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A PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA

Rosimíria Gabellini*

Resumo:

Este trabalho tem como objetivo identificar dentro de um contexto geral o significado de
bem de família e o seu tratamento dentro da ótica constitucional e civil, bem como
evidenciar em que situações podem ocorrer a penhorabilidade do mesmo.

Palavras-chave: Penhorabilidade, bem de família.

* Funcionária Pública Federal, TRF 1ª Região, graduada em Administração de Empresas e


Direito. Email: rosimiria.gabellini@trf1.gov.br
1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa abordar de forma clara e precisa o conceito de bem de


família , pois não tem como falar de penhorabilidade e não retratar o tratamento dado a este
tipo de bem dentro da ótica constitucional. Juntamente a isso, vale ressaltar a maneira como
o legislador elevou o valor atribuído à família e concomitantemente à moradia .
A base jurídica estudada entrelaça-se nos princípios constitucionais e acessoriamente à
legislação infraconstitucional de onde se extrai os artigos 1711 a 1722 do novo Código Civil
que trata do bem de família convencional e a lei nº 8.009/90 que se refere ao bem de
família legal.
A fim de preservar este importante instituto o legislador ao longo do tempo elegeu o
bem de família como uma forma de afetação de bens a um destino especial, qual seja,
assegurar a dignidade humana dos componentes do núcleo familiar. Esse regime protetivo
ganha contornos ainda mais nítidos com a regra constitucional da garantia do domicílio como
direito social (art.6º CF/88) passando a decorrer da própria afirmação do patrimônio mínimo
da pessoa humana. Mas, este manto da impenhorabilidade do bem de família é mitigado em
face de algumas situações estabelecidas tanto pela legislação civil como pela lei 8.009/90, rol
este taxativo e restritivo, composto por sete incisos, não sendo possível o seu elastecimento
para contemplar hipóteses não previstas expressamente pelo legislador.
O material confeccionado fornece informações que ampliam o conhecimento
específico sobre penhorabilidade do bem de família, delimitando as reais situações em que é
possível a penhora incidente sobre o mesmo, bem como as suas conseqüências.

A intangibilidade conferida ao bem de família encontra exceções, há situações reais


que possibilitam que este bem possa ser acometido pela constrição judicial.

O objetivo deste trabalho em nível geral é demonstrar que o bem de família,


instituto elevado a direito social pela CF/88 (artigo 6º) pode ser mitigado . De outro lado, visa
ressaltar, também, as nuances em torno da polêmica trazida por vários autores diante do
inciso VII do artigo 3º da lei 8.009/90 que ventila a possibilidade da penhora do imóvel
considerado bem de família em face de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato
de locação.Para a confecção deste, primeiramente foi utilizado a pesquisa de cunho dedutivo
e analítico, recorrendo-se a um contexto doutrinário e jurisprudencial.
2 BEM DE FAMÍLIA

2.1 ORIGEM

Muito embora na Antiga Roma já estivesse consagrado o princípio da inalienabilidade


dos bens que compunham o patrimônio familiar, foi na República do Texas, antes de sua
incorporação aos Estados Unidos da América, em 1839, que se vislumbrou o instituto do
bem de família, através do Homestead Exemption Act, conforme relata Cristiano Chaves
(2007, pág.373). Foi conferida proteção especial ao domicílio das famílias, salvaguardando-o
das crises econômicas e incentivando a fixação do homem à inóspitas terras texanas, com o
intuito de torná-las produtivas.
No Brasil, o bem de família, primeiramente, foi introduzido na parte geral do projeto
do código de 1916, no livro das pessoas. Após críticas veementes de vários doutrinadores tal
instituto foi transferido para o livro dos bens .
Foi Washington de Barros quem, inicialmente, suscitou que o bem de família é uma
relação jurídica de caráter específico e não genérica e seu lugar apropriado seria dentro do
direito de família.
Tal sugestão foi apreciada e o novo Código Civil de 2002 regula o bem de família no
livro IV que trata do Direito de Família.

