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I - PODER DE POLÍCIA

1 - Fundamento e conceito

Suas características são similares às dos atos administrativos.


Tem a ver com o Direito Administrativo Sancionador.
O Estado deve atuar à sombra do princípio da supremacia do interesse público, o
que acarreta na necessidade de sujeição do interesse particular àquele. Para isso, ele
precisa de mecanismos próprios que lhe permitam atingir os fins que colima e que,
inseridos no direito positivo, qualificam-se como verdadeiros poderes ou prerrogativas
especiais de direito público. Um deles resulta exatamente do inafastável confronto entre os
interesses público e privado, e nele há a necessidade de impor, às vezes os direitos
individuais; nesses casos, quando o Poder Público interfere na órbita do interesse privado
para salvaguardar o interesse público, atua no exercício do poder de polícia.
O poder de polícia busca conciliar as liberdades individuais para permitir a vida em
sociedade. Ele delimita o conteúdo dos direitos individuais para conformá-los à vida
coletiva. O fato de algo ser um direito, juridicizado, torna-se automaticamente limitado. Ele
delimita a liberdade individual, portanto, em prol da coletividade. Há um confronto entre
direitos fundamentais. Há limites imanentes aos direitos fundamentais; ex: há liberdade de
expressão, mas sem direito de invadir a casa de alguém para fazer uma reportagem.
Todas as limitações criadas pelo poder de polícia não são indenizáveis, pois se
pressupõem limites aos direitos, a não ser que a limitação seja feita de forma excessiva
(quando é desapropriação indireta). Os limites são a finalidade principal do direito, mas não
se pode limitá-los a ponto de acabar com eles. O princípio da proporcionalidade é
essencialmente aplicável às limitações.
Carvalhinho conceitua o poder de polícia como a prerrogativa de direito público que,
calcada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e gozo da liberdade e da
propriedade em favor do interesse da coletividade.
O art. 78 do CTN desenha, em linhas gerais, a noção do poder de polícia,
destacando o aspecto ligado às limitações que a Administração pode instituir sobre os
direitos.

2 - Evolução histórica

A limitação sempre existiu. A limitação jurídica, no entanto, surge com o direito


administrativo, com a Revolução Burguesa Francesa. As limitações eram típicas de um
Estado que não queria interferir na vida econômica e social, apenas para evitar excessos. O
poder de polícia daquela época era, portanto, bastante restrito (ex: poder de polícia
sanitário, poder de polícia dos costumes, poder de polícia urbanístico); era o mínimo
necessário do poder de polícia. Não existia, por exemplo, o poder de polícia do trabalho.
Com a evolução do Estado, o poder de polícia foi ampliado (ex: CADE - poder de
polícia econômico). Ele tornou-se funcionalizado, com a preocupação da realização do
interesse público pelos indivíduos (atuação positiva frente ao Estado, função social e não
apenas negativa). Ele não pode, no entanto, desnaturar uma atividade privada (ex: meia-
entrada no cinema, o que foi declarado constitucional; desconto em remédios para idosos,
que foi declarado inconstitucional).

3 -    Críticas à noção de poder de polícia

Dizem que, já que a base é legal, não deve ser dito poder de polícia administrativo.
Outros, que a expressão "poder de polícia" soa vindo de Estados autoritários, pelo que o
autor Carlos Sundfela, inclusive, sugere outro nome.
Há quem diga que há coisas que são de regulação e não de poder de polícia, mas o
Professor Aragão acha que a regulação engloba o poder de polícia.

4 - Objeto

Pode ser obrigação de fazer (a mais comum), característica do poder de polícia


tradicional, do século XVIII, visto por alguns como o único verdadeiro (Celso Mello), de
suportar (ex: colocação de placas no muro da casa) e de fazer (ex: médicos
comunicarem epidemias, retirar a neve da frente de casa, podar o jardim).
O poder de polícia originário alcança, em sentido amplo, as leis e os atos
administrativos provenientes das pessoas políticas da federação, mas o Estado não age
somente por seus agentes e órgãos internos, havendo a possibilidade de delegação de
funções públicas a pessoas administrativas a ele vinculadas. Para a validade dessa atuação,
é indispensável que a delegação seja feita por lei formal e que observe as seguintes
condições: 1a) a pessoa jurídica deve integrar a estrutura da Administração Indireta; 2 a) a
competência delegada deve ter sido conferida por lei; 3 a) o poder de polícia há de
restringir-se à prática de atos de natureza fiscalizatória, partindo-se da premissa que as
restrições preexistem e de que cuida de função executória e não inovadora. Nessa
hipótese, há poder de polícia delegado.

5 - Poder de polícia x Polícia judiciária

A Polícia Administrativa é atividade da Administração que se exaure em si


mesma, ou seja, inicia e se completa no âmbito da função administrativa, sendo regulada
por órgãos administrativos de caráter mais fiscalizador e incidindo sobre as atividades dos
indivíduos, revestindo-se de caráter iminentemente preventivo. Já a Polícia Judiciária,
embora seja atividade administrativa, prepara a atuação da função jurisdicional penal,
incidindo sobre o indivíduo a quem se atribui o cometimento de ilícito penal, tendo natureza
predominantemente repressiva, eis que se destina à responsabilização penal do indivíduo.

