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O Direito Real de Laje e sua introdução no Direito Brasileiro pela Lei

Federal 13.465 de 2017 ( El “derecho real de laje” (derecho real de “losa”) y su


introducción en el Derecho Brasileño por la Ley Federal 13.465 de 2017 ).

Ivan Jacopetti do Lago

1. Introdução.

Esta apresentação tem por objetivo levar ao conhecimento do seleto público


do Congreso Nacional de Derecho Privado do Peru do ano de 2018, por convite que
muito honrou seu autor, os traços principais de um novo direito real que foi criado no
Brasil no ano de 2017 e que agora figura no rol de direitos reais previstos no Código
Civil Brasileiro.

Na segunda metade do século XX, a migração de pessoas que viviam no


campo para as zonas urbanas provocou um adensamento populacional e um rápido
crescimento das cidades, por vezes de maneira desordenada.

Em alguns lugares, por seu relevo montanhoso, unidades habitacionais


acabavam por se sobrepor ao longo das encostas, servindo cada casa de suporte para a
que seria construída a seguir.

Mas mesmo fora de regiões de encosta o fenômeno se repetiu: pais cederam a


filhos recém-casados a possibilidade de construir suas casas no segundo pavimento da
moradia da família; pessoas construíram residências no segundo pavimento de imóveis
comerciais; e a titularidade destas unidades habitacionais relativamente independentes
começou a circular informalmente, por transmissões inter-vivos ou causa mortis.

Dois são os desafios jurídicos envolvidos na questão. O primeiro deles


envolve a vetustíssima regra do “superficies solo cedit”: a superfície acede ao solo.
Sendo as construções acessórias em relação ao solo, seguem, como regra, seu regime
jurídico. Assim, em princípio, não se admite no Direito Brasileiro que pessoas distintas
titularizem direitos sobre solo e acessões.

Uma possibilidade de se afastar a regra reside no Direito Real de Superfície,


de que tratam os artigos 1.369 a 1.377 do Código Civil Brasileiro, e os artigos 21 a 24
da Lei Federal 10.257 de 2001. Contudo, como se verá, seu regramento jurídico se
mostrou inadequado e insuficiente para abarcar este fenômeno.

O segundo problema jurídico envolve o princípio registral da unitariedade


matricial: a cada imóvel (entendido, em princípio, como uma porção da superfície
terrestre) corresponde uma matrícula, e a cada matrícula corresponde um imóvel. Fora
da hipótese de condomínio edilício, instituído em regime de propriedade horizontal, não
se admite no Direito Brasileiro a existência de mais de uma matrícula para o mesmo
segmento da superfície terrestre. Ou seja, no Brasil, como regra, a matrícula está
vinculada ao solo.

O Direito Real de Laje, tendo em vista a necessidade de se regularizar


imóveis e coloca-los no mercado formal, foi criado pela Lei Federal 13.465 de 2015
com a perspectiva de dar existência jurídica autônoma a estas situações em que
construções pertencentes a pessoas distintas coexistem sobre o mesmo terreno.

2. Origens remotas.

A regra do “superfícies solo cedit” aparece nas Institutas de Gaio (Institutas,


2, 73): “Praeterea id, quod in solo nostro ab aliquo aedificatum est, quamvis ille suo
nomine aedificaverit, iure naturali nostrum fit, quia superficies solo cedit” (ademais, se
outra pessoa edifica em nosso solo, ainda que em seu próprio nome, o prédio nos
pertence por direito natural, pois a superfície acede ao solo).

Ou seja, a propriedade da construção pertence ao proprietário do solo, ainda


que tenha sido este edificado por terceiro. Isto ainda vale como regra no Direito
Brasileiro (Código Civil, art. 1.253 e 1.255), apesar de, excepcionalmente, perder o
proprietário do solo a propriedade deste em favor do construtor de boa-fé, mediante
indenização, quando o valor da construção excede consideravelmente o valor do
terreno. De todo modo, a propriedade do todo caberá a um ou a outro, pelo que não
resolverá o problema das múltiplas titularidades.

Contudo, já no Direito Romano a regra do “superfícies solo cedit” foi


superada em algumas circunstâncias.

Segundo a doutrina de Labeão e de Nerácio, já no Direito Romano Clássico


se o pavimento superior de um edifício tivesse acesso independente pela via pública,
poderia ser objeto de propriedade de pessoa diversa do proprietário do terreno. Ainda,
não haveria copropriedade de escadas, ou do que quer que fosse.

