- de protesto contra o regime, reunindo mais de 100 mil pes-
tando o velho sindicalismo, e sindicalistas reformistas e soas em São Bernardo. Diante da determinação de toda
moderados. Defendia a manutenção integral ou com peque- esta gente que chegava em passeatas para a concentração
nas modificações da estrutura sindical vigente e o encami- no Estádio de Vila Euclides, as forças policiais e militares
nhamento das reivindicações econômicas dos trabalhadores que tinham sido mobilizadas para impedir a manifestação
dentro dos estreitos limites da legislação e da política vigen- foram obrigadas a recuar.
tes. Este sindicalismo via as greves como inoportunas Esta greve terminou dez dias depois sem obter conquis-
- "ameaças à redemocratização" que deveriam ser contro- tas salariais relevantes, devido à intransigência patronal.
ladas - e integrava suas concepções e propostas às de par- No entanto, aquele I? de Maio de 1980 expressou o sig-
tidos existentes e à política de "abertura" levada pelas clas- nificado das lutas dos trabalhadores daqueles últimos anos.
ses dominantes e apoiada pelos setores que davam um peso De uma forma geral, as greves de 1978-80mostraram
preponderante ao caminho institucional. Deste bloco consti- que mais do que a luta pelas reivindicações sindicais e tra-
tuíram-se as bases para a fundação da Conclat (Coordena- balhistas, o recente movimento sindical representava um
ção Nacional das Classes Trabalhadoras) - estruturada novo centro de referência político e de alento para os seto-
três meses após a criação da CUT, em novembro de 1983-, res insatisfeitos com o regime e a "abertura" conservadora.
66 67
Quando os trabalhadores ocuparam o cenário nacio- Surgiram, também, outras articulações políticas como
nal, desafiando a Lei de Greve, a política salarial, a tutela a que juntou setores civis e militares em torno da candida-
do Estado sobre os sindicatos, a máquina repressiva e o tura, lançada pelo MDB, do general Euler Bentes Monteiro
caráter da "abertura", apresentaram um movimento com com Paulo Brossard para vice, chapa derrotada no Colégio
identidade própria, que criou a possibilidade de uma con- Eleitoral.
traposição de classe ao projeto de transição conservadora O general João Batista Figueiredo tomou posse em
da burguesia e apontou um outro caminho para a luta con- março de 1979, em plena greve dos metalúrgicos do ABC.
tra a ditadura, o da ação direta e da independência de classe. Mais de 100 greves o aguardariam só nos próximos dois
Os desdobramentos deste movimento aceleraram a meses. A resposta do governo seria o recrudescimento da
reordenação política por parte do governo e das classes repressão paralelamente à reordenação política da ditadura
dominantes, dentro de um quadro que incluía repressão e na linha da "abertura lenta e gradual" iniciada no governo
tentativas de criar mecanismos que neutralizassem o movi- Geisel.
mento dos trabalhadores. No ano de 1979, o governo Figueiredo enviou ao Con-
gresso dois projetos, que foram aprovados: o da anistia (res-
trita e parcial) e o da reformulação partidária.
"Prendo e arrebento,,3 No quadro político que vinha se delineando desde
1974, o sistema bipartidário criado artificialmente pela dita-
Muito antes do Colégio Eleitoral eleger, em 15 de dura na década de 60 mostrou-se incapaz de absorver a
outubro de 1978, o nome do general João Batista Figuei- dinâmica e as contradições do processo de abertura e a pres-
redo para o próximo mandato presidencial de março/1979 são dos grupos de interesses. Além disso, o projeto do
a março/1985 (o mandato fora ampliado de cinco para seis governo de extinguir a Arena e o MDB pretendia, entre
outros objetivos, evitar o caráter plebiscitário que teriam
anos pelo "Pacotão de Abril"), já se sabia que Figueiredo,
chefe do SNI, seria o sucessor de GeiseÍ. as eleições seguintes.
Em novembro de 1979, o Congresso aprovou a nova
As articulações políticas para esta sucessão foram per-
lei que extinguia o bipartidarismo e dava um prazo de 18
meadas por disputas internas com a ala dos "duros", mas
meses para a formação de novos partidos políticos.
o grupo "castelista" controlou com mão de ferro a suces-
A maioria das agremiações então criadas expressou
são. No decorrer do processo, dois episódios evidenciaram
uma recomposição dos antigos partidos e o reajustamento
a preponderância do grupo de Geisel: a demissão, em outu-
de velhos e novos grupos. Formaram-se, então: o PMDB
bro de 1977, do ministro do Exército Sylvio Frota, candi-
(Partido do Movimento Democrático Brasileiro, ex-MDB)
dato dos "duros", e a saída do chefe da Casa Militar,
sob a presidência do deputado do MDB Ulysses Guimarães;
Hugo de Abreu, em janeiro de 1978, por discordar da indi-
o PDS (Partido Democrático Social) presidido pelo então
cação de Figueiredo.
senador da Arena José Sarney; o PP (Partido Popular) que
mais tarde, em 1982, se incorporaria ao PMDB, articulado
3 Da declaração do presidente general Figueiredo: "É para abrir mesmo. pelo senador Tancredo Neves do MDB e Magalhães Pinto
Quem não quiser que não abra, eu prendo e arrebento". Brasil Dia-a-dia,
edição especial do Alrnanaque Abril, 1988. da Arena; o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), sigla esta
68
que foi objeto de disputa entre Leonel Brizola e Ivete Var- 4 Anos de mudanças
gas e que, pordecisão do Tribunal Superior Eleitoral, ficou
com Ivete Vargas; Leonel Brizola fundou, então, o PDT
(Partido Democrático Trabalhista).
