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I. RELATÓRIO
1. Da decisão
No Processo Comum Coletivo n.º 173/20.6GBSLV da Comarca Faro, Juízo Central Criminal de
Portimão, Juiz 4, submetido a julgamento foi o arguido (...),
1.1. Quanto à parte penal:
a) Absolvido da prática de um crime de violência doméstica agravado, na forma consumada,
previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º 1ª parte e 152.º, n.ºs 1 alínea a) e 2, alínea a), 4.º, 5.º
e 6.º todos do CP e artigo 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro;
b) Condenado pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, na forma
tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do CP e artigo
86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão;
c) Condenado pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, na
forma consumada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º 1ª parte do CP e artigo 86.º, n.º 1,
alíneas c), d) e e) e n.º 2, por referência aos artigos 2.º, n.ºs 1 alínea p) e v), x) ar) e az) e 3, alíneas
e) e p), 3.º, n.ºs 1, 2 alíneas l), p) e x) da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro, na pena de 1 ano e 2
meses de prisão
d) Em cúmulo jurídico, condenado na pena única de sete anos de prisão.
1.2. Quanto à parte cível
e) Condenado a pagar à demandante (...) o montante de € 15.000, acrescido de juros de mora
vencidos e vincendos desde a notificação para contestar até efetivo e integral pagamento.
f) Condenado a pagar ao Centro Hospitalar Universitário do Algarve o montante de 541,07 €,
acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde a notificação para contestar até efetivo e
integral pagamento.
g) Condenar a pagar ao Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte EPE o montante de
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2418,40 €, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde notificação para contestar até
efetivo e integral pagamento.
1.3. Foi ainda decidido:
h) Declarar perdidas a favor do Estado as armas e munições apreendidas, à exceção da arma de ar
comprimido, relativamente à qual foi comunicada à PSP para efeito de instauração de
procedimento contraordenacional.
2. Do recurso
2.1. Das conclusões do arguido
Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as
seguintes conclusões (transcrição):
“1º - Da prova realizada, resulta provado que o Arguido, ora Recorrente, não regista quaisquer
antecedentes criminais, o que, atenta a sua idade e percurso de vida, releva para a Decisão de
condenar sem especial severidade, o que o douto Tribunal “a quo” não considerou, ao aplicar tão
excessiva pena de prisão, efectiva.
2º - Igualmente, resulta da produção da prova, em Julgamento, que o Arguido, ora Recorrente,
ficou especialmente debilitado, e enfraquecido, em consequência dos telefonemas recebidos, que o
alertavam para a infidelidade de sua esposa, estando, à data dos factos, justificadamente
diminuído na sua imputabilidade.
3º - A grande angústia do Arguido, provocou-lhe diminuição da imputabilidade, que lhe retirou a
capacidade de se determinar de acordo com as normas, circunstancialismo que o douto Tribunal
“a quo” deveria ter considerado, para efeitos da aplicação da pena única.
4º - O Arguido, ora Recorrente, casou para toda a vida, sempre cuidando da sua família,
representando as suspeitas de infidelidade de sua esposa, uma grande ansiedade no sentido de
querer saber da verdade.
5º - Seriamente perturbado na sua capacidade de se determinar, o ora Recorrente tentou assustar
sua esposa, com vista a que a mesma o esclarecesse sobre a verdade, sem sucesso, nunca tendo
pretendido mais do que assustar, ameaçando do que nunca foi seu propósito.
6º - Não tendo escolhido o melhor meio para confrontar sua esposa, utilizou a arma de seu
falecido pai para assustar sua esposa, ameaçando-a, sem que pretendesse efectuar qualquer
disparo.
7º - O Recorrente nunca projectou atentar contra a vida de sua esposa, Assistente nos autos, sendo
seu único propósito coagi-la a contar-lhe a verdade, não resultando, da prova realizada e
analisada de acordo com a experiência comum o contrário, pelo que deveria ter resultado provado
o tipo negligente.
8º - E, porque o Recorrente mais não pretendia, do que assustar, sem querer atentar contra a vida
de sua esposa, a empurrou, sem efectuar qualquer disparo.
9º - Provado, resulta que os disparos da arma se deveram à intervenção de terceiros, resultando a
lesão da vítima de um acidente não previsto pelo Arguido, e para o que a própria vítima
contribuiu.
10º - Igualmente provado, resultou que, após o acidente, foi o Recorrente que telefonou para o
“INEM”, ficando com a vítima, que logo socorreu, estancando a hemorragia, tendo o douto
Tribunal “a quo” ultrapassado os limites da livre apreciação da prova, e as regras da experiência
comum.
11º - A emoção justificadamente sentida pelo Recorrente, em consequência dos telefonemas
recebidos, diminuiu-lhe a imputabilidade e a capacidade de se determinar livre e conscientemente,
o que justifica a atenuação da cuilpa, e da pena a aplicar, que nunca deverá ser efectiva, mas
suspensa na sua execução.
12º - Presumindo-se, com dignidade Constitucional, inocente, à falta de elementos probatórios
bastantes, restaria considerar praticado o tipo negligente, e absolver da prática do crime
qualificado tentado, de que o Arguido nunca teve dolo.
13º - Sem antecedentes, e não sendo um jovem, face a toda a factualidade, o ora Recorrente é
merecedor de uma oportunidade, não sendo imperiosa a reclusão, sabidamente incapaz de
reabilitar e reintegrar, sendo expectável que o Recorrente o alcance em meio livre.
14º - Independentemente de todo o exposto supra, a excessiva pena efectiva aplicada pelo douto
Tribunal “a quo”, que ultrapassa a medida da culpa, não poderá deixar de ser substancialmente
reduzida, e suspensa na sua execução, assim merecendo integral provimento o presente Recurso.
15º - Devia, pois, o douto Tribunal “a quo”, ter absolvido o Arguido, da prática do crime de
Homicídio Qualificado, na forma tentada, por ausência de dolo para tanto, punindo-o pelo ilícito
negligente, e não o tendo considerado, contra a Constitucional presunção de inocência de que
gozam os Arguidos, e ultrapassando as regras da experiência comum e os limites da livre
apreciação da prova, condenando-o em tão excessiva pena de prisão, violou o Princípio “in dubio
pro reo”, o disposto nos artigos 127º, com os vícios do 410º-2, que determinará o reenvio do
Processo, do Código de Processo Penal, e os artigos 40º, 71º, 72º, 137º e 50º, do Código Penal,
pelo que, merecendo, o presente Recurso, integral provimento, absolvendo-se da tentativa de
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homicídio, se deverá revogar o douto Acórdão de Fls, a substituir por outro que venha a condenar
o ora Recorrente numa pena única não superior a 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, por
verificados os legais pressupostos.
Nestes termos, e nos demais de direito que Vªs Exªs doutamente suprirão, a não haver reenvio do
Processo, para repetição do Julgamento, deverá o douto Acórdão ora Recorrido ser revogado e
substituído por outro que conclua pela absolvição do Recorrente, pela prática do tipo qualificado,
e, assim se não entendendo, sempre será de reduzir substancialmente a excessiva pena aplicada em
1ª Instância, a suspender na sua execução, assim merecendo provimento o presente Recurso.”.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
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1. Objeto do recurso
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do
Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no
DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na
respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.