6 - Competências federativas

Quem é competente para legislar é competente para exercer o poder de polícia,


pois ele é limitado por leis. Há, no entanto, exceções, a exemplo das leis de trânsito,
federais e do poder de polícia ligado a elas, aplicado pelos estados e municípios.
A competência para exercer o poder de polícia é, em princípio, de pessoa federativa
a qual a CF conferiu o poder de regular a matéria: os assuntos de interesse nacional ficam
sujeitos à regulamentação e policiamento da União; os de interesse regional sujeitam-se às
normas e à polícia estadual; e os assuntos de interesse local subordinam-se aos
regulamentos edilícios e ao policiamento administrativo municipal. Assim, será inválido o
ato de polícia praticado por agente de pessoa federativa que não tenha competência
constitucional para regular a matéria e, portanto, para impor a restrição.   
O sistema de competências constitucionais fixa as linhas básicas do poder de
regulamentação das pessoas federativas (CF, arts. 21, 22, 25 e 30). Não se pode
esquecer, entretanto, que as hipóteses de poder concorrente vão ensejar o exercício
conjunto do poder de polícia por pessoas de nível federativo diverso, conforme os arts. 22,
parágrafo único, 23 e 24 da CF. No caso de competência concorrente, o poder de
polícia será executado em sistema de cooperação calcado no regime de gestão associada,
como autoriza o art. 241 da CF.

7 - Vedação da delegação a particular

O STF diz que competências envolvendo poder de império não podem ser
delegadas, pois haveriam assim imposições unilaterais de um particular para outro. Há, no
entanto, lis que prevêem delegações, a exemplo das certificações (algumas universidades
emitem certificados; a ABNT é particular, por exemplo). O STF considera que nem entidade
da administração indireta de regime privado pode exercer esse poder de polícia, mas os
concessionários podem, de certa maneira.
Há possibilidade de delegação, no entanto, dos atos preparatórios do poder de
polícia (anteriores), assim como dos atos executórios do poder de polícia (posteriores).
Em determinadas situações em que se faz necessário o exercício do poder de polícia
fiscalizatório, normalmente de caráter preventivo, o Poder Público atribui a pessoas
privadas, por meio de contrato, a operacionalização material da fiscalização através de
máquinas especiais, como ocorre, por exemplo, na triagem em aeroportos para detectar
eventual porte de objetos ilícitos ou proibidos. Aqui o Estado não se despe do poder de
polícia nem procede a qualquer delegação, mas apenas atribui ao executor a tarefa de
operacionalizar máquinas e equipamentos, sendo-lhe incabível, no entanto, instituir
qualquer tipo de restrição, pois sua atividade limita-se à constatação de fatos.

8 - Características

Quando tem a lei diante de si, a Administração pode levar em consideração a área
de atividade em que vai impor a restrição em favor do interesse público e, depois de
escolhê-la, o conteúdo e dimensão das limitações, momento no qual ela age no exercício
de seu poder discricionário. O inverso ocorre quando já está fixada a dimensão da
limitação, hipótese na qual a Administração terá de cingir-se a essa dimensão, não
podendo, sem alteração da norma restritiva, ampliá-la em detrimento dos indivíduos, sendo
a atuação caracterizada como vinculada.
A prerrogativa de praticar atos e colocá-los em imediata execução, sem
dependência à manifestação judicial, representa a auto-executoriedade. Impõem-se,
contudo, duas observações: a primeira consiste no fato de que há atos que não autorizam
a imediata execução pela Administração, como é o caso das multas, cuja cobrança só é
efetivamente concretizada pela ação própria na via judicial; a segunda é que a auto-
executoriedade não deve constituir objeto de abuso de poder, devendo compatibilizar-se
com o princípio do devido processo legal.
Além disso, a coercibilidade estampa o grau de imperatividade de que se
revestem os atos de polícia. Se a atividade correspondente a um poder, decorrente do ius
imperii estatal, há de ser desempenhada de forma a obrigar todos a observarem seus
comandos.
A atividade do Poder Público, no exercício do poder de polícia, autoriza-o a exigir do
interessado o pagamento de taxa, conforme o art. 145, II da CF, desde que a entidade
exerça efetivamente o poder de polícia (para que a cobrança da taxa seja legítima). Em
conseqüência, não é cabível a cobrança de tarifa, que se caracteriza como preço público e
que, diferentemente daquele tributo, tem natureza negocial ou contratual.

9 - Legitimidade da Polícia Administrativa


Os atos oriundos da atividade de Polícia Administrativa, para serem legítimos,
precisam estar revestidos de todos os requisitos de validade concernentes aos atos
administrativos, devendo ser praticados por agentes no exercício regular de sua
competência, ser produzidos com a forma imposta pela lei, além de observar a finalidade, o
motivo, e o objeto.
A doutrina moderna tem erigido à categoria de princípio necessário à legitimidade
do ato de polícia a existência de uma linha proporcional entre os meios e os fins da
atividade administrativa. Não havendo essa proporcionalidade entre a medida adotada e o
fim a que se destina, incorrerá a autoridade administrativa em abuso de poder e ensejará a
invalidação da medida na via judicial, inclusive através de mandado de segurança.

