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Claudio Monteiro1
Resumo: O Autor reflete sobre a venda forçada de imóveis e a expropriação por utilidade pública
para fins urbanísticos, concluindo que a primeira apresenta vantagens relativamente à segunda.
1
Juiz do Supremo Tribunal Administrativo e Professor da Faculdade de Direito da Universidade
de Lisboa.
2
Veja-se, por exemplo, a Carta de D. João I aos Procuradores da Vila de Santarém às Cortes
de Braga de 1387, em que, perante as queixas por eles apresentadas, de que na referida vila
existiam muitos pardieiros insalubres, determinou que se “vejam os tais pardieiros que há na dita
vila. E que daqui em diante os donos deles (...) sejam constrangidos a tapá-los e a repará-los,
e se lhes determine um prazo de seis meses para o fazer. E se o não fizerem no tempo que
lhes for determinado, que os deem a quem o faça, para que os tomem para si e para os seus
herdeiros e descendentes (...)” – cfr. ANTT, CHR, D. João III, Livro 17, fl. 130v.
3
Sobre o regime das sesmarias no direito português antigo, v. RAU, Virgínia Rau, Sesmarias
medievais portuguesas. Lisboa, Presença, 1992.
4
Cfr. Ordenações Filipinas, Liv. 4, Tit. 48.
5
Sobre a referida lei e, em geral, sobre o enquadramento jurídico do processo de reconstrução
de Lisboa, v. o que escrevemos em MONTEIRO, Claudio, Escrever Direito por linhas rectas.
Legislação e planeamento urbanístico na Baixa de Lisboa (1755-1833), Lisboa, AAFDL, 2010.
6
Cfr. parágrafo I.
7
Cfr. parágrafo II.
os últimos implicavam a arrematação dos terrenos “a quem por elles mais der
ficando livres sem encargo algum”8.
A generalidade dos casos em que o primitivo adjudicatário foi forçado a
vender o seu lote de terreno foi, no entanto, realizada com base no regime
estabelecido nestes últimos diplomas, em especial no Decreto de 6 de Março de
1769, o que de facto ocorreu de forma sistemática, sobretudo nas décadas de
setenta e de oitenta, período em que a grande maioria dos lotes que não foram
imediatamente edificados mudou de mãos.
Acresce ainda que o Alvará de Lei de 23 de Fevereiro de 1771 não se limitou
a impor a venda dos terrenos ainda não edificados, tendo além disso alterado
o prazo de cinco anos fixado no Alvará de Lei de 12 de Junho de 1758, ao dar
por “por finda a sobredita espera”.
A partir dessa data, todas as adjudicações, tanto as originárias, nomeada-
mente nas zonas mais periférica, que ainda não haviam sido feitas, como as
que resultaram da venda forçada de um lote adjudicado e ainda não edificado,
foram feitas pelo prazo de apenas um ano, sob pena de nova venda forçada.
Isso permitiu que alguns terrenos tivessem mudado de mãos duas ou mesmo
três vezes, até se encontrar alguém com meios e disposição para edificar dentro
daquele prazo, garantindo assim a execução integral do plano.
No final do longo processo de execução do plano, que apenas se pode dar
por concluído nos primeiros anos do século XIX, estima-se que cerca de setenta
e cinco por cento dos primitivos proprietários dos terrenos abrangidos pelo Plano
da Baixa foram substituídos através da expropriação e, principalmente, da venda
força dos lotes de terreno adjudicados.
8
Cfr. Decreto de 6 de março de 1769.
9
Sobre a génese da moderna legislação urbanística portuguesa, e sobre a Lei de 31 de Dezembro
de 1864 em especial, v. Gonçalves, Fernando, «Evolução histórica do Direito do Urbanismo em
Portugal (1851-1988)», Direito do Urbanismo (Comunicações apresentadas no curso realizado
no Instituto Nacional da Administração), Oeiras, INA, 1989, pp. 225 ss.
