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3/17/22, 11:03 AM jurisprudência.

pt - Pesquisa de jurisprudência Portuguesa

jurisprudência.pt

Tribunal da
Relação de Lisboa
Processo

0043096
Relator

SILVA PAIXÃO
Sessão

21 Maio 1992
Votação

UNANIMIDADE
Meio Processual

APELAÇÃO.
Decisão

CONFIRMADA A
SENTENÇA.

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TERRITÓRIO DE MACAU

CONCESSÃO ADMINISTRATIVA TERRENO

DIREITO REAL

Sumário
O direito do concessionário por arrendamento de
terrenos vagos em Macau tem natureza real e não
obrigacional que revela particulares afinidades
com o direito de superfície administrativa na
modalidade do direito em superfície edificada de
duração temporária.

Texto Integral
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Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. COMPANHIA DE INVESTIMENTO PREDIAL WA


HENG, LIMITADA, intentou acção declarativa, com
processo sumário, no Tribunal Judicial de Macau,
contra (A), (B), (C), (D), (E), (F), (G), (H), (J) e
(L)alegando: a) É concessionária do direito de
arrendamento do terreno com a área de 16649 m2,
integrado no domínio privado do Território de
Macau, situado entre a Avenida do Conselheiro
Borjá e o Bairro da Concórdia, descrito na
Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.

21689, a folhas 125v do Livro B-67, e aí inscrito a


seu favor conforme inscrição n. 22412, a folhas 127
do Livro F-23. b) Os terrenos e condições da
concessão por arrendamento do terreno em
questão, que se encontra titulado por escritura
pública de 27/11/87, lavrada a folhas 96 do Livro 260
do Notário Privativo da Direcção dos Serviços de
Finanças, constam do Despacho n. 20/SAOPH/87,
publicado no B.O. n. 41, de 12/10/87. c) Dentre tais
condições, sobressai o prazo global para a
constituição dos quinze edifícios - 60 meses
contados da data da publicação do referido
Despacho no B.O. de Macau - e a renda anual de
99894 patacas, a pagar pela concessionária
durante o período de execução da obra. d) De
acordo com a cláusula 6 desse Despacho, constitui
encargo especial a suportar exclusivamente pela
Autora a desocupação do terreno e renovação de
todas as construções e materiais aí existentes. e)
Parte do terreno em apreço encontra-se ocupado,
com barracas, pelo Réus, sem título legítimo, o que
lhe vem já causando prejuízos.

2. Terminou, pedindo, designadamente, que os


Réus fossem condenados a restituirem-lhe o
terreno ilegalmente ocupado, livre, e a pagarem-
lhe indemnização a liquidar em execução de
sentença.

3. Julgada válida a desistência da instância quanto


aos Réus (B) e (L)contestaram os demais,
defendendo estarem na posse do terreno há mais
de 20 anos, habitando as construções há cerca de
4 anos, as quais, antes foram ocupadas por
familiares seus, e advogando a ilegitimidade da
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Autora tanto para intentar acção de reivindicação


como acção possessória.

4. Após resposta, foi proferido saneador - sentença


a condenar os Réus a reconhecerem a Autora
como titular do direito de construir e a deixarem-
lhe livre e desocupada a parte do terreno onde se
situam as barracas, bem como a pagarem-lhe
indemnização a liquidar em execução de sentença.

5. Inconformado com essa decisão, dela apelou o


Réu (D), impugnando pela sua revogação e
sustentando a ilegitimidade da Autora, tendo
culminado a alegação de recurso com estas
conclusões:

I - A Autora é titular de um mero direito de


arrendamento, continuando o Território de Macau
"a ser o proprietário do terreno reivindicado".

II - "Ao mero arrendatário ou titular de um direito de


construir está vedado pelo art. 1311 do Cód. Civil" o
uso da acção de reivindicação de propriedade.

6. Em contra-alegações, a Autora bateu-se pela


confirmação do julgado.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

7. Tendo em conta a posição assumida pelas partes


nos seus articulados e os documentos junto aos
autos, reputa-se assenta a factualidade
inventariada nas als. a) a e) do precedente n. 1.

E é perante tal matéria fáctica que se irá averiguar


se assistia ou não à Autora o direito de obter a
desocupação, por banda do Apelante, da parte do
terreno onde se situam as barracas, terreno esse
que foi objecto de "concessão por arrendamento"
em favor da primeira.

Vejamos.

8. Os terrenos vagos, designadamente os "terrenos


urbanos e de interesse urbano", integrados no
domínio privado do Território de Macau, podem ser
objecto da disposição, sendo a "concessão por
arrendamento", da competência do respectivo
Governador, uma das "formas da disposição" (cfr.
arts. 1, 6, n. 1, 7, 9, al. a), 29, al. c), 30, n.

3 e 41, n. 1, al. b), da Lei de Terras - Lei 6-M/80, de

5 de Julho, alterada pela Lei 8-M/83, de 13 de


Agosto, entre outras).

A concessão por arrendamento, que será dada


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inicialmente a título provisório, converter-se-á em


definitiva "se, no decurso do prazo fixado, forem
cumpridas as cláusulas de aproveitamento mínimo
previamente estabelecidas e o terreno estiver
demarcado definitivamente" (art. 49 daquela Lei).

Com a celebração do contrato de "arrendamento"


materializa-se a concessão provisória, cuja
escritura será "outorgada perante o notário
privativo da Direcção dos Serviços de Finanças",
após o que se procederá à "inscrição do terreno na
matriz predial" e ao registo da "concessão
provisória" na Conservatória dos Registos, para
poder produzir efeitos em relação a terceiros.

