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Relatório
Conceito de Dolo:
Crime doloso
Nesse ponto de vista, tem-se a definição de dolo sendo muito escassa, o que pode gerar
dúvidas acerca da sua aplicação, principalmente em torno de casos concretos, levando
em consideração que a subjetividade do autor é, quase sempre, difícil de ser averiguada
no caso concreto.
1
ZAFFARONI, Eugénio Raul. Manual de derecho penal – Parte general, p. 405
2
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Volume I, p. 343
3
BRENNER, Guilherme. A punição da culpa a título de dolo: O problema da chamada cegueira
deliberada, p. 191
inclui a consciência da antijuridicidade da conduta. Além disso, como aponta NUCCI,
“é indispensável que a vontade do agente seja capaz de produzir o evento típico”4.
Além dessa classificação, há outro tipo de dolo, chamado de dolo eventual, que
será aprofundado ao longo dessa aula.
O conceito de dolo eventual está previsto no Art. 18, I, in fine, “assumiu o risco
de produzi-lo”. Segundo o professor Jair Leonardo Lopes “São casos em que o agente
não quer o resultado, mas, também, não se detém diante da previsão de sua ocorrência e
a admite”6. A partir daí, observa-se qual é a diferença do dolo direto para o eventual. No
primeiro, há a “vontade orientada no sentido do fim antecipado mentalmente pelo
agente”7; já no segundo, o resultado gerado pela ação do agente não era querido por ele,
mas era razoavelmente previsível e, seja pela indiferença ou pela assunção do risco, o
agente deixa que esse resultado ocorra. Sendo assim, apesar de não querer diretamente o
resultado, o dolo eventual ainda pressupõe a existência do elemento volitivo, mesmo
4
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, p. 165
5
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Volume I, p. 347
6
LOPES, Jair Leonardo. Curso de Direito Penal – Parte Geral, p. 122
7
LOPES, Jair Leonardo. Curso de Direito Penal – Parte Geral, p. 121
que indireto, levando em conta sua atitude de persistir mesmo sabendo que pode gerar
uma consequência ruim.
Contextualização no Brasil:
Com isso, pode-se dizer que a origem da previsão do dolo eventual no Código
brasileiro é a adequação do Direito Penal à teoria do consentimento ou assentimento,
acompanhada da teoria da vontade. Segundo Rogério Greco, existem três principais
teorias que demonstravam importantes correntes a respeito do significado de dolo,
sendo elas a teoria da vontade, do assentimento e da representação. A primeira diz
respeito ao dolo ser fruto da vontade e da consciência de praticar determinada ação
prevista em tipo penal. Já a segunda, que abarca o conceito de dolo eventual, é a
definição da prática de uma ação em que o agente prevê o resultado, que não é seu
objetivo de alcançar, mesmo assim assume o risco de ele ocorrer. Por fim, a teoria da
representação, que não é utilizada pela sua imprecisão em relação ao conceito de dolo,
define esse conceito como sendo fruto de uma ação em que era previsível o resultado9.
O grande problema dessa última teoria é que ela não permite a distinção entre o dolo
eventual e a culpa consciente, que será abordada no próximo tópico.
Ao adentrar nesse tema, é importante ressaltar que, segundo o Art. 18, § único
do Código Penal, “Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato
BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei N. 2048 – 7-12-40. Exposição de motivos (redação original), p. XI
8
10
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Volume I, p. 349
11
LOPES, Jair Leonardo. Curso de Direito Penal – Parte Geral, p. 124
12
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Volume I, p. 372
13
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Volume I, p. 373
respeito da existência de dolo ou culpa, que são os casos de crimes de trânsito, incluindo
direção embriagada e excesso de velocidade.
Os acusados, na peça feita pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, foram
denunciados por homicídio, tendo como elemento subjetivo o dolo eventual,
evidenciado pelo trecho:
Por fim, ainda sobre o dolo, a sentença proferida expressa que, segundo o Art.
18, I, há equiparação entre dolo direto e eventual, não sendo constatável a ideia de que
dolo direto é mais grave que o eventual. Diante das peculiaridades do caso, o juiz
entendeu que, mesmo se tratando de dolo eventual, a aplicação de pena deveria levar em
consideração a gravidade desse tipo subjetivo, que resultou na morte e ferimento de um
número enorme de indivíduos.
16
PODER Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul. Sentença Boate Kiss, p.8.
ciclista. Logo após isso, o sujeito foge do local, sem prestar socorro à vítima. Em
interrogatório à polícia ele confessa sobre o que foi alegado na denúncia.
A questão principal é que o réu foi acusado por crime doloso contra a vida, já
que a vítima (ciclista) morreu em decorrência desse atropelamento. O Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Norte realizou a pronúncia, ou seja, compreendeu
que se tratava de um crime de competência do tribunal do júri, alegando como indícios
da assunção do risco em relação ao resultado a velocidade elevada na via e o uso do
celular, ambos sendo condutas que atestariam o seu descaso com a vida de um cidadão.
Entretanto, ao ser julgado pelo STF, o Ministro relator André Mendonça entendeu que
não havia indícios suficientes de que o réu assumiu o risco do resultado morte. Sendo
assim, dependeria de mais provas materiais acerca do caso concreto que atestassem a
sua vontade, elemento diferenciador entre dolo e culpa. Ademais, cita ideias de Heleno
Cláudio Fragoso, que diz “(...) assumir o risco significa prever o resultado como
provável ou possível e aceitar ou consentir sua superveniência”. Portanto, apenas a
previsibilidade do resultado, como argumentado pelo TJRN não é indicador claro de
dolo eventual. Portanto, o STF concedeu a ordem ao Habeas Corpus, desclassificando a
conduta do réu para homicídio culposo.