2.2 CONCEITO

A lei brasileira não traz uma definição expressa do que seja bem de família.
Entretanto, oferece todos os elementos essenciais para a configuração do mesmo, o que
permite aos autores se utilizarem desses elementos para procederem à conceituação.
Maria Helena Diniz (2002, pág.385), ao enfatizar a finalidade do bem de família, o vê
como um instituto originário dos Estados Unidos, que tem por escopo assegurar um lar à
família ou meios para o seu sustento, pondo-a ao abrigo de penhoras por débitos posteriores à
instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas
condominiais. Na visão de Álvaro Villaça, (1974, pág. 203), bem de família, consiste na
separação de um patrimônio móvel ou imóvel capaz de garantir a sobrevivência familiar.
Geralmente, é de boa técnica definir um instituto pela sua finalidade, vale ressaltar que
é exatamente a finalidade do bem de família que o diferencia de outros bens impenhoráveis e
inalienáveis.
2.3 O BEM DE FAMÍLIA NO DIREITO BRASILEIRO: DUALIDADE DE REGIME

O ordenamento jurídico brasileiro convive com duas formas de proteção patrimonial


da família contra a penhora por execução de dívidas: bem de família voluntário ou
convencional disciplinado pelo Código Civil de 2002 nos artigos 1.711 a 1.722 e o bem de
família legal ou obrigatório tratado na Lei 8.009/90, fruto da conversão da Medida
Provisória nº 143/90, que criou uma nova forma de impenhorabilidade, independentemente
de ato de vontade titular, salvo exceções previstas na lei.
Segundo Sérgio Ávila Dória Martins (2008, pág. 22), as diferenças entre o bem de
família legal e o voluntário reside no fato de que este requer expressa manifestação de
vontade em contraste com a espécie legal, prevista na lei 8009/90. Outro ponto diferencial
consiste no fato de que o bem de família voluntário baseia-se na vontade do instituidor
manifestada publicamente, gerando a inalienabilidade do bem . Além disso, há a
possibilidade de afetação de “valores mobiliários” 1. Por sua vez, a lei nº 8009/90 disciplina
que tal ato não depende de qualquer formalidade: basta residir em imóvel próprio, para que
esse bem de família juntamente com os bens que o guarnecem, ou em imóvel alheio, para que
os mesmos bens móveis também sejam considerados bem de família.
Assim, o bem de família convencional tratado nos artigos 1.711 a 1.722 do CC/2002,
gera na sua instituição a "impenhorabilidade" e a "inalienabilidade" como forma de proteção
do bem destinado à proteção e abrigo familiar.
No momento que o instituidor do bem de família destinar aquele bem como sendo
abrigo familiar não há necessidade de nenhum tipo de declaração ou comprovação do seu
estado de solvência, pois, ela é presumida. Mas, se na ocasião da instituição houver credores,
tal ato não produzirá seus efeitos para estes, ou seja, a impenhorabilidade e inalienabilidade
não prevalecerão em relação ao imóvel designado como bem de família. Tais benesses
somente terão efeito em casos de futuras dívidas, desde que não configure fraude para com os
credores e nem estado de insolvência do devedor.
Cumpre destacar outro ponto importante quando se fala em bem de família; é o
conceito de família, que atualmente se alargou, abrangendo, também, a união estável, a
família monoparental e outras formas de constituição de núcleos básicos, em razão do novo
espectro e alcance do conceito de entidade familiar, apresentado pela Constituição da
República de 1988 em seu art. 226, §§3º e 4º.
1
Art. 1712 do Código Civil prevê que o bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas
pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários,
cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.
O bem de família convencional, tal como estruturado no Código Civil de 2002, pode ser um
útil e importante instrumento de proteção do núcleo familiar.
Reportando-se ao Código Civil a partir do artigo 1.711 é possível extrair o seguinte
regramento para o bem de família convencional : a) impossibilidade de ter o prédio destino
diferente, nem mesmo podendo ser alienado sem consentimento de todos os interessados
(inclusive filhos); b) instituição mediante testamento ou escritura pública, constituindo-se pelo
registro de seu título no Cartório de Imóveis ; c)a fração do patrimônio destinado à instituição
do bem de família não pode ultrapassar o montante de um terço do patrimônio líquido do
instituidor, existente ao tempo da instituição.
Assim, a impenhorabilidade e a inalienabilidade decorrentes do bem de família
voluntário não atingem apenas o imóvel, rural ou urbano, que serve de residência, por igual,
suas pertenças e acessórios (art. 1712, CC). Segundo, Ademar Fioranelli, 2 não havendo mais
restrições, o bem de família convencional pode ser instituído pelos cônjuges, pela entidade
familiar, pelo separado ou divorciado judicialmente ou de fato, pelo viúvo ou viúva, pelo
solteiro e por terceiros, conforme o caso, com seus bens particulares (parágrafo único do art.
1.711 e art. 1.714 do CC/2002), desde que haja consentimento expresso dos cônjuges
beneficiados, por testamento ou doação. E, o requisito essencial e indispensável para fins
registrários é a condição de proprietário com título aquisitivo e definitivo registrado, em
estrita observância aos princípios da continuidade e disponibilidade, e que o bem esteja a
salvo de ônus ou gravames, em condições de solvência e ocupação pela família.
Uma das inovações trazidas pelo Código Civil de 2002 foi dar praticidade ao instituto
como bem aponta Sérgio Ávila Dória Martins (2008, pág.23), destacando-se a possibilidade
de abrangência de valores mobiliários. A modernização foi significativa, pois, abandonou-se o
caráter exclusivamente fundiário do instituto, para adaptá-lo à realidade de patrimônio cada
vez menos baseados na propriedade imobiliária, tornado-o também capaz de assegurar um
mínimo necessário a uma vida humana, que não depende apenas de moradia. Mas, conforme
acena o artigo 1713 CC/2002, os valores mobiliários têm um parâmetro a seguir ou seja, não
poderão ter um valor superior ao do prédio transformado em bem de família à época da
instituição, não podendo ultrapassá-lo. É necessário, portanto, individualizá-los no
instrumento que instituir o bem de família e sendo títulos nominativos, deverão constar dos
respectivos livros de registro. Esta providência visa dar publicidade.

