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Informativo Temático

Compilação dos Informativos STF 965 a 1002

O Informativo Temático apresenta resumos organizados por assuntos e ramos do


Direito.
Permite-se a reprodução desta publicação, no todo ou em parte, sem alteração do
conteúdo, desde que citada a fonte.

SUMÁRIO
1. DIREITO ADMINISTRATIVO..................................................................................14

1.1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA.............................................................14

Fundação pública com personalidade jurídica de direito privado e regime


jurídico - ADI 4247/RJ.........................................................................................14

1.2 AGENTES POLÍTICOS............................................................................................14

LC 75/1993: auxílio-moradia e prazo de concessão - 2 - MS 26415/DF.............14

1.3 AGENTES PÚBLICOS.............................................................................................15

Aposentadoria e direito adquirido a regime jurídico - 2 - Rcl 37892 AgR/SP.....15

Aproveitamento de servidores da extinta Minas Caixa e princípio do concurso


público - 3 - ADI 1251/MG...................................................................................16

Julgamento de concessão de aposentadoria: prazo decadencial, contraditório e


ampla defesa - 3 - RE 636553/RS.........................................................................17

Servidor aposentado pelo RGPS e reintegração sem concurso - ARE 1234192


AgR/PR e ARE 1250903 AgR/PR.........................................................................18

1.4 CONCURSO PÚBLICO............................................................................................18

Critério de desempate em concurso público que beneficia aquele que já é


servidor da unidade federativa - ADI 5358/PA....................................................18

1.5 CONTRATO ADMINISTRATIVO...........................................................................19

Prorrogação de contrato de concessão de ferrovia e serviço adequado - ADI 5991


MC/DF..................................................................................................................19
1.6 PODERES ADMINISTRATIVOS.............................................................................21

Pessoa jurídica de direito privado e sanção de polícia - RE 633782/MG............21

1.7 PROCESSO ADMINISTRATIVO............................................................................22

Servidor público e processo administrativo disciplinar - 2 - RMS 32357/DF.....22

1.8 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO..........................................................23

Covid-19 e responsabilização de agentes públicos - ADI 6421 MC/DF; ADI 6422


MC/DF; ADI 6424 MC/DF; ADI 6425 MC/DF; ADI 6427 MC/DF; ADI 6428
MC/DF e ADI 6431 MC/DF.................................................................................23

Responsabilidade civil do Estado e dever de fiscalizar - 3 - RE 136861/SP........25

1.9 SERVIDORES PÚBLICOS.......................................................................................26

ADI e “Reforma Constitucional da Previdência” - 7 - ADI 3133/DF; ADI


3143/DF e ADI 3184/DF......................................................................................26

Ascensão funcional e provimento derivado de cargos públicos (Tema 493 RG) -


RE 523086/MA.....................................................................................................28

Atribuição de cargo em comissão e funções de direção, chefia e assessoramento -


RE 719870/MG.....................................................................................................28

Inconstitucionalidade de sanções administrativas perpétuas - ADI 2975/DF.....29

Policiais civis: paridade e integralidade dos proventos de aposentadoria - ADI


5039/RO................................................................................................................30

Presunção de inocência e eliminação de concurso público - 4 - RE 560900/DF 31

Procuradores estaduais: honorários de sucumbência, sistema de remuneração


por subsídio e teto constitucional - ADI 6135/GO; ADI 6160/AP; ADI 6161/AC;
ADI 6169/MS; ADI 6177/PR e ADI 6182/RO......................................................32

Servidor público estadual: remuneração de procurador legislativo e vinculação


ao subsídio dos ministros do STF - ADI 6436/DF...............................................33

Servidores públicos: equiparação remuneratória e lei estadual anterior à EC


19/1998 - ADPF 328/MA......................................................................................34

2. DIREITO CIVIL..........................................................................................................34

2.1 PESSOAS JURÍDICAS.............................................................................................34

Empresa individual de responsabilidade limitada e integralização do capital


social - ADI 4637/DF............................................................................................35

2.2 RESPONSABILIDADE CIVIL.................................................................................35

Responsabilidade civil objetiva e acidente de trabalho - RE 828040/DF............35

3. DIREITO CONSTITUCIONAL.................................................................................36
3.1 ADVOCACIA PÚBLICA..........................................................................................36

Cargo técnico com formação em Direito: autarquia estadual e atribuições de


procurador do estado - ADI 5109 ED-segundos/ES............................................36

3.2 COMPETÊNCIA JURISDICIONAL.........................................................................37

Contribuições sindicais de servidores estatutários e competência jurisdicional


(Tema 994 RG) - RE 1089282/AM.......................................................................37

Foro por prerrogativa de função e ações de improbidade administrativa - ADI


4870/ES.................................................................................................................37

3.3 CONCURSO PÚBLICO............................................................................................38

Concurso público: prazo de validade esgotado e direito à nomeação - RE


766304/RS.............................................................................................................38

3.4 CONFLITO FEDERATIVO......................................................................................39

Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza e amortização de dívida


pública - ACO 727/BA..........................................................................................39

Uso da Força Nacional de Segurança Pública por requerimento de Ministro de


Estado e autonomia estadual - ACO 3427 Ref-MC/BA.......................................39

3.5 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA..................................................................40

CNJ e revisão disciplinar - 2 - MS 30364/PA.......................................................40

3.6 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.........................................................41

ADI: órgão de segurança pública e repristinação - 3 - ADI 2575/PR.................41

Ampliação de pedido formulado por amicus curiae - ADPF 347 TPI-Ref/DF...42

Compra de votos de parlamentares e inconstitucionalidade formal de EC - ADI


4887/DF; ADI 4888/DF e ADI 4889/DF.............................................................43

Controle concentrado de constitucionalidade: suspeição e impedimento - ADI


6362/DF................................................................................................................44

Imposição de obrigações às concessionárias de telefonia e competência privativa


da União - ADI 5040/PI........................................................................................44

Indiciamento por autoridade policial e afastamento automático de servidor


público - ADI 4911/DF.........................................................................................45

Legitimidade para o ajuizamento das ações de controle concentrado de


constitucionalidade - ADI 6465 AgR/DF.............................................................46

Lei de Responsabilidade Fiscal - ADI 2238/DF...................................................46

Responsabilidade do Estado: direito à indenização e prisão por motivo político -


ADI 3738/ES.........................................................................................................49
Ultra-atividade das convenções e acordos coletivos de trabalho e CF/1988 - 2 -
ADI 2200/DF e ADI 2288/DF..............................................................................50

3.7 CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO......................................................................50

Roubo forjado e classificação jurídica - HC 147584/RJ......................................50

3.8 DEFENSORIA PÚBLICA.........................................................................................51

Defensoria Pública: autonomia orçamentária e repasse de duodécimos - ADPF


384 Ref-MC/MG...................................................................................................51

3.9 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS......................................................52

Ato jurídico perfeito e retroatividade de índices de atualização de preços - 2 -


ADI 3005/DF........................................................................................................52

Auditor independente e rotatividade - ADI 3033/RJ............................................53

Contrato de plano de saúde: ato jurídico perfeito e retroatividade da lei nova -


RE 948634/RS.......................................................................................................53

Covid -19: acordos individuais e participação sindical - ADI 6363 MC-Ref/DF 54

COVID-19: direito de acesso à informação e dever estatal de transparência na


divulgação dos dados referentes à pandemia - ADPF 690 MC-Ref/DF; ADPF
691 MC-Ref/DF e ADPF 692 MC-Ref/DF..........................................................55

Covid-19: empresas de telefonia e compartilhamento de informações com o


IBGE - ADI 6387 MC-Ref/DF; ADI 6388 MC-Ref/DF; ADI 6389 MC-Ref/DF;
ADI 6390 MC-Ref/DF e ADI 6393 MC-Ref/DF..................................................56

Covid-19 e pedidos de acesso à informação - ADI 6347 MC-Ref/DF; ADI 6351


MC-Ref/DF e ADI 6353 MC-Ref/DF...................................................................58

Covid-19 e povos indígenas - ADPF 709 Ref-MC/DF.........................................59

Escusa de consciência por motivo de crença religiosa e fixação de horários


alternativos para realização de certame público ou para o exercício de deveres
funcionais inerentes ao cargo público - RE 611874/DF e ARE 1099099/SP......62

Inquérito para investigar “Fake News” e ameaças contra o STF:


constitucionalidade - 2 - ADPF 572 MC/DF.......................................................63

Leiloeiro e caução para o exercício da profissão - RE 1263641/RS....................65

Liberdade de expressão e restrição à difusão de produto audiovisual em


plataforma de “streaming” - Rcl 38782/RJ..........................................................66

Princípio da isonomia: pensão por morte e tratamento diferenciado entre homem


e mulher - RE 659424/RS.....................................................................................67

Trabalhadores avulsos e direito ao adicional de risco portuário - 3 - RE


597124/PR.............................................................................................................67
Tribunal do Júri: autoria e materialidade e absolvição genérica - HC
178777/MG...........................................................................................................68

3.10 DIREITOS FUNDAMENTAIS...............................................................................68

Suspensão de habilitação e direito ao trabalho - RE 607107/MG.......................68

3.11 EXPULSÃO.............................................................................................................69

Estrangeiro e filho brasileiro nascido posteriormente à expulsão - 2 - RE


608898/DF............................................................................................................69

3.12 FINANÇAS PÚBLICAS..........................................................................................70

Covid-19 e restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal - ADI 6357 MC-Ref/DF


...............................................................................................................................70

3.13 FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA....................................................................73

Ação de improbidade administrativa e atuação de procurador do estado - 2 -


ARE 1165456 AgR/SE..........................................................................................73

3.14 INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO............................73

Tarifa bancária pela mera disponibilização de “cheque especial” - ADI 6407


MC-Ref /DF..........................................................................................................73

3.15 LEGITIMIDADE.....................................................................................................74

Legitimidade de procuradores para interposição de recurso em ADI - RE


1126828 AgR/SP...................................................................................................74

3.16 MEIO AMBIENTE..................................................................................................75

Medida cautelar em ADPF: resoluções do Conama e proibição do retrocesso


socioambiental - ADPF 747 MC-Ref/DF; ADPF 748 MC-Ref/DF e ADPF 749
MC-Ref/DF...........................................................................................................75

3.17 ORDEM SOCIAL....................................................................................................76

ADI: medicamento, autorização por lei e ausência de registro sanitário - ADI


5501/DF................................................................................................................76

Benefício social e vinculação ao salário mínimo - ADI 4726/AP........................77

Direito à saúde e dever de o Estado fornecer medicamento - 3 - RE 566471/RN77

Verbas destinadas à educação e bloqueio judicial - ADPF 484/AP....................79

3.18 ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA..........................................81

Empresa estatal e participação nos lucros ou resultados - ADI 5417/DF...........81

3.19 ORGANIZAÇÃO DO ESTADO.............................................................................82


Abin: Sistema Brasileiro de Inteligência e fornecimento de dados e de
conhecimentos específicos - ADI 6529 MC/DF...................................................82

Afastamento de norma e contrariedade à cláusula de reserva de plenário - RE


635088 AgR-segundo/DF.....................................................................................85

Competência privativa da União e suspensão de obrigação financeira por lei


estadual - ADI 6495/RJ........................................................................................85

Composição de órgão da Administração Pública estadual e participação de


representante de seccional da OAB - ADI 4579/RJ.............................................86

Covid-19: requisições administrativas de bens e serviços e federalismo


cooperativo............................................................................................................86

Covid-19: saúde pública e competência concorrente - ADI 6341 MC-Ref/DF...89

Covid-19: transporte intermunicipal e interestadual e competência - 2 - ADI


6343 MC-Ref/DF..................................................................................................91

Direito do Consumidor e normas sobre a exposição de produtos orgânicos - ADI


5166/SP.................................................................................................................92

Distribuição de competência legislativa: serviço de telefonia e extrato detalhado


de planos pré-pagos - ADI 5724/PI......................................................................92

Energia nuclear e competência legislativa dos entes federados - ADI 330/RS. . .93

Loterias e competência administrativa dos estados-membros - ADPF 492/RJ;


ADPF 493/DF e ADI 4986/MT............................................................................93

Postagem de boleto de cobrança e competência legislativa concorrente - ARE


649379/RJ.............................................................................................................95

Relatório de segurança e investigação sigilosa de servidores públicos - ADPF


722 MC/DF...........................................................................................................96

Rotulagem de produtos transgênicos e competência legislativa dos entes


federados - ADI 4619/SP......................................................................................97

Titularidade de terras devolutas: ônus da prova e segurança jurídica - ACO


158/SP...................................................................................................................99

3.20 ORGANIZAÇÃO DOS PODERES.......................................................................101

ADI: Poder Legislativo estadual e participação em nomeações - 2 - ADI 2167/RR


.............................................................................................................................101

Atuação de advogado como testemunha e sigilo profissional - Rcl 37235/RR. .102

CNJ e CNMP: competência do STF e art. 106 do RICNJ - Pet 4770 AgR/DF;
Rcl 33459 AgR/PE e ADI 4412/DF....................................................................103

Covid-19: direito do trabalho e pandemia do novo Coronavírus - 2 - ADI 6342


Ref-MC/DF; ADI 6344 Ref-MC/DF; ADI 6346 Ref-MC/DF; ADI 6348 Ref-
MC/DF; ADI 6349 Ref-MC/DF; ADI 6352 Ref-MC/DF e ADI 6354 Ref-MC/DF
.............................................................................................................................105

Prerrogativa de foro: defensor público e procurador de estado - ADI 6501 Ref-


MC/PA; ADI 6508 Ref-MC/RO; ADI 6515 Ref-MC/AM e ADI 6516 Ref-MC/AL
.............................................................................................................................106

3.21 PARTIDO POLÍTICO...........................................................................................107

Partidos políticos: apoiamento de eleitores não filiados e limites para criação,


fusão e incorporação - ADI 5311/DF.................................................................107

3.22 PODER JUDICIÁRIO...........................................................................................109

CF, art. 37, XI e § 12º: magistratura estadual, subteto remuneratório e


inconstitucionalidade do tratamento diferenciado - ADI 3854/DF e ADI
4014/DF..............................................................................................................109

Competência jurisdicional e fase pré-contratual de seleção e de admissão de


pessoal - RE 960429/RN.....................................................................................110

Justiça competente: arquivamento de inquérito e crime eleitoral - Rcl 34805


AgR/DF...............................................................................................................111

Magistratura e limite etário para ingresso na carreira - ADI 5329/DF............112

Tribunal de justiça: eleição de órgão diretivo - ADI 3976/SP e MS 32451/DF 112

3.23 PRECATÓRIO.......................................................................................................113

Precatório: juros de mora e período compreendido entre a data da expedição e o


efetivo pagamento - RE 594892 AgR-ED-EDv/RS............................................113

3.24 PROCESSO LEGISLATIVO.................................................................................114

Medida provisória e controle judicial - ADI 5599/DF.......................................114

3.25 RECLAMAÇÃO....................................................................................................114

Desautorização de entrevista com preso e censura prévia - Rcl 32052 AgR/MS


.............................................................................................................................114

3.26 SEGURIDADE SOCIAL.......................................................................................115

Conflito Federativo: corte de benefício do Bolsa Família e isonomia - ACO 3359


Ref-MC/DF.........................................................................................................115

Covid-19: ADO e fixação de renda temporária mínima - ADO 56/DF.............116

3.27 SEPARAÇÃO DE PODERES...............................................................................117

Criação de conselho de representantes e fiscalização de ações do Executivo - RE


626946/SP...........................................................................................................117

Petrobras: criação de subsidiárias e alienação de ativos - Rcl 42576 MC/DF. .118


3.28 SEQUESTRO DE VERBAS PÚBLICAS..............................................................118

Bloqueio de verbas públicas e pagamento de débitos de natureza trabalhista -


ADPF 485/AP.....................................................................................................118

3.29 SERVIDORES PÚBLICOS...................................................................................119

Teto remuneratório e incidência sobre somatório de remuneração ou provento e


pensão - RE 602584/DF.....................................................................................119

3.30 SIMETRIA FEDERATIVA...................................................................................120

Tribunal de contas e autonomia municipal - 2 - ADI 346/SP e ADI 4776/SP. .120

3.31 TRIBUTOS............................................................................................................121

COFINS: ampliação da base de cálculo e majoração de alíquota - 2 - RE


570122/RS...........................................................................................................121

4. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.................................................121

4.1 PROFISSIONALIZAÇÃO E TRABALHO.............................................................121

CF, art. 7º, XXXIII: EC 20/1998 e idade mínima para o trabalho - ADI 2096/DF
.............................................................................................................................121

5. DIREITO ELEITORAL............................................................................................122

5.1 ELEIÇÃO................................................................................................................122

Identificação do eleitor: título de eleitor e documento com foto - ADI 4467/DF


.............................................................................................................................122

Indeferimento de registro, cassação de diploma ou mandato e novas eleições -


RE 1096029/MG.................................................................................................123

Inelegibilidade: configuração de ato doloso de improbidade administrativa e fato


superveniente - ARE 1197808 AgR-segundo e terceiro/SP...............................123

5.2 SISTEMA ELEITORAL..........................................................................................125

Cláusula de desempenho individual e constitucionalidade - ADI 5920/DF......125

Covid-19: suspensão de prazos para filiação partidária, comprovação de


domicílio eleitoral e desincompatibilização de função pública - ADI 6359 Ref-
MC/DF................................................................................................................126

Dispensa da exigência de votação mínima e distribuição das vagas


remanescentes - ADI 5947/DF...........................................................................127

Sistema de representação proporcional e distribuição das vagas remanescentes -


ADI 5420/DF......................................................................................................128

6. DIREITO FINANCEIRO..........................................................................................129

6.1 LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL...............................................................129


COVID-19: limites da despesa total com pessoal e regime extraordinário fiscal e
financeiro - ADI 6394/AC..................................................................................129

7. DIREITO PENAL......................................................................................................129

7.1 CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO...............................................................130

Crime de fuga e direito à não autoincriminação - ADC 35/DF.........................130

7.2 CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E LEGISLAÇÃO PENAL


ESPECIAL.....................................................................................................................130

Corrupção passiva e danos morais coletivos - AP 1002/DF..............................130

7.3 CRIMES CONTRA A HONRA...............................................................................132

Ação penal privada: difamação, vídeo com conteúdo fraudulento e divulgação


em rede social de parlamentar - AP 1021/DF....................................................132

Discurso de parlamentar e crime contra honra - PET 7174/DF.......................134

7.4 CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO


EM GERAL...................................................................................................................134

Crime de desobediência: ato atentatório à dignidade da Justiça e tipicidade - 2 -


HC 169417/SP.....................................................................................................134

7.5 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE..........................................................................135

Prescrição penal e natureza constitucional - RE 1241683 AgR/RS..................135

7.6 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL........................................................................135

Execução provisória da pena: filho menor e prisão domiciliar - 2 - HC 154694


AgR/SP................................................................................................................135

7.7 PENA.......................................................................................................................136

Causa de diminuição: pagamento do principal e arrependimento posterior - HC


165312/SP...........................................................................................................136

7.8 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.....................................................................137

Paciente reincidente e absolvição pelo princípio da insignificância - RHC


174784/MS..........................................................................................................137

Princípio da insignificância: reincidência e furto cometido no período noturno -


HC 181389 AgR/SP............................................................................................137

7.9 REINCIDÊNCIA.....................................................................................................138

Comprovação da reincidência – Inexistência de forma específica - HC 162548


AgR/SP................................................................................................................138

8. DIREITO PREVIDENCIÁRIO................................................................................138
8.1 BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS......................................................................138

Art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991: “desaposentação” e “reaposentação” - RE


381367 ED/RS e RE 827833 ED/SC...................................................................138

9. DIREITO PROCESSUAL CIVIL.............................................................................139

9.1 AÇÃO RESCISÓRIA..............................................................................................139

Omissão no julgado e ação rescisória - AR 2107/SP.........................................139

9.2 “AMICUS CURIAE”...............................................................................................140

Indeferimento de ingresso de “amicus curiae” e recorribilidade - 4 - ADI 3396


AgR/DF...............................................................................................................140

9.3 AUXILIARES DA JUSTIÇA..................................................................................141

Atribuições dos oficiais de justiça - ADI 4853/MA............................................141

9.4 DEPÓSITOS JUDICIAIS........................................................................................141

Fundo especial do Poder Judiciário e fontes de receitas - ADI 4981/RR..........141

9.5 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.........................................................................142

Embargos de declaração e jurisprudência superveniente - Rcl 15724


AgR-ED/PR.........................................................................................................142

9.6 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.........................................................................143

Honorários advocatícios e recursos do Fundef - 2 - ARE 1107296 AgR/PE....143

9.7 LEGITIMIDADE.....................................................................................................144

Procurador municipal e interposição de recurso extraordinário - RE 1068600


AgR-ED-EDv/RN................................................................................................144

9.8 PROCESSO EM GERAL........................................................................................144

Sustentação oral e julgamento iniciado no Plenário Virtual - ADI 4735/DF...144

9.9 RECLAMAÇÃO......................................................................................................145

Reclamação: sistemática da repercussão geral e julgamento de REsp pelo STJ -


3 - Rcl 24810 AgR/MG........................................................................................145

9.10 RECURSOS...........................................................................................................146

Recurso extraordinário com agravo e decisão em ADI - ARE 1179455 AgR/PI


.............................................................................................................................146

10. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO...........................................147

10.1 EXECUÇÃO..........................................................................................................147
Reclamação: Tema 253 da repercussão geral, Metrô-DF e execução - Rcl 29637
AgR/DF...............................................................................................................147

11. DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO...........................................................148

11.1 RECURSOS...........................................................................................................148

CLT, art. 896-A: recurso de revista, ausência de transcendência e repercussão


geral - Rcl 36958 AgR/SP e Rcl 40652 AgR/DF................................................148

12. DIREITO PROCESSUAL PENAL...........................................................................149

12.1 AÇÃO PENAL.......................................................................................................149

Estelionato: representação da vítima e retroatividade - HC 187341/SP............149

12.2 COLABORAÇÃO PREMIADA............................................................................149

Colaboração premiada: acesso a documentos e exercício do contraditório e da


ampla defesa - Pet 7494 AgR/DF.......................................................................149

Colaboração premiada e exercício do direito de defesa - 2 - Rcl 30742 AgR/SP


.............................................................................................................................151

12.3 COMPETÊNCIA...................................................................................................151

Delação premiada e fixação de competência - HC 181978 AgR/RJ..................151

Inquérito: declínio de competência e não encerramento de instrução processual -


2 - Pet 7716 AgR/DF...........................................................................................152

12.4.DOSIMETRIA DA PENA.....................................................................................153

Ações penais em andamento e causa de diminuição da pena - HC 173806/MG


.............................................................................................................................153

Lei de Drogas: causa de diminuição de pena e ações penais em andamento - HC


166385/MG.........................................................................................................153

12.5 EXECUÇÃO DA PENA........................................................................................154

Falta grave no curso da execução penal e necessidade de trânsito em julgado


(Tema 758 RG) - RE 776823/RS........................................................................154

12.6 “HABEAS CORPUS”............................................................................................155

Acordo de delação premiada e impugnação - 3 - HC 142205/PR e HC


143427/PR...........................................................................................................155

Cabimento de habeas corpus e liberdade de ir e vir - HC 170735/RJ................156

“Habeas corpus” e desentranhamento de termo de colaboração de corréu - HC


163943 AgR/PR...................................................................................................157

Prisão domiciliar: condenada com filho menor e decisão transitada em julgado -


HC 177164/PA....................................................................................................159
RHC: imparcialidade do julgador e produção de provas - RHC 144615 AgR/PR
.............................................................................................................................159

12.7 JUIZADOS ESPECIAIS........................................................................................162

Competência relativa dos juizados especiais para aplicação dos institutos da


transação penal e da composição dos danos civis na reunião de processos - ADI
5264/DF..............................................................................................................162

12.8 NULIDADES.........................................................................................................163

Nulidade e inquirição de perguntas realizadas diretamente pelo juiz - HC


161658/SP...........................................................................................................163

12.9 NULIDADES E RECURSOS EM GERAL...........................................................163

Duração de sustentação oral e nulidade - 2 - HC 164535 AgR/RJ....................163

12.10 PRISÃO, MEDIDAS CAUTELARES E LIBERDADE PROVISÓRIA..............164

Cuidado a menor e à pessoa com deficiência e substituição de prisão preventiva -


HC 165704/DF....................................................................................................164

12.11 PRISÃO PREVENTIVA......................................................................................164

Inobservância de prazo nonagesimal e revogação automática de prisão


preventiva - SL 1395 MC Ref/SP........................................................................164

12.12 PROCESSO EM GERAL.....................................................................................165

Audiência de custódia: prisão em flagrante e Lei 13.964/2019 - HC 188888/MG


.............................................................................................................................165

Citação por edital (CPP, art. 366): suspensão do prazo prescricional e limitação
ao tempo da prescrição em abstrato (Tema 438 RG) - RE 600851/DF.............167

Prisão preventiva e Pacote Anticrime - HC 179859 AgR/RS.............................168

Tráfico de drogas: denúncia anônima e busca e apreensão - HC 180709/SP...169

12.13 PROCESSOS EM ESPÉCIE................................................................................170

Julgamento de promotor de justiça e interrogatório - 2 - HC 178252/ES.........170

Tribunal do Júri: absolvição e decisão contrária à prova dos autos - 2 - RHC


170559/MT..........................................................................................................170

12.14 PROVA................................................................................................................171

Crime de incêndio e fonte de prova - HC 136964/RS.........................................171

13. DIREITO TRIBUTÁRIO..........................................................................................172

13.1 CONTRIBUIÇÃO SOCIAL..................................................................................172


PIS e Cofins: alíquota diferenciada e princípios da isonomia, da capacidade
contributiva e da livre concorrência - RE 633345/ES........................................172

13.2 CONTRIBUIÇÕES................................................................................................172

Contribuição ao PIS/Pasep e Cofins: legalidade tributária e anterioridade


nonagesimal (Tema 939 RG) - RE 1043313/RS e ADI 5277/DF.......................173

EC 33/2001: contribuição destinada ao Sebrae, à Apex e à ABDI e folha de


salários - 2 - RE 603624/SC................................................................................174

13.3 GARANTIAS DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO.......................................................175

Medidas administrativas para garantia do crédito tributário - ADI 5881/DF; ADI


5886/DF e ADI 5890/DF; ADI 5925/DF; ADI 5931/DF e ADI 5932/DF.........175

13.4 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR........................................................176

Imunidade tributária e exportação indireta - 2 - ADI 4735/DF e RE 759244/SP


.............................................................................................................................176

13.5 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE....................................................................177

Majoração indireta de tributo e incidência do princípio da anterioridade - RE


1253706 AgR/RS.................................................................................................178

13.6 REGIMES ESPECIAIS DE TRIBUTAÇÃO.........................................................178

Refis: exclusão de pessoa jurídica e necessidade de prévia notificação - RE


669196/DF..........................................................................................................178

13.7 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA................................................................179

Responsabilidade tributária solidária de terceiros - ADI 4845/MT...................179

13.8 TRIBUTOS............................................................................................................179

ADCT, art. 91: ICMS, omissão legislativa, prorrogação de prazo e acordo em


âmbito federativo - ADO 25 QO/DF...................................................................179

Compra de óleo básico e incidência de ICMS - RE 642564 AgR/RJ.................181

ICMS: importação de gás natural e sujeito ativo - ACO 854/MS; ACO 1076/MS;
ACO 1093/MS.....................................................................................................182

Substituição tributária e requerimento administrativo - 2 - ARE 1184956


AgR/SP................................................................................................................184
1. DIREITO ADMINISTRATIVO
1.1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA

Fundação pública com personalidade jurídica de direito privado e regime jurídico - ADI
4247/RJ

É constitucional a legislação estadual que determina que o regime jurídico celetista incide
sobre as relações de trabalho estabelecidas no âmbito de fundações públicas, com personalidade
jurídica de direito privado, destinadas à prestação de serviços de saúde (1).
A fundação pública, com personalidade jurídica de direito privado, é dotada de patrimônio e
receitas próprias, autonomia gerencial, orçamentária e financeira para o desempenho da atividade prevista
em lei [art. 1º da Lei Complementar (LC) 118/2007 do estado do Rio de Janeiro (2)]. Nessa configuração,
o Estado não toca serviço público na área da saúde. Ele se utiliza de pessoa interposta — de natureza
privada — que, então, adentra o mercado de trabalho e contrata.
Assim, havendo uma opção do legislador pelo regime jurídico de direito privado, é decorrência
lógica dessa opção que seja adotado para o pessoal das fundações autorizadas o regime celetista.
No caso, trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face da LC 118/2007, e do
art. 22 da Lei 5.164/2007 (3), ambas do estado do Rio de Janeiro, que dispõem sobre a criação de
fundações públicas, com personalidade jurídica de direito privado, destinadas à prestação de serviços de
saúde, observado o regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Com esse entendimento, o Plenário julgou improcedente o pedido formalizado. Os ministros Dias
Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux e Ricardo
Lewandowski acompanharam o relator com ressalvas apenas para agregar fundamento específico acerca
da distinção entre fundação pública de direito público e fundação pública de direito privado, nos termos
do que decidido no RE 716.378, submetido à sistemática da repercussão geral.

(1) LC 118/2007 e Lei 5.164/2007 do estado do Rio de Janeiro.


(2) LC 118/2007: “Art. 1º. Fica a atividade de saúde enquadrada, para os fins do art. 37, inciso XIX, da Constituição
Federal, como área de atuação passível de exercício por fundação pública de direito privado.”
(3) Lei 5.164/2007: “Art. 22. O regime jurídico que regerá as relações de trabalho das Fundações, mencionadas nesta Lei,
será o previsto na Consolidação das Leis de Trabalho, disciplinado no Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943 e demais normas
pertinentes.”

ADI 4247/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento virtual finalizado em 3.11.2020. (INF 997)

1.2 AGENTES POLÍTICOS

LC 75/1993: auxílio-moradia e prazo de concessão - 2 - MS 26415/DF

A Segunda Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, denegou a ordem em mandado de


segurança impetrado contra ato do Procurador-Geral da República (PGR), que, por entender expirado o
prazo máximo de pagamento de auxílio-moradia, indeferiu o pedido de pagamento retroativo do benefício
aos impetrantes, membros do Ministério Público da União (Informativo 801).
Em síntese, alegava-se, na impetração, que a Portaria PGR 465/1995 teria inovado a ordem
jurídica, pois teria criado indevida limitação temporal — de dois anos — para o respectivo pagamento,
em vez de apenas elencar as cidades brasileiras que se enquadrariam nas condições necessárias para a
concessão do auxílio. Logo, seria devido o pagamento retroativo de valores que deveriam ter sido
recebidos entre 21.2.2006 — quando expirado o referido prazo e cessado, em razão disso, o pagamento
do benefício — e a edição da Portaria PGR 484/2006, que aumentara o prazo para cinco anos.
O colegiado rejeitou o argumento de que o art. 227, VIII, da Lei Complementar (LC) 75/1993 (1)
não deixaria espaço para que o regulamento impusesse outras restrições. Esclareceu que o mencionado
artigo constitui moldura de uma garantia institucional que permite ao PGR, em determinados casos,
estabelecer a razoabilidade na situação de fato. Entender que a estipulação de prazo de duração ofende o
princípio da legalidade resulta em flagrante violação ao disposto no regime de subsídio, em parcela única,
determinado pela Emenda Constitucional (EC) 19/1998.
Além disso, a Turma ponderou que a restrição atende ao princípio da razoabilidade, pois o auxílio-
moradia tem caráter provisório e precário, não devendo se dilatar eternamente no tempo. O recebimento
do aludido benefício sem limitação temporal configuraria verdadeira parcela remuneratória.
Enfatizou que o pagamento do auxílio-moradia por prazo certo constitui legítima atuação
discricionária do PGR, a fim de indenizar a despesa realizada com moradia pelos membros do Parquet
que optaram por residir e trabalhar nas localidades alcançadas pela vantagem. É uma forma de indenizar e
de incentivar o provimento inicial e imediato de vagas nos locais considerados de difícil acesso.
Entretanto, não há justificativa para a dilação indeterminada no recebimento do benefício.
Vencido o ministro Teori Zavascki (relator), que concedeu a ordem para restabelecer o pagamento
do auxílio-moradia. A seu ver, a LC 75/1993 previu o direito ao benefício nas localidades indicadas pelo
PGR, mas não atribuiu a ele o poder de estabelecer um prazo máximo de concessão.

(1) LC 75/1993: “Art. 227. Os membros do Ministério Público da União farão jus, ainda, às seguintes vantagens: (...) VIII –
auxílio-moradia, em caso de lotação em local cujas condições de moradia sejam particularmente difíceis ou onerosas, assim definido
em ato do Procurador-Geral da República;”

MS 26415/DF, rel. orig. Min. Teori Zavascki, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em
17.3.2020. (INF 970)

1.3 AGENTES PÚBLICOS

Aposentadoria e direito adquirido a regime jurídico - 2 - Rcl 37892 AgR/SP

A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, deu provimento a agravo


regimental, a fim de que seja reformado o ato recorrido e julgada improcedente a reclamação, na qual se
alegava haver desrespeito ao que decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 4.420
(Informativo 968).
O exame dos agravos regimentais interpostos nas reclamações 37.636 e 37.940 foi adiado por
indicação do ministro Roberto Barroso.
No caso, o reclamante, antigo titular do cargo de escrevente notarial do estado de São Paulo, teve
duas aposentadorias concedidas nos termos da Lei 10.393/1970 daquela unidade federativa.
Posteriormente, a norma foi revogada pela Lei estadual 14.016/2010, que alterou condições estabelecidas
à época da concessão dos benefícios. Em razão disso, ajuizou ação declaratória de revisão de
aposentadoria, que foi julgada improcedente.
Na reclamação, arguia ter sido estabelecido, no paradigma citado, que não poderiam ser
alcançados pelos efeitos da legislação de 2010 aqueles que estivessem em pleno gozo de suas
aposentadorias, dentro das regras da lei de 1970.
De início, o colegiado superou a questão da alegada nulidade do ato agravado decorrente da
ausência de citação do estado de São Paulo, beneficiário do acórdão reclamado, haja vista a
improcedência da reclamação [Código de Processo Civil (CPC), art. 282, § 2º (1)].
No mérito, considerou que a decisão reclamada não possui aderência estrita ao paradigma
indicado. Na ADI 4.420, o STF garantiu a situação jurídica de quem já tinha se aposentado ou preenchido
os requisitos para a obtenção do benefício. Não houve a intenção de se assegurar o direito à manutenção
da indexação de benefício de aposentadoria ao salário-mínimo ou impedir a majoração de alíquotas. O
tema em análise não foi ali discutido.
Ademais, a lei prevê novos critérios para reajustes futuros e inexiste direito adquirido à
manutenção de regime jurídico anterior.
O ministro Roberto Barroso agregou que a decisão reclamada não está em conflito com a
jurisprudência do STF ao compreender pela aplicabilidade da nova lei para a atualização do benefício da
aposentadoria. Igualmente, está correta na parte em que declarou a não recepção da Lei 10.393/1970. O
referido diploma indexou a aposentadoria ao valor do salário-mínimo, o que é expressamente vedado pela
Constituição Federal (art. 7º, IV). Compreensão ratificada pelo STF no Enunciado 4 da Súmula
Vinculante (2).
No tocante à alteração da alíquota da contribuição previdenciária, o ministro asseverou também
inexistir violação ao precedente mencionado. Além de não haver direito adquirido a regime jurídico, é
pacífico o entendimento do STF segundo o qual a contribuição previdenciária possui natureza jurídica
tributária. Complementou inexistir norma jurídica válida que confira o direito ao não recolhimento de
tributo.
Vencidos os ministros Alexandre de Moraes (relator) e Rosa Weber, que desproveram o agravo
interposto da decisão de procedência da reclamação. O relator registrou que a extinção da carteira de
previdência das serventias não oficializadas daquele ente federado, embora seja possível por lei estadual,
e operada pela lei de 2010, deve respeitar o direito adquirido dos participantes que teriam jus aos
benefícios à época da edição da nova lei. Concluiu que o reclamante foi indevidamente submetido às
regras da lei de 2010, porque suas aposentadorias foram concretizadas no regime anterior.

(1) CPC: “Art. 282. (...) § 2º Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o
juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta.”
(2) Enunciado 4 da Súmula Vinculante: “Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado
como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.”

Rcl 37892 AgR/SP, rel. orig. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento
em 10.3.2020. (INF 969)

Aproveitamento de servidores da extinta Minas Caixa e princípio do concurso público - 3 -


ADI 1251/MG

Em conclusão de julgamento, o Plenário assentou a procedência de pedido formulado em ação


direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 11.816/1995 do estado de Minas Gerais (1).
Ademais, em votação majoritária, modulou os efeitos da decisão para que a declaração de
inconstitucionalidade da norma retroaja à data do deferimento da medida cautelar (Informativo 524).
De início, o colegiado, por maioria, rejeitou preliminar de inadmissibilidade da ação, aduzida em
face de ter sido ajuizada após decorrido o prazo previsto na lei para os servidores públicos estaduais à
disposição do Tribunal de Contas mineiro requererem a integração ao Quadro Especial de Pessoal
daquela Corte de Contas.
Assinalou não ter ocorrido o pleno exaurimento da eficácia da norma impugnada que resultasse na
inadmissibilidade da ação direta. Trata-se de lei que fixa prazo para o exercício de um direito. Entretanto,
é uma lei de efeitos permanentes. Ao mesmo tempo em que estabelece o prazo de trinta dias para o
requerimento dos servidores, reconhece a eles, quando atendidos os requisitos estabelecidos, o direito de
integrar o quadro do Tribunal de Contas.
Sublinhou estar em discussão exatamente a hipótese de integração de servidores público àquele
quadro sem a realização de concurso público. Portanto, persiste a natureza abstrata da norma, apta a
desafiar, ainda hoje, sua análise em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
Além disso, em situação análoga, o Supremo Tribunal Federal superou questão de ordem para
conhecer da ação. Na oportunidade, não reconheceu a existência de norma impregnada de eficácia
temporária, sujeitando-a ao controle abstrato de constitucionalidade (ADI 2.986 QO).
No ponto, vencido o ministro Marco Aurélio, que não admitiu a ação. Ante a vigência delimitada
no tempo, avaliou não se estar diante de ato normativo abstrato autônomo que ainda surta efeitos, mas a
examinar situações concretas dos servidores que optaram pela integração. Por isso, a inadequação do
instrumental.
O Plenário julgou procedente a pretensão, haja vista o dispositivo em exame afrontar o princípio
do concurso público [Constituição Federal (CF), art. 37, II (2)].
Ato contínuo, a decisão foi modulada com efeitos ex nunc. A declaração de inconstitucionalidade
do preceito impugnado retroagiu à data do deferimento da medida cautelar, em 30.6.1995, placitadas as
situações jurídicas dos funcionários que ingressaram no quadro do Tribunal de Contas antes de ser
concedida a medida.
Vencido o ministro Marco Aurélio quanto à modulação dos efeitos. A seu ver, os servidores ou
optaram no prazo preceituado na lei ou não o fizeram. Logo, inexistiria campo para implementar-se a
modulação. Por fim, o ministro consignou ser contrário à denominada “inconstitucionalidade útil”.

(1) Lei 11.816/1995: “Art. 3º O servidor público estadual à disposição do Tribunal de Contas em 30 de novembro de 1994
poderá requerer sua integração ao Quadro Especial de Pessoal do referido Tribunal, no prazo de 30 (trinta) dias contados da data da
publicação desta lei.”
(2) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: (...) II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de
provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as
nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;”

ADI 1251/MG, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 6.8.2020. (INF 985)

Julgamento de concessão de aposentadoria: prazo decadencial, contraditório e ampla defesa


- 3 - RE 636553/RS

Em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas


estão sujeitos ao prazo de cinco anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de
aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas.
Com base nesse entendimento, o Plenário, em conclusão e por maioria, ao apreciar o Tema 445 da
repercussão geral, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia se o Tribunal de Contas
da União (TCU) deve observar o prazo decadencial de cinco anos, previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999
(1), para julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria e a necessidade de
observância do contraditório e da ampla defesa (Informativos 955 e 966).
No caso, a aposentadoria foi concedida pelo órgão de origem em 1º.9.1995. Em 18.7.1996, o
processo administrativo chegou ao TCU. Em 4.11.2003, o TCU, ao analisar a legalidade da aposentadoria
do servidor público concedida há mais sete anos, constatou a existência de irregularidades e, por essa
razão, considerou ilegal o ato de concessão.
O Tribunal, seguindo sua jurisprudência dominante, considerou que a concessão de aposentadoria
ou pensão constitui ato administrativo complexo, que somente se aperfeiçoa após o julgamento de sua
legalidade pela Corte de Contas.
Nesses termos, por constituir exercício da competência constitucional (CF, art. 71, III) (2), tal ato
ocorre sem a participação dos interessados e, portanto, sem a observância do contraditório e da ampla
defesa.
Entretanto, por motivos de segurança jurídica e necessidade da estabilização das relações, é
necessário fixar-se um prazo para que a Corte de Contas exerça seu dever constitucional.
Diante da inexistência de norma que incida diretamente sobre a hipótese, aplica-se ao caso o
disposto no art. 4º do Decreto-lei 4.657/1942 (3), a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro
(LINDB).
Assim, tendo em vista o princípio da isonomia, seria correta a aplicação, por analogia, do Decreto
20.910/1932 (4).
Portanto, se o administrado tem o prazo de cinco anos para buscar qualquer direito contra a
Fazenda Pública, também deve-se considerar que o Poder Público, no exercício do controle externo, tem
o mesmo prazo para rever eventual ato administrativo favorável ao administrado.
Desse modo, a fixação do prazo de cinco anos se afigura razoável para que o TCU proceda ao
registro dos atos de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, após o qual se considerarão
definitivamente registrados.
Por conseguinte, a discussão acerca da observância do contraditório e da ampla defesa após o
transcurso do prazo de cinco anos da chegada do processo ao TCU encontra-se prejudicada. Isso porque,
findo o referido prazo, o ato de aposentação considera-se registrado tacitamente, não havendo mais a
possibilidade de alteração pela Corte de Contas.
Os ministros Gilmar Mendes (relator) e Alexandre de Moraes reajustaram os seus votos.
O ministro Edson Fachin acompanhou o relator quanto à parte dispositiva. Enfatizou, porém, que o
ato de concessão de aposentadoria é um ato simples e não complexo. Além disso, o prazo de cinco anos
inicia-se com a publicação do ato pelo órgão de origem e não da chegada do processo administrativo ao
TCU.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que deu provimento ao recurso extraordinário. Salientou que o
ato de concessão de aposentadoria pelo órgão de origem do servidor não é ato jurídico perfeito e acabado,
de modo que a Administração Pública não decai da possibilidade de proceder à análise da higidez do ato.

(1) Lei 9.784/1999: “Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos
favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1º No
caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. § 2º Considera-se
exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.”
(2) CF: “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da
União, ao qual compete: (...) III – apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na
administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para
cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias
posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;”
(3) Decreto-lei 4.654/1942: “Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes
e os princípios gerais de direito”.
(4) Decreto 20.910/1932: “Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer
direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da
data do ato ou fato do qual se originarem”.

RE 636553/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 19.2.2020. (INF 967)

Servidor aposentado pelo RGPS e reintegração sem concurso - ARE 1234192 AgR/PR e ARE
1250903 AgR/PR

A Primeira Turma, por maioria, deu provimento a agravos regimentais em recursos extraordinários
com agravo para julgar improcedentes pedidos formulados por servidores públicos municipais, que,
depois de se aposentarem voluntariamente, pretendiam ser reintegrados aos mesmos cargos que
ocupavam anteriormente.
Trata-se de servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo, que requereram aposentadoria
perante o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pois o município não possui regime próprio de
previdência. Posteriormente, mediante ação judicial, postularam a aludida reintegração, ao fundamento de
que seria cabível a percepção simultânea de vencimentos de cargo público com proventos de
aposentadoria, pagos pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
A Turma considerou inadmissível que o servidor efetivo, depois de aposentado regularmente, seja
reconduzido ao mesmo cargo sem a realização de concurso público, com o intuito de cumular
vencimentos e proventos de aposentadoria. Se o servidor é aposentado pelo RGPS, a vacância do cargo
respectivo não implica direito à reintegração ao mesmo cargo sem a realização de concurso.
Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Rosa Weber, que negaram provimento aos
agravos ao fundamento de que a matéria implicaria análise de legislação infraconstitucional.

ARE 1234192 AgR/PR, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 16.6.2020. (INF 982)
ARE 1250903 AgR/PR, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 16.6.2020. (INF 982)

1.4 CONCURSO PÚBLICO

Critério de desempate em concurso público que beneficia aquele que já é servidor da unidade
federativa - ADI 5358/PA
TESE FIXADA

É inconstitucional a fixação de critério de desempate em concursos públicos que favoreça


candidatos que pertencem ao serviço público de um determinado ente federativo.

RESUMO

É incompatível com a Constituição Federal (CF) estabelecer preferência, na ordem de


classificação de concursos públicos, em favor de candidato já pertencente ao serviço público.
A CF prevê, expressamente, no art. 19, III (1), que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si” e o ato normativo com
aquele conteúdo possui o nítido propósito de conferir tratamento mais favorável aos candidatos que já são
servidores da unidade federativa.
Na hipótese, a norma não assegura a seleção de candidatos mais experientes. Ao contrário,
possibilita que um candidato mais experiente, proveniente da administração pública federal, municipal ou,
ainda, da iniciativa privada, seja preterido em prol de um servidor estadual com pouco tempo de serviço,
desde que pertença aos quadros da unidade federativa. A medida, portanto, é inadequada para a seleção
do candidato mais experiente, viola a igualdade e a impessoalidade e não atende ao interesse público,
favorecendo injustificada e desproporcionalmente os servidores estaduais.
O art. 37, I e II, da CF (2) assegura ampla acessibilidade aos cargos e empregos públicos a todos
os brasileiros que preencham os requisitos legais, por meio de aprovação prévia em concurso público de
provas ou de provas e títulos, realizado de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego,
ressalvada a hipótese de nomeação para cargo em comissão de livre nomeação e exoneração.
A regra de acessibilidade a cargos e empregos públicos prevista no dispositivo visa conferir
efetividade aos princípios constitucionais da isonomia e da impessoalidade, de modo que a imposição
legal de critérios de distinção entre os candidatos é admitida tão somente quando acompanhada da devida
justificativa em razões de interesse público e/ou em decorrência da natureza e das atribuições do cargo ou
emprego a ser preenchido. No ponto, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que é inconstitucional
o ato normativo que estabelece critérios de discriminação entre os candidatos de forma arbitrária ou
desproporcional (3).
Com esses fundamentos, o Plenário, por maioria, confirmou a medida cautelar e, convertendo o
feito em análise de mérito, julgou procedente o pedido formulado, para declarar a inconstitucionalidade
do art. 10, §§ 1º e 2º, da Lei 5.810/1994 (4) do estado do Pará, o qual estabelecia preferência, na ordem de
classificação de concursos públicos, em favor de candidato já pertencente ao serviço público estadual
paraense. Vencido o ministro Marco Aurélio, que julgou o pedido improcedente.

(1) CF: “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III – criar distinções entre
brasileiros ou preferências entre si.”
(2) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em
lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em
concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma
prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;”
(3) Precedente citado: ADI 3580, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 3.8.2015.
(4) Lei 5.810/1994 do Estado do Pará: “Art. 10. A aprovação em concurso público gera o direito à nomeação, respeitada a
ordem de classificação dos candidatos habilitados. § 1º Terá preferência para a ordem de classificação o candidato já pertencente ao
serviço público estadual e, persistindo a igualdade, aquele que contar com maior tempo de serviço público ao Estado. § 2º Se ocorrer
empate de candidatos não pertencentes ao serviço público do Estado, decidir-se-á em favor do mais idoso.”

ADI 5358/PA, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 27.11.2020 (INF 1000)

1.5 CONTRATO ADMINISTRATIVO

Prorrogação de contrato de concessão de ferrovia e serviço adequado - ADI 5991 MC/DF


O Plenário, por maioria, indeferiu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade
ajuizada contra os seguintes dispositivos: § 2º, do inciso II do art. 6º (1); §§ 1º, 3º, 4º e 5º do art. 25 (2); e
o § 2º do art. 30 (3), todos da Lei 13.448/2017.
A parte autora alega que os dispositivos impugnados contrariam o caput e o inciso XXI do art. 37
(4), e o parágrafo único e o inciso IV do art. 175 (5) da Constituição Federal (CF).
O Plenário afirmou que o art. 175, I, da CF (6) prevê que a lei disporá sobre as condições para a
prorrogação dos contratos de concessão.
Enfatizou que o inciso XII do art. 23 da Lei 8.987/1995 (7) estabelece que as condições para a
prorrogação devem ser disciplinadas no contrato de concessão, configurando-se como cláusula essencial,
marcada pela discricionariedade da Administração Pública e na supremacia do interesse público.
A norma dispõe sobre a contratação de termo predefinido, firmado a partir de licitação, cabendo à
Administração avaliar, excepcionalmente, com base nos parâmetros legais de atendimento ao interesse
público, a conveniência e a oportunidade da prorrogação.
Assinalou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece a prorrogação do
prazo contratual no espaço de discricionariedade da Administração Pública à qual cabe analisar e concluir
sobre a oportunidade e a conveniência da prorrogação.
A prorrogação indefinida do contrato, porém, configura burla às determinações legais e
constitucionais quanto à licitação obrigatória para adoção do regime de concessão e permissão para
exploração de serviços públicos.
A Lei 13.448/2017 estabelece diretrizes gerais para a prorrogação e relicitação dos contratos de
parceria qualificados no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), nos termos da Lei 13.303/2016,
para os setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da Administração Pública federal.
Não procede a alegação da autora de que a exigência posta no § 2º do inciso II do art. 6º da Lei
13.448/2017 importa em ofensa à eficiência e favorecimento de interesses particulares em detrimento do
interesse público.
Conforme se prescreve na norma impugnada, além de outras condicionantes, deve-se comprovar a
prestação de serviço adequado, consistente no cumprimento, pelo período antecedente de cinco anos
contado da data da proposta de antecipação da prorrogação, das metas de produção e de segurança
definidas no contrato, por três anos, ou das metas de segurança definidas no contrato, por quatro anos.
A definição legal de serviço adequado (Lei 8.987/1995, art. 6º, § 1º) expõe ser ele “o que satisfaz
as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na
sua prestação e modicidade das tarifas”. O serviço adequado é aquele que atende, quanto ao objeto
contratado, os índices de atendimento.
A prorrogação contratual ao termo final do contrato ou a prorrogação antecipada devem ser
submetidas a consulta pública.
Para tanto, após o encerramento da consulta pública, encaminham-se ao Tribunal de Contas da
União (TCU) o estudo prévio, os documentos que comprovem o cumprimento das exigências de serviço
adequado e o termo aditivo de prorrogação contratual para avaliação final quanto à legitimidade e
economicidade da solução aventada.
O colegiado frisou que o § 2º do art. 8º da lei impugnada prevê a exigência de avaliação prévia e
favorável do órgão competente sobre “a adequação dos serviços”.
A condicionante legal prevista nesse diploma não é fator isolado para o deferimento da
prorrogação antecipada da concessão. Não há impedimento legal que o concessionário seja atestado
positivamente quanto aos critérios do serviço adequado e não o seja quanto aos demais.
O parâmetro temporal estabelecido na lei para o cumprimento do serviço adequado é objetivo.
O parâmetro temporal e material estabelecido pela norma impugnada não compromete a análise do
serviço adequado para fins de prorrogação antecipada contratual.
Na formulação dos contratos de concessão atualmente vigentes, as empresas concessionárias
celebraram contratos de arrendamento de bens com a Rede Ferroviária Federal S/A criada em 1957, pela
Lei 3.115/1957, e incluída no Programa Nacional de Desestatização pelo Decreto federal 473/1992.
A extinção dos contratos de arrendamento resulta na transferência não onerosa dos bens móveis,
operacionais e não operacionais, ao concessionário, conferindo-lhe a possibilidade de deles dispor, geri-
los e substituí-los. Tais bens passam, portanto, a integrar o contrato de parceria firmado entre o Poder
concedente e as concessionárias.
As normas versam sobre o deslocamento do acervo patrimonial para o contrato de concessão com
o fim de concretizar as respectivas obrigações. Os valores atinentes à titularidade serão considerados para
preservar a equação econômico-financeira do contrato.
Nesse contexto, trata-se de matéria a ser disciplinada pela autoridade reguladora competente para
promover a extinção dos contratos de arrendamento e a incorporação dos bens ao contrato de concessão,
nos termos do § 3º do art. 25 da lei em referência.
O prévio inventário dos bens móveis operacionais e não operacionais, objeto de transferência aos
concessionários, atende aos princípios basilares do direito administrativo constitucional – supremacia e
indisponibilidade do interesse público.
Considerou, por fim, que a transferência dos bens imóveis e móveis operacionais ou não, nos
termos das normas impugnadas, deve ser precedida de inventário, no qual especificados e referentes aos
extintos contratos de arrendamento.
Vencidos os ministros Edson Fachin e Marco Aurélio, que concederam a medida cautelar para
suspender a eficácia dos dispositivos impugnados. Consideraram que a redução do prazo e o
abrandamento dos requisitos para avaliação da adequação do contrato, pela lei impugnada, aparenta estar
em confronto com os princípios constitucionais do art. 37 da CF.

(1) Lei 12.448/2017: “Art. 6º. A prorrogação antecipada ocorrerá por meio da inclusão de investimentos não previstos no
instrumento contratual vigente, observado o disposto no art. 3º desta Lei. (...) § 2º. A prorrogação antecipada estará, ainda,
condicionada ao atendimento das seguintes exigências por parte do contratado: II – quanto à concessão ferroviária, a prestação de
serviço adequado, entendendo-se como tal o cumprimento, no período antecedente de 5 (cinco) anos, contado da data da proposta de
antecipação da prorrogação, das metas de produção e de segurança definidas no contrato, por 3 (três) anos, ou das metas de
segurança definidas no contrato, por 4 (quatro) anos.”
(2) Lei 12.448/2017: Art. 25. O órgão ou a entidade competente é autorizado a promover alterações nos contratos de
parceria no setor ferroviário a fim de solucionar questões operacionais e logísticas, inclusive por meio de prorrogações ou
relicitações da totalidade ou de parte dos empreendimentos contratados. § 1º O órgão ou a entidade competente poderá, de comum
acordo com os contratados, buscar soluções para todo o sistema e adotar medidas diferenciadas por contrato ou por trecho
ferroviário que considerem a reconfiguração de malhas, admitida a previsão de investimentos pelos contratados em malha própria ou
naquelas de interesse da administração pública. (...) § 3º Nos termos e prazos definidos em ato do Poder Executivo, as partes
promoverão a extinção dos contratos de arrendamento de bens vinculados aos contratos de parceria no setor ferroviário,
preservando-se as obrigações financeiras pagas e a pagar dos contratos de arrendamento extintos na equação econômico-financeira
dos contratos de parceria. § 4º Os bens operacionais e não operacionais relacionados aos contratos de arrendamento extintos serão
transferidos de forma não onerosa ao contratado e integrarão o contrato de parceria adaptado, com exceção dos bens imóveis, que
serão objeto de cessão de uso ao contratado, observado o disposto no § 2º deste artigo e sem prejuízo de outras obrigações. § 5º Ao
contratado caberá gerir, substituir, dispor ou desfazer-se dos bens móveis operacionais e não operacionais já transferidos ou que
venham a integrar os contratos de parceria nos termos do § 3º deste artigo, observadas as condições relativas à capacidade de
transporte e à qualidade dos serviços pactuadas contratualmente.”
(3) Lei 12.448/2017: “Art. 30. São a União e os entes da administração pública federal indireta, em conjunto ou
isoladamente, autorizados a compensar haveres e deveres de natureza não tributária, incluindo multas, com os respectivos
contratados, no âmbito dos contratos nos setores rodoviário e ferroviário. (...) § 2º Os valores apurados com base no caput deste
artigo poderão ser utilizados para o investimento, diretamente pelos respectivos concessionários e subconcessionários, em malha
própria ou naquelas de interesse da administração pública”.
(4) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: (...) XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados
mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam
obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de
qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”
(5) CF: “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: (...) IV – a obrigação de manter
serviço adequado.”
(6) CF: “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I – o regime das empresas
concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as
condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;”
(7) Lei 8.987/1995: “Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: (...) XII – às condições para
prorrogação do contrato;”

ADI 5991 MC/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 20.2.2020. (INF 967)
1.6 PODERES ADMINISTRATIVOS

Pessoa jurídica de direito privado e sanção de polícia - RE 633782/MG

É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de


direito privado integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente
público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não
concorrencial.
O fato de a pessoa jurídica integrante da Administração Pública indireta destinatária da delegação
da atividade de polícia administrativa ser constituída sob a roupagem do regime privado não a impede de
exercer a função pública de polícia administrativa.
O regime jurídico híbrido das estatais prestadoras de serviço público em regime de monopólio é
plenamente compatível com a delegação, nos mesmos termos em que se admite a constitucionalidade do
exercício delegado de atividade de polícia por entidades de regime jurídico de direito público. Isso porque
a incidência de normas de direito público em relação àquelas entidades da Administração indireta tem o
condão de as aproximar do regime de direito público, do regime fazendário e acabar por desempenhar
atividade própria do Estado.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao desdobrar o ciclo de polícia, entende que somente os atos
relativos ao consentimento e à fiscalização são delegáveis, pois aqueles referentes à legislação e à sanção
derivam do poder de coerção do Poder Público. Segundo a teoria do ciclo de polícia, o atributo da
coercibilidade é identificado na fase de sanção de polícia e caracteriza-se pela aptidão que o ato de polícia
possui de criar unilateralmente uma obrigação a ser adimplida pelo seu destinatário.
Apesar da substancialidade da tese, verifica-se que, em relação às estatais prestadoras de serviço
público de atuação própria do Estado e em regime de monopólio, não há razão para o afastamento do
atributo da coercibilidade inerente ao exercício do poder de polícia, sob pena de esvaziamento da
finalidade para a qual aquelas entidades foram criadas.
A Constituição da República, ao autorizar a criação de empresas públicas e sociedades de
economia mista que tenham por objeto exclusivo a prestação de serviços públicos de atuação típica do
Estado, autoriza, consequentemente, a delegação dos meios necessários à realização do serviço público
delegado, sob pena de restar inviabilizada a atuação dessas entidades na prestação de serviços públicos.
Por outro lado, cumpre ressaltar a única fase do ciclo de polícia que, por sua natureza, é
absolutamente indelegável: a ordem de polícia, ou seja, a função legislativa. A competência legislativa é
restrita aos entes públicos previstos na Constituição da República, sendo vedada sua delegação, fora das
hipóteses expressamente autorizadas no tecido constitucional, a pessoas jurídicas de direito privado.
Em suma, os atos de consentimento, de fiscalização e de aplicação de sanções podem ser
delegados a estatais que possam ter um regime jurídico próximo daquele aplicável à Fazenda Pública.
Na espécie, cuida-se de recurso extraordinário contra acórdão do STJ o qual prestigiou a tese de
que somente os atos relativos ao consentimento e à fiscalização seriam delegáveis.
Diante disso, o Tribunal, por maioria, ao apreciar o Tema 532 da repercussão geral, conheceu e
deu provimento a recurso extraordinário para reconhecer a compatibilidade constitucional da delegação
da atividade de policiamento de trânsito à empresa, nos limites da tese jurídica objetivamente fixada pelo
Pleno.

RE 633782/MG, rel. min. Luiz Fux, julgamento virtual finalizado em 23.10.2020. (INF 996)

1.7 PROCESSO ADMINISTRATIVO

Servidor público e processo administrativo disciplinar - 2 - RMS 32357/DF

Em conclusão de julgamento, a Segunda Turma negou provimento a recurso ordinário em


mandado de segurança no qual se impugnava decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que manteve
a demissão do impetrante do cargo de auditor-fiscal da Receita Federal, em razão da prática de ilícito
administrativo (Informativo 766).
Na espécie, o recorrente reiterava o argumento de que o ato debatido estaria contaminado por vício
de forma que tornaria nulo o processo administrativo disciplinar. Aduzia que servidor em estágio
probatório não poderia compor comissão de inquérito, sob pena de descumprir-se o caput do art. 149 da
Lei 8.112/1990 (1). Sustentava, ainda, haver desproporcionalidade da pena administrativa aplicada, que
não teria levado em conta a absolvição na esfera criminal.
O colegiado destacou que, para o STJ, a exigência legal foi atendida, pois a estabilidade no serviço
público federal do integrante em estágio probatório foi adquirida em 1993, em outro cargo.
Complementou que a Administração, ao saber do questionamento, substituiu o referido servidor,
sem aproveitar qualquer ato decisório no processo disciplinar. Ausente a demonstração de prejuízo
concreto, a declaração de nulidade é desautorizada.
Quanto ao argumento de desproporcionalidade da pena em decorrência da absolvição na esfera
criminal, observou que competia ao administrador aplicar a penalidade prescrita na lei. Despiciendo
cogitar-se de razoabilidade ou proporcionalidade.
Além disso, a jurisprudência desta Corte reconhece a independência entre as esferas penal e
administrativa. A repercussão da primeira na segunda ocorre somente nos casos em que constatada a
inexistência material dos fatos ou a negativa de autoria, até porque a valoração na esfera administrativa
não é a mesma da penal.
Na situação em apreço, a improcedência do pedido condenatório na esfera penal decorreu de falta
de prova. No processo administrativo, a produção de prova foi suficiente para a formação do
convencimento condenatório disciplinar.

(1) Lei 8.112/1990: “Art. 149. O processo disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis
designados pela autoridade competente, observado o disposto no § 3º do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que
deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.”

RMS 32357/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 17.3.2020. (INF 970)

1.8 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Covid-19 e responsabilização de agentes públicos - ADI 6421 MC/DF; ADI 6422 MC/DF;
ADI 6424 MC/DF; ADI 6425 MC/DF; ADI 6427 MC/DF; ADI 6428 MC/DF e ADI 6431
MC/DF

Parte 1 -
Parte 2 -

O Plenário, em julgamento conjunto e por maioria, deferiu parcialmente medidas cautelares em


ações diretas de inconstitucionalidade, em que se discute a responsabilização de agentes públicos pela
prática de atos relacionados com as medidas de enfrentamento da pandemia do novo coronavírus e aos
efeitos econômicos e sociais dela decorrentes, para: a) conferir interpretação conforme à Constituição ao
art. 2º da Medida Provisória (MP) 966/2020 (1), no sentido de estabelecer que, na caracterização de erro
grosseiro, deve-se levar em consideração a observância, pelas autoridades: (i) de standards, normas e
critérios científicos e técnicos, tal como estabelecidos por organizações e entidades internacional e
nacionalmente conhecidas; bem como (ii) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção; e
b) conferir, ainda, interpretação conforme à Constituição ao art. 1º da MP 966/2020 (2), para explicitar
que, para os fins de tal dispositivo, a autoridade à qual compete a decisão deve exigir que a opinião
técnica trate expressamente: (i) das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como
estabelecidos por organizações e entidades reconhecidas nacional e internacionalmente; (ii) da
observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.
Foram firmadas as seguintes teses: “1. Configura erro grosseiro o ato administrativo que ensejar
violação ao direito à vida, à saúde, ao meio ambiente equilibrado ou impactos adversos à economia, por
inobservância: (i) de normas e critérios científicos e técnicos; ou (ii) dos princípios constitucionais da
precaução e da prevenção. 2. A autoridade a quem compete decidir deve exigir que as opiniões técnicas
em que baseará sua decisão tratem expressamente: (i) das normas e critérios científicos e técnicos
aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades internacional e nacionalmente
reconhecidas; e (ii) da observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, sob pena
de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos”.
Preliminarmente, o colegiado, por maioria, deliberou por proceder à análise das medidas
acauteladoras. Quanto a esse tópico, considerou que o tema tratado na MP é revestido de relevância e
urgência. No que se refere à plausibilidade do direito, observou que o novo coronavírus representa
problemas em várias dimensões. Na dimensão sanitária, trata-se de uma crise de saúde pública, pois a
doença se propagou sem que haja remédio eficaz ou vacina descoberta. A única medida preventiva eficaz
que as autoridades de saúde têm recomendado é o isolamento social em toda parte do mundo. Na
dimensão econômica, está ocorrendo uma recessão mundial. Na dimensão social, existe uma grande
parcela da população nacional que trabalha na informalidade; e/ou que não consta em qualquer tipo de
cadastro oficial, de modo que há grande dificuldade em encontrar essas pessoas e oferecer a ajuda
necessária. Por fim, há a dimensão fiscal da crise, que consiste na pressão existente sobre os cofres
públicos para manter os serviços, principalmente de saúde, em funcionamento. Vencido, no ponto, o
ministro Marco Aurélio, que entendeu inadequada a via eleita.
No mérito, explicitou que as ações diretas têm por objeto a MP 966/2020, o art. 28 do Decreto-Lei
4.657/2018 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro ou LINDB), com a redação dada pela Lei
13.655/2018 e, ainda, os arts. 12 e 14 do Decreto 9.830/2019, que regulamentam o referido art. 28.
No que se refere ao art. 28 da LINDB, o Plenário anotou que a lei é de 2018, portanto em vigor há
mais de dois anos, sem que se tenha detectado algum tipo de malefício ou de transtorno decorrente de sua
aplicação. É uma lei que contém normas gerais, de direito intertemporal, de Direito Internacional Privado,
de hermenêutica e de cooperação jurídica internacional. Assim, seu caráter abstrato, aliado à sua vigência
por tempo considerável, tornam inoportuna sua análise em medida acauteladora nesse momento. Por isso,
o colegiado se limitou a analisar, exclusivamente, a MP 966/2020, no que se refere especificamente à
responsabilidade civil e administrativa de agentes públicos no enfrentamento da pandemia e no combate a
seus efeitos econômicos.
O propósito dessa MP foi dar segurança aos agentes públicos que têm competências decisórias,
minimizando suas responsabilidades no tratamento da doença e no combate aos seus efeitos econômicos.
Entretanto, há razões pelas quais ela não eleva a segurança dos agentes públicos. Isso porque um dos
problemas do Brasil é que o controle dos atos da Administração Pública sobrevém muitos anos depois dos
fatos relevantes, quando, muitas vezes, já não se tem mais nenhum registro, na memória, da situação de
urgência, das incertezas e indefinições que levaram o administrador a decidir.
Portanto, a segurança viria se existisse desde logo um monitoramento quanto à aplicação desses
recursos, por via idônea, no tempo real ou pouco tempo depois dos eventos. Não obstante, o que se previu
na MP não é o caso.
Situações como corrupção, superfaturamento ou favorecimentos indevidos são condutas ilegítimas
independentemente da situação de pandemia. A MP não trata de crime ou de ato ilícito. Assim, qualquer
interpretação do texto impugnado que dê imunidade a agentes públicos quanto a ato ilícito ou de
improbidade deve ser excluída. O alcance da MP é distinto.
No tocante à saúde e à proteção da vida, a jurisprudência do Tribunal se move por dois
parâmetros: o primeiro deles é o de que devem ser observados padrões técnicos e evidências científicas
sobre a matéria. O segundo é que essas questões se sujeitam ao princípio da prevenção e ao princípio da
precaução, ou seja, se existir alguma dúvida quanto aos efeitos de alguma medida, ela não deve ser
aplicada, a Administração deve se pautar pela autocontenção.
Feitas essas considerações, é preciso ponderar a existência de agentes públicos incorretos, que se
aproveitam da situação para obter vantagem apesar das mortes que vêm ocorrendo; e a de administradores
corretos que podem temer retaliações duras por causa de seus atos.
Nesse sentido, o texto impugnado limita corretamente a responsabilização do agente pelo erro
estritamente grosseiro. O problema é qualificar o que se entende por “grosseiro”. Para tanto, além de
excluir da incidência da norma a ocorrência de improbidade administrativa, que já é tratada em legislação
própria, é necessário estabelecer que, na análise do sentido e alcance do que isso signifique — erro
“grosseiro” —, deve se levar em consideração a observância pelas autoridades, pelos agentes públicos,
daqueles dois parâmetros: os standards, normas e critérios científicos e técnicos, tal como estabelecidos
por organizações e entidades médicas e sanitárias nacional e internacionalmente reconhecidas, bem como
a observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.
Além disso, a autoridade competente deve exigir que a opinião técnica, com base na qual decidirá,
trate expressamente das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como
estabelecido por organizações e entidades médicas e sanitárias, reconhecidas nacional e
internacionalmente, e a observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.
Vencidos os ministros Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia, que concederam a medida cautelar
em maior extensão, para suspender parcialmente a eficácia do art. 1º da MP 966/2020 e integralmente a
eficácia do inciso II desse artigo. Vencido, também, o ministro Marco Aurélio, que concedeu a medida
acauteladora para suspender integralmente a eficácia da MP 966/2020.

(1) MP 966/2020: “Art. 2º. Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se erro grosseiro o erro manifesto,
evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência
ou imperícia.”
(2) MP 966/2020: “Art. 1º Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se
agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de: I –
enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da covid-19; e II – combate aos efeitos econômicos e sociais
decorrentes da pandemia da covid-19. § 1º A responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de forma automática ao
decisor que a houver adotado como fundamento de decidir e somente se configurará: I – se estiverem presentes elementos
suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica; ou II – se houver conluio entre os agentes.”

ADI 6421 MC/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 20 e 21.5.2020. (INF 978)
ADI 6422 MC/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 20 e 21.5.2020. (INF 978)
ADI 6424 MC/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 20 e 21.5.2020. (INF 978)
ADI 6425 MC/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 20 e 21.5.2020. (INF 978)
ADI 6427 MC/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 20 e 21.5.2020. (INF 978)
ADI 6428 MC/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 20 e 21.5.2020. (INF 978)
ADI 6431 MC/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 20 e 21.5.2020. (INF 978)

Responsabilidade civil do Estado e dever de fiscalizar - 3 - RE 136861/SP

Parte 1 -
Parte 2 -

Para que fique caracterizada a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do comércio
de fogos de artifício, é necessário que exista a violação de um dever jurídico específico de agir, que
ocorrerá quando for concedida a licença para funcionamento sem as cautelas legais ou quando for de
conhecimento do poder público eventuais irregularidades praticadas pelo particular.
Com essa tese de repercussão geral (Tema 366), o Plenário, em conclusão de julgamento e por
maioria, negou provimento a recurso extraordinário interposto de acórdão em que o tribunal de origem
deu provimento a recurso de apelação por considerar ausente o nexo causal entre as falhas noticiadas na
prestação de serviços públicos e a explosão havida em loja de fogos de artifício (Informativos 917 e 918).
Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes, no qual expôs que a Constituição Federal, no
art. 37, § 6º (1), adotou a responsabilidade objetiva do Estado pela teoria do risco administrativo, não pela
teoria do risco integral. Várias são as decisões do Supremo Tribunal Federal nesse sentido e a apontar a
impossibilidade de qualquer legislação, inclusive, ampliar isso e aceitar a teoria do risco integral.
A observância de requisitos mínimos, positivos e negativos, é necessária para a aplicação da
responsabilidade objetiva. Na situação dos autos, dois requisitos positivos exigíveis estão ausentes.
Inexiste conduta, comissiva ou omissiva, do poder público. Por conseguinte, o nexo causal não pode ser
aferido.
A abertura de comércio de fogos com pólvora não é possível sem a perícia da Polícia Civil, órgão
do Estado-membro. É ela que pode realizar a vistoria, não o município. Ademais, a legislação da
municipalidade estabelecia o procedimento e previa a inspeção. Exigia, no protocolo, a comprovação do
seu pedido e o recolhimento da taxa na Polícia Civil para dar sequência ao procedimento.
Entretanto, protocolada a pretensão, faltou a comprovação de ter sido feito requerimento na Polícia
Civil. Logo, o procedimento administrativo ficou parado. A atuação do poder público municipal foi a
esperada: aguardar a complementação dos documentos pelos requerentes. Nada seria exigível da
municipalidade.
A atividade praticada pelos comerciantes era clandestina. Eles precisavam da licença para
funcionar, o que só poderia ser concedido com prévia vistoria. Dessa maneira, os proprietários
começaram a comercializar sem autorização.
Inclusive, a má-fé dos proprietários do imóvel foi reconhecida em outro processo relacionado a
esta causa. Naqueles autos, o magistrado acentuou que, no local, funcionava verdadeiro depósito
clandestino de pólvora, armazenada em quantidade tal que se fazia supor uma fábrica clandestina. Assim,
existiu desvio na utilização do imóvel.
Percebe-se que, além da ausência de requisitos positivos, incide a culpa exclusiva dos
proprietários, porque não aguardaram a necessária licença e estocaram pólvora.
O ministro Roberto Barroso pontuou que a discordância é sobre o nexo de causalidade. A omissão
específica no comércio de fogos de artifício ocorrerá quando for concedida a licença para funcionamento
sem as cautelas legais ou forem de conhecimento do poder público eventuais irregularidades praticadas
pelo particular. O simples requerimento de licença de instalação ou o recolhimento da taxa de
funcionamento não são suficientes para caracterizar o dever específico de agir.
Segundo o ministro Gilmar Mendes, a questão resume-se à responsabilidade por fato ilícito
causado por terceiro, que instalou clandestinamente loja sem obedecer a legislação municipal, estadual e
federal.
O ministro Marco Aurélio sinalizou que a responsabilidade do Estado é objetiva, considerado ato
comissivo. A partir do momento em que se tem ato omissivo, a responsabilidade é subjetiva. Entendeu ser
o município diligente ao não expedir a licença e exigir a observância de requisitos normativos.
Vencidos os ministros Edson Fachin (relator), Luiz Fux, Cármen Lúcia, Celso de Mello e Dias
Toffoli, que deram parcial provimento ao recurso extraordinário, a fim de restaurar as conclusões da
sentença.
O relator compreendeu ser objetiva a responsabilidade civil atribuível ao Estado também no caso
de condutas omissivas. Necessário conjugar a dispensabilidade da comprovação de culpa do agente ou
falha no serviço público com a imposição à Administração de um dever legal de agir. Ponderou que o
município inverteu o procedimento regulamentar, deixou de realizar a vistoria prévia no prazo de 24
horas e permitiu a paralisação do processo administrativo. De igual modo, incorreu em violação de seu
dever de exercício do poder de polícia. Por sua omissão, possibilitou que o comércio funcionasse
clandestinamente e ali houvesse danos derivados de explosão.
O ministro Luiz Fux salientou que a responsabilidade municipal está em permitir que atividade de
alta periculosidade se realizasse em área próxima a residências. A ministra Cármen Lúcia enfatizou que o
município fora acionado; estava, portanto, ciente da instalação do que seria comércio de fogos de
artifício. Por sua vez, o ministro Celso de Mello destacou a ausência de causa excludente da
responsabilidade estatal.

(1) CF: “Art. 37. (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa.”

RE 136861/SP, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento
em 11.3.2020. (INF 969)

1.9 SERVIDORES PÚBLICOS

ADI e “Reforma Constitucional da Previdência” - 7 - ADI 3133/DF; ADI 3143/DF e ADI


3184/DF

O Plenário, por maioria e em conclusão de julgamento conjunto, considerou improcedentes os


pedidos formulados em três ações diretas de inconstitucionalidade no tocante: (i) ao art. 40, § 18, da
Constituição Federal (CF), na redação dada pelo art. 1º da Emenda Constitucional (EC) 41/2003 (1); e (ii)
ao art. 9º da EC 41/2003 (2), deduzido apenas na ADI 3184 (Informativos 640 e 641).
Por unanimidade, reconheceu a perda superveniente dos objetos das ações quanto à impugnação
dos incisos I e II do § 7º do art. 40 da CF, na redação dada pelo art. 1º da EC 41/2003, reputada
improcedente em assentada anterior pela ministra Cármen Lúcia (relatora) e pelo ministro Luiz Fux.
Segundo o voto reajustado da relatora, acompanhado pelos demais ministros, houve alteração substancial
do § 7º do art. 40 em virtude da edição da EC 103/2019, o que tornou as ações prejudicadas nesse
particular.
De igual modo, o colegiado não conheceu do pleito formalizado na ADI 3143 no que atinente ao
art. 5º da EC 41/2003, por inobservância do que exigido no art. 3º, I, da Lei 9.868/1999 (3).
Além disso, consignou o prejuízo parcial de algumas pretensões apresentadas nos feitos, uma vez
que as matérias já foram apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em outras ações diretas ( ADI
3.105, ADI 3.128, ADI 3.138).
No mérito, a Corte julgou improcedentes pedidos de declaração de inconstitucionalidade do art.
40, § 18, da CF e do art. 9º da EC, este requerido apenas na ADI 3184.
Frisou que o STF, ao declarar a inconstitucionalidade dos percentuais estabelecidos nos incisos I e
II e no parágrafo único do art. 4º da EC 41/2003, afirmara o caráter geral do art. 40, § 18, da CF.
Consignou que a discriminação determinada pela norma, segundo a qual incidirá contribuição
previdenciária sobre os proventos de aposentadorias e pensões que excederem o limite máximo
estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social, configura situação justificadamente
favorável àqueles que já recebiam benefícios quando do advento da EC 41/2003, incluídos no rol dos
contribuintes.
Se por um lado, a contribuição devida pelos servidores da ativa seria calculada com base na
totalidade dos vencimentos percebidos, por outro, inativos e pensionistas teriam o valor de sua
contribuição fixado sobre base de cálculo inferior, pois dela seria extraído valor equivalente ao teto dos
benefícios pagos no regime geral.
Desse modo, haveria proporcionalidade, visto que os inativos, por não poderem fruir do sistema da
mesma forma que os ativos, não seriam tributados com a mesma intensidade.
Vencido, no ponto, o ministro Marco Aurélio, que julgou o pedido procedente para declarar a
inconstitucionalidade do mencionado preceito. A seu ver, as situações assentadas segundo o regime
anterior não poderiam ser alcançadas pelo tributo. A previsão da incidência da contribuição somente em
relação a valores que superem os do regime geral não afastaria do cenário a incidência do dispositivo em
situações constituídas.
Noutro passo, o Plenário firmou a constitucionalidade do art. 9º da EC 41/2003, que se remete à
aplicação do art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) (4).
Ao rejeitar a alegação da associação autora de que afrontaria cláusula pétrea referente ao direito
adquirido, esclareceu não ser este o dispositivo que autoriza a cobrança da contribuição previdenciária de
inativos e pensionistas. Registrou que a constitucionalidade da cobrança já foi reconhecida por este
Tribunal.
Agregou que o STF tem afirmado, reiteradamente, a inexistência de direito adquirido a não ser
tributado.
O ministro Gilmar Mendes aduziu haver risco na declaração de inconstitucionalidade, sem
restrições, do art. 9º, porque poderia sinalizar a possibilidade de questionamentos em relação ao teto
remuneratório constitucional e envolver dúvidas sobre sua sistemática. De acordo com o ministro, a
remissão ao preceito do ADCT não simbolizaria sua restauração pelo constituinte derivado. O art. 9º é
norma expletiva, a enfatizar a existência do limite imposto pelo art. 37, XI, da CF (5) e evitar que o teto
seja superado.
O ministro Edson Fachin reportou-se ao julgamento do RE 609.381 (Tema 480 da repercussão
geral) e do RE 606.358 (Tema 257 da repercussão geral), com o intuito de salientar a desnecessidade de
interpretação conforme. Assinalou que, na redação originária da CF, o teto remuneratório não poderia ser
ultrapassado. Não há que se falar em direito adquirido à percepção de verbas em desacordo com o texto
constitucional.
Vencidos, no ponto, os ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Celso de
Mello e Cezar Peluso, que julgaram a pretensão procedente. Compreenderam que o poder constituinte de
emenda não poderia ter determinado a aplicação do art. 17 do ADCT, que teria se exaurido, e
asseveraram a afronta ao art. 60, § 4º, IV, da CF (6). O ministro Cezar Peluso alertou haver perigo de a
Administração Pública utilizar o art. 17 do ADCT para desconhecer direitos adquiridos sob as garantias
constitucionais vigentes. Além disso, não entreviu risco na declaração de inconstitucionalidade,
porquanto o redutor incidiria por força de normas constitucionais permanentes vigentes, que não suscitam
dúvidas.
(1) CF: “Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo
e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. (...) § 18. Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e
pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime
geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos
efetivos.”
(2) EC 41/2003: “Art. 9º Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos
vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e
fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de
mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente
ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza.”
(3) Lei 9.868/1999: “Art. 3º A petição indicará: I – o dispositivo da lei ou do ato normativo impugnado e os fundamentos
jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações;”
(4) ADCT: “Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de
aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela
decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.”
(5) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: (...) XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta,
autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos
detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos
cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em
espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos
Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais
e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e
vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder
Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;”
(6) CF: “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º Não será objeto de deliberação a
proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV – os direitos e garantias individuais.”

ADI 3133/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 24.6.2020. (INF 983)
ADI 3143/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 24.6.2020. (INF 983)
ADI 3184/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 24.6.2020. (INF 983)

Ascensão funcional e provimento derivado de cargos públicos (Tema 493 RG) - RE


523086/MA

RESUMO:

Não possui repercussão geral a discussão acerca da constitucionalidade da progressão


funcional prevista na Lei 6.110/1994 do Estado do Maranhão.
Diante da revogação integral da Lei 6.110/1994 do Estado do Maranhão, que gerou a
prejudicialidade da ADI 3.567, além da realização de acordo judicial entre o recorrente e os servidores
atingidos pelo diploma normativo impugnado, possível a revisão do reconhecimento da repercussão geral
do tema, nos termos do art. 323-B do Regimento Interno do STF, com redação conferida pela Emenda
Regimental 54/2020.
Com esse entendimento, o Plenário, em sessão virtual, ao negar seguimento ao recurso
extraordinário, assentou a inexistência de repercussão geral da questão objeto do Tema 493.

RE 523086/MA, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 4.12.2020 (INF 1001)

Atribuição de cargo em comissão e funções de direção, chefia e assessoramento - RE


719870/MG

No julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta para questionar a validade


de leis que criam cargos em comissão, ao fundamento de que não se destinam a funções de direção,
chefia e assessoramento, o Tribunal deve analisar as atribuições previstas para os cargos.
Na fundamentação do julgamento, o Tribunal não está obrigado se pronunciar sobre a
constitucionalidade de cada cargo criado, individualmente.
Os cargos em comissão de livre nomeação, conforme preceitua a Constituição Federal (CF),
destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento (CF, art. 37, V) (1).
Somente após a apreciação das descrições das atividades dos cargos públicos na lei é que se
poderá afirmar sua compatibilidade com a norma constitucional (nacional ou estadual) que estabelece os
casos e as hipóteses de cargos em comissão.
Desse modo, instaurado o controle abstrato de constitucionalidade no âmbito de tribunal de justiça
para a análise da higidez constitucional de lei municipal que cria cargos em comissão, a corte local deve
examinar as atribuições dos cargos em comissão.
Além disso, ao apreciar o Tema 339 da repercussão geral, o Plenário definiu que o art. 93, IX, da
CF exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar,
contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas. Assim, a corte de origem não
está obrigada, na fundamentação do acórdão que julga a ação de inconstitucionalidade, a manifestar-se
sobre cada cargo, individualmente.
No caso, trata-se de ação direta para verificação da compatibilidade, com dispositivos de
constituição estadual, de leis municipais que criaram cargos públicos de provimento em comissão, que,
em tese, não seriam destinados a funções de chefia, direção e assessoramento. O tribunal de justiça julgou
procedente em parte o pedido, afirmando, em suma, não ser possível a verificação das atribuições dos
cargos para se concluir no sentido da inconstitucionalidade das normas. O acórdão foi impugnado por
meio de embargos de declaração.
Com base nesse entendimento, o Plenário, ao apreciar o Tema 670 da repercussão geral, deu
provimento ao recurso extraordinário, em maior extensão, para que os autos retornem ao tribunal de
origem, para novo julgamento dos embargos de declaração.

(1) CF: “Art. 37. (...) V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os
cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei,
destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;”

RE 719870/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento virtual em 9.10.2020. (INF 994)

Inconstitucionalidade de sanções administrativas perpétuas - ADI 2975/DF

RESUMO:

É inconstitucional, por denotar sanção de caráter perpétuo, o parágrafo único do artigo 137
da Lei 8.112/1990 (1), o qual dispõe que não poderá retornar ao serviço público federal o servidor
que tiver sido demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, I (crimes
contra a administração pública), IV (atos de improbidade), VIII (aplicação irregular de recursos
públicos), X (lesão aos cofres públicos) e XI (corrupção) (2), da referida lei.
O conteúdo da norma impugnada viola o art. 5º, XLVII, b, da Constituição Federal (CF) (3) ao
impor pena de caráter perpétuo.
É importante ressaltar que, embora a norma constitucional encontre-se estabelecida enquanto
garantia à aplicação de sanções penais, viável sua extensão às sanções administrativas, em razão do
vínculo existente entre essas duas esferas do poder sancionatório estatal.
Critério razoável para a delimitação constitucional da atividade punitiva é a impossibilidade da
imposição de sanções administrativas mais graves que as penas aplicadas pela prática de crimes, já que os
conceitos de subsidiariedade e da intervenção penal mínima corroboram a afirmação de que o ilícito
administrativo seria um minus em relação às infrações penais. É nesse sentido que se conclui que a norma
constante do art. 5º, XLVII, b, da CF também se aplica às sanções administrativas.
Essa conclusão se aplica até mesmo para os ilícitos administrativos que também se enquadram
como infrações penais, como ocorre com o art. 132, I, IV, VIII, X e XI, da Lei 8.112/1990, já que a
jurisprudência da Corte (4) tem entendido pela possibilidade de aplicação das mesmas regras penais a
esses ilícitos administrativos no que se refere, por exemplo, ao prazo de prescrição.
Em sentido semelhante, a Corte possui jurisprudência no sentido da impossibilidade de aplicação
da penalidade administrativa de inabilitação permanente para o exercício de cargos de administração ou
gerência de instituição financeira (5).
Com base no entendimento acima exposto, o Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido
formulado em ação direta (ADI) para declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 137 da
Lei 8.112/1990 e determinou a comunicação do teor da decisão ao Congresso Nacional, para que delibere,
se assim entender pertinente, sobre o prazo de proibição de retorno ao serviço público nas hipóteses do
art. 132, I, IV, VIII, X e XI, da Lei 8.112/1990.