A renda, que é anual, embora susceptível de


actualização, terá de ser fixada no contrato e dele
deve constar, do mesmo modo, "o prazo do
arrendamento", que, porém, não pode ser superior
a vinte e cinco anos. Por seu turno, o "prazo das
renovações sucessivas" nunca deverá exceder,
para cada uma, dez anos.

O concessionário deve cumprir as prescrições


legais e contratuais concernantes ao
aproveitamento do terreno.

Quanto aos terrenos concedidos para a construção


de prédios urbanos, o seu processo de
aproveitamento é o que estiver definido no
respectivo título de concessão, encontrando-se o
concessionário sujeito a determinadas
penalidades, em caso de inobservância dos prazos.

As concessões são tituladas por meio de certidões


extraídas dos instrumentos notariais, as quais
fazem prova plena, em juízo ou fora dele, tanto da
identificação do terreno como das situações que aí
estiverem descritas (arts. 51, 52, 54, 103, 105, 117,

128, 129, 130, 179 e 180).

De acordo com o n. 1 do art. 50 igualmente do


referido Diploma, tal "arrendamento" rege-se pelas
disposições dessa "lei e diplomas
complementares, pelas cláusulas dos respectivos
contratos e, subsidiariamente, pela lei civil
aplicável".

9. A Lei de Terras, como resulta dos mencionados


normativos (cfr., ainda, os arts. 57 e 147), enunciou
a equiparação "do arrendamento ao aforamento,
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como forma de disposição de terrenos urbanos e


de interesse urbano"

- equiparação, aliás, expressamente salientada no


seu preâmbulo -, o que envolveu a intenção de o
especializar "como instrumento jurídico adequado
a todas as necessidades do tráfego imobiliário"
(veja-se, também, o preâmbulo do Decreto-Lei 51-
M/83, de 26 de Dezembro).

E como a "especialização intencionada na Lei de


Terras" justificava uma mais clara definição do
conteúdo do direito concedido pelo arrendamento,
o art. 1 deste Decreto-Lei, depois de realçar no seu
n. 1 que "o direito resultante da concessão por
arrendamento de terrenos urbanos e de interesse
urbano" abrangia poderes de construção ou
transformação, para os fins e com os limites
consignados no respectivo título constitutivo, veio
consentir, no seu n. 2, que o concessionário,
proprietário das construções efectuadas, pudesse
transmitir essa propriedade, designadamente no
regime de propriedade horizontal.

10. Sabido que a construção doutrinária tem de


partir das soluções legais, podemos concluir, sem
margem para dúvidas, em face dos preceitos
precedentemente discriminados, que o direito do
concessionário não é um direito meramente
obrigacional, sendo, isso sim, um verdadeiro
direito real.

Nem todos os direitos reais, acentua-se, se


encontram regulados no Código Civil (cfr. art.
1306). O direito do concessionário é, precisamente,
um direito real disciplinado em lei especial, ou seja,
na Lei de Terras e diplomas complementares.

Direito real esse que, convenhamos, revela


particulares afinidades com o direito de superfície
administrativa, na modalidade de direito em
superfície edificada, de duração temporária (na
terminologia de Menezes Cordeiro,

"Direitos Reais", 1979, vol. II, pags. 1010 a 1012 e 1024


a 1028), como se vê da compaginação dos aludidos
dispositivos da Lei de Terras com os arts. 1524,
1527,

1530, n. 2 e 1536, n. 1, al. c), do Código Civil e com


algumas das normas da Lei dos Solos.

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11. Dentre os poderes atribuídos ao concessionário,


avultam os de "construção ou transformação do
terreno", conforme já vimos, para os fins
consignados no título constitutivo da concessão.

Ora, na medida em que as suas possibilidades de


gozo não passam pela cooperação do Território de
Macau, o concessionário tem uma ligação directa e
imediata com o terreno objecto da concessão,
podendo exigir de terceiros "uma atitude de
respeito" pela sua utilização.

Com efeito, ao invés do sustentado pelo Apelante,


a "concessão por arrendamento" não está sujeita
ao regime do "contrato de arrendamento" definido
no Código Civil

(e, hoje, também, no R.A.U.). Daí que o


concessionário não seja um mero arrendatário.

A concessão por arrendamento, relembre-se, é


disciplinada, primacialmente, pelas normas da Lei
de Terras e diplomas complementares e, ainda,
"pelas cláusulas dos respectivos contratos".

E, segundo a cláusula sexta do Despacho


Governamental 20/SAOPH/87, parcialmente
reproduzida em 1 d), a desocupação do terreno em
questão, bem como a remoção de todas as
construções e materiais aí existentes ficaram a
constituir encargo especial a suportar
exclusivamente pela Autora.

Logo, encontrando-se registada a concessão


provisória, assistia à Autora o direito de ver os
Réus condenados a reconhecerem-na
concessionária dos terrenos e a deixarem- -lhe
livre e desocupada a parte onde se situam as
barracas (arts. 1311 e 1315 do Código Civil).

Diga-se, entretanto, que, ainda que o


concessionário estivesse equiparado ao mero
arrendatário, como entende o Apelante, sempre se
chegaria a idêntica solução, desde que se
perfilhasse a tese daqueles que, na esteira de
Menezes Cordeiro, qualificam o direito do
arrendatário como um direito real (cfr. "Direitos
Reais", 1979, vol.

II, pags. 982 e 983, e "Da natureza do direito do


locatário", pags. 124 e 138/144).

12. Soçobrando, por conseguinte, as conclusões da


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alegação do Recorrente, acorda-se em julgar


improcedente a apelação, confirmando-se,
consequentemente, a douta sentença impugnada.

Custas pelo Apelante.

Lisboa, 21 de Maio de 1992.

José da Silva Paixão,

José Damião Pereira,

António Almeida e Sousa.

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