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CAPÍTULO
Fronteiras estratégicas e
disputas territoriais

As fronteiras estratégicas
Durante o período da cha-
mada Guerra Fria, Estados A soberania do Estado está restrita ao território delimitado pelas fronteiras
Unidos e União Soviética, su- nacionais. No plano internacional, não existe um poder geral ou um “governo
perpotências surgidas após mundial” capaz de submeter os Estados a suas leis e regras. O sistema internacio-
a Segunda Guerra Mundial, nal de Estados é formado por unidades geopolíticas soberanas que cooperam ou
ampliaram suas fronteiras entram em conflito de acordo com o que definem ser seus interesses particulares.
estratégicas por meio de Um dos meios de redução da insegurança que surge desses conflitos – que
alianças militares, políticas podem ser de natureza econômica, militar ou territorial, entre outros motivos –
e econômicas. No final do
é a ampliação do próprio poder, concebido em termos econômicos, territoriais,
século XX, a queda do Muro
demográficos, estratégicos, militares ou culturais. Por isso, os Estados protegem
de Berlim e o colapso da
União Soviética colocaram da concorrência externa setores da economia considerados vitais, financiam a
fim a essa ordem e iniciaram pesquisa e a produção de arsenais de armas modernas e difundem sua língua e
uma nova, na qual os Estados seus valores por meio da propaganda oficial e de produtos de sua indústria cultural.
Unidos passaram a disputar Outro instrumento para a redução da insegurança é a participação em ins-
poder com potências emer- tituições mundiais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), e regionais,
gentes, como a China. No en- como a Organização dos Estados Americanos (OEA). As instituições internacionais
tanto, essa nova ordem tam- geram compromissos entre seus participantes e criam áreas estratégicas especiais,
bém assiste à emergência de caracterizadas por um conjunto de regras aceitas pelos integrantes. Os limites
novas territorialidades, cujas
de cada uma dessas áreas são fronteiras estratégicas, que separam os Estados
fronteiras não coincidem
“de dentro” dos “de fora” da organização.
com as do poder estatal, mas,
sim, com as formas de lutas
sociais, que incorporaram
a seus territórios uma dimen-
são simbólica e cultural de
identidade e ancestralidade.

Soldados da Alemanha Oriental


observam moradores de Berlim
JOHN TLUMACKI/THE BOSTON GLOBE/GETTY IMAGES

Ocidental sobre o Muro de Berlim.


Foto de novembro de 1989. Em 1961,
o governo da Alemanha Oriental
iniciou a construção de uma barreira
física, composta pelo muro e por
cercas eletrificadas, que circundava
toda a parte ocidental da cidade,
transformando-a em um enclave
capitalista dentro do país socialista.
Durante quase três décadas,
o Muro foi um símbolo material das
influências estadunidense e soviética
sobre áreas além de seus territórios.

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A Guerra Fria
Durante os séculos XVII e XIX, configurou-se um sistema de equilíbrio econômico,
militar e político entre as principais potências europeias, como a Grã-Bretanha, a Fran-
ça e a Rússia. No final do século XIX, a Alemanha concluiu seu processo de unificação,
e também despontava como potência. Já os Estados Unidos apresentavam um cresci-
mento industrial acelerado, mas seu poderio ainda era restrito no cenário global.
As guerras mundiais do século XX mudaram esse panorama. Em 1917, antes de ter-
minar a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Rússia viveu uma revolução socialista e,
em 1922, formou-se a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Um frágil equilí-
brio de poder resistiu precariamente até o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
quando emergiu em seu lugar um sistema bipolar, com base na rivalidade entre duas
superpotências: os Estados Unidos e a União Soviética.
A rivalidade entre as novas superpotências do pós-guerra ultrapassou os âmbitos
estratégico e diplomático para se expressar também como contraposição de modelos
de organização social e econômica. No pós-guerra, a URSS preocupou-se com sua
reconstrução e com a expansão do socialismo para além de suas fronteiras. Os Estados
Unidos, por sua vez, buscavam manter seus mercados pelo mundo e assegurar a ex-
pansão do capitalismo.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

No plano estratégico, o sistema bipolar enfatizava a capacidade militar, materializada


nas armas nucleares. A posse de arsenais capazes de reduzir o mundo a escombros tor-
nou-se uma marca das superpotências. Uma guerra entre elas significaria a aniquilação
mútua das superpotências e, por consequência, de todo o planeta.
A Guerra Fria foi a expressão desse “equilíbrio do terror”. Apesar de não ter havido
um enfrentamento direto, as duas superpotências participaram indiretamente de
diversos conflitos ao redor do planeta, como a Guerra da Coreia (1950-1953) e a
Revolução na Nicarágua (1979-1990).

