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39.

º CURSO
PROVA DE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA

GRELHA DE CORREÇÃO

AUTOCARRO

GRUPO I
Factos Notas de Correção Valor
1-8 ANTONINO, condutor da Rodoviária A conduta de A é subsumível no crime de
Internacional, irritado com um condutor (de condução perigosa de veículo rodoviário,
nome CAMÕES) de um veículo ligeiro que já previsto e punido pelo artigo do Código Penal
o tinha ultrapassado por três vezes decide, já a [viola de forma grosseira as regras estradais, pois
perder a paciência, ultrapassá-lo pela quarta faz a manobra de ultrapassagem transpondo traço
vez. contínuo) e desse modo cria perigo para a vida e
integridade física do condutor da bicicleta, do
Confiando que nenhum veículo seguia em condutor do veículo que ultrapassou e dos
sentido contrário – já que era de noite e não ocupantes do autocarro). A conduta (condução) é
havia sinais de quaisquer luzes vindas da dolosa, mas a criação do perigo é negligente,
direção oposta –, ANTONINO iniciou a artigo 291.º, n.º 3, do CP, com a agravação
prevista no art. 294.º, n.º 1. É também aplicável 1 valor
manobra de ultrapassagem, embora ciente que
a pena acessória de proibição de conduzir,
para o efeito transpunha o traço contínuo que prevista no artigo 69.º, n.º 1, al. a), do CP.
separava os dois sentidos de trânsito daquela Esta conduta é subsumível, ainda, ao crime de
via (facto que constitui a prática de uma homicídio por negligência, previsto e punido
contraordenação grave prevista e punida no pelo art. 137.º, n.º 1 e 2 do CP e ao crime de
Código da Estrada). ofensa à integridade física por negligência,
previsto e punido pelo artigo 148.º, n.º 1 ou 2, do
Durante essa manobra, e quando o autocarro Código Penal [A viola um dever objetivo de
que conduzia se encontrava já na faixa de cuidado, causa um resultado que podia e devia 1+1
rodagem contrária, embateu numa motorizada prever e que era evitável: art. 15.º, al. a) do CP]. valores
que seguia na sua mão de trânsito sem A relação de concurso entre estes crimes será
quaisquer luzes ligadas. tratada infra.
A conduta negligente de A deverá ser qualificada
Esta motorizada era conduzida por como grosseira: praticou a contraordenação
BERNARDINO que, sendo portador de uma identificada na prova, sendo que sobre si recaía
taxa de álcool no sangue de 2,5 gr/litro, se tinha um especial dever de cuidado considerando a sua
esquecido de as acender. profissão de motorista.
De notar que B (cuja responsabilidade penal se
Em resultado do embate, BERNARDINO foi extinguiu por falecimento), também viola um
projectado a cerca de 10 metros, tendo sofrido dever objetivo de cuidado, pois encontrava-se em
várias lesões físicas que lhe determinaram, estado de embriaguez e, por isso, conduzia sem
directa e necessariamente, a morte. luzes. Tal conduta é também causa do embate do
seu veículo no autocarro conduzido por A e no
Perdendo o controlo do veículo por força deste embate no veículo de C. Coloca-se, assim, o
embate, ANTONINO não conseguiu evitar que problema de causalidade (e culpa) cumulativa 1 valor
o autocarro capotasse. entre a conduta de B de A. De acordo com a
teoria da conexão do risco, que tem sido acolhida
Embora do capotamento não tivessem pela jurisprudência nacional, a causalidade
resultado lesões físicas visíveis para cinco dos cumulativa não afeta a responsabilidade penal de
passageiros, dois outros sofreram lesões graves A (neste sentido, veja-se o Ac. TRL de
que lhes provocaram direta e necessariamente 06/06/2018, proc. 341/14.0GALSD.P1, Pedro
a morte, ao passo que os restantes quatro Vaz Patto).
sofreram apenas ligeiras escoriações em Quanto a A, por seu turno, há que apreciar a
diversas partes do corpo. relação de concurso de crimes (efetivo/aparente),
em dois planos:
1) entre o crime de condução perigosa e os de
homicídio/ofensas negligentes.
Os bens jurídicos são distintos (o bem jurídico
pessoal da “segurança rodoviária” no da
condução perigosa e os bens jurídicos “vida e
integridade física” nos crimes negligentes
referidos).
A cria perigo concreto para a vida e integridade
física de terceiros (os não atingidos) (e atinge a
