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Aula direito administrativo – 04.04.

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ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Devemos estudar os 3 primeiros capítulos do Marçal e o capítulo de princípios da


administração do Carvalhinho.
Na aula passada, nós terminamos a parte principiológica do D. Administrativo.
Agora, começaremos a ver o direito administrativo mais puro, não mais dependendo tão
intensamente do D. Constitucional. A organização administrativa básica, por exemplo, está
na CRFB. Mas só a básica. O resto está especificado infraconstitucionalmente.

A primeira coisa importante é distinguir entre administração direta e


administração indireta.
Aquela é composta pelas próprias pessoas jurídicas federativas. É o Estado lato
sensu, definido constitucionalmente: a União Federal, os Estados, o DF e os municípios.
Tudo que estiver dentro dessas pessoas jurídicas é administração direta. Portanto,
ministérios, secretarias de estado, secretarias municipais, o poder judiciário, o legislativo, o
executivo, etc. É o conjunto de órgãos que integra o ente da federação.1
Acontece que, com a evolução da sociedade, houve uma necessidade de
especialização das atuações do Estado, em função de exigirem técnicas mais complexas, e
da quantidade de funções necessárias. Assim, começou a tornar-se interessante a criação de
outras pessoas jurídicas para exercer essa enorme quantidade de competências, muitas
vezes especializadas. O conjunto dessas outras pessoas jurídicas criadas por cada ente
federativo para exercer suas competências recebe o nome de administração indireta.
A partir daí, veremos os vários tipos de pessoas jurídicas (entidades) que podem
existir na administração indireta. Basicamente, são as autarquias (ex.: DETRAN, DNIT,
IBAMA), as fundações públicas (ex.: FUNAI, FUNARTE, Fundação do Teatro Municipal),
as empresas públicas, que são de direito privado (ex.: Metrô) e as sociedades de economia
mista (ex.: Petrobrás, CEDAE).2

Quando falamos de órgãos, devemos ter na cabeça a teoria orgânica, que não é
exclusiva do direito público, já que é usada tanto no direito administrativo quanto no direito
público. Nesse sentido, importante percebermos que o conceito de pessoa jurídica é uma
abstração (diferentemente das pessoas físicas), uma ficção jurídica. Ela só existe porque o
direito não é uma realidade material. Desse modo, ela tem de manifestar sua vontade por
meio de pessoas físicas, que exercem funções dela. O conjunto dessas pessoas físicas é
organizado em órgãos.
Então, por exemplo: imaginemos a União Federal (pessoa jurídica prevista na
CRFB, com um monte de competências, tais como pugnar pela reforma agrária, estabelecer
relações diplomáticas, ter Forças Armadas, editar leis federais, julgar recursos judiciais,
manter o SUS, ter penitenciárias federais, realizar persecução penal de crimes federais,

1
A partir daqui, sempre que citarmos “o Estado”, estaremos nos referindo à administração direta.
2
Recapitulando: quando falamos de administração direta, usamos “órgão”; quando nos referimos a
administração indireta, dizemos “entidades”, ou “pessoas jurídicas”.
manter universidades federais, etc.). Não poderíamos jogar um milhão de servidores dentro
da União, cada uma fazendo o que quer – o que seria administração direta. Então, devemos
organizar, compartimentalizar essas competências. Vamos supor a existência somente de
três ministérios: da educação, da saúde e da previdência. Porém, mesmo dentro desses
ministérios, não é possível colocar um monte de gente fazendo o que quer. Então, mesmo
dentro deles, devemos fazer subdivisões. Assim, no ministério da previdência, teremos
superintendências do RJ, outra de SP, outra de MG, outra do ES, etc. E até mesmo dentro
dessas repartições haverá novas divisões, setores, etc. Até que, e.g. dentro do setor de
cálculos contábeis da divisão de cálculos do departamento de concessão de aposentadorias
da superintendência do RJ do Ministério da Previdência Social da União Federal, vai haver
4 contadores. Cada um deles ocupa um cargo, preenchido por concurso público. Quando
um deles disser “defiro sua aposentadoria”, na verdade, a concessão é da União Federal.
Essa é a relação de imputação de um órgão (e, conseqüentemente, de um ocupante de um
cargo) tem em relação a sua pessoa jurídica. O que ele fala, é a própria pessoa que fala.3

