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EXCELENTÍSSIMOS DESEMBARGADORES DA COLENDA 2ª CÂMARA CRIMINAL

TJRJ 202300670492 28/08/2023 13:22:00 FNL\ - PETIÇÃO ELETRÔNICA Assinada por RODRIGO FAUCZ PEREIRA E SILVA
DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Autos originários de nº 0037478-70.2019.8.19.0002


Autos desmembrados de nº 0074870-44.8.19.0002

FLORDELIS DOS SANTOS, já devidamente qualificada nos autos de ação


penal em epígrafe, vem, respeitosamente, perante Vossas Excelências, por
intermédio de seus procuradores RODRIGO FAUCZ PEREIRA E SILVA, advogado
inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná sob o número 42.207
e na Seção do Rio de Janeiro sob o número 244.335, JANIRA DA ROCHA SILVA,
advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio de Janeiro sob o
número 227.249, JOÃO MANOEL VIDAL DE SOUZA, advogado inscrito na Ordem
dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná sob o número 92.552, PRISCILLA
KAVÁLLI advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná
sob o número 79.673, ALANIS MATZEMBACHER, advogada inscrita na Ordem dos
Advogados do Brasil, Seção do Paraná sob o número 112.745, MARCO ANTÔNIO
FARIA DE SOUZA advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do
Rio de Janeiro sob o número 221.785, ISABELA SIMÃO BUENO, advogada inscrita
na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná sob o número 110.831 e
JONATAN RAMOS DE OLIVEIRA, advogado inscrito na Ordem dos Advogados do
Brasil, Seção do Rio de Janeiro sob o número 211.414, com fundamento no artigo
600, § 4º do Código de Processo Penal apresentar

RAZÕES DE APELAÇÃO

pugnando pela anulação da sessão do júri em relação à apelante pelos fatos e


fundamentos expostos a seguir.

OAB/PR 2.595 | Rua Eurípedes Garcez do Nascimento, 553 | Ahú, Curitiba, Paraná. | CEP 80540-280
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1. DA SÍNTESE PROCESSUAL .................................................................................................................... 3
2. DO PREENCHIMENTOS DOS PRESSUPOSTOS RECURSAIS ......................................................... 3
3. DAS NULIDADES (art. 593, III, ‘a’, do CPP) ...................................................................................... 3
3.1 . Do prejuízo por ausência de alegações finais defensivas diante da falta de juntada nos autos
dos laudos periciais pendentes, sem que houvesse nova intimação ou constituição de outro
procurador ......................................................................................................................................................................... 4
3.2 . Do prejuízo por ausência de fundamentação das qualificadoras reconhecidas na pronúncia
................................................................................................................................................................................................. 8
3.3 . Do prejuízo por ausência da quebra de sigilo fiscal e bancário diante da versão acusatória
de que o crime teria ocorrido por motivação financeira .............................................................................. 10
3.4 . Do prejuízo por ausência de juntada aos autos dos documentos requeridos tempestivamente
na fase do art. 422, do CPP ......................................................................................................................................... 11
3.5 . Da leitura da denúncia para cada testemunha e informante na iminência de sua oitiva,
rememorando exclusivamente a versão acusatória em prejuízo da apelante .................................... 16
3.6 . Do prejuízo em razão da denegação da contradita dos delegados de polícia arrolados como
“testemunhas” pela acusação .................................................................................................................................. 19
3.7 . Violação ao art. 157 e art. 479, do CPP, por leitura e exibição de prova proibida, ilegal e
desconhecida da defesa .............................................................................................................................................. 21
3.8 . Violação ao art. 478, II, do CPP, por referência ao silêncio da apelante em seu prejuízo pela
acusação durante os debates ................................................................................................................................... 24
4. DO MÉRITO (art. 593, III, ‘d’, do CPP) ............................................................................................. 27
4.1. Da decisão manifestamente contrária à prova dos autos em relação ao crime de homicídio
na modalidade tentada (art. 121, §2º, I e III, c/c art. 14, II, art. 61, II, ‘e’, ‘f’ e art. 62, I, CP) .......... 27
4.2. Da decisão manifestamente contrária à prova dos autos em relação ao crime de homicídio
qualificado (art. 121, §2º, I, III, IV, e art. 29, c/c art. 61, II, ‘e’, ‘f’ e art. 62, I, todos do CP) ............. 30
4.3. Da decisão manifestamente contrária à prova dos autos em relação ao crime de associação
criminosa com participação de (art. 288, parágrafo único, c/c art. 62, I, ambos do CP) ................ 34
5. DA DOSIMETRIA DA PENA (art. 593, III, ‘c’, do CPP) ................................................................. 36
5.1 Do homicídio consumado (art. 121, §2º, incisos I, III, e IV do CP) .................................................... 37
5.2. Do homicídio qualificado tentado (art. 121, §2º, incisos I e III, c/c 14, II do CP ........................ 41
5.3. Do uso de documento ideologicamente falso (duas vezes – art. 304 e 299, na forma do art.
71, c/c art. 61, II, ‘e’ e art. 62, I, todos do CP) ..................................................................................................... 41
5.4 Da associação criminosa armada (art. 288, parágrafo único, c/c art. 62, I, ambos do CP) ..... 43
6. DO PEDIDO PARA RECORRER EM LIBERDADE E ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO
DA APELAÇÃO ............................................................................................................................................ 43
7. DOS PEDIDOS ........................................................................................................................................ 46

2
1. DA SÍNTESE PROCESSUAL

No dia 28 de agosto 2019 sobreveio decisão de pronúncia (fl. 23550) contra


a ora apelante, FLORDELIS DOS SANTOS DE SOUZA (frise-se, sem a apresentação
de alegações finais e sem a delimitação fática das qualificadoras), pela suposta
prática dos delitos previstos nos arts. 121 §2º, I e III c/c art. 14, II, com as
circunstâncias agravantes do art. 61, II, ‘e’ e ‘f’ e art. 62, I; art. 121, § 2º, I, III e IV, na
forma do art. 29, com as circunstâncias agravantes do art. 61, II, ‘e’ e ‘f’; e art. 304
c/c 299 (2 vezes), com as circunstâncias agravantes do art. 61, II, ‘e’ e 62, I; art. 288
parágrafo único, com a circunstância agravante do art. 62, I, todos do CP.
Não obstante não estar preclusa a decisão de pronúncia (objeto de
discussão no Recurso Especial de número 2150929 da 6ª Turma do Superior
Tribunal de Justiça), bem como sem que a defesa tivesse acesso a todos os elementos
de prova (como será explanado no tópico 3.3 e 3.4 desta petição), entre os dias 7 e
13 de novembro de 2022 a acusada foi submetida à júri popular, no qual
sobreveio decisão do Conselho de Sentença por sua condenação nos termos em que
foi pronunciada.
Em sua defesa foi interposto recurso de apelação (fl. 42367), com fulcro no
art. 593, III, ‘a’, ‘b’, ‘c’ e ‘d’ do CPP.

2. DO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS RECURSAIS

Nas razões recursais em tela estão presentes os pressupostos subjetivos


(interesse jurídico e legitimidade), bem como os pressupostos objetivos (cabimento,
adequação, regularidade e ausência de fato impeditivo ou extintivo), especialmente
a tempestividade, considerando o prazo de oito dias (art. 600 do CPP) e a intimação
da defesa ocorrida no dia 18 de agosto de 2023 (fls. 43237).

3. DAS NULIDADES (ART. 593, III, ‘A’, DO CPP)

3
3.1. Do prejuízo por ausência de alegações finais defensivas diante
da falta de juntada nos autos dos laudos periciais pendentes, sem que
houvesse nova intimação ou constituição de outro procurador

Apesar de a presente matéria ser objeto do Recurso Especial de número


2150929, em trâmite perante a 6ª Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, por se
tratar de nulidade absoluta, faz-se necessário trazer a discussão à lume.1
Relembre-se que o momento da apresentação das alegações finais na
primeira fase do procedimento do júri sintetiza ato processual de maior
importância, visto que tem o condão de conceder à defesa a oportunidade de
analisar nulidades, confrontar o material probatório, reafirmar ou confrontar teses
e, ainda, manifestar-se sob o manto da garantia da plenitude de defesa e do
contraditório. Nesse sentido, a apresentação das alegações finais não é mero ato
facultativo, constitui obrigatoriedade a ser observada em todos os processos
criminais submetidos ao júri.
Apesar de haver decisões do Superior Tribunal de Justiça que não
reconhecem referida nulidade, tais precedentes se referem a casos em que a defesa
intencionalmente optou por não as protocolar, tendo como estratégia apresentar sua
defesa apenas na sessão plenária. No entanto, não é o que se viu no presente caso,
eis que o defensor da apelante, à época dos fatos, justificou a não apresentação
das alegações e requereu prazo adicional.
Veja-se às fls. 22.153 que o procurador à época informou:

1) Sobre a confusão do processo eletrônico (reconhecida pela própria


magistrada do caso) que impedia (e impede até hoje) análise concatenada dos fatos,
inibindo o exercício efetivo da defesa;

2) Que o Ministério Público fez menção, em suas alegações finais, a peças que
não estavam nos autos e que deveriam, por ele, ser juntadas;

1 Ademais, conforme pode se verificar às páginas 41978, 41980 e 42000, a defesa arguiu

tempestivamente, após o pregão na sessão de julgamento, o reconhecimento desta nulidade.

4
3) Que nem mesmo o Laudo do Exame do Local do Crime estava completo,
faltando inúmeras páginas, inviabilizando a elaboração da peça defensiva;

4) Que o Ministério Público fez menção a informações de celulares apreendidos


que não haviam sido disponibilizados para a defesa2.

Destarte, o advogado requereu que fosse novamente intimado para


apresentar as alegações finais, após as correções acima listadas. Isto é, o defensor
EXPRESSAMENTE se manifestou sobre o interesse em apresentar a peça defensiva,
não se tratando, por óbvio, de um ato estratégico. De qualquer sorte, mesmo que
constituísse desídia do defensor, ainda assim os acusados deveriam ser intimados
para constituir novo advogado (ao menos para que, dentro do âmbito da autodefesa,
tivessem conhecimento da ausência da apresentação de alegações finais).
Ainda, a Sexta Turma do Excelso STJ enfrentou em 2022 esta questão e, EM
DECISÃO UNÂNIME, reconheceu que, na ausência de alegações finais, cabe ao
magistrado intimar o acusado pessoalmente para constituir novo advogado ou
encaminhar o processo para a defensoria pública elaborar a peça. Assim, a decisão
de pronúncia padece de nulidade, devendo ser restituído o prazo para a
apresentação de alegações finais:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. TRIBUNAL DO


JÚRI. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÕES FINAIS. FALTA DE INTIMAÇÃO DO
ACUSADO PARA A CONSTITIÇÃO DE NOVO DEFENSOR. REMESSA DOS
AUGOS À DEFENSORIA PÚBLICA. CONSTATAÇÃO DE PREJUIZO.
NULIDADE. “Consoante reiterado entendimento jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça, nos processos da competência do Júri
Popular, o não oferecimento de alegações finais na fase acusatória
(iudicium accusationis) não é causa de nulidade do processo, pois o juízo
de pronúncia é provisório, não havendo antecipação do mérito da ação
penal, mas mero juízo de admissibilidade positivo ou negativo da
acusação formulada, para que o Réu seja submetido, ou não, a julgamento

2 Cita-se como exemplo, à época, que o celular da vítima ficou mais de 2 anos com a acusação e, com

apenas um mês de antecedência do julgamento, foi dado acesso à defesa (fl. 38113, em que a Apple
afirma que os dados já foram fornecidos desde 11 de setembro de 2019, com senha inclusa; fl. 6435
e 1035).