vida e a integridade física de outros que foram
vítimas efetivas da sua conduta).
Cremos que a resposta correta será a que defende
a prática em concurso efetivo dos crimes
referidos, desde logo porque não há dúvida
quanto à colocação em perigo concreto dos bens
jurídicos vida e ofensa à integridade física, além
dos que efetivamente foram atingidos em tais
bens jurídicos, caso em que poderiam colocar-se
mais dúvidas quanto à sua relação de consunção
(neste sentido, FIGUEIREDO DIAS e NUNO
BRANDÃO, Comentário Conimbricense ao
Código Penal, Tomo I, Coimbra: Coimbra
Editora, 2.ª edição, p. 187; PAULA RIBEIRO
DE FARIA, Comentário Conimbricense ao
Código Penal, Tomo II, Coimbra: Coimbra
Editora, p. 1091, Ac. STJ 22-11-2007, proc.
05P3638, Arménio Sottomayor). Note-se, ainda, 1,5 valor
que não se justifica, assim, a agravação do crime
de condução perigosa pelo resultado morte (art.
294.º, n.º 3 e 285.º, do CP), sendo tal resultado já
tutelado pelo crime de homicídio por negligência
(entendimento diverso viola o pr. ne bis in idem).
2) Há ainda que apreciar a existência ou não
de concurso efetivo entre os crimes
negligentes.
Em consequência do sinistro rodoviário,
morreram 3 pessoas e 4 ficaram com lesões não
graves.
No essencial, a opção por um concurso aparente
ou efetivo, é sobretudo fruto da valoração da
vertente de culpa e da violação de um único dever
objetivo de cuidado (vertente subjetiva) OU do
resultado objetivo (os diversos bens jurídicos
pessoais efetivamente atingidos).
Ambas as posições são defensáveis (conforme
revela a diversa doutrina e jurisprudência),
consoante se entenda prevalente a vertente
subjetiva ou a vertente objetiva (no sentido do 1 valor
concurso aparente, vejam-se Ac. STJ
13/07/2011, proc. 1659/07.3GTABF.S1,
Henriques Gaspar e Ac. TRL de 04/04/2019,
proc. 15/14.1GTALQ.L1-9; no sentido do
concurso efetivo veja-se, entre outros,
FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral,
T. 1, 3.ª ed., p. 1172-1174).
Nestes termos, sustentando-se o concurso
aparente, A é responsável por um único crime de
homicídio com negligência grosseira a que
acrescerá o supra aludido crime de condução
perigosa. Em caso de defender-se o concurso
efetivo, teremos 3 crimes de homicídio por
negligência grosseira, 4 crimes de ofensa à
integridade física por negligência e um crime de
condução perigosa.
9-10 ANTONINO, que sofrera também apenas A pratica um crime de homicídio simples, na
escoriações na face, logrou sair do autocarro e forma tentada (arts. 131º, nº 1 e 22º, nº1, nº2, al.
vendo o veículo de CAMÕES, que parara uns b) , 23º, nº1, todos do CP); admite-se a discussão
metros mais à frente, dirigiu-se-lhe. quanto ao privilegiamento previsto no art. 133.º–
“emoção violenta”, ainda que para o afastar,
Constatando que CAMÕES se encontrava considerando ter sido a situação provocada pelo
ainda sentado no banco do condutor e falava ao próprio, não sendo assim a mesma minimamente
telemóvel que tinha na mão, ANTONINO, “compreensível”; admite-se a alusão à
possibilidade da sua qualificação nos termos do
absolutamente fora de si, e imputando
art. 132.º, n.º 1 do CP (não se vislumbrando,
mentalmente a CAMÕES todo o todavia, qualquer dos exemplos-padrão
circunstancialismo que motivara o acidente, constantes do seu n.º 2, pelo que a qualificação
abriu a porta do lado do condutor e apertou-lhe sempre teria de se alicerçar num exemplo-padrão
o pescoço com toda a força que lhe restava. não típico, que permita afirmar sobretudo a 1 valor
“especial censurabilidade” referida no n.º 1).
11-12 Sentindo-se asfixiado, CAMÕES largou o A conduta de C integra a previsão do crime de
telemóvel, e conseguindo pegar na garrafa de ofensa à integridade física grave (art. 144.º, al. b)
vinho que tinha comprado para o jantar, que do CP), no entanto, numa atuação ao abrigo de 1 valor
tinha a seu lado, vibrou com ela um forte golpe legítima defesa (art. 32.º do CP), pelo que fica
na cabeça de ANTONINO que caiu caído assim afastada a ilicitude da sua conduta.
inanimado no chão.
Em resultado dessa pancada, ANTONINO
sofreu lesões que lhe provocaram uma
hemorragia interna, o que viria a deixá-lo
incapacitado para o exercício da sua profissão
de motorista.