2
hpp: www.imobiliariakoch.com.br/documents/bemdefamiliavoluntarioeolegal.doc
O único proveito que se pode ter quando se compara em termos de vantagens entre o
bem de família voluntário e o legal é que naquele reside também a impenhorabilidade dos
valores mobiliários, pois o imóvel residencial já dispõe de exceção legal no direito brasileiro.
Entretanto, o patrimônio de reserva voluntário deve ser de até um terço do patrimônio líquido.
Por outro lado, perde-se a faculdade de dispor do imóvel , inclusive o imóvel residencial, uma
vez que já era protegido sem esse ônus. Passou a ser imprescindível o consentimento dos
interessados e do juiz, com audiência do Ministério Público, caso haja a intenção da
alienação de tal bem.
Para o bem de família legal, que se encontra regulado pelo dispositivo da Lei n°
8.009/90, os seus efeitos, independem da ação direta do seu instituidor, gerando somente a
"impenhorabilidade", diferenciando-se do regime regulado pelo Código Civil.
Silvio Venosa (2007, pág.684), analisa que o bem de família voluntário carece de
interesse prático sendo que as suas disposições legais devem servir de adminículo para
interpretação da lei nº 8.009/90, omissa em muitos aspectos.
O bem de família por força da lei não possui limite de valor, diferentemente do
instituto de caráter voluntário, que permite tal constituição desde que não ultrapasse um terço
do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição.
Nota-se que a instituição só ocorrerá se não for prejudicial aos credores existentes à
época do ato. Daí por que o bem de família só pode ser instituído por quem seja solvente, isto
é, quando a instituição não fraudar os direitos dos credores, quando sobrar bens suficientes
para pagar as dívidas existentes na época.
No caso do bem voluntário, somente é possível a penhora , exclusivamente, em casos
de tributo devido em razão do próprio bem (IPTU, por exemplo) ou dívidas de condomínio.
No bem de família legal as hipóteses são mais amplas.
Um ponto a considerar em relação ao instituto amparado pela norma legal se refere à
retroatividade, isso significa que aos diversos processos de execução que se encontravam em
andamento no advento da Lei n° 8.009/90 foram amparados pela manto da
impenhorabilidade3 . Diante disso, conclui-se que a impenhorabilidade da Lei 8.009/90
alcança o bem que, anteriormente ao seu advento, tiver sido objeto de constrição judicial.
O bem de família extingue-se pelo término de seu destino natural, com a morte de
ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos à curatela (artigo 1722
CC/02). A dissolução conjugal não extingue o bem de família (artigo 1721 CC/02).

