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• A Luta Pela África - Gérard Ghaliand


• Crítica ao Sorex - Debatendo as Idéia de Rudolf Bahro -
Diversos Autores
A GUERRA FRIA
• Diante da Guerra - Gorne/ius Gastoriadis
DEDALUS - Acervo - FFLCH-HI
Coleção Tudo é História
905 A guerra fria /
• A Primavera de Praga - Sonia Goldfeder I'J·~({
1'! T912
• Revolução Cubana: De José Marti a Fidel Castro (1868-1959) - v.64
, Abe/ardo B/anco e Gados A. Dória
• Rússia (1917-1921) - Os Anos Vermelhos - Daniel Aarão Reis 111I1111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111
Fi/ho 21200009347
Coleção Primeiros Vôos
• As Multinacionais - Do Mercantilismo ao Capital Internacional 'roMBO: 119573

--
- Warren Dean
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SBD-FFLCH-USP

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iOO~
40 anos de bons livros
Copyright e Déa Ribeiro Fenelon
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Capa: I \r
123 (antigo 27)
Artistas gráficos

Revisão:
José W. S. Moraes
Hercílio de Lourenzi '
+. I '3 ~,6. W~;:J i'f
INDICE

)li~ Introdução ................•................ ,., 7


Fontes, documentos e interpretações " . 16
Guerra Fria: a contemporaneidade do tema . 27
Política externa e diplomacia . 38
Guerra Fria: origens e desenvolvimento . SO
A política de blocos . 77
Conclusão .. : . 94
Indicações para leitura . 98 .

fLP
editora brasiliense s.a.
01223 - r. general jardim, 160
são paulo - brasil Jr
~ \
I,

{
INTRODUÇÃO

J..:'
Tratar o tema da Guerra Fria em sua perspec-
tiva histórica significa encarar uma das inúmeras
questões polêmicas surgidas na reorganização poli-
~ tica da ordem internacional, após o término da Se-
gunda Guerra Mundial. A controvérsia se inicia pela
~ própria dific)lldade em se conceituar o que seja a
Guerra Frh~ ou de se considerá-Ia" seja como um
capitulo já encerrado da diplomacia internacional,
"Pode ser que vosso vizinho vos seja simpático, ou não. Não \ ' seja como elemento definidor dessas mesmas relações
tendes a obrigação de ser seus amigos ou de visitâ-Io. Po- quando se trata de analisar a conjuntura das relações
rém, viveis lado a lado, e que fazer se nem vós nem ele se ~rnacionais nos dias atuais.
dispõem a deixar o lugar a que estão habituados, para se Significa reconhecer que seus limites e sua dura-
fixar em outra cidade? Com muito maior razão, o mesmo
ocorre nas relações entre os Estados... Há apenas duas
ção variam conforme as principais caracteristicas que
posSibilidades: ou a guerra, e deve-se dizer que a guerra, no se use para defini-Ia em sua natureza e em .seu con-
século dos mísseis e da bomba de hidrogênio, é plena das teúdo. Significa também assinalar que muitas das
mais graves conseqüências para 'todos os povos, ou a coexis- tendências, conflitos e movimentos que lhe foram
tência pacífica. Quer vosso vizinho vos agrade ou não, não' peculiares ainda continuam e que muitos aspectos
há outra coisa a faier senão encontrar um terreno de enten-
dimento 'com ele, pois nós temos apenas um só planeta ... ".
destas tendências e movimentos estavam já em pleno

Discurso de Kruschev, 6 dejulho de 1959.


8 Déa Ribeiro Fene/on A Guerra Fria 9

r
desenvolvimento na história dos países nela envol- ou de fuzileiros navais e boinas-verdes para regiões
( vidos, mesmo antes de ela se definir com•..tal, na distanteà fora das fronteiras norte-americanas e
'-$.enapolítica das relações internacionais. _ . soviéticas, sempre a pretexto de salvar 'vidas de ci-
Consideremos, por exemplo, alguns sinais que dadãos civis ou de se assegurar a estabilidade de go-
trocam entre si as superpotências internacionais, tais vernos. Estas regiões apareciam muitas vezes identi-
.1 como os discursos arrogantes e a linguagem às vezes ficadas em algum relatório oficial como sujeitas a
inflexível de Ronald Reagan em sua. campanha elei- crises políticas iminentes ou já deflagradas, crises
toral e em seu discurso de posse como presidente dos estas definidas no linguajar oficial como capazes de
I Estados Unidos, ou em vários momentos de crise
internacional; ou algumas medidas práticas em rela-
)
afetar, sensivelmente, as relações dos Estados Uni-
dos com a União Soviética ou vice-versa, pelo que

I ção a EI Salvador e outros países da América Central


e outras partes do globo; ou os discursos do Kremlin
a respeito da invasão russa do Afeganistão e os ás-
peros debates daí decorrentes; ou ainda as exigências
,
I
representavam de possibilidade de perder a influên-
cia norte-americana em beneficio da soviética ou o
inverso. Ou por outra, a possibilidade de um aliado
mudar de lado, no jogo da política internacional,
norte-americanas para que seus aliados os acompa- afetando a composição de cada bloco, podendo signi-
nhassem no boicote às Olimpíadas de Moscou como ficar a aquisição ou a perda de maior ou de menor
forma de hostilizar a União Soviética, ou mesmo a poder, na batalha pela hegemonia de cada uma das
. expectativa de reações mais duras no decorrer da superpotências sobre a organização e a ordem inter-
) guerra das Malvinas. Não seriam tais incidentes mais nacionais.
do que evidências de atitudes, expressões e ações No passado muitos destes incidentes internacio-
peculiares de uma diplomacia já considerada como nais trouxeram à tona acusações recíprocas de expor-
I)
ultrapassada? Tratar-se-ia apenas de marcas que aI·· tação da Revolução Socialista ou agressão do impe-
( gumas daquelas concepções do período da Guerra rialismo capitalista, fizeram surgir notas diplomá-
riadeixaram presentes na vida norte-americana e ticas incisivas de repúdio ao envio de armas, de de-

lli na soviética, ou ainda se raciocina em termos de


Gue~~a~fi~~ cO~~.~CãO~. a~su~to.s inter~a~ionais
n()s-dia~Je? '''~w ~». -;_.,r-,~c" ~ ".
Pode-se também re~brar
sódios mais tensos da Guerra Fria começaram com o
envio de alguns conselheiros, ou mesmo de técnicos
.
que muitos dos epi- ,<'
núncia sobre a presença de técnicos de nações ali-
nhadas com qualquer um dos blocos, enfim, uma
série de argumentos e declarações que sempre procu-
ravam apresentar o outro lado como o transgressor
de normas' já estabelecidas e ratificadas em tratados
e acordos internacionais. Isto não mudou muito, pois
militares, ou com o envio de modernos armamentos acusações como estas são usadas, ainda hoje, quase
\
10 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 11

que com a mesma linguagem, qualquer que seja a a Europa e o Japão se têm mostrado relutantes e se
perspectiva de alteração do status quo, Oli'seja, do afastam cada vez mais, assumindo posições de inde-
aumento ou da diminuição de poder para qualquer pendência, em muitos dos confrontos que os Estados
um dos dois opositores neste conflito, Estados Uni- Unidos insistem em reviver e manter. Isto mais se
dos e União Soviética. . acentua quando se trata, por exemplo, de envolver
Ainda que se reconheça a existência de alguns os países europeus e o Japão em vultosos gastos com
sintomas de políticas que fazem relembrar os anos de armamentos em nome de uma suposta defesa co-
após-guerra, os sinais diferenciadores de uma nova \ I t. mum, ou quando os países europeus se mostram
\ , (
tônica nas relações internacionais são bem maiores, a muito mais sensíveis do que os Estados Unidos aos
ponto de se falar agora em uma "nova Guerra Fria" reclamos de importação de tecnologia feitos pela
(Noam Chomsky). União Soviética, ou quando a Europa Ocidental e b
Assim, segundo Chomsky, a principal diferença Japão insistem em fortalecer sistemas próprios de in-
nesta nova situação é que esta será uma empreitada fluência, seja da moeda européia ou do yen. Na re-
em que os Estados Unidos estarão se engajando sozi- cusa dos europeus em romper laços comerciais estrei-
nhos, ou pelo menos não poderão contar com a soli- tos que mantêm com a Europa Oriental, por exem-
dariedade quase unânime que tiveram em outras plo, pode-se identificar a intenção explícita dos euro-
ocasiões por parte da maioria das nações ocidentais. peus. em recusar as manifestações norte-americanas
. Depois da Segunda Guerra Mundial as nações indus- de recrudescimento da Guerra Fria como entendida
triais européias estavam quase que totalmente arra- , em seus primeiros anos.
sadas, enquanto que a economia industrial norte-" Assim, a tendência atual parece ser muito mais
americana florescera e se expandira. Apesar de algu- a do surgimento de vários blocos independentes, com
mas divergências internas no bloco ocidental sobre a " . interesses econômicos e políticos diversos, com lide-
condução dos negócios internacionais, naquela con- ranças e responsabilidades regionais. A persistirem
juntura não foi muito difícil aos Estados Unidos as circunstâncias da política norte-americana em re-
estabelecer sua hegemonia como potência líder, mes- lação à União Soviética, não parece muito possível
mo porque a liderança era inquestionável no. tocante que se repita a unidade incontestável dentro do bloco
ao poderio econômico. Não havia sinais de diver- ocidental. Estudos recentes de organismos interna-
gências políticas mais sérias entre os aliados, e uma " cionais, principalmente os relacionados à Comuni-
boa dose de unidade,· para não dizer obediência, dade Européia, vêm apontando nesta direção, e lide-
pôde ser conseguida e mantida por alguns anos. ranças norte-americanas já insistiram também na
Hoje a situação não é mais assim. Ao contrário, necessidade de os Estados Unidos se adaptarem e se .
12 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 13

conformarem a esta nova realidade internacional. pouco que se discutia sobre os interesses que estavam
Há ainda outros elementos a dífereneíar esta sustentando este tipo de propaganda e o pouco que se
nova fase das relações internacionais, como por questionou sobre por que durou tanto tempo a Guer-
exemplo o grande receio da carência ou do esgota- ra Fria. E neste sentido, o tipo de propaganda que
mento de recursos, principalmente os industriais e as busca justificar e assegurar o apoio de todos usa até
fontes de energia. No passado este medo foi sempre hoje os mesmos argumentos e às vezes até os mesmos
superado pela descoberta de novas fontes ou de re- slogans. :
cursos alternativos ou ainda por avanços tecnolô- \ ;, É importante dizer também que o conjunto de
gicos. Hoje isto não parece ocorrer nas nações mais crenças estruturadas para enfrentar os impasses da
industrializadas com a rapidez que se faz necessária, Guerra Fria foi e ainda é, em uma certa medida,
e as observações de estadistas, diplomatas e estudio- bastante funcional para os grupos no poder em am-
sos vêm se renovando sobre a necessidade de controle bos os países. Foi importante, sobretudopara conse-
destas reservas, cada vez que as crises afloram ou os guir a mobilização interna para ações repressivas
incidentes internacionais colocam em destaque dis- contra todos que buscavam uma certa dose de inde-
putas de caráter qualitativamente diferenciadas da- pendência em relação ao jogo maniqueísta de poder
quelas das décadas posteriores à Segunda Guerra, em que se degladiavam as duas superpotências. Nes-
haja vista as constantes disputas pelas reservas de ta direção as justificativas que ambos os governos
. petróleo do Oriente Médio. apresentaram internamente para conseguir o apoio
Vejamos, entretanto, alguns dos elementos que da população às ações intervencionistas, seja a dos
parecem persistir nesta nova fase das relações inter- norte-americanos no Vietnã, na década de 60, ou a
nacionais. Nos primeiros anos da Guerra Fria a ver- , I
''- dos russos do Afeganistão, recentemente, não dife- .
são oficial alardeada pela propaganda de ambas as riram muito: tratava-se de combater o inimigo maior,
nações, União Soviética e Estados Unidos, era a de a superpotência por trás daquela situação-limite.
que se tratava de um confronto entre duas super- Assim, também os argumentos levantados pela admi-
potências: uma tentando se defender enquanto a nis.ração Eisenhower para justificar a invasão militar
outra tratava de expandir suas forças numa luta em da Guatemala, em 1954, foram totalmente reprodu-
que o ganho de uma era a perda da outra. Como zidos pela União Soviética na invasão da Hungria,
lembra Chomsky, esta versão, ainda que oriunda da J. em 1956.
propaganda oficial, não era totalmente falsa, mesmo Considerada então sob este prisma, a Guerra
porque nenhuma propaganda será efetiva se total- Fria pode ser encarada como, tendo servido para
mente falsa. O importante a assinalar nesta visão é o moldar ideologicamente o esforço dos governos des-
15
14 Déa Ribeiro Fene/on A Guerra Fria

putas de poder muito mais complexas pelo que repre-


tes países a fim de mobilizar sua população a apoiar sentam de contradições sociais no nível interno e no
a intervenção militar como forma de ação política, na
tentativa de assegurar para si a hegemonia e o con- das relações internacionais.
trole das respectivas áreas de influência. E isto foi
necessário porque tais tipos de intervenção implica-
ram sempre medidas desagradáveis, difíceis de serem
aceitas, principalmente porque envolviam não ape-
(\.-
nas vultosas perdas materiais, mas a de vidas huma-
nas, e sobretudo na defesa dos interesses de poucos e
não de todos, como se propagandeava .. Neste às-
pecto a "nova Guerra Fria" não mudou muito, como
reconhece Chomsky, pois mesmo as crescentes estra-
tégias de guerra e todos os novos recursos tecnolô-
gicos desenvolvidos pelas superpotências não se des-
,[
r ,.~
.("

tinam ao uso deuma contra a outra, mas muito mais


ao ataque às nações mais fracas, que não podem
revidar com o mesmo ímpeto. Entre as grandes po-
tências a guerra possível é a destruição total, e esta
não parece provável e além disso só 'duraria poucos
dias.
Parece provável, pois, considerar que os inci- , ."-
dentes, as tensões e as guerras limitadas continuarão
por algum tempo, ainda que as novas condições con-
junturais estejam reformulando algumas de suas
características e apontando tendências futuras não
muito do agrado das atuais superpotências.
Por estas considerações é possível perceber que a /I'!'.,,~
Guerra Fria não deve e não vai ser entendida aqui
apenas como um conjunto de incidentes diplomáticos
envolvendo situações específicas. Trata-se de consi-
derar que estes incidentes traduzem e exprimem dis-
II
A Guerra Fria 17

tra, O sectarismo das posições de um lado e de outro,


as posições maniqueístas de certo e errado marcaram
bastante a vivência cotidiana das populações destas
nações diretamente envolvidas e seus respectivos alia-
dos, principalmente no que dizia respeito a concep-
ções de vida e a atitudes em relação à política, ao
envolvimento internacional dos vários blocos, à soli-
<J
dariedade etc. Isto certamente se exprimiu no pro-
cesso de busca do conhecimento sobre a realidade e
FONTES, DOCUMENTOS nas diferentes formas de compreendê-Ia e abordá-Ia.
E INTERPRETAÇÕES Neste sentido, aqui como em todas as situações hist6-
ricas, a contextualização das obras é de suma impor-
tância para o acompanhamento de seus pressupostos
de análise e de visão da sociedade.
No campo da produção historiográfica sobre o Em segundo lugar é preciso lembrar a necessi-
tema existem algumas questões importantes a ressal- dade de um posicionamento crítico diante das fontes
tar. O agravamento das relações entre os Estados de que se utilizou a maioria dos autores que trataram
Unidos e a União Soviética, durante o período mais do tema, reconhecidas as circunstâncias da produção
forte da Guerra Fria, afetou sensivelmente, como intelectual. A publicação de documentos e fontes
não poderia deixar de ser, a maioria das obras produ- relacionados à guerra e seus vários protagonistas foi
zidas naquele período sobre os vários aspectos direta- bastante determinada por questões de momento, no
mente relacionados ao assunto. Durante as duas dé- desenvolver das disputas que caracterizam o embate
cadas posteriores à Guerra Mundial, as mais som- posterior, ou seja, conforme as circunstâncias e os
brias e perigosas, em que muitas vezes se esteve perto interesses de cada um, documentos serviram de pro-
da destruição total, era natural que este clima e estas paganda ou de base para acusações mútuas, alte-
c1ivagens tão antagônicas se acentuassem nas dife- rando muitas vezes concepções e pontos de vista de
rentes interpretações, seja sobre as origens e circuns- maneira a permitir justificar ou explicar situações e
tâncias da Segunda Guerra, seja sobre os desdobra- personagens, o que somente' reforça nossas observa-
mentos posteriores a ela. Neste aspecto as condições ções no sentido de atentar para o contexto em que se
e características nas quais se desenvolve a Guerra produziram muitas das obras sobre a Guerra Fria.
Fria, ou seja, as posições dogmáticas a favor e con- Também é necessário dizer que muito se escre-
18 Déa Ribeiro Fene/on A Guerra Fria 19

veu durante a fase final da guerra: análises de cunho


jornalístico, realizadas no calor da disputa, quase
sempre superficiais, calcadas em discursos e decla-
rações oficiais, depoimentos de participantes, que
muitas vezes tinham mais a ver com o desejo de vitó-
rias e de paz a qualquer prêço do que com os acon-
tecimentos, como eles realmente se desenrolavam.
Entretanto e apesar destas marcas, nem sempre le-
vadas em conta, estes relatos fizeram escola, marca-
ram posições, criaram crenças e mitos que acabaram
influenciando as interpretações posteriores sobre as
origens das desavenças entre os aliados, sobretudo na
tendência a buscar culpados, identificar responsáveis
e passar julgamentos morais sobre ações das lideran-
ças políticas e militares de ambos os lados. ~
No terreno das fontes que sustentaram estas
primeiras interpretações foram muito importantes, ~
1t
por exemplo, as toneladas de documentos apresen- o
cr:
tados como evidências da acusação nos debates dos ül
julgamentos de Nuremberg (20.11.1945 a 1.10.1946)
e que tratavam essencialmente de produzir provas e
fundamentar as questões contra as lideranças alemãs
nos processos que procuravam responsabilizá-Ias pe- .,
las atrocidades e pelos chamados crimes de guerra im- ]:
~,
puta dos aos nazistas. Depois, em 1948, uma série de , ~I
~ ,

documentos alemães, capturados durante a guerra e ~ ~~


não utilizados em Nuremberg, sobre as relações entre
~~I
I; ~
a União Soviética e a Alemanha foram publicados
pelo Departamento de Estado norte-americano. A
resposta russa não demorou muito. Os soviéticos
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também haviam apreendido e publicaram documen-


