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38.

º CURSO
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
VIA PROFISSIONAL – 1.ª CHAMADA

GRELHA DE CORREÇÃO

QUESTÕES SOLUÇÕES VALOR

I. REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO

1. Identificação do processo, do • Número do processo: 123/2019.EVR 0,30


requerimento, do requerente, do
destinatário do requerimento e • Tribunal: Juízo Central Criminal de Évora
da decisão recorrida
• Entidade a quem se dirige o requerimento: Juiz do Juízo Central
Criminal de Évora

• Requerente – Ministério Público

•Tipo de requerimento – recurso

•Decisão recorrida – acórdão proferido nos autos

2. Identificação do Tribunal de Tribunal da Relação de Évora (artigos 427.º e 432.º, a contrario, do Código 0,20
Recurso de Processo Penal; artigo 32.º, n.º 1, e Anexo I, da LOSJ)

3. Regime do recurso: momento Subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo – 0,50
de subida, local e efeito disposições conjugadas dos artigos 399.º, 401.º, n.º 1, alínea a), 406.º, n.º 1,
407.º, n.º 2, alínea a), 408.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Processo

1
Penal.

II. RECURSO

1. FUNDAMENTOS 1

1.1. Alteração não substancial O acórdão procede a alteração não substancial dos factos da acusação 2
de factos não comunicada – sem que tal tenha sido previamente comunicado ao arguido, como impõe
nulidade do acórdão o artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando considera como
provado que era o arguido BB quem levava e utilizou a espingarda (factos
provados n.ºs 9 e 11 vs. factos 8 e 10 da acusação).

Tal conduziria a nulidade do acórdão (artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do


Código de Processo Penal), nulidade que deveria ser arguida no recurso.

Porém, este facto deve ser impugnado (infra), pois o tribunal não
dispunha de meios de prova valoráveis que lhe permitisse chegar a tal
conclusão. Sendo procedente tal impugnação, ficaria prejudicado o
conhecimento da nulidade.

1.2. Omissão de pronúncia Com os factos descritos na acusação (cuja qualificação jurídico-penal foi 2,5
quanto ao crime de coação propositadamente deixada em branco), os arguidos AA e BB cometeram
agravada, na forma tentada, também, como autores 2 e em concurso efetivo com os demais, um crime
imputado aos arguidos de coação agravada, na forma tentada, previsto e punido pelas
disposições conjugadas dos artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, 155.º, n.º 1, alínea a),
22.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e b), 23.º, e 26.º do Código Penal, e artigo 86.º,
n.º 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (“AA, que empunhava a
descrita espingarda de caça de calibre 12, com os dois canos serrados,
apontou-a na direção de DD, que residia em apartamento em frente à loja
e assomou à janela do mesmo, dizendo-lhe que se chamasse a polícia
levaria um tiro”). Note-se que esse ato não é instrumental da subtração
que ocorria, pelo que não integra crime de roubo.

O acórdão não se pronuncia sobre tal crime, apesar de considerar os


factos, no essencial, como provados (imputando-os a BB em vez de AA, o
que, para este efeito, não se afigura relevante, pois continua a dar como
provado que todos os agentes “combinaram conjuntamente utilizar
todos os meios necessários à concretização da apropriação dos objetos
existentes na montra do referido estabelecimento e atos subsequentes,
designadamente, viaturas e arma de fogo a utilizar” e que “agiram em

1 Recorde-se que, como constava do enunciado, a presente prova consistia na elaboração de um recurso interposto pelo Ministério Público da
decisão final proferida, devendo considerar-se que o Ministério Público colocava em crise matéria atinente a) à subsunção fático-jurídica, b) à
observância do princípio da vinculação temática, c) à prova proibida, d) às nulidades da sentença e/ou vícios constantes do artigo 410.º do
Código de Processo Penal, e que o recurso deveria incidir obrigatoriamente sobre toda a matéria constante das supra referidas alíneas, cuja
ordem era aleatória e não deveria condicionar a lógica da argumentação, não sendo valorizado o tratamento de outra qualquer questão, a não
ser que se encontrasse necessariamente ligada à matéria que dessas alíneas consta. Note-se, ainda, que ficou aí expresso que deveria ser
analisadas todas as questões acima mencionadas ainda que a procedência de qualquer uma delas prejudicasse, na prática, o conhecimento
subsequente de outras.
2 Sobre a imputação do crime a ambos os arguidos, como coautores ou como instigadores, cf. infra ponto 1.4.3.