3
A lei 8.009/90 aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência (Súmula 205 STJ).
2.4 EXCEÇÕES À REGRA DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA
VOLUNTÁRIO

Quando se fala em exceção à regra, pode se dizer que nos casos de bens considerados
como bem de família voluntário, haverá situações em que o manto da impenhorabilidade que
permeia o instituto é cingido. É o caso da existência de dívidas anteriores à instituição ou a
pré-existência de credores ou tributos relativos ao bem, tais como IPTU ou ITR ( no caso do
imóvel ser classificado como rural) ou ainda de despesas condominiais, conforme o art. 1715
CC/02.
Deve-se destacar que o saldo resultante da execução pelas dívidas será aplicado em
outro prédio, ou em título da dívida pública, para sustento familiar, salvo se os motivos
relevantes aconselharem outra solução a ser tomada pelo magistrado. Conforme já suscitado,
a impenhorabilidade, que é o grande efeito do bem de família, não é absoluta, ela cede às
execuções das chamadas obrigações propter rem4 e em outros processos de execução, como
as execuções previstas no artigo 3º da lei 8.009/90, se porventura estendidas ao bem de
família convencional.
O parágrafo único do artigo 1.711 do CC/02, apregoa que a impenhorabilidade
compreende o imóvel sobre qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de
qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que
guarnecem a casa, desde que quitados. Outrossim, cumpre assinalar que, após a vigência da
Lei 11.382/06 (que alterou ao redação do art.649 do CPC), é possível promover a penhora dos
utensílios e bens que guarnecem o lar de elevado valor ou que ultrapassem o que é necessário
para manter um padrão médio de vida, descartando os bens supérfluos.