5
perante o Tribunal do Júri, juízo natural da causa.” (RHC 103.562/PE, Rel.
Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 08/11/2018, Dje
23/11/2018.) 2. Na hipótese, todavia, em atenção ao princípio da
plenitude de defesa, ainda que o causídico, então constituído, tenha sido
intimado e não tenha apresentado a peça processual, incumbiria ao
magistrado mandar intimar pessoalmente o acusado para constituir
novo advogado ou, não tendo eficácia essa providência, encaminhar
os autos à Defensoria Pública, de modo que passasse a patrocinar a
causa, inclusive apresentando as derradeiras alegações antes da
sentença de pronúncia ou despronúncia. (...) 4. Provimento do agravo
regimental. Anulação da sentença de pronúncia. Devolução dos autos à
primeira instância para a restituição do prazo para a defesa apresentar
alegações finais. (STJ, AgRg no HC n. 710.306/AM, relator Ministro Olindo
Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma,
por unanimidade, julgado em 27/9/2022, Dje de 7/10/2022) – grifo
nosso

Frisa-se que, no presente caso, após perceber a ausência de alegações finais


por parte da defesa (fl. 21931), o próprio Ministério Público se manifestou
pleiteando que fossem “intimados novamente os causídicos que se omitiram em
apresentar alegações finais para que, no prazo suplementar de 48 horas,
apresentem alegações finais, sob pena de serem declarados os réus indefesos” (fl.
22060).
Isto é, o próprio órgão titular da ação penal reconheceu a nulidade.
Veja-se:

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Não obstante o pedido do próprio MP, a magistrada, em violação direta às
normativas processuais, à ordem Constitucional e às Convenções internacionais de
Direitos Humanos, decidiu pela admissibilidade da acusação, sem propiciar plena
oportunidade de defesa aos acusados.
Ante a ausência de apresentação de alegações finais, como se sabe, a
possibilidade de nomeação de defensor público ou dativo, ou de intimação para
constituição de novo procurador, torna-se a única forma de concretização da
plenitude de defesa e do contraditório. Desta maneira, pode-se compreender que a
inação do defensor prejudicou profundamente a apelante, por este motivo, constitui
causa de nulidade absoluta. Nesse sentido é o entendimento do Supremo Tribunal
Federal:

HABEAS CORPUS. CRIMES DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA, DE


DESCAMINHO E DE CORRUPÇÃO ATIVA. DEFENSOR DATIVO.
NOMEAÇÃO. LEGALIDADE. PROCEDENTES. INVERSÃO DO RITO
PROCEDIMENTAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PRINCÍPIO PAS DE NULLITÉ
SANS GRIEF. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.

A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que “padece de


nulidade absoluta o processo penal em que, devidamente intimado,
o advogado constituído do réu deixa de apresentar alegações finais,
sem que o juízo, antes de proferir sentença condenatória, lhe haja
designado defensor dativo ou público para suprir a falta”. (HC
92680/SP, Rel. Min. Cezar Peluso) (HC 95.667/AM, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, Primeira Turma, Dje de 01.07.2010).

Salienta-se, ainda, que a prolação da decisão de pronúncia sem a prévia


manifestação da defesa da apelante acarretou grave prejuízo, tendo em vista que a
decisão admitiu a denúncia em sua integralidade – ainda que a instrução
processual não tenha comprovado significativa parte das acusações lançadas, como,
por exemplo, os fundamentos das qualificadoras e, inclusive, a materialidade das
supostas tentativas de homicídio. A condenação, na sessão de julgamento do júri,

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por todos os termos admitidos na decisão de pronúncia confirma o grave
prejuízo sofrido pela apelante.
Por fim, cabe mencionar que no processo principal, onde os executores
deste crime foram julgados, esta mesma magistrada agiu de maneira totalmente
diversa. Explica-se: o defensor do acusado (e condenado) pela execução do
homicídio também deixou de apresentar as alegações finais no prazo. Na ocasião,
veja-se a decisão da magistrada (fls. 3207) alguns meses antes:

É flagrante a desigualdade de tratamento e a escolha, ao que parece,


consciente em violar os direitos constitucionais da acusada. A fulminação dos
princípios do contraditório e da ampla defesa não pode ser admitida em um Estado
Constitucional de Direito.
Considerando, portanto, todas as razões acima explicitadas, as quais
demonstraram que a não apresentação das alegações finais no momento processual
oportuno não se tratou de estratégia defensiva, requer a apelante a anulação de
todos os atos processuais posteriores à decisão de pronúncia, restituindo-se o prazo
para a apresentação da respectiva peça defensiva.

3.2. Do prejuízo por ausência de fundamentação das


qualificadoras reconhecidas na pronúncia

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Como se sabe, também constitui ilegalidade flagrante a ausência absoluta
de fundamentação fática para a admissão das qualificadoras do homicídio. A
pronúncia encaminhou a apelante à júri por motivo torpe (Art. 121, §2º. I, CP),
emprego de meio cruel (art. 121, §2º, III, CP) e recurso que impossibilitou a defesa
da vítima (art. 121, §2º, IV, CP).
Como no tópico anterior, esta matéria também é objeto de Recurso Especial
que será enfrentado pelo Superior Tribunal de Justiça3 e foi devidamente alegada
após o pregão, conforme fl. 42.000.
Com efeito, conforme alegado por esta defesa em sede de Embargos de
Declaração (fls. 23770), a decisão de pronúncia apenas menciona que “as
qualificadoras não devem ser afastadas”, sem jamais fundamentá-las, com
fulcro na justificativa de que “a prova carreada, especialmente a oral, mostra-
se suficiente para indiciá-las”.
Ora, a indicação da existência de “prova oral”, de modo genérico, sem
especificação e sem o acompanhamento de um conjunto probatório capaz de
atender os requisitos necessários e suficientes para a atribuição das qualificadoras
supracitadas, nulifica a decisão de pronúncia.4
Trata-se de questão de maior importância, eis que a delimitação fática da
qualificadora: (a) permitiria que a defesa tivesse conhecimento de quais fatos foram
utilizados na pronúncia, viabilizando eventual recurso; (b) funcionaria como
admissibilidade de quais fatos seriam permitidos para a sustentação da acusação em
plenário (possibilitando o exercício de defesa); (c) seria a base na elaboração dos

3 Trata-se do Recurso Especial número 2150929, em trâmite perante a 6ª Turma, derivado do

Recurso em Sentido Estrito interposto face à decisão de pronúncia.


4 RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA ANULADA PELO TRIBUNAL DE

ORIGEM EM RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PROLAÇÃO DE NOVA SENTENÇA. REITERADA A


AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO QUANTO À INCIDÊNCIA DA QUALIFICADORA DO RECURSO QUE
DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. EXCLUSÃO. MOTIVO TORPE. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA.
DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO SIMPLES. RECURSO PROVIDO. 1. Prevê o §1º do art. 413 do
CPP que a pronúncia limitar-se-á à indicação de materialidade do fato e da existência de indícios
suficientes de autoria, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e
especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena, de forma
fundamentada. 2. Hipótese em que, em recurso em sentido estrito, o tribunal de origem anulou a
sentença de pronúncia, determinando a prolação de novo decisum, por ausência de fundamentação
quanto às qualificadoras. (REsp 1816313/PB, Rel. Min. Néfi Cordeiro, 6ª Turma, julgado em
10/09/2019, DJe 16/09/2019).

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quesitos (conforme o art. 482 do CPP). Todos estes elementos foram negligenciados
e geraram prejuízo indelével à apelante.
Desta forma, a não indicação dos fatos objetivos de cada qualificadora
inviabilizou a correta elaboração da quesitação por parte da juíza presidente,
quando do julgamento em plenário. Ao passo que a decisão de pronúncia não filtrou
as circunstâncias fáticas, a defesa foi gravemente lesada, restando impedido o
exercício dos direitos constitucionais da apelante, especialmente o da plenitude de
defesa.
Pelo exposto, não pode ser admitida a completa e absoluta ausência de
fundamentação e de delimitação fática das qualificadoras admitidas, constituindo
nulidade absoluta, o que requer a apelante seja reconhecido por este e. TJRJ,
anulando-se a decisão de pronúncia e, por consequência, todos os atos posteriores,
ante a violação do disposto no art. 413, §1º e art. 564, V, ambos do CPP.

3.3. Do prejuízo por ausência da quebra de sigilo fiscal e bancário


diante da versão acusatória de que o crime teria ocorrido por
motivação financeira

A defesa requereu, dentro do prazo legal, no momento exigido pelo art. 422
do CPP, a quebra de sigilos fiscais e bancários de alguns dos envolvidos (fl.
28172/28173). Citam-se: procurações de Tabelionatos em favor de Wagner de
Andrade Pimenta; transações bancárias e representação em cartões de crédito deste
enquanto preposto do Instituto Flordelis; inscrições de Juntas Comerciais em nome
de Wagner de Andrade Pimenta, Flordelis e da vítima; e, quebra do sigilo bancário
de Flordelis, Wagner de Andrade Pimenta, Luana Vedovi Rangel e da vítima.
Contudo, foram indeferidos os pedidos da defesa, sob a argumentação de
que não havia fundamentação para tanto.
No entanto, alega a própria acusação que a motivação do crime seria
financeira, razão pela qual era (e permanece sendo) necessário que a referida
diligência seja cumprida para a correta identificação real da motivação do crime.

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O próprio Ministério Público apresentou, em cota ministerial (fl. 25),
indicação de supostas recompensas monetárias para a prática, em tese, do intento
criminoso, bem como a compra de armas. Além disso, há menção, pelo promotor de
justiça, de práticas ilícitas (fl. 27 e 65) no âmbito de quem controlava o dinheiro, e
retenção monetária por parte de alguns membros da família, conforme também
mencionado na cota ministerial (fl. 49, 52 e 73).
A questão financeira, pois, está umbilicalmente relacionada com o fato que
foi julgado e, assim, os pedidos precisavam ser requeridos na fase processual do art.
422 do CPP, como efetivamente foi feito, até mesmo para evitar preclusão. Porém,
erroneamente, não foram deferidos os pedidos formulados pela defesa.
Veja-se: se a motivação do suposto crime foi financeira, como alega a
acusação, é um direito inerente da defesa ter acesso a esses dados e descobrir todos
os meandros e as circunstâncias que envolveram o crime, identificando todos os
potenciais autores e, principalmente, os interesses que podem afetar o processo.
Ora, é uma diligência que deveria importar também para a acusação, pois se
trata de prova técnica que vai além das provas testemunhais e pode refutar ou
confirmar a tese acusatória.
Assim, a rejeição do pedido causou severos prejuízos à acusada, que se vê
impossibilitada de comprovar a inveracidade da versão acusatória, ferindo a
plenitude de defesa, bem como o interesse direto de terceiros na sua condenação.
Sendo assim, considerando que o pedido foi arguido em momento oportuno
(na fase do art. 422 do CPP) e a negativa foi objeto de discussão de nulidade após o
momento do pregão em respeito ao art. 571, V do CPP (fl. 41981 – ata do dia 07 de
novembro de 2022), requer a anulação da sessão plenária, bem como a realização
das fundamentais diligências requeridas, eis que a sua ausência causa prejuízo
direto e insanável ao direito de defesa.

3.4. Do prejuízo por ausência de juntada aos autos dos


documentos requeridos tempestivamente na fase do art. 422, do CPP

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Desde o momento de apresentação das alegações finais, bem como na fase
do art. 422 do CPP, foram apontados inúmeros documentos que não foram
disponibilizados à defesa no decorrer do processo. Não se está a discutir a
responsabilidade de quem deu causa a este fato, mas apenas apontar que a defesa
da apelante foi extremamente prejudicada ao não ter acesso a todos os documentos
e apreensões que ficaram em posse do Ministério Público (cuja relação estava
indicada nos autos).
Violou-se, inegavelmente, as normativas processuais e constitucionais
sobre a matéria, quais sejam: o art. 422; art; 158-A a 158-F, todos do CPP; o art. 5o,
XXXVIII, “a”; LIV; LV e art. 220, §1º, todos da Constituição Federal; e, art. 116, XVIII
e 125, do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de
Janeiro.
Frise-se que até o presente momento a defesa não teve acesso aos seguintes
documentos, informações e apreensões:

1) Em ofício nº 486/2022 (fl. 31875), foi requerido ao Diretor do Instituto de


Criminalística Carlos Eboli que informasse ao juízo “se houve quebra na cadeia de
custódia, esclarecendo se ocorreu qualquer manipulação dos aparelhos eletrônicos ou
de dados (celulares, computadores, pendrives, chips, HDs), no período compreendido
entre a sua respectiva apreensão e o início da perícia pelo órgão oficial”.

Dessa forma, foram encaminhados pelo ICCE os Laudos nº 19181/2022 (fl.


34295); 18298/2022 (fl. 34263); 16808/2022 (fl. 33517); 17950/2022 (fl. 36454);
15609/2022 (fl. 33510); 28015/2022 (fl. 36547); 16380/2022 (fl. 34240);
18620/2022 (fl. 34876), 38082/2022 (fl. 38070); 16413/2022 (fl. 35687);
18720/2022 (fl. 34508); 38554/2022 (fl. 38420); e, 19065/2022 (fl. 35608);
Logo, havia apenas 13 laudos que versavam sobre a análise da cadeia de
custódia, enquanto, no processo, somam-se inúmeros laudos de equipamentos,
conforme listagem da própria serventia (fl. 39202).
Inclusive, o ICCE informou que seria necessário o reencaminhamento de
todos os materiais periciados para proceder efetivamente com o cumprimento do

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ofício, de acordo com o e-mail (fl. 32122). Desta forma, a apelante não teve acesso a
informações fundamentais (como a cadeia de custódia, por exemplo), inobstante ter
sido requerido tempestivamente.5

02) O ofício nº 01677-1951/2022 redigido pela Delegacia de Niterói (fl. 32289)


menciona inúmeras requisições de perícia, as quais aguardam a confecção dos
respectivos laudos. Percebe-se, portanto, um rol extenso de requisições periciais
que aguardam pela elaboração de laudos, de maneira que não foram
disponibilizados à defesa até momento anterior à sessão plenária, materiais estes
que subsidiaram a acusação contra os acusados.