2
conjugação de esforços e comunhão de intentos, na execução de plano
por eles previamente traçado, utilizando o auxílio mútuo para melhor
concretizarem os seus intentos, tendo a atuação de cada um sido
determinante para a obtenção do resultado que almejavam e
concretizaram”).

Tal omissão acarreta a nulidade do acórdão – artigo 379.º, n.º 1, alínea c),
do Código de Processo Penal.

Neste ponto, deveria o recorrente pugnar para que o TRE suprisse tal
vício, condenando os arguidos pela prática de tal crime – artigo 379.º, n.º
2, do Código de Processo Penal (infra ponto 1.5.3.). Note-se que a matéria
da escolha e medida da pena não é objeto desta prova.

1.3. Proibição de prova de No julgamento, o arguido AA respondeu às perguntas da Juiz Presidente, 2,5
valoração das declarações admitiu a prática dos factos descritos na acusação, com as seguintes
do arguido AA na parte em ressalvas: negou ser possuidor ou ter sido ele a empunhar e disparar a
que envolvem o coarguido caçadeira de canos serrados, de calibre 12, o que foi feito pelo arguido BB.
BB e consequente alteração Porém, recusou depois responder às perguntas do advogado do
dos factos provados coarguido BB.

Deste modo, as declarações de AA não podem valer como meio de prova


em prejuízo de BB – artigo 345.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.

Porém, tal foi o que aconteceu no acórdão, onde o tribunal considerou


como provado que foi BB quem levava a arma e depois a disparou –
factos 8 e 10.

Sem essas declarações, não se faz prova de quem empunhava a arma e a


disparou. Logo, logo deveria ter sido considerado provado que foi um
dos arguidos ou o indivíduo não identificado que os acompanhava que o
fez.

Como consequência do invocado quanto à proibição de valoração das


declarações do arguido AA na parte em que envolvem o coarguido BB,
devem ser alterados os factos provados / não provados no sentido de
que foi um dos arguidos, cuja identidade não se apurou, que empunhava a
arma e a disparou e não BB (factos 8 e 10). Nesta parte, o recurso do MP é
em favor do arguido BB.

1.4. Qualificação jurídico- Erros de enquadramento jurídico-penal feitos pelo tribunal recorrido.
penal 3

1.4.1. Um crime de furto O tribunal considerou provado que “17) Os arguidos ÁLVARO ALVES e 2
qualificado, na BÁRTOLO BOTAS e o terceiro indivíduo cuja identidade não se logrou
forma consumada, apurar agiram com o propósito concretizado de fazerem seu o veículo
previsto e punido BMW com a matrícula AA-11-BB, contra a vontade do seu legitimo
pelas disposições proprietário”.
conjugadas dos

3 Quanto à detenção de arma proibida, o acórdão está correto.

3
artigos 26.º, 203.º,
n.º 1, e 204.º, n.º 1, Havendo subtração de coisa alheia com o propósito de a fazerem sua,
alínea a), e n.º 2, cometeram o crime de furto (na forma qualificada devido ao valor da
alínea f), do Código coisa e ao facto de terem consigo arma, arma essa que estava ao serviço
Penal e não um da execução dos seus planos, como veio a suceder junto ao
crime de furto de estabelecimento comercial e ali poderia ter sucedido se surgisse alguém
uso do veículo, que pudesse a eles obstar) e não o crime de furto de uso.
previsto e punido
pelo artigo 208.º, n.º O dano/incêndio posteriores à consumação do furto qualificado são
1, do Código Penal factos posteriores não puníveis.
(automóvel BMW)