2.5 EXCEÇÕES À REGRA DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA LEGAL

4
Obrigações “propter rem”: são obrigações que , pertencem à categoria das obrigações híbridas, assim
denominadas por constituírem um misto de direito pessoal e de direito real, ou por se situarem entre o direito pessoal e
o real. Tais obrigações recaem sobre uma pessoa, por força de determinado direito real. Assim há uma vinculação de
alguém a certos bens, sobre os quais incidem deveres decorrentes da necessidade de manter-se a coisa. Tais
obrigações passam a pesar sobre quem se torne titular da coisa. Logo, sabendo-se quem é o titular, sabe-se quem é o
devedor. Essas obrigações só existem em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor
de determinada coisa.
A lei 8.009/90 em seu artigo 1º indica que o imóvel residencial próprio do casal ou
entidade familiar é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida, comercial,
fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais e filhos que
sejam proprietários e nele residem, salvo previsão específica de lei. Esse regime protetivo do
bem de família ganha contornos ainda mais nítidos com a regra constitucional da garantia do
domicílio como direito social (art. 6º, CF/88), passando a decorrer da própria afirmação do
patrimônio mínimo da pessoa humana. Na hipótese de o proprietário possuir mais de um
imóvel, considerar-se-á bem de família, o de menor valor.
A impenhorabilidade legal do bem de família atinge não apenas o imóvel, mas
também suas construções, plantações, benfeitorias de qualquer natureza e os equipamentos
(inclusive profissionais), além de acobertar os móveis que guarnecem o lar, desde que
quitados (art. 1º, lei nº 8.009/90) . Apenas não estão alcançados pelo regime de
impenhorabilidade legal , nos termos do art. 2º da lei nº 8.009/90, os veículos de transporte,
obras de arte e adornos suntuosos, que poderão ser penhorados para o pagamento das dívidas
do titular. Deve-se enfatizar que após a vigência da Lei nº 11.382/06 é possível promover a
penhora dos utensílios e bens que guarnecem o lar de elevado valor ou que ultrapassem o que
é necessário para manter um padrão médio de vida
O artigo 5º da lei 8.009/90 estabelece que para efeitos de impenhorabilidade,
considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para
moradia permanente e ainda, se na hipótese de o casal ou entidade familiar ser possuidor de
vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor
valor, salvo se outro tiver sido registrado para esse fim no Cartório Registro de Imóveis.
A impenhorabilidade que permeia o instituto legal não poderá ser oposta quando se
tratar de cobrança, segundo a lei 8009/90 no seu artigo 3º quando se referir I) créditos de
natureza trabalhista ou previdenciária de trabalhadores da própria residência, II) créditos
financeiros destinados à construção ou aquisição do próprio imóvel, mas não abrangidos os
créditos destinados à reforma do imóvel; III) pensão alimentícia, IV) impostos, taxas e
contribuições devidas em função do imóvel, V) execução de hipoteca que recaia sobre o
próprio bem, dado voluntariamente em garantia pelos titulares, independentemente de estar
constituída, ou não, uma entidade familiar 5, VI) valores decorrentes da aquisição do imóvel
como produto de crime ou para execução de sentença criminal condenatória a ressarcimento,
indenização ou perdimento de bens, VII) dívida de fiança concedida em contrato de locação.
5
Permite-se a penhora do único bem do devedor se o imóvel foi “dado em garantia hipotecária da dívida exeqüenda”,
como reconheceu o STJ, Ac. 3ª T., AgRgAgInstr. 437447/GO, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j.
26.08.2002, DJU 25.11.2002, p.233.
Os sete incisos, acima mencionados, previstos pela lei 8009/90 no seu artigo 3º , expõe
sete situações que quando preenchidas pelos requisitos necessários, vencem o obstáculo da
impenhorabilidade, permitindo ao credor satisfazer o seu crédito no bem que fora destinado
como bem de família.
O primeiro inciso vence o obstáculo da lei quando há créditos de cunho trabalhista e
ou créditos de ordem previdenciários de empregados que trabalham no próprio imóvel tido
como bem de família.
No inciso segundo prevê os casos de crédito de financiamento para a construção ou a
aquisição do próprio bem, que pela presunção será destinado ao uso familiar.
O terceiro inciso envolve os casos de pensão alimentícia. Mas, no caso de pensões
alimentícias indenizatórias a impenhorabilidade não será desconstituída, ou seja, estas não
terão força para derrubar a impenhorabilidade dada ao imóvel. Cumpre ainda registrar
consoante Carlos Gonçalves (1998, pág. 176), que o credor de pensão alimentícia, ascendente
ou descendente apenas de um dos cônjuges, em caso de execução, a penhora somente poderá
recair numa parte ideal dos bens de família, correspondente à metade ou a parte que cada
membro da entidade familiar possuir, idealmente, na casa de moradia comum.
Em seguida, no quarto inciso, é a vez dos tributos gerados pelo próprio imóvel, tais
como IPTU e ITR, assim como as dívidas decorrentes de despesas condominiais.
No inciso quinto está previsto os casos de hipoteca que recai no próprio imóvel que foi
dado em garantia pelo instituidor-devedor. Desta forma a impenhorabilidade nos casos em
que o casal ou entidade familiar, por livre e espontânea vontade, oferecer o bem como
garantia hipotecária deixa de existir. Sob este enfoque conclui-se que o Estado deixou livre
os pactuantes, não interferindo nas relações privadas, cabendo a eles a melhor forma de
administrar seus bens. Se , em um caso concreto, houvesse uma intervenção estatal sob a
