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UERJ – Faculdade de Direito

Disciplina: Direito Administrativo I


Data da Aula: 06/10/2004 (Quarta-feira)
Professora: Patrícia Baptista
Transcritora: Bianca Santos

Do Ato Administrativo (cont.)

Da Extinção do Ato Administrativo (cont.)

Ressalto para vocês que a expressão corrente “anular um ato administrativo” é empregada
no mesmo sentido de declarar o ato administrativo nulo. A súmula 473 do STF diz: “a
Administração Pública pode anular os seus próprios atos ilegais ou revogá-los por razões de
conveniência e oportunidade”

Súmula 473. A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que
os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de
conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos
os casos, a apreciação judicial.

Eu ressalto bem que anular aqui é no sentido de declarar nulo, declarar a nulidade . Então,
não obstante toda aquela discussão que a gente tratou na última aula (há atos administrativos
anuláveis, ou seja, que os vícios são convalidados; e toda a teoria que se construiu no sentido de
que há atos administrativos que, não obstante viciados, podem ser salvos), ainda se usa “anular”
no sentido de declarar nulo no Direito Administrativo. Não se fala muito “anular” no sentido de que
o vício pode convalidar, no sentido que o Direito Civil usa.
A súmula 473 consagra o poder de autotutela da Administração Pública, ou seja, a
Administração, diante de uma ilegalidade, não precisa da tutela jurisdicional para desfazer o ato.
Ela pode, por ela mesma, desfazer o seu ato viciado, o seu ato ilegal. E tem a 2º parte da súmula:
“ou revogá-los por motivo de conveniência e oportunidade”.
A revogação é o desfazimento do ato administrativo por motivo de conveniência e
oportunidade. A revogação é o desfazimento do ato administrativo por razões discricionárias . A
discricionariedade é tradicionalmente entendida como o juízo de conveniência e oportunidade da
Administração Pública. Na verdade, é melhor a gente entender a discricionariedade como o espaço
de decisão administrativa conferido pela Lei. A Lei confere ao administrador, àquele que vai aplicá-
la, um espaço de decisão, e essa decisão é tomada de acordo com o que a gente tradicionalmente
afirma de um juízo de conveniência e oportunidade.

A Primeira conclusão que a gente tira daí: qualquer ato administrativo é revogável? Não,
porque nem todo ato administrativo tem elementos discricionários. Só são revogáveis aqueles atos
que tiveram na sua formação elementos discricionários. Não se cogita de revogação de atos
administrativos inteiramente regulados, com a ressalva daquela história da licença para construir.
Não obstante a jurisprudência fale em revogação, não é revogação, é desapropriação de um
direito já concedido. Esta talvez seja a única exceção que se cogite de desfazimento, de
revogação de ato administrativo inteiramente regulado.
Há outras limitações à revogabilidade dos atos administrativos? Existem atos
discricionários que eventualmente não possam ser mais revogados? Em princípio, um ato
administrativo que já exauriu os seus efeitos , não interessa se discricionário ou regulado, não
pode mais ser revogado. É um imperativo lógico.
A doutrina costuma dizer ainda que atos administrativos que geraram direitos adquiridos
aos particulares também são insuscetíveis de revogação. Esse negócio de direito adquirido no
Direito Administrativo é muito complicado. Em primeiro lugar, porque o regime jurídico público é,
por essência, mutável. A gente vai ver, em vários pontos do nosso programa, que as situações
raramente se estabilizam, por causa do Princípio da Supremacia do Interesse Público. O
Princípio da Supremacia do Interesse Público fundamenta vários poderes que a Administração
Pública tem de promover a mutação de um regime jurídico. Exemplo: eu sou professora assistente