(1) Lei 8.112/1990: “Art. 137.  A demissão ou a destituição de cargo em comissão, por infringência do art. 117, incisos IX
e XI, incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura em cargo público federal, pelo prazo de 5 (cinco) anos.
Parágrafo único.  Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor que for demitido ou destituído do cargo em comissão por
infringência do art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI.”
(2) Lei 8.112/1990: “Art. 132.  A demissão será aplicada nos seguintes casos: I - crime contra a administração pública; (...)
IV - improbidade administrativa; (...) VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos; (...) X - lesão aos cofres públicos e
dilapidação do patrimônio nacional; XI - corrupção;”
(3) CF: “Art. 5º. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: (...) XLVII - não haverá penas: (...) b) de caráter perpétuo;”
(4) MS 23.242/SP, rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 10.4.2002; MS 24.013/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de
1º.7.2005.
(5) RE 154.134/SP, rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 29.10.1999.

ADI 2975/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 4.12.2020. (INF 1001)

Policiais civis: paridade e integralidade dos proventos de aposentadoria - ADI 5039/RO

É inconstitucional norma que preveja a concessão de aposentadoria com paridade e


integralidade de proventos a policiais civis.
A Constituição Federal (CF) garantia, até o advento da Emenda Constitucional (EC) 41/2003, a
paridade entre servidores ativos e inativos, o que significava exatamente a revisão dos proventos de
aposentadoria, na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificasse a remuneração dos
servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaisquer
benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade.
O § 8º do art. 40 da CF (1), na redação que lhe conferiu a EC 41/2003, substituiu a paridade pela
determinação quanto ao reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor
real, conforme critérios estabelecidos em lei.
De igual modo, a integralidade, que se traduz na possibilidade de o servidor aposentar-se
ostentando os mesmos valores da última remuneração percebida quando em exercício no cargo efetivo
por ele titularizado no momento da inativação, foi extinta pela mesma EC 41/2003.
É inconstitucional norma que preveja a concessão de “adicional de final de carreira” a
policiais civis.
O art. 40, § 2º, da CF, na redação dada pela EC 41/2003, dispõe que os proventos de aposentadoria
e as pensões, quando de sua concessão, “não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no
cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão”.
Assim, a remuneração do cargo efetivo no qual se der a aposentadoria é o limite para a fixação do valor
dos proventos.
Policiais civis e militares possuem regimes de previdência distintos e, portanto, o fato de alguns
deles conterem previsão quanto à possibilidade de aposentadoria dos militares em classe imediatamente
superior à que ocupava, quando em atividade, não é fundamento legal para a extensão dessa vantagem aos
policiais civis.
No caso, trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo governador do estado de
Rondônia em que se discutem as alterações legislativas promovidas pela Lei Complementar estadual
672/2012. Essa lei complementar estabeleceu regras próprias para a concessão e manutenção dos
benefícios previdenciários a serem concedidos para a categoria dos policiais civis.
Com o entendimento acima exposto, o Plenário, por maioria, declarou a inconstitucionalidade do §
12 do art. 45 (2) e dos §§ 1º, 4º, 5º e 6º do art. 91-A (3) da Lei Complementar estadual 432/2008, na
redação que lhes conferiu a LC 672/2012. Não houve modulação de efeitos da decisão, porquanto a
manutenção das aposentadorias concedidas com base na lei declarada inconstitucional resultaria em
ofensa à isonomia em relação aos demais servidores civis do estado de Rondônia não abrangidos pelas
regras que lhes seriam mais favoráveis.

(1) CF: “Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo
e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. (...) § 8º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes,
em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei.”
(2) LC 432/2008: “Art. 45. No cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargo efetivo, salvo as
hipóteses de aposentadoria dos artigos 46, 48 e 51, será considerada a média aritmética simples das maiores remunerações,
utilizando como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, correspondente a 80%
(oitenta por cento) de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior
àquela competência. (...) § 12. Os proventos e outros direitos do Policial Civil do Estado Inativo e Pensionista serão calculados de
acordo com o disposto no artigo 91-A e seus parágrafos e artigo 30, inciso III e, revistos na mesma proporção e na mesma data,
sempre que se modificar a remuneração ou subsídio do Policial Civil da ativa.”
(3) LC 432/2008 do estado de Rondônia: “Art. 91-A. Os benefícios previdenciários da Categoria da Polícia Civil, de
aposentadoria e pensão por morte aos seus dependentes, dar-se-ão em conformidade com o disposto no inciso II, do § 4o do artigo
40, da Constituição Federal e o disposto na Lei Complementar Federal no 51, de 20 de dezembro de 1985. § 1º O Policial Civil do
Estado de Rondônia passará para a inatividade, voluntariamente, independente de idade mínima, com proventos integrais e
paritários ao da remuneração ou subsídio em que se der a aposentadoria, aos 30 (trinta) anos de contribuição, desde que conte com
20 (vinte) anos de tempo efetivo de serviço público de natureza estritamente policial, a exceção da aposentadoria por compulsória
que se dará aos 65 (sessenta e cinco) anos. (…) § 4º O Policial Civil do Estado de Rondônia fará jus a provento igual à remuneração
ou subsídio integral da classe imediatamente superior, ou remuneração normal acrescida de 20% (vinte por cento) para o Policial
Civil do Estado na última classe, nos últimos cinco anos que antecederam a passagem para a inatividade, considerando a data de seu
ingresso na Categoria da Polícia Civil e desde que: I – ao servidor da Categoria da Polícia Civil do Estado fazer opção formal na
Instituição Previdenciária pela contribuição sobre a respectiva verba de classe superior ou verbas transitórias, atendendo o prazo de
carência efetiva a ser cumprida, devendo ser comunicado a Coordenadoria Geral de Recursos Humanos – CGRH, para registro
funcional na pasta do servidor, sendo da obrigatoriedade do Instituto de Previdência do Estado de Rondônia – IPERON, o
entabulamento dos cálculos dos valores a ter a incidência do percentual previdenciário, conforme a opção do serventuário; e II – ao
Instituto de Previdência do Estado de Rondônia – IPERON incumbe a responsabilidade do cálculo do resíduo de contribuição
eventualmente devido e a ser custeado para cumprimento do interstício de 5 (cinco) anos de contribuição incidente sobre a classe
superior ou sobre as verbas de caráter transitório para possível reflexo nos proventos de inatividade. § 5º Os proventos da
aposentadoria de que trata este artigo terão, na data de sua concessão, o valor da totalidade da última remuneração ou subsídio do
cargo em que se der a aposentadoria e serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração
ou subsídio dos servidores em atividade, considerando sempre a data de ingresso do servidor na Categoria da Polícia Civil em
virtude das variáveis regras de aposentação e da legislação em vigor. § 6º Serão estendidos aos aposentados quaisquer benefícios ou
vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, incluídos os casos de transformação ou reclassificação do cargo
ou da função em que se deu a aposentadoria aos servidores da Categoria da Polícia Civil que tenham paridade e extensão de
benefícios de acordo com a legislação em vigor.”

ADI 5039/RO, rel. Min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 10.11.2020. (INF 998)

Presunção de inocência e eliminação de concurso público - 4 - RE 560900/DF

Parte 1 -
Parte 2 -

Sem previsão constitucionalmente adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital
de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito
ou a ação penal.
Com essa tese de repercussão geral (Tema 22), o Plenário, em conclusão de julgamento e por
maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a possibilidade de se restringir a
participação em concurso público de candidato que respondia a processo criminal (Informativo 825).
Na espécie, foi inadmitida a participação de soldado da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF)
— acusado pela suposta prática do delito de falso testemunho — em seleção para o Curso de Formação
de Cabos no Quadro de Praças Policiais e Militares Combatentes (QPPMC). O ato de exclusão do
candidato foi fundamentado no edital de convocação do referido processo seletivo, que vedaria a
participação de concorrente “denunciado por crime de natureza dolosa”. Em sede de mandado de
segurança, o magistrado de piso assegurou a matrícula e a frequência do soldado no Curso de Formação.
Posteriormente, a decisão foi mantida pelo tribunal a quo no acórdão ora recorrido.
Prevaleceu o voto do ministro Roberto Barroso (relator), que assentou a necessidade de
ponderação entre bens jurídicos constitucionais para a solução da controvérsia posta.
Assim, a questão não poderia ser solucionada a partir de um tradicional raciocínio silogístico, ou
dos critérios usuais para resolução de antinomias — hierárquico, de especialidade e cronológico —, haja
vista a existência de normas de mesma hierarquia indicando soluções diferentes.
Nessas situações, o raciocínio deve percorrer três etapas: a) identificar as normas que postulam
incidência na hipótese; b) identificar os fatos relevantes ou os contornos fáticos gerais do problema; e c)
harmonizar as normas contrapostas, calibrando o peso de cada qual e restringindo-as no grau mínimo
indispensável, de modo a fazer prevalecer a solução mais adequada à luz de todo o sistema jurídico.
Na espécie, de um lado, destaca-se o princípio da presunção de inocência [Constituição Federal
(CF), art. 5º, LVII], reforçado pelos princípios da liberdade profissional (CF, art. 5º, XIII) e da ampla
acessibilidade aos cargos públicos (CF, art. 37, I). De outro lado, ressalta-se o princípio da moralidade
administrativa (CF, art. 37, caput).
O ministro Roberto Barroso apresentou duas regras para a ponderação dos valores em jogo e a
determinação objetiva de idoneidade moral, quando aplicável ao ingresso no serviço público mediante
concurso. A primeira, apta a estabelecer parâmetro pelo qual se pode recusar a alguém a inscrição em
concurso público, é a necessidade de condenação por órgão colegiado ou de condenação definitiva. Há
analogia com a Lei da “Ficha Limpa” (LC 135/2010), critério que já foi aplicado mesmo fora da seara
penal.
A segunda regra é a necessidade de relação de incompatibilidade entre a natureza do crime e as
atribuições do cargo. Nem toda condenação penal deve ter por consequência direta e imediata impedir
alguém de se candidatar a concurso público.
Entretanto, para concorrer a determinados cargos públicos, pela natureza deles, é possível, por
meio de lei, a exigência de qualificações mais restritas e rígidas ao candidato. Por exemplo, as carreiras
da magistratura, das funções essenciais à justiça — Ministério Público, Advocacia Pública e Defensoria
Pública — e da segurança pública.
O relator concluiu que a solução mediante o emprego dessas regras satisfaz o princípio da
razoabilidade ou proporcionalidade, visto que é: a) adequada, pois a restrição imposta se mostra idônea
para proteger a moralidade administrativa; b) não excessiva, uma vez que, após a condenação em segundo
grau, a probabilidade de manutenção da condenação é muito grande e a exigência de relação entre a
infração e as atribuições do cargo mitiga a restrição; e c) proporcional em sentido estrito, na medida em
que a atenuação do princípio da presunção de inocência é compensada pela contrapartida em boa
administração e idoneidade dos servidores públicos.
Para ele, a negativa de provimento ao recurso é reforçada pelo fato de ter havido a suspensão
condicional do processo. Não fosse o longo período entre o oferecimento da denúncia e a audiência de
suspensão condicional, provavelmente o processo criminal não estaria em curso no momento em que o
recorrido foi excluído do aludido curso.
Vencido o ministro Alexandre de Moraes, que deu provimento ao recurso para cassar a decisão do
tribunal a quo. A seu ver, o fato de se tratar de servidor público militar, submetido aos princípios da
hierarquia e da disciplina, demanda a análise diferenciada daquela cabível para a generalidade de
situações que envolvem concursos públicos. Além disso, não se cuida de vedação a acesso originário a
cargo público, e sim de procedimento interno de aferição de mérito funcional, de abrangência restrita,
porquanto envolve apenas o universo dos policiais militares da localidade.
O ministro salientou que a exigência de idoneidade moral, na carreira militar, é plenamente
legítima e consistente com o texto constitucional. O soldado deve acatamento integral da legislação que
fundamenta o organismo policial militar. Dessa maneira, o recorrido estava subordinado ao regulamento
interno de ascensão para cabo e, enquanto pendesse o processo, não poderia se inscrever no curso. Por
fim, afirmou a razoabilidade dessa previsão.

RE 560900/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 5 e 6.2.2020. (INF 965)

Procuradores estaduais: honorários de sucumbência, sistema de remuneração por subsídio e


teto constitucional - ADI 6135/GO; ADI 6160/AP; ADI 6161/AC; ADI 6169/MS; ADI
6177/PR e ADI 6182/RO
É constitucional a percepção de honorários de sucumbência por procuradores de estados-
membros, observado o teto previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal (CF) (1) no somatório
total às demais verbas remuneratórias recebidas mensalmente.
Aplicam-se ao problema jurídico-constitucional os precedentes formados pelo Supremo Tribunal
Federal no julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade acerca da validade de textos legais que
instituíram a percepção de honorários de sucumbência por advogados públicos, cujos conteúdos
normativos são semelhantes (ADI 6.053, ADI 6.165, ADI 6.178).
A natureza constitucional dos serviços prestados pelos advogados públicos possibilita o
recebimento da verba de honorários sucumbenciais, nos termos da lei, desde que submetido ao
mencionado teto remuneratório. Restaram definidas cinco razões de decidir: (i) os honorários de
sucumbência constituem vantagem de natureza remuneratória, por serviços prestados com eficiência no
desempenho da função pública; (ii) os titulares dos honorários sucumbenciais são os profissionais da
advocacia, seja pública ou privada; (iii) o art. 135 da CF (2), ao estabelecer que a remuneração dos
procuradores estaduais se dá mediante subsídio, é compatível com o regramento constitucional referente à
advocacia pública; (iv) a CF não institui incompatibilidade relevante que justifique vedação ao
recebimento de honorários por advogados públicos, à exceção da magistratura e do Ministério Público; e
(v) a percepção cumulativa de honorários sucumbenciais com outras parcelas remuneratórias impõe a
observância do teto remuneratório estabelecido constitucionalmente no art. 37, XI.
No caso, trata-se de seis ações diretas de inconstitucionalidade apreciadas em conjunto, nas quais
houve a impugnação de atos normativos estaduais, expressões e preceitos de leis dos estados-membros
que dispunham, em suma, sobre o pagamento de honorários advocatícios de sucumbência a procuradores
dos respectivos entes públicos.
O Plenário, por maioria, declarou a constitucionalidade da percepção de honorários de
sucumbência e julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados nas ações para, conferindo às
disposições questionadas interpretação conforme à CF, estabelecer a observância do teto constitucional. O
ministro Roberto Barroso acompanhou as decisões da ministra Rosa Weber (relatora) com ressalvas.
Vencido o ministro Marco Aurélio. Ademais, na ADI 6.135, por arrastamento, o Tribunal atribuiu
interpretação conforme, nos mesmos termos, a outros dispositivos, a fim de evitar efeitos repristinatórios.
Nela, além do ministro Marco Aurélio, ficou vencido o ministro Gilmar Mendes. Este último, contudo,
apenas em relação a dois parágrafos da Lei Complementar goiana 58/2006, por ele considerados
formalmente inconstitucionais.

(1) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: (...) XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta,
autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos
detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos
cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em
espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos
Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais
e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e
vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder
Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;”
(2) CF: “Art. 135. Os servidores integrantes das carreiras disciplinadas nas Seções II e III deste Capítulo serão remunerados
na forma do art. 39, § 4º.”

ADI 6135/GO, rel. Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 19.10.2020. (INF 995)
ADI 6160/AP, rel. Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 19.10.2020. (INF 995)
ADI 6161/AC, rel. Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 19.10.2020. (INF 995)
ADI 6169/MS, rel. Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 19.10.2020. (INF 995)
ADI 6177/PR, rel. Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 19.10.2020. (INF 995)
ADI 6182/RO, rel. Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 19.10.2020. (INF 995)

Servidor público estadual: remuneração de procurador legislativo e vinculação ao subsídio


dos ministros do STF - ADI 6436/DF

RESUMO
É inconstitucional lei que equipara, vincula ou referencia espécies remuneratórias devidas a
cargos e carreiras distintos, especialmente quando pretendida a vinculação ou a equiparação entre
servidores de Poderes e níveis federativos diferentes.
A norma impugnada, especialmente em seu § 1º, permite interpretação no sentido de que o
subsídio da carreira de procurador legislativo da assembleia legislativa estadual estaria atrelado, por um
mecanismo de vinculação automática, aos subsídios dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Há evidente inconstitucionalidade, por ofensa ao art. 37, X e XIII, da CF (1). A vedação cabal à
vinculação e à equiparação de vencimentos, consagrada constitucionalmente, alcança quaisquer espécies
remuneratórias.
Salienta-se que, em recente julgado (2), o STF rechaçou a hipótese de reajuste automático pela
vinculação de remuneração entre carreiras distintas. Além disso, a vinculação de vencimentos de agentes
públicos das esferas federal e estadual caracteriza afronta a autonomia federativa do estado-membro, que
detém a iniciativa de lei para dispor sobre a concessão de eventual reajuste dos subsídios dos aludidos
procuradores.
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade em face do art. 1º, §§ 1º a 4º, da Lei 10.276/2015
do estado de Mato Grosso (3), que dispõe sobre a remuneração dos procuradores legislativos da
Assembleia Legislativa daquela unidade da Federação.
O Plenário não conheceu do pedido formulado quanto ao § 3º do art. 1º da Lei 10.276/2015 do
estado de Mato Grosso, porque constatado o exaurimento de sua eficácia ao tempo do ajuizamento da
ação. Na parte conhecida, julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida para declarar a
inconstitucionalidade dos §§ 1º, 2º e 4º do art. 1º da referida lei, mantido o caput do artigo, uma vez que
apenas prevê a remuneração por subsídio.

(1) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: (...) X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados
ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data
e sem distinção de índices; (...) XIII – é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de
remuneração de pessoal do serviço público;”
(2) ADI 4898/AP, rel. min. Cármen Lúcia, DJe de 21.10.2019.
(3) Lei 10.276/2015 do estado de Mato Grosso: “Art. 1º Os cargos de provimento efetivo da carreira de Procurador
Legislativo da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso serão remunerados por subsídio, nos termos desta lei. § 1º O
subsídio do grau máximo da carreira de Procurador Legislativo da Assembleia Legislativa corresponderá a 90,25% (noventa inteiros
e vinte e cinco centésimos por cento) da remuneração dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, nos termos da parte final do
inciso XI do Art. 37 da Constituição da República e do § 3º do Art. 45-A da Constituição do Estado de Mato Grosso, escalonados
conforme as respectivas classes, sendo a diferença entre uma e outra de 5% (cinco por cento). § 2º A implementação financeira do
disposto no parágrafo anterior ocorrerá no mês de outubro de 2016. § 3º Até a concretização do disposto no § 1º, os efeitos
financeiros serão graduados da seguinte forma: I – no mês de maio de 2015, o subsídio dos Procuradores Legislativos de 1ª Classe
corresponderá a 75% (setenta e cinco por cento) do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal; II –
no mês de maio de 2015, o subsídio dos Procuradores Legislativos de 2ª Classe corresponderá a 55% (cinquenta e cinco por cento)
do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal; III – no mês de maio de 2015, o subsídio dos
Procuradores Legislativos de 3ª Classe corresponderá a 40% (quarenta por cento) do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do
Supremo Tribunal Federal; IV – no mês de janeiro de 2016, o subsídio dos Procuradores Legislativos de 1ª Classe corresponderá a
85% (oitenta e cinco por cento) do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal; V – no mês de janeiro
de 2016, o subsídio dos Procuradores Legislativos de 2ª Classe corresponderá a 70% (setenta por cento) do subsídio mensal, em
espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal; VI – no mês de janeiro de 2016, o subsídio dos Procuradores Legislativos de
3ª Classe corresponderá a 60% (sessenta por cento) do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. §
4º Os subsídios fixados na forma do § 1º são concedidos integralmente por intermédio da presente lei, ocorrendo apenas o
diferimento dos efeitos financeiros na forma disposta no § 3º.”

ADI 6436/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 27.11.2020 (INF
1000)

Servidores públicos: equiparação remuneratória e lei estadual anterior à EC 19/1998 - ADPF


328/MA

A teor do disposto no art. 37, XIII, da Constituição Federal (CF) (1), é vedada a vinculação
remuneratória de seguimentos do serviço público.
Trata-se de ação do controle concentrado de constitucionalidade em face dos arts. 1º e 2º da Lei
4.983/1989 do estado do Maranhão, que estabelecem a isonomia de vencimentos entre diversas carreiras
jurídicas. No julgamento da ADI 304 — ocorrido antes do advento da Emenda Constitucional (EC)
19/1998 —, o Supremo Tribunal Federal, ao examinar a mesma lei, admitiu a equiparação remuneratória
apenas das carreiras de procurador de estado e de delegado de polícia, tendo em conta a redação então
vigente de dispositivos da CF. Nesta ADPF, a requerente argumentava, em suma, a não recepção dos
mencionados artigos pelo ordenamento jurídico constitucional posterior à EC 19/1998.
O Plenário julgou procedente pedido formalizado em arguição de descumprimento de preceito
fundamental para assentar não recepcionados, pela CF, os arts. 1º e 2º da Lei maranhense 4.983/1989.

(1) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: (...) XIII – é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de
pessoal do serviço público;”

ADPF 328/MA, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento virtual finalizado em 13.11.2020. (INF 999)

2. DIREITO CIVIL
2.1 PESSOAS JURÍDICAS

Empresa individual de responsabilidade limitada e integralização do capital social - ADI


4637/DF

RESUMO:

A exigência de integralização do capital social por empresas individuais de responsabilidade


limitada (EIRELI), no montante previsto no art. 980-A do Código Civil, com redação dada pelo art.
2º da Lei 12.441/2011 (1), não viola a regra constitucional que veda a vinculação do salário-mínimo
para qualquer fim (2), bem como não configura impedimento ao livre exercício da atividade
empresarial.
O art. 980-A do Código Civil não prevê forma de indexação nem qualquer vinculação que possa
interferir ou prejudicar os reajustes periódicos do salário-mínimo. O sentido da proibição do art. 7º, IV, da
Constituição Federal é proteger a integridade do salário-mínimo como direito fundamental do trabalhador.
Por isso, evitar a vinculação é uma tentativa de evitar o prejuízo dos reajustes ou de reduzir-lhe o poder
de compra real. No caso, a utilização do salário-mínimo é meramente referencial. O valor do salário-
mínimo serve tão somente como parâmetro para determinação do capital social a ser integralizado na
constituição da EIRELI.
Ademais, a exigência de integralização de capital social não inferior a cem vezes o maior salário-
mínimo vigente no País não representa obstáculo à livre iniciativa. Isso porque a exigência de
integralização do capital social representa requisito para constituição de uma das formas de pessoas
jurídicas, a EIRELI. Não representa uma condição de acesso ao mercado ou à atividade empresarial.
Trata-se de requisito para limitação da responsabilidade patrimonial do empresário pessoa física. O
empresário poderá empreender, mesmo sem o capital mínimo exigido pela lei, mas não será beneficiado
pela limitação de responsabilidade que, de outra forma, a EIRELI proporciona.
A restrição/condição não é ao exercício da empresa, mas vincula-se a um certo regime jurídico ou
estrutura jurídica mais benéfica ao empresário individual. Tampouco o requisito se apresenta como
discriminatório ou desproporcional. Justifica-se, aliás, no quadro de experimentação institucional que
marca a introdução dessa forma de pessoa jurídica.
No caso, trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada com o objetivo de ver declarada
a inconstitucionalidade da parte final do caput do art. 980-A do Código Civil, com redação dada pelo art.
2º da Lei 12.441/2011.
Com esse entendimento, o Plenário, em sessão virtual, julgou improcedente a ação direta de
inconstitucionalidade.
(1) Código Civil: “Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa
titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo
vigente no País.” 
(2) CF: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV -
salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe
preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;”

ADI 4637/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 4.12.2020 (INF 1001)

2.2 RESPONSABILIDADE CIVIL

Responsabilidade civil objetiva e acidente de trabalho - RE 828040/DF

O art. 927, parágrafo único, do Código Civil (CC) (1) é compatível com o art. 7º, XXVIII, da
Constituição Federal (CF) (2), sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos
decorrentes de acidentes de trabalho nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente
desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva,
e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade.
Essa é a tese do Tema 932 da repercussão geral, fixada pelo Plenário, por maioria, ao negar
provimento a recurso extraordinário (Informativo 950).
Vencido o ministro Marco Aurélio.

(1) CC/2002: “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”  
(2) CF/1988: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: (...) XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está
obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;”

RE 828040/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 12.3.2020. (INF 969)

3. DIREITO CONSTITUCIONAL
3.1 ADVOCACIA PÚBLICA

Cargo técnico com formação em Direito: autarquia estadual e atribuições de procurador do


estado - ADI 5109 ED-segundos/ES

O Plenário, por maioria, deu parcial provimento a embargos de declaração em ação direta de
inconstitucionalidade a fim de, resguardada a validade dos atos já praticados: (i) incluir na declaração de
inconstitucionalidade, ao lado dos trechos anteriormente excluídos, também as expressões “apresentar
recursos em qualquer instância”, “comparecer às audiências e outros atos para defender os direitos do
órgão” e “promover medidas administrativas e judiciais para proteção dos bens e patrimônio do
DETRAN-ES”, dispostas no Anexo Único da Lei Complementar (LC) 734/2013 e no Anexo IV da LC
890/2018, ambas do estado do Espírito Santo (ES); (ii) esclarecer que a declaração de
inconstitucionalidade parcial dos aludidos anexos alcança as atribuições jurídicas consultivas do cargo de
Técnico Superior – Formação Direito do Departamento Estadual de Trânsito do Estado do Espírito Santo
(DETRAN-ES) privativas de procurador do estado, de modo a conferir interpretação conforme o art. 132
da Constituição Federal (CF) (1) às atribuições de “elaborar estudos de pareceres sobre questões jurídicas
que envolvam as atividades do DETRAN-ES; elaborar editais, contratos, convênios, acordos e ajustes
celebrados pela autarquia, com a emissão de parecer”, constantes dos referidos anexos, que devem ser
exercidas sob supervisão de procurador do estado do Espírito Santo.
Os embargos foram opostos da decisão em que o colegiado julgara parcialmente procedente o
pedido para declarar a inconstitucionalidade das seguintes expressões dos anexos adversados:
“representar em juízo ou fora dele nas ações em que haja interesse da autarquia” e “bem como a prática
de todos os demais atos de natureza judicial ou contenciosa, devendo, para tanto, exercer as suas funções
profissionais e de responsabilidade técnica regidas pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB”. Na
ocasião, a validade dos atos já praticados foi igualmente assentada (Informativo 927).
Na espécie, a embargante alegava ser devida a integração do acórdão recorrido, com o objetivo de
incluir a declaração de inconstitucionalidade de todas as atribuições de representação judicial e
consultoria jurídica exclusivas dos procuradores do estado.
Ao dar parcial provimento aos embargos, o Tribunal compreendeu que as atividades de
representação judicial e extrajudicial atribuídas ao cargo de Técnico Superior – Formação Direito do
DETRAN-ES não podem ser omitidas da declaração de inconstitucionalidade. No caso, as atribuições
jurídicas consultivas de seus ocupantes devem ser exercidas sob a supervisão de procurador do estado,
máxime por ser esta a interpretação que melhor prestigia o art. 132 da CF e a jurisprudência desta Corte.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que não conheceu dos segundos embargos declaratórios, por
entender não ser o caso de admiti-los.

(1) CF: “Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso
dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases,
exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. Parágrafo único. Aos procuradores
referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os
órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.”

ADI 5109 ED-segundos/ES, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 4.6.2020. (INF 980)

3.2 COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

Contribuições sindicais de servidores estatutários e competência jurisdicional (Tema 994 RG)


- RE 1089282/AM

Tese fixada:

Compete à Justiça comum processar e julgar demandas em que se discute o recolhimento e o


repasse de contribuição sindical de servidores públicos regidos pelo regime estatutário.

Resumo:

O art. 114, III, da Constituição Federal (CF) (1) deve ser interpretado em conjunto com o
art. 114, I, da CF (2), de modo a excluir da competência da Justiça do Trabalho as causas
instauradas entre o Poder Público e os servidores a ele vinculados por típica relação estatutária ou
de caráter jurídico-administrativo.
No julgamento da ADI 3395, a Corte suspendeu toda e qualquer interpretação dada ao art. 114, I,
da CF que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o
Poder Público e os servidores a ele vinculados por típica relação estatutária ou de caráter jurídico-
administrativo.
Assim, embora com a promulgação da EC 45/2004 tenha sido incluído nas atribuições
jurisdicionais da Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar controvérsias pertinentes à
representação de entidades sindicais, entre sindicatos e empregados e ações entre sindicatos e
empregadores, o art. 114, III, da CF não pode ser interpretado de forma isolada, ao ser aplicado a
demandas que digam respeito à contribuição sindical de servidores estatutários.
O referido dispositivo, ao contrário, deve ser compreendido à luz da interpretação dada pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) ao art. 114, I, da CF e aos limites estabelecidos quanto à ampliação da
competência da Justiça do Trabalho, que não inclui as relações dos servidores públicos.
Com esses fundamentos, o Plenário, por unanimidade, deu provimento ao recurso extraordinário
(Tema 994 da repercussão geral) que impugnava acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas,
que decidira pela competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar demanda em que se buscava
o recolhimento e o repasse das contribuições sindicais dos servidores públicos daquela unidade
federativa.

(1) CF: “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...) III - as ações sobre representação sindical, entre
sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;”
(2) CF: “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho,
abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios;”

RE 1089282/AM, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 4.12.2020 (INF
1001)

Foro por prerrogativa de função e ações de improbidade administrativa - ADI 4870/ES

Resumo:

É incompatível com a Constituição Federal (CF) norma de Constituição estadual que


disponha sobre nova hipótese de foro por prerrogativa de função, em especial relativo a ações
destinadas a processar e julgar atos de improbidade administrativa.
O regramento referente ao foro por prerrogativa de função encontra-se plenamente disciplinado na
CF, inclusive, para os âmbitos estadual e municipal, não comportando qualquer tipo de ampliação. Em
outros termos, considera-se que a disciplina sobre a prerrogativa de foro encontra-se exaurida no âmbito
da CF, não havendo espaço para o exercício da autonomia dos estados nessa esfera.
Além disso, o constituinte derivado decorrente deve observar mínima equivalência com o modelo
federal existente – seja se atendo ao que está previsto na CF, seja legislando por simetria. Cabe lembrar
que em nenhum momento a CF cogita de foro por prerrogativa de função para o julgamento de
autoridades processadas por ato de improbidade administrativa, sendo este um claro limite à competência
dos estados para disporem sobre o tema em suas constituições.
Ademais, conforme precedente da Corte sobre o tema (1), não é possível extrair da Constituição de
1988 a possibilidade de instituir foro por prerrogativa de função para os processos de natureza cível,
notadamente os de improbidade administrativa.
No caso, cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade em face da Emenda Constitucional (EC)
85/2012, do Estado do Espírito Santo (2), que acrescentou a alínea h ao artigo 109, I, da Constituição
estadual, que determina que as mesmas autoridades julgadas pelo Tribunal de Justiça nos processos
criminais, sejam também julgadas por aquela Corte em ações que possam resultar na suspensão ou perda
de direitos políticos ou na perda de função pública ou de mandato eletivo.
Com esse entendimento, o Plenário, por maioria, julgando procedente o pedido, declarou a
inconstitucionalidade do art. 109, I, h, da Constituição do Estado do Espírito Santo, com redação dada
pela EC 85/2012, e delimitou os efeitos da decisão, ressalvando de sua incidência os processos já
transitados em julgado, com fundamento na garantia da segurança jurídica.

(1) Pet 3240-Agr/DF, rel. orig. Min. Teori Zavascki, rel. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, DJe de 22.8.2018.
(2) EC 85/2012: “Art. 1º O inciso I do artigo 109 da Constituição Estadual passa a vigorar acrescido da alínea ‘h’ com a
seguinte redação: ‘Art. 109. (...) I - (...) h - nas ações que possam resultar na suspensão ou perda dos direitos políticos ou na perda da
função pública ou de mandato eletivo, aqueles que tenham foro no Tribunal de Justiça por prerrogativa de função, previsto nesta
Constituição; (...).’ (NR)” 

ADI 4870/ES, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento virtual finalizado em 14.12.2020 (INF 1002)

3.3 CONCURSO PÚBLICO

Concurso público: prazo de validade esgotado e direito à nomeação - RE 766304/RS


O Plenário, ao apreciar o Tema 683 da repercussão geral, deu provimento a recurso extraordinário,
com julgamento iniciado em ambiente virtual, para restabelecer sentença que julgou improcedente pedido
de nomeação da recorrida para o cargo de professora da rede pública para o qual aprovada em concurso
público, cujo prazo de validade expirara antes do ajuizamento da ação.
Na espécie, a recorrida ficou em 10º lugar na classificação final do concurso. No período de
validade do certame, foi nomeado um professor e outros sete foram contratados a título precário. Após o
encerramento do prazo de validade, mais 24 profissionais foram contratados em regime temporário. O
acórdão recorrido reformou a sentença por concluir, tendo em vista a nomeação e as contratações
temporárias, haver 32 vagas disponíveis para o cargo, alcançada a colocação da recorrida e configurada
preterição, presente o princípio da razoabilidade. Aduziu que as contratações precárias implementadas
depois de esgotado o prazo de validade do concurso revelaram a necessidade de prorrogação, sendo
irrelevante o surgimento da 10ª vaga após decorridos os 2 anos de vigência previstos no edital.
Prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio (relator).
Considerou que a ação foi ajuizada quando já cessada a relação jurídica decorrente do concurso e
da inscrição efetivada. Segundo o ministro, a nomeação deve ser buscada, judicialmente, no prazo de
validade do concurso público. Ademais, ainda que se pudesse desprezar a decadência do direito de
insurgir-se contra ato praticado pelo Estado, presente o fato de haver expirado a validade do certame, não
ocorreu, no período no qual este último estava em vigor, preterição. Esclareceu que, embora substancial o
número de vagas ofertadas, o ente federado nomeou um único professor para a área de ensino
fundamental, observando a ordem de classificação. Registrou que o fenômeno bem revelou a crise
existente no Estado e que necessidade imperiosa conduziu à nomeação temporária, após o fim da validade
do concurso, de sete professores para o município, tendo sido a própria recorrida uma das contratadas
mediante ajuste balizado no tempo, com prazo determinado. Frisou que o reconhecimento do direito da
recorrida à nomeação, determinada pelo juízo a quo, implicaria desrespeito à ordem de classificação. Isso
porque, antes da recorrida, havia outros oito candidatos em situação preferencial.
Em seguida, o Tribunal deliberou fixar a tese em assentada posterior.

RE 766304/RS, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 17.9.2020. (INF 991)

3.4 CONFLITO FEDERATIVO

Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza e amortização de dívida pública -


ACO 727/BA

As receitas provenientes do adicional criado pelo art. 82, § 1º, do ADCT (1) não podem ser
computadas para efeito de cálculo da amortização da dívida do Estado. Os recursos devem, no entanto,
ser considerados para efeito de cálculo do montante mínimo destinado à saúde e à educação.
Com base nesse entendimento, o Plenário julgou parcialmente procedente pedido formulado em
ação cível originária para condenar a União a ressarcir os valores pagos a maior a título de amortização da
dívida pública nos exercícios de 2002, 2003 e 2004, mediante compensação da diferença com débitos
futuros.
No caso, Estado-membro ajuizou ação cível originária, com base no art. 102, I, f, da Constituição
Federal (CF) (2), objetivando a não inclusão dos valores destinados constitucionalmente ao Fundo
Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (FECEP) na apuração da Receita Líquida Real (RLR),
sobre a qual é computado o total da dívida pública do estado com a União. Pretendia, ainda, a exclusão
desses recursos do cálculo do montante mínimo destinado à saúde e à educação.
Inicialmente, o Tribunal afastou a alegação de inconstitucionalidade formal das normas ordinárias
definidoras da RLR (Resolução do Senado Federal 69/1995 e Lei 9.496/1997), por não constituir matéria
sujeita à reserva de lei complementar.
Relativamente à inconstitucionalidade material, reputou relevante a articulação do Estado-
membro, notando-se a necessidade de observância do fundo criado, cuja base maior é a Constituição
Federal. Frisou que, ante dificuldades gerais, é comum desvirtuarem-se receitas, deixando-se de atender
às finalidades discriminadas em textos normativos, até mesmo de índole constitucional. A partir da
tomada de empréstimo de parcelas a compor o FECEP, chega-se ao comprometimento do arrecadado,
tendo em conta a dívida pública do estado e os valores a serem despendidos com saúde.

(1) ADCT: “Art. 82. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem instituir Fundos de Combate á Pobreza, com os
recursos de que trata este artigo e outros que vierem a destinar, devendo os referidos Fundos ser geridos por entidades que contem
com a participação da sociedade civil. § 1º Para o financiamento dos Fundos Estaduais e Distrital, poderá ser criado adicional de até
dois pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, sobre os produtos e serviços
supérfluos e nas condições definidas na lei complementar de que trata o art. 155, § 2º, XII, da Constituição, não se aplicando, sobre
este percentual, o disposto no art. 158, IV, da Constituição.”
(2) CF: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I -
processar e julgar, originariamente: (...) f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre
uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;”

ACO 727/BA, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 13.2.2020. (INF 966)

Uso da Força Nacional de Segurança Pública por requerimento de Ministro de Estado e


autonomia estadual - ACO 3427 Ref-MC/BA

É plausível a alegação de que a norma inscrita no art. 4º do Decreto 5.289/2004 (1), naquilo em
que dispensa a anuência do governador de estado no emprego da Força Nacional de Segurança Pública,
viole o princípio da autonomia estadual.
Trata-se de referendo de decisão que concedeu medida cautelar em ação cível originária para
ordenar à União que retire dos municípios de Prado e Mucuri o contingente da Força Nacional de
Segurança Pública mobilizado pela Portaria 493/2020. A citada Portaria, expedida pelo Ministro de
Estado da Justiça e Segurança Pública, autorizou o emprego da Força Nacional naquelas localidades, em
apoio ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, sem que houvesse formal e expressa
solicitação do governador do estado da Bahia.
Há plausibilidade jurídica do direito evocado, porque pesam legítimas dúvidas sobre a
constitucionalidade do art. 4º do Decreto 5.289/2004, que, alterado pelo Decreto 7.957/2013, estendeu o
conteúdo semântico da norma e criou uma regra adicional ampliadora do rol dos legitimados a requerer o
emprego da Força Nacional. A autorização unilateral do emprego da Força Nacional, parece, em juízo de
delibação, contrariar as normas de escalão superior das quais deveria retirar sua validade. Nesse sentido, o
art. 241 da Constituição Federal (CF) se refere expressamente à celebração de convênios de cooperação
ou consórcios públicos entre os entes federados para assegurar a continuidade de serviços públicos. Além
disso, com exceção das hipóteses de intervenção federal, previstas no art. 34 da CF, não se identificam
dispositivos hábeis a contornar a autonomia dos estados, em sua integridade administrativa e territorial,
sem que se obedeça à exigência de exteriorização de vontade apta a ser elemento de suporte de fato
jurídico. Em análise típica de controle de legalidade, a validade do art. 4º do Decreto 5.289/2004 deve ser
contrastada com a Lei 11.473/2007, que dispõe sobre cooperação federativa no âmbito da segurança
pública.
Presente, também, o requisito do perigo da demora. Em primeiro lugar, em razão da gravidade do
objeto em litígio, uma vez que o pacto federativo é essencial para o correto funcionamento das
instituições republicanas. A jurisprudência da Corte confere significativo peso argumentativo à autonomia
dos Estados-membros. Dessa forma, a mobilização de força de segurança pública em território estadual,
ressalvado ulterior juízo de mérito, implica grave ameaça ao equilíbrio da Federação. Em segundo lugar,
a citada gravidade é exacerbada por se tratar, justamente, de tópico referente à segurança pública. O
horizonte possível de emprego do uso da força apresenta risco que é da essência da própria atividade.
Existe fundado temor de que, ao final do curso natural do processo, o uso da violência monopolística do
Estado se revele, a um só tempo, ilegítimo e irreversível. Havendo vidas envolvidas, tanto da população
local quanto dos membros das forças de segurança, é razoável assumir que existe um risco elevado na
demora do julgado. Por fim, o objeto da demanda não ocorre em um vácuo histórico, mas durante a mais
severa crise sanitária dos últimos cem anos (decorrente da pandemia do Covid-19). Em razão disso, a
mobilização do contingente exógeno de forças de segurança inegavelmente apresenta riscos de
contaminação para a população local.
O Plenário, por maioria, referendou a decisão concessiva da cautelar. Vencido o ministro Roberto
Barroso.
(1) Decreto 5.289/2004: “Art. 4º A Força Nacional de Segurança Pública poderá ser empregada em qualquer parte do
território nacional, mediante solicitação expressa do respectivo Governador de Estado, do Distrito Federal ou de Ministro de
Estado.”

ACO 3427 Ref-MC/BA, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 24.9.2020. (INF 992)

3.5 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

CNJ e revisão disciplinar - 2 - MS 30364/PA

A Segunda Turma denegou a ordem de mandado de segurança impetrado em face de ato do


Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que aplicou pena de disponibilidade com proventos proporcionais a
magistrada acusada de condicionar o resultado de medida liminar em processo sob sua responsabilidade a
favorecimento pessoal (Informativo 808).
Na espécie, o tribunal de justiça em que atuava a impetrante instaurou processo administrativo
disciplinar para a apuração da referida conduta, sendo-lhe imposta, ao fim da instrução processual, a pena
de censura.
Tendo em conta essa decisão, o Ministério Público estadual requereu ao CNJ a instauração de
revisão disciplinar — ao fundamento de ser desproporcional a pena aplicada em relação à gravidade da
infração disciplinar praticada —, que foi julgada procedente.
A Turma asseverou que não procedem as alegações de intempestividade e descabimento da revisão
disciplinar, tampouco de ilegitimidade ativa do Ministério Público para instaurá-la. A Constituição
Federal (CF) não estabelece prazo para julgamento de pedido de revisão pelo CNJ, apenas prazo para a
instauração da revisão (CF, art. 103-B, § 4º, V) (1).
O processo administrativo disciplinar instaurado contra a impetrante foi julgado pelo tribunal de
justiça em 17.12.2008 e o pedido de revisão disciplinar foi protocolizado no CNJ em menos de um ano
(15.12.2009), do que decorre sua tempestividade. Por outro lado, a CF e o Regimento Interno do CNJ
conferem legitimidade universal para propositura da revisão disciplinar, a qual pode ser instaurada por
provocação de terceiros e até mesmo de ofício, o que demonstra a legitimidade do Ministério Público para
atuar na matéria em comento.
Ademais, a possibilidade de instauração da revisão disciplinar de ofício ou por provocação de
qualquer interessado, juntamente com o extenso prazo para sua apresentação e a previsão regimental de se
poder modificar a pena imposta, confirmam a assertiva de que a revisão não é recurso ou revisão
administrativa ordinária, menos ainda instrumento exclusivo da defesa.
Além disso, estão configurados, no caso, os pressupostos para instauração da revisão disciplinar,
dado que a decisão proferida pelo tribunal local é contrária à lei e às provas coligidas nos autos. Isso se dá
porque a pena aplicada não é condizente com a gravidade da conduta.
Assim, concluiu o CNJ que os fatos apurados evidenciam comportamento de acentuada
reprovabilidade, insusceptível de aplicação de pena de censura. Esta última incide, segundo a Lei
Orgânica da Magistratura (Loman), nas hipóteses de “reiterada negligência no cumprimento dos deveres
do cargo, ou no de procedimento incorreto, se a infração não justificar punição mais grave” (LC 35/1979,
art. 44) (2).
Dessa forma, é possível constatar que a parte final do preceito é suficientemente clara, ao dispor
que o descumprimento dos deveres funcionais pode justificar a aplicação de pena mais grave. Disso
decorre que a manifesta inadequação da reprimenda aplicada diante da gravidade da conduta pode indicar
a necessidade de revisão disciplinar.

(1) CF: “Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos,
admitida 1 (uma) recondução, sendo: (...) § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder
Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas
pelo Estatuto da Magistratura: (...) V– rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de
tribunais julgados há menos de um ano;”
(2) Loman: “Art. 44 – A pena de censura será aplicada reservadamente, por escrito, no caso de reiterada negligência no
cumprimento dos deveres do cargo, ou no de procedimento incorreto, se a infração não justificar punição mais grave.”
MS 30364/PA, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 17.3.2020. (INF 970)

3.6 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

ADI: órgão de segurança pública e repristinação - 3 - ADI 2575/PR

Em conclusão de julgamento, o Plenário julgou prejudicado pedido formulado em ação direta de


inconstitucionalidade (ADI) ajuizada em relação à Emenda Constitucional (EC) 10/2001 à Constituição
do estado do Paraná, que, ao alterar o art. 46 (1) da referida Constituição, inseriu a Polícia Científica no
rol dos órgãos de segurança pública. Na sequência, por maioria, julgou parcialmente procedente a ADI
para conferir interpretação conforme à expressão “Polícia Científica”, contida na redação originária do
art. 50 da referida Constituição estadual (2), tão somente para afastar qualquer interpretação que confira
ao referido órgão o caráter de órgão de segurança pública (Informativo 768).
Quanto ao pedido de declaração de inconstitucionalidade da EC 10/2001, na parte em que alterou
os arts. 46 e 50 da aludida Constituição estadual, o Tribunal reconheceu a perda superveniente de objeto
da ADI no ponto, em razão da declaração de inconstitucionalidade da emenda no julgamento ADI 2.616.
No que se refere à constitucionalidade da redação originária do art. 50 da Constituição paranaense,
o colegiado adotou o entendimento firmado no julgamento da ADI 2.827, no sentido de que o rol de
órgãos encarregados do exercício da segurança pública, previsto no art. 144, I a V, da CF, é taxativo e de
que esse modelo federal deve ser observado pelos estados-membros e pelo Distrito Federal.
Destacou, ainda, que nada impede que a Polícia Científica, órgão responsável pelas perícias,
continue a existir e a desempenhar suas funções, sem estar, necessariamente, vinculada à Polícia Civil,
razão pela qual afastou a alegada inconstitucionalidade da redação originária do art. 50 da Constituição
paranaense. Contudo, reputou necessário, com vistas a evitar confusão pelo uso do termo “Polícia
Científica”, conferir-lhe interpretação conforme, para afastar qualquer interpretação que lhe outorgue
caráter de órgão de segurança pública.
Vencidos os ministros Roberto Barroso e Luiz Fux, que julgaram integralmente procedente o
pedido remanescente. O ministro Roberto Barroso afirmou que a Polícia Científica pode e deve ser
autônoma, porém, dentro da estrutura da Polícia Civil.
Já para o ministro Luiz Fux, a redação originária do referido artigo padece de
inconstitucionalidade material, por violar o art. 144, I a V, § 4º, da Constituição Federal. Segundo ele, a
Polícia Científica não pode ostentar natureza de órgão autônomo de segurança pública e tampouco estar
fora da estrutura da Polícia Civil.
Vencidos, também, os ministros Edson Fachin e Marco Aurélio, que julgaram totalmente
improcedente o pedido. O ministro Edson Fachin pontuou que não há como se declarar a
inconstitucionalidade da norma, nem mesmo se fazer interpretação conforme, pois os estados podem
garantir autonomia aos seus institutos de criminalística e podem integrá-los aos demais órgãos de
segurança pública, sem que isso importe ofensa material à Constituição, garantindo-se a autonomia das
perícias.
Para o ministro Marco Aurélio, a não integração da Polícia Científica na segurança pública, já
ocorreu no julgamento da ADI 2.616 e não se coloca em dúvida esse pronunciamento. Ressaltou, por fim,
que para se declarar, principalmente no tocante à Constituição de um estado, um vício, a pecha de
inconstitucional, considerada a Constituição Federal, é preciso que se tenha conflito evidente e, no caso,
não há conflito.

(1) Constituição do estado do Paraná: “Art. 46 – A Segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos
é exercida para a preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio, pelos seguintes órgãos: I – Polícia
Civil; II – Polícia Militar; III – Polícia Científica. Parágrafo único – O Corpo de Bombeiros é integrante da Polícia Militar”.
(2) Constituição do estado do Paraná: “Art. 50 – A Polícia Científica, com estrutura própria, incumbida das perícias de
criminalísticas e médico-legais, e de outras atividades técnicas congêneres, será dirigida por peritos de carreira da classe mais
elevada, na forma da lei”.

ADI 2575/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 24.6.2020. (INF 983)

Ampliação de pedido formulado por amicus curiae - ADPF 347 TPI-Ref/DF


O Plenário, preliminarmente, afastou a legitimidade de terceiro interessado e, por maioria, não
referendou medida cautelar implementada pelo ministro Marco Aurélio (relator) no sentido de conclamar
os juízos de execução a analisarem, ante o quadro de pandemia causado pelo coronavírus (COVID-19) e
tendo em conta orientação expedida pelo Ministério da Saúde (no sentido de segregação por 14 dias), a
possibilidade de aplicação das seguintes medidas processuais: (a) liberdade condicional a encarcerados
com idade igual ou superior a sessenta anos, nos termos do art. 1º da Lei 10.741/2003; (b) regime
domiciliar aos soropositivos para HIV, diabéticos, portadores de tuberculose, câncer, doenças
respiratórias, cardíacas, imunodepressoras ou outras suscetíveis de agravamento a partir do contágio pelo
COVID-19; (c) regime domiciliar às gestantes e lactantes, na forma da Lei 13.257/2016; (d) regime
domiciliar a presos por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça; (e) substituição da prisão
provisória por medida alternativa em razão de delitos praticados sem violência ou grave ameaça; (f)
medidas alternativas a presos em flagrante ante o cometimento de crimes sem violência ou grave ameaça;
(g) progressão de pena a quem, atendido o critério temporal, aguarda exame criminológico; e (h)
progressão antecipada de pena a submetidos ao regime semiaberto.
O Tribunal afirmou que o amicus curiae, por não ter legitimidade para propositura de ação direta,
também não tem para pleitear medida cautelar.
Entendeu que houve, de ofício, ampliação do pedido da presente Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF).
Explicou que, no controle abstrato de constitucionalidade, a causa de pedir é aberta, mas o pedido
é específico.
Salientou que o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou detalhadamente, em sessão ocorrida em
9.9.2015, todos os pedidos formulados na petição inicial e que as questões agora discutidas não estariam
relacionadas com aqueles pedidos.
Explicitou não ser possível a ampliação do pedido cautelar já apreciado anteriormente. A Corte
está limitada ao pedido. Aceitar a sua ampliação equivale a agir de ofício, sem observar a legitimidade
constitucional para propositura da ação.
Ademais, em que pese a preocupação de todos em relação ao Covid-19 nas penitenciárias, a
medida cautelar, ao conclamar os juízes de execução, determina, fora do objeto da ADPF, a realização de
megaoperação para analisar detalhadamente, em um único momento, todas essas possibilidades e não
caso a caso, como recomenda o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Gilmar Mendes, que referendaram a medida
cautelar. O ministro Gilmar Mendes pontuou que a decisão do relator se enquadra no pedido da inicial, na
declaração de estado de coisa inconstitucional.

ADPF 347 TPI-Ref/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 18.3.2020. (INF 970)

Compra de votos de parlamentares e inconstitucionalidade formal de EC - ADI 4887/DF;


ADI 4888/DF e ADI 4889/DF

Em tese, é possível o reconhecimento de inconstitucionalidade formal no processo


constituinte reformador quando eivada de vício a manifestação de vontade do parlamentar no
curso do devido processo constituinte derivado, pela prática de ilícitos que infirmam a moralidade,
a probidade administrativa e fragilizam a democracia representativa.
O devido processo constituinte reformador não tem apenas aquelas restrições expressas no art. 60
da Constituição Federal (CF) (1), submetendo-se também aos princípios que legitimam a atuação das
casas congressuais brasileiras.
Inclui-se, no devido processo legislativo, a observância dos princípios da moralidade e da
probidade, voltados a “impedir que os dispositivos constitucionais sejam objeto de alteração através do
exercício de um poder constituinte derivado distanciado das fontes de legitimidade situadas nos fóruns de
uma esfera pública que não se reduz ao Estado”.
Nesse sentido, o vício de corrupção da vontade do parlamentar e de seu compromisso com o
interesse público subverte o regime democrático e deliberativo adotado pela CF e ofende o devido
processo legislativo por contrariar o princípio da representação democrática que deve, obrigatoriamente,
nortear a produção de normas jurídicas.
Demonstrada a interferência ilícita na fase de votação pela prevalência de interesses individuais do
parlamentar, admite-se o reconhecimento de inconstitucionalidade formal de emenda constitucional ou
norma infraconstitucional.
Entretanto, de acordo com o princípio da presunção de inocência e da legitimidade dos atos
legislativos, há de se comprovar que a norma tida por inconstitucional não teria sido aprovada, se não
houvesse o grave vício a corromper o regime democrático pela “compra de votos”. Sem a demonstração
inequívoca de que sem os votos viciados pela ilicitude o resultado do processo constituinte reformador ou
legislativo teria sido outro, com a não aprovação da proposta de emenda constitucional ou com a rejeição
do projeto de lei, não se há declarar a inconstitucionalidade de emenda constitucional ou de lei
promulgada.
Diante desses argumentos, não há inconstitucionalidade formal por vício de decoro parlamentar a
ser declarada, por não estar evidenciado que as Emendas Constitucionais 41/2003 e 47/2005 foram
aprovadas apenas em razão do ilícito “esquema de compra de votos” de alguns parlamentares no curso do
processo de reforma constitucional.

(1) CF: “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I – de um terço, no mínimo, dos membros da
Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II – do Presidente da República; III – de mais da metade das Assembleias
Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º A
Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. § 2º A proposta
será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três
quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados
e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os
direitos e garantias individuais. § 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser
objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.”

ADI 4887/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento virtual finalizado em 10.11.2020. (INF 998)
ADI 4888/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento virtual finalizado em 10.11.2020. (INF 998)
ADI 4889/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento virtual finalizado em 10.11.2020. (INF 998)

Controle concentrado de constitucionalidade: suspeição e impedimento - ADI 6362/DF

Não há impedimento, nem suspeição de ministro, nos julgamentos de ações de controle


concentrado, exceto se o próprio ministro firmar, por razões de foro íntimo, a sua não participação.
Essa foi a orientação fixada pela maioria do Plenário, ao resolver questão de ordem suscitada pelo
presidente, em ação direta de inconstitucionalidade, acerca da não aplicabilidade da regra, após o ministro
Marco Aurélio arguir a impossibilidade de sua participação no julgamento, considerado o Código de
Processo Civil (CPC) [art. 144, III, VIII e § 3º (1)].
O colegiado ratificou o posicionamento firmado em questão de ordem quando da apreciação da
ADI 2.238, para que seja aplicado em todas as hipóteses de controle concentrado, nas quais se discute a
validade de normas ou de atos, como na ADPF, que dizem respeito ao controle em abstrato na via
concentrada. De igual modo, assegurou a possibilidade de ministro, por motivo de foro íntimo, não
participar de julgamento.
O Tribunal observou que os institutos do impedimento e da suspeição se restringem ao plano dos
processos subjetivos, em cujo âmbito discutem-se situações individuais e interesses concretos, não se
estendendo, nem se aplicando, ordinariamente, no processo de fiscalização concreta de
constitucionalidade, que se define como típico processo de caráter objetivo destinado a viabilizar o exame
não de uma situação concreta, mas da constitucionalidade, ou não, in abstracto, de determinado ato
normativo editado pelo Poder Público.
A questão foi apresentada para fins, inclusive, de coordenação dos trabalhos. A forma de
composição do Supremo Tribunal Federal (STF) está escrita na Constituição Federal (CF). Levados em
conta os dispositivos do CPC, que ampliaram casos de impedimento e suspeição, poder-se-ia chegar à
situação da inexistência de quórum necessário para o pregão de processo do controle concentrado e
objetivo, bem assim para a modulações de efeitos, por exemplo.
Por oportuno, o ministro Marco Aurélio externou compreensão no sentido da impossibilidade de
haver, pelo CPC, o afastamento de integrante do STF dos processos objetivos.
Vencido o ministro Edson Fachin, que não acolheu a proposição. Relembrou ter sido questionada a
constitucionalidade do art. 144, VIII, do Código de Processo Civil, na ADI 5.953, cujo julgamento não foi
concluído. Avaliou não ser possível que os magistrados do STF se coloquem à parte do dispositivo legal,
diante da presunção de constitucionalidade da regra.

(1) CPC: “Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo: (...) III – quando nele
estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer
parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive; (...) VIII – em que figure como parte cliente
do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro
grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório; (...) § 3º O impedimento previsto no inciso III também se
verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que
individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo.”

ADI 6362/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 2.9.2020. (INF 989)

Imposição de obrigações às concessionárias de telefonia e competência privativa da União -


ADI 5040/PI

São inconstitucionais normas estaduais que imponham obrigações de compartilhamento de


dados com órgãos de segurança pública às concessionárias de telefonia, por configurar ofensa à
competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações [Constituição Federal (CF),
arts. 21, XI, e 22, IV (1)].
Consagrado, na Carta de 1988, o monopólio da União sobre os serviços públicos de
telecomunicações — ainda que a atividade seja delegada a particulares mediante autorização, concessão
ou permissão — somente a ela cabe dispor acerca do seu regime de exploração. A matéria foi disciplinada
pela União nos arts. 3º, V, VI, IX e XII, e 72 da Lei 9.472/1997.
No caso, mesmo sendo necessária e importante a devida instrumentação dos órgãos de segurança
pública para viabilizarem a repressão de atos ilícitos, a definição de obrigações e procedimentos, no
âmbito da prestação de serviços públicos, não se pode dar de forma não integrada, desvinculada do
sistema como um todo. Nesses termos, inclusive medidas bem-intencionadas, ao desconsiderarem o
funcionamento do sistema no nível mais amplo, se revelam ineficazes e, também, verdadeiramente
contraproducentes na consecução dos fins a que se propõem.
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra a Lei 6.336/2013, do estado do
Piauí, que impõe às operadoras de telefonia móvel que operam naquela unidade federativa a obrigação de
fornecer aos órgãos de segurança pública os dados necessários para a localização de telefones celulares e
cartões “SIM” que tenham sido furtados, roubados, obtidos por latrocínio ou utilizados em atividades
criminosas.
Com esse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido formulado na ação.

(1) CF: “Art. 21. Compete à União: (...) XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os
serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e
outros aspectos institucionais; (...) Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) IV – águas, energia, informática,
telecomunicações e radiodifusão;”

ADI 5040/PI, rel. Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 3.11.2020. (INF 997)

Indiciamento por autoridade policial e afastamento automático de servidor público - ADI


4911/DF

Resumo:
É inconstitucional a determinação de afastamento automático de servidor público indiciado
em inquérito policial instaurado para apuração de crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos
e valores.
O afastamento do servidor, em caso de necessidade para a investigação ou instrução processual,
somente se justifica quando demonstrado nos autos o risco da continuidade do desempenho de suas
funções e a medida ser eficaz e proporcional à tutela da investigação e da própria Administração Pública,
circunstâncias a serem apreciadas pelo Poder Judiciário.
Reputa-se violado o princípio da proporcionalidade quando não se observar a necessidade concreta
da norma para tutelar o bem jurídico a que se destina, já que o afastamento do servidor pode ocorrer a
partir de representação da autoridade policial ou do Ministério Público, na forma de medida cautelar
diversa da prisão, conforme os arts. 282, § 2º, e 319, VI, ambos do Código de Processo Penal (CPP) (1).
Ademais, a presunção de inocência exige que a imposição de medidas coercitivas ou constritivas
aos direitos dos acusados, no decorrer de inquérito ou processo penal, seja amparada em requisitos
concretos que sustentam a fundamentação da decisão judicial impositiva, não se admitindo efeitos
cautelares automáticos ou desprovidos de fundamentação idônea.
Por fim, sendo o indiciamento ato dispensável para o ajuizamento de ação penal, a norma que
determina o afastamento automático de servidores públicos, por força da opinio delicti da autoridade
policial, quebra a isonomia entre acusados indiciados e não indiciados, ainda que denunciados nas
mesmas circunstâncias.
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra o art. 17-D da Lei 9.613/1998,
com redação conferida pela Lei 12.683/2012 (2), que prevê o afastamento automático de servidor público
em decorrência do indiciamento policial em inquérito instaurado para apurar crimes de lavagem ou
ocultação de bens, direitos e valores.
Com base no entendimento exposto, o Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido
formulado. Vencidos os ministros Edson Fachin (relator) e Cármen Lúcia  e, em parte, o ministro Marco
Aurélio.

(1) CPP: “Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (...) § 2º As
medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por
representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público. (...) Art. 319. São medidas cautelares
diversas da prisão: (...) VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando
houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;”
(2) Lei 9.613/1998: “Art. 17-D. Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de
remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno.”

ADI 4911/DF, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento
virtual finalizado em 20.11.2020 (INF 1000)

Legitimidade para o ajuizamento das ações de controle concentrado de constitucionalidade -


ADI 6465 AgR/DF

A entidade que não representa a totalidade de sua categoria profissional não possui
legitimidade ativa para ajuizamento de ações de controle concentrado de constitucionalidade.
A Constituição Federal (CF) estabelece, em seu art. 103, o rol de legitimados para a propositura de
ações de controle concentrado de constitucionalidade, dentre os quais estão as confederações sindicais e
entidades de classe [CF, art. 103, IX (1)].
O Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento de que a legitimidade para o ajuizamento
das ações de controle concentrado de constitucionalidade por parte de confederações sindicais e entidades
de classe pressupõe: (a) a caracterização como entidade de classe ou sindical, decorrente da representação
de categoria empresarial ou profissional; (b) a abrangência ampla desse vínculo de representação,
exigindo-se que a entidade represente toda a respectiva categoria, e não apenas fração dela; (c) o caráter
nacional da representatividade, aferida pela demonstração da presença da entidade em pelo menos 9
(nove) estados brasileiros; e (d) a pertinência temática entre as finalidades institucionais da entidade e o
objeto da impugnação.
À vista disso, o Plenário, por maioria, conheceu do agravo regimental e negou-lhe provimento por
entender que a entidade não representa toda a respectiva categoria profissional e, dessa forma, carece de
legitimidade ativa para propositura da ação.

(1) CF: “Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (...) IX
– confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”

ADI 6465 AgR/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 19.10.2020.
(INF 995)

Lei de Responsabilidade Fiscal - ADI 2238/DF

O Plenário, em conclusão, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta de


inconstitucionalidade ajuizada contra diversos dispositivos da Lei Complementar (LC) 101/2000 (Lei de
Responsabilidade Fiscal - LRF), que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a
responsabilidade na gestão fiscal, e da Medida Provisória 1980-18/2000, que dispõe sobre as relações
financeiras entre a União e o Banco Central do Brasil.
Preliminarmente, o colegiado não conheceu da ação quanto aos arts. 7º, §§ 2º e 3º, da LRF e aos
arts. 3º, II, e 4º da Medida Provisória 1980-18/2000. Asseverou a total ausência de paradigma
constitucional invocado. Além disso, observou que a medida provisória impugnada foi reeditada diversas
vezes, sem que as novas edições houvessem sido acompanhadas de pedido de aditamento da petição
inicial. Não conheceu da ação também quanto ao art. 15 da LRF, por ausência de impugnação de todo o
complexo normativo necessário. Julgou a ação prejudicada quanto aos arts. 30, I, e 72 da LRF, por
exaurimento da eficácia das normas. Reforçou motivos já apresentados no julgamento da medida cautelar
(Informativos 204, 206, 218, 267, 297 e 475).
No que tange ao mérito, a Corte julgou improcedente a alegação da inconstitucionalidade formal
da LRF. Isso porque houve respeito ao devido processo legislativo. Além disso, o fato de ter se referido à
lei complementar no singular, e não no plural, não significa que todas as matérias elencadas nos incisos
do art. 163 da Constituição Federal (CF) devessem ser disciplinadas por um mesmo diploma legislativo,
mas sim a imposição constitucional de uma espécie normativa específica para regulamentar as matérias
previstas nesse artigo.
O Tribunal julgou improcedente, também, a apontada inconstitucionalidade material dos arts. 4º, §
2º, II, e § 4º; 7º, caput e § 1º; 11, parágrafo único; 14, II; 17, §§ 1º a 7º; 18, § 1º; 20; 24; 26, § 1º; 28, § 2º;
29, I, e § 2º; 39; 59, § 1º, IV; 60 e 68, caput, da LRF. Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Rosa
Weber apenas no tocante à alínea d do inciso I do art. 20.
Afirmou que a exigência prevista no art. 4º, § 2º, II, em relação aos entes subnacionais, de
demonstração de sincronia entre diretrizes orçamentárias e metas e previsões fiscais macroeconômicas
definidas pela União não esvazia a autonomia daqueles, mas é absolutamente consentânea com as normas
da Constituição Federal e com o fortalecimento do federalismo fiscal responsável. Da mesma forma, a
exigência adicional do processo legislativo orçamentário estipulada no art. 4º, § 4º, não implica nenhum
risco de descumprimento do art. 165, § 2º, da CF.
Afastou a apontada violação ao art. 167, VII, da CF pelo art. 7º, caput e § 1º. A previsão de
transferência de resultados do Banco Central do Brasil (BCB) para o Tesouro Nacional é uma dinâmica
que encontra previsão em outros dispositivos estranhos à LRF (arts. 4º, XXVII; e 8º, parágrafo único, da
Lei 4.595/1964; e art. 6º, II, da Lei 11.803/2008). O dispositivo em questão não concede crédito algum,
apenas determina uma consignação obrigatória a ser feita na lei orçamentária de cada ano, o que está
longe de significar autorização para gastos ilimitados. Além disso, a norma não trata de despesas de
funcionalismo ou de custeio do BCB. Essas são registradas no orçamento geral da União como as de
qualquer outra autarquia, como decorre do art. 5º, § 6º, da própria LRF. O que justifica a transmissão de
resultados do BCB diretamente para o Tesouro Nacional não são essas despesas, mas aquelas decorrentes
da atuação institucional dessa autarquia especial na sua atividade-fim, que corresponde à execução das
políticas monetária e cambial (art. 164 da CF).
Já a mensagem normativa do parágrafo único do art. 11, de instigação ao exercício pleno das
competências impositivas fiscais tributárias dos entes locais, não conflita com a Constituição Federal, mas
traduz-se como fundamento de subsidiariedade, que é congruente com o princípio federativo, e
desincentiva a dependência de transferências voluntárias. Com efeito, não é saudável para a Federação
que determinadas entidades federativas não exerçam suas competências constitucionais tributárias,
aguardando compensações não obrigatórias da União.
Compreendeu que o art. 14 se destina a organizar estratégia, dentro do processo legislativo, de tal
modo que os impactos fiscais de projetos de concessão de benefícios tributários sejam melhor
quantificados, avaliados e assimilados em termos orçamentários. A democratização do processo de
criação de gastos tributários pelo incremento da transparência constitui forma de reforço do papel de
estados e municípios e da cidadania fiscal. O inciso II do art. 14 funciona como uma cláusula de incentivo
à conciliação entre as deliberações gerais do processo orçamentário e aquelas relativas à criação de novos
benefícios fiscais. Não é possível extrair do seu comando qualquer atentado à autonomia federativa.
Nessa mesma linha, os arts. 17, e parágrafos, e 24 representam atenção ao equilíbrio fiscal. A
rigidez e a permanência das despesas obrigatórias de caráter continuado as tornam fenômeno financeiro
público diferenciado, devendo ser consideradas de modo destacado pelos instrumentos de planejamento
estatal. A internalização de medidas compensatórias, conforme enunciadas pelos dispositivos, no
processo legislativo é parte de projeto de amadurecimento fiscal do Estado, de superação da cultura do
desaviso e da inconsequência fiscal, administrativa e gerencial. A prudência fiscal é um objetivo
expressamente consagrado pelo art. 165, § 2º, da CF.
Frisou que o art. 18, § 1º, ao se referir a contratos de terceirização de mão de obra, não sugere
qualquer burla aos postulados da licitação e do concurso público. Impede apenas expedientes de
substituição de servidores via contratação terceirizada em contorno ao teto de gastos com pessoal.
No que diz respeito ao art. 20, reputou que a definição de um teto de gastos particularizado,
segundo os respectivos Poderes ou órgãos afetados, não representa intromissão na autonomia financeira
dos entes subnacionais. Reforça, antes, a autoridade jurídica da norma do art. 169 da CF, no propósito,
federativamente legítimo, de afastar dinâmicas de relacionamento predatório entre os entes componentes
da Federação. Rejeitou, em seguida, a alegação de que a autonomia do Ministério Público da União
(MPU) teria sido afetada pela estipulação, na alínea c do inciso I do art. 20, de limite diferenciado para
gastos com pessoal na esfera do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT).
Asseverou que a LRF seguiu o modelo orçamentário tradicional para o MPDFT, estabelecendo os limites
de despesa com seu pessoal de maneira especial, de modo a se ajustar a uma realidade de financiamento
atípica, criada pela própria Constituição Federal, cujo art. 21, XIII, atribui à União o encargo de manter o
MPDFT. Manteve-se, portanto, o vínculo orçamentário desse órgão com o Poder Executivo federal, não
sobrecarregando e tampouco comprometendo a chefia do MPU no encaminhamento de seu próprio
orçamento, respeitado o respectivo limite global relativo a todos os demais ramos. No ponto, divergiram
os ministros Edson Fachin e a ministra Rosa Weber. Para eles, o MPDFT encontra-se abarcado pelo
limite de gastos com pessoal do MPU, nos termos do art. 20, I, d, da LRF.
Relativamente aos arts. 26, § 1º; 28, § 2º; 29, I, e § 2º; 39, reiterou a fundamentação utilizada
quando da análise da constitucionalidade formal da LRF, uma vez que a inconstitucionalidade formal
arguida pelos requerentes se confunde com a inconstitucionalidade material.
O Tribunal também entendeu ser constitucional o art. 59, § 1º, IV. O art. 169, caput, da CF
encomenda à legislação complementar os limites de despesa com pessoal ativo e inativo. A norma apenas
estipula um mecanismo de articulação administrativa, informando Poderes e órgãos autônomos sobre uma
situação presumidamente temerária.
Quanto ao art. 60, considerou que a possibilidade de fixação por estados e municípios de limites de
endividamento abaixo daqueles nacionalmente exigíveis não compromete competências do Senado
Federal. Ao contrário, materializa prerrogativa que decorre naturalmente da autonomia política e
financeira de cada ente federado.
Rejeitou, ainda, a alegada inconstitucionalidade do art. 68. O art. 250 da CF não exige que a
criação do fundo por ele mencionado seja necessariamente veiculada em lei ordinária, nem impede que os
recursos constitutivos sejam provenientes de imposição tributária.
O Plenário julgou o pedido procedente com relação aos arts. 9º, § 3º (1); 56, caput (2); 57, caput
(3); parcialmente procedente para dar interpretação conforme, com relação aos arts. 12, § 2º (4), e 21, II
(5); e procedente para declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do parágrafo 1º do
art. 23, e a inconstitucionalidade do parágrafo 2º do mesmo artigo (6), todos da LRF.
Relativamente ao parágrafo 3º do art. 9º, entendeu, por maioria, que a norma prevista não guarda
pertinência com o modelo de freios e contrapesos estabelecido constitucionalmente para assegurar o
exercício responsável da autonomia financeira por parte dos Poderes Legislativo e Judiciário e do
Ministério Público. Isso porque o dispositivo estabelece inconstitucional hierarquização subserviente em
relação ao Executivo, permitindo que, unilateralmente, limite os valores financeiros segundo os critérios
fixados pela Lei de Diretrizes Orçamentárias no caso daqueles outros dois Poderes e instituição não
promoverem a limitação no prazo fixado no caput. A defesa de um Estado Democrático de Direito exige
o afastamento de normas legais que repudiam o sistema de organização liberal, em especial, na presente
hipótese, o desrespeito à separação das funções do Poder e suas autonomias constitucionais. Ficaram
vencidos, no ponto, os Ministros Dias Toffoli (presidente), Edson Fachin, Roberto Barroso, Gilmar
Mendes e Marco Aurélio, que julgaram o pleito parcialmente procedente para fixar interpretação
conforme no sentido de que a limitação dos valores financeiros pelo Executivo dar-se-á no limite do
orçamento realizado no ente federativo respectivo e observada a exigência de desconto linear e uniforme
da Receita Corrente Líquida prevista na lei orçamentária, com a possibilidade de arresto nas contas do
ente federativo respectivo no caso de desrespeito à regra prevista no art. 168 da CF (repasse até o dia 20
de cada mês).
Quanto aos arts. 56, caput, e 57, caput, o Tribunal, também por votação majoritária, considerou
que houve um desvirtuamento do modelo previsto nos arts. 71 e seguintes da CF. A Constituição
determina que as contas do Poder Executivo englobarão todas as contas, receberão um parecer conjunto
do Tribunal de Contas, e serão julgadas pelo Congresso. No caso do Judiciário, do Ministério Público e
do Legislativo, o Tribunal de Contas julga as contas, e não dá um parecer prévio. Vencido o Ministro
Marco Aurélio, que, em relação ao art. 56, deu interpretação conforme no sentido de que as contas,
submetidas ao Congresso, são as do Executivo, e não as do Ministério Público, do Poder Judiciário e do
Poder Legislativo; e, quanto ao art. 57, julgou improcedente a ação.
O colegiado deu interpretação conforme ao art. 12, § 2º, para o fim de explicitar que a proibição de
que trata o artigo não abrange operações de crédito autorizadas mediante créditos suplementares ou
especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta. A previsão de
limite textualmente diverso da regra do art. 167, III, da CF enseja interpretações distorcidas do teto a ser
aplicado às receitas decorrentes de operações de crédito.
De igual modo, deu interpretação conforme ao art. 21, II, no sentido de que se entenda como limite
legal nele citado o previsto em lei complementar. Observou que o art. 169, caput, da CF remete à
legislação complementar a definição de limites de despesa com pessoal ativo e inativo.
A Corte, por maioria, nos termos do voto do ministro Edson Fachin, declarou a
inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 23, § 1º, de modo a obstar interpretação
segundo a qual é possível reduzir valores de função ou cargo que estiver provido. Quanto ao parágrafo 2º
do art. 23, declarou a sua inconstitucionalidade, ratificando a medida cautelar. Salientou que, por mais
inquietante e urgente que seja a necessidade de realização de ajustes nas contas públicas estaduais, a
ordem constitucional vincula a todos, independentemente dos ânimos econômicos ou políticos. Portanto,
caso se considere conveniente e oportuna a redução das despesas com folha salarial no funcionalismo
público como legítima política de gestão da Administração Pública, deve-se observar o que está fixado na
Constituição (art. 169, §§ 3º e 4º). Não cabe flexibilizar mandamento constitucional para gerar
alternativas menos onerosas, do ponto de vista político, aos líderes públicos eleitos. De acordo com a
jurisprudência do Tribunal, o art. 37, XV, da CF impossibilita que a retenção salarial seja utilizada como
meio de redução de gastos com pessoal com a finalidade de adequação aos limites legais ou
constitucionais. A irredutibilidade do estipêndio funcional é garantia constitucional voltada a qualificar
prerrogativa de caráter jurídico-social instituída em favor dos agentes públicos. A redução da jornada de
trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária é medida inconstitucional. Aduziu, por
fim, que a irredutibilidade de vencimentos dos servidores também alcança aqueles que não possuem
vínculo efetivo com a Administração Pública. No que se refere aos parágrafos 1º e 2º do art. 23, ficaram
vencidos integralmente os Ministros Alexandre de Moraes (relator), Roberto Barroso e Gilmar Mendes,
que julgaram improcedente a ação, com a cassação da medida cautelar concedida. Segundo eles, em
suma, não seria razoável afastar a possibilidade de temporariamente o servidor público estável ter
relativizada sua irredutibilidade de vencimentos, com diminuição proporcional às horas trabalhadas, com
a finalidade de preservar seu cargo e a própria estabilidade. A temporariedade da medida destinada a
auxiliar o ajuste fiscal e a recuperação das finanças públicas, a proporcionalidade da redução
remuneratória com a consequente diminuição das horas trabalhadas e a finalidade maior de preservação
do cargo, com a manutenção da estabilidade do servidor estariam em absoluta consonância com o
princípio da razoabilidade e da eficiência, pois, ao preservar o interesse maior do servidor na manutenção
de seu cargo, também se evitaria a cessação da prestação de eventuais serviços públicos. No ponto, a
Ministra Cármen Lúcia ficou vencida parcialmente, por divergir do ministro Edson Fachin apenas em
relação à locução “quanto pela redução dos valores a eles atribuídos”. Para ela, é possível a redução da
jornada, mas não dos valores. Vencido parcialmente, ainda, o presidente, que acompanhou o relator
quanto ao parágrafo 1º do art. 23 e, quanto ao parágrafo 2º, julgou parcialmente procedente a ação para
fixar interpretação conforme no sentido de que o referido dispositivo deve observar a gradação
constitucional estabelecida no art. 169, § 3º, da CF, de modo que somente será passível de aplicação
quando já adotadas as medidas exigidas pelo art. 169, § 3º, I, da CF, e a utilização da faculdade nele
prevista se fará primeiramente aos servidores não estáveis e, somente se persistir a necessidade de
adequação ao limite com despesas de pessoal, a faculdade se apresentará relativamente ao servidor
estável.

(1) LC 101/2000: “Art. 9º Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o
cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério
Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e
movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias. (...) § 3º No caso de os Poderes
Legislativo e Judiciário e o Ministério Público não promoverem a limitação no prazo estabelecido no caput, é o Poder Executivo
autorizado a limitar os valores financeiros segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.”
(2) LC 101/2000: “Art. 56. As contas prestadas pelos Chefes do Poder Executivo incluirão, além das suas próprias, as dos
Presidentes dos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Chefe do Ministério Público, referidos no art. 20, as quais
receberão parecer prévio, separadamente, do respectivo Tribunal de Contas.”
(3) LC 101/2000: “Art. 57. Os Tribunais de Contas emitirão parecer prévio conclusivo sobre as contas no prazo de sessenta
dias do recebimento, se outro não estiver estabelecido nas constituições estaduais ou nas leis orgânicas municipais.”
(4) LC 101/2000: “Art. 12. As previsões de receita observarão as normas técnicas e legais, considerarão os efeitos das
alterações na legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante e serão
acompanhadas de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da projeção para os dois seguintes àquele a que se referirem,
e da metodologia de cálculo e premissas utilizadas. § 2º O montante previsto para as receitas de operações de crédito não poderá ser
superior ao das despesas de capital constantes do projeto de lei orçamentária.”
(5) LC 101/2000: “Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda: II – o
limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo.”
(6) LC 101/2000: “Art. 23. Se a despesa total com pessoal, do Poder ou órgão referido no art. 20, ultrapassar os limites
definidos no mesmo artigo, sem prejuízo das medidas previstas no art. 22, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois
quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as providências previstas nos §§ 3º e 4º
do art. 169 da Constituição. § 1º No caso do inciso I do § 3º do art. 169 da Constituição, o objetivo poderá ser alcançado tanto pela
extinção de cargos e funções quanto pela redução dos valores a eles atribuídos. § 2º É facultada a redução temporária da jornada de
trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária.”

ADI 2238/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 24.6.2020. (INF 983)

Responsabilidade do Estado: direito à indenização e prisão por motivo político - ADI


3738/ES

É constitucional a Lei 5.751/1998 do estado do Espírito Santo, de iniciativa parlamentar, que


versa sobre a responsabilidade do ente público por danos físicos e psicológicos causados a pessoas
detidas por motivos políticos.
Isso porque a norma impugnada está em consonância com o disposto no art. 37, § 6º (1), da
Constituição Federal (CF), que prevê a responsabilidade do Estado por danos decorrentes da prestação de
serviços públicos. Além disso, por não se tratar de matéria de iniciativa exclusiva do Poder Executivo
(CF, arts. 61, § 1º, e 165), não caracterizada a ocorrência de vício formal.
No caso, a norma questionada dispõe sobre o pagamento de indenização a pessoas presas ou
detidas por motivos políticos, ou que tenham sofrido maus tratos, que acarretaram danos físicos ou
psicológicos, quando se encontravam sob a guarda e responsabilidade ou sob poder de coação de órgãos
ou agentes públicos estaduais. A norma estabelece, ainda, o pagamento de pensão especial a pessoas que
tenham perdido a sua capacidade laborativa nas mesmas circunstâncias.
O Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado em ação direta.

(1) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão
pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos
de dolo ou culpa.”

ADI 3738/ES, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento virtual finalizado em 3.11.2020. (INF 997)
Ultra-atividade das convenções e acordos coletivos de trabalho e CF/1988 - 2 - ADI 2200/DF
e ADI 2288/DF

O Plenário, em conclusão e por maioria, julgou prejudicadas, por perda superveniente de objeto,
ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas em face do art. 19 da Medida Provisória 1.950-62/2000,
convertida no art. 18 da Lei 10.192/2001, na parte em que revogou os §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei
8.542/1992 (1) (Informativo 848).
O Tribunal afirmou que a Lei 13.497/2017 (Lei da Reforma Trabalhista) alterou o § 3º do art. 614
da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (2) e vedou expressamente a ultra-atividade das normas
coletivas no ordenamento jurídico brasileiro.
A nova lei, portanto, determinou um regime jurídico completamente diferente do previsto no § 1º
do art. 1º da Lei 8.542/1992, que estabelecia a ultra-atividade e era o objeto das ações diretas. Assim,
ainda que se declarasse a inconstitucionalidade da lei revogadora, a lei revogada não poderia voltar a ter
vigência, em razão de norma expressa que é taxativa quanto à impossibilidade da ultra-atividade.
Vencidos o ministro Edson Fachin, que julgou procedentes os pedidos formulados nas ações
diretas, para declarar a inconstitucionalidade do art. 18 da Lei 10.192/2001, e, em menor extensão, o
ministro Teori Zavascki.
Os ministros Roberto Barroso, Marco Aurélio e Cármen Lúcia (relatora) reajustaram os seus
respectivos votos.

(1) Lei 8.542/1992: “Art. 1º A política nacional de salários, respeitado o princípio da irredutibilidade, tem por fundamento
a livre negociação coletiva e reger-se-á pelas normas estabelecidas nesta lei. § 1º As cláusulas dos acordos, convenções ou contratos
coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas por posterior
acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho. § 2º As condições de trabalho, bem como as cláusulas salariais, inclusive os
aumentos reais, ganhos de produtividade do trabalho e pisos salariais proporcionais à extensão e à complexidade do trabalho, serão
fixados em contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho, laudo arbitral ou sentença normativa, observados, dentre outros
fatores, a produtividade e a lucratividade do setor ou da empresa.”
(2) CLT: “Art. 614 - Os Sindicatos convenentes ou as empresas acordantes promoverão, conjunta ou separadamente, dentro
de 8 (oito) dias da assinatura da Convenção ou Acordo, o depósito de uma via do mesmo, para fins de registro e arquivo, no
Departamento Nacional do Trabalho, em se tratando de instrumento de caráter nacional ou interestadual, ou nos órgãos regionais do
Ministério do Trabalho e Previdência Social, nos demais casos. (...) § 3º Não será permitido estipular duração de convenção coletiva
ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade.”

ADI 2200/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 4.6.2020. (INF 980)
ADI 2288/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 4.6.2020. (INF 980)

3.7 CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

Roubo forjado e classificação jurídica - HC 147584/RJ

A Primeira Turma, por maioria, indeferiu a ordem em habeas corpus impetrado em favor de
condenado pela prática do crime de roubo em concurso de agentes. No caso, o paciente, funcionário de
uma empresa, tinha a atribuição de movimentar quantias em dinheiro. O corréu, mediante grave ameaça,
simulando portar arma de fogo, exigiu a entrega dos valores que estavam em seu poder e no de outra
pessoa, na ocasião, e o paciente, fingindo ser vítima, previamente ajustado com o suposto assaltante,
entregou a quantia.
A defesa alegou nulidade processual, consistente em suposto desrespeito ao art. 402 do Código de
Processo Penal (CPP) (1), pois não teve a oportunidade de requerer diligências ao término da instrução.
Ademais, considerou inadequada a classificação jurídica dos fatos, que consubstanciariam estelionato e
não roubo.
A Turma, inicialmente, afastou a suposta nulidade. Afirmou que a falta de abertura de prazo, após
o encerramento da instrução, para manifestação das partes acerca do interesse na feitura de diligências
complementares constitui nulidade relativa, cujo reconhecimento pressupõe seja o inconformismo
veiculado em momento oportuno, ou seja, quando da apresentação de alegações finais. No caso, a defesa
deixou de se insurgir nas alegações finais e nas razões de apelação. Além disso, a impetração sequer
apontou quais diligências seriam requeridas.
Ademais, o enquadramento dos fatos no tipo penal alusivo ao roubo mostrou-se adequado. Trata-
se de crime complexo, cuja estrutura típica exige a realização da subtração patrimonial mediante violência
ou grave ameaça à pessoa.
O fato de o assalto envolver situação forjada entre o paciente e o corréu não viabiliza a ocorrência
de estelionato, pois a caracterização do roubo não pressupõe a efetiva intenção do agente de realizar o mal
prometido. Basta que a forma utilizada para a subtração da coisa alheia móvel seja revestida de aptidão a
causar fundado temor ao ofendido. Nesse sentido, a ameaça praticada pela simulação do porte de arma de
fogo constitui meio idôneo a aterrorizar.
Por sua vez, a circunstância de não ter o paciente feito grave ameaça contra a vítima não é
relevante, porquanto a vinculação subjetiva com o corréu, a configurar o concurso de agentes, legitima
sejam os fatos, em relação a ambos os acusados, enquadrados no tipo de penal de roubo, observado o art.
29 do Código Penal (CP) (2).
Vencido o ministro Luiz Fux, que deferiu a ordem.

(1) CPP/1941: “Art. 402.  Produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a
seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.”
(2) CP/1940: “Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de
sua culpabilidade.”

