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TJRJ 202300670492 28/08/2023 13:22:00 FNL\ - PETIÇÃO ELETRÔNICA Assinada por RODRIGO FAUCZ PEREIRA E SILVA
DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RAZÕES DE APELAÇÃO
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1. DA SÍNTESE PROCESSUAL .................................................................................................................... 3
2. DO PREENCHIMENTOS DOS PRESSUPOSTOS RECURSAIS ......................................................... 3
3. DAS NULIDADES (art. 593, III, ‘a’, do CPP) ...................................................................................... 3
3.1 . Do prejuízo por ausência de alegações finais defensivas diante da falta de juntada nos autos
dos laudos periciais pendentes, sem que houvesse nova intimação ou constituição de outro
procurador ......................................................................................................................................................................... 4
3.2 . Do prejuízo por ausência de fundamentação das qualificadoras reconhecidas na pronúncia
................................................................................................................................................................................................. 8
3.3 . Do prejuízo por ausência da quebra de sigilo fiscal e bancário diante da versão acusatória
de que o crime teria ocorrido por motivação financeira .............................................................................. 10
3.4 . Do prejuízo por ausência de juntada aos autos dos documentos requeridos tempestivamente
na fase do art. 422, do CPP ......................................................................................................................................... 11
3.5 . Da leitura da denúncia para cada testemunha e informante na iminência de sua oitiva,
rememorando exclusivamente a versão acusatória em prejuízo da apelante .................................... 16
3.6 . Do prejuízo em razão da denegação da contradita dos delegados de polícia arrolados como
“testemunhas” pela acusação .................................................................................................................................. 19
3.7 . Violação ao art. 157 e art. 479, do CPP, por leitura e exibição de prova proibida, ilegal e
desconhecida da defesa .............................................................................................................................................. 21
3.8 . Violação ao art. 478, II, do CPP, por referência ao silêncio da apelante em seu prejuízo pela
acusação durante os debates ................................................................................................................................... 24
4. DO MÉRITO (art. 593, III, ‘d’, do CPP) ............................................................................................. 27
4.1. Da decisão manifestamente contrária à prova dos autos em relação ao crime de homicídio
na modalidade tentada (art. 121, §2º, I e III, c/c art. 14, II, art. 61, II, ‘e’, ‘f’ e art. 62, I, CP) .......... 27
4.2. Da decisão manifestamente contrária à prova dos autos em relação ao crime de homicídio
qualificado (art. 121, §2º, I, III, IV, e art. 29, c/c art. 61, II, ‘e’, ‘f’ e art. 62, I, todos do CP) ............. 30
4.3. Da decisão manifestamente contrária à prova dos autos em relação ao crime de associação
criminosa com participação de (art. 288, parágrafo único, c/c art. 62, I, ambos do CP) ................ 34
5. DA DOSIMETRIA DA PENA (art. 593, III, ‘c’, do CPP) ................................................................. 36
5.1 Do homicídio consumado (art. 121, §2º, incisos I, III, e IV do CP) .................................................... 37
5.2. Do homicídio qualificado tentado (art. 121, §2º, incisos I e III, c/c 14, II do CP ........................ 41
5.3. Do uso de documento ideologicamente falso (duas vezes – art. 304 e 299, na forma do art.
71, c/c art. 61, II, ‘e’ e art. 62, I, todos do CP) ..................................................................................................... 41
5.4 Da associação criminosa armada (art. 288, parágrafo único, c/c art. 62, I, ambos do CP) ..... 43
6. DO PEDIDO PARA RECORRER EM LIBERDADE E ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO
DA APELAÇÃO ............................................................................................................................................ 43
7. DOS PEDIDOS ........................................................................................................................................ 46
2
1. DA SÍNTESE PROCESSUAL
3
3.1. Do prejuízo por ausência de alegações finais defensivas diante
da falta de juntada nos autos dos laudos periciais pendentes, sem que
houvesse nova intimação ou constituição de outro procurador
2) Que o Ministério Público fez menção, em suas alegações finais, a peças que
não estavam nos autos e que deveriam, por ele, ser juntadas;
1 Ademais, conforme pode se verificar às páginas 41978, 41980 e 42000, a defesa arguiu
4
3) Que nem mesmo o Laudo do Exame do Local do Crime estava completo,
faltando inúmeras páginas, inviabilizando a elaboração da peça defensiva;
2 Cita-se como exemplo, à época, que o celular da vítima ficou mais de 2 anos com a acusação e, com
apenas um mês de antecedência do julgamento, foi dado acesso à defesa (fl. 38113, em que a Apple
afirma que os dados já foram fornecidos desde 11 de setembro de 2019, com senha inclusa; fl. 6435
e 1035).
5
perante o Tribunal do Júri, juízo natural da causa.” (RHC 103.562/PE, Rel.
Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 08/11/2018, Dje
23/11/2018.) 2. Na hipótese, todavia, em atenção ao princípio da
plenitude de defesa, ainda que o causídico, então constituído, tenha sido
intimado e não tenha apresentado a peça processual, incumbiria ao
magistrado mandar intimar pessoalmente o acusado para constituir
novo advogado ou, não tendo eficácia essa providência, encaminhar
os autos à Defensoria Pública, de modo que passasse a patrocinar a
causa, inclusive apresentando as derradeiras alegações antes da
sentença de pronúncia ou despronúncia. (...) 4. Provimento do agravo
regimental. Anulação da sentença de pronúncia. Devolução dos autos à
primeira instância para a restituição do prazo para a defesa apresentar
alegações finais. (STJ, AgRg no HC n. 710.306/AM, relator Ministro Olindo
Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma,
por unanimidade, julgado em 27/9/2022, Dje de 7/10/2022) – grifo
nosso
6
Não obstante o pedido do próprio MP, a magistrada, em violação direta às
normativas processuais, à ordem Constitucional e às Convenções internacionais de
Direitos Humanos, decidiu pela admissibilidade da acusação, sem propiciar plena
oportunidade de defesa aos acusados.
Ante a ausência de apresentação de alegações finais, como se sabe, a
possibilidade de nomeação de defensor público ou dativo, ou de intimação para
constituição de novo procurador, torna-se a única forma de concretização da
plenitude de defesa e do contraditório. Desta maneira, pode-se compreender que a
inação do defensor prejudicou profundamente a apelante, por este motivo, constitui
causa de nulidade absoluta. Nesse sentido é o entendimento do Supremo Tribunal
Federal:
7
por todos os termos admitidos na decisão de pronúncia confirma o grave
prejuízo sofrido pela apelante.
Por fim, cabe mencionar que no processo principal, onde os executores
deste crime foram julgados, esta mesma magistrada agiu de maneira totalmente
diversa. Explica-se: o defensor do acusado (e condenado) pela execução do
homicídio também deixou de apresentar as alegações finais no prazo. Na ocasião,
veja-se a decisão da magistrada (fls. 3207) alguns meses antes:
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Como se sabe, também constitui ilegalidade flagrante a ausência absoluta
de fundamentação fática para a admissão das qualificadoras do homicídio. A
pronúncia encaminhou a apelante à júri por motivo torpe (Art. 121, §2º. I, CP),
emprego de meio cruel (art. 121, §2º, III, CP) e recurso que impossibilitou a defesa
da vítima (art. 121, §2º, IV, CP).
Como no tópico anterior, esta matéria também é objeto de Recurso Especial
que será enfrentado pelo Superior Tribunal de Justiça3 e foi devidamente alegada
após o pregão, conforme fl. 42.000.