1.4.2. Um crime de No que respeita à subtração e apropriação dos objetos do 2


violência depois da estabelecimento comercial Tecnilar e subsequente condução do
subtração, na forma automóvel Renault em direção ao Agente Carlos Cartaxo, o tribunal
consumada, considerou que “não existiu flagrante delito, pois a execução do ilícito já
previsto e punido tinha terminado”, e assim que existia concurso entre um crime de furto
pelas disposições qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. e), do Código
conjugadas dos Penal (estabelecimento), em concurso com um crime de ofensa à
artigos 26.º, 211.º, integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.ºs 1 e 2, do
210.º, n.ºs 1 e 2, Código Penal.
alínea b), 203.º, n.º 1,
e 204.º, n.º 1, alínea Porém, afigura-se-nos que os arguidos foram efetivamente encontrados
a), e n.º 2, alíneas e) em flagrante delito de furto. A definição de flagrante delito está no artigo
e f), do Código 256.º do Código de Processo Penal, que dispõe, no n.º 1, que se “[é]
Penal, e não um flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de
crime de furto cometer”. Ora, o Agente CC encontrou AA e BB ainda no local do crime
qualificado, p. e p. de furto, quando tinham acabado de colocar nas viaturas as coisas
pelo artigo 204.º, n.º subtraídas e se preparavam para nelas entrar e fugir (factos 8 a 10).
1, al. a), e n.º 2, al. e), Tendo os arguidos, de comum acordo, usado de violência (disparando a
do Código Penal arma de fogo e conduzindo na sua direção) contra o Agente CC para
(estabelecimento), conservar as coisas subtraídas, está preenchido o crime de violência
mais um crime de depois da subtração, na forma consumada, previsto e punido pelas
ofensa à disposições conjugadas dos artigos 26.º, 211.º, 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b),
integridade física 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alíneas e) e f), do Código Penal. É
simples, previsto e certo que pretendiam fugir, mas pretendiam fazê-lo levando consigo as
punido pelo artigo coisas subtraídas, sendo assim este um resultado pretendido.
143.º, n.ºs 1 e 2, do
Código Penal. Estas condutas integram também o crime de resistência e coacção sobre
funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.ºs 1 e 2, do Código
Penal. Este crime, porém, está numa relação de concurso aparente com o
de violência depois da subtracção. O n.º 2 do artigo 347.º contém uma
cláusula de subsidiariedade expressa, que vale implicitamente para o n.º 1
(assim, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 4.ª ed.,
p. 1178-1179, e Monteiro Ramos aí citado).

4
O tribunal considerou como provado que o “o arguido BÁRTOLO BOTAS
1.4.3. Crime de coação [vimos já que deveria apenas ser “um deles”], que empunhava a descrita 2
agravada, na forma espingarda de caça de calibre 12, com os dois canos serrados, apontou-a
tentada, previsto e na direção de Dinis Dório, que residia num dos referidos apartamentos e
punido pelas assomou à janela do mesmo, dizendo-lhe que se chamasse a polícia
disposições levaria um tiro” (8) e que “Não obstante atemorizado, Dinis Dório
conjugadas dos telefonou para o Esquadra da PSP de Évora” (9), bem como que “Os
artigos 154.º, n.ºs 1 e arguidos ÁLVARO ALVES e BÁRTOLO BOTAS e o terceiro indivíduo cuja
2, 155.º, n.º 1, alínea identidade não se logrou apurar combinaram conjuntamente utilizar
a), 22.º, n.º 1 e n.º 2, todos os meios necessários à concretização da apropriação dos objetos
alíneas a) e b), 23.º, existentes na montra do referido estabelecimento e atos subsequentes,
e 26.º do Código designadamente, viaturas e arma de fogo a utilizar, se necessário a ser
Penal, e artigo 86.º, disparada contra quem se lhes opusesse” (15), e, finalmente, “Os
n.º 3 e 4, da Lei n.º arguidos ÁLVARO ALVES e BÁRTOLO BOTAS e o terceiro indivíduo cuja
5/2006, de 23 de identidade não se logrou identificar agiram em conjugação de esforços e
fevereiro. comunhão de intentos, na execução de plano por eles previamente
traçado, utilizando o auxílio mútuo para melhor concretizarem os seus
intentos, tendo a atuação de cada um sido determinante para a obtenção
do resultado que almejavam e concretizaram” (19).