HC 147584/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 2.6.2020. (INF 980)

3.8 DEFENSORIA PÚBLICA

Defensoria Pública: autonomia orçamentária e repasse de duodécimos - ADPF 384 Ref-


MC/MG

O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em arguição de descumprimento de


preceito fundamental (ADPF) para determinar ao Governador do estado de Minas Gerais que proceda ao
repasse, sob a forma de duodécimos e até o dia 20 de cada mês, da integralidade dos recursos
orçamentários destinados à Defensoria Pública estadual pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para
o exercício financeiro de 2016, inclusive quanto às parcelas já vencidas, assim também em relação a
eventuais créditos adicionais destinados à instituição.
O Tribunal, preliminarmente, converteu o julgamento do referendo em cautelar em julgamento
definitivo de mérito.
Afirmou que a omissão do Poder Executivo estadual em realizar o repasse de dotação
orçamentária da Defensoria Pública na forma de duodécimos afronta os arts. 134, § 2º (1), e 168 (2) da
Constituição Federal (CF).
Salientou que há, no caso sob exame, inadimplemento estatal relacionado a dever constitucional
imposto ao Executivo do estado-membro em questão. Isso porque há patente abusividade no exercício de
uma competência financeira, justamente por parte de quem detém posição de primazia no tocante à
execução orçamentária, nos termos do modelo presidencialista.
Concluiu que houve clara ofensa aos preceitos fundamentais de acesso à Justiça e de assistência
jurídica integral e gratuita, porquanto a retenção injusta de duodécimos referentes à dotação orçamentária
do órgão representa, em concreto, um óbice ao pleno exercício de função essencial à Justiça.
Vencidos os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Dias Toffoli, que julgaram parcialmente
procedente o pedido formulado na ADPF, para determinar que, no caso de frustação de receitas líquidas
pelo estado, deve-se seguir, a partir da data deste julgamento, os critérios previstos na respectiva LDO
para fins de contingenciamento de receitas. Nas situações em que a LDO preveja critérios a serem
utilizados para fins de contingenciamento em casos de frustação de receita, o corte deve ser realizado pelo
Poder Executivo de forma objetiva, sempre na hipótese de haver impasse institucional e depois da
omissão do Poder ou órgão com autonomia constitucional.
(1) CF: “Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-
lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos
humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos
necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição. (...) § 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas
autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.”
(2) CF: “Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e
especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão
entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º.”

ADPF 384 Ref-MC/MG, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 6.8.2020. (INF 985)

3.9 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Ato jurídico perfeito e retroatividade de índices de atualização de preços - 2 - ADI 3005/DF

Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, julgou procedente ação direta de


inconstitucionalidade (ADI), ajuizada em face do art. 26 da Lei 8.177/1991, que determina que as
operações de crédito rural, contratadas junto a instituições financeiras, com recursos oriundos de
depósitos à vista e com cláusula de atualização pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC), sejam
atualizadas pela Taxa Referencial de Juros (TR) (Informativo 934).
O Tribunal entendeu que o dispositivo impugnado, ao permitir a incidência da TR em substituição
ao IPC nos contratos celebrados antes do início de sua vigência, se afigura incompatível com a garantia
fundamental de proteção ao ato jurídico perfeito, previsto no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição
Federal (CF) (1).
Observou, ademais, que o fato de o Banco Central do Brasil (BCB) ter admitido não aplicar o
dispositivo retroativamente, e de a Advocacia-Geral da União ter-se manifestado pela
inconstitucionalidade da aplicação retroativa da norma não implicam na prejudicialidade da ADI.
Vencido o ministro Roberto Barroso, que considerou que a revisão judicial de índices de correção
monetária editados pelo legislador requer uma postura de autocontenção judicial, seja em respeito à
investidura popular que caracteriza o Poder Legislativo, seja em respeito à complexidade técnica inerente
ao tema. Isso porque o Poder Judiciário não tem capacidade institucional para avaliar os efeitos de
eventuais mudanças dos índices de correção monetária na economia.
O ministro ponderou, ainda, que, ao utilizar a TR como critério de correção, o legislador curvou-se
à dinâmica do mercado, o que constitui uma escolha que a ele cabe e que se mostra legítima. Como
decidido na ADI 493, a TR reflete, com propriedade, a dinâmica presente no mercado do dinheiro e as
suas peculiaridades, sendo muito mais apropriada para a operação de crédito rural do que qualquer índice
de preços que mensure o fenômeno inflacionário. É razoável que se exija do Estado a correção de suas
dívidas por índice oficial de preços, uma vez que o sistema de pagamento por precatórios é obrigatório e
regulamenta a forma de pagamento dos débitos da Fazenda com seus cidadãos. No entanto, a situação é
distinta em operações de crédito rural, nas quais as partes, voluntariamente, aderem às condições de
financiamento impostas pela lei e demais regulações dos órgãos administrativos, como o BCB.

(1) CF: “Art. 5º (...): XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”

ADI 3005/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 1.7.2020. (INF 984)

Auditor independente e rotatividade - ADI 3033/RJ

São constitucionais as restrições impostas aos auditores independentes pelo art. 31 da


Instrução 308/1999 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) (1).
A rotatividade dos auditores independentes, prevista pelo art. 31 da Instrução 308/1999 da CVM,
não inviabiliza o exercício profissional, mas o regula com base em decisão técnica, adequada à atividade
econômica por ela regulamentada, mostrando-se medida adequada para resguardar a própria idoneidade
do auditor, resguardando a imparcialidade do trabalho de auditoria e protegendo os interesses dos
investidores, do mercado de capitais e da ordem econômica.
A competência atribuída à CVM pela legislação de regência, especialmente no que tange ao
exercício do poder de polícia, legitima a restrição, promovida pelo referido art. 31, a direitos
fundamentais referentes à livre iniciativa, à livre concorrência e ao exercício profissional.
Ademais, a prestação de serviços de auditoria para um mesmo cliente, por um prazo longo, pode
comprometer a qualidade desse serviço ou mesmo a independência do auditor na visão do público
externo.
No caso, trata-se de ação direta proposta em face do aludido art. 31 da Instrução 308/1999 da
CVM, que restringe a atividade profissional dos auditores independentes, de forma a vedar a prestação de
serviços para um mesmo cliente, por prazo superior a cinco anos consecutivos, exigindo um intervalo
mínimo de três anos para a sua recontratação.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido.

(1) IN 308/1999 da CVM: “Art. 31 – O Auditor Independente — Pessoa Física e o Auditor Independente — Pessoa
Jurídica não podem prestar serviços para um mesmo cliente, por prazo superior a cinco anos consecutivos, contados a partir da data
desta Instrução, exigindo-se um intervalo mínimo de três anos para a sua recontratação.”

ADI 3033/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 10.11.2020. (INF 998)

Contrato de plano de saúde: ato jurídico perfeito e retroatividade da lei nova - RE 948634/RS

As disposições da Lei 9.656/1998, à luz do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal (CF),
somente incidem sobre os contratos celebrados a partir de sua vigência, bem como sobre os
contratos que, firmados anteriormente, foram adaptados ao seu regime, sendo as respectivas
disposições inaplicáveis aos beneficiários que, exercendo sua autonomia de vontade, optaram por
manter os planos antigos inalterados.
Isso porque as relações jurídicas livremente pactuadas, com o uso da autonomia da vontade,
devem dar valor à segurança jurídica, conferindo-se estabilidade aos direitos subjetivos e, mais ainda,
conhecimento inequívoco das regras às quais todos estão vinculados, bem como a tão importante
previsibilidade das consequências de suas respectivas condutas. Nesses termos, dentro do debate sobre a
possibilidade de retroatividade da Lei 9.656/1998 a negócios jurídicos anteriores à sua vigência, serão
aplicáveis previsões constitucionais a preservar o ato jurídico perfeito, a segurança jurídica e, por sua
relevância, a autonomia da vontade e a liberdade de contratar.
Além disso, o entendimento que tem sido consolidado no Supremo Tribunal Federal (STF) ao
longo dos anos é contrário à possibilidade da retroatividade da lei nova, assegurando a máxima
efetividade da norma constitucional carreada pelo art. 5º, XXXVI, da CF, ressalvada a aplicação da
chamada retroatividade mínima, em situações excepcionais, a permitir sejam temperadas para o futuro
algumas relações jurídicas constituídas no passado. Desse modo, os contratos de planos de saúde
firmados antes do advento da Lei 9.656/1998 podem ser considerados atos jurídicos perfeitos, e, como
regra geral, estão blindados às mudanças supervenientes das regras vinculantes.
Ademais, nos termos do art. 35 da Lei 9.656/1998, assegurou-se, aos beneficiários dos contratos
celebrados anteriormente ao início de sua vigência, a possibilidade de opção pelas novas regras, tendo o
parágrafo 4° do mencionado dispositivo proibido que a migração fosse feita unilateralmente pela
operadora.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 123 da repercussão
geral, deu provimento a recurso extraordinário para julgar improcedente o pedido inicial.

RE 948634/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento virtual finalizado em 19.10.2020.


(INF 995)

Covid -19: acordos individuais e participação sindical - ADI 6363 MC-Ref/DF

Parte 1 -
Parte 2 -

O Plenário, por maioria, não referendou medida cautelar concedida em ação direta de
inconstitucionalidade e manteve a eficácia da Medida Provisória 936/2020, que autoriza a redução da
jornada de trabalho e do salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho por meio de acordos
individuais em razão da pandemia do novo coronavírus, independentemente de anuência sindical.
Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes. Entendeu ser necessário definir se, durante o
estado de calamidade pública, o acordo de redução proporcional tanto da jornada de trabalho quanto do
salário, escrito entre empregado e empregador, é um ato jurídico perfeito e acabado; ou se a comunicação
ao sindicato, no prazo de dez dias, transfere à organização sindical a possibilidade, tal qual uma
verdadeira condição resolutiva, de corroborar o acordo individual, afastá-lo ou alterá-lo, mediante uma
negociação coletiva.
Anotou que, nos termos da medida provisória, uma vez assinado o acordo escrito de redução
proporcional de salário e de jornada de trabalho, há uma complementação por parte do Poder Público. Um
cálculo é feito à semelhança do seguro-desemprego. Assim, se o sindicato tiver o poder de alterar os
termos desse acordo, pode haver um descompasso entre essa alteração e o abono pago pelos cofres
públicos.
A medida provisória em análise tem o intuito de equilibrar as desigualdades sociais provocadas
pela pandemia, e deve ser interpretada de acordo com diversos vetores constitucionais: a dignidade da
pessoa humana, o trabalho, a livre iniciativa, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e
marginalização e a redução das desigualdades. Nesse sentido, a garantia de irredutibilidade salarial apenas
faz sentido se existir o direito ao trabalho em primeiro lugar.
A situação de pandemia vem trazendo de forma crescente efeitos econômicos e sociais, como o
desemprego e a falta de renda. Nesse contexto, a finalidade da medida provisória é a manutenção do
emprego. Diversas empresas, como consequência do panorama atual, provocaram demissões em massa, e
a medida provisória procura oferecer uma opção garantidora do trabalho, proporcional entre empregado e
empregador.
Salientou que a medida provisória é específica ao definir sua eficácia durante o estado de
calamidade (90 dias), período no qual o empregado terá a garantia de manutenção do seu emprego (um
total de 24,5 milhões de postos de trabalho), mesmo que com uma redução salarial proporcional à redução
de horas trabalhadas. Além disso, haverá complementação de renda por parte do Estado, no valor
estimado de 51,2 bilhões de reais.
Por outro lado, a medida provisória também permite a manutenção de diversas empresas, que
permanecerão com empregados durante o período e continuarão funcionando futuramente.
Ademais, o empregado tem a opção de não aceitar essa redução, juntamente como auxílio
emergencial proporcional. Nesse caso, se houver demissão, ele receberá o auxílio-desemprego.
Assim, a medida provisória não tem o objetivo simples de legalizar a redução salarial, mas sim de
estabelecer mecanismos emergenciais de preservação de emprego e de renda. Não se trata de conflito
entre empregado e empregador e da definição salarial como resultado desse embate, que é a situação
normal na qual se exige a participação sindical para equilibrar as forças.
A situação atual não exige conflito, mas convergência para a sobrevivência da empresa
(especialmente a micro e a pequena), do empregador e do empregado, com o auxílio do governo. Se não
houver pacto entre empregadores e empregados, o resultado da pandemia pode ser o dobro de
desempregados no país, situação inadmissível que gerará enorme conflito social.
Nesse quadro, possibilitar aos sindicatos que “referendem” os acordos traz três desfechos
possíveis: a discordância total, parcial, ou a concordância. E a última hipótese é a única que não afetará a
segurança jurídica e a boa-fé dos acordos.
Isso não significa, entretanto, que os sindicatos ficarão totalmente alheios a esses acordos. Nos
termos da medida provisória, eles serão comunicados, para verificar a necessidade de estender os termos
de determinado acordo a outros trabalhadores da categoria, ou para indicar a anulação dos acordos, se
houver algum vício. O que o texto legal não fez foi exigir a anuência sindical para que o acordo se torne
ato jurídico perfeito, o que diminuiria sensivelmente a eficácia da medida emergencial.
Vencidos os ministros Ricardo Lewandowski (relator), que deferiu a medida cautelar em parte, no
sentido de dar interpretação conforme à Constituição à medida provisória, de maneira a assentar que os
acordos deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato no prazo de até dez dias,
para que este inicie a negociação coletiva se desejar; e os ministros Edson Fachin e Rosa Weber, que a
deferiram integralmente, para afastar o uso de acordo individual para dispor sobre as medidas tratadas no
texto impugnado.

ADI 6363 MC-Ref/DF, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Alexandre de
Moraes, julgamento em 16 e 17.4.2020. (INF 973)

COVID-19: direito de acesso à informação e dever estatal de transparência na divulgação


dos dados referentes à pandemia - ADPF 690 MC-Ref/DF; ADPF 691 MC-Ref/DF e ADPF
692 MC-Ref/DF

ODSs 3 e 16

Resumo:

A redução da transparência dos dados referentes à pandemia de COVID-19 representa


violação a preceitos fundamentais da Constituição Federal (CF), nomeadamente o acesso à
informação, os princípios da publicidade e transparência da Administração Pública e o direito à
saúde.
A CF consagrou expressamente o princípio da publicidade como um dos vetores imprescindíveis à
Administração Pública, conferindo-lhe absoluta prioridade na gestão administrativa e garantindo pleno
acesso às informações a toda a sociedade.
À consagração constitucional de publicidade e transparência corresponde a obrigatoriedade do
Estado em fornecer as informações necessárias à sociedade. O acesso às informações consubstancia-se
em verdadeira garantia instrumental ao pleno exercício do princípio democrático.
Assim, salvo situações excepcionais, a Administração Pública tem o dever de absoluta
transparência na condução dos negócios públicos, sob pena de desrespeito aos arts. 37, caput (1), e 5º,
XXXIII e LXXII, da CF (1), pois “o modelo político-jurídico, plasmado na nova ordem constitucional,
rejeita o poder que oculta e o poder que se oculta”.
Ademais, cumpre ressaltar que a República Federativa do Brasil é signatária de tratados e regras
internacionais relacionados à divulgação de dados epidemiológicos, tais como o Regulamento Sanitário
Internacional aprovado pela 58ª Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 23 de
maio de 2005, promulgado no Brasil pelo Decreto Legislativo 395/2009 (3).
No caso, trata-se de três Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental, tendo por objeto
atos do Poder Executivo que teriam restringido a publicidade de dados relacionados à pandemia de
Covid-19.
Com esse entendimento, o Plenário referendou a medida cautelar concedida, para determinar
que: (a) o Ministério da Saúde mantenha, em sua integralidade, a divulgação diária dos dados
epidemiológicos relativos à pandemia (COVID-19), inclusive no sítio do Ministério da Saúde e com os
números acumulados de ocorrências, exatamente conforme realizado até o último dia 4 de junho de 2020;
e (b) o Governo do Distrito Federal se abstenha de utilizar nova metodologia de contabilidade dos casos e
óbitos decorrentes da pandemia da COVID-19, retomando, imediatamente, a divulgação dos dados na
forma como veiculada até o dia 18 de agosto de 2020.

(1) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: (...).”
(2) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...) XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;  (...) LXXII – conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento
de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de
caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;”
(3) Decreto Legislativo 395/2009: “Artigo 6º. Notificação. 1. Cada Estado Parte avaliará os eventos que ocorrerem dentro
de seu território, utilizando o instrumento de decisão do Anexo 2. Cada Estado Parte notificará a OMS, pelos mais eficientes meios
de comunicação disponíveis, por meio do Ponto Focal Nacional para o RSI, e dentro de 24 horas a contar da avaliação de
informações de saúde pública, sobre todos os eventos em seu território que possam se constituir numa emergência de saúde pública
de importância internacional, segundo o instrumento de decisão, bem como de qualquer medida de saúde implementada em resposta
a tal evento. Se a notificação recebida pela OMS envolver a competência da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a
OMS notificará imediatamente essa Agência. 2. Após uma notificação, o Estado Parte continuará a comunicar à OMS as
informações de saúde pública de que dispõe sobre o evento notificado, de maneira oportuna, precisa e em nível suficiente de
detalhamento, incluindo, sempre que possível, definições de caso, resultados laboratoriais, fonte e tipo de risco, número de casos e
de óbitos, condições que afetam a propagação da doença; e as medidas de saúde empregadas, informando, quando necessário, as
dificuldades confrontadas e o apoio necessário para responder à possível emergência de saúde pública de importância internacional.
Artigo 7º. Compartilhamento de informações durante eventos sanitários inesperados ou incomuns. Caso um Estado Parte tiver
evidências de um evento de saúde pública inesperado ou incomum dentro de seu território, independentemente de sua origem ou
fonte, que possa constituir uma emergência de saúde pública de importância internacional, ele fornecerá todas as informações de
saúde pública relevantes à OMS. Nesse caso, aplicam-se na íntegra as disposições do Artigo 6º. (...) Artigo 19. Obrigações Gerais.
Além das demais obrigações previstas no presente Regulamento, os Estados Partes deverão: (...) (c) fornecer à OMS, na medida do
possível, quando solicitado em resposta a um possível risco à saúde pública específico, dados relevantes referentes a fontes de
infecção ou contaminação, inclusive vetores e reservatórios, em seus pontos de entrada, que possam resultar na propagação
internacional de doenças. (...) Artigo 44. Colaboração e assistência. 1. Os Estados Partes comprometem-se a colaborar entre SI na
medida do possível: (a) para a detecção e avaliação dos eventos contemplados neste Regulamento, bem como para a resposta aos
mesmos;”

ADPF 690 MC-Ref/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em
20.11.2020 (INF 1000)
ADPF 691 MC-Ref/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em
20.11.2020 (INF 1000)
ADPF 692 MC-Ref/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em
20.11.2020 (INF 1000)

Covid-19: empresas de telefonia e compartilhamento de informações com o IBGE - ADI 6387


MC-Ref/DF; ADI 6388 MC-Ref/DF; ADI 6389 MC-Ref/DF; ADI 6390 MC-Ref/DF e ADI
6393 MC-Ref/DF

Parte 1 -
Parte 2 -

O Plenário, por maioria, referendou medida cautelar em ações diretas de inconstitucionalidade


para suspender a eficácia da Medida Provisória 954/2020 (1), que dispõe sobre o compartilhamento de
dados por empresas de telecomunicações prestadoras de Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) e de
Serviço Móvel Pessoal (SMP) com a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
para fins de suporte à produção estatística oficial durante a situação de emergência de saúde pública de
importância internacional decorrente do Coronavírus (Covid-19).
O Tribunal esclareceu que as condições em que se dá a manipulação de dados pessoais
digitalizados, por agentes públicos ou privados, consiste em um dos maiores desafios contemporâneos do
direito à privacidade. A Constituição Federal (CF) confere especial proteção à intimidade, à vida privada,
à honra e à imagem das pessoas ao qualificá-las como invioláveis, enquanto direitos fundamentais da
personalidade, assegurando indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º,
X). O assim chamado direito à privacidade e os seus consectários direitos à intimidade, à honra e à
imagem emanam do reconhecimento de que a personalidade individual merece ser protegida em todas as
suas manifestações.
A fim de instrumentalizar tais direitos, a CF prevê, no art. 5º, XII, a inviolabilidade do sigilo da
correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no
último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação
criminal ou instrução penal.
O art. 2º da MP 954/2020 impõe às empresas prestadoras do STFC e do SMP o compartilhamento,
com o IBGE, da relação de nomes, números de telefone e endereços de seus consumidores, pessoas
físicas ou jurídicas.
Tais informações, relacionadas à identificação – efetiva ou potencial – de pessoa natural,
configuram dados pessoais e integram o âmbito de proteção das cláusulas constitucionais assecuratórias
da liberdade individual (art. 5º, caput), da privacidade e do livre desenvolvimento da personalidade (art.
5º, X e XII). Sua manipulação e seu tratamento, desse modo, devem observar, sob pena de lesão a esses
direitos, os limites delineados pela proteção constitucional.
Decorrências dos direitos da personalidade, o respeito à privacidade e à autodeterminação
informativa foram positivados, no art. 2º, I e II, da Lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais), como fundamentos específicos da disciplina da proteção de dados pessoais.
O colegiado observou que o único dispositivo da MP 954/2020 a dispor sobre a finalidade e o
modo de utilização dos dados objeto da norma é o § 1º do seu art. 2º. E esse limita-se a enunciar que os
dados em questão serão utilizados exclusivamente pelo IBGE para a produção estatística oficial, com o
objetivo de realizar entrevistas em caráter não presencial no âmbito de pesquisas domiciliares. Não
delimita o objeto da estatística a ser produzida, nem a finalidade específica, tampouco sua amplitude.
Igualmente não esclarece a necessidade de disponibilização dos dados nem como serão efetivamente
utilizados.
O art. 1º, parágrafo único, da MP 954/2020 apenas dispõe que o ato normativo terá aplicação
durante a situação de emergência de saúde pública decorrente do Covid-19. Ainda que se possa associar,
por inferência, que a estatística a ser produzida tenha relação com a pandemia invocada como justificativa
da edição da MP, tal ilação não se extrai de seu texto.
Assim, não emerge da MP 954/2020, nos termos em que posta, interesse público legítimo no
compartilhamento dos dados pessoais dos usuários dos serviços de telefonia, consideradas a necessidade,
a adequação e a proporcionalidade da medida.
Ao não definir apropriadamente como e para que serão utilizados os dados coletados, a MP
954/2020 não oferece condições para avaliação da sua adequação e necessidade, assim entendidas como a
compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas e sua limitação ao mínimo necessário para
alcançar suas finalidades. Desatende, assim, a garantia do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), em sua
dimensão substantiva.
De outra parte, o art. 3º, I e II, da MP 954/2020 dispõe que os dados compartilhados “terão caráter
sigiloso” e “serão utilizados exclusivamente para a finalidade prevista no § 1º do art. 2º”, e o art. 3º, § 1º,
veda ao IBGE compartilhar os dados disponibilizados com outros entes, públicos ou privados. Nada
obstante, a MP 954/2020 não apresenta mecanismo técnico ou administrativo apto a proteger os dados
pessoais de acessos não autorizados, vazamentos acidentais ou utilização indevida, seja na sua
transmissão, seja no seu tratamento. Limita-se a delegar a ato do presidente do IBGE o procedimento para
compartilhamento dos dados, sem oferecer proteção suficiente aos relevantes direitos fundamentais em
jogo.
Ao não prever exigência alguma quanto a mecanismos e procedimentos para assegurar o sigilo, a
higidez e, quando o caso, o anonimato dos dados compartilhados, a MP 954/2020 não satisfaz as
exigências que exsurgem do texto constitucional no tocante à efetiva proteção de direitos fundamentais
dos brasileiros.
A ausência de garantias de tratamento adequado e seguro dos dados compartilhados é agravada
pela circunstância de que, embora aprovada, ainda não está em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais (Lei 13.709/2018), definidora dos critérios para a responsabilização dos agentes por eventuais
danos ocorridos em virtude do tratamento de dados pessoais.
Ademais, o IBGE noticiou em seu sítio eletrônico ter dado início, em parceria com o Ministério da
Saúde, à “PNAD Covid”, versão da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD
Contínua) voltada à quantificação do alastramento da pandemia da Covid-19 e seus impactos no mercado
de trabalho brasileiro.
Para definir a amostra da nova pesquisa, o IBGE utilizou a base de 211 mil domicílios que
participaram da PNAD Contínua no primeiro trimestre de 2019 e selecionou aqueles com número de
telefone cadastrado. Esse fato seria suficiente por si só para evidenciar a desnecessidade e o excesso do
compartilhamento de dados tal como disciplinado na MP 954/2020.
Nesse contexto, não bastasse a coleta de dados se revelar excessiva, ao permitir que, pelo prazo de
trinta dias após a decretação do fim da situação de emergência de saúde pública, os dados coletados ainda
sejam utilizados para a produção estatística oficial, o art. 4º, parágrafo único, da MP 954/2020 permite a
conservação dos dados pessoais, pelo ente público, por tempo manifestamente excedente ao estritamente
necessário para o atendimento da sua finalidade declarada, que é a de dar suporte à produção estatística
oficial durante a situação de emergência de saúde pública decorrente do Covid-19.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que não referendou a medida cautelar e manteve hígida a
medida provisória.
Pontuou que a medida provisória surgiu diante da dificuldade de se colher dados, devido à
impossibilidade de ter-se pessoas circulando, visitando os domicílios e residências.
A sociedade perde com o isolamento do IBGE, pois o levantamento de dados é necessário ao
implemento de políticas públicas.
Afirmou que a ação direta de inconstitucionalidade foi ajuizada contra ato precário e efêmero, que
fica, uma vez formalizado pelo Executivo, submetido a condição resolutiva do Congresso Nacional, que
tem prazo para pronunciar-se a respeito. Ao analisar a medida provisória, o Congresso Nacional aprecia
sua harmonia ou não com a CF, bem como a conveniência e a oportunidade da normatização da matéria.
Afastou a concepção segundo a qual existiria verdadeira conspiração por trás dessa medida
provisória. Destacou que não se pode presumir o excepcional ou extravagante.

(1) MP 954/2020: “Art. 1º Esta Medida Provisória dispõe sobre o compartilhamento de dados por empresas de
telecomunicações prestadoras do Serviço Telefônico Fixo Comutado - STFC e do Serviço Móvel Pessoal - SMP com a Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Parágrafo único. O disposto nesta Medida Provisória se aplica durante a
situação de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), de que trata a Lei nº
13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Art. 2º As empresas de telecomunicação prestadoras do STFC e do SMP deverão disponibilizar à
Fundação IBGE, em meio eletrônico, a relação dos nomes, dos números de telefone e dos endereços de seus consumidores, pessoas
físicas ou jurídicas. § 1º Os dados de que trata o caput serão utilizados direta e exclusivamente pela Fundação IBGE para a produção
estatística oficial, com o objetivo de realizar entrevistas em caráter não presencial no âmbito de pesquisas domiciliares. § 2º Ato do
Presidente da Fundação IBGE, ouvida a Agência Nacional de Telecomunicações, disporá, no prazo de três dias, contado da data de
publicação desta Medida Provisória, sobre o procedimento para a disponibilização dos dados de que trata o caput. § 3º Os dados
deverão ser disponibilizados no prazo de: I – sete dias, contado da data de publicação do ato de que trata o § 2º; e II – quatorze dias,
contado da data da solicitação, para as solicitações subsequentes. Art. 3º Os dados compartilhados: I - terão caráter sigiloso; II –
serão usados exclusivamente para a finalidade prevista no § 1º do art. 2º; e III – não serão utilizados como objeto de certidão ou
meio de prova em processo administrativo, fiscal ou judicial, nos termos do disposto na Lei nº 5.534, de 14 de novembro de 1968. §
1º É vedado à Fundação IBGE disponibilizar os dados a que se refere o caput do art. 2º a quaisquer empresas públicas ou privadas
ou a órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta de quaisquer dos entes federativos. § 2º A Fundação IBGE
informará, em seu sítio eletrônico, as situações em que os dados referidos no caput do art. 2º foram utilizados e divulgará relatório
de impacto à proteção de dados pessoais, nos termos do disposto na Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Art. 4º Superada a
situação de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), nos termos do disposto
na Lei nº 13.979, de 2020, as informações compartilhadas na forma prevista no caput do art. 2º ou no art. 3º serão eliminadas das
bases de dados da Fundação IBGE. Parágrafo único. Na hipótese de necessidade de conclusão de produção estatística oficial, a
Fundação IBGE poderá utilizar os dados pelo prazo de trinta dias, contado do fim da situação de emergência de saúde pública de
importância internacional. Art. 5º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.”

ADI 6387 MC-Ref/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 6 e 7.5.2020. (INF 976)
ADI 6388 MC-Ref/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 6 e 7.5.2020. (INF 976)
ADI 6389 MC-Ref/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 6 e 7.5.2020. (INF 976)
ADI 6390 MC-Ref/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 6 e 7.5.2020. (INF 976)
ADI 6393 MC-Ref/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 6 e 7.5.2020. (INF 976)

Covid-19 e pedidos de acesso à informação - ADI 6347 MC-Ref/DF; ADI 6351 MC-Ref/DF e
ADI 6353 MC-Ref/DF

O Plenário referendou medida cautelar em ações diretas de inconstitucionalidade para suspender a


eficácia do art. 6º-B da Lei 13.979/2020 (1), incluído pelo art. 1º da Medida Provisória (MP) 928/2020,
atos normativos que dispõem sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de
importância internacional decorrente do novo coronavírus (Covid-19).
O colegiado esclareceu que a Constituição Federal de 1988 (CF) consagrou expressamente o
princípio da publicidade como um dos vetores imprescindíveis à Administração Pública no âmbito dos
três Poderes.
À consagração constitucional de publicidade e transparência corresponde a obrigatoriedade do
Estado em fornecer as informações solicitadas, sob pena de responsabilização política, civil e criminal.
Observou que o princípio da transparência e o da publicidade são corolários da participação
política dos cidadãos em uma democracia representativa. Essa participação somente se fortalece em um
ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das diversas opiniões sobre as políticas
públicas adotadas pelos governantes. A publicidade e a transparência são absolutamente necessárias para
a fiscalização dos órgãos governamentais.
O Tribunal entreviu ser obrigação dos gestores prestar melhor ainda as informações num momento
em que as licitações não são exigidas para a compra de inúmeros materiais, em virtude do estado de
calamidade.
Realçou que o acesso a informações consubstancia verdadeira garantia instrumental ao pleno
exercício do princípio democrático, que abrange debater assuntos públicos de forma irrestrita, robusta e
aberta.
Dessa maneira, a publicidade específica de determinada informação somente poderá ser
excepcionada quando o interesse público assim determinar. Salvo situações excepcionais, a
Administração Pública tem o dever de absoluta transparência na condução dos negócios públicos, sob
pena de desrespeito aos arts. 5º, XXXIII e LXXII, e 37, caput, da CF (2).
Em sede de cognição sumária, o Plenário concluiu que o dispositivo em debate transformou a
regra constitucional de publicidade e transparência em exceção, invertendo a finalidade da proteção
constitucional ao livre acesso de informações a toda sociedade. Pretendeu-se restringir o livre acesso do
cidadão a informações que a CF consagra.
O ministro Roberto Barroso acrescentou que, na Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação),
existem válvulas de escape para situações emergenciais. Estão descritas no art. 11, notadamente no inciso
II, que permite, na hipótese de impossibilidade fática, justificativa pela qual a informação não foi
prestada.

(1) Lei 13.979/2020: “Art. 6º-B. Serão atendidos prioritariamente os pedidos de acesso à informação, de que trata a Lei
12.527, de 2011, relacionados com medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de que trata esta Lei. § 1º Ficarão
suspensos os prazos de resposta a pedidos de acesso à informação nos órgãos ou nas entidades da administração pública cujos
servidores estejam sujeitos a regime de quarentena, teletrabalho ou equivalentes e que, necessariamente, dependam de: I – acesso
presencial de agentes públicos encarregados da resposta; ou II – agente público ou setor prioritariamente envolvido com as medidas
de enfrentamento da situação de emergência de que trata esta Lei. § 2º Os pedidos de acesso à informação pendentes de resposta
com fundamento no disposto no § 1º deverão ser reiterados no prazo de dez dias, contado da data em que for encerrado o prazo de
reconhecimento de calamidade pública a que se refere o Decreto Legislativo 6, de 20 de março de 2020. § 3º Não serão conhecidos
os recursos interpostos contra negativa de resposta a pedido de informação negados com fundamento no disposto no § 1º. § 4º
Durante a vigência desta Lei, o meio legítimo de apresentação de pedido de acesso a informações de que trata o art. 10 da Lei
12.527, de 2011, será exclusivamente o sistema disponível na internet. § 5º Fica suspenso o atendimento presencial a requerentes
relativos aos pedidos de acesso à informação de que trata a Lei 12.527, de 2011.”
(2) CF: “Art. 5º (...) XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou
de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; (...) LXXII – conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento de
informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter
público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo; (...) Art. 37. A
administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)”

ADI 6347 MC-Ref/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 30.4.2020. (INF 975)
ADI 6351 MC-Ref/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 30.4.2020. (INF 975)
ADI 6353 MC-Ref/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 30.4.2020. (INF 975)

Covid-19 e povos indígenas - ADPF 709 Ref-MC/DF

Parte 1 -
Parte 2 -

O Plenário, por maioria, referendou cautelar deferida parcialmente em ação de descumprimento de


preceito fundamental na qual se questiona um conjunto de atos comissivos e omissivos do Poder Público,
relacionados ao combate à pandemia por Covid-19, que implicariam alto risco de contágio e de
extermínio de diversos povos indígenas.
A cautelar foi deferida pelo Min. Roberto Barroso (relator) nos seguintes termos: “III. SÍNTESE
DAS CAUTELARES DEFERIDAS 62. Diante do exposto, são as seguintes as medidas cautelares
deferidas por este Relator: III.1. QUANTO AOS POVOS INDÍGENAS EM ISOLAMENTO OU POVOS
INDÍGENAS DE RECENTE CONTATO: 1. Criação de barreiras sanitárias, que impeçam o ingresso de
terceiros em seus territórios, conforme plano a ser apresentado pela União, ouvidos os membros da Sala
de Situação (infra), no prazo de 10 dias, contados da ciência desta decisão. 2. Criação de Sala de Situação,
para gestão de ações de combate à pandemia quanto aos Povos Indígenas em Isolamento e de Contato
Recente, nos seguintes termos: (i) composição pelas autoridades que a União entender pertinentes, bem
como por membro da Procuradoria-Geral da República, da Defensoria Pública da União e por
representantes indígenas indicados pela APIB; (ii) indicação de membros pelas respectivas entidades, no
prazo de 72 horas a contar da ciência desta decisão, apontando-se seus respectivos nomes, qualificações,
correios eletrônicos e telefones de contato, por meio de petição ao presente juízo; (iii) convocação da
primeira reunião da Sala de Situação, pela União, no prazo de 72 horas, a contar da indicação de todos os
representantes, por correio eletrônico com aviso de recebimento encaminhado a todos eles, bem como por
petição ao presente juízo; (iv) designação e realização da primeira reunião, no prazo de até 72 horas da
convocação, anexada a respectiva ata ao processo, para ciência do juízo. III.2. QUANTO A POVOS
INDÍGENAS EM GERAL 1. Inclusão, no Plano de Enfrentamento e Monitoramento da Covid-19 para os
Povos Indígenas (infra), de medida emergencial de contenção e isolamento dos invasores em relação às
comunidades indígenas ou providência alternativa, apta a evitar o contato. 2. Imediata extensão dos
serviços do Subsistema Indígena de Saúde aos povos aldeados situados em terras não homologadas. 3.
Extensão dos serviços do Subsistema Indígena de Saúde aos povos indígenas não aldeados,
exclusivamente, por ora, quando verificada barreira de acesso ao SUS geral. 4. Elaboração e
monitoramento de um Plano de Enfrentamento da COVID-19 para os Povos Indígenas Brasileiros pela
União, no prazo de 30 dias contados da ciência desta decisão, com a participação do Conselho Nacional
de Direitos Humanos e dos representantes das comunidades indígenas, nas seguintes condições: (i)
indicação dos representantes das comunidades indígenas, tal como postulado pelos requerentes, no prazo
de 72 horas, contados da ciência dessa decisão, com respectivos nomes, qualificações, correios
eletrônicos e telefones de contatos, por meio de petição ao presente juízo; (ii) apoio técnico da Fundação
Oswaldo Cruz e do Grupo de Trabalho de Saúde Indígena da Associação Brasileira de Saúde Coletiva –
ABRASCO, cujos representantes deverão ser indicados pelos requerentes, no prazo de 72 horas a contar
da ciência desta decisão, com respectivos nomes, qualificações, correios eletrônicos e telefones de
contato; (iii) indicação pela União das demais autoridades e órgãos que julgar conveniente envolver na
tarefa, com indicação dos mesmos elementos. 63. Observa-se, por fim, que todos os prazos acima devem
ser contados em dias corridos e correrão durante o recesso. O término do recesso coincidirá
aproximadamente com a conclusão da elaboração dos planos e seu exame pelo juízo, de modo que não há
risco de concretização de medidas irreversíveis antes do retorno do Supremo Tribunal Federal a pleno
funcionamento, ressalvadas novas situações emergenciais que possam ocorrer no período e que
demandem interferência imediata. 64. A implementação das cautelares não prejudica que se dê
continuidade a todas as ações de saúde já em curso e planejadas em favor das comunidades indígenas, que
não devem ser interrompidas. CONCLUSÃO 65. Por todo o exposto, defiro parcialmente as cautelares
postuladas pelos requerentes, nos termos e condições previstos acima (item III)”.
Reconheceu-se a presença dos requisitos autorizadores da concessão parcial da cautelar,
ressaltando-se a existência de indícios de expansão acelerada do contágio pelo Covid-19 nas comunidades
indígenas e a insuficiência das ações promovidas pela União para sua contenção.
O relator salientou, inicialmente, as três diretrizes que embasaram sua decisão: 1) os princípios da
precaução e da prevenção, no que respeita à proteção à vida e à saúde; 2) a necessidade de diálogo
institucional entre o Judiciário e o Poder Executivo, em matéria de políticas públicas decorrentes da
Constituição Federal (CF); e 3) a imprescindibilidade de diálogo intercultural, em toda questão que
envolva os direitos de povos indígenas.
Quanto à primeira diretriz, asseverou a preocupação concernente ao risco de extinção de etnias se
a doença se espalhar de forma descontrolada. O objetivo é o de salvar o maior número de vidas possível e
de preservar essas etnias. No que se refere à segunda, afirmou que a concretização das políticas públicas
necessárias depende diretamente da atuação do Ministério da Saúde e das Forças Armadas. Registrou, no
ponto, que as Forças Armadas já vêm atuando nesse sentido, mediante a entrega de cestas básicas e
suprimentos e materiais de saúde a diversas comunidades indígenas, e, em parceria com o Ministério da
Saúde, por meio de atenção médica a tais povos. As medidas requeridas implicam a mobilização de
múltiplas instituições e agentes, com expertise técnica e experiência em suas respectivas áreas de atuação.
Demandam a tomada de posição sobre temas a respeito dos quais as capacidades institucionais do
Supremo Tribunal Federal podem ser limitadas. Portanto, é imprescindível que se estabeleça uma
interlocução entre os distintos órgãos do Poder Executivo e o Poder Judiciário, para que se busque, tanto
quanto possível, uma solução consensual para o problema sob exame. Relativamente à terceira, observou
que cada comunidade possui particularidades, circunstâncias e cultura próprias. É preciso permitir que
esses povos expressem suas necessidades e auxiliar o Estado na busca de soluções cabíveis. Por essa
razão, toda e qualquer decisão que envolva povos indígenas deve assegurar também um diálogo
intercultural. Existe, inclusive, tratado de direito internacional ratificado e internalizado pelo Brasil que
determina que decisões acerca da proteção da vida, da saúde e do meio ambiente que envolvam povos
indígenas devem necessariamente ser tomadas com a sua participação (Convenção 169, da Organização
Internacional do Trabalho - OIT).
Esclareceu terem sido formulados, na ação, pedidos específicos em relação aos povos indígenas
em isolamento ou de contato recente, bem como pedidos que se destinam aos povos indígenas em geral.
Não obstante tenha reputado todos os pedidos relevantes e pertinentes, entendeu que nem todos poderiam
ser integralmente acolhidos no âmbito precário de uma decisão cautelar ou satisfeitos por simples ato de
vontade, por exigirem planejamento adequado e diálogo institucional entre os Poderes.
No que respeita ao pedido de criação de barreiras sanitárias formulado em favor dos povos
indígenas em isolamento ou de contato recente, considerou que a opção pelo não contato decorre de
direito desses povos à autodeterminação e constitui uma forma de preservar a sua identidade cultural e as
suas próprias organizações, usos, costumes e tradições. Por isso, o ingresso de qualquer membro exógeno
à comunidade, sem a sua autorização, constitui um ilícito. Tais povos têm direito ao isolamento e o
Estado tem o dever de assegurá-lo. Ademais, na atual situação, com uma pandemia em curso, os povos
em isolamento e de contato recente são os mais expostos ao risco de contágio e de extinção. Isso decorre
das condições de vulnerabilidade imunológica e sociocultural. De acordo com diretrizes internacionais da
Organização das Nações Unidas (ONU) e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a
medida protetiva mais eficaz a ser tomada em favor de tais povos é assegurar-lhes o isolamento da
sociedade envolvente, por meio de barreiras ou cordões sanitários que impeçam — inclusive com o uso
da força, se necessário — o acesso de estranhos às suas terras. No ponto, reconheceu a presença de perigo
na demora, dado que há risco iminente de contágio, caso não se criem mecanismos de contenção do
ingresso nessas terras. Afirmou que os recursos materiais e de pessoal a serem utilizados nas barreiras,
sua localização, os protocolos sanitários a serem empregados pelos agentes do Estado e demais
especificações devem ser determinados pela União, por meio da elaboração de um plano, ouvidos os
membros integrantes da Sala de Situação.
Com base nos princípios da precaução e da prevenção, o relator reconheceu, também, a
verossimilhança do direito à criação de uma Sala de Situação e perigo na demora. A criação dessa Sala de
Situação para a gestão da epidemia, no que respeita a povos indígenas e de recente contato, é prevista em
norma federal expedida pelo Ministério da Saúde (Portaria Conjunta 4.094/2018, do Ministério da Saúde
e da Fundação Nacional do Índio - FUNAI). Portanto, não há que se falar em interferência do Judiciário
sobre Políticas Públicas, mas em mera implementação judicial de norma federal que não está sendo
observada pelo Poder Executivo. Deferiu, nessa mesma linha, o pleito de participação indígena na Sala de
Situação, haja vista o seu respaldo pela Convenção 169 da OIT. A Convenção prevê, ainda, que o Poder
Público deve assegurar os meios necessários para que as instituições responsáveis pela administração de
programas no interesse dessas comunidades funcionem adequadamente. Essa norma acolhe o pleito de
participação da Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal, que poderão apoiar os
representantes dos povos indígenas. A Defensoria por seu papel na defesa dos necessitados (CF, art. 134)
e o Ministério Público por seu papel de defesa dos direitos e interesses das populações indígenas (CF, art.
129, V).
No que tange ao pedido, dirigido aos povos indígenas em geral, de retirada de invasores das terras
indígenas indicadas, julgou presente a verossimilhança do direito alegado. A presença desses grupos em
terras indígenas constitui violação do direito de tais povos ao seu território, à sua cultura e ameaça à sua
vida e saúde. Observou que essas invasões se deram para o cometimento de crimes, como o
desmatamento, a extração ilegal de madeira e o garimpo ilegal. A remoção, portanto, é medida
imperativa, imprescindível e dever da União, sendo inaceitável a inação do governo federal em relação a
esse fato. No entanto, admitiu que a situação não é nova e não guarda relação com a pandemia. Trata-se
de problema social gravíssimo, que ocorre em diversas terras indígenas e unidades de conservação, de
difícil resolução, dado o grande contingente de pessoas (mais de 20.000 invasores em apenas uma das
áreas) e o elevado risco de conflito armado. Não há como equacionar e solucionar esse problema nos
limites de uma medida cautelar. Porém, a União deve se organizar para enfrentar o problema, que só faz
crescer, e formular um plano de desintrusão. Acrescentou que cria risco de contágio o ingresso de pessoas
estranhas às comunidades indígenas, inclusive de equipes médicas do Ministério da Saúde e das Forças
Armadas. Há, portanto, considerável periculum in mora inverso na determinação da retirada como
postulada, já que implicaria o ingresso de forças militares e policiais em terra indígena, com risco de
conflito armado durante a pandemia e, por conseguinte, poderia agravar a ameaça já existente à vida de
tais povos. Assim, julgou recomendável que se considere, por ora, medida emergencial de contenção e
isolamento dos invasores em relação às comunidades indígenas ou providência alternativa apta a evitar o
contato.
O relator também vislumbrou verossimilhança do direito alegado e perigo da demora,
relativamente ao pleito de extensão do Subsistema de Saúde Indígena também aos indígenas urbanos (não
aldeados) e aos indígenas aldeados, residentes em terras indígenas, cuja demarcação e homologação ainda
não foram concluídas pelo Poder Público. Salientou que a Secretaria Especial de Saúde Indígena - SESAI
e da FUNAI limitaram o atendimento por esse subsistema apenas aos indígenas aldeados, residentes em
terras indígenas homologadas. Esclareceu que, no tocante aos indígenas aldeados residentes em terras não
homologadas, a alegação de que podem recorrer ao SUS geral é de viabilidade duvidosa, já que se trata de
povos situados em locais de difícil acesso, sem capilaridade de postos de saúde e hospitais, e com práticas
culturais, idioma e eventuais particularidades que o SUS geral não está habilitado a atender. Portanto, o
acesso ao citado subsistema deve ser imediato. Quanto aos indígenas urbanos não aldeados, observou que
são remetidos ao SUS normal, o qual, no entanto, é desconhecedor das suas necessidades específicas e
peculiaridades culturais. Entretanto, tendo em conta que o subsistema precisará passar por uma
considerável readequação, que tende a absorver parte significativa da sua capacidade institucional ao
passar a atender, de imediato, os indígenas aldeados localizados em terras não homologadas, que não
eram alcançados por seus serviços, o relator entendeu haver perigo na demora inverso no deferimento
imediato da cautelar em face da eventual sobrecarga do subsistema. Por essa razão, determinou a extensão
dos serviços do subsistema aos povos indígenas não aldeados, por ora, quando verificada barreira de
acesso ao SUS geral.
O ministro Roberto Barroso concluiu pela necessidade da elaboração e do monitoramento de um
plano de enfrentamento da pandemia para os povos indígenas brasileiros com a participação dos
representantes dessas comunidades. Salientou que, a fim de assegurar o diálogo institucional e
intercultural, por um lado, e de observar os princípios da precaução e da prevenção de outro, cabe à União
a formulação do referido plano, com a participação do Conselho de Direitos Humanos, dos representantes
dos povos indígenas e demais consultores ad hoc.
Vencidos, parcialmente, o ministro Edson Fachin, que deferia a liminar em maior amplitude, e o
ministro Ricardo Lewandowski, que acompanhava o relator, mas estabelecia prazos.

ADPF 709 Ref-MC/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 3 e 5.8.2020. (INF 985)

Escusa de consciência por motivo de crença religiosa e fixação de horários alternativos para
realização de certame público ou para o exercício de deveres funcionais inerentes ao cargo
público - RE 611874/DF e ARE 1099099/SP

Parte 1 -
Parte 2 -

Tese fixada:

Nos termos do artigo 5º, VIII (1), da Constituição Federal é possível a realização de etapas de
concurso público em datas e horários distintos dos previstos em edital, por candidato que invoca
escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da
alteração, a preservação da igualdade entre todos os candidatos e que não acarrete ônus
desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada (Tema
386).
Nos termos do artigo 5º, VIII, da Constituição Federal é possível à Administração Pública,
inclusive durante o estágio probatório, estabelecer critérios alternativos para o regular exercício
dos deveres funcionais inerentes aos cargos públicos, em face de servidores que invocam escusa de
consciência por motivos de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração, não
se caracterize o desvirtuamento do exercício de suas funções e não acarrete ônus desproporcional à
Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada (Tema 1.021).

Resumo:

É possível a fixação de obrigações alternativas a candidatos em concursos públicos e a


servidores em estágio probatório, que se escusem de cumprir as obrigações legais originalmente
fixadas por motivos de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração, a
preservação da igualdade entre todos os candidatos e que não acarrete ônus desproporcional à
Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada.
A fixação de obrigações alternativas para a realização de certame público ou para aprovação em
estágio probatório, em razão de convicções religiosas, não significa privilégio, mas sim permissão ao
exercício da liberdade de crença sem indevida interferência estatal nos cultos e nos ritos [CF, art. 5º, VI
(2)].
O fato de o Estado ser laico [CF, art. 19, I (3)] não lhe impõe uma conduta negativa diante da
proteção religiosa. A separação entre o Estado brasileiro e a religião não é absoluta. O Estado deve
proteger a diversidade em sua mais ampla dimensão, dentre as quais se inclua a liberdade religiosa e o
direito de culto.
Nesse sentido, o papel da autoridade estatal não é o de remover a tensão por meio da exclusão ou
limitação do pluralismo, mas sim assegurar que os grupos se tolerem mutuamente, principalmente quando
em jogo interesses individuais ou coletivos de um grupo minoritário.
A separação entre religião e Estado, portanto, não pode implicar o isolamento daqueles que
guardam uma religião à sua esfera privada. O princípio da laicidade não se confunde com laicismo. O
princípio da laicidade, em verdade, veda que o Estado assuma como válida apenas uma crença religiosa.
Nessa medida, ninguém deve ser privado de seus direitos em razão de sua crença ou descrença
religiosa, salvo se a invocar para se eximir de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir
prestação alternativa (CF, art. 5º, VIII).
No caso, trata-se de dois temas de repercussão geral, apregoados em conjunto e que se referem às
relações entre Estado e religião. No RE 611.874 (Tema 386 da repercussão geral), discute-se a
possibilidade de realização de etapas de concurso em datas e locais diferentes dos previstos em edital por
motivo de crença religiosa do candidato. Já no ARE 1.099.099 (Tema 1.021 da repercussão geral),
discute-se o dever, ou não, de o administrador público disponibilizar obrigação alternativa para servidora,
em estágio probatório, cumprir deveres funcionais, a que está impossibilitada em virtude de sua crença
religiosa.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao apreciar o RE 611.874 (Tema 386 da
repercussão geral), negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do min. Edson
Fachin, redator para o acórdão. Na mesma sessão de julgamento, ao julgar o ARE 1.099.099 (Tema 1.021
da repercussão geral), o Plenário, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário, nos termos do
voto do relator.

(1) CF: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...) VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se
as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;”
(2) CF: “Art. 5º. (...) VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”
(3) CF: “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou
igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou
aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;”

RE 611874/DF, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgamento em 19.11,
25.11 e 26.11.2020 (INF 1000)
ARE 1099099/SP, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 19.11, 25.11 e 26.11.2020 (INF 1000)

Inquérito para investigar “Fake News” e ameaças contra o STF: constitucionalidade - 2 -


ADPF 572 MC/DF

Parte 1 -
Parte 2 -

O Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em arguição de descumprimento


de preceito fundamental (ADPF), em que se discutia a constitucionalidade da instauração de inquérito
pelo Supremo Tribunal Federal (STF), realizada com o intuito de apurar a existência de notícias
fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e atos que podem configurar crimes contra a
honra e atingir a honorabilidade e a segurança do STF, de seus membros e familiares. Por conseguinte, a
Corte declarou a constitucionalidade da Portaria GP 69/2019, que instaurou o referido inquérito, e a
constitucionalidade do art. 43 (1) do Regimento Interno do STF (RISTF), que lhe serviu de fundamento
legal (Informativo 981).
Preliminarmente, o Tribunal conheceu da ADPF e converteu o julgamento da medida acauteladora
em julgamento definitivo de mérito.
Quanto ao mérito, assentou condicionantes no sentido de que o procedimento investigatório: (a)
seja acompanhado pelo Ministério Público (MP); (b) seja integralmente observado o Enunciado 14 da
Súmula Vinculante; (c) limite o objeto do inquérito a manifestações que, denotando risco efetivo à
independência do Poder Judiciário (CF, art. 2º), pela via da ameaça aos membros do STF e a seus
familiares, atentam contra os Poderes instituídos, contra o Estado de Direito e contra a democracia; e (d)
observe a proteção da liberdade de expressão e de imprensa nos termos da Constituição, excluindo do
escopo do inquérito matérias jornalísticas e postagens, compartilhamentos ou outras manifestações
(inclusive pessoais) na internet, feitas anonimamente ou não, desde que não integrem esquemas de
financiamento e divulgação em massa nas redes sociais.
Nesse contexto, o colegiado afirmou que o art. 43 do RISTF pode dar ensejo à abertura de
inquérito, contudo, não é e nem pode ser uma espécie de salvo conduto genérico, tornando-se necessário
delimitar seu significado. Isso porque a referida regra regimental trata de hipótese de investigação, e deve
ser lida sob o prisma do devido processo legal; da dignidade da pessoa humana; da prevalência dos
direitos humanos; da submissão à lei; e da impossibilidade de existir juiz ou tribunal de exceção. Além
disso, deve ser observado o princípio da separação de Poderes, uma vez que, via de regra, aquele que
julga não deve investigar ou acusar. Ao fazê-lo, como permite a norma regimental, esse exercício
excepcional submete-se a um elevado grau de justificação e a condições de possibilidade sem as quais
não se sustenta.
A Corte rememorou, ainda, o sentido do Enunciado 14 da Súmula Vinculante. Explicou que, num
Estado de Direito, a total transparência dos atos do poder público é a regra. Restrições pontuais à
publicidade devem estar fundadas na defesa da intimidade e do interesse social. O referido verbete tem o
objetivo de equilibrar esses valores.
Em seguida, enumerou diversos dispositivos constitucionais e de direito internacional voltados à
proteção da liberdade de expressão e concluiu que seu regime jurídico garante, por um lado, a
impossibilidade de censura prévia, e, por outro, a possibilidade de responsabilização civil e penal
posterior.
Além disso, a jurisprudência do STF é farta sobre o tema e contempla decisões que protegem a
livre circulação de ideias e de manifestações. O STF reconhece que a liberdade de expressão compreende
o direito de informar, de buscar informação, de opinar e de criticar.
Ressaltou que, atualmente, existe o problema relativo às fake news, disseminadas especialmente
pelas mídias sociais. Nesse contexto, não há mais propriamente sujeitos de direito, mas algoritmos que
espalham algum tipo de informação. Portanto, mesmo com a preponderância que a liberdade de expressão
assume, e de sua posição preferencial, seu uso em casos concretos pode se tornar abusivo. É por essa
razão que o exercício legítimo da liberdade de expressão pode estar agregado a alguns condicionantes que
balizam a aferição de responsabilidades civis e penais.
A esse respeito, a restrição à liberdade de expressão deve ser permeada por alguns subprincípios.
Assim, por exemplo, esse direito pode ser limitado se o agente dele se utilizar para o cometimento de
crimes ou para a disseminação dolosa de informação falsa.
Especificamente no que diz respeito à ameaça, exige-se seriedade, gravidade e verossimilhança,
sendo indispensável que o ofendido se sinta ameaçado e acredite que algo de mal lhe pode acontecer.
Quando a vítima é agente público, essa exigência é mais rigorosa, pois a submissão à crítica é inerente à
sua atividade. A liberdade de expressão, nesse contexto, atua como exercício de direitos políticos e de
controle da coisa pública. Isso porque não pode haver privilégios ou tratamentos desiguais com o escopo
de beneficiar agentes públicos que exercem o poder em nome do povo. A proibição do dissenso equivale
a impor um mandado de conformidade, condicionando a sociedade à informação oficial, ou um efeito
dissuasório, culminando com a aniquilação do próprio ato individual de reflexão.
Portanto, as exceções à liberdade de expressão são restritas, e seus limites estão na alteridade e na
democracia. Nesse sentido, são vedados discursos racistas, de ódio, supressores de direitos e tendentes a
excluir determinadas pessoas da sociedade.
O Tribunal teceu considerações acerca do sistema investigatório. Ordinariamente, compete ao MP
promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei. Dentro do sistema constitucional, a regra
é: a autoridade policial investiga, o MP acusa e o juiz julga, e nesse ambiente interagem a advocacia e as
defensorias como funções essenciais.
O MP não tem exclusividade na investigação preliminar. Em regra, é a polícia judiciária quem
conduz a investigação, acompanhada pelo MP, titular da acusação. Segundo a Lei 8.038/1990, o MP
oferecerá denúncia ou pedirá arquivamento do inquérito ou das peças informativas.
O Plenário discorreu, ainda, sobre a proteção do Estado de Direito e dos Poderes instituídos. Sob
esse aspecto, nenhuma disposição constitucional pode ser interpretada ou praticada no sentido de permitir
a grupos ou pessoas suprimirem o exercício dos direitos e garantias fundamentais. Assim, por exemplo,
um partido político, cujos líderes incitam a violência, defendem políticas que não respeitam a democracia
e tentam destrui-la, não pode invocar a proteção contra penalidades impostas por atos praticados com
essas finalidades.
Não há ordem democrática sem respeito a decisões judiciais. Não há direito que justifique o
descumprimento de uma decisão da última instância do Poder Judiciário. Afinal, é o Poder Judiciário o
órgão responsável por afastar, mesmo contra maiorias, medidas que suprimam os direitos constitucionais.
São inadmissíveis, portanto, a defesa da ditadura, do fechamento do Congresso ou do STF. Não há
liberdade de expressão que ampare a defesa desses atos.
Por essa razão, o equilíbrio e a estabilidade entre os Poderes e a preservação da supremacia da
Constituição estão ameaçados. Nesse contexto, ausente a atuação dos órgãos de controle com o fim de
apurar o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Judiciário e o Estado de Direito,
incide o art. 43 do RISTF.
Esse dispositivo é regra excepcional que confere ao Judiciário função atípica na seara da
investigação, de modo que seu emprego depende de rígido escrutínio. É um instrumento de defesa da
própria Constituição, utilizado se houver inércia ou omissão dos órgãos de controle. Ainda que sentidos e
práticas à luz desse artigo possam ser inconstitucionais, há uma interpretação constitucional.
Nesse quadro, a apuração inaugurada com fundamento nesse dispositivo regimental destina-se a
reunir elementos que subsidiarão a representação ou encaminhamento ao MP. Os elementos reunidos pelo
STF justificam a propositura da ação penal mediante o encaminhamento ao MP dos elementos
necessários para essa finalidade. As informações equivalem às que são coligidas em um inquérito. Como
as ofensas são em massa e difusas, o inquérito se justifica para coligir esses elementos.
Ademais, o STF pode, diante da ciência da ocorrência em tese de um crime, determinar a
instauração de inquérito, mesmo que não envolva autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição. Muito
embora o dispositivo regimental exija que os fatos apurados ocorram na sede ou dependência do próprio
STF, o caráter difuso dos crimes cometidos por meio da internet permite estender o conceito de “sede”,
uma vez que o STF exerce jurisdição em todo o território nacional. Logo, os crimes objeto do inquérito,
contra a honra e, portanto, formais, cometidos em ambiente virtual, podem ser considerados como
cometidos na sede ou dependência do STF.
A instauração do inquérito justifica-se, desse modo, para preservar a etapa de coleta de provas,
evitando que matérias próprias do STF sejam submetidas a jurisdições incompetentes; e para impedir que
suas ordens, autoridade e honorabilidade sejam desobedecidas ou ignoradas.
Por sua vez, é imprescindível a obediência ao juiz natural. De acordo com a regra regimental, o
ministro competente para presidir o inquérito é o presidente da Corte, ou seu delegatário. Nesse caso, a
delegação pode afastar a distribuição por sorteio, embora esta também seja uma via legítima.
No tocante aos atos já praticados no curso do inquérito, sua eficácia deve ser preservada até a data
desse julgamento. Ao MP competirá, derradeiramente, diante dos elementos colhidos, propor eventual
ação penal ou promover o arquivamento respectivo.
O colegiado concluiu no sentido de que as investigações não têm como objeto qualquer ofensa ao
agente público, mas devem se limitar às manifestações que denotam risco efetivo à independência do
Judiciário, pela via da ameaça a seus membros e, assim, risco aos Poderes instituídos, ao Estado de
Direito e à democracia. Atos atentatórios contra o STF, que incitem seu fechamento, a morte e a prisão de
seus membros, a desobediência a seus atos, o vazamento de informações sigilosas, não são manifestações
protegidas pela liberdade de expressão. O dissenso intolerável é aquele que visa a impor com violência o
consenso.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que julgou procedente o pedido formulado na ADPF para
fulminar o inquérito. Segundo o ministro, o inquérito resultou de ato individual do presidente do STF e
não passou pelo crivo do colegiado. Além disso, o relator do inquérito foi escolhido a dedo, sem a
observância do sistema democrático de distribuição. Ademais, a portaria foi editada com base no art. 43
do RISTF. Ocorre que a Constituição Federal de 1988, ao consagrar sistema acusatório, não recepcionou
o referido artigo do RISTF. Pontuou que, em Direito, o meio justifica o fim, jamais o fim justifica o meio
utilizado.

(1) RISTF: “Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito,
se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.”

ADPF 572 MC/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 17 e 18.6.2020. (INF 982)
Leiloeiro e caução para o exercício da profissão - RE 1263641/RS

A exigência de garantia para o exercício da profissão de leiloeiro, prevista nos artigos 6º a 8º


do Decreto 21.981/1932, é compatível com o art. 5º, XIII, da Constituição Federal de 1988 (CF) (1).
O art. 5º, XIII, da CF é norma constitucional de eficácia contida. Por isso, o legislador ordinário
pode restringir o alcance da liberdade de exercício de qualquer trabalho nela prevista, a fim de disciplinar
certas atividades cuja prestação possa, por falta de técnica, atingir negativamente a esfera de outros
indivíduos ou de valores ou interesses da própria sociedade.
Entretanto, a legitimidade da atuação legislativa no campo do exercício do trabalho deve ser
limitada ao indispensável para viabilizar a proteção de outros bens jurídicos de interesse público
igualmente resguardados pela própria Constituição, como a segurança, a saúde, a ordem pública, a
incolumidade das pessoas e do patrimônio, a proteção especial da infância e outros.
No caso, o leiloeiro lida diariamente com o patrimônio de terceiros, de forma que a prestação de
fiança como condição para o exercício de sua profissão busca reduzir o risco de dano ao proprietário, o
que reforça o interesse social da norma protetiva, bem como justifica a limitação para o exercício da
profissão.
Com esse entendimento, ao apreciar o Tema 455 da repercussão geral, o Plenário, por maioria,
negou provimento a recurso extraordinário.

(1) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...) XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei
estabelecer;”

RE 1263641/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento virtual em 9.10.2020. (INF 994)

Liberdade de expressão e restrição à difusão de produto audiovisual em plataforma de


“streaming” - Rcl 38782/RJ

Retirar de circulação produto audiovisual disponibilizado em plataforma de “streaming”


apenas porque seu conteúdo desagrada parcela da população, ainda que majoritária, não encontra
fundamento em uma sociedade democrática e pluralista como a brasileira.
Por se tratar de conteúdo veiculado em plataforma de transmissão particular, na qual o acesso é
voluntário e controlado pelo próprio usuário, é possível optar-se por não assistir ao conteúdo
disponibilizado, bem como é viável decidir-se pelo cancelamento da assinatura contratada.
Além disso, é de se destacar a importância da liberdade de circulação de ideias e o fato de que
deve ser assegurada à sociedade brasileira, na medida do possível, o livre debate sobre todas as temáticas,
permitindo-se que cada indivíduo forme suas próprias convicções, a partir de informações que escolha
obter.
Há diversas formas de indicar descontentamento com determinada opinião e de manifestar-se
contra ideais com os quais não se concorda — o que, em verdade, nada mais é do que a dinâmica do
chamado “mercado livre de ideias”. A censura, com a definição de qual conteúdo pode ou não ser
divulgado, deve-se dar em situações excepcionais, para que seja evitada, inclusive, a ocorrência de
verdadeira imposição de determinada visão de mundo.
Nesse contexto, atos estatais de quaisquer de suas esferas de Poder praticados sob o manto da
moral e dos bons costumes ou do politicamente correto apenas servem para inflamar o sentimento de
dissenso, de ódio ou de preconceito, afastando-se da aproximação e da convivência harmônica.
No caso, trata-se de reclamação constitucional contra julgados do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro que, ao restringirem a difusão de conteúdo audiovisual em que formuladas sátiras a elementos
religiosos inerentes ao Cristianismo, teriam ofendido o decidido por esta Corte na ADPF 130 e na ADI
2.404.
Com esse o entendimento, a Turma julgou procedente a reclamação para cassar as decisões
reclamadas.

Rcl 38782/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3.11.2020. (INF 998)

Princípio da isonomia: pensão por morte e tratamento diferenciado entre homem e mulher -
RE 659424/RS

É inconstitucional, por transgressão ao princípio da isonomia entre homens e mulheres


[Constituição Federal (CF), art. 5º, I], a exigência de requisitos legais diferenciados para efeito de
outorga de pensão por morte de ex-servidores públicos em relação a seus respectivos cônjuges ou
companheiros/companheiras (CF, art. 201, V).
Portanto, contraria o referido postulado constitucional exigir, para concessão da pensão por morte
ao cônjuge varão supérstite, a comprovação de invalidez e de dependência econômica não exigidos à
mulher ou companheira. Isso porque estudos recentes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA) revelam a importância das mulheres como “chefes de família”, o que torna completamente
ultrapassada a presunção de dependência econômica da mulher em relação a seu cônjuge ou companheiro
a justificar a mencionada discriminação.
No caso, a atual lei que disciplina o regime de previdência social dos servidores públicos do estado
do Rio Grande do Sul (Lei Complementar estadual 15.142/2018) revogou expressamente a Lei estadual
7.672/1982, que exigia essa comprovação de invalidez e de dependência econômica do cônjuge varão
para o recebimento de pensão por morte. Assim, eliminou qualquer fator de discriminação entre homens e
mulheres e consagrou, de maneira explícita, a presunção de dependência econômica do cônjuge ou
companheiro/companheira, sem nenhuma ressalva concernente ao gênero do beneficiário.
Ademais, não há ofensa ao princípio da fonte de custeio, eis que o argumento relativo à necessária
indicação de contrapartida — como condição para fazer cumprir o princípio constitucional da igualdade
— não se justifica, por tratar-se de benefício já instituído, sem que a ele corresponda aumento do valor
pago. As contribuições previdenciárias continuam a ser adimplidas pelos respectivos segurados,
independentemente do gênero a que pertencem, alimentadas por alíquotas estáveis e com idêntico índice
percentual, sem que se registre aumento no valor ou no quantum do respectivo benefício de ordem
previdenciária.
O art. 201, V, da CF é preceito autoaplicável, revestido de aplicabilidade direta, imediata e
integral, qualificando-se como estrutura jurídica dotada de suficiente densidade normativa, a tornar
prescindível qualquer mediação legislativa concretizadora.
Com base nesse entendimento, o Plenário, ao apreciar o Tema 457 da repercussão geral, negou
provimento a recurso extraordinário.

RE 659424/RS, rel. Min. Celso de Mello, julgamento virtual em 9.10.2020. (INF 994)

Trabalhadores avulsos e direito ao adicional de risco portuário - 3 - RE 597124/PR

Sempre que for pago ao trabalhador com vínculo permanente, o adicional de riscos é devido, nos
mesmos termos, ao trabalhador portuário avulso. Com esse entendimento, o Plenário, em conclusão e por
maioria, ao apreciar o Tema 222 da repercussão geral, negou provimento a recurso extraordinário em que
discutida a possibilidade de estender aos trabalhadores portuários avulsos o adicional de riscos, previsto
no art. 14 da Lei 4.860/1965 (1) e pago aos trabalhadores portuários com vínculo permanente
(Informativos 923 e 924).
O colegiado entendeu que a regulação da atividade portuária por meio de legislação específica se
deu para garantir aos trabalhadores que prestam serviços nas instalações portuárias direitos inerentes ao
exercício de atividades notoriamente peculiares. Até 1990, havia, basicamente, duas formas de prestação
de trabalho na área portuária: os serviços de capatazia eram realizados por servidores públicos vinculados
às Companhias Docas; e as demais atividades, pelos trabalhadores avulsos.
A Constituição de 1988 trouxe importante regulação das relações de trabalho em geral e, no inciso
XXXIV do art. 7º, previu “igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício
permanente e o trabalhador avulso”. Constata-se que essa cláusula de isonomia se sagrou reforçada com o
advento da Lei 8.630/1993, quando novos atores sociais foram expressamente incorporados às relações
portuárias, entre os quais se destacam os órgãos gestores de mão de obra — entidades com finalidade
pública, sem fins lucrativos, cujo objetivo principal é centralizar e administrar a prestação de serviços nos
portos organizados do Brasil —; os operadores portuários; e os trabalhadores portuários, ainda
distinguidos entre contratados com vínculo permanente (servidores e empregados) e avulsos.
A mudança levada a efeito pela Lei 8.630/1993 não se restringiu à seara legislativa, uma vez que
inaugurou modelo regulatório das relações de trabalho no campo portuário muito diferente daquele
vigente até então, mas mantendo algumas normas do regime anterior. Prova disso são os arts. 75 e 76 da
Lei 8.630/1993. Apesar de terem revogado diversas normas esparsas, optaram por não revogar aquela que
previa o direito a adicional de riscos para os trabalhadores portuários. O argumento pela impossibilidade
de se estender o mencionado direito tem como fundamento interpretação equivocada de que o art. 19 da
Lei 4.860/1965 excluiria os trabalhadores avulsos do seu âmbito de incidência normativa.
Ademais, a leitura adequada da legislação a respeito, considerados os paradigmas constitucionais,
é a de que não calha como excludente o fato de os trabalhadores avulsos sujeitarem-se a regime
diferenciado daqueles com vínculo permanente. Implementadas as condições legais específicas, é devido
o adicional de riscos, previsto no art. 14 da Lei 4.860/1965, ao trabalhador portuário avulso.
A disposição constitucional tem nítido caráter protetivo da igualdade material. Se há o pagamento
do adicional de riscos como direito do trabalhador portuário com vínculo permanente que labora em
condições adversas, essa previsão também deve ser reconhecida aos trabalhadores portuários avulsos
submetidos às mesmas condições.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que deu provimento ao recurso.

(1) Lei 4.860/1965: “Art 14. A fim de remunerar os riscos relativos à insalubridade, periculosidade e outros porventura
existentes, fica instituído o ‘adicional de riscos’ de 40% (quarenta por cento) que incidirá sobre o valor do salário-hora ordinário do
período diurno e substituirá todos aqueles que, com sentido ou caráter idêntico, vinham sendo pagos.”

RE 597124/PR, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 3.6.2020. (INF 980)

Tribunal do Júri: autoria e materialidade e absolvição genérica - HC 178777/MG

A absolvição do réu, ante resposta a quesito genérico de absolvição previsto no art. 483, § 2º,
do Código de Processo Penal [CPP (1)], independe de elementos probatórios ou de teses veiculadas
pela defesa, considerada a livre convicção dos jurados.
Em razão da norma constitucional que consagra a soberania dos veredictos, a sentença absolutória
de Tribunal do Júri, fundada no quesito genérico de absolvição, não implica nulidade da decisão a ensejar
apelação da acusação. Os jurados podem absolver o réu com base na livre convicção e
independentemente das teses veiculadas, considerados elementos não jurídicos e extraprocessuais.
No caso, o paciente foi pronunciado ante a prática de crime previsto no art. 121, § 2º, II, IV e VI,
combinado com o art. 14, II (tentativa de homicídio qualificado), do Código Penal (CP). Submetido a
julgamento, o Conselho de Sentença respondeu afirmativamente aos quesitos alusivos à materialidade e
autoria. Na sequência, indagados os jurados se absolviam o acusado, a resposta foi positiva, encerrando-
se a votação. Após, o tribunal de justiça proveu apelação interposta pelo Parquet para determinar a
realização de novo Júri, por considerar que a decisão absolutória foi contrária às provas do processo.
Com base nesse entendimento, a Primeira Turma, por maioria, deferiu a ordem de habeas corpus,
para reestabelecer decisão absolutória.

(1) CPP: “Art. 483.  Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: I – a materialidade do fato; II – a
autoria ou participação; III – se o acusado deve ser absolvido; IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; V –
se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que
julgaram admissível a acusação. (...) § 2o Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos
I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: O jurado absolve o acusado?”

HC 178777/MG, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 29.9.2020. (INF 993)


3.10 DIREITOS FUNDAMENTAIS

Suspensão de habilitação e direito ao trabalho - RE 607107/MG

É constitucional a imposição da pena de suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor ao


motorista profissional condenado por homicídio culposo no trânsito.
Essa foi a tese de repercussão geral (Tema 486) fixada pelo Plenário ao dar provimento a recurso
extraordinário interposto contra acórdão que afastou a pena de suspensão de habilitação, prevista no art.
302 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) (1), aplicada em desfavor do recorrido. O tribunal a quo
reputou que a aplicação dessa sanção ao condenado que exerce profissionalmente a atividade de motorista
seria inconstitucional, por violar o seu direito ao trabalho.
O colegiado asseverou que inexiste direito absoluto ao exercício de atividade profissionais (CF,
art. 5º, XIII), sendo possível que haja restrição imposta pelo legislador, desde que razoável, como no caso.
Além disso, a medida é coerente com o princípio da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI)
e, também, respeita o princípio da proporcionalidade. A suspensão do direito de dirigir não impossibilita
o motorista profissional de extrair seu sustento de qualquer outra atividade econômica.

(1) CTB: “Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas – detenção, de dois a quatro anos, e
suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. § 1º No homicídio culposo cometido
na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente: (...) IV - no exercício de sua profissão
ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.”

RE 607107/MG, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 12.2.2020. (INF 966)

3.11 EXPULSÃO

Estrangeiro e filho brasileiro nascido posteriormente à expulsão - 2 - RE 608898/DF

O § 1º do art. 75 da Lei 6.815/1980 (1) não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988
(CF), sendo vedada a expulsão de estrangeiro cujo filho brasileiro foi reconhecido ou adotado
posteriormente ao fato ensejador do ato expulsório, uma vez comprovado estar a criança sob a guarda do
estrangeiro e deste depender economicamente.
Com essa tese de repercussão geral (Tema 373), o Plenário, em conclusão de julgamento, negou
provimento a recurso extraordinário interposto de acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferido
em sede de habeas corpus (Informativo 924).
Na decisão recorrida, o STJ assentou que a proibição de expulsão de estrangeiro quando tiver prole
brasileira objetiva proteger os interesses da criança à assistência material, à garantia dos direitos à
identidade, à convivência familiar e à assistência pelos pais.
A União sustentava que, coexistentes a proteção dos direitos da família e da criança e a defesa da
soberania e do território nacional, a Lei 6.815/1980 previa a impossibilidade de expulsão somente quando
a prole brasileira fosse anterior ao fato motivador da expulsão. Aludia ao poder discricionário, conferido
ao chefe do Poder Executivo pelo art. 66 do referido diploma legal (2), de expulsar estrangeiro com
conduta nociva aos interesses nacionais.
O colegiado, por maioria, rejeitou a preliminar de ilegitimidade da recorrente. Entendeu ser caso
de superação da preliminar ante a relevância da tese e o fato de estar-se em discussão não só o direito de
ir e vir do paciente, mas também prerrogativa do chefe do Poder Executivo. Ademais, esta seria a única
possibilidade de a União contestar a decisão do STJ e discutir a matéria.
Vencido, no ponto, o ministro Marco Aurélio (relator). O ministro salientou que a União não foi
parte na ação apreciada no STJ. Ademais, por ser o habeas corpus via impugnativa exclusiva da defesa,
descabe a sua utilização para tutela de interesse da acusação ou de terceiros.
No mérito, prevaleceu o voto do relator, segundo o qual o § 1º do art. 75 da Lei 6.815/1980 não foi
recepcionado pela CF, sendo vedada a expulsão, uma vez comprovado estar a criança sob a guarda do
estrangeiro e deste depender economicamente.
O ministro registrou a presença de valores constitucionais como a soberania nacional, com a
manutenção de estrangeiro no País, e a proteção à família, ante a existência de filho brasileiro.
Lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF), diversas vezes, decidiu no sentido de que a
existência de filhos nascidos após o fato criminoso não seria oponível à expulsão. No entanto, as questões
relativas aos requisitos para expulsão foram reiteradamente examinadas somente com fulcro na
interpretação isolada do art. 75 da Lei 6.815/1980.
Assim, compreendeu ser necessário aprofundar a evolução no tratamento da matéria, atentando
para a CF, que define a família como base da sociedade e estabelece o direito da criança à convivência
familiar [arts. 226, caput, e 227, caput, (3)].
Esclareceu que a CF de 1988 inaugurou nova quadra no tocante ao patamar e à intensidade da
tutela da família e da criança, assegurando-lhes cuidado especial, concretizado, pelo legislador, na edição
do Estatuto da Criança e do Adolescente. O sistema foi direcionado para a absoluta prioridade dos
menores e adolescentes, como pressuposto inafastável de sociedade livre, justa e solidária.
Por isso, é impróprio articular com a noção de interesse nacional inerente à expulsão de
estrangeiro quando essa atuação estatal alcança a situação da criança, sob os ângulos econômico e
psicossocial. O § 1º do art. 75 da Lei 6.815/1980 encerra a quebra da relação familiar, independentemente
da situação econômica do menor e dos vínculos socioafetivos desenvolvidos. A família, respaldo maior
da sociedade e da criança, é colocada em segundo plano, superada pelo interesse coletivo em retirar do
convívio nacional estrangeiro nocivo, embora muitas vezes ressocializado.
A seu ver, priva-se perpetuamente a criança do convívio familiar, da conformação da identidade.
Dificulta-se o acesso aos meios necessários à subsistência, haja vista os obstáculos que decorrem da
cobrança de pensão alimentícia de indivíduo domiciliado ou residente em outro País. Dessa maneira,
impõe-se à criança ruptura e desamparo, cujos efeitos repercutem nos mais diversos planos da existência,
em colisão não apenas com a proteção especial conferida a ela, mas também com o âmago do princípio da
proteção à dignidade da pessoa humana.
Além disso, o preceito da Lei 6.815/1980 afronta o princípio da isonomia, ao estabelecer
tratamento discriminatório entre filhos havidos antes e após o fato ensejador da expulsão.
O relator ressaltou que os prejuízos associados à expulsão de genitor independem da data do
nascimento ou da adoção, muito menos do marco aleatório representado pela prática da conduta
motivadora da expulsão. Se o interesse da criança deve ser priorizado, é de menor importância o
momento da adoção ou da concepção.
Esse entendimento não esvazia a soberania nacional. O estrangeiro continua obrigado a comprovar
ter filho brasileiro sob a própria guarda e dependente economicamente. Ou seja, exige-se do estrangeiro a
demonstração de vínculo qualificado com o País, apto a autorizar, dentro das balizas legais, a sua
permanência em território nacional.
Por fim, o ministro observou que a Lei 6.815/1980, regedora da espécie, foi suplantada pela nova
Lei de Migração (Lei 13.445/2017), que não repetiu o contido no preceito em debate.

(1) Lei 6.815/1980: “Art. 75. Não se procederá à expulsão: (...) § 1º Não constituem impedimento à expulsão a adoção ou o
reconhecimento de filho brasileiro supervenientes ao fato que o motivar.”
(2) Lei 6.815/1980: “Art. 66. Caberá exclusivamente ao Presidente da República resolver sobre a conveniência e a
oportunidade da expulsão ou de sua revogação. Parágrafo único. A medida expulsória ou a sua revogação far-se-á por decreto.”
(3) CF: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) Art. 227. É dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

RE 608898/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 25.6.2020. (INF 983)

3.12 FINANÇAS PÚBLICAS

Covid-19 e restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal - ADI 6357 MC-Ref/DF


O Plenário, por maioria, referendou a medida cautelar anteriormente deferida e extinguiu a ação
direta de inconstitucionalidade por perda superveniente de objeto.
A cautelar referendada concedeu interpretação conforme à Constituição Federal (CF) aos arts. 14,
16, 17 e 24 da Lei Complementar 101/2000 (1) — Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) — e 114, caput
(2) e § 14 (3), da Lei 13.898/2019 — Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2020 (LDO/2020) —, para,
durante a emergência em saúde pública de importância nacional e o estado de calamidade pública
decorrente do novo coronavírus (Covid-19), afastar a exigência de demonstração de adequação e
compensação orçamentárias em relação à criação/expansão de programas públicos destinados ao
enfrentamento do contexto de calamidade gerado pela disseminação de Covid-19. Além disso, a medida
se aplicou a todos os entes federativos que, nos termos constitucionais e legais, tivessem decretado estado
de calamidade pública decorrente da pandemia de Covid-19.
O autor da ação direta argumentava que o estabelecimento de novas despesas necessárias em
virtude da pandemia acabaria sendo passível de responsabilização se não houvesse a interpretação
conforme.
Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes (relator), que referendou a liminar para
garantir maior segurança jurídica.
Com relação à LDO/2020, explicitou que o art. 114 foi alterado por lei posterior. O preceito
passou a estabelecer que, na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional e
durante sua vigência, fica dispensada a compensação tratada em seu caput (LDO/2020, art. 114, § 16).
O relator observou que, em suma, o pedido formulado na ação objetivou afastar a aplicabilidade de
restrições para fins de combate integral da pandemia na saúde pública e em seus reflexos, como a
manutenção de emprego e de empresas e a subsistência dos seres humanos.
Esclareceu que o afastamento não afetaria de forma alguma o mandamento constitucional de
transparência, de prudência fiscal, consubstanciado na LRF. Os dispositivos impugnados pretendem
evitar gastos não previstos, a improvisação nas finanças públicas, e não vedar gastos orçamentários
absolutamente necessários destinados à vida, à saúde, ao trabalho e à subsistência dos brasileiros.
Ademais, a única válvula de escape seria o art. 65 da LRF, que afasta alguns dispositivos. O
mencionado artigo estabelece regime emergencial para casos de reconhecimento de calamidade pública,
afasta a necessidade de contingenciamento de recursos e sanções pelo descumprimento de limites de
gastos com pessoal. Contudo, não prevê expressamente a possibilidade de criação de novas despesas
emergenciais e necessárias no combate a uma pandemia, sem que tenham sido previstas anteriormente no
orçamento.
O ministro lembrou que o surgimento da pandemia do Covid-19 seria fato superveniente,
imprevisível, cujas consequências gravíssimas eram impossíveis de serem programadas e exigem a
atuação direta do Poder Público municipal, estadual e federal. Essa excepcionalidade foi considerada para
a suspensão dos dispositivos questionados. Do ponto de vista jurídico e lógico, seria impossível a
previsão dos efeitos econômicos quando aprovadas as leis orçamentárias.
Sublinhou que a interpretação conforme dada na cautelar se baseou nos princípios da razoabilidade
e da dignidade da pessoa humana, na valorização do emprego e na saúde pública. Esses preceitos e
princípios constitucionais seriam totalmente afastados se não houvesse a possibilidade de os entes
combaterem a pandemia, auxiliando a população, inclusive, com recursos públicos. Se os dispositivos
adversados fossem aplicados rigidamente, por exemplo, não seria possível a concessão do auxílio
emergencial de R$ 600,00 (seiscentos reais) durante a pandemia.
A respeito do art. 42 da LRF (4), o relator rejeitou o pedido formulado pelo amicus curiae no
sentido de que o dispositivo fosse abrangido pela cautelar, haja vista não ter sido impugnado pelo autor da
ação. Na ação direta de inconstitucionalidade, a causa de pedir é aberta, mas o pedido não. Portanto,
eventual análise do art. 42 deve ser feita na via própria.
Noutro passo, o ministro Alexandre de Moraes julgou extinta a ação direta de
inconstitucionalidade em virtude da superveniência da Emenda Constitucional (EC) 106/2020, que
instituiu regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade
pública nacional decorrente de pandemia.
Sublinhou não ter havido, na EC do “Orçamento de Guerra”, constitucionalização superveniente, e
sim convalidação de atos praticados (EC 106/2020, art. 10).
O relator consignou o prejuízo da ação, porquanto presentes, no art. 3º da EC 106/2020 (5), os
requisitos que conduziram à concessão da liminar. Os gastos não devem implicar despesas permanentes e
objetivam enfrentar, durante a vigência da pandemia, a calamidade pública e as suas consequências.
Por fim, acentuou que o art. 3º da EC substitui o próprio entendimento da cautelar deferida, desde
que aplicado à União, aos Estados-membros e aos municípios. A perda de objeto se dá com a
interpretação de que o art. 3º vale para os três entes da Federação.
Em obiter dictum, o ministro Roberto Barroso sinalizou que a regra do art. 42 da LRF não deverá
ser aplicada aos prefeitos nos dois últimos quadrimestres, porque ainda coincidirão com a pandemia.
Vencidos o ministro Edson Fachin, que não extinguiu a ação, e o ministro Marco Aurélio, que não
referendou a cautelar.
O ministro Edson Fachin se ateve em ratificar a liminar e endossou o voto do relator no tocante ao
art. 42 da LRF. A respeito da perda de objeto, anotou que demandaria análise para verificar se há simetria
entre a EC 106/2020 e o objeto da cautelar. A medida anteriormente deferida cobre nitidamente os demais
entes federativos e o art. 3º da EC faz referência ao Poder Executivo no singular. Abrir-se-ia campo de
exame que, a rigor, não estaria pautado na ambiência do referendo. Ainda aduziu que a questão poderia
ser apreciada em momento posterior.
Por seu turno, o ministro Marco Aurélio assentou o prejuízo da ação direta. Enfatizou que o
enfrentamento da calamidade pública não é realizado apenas pela União, mas também é feito pelos
estados e municípios. No art. 2º da EC, há alusão a dispositivos observáveis nos três níveis. Dessa
maneira, ter-se-ia disciplina linear, que alcança União, estados e municípios. Além disso, rememorou que
o legislador, a quem cabia atuar, dispôs sobre a convalidação dos atos de gestão praticados a partir de 20
de março de 2020 (EC 106/2020, art. 10).
Segundo o ministro, há incongruência em extinguir-se a ação e referendar-se a cautelar. A seu ver,
os atos praticados com base na medida anteriormente deferida foram encampados pelos congressistas
mediante o art. 10 da EC 106/2020. Além disso, a interpretação conforme pressupõe preceito que
contemple duas interpretações e o legitimado para a ação não pode vir ao Supremo Tribunal Federal pedir
carta em branco para descumprir lei.