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20 horas. Amanhã a UERJ resolve acabar com o regime 20 horas do professor e passa a
estabelecer que o regime de carga horária mínima é o regime de 30 horas. Eu, porque entrei no
regime de 20 horas (portanto organizei a minha vida toda para funcionar nesse regime, acumulo
cargo etc.), tenho algum direito adquirido à manutenção desse regime (no qual eu fiz concurso...)?
Não tenho, e a jurisprudência é tranqüila. Eu não tenho direito adquirido à manutenção deste
regime. O regime estatutário, que é este no qual me encontro, não gera direito adquirido à
manutenção das condições de trabalho.
Há pouco tempo um estagiário me perguntou a seguinte coisa: “ah, fulana, minha amiga,
fez um concurso pro Tribunal pro cargo X, e o cargo X, quando ela fez o concurso, tinha o salário
X. Aí houve uma reestruturação da carreira e o cargo X, que tinha o salário X, virou o cargo Y, com
o salário X menos alguma coisa”. E ela estava indignada porque tinha sido convocada e ia ganhar
menos... Ela tem qualquer direito adquirido? Nenhum. Se ela já fosse funcionária, teria. Ela foi
convocada pra tomar posse. Se ela já fosse servidora, ela não poderia ter seus vencimentos
nominais reduzidos. Isso porque há norma constitucional expressa assegurando irredutibilidade
de vencimentos a todos os servidores públicos, coisa da CF/88, porque havia a irredutibilidade de
vencimentos nos regimes constitucionais anteriores apenas para os magistrados. Somente com a
CF/88 foi assegurada essa idéia da irredutibilidade de vencimentos dos servidores, o que é algo
ainda extremamente discutido. Mas o Supremo entende que essa irredutibilidade é nominal, você
não tem direito à manutenção do seu salário real. E isto não impede, por exemplo, que haja
reestruturações de carreira, reestruturações de carga horária, reestruturações de vantagens... por
exemplo: a Administração pode extinguir uma vantagem. E como é que eu fico? De acordo com a
jurisprudência do Supremo, eu fico com o direito àquele valor e ele nunca mais vai ser reajustado.
De fato, a Administração não pode reduzir nominalmente o meu salário, mas eu fico com aquela
vantagem estática. Ela acabou, ela não vai ser mais concedida, ela não vai ser mais aumentada,
ela não vai ser mais nada. Ela fica estática. E assim que a jurisprudência do Supremo é; interpreta
muito restritivamente essa idéia de irredutibilidade do vencimento. Quer dizer, tudo pode ser
mutável nesse regime.
Enfim, no regime jurídico público (e no regime estatutário isso é bastante pronunciado) há
uma mutabilidade. São raras as situações em que se assegura o respeito a direito adquirido. Um
desses casos o Supremo consagrou numa súmula (eu acho que é a 359), e ele diz o seguinte: a
questão do “direito adquirido à aposentadoria”.

Súmula 3591. Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se


pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos
necessários, inclusive a apresentação do requerimento, quando a inatividade for voluntária
(alterada).

É um dos raros casos em que se fala em direito adquirido no Direito Administrativo. Você
tem direito adquirido a se aposentar pelas regras vigentes no momento em que você completou os
requisitos para tanto. Vamos supor que hoje a regra para eu me aposentar fosse aquela dos 30
anos de serviço. Eu completei os requisitos dos 30 anos de serviço sob esse ordenamento. Hoje
eu completei os 30 anos e eu não me aposentei. Eu só completei os requisitos sob a égide dessa
Lei. Eu poderia me aposentar, mas não me aposentei. Amanhã altera a legislação, muda os
requisitos. Este é um dos raros casos em que a jurisprudência do Supremo entendeu que, no caso
do servidor público, o servidor público tem direito adquirido ao regime de aposentadoria vigente no
momento em que ele completou os requisitos. Se amanhã muda, não interessa. Eu continuo com o
direito de me aposentar pelo regime vigente na data em que eu completei os requisitos.
Então a doutrina costuma dizer que são irrevogáveis os atos administrativos que geraram
direito adquirido. Essa afirmação “atos administrativos que geraram direito adquirido” tem, em
geral, pouco conteúdo, porque ela é muito pouco precisa. A gente sabe muito pouco sobre quando
é que um ato administrativo, de fato, gera direito adquirido.