As requisições periciais ausentes de laudos são: 036373-1951/2020 e


Reiteração 045234-1951/2020 (fl. 32289); 037435-1951/2020 (fl. 32289);
037438-1951/2020 (fl. 32289); 037445-1951/2020 (fl. 32289); 037449-
1951/2020 (fl. 32289); 037451-1951/2020 (fl. 32289).
Embora conste nos autos decisão do juízo de que o requerimento pelos
laudos seria extemporâneo, visto que não fora solicitado quando da manifestação
referente ao art. 422 do CPP, destaca-se que esta foi protocolada em 11 de março
de 2022 (fl. 28132), ao passo em que o ofício nº 01677-1951/2022 acima redigido
pela Delegacia de Niterói (fl. 32289) foi apresentado apenas em 19 de abril de
2022, e, somente nesta ocasião, a defesa foi informada a respeito das requisições
periciais que permanecem ausentes de laudos. Isto é, a defesa não teve
conhecimento sobre tais laudos durante todo o curso do processo. Além disso, as
demais requisições constantes no ofício 01677-1951/2022 (fl. 32289) foram
devidamente cumpridas, mesmo que com menos de um mês para a sessão plenária,
ou seja, não poderia se falar no cumprimento parcial do ofício. Assim, como o pedido
deste item foi realizado no primeiro momento em que as partes tiveram
conhecimento, considera-se como tempestivo.

5 Não se pode dizer que nos laudos presentes no processo no início de cada um tenha a descrição da

cadeia de custódia apenas por mencionarem o número de lacre, pois não condiz em nenhuma
hipótese com o que de fato deveria constar, ou seja, a resposta completa aos quesitos elaborados por
esta defesa e encaminhados em ofício nº 486/2022 para o ICCE/RJ (fl. 31875).

13
03) Não foi disponibilizado pelo ICCE, embora encontrada a requisição, o laudo
completo referente à requisição pericial nº 045264-1951/2020 (fl. 19878-f) e nº
016534-1951/2022 (fl. 33663), relativo às inúmeras apreensões do auto nº
046622-1951/2019 (fl. 19876).

Ressalta-se que, de fato, há o Laudo nº 3554/2021 (fl. 22465) e o Laudo nº


19181/2022 (fl. 34295 – que versa sobre a cadeia de custódia do Laudo
3554/2021) referente à requisição nº 016534-1951/2022 [esta sem folha oficial
nos autos, uma vez que consta o número da requisição apenas no próprio laudo e na
resposta do ICCE ao Mandado de Busca e Apreensão nº 880/2022 (fl. 33789)] e auto
de apreensão nº 046622-1951/2019 (fl. 19876). Contudo, na apreensão constam
vários equipamentos que não foram periciados, sendo apenas parte deles objeto de
laudo.
Portanto, os Laudos nº 3554/2021 (fl. 22465) e nº 19181/2022 (fl. 34295)
referem-se apenas aos dois equipamentos celulares Iphone XR, não restando
inclusos os equipamentos: 1 palmtop Samsung cinza, câmera 8GB; 1 palmtop
Samsung branco, câmera 8GB; 1 Ipad Apple 16GB branco; 1 Ipad Apple 32GB preto;
1 Mini Ipad Apple preto; 1 Computador desktop marca desconhecida, modelo
desconhecido, cor cinza; 1 notebook Samsung, modelo NP-RV411 prata e preto; 1
notebook HP, modelo Pavilion dv6 preto.
Logo, faltaram ser periciados todos esses equipamentos e,
consequentemente, dado acesso aos dados à defesa.

04) Destaca-se, também, que as Requisições de Exame Pericial 0057514-


1951/2019; 00057515-1951/2019; 0038783-1951/2019 e E09-039594-
1951/2019 não teriam sido recebidas pelo ICCE, conforme informado no ofício de
fls. 33789/33790, em resposta ao Mandado de Busca e Apreensão nº 880/2022, de
fls. 33663, mas a requisição 00057515-1951/2019 posteriormente teria gerado o
Laudo 19061/2022 (fl. 34967).

14
Ademais, o Laudo 19061/2022 também possui outro número de requisição
(nº 016587-1951/2022), contudo, menciona-se, também, o número de requisição
00057515-1951/2019, pois no Mandado de Busca e Apreensão nº 880/2022 (fl.
33663) consta que esta requisição é referente ao Auto de Apreensão nº 046988-
1951/2019 (fl. 1224), que diz respeito ao mesmo objeto – um Iphone de capa
vermelha com caixa – Iphone 1897 – Iphone 8 plus – ao Laudo 19061/2022, de
propriedade de Rayanne, e ao ofício nº 016777-1951/2022 (fl. 32289).
Logo, as duas requisições, 00057515-1951/2019 e 016587-1951/2022
dizem respeito ao mesmo objeto. Sendo assim, não foram disponibilizados os
demais laudos, que continham requisição e que deveriam encontrar-se no ICCE para
perícia, assim como ocorreu com a requisição 00057515-1951/2019.
Em resumo, a ausência de acesso aos referidos documentos mitiga
diretamente o princípio da plenitude de defesa e do contraditório. Trata-se de um
princípio basilar do Estado de Direito, que preceitua que o acusado deve ter
assegurada uma defesa real e efetiva, jamais uma defesa meramente protocolar.
No Tribunal do Júri, os acusados jamais podem ser prejudicados com a
limitação da atuação defensiva. A nulidade é absoluta e precisa ser reconhecida por
este e. TJRJ.
Além do mais, é falho o argumento utilizado pela acusação por diversas
vezes no curso do processo de que “todas as provas estão já juntadas no processo”,
ou que “tudo aquilo que a acusação teve acesso a defesa também teve” (fls. 32900;
33905; 36491; 36769; 36790), pois todas as vezes que ambos (o juízo e o Ministério
Público) argumentaram desta forma, em sequência foi juntado um “laudo novo”,
conforme percebe-se nas fls. 28618; 31387; 31623; 31762; 31769; 31844; 32081;
32650; 32659; 3345; 34232; 34273; 34671; 35641; 35684; 36117; 36195; 36431;
38119; 38430; 38492; 38865; 41115; ou “encontrados os dados de um celular
perdido” e, ainda, arquivos do cellebrite que não existiam anteriormente (fls. 37140;
37145; 37483; 37507; 37514, 37516; 38112).
Rememora-se que inúmeros aparelhos e documentos foram inicialmente
encaminhados para GAECO/MPRJ, tendo este acesso exclusivo, conforme se
verifica às fls. 1683/16641 e 27879. Destaca-se que o celular da vítima ficou

15
mais de 2 anos com a acusação e, com apenas um mês de antecedência do
julgamento, foi dado acesso à defesa (fl. 38113, em que a Apple afirma que os dados
já foram fornecidos desde 11 de setembro de 2019, com senha inclusa; fl. 6435 e
1035). Ora, o prejuízo é evidente.
Face a todo o exposto e às violações frontais ao Estado democrático de
Direito, em especial ao devido processo legal, à plenitude de defesa e ao
contraditório, requer o reconhecimento da nulidade, eis que foi tempestivamente
apontada em diversas oportunidades, desde a fase do art. 422 até, inclusive, após o
pregão, conforme preceitua o art. 571, V, do CPP (fl. 41981 – ata do dia 07 de
novembro de 2022), determinando que os arquivos sejam disponibilizados para a
defesa em data anterior à nova sessão plenária.

3.5. Da leitura da denúncia para cada testemunha e informante na


iminência de sua oitiva, rememorando exclusivamente a versão
acusatória em prejuízo da apelante

Consta na Ata da 9ª Reunião da 2ª Sessão Judiciária de 2022, do dia 7 de


novembro, que a defesa se insurgiu contra a leitura da denúncia para as
testemunhas anteriormente às suas oitivas (fl. 41978).
Em resumo, a juíza presidente indeferiu o pleito da defesa, entendendo que
não haveria prejuízo aos acusados, pois tal procedimento seria adotado
costumeiramente para que as testemunhas soubessem sobre o que seriam
inquiridas, principalmente porque o fato em julgamento acontecera há mais de 3
anos do julgamento. Além disso, acostou decisão isolada do STJ, no sentido do não
reconhecimento de nulidade por tal procedimento, considerando a ausência de
norma proibitiva e de prejuízo naquele caso concreto.
Com efeito, a leitura da denúncia para todos os que depuseram causou
inegável prejuízo, pois as testemunhas e informantes foram relembrados de todas
as hipóteses acusatórias. No caso específico, nota-se que a denúncia é uma peça de
22 páginas, contendo a descrição minuciosa dos fatos que seriam objeto da instrução
e, por consequência, de seus próprios depoimentos.

16
Embora a proibição da leitura da denúncia para a testemunha antes da sua
oitiva não esteja positivada, tampouco há previsão legal determinando que a
memória da pessoa a ser ouvida deva ser “refrescada” pelo juízo, ou, em termos
neurocientíficos, “conformada”.
A conformidade da memória ocorre quando as recordações da testemunha
são readequadas a partir de um relato externo. Destarte, ao invés de a testemunha
se basear apenas em suas memórias quando do seu depoimento, se qualquer
informação for apresentada a ela antes deste relato, certamente haverá uma
combinação de informações. Assim, os elementos trazidos pela testemunha
conterão dados de fontes de sua memória, mas também das novas informações,
externas, recém fornecidas. Trata-se de um fenômeno que há décadas resta
comprovado cientificamente.6

6 BANG, Sungil. A cross-cultural examination of the conformity effect when co-witnesses discuss a

crime". CUNY Academic Works. New York, 2017; BODNER, Glen E.; MUSCH, Elisabeth; AZAD,
Tamjeem. Reevaluating the potency of the memory conformity effect. Memory & Cognition. vol. 37,
n. 8, p. 1069-1076, 2009; CARPENTER, Alexis C.; SCHACTER, Daniel. (2017) Flexible Retrieval: When
True Inferences Produce False Memories. Journal of Experimental Psychology: Learning,
Memory, and Cognition, v. 43, n. 3, p. 335–349, 2017.; CIALDINI, Robert B.; GOLDSTEIN, Noah J.
Social Influence: Compliance and Conformity. Annual Reviews Psychology, v. 55, p. 591-621, 2004.;;
GABBERT, Fiona; MEMON, Amina; ALLAN, Kevin; WRIGHT, Daniel B. (2004) Say it to my face:
Examining the effects of socially encountered misinformation. Legal and Criminological
Psychology. 9, 215-227.; GABBERT, Fiona; MEMON, Amina; ALLAN, Kevin. Memory conformity: Can
eyewitnesses influence each other’s memories for an event? Applied Cognitive Psychology, v. 17,
p. 533-543, 2003.; GOODWIN, Kerri A.; KUKUCKA, Jeffrey P.; HAWKS, Irina M. Co-Witness Confidence,
Conformity, and Eyewitness Memory: An Examination of Normative and Informational Social
Influences. Applied Cognitive Psychology, v. 27, p. 91-100, 2013; MEADE, Michelle; ROEDIGER,
Henry. Exploration in the social contagion of memory. Memory & Cognition, v. 30, p. 995-1009,
2002.; PATERSON, Helen M.; KEMP, Richard; MCINTYRE, Sarah. Can a witness report hearsay
evidence unintentionally? The effects of discussion on eyewitness memory. Psychology, Crime &
Law, v. 18, p. 505-527, 2012.; RAJARAM, Suparna; PEREIRA-PASARIN, Luciane P. Pereira.
Collaborative Memory: Cognitive Research and Theory. Perspectives on Psychological Science, v.
5, p. 649-663, 2010.; SARAIVA, Renan B.; IGLESIAS, Fabio; MICAS, Gabriel F.; ARAÚJO, Clara P. N.;
LIMA, Clara C.; COSTA, Marcela V. Conformidade entre testemunhas oculares: efeitos de falsas
informações nos relatos criminais. Psico-USF, v. 20, p. 87-96, 2015.; SHAW, John; GARVEN, Sena;
WOOD, James. Co-witness information can have immediate effects on eyewitness memory reports.
Law and Human Behavior, v. 21, p. 503-523, 1997.; SHECORY, Mally; NACHSON, Israel; GLICKSOHN,
Joseph. Effects of Stereotypes and Suggestion on Memory. International Journal of Offender
Theray and Comparative Criminology, v. 54, n. 1, p. 113-130, 2010.; SKAGERBERG, Elin M.;;
STEFFENS, Melanie C., MECKLENBRAUKER, Silvia. False memories: phenomena, theories and
implications. Journal of Psychology, v. 215, n. 1, p. 12-24, 2007; WELLS, Gary L.; MEMON, Amina;
PENROD, Steven D. Eyewitness Evidence: Improving its probative value. Psychological Science in
the Public Interest, v. 7, n. 2, p. 45-75, 2006.; WRIGHT, Daniel; SELF, Gail; JUSTICE, Chris. Memory
conformity: exploring misinformation effects when presented by another person. British Journal of
Psychology, v. 91, p. 189-202, 2000.; WRIGHT, Daniel; VILLALBA, Daniella. Memory conformity
affects inaccurate memories more than accurate memories. Memory, v. 20, p. 254-65, 2012.