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~ ~1
20 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 21

tos alemães não utilizados em Nuremberg e que reve- em setembro do mesmo ano. Já os documentos publi-
lavam muito das negociações da França eda Ingla- cados pelos soviéticos, que foram precedidos de uma
terra com Hitler visando concessões e discutindo pequena brochura do Bureau Soviético de Informa-
conciliações com a política expansionista alemã. ções, intitulada Falsificadores da História, revela-
Na disputa em atribuir a responsabilidade do vam outros detalhes: as lideranças francesas e ingle-
início da Segunda Guerra Mundial já era possível, sas é que haviam insuflado as pretensões de Hitler e
portanto, reconhecer os primeiros sintomas da lin- l'
sua política externa expansionista para partes vitais
guagem e das crenças da Guerra Fria sobre as inter- { da Europa, naqueles anos anteriores à deflagração
pretações dos historiadores. Se durante os julgamen- da guerra. '
tos de Nuremberg tratava-se de atribuir às lideranças Desta maneira os soviéticos procuraram provar,
alemãs a exclusiva responsabilidade de terem, deli- pela documentação publicada, exatamente o contrá-
beradamente, preparado e iniciado a Segunda Guerra rio do que diziam os ocidentais, ou seja, Hitler partiu
Mundial, os acontecimentos imediatamente poste- para a guerra, em 1939, porque estava convicto de
riores fizeram alterar esta visão. Por volta de 1947 a que as potências capitalistas ocidentais não atrapa-
Guerra Fria com seus primeiros incidentes e litígios lhariam suas pretensões de expansão para o leste em
já havia quebrado riespírito de "solidariedade" entre direção à União Soviética. O sinal verde, diziam eles,
as quatro grandes potências aliadas e que havia per- foi dado a Hitler não por Stalin, mas por Chamber-
mitido o veredito comum de culpados para os líderes lain, Daladier e Roosevelt.
da Alemanha nazista. O inimigo agora era outro - Além disto é muito evidente a grande dispari-
a Rússia comunista. dade entre o conhecimento da produção norte-ame-
A publicação de documentos de guerra, por ricana e o da produção soviética, tanto pela dificul-
parte de norte-americanos e russos, proporcionou dade de acesso às obras russas bem como seu número
então a base para a primeira grande virada após bastante inferior em relação à grande importância
Nuremberg, nas interpretações sobre as origens da que se deu nos Estados Unidos à "revisão" de muitas
Segunda Guerra Mundial e conseqüentemente da das questões da diplomacia norte-americana a partir
atuação das potências no pôs-guerra. Explorando os das manifestações e questionamentos com o envolvi-
elementos revelados no pacto nazi-soviético, de agos- mento do país no Sudeste da Ásia. No caso também
to de 1939, os historiadores ocidentais passaram a há que destacar a incomparável série de documentos,
atribuir muito da responsabilidade da deflagração da publicados ou não, que se encontra à disposição dos
guerra aos soviéticos, que teriam dado praticamente pesquisadores quando se trata de investigar qualquer
o sinal verde para a invasão da Polônia, por Hitler, dos detalhes ou dos incidentes da diplomacia e da
22 Déa Ribeiro Fene/on A Guerra Fria 23

política externa dos Estados Unidos durante aquele sobre a questão da Guerra Fria se iniciou quando
período. O mesmo não se pode dizer em relação às "esta começou a perder sua pureza de definições e os
fontes russas ou à documentação do Kremlin, que absolutos morais da era dos 5.0 se tornaram os cha-
ainda não se encontra passível de investigação, o que vões moralistas dos anos 60, o que fez com que os
certamente explica as dificuldades de quantos tentam norte-americanos começassem a se perguntar se os
se embrenhar no estudo da Guerra Fria e acabam se tremendos riscos que a humanidade correu durante
atendo aos vários .aspectos da política externa, senão aquele período eram, afinal de contas, necessários e
dos Estados Unidos, quando muito dos países alia- inevitáveis". Revisionismo este que, no dizer de Ar-
dos, que também, vagarosa e seguramente, vêm thur Schlesinger, não deve surpreender, principal-
abrindo seus arquivos diplomáticos aos estudiosos. mente os historiadores, pois afinal "todas as guerras
No caso norte-americano deve-se entender o da história dos Estados Unidos foram seguidas no
revisionismo em sua historiografia da Guerra Fria devido curso por reavaliações críticas e céticas de
como a disposição para questionar as explicações ofi- presunções supostamente sagradas" (Arthur Schle-
ciais buscando revelar todas as outras posições até ali singer, pp. 91-132).
encobertas, num processo de autocrítica que mais A explicação oficial e ortodoxa do governo dos
parecia uma catarse necessária a quem assume a Estados Unidos, bastante presente nas primeiras
culpa dos males que o país semeou ao longo' de seu obras de muitos intelectuais e historiadores, para os
envolvimento mundial. A partir do momento em que conflitos da Guerra Fria, passava pela idéia de que
as trágicas experiências no Vietnã começaram a pôr ela representava a reação essencial dos homens livres r
em dúvida todo o empenho intervencionista da polí- à agressão comunista da União Soviética. Daí um
tica externa do país, principalmente naquilo que se grande esforço dos estudiosos daquele período de pós- I

tentava apresentar como uma necessária cruzada guerra para pesquisar e escrever sobre as origens do
anticomunista, estas interpretações revisionistas ga- expansionismo russo desde a guerra da Crimêia, pas-
nharam respaldo acadêmico e constituíram a preocu- sando pelo ingrediente ideológico das intenções mes-
pação quase exclusiva de muitos intelectuais, princi- siânicas do leninismo, para chegar à situação do pós-
palmente da.esquerda, sendo infindável o número de guerra onde a Rússia despontava como a potência
artigos e livros que, partilhando este esforço, esmiu- rival que desafiava os ideais da democracia norte-
çaram detalhes, reviram posições e clarearam dúvi- americana, buscando subverter a ordem mundial em
das em todos os aspectos dos incidentes da Guerra seu favor. Datam daí inclusive muitos dos institutos
Fria. especializados em assuntos russos e muitos recursos
Nos Estados Unidos, portanto, o revisionismo de pesquisa canalizados para estas preocupações.
24 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 25

Assim, nas primeiras tentativas de compreender 1945, o início do abandono pelos Estados Unidos de
o que acontecera entre as nações naquele período uma política de colaboração dos tempos de guerra. A
chegou-se a considerar a Guerra Fria como resultado explosão atômica de Hiroshima passa então a repre-
de um conflito entre um sistema político livre e outro sentar o primeiro de uma série de sinais e de atos de
totalitário, ou mesmo um conflito entre Leste e agressão para acabar com a influência russa na Eu-
Oeste, ou um conflito entre América e Rússia, ou um ropa Oriental. Esta política anticomunista não teria]
conflito entre um mundo heterogêneo e não comu- deixado a Moscou outra alternativa senão tomar me-
nista, com diferentes sistemas políticos, e um mundo didas de defesa de suas fronteiras. E o resultado
comunista homogêneo, enfim um conflito entre for- destes embates seria então o que se tornou conhecido
mas de organização econômica capitalista e outra como a Guerra Fria. Assim, concordando com outros
socialista, numa suposição de uniformidade de parte autores que viram no "lançamento das bombas atô-
a parte nas nações em conflito. micas não tanto o último ato bélico da Segunda
Todas estas visões aqui apontadas em suas ca- Guerra Mundial como o primeiro ato da Guerra Fria
racterísticas mais gerais conseguem apenas ilustrar diplomática com a Rússia", Fleming acreditava e
o grau de acirramento e até mesmo de histeria a que especulava até o ponto de dizer que se o presidente
se chegou nas análises das questões de política ex- Roosevelt tivesse vivido o suficiente para completar
terna e em decorrência o grau de maniqueísmo e de seu quarto mandato teria conseguido evitar a Guerra
sectarismo das interpretações sobre as origens e o Fria, o que evidentemente parece um exagero.
desenvolvimento de incidentes da Guerra Fria, con- A partir destas revisões muito se escreveu sobre
sagrando com estas visões um conjunto de mitos e as lideranças que participaram destas decisões numa
distorções, Mitos em que se acreditou por muito tentativa, às vezes, de explicar até mesmo pelo tem-
tempo e que foram inculcados de tal maneira na peramento de cada um a responsabilidade por esta
mentalidade da população, através sobretudo da ou aquela afirmação mais dura ou mais rígida; tam-
11
111
propaganda oficial, que depois se tornou muito difí- bém se buscou nos estudos sobre a situação interna-
cil para os historiadores separâ-Ios da realidade polí- cional dos países as razões para muitas das medidas
tica. tomadas, a maneira como reagia a opinião pública,
Apesar destas versões, a tese revisionista ganhou as dificuldades do pós-guerra, o tipo de mentalidade
grande impulso a partir de um minucioso estudo rea- forjada durante o período final da luta; e, final-
I!
lizado por Denna F. Fleming, publicado em 1961 mente, muito se rebuscou nas fontes, documentos,
1:1
(The Cold Warand its Origins, 1917/1960) e que via depoimentos e memórias tentando reconstituir mo-
na posse de Truman após a morte de Roosevelt, em mento a momento os passos e as conversações diplo-
26 Déa Ribeiro Fene/on

máticas que poderiam ter provocado leituras diver-


gentes, assessorias mal entendidas, definições polí-
ticas inapropriadas para cada estágio das disputas. É
bem vasta pois a literatura sobre o assunto, guar-
dadas todas as características que tentamos apontar.

GUERRA FRIA:
A CONTEMPORANEIDADE
DO TEMA

Para o mundo ocidental e principalmente para


os norte-americanos, as cisões e as divisões do movi-
mento comunista e o aparecimento da China como
potência nuclear, no cenário mundial, fizeram com
que todos se perguntassem, contestando as interpre-
tações oficiais, que justificavam muitos dos argu-
mentos da Guerra Fria, se o bloco comunista fora
jamais tão homogêneo quanto se anunciara. Isto con-
tribuiu para o surgimento de um processo de questio-
namento a outros aspectos mais incisivos da Guerra
Fria, principalmente àqueles que diziam respeito aos
gastos militares, à corrida armamentista, à perda de
vidas em intervenções e lutas nem sempre tão vigo-
rosamente aceitas como essenciais na defesa do país.
A ênfase na questão ideológica sobre o antago-
nismo entre capitalismo e democracia, de um lado, e
lt
28 Déa Ribeiro Fenelon 29
A Guerra Fria

comunismo e totalitarismo, do outro, ocupou a maior


parte das discussões durante as questões e os inci-
União Soviética e os Estados Unidos consumiam suas
energias para conter um ao outro nos ataques e nas
I
dentes mais tensos da Guerra Fria, seja entre as tentativas de espalhar seu poderio e estender suas
superpotências diretamente envolvidas no conflito, áreas de influência, os espectadores antes intimi-
seja entre seus respectivos aliados. Uma vez conse- dados com estas rivalidades acabaram por aprender
guido o equilíbrio militar na Europa Central com o a se decidir.a respeito de seus próprios rumos. Neste
acerto sobre quantas -divisões e que tipos de armas processo o confronto entre os gigantes nucleares per-
estariam na Alemanha ocupada e definidas também deu muito de sua virulência e até mesmo os próprios
as várias esferas de influência de cada um, a questão adversários se aperceberam disto (Louis J. Halle, The
ideológica assumiu proporções cada vez mais fortes Cold Waras History, 1967).
para manter e assegurar estas definições e perdurou Assim, por volta de meados dos anos setenta a
até os sinais de ambas as partes para discutir o desar- luta pela supremacia global não era mais a única
mamento. Assim, a preponderância da clássica ques- razão de ser nas relações Estados Unidos e União
tão do equilíbrio e da rivalidade de poder assumia Soviética, mesmo porque não havia muitas áreas a
muitas vezes aspecto secundário, cedendo lugar a disputar ao longo de um mundo com nações bem
uma disputa entre dois pólos ideológicos de comu- posicionadas na defesa de seus interesses e capazes
nismo e anticomunismo. E os lances desta cruzada de assumir de forma independente muito de suas
ideológica não foram menos marcantes do que os da alianças em questões específicas e conviver com as
própria guerra, sendo a histeria autodestruidora do grandes superpotências sem necessariamente isto
McCartismo o exemplo mais amargo dos limites atin- significar uma "mudança de lado", como se diria nas
gidos neste radicalismo ideológico que mais servia décadas anteriores. Também nenhuma das potências
para justificar a expansão da hegemonia do que pro- parecia ter intenções de atacar diretamente a outra e,
priamente a defesa interna. por outro lado, o reconhecimento da supremacia do
Entretanto, quanto mais tempo se passou na outro e suas respectivas esferas de influência parecia
consolidação do chamado "equilíbrio do terror", ser a tônica geral das relações internacionais, po-
ainda que marcado por fortes disputas ideológicas, dendo-se mesmo reconhecer como estável, naquele
mais foi possível às outras nações definir seus pró- momento, o equilíbrio entre os dois rivais de outrora.
prios caminhos e decidir sobre seus destinos de forma Os centros de maior perigo e de maior ebulição nas
mais independente. E assim o processo de desinte- relações internacionais se concentraram em outras
gração das lealdades e o surgimento de oposições às regiões, como o Oriente Médio com a questão árabe e
grandes potências foi tomando corpo. Enquanto a a questão palestina, por exemplo, onde as peculiari-
30
Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 31

dadesda situação política sobre a criação do Estado


de Israel ou a necessidade de controlar as reservas de
óleo ultrapassam as simples questões da Guerra Fria
1"
Ie .~
e
para assumir características bem mais reais na dis- .li

puta de poder, que nem sempre seguem as clivagens '"


definidas anteriormente, ou então conflitos mais re- E ~j
centes como o das Malvinas, que não parecem mais
seguir os antigos padrões de uma guerra limitada.
Os últimos incidentes da guerra do Líbano parecem
j rilll
...: ~ M

acrescentar às relações internacionais problemas e


questões que não se pode dizer sejam unicamente
aqueles herdados da Guerra Fria.
Assim, se a Guerra Fria for considerada sim-
plesmente como uma luta entre comunismo e anti-
comunismo, esta luta prosseguirá enquanto cada
uma das potências e seus aliados considerar tais
questões como importantes. Mas se a Guerra Fria for
"* encarada como uma luta entre Estados Unidos e
União Soviética para conseguir a fidelidade do mun-
do às suas políticas e interesses nas disputas que lhe
dizem respeito diretamente, a luta diminuiu de inten-
sidade e o antagonismo arrefeceu bastante. E isto por
algumas razões-'J?Jsi~as~e as quais pr~os ~
Y&U '~LO--"
a
refletir. ~ ~ ~
A primeira foi certamente a recuperaçao cres- :
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cente da Europa Ocidental. A situação de destruição
do ap6s-guerra não permitia a nenhum país europeu
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tornar-se um centro de decisões, mas o derrame de § ~ i~'::
dólares americanos para reconstruir a economia eu- ~:;
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ropéia através do plano Marshall, a evidente fraqueza 5 ~ ~~
dos Partidos Comunistas da Europa Ocidental, que !m B
32 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 33

afastava o receio de governos comunistas, assim satélite aplicado a nações como Hungria, Tcheco-
como o Pacto do Atlântico Norte, assinado em 1949, Eslovâquia ou Polônia devia guardar certas reservas.
para garantir a proteção militar norte-americana ao A questão do nacionalismo, que os regimes comunis-
continente, fizeram crescer a confiança dos europeus tas não conseguiram ultrapassar, uma certa identi-
em suas próprias forças bem como mantiveram a dade nacional que transcende o aspecto ideológico de
ameaça comunista sob controle. Assim pôde-se cons- blocos parece exercer ainda forte influência nas de-
truir e desenvolver urna Comunidade Européia que, se cisões políticas naquela parte da Europa. Também
ainda não atingiu a unificação política;" consegue as crescentes divergências dos Partidos Comunistas
manter os interesses econômicos das mais fortes na- da Albânia e da Iugoslávia, as proclamadas heresias
ções européias organizados em um mercado comum, dos Partidos Comunistas ocidentais com as propostas
como salvaguarda para as dificuldades e barreiras de de "eurocomunismo" demonstraram aos norte-ame-
mercado.
ricanos que a subserviência a Moscou devia também
A recuperação econômica e a conseqüente reto- ser encarada como algo em declínio, ou pelo menos
mada de confiança em suas próprias forças contri- como unia questão a ser discutida sem o sectarismo
buíram para que a aliança Europa Ocidental e Esta- anterior.
dos Unidos caminhasse para termos de uma parceria Tudo isto contribuiu para que grupos comunis-
real, onde os europeus reclamam e exercem maior tas ao longo de outros continentes também come-
papel, seja nos assuntos do Pacto do Atlântico, seja çassem a pensar sua revolução em termos de inte-
nas definições de seus interesses específicos. Hoje
resses mais locais antes que submetê-Ia às linhas
pode-se mesmo identificar uma grande resistência
diretamente provenientes de Moscou. Quaisquer es-
dos países europeus em seguir a liderança econômica
peranças soviéticas de dominar e dirigir o movimento
dos Estados Unidos, por exemplo no tocante aos
comunista a partir dos interesses de Moscou tiveram
gastos militares, mesmo porque a Europa começa a
de ser revistas com o estabelecimento de um governo
surgir ela mesma com um poderio econômico em
comunista independente em Pequim. Assim, a cisão
coridições de rivalizar com o norte-americano. E a
chinesa da ortodoxia comunista estimulou inegavel-
liderança do grupo parece ser inegavelmente da Ale-
manha Ocidental. mente muito estas divergências, mas serviu sobre-
tudo para mostrar ao Ocidente que a questão dos
A segunda razão foi a já assinalada desintegra- blocos era bem mais complicada do que o mani-
ção do bloco comunista com a ruptura chinesa do
queísmo de se definir por um lado ou por outro, \
monolitismo soviético. Este desenvolvimento e outros
como exigia a Doutrina Trumªn, e uma inegável sen-
na Europa Oriental tornaram evidente que o termo
sação de alivio se. apoderou do mundo ocidental, I
A Guerra Fria 35
34 Déa Ribeiro Fenelon

