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39.

º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via profissional

2.ª Chamada – 26 de maio de 2022

Grelha de correção

Nota:

O conteúdo da presente grelha reflete de forma tópica as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da forma
e da substância, se reputam as mais corretas em função dos elementos disponibilizados e que devem, na prova do
candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outras abordagens, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face aos dados
facultados e que se revelem suportados em fundamentos consistentes, serão igualmente valorizados, na medida do
respetivo mérito.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Fundamentação de direito 14,00 valores

Demais componentes estruturais da sentença:


1. Dispositivo 2,00 valores
2. Restantes componentes 4,00 valores
ESTRUTURA DA COTAÇÃO TOTAL DA PROVA: 20 VALORES
DECISÃO

COMPONENTES I. Identificação das partes e objeto do litígio.


ESTRUTURAIS DA Enunciação genérica dos pedidos, causa de pedir e posição das partes.
SENTENÇA
-
RESTANTES II. Questões a decidir.
COMPONENTES 1. Analisar se estão reunidos os pressupostos de que depende o reconhecimento da
aquisição, pelo Autor, do direito real de propriedade sobre o prédio descrito no artigo 1.º
da petição inicial.
2. Apurar se, por sua vez, estão reunidos os pressupostos de que depende o reconhecimento
da aquisição por usucapião, a favor do prédio do Autor, de um direito real de servidão de
vistas sobre o prédio da Ré, descrito no artigo 2.º da petição inicial, analisando
nomeadamente:
 Se o murete existente no limite poente da cobertura da dependência construída no
prédio do Autor deve ser qualificado como parapeito.
 Se, por sua vez, aquela cobertura deve ser qualificada como terraço.
 Se o Autor e seus antepossuidores exerceram atos de posse conducentes à
aquisição, por usucapião, daquele direito real de servidão de vistas, de forma
pública, pacífica e de boa-fé, durante período de tempo suficiente a tal aquisição.
3. Reconhecendo-se que o prédio da Ré está onerado com um direito real de servidão de
vistas a favor do prédio do Autor, apreciar:
 Se a obra iniciada pela Ré, no seu prédio, viola aquele direito, consubstanciando,
por outro lado, exercício abusivo do direito de construção na sua propriedade.
 Se, consequentemente, se constituiu na esfera jurídica da Ré a obrigação de
proceder à demolição integral dessa obra, sendo suficiente o prazo de 30 dias para
levar a efeito tal demolição.
 Ou, ao invés, se a atuação do Autor constitui abuso de direito impeditivo da
demolição da obra efetuada pela Ré.
 Concluindo-se pela obrigação da Ré a demolir a obra, apurar se estão verificados os
pressupostos de que depende a aplicação de sanção pecuniária compulsória pelo
atraso na demolição e, na afirmativa, determinar o seu valor.
4. Verificar os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual com referência à
conduta da Ré e, concluindo-se pela sua verificação:
 Identificar os danos indemnizáveis sofridos pelo Autor.
 Quantificar o valor da compensação a atribuir.
 Apurar se são devidos juros de mora e, na afirmativa, determinar a data de início a
mora e a taxa de juro aplicável.
5. Avaliar se o Autor agiu como litigante de má-fé e, na afirmativa, determinar o valor da
multa a aplicar e da indemnização a atribuir à Ré a esse título.

III. Estrutura, ordem e dimensão relativa das componentes da sentença, incluindo:


 Inserção, no local próprio, dos factos provados e não provados e da motivação (por mera
remissão para o extrato disponibilizado no enunciado da prova).
 Equilíbrio relativo entre as várias componentes da sentença.

FUNDAMENTAÇÃO Direito de propriedade do Autor:


DE DIREITO  Procedência do pedido formulado na al. a) da parte final da petição inicial, com base na
presunção do registo, não ilidida pela Ré – artigo 7.º do Código do Registo Predial e artigos
342.º, 344.º, n.º 1, e 350.º do Código Civil.