O Direito Romano Justinianeu passou a reconhecer de maneira ampla a figura


da propriedade horizontal, afastando a regra do superficies solo cedit. Isso pode ser
visto, por exemplo, em numerosas passagens do Digesto nas quais são atribuídas
responsabilidades aos proprietários de cada pavimento. Por outro lado, é possível
vislumbrar nesta época, também, uma cisão entre solo e acessão nas situações em que se
concedia a particulares o ager publicus para fins de construção.

2. A regra do “superfícies solo cedit” no Direito Brasileiro e a introdução do


Direito de Laje.

Antes da Lei 13.465 de 2015, o Direito Civil Brasileiro contemplava duas


maneiras de se dissociar a propriedade do solo da propriedade exclusiva de uma certa
construção: o direito real de superfície e, com temperamentos, o condomínio edilício,
em que adotadas as regras da propriedade horizontal.

O Direito Real de Superfície foi introduzido no Direito Brasileiro pelos


artigos 21 a 24 da Lei Federal 10.257 de 2001, tratando-o como instrumento do
ordenamento territorial das cidades. O instituto teve seu uso ampliado pelo Código Civil
Brasileiro de 2002, que dele tratou nos artigos 1.369 a 1.377. No entanto, um detalhe de
sua regulamentação impedia seu uso com os objetivos de regularização que animam a
Lei 13.465: o direito real de superfície, por expressa disposição legal, necessariamente é
instituído com tempo determinado. Assim, ficaria inviabilizada sua utilização em
situações de perenidade.

O condomínio edilício – sinônimo de propriedade horizontal – é tratado pela


Lei Federal 4.591 de 1964, e pelo Código Civil Brasileiro (artigos 1.331 a 1.358). A
complexidade envolvida em sua instituição inviabiliza seu uso amplo, como, por
exemplo, situações em que existem apenas duas ou três unidades autônomas
sobrepostas.

O Direito de Laje, assim, surge como mais uma maneira de se dissociar a


propriedade exclusiva de uma certa construção da propriedade do solo, com
características próprias que o distinguem dos institutos da superfície ou do condomínio
edilício, e com vocação para ser utilizado de maneira ampla na regularização de
situações de fato preexistentes.

3. Institutos análogos no Direito Comparado.

A despeito de possuir algumas características muito próprias, o Direito de


Laje possui alguns análogos nas legislações estrangeiras.

O primeiro deles é a chamada “superfície de sobrelevação”, prevista no artigo


1.526 do Código Civil de Portugal. Trata-se de um direito de construir sobre edifício
alheio, distinto da superfície e da propriedade horizontal, a despeito de serem aplicáveis
as regras desta última à convivência entre os sujeitos. Ainda, uma vez concluída a
construção o titular da superfície de sobrelevação adquire uma participação nas partes
comuns, passando a ser considerado condômino delas. Em princípio, a possibilidade de
instituição cabe ao proprietário de solo e prédio; no entanto, para a Doutrina pode o
superficiário atribuir a terceiro o direito de superfície de sobrelevação, desde que tal
poder esteja contido nas faculdades que recebeu quando da constituição da superfície.

Também existe um análogo do Direito de Laje no Direito Espanhol.


Conhecido como “Derecho de Vuelo”, “Derecho de Mayor Elevación” ou “Derecho de
Edificación em Subsuelo”, está previsto no artigo 16,2 do Regulamento Hipotecário
Espanhol, segundo o qual “El derecho de elevar una o más plantas sobre un edificio o el
de realizar construcciones bajo su suelo, haciendo suyas las edificaciones resultantes,
que, sin constituir derecho de superficie, se reserve el propietario en caso de
enajenación de todo o parte de la finca o transmita a un tercero, será inscribible
conforme a las normas del apartado 3º. del artículo 8 de la Ley y sus concordantes”. Ou
seja, se reconhece a validade, e mesmo a possibilidade de registro, do direito de
construir um ou mais pisos sobre um edificio, ou de construir embaixo dele, de modo
que seu titular se torne proprietário das construções resultantes.