(1) Lei Complementar 101/2000: “Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da
qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que
deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das
seguintes condições: I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei
orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes
orçamentárias; II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de
receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. § 1º A
renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de
alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que
correspondam a tratamento diferenciado. § 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput
deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas
no mencionado inciso. § 3º O disposto neste artigo não se aplica: I – às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I,
II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1º; II – ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos
respectivos custos de cobrança. (...) Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento
da despesa será acompanhado de: I – estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos
dois subsequentes; II – declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei
orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias. § 1º Para os fins desta Lei
Complementar, considera-se: I – adequada com a lei orçamentária anual, a despesa objeto de dotação específica e suficiente, ou que
esteja abrangida por crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas
no programa de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exercício; II – compatível com o plano plurianual e
a lei de diretrizes orçamentárias, a despesa que se conforme com as diretrizes, objetivos, prioridades e metas previstos nesses
instrumentos e não infrinja qualquer de suas disposições. § 2º A estimativa de que trata o inciso I do caput será acompanhada das
premissas e metodologia de cálculo utilizadas. § 3º Ressalva-se do disposto neste artigo a despesa considerada irrelevante, nos
termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias. § 4º As normas do caput constituem condição prévia para: I – empenho e
licitação de serviços, fornecimento de bens ou execução de obras; II – desapropriação de imóveis urbanos a que se refere o § 3º do
art. 182 da Constituição. (...) Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida
provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois
exercícios. § 1º Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista
no inciso I do art. 16 e demonstrar a origem dos recursos para seu custeio. § 2º Para efeito do atendimento do § 1º, o ato será
acompanhado de comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo
referido no § 1º do art. 4º, devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de
receita ou pela redução permanente de despesa. § 3º Para efeito do § 2º, considera-se aumento permanente de receita o proveniente
da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. § 4º A comprovação
referida no § 2º, apresentada pelo proponente, conterá as premissas e metodologia de cálculo utilizadas, sem prejuízo do exame de
compatibilidade da despesa com as demais normas do plano plurianual e da lei de diretrizes orçamentárias. § 5º A despesa de que
trata este artigo não será executada antes da implementação das medidas referidas no § 2º, as quais integrarão o instrumento que a
criar ou aumentar. § 6º O disposto no § 1º não se aplica às despesas destinadas ao serviço da dívida nem ao reajustamento de
remuneração de pessoal de que trata o inciso X do art. 37 da Constituição. § 7º Considera-se aumento de despesa a prorrogação
daquela criada por prazo determinado. (...) Art. 24. Nenhum benefício ou serviço relativo à seguridade social poderá ser criado,
majorado ou estendido sem a indicação da fonte de custeio total, nos termos do § 5º do art. 195 da Constituição, atendidas ainda as
exigências do art. 17. § 1º É dispensada da compensação referida no art. 17 o aumento de despesa decorrente de: I – concessão de
benefício a quem satisfaça as condições de habilitação prevista na legislação pertinente; II – expansão quantitativa do atendimento e
dos serviços prestados; III –reajustamento de valor do benefício ou serviço, a fim de preservar o seu valor real. § 2º O disposto neste
artigo aplica-se a benefício ou serviço de saúde, previdência e assistência social, inclusive os destinados aos servidores públicos e
militares, ativos e inativos, e aos pensionistas.”
(2) Lei 13.898/2019: “Art. 114. As proposições legislativas e as suas emendas, conforme o art. 59 da Constituição, que,
direta ou indiretamente, importem ou autorizem diminuição de receita ou aumento de despesa da União, deverão estar
acompanhadas de estimativas desses efeitos no exercício em que entrarem em vigor e nos dois exercícios subsequentes, detalhando
a memória de cálculo respectiva e correspondente compensação para efeito de adequação orçamentária e financeira, e
compatibilidade com as disposições constitucionais e legais que regem a matéria.” (redação anterior à dada pela Lei 13.983/2020)
(3) Lei 13.898/2019: “Art. 114. (...) § 14. Considera-se atendida a compensação a que se refere o caput nas seguintes
situações: I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da Lei Orçamentária de
2020, na forma do disposto no art. 12 da Lei Complementar nº 101, de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, e de que não afetará
as metas de resultados fiscais previstas no Anexo IV; ou II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período
mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo,
majoração ou criação de tributo ou contribuição.”
(4) Lei Complementar 101/2000: “Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois
quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha
parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito. Parágrafo único. Na
determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do
exercício.”
(5) EC 106/2020: “Art. 3º Desde que não impliquem despesa permanente, as proposições legislativas e os atos do Poder
Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas, com vigência e efeitos
restritos à sua duração, ficam dispensados da observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento
de ação governamental que acarrete aumento de despesa e à concessão ou à ampliação de incentivo ou benefício de natureza
tributária da qual decorra renúncia de receita. Parágrafo único. Durante a vigência da calamidade pública nacional de que trata o art.
1º desta Emenda Constitucional, não se aplica o disposto no § 3º do art. 195 da Constituição Federal.”

ADI 6357 MC-Ref/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 13.5.2020. (INF 977)

3.13 FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA

Ação de improbidade administrativa e atuação de procurador do estado - 2 - ARE 1165456


AgR/SE

A Primeira Turma, por maioria e em conclusão de julgamento, deu provimento a agravo interno e,
em voto médio, deu parcial provimento ao recurso extraordinário, a fim de declarar incompatível com a
Constituição Federal (CF) o entendimento de que o governador do estado deve autorizar a propositura de
ação de improbidade pela procuradoria. Determinou, ainda, o retorno dos autos ao juízo de origem, para
que prossiga o julgamento como entender de direito.
No acordão impugnado, o tribunal de origem compreendeu que procurador do estado de Sergipe
não pode ajuizar ação civil pública sem anuência do procurador-geral e autorização do governador
daquela unidade da Federação (Informativo 952).
Na Turma, prevaleceu o voto médio do ministro Roberto Barroso, que foi acompanhado pela
ministra Rosa Weber.
Em maior extensão, os ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux deram provimento integral ao
agravo e ao recurso extraordinário. Entenderam que a restrição imposta pelo tribunal a quo não encontra
respaldo na lei orgânica da procuradoria-geral — Lei Complementar sergipana 27/1996 — e ofende o art.
132 da CF (1). Logo, não poderia ser exigida a autorização do governador, tampouco a anuência do
procurador-geral nas ações de improbidade.
Já o ministro Marco Aurélio (relator) negou provimento ao agravo regimental e ao recurso
extraordinário. A seu ver, os autos versam matéria estritamente legal. O relator sublinhou que o
pronunciamento atacado mediante recurso extraordinário envolveu a interpretação de legislação local.

(1) CF: “Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso
dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases,
exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. parágrafo único. Aos procuradores
referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os
órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.”
ARE 1165456 AgR/SE, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso,
julgamento em 1º.9.2020. (INF 989)

3.14 INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO

Tarifa bancária pela mera disponibilização de “cheque especial” - ADI 6407 MC-Ref /DF

Resumo:

Há indícios de contrariedade ao ordenamento jurídico-constitucional na permissão dada por


resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) às instituições financeiras para cobrarem tarifa
bancária pela mera disponibilização de crédito ao cliente na modalidade “cheque especial”.
Resolução do CMN não pode excluir ou limitar a proteção concedida ao consumidor pela
Constituição Federal (CF). A autorização de cobrança pela mera disponibilização do serviço coloca o
consumidor em situação de vulnerabilidade econômico-jurídica, em descumprimento ao mandamento
constitucional de proteção ao consumidor, previsto no art. 5º, XXXII (1), e no art. 170, V (2), da CF.
As instituições financeiras não podem cobrar por serviço de disponibilização e/ou manutenção
mensal de cheque especial, uma vez que a cobrança dos juros é permitida tão somente quando houver a
efetiva utilização e sempre proporcional ao valor e ao tempo usufruídos. Com efeito, a cobrança da
“tarifa” (pagamento pela simples disponibilização) camufla o adiantamento da cobrança pela
remuneração do capital (juros), de maneira que há uma desnaturação da natureza jurídica da “tarifa
bancária” para abarcar todos aqueles que possuem a disponibilização do limite, inclusive, quem não
utiliza o crédito efetivamente na modalidade de “cheque especial”.
Trata-se, na espécie, de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), com o
objetivo de ver declarada lesão a preceitos fundamentais decorrente da norma do art. 2º, § 1º, I e II, § 2º e
§ 3º, da Resolução 4.765/2019 do CNM (3), que admitia a cobrança de tarifa pela disponibilização de
cheque especial ao cliente.
Convertido o julgamento em ação direta de inconstitucionalidade por aplicação do princípio da
fungibilidade, e com base no entendimento acima exposto, o Plenário, por unanimidade, referendou a
medida cautelar concedida pelo ministro relator, a fim de suspender a eficácia da norma impugnada até o
julgamento de mérito da presente ação.

(1) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...) XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
(2) CF: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V – defesa do
consumidor (...) Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.
(3) Resolução 4.765/2019, do Conselho Monetário Nacional (CMN): “Art. 2º. Admite-se a cobrança de tarifa pela
disponibilização de cheque especial ao cliente. § 1º. A cobrança da tarifa prevista no caput deve observar os seguintes limites
máximos: I – 0% (zero por cento), para limites de crédito de até R$ 500,00 (quinhentos reais); e II – 0,25% (vinte e cinco
centésimos por cento), para limites de crédito superiores a R$ 500,00 (quinhentos reais), calculados sobre o valor do limite que
exceder R$ 500,00 (quinhentos reais). § 2º. A cobrança da tarifa deve ser efetuada no máximo uma vez por mês. § 3º. A cobrança da
tarifa deve observar, no que couber, as disposições da Resolução nº 3.919, de 25 de novembro de 2010, não se admitindo a inclusão
do serviço de que trata o caput em pacote de serviços vinculados a contas de depósito à vista”.

ADI 6407 MC-Ref /DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 27.11.2020
(INF 1000)

3.15 LEGITIMIDADE

Legitimidade de procuradores para interposição de recurso em ADI - RE 1126828 AgR/SP


A Segunda Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental para, ao dar seguimento a
recurso extraordinário, reconhecer a legitimidade de procuradores para interposição de recursos em ação
direta de inconstitucionalidade (ADI).
O colegiado entendeu que, por ser uma decisão política, somente os legitimados no art. 103 da
Constituição Federal (CF) (1), ou, por simetria, os que previstos em constituição estadual, podem propor
ações diretas de inconstitucionalidade. Ressaltou, entretanto, que os atos de natureza técnica,
subsequentes ao ajuizamento da ação, devem ser empreendidos pelos procuradores da parte legitimada.
Citou precedente do Supremo Tribunal Federal (STF), no sentido de que recursos em ação direta de
inconstitucionalidade podem até vir assinados pelo legitimado conjuntamente com o procurador, mas que
seria essencial a presença de advogado.
Vencido o ministro Edson Fachin (relator), que votou pelo não provimento do agravo por
considerar que se afigura inadmissível petição recursal assinada apenas por procuradores, sem que tenha
sido subscrita pela parte constitucionalmente legitimada.

(1) CF: “Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I – o
Presidente da República; II – a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV – a Mesa de Assembleia
Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI – o Procurador-
Geral da República; VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII – partido político com representação no
Congresso Nacional; IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”

RE 1126828 AgR/SP, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Cármen Lúcia, julgamento
em 4.2.2020. (INF 965)

3.16 MEIO AMBIENTE

Medida cautelar em ADPF: resoluções do Conama e proibição do retrocesso socioambiental


- ADPF 747 MC-Ref/DF; ADPF 748 MC-Ref/DF e ADPF 749 MC-Ref/DF

Resumo:

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se configura como direito


fundamental da pessoa humana. A mera revogação de normas operacionais fixadoras de
parâmetros mensuráveis necessários ao cumprimento da legislação ambiental, sem sua substituição
ou atualização, aparenta comprometer a observância da Constituição Federal (CF), da legislação
vigente e de compromissos internacionais.
A Resolução 500/2020 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) revogou as
Resoluções 284/2001, 302/2002 e 303/2002, do mesmo órgão, que dispõem respectivamente, sobre: (i) o
licenciamento de empreendimentos de irrigação; (ii) os parâmetros, definições e limites de Áreas de
Preservação Permanente (APPs) de reservatórios artificiais e o regime de uso do entorno e (iii) os
parâmetros, definições e limites de APPs.
As resoluções editadas pelo mencionado órgão preservam a sua legitimidade quando cumprem o
conteúdo material da Constituição e da legislação ambiental. A revogação da Resolução Conama
284/2001 sinaliza dispensa de licenciamento para os empreendimentos de irrigação, mesmo que
potencialmente causadores de modificações ambientais significativas. Essa situação configura efetivo
descumprimento, pelo Poder Público, do seu dever de atuar no sentido de preservar os processos
ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico dos ecossistemas. Também sugere estado de anomia
regulatória, a evidenciar graves e imediatos riscos para a preservação dos recursos hídricos, em prejuízo
da qualidade de vida das presentes e futuras gerações [CF, art. 225, caput e § 1º, I (1)].
Apesar de ter sido apontada a necessidade de ajustes na norma, a simples revogação da Resolução
Conama 302/2002 parece conduzir à intolerável situação de incompatibilidade com a ordem
constitucional em matéria de proteção do meio ambiente. A revogação dela, assim como a da Resolução
303/2002, distancia-se dos objetivos definidos no art. 225 da CF, tais como explicitados na Política
Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981), baliza material da atividade normativa do Conama.
Em juízo de delibação, há aparente estado de anomia e de descontrole regulatório, a configurar
material retrocesso no tocante à satisfação do dever de proteger e preservar o equilíbrio do meio
ambiente, incompatível com a ordem constitucional e o princípio da precaução. Portanto, demonstrado o
fumus boni juris.
Noutro passo, o periculum in mora é evidenciado pelo elevado risco de degradação de
ecossistemas essenciais à preservação da vida sadia, comprometimento da integridade de processos
ecológicos essenciais e perda de biodiversidade, caso o ato normativo impugnado produza efeitos.
Já a Resolução Conama 499/2020 atende ao disposto no art. 225, § 1º, IV e V, da CF (2), ao
disciplinar condições, critérios, procedimentos e limites a serem observados no licenciamento de fornos
rotativos de produção de clínquer para a atividade de coprocessamento de resíduos. Os aludidos preceitos
constitucionais exigem estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de atividade potencialmente
causadora de degradação do meio ambiente e impõem ao Poder Público o controle do emprego de
técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.
A Resolução 499/2020 ainda se mostra consistente com o marco jurídico convencional e os critérios
setoriais de razoabilidade e proporcionalidade da Política Nacional de Resíduos Sólidos [Lei
12.305/2010, art. 6º, XI (3)]. Logo, afastado o requisito do fumus boni juris.
Em face do exposto e de outras considerações, o Plenário referendou as medidas cautelares
concedidas em arguições de descumprimento de preceito fundamental, para suspender, até o julgamento
de mérito da ação, os efeitos da Resolução Conama 500/2020, com a imediata restauração da vigência e
eficácia das Resoluções Conama 284/2001, 302/2002 e 303/2002. De igual modo, indeferiu os pedidos de
suspensão da eficácia da Resolução Conama 499/2020. Ficaram prejudicados os agravos regimentais
interpostos.

(1) CF: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I – preservar e restaurar os processos
ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;”
(2) CF: “Art. 225. (...) § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) IV – exigir, na forma
da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio
de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;”
(3) Lei 12.305/2010: “Art. 6º São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos: (...) XI – a razoabilidade e a
proporcionalidade;”

ADPF 747 MC-Ref/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 27.11.2020 (INF
1000)
ADPF 748 MC-Ref/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 27.11.2020 (INF
1000)
ADPF 749 MC-Ref/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 27.11.2020 (INF
1000)

3.17 ORDEM SOCIAL

ADI: medicamento, autorização por lei e ausência de registro sanitário - ADI 5501/DF

Ante o postulado da separação de Poderes, o Congresso Nacional não pode autorizar,


atuando de forma abstrata e genérica, a distribuição de medicamento.
Compete à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permitir a distribuição de
substâncias químicas, segundo protocolos cientificamente validados. O controle dos medicamentos
fornecidos à população leva em conta a imprescindibilidade de aparato técnico especializado,
supervisionado pelo Poder Executivo.
A Constituição Federal (CF) reservou aos parlamentares instrumentos adequados à averiguação do
correto funcionamento das instituições pátrias, quais sejam, convocação de autoridade a fim de prestar
esclarecimentos e instauração de comissão parlamentar de inquérito. Porém, surge impróprio aos
parlamentares substituírem agência subordinada ao Poder Executivo.
O direito à saúde não será plenamente concretizado se o Estado deixar de cumprir a
obrigação de assegurar a qualidade de droga mediante rigoroso crivo científico, apto a afastar
desengano, charlatanismo e efeito prejudicial.
Ao elaborar a Lei 13.269/2016, o Congresso Nacional, permitindo a distribuição de remédio sem
controle prévio da viabilidade sanitária, omitiu-se no dever constitucional de tutelar a saúde da população.
A aprovação do produto no órgão do Ministério da Saúde é exigência para industrialização,
comercialização e importação com fins comerciais (Lei 6.360/1976, art. 12).
O diploma impugnado suprime, casuisticamente, o requisito de registro sanitário. Isso evidencia
que o legislador deixou em segundo plano a obrigação de implementar políticas públicas voltadas à
garantia da saúde. A oferta de medicamento, embora essencial à concretização do Estado Social de
Direito, não pode ser conduzida à margem do figurino constitucional, com atropelo dos pressupostos
mínimos de segurança visando o consumo, sob pena de esvaziar-se, por via transversa, o próprio
conteúdo do direito fundamental à saúde [CF, art. 196 (1)].
É no mínimo temerária e potencialmente danosa a liberação genérica do tratamento sem realização
dos estudos clínicos correspondentes, em razão da ausência de elementos técnicos assertivos da
viabilidade da substância para o bem-estar.
Trata-se, na espécie, de ação direta de inconstitucionalidade apresentada pela Associação Médica
Brasileira em face da Lei 13.269/2016, que autorizava o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes
diagnosticados com neoplasia maligna.
O Plenário, por maioria, confirmou medida cautelar (Informativo 826) e julgou procedente o
pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da aludida lei. Vencidos os ministros Edson
Fachin, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que conferiram interpretação conforme à CF ao art. 2º da referida
norma.

(1) CF: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.”

ADI 5501/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento virtual finalizado em 23.10.2020. (INF 996)

Benefício social e vinculação ao salário mínimo - ADI 4726/AP

É inconstitucional norma de iniciativa parlamentar que preveja a criação de órgão público e


organização administrativa.
Isso porque caracterizada afronta à iniciativa privativa do Chefe do Executivo, nos termos dos arts.
25 e 61, § 1º, II, b e e, da Constituição Federal (CF). Essa regra é linear e encerra observância ao
princípio da separação dos Poderes, aplicável, por simetria, aos estados.
O reconhecimento de vício formal dos dispositivos alusivos ao Conselho Gestor não inviabiliza a
consecução do programa social instituído. Nos termos do art. 18 da Lei 1.598/2011, do estado do Amapá,
compete ao governador a regulamentação, voltada à operacionalização do pagamento do benefício social,
sendo inviável cogitar-se de declaração de inconstitucionalidade por arrastamento.
Inviável atrelar-se ao salário mínimo o valor alusivo a benefício social e os respectivos
critérios de admissão.
No caso, contudo, é possível identificar, nos dispositivos impugnados, sentido que se coaduna com
a Carta da República. Visando resguardar a continuidade do programa social, cumpre adotar técnica de
controle a ensejar a declaração de insubsistência constitucional da norma apenas quanto a determinado
enfoque, emprestando ao preceito interpretação conforme à Lei Maior. Nesse sentido, é possível
compreender os preceitos para tomar-se o salário mínimo como parâmetro de fixação de valor unitário,
em pecúnia, no instante em que editada a lei, a fim de alcançar-se o montante referente ao benefício,
condicionados os reajustes futuros a disciplina própria.
A elogiável iniciativa do programa de transferência de renda a integrantes de classes sociais
desfavorecidas, no que observados o princípio da dignidade da pessoa humana e o objetivo maior de
erradicação da pobreza e da marginalização encerrado no artigo 3º, inciso III, da CF, dá concretude ao
que se pode denominar espírito da Carta de 1988.
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face de dispositivos da Lei
1.598/2011, do estado do Amapá, de iniciativa da assembleia legislativa, que instituiu o “Programa Renda
para Viver Melhor” objetivando reduzir desigualdades sociais e pobreza por meio da transferência de
renda mínima a cidadãos em situação de vulnerabilidade.
Com base nesse entendimento, o Plenário julgou parcialmente procedente o pedido para declarar a
inconstitucionalidade formal dos artigos 3º, 10 a 13 e 16 do referido diploma legal, bem como conferir
interpretação conforme à Constituição aos artigos 5º, c, 9º, e, 14 e 17, assentando a necessidade de serem
as alusões ao salário mínimo entendidas como reveladoras do valor vigente na data da publicação do
diploma, afastada vinculação futura.

ADI 4726/AP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento virtual finalizado em 10.11.2020. (INF 998)

Direito à saúde e dever de o Estado fornecer medicamento - 3 - RE 566471/RN

O Plenário, em conclusão e por maioria, ao apreciar o Tema 6 da repercussão geral, negou


provimento a recurso extraordinário em que se discutia o dever de o Estado fornecer medicamento de alto
custo a portador de doença grave sem condições financeiras para comprá-lo (Informativos 839 e 841).
No caso, estado-membro havia sido condenado a fornecer medicação para tratamento de doença
grave. Na decisão judicial atacada, o ente havia alegado que privilegiar o atendimento de um único
indivíduo comprometeria políticas de universalização do serviço de fornecimento de fármacos, em
prejuízo dos cidadãos em geral. Dessa forma, debilitaria investimentos nos demais serviços de saúde e em
outras áreas, como segurança e educação. Além disso, violaria a reserva do possível e a legalidade
orçamentária.
O Tribunal entendeu que, em regra, o Estado não está obrigado a dispensar medicamento não
constante de lista do Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, no caso concreto, o medicamento foi
posteriormente incorporado à referida lista, o que atrai a negativa de provimento do recurso.
O ministro Marco Aurélio (relator) salientou que o reconhecimento do direito individual ao
fornecimento, pelo Estado, de medicamento de alto custo, não incluído em política nacional de
medicamentos ou em programa de medicamentos de dispensação em caráter excepcional, constante de rol
dos aprovados, depende da demonstração da imprescindibilidade (adequação e necessidade), da
impossibilidade de substituição e da incapacidade financeira do enfermo e dos membros da família
solidária, respeitadas as disposições sobre alimentos dos arts. 1.649 a 1.710 do Código Civil (CC) e
assegurado o direito de regresso.
De acordo com o ministro Roberto Barroso, para que seja, excepcionalmente, admitido o
fornecimento de medicamento não constante da lista do SUS, devem ser observados cinco requisitos
cumulativos: (a) incapacidade financeira de arcar com o custo correspondente; (b) demonstração de que a
não incorporação do medicamento não resultou de decisão expressa dos órgãos competentes; (c)
inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS; (d) comprovação de eficácia do
medicamento pleiteado à luz da medicina baseada em evidências; e (e) a propositura da demanda
necessariamente em face da União, responsável por decisão final sobre a incorporação ou não de
medicamentos ao SUS.
Para o ministro Alexandre de Moraes, na hipótese de pleito judicial de medicamentos, não previsto
em listas oficiais e/ou Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs), independentemente do seu
alto custo, a tutela judicial será excepcional e exigirá, previamente, inclusive para a análise de medida
cautelar, os seguintes requisitos: (a) comprovação de hipossuficiência financeira do requerente para o
custeio; (b) existência de laudo médico comprovando a necessidade do medicamento e elaborado pelo
perito de confiança do magistrado e fundamentado na medicina de evidências; (c) certificação pela
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) tanto da
existência de indeferimento da incorporação do medicamento pleiteado quanto da inexistência de
substituto terapêutico incorporado pelo SUS; e (d) atestado emitido pela Conitec no sentido da eficácia,
segurança e efetividade do medicamento para as diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à
saúde do requerente, no prazo máximo de 180 dias.
A ministra Rosa Weber salientou que, no caso de litígio judicial por medicamentos não
incorporado pelo SUS, inclusive os de alto custo, o Estado terá a obrigação de fornecê-los, em caráter
excepcional, desde que comprovados, cumulativamente, os seguintes requisitos: (a) prévio requerimento
administrativo, que pode ser suprido pela oitiva do ofício do agente público por parte do julgador; (b)
comprovação por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado, expedido por médico integrante
da rede pública, da imprescindibilidade ou da necessidade do medicamento, assim como da ineficácia
para o tratamento da moléstia dos fármacos fornecidos pelo SUS; (c) indicação do medicamento por meio
da Denominação Comum Brasileira (DCB) ou da Denominação Comum Internacional (DCI); (d)
incapacidade financeira do cidadão de arcar com o custo do medicamento prescrito; (e) existência de
registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do medicamento; e (f) veiculação da
demanda, preferencialmente, por processo coletivo estrutural, de forma a conferir máxima eficácia ao
comando de universalidade que rege o direito à saúde e ao diálogo interinstitucional.
A ministra Cármen Lúcia e o ministro Luiz Fux reservaram-se a estabelecer requisitos para o
fornecimento excepcional de medicamentos no momento em que o colegiado debater a tese de
repercussão geral.
O ministro Ricardo Lewandowski enfatizou que, para que se possa fornecer medicamento que não
conste do rol da Anvisa, seria preciso: (a) confirmação do alto custo do fornecimento do tratamento
requerido pelo interessado, bem como da impossibilidade financeira do paciente e da sua família para
custeá-lo; (b) comprovação robusta da necessidade do fornecimento do medicamento por meio de laudo
técnico oficial para evitar o agravamento do quadro clínico do interessado; (c) indicação de inexistência
de tratamento oferecido no âmbito do SUS ou de que o tratamento oferecido não surtiu os efeitos
esperados, de modo que a medicação sem registro na Anvisa seja a única forma viável de evitar o
agravamento da doença; (d) prévio indeferimento de requerimento administrativo ou ausência de análise
em tempo razoável pelos entes políticos demandados para o início ou continuidade do tratamento de
saúde; (e) que o medicamento tenha sua eficácia aprovada por entidade governamental congênere à
Anvisa; (f) ausência de solicitação de registro do medicamento na Anvisa ou demora não razoável do
procedimento de análise pela agência reguladora federal. No entanto, não poderiam ser autorizados o
custeio de medicamentos expressamente reprovados pela Anvisa ou de produtos legalmente proibidos; e
(g) determinação de que o interessado informe, periodicamente, por meio de relatórios médicos e exames
comprobatórios de controle da doença, a evolução do tratamento de modo a comprovar sua eficácia e
justificar sua manutenção.
Para o ministro Gilmar Mendes, nos casos excepcionais é imprescindível que haja instrução
processual, com ampla produção de provas, para que não ocorra a produção padronizada de iniciais,
contestações e sentenças – peças processuais que, muitas vezes, não contemplam as especificidades do
caso concreto, impedindo que o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a
dimensão objetiva do direito à saúde –, privilegiando, na medida do possível, as políticas públicas
existentes e o acionamento prévio da Administração Pública, via pedido administrativo. Quanto à
necessidade financeira, o juiz deverá verificar o caso, segundo a prova dos autos, levando em
consideração as condições de vida do autor da ação e os custos do tratamento almejado.
Vencido, em parte, o ministro Edson Fachin, que deu parcial provimento ao recurso. Acolheu a
alegação de que o estado-Membro recorrente não poderia ser condenado a custear sozinho o
medicamento, por tratar-se de dispensação excepcional. Ressaltou a necessidade de a União compor o
polo passivo da ação.
Segundo o ministro, as tutelas condenatórias visando à dispensa de medicamento ou tratamento
ainda não incorporado à rede pública devem ser, preferencialmente, pleiteadas em ações coletivas ou
coletivizáveis, de forma a conferir-se máxima eficácia ao comando de universalidade que rege o direito à
saúde. A tutela de prestação individual não coletivizável deve ser excepcional. Desse modo, para seu
implemento, é necessário demonstrar não apenas que a opção diversa daquela disponibilizada pela rede
pública decorre de comprovada ineficácia ou impropriedade da política de saúde existente para o seu
caso, mas também que há medicamento ou tratamento eficaz e seguro, com base nos critérios da medicina
baseada em evidências.
Para aferir tais circunstâncias na via judicial, propôs os seguintes parâmetros: (a) prévio
requerimento administrativo, que pode ser suprido pela oitiva de ofício do agente público por parte do
julgador; (b) subscrição realizada por médico da rede pública ou justificada impossibilidade; (c) indicação
do medicamento por meio da DCB ou DCI; (d) justificativa da inadequação ou da inexistência de
medicamento ou tratamento dispensado na rede pública; e (e) laudo, formulário ou documento subscrito
pelo médico responsável pela prescrição, em que se indique a necessidade do tratamento, seus efeitos e os
estudos da medicina baseada em evidências, além das vantagens para o paciente, comparando-o, se
houver, com eventuais fármacos ou tratamentos fornecidos pelo SUS para a mesma moléstia.
Em seguida, o Tribunal deliberou fixar a tese de repercussão geral em assentada posterior.

RE 566471/RN, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 11.3.2020. (INF 969)

Verbas destinadas à educação e bloqueio judicial - ADPF 484/AP


O Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em arguição de
descumprimento de preceito fundamental (ADPF) para declarar a inconstitucionalidade de quaisquer
medidas de constrição judicial que recaiam sobre verbas destinadas à educação, bem como para afastar a
submissão ao regime de precatório das Caixas Escolares ou Unidades Descentralizadas de Educação
(UDEs), em razão da sua natureza jurídica de direito privado, de não integrar a Administração Pública, de
não compor o orçamento público e da ratio que inspira a gestão descentralizada da coisa pública. Na
ADPF, questionava-se a constitucionalidade de decisões da justiça trabalhista que determinaram o
bloqueio de verbas destinadas ao custeio de merenda escolar, transporte de alunos e manutenção das
escolas públicas do estado do Amapá.
Inicialmente, o colegiado explicou que as Caixas Escolares consistem em Unidades Executoras
Próprias (UEx), que recebem recursos públicos destinados à educação, via transferência, para a melhoria
da infraestrutura física e pedagógica, o reforço da autogestão escolar e a elevação dos índices de
desempenho da educação básica, por meio da gestão descentralizada.
Encontram-se inseridas em uma política de descentralização dos recursos destinados às escolas,
intitulada Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), que presta assistência financeira às escolas
públicas da educação básica das redes estaduais, municipais e do Distrito Federal e às escolas privadas de
educação especial mantidas por entidades sem fins lucrativos. Os recursos do programa são transferidos
de acordo com o número de alunos e com o censo escolar do ano anterior ao do repasse. Por sua vez, a
assistência financeira a ser concedida a cada estabelecimento de ensino é admitida via repasse
diretamente à unidade executora ou à entidade representativa da comunidade escolar.
As unidades executoras das escolas instituídas e mantidas pelo Poder Público consistem em
sociedades civis com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que têm por finalidade
receber e gerenciar os recursos destinados às escolas, inclusive aqueles recebidos do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Estabeleceu-se, desse modo, a possibilidade de os recursos destinados à educação serem
repassados a associações privadas sem fins lucrativos, às quais cabe geri-los em benefício da escola. A
inovação do programa reside justamente na descentralização da gestão financeira de recursos da educação
para a sociedade civil.
Vê-se, assim, que as Caixas Escolares, enquanto unidades executoras próprias, foram criadas para
viabilizar o repasse de verbas públicas diretamente às escolas, conferindo-lhes maior autonomia na
aplicação dos recursos de acordo com as necessidades particulares de cada localidade. A ratio é a
descentralização da gestão da educação para maior agilidade e eficiência.
Assim, é preciso identificar o que é constitucionalmente exigido de forma invariável e diferenciar
daquilo que é constitucionalmente deixado à escolha das maiorias políticas prevalecentes, para que
possam moldar a intervenção do Estado nos domínios sociais à luz da vontade coletiva legitimamente
predominante.
Nesse sentido, as UEx funcionam por meio de repasses de verbas para associações privadas sem
fins lucrativos. Essa medida de descentralização da gestão financeira na prestação de serviços
educacionais configura escolha de alocação de recursos plenamente legítima, inserida na margem de
conformação das decisões de agentes políticos.
Não encontra óbice na Constituição, que, ao contrário, estabelece, em seu art. 205, que “a
educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Portanto, o experimentalismo do administrador público caminha no sentido da descentralização da
execução, mantido o controle normativo e fiscalizador dos entes públicos. No caso, ao se estabelecer a
transferência direta de recursos para as escolas, pretende-se atingir ganhos de agilidade e eficiência, além
de democratizar a administração da escola.
Como o recurso é público, entretanto, há forte fiscalização, responsabilização e submissão aos
princípios gerais da administração pública e ao controle do Tribunal de Contas da União (TCU). O âmbito
constitucionalmente definido para o controle a ser exercido pelo TCU e pelo Ministério Público não é de
qualquer forma restringido em relação a essas entidades.
A Constituição proíbe a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma
categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa,
mandamento esse que também vincula o Judiciário.
Nesse sentido, as regras sobre aprovação e gestão orçamentárias consagram mecanismos de freios
e contrapesos essenciais ao regular o funcionamento das instituições republicanas e democráticas e à
concretização do princípio da separação dos poderes.
Assim, os princípios da separação dos poderes e do fomento à educação são violados por decisões
judiciais que gerem bloqueio, penhora ou sequestro, para fins de quitação de débitos trabalhistas, de
verbas públicas destinadas à merenda, ao transporte de alunos e à manutenção das escolas públicas.
O direito social à educação, bem como a prioridade absoluta de proteção às crianças e aos
adolescentes, em respeito à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento que são, justificam a
especial proteção constitucional dos valores necessários à aplicação efetiva dos recursos públicos
destinados à concretização dos efetivos direitos.
No caso, a destinação específica das verbas bloqueadas em juízo para aplicação em educação se
verifica no manual de orientação para as UEx, que exige que a entidade, quando da formalização do
cadastro, deve indicar o banco e a agência de sua preferência para abertura pelo FNDE de conta corrente
específica para o programa, e que a conta é exclusiva, sendo vedada a movimentação de recursos próprios
por meio de depósito, transferência, doação ou saque em espécie.
Em caso de descumprimento, o FNDE fica autorizado a suspender o repasse dos recursos, assim
como em caso de omissão na prestação de contas ou rejeição da prestação de contas. Ademais, qualquer
irregularidade identificada na aplicação dos recursos destinados à execução do PDDE pode ser
denunciada ao FNDE, ao TCU, aos órgãos de controle interno do Poder Executivo da União e ao
Ministério Público, a quem cabe o controle da prestação de contas.
Quanto ao pagamento de verbas trabalhistas, os atos judiciais impugnados acarretaram o
indesejado comprometimento do equilíbrio e da harmonia entre os Poderes, além de prejuízo à
continuidade dos serviços públicos, em ofensa ao direito social à educação, transporte e alimentação
escolar, preceitos fundamentais agasalhados na Constituição.
A impenhorabilidade dos valores se impõe, in casu, sob a ratio de que estão afetados a finalidades
públicas e à realização das atividades e serviços públicos decorrentes do exercício obrigatório da função
administrativa.
Quanto à possibilidade de as Caixas Escolares pagarem suas dívidas por precatório, note-se que
elas recebem doações particulares, e assumem obrigações outras. Em relação a essas obrigações, calcadas
em patrimônio decorrente de doações privadas, não é razoável que devam ser pagas por precatório.
Destaque-se que essas Caixas têm personalidade jurídica de direito privado.
Assim, embora as Caixas Escolares do Amapá sejam entidades voltadas diretamente à prestação de
serviços de educação e recebam recursos públicos via conta específica, já não se pode afirmar que
dependem totalmente de recursos públicos e atuam em regime de exclusividade na gestão de recursos
públicos destinados à educação.
As Caixas Escolares contam com recursos provenientes do próprio do estado do Amapá e dos
municípios, bem como com rendas decorrentes de atividades realizadas no ambiente escolar e auxílios
financeiros de particulares. Essas verbas privadas não estão imunes aos atos de constrição judicial.
Dessa forma, considerando-se que as Caixas Escolares consistem em sociedades civis com
personalidade jurídica de direito privado, bem como que tais entidades não possuem os qualificativos
necessários para serem enquadradas no regime especial de pagamento de débitos por precatórios,
sabidamente diante da possibilidade de gerirem recursos privados, elas não se sujeitam ao regime referido
independentemente da natureza dos recursos submetidos à execução judicial.
É assim que a proteção constitucional a direitos individuais e a garantias fundamentais, inclusive
de ordem trabalhista, convive com o princípio da impenhorabilidade dos recursos públicos recebidos por
instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que considerou inadequada a via eleita e, quanto ao mérito,
julgou o pedido improcedente.

ADPF 484/AP, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 4.6.2020. (INF 980)

3.18 ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Empresa estatal e participação nos lucros ou resultados - ADI 5417/DF

ODS 8

Resumo:

É constitucional a determinação de que a participação de trabalhadores nos lucros ou


resultados de empresas estatais deve observar diretrizes específicas fixadas pelo Poder Executivo ao
qual as entidades estejam sujeitas.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite a análise de omissão inconstitucional
parcial quando se demonstre insuficiência da normatividade adotada. Entretanto, não se constata essa
omissão no art. 5º da Lei 10.101/2000, porque nele se tem disciplina suficiente e consistente sobre o
direito à participação nos lucros e resultados das empresas estatais, de acordo com o disposto no inciso XI
do art. 7º da Constituição Federal (CF) (1).
Além disso, não há ofensa ao princípio da isonomia. A submissão das empresas estatais às
diretrizes específicas estabelecidas pelo Poder Executivo, mesmo no que se refere ao cumprimento dos
direitos trabalhistas, é fator de realce constitucional em razão do regime jurídico híbrido a que as
entidades estão sujeitas.
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade em face do art. 5º, caput e parágrafo único, da Lei
10.101/2000 (2); do art. 1º, V, do Decreto 3.735/2001; dos arts. 3º, §§ 3º e 4º, e 12, IV, VI e VII, da
Portaria 27/2012 do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais da Secretaria
Executiva do Ministério do Planejamento (DEST/SE/MP); bem assim dos arts. 2º, IV e parágrafo único,
3º, I a V, e 5º, § 1º, da Resolução 10/1995 do Conselho de Coordenação e Controle das Empresas Estatais
(CCE). Essas normas federais estabeleceram condições para a participação de trabalhadores nos lucros e
resultados de empresas estatais.
O Plenário julgou improcedente o pedido formulado, na parte em que conhecido, para declarar
constitucional o disposto no caput e parágrafo único do art. 5º da Lei 10.101/2000. Não foi conhecida a
pretensão quanto aos demais preceitos impugnados, porquanto apenas regulamentam a aludida lei e não
cabe o exame de normas secundárias ou regulamentares, nesta via, por configurar-se ofensa indireta à CF.

(1) CF: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: (...) XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão
da empresa, conforme definido em lei;”
(2) Lei 10.101/2000: “Art. 5º A participação de que trata o art. 1º desta Lei, relativamente aos trabalhadores em empresas
estatais, observará diretrizes específicas fixadas pelo Poder Executivo. Parágrafo único. Consideram-se empresas estatais as
empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas e demais empresas em que a União, direta ou
indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto.”

ADI 5417/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento virtual finalizado em 4.12.2020 (INF 1001)

3.19 ORGANIZAÇÃO DO ESTADO

Abin: Sistema Brasileiro de Inteligência e fornecimento de dados e de conhecimentos


específicos - ADI 6529 MC/DF

O Plenário, por maioria, deferiu, em parte, pedido de medida cautelar em ação direta de
inconstitucionalidade a fim de conferir interpretação conforme à Constituição Federal (CF) ao parágrafo
único do art. 4º da Lei 9.883/1999 (1) para estabelecer que: a) os órgãos componentes do Sistema
Brasileiro de Inteligência (Sisbin) somente podem fornecer dados e conhecimentos específicos à Agência
Brasileira de Inteligência (Abin) quando comprovado o interesse público da medida, afastada qualquer
possibilidade de esses dados atenderem interesses pessoais ou privados; b) toda e qualquer decisão que
solicitar os dados deverá ser devidamente motivada para eventual controle de legalidade pelo Poder
Judiciário; c) mesmo quando presente o interesse público, os dados referentes a comunicações telefônicas
ou dados sujeitos à reserva de jurisdição não podem ser compartilhados na forma do dispositivo em razão
daquela limitação, decorrente do respeito aos direitos fundamentais; e d) nas hipóteses cabíveis de
fornecimento de informações e dados à Abin, é imprescindível procedimento formalmente instaurado e
existência de sistemas eletrônicos de segurança e registro de acesso, inclusive para efeito de
responsabilização, em caso de eventuais omissões, desvios ou abusos.
No pleito formulado, os autores fizeram referência ao § 1º do art. 2º e ao caput do art. 9º A, ambos
da Lei 9.883/1999 (2), bem assim ao § 3º do art. 1º da Estrutura Regimental da Abin (Anexo I) do
Decreto presidencial 10.445/2020 (3).
Prevaleceu o voto da Ministra Cármen Lúcia (relatora), no qual consignado ser objeto da ação o
parágrafo único do art. 4º da Lei 9.883/1999.
Rememorou que, ao longo dos quase vinte e um anos de sua vigência e aplicação, decretos
presidenciais sucederam-se, em cumprimento ao comando legal, sem maiores questionamentos sobre a
interpretação da norma.
Esclareceu que, na argumentação apresentada, os autores expõem as razões do pedido, a saber, o
advento do decreto, no qual alegam haver extensão interpretativa incluída e, assim, desbordamento
jurídico a contaminar a forma de a referida lei ser interpretada e aplicada.
Lembrou que o feito foi trazido a julgamento poucos dias após ajuizada a ação, em face da
urgência qualificada — vigência do decreto em 17.8.2020 —, anotada pelos autores e tida como razoável.
Observou que, no curso da ação, poderá ocorrer a regularização processual anteriormente determinada,
haja vista a ausência da outorga, na procuração de um dos partidos políticos autores, de poder para
postular sobre o decreto e da falta da assinatura, na petição inicial, dos advogados do outro partido, em
cuja procuração se faz referência ao decreto.
Depois de outros registros, a relatora explicitou ter levado em conta os dispositivos do decreto,
mencionados genericamente na peça inicial, somente para os fins de se comprovar a razoabilidade da
argumentação tecida e a necessidade de se afirmar a interpretação conforme à CF a ser aplicada ao
parágrafo único do art. 4º daquela lei.
Ao versar a respeito da inafastabilidade do interesse público como elemento legitimador do
desempenho administrativo, avaliou ser imprescindível que os dados e os conhecimentos específicos a
serem fornecidos estejam vinculados ao interesse público objetivamente comprovado e com motivação
específica.
Segundo a ministra, inteligência é atividade sensível e grave do Estado. Está posta na legislação
como sendo necessária nos termos por ela delineados. “Arapongagem” não é direito, é crime. Praticado
pelo Estado, é ilícito gravíssimo. Comete crime o agente que adotar prática de solicitação e obtenção de
dados e conhecimentos específicos sobre quem quer que seja fora dos estritos limites da legalidade.
Sopesou que o fornecimento de dados pelos órgãos componentes do Sistema Brasileiro de
Inteligência à Abin, nos termos e condições a serem aprovados mediante ato presidencial, tem, conforme
norma legal expressa, a finalidade de integrá-los e tornar eficiente “a defesa das instituições e dos
interesses nacionais”. Somente dados e conhecimentos específicos relacionados a estas finalidades são
legalmente admitidas e compatibilizam-se com a CF. Qualquer outra interpretação é inválida.
Além disso, o fornecimento de elementos informativos, denominado compartilhamento de dados,
tem como único motivo legalmente admissível a defesa das instituições e dos interesses nacionais, reitere-
se, nos expressos moldes do sistema jurídico vigente. Compartilhamento de dados e conhecimentos
específicos que vise ao interesse privado do órgão ou de agente público não é juridicamente admitido,
caracterizando-se desvio de finalidade e abuso de direito.
De igual modo, é ato legítimo o fornecimento de informações entre órgãos públicos para a defesa
das instituições e dos interesses nacionais. Proibido é que se torne subterfúgio para atendimento ou
benefício de interesses particulares ou pessoais, especialmente daqueles que têm acesso aos dados,
desvirtuando-se competências constitucionalmente definidas e que não podem ser objeto de escolha
pessoal, menos ainda de atendimento a finalidade particular.
É atitude ditatorial, que contrasta com o Estado democrático de direito, o abuso da máquina estatal
para atendimento a objetivos pessoais, mais ainda quando sejam criminosos como são aqueles que se
voltam a obter dados sobre pessoas para a elas impor restrições inconstitucionais, agressões ilícitas,
medos e exposição de imagem. O direito, em sua efetivação normal e legítima, é uso e, em sua realização
anormal e ilegítima, é abuso.
Os mecanismos legais de compartilhamento de dados e informações, como o previsto no parágrafo
único, são postos para abrigar o interesse público, não para sustentar interesses privados no espaço
público. Qualquer ato de Estado que vise a atender interesse particular é inválido porque contraria o
sistema constitucional. Comprovado o descumprimento dos princípios constitucionais, há de ser
declarado ilegítimo pelo Poder Judiciário.
Quanto ao arguido desvio de finalidade na extensão das atribuições da Abin, a relatora registrou
não ser possibilitado pelo conteúdo da norma questionada. A sua implementação normativa infralegal é
que pode fazer vingar a semente desse vício.
Frisou que o ato administrativo precisa atender aos critérios legais para legitimar-se. O
administrador não pode ensejar consequências diversas das almejadas pelo legislador. Nos casos como o
presente, de matéria tão sensível, a finalidade nunca é discricionária no espaço público, é sempre
vinculada.
Aduziu que o parágrafo único do art. 4º compatibiliza-se com a CF com a interpretação que lhe
vem dos seus próprios termos e deixa resguardadas as competências dos demais órgãos dos Poderes da
República e, principalmente, dos direitos individuais intocáveis dos indivíduos.
Noutro passo, asseverou ser imprescindível que os atos administrativos, incluídos aqueles relativos
às atividades de inteligência, sejam motivados, para que haja a possibilidade de serem eventualmente
contrastados. A legitimidade dos atos da Administração Pública não pode ser averiguada pelos cidadãos e
pelo Poder Judiciário se não houver a comprovação de sua devida motivação.
Ademais, a obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos está expressa no art. 50 da Lei
9.784/1999 (4), e deve ocorrer, entre outras hipóteses, sempre que os atos “neguem, limitem ou afetem
direitos ou interesses”. A natureza da atividade de inteligência, que eventualmente se desenvolve em
regime de sigilo ou de restrição de publicidade, não afasta essa exigência, especialmente se considerado
que esses atos podem importar acesso a dados e informações sensíveis dos cidadãos, e podem
comprometer ou limitar direitos fundamentais à privacidade e à intimidade.
Nesse contexto de potencial limitação de direitos fundamentais, deve-se exigir que as solicitações
pela Abin sejam acompanhadas de motivação demonstrativa da necessidade dos dados pretendidos e a
adequação da solicitação às finalidades legais. Isso é indispensável para que, se provocado, o Poder
Judiciário realize o controle de constitucionalidade e de legalidade, examinando sua conformidade aos
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e precipuamente garantindo os direitos fundamentais.
Acerca da cláusula de reserva de jurisdição, a ministra Cármen Lúcia assinalou que o ordenamento
jurídico nacional prevê situações nas quais se impõe a necessidade de análise e autorização prévia do
Poder Judiciário. Isso se dá, por exemplo, nos casos de ingresso na casa de alguém ou de interceptações
em dispositivos e dados telemáticos. A esse respeito, a CF estabeleceu ser essencial a intervenção e
autorização prévia do Estado-juiz, sem o que qualquer ação de autoridade estatal será ilegítima, ressalva
feita à situação de flagrante delito.
Dessa maneira, deve-se dar à norma interpretação a respeitar a reserva de jurisdição. O sistema
constitucional garante o direito à privacidade das pessoas, nele incluído o segredo dos dados e de
comunicações telemáticas e telefônicas, entendido, o último, como o não compartilhamento das
informações sem prévia autorização judicial.
Na sequência, igualmente em juízo de delibação, a relatora não vislumbrou plausibilidade no pleito
de que os órgãos integrantes de outros entes federados, de outros Poderes e do Ministério Público (MP)
fossem afastados da hipótese de aplicação do fornecimento previsto no parágrafo único. Atendidos os
requisitos legais e estabelecidos nesta decisão, eles poderão fornecer dados. Na lei impugnada, inclusive
há previsão de que podem compor o Sisbin mediante ajustes e convênios.
O ministro Dias Toffoli reforçou a importância de a Administração Pública trabalhar na
formalidade, com protocolos, até para possibilitar eventual responsabilização em casos de omissões e
abusos na defesa do Estado. Por seu turno, o ministro Luiz Fux participou que o princípio da segurança
dos dados possui destacada relevância na economia da informação.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que indeferiu a liminar pleiteada. A seu ver, o parágrafo único
do art. 4º prevê apenas um diálogo entre os órgãos de inteligência e não surge conflitante com o texto
constitucional. Além disso, o ministro não entreviu o risco, inexistente até hoje, de se manter hígido o
citado dispositivo. Sequer ambiguidade que pudesse merecer interpretação.

(1) Lei 9.883/1999: “Art. 4º À ABIN, além do que lhe prescreve o artigo anterior, compete: (...) Parágrafo único. Os órgãos
componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência fornecerão à ABIN, nos termos e condições a serem aprovados mediante ato
presidencial, para fins de integração, dados e conhecimentos específicos relacionados com a defesa das instituições e dos interesses
nacionais.”
(2) Lei 9.883/1999: “Art. 2º Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal que, direta ou indiretamente, possam
produzir conhecimentos de interesse das atividades de inteligência, em especial aqueles responsáveis pela defesa externa, segurança
interna e relações exteriores, constituirão o Sistema Brasileiro de Inteligência, na forma de ato do Presidente da República. § 1º O
Sistema Brasileiro de Inteligência é responsável pelo processo de obtenção, análise e disseminação da informação necessária ao
processo decisório do Poder Executivo, bem como pela salvaguarda da informação contra o acesso de pessoas ou órgãos não
autorizados. (...) Art. 9º A – Quaisquer informações ou documentos sobre as atividades e assuntos de inteligência produzidos, em
curso ou sob a custódia da ABIN somente poderão ser fornecidos, às autoridades que tenham competência legal para solicitá-los,
pelo Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, observado o respectivo grau de sigilo conferido
com base na legislação em vigor, excluídos aqueles cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.”
(3) Decreto 10.445/2020: “Anexo I (...) Art. 1º A Agência Brasileira de Inteligência – Abin, órgão integrante do Gabinete
de Segurança Institucional da Presidência da República, criada pela Lei 9.883, de 7 de dezembro de 1999, é órgão central do
Sistema Brasileiro de Inteligência e tem por competência planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de
inteligência do País, obedecidas a política e as diretrizes estabelecidas em legislação específica. (...) § 3º Os órgãos componentes do
Sistema Brasileiro de Inteligência fornecerão à Abin, sempre que solicitados, nos termos do disposto no Decreto 4.376, de 13 de
setembro de 2002, e na legislação correlata, para fins de integração, dados e conhecimentos específicos relacionados à defesa das
instituições e dos interesses nacionais.”
(4) Lei 9.784/1999: “Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos
jurídicos, quando: (...)”

ADI 6529 MC/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 13.8.2020. (INF 986)

Afastamento de norma e contrariedade à cláusula de reserva de plenário - RE 635088 AgR-


segundo/DF

O afastamento de norma legal por órgão fracionário, de modo a revelar o esvaziamento da eficácia
do preceito, implica contrariedade à cláusula de reserva de plenário e ao Enunciado 10 da Súmula
Vinculante (1).
Com esse entendimento, a Primeira Turma negou provimento a agravo regimental interposto de
decisão monocrática que, ao prover recurso extraordinário, anulou o acórdão recorrido e determinou o
retorno dos autos ao tribunal de origem, a fim de que examine a apelação como entender de direito,
observado o art. 97 da Constituição Federal (CF) (2).
Na espécie, sem obedecer à cláusula de reserva de plenário, órgão fracionário de tribunal afastou a
incidência do artigo 272 do Decreto 2.637/1998, desobrigando a ora agravante de observar o quantitativo
de cigarros por embalagem definido pelo referido decreto, tendo-o como contrário ao princípio da livre
concorrência, versado no art. 170, IV, da CF (3).
O colegiado assinalou que a pretexto de interpretar, o órgão fracionário afastou a aplicação da
norma expressa, em desrespeito ao mencionado verbete.

(1) Enunciado 10 da Súmula Vinculante: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão
fracionário de Tribunal que embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público,
afasta sua incidência, no todo ou em parte.”
(2) CF: “Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial
poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”
(3) CF: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) IV – livre
concorrência;”

RE 635088 AgR-segundo/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 4.2.2020. (INF 965)

Competência privativa da União e suspensão de obrigação financeira por lei estadual - ADI
6495/RJ

Resumo:

É inconstitucional norma estadual que autoriza a suspensão, pelo prazo de 120 dias, do
cumprimento de obrigações financeiras referentes a empréstimos realizados e empréstimos
consignados.
Isso porque a lei estadual, ao interferir em relações obrigacionais estabelecidas entre instituições
de crédito e tomadores de empréstimos, adentrou a competência privativa da União, prevista no art. 22, I,
da Constituição Federal (CF), para legislar sobre Direito Civil, além de ofender a competência privativa
da União, prevista no art. 22, VII, da CF, para legislar sobre política de crédito.
No sistema federativo equilibrado, não podem coexistir, em princípio, normas editadas em
distintos níveis político-administrativos, que disciplinem matérias semelhantes, sob pena de gerar
assimetria e desequilíbrio.
Aplicáveis, ao caso, os mesmos fundamentos adotados nos julgamentos das ADIs 6.475 MC-
Ref/MA (1) e 6.484/RN (2), de maneira a assentar que o estado do Rio de Janeiro não poderia substituir-
se à União para determinar a suspensão do cumprimento de obrigações financeiras, ainda que mediante
lei estadual e em período tão gravoso, como o do atual surto do novo coronavírus, que atinge a todos
indiscriminadamente.
Com base nesse entendimento, o Plenário julgou procedente a ação direta para declarar a
inconstitucionalidade da Lei 8.842/2020 e, por arrastamento, do Decreto 47.173/2020, ambos do estado
do Rio de Janeiro.

(1) ADI 6475 MC-Ref/MA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 9/11/2020.
(2) ADI 6484/RN, rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 19/10/2020.

ADI 6495/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento virtual finalizado em 20.11.2020 (INF
1000)

Composição de órgão da Administração Pública estadual e participação de representante de


seccional da OAB - ADI 4579/RJ

O Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta, para
declarar a inconstitucionalidade do trecho “e 1 (um) representante da Ordem dos Advogados do Brasil —
Seção RJ” (OAB/RJ) constante do art. 110 da Lei Complementar (LC) 69/1990, com a redação dada pelo
art. 4º da LC 135/2009, ambas do Estado do Rio de Janeiro (1).
O Tribunal depreendeu da leitura do preceito haver caráter impositivo na participação de
representante da OAB/RJ na composição da Corregedoria Tributária do Controle Externo, órgão
colegiado composto por três membros, a serem escolhidos pelo governador.
Aduziu ser possível que chefe do Poder Executivo estadual convide, em consenso com a OAB,
representante desta para integrar órgão da Administração. Entretanto, embora a norma questionada atenda
a pleito da OAB/RJ, lei estadual não pode impor a presença de representante de autarquia federal em
órgão da Administração Pública local.
Vencidos os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski, que julgaram
a pretensão improcedente. Consideraram inexistir obrigatoriedade, e sim possibilidade de composição
híbrida do órgão por representante da OAB/RJ, por ela própria indicado. O ministro Alexandre de Moraes
reiterou, por fim, tratar-se de seccional, que faz parte da OAB, mas dentro dos limites do Estado-membro.

(1) LC fluminense 69/1990: “Art. 110. Integra a Corregedoria Tributária de Controle Externo num Colegiado composto por
3 (três) membros, sendo 1 (um) escolhido entre Fiscais de Rendas, ativos ou aposentados, 1 (um) entre Procuradores do Estado,
ativos ou aposentados e 1 (um) representante da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção RJ, a serem escolhidos pelo Governador
do Estado, o qual nomeará o Corregedor-Chefe da Corregedoria Tributária de Controle Externo entre aqueles, sendo que as decisões
da Corregedoria sobre sindicância e processo administrativo disciplinar serão tomadas por maioria de votos dos membros presentes
do Colegiado.”

ADI 4579/RJ, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 13.2.2020. (INF 966)

Covid-19: requisições administrativas de bens e serviços e federalismo cooperativo


No mérito, o Plenário julgou improcedente o pedido formulado na ação direta de
inconstitucionalidade contra o art. 3º, caput, VII, e § 7º, III, da Lei 13.979/2020 (1), que dispõe sobre as
medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do
coronavírus responsável pelo surto de 2019 (Covid-19).
A Confederação requerente pleiteava que fosse conferida interpretação conforme à CF aos
dispositivos impugnados. Pretendia, em síntese, que o Ministério da Saúde coordenasse as medidas de
requisições administrativas, que não poderiam ser levadas a efeito pelos entes subnacionais antes de
estudos e do consentimento do órgão federal. Requeria a consignação pelo STF de que, para ter-se a
constitucionalidade do preceito, seria preciso a prévia audiência do atingido pela requisição, sempre
acompanhada de motivação, tendo em conta o princípio da proporcionalidade e a inexistência de outra
alternativa menos gravosa.
A Corte registrou que o federalismo fortalece a democracia, pois promove a desconcentração do
poder e facilita a aproximação do povo com os governantes. Ele gravita em torno do princípio da
autonomia e da participação política. É natural que os municípios e os estados-membros sejam os
primeiros a serem instados a reagir numa emergência de saúde, sobretudo quando se trata de pandemia.
Ademais, frisou que o Estado federal repousa sobre dois valores importantes. O primeiro refere-se
à inexistência de hierarquia entre os seus integrantes, de modo a não permitir que se cogite da prevalência
da União sobre os estados-membros ou, destes, sobre os municípios, consideradas as competências que
lhe são próprias. Já o segundo, consubstanciado no princípio da subsidiariedade, significa, em palavras
simples, o seguinte: tudo aquilo que o ente menor puder fazer de forma mais célere, econômica e eficaz
não deve ser empreendido pelo ente maior.
Dentro dos quadros do “federalismo cooperativo” ou “federalismo de integração”, compete
concorrentemente à União, aos estados-membros e ao Distrito Federal legislar sobre a “proteção e defesa
da saúde” [CF, art. 24, XII, § 1º (2)]. Constitui competência comum a todos eles, inclusive aos
municípios, “cuidar da saúde e assistência pública” [CF, art. 23, II (3)].
Vale lembrar que a Constituição prevê, ao lado do direito subjetivo público à saúde, o dever estatal
de dar-lhe efetiva concreção, mediante “políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção,
proteção e recuperação” [art. 196 (4)]. Trata-se da dimensão objetiva ou institucional do direito
fundamental à saúde.
O colegiado assinalou, portanto, que a defesa da saúde compete a qualquer das unidades federadas,
sem que dependam da autorização de outros níveis governamentais para levá-las a efeito, cumprindo-lhes,
apenas, consultar o interesse público que têm o dever de preservar. A competência comum de cuidar da
saúde compreende a adoção de quaisquer medidas que se mostrem necessárias para salvar vidas e
restabelecer a saúde das pessoas acometidas pelo novo coronavírus, incluindo-se nelas o manejo da
requisição administrativa.
Recordou que, ao analisar a ADI 6.341 MC-Ref, ficou assentado que os entes federados possuem
competência concorrente para adotar as providências normativas e administrativas necessárias ao combate
da pandemia em curso, dentre as quais se inclui a requisição administrativa de bens e serviços constante
do art. 3º, VII, da Lei 13.979/2020. Ficou registrado que o pior erro na formulação das políticas públicas é
a omissão, sobretudo para as ações essenciais exigidas pelo art. 23 da CF. Igualmente, externou que a
diretriz constitucional da hierarquização, constante do caput do art. 198 (5), não significou
hierarquização entre os entes federados, mas comando único, dentro de cada um deles. Ademais, o
exercício da competência específica da União para legislar sobre vigilância epidemiológica, que ensejou a
elaboração da Lei 13.979/2020, não restringiu a competência própria dos demais entes da Federação para
a implementação de ações no campo da saúde. O Plenário observou que o citado diploma normativo
incluiu, expressamente, aquelas unidades federativas. Na hipótese de qualquer uma delas lançar mão da
referida requisição, será garantido o pagamento posterior de indenização justa.
Salientou que o ordenamento jurídico brasileiro já era pródigo em prever a possibilidade de
acionamento da requisição administrativa antes mesmo do advento da legislação contestada. O instituto
possui fundamento nos arts. 5º, XXIII e XXV, e 170, III, da CF (6). Mais especificamente, “no caso de
iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao
proprietário indenização ulterior, se houver dano” (art. 5°, XXV). Com base no art. 23, II, da CF, a
medida pode ser desencadeada por qualquer dos entes.
Isso significa que a requisição, embora constitua ato discricionário, é também, de certa maneira,
vinculada, pois o administrador não pode dela lançar mão se ausente o pressuposto do perigo público
iminente. Ela foi concebida para arrostar situações urgentes e inadiáveis. Distingue-se claramente da
desapropriação, em que a indenização, como regra, é prévia. Dessa forma, a própria indenização, acaso
devida, será sempre posterior. Conforme atesta a doutrina, a medida também abrange bens e serviços
médico-hospitalares.
Por isso, o ato de requisição não dispensa sua apropriada motivação. A comprovação do
atendimento do interesse coletivo, consubstanciado na necessidade inadiável do uso do bem ou do serviço
do particular em decorrência de perigo público iminente, será contemporânea à execução do ato,
possibilitando, assim, o seu posterior questionamento na justiça, se for o caso.
Quanto ao papel da União no combate à pandemia, o art. 21, XVIII, da CF defere-lhe a atribuição
de “planejar e promover a defesa contra as calamidades públicas, especialmente as secas e inundações”.
Lido em conjunto com o art. 198 da CF — o qual dispõe que o Sistema Único de Saúde (SUS) é
organizado de maneira hierarquizada —, percebe-se que a ela compete assumir coordenação das
atividades desse setor.
Consideradas as consequências práticas da aplicação literal da Lei Orgânica da Saúde (Lei
8.080/1990), não há evidências de que o Ministério da Saúde, embora competente para coordenar, em
âmbito nacional, as ações de vigilância epidemiológica e sanitária, tenha a capacidade de analisar e
solucionar tempestivamente as multifacetadas situações emergenciais que eclodem em cada uma das
regiões ou localidades do País [Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), art. 20 (7)].
Avalizar todas as requisições administrativas de bens e serviços de saúde privados, levadas a efeito por
gestores estaduais e municipais, retiraria dos governos locais o poder de gestão autônoma que lhes é
inerente e acarretaria a absoluta ineficiência das medidas emergenciais previstas pela Lei 13.979/2020,
indispensáveis ao pronto atendimento da sociedade. A atuação da União é na linha de prover, amparar e
auxiliar os demais entes sem substituí-los em suas competências derivadas da CF.
Nessa esteira, as requisições levadas a efeito pelos entes subnacionais não podem ser limitadas ou
frustradas pela falta de consentimento do Ministério da Saúde, sob pena de indevida invasão de
competências que são comuns à União e aos entes federados, bem como diante do risco de se revelarem
ineficazes ou extemporâneas.
Dado esse contexto, o Tribunal reputou ser incabível a exigência de autorização do Ministério da
Saúde no concernente às requisições administrativas decretadas pelos estados-membros, Distrito Federal
e municípios no exercício das respectivas competências constitucionais. Nesse sentido, a deliberação da
Corte na ADI 6.343 MC-Ref.
O colegiado registrou que a exigência de fundamentação adequada se encontra prevista no art. 3°,
§ 1°, da Lei 13.979/2020 (8), cuja apreciação é atribuição exclusiva de cada uma das autoridades públicas
integrantes dos três níveis político-administrativos da Federação brasileira. Isso, tendo em conta as
situações concretas com as quais são defrontadas, sempre com a observância dos princípios da
razoabilidade e proporcionalidade. Ademais, como todas as ações estatais, além de serem balizadas pelos
critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, as requisições somente podem ser levadas a cabo após a
constatação de que inexistem outras alternativas menos gravosas.
Consoante informações recebidas do Senado Federal, a Corte ressaltou que o Ministério da Saúde,
autor da legislação, intencionalmente preferiu não condicionar as requisições a seu crivo prévio, tendo em
vista a autonomia administrativa dos entes da Federação para promover requisições e a dinâmica de cada
um deles, em função da realidade e de suas particularidades. Essa escolha que foi referendada pela
Presidência da República, ao enviar o projeto de lei para debate, e pelo Congresso Nacional, ao aprová-lo.
Dito isso, a Corte compreendeu que vulneraria frontalmente o princípio da separação dos Poderes a
incursão do Judiciário em seara de atuação privativa do Legislativo e do Executivo, substituindo-os na
tomada de decisões de cunho eminentemente normativo e político-administrativo. Portanto, não cabe ao
STF suprir ou complementar a vontade conjugada dos demais Poderes, que deu origem aos dispositivos
legais contestados — claramente unívocos, porquanto despidos de qualquer ambiguidade —, de maneira a
criar, por meio da técnica de interpretação conforme à Constituição, obrigação não cogitada por seus
legítimos criadores.
Após mencionar projetos de lei que estão em trâmite no Congresso Nacional, o Tribunal sublinhou
que a pretensão da requerente está sendo debatida na seara adequada para contemplar aquilo que ela
pretende nesta ação. Por mais esse motivo, cumpre ao STF aguardar a solução da questão pelos
representantes da soberania popular e exercer a autocontenção que lhe convém nessas situações.
De resto, considerou que, agasalhar o pleito da requerente, tornaria “inexequível a estratégia de
combate ao vírus, inviabilizando qualquer solução de logística adotada pelas autoridades de saúde em
qualquer âmbito de atuação”. Logo, a criação de novos requisitos para a implementação do instituto, por
meio da técnica de interpretação conforme, não se coaduna com sua natureza expedita, para cujo
acionamento o texto constitucional exige apenas a configuração de iminente perigo público.
Em reforço, o Plenário salientou que a CF, ao tratar da Ordem Econômica, albergou o postulado da
função social da propriedade, significando que esta, por vezes, pode revelar um interesse não coincidente
com o do próprio titular do direito, ensejando o seu uso pela coletividade, independentemente da vontade
deste.
Ante o quadro da reconhecida pandemia, entendeu demonstrado que, no conflito entre os
princípios da proporcionalidade, do livre exercício de atividade privada e da transparência com o direito
universal à saúde, este deve prevalecer na medida exata para evitar mortes.
Por fim, assinalou que, em matéria de cunho semelhante, foi sufragada, por unanimidade,
conclusão idêntica a aqui revelada (ADPF 671 AgR). Improcedente a pretensão, mostra-se inexequível o
pedido de suspensão imediata de todas as requisições administrativas realizadas.
O ministro Roberto Barroso adotou, como fundamento, que as requisições administrativas
realizadas por estados, municípios e Distrito Federal, no contexto da pandemia causada pelo Covid-19,
independem da oitiva do atingido ou de prévia autorização do Ministério da Saúde, mas pressupõem, nos
termos da lei, evidências científicas e motivação, observado o princípio da proporcionalidade.
Por sua vez, o ministro Gilmar Mendes declarou que seu voto, além de estar fundamentado no
princípio da proporcionalidade, observa a inexistência da primazia ou hierarquia de poder de requisição
entre os entes federativos. Enfatizou que parte dos problemas detectados têm a ver com a conduta de
desvio na execução do modelo SUS como preconiza o texto constitucional.

(1) Lei 13.979/2020: “Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente
do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: (...) VII –
requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização
justa; e (...) § 7º As medidas previstas neste artigo poderão ser adotadas: (...) III – pelos gestores locais de saúde, nas hipóteses dos
incisos III, IV e VII do caput deste artigo.”
(2) CF: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) XII –
previdência social, proteção e defesa da saúde; (...) § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a
estabelecer normas gerais.”
(3) CF: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II – cuidar da
saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”
(4) CF: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.”
(5) CF: “Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um
sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:”
(6) CF: “Art. 5º (...) XXIII – a propriedade atenderá a sua função social; (...) XXV – no caso de iminente perigo público, a
autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano; (...)
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) III – função social da propriedade;”
(7) LINDB: “Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos
abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a
necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive
em face das possíveis alternativas.”
(8) Lei 13.979/2020: “Art. 3º (...) § 1º As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base em
evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao
mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.”

ADI 6362/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 2.9.2020. (INF 989)

Covid-19: saúde pública e competência concorrente - ADI 6341 MC-Ref/DF

O Plenário, por maioria, referendou medida cautelar em ação direta, deferida pelo ministro Marco
Aurélio (Relator), acrescida de interpretação conforme à Constituição ao § 9º do art. 3º da Lei
13.979/2020, a fim de explicitar que, preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do
inciso I do art. 198 da Constituição Federal (CF) (1), o Presidente da República poderá dispor, mediante
decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais.
A ação foi ajuizada em face da Medida Provisória 926/2020, que alterou o art. 3º, caput, incisos I,
II e VI, e parágrafos 8º, 9º, 10 e 11, da Lei federal 13.979/2020 (2).
O relator deferiu, em parte, a medida acauteladora, para tornar explícita, no campo pedagógico, a
competência concorrente.
Afirmou que o caput do art. 3º sinaliza a quadra vivenciada, ao referir-se ao enfrentamento da
emergência de saúde pública, de importância internacional, decorrente do coronavírus. Mais do que isso,
revela o endosso a atos de autoridades, no âmbito das respectivas competências, visando o isolamento, a
quarentena, a restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por rodovias, portos ou aeroportos de entrada e saída
do País, bem como locomoção interestadual e intermunicipal.
Sobre os dispositivos impugnados, frisou que o § 8º versa a preservação do exercício e
funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais; o § 9º atribui ao Presidente da República,
mediante decreto, a definição dos serviços e atividades enquadráveis, o § 10 prevê que somente poderão
ser adotadas as medidas em ato específico, em articulação prévia com o órgão regulador ou o poder
concedente ou autorizador; e, por último, o § 11 veda restrição à circulação de trabalhadores que possa
afetar o funcionamento de serviços púbicos e atividades essenciais.
Assinalou que, ante o quadro revelador de urgência e necessidade de disciplina, foi editada medida
provisória com a finalidade de mitigar-se a crise internacional que chegou ao Brasil. O art. 3º, caput,
remete às atribuições, das autoridades, quanto às medidas a serem implementadas.
Não vislumbrou transgressão a preceito da Constituição. Ressaltou que as providências não
afastam atos a serem praticados por estados, o Distrito Federal e municípios considerada a competência
concorrente na forma do art. 23, inciso II, da CF (3). E, por fim, rejeitou a alegação de necessidade de
reserva de lei complementar.
O Tribunal conferiu interpretação conforme à Constituição ao § 9º do art. 3º da Lei 13.979/2020,
vencidos, quanto ao ponto, o ministro relator e o ministro Dias Toffoli.
A Corte enfatizou que a emergência internacional, reconhecida pela Organização Mundial da
Saúde (OMS), não implica, nem menos autoriza, a outorga de discricionariedade sem controle ou sem
contrapesos típicos do estado de direito democrático. As regras constitucionais não servem apenas para
proteger a liberdade individual e, sim, também, para o exercício da racionalidade coletiva, isto é, da
capacidade de coordenar as ações de forma eficiente.
O estado de direito democrático garante também o direito de examinar as razões governamentais e
o direito da cidadania de criticá-las. Os agentes públicos agem melhor, mesmo durante as emergências,
quando são obrigados a justificar suas ações.
O exercício da competência constitucional para as ações na área da saúde deve seguir parâmetros
materiais a serem observados pelas autoridades políticas. Esses agentes públicos devem sempre justificar
as suas ações, e é à luz dessas ações que o controle dessas próprias ações pode ser exercido pelos demais
Poderes e, evidentemente, por toda sociedade.
Sublinhou que o pior erro na formulação das políticas públicas é a omissão, sobretudo a omissão
em relação às ações essenciais exigidas pelo art. 23 da CF.
É grave do ponto de vista constitucional, quer sob o manto de competência exclusiva ou privativa,
que sejam premiadas as inações do Governo Federal, impedindo que estados e municípios, no âmbito de
suas respectivas competências, implementem as políticas públicas essenciais. O Estado garantidor dos
direitos fundamentais não é apenas a União, mas também os estados-membros e os municípios.
Asseverou que o Congresso Nacional pode regular, de forma harmonizada e nacional, determinado
tema ou política pública. No entanto, no seu silêncio, na ausência de manifestação legislativa, quer por
iniciativa do Congresso Nacional, quer da chefia do Poder Executivo federal, não se pode tolher o
exercício da competência dos demais entes federativos na promoção dos direitos fundamentais.
Assentou que o caminho mais seguro para identificação do fundamento constitucional, no
exercício da competência dos entes federados, é o que se depreende da própria legislação. A Lei
8.080/1990, a chamada Lei do SUS - Sistema Único de Saúde, dispõe sobre as condições para a
promoção, proteção e recuperação da saúde e assegura esse direito por meio da municipalização dos
serviços. A diretriz constitucional da hierarquização, que está no caput do art. 198 da CF, não significou
e nem significa hierarquia entre os entes federados, mas comando único dentro de cada uma dessas
esferas respectivas de governo.
Entendeu ser necessário ler as normas da Lei 13.979/2020 como decorrendo da competência
própria da União para legislar sobre vigilância epidemiológica. Nos termos da Lei do SUS, o exercício
dessa competência da União não diminui a competência própria dos demais entes da Federação na
realização dos serviços de saúde; afinal de contas a diretriz constitucional é a municipalização desse
serviço.
O colegiado rejeitou a atribuição de interpretação conforme à Constituição ao art. 3º, VI, "b", da
Lei 13.979/2020, vencidos, no ponto, os ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux. Para eles, desde que
a restrição excepcional e temporária de rodovia intermunicipal seja de interesse nacional, a competência é
da autoridade federal. Porém, isso não impede, eventualmente, que o governo estadual possa determinar
restrição excepcional entre rodovias estaduais e intermunicipais quando não afetar o interesse nacional,
mas sim o interesse local.

(1) CF: “Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um
sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de
governo;”
(2) Lei 13.979/2020: “Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente
do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: I – isolamento;
II – quarentena (...) VI - restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de: a) entrada e saída do País; b) locomoção interestadual e
intermunicipal; (…) § 8º As medidas previstas neste artigo, quando adotadas, deverão resguardar o exercício e o funcionamento de
serviços públicos e atividades essenciais. 9º O Presidente da República disporá, mediante decreto, sobre os serviços públicos e
atividades essenciais a que se referem o § 8º. § 10. As medidas a que se referem os incisos I, II e VI do caput, quando afetarem a
execução de serviços públicos e atividades essenciais, inclusive as reguladas, concedidas ou autorizadas, somente poderão ser
adotadas em ato específico e desde que em articulação prévia com o órgão regulador ou o Poder concedente ou autorizador. § 11. É
vedada a restrição à circulação de trabalhadores que possa afetar o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais,
definidas nos termos do disposto no § 9º, e cargas de qualquer espécie que possam acarretar desabastecimento de gêneros
necessários à população.”
(3) CF: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da
saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”

ADI 6341 MC-Ref/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgamento em
15.4.2020. (INF 973)

Covid-19: transporte intermunicipal e interestadual e competência - 2 - ADI 6343


MC-Ref/DF

O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, concedeu parcialmente medida cautelar em


ação direta de inconstitucionalidade para: i) suspender parcialmente, sem redução de texto, o disposto no
art. 3º, VI, b, e §§ 6º e 7º, II, da Lei 13.979/2020 (1), a fim de excluir estados e municípios da necessidade
de autorização ou de observância ao ente federal; e ii) conferir interpretação conforme aos referidos
dispositivos no sentido de que as medidas neles previstas devem ser precedidas de recomendação técnica
e fundamentada, devendo ainda ser resguardada a locomoção dos produtos e serviços essenciais definidos
por decreto da respectiva autoridade federativa, sempre respeitadas as definições no âmbito da
competência constitucional de cada ente federativo.
A ação direta de inconstitucionalidade foi ajuizada contra dispositivos da Lei 13.979/2020, que
dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional
decorrente do novo coronavírus (Covid-19) (Informativo 975).
O colegiado entendeu que a União não deve ter o monopólio de regulamentar todas as medidas
que devem ser tomadas para o combate à pandemia. Ela tem o papel primordial de coordenação entre os
entes federados, mas a autonomia deles deve ser respeitada. É impossível que o poder central conheça
todas as particularidades regionais. Assim, a exclusividade da União quanto às regras de transporte
intermunicipal durante a pandemia é danosa.
Não se excluiu a possibilidade de a União atuar na questão do transporte e das rodovias
intermunicipais, desde que haja interesse geral. Por exemplo, determinar a eventual interdição de rodovias
para garantir o abastecimento mais rápido de medicamentos, sob a perspectiva de um interesse nacional.
Todavia, os estados também devem ter o poder de regulamentar o transporte intermunicipal para realizar
barreiras sanitárias nas rodovias, por exemplo, se o interesse for regional. De igual modo, o município
precisa ter sua autonomia respeitada. Cada unidade a atuar no âmbito de sua competência.
O Tribunal alertou que municípios e estados não podem fechar fronteiras, pois sairiam de suas
competências constitucionais.
Além disso, firmou que os Poderes, nos três níveis da Federação, devem se unir e se coordenar
para tentar diminuir os efeitos nefastos da pandemia.
Em seguida, salientou não ser possível exigir que estados-membros e municípios se vinculem a
autorizações e decisões de órgãos federais para tomar atitudes de combate à pandemia.
Contudo, no enfrentamento da emergência de saúde, há critérios mínimos baseados em evidências
científicas para serem impostas medidas restritivas, especialmente as mais graves, como a restrição de
locomoção.
A competência dos estados e municípios, assim como a da União, não lhes confere carta branca
para limitar a circulação de pessoas e mercadorias com base unicamente na conveniência e na
oportunidade do ato. A emergência internacional não implica nem muito menos autoriza a outorga de
discricionariedade sem controle ou sem contrapesos típicos do Estado Democrático de Direito.
O colegiado compreendeu que o inciso VI do art. 3º da mencionada lei precisa ser lido em
conjunto com o Decreto 10.282/2020. Assim, as medidas de restrição devem ser precedidas de
recomendação técnica e fundamentada do respectivo órgão de vigilância sanitária ou equivalente.
Ao final, consignou que se impende resguardar a locomoção dos produtos e serviços essenciais
definidos pelos entes federados no âmbito do exercício das correspondentes competências constitucionais.
Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que referendou o indeferimento da medida liminar.
Para o relator, as alterações adversadas promovidas pelas Medidas Provisórias 926/2020 e 927/2020
devem ser mantidas até o crivo do Congresso Nacional. Salientou que o tratamento da locomoção de
pessoas tinha de se dar de forma linear. Quanto ao § 1º do art. 3º da referida lei (2), entendeu que tudo
recomenda a tomada de providências a partir de dados científicos, e não conforme critério que se eleja
para a situação. Sobre o art. 3º, § 7º, II, o ministro Marco Aurélio avaliou inexistir situação suficiente à
glosa precária e efêmera, no que esta poderia provocar consequências danosas, nefastas em relação ao
interesse coletivo.
Vencidos, em parte, os ministros Edson Fachin e Rosa Weber, que deferiram parcialmente a
medida cautelar, para conferir interpretação conforme ao inciso II do § 7º do art. 3º da Lei 13.979/2020,
que condiciona a atuação dos gestores locais à autorização do Ministério da Saúde, a fim de explicitar
que, nos termos da regra constitucional que preconiza a descentralização do Sistema Único de Saúde, e
desde que amparados em evidências científicas e nas recomendações da Organização Mundial da Saúde,
estados, municípios e DF podem determinar as medidas sanitárias de isolamento, quarentena, exumação,
necropsia, cremação e manejo de cadáveres.

(1) Lei 13.979/2020: “Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente
do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: (...) VI –
restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária,
por rodovias, portos ou aeroportos de: (...) b) locomoção interestadual e intermunicipal; (...) § 6º Ato conjunto dos Ministros de
Estado da Saúde, da Justiça e Segurança Pública e da Infraestrutura disporá sobre a medida prevista no inciso VI do caput. (...) § 7º
As medidas previstas neste artigo poderão ser adotadas: (...) II – pelos gestores locais de saúde, desde que autorizados pelo
Ministério da Saúde, nas hipóteses dos incisos I, II, V, VI e VIII do caput deste artigo; ou (...)”
(2) Lei 13.979/2020: “Art. 3º (...) § 1º As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base em
evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao
mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.”

ADI 6343 MC-Ref/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 6.5.2020. (INF 976)

Direito do Consumidor e normas sobre a exposição de produtos orgânicos - ADI 5166/SP

É constitucional norma estadual que disponha sobre a exposição de produtos orgânicos em


estabelecimentos comerciais.
A regulamentação da matéria está relacionada ao Direito do Consumidor, o que atrai a
competência concorrente da União, dos estados e do Distrito Federal [Constituição Federal (CF), art. 24,
V (1)].
Além disso, não caracterizada, na espécie, violação à livre iniciativa. Verifica-se, ao contrário, o
efetivo cumprimento do dever de informar o consumidor, princípio igualmente essencial para garantia da
ordem econômica.
À vista disso, o Plenário julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade.

(1) CF: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) V – produção e
consumo;”

ADI 5166/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 3.11.2020 (INF 997)

Distribuição de competência legislativa: serviço de telefonia e extrato detalhado de planos


pré-pagos - ADI 5724/PI

Resumo:

É constitucional norma estadual que disponha sobre a obrigação de as operadoras de


telefonia móvel e fixa disponibilizarem, em portal da “internet”, extrato detalhado das chamadas
telefônicas e serviços utilizados na modalidade de planos “pré-pagos”.
A lei estadual não adentrou a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicação.
Ao obrigar que fornecedores de serviço de telefonia fixa e móvel demonstrem para os consumidores a
verdadeira correspondência entre os serviços utilizados e os respectivos valores cobrados, a norma não
tratou diretamente de legislar sobre telecomunicações. Isso porque o fato de disponibilizar o extrato da
conta de plano “pré-pago” detalhado na “internet” não diz respeito à matéria específica de contratos de
telecomunicações, tendo em vista que tal serviço não se enquadra em nenhuma atividade de
telecomunicações definida pelo art. 4º da Lei 4.117/1962 (1) e nem pelo art. 60 da Lei 9.472/1997 (2).
A matéria tratada na lei é de direito consumerista, pois buscou dar uma maior proteção ao direito à
informação do consumidor e torná-lo mais efetivo, permitindo um maior controle dos serviços
contratados.
Assim, diante da caracterização de hipótese de competência legislativa concorrente, deve o
intérprete priorizar o fortalecimento das autonomias locais e o respeito às diversidades, consagrando o
imprescindível equilíbrio federativo.
Aplicáveis, ao caso, os mesmos fundamentos adotados nos julgamentos das ADI 1.980/DF (3) e
ADI 2.832/PR (4) de maneira a reconhecer a competência dos estados-membros para dispor sobre o
direito de informação dos consumidores, no exercício de sua competência concorrente.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado
na ação direta ajuizada em face da Lei 6.886/2016 do estado do Piauí.

(1) Lei 4.117/1962: “Art. 4º Para os efeitos desta lei, constituem serviços de telecomunicações a transmissão, emissão ou
recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por fio, rádio, eletricidade,
meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético. Telegrafia é o processo de telecomunicação destinado à transmissão de
escritos, pelo uso de um código de sinais. Telefonia é o processo de telecomunicação destinado à transmissão da palavra falada ou
de sons”.
(2) Lei 9.472/1997: “Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de
telecomunicação. § 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer
outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza”.
(3) ADI 1.980/DF, rel. Min. Cezar Peluso, DJe de 7.8.2009.
(4) ADI 2.832/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 20.6.2008.

ADI 5724/PI, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento
virtual finalizado em 27.11.2020 (INF 1000)

Energia nuclear e competência legislativa dos entes federados - ADI 330/RS


É inconstitucional norma estadual que dispõe sobre a implantação de instalações industriais
destinadas à produção de energia nuclear no âmbito espacial do território estadual.

Ao dispor sobre a partilha de competências estatais, a Constituição Federal (CF) outorgou à União,
em caráter privativo, a prerrogativa de legislar sobre “atividades nucleares de qualquer natureza” (CF, art.
22, XXVI) (1).
Não obstante a indiscutível repercussão ambiental da utilização da energia nuclear, a própria CF
excepcionou — dentre os diversos aspectos relacionados à competência comum partilhada entre ela e os
Estados-membros e o Distrito Federal referentes à proteção ao meio ambiente e ao combate à poluição —
a disciplina normativa pertinente às atividades e instalações nucleares, cuja regulamentação está inserida
no domínio legislativo privativo da União.
Com esse entendimento, o Plenário, por maioria, declarou a inconstitucionalidade dos arts. 256 e
257 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul (2).

(1) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza;”
(2) Constituição do Estado do Rio Grande do Sul: “Art. 256. A implantação, no Estado, de instalações industriais para a
produção de energia nuclear dependerá de consulta plebiscitária, bem como do atendimento às condições ambientais e urbanísticas
exigidas em lei estadual. Art. 257. É vedado, em todo o território estadual, o transporte e o depósito ou qualquer outra forma de
disposição de resíduos que tenham sua origem na utilização de energia nuclear e de resíduos tóxicos ou radioativos, quando
provenientes de outros Estados ou Países.”