[Após pergunta incompreensível]...


1
No julgamento dos RE 72509 embargos (RTJ 64/408) o Tribunal Pleno, resolvendo questão de ordem, alterou a Súmula
359, suprimindo-se as palavras "inclusive a apresentação do requerimento, quando a
inatividade for voluntária".

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Os vencimentos dos servidores públicos são compostos por parcelas muito diferentes. Eu
costumo dizer que contra-cheque de servidor parece uma árvore de Natal, tem muito penduricalho.
Entre estas vantagens, há umas que são perenes, e há outras que se devem a determinadas
condições da prestação de serviço. Uma vez cessadas essas condições da prestação de serviço,
aquelas vantagens cessam, elas não se incorporam, elas não integram a remuneração do servidor
de maneira permanente. Então algumas delas nem estão incluídas no princípio da irredutibilidade
do vencimento. Por exemplo: gratificação por trabalho noturno. Cessado o trabalho noturno, cessa
o pagamento da gratificação. E evidentemente eu não posso alegar a irredutibilidade de
vencimento a meu favor pela cessação dessa condição de trabalho específica, que é uma
gratificação devida em razão de determinadas condições de trabalho. Então não dá pra botar tudo
que é penduricalho da remuneração do servidor no mesmo saco, porque há remunerações cujos
fatos geradores são diferentes, são de naturezas diferentes. A gratificação por tempo de serviço se
incorpora, é uma condição pessoal do servidor, e a remuneração é irredutível porque devida em
função de condições pessoais do servidor. O problema é que a Administração Pública, sabendo
dessas diferentes naturezas, manipula muito isso, dando um nome à gratificação que não condiz
com a natureza real dela. A Administração dá um disfarce à gratificação para transformá-la em
não-incorporada.

Só são revogáveis atos discricionários. Mesmo atos que tenham elemento discricionário
podem não ser revogados, desde que eventualmente tenham exaurido seus efeitos, desde que
eventualmente tenham gerado direito adquirido. E os atos vinculados, claro, não são revogáveis
(só lembro da jurisprudência construída acerca da questão específica das licenças para construir).
A anulação opera efeitos ex tunc; declarar o ato nulo é como se ele jamais existisse (e
aqui entra aquela discussão que a gente comentou: por que alguns autores advogam a tese de
que atos nulos devem ser convalidados em alguns casos? Porque o desfazimento do ato desde o
seu nascedouro, em algumas hipóteses, pode gerar para a sociedade mais gravame do que a
manutenção do ato, dependendo do tempo decorrido e da gravidade dos efeitos do ato. Em
determinados casos, pode ser menos danoso à sociedade manter um ato viciado, manter em vigor
um ato nulo, do que desfazer um ato desses desde o nascimento).
A revogação opera efeitos ex nunc. A LC 98 (que eu chamo “a lei das leis”. É a lei que diz
como se deve fazer lei) tem uma regra que diz o seguinte: “deve ser evitado ‘revogam-se as
disposições em contrário’”. O legislador deve ser o mais explícito o possível em afirmar quais são
os atos que estão sendo de fato revogados pelo ato normativo editado. O “revogam-se as
disposições em contrário” só contribui para a insegurança jurídica, porque como você não sabe
quais são as disposições em contrário, sempre surge a dúvida em se saber o que está sendo de
fato revogado ou não. Então a Lei recomenda que se evite o “revogam-se as disposições em
contrário” e se faça uma enumeração expressa do que o legislador pretende de fato revogar. Mas o
que esse revogar tem a ver com o nosso revogar aqui? Praticamente tudo. Por quê? Em 1º lugar:
só se revoga ato normativo válido. Você presume a validade do ato normativo, quer dizer, até
aquele momento ele produziu seus efeitos. Se ele tem uma inconstitucionalidade ou outra
ilegalidade qualquer, isso é outra discussão. Mas revogar significa dizer “até este momento o ato
produziu os seus efeitos, e daqui pra frente ele não produz mais”. Um outro ponto: a revogação,
seja de lei, seja de ato normativo administrativo (quer dizer, ato regulamentar ou outros atos
normativos da Administração), é uma questão de discricionariedade, ou do legislador ou do
regulamentador, ou do administrador normativo. Ele optou, por razões de conveniência política, em
extinguir aquele ato, em tornar ele doravante sem efeito. Quando se revoga uma lei, é a mesma
coisa. A revogação de uma lei é da mesma natureza, é também um ato de oportunidade ou
conveniência política. É uma decisão política, quer dizer, discricionária. Todos os Poderes Públicos
(Poder Legislativo, Poder Executivo, Poder Judiciário) têm um campo de decisão que lhe são
próprios. Têm um campo das suas tais funções típicas ou das tais funções que lhe são
particulares. Nesse campo das funções que lhe são particulares, diz-se que há a função política,
política no sentido de que é uma função de poder estatal, é uma função que é própria ao poder que
está sendo exercido, a função estatal que está sendo exercida por aquele determinado ente. Então
há juízo de conveniência e oportunidade política, há juízo político, de certo modo, no Executivo, no
Legislativo e no Judiciário. Esse campo específico e, em princípio, não sujeito a um controle de