2. Questões a examinar
Analisadas as conclusões de recurso as questões a conhecer são:
2.1. Se ocorre algum dos vícios enunciados no n.º 2 do artigo 410.º do CPP;
2.2. Se a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo foi realizada com violação da presunção de
inocência consagrada constitucionalmente e consequentemente do princípio in dubio pro reo; e
2.3. Sedimentada em definitivo a factualidade apurada, indagar se em face dela a medida das penas
parcelares e única devem ser alteradas.
3. Apreciação
3.1. Da decisão recorrida
Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.
Os vícios taxativamente enumerados, terão de ser evidentes e passíveis de deteção através do mero
exame do texto da decisão recorrida (sem possibilidade de recurso a outros elementos constantes
do processo), por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (alínea a) do artigo 410.º do CPP)
constitui uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito e
ocorre quando se conclui não ser possível com os factos considerados como provados atingir-se a
decisão de direito a que se chegou, ocorrendo assim um hiato carecido de ser preenchido.
Só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a
solução de direito e quando o Tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse
para a decisão final.
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Já a contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão (artigo 410.º, n.º
2, alínea b) do CPP) ocorre quando se deteta incompatibilidade inultrapassável através da própria
decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação
probatória e a decisão.
Há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir
que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária à tomada ou quando, de harmonia
com o mesmo raciocínio, se concluir não ser a decisão esclarecedora, face à colisão entre os
fundamentos invocados.
Há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e
o referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os
provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.
Por fim o erro notório (artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP) na apreciação da prova constitui «falha
grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se
deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o dado como provado ou não provado está
em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, foram provados factos
incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto
dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Dito de outro modo, há um tal erro notório quando um homem médio, perante o constante do texto
da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta ter o
Tribunal violado as regras da experiência ou baseando-se em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo
contraditórios ou desrespeitando-se regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.
Lendo a decisão recorrida não se deteta qualquer dos vícios indicados, sendo certo, como já
assinalado, não ter o arguido concretizado qualquer deles, apenas limitando-se a convocar o artigo
410.º do CPP de forma genérica.
Finalmente o arguido assinala a violação do artigo 127.º do CPP bem como do princípio in dubio
pro reo.
Para o efeito refere não ter o Tribunal avaliado devidamente os meios de prova e conclui encontrar-
se provada matéria de facto que conduziria a subsumir a conduta do agente a uma tentativa de
homicídio por negligência e daí dever o arguido ser absolvido.
O recorrente limita-se a aduzir genericamente estarem apurados factos distintos dos fixados pelo
Tribunal e ter sido violado o artigo 127.º do CPP.
Ora no artigo 127.º do CPP consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da
prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante, pautado pela
razão, pela lógica e pelos ensinamentos colhidos da experiência comum apenas limitado pelas
exceções decorrentes da prova vinculada (do caso julgado - artigos 84.º; do valor da prova pericial
- 163.º; do valor probatório dos documentos autênticos e autenticados - artigo 169.º e pela
confissão artigo 344.º do CPP) e pelos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se
destaca o do in dubio pro reo (artigo 32.º, n.º 2 da CRP).
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e quem se encontra
em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevante para a sua apreciação crítica
(imediação)– dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua
convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
O princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º do CPP) confere, assim, ao Julgador o poder
de dar prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não
reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
Examinada a fundamentação do acórdão recorrido relativamente ao acervo factual dado como
provado não se vislumbra terem subsistido dúvidas sobre os factos dados como provados nem que
tenha optado por solucioná-la em desfavor do arguido.
Não emergindo da fundamentação da sentença recorrida ter-se o julgador deparado com uma
qualquer dúvida insanável sobre a verificação dos factos que deu como provados nada há para
resolver, a favor ou contra quem quer que seja.
Não ocorrendo violação do artigo 410.º, n.º 2, artigo 127.º e do princípio in dubio pro reo mostra-se
sedimentada a matéria dada como provada, não tendo o recurso do arguido a este nível qualquer
sustentáculo, julga-se o mesmo improcedente, passando-se em seguida a conhecer da impugnação
de direito suscitada pelo arguido e pelo MP.
A. Homicídio qualificado (alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do CP) na forma tentada agravado pela
utilização de arma proibida (artigo 86.º, n.º 3 do RJAM)
O arguido como referido entende que a sua atuação correspondeu à prática não de uma tentativa
dolosa de homicídio qualificado na forma tentada, mas tão só de um homicídio simples na forma
tentada praticado a título negligente.
Tendo em consideração a factualidade dada como apurada e definitivamente sedimentada, e como
já referido em 3.2.1. deste Acórdão, decorre sem qualquer margem para dúvidas que o crime foi
perpetrado na forma dolosa (cf. pontos 4.31., 4.32., 4.33. e 4.37.).
Na decisão recorrida foi amplamente explicado que a norma base do homicídio é o artigo 131.º do
CP, ou seja, o homicídio simples apresenta-se como o tipo fundamental.
Assim, o artigo 132.º do CP configura um caso especial de homicídio doloso sendo moldado pelos
exemplos padrão previstos no n.º 2 os quais não funcionam de forma automática, mas apenas
constituindo um indício de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente que há-de ser
aferida em cada situação concreta (cf. n.º 1 do artigo 132.º do CP).
Assim, mesmo que nos encontremos na presença de uma das circunstâncias das alíneas do n.º 2 do
artigo 132.º do CP, a atuação do agente apenas será qualificada, se complementarmente ocorrer
uma especial censurabilidade ou perversidade do agente[1].
Por outras palavras, mesmo que nos encontremos na presença de uma das circunstâncias do n.º 2
do artigo 132.º do CP se não ocorrer especial censurabilidade ou perversidade no cometimento do
crime a atuação do agente será punida pelo tipo fundamental do artigo 131.º do CP (homicídio
simples).
Para a qualificação do crime de homicídio não basta, assim, o mero preenchimento dos exemplos
padrão do n.º 2 do artigo 132.º do CP, exigindo-se ainda a ocorrência do substrato constante do n.º
1 do artigo 132.º, ou seja, a produção da morte seja reveladora de uma especial censurabilidade ou
perversidade.
As circunstâncias qualificativas do n.º 2 do artigo 132.º são aplicáveis ainda que se trate de crime
cometido na forma tentada[2], sendo evidentemente necessário que as circunstâncias reveladoras de
uma maior censurabilidade ou perversidade tenham de estar já presentes nos atos de execução[3].
Revertendo ao caso em apreciação o Tribunal a quo averiguou se o homicídio (tentado) cometido
pelo arguido se subsumia a algum dos exemplos padrão do n.º 2 do artigo 132.º e nesse caso se o
efeito qualificador se considerava ou não ilidido por comprovada ou não a especial perversidade ou
censurabilidade do agente.
O arguido estava acusado da prática de um crime de homicídio na forma tentada por o ter cometido
contra a cônjuge (alínea b)[4] do n.º 2 do artigo 132.º) e ter utilizado uma arma (n.º 2, alínea h) do
artigo 132.º do CP e artigo 86.º, n.º 3 da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro).
Tendo sido dado como provado que a vítima era casada com o arguido (ponto 1. dos factos
assentes), tendo por isso o agente consciência da natureza dessa relação, não ocorre qualquer
dúvida que se encontrava indiciada a circunstância prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do
CP.
Como a circunstância qualificadora do homicídio (ser a vítima cônjuge do agente) não operava
automaticamente, embora consubstanciasse uma presunção de qualificação, o Tribunal recorrido
foi analisar se as circunstâncias da produção do crime revelavam especial censurabilidade ou
perversidade (n.º 1 do artigo 132.º do CP).