nacional só teria sentido para resolver estas dificul-


principalmente norte-americano, com a constatação
dades que todos enfrentavam.
de que o movimento comunista mundial não mais Assim pode-se afirmar que um dos aspectos
estava a serviço do Estado soviético, ainda que nem
mais importantes do surgimento político destas na-
se colocasse a questão de se a União Soviética de fato
ções, recém-saídas da dominação colonial, foi o de
trabalhara para conseguir esse controle.
alterar sensivelmente muito das concepções e pressu-
Outra razão que assinala o diminuir da tensão postos das disputas pelo poder mundial. Demons-
em termos de Guerra Fria foi, sem dúvida, o apare- trou, pot exemplo, que a luta real não era entre
, ( cimento, no cenário mundial da política, das nações comunistas e não comunistas, mas, muito mais, que
da África, Ásia e também da América Latina. Foi
o confronto se dava entre nações ricas e pobres, não
durante as duas décadas d'epois da Segunda Guerra entre russos e norte-americanos, mas entre socieda-
que o processo de descolonização da Ásia e da África
des economicamente desenvolvidas e aquelas que ha-
( se completou e os impérios coloniais europeus se viam sido exploradas e dominadas por longos anos.
esfacelaram. O surgimento de nações novas exigindo
O atraso, a vida miserável, as desigualdades sociais
e ocupando seu lugar junto às outras nações nos
implantadas pela ordem colonial capitalista européia
organismos internacionais e se colocando em pé de vieram à tona com a independência de muitas destas
igualdade acabou por transformar a estrutura do
nações, e a ênfase da diplomacia teve de ser recolo-
poder mundial. O aumento do número destes países,
cada em termos de desenvolvimento econômico, em-
que à medida que se formavam pediam filiação à
purrando o ingrediente ideológico da Guerra Fria
Organização das Nações Unidas, desequilibrou uma para segundo plano, mesmo que norte-americanos e
certa forma de pensar a ordem mundial e os instru-
russos ainda insistissem nessa velha forma de encarar
mentos criados no pós-guerra para mantê-Ia. Além' as relações entre as nações do globo.
disto, da maneira como surgiu, o próprio conceito de De certa maneira estas exigências das novas na-
Terceiro Mundo reduziu o conflito entre a União ções para traduzirem democracia em igualdade so-
Soviética e os Estados Unidos a um conflito paro-
cial e a exposição ao mundo de suas dificuldades,
quial, colocando em discussão novos problemas e acentuadas pelas desigualdades sociais tão gritantes,
novas preocupações que não aqueles exclusivos dos contribuíram para demonstrar à Rússia e aos Esta-
interesses das superpotências. O interesse destas na-
ções nas questões de desenvolvimento econômico, • dos Unidos que ambos tinham em verdade muito
mais, em comum um com o outro do que com as
igualdade racial e.influência política contribuiu para nações pobres do resto do globo, tese esta bastante
sobrepujar os outros conflitos e demonstrar clara- elaborada nos anos da década de 60.
'mente que sua participação na cena política inter-
Déa Ribeiro Fene/on A Guerra Fria 37
36

Um último ponto a ser destacado foi o declínio mais poderosa das nações, os Estados Unidos não
em importância das armas nucleares nas disputas da puderam impor-se nem mesmo em um país de tecno-
balança de poder mundial. Sua existência ou posse logia primitiva e de uma população de apenas alguns
não resultou praticamente em muita validade nas milhões de habitantes. Também, da mesma maneira
disputas políticas. Nas divergências entre as potên- os russos não conseguiram intimidar os albaneses,
cias nucleares, as armas atômicas serviram apenas que os expulsaram de uma base naval no Adriático e
para coibir o combáte direto, sendo possível especu- tomaram a embaixada russa, em Tirana, e a segunda
1; nação mais poderosa militarmente, naquele mo-
lar que, não fora a bomba atômica, União Soviética e
Estados Unidos se teriam enfrentado em guerra di- mento, não conseguiu mais do que uma nota de pro-
reta em virtude de alguma de suas inúmeras dispu- testo diplomático. Assim, as armas nucleares só têm
tas. Assim, essas armas atômicas serviram para servido para deter outras armas nucleares, não po-
ajudâ-los a manter a paz, mas não resolveu nenhuma dem ser usadas em combates limitados e nem em
das grandes disputas políticas, podendo-se dizer que guerras limitadas. Elas não podem nem mesmo ser
cristalizou o status quo político e as grandes questões usadas como um bluff contra outra potência nuclear,
continuam presentes tanto quanto no início, a Ale- porque ninguém acreditaria em um bluff que resul-
manha repartida e a Europa dividida em Ocidental e taria em suicídio nacional (Ronald Steel).
Oriental.
Também quando se trata de conflitos com uma
potência não nuclear, armas nucleares parecem de
pouco uso. Não permitem a seus possuidores intimi-
dar os que não as possuem, e o que tem acontecido é .
que a potência nuclear é obrigada a descer ao nível
da outra, compelindo-se a lutar com as armas con-
'\ vencionais. Esta foi a experiência da França, na Ar-
gélia, dos britânicos em Chipre e Quênia, e os Esta-
"'dos Unidos descobriram isso na Coréia e no Vietnã.
Apesar da grande ~uperioridade tecnológica e da
:~
posse de armas as mais sofisticadas os norte-ameri-'
canos foram obrigados a combater numa guerra de
guerrilha, nos terrenos escolhidos pelos guerrilhei-
ros, pois não havia alternativas. Embora sendo a
lt
A Guerra Fria 39

dos exércitos norte-americano e russo se encontra-


ram no centro do continente, ao longo das margens
do Rio Elba. Este evento, ainda que simbólico,
marca bastante do que se vai tentar compreender
aqui das relações internacionais daquele momento.
I
Considerando bem a situação mundial poder-se-ia
I afirmar que a-essência daquela situação não se tra-
·1\ duzia tanto na questão do Comunismo ou da posse
da bomba atômica, mas muito mais na divisão da
POLITICA EXTERNA E DIPLOMACIA Alemanha e da maior parte da Europa em esferas
de influência ocidental ou da União Soviética. -A-ceha-
mada-Guerra 'Fria: teve-sua-origem nesta questão, ou
melhor, nas disputas, discussões e propostas sobre a
for-ma de realizar esta divisão e na busca de com-
A partir das características apontadas pode-se preender e explicar o significado desta partilha.
identificar algumas das formas de se encarar o signi- Nesta maneira de ver, o conflito surgiu, ou me-
ficado das relações entre Estados ou sistemas sociais: lhor, tomou sua forma mais definida nas divergên-
marcadas por uma política constante de hostilidades cias para restabelecer o que seria o equilíbrio entre as
recíprocas, na qual, entretanto, a força armada não é nações européias após o término da Segunda Guerra
empregada diretamente por um contra o outro:' Ou Mundial, nos anos de 1945 a 1947, isto é, da Confe-
também se pode dizer que este conflito foi a manu- rência de Yalta à explicitação da chamada Doutrina
tenção de um estado de guerra por outros meios que Trurhan. Desde o início do século XIX esta não era a
não o estado de beligerância declarado. Nesta situa- primeira vez que a Europa, devastada por guerras,
ção toda a atividade das partes envolvidas se desti- via-se diante da circunstância de reorganizar e rede-
nava a' manter esferas de influência política, defini- finir .o equilíbrio de poder entre os seus vários Es-
das logo após a Segunda Guerra Mundial, ou a esta- tados. Napoleão chegando com seus exércitos até
belecer e conservar o equilíbrio de poder entre blocos Moscou, em 1812, varrera o seu caminho com a des-
de nações com regimes e sistemas antagônicos e hos- truição das fronteiras nacionais, tornando tudo parte
I tis, mas que mantêm relações diplomáticas normais. do Império Francês e obrigando os países europeus a
De fato, no final da Segunda Guerra Mundial, uma poderosa coalizão contra a França e a uma
III, na Europa, em abril de 1945, as divisões avançadas longa guerra para restaurar a ordem política ante-
40 Déa Ribeiro Fene/on A Guerra Fria 41

rior. No princípio do século XX era a vez de a Ale-


manha desafiar a ordem européia e, mais que isto, a
nova ordem colonial. Outra vez aliam-se as demais
potências para combater o agressor e ao final, com a
derrota alemã e a imposição da paz pelos aliados,
surge a frágil Liga das Nações como forma de manu-
tenção do equilíbrio conseguido.
A partir de 1939, outra vez a Àlemanha, agora
com Hitler, desafia a organização proposta e joga por
terra os acordos e os arranjos do Tratado de Ver-
salhes, rebelando-se contra ele em busca de seu cha-
mado "espaço vital". Mais uma vez uma grande coa- /
lizão de nações se forma e luta exaustivamente até a
derrota final de Hitler, em nome da paz e da ordem
européias. Desta vez, entretanto, o equilíbrio não foi
.instaurado imediatamenteap6s a derrota do desa-
fiante. Terminada a guerra, a União Soviética ocu-
pava mais da metade da Europa, ea outra metade se I~
.JI
encontrava prostrada e completamente arrasada.
Como lidar com a questão? Impossível restaurar a
ordem anterior. Os aliados de ontem se enfrentavam
e no confronto os ocidentais pareciam ver em Stalin
alguém tão ameaçador quanto o inimigo derrotado.
1 \
Daí se afirmar, então, pensando a organização
II do equilíbrio internacional em termos europeus, que
a Guerra Fria foi nada mais do que outra disputa no ~~
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I.~ Pl~III:,I@
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sentido de restaurar a balança de poder entre os Es-
tados europeus e que começou imediatamente ap6s o
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término da Segunda Guerra Mundial. S6 que esta :rg


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afirmação não leva em conta o fato de que o equilí- i
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A Guerra Fria 43
42 Déa Ribeiro Fene/on

questões de princípios mais que de uma prática polí-


aos interesses dos Estados europeus, ainda que esta
tica. Esta visão que insistia em reafirmar o que era
fosse uma questão tão essencial quanto em todas as
certo ou errado e a crença na superioridade moral de
vezes anteriores. Outras nações, não européias, como
sua política externa e das tradições do país vinham
os Estados Unidos, o Japão e a própria União Sovié-
de concepções bem diferentes das européias, de uma
tica, encarada muitas vezes como uma nação mais
tradição de recusa a se envolver em alianças que exi-
asiática que européia, marcavam presença forte neste
gissem compromissos. Era um país novo, sem as
grupo que se considerava capaz de reorganizar o
experiências políticas européias, que aparecia como
mundo a partir de seus interesses estratégicos e eco-
A • . superpotência e que pretendia assumir a liderança do
nomicos.
mundo capitalista,
Naquele momento, portanto, a discussão sobre
Desta maneira não se pode discutir a Guerra ~
o equilíbrio europeu se complicava, principalmente
Fria sem levar em conta estes aspectos particulares. \
porque, do lado dos ocidentais, o país líder passava a
das tradições políticas dos países líderes, que mar- \
ser os Estados Unidos, um país não europeu, pelo
caram as atitudes e as ações de muitos de seus gover-
seu próprio fortalecimento durante a guerra, e do
nantes, tendo em vista que a questão extrapolava os
outro, a União Soviética, nem sempre aceita como
limites da paz européia. Alguns consideram mesmo
plenamente européia, como já se disse. Se em 1917 a
serem estes os elementos mais importantes, pois o
Rússia estava mais preocupada com seus problemas
antagonismo entre os blocos representa antes de mais
internos de construção e implantação do socialismo e
nada irreconciliáveis concepções sobre a organização
se retirara da guerra antes da vitória final, concre-
social e econômica de seus respectivos países a partir
tizando a paz em separado, e os Estados Unidos,
de tradições históricas diferenciadas e experiências
apesar da insistência de Wilson, não conseguiram
diametralmente antagônicas sobre a sociedade, sua I
impor suas concepções em Versalhes e na Liga das
estruturação e o significado de alianças externas.
Nações, em 1945 a situação mudara bastante. Os
Seguramente estes assuntos marcaram a discussãoj/
Estados Unidos apareciam como líder incontestável
sobre a política internacional.
dos aliados ocidentais e a União Soviética, por sua
Tratando-se de uma questão de política externa
participação na guerra, se tornara o interlocutor na-
e de história diplomática torna-se patente que o uso
tural nas disputas sobre o equilíbrio europeu. Para
de alguns destes termos como "equilíbrio de poder" e
complicar ainda mais a situação pode-se considerar
sobretudo "balança de poder" necessitam ser expli-
que ainda naquele momento, para muitos dos líderes
cados. Há inúmeras concepções, interpretações e for-
norte-americanos, por exemplo, as questões de poder·
mulações teóricas sobre seu significado. É preciso
e da ordem internacional constituíam essencialmente
44 . . Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 45

considerar que nenhum destes termos é tomado aqui internacionais sob a ótica exclusiva do poder nelas
literalmente no sentido de que seria possível existir subjacente. Para estabelecer o equilíbrio existia já
uma distribuição equitativa de poder entre os vários naquele momento, nas relações internacionais, outro
Estados em suas disputas, divergências ou mesmo conceito político que se constituiria em alternativa a
acordos internacionais. Da maneira como vai empre- esta forma de compreender a ordem internacional.
gado e utilizado ao longo do texto, trata-se de enten- Tratava-se de propor uma organização internacional
der uma dada distribuição de poder entre um certo baseada em outros princípios que não os da esfera
número de centros de decisão, de maneira a prevenir de influência. Tentava-se corrigir os erros da Liga
a aquisição por qualquer outro país de alguma soma .das Nações e de Versalhes, quando a insistência em
r de poder suficiente para torná-lo superior em relação
aos outros. Tal distribuição de poder tem sido essen-
impor à Alemanha a paz dos vencidos e a recusa em
admiti-Ia como potência a ser levada em conta na
cial para a estabilidade das relações entre os vários reorganização da Liga das Nações, após a Primeira
componentes de qualquer forma de organização/dos Guerra Mundial, resultou em uma estabilidade pre-
ft)
vários países em nível internacional. O conceito de cária no período entre as duas guerras mundiais.
equilíbrio de poder era, portanto, um conceito bas- Em verdade, durante os últimos anos da guerra
tante comum e persistente nas questões internacio- esta discussão sobre as concepções quanto à ordem
nais entre os Estados europeus. Resultava das expe- mundial esteve bastante presente no interior da ad-
riências práticas durante os séculos anteriores de ministração Roosevelt, entre seus assessores mais di-
tentar manter a paz, ainda que para isto se tivesse de retos. Havia o grupo "universalista", que pretendia
recorrer à guerra. Pressupunha sobretudo o princípio que todas as nações partilhavam de um interesse
de que uma vez estabelecida a paz e os acordos, comum nos negócios mundiais, mas 'havia também
qualquer alteração do status quo podia ser conside- os partidários da "esfera de influência" ou do "equi-
rada como do interesse de todos. Ainda que não líbrio de poder", segundo o qual cada .grande potên-
houvesse qualquer forma de organização que corpo- cia recebia das outras igualmente grandes o reco-
rificasse este princípio, foi ele que permitiu a exis- nhecimento de seu domínio sobre 'áreas de interesse
tência e a convivência de grandes e pequenos Estados especial. A tensão entre as duas posições perdurou
europeus. até 1945.·
O fato é que havia muitas vezes uma negação cGensider-a..se-entã9-ser-a--Guerra Fria um- con-
explícita de serem estas as preocupações dominantes, flito-c(')m--algu-mas-dascarâderísticas das tentativas
principalmente por parte das lideranças norte-ame- ant~ de se estabelecer o equilíbrio de poder-
ricanas, que se recusavam a encarar as questões entre as nações, mas que naquele momento assumem
46 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 47