10
Sobre a expropriação por utilidade pública no Direito antigo português, v. MATTA, José Caeiro
da, O direito de propriedade e a utilidade pública das expropriações, Coimbra, Imprensa da
Universidade, 1906, pp. 209 ss.; v. também CARVALHO, Rivera Martins de, «Subsídios para a
história da expropriação em Portugal», Boletim do Ministério da Justiça (21), 1950, pp. 5 ss..
11
Cfr. artigo 6.º, n.º 2.
12
Neste sentido, v. CABRAL, Margarida Olazabal, «Poder de expropriação e discricionariedade»,
In Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, Junho (2), 1994, pp. 83-84, e a doutrina aí
citada.
13
Cfr. artigo 1.º, n.º 1.
14
Veja-se, principalmente, o intenso debate parlamentar a que foi sujeito o Projeto de Lei n.º 171, que
deu origem à Lei de 13 de julho de 1888, tanto na Câmara dos Deputados, como na Câmara dos
Pares, respetivamente, nas sessões de 28 e 30 de junho de 1888, e de 9 a 11 de julho do mesmo
ano, que pode ser consultado online no sítio da Assembleia da República, em Debates Parlamentares,
Monarquia Constitucional, disponível em https://debates.parlamento.pt/catalogo/mc.
15
A Lei de 13 de julho de 1888 inspirou-se no regime das expropriações por zonas francês, que
permitiu ao Barão de Hausserman, que foi Prefeito de Paris, promover a renovação urbana
daquela cidade nas décadas precedentes, regime que também foi adotado com sucesso na
expansão urbana da cidade de Bruxelas, na Bélgica. Sobre a expropriação por zonas, v. Dirat,
A., De l’expropriation par zones, Toulouse, Imprimerie du Centre, 1921; e Leblicq, Yvan, «De
l’expropriation pour cause d’utilité publique à l’expropriation par zones em Belgique et en France
au XIX siècle», L’expropriation. Recueils de la Societé Jean Bodin, LXVII (Deuxième partie),
Bruxelas, De Boeck, 2000, pp. 105 ss.
16
Cfr. artigo 1.º.
17
Cfr. artigo 1º, §º.
18
Cfr. artigo 3.º, §3º.
19
Cfr. artigo 7.º.
20
Nos termos do artigo 7º, n.º 1, “os terrenos expropriados para a construção, não destinada a
fim de interesse público ou a casas económicas a fazer pelo Estado, serão vendidos em hasta
pública e em lotes acomodados às obras previstas”, o que tem de ser interpretado no sentido
de se referir às obras previstas nos planos gerais ou parciais de urbanização cuja execução
legitimava a sua expropriação.
21
Cfr. artigo 5.º, n.º 2.
22
Cfr. Artigo 159.º, n.º 3, alínea a) do RJIGT; v. também o artigo 4.º do Código das Expropriações,
relativo à expropriação por zonas ou lanços, embora o regime aí estabelecido esteja pensado,
principalmente, para as expropriações necessárias à construção de estradas.
A questão continua, no entanto, a ser atual, embora sob uma nova pers-
petiva, dada a [progressiva] mudança de paradigma do nosso modelo de urba-
nização, que já não assenta exclusivamente na construção de «cidade nova»,
através da sua expansão urbana, mas, preferencialmente, na regeneração e
reabilitação da malha urbana da «cidade existente». Trata-se, agora, de saber
se é lícito à Administração expropriar, ou promover a venda forçada, de terrenos
que o plano destina à edificação privada, não apenas no contexto da abertura
de novas ruas, mas, em termos mais amplos, como forma de superar a inércia
dos proprietários na sua edificação ou reabilitação, sempre que a realização
daquelas obras esteja pressuposta na execução daquele instrumento.