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mérito. Controle de legalidade sempre possível, mas esses campos específicos não são sujeitos a
controle de mérito por parte dos outros Poderes.

[Após outra pergunta incompreensível]...


Esquece a anulabilidade do Direito Civil. Não é que não exista. Antes não existia mesmo. A
gente viu na teoria do Hely que não há possibilidade de transposição de qualquer tipo da teoria da
nulidade e da anulabilidade do Direito Civil para o Direito Administrativo, simplesmente porque, pro
Hely (e isso ficou assim pro Direito Administrativo brasileiro durante muito tempo), não há atos
administrativos com vício convalidáveis. Quer dizer, uma vez viciado o ato, uma vez praticado o ato
com algum elemento em desobediência a alguma formalidade legal (ex. agente incompetente,
forma ilícita..), o ato é nulo e ponto e acabou. Não convalida de jeito nenhum. E aí, não se
aproveitaria em nada a teoria do Direito Civil. Hoje em dia se sustenta que há atos administrativos
com vícios convalidáveis, ou seja, é possível que um ato administrativo, por “n” razões, tenha sido
praticado com ilegalidades, contenham vícios, mas possam ser aproveitados, permaneçam em
vigor no ordenamento jurídico considerados como válidos. Neste sentido, hoje já se admite que há
atos administrativos com vícios convalidáveis, assim é que se aproxima a teoria do Direito
Administrativo da teoria do Direito Civil. Mas não dá pra gente dizer que há atos administrativos
hoje anuláveis.
Exemplo de ato passível de convalidação: uma licença para construir foi deferida por
agente que não tinha competência para tal. Ato nulo. Ato praticado por agente incompetente é ato
ilegal. Em algumas hipóteses é possível que esta licença, que este ato seja convalidado (e,
portanto, admite-se que ele permaneça desde o início produzindo seus efeitos) pelo agente ao qual
cabia praticar o ato de fato. Então, em muitos casos, é possível a ratificação do ato pelo agente
competente, e aí é como se aquela licença fosse concedida desde o início pelo agente
competente.

[Mais uma pergunta inaudível]...