Da factualidade apurada resulta que o agente depois disparar uma primeira vez sobre a vítima,
disparo esse desviado pela mãe do mesmo, colocou a sua progenitora fora de casa e fechou a porta
da habitação. Nesse espaço perseguiu a vítima, encurralou-a, apontou e disparou a arma por mais
três vezes agora à ‘queima roupa’ (cabeça, coração, braços/abdómen), embora na segunda e terceira
vez não tenha ocorrido deflagração da munição, e no fim com a vítima ensanguentada ainda a ela
se dirigiu dizendo “querias morrer agora vais morrer” e “então não tinhas medo de morrer e agora
já tens”.
Convocou o arguido, em sede de recurso, encontrar-se numa situação de distúrbio emocional
causada por ciúme por uma eventual infidelidade da vítima aquando do cometimento do crime. Tal,
todavia, é insuficiente para afastar uma imagem especialmente perversa e censurável.
A persistência na intenção de agir sobre a vítima, num clima de perseguição e de terror disparando
sobre ela, não uma, duas ou três, mas quatro vezes revelam ter este tido a oportunidade de atualizar
a sua consciência e meditado sobre os efeitos da sua ação, bem como renunciar à decisão
criminosa[5]. Na primeira vez inclusive por ação da própria mãe que no último momento desviou a
arma e evitou o alvejamento da vítima e nas duas vezes seguintes por não ter ocorrido deflagração
da munição após o agente ter pressionado o gatilho.
Acresce que o arguido meditou e planeou o crime tendo nesse mesmo dia serrado o cano da
espingarda e antes de o executar refletiu sobre o meio a empregar, tendo chegado a sair de casa
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armado mesmo antes do encontro telefónico agendado supostamente com a pessoa que lhe iria
transmitir os pormenores da traição da mulher. No regresso a casa, apontando a arma de fogo, quis
obrigar a mulher a mostrar as mensagens que esta tinha no telemóvel. Perseguiu-a e encurralou-a
por várias divisões da casa (cozinha, corredor, piso 1 e casa de banho), chegando a colocar a mãe
fora de casa, após o primeiro disparo, e trancado a porta da habitação.
No fim, como referido, já depois de ter atingido a mulher no braço e abdómen com um tiro à
queima roupa distratou-a, já ensanguentada, com expressões sarcásticas.
Tendo, assim, em consideração que as circunstâncias anteriores, contemporâneas e posteriores ao
crime atribuem ao facto uma imagem global suscetível de revelar especial censurabilidade e
perversidade, o efeito qualificador do exemplo padrão (alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do CP)
para além de não ter sido ilidido foi comprovado, encontrando-se adequadamente condenado o
arguido como autor do crime de homicídio qualificado na forma tentada por ter investido contra a
vítima sua mulher.
O arguido foi, ainda, acusado de ter praticado o crime nos termos do artigo 132.º, n.º 2, alínea h) do
CP.
O Tribunal a quo não considerou preenchida a circunstância qualificadora da alínea h) do n.º 2 do
artigo 132.º do CP.
Dispõe esta alínea ser suscetível de revelar especial censurabilidade ou perversidade a
circunstância de o agente utilizar meio particularmente perigoso ou a atuação se traduzir na prática
de crime de perigo comum.
Quanto à utilização de meio particularmente perigoso esta manifesta-se na circunstância de o
agente “servir-se para matar de um instrumento, de um método ou de um processo que dificultem a
defesa da vítima e que (não se traduzindo na prática de uma crime de perigo comum), criem ou
sejam suscetíveis de criar perigo de lesão de outros bens jurídicos importantes”[6].
Esse instrumento, processo ou método terá contudo de ser particularmente perigoso, ou seja,
revelar “uma perigosidade muito superior à normal nos meios usados para matar”[7].
Meio particularmente perigoso seria aquele que tendo uma aptidão particular para causar a morte,
dificultasse consideravelmente a defesa da vítima e pudesse atingir terceiros de forma
indiscriminada, sem contudo, integrar o conceito de crime de perigo comum.
Se por exemplo o agente utilizasse um camião conduzindo-o para atingir a vítima num momento
em que esta estivesse no meio de uma multidão, essa atuação seria reveladora não só de especial
perversidade como de especial censurabilidade.
Já quanto à qualificativa expressa na parte final da alínea h) do n.º 2 do artigo 132.º do CP, ou seja,
de o homicídio também poder ser qualificado quando o agente é autor de um crime doloso de
perigo de comum, para efeitos deste segmento integram-se em tal conceito não apenas os crimes de
perigo comum constantes dos artigos 272.º a 286.º do CP[8], mas também outros previstos fora do
Código Penal, como por exemplo, o do artigo 86.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2006 (RJAM), que substituiu o
anterior artigo 275.º do CP[9].
Ora o artigo 86.º, n.º 1 do RJAM pune como crime de perigo comum a detenção de arma proibida e
ficou provado ter o arguido utilizado uma espingarda caçadeira com cano serrado para tentar matar
a mulher. Tal instrumento configurando uma arma proibida é punível como crime de perigo comum
(artigo 86, n.º 1, alínea c) do RJAM).
Considerando que a qualificativa, no caso da alínea h), se encontrava preenchida[10] caberia
analisar se a sua utilização revelava ou não especial censurabilidade ou perversidade[11].
A doutrina[12] e a jurisprudência[13] têm entendido que a utilização por exemplo de um revólver ou
pistola constituem meios “normais” para matar pelo que a prática de homicídio com tais
instrumentos cairia no tipo simples do artigo 131.º do CP e não no qualificado da alínea h) do n.º 2
do artigo 132.º do CP.
Subsumindo-se, em todo o caso, a situação em apreciação à qualificativa “prática de crime de
perigo comum” e não à qualificativa “meio particularmente perigoso” vejamos se no caso a
utilização daquela concreta arma proibida é reveladora de uma especial censurabilidade ou
perversidade do agente.
A especial censurabilidade do facto resultaria de ter sido criada uma situação de risco acrescido e
extensivo a outras pessoas evidenciando a ausência de escrúpulos do agente. Por exemplo se o
autor do crime não se tivesse importado em colocar em perigo outras pessoas para além da vítima
do homicídio.
Assim, se o arguido tivesse disparado a arma na direção da vítima quando esta se encontrava
rodeada de pessoas essa sua atuação poderia revelar especial censurabilidade.
Na situação em apreciação, todavia, o arguido chegou a colocar a sua mãe fora de casa e a trancar a
porta da residência, não tendo ficado provado ou sido sequer alegado que outras pessoas pudessem
ter sido atingidas pelo disparo, não ocorrendo assim, a este nível uma especial censurabilidade na
utilização da arma pelo agente, para além do “normal”.
Já a especial perversidade na tentativa de homicídio com a utilização de uma arma de fogo poderia
resultar da circunstância de o arguido inserir o cano da arma nos genitais da vítima disparando-a,
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mas a munição não tivesse chegado a deflagrar.
Tal atitude profundamente repugnável e absolutamente rejeitada pela sociedade seria reveladora de
sentimentos de pura malvadez manifestamente distanciados do direito e reveladores de uma
especial perversidade subsumível ao disposto na parte final da alínea h), dos n.ºs 2 e 1 do artigo
132.º do CP.
No caso em apreciação o arguido, é certo, apontou a arma à cabeça, ao coração, ao braço e ao
abdómen da vítima, mas essa concreta atuação não reclama um juízo acrescido de censura para
efeitos de qualificação do crime de homicídio nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 132.º [14],
pois não foi criada uma situação de perigo acrescido e extensivo a outras pessoas ou evidenciadora
de uma especial ausência de escrúpulos.