Aqui, devemos ter cuidado ao ler os livros. Sempre falam em órgãos e em


desconcentração (divisão de competência de uma pessoa jurídica em órgãos especializados)
e em descentralização (atribuição de competência de uma pessoa jurídica a outra, criada por
ela). Associa-se muito desconcentração a administração direta. Ou seja: “o estado do RJ
fez uma mera desconcentração na sua reforma administrativa, e não uma descentralização”.
O que se quer dizer com isso, e que é certo, é que ele não criou novas pessoas jurídicas,
novas entidades (autarquias, fundações, etc.), mas novos órgãos especializados (secretarias,
por exemplo).
O fenômeno da desconcentração pode existir em qualquer pessoa jurídica. Na
verdade, alguma desconcentração vai sempre existir. Impossível uma pessoa jurídica em
que não haja mais de um órgão. A não ser uma nanoempresa (nem uma microempresa).
Exemplo: a Rosinha vê um carro parado irregularmente. Ela pode notificar o
presidente do DETRAN (autarquia), que é o que tem competência para multar. Ela própria
não pode fazer nada – no máximo, demitir o presidente e colocar alguém que vá multar.
Seria diferente se, em vez de DETRAN, fosse uma secretaria de multas.

Vamos ver agora a diferença entre hierarquia e controle administrativo. Entre os


órgãos desconcentrados (administração direta) há relação de hierarquia para com o órgãos
nos quais estão contidos. Dentro da administração direta, com exceção do chefe de poder,
todo o mundo tem um chefe. As pessoas jurídicas federativas têm uma divisão orgânica
básica, que é entre os poderes (executivo, legislativo e judiciário). O poder legislativo e o
judiciário não são pessoas jurídicas. São órgãos especialíssimos, de previsão constitucional
e de independência assegurada (pela própria constituição). Mas não deixam de ser órgãos.
Tanto é assim que, e.g., a responsabilidade civil do estado por ato jurisdicional (o juiz fez
algo errado que causou prejuízo a alguém). Essa ação será proposta em face não do poder
judiciário, mas do estado do RJ.
3
Notem a diferença para com a relação de mandato ou de representação. O ocupante do cargo não fala em
nome da União Federal (como se fosse efetivamente a vontade do contador, mas valendo para a União). No
caso de pessoas jurídicas (estatal ou privada), há relação de imputação direta – tanto que é errado, e.g., dizer
“o ministro da educação representando a União”. Na verdade, o tecnicamente correto seria dizer “o ministro
presentando a União”. Ele é a própria União falando, desde que, claro, esteja agindo dentro de sua
competência orgânica (caso contrário, o ato será anulado).
Já vimos que, dentro de cada um dos poderes, há exercício de competências tanto
jurisdicionais, como legislativas, como administrativas. A hierarquia existe no que diz
respeito às competências administrativas. Na função propriamente jurisdicional e
legislativa, não há hierarquia de uma em relação a outra. A relação de hierarquia (ou de
subordinação) existe no desempenho de funções administrativas, dentro da mesma pessoa
jurídica. A CRFB, no art. 84, I, e no art. 87 estabelece um modelo hierárquico de
administração (difere, por exemplo, do modelo inglês).
A relação de hierarquia, na verdade, é de continência das competências do
subordinado em relação às do chefe hierárquico. Assim, a competência do subordinado, na
verdade, em primeira instância, é competência do seu chefe. Mas este não tem como fazer
tudo por si só, de modo que desconcentra suas competências em outros órgãos e outros
agentes públicos, ocupantes de outros cargos.4 Na relação de hierarquia, é como se a
competência do subordinado fosse a competência do chefe. Isso de cima para baixo, numa
relação piramidal: o Presidente da República é o chefe do Ministro, que é chefe do
superintendente do RJ, que é o chefe do setor de concessão de aposentadoria, etc. Em cada
degrau da pirâmide, há essa relação de hierarquia, que envolve o poder de substituibilidade
do subordinado pelo superior. Se este não gostar da decisão daquele, pode invalidar.
Poderes que a hierarquia abrange:5
 Poder de ordenar: organizar como suas competências serão desempenhadas
pelos órgãos e agentes inferiores a eles. Os juízes agem assim com o cartório.
Ele é o chefe do cartório, que exercem função administrativa (não jurisdicional).
Baixa as portarias ara organizar o cartório, usando de seu poder hierárquico
administrativo.
 Poder de coordenar: evitar que os órgãos e os agentes ajam de maneira