Com efeito, conforme alegado por esta defesa em sede de Embargos de
Declaração (fls. 23770), a decisão de pronúncia apenas menciona que “as
qualificadoras não devem ser afastadas”, sem jamais fundamentá-las, com
fulcro na justificativa de que “a prova carreada, especialmente a oral, mostra-
se suficiente para indiciá-las”.
Ora, a indicação da existência de “prova oral”, de modo genérico, sem
especificação e sem o acompanhamento de um conjunto probatório capaz de
atender os requisitos necessários e suficientes para a atribuição das qualificadoras
supracitadas, nulifica a decisão de pronúncia.4
Trata-se de questão de maior importância, eis que a delimitação fática da
qualificadora: (a) permitiria que a defesa tivesse conhecimento de quais fatos foram
utilizados na pronúncia, viabilizando eventual recurso; (b) funcionaria como
admissibilidade de quais fatos seriam permitidos para a sustentação da acusação em
plenário (possibilitando o exercício de defesa); (c) seria a base na elaboração dos
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quesitos (conforme o art. 482 do CPP). Todos estes elementos foram negligenciados
e geraram prejuízo indelével à apelante.
Desta forma, a não indicação dos fatos objetivos de cada qualificadora
inviabilizou a correta elaboração da quesitação por parte da juíza presidente,
quando do julgamento em plenário. Ao passo que a decisão de pronúncia não filtrou
as circunstâncias fáticas, a defesa foi gravemente lesada, restando impedido o
exercício dos direitos constitucionais da apelante, especialmente o da plenitude de
defesa.
Pelo exposto, não pode ser admitida a completa e absoluta ausência de
fundamentação e de delimitação fática das qualificadoras admitidas, constituindo
nulidade absoluta, o que requer a apelante seja reconhecido por este e. TJRJ,
anulando-se a decisão de pronúncia e, por consequência, todos os atos posteriores,
ante a violação do disposto no art. 413, §1º e art. 564, V, ambos do CPP.
A defesa requereu, dentro do prazo legal, no momento exigido pelo art. 422
do CPP, a quebra de sigilos fiscais e bancários de alguns dos envolvidos (fl.
28172/28173). Citam-se: procurações de Tabelionatos em favor de Wagner de
Andrade Pimenta; transações bancárias e representação em cartões de crédito deste
enquanto preposto do Instituto Flordelis; inscrições de Juntas Comerciais em nome
de Wagner de Andrade Pimenta, Flordelis e da vítima; e, quebra do sigilo bancário
de Flordelis, Wagner de Andrade Pimenta, Luana Vedovi Rangel e da vítima.
Contudo, foram indeferidos os pedidos da defesa, sob a argumentação de
que não havia fundamentação para tanto.
No entanto, alega a própria acusação que a motivação do crime seria
financeira, razão pela qual era (e permanece sendo) necessário que a referida
diligência seja cumprida para a correta identificação real da motivação do crime.
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O próprio Ministério Público apresentou, em cota ministerial (fl. 25),
indicação de supostas recompensas monetárias para a prática, em tese, do intento
criminoso, bem como a compra de armas. Além disso, há menção, pelo promotor de
justiça, de práticas ilícitas (fl. 27 e 65) no âmbito de quem controlava o dinheiro, e
retenção monetária por parte de alguns membros da família, conforme também
mencionado na cota ministerial (fl. 49, 52 e 73).
A questão financeira, pois, está umbilicalmente relacionada com o fato que
foi julgado e, assim, os pedidos precisavam ser requeridos na fase processual do art.
422 do CPP, como efetivamente foi feito, até mesmo para evitar preclusão. Porém,
erroneamente, não foram deferidos os pedidos formulados pela defesa.
Veja-se: se a motivação do suposto crime foi financeira, como alega a
acusação, é um direito inerente da defesa ter acesso a esses dados e descobrir todos
os meandros e as circunstâncias que envolveram o crime, identificando todos os
potenciais autores e, principalmente, os interesses que podem afetar o processo.
Ora, é uma diligência que deveria importar também para a acusação, pois se
trata de prova técnica que vai além das provas testemunhais e pode refutar ou
confirmar a tese acusatória.
Assim, a rejeição do pedido causou severos prejuízos à acusada, que se vê
impossibilitada de comprovar a inveracidade da versão acusatória, ferindo a
plenitude de defesa, bem como o interesse direto de terceiros na sua condenação.
Sendo assim, considerando que o pedido foi arguido em momento oportuno
(na fase do art. 422 do CPP) e a negativa foi objeto de discussão de nulidade após o
momento do pregão em respeito ao art. 571, V do CPP (fl. 41981 – ata do dia 07 de
novembro de 2022), requer a anulação da sessão plenária, bem como a realização
das fundamentais diligências requeridas, eis que a sua ausência causa prejuízo
direto e insanável ao direito de defesa.
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Desde o momento de apresentação das alegações finais, bem como na fase
do art. 422 do CPP, foram apontados inúmeros documentos que não foram
disponibilizados à defesa no decorrer do processo. Não se está a discutir a
responsabilidade de quem deu causa a este fato, mas apenas apontar que a defesa
da apelante foi extremamente prejudicada ao não ter acesso a todos os documentos
e apreensões que ficaram em posse do Ministério Público (cuja relação estava
indicada nos autos).
Violou-se, inegavelmente, as normativas processuais e constitucionais
sobre a matéria, quais sejam: o art. 422; art; 158-A a 158-F, todos do CPP; o art. 5o,
XXXVIII, “a”; LIV; LV e art. 220, §1º, todos da Constituição Federal; e, art. 116, XVIII
e 125, do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de
Janeiro.
Frise-se que até o presente momento a defesa não teve acesso aos seguintes
documentos, informações e apreensões:
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ofício, de acordo com o e-mail (fl. 32122). Desta forma, a apelante não teve acesso a
informações fundamentais (como a cadeia de custódia, por exemplo), inobstante ter
sido requerido tempestivamente.5
5 Não se pode dizer que nos laudos presentes no processo no início de cada um tenha a descrição da
cadeia de custódia apenas por mencionarem o número de lacre, pois não condiz em nenhuma
hipótese com o que de fato deveria constar, ou seja, a resposta completa aos quesitos elaborados por
esta defesa e encaminhados em ofício nº 486/2022 para o ICCE/RJ (fl. 31875).
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03) Não foi disponibilizado pelo ICCE, embora encontrada a requisição, o laudo
completo referente à requisição pericial nº 045264-1951/2020 (fl. 19878-f) e nº
016534-1951/2022 (fl. 33663), relativo às inúmeras apreensões do auto nº
046622-1951/2019 (fl. 19876).
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Ademais, o Laudo 19061/2022 também possui outro número de requisição
(nº 016587-1951/2022), contudo, menciona-se, também, o número de requisição
00057515-1951/2019, pois no Mandado de Busca e Apreensão nº 880/2022 (fl.
33663) consta que esta requisição é referente ao Auto de Apreensão nº 046988-
1951/2019 (fl. 1224), que diz respeito ao mesmo objeto – um Iphone de capa
vermelha com caixa – Iphone 1897 – Iphone 8 plus – ao Laudo 19061/2022, de
propriedade de Rayanne, e ao ofício nº 016777-1951/2022 (fl. 32289).
Logo, as duas requisições, 00057515-1951/2019 e 016587-1951/2022
dizem respeito ao mesmo objeto. Sendo assim, não foram disponibilizados os
demais laudos, que continham requisição e que deveriam encontrar-se no ICCE para
perícia, assim como ocorreu com a requisição 00057515-1951/2019.