Estes factos foram praticados na execução de plano definido por todos


previamente, de acordo com a repartição de tarefas acordada, na
presença e com domínio do facto por todos. A participação de cada um
era essencial à concretização do plano. É um crime instrumento
necessário à consumação daquele que era o principal objetivo dos
arguidos (o furto). Nestes termos, e ainda que não se saiba qual dos
arguidos empunhava a arma, o crime deve ser imputado a ambos como
autores. Pode discutir-se se se trata de coautoria ou de instigação
(recíproca), mas será sempre ao abrigo do artigo 26.º do Código Penal.

Pelo exposto, cometerem AA e BB, como autores e em concurso efetivo


com os demais, um crime de coação agravada, na forma tentada, previsto
e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, 155.º,
n.º 1, alínea a), 22.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e b), 23.º, e 26.º do Código Penal,
e artigo 86.º, n.º 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.

2. Conclusões e pedido 4

As conclusões devem, obedecendo ao disposto no artigo 412.º do Código


de Processo Penal:

• Serem sintéticas e formuladas em artigos

• Na parte em que o recurso versa sobre matéria de direito, indicar


as normas jurídicas violadas e para sentido em que, no
entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou
cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia
ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada.

• Na impugnação da matéria de facto (como decorrência da

5
proibição de utilização de meio de prova) a identificação do(s)
facto(s) a alterar e o sentido em que devem ser alterados, e as
demais provas que permitem essa conclusão

Devem ainda conter a síntese do que se pede ao Tribunal de recurso:

• Declarar a nulidade do acórdão por:

• Ter procedido a alteração não substancial de factos sem


que a comunicasse aos arguidos;

• Não se ter pronunciado quanto ao crime de coação


agravada, na forma tentada, imputado aos arguidos;

• Declare a proibição de valoração das declarações do arguido AA


na parte em que envolvem o coarguido BB e,
consequentemente, altere nessa parte os factos provados
(perdendo relevância a referida nulidade do acórdão por ter
procedido a alteração não substancial de factos não
comunicada)

• Em consequência, e suprindo a segunda referida nulidade, face


aos factos provados, condenar AA e BB pela prática, em autoria
e em concurso efetivo, de:

o um crime de furto qualificado, na forma consumada,


previsto e punido pelas disposições conjugadas dos
artigos 26.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2,
alínea f), do Código Penal;

o um crime de violência depois da subtração, na forma


consumada, previsto e punido pelas disposições
conjugadas dos artigos 26.º, 211.º, 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea
b), 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alíneas e) e
f), do Código Penal;

o um crime de coação agravada, na forma tentada,


previsto e punido pelas disposições conjugadas dos
artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, 155.º, n.º 1, alínea a), 22.º, n.º 1 e n.º
2, alíneas a) e b), 23.º, e 26.º do Código Penal, e artigo
86.º, n.º 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro;

o um crime de detenção de arma proibida, na forma


consumada, previsto e punido pelas disposições
conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas p), i, s), v), ar),
3.º, n.º 2, alínea l), e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006,
de 23 de fevereiro.

6
III. Estrutura Lógico-Formal do 2
Recurso. Organização do
discurso técnico-jurídico e
linguagem utilizada.

Estruturação do recurso nos termos referidos nesta grelha, com as suas


diversas partes, terminando com as conclusões. Na fundamentação do
recurso, respeito pela sequência lógica aqui utilizada
(nulidades/proibições de prova, consequente alteração da matéria de
facto provada, correto enquadramento jurídico-penal desses factos).

Correção da linguagem, que deverá ser clara, rigorosa e precisa,


revelando capacidade de síntese.

TOTAL 20

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