contraditória, desorganizada, com vácuos ou conflitos de competência.
 Poder de controlar: previsto no art. 6º do DL 200. O chefe controla os atos do
subordinado. Pode abrir um processo de sindicância, e.g., se achar que o
subordinado cometeu alguma irregularidade; pode declarar a ilegalidade de um
ato do subordinado; pode revogar um ato dele (desfazê-lo por considerá-lo
inconveniente); etc. O poder de controlar abrange o de corrigir e de rever.
Obs.: salvo excepcionalmente, esses poderes valem somente para a administração
direta (desconcentração – divisão de uma mesma pessoa jurídica), que envolve
relação de hierarquia. Quando, ao contrário, há várias pessoas jurídicas, temos
vários centros de subjetivação jurídica próprios, vários titulares de obrigações e
competências. Na desconcentração, em que há apenas repartições de uma mesma
pessoa jurídica, eventualmente um órgão ou agente pode se substituir a outro,
porque, de qualquer forma, será a mesma pessoa jurídica a praticar o ato. Se o
subordinado aplicou uma multa, e o chefe chega e a aumenta (poder de controle),
4
Isso salvo quando a lei especificar determinada competência para determinado agente ou determinado
órgão. O que se diz é que, quando a competência for específica, não geral, não há relação de hierarquia. O
exemplo mais importante que se dá de inexistência de relação hierárquica é o das comissões de licitação. A lei
diz que a ela compete julgar sobre as concorrências. O governador e o presidente não podem avocar.
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Esses poderes estão mais bem previstas num diploma legislativo antigo: o decreto-lei 200. Também há algo
na Lei do Processo Administrativo Federal (LPAF), que é importantíssima, e vocês devem ter e trazer para as
aulas. Ambas, em princípio, aplicam-se somente à administração federal. Mas, doutrinariamente, os estados e
os municípios acabam por segui-los.
tudo será realizado pelo município do RJ. O que não pode é uma pessoa jurídica
fazer algo e vir outra para desfazer o ato, competência daquela – salvo procuração
ou disposição legal.
 Poder de delegar e avocar: delegação é a transferência de competência do
superior hierárquico para seu subordinado. Só existe delegação onde há
hierarquia: o Presidente pode, e.g., delegar uma competência sua para
desapropriar a fim de construir escolas ao Ministro da Educação; mas esse não
pode transferir sua competência de nomear reitores para o Ministro da Saúde, já
que não há linha hierárquica entre eles. Da mesma forma, não pode haver
delegação de transferências não administrativas: o STF não pode transferir sua
competência de julgar ADIN´s ao STJ.
A delegação está prevista nos art. 6º, 11 e 12 do DL 200; no Decreto Federal
83.937; e mos art. 11 a 14 da LPAF.
Então, em regra, quando há hierarquia, em princípio, há delegação, e vice-versa.
Esse é o paradigma doutrinário e legislativo básico. A única exceção é o art. 12 da
LPAF, que dá a entender que é possível delegação de competências entre
autoridades que não possuam hierarquia entre si. 6
Avocação é o contrário da delegação: é a transferência de competência do
subordinado para o chefe, por ato deste. É a maior demonstração da hierarquia, da
relação de substituibilidade. Assim, a divisão de competências se deu por mera
organização racional de trabalho, de modo que o chefe pode, quando quiser, retomar
sua competência – salvo quando não houver relação hierárquica, ou quando houver
atribuição legal específica7 de alguma competência ao subordinado (ex.: comissões
de licitação).
A avocação está prevista no art. 170 do DL 200 e no art. 15 da LPAF.

Depois de vista a hierarquia e os poderes inerentes a ela, vamos passar ao


controle administrativo, que é relação existente entre duas pessoas jurídicas
distintas. Sinônimos: controle administrativo, tutela administrativa e supervisão
ministerial. Ele é estabelecido pelo art. 84, I e 87 da CRFB, e disciplinado no DL
200 e na Lei de Organização da Presidência da República.
Aqui, o poder não é de substituição, como na hierarquia. A competência da
entidade de administração indireta não é da pessoa jurídica que a criou. A mesma
relação existe entre a sociedade comercial e a criada por ela: a sociedade-mãe pode
convocar o Conselho de Administração e mudar a direção da empresa, mas não
pode ela própria praticar os atos.
A autonomia (âmbito de atuação próprio de algum centro de imputação
jurídica, como pessoa física ou jurídica. É uma atribuição própria dada por outrem,