Aquisição, por usucapião, de direito de servidão de vistas sobre o prédio da Ré e a favor do prédio
do Autor, sua eventual violação pela Ré e demolição da obra edificada pela Ré:
 Artigos 1360.º. e 1362.º, 1258.º e seguintes, 1287.º e seguintes, 70.º e seguintes, 334.º,
e 342.º, todos do Código Civil; artigo 414.º do Código de Processo Civil.
 Com a limitação ao direito de propriedade consagrada no artigo 1360.º do Código Civil,
pretende-se evitar que o prédio vizinho seja facilmente objeto da indiscrição de estranhos
e, por outro lado, impedir que ele seja facilmente devassado com o arremesso de objetos.
Não foi, nomeadamente, intenção do legislador evitar as vistas que se podem desfrutar
sobre o prédio vizinho ou sobre a paisagem circundante.
 Não estão assim sujeitas a tal restrição as construções que não permitam o devassamento
do prédio vizinho, as quais, consequentemente, não permitem a constituição do direito
de servidão de vistas previsto no artigo 1362.º do Código Civil.
 Mesmo a admitir que a cobertura da dependência existente no prédio do Autor poderia
ser vista como terraço para efeitos dos artigos 1360.º e 1362.º do Código Civil – sendo
certo que, atendendo às suas características, em especial o tipo de revestimento e a
finalidade do murete ali colocados, tal qualificação se apresenta como questionável –,
afigura-se que, de todo o modo, tal murete, com apenas 60 centímetros de altura, não
pode ser considerado como parapeito para os efeitos previstos nos normativos acima
referidos. Tal murete, para uma pessoa de estatura média, eleva-se pouco acima do
joelho, não tendo assim a virtualidade de conferir segurança às pessoas contra o perigo
de quedas, para além de não permitir que alguém nele se debruce com a finalidade de
devassar o prédio vizinho.
 Não estão assim reunidos os pressupostos de que os normativos mencionados fazem
depender o reconhecimento do direito real de servidão de vistas invocado pelo Autor.
 Por outro lado, não parece resultar dos factos provados que a atuação da Ré, ao construir
até ao limite do seu prédio, constitua abuso de direito nos termos do artigo 334.º do
Código Civil, seja em atenção à sua atuação anterior (não se demonstrando factos que,
nomeadamente, permitam a convocação das figuras da supressio ou do venire contra
factum proprium), seja em atenção a direitos de personalidade do Autor (não resultando
da nossa lei um direito subjetivo à paisagem, igualmente não ficou demonstrado que a
construção edificada pela Ré viole o direito à saúde do Autor).
 Consequentemente, devem ser julgados improcedentes os pedidos formulados nas als. b)
a f) da parte final da petição inicial – artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 414.º do
Código de Processo Civil.

Responsabilidade civil extracontratual:


 Artigos 483.º, 334.º e 342.º, n.º 1 do Código Civil; artigo 414.º do Código de Processo
Civil.
 Considerar que não se demonstrou qualquer facto ilícito por parte da Ré, nomeadamente
violando direitos absolutos do autor, sejam direitos reais, sejam direitos de personalidade,
nem, por outro lado, atuação da Ré em abuso de direito geradora da obrigação de
indemnizar o Autor.
 Consequentemente, julgar improcedente o pedido formulado na al. g) da parte final da
petição inicial, por falta de prova de um dos pressupostos da responsabilidade civil – artigo
342.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 414.º do Código de Processo Civil.

Litigância de má-fé:
 Artigos 542.º e seguintes do Código de Processo Civil.
 Não parece justificar-se a condenação do Autor como litigante de má-fé, seja porque não
ficou evidenciado que tenha alterado, com dolo ou culpa grave, a verdade dos factos nem
que, por outro lado, tenha deduzido pretensão cuja falta de fundamento seja manifesta.
 Improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé, incluindo a condenação
em indemnização à Ré.

Fundamentação da decisão quanto a custas:


 Artigos 527.º e 607.º, n.º 6, do Código de Processo Civil; artigos 1.º e 7.º do Regulamento
das Custas Processuais.
 Quanto à causa principal: atendendo a que, seguindo-se a posição acima enunciada, o
Autor apenas vê ser julgado procedente o pedido formulado na al. a) da parte final da
petição, ao qual a Ré não deduziu qualquer oposição, parece ajustado que, em
homenagem ao princípio da causalidade consagrado no artigo 527.º do Código de
Processo Civil, seja o Autor a suportar integralmente as custas da ação.
 Quanto ao incidente de litigância de má-fé: analisar se deve ser tributado autonomamente
e, na afirmativa, atribuir a responsabilidade pelo pagamento das custas respetivas em
atenção ao artigo 527.º do Código de Processo Civil, e fixando a taxa de justiça em
conformidade com o artigo 7.º e a Tabela II do Regulamento das Custas Processuais.

COMPONENTES Em conformidade com a fundamentação expendida no segmento respetivo, declaração da


ESTRUTURAIS DA procedência/improcedência/procedência parcial dos pedidos formulados pelo Autor e, sendo
SENTENÇA caso disso, correspondente condenação da Ré nos pedidos ou parte deles e/ou absolvição da Ré
– dos pedidos ou na parte restante.
DISPOSITIVO

Condenação em custas em conformidade com a fundamentação expendida.

Notificação e registo da sentença.

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