O mesmo dispositivo destaca a necessidade, contudo, de se especificar no


registro as cotas que correspondem a cada novo pavimento nas partes e despesas
comuns, bem como as normas que devem reger a convivencia entre os varios sujeitos.
Dessa maneira, assim como em Portugal o instituto necessariamente envolve
a vinculação do novo pavimento a cotas das partes comuns, bem como exige, para sua
constituição, o estabelecimento de normas de convivencia entre os coproprietários.

A Doutrina Espanhola diverge quanto à natureza jurídica do instituto. Para


Roca Sastre e Guajardo-Fajardo, há duas fases: uma primeira, na qual há um direito
provisório de construção sobre imóvel alheio; e uma segunda, na qual há propriedade
do novo pavimento, em união orgánica com uma participação nas partes comuns. Para
La Rica, se trata de um direito real potencial, voltado à aquisição de uma coisa futura.

Já para Ventura-Traveset, se trata de uma modalidade de direito de superficie,


cuja efetivação depende da construção. Fuentes Lojo tem opinião ligeiramente
diferente: trata-se de direito de superficie, pura e simplesmente.

Opinião diferente tem Camy Sanchez Cañete, para quem se trata de direito
que tem aparência de direito real sobre coisa alheia, mas que em seu conteúdo contem a
transformação da propriedade em propriedade horizontal. E para Soto Bisquert há a
transmissão da propriedade do espaço aéreo suscetível de aproveitamento que existe
sobre um imóvel, atribuindo a seu titular os meios necessários para sua utilização.

Além da natureza jurídica, a doutrina espanhola também controverte sobre


outras questões relativas ao instituto. A primeira delas é se é aplicável somente a
imóveis urbanos, prevalecendo a opinião em sentido positivo. Ainda quanto à coisa,
discute-se se é admissível a instituição sobre coisa própria, ou se, necessariamente,
deverá haver alteridade. O regulamento hipotecário admite expressamente a hipótese de
reserva do direito, nos casos em que alguém aliena o solo, reservando-se a possibilidade
de erigir um novo pavimento sobre construção eventualmente existente. No entanto, há
grande discussão sobre poder o proprietário manter a propriedade do solo, e, ao mesmo
tempo, constituir em seu próprio favor o direito.

Também se debate se a construção base (ou seja, aquela sobre a qual será
construido o novo pavimento) necessita já estar construída, prevalecendo a opinião de
que a instituição do direito depende de esta estar ao menos em construção (mas há quem
entenda ser possível se, embora não haja ainda construção, já exista ao menos um
projeto).
Outra questão diz respeito ao prazo para que se realice a construção do novo
pavimento. Em principio, podem as partes fixá-lo, e, em caso de este vir a ser
ultrapassado, há a decadencia do direito. Em não fixando, por outro lado, entendem
alguns que o prazo máximo será aquele fixado para prescrição dos direitos reais.

Importante questão prática é a de ser ou não possível a instituição do direito


sobre o teto de edificio já submetido ao regime de propriedade horizontal, de maneira a
se construir mais um pavimento, ou mesmo uma torre de telecomunicações. Para a
doutrina, isto é admissível, devendo-se ter cuidado, apenas, em saber se observar que
ainda que o teto, em um certo edificio, pertença a um dos condóminos, o espaço aéreo
acima será parte comum, pelo que a instituição deverá se dar pelo conjunto dos
condóminos.

Finalmente, debate-se se quando da constituição do direito debe-se descrever


minuciosamente a hipotética construção futura, ou se basta sua indicação genérica.
Segundo a Direção Geral de Registros e Notariado, alguma precisão debe haver, e é
inoperante a cláusula “poderá construir segundo os regulamentos e posturas
municipais”.

4. O Direito de Laje no Brasil.

O direito real de laje está disciplinado pelos artigos 1.510-A a 1.510-E do


Código Civil Brasileiro, os quais foram incluídos pela Lei 13.465 de 2017. Antes da
promulgação da lei, figurava na Medida Provisória 759 de 2016.

Assim como ocorre na Espanha, desde seu advento a doutrina tem debatido
qual é sua natureza jurídica. Para Francisco Eduardo Loureiro, se trata de uma nova
modalidade de propriedade. Para Vitor Kümpel, de novo direito real sobre coisa prórpia,
limitado externamente por uma série de deveres. Já para Frederico Henrique Viegas de
Lima, de direito real de superficie, na modalidade de sobre-elevação.

