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Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Disciplina: Direito Penal V


Discentes: Gabrielle Barreto Figueiredo (20190039512)
Larissa de Jesus dos Santos (2018770584)
Docente: Gabriela Borghi Affonso

Pesquisa jurisprudencial e doutrinária acerca dos crimes previstos nos artigos 302 e 303
do Código de Trânsito Brasileiro, com o objetivo de identificar quais critérios a
doutrina e os tribunais pátrios utilizam para identificar o elemento subjetivo do tipo
(dolo/culpa) nos casos de lesão corporal ou morte causados na direção de veículo
automotor.

ARTIGO 302

Renato Brasileiro explica que com o advento do Código de Trânsito Brasileiro em


1998, surgiu a tipificação contida no artigo 302 do já mencionado código que explicita o
homicídio culposo na direção de veículo automotor, anteriormente sendo regida pelo artigo
121, § 3º do Código Penal e pelo artigo 206 do Código Penal Militar, sem a condição de ser
o crime praticado com determinado veículo.
Neste sentido, tratando o artigo 302 do CTB de crime doloso contra a vida (homicídio
doloso), Cézar Roberto Bittencourt clarifica que as legislações mais modernas optam pelo
princípio da excepcionalidade do crime culposo. Logo, de maneira geral, as infrações são
punidas a título de dolo, e excepcionalmente, a título de culpa, assim, há a necessidade de
estar expressamente prevista a modalidade culposa do delito, segundo o artigo 18, parágrafo
único do Código Penal in verbis “Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido
por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.”. Entretanto, o
doutrinador continua a explicar que o CTB somente prevê a prática de homicídio culposo,
deste modo, se o homicídio na direção de veículo automotor for cometido de maneira dolosa,
o comportamento será enquadrado no art. 121 do Código Penal.
Outrossim, Brasileiro elucida que na modalidade culposa, a conduta é direcionada à
um fim lícito, diferentemente do tipo doloso. Desta forma, no injusto culposo puniria-se uma
conduta mal dirigida, que seria destinada a um fim penalmente irrelevante, sendo quase
sempre lícito, consistindo a culpa em uma inobservância do dever de cuidado, manifestada
em uma conduta que o agente não pretendia, podendo ser obtida por ação ou omissão, por
meio de conduta imprudente (prática de uma conduta arriscada ou perigosa de maneira
comissiva), negligente (a falta de precaução, a indiferença do agente, que, podendo adotar as
cautelas necessárias, não o faz) ou imperita (a culpa do profissional no exercício de
determinada atividade, que depende de conhecimentos técnicos específicos, sem os quais ela
não deve ser realizada).
Importante se faz ressaltar contudo que a não admissão da presunção do dolo pela
jurisprudência não tem passado de simples retórica, que a prática tem demonstrado
exatamente o contrário, especialmente nas duas Turmas do STJ, com algumas exceções,
segundo Bittencourt. Merecendo destaque as exceções desse entendimento da jurisprudência
nos julgamentos: a) STF no Habeas Corpus 107.801/SP (DJe 196, publicado em 13-10-2011,
RJTJRS v. 47, n. 283, 2012, p. 29-44); b) STJ no Habeas Corpus 58.826/RS (2006/0099967-9
— 8-9- 2009, julgado em 19-6-2009).
Destarte, Brasileiro prossegue a explicação orientando que o essencial de um tipo de
injusto culposo como o do art. 302 do CTB não é simplesmente a consumação do resultado,
mas, a forma em que a ação que o desencadeia é realizada. “Por isso, a valoração de se
houve, ou não, a observância do dever objetivo de cuidado, isto é, a diligência devida,
constitui o elemento fundamental da caracterização do tipo de injusto culposo”. Portanto, a
observância da diligência devida pelo condutor do veículo automotor afasta a tipificação do
crime.
Bittencourt afirma ainda que a culpa pode receber ainda as classificações de
consciente e inconsciente:
“Afora a dificuldade prática de comprovar, in concreto, na maioria dos casos, qual
das duas espécies ocorreu, destaca-se a praticamente inexistente diferença entre
não prever um resultado antijurídico e prevê-lo, mas confiar, levianamente, na sua
não ocorrência, se este, de qualquer sorte, se verificar. Na verdade, temos
questionado se a culpa consciente não seria, muitas vezes, indício de menor
insensibilidade ético-social, de maior atenção na execução de atividades perigosas,
pois na culpa inconsciente o descuido é muito maior e, consequentemente, mais
perigoso, uma vez que a exposição a risco poderá ser mais frequente, na medida em
que o agente nem percebe a possibilidade de ocorrência de um evento danoso. Por
isso, a maior ou a menor gravidade da culpa deve ser deixada à apreciação do juiz
ao dosar a pena, diante de cada caso concreto.” Bitencourt, Cezar Roberto Parte
especial : crimes contra a pessoa – Coleção Tratado de direito penal volume 2 – 20.
ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020.
Outra situação que merece destaque é a questão da diferenciação do dolo eventual e
da culpa consciente, que como explica Renato Brasileiro, apesar de entre ambos haver uma
linha tênue e um traço semelhante, qual seja a previsão do possível resultado danoso, em
relação À culpa consciente o sujeito não deseja esse resultado, e nem assume o risco de
produzi-lo, esse sujeito acredita ser capaz de evitar esse resultado e não o faz por um erro de
execução, e na questão do dolo eventual, o sujeito prevê esse resultado e não se imposta,
executa a ação mesmo assim.
Nesta seara, parece não haver uma grande questão teórica para a diferenciação entre
os dois institutos, contudo, o supracitado professor continua a explicação no sentido de
evidenciar que na prática há uma grande dificuldade em “descobrir um mecanismo capaz de
extrair da mente do agente se este aquiesceu, ou não, na ocorrência do resultado morte
previsível.”.
Porém, apesar da legislação indicar que havendo provas nos autos de que o autor do
delito agiu com desprezo em relação à vida de outrem, prevendo o resultado e continuando a
agir de maneira displicente, como no caso de ingestão de bebidas alcoólicas, a jurisprudência
enquadra, em muitos casos, como homicídio doloso, ignorando a possibilidade da figura
culposa do 302 do CTB. Neste sentido, o RHC da 5ª Turma do STJ - RHC 83.687/SP, Rei.
Min . Jorge Mussi, j. 17/08/2017, DJe 30/08/2017