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O problema do direito administrativo é que, durante muito tempo, ele não foi legislado (apenas havia
portarias, decretos, etc.). Assim, muito de sua construção foi doutrinária. Assim, a explicação desses poderes
sempre foi uma. Quando chegou esse artigo da LPAF, 98% da doutrina fingem que ele não existe, tentando
adaptar a legislação à doutrina, e não o contrário.
7
Esse ponto é mal resolvido. O que o professor acha, pela jurisprudência que ele conhece, é que as
competências específicas são as que visem, em algum ponto, à proteção de direitos fundamentais, ou do erário
público.
e, por isso, é sempre limitada)8 será maior ou menor de acordo com o que houver
disposto a norma superior que concedeu a autonomia, e que criou aquela pessoa
jurídica.9
No caso das entidades da administração indireta, o que dirá qual a menor e a
maior autonomia será a lei, de acordo com previsão constitucional expressa (art. 37
CRFB). Daí falar-se que só existe controle administrativo do ente federativo em
relação a suas entidades da administração indireta dentro do que a lei prevê. Não
haveria normas gerais sobre isso, devendo cada lei dispor sobre os limites. E, no
silêncio da lei, vale a autonomia. Assim, não há como determinarmos um regime
jurídico geral da autonomia das entidades da administração indireta, já que ela varia.
Sistematizando o que consta do DL 200, podemos enunciar os seguintes
tipos de controle administrativo:
 Controle político: manifesta-se, sobretudo, pela possibilidade de livre nomeação
e exoneração dos dirigentes das entidades da administração direta. Assim, o
agente do ente federativo não pode se substituir ao presidente da autarquia, mas
pode demiti-lo e nomear outro.
Porém, há algumas entidades em que a lei define que não haverá a exoneração
ad nutum (ex.: agências reguladoras, conselhos profissionais, universidades
públicas, CADE, etc.). Aí entra a questão da constitucionalidade dessa lei: poderia
ela limitar o poder de exoneração do chefe do executivo sobre esses dirigentes?
Veremos isso melhor depois.
 Controle administrativo: controle sobre os atos das entidades da administração
indireta. Pode, por exemplo, estabelecer diretrizes, metas a serem alcançadas.
Mas não pode dizer como serão atingidas.
Questão polêmica é se o ministro supervisor, dentro da administração direta,
pode rever atos das entidades da administração indireta. Exemplo: a CVM aplica
uma multa a uma corretora de ações. Pode-se recorrer dessa aplicação diretamente
ao Ministro da Fazenda? A maioria da doutrina entende que só se a lei da entidade
prevê essa possibilidade, que leva o nome de recurso hierárquico impróprio. A
hierarquia é imprópria porque, apesar de uma pessoa rever atos da outra, os agentes
dirigem órgãos de pessoas jurídicas diferentes.
Quanto a isso, há uma doutrina minoritária (como Medauar e Sérgio Guerra) que
defende essa possibilidade. Ela se divide em 3: a) com base na supervisão
ministerial prevista no art. 87 da CRFB; b) somente em caso de juízo de legalidade
(não em caso de inconveniência ou inoportunidade); c) se não atender às políticas
públicas do ministério, já que seria uma invasão de competência.
* Controle financeiro-orçamentário: de todas as autonomias das entidades, a
mais difícil, na prática, é a autonomia financeira. Muitas vezes, a lei da entidade até
assegura alguma verba própria dela – ex.: multas aplicadas pelo DETRAN
pertencem a ele. Mas vocês aprenderão ainda que no Estado há dois tipos de crédito:
o de verdade (“dinheiro na conta”) e o orçamentário (previsão de gastos). O que nos
interessa aqui é que o orçamento das entidades da administração indireta não é delas
próprias: o CRFB estabelece o princípio da unidade orçamentária. Assim, o
8
Dizem que o único âmbito de atuação próprio ilimitado e originário é o da soberania.
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Vidal Moreira, constitucionalista português, dirá que a autonomia pode ir do quase nada ao quase tudo. Não
pode ser nada, caso contrário não se tratará de pessoa jurídica, mas de órgão; por outro lado, se for tudo, deixa
de ser autonomia para ser soberania.
orçamento é único, da União. Quem manda o orçamento, abrangendo toda a
administração direta e indireta, é o Presidente da República. Mais ainda: é ele quem
libera as verbas ao longo da execução orçamentária.

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