A razoabilidade e a proporcionalidade são um segundo momento nessa aferição de
escala de juridicidade. Mas não é por isso. Eu tenho elementos básicos do ato. Um ato praticado
por agente incompetente é ilegal e não tem outro indício para se salvar. Por que se imagina salvar
uma situação dessa? Eu posso imaginar o seguinte: que eu não vou ter nenhum dano ao interesse
público quando a autoridade competente ratifica; que o cidadão estava de boa-fé; que houve uma
falha da Administração no procedimento justificável; enfim, há uma série de condições, uma série
de elementos, que a gente só vai poder aferir no caso concreto, e que podem determinar essa
convalidação.
Eu era uma fã convicta da teoria do Hely. Achava um absurdo esse negócio de aproveitar
um ato administrativo ilegal. É ilegal, tem que desfazer. Até que me veio um projeto em que a
situação era a seguinte: a Secretaria de Saúde, em algum momento no início dos anos 90, abriu
concurso para diversas carreiras, dentre elas para a de arquiteto. Antes de acabar o concurso, no
meio do caminho, entre a abertura do concurso e a posse, foi aprovada uma lei estadual que criou
no estado o Instituto de Engenharia e Arquitetura. E aí, todos os arquitetos e engenheiros do
estado passaram a ser lotados nesse Instituto de Engenharia e Arquitetura. A Lei transferiu todos
os cargos de qualquer órgão da Administração que fossem de engenheiros e arquitetos pros
quadros dessa autarquia. O legislador tinha na cabeça unificar carreiras. Em vez de eu ter uma
carreira de engenheiro em não sei aonde, uma carreira de arquiteto em não sei aonde, todos os
engenheiros e arquitetos teriam sua carreira vinculada a essa autarquia. Uma questão de
conveniência administrativa. O problema foi o seguinte: ninguém na Secretaria de Saúde se deu
conta disso. E aí nomearam as 3 primeiras aprovadas no tal concurso para cargo de arquiteto da
Secretaria Estadual de Saúde, isso algum tempo depois. E as moças começaram a trabalhar. Só
que elas estavam reclamando que elas não ganhavam a mesma coisa que os arquitetos do Estado
ganhavam. Aí elas fizeram uma consulta, abriram o processo (“não, nós estamos ganhando errado,
nós precisamos ganhar certo, precisa ser tal o nosso salário”). O processo vai, anda, se fala sobre
o salário delas etc., até que ele chegou na minha mão. Quando eu fui ler o processo todo eu
pensei “gente, essas moças foram nomeadas para cargos que não existem! O ato de nomeação
delas é nulo! Estes cargos de arquitetos da Secretaria Estadual de Saúde não existem desde que a
Lei foi aprovada, e por isso que elas não ganham o que elas acham que têm que ganhar!”.