Estando ilidido o exemplo padrão da alínea h) do artigo 132.º, n.º 2 do CP, concluiu o Tribunal a
quo pela condenação do arguido pela prática de uma tentativa de homicídio qualificado tão só pela
alínea b) do citado preceito legal.
A questão subsequente analisada reportava-se a saber se não sendo a utilização da arma proibida
elemento integrante da circunstância qualificativa do homicídio (o uso da arma proibida não se
subsumiu ao exemplo padrão da alínea h) do n.º 2 em articulação com o n.º 1 do artigo 132.º do
CP) se ainda assim podia ocorrer a agravação do artigo 86.º, n.º 3 do RJAM.
Em consonância com esta questão, outra se colocava: se o arguido podia, para além da tentativa de
homicídio qualificado agravado pelo n.º 3 do artigo 86.º do RJAM, ser condenado em concurso
efetivo com o crime de detenção de arma proibida previsto pelo artigo 86.º, n.º 1 do RJAM, pela
posse da espingarda caçadeira marca Browning.
Na 1.ª instância o Tribunal a quo entendeu que não haveria concurso efetivo entre os crimes de
homicídio tentado e o de detenção da arma proibida utilizada para perpetrar o crime (artigo 86.º,
n.º 1 do RJAM)[15], embora tivesse aplicado a agravante do artigo 86.º, n.º 3 do RJAM.
O MP não discorda da aplicação do artigo 86.º, n.º 3 do RJAM, mas critica o afastamento da
aplicação do artigo 86.º, n.º 1, alínea c) do RJAM em relação à espingarda caçadeira marca
Browning utilizada pelo arguido para alvejar a vítima que, no seu entender, deveria ter sido
considerada como agravante da prática do crime de detenção de arma proibida pela qual o agente
foi condenado.
Para compreender o alcance da questão suscitada cumpre primeiro analisar o artigo 86.º, n.º 3 do
RJAM que prevê uma agravante com repercussões na medida da pena aplicada.
Esta norma dispõe o seguinte:
“3- As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites
mínimo e máximo, exceto se o porte ou uso de arma for elemento do respetivo tipo de crime ou a
lei já previr agravações mais elevada para o crime[16] em função do uso ou porte de arma”.
Indo ao encontro do caso concreto cumpria questionar em primeiro lugar se o uso e porte de arma
configurava um elemento da tentativa de homicídio cometida pelo arguido e em segundo se a lei já
previu agravação mais elevada para o crime.
A este nível tem-se defendido na jurisprudência[17] que o uso ou porte de arma não é elemento do
tipo fundamental do crime de homicídio simples (artigo 131.º do CP), embora possa ser um fator
de agravação, mas só se “para além de preencher um dos exemplos padrão ‘meios particularmente
perigoso’ ou ‘prática de um crime de perigo comum’ da alínea h) do n.º 2 do artigo 132.º revelar
especial censurabilidade ou perversidade”.
Nesta medida nada obstaria a que no caso de cometimento do crime de homicídio qualificado, por
exemplo padrão distinto do constante da alínea h) (do n.º 1 do artigo 132.º do CP) e ainda revelador
de especial perversidade ou censurabilidade (n.º 2 do artigo 132.º do CP), fosse agravado nos
moldes previstos no artigo 86.º, n.º 3 do RJAM se no seu cometimento fosse utilizada uma arma.
Cumpriria, em todo o caso, analisar se era de afastar a aplicação do n.º 3 do artigo 86.º do RJAM,
por verificação da exceção indicada na parte final deste número quando se refere ao segmento “a
lei já previr agravações mais elevada para o crime”[18].
Neste âmbito e em sintonia com o decidido pelo Acórdão do STJ de 31.3.2011, proferido no
processo 361/10.3GBLLE e relatado por Manuel Braz, entendemos que o n.º 3 do artigo 86.º do
RJAM só não é aplicável se por outra via o uso e porte de arma “dê lugar … a uma agravação
mais elevada, mas apenas se for de acionar efetivamente essa agravação”[19].
No caso em apreciação o uso de arma não é elemento do tipo de crime de homicídio (cf. artigo
131.º do CP). Por outro lado, embora a lei já preveja agravação mais elevada para o crime de
homicídio quando utilizada uma arma o certo é que na situação em apreço essa circunstância mais
grave não foi efetivamente aplicada, tendo sido afastada a subsunção à alínea h), do n.º 2 do artigo
132.º. Como atrás foi mencionado este tipo qualificado não foi preenchido por não se ter
considerado que a utilização daquela espingarda caçadeira Browning com o cano serrado na
circunstância concreta fosse reveladora de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente.
Assim, não estando verificada a exceção constante da parte final do n.º 3 do artigo 86.º do RJAM,
mas sim a regra da parte inicial desse n.º 3 a pena aplicável ao arguido pelo homicídio tentado terá
de ser agravada de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo, como adiante se explanará.
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A outra questão colocada, como se assinalou, é a de saber, como defende o MP, mas não foi
acolhido pelo Tribunal a quo, se o arguido cometeu efetivamente o crime de detenção de arma
proibida (artigo 86.º, n.º 1 do RJAM) em relação à espingarda caçadeira de marca Browning
utilizada para tentar matar a vítima.
O MP considera ocorrer concurso efetivo entre o crime de homicídio qualificado na forma tentada
com a utilização de arma (132.º, n.º 2, alínea b) e 22.º e 23.º do CP e 86.º, n.º 1 do RJAM) e o crime
de detenção de arma proibida (artigo 86.º, n.º 1 do RJAM).
É que o arguido não só utilizou a espingarda caçadeira para cometer a tentativa de homicídio,
como a teve na sua posse durante vinte cinco anos (cf. ponto 3 da matéria provada) sem que para
tal fosse detentor de qualquer licença de uso e porte de arma (ponto 37.).
Por outro lado, em data contemporânea com a tentativa de homicídio serrou o cano da espingarda
caçadeira da marca Browning, sendo ainda que o agente detivesse título válido a mesma seria
sempre insuscetível de legalização.
Tendo-se dado ainda como provado que: o arguido sabia não poder deter, utilizar ou guardar a
referida arma conhecendo as características da mesma e não se inibindo de a ter na sua posse
durante 25 anos (cf. ponto 44. e ainda pontos 45. e 46. dos factos provados), não ocorrem dúvidas
ter o mesmo detido uma arma proibida.
Essa conduta do recorrente preenche, pois, o tipo do artigo 86.º, n.º 1, alínea c) do RJAM.
Chegados a este ponto cumpre então questionar, tal como o fez o MP em sede de recurso se, não
obstante o homicídio ser agravado em função da utilização da espingarda caçadeira, ao abrigo do
artigo 86.º, n.º 3 do RJAM, deverá ainda o arguido ser punido pela prática do crime de detenção de
arma proibida (artigo 86.º, n.º 1, alínea c) do RJAM).
Por outras palavras torna-se necessário averiguar se, no caso concreto, ocorre concurso efetivo ou
apenas aparente de crimes.
A jurisprudência do STJ[20] defende a ocorrência de concurso aparente quando a conexão existente
entre a conduta do arguido em relação à arma e o homicídio se esgota na prática deste, ou seja,
quando do comportamento global é possível extrair que o homicídio é dominante e a utilização da
arma proibida é subsidiária.