Para Carlos Eduardo Elias de Oliveira, Afonso Cavichioli Carmona e


Fernanda Loures de Oliveira, é direito real sobre coisa própria, que incide sobre todo o
espaço que se expande a partir da lajeo ou do piso da construção-base, de modo
sobreposto ou sotoposto. Finalmente, para Marcello Rennó de Siqueira Antunes e Fábio
Pinheiro Gazzi, se trata de direito real sobre coisa alheia que onera o imóvel-base e cria
a possibilidade de superposição de novas unidades imobiliárias autônomas sem que haja
condomínio.

Para nós, a natureza jurídica do direito de laje é de um direito real que,


mediante o afastamento da regra da acessão, une, de maneira indissolúvel, a oneração de
uma construção-base com a propriedade exclusiva de seu espaço aéreo, ou subsolo, em
altura e profundidade úteis ao seu exercício, bem como das construções que neles se
fizerem.

Pelo afastamento da regra da acessão, a unidade resultante da instituição do


direito de laje dissocia-se da propriedade da construção-base e do solo, que, por conta
da existência do direito real de superfície, podem pertencer a pessoas distintas. Como
regra, o proprietário do solo será também da construção-base; mas é possível que as
duas propriedades sejam dissociadas pela instituição de direito real de superfície, pelo
que caberá ao superficiário a titularidade da construção-base, e, por conseguinte, será
ele o legitimado para instituir o direito real de laje.

No Direito Brasileiro, diferentemente do que ocorre em Portugal e na


Espanha, não há atribuição, para o titular da laje, de fração ideal sobre o terreno e
demais partes comuns. A nova unidade, e, por conseguinte, sua matrícula no registro de
imóveis, não terá qualquer lastro no solo, pelo que fica mitigado o princípio da
unitariedade matricial. Esta regra inaugura no Brasil, de maneira inovadora, a
possibilidade de abertura de matrícula de imóvel sem qualquer vinculação ao solo, já
que mesmo em se tratando de propriedade horizontal as matrículas autônomas
necessariamente deveriam conter fração ideal do terreno e demais partes comuns do
condomínio edilício.

Apesar disso, haverá no direito real de laje uma união indissolúvel entre
direitos sobre a construção-base e a propriedade do espaço aéreo, ou, conforme o caso,
do subsolo, e construções neles realizadas. Essa união indissolúvel é análoga do que
ocorre no condomínio edilício entre partes comuns e partes privativas; mas não há no
caso do direito de laje propriamente partes comuns. O que existe são restrições para o
titular da construção base, que, de modo reflexo, se convertem em direitos para o titular
da laje. Nesse sentido, a lei fala em “partes que servem a todo o edifício” (artigo 1.510-
C do Código Civil), como alicerces, colunas, telhado, instalações de água e esgoto,
dentre outras. Caberá ao titular da construção-base participar nas despesas necessárias à
conservação destas partes e demais serviços de interesse comum, bem como observar
direito de preferência em favor do titular da laje no caso de alienação.

Dessa maneira, há, efetivamente, um aspecto de oneração da construção-base,


de modo semelhante ao que ocorre em uma servidão predial. São impostas certas
obrigações ao seu titular, seja ele quem for, já que decorrem da natureza de direito real
do instituto. Em primeiro lugar, cabe ao titular da construção base participar nas
despesas necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam a todo o edifício. A
proporção que caberá a cada um deverá ser definida no negócio que institui a laje,
segundo o artigo 1.510-A do Código Civil; e esta proporção acompanhará a laje e a
construção base em caso de alienação, salvo se for alterada por acordo entre os
respectivos sujeitos. Também cabe ao titular da construção-base respeitar o direito de
preferência do titular da laje, em caso de alienação. Esta obrigação, que é recíproca, está
prevista no artigo 1.510-D do Código Civil, o qual prescreve que “Em caso de alienação
de qualquer das unidades sobrepostas, terão direito de preferência, em igualdade de
condições com terceiros, os titulares da construção-base e da laje, nessa ordem, que
serão cientificados por escrito para que se manifestem no prazo de trinta dias, salvo se o
contrato dispuser de modo diverso”. Caberá ao titular da construção-base, também,
observar todas as restrições aplicáveis à propriedade horizontal, já que seu regramento
remete expressamente à aplicação das normas que regulam a matéria (artigo 1.510-C do
Código Civil) . Assim, por exemplo, não se admite que o titular da laje fique privado de
acesso à via pública, nem que sejam realizadas obras que comprometam a segurança da
edificação, ou ainda que se altere a forma e a cor da fachada, as partes e esquadrias
externas. Finalmente, cabe ao titular da construção-base, também, tolerar a construção
do novo pavimento. Trata-se de verdadeira obrigação de não-fazer, pela qual não pode o
titular da construção base de qualquer maneira obstar ou dificultar o exercício do direito
do titular da laje.