13-15 Sucede que, no momento em que era atacado


por ANTONINO, CAMÕES estava ainda a
falar com os serviços do INEM através do
número 112, solicitando o socorro das pessoas
envolvidas no acidente que presenciara, facto
que o seu agressor desconhecia.

Entretanto, DUARTE, que desconhecia que os


serviços de emergência já tinham sido D pratica um crime de furto qualificado (arts.
avisados da ocorrência, e que pôde ver tudo o 203.º e 204.º, n.º 1, al. d) do CP (age ao abrigo de 1 valor
que acontecera já que seguia atrás da viatura uma única resolução criminosa, ainda que
abrangendo bens pertencentes a diversas
acidentada, parou o seu veículo e recolheu três
pessoas).
das malas que se encontravam espalhadas pela
faixa de rodagem e pela berma, pertencentes
aos passageiros do autocarro.

DUARTE, tendo colocado as malas no seu


D pratica um crime de omissão de auxílio (art. 0,5 valor
veículo, logo se apressou a sair do local sem se
200.º, n.º 1 CP)
preocupar em saber como se encontravam os
passageiros do autocarro, nomeadamente se
estas precisariam de alguma assistência
médica.

16-21 DUARTE, ao chegar a casa tratou de examinar - E e D aparentemente praticam, em coautoria,