Em resumo, a ausência de acesso aos referidos documentos mitiga
diretamente o princípio da plenitude de defesa e do contraditório. Trata-se de um
princípio basilar do Estado de Direito, que preceitua que o acusado deve ter
assegurada uma defesa real e efetiva, jamais uma defesa meramente protocolar.
No Tribunal do Júri, os acusados jamais podem ser prejudicados com a
limitação da atuação defensiva. A nulidade é absoluta e precisa ser reconhecida por
este e. TJRJ.
Além do mais, é falho o argumento utilizado pela acusação por diversas
vezes no curso do processo de que “todas as provas estão já juntadas no processo”,
ou que “tudo aquilo que a acusação teve acesso a defesa também teve” (fls. 32900;
33905; 36491; 36769; 36790), pois todas as vezes que ambos (o juízo e o Ministério
Público) argumentaram desta forma, em sequência foi juntado um “laudo novo”,
conforme percebe-se nas fls. 28618; 31387; 31623; 31762; 31769; 31844; 32081;
32650; 32659; 3345; 34232; 34273; 34671; 35641; 35684; 36117; 36195; 36431;
38119; 38430; 38492; 38865; 41115; ou “encontrados os dados de um celular
perdido” e, ainda, arquivos do cellebrite que não existiam anteriormente (fls. 37140;
37145; 37483; 37507; 37514, 37516; 38112).
Rememora-se que inúmeros aparelhos e documentos foram inicialmente
encaminhados para GAECO/MPRJ, tendo este acesso exclusivo, conforme se
verifica às fls. 1683/16641 e 27879. Destaca-se que o celular da vítima ficou
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mais de 2 anos com a acusação e, com apenas um mês de antecedência do
julgamento, foi dado acesso à defesa (fl. 38113, em que a Apple afirma que os dados
já foram fornecidos desde 11 de setembro de 2019, com senha inclusa; fl. 6435 e
1035). Ora, o prejuízo é evidente.
Face a todo o exposto e às violações frontais ao Estado democrático de
Direito, em especial ao devido processo legal, à plenitude de defesa e ao
contraditório, requer o reconhecimento da nulidade, eis que foi tempestivamente
apontada em diversas oportunidades, desde a fase do art. 422 até, inclusive, após o
pregão, conforme preceitua o art. 571, V, do CPP (fl. 41981 – ata do dia 07 de
novembro de 2022), determinando que os arquivos sejam disponibilizados para a
defesa em data anterior à nova sessão plenária.
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Embora a proibição da leitura da denúncia para a testemunha antes da sua
oitiva não esteja positivada, tampouco há previsão legal determinando que a
memória da pessoa a ser ouvida deva ser “refrescada” pelo juízo, ou, em termos
neurocientíficos, “conformada”.
A conformidade da memória ocorre quando as recordações da testemunha
são readequadas a partir de um relato externo. Destarte, ao invés de a testemunha
se basear apenas em suas memórias quando do seu depoimento, se qualquer
informação for apresentada a ela antes deste relato, certamente haverá uma
combinação de informações. Assim, os elementos trazidos pela testemunha
conterão dados de fontes de sua memória, mas também das novas informações,
externas, recém fornecidas. Trata-se de um fenômeno que há décadas resta
comprovado cientificamente.6
6 BANG, Sungil. A cross-cultural examination of the conformity effect when co-witnesses discuss a
crime". CUNY Academic Works. New York, 2017; BODNER, Glen E.; MUSCH, Elisabeth; AZAD,
Tamjeem. Reevaluating the potency of the memory conformity effect. Memory & Cognition. vol. 37,
n. 8, p. 1069-1076, 2009; CARPENTER, Alexis C.; SCHACTER, Daniel. (2017) Flexible Retrieval: When
True Inferences Produce False Memories. Journal of Experimental Psychology: Learning,
Memory, and Cognition, v. 43, n. 3, p. 335–349, 2017.; CIALDINI, Robert B.; GOLDSTEIN, Noah J.
Social Influence: Compliance and Conformity. Annual Reviews Psychology, v. 55, p. 591-621, 2004.;;
GABBERT, Fiona; MEMON, Amina; ALLAN, Kevin; WRIGHT, Daniel B. (2004) Say it to my face:
Examining the effects of socially encountered misinformation. Legal and Criminological
Psychology. 9, 215-227.; GABBERT, Fiona; MEMON, Amina; ALLAN, Kevin. Memory conformity: Can
eyewitnesses influence each other’s memories for an event? Applied Cognitive Psychology, v. 17,
p. 533-543, 2003.; GOODWIN, Kerri A.; KUKUCKA, Jeffrey P.; HAWKS, Irina M. Co-Witness Confidence,
Conformity, and Eyewitness Memory: An Examination of Normative and Informational Social
Influences. Applied Cognitive Psychology, v. 27, p. 91-100, 2013; MEADE, Michelle; ROEDIGER,
Henry. Exploration in the social contagion of memory. Memory & Cognition, v. 30, p. 995-1009,
2002.; PATERSON, Helen M.; KEMP, Richard; MCINTYRE, Sarah. Can a witness report hearsay
evidence unintentionally? The effects of discussion on eyewitness memory. Psychology, Crime &
Law, v. 18, p. 505-527, 2012.; RAJARAM, Suparna; PEREIRA-PASARIN, Luciane P. Pereira.
Collaborative Memory: Cognitive Research and Theory. Perspectives on Psychological Science, v.
5, p. 649-663, 2010.; SARAIVA, Renan B.; IGLESIAS, Fabio; MICAS, Gabriel F.; ARAÚJO, Clara P. N.;
LIMA, Clara C.; COSTA, Marcela V. Conformidade entre testemunhas oculares: efeitos de falsas
informações nos relatos criminais. Psico-USF, v. 20, p. 87-96, 2015.; SHAW, John; GARVEN, Sena;
WOOD, James. Co-witness information can have immediate effects on eyewitness memory reports.
Law and Human Behavior, v. 21, p. 503-523, 1997.; SHECORY, Mally; NACHSON, Israel; GLICKSOHN,
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Theray and Comparative Criminology, v. 54, n. 1, p. 113-130, 2010.; SKAGERBERG, Elin M.;;
STEFFENS, Melanie C., MECKLENBRAUKER, Silvia. False memories: phenomena, theories and
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PENROD, Steven D. Eyewitness Evidence: Improving its probative value. Psychological Science in
the Public Interest, v. 7, n. 2, p. 45-75, 2006.; WRIGHT, Daniel; SELF, Gail; JUSTICE, Chris. Memory
conformity: exploring misinformation effects when presented by another person. British Journal of
Psychology, v. 91, p. 189-202, 2000.; WRIGHT, Daniel; VILLALBA, Daniella. Memory conformity
affects inaccurate memories more than accurate memories. Memory, v. 20, p. 254-65, 2012.
17
Ler a denúncia para as testemunhas acarreta indubitável prejuízo aos
acusados, considerando a baixa confiabilidade no relato prestado, principalmente
quando não se é possível extrair a fundamentação da decisão dos jurados e saber se
tal “prova” oral foi levada em conta para a condenação.
Mesmo que não adequada aos avanços científicos em psicologia do
testemunho, a legislação processual, especificamente no art. 210, do CPP, proíbe que
as testemunhas conversem entre si, justamente para evitar a influência indevida de
informações. Também, em seu parágrafo único, determina que as testemunhas
devem ficar em locais distintos uma da outra, com o mesmo fim.