17
Ler a denúncia para as testemunhas acarreta indubitável prejuízo aos
acusados, considerando a baixa confiabilidade no relato prestado, principalmente
quando não se é possível extrair a fundamentação da decisão dos jurados e saber se
tal “prova” oral foi levada em conta para a condenação.
Mesmo que não adequada aos avanços científicos em psicologia do
testemunho, a legislação processual, especificamente no art. 210, do CPP, proíbe que
as testemunhas conversem entre si, justamente para evitar a influência indevida de
informações. Também, em seu parágrafo único, determina que as testemunhas
devem ficar em locais distintos uma da outra, com o mesmo fim.
No caso concreto, percebe-se que a própria juíza presidente fundamentou a
realização do ato impugnado no fato de a oitiva ocorrer três anos após o suposto
crime. Ou seja, pelo lapso temporal, entendeu-se que as testemunhas precisavam
rememorar o fato. Entretanto, rememoraram a partir da denúncia, a partir da
versão acusatória!
Como se sabe, a denúncia consiste na manifestação inicial da acusação. Uma
denúncia com 22 páginas (fl. 3/24), que descreve pormenorizada e exaustivamente
a hipótese acusatória, quando lida para a testemunha, faz com que esta aponte para
elementos que efetivamente foram reavivados pela própria leitura. Como já dito,
constitui fenômeno empiricamente irrefutável.
O direito fundamental e constitucional da razoável duração do processo não
permite que o tempo de tramitação processual seja utilizado como argumentação
para justificar, em prejuízo dos acusados, a realização de procedimento que possa
beneficiar de qualquer modo à acusação. Aliás, a adoção de tal procedimento pelo
judiciário, é, em verdade, uma afronta ao sistema acusatório estabelecido pela
Constituição Federal de 1988.
Portanto, ainda que o processo penal brasileiro considere como válida a
prova baseada na memória – o que, ao menos pelo aspecto científico, tem suas
ressalvas – ao menos deve a testemunha responder sobre o que lembra, e não
sobre o que foi lembrada pelo juízo minutos antes de ser ouvida.
O prejuízo está estampado não apenas pelos argumentos expostos, mas
principalmente pelo fato de que: (1) a acusação não possui e não apresentou

18
nenhuma prova idônea que ligue a apelante ao crime; (2) os únicos elementos
probatórios se baseiam em testemunhas que possuem interesse direto na
condenação da apelante; (3) a apelante foi condenada exclusivamente por conta
destes testemunhos acusatórios que, mesmo sem qualquer explicação, repetiram a
tese acusatória exposta na denúncia.
Assim, resta patente a nulidade no procedimento ilegal adotado para a
oitiva das testemunhas perante os jurados, devendo a sessão de julgamento ser
anulada e realizado novo julgamento – sendo que neste as testemunhas não devem
ser relembradas da versão acusatória, momentos antes de seus depoimentos.

3.6. Do prejuízo em razão da denegação da contradita dos


delegados de polícia arrolados como “testemunhas” pela acusação

Quando da tomada dos depoimentos dos delegados Bárbara Lomba e Allan


Duarte, arrolados como principais testemunhas da acusação, a defesa apresentou
contradita (art. 214, do CPP) requerendo (i) que não fosse autorizada a tomada de
depoimento dos dois; ou (ii) caso fosse autorizada a tomada dos depoimentos, que
fossem ouvidos na condição de informantes, eis que tinham interesse direto na
causa. Entretanto, apesar da parcialidade manifesta, ambas as contraditas foram
indeferidas (conforme disposto na ata de julgamento às fls. 41.987/41.988),
maculando o julgamento e causando prejuízo à apelante.
Tanto a Sra. Bárbara Lomba quanto o Sr. Allan Duarte presidiram, em
diferentes momentos, as investigações que embasaram a denúncia oferecida pelo
Ministério Público do Rio de Janeiro em face da apelante. Diante disso, por óbvio que
o depoimento de ambos tinha o condão exclusivo de legitimar todos os atos,
investigações e diligências que os próprios realizaram ou presidiram, além de que
visavam, ao final, corroborar a narrativa acusatória.
Com a máxima vênia a ambos os profissionais, claramente não haveria a
menor possibilidade de qualquer um deles se autocriticar ou apontar erros na
investigação que conduziram. Aliás, isso ganha maior relevância tendo em vista que

19
o Brasil é um dos poucos países do mundo em que ainda permite que os elementos
colhidos na fase do inquérito policial sejam apresentados aos julgadores.
Ambas as “testemunhas” são pessoas que não tinham conhecimento do fato,
que não estavam no momento do crime, que nunca se relacionaram com as pessoas
do crime cometido, ou seja, apenas realizaram uma investigação de fatos que foram
levados a seu conhecimento. E mais: nenhum destes esteve na totalidade da
investigação, tendo a Sra. Bárbara presidido o início e o Sr. Allan o final do inquérito.
Nesse sentido é o entendimento doutrinário acerca do tema: “Além dos
prejulgamentos e da imensa carga de fatores psicológicos associados à atividade
desenvolvida é evidente que o envolvimento do policial com a investigação gera a
necessidade de justificar e legitimar os atos praticados”7.
Ademais, e em acordo com a doutrina acima, é possível extrair o mesmo
entendimento do julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, do AREsp
1.936.393/RJ, a respeito da relevância do testemunha policial, e consequentemente,
do delegado que preside um Inquérito Policial: “Lembre-se que, quando depõe em
juízo em desfavor de um réu preso em flagrante, o policial tem interesse em confirmar
perante o magistrado a legitimidade de seus atos, inclusive para evitar o risco de uma
responsabilização administrativa ou mesmo penal caso seja identificada alguma
irregularidade em sua conduta”.
Por último, não se pode permitir, em um Estado democrático de Direito, que
certos depoimentos sejam utilizados perante o Conselho de Sentença apenas como
colaboradores das teses do Ministério Público. Tal fato viola o sistema acusatório, o
princípio da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório e da
plenitude de defesa. Desta forma, por ter sido alegada tempestivamente e por estar
o prejuízo para a apelante clarividente, requer o reconhecimento da nulidade
apontada, anulando-se a sessão do julgamento. Em sessão futura, caso o Ministério
Público insista na oitiva dos delegados, requer sejam ouvidos na condição de
informantes.

7LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, Vol. I, fl. 642.

20
3.7. Violação ao art. 157 e art. 479, do CPP, por leitura e exibição
de prova proibida, ilegal e desconhecida da defesa

Na sessão plenária do dia 12 de novembro de 2022, durante os debates


orais dos representantes do Ministério Público, que se iniciaram às 18h40min e
terminaram às 21h23min, foi apresentada questão de ordem pela defesa da
apelante, a qual pontuou que o Ministério Público fez leitura e argumentação com
base a documento sigiloso à que a defesa não teve acesso. Ademais, também
havia sido determinado o desentranhamento de tal documento, tratando-se,
portanto, de prova ilegal (fl. 18922).
Explica-se: a defesa soube (já que antes não teve acesso) que o documento
utilizado se referia a transcrições dos depoimentos das informantes REBECA e
RAQUEL perante o Conselho Tutelar em 27 de novembro de 2020 realizadas pelo
parquet (fl. 18896). Contudo, o referido documento não estava disponibilizado para
a defesa, conforme foi verificado no sistema eletrônico e pelo chefe de cartório na
ocasião, conforme captura de tela que segue:

O chefe do cartório da 3ª Vara Criminal de Niterói, Ricardo, narrou que: “As


peças foram desentranhadas, só que essa especificamente não foi desentranhada

21
porque ela estava junto com outras peças, então ela foi tornada sigilosa e, por um
descuido, como ela não foi exportada da árvore do processo, essas duas ‘folhinhas’
(...)”. Após indagado pelo defensor se estes arquivos haviam sido disponibilizados
para a defesa asseverou que: “Não, eu fui lá na pasta, vi a pasta e não tinha esses dois
arquivos, eles não foram exportados (...) a pasta que era disponibilizada para todo
mundo chegar lá e copiar, era chegar com o HD e copiava e colava, o arquivo não está
na pasta de origem que saiu”8. Em seguida, novamente indagado pelo defensor se “o
arquivo não estava na pasta de origem, então a gente não teve acesso?”, a resposta
para o questionamento foi “É”9, em tom afirmativo.
Ademais, na própria ata de julgamento da sessão plenária (fls.
42146/42148) constou, por parte da defesa, que esta “não teve acesso a tais
documentos. Considerando que o Ministério Público utilizou os documentos como
critério de argumentação para buscar a condenação dos acusados, violou-se o artigo
479 do CPP, e causou prejuízo indelével para a defesa. Desta forma, requer a dissolução
do Conselho de Sentença ante a violação não apenas das normas processuais, como
também dos princípios do devido processo legal, da plenitude de defesa e do
contraditório. [...]. Por último, os arquivos foram desentranhados, conforme fl. 18922,
isto é, não se poderia utilizar de qualquer forma”.
No mesmo sentido, a juíza presidente, após verificado junto ao chefe de
cartório, constatou “que, de fato, a transcrição mencionada pelo MP equivocadamente
não foi disponibilizada à defesa, porém os áudios correspondentes à mencionadas
transcrições efetivamente foram fornecidos como se constatou em cartório”.
Todavia, independente de constarem os áudios correspondentes à
transcrição, destaca-se que estes foram desentranhados do processo – não
somente os áudios, mas todo o conteúdo relacionado ao contexto das referidas
informantes e demais participantes perante o Conselho Tutelar (como fotografias

8Gravação em áudio realizada pela defesa durante o julgamento e disponível através do link:
https://drive.google.com/file/d/1cQ2ZgyIVi2RgfgbLMNQuT_GvZGR29sJ9/view?usp=sharing
9 A gravação em áudio desta explicação do escrivão titular, que foi declarada perante a juíza

presidente, os membros do Ministério Público, assistente de acusação e demais pessoas que ali se
encontravam, está disponibilizada no link
<https://drive.google.com/file/d/1cQ2ZgyIVi2RgfgbLMNQuT_GvZGR29sJ9/view?usp=share_link>

22
de menores (fl. 18.706/18.709 – desentranhado) e relatórios da instituição
supracitada (fl. 18.604/18.703 – desentranhado).
Vê-se, nesse sentido, a decisão em que a própria juíza determina o
desentranhamento (fl. 18922):

É evidente, portanto, que o documento (fl. 18896) apresentado pelo


Ministério Público durante os debates não poderia ter sido utilizado. A partir do
momento que foi desentranhado do processo, conforme preceitua o art. 157 do CPP
se torna “inadmissível”. A ilegitimidade da prova desentranhada é tamanha que a
redação do §4º do artigo 157 do Código de Processo Penal explicita que o “juiz que
conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a
sentença ou acórdão”.
Neste sentido, pois, demonstrado está o prejuízo decorrente da manutenção
e utilização perante os jurados de documento sigiloso e desentranhado. A partir do
momento em que os documentos haviam sido retirados do processo por decisão
judicial, obviamente que as parte não poderiam dele se utilizar, como fez o
Ministério Público.
A anulação da sessão e a proibição de que, no próximo julgamento, as partes
não possam fazer referência à documentos inadmissíveis é imperativo. Neste
sentido decisão do Superior Tribunal de Justiça.

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL.


ANULAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS PELO
PRETÓRIO EXCELSO, POR INOBSERVÂNCIA AO ART. 212 DO CPP.
DESENTRANHAMENTO DE ATO DECLARADO NULO. INSTRUÇÃO
REFEITA. PERSISTÊNCIA DA NULIDADE. UTILIZAÇÃO DOS ATOS NULOS
DURANTE A NOVA INSTRUÇÃO. NECESSIDADE DE RENOVAÇÃO DOS
ATOS PROCESSUAIS. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.

23
(...) 3. No caso, a permanência dos atos anulados nos autos gerou prejuízo
concreto para a Defesa, haja a vista a inequívoca constatação de que o
Ministério Público se valeu da transcrição da prova nula durante a nova
instrução. 4. Agravo regimental provido para determinar o
desentranhamento de todos os atos processuais realizados a partir do
reconhecimento da nulidade pelo Supremo Tribunal Federal (inclusive as
mídias e as atas das audiências nulas); b) reconhecer a nulidade das
novas audiências realizadas em substituição às que haviam sido anuladas
pela Suprema Corte e de tudo o que delas derivou, bem como o
desentranhamento das provas produzidas nas referidas ocasiões; c)
determinar a renovação dos atos anulados, com expressa proibição de
que as provas desentranhadas sejam usadas pelas partes na nova
instrução. (STJ, AgRg no HC n. 744.002/SP, relatora Ministra Laurita Vaz,
Sexta Turma, julgado em 20/9/2022, Dje de 5/10/2022.) – destaque
nosso.