Guerra Fria – 1945-1990

ANDERSON DE ANDRADE PIMENTEL


CÍRCULO POLAR ÁRTICO

URSS
COREIA
1950-1953
EUA AFEGANISTÃO OCEANO
1979-1989
TRÓPICO DE CÂNCER CUBA 1962 PACÍFICO
INDOCHINA, VIETNÃ
OCEANO 1945-1975
NICARÁGUA ATLÂNTICO
1979-1990
EQUADOR

OCEANO ANGOLA
MERIDIANO DE GREENWICH

1975-1988 OCEANO
PACÍFICO
ÍNDICO
TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO

Cortina dePOLAR
CÍRCULO FerroANTÁRTICO Bloco ocidental Bloco comunista
na Europa Estados aliados aos Estados aliados à URSS por acordo militar,
EUA por acordo militar, incluindo o Pacto de Varsóvia
Principais conflitos incluindo a Otan
ou crises ligados ao Outros Estados ligados ao bloco oriental
confronto leste-oeste Outros Estados ligados (por volta de 1980)
ao bloco ocidental (1980) Estados neutros ou não alinhados
2.380 km
Neste mapa, optou-se por representar as fronteiras atuais dos Estados para identificação dos respectivos países.

Fonte: SCIENCE PO. Le monde de la guerre froide, 1945-1990. Disponível em: <http://cartotheque.sciences-
po.fr/media/Le_monde_de_la_guerre_froide_1945-1990/2391/>. Acesso em: 18 maio 2020.

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As áreas de influência
A Europa perdeu a condição de centro do poder internacional durante a Guerra
Fria, mas passou a ser cenário de confrontação das superpotências com as quais os
países europeus se alinharam. Na parte ocidental do continente, formou-se um bloco
de países aliados dos Estados Unidos. Na parte oriental, constituiu-se um bloco de
Estados-satélites da União Soviética.

Conferências de Yalta e Potsdam


As conferências do pós-guerra, realizadas em 1945, reuniram os líderes políticos de
Estados Unidos, União Soviética e Reino Unido e resultaram no esboço da bipartição
do território europeu em áreas de influência que se consolidariam nos anos seguintes.
Na Conferência de Yalta (realizada na cidade de Yalta, na União Soviética, em fe-
vereiro de 1945), as potências ocidentais aceitaram a exigência soviética de governos
aliados na Polônia, na Tchecoslováquia, na Hungria, na Romênia, na Bulgária, na Iugos-
lávia e na Albânia. A Europa Oriental passou a ser uma área de influência soviética.
A Conferência de Potsdam (realizada em julho de 1945 na cidade de Potsdam,
na Alemanha já ocupada pelos vencedores da guerra) dedicou-se à reorganização

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


administrativa do território alemão. O país foi dividido em quatro zonas provisórias
Charge do cartunista Leo Haas
satirizando o Plano Marshall,
de ocupação militar, subordinadas aos chefes das forças militares estadunidenses,
c. 1950. A charge critica o Plano britânicas, francesas e soviéticas. Um Conselho Interaliado assumiu a gestão do con-
Marshall, retratado como uma junto do território até a derrota total do nazismo e a convocação de eleições gerais.
vaca que, se alimentando da
Em Berlim, a capital, situada na zona soviética, foi aplicado um esquema semelhante,
riqueza produzida na Europa,
a transferiria para o capital com a criação de quatro setores de ocupação militar.
financeiro dos Estados Unidos.
Em primeiro plano, foram
representados o secretário de
O início da Guerra Fria
Estado estadunidense, Dean A Guerra Fria foi deflagrada em 1947, com a Doutrina Truman, que fixava como
Acheson (montado na vaca), o
prioridade da política externa estadunidense a “contenção” do expansionismo sovié-
ministro das Relações Exteriores
do Reino Unido, Ernest Bevin, e tico na Europa. O Plano Marshall (1948-1952), concebido pelo secretário de Estado
o primeiro-ministro da França, dos Estados Unidos George Marshall, envolveu a transferência de bilhões de dólares
Robert Schuman, que à época destinados a reerguer a economia dos países europeus arrasados pela Segunda Guerra
da publicação da charge
ocupavam os respectivos Mundial – em especial Reino Unido, França, Itália e Alemanha Ocidental. Voltado para
cargos mencionados. a reconstrução das economias europeias, funcionava como instrumento privilegia-
do da formação de uma Europa
© HAAS, LEOPOLD/AUTVIS, BRASIL, 2020 – MUSEU
HISTÓRICO DA ALEMANHA, BERLIM