10 - Ciclo do poder de polícia

No que concerne ao benefício resultante do poder de polícia, constitui fundamento


dessa prerrogativa do Poder Público o interesse público. A intervenção do Estado no
conteúdo dos direitos individuais somente se justifica ante a finalidade que deve sempre
nortear a ação dos administradores públicos, a qual seja, o interesse da coletividade. Em
outro ângulo, a prerrogativa em si se funda na supremacia geral da Administração Pública.
É que esta mantém, em relação aos administrados, de modo indistinto, nítida
superioridade, pelo fato de satisfazer, como expressão de um dos poderes do Estado,
interesses públicos.
A finalidade do poder de polícia é a de proteção aos interesses coletivos, o que
denota estrita conotação com o próprio fundamento do poder. Ele incide sobre qualquer
ramo de atividade que possa contemplar a presença do indivíduo.
No exercício da atividade de polícia, pode a Administração atuar de duas maneiras.
Pode editar atos normativos, que têm como característica o seu conteúdo genérico,
abstrato e impessoal, qualificando-se, por conseguinte, como atos dotados de amplo círculo
de abrangência. Nesses casos, as restrições são perpetradas por meio de decretos,
regulamentos, portarias, resoluções e outros de idêntico conteúdo. Além desses, pode criar
também atos concretos, estes preordenados a determinados indivíduos plenamente
identificados, como são, por exemplo, os veiculados por atos sancionatórios, como a multa.

a) Ordens de polícia
O Poder Público estabelece essas determinações quando a vontade administrativa
se apresenta impositiva, de modo a gerar deveres e obrigações aos indivíduos, não
podendo estes se eximir de cumpri-los.
A ordem de polícia deve ter base legal, específica ou constitucional. A limitação do
nepotismo, por exemplo, foi feita sem base legal, de acordo com a CF e declarada
constitucional.
Algumas limitações feitas pelo Judiciário poderiam ser feitas administrativamente,
como as limitações eleitorais, de crianças entrarem no cinema, etc.
As ordens de polícia podem consistir em vedação absoluta da atividade, em
uma proibição salvo consentimento prévio da administração (ex: licença para
construir) ou em imposição de limites à atividades, que serão fiscalizadas pela
Administração.

b) Consentimentos de polícia
Os consentimentos representam a resposta positiva da Administração Pública aos
pedidos formulados por indivíduos interessados em exercer determinada atividade que
dependa do referido consentimento para ser considerada legítima. Aqui a Polícia
Administrativa resulta da verificação que fazem os órgãos competentes sobre a existência
ou inexistência de normas restritivas e condicionadas, relativas à atividade pretendida pelo
administrado.
O particular só exerce se a Administração autorizar: ou por licença, se o
consentimento for ato vinculado; ou por autorização, se o consentimento for
discricionário. Ambos se materializam num alvará. Nada diz o que deve ser discricionário e
o que deve ser vinculado. Várias leis dizem que autorizações são vinculadas.

CF, art. 170 - parágrafo único - É assegurado a todos o livre exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos
casos previstos em lei.

As autorizações são de duas espécies: operativa, que se esgota na sua emissão, e 


de operação, que está numa relação jurídica continuada entre o particular e a
Administração, como os concessionários (ex: planos de saúde e táxis). Os limites do poder
de polícia, nesses casos são bastante complicados. O art. 174 da CF trata do
planejamento obrigatório, no caso dos planos de saúde.
Efeitos positivos do silêncio administrativo: a Administração tem prazo para se
manifestar acerca do assunto. O silêncio, passado o prazo, presume a anuência (discute-se
a violação da necessidade de motivação dos atos administrativos).

c) Fiscalização de polícia
A fiscalização apresenta duplo aspecto: um preventivo, através do qual os agentes
da Administração procuram impedir um dano social, e um repressivo que, em face da
transgressão da norma de polícia, redunda na aplicação de uma sanção. A faculdade
repressiva, no entanto, está sujeita a limites jurídicos.
As atividades, aqui, são meramente comunicáveis. A fiscalização controla a
adequação da atividade. Surge aí, a figura do registro.

d) Sanções de polícia
Sanção administrativa é o ato punitivo que o ordenamento jurídico prevê como
resultado de uma infração administrativo, suscetível de ser aplicada por órgãos da
Administração. Se a sanção resulta do exercício do poder de polícia, qualificar-se-á como
sanção de polícia.
Em sua aplicação, deve ser observado o princípio da legalidade, já que somente a
lei pode instituir tais sanções com a indicação das condutas que possam constituir infrações
administrativas. Atos administrativos servem apenas como meio de possibilitar a execução
da norma legal sancionatória, mas não podem, por si mesmos, dar origem a apenações.
Modernamente, tem se feito a distinção entre sanções de polícia, que espelham
uma punição efetivamente aplicada à pessoa que houver infringido a norma administrativa,
e medidas de polícia, providências administrativas que, embora não representando punição
direta, decorrem do cometimento de infração ou do risco em que esta seja praticada. Em
algumas circunstâncias, a mesma conduta administrativa pode caracterizar como uma ou
outra modalidade, sempre considerando o que a lei tiver previsto para enfrentar a referida
situação.
As sanções devem ser aplicadas em observância ao devido processo legal, para que
se observe o princípio da garantia de defesa dos acusados, inscritos no art. 5o, LIV e LV
da CF, sob pena de contaminar o ato com vício de legalidade.
Na esfera da administração Pública federal, direta ou indireta, a ação punitiva,
quando se tratar do exercício do poder de polícia, prescreve em cinco anos, de acordo com
o art. 1o da Lei 9873/99. O art. 2o do referido diploma traz as hipóteses de interrupção
da prescrição.
II - INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE

1 - Evolução histórica

O tema relativo à intervenção do Estado na propriedade resulta da evolução do


estado no mundo moderno. No curso evolutivo da sociedade, o Estado do século XIX não
tinha esse tipo de preocupação. A doutrina do laissez faire assegurava ampla liberdade aos
indivíduos e considerava intangíveis seus direitos, mas, ao mesmo tempo, permitia que os
abismos sociais se tornassem mais profundos, deixando a mostra os inevitáveis conflitos
surgidos da desigualdade entre as várias camadas da sociedade. Essa forma de Estado deu
lugar ao Estado-Bem-estar, que emprega seu poder supremo e coercitivo para suavizar, por
uma intervenção decidida, algumas das conseqüências mais penosas da desigualdade
econômica.
Saindo daquela posição de indiferente distância, o estado contemporâneo foi
assumindo a tarefa de assegurara a prestação dos serviços fundamentais e ampliando seu
espectro social, procurando a proteção da sociedade como um todo e não mais como um
somatório de individualidades. Para tento, precisou imiscuir-se nas relações privadas. O
dilema moderno se situa na relação entre o Estado e o indivíduo: para que possa atender
aos reclamos globais da sociedade e captar as exigências do interesse público, é preciso
que ele atinja alguns interesses individuais. E a regra que atual,mente guia essa relação é a
da supremacia do interesse público sobre o particular, sendo este postulado um dos
fundamentos políticos da intervenção do Estado na propriedade.

2 - O direito à propriedade

A propriedade é instituto de caráter político: a ordem jurídica pode reconhecer ou


não as características que dão forma ao instituto. Historicamente, ela constituiu um
verdadeiro direito natural, sendo erigida a direito fundamental nas declarações de direito na
época do constitucionalismo. Modernamente se tem assegurado a existência da
propriedade como instituto político, mas o conteúdo do direito de propriedade sofre
inúmeras limitações no direito positivo, tudo para impedir que o interesse privado se
sobreponha aos interesses maiores da coletividade.
O direito à propriedade é reconhecido pelo art. 5o, XXII, da CF, mas esta
estabelece um pressuposto para torná-lo suscetível de tutela, a função social: se a
propriedade não está atendendo a sua função social, deve o Estado intervir para amoldá-la
a essa qualificação, o que demonstra ser o direito à propriedade relativo e condicionado. O
art. 1228, § 1o, do CC reforça o sentido social da propriedade.

3 - Sentido

Pode ser considerada intervenção do Estado na propriedade qualquer atividade


estatal que, amparada por lei, tenha por fim ajustá-la aos inúmeros fatores exigidos pela
função social a que está condicionada, de forma que qualquer ataque à propriedade que
não tenha esse objetivo estará contaminado de ilegalidade. Ela revela um poder jurídico do
Estado, calcado em sua própria soberania, se tratando de verdadeiro poder de império, a
ele devendo sujeição os particulares.
A nossa atual CF dá suporte à intervenção do Estado na propriedade: de um lado,
assegura o direito à propriedade (art. 5o XXII), mas, ao mesmo tempo, condiciona-o ao
atendimento da função social (art. 5o, XXIII). O art. 182, § 2o da CF deu ao Município
poderes interventivos na propriedade, indicando que, em termos urbanos, o paradigma
para a função social da propriedade é o plano diretor do município.

4 - Competência

A competência para legislar sobre direito de propriedade, desapropriação e


requisição é da União Federal, de acordo com o art. 22, I, II e III da CF. Já a
competência para legislar sobre as restrições e os condicionamentos se reparte entre a
União, os estados, o DF e os municípios, conforme os arts. 24, VI e 30, I e II da CF.
Além da competência legislativa, as pessoas políticas dispõem de competência
administrativa, que é aquela que se consubstancia através da prática de atos
administrativos. De acordo com o princípio da legalidade, que impõe que toda atividade
administrativo deverá ter suporte na lei, estará a competência administrativa condicionada
à competência para legislar sobre a matéria.

5 - Fundamentos

No direito moderno, a supremacia do interesse público sobre o privado figura como


verdadeiro postulado fundamental, uma vez que confere ao próprio indivíduo condições de
segurança e de sobrevivência. No caso da intervenção na propriedade, o Estado, de forma
vertical, cria imposições que de alguma forma restringem o uso da propriedade pelo seu
dominus.
Além disso, o constituinte condicionou a propriedade ao atendimento da função
social, possibilitando que o Estado interviesse na propriedade sempre que esta não tivesse
amoldada nesse pressuposto, sendo o princípio da função social da propriedade um dos
que regem a ordem econômica (art. 170, III, da CF). É evidente que a noção de função
social é um conceito jurídico indeterminado, tendo a CF distinguido a função social urbana,
constante no art. 182, § 2o, da rural (arts. 185 e 186), fixando parâmetros específicos
para cada uma.

6 - Modalidades

Por serem bastante diversificados os fins colimados pelo Poder Público para
assegurar a harmonia social e a ordem jurídica, diversas também serão as formas de
intervenção do Estado na propriedade. Podem ser admitidas, didaticamente, duas formas
de intervenção, considerando a natureza e os efeitos desta em relação à propriedade: a
intervenção restritiva, em que o Estado impõe restrições e condicionamentos ao uso da
propriedade sem, no entanto, retirá-la de seu dono, devendo este subordinar-se às
imposições emanadas pelo Poder Público (modalidades: servidão administrativas,
requisição, ocupação temporária, limitações administrativas e tombamento); e a
intervenção supressiva, na qual o Estado, valendo-se da supremacia que possui em
relação aos indivíduos, transfere coercitivamente para si a propriedade das mãos de seu
antigo titular (modalidade: desapropriação).