A utilização de documento ilegal viola diretamente os princípios do devido


processo legal, da paridade de armas, da plenitude de defesa e do contraditório. Isso
não apenas pelo fato de que a prova havia sido desentranhada do processo, mas que
também, diferentemente da defesa, a acusação continuou tendo acesso ao
documento, utilizando-o de forma argumentativa diante dos jurados. O prejuízo é
inegável.
Assim, resta evidente não somente a violação direta ao art. 479 do CPP, mas,
também, o prejuízo para a apelante, eis que o documento utilizado exaustivamente
pela acusação: (1) não foi disponibilizado para a defesa; (2) era sigiloso; (3) constava
como desentranhado dos autos e proibido de ser utilizado por decisão da juíza a quo,
constituindo PROVA ILEGAL. Como consequência, requer, por conta da
caracterização de nulidade absoluta (que, não obstante, foi tempestivamente
alegada e tendo o claro prejuízo demonstrado), a nulidade da sessão plenária.

3.8. Violação ao art. 478, II, do CPP, por referência ao silêncio da


apelante em seu prejuízo pela acusação durante os debates

24
Outra nulidade absoluta, insanável e incontestável ocorreu no decorrer da
sessão plenária e foi imediatamente arguida pela defesa, restando consignada em
ata, qual seja, a menção ao silêncio da apelante como argumento para “comprovação
de sua responsabilidade criminal”.
De início, cumpre destacar que, durante o interrogatório, a apelante optou
por exercer parcialmente o direito constitucional ao silêncio, respondendo somente
as perguntas de sua defesa técnica e do Conselho de Sentença.
Iniciada a sustentação da acusação, às 01h12m, do dia 13 de novembro de
2022 (sétimo dia), em réplica, fora dada a palavra ao representante do assistente de
acusação, na pessoa do advogado Dr. Ângelo Máximo. Neste momento,
especificamente às 02h11m, verifica-se flagrante e explícita violação ao disposto no
art. 478, II do CPP, quando referido advogado se dirige aos jurados e exorta, verbis:

“SENHORES, QUEM É INOCENTE SE PRESTA A UM PAPEL DESSE? AÍ EU DEIXO COM


A CONSCIÊNCIA DE VOCÊS. QUEM É INOCENTE NÃO VAI SE DEFENDER NO
PROCESSO? QUEM É INOCENTE, VAI SENTAR AQUI, VAI SER INTERROGADO, NÃO
VAI NUNCA SE NEGAR A RESPONDER A PERGUNTA DO ESTADO-JUIZ! NÃO VAI
NUNCA DEIXAR DE RESPONDER À PERGUNTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO! EU
SOU CRIMINALISTA HÁ DEZOITO ANOS. HÁ DEZOITO ANOS EU SOU ADVOGADO!
MEUS CLIENTES QUE SE JULGAM INOCENTES, NUNCA FICARAM CALADOS, SE
NEGANDO A RESPONDER PERGUNTA DO ESTADO-JUIZ!” (VIDEO PLENÁRIO
“recording.12.mov” 59:53)

Após constatada manifesta nulidade, os promotores tentaram intervir na


sustentação do assistente, interrompendo o advogado para ressalvar suas
declarações. No entanto, este ato, per si, não afasta o evidente prejuízo da recorrente
que ostenta a garantia constitucional e legal de exercer o seu direito ao silêncio,
ainda que seletivo, para responder somente às perguntas a que tenha interesse.
Da gravação audiovisual verifica-se que os três representantes do parquet
tentaram, de maneira frustrada, criar embargos à continuação da sustentação do
assistente de acusação, quando, então, a defesa rogou questão de ordem ao
microfone e o tempo de sustentação foi pausado.

25
Diante da valoração negativa do argumento da acusação que,
flagrantemente, explorou o silêncio da acusada em plenário, a defesa requereu a
consignação em ata (fl.42149) e pugnou pela dissolução do Conselho de Sentença e
pela aplicação de multa para o causídico, o que foi integralmente indeferido pela
magistrada.
Em que pese a manifestação ministerial pela interpretação desvirtuada do
dispositivo legal do art. 478, II, do CPP, aduzindo não ser a assistente de acusação
parte neste processo, basta breve consulta à gravação da sessão para constatar que
o tema fora suficientemente explorado e enfatizado pelo advogado, em flagrante
prejuízo à apelante. Este fato é incontestável.
A exploração do silêncio da acusada se deu ao longo de alguns minutos de
sustentação do advogado que aduziu que um réu inocente “NÃO VAI NUNCA SE
NEGAR A RESPONDER À PERGUNTA DO ESTADO-JUIZ! NÃO VAI NUNCA DEIXAR DE
RESPONDER À PERGUNTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO”, não sendo crível relativizar
tamanho prejuízo da acusada perante o Conselho de Sentença.
Portanto, ainda que sob perfunctória apreciação da sustentação do
advogado assistente pelo Conselho de Sentença, não há de se distinguir o órgão do
Ministério Público do assistente de acusação, afirmando ser uma parte no processo
e o outro não. Ambos são partes acusatórias no processo, sendo certo que a menção
expressa ao silêncio foi exarada pela acusação em prejuízo ao direito da apelante,
hipótese estampada no art. 478, II do CPP e violada na sessão de julgamento.
Nesse sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça extraído
no julgamento do AREsp 1534558:

“(...) resta claro que a menção do Parquet afrontou o disposto no art. 478,
II, do mesmo Codex, uma vez que quis convencer os jurados de que o
silêncio dos réus indicava a culpa destes, como quem diz: “quem
cala, consente”. Ademais, o prejuízo é evidente, tendo em vista a
condenação determinada pelo Conselho de Sentença. Ora, como dito, é
direito do réu permanecer em silêncio e não responder a qualquer
pergunta que lhe é dirigida, sem que isso possa servir de
instrumento da acusação para formar a sua culpa. Portanto, o desejo

26
de permanecer em silêncio não pode, jamais, ser usado em desfavor do
agente.

Desta forma, considerando que a menção e exploração do silêncio da


apelante não se limitou à mera referência, mas consistiu em explícitas exclamações
do advogado que compõe a acusação, pugna a defesa pelo reconhecimento da
nulidade perpetrada em sessão plenária, submetendo a acusada a novo júri.

4. DO MÉRITO (ART. 593, III, ‘D’, DO CPP)

4.1. Da decisão manifestamente contrária à prova dos autos em


relação ao crime de homicídio na modalidade tentada (art. 121, §2º,
I e III, c/c art. 14, II, art. 61, II, ‘e’, ‘f’ e art. 62, I, todos do CP);

A exordial acusatória narra que os acusados teriam, supostamente,


empregado veneno na comida da vítima por indeterminadas vezes entre maio de
2018 e junho de 2019. Tal imputação, de homicídio tentado, foi julgada procedente
pelo Conselho de Sentença.
Com a devida vênia, não há prova de materialidade para admitir referida
acusação; inclusive, foi comprovado que não houve o emprego de veneno ou de
qualquer artifício semelhante10.
O modo de execução empregado (qual seja, o envenenamento) deixaria
vestígios no corpo da vítima – vestígios esses que, por certo, caso realmente
existentes, teriam sido analisados e devidamente descritos nos laudos e perícias.
Inclusive, há dois pareceres no processo: um efetuado pelo perito da Polícia Civil
e outro por um médico do próprio Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro.

10 Conforme depoimento do Assistente Técnico Samir El Jundi, disponível na íntegra através do link

<https://drive.google.com/file/d/16i6cK5hobmjGtPfvitIWmQXVQUlxf_0x/view?usp=drive_link>.
Fl. 42061.

27
O parecer médico lavrado pelo perito legista Francisco José Alexandre
Mourão (fls. 16284/16298) expressa que “o quadro clínico do então paciente tem
elementos sugestivos de distúrbio de etologia psicogênica causada pelo transtorno
da ansiedade”. Destarte, não há como se falar em prova de tentativa de
envenenamento, ou muito menos encarar “elementos sugestivos” como provas
mínimas de materialidade do delito. Isto seria contrariar a exigência de prova da
materialidade consoante o art. 413 do CPP.
Já o segundo laudo apresentado pelo parquet junto às fls. 16789/16802,
cuja lavra é do perito legista Luiz Carlos Prestes Junior, do GAESP/MPRJ, apresenta
um resultado inconclusivo sobre a materialidade do envenenamento. De acordo com
o laudo, seria necessário realizar ao menos a exumação no cadáver, considerando
que o arsênico fica presente por muitos anos no corpo.
Frise-se que tal matéria ainda está sendo objeto de Recurso Especial em
tramitação no Superior Tribunal de Justiça, não tendo ocorrido a preclusão da
decisão de pronúncia, a qual, claramente, não apontou a materialidade exigida
para pronunciar a apelante.
Em suma, tendo em vista que a acusação não apresentou qualquer
comprovação dos vestígios da suposta prática delituosa imputada à apelante, e que,
no caso em análise, deveria ocorrer por meio da devida prova técnica extraída por
perícia (que, ao contrário, não concluiu pelo envenenamento), a decisão adotada
pelo Conselho de Sentença se demonstra absolutamente contrária à prova dos autos.
Além disso, a prova apresentada pela acusação para fundamentar a autoria
delitiva foi exclusivamente em testemunho de ouvir dizer (hearsay), ou seja, em
depoimentos indiretos de informantes que não testemunharam quaisquer
circunstâncias hábeis a comprovar a acusação.
O Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento acerca da
credibilidade dos testemunhos de “ouvir dizer”:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


PROCESSUAL PENAL. SÚMULA N. 7 DO STJ. AFASTAMENTO.
FUNDAMENTAÇÃO. IDONEIDADE JURÍDICA. VERIFICAÇÃO.
POSSIBILIDADE. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. CONDENAÇÃO.

28
TRIBUNAL DO JÚRI. DEPOIMENTO DA VÍTIMA. FASE INQUISITIVA.
TESTEMUNHAS DE “OUVIR DIZER”. VERSÕES CONTRADITÓRIAS. TESE
DE JULGAMENTO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO Á PROVA DOS
AUTOS. AFASTAMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM.
FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO A FIM
DE SE CONHECER DO AGRAVO E DAR PROVIMENTO AO RECURSO
ESPECIAL. 1. É possível a esta Corte Superior verificar se a
fundamentação utilizada pelas instâncias ordinárias é juridicamente
idônea e suficiente para dar suporte à condenação, o que não configura
reexame de provas, pois a discussão é eminentemente jurídica e não
fático-probatória. 2. Mesmo que se trate de Tribunal do Júri, não se
admite que a condenação esteja fundamentada tão-somente em prova
produzida no inquérito policial, ainda que seja o depoimento da Vítima, e
no depoimento de testemunhas de “ouvir dizer”, mormente quando estes
últimos possuem contradições entre as versões prestadas na fase
investigatória e judicial. 3. Não sendo idônea a fundamentação utilizada
pela Corte de origem para concluir pela inexistência de julgamento
manifestamente contrário à prova dos autos, impõe-se o acolhimento da
pretensão defensiva, com a anulação do julgamento proferido pelo
Tribunal do Júri. 4. Se, nos termos da jurisprudência atual, nem mesmo a
pronúncia, que é proferida numa fase processual em que se observa o in
dubio pro societate, pode estar fundamentada apenas em provas colhidas
na fase investigativa ou em testemunhos de “ouvir dizer”, muito menos
se admite que uma condenação, que deve observar o in dubio pro reo, seja
mantida pelas instâncias recursais com lastro nesse tipo de
fundamentação. 5. Agravo regimental provido a fim de se conhecer do
agravo e dar provimento ao recurso especial, anulando o julgamento
proferido pelo Tribunal do Júri e determinando que seja o Agravante
submetido a novo Júri Popular.