âmbito-mundiah Éxistia o mesmo desafio de super- talvez da humanidade. Com isto, dizem os cientistas
potências fortemente armadas para dominar e subju- políticos e especialistas em relações internacionais,
gar outras áreas de influência, existia de ambos os estabeleceu-se entre estas nações não mais a balança
.lados a mesma coalizão sempre definida com propó- de poder, mas a balança do terror, isto é, quem:
sitos defensivos. Também a corrida armamentista possui e busca garantir para si a vantagem indispu- I
estava presente nos dois Iados.rNãc se pode entre- tâvel do primeiro ataque, ou seja, a capacidade de \
tanto considerar que a situação em 1945 fosse apenas arrasar primeiro o potencial destruidor do outro. É a
uma questão de redefinir o equilíbrio de poder, a or- paz pelo medo.
dern-internacional se tornara bem mais complexa. Assim, estas mesmas disputas para manter fria
Uma das maiores diferenças, é que no caso da esta guerra têm feito surgir muitos outros conceitos
Guerra Fria a política que a define é muito mais a da em política internacional, além de balança de terror.
"contenção" do que propriamenteade agressão. Isto Détente, por exemplo, para designar a política que I
para dizer que, durante esta "Guerra", os seus con- cada um dos países desenvolve..para nunca ultra- I
tendores principais não chegaram às últimas conse- passar determinado limite nas relações entre as duas I
qüências e não concretizaram ataques militares dire- potências líderes de seus blocos, ainda que o apertei- I
tos e recíprocos. Existe o confronto, as ameaças e çoamento e o surgimento de novas armas nucleares
'vociferações recíprocas são constantes, os alarmes e tenha alterado e estendido este limite em diversas
as prontidões são freqüentes, mas não se chegou ao ocasiões. Escalada, significando a cuidadosa previ-
ataque direto em nenhum dos incidentes; a escalada são dos passos para o uso gradual da força através
diplomática foi suficiente para resolvê-los, No decor- das negociações diplomáticas a fim de conseguir van-
rer dos anos cada um dos adversários avançou ou tagens políticas com risco mínimo, daí se desenvol-
recuou apenas alguns centímetros, houve ganhos e . vendo grande sofisticação para determinar e usar a
derrotas, mas houve sempre o cuidado em não se força de cada um dos lados, até a possibilidade do
1 chegar às últimas conseqüências da agressão armada apertar o botão detonador de armas nucleares. Guer-
Ipara alterar o status quo. A principal razão para esta ra limitada, para designar conflitos internos, locais,
I diferença está certamente no desenvolvimento das isto é, guerras que afetam a política internacional,
J armas nucleares. A era nuclear tornou tão mortal o mas que se realizam dentro de fronteiras limitadas,
risco do uso de suas bombas que o seu avanço é por ainda que a ajuda externa seja muitas vezes o ele-
assim dizer, paradoxalmente, a razão de ser da para- mento definido r da vitória de qualquer um dos lados.
lisação de uma potência diante da outra. Usá-Ias Coexistência pacifica, para designar o estado latente
pode significar a destruição total de ambos os lados e de conflito contido pela intenção maior de manter a
48 Déa Ribeiro Fene/on A Guerra Fria 49

paz e assegurar as condições de distensão, quando se Cuba e o Vietnã foram incidentes que trouxeram o
superou o período da tensão. mundo bem perto da Terceira Guerra Mundial. As
Desta maneira ainda que o conflito declarado potências nucleares, entretanto, recuaram sempre
entre os dois elementos mais importantes desta ba- antes que o confronto as levasse à guerra. Traba-
lança se tenha expressado em inúmeros incidentes lharam para manter a paz porque sabiam que a
limitados, nas mais variadas partes do globo, numa guerra total, na era nuclear, era inadmissível. Mos-
disputa pelo alargamento de suas áreas de influên- trando urna lógica preocupação com sua própria
cia, e algumas mudanças se tenham registrado como sobrevivê'ncia permitiram também que as outras na-
resultado destes embates, cada uma das superpotên- ções percebessem que a bomba atômica, por colocar
cias manteve até esta data seu status quo territorial o risco da destruição total, ironicamente ajudava a
definido durante o final da Segunda Guerra Mun- manter a paz, ainda que pelo medo.
dial.
Tratar o tema da Guerra Fria historicamente, r
portanto, significa, como já se disse, reconhecer toda I

a complexidade das relações internacionais em um


período difícil de sua consolidação. Os exemplos
vivos deste conflito estão aí para nos lembrar dele.
A Alemanha e a Coréia continuam divididas em duas
nações e o Muro de Berlim ainda está lá como sím-
bolo vivo deste momento das relações entre as nações
do globo; mas de maneira nenhuma se poderia ima-
ginar a continuidade desta situação ou a manutenção
de suas características essenciais nos dias de hoje,
mesmo com incidentes como a invasão do Afega-
nistão, ou as tensões constantes do Oriente Médio,
ou a Guerra das Malvinas.
Por muito tempo durante cerca de duas décadas
após a Segunda Guerra houve boas razões para se
acreditar no risco iminente da guerra total. O blo-
queio de Berlim, a guerra da Coréia, as lutas no Irã e
na Grécia, a revolta na Hungria, o confronto sobre
)
A Guerra Fria 51

principalmente se considerarmos que a população


civil não foi atingida. Já a Rússia surgiu como potên-
cia, mas internamente estava bastante aniquilada,
a economia em dificuldade, os campos devastados,
perdera cerca de 20 milhões de homens, suas maiores
cidades foram arrasadas, grande parte da população
,. era composta de feridos e mutilados de guerra e res-
tavam, para cultivar o campo, apenas mulheres, ve-
lhos, crianças e inválidos. E "essa nação com um
GUERRA FRIA: déficit tão tremendo de sua população, essa nação da
qual toda uma geração estava perdida, supunha-se
ORIGENS E DESENVOLVIMENTO que esta nação ameaçasse a Europa com uma inva-
são". Além disso, a Rússia desmobilizara rapida-
mente nos anos imediatos à guerra seu exército de
onze milhões de homens, reduzindo-o a apenas 3 mi-
Analisando criticamente, em 1965, as circuns- lhões. Por tudo isto, mesmo que se argumentasse
tâncias e os pressupostos com que se .tratava as rela- com a incapacidade total das lideranças soviéticas,
ções Estados Unidos-União Soviética no pós-guer- a Rússia não poderia, concretamente, ameaçar nin-
ra, Isaac Deutscher identificou o que ele chama de guém em tal situação.
"os mitos da Guerra Fria" ou, por outro, o conjunto Havia um segundo mito, o da superioridade
de crenças que sustentou a política e as ações norte- ), nuclear americana, incontestável. Assim, pode-se
americanas durante aquele período. Primeiro a idéia dizer que se a capacidade real e imediata da Rússia
de que se tratava de dois colossos, o "americano e o de se constituir em uma ameaça militar foi grande-
russo que se defrontavam hostilmente através de um mente exagerada, também é certo que a força poten-
vazio de poder". O que não se destacava muito era o cial da Rússia para o desenvolvimento industrial foi
fato de as situações serem totalmente diferenciadas. subestimada. Dessa forma, foi dito primeiro que a
Os Estados Unidos emergiram da guerra com vigor e Rússia não poderia produzir a bomba porque não
'1,
força total, com a economia revigorada pelo esforço tinha o minério, depois porque não possuía os recur-
de guerra, praticamente intocada pela destruição, sos técnicos e mais tarde porque não possuía o know
até mesmo suas baixas eram numérica e relativa- how. Quando a Rússia explodiu a sua bomba foi
mente bastante inferiores às dos outros contendores, reafirmado que ela não poderia produzir armas nu-
52 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 53

cleares em número suficiente para mudar a situação Chiang-Kai-Shek dificilmente podiam fornecer sub-
militar. Nada mais que uma cadeia de ilusões des- sídios à tese da subversão. A insistência em equa-
feitas uma a uma, até quando a União Soviética cionar qualquer movimento social, de qualquer parte
mandou o sputnik ao espaço. Na .base deste mito do globo, com a chamada subversão comunista ou o
estava a idéia constantemente repisada de que um "perigo vermelho" só trouxe à tona o receio que se
sistema que não fosse baseado na iniciativa privada tinha de qualquer transformação que se identificasse
não seria capaz de aeionar uma economia nacional. como urna revolução social.
. Outra" das suposições presentes na Guerra Fria 1 Por último e não menos importante estava pre-
foi a reiterada insistência em identificar comunismo sente nas ações dos norte-americanos a crença no
e subversão. Se atentassem para os acordos diplomá- monolitismo do bloco soviético. Por mais que espe-
ticos realizados em Yalta e Teerã entre Stalin, Chur- cialistas e estudiosos concluíssem e predissessem a
chill e Roosevelt talvez se insistisse menos na ques- ruptura do stalinismo e a dissolução desse anunciado
tão ideológica. Nestes acordos o mundo foi dividido •...•\/.. monolitismo, políticos e dirigentes rejeitaram tais
em esferas de influência que pouco tinham a ver com interpretações como fantasiosas. Mesmo o demons-
. o sistema ou regime de cada uma destas regiões. trar de sinais de desenvolvimento do conflito sino-
f Durante a guerra, a. aliança com Stalin e o comu- soviético foi rechaçado como falsos boatos divulgados
nismo foi necessária para conter o nazismo. Depois pela propaganda soviética para desarmar a vigilância
da Guerra, os aliados queriam conter Stalin nas anti- ocidental, ainda que a burocracia soviética nada dis-
gas fronteiras da URSS enquanto ampliavam sua sesse a respeito da controvérsia da qual fazia sigilo
influência na Europa. E paradoxalmente quem se absoluto. Uma vez configurado o rompimento da
manteve fiel à letra dos Acordos foi exatamente o China com a Rússia, passou-se por algum tempo ao
I comunista Stalin, que se comprometera a aceitar a
predominância capitalista na Europa Ocidental. As-
outro extremo. De repente o inimigo e a ameaça
comunista passava a ser a China. A Rússia estava se
sim, no dizer de Deutscher, muito antes que a Dou- tornando cada vez mais burguesa e cada vez mais
trina Truman fosse proclamada Stalin salvara a Eu- próxima do capitalismo. Mantinha-se a mesma ilu-
ropa Ocidental do comunismo. A completa absten- são (Horowitz, D. [org.], pp. 15-28).
ção de qualquer pronunciamento da Rússia sobre a Muitos dos aspectos destes mitos podem ser
~t
situação de guerra civil na Grécia, a desaprovação identificados, ainda que de outra forma, em escritos
quanto à implantação da revolução comunista na de assessores do governo americano como George
Iugoslávia ou mesmo a insistência de Stalin para que Kennan, que havia servido como diplomata na União
Mao- Tse-Tung se incorporasse aos exércitos de Soviética e pode ser considerado como um dos prin-
, ,
54 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 55

cipais planejadores da política norte-americana para ção interna da União Soviética considerava que os
com a Rússia, Em seu famoso Memorando X, que erros e as falhas dos governantes socialistas levariam
nada mais era que um study paper preparado para as à derrocada do regime, e assim, suas recomendações
autoridades norte-americanas sobre as concepções e foram de uma política de "contenção", daí resultando
visões dos governantes soviéticos, encontra-se a afir- muitas das propostas para as ações norte-americanas
mação de que "a crença no antagonismo nato entre o do pós-guerra, tais como o Plano Marshall e mais

i capitalismo e o socialismo trazia profundas conse-


qüências para a conduta da Rússia como membro da
sociedade internacional, pois significava que jamais
poderia haver, da parte de Moscou, qualquer ad-
j,
. tarde o Ttatado do Atlântico Norte. A base para a
política norte-americana durante os anos da Guerra
Fria estava lançada quando todas estas idéias foram
expressas por Truman em Mensagem ao Congresso
missão sincera de uma comunidade de propósitos dos Estados Unidos, em 12 de março de 1947, e estes
entre a União Soviética e os poderes considerados foram os elementos da política norte-americana, du-
capitalistas" (George Kennan). ,.'( rante muitos anos.
Também se ressaltava a idéia de que os sovié- I Vejamos, pois, como se chegou a esta posição.
ticos lidavam com as questões de política externa Com a visão histórica de hoje é possível identificar
como uma decorrência do princípio da infalibilidade momentos cruciais em que as relações russo-norte-
do Kremlin, que era o instrumento para garantir a americanas tomaram o rumo decisivo que as leva-
plena execução da linha política do Partido Comu- riam ao ponto de não retorno. Muito diste aconte-
nista, de onde emanava todo o poder. Assim ficava ceu, seguramente, nos anos entre a Conferência de
claro que o que se recomendava como "o principal Yalta, em 1945, e a explicitação da Doutrina Tru-
elemento de qualquer política dos Estados Unidos man, em 1947, e para a maioria dos especialistas não
com relação à União Soviética deve ser urna paciente se pode deixar de levar em conta a morte de Roose-
mas firme e vigilante contenção a longo prazo das velt, em abril de 1945.
tendências expansionistas" e que "a pressão sovié- Evidentemente não se trata de considerar que a
tica contra as livres instituições do mundo ocidental é Guerra Fria tenha surgido apenas de uma súbita
algo que pode ser contido pela hábil e vigilante apli- série de incidentes deploráveis e nem também de que
cação de uma contraforça em uma série de pontos a luta entre Rússia e Estados Unidos tenha sido algo
geográficos e políticos em constante mudança, cor- 't inevitável. Por isso mesmo é preciso examinar os
respondentes às mudanças e manobras da política últimos' anos da Segunda Guerra para compreender
soviética". . a grande reviravolta nas alianças e atitudes de um
Na verdade, a análise de Kennan sobre a situa- país para com o outro a partir de um grande número
56 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 57

de situações de fricção que contribuíram para que as chill. Também era certo que, dada a participação e a
relações internacionais se deteriorassem antes mesmo colaboração da Rússia na guerra e a sua posição
que as questões da 'paz fossem todas elas resolvidas. geográfica, os aliados não tinham outra escolha se-
Vejamos, por exemplo, as pretensões e os obje- não concordar com algumas destas pretensões rus-
tivos de guerra dos três principais aliados expressos sas. A questão, diria John Luckács, foi que os aliados
através de seus líderes Churchill, Roosevelt e Stalin e principalmente os Estados Unidos, não enfrenta-
em diversas situações durante a guerra. Para além da ram diretamente esta questão, senão depois que a
sobrevivência os ingleses, depois da derrota da Ale- União Soviética estava de posse de mais do que eles
manha, desejavam estabelecer uma razoável balança próprios esperavam ou os aliados provavelmente es-
de poder européia e a ordem internacional. Da tavam dispostos a aceitar. Esta, segundo o autor, a
mesma maneira, o objetivo adicional da Rússia era fonte principal das tensões da Guerra Fria.
estabelecer seu controle sobre a Europa Oriental. Na verdade, o que os norte-americanos não qui-
Como a sobrevivência norte-americana não fora ja- seram admitir foi que o interesse de Stalin pela Eu-
mais ameaçada pela guerra, os Estados Unidos expli- ropa Oriental era de expansão sim, mas expansão em
citavam algumas considerações sobre seus interesses termos nacionais e nunca internacionais, russos mais
estratégicos e depois partia-se para considerações que revolucionários, e suas pretensões diziam res-
bastante irrealistas sobre as futuras competências e peito mais à segurança interna da União Soviética do
funções da Organização das Nações Unidas (ONU). que propriamente à conquista da Europa. Ainda que
Tais indecisões beneficiaram as pretensões russas no Churchill insistisse na necessidade de conter militar-
Oriente e deixaram Churchill e a Europa bastante mente a União Soviética e tentasse convencer Roose-
confusos sobre a nova ordem internacional (J. Lu- velt da necessidade de ações que através do Adriá-
ckács). tico atingissem os Balcãs e até Viena, estas propostas
Mesmo antes do final da Segunda Guerra Mun- foram sempre recusadas pelos diplomatas e estrate-
dial não havia dúvida de que a Rússia surgiria do gistas norte-americanos.
conflito como uma das grandes potências. Também A recusa de Roosevelt em discutir tais particu-
estava claro que, além de aumentar seu poderio e laridades políticas do desenvolvimento da guerra an-
suas possessões, a maior ambição da União Soviética tes que esta terminasse e a paz se concretizasse fez
era muito mais o possível controle sobre a Europa com que a expansão russa na Europa Central se
Oriental do que a expansão internacional do comu- tornasse realidade, mesmo antes que os aliados se
nismo. Muito antes de Yalta e tão cedo quanto 1944, sentassem à mesa de conferências para acertar tais
Stalin jâ se referia e reafirmara tais intenções a Chur- questões. Para Luckács as explicitações desta atitude
58 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 59

norte-americana podem ser encontradas em uma divisão da Europa estavam já definidas, mesmo antes
concepção extremamente otimista e bastante ingê- do fim da guerra, e em Yalta os Acordos nada mais
nua sobre as relações internacionais. Enquanto se fizeram do que reconhecer situações de fato já claras
desenrolasse a guerra, diziam os generais norte-ame- no Leste europeu:
ricanos, nada de política. Acrescente-se a isto a Polônia - nova fronteira Polônia- União Sovié-
crença predominante dos assessores de Roosevelt de tica foi confirmada. Governo Provisório seria forma-
que os Estados Unidos deveriam ser o árbitro da do e eleições livres deveriam ser realizadas com a
nova paz mundial e que Roosevelt estava destinado a supervisão dos embaixadores aliados. Haveria novas
uma grande missão para fazer retornar os ideais da compensações de territórios a serem decididas poste-
diplomacia de Wilson. Esta imagem dos Estados riormente.
Unidos representados por Roosevelt como árbitro e Iugoslávia - desde que as forças comunistas
moderador entre a Inglaterra representada por Chur- nacionais, do general Tito, haviam surgido como a
chill, sempre visto como protótipo do imperialismo principal força política, propunha-se a criação de um
inglês, e a emergente e rude União Soviética repre- Governo de Unidade Nacional com a ampliação dos
sentada por Stalin foi bastante acentuada pela pro- poderes de Tito e a inclusão de membros do governo
paganda oficial norte-americana durante a guerra e exilado.
acabou por influenciar também muito do procedi- Além destes e outros arranjos sobre a Alemanha
mento destes líderes nas Conferências de Teerã, e a entrada da Rússia na guerra contra o Japão em
Yalta e Potsdam. troca de recuperar territórios perdidos aos japoneses
A fase decisiva da Segunda Guerra Mundial no na guerra de 1904-1905, a Conferência de Yalta
que diz respeito à Europa Oriental desenvolveu-se .cíJ aprovou os planos para a Organização das Nações
depois da Conferência de Teerã, em novembro de Unidas com a concordância da Rússia em participar
1943. Quando os exércitos soviéticos atravessaram a da reunião de constituição deste organismo a ser
fronteira da Polônia, em princípios de 1944, e em realizada em São Francisco, em abril de 1945, para
seguida reconquistaram a Rumânia, a Bulgária e a estabelecer a Carta de Princípios, e também com
Hungria, estava-se delineando a política de Stalin entendimentos já realizados sobre a questão do veto.
de não admitir Estados hostis em suas fronteiras. Na Quanto aos outros países do Leste Europeu e dos
Conferência de Yalta (fevereiro de 1945) toda a Pe- Bálcãs, sancionava-se os acertos anteriores feitos por
nínsula dos Bálcãs estava sob o comando da União Churchill, em 1944: a Rússia teria 90% de predo-
Soviética, não havendo, ali, nenhuma outra potência minância 'na Rumânia e 75% na Bulgária; na Hun-
a lhe disputar a influência. Assim sendo, as linhas de gria e na Iugoslávia a divisão seria pela metade. Na
60 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 61
-
Grécia, a Inglaterra teria seus 90% de predomi-
nância. .g.;
As avaliações e discussões sobre os acordos de ...•~
"~