No caso concreto, percebe-se que a própria juíza presidente fundamentou a
realização do ato impugnado no fato de a oitiva ocorrer três anos após o suposto
crime. Ou seja, pelo lapso temporal, entendeu-se que as testemunhas precisavam
rememorar o fato. Entretanto, rememoraram a partir da denúncia, a partir da
versão acusatória!
Como se sabe, a denúncia consiste na manifestação inicial da acusação. Uma
denúncia com 22 páginas (fl. 3/24), que descreve pormenorizada e exaustivamente
a hipótese acusatória, quando lida para a testemunha, faz com que esta aponte para
elementos que efetivamente foram reavivados pela própria leitura. Como já dito,
constitui fenômeno empiricamente irrefutável.
O direito fundamental e constitucional da razoável duração do processo não
permite que o tempo de tramitação processual seja utilizado como argumentação
para justificar, em prejuízo dos acusados, a realização de procedimento que possa
beneficiar de qualquer modo à acusação. Aliás, a adoção de tal procedimento pelo
judiciário, é, em verdade, uma afronta ao sistema acusatório estabelecido pela
Constituição Federal de 1988.
Portanto, ainda que o processo penal brasileiro considere como válida a
prova baseada na memória – o que, ao menos pelo aspecto científico, tem suas
ressalvas – ao menos deve a testemunha responder sobre o que lembra, e não
sobre o que foi lembrada pelo juízo minutos antes de ser ouvida.
O prejuízo está estampado não apenas pelos argumentos expostos, mas
principalmente pelo fato de que: (1) a acusação não possui e não apresentou
18
nenhuma prova idônea que ligue a apelante ao crime; (2) os únicos elementos
probatórios se baseiam em testemunhas que possuem interesse direto na
condenação da apelante; (3) a apelante foi condenada exclusivamente por conta
destes testemunhos acusatórios que, mesmo sem qualquer explicação, repetiram a
tese acusatória exposta na denúncia.
Assim, resta patente a nulidade no procedimento ilegal adotado para a
oitiva das testemunhas perante os jurados, devendo a sessão de julgamento ser
anulada e realizado novo julgamento – sendo que neste as testemunhas não devem
ser relembradas da versão acusatória, momentos antes de seus depoimentos.
19
o Brasil é um dos poucos países do mundo em que ainda permite que os elementos
colhidos na fase do inquérito policial sejam apresentados aos julgadores.
Ambas as “testemunhas” são pessoas que não tinham conhecimento do fato,
que não estavam no momento do crime, que nunca se relacionaram com as pessoas
do crime cometido, ou seja, apenas realizaram uma investigação de fatos que foram
levados a seu conhecimento. E mais: nenhum destes esteve na totalidade da
investigação, tendo a Sra. Bárbara presidido o início e o Sr. Allan o final do inquérito.
Nesse sentido é o entendimento doutrinário acerca do tema: “Além dos
prejulgamentos e da imensa carga de fatores psicológicos associados à atividade
desenvolvida é evidente que o envolvimento do policial com a investigação gera a
necessidade de justificar e legitimar os atos praticados”7.
Ademais, e em acordo com a doutrina acima, é possível extrair o mesmo
entendimento do julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, do AREsp
1.936.393/RJ, a respeito da relevância do testemunha policial, e consequentemente,
do delegado que preside um Inquérito Policial: “Lembre-se que, quando depõe em
juízo em desfavor de um réu preso em flagrante, o policial tem interesse em confirmar
perante o magistrado a legitimidade de seus atos, inclusive para evitar o risco de uma
responsabilização administrativa ou mesmo penal caso seja identificada alguma
irregularidade em sua conduta”.
Por último, não se pode permitir, em um Estado democrático de Direito, que
certos depoimentos sejam utilizados perante o Conselho de Sentença apenas como
colaboradores das teses do Ministério Público. Tal fato viola o sistema acusatório, o
princípio da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório e da
plenitude de defesa. Desta forma, por ter sido alegada tempestivamente e por estar
o prejuízo para a apelante clarividente, requer o reconhecimento da nulidade
apontada, anulando-se a sessão do julgamento. Em sessão futura, caso o Ministério
Público insista na oitiva dos delegados, requer sejam ouvidos na condição de
informantes.
7LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, Vol. I, fl. 642.
20
3.7. Violação ao art. 157 e art. 479, do CPP, por leitura e exibição
de prova proibida, ilegal e desconhecida da defesa
21
porque ela estava junto com outras peças, então ela foi tornada sigilosa e, por um
descuido, como ela não foi exportada da árvore do processo, essas duas ‘folhinhas’
(...)”. Após indagado pelo defensor se estes arquivos haviam sido disponibilizados
para a defesa asseverou que: “Não, eu fui lá na pasta, vi a pasta e não tinha esses dois
arquivos, eles não foram exportados (...) a pasta que era disponibilizada para todo
mundo chegar lá e copiar, era chegar com o HD e copiava e colava, o arquivo não está
na pasta de origem que saiu”8. Em seguida, novamente indagado pelo defensor se “o
arquivo não estava na pasta de origem, então a gente não teve acesso?”, a resposta
para o questionamento foi “É”9, em tom afirmativo.
Ademais, na própria ata de julgamento da sessão plenária (fls.
42146/42148) constou, por parte da defesa, que esta “não teve acesso a tais
documentos. Considerando que o Ministério Público utilizou os documentos como
critério de argumentação para buscar a condenação dos acusados, violou-se o artigo
479 do CPP, e causou prejuízo indelével para a defesa. Desta forma, requer a dissolução
do Conselho de Sentença ante a violação não apenas das normas processuais, como
também dos princípios do devido processo legal, da plenitude de defesa e do
contraditório. [...]. Por último, os arquivos foram desentranhados, conforme fl. 18922,
isto é, não se poderia utilizar de qualquer forma”.
No mesmo sentido, a juíza presidente, após verificado junto ao chefe de
cartório, constatou “que, de fato, a transcrição mencionada pelo MP equivocadamente
não foi disponibilizada à defesa, porém os áudios correspondentes à mencionadas
transcrições efetivamente foram fornecidos como se constatou em cartório”.
Todavia, independente de constarem os áudios correspondentes à
transcrição, destaca-se que estes foram desentranhados do processo – não
somente os áudios, mas todo o conteúdo relacionado ao contexto das referidas
informantes e demais participantes perante o Conselho Tutelar (como fotografias
8Gravação em áudio realizada pela defesa durante o julgamento e disponível através do link:
https://drive.google.com/file/d/1cQ2ZgyIVi2RgfgbLMNQuT_GvZGR29sJ9/view?usp=sharing
9 A gravação em áudio desta explicação do escrivão titular, que foi declarada perante a juíza
presidente, os membros do Ministério Público, assistente de acusação e demais pessoas que ali se
encontravam, está disponibilizada no link
<https://drive.google.com/file/d/1cQ2ZgyIVi2RgfgbLMNQuT_GvZGR29sJ9/view?usp=share_link>
22
de menores (fl. 18.706/18.709 – desentranhado) e relatórios da instituição
supracitada (fl. 18.604/18.703 – desentranhado).