alegação da proteção de moradia amparada na Constituição, tal conduta seria um atentado à
capacidade do casal ou entidade familiar de gerir seus próprios negócios. A desconstituição
de hipotecas, voluntariamente constituídas pelo casal ou entidade familiar, seria como
permitir ao torpe beneficiar-se da própria torpeza, lesando aquele que tivera sua conduta
pautada nos perfeitos contornos legais. Diferente seria a situação em que se comprovasse a
presença de vícios de consentimento no momento de entrega do bem para ser hipotecado,
hipótese em que o ato jurídico estaria sujeito a ação anulatória, respeitando o prazo
prescricional. Porém, uma vez verificado a regularidade dos requisitos de existência e
validade do ato, não se pode falar em desconstituição da hipoteca, sob pena de desequilibrar a
relação jurídica validamente constituída, criar restrições ao crédito daquele que só possua em
seu patrimônio um imóvel residencial e beneficiar a torpeza em detrimento da legalidade.
No sexto inciso, prevê casos de imóveis adquiridos como produto originário de
crime ou nos casos de execução de sentença criminal indenizatória. Carlos Gonçalves, (1988,
pág. 177), salienta que quando se tratar apenas de execução de sentença penal condenatória o
ressarcimento ou indenização devida por um dos membros da entidade familiar, por ela
somente responde a sua parte ideal, já que os demais não participaram da prática do ato
delituoso. O perdimento de bens, da mesma forma, somente atingirá a parte ideal do
condenado criminalmente.
E, por último, no inciso sétimo há previsão de casos de dívida decorrente de fiança
oriundo de contrato de locação. Das hipóteses previstas no artigo 3º da lei 8009/90, frise-se,
taxativo, importante ressaltar que, a Lei do Inquilinato (Lei 8245/91), acrescentou mais uma
exceção à impenhorabilidade do bem de família involuntário ou legal. Trata-se da fiança
concedida em contrato de locação. Se o inquilino ficar inadimplente, não pagando aluguel ou
outros encargos, o fiador será responsabilizado, e seu imóvel residencial poderá ser
penhorado. Nas lições de César Fiúza (2003, pág.1522), a regra é absurda, ilegítima e
inconstitucional. O imóvel do próprio inquilino, caso tenha um, é impenhorável, enquanto o
do fiador responderá pela dívida. Vê-se, aqui, um atentado contra o princípio da justiça
material, corolário de nossa Constituição e, via de conseqüência, de nosso ordenamento
jurídico.
Atualmente, existem decisões revelando ser inconstitucional tal exclusão por
contrariar o direito social de moradia, estabelecido no artigo 6º da Constituição Federal.
Embora a questão seja objeto de grandes controvérsias, sempre predominou na
Jurisprudência o entendimento de que é constitucional o inciso VII do artigo 3º da Lei
8.009/90, reconhecendo os tribunais pátrios a validade da penhora sobre o bem de família em
face de execução por fiança prestada em contrato de locação, haja vista que o Recurso
Extraordinário nº 407.688, do Supremo Tribunal Federal apreciou a questão e concluiu que
ser constitucional a penhorabilidade do bem de família do fiador, tendo em vista que a lei
8.009/90 é clara ao tratar como exceção à impenhorabilidade do bem de família do fiador e
que o cidadão tem a liberdade de escolher se deve ou não avalizar um contrato de aluguel, e
nessa situação, o de arcar com os risco que a condição de fiador implica.
Sob outro enfoque, à luz da moderna visão constitucional do Direito Civil, fundado
nos princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da isonomia, bem
como da nova redação do artigo 6º da mesma Carta, muitos juristas, entendem que o inciso
VII, do artigo 3º, da Lei 8.009/90, é inconstitucional. Pois, o crédito do locador não pode
revestir de tamanha relevância social, a ponto de legitimar a violação ao princípio da
dignidade humana e a vivência digna de uma família. Seria também uma agressão ao
princípio da isonomia, eis que fiança é um contrato acessório não podendo trazer mais
obrigações que o contrato principal, o de locação. Haveria tratamento diferenciado entre o
locatório e ao fiador, permitindo a constrição do único bem imóvel desse último, para garantir
o cumprimento de obrigação decorrente da relação locatícia .
Este inciso foi muito discutido, tanto que o Ministro Carlos Velloso como relator do
Recurso Extraordinário nº 352.940-4-SP declinou em seu voto 6 que o artigo 3º, VII, da lei nº
8.009/90, não foi recepcionado pela nova redação do artigo 6º da Constituição, reconheceu o
direito à moradia como direito de segunda geração, que serve de fundamento à
penhorabilidade do imóvel residencial de família.
No ano seguinte, a mesma Corte mudou o seu entendimento acerca do inciso VII do
artigo 3º da Lei 8.009/90, dando plena legalidade ao referido disposto7.
Entretanto, como em ambos os processos, por não se tratar de controles de
constitucionalidade concentrados, onde as decisões não geram efeito erga omnes, ou seja,
para todos; permiti-se que as decisões de instâncias inferiores, não sejam referendadas,
decidindo de forma diversa da adotada pelo Supremo Tribunal Federal.
Outro ponto polêmico envolvendo a lei 8.009/90 consiste na possibilidade de
renúncia à regra da impenhorabilidade do bem de família, mormente ante o ato de que alguns
devedores oferecem tal bem em garantia de dívidas, no processo executório, seja no ato da
penhora, ou em transação homologada em juízo. O entendimento predominante na seara
jurídica é pela impossibilidade da renúncia ao direito da impenhorabilidade do bem de
família, por se tratar de norma de ordem pública e, portanto, por afigurar-se, na hipótese, a
indisponibilidade do direito.