Yalta e anteriores costumam tomar grande parte da ~


literatura norte-americana quando se busca explicar .g'"
porque teria Roosevelt concordado com tais arranjos .g
feitos por Churchill e-entregado o Leste europeu aos l::
~
russos. Na verdade a fórmula "eleições livres" pare- E
o
cia justificar todas as soluções propostas e pouco se "o
discutiu sobre a crença norte-americana na possibili- ~
~
dade de que os grupos dirigentes destas nações difi- o
<\>
cilmente organizariam governos aceitáveis pela União
Soviética, o que não resolvia a questão. Todos em ...•
·5
~.•..
Yalta foram insistentes em reafirmar que o Leste C"'J

europeu não poderia mais ser considerado como um ...•...;<\>


"cordão sanitário" e hostil contra a Rússia e que ;:.
<\>
deveriam se organizar ali governos favoráveis à União '"o
o
Soviética. Não havia, portanto, grandes dúvidas de O:::;

que se estava reconhecendo à União Soviética o di- ~


reito. de estabelecer uma esfera de influência que lhe ~
í::
fosse favorável. Os acordos e as declarações de Yaltâ, ;:$

como quase todos os realizados nas Conferências ê5


durante a guerra, eram vagos e gerais o suficiente ...•.•..~
para que todos os aliados se julgassem garantidos, ~
cada um, certamente, interpretando o espírito das <\>
~
declarações à sua maneira. Exemplo bem claro disto ~
"(3
era a. inclusão nos acordos da fórmula "eleições l::
livres" sem nenhuma especificação mais clara sobre ...
'<\>

~l::
o significado de tal medida e das questões políticas
envolvidas na situação interna das nações, para quem (5
se transferia a fórmula, com expectativas de resul- ~
62 Déa Ribeiro Fene/on A Guerra Fria 63

tados políticos definidos a partir de pontos de vista derrotados. Desde que os Estados Unidos haviam
no mínimo contraditórios, para não dizer antagô- enfrentado sozinhos a maior parte da luta contra o
nicos. Não é de se admirar pois que esteja nos acor- r,
Japão, prevalecia a expectativa de que aos norte-
dos realizados em Yalta, em fevereiro de 1945, a americanos caberia o papel principal nas definições
maior fonte de disputas sobre promessas não cumpri-
das, com acusações recíprocas dos aliados sobre o
;~ sobre a política de ocupação para aquele país. Os
aliados europeus de Hitler não apresentavam mais
significado dos compromissos assumidos. nenhuma ameaça à futura paz, e desde o fim de 1944
Depois de Yalta a guerra na Europa entra em os aliados haviam concordado em que a Itália cairia
sua fase final, com a concentração das operações bé- na esfera de influência "anglo-americana, enquanto a
licas na própria Alemanha. Crescem pois, em impor- União Soviética assumiria a responsabilidade pela
tância, naquele momento, as discussões sobre a divi- Finlândia, Rumânia, Bulgâria e Hungria. A situação
são política da Alemanha de maneira a pôr fim a um da Alemanha, entretanto, colocava um problema
Estado centralizado e que representara até ali a
dominação prussiana da Europa Central. Esta divi- .. ~. maior: era o único inimigo contra o qualos três alia-
dos haviam lutado em partes bem iguais e na qual
são da Alemanha não passava apenas pelas questões todos os três estavam determinados a exercer sua in-
políticas, mas havia sido prevista também por técni- fluência para prevenir outras agressões que pudessem
cos militares em 1944. Cada um dos países aliados levar a uma terceira guerra mundial.
ficaria responsável pela ocupação militar de aproxi- Era pois do interesse de todos que os arranjos
madamente um terço de Alemanha, ficando a Rússia sobre o controle da Alemanha se definissem antes
com a parte leste, a Grã-Bretanha com o oeste e os do final da guerra, para que tais assuntos não cons-
Estados Unidos com a parte sul do país. Em Quebec tituíssem pontos de discórdia entre os vitoriosos.
e Yalta esses arranjos foram confirmados com algu- Havia, entretanto, algumas dificuldades para a
mas modificações para incluir uma zona francesa. concretização destes planos, principalmente pelas
Houve também um acordo semelhante para a divisão disputas internas no governo norte-americano. Tra-
da Áustria e a decisão de que Berlim e Viena, ambas tava-se de determinar se uma política de repressão ou
situadas na zona russa, seriam simbolicamente poli- uma de reabilitação seriam suficientes para manter a
ciadas e ocupadas pelas quatro potências aliadas. Alemanha pacificada. Os argumentos dos que advo-
Nas discussões sobre os arranjos da situação da gavam a repressão, representantes do Departamento
Alemanha no pós-guerra evidenciaram-se os primei- do Tesouro e de alguma forma o próprio Roosevelt,
ros sintomas de tensão e dificuldades entre os aliados acentuavam as características agressivas dos alemães
no que dizia respeito à maneira como tratar inimigos e argumentavam que Hitler havia sabiamente ex-
64 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 65

presso essas tendências. Para estes o Tratado de apenas nos problemas militares de curto prazo, se
Versalhes não conseguira manter a paz porque havia definiu a favor da repressão como uma medida de
sido muito tolerante, e depois da Segunda Guerra era conveniência administrativa e o Departamento de
preciso tratar a Alemanha mais severamente para Estado, preocupado com problemas de longo alcance
que sucessores de Hitler não surgissem. Os que pro- do ponto de vista político e econômico, continuou a
punham a reabilitação, concentrados principalmente insistir no programa de reconstrução. Roosevelt dava
no Departamento de Estado, atribuíam também a força a ambos os lados em momentos diferentes,
ascensão de Hitler ao Tratado de Versalhes mas res- II deixando a controvérsia não resolvida até a sua morte
ponsabilizavam a própria dureza dos arranjos do j em abril de 1945. A ausência de uma posição clara
Tratado para explicar as atitudes de Hitler. As pu- por parte dos norte-americanos impediu discussões
1I
nições econômicas e a cláusula de culpabilidade da mais aprofundadas com a Grã-Bretanha e a União
guerra seriam responsáveis pela situação social e eco- I Soviética até o fim da guerra (Luckács).
nômica que gerou o nazismo. E assim a garantia Assim, na oportunidade da rendição alemã,
contra o surgimento de outros líderes como Hitler só maio de 1945, os Estados Unidos ainda não haviam
viria com a mudança das condições internas da Ale- se decidido entre uma política de repressão ou de
manha, de maneira a que o totalitarismo não tivesse recuperação como a melhor maneira de prevenir fu-
mais apelo; daí a necessidade de uma paz moderada turas agressões. O plano de reparações de guerra,
e programas de reconstrução. endossado por Roosevelt em Yalta, por exemplo,
Desta maneira os conflitos internos da adminis- seguia a proposta do Departamento de Estado de
tração Roosevelt impediam que se conseguisse uma restaurar um razoável nível de vida na Alemanha,
adequação das estratégias de guerra com os objetivos fosse na esperança de promover a recuperação econô-
políticos do pós-guerra, e a opção entre uma das mica do país para poder comerciar com ele, fosse na
linhas de atuação política só pôde ser feita quando vontade de encorajar o surgimento de instituições
não era mais possível retardá-Ia. Na verdade esta foi democráticas como forma de prevenir o surgimento
uma constante da administração norte-americana, de tensões sociais e governos radicais. Entretanto, a
o presidente e seus conselheiros militares se consu- política de ocupação norte-americana, também dis-
miam nos planos de ganhar a guerra e não viam cutida em Yalta, ainda refletia as opiniões do Depar-
necessidade de considerar planos de ocupação, senão tamento do Tesouro favoráveisà imposição de uma
quando chegasse o fim da guerra. E, naquele mo- paz dos vencedores. Nenhuma das duas posições
mento, Roosevelt deixou que as duas opções tomas- norte-americanas raciocinara, para desenvolver seus
sem força - o Departamento de Defesa, pensando planos, com a possibilidade de ter de lidar com opi-
A Guerra Fria 67
66 Déa Ribeiro Fenelon

guerra, uma poderosa indústria bélica para produzir


niões divergentes sobre todos estes assuntos por parte 0.8 armamentos necessários aos aliados e aos seus
da União Soviética. próprios exércitos. Recolocar a economia na linha de
A discussão mais detalhada de algumas destas produção de bens de consumo, no nível necessário a
questões, surgidas em Yalta, serve para reforçar a manter o pleno emprego em tempo de paz, era tarefa
idéia de que de alguma maneira esta Conferência foi bem difícil e que começava a preocupar homens de
a que mais tratou de política internacional entre negócio e p'olíticos. Por outro lado; era evidente que a
todas as realizadas com os chefes de Estado aliados, União Soviética precisava de equipamento industrial
(-
durante a guerra. Os acordos alinhavados em Yalta para reconstruir suas indústrias de base, destruídas
serviram de base para todos os arranjos e as discus- pela guerra, e satisfazer também as necessidades de
sões futuras relacionadas ao pós-guerra. Entretanto, consumo da população. Do lado norte-americano
como todos os acordos deste tipo, os de Yalta eram esperava-se que para concretizar esta reconstrução a
vagos e isto permitiu que todos de lá saíssem com a União Soviética fizesse grandes compras de equipa-
satisfação da tarefa cumprida, considerando como mento industrial de firmas norte-americanas. Isto
suas as propostas aprovadas. As interpretações futu- ajudaria os Estados Unidos em sua recuperação e
ras, na concretização das medidas, mostrariam que poderia contribuir para reintegrar a União Soviética
na verdade, como não podia deixar de ser, cada um no sistema multilateral de comércio internacional.
tinha em mente uma maneira de ver os acordos pela Ambos os países haviam expressado seus interesses
ótica de seus interesses. Daí o caráter polêmico de nesta direção ainda que cautelosamente e cada um à
quase todas as suas decisões, que não tinham muito sua maneira.
mais a ver com movimentos de tropas, táticas e estra- Entretanto, as dificuldades de levar avante este
tégias militares diante do inimigo comum (J. L. tipo de acordo eram bastante evidentes, quando se
Gaddis). tratava de discuti-los internamente. O surgimento de
Uma outra questão bastante discutida naqueles áreas de atrito com a União Soviética, no caso das
anos era a da possibilidade de cooperação econômica reparações de guerra com a Alemanha, a autodeter-
no pós-guerra entre norte-americanos e soviéticos e· minação na Europa Oriental e também a posição do
cujo desenrolar certamente exprime muito dos con- Congresso norte-americano de que não apoiaria pla-
flitos iniciais da Guerra Fria; a quebra da cooperação . nos de ajuda financeira para a reconstrução da eco-
entre os aliados e o clima de desconfiança mútua que nomia mundial a menos que os Estados Unidos obti-
caracterizariam os anos posteriores. vessem benefícios substanciais dessa ajuda mostra-
Do ponto de vista estritamente econômico os vam que as dificuldades políticas de implementar
Estados Unidos desenvolveram, durante os anos de
68 Déa Ribeiro Fenelon
A Guerra Fria 69

qualquer tipo de acordo econômico punham em risco


sua concretização. Ainda mais, do ponto de vista so-
viético, a importância da ajuda econômica norte-
americana era avaliada sob a ótica de outra lógica,
\ que previa a depressão econômica do pós-guerra
como resultado das contradições internas do capita-
lismo, o que forçaria 9S homens de negócio norte-
americanos a se preocupar com o escoamento dá
produção interna para quaisquer mercados, inclusive
os russos.
Apesar das visões diferenciadas esteve presente
nas negociações finais da guerra a idéia da possibi-
lidade de um grande empréstimo dos Estados Unidos
para auxiliar na reconstrução da economia soviética.
O embaixador norte-americano em Moscou, Averell
Harrimann, homem de finanças, em-companhia de
Roosevelt desde os tempos do New Deal, apostava no
empréstimo é não cansava de elogiar os russos como
bons pagadores. Seu primeiro interesse no emprés-
timo era a já aludida intenção de evitar o desemprego
interno, pela produção de bens de equipamento que L
os soviéticos certamente encomendariam à indústria
norte-americana. Sua visão dos resultados do em-
. préstimo, exprimindo posição de muitos, ia um pou-
co mais longe, quando afirmava, em 1944, "que a
assistência econômica é uma das armas mais efetivas
à nossa disposição para influenciar os acontecimen-
tos políticos europeus na direção que desejamos e
. evitar o desenvolvimento de uma esfera de influência
soviética sobre a Europa Oriental e os Bálcãs".
Outras autoridades norte-americanas estiveram
70 Déa Ribeiro Fene/on A Guerra Fria 71

em Moscou durante aquele período, e a troca de do inviável à medida que se constatava que as duas
sinais e de conversações em torno do futuro econô- economias não eram realmente complementares e
mico das duas nações chegou a avançar até o ponto a possibilidade de os Estados Unidos importarem
de se acertar a quantia de um empréstimo em um qualquer produto russo era demonstrada como mí-
bilhão de dólares. Tais conversações se desenvolviam nima. Ainda assim a atitude de muitos homens de
ao mesmo tempo que, em forma de empréstimos de negócio norte-americanos, mesmo considerando os
guerra ilend-lease), materiais e equipamentos mili- \
perigos do comunismo e a possibilidade de a União
tares eram enviados à União Soviética sem restrições. Soviética emergir como potência militar dominante
Ainda que o Congresso norte-americano votasse me- no pós-guerra, ou mesmo como competidora-no mer-
didas severas a respeito de que os equipamentos for- o cado mundial, continuava a ser a de pensar no mer-
necidos, nestas condições de guerra, não deviam cado russo como tentador para os produtos norte-
ultrapassar as necessidades militares, na prática era americanos.
bem difícil estabelecer esses limites. A negociação de É nesta ocasião que George Kennan, conselheiro
outro tipo de empréstimo era assim a forma que da embaixada norte-americana em Moscou, começa
Harrimann propunha para começar a cortar os supri- a ganhar espaço na formulação da política dos Es-
mentos de materiais e acalmar a reação conservadora tados Unidos em relação à União Soviética. Suas
do Congresso sobre os excessos nos gastos militares recomendações informavam que a União Soviética
com a:guerra. Mas o plano de Harrimann esbarrava não faria a reconstrução de sua economia baseada na
também na necessidade de o Congresso aprovar dependência ao comércio externo, como pensavam os
quaisquer empréstimos externos, e a administração norte-americanos, e não estava disposta a abdicar de
Roosevelt não estava em condições de enfrentar dis- nenhuma medida que considerasse vital à sua segu-
putas com o Congresso em ano eleitoral (1944), e rança e progresso, em nome de um aumento deste
preferiu assim continuar a fazer vista grossa no tipo comércio ou mesmo de créditos aliados. E °a segu-
de material repassado à União Soviética como "ne- rança e o progresso da União Soviética no pós-guerra,
cessidades militares", para não criar zonas de atrito lembrava Kennan, exigiam, na visão dos russos, o
internas, e a insistência de Harrimann em usar a controle sobre seus vizinhos do Leste europeu, de
ajuda econômica como arma política para conter a , maneira a evitar novas invasões ocidentais. Impu-
i)
União Soviética foi adiada, sendo retomada somente nha-se, pois, a "contenção" (George Kennan, p. 238
com Truman. Sua proposta com os argumentos de /
e segs.).
que as relações comerciais entre os dois países po- Ainda assim, em janeiro de 1945 chegou a trans-
diam ser incrementadas no pós-guerra ia se tornan- pirar a existência de um pedido diplomático e formal
72 Déa Ribeiro Fene/on A Guerra Fria 73