Por outro lado, há a propriedade exclusiva pelo titular do direito sobre o


espaço aéreo ou o subsolo do imóvel, conforme o caso, em altura ou profundidade úteis
ao seu exercício. Debate a doutrina estrangeira se o espaço aéreo é coisa suscetível de
apropriação. Para Werenberg, Jhering e Oliveira Ascenção, não; já para Windscheid,
Dernbur e Menezes Cordeiro, sim. No Brasil o espaço aéreo e o subsolo são partes
integrantes da propriedade do solo, disponso o artigo 1.229 do Código Civil que “A
propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e
profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades
que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele
interesse legítimo em impedi-las”. Assim, há uma limitação: somente pertence ao
proprietário do solo o espaço aéreo e o subsolo que sejam úteis ao exercício da
propriedade, e, uma vez que ninguém pode transferir mais direitos do que possui, a
constituição da laje também deverá observar esta restrição.

Por outro lado, o titular da laje terá a propriedade exclusiva destes elementos,
conforme o caso, que se autonomizam em relação à propriedade do solo. Por isso, terá
as faculdades de usar, fruir, dispor e reaver do espaço aéreo ou subsolo, e das
construções que neles forem realizadas.

O titular da laje, contudo, submete-se a uma série de limitações, assim como


ocorre com o titular da construção base. Em primeiro lugar, não poderá prejudicar com
obras novas ou com falta de reparação a segurança, linha arquitetônica ou o arranjo
estético do edifício, observadas as posturas previstas na legislação local. Ainda, deve
participar nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam todo o
edifício; respeitar, em caso de alienação da laje, o direito de preferência do titular da
construção-base; construir em acordo com o disposto no título; e somente ceder a
superfície de sua construção para a constituição de novo direito de laje se
expressamente autorizado pelos titulares da construção-base e das demais lajes.
Finalmente, deverá observar as limitações próprias do condomínio edilício, que se
aplicam de maneira suplementar.

Um outro aspecto do instituto implica a aquisição pelo titular da laje das


construções realizadas no espaço aéreo ou no subsolo do imóvel. Deve-se destacar que a
laje não se confunde com a construção do novo pavimento em si: na verdade, é o que a
permite, pelo que o direito real existirá mesmo antes da construção do novo pavimento.
O direito de construir e a aquisição da propriedade da construção, portanto, são efeitos
do direito de laje. Por outro lado, a constituição depende da prévia existência da
construção-base, ainda que em projeto. O fato de que o direito se baseia em uma
construção, e não no solo, torna esta regra inafastável. Observe-se, por exemplo, que em
um mesmo terreno poderá haver mais de uma construção, e o direito deverá ser
instituído identificando-se qual será onerada.
A aquisição da propriedade da construção pelo titular da laje resulta do
afastamento da regra do superfícies solo cedit: a nova construção será acessório do
espaço aéreo ou do subsolo do imóvel, e não mais do solo.

5. A instituição e a extinção do direito de laje.

A instituição do direito real de laje depende do atendimento de uma série de


requisitos, que dizem respeito aos negócios jurídicos em geral e as peculiaridades do
instituto. São requisitos subjetivos a capacidade civil do instituidor, bem como sua
legitimação. A legitimidade para instituir o direito cabe ao proprietário da construção-
base, que, em princípio, será também proprietário do solo. Mas isto não necessariamente
é assim: é possível que o imóvel tenha sido objeto de constituição de direito real de
superfície, pelo que caberá ao superficiário titular da construção instituir o direito de
laje. Se a construção base tiver sido submetida a condomínio ordinário ou edilício,
deverão participar do ato todos os condôminos. Ainda, a laje pode ser instituída pelo
Poder Público, por disposição expressa contida no artigo 1.510-A, parágrafo 1º, do
Código Civil. Destaque-se que há projetos em discussão da construção de
empreendimentos sobre linhas de trens urbanos na cidade de São Paulo, sobre
plataformas, utilizando-se o instituto do direito real de laje.