O fato novo no quadro partidário e político do País
foi o surgimento do PT (Partido dos Trabalhadores), que
teve como principal liderança Luís Inácio Lula da Silva.
Na sua origem, no seu projeto, na sua organização e no
seu significado, o PT diferenciou-se dos demais partidos
políticos e de toda a tradição partidária brasileira.
Nascido das lutas dos trabalhadores nas grandes gre-
ves de 1978 e 1979, que viu emergir o novo sindicalismo,
o PT expressou o avanço da consciência e da mobilização
de parcelas significativas das classes trabalhadoras no sen-
Panorama
tido de criar um instrumento político que fosse expressão
de seus interesses de classe para além dos limites da ação Industrialização e modernização tecnológica concen-
sindical. Inicialmente articulado pelas novas lideranças sin- trada, predomínio das grandes empresas monopolistas, pro-
dicais, o PT aglutinou setores da esquerda não tradicional letarização de parcelas cada vez maiores da população,
e da Igreja Católica engajados nas lutas sociais. No seu pro- urbanização caótica, disseminação da sociedade de con-
grama, defendia a transformação da sociedade tendo como sumo num país onde a maioria da população sofre de sub-
perspectiva a construção do socialismo pelos trabalhado- nutrição crônica. Durante a década de 70, sob o regime
res. Além do seu ideário político e ideológico, o PT diferen- da ditadura militar, acelerou-se o desenvolvimento capita-
ciou-se dos demais partidos pela sua organização, feita de lista brasileiro em todos os campos e consolidou-se a inte-
baixo para cima, sustentada em núcleos de base integrados gracão do Brasil ao sistema capitalista monopolista interna-
às lutas e movimentos sociais. cional como país associado e periférico.
A ditadura militar teve papel importante neste processo
expressando a dominação política de classe daquele momento.
Ela preencheu uma função mediadora e transitória; desern-
penhou a função de parteira, no momento dramático da
implantação de um novo modelo de desenvolvimento capita-
lista, com seus padrões históricos de acumulação acelerada
de capital, de dependência neocolonial e de sufocação das
classes trabalhadoras [...)1.
o Brasil, que no início da década de 60 ocupava o 50~ Ao mesmo tempo, via satélite, em cores e ao vivo,
lugar entre as economias capitalistas mundiais, em meados espalhavam-se partindo do eixo São Paulo-Rio os últimos
da década de 70 ocupava o 8~ lugar. A imponente classifica- ditames da moda, a coqueluche dos fliperamas e das disco-
tecas, o culto ao corpo e a valorização de padrões de beleza,
ção encobre as características e contradições de um desenvol-
a exaltação do individualismo e do consumismo. O jeans,
vimento capitalista desigual em relação aos países centrais e
que fora marca registrada da "juventude transviada" nos
dá a exata medida do seu significado dentro do País: acumu-
anos 50, dos hippies e da "geração engajada" nos anos 60,
lação acelerada do capital e concentração de renda baseadas
nos 70 vinha com griffes e algo mais que o anúncio prome-
no extraordinário crescimento das desigualdades sociais, da
tia: "liberdade é uma calça velha desbotada". A padroniza-
expoliação e da miséria da classe trabalhadora - nada menos
ção do "moderno" chegava ao auge no Brasil dos anos 70
do que a essência mesma do sistema capitalista. em meio a flagrantes contrastes e desigualdades sociais,
O País que nos restou estava no ranking mundial entre
regionais, culturais.
os cinco mais em relação às desgraças sociais (mortalidade
infantil, subnutrição, doenças, fome, violência, analfabe- Em Caicó, pequena cidade do sertão do Rio Grande do Norte,
na região de Seridó, uma rádio local anuncia a próxima
tismo, acidentes de trabalho etc.). Mas no final da década
música dírlqlndo-se a seus ouvintes mais jovens: "e agora
seguramente não era o mesmo: tínhamos evidentes mostras para o embalo de vocês, cocotinhas de Seridó ...,,2.
de profundas mudanças ocorridas nos últimos anos na
estrutura da produção e da sociedade, nos comportamentos O acelerado processo de industrialização, centrada no
políticos, nas manifestações culturais. pólo da indústria de bens duráveis, e a expansão da capita-
lização no campo foram acompanhados de importantes
A década de 70 presenciou uma imensa expansão da
transformações na classe trabalhadora e na urbanização.
massificação das informações e dos padrões de comporta-
Entre 1970 e 1980, o proletariado brasileiro duplicou:
mento e de consumo do mundo capitalista sob a extraordi-
de aproximadamente 7,7 milhões passou para 14,3 milhões,
nária consolidação da indústria cultural e dos meios de
representando 330/0 da PEA (População Economicamente
comunicação em geral. Neste sentido, como principal meio
Ativa). A título de comparação, em 1950 era da ordem de
de comunicação, a TV desempenhou importante papel por
2,8 milhões (16,5% da PEA) 3. Significativamente, o opera-
todo o território nacional. Sua penetração foi inigualável
riado representava 80070 do conjunto. Sua composição reve-
numa década em que as redes de telecomunicação chegaram lava a importância do crescimento nos setores modernos
às mais distantes regiões do País e durante a qual a aquisi-
da economia.