do ministro Molotov a Harrimann para um emprés- política externa, inclusive Harrimann, se alinhavam
timo de 6 bilhões de dólares, com a garantia de que a no endosso às desconfianças do primeiro-ministro
União Soviética faria encomendas de equipamento Churchill sobre se a União Soviética desejava real-
industrial nas grandes firmas norte-americanas, o mente cooperar com o Ocidente no pós-guerra, pas-
que apanhou alguns círculos da administração Roo- sando a considerar que a mais sábia estratégia para
sevelt de surpresa. Negociações prosseguiram de enfrentar os russos seria "uma posição firme nas
forma bem lenta, com declarações de intenções mas 1 negociações ,e a linguagem dura". E esta mudança de
nenhuma medida concreta, ao mesmo tempo que se atitude haveria de ser testada com a questão polo-
implementavam atitudes destinadas a cortar severa- nesa, tendo o presidente Truman assumido clara-
mente os equipamentos enviados à União Soviética mente a responsabilidade de expressar esta linha.
na forma de acordos de guerra (lend-lease). Para A ocasião para uma chamada "simbólica de-
Roosevelt, portanto, à época de sua morte (abril de monstração imediata" surgiu quando Molotov, chan-
1945) esta era a política a ser adotada em relação à celer russo a caminho da Conferência de São Fran-
União Soviética - a-ejuda-eeenômica para o pés- ,y cisco, para implantar a Organização das Nações Uni-
gtlef'Fa..~et'--a-única-m-aneira:-d-isp()nível de ap:li- das, fez uma parada em Washington, D.C., para se
car.qualquer pressão política na- tentativa de obter encontrar com o novo presidente. Truman fez ver
vantagensna-centenção desse país em seudesejo de imediatamente a Molotov que a União Soviética não
estabelecer uma esfera- de -influência na Europa devia esperar nenhuma assistência econômica ame-
Orientl!l" mas mesmo assim a administração Roose- ricana, a menos que as discussões sobre o governo a
velt só estava disposta a discutir isto depois que ser implantado na Polõnia fossem realizadas na base
houvesse conseguido () máximo, ou seja, depois da das propostas de. Yalta, sem considerar as explica-
vitória final. ções do chanceler russo de que também Moscou con-
Quando assumiu o governo, Truman não havia
manifestado até ali nenhuma discordância e nem
I siderava estar interpretando corretamente os acordos
de Yalta. Na ocasião os russos interpretaram a ati-
intenção de modificar qualquer das proposições mais tude de Truman como sinal e evidência de que a nova
gerais da política de Roosevelt pata conseguir a coo- administração havia abandonado os planos de coope-
li peração da União Soviética, mas certamente que ração até ali delineados por Roosevelt.
~
'[" seus métodos e formas de conseguir esta cooperação Entretanto, ainda que houvesse uma substancial'
eram bem diversos, a começar pela própria maneira mudança, principalmente da forma e das atitudes
de conduzir conversações com diplomatas soviéticos. por partéede Truman, esta se dava muito mais pelo
Àquela época alguns dos conselheiros mais diretos na desejo de mostrar segurança e firmeza nas decisões e
A Guerra Fria 75
74 Déa Ribeiro Fenelon

na condução da política externa, do que. propria- o desenvolvimento posterior da Guerra Fria e seus
mente a qualquer plano meticuloso de uma estra- inúmeros incidentes.
Antes. que se iniciasse a Conferência de Pots-
tégia de longo alcance para lidar com a União Sovié-
dam, em julho, Truman reorganizou seu gabinete
tica. Importante; porém, não são as interpretações
com mudanças sensíveis na direção do fortalecimento
posteriores, comprovadas até mesmo por uma série
do grupo isolacionista e nacionalista. As propostas
de documentos, mas aquilo que se entendeu no mo-
norte-americanas naquela Conferência foram postas
mento da disputa como sendo a intenção, e certa-
na mesa logo em seu início. A primeira, para esta-
mente a maneira de Truman lidar com Molotov foi
belecer um Conselho de Ministros do Exterior que
tomada, não sem razão, pelos russos como sinal de
cuidaria das discussões sobre as questões finais da
novos tempos e novas políticas.
guerra, foi logo aceita, mas a outra deu início ao
Acrescente-se a tudo isto o fato de que também
processo de retaliações. Truman afirmou direta e
uma interpretação do que seria uma posição fi~me e
cruamente quê as obrigações assumidas na Decla-
uma linguagem dura na questão da continuidade do
ração de Yalta não estavam sendo cumpridas pela
embarque de suprimentos de guerra significou cortes
União Soviética e propunha uma ação conjunta na
substanciais e um incrível aumento das dificuldades
organização dos governos da Bulgária e da Rumânia,
burocráticas para liberação dos embarques. Era na-
tural, pois, que ao fim de abril de 1945, as relações para assegurar e permitir a participação de todos os
dos Estados Unidos com a União Soviética se encon- grupos democráticos nas eleições livres que ali deve-
trassem em um impasse. Os russos não estavam dis- riam ser realizadas.
A resposta russa foi apresentar uma reclamação
postos a ceder terreno e deixar ver organizar-se na
Polônia um governo fraco, que permitisse mais uma sobre a intervenção inglesa na Grécia. De acusações
vez que essa região se mostrasse o caminho e a porta em acusações a Conferência aprovou ainda a fórmula
para a ocupação da Alemanha, e adotando a tática
para novas invasões ao seu território. E os norte-
norte-americana protelou a discussão das inúmeras
americanos estavam convencidos de que colaborando
através de créditos para a reconstrução física e eco-
questões sobre. a guerra no Extremo Oriente, pois já
nômica da Polônia estariam assegurando para si uma se tinha notícia do sucesso dos testes atômicos e já
estava marcada a data para as primeiras explosões.
política de comércio e de investimentos favoráveis ao
Assim Potsdam, como símbolo da deterioração
Ocidente e conseqüentemente um aumento da in-
das relações entre Estados Unidos e União Soviética,
fluência política dos Estados Unidos sobre o novo
foi logo eclipsada pelos eventos posteriores - o lan-
governo polonês a ser escolhido em "eleições livres".
çamento da bomba atômica em Hiroshima e Naga-
Estava assim armado definitivamente o cenário para
76 Déa Ribeiro Fenelon

saki (agosto de 1945) pondo fim à guerra com o


Japão, que se rende alguns dias depois de esta des-
truidora arma demonstrar seu poder avassalador (D.
Horowitz, p. 55 e segs.).

<,

A POLITICA DE BLOCOS

Na primeira Conferência do Conselho de Minis-


tros realizada em Londres em setembro de 1945, para
decidir e acertar os termos dos tratados de paz com a
Finlândia, Hungria, Rumânia e Bulgária, o con-
fronto entre Estados Unidos e União Soviética surgiu
abertamente. Diferenças e divergências de concep-
ções sobre o significado de "eleições livres", liber-
dade de imprensa e garantias individuais eram ape-
nas o sinal aparente a tornar claras as dificuldades
em se chegar a acordos satisfat6rios para ambas as
partes e que pudessem traduzir as contradições im-
plícitas em maneiras diversas de encarar o futuro
político daquela parte da Europa. A tensão era agra-
vada pela ameaça da nova arma nuclear, a bomba
atômica, ingrediente complicador de atitudes e decla-
ração de intenções. Inegável a esperança norte-ame-
ricana de que a posse da bomba tornasse os russos
mais maleáveis, o que de fato não aconteceu. ~

lt
78 Déa Ribeiro Fene/on
A Guerra Fria 79

conferência, depois de muitas tentativas, terminou


sem conseguir acordo até mesmo para um comuni- políticas.
cado conjunto, como havia sido a praxe até ali. Na verdade a posse da bomba tinha maiores
Enquanto isto, aumentava a discussão sobre o implicações do que as puramente militares, pois alte-
controle dos armamentos nucleares. Do ponto de rava sensivelmente o equilíbrio de poder no pós-
vista da comunidade científica envolvida no desen- guerra, tornando possível, pelo menos tecnicamente,
volvimento.das aplicações da descoberta o clamor era aos Estados Unidos impor sua vontade ao resto do
pelo controle internacional, o que para os militares mundo. Certamente que nas esferas do governo se
norte-americanos era pedir demais, exatamente no tinha consciência da impossibilidade política desta
momento' em que a posse da bomba reafirmava a intenção, mas é fato que se esperou melhorar o poder'
supremacia militar dos Estados Unidos para além de de barganha dos ocidentais em relação à União So-
qualquer dúvida. O raciocínio dos cientistas era de viética para assegurar concessões políticas, e como tal
que exatamente este desequilíbrio e esta supremacia este trunfo foi usado em várias circunstâncias de
fariam com que as outras nações se engajassem em negociação naquele período.
uma corrida armamentista que poderia levar a uma O que parece, entretanto, é que a "diplomacia
guerra de extermínio total. Em oposição a estas atômica" acabou resultando em mais uma frustração
idéias ganhava terreno a posição nacionalista de que para Truman e seus conselheiros, pois a União Sovié-
desistir do segredo da bomba no interesse da inter- tica tratou de acelerar seus planos para desenvolver
nacionalização da .ciência significava "abdicar do seu próprio programa nuclear, e nas conversações
poderio que a América havia conseguido", sendo diplomáticas mostrava apenas um interesse formal
fácil ver as alianças nacionalistas e militares ganhan- nos planos norte-americanos de colocar o controle
do terreno. Ao contrário das questões políticas sobre a das armas nucleares nas mãos da Organização das
melhor maneira de conter a expansão russa ou mes- Nações Unidas. Além disso, o final da guerra fez com
mo como .realizar a ocupação e a recuperação da que o Congresso norte-americano retomasse todos os
Alemanha, que haviam sido sempre postergadas, a seus poderes e autoridade na condução. da política
questão da bomba atômica e de seu controle era ur- externa do país e também dos assuntos militares e
gente, pois a sua simples existência criara uma crise econômicos, o que significou novos ingredientes nas
mundial. E as exigências cresciam no sentido não disputas internas, principalmente maior voz para po-
apenas de assegurar o controle norte-americano so- sições nacionalistas em geral. A controvérsia sobre o
bre a bomba, mas que este controle deveria ficar com controle atômico terminaria anos mais tarde com a
os militares, que estavam acima das controvérsias criação de uma Comissão de Energia Atômica dire-
tamente subordinada à Casa Branca. Mais impor-
80 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 81

tante, pelas medidas aprovadas, somente o presi-


dente dos Estados Unidos possui autoridade para
determinar como, quando e se as armas nucleares
devem ser usadas em qualquer conflito com uma
potência estrangeira.
Quando nova Conferência do Conselho de Mi-
nistros se realizou, em-dezembro de 1945, em Mos-
cou, ficou claro que os diplomatas norte-americanos
não faziam mais uso da "diplomacia atômica" e nem
das táticas de confronto direto sobre as questões em
discussão, mas ao mesmo tempo se preparava uma
reorientação da política em relação à União Sovié-
tica. Os relatos de George Kennan ganhavam impor-
tância para tornar compreensível a relação entre a
ideologia e a diplomacia soviética e ajudaram na
~
formulação de uma teoria mais global para a política
externa dos Estados Unidos. A partir daquele mo- '"
.u;
-c
mento (março de 1946) os diplomatas e conselheiros
.mais diretos da política norte-americana começaram
a encarar a União Soviética não mais "como um es-
tranho aliado, mas corno um inimigo potencial, cujos
interesses vitais não poderiam mais ser reconhecidos
sem ferir diretamente aqueles dos Estados Unidos.
Truman e seus conselheiros continuavam contatos
diplomáticos com os russos, mas firmemente resol-
veram não fazer nenhuma outra concessão ... e esta
política de 'paciência com firmeza' tornou-se com o
.. "
tempo a linha definitiva de ação conhecida como
'contenção'" (Gaddis, op. cit., p. 283). 'iL c J f~I
<:;! ~ ~ il ~
O debate público desta política teve início, pode- ~~~

8-
~ ~ WI

" "
~ o.

se afirmar, quando a 5 de março daquele ano Chur- ~§~~~~~


82 Déa Ribeiro Fene/on A Guerra Fria 83

chill, à época não mais o chanceler britânico, reto- ficou chocada com a crueza das referências à União
mou em um discurso em Fulton, Missouri, na pre- Soviética, sobretudo quando considerado que tais
sença de Truman, a expressão "cortina de ferro" ataques haviam sido feitos na presença do presidente
para traduzir o estágio das relações dos antigos dos Estados Unidos, o que significava endosso de
aliados: posições. O debate se acirrou e se alastrou pela im-
prensa, Congresso, universidades, sindicatos etc.
"Uma sombra desceu sobre a cena até há pouco Ainda assim;o termo "cortina de ferro" ganhou adep-
iluminada pelas vitórias aliadas. Ninguém sabe tos e em pouco tempo seria tomado como a expressão
o que a Rússia Soviética pretende fazer no fu- mais realista das relações entre os aliados. Conse-
turo imediato, ou quais são ,os limites, se existe lheiros, como Kennan, continuavam a insistir na
algum, de suas tendências expansionistas e pro- necessidade de campanhas de esclarecimento para
selitistas ... De Stettin, no Báltico, a Trieste, no que a população norte-americana fosse informada
Adriático, uma cortina de ferro desceu sobre o sobre a realidade soviéticae a sua própria, para que
continente. Atrás daquela linha todas as capi- "tivesse uma atitude mais positiva e uma noção mais
tais de antigos Estados do Centro e do Leste eu- construtiva do tipo de comunidade mundial desejá-
ropeu, Varsóvia, Berlim, Praga, Viena, Buda- vel... pois estou convencido de que haverá muito
pest, Belgrado, Bucarest e Sofia, todas elas fa- menos histeria anti-soviética em nosso país se as rea-
mosas cidades, e suas populações vivem no que lidades forem melhor compreendidas" .
se poderia chamar de esfera soviética e todos es- A formulação de uma nova política em relação à
tão sujeitos, de uma forma ou de outra, não União Soviética foi posta à prova na primeira crise
apenas à influência soviética, mas em uma cres- daquele ano de 1946 com relação à presença de tro-
cente medida ao controle de Moscou... Quais- pas russas na fronteira do Irã, em um~ aparente
quer conclusões que possam ser tiradas destes manobra para garantir a ocupação daquele país e
fatos - e fatos eles são - esta não é certa- fortalecer suas posições na região. A reação norte-
mente a Europa libertada que lutamos para' americana foi de não aceitar qualquer tipo deconci-
construir; Também não é uma que contenha os liação e forçara decisão sobre a retirada russa do Irã,
ingredientes essenciais de uma. paz perma- através do Conselho de Segurança da ONU, impe-
nente" . i dindo que as negociações bilaterais entre a União
Soviética e o Irã permitissem aos russos qualquer
A opinião pública norte-americana, informada ganho político na região. Incluída na agenda do Con-
através de analistas e. especialistas internacionais, selho, sob o protesto da União Soviética, a questão
84 Déa Ribeiro Fene/on A Guerra Fria 85

foi resolvida com a concordância dos russos e ira- de 1946, no Dia do Exército, Truman alinhavava seus
nianos sobre a retirada das tropas e o reconheci- primeiros ensaios:
mento da soberania iraniana sobre áreas fronteiriças
em disputa. A política também foi aplicada em ou- "Devemos ajudar porque sabemos que não po-
tros pequenos incidentes como o do estreito de Dar- deremos gozar da prosperidade numa economia
danelos e a discussão sobre a divisão da Alemanha. mundial estagnada. Devemos ajudar porque o
Com isto estava inaugurada uma nova maneira de desastre econômico em qualquer parte do mun-
encarar as relações internacionais e a política de do é terreno fértil para engendrar violentas re-
"contenção" ganhava contornos mais claros e deci- beliões políticas. E devemos ajudar porque con-
sivos. sideramos certo estender a mão a nossos ami-
A oposição interna a esta nova atitude da admi- gos e aliados que estão se recobrando dos feri-
nistração Truman vinha de liberais e setores do go- mentos infligidos por nosso inimigo comum".
verno dispostos a uma tolerante política de reconhe-
cimento das esferas de influência que permitisse aos Contando com um Congresso disposto a cortar
soviéticos sua presença política no cenário mundial. nas despesas militares e a reduzir taxas, Truman
Se foi fácil para Truman livrar-se dos liberais retô- enfrenta nova crise internacional, que acelera o pro-
ricos, não foi tão simples enfrentar outro tipo de cesso de tomada de decisões sobre a política externa.
oposição bem mais enraizada, aquela que provinha Em fevereiro de 1947 a Inglaterra faz saber ao go-
QOsisolacionistas, sempre contrários a qualquer tipo 'vemo dos Estados Unidos que a situação da guerra
de envolvimento em alianças externas que compro- ' civil na Grécia atingia tal grau de deterioração que
metessem suas expectativas de retomar os pequenos era possível prever a queda do governo e a vitória dos
contingentes militares de antes da guerra. Tais posi- comunistas. Até aquele momento a Inglaterra havia
ções recebiam reforços de grupos pacifistas, .religio- sustentado uma política de ajuda econômica e militar
sos, sindicalistas e outros que se recusavam a aceitar ao governo grego, mas agora, em decorrência de suas
as propostas de recrutamento militar universal, e próprias crises internas, não mais seria possível qual-
também daqueles grupos cuja descrença na ajuda quer tipo de ajuda e os ingleses anunciavam sua total
econômica para recuperação das áreas devastadas suspensão das atividades e créditos naquela região.
pela guerra tornava cada vez mais necessária uma Idênticas medidas seriam tomadas em relação à Tur-
ampla campanha de convencimento interno. quia. E a nota inglesa terminava manifestando a
E a campanha daria o tom do que seria por esperança de que os Estados Unidos assumissem tais
algum tempo a propaganda oficial. Falando em abril obrigações em virtude da importância estratégica
86 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 87