Vê-se, nesse sentido, a decisão em que a própria juíza determina o
desentranhamento (fl. 18922):
23
(...) 3. No caso, a permanência dos atos anulados nos autos gerou prejuízo
concreto para a Defesa, haja a vista a inequívoca constatação de que o
Ministério Público se valeu da transcrição da prova nula durante a nova
instrução. 4. Agravo regimental provido para determinar o
desentranhamento de todos os atos processuais realizados a partir do
reconhecimento da nulidade pelo Supremo Tribunal Federal (inclusive as
mídias e as atas das audiências nulas); b) reconhecer a nulidade das
novas audiências realizadas em substituição às que haviam sido anuladas
pela Suprema Corte e de tudo o que delas derivou, bem como o
desentranhamento das provas produzidas nas referidas ocasiões; c)
determinar a renovação dos atos anulados, com expressa proibição de
que as provas desentranhadas sejam usadas pelas partes na nova
instrução. (STJ, AgRg no HC n. 744.002/SP, relatora Ministra Laurita Vaz,
Sexta Turma, julgado em 20/9/2022, Dje de 5/10/2022.) – destaque
nosso.
24
Outra nulidade absoluta, insanável e incontestável ocorreu no decorrer da
sessão plenária e foi imediatamente arguida pela defesa, restando consignada em
ata, qual seja, a menção ao silêncio da apelante como argumento para “comprovação
de sua responsabilidade criminal”.
De início, cumpre destacar que, durante o interrogatório, a apelante optou
por exercer parcialmente o direito constitucional ao silêncio, respondendo somente
as perguntas de sua defesa técnica e do Conselho de Sentença.
Iniciada a sustentação da acusação, às 01h12m, do dia 13 de novembro de
2022 (sétimo dia), em réplica, fora dada a palavra ao representante do assistente de
acusação, na pessoa do advogado Dr. Ângelo Máximo. Neste momento,
especificamente às 02h11m, verifica-se flagrante e explícita violação ao disposto no
art. 478, II do CPP, quando referido advogado se dirige aos jurados e exorta, verbis:
25
Diante da valoração negativa do argumento da acusação que,
flagrantemente, explorou o silêncio da acusada em plenário, a defesa requereu a
consignação em ata (fl.42149) e pugnou pela dissolução do Conselho de Sentença e
pela aplicação de multa para o causídico, o que foi integralmente indeferido pela
magistrada.
Em que pese a manifestação ministerial pela interpretação desvirtuada do
dispositivo legal do art. 478, II, do CPP, aduzindo não ser a assistente de acusação
parte neste processo, basta breve consulta à gravação da sessão para constatar que
o tema fora suficientemente explorado e enfatizado pelo advogado, em flagrante
prejuízo à apelante. Este fato é incontestável.
A exploração do silêncio da acusada se deu ao longo de alguns minutos de
sustentação do advogado que aduziu que um réu inocente “NÃO VAI NUNCA SE
NEGAR A RESPONDER À PERGUNTA DO ESTADO-JUIZ! NÃO VAI NUNCA DEIXAR DE
RESPONDER À PERGUNTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO”, não sendo crível relativizar
tamanho prejuízo da acusada perante o Conselho de Sentença.
Portanto, ainda que sob perfunctória apreciação da sustentação do
advogado assistente pelo Conselho de Sentença, não há de se distinguir o órgão do
Ministério Público do assistente de acusação, afirmando ser uma parte no processo
e o outro não. Ambos são partes acusatórias no processo, sendo certo que a menção
expressa ao silêncio foi exarada pela acusação em prejuízo ao direito da apelante,
hipótese estampada no art. 478, II do CPP e violada na sessão de julgamento.
Nesse sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça extraído
no julgamento do AREsp 1534558:
“(...) resta claro que a menção do Parquet afrontou o disposto no art. 478,
II, do mesmo Codex, uma vez que quis convencer os jurados de que o
silêncio dos réus indicava a culpa destes, como quem diz: “quem
cala, consente”. Ademais, o prejuízo é evidente, tendo em vista a
condenação determinada pelo Conselho de Sentença. Ora, como dito, é
direito do réu permanecer em silêncio e não responder a qualquer
pergunta que lhe é dirigida, sem que isso possa servir de
instrumento da acusação para formar a sua culpa. Portanto, o desejo
26
de permanecer em silêncio não pode, jamais, ser usado em desfavor do
agente.
10 Conforme depoimento do Assistente Técnico Samir El Jundi, disponível na íntegra através do link
<https://drive.google.com/file/d/16i6cK5hobmjGtPfvitIWmQXVQUlxf_0x/view?usp=drive_link>.
Fl. 42061.
27
O parecer médico lavrado pelo perito legista Francisco José Alexandre
Mourão (fls. 16284/16298) expressa que “o quadro clínico do então paciente tem
elementos sugestivos de distúrbio de etologia psicogênica causada pelo transtorno
da ansiedade”. Destarte, não há como se falar em prova de tentativa de
envenenamento, ou muito menos encarar “elementos sugestivos” como provas
mínimas de materialidade do delito. Isto seria contrariar a exigência de prova da
materialidade consoante o art. 413 do CPP.
Já o segundo laudo apresentado pelo parquet junto às fls. 16789/16802,
cuja lavra é do perito legista Luiz Carlos Prestes Junior, do GAESP/MPRJ, apresenta
um resultado inconclusivo sobre a materialidade do envenenamento. De acordo com
o laudo, seria necessário realizar ao menos a exumação no cadáver, considerando
que o arsênico fica presente por muitos anos no corpo.
Frise-se que tal matéria ainda está sendo objeto de Recurso Especial em
tramitação no Superior Tribunal de Justiça, não tendo ocorrido a preclusão da
decisão de pronúncia, a qual, claramente, não apontou a materialidade exigida
para pronunciar a apelante.
Em suma, tendo em vista que a acusação não apresentou qualquer
comprovação dos vestígios da suposta prática delituosa imputada à apelante, e que,
no caso em análise, deveria ocorrer por meio da devida prova técnica extraída por
perícia (que, ao contrário, não concluiu pelo envenenamento), a decisão adotada
pelo Conselho de Sentença se demonstra absolutamente contrária à prova dos autos.
Além disso, a prova apresentada pela acusação para fundamentar a autoria
delitiva foi exclusivamente em testemunho de ouvir dizer (hearsay), ou seja, em
depoimentos indiretos de informantes que não testemunharam quaisquer
circunstâncias hábeis a comprovar a acusação.
O Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento acerca da
credibilidade dos testemunhos de “ouvir dizer”:
28
TRIBUNAL DO JÚRI. DEPOIMENTO DA VÍTIMA. FASE INQUISITIVA.
TESTEMUNHAS DE “OUVIR DIZER”. VERSÕES CONTRADITÓRIAS. TESE
DE JULGAMENTO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO Á PROVA DOS
AUTOS. AFASTAMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM.
FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO A FIM
DE SE CONHECER DO AGRAVO E DAR PROVIMENTO AO RECURSO
ESPECIAL. 1. É possível a esta Corte Superior verificar se a
fundamentação utilizada pelas instâncias ordinárias é juridicamente
idônea e suficiente para dar suporte à condenação, o que não configura
reexame de provas, pois a discussão é eminentemente jurídica e não
fático-probatória. 2. Mesmo que se trate de Tribunal do Júri, não se
admite que a condenação esteja fundamentada tão-somente em prova
produzida no inquérito policial, ainda que seja o depoimento da Vítima, e
no depoimento de testemunhas de “ouvir dizer”, mormente quando estes
últimos possuem contradições entre as versões prestadas na fase
investigatória e judicial. 3. Não sendo idônea a fundamentação utilizada
pela Corte de origem para concluir pela inexistência de julgamento
manifestamente contrário à prova dos autos, impõe-se o acolhimento da
pretensão defensiva, com a anulação do julgamento proferido pelo
Tribunal do Júri. 4. Se, nos termos da jurisprudência atual, nem mesmo a
pronúncia, que é proferida numa fase processual em que se observa o in
dubio pro societate, pode estar fundamentada apenas em provas colhidas
na fase investigativa ou em testemunhos de “ouvir dizer”, muito menos
se admite que uma condenação, que deve observar o in dubio pro reo, seja
mantida pelas instâncias recursais com lastro nesse tipo de
fundamentação. 5. Agravo regimental provido a fim de se conhecer do
agravo e dar provimento ao recurso especial, anulando o julgamento
proferido pelo Tribunal do Júri e determinando que seja o Agravante
submetido a novo Júri Popular.