ADI 330/RS, rel. Min. Celso de Mello, julgamento virtual em 9.10.2020. (INF 994)

Loterias e competência administrativa dos estados-membros - ADPF 492/RJ; ADPF 493/DF


e ADI 4986/MT

Os estados-membros detêm competência administrativa para explorar loterias. A


competência da União para legislar exclusivamente sobre sistemas de consórcios e sorteios,
inclusive loterias, não obsta a competência material para a exploração dessas atividades pelos entes
estaduais ou municipais.
Nesses termos, os arts. 1º e 32, caput e § 1º, do Decreto-Lei (DL) 204/1967 (1), ao estabelecerem
a exclusividade da União sobre a prestação dos serviços de loteria, não foram recepcionados pela
Constituição Federal de 1988 (CF/1988). Além disso, os dispositivos colidem frontalmente com o art. 25,
§ 1º, da CF (2), ao esvaziarem a competência constitucional subsidiária dos estados-membros para a
prestação de serviços públicos não expressamente reservados pelo texto constitucional à exploração pela
União.
A exploração de loterias ostenta natureza jurídica de serviço público. Quando quis atribuir a
prestação de determinado serviço público com exclusividade à União, o constituinte o fez de forma
expressa. A CF não atribui à União a exclusividade sobre o serviço de loterias, tampouco proíbe expressa
ou implicitamente o funcionamento de loterias estaduais. Esse cenário atrai a competência residual dos
estados-membros, estabelecida em seu art. 25, § 1º, pedra de toque do constitucionalismo republicano
brasileiro.
A legislação federal não pode impor a qualquer ente federativo restrição à exploração de serviço
público para além daquelas previstas constitucionalmente. Não se pode inferir do texto constitucional a
possibilidade de a União, mediante legislação infraconstitucional, excluir outros entes federados da
exploração de atividade autorizada pela própria CF. Isso se dá porque tal realidade cria um desequilíbrio
em seu próprio benefício, não autorizado constitucionalmente [art. 19, III (3)], além de a CF não lhe ter
atribuído essa autoridade. Viola a autonomia dos estados-membros restringir a esfera de competência
material residual, sem amparo na Constituição.
Ademais, configura abuso da competência de legislar quando a União se vale do art. 22, XX, da
CF (4) para excluir todos os demais entes federados da arrecadação que deles provém, ou para restringi-la
de forma irrazoável e anti-isonômica. A situação anti-isonômica se torna ainda mais patente quando,
compulsado o DL 204/1967 que a sustenta, verifica-se a possibilidade de exploração dos serviços
lotéricos por alguns estados, ao passo que são de prestação proibida a outros. As distinções entre as
unidades da federação são toleradas desde que previstas no texto constitucional, mas nunca em norma
infraconstitucional.
A competência privativa da União para legislar exclusivamente sobre sistemas de consórcios e
sorteios (CF, art. 22, XX), inclusive loterias, não obsta a competência material, administrativa, para a
exploração dessas atividades pelos entes estaduais ou municipais, nem a competência regulamentar dessa
exploração. A competência legislativa acerca de determinado assunto não se confunde com a competência
material, executiva, de exploração de serviço a ele correlato. Não se pode conferir interpretação estendida
para também gerar competência material exclusiva da União, que não consta do rol taxativo previsto no
art. 21 da CF.
As legislações estaduais instituidoras de loterias, por meio de lei estadual ou decreto, em seus
territórios, devem simplesmente viabilizar o exercício de sua competência material de instituição do
serviço público. Somente a União pode definir modalidades de atividades lotéricas passíveis de
exploração. Tais normas ofenderiam a CF se instituíssem disciplina ou modalidade de loteria não prevista
pelo própria União para si mesma. Nesta hipótese, a legislação local afastar-se-ia de seu caráter
materializador do serviço público de que é titular e seria incompatível com o art. 22, XX, da CF/1988.
Consoante o Enunciado 2 da Súmula Vinculante (5) do Supremo Tribunal Federal (STF) e os
precedentes que a fundamentaram, a disposição legal ou normativa vedada aos estados-membros e ao
Distrito Federal é a que inova. O aludido verbete e o art. 22, XX, da CF não tratam da competência
material de instituir loterias dentro das balizas federais, ainda que a materialização tenha expressão
mediante decretos ou leis estaduais, distritais ou municipais.
Não se pode extrair da Lei de Contravenções Penais interpretação que torne toda e qualquer norma
sobre loterias uma legislação penal. Esse raciocínio equivaleria a interpretar de forma ampla a
competência privativa da União para legislar sobre Direito Penal porque a exploração de loteria foi
considerada contravenção. Estar-se-ia a interpretar a CF conforme a lei. Considerar o exercício de
atividade pública uma contravenção penal significaria dizer que um serviço público constitui crime.
Na espécie, trata-se de apreciação conjunta de Arguições de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPFs) e de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Em suma, os autores das ADPFs
sustentavam a não recepção de preceitos do mencionado decreto pela CF/1988. Na ADI, buscava-se
infirmar legislação do estado de Mato Grosso sobre a reativação dos serviços lotéricos em âmbito
estadual.
Em conclusão de julgamento, o Plenário reputou procedentes os pedidos formulados nas ADPFs
para declarar não recepcionados pela CF/1988 os arts. 1º e 32, caput e § 1º, do DL 204/1967. Além disso,
julgou improcedentes as pretensões deduzidas na ADI.

(1) DL 204/1967: “Art 1º A exploração de loteria, como derrogação excepcional das normas do Direito Penal, constitui
serviço público exclusivo da União não suscetível de concessão e só será permitida nos termos do presente Decreto-lei. (...) Art 32.
Mantida a situação atual, na forma do disposto no presente Decreto-lei, não mais será permitida a criação de loterias estaduais. § 1º
As loterias estaduais atualmente existentes não poderão aumentar as suas emissões ficando limitadas às quantidades de bilhetes e
séries em vigor na data da publicação dêste Decreto-lei.”
(2) CF: “Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios
desta Constituição. § 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.”
(3) CF: “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III – criar distinções entre
brasileiros ou preferências entre si.”
(4) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XX – sistemas de consórcios e sorteios;”
(5) Enunciado 2 da Súmula Vinculante/STF: “É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha
sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.”

ADPF 492/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 30.9.2020. (INF 993)
ADPF 493/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 30.9.2020. (INF 993)
ADI 4986/MT, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 30.9.2020. (INF 993)

Postagem de boleto de cobrança e competência legislativa concorrente - ARE 649379/RJ

Os estados-membros e o Distrito Federal têm competência legislativa para estabelecer regras


de postagem de boletos referentes a pagamento de serviços prestados por empresas públicas e
privadas.
Isso porque a prestação exclusiva de serviço postal pela União não engloba a distribuição de
boletos bancários, de contas telefônicas, de luz e água e de encomendas, pois a atividade desenvolvida
pelo ente central restringe-se ao conceito de carta, cartão-postal e correspondência agrupada (ADPF 46).
A competência privativa da União para legislar sobre serviço postal, estipulada no art. 22, V, da
Constituição (CF), circunscreve-se à regulação desse serviço prestado de modo exclusivo pela União (CF,
art. 21, X) que, por envolver a comunicação em todo o território nacional, serve aos interesses de toda a
comunidade como instrumento integração e coesão nacional.
Além das competências privativas, a Constituição brasileira adotou a competência concorrente não
cumulativa ou vertical, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas
gerais, devendo os estados e o Distrito Federal especificá-las, por meio de suas respectivas leis. É a
chamada competência suplementar dos estados-membros e do Distrito Federal (CF, art. 24, § 2º).
Ademais, o princípio da predominância do interesse norteia a repartição de competência entre os
entes componentes do Estado federal brasileiro. Isso se dá não apenas para as matérias cuja definição foi
preestabelecida pelo texto constitucional, mas também na hipótese de abranger a interpretação de diversas
matérias.
Assim, na dúvida sobre a distribuição de competências a envolver a definição do ente federativo
competente para legislar sobre determinado assunto específico, que engloba uma ou várias matérias com
previsão ou reflexos em diversos ramos do Direito, caberá ao intérprete priorizar o fortalecimento das
autonomias locais e o respeito às suas diversidades como pontos caracterizadores e asseguradores do
convívio no Estado federal, que garantam o imprescindível equilíbrio federativo.
Por fim, a determinação legal de aposição de datas de postagem e pagamento na parte externa do
documento remetido ao destinatário/consumidor não se mostra suficientemente arbitrária a direitos
fundamentais insculpidos na CF. Ao considerar a teleologia da norma, a exposição desses dados atende ao
princípio da razoabilidade, uma vez que observadas as necessárias proporcionalidade, justiça e adequação
entre a lei estadual e as normas constitucionais protetivas do direito do consumidor.
Com base nesse entendimento, ao apreciar o Tema 491 da repercussão geral, o Plenário, por
maioria, negou provimento ao recurso extraordinário e reconheceu a constitucionalidade da Lei estadual
5.190/2008 do estado do Rio de Janeiro, que obriga as empresas públicas e privadas prestadoras de
serviços no estado a efetuarem a postagem de suas cobranças no prazo mínimo de 10 dias antecedentes à
data de seu vencimento, e determina que as datas de vencimento e de postagem sejam impressas na parte
externa da correspondência de cobrança. Vencidos os ministros Gilmar Mendes (relator), Nunes Marques
e Dias Toffoli.

ARE 649379/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento
virtual finalizado em 13.11.2020. (INF 999)

Relatório de segurança e investigação sigilosa de servidores públicos - ADPF 722 MC/DF

O Plenário, por maioria, deferiu medida cautelar em arguição de descumprimento de preceito


fundamental (ADPF) para suspender todo e qualquer ato do Ministério da Justiça e Segurança Pública
(MJSP) de produção ou compartilhamento de informações sobre a vida pessoal, as escolhas pessoais e
políticas, as práticas cívicas de cidadãos, servidores públicos federais, estaduais e municipais
identificados como integrantes de movimento político antifascista, professores universitários e quaisquer
outros que, atuando nos limites da legalidade, exerçam seus direitos de livremente expressar-se, reunir-se
e associar-se.
No caso, a ADPF foi ajuizada contra ato do MJSP de promover investigação sigilosa sobre grupo
de 579 servidores federais e estaduais de segurança identificados como integrantes do “movimento
antifascismo” e professores universitários.
Segundo a inicial, a confecção de dossiê, que teria sido compartilhado com diversos órgãos, como
Polícia Rodoviária Federal, Casa Civil da Presidência da República, Agência Brasileira de Inteligência,
Força Nacional de Segurança e três centros de inteligência vinculados à Secretaria de Operações
Integradas (Seopi), nas regiões Sul, Norte e Nordeste, viola os preceitos fundamentais da liberdade de
expressão, reunião, associação, inviolabilidade de intimidade, vida privada e honra.
Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, conheceu da ADPF. Vencido o ministro Marco Aurélio,
que concluiu pela inadequação da ação ajuizada e julgou extinto o processo sem a apreciação da matéria
de fundo. Pontuou que a base única do pedido formulado nessa ação é o versado pela imprensa em jornais
e revista, sendo insuficiente para respaldar o ajuizamento da ADPF.

Quanto ao mérito, o colegiado destacou que o princípio da inafastabilidade da jurisdição


consubstancia elemento intrínseco ao Estado democrático de direito [Constituição Federal (CF), art. 5º
XXXV] (1).
Afirmou que é inadmissível, no ordenamento jurídico vigente, que ato administrativo, norma legal
ou mesmo emenda constitucional dificulte, impeça ou bloqueie o acesso à jurisdição sob qualquer
pretexto. O Estado não está acima da lei e nem pode agir fora dela, menos ainda da Constituição.
Ademais, não há Estado de direito sem acesso à Justiça, porque os atos estatais deixam de ser
controlados e o poder estatal torna-se absoluto e voluntarioso.
Consignou que o serviço de inteligência do Estado é tema mais que sensível e não pode ser
desempenhado fora de estritos limites constitucionais e legais, sob pena de comprometer a sociedade e a
democracia em sua instância mais central, que é a de garantia dos direitos fundamentais.
Por isso, os órgãos de inteligência de qualquer nível hierárquico de qualquer dos Poderes do
Estado submetem-se também ao crivo do Poder Judiciário, porque podem incorrer em desbordamentos
legais. Até mesmo atos do Judiciário são examinados e decididos, em sua validade constitucional e legal,
à luz do Direito.
Assim, é incompatível com o disposto no art. 5º, XXXV, da CF, subtrair do Poder Judiciário dados
e informações objetivas que comprometam a função-dever de julgar os casos submetidos a seu exame.
Assinalou que se distancia de dúvida razoável, a prática de investigar-se, sob o manto do segredo
institucional e a ressalva de pretensa “salvaguarda das informações e documentos de inteligência”, sem
definição objetiva e formal das bases e limites legais.
A abertura de sindicância no MJSP, para a apuração de eventuais responsabilidades
administrativas em relação aos fatos narrados nesta ADPF, e o comparecimento do ministro perante a
Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência do Congresso Nacional, para prestar
esclarecimentos, não substituem a jurisdição constitucional a cargo do Supremo Tribunal Federal nem
minimizam o dever de atendimento à determinação judicial, inicialmente não cumprida com o rigor
legalmente determinado.
São asseguradas, pela CF, as manifestações livres de expressão, de reunião e de associação, a
inviolabilidade da intimidade, da vida privada e da honra, conferindo-se a todos a garantia da liberdade
para veicular ideias e opiniões e para se reunirem e também para se associarem (CF, art. 5º, IV, X, XVI e
XVII) (2).
A liberdade de expressão, assim como todos os direitos fundamentais, não tem caráter absoluto e
nem constitui escudo para imunizar o autor de prática delituosa.
No caso dos autos, o relatório de inteligência teria sido preparado sobre pessoas e teriam sido
colhidos dados pessoais, compartilhados sigilosamente com outros órgãos da Administração.
Observou que os fatos não foram negados pelo MJSP, que se limitou a defender a necessidade de
se resguardar o sigilo da atividade de inteligência e a afirmar que esse proceder não seria inédito.
A manifestação do órgão ministerial conduz à conclusão, ao menos nesta fase processual, de haver
plausibilidade dos dados relatados e dos argumentos apresentados e elaborados a partir de fatos
divulgados pela imprensa. Desse modo, por cautela, deve-se determinar, judicialmente, a cessação ou o
impedimento de qualquer comportamento de investigação secreta da vida de quem quer que seja, fora dos
suportes constitucionais e legais garantidores do devido processo legal e do direito ao contraditório, pelos
órgãos competentes.
O Tribunal assinalou, ademais, que não se demonstrou a legitimidade da atuação de órgão estatal
de investigar e de compartilhar informações de participantes de movimento político antifascista a pretexto
de se cuidar de atividade de inteligência, sem observância do devido processo legal e quanto a cidadãos
que exercem o seu livre direito de se manifestar, sem incorrer em afronta ao sistema constitucional ou
legal.
Não é aceitável a assertiva de que os dados colhidos em atividade de inteligência não seriam
utilizados para persecução penal, mas para o “tratamento de conhecimento sobre elementos que, imediata
ou potencialmente, possam impactar o processo decisório e ação governamental, bem como a defesa e a
segurança da sociedade e do Estado”.
Essa confissão não se compadece com o direito constitucional. O uso — ou o abuso — da máquina
estatal para a colheita de informações de servidores com postura política contrária ao governo caracteriza
desvio de finalidade.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que indeferiu a cautelar. Esclareceu que, em um Estado
democrático de direito, o centro político é o parlamento. Mesmo assim, insiste-se em deslocar matéria
estritamente política para o STF, provocando incrível desgaste em termos de Poder Judiciário. Para o
ministro, o relatório é, na verdade, um longo cadastro que envolve pessoas naturais e entidades com
atuação privada e pública. Há, nesse documento, o acompanhamento de pessoas de diversos segmentos e
ideologias. Portanto, são dados, mantidos em sigilo, necessários e indispensáveis à garantia da segurança
pública.

(1) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...) XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”
(2) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...) IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; (...) X – são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação; (...) XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de
autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso
à autoridade competente; XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;”

ADPF 722 MC/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 19 e 20.8.2020. (INF 987)

Rotulagem de produtos transgênicos e competência legislativa dos entes federados - ADI


4619/SP

É constitucional norma estadual que dispõe sobre a obrigatoriedade de rotulagem em


produtos de gêneros alimentícios destinados ao consumo humano e animal, que sejam constituídos
ou produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, no percentual igual ou superior a
1%, no âmbito do Estado federado (Lei 14.274/2010 do Estado de São Paulo) (1).
No modelo federativo brasileiro, estabelecidas pela União as normas gerais para disciplinar sobre
direito à informação em matéria de rotulagem de produtos transgênicos [Lei 11.105/2005, art. 40 (2);
Decreto 5.591/2005, art. 91 (3); e Decreto 4.680/2003, art. 2º (4)], compete aos Estados [Constituição
Federal (CF), art. 24, V, XII e §§1º a 4º] (5), além da supressão de eventuais lacunas, a previsão de
normas destinadas a complementar a norma geral e a atender suas peculiaridades locais, respeitados os
critérios: (i) da preponderância do interesse local, (ii) do exaurimento dos efeitos dentro dos respectivos
limites territoriais — até mesmo para se prevenir conflitos entre legislações estaduais potencialmente
díspares — e (iii) da vedação da proteção insuficiente.
Nesse contexto, a regulamentação dos critérios para a obrigatoriedade do dever de rotulagem dos
produtos derivados ou de origem transgênica, como o limite de percentual igual ou superior a 1%, não
excede os limites da competência suplementar dos estados, no tocante a essa matéria.
Isso porque, em primeiro lugar, o diploma estadual não afeta diretamente relações comerciais e
consumeristas que transcendam os limites territoriais do ente federado. Exaurem-se os efeitos diretos da
incidência das suas normas no território estadual e traduzem escolhas legítimas do legislador
adequadamente amparadas nos interesses do consumidor, de densificação do direito à informação clara e
adequada, e da proteção e defesa da saúde, atendidos, assim, os critérios do exaurimento dentro dos
limites territoriais e da preponderância do interesse local.
Em segundo lugar, não há nada na lei que represente relaxamento das condições mínimas (normas
gerais) de segurança exigidas na legislação federal para o dever de informação nos rótulos dos produtos
de origem transgênica. Ao contrário, o que se verifica é a implementação de critério mais protetivo e
favorável ao consumidor e à proteção do direito à saúde, não comportando censura sob o prisma da
vedação à proteção insuficiente.
A possibilidade de o Estado federado instituir regras de proteção efetiva ao consumidor deriva de
atribuição legislativa que lhe é conferida pelo arts. 24, V e VIII, combinado com o §2º do mesmo
dispositivo da CF (6), e, consequentemente, ao fazê-lo não invadiu área reservada à União, tendo em vista
que a esta apenas cabe legislar sobre normas gerais de produção e consumo e responsabilidade por dano
ao consumidor, cabendo à unidade federada – vez que existe legislação federal a respeito do assunto –
suprir os vácuos normativos.
No caso, trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar,
objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei 14.274/2010 do Estado de São Paulo, que dispõe
acerca da rotulagem de produtos transgênicos no Estado de São Paulo e dá outras providências.
Com entendimento acima exposto, o Plenário, por maioria, julgou improcedentes os pedidos
formulados na ação direta de inconstitucionalidade.

(1) Lei 11.274/2010 do Estado de São Paulo: “Artigo 1º – Na comercialização de produtos destinados ao consumo humano
ou animal, ou ainda utilizados na agricultura, é obrigatória a presença de informação visível para os consumidores a respeito de sua
origem e procedência quando for constatada a presença de organismo transgênico em proporção igual ou superior ao limite de 1%
(um por cento), com a seguinte classificação: ‘transgênico’. §1º – Nos produtos embalados ou vendados a granel, ou ainda in
natura, nos rótulos das embalagens ou dos recipientes em que estão contidos deverá constar, em destaque, no painel principal e em
conjunto com o símbolo definido pelo Ministério da Justiça (T), umas das seguintes expressões: I – ‘(nome do produto)
transgênico’; II – ‘contém (nome do ingrediente ou ingredientes) transgênico (s)’; III – ‘produto produzido a partir de (nome do
produto) transgênico’. § 2º – O consumidor deverá ser informado sobre a espécie doadora do gene no local reservado para a
identificação dos ingredientes. § 3º – A informação determinada no §1º deste artigo também deverá constar do documento fiscal, de
modo que essa informação acompanhe o produto ou ingrediente em todas as etapas da cadeia produtiva. Artigo 2º – Os
estabelecimentos que comercializem produtos transgênicos ficam obrigados a possuir local específico para exposição destes
produtos. Parágrafo único - Os produtos transgênicos não poderão ser expostos de forma a confundir os consumidores, em relação a
produtos semelhantes não-transgênicos. Artigo 3º – Na comercialização ou transporte de produtos transgênicos, bem como dos
produtos ou ingredientes deles derivados, deverá constar, em embalagem apropriada, informação aos consumidores a respeito de sua
procedência e origem e quanto à presença de organismo transgênico. Artigo 4º – Caberá ao Centro de Vigilância Sanitária, da
Secretaria de Saúde, fiscalizar os estabelecimentos e empresas que comercializem os produtos transgênicos. Artigo 5º – Caberá à
Coordenadoria da Defesa Agropecuária, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, fiscalizar as empresas que comercializem
sementes e produtos transgênicos, assim como o transporte dos mesmos, exigindo certificado de origem e permissão de trânsito.
Artigo 6º – Os produtores e fornecedores de sementes transgênicas devem manter, para efeito de fiscalização, pelo prazo de cinco
anos, as notas fiscais ou comprovantes de compra e venda das sementes transgênicas. Artigo 7º – Os estabelecimentos comerciais,
as empresas, os produtores e os fornecedores abrangidos por esta lei terão o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para se adequarem a
seus dispositivos. Artigo 8º – Pela infração do disposto nesta lei, sem prejuízo das penalidades previstas no Código de Defesa do
Consumidor e na legislação vigente, caberá aos órgãos fiscalizadores estaduais, conforme a gravidade da infração, adotar as
seguintes penalidades: I – advertência; II – multa até o limite de 10.000 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo – UFESP; III -
apreensão do produto; IV - suspensão da atividade; V - cancelamento da autorização para funcionamento em âmbito estadual.
Artigo 9º – As despesas decorrentes da execução desta lei correrão à conta de dotações orçamentárias próprias. Artigo 10 – Esta lei
entra em vigor na data de sua publicação. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, aos 16 de dezembro de 2010.”
(2) Lei 11.105/2005: “Art. 40. Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que
contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme
regulamento.”
(3) Decreto 5.591/2005: “Art. 91. Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que
contenham ou sejam produzidos a partir de OGM e seus derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, na
forma do decreto específico.”
(4) Decreto 4.680/2003: “Art. 2º. Na comercialização de alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo
humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, com presença acima do
limite de um por cento do produto, o consumidor deverá ser informado da natureza transgênica desse produto.”
(5) CF: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) V – produção e
consumo; (…) XII – previdência social, proteção e defesa da saúde; (…) § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência
da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a
competência suplementar dos Estados. § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência
legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da
lei estadual, no que lhe for contrário.”
(6) CF: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) V – produção e
consumo; (...) VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico; (...) § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência
suplementar dos Estados.”

ADI 4619/SP, rel. Min. Rosa Weber, julgamento virtual em 9.10.2020. (INF 994)

Titularidade de terras devolutas: ônus da prova e segurança jurídica - ACO 158/SP

O Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação cível originária em que a União
requereu: (a) a anulação de títulos de domínio de terras supostamente expedidos irregularmente, de modo
a recair sobre patrimônio público federal; (b) a reintegração da posse da referida área; e (c) a anulação de
todos os atos oriundos dos respectivos títulos.
A controvérsia diz respeito a uma área localizada em bairro do Município de Iperó/SP. De acordo
com a inicial, a região é parte integrante de uma gleba maior, de propriedade da União, a qual, segundo
alegado, sempre teve a posse direta, ininterrupta e efetiva da área. A gleba em questão é importante sítio
histórico, explorado pela União desde o período colonial. A área em litígio, a seu turno, foi anexada à
gleba maior em 1872. O Estado de São Paulo promoveu o alegadamente irregular loteamento da
localidade em 1939. Ajuizou ação discriminatória da área no mesmo ano, que transitou em julgado em
1958, e os respectivos títulos de propriedade foram expedidos a particulares entre 1960 e 1965. A
presente ação anulatória foi, então, ajuizada pela União em 1968.
O colegiado ressaltou, de início, que a ação não é fundada em alegação de fraude, falsidade
documental ou má-fé, e sim no domínio. Trata-se de ação anulatória com caráter reivindicatório, lastreada
na alegada falta de citação da União na referida ação discriminatória.
No que se refere ao conceito de ação discriminatória, explicou que as terras devolutas pertencem
aos Estados-membros desde a Constituição de 1891, que delas excetuava apenas a porção do território
indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais.
Assim se mantiveram, seja por disposição expressa, seja por exclusão das terras tidas por
indispensáveis à União para a defesa de fronteiras, fortificações, construções militares, estradas de ferro
ou a seu desenvolvimento econômico e, nos termos da Constituição vigente, também por exclusão
daquelas indispensáveis à defesa das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas
em lei.
Tal conclusão pode ser extraída do texto das Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967, EC 1 de
1969, como o são até hoje nos termos da Constituição Federal de 1988.
A ação discriminatória tem o rito previsto na Lei 6.383/1976, que revogou a Lei 3.081/1956. À
época do ajuizamento da ação discriminatória em debate, entretanto, o diploma vigente era o Decreto
6.473/1934, do estado de São Paulo.
O objetivo da ação discriminatória é o deslinde das terras do domínio público, isto é, demarcar,
apurar, esclarecer, separar as terras que estão integradas no domínio público. A ação discriminatória
concluirá pela demarcação, que é o meio pelo qual se põe termo a todas as dúvidas divisórias, quer entre
particulares, quer entre os poderes públicos. Portanto, é a ação pela qual o poder público faz apurar e
separar suas terras das terras que estão sob o domínio de terceiros, ou apura as zonas indispensáveis à
defesa do País.
A ação discriminatória contemplava um procedimento editalício por meio do qual eram
convocados ao processo os interessados em exibir os títulos de seu domínio particular, de maneira a
permitir a demarcação das terras, o estabelecimento de uma linha de separação entre devolutas e
particulares.
Isso porque as terras devolutas não têm divisas certas, nem no solo nem nos títulos, uma vez que
se estabilizaram no domínio público por exclusão e remanescência da ocupação e do domínio particular.
O papel do Estado, então, é o de manter as terras sob seu domínio para entregá-las aos cidadãos,
aos quais caberá povoá-las e torná-las produtivas. Cumpre-lhe, portanto, validar o domínio dos posseiros.
É importante garantir segurança jurídica aos ocupantes de imóveis no Brasil. A incerteza quanto ao
domínio pode provocar conflitos fundiários e desestimular investimentos. Como consequência, as áreas
litigiosas são geralmente as menos desenvolvidas no território nacional, em decorrência do permanente e
latente conflito fundiário entre particulares e Estado.
Feitas essas considerações, o Plenário analisou as preliminares suscitadas na ação anulatória.
A primeira delas diz respeito a óbice de natureza processual, consistente no efeito negativo da
coisa julgada formada na ação discriminatória. Sustentou-se que, como os títulos foram expedidos com
lastro naquela sentença, o ato somente poderia ser atacado por meio de ação rescisória.
No ponto, o colegiado entendeu que há dois argumentos que afastam a preliminar. O primeiro
deles é que a União não foi citada nominal ou pessoalmente na ação discriminatória, o que seria
obrigatório, por ser confinante da área. Assim, a coisa julgada não constitui obstáculo à presente ação. A
ausência de citação da União não invalida o processo discriminatório, apenas afasta quanto à própria
União a eficácia da sentença. O segundo argumento é que a decisão proferida na ação discriminatória tem
cunho declaratório, e não constitutivo. Portanto, não impede a nova ação, ajuizada por quem não foi parte
na anterior.
A segunda arguição preliminar diz respeito à possibilidade de a União anular as alienações, se
subsistem as decisões na ação discriminatória.
Quanto a essa questão, considerou-se que a sentença a ser proferida nos autos desta ação
anulatória, ao eventualmente reconhecer o domínio da União, poderá se contrapor àquela proferida na
ação discriminatória, da qual a União não fez parte, para fins de cancelamento no registro de imóveis.
A terceira preliminar se refere à alegada ilegitimidade passiva de uma das partes.
No ponto, verificou-se que a gleba de sua propriedade está localizada indiscutivelmente fora do
perímetro da área em litígio.
Ao apreciar o mérito, o Tribunal enfrentou a questão do domínio da União sobre parte da área em
análise. Quanto ao tópico, concluiu que a controvérsia é pontualmente irrelevante. Tenha ou não a ação
discriminatória abarcado esse perímetro, não há elementos de prova suficientes para delimitá-lo. Não é
evidente, portanto, o domínio prévio da União sobre a área específica, sequer a própria especificidade da
área discutida.
Ademais, anotou que a segunda questão de mérito diz respeito à alegação da União no sentido que
as terras são de sua propriedade desde 1872, por anexação. O estado de São Paulo, por sua vez, alega que
se trata de terras devolutas, e, por isso, passíveis de alienação a particulares.
Apesar de inexistente, à época, qualquer registro imobiliário no sentido de se cuidar de terras
devolutas, não se exigiria prova nesse sentido, pois a regra então vigente era no sentido da presunção da
natureza devoluta dessas terras.
Assim, o colegiado entendeu pertencer à União o ônus de provar que adquiriu as terras por meio
de compra ou anexação; que as terras lhe eram úteis; e a exata individuação para fins de saber se elas
coincidem com as áreas em relação às quais o estado de São Paulo expediu os títulos que se pretende
anular.
É possível concluir que a União adquiriu terras na região, mediante compra ou anexação.
Entretanto, não há provas de que essas terras tenham sido efetivamente úteis para o suposto fim original a
que se prestariam. Além disso, não há qualquer precisão na individuação dessas terras à época da
aquisição. A União não se desincumbiu de seu ônus probatório.
Por fim, ressaltou a importância da preservação da segurança jurídica sob o ângulo subjetivo.
Hoje, a área em questão constitui bairro povoado por muitas famílias, que ali fixaram residência há anos.
A área foi edificada e urbanizada ao longo do tempo, por pessoas que agiram de boa-fé.

ACO 158/SP, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 12.3.2020. (INF 969)

3.20 ORGANIZAÇÃO DOS PODERES

ADI: Poder Legislativo estadual e participação em nomeações - 2 - ADI 2167/RR

O Plenário, por maioria, em conclusão de julgamento de ação direta ajuizada contra dispositivos
da Constituição do estado de Roraima, assentou o prejuízo da ação no que atine ao § 3º do art. 46, e,
quanto aos preceitos remanescentes, julgou parcialmente procedente a pretensão para declarar: (i) a
inconstitucionalidade parcial, com redução de texto, do inciso XVIII do art. 33, retirando o trecho
controvertido e permanecendo em vigor a parte em que se mantém a escolha de 2/3 (dois terços) dos
membros do Tribunal de Contas estadual pela Assembleia Legislativa; (ii) a inconstitucionalidade do
parágrafo único do art. 62; e (iii) a nulidade parcial, com redução de texto, do art. 103, excluindo a
expressão questionada. As disposições impugnadas versam sobre indicações de conselheiros do tribunal
de contas estadual e exigência de arguição e aprovação de certas autoridade pelo Poder Legislativo
regional antes de serem nomeadas pelo chefe do Poder Executivo (Informativo 919).
Na espécie, a ação foi proposta contra: (i) o trecho “e Sétima” do § 3º do art. 46; (ii) a primeira
parte do inciso XVIII do art. 33 (“antes da nomeação, arguir os Titulares da Defensoria Pública, da
Procuradoria-Geral do Estado, das Fundações Públicas, das Autarquias, os Presidentes das Empresas de
Economia Mista”); (iii) o parágrafo único do art. 62; (iv) e a expressão “após arguição pelo Poder
Legislativo” do art. 103, todos da Constituição roraimense, com redação dada ou incluída pela Emenda
Constitucional (EC) 7/1999 daquele estado. Em 2018, houve aditamento à inicial, a fim de que as mesmas
disposições, com as alterações havidas, passassem a ser objeto da ação.
De início, o colegiado lembrou que alguns dispositivos foram alterados por emendas
constitucionais posteriores ao ajuizamento do feito.
Ato contínuo, consignou a perda superveniente do objeto relativo à composição do tribunal de
contas. Isso porque o § 3º do art. 46 foi alterado pela EC 16/2005, que adequou a norma à Constituição
Federal (CF).
A esse respeito, o ministro Roberto Barroso explicitou caber ao governador escolher três
conselheiros do tribunal de contas do estado: um dentre os auditores e outro dentre os membros do
Ministério Público, alternadamente, e um terceiro a seu critério.
No mais, a Corte compreendeu ser vedado à legislação estadual submeter à aprovação prévia da
Assembleia Legislativa a nomeação de dirigentes das autarquias e das fundações públicas, de presidentes
das empresas de economia mista e assemelhados, de interventores de municípios, bem assim dos titulares
da Defensoria Pública e da Procuradoria-Geral do Estado.
Além de não ser possível submeter à arguição do Legislativo a nomeação de titulares de fundações
e autarquias, é ilegítima a intervenção parlamentar no processo de preenchimento da direção das
entidades privadas da Administração indireta dos estados. A escolha dos dirigentes dessas empresas é
matéria inserida no âmbito do regime estrutural de cada uma delas.
Relativamente aos interventores, considerou que a CF estabelece a análise do decreto de
intervenção para serem averiguadas as condições, hipóteses, extensão, legalidade, e não para o
Legislativo verificar, mesmo a posteriori, o nome do interventor. Tanto a intervenção federal nos estados
quanto a estadual nos municípios são atos do chefe do Poder Executivo. O interventor é de sua escolha e
confiança. Essa é a divisão entre o Executivo e o Legislativo no tema.
Logo, afronta a CF a inserção da necessidade de sabatina dos interventores de municípios na
Constituição estadual. Permitir a rejeição do nome de interventor resulta, na verdade, na escolha dele pela
Assembleia Legislativa, porquanto poderá recusar sucessivamente as indicações do governador até ser
chamado alguém de seu interesse. Ademais, se entender ser questão política, o Legislativo pode rejeitar a
intervenção, o que pode caracterizar crime de responsabilidade do chefe do Executivo.
No tocante a defensor público-geral do estado, asseverou a inconstitucionalidade da exigência de
prévia sabatina. A CF atribuiu à lei complementar a competência para prescrever normas gerais das
defensorias públicas dos estados (art. 134, § 1º). A LC 80/1994 adveio e preceituou a obrigatoriedade de
aprovação do titular da Defensoria Pública da União pela maioria absoluta do Senado Federal. Não
estipulou essa necessidade aos estados, porque seguiu o mesmo modelo dos ministérios públicos, a fim de
evitar a politização da defensoria.
Consignou a inconstitucionalidade da arguição pela Assembleia Legislativa do procurador-geral
do estado, por afetar a separação dos Poderes e interferir diretamente na estrutura hierárquica do Poder
Executivo. Ela transfere ao Legislativo o controle sobre agente público, que, conforme lei orgânica,
integra o gabinete do chefe do Executivo como secretário de governo.
O ministro Roberto Barroso aduziu caber a submissão ao Legislativo, em âmbito estadual, apenas
daquilo que consta do modelo constitucional federal, sob pena de afronta à reserva de administração,
corolário da separação dos Poderes e das competências privativas do chefe do Executivo de dirigir a
Administração Pública.
Ao excluir da sabatina prévia os dirigentes das autarquias, ressalvou a situação dos membros de
agências reguladoras, que são autarquias especiais. Pela legislação, os conselheiros, no modelo federal,
são submetidos à aprovação do Poder Legislativo.
Por sua vez, a ministra Cármen Lúcia acentuou que a pequena isenção de alguns à sabatina
também obedece ao princípio da reserva de administração.
Vencidos, em parte, os ministros Ricardo Lewandowski (relator) e Edson Fachin, que declararam a
inconstitucionalidade (i) das expressões “da Procuradoria-Geral do Estado” e “dos Presidentes das
Empresas de Economia Mista, órgãos equivalentes ou assemelhados”, contidas no inciso XVIII do art. 33;
e (ii) do texto “e da Procuradoria-Geral do Estado” constante do parágrafo único do art. 62, ambos da
Constituição roraimense. De um lado, consideraram inconstitucionais os dispositivos relativos à arguição
prévia das indicações para procurador-geral do estado e de dirigentes das sociedades de economia mista e
de órgão equivalentes ou assemelhados. Do outro, reputaram ser constitucional a prévia sabatina pela
Assembleia Legislativa das nomeações do Executivo para ocupar os cargos de direção das autarquias e
das fundações públicas, bem como dos interventores nos municípios e do defensor público-geral.
Vencido, em maior extensão, o ministro Marco Aurélio, que se reportou ao voto proferido quando
do exame da medida acauteladora. Assim, avaliou não caber a submissão ao Legislativo dos dirigentes
das empresas de economia mista e dos interventores. Depreendeu que, no entanto, seria possível submeter
a escolha de titulares de outros cargos, além das indicações ligadas a autarquias, fundações públicas,
defensoria e procuradoria do estado.

ADI 2167/RR, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 3.6.2020. (INF 980)

Atuação de advogado como testemunha e sigilo profissional - Rcl 37235/RR

A Segunda Turma julgou improcedente reclamação ajuizada em face de decisão proferida por juiz
de Direito nos autos de processo em trâmite no juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher,
em que foi determinada audiência de inquirição de testemunhas com o arrolamento de advogado que
atuara no mesmo processo como patrono de sua cliente.
O reclamante alegava desrespeito ao que decidido, pela Turma, no Inq 4.296 AgR.
No ponto, o colegiado esclareceu que o acórdão paradigma manteve decisão monocrática que
autorizava a intimação de advogado para sua oitiva como testemunha no processo, de modo que não há
incompatibilidade com a decisão reclamada.
Em seguida, a Turma, por empate, concedeu habeas corpus de ofício para reconhecer a
inadmissibilidade do testemunho do advogado no processo examinado, declarando a ilicitude do ato e
determinando o desentranhamento da prova considerada inadmissível.
Explicou que, no acórdão paradigma, afirmou-se que, em princípio, a intimação do advogado para
comparecer perante a autoridade não parece em desacordo com a lei, mas ele somente poderia optar por
depor se liberado do sigilo profissional pela cliente anteriormente defendida. Assim, como naquele
momento e nos limites daquela via, inexistia comprovação da manifestação da ex-cliente sobre a questão,
manteve-se a intimação para o depoimento. Ademais, ressaltou-se que eventual invalidade do depoimento
poderia ser apreciada no futuro.
Portanto, assentou-se que o advogado somente poderia optar por depor se liberado do sigilo
profissional por sua ex-cliente. Não foi a situação que envolveu a decisão reclamada, entretanto.
Salientou que, nos termos do art. 7º, XIX, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil
(EOAB), é direito do advogado recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou
deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando
autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional.
Ademais, o sigilo profissional do advogado, externo ou interno, tal qual o do médico, é ponto
central das normas deontológicas e legais que regulam a profissão.
Desse modo, ainda que se deva estruturar um processo penal efetivo, que tenha meios para
assegurar a investigação e a produção das provas de um modo a possibilitar uma decisão mais informada
possível, existem critérios de admissibilidade de provas que se embasam em premissas fundamentais para
proteção de direitos fundamentais e contenção de abusos.
Caracterizam-se, assim, regras legais de exclusão probatória fundadas em limites lógicos, políticos
e epistemológicos, que restringem de certa maneira a busca pela verdade e a reconstrução dos fatos
passados.
Diante desse quadro, embora o sigilo profissional possa acarretar a supressão de informações
potencialmente pertinentes ao caso, trata-se de premissa fundamental para o exercício efetivo do direito
de defesa, no que diz respeito à defesa técnica.
A relação entre cliente e advogado depende de confiança, para que o réu possa descrever todos os
fatos e elementos pertinentes sem medo de que isso possa ser posteriormente contra ele utilizado.
O sigilo profissional é um direito do indivíduo ao prestar informações ao advogado para o
exercício de sua representação perante os órgãos pertinentes. Desse modo, para que o testemunho possa
ser prestado pelo profissional, faz-se necessário o consentimento válido do interessado direto na
manutenção do segredo.
Portanto, o advogado não pode testemunhar sobre fatos de que tomou conhecimento em razão de
seu ofício, como para o exercício de sua atuação profissional a partir da narração apresentada pelo cliente
e eventuais documentos por ele entregues.
Frisou que, nos termos do art. 25 do EOAB, o sigilo profissional é inerente à profissão, impondo-
se o seu respeito, salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado
pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da
causa.
Porém, da leitura do caso em exame, depreende-se que o advogado arrolado como testemunha teve
seus poderes como patrono da interessada expressamente revogados, vedando-se sua atuação no caso.
Além disso, requereu-se que devolvesse qualquer documento relacionado ao fato que a ele tivesse sido
entregue.
Evidente, portanto, que a cliente não liberou o advogado do dever de manter o segredo profissional
sobre as informações e documentos de que teve conhecimento em razão da atuação como defensor
técnico.
A ministra Cármen Lúcia e o ministro Edson Fachin não concederam a ordem de ofício.

Rcl 37235/RR. rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 18.2.2020. (INF 967)

CNJ e CNMP: competência do STF e art. 106 do RICNJ - Pet 4770 AgR/DF; Rcl 33459
AgR/PE e ADI 4412/DF

Parte 1 -
Parte 2 -

Tese fixada:

Nos termos do artigo 102, I, “r”, da Constituição Federal (CF) (1), é competência exclusiva
do Supremo Tribunal Federal (STF) processar e julgar, originariamente, todas as ações ajuizadas
contra decisões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério
Público (CNMP) proferidas no exercício de suas competências constitucionais, respectivamente,
previstas nos artigos 103-B, § 4º, e 130-A, § 2º, da CF (2).

Resumo:

Compete ao STF processar e julgar originariamente ações propostas contra o CNJ e contra o
CNMP no exercício de suas atividades-fim.
A Constituição não discriminou quais ações contra o CNJ e contra o CNMP seriam da alçada do
STF, do que se extrai ter procurado fixar atribuição mais ampla para a análise de tais demandas. Essa
leitura é corroborada pelo fato de que, quando pretendeu restringir a competência do Tribunal apenas às
ações mandamentais, o constituinte o fez de forma expressa.
Porém, isso não significa que a Corte deva afirmar sua competência para conhecer toda e qualquer
ação ordinária contra atos daqueles conselhos constitucionais. A regra de competência deve ser
interpretada de acordo com os fins que justificaram sua edição. A competência se justifica sempre que
indagados atos de cunho finalístico, concernentes aos objetivos precípuos de sua criação, a fim de que a
posição e a proteção institucionais conferidas ao Conselho não sejam indevidamente desfiguradas.
A outorga da atribuição ao Supremo para processar e julgar ações contra os Conselhos é
mecanismo constitucional delineado pelo legislador com o objetivo de proteger e viabilizar a atuação
desses órgãos de controle. A realização da missão constitucional ficaria impossibilitada ou seriamente
comprometida se os atos por eles praticados estivessem sujeitos ao crivo de juízos de primeira instância.
Não raramente, a atuação do CNJ recai sobre questões locais delicadas e que mobilizam diversos
interesses. O distanciamento das instâncias de controle jurisdicional é elemento essencial para o
desempenho apropriado das funções. Ademais, o órgão de controle atua em questões de abrangência
nacional que demandam tratamento uniforme e ação coordenada. Por essa razão, não poderiam ser
adequadamente enfrentadas por juízos difusos. A submissão de atos do CNJ à análise de órgãos
jurisdicionais distintos do STF representaria a subordinação da atividade da instância fiscalizadora aos
órgãos e agentes públicos por ele fiscalizados, o que subverte o sistema de controle proposto
constitucionalmente. Deve ser mantida a higidez do sistema e preservada a hierarquia e a autoridade do
órgão de controle.
O CNJ pode determinar à autoridade recalcitrante o cumprimento imediato de suas
decisões, ainda que impugnadas perante a Justiça Federal de primeira instância, quando se tratar
de hipótese de competência originária do STF.
A previsão do art. 106 do Regimento Interno do CNJ (RICNJ) (3) decorre do exercício legítimo de
poder normativo atribuído constitucionalmente ao órgão formulador da política judiciária nacional. A
aludida norma nada mais faz do que explicitar o alcance do art. 102, I, r, da CF, impedindo que decisões
proferidas ao arrepio das regras constitucionais de competência — portanto, flagrantemente nulas —
comprometam o bom desempenho das atribuições do CNJ. Permitir que decisões administrativas do CNJ
sejam afastadas liminarmente por órgãos absolutamente incompetentes implicaria, indiretamente, a
inviabilização do exercício de suas competências constitucionais.
Na espécie, cuida-se de exame conjunto de feitos relativos ao CNJ e ao CNMP. Na assentada,
houve alteração da jurisprudência do STF. Em suma, nos autos autuados como petição, trata-se de ação
ordinária que visa à desconstituição de decisão do CNJ na qual declarada a vacância de serventia de
registro de imóveis provida sem concurso público. O agravo foi interposto de pronunciamento em que
ministro do STF declinou da competência. No caso da reclamação, o ato decisório recorrido afirmou a
inexistência de usurpação de competência do STF para apreciar ação ordinária na qual pretendida a
declaração de nulidade de sanção disciplinar aplicada, pelo CNMP, a membro do Parquet. Já a ação
direta de inconstitucionalidade foi deduzida em face do art. 106 do RICNJ.
Em conclusão de julgamento conjunto, o Plenário, por maioria, deu provimento ao agravo
regimental em petição e reconheceu a competência do STF para processar e julgar a causa. Igualmente em
votação majoritária, deu provimento ao agravo em reclamação, assentando que compete ao STF processar
e julgar ação ajuizada em face da União para discutir ato praticado pelo CNMP a envolver processo
disciplinar. Do mesmo modo, julgou improcedente o pedido formulado na ação direta, declarando a
constitucionalidade do art. 106 do Regimento Interno do CNJ, na redação dada pela Emenda Regimental
1/2010. Por consequência, confirmou a medida cautelar anteriormente concedida, determinando a
remessa imediata ao STF de todas as ações ordinárias em trâmite na justiça federal que impugnem atos do
CNJ praticados no âmbito de suas competências constitucionais estabelecidas no art. 103-B, § 4º, da CF.
Em todos os feitos, ficaram vencidos a ministra Rosa Weber (relatora da reclamação) e o ministro Marco
Aurélio. Vencidos também o ministro Edson Fachin na reclamação e o ministro Nunes Marques na ação
do controle concentrado de constitucionalidade.

(1) CF: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I –
processar e julgar, originariamente: (...) r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do
Ministério Público;”
(2) CF: “Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos,
admitida 1 (uma) recondução, sendo: (...) § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder
Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas
pelo Estatuto da Magistratura: I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura,
podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; II – zelar pela observância do
art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do
Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato
cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União; III – receber e conhecer das reclamações contra
membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços
notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e
correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a remoção ou a disponibilidade e aplicar
outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; IV – representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a
administração pública ou de abuso de autoridade; V – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e
membros de tribunais julgados há menos de um ano; VI – elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças
prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário; VII – elaborar relatório anual, propondo as
providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar
mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão
legislativa. (...) Art. 130-A. O Conselho Nacional do Ministério Público compõe-se de quatorze membros nomeados pelo Presidente
da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma
recondução, sendo: (...) § 2º Compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação administrativa e financeira
do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo lhe: I – zelar pela autonomia funcional e
administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar
providências; II – zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos
administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público da União e dos Estados, podendo desconstituí-los, revê-los
ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos
Tribunais de Contas; III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público da União ou dos
Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional da instituição, podendo
avocar processos disciplinares em curso, determinar a remoção ou a disponibilidade e aplicar outras sanções administrativas,
assegurada ampla defesa; IV – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de membros do Ministério
Público da União ou dos Estados julgados há menos de um ano; V – elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar
necessárias sobre a situação do Ministério Público no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar a mensagem prevista no
art. 84, XI.”
(3) RICNJ: “Art. 106. O CNJ determinará à autoridade recalcitrante, sob as cominações do disposto no artigo anterior, o
imediato cumprimento de decisão ou ato seu, quando impugnado perante outro juízo que não o Supremo Tribunal Federal.”

Pet 4770 AgR/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 18.11.2020 (INF 1000)
Rcl 33459 AgR/PE, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em
18.11.2020 (INF 1000)
ADI 4412/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 18.11.2020 (INF 1000)

Covid-19: direito do trabalho e pandemia do novo Coronavírus - 2 - ADI 6342 Ref-MC/DF;


ADI 6344 Ref-MC/DF; ADI 6346 Ref-MC/DF; ADI 6348 Ref-MC/DF; ADI 6349
Ref-MC/DF; ADI 6352 Ref-MC/DF e ADI 6354 Ref-MC/DF

O Plenário, por maioria, em conclusão de julgamento conjunto de referendo em medida cautelar


em ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra diversos artigos da Medida Provisória
927/2020, negou referendo ao indeferimento da medida cautelar somente em relação aos arts. 29 e 31 da
referida MP (1) e suspendeu a eficácia desses artigos.
A MP 927/2020 dispõe sobre a possibilidade de celebração de acordo individual escrito, a fim de
garantir a permanência do vínculo empregatício, durante o período da pandemia do novo coronarvírus
(covid-19), bem como sobre diversas providências a serem tomadas nesse período de calamidade pública
relativas aos contratos de trabalho (Informativo 974).
Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes que não vislumbrou razoabilidade nos arts. 29
e 31 da MP 927/2020. Ele acompanhou o voto do relator quanto aos demais dispositivos impugnados.
Inicialmente, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que, com exceção dos arts. 29 e 31, a MP
927/2020, em seu conjunto, veio para tentar diminuir os trágicos efeitos econômicos tanto em relação ao
empregado, o desemprego, a ausência de renda para sua subsistência, subsistência da sua família, quanto
para o empregador, com o fechamento de inúmeras empresas e, consequentemente, com uma crise
econômica gigantesca. Ou seja, veio para tentar conciliar durante esse período de pandemia. Por isso,
essas medidas emergenciais não seriam inconstitucionais, porque realmente pretendem compatibilizar —
e vêm atingindo em certo ponto esse objetivo — os valores sociais do trabalho. Elas perpetuam o vínculo
trabalhista, após, inclusive, o término do isolamento com a livre iniciativa, e, nesse sentido, mantêm,
mesmo que abalada, a saúde financeira de milhares de empresas, principalmente as micro, pequenas e
médias empresas do setor de serviços, que geram milhões de empregos. A ideia da medida provisória na
manutenção desse equilíbrio é garantir a subsistência digna do trabalhador e sua família, que continuará,
dentro desses parâmetros, mantendo o seu vínculo trabalhista.
Segundo o ministro, os arts. 29 e 31 fogem dessa ratio da norma, desse binômio manutenção do
trabalho e renda do empregador, sobrevivência da atividade empresarial, conciliação entre empregado e
empregador para manutenção do vínculo trabalhista.
Com efeito, o art. 29 é extremamente ofensivo relativamente aos inúmeros trabalhadores de
atividades essenciais que continuam expostos aos riscos, como médicos e enfermeiros, para os quais a
demonstração do nexo causal pode ser mais fácil, mas, também, relativamente aos funcionários de
farmácias, de supermercados e aos motoboys que trazem e levam entregas de alimentos. Quanto a estes
últimos, o ministro salientou a sua dificuldade em comprovar eventual nexo causal, o que iria de
encontro, ademais, ao recente entendimento firmado pela Corte, no RE 828.040, no sentido de reconhecer
a responsabilidade objetiva em alguns casos em que o risco é maior. Ou seja, não se pode admitir que o
citado dispositivo exclua da consideração da contaminação por coronavírus como ocupacional, de uma
maneira tão ampla, inclusive esses profissionais.
Quanto ao art. 31, o ministro Alexandre de Moraes reputou inexistir razão para a suspender,
durante o período de 180 dias, contados da data de entrada em vigor da medida provisória, a atuação
completa dos auditores fiscais do trabalho no Ministério da Economia. Para o ministro, o estabelecimento
de uma fiscalização menor atenta contra a própria saúde do empregado e em nada auxilia na pandemia.
Esclareceu que a norma não prevê, como razão da sua existência, a necessidade do isolamento dos
auditores fiscais, mas simplesmente diminui uma fiscalização que é essencial em todos os momentos,
inclusive nesse momento excepcional, em que vários direitos trabalhistas estão sendo relativizados.
Considerou, no ponto, não estarem presentes os requisitos da relevância e urgência.
Vencidos, em maior extensão, os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber e Ricardo
Lewandowski, nos termos de seus votos, e os ministros Marco Aurélio (relator), Dias Toffoli (Presidente)
e Gilmar Mendes, que referendaram integralmente o indeferimento da medida cautelar.

(1) MP 927/2020: “Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais,
exceto mediante comprovação do nexo causal. (...) Art. 31. Durante o período de cento e oitenta dias, contado da data de entrada
em vigor desta Medida Provisória, os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuarão de maneira orientadora,
exceto quanto às seguintes irregularidades: I – falta de registro de empregado, a partir de denúncias; II – situações de grave e
iminente risco, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas à configuração da situação; III – ocorrência de acidente
de trabalho fatal apurado por meio de procedimento fiscal de análise de acidente, somente para as irregularidades imediatamente
relacionadas às causas do acidente; e IV – trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil.”

ADI 6342 Ref-MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 29.4.2020. (INF 975)
ADI 6344 Ref-MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 29.4.2020. (INF 975)
ADI 6346 Ref-MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 29.4.2020. (INF 975)
ADI 6348 Ref-MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 29.4.2020. (INF 975)
ADI 6349 Ref-MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 29.4.2020. (INF 975)
ADI 6352 Ref-MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 29.4.2020. (INF 975)
ADI 6354 Ref-MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 29.4.2020. (INF 975)

Prerrogativa de foro: defensor público e procurador de estado - ADI 6501 Ref-MC/PA; ADI
6508 Ref-MC/RO; ADI 6515 Ref-MC/AM e ADI 6516 Ref-MC/AL

ODS 16

Resumo:

Possui plausibilidade e verossimilhança a alegação de que constituição estadual não pode


atribuir foro por prerrogativa de função a autoridades diversas daquelas arroladas na Constituição
Federal (CF).
As normas que estabelecem hipóteses de foro por prerrogativa de função são excepcionais e, como
tais, devem ser interpretadas restritivamente (ADI 2.553) (1). A regra geral é que todos devem ser
processados pelos mesmos órgãos jurisdicionais, em atenção ao princípio republicano (CF, art. 1º), ao
princípio do juiz natural (CF, art. 5º, LIII) e ao princípio da igualdade (CF, art. 5º, caput). Apenas
excepcionalmente, e a fim de assegurar a independência e o livre exercício de alguns cargos, admite-se a
fixação do foro privilegiado. O legislador constituinte não disciplinou a matéria apenas na esfera federal,
mas determinou quais seriam as autoridades em âmbito estadual e municipal que seriam detentoras dessa
prerrogativa. Fora dessas hipóteses, a Constituição estadual só pode conceder o foro privilegiado a
autoridades do Poder Executivo estadual por simetria com o Poder Executivo federal.
Ademais, há o risco de que processos criminais contra procuradores de estado e defensores
públicos tramitem perante tribunais de justiça, o que pode suscitar discussões a respeito de eventual
nulidade processual por ofensa às normas de definição de competência.
Com base nesse entendimento, o Plenário referendou medidas cautelares deferidas em ações
diretas de inconstitucionalidade, para confirmar a suspensão da eficácia das expressões: 1) “e da
Defensoria Pública”, constante do art. 161, I, a, da Constituição do estado do Pará; 2) “Defensor Público-
Geral e da Defensoria Pública”, constantes do art. 87, IV, a e b, da Constituição do Estado de Rondônia;
3) “da Procuradoria Geral do Estado e da Defensoria Pública”, constante do art. 72, I, a, da Constituição
do estado do Amazonas; e 4) “bem como os Procuradores de Estado e os Defensores Públicos”, constante
do art. 133, IX, a, da Constituição do estado de Alagoas.

(1) ADI 2553/MA, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 17.8.2020.

ADI 6501 Ref-MC/PA, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 20.11.2020
(INF 1000)
ADI 6508 Ref-MC/RO, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 20.11.2020
(INF 1000)
ADI 6515 Ref-MC/AM, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 20.11.2020
(INF 1000)
ADI 6516 Ref-MC/AL, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 20.11.2020
(INF 1000)

3.21 PARTIDO POLÍTICO

Partidos políticos: apoiamento de eleitores não filiados e limites para criação, fusão e
incorporação - ADI 5311/DF

O Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de


inconstitucionalidade, ajuizada em face do art. 2º da Lei 13.107/2015 (1), na parte em que alterou os arts.
7º e 29 da Lei 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos).
No caso, o requerente questionava a constitucionalidade de legislação ordinária que estabelece
restrições quanto à criação, fusão e incorporação de partidos políticos, com maiores exigências dos
cidadãos que apoiam a criação das agremiações — habilitados apenas aqueles sem outra e simultânea
filiação partidária —, bem como a previsão de prazo mínimo de cinco anos de existência do partido antes
da alteração por fusão ou incorporação a outro.
O Tribunal rememorou que o art. 17 da Constituição Federal (CF), assegura aos partidos políticos
a liberdade de criação, fusão, extinção e incorporação como expressão do princípio democrático e do
pluripartidarismo.
A CF optou pelo princípio democrático representativo, superando-se o caráter essencialmente
intervencionista prevalecente no regime autoritário anterior. Dessa forma, garantiu no ordenamento
jurídico-constitucional a liberdade dos partidos políticos de se formarem e se articularem, sem serem
desconsideradas as características básicas de sua conformação legítima, como a imperatividade do caráter
nacional das agremiações (controle quantitativo tido como cláusula de barreira lato sensu) e do cunho
democrático de seus programas (controle qualitativo ou ideológico).

Frisou que a liberdade na formação dos partidos há de se conformar ao respeito aos princípios
democráticos, competindo à Justiça Eleitoral a conferência dos pressupostos constitucionais legitimadores
desse processo, sem os quais o partido político, embora tecnicamente criado, não se legitima.
Reconheceu que o advento das normas impugnadas se justifica pela multiplicação de legendas que
não têm substrato de eleitores a legitimá-las e a inequívoca comprovação de formações sem partido com
força para atuar em cenários decisórios. As divulgadas “bancadas” são compostas por ideologias não
representadas por partidos, mas com força decisória inegável.
Observou que são formalizadas agremiações intituladas partidos políticos, e assim são
objetivamente, mas sem substrato eleitoral consistente e efetivo, que atuam como subpartidos ou
organismos de sustentação de outras pessoas partidárias, somando ou subtraindo votos para se chegar a
resultados eleitorais pouco claros ou até mesmo fraudadores da vontade dos eleitores.
Tais legendas habilitam-se a receber parcela do fundo partidário, disputam tempo de televisão, mas
não para difundir ideias e programas. Restringem-se a atuar como nomes sob os quais atuam em
deferência a outros interesses partidários. E, ainda mais grave, para obter vantagens particulares, em
especial para os dirigentes. Ao assinarem fichas de apoio à criação desses partidos, não poucas vezes os
eleitores sequer sabem da condição conivente, porque não valorizam a assinatura cidadã com a mesma
seriedade, compromisso e responsabilidade em que atuam como quando assinam documento financeiro.
A proliferação partidária que se tem atualmente no Brasil agrava-se com a mesma rapidez com que
avançam mecanismos tecnológicos, servis ao acesso e à coleta massiva de assinaturas para apoio a
criações de legendas, não se exigindo dos subscritores responsabilidade ou compromisso, sequer a certeza
de sua identidade.
A imperatividade de urgente legitimação dos partidos também decorre do acesso ao fundo
partidário, dinheiro público a que fazem jus as agremiações reconhecidas, porque registrados os estatutos
no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Salientou que hoje o sistema partidário é garantido por considerável soma de recursos públicos,
quando não de recursos obtidos de forma nada republicana.
Sublinhou que o direito à oposição partidária interna, a ser garantido aos filiados como corolário
da plena cidadania, há que ser exercido em benefício e segundo o ideário, o fortalecimento e o
cumprimento do programa do partido.
A limitação criada pela norma impugnada quanto ao apoio para a criação de novos partidos,
restrito aos cidadãos sem filiação partidária, assim, conforma-se com o regramento constitucional relativo
ao sistema representativo, garantindo-lhe maior coesão e coerência.
Também a exigência temporal para se levarem a efeito fusões e incorporações entre partidos,
assegura o atendimento do compromisso do cidadão com o que afirma como sua opção partidária,
evitando-se o estelionato eleitoral ou a reviravolta política contra o apoiamento dos eleitores então
filiados.
Ao estabelecer novas condições para a criação, fusão e incorporação de partidos políticos, as
normas eleitorais definiram discrímens a serem analisados sob o parâmetro da legitimidade
representativa, fundamento do modelo partidário.
Pontuou que, pela norma, se distinguem cidadãos filiados e não filiados para o exclusivo efeito de
conferência de legitimidade do apoio oferecido à criação de novos partidos políticos. O objetivo único é a
garantia de coesão, coerência e substância ao modelo representativo instrumentalizado pela atuação
partidária. Trata-se, portanto, de cidadãos distintos no exercício cívico livre quanto às opções políticas.
Constitucionalmente livres, não são civicamente irresponsáveis nem descomprometidos com as escolhas
formalizadas.
O descompromisso com a atuação política cobra caro em termos de política legítima e de
realização democrática e atinge todos na sociedade estatal. A disseminação de práticas antidemocráticas,
como a compra e venda de votos, o aluguel de cidadãos e de partidos inteiros e os indesejáveis efeitos de
band-wagon (saltar para a carruagem dos mais fortes) e de under-dog (optar pelos marginais), pode e
deve ser pronta e cuidadosamente combatida pelo legislador, sem prejuízo da autonomia partidária, a ser
garantida em benefício da legitimação da representação democrática e não para a sua anulação.
As normas impugnadas tendem a enfraquecer essa lógica mercantilista e nada republicana de se
adotar prática política.
A Constituição da República garante a liberdade para a criação, fusão, incorporação e extinção de
partidos políticos, a eles assegurando a autonomia. Mas não há liberdade absoluta. Também não se tem
autonomia sem limitação.
As normas legais impugnadas não afetam, reduzem ou condicionam a autonomia partidária,
porque o espaço de atuação livre dos partidos políticos conforma-se a normas jurídicas postas para a
definição das condições pelas quais se pode dar a criação, ou recriação por fusão ou incorporação, de
partido sem intervir no seu funcionamento interno.
Vencido o ministro Dias Toffoli, que julgou procedente o pedido.

(1) Lei 13.107/2015: “Art. 2º Os arts. 7º, 29 e 41-A da Lei no 9.096, de 19 de setembro de 1995, passam a vigorar com as
seguintes alterações: ‘Art. 7º (...) § 1º Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional,
considerando-se como tal aquele que comprove o apoiamento de eleitores não filiados a partido político, correspondente a, pelo
menos, 0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os
votos em branco e os nulos, distribuídos por 1/3 (um terço), ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento)
do eleitorado que haja votado em cada um deles’ (...) ‘Art.29 (...) § 9º Somente será admitida a fusão ou incorporação de partidos
políticos que hajam obtido o registro definitivo do Tribunal Superior Eleitoral há, pelo menos, 5 (cinco) anos’”.

ADI 5311/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 4.3.2020. (INF 968)

3.22 PODER JUDICIÁRIO


CF, art. 37, XI e § 12º: magistratura estadual, subteto remuneratório e inconstitucionalidade
do tratamento diferenciado - ADI 3854/DF e ADI 4014/DF

Resumo:

Não é possível o estabelecimento de subteto remuneratório para a magistratura estadual


inferior ao teto remuneratório da magistratura federal. A correta interpretação do art. 37, XI e §
12, da Constituição Federal (CF) (1) exclui a submissão dos membros da magistratura estadual ao
subteto de remuneração.
O caráter unitário da magistratura nacional, determinado pela CF de 1988, sujeita todos os
magistrados — federais e estaduais, da justiça comum e da justiça especializada — a princípios e normas
que devem ser idênticos para todos, de modo a preservar sua unidade sistêmica. Ademais, o art. 93, V, da
CF (2) revela expressamente o caráter nacional da estrutura judiciária brasileira, inclusive no
escalonamento vertical dos subsídios.
Se a própria CF define os mesmos princípios e normas fundamentais para conformar toda a
magistratura, notadamente na disciplina dos subsídios, não há como ela mesma impor tratamento
diferenciado em relação ao teto de vencimentos. Os magistrados federais e estaduais desempenham iguais
funções, submetidos a um só estatuto de âmbito nacional, sem qualquer superioridade de mérito suficiente
a justificar esse tratamento diferenciado.
Na espécie, os preceitos impugnados estabeleceram subteto remuneratório para a magistratura
estadual diferentemente do que se prevê para a magistratura federal.
Em julgamento conjunto, o Plenário, por maioria, reputou procedente pedido formulado em ações
diretas de inconstitucionalidade para dar interpretação conforme à CF ao art. 37, XI (redação dada pela
EC 41/2003) e § 12 (incluído pela EC 47/2005), da CF, a fim de afastar a submissão dos membros da
magistratura estadual da regra do subteto remuneratório e declarar a inconstitucionalidade do art. 2º da
Resolução 13/2006 (3) e do art. 1º, parágrafo único, da Resolução 14/2006 (4), ambas do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ). Foi confirmada a medida cautelar anteriormente deferida pelo colegiado na
ADI 3.854 (5) (Informativo 457). Em ambas as ações, vencido o ministro Edson Fachin.

(1) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: (...) XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta,
autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos
detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos
cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em
espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos
Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais
e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e
vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder
Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; (...) § 12. Para os
fins do disposto no inciso XI do caput deste artigo, fica facultado aos Estados e ao Distrito Federal fixar, em seu âmbito, mediante
emenda às respectivas Constituições e Lei Orgânica, como limite único, o subsídio mensal dos Desembargadores do respectivo
Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal dos Ministros do Supremo
Tribunal Federal, não se aplicando o disposto neste parágrafo aos subsídios dos Deputados Estaduais e Distritais e dos Vereadores.”
(2) CF: “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura,
observados os seguintes princípios: (...) V – o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por
cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais magistrados serão
fixados em lei e escalonados, em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não
podendo a diferença entre uma e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e cinco por
cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obedecido, em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, §
4º;”
(3) Resolução CNJ 13/2006: “Art. 2º Nos órgãos do Poder Judiciário dos Estados, o teto remuneratório constitucional é o
valor do subsídio de Desembargador do Tribunal de Justiça, que não pode exceder a 90,25% (noventa inteiros e vinte e cinco
centésimos por cento) do subsídio mensal de Ministro do Supremo Tribunal Federal.”
(4) Resolução CNJ 14/2006: “Art. 1º (...) Parágrafo único. Enquanto não editadas as leis estaduais referidas no art. 93,
inciso V, da Constituição Federal, o limite remuneratório dos magistrados e servidores dos Tribunais de Justiça corresponde a
90,25% (noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento) do teto remuneratório constitucional referido no caput, nos termos
do disposto no art. 8º da Emenda Constitucional 41/2003.”
(5) ADI 3.854 MC/DF, rel. Min. Cezar Peluso, Plenário, DJe de 29.6.2007.

ADI 3854/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 4.12.2020. (INF 1001)
ADI 4014/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 4.12.2020. (INF 1001)

Competência jurisdicional e fase pré-contratual de seleção e de admissão de pessoal - RE


960429/RN

Compete à Justiça comum processar e julgar controvérsias relacionadas à fase pré-contratual de


seleção e de admissão de pessoal e eventual nulidade do certame em face da Administração Pública,
direta e indireta, nas hipóteses em que adotado o regime celetista de contratação de pessoal.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 992 da repercussão
geral, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a competência para processar e julgar
controvérsias relativas a questões afetas à fase pré-contratual de seleção e de admissão de pessoal e
eventual nulidade do certame, em face de pessoa jurídica de direito privado.
No caso, candidato admitido ao cargo de técnico em mecânica de nível médio, questionava, em
ação ordinária proposta perante a Justiça comum estadual contra empresa estatal de água e esgoto,
modificação de sua posição classificatória no resultado final do certame, alterada após retificação do
edital.
O Tribunal afirmou que a discussão posta, embora esteja centralizada no critério de competência
para julgamento da fase pré-contratual, tem reflexos importantes sobre o próprio tratamento jurídico que
tem sido conferido à aplicabilidade do princípio do concurso público às entidades privadas integrantes da
Administração Indireta. Além disso, a matéria abrange discussão sobre em que medida a adjudicação dos
princípios estruturantes da Administração Pública, naquilo que aplicáveis às pessoas jurídicas de direito
privado da Administração Indireta, integram ou não a jurisdição da Justiça do Trabalho.
A indefinição sobre os limites da competência da Justiça do Trabalho na matéria gera um quadro
de grave insegurança jurídica, tanto em razão da multiplicidade de ações nos mais diversos ramos do
Judiciário quanto em razão das próprias soluções conflitantes que têm sido dadas pela Justiça comum e
pela Justiça do Trabalho.
Ressaltou que, nos termos do art. 173, § 1º, da Constituição Federal (CF), empresas públicas,
sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou
comercialização de bens ou de prestação de serviços estão sujeitas às mesmas regras aplicáveis ao regime
jurídico das empresas privadas, ou seja, devem seguir o regime celetista em seus contratos de trabalho.
Destacou, porém, a singularidade que caracteriza a formação do contrato de trabalho de
empregados públicos, que não podem ser equiparados em todos os aspectos a um trabalhador comum.
Esclareceu que isso decorre do próprio caráter híbrido apresentado nesse tipo de contratação,
especialmente quando se trata do regime jurídico das empresas públicas e das sociedades de economia
mista, que acabam por sofrer influência de normas de direito privado, bem como de direito público.
A exigência constitucional de concurso público para a contratação, prevista no art. 37, II, da CF, é
exemplo de preceito de direito público que deve ser observado no regime jurídico das empresas públicas e
das sociedades de economia mista, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de
livre nomeação e exoneração. Trata-se de etapa prévia obrigatória à formação da relação trabalhista, na
qual predomina o interesse público.
Na fase pré-contratual ainda não existe um elemento essencial inerente ao contrato de trabalho,
que é seu caráter personalíssimo, de índole privada. O que prevalece é, em verdade, o caráter público, isto
é, o interesse da sociedade na estrita observância do processo administrativo que efetiva o concurso
público.
Portanto, a fase anterior à contratação de empregado público deve se guiar por normas de direito
público, notadamente do direito administrativo. Ainda não há, nesse momento, direito ou interesse
emergente da relação de trabalho, a atrair a competência da Justiça trabalhista. Na verdade, a contratação
ainda não é uma realidade – e pode, inclusive, nem vir a ocorrer.
Ressaltou que esse entendimento pode ser aplicado às demais hipóteses em que a Administração
Pública contrate sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Isso porque também nessa
situação há discussão acerca da competência para processar e julgar ações sobre a fase pré-contratual.
Vencido o ministro Edson Fachin, que deu provimento ao recurso extraordinário para reconhecer a
competência da Justiça do Trabalho. Entendeu que a controvérsia decorre de relação de trabalho já
estabelecida. Pontuou que, sendo o empregado e o emprego em curso regidos por contrato firmado
consoante normas trabalhistas, a competência para controvérsias relacionadas a esse vínculo, já formado,
devem ser dirimidas na Justiça especializada laboral.

RE 960429/RN, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 4 e 5.3.2020. (INF 968)

Justiça competente: arquivamento de inquérito e crime eleitoral - Rcl 34805 AgR/DF

A Segunda Turma, ante o empate na votação, deu provimento a agravo regimental para determinar
a devolução dos autos à Justiça Eleitoral.
No caso, a investigação em curso foi inicialmente instaurada no âmbito do Supremo Tribunal
Federal (STF), com o propósito de, a partir de dados revelados em acordo de colaboração premiada,
apurar possível realização de pagamentos indevidos a partidos políticos, objetivando propiciar maior
tempo de propaganda televisiva na campanha eleitoral de 2014 (Inq 4.432).
Na sequência, em razão de superveniente perda da prerrogativa de foro do investigado e de decisão
proferida no âmbito da PET 7.569, determinou-se a remessa dos autos do inquérito à Justiça Eleitoral, por
associarem-se os fatos com suposta prática de delito eleitoral. Em seguida, ao acolher manifestação do
Ministério Público Eleitoral (MPE), a autoridade reclamada ordenou o arquivamento do inquérito
instaurado em relação à suposta prática de crime eleitoral previsto no art. 350 do Código Eleitoral (CE),
por ausência de justa causa, e declinou da competência em favor da Justiça Federal, para processamento e
julgamento dos crimes comuns remanescentes.
Contra essa decisão, foi ajuizada a presente reclamação.
O ministro Edson Fachin (relator), ao negar seguimento à reclamação, por meio de decisão
monocrática, afirmou, em suma, que o superveniente arquivamento da investigação referente à infração
afeta aos interesses eleitorais, promovido a pedido do MPE e objeto da devida chancela pelo juízo
competente, acarreta legítima modificação processual apta, em tese, a repercutir na definição de
competência, sem que tal proceder, por si, constitua afronta à autoridade da decisão reclamada. A decisão
foi objeto de impugnação por agravo regimental.
Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes que, acompanhado do ministro Ricardo
Lewandowski, deu provimento ao agravo regimental.
Para o ministro, houve violação à autoridade da decisão do STF proferida nos autos do Inquérito
4.432, uma vez que as instâncias inferiores não observaram as diretrizes que resultaram na definição da
competência da Justiça Eleitoral para apuração e processamento dos fatos.
Ressaltou, ademais, que o MPE promoveu o arquivamento dos delitos previstos no art. 350 do CE
imediatamente após o recebimento dos autos, não tendo sequer empreendido qualquer diligência
investigativa para apurar os indícios de tais crimes.
Além disso, o Juízo Eleitoral arquivou o inquérito e remeteu os autos à Justiça Federal, mesmo
diante da expressa decisão dessa Corte que fixou sua competência para supervisão dos fatos. As
instâncias inferiores, portanto, ignoraram os termos da decisão reclamada, que assentou a competência da
Justiça Eleitoral para o processamento e a apuração dos fatos em questão.
Os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia negaram provimento ao agravo regimental.

Rcl 34805 AgR/DF, rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em
1º.9.2020. (INF 989)

Magistratura e limite etário para ingresso na carreira - ADI 5329/DF

Resumo:
A fixação de limite etário, máximo e mínimo, como requisito para o ingresso na carreira da
magistratura viola o disposto no artigo 93, I, da Constituição Federal (CF) (1).
Isso porque em assuntos diretamente relacionados à magistratura nacional, como as condições para
investidura no cargo, a disciplina da matéria deve ser versada pela CF ou pelo Estatuto da Magistratura
(LOMAN), não podendo lei ordinária federal inovar e prever norma de caráter restritivo ao ingresso na
magistratura que não encontra pertinência nos citados diplomas normativos. Os preceitos constitucionais
e as disposições da LOMAN não estabelecem a idade como requisito para o acesso ao cargo, de modo
que a ausência de previsão normativa nesse sentido não autoriza que os Estados-membros disciplinem a
matéria.
Cabe lembrar que a CF não exige idade mínima para o ingresso na magistratura, mas tão somente
o cumprimento do requisito de “três anos de atividade jurídica” ao bacharel em direito (CF, art. 93, I).
Ademais, o estabelecimento de um limite máximo de idade para investidura em cargo, cujas
atribuições são de natureza preponderantemente intelectual, contraria o entendimento sintetizado no
Enunciado da Súmula 683 do STF, no sentido de que restrições desse tipo somente se justificam em vista
de necessidade relacionada às atribuições do cargo, como ocorre em carreiras militares ou policiais.
Com esse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação
direta de inconstitucionalidade e declarou a inconstitucionalidade do art. 52, V, da Lei 11.697/2008 (2),
que dispõe sobre a organização judiciária do Distrito Federal e Territórios, por estabelecer, como
requisito para o ingresso na carreira da magistratura, entre outras condições, que o candidato tenha entre
25 e 50 anos de idade, vencido o Ministro Marco Aurélio (Relator), que julgava parcialmente procedente
o pedido.

(1) CF: “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura,
observados os seguintes princípios: I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de
provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no
mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação”. 
(2) Lei 11.697/2008: “Art. 52.  O ingresso na Carreira da Magistratura dar-se-á nos cargos de Juiz de Direito Substituto do
Distrito Federal ou de Juiz de Direito dos Territórios e dependerá de concurso de provas e títulos realizado pelo Tribunal de Justiça,
com a participação do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do lugar em que se realizarem as provas, exigindo-se
dos candidatos que satisfaçam os seguintes requisitos: V – ter mais de 25 (vinte e cinco) e menos de 50 (cinquenta) anos de idade,
salvo quanto ao limite máximo, se for magistrado ou membro do Ministério Público”.

ADI 5329/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento
virtual finalizado em 14.12.2020 (INF 1002)

Tribunal de justiça: eleição de órgão diretivo - ADI 3976/SP e MS 32451/DF

O Plenário, em julgamento conjunto, conheceu em parte de ação direta de inconstitucionalidade


(ADI), e, na parte conhecida, julgou procedente o pedido nela formulado para declarar a
inconstitucionalidade do art. 62 da Constituição do estado de São Paulo (1). Declarou, ainda, a não
recepção, pela Constituição Federal (CF), do art. 102 da Lei Orgânica da Magistratura – Loman (LC
35/1979) (2), de modo que não subsista interpretação segundo a qual apenas os desembargadores mais
antigos possam concorrer aos cargos diretivos dos tribunais, devendo a matéria, em razão da autonomia
consagrada nos arts. 96, I, a, e 99 da CF (3) (4), ser remetida à disciplina regimental de cada tribunal. Na
mesma assentada, a Corte concedeu a ordem em mandado de segurança, para cassar decisão proferida
pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nos autos de Pedido de Providências, e restabelecer a eficácia
da Resolução 606/2013 do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
Na ADI, pretendia-se a declaração de inconstitucionalidade do art. 27, § 2º, do Regimento Interno
do TJSP e do art. 1º, § 1º, da Resolução 395/2007 desse tribunal, bem como do art. 62, da Constituição do
estado de São Paulo.
Na ação mandamental, impugnava-se a decisão do CNJ que determinou que o TJSP se abstivesse
de dar abertura ao procedimento eleitoral para os seus cargos diretivos com fundamento na Resolução
606/2013, em razão de aparente contrariedade com o disposto no art. 102 da Loman.
O colegiado, em razão da revogação expressa do art. 27, § 2º, do Regimento Interno do TJSP, e do
disposto no art. 1º, § 1º, da Resolução 395/2007, não conheceu, no ponto, da ADI.
Quanto ao mérito, afirmou que a eleição para os cargos de cúpula dos tribunais, após a edição da
EC 45/2004, é regida pelos respectivos regimentos internos, não mais subsistindo a remissão à Loman.
Entendeu, ademais, que, a partir da promulgação da Constituição de 1988, houve uma alteração
substancial no regramento da matéria, homenageando a autonomia dos tribunais e, em última análise, uma
visão mais consentânea do federalismo, ensejando uma postura do Poder Judiciário deferente à
competência normativa dos entes federados.
Afirmou que a leitura combinada dos arts. 99 e 102 da Loman permitia concluir que os cargos de
cúpula dos tribunais somente poderiam ser ocupados por desembargadores eleitos dentre os mais antigos,
os quais, a seu turno, compunham o órgão especial. A disciplina inserida na CF, após a edição da EC
45/2004, todavia, inaugura uma nova lógica, que não tem na antiguidade critério exclusivo. A
composição do órgão especial passa a ser ditada não apenas pela antiguidade, mas também pela eleição
dentre os pares do plenário das cortes. Não há, no texto da CF, distinção praticada entre os integrantes do
órgão especial e os demais componentes da corte que justifique impedimento a que estes últimos
concorram aos cargos de cúpula.
Ao restringir o universo dos possíveis candidatos aos órgãos de cúpula do TJSP aos integrantes de
seu órgão especial, a Constituição do estado de São Paulo desrespeitou a autonomia administrativa dos
tribunais, consagrada nos arts. 96, I, a, e no art. 99 da CF.

(1) Constituição do estado de São Paulo: “Art. 62 – O Presidente e o 1º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça e o
Corregedor Geral da Justiça, eleitos, a cada biênio, pela totalidade dos Desembargadores, dentre os integrantes do órgão especial,
comporão o Conselho Superior da Magistratura.”
(2) LC 35/1979: “Art. 102 – Os Tribunais, pela maioria dos seus membros efetivos, por votação secreta, elegerão dentre
seus Juízes mais antigos, em número correspondente ao dos cargos de direção, os titulares destes, com mandato por dois anos,
proibida a reeleição. Quem tiver exercido quaisquer cargos de direção por quatro anos, ou o de Presidente, não figurará mais entre
os elegíveis, até que se esgotem todos os nomes, na ordem de antiguidade. É obrigatória a aceitação do cargo, salvo recusa
manifestada e aceita antes da eleição. Parágrafo único – O disposto neste artigo não se aplica ao Juiz eleito, para completar.”
(3) CF: “Art. 96. Compete privativamente: I – aos tribunais: a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos
internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o
funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos.”
(4) CF: “Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.”

ADI 3976/SP, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 25.6.2020. (INF 983)
MS 32451/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 25.6.2020. (INF 983)

3.23 PRECATÓRIO

Precatório: juros de mora e período compreendido entre a data da expedição e o efetivo


pagamento - RE 594892 AgR-ED-EDv/RS

Durante o período previsto no § 1º do art. 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre
os precatórios que nele sejam pagos.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, deu provimento a embargos de
divergência para, reformando o acórdão embargado, dar provimento ao recurso extraordinário.
O colegiado afirmou que não incidem juros de mora no período compreendido entre a data da
expedição do precatório e seu efetivo pagamento, desde que realizado no prazo estipulado
constitucionalmente. Esclareceu, ademais, que a tese foi enunciada no Verbete 17 da Súmula Vinculante
do Supremo Tribunal Federal (STF).
Vencidos os ministros Marco Aurélio, Edson Fachin e Rosa Weber que negaram provimento aos
embargos de divergência. O ministro Marco Aurélio pontuou que a Constituição é explícita ao revelar
que, muito embora se tenha o prazo dilatado de 18 meses para a liquidação do débito, esse débito deve ser
satisfeito tal como se contém, ou seja, atualizado, para não ser diminuído pelos efeitos da inflação, e
também acrescido dos juros da mora.

RE 594892 AgR-ED-EDv/RS, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 1.7.2020. (INF 984)

3.24 PROCESSO LEGISLATIVO


Medida provisória e controle judicial - ADI 5599/DF

Inexistindo comprovação da ausência de urgência, não há espaço para atuação do Poder


Judiciário no controle dos requisitos de edição de medida provisória pelo chefe do Poder Executivo.
Apesar de a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) ter se consolidado no sentido da
possibilidade de controle judicial dos pressupostos de relevância e urgência para a edição de medidas
provisórias, “o escrutínio a ser feito pelo Judiciário neste particular é de domínio estrito, justificando-se a
invalidação da iniciativa presidencial apenas quando atestada a inexistência cabal desses requisitos” (RE
592.377).
A forma de se realizar esse controle deve depender da motivação apresentada pelo chefe do Poder
Executivo. “A motivação, embora não seja requisito constitucional expresso, facilita o controle da
legitimidade e dos requisitos constitucionais autorizadores, seja pelo Legislativo, seja pelo Judiciário”.
Existindo motivação, ainda que a parte não concorde com os motivos explicitados pelo Presidente da
República para justificar a urgência da medida provisória, não se pode dizer que eles não foram
apresentados e defendidos pelo órgão competente.
Ressalte-se que, na hipótese, não se está a proceder juízo de mérito quanto aos argumentos
utilizados para justificar a urgência na edição da medida provisória, mas tão somente verificar a
legitimidade de tais argumentos, para assim realizar ou não a intervenção judicial almejada pela parte.
No caso, trata-se de ação direta de inconstitucionalidade com pedido de medida cautelar, em face
da Medida Provisória 746/2016.
Com esse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou improcedente o pedido formulado na
ação direta de inconstitucionalidade.

ADI 5599/DF, rel. min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 23.10.2020. (INF 996)

3.25 RECLAMAÇÃO

Desautorização de entrevista com preso e censura prévia - Rcl 32052 AgR/MS

A Segunda Turma, por maioria, desproveu agravo regimental interposto contra decisão que negou
seguimento a reclamação em que se apontava desrespeito à autoridade da decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) na ADPF 130.
No caso, a reclamante alegava que o juízo reclamado, ao desautorizar entrevista jornalística com
custodiado, teria incorrido em censura prévia, em afronta aos arts. 5º, IX e XIV, e 220 da Constituição
Federal (CF) (1).
O colegiado apontou inexistir similitude entre o decidido no ato reclamado e o assentado pelo STF
na citada ADPF 130, e ressaltou a impossibilidade de se utilizar a reclamação como sucedâneo recursal
ou atalho processual.
Observou que o tribunal reclamado não se fundamentou em nenhum dispositivo da Lei de
Imprensa. Depreende-se do julgado que não houve restrição à liberdade de imprensa, nem qualquer
espécie de censura prévia ou de proibição de circulação de informações que configure ofensa ao
assentado pela corte na ADPF.
Com efeito, o juízo a quo, ao analisar a situação fática, destacou a importância da proteção das
investigações e da prevenção de possíveis prejuízos processuais, inclusive quanto ao direito ao silêncio,
além da necessidade de proteção do próprio custodiado, cuja sanidade mental ainda era discutível.
Concluiu, diante dessas ponderações, que, pelo menos naquele momento, a realização da entrevista
pleiteada não seria adequada.

A Turma acrescentou que, posteriormente, o custodiado foi declarado inimputável, em virtude de


diagnóstico de “transtorno delirante persistente”, tendo sido a ele imposta medida de segurança de
internação por prazo indeterminado.
A ministra Cármen Lúcia acompanhou a conclusão do voto do relator, mas não os seus
fundamentos. Segunda a ministra, a circunstância de alguém estar privado da sua liberdade de locomoção
não cerceia também a sua liberdade de expressão. Entretanto, considerou, no caso, a circunstância de que
a pessoa que seria entrevistada foi reconhecida como alguém que não tem condições de se manifestar
livremente. Por isso, haveria colisão de direitos fundamentais entre o direito à liberdade de expressão, que
garante a democracia, e a dignidade humana, que haveria de ser preservada na hipótese.
Vencido o ministro Edson Fachin que deu provimento ao agravo regimental para julgar procedente
a reclamação. Entendeu que, em razão da fundamentalidade que a liberdade de expressão possui no
estado de direito democrático, não encontra amparo a decisão judicial que, sem examinar os parâmetros
reconhecidos pela jurisprudência deste tribunal, restringe, indevidamente, a imprescindível atividade
jornalística.
Para o ministro, ainda que relevantes os fundamentos da decisão reclamada, a restrição à liberdade
de expressão só poderia ser justificada se tivesse em conta os demais elementos que a resguardam.
Ressaltou que, à época, havia elevado interesse público na informação a ser obtida decorrente de fato
ocorrido durante uma campanha presidencial. Ponderou que a entrevista sequer foi realizada, providência
que, à míngua de fortes razões, contraria o disposto no art. 13.2 do Pacto de San José da Costa Rica. Ou
seja, a decisão reclamada, sem se pronunciar sobre o elevado interesse público na realização da entrevista,
impediu que ela fosse feita, coarctando, indevidamente, o alcance da liberdade de expressão.
Ademais, no que diz respeito à saúde mental do custodiado, assentou que o exame de sanidade
para fins de responsabilidade penal não se confunde nem substitui o procedimento de tomada de decisão.
No ponto, citou o disposto nos arts. 84 e 87 da Lei 13.146/2015 (2). Frisou que esses elementos seriam
ainda mais relevantes especialmente ao considerar-se que tanto o juiz responsável pela investigação
quanto o responsável pela execução autorizaram a entrevista.

(1) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...) IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura
ou licença; (...) XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício
profissional; (...) Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou
veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”
(2) Lei 13.146/2015: “Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em
igualdade de condições com as demais pessoas. (...) Art. 87. Em casos de relevância e urgência e a fim de proteger os interesses da
pessoa com deficiência em situação de curatela, será lícito ao juiz, ouvido o Ministério Público, de oficio ou a requerimento do
interessado, nomear, desde logo, curador provisório, o qual estará sujeito, no que couber, às disposições do Código de Processo
Civil.”