ção de aparelhos de TV generalizou-se em todas as camadas
sociais. O jornal O Estado de S. Paulo noticiava, em 1976, Entre 1970 e 1980 são acrescentados à força de trabalho da
indústria de transformação nada menos que 3,6 milhões de
que na Grande São Paulo quase 95% dos domicílios tinham
pessoas; 1,43 milhão a mais na indústria de construção; e
TV e que a cada noite 7 milhões de paulistanos passavam
quase três horas diante dos televisores (apud Camargo, 1976,
2 KEHL, Maria Rita. Um só povo, uma só cabeça, uma só nação. In: Car-
p. 147). Dados mais abrangentes indicam que em 198056%
valho et alii, 1979/1980, p. 5 e 8.
do total de domicílios na cidade e no campo tinham apare- 3 Números aproximados. Revista Retrato do Brasil, 1984, fascículo 22.
lhos de TV (mais do que o dobro em relação a 1970). Encarte central.
72 73
2,5 milhões a mais nos empreendimentos de comércio e mais carros do que na década anterior. O cenário opulento,
transporte. Em resumo, é como se um 2~ andar tivesse sido
formado por vias expressas, elevados, shoppings centers e
acrescentado ao país que já existia (Morais, 1986, p. 10).
sofisticados condomínios fechados, contrastava com a pro-
No campo, o assalariamento se expandiu, crescendo liferação de novas favelas e cortiços, com os labirintos de
sobretudo o número de trabalhadores temporários conheci- ruas de terra nos bairros da periferia e com os conjuntos
dos como bóias-frias. A mecanização da produção e a con- habitacionais padronizados.
centração da propriedade da terra provocaram a expulsão As metrópoles foram palco principal dos mais diver-
de milhões de pessoas do campo e aceleraram as migrações. sos movimentos sociais que expressaram não só a insatisfa-
Como pólos industriais, as grandes cidades atraíram ção popular com as condições reinantes, mas, principal-
migrantes de todos os pontos do País. Em 1970, os fluxos mente, o profundo impacto destas e de outras transforma-
migratórios envolveram 30 milhões de pessoas para uma ções ocorridas nos anos 70 nas experiências de vida dos
população de 93 milhões - um terço da população a engros- agentes destes movimentos e na forma como se expressaram.
sar, nas cidades, as fileiras do operariado industrial e do Depois de anos de silêncio, as ruas das cidades foram
mercado de trabalho informal. Em 1980, eram 46 milhões tomadas pelos mais diversos. movimentos por liberdades e
para uma população de 121 milhões. Tomando como exem- direitos: sindical, popular, dos estudantes, das mulheres,
plo a Grande São Paulo, esta contava, no final da década, dos negros, dos homossexuais. Fato significativo do fim
com 12,5 milhões de habitantes: destes, 3,4 milhões eram da década foi a presença dos movimentos pelos direitos das
migrantes chegados entre 1970 e 1980 (cf. Sader, 1988, p. chamadas "minorias", que se organizaram em entidades,
88-9). Em suma, durante a década, um entre três brasileiros criaram suas próprias publicações, promoveram manifesta-
viveu a situação de migrante, procurando emprego nas cida- ções públicas, debates, congressos.
des, vivendo o drama do desenraizamento e reelaborando Uma das mais fortes mudanças foi a que apresentaram
seus valores com os novos hábitos urbanos. as mulheres no sentido do avanço de sua emancipação eco-
Embora o processo de urbanização tenha se acelerado nômica e sexual e sua crescente presença nos movimentos
desde a década de 50, foi na de 70 que o País tornou-se efe- reivindicatórios e políticos da década. Desenvolvendo uma
tivamente urbano: em 1960, 360/0 da população vivia nas ação mais direta e organizada, os movimentos feministas
cidades, passando para 64070em 1980. Um terço deste total combinaram a luta contra a ditadura e por melhores condi-
estava concentrado nas nove regiões metropolitanas do ções de vida com a discussão dos problemas específicos das
País - São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curi- mulheres - a sexualidade, o controle da concepção, o
tiba, Porto Alegre, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador - aborto, o prazer sexual, a dupla jornada, a discriminação
principalmente nas três primeiras 4. econômica, social e política.
E as feições das cidades já apresentavam um retrato As relações familiares e matrimoniais também sofreram
significativo do que acontecera nestes anos. As cidades alterações. De uma forma geral, ampliou-se o debate sobre
incharam, crescendo desordenadamente para o alto e para sexo e casamento. O "descasamento" - quase um novo
os lados. Pelas ruas congestionadas trafegavam dez vezes estado civil - passou a ser visto com mais naturalidade e
sem o peso de velhos preconceitos. Com restrições, o divór-
4 Cf. Revista Retrato do Brasil, fascículo 37. Encarte central. cio foi legalizado em 1977.
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o fato é que a década de 70 assistiu à proliferação de deles foi a grande expansão da indústria cultural, acompa-
uma imensa diversidade de comportamentos, tendências nhando um fenômeno mundial e confirmando a expansão
culturais e estilos de vida. capitalista brasileira em todos os campos.