o conteúdo das malas, tendo numa delas atos suscetíveis de integrar um crime de tráfico
encontrado uma carteira com 200 euros, noutra de estupefacientes, previsto e punido pelo art.
um fio de ouro com o valor de 1000 euros e, na 21.º do DL 15/93, de 22/1, na sua forma
terceira, um saco de plástico com um produto agravada, (art. 24.º, al. a) e h)) no que diz respeito
em pó branco, com um peso a rondar os 2 kg, e a transações a realizar junto de uma escola.
Com efeito, D passa a deter produto que crê
que presumiu tratar-se de cocaína.
tratar-se de cocaína e formula um plano para o
Ao mesmo tempo estupefacto e amedrontado – distribuir/vender a terceiros, conjuntamente com
já que alguém “importante” devia seguir em tal E, a quem entrega o produto para o acondicionar.
autocarro –, DUARTE ligou a um seu Contudo, conforme se vem a verificar, o produto
não é cocaína prevista na Tabela I-B anexa, mas
conhecido que sabia ter ligações ao mundo da
antes veneno para desbaratização.
droga, o ERVAS, a quem pediu que fosse ter Pode eventualmente defender-se aqui que ambos
consigo no dia seguinte, não a sua casa, mas os agentes (D e E), praticam uma tentativa
numa zona florestal sita nas proximidades, impossível punível ao abrigo do disposto no
onde estariam mais abrigados de olhares artigo 23.º, n.º 3, do CP. Com efeito, a substância
curiosos. aparenta ser cocaína e a respetiva inexistência
não é manifesta (num primeiro momento, nem
No decurso do referido encontro, o ERVAS sequer para o ERVAS, que é conhecedor do
sugeriu que no dia seguinte fossem até às mundo da droga). Segundo esta perspetiva,
redondezas de uma escola secundária sita em denominada de teoria da impressão, bastará que
Vendas da Hora, que sabiam ser frequentada o meio do crime não seja manifestamente (no
por consumidores, incluindo alunos dessa e de sentido de visível para a generalidade das
outras escolas. ERVAS, que era quem tinha pessoas) inidóneo ou o objeto manifestamente
“prática” e “conhecimentos” em tal atividade, inexistente (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal,
ficou com o produto de modo a acondicioná-lo Parte Geral, T. 1, 3.ª ed., p. 835-839). Esta
em pequenos sacos para permitir a sua venda. interpretação, contudo, pode ser de difícil
compatibilização constitucional, quando lida à
Como combinado, DUARTE e ERVAS luz do princípio da necessidade (artigo 18.º, n.º 2,
encontraram-se às 8.00 horas da manhã, num da CRP). Por exemplo, poderá levar à punição de
parque de estacionamento sito a cerca 50 uma tentativa de aborto (fora das condições
metros da referida Escola. Ali, ERVAS legais), de uma mulher não grávida.
devolveu o produto, que já se encontrava todo Neste contexto, crê-se que a posição contrária é
também defensável, desde logo porque estamos
dividido em pequenos sacos, a DUARTE
no âmbito de um crime de mera atividade e de
dizendo-lhe: “Tive eu um trabalhão a dividir
perigo abstrato. Com efeito, constituindo o crime
isso, e olha, depois experimentei só um de tráfico de droga já uma antecipação da tutela
bocadinho, pá, e senti-me logo mal. Isso não é penal, prevendo um conjunto de atividades
coca, não vendas isso a ninguém, essa cena não puníveis independentes de qualquer resultado
presta”. danoso ou sequer perigo concreto, uma nova
DUARTE, não querendo saber da informação extensão da tutela penal pela figura da tentativa
transmitida por ERVAS e se alguém se iria afigura-se controversa (o Ac. TC. n.º 262/2001
sentir ou não mal, nesse mesmo dia e local aflora este problema sem, contudo, se pronunciar
vendeu quatro sacos, contendo cada um deles sobre ele). Fará sentido punir a tentativa de
0,25 gramas de produto, pelo valor total de detenção de droga quando a detenção é já uma
100 euros, a um casal de namorados, antecipação da punição relativamente à venda?
Não estaremos aqui perante uma tentativa de uma
FERNANDO e GEORGINA, ambos com 17
tentativa? Este problema torna-se
anos.
particularmente visível em relação a E. Nestes
Ao consumirem, como se de cocaína se termos, partindo da própria natureza do crime de
tratasse, um produto que se viria a constatar tráfico, na modalidade aqui em causa, poderá ser
sustentada a não punibilidade da tentativa
tratar-se de veneno de desbaratização,
impossível sob pena de violação do princípio da
FERNANDO e GEORGINA, vieram a sofrer necessidade. Por seu turno, numa visão unitária
de intenso mal-estar físico, designadamente, do instituto da tentativa penal, a interpretação do
elevadas subidas de temperatura e fortes dores art. 23.º, n.º 3 deve ser conjugada com o artigo
de estômago, vindo a ser internados em 22º, n.º 2, do CP, no sentido deste último definir
Hospital onde, por receberem tratamento em geral a tentativa e o primeiro delimitar a
médico urgente, se logrou evitar a morte dos respetiva punibilidade. Caso se entendesse que
mesmos por envenenamento. os atos de execução da tentativa impossível
punível, assumiam autonomia relativamente aos
atos da tentativa possível (art. 22.º, do CP)
incorrer-se-ia numa contradição axiológica pois
a punição da tentativa impossível seria mais
extensa do que na tentativa possível, apesar de
nesta se verificar um efetivo perigo de
cometimento do ilícito e naquela uma mera
aparência de perigo (MARIA FERNANDA
PALMA, Da Tentativa Possível em Direito
Penal, p. 66). No nosso caso, porque a substância
em causa não trata de cocaína mas sim de veneno
para desbaratização, inexiste em absoluto o
objeto e meio do crime de tráfico. Quanto à
inexistência de objeto, já CAVALEIRO de
FERREIRA defendia que se deveria excluir a
própria tentativa e falar-se antes de crime
impossível em vez de tentativa impossível
(Lições de Direito Penal, Parte Geral, 4.ª ed, p.
436). Por sua vez o mesmo autor distinguia entre
inidoneidade absoluta do meio, quando este é por
sua natureza inapto a produzir o resultado e
inidoneidade relativa, quando o meio é em si
mesmo idóneo mas inapto nas circunstâncias em
que foi empregue. Ora, in casu, a substância é
meio absolutamente inidóneo para produzir
qualquer efeito estupefaciente (dir-se-ia que o
veneno só poderá transformar-se em cocaína por
um ato de magia). Também por via desta
argumentação é, pois, defensável a não punição
destas condutas de E e D, pois inexistem atos que
possam minimamente satisfazer a condição de
idoneidade ou adequação, pressuposto da
tentativa punível ao abrigo do artigo 23.º, n.º 3,
lido em conjunto com o artigo 22.º, n.º 2 e em
conformidade com a CRP.
Nesta esteira, de acordo com a argumentação, o 2 (ou 3)
candidato deve ser valorado num máximo de 2 valores
valores, no caso de defender a tentativa
impossível punível do crime de tráfico e, no caso
de defender a impunidade, 3 valores (ademais
porque conforme resultará infra, o primeiro
beneficiará de mais um valor caso complete o seu
raciocínio com o concurso efetivo com os crimes
de ofensas à integridade física, agravados pelo
resultado).
20-21 DUARTE, não querendo saber da informação - D pratica, pelo menos com dolo eventual, dois
transmitida por ERVAS e se alguém se iria crimes de ofensa à integridade física, previstos
sentir ou não mal, nesse mesmo dia e local no art. 143.º, n.º 1, do CP.
vendeu quatro sacos, contendo cada um deles Tais crimes são agravados pelo resultado (artigo
0,25 gramas de produto, pelo valor total de 147º, n.º 2, do CP – pois D, ao vender a “droga”
falsa criou, de forma negligente (negligência 1 valor
100 euros, a um casal de namorados,
inconsciente), perigo para a vida de Fernando e
FERNANDO e GEORGINA, ambos com 17
Georgina.
anos.