Rcl 32052 AgR/MS, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14.4.2020. (INF 973)

3.26 SEGURIDADE SOCIAL

Conflito Federativo: corte de benefício do Bolsa Família e isonomia - ACO 3359 Ref-MC/DF

O Plenário referendou medida cautelar em ação cível originária para que a União disponibilize
dados que justifiquem a concentração de cortes de benefícios do Programa Bolsa Família na Região
Nordeste, bem assim que, em consonância com o art. 19, III, da Constituição Federal (CF) (1), dispense
aos inscritos nos estados autores tratamento isonômico em relação aos beneficiários dos demais entes da
Federação. Além disso, referendou medida para determinar a suspensão de cortes no Programa, enquanto
perdurar o estado de calamidade pública, e assentar que a liberação de recursos para novas inscrições seja
uniforme considerados os estados da Federação.
No caso, os autores ajuizaram ação cível originária, com pedido de tutela provisória, para que (a) a
União seja compelida a apresentar dados que justifiquem a concentração, na Região Nordeste, de cortes
de novos benefícios do Programa Bolsa Família, e (b) seja conferido tratamento isonômico aos entes da
Federação.
O ministro Marco Aurélio (relator), ao deferir a medida cautelar, reconheceu a competência do
Supremo Tribunal Federal (STF) para julgamento da ação, ante a presença da União e dos estados em
polos opostos da lide e, a par disso, de conflito apto a causar risco à estabilidade do pacto federativo.
Salientou que o Programa Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda, voltado a
famílias de todo o País, de modo a fazer frente a situação de pobreza e vulnerabilidade.
Observou que o benefício está previsto no art. 2º, I a IV, da Lei 10.836/2004 (2) e não apresenta
qualquer restrição atinente a região ou estado.
Destacou que não se valora a extrema pobreza conforme a unidade da Federação, devendo haver
isonomia no tratamento, tendo em conta o objetivo constitucional de erradicação da pobreza e redução
das desigualdades sociais, a teor dos arts. 3º, II e III (3), 19, III, 203 e 204 da CF, bem como da Lei
10.836/2004.
Para o ministro, não se pode conceber comportamento discriminatório da União em virtude do
local de residência de brasileiros em idêntica condição. A diferença numérica aludida pelos autores
sinaliza desequilíbrio tanto na concessão de novos benefícios quanto na liberação dos recursos para
aqueles já inscritos na Região Nordeste.

(1) CF: “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III – criar distinções entre
brasileiros ou preferências entre si.”
(2) Lei 10.836/2004: “Art. 2º Constituem benefícios financeiros do Programa, observado o disposto em regulamento: I – o
benefício básico, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de extrema pobreza; II – o benefício variável,
destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza e extrema pobreza e que tenham em sua composição
gestantes, nutrizes, crianças entre 0 (zero) e 12 (doze) anos ou adolescentes até 15 (quinze) anos, sendo pago até o limite de 5
(cinco) benefícios por família; III – o benefício variável, vinculado ao adolescente, destinado a unidades familiares que se
encontrem em situação de pobreza ou extrema pobreza e que tenham em sua composição adolescentes com idade entre 16
(dezesseis) e 17 (dezessete) anos, sendo pago até o limite de 2 (dois) benefícios por família. IV – o benefício para superação da
extrema pobreza, no limite de um por família, destinado às unidades familiares beneficiárias do Programa Bolsa Família e que,
cumulativamente: a) tenham em sua composição crianças e adolescentes de 0 (zero) a 15 (quinze) anos de idade; e b) apresentem
soma da renda familiar mensal e dos benefícios financeiros previstos nos incisos I a III igual ou inferior a R$ 70,00 (setenta reais)
per capita.”
(3) CF: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) II – garantir o desenvolvimento
nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;”

ACO 3359 Ref-MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 5.8.2020. (INF 985)

Covid-19: ADO e fixação de renda temporária mínima - ADO 56/DF

O Plenário, por maioria, julgou prejudicado pedido formulado em ação direta de


inconstitucionalidade por omissão em que se pleiteava a fixação de renda temporária mínima para fazer
frente à pandemia ligada ao novo coronavírus (Covid-19).
Na inicial, sustentava-se que cabia ao Governo Federal propor, em favor dos mais necessitados,
ante a fragilidade econômica decorrente das restrições à locomoção e ao exercício de atividades
remuneradas tidas como não essenciais, medidas voltadas a assegurar a alimentação, o mínimo existencial
e a dignidade da pessoa humana.
Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, entendeu cabível a ação direta de inconstitucionalidade
por omissão. Vencido, no ponto, o ministro Marco Aurélio (relator), que a reputou inadequada. Ressaltou
que, quando a ação foi ajuizada, havia incurso no Congresso Nacional medida destinada a criar essa renda
que acabou, por fim, sendo criada de forma temporária.
No mérito, prevaleceu o voto do ministro Roberto Barroso que declarou o prejuízo da ação, uma
vez que foi aprovado, pelo Congresso Nacional, o auxílio emergencial e, consequentemente, satisfeito o
que seria o objeto do pedido. Vencido, nesse aspecto, o ministro Edson Fachin, que deu prosseguimento à
ação. Para o ministro, a matéria deveria ter trânsito para examinar-se se há ou não o dever de legislar em
matéria de renda básica, notadamente em períodos de grave crise econômico-social, mas não
exclusivamente nesse âmbito.

ADO 56/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em
30.4.2020. (INF 975)

3.27 SEPARAÇÃO DE PODERES

Criação de conselho de representantes e fiscalização de ações do Executivo - RE 626946/SP


Surge constitucional lei de iniciativa parlamentar a criar conselho de representantes da
sociedade civil, integrante da estrutura do Poder Legislativo, com atribuição de acompanhar ações
do Executivo.
Isso porque inexiste criação de cargos, funções ou empregos públicos da Administração direta ou
autárquica a ensejar a reserva de iniciativa legislativa prevista no art. 61, § 1º, II, a, da Constituição
Federal (CF) (1).
O respeito à independência dos Poderes não pode significar exclusividade do Executivo na
atividade criativa, considerados arranjos institucionais para melhor desempenho na missão constitucional.
Na Carta da República, não são encontrados parâmetros a impedirem a instituição, pelo Legislativo, de
novos mecanismos voltados ao exercício da atividade de controle. Muito menos blindagem destinada a
proteger, do escrutínio do povo, os administradores da coisa pública.
Envolvida participação da sociedade no acompanhamento da gestão pública, com densidade
democrática elevada, o Supremo há de adotar postura de deferência à solução jurídica encontrada pelos
formuladores. Em jogo faz-se a legitimação institucional, por parte do Legislativo, para a tomada de
decisão. O Parlamento é a arena preferencial de deliberação na democracia representativa, de modo que,
ao prever, em âmbito local, a existência de determinado colegiado enquanto mecanismo de atuação direta
da sociedade civil, no acompanhamento da gestão da coisa pública, acaba por dar, mediante a
institucionalização de espaços de participação social, concretude ao que se pode denominar “espírito de
1988” – a ser levado em conta, linear e indistintamente, por todos os Poderes da República.
Cumpre à Casa Legislativa atuar no âmbito da prerrogativa que lhe é própria – discutir, em sede
deliberativa, fiscalizatória e legiferante, os grandes temas nacionais e as diretrizes da atividade estatal na
condução de políticas públicas.
Com esse entendimento, ao apreciar o Tema 1040 da repercussão geral, o Plenário, por maioria,
deu provimento parcial a recurso extraordinário para assentar a higidez constitucional dos arts. 54 e 55,
caput, da Lei Orgânica do Município de São Paulo. Deu interpretação conforme a todos os incisos do
citado art. 55, bem assim, no tocante à Lei municipal 13.881/2004, aos incisos IV, VIII, IX, X, XIII, XIV,
XV e XVI do art. 9º, para não ter como vinculativa ou coercitiva a atuação do Conselho, ao § 1º do art. 12
e ao art. 23, assentando caber ao Legislativo firmar convênios e organizar curso de capacitação. Ainda
quanto à Lei 13.881/2004, concluiu pela inconstitucionalidade das expressões “complementar”, contida
no inciso VI do art. 2º; “através da Subprefeitura”, constante do § 2º do art. 20; dos parágrafos 3º do art.
12 e 2º do art. 15; do título do Capítulo VII — “Da Responsabilidade do Poder Executivo” —; dos arts.
22 e 25, declarando compatíveis com a Lei Maior os demais.

(1) CF: “Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos
Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais
Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º São de
iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (...) II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos
públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;”

RE 626946/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento virtual em 9.10.2020. (INF 994)

Petrobras: criação de subsidiárias e alienação de ativos - Rcl 42576 MC/DF

A específica autorização legislativa somente é obrigatória na hipótese de alienação do


controle acionário de sociedade de economia mista (empresa-mãe). Não há necessidade dessa prévia
e específica anuência para a criação e posterior alienação de ativos da empresa subsidiária, dentro
de um elaborado plano de gestão de desinvestimento, voltado para garantir maiores investimentos
e, consequentemente, maior eficiência e eficácia da empresa-mãe.
Isso porque a inexistência de expressa proibição ou limitação de alienação societária em relação à
autorização legislativa genérica para a criação de subsidiárias corresponde à concessão, pelo Congresso
Nacional ao Poder Executivo, de um importante instrumento de gestão empresarial, para garantir a
eficiência e a eficácia da sociedade de economia mista no cumprimento de suas finalidades societárias.
Portanto, na criação ou extinção de subsidiárias, o preceito maior de gestão empresarial que deve ser
seguido é garantir a melhor atuação, eficiência e eficácia da empresa-mãe.
Ademais, no julgamento da ADI 5.624, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o Congresso
Nacional, nos exatos termos do inciso XX do art. 37 da Constituição Federal (CF) (1), ao criar a
Petrobras, concedeu a necessária autorização legislativa genérica ao Poder Executivo para organizá-la
empresarialmente, a fim de que cumprisse as atividades previstas em seu objeto social da melhor forma
possível. A autorização legislativa não criou ou autorizou especificamente a criação de subsidiária, nem
obrigou qualquer criação, mas permitiu que o Executivo, em atos de gestão empresarial, analisasse essa
possibilidade, que, se concretizada, deveria vincular-se a uma única exigência congressual: respeitar a
finalidade de cumprir as atividades de seu objeto social.
Não caracterizado, portanto, desvio de finalidade ou fraude na criação de subsidiária, no sentido de
“fatiar” a empresa-mãe, permitindo uma “oculta e parcial privatização” sem autorização legislativa, com
somente a venda de seus ativos. Pelo contrário, estão presentes os pressupostos do art. 64 da Lei
9.478/1997 (2), pois, no legítimo e lícito exercício de sua discricionariedade de gestão administrativa, a
Petrobras pretende realizar um plano de desinvestimento, buscando otimizar sua atuação e,
consequentemente, garantir maior rentabilidade, eficiência e eficácia à empresa.
No caso, trata-se de pedido de tutela provisória incidental, em que apontado o descumprimento do
que decidido pelo Plenário no referendo da medida liminar na aludida ADI 5.624, no sentido de que: (i) a
alienação do controle acionário de empresas públicas e sociedades de economia mista exige autorização
legislativa e licitação pública; (ii) a transferência do controle de subsidiárias e controladas não exige a
anuência do Poder Legislativo e poderá ser operacionalizada sem processo de licitação pública, desde que
garantida a competitividade entre os potenciais interessados e observados os princípios da Administração
Pública constantes do art. 37 da CF.
Com esse entendimento, o Plenário, por maioria, indeferiu a medida cautelar na reclamação, nos
termos do voto do ministro Alexandre de Moraes. Vencidos os Ministros Edson Fachin (relator), Rosa
Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio.

(1) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: (...) XX – depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no
inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada;”
(2) Lei 9.478/1997: “Art. 64. Para o estrito cumprimento de atividades de seu objeto social que integrem a indústria do
petróleo, fica a PETROBRAS autorizada a constituir subsidiárias, as quais poderão associar-se, majoritária ou minoritariamente, a
outras empresas.”

Rcl 42576 MC/DF, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 30.9 e 1º.10.2020. (INF 993)

3.28 SEQUESTRO DE VERBAS PÚBLICAS

Bloqueio de verbas públicas e pagamento de débitos de natureza trabalhista - ADPF 485/AP

Tese fixada:

Verbas estaduais não podem ser objeto de bloqueio, penhora e/ou sequestro para pagamento
de valores devidos em ações trabalhistas, ainda que as empresas reclamadas detenham créditos a
receber da administração pública estadual, em virtude do disposto no art. 167, VI e X, da CF, e do
princípio da separação de poderes (art. 2º da CF).

Resumo:

É inconstitucional a interpretação que permite o bloqueio, a penhora e/ou o sequestro de


verbas estaduais, ao fundamento de que os valores em questão constituem créditos devidos pelo
estado a empresas que sejam rés em ações trabalhistas.
Isso porque os atos de constrição praticados pela Justiça do Trabalho sobre verbas públicas, sob
alegação de que as empresas reclamadas deteriam créditos a receber da administração estadual,
configuram violação dos princípios do contraditório, da ampla defesa, do juiz natural, do sistema de
precatórios e da segurança orçamentária.
No caso, trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada em face de
diversas decisões oriundas da Justiça do Trabalho, que determinaram o bloqueio, a penhora e/ou o
sequestro de verbas do Estado do Amapá.
Com base nesse entendimento, o Plenário, em julgamento virtual e por maioria, convertendo a
apreciação da medida cautelar em exame de mérito, julgou procedente o pedido.

ADPF 485/AP, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 4.12.2020 (INF 1001)

3.29 SERVIDORES PÚBLICOS

Teto remuneratório e incidência sobre somatório de remuneração ou provento e pensão - RE


602584/DF

Ocorrida a morte do instituidor da pensão em momento posterior ao da Emenda Constitucional


(EC) 19/1998, o teto constitucional previsto no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal (CF) (1)
incide sobre o somatório de remuneração ou provento e pensão percebida por servidor.
Essa foi a tese de repercussão geral fixada pelo Plenário (Tema 359), ao dar provimento, por
maioria, a recurso extraordinário e indeferir ordem de mandado de segurança.
Na hipótese dos autos, o tribunal de origem assentou a não incidência do teto constitucional
remuneratório sobre a soma dos valores recebidos, por servidora, a título de pensão por morte e os
vencimentos alusivos à remuneração do seu cargo público efetivo.
O colegiado afirmou, inicialmente, estar-se diante de questão diversa da examinada no julgamento
do RE 602.043 (Tema 384) e do RE 612.975 (Tema 377). Esclareceu que, no caso concreto, o servidor
que instituiu a pensão faleceu em 13.6.1999. Na época do julgamento impugnado mediante o
extraordinário (dezembro de 2008), a beneficiária estava na ativa, mas aposentou-se em 19.10.2015,
acumulando a pensão e os proventos da aposentadoria. Concluiu que, portanto, cabível considerar, para
efeito de teto, previsto no art. 37, XI, da CF, o somatório de valores percebidos a título de remuneração,
proventos e pensão.
Vencidos os ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli (presidente) que
negaram provimento ao recurso, ao fundamento de que, por se tratar de direitos decorrentes de fatos
geradores distintos, o teto remuneratório deveria incidir isoladamente sobre cada uma das verbas.

(1) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: (...) XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta,
autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos
detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos
cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em
espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos
Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais
e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e
vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder
Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;”

RE 602584/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 6.8.2020. (INF 985)

3.30 SIMETRIA FEDERATIVA

Tribunal de contas e autonomia municipal - 2 - ADI 346/SP e ADI 4776/SP


O Plenário, em conclusão e por maioria, julgou improcedente pedido formulado em duas ações
diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra o art. 151, caput e parágrafo único, da Constituição do
estado de São Paulo, que estabelece que o Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP) será
composto por cinco conselheiros, aos quais deverão ser aplicadas as normas pertinentes aos conselheiros
do Tribunal de Contas estadual (Informativo 871).
Inicialmente, o colegiado apontou particularidades entre os Tribunais de Contas dos Municípios,
previsto no art. 31, § 1º, da Constituição Federal (CF) (1), e os Tribunais de Contas do Município, apenas
existentes nos municípios de São Paulo e Rio de Janeiro. Os primeiros são órgãos estaduais criados por
deliberação autônoma dos respectivos estados-membros, com a finalidade de auxiliar as Câmaras
Municipais na atribuição de exercer o controle externo, sendo estes órgãos do Tribunal de Contas
estadual. Já o Tribunal de Contas do Município (de São Paulo e do Rio de Janeiro) é órgão independente
e autônomo, pertencente à estrutura da esfera municipal, com a função de auxiliar a Câmara Municipal no
controle externo da fiscalização financeira e orçamentária do respectivo município.
Destacou que o art. 31, § 4º, da CF (2) veda que os municípios criem seus próprios tribunais,
conselhos ou órgãos de contas. Isso, entretanto, não implicou a extinção do TCM-SP e do TCM-RJ,
criados sob a égide de regime constitucional anterior.
Embora a autonomia municipal seja princípio constitucional, ela é limitada pelo poder constituinte
em inúmeros pontos, como, por exemplo, no que proíbe os municípios de criar suas Cortes de Contas.
Nesse contexto, afirmou que a Constituição do estado de São Paulo não fere a autonomia municipal ao
dispor sobre o Tribunal de Contas do Município, mas, ao contrário, a prestigia.
Asseverou que a norma impugnada não faz menção à regra de equiparação de vencimentos dos
conselheiros do Tribunal de Contas do Município aos dos conselheiros do Tribunal de Contas do Estado.
Conforme a jurisprudência desta Corte, o art. 75 (3) da CF estabelece a imposição do modelo federal do
Tribunal de Contas da União. Entretanto, não se pode interpretar analogicamente que os conselheiros
municipais teriam seus vencimentos equiparados aos dos conselheiros estaduais. A fixação da
remuneração dos conselheiros cabe ao município (mesmo que em valor diverso do fixado para os
conselheiros estaduais), uma vez que ele dispõe de autonomia para deliberar sobre os vencimentos de
seus servidores.
Ademais, a Constituição estadual, ao fixar, de forma idêntica à Lei Orgânica do Município de São
Paulo, que o TCM-SP deve ser composto por cinco membros, não ofende o princípio da simetria. É
razoável que um tribunal de contas municipal tenha um número inferior de conselheiros ao dos tribunais
de contas dos estados.
Vencido o ministro Marco Aurélio que julgou as ações procedentes, por vislumbrar desrespeito à
autonomia municipal. De acordo com o ministro, inexiste, na CF, preceito que autorize o estado a fixar
regras para os Tribunais de Contas municipais. Um órgão municipal deve ser estruturado pelo respectivo
ente federado.

(1) CF: “Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e
pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei. § 1º O controle externo da Câmara Municipal
será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos
Municípios, onde houver.”
(2) CF: “Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e
pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei. (...) § 4º É vedada a criação de Tribunais,
Conselhos ou órgãos de Contas Municipais.”
(3) CF: “Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização
dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios”.

ADI 346/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3.6.2020. (INF 980)
ADI 4776/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3.6.2020. (INF 980)

3.31 TRIBUTOS

COFINS: ampliação da base de cálculo e majoração de alíquota - 2 - RE 570122/RS

É constitucional a previsão em lei ordinária que introduz a sistemática da não-cumulatividade a


COFINS dado que observa os princípios da legalidade, isonomia, capacidade contributiva global e não-
confisco.
Essa foi a tese de repercussão geral fixada pelo Plenário (Tema 34), ao negar provimento, por
maioria, a recurso extraordinário em que discutida a constitucionalidade da ampliação da base de cálculo
e da majoração de alíquota da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS),
instituída pela Lei 10.833/2003, resultante da conversão da Medida Provisória 135/2003 (Informativo
844).
Quanto ao alegado vício formal, o colegiado, nos termos do voto do ministro Edson Fachin,
considerou a jurisprudência da Corte no sentido de não vislumbrar ofensa ao art. 246 da Constituição
Federal na hipótese de mera majoração de alíquotas de contribuições sociais. Pela mesma razão, reputou
que o presente caso não atrai a aplicação da reserva de lei complementar, haja vista não se tratar de novo
tributo.
No que se refere à vedação ao efeito confiscatório, concluiu ser juridicamente insustentável buscar
guarida nesse princípio em sede de jurisdição constitucional, tendo em conta a orientação segundo a qual
a caracterização desse efeito pressupõe a análise de dados concretos e de peculiaridades de cada operação
ou situação, tomando-se em conta custos, carga tributária global, margens de lucro e condições pontuais
do mercado e de conjuntura econômica.
Por fim, adotou o entendimento do Tribunal de que eventuais diferenças entre os regimes de lucro
real ou de lucro presumido, inclusive a respeito do direito ao creditamento, não representam ofensa à
isonomia ou à capacidade contributiva, porquanto a sujeição ao regime do lucro presumido é uma escolha
feita pelo contribuinte, considerado o seu planejamento tributário.
Vencido o ministro Marco Aurélio (relator) que conheceu em parte do recurso, e, na parte
conhecida, deu-lhe provimento para declarar a inconstitucionalidade da norma. Votou, também, de forma
contrária à tese fixada.

RE 570122/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgamento em
2.9.2020. (INF 989)

4. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE


4.1 PROFISSIONALIZAÇÃO E TRABALHO

CF, art. 7º, XXXIII: EC 20/1998 e idade mínima para o trabalho - ADI 2096/DF

Resumo:

A norma fundada no art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal (CF) (1), na alteração que lhe
deu a Emenda Constitucional (EC) 20/1998, tem plena validade constitucional. Logo, é vedado
“qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de
quatorze anos”.
O texto constitucional atribui à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar, às crianças e
aos adolescentes, em atenção e respeito à sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, as
condições materiais, afetivas, sociais e psicológicas necessárias ao acesso e à proteção ao direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária. Também lhes incumbe o dever de colocar a criança e o
adolescente a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão [CF, art. 227 (2)].
Atendendo às diretrizes de caráter protetivo fundadas no art. 227, a EC 20/1998 modificou os
critérios etários que definem a idade mínima para o regular início de atividades laborais. No desempenho
de seu poder reformador, o Congresso Nacional proibiu a exploração de natureza estritamente econômica
do trabalho infantil. As sequelas físicas, emocionais e sociais infligidas à criança e ao adolescente em
decorrência da exploração do trabalho infantil, justificam a proteção especial e prioritária destinada a esse
grupo vulnerável.
A temática referente ao trabalho infantil é objeto de diversos instrumentos convencionais no plano
internacional, notadamente a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
(Convenção sobre Idade Mínima de Admissão ao Emprego, 1973) e a Convenção 182 da OIT
(Convenção sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil, 1999), ambas formalmente
incorporadas ao direito positivo interno. Perante a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil
assumiu o compromisso de erradicar todas as formas de trabalho infantil até 2025 [Meta 8.7 da Agenda
2030 para o Desenvolvimento Sustentável (3)].
A elevação da idade mínima para o trabalho do adolescente promovida pela EC 20/1998, além
estar em plena conformidade com os princípios e diretrizes que orientam a doutrina da proteção integral
— diretriz estruturante da CF de 1988 (art. 227) — acha-se, ainda, em harmonia com os objetivos e os
postulados fundamentais da República [CF, art. 3º, IV (4)] e com os princípios básicos extraídos da
ordem jurídica internacional.
Ademais, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua
concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais, impedindo, em consequência,
que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos,
degradados ou suprimidos.
Trata-se, na espécie, de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra a parte final do inciso
XXXIII do art. 7º da CF, na redação dada pela EC 20/1998. A confederação requerente buscava o
restabelecimento do texto anterior do dispositivo constitucional, que determinava a “proibição de trabalho
noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze
anos, salvo na condição de aprendiz”.
O Plenário julgou o pedido improcedente e confirmou a validade da norma questionada.

(1) CF: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: (...) XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de
dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;”
(2) CF: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.”
(3) Agenda 2030/ONU: “8.7 Tomar medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, acabar com a
escravidão moderna e o tráfico de pessoas e assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo
recrutamento e utilização de crianças-soldado, e até 2025 acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas”
(4) CF: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) IV – promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

ADI 2096/DF, rel. Min. Celso de Mello, julgamento virtual em 9.10.2020. (INF 994)

5. DIREITO ELEITORAL

5.1 ELEIÇÃO

Identificação do eleitor: título de eleitor e documento com foto - ADI 4467/DF

Resumo:

A ausência do título de eleitor no momento da votação não constitui, por si só, óbice ao
exercício do sufrágio.
O art. 91-A da Lei 9.504/1997, com a redação dada pela Lei 12.034/2009, e o art. 47, § 1º, da
Resolução 23.218/2010 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com o objetivo de combater a fraude
eleitoral, determinaram, para o exercício do sufrágio, a apresentação concomitante do título eleitoral e de
documento oficial com foto.
Com o advento da biometria, no entanto, a discussão quanto à utilização de documentos de
identificação diversos da biometria perdeu força, mas não foi de todo esvaziada. Há situações em que os
eleitores serão identificados pelo modo tradicional, mediante apresentação de documento com foto: (a)
eleitores ainda não cadastrados biometricamente; (b) inviabilização na utilização da biometria no dia da
votação, por indisponibilidade momentânea ou ocasional do sistema ou impossibilidade de leitura das
informações datiloscópicas do eleitor (impressão digital); ou (c) para o eleitorado geral, em situações
excepcionais, como a que ocorre nas eleições municipais de 2020, ante o cenário deflagrado pela
pandemia da Covid-19.
A análise da questão, sob o prisma do princípio da proporcionalidade, revela que o documento
oficial com foto para identificação do eleitor é medida suficiente e adequada para garantir a autenticidade
do voto, sendo desnecessária a exigência do título. Embora se reconheça que as reformas legislativas
provocaram avanços significativos no sistema eleitoral, na hipótese vertente, o mecanismo imaginado
para frear as investidas fraudulentas criou óbice desnecessário ao exercício do voto pelo eleitor. Isso
porque, com a imposição da limitação, alguns eleitores, regularmente alistados, seriam alijados de
participar do processo eleitoral caso não estivessem portando o título eleitoral no dia da votação, com
eventuais reflexos na soberania popular e no próprio processo democrático.
Aplicável à hipótese, ademais, a “proibição do retrocesso”, uma vez que já conquistado pela
sociedade o direito à autenticidade do voto, mediante a identificação do eleitor pela biometria, bem assim,
de forma secundária, por documento com fotografia, a afastar qualquer entendimento segundo o qual a
ausência do título eleitoral, no momento da votação, impede o exercício do voto.
Com base nesse entendimento, o Plenário confirmou medida cautelar e julgou procedente pedido
formulado em ação direta para conferir interpretação conforme à Constituição aos arts. 91-A da Lei
9.504/1997 e 47, § 1º, da Resolução TSE 23.218/2010.

ADI 4467/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 19.10.2020. (INF 995)

Indeferimento de registro, cassação de diploma ou mandato e novas eleições - RE


1096029/MG

É constitucional, à luz dos arts. 1º, I e parágrafo único, 5º, LIV, e 14, caput e § 9º, da Constituição
da República, o § 3º do art. 224 do Código Eleitoral, com a redação dada pela Lei 13.165/2015, no que
determina a realização automática de novas eleições, independentemente do número de votos anulados,
sempre que o candidato eleito, em pleito majoritário, for desclassificado, por indeferimento do registro de
sua candidatura, ou em virtude de cassação do diploma ou mandato.
Com base nesse entendimento, ao apreciar o Tema 986 da repercussão geral, o Plenário negou
provimento a recurso extraordinário em que se discutia a inconstitucionalidade parcial do aludido
dispositivo legal.

RE 1096029/MG, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 4.3.2020. (INF 968)

Inelegibilidade: configuração de ato doloso de improbidade administrativa e fato


superveniente - ARE 1197808 AgR-segundo e terceiro/SP

A Segunda Turma, por maioria e em conclusão de julgamento, negou provimento a dois agravos
regimentais interpostos de decisão que, em juízo de retratação, proveu recurso extraordinário com agravo,
para afastar declaração, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de inelegibilidade de candidato, porquanto
não mais subsistiria a premissa estruturante de rejeição das contas deste pelo Tribunal de Contas da União
(TCU).
Os agravantes sustentavam, em síntese, que o ato agravado não poderia ter restabelecido a
elegibilidade, pois, segundo a jurisprudência do TSE, a data de diplomação seria o termo final para se
conhecer de fato superveniente ao registro da candidatura que afaste inelegibilidade. Anotavam, ainda,
que o acórdão do TCU reconhecido como fato superveniente foi proferido em recurso de revisão julgado
em 11.9.2019.
Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes (relator).
De início, registrou a oscilação do posicionamento do TSE sobre a aludida matéria ao longo dos
anos. Com a ressalva de que o entendimento jurisprudencial não é absolutamente pacífico, avaliou que,
no caso concreto, a inconstitucionalidade da decisão do TSE, na realidade, parece dar-se não em razão da
limitação temporal da ocorrência do fato superveniente, mas da própria aplicação extensiva da alínea g do
inciso I do art. 1º da Lei Complementar (LC) 64/1990 (1).
Assinalou estar previsto, claramente, no dispositivo legal, que a rejeição de contas relativas ao
exercício de cargos ou funções públicas pelo candidato só atrai a inelegibilidade se da rejeição se
configurar ato doloso de improbidade administrativa. Depreendeu da análise detida dos autos que,
entretanto, essa caracterização não se faz presente na espécie.
A seu ver, o TSE realizou interpretação extensiva da cláusula de inelegibilidade para pressupor
que a simples afronta à Lei de Licitações (Lei 8.666/1993) implicaria a caracterização do ato doloso de
improbidade, o que se revela em desacordo com o texto constitucional e com a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal (STF).
Isso porque, ao se manifestar acerca do § 4º do art. 37 da Constituição Federal (CF) (2), o STF
procedeu à devida distinção entre ato meramente ilegal e ato ímprobo, exigindo para este uma
qualificação especial: lesar o erário ou, ainda, promover enriquecimento ilícito ou favorecimento contra
legem de terceiro. Nessa linha, estaria o que firmado no RE 976.566 (Tema 576 da repercussão geral).
Logo, o ato de improbidade administrativa não pode ser presumido pelo simples descumprimento
da Lei de Licitações. Deve ser comprovado o especial fim de agir do agente público a depender do tipo
enquadrado.
Segundo o ministro, parece ter havido presunção de que, ocorrida a ilegalidade na contratação
pública, o ato de improbidade administrativo doloso seria daí decorrente, sem se ater a elementos factuais,
a partir de mera construção exegética destituída de dados empíricos.
Não se coaduna com a jurisprudência do STF e o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça
a conclusão de que a ausência ou dispensa indevida de licitação é considerada irregularidade insanável
que configura ato doloso de improbidade administrativa, sendo conduta apta a atrair a inelegibilidade
previstas no art. 1º, I, g, da LC 64/1990.
O relator ressaltou que o fato de a ausência de licitação para a contratação de serviços de telefonia
haver sido objeto de ressalva pela Controladoria Geral da União, desde 2009, não configura argumento
suficiente para amparar que se trata de ato de improbidade administrativa doloso.
Reiterou que não se deve confundir ilegalidade ou incompetência com ato de improbidade
administrativa. Ausente o reconhecimento de dano e a clara existência de dolo, não subsiste a conclusão
extraída pelo TSE.
Ademais, o TCU, em sede de recurso de revisão, aprovou, com ressalva, as contas do recorrente e
afastou as multas a ele impostas. Embora a decisão superveniente reforce a inadequação da interpretação
dada pelo TSE ao caso, a bem da verdade, antes mesmo disso, já era incontroverso que a posição inicial
do TCU não firmava a ocorrência de ato doloso ou de dano ao erário apto a amparar a incidência da
aludida alínea. A decisão do TRE e a do TSE reconheceram essa circunstância, daí não há que se falar em
necessidade de revolvimento fático-probatório.
Em arremate, consignou que a decisão do TSE é originariamente acoimada de
inconstitucionalidade, não havendo que se falar também em limitação para ocorrência de fato
superveniente.
Vencido o ministro Edson Fachin, que proveu o agravo para negar seguimento ao recurso
extraordinário, em face de não ser cabível o recurso para simples reexame de prova e da impossibilidade
de, na sede eleita, rever interpretação de legislação infraconstitucional e seus requisitos. Verificou não ser
possível manter o ato agravado até porque não caracterizadas as ofensas constitucionais indicadas no
recurso extraordinário. O provimento de recurso extraordinário depende do reconhecimento, em primeiro
lugar, de repercussão geral da questão constitucional trazida, o que não ocorreu; ou, como segunda opção,
da existência de jurisprudência dominante em casos análogos, o que não parece ser a hipótese dos autos,
até por suas peculiaridades intrínsecas.
Noutro ponto, explicitou que o TCU julgou irregular as contas. O pronunciamento que se deu, em
processo de revisão, foi proferido mais de dez meses após a decisão do TSE e mais de oito meses depois
da diplomação dos candidatos eleitos. Sublinhou que a jurisprudência do TSE é no sentido de que a data
da diplomação é o termo final para se considerar e conhecer qualquer alteração fática ou jurídica
superveniente que se refira aos requisitos para o registro da candidatura. Igualmente, que cabe à Justiça
Eleitoral proceder ao enquadramento das irregularidades como insanáveis, ou não, e verificar se
constituem, ou não, ato doloso de improbidade administrativa.

(1) LC 64/1990: “Art. 1º São inelegíveis: I – para qualquer cargo: (...) g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício
de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por
decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que
se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da
Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;”
(2) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: (...) § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função
pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal
cabível.”

ARE 1197808 AgR-segundo e terceiro/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3.3.2020.
(INF 968)

5.2 SISTEMA ELEITORAL

Cláusula de desempenho individual e constitucionalidade - ADI 5920/DF

O Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade


ajuizada contra o art. 4º da Lei 13.165/2015 (1), no trecho em que deu nova redação ao art. 108 do Código
Eleitoral (CE), para estabelecer o limite mínimo de votação individual de 10% do quociente eleitoral para
preenchimento das vagas em disputa nas eleições submetidas ao sistema proporcional.
O requerente alegava que o dispositivo impugnado traz distorções ao sistema proporcional, uma
vez que, por meio dessa regra, para que um candidato seja eleito seria necessário alcançar
individualmente o índice de 10% do quociente eleitoral. Nesse sentido, partido ou coligação que possua
candidatos de expressão mediana, mesmo que ultrapassem o quociente eleitoral, não fariam jus a
nenhuma vaga. Além do mais, a exigência de limite mínimo individual de votação implicaria ofensa
direta ao regime democrático e ao sistema proporcional, previstos, respectivamente, no parágrafo único
do art. 1º (2) e no art. 45 (3) da Constituição Federal (CF).
O Tribunal entendeu que a alteração trazida pelo art. 4º da Lei 13.165/2015 não viola o princípio
democrático ou o sistema proporcional, consistindo, antes, em valorização da representatividade e do voto
nominal, em consonância com o sistema de listas abertas e com o comportamento cultural do eleitor
brasileiro.
O ministro Luiz Fux (relator) asseverou que o legislador tentou acabar com a figura do “puxador
de votos”, excluindo da participação, no parlamento, candidatos que pessoalmente tenham obtido votação
inexpressiva e, por isso, tenham representatividade popular ínfima.

(1) Lei 13.165/2015: “Art. 4º A Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral , passa a vigorar com as seguintes
alterações: (...) “Art. 108. Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido ou coligação que tenham obtido votos em
número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na
ordem da votação nominal que cada um tenha recebido. Parágrafo único. Os lugares não preenchidos em razão da exigência de
votação nominal mínima a que se refere o caput serão distribuídos de acordo com as regras do art. 109. ”
(2) CF: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) Parágrafo único. Todo o poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. ”
(3) CF: “Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em
cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal. ”

ADI 5920/DF, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 4.3.2020. (INF 968)

Covid-19: suspensão de prazos para filiação partidária, comprovação de domicílio eleitoral e


desincompatibilização de função pública - ADI 6359 Ref-MC/DF

O Plenário, por maioria, referendou decisão que indeferiu pedido de medida cautelar, formulado
em ação direta de inconstitucionalidade, na qual se pleiteava a suspensão por trinta dias, a contar de 4 de
abril de 2020, do prazo previsto no art. 9º, caput, da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições) (1), bem como dos
prazos previstos no art. 1º, IV, V e VII, da Lei Complementar 64/1990 (2) e, por arrastamento, do art. 10,
caput e § 4º, da Resolução 23.609/2019 do Tribunal Superior Eleitoral, que dispõem sobre a escolha e o
registro de candidatos para as eleições, e das disposições correlatas da Resolução 23.606/2019 do
Tribunal Superior Eleitoral, relativa ao Calendário para as Eleições de 2020.
O autor alegava a necessidade da aludida suspensão dos prazos, a fim de garantir ao máximo a
possibilidade de participação dos cidadãos nos pleitos eleitorais. Sustentava que, embora os atos
normativos impugnados consubstanciem leis ainda constitucionais, estariam, em virtude do estado de
coisas produzido pelas medidas de enfrentamento da pandemia da Covid-19, em transição para a
inconstitucionalidade, por inviabilizarem, nas eleições de 2020, a plena prevalência do princípio
democrático e da soberania popular.
O Tribunal reputou ausentes, na hipótese, as circunstâncias excepcionais justificadoras da
suspensão da eficácia dos preceitos normativos impugnados.
Considerou inadequada a aplicação da técnica da lei ainda constitucional, conforme pretendido
pelo autor, para a solução da problemática sob análise. Em primeiro lugar, porque não demonstrado
satisfatoriamente que o parâmetro fático-social decorrente da implementação das medidas de
enfrentamento da pandemia da Covid-19 traduza, pelo menos até o momento, situação justificadora da
suspensão da vigência de direito cuja validade não é de outro modo questionada. No ponto, observou que,
ao imporem restrições a diversas atividades cotidianas, as medidas voltadas a implementar o chamado
distanciamento social provocam transtornos também a atividades de caráter político-partidário.
Entretanto, não é possível vislumbrar as supostas ofensas que os dispositivos normativos impugnados
ocasionam aos princípios democrático e da soberania popular. Em segundo lugar, a imediata suspensão
dos prazos previstos nos atos normativos impugnados teria como inadmissível consequência o
enfraquecimento das proteções contra o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na
Administração direta ou indireta. Isso aumentaria de modo desproporcional o risco para a normalidade e a
legitimidade das eleições [Constituição Federal (CF), art. 14, § 9º] e, consequentemente, produziria um
estado de coisas com potencial ainda maior de vulneração ao princípio democrático e à soberania popular.
Além disso, colocaria em risco a cláusula pétrea da periodicidade do sufrágio (CF, art. 60, § 4º, II) e, em
consequência, a soberania popular e o Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, parágrafo único).
Explicou que a tutela jurisdicional do pleito eleitoral tem como pressuposto a prevalência da
Constituição, que instituiu um Estado Democrático de Direito marcado pela independência e harmonia
entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Isso porque todos os Poderes da República têm a sua
origem e fundamento na CF, manifestação da soberania popular representada em momento histórico pela
Assembleia Nacional Constituinte e atualizada pelos procedimentos reveladores da manifestação do
Poder Constituinte derivado. Nesse contexto, as regras conformadoras dos ritos e procedimentos ínsitos à
democracia devem ser reverenciadas como o que são: garantias de existência perene do regime
democrático.
A ideia de democracia, particularmente, de democracia representativa, não pode ser tratada,
juridicamente, como conceito meramente abstrato, ideal vago ou simples retórica, sem densidade
semântica e normativa aptas a determinar, na vida prática da República, os modos de funcionamento do
Estado e de relacionamento entre as instituições e os poderes.
Prazos como o de desincompatibilização não são meras formalidades, mas visam a assegurar a
preponderância da isonomia, expressão que é do próprio princípio republicano, na disputa eleitoral. Sua
inobservância pode vulnerar a própria legitimidade do processo eleitoral, valor consagrado no art. 14, §
9º, da CF.
Ademais, a exigência da anterioridade da lei eleitoral (CF, art. 16) consubstancia marco temporal
objetivo que tem por escopo impedir mudanças abruptas na legislação eleitoral, como forma de assegurar
o devido processo legal eleitoral, o direito das minorias e a paridade de armas na disputa eleitoral.
Desdobramento do postulado da segurança jurídica, o princípio da anterioridade – ou da anualidade – da
lei eleitoral tem sido consistentemente prestigiado pelo Supremo Tribunal Federal, que já assentou a sua
extensão às decisões judiciais que impliquem alteração de jurisprudência.
Asseverou que, em face das medidas excepcionais de enfrentamento da pandemia da Covid-19, a
ideia de ampliar prazos eleitorais, com a antecedência buscada, pode ser tentadora. Não obstante, a
história constitucional recomenda que, especialmente em situações de crise, se busque, ao máximo, a
preservação dos procedimentos estabelecidos de expressão da vontade popular, das instituições
conformadoras da democracia, que, não obstante sua falibilidade, pode ser uma das poucas salvaguardas
da normalidade.
Ponderou que, obviamente, a inviabilidade de condições fáticas pode impor suspensão,
prorrogações, adiamentos. No ponto, entretanto, mencionou decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
em sessão administrativa de 19.3.2020, que rejeitou requerimento de prorrogação do prazo de filiação
partidária, tendo em vista a pandemia da Covid-19, e registrou, à unanimidade, a plena possibilidade de
os partidos adotarem meios outros para assegurar a filiação partidária.
Na ocasião, a ministra Rosa Weber (relatora), após reafirmar os fundamentos da decisão
denegatória da liminar sob referendo, apresentou outras considerações. Dentre elas, frisou não estar em
discussão o exame da lide pelo enfoque suscitado a título de atualização do pedido inicial. Após, ressaltou
que, de acordo com o último relatório semanal divulgado pelo Grupo de Trabalho constituído no TSE
para monitorar os impactos da pandemia da Covid-19, com vista às eleições municipais de 2020, foi
mantida a posição de que, à luz do calendário eleitoral vigente, a Justiça Eleitoral, até o presente
momento, tem condições materiais para a implementação das eleições no corrente ano. Acrescentou ter
sido, ainda, amplamente noticiado o consenso dos ministros daquela corte de que só em junho haverá
definição a respeito, a exigir, em qualquer hipótese, a atuação do Congresso Nacional, em se tratando de
datas e balizas fixadas na CF. Reafirmou que uma situação de crise não prescinde de uma permanente
reavaliação das estratégias jurídico-políticas mais efetivas para a preservação da incolumidade da ordem
constitucional.
Concluiu que o risco de fragilização do sistema democrático e do próprio Estado de direito
relacionado à perturbação dos prazos eleitorais, em decorrência do acolhimento da pretensão cautelar,
afigura-se como um risco, a toda evidência, manifestamente mais grave do que o prejuízo alegado em
razão da manutenção dos prazos nas circunstâncias atuais. No equacionamento da controvérsia, a
importância intrínseca do processo democrático e o valor sagrado do sufrágio não devem ser esquecidos.
Vencido o ministro Marco Aurélio que extinguiu a ação por julgá-la inadequada. Segundo o
ministro, a disciplina da matéria — adiamento de atos alusivos ao calendário eleitoral — cabe ao Poder
Legislativo.

(1) Lei 9.504/1997: “Art. 9º Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva
circunscrição pelo prazo de seis meses e estar com a filiação deferida pelo partido no mesmo prazo.”
(2) Lei Complementar 64/1990: “Art. 1º São inelegíveis: (...) IV – para Prefeito e Vice-Prefeito: a) no que lhes for
aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e
Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, observado o prazo de 4 (quatro) meses para a desincompatibilização; b) os
membros do Ministério Público e Defensoria Pública em exercício na Comarca, nos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito, sem
prejuízo dos vencimentos integrais; c) as autoridades policiais, civis ou militares, com exercício no Município, nos 4 (quatro) meses
anteriores ao pleito; V – para o Senado Federal: a) os inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República
especificados na alínea a do inciso II deste artigo e, no tocante às demais alíneas, quando se tratar de repartição pública, associação
ou empresa que opere no território do Estado, observados os mesmos prazos; b) em cada Estado e no Distrito Federal, os inelegíveis
para os cargos de Governador e Vice-Governador, nas mesmas condições estabelecidas, observados os mesmos prazos; (...) VII –
para a Câmara Municipal: a) no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para o Senado Federal e para a
Câmara dos Deputados, observado o prazo de 6 (seis) meses para a desincompatibilização; b) em cada Município, os inelegíveis
para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito, observado o prazo de 6 (seis) meses para a desincompatibilização.”

ADI 6359 Ref-MC/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 14.5.2020. (INF 977)

Dispensa da exigência de votação mínima e distribuição das vagas remanescentes - ADI


5947/DF

O Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade


ajuizada contra o art. 3º da Lei 13.488/2017 (1), que, ao dar nova redação do art. 109, § 2º, do Código
Eleitoral (CE), estabelece que todos os partidos e coligações que participaram do pleito podem concorrer
às denominadas “sobras eleitorais”.
O colegiado entendeu que o dispositivo impugnado, ao flexibilizar a exigência de votação mínima
para que os partidos possam concorrer à obtenção de assentos no Legislativo a partir das “sobras
eleitorais”, optou por uma entre as várias fórmulas possíveis para disciplinar a distribuição das cadeiras
não preenchidas após a aplicação dos divisores previstos na legislação de regência, sem discrepar do
cerne do sistema de representação proporcional, especialmente porque pretendeu-se reforçar o principal
traço distintivo desta fórmula eleitoral, ou seja, a efetiva participação das minorias na arena político-
institucional.
Asseverou que, se é possível, de um lado, argumentar não ser a flexibilização dos critérios alusivos
à distribuição das cadeiras correspondentes às denominadas “sobras eleitorais” a opção mais coerente ante
o recente esforço legislativo no sentido de reduzir o número de partidos políticos, não é menos acertado,
de outro, afirmar que eventual discordância com relação à pertinência da regra voltada a prestigiar a
representação congressual das minorias é insuficiente a fundamentar a censura, pelo Tribunal, do
dispositivo atacado – a versar quadro fático residual cuja regulamentação mostra-se incapaz, por si só, de
subverter o modelo de representação parlamentar imposto pelo estatuto jurídico-constitucional.
Concluiu ser eminentemente política a decisão por meio da qual aprovada, em ambas as Casas
legislativas, a norma em questão. Portanto, ausente ofensa direta ao complexo normativo previsto nos
artigos 17, 27, § 1º, 32, § 3º, e 45 da Constituição Federal (CF), preservado o núcleo essencial do sistema
representativo e proporcional, não cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) atuar como fonte de direito,
observados os limites impostos pela CF, sob pena de indevida ingerência em legítima opção político-
normativa do Parlamento.

(1) Lei 13.488/2017: “Art. 3º A Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), passa a vigorar com as seguintes
alterações: “Art. 109. (...) § 2º Poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos e coligações que participaram do
pleito.”

ADI 5947/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 4.3.2020. (INF 968)

Sistema de representação proporcional e distribuição das vagas remanescentes - ADI


5420/DF

O Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta, para
declarar a inconstitucionalidade da expressão “número de lugares definido para o partido pelo cálculo do
quociente partidário do art. 107”, constante do inciso I do art. 109 do Código Eleitoral (CE) (1), com
redação dada pela Lei 13.165/2015, o qual estabelece nova sistemática de distribuição das chamadas
“sobras eleitorais”. Manteve, nesta parte, o critério de cálculo vigente antes da edição do referido diploma
legal.
O colegiado entendeu que o novo regramento desconsidera a distribuição eleitoral de cadeiras
baseada na proporcionalidade, prevista no art. 45 da Constituição Federal (CF) (2), que é intrínseca ao
sistema proporcional, em que as vagas são distribuídas aos partidos políticos de forma a refletir o
pluralismo político-ideológico presente na sociedade.
Esclareceu que um dado fixo é utilizado para os seguidos cálculos de atribuição das vagas
remanescentes, desprezando-se a aquisição de vagas nas operações anteriores. Dessa forma, o partido
político ou coligação que primeiro atingir a maior média e, consequentemente, receber a primeira vaga
remanescente, acabará por obter todas as vagas seguintes enquanto possuir candidato que atenda à
exigência de votação nominal mínima (pelo menos 10% do quociente eleitoral). Isso ocasionará uma
tendência à concentração, em uma única sigla ou coligação, das vagas remanescentes.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que julgou improcedente o pedido. Segundo o ministro, sem
prejuízo do princípio da proporcionalidade, fez-se uma opção normativa ao se beneficiar o partido de
melhor desempenho no certame, de início, na distribuição das sobras com uma cadeira, o que implica a
higidez do preceito.

(1) CE: “Art. 109. Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários e em razão da exigência de
votação nominal mínima a que se refere o art. 108 serão distribuídos de acordo com as seguintes regras: I - dividir-se-á o número de
votos válidos atribuídos a cada partido ou coligação pelo número de lugares definido para o partido pelo cálculo do quociente
partidário do art. 107, mais um, cabendo ao partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher, desde
que tenha candidato que atenda à exigência de votação nominal mínima;”
(2) CF: “Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em
cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.”

ADI 5420/DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 4.3.2020. (INF 968)

6. DIREITO FINANCEIRO
6.1 LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL
COVID-19: limites da despesa total com pessoal e regime extraordinário fiscal e financeiro -
ADI 6394/AC

ODS 3

Resumo:

Os limites da despesa total com pessoal e as vedações à concessão de vantagens, reajustes e


aumentos remuneratórios previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) somente podem ser
afastados quando a despesa for de caráter temporário, com vigência e efeitos restritos à duração da
calamidade pública, e com propósito exclusivo de enfrentar tal calamidade e suas consequências
sociais e econômicas.
Como medida de combate aos efeitos negativos decorrentes da pandemia de COVID-19, o
Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional (EC) 106/2020 que instituiu o “regime
extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade pública nacional
decorrente de pandemia”. Nessa EC, há a previsão de uma autorização destinada a todos os entes
federativos (União, estados, Distrito Federal e municípios) para a flexibilização das limitações legais
relativas às ações governamentais que, não implicando despesas permanentes, acarretem aumento de
despesa.
Como se constata da leitura do art. 3º da EC 106/2020 (1), os pressupostos para que determinada
despesa esteja desobrigada das limitações fiscais ordinárias, entre as quais aquelas previstas no art. 22 da
LRF (2), são a exclusividade (a despesa deve ter como único propósito o enfrentamento da calamidade
pública e suas consequências sociais e econômicas) e a temporariedade (a despesa deve ser
necessariamente transitória e com vigência restrita ao período da calamidade pública).
Nesse contexto, medida que acarrete a execução de gastos públicos continuados, como a
contratação e aumento remuneratório e concessão de vantagens a servidores da área da saúde, não
encontra fundamento constitucional, nem mesmo no regime fiscal extraordinário estabelecido pela EC
106/2020.
No caso, trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo governador do estado do
Acre, mediante a qual requer seja conferida interpretação conforme a Constituição aos arts. 19, 20, 21, 22
e 23 da LRF, de modo a afastar as limitações de despesa com pessoal, contratação, aumento
remuneratório e concessão de vantagens aos servidores da área da saúde.
Com esse entendimento, o Plenário conheceu parcialmente da ação e, na parte conhecida, julgou
improcedente o pedido.

(1) EC 106/2020: “Art. 3º. Desde que não impliquem despesa permanente, as proposições legislativas e os atos do Poder
Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas, com vigência e efeitos
restritos à sua duração, ficam dispensados da observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento
de ação governamental que acarrete aumento de despesa e à concessão ou à ampliação de incentivo ou benefício de natureza
tributária da qual decorre renúncia de receita. Parágrafo único. Durante a vigência da calamidade pública nacional de que trata o art.
1º desta Emenda Constitucional, não se aplica o disposto no § 3º do art. 195 da Constituição Federal.”
(2) LRF: “Art. 22. A verificação do cumprimento dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 será realizada ao final de cada
quadrimestre.  Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite, são vedados ao
Poder ou órgão referido no art. 20 que houver incorrido no excesso: I – concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de
remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão
prevista no inciso X do art. 37 da Constituição; II – criação de cargo, emprego ou função; III – alteração de estrutura de carreira que
implique aumento de despesa; IV – provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a
reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança; V – contratação de
hora extra, salvo no caso do disposto no inciso II do § 6o do art. 57 da Constituição e as situações previstas na lei de diretrizes
orçamentárias.”

ADI 6394/AC, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 20.11.2020 (INF
1000)

7. DIREITO PENAL
7.1 CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
Crime de fuga e direito à não autoincriminação - ADC 35/DF

É constitucional o tipo penal que prevê o crime de fuga do local do acidente [Código de
Trânsito Brasileiro (CTB) art. 305] (1).
A evasão do local do acidente não constitui exercício do direito ao silêncio ou do princípio do
nemo tenetur se detegere. Essas garantias apenas limitam o Estado de impor a colaboração ativa do
condutor do veículo envolvido no acidente para produção de provas que o prejudique.
A escolha do legislador infraconstitucional está em consonância com o escopo da regra
convencional sobre trânsito de “aumentar a segurança nas rodovias mediante a adoção de regras
uniformes de trânsito”.
O conjunto de leis no sentido do recrudescimento das regras de conduta no trânsito decorre da
política criminal que visa acoimar a lamentável e alarmante situação que envolvem os acidentes de
trânsito e que resultam, invariavelmente, mortes e graves lesões. A identificação dos envolvidos constitui
fator imprescindível para consecução da finalidade da norma de regência.
Nessa dimensão, é concedido ao condutor uma série de direitos resultantes da autorização
conferida pelo Estado, mas que, a seu lado, obrigações são irrogadas e dentre elas, encontra-se a de
permanecer no local do acidente para que seja identificado. Ressalte-se que a permanência no local do
acidente não comporta ilação de confissão de autoria delitiva ou de responsabilidade pelo sinistro, mas
tão somente a sua identificação.
Com esse entendimento, o Plenário, por maioria, declarou a constitucionalidade do tipo penal
descrito no art. 305 do CTB e julgou procedente a ação declaratória.

(1) CTB: “Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que
lhe possa ser atribuída: Penas – detenção, de seis meses a um ano, ou multa.”

ADC 35/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgamento virtual em
9.10.2020. (INF 994)

7.2 CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E LEGISLAÇÃO PENAL


ESPECIAL

Corrupção passiva e danos morais coletivos - AP 1002/DF

A Segunda Turma, ao concluir exame de ação penal, julgou parcialmente procedente denúncia
recebida em desfavor de um ex-deputado federal e um engenheiro civil, cujos fatos se referem à
concretização de acordo extrajudicial sobre a remuneração de serviços de praticagem entre empresas de
praticagem atuantes em certa zona portuária e a Petrobrás S/A.
No mérito, os réus foram: (i) condenados, em votação majoritária, pela prática do delito de
corrupção passiva, com incidência de causa de aumento apenas na reprimenda do ex-parlamentar; e (ii)
condenados, em votação unânime, pelo cometimento do delito de lavagem de dinheiro por dezenove
vezes. Ambos foram absolvidos, por unanimidade, das imputações remanescentes.
Na sequência, as penas e os respectivos regimes de cumprimento foram fixados, declarada a
extinção da punibilidade do engenheiro quanto ao delito de corrupção passiva, em razão do
reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal.
Acerca de outros efeitos da condenação, a Turma, por maioria: (i) fixou valor mínimo
indenizatório para a reparação dos danos morais coletivos em quantia a ser adimplida de forma solidária
pelos sentenciados; e (ii) assentou o prejuízo do pedido de perda de mandato parlamentar. Ademais, por
unanimidade: (i) não acolheu a pretensão de danos materiais; (ii) decretou, em favor da União, a perda
dos bens, direitos e valores objeto da lavagem em relação a qual foram condenados, ressalvado o direito
do lesado ou de terceiro de boa-fé; (iii) decretou a interdição dos condenados para o exercício de cargo ou
função pública de qualquer natureza e de diretor, de membro de conselho de administração ou de gerência
das pessoas jurídicas referidas no art. 9º da Lei 9.613/1998, pelo dobro do tempo da pena privativa de
liberdade a eles aplicada; (iv) condenou-os ao pagamento das custas processuais e determinou a
expedição de guia de execução das reprimendas cominadas tão logo esgotada a análise das insurgências
cognoscíveis que venham a ser interpostas contra esta decisão.
Ao tratar do crime de corrupção passiva cometido pelo ex-deputado, o colegiado afirmou que o
tipo exige a demonstração de que o favorecimento negociado pelo agente público se encontre no rol das
atribuições previstas para a função que exerce. As circunstâncias fáticas verificadas permitem essa
conclusão no caso concreto.
Depois de refletir acerca do “presidencialismo de coalização”, compreendeu que se confere aos
parlamentares um espectro de poder para além da mera deliberação de atos legislativos, tanto que a
participação efetiva deles nas decisões de governo se dá com a indicação de quadros para o
preenchimento de cargos no Poder Executivo. Entretanto, há evidente “mercadejamento” da função
parlamentar quando o poder de indicar alguém para determinado cargo ou de dar sustentação política para
nele permanecer é exercido de forma desviada, voltado à percepção de vantagens indevidas.
A singela assertiva de que não compete ao parlamentar nomear ou exonerar alguém de cargos
públicos vinculados ao Poder Executivo desconsidera a organização do sistema presidencialista brasileiro.
Não fosse isso, deve-se ter em mente que a Constituição Federal (CF), expressamente, atribui aos
parlamentares funções que vão além da tomada de decisões voltadas à produção de atos legislativos.
Logo, é plenamente viável a configuração do delito de corrupção passiva quando a vantagem
indevida é solicitada, recebida ou aceita pelo agente público, em troca da manifestação da força política
que este detém para a condução ou sustentação de determinado agente em cargo que demanda tal apoio.
O exercício do mandato eletivo se faz de forma concomitante e indissociável à atividade partidária.
Esse contexto não encaminha à criminalização da atividade político-partidária, apenas responsabiliza os
atos de pessoas que, na condição de parlamentares, transbordam os limites do exercício legítimo da
representação popular.
Vencidos, no ponto, os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que desclassificaram a
infração para o crime de tráfico de influência. Para eles, a vantagem indevida teria sido recebida a
pretexto de influir em ato praticado por funcionário público.
O ministro Ricardo Lewandowski entendeu que as vantagens auferidas não estavam vinculadas a
ato de ofício ou a conjunto de atribuições inerentes ao cargo parlamentar. Noutro ponto, ainda admitiu a
coexistência da prática do delito de tráfico de influência e de lavagem de dinheiro pelo mesmo agente,
desde que se comprove a realização de dolos distintos para cada um deles.
Já, na compreensão do ministro Gilmar Mendes, os valores recebidos não estavam vinculados ao
exercício das funções de deputado federal. O fato determinante não foi o mandato ocupado, mas a relação
pessoal de suposta influência que possuía junto a determinado funcionário público e não teria a ver com a
manutenção do funcionário na empresa. Além disso, o ministro ponderou não caber a aplicação aos
titulares de mandatos eletivos do incremento de pena previsto em parágrafo próprio do preceito do delito
de corrupção passiva. Isso ocorre em virtude da impossibilidade do uso da interpretação extensiva. Viola
ainda a proibição de dupla punição pelo mesmo fato.
Em outro passo, a Turma não acolheu o pedido do Ministério Público quanto à fixação de danos
materiais. Considerou impassível de cognição na seara processual penal, pois os limites de conhecimento
definidos nos autos não se mostram adequados à mensuração do possível dano material advindo das
condutas dos imputados.
Assinalou que a prestação jurisdicional pode ficar eventualmente reservada ao juízo cível
competente, mediante instrumentos próprios de definição de responsabilidade civil.
Ao acolher a pretensão relativa aos danos coletivos, o colegiado entendeu que o ordenamento
jurídico também tutela, no âmbito da responsabilidade, o dano moral na esfera individual e na forma
coletiva, conforme o inciso X do art. 5º da Constituição Federal (CF) (1); o art. 186 do Código Civil
(CCv) (2); e, destacadamente, o inciso VIII do art. 1º da Lei 7.347/1985 (3).
Na tutela dos direitos coletivos em sentido amplo, a doutrina admite, de longa data, a configuração
da responsabilidade civil decorrente de dano moral coletivo com base na prática de ato ilícito. Considerou
ser nessa direção que o Poder Constituinte originário se postou à luz dos objetivos fundamentais
elencados no art. 3º (4) e declarados no preâmbulo da CF.
Por fim, avaliou estar presente o dever de indenizar nos termos do art. 927 do CCv (5).
O ministro Celso de Mello reputou ser legítima a condenação, especialmente ao se considerarem a
natureza e a finalidade resultantes do reconhecimento de que se revestem os danos morais coletivos cuja
metaindividualidade, caracterizada por sua índole difusa, atinge, de modo subjetivamente indeterminado,
uma gama extensa de pessoas, de grupos e de instituições.
Vencido, no ponto, o ministro Ricardo Lewandowski, que afastou a possibilidade de se processar a
condenação ao dano moral no próprio processo penal, no que foi acompanhado pelo ministro Gilmar
Mendes. Segundo o ministro Ricardo Lewandowski, o processo coletivo situa-se em outro âmbito, no
qual não se leva em consideração o direito do indivíduo, e sim os direitos coletivos de pessoas que
pertençam a determinado grupo ou ao público em geral. Na espécie, inexiste ambiente processual
adequado para a análise de dano moral coletivo, o que recomenda o exame da querela em ação autônoma.
Sobre a proposta de perda do mandato eletivo, a Turma julgou ter havido a perda do objeto.
Com o término da Legislatura 2015-2019, encerrou-se o mandato político do denunciado. A
despeito de ter reassumido o mandato de deputado federal na Legislatura 2019-2023, na qualidade de
suplente, não mais se encontra no exercício desse cargo parlamentar.
No particular, vencido o ministro Ricardo Lewandowski, que não considerou prejudicado o pedido
e se manifestou contra a perda do mandato, no que foi seguido pelo ministro Gilmar Mendes. O ministro
Ricardo Lewandowski aduziu, ademais, que, apesar de o réu ter se afastado na legislatura em curso, nada
impede que ele retorne a qualquer momento. A sua posição de deputado suplente persiste integralmente.

(1) CF: “Art. 5º (...) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
(2) CCv: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
(3) Lei 7.347/1985: “Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de
responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (...) VIII – ao patrimônio público e social.”
(4) CF: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre,
justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.”
(5) CCv: “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo
único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

AP 1002/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 9.6.2020. (INF 981)

7.3 CRIMES CONTRA A HONRA

Ação penal privada: difamação, vídeo com conteúdo fraudulento e divulgação em rede social
de parlamentar - AP 1021/DF

A Primeira Turma julgou procedente pedido formulado em ação penal para condenar deputado
federal pela prática do crime de difamação agravada.
Cuida-se de ação penal privada promovida contra parlamentar em cujo perfil de rede social foi
publicado vídeo editado com cortes de trechos de discurso feito pelo autor, então deputado federal, a fim
de difamá-lo (Informativo 876).
Inicialmente, o colegiado assentou que as alegações de inépcia da inicial e de incidência da
imunidade parlamentar já tinham sido rejeitadas quando do recebimento da queixa-crime. Na espécie, não
se aplica a imunidade parlamentar, pois o ato não foi praticado in officio ou propter officium.
Reiterou que a liberdade de opinião e manifestação do parlamentar, ratione muneris, impõe
contornos à imunidade material, nos limites estritamente necessários à defesa do mandato contra o
arbítrio, à luz do princípio republicano que norteia a Constituição Federal (CF).
De igual modo, a veiculação dolosa de vídeo com conteúdo fraudulento, para fins difamatórios, a
conferir ampla divulgação pela rede social ao conteúdo sabidamente falso, não encontra abrigo na
imunidade parlamentar [CF, art. 53 (1)].
No mérito, foi assentada a comprovação da materialidade do delito. Laudo de perícia criminal de
instituto de criminalística da polícia civil concluiu que o vídeo foi editado e que o processo de edição
resultou na modificação da informação, conduzindo à compreensão diversa da realidade factual.
A Turma realçou que o conteúdo original da manifestação sofreu vários cortes, após os quais
passou a revelar conotação racista e preconceituosa. O fato de veicular trechos da fala do autor é elemento
especioso, ardil empregado com o intuito de conferir-lhe verossimilhança.
Além disso, o dano à honra do querelante foi certificado em juízo por depoimentos prestados.
Simultaneamente, há prova do impacto sobre a imagem do autor. A fraude revela nítido potencial de
enganar os cidadãos que a visualizaram e de produzir discursos de ódio contra a fala indevidamente
alterada, difamando o opositor político do réu.
Noutro passo, assinalou que a publicação em perfil de rede social é penalmente imputável ao
agente que, dolosamente, tem o intuito de difamar, injuriar ou caluniar terceiros, máxime quando
demonstrado o conhecimento da falsidade do conteúdo. A criminalização da veiculação de conteúdo com
essas finalidades não colide com o direito fundamental à liberdade de expressão.
Observou que o delito contra a honra é de ação múltipla, conglobando não apenas a criação do
conteúdo criminoso como também a sua postagem e a disponibilização de perfil em rede social com fim
de servir de plataforma à alavancagem da injúria, calúnia ou difamação. A autoria desses crimes
praticados por meio da internet demanda: (i) demonstração de que o réu é o titular de página, blogue ou
perfil pelo qual divulgado o material difamatório; (ii) demonstração do consentimento — prévio,
concomitante ou sucessivo — com a veiculação em seu perfil; (iii) demonstração de que o réu tinha
conhecimento do conteúdo fraudulento da postagem (animus injuriandi, caluniandi ou diffamandi).
A divulgação do conteúdo fraudado constitui etapa da execução do crime, a estabelecer a autoria
criminosa do divulgador, que não exclui a do programador visual ou do editor responsável pela execução
material da fraude, quando promovidas por outros agentes em coautoria. Na circunstância de um ajudante
postar vídeo fraudulento veiculador de difamação, a coautoria criminosa do titular do perfil somente é
afastada se ele desconhecer o uso de sua página para a divulgação e, portanto, não consentir com o
emprego de sua plataforma em rede social para alavancar a campanha difamatória.
Na situação dos autos, os testemunhos colhidos na instrução corroboram a autoria criminosa. O
referido vídeo foi postado no perfil do acusado, que admitiu tê-lo assistido e ter sido informado da
postagem quando foi disponibilizado em sua página na rede social. O réu sabia que o conteúdo não era
fidedigno à fala do querelante, porquanto se tratava de manifestação absolutamente contrária à proferida
em debate do qual ele próprio participara e cujo conteúdo era de seu inteiro conhecimento. Ainda assim, o
parlamentar-querelado manteve o conteúdo difamatório disponível em sua plataforma, que somente foi
retirado de circulação após decisão judicial. Ademais, o vídeo fraudulento elevou a popularidade do réu
na rede social utilizada, revelando número de visualizações superior à média de sua página, a evidenciar
seu ganho pessoal com a campanha difamatória.
Ao rechaçar tese defensiva da ausência de dolo de difamar, o colegiado anotou que as alegações
não se sustentam. A divulgação por mero animus narrandi se caracteriza quando há desconhecimento da
natureza fraudulenta. Na espécie, o réu detinha todas as informações necessárias para conhecer o
descompasso entre o discurso proferido e o divulgado no vídeo com adulterações aptas a inverter o
sentido da fala e conferir-lhe teor racista. Igualmente inverossímil a arguição de que os cortes realizados
tiveram finalidade exclusivamente técnica, com o objetivo de reduzir o vídeo ao tamanho limite do
suporte de mídia utilizado. Se essa fosse unicamente a intenção, os cortes não teriam deturpado a fala do
querelante. Outros trechos poderiam ter sido excluídos para atender ao propósito técnico.
Em sede de dosimetria, a Turma considerou presentes quatro circunstâncias judiciais negativas.
Cominou reprimenda de um ano de detenção, no regime inicial aberto, cumulada com pena de multa.
Diante de pressupostos legais, substituiu a pena privativa de liberdade por prestação pecuniária, na
forma do art. 45, § 1º, do Código Penal (CP) (2), consistente no pagamento de trinta salários mínimos à
vítima, fixado como montante mínimo para reparação dos danos causados pela infração.
Vencido o ministro Marco Aurélio quanto à fixação de regime aberto para cumprimento inicial da
reprimenda e à substituição da pena privativa de liberdade. Segundo o ministro, o regime aberto é
reservado a situações em que as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP (3) são favoráveis ao acusado e
o relator apontou haver quatro situações contrárias ao réu. Além disso, o ministro compreendeu que o
inciso III do art. 44 do CP (4) afasta, considerado o objetivo da norma, a possibilidade de, ante
circunstâncias judiciais negativas, proceder-se à substituição da pena por restritiva de direitos.
(1) CF: “Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e
votos.”
(2) CP: “Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na forma deste e dos arts. 46, 47 e
48. § 1º A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada
com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e
sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se
coincidentes os beneficiários.”
(3) CP: “Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos
motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja
necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:”
(4) CP: “Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (...) III – a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias
indicarem que essa substituição seja suficiente.”

AP 1021/DF, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 18.8.2020. (INF 987)

Discurso de parlamentar e crime contra honra - PET 7174/DF

A Primeira Turma recebeu queixa-crime formulada contra parlamentar pela prática de crime de
difamação e injúria.
De acordo com a inicial, o parlamentar-querelado, em discurso proferido no Plenário da Câmara
dos Deputados e em reunião da Comissão de Constituição e Justiça e da Cidadania da mesma Casa, teria
desferido ofensas verbais a artistas, ao afirmar, dentre outras imputações, que eles teriam “assaltado” os
cofres públicos ao angariar recursos oriundos da Lei Rouanet (Lei 8.313/1991).
A Turma salientou que o fato de o parlamentar estar na Casa legislativa no momento em que
proferiu as declarações não afasta a possibilidade de cometimento de crimes contra a honra, nos casos em
que as ofensas são divulgadas pelo próprio parlamentar na Internet.
Afirmou que a inviolabilidade material somente abarca as declarações que apresentem nexo direto
e evidente com o exercício das funções parlamentares.
No caso concreto, embora aludindo à Lei Rouanet, o parlamentar nada acrescentou ao debate
público sobre a melhor forma de distribuição dos recursos destinados à cultura, limitando-se a proferir
palavras ofensivas à dignidade dos querelantes.
O Parlamento é o local por excelência para o livre mercado de ideias – não para o livre mercado de
ofensas. A liberdade de expressão política dos parlamentares, ainda que vigorosa, deve se manter nos
limites da civilidade. Ninguém pode se escudar na inviolabilidade parlamentar para, sem vinculação com
a função, agredir a dignidade alheia ou difundir discursos de ódio, violência e discriminação.
Vencido o ministro Alexandre de Moraes (relator), que rejeitou a queixa-crime e absolveu
sumariamente o querelado. Pontuou que as declarações do querelado foram proferidas na Casa legislativa,
circunstância que desautoriza a deflagração de qualquer medida judicial censória da conduta imputada ao
parlamentar, sendo indiferente indagar-se acerca do conteúdo da manifestação realizada.

PET 7174/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em
10.3.2020. (INF 969)

7.4 CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM


GERAL

Crime de desobediência: ato atentatório à dignidade da Justiça e tipicidade - 2 - HC


169417/SP

A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, concedeu a ordem de habeas


corpus, de ofício, para determinar a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos,
cabendo ao juízo de origem fixar as condições da pena substitutiva (Informativo 966).
Na espécie, o paciente foi condenado à pena de 1 mês e 10 dias de detenção, em regime
semiaberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, pela prática do crime de desobediência [Código Penal (CP),
art. 330 (1)]. Segundo a denúncia, ele não atendeu a ordem dada pelo oficial de justiça na ocasião do
cumprimento de mandado de entrega de veículo, expedido no juízo cível. Recusou-se, na qualidade de
depositário do bem, a entregar o veículo ou a indicar sua localização.
A defesa requeria a absolvição do paciente, sob o argumento de atipicidade da conduta, e,
sucessivamente, a substituição da sanção privativa de liberdade por restritiva de direitos ou a imposição
de regime aberto.
O colegiado rejeitou a alegação de que a conduta seria atípica. Assentou não haver prejuízo da
responsabilidade penal e ser possível a aplicação de sanções civis, criminais e processuais.
Após salientar que a condenação é pequena e o delito, sem gravidade, assegurou a substituição da
reprimenda corporal por restritiva de direitos, a ser imposta na origem.
Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que deferiu a ordem em maior extensão, para tornar
insubsistente o título condenatório. A seu ver, a conduta é desprovida de tipicidade penal.

(1) CP: “Art. 330 – Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e
multa.”

HC 169417/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento
em 28.4.2020. (INF 975)

7.5 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

Prescrição penal e natureza constitucional - RE 1241683 AgR/RS

A Primeira Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental para dar provimento a
recurso extraordinário e afastar o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva.
No caso, o acórdão recorrido reconheceu a extinção da punibilidade do réu em decorrência da
prescrição da pretensão punitiva, tendo como marco interruptivo somente a sentença condenatória. A
decisão foi fundada no entendimento de que o acórdão que confirma a condenação, mas majora ou reduz
a pena, não constitui novo marco interruptivo da prescrição.
O colegiado reafirmou entendimento de que o acórdão, mesmo o confirmatório da condenação,
interrompe o curso da prescrição. Ademais, reputou constitucional a matéria atinente ao poder do Estado
na persecução penal, à luz do devido processo legal.
Nesse sentido, o ministro Roberto Barroso salientou que o sistema penal é concebido para proteger
bens jurídicos constitucionalmente relevantes. Portanto, sua mínima efetividade tem fundamento na
Constituição Federal, de modo que a questão debatida nos autos tem natureza igualmente constitucional.
Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que desproveu o agravo tendo em vista a natureza
infraconstitucional da controvérsia, uma vez que o tema é tratado no Código Penal.

RE 1241683 AgR/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 4.2.2020. (INF 965)

7.6 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Execução provisória da pena: filho menor e prisão domiciliar - 2 - HC 154694 AgR/SP

A Segunda Turma, em conclusão e por empate, deu provimento a agravo regimental em habeas
corpus e concedeu parcialmente a ordem para determinar ao juízo de origem que: a) proceda a nova
dosimetria da pena, para aplicar a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 (1),
em patamar a ser fixado motivadamente; e b) analise a possibilidade de abrandamento do regime inicial
de cumprimento da pena e a substituição da reprimenda por medidas restritivas de direitos. Ademais,
concedeu a ordem, de ofício, para revogar a prisão para execução provisória da pena decretada em
desfavor da paciente, e para autorizar o juízo de origem a analisar a eventual necessidade de aplicação de
medidas cautelares diversas (Informativo 940).
No caso, a paciente foi condenada, em regime inicial fechado, pelos crimes previstos nos arts. 33
(tráfico de drogas) e 35 (associação ao tráfico) da Lei 11.343/2006. A impetração sustentou, em suma,
que: a) a paciente foi condenada, pela prática dos crimes de tráfico de drogas e associação ao tráfico, à
pena de oito anos de reclusão, em regime fechado; b) está ausente o animus associativo, de modo que não
pode ser configurado o crime de associação para o tráfico e deve ser aplicado o redutor previsto no art.
33, § 4º, da Lei 11.343/2006; c) o regime mais gravoso foi fixado com base unicamente na hediondez do
delito; d) a paciente possui um filho de nove anos de idade, o que enseja o cumprimento da pena em
prisão domiciliar, em homenagem ao princípio da proteção integral da criança, previsto no art. 227 da
Constituição Federal (CF) (2); e e) a paciente é primária e possui residência fixa e trabalho lícito.
Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes, que foi acompanhado pelo ministro Ricardo
Lewandowski. Anotou que a paciente foi condenada pelos delitos de tráfico de drogas e associação para o
tráfico juntamente com seu marido, em razão de terem sido encontrados entorpecentes em sua residência.
De acordo com a sentença condenatória, testemunhas apontaram que ela somente seguia as ordens
do marido, em uma relação de dependência. Ademais, a condenação, na medida em que não contemplou
o redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, o fez somente em razão do delito de associação
para o tráfico, muito embora o cenário fosse de relação doméstica, em que a mulher é influenciada a
participar do tráfico. Não há, na hipótese, verdadeira organização criminosa.
A previsão da redução de pena contida no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 tem como
fundamento distinguir o traficante contumaz e profissional daquele iniciante na vida criminosa, bem
como do que se aventura na vida da traficância por motivos que, por vezes, confundem-se com a sua
própria sobrevivência e/ou de sua família. Assim, para legitimar a não aplicação do redutor é essencial
fundamentação corroborada em elementos capazes de afastar um dos requisitos legais, sob pena de
desrespeito ao princípio da individualização da pena e de fundamentação das decisões judiciais.
Nesse sentido, a habitualidade e o pertencimento a organizações criminosas deverão ser
comprovados, não valendo a simples presunção. Não havendo prova nesse sentido, o condenado fará jus à
redução de pena. Em outras palavras, militará em favor do réu a presunção de que é primário e de bons
antecedentes e de que não se dedica a atividades criminosas nem integra organização criminosa. O ônus
da prova, nesse caso, é do Ministério Público.
Assim, considerou preenchidas as condições da aplicação da redução de pena, por se estar diante
de ré primária, com bons antecedentes e sem indicação de pertencimento a organização criminosa.
O ministro Ricardo Lewandowski destacou, ainda, que ela é mãe de criança menor de 12 anos, que
depende de seus cuidados, o que levaria à aplicação do precedente fixado pela Turma no HC 143.641, por
não se tratar de crime praticado com violência ou grave ameaça, tampouco cometido contra seu filho ou
dependente.
O ministro Edson Fachin (relator) e a ministra Cármen Lúcia votaram pela negativa de provimento
ao agravo.

(1) Lei 11.343/2006: “Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda,
oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda
que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15
(quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (...) § 4º Nos delitos definidos no caput e no §
1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes,
não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”
(2) CF: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.”

HC 154694 AgR/SP, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento
em 4.2.2020. (INF 965)

7.7 PENA

Causa de diminuição: pagamento do principal e arrependimento posterior - HC 165312/SP


A Primeira Turma deferiu a ordem de habeas corpus e determinou ao juízo de origem que
proceda a nova dosimetria da pena, levando em conta a causa de diminuição prevista no art. 16 do Código
Penal (CP) (1).
No caso, a paciente foi condenada a 1 ano e 6 meses de reclusão, em regime inicial de
cumprimento aberto, substituída por pena restritiva de direito, e o pagamento de 25 dias-multa, ante a
prática da infração versada no art. 155, caput (furto), na forma do 71 (continuidade delitiva), do CP.
Os impetrantes pleiteavam a diminuição da pena por arrependimento posterior. Destacaram a
celebração de acordo entre a vítima e a paciente, no qual previsto o pagamento de R$ 48.751,11, a
caracterizar o valor atualizado da subtração (R$ 33.000,00). Sustentaram, ainda, que o dano decorrente do
delito foi integralmente reparado antes do recebimento da denúncia, bem como que os valores pagos após
esse fato são referentes aos juros e à correção monetária e não integrariam a quantia a ser observada para
fins de caracterização do arrependimento.
A Turma reconheceu a incidência da causa de diminuição prevista no referido dispositivo do CP,
uma vez que a parte principal do dano foi reparada antes do recebimento da denúncia.

(1) CP: “Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até
o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.”

HC 165312/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 14.4.2020. (INF 973)

7.8 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Paciente reincidente e absolvição pelo princípio da insignificância - RHC 174784/MS

A Primeira Turma, por maioria, deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para
absolver, com base no princípio da insignificância, paciente, que possui antecedentes criminais por crimes
patrimoniais, da acusação de furto de um carrinho de mão avaliado em R$ 20,00 (vinte reais).
Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Luiz Fux, que votaram pelo não provimento do
recurso por entenderem que o furto de objeto de pequeno valor está tipificado no § 2º do art. 155 do CP
(1), de modo que não caberia aplicação do princípio da insignificância ao caso.

(1) CP: “Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:  (...)   § 2º Se o criminoso é primário, e é de
pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar
somente a pena de multa. ”

RHC 174784/MS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 11.2.2020. (INF 966)

Princípio da insignificância: reincidência e furto cometido no período noturno - HC 181389


AgR/SP

A Segunda Turma negou provimento a agravo regimental interposto de decisão na qual concedida
a ordem em habeas corpus para determinar a absolvição do paciente.
Na espécie, trata-se de furto de R$ 4,15 em moedas, uma garrafa pequena de refrigerante, duas
garrafas de 600 ml de cerveja e uma de 1 litro de pinga, tudo avaliado em R$ 29,15. Nas outras instâncias,
o princípio da insignificância não foi aplicado em razão da reincidência do paciente e do fato de o furto
ter sido cometido no período noturno.
Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes (relator) e foi mantida integralmente a decisão
agravada, que reconheceu a atipicidade da conduta em razão da insignificância. O ministro levou em
conta que o princípio da insignificância atua como verdadeira causa de exclusão da própria tipicidade.
Considerou equivocado afastar-lhe a incidência tão somente pelo fato de o recorrido possuir antecedentes
criminais.
Reputou mais coerente a linha de entendimento segundo a qual, para a aplicação do princípio da
bagatela, devem ser analisadas as circunstâncias objetivas em que se deu a prática delituosa e não os
atributos inerentes ao agente. Reincidência ou maus antecedentes não impedem, por si sós, a aplicação do
postulado da insignificância.
A despeito de restar patente a existência da tipicidade formal, não incide, na situação dos autos, a
material, que se traduz na lesividade efetiva e concreta ao bem jurídico tutelado, sendo atípica a conduta
imputada.
Em uma leitura conjunta do princípio da ofensividade com o princípio da insignificância, estar-se-
á diante de uma conduta atípica quando a conduta não representar, pela irrisória ofensa ao bem jurídico
tutelado, um dano (nos crimes de dano), uma certeza de risco de dano (nos crimes de perigo concreto) ou,
ao menos, uma possibilidade de risco de dano (nos crimes de perigo abstrato), conquanto haja, de fato,
uma subsunção formal do comportamento ao tipo penal. Em verdade, não haverá crime quando o
comportamento não for suficiente para causar um dano, ou um perigo efetivo de dano, ao bem jurídico –
quando um dano, ou um risco de dano, ao bem jurídico não for possível diante da mínima ofensividade da
conduta.
O relator compreendeu também não ser razoável que o Direito Penal e todo o aparelho estatal
movimentem-se no sentido de atribuir relevância à hipótese em apreço. Destacou que sequer houve
prejuízo material, pois os objetos foram restituídos à vítima. Motivo a mais para a incidência do
postulado.
Noutro passo, reportou-se a precedentes da Turma segundo os quais furto qualificado ou majorado
não impede a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância.
Além disso, assentou que as circunstâncias do caso demonstram a presença dos vetores traçados
pelo Supremo Tribunal Federal para configuração do mencionado princípio (HC 84.412).

HC 181389 AgR/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14.4.2020. (INF 973)

7.9 REINCIDÊNCIA

Comprovação da reincidência – Inexistência de forma específica - HC 162548 AgR/SP

A Primeira Turma negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão que indeferiu a
ordem de habeas corpus impetrado em face de acórdão do Superior Tribunal de Justiça.
Nas razões do agravo regimental, a defesa insistiu na existência de ilegalidade no reconhecimento
da reincidência em desfavor da paciente. Alegou que a reincidência foi reconhecida com base em
informações processuais extraídas dos sítios eletrônicos de tribunais — documentação precária e,
portanto, sem aptidão para comprovar o trânsito em julgado de condenações anteriores.
O colegiado considerou que, conforme jurisprudência da Corte, para fins de comprovação da
reincidência, é necessária documentação hábil que traduza o cometimento de novo crime depois de
transitar em julgado a sentença condenatória por crime anterior, mas não se exige, contudo, forma
específica para a comprovação [Código Penal (CP), art. 63] (1).
Nessa linha, não há ilegalidade no ato dito coator, no ponto em reconhecida a existência de
reincidência a partir do uso de informações processuais extraídas dos sítios eletrônicos de tribunais.
Ademais, a verossimilhança das informações que embasaram o reconhecimento da reincidência
não foi superada pela defesa, que apenas apontou ser precária a documentação que a lastreia. Ou seja, a
defesa repisa a inviabilidade da reincidência pela mera repulsa à forma pela qual essa agravante fora
reconhecida na origem, mas não traz prova pré-constituída apta a desconstituir seu conteúdo. Inviável,
dessa forma, concluir de forma diversa das instâncias ordinárias.

(1) CP: “Art. 63 – Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença
que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.”

HC 162548 AgR/SP, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 16.6.2020. (INF 982)

8. DIREITO PREVIDENCIÁRIO
8.1 BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS
Art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991: “desaposentação” e “reaposentação” - RE 381367 ED/RS e
RE 827833 ED/SC

O Plenário, em conclusão e por maioria, deu parcial provimento a embargos declaratórios em


recursos extraordinários para assentar a irrepetibilidade dos valores alimentares recebidos de boa-fé, até a
proclamação do resultado deste julgamento. Garantiu, também, o direito daqueles que usufruem de
“desaposentação” ou de “reaposentação” em decorrência de decisão transitada em julgado, até a
proclamação do resultado deste julgamento. Ademais, alterou a tese de repercussão geral (Tema 503), que
ficou assim redigida: “No âmbito do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, somente lei pode criar
benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à 'desaposentação'
ou à ‘reaposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991" (1).
O tema de fundo diz respeito à possibilidade de reconhecimento da “desaposentação”, consistente
na renúncia a benefício de aposentadoria, com a utilização do tempo de serviço ou contribuição que
fundamentou a prestação previdenciária originária, para a obtenção de benefício mais vantajoso em nova
aposentadoria. Na ocasião, o Plenário decidiu pela inexistência do direito à “desaposentação”
(Informativo 845).
Os embargantes alegaram omissão quanto ao fenômeno da “reaposentação”. Além disso, o
acórdão embargado também não contemplaria a modulação dos efeitos da decisão proferida.
Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes. De início, salientou que, por ocasião do
julgamento de mérito, o Plenário fez a distinção entre os institutos da “desaposentação” e da
“reaposentação”, tema amplamente debatido. Ademais, salientou a desnecessidade de repetição dos
valores recebidos de boa-fé. Ressalvou, entretanto, que houve casos de segurados que tiveram o direito à
“desaposentação” e à “reaposentação” reconhecidos por decisões judiciais transitadas em julgado. Nessas
hipóteses, a decisão proferida em recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida deve
preservar o que foi firmado em caráter definitivo pelo Poder Judiciário, em respeito aos princípios da
segurança jurídica e da boa-fé.
Vencidos os ministros Edson Fachin, que acolheu os embargos em maior extensão, para
reconhecer omissão quanto ao fenômeno da “reaposentação” e admitir a possibilidade, desde que
cumpridos seus requisitos; e Marco Aurélio, que acolheu os embargos para prestar esclarecimentos sem
eficácia modificativa, no sentido da devolução dos valores anteriormente percebidos, mesmo que de boa-
fé.
No tocante à necessidade de preservação das decisões transitadas em julgado, ficaram vencidos os
ministros Dias Toffoli (relator), Gilmar Mendes e Luiz Fux, para os quais cabe a impugnação posterior da
coisa julgada inconstitucional. Nesse sentido, se a sentença se firmou com base em entendimento
reputado inconstitucional pelo STF, ela não poderá ser efetivada. Vencido, também, o ministro Marco
Aurélio, que acolheu os embargos apenas para prestar esclarecimentos.
Quanto à fixação do marco temporal do trânsito em julgado, ficaram vencidos os ministros
Alexandre de Moraes, Roberto Barroso e Cármen Lúcia, que consideraram como paradigma a data de
julgamento de mérito dos recursos extraordinários. Vencido, também, o ministro Marco Aurélio, que
acolheu os embargos apenas para prestar esclarecimentos.
Esse mesmo entendimento foi aplicado no julgamento do RE 661256 ED-segundos (Informativo
765).