Depois do vendaval dos anos 60 que atingiu' 'corações Incorporando as mais modernas técnicas de produção
e mentes" de uma geração inteira, os anos 70 começaram e favorecidas pela expansão dos meios de comunicação e
sob a égide da fragmentação: desdobramentos da contracul- pelos estímulos governamentais, grandes empresas nacio-
tura, movimentos underground, punk, misticismo oriental, nais e internacionais monopolizaram o crescente mercado
vida em comunidades religiosas ou naturalistas, valorização de bens culturais. Exemplo significativo disso foi o cresci-
do individualismo, expansão do uso de drogas. mento das grandes gravadoras (o Brasil foi consagrado
Muitas das novas manifestações neste vasto campo como o 6? mercado fonográfico do mundo, controlado
dos comportamentos e padrões culturais expressaram não em 70070pelas empresas multinacionais), das grandes edito-
apenas aspectos do panorama brasileiro mas refletiram, ras, das empresas multinacionais distribuidoras de filmes
também, tendências presentes em grande parte do mundo estrangeiros.
ocidental. Outro traço marcante na produção cultural dos anos
70 foi a presença do Estado. A intervenção do Estado não
se limitou apenas à censura e à coerção. Ela atuou também
Diversidades culturais na tentativa de controlar, direcionar e intermediar a produ-
ção cultural, através de órgãos oficiais criados na época,
Sem dúvida, a produção cultural durante os anos da ou que já existiam, como SNT (Serviço Nacional de Teatro),
ditadura foi marcada pelo clima de censura e repressão, de Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes), INL (Instituto
vigilância permanente, dirigida principalmente contra o pen- Nacional do Livro), Secretaria de Assuntos Culturais do
samento crítico e inovador que não se submetia à ideologia MEC, Funarte (Fundação Nacional das Artes). Através des-
dominante. Depois do AI-5 houve uma desorganização do tes e de outros órgãos, o Estado financiou projetos, promo-
debate ideológico e das experiências culturais que foram veu a produção e distribuição de filmes nacionais, patroci-
um dos símbolos mais expressivos da efervescência da década nou montagens de peças teatrais; promoveu concursos, prê-
de 60, e os anos seguintes não registraram movimentos aglu- mios, concertos, shows etc. A partir de 1974-75, o Estado
tinadores mais amplos. intensificou esta ação e formulou a chamada Política Nacio-
Se, por um lado, a produção cultural foi influenciada nal de Cultura (governo Geisel). O período foi atravessado
por este clima de terror que atravessou a década com maior por acirradas polêmicas nos meios artísticos e intelectuais,
ou menor peso, provocando a autocensura, a introspecção envolvendo visões diferentes sobre a política do governo e
e, às vezes, a paralisia (situação a que muitos chamaram sobre as relações das artes e dos artistas com o Estado.
de "vazio cultural"), por outro lado, apresentou manifesta- Fragmentação e multiplicidade em todos os campos
ções significativas de resistência e, principalmente, de busca quanto aos temas, aos tratamentos, aos estilos, são outros
de novas linguagens e novas formas de criação. traços que marcaram a produção cultural da época. A
No quadro complexo em que se deu a produção cultu- música foi um dos campos mais exemplares quanto a esta
ral dos anos 70, alguns traços podem ser apontados. Um enorme diversidade. "Tem muito samba, muito choro e
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rock'n roll" 5. E tem mais: música de discoteca, jazz; baião, e compositores promoviam seus trabalhos com seus próprios
frevo, reggae, música sertaneja, folclórica, regional... recursos e apresentavam-se em espaços culturais alternati-
Temas políticos e sociais estiveram presentes na produ- vos que foram sendo criados.
ção cultural mais engajada com a resistência à ditadura. Na literatura, em particular no campo da poesia, pes-
Com o clima de abertura da segunda metade da década, soas e grupos editavam seus próprios trabalhos com pou-
estes temas tomaram fôlego e foram objetos de uma vasta cos recursos e em pequenas tiragens, muitas vezes mimeo-
produção. Destacaram-se, nesta linha, romances políticos, grafados e que eram vendidos de mão em mão nas universi-
memórias, autobiografias, depoimentos, romances-reporta- dades, nos bares, nas portas dos cinemas e teatros.
gens, reportagens-verdade, denúncias de fatos encobertos Muitas destas experiências manifestavam não só a ten-
pela censura. Também no cinema destacaram-se filmes que, tativa de fazer chegar ao público sua produção mas, e prin-
com diferentes estilos e enfoques, deram ênfase a temas cipalmente, expressavam opções de resistência política e
populares e urbanos relacionados à situação brasileira, às ideológica, a presença de novas concepções na forma e no
condições de vida e às lutas dos trabalhadores, aos migran- conteúdo, a busca de novas práticas coletivas num tempo
tes, aos menores, à violência e corrupção policial, ao mundo de mudanças.