7 - Limitações administrativas

Limitações administrativas são determinações de caráter geral, através das


quais o Poder Público impõe a proprietários indeterminados obrigações positivas, negativas
ou permissivas, para o fim de condicionar as propriedades ao atendimento da função social,
decorrendo do ius imperii do Estado. Muitas delas têm sua origem em leis e atos de
natureza urbanística. Tratam-se de atos legislativos e administrativos de caráter geral, que
dão o contorno do próprio direito de propriedade.
O conceito de limitação administrativa liga o poder de polícia à busca do interesse
público em face do direito à propriedade: são ponderados os demais interesses com o
direito à propriedade. A limitação não é supressão, mas definição do próprio direito. A
definição do direito à propriedade não está especificada na CF, apesar de lá assegurado.
Cabe ao legislador, portanto, interpretá-la, cabendo limitações administrativas.
As limitações não são necessariamente da Administração Pública, mas sim de Direito
Administrativo, tendo ainda forte relação com o Direito Ambiental e o Direito Urbanístico.
As limitações são gerais e abstratas, ou seja, por integrarem o próprio direito,
não se voltam para essa ou aquela propriedade, mas estabelecem uma disciplina geral.
Têm caráter de definitividade, pois não obedecem a um prazo (não são essencialmente
temporárias, mas podem ser revogadas). Ela é fundada em interesse público genérico e
não específico, ao contrário da servidão. Elas também não são indenizáveis, pois fazem
parte do próprio direito (só se indeniza dano jurídico).
Quando uma regra deixa de ser uma mera definição do conteúdo do direito material
e torna-se uma restrição ou supressão dele? Um bom exemplo está no Direito Ambiental,
na questão da cobertura vegetal. O proprietário de floresta tem que deixar 20% de floresta
e isso é uma limitação administrativa. Na mata atlântica de São Paulo, no entanto, não se
pode derrubar nada, dizendo ser isso uma limitação. Os proprietários, no entanto,
receberam indenização com o pretexto de não haver utilidade econômica da propriedade
devido a essa limitação. Isso poderia ser tido até como inconstitucional (Miguel Seabra
Fagundes), já que o que deveria ter sido feito era uma desapropriação. O STJ caracteriza o
caso como responsabilidade civil: a lei é válida, mas o Estado deve indenizar.

8 - Servidão administrativa

Servidão administrativa é a forma de intervenção do Estado na propriedade pela


qual ele unilateralmente impõe o ônus real a uma propriedade específica para possibilitar a
prestação de determinado serviço público. É, portanto, um direito real 1 instituído em favor
do Estado para atender a fatores de interesse público, diferenciando-se, então, da servidão
de direito privado2. A servidão não é geral nem abstrata, incidindo sobre bem específico.
Ela visa a prestação de determinado serviço público. Alguns exemplos de servidão são os
dutos e as placas nos muros das casas.
A servidão civil é criada, instituída, por contrato, consensualmente, enquanto a
administrativa é unilateral. No Direito Civil, a servidão se estabelece entre um imóvel e
outro, sendo um imóvel dominante, o que não existe no Direito Administrativo, pois o
imóvel serve ao interesse público.
Incide sobre a propriedade imóvel, sendo que a incidência do ônus real é sobre
imóvel alheio, já que o instituto pressupõe sempre uma relação jurídica integrada por 2
sujeitos. Normalmente, é instituída sobre bens privados, mas nada impede que, em
situações especiais, possa incidir sobre bens públicos. Há autores que sustentam que a
servidão pode incidir também sobre bens móveis e serviços (Lucia Valle Figueiredo), mas
Carvalhinho discorda.
Sendo um direito real, cabe a inscrição da servidão administrativa sobre imóvel    no

1 O direito real incide sobre o próprio bem, enquanto o direito pessoal incide em relação a alguém. O direito real
tem seqüela, pois o direito se vincula ao bem, onde quer que ele esteja. É por isso que existe o Registro de
Imóveis.
2 A servidão de direito privado é regulada pelos arts. 1378 a 1389 do CC.
Registro de Imóveis para produzir efeitos erga omnes, de acordo com o art. 167, I, item
no 6, da lei 6015/73 (lei de registros públicos).
Enquanto a limitação é pessoal, a servidão é real; não é geral, mas específica;
onera diretamente o imóvel particular, e não define conteúdo dos direitos; não tem três
tipos de obrigação, mas a obrigação principal de suportar que se faça. Em relação à
desapropriação, não ocasiona a perda da propriedade, pois trata-se de supressão parcial.
A servidão administrativa não é legalizada como a limitação. Como diz respeito à
bens específicos, é instituída por atos administrativos. Carvalhinho não considera legítima a
instituição de servidões administrativas através de lei, como o fazem alguns autores, pois
elas são instituídas sobre propriedades determinadas, o que não ocorre com a lei, que
estabelece uma limitação genérica à propriedade.
O Dec-lei 3365/41 é a chamada lei de desapropriação. Em seu art. 40, dispõe
que se aplica a servidão no que se aplica a esse decreto. Só depois da fixação da
indenização há desapropriação ou instituição da servidão. Deve ser feito um decreto
expropriatório que se transforma num processo judicial para determinar o valor da
indenização. Pode haver uma liminar para instituição da servidão antes de findo o processo.
Aplica-se aqui o princípio da hierarquia federativa, pelo qual um ente menor
não pode instituir servidão sobre imóvel de um ente maior; a recíproca, entretanto, não é
verdadeira, mas é necessário que haja autorização legislativa, como determina o art. 2o, §
2o do DL 3365.
Há duas formas de instituição de servidões administrativas. A primeira delas decorre
do acordo entre o proprietário e o Poder Público. Depois de declarar a necessidade
pública de instituir a servidão, o Estado consegue o assentimento do proprietário para usar
a propriedade deste com o fim já especificado no decreto do Chefe do Executivo, no qual
foi declarada a referida necessidade. As partes devem então celebrar um acordo formal por
escritura pública, para fins de subseqüente registro do direito real. A segunda forma é
através de sentença judicial da ação promovida pelo Poder Público contra o proprietário,
tendo demonstrado ao juiz a existência do documento específico, como consta no art. 40
do DL 3365/41.
Pode ocorrer a hipótese em que a Administração deixou de proceder à expedição do
decreto e ao ajuizamento da ação com oferta do preço, o que indica que o uso da
propriedade se deu manu militari, situação que se assemelha à da desapropriação indireta.
Nesse caso, idêntica deve ser a solução: sendo fato consumado a instalação da servidão,
cabe ao proprietário pleitear judicialmente indenização com vistas à eventual reparação de
seus prejuízos.
A servidão administrativa é, em princípio, permanente, mas poderão ocorrer alguns
fatos supervenientes que acarretam a extinção da servidão, os quais podem ser agrupados
em três categorias: 1a) com o desaparecimento do bem gravado, desaparece o próprio
objeto da servidão, e esta se extingue naturalmente; 2 a) se o bem gravado foi incorporado
ao patrimônio da pessoa em favor da qual foi instituída, desaparecendo a relação bilateral
que caracteriza o instituto, já que ninguém pode impor servidão sobre seus próprios bens;
3a) quando não há o interesse público no uso do bem do terceiro, extingue-se a servidão,
pois desaparece o suporte jurídico para a prossecução do direito real, ficando este sem
objeto.
A indenização é condicionada ao fato de o direito real causar prejuízo, cabendo ao
proprietário prová-lo, de acordo com o art. 10, parágrafo único, do DL 3365/41. A
prescrição da pretensão indenizatória é de 5 anos.