(1) Lei 8.231/1991: “Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive
em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços: (...) § 2º O aposentado pelo Regime
Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação
alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional,
quando empregado.” 

RE 381367 ED/RS, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 6.2.2020. (INF 965)
RE 827833 ED/SC, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 6.2.2020. (INF 965)
9. DIREITO PROCESSUAL CIVIL
9.1 AÇÃO RESCISÓRIA

Omissão no julgado e ação rescisória - AR 2107/SP

A ação rescisória não é sucedânea de embargos de declaração. Com base nesse entendimento, o
Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação rescisória ajuizada contra decisão
monocrática, que deu parcial provimento a recurso extraordinário do contribuinte para afastar a aplicação
do conceito de faturamento definido no art. 3º, § 1º, da Lei 9.718/1998.
No caso, alegava-se suposto erro de fato na decisão de mérito proferida no julgamento de recurso
extraordinário, por considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, consistente na petição do recorrente,
com expressa renúncia ao direito em que se fundava a ação e a eventuais recursos. Sustentava-se,
também, literal violação do art. 269, V, do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, que prevê a extinção
do feito quando o autor renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, e do art. 501 do mesmo diploma
legal, que dispõe sobre a possibilidade de o recorrente desistir do recurso, a qualquer tempo, sem a
anuência do recorrido ou dos litisconsortes.
O Tribunal rechaçou a alegada violação à literal disposição de lei, e, por maioria, a existência de
erro de fato.
Quanto ao erro de fato, o colegiado entendeu haver omissão, que deixou de ser sanada ante a
ausência de oposição de embargos de declaração. Afirmou não ser possível, na hipótese em que verificada
a ocorrência de omissão, que a parte deixe de embargar para, após o trânsito em julgado, pleitear por meio
de ação rescisória. Admitir o contrário poderia constituir precedente no sentido de que toda omissão
poderia ser caracterizada como erro de fato.
Verificou-se, ademais, não haver nos autos procuração com poderes específicos para a desistência
do recurso ou a renúncia ao direito em que se funda a ação.
Vencidos, parcialmente, os ministros Gilmar Mendes (relator) e Ricardo Lewandowski (revisor)
que, ao reconhecerem a existência de erro de fato, julgaram procedente, em parte, o pedido para rescindir
a decisão proferida no recurso extraordinário e, assim, homologaram a petição de renúncia ao direito em
que se fundava a ação e julgaram a demanda originária extinta com resolução de mérito.

AR 2107/SP, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento
em 16.9.2020. (INF 991)

9.2 “AMICUS CURIAE”

Indeferimento de ingresso de “amicus curiae” e recorribilidade - 4 - ADI 3396 AgR/DF

Em conclusão de julgamento, o Plenário negou provimento a agravo regimental interposto de


decisão que indeferira o pedido de ingresso do agravante — procurador da fazenda nacional —, como
amicus curiae, nos autos de ação direta de inconstitucionalidade (Informativos 665 e 827).
Preliminarmente, o colegiado, por maioria, conheceu do recurso com fundamento em decisões
desta Corte que permitem a impugnação recursal por parte de terceiro, quando denegada sua participação
na qualidade de amicus curiae (ADI 3.105 ED, ADI 3.934 ED-AgR e ADI 3.615 ED).
Nesta assentada, a ministra Rosa Weber reformulou o voto. Entendeu ser irrecorrível a decisão do
relator que defere o ingresso de amicus curiae, mas recorrível a que indefere.
O ministro Celso de Mello (relator) esclareceu ter se posicionado pelo conhecimento do recurso,
pois, na época, havia precedentes que assim orientavam. Alertou que, atualmente, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal (STF) tem compreendido ser irrecorrível a decisão do relator que admite, ou não, o
ingresso de amicus curiae em processos de controle concentrado (ADI 5.774 ED, ADI 5.591 ED-AgR,
ADI 3.460 ED). De igual modo, que o colegiado tem considerado inaplicável o art. 138 do Código de
Processo Civil de 2015 (CPC/2015) (1) aos processos do controle concentrado de constitucionalidade
(ADI 4.389 ED-AgR, ADI 3.931 ED).
Vencidos os ministros Luiz Fux, Dias Toffoli, Ayres Britto, Edson Fachin e Cármen Lúcia, que
não conheceram do agravo, por entenderem ser irrecorrível o pronunciamento.
No mérito, o Plenário se reportou à jurisprudência do STF no sentido de que a pessoa física não
tem representatividade adequada para intervir na qualidade de amigo da Corte em ação direta.

(1) CPC/2015: “Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da
demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de
quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com
representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação. § 1º A intervenção de que trata o caput não implica
alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do
§ 3º. § 2º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae. § 3º O
amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.”

ADI 3396 AgR/DF, rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 6.8.2020. (INF 985)

9.3 AUXILIARES DA JUSTIÇA

Atribuições dos oficiais de justiça - ADI 4853/MA

É constitucional norma que inclui, entre as incumbências dos oficiais de justiça, a tarefa de
“auxiliar os serviços de secretaria da vara, quando não estiverem realizando diligência.”
Não havendo, na norma atacada, transformação de cargos, alteração de funções nem ocupação de
carreira diversa, bem como evidenciada a aderência do dispositivo questionado às atividades atinentes aos
oficiais de justiça, não há falar em violação dos princípios da investidura, da legalidade e da moralidade,
e, em consequência, em ofensa aos artigos 37, caput e II (1), e 39, § 1º, I, II e III (2), da Constituição
Federal (CF).
A exigência de realização de novo concurso público por aqueles já nomeados em determinado
cargo, a teor do art. 37, II, da CF, tem lugar nos casos de alteração das funções do servidor, de modo a
configurar mudança no enquadramento de seu ofício, o que não ocorre no caso.
Por outro lado, deflui do preceito impugnado que o seu escopo é o aumento da celeridade e da
eficiência na prestação de serviços públicos, majorando sua qualidade no âmbito do Poder Judiciário,
mediante a distribuição de tarefas entre os servidores competentes. Além disso, dispõe o Código de
Processo Civil [CPC, arts. 154 (3) e 149 (4)] que a competência para a realização de atos auxiliares ao
juízo é intrínseca ao cargo de oficial de justiça, como evidencia a análise das suas atribuições, bem como
a natureza de auxiliar da Justiça desses servidores.
Com base nesse entendimento, o Plenário julgou improcedente ação direta de
inconstitucionalidade ajuizada em face do disposto no art. 94, VIII, da Lei Complementar 14/1991 do
estado do Maranhão, na redação dada pela Lei Complementar 68/2003.

(1) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: (...) II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de
provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as
nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;”
(2) CF: “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e
remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. § 1º A fixação dos padrões de vencimento e
dos demais componentes do sistema remuneratório observará: I – a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos
cargos componentes de cada carreira; II – os requisitos para a investidura; III – as peculiaridades dos cargos.”
(3) CPC: “Art. 154. Incumbe ao oficial de justiça: I – fazer pessoalmente citações, prisões, penhoras, arrestos e demais
diligências próprias do seu ofício, sempre que possível na presença de 2 (duas) testemunhas, certificando no mandado o ocorrido,
com menção ao lugar, ao dia e à hora; II – executar as ordens do juiz a que estiver subordinado; III – entregar o mandado em
cartório após seu cumprimento; IV – auxiliar o juiz na manutenção da ordem; V – efetuar avaliações, quando for o caso; VI –
certificar, em mandado, proposta de autocomposição apresentada por qualquer das partes, na ocasião de realização de ato de
comunicação que lhe couber. Parágrafo único. Certificada a proposta de autocomposição prevista no inciso VI, o juiz ordenará a
intimação da parte contrária para manifestar-se, no prazo de 5 (cinco) dias, sem prejuízo do andamento regular do processo,
entendendo-se o silêncio como recusa.”
(4) CPC: “Art. 149. São auxiliares da Justiça, além de outros cujas atribuições sejam determinadas pelas normas de
organização judiciária, o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete, o
tradutor, o mediador, o conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias.”

ADI 4853/MA, rel. min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 3.11.2020. (INF 997)

9.4 DEPÓSITOS JUDICIAIS

Fundo especial do Poder Judiciário e fontes de receitas - ADI 4981/RR

São inconstitucionais as fontes de receitas de fundo especial do Poder Judiciário provenientes


de rendimentos dos depósitos judiciais à disposição do Poder Judiciário do Estado, através de conta
única.
A matéria relativa aos depósitos judiciais, ainda que se trate dos seus rendimentos financeiros, é de
competência legislativa privativa da União, nos termos do art. 22, I, da Constituição Federal (CF) (1).
Além disso, à hipótese, aplicam-se as limitações atinentes ao regime jurídico de direito público,
próprias de uma relação juridicamente relevante entre o Poder Judiciário e o particular que deduz
pretensão em juízo. A custódia de patrimônio alheio pelo ente estatal não permite a este desvirtuar a
finalidade do liame jurídico, para fins de custear suas despesas públicas. Caso contrário, estar-se-ia diante
de verdadeira expropriação, mesmo que temporária, dos direitos relativos à propriedade dos
jurisdicionados, situação expressamente repudiada pela normatividade constitucional.
É igualmente inconstitucional a incorporação de receitas extraordinárias decorrentes de
fianças e cauções, exigidas nos processos cíveis e criminais na justiça estadual, quando reverterem
ao patrimônio do Estado; e percentual sobre os valores decorrentes de sanções pecuniárias
judicialmente aplicadas ou do perdimento, total ou parcial, dos recolhimentos procedidos em
virtude de medidas assecuratórias cíveis e criminais.
Essas normas possuem natureza penal e processual, logo, são matérias de competência privativa da
União.
É constitucional a previsão, em lei estadual, da destinação ao fundo especial do Poder
Judiciário de valores decorrentes de multas aplicadas pelos juízes nos processos cíveis, salvo se
destinadas às partes ou a terceiros.
Isso porque a norma vai ao encontro do que atualmente dispõe o Código de Processo Civil, no
sentido da possibilidade de destinação desses recursos aos fundos do poder judiciário estadual.
São inconstitucionais as fontes de receitas de fundo especial do Poder Judiciário provenientes
de bens de herança jacente e o saldo das coisas vagas pertencentes ao Estado.
Há ofensa à competência legislativa privativa da União para legislar sobre direito civil, também
prevista no art. 22, I, da CF. Ademais, tais bens são pertencentes aos municípios (ou ao Distrito Federal)
ou à União, não cabendo aos estados federados sobre eles disporem.
É inconstitucional a norma estadual que atribui personalidade jurídica ao Fundo Especial do
Poder Judiciário e prevê que o presidente do Conselho da Magistratura será o ordenador de
despesas e seu representante legal.
Nos artigos 165, § 9º, II da CF (2) e 71 da Lei 4.320/1964 (3), não há a atribuição de personalidade
jurídica aos fundos públicos. Ademais, o art. 95, parágrafo único, I, da CF (4), prevê que é vedado ao
magistrado exercer outro cargo ou função, salvo uma de magistério.
Com esses fundamentos, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido
formulado na ação direta e declarou a constitucionalidade do art. 3º, X, e a inconstitucionalidade dos arts.
3º, VIII, IX, XI e XVII e 5º da Lei 297/2001, do estado de Roraima.

(1) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral,
agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;”
(2) CF: “Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: (...) § 9º Cabe à lei complementar: (...) II –
estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e
funcionamento de fundos.”
(3) Lei 4.320/1964: “Art. 71. Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à
realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação.”
(4) CF: “Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias: (...) Parágrafo único. Aos juízes é vedado: I – exercer, ainda que
em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;”

ADI 4981/RR, rel. Min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 14.11.2020. (INF 999)

9.5 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

Embargos de declaração e jurisprudência superveniente - Rcl 15724 AgR-ED/PR

A Primeira Turma, por maioria, acolheu embargos de declaração, com efeitos infringentes, para
dar provimento a agravo regimental e julgar procedente reclamação, de forma que seja cassado o acórdão
impugnado, com determinação para que a autoridade reclamada observe o entendimento fixado no Tema
725 da repercussão geral (RE 958.252, rel. Min. Luiz Fux) e ADPF 324 (rel. Min. Roberto Barroso). 
No caso, antes do trânsito em julgado, foram opostos embargos de declaração no qual se postulou
a aplicação da jurisprudência supervenientemente formada.
O colegiado entendeu que o novo Código de Processo Civil prevê a hipótese de cabimento de
embargos de declaração para reajustar a jurisprudência firmada em teses que o Supremo Tribunal Federal
e o Superior Tribunal de Justiça adotarem. Portanto, antes do trânsito em julgado é legítimo readequar o
julgado anterior para ajustá-lo à posição do Plenário.
Vencidos os ministros Rosa Weber (relatora) e Marco Aurélio, que rejeitaram os embargos de
declaração, tendo em conta que na época em que proferida a decisão embargada não havia
pronunciamento do Plenário em sede de repercussão geral sobre o tema.

Rcl 15724 AgR-ED/PR, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 5.5.2020. (INF 976)

9.6 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Honorários advocatícios e recursos do Fundef - 2 - ARE 1107296 AgR/PE

A Primeira Turma, em conclusão e por maioria, negou provimento a agravo em que se discutia a
possibilidade de retenção dos honorários advocatícios contratuais do valor a ser recebido por município
em execução de complementação de verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) (Informativo 937).
Na espécie, a União foi condenada a pagar a município as diferenças devidas e não repassadas a
título de complementação da transferência de recursos do Fundef. Na execução, o município requereu o
pagamento dos valores devidos relativos às diferenças e aos honorários de advogados. A União opôs
embargos sob o argumento de excesso de execução e desvinculação das verbas. Os embargos foram
julgados improcedentes, e a União interpôs apelação.
O tribunal regional federal negou provimento ao apelo. No que se refere à alegação de vinculação
do precatório a crédito do Fundo destinado exclusivamente à educação, decidiu que em nada afeta a
exigibilidade da dívida, porquanto descabe vincular judicialmente o valor do precatório a uma finalidade
específica (gasto com educação). A União deve fiscalizar a utilização dos recursos pelos instrumentos de
controle dos quais usualmente se vale nas vias administrativas. Quanto à possibilidade de retenção dos
valores a serem percebidos pelo município a título de honorários contratuais, reputou ser direito do
advogado a retenção, se requerida, mediante a juntada do contrato e antes da expedição do requisitório,
com base no art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994 (1).
No recurso extraordinário, a União alegou que o acórdão recorrido ofende a Constituição Federal
(CF) e, em especial, o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) (2).
Prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio (relator) que reputou que a controvérsia está
circunscrita à análise da legislação infraconstitucional. Além disso, entendeu que o acolhimento das
razões recursais depende do reexame de fatos, o que é inviável em sede de recurso extraordinário.
Vencido os ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux, que deram parcial provimento ao agravo
para decotar os valores destinados ao pagamento das despesas com os honorários do montante global da
execução.
O ministro Alexandre de Moraes considerou que os prefeitos não podem contratar advogados
mediante acordos de percentuais das verbas do Fundef para pagamento de honorários, visto que os
recursos não pertencem aos prefeitos e possuem destinação específica. Para o ministro, o desvio é
inadmissível. Rememorou que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar a SL 1.186,
concedeu tutela de urgência para suspender o pagamento de honorários advocatícios com recursos do
Fundef.

(1) Lei 8.906/1994: “Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários
convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência. (...) § 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu
contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos
diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou.”
(2) ADCT: “Art. 60. Até o 14º (décimo quarto) ano a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal à
manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as
seguintes disposições: (...)”

ARE 1107296 AgR/PE, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 11.2.2020. (INF 966)

9.7 LEGITIMIDADE

Procurador municipal e interposição de recurso extraordinário - RE 1068600 AgR-ED-


EDv/RN

Os procuradores públicos têm capacidade postulatória para interpor recursos extraordinários contra
acórdãos proferidos em sede de ação de controle concentrado de constitucionalidade, nas hipóteses em
que o legitimado para a causa outorgue poderes aos subscritores das peças recursais. Com base nesse
entendimento, o Plenário deu provimento a embargos de divergência, para admitir recurso extraordinário.
No caso, embora a petição de recurso extraordinário não tenha sido subscrita por prefeito
municipal, mas somente por dois procuradores, sendo um deles o chefe da procuradoria do município, há,
nos autos, documento com manifestação inequívoca do chefe do Poder Executivo, conferindo poderes
específicos aos procuradores para instaurar o processo de controle normativo abstrato de
constitucionalidade, bem como para recorrer das decisões proferidas nos autos.
Vencidos os ministros Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de Mello, que negaram provimento aos
embargos de divergência. Pontuaram que tanto para a propositura de ação quanto para a interposição de
recursos, é necessária a presença da assinatura do legitimado para a causa.

RE 1068600 AgR-ED-EDv/RN, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 4.6.2020. (INF


980)

9.8 PROCESSO EM GERAL

Sustentação oral e julgamento iniciado no Plenário Virtual - ADI 4735/DF

O Plenário, por maioria, deferiu pedidos de sustentação oral no julgamento de ação direta de
inconstitucionalidade deslocado do Plenário Virtual (PV) para o físico.
Na espécie, o julgamento se iniciou no PV. Após o voto do ministro Alexandre de Moraes
(relator), o ministro Edson Fachin pediu vista dos autos. Houve a publicação da ata de julgamento no
Diário da Justiça Eletrônico (DJE) e a devolução do processo em ambiente virtual. Posteriormente, o feito
foi retirado do julgamento virtual e encaminhado para o presencial, em face de pedido de destaque
formulado por ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio, que resolveu questão preliminar quanto à
possibilidade de permitir, no caso, as sustentações orais. Consignou que o julgamento se reinicia com o
deslocamento para a sessão física. Aduziu ainda que, como regra do próprio STF, os advogados somente
têm acesso ao que deliberado na sessão virtual depois de prolatados todos os votos.
A ministra Cármen Lúcia frisou que, na Segunda Turma, também se procede dessa maneira, ou
seja, quando deslocado para o ambiente presencial por destaque, o julgamento recomeça. O ministro
Ricardo Lewandowski salientou que a sustentação oral se insere dentro do direito à ampla defesa
constitucionalmente garantido e é uma prerrogativa do advogado.
Vencidos os ministros Alexandre de Moraes (relator), Luiz Fux e Dias Toffoli, que indeferiram os
pedidos de sustentação oral, porque já proferido voto no PV. O relator sublinhou a existência de prazo
para o requerimento de sustentação oral. O ministro Dias Toffoli, por sua vez, asseverou que as partes
têm até 48 horas, antes do início da sessão, para formular pedido de destaque do julgamento virtual.

ADI 4735/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 6.2.2020. (INF 965)

9.9 RECLAMAÇÃO

Reclamação: sistemática da repercussão geral e julgamento de REsp pelo STJ - 3 - Rcl 24810
AgR/MG

A Primeira Turma, em conclusão e por maioria, deu provimento ao agravo regimental para negar
seguimento a reclamação em que se discutia se a decisão do presidente de tribunal regional federal (TRF),
que inadmitiu recurso extraordinário ao reputá-lo prejudicado em face do julgamento de recurso especial,
teria descumprido a autoridade da decisão proferida, por ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), no
AI 816.086 (Informativos 951 e 962).
No caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em agosto de 2010, deu provimento a recurso
especial (REsp) interposto pela Fazenda Nacional em desfavor dos contribuintes, ora reclamantes. Em
outubro de 2010, o referido AI foi provido pelo respectivo relator para admitir o recurso extraordinário
interposto pelos ora reclamantes e determinar a devolução dos autos ao tribunal de origem, a fim de que,
nele, fosse observado o disposto no art. 543-B e respectivos parágrafos do Código de Processo Civil
vigente à época (CPC/1973) (1). Na ocasião, o relator do AI indicou que a controvérsia jurídica versada
naquele feito coincidiria, em todos os seus aspectos, com a questão constitucional correspondente ao
Tema 311 da repercussão geral. A Fazenda interpôs agravo regimental contra esse ato decisório, o qual
não foi conhecido. Em agosto de 2015, o presidente do TRF, com fundamento no acórdão do STJ,
declarou o prejuízo do mencionado recurso extraordinário, por superveniente perda de objeto. Contra esse
pronunciamento, foi ajuizada a presente reclamação. Em decisão monocrática, o então relator julgou
procedente a reclamação para cassar a decisão reclamada e determinar que o presidente do TRF
encaminhasse os autos do recurso extraordinário interposto pelos reclamantes a órgão colegiado daquela
corte a fim de que procedesse como entendesse de direito, realizasse ou refutasse juízo de retratação.
Compreendeu estar evidenciado o desrespeito à decisão proferida no aludido AI 816.086, uma vez que a
autoridade reclamada deixou de observar a determinação de que fosse aplicada, ao caso, a sistemática da
repercussão geral. Contra a decisão de procedência da reclamação, a União interpôs o agravo regimental.
A Turma concluiu que, à época, os ora reclamantes não interpuseram o recurso adequado contra a
decisão do presidente do TRF, que inadmitiu o recurso extraordinário em razão de sua prejudicialidade.
Dessa forma, a decisão reclamada do presidente do TRF, prolatada em 28.8.2015, transitou em julgado
antes do ajuizamento da reclamação, ocorrido em 2.8.2016. Como o juízo de admissibilidade recursal
possui natureza declaratória — tem eficácia ex tunc —, impõe-se a aplicação do art. 988, § 5º, CPC/2015,
segundo o qual é inadmissível a reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada
[Enunciado 734 da Súmula do STF (2)]. Em outras palavras, a interposição do recurso inadequado na
origem não operou o efeito recursal obstativo, de sorte que a coisa julgada se consumou antes do
ajuizamento da reclamação.
Além disso, o ato do STF, no qual determinada a devolução dos autos ao Tribunal de origem, para
que fosse observado o disposto no art. 543-B do CPC/1973, seria desprovido de cunho decisório e
eventual equívoco do STF não repristinaria o acórdão substituído pela decisão do STJ.
Vencido o ministro Alexandre de Moraes. Para ele, a decisão reclamada, ao inadmitir o recurso
extraordinário, tornou sem efeito decisão anterior que havia admitido o RE.

(1) CPC/1973: “Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a
análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto
neste artigo. § 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao
Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte. § 2º Negada a existência de
repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos. § 3º Julgado o mérito do recurso
extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que
poderão declará-los prejudicados ou retratar-se. § 4º Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal,
nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada. § 5º O Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da
repercussão geral.”
(2) Enunciado 734 da Súmula do STF: “Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se
alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal.”

Rcl 24810 AgR/MG, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 11.2.2020. (INF 966)

9.10 RECURSOS

Recurso extraordinário com agravo e decisão em ADI - ARE 1179455 AgR/PI

A Primeira Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental em recurso extraordinário
com agravo, para prover recurso extraordinário deduzido contra acórdão do Tribunal Superior do
Trabalho (TST), a fim de reconhecer a incompetência da Justiça do Trabalho e determinar a remessa dos
autos à Justiça comum.
Na decisão impugnada pelo agravo regimental em debate, a ministra Rosa Weber (relatora)
considerou que o acolhimento da pretensão do recorrente não prescindiria da análise da natureza da
contratação, se jurídico-administrativa ou celetista. Razão pela qual compreensão diversa do tribunal de
origem demandaria o exame do quadro fático delineado pelas instâncias ordinárias, procedimento vedado
em sede extraordinária, a teor do Enunciado 279 da Súmula do STF (1).
Prevaleceu o voto do ministro Roberto Barroso, que proveu o agravo regimental e reconheceu a
competência da Justiça comum.
Esclareceu tratar-se de ação que tramitou na Justiça do Trabalho, a discutir verbas trabalhistas de
servidor contratado por município, sem prévio concurso público, para exercer função de zelador.
Afirmou que, desde a primeira instância, foi arguida a incompetência da Justiça laboral para
apreciar o pleito de servidor contratado após o advento da Constituição Federal de 1988 (CF/1988) sem
aprovação em certame público.
O ministro ponderou inexistir necessidade de analisar provas, haja vista ser incontroverso nos
autos o estabelecimento, mediante ato normativo, de regime jurídico único para a contratação de
servidores pelo município.
Concluiu que a Turma possui condições de julgar o mérito. Conforme decisão proferida na ADI
3395, o Supremo Tribunal Federal (STF) reputou ser da Justiça comum a competência para julgar
conflitos entre município e servidor contratado depois da CF/1988, ainda que sem concurso público, pois,
uma vez vigente regime jurídico-administrativo, este disciplinará a absorção de pessoal pelo poder
público.
Logo, eventual nulidade do vínculo e as consequências daí oriundas devem ser apreciadas pela
Justiça comum, e não pela Justiça do Trabalho.
Por fim, reiterou estar em discussão o sentido e o alcance do art. 114, I, da CF (2) fixados em
decisão plenária na aludida ação direta de inconstitucionalidade.
O ministro Luiz Fux acentuou que a lei processual admite que sejam superados requisitos de
admissibilidade em função da primazia da questão de mérito.
Vencida a ministra Rosa Weber (relatora), que negou provimento ao agravo regimental, no que foi
acompanhada pelo ministro Marco Aurélio. A relatora manteve o ato agravado. Em reforço, reportou-se à
jurisprudência do STF segundo a qual, limitada a manifestação da origem à verificação dos pressupostos
de admissibilidade de recurso de revista, notadamente quanto à aplicação do Verbete 126 da Súmula do
TST (3), cabe o entendimento de que ausente repercussão geral da matéria relativa ao cabimento de
recursos da competência de outros Tribunais (ARE 1.189.584 AgR). Por seu turno, o ministro Marco
Aurélio salientou que a matéria de fundo não foi apreciada pelo TST.

(1) Enunciado 279/STF: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.”
(2) CF: “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I – as ações oriundas da relação de trabalho,
abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios;”
(3) Enunciado 126/TST: “Incabível o recurso de revista ou de embargos (arts. 896 e 894, b, da CLT) para reexame de fatos
e provas.”

ARE 1179455 AgR/PI, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento
em 5.5.2020. (INF 976)

10. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO


10.1 EXECUÇÃO

Reclamação: Tema 253 da repercussão geral, Metrô-DF e execução - Rcl 29637 AgR/DF

Em conclusão de julgamento, a Primeira Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental
para julgar improcedente reclamação deduzida pela Companhia do Metropolitano do Distrito Federal
(Metrô-DF), entendendo legítima a cobrança de dívida mediante fórmula que se fixa no pagamento
devido por qualquer entidade.
Na reclamação, o Metrô-DF sustentava que o ato reclamado não teria observado a autoridade de
pronunciamento do Supremo Tribunal Federal (STF) proferido, em sede de repercussão geral, no RE
599.628 (Tema 253) (1), bem como em outros julgados similares referentes à aplicação do rito da
Fazenda Pública a empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos
essenciais e em regime de monopólio.
O colegiado não vislumbrou aderência entre a decisão reclamada e o entendimento fixado no
Tema 253 da repercussão geral.
O ministro Roberto Barroso salientou que o Metrô-DF é empresa pública, regida pelo direito
privado. A seu ver, embora preste serviço de utilidade pública, a empresa não presta serviço público
essencial em sentido típico ou de caráter monopolístico.
Ademais, o Distrito Federal está em atraso com seus precatórios desde 2004. Logo, a determinação
de que seja paga a dívida por precatório significa pura e simplesmente que o credor sofrerá calote
inequívoco ou, no mínimo, se essa ordem continuar, que irá aguardar pouco mais de dezesseis anos para
receber seu crédito. Considerou isso negação de justiça.
De acordo com o ministro Marco Aurélio, não é possível tomar de empréstimo o que decidido no
mencionado tema para estender-se às pessoas jurídicas de direito privado.
O ministro enfatizou que o Metrô-DF tem contabilidade própria e seu orçamento não é alcançado
pelo art. 100 da Constituição Federal (CF) (2). A empresa é concessionária de serviço público e, como as
concessionárias em geral, responde pelos débitos trabalhistas e pelos débitos comuns.
Por sua vez, a ministra Rosa Weber explicitou que a reclamação foi ajuizada na vigência do
Código de Processo Civil de 2015, que admite o cabimento para garantir a observância de acórdão
proferido em repercussão geral reconhecida, desde que esgotadas as instâncias ordinárias. Em atenção à
finalidade do sistema de repercussão geral, decisões do STF ressaltam a excepcionalidade do cabimento
da reclamação nessa hipótese.
Esclareceu que, além do esgotamento das instâncias, constitui pressuposto de cabimento a
demonstração de teratologia na decisão reclamada quanto à subsunção do caso individual, representado
pela controvérsia objeto do recurso extraordinário, à decisão proferida em repercussão geral.
Acentuou que, na espécie, a admissibilidade do recurso extraordinário interposto pelo Metrô-DF
foi negada, tendo em vista o reconhecimento, na decisão reclamada, do desenvolvimento de atividade
econômica com a exploração comercial de marcas, patentes, tecnologia e serviços técnicos
especializados, com a distribuição de dividendos, o que permite a penhora de seus bens.
Nesse contexto, em que expressamente registrada a distribuição de lucros entre os acionistas da
empresa, não está demonstrada a teratologia na aplicação do entendimento do STF. Não há como concluir
numa teratologia que permita a solução da controvérsia em reclamação, mesmo que se esteie em
descumprimento contrario sensu do tema.
Em reforço, o fato de a matéria estar em exame na ADPF 524 MC-Ref, com voto do relator
propondo a conversão em julgamento definitivo e o não referendo da liminar, que ele próprio deferira,
quanto ao Metrô-DF (Informativo 934).
Vencidos os ministros Luiz Fux (relator) e Alexandre de Moraes, que deram parcial provimento ao
agravo para arbitrar novo valor da causa e, consectariamente, readequar a condenação em honorários
sucumbenciais, assentada no ato agravado. Para eles, o Metrô-DF deve ser submetido ao regime de
execução pela via dos precatórios, pois presta serviço público de natureza essencial, atua de maneira
deficitária e é custeado pela Fazenda Pública, dentre outros motivos. O ministro Alexandre de Moraes
avaliou que o Metrô não tem concorrência, porque os sistemas modais se complementam e não
concorrem entre si.

(1) Tema 253 da repercussão geral: “Sociedades de economia mista que desenvolvem atividade econômica em regime
concorrencial não se beneficiam do regime de precatórios, previsto no art. 100 da Constituição da República.”
(2) CF: “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude
de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos
respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este
fim.”

Rcl 29637 AgR/DF, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em
30.6.2020. (INF 984)

11. DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO


11.1 RECURSOS

CLT, art. 896-A: recurso de revista, ausência de transcendência e repercussão geral - Rcl
36958 AgR/SP e Rcl 40652 AgR/DF

A Primeira Turma, por maioria, deu provimento a agravos regimentais para cassar as decisões
reclamadas e afastar a responsabilidade subsidiária da União.
As reclamações foram ajuizadas contra decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que
negaram seguimento a Agravo de Instrumento em Recurso de Revista (AIRR) por “ausência de
transcendência” da controvérsia, motivo pelo qual determinaram a baixa imediata dos autos.
A reclamante alegava afronta ao que decidido pelo STF na ADC 16 e no RE 760.931 (Tema 246
da repercussão geral). Em suma, sustentava que o TST não poderia negar a transcendência a processo
cuja matéria de fundo tenha sido objeto de ação direta de constitucionalidade, de recurso extraordinário
com repercussão geral reconhecida ou de enunciado da Súmula Vinculante. Aduzia que empecer os
recursos de revista, por reputar inexistente o mencionado instituto, caracterizaria usurpação de
competência do STF.
Nas decisões, ora agravadas, a ministra Rosa Weber (relatora) negou seguimento às reclamações,
uma vez que o Tribunal de origem assentara a responsabilidade subsidiária do ente público por culpa in
vigilando. Sublinhou que afastar tal conclusão exigiria a reabertura do debate fático-probatório,
procedimento inviável em sede de reclamação.
Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes. O ministro observou que os autos versam
sobre a questão da responsabilidade solidária do ente público, matéria cuja repercussão geral foi
reconhecida e decidida pelo STF. Assinalou que o TST tem negado a transcendência da questão com base
no art. 896-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (1), e, ao mesmo tempo, tem determinado o
imediato trânsito em julgado. Isso impede que a controvérsia chegue ao STF e possa vir à discussão.
A seu ver, a análise da transcendência se faz no campo jurídico e o TST não está a analisar
questões fáticas do Tribunal Regional do Trabalho. Ao examinar a matéria e barrar a transcendência,
aquele Tribunal está a impedir que o STF aprecie a mesma questão jurídica, já analisada anteriormente,
sobre a qual foi editada uma tese da necessidade de exame detalhado de haver ou não culpa.
Por seu turno, o ministro Roberto Barroso recordou o contexto em que se deram o julgamento da
ADC 16 e do RE 760.931. Ponderou existir resistência da Justiça do Trabalho relativamente à
interpretação dada pelo STF, pois automaticamente se considera que haja culpa in vigilando. Ademais, ao
negar a transcendência e a subida do feito, no fundo, o que se faz é impedir que a posição pacificada do
STF prevaleça nos casos.
Em arremate, acentuou ser medida de economia processual julgar o mérito pela aplicação da tese
firmada no STF.
Vencida a ministra Rosa Weber (relatora), que negou provimento aos agravos, haja vista o tribunal
de origem ter assentado a responsabilidade subsidiária do ente público por culpa in vigilando. Para a
relatora, a afirmação de culpa in vigilando não implica descumprimento do que decidido pelo STF.
Ademais, a decisão reclamada se limita a examinar o pressuposto extrínseco de admissibilidade recursal,
que é a existência ou não de transcendência.

(1) CLT: “Art. 896-A – O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece
transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica. § 1º São indicadores de
transcendência, entre outros: I – econômica, o elevado valor da causa; II – política, o desrespeito da instância recorrida à
jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal; III – social, a postulação, por
reclamante-recorrente, de direito social constitucionalmente assegurado; IV – jurídica, a existência de questão nova em torno da
interpretação da legislação trabalhista. § 2º Poderá o relator, monocraticamente, denegar seguimento ao recurso de revista que não
demonstrar transcendência, cabendo agravo desta decisão para o colegiado. § 3º Em relação ao recurso que o relator considerou não
ter transcendência, o recorrente poderá realizar sustentação oral sobre a questão da transcendência, durante cinco minutos em sessão.
§ 4º Mantido o voto do relator quanto à não transcendência do recurso, será lavrado acórdão com fundamentação sucinta, que
constituirá decisão irrecorrível no âmbito do tribunal. § 5º É irrecorrível a decisão monocrática do relator que, em agravo de
instrumento em recurso de revista, considerar ausente a transcendência da matéria. § 6º O juízo de admissibilidade do recurso de
revista exercido pela Presidência dos Tribunais Regionais do Trabalho limita-se à análise dos pressupostos intrínsecos e extrínsecos
do apelo, não abrangendo o critério da transcendência das questões nele veiculadas.”

Rcl 36958 AgR/SP, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 8.9.2020. (INF 990)
Rcl 40652 AgR/DF, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 8.9.2020. (INF 990)

12. DIREITO PROCESSUAL PENAL


12.1 AÇÃO PENAL

Estelionato: representação da vítima e retroatividade - HC 187341/SP

Não retroage a norma prevista no § 5º do art. 171 do Código Penal (CP) (1), incluída pela Lei
13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), que passou a exigir a representação da vítima como condição de
procedibilidade para a instauração de ação penal, nas hipóteses em que o Ministério Público tiver
oferecido a denúncia antes da entrada em vigor do novo diploma legal.
A norma processual anteriormente vigente definia a ação penal para o delito de estelionato, em
regra, como pública incondicionada. Desse modo, nos casos em que já oferecida a denúncia, tem-se a
concretização de ato jurídico perfeito, o que obstaculiza a interrupção da ação penal.
Por outro lado, por tratar-se de “condição de procedibilidade da ação penal”, a aplicação da regra
prevista no § 5º do art. 171 do CP, com redação dada pela Lei 13.964/2019, será obrigatória em todas as
hipóteses em que ainda não tiver sido oferecida a denúncia pelo Parquet, independentemente do
momento da prática da infração penal, nos termos do art. 2º, do Código de Processo Penal (CPP) (2).
Entendimento diverso demandaria expressa previsão legal, pois se estaria transformando a “representação
da vítima”, clássica condição de procedibilidade, em verdadeira “condição de prosseguibilidade da ação
penal”, alterando sua tradicional natureza jurídica. A representação da vítima somente estaria dispensada
nas situações expressamente previstas no §5º do art. 171 do CP, uma vez que outros bens jurídicos
estariam afetados.
Trata-se, no caso, de habeas corpus impetrado contra decisão monocrática de indeferimento
liminar de outro writ no Superior Tribunal de Justiça. Em face da singularidade da matéria, da sua
relevância, da multiplicidade de habeas corpus sobre o mesmo tema e da necessidade de sua definição, a
Primeira Turma superou a Súmula 691 para conhecer da impetração. Entretanto, ante a inexistência de
ilegalidade, constrangimento ilegal ou teratologia, indeferiu a ordem.

(1) CP: “Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em
erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: (...) § 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a
vítima for: I – a Administração Pública, direta ou indireta; II – criança ou adolescente; III – pessoa com deficiência mental; ou IV –
maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.”
(2) CPP: “Art. 2º A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a
vigência da lei anterior.”

HC 187341/SP, Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 13.10.2020. (INF 995)

12.2 COLABORAÇÃO PREMIADA

Colaboração premiada: acesso a documentos e exercício do contraditório e da ampla defesa -


Pet 7494 AgR/DF

A Segunda Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental em petição para permitir o
acesso dos requerentes ao conteúdo de colaboração premiada realizada por executivos da empresa
Odebrecht, no âmbito da “Operação Lava Jato”, em que foram citados. Determinou-se que o acesso deve
abranger somente documentos em que os agravantes são de fato mencionados (requisito positivo),
excluídos os atos investigativos e diligências que ainda se encontram em andamento e não foram
consubstanciados e relatados no inquérito ou na ação penal em trâmite (requisito negativo).
No caso, os termos do acordo celebrado entre os executivos da referida empresa e o Ministério
Público Federal (MPF) deram origem, por meio de cooperação jurídica internacional celebrada entre
Brasil e a República do Peru, a procedimento investigativo e, após, a ação penal, em razão da qual os
agravantes se encontram presos naquele país desde julho de 2017.
Os agravantes pretendiam, em suma, obter acesso integral aos termos dos colaboradores para
viabilizar, de forma plena e adequada, sua defesa nos procedimentos que tramitam em seu desfavor na
República do Peru.
Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes. Segundo o ministro, o MPF tem compartilhado, por
meio da cooperação jurídica internacional firmada com a República do Peru, elementos de prova colhidos
em acordos de colaboração premiada, celebrados no Brasil e relacionados diretamente aos agravantes, de
maneira possivelmente arbitrária e seletiva. Isso significa que elementos essenciais para a defesa dos
agravantes, no processo em trâmite na República do Peru, podem, eventualmente, e de acordo com as
informações prestadas pelos agravantes, não ter sido compartilhados pelo MPF, ofendendo, assim, os
princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, já que a prova foi produzida originalmente
no Brasil.
Não se podendo afirmar com certeza se o Ministério Público do Peru recebeu do MPF todos os
elementos de prova relacionados aos agravantes, eventual pleito junto às autoridades peruanas poderia
restar totalmente ineficiente para que se pudesse exercer a defesa plena das acusações. Verifica-se, dessa
forma, um claro conflito de interesses entre os órgãos acusatórios e a defesa dos agravantes. Em caso de o
MPF ter compartilhado apenas os dados que eventualmente interessassem ao Ministério Público do Peru,
fica a defesa dos agravantes nitidamente prejudicada.
Nesses termos, a defesa dos agravantes não pode ficar à mercê de uma seleção arbitrária, por parte
do MPF, dos dados que devem ou não ser compartilhados, sob pena de grave vilipêndio dos princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Assinalou, ainda, que, além de estarem expressos na Constituição Federal (CF), os princípios do
contraditório e da ampla defesa, tanto em seu momento informativo quanto em seu momento reativo,
representam valores axiológicos que norteiam o sistema processual penal em âmbito americano e estão
previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.
Tendo sido o conteúdo das delações que atingem os agravantes produzido no Brasil e tendo havido
uma possível seleção dos dados a serem compartilhados, entendeu cabível a aplicação do Enunciado 14
da Súmula Vinculante do STF (1). Quanto à aplicação do referido entendimento sumular no âmbito do
instituto da colaboração premiada, a Lei 12.850/2013 prevê, em seu art. 7º (2), o sigilo do acordo de
colaboração, como regra, até a denúncia, se estendendo aos atos de cooperação, especialmente às
declarações do cooperador. O sigilo dos atos de colaboração, no entanto, não é oponível ao delatado. Há
uma norma especial que regulamenta o acesso do defensor do delatado aos atos de colaboração (Lei
12.850/2013, art. 7º, § 2º). O dispositivo consagra o amplo acesso aos elementos de prova que digam
respeito ao exercício do direito de defesa, ressalvados os referentes a diligências em andamento.
Portanto, em um cotejo analítico entre o referido verbete sumular e a Lei 12.850/2013, o acesso
deve ser garantido caso estejam presentes dois requisitos: um positivo — o ato de colaboração deve
apontar a responsabilidade criminal do requerente; e outro negativo — o ato de colaboração não se deve
referir a diligência em andamento.
Vencidos o ministro Edson Fachin (relator), que negou provimento ao agravo regimental e
manteve a decisão monocrática, e, em menor extensão, a ministra Cármen Lúcia, que deferiu apenas
parcialmente o pedido.

(1) Enunciado 14 da Súmula Vinculante do STF: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos
elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia
judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”
(2) Lei 12.850/2013: “Art. 7º O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas
informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto. § 1º As informações pormenorizadas da colaboração serão
dirigidas diretamente ao juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) horas. § 2º O acesso aos autos
será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-
se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de
defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento. § 3º O acordo de
colaboração premiada e os depoimentos do colaborador serão mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime,
sendo vedado ao magistrado decidir por sua publicidade em qualquer hipótese.”

Pet 7494 AgR/DF, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em
19.5.2020. (INF 978)

Colaboração premiada e exercício do direito de defesa - 2 - Rcl 30742 AgR/SP

A Segunda Turma, em conclusão de julgamento, deu provimento a agravo regimental para julgar
parcialmente procedente reclamação a fim de assegurar ao delatado o acesso às declarações prestadas por
colaboradores que o incriminem, já documentadas e que não se refiram à diligência em andamento que
possa ser prejudicada.
Nesta assentada, o ministro Ricardo Lewandowski (relator) reajustou o voto anteriormente
proferido (Informativo 937).
Inicialmente, o colegiado conheceu da reclamação. Embora seja meio de obtenção de prova, a
colaboração premiada é fenômeno complexo a envolver diversos atos com naturezas jurídicas distintas.
Em conjunto com o acordo, há elementos de prova relevantes ao exercício do direito de defesa e do
contraditório.
Em seguida, registrou que o terceiro delatado por corréu, em termo de colaboração premiada, tem
direito de ter acesso aos trechos nos quais citado, com fundamento no Enunciado 14 da Súmula
Vinculante (1). À luz do referido verbete, o acesso deve ser franqueado caso estejam presentes dois
requisitos. Um, positivo: o ato de colaboração deve apontar a responsabilidade criminal do requerente
(Inq 3.983). Outro, negativo: o ato de colaboração não deve referir-se à diligência em andamento (Rcl
24.116).
Isso porque a leitura do § 2º do art. 7° da Lei 12.850/2013 determina que, antes mesmo da retirada
do sigilo, será assegurado ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova
que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial,
ressalvados os referentes às diligências em andamento.
Com efeito, a jurisprudência da Segunda Turma garante o acesso a todos os elementos de prova
documentados nos autos dos acordos de colaboração, incluídas as gravações audiovisuais dos atos de
colaboração de corréus, com o escopo de confrontá-los, e não para impugnar os termos dos acordos
propriamente ditos (Rcl 21.258 AgR).
(1) Enunciado 14 da Súmula Vinculante: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos
elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia
judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”

Rcl 30742 AgR/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4.2.2020. (INF 965)

12.3 COMPETÊNCIA

Delação premiada e fixação de competência - HC 181978 AgR/RJ

A colaboração premiada, como meio de obtenção de prova, não constitui critério de


determinação, de modificação ou de concentração da competência.
Isso porque, conforme decidido por esta Corte, nos autos do INQ 4.130, os fatos relatados em
colaboração premiada não geram prevenção. Enquanto meio de obtenção de prova, os fatos relatados em
colaboração premiada, quando não conexos com o objeto do processo que deu origem ao acordo, devem
receber o tratamento conferido ao encontro fortuito de provas.
Destaca-se que a regra no processo penal é o respeito ao princípio do juiz natural, com a devida
separação das competências entre justiça estadual e justiça federal. Assim, para haver conexão ou
continência, seria necessário que, além da mera coincidência de agentes, houvesse uma conexão fático-
objetiva entre os fatos imputados em ambas ações penais. Deve-se ter em conta que a conexão e a
continência são “verdadeiras causas modificadoras da competência e que têm por fundamento a
necessidade de reunir os diversos delitos conexos ou os diferentes agentes num mesmo processo, para
julgamento simultâneo”.
Com a finalidade de viabilizar a instrução probatória e impedir a prolação de decisões
contraditórias, a alteração da competência deve-se limitar às restritas situações em que houver o concurso
de agentes em crime específico, simultâneo ou recíproco, nos casos de crimes cometidos com a finalidade
de ocultar infração anterior, quando houver um liame probatório indispensável, ou nas hipóteses de duas
pessoas serem acusadas do mesmo crime (arts. 76 e 77 do Código Penal).
No caso, o único vínculo fático-objetivo que sustentaria a tese da conexão instrumental seria a
citação do paciente em uma delação, no sentido de que ele integraria a suposta organização criminosa
investigada na ação que tramita perante a justiça federal. Não obstante a coincidência parcial de réus nas
ações penais, há autonomia na linha de acontecimentos que desvincula os fatos imputados ao paciente
numa delas dos fatos descritos na outra.
Trata-se de agravo regimental em habeas corpus impetrado contra decisão de indeferimento de
idêntica medida no Superior Tribunal de Justiça que manteve a competência da justiça federal para julgar
e processar o paciente, promotor de justiça aposentado.
Com base no entendimento exposto, a Segunda Turma, por maioria, negou provimento ao agravo
regimental interposto contra decisão concessiva da ordem, decretou a ilegalidade da prisão preventiva do
paciente, por estar fundada em suposições e ilações, e determinou a remessa dos autos à justiça comum
estadual de primeiro grau.

HC 181978 AgR/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 10.11.2020. (INF 999)

Inquérito: declínio de competência e não encerramento de instrução processual - 2 - Pet 7716


AgR/DF

Em conclusão de julgamento, a Segunda Turma negou provimento a agravo regimental interposto


de decisão proferida nos autos de inquérito, por meio da qual se declinou da competência para o
processamento e o julgamento do feito, com a consequente remessa ao Superior Tribunal de Justiça
(STJ).
O agravante sustentava a supressão do direito de recorribilidade em face da ordem de envio
imediato dos autos ao STJ sem que fosse aguardado o decurso do prazo recursal para defesa. Afirmava,
ainda, a necessidade da manutenção da competência no Supremo Tribunal Federal (STF) ao menos até o
oferecimento da denúncia, em função do avanço e da iminência do término das apurações,
supervisionadas, no âmbito desta Corte, há mais de cinco anos (Informativo 918).
O colegiado reafirmou a incompetência do STF para processar e julgar o feito. Inicialmente,
observou que a decisão recorrida atendeu às regras de publicidade impostas ao estabelecer a ciência
formal às partes, embora tenha determinado a imediata remessa do feito ao STJ.
Além disso, esclareceu ter sido cancelado o ato cartorário que, de forma equivocada, certificou o
decurso do prazo recursal. Como resultado das providências adotadas, assegurou-se ao investigado o
exercício do direito de defesa e do contraditório por meio da interposição de recurso contra o declínio de
competência, o qual, no entanto, não possui efeito suspensivo, nos termos do art. 317, § 4º, do
Regimento Interno do STF (RISTF) (1).
Ato contínuo, assinalou inexistir prejuízo ao agravante, pois a determinação da imediata remessa
dos autos do inquérito ao juízo destinatário está em consonância com o novel entendimento do Plenário
firmado no julgamento da AP 937 QO. Nesse precedente, o STF resolveu questão de ordem no sentido
de fixar as seguintes teses: (i) o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos
durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) após o final da instrução
processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a
competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir
a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo, com o entendimento de
que essa nova linha interpretativa deve aplicar-se imediatamente aos processos em curso, ressalvados
todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízos com base na
jurisprudência anterior, conforme precedente firmado no Inq 687 QO.
A Turma asseverou que a pretensão do agravante foge aos parâmetros estabelecidos na AP 937
QO para auferir a prorrogação da jurisdição do STF, haja vista que o avançar das apurações deflagradas
no inquérito não detém, de modo algum, a potencialidade de interferir no declínio de competência
realizado.
Apesar da efetiva evolução das investigações, sob a supervisão do STF, não houve imputação
criminal formalizada pelo titular da ação penal contra o agravante nem encerramento da instrução
processual penal. Logo, o marco temporal relativo à data de apresentação das razões finais não foi
alcançado.
O ministro Gilmar Mendes complementou que a Corte tem entendido pela possibilidade de
imediata remessa dos autos às instâncias competentes, inclusive antes da publicação do acórdão ou do
trânsito em julgado, quando constatado o risco de prescrição. Na espécie, os fatos remontam a 2010,
razão pela qual a determinação da remessa imediata demonstra-se adequada para evitar a ocorrência de
prescrição antes do fim das investigações.

(1) RISTF: “Art. 317. Ressalvadas as exceções previstas neste Regimento, caberá agravo regimental, no prazo de cinco
dias de decisão do Presidente do Tribunal, de Presidente de Turma ou do Relator, que causar prejuízo ao direito da parte. (...) § 4º
O agravo regimental não terá efeito suspensivo.”

Pet 7716 AgR/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 18.2.2020. (INF 967)

12.4.DOSIMETRIA DA PENA

Ações penais em andamento e causa de diminuição da pena - HC 173806/MG

A Primeira Turma deferiu habeas corpus para determinar a aplicação da causa de diminuição de
pena, prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 (1), a paciente condenada pelo crime de tráfico de
drogas, não obstante a existência de outra ação penal, pela prática do mesmo delito, ainda não transitada
em julgado.
O colegiado entendeu, com base no decidido no julgamento do RE 591.054, submetido à
sistemática de repercussão geral (Tema 129), que a existência de inquéritos policiais e processos
criminais sem trânsito em julgado não podem ser considerados como maus antecedentes para fins de
dosimetria da pena, de modo que o fato de a paciente ser ré em outra ação penal, ainda em curso, não
constitui fundamento idôneo para afastar a aplicação da causa de diminuição da pena.
(1) Lei 11.343/2006: “Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda,
oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda
que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena — reclusão de 5 (cinco) a 15
(quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (...) § 4º Nos delitos definidos no caput e no §
1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes,
não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”

HC 173806/MG, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18.2.2020. (INF 967)

Lei de Drogas: causa de diminuição de pena e ações penais em andamento - HC 166385/MG

Não cabe afastar a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 (Lei de
Drogas) com base em condenações não alcançadas pela preclusão maior.
Com esse entendimento, a Primeira Turma deferiu a ordem em habeas corpus para que o juízo
implemente a aludida causa de diminuição.
O colegiado salientou que, na dosimetria, situações processuais sem o trânsito em julgado foram
consideradas como maus antecedentes.

(1) Lei 11.343/2006: “Art. 33. (...) § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser
reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas
nem integre organização criminosa.”

HC 166385/MG, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 14.4.2020. (INF 973)

12.5 EXECUÇÃO DA PENA

Falta grave no curso da execução penal e necessidade de trânsito em julgado (Tema 758 RG)
- RE 776823/RS

Tese fixada:

O reconhecimento de falta grave consistente na prática de fato definido como crime doloso
no curso da execução penal dispensa o trânsito em julgado da condenação criminal no juízo do
conhecimento, desde que a apuração do ilícito disciplinar ocorra com observância do devido
processo legal, do contraditório e da ampla defesa, podendo a instrução em sede executiva ser
suprida por sentença criminal condenatória que verse sobre a materialidade, a autoria e as
circunstâncias do crime correspondente à falta grave.

Resumo:

Inexiste razão para se condicionar o reconhecimento de falta grave no curso de execução


penal, consistente na prática de crime doloso, ao trânsito em julgado de condenação criminal no
juízo de conhecimento.
Enquanto no processo de conhecimento somente o trânsito em julgado da condenação criminal
pode superar a presunção de não culpabilidade para se iniciar o cumprimento de pena, a decisão do juízo
da execução, proferida após apuração de falta grave efetuada de modo válido, diante da dinamicidade da
fase executiva e da necessidade de se assegurar a ordem no estabelecimento prisional, é apta a ensejar a
imposição da sanção disciplinar, sem prejuízo, por certo, do direito recursal do apenado, inclusive, na
busca de provimento de natureza suspensiva.
Exigir o trânsito em julgado do processo de conhecimento para a imposição de falta grave no juízo
da execução penal seria como vincular a competência desempenhada por este àquela a ser exercida pelo
juízo do conhecimento. Essa independência, contudo, é expressa de modo nítido na cisão de
competências: o juízo natural destinado à definição das sanções de natureza penal decorrentes da prática
do fato criminoso em si, submetido à esfera de atribuições do órgão jurisdicional com competência sobre
o processo criminal de conhecimento, é diverso daquele a quem compete a fixação das sanções
disciplinares resultantes da prática de falta grave no curso da execução penal, providência a cargo do
juízo da execução, nos termos dos arts. 48, parágrafo único, e 60, caput, da Lei de Execução Penal (LEP)
(1).
A apuração da falta grave demanda a observância dos princípios constitucionais do devido
processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
A apuração de faltas dessa natureza não pode ocorrer sem que se observem os princípios
constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, normas de caráter
transversal que irradiam seus efeitos por todas as esferas apuratórias e sancionatórias de ilícitos.
Por outro lado, inexiste óbice ao aproveitamento de sentença proferida no processo penal de
conhecimento, após regular instrução criminal, com observância do contraditório e da ampla defesa, pelo
juízo da execução penal para o reconhecimento de falta grave. Esse título, diversamente dos autos de
prisão em flagrante, de inquérito policial ou das petições iniciais dos processos criminais, supre a
exigência de instrução perante autoridade administrativa ou judicial no âmbito executivo, autorizando a
consequente aplicação das sanções disciplinares pela autoridade judiciária competente para decidir
questões relativas à execução penal.
No caso, trata-se de recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida (Tema 758), no
qual se discute a necessidade de condenação com trânsito em julgado para se considerar como falta grave,
no âmbito administrativo carcerário, a prática de fato definido como crime doloso.
Com esse entendimento, o Plenário, em sessão virtual, deu provimento ao recurso extraordinário
para determinar ao Juízo de origem que dê início à apuração da prática de falta grave, com a observância
das diretrizes fixadas no julgamento. 

(1) LEP: “Art. 48. Na execução das penas restritivas de direitos, o poder disciplinar será exercido pela autoridade
administrativa a que estiver sujeito o condenado. Parágrafo único. Nas faltas graves, a autoridade representará ao Juiz da execução
para os fins dos artigos 118, inciso I, 125, 127, 181, §§ 1º, letra d, e 2º desta Lei. (...) Art. 60. A autoridade administrativa poderá
decretar o isolamento preventivo do faltoso pelo prazo de até dez dias. A inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado, no
interesse da disciplina e da averiguação do fato, dependerá de despacho do juiz competente.”

RE 776823/RS, rel. Min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 4.12.2020 (INF 1001)

12.6 “HABEAS CORPUS”

Acordo de delação premiada e impugnação - 3 - HC 142205/PR e HC 143427/PR

A Segunda Turma, em conclusão e por empate na votação, concedeu, de ofício, a ordem de


habeas corpus para declarar a nulidade da utilização, como meio de prova, do segundo acordo de
colaboração premiada firmado, por auditor e sua irmã, no âmbito de operação deflagrada com o objetivo
de desarticular organização criminosa formada por auditores fiscais (Informativos 941 e 958).
O colegiado reconheceu a ilicitude das declarações incriminatórias prestadas pelos referidos
delatores. Ademais, determinou ao juízo de origem que verifique eventuais outros elementos probatórios
contaminados pela ilicitude declarada e atos que devam ser anulados em razão de neles estarem
fundamentados, além da viabilidade de manutenção ou trancamento do processo penal ao qual estão
submetidos os pacientes. Prosseguindo, nos termos do art. 157, § 3º, do Código de Processo Penal (CPP),
preclusa a decisão de desentranhamento, determinou a inutilização da prova declarada ilícita, facultado às
partes acompanhar o incidente, mantidos os benefícios oferecidos pelo Ministério Público e concedidos
pelo juízo de origem aos delatores. Por fim, mandou oficiar ao Conselho Nacional do Ministério Público
e à Corregedoria do Ministério Público do Paraná, a fim de que instaurem procedimentos investigatórios
para o esclarecimento dos fatos relacionados a atuações dos membros do Ministério Público na realização
dos acordos de colaboração premiada, devendo tais órgãos manter o Supremo Tribunal Federal (STF)
informado sobre o andamento e os resultados da apuração.
Na espécie, o referido auditor, investigado por supostos atos relacionados a propinas para redução
de tributos, foi preso em flagrante por crimes sexuais. Nessa ocasião, ele e sua irmã fizeram um acordo de
colaboração premiada com o Ministério Público, o qual abrangeu todos os crimes a ele imputados e
culminou com a prisão de diversos auditores fiscais. Esse acordo foi rescindido diante de constatações de
que o delator teria mentido, omitido fatos e cometido novos crimes. Durante interrogatório pelo juízo de
origem, o delator asseverou que a rescisão do citado acordo teria sido arbitrária. Acusou promotores do
Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de manipular suas declarações e
ocultar todos os vídeos dos depoimentos que havia prestado extrajudicialmente. Posteriormente, o
Parquet firmou com o auditor novo acordo de delação premiada, sob a condição de que se retratasse das
mencionadas acusações e ratificasse as declarações que fizeram parte do acordo rescindido. O segundo
acordo foi homologado como termo aditivo pelo juízo a quo.
Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes (relator).
O relator esclareceu que o caso em questão é diverso dos termos decididos anteriormente pelo
Plenário do Supremo Tribunal Federal (HC 127.483). Trata-se de aproveitamento das provas resultantes
do segundo acordo em processos concretos. O Pleno não discutiu a possibilidade na qual o acordo possui
reflexos diretos sobre situações de terceiros. Não se cuida de impugnação do acordo de colaboração
premiada por terceiros, mas de questionamento de terceiros que tem a aplicação de provas no seu caso
concreto. Ou seja, o que se discute é a produção de provas pelo colaborador nos processos que tramitam
em face dos pacientes da ação. O foco da impugnação diz respeito à utilização de provas contra os
imputados e ao modo que tais elementos foram produzidos a partir de um cenário de acordos de
colaborações temerários e claramente questionáveis. Sendo assim, no caso concreto, pode-se questionar a
aplicação das provas colhidas nos acordos. Não se enfrenta, portanto, a posição adotada pelo Plenário,
mas se desenvolve e refina um sistema para analisar as consequências que precisam ser controláveis pelo
Poder Judiciário. Nessa perspectiva, diante da complexidade das relações que se colocam em uma Justiça
criminal negocial, o relator reputou ser necessário avançar para traçar critérios adequados à limitação de
abusos.
O ministro Gilmar Mendes relembrou que a Segunda Turma, no HC 151.605, já havia assentado,
por violação às regras de competência, a ilegalidade da homologação do acordo de colaboração premiada
ora questionado e reconhecido a ineficácia das provas por meio dele produzidas em relação ao paciente
daquele writ. Assim, explicou que as práticas realizadas na operação analisada são claramente temerárias
e questionáveis, porque ocasionaram inúmeras impugnações e colocaram em risco a efetividade da
persecução penal.
O relator ressaltou que o estabelecimento de balizas legais para o acordo é uma opção do nosso
sistema jurídico, para garantir a isonomia e evitar a corrupção dos imputados, mediante incentivos
desmesurados à colaboração, e dos próprios agentes públicos, aos quais se daria um poder sem limite
sobre a vida e a liberdade dos imputados. É preciso respeitar a legalidade, visto que as previsões
normativas caracterizam limitação ao poder negocial no processo penal. No caso de ilegalidade manifesta
em acordo de colaboração premiada, o Poder Judiciário deve agir para a efetiva proteção de direitos
fundamentais. Registrou que, em diversos precedentes, a Corte assentou que o acordo de colaboração
premiada é meio de obtenção de prova. Portanto, trata-se de instituto de natureza semelhante, por
exemplo, à interceptação telefônica. Tendo em conta que o STF reconheceu, várias vezes, a ilegalidade de
atos relacionados a interceptações telefônicas, não há motivo para afastar essa possibilidade em
ilegalidades que permeiam acordos de colaboração premiada.
Observou que, no caso concreto, em face da gravidade das acusações atribuídas aos membros do
Ministério Público estadual, é questionável a possibilidade de esses agentes negociarem e transigirem
sobre a pretensão acusatória com relação a fatos supostamente criminosos a eles imputados. Além disso,
diante do cenário descrito, em que houve a realização de acordo de colaboração premiada sucessivo à
rescisão por descumprimento de avença anterior, há clara fragilização à confiabilidade das declarações
prestadas pelos delatores. A força probatória de tais declarações, já mitigada em razão do previsto no art.
4º, § 16, da Lei 12.850/2013 (1), resta completamente esvaziada diante do panorama de ilegalidades
narrado. Apontou, como orientação prospectiva ou até um apelo ao legislador, a obrigatoriedade de
registro audiovisual de todos os atos de colaboração premiada, inclusive negociações e depoimentos
prévios à homologação. Segundo o ministro, grande parte dos problemas que se verificaram no caso
concreto decorrem da ausência de registro e controle dos atos de negociação e das declarações prestadas
pelos delatores.
Vencidos os Ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia que denegaram a ordem.

(1) Lei 12.850/2013: “Art. 4º. O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois
terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente
com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: (...) § 16.
Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador.”

HC 142205/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 25.8.2020. (INF 988)


HC 143427/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 25.8.2020. (INF 988)
Cabimento de habeas corpus e liberdade de ir e vir - HC 170735/RJ

A Primeira Turma, por maioria, indeferiu a ordem de habeas corpus impetrado em favor de
vereadora, denunciada pela prática do delito de peculato, em razão de, na qualidade de presidente da
Câmara Municipal, ter contratado servidora pública para realização de serviço de faxina, prestado na casa
de seu irmão.
No caso, o Ministério Público solicitou a prisão preventiva da paciente. O tribunal de justiça
indeferiu o pedido, mas determinou as seguintes medidas alternativas: a) afastamento do cargo de
vereadora e da função de presidente da Câmara dos vereadores; b) comparecimento bimestral em juízo; c)
proibição de acesso e frequência à câmara municipal; d) proibição de manter contato com testemunhas; e)
proibição de ausentar-se do estado e do País, com a entrega de passaporte; e f) obrigação de manter
atualizado, no tribunal, o endereço.
Na impetração, a paciente alegou a desproporcionalidade das medidas. Sublinhou inobservados os
princípios da não culpabilidade e do devido processo legal. Aduziu o excesso de prazo das cautelares.
Preliminarmente, a Turma, por maioria, conheceu do writ. Reputou-se que, descumprida a medida
alternativa, é possível o estabelecimento da custódia, alcançando-se o direito de ir e vir. Vencidos, no
ponto, os ministros Luiz Fux e Rosa Weber, que não conheceram da impetração por entenderem que o
cabimento de habeas corpus diz respeito exclusivamente à liberdade de ir e vir, que não se confunde com
a liberdade de exercício de uma atividade profissional.
Quanto ao mérito, a Turma não vislumbrou ilegalidade nas medidas alternativas decretadas pelo
tribunal de justiça. Vencido o ministro Marco Aurélio, que deferiu a ordem para viabilizar o exercício do
cargo de vereadora pela paciente, com o consequente acesso às dependências da casa legislativa. O
ministro salientou que, sem a formação da culpa, a constrição perdura por mais de um ano.

HC 170735/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em
30.6.2020. (INF 984)

“Habeas corpus” e desentranhamento de termo de colaboração de corréu - HC 163943


AgR/PR

A Segunda Turma julgou prejudicado agravo regimental em habeas corpus no que atine ao
pedido de apresentação das alegações finais pelo paciente após o oferecimento pelos corréus, pois a
pretensão foi alcançada na Rcl 33.543. Ademais, por maioria, deu parcial provimento ao recurso a fim de
conceder a ordem para determinar o desentranhamento de termo de colaboração de corréu dos autos de
ação penal em que figura como acusado o ora paciente.
Ao se manifestar pelo conhecimento do writ, o ministro Ricardo Lewandowski reportou-se à
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) segundo a qual, quando a liberdade de alguém estiver
direta ou indiretamente ameaçada, cabe habeas corpus ainda que para solucionar questões de natureza
processual.
De igual modo, o ministro Gilmar Mendes acrescentou que, se houver ilegalidade manifesta a ser
corrigida pelo STF, não se verifica óbice ao afastamento da incidência do Verbete 691 da Súmula do STF
(1).
Noutro passo, o colegiado indeferiu o pedido de suspensão do julgamento da ação penal até
pronunciamento final do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Asseverou que, no caso concreto, não se revela indispensável ao desate da controvérsia o debate
acerca do caráter vinculante, ou não, das deliberações do aludido Comitê. Isso porque a decisão invocada
pela defesa agravante firmou-se no sentido da não concessão de medidas provisionais.
Esclareceu que o referido órgão não determinou a suspensão de ações penais instauradas em
desfavor do ora paciente. Ao relembrar que os Estados não devem adotar comportamento que frustre a
observância de Protocolo Facultativo, o Comitê da ONU não o fez acolhendo a pretensão do interessado.
Aquele órgão não reconheceu a prática de ato imputável ao Estado brasileiro que pudesse vulnerar a
ordem internacional e, ao exercer o juízo acerca da adequação das medidas provisionais, resolveu por sua
não concessão.
Além disso, se não cabe ao Estado-parte sindicar a concessão de medidas provisionais pelo órgão
internacional, como alegado na impetração, por razões similares, também não se atribuiria ao Juízo
nacional o reexame do não acolhimento do requerimento pelo Comitê.
No ponto, o ministro Ricardo Lewandowski ressalvou que a deliberação final de mérito, a qual
poderá ser julgada por aquela instância internacional, a depender do resultado proclamado, poderá
configurar medida capaz de impedir, frustrar ou anular o julgamento dos processos criminais movidos
contra o agravante.
Ao versar sobre o pleito de desentranhamento do mencionado acordo de colaboração premiada, a
Turma considerou demonstrado constrangimento ilegal imposto ao paciente e acolheu o pedido
formulado, com esteio no art. 157 do Código de Processo Penal (CPP), que impõe a exclusão de provas
ilícitas, assim entendidas aquelas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
Registrou que, às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial e após o encerramento da
instrução processual, o então magistrado de piso ordenou o levantamento do sigilo e o translado, para os
autos do mencionado processo criminal, de parte dos depoimentos prestados por corréu em acordo de
colaboração premiada.
O ex-juiz aguardou mais de três meses da homologação da delação para, na semana do primeiro
turno, determinar, sem prévio requerimento do órgão acusatório, a efetiva juntada à ação penal.
O ministro Ricardo Lewandowski aduziu que, apesar de ter consignado a necessidade da medida
para instrução dos autos, o aludido magistrado assentou, de modo extravagante, que levaria em
consideração, quanto aos coacusados, apenas o depoimento prestado pelo corréu colaborador sob
contraditório naquele processo penal.
A seu ver, com essas e outras atitudes que haverão de ser verticalmente analisadas no âmbito do
HC 164.493, aquele juiz violou o sistema acusatório, bem como as garantias constitucionais do
contraditório e da ampla defesa, além de influenciar de forma direta e relevante o resultado da disputa
eleitoral, conforme asseveram inúmeros analistas políticos, desvelando comportamento, no mínimo,
heterodoxo no julgamento dos processos criminais instaurados contra o paciente. A determinação da
juntada nesses moldes consubstancia, quando menos, inequívoca quebra da imparcialidade.
Sobre o art. 156 do CPP (2), rejeitou a possibilidade de se alegar que ele assegura ao magistrado
poderes instrutórios autônomos. Avaliou que a dicção do referido dispositivo, de duvidosa
constitucionalidade, está restrita às hipóteses específicas contempladas pelo legislador. De sorte que, por
corolário, descabe qualquer compreensão hermenêutica que amplie o sentido e o alcance do preceito,
especialmente para fins eleitorais, sob pena de violação do sistema constitucional acusatório.
Concluiu que a juntada de ofício após o encerramento da fase de instrução, com o intuito de,
aparentemente, gerar fato político, revela-se em descompasso com o ordenamento constitucional vigente.
Por seu turno, o ministro Gilmar Mendes chamou a atenção para as circunstâncias que permearam
a juntada nos autos do acordo de colaboração. Em primeiro lugar, ele foi juntado quando a fase de
instrução processual havia sido encerrada, a sugerir que os termos do acordo sequer estariam aptos a
fundamentar a prolação da sentença. Em segundo, aconteceu cerca de três meses após a decisão judicial
que o homologara. A seu ver, essa demora parece ter sido cuidadosamente planejada para gerar
verdadeiro fato político na semana que antecedia o primeiro turno das eleições presidenciais. Ato
contínuo à juntada foi determinado o imediato levantamento do sigilo, com clara finalidade de que fosse
dada publicidade às imputações dirigidas ao réu, sem que as circunstâncias narradas no ajuste fossem
relevantes para a ação penal em andamento. Em terceiro, o fato de a juntada e o levantamento do sigilo
terem ocorrido por iniciativa do próprio juiz, isto é, sem qualquer provocação do órgão acusatório.
Para o ministro, essas circunstâncias, quando examinadas de forma holística, são vetores
possivelmente indicativos da quebra da imparcialidade por parte do magistrado.
Sob o prisma da avaliação estrita da licitude, compreendeu estar claro que as circunstâncias não
deixam dúvidas de que o ato se encontra acoimado de grave e irreparável ilicitude.
Ainda que se pudesse invocar, em tese, a possibilidade jurídica da produção de provas de ofício
pelo julgador, com fundamento no art. 156 do CPP, na espécie, sequer seria possível falar
verdadeiramente em produção probatória, uma vez encerrada a instrução processual.
Dessa maneira, ponderou que a juntada do acordão não parece ter tido outro propósito a não ser o
de constranger e macular a posição jurídica do réu, hipótese a atrair a incidência do art. 157 do CPP, que
preleciona a inadmissibilidade das provas ilícitas.
Por fim, destacou que a ordenação ex officio do ato judicial impugnado quando associada às
características particularíssimas do caso concreto suscitam ainda preocupação com a eventual violação ao
princípio acusatório.
Vencido, no ponto, o ministro Edson Fachin (relator), que negou provimento ao agravo regimental.
Na percepção do relator, o CPP atribui ao juiz poderes instrutórios, ainda que de forma residual (art. 156).
Nada obstante, não se demonstra que a atividade processual teve como norte a inclinação por determinada
hipótese acusatória, mas, tão somente, possibilitar, em sede de sentença, o adequado enfrentamento da
matéria afeta à atividade colaborativa.
O ministro ressaltou ter sido expressamente afirmado pelo juiz singular que os elementos juntados
de ofício seriam empregados exclusivamente para fins de análise de eventual sanção premial. Logo, as
informações não teriam força demonstrativa e probatória apta a interferir na esfera jurídica do ora
paciente. De acordo com o aludido magistrado, não constituem inovação relevante em relação às
declarações previamente prestadas pelo corréu, a não configurar prejuízo à defesa. Circunstância que,
além de inviável dissenso, em sede de habeas corpus, não foi impugnada pela defesa.
Por último, enfatizou que a ação constitucional em apreço, sobretudo em hipóteses nas quais se
verifica supressão de instância, consubstancia garantia processual vocacionada exclusivamente à tutela do
direito de locomoção. Portanto, não se presta a tutelar a regularidade de atos processuais que não se
mostrem, sequer potencial e remotamente, aptos a interferir na liberdade ambulatorial do cidadão.

(1) Verbete 691/STF: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do
Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.”
(2) CPP: “Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar,
mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a
necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a
realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”

HC 163943 AgR/PR, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Ricardo Lewandowski,
julgamento em 4.8.2020. (INF 985)

Prisão domiciliar: condenada com filho menor e decisão transitada em julgado - HC


177164/PA

A Primeira Turma denegou habeas corpus em que se requeria a prisão domiciliar de condenada
pela prática de homicídio por decisão transitada em julgado, que tem filho com menos de doze anos de
idade.
Na espécie, a defesa sustentou a adequação da prisão domiciliar. Reportou-se ao HC 143.641, no
qual concedida a ordem em favor de todas as mulheres presas preventivamente que ostentem a condição
de gestantes, de puérperas ou de mães de crianças sob sua responsabilidade.
Prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio (relator), que reiterou a óptica veiculada ao indeferir
medida acauteladora. Nesse sentido, o disposto no art. 318 do Código de Processo Penal (CPP) (1) tem
aplicação em casos de prisão preventiva, sendo inadequado quando se trata de execução de título
condenatório alcançado pela preclusão maior.
O relator observou que, para ter-se a incidência do art. 117 da Lei 7.210/1984 [Lei de Execução
Penal (LEP)] (2) — cumprimento da sanção em regime domiciliar —, é indispensável o enquadramento
em uma das situações jurídicas nele contempladas. Apesar de comprovada a existência de filho menor, a
paciente foi condenada à pena de 26 anos em regime fechado. Portanto, não está atendido o requisito
primeiro de tratar-se de réu beneficiário de regime aberto.

(1) CPP: “Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I – maior de 80
(oitenta) anos; II – extremamente debilitado por motivo de doença grave; III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa
menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV – gestante; V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade
incompletos; VI – homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.”
(2) LEP: “Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando
se tratar de: I – condenado maior de 70 (setenta) anos; II – condenado acometido de doença grave; III – condenada com filho menor
ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante.”

HC 177164/PA, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18.2.2020. (INF 967)

RHC: imparcialidade do julgador e produção de provas - RHC 144615 AgR/PR

Em conclusão de julgamento e ante o empate na votação, a Segunda Turma deu parcial


provimento a agravo regimental em recurso ordinário em habeas corpus, para declarar a nulidade da
sentença condenatória proferida nos autos de processo penal, por violação à imparcialidade do julgador.
No ato impugnado, o ministro Edson Fachin (relator) negou seguimento ao recurso ordinário.
Explicitou que o recorrente sustentava a quebra de imparcialidade do juiz condutor da ação penal,
substancialmente sob a argumentação de que: (i) ao tomar diretamente o depoimento de colaboradores no
momento da celebração de acordo de colaboração premiada, o magistrado teria participado da própria
produção da prova na fase investigativa, exercendo, ao menos materialmente, as atribuições próprias dos
órgãos de persecução. Por tais razões, estaria caracterizada hipótese de impedimento estabelecida no art.
252 do Código de Processo Penal (CPP) (1), notadamente em seu inciso II; e (ii) ao determinar ex officio
a juntada aos autos de documentos utilizados para fundamentar a condenação, após a apresentação de
alegações finais, o magistrado teria suprido a insuficiência probatória da acusação prevista no art. 156 do
CPP (2). Este cenário, na visão da defesa, acarretaria a absolvição do acusado, ora recorrente.
Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes, que foi acompanhado pelo min. Ricardo
Lewandowski.
O ministro Gilmar Mendes afirmou que este recurso trata da proteção à imparcialidade
jurisdicional e de sua efetividade. Frisou ainda a importância da imparcialidade como base da jurisdição.
Reportou-se à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido da
inconstitucionalidade de dispositivo legal em que autorizada a possibilidade de o julgador realizar a coleta
de provas que poderiam servir, mais tarde, como fundamento da sua própria decisão (ADI 1.570). De
igual modo, mencionou entendimento do STF segundo o qual o princípio fundante do sistema ora
analisado, a toda evidência, é o princípio acusatório, norma decorrente do due process of law e prevista
de forma marcante no art. 129, I, da Constituição Federal (CF) (3), o qual exige que o processo penal seja
marcado pela clara divisão entre as funções de acusar, defender e julgar (ADI 4.414).
Na sequência, informou que o modelo acusatório determina, em sua essência, a separação das
funções de acusar, julgar e defender, e, assim, tem como escopo fundamental a efetivação da
imparcialidade do juiz. A CF consagra o sistema acusatório no processo penal brasileiro, o que impõe a
separação das funções de acusar e julgar a atores distintos na justiça criminal. Contudo, a mera separação
formal não é suficiente, devendo-se vedar a usurpação das funções acusatórias pelo juiz e, também, a sua
união ilegítima em detrimento da paridade de armas.
Ao versar sobre a proteção efetiva da imparcialidade do julgador, esclareceu que, no atual CPP,
são reguladas causas de impedimento e suspeição. Conforme doutrina, a suspeição é causa de
parcialidade do juiz, viciando o processo, caso haja sua atuação. Ela ofende, primordialmente, o princípio
constitucional do juiz natural e imparcial. Pode dar-se a suspeição pelo vínculo estabelecido entre o juiz e
a parte ou entre o juiz e a questão discutida no feito. Note-se que não se trata de vínculo entre o
magistrado e o objeto do litígio — o que é causa de impedimento — mas de mero interesse entre o
julgador e a matéria em debate. Diante disso, o STF definiu que a suspeição ocorre quando há vínculo do
juiz com qualquer das partes [CPP, art. 254 (4)].
Segundo o ministro, há um conjunto muito particular de elementos nos autos que aponta para a
violação à imparcialidade judicial. O simples fato de o juiz ter procedido à homologação dos referidos
acordos de colaboração ou mesmo ter realizado as oitivas dos colaboradores não tem o condão configurar
per se a quebra de sua imparcialidade para o julgamento do réu ao qual imputados ilícitos no âmbito dos
respectivos acordos. Todavia, as circunstâncias particulares do caso demonstram que o juiz se investiu na
função persecutória ainda na fase pré-processual, violando o sistema acusatório.
Não houve mera homologação de acordo de colaboração premiada para verificação de sua
legalidade e voluntariedade, tampouco ocorreu mera produção de prova de ofício pelo julgador. A espécie
apresenta especificidades que caracterizam manifesta ilegalidade.
Salienta-se que o acordo analisado e a sua homologação judicial ocorreram em momento anterior à
promulgação da Lei 12.850/2013. Conquanto isso, a necessidade de imparcialidade judicial está
consolidada na Constituição Federal e em tratados internacionais de direitos humanos há muito mais
tempo.
Com a redação dada pela Lei 13.964/2019, aquele ato normativo passou a esclarecer que, após a
homologação do acordo, a análise do juiz deve cingir-se ao exame da regularidade e legalidade, da
voluntariedade da manifestação, da adequação dos benefícios pactuados. Inovação legislativa que apenas
reforçou entendimentos jurisprudenciais pacificados pelo STF sobre os limites da atuação do julgador na
fase de homologação dos acordos de colaboração premiada.
Da leitura das atas de depoimentos, o ministro depreendeu ser evidente a atuação acusatória do
julgador. Ao analisar a sequência de atos, verificou a proeminência do magistrado na realização de
perguntas ao interrogado, as quais fogem completamente ao controle de legalidade e voluntariedade de
eventual acordo de colaboração premiada. Avaliou ter havido atuação direta do julgador em reforço à
acusação.
Logo, não houve mera supervisão dos atos de produção de prova, mas o direcionamento e a
contribuição do magistrado para o estabelecimento e para o fortalecimento da tese acusatória.
Ainda que essa autuação não fosse suficiente para configurar a quebra de imparcialidade do
magistrado, a sua atuação alinhada com a estratégia acusatória mostrou-se evidente em outro momento
processual. Consta de maneira inconteste que o juiz determinou a juntada de ofício de vários documentos
aos autos, invocando os artigos 234 e 502 do CPP (5), após o oferecimento das alegações finais pelas
partes.
Ao final da instrução, o julgador ordenou a juntada de centenas de folhas, em quatro volumes de
documentos, diretamente relacionados com os fatos criminosos imputados aos réus, sem qualquer pedido
do órgão acusador. Depois, ao sentenciar, o magistrado utilizou expressamente tais elementos para
fundamentar a condenação. Ou seja, o juiz produziu, sem pedido das partes, a prova para justificar a
condenação que já era por ele almejada, aparentemente.
Mesmo que se pudesse invocar, em tese, a possibilidade jurídica da produção de prova de ofício
pelo julgador com base no art. 156 do CPP, na situação dos autos, sequer é possível falar verdadeiramente
em produção probatória. Os documentos juntados não poderiam ter sido utilizados para a formação do
juízo de autoria e materialidade das imputações, uma vez encerrada a instrução processual.
Dessa maneira, imperiosa se faz a incidência do art. 157 do CPP (6), o qual preleciona o
desentranhamento de provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou
legais. A ordenação ex officio do ato judicial impugnado, quando associada às características particulares
do caso concreto, confirmam a grave violação do princípio acusatório.
Por fim, o ministro ponderou ser evidente a quebra da imparcialidade do juízo, o que finda por
macular os atos decisórios proferidos, porquanto ausente o elemento base de legitimidade da jurisdição
em um Estado Democrático de Direito.
Vencidos os ministros Edson Fachin (relator) e Cármen Lúcia, que negaram provimento ao agravo
regimental.
O ministro Edson Fachin afirmou que as decisões objeto do recurso estão em linha com o
entendimento do STF. De igual modo, citou orientação do STF no sentido de que as causas de
impedimento do julgador, listadas no art. 252 do CPP, são taxativas e jungidas a fatos diretamente
relacionados à ação penal em que arguida a imparcialidade (AImp 4).
Enfatizou que, a rigor, não se trata de alegação de exercício de função alheia à investidura
jurisdicional, mas de eventual incorreção do exercício da atividade judicial, aspecto que, na espécie, não
se insere na espacialidade da configuração dos impedimentos taxativamente previstos na legislação
processual penal.
Avaliou que, durante as audiências indicadas pela defesa, não se detecta, objetivamente,
exteriorização de juízo de valor acerca dos fatos ou das questões de direito, emergentes na fase
preliminar, que impeça o juiz oficiante de atuar com imparcialidade no curso da ação penal.
Registrou que a oitiva dos colaboradores em juízo trata de tarefa ínsita à própria homologação do
acordo, atualmente com expressa previsão na Lei 12.850/2013. Ademais, a participação da autoridade
judicial na homologação do acordo de colaboração premiada não possui identidade com a hipótese de
impedimento prevista aos casos de atuação prévia no processo como membro do Ministério Público ou
autoridade policial. Ao contrário, a atividade homologatória da avença mostra-se necessária a fim de
verificar a sua regularidade, legalidade e voluntariedade.
Quanto à juntada de ofício, o relator ponderou não acarretar mácula à imparcialidade judicial, não
configurando, isoladamente, hipótese de afastamento do magistrado. Isso, mesmo que se questionem, em
tese, os limites dos poderes instrutórios do magistrado.
Em sua decisão, ora agravada, colheu inclusive manifestação do Superior Tribunal de Justiça no
sentido de que, no curso de processo penal, admite-se que o juiz, de modo subsidiário, possa — com
respeito ao contraditório e à garantia de motivação das decisões judiciais — determinar a produção de
provas que entender pertinentes e razoáveis, a fim de dirimir dúvidas sobre pontos relevantes, seja por
força do princípio da busca da verdade, seja pela adoção do sistema do livre convencimento motivado.

(1) CPP: “Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que: I – tiver funcionado seu cônjuge ou parente,
consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério
Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito; II – ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido
como testemunha; III – tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão; IV –
ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou
diretamente interessado no feito.”
(2) CPP: “Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar,
mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a
necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a
realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.” (com redação dada e inclusão de texto pela Lei 11.690/2008)
(3) CF: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na
forma da lei;”
(4) CPP: “Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes: I – se for
amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles; II – se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a
processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia; III – se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou
afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes; IV
– se tiver aconselhado qualquer das partes; V – se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes; Vl – se for sócio,
acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.”
(5) CPP: “Art. 234. Se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa,
providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível. (...) Art. 502.
Findos aqueles prazos, serão os autos imediatamente conclusos, para sentença, ao juiz, que, dentro em cinco dias, poderá ordenar
diligências para sanar qualquer nulidade ou suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade. (Revogado pela Lei
11.719/2008) Parágrafo único. O juiz poderá determinar que se proceda, novamente, a interrogatório do réu ou a inquirição de
testemunhas e do ofendido, se não houver presidido a esses atos na instrução criminal. (Revogado pela Lei 11.719/2008)”
(6) CPP: “Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as
obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.”

RHC 144615 AgR/PR, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento
em 25.8.2020. (INF 988)

12.7 JUIZADOS ESPECIAIS

Competência relativa dos juizados especiais para aplicação dos institutos da transação penal
e da composição dos danos civis na reunião de processos - ADI 5264/DF

Resumo:

Os Juizados Especiais Criminais são dotados de competência relativa para julgamento das
infrações penais de menor potencial ofensivo, razão pela qual se permite que essas infrações sejam
julgadas por outro juízo com vis atractiva para o crime de maior gravidade, pela conexão ou
continência, observados, quanto àqueles, os institutos despenalizadores, quando cabíveis.
O art. 98, I, da Constituição Federal (CF) (1) garantiu aos processos nos quais julgados infrações
penais de menor potencial ofensivo a observância de peculiaridades procedimentais e a incidência de
institutos despenalizadores. Entretanto, não há, na norma constitucional, determinação de exclusividade
dos Juizados Especiais Criminais para o julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo.
A especialização dos Juizados Especiais Criminais tem como objetivo tornar o procedimento
célere e informal, bem como a possibilidade de se obter a transação penal e a composição dos danos, não
sendo definida a competência jurisdicional em razão do direito material tutelado.
Há no § 2º do art. 77 (2) e no parágrafo único do art. 66 (3) da Lei 9.099/1995 outras duas causas
modificativas da competência dos Juizados Especiais para o Juízo comum, a saber, a complexidade ou
circunstâncias da causa que dificultem a formulação oral da peça acusatória e o réu não ser encontrado
para a citação pessoal. Fosse absoluta a competência do Juizado Especial Criminal em razão da matéria,
aquelas previsões legais, não impugnadas por esta ação direta, ofenderiam o princípio do juiz natural, pois
permitiriam o julgamento por órgão materialmente incompetente.
Nesse sentido, os institutos despenalizadores dos juizados constituem garantias individuais do
acusado e devem ser asseguradas, independente do juízo em que tramitarem as infrações penais.
Assim, se praticada infração penal de menor potencial ofensivo em concurso com outra infração
penal comum e deslocada a competência para a Justiça comum ou Tribunal do Júri, não há óbice, senão
determinação constitucional, à aplicação dos institutos despenalizadores da transação penal e da
composição civil dos danos quanto à infração de menor potencial ofensivo, em respeito ao devido
processo legal. Ademais, não se deve somar à pena máxima da infração de menor potencial ofensivo com
a da infração conexa (de maior gravidade) para excluir a incidência da fase consensual e ser invocada
como fator impeditivo da transação penal ou composição civil dos danos.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou improcedente o pedido
formulado na ação direta de inconstitucionalidade e declarou a constitucionalidade dos arts. 1º e 2º da Lei
11.313/2006, nas alterações e acréscimos por eles promovidos no art. 60, caput e parágrafo único (4), da
Lei 9.099/1995 e no art. 2º, caput e parágrafo único (5), da Lei 10.259/2001.