marginal urbano; adaptações de clássicos da literatura e Neste sentido, as experiências dos grupos independen-
temas históricos, recuperando episódios e conflitos sociais tes de teatro - vivência coletiva, textos adaptados ou escri-
da história brasileira sob um prisma crítico. Alguns filmes tos pelos próprios integrantes dos grupos, compostos em
da década: O rei da noite, Lúcio Flávio, o passageiro da sua maioria por estudantes e trabalhadores de diversas cate-
agonia e Pixote, de Hector Babenco; Bye bye Brasil e Chu- gorias, temas que representavam e questionavam a reali-
vas de verão, de Cacá Diegues; O amuleto de Ogun, de dade social - foram especialmente significativas. Inúmeros
Nelson Pereira dos Santos; Os inconfidentes, de Joaquim grupos (muitos em São Paulo como Truques, traquejos e
Pedro de Andrade; São Bernardo, de Leon Hirzman; A teatro; Galo de briga; Núcleo; União e olho vivo; Treta
guerra dos pelados, de Silvio Back; Os Muckers, de Jorge no teatro, entre tantos outros) nasceram em torno de pro-
Bodansky e Wolf Gauer. postas que priorizavam sua atuação integrada à realidade
Finalmente, uma marca característica destes anos foi e à luta dos trabalhadores, e durante anos desenvolveram
a existência e a proliferação de um grande número de traba- um importante trabalho nos bairros, nas paróquias, nas
lhos alternativos produzidos por pessoas ou grupos amado- associações de trabalhadores, nas casas de cultura, nos sin-
res com diversas origens e propostas. dicatos, rompendo com os espaços tradicionais e elaborando
A formação de grupos amadores foi especialmente sig- novas concepções artísticas e de engajamento político.
nificativa no teatro, multiplicando-se não só no eixo São Os mesmos sintomas de mudanças também apareceram
Paulo-Rio de Janeiro, mas também em várias outras cidades. na produção de um novo tipo de filme-documentário que
Na música também surgiram pequenos grupos experi- se desenvolveu nestes anos como "cinema-verdade", "ci-
mentais e pequenas gravadoras independentes. Intérpretes nema de rua", sobre as condições de vida dos trabalhado-
res urbanos e rurais e sobre as lutas operárias em São Ber-
5 Verso da música "Meus caros amigos". de Chico Buarque de Holanda nardo e em São Paulo do final da década. Geralmente cur-
e Francis Hime. tas-metragens apresentavam uma nova postura ao retrata-
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rem a realidade em seus vários aspectos e contradições, pri- Os países imperialistas procuraram reagir à onda de
vilegiando a "voz dos outros" (cf'. Bernardet et alii, contestação e lutas revolucionárias dos anos 60, investindo
1979/1980, p. 7 e 25), voz e imagem dos próprios protago- na implantação de ditaduras militares na América Latina,
nistas do drama social - operários, mulheres, migrantes, na ampliação da intervenção na Indochina, no reforço aos
menores abandonados - a partir de seu cotidiano e com governos colonialistas e de apartheid na África, na sustenta-
a sua participação como sujeitos de sua própria história 6. ção da política israelense no Oriente Médio.
Destas experiências espalhadas e diversificadas, destes Significativos acontecimentos, porém, mostraram que
inúmeros grupos alternativos que surgiram durante a década, muitas lutas não foram perdidas: esta foi a década da vitó-
alguns desapareceram, outros continuaram existindo auto- ria dos vietcongues e do fim da guerra do Vietnã (1975),
nomamente e outros, ainda, foram absorvidos no circuito da independência das últimas colônias portuguesas na África
comercial. _ Angola, Moçambique e Guiné Bissau (1974-75) -, das
Entretanto, sem apresentarem uma característica única revoluções nicaragüense e iraniana (1979).
ou unificadora do processo cultural, estas experiências for- Durante a década de 70, foi crescendo uma opinião
maram um mosaico que refletiu as transformações da socie- pública que condenava os governos ditatoriais e racistas,
dade brasileira no período e um intenso esforço de resistên- a corrida armamentista, o perigo da guerra e das usinas
cia, de criatividade, de inovação em contraposição ao obs- nucleares, a guerra do Vietnã, o apartheid na África do
curantismo do regime e aos padrões ideológicos e institucio- Sul e na Rodésia, a discriminação racial e sexual, a devasta-
nais dominantes. ção dos recursos naturais do planeta.
No plano das relações entre os EUA e a URSS, a guerra
fria evoluiu para a política da détente (política de distensão
Pelo mundo ou coexistência pacífica), o que significava manter as posi-
ções, evitar o confronto direto ou abrir novas frentes de con-
Em comparação com os anos 60, marcados no mundo fronto direto. Embora fossem assinados acordos e tratados
todo por uma grande efervescência política, social, cultural de não proliferação de armas, os investimentos para a defesa
e ideológica, na qual a rebeldia aos valores existentes e o e indústria bélica foram cada vez maiores, especialmente
engajamento pela revolução socialista foram as grandes cau- nos EUA, intensificando a corrida armamentista.
sas de uma geração social, a década de 70 apresentou um Os anos 70 foram marcados por uma profunda crise
painel de acontecimentos de diversos cortes, que foram de econômica e política no esquema de desenvolvimento capita-
golpes a revoluções 7. lista do pós-guerra, especialmente a partir de meados da
década. Crise que se mostrou na esfera da produção, do acir-
ramento da concorrência entre os países imperialistas, dos
6 Sobre a temática operária, são desta época: Acidentes de trabalho e Que
conflitos sociais, da dificuldade de manter dominadas as colô-
ninguém, nunca mais, ouse duvidar da capacidade de luta do trabalha-
dor, de Renato Tapajós; A greve e trabalhadores, presentes, de João nias africanas e as ditaduras européias e latino-americanas.