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Ninguém notou, ninguém se deu conta. E aí, o que fazer? Se o ato é nulo, é viciado, e não se
aproveita, “sinto muito mocinhas... A Administração precisa do trabalho de vocês, vocês são
funcionárias públicas, vocês são concursadas etc., mas houve um problema: vocês foram
nomeadas para cargos inexistentes”. O ato de nomeação é nulo, viciado desde o início, acabou.
Seria razoável? Um absurdo. A questão dos salários seria resolvida. São irrepetíveis, pois haveria
enriquecimento sem causa do Estado se ele cobrasse de volta. E a questão da boa-fé é bastante
relevante aqui. Havia boa-fé. E com relação aos terceiros eventualmente atingidos pelos atos que
elas praticaram? Existe uma coisa chamada Teoria da Aparência. A Teoria da Aparência
também se aplica no Direito Administrativo para resolver essas circunstâncias. Aqueles terceiros
aos quais os atos se dirigiram, mas, enfim, que havia uma aparência de..., então o ato é
preservado em relação aos terceiros. Eventualmente um ato que tivesse efeitos tão-somente
internos poderia ser invalidado porque praticado por agente incompetente, mas em relação a
terceiros de boa-fé, o ato seria preservado. Então neste caso, o problema não é com elas. Eu
cheguei num ponto no processo em que a conclusão a que a teoria do Hely me levaria era dizer “o
ato é nulo, praticado absolutamente sem validade alguma. Não tem jeito, tem que desfazer tudo,
tem que desfazer o ato de nomeação delas e botar elas na rua”. Não tinha outra solução. Mas isso
seria razoável? Evidente que não. A Administração Pública fez tudo errado. E aí? Qual a solução?
A solução era convalidar esse ato. Retificar o ato de nomeação editado desde o início para que, ao
invés de cargo de arquitetas da Secretaria Estadual de Saúde, elas tivessem sido nomeadas para
o cargo de arquitetas do Instituto Estadual de Engenharia e Arquitetura. Ou seja, como o concurso
foi aberto para aquele cargo, e no meio do concurso aquele cargo migrou para outro lugar, o
correto seria... e assim foi feito. A governadora editou um outro ato, retificando o ato originalmente
publicado há 4/5 anos atrás, para que onde constava Secretaria Estadual de Saúde ficasse
constando Instituto Estadual... É uma forma de convalidar. O que eu advoguei no parecer foi a
convalidação daquele ato administrativo, a retificação do seu conteúdo para que ele fosse editado
corretamente, como era a intenção da Administração Pública. Dali o meu radicalismo com a teoria
do Hely morreu. Eu me vi diante de uma situação concreta em que era imperioso que a
Administração convalidasse o ato, porque o serviço era necessário, havia boa-fé e havia o
interesse da Administração em manter servidores no cargo.
Então isso é uma situação em que convalidou um ato, e como essa há “n” outras possíveis.
A gente não tem como, de antemão, esquematizar (convalida nesse, nesse e nesse caso). O que a
gente tem é alguma doutrina que já tenta divisar uma ou outra situação, tipo essa - atos com vícios
de pequena gravidade. Então alguns autores tentam classificar atos que seriam atos com vícios de
pequena gravidade. Outros, como Seabra Fagundes, que desde muito tempo falava “em alguns
casos, desfazer um ato nulo que já produz efeitos há muito tempo pode ser mais danoso à
sociedade do que a sua manutenção, dado o tempo decorrido e como seria complicado desfazer
todos os seus efeitos. Então alguns autores tentam identificar algumas situações, mas é difícil a
gente pré-fixar qual é a situação. Lembro que hoje em dia há o fator de convalidação temporal, no
caso do art. 54 da Lei 9784 (aquela história, na lei federal, do ato que produz efeitos benéficos.
Prazo qüinqüenal de decadência para a Administração).

[Mais uma]...
- Professora, quando você falou “Ah, é razoável que elas sejam simplesmente mandadas pra rua?
Não, não é” você usou um princípio...
Professora: Não, eu não usei princípio nenhum. O que eu usei foi o seguinte: a Administração
precisava do trabalho delas. A manifestação de vontade da Administração, o ato de nomeação foi
equivocado? Foi, claro que foi. O máximo de princípio que eu poderia ter me valido aqui é o
princípio do interesse público. Esse princípio eu me vali. A atuação da Administração é guiada pelo
interesse público. O interesse público residia na necessidade do trabalho daquelas servidoras. A
ninguém ocorreu em algum momento que aquele trabalho não fosse necessário. Elas eram, tanto
eram que trabalhavam lá, e o processo estava cheio de descrição de atividades que elas fazem:
laudos sobre condições físicas de funcionamento de hospital, de clínica...Então havia um interesse
público ali. Então havia condições daquele ato permanecer. Houve um erro, a Administração
nitidamente errou, praticou um ato equivocado. Eu usei “razoável” no sentido leigo, não no sentido
da razoabilidade, ok?

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(Eu ressalvo o seguinte: a matéria que a gente acabou de ver – ato administrativo – é um
dos pontos mais relevantes do programa. Ninguém passa nessa matéria se não souber a
diferença entre “anulação” e “revogação” de um ato administrativo. Eu reprovo, sem dó
nem piedade, quem não conseguir dizer o que é anulação e o que é revogação. Para mim,
um dos piores pecados que alguém pode cometer numa prova é inverter e usar o termo
errado).