6 Lei 8.245, de 1991, excepcionando o bem de família do fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, imóvel residencial
próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, ¾
inciso VII do art. 3º ¾ feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se
do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernáculo: onde existe a mesma razão
fundamental, prevalece a mesma regra de Direito.
Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado dispositivo ¾ inciso VII do art. 3º, acrescentado
pela Lei 8.245/91, não foi recebido pela EC 26, de 2000.
7
Constitucional. Civil. Fiador. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução.Responsabilidade
solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência
de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90,
com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido."(STF - RE 407.688-8 - Pleno - Rel. Min. Cezar
Peluso - Data do Julgamento - 08/02/2006).
2.6 CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 8.009/90

Com o advento da lei 8.009/90, muitos acreditavam que a norma viria não para
regulamentar uma questão social, mas para diminuir a proteção do crédito, o que causou
muito alvoroço, principalmente, diante daqueles que possuíam créditos a receber, pois, viam
no imóvel sua possível satisfação do crédito, razão pela qual tal lei a priori, foi considerada
inconstitucional.
O bem de família foi uma forma que o legislador encontrou de dar a devida proteção à
pessoa humana, ou seja, o regular desenvolvimento da família.
Muitos doutrinadores chegaram à conclusão de que a partir do momento em que o
artigo 6º da CF/88 se encontra dentro do Capítulo II do Título II: "Dos Direitos e Garantias
Fundamentais" , a possibilidade de se penhorar o imóvel de domicílio do casal ou entidade
familiar, mesmo que unipessoal , não parece condizer com esta condição de fundamentalidade
do direito à moradia. Se a moradia é direito constitucional fundamental do indivíduo, não
pode uma norma infraconstitucional estabelecer hipóteses de perda deste direito que não
estejam previamente elencadas ou ao menos previstas, mesmo que implícitas pela própria
Constituição Federal. Logo tal lei seria inconstitucional.
Mas, a Suprema Corte já decidiu acerca da questão e declarou ser a lei 8.009/90
totalmente constitucional8 Pois tal lei encontra-se em sua natureza jurídica, diversos
princípios, tais como : princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da solidariedade
social, princípio da igualdade, dentre outros. Sobretudo depois do reconhecimento no artigo 6º
da CF/88, do direito social à moradia, privilegiando as situações jurídicas fundamentais da
pessoa humana.