29
diante da desnecessidade de se prestar o compromisso de dizer a verdade,
característica dos depoimentos de informantes.
In casu, na data de 09 de novembro de 2022 foram ouvidas as informantes
Raquel dos Passos Silva (fl. 42054) e Luana Vedovi Rangel Pimenta (fl. 42057) e, na
data de 10/11/2022, depuseram Roberta dos Santos (fl. 42072) e Rebeca Vitória
Rangel Silva (fl. 42075).
A exemplo disso, às 9h47 do dia 10 de novembro de 2022, Roberta dos
Santos (fl. 42072) afirmou, a respeito da suposta tentativa de envenenamento da
vítima, que nunca havia visto tal feito com os próprios olhos. Ainda, a partir do
minuto 23:32 da gravação do depoimento de Raquel, esta afirma que, após a morte
da vítima, ficou sabendo do suposto envenenamento através de sua mãe, Cristiana
Rangel dos Passos Silva. Além disso, a partir do minuto 04:00 da gravação do
depoimento de Luana Vedovi Rangel Pimenta (fl. 42057), esta afirma que Carlos a
informou sobre um suposto envenenamento das bebidas da vítima.
Ante o exposto, percebe-se grave ilegalidade na condenação da acusada
Flordelis pela tentativa de homicídio por envenenamento, posto que a tese
acusatória é fundada inteiramente nos depoimentos de informantes que, além de
não presenciarem qualquer hipótese de envenenamento (que, cientificamente
ficou provado que não ocorreu), apenas “ouviram dizer” sobre o suposto ocorrido.
30
homicídio consumado. Flávio sendo o executor e Lucas por ter aderido ao intento
delituoso com a compra da arma.
Os elementos trazidos pela acusação para justificar a participação da
apelante no crime são absolutamente circunstanciais, apesar da ampla investigação
realizada, e baseiam-se tão somente em suposições das testemunhas de ouvir dizer
e em provas frágeis e descontextualizadas colhidas durante a investigação.
Em uma das suas lamentáveis insistências, o Ministério Público afirma que
a “comprovação” da participação da apelante seria uma suposta combinação no dia
do delito com a corré Marzy por intermédio de mensagens do celular. Vale ressaltar
que a corré Marzy foi absolvida pelo Conselho de Sentença no tocante ao
homicídio consumado e aos demais delitos imputados. Segundo o parquet, as
mensagens trocadas conteriam um “código”, visto que, ao contrário do que insinua
o conteúdo, a apelante não teria nenhum compromisso no dia seguinte à troca de
mensagens.
Veja-se a mensagem abaixo:
31
(principal testemunha de acusação) enviada pela própria vítima para um grupo da
igreja:
32
me drogar, comecei a frequentar psiquiatra, psicólogo, eu não conseguia
contar para o psicólogo, como que eu ia contar para o psicólogo, a história
de uma pastora conhecida, não tinha coragem, tinha vergonha de expor a
minha família, uma família que estava tão bem, tão conhecida, como que
eu ia acabar com aquilo da noite pro dia? Eu sabia que aquilo ali ia se
espalhar. Eu comecei a surtar, ficar louca mesmo, usar remédio mesmo,
drogas também. E aí um dia eu sentei e conversei e contei tudo para
o meu irmão Flávio, e nesse dia que eu contei pro Flávio, eu meio que
desabafei, porque o Flávio era muito quieto, na dele, muito
observador, mas quando ele tomava atitude, ele agia, então a minha
intenção, eu pensei “ele vai arrebentar a cara dele, vai quebrar a
cara dele, vai moer ele” mas eu não fiz na intenção de “matar ele, vai
matar ele”, não foi nessa intenção, eu estava no desespero q contei
tudo pra ele, o que ele tinha feito com a minha filha, o que ele tinha
feito comigo.”
“Ela falou que o Pastor procurava ela no nosso quarto, e a gente achou
que era mentira. E aí numa certa noite, ela disse assim: ‘fiquem acordadas
que vocês vão ver que eu não estou mentindo’. E de fato, uma noite ele
entrou no nosso quarto e alisou minha irmã”.
33
Também sobre os testemunhos de “hearsay”, às 19:08 do dia 09 de
novembro de 2022, em seu depoimento, Raquel afirmou que Isabel disse a ela
“minha mãe quer matar meu pai, ele está fazendo muita merda”, ainda que,
igualmente à hipótese anterior, não tenha presenciado o momento da suposta fala.
Tais depoimentos – principalmente por advirem de informantes – não
refletem a verdade dos fatos, mas sim versões equivocadas repassadas como boatos
ou fofocas.
Assim, há de se reconhecer a ilegalidade no tocante à condenação da
apelante com base em depoimentos de “ouvir dizer”, que, como supra demonstrado,
não possuem suficiente credibilidade para fundamentar o édito condenatório em
um Estado de Direito.
34
O trancamento da ação penal em sede de habeas corpus é medida
excepcional, somente se justificando se demonstrada, inequivocamente,
a ausência de autoria ou materialidade, a atipicidade da conduta, a
absoluta falta de provas, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade
ou a violação dos requisitos legais exigidos para a exordial acusatória. 2.
Para caracterização do delito de associação criminosa, indispensável a
demonstração de estabilidade e permanência do grupo formado por
três ou mais pessoas, além do elemento subjetivo especial consiste
no ajuste prévio entre os membros com a finalidade específica de
cometer crimes indeterminados. Ausentes tais requisitos, restará
configurado apenas o concurso eventual de agentes, e não o crime
autônomo do art. 288 do Código Penal. 3. Na hipótese vertente, o
Ministério Público não logrou êxito em descrever suficientemente os
elementos objetivo e subjetivo do tipo penal, prejudicando o exercício da
ampla defesa e do contraditório. Partindo da análise de um delito de
roubo isoladamente considerado, concluiu, genericamente, pela
existência de associação criminosa, sem a devida elucidação de que o
paciente integrasse grupo criminoso estável e permanente, tampouco
que estivesse imbuído do ânimo de se associar com vistas à prática
conjunta de crimes indeterminados, tornando inepta a inicial. 4. Além
disso, dos elementos de informação expressamente referenciados pela
peça vestibular (prova pré-constituída), não ressuma a existência de
indícios mínimos de autoria e materialidade aptos à deflagração da ação
penal, pelo que deve ser reconhecida a ausência de justa causa. 5. Ordem
concedida para trancar a ação penal em relação ao paciente.
35
A apelante, ainda, fora condenada pelo crime de associação criminosa
armada no tocante ao uso de documento falso. Além de tal condenação ser
manifestamente contrária à prova dos autos, não há possibilidade cronológica em se
falar na associação da apelante com os demais acusados com o fim de utilizarem
documento falso, uma vez que tal condenação refere-se à produção de uma carta de
confissão, o que ocorreu, em tese, meses após à morte da vítima.
Isto posto, impossível que a suposta produção do documento
ideologicamente falso fosse planejada quando da constituição da suposta associação
criminosa, pois seria infactível antever a prática de delito que hipoteticamente
visaria confundir uma eventual investigação criminal.