(STJ – AgRg no AREsp: 1847375 GO 2021/0064690-6, Relator: Ministra


LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 01/06/2021, T6 – SEXTA TURMA,
Data de Publicação: Dje 16/06/2021)

Conforme supra demonstrado, é inadmissível a condenação baseada em


depoimentos indiretos – de “ouvir dizer” ou “hearsay” – ante o fato de que tais
testemunhos não necessariamente refletem a verdade dos fatos – especialmente

29
diante da desnecessidade de se prestar o compromisso de dizer a verdade,
característica dos depoimentos de informantes.
In casu, na data de 09 de novembro de 2022 foram ouvidas as informantes
Raquel dos Passos Silva (fl. 42054) e Luana Vedovi Rangel Pimenta (fl. 42057) e, na
data de 10/11/2022, depuseram Roberta dos Santos (fl. 42072) e Rebeca Vitória
Rangel Silva (fl. 42075).
A exemplo disso, às 9h47 do dia 10 de novembro de 2022, Roberta dos
Santos (fl. 42072) afirmou, a respeito da suposta tentativa de envenenamento da
vítima, que nunca havia visto tal feito com os próprios olhos. Ainda, a partir do
minuto 23:32 da gravação do depoimento de Raquel, esta afirma que, após a morte
da vítima, ficou sabendo do suposto envenenamento através de sua mãe, Cristiana
Rangel dos Passos Silva. Além disso, a partir do minuto 04:00 da gravação do
depoimento de Luana Vedovi Rangel Pimenta (fl. 42057), esta afirma que Carlos a
informou sobre um suposto envenenamento das bebidas da vítima.
Ante o exposto, percebe-se grave ilegalidade na condenação da acusada
Flordelis pela tentativa de homicídio por envenenamento, posto que a tese
acusatória é fundada inteiramente nos depoimentos de informantes que, além de
não presenciarem qualquer hipótese de envenenamento (que, cientificamente
ficou provado que não ocorreu), apenas “ouviram dizer” sobre o suposto ocorrido.

4.2. Da decisão manifestamente contrária à prova dos autos em


relação ao crime de homicídio qualificado (art. 121, §2º, I, III, IV, na
forma do art. 29, c/c art. 61, II, ‘e’, ‘f’ e art. 62, I, todos do CP)

O Conselho de Sentença condenou a apelante por ter supostamente


participado do homicídio qualificado consumado contra a vítima levando em conta
os testemunhos de hearsay, contrariando a prova dos autos.
No tocante a esse delito, vale lembrar que, em sessão plenária anterior,
vinculada ao processo nº 0025139-79.2019.8.19.0002, os acusados Lucas Cesar dos
Santos de Souza e Flávio dos Santos Rodrigues foram condenados pelo delito de

30
homicídio consumado. Flávio sendo o executor e Lucas por ter aderido ao intento
delituoso com a compra da arma.
Os elementos trazidos pela acusação para justificar a participação da
apelante no crime são absolutamente circunstanciais, apesar da ampla investigação
realizada, e baseiam-se tão somente em suposições das testemunhas de ouvir dizer
e em provas frágeis e descontextualizadas colhidas durante a investigação.
Em uma das suas lamentáveis insistências, o Ministério Público afirma que
a “comprovação” da participação da apelante seria uma suposta combinação no dia
do delito com a corré Marzy por intermédio de mensagens do celular. Vale ressaltar
que a corré Marzy foi absolvida pelo Conselho de Sentença no tocante ao
homicídio consumado e aos demais delitos imputados. Segundo o parquet, as
mensagens trocadas conteriam um “código”, visto que, ao contrário do que insinua
o conteúdo, a apelante não teria nenhum compromisso no dia seguinte à troca de
mensagens.
Veja-se a mensagem abaixo:

Entretanto, diferentemente do que sustenta a acusação, havia sentido na


mensagem, uma vez que no dia seguinte (do dia 15 para o dia 16 de junho de 2019)
ocorreria um compromisso na Igreja, conforme mensagem no celular de Misael

31
(principal testemunha de acusação) enviada pela própria vítima para um grupo da
igreja:

Em suma, a acusação nitidamente descontextualiza as mensagens enviadas


e cria situações que jamais existiram para incriminar a apelante.
Ademais, vale destacar o motivo pelo qual o crime ocorreu, o que
desvincula, ainda que indiretamente, a apelante do seu patrocínio: de acordo com a
acusação, o suposto motivo para Flordelis ceifar a vida da vítima seria poder e
dinheiro. No entanto, o crime, praticado por aqueles supramencionados e já
condenados, ocorrera em razão dos abusos sexuais perpetrados pela vítima em
desfavor das netas e filha da apelante. Nesse sentido, tem-se o depoimento de uma
das corrés, Simone – filha da apelante – em que relata perante o Tribunal de Ética
da Câmara dos Deputados sobre o fato:

“Eu me sinto um pouco culpada de tudo isso estar acontecendo com a


minha família, porque eu que fui até ele um dia quando eu estava
sofrendo muito, aquela história que o Marcos falou, de fato eu comecei a

32
me drogar, comecei a frequentar psiquiatra, psicólogo, eu não conseguia
contar para o psicólogo, como que eu ia contar para o psicólogo, a história
de uma pastora conhecida, não tinha coragem, tinha vergonha de expor a
minha família, uma família que estava tão bem, tão conhecida, como que
eu ia acabar com aquilo da noite pro dia? Eu sabia que aquilo ali ia se
espalhar. Eu comecei a surtar, ficar louca mesmo, usar remédio mesmo,
drogas também. E aí um dia eu sentei e conversei e contei tudo para
o meu irmão Flávio, e nesse dia que eu contei pro Flávio, eu meio que
desabafei, porque o Flávio era muito quieto, na dele, muito
observador, mas quando ele tomava atitude, ele agia, então a minha
intenção, eu pensei “ele vai arrebentar a cara dele, vai quebrar a
cara dele, vai moer ele” mas eu não fiz na intenção de “matar ele, vai
matar ele”, não foi nessa intenção, eu estava no desespero q contei
tudo pra ele, o que ele tinha feito com a minha filha, o que ele tinha
feito comigo.”

Com relação aos abusos, destaca-se que, em sessão plenária, a testemunha


de acusação Daiane Freires (fl. 42055) confirmou que a vítima de fato abusava
sexualmente de diversas pessoas na casa, revelando o motivo por trás de Flávio ter
cometido o delito:

“Ela falou que o Pastor procurava ela no nosso quarto, e a gente achou
que era mentira. E aí numa certa noite, ela disse assim: ‘fiquem acordadas
que vocês vão ver que eu não estou mentindo’. E de fato, uma noite ele
entrou no nosso quarto e alisou minha irmã”.

Logo, a defesa provou a ausência de responsabilidade dos corréus André,


Marzy e Rayane, os quais foram corretamente absolvidos. Ainda assim, a apelante
Flordelis foi indevidamente condenada pelo crime de homicídio consumado,
exclusivamente com base em depoimentos de informantes de “ouvir dizer”. A
exemplo disso, às 9h48 do dia 09 de novembro de 2022, a informante Luana afirmou
que a corré “Marzy teria dito que Flordelis a mandou assumir o plano de morte por
dinheiro”, ainda que não tenha presenciado tal fala.

33
Também sobre os testemunhos de “hearsay”, às 19:08 do dia 09 de
novembro de 2022, em seu depoimento, Raquel afirmou que Isabel disse a ela
“minha mãe quer matar meu pai, ele está fazendo muita merda”, ainda que,
igualmente à hipótese anterior, não tenha presenciado o momento da suposta fala.
Tais depoimentos – principalmente por advirem de informantes – não
refletem a verdade dos fatos, mas sim versões equivocadas repassadas como boatos
ou fofocas.
Assim, há de se reconhecer a ilegalidade no tocante à condenação da
apelante com base em depoimentos de “ouvir dizer”, que, como supra demonstrado,
não possuem suficiente credibilidade para fundamentar o édito condenatório em
um Estado de Direito.

4.3. Da decisão manifestamente contrária à prova dos autos em


relação ao crime de associação criminosa armada (art. 288,
parágrafo único, c/c art. 62, I, ambos do CP)

A apelante também foi condenada pelo crime de associação criminosa por,


em tese, ter se reunido com os demais acusados com o fim de causar a morte da
vítima. No entanto, para que reste configurado o crime de associação criminosa, faz-
se imprescindível que demonstradas a estabilidade e a permanência do grupo cuja
união visa o cometimento de crimes.
Ressalta-se, aqui, a necessária distinção entre uma associação criminosa e
um mero concurso de pessoas. Nesse sentido já assentou entendimento o Superior
Tribunal de Justiça:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO


CRIMINOSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA. ELEMENTOS
OBJETIVO E SUBJETIVO ESPECIAL DO TIPO. DESCRIÇÃO INSUFICIENTE.
FALTA DE JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS A
REVELAR AUTORIA E MATERIALIDADE. DEMONSTRAÇÃO. ORDEM
CONCEDIDA.

34
O trancamento da ação penal em sede de habeas corpus é medida
excepcional, somente se justificando se demonstrada, inequivocamente,
a ausência de autoria ou materialidade, a atipicidade da conduta, a
absoluta falta de provas, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade
ou a violação dos requisitos legais exigidos para a exordial acusatória. 2.
Para caracterização do delito de associação criminosa, indispensável a
demonstração de estabilidade e permanência do grupo formado por
três ou mais pessoas, além do elemento subjetivo especial consiste
no ajuste prévio entre os membros com a finalidade específica de
cometer crimes indeterminados. Ausentes tais requisitos, restará
configurado apenas o concurso eventual de agentes, e não o crime
autônomo do art. 288 do Código Penal. 3. Na hipótese vertente, o
Ministério Público não logrou êxito em descrever suficientemente os
elementos objetivo e subjetivo do tipo penal, prejudicando o exercício da
ampla defesa e do contraditório. Partindo da análise de um delito de
roubo isoladamente considerado, concluiu, genericamente, pela
existência de associação criminosa, sem a devida elucidação de que o
paciente integrasse grupo criminoso estável e permanente, tampouco
que estivesse imbuído do ânimo de se associar com vistas à prática
conjunta de crimes indeterminados, tornando inepta a inicial. 4. Além
disso, dos elementos de informação expressamente referenciados pela
peça vestibular (prova pré-constituída), não ressuma a existência de
indícios mínimos de autoria e materialidade aptos à deflagração da ação
penal, pelo que deve ser reconhecida a ausência de justa causa. 5. Ordem
concedida para trancar a ação penal em relação ao paciente.

(STJ – HC: 374515 MS 2016/0268171-0, Relator: Ministra MARIA


THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 07/03/2017, T6 –
SEXTA TURMA, Data de Publicação: Dje 14/03/2017. Destaque nosso)

Ante o exposto, torna-se cristalino que o cometimento de uma prática típica


em coautoria não é suficiente para a configuração do crime de associação criminosa
armada.
Destarte, ainda que a errônea acusação da participação da apelante no
homicídio da vítima fosse verídica, não estaria caracterizada a associação criminosa
armada por se tratar de apenas uma conduta típica, estando ausentes as necessárias
estabilidade e permanência do grupo.

35
A apelante, ainda, fora condenada pelo crime de associação criminosa
armada no tocante ao uso de documento falso. Além de tal condenação ser
manifestamente contrária à prova dos autos, não há possibilidade cronológica em se
falar na associação da apelante com os demais acusados com o fim de utilizarem
documento falso, uma vez que tal condenação refere-se à produção de uma carta de
confissão, o que ocorreu, em tese, meses após à morte da vítima.
Isto posto, impossível que a suposta produção do documento
ideologicamente falso fosse planejada quando da constituição da suposta associação
criminosa, pois seria infactível antever a prática de delito que hipoteticamente
visaria confundir uma eventual investigação criminal.
Em suma, encontram-se ausentes os elementos hábeis a caracterizar a
associação criminosa armada, razão esta que impossibilita a condenação da
apelante por tal prática, ensejando o provimento da apelação também neste ponto.
Frise-se que não está a se falar da escolha de uma das teses por parte dos jurados,
mas sim de um erro jurídico por não haver qualquer dos elementos inerentes do
crime.

5. DA DOSIMETRIA DA PENA (ART. 593, III, ‘C’, DO CPP)

Na remota hipótese de indeferimento das preliminares e do mérito,


mantendo-se o édito condenatório, o que se cogita apenas para exercitar de forma
plena o contraditório, urge apontar, com a devida vênia, a imprecisão da dosimetria
da pena, que transgrediu o princípio constitucional de individualização da pena
presente no art. 59 e seguintes do CP, bem como as diretrizes doutrinárias e
jurisprudenciais sobre a matéria.
Como se viu, o Conselho de Sentença votou pela condenação da apelante
pelos seguintes fatos:
i) Homicídio com três qualificadoras (motivo torpe, emprego de meio
cruel e emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima - art. 121, §2º, I,
III, IV, na forma do art. 29, c/c art. 61, II, ‘e’, ‘f’ e art. 62, I, todos do CP);

36
ii) Tentativa de homicídio com duas qualificadoras (motivo torpe e
emprego de veneno - art. 121, §2º, I e III, c/c art. 14, II, art. 61, II, ‘e’, ‘f’ e art. 62, I,
todos do CP);
iii) Uso de documento ideologicamente falso (duas vezes – art. 304 e 299,
na forma do art. 71, c/c art. 61, II, ‘e’ e art. 62, I, todos do CP);
iv) Associação criminosa armada (art. 288, parágrafo único, c/c art. 62, I,
ambos do CP).