Batista de Andrade; Braços cruzados, máquinas paradas, de Sérgio Para a América Latina, esta década foi' 'uma história
Toledo e Roberto Gervitz, entre outros.
7 Cronologia dos principais fatos internacionais no jornal Em Tempo, n. 95,
de exílios e exilados". A reação das burguesias locais e
edição de fim de ano, 20 dez. 1979 a 10 jan. 1980. internacionais, ao ascenso dos movimentos populares e à
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eclosão das guerrilhas nos fins da década de. 60 em várias situação que levou a que imensos contingentes de uruguaios
partes do continente, foi uma sucessão de golpes de direita abandonassem o país.
para a implantação de ditaduras militares em vários países Todas estas ditaduras promoveram uni período de
do continente, como Chile, Argentina, Uruguai, Peru, Bolí- grande repressão com crescimento das tensões sociais e de
via. Os Estados Unidos, na sua condição de principal potên- conflitos de difícil administração, apresentando grande ins-
cia imperialista mundial, foram ativos protagonistas na ins- tabilidade política. Nos últimos anos da década, no quadro
talação destes regimes. de crise econômica e política do capitalismo internacional
O golpe de Pinochet no Chile, no dia 11 de setembro e de crescimento dos conflitos sociais e de movimentos con-
de 1973, derrubando o governo de Salvador Allende, eleito tra as ditaduras militares nos países latino-americanos, tor-
em 1970 pela Unidade Popular (coligação de esquerda inte- nou-se insustentável mantê-Ias. As burguesias locais e os
grada por vários partidos chilenos) foi, sem dúvida, o mais EUA, então sob o governo de Jimmy Carter usando a retó-
duro exemplo. As terríveis·imagens são inesquecíveis: o está- rica da "defesa dos direitos humanos", passaram a apoiar
dio de futebol de Santiago repleto de presos políticos, os a estratégia de substituição das ditaduras militares por
corpos boiando nos rios, a guerra instalada nas ruas e nas governos civis de transição conservadora, numa tentativa
casas, 40 mil mortos, entre eles o presidente AUende, assas- de impedir revoluções como a da Nicarágua.
sinado dentro do Palácio de La Moneda. O golpe militar, Paralelamente à instalação das ditaduras militares na
chefiado pelo general Pinochet, apoiado pela CIA; pelas América Latina nos anos 70, ocorria em outro lugar do
classes dominantes e setores das classes médias chilenas, mundo, na lndochina, um dos mais significativos aconteci-
encerrou o mito de o Chile ser o único país da América mentos da década: em abril de 1975, uma gigantesca ofen-
Latina sem intervenções militares e a experiência de um siva vietcongue impunha a mais fragorosa derrota aos Esta-
governo democrático e popular chegado ao poder pela via dos Unidos e seus aliados, e punha fim a 20 anos de inter-
eleitoral na América Latina. vencionismo e guerra no Vietnã, a mais longa do século
Outras ditaduras militares foram implantadas na XX. Quando as forças do Vietnã do Norte ocuparam final-
década. Na Bolívia, em 1971, o golpe militar de Hugo Ban- mente Saigon, imagens de TV e fotos estampadas em todos
zer derrubou o governo de Juan José Torres. No Peru, os jornais registravam as cenas da retirada por helicópteros,
em 1975, foi deposto Juan Vellasco Alvarado. Na Argen- no estilo salve-se-quem-puder, de soldados e cidadãos norte-
tina, uma sucessão de golpes e governos militares, intercala- americanos.