(1) CF: “Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por
juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor
complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas
hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;”
(2) Lei 9.099/1995: “Art. 77. Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicação de pena, pela ausência do
autor do fato, ou pela não ocorrência da hipótese prevista no art. 76 desta Lei, o Ministério Público oferecerá ao Juiz, de imediato,
denúncia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis. (...) § 2º Se a complexidade ou circunstâncias do caso não
permitirem a formulação da denúncia, o Ministério Público poderá requerer ao Juiz o encaminhamento das peças existentes, na
forma do parágrafo único do art. 66 desta Lei.”
(3) Lei 9.099/1995: “Art. 66. A citação será pessoal e far-se-á no próprio Juizado, sempre que possível, ou por mandado.
Parágrafo único. Não encontrado o acusado para ser citado, o Juiz encaminhará as peças existentes ao Juízo comum para adoção do
procedimento previsto em lei.”
(4) Lei 9.099/1995: “Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem
competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras
de conexão e continência. Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da
aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.”
(5) Lei 10.259/2001: “Art. 2o Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da
Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. Parágrafo único.
Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrente da aplicação das regras de conexão e continência,
observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.”

ADI 5264/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento virtual finalizado em 4.12.2020. (INF 1001)

12.8 NULIDADES

Nulidade e inquirição de perguntas realizadas diretamente pelo juiz - HC 161658/SP

A Primeira Turma, ante o empate na votação, concedeu a ordem de habeas corpus para assentar a
nulidade processual a partir da audiência de instrução e julgamento. Além disso, afastou a prisão
preventiva do paciente, por excesso de prazo, com extensão da medida aos demais corréus que se
encontram na mesma situação.
No caso, a defesa alegou nulidade processual por desrespeito ao art. 212 do Código de Processo
Penal (CPP) (1), por ter o juízo inquerido diretamente as testemunhas. A magistrada que presidia a
audiência reputou observados o contraditório e a ampla defesa, porque oportunizado aos defensores e ao
órgão acusador fazerem questionamentos e colocações no tocante aos depoimentos prestados.
Os ministros Marco Aurélio (relator) e Rosa Weber concederam a ordem. Consideraram que não
foi respeitada a aludida norma processual.
Por sua vez, os ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux concederam a ordem, em menor
extensão, para revogar a prisão preventiva em razão de o paciente ter cumprido mais da metade da pena
inicialmente imposta. Para eles, a alteração efetuada no art. 212 do CPP, ao permitir que as partes façam
diretamente perguntas às testemunhas, não retirou do juiz, como instrutor do processo, a possibilidade de
inquiri-las diretamente.

(1) CPP: “Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que
puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. (Redação dada pela
Lei nº 11.690, de 2008); Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.”

HC 161658/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 2.6.2020. (INF 980)

12.9 NULIDADES E RECURSOS EM GERAL

Duração de sustentação oral e nulidade - 2 - HC 164535 AgR/RJ

A Segunda Turma, em conclusão, negou provimento a agravo regimental em habeas corpus no


qual se sustentava a ocorrência de nulidade absoluta, consistente na suposta ausência de defesa do
agravante quando de seu julgamento e condenação perante o Tribunal do Júri (Informativo 959).
No caso, o Ministério Público proferiu sustentação oral perante o conselho de sentença por uma
hora e meia e, ao final, requereu a absolvição do acusado. Ato contínuo, a defesa técnica nomeada pelo
ora agravante requereu igualmente a absolvição, em manifestação que durou três minutos. De acordo com
a impetração, cabe ao magistrado declarar o réu indefeso ainda que ele tenha mantido o mesmo patrono
após o julgamento que culminou em sua condenação, e que a sustentação oral, de duração tão pequena,
não consubstanciou defesa mínima, efetiva ou substancial.
A Turma destacou que o agravante foi acompanhado pela sua defesa na sessão de julgamento pelo
Tribunal do Júri realizada na origem, tendo reiterado o mandato conferido ao seu defensor na interposição
da apelação.
Além disso, no caso, não houve ausência de defesa, de modo que descabe cogitar de nulidade
absoluta. Assim, se houve nulidade, foi apenas relativa, a qual depende da demonstração de efetivo
prejuízo, o que não ocorreu.
Não se pode classificar como insatisfatória a atuação do advogado, que exerceu a defesa de acordo
com a estratégia que considerou melhor no caso. Nesse sentido, a sustentação oral mais sucinta pode
funcionar em benefício da defesa.

HC 164535 AgR/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 17.3.2020. (INF 970)

12.10 PRISÃO, MEDIDAS CAUTELARES E LIBERDADE PROVISÓRIA

Cuidado a menor e à pessoa com deficiência e substituição de prisão preventiva - HC


165704/DF

Tem direito à substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar — desde que
observados os requisitos do art. 318 do Código de Processo Penal (CPP) (1) e não praticados crimes
mediante violência ou grave ameaça ou contra os próprios filhos ou dependentes — os pais, caso
sejam os únicos responsáveis pelos cuidados de menor de 12 anos ou de pessoa com deficiência, bem
como outras pessoas presas, que não sejam a mãe ou o pai, se forem imprescindíveis aos cuidados
especiais de pessoa menor de 6 anos ou com deficiência.
Em observância à proteção integral e à prioridade absoluta conferidas pela Constituição Federal de
1988 (CF) às crianças e às pessoas com deficiência, é cabível a substituição da prisão preventiva em
prisão domiciliar, nos casos dos incisos III e VI do art. 318 do CPP, quando o contexto familiar do
investigado ou réu demonstrar a sua importância para a criação, o suporte, o cuidado e o desenvolvimento
de criança ou pessoa com deficiência, bem como em decorrência das atuais circunstâncias de grave crise
na saúde pública nacional que geram riscos mais elevados às pessoas inseridas no sistema penitenciário,
em especial em razão da proliferação do Coronavírus (Covid-19) no Brasil.
Eventual recusa à substituição deve ser amplamente fundamentada pelo magistrado e só deve
ocorrer em casos graves, tais como a prática pelo acusado de crime com violência ou grave ameaça à
pessoa ou a prática de delitos contra sua própria prole.
Ressalte-se que o art. 318, VI, do CPP, prevê expressamente que, nos casos de presos do sexo
masculino, o juiz deverá substituir a prisão preventiva pela domiciliar caso ele seja o único responsável
pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. Em se tratando de outras pessoas
presas que não sejam a mãe ou o pai, o inciso III estabelece que deverá o juiz substituir a prisão
preventiva pela domiciliar se o preso for imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6
(seis) anos de idade ou com deficiência.
Com base nesse entendimento, a Segunda Turma concedeu a ordem de habeas corpus coletivo.

(1) CPP: “Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I – maior de 80
(oitenta) anos; II – extremamente debilitado por motivo de doença grave; III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa
menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV – gestante; V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade
incompletos; VI – homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.”

HC 165704/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 20.10.2020. (INF 996)

12.11 PRISÃO PREVENTIVA

Inobservância de prazo nonagesimal e revogação automática de prisão preventiva - SL 1395


MC Ref/SP

Parte 1 -
Parte 2 -
Parte 3 -

A inobservância do prazo nonagesimal do art. 316 do Código de Processo Penal (CPP) (1)
não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a
reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos.
O disposto no art. 316, parágrafo único, do CPP insere-se em um sistema a ser interpretado
harmonicamente, sob pena de se produzirem incongruências deletérias à processualística e à efetividade
da ordem penal. A exegese que se impõe é a que, à luz do caput do artigo, extrai-se a regra de que, para a
revogação da prisão preventiva, o juiz deve fundamentar a decisão na insubsistência dos motivos que
determinaram sua decretação, e não no mero decurso de prazos processuais.
O Supremo Tribunal Federal (STF) rechaça interpretações que associam, automaticamente, o
excesso de prazo ao constrangimento ilegal da liberdade, tendo em vista: a) o critério de razoabilidade
concreta da duração do processo, aferido à luz da complexidade de cada caso, considerados os recursos
interpostos, a pluralidade de réus, crimes, testemunhas a serem ouvidas, provas periciais a serem
produzidas, etc.; e b) o dever de motivação das decisões judiciais [Constituição Federal (CF), art. 93, IX]
(2), que devem sempre se reportar às circunstâncias específicas dos casos concretos submetidos a
julgamento, e não apenas aos textos abstratos das leis.
À luz desta compreensão jurisprudencial, o disposto no art. 316, parágrafo único, do CPP não
conduz à revogação automática da prisão preventiva. Ao estabelecer que “Decretada a prisão preventiva,
deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias,
mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”, o dispositivo não
determina a revogação da prisão preventiva, mas a necessidade de fundamentá-la periodicamente.
Mais ainda: o parágrafo único do art. 316 não fala em prorrogação da prisão preventiva, não
determina a renovação do título cautelar. Apenas dispõe sobre a necessidade de revisão dos fundamentos
da sua manutenção. Logo, não se cuida de prazo prisional, mas prazo fixado para a prolação de decisão
judicial.
Portanto, a ilegalidade decorrente da falta de revisão a cada 90 dias não produz o efeito automático
da soltura, porquanto esta, à luz do caput do dispositivo, somente é possível mediante decisão
fundamentada do órgão julgador, no sentido da ausência dos motivos autorizadores da cautela, e não do
mero transcorrer do tempo.
No caso, trata-se de referendo de decisão do presidente do STF que, em sede de plantão judiciário,
após reconhecer a existência de risco de grave lesão à ordem e à segurança pública, concedeu a suspensão
de medida liminar proferida nos autos do HC 191.836/SP e determinou a imediata prisão do paciente. A
periculosidade do agente do writ em foco para a segurança pública resta evidente, ante a gravidade
concreta do crime (tráfico transnacional de mais de 4 toneladas de cocaína, mediante organização
criminosa violenta e que ultrapassa as fronteiras nacionais) e a própria condição de liderança de
organização criminosa de tráfico de drogas atribuída ao paciente, reconhecida nas condenações
antecedentes que somam 25 anos.
Com esse entendimento, o Plenário, por maioria, referendou a decisão em suspensão de liminar,
com a consequente confirmação da suspensão da decisão proferida nos autos do HC 191.836/SP até o
julgamento do writ pelo órgão colegiado competente, determinando-se a imediata prisão do paciente, nos
termos do voto do ministro Luiz Fux (presidente e relator), vencido o ministro Marco Aurélio, que
inadmitia a possibilidade de presidente cassar individualmente decisão de um integrante do STF. O
ministro Ricardo Lewandowski, preliminarmente, não conhecia da suspensão e, vencido, ratificou a
liminar.

(1) CPP: “Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da
investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem
razões que a justifiquem. Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de
sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.”
(2) CF: “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura,
observados os seguintes princípios: (...) IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas
todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o
interesse público à informação;”

SL 1395 MC Ref/SP, rel. min. Luiz Fux, julgamento em 14 e 15.10.2020. (INF 995)

12.12 PROCESSO EM GERAL

Audiência de custódia: prisão em flagrante e Lei 13.964/2019 - HC 188888/MG

Toda pessoa que sofra prisão em flagrante — qualquer que tenha sido a motivação ou a
natureza do ato criminoso, mesmo que se trate de delito hediondo — deve ser obrigatoriamente
conduzida, “sem demora”, à presença da autoridade judiciária competente, para que esta, ouvido o
custodiado “sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão” e examinados os aspectos de
legalidade formal e material do auto de prisão em flagrante, possa: (i) relaxar a prisão, se constatar
a ilegalidade do flagrante, (ii) conceder liberdade provisória, se estiverem ausentes as situações
referidas no art. 312 do Código de Processo Penal (CPP) (1) ou se incidirem, na espécie, quaisquer
das excludentes de ilicitude previstas no art. 23 do Código Penal (CP) (2), ou, ainda, (iii) converter o
flagrante em prisão preventiva, se presentes os requisitos dos arts. 312 e 313 (3) do CPP.
A audiência de custódia (ou de apresentação) constitui direito público subjetivo, de caráter
fundamental, assegurado por convenções internacionais de direitos humanos a que o Estado brasileiro
aderiu, já incorporadas ao direito positivo interno (Convenção Americana de Direitos Humanos e Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos). Traduz prerrogativa não suprimível assegurada a qualquer
pessoa. Sua imprescindibilidade tem o beneplácito do magistério jurisprudencial (ADPF 347 MC) e do
ordenamento positivo doméstico [Lei 13.964/2019 e Resolução 213/2015 do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ)].
A ausência da realização da audiência de custódia qualifica-se como causa geradora da ilegalidade
da própria prisão em flagrante, com o consequente relaxamento da privação cautelar da liberdade.
Ressalvada motivação idônea, o magistrado que deixar de promovê-la se sujeita à tríplice
responsabilidade [CPP, art. 310, § 3º (4)].
No contexto da audiência de custódia, é legítima a conversão da prisão em flagrante em
prisão preventiva somente se e quando houver pedido expresso e inequívoco por parte do
Ministério Público, da autoridade policial ou, se for o caso, do querelante ou do assistente do
Parquet.
A reforma introduzida pela Lei 13.964/2019 (“Lei Anticrime”) modificou a disciplina referente às
medidas de índole cautelar. Ao suprimir a expressão “de ofício” que constava do art. 282, §§ 2º e 4º, e do
art. 311 do CPP (5), a lei vedou, de forma absoluta, a decretação da prisão preventiva sem prévio
requerimento. Foi suprimida a possibilidade de o magistrado ordenar, sponte sua, a imposição de prisão
preventiva. Assim, não é possível a decretação ex officio de prisão preventiva em qualquer situação (em
juízo ou no curso de investigação penal), inclusive no contexto de audiência de custódia. Tornou-se
inviável a conversão de ofício, mesmo na hipótese a que se refere o art. 310, II, do CPP (6).
Independentemente da gravidade em abstrato do crime, não se presume a configuração dos
pressupostos e dos fundamentos referidos no art. 312 do CPP, que hão de ser adequada e motivadamente
comprovados em cada situação ocorrente. Mostra-se inconcebível que se infira do auto de prisão em
flagrante, ato de natureza meramente descritiva, a existência de representação tácita ou implícita da
autoridade policial a fim de convertê-la em prisão preventiva.
Em matéria processual penal, inexiste, em nosso ordenamento jurídico, o poder geral de cautela
dos juízes, notadamente em tema de privação e/ou restrição da liberdade das pessoas. Consequentemente,
é vedada a adoção de provimento cautelares inominados ou atípicos — em detrimento de investigado,
acusado ou réu —, em face dos postulados constitucionais de tipicidade processual e da legalidade estrita.
Trata-se, na espécie, de habeas corpus impetrado contra decisão monocrática de ministro do
Superior Tribunal de Justiça que indeferiu o pedido cautelar lá formulado em sede de ação constitucional
de mesma natureza. No caso, magistrado de primeira instância afirmou não vislumbrar como realizar
audiência de custódia dos pacientes, haja vista a situação de pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
Além disso, registrou que a audiência seria realizada em momento oportuno e converteu de ofício as
prisões em flagrante em preventivas.
A Segunda Turma não conheceu da impetração, mas concedeu, de ofício, a ordem de habeas
corpus para invalidar, por ilegal, a conversão ex officio das prisões em flagrante dos ora pacientes em
prisões preventivas, confirmando, em consequência, o provimento cautelar anteriormente deferido.

(1) CPP: “Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por
conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício
suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. § 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada
em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º). § 2º A
decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos
ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.”
(2) CP: “Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade; II – em legítima defesa; III –
em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Parágrafo único – O agente, em qualquer das hipóteses
deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.”
(3) CPP: “Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I – nos crimes
dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; II – se tiver sido condenado por outro crime
doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 – Código Penal; III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente,
idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; § 1º Também será admitida
a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para
esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a
manutenção da medida. § 2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento
de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia.”
(4) CPP: “Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a
realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou
membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: (...) § 3º A
autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste
artigo responderá administrativa, civil e penalmente pela omissão.”
(5) CPP: “Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (...) § 2º As
medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por
representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público. (...) § 4º No caso de descumprimento de
qualquer das obrigações impostas, o juiz, mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá
substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do parágrafo único do
art. 312 deste Código. (...) Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva
decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade
policial.”
(6) CPP: “Art. 310. (...) II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do
art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou”

HC 188888/MG, rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 6.10.2020. (INF 994)

Citação por edital (CPP, art. 366): suspensão do prazo prescricional e limitação ao tempo da
prescrição em abstrato (Tema 438 RG) - RE 600851/DF
ODS 16

Tese fixada:

Em caso de inatividade processual decorrente de citação por edital, ressalvados os crimes


previstos na Constituição Federal (CF) como imprescritíveis, é constitucional limitar o período de
suspensão do prazo prescricional ao tempo de prescrição da pena máxima em abstrato cominada ao
crime, a despeito de o processo permanecer suspenso.

Resumo:

A CF estipula ser a prescritibilidade das pretensões penais a regra e, salvo opção


constitucional expressa, não autorizou que o legislador ordinário crie hipóteses de
imprescritibilidade não previstas no texto constitucional.
Essa conclusão deflui de diversos dispositivos constitucionais, como a vedação de penas de caráter
perpétuo, a garantia da duração razoável do processo e da celeridade processual e a cláusula do devido
processo legal. A imprescritibilidade é opção somente da CF. Ressalvados os crimes de racismo e as
ações de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, a regra é a
prescritibilidade.
É compatível com a Constituição a interpretação conjunta do art. 366 do Código de Processo
Penal (CPP) (1) com o art. 109, “caput”, do Código Penal (CP) (2), limitando o prazo de suspensão
da prescrição ao tempo de prescrição do máximo da pena em abstrato prevista para o delito.
De um lado, a própria lógica da prescrição é que as pretensões sejam exercidas em prazo
previamente delimitado no tempo. Ela visa trazer segurança jurídica. Caso essa limitação não exista, o
que se tem, ao fim, é a imprescritibilidade. De outro, o legislador ordinário não está autorizado a criar
outras hipóteses de imprescritibilidade penal.
Além disso, regular o prazo de suspensão da prescrição com o tempo de prescrição da pena
máxima em abstrato cominada ao delito mostra-se condizente com o princípio da proporcionalidade e
com a própria noção de individualização da pena.
Finda a suspensão do prazo prescricional pelo decurso do tempo estabelecido no art. 109 do
CP, será retomado o curso da prescrição, permanecendo suspenso o processo penal.
Rechaça-se o entendimento de que não se pode dar curso ao prazo de prescrição. Não se cuida de
cindir a regra prevista no art. 366 do CPP, mas sim de conferir eficácias distintas a normas jurídicas
diversas, uma dirigida à suspensão da prescrição e outra dirigida à suspensão do processo.
Ademais, a compreensão de que também deveria ser dado prosseguimento ao curso do processo,
com a nomeação de defensor dativo, contraria o próprio sentido da alteração promovida no art. 366 pela
Lei 9.271/1996. Por ser a citação por edital uma ficção jurídica, pretendeu-se com a alteração legislativa
obstar que alguém fosse processado e julgado sem que se tivesse a certeza de que tomara conhecimento
do processo, em prejuízo à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal. Além de não
prestigiar as garantias inerentes ao devido processo legal, a retomada do processo coloca o réu em
situação mais gravosa do que a suspensão do processo e da prescrição ad aeternum. Igualmente, não está
em harmonia com diplomas internacionais, que, à luz da cláusula de abertura prevista no texto
constitucional, têm força normativa interna e natureza supralegal.
Ao apreciar o Tema 438 da repercussão geral, o Plenário negou provimento ao recurso
extraordinário.

(1) CPP: “Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo
e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso,
decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.
(2) CP: “Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste
Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I – em vinte anos, se o máximo
da pena é superior a doze; II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; III – em doze
anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito; IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois
anos e não excede a quatro; V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; VI –
em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. Parágrafo único – Aplicam-se às penas restritivas de direito os
mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade.”

RE 600851/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 4.12.2020 (INF 1001)
Prisão preventiva e Pacote Anticrime - HC 179859 AgR/RS

A Segunda Turma, por maioria, negou provimento a agravo regimental em habeas corpus,
interposto de decisão em que concedida a ordem para revogar prisão preventiva decretada em desfavor da
paciente e, em substituição, impor medidas cautelares diversas da prisão, na forma do art. 319 do Código
de Processo Penal (CPP).
Na espécie, atribui-se à paciente a suposta prática dos delitos de lavagem ou ocultação de capitais
e de participação em organização criminosa.
Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes (relator), segundo o qual o Ministério Público
Federal não trouxe argumentos suficientes a infirmar a ato recorrido, visando apenas a rediscussão da
matéria resolvida em conformidade com jurisprudência desta Turma.
Preliminarmente, observou que a reforma legislativa operada pelo chamado Pacote Anticrime (Lei
13.964/2019) introduziu a revisão periódica dos fundamentos da prisão preventiva, por meio da alteração
do art. 316 do CPP. A redação atual prevê que o órgão emissor da decisão deverá revisar a necessidade de
sua manutenção a cada noventa dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar ilegal
a prisão preventiva.
Isso significa que a manutenção da prisão preventiva exige a demonstração de fatos concretos e
atuais que a justifiquem. A existência desse substrato empírico mínimo, apto a lastrear a medida extrema,
deverá ser regularmente apreciado por meio de decisão fundamentada.
O relator destacou três pontos centrais da linha argumentativa sustentada: (i) a ausência do
elemento da contemporaneidade no decreto prisional; (ii) a ausência de elementos concretos que
justifiquem a prisão preventiva e a adequação das medidas cautelares diversas; e (iii) o estado de saúde da
ora agravada.
A seu ver, embora o Parquet sustente que o tribunal estadual teria demonstrado fundamentos
aptos a restabelecer a prisão da paciente, nenhum fato concreto e atual foi apresentado no decreto
prisional, tanto que se propôs a narrar novamente os fatos utilizados como base para a própria capitulação
dos crimes, que datam de 2012 a 2016, confundindo os fundamentos pertinentes ao mérito com os que
dizem respeito à necessidade da medida cautelar extrema, tal como fez aquele tribunal.
Diante de linha temporal apresentada, a paciente permaneceu em liberdade por período de quase
dois anos, sem que houvesse notícias de quaisquer prejuízos para a aplicação da lei penal ou para o
devido andamento da instrução criminal. Esse é um fundamento fático decisivo para que se mantenha o
ato impugnado, pois demonstra a desnecessidade da segregação cautelar. Uma nova decretação de prisão
preventiva, por meio da não manutenção do pronunciamento agravado, neste momento, representaria ato
incongruente com o atual panorama normativo do processo penal.
O ministro sublinhou a inexistência de fatos novos ou contemporâneos concretos, idôneos a
justificar a segregação cautelar da agravada. A questão da contemporaneidade foi enfatizada por recentes
alterações do CPP, trazidas pelo Pacote Anticrime. A esse respeito, tem-se o § 2º do art. 312 do CPP (1).
Em passo seguinte, ponderou que a segregação cautelar está fundamentada apenas em suposições e
ilações. Foi presumido que a prisão seria necessária para acautelar a ordem pública e desmantelar a
organização criminosa, pois a agravada alegadamente integraria núcleo funcional da empreitada ilícita.
Impende que a alegação abstrata ceda à demonstração concreta e firme que tais condições
realizam-se na espécie. Não basta a mera explicitação textual dos requisitos previstos.
Registrou que, com a redação dada ao art. 319 do CPP pela Lei 12.403/2011, o juiz passou a
dispor de medidas cautelares de natureza pessoal, diversas da prisão, a permitir a tutela do meio social e
também a servir, mesmo que cautelarmente, de resposta justa e proporcional ao mal supostamente
causado pelo acusado. Eventual perigo que a liberdade represente à ordem pública ou à aplicação da lei
penal pode ser mitigado por medidas cautelares menos gravosas do que a prisão.
Ao versar sobre o estado de saúde da paciente, o relator depreendeu dos autos que ela possui
problemas de saúde comprovados que demandam tratamento cirúrgico. Isso foi utilizado, inclusive, pelo
juiz de piso no embasamento da concessão de prisão domiciliar.
Por derradeiro, avaliou que a falta de capacidade do sistema prisional pátrio para tratar de forma
digna as patologias da paciente corrobora a tese de que as medidas impostas no ato agravado se mostram
mais adequadas do que o cárcere para acautelar a aplicação da lei penal e a instrução processual penal no
caso concreto.
Vencido o ministro Edson Fachin, que deu provimento ao agravo. Segundo ele, não há hipótese de
concessão da ordem. De igual modo, inexiste ilegalidade flagrante ou teratologia da determinação da
prisão cautelar. O ministro reputou assistir razão ao agravante. Inclusive, ao ressaltar que a ausência de
notícias da reiteração criminosa no interior da casa prisional no período em que segregada não elide ou
encurta a gravidade das infrações penais a ela atribuídas. Argumentou que a prisão domiciliar deferida à
acusada teve por escopo observar o fragilizado estado de saúde demonstrado anteriormente. Entretanto,
não há comprovação da subsistência dessa condição excepcional. Ao final, firmou que habeas corpus
não é sede para o reexame de fatos e provas.

(1) CPP: “Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por
conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício
suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. (...) § 2º A decisão que decretar a prisão preventiva
deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a
aplicação da medida adotada.”

HC 179859 AgR/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3.3.2020. (INF 968)

Tráfico de drogas: denúncia anônima e busca e apreensão - HC 180709/SP

A Segunda Turma, por maioria, concedeu a ordem em habeas corpus para trancar a ação penal
movida contra a paciente, denunciada pela suposta prática do delito de tráfico de entorpecentes, por
produzir e comercializar bolos contendo maconha.
No caso, a investigação foi deflagrada por denúncia anônima, que narrou a venda dos produtos em
uma universidade estadual. Meses depois, foi determinada medida de busca e apreensão na residência da
investigada e, em seguida, sua prisão.
A Turma registrou que inexistiram investigações complementares depois da denúncia anônima, e
que as medidas subsequentes se lastrearam unicamente em seu conteúdo, mesmo que decorridos sete
meses entre o boletim de ocorrência e o pedido de busca e apreensão.
A jurisprudência do STF é firme no sentido de que denúncias anônimas não podem embasar, por si
sós, medidas invasivas como interceptações telefônicas, buscas e apreensões, e devem ser
complementadas por diligências investigativas posteriores.
Se há notícia anônima de comércio de drogas ilícitas numa determinada casa, a polícia deve, antes
de representar pela expedição de mandado de busca e apreensão, proceder a diligências veladas no intuito
de reunir e documentar outras evidências que confirmem, indiciariamente, a notícia. Se confirmadas, com
base nesses novos elementos de informação o juiz deferirá o pedido; se não confirmadas, não será
possível violar o domicílio, sendo a expedição do mandado desautorizada pela ausência de justa causa. O
mandado expedido exclusivamente com apoio em denúncia anônima será abusivo.
Além disso, a decisão judicial que autorizou a busca e apreensão carece de fundamentação. Não
houve qualquer análise efetiva sobre a real necessidade da medida ou a consistência das informações
contidas na denúncia anônima. Há, apenas, remissão a esses elementos e enquadramento genérico na
norma processual.
É imperiosa para o juiz a demonstração, na motivação, de que a lei foi validamente aplicada no
caso submetido à sua apreciação. A legalidade de uma decisão não resulta da simples referência ao texto
legal, mas deve ser verificada concretamente pelo exame das razões pelas quais o juiz afirma ter aplicado
a lei, pois somente tal exame pode propiciar o efetivo controle daquela demonstração.
Vencido, em parte, o ministro Edson Fachin, que concedeu a ordem de ofício por fundamentos
distintos. Entendeu aplicável ao caso o princípio da insignificância, tendo e vista a primariedade da
paciente e a quantidade irrisória de droga encontrada na sua residência, inferior a 10 gramas.

HC 180709/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 5.5.2020. (INF 976)

12.13 PROCESSOS EM ESPÉCIE


Julgamento de promotor de justiça e interrogatório - 2 - HC 178252/ES

A Turma, em conclusão, indeferiu, com ressalvas quanto ao cabimento, a ordem de habeas


corpus, impetrado em favor de promotor de justiça condenado, pelo respectivo tribunal, à pena de 1 ano e
9 meses de reclusão pela prática dos crimes de falsidade ideológica e advocacia administrativa
(Informativo 970).
De acordo com a defesa, o julgamento seria nulo por não ter observado o art. 400 do Código de
Processo Penal (CPP) (1), já que o interrogatório do acusado não foi o último ato da instrução.
O colegiado entendeu que a situação dos autos não se submete à regra geral do art. 400 do CPP.
Por se tratar de promotor de justiça, julgado perante o tribunal de justiça, a norma aplicável à espécie é a
do art. 7º da Lei 8.038/1990 (2), segundo a qual a audição do acusado é o primeiro ato do procedimento.
Em voto-vista, o ministro Alexandre de Moraes reputou não se verificar ilegalidade apta a
desconstituir o acórdão emanado do tribunal estadual, haja vista que, no caso, a defesa não indicou o
prejuízo sofrido pelo paciente nem de que modo a realização de novo interrogatório o beneficiaria. É
cediço que não haverá declaração de nulidade quando não demonstrado o efetivo prejuízo causado à parte
(pas de nullité sans grief).

(1) CPP: “Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias,
proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta
ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao
reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.”
(2) Lei 8.038/1990: “Art. 7º. Recebida a denúncia ou a queixa, o relator designará dia e hora para o interrogatório,
mandando citar o acusado ou querelado e intimar o órgão do Ministério Público, bem como o querelante ou o assistente, se for o
caso.”

HC 178252/ES, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 2.6.2020. (INF 980)

Tribunal do Júri: absolvição e decisão contrária à prova dos autos - 2 - RHC 170559/MT

A Primeira Turma, em conclusão e por maioria, negou provimento a recurso ordinário em habeas
corpus em que discutida a possibilidade de o Conselho de Sentença, após responder afirmativamente
quanto aos quesitos alusivos à materialidade e autoria do crime, responder também afirmativamente
quanto à possibilidade de absolvição do acusado (Informativo 962).
No caso, o recorrente foi pronunciado pela suposta prática do delito de homicídio qualificado
mediante paga ou promessa de recompensa, e o Tribunal do Júri o absolveu, embora tenha reconhecido a
materialidade e autoria do delito. Por isso, o Ministério Público apelou, sob o fundamento de a decisão ter
sido contraditória e contrária à prova dos autos. O recurso foi provido, determinando-se a realização de
novo Júri.
Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes. Entendeu que o sistema processual garante a
possibilidade de recurso da decisão do Conselho de Sentença, tanto para a acusação quanto para a defesa,
em casos como esse, sem que haja vulneração à soberania do Tribunal do Júri. Isso não significa,
entretanto, que haja contrariedade à cláusula de que ninguém pode ser julgado mais de uma vez pelo
mesmo crime. Ainda que se forme um segundo Conselho de Sentença, o julgamento é um só, e termina
com o trânsito em julgado da decisão. Nesse sentido, o sistema processual possibilita que o segundo
Conselho de Sentença, este com poder absoluto, reveja, inclusive, equívocos realizados pelo primeiro. Se,
porventura, for mantido o resultado anterior, não haverá nova possibilidade de recurso.
Vencidos o ministro Marco Aurélio (relator) e Rosa Weber, que deram provimento ao recurso.

RHC 170559/MT, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 10.3.2020. (INF 969)

12.14 PROVA

Crime de incêndio e fonte de prova - HC 136964/RS


A Primeira Turma indeferiu a ordem em habeas corpus impetrado em favor de condenado pela
prática do delito descrito no art. 250, § 1º, I, do Código Penal (CP) (1) (causar incêndio com o intuito de
obter vantagem pecuniária).
A sentença condenatória registrou que a inércia do paciente em comunicar, oportunamente, a
ocorrência à autoridade policial inviabilizou a confecção da perícia pelo Instituto de Criminalística, ante o
desaparecimento dos vestígios da infração.
De acordo com a defesa, o título condenatório seria ilegal, pois fundado em prova inidônea. Nesse
sentido, o laudo elaborado por seguradora (vítima) não poderia ter sido utilizado como fonte probatória,
mas apenas o exame de corpo de delito. Além disso, a suposta desídia do paciente em comunicar a
ocorrência à autoridade policial não teria valor probatório.
O colegiado afirmou que o laudo elaborado de forma unilateral não constitui prova pericial, mas
documental, razão pela qual a validade como elemento de convicção não se submete à observância dos
requisitos previstos nos arts. 158 e seguintes do Código de Processo Penal (CPP). Assim, o laudo
produzido pela empresa seguradora vítima, por não se qualificar como perícia, não consubstancia prova
ilícita, surgindo passível de ser valorado pelo Juízo.
A materialidade do delito versado no art. 250, § 1º, I, do CP, cuja prática deixa vestígios, há de ser
comprovada, em regra, mediante exame de corpo de delito. Nos termos do art. 167 do CPP (2),
constatado o desaparecimento dos vestígios, mostra-se viável suprir a realização de exame por outros
meios de prova.
O paciente, orientado pelo Corpo de Bombeiros a registrar, imediatamente, ocorrência policial e
solicitar perícia técnica ao Instituto de Criminalística, permaneceu inerte durante sete dias. A não
elaboração de perícia oficial deu-se ante o desaparecimento dos vestígios do crime, considerada a demora
em registrar a ocorrência e a falta de preservação do local, tendo sido a materialidade do delito revelada
pela prova testemunhal, corroborada por cópias da apólice do seguro, aviso de sinistro, ocorrência
policial, relatório de regulação de sinistros, fotografias, laudos de averiguação e exame pericial. Levando
em conta a justificada inviabilidade da elaboração do exame de corpo de delito e a demonstração da
materialidade do crime por outros meios de prova, a incidência do previsto no art. 167 do CPP mostrou-se
adequada.
Também improcede a alegação de ter sido atribuído valor probatório à omissão do paciente em
proceder, oportunamente, ao registro da ocorrência. O fato de a impossibilidade da realização do exame
de prova pericial decorrer da inércia não significa haver-se apenado o comportamento omissivo. A
inexistência de obrigação legal de o paciente, em momento oportuno, comunicar a ocorrência à
autoridade policial não implica a inadmissibilidade processual de outros meios de prova que, produzidos
legitimamente, revelem a materialidade e a autoria do crime imputado.

(1) CP/1940: “Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: Pena -
reclusão, de três a seis anos, e multa. § 1º — As penas aumentam-se de um terço: I — se o crime é cometido com intuito de obter
vantagem pecuniária em proveito próprio ou alheio;”
(2) CPP/1941: “Art. 167.  Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova
testemunhal poderá suprir-lhe a falta.”

HC 136964/RS, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18.2.2020. (INF 967)

13. DIREITO TRIBUTÁRIO


13.1 CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

PIS e Cofins: alíquota diferenciada e princípios da isonomia, da capacidade contributiva e da


livre concorrência - RE 633345/ES

É constitucional o § 9º do art. 8º da Lei 10.865/2004 (1), a estabelecer alíquotas maiores,


quanto à Contribuição ao PIS e à Cofins, consideradas empresas importadoras de autopeças não
fabricantes de máquinas e veículos.
A adoção de alíquotas diferenciadas de contribuição social para diferentes setores da economia não
afronta o princípio da isonomia, tendo em vista a possibilidade de tratamento diverso no campo da
política fiscal.
O art. 195, § 9º, da Constituição Federal (CF) (2) permite a gradação de alíquotas, a partir do porte
da empresa, direcionada às bases de cálculo previstas no inciso I do dispositivo (folha de salários, receita
ou faturamento e lucro). Dessa forma, a adoção de alíquotas distintas não vulnera o princípio da
capacidade contributiva.
A simples intersecção entre as atividades econômicas de agentes de mercado pertencentes a
categorias diversas mostra-se insuficiente a caracterizar ausente liberdade de negociação considerado o
ramo de atuação. Enquanto as montadoras vinculam a oferta de autopeças à marca que representam, as
importadoras comercializam modelos de variados fabricantes. Inexistem parâmetros a evidenciarem o
prejuízo concorrencial. Assim, não se observa ofensa à livre concorrência.
Não há incompatibilidade da contribuição social com seu uso extrafiscal. A tributação que recai
sobre importação revela importante instrumento de equilíbrio da balança comercial, no que direcionada a
nivelar a carga fiscal de bens nacionais com importados e induzir comportamentos quanto ao consumo de
determinados produtos. Dessa forma, é razoável a medida que, além da equalização dos tributos
incidentes sobre bens produzidos no mercado interno em relação àqueles adquiridos no exterior, estimula
a instalação de montadoras de veículos no território nacional, visando, sobretudo, à geração de empregos.
No caso, empresa importadora de autopeças, mas não fabricante de máquinas e veículos, alegava
que a diferenciação de alíquotas prevista no § 9º do art. 8º da Lei 10.865/2004 violaria os princípios da
isonomia, da capacidade contributiva e da livre concorrência.
Com base nesse entendimento, o Plenário, ao apreciar o Tema 744 da repercussão geral, negou
provimento ao recurso extraordinário.

(1) Lei 10.865/2004: “Art. 8º As contribuições serão calculadas mediante aplicação, sobre a base de cálculo de que trata o
art. 7º desta Lei, das alíquotas: I – 1,65% (um inteiro e, sessenta e cinco centésimos por cento), para o PIS/PASEP-Importação; e II
– 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento), para a COFINS-Importação. (...) § 9º Na importação de autopeças, relacionadas nos
Anexos I e II da Lei nº 10.485, de 3 de julho de 2002, exceto quando efetuada pela pessoa jurídica fabricante de máquinas e veículos
relacionados no art. 1º da referida Lei, as alíquotas são de: I – 2,3% (dois inteiros e três décimos por cento), para o PIS/PASEP-
Importação; e II – 10,8% (dez inteiros e oito décimos por cento), para a COFINS-Importação.”
(2) CF: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei,
mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes
contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de
salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem
vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; (...) § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste
artigo poderão ter alíquotas diferenciadas em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão de obra, do porte da
empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho, sendo também autorizada a adoção de bases de cálculo diferenciadas
apenas no caso das alíneas ‘b’ e ‘c’ do inciso I do caput.”

RE 633345/ES, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento virtual finalizado em 3.11.2020. (INF 997)

13.2 CONTRIBUIÇÕES

Contribuição ao PIS/Pasep e Cofins: legalidade tributária e anterioridade nonagesimal


(Tema 939 RG) - RE 1043313/RS e ADI 5277/DF

Tese fixada:

É constitucional a flexibilização da legalidade tributária constante do § 2º do art. 27 da Lei


10.865/2004 (1), no que permitiu ao Poder Executivo, prevendo as condições e fixando os tetos,
reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e da
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) incidentes sobre as receitas
financeiras auferidas por pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo, estando presente o
desenvolvimento de função extrafiscal.

Resumo:
A constitucionalidade da flexibilização do princípio da legalidade tributária deve ser
verificada de acordo com cada espécie tributária e à luz do caso concreto.
Não há ampla e irrestrita liberdade para o legislador realizar diálogo com o regulamento no tocante
aos aspectos da regra matriz de incidência tributária. A possibilidade de haver a flexibilização do
princípio deve ser interpretada com temperamento, de outra maneira, haverá sério risco de sua
banalização.
Exige-se maior presença do legislador no tratamento de tributo que possua alto grau de
coatividade, como é a exação cujo pagamento não decorra de benefício imediato conferido ao
contribuinte. A característica da retributividade imediata reduz o grau de coatividade dos tributos: o
patrimônio afetado do contribuinte acabará sendo, de alguma forma, compensado imediatamente.
Já os processos em debate tratam da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins, cujos pagamentos não
decorrem de benefício imediato concedido ao próprio contribuinte, pessoa jurídica. Essas contribuições
possuem traço característico da vinculação à finalidade de custeio da seguridade social. Portanto, detêm
alta carga de coatividade. Conservando suas naturezas tributárias, elas se aproximam dos impostos.
Extrai-se do texto constitucional que a simples previsão em lei do valor máximo do tributo não é
suficiente para autorizar a flexibilização da legalidade tributária em relação à alíquota de imposto. Assim,
para a flexibilização da legalidade tributária relativa às alíquotas das contribuições questionadas, é preciso
o estabelecimento em lei, em sentido estrito, de condições e do valor máximo das exações. Além disso, é
imprescindível que haja uma carga de função extrafiscal a ser desenvolvida pelo regulamento, de modo a
justificar a manipulação das alíquotas pelo Poder Executivo. Ressalta-se que a atividade estatal subjacente
à função extrafiscal costumeiramente depende de apreensão de variados aspectos da realidade fenomênica
pela Administração, que tem natural proximidade com os fatos.
As normas editadas pelo Poder Executivo que majorem alíquotas da contribuição para
PIS/Pasep e a Cofins devem observar a anterioridade nonagesimal (CF, art. 150, III, “c”) (2).
Se a lei que, mesmo de forma indireta, eleva a carga tributária do contribuinte é obrigada a
observar a regra constitucional, tenha ou não função extrafiscal, também o regulamento deve respeitá-la.
Contudo, não se aplica a anterioridade geral (CF, art. 150, III, b) (3), porquanto afastada pelo texto
constitucional (CF, art. 195, § 6º) (4).
É constitucional a revogação pela Lei 10.865/2004 das normas legais que davam ao
contribuinte direito de apurar, no âmbito do sistema não cumulativo de cobrança da contribuição
ao PIS/Pasep e da Cofins, créditos em relação a despesas financeiras decorrente de empréstimos e
financiamentos.
Possível a revogação pelo legislador de norma legal a respeito da possibilidade de apuração de
determinados créditos dentro do sistema. O modelo legal, apesar de complexo e confuso, não atenta
contra o conteúdo mínimo da não cumulatividade (CF, art. 195, § 12) (5). Ao contrário do que dispôs para
o IPI e o ICMS, o texto constitucional não trouxe qual seria a técnica tributária à qual o legislador deveria
se ater no tratamento da não cumulatividade das contribuições sociais para a seguridade social incidentes
sobre receita ou faturamento. Ele tem ampla liberdade para tratar do modelo não cumulativo de cobrança
dessas contribuições.
Em julgamento conjunto, o Plenário, por maioria, negou provimento ao recurso extraordinário
paradigma do Tema 939 da repercussão geral. Igualmente em votação majoritária, julgou parcialmente
procedente o pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade para dar interpretação conforme à
Constituição aos §§ 8º e 9º do art. 5º da Lei 9.718/1998, incluídos pela Lei 11.727/2008, estabelecendo
que as normas editadas pelo Poder Executivo com base nesses parágrafos devem observar a anterioridade
nonagesimal prevista no art. 150, III, c, do texto constitucional. Em ambos os feitos, vencido o ministro
Marco Aurélio.

(1) Lei 10.865/2004: “Art. 27. O Poder Executivo poderá autorizar o desconto de crédito nos percentuais que estabelecer e
para os fins referidos no art. 3º das Leis nº s 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003,
relativamente às despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos, inclusive pagos ou creditados a residentes ou
domiciliados no exterior. (...) § 2º O Poder Executivo poderá, também, reduzir e restabelecer, até os percentuais de que tratam os
incisos I e II do caput do art. 8º desta Lei, as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas
financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não-cumulatividade das referidas contribuições, nas hipóteses que
fixar.”
(2) CF: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios: (...) III – cobrar tributos: (...) c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei
que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;”
(3) CF: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios: (...) III – cobrar tributos: (...) b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os
instituiu ou aumentou;”
(4) CF: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei,
mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes
contribuições sociais: (...) § 6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias
da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, ‘b’.”
(5) CF: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei,
mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes
contribuições sociais: (...) § 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma
dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.”

RE 1043313/RS, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 10.12.2020 (INF 1002)


ADI 5277/DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 10.12.2020 (INF 1002)

EC 33/2001: contribuição destinada ao Sebrae, à Apex e à ABDI e folha de salários - 2 - RE


603624/SC

As contribuições devidas ao Sebrae, à Apex e à ABDI com fundamento na Lei 8.029/1990 foram
recepcionadas pela Emenda Constitucional (EC) 33/2001.
No recurso extraordinário (Tema 325 da repercussão geral) discutia-se, em suma, sobre a
constitucionalidade das contribuições destinadas ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (Sebrae), à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimento (Apex) e à Agência
Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), incidentes sobre a folha de salários, após a EC 33/2001
(Informativo 991).
Entendeu-se que a alteração promovida pela EC 33/2001, no art. 149, § 2º, III (1) da Constituição
Federal (CF) não estabeleceu delimitação exaustiva das bases econômicas passíveis de tributação por toda
e qualquer contribuição social e de intervenção do domínio econômico (CIDE). A taxatividade pretendida
por uma interpretação meramente literal aplica-se tão somente, nos termos da EC 33/2001 e em conjunto
com o art. 177, § 4º, da CF, em relação às contribuições incidentes sobre a indústria do petróleo e seus
derivados. Porém, para as CIDEs e as contribuições em geral, entre as quais as contribuições ao Sebrae,
Apex e ABDI, a EC 33/2001 manteve a mera exemplificação, não esgotando todas as possibilidades
legislativas.
Portanto, a materialidade econômica para a incidência dessas contribuições não se esgota na
previsão de faturamento, receita bruta, valor da operação e valor aduaneiro (no caso de importação),
podendo comportar, também, a incidência sobre folha de salários. Por essa razão, o art. 149, § 2º, III, da
CF utiliza a expressão “poderão ter alíquotas”. Assim, garante a ideia de facultatividade a abranger tanto
as alíquotas quanto as bases de cálculo das contribuições sociais e das CIDEs. Ademais, a exposição de
motivos da EC 33/2001 demonstra que as alterações implementadas pretenderam apenas possibilitar a
cobrança da CIDE-combustíveis quando da importação de derivados do petróleo e do gás natural,
retirando obstáculos à tributação de insumos vindos do exterior.
Com base nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso
extraordinário.

(1) CF: “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e
de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o
disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o
dispositivo. (...) § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (...) III –
poderão ter alíquotas: a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação,
o valor aduaneiro; b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada.”

RE 603624/SC, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento
em 23.9.2020. (INF 992)

13.3 GARANTIAS DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO


Medidas administrativas para garantia do crédito tributário - ADI 5881/DF; ADI 5886/DF e
ADI 5890/DF; ADI 5925/DF; ADI 5931/DF e ADI 5932/DF

Resumo:

É constitucional a averbação, inclusive por meio eletrônico, da certidão de dívida ativa


(CDA) nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, relativamente aos
créditos inscritos em dívida ativa da União.
Preceitua o art. 185 do Código Tributário Nacional (CTN) (1) que, se o contribuinte que tem
contra si uma dívida inscrita, alienar algum bem do seu patrimônio, presume-se que ele esteja em fraude,
de forma que o terceiro que eventualmente adquira esse bem, sujeita-se à eventual invalidação do seu
negócio jurídico.
Logo, embora a averbação seja uma forma de a Fazenda Pública efetivamente induzir ao
pagamento da dívida, ela é uma regra objetiva que também tem a finalidade de proteção de terceiros
inocentes, sendo, pois legítima e relevante.
É inconstitucional a previsão legal que permite à Fazenda Nacional tornar indisponíveis,
administrativamente, bens dos contribuintes devedores para garantir o pagamento dos débitos
fiscais a serem executados.
A indisponibilidade de bens e direitos exige, tal qual a regra no direito brasileiro, a atuação do
Poder Judiciário.
A decretação de indisponibilidade é uma restrição a parte substantiva do direito de propriedade,
que envolve as faculdades de usar, fruir e dispor. Logo, fazer cessar a disponibilidade de bens e direitos é
intervenção drástica sobre o direito de propriedade e sujeita-se à cláusula de reserva de jurisdição.
Além disso, não há razão para que a indisponibilidade seja determinada em sede administrativa
quando a Fazenda Pública pode, pelo simples ajuizamento da execução, averbar a indisponibilidade de
bem que venha a penhorar, observada a ordem de prioridades da legislação. Mesmo durante o processo
administrativo tributário, se Administração Pública tiver razões para suspeitar de fraude à execução ou de
ameaça de fraude à execução, pode entrar com ação cautelar e, também nessa hipótese, pedir a
indisponibilidade de bens.
Portanto, a Administração Pública tem meios legítimos e relativamente singelos de recorrer ao
Poder Judiciário para obter a indisponibilidade de modo que não há razão para que ela decorra
automaticamente de uma simples decisão administrativa.
É constitucional a comunicação da inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos
de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres.
Tal qual decidido na ADI 5135, na qual entendeu-se legitimo o protesto de certidão de dívida ativa
(CDA) (2), comunicar um fato a um órgão de proteção ao crédito não é uma restrição ao direito de
propriedade, mas tão somente um alerta a terceiros de boa-fé.
Por fim, não há se falar em inconstitucionalidade formal, pois não se está a discutir elementos do
crédito tributário, tema para o qual há exigência de tratamento por lei complementar. No caso, trata-se
apenas de questões procedimentais, matéria que pode ser regulamentada por lei ordinária.
Com esses fundamentos, o Plenário, em julgamento conjunto e por maioria, nos termos do voto
médio do Ministro Roberto Barroso (redator para o acórdão), julgou parcialmente procedente o pedido
formulado em seis ações diretas de inconstitucionalidade, para declarar constitucional o inciso I do § 3º
do art. 20-B da Lei 10.522/2002 (3) e inconstitucional a parte final do inciso II do § 3º do mesmo art. 20-
B, onde se lê "tornando-os indisponíveis" (4), ambos na redação dada pela Lei 13.306/2018.

(1) CTN: “Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo
em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa. Parágrafo único. O disposto
neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da
dívida inscrita.”
(2) No julgamento da ADI 5135/DF, rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 7.2.2018, foi fixada a seguinte tese: “O protesto das
certidões de dívida ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo por não restringir de forma desproporcional quaisquer
direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política”.
(3) Lei 10.522/2002: “Art. 20-B. Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco
dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados. (...) § 3°
Não pago o débito no prazo fixado no caput deste artigo, a Fazenda Pública poderá: I - comunicar a inscrição em dívida ativa aos
órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres;”
(4) Lei 10.522/2002: “Art. 20-B. Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco
dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados. (...) § 3°
Não pago o débito no prazo fixado no caput deste artigo, a Fazenda Pública poderá: (...) II - averbar, inclusive por meio eletrônico,
a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.”

ADI 5881/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em
9.12.2020 (INF 1002)
ADI 5886/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em
9.12.2020 (INF 1002)
ADI 5890/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em
9.12.2020 (INF 1002)
ADI 5925/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em
9.12.2020 (INF 1002)
ADI 5931/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em
9.12.2020 (INF 1002)
ADI 5932/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em
9.12.2020 (INF 1002)

13.4 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR

Imunidade tributária e exportação indireta - 2 - ADI 4735/DF e RE 759244/SP

A norma imunizante contida no inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição Federal (CF) (1)
alcança as receitas decorrentes de operações indiretas de exportação caracterizadas por haver participação
negocial de sociedade exportadora intermediária.
Com essa tese de repercussão geral (Tema 674), o Plenário concluiu julgamento conjunto de
recurso extraordinário e de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nos quais se discutia o alcance da
mencionada imunidade, que preceitua não incidir contribuições sociais e de intervenção no domínio
econômico sobre as receitas decorrentes de exportação (Informativo 965).
O colegiado julgou procedente o pedido formulado na ADI, para declarar a inconstitucionalidade
do art. 170, §§ 1º e 2º, da Instrução Normativa (IN) da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB)
971/2009 (2). Além disso, deu provimento ao recurso extraordinário, a fim de reformar o acórdão
impugnado e conceder ordem mandamental, assentando a inviabilidade de exações baseadas nas
restrições presentes no art. 245, §§ 1º e 2º, da IN da Secretaria da Receita Previdenciária (SRP) 3/2005
(3), no tocante às exportações de açúcar e álcool realizadas por intermédio de sociedades comerciais
exportadoras.
Prevaleceram os votos dos ministros Alexandre de Moraes e Edson Fachin, relatores da ADI e do
recurso extraordinário, respectivamente.
Segundo o ministro Alexandre de Moraes, inexiste controvérsia a respeito da aplicação da aludida
imunidade sobre as receitas decorrentes de exportação direta, isto é, quando a produção é comercializada
diretamente com adquirente domiciliado no exterior. Discute-se apenas relativamente às receitas
decorrentes de exportação indireta, quando a produção é comercializada entre produtor e vendedor com
empresas constituídas e em funcionamento no Brasil que destinem os produtos à exportação. Para fins
didáticos, tais empresas podem ser ordenadas em duas categorias: (i) a primeira, composta por sociedades
comerciais regulamentadas pelo Decreto-Lei 1.248/1972, que possuem Certificado de Registro Especial,
chamadas habitualmente de trading companies; (ii) a segunda, formada com aquelas que não possuem o
referido certificado e são constituídas de acordo com o Código Civil (CCv).
O relator da ADI aduziu que a Administração Tributária dispensa o mesmo tratamento a ambas.
Atualmente, ao adquirirem produtos no mercado interno para posterior remessa ao exterior, essas
empresas já gozam de benefícios fiscais relacionados ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); às
contribuições para o PIS/Pasep e a Cofins e ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS).
Em seguida, asseverou que, em prestígio à garantia da máxima efetividade, a imunidade sobre as
receitas de exportação também deve ser aplicada à hipótese das exportações indiretas. Não se trata de dar
interpretação mais ampla e irrestrita para alargar o preceito. A regra da imunidade, diferentemente da
isenção, deve ser analisada do ponto de vista teleológico/finalístico do Sistema Tributário Nacional.
Dessa maneira, depreendeu que o escopo da imunidade contida no art. 149, § 2º, I, da CF é a
desoneração da carga tributária sobre transações comerciais que envolvam a venda para o exterior. É
evitar a indesejada exportação de tributos e permitir que os produtos nacionais se tornem mais
competitivos no exterior, contribuindo para a geração de divisas e o desenvolvimento nacional. Destacou
que a desoneração das atividades ligadas à exportação aparece como tendência explícita da CF, o que
pode ser comprovado por regras que disciplinam a imunidade do IPI e do ICMS. Considerada a finalidade
da norma imunizante, não há como simplesmente cindir as negociações realizadas no âmbito das
exportações indiretas, de modo a tributar as operações realizadas no mercado interno e imunizar
exclusivamente a posterior remessa ao exterior. Tributar a operação interna onera em verdade a
exportação inteira e fere inclusive a livre concorrência.
Não há razoabilidade em se excluir da imunidade a exportação indireta. A ideia da regra é permitir
o favorecimento para quem vai exportar. Impende levar em conta se a destinação final é a exportação.
Assim, o País lucra externamente, na balança comercial, e internamente, com a geração de renda e
emprego.
Por seu turno, o ministro Edson Fachin sublinhou que, em seu voto, analisou três tópicos para
responder à questão constitucional submetida à repercussão geral: (i) a desoneração da tributação na
cadeia produtiva exportadora; (ii) o regime jurídico da imunidade tributária; (iii) a exigibilidade de
contribuição previdenciária a ser paga pela agroindústria, definida na concepção ampla de produtor rural
(Lei 8.212/1991, art. 22A).
Nessa dimensão, a decisão retomou observações e ponderações sobre a dinâmica do comércio
internacional e sobre a aplicação do princípio do destino, realizadas nos julgamentos da ADO 25 e do RE
723.651, respectivamente.
O ministro Fachin realçou premissa segundo a qual a desoneração dos tributos que influa no preço
de bens e serviços deve estruturar-se, a princípio, em formato destinado à garantia do objeto, e não do
sujeito passivo da obrigação tributária. Irrelevante se promovida exportação direta ou indireta.

(1) CF: “art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e
de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o
disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o
dispositivo. (...) § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (...) I – não
incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;”
(2) IN RFB 971/2009: “Art. 170. Não incidem as contribuições sociais de que trata este Capítulo sobre as receitas
decorrentes de exportação de produtos, cuja comercialização ocorra a partir de 12 de dezembro de 2001, por força do disposto no
inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001. § 1º
Aplica-se o disposto neste artigo exclusivamente quando a produção é comercializada diretamente com adquirente domiciliado no
exterior. § 2º A receita decorrente de comercialização com empresa constituída e em funcionamento no País é considerada receita
proveniente do comércio interno e não de exportação, independentemente da destinação que esta dará ao produto.”
(3) IN SRP 3/2005: “Art. 245. Não incidem as contribuições sociais de que trata este Capítulo sobre as receitas decorrentes
de exportação de produtos, cuja comercialização ocorra a partir de 12 de dezembro de 2001, por força do disposto no inciso I do § 2º
do art. 149 da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001. § 1º Aplica-se o
disposto neste artigo exclusivamente quando a produção é comercializada diretamente com adquirente domiciliado no exterior. § 2º
A receita decorrente de comercialização com empresa constituída e em funcionamento no País é considerada receita proveniente do
comércio interno e não de exportação, independentemente da destinação que esta dará ao produto.” (Revogada pela IN RFB
971/2009)

ADI 4735/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 12.2.2020. (INF 966)
RE 759244/SP, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 12.2.2020. (INF 966)

13.5 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE

Majoração indireta de tributo e incidência do princípio da anterioridade - RE 1253706


AgR/RS
A Primeira Turma, por maioria, conheceu e negou provimento a agravo regimental em recurso
extraordinário, por entender que, nos termos da jurisprudência da Corte, o aumento indireto de tributo
mediante a redução ou supressão de benefícios ou incentivos fiscais decorrentes do Regime Especial de
Reintegração de Valores Tributários para Empresas Exportadoras (REINTEGRA) se sujeita à incidência
dos princípios da anterioridade tributária geral e da anterioridade nonagesimal, previstos no art. 150, III, b
e c, da Constituição Federal (CF) (1).
Vencidos os ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes, que votaram pelo provimento do agravo,
ao fundamento de que, nesses casos, incide apenas o princípio da anterioridade nonagesimal. O ministro
Alexandre de Moraes destacou, ainda, que a discussão acerca do tema foi iniciada pelo Plenário (RE
564.225).

(1) CF: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios: (...) III – cobrar tributos: (...) b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os
instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou,
observado o disposto na alínea b”.

RE 1253706 AgR/RS, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 19.5.2020. (INF 978)

13.6 REGIMES ESPECIAIS DE TRIBUTAÇÃO

Refis: exclusão de pessoa jurídica e necessidade de prévia notificação - RE 669196/DF

É inconstitucional o art. 1º da Resolução 20/2001 do Comitê Gestor do Programa de


Recuperação Fiscal (CG/Refis) (1), no que suprimiu a notificação da pessoa jurídica optante do
Refis, prévia ao ato de exclusão.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) tem constantemente reafirmado a garantia da
plenitude de defesa como uma pretensão à tutela jurídica. A garantia da pretensão à tutela jurídica —
albergada no art. 5º, LV, da CF (2) — envolve não só o direito de manifestação e de informação sobre o
objeto do processo, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador.
O exercício da autotutela estatal deve ocorrer por meio de procedimento administrativo que confira
àqueles que eventualmente venham a ser atingidos pela decisão invalidatória oportunidade de
manifestação prévia, observados os desdobramentos da ampla defesa [Tema 138 da Repercussão Geral
(RG), RE 594.296].
Nesse sentido, é obrigatória a notificação prévia do contribuinte, antes da apreciação da
representação, para que ele possa se manifestar sobre as irregularidades nela apontadas. Além disso, deve
ser dado ao interessado a oportunidade para exercer sua defesa contra o ato de exclusão do Refis. Esse ato
tem caráter individual e afeta diretamente o contribuinte em sua esfera particular de direitos. Ademais,
considerações particulares, em tese, podem ter potencial para interferir na deliberação a ser adotada pelo
Conselho Gestor. Quer dizer, há necessidade de apreciação da situação particularizada do contribuinte.
Trata-se, no caso, de controvérsia centrada na falta de intimação prévia de contribuinte, pessoa
jurídica, sobre o ato de exclusão do Refis, na ausência de observância dos princípios do devido processo
legal, da ampla defesa e do contraditório, bem como nas garantias estabelecidas no art. 37 da CF (3). Não
foi objeto de análise a matéria referente à validade do ato de exclusão do Refis, restrita à forma de
notificação e à possibilidade de ser realizada pela imprensa oficial ou pela internet [Tema 291 RG, RE
611.230].
Com esse entendimento, ao apreciar o Tema 668 RG, o Plenário negou provimento a recurso
extraordinário.

(1) Decreto CG/Refis 20/2001: “Art. 1º. Os arts. 1º e 3º a 7º da Resolução CG/Refis 9, de 12 de janeiro de 2001, passam a
vigorar com a seguinte redação: ‘Art. 1º A exclusão da pessoa jurídica optante pelo Programa de Recuperação Fiscal (Refis) ou pelo
parcelamento a ele alternativo será efetuada mediante ato do Comitê Gestor, observadas as disposições desta Resolução.’ ‘Art. 3º A
exclusão do Refis da pessoa jurídica optante será efetuada com base em: I – proposta da Secretaria Executiva do Comitê Gestor do
Refis: II – representação fundamentada de servidor de qualquer das unidades da Secretaria da Receita Federal (SRF), da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) ou do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Parágrafo único. A deliberação
ou a representação referidas no caput constituirão processo administrativo.’ ‘Art. 4º A representação de que trata o inciso II do art.
3º será apreciada no âmbito do órgão a que pertencer o servidor que a formular. § 1º A apreciação da representação e, quando for o
caso, a proposta de exclusão ao Comitê Gestor do Refis compete aos: I – Delegados da Receita Federal ou Inspetores de Inspetorias
da Receita Federal de classe ‘A’ do domicílio do optante, no âmbito da SRF; II – Procuradores-chefes ou Procuradores Seccionais,
no âmbito da PGFN; III – Chefes de Divisão ou de Serviço de Arrecadação ou Procuradores-chefes, no âmbito do INSS. § 2º O
disposto nos incisos I e III do § 1º deste artigo não se aplica às exclusões decorrentes de ordem judicial, e às representações
fundamentadas nos inciso V, VI, VII e IX do art. 2º desta Resolução. § 3º Os processos formalizados nas hipóteses a que se refere o
§ 2º deste artigo deverão ser encaminhados para apreciação e proposição da exclusão: I – às unidades da PGFN, no caso de
processos formalizados na SRF; II – às unidades da Procuradoria da Previdência Social, no caso de processos formalizados no
INSS.’ ‘Art. 5º O ato de exclusão será publicado no Diário Oficial da União, indicando o número do respectivo processo
administrativo. § 1º A identificação da pessoa jurídica excluída e o motivo da exclusão serão disponibilizados na Internet, nas
páginas da SRF, PGFN ou INSS, nos endereços (http://www.receita.fazenda.gov.br), (http://www.pgfn.fazenda.gov.br) ou
(http://www.mpas.gov.br). § 2º A pessoa jurídica poderá, no prazo de quinze dias, contado da data de publicação do respectivo ato,
manifestar-se quanto aos motivos que ensejaram a sua exclusão. § 3º A manifestação a que se refere o § 2º deste artigo será
apreciada, em instância única, pela autoridade competente para propor a exclusão, sem efeito suspensivo. § 4º A decisão favorável
ao sujeito passivo implica o restabelecimento do parcelamento a partir do mês subsequente ao de sua ciência.’ ‘Art. 6º As propostas
de exclusão, na hipótese do inciso II do art. 3º, serão encaminhadas ao Comitê Gestor por meio do sistema Refis, sem a necessidade
de anuência dos demais órgãos nem da movimentação do respectivo processo ao Comitê.’ ‘Art. 7º A exclusão por ordem judicial ou
por solicitação do optante aplicam-se os mesmos procedimentos da exclusão de ofício, dispensada a representação a que se refere o
inciso II do art. 3º.’”
(2) CF: “Art. 5º (...) LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
(3) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte:”

RE 669196/DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento virtual finalizado em 23.10.2020. (INF 996)

13.7 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

Responsabilidade tributária solidária de terceiros - ADI 4845/MT

É inconstitucional lei estadual que disciplina a responsabilidade de terceiros por infrações de


forma diversa da matriz geral estabelecida pelo Código Tributário Nacional (CTN).
Com essa orientação, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar
a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 18-C da Lei 7.098/1998, incluído pelo art. 13 da Lei
9.226/2009, ambas do Estado de Mato Grosso, que atribui responsabilidade tributária solidária por
infrações a toda pessoa que concorra ou intervenha, ativa ou passivamente, no cumprimento da obrigação
tributária, especialmente advogado, economista e correspondente fiscal.
Entendeu que a norma impugnada invadiu a competência do legislador complementar federal para
estabelecer normais gerais sobre a matéria. Além de ampliar o rol das pessoas que podem ser
pessoalmente responsáveis pelo crédito tributário previsto pelos arts. 134 e 135 do CTN (1), dispôs
diversamente do CTN sobre as circunstâncias autorizadoras da responsabilidade pessoal de terceiro.

(1) CTN: “Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte,
respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I – os pais, pelos
tributos devidos por seus filhos menores; II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III –
os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V
– o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI – os tabeliães, escrivães e demais
serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII – os
sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de
penalidades, às de caráter moratório. Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações
tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas
referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas
jurídicas de direito privado.”

ADI 4845/MT, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 13.2.2020. (INF 966)

13.8 TRIBUTOS

ADCT, art. 91: ICMS, omissão legislativa, prorrogação de prazo e acordo em âmbito
federativo - ADO 25 QO/DF
O Plenário, por maioria, referendou as decisões monocráticas que prorrogaram o prazo fixado no
julgamento do mérito de ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO). De igual modo,
homologou o acordo firmado entre a União e os entes estaduais e distrital, com o seu encaminhamento ao
Congresso Nacional para as providências cabíveis.
Na espécie, trata-se de ADO julgada procedente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para
declarar a mora do Congresso Nacional na edição da lei complementar prevista no art. 91 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) (1), incluído pela Emenda Constitucional (EC)
42/2003. Na oportunidade, a Corte fixou o prazo de doze meses para que fosse sanada a omissão e
deliberou que, na hipótese de transcorrer in albis o mencionado prazo, caberia ao Tribunal de Contas da
União (TCU) fixar o valor do montante total a ser transferido anualmente aos estados-membros e ao
Distrito Federal e calcular o valor das quotas a que cada um deles teria direito, considerando certos
critérios (Informativo 849).
Depois de a decisão transitar em julgado, a União requereu o desarquivamento da ADO e a
prorrogação do prazo por mais 24 meses. Subsidiariamente, pediu que a contagem se iniciasse da data da
publicação do inteiro teor do acórdão. O ministro Gilmar Mendes (relator) deferiu, em parte, o pleito da
União. Ad referendum do Plenário, prorrogou o prazo por doze meses a contar de 21.2.2019.
Posteriormente, alguns estados-membros manifestaram interesse em buscarem a composição
amigável do litígio. A União concordou com o pleito. Diante disso, o relator designou, excepcionalmente,
audiência de tentativa de conciliação. Ocorreram várias reuniões da Comissão Especial formada com o
intuito de apresentar proposta de solução do impasse. Houve nova audiência e deliberações diversas.
Sobreveio petição do estado do Pará, com a aquiescência da maioria dos governadores,
apresentada para deliberação quanto à necessidade de prorrogação do prazo. Instada a se manifestar, a
União não se opôs ao pedido. Ad referendum do Plenário, o prazo foi prorrogado por noventa dias a
contar de 21.2.2020.
Os trâmites finais culminaram nos termos do acordo submetido à homologação.
De início, o colegiado ratificou as decisões nas quais prorrogado o prazo, por seus próprios
fundamentos. Fatos supervenientes justificaram o abrandamento do termo fixado no julgamento de
mérito.
Ato contínuo, homologou o acordo transacionado no âmbito do STF, inédito no âmbito federativo.
Recordou ter sido assentada a mora do Poder Legislativo na edição de lei complementar que
recompensasse a perda de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
dos entes subnacionais com a exoneração das exportações.
A Corte registrou a inauguração, nesta ADO, do pensamento do possível no Federalismo
cooperativo, uma das facetas mais formidáveis da interpretação constitucional. Todos os atores do pacto
federativo foram chamados para tentarem solucionar o impasse entre as esferas federal, estadual e
distrital, que se prolongava desde a instituição da Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996), com algumas
atuações pontuais produzidas pelas Leis Complementares 102/2000 e 115/2002 e com a EC 42/2003.
As unidades federativas foram conclamadas para que, na linha do pensamento do possível, se
dissipassem de suas certezas absolutas, interesses estratificados e compreendessem a oportunidade sob o
olhar do federalismo cooperativo, no afã de diminuir as tensões/diferenças e aproximar as convergências.
No acordo, chegou-se a um consenso mínimo quanto a valores e forma de pagamento, deu-se
quitação de eventuais dívidas pretéritas e futuras. Previu-se que a parcela constitucionalmente devida aos
municípios (25%) está reservada e que não serão devidos honorários advocatícios nas ações judiciais
extintas em decorrência dele. Nele, há cláusula resolutória e eleição de foro para dirimir eventuais
entraves que surjam em sua interpretação.
O Plenário sublinhou que as partes signatárias possuem capacidade para firmá-lo em nome das
respectivas unidades da Federação. O objeto é lícito e é revestido das formalidades legais para
homologação e encaminhamento ao Congresso Nacional, que deliberará sobre os termos de anteprojeto
de lei complementar, a ser encaminhado pela União, no prazo de até sessenta dias a contar desta data, nos
moldes da transação realizada.
Ademais, existem três cenários fático-jurídicos de previsibilidade: aprovação da Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) 188/2019, encaminhada pelo governo federal, com revogação do art. 91 do
ADCT; aprovação da citada PEC, sem a revogação do art. 91 do ADCT; e situação durante a tramitação
da PEC no Congresso Nacional (item 4.3 da cláusula quarta do Termo de Acordo).
Por fim, o colegiado considerou equacionados e bem representados todos os interesses jurídicos no
aludido acordo, que põe termo à discussão político-jurídica. A Federação brasileira sai fortalecida e passa
a ter ótimo exemplo de cooperação institucional entre seus entes integrantes.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que se limitou a assentar a mora do Congresso Nacional.
Reiterou que, em se tratando de mora de outro Poder, não cabe ao STF assinar prazo para que seja
afastada, sob pena de desgaste maior. Frisou que o TCU não pode, como também não pode o STF, se
substituir ao Congresso Nacional e fazer as vezes deste no que omisso quanto à edição de lei.

(1) ADCT: “Art. 91. A União entregará aos Estados e ao Distrito Federal o montante definido em lei complementar, de
acordo com critérios, prazos e condições nela determinados, podendo considerar as exportações para o exterior de produtos
primários e semi-elaborados, a relação entre as exportações e as importações, os créditos decorrentes de aquisições destinadas ao
ativo permanente e a efetiva manutenção e aproveitamento do crédito do imposto a que se refere o art. 155, § 2º, X, a. § 1º Do
montante de recursos que cabe a cada Estado, setenta e cinco por cento pertencem ao próprio Estado, e vinte e cinco por cento, aos
seus Municípios, distribuídos segundo os critérios a que se refere o art. 158, parágrafo único, da Constituição. § 2º A entrega de
recursos prevista neste artigo perdurará, conforme definido em lei complementar, até que o imposto a que se refere o art. 155, II,
tenha o produto de sua arrecadação destinado predominantemente, em proporção não inferior a oitenta por cento, ao Estado onde
ocorrer o consumo das mercadorias, bens ou serviços. § 3º Enquanto não for editada a lei complementar de que trata o caput, em
substituição ao sistema de entrega de recursos nele previsto, permanecerá vigente o sistema de entrega de recursos previsto no art.
31 e Anexo da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, com a redação dada pela Lei Complementar nº 115, de 26 de
dezembro de 2002. § 4º Os Estados e o Distrito Federal deverão apresentar à União, nos termos das instruções baixadas pelo
Ministério da Fazenda, as informações relativas ao imposto de que trata o art. 155, II, declaradas pelos contribuintes que realizarem
operações ou prestações com destino ao exterior.”

ADO 25 QO/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 20.5.2020. (INF 978)

Compra de óleo básico e incidência de ICMS - RE 642564 AgR/RJ

A Primeira Turma, por maioria, negou provimento a agravo interno em recurso extraordinário em
que se alegava a não incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em
operações interestaduais com combustíveis, diante da imunidade prevista no art. 155, § 2º, X, b, da
Constituição Federal (CF) (1).
O colegiado entendeu incidirem, na hipótese, os Enunciados das Súmulas 279 e 280 do STF. Isso
porque o acórdão recorrido concluiu, com base no acervo probatório dos autos, que o estado reputou ser
fato gerador do imposto a aquisição interna da mercadoria “óleo básico”, ou seja, a aquisição desse óleo
dentro do estado, e não a operação interestadual de venda de lubrificantes. Além disso, a controvérsia não
foi decidida a partir da interpretação de dispositivos da Constituição, mas exclusivamente com apoio no
aludido acervo fático-probatório e na análise da legislação local (Resolução SEF 2900/1998).
Frisou, ademais, a inexistência, nos autos, de qualquer comprovação de eventual remessa
interestadual desse óleo básico adquirido no mercado interno e objeto da autuação, nem de recolhimento
do ICMS no estado de destino.
O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o relator na conclusão, mas não na fundamentação.
De acordo com o ministro, é constitucional a análise do ciclo econômico, ou seja, a verificação se a
compra de óleo básico compõe, ou não, o ciclo econômico da produção de lubrificantes, para venda para
outro estado. É uma análise jurídica, porque senão não seria possível examinar se incide, ou não, durante
o ciclo de produção econômica, a imunidade constitucional. Considerou, entretanto, que, no caso, como
salientado pelo relator, não houve comprovação, nos autos do mandado de segurança impetrado pela
empresa recorrente, de que o óleo básico, pelo qual autuada, foi efetivamente utilizado na produção do
lubrificante vendido a outro estado.
Vencidos os ministros Luiz Fux e Marco Aurélio em diferentes extensões.
O ministro Luiz Fux proveu o agravo interno para conhecer do recurso extraordinário e reconhecer
a repercussão geral da questão nele discutida. Para ele, o que está em pauta é o debate acerca da
incidência de ICMS na atividade de comercialização de óleos lubrificantes, a partir da aquisição do óleo
básico como insumo para o produto final. A súmula 279 do STF não é aplicável aos casos de subsunção
da norma constitucional aos fatos incontroversos postos nos autos do processo. A aplicação, ou não, da
regra de imunidade do art. 155, § 2º, X da CF a determinadas operações não encerra discussão de matéria
infraconstitucional ou questão de aplicação de direito local. Sob o aspecto jurídico, cabe à Corte delimitar
o alcance da regra imunizante do art. 155, § 2º, X, b, da CF. Quanto aos aspectos políticos e sociais, a
imunidade constitucional do ICMS incidente nas operações que destinem a outros estados petróleo,
inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica assenta-se em
uma premissa de justiça entre os entes federados, de modo a evitar um favorecimento desproporcional dos
estados-membros detentores desses recursos naturais em detrimento de outros, que seriam, naturalmente,
consumidores desses recursos. Em relação ao aspecto econômico, tem-se discussão acerca da existência
de limite para o exercício da competência tributária pelos entes da Federação.
Por sua vez, o ministro Marco Aurélio proveu o agravo para, julgando de imediato o recurso
extraordinário, reformar o acórdão proferido pelo tribunal de origem e assentar que não se tem como
dividir, considerado o preço final do produto, partes componentes desse produto para dizer-se da
incidência, relativamente a este ou aquele insumo, do ICMS. A seu ver, há incidência da projeção no
tempo da cobrança do produto, presente o princípio alusivo ao destino da mercadoria, como previsto a
alínea b do inciso X do parágrafo 2º do art. 155 da CF.

(1) CF: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II – operações relativas à
circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as
operações e as prestações se iniciem no exterior; (...) § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) X – não incidirá:
(...) b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele
derivados, e energia elétrica;”

RE 642564 AgR/RJ, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 30.6.2020. (INF 984)

ICMS: importação de gás natural e sujeito ativo - ACO 854/MS; ACO 1076/MS; ACO
1093/MS

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) incidente nas


operações de importação de mercadorias tem como sujeito ativo o estado em que localizado o
domicílio ou o estabelecimento do destinatário jurídico da mercadoria importada. A conclusão
acerca de quem será o destinatário jurídico do bem depende da análise do negócio jurídico
entabulado entre as partes e das circunstâncias fáticas do caso concreto.
De acordo com o art. 155, II, da Constituição Federal (CF), o critério material de incidência do
ICMS é a realização de operações relativas à circulação de mercadoria, ainda que as operações se iniciem
no exterior, tendo o § 2º, IX, a (1), do mesmo artigo completado que o imposto incidirá também sobre a
entrada de bem ou mercadoria importados do exterior. O aspecto material do fato gerador do ICMS
incidente na importação é a circulação de mercadoria, caracterizada pela transferência do domínio
(compra e venda), com a consequente entrada no território nacional de bem ou mercadoria advinda do
exterior. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que não é a mera entrada da mercadoria no território
nacional que enseja a incidência do ICMS-importação, pois deve haver circulação econômico-jurídica da
mercadoria com transferência de domínio.
O desembaraço aduaneiro refere-se ao aspecto temporal do fato gerador da obrigação tributária,
momento em que o tributo passa a ser exigível, entendimento que, inclusive é objeto da Súmula
Vinculante 48 do STF.
O sujeito ativo competente para a instituição do ICMS-importação são os estados e o Distrito
Federal, nos moldes do citado art. 155, II, da CF, que receberão as prestações pecuniárias relativas às
operações de importação que se realizem nos limites do seu território. De acordo com o art. 4º da Lei
Complementar (LC) 87/1996 (Lei Kandir), contribuinte é aquele que promove a importação, a qualquer
título. Entre os Estados, conforme a redação do art. 155, § 2º, IX, a, da CF, o imposto caberá àquele onde
estiver situado o domicílio ou estabelecimento do destinatário da mercadoria ou do bem. No entanto, a
Constituição Federal não definiu qual deve ser considerado o estabelecimento destinatário da mercadoria.
Uma interpretação literal da previsão contida no art. 11, I, d, da LC 87/1996 (2) poderia levar o
intérprete a considerar como estabelecimento destinatário meramente aquele estado onde ocorreu o
desembaraço aduaneiro. Ocorre que essa interpretação é incabível, visto que confunde o aspecto temporal
do fato gerador (momento em que o tributo passa a ser exigível) com a sujeição exacional passiva, além
de desconsiderar o próprio fato jurídico da importação, o que não se coaduna com o texto constitucional.
De fato, a jurisprudência desta Corte já se posicionou sobre essa questão no sentido de considerar que o
destinatário é o destinatário econômico-jurídico do bem; e de que o local do desembaraço aduaneiro não
se confunde com o local do destinatário jurídico da importação, ainda que possam ser faticamente o
mesmo.
Na importação própria, sob encomenda, o destinatário jurídico da mercadoria é o
estabelecimento importador.
A Secretaria da Receita Federal do Brasil admite três formas de importação de bens do exterior:
por conta própria, por conta e ordem de terceiro e por encomenda. Na importação por conta própria, a
importadora adquire bens no exterior em seu nome e os revende posteriormente para terceiros. Nessa
hipótese, existem dois contratos de compra e venda: um entre o fornecedor estrangeiro e o importador, e
outro entre o importador e o adquirente no mercado interno. Nessa situação, a venda do bem no mercado
interno é negócio jurídico estranho à importação, pois a importadora possui a livre disponibilidade do
bem para dar a ele a procedência que melhor lhe aprouver. Já na importação por conta e ordem de
terceiros, o adquirente da mercadoria importada contrata empresa intermediária, prestadora de serviço
para que promova, por conta e ordem da contratante, o despacho de importação da mercadoria em nome
desta. Aqui, a empresa importadora é mera prestadora de serviços, sendo claro que o real importador é o
adquirente da mercadoria.
A importação por encomenda se equipara, para a maioria da doutrina, à importação por conta
própria, tendo em vista que a importadora ou trading não é uma mera intermediária ou prestadora de
serviço; nas duas hipóteses, o importador realiza duas operações: a primeira relativa à importação de
mercadoria do exterior em seu próprio nome, e a segunda (em decorrência ou não de encomenda), relativa
à venda desse bem ou mercadoria no mercado interno. Nesses casos, em que ocorrem duas operações,
haverá, consequentemente, duas hipóteses de incidência do ICMS: uma referente ao fato jurídico da
importação do bem, na qual deverá ser cobrado o ICMS-importação previsto no art. 155, § 2º, IX, a, da
CF, e a outra concernente à posterior venda desse mesmo bem no mercado interno, momento em que
incidirá a regra constante do caput do art. 155.
Ou seja, na importação própria, sob encomenda, a importadora não é mera intermediária do
consumidor interno ou simples prestadora de serviço, porque atua por conta própria, negociando e
internalizando o bem no mercado para posterior revenda, independentemente de esta ter sido negociada
antes ou depois da importação. Por isso, nessa hipótese, o destinatário jurídico da mercadoria é o
estabelecimento importador.
O fato de o gás natural não poder ser estocado no estabelecimento do importador não altera
a sujeição exacional ativa e passiva do ICMS-importação.
A circulação que importa para a hipótese de incidência do ICMS é a circulação econômico-jurídica
de bens, o que significa a alteração da titularidade sem que seja necessário o deslocamento físico da
mercadoria. A própria LC 87/1996 contempla a figura da circulação jurídica ou simbólica (art. 12) e
dispensa, em seu art. 20 (3), a entrada física dos bens no estabelecimento para que ocorra a compensação
do imposto. Ou seja, de acordo com essa previsão, o direito de crédito existe a partir da circulação
jurídica de bens, independentemente da ocorrência de circulação física.
No que se refere ao gás natural, devido a sua composição química, é impossível, fisicamente, a
armazenagem e estocagem no estabelecimento do importador. A transferência de gás natural em sua
forma gasosa se opera de modo contínuo e sua alocação apenas é viável depois de submetida a processo
de industrialização, quando assume a forma líquida e não mais gasosa. Acrescente-se que, o Plenário do
STF, em sede de repercussão geral (Tema 520), declarou a inconstitucionalidade parcial, sem redução de
texto do art. 11, I, d, da LC 87/1996, para afastar o entendimento segundo o qual o local da operação ou
da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável pelo
tributo, seria apenas o da entrada física do bem importado, tendo em vista, exatamente a juridicidade de
circulação ficta de mercadoria, desde que haja efetivo negócio jurídico.
No caso, mediante contrato de importação própria, sob encomenda, estabelecimento da Petrobras,
localizado em Corumbá/MS, adquire gás natural diretamente de empresa na Bolívia. O gás é entregue à
Petrobras no ponto em que ocorre a sua entrada no território nacional, naquele município. Há a
transferência da titularidade jurídica do bem, na qual o gás sai da esfera jurídica da empresa boliviana e
passa à titularidade da Petrobras e, somente uma vez internalizado, passa a ser de domínio das empresas
situadas nos territórios dos estados requeridos, ocorrendo, dessa forma, dois negócios jurídicos com dupla
incidência tributária.
Com esse entendimento o Plenário, por maioria, julgou procedentes pedidos formulados em ações
cíveis originárias, para, reconhecendo a sujeição ativa exacional do estado de Mato Grosso do Sul,
envolvendo os atuais contratos de importação de gás natural da Bolívia do gasoduto Gasbol, determinar
aos estados de Santa Catarina, de São Paulo e do Rio Grande do Sul que se abstenham de formular
qualquer tipo de autuação ou lançamento tributário do ICMS incidente sobre as operações de importação
de gás natural advindo da Bolívia e realizada pela Petrobras - Corumbá/MS; e de prosseguirem com as
cobranças já iniciadas. Vencidos os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Marco Aurélio e Rosa
Weber que julgaram os pedidos improcedentes.

(1) CF: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II – operações relativas à
circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as
operações e as prestações se iniciem no exterior; § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) IX – incidirá
também: a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja
contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o
imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço;”
(2) LC 87/1996: “Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do
estabelecimento responsável, é: I – tratando-se de mercadoria ou bem: (...) d) importado do exterior, o do estabelecimento onde
ocorrer a entrada física;”
(3) LC 87/1996: “Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de
creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no
estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal ou de comunicação.”

ACO 854/MS, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 22.10.2020. (INF 996)
ACO 1076/MS, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 22.10.2020. (INF 996)
ACO 1093/MS, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 22.10.2020. (INF 996)

Substituição tributária e requerimento administrativo - 2 - ARE 1184956 AgR/SP

Inviabiliza o recurso extraordinário a necessidade de análise de normas infraconstitucionais para


chegar-se à conclusão contrária à adotada pelo tribunal de origem, segundo a qual o contribuinte
substituído deve apresentar requerimento administrativo ao Fisco, nos termos da legislação estadual, e
observar o procedimento por ele adotado para obter o aproveitamento do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS) recolhido a mais, em razão da venda de mercadoria por preço inferior ao
presumido, ou seja, no regime de substituição tributária para frente.
Trata-se, na espécie, de recurso extraordinário interposto por pessoa jurídica — atuante na revenda
de combustíveis —, no qual alegava, em suma, ofensa ao art. 150, § 7º, da Constituição Federal (CF) (1).
Antes da remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal (STF), a presidência da corte de origem
devolveu o processo ao órgão prolator do acórdão impugnado para juízo de adequação, tendo em conta o
julgamento do RE 593.849 (Tema 201 da Repercussão Geral). O referido órgão manteve o
posicionamento, afirmando que a inobservância da norma infralegal impede a concessão da tutela
jurisdicional (Informativo 975).
Para dissentir do acórdão recorrido e verificar a procedência dos argumentos consignados no
recurso extraordinário, necessária a reanálise da interpretação dada pelo Juízo a quo às normas
infraconstitucionais locais aplicáveis ao caso. Portanto, há o óbice do Enunciado 280 do STF (2).
A Segunda Turma, por maioria, negou provimento ao agravo regimental e manteve a decisão que
negou seguimento ao recurso extraordinário com agravo.

(1) CF: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios: (...) § 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo
pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial
restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.”
(2) Enunciado 280/STF: “Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário.”

ARE 1184956 AgR/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 22.9.2020. (INF 992)

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