Ocidental estrategicamente vin-


culada aos Estados Unidos.
A União Soviética respondeu à
Doutrina Truman e ao Plano Mar-
shall subordinando completamen-
te os países da Europa Oriental.
Entre 1947 e 1949, os partidos co-
munistas assumiram o monopólio
do poder nesses países, susten-
tados pela presença das tropas
soviéticas. Em 1948, a Iugoslávia
rompeu com Moscou e estabele-
ceu um regime de governo "não
alinhado" aos soviéticos, mas
também baseado no poder único
do partido comunista. Mais tarde,
seria a vez de a Albânia romper
com Moscou, passando a uma po-
sição de isolamento internacional.
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As alianças estratégicas
Durante a Guerra Fria, quase todos os países europeus se colocaram à sombra das
superpotências. As exceções foram Iugoslávia e Albânia – que haviam expulsado as tro-
pas nazistas por meio de movimentos de resistência popular antes mesmo da chegada
das tropas soviéticas – e um número reduzido de países neutros de economia capitalista.
Associação Europeia de Livre-Co-
Uma fronteira estratégica, denominada pela expressão Cortina de Ferro, passou mércio: organização criada em 1958
a separar dois espaços antagônicos na Europa: o Ocidente, organizado em torno da com o objetivo de agrupar países da
Europa Ocidental que não aderiram
economia de mercado e liderado pelos Estados Unidos, e o Leste, reestruturado pela ao tratado que criou a Comunidade
planificação central da economia e subordinado à União Soviética. Europeia. Hoje, apenas Islândia,
Noruega, Suíça e Liechtenstein per-
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), aliança militar criada em 1949, e tencem a essa organização.
as organizações econômicas europeias (a Comunidade Europeia e a Associação Europeia
de Livre-Comércio) funcionaram como pilares da Europa Ocidental.
A fragmentação política da Europa Ocidental representava um obstáculo para
o desenvolvimento do capitalismo, uma vez que os países da região dispunham de
mercados internos relativamente pequenos e inadequados para a expansão das em-
presas industriais e financeiras. Por meio do Plano Schuman, anunciado em 1950, foi
firmada uma base de cooperação entre a França e a Alemanha Ocidental. Em 1952,
com a adesão dos países do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo), nasceu a Co-
Análise cartográfica
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

munidade Europeia do Carvão e do Aço (Ceca). O Tratado de Roma de 1957, que criou
a Comunidade Europeia, resultou da consolidação desse processo de integração e,
Identifique os países capitalis-
ainda durante a Guerra Fria, contou com adesões de Reino Unido, Irlanda e Dinamarca
tas que não aderiram à Otan
(1973), Grécia (1981), Espanha e Portugal (1986). De certa maneira, a União Europeia durante a Guerra Fria.
de hoje é fruto do ambiente bipolar da Guerra Fria.
O Pacto de Varsóvia, aliança
Fronteiras estratégicas na Europa da Guerra Fria
militar fundada em 1955, e o Con-

ANDERSON DE ANDRADE PIMENTEL


selho Econômico de Assistência
Mútua (Comecon), estabelecido
ISLÂNDIA
em 1949, funcionaram como pila-
res da Europa Oriental.
A formação do Pacto de Varsóvia
foi uma reação à Otan e funcionou FINLÂNDIA
para aprofundar a subordinação
NORUEGA
dos países do Leste Europeu a SUÉCIA
Moscou. O Comecon, por sua vez, MAR
DO
transferiu aos soviéticos o contro- NORTE
le da produção industrial desses IRLANDA DINAMARCA
50°N UNIÃO
países, consolidando o domínio REINO SOVIÉTICA
UNIDO
de Moscou também no plano da PAÍSES
UNIÃO BAIXOS ALEMANHA
SOVIÉTICA economia. OCEANO BÉLGICA ORIENTAL
ATLÂNTICO POLÔNIA
ALEMANHA
OCIDENTAL TCHECOSLOVÁQUIA
FRANÇA ÁUSTRIA
Cortina de Ferro SUÍÇA HUNGRIA
Pacto de Varsóvia ITÁLIA ROMÊNIA
PORTUGAL MAR
IUGOSLÁVIA NEGRO
Otan e aliados ocidentais ESPANHA BULGÁRIA
A
Países não integrantes de ALBÂNIA
RIA pactos militares
TURQUIA
Comunidade Europeia MAR ME GRÉCIA
(1986) DI
TE
TURQUIA RÂ
R

Associação Europeia NE
O
de Livre-Comércio (1986)
350 km 20°L
Conselho Econômico de
Assistência Mútua – Fonte: FOUCHER, M. (dir.). Fragments d’Europe: atlas de l’Europe médiane et orientale.
Comecon (1986)
Paris: Fayard, 1993. p. 11 e 53.

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