3 CONCLUSÃO

A tendência universal, sobretudo dentro do ordenamento jurídico pátrio é a não


responsabilização pessoal do devedor por suas dívidas, apenas vinculando o seu patrimônio

8
STF, AC. 2ª T. RE 179768/PR, rel. Min,. Carlos Veloso, j. 28.6.96, DJU 24.4.98, p. 12, in RTJ 176:919
(princípio da responsabilidade patrimonial, consagrado no artigo 591 do Código de Processo
Civil).
Embora o devedor assuma suas obrigações pessoalmente, responderá por elas apenas,
com seu patrimônio, presente e futuro, foi por esta razão que o legislador instituiu o bem de
família a fim de se preservar tal instituto para uma destinação especial, qual seja, assegurar
a dignidade humana dos componentes do núcleo familiar.
Não se pode ter dignidade quem não tem proteção ao seu lar, ao seu abrigo inviolável.
É por isso que o sistema empresta significativa importância ao domicílio e à moradia do
sujeito de direito.
Com a proteção dedicada à família, na verdade, automaticamente , tutela-se a própria
pessoa humana, evidenciando uma compreensão instrumentalizada da família no Direito
Contemporâneo.
Existe dentro da legislação infraconstitucional, exceções traçadas nos artigos 1711 a
1722 do novo Código Civil e no bojo da lei 8.009/90, que prevê como regra a
impenhorabilidade deste magnânimo instituto, razão pela qual se conclui que a
intangibilidade do bem de família foi mitigada.
Este fato tem causado grandes polêmicas pois, a Constituição Federal de 1988 no
seu artigo 6º elevou a moradia como direito social, haveria assim, a um primeiro momento, à
conclusão da existência.de um conflito de normas.
Porém, o Supremo Tribunal Federal deliberou por maioria, que tais exceções são
constitucionais. Não se pode ter um ordenamento jurídico fechado que não comporta
exceções, seria um aviltamento, uma desigualdade para com a outra parte, qual seja, o credor.
Esta quebra de impenhorabilidade em alguns casos suscitados pela legislação guarda
consonância também com os princípios constitucionais da igualdade, da legalidade, da
segurança jurídica e dentre outros.
A existência de firme divergência reclama estudos mais acurados. É por isso que não
se deve esquecer que a base de um Estado Democrático de Direito direciona-se a uma
interpretação extensiva de valores constitucionais, para que não tenhamos que suportar os
custos de uma crescente incoerência interna do ordenamento jurídico. O legislador e o
intérprete em busca de um caminho justo e igualitário devem focar a sua atenção em torno
da figura da pessoa humana. Pois esta é o elemento finalístico da proteção estatal.
Logo, a proteção ao núcleo familiar deverá estar atrelada, necessariamente, à tutela da
pessoa humana, através dos princípios gerais da Magda Carta.
4 ABSTRAT

This work aims to identify within a general context, the meaning of family asset and
its treatment within the constitutional and civil perspective, highlight as well as to in what to
situations it may be put in pledge.

5 KEYWORDS: penhorabilidade of family well.

REFERÊNCIAS
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Inquilinato. Disponível em: < http:www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4055>,acesso
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promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 5.ed.São
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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002,
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FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil:Teoria Geral. 6 ed.
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