23
Cfr. Kelo v. City of New London, 545 U.S. 469 (2005). Para uma apreciação global do caso, v. a
obra colectiva editada por Merriam, Dwight H. e Ross, Mary Massaron, Eminent domain use
and abuse: Kelo in contexto, Chicago, ABA, 2006.
24
Sobre a emergência do Property Rights Movement e a sua influência legislativa e jurisprudencial
nos EUA, v. Jacobs, Harvey M., «The future of an american ideal», Private property in the 21st
century: the future of an american ideal, Madison, Elgar, 2003, e «Social conflict over property
rights», Land Lines, Edição Eletrónica, Vol. 14, pp. 14 ss.
O argumento central que foi utilizado pelo Tribunal para chegar à sua decisão
é o de que, naquele caso, o exercício do poder expropriatório estava legitimado
pelo prévio exercício dos poderes de planeamento urbanístico do município,
cujo plano estabeleceu os termos da regeneração urbana da área ocupada
pelo empreendimento imobiliário projetado pelos beneficiários da expropriação.
Nessa perspetiva, o recurso à expropriação está centrado no processo
de planeamento, e não na definição material de utilidade publica, que emerge
naturalmente como o resultado da ponderação de interesses feita pelo plano.
25
V. Acórdãos da 1ª Secção do STA, de 7 de novembro de 2006, proferido no Processo nº 613/06,
e de 28 de fevereiro de 2018, proferido no Processo 588/13, ambos disponíveis para consulta em
www.dgsi.pt. O caso deu ainda origem a um outro acórdão da 1ª Secção do STA, de 17 de maio
de 2018, proferido no Processo n.º 1201/16, e ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 127/12,
de 7 de março de 2012, mas estes diziam respeito a uma questão de reversão de expropriações
pretéritas, realizadas no século XX para a construção do antigo Estádio das Antas.
26
Corresponde ao artigo 167.º, n.º 2, do RJIGT atualmente em vigor, aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 80/2015, de 14 de maio.
27
Cfr. artigo 168.º, n.º 2 do RJIGT.
28
Na redação que foi dada ao artigo 32.º pela Lei n.º 32/2012, de 14 de agosto, apenas a aprovação
de uma operação de reabilitação urbana sistemática, e não a mera declaração da respetiva área
30
A equivalência entre o preço de venda do imóvel e o valor da sua indemnização, calculada nos
termos do Código das Expropriações, não constava do anteprojeto elaborado pelos consultores
externos contratados pelo Governo para o efeito, tendo sido introduzida no articulado durante
o processo de decisão política. E embora a pronúncia do Tribunal Constitucional tenha incidido
sobre a lei de autorização legislativa, o projeto de decreto-lei autorizado, que viria a constituir o
Decreto-Lei n.º 30772009, já era conhecido à data em que o Acórdão n.º 421/2009 foi proferido,
dado que o mesmo acompanhou o respetivo pedido de autorização legislativa.
31
Cfr. artigo 89.º, n.º 1, do RJUE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na
redação que lhe é dada atualmente pelo Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, nos termos do
qual “as edificações devem ser objeto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada
período de oito anos, devendo o proprietário, independentemente desse prazo, realizar todas as
obras necessárias à manutenção da sua segurança, salubridade e arranjo estético”; v. também
o artigo 6.º do RJRU.
32
De acordo com a definição constante do número 2 do artigo 62.º da LBPSOTU, a regeneração
urbana “é a forma de intervenção territorial integrada que combina ações de reabilitação com
obras de demolição e construção nova e com medidas adequadas de revitalização económica,
social e cultural e de reforço da coesão e do potencial territorial”.
33
Cfr. artigo 16.º, n.º 1 da LBPSOTU.
34
Cfr. artigo 54.º, n.º 2 da LBPSOTU.
35
O preço da venda pode, inclusive, exceder o valor da justa indemnização calculada de acordo
com os critérios do Código das Expropriações.
36
Cfr. artigo 63.º, n.º 2.
37
V. artigos 15.º, 19.º e 20.º do Código das Expropriações.