dos pelos governos de Perón e lsabelita, levou, em 1976, Durante anos, a guerra do Vietnã provocara repercus-
ao governo a junta militar liderada por Jorge Videla que sões na sociedade americana, que ficou ainda mais abalada
praticou uma repressão considerada genocídio, com seqües- com o escândalo de Watergate - escândalo da invasão e
tros, torturas, assassinatos e "desaparecimentos", sumiços espionagem na sede nacional do Partido Democrata no edi-
de opositores políticos e de seus filhos até hoje denuncia- fício Watergate, em Washington, em junho de 1972, envol-
dos pelas "madres de Ia Plaza de Maio". No Uruguai, o vendo o governo e desmoralizando as instituições norte-
governo de Juan Maria Bordaberry (que desde 1972 abriu americanas, e que levou à renúncia do presidente Nixon
caminho para a ditadura militar) foi deposto, em 1976, por em 1974. Em relação à guerra do Vietnã, crescera um senti-
um golpe militar que intensificou as perseguições políticas, mento antiguerra e eram constantes as ondas de protestos
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contra os violentos bombardeios, o recrutamento militar e A Revolução Sandinista da Nicarágua, liderada pela
a continuação da guerra financiada por bilhões de dólares Frente Sandinista de Libertação Nacional (movimento guer-
liberados pelo Congresso. rilheiro cujo nome homenageia Augusto Cesar Sandino,
Enquanto isso, na Europa, também em meados da líder guerrilheiro que lutou contra a dominação norte-ame-
década de 70, uma nova conjuntura contribuiu, entre outros ricana entre os anos 20 e 30), derrubava o ditador Anastá-
fatores, para pôr fim a velhas ditaduras fascistas como as cio Somoza e punha fim a uma das mais antigas e sanguiná-
de Portugal, Espanha e Grécia. Em Portugal, em 25 de abril rias tiranias da América Central (a família Somoza tomou
de 1974, uma revolta dos capitães do exército, liderada pelo o poder em 1936 através de um golpe apoiado pela Guarda
general Antonio Spinola, deu início à "Revolução dos Cra- Nacional e pelos EUA). Culminando uma longa tradição
vos" (conseqüência do desgaste com a guerra colonial na de lutas, a ofensiva sandinistà deu-se em junho de 1979
África), depondo o governo do primeiro-ministro Marcelo quando convocou uma greve geral de protesto contra o
Caetano e encerrando a ditadura salazarista, a mais antiga regime de Somoza que se transformou numa insurreição
da Europa. Em 1974-75, as últimas colônias africanas (Guiné, popular em todo o país. Somoza foi obrigado a refugiar-
Angola e Moçambique) conquistavam a sua independência se em Miami. Os sandinistas assumiram o poder, iniciando
e implantavam governos de cunho socialista. a construção de um novo país e enfrentando, nos anos
Na Grécia, também em 1974, caía a ditadura instalada seguintes, todos os tipos de boicotes e todas as formas de
em 1967. Na Espanha, em 1975, a morte do generalíssimo agressões norte-americanas.
Franco dava fim à ditadura franquista iniciada em 1939,
assumindo o príncipe Juan Carlos de Bourbon.
No Oriente Médio, aprofundou-se o conflito árabe-
israelense. No centro dos conflitos, a questão candente do
povo palestino. Intensificaram-se as lutas da OLP (Organi-
zação para a Libertação da Palestina) liderada por Yasser
Arafat, pelo reconhecimento dos direitos dos palestinos.
Ao se aproximar o fim da década, em 1979, todas as
atenções estavam voltadas para dois grandes acontecimen-
tos: as revoluções iraniana e nicaragüense.
Desde 1978, no Irã, um amplo movimento popular
com a participação de milhões de pessoas, liderado pelo aia-
tolá Khomeini, exilado em Paris e líder dos muçulmanos
xiitas, punha em marcha um movimento de oposição ao
governo do xá Reza Pahlevi, monarquia instalada no país
desde 1925. Em janeiro de 1979, gigantescas manifestações
ocupavam Teerã, obrigando o xá a deixar o país, e rece-
biam triunfalmente o aiatolá Khomeini, que voltava para
assumir o poder.
85
montagem da estrutura sindical brasileira no governo Proletarização: processo inerente ao sistema capitalista que
de Getúlio Vargas. implica a transformação permanente e crescente de par-
celas cada vez maiores da população em força de traba-
Doutrina de Segurança Nacional: corpo de idéias formula-
lho assalariada a serviço do capital.
das na ESG (Escola Superior de Guerra), baseadas nas
concepções geopolíticas e anticomunistas da guerra fria. Unicidade sindical: imposição por lei da existência de um
Tomou forma mais acabada após 1964, quando o binô- único sindicato por ramo de atividade numa determi-
mio "Segurança e desenvolvimento" tornou-se lema dos nada base territorial.
governos militares.
Estrutura sindical getulista: conjunto de leis elaboradas
entre 1930 e 1945 no governo de Getúlio Vargas e reuni-
das na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que
regulou a forma obrigatória da organização sindical bra-
sileira, atrelada ao Estado e baseada nas concepções COf-
porativistas e de conciliação de classes.
Imposto sindical: imposto criado em 1941 para sustentar a
estrutura sindical getulista, que instituiu o pagamento
obrigatório e anual equivalente ao valor de um dia de
trabalho descontado diretamente de todos os trabalhado-
res, sindicalizados ou não.
Multinacionais: grandes empresas típicas da fase monopo-
lista do capitalismo que, embora tenham um país-sede
quanto à origem de seu capital, não têm fronteiras
quanto às suas atividades, controlando amplos mercados
e implantando-se em diversos países através de subsidiá-
rias ou de associações com as empresas locais.
"Pelego": nome atribuído a dirigente sindical comprome-
tido com a estrutura sindical oficial e cujas ações favore-
cem os interesses patronais e do governo. O termo pro-
vém da manta de lã colocada entre a sela e o dorso do
cavalo para amaciar o contato, evitar o atrito.
PIB (Produto Interno Bruto): refere-se ao valor total de
todos os bens e serviços produzidos dentro do país.