Ao consumirem, como se de cocaína se


tratasse, um produto que se viria a constatar - Tendo em conta a diversidade de bens jurídicos
tutelados (o crime de tráfico, para além de tutelar
tratar-se de veneno de desbaratização,
o bem jurídico vida e integridade física, tutela a
FERNANDO e GEORGINA, vieram a sofrer 1 valor
saúde pública), existe concurso efetivo dos
de intenso mal-estar físico, designadamente, crimes de ofensa com a tentativa impossível de
elevadas subidas de temperatura e fortes dores crime de tráfico (caso se considere tal tentativa
de estômago, vindo a ser internados em punível). De reparar que, caso se sustente esta
Hospital onde, por receberem tratamento solução, os agentes (D e E), são punidos mais
médico urgente, se logrou evitar a morte dos severamente do que no caso de terem praticado o
mesmos por envenenamento. crime de tráfico de estupefacientes na sua forma
perfeita, pelo que, reitera-se, a posição da não
responsabilização destes agentes pelo crime de
tráfico afigura-se ser, porventura,
axiologicamente mais consistente.

II Parte (6 valores)
Responda às questões:

1. Tendo o INEM e a entidade policial chegado ao local do acidente, um agente policial


apercebeu-se que havia uma mala que estava na faixa de rodagem e se encontrava aberta.
No interior desta via-se um saco plástico, contendo no seu interior um produto que o
agente suspeitou poder tratar-se de produto estupefaciente.
1.1. Qual deveria ser a conduta subsequente do agente policial à luz da lei processual
penal? (2 valores)

Há, desde logo, a notícia de um crime, que deverá ser levada ao conhecimento do MP
(art. 241.º do CPP), que é de denúncia obrigatória (art. 242.º, n.º 1, al. a) e 248.º do CPP), que
deverá originar a elaboração de um auto de notícia, nos termos previstos no art. 243.º (sendo
relevantes todos os seus números); considerando a aparência da substância existente no saco
plástico, o agente policial deveria proceder de acordo com o que se dispõe no art. 249.º, n.os 1, 2,
al. a) e c), com referência aos arts. 171.º, n.º 2, 173.º e 178.º, n.º 1, 5 e 6, todos do CPP.