Outra diferenciação importante para se ter em mente é a limitação trazida pela definição
do erro de tipo.
17
TAVARES. J. As controvérsias em torno dos crimes omissivos, p. 97
O instituto previsto no art. 20 do Decreto Lei 2848/1940 emerge quando há erro quanto
a elemento constitutivo do próprio tipo penal, excluindo o dolo do agente, mas
permitindo sua punição na modalidade culposa, desde que previsto em lei. Segundo
Bitencourt18, seria a falsa percepção da realidade sobre um elemento do crime, a
ignorância ou a falsa representação de qualquer dos elementos que o constituem. Já para
Horta19, não se trataria tão somente da falsa ou equivocada representação mental de um
determinado objeto, mas também a ignorância ou completa ausência de sua
representação.
Depreende-se, portanto, que o limite trazido pelo erro de tipo impõe a necessidade de
uma correta representação mental do agente no cometimento do ilícito para sua punição
na modalidade dolosa, ainda que essa esteja permeada por um conhecimento parcial ou
imperfeito das circunstâncias fáticas, hipóteses em que estariam abarcadas pelo dolo
eventual, com a obrigação do agente de promover a devida averiguação ou ainda se
abster de praticar a conduta, sob pena de assumir o risco e incorrer na tipicidade.
Dessa forma, a exclusão do dolo somente se daria quando evidente o descontrole sobre
a percepção dos fatos ou seu equívoco acerca deles, mas não quando evidente a
suspeição de que a conduta venha a ser típica por parte do agente.
18
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Volume I, p.139
19
HORTA, Frederico. Elementos normativos das leis penais e conteúdo intelectual do dolo: da natureza
do erro sobre o dever extrapenal em branco. São Paulo: Marcial Pons, 2016. p. 117, nota 1;
ignorância; pode ser parcial, se adotada após o contato com
indícios e a formação de algum tipo de suspeita inicial, ou
absoluta, se inviabilizadora da obtenção de qualquer grau de
suspeita; e, ainda, passiva, se consistente na mera inércia e
ausência de iniciativa de se buscar o conhecimento, ou ativa,
caso inclua, também, a efetiva oposição de barreiras a que o
conhecimento chegue ao sujeito20
20
PARDINI, Lucas. Imputação dolosa do crime omissivo impróprio ao empresário em cegueira
deliberada. Tese (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito e Ciências do Estado, Universidade
Federal de Minas Gerais. Minas Gerais. p. 46. 2019.
21
CALLEGARI, André Luís; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Atlas, 2014.
22
RAGUÉS I VALLÈS, Ramon. La ignorancia deliberada en Derecho penal. Barcelona: Atelier, 2007.
25-9
por se manter em desconhecimento, possuindo uma representação mental e percepção
fática de que poderia incorrer em conduta típica, certo é que, se não procedeu a
averiguação das circunstâncias as quais estaria submetido ou ainda não se absteve de
praticar a conduta, o dolo eventual abarcaria essa assunção do risco.
Evidencia-se, assim, que a aplicação da teoria em nosso sistema jurídico trata de mero
adorno retórico ou hermenêutico, quando não indevidamente utilizada em afronta à
previsão do dolo eventual ou ainda para criar um dever de conhecimento que não se
verifica diante da insuficiência de provas, conforme aponta Lucchesi em seu
levantamento jurisprudencial24.
Por fim, ainda segundo o autor, essa incompatibilidade poderia ser facilmente
ultrapassada se o operador do direito se atentasse muito mais à correta identificação do
dolo e de seu conceito do que à definição de cegueira deliberada.25
Referências:
ZAFFARONI, Eugénio Raul. Manual de derecho penal – Parte General. Buenos Aires:
Ediar, 1996.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Volume I. 29ª edição revista
e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2023.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18ª edição revista e atualizada.
Rio de Janeiro: Editora Forense, 2022.
23
PARDINI, Lucas. Imputação dolosa do crime omissivo impróprio ao empresário em cegueira
deliberada. Tese (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito e Ciências do Estado, Universidade
Federal de Minas Gerais. Minas Gerais. 2019; p. 17 e 18.
24
LUCCHESI, Guilherme Brenner. Punindo a culpa como dolo: o uso da cegueira deliberada no Brasil.
São Paulo: Marcial Pons, 2018.
25
LUCCHESI, Punindo a culpa como dolo... p. 163.
LOPES, Jair Leonardo. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 4ª edição revista e
atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Volume I. Niterói: Editora Impetus, 2020.
TAVARES, J. As controvérsias em torno dos crimes omissivos. S/L: Instituto Latino-
Americano de Cooperação Penal, 1996.
BRASIL, Supremo Tribunal Federal (2. Turma). Habeas Corpus 220384/RN. Habeas
Corpus. Tribunal do Júri. Pronúncia. Homicídio a título de dolo eventual. Indício de
crime doloso contra a vida: inexistência. Ausência de comprovação do elemento
volitivo. Desclassificação para crime culposo. Revaloração fática que não se
confunde com revolvimento do conjunto fático probatório. Relator: Min. André
Mendonça. Julgamento: 22/08/2023. Publicação: 29/08/2023. Disponível em:
<https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=770232784>
Acesso em: 12 out. 2023
RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (1ª vara do júri do
Foro Central). Sentença referente ao processo 001/2.20.0047171-0 (CNJ:.0047498-
35.2020.8.21.0001). Disponível em: <https://www.tjrs.jus.br/static/2021/12/Sentenca-
1012.pdf> Acesso em 12 out. 2023