5.1. Do homicídio consumado (Art. 121, §2º, incisos I, III, e IV do


CP)

A pena definitiva para este fato restou fixada em 27 anos e 06 meses de


reclusão, contudo carente de fundamentação e sem observar minimamente as
normativas do sistema trifásico.
Primeiramente, a pena base foi estabelecida em 22 anos de reclusão, na qual
apontou como desvalor a culpabilidade e as consequências do crime. Além disso,
levou em conta a presença de três qualificadoras na primeira fase, quais sejam a
motivação torpe, o meio cruel e o recurso que dificultou a defesa da vítima.
Especificamente sobre a culpabilidade, a juíza presidente argumentou que
a culpabilidade do crime foi acentuada, “posto que, tendo ciência inequívoca da
ilicitude de sua conduta, não se intimidou com a prática do crime, planejando a
execução brutal e fria da vítima, com diversos disparos”. No entanto, confunde-se a
justificativa do aumento com a própria sanção do tipo penal, o que revela ofensa ao
princípio do ne bis in idem. Ora, a “ciência inequívoca do delito” é circunstância
inerente a qualquer indivíduo a que é atribuído um crime doloso pelo conceito
analítico. Nesse sentido, diz-se que qualquer pessoa que pratique um injusto
culpável, e, portanto, esteja sujeito à sua sanção, ofende a lei, portanto, ciente que a
desborda. Eis, portanto, o equívoco do incremento da pena a título de culpabilidade,
vez que a censura da conduta já advém do próprio descumprimento da norma
incriminadora. Assim, pune-se duas vezes pelo mesmo motivo quando há a
imputação da pena do tipo e incremento na dosimetria sob os mesmos fundamentos.

37
Também, ainda a despeito de culpabilidade, a juíza apontou que restou
evidenciada frieza e menosprezo pela vida humana durante a empreitada criminosa
praticada, na medida que o crime foi cometido em repouso noturno, no imóvel de
moradia (situação que também serviu para o reconhecimento de agravante do art.
61, II, “f” do CP). No entanto, conforme as provas do processo do corréu Flávio dos
Santos Rodrigues (Processo nº 0025139-79.2019.8.19.0002 e 0074865-
22.2019.8.19.0002), esse admitiu ter praticado o delito e foi quem, exclusivamente,
escolheu o meio de execução. A jurisprudência é firme no sentido de que as
qualificadoras objetivas somente se comunicam aos coautores quando ingressarem
em sua esfera de conhecimento11, o que não é o caso.
Já com relação as consequências do crime, a magistrada apontou que foram
“desastrosas e demasiadamente graves”, no entanto a morte da vítima é inerente ao
crime de homicídio e, portanto, não pode ser desvalorada sob pena de afrontar o
princípio do ne bis in idem. Também, as consequências de “danos psicológicos”, sem
quaisquer laudos ou pareceres, não pode ser reconhecido, ainda mais que alguma
forma de abalo mental dos envolvidos é inerente a crimes graves (até mesmo por
isso que os parâmetros punitivos em abstrato são elevados).
Por sua vez, ao aplicar as três qualificadoras para elevar o patamar inicial
da pena, o fez de forma equivocada pois deveria ter elegido uma delas e desvalorado
as demais na segunda fase da dosimetria da pena, nos moldes do que preceitua o art.
61, do CP.
Além do mais, o quantum de aumento de cada circunstância judicial
nesta fase sequer foi apontado, em inequívoca inobservância do procedimento
previsto no art. 68, do CP. Tal ato prejudica sobremaneira o exercício do
contraditório, eis que, ante a fundamentação deficiente, é inviabilizada a verificação
de atendimento dos critérios individualizadores da pena, em especial o atentamento
da escala penal do preceito secundário dos delitos impostos.

11 (...) As qualificadoras objetivas do homicídio - neste caso, a emboscada - comunicam-se entre

os coautores, desde que ingressem em sua esfera de conhecimento. Logo, há nulidade no quesito
que não questiona os jurados sobre a ciência dos mandantes do crime em relação ao modus operandi
qualificador adotado pelos executores diretos.(...). (REsp n. 1.973.397/MG, relator Ministro Ribeiro
Dantas, Quinta Turma, j. em 6/9/2022).

38
Além das imprecisões postas, é de suma importância trazer ao debate que a
juíza presidente se olvidou das circunstâncias judiciais favoráveis à apelante, em
especial os seus antecedentes favoráveis, ou seja, a ausência de qualquer
antecedente criminal anterior ao delito ora a ela imputado, apesar de ter 61 anos de
idade. Ainda, a valoração positiva da circunstância da conduta social pelos
numerosos documentos de seus projetos sociais, bem como pela extensa oitiva do
Desembargador Siro Darlan, conforme fl. 42.076, deveria ter sido considerada.
Outrossim, restou irrefutável que emergiu das provas produzidas em plenário que
a motivação do crime se deu em razão de crimes contra a dignidade sexual e
patrimonial praticados pela vítima, quadro que também foi olvidado e deveria ser
valorado positivamente à pena-base, seja no tocante ao crime, seja pelo
comportamento da vítima.
Chama atenção a justificativa de aumento da pena de que a conduta da
apelante teria sido um “verdadeiro atentado contra o Estado Democrático de
Direito”, desvelando um exagero punitivo sem qualquer fundamento técnico-
jurídico.
Após a dosagem das penas pelas qualificadoras, a magistrada considerou a
incidência das agravantes, em franca ofensa ao art. 68 do Código Penal, e aumentou
a pena pela ocorrência das hipóteses previstas no art. 61, II, e e f, e 62, I, ambos do
Código Penal, e, em ¼, repousando a pena final deste primeiro delito em 27 anos e
6 meses de reclusão.
Porém, insta trazer à lume que o reconhecimento das agravantes supra, não
obstante prescindirem de quesitação, devem ser objetos de sustentação expressa
em plenário, o que efetivamente não ocorreu no caso dos autos, portanto,
inaplicáveis, conforme se verifica na ata de julgamento (fl. 42.146/42.148):

39
Nesse sentido, infere-se que a acusação não sustentou expressamente pelo
reconhecimento das agravantes, logo, encontra-se em desconformidade com o
disposto no art 492, I, “b”, do CPP, o que deve ser reformado por este e. TJRJ. Convém
reproduzir entendimento jurisprudencial a respeito.

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO.


AGRAVANTE GENÉRICA PREVISTA NO ART. 61, II, “H” DO CÓDIGO PENAL? CP.
DESNECESSIDADE DE QUESITAÇÃO. MATÉRIA OBJETO DE DEBATES ORAIS EM
PLENÁRIO. MODIFICAÇÃO DESSA ASSERTIVA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA
ELEITA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. “Com o advento da Lei n. 11.689, de 9 de junho
de 2008 – a qual modificou o capítulo sobre o procedimento do júri -, as
circunstâncias agravantes e atenuantes não mais são objeto de quesitação, de tal
sorte que caberá ao magistrado considera-las no momento da dosimetria
da pena, em consonância com o que foi sustentado em plenário pelas
partes, nos termos do art. 492, I, “b” do Código de Processo Penal. Precedentes”
(AgRg no HC 580.498/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA, Dje 24/8/2020). 2. O Tribunal de origem concluiu que foi
debatida em Plenário a aplicação da agravante referente à senilidade da vítima
(art. 61, II, “h” do CP) e a modificação dessa assertiva demanda o exame
aprofundado de prova que é incabível na estreita via do habeas corpus. 3. Agravo
regimental desprovido. (AgRg no HC 573.181/MS, Rel. Ministro JOEL ILAN
PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 13/04/2021, Dje 16/04/2021)

40
De mais a mais, não há qualquer elemento probatório que fundamente a
agravante do art. 62, I, do CP, devendo ela ser afastada, Na remota hipótese de
manutenção das aludidas agravantes, impõe-se apontar para o desacordo da fração
utilizada com os princípios de proporcionalidade e razoabilidade dos tribunais
superiores, que de forma remansosa definiram o montante de 1/6 como o mais
adequado, o que atrai a necessária reforma para redimensionar a fração fixada pela
juíza.

5.2. Do homicídio qualificado tentado (art. 121, §2º, incisos I e III,


c/c 14, II do CP

No tocante ao crime de homicídio duplamente qualificado na forma tentada,


verifica-se que os fundamentos utilizados na dosimetria são idênticos ao crime de
homicídio consumado, razão pela qual, para evitar repetições, as insurgências sobre
o aumento da pena base (sobre a culpabilidade, consequências do crime e as três
qualificadoras utilizadas em flagrante violação do princípio do ne bis in idem) e da
pena provisória (especialmente a ausência de sustentação das agravantes em
plenário e a fração de aumento de ¼), também devem ser reconhecidas.
Porém, chama-se atenção à fração da causa de diminuição da tentativa (art.
14, II, do CP). A magistrada reconheceu a diminuição na fração de apenas 1/3, o que
se encontra em desalinho aos critérios fornecidos pela doutrina e jurisprudência. É
evidente que a definição da fração, que varia de 1/3 a 2/3, decorre da aproximação
da consumação do delito. In casu, por tratar-se de crime homicídio, é de vital
importância que seja certificado a inexistência de risco de morte em quaisquer
das estadias hospitalares da vítima (conforme pode ser facilmente analisado nos
prontuários médicos), o que atrai a redução da minorante da tentativa em seu
patamar máximo de 2/3.

5.3. Do uso de documento ideologicamente falso (duas vezes – art.


304 e 299, na forma do art. 71, c/c 61, II, ‘e’ e art. 62, I, todos do CP);

41
A pena definitiva para esses delitos restou fixada em 02 anos, 09 meses e 18
dias de reclusão, mais 28 dias-multa, contudo não há fundamentação idônea exposta
na decisão, além de ter ocorrido desrespeito ao critério estabelecido no art. 68, do
CP para a correta dosimetria da pena. Por derradeiro, a juíza a quo aplicou
erroneamente a continuidade delitiva, tendo em vista se tratar de caso de consunção
entre os crimes.
Perceba-se que a magistrada fundamentou o incremento da pena-base por
conta de duas circunstâncias judiciais, aumentando a pena em dobro, o que
corresponderia a ½ para cada circunstância judicial, em desacordo com o princípio
de razoabilidade e proporcionalidade fixado pelos tribunais superiores, os quais
estabelecem, aumento de 1/8 por circunstância judicial. A fundamentação utilizada
tampouco está lastrada em provas produzidas no decorrer do processo, não
havendo qualquer circunstância idônea para o aumento.
As agravantes tampouco foram sustentadas em plenário durante os
debates, o que, como se sabe, inviabiliza o incremento da pena base na sentença.
Por último, a magistrada se equivocou ao aplicar a continuidade delitiva,
pois o tipo penal do art. 304, do CP é norma penal em branco, de modo que quando
reunir a mesma pessoa do falsário e usuário da falsidade, deve ser aplicado o
princípio da consunção, ou seja, o crime de falsidade absorve o de uso, pois se está
diante de crime meio.12_13

12 "HABEAS CORPUS" - FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO (…) RECONHECIMENTO, NA ESPÉCIE, DA

COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA O PROCESSO E JULGAMENTO DO CRIME TIPIFICADO NO


ART. 297 DO CP - USO POSTERIOR, PERANTE REPARTIÇÃO FEDERAL, PELO PRÓPRIO AUTOR DA
FALSIFICAÇÃO, DO DOCUMENTO POR ELE MESMO FALSIFICADO - "POST FACTUM" NÃO PUNÍVEL -
CONSEQÜENTE FALTA DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, CONSIDERADO O CARÁTER IMPUNÍVEL DO
USO POSTERIOR, PELO FALSIFICADOR, DO DOCUMENTO POR ELE PRÓPRIO FORJADO - ABSORÇÃO, EM TAL
HIPÓTESE, DO CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO (CP, ART. 304) PELO DELITO DE FALSIFICAÇÃO
DOCUMENTAL (CP, ART. 297, NO CASO), DE COMPETÊNCIA, NA ESPÉCIE, DO PODER JUDICIÁRIO LOCAL -
PEDIDO INDEFERIDO. - O uso dos papéis falsificados, quando praticado pelo próprio autor da falsificação,
configura "post factum" não punível, mero exaurimento do "crimen falsi", respondendo o falsário, em tal
hipótese, pelo delito de falsificação de documento público (CP, art. 297) ou, conforme o caso, pelo crime de
falsificação de documento particular (CP, art. 298). Doutrina. Precedentes (STF). - Reconhecimento, na espécie,
da competência do Poder Judiciário local, eis que inocorrente, quanto ao delito de falsificação documental,
qualquer das situações a que se refere o inciso IV do art. 109 da Constituição da República. (…) (STF, HC 84533,
Relator Celso de Mello, Segunda Turma, j. em 14/09/2004)
13 Ação originária. Penal. Denúncia. Falsidade ideológica (art. 299 do CP). Uso de documento falso (art. 304 do

CP). Concurso material. Inviabilidade. Princípio da consunção. Aplicação. Imputação mantida no tocante ao
crime-fim. Imputação a denunciado que não participou dos fatos (primeiro denunciado). (…)( STF, AO 2411, Rel.
Dias Toffoli, j. em 13/04/2023).