Serviços Públicos (Matéria para a próxima prova)

Talvez seja o tema hoje de maior atualidade no Direito Administrativo. Curiosamente, esse
é um tema muito recorrente no Direito Administrativo, mas é um tema muito em voga no Direito
Administrativo contemporâneo, talvez um dos que mais suscitem problemas.
Eu comentei com vocês que no Direito Administrativo francês existem duas Escolas: a
Escola do Poder Público e a Escola do Serviço Público. A definição do que está regulado pelo
Direito Administrativo para a Escola do Poder Público era “atos praticados pela Administração com
o jus imperium, com imperatividade, com prerrogativas do Poder Público. A idéia da Escola do
Serviço Público era “o Direito Administrativo é o Direito que regula a prestação de serviços
públicos”. Só que essa afirmação, para o Direito Administrativo contemporâneo, ela não quer dizer
nada, porque, na verdade, o Direito Administrativo não é só serviço público em sentido estrito, mas
é poder de polícia, é fomento, são as atividades de intervenção. Para caber o Direito Administrativo
nessa definição (“o Direito Administrativo é o Direito que regula a prestação de serviços públicos”),
o Direito Administrativo francês foi ampliando a definição de serviços públicos a tal ponto que
invalidou completamente essa definição. Então essa Escola, não serve para a gente definir o
Direito Administrativo deste jeito. Mas o fato é que o Serviço Público é um tema do Direito
Administrativo por excelência. O Serviço Público é um tema central do Direito Administrativo. A
prestação de serviços públicos é uma questão recorrente. Na verdade, costuma-se dizer que o
Estado é um grande prestador de serviços à população.
O problema que a gente tem no Direito Administrativo contemporâneo é como definir um
serviço público. O que é um serviço público?
(Nesse ponto eu recomendo o mesmo artigo que eu dei para vocês do Celso Antônio Bandeira
de Melo, em que ele fala da diferença entre o poder de polícia e o serviço público. Eu acho que
este é um artigo que vocês precisam ler).
Serviços Públicos, em princípio, são prestações positivas da Administração que trazem
benefícios à vida individual ou coletiva. São prestações positivas fruíveis diretamente pela
coletividade ou pelos indivíduos.
Tradicionalmente, como é que a gente diferencia serviço público de uma atividade
econômica? O que caracteriza um serviço público e, portanto, um regime jurídico específico (os
serviços públicos são subordinados a um regime jurídico específico)? O que diferencia esses
serviços públicos das atividades normais dos cidadãos na vida em sociedade (que a gente
costuma chamar de atividades econômicas, de um modo geral)?
Havia dois critérios principais, até bem pouco tempo atrás, para diferenciar um serviço
público de uma atividade econômica, de uma atividade dos particulares: os serviços públicos
teriam um intuito não-lucrativo. Os serviços públicos seriam atividades não destinadas a gerar
lucros, mas destinadas à satisfação de interesses da coletividade, à satisfação de necessidades da
coletividade; a segunda era a afirmação de que nos serviços públicos não vigora o Princípio da
Livre Iniciativa. Os serviços Públicos estão excluídos da livre iniciativa porque são de titularidade
pública. A titularidade da prestação dos serviços públicos é do Estado lato sensu. Portanto, não
presta um serviço público quem quiser, na hora que quiser.O serviço público não é prestado de
forma livre. A gente sabe lá pelo art. 5º XIII da CF/88, que diz assim:

Art. 5º, XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Lá no art. 170, a CF/88 também fala: “a ordem econômica, fundada na valorização do


trabalho humano e na livre iniciativa...”.

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Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;

A livre iniciativa é um dos princípios capitais da ordem econômica. Então, tradicionalmente