Assim, se o arguido comprasse a arma com o único propósito de cometer o homicídio, ou acedesse
à posse da arma, que se encontrava na disponibilidade de outrem, com o único propósito de
cometer em seguida (proximidade temporal e espacial) o homicídio não ocorreria, em princípio,
uma situação de concurso efetivo entre os dois crimes (homicídio e detenção de arma proibida),
pois a ação seria unitária.
Já ocorreria um concurso efetivo na situação inversa, ou seja, quando o arguido detivesse a arma
proibida durante um espaço temporal mais ou menos dilatado[21], sabendo ser essa detenção ilegal,
e resolvesse depois cometer o crime[22].
Revertendo à situação em apreciação o arguido deteve de forma ilegal a espingarda caçadeira de
marca Browning durante vinte cinco anos (ponto 3. dos factos provados), no dia do crime serrou o
cano da arma (cf. motivação da matéria de facto) e tentou matar a vítima.
Neste caso é possível autonomizar de forma clara duas unidades jurídicas de facto: a primeira
relativa à circunstância de o agente ter mantido a espingarda caçadeira na sua posse durante vinte
cinco anos, sabendo fazê-lo de forma ilegal, por não estar legalmente habilitado a tê-la na sua
posse; a segunda consistente na utilização da arma ilegal serrando o seu cano para realizar o
disparo na tentativa de matar a vítima.
Na situação em apreciação acontece, tal como defendido pelo MP, um concurso efetivo de crimes,
sendo tutelados dois bens jurídicos distintos, “no crime de homicídio a vida humana e no crime de
detenção de arma proibida a segurança das pessoas”[23].
Concluindo-se pelo apontado concurso efetivo cumpre, ainda, saber se ocorre a consunção da
incriminação entre a detenção da arma proibida (artigo 86.º, n.º 1, alínea c)) e a agravação
constante do artigo 86, n.º 3 do RJAM.
No Acórdão do STJ de 7.5.2015 (Processo 2368/12.7JAPRT.P1.S1) conclui-se não se verificar a
violação do princípio da dupla valoração na circunstância apontada, pois a agravação do artigo
86.º, n.º 3 do RJAM:
- Deve-se à menor capacidade da vítima se defender;
- Pretende funcionar como meio dissuasor do uso e porte de arma (reprimir a utilização de armas na
prática de crimes);
- Prender-se ao desejo de dar resposta adequada e proporcional à criminalidade violenta e mais
grave;
- Configura uma medida de política criminal com declarada intenção de restringir pela punição do
uso de posse de armas;
- Pretende induzir a uma posse responsável e conscienciosa;
Por fim, salienta-se naquele Acórdão que a agravação do n.º 3 do artigo 86.º do RJAM se aplica a
todo e qualquer crime em que o agente use uma arma, não ocorrendo qualquer violação do
princípio da dupla valoração se ocorrer uma condenação em concurso efetivo do crime de
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homicídio (artigo 131.º ou 132.º do CP, desde que neste último caso não seja de aplicar a alínea h)
do n.º 2) com o crime de detenção de arma proibida (86.º, n.º 1 do RJAM)[24].
Também no Acórdão da RC de 22.11.2017[25] se concluiu no mesmo sentido afirmando-se não se
verificar qualquer violação do non bis in idem e como tal inconstitucionalidade decorrente da
aplicação do artigo 86.º, n.º 3 do RJAM, pois no caso não ocorre a qualificação da alínea h), do n.º
2 do artigo 132.º nem de qualquer outra. Sendo, ainda, salientado neste aresto que “a proibição da
dupla agravação só seria de afirmar se as agravações em questão correspondessem a uma mesma
dimensão da ilicitude e da culpa, o que não sucede quando uma delas entronca numa culpa
acrescida (artigo 132.º do C. Penal) e a outra radica em razões de prevenção geral que se
prendem com a necessidade de limitar o recurso às armas, pela perigosidade que representam
para bens jurídicos essenciais (penalmente tutelados) na prática de qualquer tipo de crime (artigo
86.º, n.º 3 da Lei das Armas)”.
Pelas razões apontadas entende-se dar provimento ao recurso interposto pelo MP sendo de
condenar o arguido em concurso efetivo pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada
com utilização de arma (artigos 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 131.º, 22.º e 23.º do CP e 86.º, n.º 3 do
RJAM) e pelo crime de detenção da arma proibida de marca Browning (artigo 86.º, n.º 1, alínea c)
do RJAM)[26].
Analisado o Acórdão proferido em 1.ª instância resulta, todavia, ter sido o arguido condenado pela
prática de um crime de homicídio qualificado tentado agravado pela utilização de arma (artigo
132.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 86.º, n.º 3 do RJAM) em concurso efetivo com um crime de detenção
de arma proibida (artigo 86.º, n.º 1, alíneas c), d) e e) e n.º 2 do RJAM).
Essa condenação foi-o não pela posse da espingarda caçadeira Browning, mas sim pela
circunstância de o agente deter na sua habitação uma pistola da marca Waltro transformada para
calibre 7,65 com calibre rasurado, bem como 7 cartuchos de calibre 12 e 2 cartuchos (estes dois
deflagrados aquando da utilização da arma Browning para cometer o homicídio).
Embora o Tribunal recorrido tivesse considerado a posse de uma arma e sete munições intactas e
munições (cartuchos e buchas) deflagradas subsumíveis a três alíneas do n.º 1, do artigo 86.º do
RJAM (alíneas c), d) e e) e n.º 2), apenas condenou o arguido pela prática de um crime.
Neste ponto foi adotada a jurisprudência seguida nos Acórdãos da RC de 22.1.2014[27], RE
3.10.2012,[28] RE de 8.11.2011[29],RP 1.10.2014[30] segundo a qual o detentor de uma arma de
fogo e munições, conquanto de categorias diferentes e previstas em diferentes alíneas do n.º 1 do
artigo 86.º do RJAM, deverá ser punido apenas por um crime, de acordo com a disposição legal
mais grave, funcionado as ‘outras’ armas e munições como meras agravantes na determinação da
medida concreta da pena.
Assim, transportando este raciocínio, que também acolhemos, para o caso em apreciação, e dando
nesta parte provimento ao recurso interposto pelo MP, o arguido será condenado pela prática de um
crime de detenção de arma proibida previsto no artigo 86.º, n.º 1, alínea c) do RJAM, disposição
mais grave, funcionando a outra arma (Waltro) e as sete munições mais duas deflagradas (2
cartuchos e 2 buchas) como agravantes na determinação da medida concreta da pena, como adiante
se explanará.
Esta opção recai na circunstância de, embora as duas armas detidas pelo arguido se subsumirem à
alínea c) do n.º 1 do artigo 86.º do RJAM, a espingarda caçadeira, cujo cano foi serrado, apresentar
uma perigosidade acrescida em comparação com a pistola Waltro, pois com aquela transformação
(cano serrado) a hipótese de falhar o alvo tornou-se menor.
B. Da medida da pena
Ambos os recorrentes pugnam pela alteração das penas aplicadas, o arguido pela condenação em
uma pena única de 3 anos de prisão suspensa na sua execução e o MP numa pena única fixada entre
13 anos e 14 anos e 10 meses de prisão. Já na segunda instância o Sr. Procurador Geral Adjunto
emitiu Parecer propugnando pela aplicação de uma pena única de 9 anos de prisão, atenta a
circunstância de o arguido ter 60 anos e ser primário.