daquelas regiões para o domínio do mar Mediterrâ- neCeSSàf10Sà ajuda econômica para Grécia e Tur-
neo e a proximidade do Oriente Médio. quia, a referência maior dizia respeito ao confronto
Na vetdade, a questão da Grécia e da Turquia ideológico entre Estados Unidos e União Soviética:
era somente um sintoma da grave crise econômica
que atingia a Inglaterra e a Europa Ocidental, cada "No momento atual dahistôriauniversal prati-
vez mais evidente nestes dois anos após o término da camente todas as nações têm de decidir entre
guerra. A situação econômica agravada tornou-se dois modos de vida alternativos, e essa escolha
crítica, com as tempestades de neve que assolaram a não é fÍ-eqüentemente feita de modo livre.
Europa naquele inverno e praticamente paralisaram Uma maneira de viver é baseada na vontade da:
a Inglaterra com crise de carvão, de energia, fábricas maioria e distingue-se pela existência de insti-
fechadas, racionamento de alimentos, interrupção tuições livres, governo representativo, eleições li-
dos transportes e o desemprego assumindo propor- vres, garantias de liberdade individual, liber-
ções alarmantes com a estagnação quase total da dade de opinião e de religião e ausência de'
economia. opressão política.
Nos círculos governamentais de Washington, . O segundo modo de vida baseia-se na vontade
principalmente no Departamento de Estado, acredi- de uma minoria imposta pela força a uma maio-
tava-se que a queda da Grécia teria um efeito-de- ria. Ele repousa no terror e na opressão, no con-
monstração imprevisível na Turquia, no Irã e prova- trole da imprensa e do rádio, em eleições frau-
velmente até na Itália e França. Não havia dúvidas dadas e na supressão das liberdades pessoais.
quanto à necessidade não só da ajuda econômica Acredito que deva ser a política dos Estados
imediata, mas também de um plano de recuperação Unidos apoiar os povos livres que estão resis-
maisefetivo para a Europa OCidental. A questão era tindo à tentativa de subjugação por minorias
como convencer o Congresso destas necessidades, • armadas ou por pressões externas" (Emest
tarefa que Truman e o secretário de Estado George May[org.], pp. 193-196).
Marshall assumiram, propondo-se ao esclarecimento
público daquilo que consideravam como um "real Com esta Mensagem ficavam dissipadas todas
esforço para proteger a segurança dos Estados Uni- as dúvidas e divergências internas quanto ao rumo
dos reforçando a capacidade dos povos de resistir à <t que deveria tomar a política externa dos Estados
agressão e à subversão comunista". '" . Unidos, a partir dali guiada pelos princípios expli-
Assim, quando Truman compareceu ao Con- citados no que se tornou conhecido como a Doutrina
gresso a 12 de março de 1947 para solicitar créditos Truman. Anos depois, Kennan e outros conselheiros
88 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 89

negaram que a Mensagem tivesse tal intenção e se que manobre para bloquear a recuperação de
destinasse a estabelecer uma política de comprome- outros países não pode esperar nossa ajuda.
timento dos Estados. Unidos em relação a todo e Ainda mais, governos, partidos políticos ou gru-
qualquer tipo de governo ao redor do mundo que pos que busquem perpetuar a miséria humana a
combatesse 'o comunismo. Entretanto, aquilo que se fim 'de se beneficiar politicamente encontrarão
dizia ser apenas uma política específica para enfren- a oposição dos Estados Unidos" .
\
tar uma situação localizada tornou-se uma armadi-
lha que comprometeu e criou precedentes para ações A proposta de Marshall foi imediata e entusias-
futuras, e como tal foi entendida por várias nações ticamente aceita em Londres e Paris, sendo difícil
em várias partes do globo e, ~usiv!:, Qela imprensa saber as reações e as expectativas em Moscou. A
norte-americana . análise marxista de que a crise capitalista do pós-
..--. política de "contenção" da Rússia certamente guerra contribuiria para o enfraquecimento da maio-
não podia ficar restrita à Grécia e Turquia e por isto ria dos países europeus com nova depressão e graves
mesmo a interpretação implícita do conteúdo da f conseqüências sociais parece ter sido a idéia domi-
Mensagem de Truman firmou doutrina e representa nante entre os russos, que esperavam a derrocada do
o momento histórico em que a Guerra Fria tornou- capitalismo para muito breve. Algumas observações
se realidade nas relações internacionais, a partir dali de Varga, economista russo, assinalando que tal de-
compreendidas não mais em termos apenas de áreas pressão não era tão iminente quanto se pensava,
de influência mas de blocos de nações alinhadas com foram rechaçadas e censuradas. Quando os chance-
uma ou outra das superpgtências~- - leres se encontraram em Paris, a posição soviética foi
-oTSomente em junho de 1947 que o secretário de recusa em participar de qualquer programa de
de Estado George Marshall anunciou a intenção de recuperação européia, sob a alegação de que tal pro-
um plano de assistência econômica e social a ser grama representaria uma violação da soberania na-
discutido com os governos europeus: cional. Nenhum país sob influência soviética aceitou
comparecer à conferência onde se decidiu a criação
"Nossa política é dirigida não contra qualquer de um Comitê para a Cooperação Econômica. Final-
país ou doutrina mas contra a fome, a pobreza, mente a Europa estava dividida e as condições nas
o desespero e o caos ... qualquer governo que de- quais a Guerra Fria se desenvolveria estavam deli-
sejar assistência na tarefa de recuperação achará neadas.
toda a cooperação, estou certo, por parte do go- Paralelo ao desenvolvimento da recuperação

l verno dos Estados Unidos. Qualquer governo européia através do chamado Plano Marshall as re-
90 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 91

lações Leste-Oeste continuaram tensas, como rom- Fria", usado por Walter Lippmann, especialista
pimento quase total das comunicações entre as par- norte-americano em assuntos internacionais, como
tes, tal a violência das.xíeclarações e notas diplo- título de um livro seu sobre a situação mundial, pas-
máticas reciprocas. De fato, os Estados Unidos con- sou a ser utilizado correntemente para designar as
tinuaram a manter uma embaixada em Moscou e os relações entre os Estados Unidos e a União Soviética,
russos outra em Washington, mas seus diplomatas principalmente quando, em junho de 1948, os russos
e funcionários viviam praticamente isolados e impe- começaram a suspender os suprimentos e as comu-
didos de qualquer comunicação com a sociedade na nicações entre Berlim e as zonas ocidentais de ocu-
qual se encontravam. Na verdade as notas de denún- pação da Alemanha.
cia mútua tornadas públicas em várias ocasiões pa- O bloqueio de Berlim, situada geograficamente
recem ter sido a única forma de-comunicação entre . dentro da zona de ocupação soviética, na prática se
as duas partes durante aqueles primeiros anos. traduzia em cortar suprimentos de carvão, energia
Do lado soviético a resposta foi a reativação do elétrica e transportes à população da zona ocidental
Cominform, que consistia na união de todos os Par- da cidade. Em termos políticos significava um desa-
tidos Comunistas europeus e em novembro de 1947 fio russo aos ocidentais quanto ao direito de ali per-
terminou sua Conferência com um comunicado que manecerem. O transporte aéreo de todas as necessi-
parecia ser o reverso da Doutrina Truman: dades dos berlinenses,pelos norte-americanos, fez
perdurar o irnpasse até maio de 1949, quando o blo-
... "dois campos opostos se formaram: de um queio foi suspenso.
lado a política da União Soviética e dos países O incidente traduziu a cristalização das posições
democráticos direcionada a anular o imperia- assumidas até ali por ambas as partes, mostrou a
lismo e fortalecer a democracia, do outro lado a determinação dos ocidentais de defender suas posi-
política dos Estados Unidos e da Inglaterra, ções e ao mesmo tempo evidenciou o ponto -fraco
direcionada ao fortalecimento do imperialismo destas disputas - a ocupação de Berlim, que se
e anulação da democracia ... O Plano Truman- tornaria o principal foco de tensões da Guerra Fria,
Marshall é somente uma das partes, a seção eu- com a repetição de uma série de crises que sempre
ropéia de um plano geral de uma política expan- . colocavam o mundo à beira da eclosão da guerra
sionista mundiallevada avante em todas as par- nuclear, parecendo testar a cada momento as forças
tes do mundo' . dà contenção e da expansão de parte a parte.
Em decorrência do bloqueio os Estados Unidos
E é a partir desta época que o termo "Guerra conseguirain acordos militares para estacionar bom-
92 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 93

bardeiros norte-americanos na Inglaterra, e novas re- paralelo 38, que separava as duas Coréias, no Ex-
messas de equipamentos militares começaram a ser tremo Oriente, atingiu as proporções de alarme total,
transferidas às nações da Europa Ocidental. Todos forçando e estendendo os limites da Guerra Fria para
estes arranjos militares foram ratificados, em abril proporções realmente mundiais. Um dos exemplos
de 1949, pela assinatura do Tratado da Organização do estado de pânico total que dominou a sociedade
do Atlântico Norte (OTAN) entre as nações da Eu- norte-americana naqueles anos iniciais da década foi
ropa Ocidental. Ficava. evidente o impasse militar - a "cruzada í anticomunista", que levou o nome de
se a URSS possuía a superioridade do ataque militar McCartismó por causa do Senador McCarthy, líder
em Berlim, os bombardeiros norte-americanos po- do movimento conservador e nacionalista que insistia
diam atingir qualquer cidade russa com bombas nu- em denunciar nas Comissões Especiais de Investi-
cleares iguais às que haviam destruído Hiroshima. gação de Atividades Antiamericanas cidadãos de vá-
Naquele momento todas as barreiras da opo- rias tendências progressistas e liberais sob acusações
sição interna a este tipo de envolvimento dos Estados de atitudes e práticas subversivas. No auge da pro-
Unidos nas disputas internacionais, que pareciam paganda anti-soviética e nos momentos de tensão da
conduzir o país às circunstâncias anteriores à guerra, Guerra da Coréia esta "caça às bruxas" significou o
haviam sido vencidas. Importante é reconhecer a sintoma mais dramático da radicalização a que se
força do ingrediente ideológico, explorado pela pro- chegou nos piores anos da Guerra Fria.
paganda oficial, de que se tratava de uma "cruzada
da democracia para vencer o comunismo". Este "'
apelo ideológico se acentuou quando, em setembro
de 1949, a União Soviética, antecipando-se às expec-
tativas, produziu com sucesso sua primeira explosão
atômica, quebrando o monopólio norte-americano
das armas nucleares.
Por outro lado, se a vitória dos comunistas de
Mao-Tse-Tungproclamando, em outubro de 1949, a
República Popular da China e empurrando os nacio-
nalistas de Chiang-Kai-Shek para a ilha Formosa
.não contribuiu senão para acirrar os ânimos, a sur-
presa diante do ataque de tropas comunistas da Co-
réia do Norte em junho de 1950, cruzando a linha do
li
A Guerra Fria 95

era tensa.
Neste sentido, por exemplo, o ano de 1956,
quando ocorreram muitos destes incidentes, pode ser
considerado como o ano da virada nas relações Es-
tados Unidos e União Soviética. Desde as primeiras
conversações de Genebra, no ano· anterior, sobre os
usos e abusos da energia atômica, apesar dos fracas-
sos iniciais, e inegável que alguns sintomas de abran-
damento das relações estavam presentes quando a
CONCLUSÃO União Soviética concordou com a retirada da Áus-
tria, restabelecendo sua total independência, apro-
ximou-se da República Federal da Alemanha, para
estabelecer com ela relações diplomáticas normais, e
A mudança de governo nos Estados Unidos, o tom das relações começa a ser o da possibilidade de
com a posse de Eisenhower, e a morte de Stalin em uma "coexistência pacífica". Isto era possível porque
Moscou, ambas em 1953, não podem deixar de ser os dois grandes .passaram a possuir arsenais apro-
consideradas como eventos de importância no deli- ximadamente equivalentes quanto à potência dos ar-
near da política destes países nos anos que se segui- tefatos e quanto à sua diversificação. Cada um tinha
ram, mesmo reconhecendo que as crises internacio- a possibilidade de destruir o outro, porém sabia que
nais não haviam terminado e que a corrida arma- não poderia evitar sua própria destruição (Claude
mentista ainda irá predominar por alguns anos como Delmas, p. 87).
uma poderosa razão de ser nas relações entre os Durante a Conferência de Ministros, de agosto
países. Questões como a do rearmamento da Alema- de 1959, depois de sinais de parte a parte na direção
nha e sua participação na OTAN, a organização do da busca da paz, foi anunciado simultaneamente que
Pacto de Vars6via corrio forma de aliança defensiva Kruschev e Eisenhower haviam resolvido aceitar os
dos países comunistas, as revoluções na Hungria e na convites para visitas recíprocas. Em setembro Krus-
Polônia, o crescente envolvimento dos Estados U ni- chev chegava aos Estados Unidos anunciando que
dos no Sudeste asiático e principalmente a questão estava "na América para acabar com a Guerra Fria".
dos mísseis nucleares em Cuba, cada uma delas Em discurso nas Nações Unidas, debaixo de prolon-
merecendo um estudo mais detalhado, continuaram gados aplausos, propôs "completo e universal desar-
a acontecer, como sintomas de que a situação ainda mamento para ser conseguido dentro de quatro
96 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria . 97'

anos". Não é necessário dizer que a visita foi um total estabelecimento de um "telefone vermelho" entre
sucesso, com declarações de amizade, visitas à costa Washington e Moscou, de maneira a que cada um
oeste, passeios turísticos e longos passeios na fazenda dos dois governantes "pudesse ser informado da pers-
de Eisenhower e prbmessas de retribuição da visita pectiva e das intenções do outro: não era mais possí-
antes mesmo do encontro marcado para Paris, em vel a ocorrência de um erro de cálculo ou de inter-
maio de 1960, com agenda de discussão fixada como pretação". Era mais um instrumento que se buscava
sendo a de discutir i-'os principais problemas afe- construir na'tentativa de assegurar a paz e bem mos-
tando- o estabelecimento da paz e da estabilidade no tra o tipo de equilíbrio possível.
mundo". Mas, quando em agosto de 1963 a União Sovié-
Poucos dias antes de a Conferência se reunir um tica e os Estados Unidos assinaram um tratado para
incidente afetaria todos os preparativos. A 5 de maio pôr fim à corrida armamentista esta~~l\'ida uma
de 1960, Kruschev anuncia a queda de um avião U-2 das principais questões da Guerra Fria: ou seja, o
em missão de espionagem, no espaço aéreo soviético. reconhecimento do equilíbrio de poder, ainda que
As discussões em torno deste tipo de missão fizeram "(
este fosse o equilíbrio do terror e a paz pelo medo.
renascer antigas tensões e a Conferência terminou Assim, esta' tentativa de compreender a peculia-
antes de começar, em parte devido ao endurecimento ridade histórica deste conflito que se chamou Guerra
das posições na explicação do incidente. A visita de Fria termina por reconhecer o paradoxo aqui anali-
Eisenhower foi adiada, a Conferência encerrada de- sado: o desenvolvimento de armas nucleares as mais
baixo dos prognósticos mais pessimistas sobre o fu- modernas serviu para impedir a guerra em escala
turo das relações internacionais.' A escalada diplo- mundial e ao mesmo tempo para colocar o mundo
mática de marchas e contramarchas, notas. e pro- diante do perigo de destruição total. As motivações'
testos avançara muito para que se pudesse sentar à de expansão, ampliação de áreas de influência e de
mesa em busca da paz, e serviu para mostrar a preca- conquista da hegemonia mundial conduziram as di-
riedade da organização internaeional. versas potências a muitos destes impasses cuja solu-
Vencidas as crises do Congo, em 1960, e a dos ção exige a cada momento da conjuntura ajustes e
mísseis em Cuba, em 1962, experimentando ao má- reajustes nem sempre tão pacíficos. -
ximo as tensões da escalada e onde. ficara evidente
que cada um possuía os meios para se exterminarem
mutuamente, era preciso apenas trabalhar no sen-
\ tido de limitar as possibilidades de um confronto de
I extermínio. Em junho de 1963 se decidiu sobre o
II
A Guerra Fria 99

dos no Anuário Soviético de Direito Internacional, os


pontos de vista soviéticos são raramente conhecidos,
não indo além dos discursos oficiais ou das notas
também oficiais inseri das nos jornais russos.
Assim, as indicações apresentadas aqui, ainda
que não exprimam a riqueza desta literatura produ-
zida sobre 'a Guerra Fria, traduzem algumas das
J características apontadas como significativas para a
compreensão do assunto. Dos artigos da coletânea
INDICAÇÕES PARA LEITURA organizada por David Horowitz, Revolução e Repres-
são, (Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1969) inegavel-
mente os mais elucidativos são os de Isaac Deutscher,
"Os Mitos da Guerra Fria" e de Tod Gitlin, "Contra
Como se afirmou no corpo do trabalho, é vasta a '~
Insurreição: Mito e Realidade na Grécia", ainda que
bibliografia sobre vários dos aspectos mais gerais da os outros possam fornecer também subsídios aos
política internacional e também dos tópicos mais interessados em assuntos mais detalhados.
específicos que envolvem .as ,questões essenciais' do O capítulo sobre "As Origens da Guerra Fria",
tema da Guerra Fria. O mais difícil é encontrar do livro de Arthur M. Schlesinger Jr., A Crise de
traduções destas obras para o português, principal- Confiança (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
mente aquelas relacionadas, por exemplo, às crises 1970), discute muito da questão historiogrâfica e do
da Guerra Fria ou mesmo. a todo o conjunto de me- I papel que representou a Guerra Fria na produção
m6rias de personalidades envolvidas nestes inciden- intelectual norte-americana, principalmente a de li-
'tes, ou que participaram das tomadas de decisões berais como ele. Na mesma direção, o artigo de
políticas, no período. Louis Morton, "A Guerra Fria e a Cultura Norte-
Além disto, os organismos internacionais como americana", inserido na História e Diplomacia, or-
a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organi- ganizado por Francis L. Loeweheim (Rio de Janeiro,
zação do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a Or- Zahar, 1969), examina esta correlação entre os histo-
ganização do Pacto de Vars6via e outras não tratam 4 riadores e o. contexto em que produziram suas obras,
de assuntos políticosem-suas publicações, limitando- no caso a Guerra Fria.
se às comunicações oficiais; documentos aprovados Sobre os aspectos da guerra nuclear, o estudo do
etc., e exceto por alguns poucos documentos inseri- francês Claude Delmas, Armamentos Nucleares e
100 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 101