2. Um desconhecido, que não se identificou, telefonou à PSP relatando que tinha


conhecimento que DUARTE possuía um plano para vender produto estupefaciente. Na
posse dessa informação, a entidade policial elaborou uma informação de serviço, que veio
a desencadear uma investigação que redundou na autorização de uma busca domiciliária
com vista a localizar e apreender o restante produto de que DUARTE se apoderara, e que
estava escondido num armário da cozinha da casa onde vivia.

DUARTE, com 21 anos, vivia com a mãe MIQUELINA, em casa desta. Foi
MIQUELINA que deu o consentimento para a realização da busca domiciliária referida
já que, nessa altura, DUARTE não se encontrava presente.

2.1. Apreendido o produto no condicionalismo que ficou descrito, qual a entidade


judiciária competente para se pronunciar sobre a validade da apreensão? (1 valor)

O produto apreendido deve ser apresentado pelo OPC nos termos do disposto no art. 178.º, n.º 6
do CPP, à entidade competente para se pronunciar sobre a validade da apreensão, que é o titular da
investigação, portanto, o Ministério Público (arts. 178.º, n.º 3, 263.º e 267.º do CPP), cabendo-lhe avaliar
da sua relevância para efeitos probatórios; com efeito, não está em causa qualquer ato da competência
exclusiva do Jic previstos nos arts. 268.º e 269.º do CPP, sendo que, no que diz respeito às apreensões
somente lhe cabe, em exclusivo, as referidas nos arts. 268.º, n.º 1, al. c) e d) e 269.º, n.º 1, al. d) do CPP.

2.2. Qual deveria ser o sentido do despacho a proferir por essa entidade? (1 valor)

Considerando o disposto no art. 174.º, n. os 2 e 5, al. b) do CPP, a busca é válida. A resposta


deve problematizar a validade do consentimento prestado pela Mãe do Duarte: trata-se de espaço
onde nenhuma “reserva da privacidade ou intimidade” do suspeito se mostra tutelada (é espaço
comum, de uma casa que pertence a quem deu o consentimento); portanto, nenhum problema de
constitucionalidade se coloca que permita aceitar, para o caso, o sentido da recente decisão do TC
n.º 101/2022, que reflecte precisamente os problemas que se colocam e remetem para
jurisprudência do TC anterior também relevante, designadamente os Acs. 507/94 (com voto de
vencido) e 126/2013.
Pode também ponderar-se o modo como a entidade policial teve a notícia do crime (sem
identificação do denunciante), devendo concluir-se pela sua admissibilidade no caso concreto,
pois está baseada numa concretização mínima de factos, por referência ao segmento “relatou o
que sabia das condutas deste”, que configuram a prática de um crime (de natureza pública): arts.
241.º e 246.º, n.º 6 do CPP (já se se tratasse de crime semipúblico ou particular: art. 246.º, n.os 2,
4 e 7): “A denúncia anónima pode determinar a abertura de inquérito desde que refira factos
concretos de onde se possam extrair indícios da prática de crime. Em tal circunstância, e com
base na referida denúncia anónima, é válida a revista efectuada à pessoa do suspeito, e bem
assim a revista ao automóvel em que se fazia transportar.” (Ac. TRE de 24/5/2016, processo
652/15.7GCBNV-A.E1); a contrario “Uma carta anónima, desacompanhada de qualquer outro
indício, e sem que o próprio texto daquela aponte algum facto concreto susceptível de
investigação, não é suficiente para autorizar a realização de uma busca domiciliária, sob pena de
se abrir a porta à devassa da vida privada.” (Ac. TRP de 12/2/2014, processo 89/13.2GACHV-
A.P1).
3. Durante um inquérito no qual se investiga um crime de homicídio (artigo 131.º do
Código Penal) praticado por desconhecidos, o OPC recolheu material biológico no local
do crime. Com o material recolhido pretende-se agora chegar à identidade do eventual
autor do crime.