42
5.4. Da associação criminosa armada (art. 288, parágrafo único, c/c
art. 62, I, ambos do CP)

A pena definitiva para esse delito restou fixada em 03 anos, 01 mês e 10 dias
de reclusão, contudo a fundamentação utilizada para o aumento da pena base se
refere basicamente aos crimes de homicídio consumado e tentado, caracterizando,
claramente, violação ao princípio do ne bis in idem. Ainda, o aumento da pena base
pelo dobro da pena mínima, ao considerar apenas a culpabilidade e as
consequências, desrespeita o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.
Posteriormente, à pena intermediária, a magistrada reconheceu as
agravantes do art. 61, II e art. 62, I, ambos do Código Penal, e aumentou a pena em
1/5. Novamente, em desacordo com os critérios dos tribunais superiores, o que
redimensionou a pena para 2 anos e 4 meses. Neste caso, frise-se, também, não
ocorreu a sustentação pela acusação em plenário, conforme se pode verificar na ata
de julgamento, o que inviabiliza o reconhecimento das agravantes, conforme fls.
42.146/42.148.
Ante todo o exposto, considerando não haver elementos probatórios para
valorar negativamente as circunstâncias judiciais em nenhum dos crimes, bem como
atendendo os parâmetros à correta aplicação do sistema trifásico, as penas devem
ser reformadas para o mínimo legal.

6. DO PEDIDO PARA RECORRER EM LIBERDADE E ATRIBUIÇÃO DE


EFEITO SUSPENSIVO DA APELAÇÃO

Ao final do julgamento houve requerimento defensivo para que a apelante


pudesse recorrer em liberdade, suscitando a ausência dos requisitos autorizadores
do art. 312 do CPP, bem como a inconstitucionalidade do art. 492, I, ‘e’ do CPP.
A magistrada indeferiu o pleito defensivo sob o fundamento de que
“mantinha o decreto prisional das rés condenadas, posto que inalterados os motivos
ensejadores, reforçados nesta oportunidade pela sentença condenatória proferida
nesta data, reportando-se aos fundamentos ali expendidos.”

43
Com a máxima vênia, não merece prosperar o entendimento adotado pelo
juízo apelado.
Em primeira análise, em razão de não estarem presentes os requisitos
previstos no art. 312, do CPP: a apelante não oferece risco à ordem pública, eis que
é primária, ostenta bons antecedentes e, durante todo o tempo que permaneceu em
liberdade, não cometeu qualquer ato atentatório ao processo ou à sociedade.
Também não há que se falar em risco à conveniência da instrução criminal, vez que
o processo sempre esteve em tramitação acelerada (ao menos, até a sessão de
julgamento), tendo ocorrido o julgamento em 13 de novembro de 2022. Por último,
a apelante possui endereço fixo e sabido, além de ser pessoa pública, não havendo
qualquer possibilidade de se evadir ou impedir eventual aplicação da lei penal.
Sobre a inconstitucionalidade do art. 492, ‘e’ do CPP, por se tratar de
condenação à pena superior a 15 anos, resta crucial esclarecer que tal ponto não
serviu de fundamento para a manutenção da prisão preventiva e, por não ter
sido matéria de recurso por parte da acusação, não está em discussão. De qualquer
maneira, o §5º do artigo 492 do Código de Processo Penal vislumbra a possibilidade
de o tribunal atribuir efeito suspensivo à apelação, quando verificado
cumulativamente que o recurso não tem propósito meramente protelatório e
levanta questão substancial e que pode resultar novo julgamento, o que é
exatamente o presente caso. As nulidades são evidentes e possuem o condão de
anular tanto o processo até antes da decisão de pronúncia ou a própria sessão de
julgamento.
No entanto, a magistrada determinou a execução imediata da pena tão
somente por se tratar de decisão tomada pelo Tribunal do Júri. Nesta seara, frise-se
que, conforme entendimento firmado nas ADCs 43, 44 e 45 perante o STF, é
inconstitucional a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado.
Ainda que o STF não tenha firmado posição definitiva quanto à
constitucionalidade do art. 492, ‘e’ do CPP, tendo em vista estar pendente a
discussão do RE nº 1235340 (Tema 1.068), as duas turmas do STJ já firmaram
posição no sentido de que não se admite a execução imediata de condenação pelo

44
Tribunal do Júri, sob pena de afronta ao princípio constitucional da presunção de
inocência.

AGRAVO REGIMENTAL NO PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA. TRIBUNAL DO


JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA.
CONDENAÇÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DO JÚRI. AUSÊNCIA DE
TRÂNSITO EM JULGADO. 1) Após o julgamento do STF, nas Ações
Declaratórias de Constitucionalidade 43, 44 e 54, houve alteração legal no
artigo 492, I, alínea "e", do CPP, em 24/12/2019 (Lei 13.964, de
24/12/2019), no sentido de que Presidente do Tribunal de Júri, em caso de
condenação, "mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em
que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso
de condenação a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão,
determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de
prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem
a ser interpostos". 2) Sobre esse tema, entretanto, vem decidindo esta Corte
que é ilegal a prisão preventiva, ou a execução provisória da pena, como
decorrência automática da condenação proferida pelo Tribunal do Júri (HC
538.491/PE, relator ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA,
julgado em 04/08/2020, DJe 12/08/2020). A letra da Constituição, que não
faz acepção de situações jurídicas (artigo 5º, LVII), deve estender-se às
decisões do Júri. 3) Agravo regimental improvido" (AgRg no TP 2.998/RS,
relator ministro Olindo Menezes (desembargador convocado do TRF 1ª
Região), 6ª Turma, julgado em 21/9/2021, DJe 27/09/2021).

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO


QUALIFICADO. TRIBUNAL DO JÚRI. EXECUÇÃO IMEDIATA OU PROVISÓRIA
DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE
MOTIVAÇÃO CONCRETA PARA A PRISÃO PROVISÓRIA. ARTIGO 492, I, "E",
DO CPP. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO.
ARTIGO 97 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NÃO OCORRÊNCIA.
INTERPRETAÇÃO CONFORME. DESNECESSIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.
1) Na hipótese, a determinação da expedição do mandado de prisão após a
condenação pelo Tribunal do Júri, fundamenta-se em decorrência exclusiva
da condenação do paciente pelo Conselho de Sentença. Não se declinou,
contudo, qualquer motivação concreta para necessidade da prisão. Em
consulta ao sítio do Tribunal de origem, observou-se que a fase ordinária
ainda não tinha sido concluída. 2) É cediço que o Supremo Tribunal Federal,
julgando definitivamente as Ações Declaratórias de Constitucionalidade
nº 43, 44 e 54, decidiu pela constitucionalidade do artigo 283 do Código de
Processo Penal, firmando nova orientação, erga omnes e com efeito
vinculante, no sentido de que a execução da pena privativa de liberdade só
poderá ser iniciada após o trânsito em julgado da condenação. 3) Menciona-
se, ainda, que houve alteração da lei, após o julgamento da Suprema Corte, no
artigo 492, inciso I, alínea "e", do CPP, em que é determinado que o Juiz

45
Presidente do Tribunal de Júri proferirá sentença que, em caso de
condenação, "mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em
que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso
de condenação a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão,
determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de
prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem
a ser interpostos". 4) Contudo, o entendimento predominante na Quinta e
Sexta Turmas desta Corte segue a diretriz jurisprudencial de que não se
admite a execução imediata de condenação pelo Tribunal do Júri, sob pena
de afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência.
Precedentes. (...)" (AgRg no RHC 130.301/MG, relator ministro Ribeiro
Dantas, 5ª Turma, julgado em 14/09/2021, DJe 20/09/2021).

Diante disso, por não estarem presentes os requisitos autorizadores da


manutenção da prisão cautelar da apelante, requer seja concedido o direito de
recorrer em liberdade. Subsidiariamente, que sejam determinadas medidas
cautelares diversas da prisão, eis que suficientes para a função que se destina.

7. DOS PEDIDOS

Diante de todo o exposto, requer o conhecimento e o provimento integral


do recurso de apelação para, preliminarmente, reconhecer, de maneira sucessiva:
1) a nulidade processual desde a decisão de pronúncia, em razão da
ausência de alegações finais defensivas, restituindo-se o prazo para a apresentação
da respectiva peça defensiva;
2) a nulidade processual desde a decisão de pronúncia, em razão da falta de
fundamentação das qualificadoras, em violação do disposto do art. 413, §1º do CPP,
e dos princípios constitucionais da plenitude de defesa e do contraditório;
3) a nulidade da sessão plenária pelo prejuízo sofrido pela apelante,
determinando a realização das diligências requeridas tempestivamente pela defesa,
quais sejam, a quebra de sigilo fiscal e bancário diante da versão acusatória de que
o crime teria ocorrido por motivação financeira;
4) a nulidade do julgamento em razão da ausência de documentos
requeridos tempestivamente desde a fase do art. 422 do CPP, sob pena de violação
aos princípios do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa,

46
determinando que os arquivos sejam disponibilizados para a defesa em período
razoável antes da nova sessão plenária;
5) a nulidade do julgamento, considerando ser ilegal o procedimento de
“leitura da denúncia” para as testemunhas, e a realização de nova sessão sem que as
testemunhas sejam relembradas da hipótese acusatória, de maneira a garantir a
plenitude de defesa, o contraditório, o devido processo legal e a paridade de armas;
6) a nulidade do julgamento em razão da denegação das contraditas dos
delegados ouvidos como testemunhas, tendo em vista a tempestividade da alegação
defensiva e a demonstração do prejuízo, determinando que os delegados e policiais
envolvidos na investigação deponham na condição de informantes na próxima
sessão;
7) a nulidade do julgamento em razão da leitura e exibição pela acusação de
documento: (a) não disponibilizado para a defesa; (b) sigiloso; (c) que constava
como desentranhado dos autos e proibido de ser utilizado por decisão judicial,
constituindo PROVA ILEGAL. Havendo claro prejuízo e caracterização de nulidade
insanável, com violação direta do art. 479 e art. 157, ambos do CPP, a sessão deve
ser anulada e outra realizada sem a utilização da prova ilegítima;
8) a nulidade do julgamento em razão do assistente da acusação ter feito
menção ao silêncio da apelante em seu prejuízo, em expressa violação ao art. 478, II
do CPP, submetendo a acusada a novo júri.
9) Subsidiariamente, no mérito, que a condenação da apelante pela
tentativa de homicídio constitui uma decisão manifestamente contrária à prova dos
autos, eis que a tese acusatória é fundada inteiramente nos depoimentos de
informantes de hearsay, bem como estar cientificamente comprovado que tais
“envenamentos” não ocorreram;
10) Da mesma maneira, a condenação da apelante pelo homicídio
consumado foi manifestamente contrária à prova dos autos, pois fundamentada
exclusivamente em provas inidôneas (depoimentos de “ouvir dizer”), devendo a
acusada ser submetida a novo julgamento;
11) A condenação por associação criminosa armada, como demonstrado, foi
manifestamente contrária à prova dos autos, não havendo qualquer elemento

47
probatório de que teria ocorrido a união estável e permanente para o cometimento
de crimes, devendo a apelante ser submetida a novo júri;
12) Alternativamente, ante todo o exposto no tópico 5 (5.1, 5.2, 5.3 e 5.4),
considerando: (a) não haver elementos probatórios para valorar negativamente as
circunstâncias judiciais em nenhum dos crimes; (b) a acusação não ter sustentado
as agravantes em plenário; (c) os parâmetros para correta aplicação do sistema
trifásico; as penas de cada um dos crimes devem ser reformadas para o mínimo
legal;
13) Seja reconhecido o princípio da consunção em relação aos crimes de
falsidade ideológica (art. 299 do CP) e uso de documento falso (art. 304 do CP).
Por fim, requer a concessão da liberdade provisória, em razão de não
estarem preenchidos os requisitos do art. 312 do CPP, bem como, diante da
quantidade das nulidades apresentadas, a atribuição de efeito suspensivo da
presente apelação conforme preceitua o art. 492, §5º do CPP.

Rio de Janeiro, 28 de agosto de 2023.

RODRIGO FAUCZ PEREIRA E SILVA JANIRA DA ROCHA SILVA


OAB/PR 42.207 | OAB/RJ 244.335 OAB/RJ 227.249

JOÃO MANOEL VIDAL DE SOUZA PRISCILLA KAVÁLLI


OAB/PR 92.552 OAB/PR 79.673

ALANIS MATZEMBACHER MARCO ANTÔNIO FARIA DE SOUZA


OAB/PR 112.745 OAB/RJ 221.785

ISABELA SIMÕES BUENO JONATAN RAMOS DE OLIVEIRA


OAB/PR 110.831 OAB/RJ 211.414

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