No caso em apreciação foram cometidos pelo arguido, como se referiu, dois crimes:
- Um de homicídio qualificado pela alínea b), do artigo 132.º, n.ºs 2 e 1 do CP na forma tentada
agravado pela circunstância de ter sido utilizada uma arma (artigo 86.º, n.º 3 do RJAM);
- Um crime de detenção de arma proibida previsto no artigo 86.º, n.º 1, alínea c) do RJAM, pela
posse da espingarda caçadeira de marca Browning, funcionando a outra arma (Waltro) e as sete
munições mais duas deflagradas[31] como agravantes na determinação da medida concreta da pena.
Cumpre agora encontrar o quantum das penas concretas a aplicar aos dois crimes, sendo certo não
ter sido questionada a espécie da pena aplicada (prisão) por nenhum dos recorrentes.
O MP na 1.ª Instância requereu a aplicação de uma pena concreta:
- Situada no ponto médio da pena que apontou como sendo 13 anos de prisão pela prática do crime
de homicídio qualificado na forma tentada com utilização de arma de fogo, ao invés dos 6 anos e 6
meses aplicados pelo Tribunal a quo;
- Uma pena de 1 ano de 10 meses pela prática de um crime de detenção de arma proibida (posse de
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duas armas de fogo proibidas e de 7 munições mais duas deflagradas) ao invés de 1 ano e 2 meses
aplicado em 1.ª instância (posse de uma arma de fogo e sete munições e mais duas entretanto
deflagradas).
O MP junto do Tribunal recorrido concluiu, como já referido, pela aplicação de uma pena única
situada entre os 13 anos e os 14 anos e 10 meses de prisão (embora no início do requerimento
recursivo e nas conclusões finais tivesse indicado, inconsistentemente, a pena única de 12 anos).
Indicou o MP para efeitos do crime de homicídio na forma tentada cometido com arma estarmos
perante uma moldura pena abstrata de 3 anos e dois meses a 25 anos, a mesma apontada no
Acórdão recorrido.
Quanto ao crime de detenção de arma proibida o MP indicou uma pena abstrata de 1 a 5 anos de
prisão, a mesma moldura referenciada na decisão da 1.ª Instância.
Como entendemos que a moldura penal abstrata se situa entre os 3 anos, 2 meses e 12 dias e os 22
anos 2 meses e 19 dias serão, em seguida, assinaladas as várias operações que o procedimento para
a determinação das penas parcelares e única envolve.
B.1. Determinação da moldura penal abstrata e concreta cabida ao crime de homicídio qualificado
tentado agravado pelo uso de arma (artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 22.º e 23.º do CP e
artigo 86.º, n.º 3 do RJAM)
O crime de homicídio qualificado consumado previsto no artigo 132.º é cominado com uma pena
de 12 a 25 anos.
Verificando-se que ocorreram circunstâncias modificativas atenuantes (tentativa – artigos 22.º, 23.º
do CP) e agravantes (utilização de arma –artigo 86.º, n.º 3 do RJAM) há que alterar os limites
mínimos e máximo da moldura penal abstrata correspondente ao crime cometido.
Aqui suscita-se a primeira questão. Deverá a operação iniciar-se fazendo funcionar primeiro a
atenuante (tentativa – artigo 73.º, n.º 1, alíneas a) e b)) ou a agravante (uso de arma – artigo 86.º, nº
3 do RGAM)?
Embora não se referindo à situação em análise Figueiredo Dias[32] dá uma indicação quanto à
resposta a dar à questão esclarecendo que “em caso de concorrência de modificativas agravantes e
atenuantes o procedimento mais justo e correto parece estar em fazer funcionar primeiro as
agravantes e depois, relativamente à moldura penal assim provisoriamente determinada, as
atenuantes”. Embora admita mais adiante que “Erigir nesta matéria princípios mais ou menos
gerais seria pouco avisado e perigoso”[33].
A este nível cumpre relembrar o que se acha previsto na lei quanto à atenuante da tentativa (artigos
22.º, 23.º, 72.º e 73.º do CP) e à agravante da utilização de arma para cometer um crime (artigo
86.º, n.º 3 do RJAM).
Tendo o arguido cometido o crime de homicídio qualificado na forma tentada a pena é
necessariamente atenuada pela seguinte forma: O limite máximo da pena de prisão é reduzido de
um terço e o limite mínimo é reduzido a um quinto (artigo 73.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CP).
Já quanto à agravação pela utilização da arma para cometer o crime a pena é agravada em 1/3 nos
limites máximo e mínimo (artigo 86.º, n.º 3 do RJAM).
A propósito do limite máximo dos 25 anos de prisão teremos presente encontrarmo-nos a calcular,
nesta fase, uma moldura penal abstrata e não concreta, sendo de convocar o mesmo princípio
aplicado para o concurso de infrações. Esta opção assenta na necessidade de se evitar incorrer num
tratamento desigual para situações semelhantes, porquanto nas penas mais baixas o arguido seria
prejudicado comparativamente com um arguido punido com penas mais graves se o limite máximo
da pena abstrata não pudesse ser encontrado acima dos 25 anos de prisão.
Assim, seguindo a opção avançada por Figueiredo Dias a pena máxima de 25 anos seria agravada
de 1/3[34] (ou seja em 8,333 que equivale a 8 anos 3 meses e 29 dias num total de 33,333 ou seja,
33 anos 3 meses e 29 dias) para em seguida a pena assim obtida de 33 anos 10 meses e 29 dias ser
atenuada em 1/3 (33,333 x 1/3 = 33,333 : 3 = 11,111; 33,333 – 11,111 = 22,222) obtendo-se como
limite máximo 22 anos 2 meses e 19 dias[35] .
Já quanto ao limite mínimo os 12 anos são agravados de 1/3 (12 + (12 : 3) = 12 + 4 = 16) obtendo-
se uma pena de 16 anos que sendo reduzida a 1/5 é fixada em 3 anos 2 meses e 12 dias (16 : 5 =
3,2[36]).
Em todo o caso, cumpre esclarecer que independentemente da ordem pela qual as circunstâncias
modificativas fossem aplicadas o resultado seria sempre o mesmo. Matematicamente a explicação
para a irrelevância da ordem em que é realizada a redução/atenuante (subtração) ou o
aumento/agravante (soma) assenta na circunstância de se tratarem de parcelas independentes.
Assim, optando-se pela tese avançada por Figueiredo Dias ou pela aplicação primeiro da atenuante
e depois da agravante[37], a solução encontrada para a moldura penal abstrata do crime de
homicídio qualificado na forma tentada com utilização de arma seria sempre igual, tendo como
limites mínimo 3 anos 2 meses e 12 dias e como máximo 22 anos 2 meses e 19 dias.