9 - Requisição Administrativa
A requisição administrativa é a modalidade de intervenção estatal através da
qual o Estado utiliza bens móveis, imóveis e serviços particulares em situação de perigo
público iminente, ou seja, aquele que coloca em risco não somente a coletividade, mas
também que esteja prestes a se consumar ou a expandir-se de forma irremediável se
alguma medida não for adotada.
A requisição administrativa tem previsão constitucional no art. 5o, XXV da CF, que
talvez seja a forma mais forte de intervenção estatal na propriedade. Além disso, somente
a União Federal tem competência para legislar sobre requisições militares, como preceitua
o art. 22, II, da CF. As autoridades das demais pessoas políticas podem, todavia, praticar
atos de requisição, desde que presentes os requisitos constitucionais e legais. Há formas
tão específicas de intervenção que algumas só existem em lei, não havendo doutrina sobre
elas, como ocorre com algumas figuras do município do Rio de Janeiro. O DL 4812/46
disciplina o poder de requisição civil e militar. Outros diplomas legais que prevêem esse
instituto são a lei delegada 4/62 e o DL 2/66, ambos voltados para a intervenção no
domínio econômico, além do art. 1228 do CC. A CF prevê requisições administrativas civis
ou militares (Decreto-lei 4412/42).
A requisição é utilizada nos casos de necessidade pública. O estado de
necessidade é como uma legítima defesa: há dois bens em risco e você deve colocar um
em risco para beneficiar o outro. É um excludente de ilicitude. O estado de necessidade
pública ocorre quando o interesse da coletividade está em risco e a administração solicita a
um particular bens móveis, imóveis ou serviços. É, por definição, temporária, uma vez
que sua extinção se dará tão logo desapareça a situação de perigo público iminente. Além
disso, por ser por estado de necessidade, a indenização vem posteriormente, o que o
diferencia da desapropriação, em que a indenização é prévia. A requisição se assemelha à
desapropriação quando tem por objeto bens fungíveis (se requisito feijão, as pessoas o
comem).
A indenização aqui é condicionada aos danos que a atividade estatal tenha causado
ao proprietário, cabendo a este o ônus de prová-lo, aplicando-se o art. 10, parágrafo
único, do DL 3365/41.
Exemplos clássicos de requisição são a requisição feita por um policial de um carro
qualquer na rua para uma perseguição, ou a requisição de um ginásio para abrigar
atingidos por uma enchente. Outro exemplo é a requisição de gêneros alimentícios,
prevista pela lei delegada 04/64, a qual foi aplicada no governo Sarney, em que os
preços foram congelados e os vendedores tentaram embargar para aumentá-los.
O ato administrativo que formaliza a requisição é auto-executório e não depende
de qualquer decisão do Judiciário pois, verificada a situação de perigo público iminente, ela
pode ser de imediato decretada. Sob esse aspecto da necessidade da situação de perigo
público iminente como pressuposto do instituto, o ato de requisição é vinculado, podendo
ter sua legalidade examinada pelo Judiciário. Contudo, essa situação só pode ser avaliada
pelo administrador por meio de valoração de caráter eminentemente administrativo.