Guerra Fria (São Paulo, Editora Perspectiva, Cole- America, 1945-1960, Nova Iorque, Vintage
ção Khronos, n? 10, 1979), pelo próprio. objetivo da Books, 1965.
obra, representa o que há de acessível e sistemati- HALLE, Louis. The Co/d War as History, Nova Ior-
zado em português sobre o tema. O" livro de Gar que, Harper & Row Publishers, 1967.
Alperovitz, Diplomacia Atômica {Rio de Janeiro, KENNAN, George. American Diplomacy, 1900/
Editora Saga, 1969), discute todos os antecedentes 1950, Mentor Book, 1951.
diplomáticos da decisão de usar a bomba atômica KENNAN,IGeorge. Memoirs, Nova Iorque, Bantam
como instrumento de política no confronto do poder Books, 1967.
americano com o soviético. KOLKO, GabrieL The Politics of War. The War
A obra de Carl Oglesby e Richard Schaull, Rea- and United States Foreign Policy, 1943/1945,
ção e Mudança (Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, Nova Iorque, Vintage Books, 1968.
C.f) 1968), é bastante representativa do momento tumul- LASCH, Christopher. The World of Nations. Reflec-
::> tuado que viveu a sociedade norte-americana du- tions on American History, Politics and Culture,
<, rante o período da guerra do Vietnã, em que os mitos 9 Nova Iorque, Vintage Books, 1~74.
-rr-
da intervenção militar como garantia da salvaguarda LUCKÃCS, John. A New History of the Cold War,
o
..J
de segurança interna, contra a ameaça do comu- Nova Iorque, Anchor Books, 3~ ed., 1966.
nismo soviético, começaram a ruir e a ser questiona- MAY, E. (org.). Grandes Debates da Política Exte-
dos por toda uma camada da população. rior Norte-Americana, Record, Rio de Janeiro .
••.•.. Além destes, foram os seguintes os livros usados:
<, SCHURMANN, Franz. The Logic of the World Po-
O wer, Nova Iorque, Pantheon Books, 1974.
J)
BAILEY, Thomas A. A Diplomatic History of the STEEL, Ronald. Pax Americana, Nova Iorque, Vi-
American People, Nova Iorque , Meredith Pu- king Book, 1967.
-
fi)
blishing Company, 7~ ed., 1964. WILLIAMS, William A. The Tragedy of American
CHOMSKY, Noam. "The-·New Cold War", Radical Diplomacy, Nova Iorque, Delta Book, 1959.
America, vol, 15, n? 1/2, 1981.
FLEMING, D. F. The Cold War and its Origins,
1917-1960,2 vols., Garden City, 1961.
GADDIS, John Lewis. The United States and the 4
Origins of the Cold War, Nova Iorque, Colum-
bia University Press, 1972.
GOLDMAN, Eric F. The Cru dai Decade and After,
.l
•,
.
,

GRAtmES CRISES CRONOLOGIA


DA GUERRA FRIA
1945
'4 a 11 de fevereiro -- Conferência de Yalta,
12 de abril -- Morte de Roosevelt, Truman assume a Presi-
1945/1947 Turquia dência dos Estados U~os_ .
1945/1949 Grécia 2S de abril -- Encontro das tropas americanas e russas no
1945/1946 e Elba_
1951/1953 -- Irã li
2S de abril -- Abre-se a Conferência de. São Francisco para
1946/1954 -- Indochina instalação da Organização das Nações Unidas.
1948 -- Finlândia 8 de maio -- Rendição da Alemanha -- Dia da Vit6ria.
1948 e 1953 -- Iugoslávia 16 de julho -- Primeiro teste atômico norte-americano.
1948 -- Tcheco-Eslovâquia 17 a 2S de julho -- Conferência de Potsdam.
1950/1953 -- Corêia 6 de agosto Bomba atômica em Hiroshima.
1954 -- Guatemala 8 de agosto -- União Soviética declara guerra ao Japão.
1956 -- Polônia 9 de agosto -- Bomba atômica em Nagasaki,
1956 -- Hungria e Suez 15 de agosto -- Rendição do Japão.
1957 -- Jordânia setembro Primeira reunião do Conselho de Ministros do
1958 -- Síria e Líbano -, Exterior em Londres.
1958 -- Iraque dezembro Reunião do Conselho de Ministros em Moscou,
1960 -- Tibete
1960/1962 -- Himalaia t 1946
1961/1962 -- Cuba 5 de março -- Discurso de Churchill em Fulton, Missouri: a
1948/1949 e "cortina de ferro".
1953 e maio -- Tropas russas deixam o Irã, por resolução do
1958/1960 -- Berlim Conselho de Segurança da ONU.

li
104 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 105

julho-dezembro -Tratados de paz com Itália, Hungria, Rumâ- 1953


nia, Bulgária e Finlândia. janeiro Eisenhower torna posse na Presidência dos Es-
tados Unidos e propõe desarmamento.
1947. 6 de março Morte de Stalin.
12 de março Discurso de Truman propondo ajuda à Turquia julho Armistício na Coréia.
e à Grécia - a Doutrina Truman. agosto Explosão termonuclear russa/fim do monopó-
5 de junho Anunciado o Plano Marshall. lio nuclear. .
agosto Governo comunista instala-se na Hungria. agosto Golpe no Irã.
2 de agosto União Soviética rejeita o Plano Marshall.
outubro/novembro OrgaíÍiza-se o Cominform - união dos Parti- 1. 1954
dos Comunistas europeus. abril/junho Atinge o auge a onda anticomunista do McCar-
\' tisrno.
1948 junho Golpe na Guatemala - intervenção norte-ame-
2S de fevereiro Governo comunista assume o controle na Tche- ricana ..
co-Eslovâquia, julho Conferência de Genebra sobre a Coréia e a In-
junho Iugoslávia excluída do Cominform. dochina.
junho Bloqueio de Berlim. 3 de outubro Acordos sobre o rearmamento da Alemanha e
sua entrada para a OTAN.
1949
março/ agosto Tratado do Atlântico Norte. 1955
maio Levanta-se o bloqueio de Berlim. abril/maio Tratado de paz com a Áustria.
setembro URSS explode sua primeira bomba atômica. abril Conferência dos povos afro-asiáticos em Ban-
outubro Proclamada a República Popular da China. ,I
dung.
outubro Proclamada a República Federal Alemã.
\
maio Alemanha entra para a OTAN.
14 de maio Países comunistas assinam o Pacto de Varsóvia.
1950 agosto Conferência sobre energia atômica em Genebra.
janeiro Estados Unidos começam a fabricação da Bom- outubro Explosões atômicas inglesas.
baH. novembro Testada a capacidade russa de lançar bombas
fevereiro/ maio Primeiras manifestações do McCartismo nos de grandes altitudes.
Estados Unidos.
2S de junho Começa a guerra na Coréia. 1956
outubro Invasão da Coréia do Norte. fevereiro XX Congresso do PC soviético.
Kruschev investe contra Stalin.
1951 abril Dissolução do Cominform.
setembro Tratado de paz Washington/Tóquio. julho Nacionalização do canal de Suez.
outubro Novas explosões atômicas russas. outubro/ novembro Rebeliões na Pclônia e na Hungria contra o
~, controle soviético.
1952 novembro Rússia intervém na Hungria.
outubro Primeira explosão atômica inglesa. Inglaterra e França intervêm em Suez.

l
novembro Explosão da primeira bomba H nos Estados
Unidos.
106 Déa Ribeiro Fenelon A Guerra Fria 107

I 1957 1963
agosto Lançamento dos primeiros mísseis interconti- agosto Tratado de Moscou sobre a interdição de pro-
nentais russos. vas nucleares.
outubro União Soviética lança o primeiro sputnik . maio Acordo americano-soviético de cooperação para
a utilização pacifica da energia nuclear.
1958 junho Acordo americano- soviético sobre o uso do "te-
julho Segunda crise sobre Berlim. lefone vermelho" .
Intervenção dos Estados Unidos no Líbano.
setembro Segunda Conferência de Genebra sobre 'energia
atÔmié"a.

1959
janeiro Revolução de Castro vitoriosa em Cuba.
setembro Kruschev visita os Estados Unidos.

1960
fevereiro Explode a primeira bomba atômica francesa.
maio União Soviética propõe suspensão dos testes nu-
cleares. ,lil
maio Avião U-2 norte-americano é abatido sobre a
URSS.
dezembro Formada a Frente Nacional de Libertação no
Vietnã do Sul.

1961
janeiro - Rompimento de relações diplomáticas entre os
Estados Unidos, e Cuba.
janeiro Kennedy assume a Presidência dos Estados ~l\\
\
Unidos.
março Anunciado o plano da Aliança para o Pro-
gresso.
abril - Desembarque frustrado de exilados cubanos,
com ajuda 'norte-americana, na baía dos Por-
cos, em Cuba.
junho - Encontro Kennedy- Kruschev em Viena.
dezembro - Assembléia Geral da ONU adota resoluçãoso-
bre difusão de armas nucleares. .~
dezembro - Albânia rompe relações com a URSS.

1962
Crise dos mísseissoviéticos em Cuba.
setembro/novembro -
-
lt
,
COLEÇÃO TUDO É HISTÓRIA
SEr" H~,
1 • AI Independências na Amé· Salinas Fortes 23 - Movimento em 1910 M. A. Silva 44 - Afro..
AQUI.s:,.( • ~ ... ~ \.AlOR rica Latina Leon Pomer 2 . A estudantil no Brasil Antonio Men- América: a escravidão no Novo
crise do escravlsmo e a grande des Jr. 24 - A comuna de Paris Mundo Ciro F. Cardoso 45 . A
.~·L'~ imlgraçio P. Belquefrnen 3 . A H. González 25 - A rebelião
luta contra a metrópole (A:sla e . Praieira Izabel Marson 26 - A pri-
Igreja nCl Brasll·Colônla Eduardo
Hocrnaert 46 . Militarismo na
~.~(.~ África) M', Yedda Unhares 4 . O mavera de Praga Sonia Goldfeder América Latina Clóvis Bosal 47 -
populismo na América Latina M. 27 - A construção do socialismo Bandeirantlsmo: verso e reverso
Ligia Prado 5 • A revolução chio na China D. Aarão Reis FI lho Canoa Henrique Davidoff. 48 -
JQ.1.f.~.19~
DATA ... r Ó,
I I) "O .J'.:iS:-:l3 . nesa Q. Aarão Reis Filho 6 • O
cangaço Oarloa A. Dória 7 • Mer·
28 - Opulência e miséria nas
Minas Gerais Laura Vergueiro
O Governo Goulart e o golpe
do 64 Calo N. de Toledo 49 - A
cantllismo e transição Francisco 29 - A burguesia brasileira Jacob Inqulslção Anlta Novlnsky 50 - A
Falcon 8 • As revoluções burgue- Gorender 30 - O governo Jânlo poesia árabe mod.erna e o .Brasll
sas M. Florenzano 9 • Paris 1968: Quadros M. Victória Mesquita Sümanl Zeghldour 51 - O Nasci-
as barricadas do desejo Olgárla Benevides 31 _ Revolução e mento das Fébrlcas Edgar S. de
C. F. Matos 10 • Nordeste Insur- guerra civil espanhola Angela M. Deeea 52 • Londres e Paris no
gente (1850.1890) Hamilton M. Almeida 32 - A legislação ne- Século XIX Mana Stella Martlns
Monteiro 11 • A revoluçio lndus- balhista no Brasil Kazumi Muna- Breseianl 53 - Oriente Médio e u
Sobre. a Autora trlal Francisco Igléslas. 12 . Os kata 33 - Os crimes da paiXão Mundo dos Árabes Morla Vedda
qullombos e a rebelião negra Mariza Corrêa 34 - As cruzadas Unhares 54 - A Autogestio
Clóvis Maura 13 - O coronelisino Hilárto Franco Jr. 35 " formação lugoslava aeruno Nobrega de
M. de Lourdes Janotti 14 - O do 3'- mundo Ladislau Dowbor Oueiroz S5 - O golpe de 1954:'
governo J. Kubitscheck Blcardo 36 - O Egito antigo Ciro F. Car- A Burguesia contra o Popul,smo
Desde 1975 pertence ao corpo docente do Instituto de Filosofia e Maranhão 1S - O movimento de doso 37 - Revolução cubana Abe- Armando Boito Jr. 56 - Elefç6es e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, tendo parti- 1932 Maria H. Capelato 16 . A lardo BlancojCarlos A. Dórta 38 . fraude. eleltorala na República
América prê-cclomblana C. Fla- O imigrante e a pequena pro Velha Rodolpho Telàrolll 57 - O.
cipado da criação dos Cursos de Gradução e Pós-Graduação em História marlon Cardoso 17 - A abolição priedade M. Thereza Schorer Pe· jesuilaS José Cartos Sebe 58 • A
da escravidão Suely A. A. de trone 39 - O mundo antigo: eco- república de Weimar e a eseen-
dessa Universidade, onde coordena atualmente o Curso de Mestrado em Oueiroz 18 - A Proclamação da nomia e sociedade M. Beatrlz B. são do nazismo Angela M. AI-
História e um Projeto de Pesquisa sobre a Industrialização Brasileira República J. ~nlo Casalecchl 19 - Florenzanc 40 - Guerra civil eme-
ricana Peter l. Eisenberg 41
meida S9 - A reforma agrirla ~
Nicarágua Oláudlo .T. Bornatelri
A revolta' de Princesa Inês C.
realizado em convênio da FINEP com o Departamento de História. Rodrlgues 20 • História polftica Cultura e participação nos anos 60 - Teatro Oficina Fernando Pel-
do futebol brasileiro J. Ruflno 60 Heloisa B. de Hollanda 42 . xoto 61 . Rúo.la (t9t7.t92iJ
Formada em História pela Universidade Federal de Minas Gerais dos Santos 21 _A Nicarágua san- Revolução de 1930: a dominação Anos Vermelhos Danlel A. R. FI-
(UFMG), ali também se doutorou, em 1973, defendendo tese sobre as dlnista Marlsa Mareg9 22 . O llu- oculta {talo Tronca 43 ~ Contra a lho 62 • Revoluçlo MexaM
minlsmo e os rais filósofos l. A. chibáta: marinheiros brasileiros (1910-1917) Anns M. M.· Corrê•.
idéias e práticas econômicas de Cairo e Hamilton, na formação dos Es-
tados nacionais, depois de realizar cursos de pós-graduação e pesquisa
nos Estados Unidos, na Duke University, na Carolina do Norte, e na A SAIR:
School of Advanced International Studies, em Washington, D,C. Per-
tenceu aos Departamentos de História da Universidade Federal de Minas A BalaJadaM. de Lourdes Janotti 1935 P. Sergio Pinheiro A re- Madeira Mamoré - A ferro-
Gerais e da Universidade de Brasília, e sempre se interessou pelos pro- A chanchada no cinema brastlet- volução moçambicana Danlel A. via fantasma Franclscc Foot
ro AfrAnio Mendes CatanljJosé Reis Filho Arte e poder no Hardman O AIoS Márcio M. Alves
blemas de formação do profissional de História, participando de vários Ináclo de M. Souza A crise de Brasil Imperial Haroldo Camargo O estado absolutista Fernando
simpôsios e mesas-redondas sobre o assunto. 1929 Adalberto Marson A coloni· As internacionais operárias M. Novata O Estado Novo Maria S.
zação nas Américas Fernando Tragtenberg As ligas campone- Bresciane O fascismo Arnaldo
Tem vários artigos publicados, organizou a coletânea 50 Textos Novais A civilização do acõcer eas e o movimento camponês Contier O Feudalismo Hllário
Vera Ferllnl A crise do petróleo no Nordeste Aspásia Camargo Franco Jr. O macarthlsmo Wladlr
de História do Brasil, participando, em 1983, como professor visitante no Bernardo Kucinskl A democracia As lutas da independência no Dupont O modernismo Alexandre
Curso de Mestrado em História da Universidade Autônoma Metropo- atenlense F. M. Pires/Paulo P. Brasil Eni de Mesquita As opo- Eulálio O Popullsmo Russo Luiz
Castro A economia cafeelra J, R.: sições civis na crise da Repú- Eduardo Prado Os caipiras de
litana, na Cidade do México. Amaral Lapa A etiqueta na so- blica Velha Paulo G. Faqundes São Paulo C. R. Brandão Os lati-
ciedade de corte Renato Janine Vlzentlni As revoltas Indigenas fundlárl08 lulz Maklouf Oarve-
Ribeiro A guerra dos farrapos no Brasil Lalma Mesgravis Capi- Iho/Wladimir Pomar Os movi·
Antonio Mendes Jr. A guerra. fria tal Monopollsta no Brasil Maria mentos de cultura popular no
Déa Fenelon A história das cor- de Lourdes Manzini Covre Fome Brasil C. R. Brandão Padre Cf·
porações multlnaclonsls Warren e tensões na sociedade colonial eere, o mllagrelro Carlos A. Dó-
Caro leitor: Dean A história do eepetâculn e
encenação Fernanda Peixoto A
Maria O. Leite Guerra do Vietnã
Paulo Chacon História contem-
ria Poder e televisão Antonio
Alves Cury Previdência Social no
Se você tiver alguma sugestão de novos títulos para história do P.C.B. Silvia Magna· porânea ibérica Francisco Falcon Brasil Amélia Cohn Reforma
nl A Independência dos EUA Suo História da educação brasileira agrária no Brasil colônia teo-
as nossas coleções, por favor nos envie. Novas idéias, zan Anne Semler A Industriali- Mirian Jorge we-de História da poldo Collor Joblm Revoluçio
zação brasileira Francisco Iglé- escola Eliana Marta S. T. Lopes
novos títulos ou mesmo uma "segunda visão" de um slas Amerlcan way life chega ao História da sociologia brasileira
clentfflca José Aluyslo Reis de
Andrade Revolução dos cravos
já publicado serão sempre bem recebidos. Brasil Gerson MOllfa A rederno-
eratlzação brasileira: 1942-1948
Gabriel Cohn História de Holly·
wood Sheila Mezan História do
Mauro de Mello Leonel Jr. S.'
lazar e o Estado Novo português
Carlos Hendque Davldaff Are- feminismo B. Moreira AlvesjJ. Maria Lutea Paschkes.

) democratização espanhola Regi-


naldo C. Moraes A revolução de
Pitanguy História do pensamento
econômico no Brasil J. EII Veiga

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