Dentro da moldura penal abstrata encontrada e tendo em consideração que:
- O grau de ilicitude é muito elevado, atenta a gravidade dos factos praticados, nomeadamente por
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se tratar da mulher do arguido com quem estava casado desde 5 de agosto de 1995, violando os
deveres de respeito e de assistência, o dever pela importância dos valores jurídicos violados e pela
forma de cometimento do crime e sentimentos revelados pelo arguido, sem olvidar que utilizou
uma arma de fogo, disparando à queima-roupa, negando qualquer possibilidade de defesa à sua
mulher;
- O modo de execução: o arguido no dia do crime serrou os canos da espingarda caçadeira
Browning e saiu de casa armado para falar ao telefone. Depois entrou em casa com espingarda
caçadeira, com o cano serrado, municiada com dois cartuchos, empurrou a sua mulher, que se
refugiu na cozinha e, enquanto lhe dizia que a ia matar porque o andava a trair, apontou-lhe a arma
e disparou, mas sem a atingir porque a sua mãe desviou a arma; entretanto pôs a sua mãe fora de
casa, e sozinho com a vítima, perseguiu-a até à casa de banho (agora no 1.º andar), e apontando-
lhe, primeiro, a arma à cabeça e, depois, ao coração, premiu o gatilho, mas não tendo deflagrado o
cartucho, por falha mecânica da arma, só o conseguiu à terceira vez, momento em que disparou na
direção do braço da vítima, atingindo-a no braço e no abdómen (e em duas das vezes como o
cartucho não deflagrou voltou a inseri-lo na arma e a disparar);
- As consequências do facto consubstanciaram-se numa hemorragia ativa do membro superior
direito e múltiplas lesões contundentes ao nível do abdómen apresentando uma ferida contusa de
cerca de 25 cm de comprimento, com perda de tecidos superficiais e destruição muscular, na parte
interna, entre o cotovelo e o punho, no antebraço direito bem como todas as consequências
mencionadas em 31., 32., 33., 49. 51,. 52., 53., 54., 55. a 58 a 66. Embora a vítima apresente uma
extensa cicatriz no braço tenderá a esbater-se e a não ficar visível, bem como no início de
dezembro de 2020 a vítima retomou o trabalho no seu salão de cabeleireiro (cf. motivação da
matéria de facto constante do Acórdão recorrido).
- O grau de sofrimento infligido pelo arguido à ofendida (totalmente indefesa).
- O dolo foi intenso, porque direto, tendo o arguido agido com conhecimento e vontade de
realização da conduta.
- O bem jurídico violado, a vida, o mais importante direito fundamental;
- As exigências de prevenção geral são elevadas tendo em consideração o número crescente de
violência sobre pessoas do sexo feminino dentro do ambiente familiar, causando forte repúdio pela
comunidade, criando sentimento de insegurança junto das populações e fortemente perturbador da
paz social, cumprindo evitar o efeito imitação, a sua banalização e que se instaure entre os
membros da comunidade o sentimento de impunidade pela violação da ordem jurídica.
- As necessidades de prevenção especial reclamam também intervenção perante uma personalidade
insensível, para o fazer interiorizar sobre os graves malefícios do seu ato, pois não se revelou
arrependido, tentou desculpabilizar-se invocando o disparo acidental da arma e pelo menos há
cinco anos a esta parte o agente manifesta comportamento obsessivo pautado por ciúmes,
insinuando que a ofendida o trai.
- A motivação deriva de ciúme o que revela a má formação da personalidade do arguido ao agir
com violência exacerbada e escusada perante a situação;
- No concernente às exigências de prevenção especial, ter-se-á em consideração que o arguido à
data com 58 anos (atualmente com 59) não tinha antecedentes criminais e estava familiar e
laboralmente inserido, embora não tenha vida social, saindo muito raramente de casa.
Face ao exposto, a pena concreta a aplicar teria sempre de ser fixada acima do limite médio de 9
anos 6 meses e 7 dias[38], atentas as quatro investidas consecutivas sobre a vítima, o
comportamento obsessivo do arguido manifestado pelo menos desde o ano de 2015 pautado pelos
ciúmes insinuando que a ofendida o traía bem como o terror (a arma foi disparada na sua direção
por quatro vezes três delas à queima roupa) e o sofrimento causado na vítima.
Considera-se, assim, justo e adequado aplicar ao arguido a pena de 11 anos de prisão pela prática
do crime de homicídio qualificado na forma tentada, atenta a circunstância de atualmente a vítima,
embora continuando a beneficiar de fisioterapia ter regressado ao seu salão de cabeleireiro onde em
início de dezembro de 2020, retomou a sua atividade profissional e a cicatriz que apresenta no
braço, de acordo com o perito, tendencialmente irá esbater-se.
B.2. Determinação da moldura penal concreta cabida ao crime de detenção de arma proibida (artigo
86.º, n.º 1 da RJAM)
No recurso em apreciação o arguido cometeu vários crimes de detenção de arma proibida previsto
pelo artigo 86.º, n.º 1 da Lei das Armas, porquanto tinha na sua posse:
- Uma espingarda caçadeira de marca Browning modelo B-80, calibre 12, com cano único de 36 cm
serrado (classe A) previsto e punível pelo artigo 86.º, n.º 1, alíneas c) e n.º 2, artigo 2.º, n.º 1,
alíneas p), x), ar), artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 alíneas l) com a pena de 1 ano a 5 anos de prisão ou com
pena de multa até 600 dias.
- Uma pistola de marca Waltro modelo 85 combat (classe A), calibre 8 mm transformada para
calibre 7,65 com calibre rasurado com carregador e escovilhão previsto e punível pelo artigo 86.º,
n.º 1, alínea c) e n.º 2, artigo 2.º, n.º 1, alíneas v), az) e artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, alínea l) e x).
- 7 cartuchos de calibre 12 e mais 2 cartuchos, entretanto deflagrados, previsto e punível pelo artigo
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86, n.º 1, alínea e) e d), artigo 2.º, n.º 3, alíneas e) e p) punível com prisão de 1 mês a 2 anos ou
pena de multa até 240 dias.
Como já atrás se deixou referenciado o Tribunal de 1.ª instância puniu o arguido apenas por um
crime de detenção de arma proibida de acordo com a disposição mais grave (artigo 86.º, n.º 1,
alínea c) do RJAM) funcionando a outra arma e as sete munições e mais dois cartuchos entretanto
deflagrados como agravantes na determinação da medida concreta da pena.
Dentro da moldura penal abstrata encontrada de 1 a 5 anos de prisão o Tribunal a quo aplicou a
pena concreta de 1 anos e 2 meses de prisão, muito próximo do limite mínimo, mas não teve em
consideração a detenção pelo arguido da espingarda caçadeira de marca Browning.
Assim, ponderando-se, para a consumação do crime previsto no artigo 86.º, n.º 1 do RJAM, a posse
da espingarda caçadeira de marca Browning e para efeitos do agravamento do crime de detenção de
arma proibida a pistola e as sete munições mais duas entretanto deflagradas e que:
- A ilicitude na detenção da arma Browning é elevada, pois a sua posse era insuscetível de ser
legalizada;
- O arguido tinha a arma na sua posse há vinte cinco anos cujo cano único serrou; tinha ainda a
detenção de uma pistola calibre 8 mm transformada para calibre 7,65 com calibre rasurado também
insuscetível de legalização e 7 munições de calibre 12 mais duas munições entretanto deflagradas.
- O dolo foi intenso (dolo direto);
- O arguido não tinha licença de uso e porte de arma;
- As exigências de prevenção geral foram elevadas atendendo ao número de vezes que estes crimes
são cometidos e a intranquilidade que criam e à circunstância de estas detenções não poderem ser
apreciadas isoladamente da tentativa de homicídio qualificado perpetrado na forma tentada;
- O arguido não tem antecedentes criminais registados;
- O arguido confessou integralmente e sem reservas a posse das armas e munições (cf. motivação
da decisão recorrida).
- O arguido encontra-se familiar e laboralmente inserido, embora não tenha vida social, saindo
muito raramente de casa.
O Tribunal a quo aplicou ao arguido 1 ano e 2 meses de prisão por considerar não ser de valorar a
posse da espingarda caçadeira marca Browning para efeitos da prática do crime de detenção de
arma proibida (artigo 86.º, n.º 1, alínea c) do RJAM), por já ter sido valorada para efeitos da
agravação do crime de homicídio (artigo 86.º, n.º 3 do RJAM).