se afirma que os serviços públicos não estão sujeitos ao Princípio da Livre Iniciativa, que os
serviços públicos se diferenciam da atividade econômica porque são de titularidade pública, e as
atividades econômicas estão na esfera da livre iniciativa.
Estes dois critérios distintivos hoje atravessam uma crise sem precedentes, e eu posso
dizer que hoje eles quase não se aproveitam mais. Por quê? Por que a gente tem um problema
enorme com as duas principais diferenças entre serviço público e atividade econômica,
tradicionalmente consagrados?
Em primeiro lugar porque quando a (?) presta serviços lá no Metrô, quando a Light ou a
CEG prestam serviços de distribuição de energia elétrica ou de fornecimento de gás, o que é que
elas querem? Não é o bem da coletividade, e isso eu posso assegurar a vocês. Elas estão atrás do
intuito lucrativo. Há finalidade lucrativa. Uma vez que se admite expressamente que particulares,
por delegação do poder público, prestem serviços públicos, não dá pra dizer mais que os serviços
públicos são atividades com finalidade não-lucrativa. Então essa primeira distinção tem já os seus
problemas na vida moderna.
E o segundo critério, que é o critério da livre iniciativa? Em primeiro lugar: a atividade
econômica mais típica do que a atividade no mercado financeiro, a atividade bancária... banco está
dentro da livre iniciativa? A livre iniciativa é clara na atividade bancária? Há poucos setores que
estão sujeitos a uma regulação estatal mais rigorosa do que a atividade financeira. Há uma forte
regulação estatal nesta atividade, assim como em outras. Há atividades econômicas hoje que, não
obstante não são serviços públicos e nem de titularidade do poder público, estão sujeitas a
regulações bastante intensas, o que reduz bastante a livre iniciativa, ou pelo menos a liberdade de
agir conforme...Então esse é o primeiro aspecto. O segundo aspecto é o seguinte: há uma séria
crise na idéia de que alguns serviços públicos não estejam no campo da livre iniciativa. Quer ver
um problema? Artigos 209 e 199 da CF.

Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:


I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

Ora, até bem pouco tempo atrás não havia qualquer dúvida de que saúde e educação
eram serviços públicos, não obstante o texto constitucional, em dois dispositivos, assegurar que a
prestação de assistência à saúde e a prestação da educação são livres à iniciativa privada. Ainda
tem um outro problema: A CF/88, lá no art. 21, XII, diz assim:

Art. 21. Compete à União:


XII - explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
a) o serviço de radiodifusão sonora ou de sons e imagens;
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de
água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;

E também art. 21, XI:

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Art. 21, XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os
serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos
serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais.

A Lei geral de telecomunicações (a chamada LGT) diz o seguinte... quem pode prestar
hoje o serviço de telefonia celular? Qualquer um, qualquer empresa dessas que já tenham alguma
concessão ou permissão e que prove que atende aos requisitos da Lei pode ser autorizada a
prestar o serviço de telefonia celular.
Ora, autorização, tradicionalmente, é ato típico do Poder de Polícia . É ato de
consentimento do Poder de Polícia pelo qual o Poder Público consente com a realização de uma
determinada atividade, normalmente atividade econômica. Nunca se falou em autorização de
serviço público. As formas de transferir, de delegar ao particular a prestação de serviços públicos
pelo seu titular normalmente são a concessão e a permissão. São as formas tradicionais que o
Direito Administrativo chancela de delegação de serviços públicos aos particulares, ou seja, o ente
que tem a titularidade do serviço delega, através de concessão ou permissão, ao particular a
prestação de um determinado serviço público. Quando a CF/88, e agora a LGT, inserem no regime
de prestação de serviços a figura da autorização e meio que admitem (como a LGT) que qualquer
um que prove atender às condições possa prestar o serviço, o que eu estou estabelecendo aí ?
Qual é a diferença entre isso e o regime de regulação bancária? Eu estou praticamente
estabelecendo um regime de livre iniciativa, um regime de controle muito próximo ao regime de
regulação de algumas atividades econômicas. Então não dá pra dizer absolutamente hoje que não
tem, em qualquer caso, livre iniciativa para serviços públicos, ou então eu preciso dizer (e há
autores que sustentam isso) que saúde , educação e telefonia celular não são serviços públicos,
são atividades econômicas de interesse público.
Tem gente que soluciona este problema transferindo essas atividades pro campo dos
serviços públicos, e, aí sim, eu mantenho a definição de serviços públicos como a atividade
titularizada pelo Poder Público que escapole à livre iniciativa.

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