10 - Ocupação temporária

Ocupação temporária é a forma de intervenção pela qual o Poder Público usa


transitoriamente imóveis privados como meio de apoio à execução de obras e serviços
públicos. A ocupação temporária tem sede geral mais doutrinária que legal, pois não há
dispositivo específico sobre ela. Se extrai da função social da propriedade na construção.
Há situações que, apesar da denominação, configuram hipóteses de requisição, por estar
presente o estado de perigo público (art. 136, II, da CF).
É a tomada de posse temporária sem estado de necessidade, mas para viabilizar
obra pública, e é indenizável se houver prejuízo. Há duas previsões legais específicas: o
art. 36 do DL 3365, que é a ocupação para execução de obra pública, e art. 80, II, da
lei 8666, no caso de rescisão de contrato.
A indenizabilidade varia de acordo com a modalidade de ocupação: se for vinculada
à desapropriação, haverá dever indenizatório, e se não for, inexistirá, em regra esse dever,
a menos que o proprietário faça prova dos prejuízos que sofreu, aplicando-se aqui também
o art. 10, parágrafo único, do DL 3365/41.
Sua instituição é um tema que causa algumas dúvidas: em se tratando de ocupação
vinculada à desapropriação, é de entender-se indispensável ato formal de instituição, seja
por decreto específico do Chefe do Executivo, seja no próprio decreto expropriatório; na
hipótese de ocupação temporária desvinculada de desapropriação, a atividade é auto-
executória e dispensa ato formal, bastando a necessidade de realização de obras e serviços
públicos normais.
Quanto à extinção, prevalece o princípio de que, extinta a acusa, extingue-se os
efeitos, tendo a ocupação caráter de transitoriedade.