Em suma, encontram-se ausentes os elementos hábeis a caracterizar a
associação criminosa armada, razão esta que impossibilita a condenação da
apelante por tal prática, ensejando o provimento da apelação também neste ponto.
Frise-se que não está a se falar da escolha de uma das teses por parte dos jurados,
mas sim de um erro jurídico por não haver qualquer dos elementos inerentes do
crime.
36
ii) Tentativa de homicídio com duas qualificadoras (motivo torpe e
emprego de veneno - art. 121, §2º, I e III, c/c art. 14, II, art. 61, II, ‘e’, ‘f’ e art. 62, I,
todos do CP);
iii) Uso de documento ideologicamente falso (duas vezes – art. 304 e 299,
na forma do art. 71, c/c art. 61, II, ‘e’ e art. 62, I, todos do CP);
iv) Associação criminosa armada (art. 288, parágrafo único, c/c art. 62, I,
ambos do CP).
37
Também, ainda a despeito de culpabilidade, a juíza apontou que restou
evidenciada frieza e menosprezo pela vida humana durante a empreitada criminosa
praticada, na medida que o crime foi cometido em repouso noturno, no imóvel de
moradia (situação que também serviu para o reconhecimento de agravante do art.
61, II, “f” do CP). No entanto, conforme as provas do processo do corréu Flávio dos
Santos Rodrigues (Processo nº 0025139-79.2019.8.19.0002 e 0074865-
22.2019.8.19.0002), esse admitiu ter praticado o delito e foi quem, exclusivamente,
escolheu o meio de execução. A jurisprudência é firme no sentido de que as
qualificadoras objetivas somente se comunicam aos coautores quando ingressarem
em sua esfera de conhecimento11, o que não é o caso.
Já com relação as consequências do crime, a magistrada apontou que foram
“desastrosas e demasiadamente graves”, no entanto a morte da vítima é inerente ao
crime de homicídio e, portanto, não pode ser desvalorada sob pena de afrontar o
princípio do ne bis in idem. Também, as consequências de “danos psicológicos”, sem
quaisquer laudos ou pareceres, não pode ser reconhecido, ainda mais que alguma
forma de abalo mental dos envolvidos é inerente a crimes graves (até mesmo por
isso que os parâmetros punitivos em abstrato são elevados).
Por sua vez, ao aplicar as três qualificadoras para elevar o patamar inicial
da pena, o fez de forma equivocada pois deveria ter elegido uma delas e desvalorado
as demais na segunda fase da dosimetria da pena, nos moldes do que preceitua o art.
61, do CP.
Além do mais, o quantum de aumento de cada circunstância judicial
nesta fase sequer foi apontado, em inequívoca inobservância do procedimento
previsto no art. 68, do CP. Tal ato prejudica sobremaneira o exercício do
contraditório, eis que, ante a fundamentação deficiente, é inviabilizada a verificação
de atendimento dos critérios individualizadores da pena, em especial o atentamento
da escala penal do preceito secundário dos delitos impostos.
os coautores, desde que ingressem em sua esfera de conhecimento. Logo, há nulidade no quesito
que não questiona os jurados sobre a ciência dos mandantes do crime em relação ao modus operandi
qualificador adotado pelos executores diretos.(...). (REsp n. 1.973.397/MG, relator Ministro Ribeiro
Dantas, Quinta Turma, j. em 6/9/2022).
38
Além das imprecisões postas, é de suma importância trazer ao debate que a
juíza presidente se olvidou das circunstâncias judiciais favoráveis à apelante, em
especial os seus antecedentes favoráveis, ou seja, a ausência de qualquer
antecedente criminal anterior ao delito ora a ela imputado, apesar de ter 61 anos de
idade. Ainda, a valoração positiva da circunstância da conduta social pelos
numerosos documentos de seus projetos sociais, bem como pela extensa oitiva do
Desembargador Siro Darlan, conforme fl. 42.076, deveria ter sido considerada.
Outrossim, restou irrefutável que emergiu das provas produzidas em plenário que
a motivação do crime se deu em razão de crimes contra a dignidade sexual e
patrimonial praticados pela vítima, quadro que também foi olvidado e deveria ser
valorado positivamente à pena-base, seja no tocante ao crime, seja pelo
comportamento da vítima.
Chama atenção a justificativa de aumento da pena de que a conduta da
apelante teria sido um “verdadeiro atentado contra o Estado Democrático de
Direito”, desvelando um exagero punitivo sem qualquer fundamento técnico-
jurídico.
Após a dosagem das penas pelas qualificadoras, a magistrada considerou a
incidência das agravantes, em franca ofensa ao art. 68 do Código Penal, e aumentou
a pena pela ocorrência das hipóteses previstas no art. 61, II, e e f, e 62, I, ambos do
Código Penal, e, em ¼, repousando a pena final deste primeiro delito em 27 anos e
6 meses de reclusão.
Porém, insta trazer à lume que o reconhecimento das agravantes supra, não
obstante prescindirem de quesitação, devem ser objetos de sustentação expressa
em plenário, o que efetivamente não ocorreu no caso dos autos, portanto,
inaplicáveis, conforme se verifica na ata de julgamento (fl. 42.146/42.148):
39
Nesse sentido, infere-se que a acusação não sustentou expressamente pelo
reconhecimento das agravantes, logo, encontra-se em desconformidade com o
disposto no art 492, I, “b”, do CPP, o que deve ser reformado por este e. TJRJ. Convém
reproduzir entendimento jurisprudencial a respeito.
40
De mais a mais, não há qualquer elemento probatório que fundamente a
agravante do art. 62, I, do CP, devendo ela ser afastada, Na remota hipótese de
manutenção das aludidas agravantes, impõe-se apontar para o desacordo da fração
utilizada com os princípios de proporcionalidade e razoabilidade dos tribunais
superiores, que de forma remansosa definiram o montante de 1/6 como o mais
adequado, o que atrai a necessária reforma para redimensionar a fração fixada pela
juíza.
41
A pena definitiva para esses delitos restou fixada em 02 anos, 09 meses e 18
dias de reclusão, mais 28 dias-multa, contudo não há fundamentação idônea exposta
na decisão, além de ter ocorrido desrespeito ao critério estabelecido no art. 68, do
CP para a correta dosimetria da pena. Por derradeiro, a juíza a quo aplicou
erroneamente a continuidade delitiva, tendo em vista se tratar de caso de consunção
entre os crimes.
Perceba-se que a magistrada fundamentou o incremento da pena-base por
conta de duas circunstâncias judiciais, aumentando a pena em dobro, o que
corresponderia a ½ para cada circunstância judicial, em desacordo com o princípio
de razoabilidade e proporcionalidade fixado pelos tribunais superiores, os quais
estabelecem, aumento de 1/8 por circunstância judicial. A fundamentação utilizada
tampouco está lastrada em provas produzidas no decorrer do processo, não
havendo qualquer circunstância idônea para o aumento.
As agravantes tampouco foram sustentadas em plenário durante os
debates, o que, como se sabe, inviabiliza o incremento da pena base na sentença.
Por último, a magistrada se equivocou ao aplicar a continuidade delitiva,
pois o tipo penal do art. 304, do CP é norma penal em branco, de modo que quando
reunir a mesma pessoa do falsário e usuário da falsidade, deve ser aplicado o
princípio da consunção, ou seja, o crime de falsidade absorve o de uso, pois se está
diante de crime meio.12_13
CP). Concurso material. Inviabilidade. Princípio da consunção. Aplicação. Imputação mantida no tocante ao
crime-fim. Imputação a denunciado que não participou dos fatos (primeiro denunciado). (…)( STF, AO 2411, Rel.