ARTIGO 303

O artigo 303 do CTB tipifica a lesão corporal culposa, que, segundo o § 1º, pode ter a
pena aumentada de um terço à metade se o motorista não for habilitado para conduzir o
veículo. Para Renato Brasileiro há uma má formulação do art. 303, do CTB, o que pode levar
o intérprete à conclusão no sentido de que o verbo núcleo do tipo seria praticar e que o objeto
material do delito seria lesão corporal culposa na direção de veículo automotor. Todavia,
partindo da premissa de que estamos diante de um crime remetido, a correta leitura do art.
303 do CTB deve ser feita nos seguintes termos: "Ofender, culposamente, a integridade
corporal ou a saúde de outrem, na direção de veículo automotor”.

A mesma legislação, em seu artigo 309 tipifica de forma autônoma a conduta de


veículo automotor, em via pública, sem habilitação e gerando perigo de dano. E, caso o
condutor não habilitado lesione alguém, não só gera como provoca o dano de que trata o tipo.
Sendo assim, se o condutor não habilitado comete a lesão corporal, o crime autônomo
do art. 309 não se tipifica, porque a falta de habilitação é uma causa de aumento de pena
específica do crime de dano à integridade física, como é possível ver no entendimento do STJ
abaixo.

“A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o


crime de lesão corporal culposa (art. 303 do CTB) absorve o delito de direção sem
habilitação (art. 309 do CTB), funcionando este como causa de aumento de pena
(art. 303, parágrafo único, do CTB). Destarte, extinta a punibilidade do agente em
face da expressa renúncia da vítima ao direito de representação pelo delito de lesão
corporal, também fica extinta a punibilidade com relação ao crime de direção sem
habilitação, menos grave, porquanto absorvido. (HC 25.082/SP, Rel. Min. Laurita
Vaz, Quinta Turma, DJ 12/04/2004).” (HC 299.223/RJ, j. 24/05/2016)

No § 2º a causa de aumento é relacionada à embriaguez e existem duas correntes a


serem seguidas. A primeira que admite concurso material quando o motorista embriagado se
põe a conduzir o veículo em via pública e a segunda que não admite o concurso com base nos
argumentos de que a imprudência está no fato do motorista conduzir o veículo sem condições
físicas em virtude da embriaguez além disso, a lesão corporal deve absorver a embriaguez,
caracterizada por ser um crime de perigo. O STJ entende que não há relação entre a
embriaguez e a lesão corporal culposa e que a conduta do agente que se embriaga, toma a
direção de um veículo e provoca um acidente e causa dano a alguém não corresponde a
nenhuma das características da consunção.

“Segundo o entendimento que prevalece nesta Corte Superior de Justiça, “os


crimes de embriaguez ao volante e o de lesão corporal culposa em direção de
veículo automotor são autônomos e o primeiro não é meio normal, nem fase de
preparação ou execução para o cometimento do segundo, não havendo falar em
aplicação do princípio da consunção. Precedentes.” (AgRg no REsp 1.688.517/MS,
Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
07/12/2017, DJe 15/12/2017).” (AgRg no HC 442.850/MS, j. 25/09/2018).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bitencourt, Cezar Roberto Parte especial : crimes contra a pessoa / Cezar Roberto Bitencourt.
– Coleção Tratado de direito penal volume 2 – 20. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020.

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada– 8ª Ed. Volume Único
– São Paulo: Editora Jus Podium, 2021.

CUNHA, Rogério Sanches. Teses do STJ sobre crimes de trânsito (1ª Parte), 2019.
Disponível em:
<https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/07/30/teses-stj-sobre-crimes-de-transi
to-1a-parte/> Acesso em: 03 de novembro de 2021

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