11 - Tombamento

Tombamento é a forma de intervenção na propriedade pela qual o Poder Público


procura proteger o patrimônio cultural brasileiro. É o ato administrativo pelo qual são
impostas restrições às faculdades de proprietário, visando a proteger valores culturais,
artísticos, ambientais, paisagísticos, etc., íncitos àquele bem. Se chama tombamento
porque se dá através da inscrição em um livro de tombo das restrições incidentes sobre
àquele imóvel.
É um ato vinculado ou discricionário? É a mesma discussão que envolve o conceito
jurídico indeterminado e a discricionariedade, já que o valor histórico é um conceito jurídico
indeterminado. Deve-se visar sempre o interesse público. O tombamento é para proteger o
bem, e não a atividade que é exercida nele. O bar Garota de Ipanema, por exemplo, é
tombado, mas não se pode obrigar o dono a manter o bar, apenas a não mexer no lugar.
Seria uma requisição administrativa de serviço travestida de tombamento caso obrigassem-
no a mantê-lo um bar, seria um desvio de finalidade.
Há discussão quanto à natureza jurídica do tombamento. Há quem diga que é
limitação administrativa, pois as restrições impostas ao bem integrar o conteúdo da
propriedade e se voltam para o interesse público genérico (Cretella Jr). Outros dizem que,
para ser limitação administrativa, ela tem que ser geral e o tombamento é feito sobre bens
específicos, por isso seria servidão administrativa (Celso Antônio Bandeira de Mello e Lucia
Valle Figueiredo). A servidão é, em princípio, indenizável, e a limitação, não. Uma terceira
corrente diz que é um instituto sui generis, possuindo, inclusive, sede constitucional
específica (opinião de Maria Sylvia DiPietro). Outra corrente diz que a natureza jurídica
depende do caso concreto, de acordo com a necessidade de restrição que gera na
propriedade, podendo ser limitação administrativa (quando não acarretasse nenhum
prejuízo à propriedade, sendo tombamento apenas o nome do instituto, a exemplo do
tombamento de estátuas), servidão administrativa (quando fosse restrição parcial à
propriedade) ou desapropriação administrativa (quando fosse restrição total, a exemplo da
desapropriação de florestas). O Professor Aragão acha que deve-se levar em conta a
função social, dentro do bom senso de uma questão socialmente favorável: uma restrição
pequena sobre um indivíduo rico é bem menos danosa do que a limitação que se faz a um
cara humilde que possui um documento raro de D. João VI, por exemplo. É mais ou menos
o que a APAC faz, por ser uma limitação administrativa individual.
O tombamento incide sobre bens móveis e imóveis, como consta no art. 1o do DL
25/37. O objeto do tombamento são bens e direitos em geral. Podem ser bens
identificados e determinados, como todos os bens que se encontram na álea (ex:
tombamento do centro histórico de Outro Preto). Nesse contexto se diferencia ato geral
abstrato (que não fere o direito porque, em tese, não cabe defesa contra ato geral), ato
geral (pessoas identificáveis, como no tombamento do centro histórico de Ouro Preto) e
ato administrativo concreto (há situação identificada). O tombamento não tem restrições
federativas (a desapropriação, por exemplo, tem: ente menor não pode desapropriar ente
maior). Deve-se obedecer apenas a normas básicas, como as de vigilância sanitária.
A competência legislativa para tombamento é concorrente entre a União e os estados
(CF, art. 24, VII), devendo-se respeitar o que for de interesse local (CF, art. 30). O
interesse material, por sua vez (de fazer o tombamento e fiscalizá-lo) é comum, de acordo
com os art. 23, III e art. 216, § 2o da CF. Às vezes o mesmo bem é tombado pela União,
pelo estado e pelo município. O que define é o interesse: se for só do município, só ele pode
tombar. Carvalhinho defende uma aplicação analógica do art. 2o, § 2o do DL 3365/41, que
traz o princípio da hierarquia, mas o art. 5o do DL 25/37 não o fez.
O art. 215, § 3o da CF prevê que a lei venha a estabelecer o Plano Nacional de
Cultura.
O instrumento do tombamento é o ato administrativo (Carvalhinho, Hely lopes
Meireles, STF), mas há os que defendem que pode ser feita por lei, ou ainda, por ambos
(Pontes de Miranda, Paulo Afonso Leme Machado) . Os que são contra essa posição, alegam
que iria contra o devido processo legal administrativo, que tem lei específica (a lei do
processo administrativo federal só se aplica subsidiariamente e estabelece detalhes
democráticos gerais e exclusivos da União). O órgão responsável pelo tombamento é o
IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
O tombamento se inicia com a intimação do proprietário, fazendo-se em seguida o
tombamento provisório, que já tem quase todas as restrições, menos a inclusão no Registro
de Imóveis, previsto no art. 13 do DL 25/37 (só depois disso passa a ser válido). Isso é
quase uma medida cautelar administrativa para o proprietário não dar um jeito de destruir o
imóvel. O proprietário pode concordar, alegar que o bem não tem valor, ou cobrar
indenização, devendo ser tomada, dentro de 60 dias, uma decisão definitiva acerca do
tombamento. Se isso não acontecer, se diz que não há tombamento provisório por decurso
do prazo. O silêncio administrativo tem outro significado: o decurso do prazo apenas significa
que o particular poderá impugnar judicialmente. O Professor Aragão acha que pode
impugnar a qualquer momento e que no fim do prazo do tombamento provisório, cai o
tombamento. Ao proprietário do bem tombado é conferido o direito de recorrer contra o ato
do tombamento ao Presidente da República, recurso previsto no DL 3866/41.
Quando se concretiza o tombamento, há inscrição no Registro de Imóveis, e o bem
não pode ser mais modificado, apenas com prévia autorização (art. 17 do DL 25/37). Caso
seja desrespeitado, há multa de 50% sobre o valor da obra feita. O proprietário tem a
obrigação de conservar o bem tombado, mas muitas vezes ele deixa o bem sem cuidado de
propósito. Quando ele alega não ter dinheiro, o Estado banca ou desapropria o bem.
Na alienação, o ente que tombou tem direito de preferência, de acordo com o art.
22 do DL 25/37, mas, fora isso, pode haver alienação livremente. No caso do bem móvel,
há ainda a restrição da impossibilidade de o bem sair do país. A condição de ser tombado o
bem não impede o proprietário de gravá-lo livremente através de penhora ou hipoteca.
Uma restrição é a proteção da ambiência, que consiste em, no ato do tombamento,
se impor não só restrições para o bem tombado, mas também para seu entorno (ex: casa
tombada, que tem arranha-céus construídos a seu redor). Quem vai comprar, compra só o
bem, que está no Registro de Imóveis, , e não há maiores problemas, mas a ambiência não
está no Registro de Imóveis. O mercado imobiliário se preocupa muito com isso, pois o risco
de segurança jurídica para quem compra é grande.
A omissão em tombar: a Administração pode ser obrigada a tombar por meio de ato
judicial? Pode haver um ato judicial que tenha efeitos equivalentes ao ato administrativo? Há
duas correntes: a primeira diz que, quando for provado o valor histórico, poderá haver uma
liminar obrigando a não alterar o imóvel e a decisão final não significará o tombamento.
Outra corrente diz que não, pois há determinação legal de que o tombamento tem um
processo que deve ser seguido, através, exclusivamente, de ato administrativo.
Existem três espécies de tombamento: a 1a, diz que quando reflete em bens de outro
ente da federação não é necessário o devido processo legal (hoje isso não é muito aceito); a
2a é o tombamento voluntário, que se inicia por requisição do proprietário ou ocorre quando
ele concorda com a notificação que lhe é dirigida no sentido da inscrição do bem; a 3 a
espécie é o tombamento processualizado, a regra geral do DL 25/35.
Embora não seja comum, é possível que, após o tombamento, o Poder Público, de
ofício ou em razão de solicitação do proprietário ou de outro interessado, julgue ter
desaparecido o fundamento que deve dar suporte ao ato e, reconhecido isto, desaparece o
motivo para a restrição e o efeito há de ser o desfazimento do ato, promovendo-se o
cancelamento do ato da inscrição, que é vinculado às razões que fizeram
desaparecer o fundamento anterior. Alguns doutrinadores admitem também o
desfazimento pelo cancelamento resultante de avaliação discricionária da autoridade
competente (Cretella Jr), mas Carvalhinho não concorda, pois o tombamento tem
pressupostos específicos para sua efetivação e porque não há previsão no DL 25/37 de que o
administrador possa atuar com discricionariedade na referida hipótese.
Quanto a indenizabilidade, há quem entenda que só o fato do tombamento geraria
sempre o direito indenizatório (Celso Antônio Bandeira de Mello), mas Carvalhinho defende
que isso será possível somente com a comprovação de prejuízo efetivo e no prazo
prescricional do art. 10, parágrafo único, do DL 3365/41.
O ato de tombamento se sujeita a controle administrativo, exercido pelo
presidente da entidade cultural ou pelo Presidente da República, que pode ser de
legalidade, quando se vislumbrar vício relativo aos requisitos de validade do ato, ou de
conveniência e oportunidade (ou de mérito) quando, por razões de interesse público
aferíveis apenas pela Administração, for rejeitada a proposta de tombamento ou for
cancelado o próprio ato de tombamento. Será também possível o controle judicial, mas
somente com a apreciação de questões concernentes à legalidade do ato, não cabendo,
porém, a discussão sobre os aspectos administrativos que conduzem à valoração do sentido
cultural do bem e à necessidade de sua proteção, pois essa parte do ato é insindicável pelo
Judiciário.

12 - Outros instrumentos protetivos do patrimônio


CF, art. 5o, XXXIV, a - direito de petição
CF, art. 5o , LXXIII - ação popular (lei 4717/65)
Lei 7347/85, art. 1o, II - ação civil pública

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