Dias Toffoli, j. em 13/04/2023).
42
5.4. Da associação criminosa armada (art. 288, parágrafo único, c/c
art. 62, I, ambos do CP)
A pena definitiva para esse delito restou fixada em 03 anos, 01 mês e 10 dias
de reclusão, contudo a fundamentação utilizada para o aumento da pena base se
refere basicamente aos crimes de homicídio consumado e tentado, caracterizando,
claramente, violação ao princípio do ne bis in idem. Ainda, o aumento da pena base
pelo dobro da pena mínima, ao considerar apenas a culpabilidade e as
consequências, desrespeita o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.
Posteriormente, à pena intermediária, a magistrada reconheceu as
agravantes do art. 61, II e art. 62, I, ambos do Código Penal, e aumentou a pena em
1/5. Novamente, em desacordo com os critérios dos tribunais superiores, o que
redimensionou a pena para 2 anos e 4 meses. Neste caso, frise-se, também, não
ocorreu a sustentação pela acusação em plenário, conforme se pode verificar na ata
de julgamento, o que inviabiliza o reconhecimento das agravantes, conforme fls.
42.146/42.148.
Ante todo o exposto, considerando não haver elementos probatórios para
valorar negativamente as circunstâncias judiciais em nenhum dos crimes, bem como
atendendo os parâmetros à correta aplicação do sistema trifásico, as penas devem
ser reformadas para o mínimo legal.
43
Com a máxima vênia, não merece prosperar o entendimento adotado pelo
juízo apelado.
Em primeira análise, em razão de não estarem presentes os requisitos
previstos no art. 312, do CPP: a apelante não oferece risco à ordem pública, eis que
é primária, ostenta bons antecedentes e, durante todo o tempo que permaneceu em
liberdade, não cometeu qualquer ato atentatório ao processo ou à sociedade.
Também não há que se falar em risco à conveniência da instrução criminal, vez que
o processo sempre esteve em tramitação acelerada (ao menos, até a sessão de
julgamento), tendo ocorrido o julgamento em 13 de novembro de 2022. Por último,
a apelante possui endereço fixo e sabido, além de ser pessoa pública, não havendo
qualquer possibilidade de se evadir ou impedir eventual aplicação da lei penal.
Sobre a inconstitucionalidade do art. 492, ‘e’ do CPP, por se tratar de
condenação à pena superior a 15 anos, resta crucial esclarecer que tal ponto não
serviu de fundamento para a manutenção da prisão preventiva e, por não ter
sido matéria de recurso por parte da acusação, não está em discussão. De qualquer
maneira, o §5º do artigo 492 do Código de Processo Penal vislumbra a possibilidade
de o tribunal atribuir efeito suspensivo à apelação, quando verificado
cumulativamente que o recurso não tem propósito meramente protelatório e
levanta questão substancial e que pode resultar novo julgamento, o que é
exatamente o presente caso. As nulidades são evidentes e possuem o condão de
anular tanto o processo até antes da decisão de pronúncia ou a própria sessão de
julgamento.
No entanto, a magistrada determinou a execução imediata da pena tão
somente por se tratar de decisão tomada pelo Tribunal do Júri. Nesta seara, frise-se
que, conforme entendimento firmado nas ADCs 43, 44 e 45 perante o STF, é
inconstitucional a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado.
Ainda que o STF não tenha firmado posição definitiva quanto à
constitucionalidade do art. 492, ‘e’ do CPP, tendo em vista estar pendente a
discussão do RE nº 1235340 (Tema 1.068), as duas turmas do STJ já firmaram
posição no sentido de que não se admite a execução imediata de condenação pelo
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Tribunal do Júri, sob pena de afronta ao princípio constitucional da presunção de
inocência.
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Presidente do Tribunal de Júri proferirá sentença que, em caso de
condenação, "mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em
que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso
de condenação a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão,
determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de
prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem
a ser interpostos". 4) Contudo, o entendimento predominante na Quinta e
Sexta Turmas desta Corte segue a diretriz jurisprudencial de que não se
admite a execução imediata de condenação pelo Tribunal do Júri, sob pena
de afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência.
Precedentes. (...)" (AgRg no RHC 130.301/MG, relator ministro Ribeiro
Dantas, 5ª Turma, julgado em 14/09/2021, DJe 20/09/2021).
7. DOS PEDIDOS
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determinando que os arquivos sejam disponibilizados para a defesa em período
razoável antes da nova sessão plenária;
5) a nulidade do julgamento, considerando ser ilegal o procedimento de
“leitura da denúncia” para as testemunhas, e a realização de nova sessão sem que as
testemunhas sejam relembradas da hipótese acusatória, de maneira a garantir a
plenitude de defesa, o contraditório, o devido processo legal e a paridade de armas;
6) a nulidade do julgamento em razão da denegação das contraditas dos
delegados ouvidos como testemunhas, tendo em vista a tempestividade da alegação
defensiva e a demonstração do prejuízo, determinando que os delegados e policiais
envolvidos na investigação deponham na condição de informantes na próxima
sessão;
7) a nulidade do julgamento em razão da leitura e exibição pela acusação de
documento: (a) não disponibilizado para a defesa; (b) sigiloso; (c) que constava
como desentranhado dos autos e proibido de ser utilizado por decisão judicial,
constituindo PROVA ILEGAL. Havendo claro prejuízo e caracterização de nulidade
insanável, com violação direta do art. 479 e art. 157, ambos do CPP, a sessão deve
ser anulada e outra realizada sem a utilização da prova ilegítima;
8) a nulidade do julgamento em razão do assistente da acusação ter feito
menção ao silêncio da apelante em seu prejuízo, em expressa violação ao art. 478, II
do CPP, submetendo a acusada a novo júri.
9) Subsidiariamente, no mérito, que a condenação da apelante pela
tentativa de homicídio constitui uma decisão manifestamente contrária à prova dos
autos, eis que a tese acusatória é fundada inteiramente nos depoimentos de
informantes de hearsay, bem como estar cientificamente comprovado que tais
“envenamentos” não ocorreram;
10) Da mesma maneira, a condenação da apelante pelo homicídio
consumado foi manifestamente contrária à prova dos autos, pois fundamentada
exclusivamente em provas inidôneas (depoimentos de “ouvir dizer”), devendo a
acusada ser submetida a novo julgamento;
11) A condenação por associação criminosa armada, como demonstrado, foi
manifestamente contrária à prova dos autos, não havendo qualquer elemento
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probatório de que teria ocorrido a união estável e permanente para o cometimento
de crimes, devendo a apelante ser submetida a novo júri;
12) Alternativamente, ante todo o exposto no tópico 5 (5.1, 5.2, 5.3 e 5.4),
considerando: (a) não haver elementos probatórios para valorar negativamente as
circunstâncias judiciais em nenhum dos crimes; (b) a acusação não ter sustentado
as agravantes em plenário; (c) os parâmetros para correta aplicação do sistema
trifásico; as penas de cada um dos crimes devem ser reformadas para o mínimo
legal;
13) Seja reconhecido o princípio da consunção em relação aos crimes de
falsidade ideológica (art. 299 do CP) e uso de documento falso (art. 304 do CP).
Por fim, requer a concessão da liberdade provisória, em razão de não
estarem preenchidos os requisitos do art. 312 do CPP, bem como, diante da
quantidade das nulidades apresentadas, a atribuição de efeito suspensivo da
presente apelação conforme preceitua o art. 492, §5º do CPP.
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