Quanto aos requisitos objetivos deve-se observar que o objeto do direito de


laje é complexo, e abrange o espaço aéreo ou o subsolo, suas acessões e a construção
base, já que envolve a aquisição do espaço aéreo ou subsolo e das respectivas acessões,
bem como a oneração da construção-base. O solo em si não é objeto, e a construção-
base pode estar situada em terreno público ou privado.

Quanto à forma, aplica-se a regra geral contida no artigo 108 do Código Civil
Brasileiro, segundo o qual “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é
essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência,
modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes
o maior salário mínimo vigente no País”. Admite-se, também, a constituição mediante
testamento, caso em que o título levado ao registro será o formal de partilha. A
instituição do direito pode restringir o seu alcance (por exemplo, estipulando o número
de pavimentos que poderão ser construídos), e o negócio deverá, sob pena de
invalidade, estabelecer o modo pelo qual serão partilhadas as despesas relativas às
partes que servem todo o edifício.

O negócio jurídico causal poderá ser gratuito ou oneroso, assumindo o


formato de um contrato típico, ou mesmo atípico.

O registro do direito de laje pressupõe a existência da construção base, que


deverá ser especializada na matrícula. Isto é necessário para que se posicione o direito
em relação ao solo. Por outro lado, admite-se, excepcionalmente, a instituição da laje
quando a construção ainda estiver em projeto, de maneira concomitante ao registro de
uma incorporação.

O título deverá ser acompanhado de certificação pela municipalidade,


expedida nos termos das posturas previstas na legislação local, quanto à segurança da
construção dos novos pavimentos.

Sendo qualificado positivamente, averba-se na matrícula do terreno e nas da


lajes anteriores, se houver, a instituição da nova laje; e abre-se matrícula específica para
esta. Então, se realiza nela o registro da transmissão do direito ao seu novo titular.

A averbação na matrícula do terreno e a abertura da nova matrícula criam


como que um regime jurídico intermediário, destinado a receber o direito do novo
titular, que deverá ingressar por meio de ato de registro. E uma vez realizada a
construção no espaço correspondente ao direito de laje, averba-se na matrícula desta a
ocorrência.

Respeitado o direito de preferência, pode o titular da laje transmití-la


livremente, por ato inter vivos ou causa mortis.

Por outro lado, a laje pode ser extinta pelo distrato entre proprietário da
construção-base e titular da laje; pela renúncia unilateral pelo titular; pelo implemento
de termo ou condição, se houver.

Também será extinto o direito caso o titular da laje lhe dê utilização diversa
da pactuada. Isto ocorre por analogia ao disposto no artigo 1.374 do Código Civil
Brasileiro, que, tratando do direito real de superfície, dispõe que “Antes do termo final,
resolver-se-á a concessão se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela
para que foi concedida”.
Também se extingue o direito de laje pela ruína da construção-base, salvo se a
laje foi instituída em relação ao subsolo, ou se a construção-base for reconstruída no
prazo de cinco anos. Neste ponto, a redação do Código Civil é defeituosa. Dispõe o
artigo 1510-E, II, que “a ruína da construção-base implica extinção do direito real de
laje, salvo: II - se a construção-base não for reconstruída no prazo de cinco anos”. Ora,
não faz sentido algum condicionar a permanência do direito à não ocorrência de
reconstrução, pelo que há no dispositivo, certamente, um erro de redação. Ao invés,
deve-se interpretá-lo que o direito permanecerá se, no prazo de cinco anos, a
construção-base for reconstruída.

6. Conclusão.
O direito real de laje surge com o objetivo de conceder autonomia jurídica e,
portanto, titulação a algo que tem valor economicamente apreciável: a possibilidade de
se construir sobre outra construção já existente. E pretende fazer isso adotando um
procedimento simples, o que é bastante relevante, já que grande parte das construções
sobrepostas se situa em regiões de moradia de populações de baixa renda.
A despeito disso notícias há de que mesmo grandes empreendedores da
indústria da construção imobiliária pretendem utilizar o instituto em empreendimentos
inovadores.
Se o instituto oferecerá a segurança jurídica almejada pelo seu titular, e se
terá uso amplo – o que depende, também, da solução dos desafios técnicos de
engenharia envolvidos neste tipo de edificação – caberá ao tempo dizer.

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