91
década de 60 até seu I Congresso em 1979, este trabalho atuação, o quadro histórico e o debate político-ideológico
traça um panorama dos anos 70, permeado por dezenas da época, assim como a ação da repressão no período.
de depoimentos dos próprios militantes operários, carac- KUCINSKI, Bernardo. 1982. Abertura, a história de uma crise.
terizando a situação política, a resistência operária nas São Paulo, Brasil Debates.
fábricas, a organização e o ideário das lutas de 1978-79 O livro relata e analisa os principais acontecimentos polí-
em São Paulo ticos, econômicos e sociais do período 1974-1980, con-
tendo farto material informativo baseado na cobertura
FESTA,Regina & SILVA,Carlos Eduardo Lins da, orgs. 1986.
jornalística feita pelo Autor, para diversos jornais da
Comunicação popular e alternativa no Brasil. São Paulo,
época.
Ed. Paulinas.
Ensaios sobre as variadas e múltiplas formas de comuni- LEITE,Márcia de Paula. 1987. O movimento grevista no Bra-
cação popular e alternativa no período de 1968 a 1982, sil. São Paulo, Brasiliense. (Cal. "Tudo é História", 120.)
trazendo depoimentos e relatos, história e análises de História suscinta do movimento operário brasileiro do
experiências concretas desenvolvidas no período. início do século até 1985, destacando os principais movi-
mentos grevistas no Brasil. O último capítulo abrange o
FREITASFILHO,Armando; HOLLANDA, Heloísa Buarque de;
período pós-64.
GONÇALVES, Marcos Augusto. 1979/1980. Anos 70; lite-
ratura. Rio de Janeiro, Ed. Europa. Lowv, Michel et alii. 1980. Movimento operário brasileiro
Ensaios sobre a literatura na década de 70, principais - 1900/1979. Belo Horizonte, Vega. (Coletivo Edgar
tendências, obras e autores, contendo diversas entrevis- Leuenroth) .
Síntese analítica da história do movimento operário no
tas que abordam a produção literária e a situação da
século XX, dividida em quatro períodos, destacando-se,
época.
para a década de 70, o último ensaio, "O movimento
GIANNOTTI,Vito. 1987. O que é estrutura sindical. São operário sob a ditadura militar (1964-1979)", de Helena
Paulo, Brasiliense. (Col. "Primeiros Passos", 194.) Hirata.
__ o 1986. A liberdade sindical no Brasil. São Paulo, Bra- MORAIS,Reginaldo. 1986. Pacto social: da negociação ao
siliense. (Cal. "Tudo é História", 113.) pacote. Porto Alegre, L&PM.
Os dois livros se complementam, apresentando, de forma Ao tratar de importantes questões e desafios para o
sintética e didática, as principais características da estru- movimento operário brasileiro nos anos 80, este trabalho
tura sindical brasileira, desde a sua implantação na recupera as bases destas questôes na década de 70, tra-
década de 30, e a luta pela liberdade sindical no Brasil.. zendo informações sobre as principais transformações
ocorridas no País e na classe trabalhadora, as caracterís-
GORENDER, Jacob. 1987. Combate nas trevas; a esquerda bra-
ticas da estrutura sindical, as lutas operárias de 1977-80,
sileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo,
as centrais sindicais, a política do governo.
Ática.
História das organizações de esquerda brasileiras nas déca- OUVA, Aloizio Mercadante, coord. 1987. Imagens da luta
das de 60 e 70, apresentando suas origens, programas, - 1905-1985. São Bernardo do Campo, Sindicato dos
94
Publicação que registra com texto e muitas fotos as lutas Conjunto de 20 números deste suplemento inteiramente
operárias no Brasil, destacando a história do sindicato dedicado a um balanço da década de 70 através de entre-
e das lutas dos metalúrgicos de São Bernardo, especial- vistas, mesas-redondas, artigos, cronologia, charges etc.,
mente no período de 1977 a 1985. abrangendo variados assuntos (saúde, mulheres, cultura,
violência, juventude, entre outros).
SADER,Eder. 1988. Quando novos personagens entraram
em cena; experiências e lutas dos trabalhadores da RETRATO DOBRASIL.1984. São Paulo, Ed. Política.
Grande São Paulo - 1970-1980. Rio de Janeiro, Paz e Revista contendo amplo leque de assuntos nas áreas de
Terra. economia, política, cultura, sociedade, apresentando
Profundo trabalho sobre as transformações, as experiên- muitas informações, dados estatísticos, gráficos etc.,
cias e as lutas dos trabalhadores em São Paulo durante abarcando principalmente o período do regime militar.
a década de 70, situando e analisando os movimentos OPINIÃO,MOVIMENTO,
EMTEMPO,jornais alternativos.
populares e operários do período.
SKIDMORE, Thomas. 1988. Brasil: de Castelo a Tancredo.
Rio de Janeiro, Paz e Terra.
Abrange o período 1964 a 1987, seguindo a seqüência
dos governos militares de Castelo Branco a Figueiredo
e o início da "Nova República".
URBAN,João & FURTADO, Teresa Urbano 1988. Bóias-frias;
vista parcial. Curitiba, Imprensa Oficial.
O livro, texto e fotos, penetra no cotidiano dos bóias-
frias do Paraná e embora seja "vista-parcial" de uma
região do País permite uma "vista-geral" sobre a vida
dos bóias-frias em outras regiões e sobre as principais
transformações econômicas e sociais ocorridas no campo.
JORNAIS E REVISTAS