3.1. Qual o regime legal aplicável e quais os procedimentos necessários ao mencionado


fim? (2 valores)

O regime legal aplicável é a Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro.


Esta lei estabelece os princípios de criação e manutenção de uma base de dados
de perfis de ADN, para fins de identificação civil e de investigação criminal, regulando,
para o efeito, a recolha, tratamento e conservação de amostras de células humanas, a
respetiva análise e obtenção de perfis de ADN e a metodologia de comparação de perfis
de ADN extraídos das amostras, bem como o tratamento e conservação da respetiva
informação em ficheiro informático (art. 1.º, n.º 1).
A recolha de amostras deixadas em determinado local, com finalidades de
investigação criminal, realiza-se de acordo com o disposto no artigo 171.º do Código de
Processo Penal (art. 8.º, n.º 5), devendo manter-se a cadeia de custódia respetiva (art. 18.º,
n.º 5). O material biológico recolhido em local, cuja identidade se pretende determinar,
denomina-se “amostra”, mais especificamente, “amostra problema” (art. 2.º, al. b) e c)).
Para efeitos da lei em referência e no que revela à questão colocada, a eventual
identificação de um suspeito num inquérito contra desconhecidos, é feita através da
comparação de perfis de ADN relativas a amostras de material biológico colhidas em
locais de crimes e em pessoas que, direta ou indiretamente, a eles possam estar associadas,
com os perfis de ADN existentes na base de dados de perfis de ADN (art. 4.º, n.º 3). Isto
quer dizer que antes de se operar o eventual cruzamento com ficheiros da base de dados
existe necessariamente uma etapa preliminar constituída pela comparação direta de
despistagem com pessoas que direta ou indiretamente possam estar associadas ao local
da colheita (neste sentido, PAULO DÁ MESQUITA - A prova em Processo Penal e a
identificação de perfis de ADN - da recolha para comparação direta entre amostra-
problema e amostra-referência às inserções e conexões com a base de dados, p. 572).
Salvo em casos de manifesta impossibilidade, é preservada uma parte bastante e
suficiente da amostra para a realização de contra-análise (art. 11º), sendo certo que a
análise da amostra restringe-se apenas àqueles marcadores de ADN que sejam
absolutamente necessários à identificação do seu titular (art. 12.º, n.º 1). As entidades
competentes para a análise laboratorial estão previstas no art. 5.º, sendo, em regra, o LPC
ou o INMLCF, IP.
Em princípio, os perfis de ADN resultantes de amostras problema para
investigação criminal, recolhidas nos termos do n.º 5 do artigo 8.º, bem como os
correspondentes dados pessoais, quando existam, são inseridos na base de dados de perfis
de ADN (art. 18.º, n.º 3). A identificação resulta da coincidência entre o perfil obtido a
partir da amostra problema e outro ou outros perfis de ADN já inscritos em ficheiro da
base de dados de ADN (arts. 13.º e 15.º). A obtenção de perfis de ADN e os resultados da
sua comparação constituem perícias válidas em todo o território nacional.
Neste caso, a entidade competente para determinar a realização da perícia é o MP.
A interconexão faz-se ao abrigo do art. 19.º, n.º 6. A eventual coincidência decorrente da
inserção de perfil obtido é comunicada ao processo se o juiz competente, oficiosamente
ou na sequência de requerimento escrito fundamentado do Ministério Público, decidir por
despacho fundamentado que esta comunicação é adequada, necessária e proporcional,
tendo em conta, nomeadamente, o relatório relativo à recolha da amostra problema (art.
20.º). O relatório pericial apenas é completado com o perfil de ADN do titular dos dados
quando tal for determinado no despacho do juiz. Estas cautelas visam tutelar o direito à
autodeterminação informacional.

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