Tendo em atenção, todavia, o já mencionado acerca do uso da espingarda caçadeira de marca
Browning dever ser valorada para efeitos da agravação do crime de homicídio (artigo 86.º, n.º 3 do
RJAM) e para efeitos da prática do crime de detenção de arma proibida julga-se ser de aplicar ao
arguido no mínimo a pena sugerida pelo MP, ou seja, 1 ano e 10 meses de prisão.
III. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos:
1. Nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido;
2. Dá-se provimento parcial ao recurso interposto pelo MP na 1.ª instância e em consequência
condena-se o arguido:
a) Pela prática em autoria material de um crime de homicídio qualificado na forma tentada previsto
e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 86.º, n.º 3 do CP na pena de 11
anos de prisão;
b) Pela prática em autoria material de um crime de detenção de arma proibida na forma consumada
previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º 1ª parte todos do CP e 86.º, n.º 1, alíneas c), d) e e) e
n.º 2 por referência aos artigos 2.º, n.ºs 1 alínea p), v) x), ar) e az) e n.º 3 alíneas e) e p), artigo 3.º ,
n.ºs 1 , 2 alíneas l) e x) da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro na pena de 1 ano e 10 meses de prisão;
c) Em cúmulo jurídico condena-se o arguido na pena única de 11 anos e 10 meses de prisão.
d) No mais mantém-se o Acórdão recorrido.
3. Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (artigos 513.º, n.ºs 1 e 3 e
514.º, n.ºs 1 do CPP e artigo 8.º, n.º 9 e tabela III anexa, do Código das Custas Processuais).
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP consigna-se que o presente
Acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos signatários.
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Évora, 25 de maio de 2021.
Beatriz Marques Borges - Relatora
Martinho Cardoso
__________________________________________________
[1] Cf. Ac. RE de 25.9.2018, P. 33, proferido no processo 55/17.9JAPTM.E1, relatado por Ana
Brito.
[2] SERRA, Teresa – “Homicídio Qualificado: Tipo de Culpa e Medida da Pena”. Almedina.
Coimbra. 1990. P. 102. ISBN 972-40-0571-2.
[4] A alínea b) constitui um aditamento aos exemplos padrão operada pelo regime do Código Penal
de 2007.
[5] Ac. RE de 25.9.2018, P. 1 e 35, proferido no processo 55/17.9JAPTM.E1, relatado por Ana
Brito.
[6] DIAS, Jorge Figueiredo (direção) – “Comentário Conimbricense do Código Penal: Parte
Especial: artigos 131.º a 201.º. Tomo I. Coimbra Editora. 1999. P. 37. ISBN 972-32-0854-7.
[8] Exemplo: Incêndio, explosão, libertar gases tóxicos, emitir radiações, provocar
desmoronamento, inundação, propagar doença, etc.
[10] SERRA, Teresa – “Homicídio Qualificado: Tipo de Culpa e Medida da Pena”. Almedina.
Coimbra. 1990. P. 102. ISBN 972-40-0571-2 refere a este propósito que “Não pode aceitar-se a
existência de problemas de concurso nem entre a verificação de diversos exemplos padrão, nem
entre tipo fundamental (artigo 131.º) e regra de determinação da moldura penal do grupo valorativo
de homicídios especialmente grave” (132.º) nem a do artigo 133.º “(…) em virtude destes preceitos
não conterem verdadeiros tipos de crimes, mas apenas regras modificativas da moldura penal do
homicídio. Daí que não possa encarar-se como concurso ideal o caso de homicídio qualificado em
que se verifica o preenchimento de dois ou mais exemplos-padrão. (…) Mais correcta será (…) a
eleição de uma das circunstâncias como decisiva para a determinação da moldura penal aplicável,
enquanto a outra será tomada em consideração, como agravante, na fixação da medida concreta da
pena.”.
[11] Uma censurabilidade ou perversidade distintas daquelas que em maior ou menor grau, se
revelam na autoria de um homicídio simples.
[12] Cf. designadamente DIAS, Figueiredo – “Direito Penal: Questões Fundamentais; A Doutrina
Geral do Crime”. Parte Geral. Tomo I. 2.ª edição. Coimbra Editora. 2007. P. 37. ISBN 978-972-32-
1523-6; ALBUQUERQUE, Paulo Pinto – “Comentário do Código Penal: À Luz da Constituição da
República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”. 3.ª edição atualizada. Universidade
Católica Editora. P. 515. ISBN 978-972-54-0489-8; SILVA, Fernando – “Direito Penal Especial:
Crimes Contra as Pessoas”. 3.ª edição revista e atualizada. Quid Juris. P. 81. ISBN
9789727245635.
[14] Cf. Acórdão do STJ de 11.2.2016, proferido no P. 205/14.7PLLRS.L1.S1 e relatado por Isabel
S. Marcos.
[15] O Tribunal recorrido condenou o arguido pelo crime de detenção de arma proibida, mas
relativa a uma outra arma que o agente tinha na sua posse (não a utilizada para tentar matar a
mulher) bem como nos cartuchos encontrados na casa do agente.
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[16] Sublinhado nosso.
[17] Cf. por exemplo Ac. STJ 31.3.2011, relatado por Manuel Braz no P. 361/10.3GBLLE
dgsi.pt/jstj; Ac. RE de 20.12.2011, proferido no Processo 159/10.9GDCTXS1.E1 a pag. 1 e 11 e
relatado por Carlos Berguete;
[18] É o que sucede, de acordo com o Acórdão da RE de 21.5.2013 (cujo sumário se encontra
disponível para consulta em http://www.pgdlisboa.pt/leis em anotação ao artigo 86.º) com o crime
de furto e de roubo com a utilização de arma oculta ou aparente, cujas molduras não poderão ser
agravadas nos termos do disposto no artigo 86.º, n.º 3 do RJAM.
[22] Cf. neste sentido Acórdão RC de 22.11.2017, proferido no processo 5/16.0GACVL.C1 a pag.
52 e 53 e relatado por Maria José Nogueira; Acórdão RP de 30.9.2015, a pag. 1 e 23 e 24, proferido
no processo 1223/14.0JAPRT.P1, relatado por Neto de Moura.
[25] Proferido no processo 5/16.0GACVL.C1 a pag. 52 e 53 e relatado por Maria José Nogueira.
[29] Cujo sumário é possível consultar no site da PGR na anotação 26. ao artigo 86.º do RJAM
disponível em http://www.pgdlisboa.pt/leis/l.
[31] Antes de terem sido deflagradas estiveram na posse do arguido, tal como as restantes sete
munições intactas.
[32] DIAS, Jorge Figueiredo – “Direito Penal Português: As Consequências Jurídicas do Crime”.
Parte Geral II. Aequitas Editorial Notícias. 1993. P. 208. ISBN 972-9485-17-8.
[34] 25+ 1/3 = 25:3 = 8,333 ; 25 + 8,333 = 33,333 o que equivale a 33 anos 3 meses e 29 dias, pois
0,333 x 12 meses = a 3,996 e 0,996 x 30 dias = 29, 88).
[35] 22,222 equivale a 22 anos 2 meses e 19 dias, pois 0,222 x 12 meses = 2,664 meses e 0,664 x
30 dias = a 29,88 dias).
[36] 3,2 equivale a 3 anos 2 meses e 12 dias, pois 0,2 x 12 meses = 2,4 meses e 0,4 x 30 dias = 12
dias.
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